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CLIMATOLOGIA

EPIDEMIAS
E ENDEMIAS
DO CEARA Apoiar produções no campo da pesqui-
sa e da documentação tem sido, em anos re-
centes, uma atividade constante da FUNDAÇÃO
Dr. Barão de Studart WALDEMAR ALCÂNTARA que, desse modo, ofere-
ce uma pequena parcela de colaboração para
o resgate de registros marcantes do processo
de formação da sociedade brasileira.
A Biblioteca Básica Cearense é uma co-
leção de obras raras de autores que no pas-
sado se debruçaram sobre o contexto sócio-
cultural do Ceará de seu tempo e, com isto,
nos forneceram o principal instrumento de
que dispomos para uma correta compreen-
são da realidade atual.
Com o apoio do Ministério da Ciência e
Tecnologia, através do CNPq, a FUNDAÇÃO WAL-
DEMAR ALCANTARA reedita estas obras após rea-
lizar um rigoroso trabalho de pesquisa e sele-
ção, no qual foram convocadas a participar
destacadas personalidades do nosso universo
intelectual.
É a expressiva participação nestas ini-
ciativas de segmentos comprometidos com
o nosso desenvolvimento cultural que nos
tem permitido cumprir, no quadro das limi-
tações próprias de uma organização não-go-
vernamental, este que é um dos principais
objetivos da fundação - o de contribuir para
a preservação da memória bibliográfica do
Ceará, indispensável na evolução dos estu-
BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE dos da nossa realidade e da análise do nosso
FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA desenvolvimento.
CLIMATOLOGIA
EPIDEMIAS
E ENDEMIAS
DO CEARA
Coleção Biblioteca Básica Cearense

Comitê de Coordenação

Lúcio Gonçalo de Alcântara


Afonso Celso Machado Neto
Magnólia de Carvalho Serrão

SOBRECAFA

Sérgio Lima
Tratamento de Cópia

Silvio Jesuino
Coordenação Gráfica

Geraldo Jesuino

Patrocínio

Ministério da Ciência e Tecnologia


CNPq
CONSRIO NACIONAL DE DESEM/OLVIMENTO
OENmCOETECNOLOGCO

Apoio Institucional

Universidade Federal do Ceará

Impressão e acabamento

Imprensa Universitária- UFC

üí FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA


Rua Júlia Vasconcelos, 100 - Pio Xll - 60120-320
Fortaleza - Ce.
Fone:(085)2274577 Fax:(085) 241 2433
CLIMATOLOGIA
EPIDEMIAS
E ENDEMIAS
DO CEARÁ
Dr. Barão de Studart

CD

/
/ >.

V
BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE

FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA

FORTALEZA
1997
CatalogacSo na fonte;
Bibuotecária Telma Sousa

Stud^ Guilhame Barão de


Climatologia epidemias e aademias do Ceará /
Guilhame Barão de Studart - ed.faosim. -
Fortaleza: Fundado Waldemar Alcântara, 1997.
P. irr.; il. _(Coleção BiblitAeca Básica Cearense)
Fao-símileda edição publicada on 1909.
1. Epidemia-Ceará LTítulo II.Fundação Waldemar
Aleântara III. Série
CDD 614.48131
CDU 616-036.22(813.1)
APRESENTAÇÃO
José Borges de Sales
(Da Academia Cearense de Medicina
e do Instituto do Ceará)
Respeitado como historiador, as publicações do Barão de Studart
são consultadas e referidas com renovada freqüência. Permane
cem, no entanto, seus escritos de ordem médica olvidados e desco
nhecidos dos profissionais da mesma categoria.
Não existia periódico especializado em Fortaleza e seus trabalhos
eram publicados em páginas da Revista da Academia Cearense, que cir
culava, na época, de maneira limitada ou em folhetos editados pela tipo
grafia Minerva, que permanecem esquecidos e afastados de análises e
perquirições de médicos voltados para esses temas de antanho..
Relembrou Raimundo Girão em publicação do Instituto do Ceará
(1956) sua contribuição à literatura médica-através de muitos e acurados
trabalhos publicados. Em Bibliografia Médica do Ceará(1978)indexamos
essas obras e nutrimos o plano de reeditar algumas dessas Memórias na
secção “Subsídios para a História da Medicina do Ceará”, dos Anais da
Academia Cearense de Medicina.
Volta-se, nesse ensejo, o Senador Lúcio Alcântara, fundador da
Fundação Waldemar Alcântara para o projeto denominado de “Biblio
teca Básica Cearense”, tendo incluído nesse programa de publicações as
memórias médicas de autoria do Barão de Studart.
Apresentou o Barão ao 4“ Congresso Médico Latino-Americano,
reunido no Rio de Janeiro, trabalho intitulado Climatologia,Epidemias
e Endemias do Ceará. Constitui essa Memória Histórica o 1° volume
desse programa de “Reedições de Obras Raras”.
Inicia seu minucioso estudo, precisando a posição geográfica do
Ceará no Nordeste Brasileiro, sua superfície e população. Estima e consi
dera o clima como seco e salubre, proporcionando assim, condições de
melhorias para pacientes acometidos de tuberculose e de beribéricos em
sua forma paralítica.
Ocorrem, no Ceará, segundo ele, duas estações: a chuvosa e o
verão, e afirmou que, se o inverno fosse regular, nenhum outro Estado
competida com o nosso em crescimento econômico. De quando em quan
do, no entanto, acontecem períodos de seca. Lembrou o fato histórico
ocorrido no início da conquista da terra com o desbravador Pero Coelho
de Sousa, em retirada em companhia da família e de gente de sua
desfalcada bandeira, a pé, enfrentando fome, sede e açoitado por um sol
escaldante. Nessa travessia, perde seu primogênito e é finalmente socor
rido por gente de Natal.
O complexo problema das longas estiagens, motivo de discutidas
polêmicas, era no conceito do Barão um fenômeno natural, derivado da
situação geográfica do Nordeste em relação às correntes aéreas.
Oferece um quadro coiri dias de chuva e os milímetros caídos por
anos de 1840 a 1908. Acompanha com pormenores o quadro negro das
secas ocorridas de 1721 a 1725, de 1790 a 1793 e de 1877 a 1879-
A varíola acompanhava o cortejo dantesco dessas grandes estiagens.
O estado sanitário de Fortaleza, quando se declarou a seca de 1877, era
satisfatório. Ocorriam casos de febres, sem diagnósticos precisos e os de
varíola eram recolhidos ao lazareto da Lagoa Funda. Registrou o pluviô
metro, no decorrer dos meses chuvosos,469 milímetros. Foram sepultados
no cemitério da cidade, no decorrer do ano, 2.666 cadáveres e as causas
maiores de óbitos registrados foram febres biliosas e disenterias.
Titulado em dezembro de 1877, recebeu Guilherme Studart o grau
de doutor em Medicina; regressou para Fortaleza e, indicado, passou a
atender no acampamento do Alto do Pimenta, que abrigava 20.496 retiran
tes. Averiguou em inspeção realizada que 5.691 pessoas se encontravam
acometidas de varíola. Atendeu, nessa oportunidade, em Maranguape, muitos
retirantes com hemeralopia. Era desconhecida a carência de vitamina A.
Nesses casos de cegueira noturna, assinalou em sua memória, a melhora
dos pacientes com o emprego de medicação tonificante.
Abrigava o acantonamento de Fortaleza 135.000 deslocados pela
seca. Dessa população albergada, o número dos não vacinados era muito
elevado e a varíola foi impiedosa em sua ceifa. Registra o barão que o
obituário em 1878 atingiu a cifra de 57.780, e desse total, 24.884 foram
vítimas de mortífera virose. Assinala o 8 de dezembro como dia lügubre,
em que faleceram de varíola 1.008 desses retirantes.
Aniquilou essa seca a pecuária existente, dizimou a economia par
ticular e os prcíjuízos foram orçados em 175 mil contos de reis. Passou a
varíola à modalidade endêmica, com os casos surgindo entre os menos
favorecidos. A vacinação era permanente. Aplicada pelo poder público e
principalmente por Rodolfo Teófilo, o grande benemérito dessa campa
nha saneadora, que mantinha um Vacinogênio e inoculava sua linfa
vacínica nos bairros mais afastados.
Em 1790 o estado sanitário era favorável. Não se falava em impa
ludismo, quando ocorreram os primeiros casos em Acaraú, Camocim e
até na Ibiapaba. O número cresceu e alcançou intensidade epidêmica.
Solicitada pelo governo da Província, veio de Recife uma Comis
são chefiada jjelo cirurgião Cardoso de Almeida que, em Relatório de
1791, afirmou serem as terçãs perniciosas resultados dos ventos sudestes
transportadores de miasmas endêmicos que provocavam na atmosfera
maiores fermentações.
A Comissão visitou Sobral. Realizou observações e forneceu'ins
truções, para serem ministradas, caso ocorresse recrudescência da epi
demia palustre, e regressou a Recife, via Fortaleza.
Reinava na época dessa Comissão a teoria miasmática das doen
ças. Em sua Memória o Barão se ocupa do,papel dos Anofelinos como o
transmissor dos Plasmódios, agentes causadores da malária. Sabe-se nos
dias atuais que as condições de temperatura e salinidade nas regiões
•costeiras facilitam criadores do A. tarsimaculatus, o maior transmissor
da malária no litoral brasileiro, e do A. darlingi o transmissor nas mar
gens cearenses do Poti.
Refere nessa Memória o Barão de Studart as epidemias importadas
e estuda a de febre amarela, ocorrida em 1851, e a de cólera, em 1862.
Febre amarela
Um passageiro desembarcado, vindo de São Luís pelo navio “São
Sebastião”, desencadeou essa mortífera epidemia. A população de Forta
leza era de 15.000 habitantes. Ocorreram 8.000 casos e o obituário foi de
351 doentes. Sobral, Aracati e Baturité foram as cidades mais atacadas
pela epidemia.
Cólera
Disseminada em Icó por paciente vindo do Rio do Peixe, na Paraíba,
a cólera alcançou dias depois Aracati, Russas e Fortaleza. Estendeu-se tam
bém para o Cariii. Determinou esse surto em toda a província 11.000 óbitos.
Disserta o Barão nessa célebre Memória sobre a epidemia de
disenteria, ocorrida em 1905, em Fortaleza, sobre o surto de peste bubô
nica, ocorrida no início do século XX e sobre ó Tracoma existente na
região caririense.
Decorridos 90 anos, o quadro nosológico do Ceará apresenta-se
bem diferente. A varíola foi erradicada. Casos de malária ocorrem em
pacientes vindos da Amazônia ou em recidivas de casos crônicos. Trata
dos, em tempo, não formam focos. Os últimos casos de febre amarela
foram diagnosticados em 1934. Erradicado o Aedes(Stegomya)aegypti,
voltou a proliferar em nosso meio. É o transmissor da Dengue, que cons
titui preocupações aos serviços de Saúde. Não há notícias de novos casos
de Cólera no Estado. A Peste Bubônica e o Tracoma encontram-s.e sobre
controle.
Foram estes os comentários que achamos por bem traçar ao apre
sentar esta admirável Memória do Barão de Studart, exibida no 4^ Con
gresso Médico Latino-Americano do Rio de Janeiro, em 1908.

I
CLIMATOLOGIA, EPB DO CEARA

MEDIORIA
APRESENTADA AO

4° CoDpresso ffleilico Lation-ADiericaoo


DO

RIO r>B> JAiVEÍIRO

PELO

M
Presidente do Comitê do Ceará

Medioo do Hospital de Caridade de Fortaleza, membro da British


Medicai Associatlon do Londres, da Sociedade do Sciencias
Medicas de Lisboa, da Sociedade de Medicina e Cirurgia
do Rio de Janeiro, membro de mais trinta e quatro'
Sociedades Scientiflcas e Literárias do
Paiz e do Extrangoiro-

CEARA-FORTALEZA

Ttp. Minebva—Rua M. Facundo, 55, 67


1OO0
R

CLIMATOLOPiIA, EPIDEMIAS E ENDEMIAS DO CEARA’

IML LD IVl o R I À

APRESENTADA AO

4° C0I4GRESS0 MEDICO LATINO AMERICANO 00 RIO DG JANEIRO


PELO

Presidente do Comitê do Ceará.

O Estado do Ceará, nm dos 20 da Confederação


Brasileira, está situado entre 2° 45’ e 7“ i i’ Lat. Meri
dional e |o 55' e 60 25’ Long. Oriental pelo Meridiano
do Rio de Janeiro (i); extende-se pela costa desde 0 rio
Timonha ao* Norte até 0 rio Mossoró ao Sul e dilata-se
para 0 interior até a Serra Grande ou Ibiapaba, que na
lingua dos riaturaes significa terra talhada; tem assim-a
forma de um triângulo, de lados desiguaes, cujo vertice é
a cidade de Jardim ao Sul.
O recenseamento de 1872 attribuiu-lhe 721686 ha
bitantes (365847 homens e 355839 mulheres), 0 de 1890
deu-lhe 805087 (394909 homens e 410778 mulheres) e
0 de 1900, 849127(419279 homens e 429848 mulheres,

d: Os cálculos dados neste trabalho referem-se ao Me


ridiano dii Riu dc Janeiro.
4

629172 solteiros, 184699 casados, ?443o 'iuvos e 826


divorciados).
Essas cifras não representam a verdade para ,-:enhum
dos annos citados. Todos sabem como no Brasil se fa
zem os arrolamentos da população.
Para proval-o basta considerar aquelles 184699 casa
dos (n.o impar), que regista 0 arrolamento de 1900. Ou
tras suas informações também dignas de reparo são as re
ferentes aos divorciados ditos em n.» de 826 quando não
attingem á décima parte segundo os cartorios que con
sultei, e aos acatholicos avaliados em 24724 (!) como exis
tindo no Ceará, onde 0 numero delles mal alcança a 1000.
Em todo caso é 0 que ha, vindo de fonte official.
Os cálculos da população cearense em epochas di
versas consignam as seguintes cifras, iniciando-se elles por
um erro de Varnhagen, que suppoz população total da
Capitania 0 n.» achado para os individuos capazes de
desobriga e isso mesmo em epocha que não a por ^^elle
citada.

Varnhagen 1775 34.000


Azevedo de Montaury 1783 100.000
Visitador Saldanha Marinho (faltando a
população de Sobral) 1795 53.616
Barba Alardo 1808 125.878
Robert Southey 1808 150.000
Mssc. da Bibl. Publica da Bahia . . ,1808 160.000
Mappa da minha Collecção (Offerta
do Duque de Palmella) . . . . 1808 130.396
Varnhagen. . . 1808 130.390
Monsenhor Pizarro 1810 130.396
Svlva Feijó . . 1812 150.000
Manoel Ignacio de Sampaio. . . . 1813 149.285
Doc. da Bibl. Nac. do Rio de Janeiro
(Secc. Mssc. Lata 1. Doc. n.“ 3) . 1815 »54.454
Warden (Historia do Brazil) . . . 1819 150.000
Dezembargador Velloso de Oliveira
(Igreja do Brazil) 1819 201.170
Computo para 0 Congresso Português. 1821 150.000
5

Computo para a Constituinte. . . . i823 200.000

Manuscripto da Bibl. da Bahia. . . 1823 200.000

Presidente Nunes Berford 1828 105.30?


Presidente Alencar 1835 223.554
Presidente Miranda. . . . . . . 1839 208.078
Dezembargador Tristão Aráfipe. . . 1850 3 50.000
Viliers de Tllle Adam 1850 400.000
Arrolamento da Policia 1858 487.000
Senador Th. Pompeu (Estatistica). . 1860 503.700
Presidente José Bento 1862 508.000
Noticia para a Exposição 1867 54Ò.000
Senador Pompeu (Geographia). . . 1868 560.000
Informações parciaes 1870 641.850
Recenseamento de 1872 721.686
Senador Pompeu (Clima do Ceará) . 1876 900.000
Presidente Leão Velloso 1881 750.000
Dr..José Pompeu (Diário Official). . 1885 780.000
Dr. Thomaz Pompeu (Industria do
Ceará) 1886 915.000
Secção de Estatistica (Côrte). . . . 1886 1.204.000
Dr. José Pompeu (Chorographia) . . 1888 860.000
Recenseamento de 1890 805.687
Recenseamento de 1900 849.127
Dr. Toledo Pisa 1900 1.000.000
Dr. Pereira da Silva 1906 1.000.000
Barão Homem de Mello 1907 1.000.000
Wileman (The Brazilian year book) . 1907 973.266
População actual 1909 900.000

Sendo como é de 160.000 kilometros quadrados a


superfície dò Ceará, é de 5,6 0 n.o de habiitantes por
kil. (j^ad.
secco 0 clima do Ceará, maxime nas regiões do
sertão, dahi a salubridade que desfructa e que a tanta
gente attrahe e convida. Essa sua fama tem trazido até
inconvenientes a algumas localidades, Quixadá (4° 51’ 5”
Lat. S., 4° 4’ 41” Long. E.) por exemplo. Para ahi, como
para Quixeramobim, outro ponlo preferido, affluem tu
berculosos em numero considerável ; vem do Sul e do
6

Norte, maxime do Norte; a affluencia foi tamanha cm


alguns annos em Quixadá que se pode affirmar que i/^,
das casas abrigava tuberculosos, donde a propaga.çSo do
mal a filhos da localidade, a familias até então immuiies.
Facto idêntico se deu com Icó no tempo de sua impor
tância politica e commercial e cujas consequências ainda
soffre a população actual. Resultados da nenhuma pro-
ihylaxia, do descaso da hygiene tratando-se de uma en-
ermidade que si não é hereditária e cura-se muitas ve
zes, é sem duvida alguma eminentemente contagiosa e
transmissivel. Hoje a tuberculose é moléstia frequente nas
nossas cidades.
Grande corrente immigratoria para o Ceará era tam
bém a constituida pelos atacados de beriberi e outras
polynevrites, sendo então as serras, a de Baturité princi
palmente, os pontos melhor reputados para cura; de
doentes de beriberi, porem, são hoje raros os que vem
tratar-se no Ceará; de ha muito que a corrente se deslo
cou em favor de Madeira, Barbados, Trindade, etc. At-
tribuo 0 facto á barateza da vida maior alli que no Ceará.
Em 70 O/o dos doentes vindos, 0 beriberi revestia a
forma paialytica.
Reporto 0 primeiro caso de beriberi num cearense
ao anno de 1866; a moléstia foi então desconhecida de
todos os médicos de Fortaleza; tratava-se de beriberi
também de forma paralytica e a elle succumbiú a doente
em nova reproducção do mal em 1867. O apparecimento
do beriberi no Ceará coincide, portanto, com os primeiros
estudos e .publicações de Silva Lima chamando a atten-
çâo da ciasse medica para a desconhecida moléstia, que
estava a fazer, victimas na Bahia.
De trabalhos médicos sobre Beriberi entre nós co
nheço apenas artigos do. Dr. Antonio M. de Medeiros
na Gazeta Medica da Bahia em 1872, e um opusculo pu
blicado em 1874 pelo Dr. Borges da Silva, afóra umas
despretenciosas notas a que conjunctamente com outras
dei 0 titulo de Sciencia Medica, artigos de propaganda pu
blicados em jornaes e que tem a data de 1889. Nessas
notas produzi varias con.siderações a que .se prestava a
7

historia de 36 beribericos, 23 homens e 13 mulheres,


vindos do Pará e Maranhão, os quaes estiveram entre
gues a meus cuidados em 1888.
1 12 beribericos, sendo 104 homens e 8 mulheres,
estas, portanto, em numero muito redusido si comparadas
com as da minha clinica civil acima dita, procuraram 0
Hospital da Santa Casa de Fortaleza naquelle anno 0888)
e nos tres annos anteriores, o que dá uma media an-
nual de 28.
Com relação ao clima se poderá dividir 0 Ceará em
tres zonas: a do littoral, que comprehende a orla man-
tima até 30 kilometros para 0 interior, fresca e húmida,
caracterisando-se por ventanias, que a açoutam de conti
nuo, sendo 0 vento dominante 0 Sueste, seguindo-se-lhe .
0 Susueste e 0 Essueste; a do sertão, quente e secca;
a das serras, fresca e temperada.
Em Fortaleza {30 43’ 36’’ Lat. S. e 4° 39’ 11” Long.
E.) a media da temperatura annual é 26®,7, a das maximas
30 ,4 e das minimas 23®,!, a media da pressão baromé
trica 762,4, da chuva 9Q8'’‘"’„da humidade relativa 72,6,
da tensão do vapor d’agua 20,3; em Quixeramobim
(j** ló’ o" Lat. S. e 3" 55’ o” Long. E.) onde os ventos
são quasi constantes nos quadrantes N. NE. e S. SE., a
media das maximas é 350,58 e a das minimas 240,85
e a .media da pressão 743,15 ; em Jcó (6» 23’ o” Lat. S.
e 4° 7’ o” Long. E.) a media das maximas é 3502 e a
das minimas 2606; em Crato (7° 14’ 2” Lat. S. e 40 2’ o”
Long. E.) a media das maximas é 320,36 e a das mini
mas 23051 ; nas Serras, onde 0 calor desce um gráo cen
tígrado por cada 100 a 130 metros de elevação, 0 ther-
mometro sobe a 26° em Novembro e Dezembro, epocha
do maior calor, e desce até a 14“ em Maio, Junho e
Julho.
Belem, Natal e Recife dão as medias de 26021,
26“5 e 26®3 respeptivamente, mas nenhuma dessas Ca
pitães tem como Fortaleza 0 calor amenizado pela con
stante viração.
Rigorosamente falando, poder-se-á dizer que só ha
duas e.stações no Ceará, inverno e verão, 0 1.0 indo de
8

Março a Junho ou para melhor dizer começando com 0

Solsticio de Março. O sertanejo aguarda ancioso o dia de


S. José (19 de Março) e si as chuvas não vem copiosas
crê declarada a secca, isto é, uma nova epocha de sacri
fícios e martyrios para elle. Em Setembro cahem peque
nas chuvas, neblinas; são ás chuvas que 0 povo chama
de cajú. Em Dezembro cahem também pequenas chuvas
nos annos ordinários. De Maio a Julho a temperatura
se faz deliciosa, cobrindo-se os campos de vegetação
luxuriante.
E’ um phenomeno que a todos espanta 0 viço com
que os vegetaes brotam do solo cearense logo após as
primeiras aguas; é um encanto; tudo se transforma como
sob a acção .de algum feiticeiro.
Lembro-me bem da admiração de que se tomou um
representante do governo Inglês vindo aqui logo depois
da terribilissima secca de 1877—79 e meu companheiro
numa excursão pela Estrada de Ferro de Baturité; aos
nossos olhos a natureza pompeava; e não havia muito
em relatorio official ao mesmo cavalheiro eu descrevera
em traços veridicos 0 aspecto de anniquilamento de toda
a vida vegetal.
O Barão de Capanema, que duas vezes nos visitou,
sendo a primeira com a Commissão Scientifica (Fevereiro
de 1859) da qual foi um dos chefes, commissão que,
apezar da illustração e preparo de seus membros, pou
cos fructos produziu, 0 Barão de Capanema descreve n A
Secca do Norte a transformação da paysagem Cearense
immediatamente após os primeiros aguaceiros, transfor
mação prodigiosa que si não houvesse presenciado, são
palavras suas, não repütaria verdadeira.
Das impressões desse illustre scientista partilham to
dos os que tem percorrido 0 sertão Cearense.
Como resultados da Commissão Scientifica conheçff
umas notas sob 0 titulo Clima e moléstias endemicas da
serra da Ibiapaba, uma Noticia sobre as moléstias ende
micas do Crato e um Relatorio apresentado^ ao Instituto
Historico Brazileiro, trabalhos todos dos dois Freire Al-
lemão; conheço também a Correspondência de Gonçalves
9

Dias existente no Archivo Publico Nacional, Rio de Ja


neiro, em que figura entre outros papéis uma Memória
sobre a Instrucção Publica no Ceará.
A «Noticia sobre as moléstias endemicas do Crato»
encontra-se publicada no i.° vol. do Progresso Medico
pag. 163. E’ delia 0 seguinte trecho:
«No sertão, secco e quente, as moléstias revestem
0 caracter inflammatorio; assim 0 rheumatismo articular,
a pneumonia franca, o pleuriz são ahi muito communs
no fim do inverno e no decurso do verão. No inverno,
30 contrario, reinam grippes, anginas e catarrhos pul
monares. »
E 0 que se nota com os vegetaes se verifica igual
mente no reino animal após a secca; a criação augmenta
desmesuradamente; como que a natureza esteve em. hi
bernação e, ora desperta e em trabalho, quer resarcir as
perdas havidas e ostenta então maxima pujança. 0 mesmo
que acontece depois das guerras
Fôra 0 Ceará uma região de chuvas regulares e bem
distribuídas e no Brasil nenhum Estado competiria com
elle; corta-lhe, porem, 0 voo para incomparáveis destinos
a secca que 0 persegue.
A periodicidade desse phenomeno, tempo de sua
duração e periodo intermediário chuvoso ficam consigna
dos na synopse abaixo:
período
ANNO DURAÇÃO
INTERMEDIO

1614 I anno
1692 I anno
1711 I anno 20 annos

1721—1725 4 annos 10
1736—1737 2 annos 1 1
1745—1746 2 annos 8
1754 I anno 8
1777—'778 2 annos 23 s>

1790—1793 4 annos 12
1804 I anno I I
1809 I anno 5
10

PERÍODO
ANNO DURAÇÃO
INTERMÉDIO

1816—1817 2 annos 6 annos


1824—1825 2 annos 7
1830 1 'anno 5
1844—1845 2 annos »

1877—1879 3 annos 32
1888—1889 2 annos 9
1898 I anno 9 »

1900 I anno 2 »

1903 I anno 3
1907 1 anno 4

No total dellas é verificada apenas uma vez a as


serção de Ayres do Cazal de que 0 flagello se repete
de dez em dez annos.
Outras seccas, não tenho duvida, soffreu 0 Ceará,
faltam-nos, porem, fontes onde pesquisar a respeito,de seu
apparecimento e de suas particularidades. Quem ignora^-^- -
por exemplo, que a historia do Ceará começa com Pero
Coelho de Souza e por sua vez também quem ignora 0
fim desastroso a que chegou 0 infeliz cunhado de Fru-
ctuoso Barbosa ?
Abandonado por Simão Nunes e pelos soldados da
expedição, sem mais esperanws do soccorro que lhe pro-
mettera 0 governador Diogo Botelho, tratou Pero Coelho
de voltar a Parahyba. A travessia da pobre caravana de
que faziam parte a esposa, D. Thomasia, e os cinco fi
lhos do capitão-mór, dos quaes 0 primogênito contava
apenas 18 annos, todos a morrerem de fome e sêde, sob
os açoites de um sol escaldante, é um poema de soffri-
mentos em 0 qual se destaca D. Thomasia, de animo
varonil e heroico. Depois de perderem vários compa
nheiros, entre os quaes 0 filho mais velho do capitão-mór,
chegaram os expedicionários esqueleticos, loucos de fome,
sendo acolhidos pelo Vigário do Rio Grande.
Eis ahi a secca a cercar 0 berço do Ceará na i.“
1 1

phase de sua vida histórica; porque então não incluir


1Ó05 entre os nossos annos fatidicos?
Escrevi que tão somente a carência dos antigos do
cumentos explicava não avultar ainda mais 0 numero já
registado dos annos em que 0 Ceará tem estado sob os
golpes de uma secca de duração mais ou menos prolon
gada, e vou addusir a prova.
Ao Senador Thomaz Pompeu deve-se a organisação
de um quadro synoptico das seccas a contar de 17 ii
e esse fructo de seu espirito investigador foi sendo re-
produsido pelos amantes da estatística que do assumpto
se tem Occupado; no quadro de Pompeu, todavia, e em
todos os trabalhos posteriores não figura a secca de 1804;
delia não encontrara' noticia 0 illustre geographo; tive,
porem, a felicidade de achar rios ricos archivos da Bi-
bliotheca de Lisboa, que consultei em successivas via
gens á Europa, as provas documentaes de que naquelle
anno a Capitania padecera também os rigores de uma
secca e ficou assim a lista accrescentada infelizmente de
mais uma data funeraria.
E 0 flagello em 1804 foi tal que 0 governador João ^
Carlos confessava a 28 de Dezembro que sem as provi
dencias tomadas para virem generos de Pernambuco e
sem 0 auxilio do Capitão-general Caetano Pinto de Mi
randa 0 povo teria certamente perecido de fome, não
tendo produzido a Capitania naquelle calamitoso tempo
com que se sustentasse a centesima parte de sua po
pulação.
A lembrança da calamidade fazia-o escrever ainda
em 9 de .\bril de 1806 ao Visconde de Anadia :
1 A plantação da mandioca q’ he aqui 0 genero da
primeira necessidade também se acha m.“> favorecida, e
espero não tornar a ser testemunha da fome q’ a falta
delia produziu no anno em que aqui cheguei.»
Essa secca já vinha de tres annos com enorme mor
tandade do gado e perda quasi total das plantações do
algodão, e a farinha de mandioca depois de subir ao mais
elevado preço faltara de todo, sendo preciso, como disse^
I2

que 0 governador recorresse ás capitanias visinhas para


haver alguma para o sustento do povo assim como da
tropa.
Accrescera para a escassez da farinha a rigorosa
execução dada por Bernardo de Vasconcellos a uma Or
dem Regia prohibitiva da abertura de roçados nas mat-
tas, preferidas pelos lavradores ás terras cançadas das
caapoeiras, Ordem cuja desnecessidade e injustiça João
Carlos provou com optimos argumentos num seu Officio
de 19 de Maio de 1804 ao Ministro Visconde de Anadia.
João Carlos, que foi posteriormente senador pelo
Ceará e teve 0 titulo de Marquez do Aracaty, revelou-se
um administrador adiantado. Entre seus muitos actos no
táveis alguns se referem á introducção da vaccina no
Ceará, assumpto oue lhe mereceu todo interesse, como se
vê dos seguintes documentos, que folgo de ora divulgar:
« Tendo 0 Príncipe Regente Nosso Senhor ordenado
aos Governadores e Capitães Generaes dos seus Domi-
nios Ultramarinos por Avizo de 4 de Outubro de 1802
que procurassem introduzir nas suas respectivas Capita
nias 0 uzo da inoculação das bexigas, e dessem conta
dos effeitos que produzisse; Participou em consequência
desta Ordem 0 actual Governador e Capitão General de
Mossambique que naquella Capital e districtos adjacentes
ha tanto conhecimento da inoculação e da sua utilidade
que esta pratica he muito uzual, e que estão os seus ha
bitantes tão familiarizados com ella que huns a outros se
inoculão, depois de que principião a sentir as bexigas,
mesmo trabalhando, sem experimentarem máo effeito,
pois que de cem inoculados apenas morre hum, e q’ ulti
mamente se obserw’ou que 0 Capitão'de hum Navio Fran-
cez inoculou com a vaccina duzentos e cincoenta e seis
negros de que constava a carregação e q’ so lhe morrera
hum, e que finalmente todos os carregadores ali inoculão
suas escravaturas, de que tem tirado muita vantagem. A
vista deste exemplo, de q’ V. S.a se pode servir para
inculcar aos habitantes dessa Capitania a utilidade da
inoculação, espera S. A. R. q’ V. S.» os persuada a ado-
n

ptarem este preservativo de hum dos maiores flagellos


da humanidade. D.* G.® a V. S.^ Palacio de Queluz em
26 de Abril de 1804.—Visconde de Anadia.—Snr. João
Carlos Augusto de Oeynhausen. »
« Illm. Exm. Snr.—Tenho successivamente recebido
as cartas de Officio, que em data de 26 de Abril, 7 e 11
de Maio do prezente anno V. Exc. me tem dirigido.
Recommendando-me na primeira 0 importante objecto de
outra, que em 4 de Outubro de 1802 tinha sido dirigida
a este Governo sobre a introducção da inoculação das
bexigas que S. A. R. desejava ver effectuar nesta Capi
tania, me dá V^ Exc. conhecimento do progresso que a
introdução deste util prezervativo tem feito na Capitania
de Moçambique, e 0 conhecimento que desta matéria fico
tendo, fazendo nascer em mim 0 maior dezejo de pre-
zentear esta Capitania com hum igual beneficio me deixa
estudando 0 modo de 0 propagar, para cujo effeito tenho
convocado 0 Cirurgião Mor que nella rezide, e 0 tenho
encarregado de vigiar 0 instante mais propicio de dar
hum exemplo que anime os seus habitantes a fazerem da
inoculação 0 mesmo uso que nessa e em outras Capita
nias da Europa se tem feito.
Tem-se observado que neste ardente clima ainda
mais do que as escravaturas padecem os Índios naturaes
do pais, para os quaes a infermidade das bexigas he sem
pre quaze geralmente mortal, e por isso he tal a aversão
que elles tem a este flagello destruidor e tão proporcio
nado ao estrago e mortandade que entre elles cauza que
será a introdução deste salutifero prezervativo o maior
beneficio que elles possão receber, a vista do que conti-
nuando V. Exc. a fazer-me a honra de reconhecer 0 zelo
com que sirvo a S. A. R. e me\emprego e fomefitar a
prosperidade dos seus Vassallos, não poderá V. Exc. du
vidar da actividade com que eu procurarei cumprir 0 que
por V. Exc. me fica recommendado sobre esta importante
matéria... Villa da Fortaleza de N. S. d’Assumpçao do
Seará Grande 30 de Julho de 1804.—Joáo Carlos Auugusto
d’Oeynhausen. >
'4

« Não tendo perdido de vista o q’ V. Exc. com tanta


instancia me recommendou da parte de S. A. Real nos
dois Officios de... de 1803, e de 26 de Abril de 1804
sobre a introducçâo da vaccina nesta Capitania, e dese
jando mostrar-me tão exacto no cumprim.*» de huma tão
sabia Ordem, dictada pelo Paternal Afecto de S. A. R.,
como tem sido os demais Governadores e Capitães Gen. es

das Colonias Portuguezas, nesta e nas outras partes do


Mundo, tenho finalmente conseguido introduzir este util e
beneficp prezervativo nesta Capitania, e desde a sua intro-
ducção já se contão nesta V.® da minha rezidencia mais
de duzentas pessoas, q' se tem vaccinado alem de muitas
outras q’ tem adoptado 0 mesmo methodo em outras p.'®»
desta Capitania, dos quaes nenhum tem perigado nem tido
outros simptomas senão aquelles q’ apontão as instru-
cçoens dadas sobre esta matéria nos folhetos que tratão
delia.
He de esperar q’ debaixo das vistas e protecção do
meu successor se espalhe este methodo de inoculação p.^
toda esta Capitania, donde rezultará 0 maior proveito aos
seus habitantes. Deus G.® a V. Exc. m.* a.^ Vi la da Fort,®
do Ceará 31 de Dezembro de 1806. lllm. e Exm. Snr. Vis
conde d’Anadia.—João Carlos Augusto dOeynhausen. »

De João Carlos ha uma ordem em 1806 fazendo se


guir para Aracaty o professor João Lourenço Marques,
incumbido do tratamento dos variolosos e propagação
da vaccina.
Muitos papéis, repito, dormem sob o pó dos archivos
guardando 0 segredo dos soffrimentos por que passaram
os habitantes do Ceará em priscas eras, soffrimentos que
desvendarão, amanhã quem sabe?, pesquizadores mais
afortunados ou mais di igentes
Das chuvas cahidas na cidade de Fortaleza dá uma
idéa nitida 0 seguinte quadro, graças ao qual se aquila
tará da intensidade com que as seccas se hão manifestado
para ella dentro do período de 60 annos, que tantos são
os do quadro.
íiri i6 Í88'
Liv\ 66 ^88'
íti- i ^8 Í88'
OÍZI 111 288'
Zl^l OI I '88'
OÍÍI íí\ O! I
96Í \L 6^8'
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Lígi i'! I 9^8'
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obz-z Z91 2^8'
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o6í-i 6í I 1
ÍÍ8 ^8 98'
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ÍÍZ! OI I
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99ti i-i I 298'
got'-' 111 '98'
ííZ-i Líi 098'
Líí i lOI 6Í8'
íoí i L 8^8'
9Í'Z-i 8 Zíg'
09Z-I 611 9Í8'
9Z01 99 ÍÍ8'
89Í' 001
ÍOO'I 1^9 ÍÍ8'
f\i-i zoi ZÍ8'
titi íoi ' iSg'
tzo-i 9Z oígi
Z061 z\ I 6t'8'
swnniw Na vaoho vahhd ao svia SONNV'
ii
i6

AN NOS DIAS DE CHUVA CHUVA EM MILLMS.

188Ó 87 1-395
188 80 I.J20
188I 54 74'
1889 67 777.2
1890 104 1-530,3
1891 81 869,9
1892 91 1.271,4
1893 122 1.564,8
894 164 2.719
1895 185 2.408,1
1896 146 1.909
189 110 1.922,1
189 84 546,6
1899 147 2.768,4
1900 82 473.4
1901 121 1.541,2
1902 94 857.9
1903 71 812
1904 94 1.128
1.905 97 1.133.8
1.906 104 1.568
1907 95 734
1908 ■82 1.018

Em Quixeramobim ha desde 1896 um pequeno Ob


servatório mantido pelo Governo Federal e de que está
encarregado 0 competente Snr. Oswald Weber; ahi ve
rifica-se, segundo as observações por elle feitas, uma me
dia decennal de 569,"''". A Commissão do Açude do
Quixadá tem organisado também estatisticas e observa-
Sôes que estão aproveitadas nos preciosos relatórios da-
os a publicidade pelo Engenheiro Piquet Carneim.
De umas e outras se vê como as chuvas variam de
um para outro anno e no .mesmo anno de uma para
outra localidade; é assim que cahindo em Quixeramobim
890,6”'", 1022”” e 433mm
5, em 1896—7 e—8, cahiram em
Quixadá 863,"""ó, 1275,"'"'66 e 312""’* respectivamente.
a a X)
&9 0) 2 I.O Quinquennio 3' c
g Í3
Locaes 1894 189J i8p6 /S97 i8p8 3 3.|-o
•s- X o
CO M 3 w C/)
S^s rt 3 B-Q-
.. 03. O)
Fortaleza . . 2719 2408,1 1909 1921 5n
CO
b) V)
Quixerampbim. 890,6 1022,1 n <
4n.3 O X &3
Quixadá. . . 1181,16 1192,05 863,6 1275,65 512 3 = 2.
•I S-i!
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_ 09 CJI
2.0 Quinquennio 3 w o
CO

S-2 Ê-çxa.
.-50. C/) 09 ^
r. U s /S99 /pòo /^o/ /C)02 /903 "O c
B9
Fortaleza . . 2768 566 1541 858 812 3“ 3
2 2.
Quixeramobim. 1048,5 435,3 635,8 342,9 3'3.4 p 3 3-
CO O
ew K.Us; Quixadá. . . 711 (1) «49 (^) 680 578 406
W o- 5 6J E.?:
■o o <. o.
=p o ™
-•o 5 «1 3 3.»
3.0 Quinquennio
CO
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“ c
|.S'P5 /904 1903 1906 190J 1908
a
O " &9 1018 03 'ÇW
c -
(V Fortaleza • . "28 "33,8 1568 734
Quixeramobim. 456,1 383,3 736,6 391,1 307,6
ÇO 09 CO
Quixadá. . . 659,^ 628,1 688,2 310,2 543,8 9 rD
S3| . 3 cn
Hoc
5 « 1 II) Nfto 80 fizeram observações no 2-° semestre. S2:3-
•s'ê-^ (3) Náo se fizeram observações no l.° semestre. SL3 K
i8

A creação de Estações pluviometricas nas principaes


localidades constitue uma medida de alto alcance scien-
tifico, entrará como um elemento indispensável para o
estudo das seccas, tremendas crises climatericas, obede
cendo a leis até agora desconhecidas e cuja historia, pode-
se dizer, é a historia do Ceará. De ha muito eu e como
eu todos os que se interessam pela solução do grave
problema temos estado a reclamar a attenção dos gover
nantes para a adopção de taes centros de observação e
estudo, tão pouco dispendiosos. Em boa hora, reconhecida
sua necessidade imprescindivel, foram, como levo dito,
de ultimo encarregadas desse serviço as principaes Es
tações telegraphicas do Estado. Decorridos mais alguns
aniios, se haverá colhido amplo e precioso cabedal paia
as precisas conclusões.
Assim tarnbem mandasse o Governo profissionaes
competentes procederem a estudos geologicos no Nor
deste Brasileiro para de acôrdo com os dados colhidos
dotal-o dos melhoramentos conducentes a se obviarem ou
restringirem os desastres das seccas; isso seria mais ra
cional e de proveito maior que estar a despender largas
sommas com luxuosas commissões destinadas a abrir po
ços, como ainda ha pouco aconteceu, sem que se hou
vesse de antemão estudado a natureza dos terrenos e
sua disposição, sem que se conhecesse sua segura ada
ptação a tão magnitico recurso.
A secca é um phenomeno natural, consequência obri
gada da nossa situação geographica em relação ás cor-
rentes áerias; compete ao Governo diminuir-lhe os ef-
feitos desastrosos, mas a boa vontade do Governo se
exercerá improficuamente si a campanha não for dada e
dirigida como na guerra, isto é, fazendo-se o estudo pre-
vio e completo da natureza do terreno ou campo de
operações. .r. . c- j
As nuvens, inclementes, recusam ao Ceara e Estados
vísinhos 0 liquido salvador ou deixam-no cahir de modo
irregular, vamos então procural-o nas entranhas da terra,
mas procuremol-o onde está, e não ás tontas, e a cer
teza de encontral-o só a proporcionalá o estudo geolo-
19

gico, estudo preparatório, inicial para ulteriores com-


mettimentos.
Vê-se do quadro ás paginas 15 e 16, sendo aliás 0
littoral a parte mais beneficiada, que chuva não falta ao
Ceará, 0 que falta é a sua regular successão, é sua re
gular distribuição; do quadro á pag. 17 vê-se a irregu
laridade dessa distribuição.
A carência de chuva não explica nossos males, pois
que regiões ha no globo onde chove muito menos, as
terras aridas da America do Norte, por exemplo, ho e
transformadas pela engenharia, 0 Punjab e 0 Sind, onde
a media annual vae de 25o"-"’ a 400"'"’ apenas, mas alli
a previdência do homem contrabalança a pobreza ou a
ingratidão da natureza, alli se fazem as barragens dos
rios, replantam-se as mattas dizimadas pelo machado es-
tupido e inconsciente, por toda parte abundam as cister
nas e os poços ao passo que entre nós olha-se com pena,
mas de braços cruzados, milhões e milhões de litros da-
gua correrem desaproveitados para 0 Oceano em marcha
precipite que a isso os obriga a disposição dos terrenos,
todos em declive, sendo 0 Ceará um como amphitheatro,
que da costa vae subindo gradativamente até a Ibiapaba,
cujo clima suave e puro tem merecido Os encomios de
todos que por lá têm andado, a começar pelo celebre
Jesuita Antonio Vieira, e cuja altitude attinge a 1020
metros;
0 cearense ao ver chover no mar diz «cahe chuva
no roçado do diabo», mas sua incúria faz-se um bom
auxiliar para a riqueza do tal roçado em desproveito dos
proprios; em quanto elle se arrepela e se maldiz, as aguas,
descendo para 0 immenso reservatório commum, vão acar
retando o pouco humus que ainda resta sobre 0 solo,
desnudando cada vez mais 0 granito de que se compõem
as serras e impossibilitando assim todo genero de cul
tura em futuro proximo.
Os outros pòntos mais elevados do Estado são as
Serras de Maranguape, cujo cimo, a Rajada, é povoado
de vegetação baixa e cerrada, copiosos mangues, uma
verdadeira turfeira, com 920"' acima do nivel do mar.
20

Baturité, outrora orgulhosa de seus cafesaes, com 853"’,


Meruoca, um vasto celleiro, com 850™ e Aratanha, notável
por suas fructas, com ySo™; seguem-se a estas 0 serrote
do Juá com 620'", serrote do Cauhipe com 380"', Morro
do Cascavel com 180 e Morro de Juricuacoara com i lO'".
Da irregular successão das chuvas e pois das suas de
sastrosas consequências em região como a nossa, cuja rede
hydrographica é embrionária, no dizer de Pierre Denis,
temos um exemplo mesmo no annc corrente; comparados
os registos de 1909 com os correspondentes em 1908 vê-se
para Fortaleza que os mezes de Janeiro e Fevereiro fo
ram chuvosos (izz”" e 296™™), diminuiram as chuvas em
Março (179““) para reapparecerem torrenciaes em Abril
(414“'") e desapparecerem em Maio (9"’,5) e Junho (2"“’'),
ao passo que eni 1908 Janeiro registou 6 dias de chuva
com 6o"'’",5, Fevereiro 12 dias com io8'n''-’, Março 15
com 226,""”5, Abril 17 com 210“"’, Maio 15 com 183 mm

e Junho 10 com i45,™“’5 num total de 933'”*".

:ií :{:

No quadro negro das seccas, como das pags. 9010,


avultam tres por sua prolongada duração e terribilissimos
effeitos, as de 1721-1725, 1790-1793 e 1877-1878.
Da primeira, que exerceu os maiores rigores nos ser
tões da Bahia e Pernambuco, abrangeu Piauhy e fez no
Ceará grande mortandade entre as tribus indigenas, mui
tas das quaes tiveram, para escapar, de refugiar-se nas
serras, ha pobreza de documentos escriptos e pois nada
poderei consignar sob 0 ponto de vista das moléstias, que
acompanham as seccas como irmans.
Pompeu diz que morreu muita gente, tanto em 1
no Ceará como no triennio seguinte, nos sertões de ill
!
nambuco e Bahia.
Accioly, que delia tratou nas suas Memórias Históri
cas da Bahia, poz de parte esse particular, mas não tenho
duvida que a bexiga a que os indios eram e são tão sujei
tos, como ainda hoje se verifica com os indios civilisados do
21

Amazonas, não deixou de fazer devastação entre elles,


e disso me capacito tanto mais quando na mesma epo-
cha (1724), como mais tarde em 1748 e 1756, ella pro-
dusiu no Pará estragos consideráveis.
Acerca da epidemia de 1756 guarda minha colle-
cção de documentos uma carta do Bispo a Mendonça
Furtado, da qual por curiosos destaco os seguintes to-
picos:
Ainda não estava totalmente extincta esta universal
moléstia (refere-se a uma epidemia de catarros, que appa-
recera em Junho, Julho e Agosto) quando se principiou
a fallar em contagio de bexigas, e como esta epidemia
he a mais formidável para os índios e filhos da terra,
querendo prevenir qualquer infelis successo recommendei
ao cirurgião do Regimento Manoel da Costa, que se in
formasse das bexigas que havia na cidade, porque no
caso de se augmentar a epidemia daria a providencia,
que he mandar curar todos estes enfermos em lugar se
parado de toda a communicação. O mesmo foy passar
esta ordem que principiarem todos estes moradores a
occultar as pessoas que adoecião deste mal de sorte que
)or não ouvir fallar nesta matéria assentei que Deos S.''
^osso se tinha compadecido desta cidade. A tempo que
eu tinha deposto todo 0 susto desta parte quiz 0 mesmo
S.f dar-me 0 desengano evidente de que continuava 0
mesmo castigo, entrando 0 contagio em minha casa na
qual se achão enfermos do mal alguns meninos do Semi
nário e quatro Índios. Não posso explicar a V. Exc. a
grande consternação a que me vejo redusido, porque por
huma parte devera mandar pôr em separação a todos es
tes enfermos para que 0 contagio não tomasse mais corpo,
por outra parte tenho a infalivel certeza de que feita esta
separação ou outra qualquer demonstração publica todos
os moradores desamparão a cidade e os índios 0 serviço
d’El-Rey e finalmente aqui acabaremos todos de fome
porq’ não haverá huma só pessoa que se anime a con-
dusir mantimentos para a cidade. Ainda que V. Exc. com-
prehende melhor do que eu 0 quanto pode ser nocivo
para todo esse sertão 0 contagio das bexigas, sempre
22

quero lembrar a V. Exc. que nie parecia justo que V.


Exc. mandasse pôr todas possíveis cautellas para que
nenhum índio dos que vão da cidade desembarcasse em
terra sem primeiro se examinar se algum delles vem con
tagiado. »
Das devastações, que a variola produzia entre os
Índios nos primordios da vida histórica do Ceará e do
terror, que entre elles causava, dá justa medida uma carta
de i8 de Fevereiro de 1642 escripta pelo Supremo Con
selho aos Directores da Companhia Hollandeza:
« O mal que soffreram as outras capitanias com a
mortandade dos negros, sobreveio a esta capitania do
Rio (írande bem como as da Parahyba e de Itamaracá
com a morte dos indios, pois a enfermidade das bexigas,
a mesma que nos tem levado os negros, grassou tão
violentamente entre elles que aldeias inteiras quasi se
extinguiram de todo, retirando-se os sobreviventes para
os matos por não ouzarem permanecer por mais tempo
em suas habitações. O seguinte facto patentea quanto esse
mal se tem generalizado na America: ao passo que a
Bahia não está livre delle, a galeota Amsterdam indo do
Maranhão a Cammuci (aldea que fica no meio do ca
minho entre 0 Ceará e 0 Maranhão) para de passagem e
segundo suas instrucções tomar carga de pao malhado
não encontrou ahi um so homem, são e forçoso foi que
partisse sem nada ter feito. Essa enfermidade também
deu cauza a que os tres navios, de que tratamos na
nossa carta anterior não pudessem haver sal em Ipanema,
pois os indios, que foram para ali mandados afim de
seccar 0 sal e pol-o a bordo dos navios fugiram com
medo da doença. »
Já em carta de 3 de Dezembro de 1Ó41 os che
fes Lichthart, Bas e Koin diziam para 0 Maranhão:
« Na tarde de 5 de Novembro a galeota Amsterdam
veio do Ceará ter comnosco, trazendo Gedeon Morris
coinmandeur dos indios. Chegando á fala disseram que
havia muito tínhamos passado 0 Ceará e que estavamos
seguramente a 30 léguas a oeste deste logar. Morris vindo
23

a bordo, declarou, depois de algumas considerações, que


não podia fornecer o numero determinado de indios tanto
por causa das bexigas que os assolavão, como porque
as suas salinas, então bonitas segundo sua expressão, ti-
nhão necessidade de muitos indios, até de 150, e não os
podiam dispensar sem prejuiso da Companhia. »
Sobre a falta de informações quanto á salubridade
da Capitania, não se dá a mesma cousa em se tratando
do periodo que vae de 1790 a t793, e eu mesmo colligi
diversas e bem importantes as quaes se encontram en-
feixadas no livro Notas para a Historia do Ceará, pp.
414-460.
Foi realmente tremenda a secca conhecida na tra
dição popular por secca grande. Nunca vista, disse delia
0 governadòr Feo e Torres, inaudita chamou-lhe Bernardo
de Vasconcellos, a que deixou mais tradições tristes disse
Pompeu, a mais extensa efatal affirmou Araripe, a maior
das seccas escreveu Abreu e Lima.
Extensa, profundamente devastadora foi em verdade
a secca de 1790 a 1793; 0 gado ficou dizimado, per
deram-se cómpletamente as lavouras de mandioca e al
godão, as fazendas fecharam-se e, 0 que é doloroso de
registar, muitos infelizes encontraram a morte á mingua
de alimento. Entretanto, como acontecera na sécca de
1777, que foi precedida dos copiosos invernos de 1775
e 1776, chovera regularmente em 1789 e até 0 Jagua-
ribe dera cheia.
Foi nesse tempo que 0 rico proprietário de Recife e
arrematante de dizimos Francisco Nobre de Almeida, ten
do vindo ao sertão a ver si com sua presença podia sal
var alguma cousa do que possuia, succumbiu entre as
torturas da fome. Ha da viuva do infeliz estancieiro um
Memorial a El-Rei em que se pintam os destroços e a
ruina produzidos pela calamidade, que affectou igualmente
Piauhy e Maranhão ao Norte, Pernambuco, Sergipe e
Bahia ao Sul.
Ayres do Cazal na sua Chorographia escreveu: «Em
setecentos noventa e dois começou uma secca que du
rou athé noventa e seis e fez perecer todos os animaes
24

domésticos, e muita gente a mingua; o mel foi por largo


tempo 0 unico alimento; e também a cauza de varias
epidemias que varreram muitas mil pessoas por toda a
provincia. Os Povos de sete Parochias dezertaram sem
ficar uma só alma. »
A citação que faz Ayres do Cazal da abundancia
do mel de abelhas, e que reproduziu Ferdinand Denis no
seu livro Brazil, attribuindo-lhe um e outro o apparecimen-
to de epidemias assaz mortíferas, o que é pouco acceilavel,
traz-me a lembrança que também em 1825 os joaseiros
tinham as folhas cobertas de mel e em tal profusão em
alguns logares, que por exemplo 0 Capitão Antonio Du
arte de Queiroz alimentava os escravos e os pobres, que
a elie se soccorriam, com 0 mel que fazia apanhar na
sua fazenda S. Francisco, a legua e meia de Quixadá.
A natureza tem dessas providencias:—em 1792 e
1825 0 mel das abelhas, em 1845 os preás, em 1878 os
celebres pombaes.
Antonio Duarte era irmão de Miguel Francisco de
Queiroz, 0 proprietário do Junco, que hoje é uma Esta
ção da Est. de Ferro de Baturité, e 0 constructor de
Califórnia, de que foi i.° capellão 0 P.® Jeronymo Fer
reira de Menezes.
E’ muito interessante também a leitura de uma Me
mória deixada pelo vereador Esteves de Almeida, que diz
que subindo a i.fooo 0 preço da farinha «se comião bi-
xos e taes que nunca fora mantimento humano, como
seja corvos, carcarás, cobras, ratos, couros de boi, rai
zes de ervas, como fossem 0 chique-chique, mandacarús,
mandioca brava, etc. »
A citada memória regista também 0 apparecimento
de uma epidemia de variola: « E alem desses males so
breveio outro maior, porque laborando as necessidades e
a fome, no anno de 1793 foi tal a epidemia das bexigas
que quasi consome todos estes povos de sorte que houve
dia que se enterravão 8 e 9 pessoas. »
Esteves de Almeida refere-se a Aracaty, onde a mor
tandade attingiu a cerca de óoo pessoas.
25

Si a variola assolava o Sul da Capitania, outra epi


demia. a de febres palustres, fazia devastações pela Ri
beira do Acaracu e villa de Sobral.
Para combatel-a conseguiu Feo e Torres qUe viepe
de Pernambuco uma commissão chefiada pelo cirurgião
João Lopes Cardoso Machado, o autor do Diccionario
medico-pratico para o uso dos quâ tratão da saude publica
onde não ha professores de medicina. Faziam parte delia
também os Licenciados Joaquim José Henriques e Theo-
tonio Ferreira dos Reis, boticário João Pio Caetano de
Carvalho e dous sangradores, os quaes com o chefe apor
taram em Acaracu e 14 de Outubro de 1791 e ahi es
tiveram a soccorrer os atacados das febres, que duravam
já desde Junho e haviam feito varias victimas.
Das communicações officiaes deprehende-se que não
lhes foi das mais agradaveis a estada no logar e isso
por falta absoluta de viveres.
* Do Acaracu partiu a commissão para Sobral onde
chegou a 3 de Novembro. Ahi a epidemia assumiu gran
des proporções, mas apezar do crescido numero de ata
cados, entre os quaes 0 Vigário P.® Basilio dos Santos,
a mortalidade foi de 457 pessoas.
Pouco tendo já a fazer, porquanto em Sobral ap-
pareciam apenas casos de sezões e 0 Capitão-mor de
Granja avisava a não existência alli das malignas, Car
doso Machado deu por finda sua missão e, aproveitando-
se de cavalgaduras que lhe foram fornecidas pelo sargento-
mor Rodrigues da Cruz até Uruburetama, onde se resta
beleceu do paludismo, que também 0 atacara em Sobral,
e tomando novas cavalgaduras se transportou a Fortaleza,
dahi a Aracaty e finalmente ao Recife. F"oi de 8 dias a
viagem de Sobral a Fortaleza.
Convindo, todavia, não abandonar a si as popula
ções pobres e ignorantes, que seriam provavelmente acom-
mettidas do mál nos invernos seguintes, convindo tam
bém não perder 0 fructo dos esforços empregados e as
sommas despendidas no valor de 3:4261077, deixou a
José Gomes Coelho, cirurgião approvado e camarista,
umas instrucções, pelas quaes devia se reger caso sur-
26

gisse nova epidetnia e também uma botica provida dos


medicamentos mais necessários.
Da natureza das febres da Ribeira do Acaracu e suas
causas disse Cardoso Machado: Nestes dias, que te
mos estado aqui, eu e os dois cirurgiões temos visto e
receitado alguns enfermes, e ouvido a outros que pade
cerão a Epidemia: ella principiou por hua febre podre
que nos que não faliecerão passavão a intermitentes, ou
quotidianas, ou terçans ou quartans; e alguns ainda se
conservão com ellas desde Junho que foi quando prin
cipiou a Epidemia. Entre os que forão atacados de febre
podre, apparecerâo huns de terçans perniciozas, outros
de intermitentes regulares de sorte que o caracter que
dominava e se manifestava mais como essencial foi sem
pre 0 de febres de accessos. Na Ribeira sempre houve
ram sezões nos fins das cheias que vem nos mezes de
Março e Abril, porem por serem poucas e de bom ca
racter passavam por cousa insignificante e era reputado
este Pais por. saudavel; porem depois de grandes cheias
que assolaram hua grande parte desta America, entra
ram aqui as sezões a atacar maior numero de pessoas
e com symptomas mais graves até que este anno em
Junho subirão de porito e fizerão grande mortalidade. O
grande numero de animaes mortos arrastados pelas gran
des^ cheias, expostos depois ao intenso calor no forte
verão, que aqui faz, exalarão huns effluvios podres, que
alteraram a qualidade da atmosphera; no seguinte anno
ausentou-se esta causa, até que neste vindo as chuvas
com vento de terra, que aqui ha de Sudoeste e contra
0 costume do Paiz, no qua o terral só sopra de noite,
padeceo a athmosphera hua fermentação tal que produ-
zio hua quasi peste, entregue inteiramente nos unicos
esforços da natureza desamparada até do auxilio de hua
conveniente dieta. »
O tratamento empregado pela Commissão consistia
em «limpar as primeiras vias com dous vomitorios, al
gum purgante de maná, ruibarbo, polpa de tamarindos,
e sal carthartico e depois passar aos febrifugos corres-
pondentes ao temperamento do sujeito, alguas vezes con-
27

vem sangrar nas pessoas phlethoricas e sanguíneas, e


apparecendo madornas e delírios uzar das sarjas nos desta
qualidade, e nos outros, cáusticos e epispaticos. »
O tratamento está largamente desenvolvido nas In-
strucções deixadas por Machado ao Licenciado Gomes
Coelho e quem desejar aprecial-o nas minudencias con
sulte meu citado livro Notas para a Historia do Ceará
pp. 443—446-
As Instrucções miciam-se com os seguintes conselhos:
« Pelo que consta do meu Diário, se vê a facilidade e
promptidão com que tem sido curadas estas Febres In
termitentes : deve ser seguido 0 mesmo methodo em quan
to não mudarem de especie, elle consiste em limpar as
primeiras vias por meio dos vomitorios, dezobstruir com
cozimentos e remedios aperientes solutivos e não haver
demora na aplicação da quina para que os accessos não
produzão tantas dezordens, ao mesmo tempo se pratica
0 uzo da fomentação dezobstruente, que produzio tão
bons effeitos, a qual consta do unguento althea, unguento
de fumos, emplastro de Zacharias, partes iguaes. Apenas
entrarem as primeiras chuvas, serão repartidas pelo povo
porções de alcatrão para 0 queimarem em suas cazas.
Ao mesmo tempo se mandarão fazer fogos por diversas
partes com po vora, e paos aromáticos regulando esta
acção de modo que ella dure até 0 mez de Julho. Em
todas as cazas deverá haver hua vazilha em que se con
serve hua infuzâo feita de junça, rosmaninhos, calamo
aromatico, arruda, cascas de limão, em vinagre e hua
pequena porção de esponja para ensoparem nesta infu
zâo e cheirarem a miudo. Recomende-se a todos que te-
nhão suas cazas sempre varridas e limpas de imundicies;
Que não enxuguem no corpo a roupa molhada, ou seja
pela chuva ou pelo suor; Que não durmão ao ar livre
da noite; Que a agoa que beberem seja cozida, ferrada,
coada; Finalmente, que fassão um bom uzo das seis coi-
zas não naturaes. »
O uso dos tiros de polvora e 0 dos cheiros aromá
ticos não podiam faltar nas instrucções; era idéa domi
nante, idéa da epocha. No Pará, mesmo em 1793, em fins
28

de Junho, irrompendo uma epidemia de variola o go


vernador Francisco de Sousa Coutinho recommendava
que as pessoas ricas puzessem nas ruas os vapores de
alcatrão, de vinagre, prefumes convenientes para corrigir
0 ar, e se disparassem tiros de canhão como um meio
saneador. Curiosa medicina contra a variola a do fumo
da polvora. Cinco annos mais tarde revelava Jenner ao
mundo sua admiravel descoberta.
Aliás 0 emprego dos tiros conformava com as theo-
rias em voga; pois que o mal estava no ar, os tiros des
locariam os taes effluvios pestilenciaes e produziriam uma
de.sinfecção por acção toda mechanica.
Com relação á queima dos páos aromáticos, a scien-
cia moderna justifica essa usança nas antigas epidemias,
embora então fossem ignorados os fundamentos, que a
aconselhavam, e é que de tal queima provem o aldehyde
formico, microbicida valioso. Também as esponjas ensopa
das em infusões cheirosas e applicadas á pelle teriam
como resultado contribuir para o afugentamento dos mos
quitos, vehiculos, como se sabe hoje, do agente ma-
lariço.
Trillat, chefe de laboratorio no Instituto Pasteur de
Paris, em recente artigo publicado na Revue Scieniifique
sobre os meios de defesa usados contra a peste nã an
tiguidade, exam.inando o valor dos processos de desin-
fecção postos em voga e consistentes na generalização do
emprego dos fogos e das fumaças, por irieio da combus
tão de certas substancias, mais'ou menos justifica o me-
thodo de fumigações adoptado pelos velhos médicos, os
quaes faziam, sem conhecimento positivo, prophylaxia
moderna.
O numero de obitos pelas febres em Sobral foi de
457, sendo 228 adultos e 229 parvulos, a contar de i
de Janeiro a 30 de Novembro de 1791 ; na freguezia
da Granja attingiu a 250 no mesmo periodo, segundo
um computo do Capitão-mór Bento Vianna.
Havendo D. Thomaz José de Mello indagado em
data de i de Outubro de 1791 qual 0 procedimento da
Commissâo, respondeu-lhe Feo e Torres a 3 de Janeiro
29

e 9 de Março do anno seguinte reniettendo-lhe os pa


receres de Francisco Rodrigues da Cruz, Antonio Fur
tado dos Santos e Camara de Sobral em termos os mais
elogiosos. A 2 5 de Maio D. Thomaz fez também ao Mi
nistro D. Rodrigo uma e^psição de tudo que tinha re
ferencia á epidemia e á CSmmi^pão vinda ao Ceará.
Si 0 procedimento da Commissão e maxime de seu
chefe, grande talento e perito professor, diz um papel
da epocha, foi merecedor de encomios, compete á his
toria louvar egualmente a promptidão e energia das me
didas tomadas naquella emergencia pelo Capitão-General
de Pernambuco, a cuja jurisdicção pertencia a Capitania.
Sobre o total das perdas que acarretou ao Ceará a
secca de 1790—1793 poder-se-á chegara uma conclusão
mais ou menos approximada, comparando a populaçião
obtida no recenseamento feito em 1783 pelo governador
Montaury e que deu 100000 almas para a Capitania com
a do mappa do Visitador Saldanha Marinho que com-
putou a população em 53616 em 1793. Como 0 com-
puto do visitador não comprehendeu a freguezia de So
bral e se conhecem documentos firmados pelo respectivo
Vigário João Ribeiro Pessoa dando-lhe 21000 pessoas de
desobriga, ajuntando esta a aquella cifra obtem-se para
1793 0 total de 73613. Donde se poderá concluir, le
vando-se em conta 0 natural crescimento da população
durante 0 decennio decorrido (1783—1793) que a secca
roubou á Capitania, pela morte ou expatriação, nunca
menos de 35000 habitantes, 0 que confirma os dizeres de
Ayres do Cazal e dá razão aos qualificativos com que
os diversos autores trataram a secca grande.
Não mais. se ouvira falar em epidemia de febres
palustres no norte da Provincia, quando ellas irrompe
ram depois do grande inverno de 1866 na Ribeira do
Acaracu, fazendo muitas victimas, e em 1870 no alto Cu-
ryahu até ó sopé noroeste da Ibiapaba e na parte su
perior do valle do dito rio Acaracu, extendendo-se no
anno seguinte pela zona comprehendida entre a Ibiapaba,
Carnotim, Rosário, Meruoca e as terras elevadas do alto
sertão-. Concluida a estação pluviosa, a epidemia como
50

que dormitou para explodir mais terrivel em 1872 e


1875.
Descreveu-a 0 Dr. F. de Paula Pessoa p-ilho no tra
balho, que intitulou A febre intermitiente ao Norte da pro
víncia do Ceará, á cuja pag. 16 se lê que «sahindo das
margens do rio Poty, as sezões reinaram a principio na
comarca do Principe Imperial, do Piauhy. De lá propaga-
ram-se á comarca limitrophe do Ipú. D’alli a epidemia
fez caminho progressivamente, valle abaixo do rio Aca-
rahu vindo actualmente fazer grande erupção nesta ci
dade (Sobral) e seu municipio. Outro facto de summo
valor para 0 estudo da cauza deste flagello foi a mudança
das correntes dos ventos. As chuvas nos vinham em nu
vens tangidas pelo vento nordeste e este. Em 1870, 1871
e 1872 as nuvens pluviosas quasi sempre seguiram a di
recção do occidente a oriente e de sudoeste a nordeste.
A epidemia seguiu caminho nas mesmas epochas e na
mesma directriz. »
Também Cardoso Machado dizia das febres de 1791
nas Instrucções deixadas ao Licenciado Gomes Coelho
que « pelas informações e observação dos enfermos na
Barra do Acaracu e Villa de Sobral se conhece que 0
caracter da Epidemia he hua constituição bilioza; ella
produzindo sezões de todas as especies passou o anno
passado a Febres podres e Terçans perniciozas pelo vento
sudoeste que reinou, conduzindo do Piauhy miasmas epi
dêmicos, que excitarão nestà athmosphera hua maior
fermentação. »
Essas considerações são por elle desenvolvidas nos
seguintes topicos do Relatorio que apresentou ao Capitão-
General de Pernambuco:
« Os muitos corpos de animaes mortos arrastados
por aquelas cheias, 0 nimio calor, que se seguio nesse
verão e no inverno e verão de 1790, alterarão conside
ravelmente a athmosphera e produzirão hua febre inter
mitente epidemica, mas regular e ordinaria; chegado po
rem 0 inverno de 1791 acompanhado de hum vento de
Sudoeste, nunca sentido naquele Paiz e que vem da sua
parte do Piauhi, onde todos os annos ha enfermidades
31

epidêmicas mortaes, conduzidos de lá os miasmas epidê


micos p achando-se o ar não só disposto mas também
já afectado da sobredita qualidade, encontrando ao mes-
mo tempo hua temperatura de Paiz quente e húmida,
huns habitantes que desprezando ou não podendo ter
0 uso dos vegetaes se sustentão de animaes e bebem
agoas estagnadas, e que fazem hum continuado exercicio
no campo ao intenso calor do sol e a todo tempo de
chuva; todas estas causas excitarão húa fermentação mais
maligna e húa facil e prompta impreção sobre os cor
pos, principalmente aqueles que vivião aos costumes do
Paiz; de sorte que, se não viesse aquele vento, os po
vos padecerião o encomodo daquellas Febres Intermiten
tes, mas não verião enfermidades tão perigosas. Confirma
este discurso a observação. Principiarão aquellas enfer
midades apenas entrou a reinar aquele vento, e acabarão
pouco depois que elle tão bem faltou: No mez de Outu
bro, estando eu na Barra do Acaracú, e em Novembro
achando-me no Sobral apareceo o mesmo vento duas ve
zes, e não durou mais de duas horas pouco mais ou me
nos de cada vez, observei que desde então sé entrarão a
atear mais as mesmas Intermitentes, e passaria a mais se
elle tão bem durasse mais tempo. Os povos do Piauhi
ficarão esse anno izentos da sua acostumada epidemia.
Ha aqui tres fenomenos, que provão bem que aquele
vento foi a causa mediata do excesso daquela epidemia.
Comunicarem-se as mesmas Pestes por meio dos ventos
he verdade tão antiga, que já no tempo de Hipocrates,
sendo este consultado pelos Gregos sobre a Peste, que
padecião, o remedio que ensinou foi a resposta de que
tapasem as bocas de huns montes vizinhos, por onde se
communicavâo os ventos da parte dos llirios, onde todos
os annos havia a Peste. Passarem as Epidemias e ainda
as Pestes de hum lugar para outro ficando o primeiro
livre do contagio he facto observado muitas vezes, como
tem mostradó a experiencia, e afirmão os A. A., e entre
todos 0 grande Boerhaave, e seu Illustre Expozitor o Ba
rão de Van-Swieten. A constituição do clima, o calor
das Estações, o modo de vida dos habitantes, a obser-
J2

vação feita nos enfermos de cjue tratei, tudo me conduz


a persuadir-me de que o effeito produzido por semelhan
tes causas he hua constituição bilioza; a cólera, que en
tre todos os humores he o mais susceptivel de alteração,
não só vicia os humores das primeiras vias, mas ainda
o mesmo sangue até chegar a disolvelo, e corrompelo;
ella he a que está produzindo as diversas especies de Fe
bres Intermitentes, que ainda grassão naquelle Paiz, e
que podem parar ás mesmas, e mais funestas enfermi
dades para o futuro, se repetir o mesmo vento, nu se
excitarem outras cauzas, que fasso do estado epidemico
daquelas Villas. »
Aos ventos ditos pestiferos do Piauhy, ás nuvens plu-
viosas vindas do occidente e do sudoeste não coube a
responsabilidade dessas febres; sabe-o bem quem está a
par do papel das Anophelinae na transmissão da malaria
do homem, moléstia das mais espalhadas na superfície
do globo. A malaria, que é o espantalho das plagas
Amazônicas, que na Índia ataca ainda hoje centenas
de milhares de pessoas annualmente, que em 1904 fez
18000 victimas entre 240000 casos na Algeria, e con
tra a qual 0 governo Italiano tem emprehendido lucta
systematica com eflfeito surprehendente despendendo em
1905, 1906 e 1907 a bella somma de 18712, 20723 e
24350 kilogrammos de quinino e obtendo que 0 numero
de obitos que fôra de 7838 em 1905—06 baixasse a
4886 em 1906—07 e a 4160 em 1907—08, a malaria
renasce, vive e se propaga por parasitas de mais de uma
especie, protosoarios da ordem dos Hoemosporidia, Hemo-
cytozoa e Haemameba. A’ conquista dessa verdade para
a sciencia estão ligados para sempre os nomes de La-
veran jplasmodium malariae), cujos estudos vem de 1880,
e de Grassi e Feletti (plasmodium vivax).
Infelizmente não encerra estatisticas 0 escripto dó
Dr. Paula Pessoa, que em rigor é, a demais das noções
communs e conhecidas no seu tempo sobre 0 assumpto,
a historia dos enfermos sob seus cuidados e do tratamento
por elle empregado, que, não preciso ajuntar, foi 0 es
pecifico do anophelismo—a quina e seus alcalóides.
33

A secca de 1824—1825 deixou na antiga Provincia


também as mais tristes recordações, não tanto pela falta
de chuvas, que essas embora escassas não faltaram de
todo, mas pela crise politica e guerra civil que atraves
sou a Provincia e pe as epidemias que a assolaram.
A epocha foi das mais perigosas agitações, pois oc-
correrarn nella 0 levante republicano, prisões, comba
tes, commissões militares, em uma palavra, as tremen
das reacções dos periodos revolucionários. A todas essas
causas de desolação e morte, secca e fome que redusi-
ram a verdadeiros desertos varias localidades, matando
0 gado e obrigando a população a deslocar-se e a emi
grar (para 0 Maranhão sahiu muita gente), vieram ajun-
tar-se differentes moléstias, nomeadamente a variola.
Como de sempre, os pobres, que poderam escapar á
fome e aos ladrões que concluirami; a obra dos elementos
adversos roubando as fazendas e as habitações a seu ta-
lante, correram a refugiar-se em Fortaleza,.Sobral e portos
maritimos, para cahirem sob os golpes da variola. Essa epi
demia foi terrivel, mas 0 computo das suas victimasé im-
tossivel dizer, não havendo a respeito informações officiaes.
Diz 0 Senador Pompeu que a variola, que se seguiu ou
acompanhou a fome de 1826, acabou de aniquilar a popu
lação mendigante, que correra á Capital e que em algumas
ribeiras houve pasto escapando pelo menos a décima parte
do gado.
" Como si fossem poucas tantas calamidades, lembrou-
se 0 Governo de executar com rigor a lei cio recrutamento.
A responsabilidade dessa selvageria deve ser levada á conta
do commandante de armas Conrado J. de Niemeyer, por
cujas ordens foram arrancados ao Ceará para ser remet-
tidos para a Côrte 2150 recrutas, dos quaes falleceram
no decurso da viagem 412, baixaram ao hospital 514 e
extraviaram-se 58. Só 0 transporte George Frederico, sa-
hido de Fortaleza a 23 de Março de 1826, condusiu 591
dos quaes succumbiram 274 na viagem de 45 dias. O
despotismo e a variola consorciaram-se para tão enorme
sacrifício de vidas. Igual mortandade viu-se a bordo dos
brigues Imperador e Boa União, peijados também de re-
J4

crutas, aos quaes Conrado de Niemeyer negara o preven


tivo da vaccina, segundo o testemunho do presidente
Berford.
E’ do mesmo commandante de armas a seguinte
carta ao Ministro Estevam Ribeiro de Resende em data
de 23 de Novembro de 1825:
« A secca continua a fazer horriveis estragos, e hoje
soffremos, alem da fome, a peste ; moléstias desconheci
das, talvez procedidas de comidas agrestes e impuridade
das aguas, fazem estragos horriveis, e por outro lado as
bexigas não fazem menos.
« Em que tristes circumstancias se acha 0 Ceará!
Tendo sido perseguido de guerra civil, é hoje de fome e
peste! Nós sem meios alguns! O mal tornando-se geral
e mais grave! O governo sem energia e sem conceito! A
intriga lavrando! Meu Deus, que triste futuro vae apre
sentar este infeliz Ceará se 0 vosso poderoso e omnipo-
tente braço não vier em nosso auxilio!
« E’ a verdade sem exageração, que apresento a V.
Exc. para ser presente a S. M., declarando mais a V.
Exc. que se até fins de Janeiro (de 1826) não chuver,
este paiz ficará reduzido a um horroroso ermo.
« E’ unicamente para sustar os effeitos da anarchia
pelo respeito que se me conserva pelo temor que ha da
exemplar disciplina da tropa que eu dirijo todos os es
forços; ao menos os desgraçados morrem obedientes, ea
não ser este obstáculo que horrorosas scenas se não re
presentariam .? a
São de um realismo desesperador aquellas palavras
de Conrado «ao menos os desgraçados morrem obe
dientes a.
Já em Officio de i de Setembro do dito anno o pre
sidente José Felix dizia ao Ministro do Império que a
Provincia estava assolada por uma secca sem igual na
memória dos aritigos, e Salles Berford ao assumir a ad
ministração implorava do Rio soccorros urgentes para
gue não ficasse de todo aniquilada. Nesse seu officio, que
e de 8 de Fevereiro de 1826, escrevia Berford: «A ci
dade capital do Ceará apresenta um quadro tocante e
desconsolador; as ruas estão apinhadas de um sem nu
mero de mendigos, o palacio do governo e casas dos
particulares abastados constantemente cercadas desses mi
seráveis apresentando o expectaculo de esqueletos mir
rados de fome, só cobertos de pelle, representando outras
tantas imagens da morte. A miséria, a pobreza e a con
sternação aparecem em todos os pontos da provincia e
o n.o dos que tem succumbido é incalculável.»
Não obstante os clamores de toda parte, o governo
do Rio de Janeiro fez-se surdo á desgraça do Ceará;
documento de sua compaixão conheço apenas um,—o
Officio de 7 de Outubro de 1825 ao vice-presidente do
Maranhão Patricio José de Almeida e Silva—avisando que
.se expedira ordem ao Thesouro Publico para se abonar
pela respectiva Junta da.Fazenda as despezas da remessa
de 12 mil alqueires de farinha destinados aos famintos
do Ceará, mas essa mesma farinha não veio ou muito se
demorou em chegar pois que em carta de 4 de Dezembro
José Felix declarava ao ministro Visconde de Maricá que
até aquella data nenhum soccorro chegara do Maranhão.
Como si a fome e a peste permittissem delongas!
Tão atroz e prolongada demora em minorar os ma-
■fes alheios verificou-se também em 1827 quando se espe
rava que a crise se prolongasse. Foi 0 facto que havendo
0 ministro avisado a 17 de Julho de 1827 a expedição de
soccorros da Bahia e Pernambuco, grande parte desses
soccorros não havia ainda chegado ao Ceará em Março
de 1828, como se verifica da correspondência do presi
dente Berford.
Si 0 Coverno Central pouco cogitou em minorar os
soffrimentos do Ceará na secca de 1824—25, empenhado
tão somente como estava em suffocar as ultimas vozes dos
adeptos da Confederação do Equador e em abarrotar os
porões dos navios com os miseros recrutas, foi mais hu
mano seu procedimento na secca seguinte, a de 1845. A
caridade publica então também se manifestou em varias
provincias, affluindo para 0 Ceará donativos em generos
e dinheiro. Entre os que tomaram parte nessa campa
nha de bcneficcncia salicntaram-so o venerando Arcebispo
36

da Bahia, que já em 1825 tomara 110 Parlamento a de-


feza dos interesses do Ceará, 0 2° Tenente da Armada
Azevedo Coitihho, a Assembléa Provincial e Praça do
Commercio do Rio de Janeiro, os povos de Pelotas e
S. José do Norte na Provincia do Rio Grande do Sul, os
povos da Bahia, Recife e Belem do Pará, sendo que esta
foi a primeira cidade a nos fazer donativos. O total dos
soccorros enviados pelo Governo e pelas diversas Provin-
cias attingiu a 527 contos.
Sobre 0 estado sanitario então aqui deixo consigna
dos uns conceitos e informações prestadas pelo medico
da pobreza Dr. Liberato de Castro Carreira ao presi
dente da Provincia em Abril de 1846:
« E’ sem duvida uma alteração atmospherica a cau
sa das febres que ora soffremos: os symptomas, a mar
cha, indicão a existência das febres gastro-biliosas que
por algum tempo flagellarão Lausanne e Bicêtre. Admira
porem que a natureza dessas febres, atacando muitos in-
dividuos ao mesmo tempo, não tenha 0 caracter conta
gioso, sendo a causa mais determinante destas febres a
habitação em um clima quente e húmido, logares pan
tanosos, a passagem rapida de uma estação á outra, 'a
ingestão de substancias irritantes, etc., não . nos devemos
admirar do apparecimento, pois que a nossa cidade hoje
oíferece todas estas condições.
« O vento que quotidianamente banha esta cidade,
sendo de L. L. N. L. S., traz odas bordas do mar, co
bertas perennemente por um foco de emanações “delete-
rias, pêlos seus constantes pantanos, 0 germen da mo
léstia que ora soffremos; 0 que, sendo perenne, nem
sempre apparece, pela falta de outras condições que, da
das ellas, como actualmente, 0 mal tem logar.
« Escusado achamos dizer quaes são estas outras
condições; pois que «inguem ignora 0 que em nós eziste
de extraordinário; 0 sol abrasador, a temperatura ele
vada, e o calor excessivo que sentimos ha muito, nos
faz receiar desenvolvimento de moléstias epidêmicas; fe
lizmente, a salubridade do nosso clima em parte afa.sta
o terrível mal. Porem as chuvas, banhando a terra, con
37

stituem ao redor da cidade pantanos, estes pela sua eva


poração, maxime á noite, derramão na atmosphera hu
midade, e de má natureza; pois que é paludosa. Apenas
a chuva cessa, um sol abrasador parece querer tudo in
cendiar; 0 nosso terreno arenoso produz uma reverbe
ração tal, que fica toda a ajmosphera incandescida. Ac-
crescente-se ao calor atmospnericq o uso quotidiano de
substancias irritantes, a carne vacum e a farinha mucu-
nam e a croata, etc., as bebidas frias estando o corpo
em transpiração, as affecçõés tristes, e finalmente a ocio
sidade, são as causas que merecem a attenção dos clí
nicos e das authoridades, como productoras do flagello
que nos assola presentemente. »
Disse 0 Senador Pompeu que o povo, com as recor
dações das grandes seccas de 1792 e 1825, emigrara
afíluindo ás praias e ás cidades e principalmente á Capi
tal, onde a população adventiria attingiu a mais de 30000
pessoas. Acho naturalissímo que a immígração para For
taleza fôra então enorme, mas não tanta como affirma
' aquelle Senador e ,pelo simples facto do obituario da
cidade ter sido apenas de 294 pessoas em 1845, de 286
em 1846 e 170 em 1847.
Como um abrigo ao grande numero de doentes, que
ainda appareciam em consequência do flagello da secca,
0 presidente Ignacio Corrêa de Vasconcellos fez estabe-
lecer em Fortaleza uma Enfermaria a aue chamou En
fermaria da Caridade e inaugurou a 12 de Maio de 1846.
Dessa data a 31 de Maio de 1847 entraram para ella 344
doentes, dos quaes sairam restabelecidos 277, morreram
45 e ficaram em tratamento 22. Em 1848 já não existia a
Enfermaria.
Foi esse presidente, Ignacio Correia de Vasconcellos,
que lançou egualmente os alicerces do Hospital da Miseri
córdia, vasto edifício com uma extensão de 315 palmos de
frente e 22 janellas, sito ao lado Norte do então Largo
do Paiol, 0 qual augmentado e enriquecido em varias
outras administrações foi installado por Antonio Marcel-
lino e é hoje um dos Estabelecimentos públicos de que
justamente se orgulha Fortaleza.
38

Estamos agora em 1877. Havia 100 annos precisa


mente que a antiga Capitania passara por uma de suas
terriveis seccas.
Descançava a provincia na esperança de continua
rem a se escoar os annos na relativa e constante pros
peridade de que gozava desde a calamidade de 1845,
quando se accentuaram os symptomas de uma nova crise.
0 inverno de 1876 fora copioso, 1637'”"’ para Fortaleza,
si bem que irregularmente distribuido, mas grande foi a
escassez das chuvas de Janeiro a Março de 1877, e 0
povo começou a entregar-se aos receios da imminente
calamidade. Em breve surgiam de vários municipios cla
mores por soccorro e pela intervenção do Governo a
favor das classes necessitadas.
A Imprensa logo em Abril deu 0 grito de alarma.
Era chegada a i.^ leva de retirados, os quaes foram abar-
racar-se no Morro do Croatá.
No seu Relatorio de 2 de Julho 0 presidente Cae
tano Estellita depois de referir as medidas por elle to
madas declara què «sertões, outrora verdejantes e ricos,
pela fertilidade de seu solo e abundancia de seu com-
mercio, estão reduzidos a desertos, despovoados pela tor
rente da emigração que se tem estabelecido para a Ca
pital e 0 littoral da Provincia, para as suas serras e os
vales abençoados do Cariry», regista com 0 merecido
applauso os soccorros vindos de outras Provincias e lem
bra medidas adequadas a prevenir 0 recrudescimento do
flagello.
O estado sanitario, embora na ausência de qualquer
epidemia, accusava 0 apparecimento de febres intermit-
tentes e biliosas em Fortaleza, Mecejana, S. Bento d’A-
montada, Acaracu, Sant’Anna, Viçosa, Trahiry, Acarape
e Granja; nas duas ultimas localidades com pronunciada
intensidade. Em Fortaleza appareciam também casos de
variola, sendo os atacados (24) recolhidos ao lazareto da
Lagoa Funda. O mal ficou limitado aos 24.
O Relatorio de 23 de Novembro do citado presi
dente consigna que, havendo apparecido alguns casos de
variola em Fortaleza, os médicos vaccinaram cerca de
10000 pessoas e que em vários pontos da Província se
tem desenvolvido e feito victimas uma moléstia da major
gravidade, cujos symptomas são mui semelhantes aos do
beriberi; começando por inchação dos pés em uns, pre
cedida em outros de dormência e dores, vae o ma se
extendendo por todo o corpo e terminando fatalmente
pela asphyxia.
Accentuando-se de dia a dia os effeitos da secca e
com elles o soffrer cruciante da multidão desvalida, em
Dezembro a população adventicia em Fortaleza já era
superior a 80000, isto é, mais do quádruplo da sua po
pulação normal (19000); em Aracaty montava a 30000;
grandes agglomeraçOes envenenavam 0 ambiente de Batu-
rité, Pacatuba e Granja; população deslocada 160000;-
na fuga precipitada muitos deixavam a carcassa pelas
estradas e caminhos; por toda parte actos de desespero,
scenas de desolação.
Em todo 0 anno 0 pluviometro recolhera em Forta
leza 469"'"’ è 0 cemiterio tragara 2665 cadaveres, assim
distribuídos: Janeiro 63; Fèvereifo 75; Março 77; Abril
13; Maio 92; Junho 86; Julho 75; Agosto 118; Setem-
iro I91 ; Outubro 307; Novembro 480 e Dezembro 1008,
Tinham contribuído para a cifra inaudita principal
mente as febres biliosas, a dysenteria e a anazarca, ulttma
expressão da anemia e discrasia do sangue e também
resultado da ingestão da mucunã e de outros vegetaes
venenosos a que a fome forçava os desventurados, ex-
gottados os recursos de toda especie.
Durante 1877 despenderão Governo 2426 contos e
a caridade particular 287; serviram para alguma cousa—
prolongar os soffrímentos aos que a morte ia poupando.
Entrou 0 anno de 1878 e com elle entraram a cres
cer ao infinito as angustias do infeliz povo cearense. Mor-
ria-se de fome, puramente de fome nas ruas das cidades,
pelas estradas: «Depois de alimentar-se de raizes silves
tres (especialmente da mucunã), de algumas especie de
cactus (chíque-chioue, mandacaru) e bromelias (coroatá,
macambira), do palmito da carnaúba e de outras palmei
ras, das amêndoas e entrecasca dos cocos, 0 faminto pas-
40

sara a comír as carnes mais repugnantes, como a dos


cães, a dos abutres e corvos, e a dos reptis. Si bem que
raros deram-se casos de antrojjophagia; e por cumulo de
horror, ainda houve não sei si diga um perverso, si um
infeliz que procurou no municipio de Lavras vender, ou
trocar por farinha, um resto^de carne humana de que se
alimentava. Alguns cadaveres foram encontrados que con
servavam nos membros semi-devorados os signaes do ex
tremo desespero das victimas da fome» (Relatório do
presidente José Julio).
Dizer 0 que foram esses 12 longos e terribilissimos
mezes doe fundo e repugna á penna mais indifferente.
Eu fui testemunha de mil quadros de dôr e angustia
sobrehumanas de uma população inteira a braços com 0
maior flagello que regista a historia moderna, e ainda hoje,
tantos annos já passados, se me confrange a alma ao
recordal-os, e toquei tanto mais de perto essas dores e
soflFrimentos pois que fui 0 medico dos retirantes'que
affluiram para Maranguape, coube-me a pesada e triste
commissão de prestar soccorros médicos aos abarraca
mentos de Tijubana e do Alto da Pimenta, ó celebre
abarracamento do Alto da Pimenta, e de ser posterior
mente 0 Fiscal por parte do Governo no Hospital de
Misericórdia.
Enviado para 0 Alto da Pimenta, encontrei nelle
20>470 retirados, dos quaes 5681 atacados de variola ou
soffrendo de suas consequências! E eu era 0 unico me
dico para toda essa multidão I
Quando em Maranguape, tive ocçasião de verificar
alem das moléstias communs á quadra diversos casos de
hemeralopia, tão impressionadores daquella pobre gente,
mormente das creanças. Outros casos observei ainda no
abarracamento de Pacatuba e sobre uns e outros, em nu
mero de 60, escrevi uma Memória, que apresentei ao Go
verno. A ella se refere 0 presidente José Julio em seu
Relatório de 1 de Npvembro de 1878.
Um tratamento energicamente tonificante fazia des-
apparecer a singular affecção visual; a medicação popu
lar empregada contra ella, e que surtia effeito, era a in-
4>

stillação nos olhos da salmoura do fígado do boi ou car


neiro levado ao fogo.
Gubler nos seus Commentarios ao Codex cita o em
prego do fel do boi contra a hemeralopia.
Em Acarahu também foram observados casos da ce
gueira nocturna.
Poder-se-á julgar ao certo o que era o Ceará de 1878
sob 0 ponto de vista da hygiene, das moléstias e da morta
lidade ? Impossivel. Onde a hygiene com a pavorosa agglo-
meração dos que a desgraça feria? Onde a hygiene, si
300000 emigrados se agrupavam nas cidades e villas do
littoral, apinhados sob as arvores, em choças miserrimas ou
em immundos abarracamentos ? Que resistência poderiam
offerecer ás enfermidades organismos extenuados pela
fome e sede, e por todas as dores moráes ? Febres de dif-
ferentes typos, 0 beriberi, a anazarca ceifavam os pobres
retirantes; os abarracaméntos se convertiam aos poucos
em hospitaes; Fortaleza, 0 derradeiro marco na via dolo
rosa, era como uma necropole, e sobre ella, e sobre to
dos, miseráveis e mal remediados, porquanto já não ha
via ricos e sim irmãos e socios de infortúnio, vinha afi
nal extenderseu manto de horror a variola, a inesquecí
vel epidemia de variola.
Era o remate á obYa da febre biliosa, que, cançada
de laborar entre os retirados, roubava ao Ceará homens
como Antonio Mendes, Antonio Mamede e Symphronio
de Souza, do beriberi que tantas vidas ceifou em For
taleza, e entre ellas Rocha Lima, em Aracaty e Sobral
onde matava em poucos dias, da anazarca, da dysenteria,
do oceano de males, numa palavra, em que se afogava
á população.
Estava a variola em Parahyba e Rio Grande.
Avisado dá‘-e;jninencia do perigo, 0 presidente José
Julio recommendòü instantemente a vaccinação e revacci-
nação e tomou as medidas, que a urgência das cifcumstan-
cias requeria. .
Era um labor insano pois que os indigentes abar-
racados em Fortaleza montavam a 125000, dos quaes
90 ®/o não vaccinados, mas seria a salvação ou ao menos
42

valiosissimo empecilho ao desenvolvimento de uma epi


demia e os médicos, que durante o decurso da secca esti
veram na altura de sua nobre e espinhosa missão, puze-
ram-se em campo,
A Inspectoria de Saude,em seu Relatorio de Outubro
de 1868, tratando do apparecimento de uma pequena
epidemia de variola, attribuiu-a á falta de vaccinação e
á má qualidade da vaccina remettida do Rio de Janeiro
e ajuntou que em ninguém ella dera resultado; da ruim
qualidade e inefficacia da lympha falam também muitos
outros Relatórios anteriores e posteriores aaquelle; não
foi, porem, esse 0 óbice unico que tiveram de enfrentar
os médicos em 1878, tenaz e invencivel obstáculo foi a
repugnância do povo em ácceitar 0 preservativo. Debalde
pregavam os padres sobre suas' vantagens, debalde apre
goavam os médicos sua necessidade; ia-se até aos meios
de cnacção, ás medidas de rigor; tudo improficuo; não'que
riam introduzir a peste no corpo e nisto ficavam. Pí::i
ara
demonstrar 0 limitado numero dos que se submetteram
á operação tão simples e tão salvadora basta citar entre
muitos 0 seguinte facto: no mez de Novembro entraram
para 0 Lazareto de S. Sebastião 875 variolosos e desses
eram vaccinados apenas ]2. E nenhum dos vaccinados
succumbiu.
A tantos combustiveis para 0 incêndio, que se pre
parava, vinha ajuntar-se mais esse, parto infeliz da igno
rância e da superstição, e era um de capital importância.
Campo vasto estava preparado para a seára da morte.
A variola penetrou no Ceará e foi 0 Aracaty 0 primeiro
ponto invadido. Contagiaram-no fugitivos de Mossoró,
onde, como em outros logares do Rio Grande, reinava
a variola; do Aracaty vieram bandos, e foram contami
nados de chofre os abarracamentos de^fortaleza, a co
meçar pelo do Alto da Pimenta. Foi isso em Setembro.
Em breve todas as formas da variola, desde a hemor-
rhagica muito frequente, e á qual raros escaparam, desde
a terrivelmente confluente até a discreta, todas as varie
dades, conhecidas entre 0 povo por pelle de lixa, olho de
polvo, tabardia, canudo, fogo, cahiram sobre a população
45

em sua obra de extermínio. Não havia casa sem prantos;


até no palacio da Presidência fazia pasto a peste impla
cável. Ninguém confiava no dia de amanhã. Só a vaccina
mostrava-se sobranceira, victoriosa em meio do naufragio
de todas as medicações empregadas.
Em Setembro a mortalidade pela variola era de 62
pessoas e em Outubro já attingia ã 592. Mas 0 que sao
essas cifras ante os 9844 mortos em Novembro e os 14491
em Dezembro? Parece phantastico tudo isso, e todavia
foi uma realidade, tremenda realidade.
No dia 8 de Dezembro, lembro-me bem da terrível
data, falleceraiti 1008 pessoas de variola eiii Fortaleza;
falleceram, digo mal, chegaram ao Cemiterio da Lagoa
Funda 1008 cadaveres, alguns ficando por enterrar pelo
dos coveiros! E 0 numero dos mortos devia ter
sido muito maior porque em torno da cidade, pelos matlos
e nas vaílados inhumavam-se cadaveres ou se os deixava
apodrecer insepultos! Pode-se affirmar sein medo de erro
que foi de 500 a media dos obitos por dia em Fortaleza
no mez de Dezembro. E no Rio de Janeiro subiu ao
auge 0 clamor porque em todo 0 anno de 1904 se ti
nham registado 5566 obitos pela variola!
A noticia do nosso miserando estado echoou e im
pressionou 0 mundo inteiro. O New-)!ork Herald enviou
um representante a estudar de visu 0 theatro de tantos
horrores, e 0 Governo Inglez pediu-me um Relatorio so
bre a peste negra, que devorava 0 Ceará.
Fique aqui registado como tremenda lição e aviso
aos Governos e aos povos 0 obituario em Fortaleza em
1878;

Janeiro 1641 Julho . . • 5655


Fevereiro 21 10 Agosto . 2275
Março. 3291 Setembro. 1358
Abril . 5889 Outubro . •757
Maio . 5895 Novembro . I1065
Junho. 5409 Dezembro • '5435
22235 35545
44

Tutal 57.780. E desse total 24884 á conta da va


ríola.
Comparem-se agora esses algarismos com os que for
neceu 0 obituario de Fortaleza no decénnio anterior para
todas as moléstias e veja-se a differença:
1867—49}; 1868—596; 1869—527; 1870—651 ;
1871—624; 1872—683; 1873—878; 1874—666; 1875—
725: 1876—803..
O Ceará em 1878 perdia 174000 de seus filhos, sendo
mortos I I9000 e expatriados 55000.
P^indara 1878, de angustiosa recordação. Que nos
reservaria 0 novo anno í O mez de Janeiro registou ainda
a enorme cifra de 2134 obitos por variola em Fortaleza,
mas em Fevereiro descia o n.° a 176 e em Março a 107.
Saciara-se 0 minotauro.
Arrolada a população existente nos 10 abarracamen
tos, a 10 de Fevereiro achou-se ser ella ainda de 80000,
sendo que no do Alto da Pimenta havia 5788 famílias
com 22967 pessoas.
Como Fortaleza, todas as demais localidades da Pro
víncia ofíereciam 0 mais desolador estado em que as dei
xara 0 monstro implacável.
Em vários logares onde o povo se agglomerara egual-
mente a mortalidade subiu de ponto, em Maranguape por
exemplo; nas minhas Datas e Factos para a historia do
Ceará, vol. 2.“, estão consignados os seguintes dados com
relação a essa localidade:

Annos Casamentos Baptisados Obitos

187 52 883 495


187 4' 703 3896
1879 97 483 1 193
1880 1*5 624 252
1881 203 765 250
1882 259 908 198

O inverno de 1880 veio afinal pôr um termo aos


soffrimentos do Ceará.
45

Que fez o Governo Geral em bem da extincção da


varíola ? A de Janeiro aportava á Fortaleza uma com-
missão de 5 médicos e 2 pharmaceuticos. Entre as in-
strucções que trazia resava a 9.^ assim : telegraphar para
a Côrte informando sobre a natureza da moléstia. Veja-se
o Jornal Official. Na Capital dojmperio ainda em Ja
neiro de 1S79 ignorava-se a natureza do morbus, que
anniquilara 0 Ceará !!
« Essa Commissão, diz 0 Relatorio do Ministro Leon-
cio de Carvalho, consta ter prestado consideráveis servi
ços á saude publica. » O Ceará os ignora por completo.
Que custou ao Governo a secca de 1877—79.?
Trinta mil contos de réis, incluindo-se nelles as cres
cidas despezas com obras geraes, provinciaes e munici-
paes, a alimentação dos operários das Estradas de Ferrp
de gobral e Baturité e do Telegrapho, 0 sustento dos
presos, a Commissão para Estudos da Secca e outras
muitas verbas arroladas sob a rubrica Secca do Ceará
)ara avolumal-as á nossa conta e nos serem atiradas á
áce, trinta mil contos que 0 Ceará indemnisou só com
a renda da Alfandega de Fortaleza nos 13 annos seguin
tes á catastrophe.
Sendo, como era, a população do Ceará de 900000
pessoas e distribuída por ella a grande quantia, a cada
cearense durante os 3 annos coube a diaria de menos
de trinta réis. Mas a campanha contra a febre amárella
no Rio de Janeiro tem custado ao Erário publico 8000
contos, e nós cearenses temos somente palavras de lou
vor para 0 Governo que se mostra humano e na altura
de seu dever procurando zelar os nossos créditos de na
ção civilizada, mas com 0 Theatro Municipal do Rio de
Janeiro despenderam-se 12000 contos.
E ao Ceará 0 que custou a secca de 1877—79?
O desapparecimento total da industria creadora, que
é a principal riqueza cearense;
A ruina de toda fortuna particular;
1800Q0 mortos, cabendo á Fortaleza 67267;
46

125000 expatriados, ou a perda equivalentè a 375


mil contos.
Foi assim a secca de 1877, 1878 e 1879, longa e
pavorosa caminhada de um povo heroico atravez dos mais
cruéis soffrimentos, victima da inclemencia da natureza,
victima da própria imprevidencia, victima das desorienta
ções e erros dos administradores, victima das d^redaçOes
e ganancia de desalmados ás dezenas, não Cearenses,
que nenhum sé apresentou rico d^ois da calamidade,
como ãprouve á imprensa de certas Prpvinciás apregoar é
se ouviu de Senadores, um delles Cearense infelizmente,
em pleno Parlamento, ihas Brasileiros que especularam
com as nossas desgraças e se fizeram millionarios rece
bendo dos cofres públicos os valores de carregamentos
de generos, que nunca chegaram ao Ceará, ou enviando
aos famintos farinha derrancada e carne secca pôdre.
; E porque nas crises, como essa, ao lado dos forne
cedores e commissarios, que os houve também indignos
e pouco escrupulosos, surgem vultos a attrahir respeito e
admiração, ficaram e ficarão para sempre gravados na
alma cearense os nomes de tantos benemeritos, de tantos
filhos de outras Provincias que nos deram a esmola de
seus favores e sua Compaixão, do inclyto Pedro 11 cujos
lábios proferiram esta phrase, que eu quizera ver inscripta
na base da estatua, que a gratidão vae erguer-lhe: «ven
dam-se as jóias da coroa mas não morra de fome um
cearense», desse venerando bispo D. Luiz Antonio dos
Santos, novo Mathias de Figueredo ou Thomaz da En
carnação, a cujo exemplo admiravel multiplicaram-se os
Leorne, os Prat, os Gurgel e os Ananias, de José Julio
tle Albuquerque Barros, cuja alma surprehendi em ancias
de toda especie, de toda Corporação Medica, afóra os in-
numeros anonymos cuja cooperação e serviços preciosos
só elles proprios e Deus conheceram.
Dez annos depois dos horrores de 77—79, nova
secca salteou a Proyincia e com ella sua companheira a
varíola, mas a população de Fortaleza, embora accrescida
de 20 a 25 mil adventicios, estava como immunizada;
47

servira-lhe ao menos para isso a epidemia anterior. Nesse


tempo, de Setembro de 1888 a Julho de 1889, perdeu 0
Ceará pela expatriaçSo 34259 de seus filhos. E nunca
mais se estancou a emigração Cearense, sobretudo para
0 matadouro da Amazônia.
Dahi em diante a varíola tomou-se endemiça,fazèhdo
víctimas de vez em quando nas classes inferiores. . Em
Agosto de 1900 çrassou epidemicamente. Hoje Fortaleza
expungiu essa entidade do seu quadro nosologico e faz-se
um exemplo ás .demais capitaes do paiz—os habitantes
de Fortaleza não mais se arreceam da varíola. Expulsou-a
de seu recinto a vaccina, a nunca assaz louvada vaccina,
convenientemente applicada e diffiindida pelos agentes do
poder publico e principalmente por esse brasileiro, be-
nemeríto, que se chama Rodolpho Marcos Theophilo.
Honra lhe seja.

varíola no ceará no século 19


ANNOS LOCALIDADES ATACADAS

1804 . . . Fortaleza, Arâcáty.


1814 . . . Fortaleza, cüja população era de 3000
almas, segundo Barba Alardo.
1818 . Fortaleza.
1825 . . . Logares de agglomeraçãb: das víctimas
da secca.
1826—28. . ComárCas do Crato e Jardim/nas quaés
segundo 0 testemunho do Coronel
José Victoriano Maciel succumbiram
trese mil pessoas nos tres annos.
1845 . . . Logares de agglomeração das victíihas
da secca.
1849 . . . Sul da Província, Aracaty, Fortaleza.
1854 . . . Aracaty.
1855 . . . Aracaty, Granja, Sobral.
1857 e 1858. Fortaleza, Marauguape, CauHipe, Siu^
pé, Aracaty, Sobral.
48

ANNOS LOCALIDADES ATACADAS

1859 . . . Fortaleza, Jubaia, Pacatuba, Acarape,


Tabatinga.
1860 . . . Icó, Lavras.
1878 e 1879. Todo 0 Ceará.
1890 . . . Fortaleza.
1891 . . .

* *

Fóra das epochas de secca o Ceará tem sido tam


bém accommettido de/serias epidemias, como aconteceu
em 1851 com a Febre Amárella, em 1862 com 0 Cholera
e ultimamente com a Dysenteria e a Peste Bubônica.
Febre Amarella. Em 1849 na Provincia da.Bahia ir
rompeu a febre amarella. Viera de Nova Orleans no bri
gue americano «BraziL, que chegou alli a 30 de Setem
bro, havendo fallecido a bordo durante a travessia vários
individuos.
Apezar de estar grassando a febre amarella no porto
da procedência e em Havana onde se demorara,, apezar
de se terem dado obitos a bordo, teve 0 «Brazij» livre
entráda na Bahia,.irregularidade de que se veio a ter
conhecimento só a 2 de Outubro por um artigo inserto
no Correio MercantiL
Foram suas primeiras victimas 0 caixeiro da botica
onde 0 capitão comprou medicamentos, 0 Cônsul Ameri
cano Thomaz Turner e G. S. Sanville, súbdito Inglês, em
cuja casa se hospedara 0 capitão.
Do «Brazil» passou-se 0 mal a um navio Sueco, re
centemente chegado de.Lisboa, que lhe ficava perto e que
perdeu quasi toda marinhagem, e desse a todo 0 ancora
douro, ás freguezias contiguas, ás do centro, aos subúr
bios, ao littoral e a povoações distantes do littoral 10 e
12 léguas.
Da Bahia (estendeu-se a febre amarella, levada a
bordo do navio flavarre, ao Rio de Janeiro, onde appare-
49

ceram os primeiros casos em fins de Dezembro e conti


nuaram té fins de Agosto,, do ãnno seguinte, sendo.muito
mortifera a epidemia, e a Pernambuco. Pode-sé acompa
nhar seus passos em Pernambuco dizendo (^ue "a 28 de
Dezembro entrou accommettido para p hospital da Boa
Vista um marinheiro,do brigue francês Alcyon, ha ppüco,
vindo também da Bahia, logo depois um enfermo do hos- ,
pitai era atacado e vinhla a fallecer, a i de íJarieiro de
1850, seguindo-se a este 0 pharmaceutico dc Estabeleci
mento, que succumbiu a 4. D'ahi accommetteu 0 bairro
da Boa Vista e se espraiou por toda a cidade.
£m seguida foram visitadas as provincias dor Pará,
Maranhão, Parahyba,- Alagoas, Sergipe, e S. Paülò.
Do Maranhão, onde appareceu em Fevereiro de 1851,
foi que Veio importada para 0, Ceará.
Por mal entendido ou antes criminosò receio dé
aterrar a população calaram os médicos Maranhenses 0
verdadeiro caracter da febre alli dominante, e .assim, des-
Dercebidas as auctoridades, fazia el,la entrada em Fòrta-
eza a 4 de Junho, sendo seu portador um .'passageiro
do vapor S. Sebastião. ;
Foi 0 Dr. José Lourenço de Castro, Silva qüèm de- ,
nuncioii pela imprensa a existência de tão fatal hospede
(Jornal Cearense de '27 de Junho).
A esse illustre medico, a çeus collegas Almeida Rego
(presidente da Provincia), Castro Carreira e Marcos José
Theophilo, pharmaceuticos Antonio Mamede, a cujo cen
tenário Fortaleza acaba de assistir com justo regosijo,
Antonio Theodorico e Ferreira e cidadão Cândido Pam-
plona deveu a cidade então serviços muito relevantes.
O Dr. Marcos Theophilo e 0 cirurgião militar José
Joaquim Machado rebellaram-se a principio contra 0 dia
gnostico de febre amarella e capitularam de febres gástri
cas e intermittentes os casos a seus cuidados, mas a 11
de Julho assignavam com seus collegas 0 Parecer da
Commissão Medica reunida na sala das Conferências do
Palacio do Governo.
Os primeiros casos de febre amarella occorreram em
habitações sitas na Praça de Palacio, actual General Ti-
50

burcio, e alargando a zona da devastação ella atacou o


Oiteiro, Pajehu, Garrote, Jacarecanga e mais suburbios.
Agosto foi 0 mez de sua recrudescencia, apparecendo
ao mesmo tempo casos de sarampo e variola, que se dis
siparam com 0 isolamento dos affectados; em Setembro
declinou sensivelmente, para recrudescer logo depois e
prolongar-se até Abril"de 1852. Raros extrangeiros na
cidade deixaram de ser accommettidos com mais ou me
nos violência, 0 mesmo se deu com os sertanejos, mas
as tripolações dos navios, quer nacionaes quer extrangei
ros, não registaram um só caso no decurso do mal. As
theorias modernas explicam 0 facto: estabelecida por el-
las completa sequestração ou quarentena com a terra,
não houve Qccasião das stegomiias fasciata exercitarem
seu papel de agentes de elaboração e transmissão do
perigoso morbus á gente do mar.
Numa população de 15000 pessoas, que era, en
tão a de Fortaleza, calcula-se que foram atacados 8000,
dando-se apenas 261 obitos, sendo 151 homens e 1 10
mulheres, 0 que indica a benignidade da epidemia.
0 quadro adiante marca a invasão e terminação, n.«>
de atacados e fallecidos nas outras localidades da Pro-
vincia:
il.
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CO

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Data da termi ° s
Data da invasão O U O ec
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S o Aquiraz Julho de 1851 Dezembro de 1851 250 21
< S*
, g" •» Outubro » » 200 16
5*
Soure . . . • •
n I200 I20
.» f> Junho » 1852
Baturité . . . .
CO N 1360 90
» Dezembro » 1851
tt TT Maranguape . . .
J> Novembro » 150 3
Í1 <
Quixeramobim . .
-O Dezembro » » 580 26
033 Cascavel . . . . Outubro
< ^ n Março » » 5000 99
»
s “3 Aracaty' . . .
0.fP fP Abril » » 700 29
g 3,5 S. Bernardo de Russas
» » Fevereiro » > 3300 92
Icó . . . • . •
£2.g E. Acarahu . . . . Fevereiro » 1852 Abril » 1852 700 Í2
3
Maio » » Agosto » » 4000 I24
Sobral
g
8 S“
Si“ rt.
n V
52

ram egualmente, com excepção do de Canoa Quebrada,


habitado por pescadores, que ficaram immunes por se
haverem retirado de qualquer communicação com os pon
tos atacados. Um morador de Aracaty transportando-se
a S. Bernardo de Russas foi o transmissor do mal para
essa villa, que lhe fica a lo legoas de distancia, como um
soldado vindo já doente de S. Bernardo foi quem o levou
para Icó. Em Aracaty entrou elle por via maritima. Em
Sobral houve dia de serem accommettidas 200 pessoas,
sendo Julho 0 mez dos maiores estragos. Nessa cidade
devido ao mau cheiro exhalado das sepulturas cessaram
de ser celebrados os Officios Divinos em algumas Egrejas,
e sobre os tectos dellas esvoaçavam bandos de urubus.
Sobre essa Epidemia ha um trabalho devido á penna
do Dr. Castro Carreira, que foi mais tarde representante
do Ceará no Senado do Império; intitula-se Descrípção da
^idemia da febre amarella que grassou na Província do
Ceará em iSji e 18^2, Rio de Janeiro, Typ. de N. L.
Viana Junior, 1853.
Em 1853 manifestou-se de novo a febre amarella
em Sobral e Icó; em Setembro de 1854 em Granja, sen
do atacadas 1346 pessoas e 30 fallecidas; em Março de
1855 em Sobra, com 17 pessoas atacadas e i fallecida;
em 1856 em Aracaty, contando-se entre as victimas 0
medico Inglês Dr. Mallet, no districto de Mutamba, onde
fez 25 victimas, em S. Bernardo, Sobral e Imperatriz;
em 1858 em Canindé, Cascavel, Baturité e Acarape; em
1861 em Baturité, em 1862 em Sobral e 1876 de novo
em Sobral.
Em Fortaleza de vez em quando, com interregnos
mais ou menos longos, apparecem casos isolados de fe
bre em extrangeiros ou nacionaes chegados do interio»',
mormente os das serras, mas esses casos não auctorizam
a affirmar-lhe um caracter endemico, no rigor scientifico
da palavra.
Dous casos occorridos não ha muito em Quixadá fo
ram de molde a impressionar 0 povo pelas pessoas ac
commettidas: 0 notável Benedictino D. Mauricio Prichzy
fallecido a 13 de Janeiro, e 0 Engenheiro Milton Under-
53

down vindo por mandado do Governo Federal estudar a


appiicação da cultura secca no Ceará e fallecido a n de
Agosto de 1907. D. Maurício havia 8 annos que era resi
dente no Brasil e inda em 1899 fôra enfermeiro de vários
amarellentos em Recife. Precederam ao seu fallecimento
naquella localidade os de tres italianos, da familia Pa-
racampos, recem-chegados da Europa via Pará e Mara
nhão, onde se estavam dando casos de febre.
Cholera-Morbüs. Em Março de 1856 a população de
Fortaleza e consecülivamente de toda Província era ater-
rorisada com as communicações feitas ao presidente Paes
Barreto pelas auctoridades de Acaracu e Sobral de ter
alli apparecido 0 cholera; affirmava-se que chegado á
i .a daquellas localidades um hiate procedente de Per
nambuco, haviam adoecido immediatamente dois passa
geiros com symptomas do mal. O presidente tomou as
mftdidas que as circumstancias requeriam, mandou bus
car médicos no Rio, Bahia e Alagoas, entre os quaes
contavam-se os Drs. José Lourenço de Magalhães, João
Antonio Saraiva e Thomaz Hall, remetteu médicos e am-
bulancias para os pontos suspeitos, fez construir em For
taleza a Enfermaria do Oiteiro e augmentar 0 cemiterio
dando-lhe mais 120 palmos de frente e 300 de fundo,
0 que 0 tornou 3 vezes maior.
A Paes Barreto se deve também 0 Lazaretp da La
goa Funda. Ordenada a construcção do Lazareto por
deliberação de 5 de Novembro de 1855 foi elle feito
pelo contractante Fernando Hitskhy em terrenos do Bri-
gadeirô Francisco Xavier Torres e a este comprados por
3:5oo$ooo, segundo consta da Ordem do Thesouro Na
cional n.“ 63 de 20 de Dezembro de 1865. O edifício,
em que se despendeu a quantia de 3:9751800, ficou con
cluído a 7 de Março de 1856.
O Ceará, porem, desta vez passou incólume do ter
rível mal que perseguia a outras Províncias, e veio a
conhecel-o só seis annos depois.
A epidemia do cholera manifestou-se na Província,
e pela i." vez, pela cidade do Icó. Foi isso a 5 de Abril
54

de 1862. Trouxe-a um forasteiro, chegado do Rio do


Peixe. Chamava-se José Leandro Tavares a i.a victima.
No Icó tomou ella proporções aterradoras, pois houve
dia de 40 obitos numa população de 4000 habitantes.
Dahi propagou-se aos diversos pontos, verificando-se sem
pre sua transmissão pelos boiadeiros ou por fugitivos de
íogares já accommettidos. Não escaparam ao contagio Ara-
caty, S. Bernardo de Russas (Taboleiro de Areia), Tauhá
(20 de Abril), Sucatinga, Pacatuba (21 de Maio), Quixe-
ramobim (24 de Maio), Lavras (29 de Maio, Baturité,
Grato, Acarape (12 de Junho), Maranguape, Mi agres, Var-
zea-Alegre, etc. A essa ultima localidade veio trazida
)or um individuo, que servira de coveiro em Icó e cuja
ámilia (6 pessoas) foi logo accommettida.
Em Fortaleza começou a reinar no dia i} de Maio
e fez 3Ó2 victimas assim distribuidas: Maio 47, Junho
138, Julho 124, Agosto 34, Setembro 6, Outubro 5, No
vembro 3 e Dezembro 5. A i.a pessoa fallecida (14 de
Maio) foi João Pinto, casado, de 50 annos de edade.
Nesse tempo de provações para Fortaleza 0 Dr.
José Lourenço prestou, como em 1851, assignalados ser
viços. Ajudavam-o na Commissão do Oiteiro os cidadãos
Majcos Apolonio da Silva, José Florentino de Andrade
e José Teixeira Pinto, 0 mesmo que em 1877 foi um
dos meus auxiliares em Maranguape na epidemia de fe
bres biliosas.
A cifra mortuaria em Fortaleza (362) foi mui dimi
nuta comparativamente á registada em Maranguape. Foi
essa loca idade a que mais padeceu na Provincia. Fa-
milias inteiras desappareceram. Começou 0 n.® das vi
ctimas por I a 16 de Junho e no dia seguinte já attingia
a 6 e no dia 27 a 28; no dia i de Julho contavam-se
36 victimas, a 4 eram 61 e a 6 eram 64 (foi 0 dia de
maior mortalidade) e assim ora mais ora menos até 19
de Julho quando começou a declinar (14 obitos).
A população já se suppunha livre do flagello quando
elle irrompeu de novo furoso. Deu azo a isso a aber
tura da casa, situada no centro da villa, que tinha ser
vido para hospital dos cholericos e que havia dois mezes
55

estava fechada; tinha-se de fazer nella alguns reparos e


estava sendo excavado o solo; as pessoas a quem se en
carregara 0 serviço foram logo atacadas, o official de jus
tiça Manoel Martins, que abriu as portas, esse no dia
seguinte estava enterrado.
O total dos obitos em Maranguape attingíu a 1960,
sendo só em Junho 251 e em Julho 834. O n.“ provável
das pessoas accommettidas nâo foi inferior a 5000. Re
leva consignar os serviços prestados ahi nessa ejpocha omi-
nosa pelo Bacharel J. A. de Almeida Castro, P.e Galindo
Cavalcante e Coronel J. J. de Sousa Sombra^ este princi
palmente. O Coronel Sombra, inda hoje felizmente exis
tente, foi sempre um benemerito de Maranguape; possuo
no meu archivo documentos pelos quaes se prova que
por elle, um simples curioso, foram tratados e medicados
gratuitamente de 1866 a 1867 enfermos em n.® de 8591!
O pânico produzido em Maranguape pelá epidemia
tocou ao seu auge; muitas pessoas foram sepultadas vi
vas; 0 serviço dos enterramentos era feito por presos a
quem se havia promettido 0 perdão das penas, que es
tavam cumprindo.
O facto de enterramentos de vivos occorreu também
em Fortaleza; sei de um capitania, de nome Raymundo,
que ao voltar do mar nâo mais encontrou a mãe que
fôra levada a sepultar; elle corre entre prantos ao ce
mitério, dava-lhe azas 0 amor filial, atira-se á valia, e
retira a pobre mulher que eslava ainda viva, mas que
logo depois exhalava 0 ultimo suspiro entre seus braços.
De horrores taes já Lucrecio nos fala nas paginas do
seu De rerum natura quando trata da peste de Athenas.
Outra localidade a largo tributo foi Baturité.
Inda hoje narram os velhos a impressão causada pelas
enormes fogueiras ateiadas com 0 alcatrão, que 0 Go
verno enviara para alli e que posto em grandes buracos
pelas ruas era queimado como desinfectante; assemelha
vam-se a cirios colossaes a illuminar 0 esquife da cidade.
Mas nada tão impressionador como as procissOes de
penitencia ; na frente uma grande cruz cingidá com uma
56

toalha branca, uma matraca a soar, o padre de alva e


estola preta a entoar em voz cavernosa e soturna o Pse-
nitet e após a multidão dos fieis, uns com grandes pe
dras sobre a cabeça, outros com barricas ou pesados ma
deiros, descalços, todos a percutirem o peito a clamar
misericórdia ou a verter o sangue a mercê dos azorra-
gues; as casas de portas e janellas fechadas, ninguém
ousando olhar os penitentes porque então sobrecarrega
ria a consciência com os peccados delles; ao chegar ao
templo, mal allumiado, ao clarão dubio de poucas velas,
muitos se atiravam ao chão para que a multidão lhes
passasse por cima, outros permaneciam immoveis de bra
ços abertos, e a cada canto gemidos e o tilintar das dis
ciplinas a cortarem as carnes sem piedade. As disciplinas
eram laminas de ferro, dentadas, de lo centimetros mais
ou menos, presas a cordões.
Scenas eguaes presenciou Fortaleza, embora a be-
nignidade do mal.
Entre as victimas perdeu o Ceará vários zelosos sa
cerdotes: Leoncio Cândido do Carmo Chaves, coadjuctor
de Russas (3 de Maio), João Felippe Pereira, vigário de
Tauhá, Manoel Antonio de Lemos Braga, vigário de S.
Matheus (14 de Maio), Joaquim Virissimo Baptista e Vi
cente de Lima Wanderley, residentes em Icó, Tito José
de Castro Silva Menezes, coadjuctor de Aracaty (22 de
Maio), Pontes, residente em Varzea Alegre, Conego An
tonio de Castro Silva, residente em Arronches (13 de
Julho), João Marrocos Telles, do Crato, e Ângelo Cus
todio de Oliveira, capellão de Acarape. Succumbiram
egualmente os médicos Dr. Joaquim Barbosa Cordeiro em
Baturité e em Maranguape Dr. Pedro Cesar, natural de
Pernambuco. O cadaver deste foi transportado ao cemi
tério pelo seu collega’ Dr. Rufino de A encar e Coronel
Tristão de Alencar, recusando-se 0 povo por ãtemorisado
a praticar esse' acto de caridade christã. A energia dos
dous irmãos Alencares serviu para levantar 0 espirito pu
blico do abatimento em que jazia.
Em fins de Agosto do anno seguinte estava extincta
a epidemia em toda Provincia, tendo-lhe custado a perda
57

de nooo habs. approximadamente, como se vê da se


guinte relação:

OBITUARIO PELO CHOLERA EM 1862

Termo de Jardim 500


» de Milagres 204
» de Grato 1100
» de Barbalha. . . . . 200
» de Cachoeira 70
» de Quixeramobim. . . 120
» de Cascavel . . . . 360
» de Aquiraz . . . . 250
» de Baturité . . 1350
» de Maranguape. . . . 1960
Freguézia de Missão Velha . . .48
Comarca de Icó 1400
» de Aracaty . . , . 1000
j> . de Inhamuns . . . . 280
» Saboeiro 460
Municipío de Russas inclusive Mo
rada Nova 500
Arronches, Soure e Mucuripe . . 200
Tucunduba. 12
Baixa-Verde 26
Fortaleza . 362

Sobre a Epidemia do Cholera-morbus no Ceará em


1862 ha publicado um Relatorio apresentado ao Presi
dente Dr. José Bento pelo Dr. Antonio Manoel de Me
deiros (*). Os primeiros casos observados por esse distin-
cto profissiona na sua commissão ao interior foram os

{*) fielatorio apresentado ao Illm. Bxm. Sr. Dr. José Ben


to da Cunha Ftgueiredo Junior, presidente da Província do Ceará
pelo Dr. ÃntODlio Manoel de Medeiros. l.° Cirurgiáo do Corpo
de Saude do Exercito, em oommiss&o nas comarcas do Orato
e Jardim, durante a epidemia do Choiera-morbus em 1892,
Ceará, Imp. na Typ. Brazileira, 1863, in .8° de 22 pp.
?8

de quatro indios dos aldeiados em 1860 por Manoel José


de Sousa no sitio Cachorra-morta, termo de Milagres.
Eram esses indios os Chocós e descendiam da Missão
da Baixa Verde (Pajeú de Flores), fundada no principio
do século passado pelo Missionário Frei Ângelo, mui elo
giado de Ferdinand Denis.
Com a morte do fundador os selvicolas dispersaram-
se, emigraram, sendo massacrados muitos delles por serta
nejos Cearenses e Piauhienses. Aos que vagavam pela co
marca do Jardim conseguira reunil-os Manoel José de Sou
sa, mas em numero redusidissimo, não mais de 30. Desses
mesmos 0 cholera arrebatou grande parte e com elles
seu dedicado e sollicito director.
Sobre a epidemia escreveu também um dos médicos
para aqui contractados, o Dr. Januario Manoel da Silva,
Bahiano, um opusculo com 0 titulo Breves Noções sobre
'O apparecimento da epidemia do cholera morbus no Brasil,
seus diversos tratamentos, etc., Bahia, Typ. de Antonio
Olavo da França Guerra, 1863.
Alem deste vieram ao Ceará vários outros médicos
contractados. Do Relatorio do Presidente José Bento vê-se
que nos differentes pontos estiveram em commissão 31
facultativos a convite do governo. Ou esse n.® ou 0 dos
médicos que teve 0 Ceará em 1878.
Outro folheto andou espalhado no Ce&Ti—Prescri-
pções Hygienicas e Therapeaticàs acerca do cholera-morbus
fundadas na experiencia e organisadas pela Commissão de
Hygiene Publica de Pernambuco. Reimprimiu-o a Typ. Cea
rense em 1856. Como se colhe da data, tinha tão somente
intuitos de prevenção, lavrando em todos os ânimos 0
receio de aue.a provincia fosse assaltada, o que felízmente
se não realizou, não acontecendo 0 mesmo com Pernam
buco, e com o Pará onde penetrou em Maio de 1855
levada pelo Defensor, navio português e onde fez verda
deiras hecatombes, como por exemplo em Cametá.
Na eminencia de um assalto do, viajante gangetico
em 1886, pois algumas Republicas visinhas extorciam-se
então sob seu açoite, publiquei, por obedecer aos mes-
59

mos intuitos, um trabalho, que constitue a Parte II da


Sciencia Medica, Artigos de propaganda a que já me referi.
Em 1864, e pela ultima wtz, reappareceu 0 terrivel
morbus no Ceará.
Como fizera na epidemia de 1862, 0 Dr. Antonio
Manoel de Medeiros apresentou ao Governo um Relatorio
da commissão medica de que foi encarregado em 1864 nas
comarcas do Icó, Crato e Jardim. E’ desse Relatorio 0
seguinte quadro:
C/)
< O
Vi
U
FREGUEZIAS INVASÃO TERMINAÇÃO < g «
H o O
< s

Lavras . 28 de Fev.o 29 de Julho 1363 290


Crato . . 25 de Março 15 de Junho 1252 204
Missão Velha 2 de Abril 20 de » 667 95
Icó . . . 5 de » 30 de Maio 54' 45
Barbalha 25 de » 26 de Junho 2268 148
Boa Vista . 29 de » 12 de » 39 '4
Milagres. . 6 de Junho 18 de » 43' 87
Jardim (Lama) 9 de Julho 4 de Agosto 38 3.
Total 6599 886

Na epidemia do cholera no Ceará a medicação em


pregada visava, e não podia deixar de ser assim, com
bater os symptomas á medida que iam apparecendo. Em
vários doentes foi experimentado, e sempre com proveito,
0 sueco do limão, verdade confirmada, como para outros
ácidos, em ulteriores estudos de notáveis médicos entre
os quaes o Prof. Koch, a quem se deve 0 descubrimento
em 1883 do bacillus virgula.
O povo, entre os muitos remedios de sua therapeu-
tica de cascas e hervas, usava as infusões da pimenta ma
lagueta, os cosimentos de ipecacuanha preta e trazia como '
medicina preventiva enxofre,em pó nas meias ou pendente i
ao pescoço até a região epigastrica um cordão em que
estava enfiada uma moeda de cobre que chamavam xem-
xem; alguns traziam-a atada ás coixas. '
6o

Muito posteriormente Burcq, á maneira de Raspail,


tão criticado pela Academia de Medicina de Paris, acon
selhou placas de cobre sobre o estomago como prnphy-
lactico do cholera; é o seu tratamento metalo-therapico
preventivo. E digam que o povo não tem a intuição da
medicina.
Dysenteria. Enfermidade própria dos climas quentes
e que leva todos os annos uma contribuição, embora pe
quena, ao obituario de Fortaleza e de outras localidades
do Estado, a dysenteria atacou sob forma epidemica a
cidade de Fortaleza, em 1905.
As crianças foram as que pagaram mais largo tributo.
Como aqui, foram assoladas Maranguape e Pacatuba. Em
1907 e 1908 voltou a apparecer de novo epidemicamente
em Fortaleza, atemorisando a população inda lembrada
dos sustos por que passara em 1905 e conhecedora dos
factos de que havia 2 annos fôra theatro Recife donde se
irradiou 0 mal á Parahyba e ao Piauhy.
Chamou 0 povo ligeira a epidemia reinante; chama
va-lhe também pernambuco, pelo facto de ter vindo do
Estado desse nome.
Para a explicação do mal, que reinou, penso ter
cabido a responsabilidade principa ao uso de aguas in-
ficionadas. A meu ver a dysenteria é de' origem hydrica
na maioria dos casos. Estava muito pejado de impurezas
0 solo da cidade, cuja população cresce de dia a dia;
as chuvas abundantes que então cahiram (6o'"™,5 em Ja
neiro de 1908, 108""" em Fevereiro; 226““,5 em Março,
210""" em Abril, 185""" em Maio), fillrando-se e acarre
tando temiveis elementos morbigenos contaminaram al
gumas das fontes ou depositos de agua de que se abas
tece a população; por outro lado as aguas de chuva
são polluidas, bem podem sel o, pelas poeiras atmos-
phericas e pelas que estão depositadas nos telhados; dahi
0 apparecimento dos casos, que, a principio isolados, es
porádicos, chegaram a revestir-0 caracter epidemico, cres
cendo com 0 numero dos accommettidos a virulência do
quid especifico a ponto de se registarem as formas as
6i

mais graves, gangrenas do intestino, sobresaltos dos ten


dões, estados typhicos.
Observei na epidemia de 1905 que se registaram vá
rios casos, e alguns delles fataes, nas habitações por cu
jos quintaes corre 0 regato Pajehu.
Em 1905 falleceram por dysenteria em Fortaleza 8
)essoas em Fevereiro, 78 em Março e 142 em Abril,
lavendo no dito periodo de j mezes mais 141 obitos
por enterite, gastro-enterite e entero-colite, 0 maior nu
mero em crianças já se vê.
A epidemia de 1908 si bem que extensa foi muito
menos mortifera, registaram-se apenas 39 obitos. Em 1907
foram 30 os casos fataes.
Confirma-se assim 0 dizer de Patrick Manson: cSi
bem que certas epidemias de dysenteria affectem uma
malignidade que, felizmente, nSo é commum, a mortali
dade directa e immediata dessa moléstia não é muito ele
vada graças aos nossos methodos therapeuticos modernos.
Peste bubônica. Essa nova entidade mórbida conhe
ceu-a 0 Ceará em 1900. Trouxeram-a partidas de farinha
importada do Maranhão e Pernambuco. Como sempre e
é de observação, foi precedida de grande mortandade de
ratos, os primeiros a serem accommettidos.
Abatido 0 espirito publico com os casos de adenites,
enfartes glandulares que iam apparecendo aqui e alli,
com 0 fallecimento de muitos dos atacados, 0 presidente
Dr. Pedro Borges poz-se em communicação com o go
vernador do Pará Dr. Paes de Carvalho e alcançou que
viessem ao Estado em missão especial 0 Dr. Francisco
da Silva Miranda e Giuseppe Martina, os quaes aporta
ram á Fortaleza a 4 de Setembro»
Installado 0 laboratorio de analyses numa das salas
do Paço Municipal, os exames procedidos no sangue e
serosidades extrahidas de tres doentes não revelaram 0
bacillo de Kitasato-Yersin na opinião daquelles profissio-
naes, que chegaram á conclusão de que a moléstia reinante,
longe de ser importada, tinha origem no proprio meio.
I Posta de parte a idéa do mal levantino, a Commissão
foi buscar a origem da doença reinante nas aguas de For-
62

taleza e declarou haver encontrado nellas vários bacillos,


entre os quaes o typhico, o coli-commiinis, o putridus;
0 violaceo, corpusculus esphericos de Laveran. Tratava-se
de uma epidemia de lymphadenite malarica (*).
Estava o Ceará liberto do fechamento de seus por
tos ao commercio interestadual e estrangeiro, o que seria
0 ultimo golpe para elle a braços com a secca daquelle
anno, que lhe roubou 28134 pessoas, forçadas á expa-
triação deante da criminosa indifferença do governo da
União. Devemos esse favor ao Parecer da Commissão
Silva Miranda.
Hoje, como então, não tenho a menor duvida que
0 que andou por aqui foi o mal levantino, que ainda pos
teriormente tem feito suas investidas não só á Forta eza
como a Maranguape, Soure, Pacatuba, não se extendendo,
todavia, pela nossas próprias condições climatericas, a
alta temperatura em primeiro logar. Os focos em For
taleza teiii sido quasi sempre as mercearias ou casa con-
tigua a mercearias em que se vendem cereaes.
O mal é conhecido entre 0 povo cearense por fe
bre de caroço.

^ íjí

Cada localidade do Ceará tem seus males, males que


attrahem a attenção: Fortaleza — as enfermidades que
acompanham 0 começar e o findar da estação pluviosa, isto
é, as bronchites, broncho-pneumonias, catarrhOes, inílu-
enzas, febres de fundo palustre, maxime no Oiteiro, vi-
sinhanças dos paúes do Cocó, pelos cursos do riacho Pa-
jehu e Jacareeanga, febres gastricas, a que as creanças
de preferencia succumbem e sempre por desvios da re-

(*) Belatorio apresentado ao Exm. Snr. Dr. José Paes de


Carvalho Governador do Estado do Pará pelo Dr- Franoisoo da
Silva Miranda, em missão especial no Estado do Ceará, Beleni,
Typ. do Diário Offloial, 1900.
6?

guiar alimentação; Baturité e Acarape—suas úlceras bou-


baticas, tão graves ás vezes que reclamam a amputação,
transmissíveis pelo mosquito e pela mosca, nimiamente
contagiosas, que não são as boubás syphiliticas, orâ úl
cera atoucinhada lardacea desde o começo,.ora precedida
do cravo ou verruga que se transforma depois na úl
cera ; Aracaty—a syphilis; Lavras—as moléstias cardíacas;
'v Icó—a tuberculose pulmonar; a região do Cariry—o tra-
choma e mais padecimentos occulares.
O presidente Silva Bitancourt em Relatorio de 1844
incitava os competentes ao estudo das endemias de ophthal-
mias que se desenvolvem pelo verão em Fortaleza, e 0
Relatorio do medico Alves Ribeiro (Junho de 1859) de
nuncia 0 numero considerável de ophthalmicos; parece
que não temos melhorado nesse sentido, as affecçOes oc
culares são tão frequentes em Fortaleza como outrora, e
devidas em grande parte á poeira,e á intensidade da luz.
Peior se poderá dizer das serras onde os mosquitos as
vão transmíttindo de umas pessoas ás outras, e da região
do Cariry, Crato, por exemplo, onde, segundo um e^ecia-
lista, 0 Dr. Meton de Alencar (Do Trachoma no Estado
do Ceará) é rara a pessoa que não a tenha ou já não a
tivesse tido, parecendo a cidade antes um grande hospi
tal de isolamento.
A granutação, como 0 povo lhe chama, é muito fre-
quente também em Barbalha e Jardim, fazendo ahi cres-
cido n.o de cegos. Diz 0 Dr. Silva Mariz que 2/3 dos
cegos do Cariry são devidos a esse flagello e como prova
de sua frequência adduz a terrivel informação de ter en
contrado entre as 36 meninas de uma escola de Bar
balha 26 trachomatosas.
Já Southey (1808) dizia que sendo 0 Crato a mais
abundante e deliciosa região ao Ceará eram, comtudo,
endemicas ahi certas mo estías dòs olhos e das pernas.
Eminentemente contagioso como é 0 trachoma, cabe
ao Estado a obrigação de oppor-lhe embaraços á marcha
e jugulal-o. O modo dil-o a sciencia. Como se consegue
tem-se um exemplo no Estado de S. Paulo.
64

Em obra recentíssíma, La prevention de la cecité en


France, Trousseau.demonstra como muitos outros paizes
Europeus vio adiantados nesse particular, a Hol anda,
por exemplo, para não citar outros, onde a proporção dos
cegos é de 4,46 para 10000 habitantes contra 8 para 0
mesmo algarismo em França. Trousseau conclue do estudo
das estatísticas que 43 “/o dos casos de cegueira poderiam
ser evitados e mostra como graças a applicação rigorosa
das medidas prophylacticas desappareceriam por complleto
a oçhthalmia purulenta e a conjunctivite granulosa. Truc
avalia em ^“/o e Golesceano em 39% 0 n.® das ce
gueiras evitaveis. A que grau de adiantamento tem at-
tingido a moderna sciencia! E quanto também nós, cea
renses, somos alheios á noticia desse adiantamento ou
nos fazemos a elle indifferentesl.
A tuberculose é outra moléstia que impressiona assás
no pbituario de Fortaleza—186 casos em 1906, 226
em 1907 e 193 ein 1908 afora as cifras elevadas com
a rubrica de moléstias do ápparelho respiratório (95 em
1906, 67 em 1907 e 76 em 1908).
Em todos os annos verifica-se maior mortalidade por
tuberculose nas mulheres, nos indivíduos de 20 a ;o an
nos, nos solteiros e nos alcoolicos.
Comparando Fortaleza com 0 Rio de Janeiro tem-se
para a i.a a taxa percentual de 15,43 sobre a mortali
dade geral para 1906 e de 18,51 para 1907 ao passo
que para a 2.“ (Rio) a percentagem e de 19,6 para 1905
e 18,7 para 1906.
Comparando Fortaleza com S. Paulo tem-se a taxa
percentual de 15,43 para 1906 e 18,51 para 1907 ao pas
so que S. Paulo dá 6,5% e 7,3 0/0 respectivamente. Em
1908 a percentagem para Fortaleza baixou a 14,63.
A’ conta de factores múltiplos, disse eu em trabalho
já publicado, e ora repito, deve-se attribuir os muitos
casos de tuberculose, em Fortaleza': 1 .<> 0 grande numero
de indivíduos vindos de outros Estados e que succum-
bem^ aqui, e delles é a maior contribuição á cifra mor
tuária, devendo-se, pois, ter bèm em vista essa conside-
65

ração, 2.0 o augmento da densidade da população, veri-


ficando-se mais uma vez 0 acerto do principio de Farr,
3.° as moléstias chronicas, cachexias, todos os generos de
viciamento e enfraquecimento orgânicos, miséria physio-
logica, emfim, que nos vão legando as seccas mais ou
menos rigorosas e nos atirando de retorno os pantanaes
na Amasonia, 4.° a syphilis e 0 álcool, outras duas le
pras que corroem a cidade, 5.° a crença, infelizmente di
vulgada, da não contagiosidade.
Sobre este ultimo factor poderia pie extender, não
0 faço, porem, visando a curteza destas Notas, em todo
caso sempre direi que ainda ha bem pouco arrancavam-
se no Ceará até as fechaduras e as dobradiças das portas
da. casa em que um tysico morria e se destelhava a casa
para submettel-a á acção viva e directa do sol, e hoje
raras são as simples desinfecçòes dos domicílios infecta
dos, podendo-se affirmar que em Fortaleza ha verdadeiras
casas de tuberculose pela falta absoluta de prophylaxía...
Ao contagio immediato se deve ãttribuír egualmente
0 augmento da morphea em Fortaleza. Não ha anno em
que ella não figure, mui poucos casos é verdade, na lista
do obituario. A descrença dos cearenses quanto á contagio
sidade da lepra é ainda maior que com relação a tu
berculose. E isso mesmo nas altas camadas sociaes. A
descrença, porem, vae custando caro a algumas famílias.
Em 1898 a proposito da Conferência Internacional,
de Berlin realizada em Outubro do anno anterior publi-
quei na Revista da Academia Cearense um estudo sobre
32 casos de morphea de que ,tinha conhecimento; em
quasi tòdos elles vim a verificar a maneira como se ope
rara a contaminação. Fortaleza não possue hospital de
isolamento.
Chamam támbem a attenção por sua frequência em
Fortaleza as alTecções do apparelho circulatório (239 obi-
tos em 1908) e de modo todo especial ps aneurysmas.
Como complemento ap meu despretencioso trabalho
aqui ajunto os seguintes quadros:
66

NUPCIALIDADE EM FORTALEZA

Total dos Casamentos

Annos Registo Civil Cantara Ecclesiastica


901 78 21Ó
1902 112 176
1905 118. 292
1904 112 191
905 •73 311
906 187 421
1907 •74 383
908 •05 434

Como se vê do quadro supra os algarismos obtidos


no Cartorio do Registo Civil divergem muito dos da Ca-
mara Ecclesiastica, os únicos verdadeiros.
A Egreja recommenda aos nubentes 0 registo perante
0 representante do governo, 0 povo foge, porem, de pre
encher essa formalidade garantidora dos interesses ma-
teriaes da familia; attribuem todos 0 facto ás grandes des-
pezas a que os obriga 0 contracto civil.

Fortaleza comparada com outras cidades do Brasil


QUANTO Á NuPCIALIDADE

Coeff. por
Cidades Annos População 1000 habs.

1908 óoooo
Capital Federal. 1907 824000 ‘;.27
S. Paulo . . . 1907 300000 '6,34
Bahia . 1907 265000 1,89
Recife. . . . 1904 18Ó000 2,80
Belem. . . . 1906 177000 6,81
Porto Alegre. . •907 100000 4,06
Curityba . . . 1908 58600 8,58
Manáos . . . 1907 57000 4,20
6?

Cidades Annos População


Coeffi. por
1000 habs.
Santos. . . 1907 50000 7.36
Nicteroi . . 1907 45000 9,08
Bello Horisonte 1904 18000 8,60
Aracajú . . 1906 17000 4.56
Natal . . . 1904 16000 3,2.3
Florianopolis 1907 13474 8,16
Fortaleza comparada com Cidades do Extrangeiro
QUANTO Á NuPCIALIDADE

Cidades Annos População Coeff. por


1000 haos.
iGaeet 1908 60000
Londres . - . . 1907 4758218 8,50
Paris . . . ! 907 2735165 11,07
Beriin . . . . 1907 2093518 1.15
Vienna. . . . 1907 1979000 9,33
S. Petersburgo . 1907 1506000 6,90
Roma . . . . 1907 545000 6,72
Lisboa. . 1904 30000O' 6,04
New-York. . . 1907 4286000 11,90
Buenos Aires. . 1907 II30000 8,36
Montevideo . . 1907 310000 6,98
NATALIDADE EM FORTALEZA

Total dos Nascimentos


Annos Registo Civil Camara Ecclesmtica
1901 326 1448
1902 372 1607
1903 370 562
1904 334 722
1905 368 1702
1906 395
190; 424
1901 393 2035
68

A observação por mim feita sobre a divergência ex


istente entre os dois registos—civil e ecclesiastico—quanto
aos casamentos tem aqui muito maior applicação; ao
pobre pouco se lhe dá de scientificar ao Official do Go
verno 0 nascimento dos filhos, não se dispensa, porem, do
baptismo delles na Egreja. Também si fossem verdadeiros
os dados do Registo Civil, comparados os que se referem
á natalidade aos da mortalidade, estava o Ceará, terra re
conhecidamente prolifica, em vesperas de um terramoto
dembgraphico, estava em peiores e mais lastimáveis con-
diçOes que a França, cujo desapparecimento gradual con-
stitue 0 mais grave problema para seus economistas e
homens politicos
os. O Ceará seria a côrte do rei Malthus.
 extraordinária discordância se observa nas outras
cidades e villas do Estado; em Aracaty, por exemplo, ao
passo que o registo ecclesiastico em 1908 teve 438 bapti-
sados, sendo 234 do sexo masculino e- 204 do feminino,
364 legitimos e 74 illegitimos, e 59 casamentos, 0 registo
civil teve 160 nascimentos, sendo 92 do sexo masculino
e 68 do feminino, 91 legitimos e 69 illegitimos, e 41 casa
mentos.

Os obitos registados foram 141 no dito anno.


Sobre legitimidade e illegitimidade dos filhos é a'se
guinte a estatistica para Fortaleza no ultimo quinquennio:

Registo Civil Camara Ecclesa

Annos Legitimos Illegitimos Legitimos Illegitimos

904 295 ?9 1481 241


905 330 38 1459 243
906 364 31 •493 212

•997 338 36 1603 281


908 366 27 •743 292
69

Fortaleza comparada com outras Cidades do Brasil


QUANTO Â Natalidade

População Anno Coeff. por


Cidades
looo hahs.

óoooO 1908 38,<!$0


Capital Federal. 824000 1907 25,33
S. Paulo . . . 300000 1907 35,60
Bahia . . . . 265000 1907 10,50
Recife. . . . I86000 1904 16,89
Belem. . . . 177000 1900 15,89
Porto Alegre. . I00000 1907 33,75
Curityba . 58600 1908 31,40
Manaos . . . 52000 1907 15,81
Santos. . . . 50000 1907 46,52
Bello Horisonte. 18000 1904 33,40
Aracaju . . . 17000 1904 34,36
Natal . . . . 16000 1904 7,66
Florianopolis . >3474 1907 33,54

Fortaleza comparada com Cidades do Extrangeiro


QUANTO Á Natalidade

Cidades População Anno Coeffi.


60000 1908 38,8
Londres . . . 4758218 .1907 25,6
Paris . . . . 2735165 1907 18,6
Berlin . . . . 2093318 1907 24,3
Vienna . . . I979000 1907 24,8
S. Petersburgo . I506000 1907 30,4
Roma . . . . 545000 1907 23,5
Haya . . . . 252000 907 29,2
Christiania .; . 230800 1907 25,3
New-York . . 4286000 1907 28,2
Buenos Aires \ II30000 1907 34,5
Montevideo . . 310000 1907 26,9
70

MORTALIDADE EM FORTALEZA

NOS ÚLTIMOS 43 ANNOS

Annos Óbitos Annos Óbitos


1866 527 1887 92
1867 493 1888 1483
1868 596 1889 2502
1869 527 1890 1332
1870 651 1891 1385
1871 Ó24 1892 1874
1872 683 1893 •315
1873 878 1894 1466
1874 666 1895 1540
1875 725 189Ó 53'
1876 803 1897 743
1877 2665 1898 458
1878 57780 1899 '937
'879 6822 1900 2016
1880 '793 1901 1348
881 '065 1902 954
1882 9'7 1903 '045
1883 975 1904 1191
1884 1030 '905 1665
1885 1030 1906 1206
1886 942 1907 122

1908 3'9
7

Mortalidade em Fortaleza quanto ao Sexo e á


Edade

Amos Homens Mulheres Adultos Parvulos Total

1891 706 679 669 716 1385


1892 loio 864 832 1042 1874
1893 IO 605 525 790 3'5
1894 Í2I 645 50 716 1466
895 '46 794 20 720 1540
1896 30 701 733 598 1531
1897 883 8Ó0 763 980 1743
1898 778 680 710 748 1458
1899 1059 878 885 1052 «937
1900 102 995 954 1062 2016
1901 677 671 773 575 1348
1902 467 487 553 401 954
1903 618 595 450 1045
1904 U 563 738 453 ««9'
«905. 848 817 772 893 166$
90Ó ói 592 702 504 1206
190; 62 593 712 509 1221
190I 659 660 673 646 1319

Excesso dos Nascimentos sobre os Óbitos em For


taleza NOS ÚLTIMOS OITO ANNOS

Annos Nascimentos Óbitos Excesso

1901 1448 1348 100


1902 1607 954 653
1903 562 1045 517
1904 1722 119 53«
1905 1702 166$ 37
1906 1705 1206
1907 1884 1221
1908 Z035 1319 716
Mortalidade pe Fortaleza no ultimo decennio com maior detalhe
DAS EDADES

Edades i8p^ ipoo ipoi ipo2 ipói ipo4 ipoj ipo6 ipoy ipo8
De 0 a 10 annos. 1059 ><^37 585 393 421 440 859 520 462 543
De ii a 20 > . 103 166 98 72 61 89 151 10 79 143
De 21 a 30 > . 181 209 130 103 122 114 124 II >32 133
De 31 a 40 » . 193 216 169 127 146 j62 144 103 127 136
De 41 a 50 i . 158 142 >34 89 109 128 129 132 144 125
De 51 a 60 » . 88 118 98 73 75 94 82 93 9» 102
De 61 a 70 » . 70 59 66 49 51 6 75 64 85 45
De 71 a 80 » . 48 41 38 28 28 5 52 43 55 4>
De 81 a 90 » . 24 14 23 15 27 30 31 16 33 34
De 91 a 100 » . 10 II 6 4 5 10 16 7 6 16
Sup.o’’ a 100 » . 3 3 I I o 3 2 I o

Total , . . . 1937 2016 1348 954 1045 1191 1675 1206 1221 1319
73

Fortaleza comparada com outras Cidades do Brasil


QUANTO Á Mortalidade
Coe/fi. por
Cidades População Anno 1000 habs.

lesEcí 60000 1908 SI,»


Capital Federal. 824000 1907 >9.47
S. Paulo . . . 300000 1907 19,20
Bahia . . . 265000 1907 18,50
Recife. . . I86000 1907 40,12
Belem. . . 177000 1906 20,29
Porto Alegre. I00000 1907 28,55
Curityba . . 58600 1908 '4.'4
Santos. , . 50000 1907 29,62
Manaos . . 52000 1907 27.45
Florianopolis 35000 1907 24,06
Bello Horizonte 18000 1907 23.50
Aracaju . . 17000 1905 23.60
Natal . . . 16000 1904 77.'O

Fortaleza comparada com Cidades do Extrangeiro


QUANTO Á Mortalidade
Coeffi. por
Cidades População Anno
1000 habs.

ETox*tn leasai 60000 1908


Bombaim. . . 977822 1907 39.6
Calcutá . . . 848000 37.6
Cairo . . . . 677000 37.7
Madrasta . . . 542000 40.5
Alexandria . . 376000 35.1
Londres . . . 4758000 18,5
New-York. . . 4286000 18,5
Paris . . . . 2735165 17.6
Buenos Aires I130000 16,4
Montevideo . . 310006 16,1
Bruxellas. . . 623000 » •
'3-7
Trieste . . . 201000 26,3
Nupcialidade, Natalidade e Mortalidade no Estado do Ceará
EM ANNOS diversos

i8j4 i8jj i8j;6 i8j/ 18^8 1849


Nascimentos. 18762 19643 22363 21981 22241 23512 22403
Casamentos . 3318 34>7 4032 3660 3851 3937 3767
Óbitos. . . 5455 6068 5873 6172

) 1860 189^ 1894 1894 1899 19CO 1901


!
Nascimentos. 23847 39591 42220,40920 36039 34666 28314
í Casamentos. 4002 6908 6757 6130 3271 3247 3307
Óbitos. . . 6755 7650 7952 7182 6718 9012 7740

1902 1904 1904 1904 1906 I9OJ 1908


Nascimentos. 32291 34647 52021 33434 35842 40052 39753
Casamentos . 5835 5983 5048 6647 81 19 8418 7029
Óbitos. . 5017 582.3 6038 6510 5707 6424 9169
STUDART( Guilherme, BARÃO DE). Filho do inglês John
William Studart e de Leonísia de Castro Studart, cearense. Nasceu
em Fortaleza, no dia 5 de janeiro de 1856. Fez o curso de prepa-
ratórios, inicialmente no Ateneu Cearense, de Fortaleza, e, por
fim, no reputado Ginásio Baiano, do Prof. Abílio César Borges,
com a conquista da medalha de Ouro como aluno excepcional.
Doutorou-se aos 21 anos de idade, em Medicina, na Bahia. Tur-
ma de 1877, alcançando a sua tese as notas distintas. De volta à
sua Província e com a morte do pai, ocorrida mal ele chegara, foi
nomeado Vice-Cônsul da Inglaterra no Ceará. Exercia as funções
consulares e clinicava, ao mesmo passo que se inclinava para as
investigações da história, especialmente a do Ceará. Espírito sem-
pre animoso e objetivo, concorreu para a fundação de diversas
instituições. Ele próprio é o responsável maior pela criação do
Centro Abolicionista (1884), do Instituto do Ceará (1887), da Aca-
demia Cearense de Letras (1894), da Associação Médico-Farma-
cêutica do Ceará(1894), do Centro Médico Cearense (1913), do
Círculo Católico de Fortaleza (1913), do Círculo de Operários Ca-
tólicos de Fortaleza (1915), do Instituto Pasteur (1918). No campo
das pesquisas do passado, tal foi sua dedicação, a sua obstinação,
a sua proficuidade no juntar documentos, informações e achegas
para documentar a evolução cearense, que se sagrou o Mestre
Excelso da matéria, acatado e consultado. Quase esgotou essa
documentação, organizando coleções riquíssimas e publicando
obras que são o mais imprescindível VADE-MECUM de todos os
que se entregam aos estudos e à interpretação da História do
Ceará. Por altos serviços prestados à Igreja, conferiulhe a Santa
Sé o título de Barão (1900). Faleceu em 25 de setembro de 1938.
A sua bibliografia é enorme, mas podem ser destacadas como
obras principais: NOTAS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ - SEGUN-
DA METADE DO SÉCULO XVIII, 1892; DATAS E FATOS PARA A
HISTÓRIA DO CEARÁ( 3 volumes); DICIONÁRIO BIO-BIBLIO-
GRÁFICO CEARENSE (3 volumes); PARA A HISTÓRIA DO JOR-
NALISMO CEARENSE, 1924; GEOGRAFIA DO CEARÁ, 1924. Do
Instituto do Ceará foi Presidente Perpétuo e Sócio Grande-Bene-
mérito. É o Patrono da Cadeira nº 11, da Academia Cearense de
Letras, ocupada por José Valdivino de Carvalho.(*)

(*) GIRÃO, Raimundo; SOUZA, Maria da Conceição,


Dicionário
da Literatura Cearense. Fortaleza, IOCE, 1987. p. 219.

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