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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

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Uma Leltura Obrigatórla
======
www.etnolinguistica.org

Existe índio no Ceará? Este questionamento permeou


o noticiário da imprensa nos últimos anos. Por mais esdrú-
xula que pare~a. a pergunta está repleta de sentido. Como
questionar que a terra da lracema de Alencar tenha índio?
A toponímia cearense encontra-se cheia de exemplos que
comprovam o forte teor da cultura indígena na forma9áo cul-
tural cearense.
Entretanto, o extermínio se deu de tal forma, tao agres-
sivo e avassalador, que a pergunta da imprensa se justifica
sim. Justifica-se principalmente porque trouxe A tona a pro-
blemática da questAo indígena em nrvel de Ceará, resgata a
historicidade de vários gruPos, trata com dignidade e respeito ·
a memória daqueles que sao preponderantes na nossa cultu-
ra em vários aspectos. Possibilita, hoje, aos remanescentes
desgarrados, um retorno A história de seus antepassados e
recupera tra~os fundamentais para a comoreensáo das rela-
90es e do "modus vivendi" indígena aqui no Ceará.
Em seu trabalho-denúncia, apoiado em documentos,
José Cordeiro de Oliveira resgata a história do índio em nos-
so Estado e, ao fazé-lo, presta inestimável colabora9áo ~
educa9áo nao só popular, comunitária, mas A própria educa-
9áo formal, escolar.
A História que nos contaram e nos contam, geralmen-
,
te, é história do dominador, dando-nos a versáo da classe
social que se impOs As demais quase sempre desonesta-
NO SIARA
mente. Nao se pode fazer mudan9a profunda na escola en-
quanto nao se fizer mudan9a social também profunda que
proponha nova visAo da realidade, nova maneira de interpre-
tar a História e que valoriza a educa9áo do povo e a cultura
Massacre e
'
" .~u-"'"
Resistenc1
popular. Trata-se, pols, de descobrir e assumir a história dos
oprimidos do passado e do presente nacional e entre estes a
do índio que continua a ser expulso de suas terras, massa-
crado, dizimado, morto.
A escola, tradicionalmente, incute em nós urna péssi-
ma vjsáo do índio - pregui~so. selvagem, antropófago, sem -
~áo de liberdade, polígamo etc., etc. - urna "praga"! ••• Há •
nos textos escolares da História do Brasil - história "oficial"
de brancos, colonizadores - confessado desprezo pelo fndio
a quem se nega ser urn dos elementos de nossa tradi9áo e
cultura populares.
José Cordeiro de Oliveira está intrinsecamente envol-
vido e inserido nessa opera~Ao-resgate. Com sua persistén-
cia, transforma a questAo do fnclo no Ceará num fato con-
creto inscrito na problemática de nossa sociedade.
Seu livro, repleto de informa90es documentadas, cons-
titu!, sem dúvida, leitura obrigatória para pesquisadores, jor-
n:¡l1stas e, sobretudo, professores/alunos e para todos os
que, neste momento de resgate da mem6ria nacional, se
sentem comprometidos com nossa forma9ao cultural.

Profl EMÍLIA MARTINS VELLOSO


Diretora da Faculdade de Educa~ao
1
Universidade Federal do Ceará
Agradecimento Especial

Este livro é o resultado de um trabalho coletivo, efetuado por


inúmeros amigos e especialistas, dentre os quais gostaria de citar nomi-
nalmente:

Ficha Técnica António Evilásio Chaves Costa, administrador


HOJE - Assessoria em Educa9áo
llustra~óes: Eur1co Bivar
Projeto Gráfico: Arlene de Holanda Aparecida Tardin Cassab; filósofa
Coordena~o Técnica: G11mar Chaves Professora da UFRJ
Composl~o: CONTEXTO
Revisáo: Myrson Lima Carlos Alberto de Medina, sociólogo
Pagina~áo: Carlos Alberto Alves Centro de Estatísticas Religiosas e lnvestiga9<)es Sociais
Fotografía: José Albano CERIS, Rio de Janeiro
Apoio: CEBEMO, HOJE: Assessoria em Educa9áo
PAOJETO PETl/Museu Nacional de Antropologia Carlos Guilherme Octaviano do Valle, mestrando de
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - AJ Antropología Social
MUSEU NACIONAL, UFRJ

Celeste de Oliveira Ganan, fisioterapeuta


Clínica Naturopata e Quiroprática, Fortaleza-Ce

Dorothea Viot de Albuquerque, pedagoga,


orientadorá Educacional da Escola Marechal Juarez Távora,
orientadora de Aprendizagem da Escola Professora Antonieta Cals,
Fortaleza-Ce.
C794i
Dom Manuel Edmilson Cruz - Bispo-Auxiliar de Fortaleza-Ce
Cordeiro, José ,
Os Indios no Siará, massacre e resistencia. Fortaleza, ed., E/ia: Meneses Rola, socióloga
1989. MIRAD/Río de Janeiro
271p.
Eusélio Oliveira, cineasta, Casa Amarela, UFC
1. ~NDIOS - Ceará - H1stória. Assessor Juridico - MIRAD/Ceará
2. INDIOS - História - Aspectos Sociais. l. Trtulo.
CDD- 980.4131 Francisco Bento, representante Tapeba na Associa9áo das
Comunidades do Rio Ceará. Caucaia-Ce.

3
Gurudev Singh Khalsa, médico naturalista Oferecimento
ANTIOCH COLLEGE, YELLOK SPRINGS - Ohio, USA
r- -
Henyo Trindade Barretto Filho, mestrando em Antropologia Social
MUSEU NACIONAL, UFRJ

Jóáo Pacheco de Oliveira Filho, antropólogo


MUSE U NACIONAL UFTJ

Joáo Saraiva, ecologista.

.-----
PARTIDO VERDE, Ceará

José Gorzacchi.ello da Silva, geógrafo


AGB Ceará

Máe Véia, Tapeba do Rio Ceará, Caucaia-Ce

Maria do Carmo da Costa Oliveira, socióloga


HOJE - Assessoria em Educa9áo

Pedro José A/ves Capibaribe, geógrafo


AGB Ceará

Raimundo Sérgio Barros Leitáo, assessor júridico de Terras Indígenas -


PETI
MUSEU NACIONAL, UFRJ

Rita He/oísa '1e Almeida, antropóloga


MIRAD/Brasllia

Aos meus filhos:


Ricardo,
Juliano
e Alexandre

'
A memória de:
Máe Preta, Júlia A/ves
Francisca Araújo Nascimento (Chiquinha)
Associa9áo Comunitária das Mulheres do Coité- Caucaia-Ce.
Sumário

Há 400 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Sem classes sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . 17
"Coíonizar aterra ou perd6-la" (D. Joáo 111) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 21
O projeto colonizador. • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 27
Candidatos a latifondiários • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • 31
O gado é o marco de posse da terra • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •. • • • • • • • • 35
Sem autoritarismo náo haveria coloniza~o • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 39
.. A na~o Paiakú reage • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 43
Oobjetivo principal do colonizador: destruir o modelo social indígena • • • • • • 47
Os bandeirantes paulistas sáo peritos em massacre de fndios • • • • • • • • • • • • 51
Questáo de vida ou de morte • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 55
Oreinado autOnomo dos janduin era o reconhecimento da
ilegalidade portuguesa • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • . . • • • • 59
Um massacre ainda vivo na memória • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 63
Os índios se confederam • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 67
A grande guerra de 171"3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 71
Com reza e pólvora nasce Fortaleza • • • • • • • • • • • • • • • . • . • • • • . • • • • . 75
A confederacáo indígena recupera a província • • • • • . • • • • . • . • • . • . • • • • 79
... As margens do rio Choró . • • • • • • • • • • • • • . • • . • • . ••.••• ·•.•• ·• • 83
Recompensa da classe dominante • • • • • • • • • • • • • • • . . • • • • . • . • . • . • 87
O modelo opressor • • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • . • . • • • 91
A tala desesperada do colonizador • • • • • • • • • • . • • • • . • • • . • • • • • • • • . 95
Vence o modelo capitalista após urna guerra que durou 30 anos • • • • • • • . • . 99
Urna forma de matar os fndios é tirar-lhes aterra • • • • • • • • • . • • • • . • • • 103
A história é outra • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • . . . • . 107
Os fndios aldeados sofrem os efeitos da "derrota" imposta A
oonfedera~o .,. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................. . 111
Os fazendeiros tinham suas próprias organizacóes ••• : •.•••••••••••. 115
1nd.1os " se1vagens" . . . . .- ~. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
A grande mentira política. Por "decreto", os índios do Ceará sáo extintos .•• 123
Os índios desmentem sempre •••••••••••...••.••••••••••••• "L27
Indígenas sobrevivem com dificuldade .•••...••••••...••••••••• 131

7
OpreconeeitQ destrói a cultura. A luta contra o preconceito. • • • • . • • . • • • 137
Apr~senta~io
Todo preconceito tem urna lógica. Ena lógica do preconceito reside a ideologia
das raca,s . • • • • • . . • • • . . • . • . • . . • . . • ~ . • • • • • • • • • . .. • . • . . • • 141
Opreconceito contra os fndios nao tem limite . • • • • • • • • • • • • • • • • • • . 145

ANEXOS
A história é a ciéncia que nos f~ reviver no presente o nosso
Da questáo Tapeba e Tremembé-Alguns registros passado, projet~ndo-nos mais bem orient~dos para o fl!lturo. A histéfia
Saber e interesse de Classe • • • • • • • • . • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 151 dos Povos Indígenas que povoaram o nosso solo pátrio contém as mais
A fOrma da Classe dominante • • • . • • • • • • • • • • • . • . • . . • . • • • • • • • • 155 preciosas li9óes. O Índio náo é um "selvagem"; ele náo é um ser inferior;
Apelar para o preconceito • ~ . • • . • • • • . • • • • • • . • . • . • • • • • • • . • • • 159 é, antes, uma criatura humana de riquezas espiritµais e cultt;1rais a nós
Náo aos fndios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 desconhecidas, porque, no decurso dos , séculos, náo soubemos olhá-lo a
Mais que dfvida histórir.a • • . • • • • . • . . • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • 189 náo ser com olhos de adversário. O Indio náo é aquele que deve morrer;
Os Índios Tapeba • • • • • • • • • • • • • • . . • • • • • • . • • • • . • • • • • • • • • • 191 é aquele que deve viver. :Há toda uma dívida a ser resgat~da por nós cris-
Os fndios Tremembé . • • • • • • • . • • • • • • . • • • • • . • • • . • • • • . • • • • • 197 tQos no século XX. :
Heróis Indígenas do Ceará .•••••..•.••••.••••••••••..• _• • • • 203 A epopéia, descrit~ neste livro da aut9ria do Sr. José Cordeiro de
Mapas e Fotografías (documenta~o) • • . • . • • . • . • • . • . • . . • . • • • • . • 211 Oliveira, leva-nos a descobrir as nossas próprias orig~ns, além de abrir-
nos os olhos para a compreensáo de sit1;Ja9óes muitas vezes inexplicá-
veis. lnfelizment~ a ganáncia da posse da terra t~m produzido entf!J nós
muitas mortes. A nossa histpria est~ por demais manchada com o san-
gue dos Índios. Nunca deveria t~r sido assim! O pior, porém, é que esta
ment~lidade perdura at~ os nossos días. Náo se respeita a pessoa do fn-
dio, náo se respeita a sua cultura, náo se respeit~ o seu habiféflf, náo se
respeita a sua identipade. .·Como estamos longe do que Jesus diz no
Evangelho no Sermáo da Mont~nha: "O que quereis que os outros vos
fa9am, fazei-o vós também a. eles" (Mt 7, 12). :Se fóssemos traté;ldos por
outrps mais fertes que nós como os traté{lmos, qua/ ·seria a nossa rea9áo?
Fica um questionamento: por que est~ morticfnio, est(J genocidio.
dos nosso indfgenas? Terá influído té{lmbém o seu sistema de vida, con-
dena9áo do nosso, que só produz desigualdade, violencia, mort.e ?!
"Os índios no Siará - Massacre e Resist~ncia" é um livro que faz
pensar. .. e será que nos converteremos?

Aloísio Card. Lorscheider


Arcebispo de Fort~leza

..

9
.------ ---
.., -

..

11
Há 400 anos ...

~
No antigo território cearense, viviam cerca de(vinte e dois Povos
lndfgenas1 (Séc. XVI), cada um com idioma próprio. ' - - - - -
az1am}?!rte des~po~ -
Tarariú (Kanindé, Paiakú, Genipapo, Jenipabugú, Arariú, .Anacé,
Karatiú...).
Karirf (Kaririagú, Kariú ..•).
~~M.
Guanacé (Guanacésguakú e Guanacé-mirim).
®-_
Jaguaruana, Jagoarigoara, Assanasseses-agú, Kataguá, Aimoré,
Aperikú, Aperuf, Aeriú, Kixerariú, lrapuá, Acimi, Vidaé, Xibata, Akarisú,
Tokaiú, Akoki, Tukurijú, Okingá, Karku-a9ú, Guaiú, Jurupary-a9ú. K_ama-
mú, Pamamirim, Xixiró, Xokó, Kipapá, Kikipaú, Humor, Kabinda, Genipa-
po-a9ú, Jurema, Jururu, lrapuá de Granja, Kandadú, Kereréu, Kandandú,
Akigiró, Kipipau, Akanhamakú, Anaperú, Kixariú, Guarium, Kixará, Pana-
ticnarema, Javó, Apujaré.
Koansú, lnhamún (lnámún), KixelO, Akriú, Juká, Perga, Juguarua-
na, Jaguambara, Palié, Panatí, Pianí, Kanén, Kalabac;a, Baturité, Kamo-
cim, lkó, lkozinho, Kariré, Akongua9ú, Pitaguary..•
Todos esses povos eram denominados como nome de Tapuya.
Para os indios Tupy, Tapuya*era qualquer Índio que náo fosse Tupi - o
outro, o diferente, o que náo se expressa na lfngua geraJ ou qualquer dos
seus dialetos, mas tala na língua travada Significa até mesmo o inimi-
go. Depois o colonizador empregou o termo para se referir a gente infe-
rior, espécie de bárbaro americano. De qualquer modo, T &puya é urna
denomina9áo política, em certo sentido entendida e aceita como resis-
' téncia.
Também , havia os Tabajara e os Potyguara do grupo Tupi.
Já os Indios Tapeba sáo o resultado do encontro, da convivencia,
num mesmo aldeamento (o de N. Sra dos Prazeres de Caucaia), de tres
l\
Povos distintos: Potyguara, Tremembé, Karirf.2

(1)
(*)
STUDART FILHO, 1, 96.
1

"O termo, sendo de origem tupi, apresenta inúmeros problemas interpretati-


. . \

vos sobre urna grafia que registra diversas formas dialetais, em situa~Oes

13
onde o compromisso com urna visáo particular do fndio tem pesado subs-
tancialmente sobre o sentidQ das traduc;óes para o portugués. Para tornar
claro, tem-se como exemplo a interpretac;áo de Batista Gaetano que, da gra-
fia primitiva, compreendeu o sentido "turba dos apanhados", de Stradelle,
"fruto da origem da taba",, e de Burton, "os que fogem das aldeias" (Nas-
centes, 1955, 291; Cascudo, 1972:838). Estas interpretac;óes acabam por
derivar em equivalencias que no portugu'3s se traduzem por selvagem, bár-
baro, escravo ou prisioneiro de guerra; com fortes conotac;óes injuriosas que
contribuem para o sentido estigmatizante do emprego do termo em algumas
regióes" (ALMEIDA: 1985,8).
(2) ALMEIDA, 1986.
OBSERVA<;ÓES
a) De acordo coma C9nvenc;áo para a Grafia de Normas Tribais, assinada
ª
na 1 Reuniáo B;asileira de Antropologia (Río de Janeiro, 14.11.53), .náo
haverá plural para nomes de Nac;óes Indígenas, dar escrever-se os Ta-
bajara e náo, os Tabajaras, por exemplo. Procurou-se considerar, igual-
mente, as normas dessa Convenc;áo quanto a acentuac;áo gráfica.
b) A bibliografia consultada e disponfvel náo consegue agrupar todas as tri-
bos nos seus respectivos povos ou nac;óes. Apenas os Tarairiú; Kariñ,
Tremembé e Guanacé estáo agrupados, mas possivelmente náo abrange
todas as tribos.
c) Valemo-nos do que diz Studart Filho (1965,97): "A duplicidade e até a tri-
plicidade de nome era, alit~s, bastante comum a grande número de agre-
gados nativos de todo o território brasileiro".

14
.. .Sem· classes ·sociais

Homem e Natureza interagiam em perfeita harmonia lsto porque


náo havia classes sociais antagónicas. Homem e Natureza se protegiam.
Ninguém se dizia dono da terra, individualmente. A ~áo de propriedade
privada náo existia.
Os rios navegáveis, o ar puro, a terra férti 1. assistiam prazerosa-
mente em suas florestas aos passeios dos papagaios e dos macacos bu-
gios.
Nem Damasco possuía a uburaquatiara daqui. O algodáo nativo
desponta no verde infinito. O mar, no depósito de pérolas, enfeitava-se
como ambar ou pirapoá repoti, impregnado de resinas e aromas. O ouro
e a prata podiam se alternar nos colares serranos.
Trabalho e festa confundiam-se e o Tapuya, ágil e inteligente, nu
e de c~belos compridos, apontava sua flecha para os céus.

Os Tremembé "eram hábeis nadadores;


affemetiam a nado os tubaróes com
um pau agudo, que /hes encaixavam pela
goela .a .dentro
oom o que os trazia a feffa e tiravam deles
os dentes para flecha.''
(Studart, 1939)

17
"'
Colonizar a terra ou perde~a''
11

(0. Joio HU

A ocupa9ao do Ceará foi urna das mais rápidas da História O


colonizador europeu se reproduziu aquí numa escala náo conhecida. As
fazendas de criar·gado eram implantadas como verdadeiros quartéis mili-
tares. Cada fazenda se estruturava para garantir o suprimento necessário
no combate aos indígenas*.
O óeará foi povoado de forma contrnua.
Seus caminhos foram os do sul.
Do Río Grande do Norte, pelos rios Jaguaribe e Acaraú, assim
como Pernambuco pela chapada do Araripe. Gente de Sergipe, da Bahia
veio ·também para a ribeira do Salgado e vale do Cariri3. Seus senhores
haviam preenchido todos os requisitos para usufruir as "benesses" régias:
eleva980 das torres* e fortifica~s necessárias adefesa contra os Indios
e implanta9áo da empresa colonial**. No Ceará, Pero Coelho*** prepara
toda a infra-estrutura para a ocupa980 maci9a: distribuí torgas de guami-
9áo e organiza os núcleos militares de defesa da terra. lsso em 1603.

• É importante enfatizar aquí, como pré-requisito para a ·compreensáo do pro·


cesso de embate, cada vez mais crescente, entre os indígenas e os euro-
peus, 'ó aspecto tecnológico, por este ter sido, aparentemente, decisivo no
desfecho dos acontecimentos. Tomemos,· com esse. fim, alguns pontos da
análise de Carlos A. Días, da Universidade Federal da Bahía: - "No que diz
a
respeito vantagem tecnológica do europeu, seráo ressaltados os seguintes
fatores principais: 1) o uso do ferro, na fabricacáo de utensmos de trabalho e
de equipamentos e artefátos de guerra, enquanto o indígena dispunha ape-
nas de utensmos~ equipamentos e artefatos em madeira, osso, pedra e ce·
rAl'!lica; 2) o uso da pedra talhada e da cal, nas construcóes militares e civis,
que protegiam o europeu, reduzindo a eficácia das armas ofensivas dos nati-
vos; 3) o uso do papel e da imprensa, como verculos da informacáo e so·
bretudo da narrativa dos fatos. Usados com exclusividade pelos europeus,.o
papel e a imprensa o converteram na única fonte de registro histórico, e
constiturram a mais poderosa arma para produzir o fraturamento e a desea·
e
racterizacáo da heranca cultural histórica do povo colonizado, com o pas-
sar do tempo.

21

I
- (•••) Ne5te contexto, o Estado e a lgreja formavam um sistema dual solidá- ** Sobre o empreendimento, assim se expressa Taunay, 1975: "Pensamos
rio, em que a espada e a cruz caminhavam juntos, sob o comando do primei- com ~asOio de Magalháes que a conquista do Nordeste náo se deveu An- a
a
ro, mas tendo o segundo frente, ambos contemplados no empreendime[lto sia do ouro ou da preia dos Índios e sim, acfalargamento da zona de cria-
da colonizac;áo novos e promissores domínios, e atuando de maneira coor- c;áo". ·
denada e complemeQtar. *** PERO COELHO DE SOUZA - Ac;oriano, nobre, antigo capitáo de urna
- É importante observar, de partida, que durante mais de 2/3 da ldade Média galé do Rei. Recebeu de Diogo Botelho que sucedeu, em 1601, ao Govema-
(definida como século V a XV) o europeu sustentou suas guerras usando dor Geral D. Francisco de Sousa, a patente de CapitAo-mor pelas conquis-
como equipamento básico de arremesso o arco e flexa, coexistindo com tas que fize~a. Chega ao Ceará em 1603, com rumo ao Maranháo, com mis-
a lan~a. (grifo nosso) e como arma de luta corporal a espada, o martelo e sáo na lbiat)aba. Após intensos combates comos Índios Tabajara e comos
a faca. franceses, o bandeirante nordestino, desiludido de realizar o projeto de con-
...:. Durante toda essa época, é presumfvel que os povos indígenas america- quista, retira-se do Ceará em 1605." Do Ceará, volta para a Paraíba e, de lá,
nos em geral, e os brasileiros em particular, usavam o arco e flexa como para Lisboa, onde morreu depois de passar longos anos a requerer, inutil-
arma convencional de arremesso, e a borduna e a faca como armas de luta mente, a paga dos seus servic;;os, recebando assim "o castigo que merecía"
a
corporál, pois que chegada dos europeus ao continente americano, em to.r- (et CATUNDA, 191; ALVES, 1953; REVISTA DO INSTITUTO DO CEAAÁ,
1923). Lé-se, também, em Araripe: "Crescido foi o número de cativos (indí-
oo de 1500, o uso dessas armas era ~bsolutamente generalizado e consoli-
dado•. genas) que fez Pero Coelho" (1958, 107) e em Studart Filho: "(•••)A chega-
- Durante a fase crucial da conquista territorial no Brasil, nos séculos XVI e a
da ·de Pero Coelho Serra (lbiapaba) tomou-se para eles (os Tabajara) o
XVII, enquanto os povos nativos do Brasil continuavam de ordinário usando marco que assinala o início da derrocada material" (1965,121).
setas com ponta de madeira ou osso, bordunas ou tacapes totalmente de Ainda: "O seu procedimento cruel e desumano, perpetuado na memória dos
madeira, e facas e machados de madeira ou pedra, o lusitano há havia incor- aborígines, foi um grande obstáculo para as futuras expedic;;óes. Pero Coelho
porado em caráter definitivo ao seu arsenal o canhAo e o arcabuz (grifo foi preso por o~dem do governo portugués e remetido para Lisboa. Ali faleceu
nosso), coexistindo coma besta, coma lanc;a e a espada. nos cárceres do Limoeiro" (ARARIPE, 1958).
- Nada mais adulterante e determinante para a história e a cultura brasileira
do que o fato de somente o colonizador haver registrado a sua versáo e os
seus dados sobre os eventos históricos e culturais, ocorridos em séculos de
destruic;áo e opressáo••• A cultura e sobretudo a história do Brasil acham-se
soterradas•••
- O arcabuz consumia mais tempo para um tiro do que levava um indígena
para disparar várias flechadas. Nos anos. 1557/58, esta relac;áo era da or-
dem de 1:6 (LERY: 1960, 168) e 67 anos mais tarde: 1:2 (VIEIRA: 1970, 1,
38).
- A recente invasáo norte-americana no território do Vietnam {1965-71),
usando um numeroso exército e o mais sofisticado complexo tecnológico-mi-
litar de que se tem notfcia, foi literalmente dominada pela ac;áo coordenada do
povo vietnamita, operando com extrema inferioridade tecnológica e dispondo
de um contingente entre quatro e dez vezes menor de guerreiros nativos por
invasor que no caso brasileiro (por todo o século XVI). Este tato contribuí pa-
ra ilustrar, analogicamente, que na campanha da conquista territorialmente
do Brasil a superioridade tecnológica e militar do lusitano, conquanto impor-
tante, náo deve ter sido o fato decisivo". (HOORNAERT: 1977, BRITÁNICA:
1966, LEONARDOS: 1938, TAVARES: 1979, LÉRY: 1960, VIEIRA: 1970
apud DIAS, 72 a 77).

(3) - Cf CASCUDO, 1983.


*· TORRE - Edifício alto construfdo
, pelo colonizador para se defender do ata-
que inimigo, 110 caso, do Indio; o mesmo que fortaleza (cf FERREIRA, s/d).

22 23

a·· projeto colónizador

A "descoberta" do Brasil ocorreu quando, do ventre da ordem


feudal, surgia o longo processo de gesta9áo da ordem capitalista... Os
europeus queriam de fato, com o Brasil, implantar a empresa colonial4.
lsto náo poderia ser feíto sem a explora9áo do trabalho nos moldes es-
cravagistas. A suposta máo-de-obra aqui encontrada - os indígenas - da-
ria a condi9áo essencial ao empreendimento colonizador. Pero Coelho,
embora náo tenha alcanyado totalmente seu objetivo, deixa no Ceará,
conforme já mencionado, os núcleos militares de defesa da terra, visando
a empresa colonial (primeira entrada;.
A segunda entrada, com mudan9a apenas de estratégia, deu-
se em 1607. O alvo imediato, como fez Pero Coelho, foi a lbiapaba - lo-
cal de resistencia indígena, "fortaleza indígena". Essa entrada era dirigida
pelos
, jesuitas Francisco Pinto** e Luiz Figueira***,
. com a intermedia9áo
de Indios Potyguara. Na sua passagem, os padres fundamos Aldeamen-
tos de Poranga, Messejana e Caucaia.
Com guerras e escraviza~s de um lado, aldeamento de outro,
as fazendas de criar váo sendo implantadas. As primeiras surgem nos
vales do Jaguaribe e Acaraú. lsso se passa entre 1623 e 1654. Já em
1647, no Vale do Jaguaribe, faziam-se grandes suprimentos de gado ao
exército de Joáo Femandes Vieira****. Como exemplo da ampíitude do
negócio, já nesse inicio de implanta9áo da empresa, urna partida, condu-
zida por Joáo Barbosa Pinto, compunha-se de 700 bois5.

(4) - Cf SODRÉ, 1976.


* ENTRADA - Expedh;áo organizada para explorar o Interior, apresar indíge 4

nas destinados aescravidáo, ou procurar minas (cf FERREIRA, s/d).


** FRANCISCO PINTO - Da Companhia de Jesus. Nasceu em 1552 em
Angra, llha Terceira. lngressou no Colégio da Bahia em 1568. Formou-se em
a
1588. Deixou Recife a 20 de janeiro de 1607, com destino lbiapaba, por ter-
ra, a pé. Morto pelos índios Tocarijú, foi sepultado em Ubajara, Serrada lbia-
paba. Mais tarde seus restos mortais foram levados para a capelinha do Al-
deamento do Rio Ceará (cf Revista do Instituto do Ceará, 1923).
*** LUIZ FIGUEIRA - LJa Companhia de Jesus. Nasceu em CampÓ de Ouri-
que, Vila de Almodovar, Arcebispado de Évora, Portugal. Sob o patrocínio

27
"

dos indios do chefe Cobra Azul, veio até o fortim do Ceará, rio Ceará. onde
ft:tndou um Aldeamento de Índios. Deixou o Aldeamento do Ceará a 19 de
agosto de 1608 e partiu para o Río Grande do Norte. No caminho, pelo mar,
foi morto pelos Tapuya (Obra citada,.1923).
(5) -BRf~IDOt 1900. .
**** JOAO FERNANDES VIEIRA- Paulista radicado na Paralba, do qual se
fez o seguinte registro: "Convinha recordar quando andavam exa~perados
(os indígenas Tapuya) pela lembran9a das extraordinárias violéncias sobre
eles exercidas por Joáo Femandes Vieira durante o seu governo na Paralba
(1655-1657) (TAUNAY, 1875).
NOTA: Para suprir de alimentos os exércitos paulistas, durante a Guerra
dos Bárbaros (1696•••), Matias Cardoso manda que Morais Navarro condu-
za trés mil bois do sertáo cearense a Pernambuco, onde havia enorme falta
de carne. "Trés encontros renhidos (durante o percurso) sustentara comos
bárbaros que pretendiam tresme.lhar aquele gado". (TAU NAY: 1975, 164).

28
Candidatos a latifundiários

Sendo a sociedade colonial controlada pela aristocracia econer


mica, formada por senhores de engenho e fazendeiros, somente podia
receber concessáo de sesmaria quem tivesse "posses bastante"6.
As concessóes de sesmaria* chegavam a medir, no Ceará, qua-
renta léguas de terra**. O~ senhores sesmeiros, candidatos a latifundiá-
rios, "eram afeitos ao poder..• ávidos de dominios territoriais, vindos de
urna sociedade aristocraticamente assentada sobre a base*** dos "mor-
gadios", dos "solares", das "honras", das "cavalheirias", "das terras lavra-
das pelo bra~ de servos".7

(6) Cf LIMA, 1954.


* SESMARIA - Procederia sesmaria de sesma, ou sesmo e, enfim, de seis
ou sex. As dadas de terras, assim designadas, eram feitas com o foro da
sexta parte dos frutos. Nem sempre, porém, as dadas de sesmarias eram
feitas com o foro do sexto. Ficou sendo chamada de sesmaria a área de ter-
ra em si (cf LIMA, 1954). Lote de terra inculto ou "abandonadQ" cedido pelos
reis de Portugal; antiga medida agrária: urna légua de sesmaria tem 3.000
braQas ou 6.600 metros (cf FERREIRA, s/d). Transplantada de Portugal, o
regime de sesmaria foi abolido no Brasil em 1822.
* * Diz-se légua em quadra A propósito da controvérsia existente acerca da
concepQáo de légua em quadra e de sua correspondéncia em hectare, o an-
tropólogo E. Reesink fornece dua·s possibilidades de explica9áo do que seria
essa medida: "1. A légua em quadra era medida combase nas quatro dire-
9óes cardinais formando um quadrado de quatro léguas (e náo um quadrado
, de légua) ou, 2. A légua em quadra apresentava ao final a figura de um oct6--
gono com urna légua para cada lado, caso fosse medida segundo as dire-
9óes principais da Rosa dos Ventos .•.". Após ter se referido explicitamente
ao que poderia corresponder em hectare a forma octogonal afirma que ela
perfaz aproximadamente 12.000 hectares" (E. Reesink, 1984 apud Almeida:
1987:3-5).
* * * OBSERVE OS TERMOS:
MORGADIO: Regime que tornava o primogénito herdeiro legal dos bens de
um fazendeiro. lsso fazia dos outros herdeiros urna espécie de agregados
do património herdado combase na primogenitura. O morgadio interditava a
dispersáo da riqueza pela heranQa (cf MARTINS, 1983).
CAVALHEIRIAS - Aqui o termo assume o significado de privilégios pró-
prios da nobreza, cujo modo de vida depende de expedientes para lograr os
outros, no sentido de enganar, burlar (cf FERREIRA, s/d).

31
SOLAR - Apesar de a palavra significar, no caso, antiga morada (cf FER-
REIRA, s/d), refere-se menos aos ambientes suntuosos que reuniam as fa-
mRias aristocratas dó que ~ ociosidade própria das classes dominantes da
época.
DAS HONRAS - lsto é, do que é aparente, fantasioso; dos títulos, das
homenagens, as festas palacianas de conotac;:áo classista dominante.

32
O gado é o marco de posse da terra

No sustentáculo estrutural do modelo colonizador estava a fa-


zenda de criar (e o plantio), marco de ocu~ e posse da terra legaliza-
do pelo regime das sesmarias*. E este último o empreendiemnto asso-
ciado do latifúnc:Jio - estrutura vertical fechada, obstacularizadora da mo-
bilidade social vertical ascendente por implicar urna hierarquia de cama-
11
das sociais em que os estratos mais baixos" sáo .considerados, em geral,
como naturalmente inferiores. Proporciona ao possuidor da terra, pela for-
~ e prestigio que tem, a extensáo de sua posse incluindo até os homens
(Freire).
A fazenda constituí-se o centro de atividade e poder, forma con-
creta da empresa colonial, cuja finalidade era produzir excedentes, afirma
Sodré, por já existir, na época, em Portugal e na ~spanha, um grupo de-
tentar do capital comercial e usuário (1976, -- 14-15).

* AINDA SOBRE SESMAAIA:


· "Os registros oficiais do govemo do Ceará alcan9am, até o ano de 1663,
poucos anos depois da expulsAo dos holandeses. Desses registros consta
que, desde aquela época dos capitles-mores, govemadores da capitania
passavam carta de sesmarias; e essa faculdade lhes foi confirmada pela
provisáo do antigo Conselho Ultramarino de 22 de dezembro de 1715. De-
pois lhes foi cassado esse poder, que ficou reservado ao capitáo general e
governador de Pernambuco e ao vice-rei do Estado da Bahia. Finalmente
com a independéncia da Capitania do Ceará em 1799, essa atribui9áo ficou
definitivamente competindo aos seus governadores" (ARAAIPE, 1958).

35
Sem autoritarismo
nao haveria · coloniza~ao

As primeiras sesmarias, no longfnquo século. XVII, trouxeram os


sesmeiros com seus trabalhadores, que eram homens de armas. Os fa-
zendeiros tinham tropa· especial, pagável, para defender a propriedade••.
Abatiam homens como quem cac;ava nambus. Como castelos, as fazen-
das eram defendidas contra a ac;áo dos fndios. Como cidadelas, eram
centros autónomos, independentes, autárquicos, elemento nuclear de im-
planta~o da cultura portuguesa, mais importantes que as sedes de vila,
mais influentes que os govemos, mais poderosos que os govemadores ou
capitáes-gerais.
A base sobre o que se estiou a formac;áo da propriedade privada
como sistema de ocupac;áo humana.vem senda a mesma, com o mesmo
espfrito e como mesmo sentido. Em conseqüéncia, as CAmaras* se for-
maram com os proprietários da terra ou seus prepostos; e náo raro essas
CAmaras falavam com autoridade ao próprio Rei. Eram ela5 que gover-
navam, baixavam posturas, aprovavam atas legais.
Náo era de ~tranhar que os proprietários legislassem em seu
próprio proveito8. Proprietários fazendeiros, senhores absolutos de tudo e.
de todos, concentravam posses e poder. Deles dependia o funcionamento
das instituic;óes e do Estado. Só faltavam mandar nas estrelas e nos xe-
·xéus, longe uns e alvoroc;ados outros, para respeitar obrado autoritário.9

* CÁMARAS - Para se ter urna. idéia do funclonamei'lto das CAmaras, tome-


mos os registros seguintes, mesmo sendo de um e dois séculas depols: "A
CAmara de Fortaleza apresenta ao Govemador da Capitania os nome~ do
capitáo Domingos Francisco Braga,. sargento-mor JoAo Dantas de AgUiar e
do capitAo Verfssirno-Thomaz ·p ara denfre eles ser-escolflldO o alrnoxarife da
Real Fazenda (20 de mar90 de 1753) (Revista do Instituto do Cearé, 1891).
"(•••) A CAmara Municipal de Quixadá resolve isentar perpetuamente a
Congrega9áo dos Beneditinos do Brasil do pagamento do foro dos terrenos
que a mesma Congrega9áo por qualquer tftulo adquirir sobre a Serra de
Santo Estéváo•••" (Lei nº 6 de 12 de setembro de 1899) (Revista do lnstitutb
do Ceará, 1902). ·

39
}

"Até a um dos procuradores que fez adiantamentos quando em exercício, fi-


c~u a CAmara (de Quixadá) a dever 35$408. Se examinarmos a~ora a es-
criptura~áo, quantas irregularidades se nos deporáo as contas sáo um em-
broglio horroroso••• nem n'ellas se encontra menc;áo de presta~áo de con-
a
tas••• Corria tudo como se costuma dizer - aventura" (Revista do Instituto
do Ceará, 1892).
Ainda sobre o funcionamento das CAmaras: "As terras dos aldeamentos ex-
tintos (após hesitacóes na ·1eglsta~áo, que fazem delas Próprios Nacionais
ou terras devolutas passrveis de serem vendidas· oü aforadas pelo lmpério),
acabam sendo repassadas em 1887 as ~rovíncias, tend~ as CAmaras
Municipais direito de aforá-las. Esse escandaloso estado de coi-
sas nlo encontra fundamento jurídico (grifo nos~Ó)": - (CUNHA:
1987, 70).
(8) - Cf DIÉGUES, 1972.
(9) - Cf\CASCUDO, 1984.

40
A

A Na~io Paiakú reage

Em 1681, , datas de sesmaria já haviam sido concedidas. Travava-


se a guerra do Indio contra o gado, sendo este sfmbolo de poder e de
massacre. O colonizador legitima a posse da terra pelo regime de sesma-
ri~*. E os pólos de poder se invertem na medida da perda da terra pelo
indio: o indio, que era invadido, agora é reduzido acondi~áo de "invasor".
A primeira Na~áo lndlgena fortemente atingida, com a i'!!Pla_!1~a- .
~o das fazendas de criar** no Vale do Jaguaribe, foi a Na~o Paiakú.
Tendo · o govemo decidido aniqÚilar a rea~o intentada pela Na-
9áo Paiakú contra a domina~ portuguesa, o militar Jorge Correia da
Silva recebe o encargo de exterminar por completo os Paiakú e com isso
estabelecer a "paz" da Capitania. Assim ele se expressa: "E conforme
destruirmos esta na~ de Paiacús no que se fará num grande servi~ a
Deus e a Sua Alt. mere. Joáo".
Sucedem-se as batalhas. Nas lutas, os indios· perdem grande
quantidade de arcos. Enquanto lutam, seus filhos e suas mulheres sáo
trai900iramente seqüestrados. Quando perdem, sáo tratados como prisio-
neiros de guerra, em seguida escravizados nas fazendas. . ·
i:m froca da libeidade das mulheres e dos filhos, sáo obrigados a .
lutar ao lado dos próprios fazendeiros contra seus irmáos Índios. Mas ~e :
volta das opera~es de combate, trazem presos náo os seus irmáos In-
dios, mas os soldados do exército portugués. Assim podiam resgatar os
.Índios em poder do colonizador. Até 1688, os fndios permaneceram se-
nhores absolutos da situayáo.

* As sesmarias no Ceará datam de 1663, afirma Antonio Bezerra. No entanto,


contesta Araripe: "As primeiras foram as datas concedidas pelo governo in-
terino da Bahia em 5 de abril de 1678 ao capitAo Joáo de Castro Fragoso, a
José Coelho de Barros e a Francisco de Almeida Vilhena, constando de urna
légua em quadra para cada um, pela costa do mar, na atual comarca Acu,
hoje território do Río Grande do Norte, entáo parte da Capitania do Ceará
(ARARIPE: 1958, 98).

** FAZENDAS DE CRIAR OU FAZENDA DE GADO. É traco importante


da história indo-americana. É a relacáo ao mesmo tempo de complementa-
cáo e de conflito com a comunidade indígena, assegura Cardoso (1985,

43
46-47). Cardoso se refere A fazenda, tirada de urna defini~áo hispano-ame-
ricana, como urna grande propriedade rural possuída por um proprietário au-
toritário, explorada mediante o emprego de máo-de-obra dependente, exigin-
do pouco capital para o funcionamento .e produzindo para l:lm mercado res-
trito (local, regional) entre zona de urna mesma colOnia, ou quando muito in-
tercolonial. Já para Nascimento, é simplesmente o centro de atividade e de

poder no período colonial (1986, 193).

44
O objetivo principal do colonizador:
o
Destruir - modelo social Indígena

..·A medida em que avan~ava a implanta~o da empresa colonial, ·


a fazenda de gado, as Na~s lndigenas no Ceará viam seu modelo so-
cial amea~ado. Como datas de sesmarias eram concedidas, já em 1681,
no Vale do Jaguaribe - .território Paiakú, esta Na~áo logo se posiciona
contra a invasáo, a exemplo da Na~áo Janduin no Rio Grande do Norte
(1683), ao ponto de os novos proprietários do Ceará se dirigirem ao Go-
vemador da Bahía, Mathias da Cunha, solicitando providencias contra a
"ferocidade" dos silvicolas. Igual solicita~áo, ressalta o escritor Studart
Filho, fizeram os colonos do Rio Grande do Norte, em cujas terras a re-
volta campeava (1688). ,Registra Aragáo 1-O, que o conflito chega a abalar
tres Capitanías, pois o Indio resiste sob a égide de urna bem fortificada
alia~ entre Na~, cujo poderío indígena se concentrava nas regióes
do baixo Jaguaribe.
Marchavam os Índios para recuperar a Capitania* das máos do
colonizador. Os Paiakú,já aliados aos lkó, Janduin, Karatiú, constroem as
bases sociais da resistencia organizada. E no mesmo ano de 1688, a 14
de ma~, o Govemador Geral convoca a Junta de Letrados composta de
teólogos, ministros e of iciais maiores, bem como todas as autoridades da
Colonia para deliberar sobre a guerra contra os indios. Por consenso,
manda presidir com forte contingente as
Fortalezas do Ceará e Natal; au-
toriza a Fazenda Real a custear as despesas com armas, ·muni~s e
fardamentos e determina que as Camaras de Olinda, ltamaracá e Paraíba
concorram com a manuten~áo das tropas em servi~.

(10) - Cf ARAGÁO, 19 vol.


* CAPITANIA- Território ocupado pelo colonizador: urna divisAo administra-
tiva do Brasil Colonial, da qual se originaram as provrncias ou estados de
hoje, e cujos chefes tinham o título de capitAo-mor (Cf F.ERREIRA, s/d).

47
/
oo

Os bandeirantes paulistas sao peritos


em massacre de índios

Náo havendo, contudo, bravo que obtenha sucesso diante da su-


perioridade indígena (Aragáo), em 1O de maio de 1688, comunica-se o
Governador Geral com os oficiais da Camara de Sáo Paulo, expendo a
grave situa9áo em que se encontram os colonos do Ceará e Rio Grande
do Norte e concitando os paulistas a tomarem parte na guerra. Semente
os paulistas eram capazes de combater os Índios. Por isto eram comuns
e constantes as chamadas desesperadas de socorro. Foi entáo que Do-
mingos Jorge Velho, chamado para t~rminar o massacre aos negros em
Palmares, marcha ao Norte contra os indios do Rio Grande. De Sáo
Paulo vem para o Ceará o ter90* do mestre-de-campo Matias Cardoso,
constituído governador absoluto da guerra contra os indios. E em seguida,
com refoí90, Manuel Alves de Morais Navarro.
Acampados na barra do Jaguaribe, provavelmente
, em Aracati, os
·paulistas, experientes que eram em exterminio de Indios e Negros, dáo
infcio a seu plano.
Os indios adotam a guerrilha na nova situa9áo. Os -paulistas se
desorientam e váo sendo derrotados. Mudam de tática.

* TERCO - Antigo corpo de tropas de origem medieval. "Seu conjunto com-


punha-se de dez companhias de cem homens cada urna. Tinham tais com-
panhias por comandantes capitáes que, em parada, iam, em fileira, A frente,
seguidos de dez pajens levando sobre almofadas de veludo seus capacetes
emplumados. Eram os ten;os governados por um mestre-de-campo, auxilia-
do por um sargento-mor e por um ajudante. As primeiras companhias eram
armadas de chupos (arma com ponta de ferro e chilfarotes); seus oficiais
inferiores tinham espada. As últimas carregavam mosquetes (arma de fogo
pesada) e seus sargentos e cabos, piques (lanc;as) ou alabardas (arma de
longa haste, com ferro, madeira, pontiaguda). Todos os oficiais subalternos e
superiores traziam bastOes de comando" (SOUZA: 1950, 52).

51
\

\ \
'


Questao de vida ou de morte

No ano de 1694, os Paiakú, aliados aos lkó e Janduin,


, promovem
um grande levante, mais organizado que os anteriores. Os Indios quase
aniquilam, desta vez, a totalidade dos colonos11 instalados nas margens
do Jaguaribe* e Banabuiú**.

_(11) - Cf STUDART FILHO, 1846.


* ·JAGUARIBE - O rio Jaguaribe é o mais importante curso dágua do Ceará,
de regime intermitente. Das serranias que circundam o elevado sertáo dos
lnhamuns nascem os diversos riachos que, confluindo, constituem o rio. O
vale do Jaguaribe é amplo. Estende-se por mais de 150 km em extensas
planfcies (cf SOBRINHO, 1962). O vocábulo Jaguaribe é de origem indfge- ·
na Tupi: Jaguar.i.be. no rio das on9as. Denomina9áo aplicada desde o sé-
culo XVI (et Revista do Instituto do Ceará, 1945). "Nasce, na extrema occi-
dental da provrncia, das serras de Momba9a, Joanninha e lbiapaba" (CA-
VALCANTI, 1888).
,.
** BANABUIU - O rio Banabuiú se origina das terras elevadas de onde tam-
bém deflui o Jaguaribe a urna altitude de cerca de 400 metros (cf SOBRl-
NHO, 1962), ''táo volumoso quanto o rio Salgado e contando cor;no elle uns
300 kilómetros de curso" (CAVALCANTI, 1888).

55
O reinado autonomo ·dos Janduin
era o reconhecimento da
ilegalidade portuguesa

,
Os Indios continuam lan9ando-se a luta. Os comandantes portu-
gueses sáo mortos ou substituidos. Novos refor~s sáo solicitados. Novas
for9as sáo agregadas. Acordos sáo assinados e desfeitos. Sobre este
ponto, vale ressaltar: a proeza militar dos Janduin e a sua destreza políti-
• ca obtiveram para eles algo único na história brasileira - o reconhecimen-
to dum reinado autónomo e um tratado de paz com Portugal12.

(12) - Cf. HEMMING: 1878, 91. _


NOTA: Para os portugueses "paulistas", o fato de um grande Chefe o tu-
xaua ou principal dos Jaguaribaras ter aceitado assinar um acordo de paz
significa submissáo a causa da coloniza9áo. Quem negociou o acordo foi
um tal de Joáo País Floriáo, paulista ou baiano, ninguém sabe ao certo. Flo-
riáo vivia entre os Janduin, "tendo como mulher urna filha de Nhongugé,
cunhado de Canindé, o mais prestigioso morubixaba inimigo, a quem cha-
mavam rei dos Janduins" (TAUNAY, 1975). Conforme esse autor, era inte-
ressantrssimo o documento assinado, único no genero, no Brasil: "Um tra-
tado de pazes entre duas majestades: a do Sr. D. Pedro 11, Rei de Portugal
e a de Canindé, Rei dos Janduins" (p. 158).

59
/
Um massacre ainda vivo na memória

O mestre-de-campo* Manoel Alves de Morais Navarro**, coman-


dante da expedi9áo dos paulistas, tendo substituido Matias Cardoso, ten-
ta urna aproxima9áo "cordial" com os Paiakú.

Já na aldeia, os paulistas pedem que os Indios reúnam mulheres
e filhos e prometem-lhes ricos despojos. Confiando nas promessas do

chafe paulista, os Indios iniciam de imediato suas dan9as, em sinal de
regozijo. Navarro, percebendo que eles estavam descuidados e sem ar-
mas, trai9oeiramente os extermina quase que totalmente. A matan9a dos
Paiakú, que estavam na Aldeia .de Madre de Deus, teve lugar no dia 4 de
agosto de 1699.

* MESTRE-DE-CAMPO - Na hierarquía militar equivalia, na época, a oficial


(et. FERREIRA, s /d).
** MANOEL ALVES DE MORAIS NAVARRO - Autor da cilada que ani-
quilou quinhentos Paiakú, dos setecentos que se encontravam presentes,
reunidos em festa e que constituíam o rancho do Chefe Indígena Jenipapoa-
<;ú. Sobre o massacre ocorrido, dizia o próprio Navarro numa peth;áo dirigida.
11
a Dom Pedro 11, a 15 de dezembro: Como esses bárbaros náo fazem da-
nos, senáo debaixo de toda amizade e juntamente pedir-lhes socorro para
dar nas outras na<;óes, por ser limitado o meu poder" (TAUNAY: 1975, 166).
Tal acontecimento te ve logo o protesto do padre Joáo da Costa que assistia

os Indios. Seu superior, o Bispo D. Frei Francisco de Lima, redigiu urna
Carta Pastoral amea<;ando de excomunháo o mestre-de-campo Morais Na-
varro e mais oficiais e soldados do seu ter<;o, caso dentro de seis dias náo
restitufsse a liberdade aos indios por ele escravizados. Em favor também
dos Índios levantou a voz o vigário do Ceará, padre Joáo Matos Serra. To-
davia, urna parte do clero católico se pronunciou ao lado de Navarro, mos-
trando que ele se empenhara apenas na louvável tarefa de destruir um inimi-
go arrogante e amea<;ador. E algum tempo antes, outro bispo, Dom Freí Ma-
nuel da Ressurrei<;áo, ocupando o cargo de Governo-Geral do Brasil, subs-
tituído por Antonio Luís Gon<;alves da CAmara Coutinho, a 8 de outubro de
1690, baixa um "alvará de reformula9áo", espécie de manifesto. Diante do

fracasso paulista na guerra contra os Indios, declara que "náo bastava
manter guarni<;óes em pontos fortificados. Tornava-se indispensável levar a
guerra as aldeias fndias. Deveriam elas ser arrasadas e queimadas. Só as-
sim se conseguiría a submissáo dos tapuias. Havia portante um único cami-
nho a seguir: entregar aos paulistas as opera<;óes" (TAUNAY: 1975, 157.).

63
,.

/
1
1

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Os índios se confederam *

"Matar ou escravizar os índios" era o lema dos fazendeiros. Mas


vimos que os indios náo assistiam a tudo isso passivamente: . Chamou a
aten9áo da Europa a forma como se organizavam.para resistir, de 1683 a
1713, e o acúmulo de vitórias sobre o adversário. O invejável senso de
organiza9áo social os levou a criar, em 1712, a Confedera9áo Indígena
para, com dignidade de Chefes de Na9óes, negociar a paz com o coloni-
zador. Este, por sua vez, nunca cumpriu os acordos assinados, até que,
em 1713, os indfgenas resolvem empreender um grande levante.

* Repetidas vezes, Gustavo Barroso emprega o termo confedera~io: "NO


Nordeste, especialmente no Rio Grande do Norte e no Cearé, a Confedera-
9áo dos Carirfs (Carirís, no caso, significa Tapuyos em geral), embora muito
menos fa lada, quase destruiu em seus fundamentos a colonizacáo lusa".
"(•••) A luta contra outras tribos da Confedera9áo dos Carirís prosseguiu sem
descanso, tanto que foi necessério mandar vir novos esfor9os de Sáo Paulo
sobo comando do mestre-de-campo Manoel Alves de Morais Navarro".( •••)
A••• Confederacáo••• que duro u 30 anos" (cf BARROSO: 1962, 56 a 60).
E le-se em Affonso de E. Taunay: "No dizer de Borges de Barros, em Ban-
deirantes e Sertanistas Baianos, a chamada Confedera9áo dos Carirís,
tapuias premidos pela expansáo portuguesa, e entre os quais existiam mui-
tos negros aquilombados, compreendia tribos localizadas sobretudo no Cea-
rá, Rio Grande do Norte, Pararba" (p. 153).

67
A grande guerra de 1713

A ocupayáo portuguesa avanya por todo o Ceará Na tentativa. /


talvez última, de recuperar seus territórios, as Na9óes Indígenas organi-
a
zam a resistencia de 1683 a 1713. Em 1712 criam Confedera~o Indí-
gena e partem para a ·arrancada final. lnicíam a grande guerra pela des-
truiyáo de Aquiraz. Sede dos negócios vantajosos da empresa colonial,
Aquiraz "crescia e progredia de modo a receber, no ano de 1711, o predi-
camento de vi la,·as honras de municipio com sua Camara e seus pelouri-
nhos". Mas os Índios de súbito atacaram13. Aquiraz é destruida a 18 de
agosto de 1713. Os que escaparam, espavoridos~ vieram acolher-se aos
muros da Fortaleza•.. Nao tora esse assalto do gentio {indio) e talvez a
capital do Ceará ficasse sendo Aq~iraz.

(13) - Cf GIRÁO, 1939.

71

\
7J
Com reza e pólvora nas.e~ Fort¡1lez~

Quando os portugueses, em maio de 1654, restauraram seu do-


minio no Ceará, deixaram-se ficar em Marajaitiba*. ·
Fez-se na Schoonenborch** qualquer coisa e a transformaram ern
Nossa Senhora da Assun~áo, como os cristáos faziam nos templos dos
pagáos, para possuírem as suas mesquitas. Ternos ar a origem de Forta.:.
leza do Ceará, fortaleza e quartel ao mesmo tempo, junto da qual se fez
urna ermida para rezar, pois rezar era coisa anexa a matar, e o fumo da
pólvora ia sempre misturar-se ao incenso14.

* · MARAJAITIBA - Em 1649, o holandés Matias Beck (fundador de Fortale-


za) constrói o forte Schoonenborch na foz do rio Pajeú (vide nota abaixo),
sobre a colina ou duna, existente na margem de sua foz, denominada Mara-
, • M

jaitiba, onde vivia um arraial de Indios (cf GIRAO, 1961 ).


NOTA: Pajeú, nome dado no fim do . século
~ -- - XVII e come90 do seguinte ao
riacho, que os Indios chamavam Maraja6. Nasce nos tabuleiros, atravessa
trecho da capital Fortaleza e deságua no mar, em f~ente A AlfAndega. Este
topónimo foi encontrado no mapa do Capitáo-mor Manuel F ranc~s. confec-
cionado em 1726. Trata-se do segundo documento cartográfico da embrioná-
ria cidade de Fortaleza. O riacho Pajeú, ao tempo da ocupa9áo holandesa
no Ceará (1637 a 1654), era chamado Maraja6 (Marajik). Significa riacho
do alto, que vem do alto do tabuleiro: Japé, de iabé, o alto ou eleva9áo mo-
desta, e 6, riacho (cf Revista do Instituto do Ceará, 1845).
** SCHOONENBORCH - Inicialmente de madeira como toda constru9áo
holandesa na costa cearense, foi totalmente reedificada em 1698. Morada
dos capitáes-mores Govemadores do Ceará até o come90 do século XIX.
Saindo do dominio holandés, a fortaleza passou a ser chamada de Nossa
Sen hora da Assun9áo, também conhecida como "a batería" ou "trincheira".
Ao seu redor nasce a cidade de Fortaleza, capital do Cearé (cf GIRÁO,
1961). '
(14) -Cf GIRÁO, 1961.

75
A c9nfederac;io indígena
, .
recupera a prov1nc1a

Após trinta anos de guerra, a Confedera9áo Indígena toma a Pro-


vincia, em 1713. A recupera9áo do território come~a por Aquiraz, sede do
poder colonial. Desta vez, a rea9áo portuguesa náo podía deixar·de ser a
mais violenta de todas, o que provocou do lado indlgena um sentimento
comum de solidariedade .étnica, conforme registra Carlos Studart Filho*.

• Referindo-se a Guerra de 1713, Carlos Studart Filho afirma que o transcurso


da Guerra dos Bárbaros havia sido para os nativos do Ceará urna escola de
aprendizado. Haviam aprendido o valor da coopera9áo intertribal e a impor-
.
téncia das opera9óes conjuntas, ensinamentos que agora intentariam pór em.
prática. O ódio, gerado nos Indios pela repressáo, acabara, ao que tudo indi-
ca, contagiando a quase totalidade dos silvícolas da capitanía, despertando
neles um como que sentimento de comum solidariedade étnica. (cf. Revista
do Instituto do Ceará, 1963).

79
...As margens do rio Choró ... *

As fon;as do paulista Joáo de Barros Braga, mais numerosas e


mais equipadas, batem os indios, depois de um dia de encamiyado com-
bate, as margens do rio Choró, no trecho que abrange os municfpios de
Pacajus, Beberibe, entrando em Aracati. Evitam assim que a Confedera-
~º Indígena, conhecida · como Confederayáo dos Karirí, . destrufsse em
seus fundamentos toda a coloniza~áo lusa. Estava, dessa forma, derrota-
do o modelo social indígena Os que conseguem escapar ao massacre do
rio Choró, em 1713 - cerca de quatrocentos Indios- sáo tratados como
prisioneiros de guerra e premiados como trabalho foryado nas fazendas,
tratamento esse generalizado e aplicado aos demais Índios, entáo aldea-
dos em Caucaia, Porangaba, Me~jana, Viyosa, Baturité, Sáo Mateus,
Miranda (Grato)...

* O río Choró nasce nas eleva90es que limitam ao norte a bacía do rio Quixe-
ramobim, denominadas Serrada Lagoa dos Sois, Trés lrmAos ••• e lan~a­
se no oceano por duas bocas, depois de um curso de 175km. Recebe pela
margem esquerda os rios Cangati, que é bastante caudaloso e nasce na
vertente meridional na serra do Machado; o Aracoiaba, que recolhe grande
por9áo dágua da vertente oriental da serra de Baturité e, nos anos de inver-
nos regulares, é perene até a vila do mesmo nome (hoje município de Cho-
rozinho), porque sua alimenta9Ao é, em grande parte, feíta ~ custa das fon-
tes diaclasianas da Serra de Baturité; finalmente, o RiachAo da Lagoa Nova,
que recolhe as águas da vertente meridional da serra de Baturité. A bacía do
Choró mede 5.1 OOkm2 ; é estreita, mas bastante longa e possui excelentes
terras agrícolas (cf. SOBRINHO, Th. Pompeu. Esbo~o FisiogrAfico do
Ceará, 3~ ed., Fortaleza, lmprensa Universitária do Ceará, 1962, pp. 76-77). '

83
..
,.
Recompensas da classe dominante

Por ter conseguido massacrar a Confederac;áo Indígena é Joáo


de Barros Braga* galardeado, "tendo em paga dos seus servic;os o gover-
no do Rio Grande do Norte", a 13 de maio de 1730, de acordo coma Car-
ta Patente de 16 de julho do mesmo ano.

¡
t

* JOÁO O~ BARROS BRAGA - CapitAo de Cavalaria de Ordenanc;a da


Ribeira do Jaguaribe, por provimento de D. Fernando Martins Mascarenhas,
confirmado por Carta Patente de 2 de setembro de 1699 (cf. Revista do In$- .
tituto do Ceará, 1923); donatário da primeira data de sesmaria de Pa~hano,
hoje município do Estado do Ceará (cf. Carlos Studart Filho, 1965).
Além de ter massacrado a Confederac;Ao Indígena, o que fez JoAo de Barros
Braga dos índios que escaparam?
A linguagem dos documentos da época do fato, coevos portanto, é incisiva e
áspera. Assim diz: "matou grande número deles e aprisionou mais de qua-
trocentos, dos quais mataram-se logo noventa e cinco a ferro frío, depois de
amarrados por desconfianc;a que houve desse gentio, pelo motivo de serem
homens-de-armas, conhecidamente guerreiros e destemidos e justamente
incapazes de se sujeitarem as leis "divinas" e "humanas", como a experién-
cia bastante tem mostrado a sua infidelidade e constAncia". (apud Carlos
Studart Filho).

87
O modelo opressor

,
A guerra ao Indio foi um estado "normal, a suprema razáo para a
peti9áo da terra". A conquista do território foi urna sucessáo·de guerrilhas.
A capital ainda recorda, com o nome sonoro e bélico, o aparato militar
que firrnava a posse, a cidade de Fortaleza, enfatiza Cascudo (1983,9). E
a estrutura social foi-se tomando urna expressáo maior da fazenda, no
que tange as rela9óes sociais fundamentais. Refere-se Diégues (1972) ao
fato de que se generalizou, como um todo, o que era apenas parte deste
todo. lsto é, a maneira como os empregados, moradores, agregados tra-
balhavam e se relacionavam com o patráo ficou sendo a maneira de toda
a sociedade. Era como se a sociedade fosse urna grande fazenda: de um
lado, os que nada tem, a náo ser sua for9a de trabalho; de outro, os que
tem tudo: poder, capital, meios de producáo.

91
"'
A fala desesperada do colonizador

"Colonizar a terra, ou perdé-la", desespero que enodoava o Brasil


Colonia. Os bugres* estáo chegando, rápido com eles! Náo ternos for~s
suficientes. Devem haver possuído qualidade secreta; ou senáo, era por
resolu9áo de Deus. O poder dos bárbaros é agora incomparavelmente
mais forte que o das nossas armas. Os Tapuyas••• táo numerosos quan-
to as folhas das árvores... Sua única inferioridade na luta... náo ter ar-
mas de fogo. O projeto colonizador está amea9ado! Só o valor e a grande
experiencia de guerra nos sertóes, possuídos pelos paulistas, podem des-
truir e conquistar os bárbaros: o sucesso depende das armas paulistas,
sempre vitoriosas contra os bárbaros do Brasif 15.
Os bugres póem em xeque a coloniza9áo portuguesa Do Mara-
nháo a Bahía, tendo como palco o Ceará, o clima é de marchas e con-
tramarchas. Dois modelos de sociedade, dois projetos de vida estáo em
confronto: de um lado o sentido comunitário; de outro, o individualismo -
principios básicos de sociedades diferentes.16

* BUGRE - Apesar de esta palavra designar tribo indígena do Sul do país ou


simplesmente "selvagem", é termo utilizado por Carlos Studart Filho na ex-
pressáo "bugrada sertaneja" que participou da Guerra ou Rebeliáo de 1713
(cf Revista do Instituto do Ceará: 1963, 1O). É também utilizado por Gustavo
Barroso, referindo-se igualmente a 1713: "A bugrada ~ solta destruiu cente-
nas de casas, sftios e fazendas" (1961, 60).
(15) -HEMMING, 1978.
** MARANHÁO E BAHIA - Sao Estados situados nos extremos da Regiáo
Nordeste do Brasil.
(16) -MOREIRA NETO, 1971.

95
Vence o modelo capitalista
após uma guerra que durou 30 anos

No seu modelo de sociedade, os indígenas concebiam o direito


de propriedade sob o aspecto coletivo e·náo, sob o particular ou privado,
em se tratando de terra, afirma Giráo. A área territorial' destinada vida a
de cada tribo pertencia a todos, sem qualquer sentido de parte alfquota,
todavia. Propriedade tribal, poder-se-ia qualificar*.
O objetivo do colonizador é destruir o modelo social indígena, em
cuja base se inscreve a propriedade coletiva. As medidas adotadas com
o intento de destruí-lo somavam as diversas estratégias: "O Plano de Nó-
brega é completo, também, como demonstrativo do conteúdo do pensa-
mento missionário durante toda a conquista: coexistem aí o espirito guer-
reiro-religioso vindo da ldade Média e o espirito mercantil expansionista
do capitalismo em gesta9áo" (DIAS, 1988).
Enquanto o elemento substituto do modelo social indígena ia
sendo violentamente implantado - a empresa colonial, fazendária, o ele-
mento de destrui9áo da resistencia indígena, tático, foi menos o tecno-
lógico e militar e mais o cultural/religioso.
Da análise sobre a resistencia indfgena brasileira em gera1 e so-
brea Confedera9áo dos Tamoios em particular (Estados do Espirito San-
to, Rio de Janeiro, Sáo Paulo, cobrindo o período de 1554/1575), feita por
Carlos A. Dias em obra já citada, tomemos alguns fragmentos que reve-
lam, ainda que, de minuto, o conteúdo da tática e estratégia de domina-
9áo do colonizador:

,
* .Justifica Araripe a náo-assimilaqáo do espírito capitalista pelo Indio cearen-
se: "nos aldeamentos nunca se conseguiu mudar a índole do selvagem cea-
rense, dando-lhe estímulos de propriedade. (A incapacidade para tornar-se
proprietArio de te.rra náo era urna característica do selvagem cearense, mas
do indígena brasileiro em geral... a refractariedade do índio a ser proprietArio
rural torna-o absolutamente inferior...). Ele conservou sempre a sua prístima
inclinaqáo A vida simples e singela dos campos, sem o pensamento, que dáo
os cuidados de adquirir, e conservar os bens da fortuna". E concluí jocosa-
mente: "A propriedade é a idéia que fixa e desenvolve o homem social: tirado
esse ligAmen, náo hA sociedade possível:: (ARARIPE: 1958. 108).

99
- O Pe. Manuel da Nóbrega, Primeiro Provincial dos Jesuitas no
Brasil, foi conselheiro político e militar do Primeiro e do Terceiro Gover-
nador-Geral. Como ideólogo pragmático e articulador do mereé!tilis-
mo portugués, assim orientava: "(. . .) Se o gentil (Indio) fosse senhoriado
ou despejado, ·como poderia ser com pouco trabalho e gosto, e teria vida
espiritval, conhecendo o seu Criador, a vassalaria a Sua Alteza, e obe-
diencia aos cristáos, e tQdos viveriam melhot e abastados e Sua Alteza
teria grossas rendas nestas teffas". "Sujeitando-se o gf?ntil (o Indio), ces-
sarao muitas maneiras de haver escravos mal havidos. .. porque terao os
homens escravos legítimos. .. a teffa se povoará e Nosso Senhor ganha-
rá muitas almas e Sua Alteza muit~ renda. . . '.~ "Se Sua Alteza quer ver
todos (os Indios) convertidos, mande-os sujeitar (subjµgar)".
- No modelo social indígena, de propriedade coletiva, o valoriza-
do é a amizade e náo o dinheiro, a mercadoria. "(...) Percebendo o
aspecto fundamental da amizade... na organiza9áo da sociedade indí-
gena, os jesuitas foram penetranqo no amago dessa estrutura, ganhando
as crian9as primeiro para alcan9ar os mais velhos depois...".
- "Nóbrega conseguiu dividir os Tamoios".
- "Para colocar em prática esse plano, Nóbrega e Anchieta ex-
ploraram ao extremo a sua condi9áo de missionários religiosos, manipu-
lando o misticismo dos· indígenas, no quanto conheciam ser fundamental
na sua estrutura social. Anchieta fez-se passar, inclusive, por grande-pa-
jé".
Concordando com o autor em referencia, que afirma ser a supe-
rioridade tecnológica do invasor europeu um fator apenas complementar
da a9áo colonizadora, transcrevemos o trecho de urna carta escrita por
Pe. António Vieira, no século XVII, ao Pe. André Fernandes, bispo do Ja-
páo: "Que quem for senhor dos índios o será do Estado.. (Apud: Fr.
Sáo José, 1847, 104).

100
101
Urna forma de matar os índios
é tirar-lhes a terra

Se por injun9óes de ordem guerreira, climática ou dóutra sorte, os


agrupamentos aborígines. se·deslocavam em mudan9a radical, tais des-
locamentos se davam para outros pontos mais vantajosos, dentro da área
coletiva, náo tendo portanto o caráter de nomadismo: que tanto impres-
sionou a alguns dos narradores das épocas coloniais (Giráo). O indígena
no Ceará vivía da agricultura, cultivando a mandioca, o milho e em menor
escala abóbora, cará, batata doce, feijáo, amendoim, fumo, etc... Assim,
prossegue .Giráo: (...) Grande... quantidade de machados de pedra en-
contrados. . . desmente, a saciedade, a alega9áo de alguns autores de
que os florestanos (índios) cearenses náo praticavam a agricultura e náo
tinham estabilidade residencial17.
O colonizador, além de reprimir com armas, efetuou o modelo
social indígena com medidas de alcance mais permanente, assegura Mo-
reira Neto (1971, 290-91 ). Necessário era, imediatamente, privar o indio
da posse de suas terras~ legalizando a usurpa9áo como medida imposta
pelos interesses de seguranya nacional. "Buscava-se eliminar ou com-
prometer a organiza9áo interna das comunidades indfgenas, incentivando
a constitui9áo
, de . propriedades individuais...". Sabia o colonizador que a
captura ·do Indio era a um só tempo captura da terra, pois quando o pró-
prio homem é capturado como um acessório organico da terra e junto
com ela, sua captura dá-se na qualidade de urna das condi9óes de pro-
du9áo, e esta é a origem da escravidáo e da servidáo, que logo degrada-
vam e modificavam as formas originais de todas as comunidades, infere
Hobsbawm 18.

* O nomadismo atribuído ao modo de vida indígena aqui no Ceará era muitas


vezes utilizado pelos "proprietários" para justificar a ocupa9áo ,e em seguida
a legaliza9áo, sem nenhum embara90, das terras tomadas dos Indios.
(17) Cf GIRÁO, 1939.
(18) Cf HOBSBAWM, 1985.

103
A história é outra

O colonizador aplicou aqui a experiencia de conquista da terra


desenvolvida nas etapas pré-escravistas, pois, sabendo que a organiza-
9áo social dos Índios tinha como base de sustenta9áo a tribo, tornar a tri-
bo sem terra, sem território, era a forma eficaz para subjugá-la, destruí-la.
A perda da liberdade do Índio dava-se simultaneamente com a apropria-
9áo do seu espa90 pelo colonizador, sendo conseqüéncia direta da apro-
pria9áo do espa90, apropria9áo do tempo. Dando-se a cadeia apropriati-
va, o expropriado, no caso, o Índio, passava da condigáo de invadido para
a condigáo de invasor, e os pólos de poder se invertiam. As tribos conce-
biam a terra como espago territorial de vida e cultura que abriga a Na9áo.
A Nagáo Paiakú, por exemplo, mantinha seu país organizado na regiáo
compreendia entre o río A9u, Serra do Apodi e Baixo Jaguaribe, até o rio
Choró, aldeia Araré (Studart Filho). Chega o colonizador, altera a geogra-
fía, fraciona a terra, imp6e um novo mapa. A Na9áo se desequilibra, tudo
se desequilibra. Sua destrui9áo estava a um palmo do nariz. Agora, ou
reagir ou morrer. Ou reagir morrendo.
Sem total controle sobre o espago-cultura náo haveria como sal-
var a liberdade, urna vez que o tempo,como expressáo do espa90, passa-
ria a náo mais lhe pertencer. Com o aprisionamento do espa90, estava
aprisionada a sua história, história do dominado, valendo apenas, em se-
guida, a versáo do dominador, tornada mais tarde "história oficial". A
Guerra dos 30 Anos nada mais foi que sucessiva tentativa de recupera-
gáo do tempo, da liberdade, da história, pela recupera9áo do territór!o e
de todo o espago.

107
q,
,.
Os índios aldeados sofrem os efeitos
da derrota'' imposta a confedera~ao
11

Ficaram salvos da investida paulista os Índios que haviam sido


aldeados em Caucaia, Porangaba, Messejana, Baturité, Crato, lguatu... e
Índios "selvagens": os que ainda náo haviam sido contactados pelo colo-
nizador, conforme veremos adiante. Mas os fazendeiros, indignados com
a falta de máo-de-obra escrava, indígena, organizaram um movimento de
pressáo durante dez anos. O resultado foi a expulsáo dos jesuítas e a ex-
tin<;áo das aldeias, ficando os Índios a merce das leis do homem "bran-
"co". Dessa forma, conseguem os fazendeiros incorporar ao seu patrimó-
nio as terras dos Índios aldeados, utilizando-se para isso do aparelho es- ..
tatal.

NOTA: Na verdade, foi salva da investida paulista apenas urna parte dos indios
aldeados (e aqueles ainda considerados selvagens). lsto porque na
Grande Guerra de 1713, a Confedera9áo Indígena contou, para a surpre-
sa do colonizador, corn a irrestrita adesáo da grande rnaioria dos indios
aIdeados.

11 1
(}
Os fazendeiros tinham suas
próprias organiza~oes

Os fazendeiros pressionam o govemo de Portugal por dez anos,


exigindo a extin<;áo de tais aldeamentos e a expulsáo dos jesuítas*, pois
semente assim teriam os Índios como escravos e suas terras restantes
sem ·embara90. Em 1758, os aldeamentos sáo extintos**. De aldeamento,
Caucaia passa a ser chamada Vita de Soure. Daí entáo os indios de
Caucaia foram obrigados a viver segundo as leis dos brancos. No entan-
to, urna parte dos indios deixa a sede da Vila para vivar as margens dos
ríos, lagoas, mangues, nos bosques e nas serras circunvizinhas, buscando
na natureza novos mecanismos de autodefesa.
Em razáo dos Índios terem deixado a sede da Vila e receando
que pudessem novamente se organizar, o Diretor de Soure (Caucaia) póe
fogo as suas casas e o poder local introduz aguardente entre os Índios
para despersonalizá-los e levá-los a parda da identidade indígena. Por
qué? Porque, náo perdendo a memória, os indios se lembrariam no futuro
de que, pelo menos, teriam direito, como herdeiros, a tres léguas de terra,
com urna légua de largura, meia légua para cada lado, fazendo peáo no
olho aagua chamado Taboca, concedidas pelo Capitáo-Mor da Capitanía
do Ceará em 31 de mar<;o de 1723, ainda no tempo da Aldeia19.

* Pelo Alvará de 19 de janeiro de 1759, foram os Jesurtas banidos e proscritos


de Portugal e de todos os domínios da Coroa portuguesa, e pelo de 3 de se-
tembro declarados rebeldes, traidores, adversários e réus da agressáo feita
~ pessoa de D. José; e conseqüentemente havidos por proscritos e desnatu-
ralizados" (THEBERGE, 1973).

** a) "A legisla9áo do lmpério, a partir do Ato Adicional de 1834, permitía ~s


Assembléias Provinciais legislarem, cumulativamente com o Governo Geral
e a Assembléia sobre matéria indígena. Mais próximas do poder local, náo é
de se admirar que as Assembléias Provinciais tenham legislado em detri-
mento dos direitos indígenas, em particular extinguindo sumariamente al-
deias (aldeamentos) para se apropriar~ de suas terras" (CUNHA: 1987,
70).

115
Decorridos trinta e cinco anos após o massacre, a 16 de dezem-
bro de 1748, a Cámara de Aracati "requer" a El-Rei medidas no sentido
de ~e pór cobro a fuga dos ESCRAVOS ÍNDIOS .. . e a protec;áo que lhés
, d~o os padres missionários". Os fazendeiros pressionam o Rei diante da
falta de Índios para os servic;os, de que sofrem os moradores, e da Pro-
te~áo lndevida, que aos ditos Índios estáo a dispensar os missionários.
Em 1773, Breve* do papa Clemente XIV encerra as atividades da Com-
panhia de Jesus (dos padres jesuítas). No mesmo ano, o Padre Francisco
Xavier Marreiros da Silva, Cura da Vila de Fortaleza e Vigário Geral da
Comarca do Ceará Grande, de acordo com as ordens recebidas do Dio-
cesano, celebra um solene "Te Deum" em ac;áo de grac;as pela extinc;áo
dos Padres Jesuítas e a Cámara de Soure (Caucaia) abre urna carta do
Governador Borges da Fonseca** ordenando-lhe que fac;a os habitantes
iluminarem as casas por tres noites consecutivas em regozijo pelo ato de
Sua Santidade extinguindo a Companhia de Jesus20.

b) "O Regulamento de 1854, no seu Artigo 75, expressamente declarava


(•••) que assim que o permitisse o "estado de civiliza9áo" dos indios, as ter-
ras dos aldeamentos deviam-lhes ser dadas em pleno domfnio; coerente-
mente. o Aviso de 20 de novembro de 1855 afirmava que aos Índios que ha-
bitassem aldeamentos extintos "pertencem os terrenos de que tém estado
de posse, sem que lhes seja preciso obter carta de aforamento", o que foi
corroborado posteriormente em 21 e 30 de abril de 1857 e 26 de setembro de
1870" (CUNHA: 1987, 70).

(19) Cf. BRÍGIDO, 1900.

* BREVE DO PAPA quer dizer decisáo de caráter particular (Cf FERREl-


AA, s/d).

** ANTÓNIO JOSÉ VICTORIANO BORGES DA FONSECA - Gover-


nador do Ceará por nomea9áo de 26 de margo e posse a 25 de abril de
1765. Seu longo governo estendeu-se até 1O de outubro de 1781 . Nasceu
em Recite (1718) e faleceu em 1786, sepultado em O linda. Fidalgo cavaleiro
da Casa Real, familiar do Santo Oficio, alcaide-mor das Vilas do lguara9u e
Goyana (Pernambuco), académico supranumerário da Academia Brasileira
dos Renascidos. Coronel de lnfantaria (1780), reformado como Tenente-Co-
ronel (Cf Revista do Instituto do Ceará, 1923).

(20) Cf STUDART, 1896

116
Indios
11
selvagens'' *

Com data de 28 de setembro de 1846, Joaquim José Barbosa,


Diretor Geral dos Índios do Ceará, em relatório dirigido ao Ministro dos
Negócios do lmpério, declara existirem no Ceará o.ito aldeias de Índios,
em diferentes pontos da Provincia.
No mesmo rélatório, Barbosa afirma, também, que "consta até
indios selvagens" nos extremos da Provfncia21.

* INDIOS "SELVAGENS" - Denomina9ao pejorativa usada políticamente


para discriminar o indígena que ainda nAo se havia submetido total ou par-
cialmente as regras do colonizador. Em certo sentido, pode também signifi-
car Índio arredio, isolado, náo contatado pela civiliza9áo náo-índia.

(21) Cf PROCESSO FUNAl/BSB/1986/85. \


,~f,va, ,,
I U 119
.

12.I
A grande mentira PQlítica:
por decreto'! o~ Índios
11

do Ceará sao extintos

,
E criada a famosa Lei de Terras, n2 601, de 1850. Trata essa Lei
de medidas relativas a.adequa9áo da estrutura fundiária do Brasil Impe-
rial as novas exigencias económicas do modelo social concentrador. On-
de houvesse Índios, as terras náo poderiam ,
ser alteradas
. ·- -- -
em sua. desti-
na9áo. Assim, era preciso "extinguir" os Indios do Ceará por "decreto.. e
caracterizar
, suas terras como devolutas. A afirmativa da , falsa
.
extin9áo to-
tal dos Indios s~ originava no argumento de que os Indios do Ceará ha-
viam se dispersado ou se misturado a popula9áo. Sobre este argumento
utilizado no Ceará, estudo do MIRAD é enfático ao afirmar: "(...) Se fize-
ram avalia9óes equivocadas... Acrescenta-se a possibilidade de se en-
contrar registros com interpreta9óes ambiguas ou deliberadamente ten-
dentes a escamotear fatos que contraditavam interesses políticos e eco-
nómicos sobre terras ocupadas por Índios... Náo se pode considerar ex-
tinta urna popula9áo indígena como resultado da disp~rsáo QU da misci-
gena9áo, em um perfodo que coincide com a Lei de Terras22•
Ora, a Lei de Terras é criada em 1850. Logo, em 1863, José Ben-
to da Cunha Figueiredo Júnior, Presidente da Provincia do Ceará; no rela-
tório que apresentou a Assembléia Legislativa Provincial, em 9 de outu-
bro, dá por extinta a popula9áo indígena do Ceará, na sua visáo antiindí-
gena. Náo se lembrava, no entanto, de que um pouco antes, em 1846,
havia no Ceará Índios até "selvagens".

(22) - Cf ALMEIDA, 1986.

123
Os índios desmentem sempre

,
De acordo com o juiz, os Indios aldeados em Baturité* estavam
"mortos", em 1826, pelo "mau de bexigas". Sabe--se que os Índios Manoel
Xavier e outros, mesmo estando "mortos", apelam na Justi9a, em 1869 -
a
quarenta e tres anos depois - pelo direito terra.

A especula9áo imobiliária em torno das te"as da Missáo


de Caucaia teve inicio no século XVIII soba guarda de
jesuítas e diretores. lsso se verifica através de um docu-
mento de 1721 que trata da Concessáo de Sesmaria a
um branco, no qua! se descreve em te"eno "devoluto e
desaproveitado" entre o rio Ceará e Juá", e "as lag9as de
Capuan e Tapeba", ou seja, o património territorial da Al-
deia de N. .·Senhora dos Prazeres de Caucaia, que os
descendentes Tapebas denominam como "te"a da san-
ta"23.

Comprovando tratar-se de urna mentira política, motivada por in-


teresses imobiliários, em pleno século XIX, os Índios de Caucaia se re--
belam exigindo do governo a volta do Diretório dos Índios**, abolido em
1793. .,
Hoje, há Indios em diversos pontos do Ceará, no mais completo
abandono e, muitos deles, na mais suja miséria: Tapeba, em Caucaia;
Tremembé, em Almofala (ltarema); Genipapo/Kanindé, errt Lagoa da
Encantada - Aquiraz; Paiakú, em Aquiraz e Pacajus; Pitaguary, em Ma-
racanaú; T abajara, em Vi9osa. Há esses Povos e outros mais, apesar_9e
as classes dominantes . rurais terem conseguido, em termos,, impor a
cren9a, por razóes objetivas e ideológicas, da inexistencia de Indios no
Ceará.

" BATURITÉ era habitada por Índios Genipapo. Estes se somaram aos in-
dios Kanindé trazidos do Banabuiú e do Quixeramobim para o aldeamento.
(23) Cf ALMEIDA, 1986.
"* Com a expulsáo dos jesuítas, o Diretório pombalino de 1757 (Leí em forma
de Alvará) eria, conforme se lé · em Beozzo, um novo orden amento para_a

127
l

política indigenista, após a leí extremamente


, liberal de 1755: determina que
em cada Povoa9áo Indígena, enquanto os Indios náo tiverem "capacidade''
(destaque nosso) de governarém, haja um Diretor nomeado pelo Governa-
dor e Capitáo General do Estado. Esse Diretor, executando as metas do Di-
retório e na qualidade de capataz geral, além de vigiar o trabalt10 dos aldea-
mentos, fornece as condi9óes para os Índios se converterem "a civiliza9áo,
cultura e comércio", empurrando-os para urna integra9ao for9ada como máo- ·
de-obra a servic;o do sistema mercantil (cf. BEOZZO, 1983).

128
Indígenas sobrevivem com dificuldade

No Ceará, vários fatores concorreram para a marginaliza9áo dos


indígenas sobreviventes, com sérias implica9óes legais que váo até o que
a Lei Brasileira define como genocídio. Dentre tais fatores podemos des-
tacar24:
a) Por náo terem os indígenas n~áo de propriedade privada,
tardaram a reagir na defesa da terra e de toda a natureza, muito rapida-
mente tomadas pelos coloniz~dores. Muitas das rea9óes indígenas foram
classif icadas como atentados a propriedade privada. O Governo até pas-
sou a considerar os indígenas como ladróes e logo procurou escoimar
deles o interior da Capitanía desde que os expeliu no litoral. Ordem Ré-
gia de 28 de mar90 de 1715, mesmo depois da Grande Guerra do Ceará,
manda que se constitua guerra aos Tapuyas até exterminá-los ou afugen-
tá-los, de modo a ficarem desassombrados os colonos*.
b) Os indfgenas foram mortos em sua quase totalidade, ou mar-
ginalizados cruelmente. A propósito, quando da liberta9áo de 1884, exis-
tiam apenas 30.000 escravos na Ptovíncia do Ceará. O Govemador Sam-
paio** calculava que haviam entrado, via Pernambuco (1813'a 1817), náo
menos de 350. O pre90 de um escravo africano regulava 40, 45, 47 bois,

. , ,
(24) - Cf SITUANDO A QUESTAO INDIGENA NO CEARA, s/d.
* lnforma<;áo .oral de autoridades denuncia o fato de proprietários da, serra de
Baturité, por exemplo, terem já, no século passado, enchido com Indios vá-
rias embarca<;óes que os levavam, a forc;a, ao Estado do Pará, onde foram
"despejados" na mata. Denúncia, com igual teor, também incrimina proprietá-
rios da lbiapaba que, com apoio de órgáos governamentais, quiseram varrer
a serra da presenc;a de Índios Tabajara, abrigando-os a lotarem caminháo
que os conduziu para o Estado do Maranháo.-Mas, de lá, OS· indios voltaram
e se sujeitaram a viver no anonimato.

** MANOEL IGNÁCIO DE SAMPAIO - Visconde de Lanc;ado, 4º Gover-


nador do Ceará lndependente de Pernambuco (1811 ). Chegou a Fortaleza a
11 de marc;o de 1812. A ele e ao arquiteto Tenente-Coronel Silva Paulet de- ·
ve-se a reconstru<;áo da Fortaleza de N.S. d'Assunc;áo, inclusive a constru-
c;áo do mercado público. Conseguiu abafar o movimento republicano de 1817
(cf Revista do Instituto do Ceará, 1923).

131
. ,
alto valor !'comparado comos dos Indios, que eram avaliados a 30$000 e Palma (Quixadá - Ribeira do Quixeré - 1740)
55$000***. De todos os estados da Uniáo é o Ceará aquele em quemé- Índios Kanindé e Genipapo
nos negros existem25. . (cf STUDART FILHO, 1965)
c) Se os aldeamentos significavam para os indígenas cearenses Monte-mor "O Velho" (Pacajus)
o come~ do fim, ·a cria9áo de vilas em detrimentos dos aldeamentos Índios Paiakú (talvez exce9áo)
significou o evaporar das últimas esperan9as. Com as vilas, os Índios Aracati (Areré, 1696)
eram obrigados a viver segundo as leis dos "brancas", tratados como os Índios Paiakú (talvez exc~áo)
demais vassalos da Coroa Sem raízes, entravam os indígenas em dese- (cf GIRÁO, 1939)
quilibrio profundo, sornando-se a tudo isto os males causados pelas inú- Uruburetama
meras doen9as infecciosas que os brancas lhes transmitiram. Índios Anacé e Jaguaruana.
· d) Sob o pretexto de "civilizar" os indígenas, havia incentivos fis-
cais a quem promovesse o casamento dos brancos comos Índios. Os in- Por outro lado, os aldeamentos eram quase que totalmente che-
divfduos de ra9a branca que casassem com as Índias eram premiados fiados por Índios Tupi, vindo.c; de fora, da confian9a dos colonizadores. Fo-
com a "isen9áo de todos os servi9os públicos por certo número de anos, ram poucos os grupos indígenas que, resistindo a descaracteriza9áo tri-
e aos próximos parentes, a fim de que assim melhormente pudessem fa- bal*, buscaram na natureza um outro nome específico que lhes assegu-
zer os seus estabelecimentos". rasse a unidade étnico-cultural, como ocorreu com os Índios T apeba, em
e) Os aldeamentos eliminaram a identidade tribal dos indígenas, Caucaia.
já que reuniam tribos de Na9óes diferentes, tais como: f) Semi-remunerados, posteriormente, os indígenas foram for9a-
dos a adatar padróes de consumo impostos pelos colonizadores. Tres
Cuacaia bens de consumo eram colocados a"disposi9áo" dos indígenas como
Índios Karirí, Potyguara, Tremembé únicas alternativas para gastar o dinheiro recebido na constru9áo das po-
(cf ALMEIDA, 1986) voa9óes: aguardente, farinha e tabaco de fumo. No ano de 1800, o Go-
lbiapaba ou Vi~osa Real vernador da Capitania do Ceará comunica a Sua Alteza Real, em carta
Índios Tabajara, Anacé, Arariú, Kamakú, Akoan9ú
(cf STUDART FILHO, 1964)
º
datada de 1 de abril desse mesmo ano, náo haver sacrificio maior que ti-
rar os indígenas de seus bosques e arrancá-los ao ócio. Queixava-se o
Telha (lguatu) Govemador do. modo como era· empregado o dinheiro que os indígenas
Índios Kixeló (1791 ), Javó, Kixariú, Akarisú, Kariú, Juká recebiam em pagamento do trabalho.
(cf STUDART FILHO, 1965)
Miranda (Grato)
lkozinho, Javó, Kixariú, Akarisú, Kariuane, Kariú, Juká
(cf STUDART FILHO, 1965)
Monte-mor "O Novo d'América" (Baturité)
Índios Kanindé, Genipapo, Paiakú, Kixeló * "Os indígenas nas aldeias ( aldeamentos) cearenses mostraram, em princí-
(et STUDART FILHO, 1965) ..
pio, repugnancia pelo uso dos nomes de batismo; recebendo-os na sagrada
pia, nem por isso os aceitavam no trato comum. Ao nome cristáo, que o pa-
dre lhes . impunha com a água da reden9áo, preferiam o nome gentílico dos
seus usos. Assim, embora tivessem ao assento batismal os nomes do ca-
*** Encontramos essa informa9áo do início do século XVIII, que de certa forma lendário romano como José, Joáo ou Francisco, eles falavar'n-se com os
é conflitante: "Nesses tempos um escravo indígena valía regularmente o nomes de Boipuru, lbiara, Ciriola, Andagua9ú, Patiúba, lguarahiba e outros
pre90 de 4:000$000" (ARARIPE, 1958). Na mesma época o ordenado de um semelhantes da sua linguagem nativa". (ARARIPE; 1958). De acordo como

padre era de 40$000 réis (cf. THEBERG, 1973). fato exposto, o indígena reagia a descaracteriza9áo imposta e criava os
seus próprios mecanismos de resistencia e de defesa. Talvez por isso é q4e
(25) - Cf REVISTA DO INSTITUTO DO CEARÁ, 1924. ainda hoje alguns qruoos sobrevivem.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
132 www.etnolinguistica.org 133
O preconceito destrói a .cultura
A luta contra e;> preconceito.

O preconceito é originado de interesses económicos e políticos.


Preconceito e interesse de classe sáo duas realidades muito ligadas.
Agora, com o passar do tempo, em nossa cabe~ o preconceito vai fican-
do como que despregado dos interesses económicos e políticos que fhe .
deram origem, como se tivesse vida própria. O preconceito, portanto, é
utilizado como arma para
, dominar, integrar, reprimir... ou exterminar o
adversário, o inimigo. E curioso notar que o dominador se serve do pre-
conceito, impregnando-se dele, para náo se sentir ladráo ou assassino.
Com o preconceito, o dominador justifica a superioridade de sua classe e
assim pode matar com tranqüilidade e com tranqülidade acumular capital,
acumular poder.

137
Todo preconceito tem uma lógica.
E na lógica desse preconceito,
reside a ideologia das ra~as

Principalmente no Ceará, por causa da capacidade de rea9áo, os


Índios sempre foram concebidos e tratados, na sua etnia, como perten-
centes a urna ra9a-inferior, sem alma. Em fun9áo disso, a classe domi-
nante se expressava e agia, utilizando-se do bico de pena de alguns in-
telectuais, convocados a opinar sobre Índios, sempre que estes estavam
na iminencia de recuperar as terras:

,
Os Indios sáo incapazes de produzir uma grande civiliza9áo,
"nem de aliunde recebe-ta". .Náo tem culto religioso, nem no9áo
de Deus, Nunca seu espfrito se ilumina com a idéia do divino,
nem se inebria com os gozos inefáveis do ideal.

A forma de governo é a mais simples e rudimentar, a que


se observa nas sociedades animais. ·

Desconhecem fun9óes mais nobres do poder, porque nao


tem no9áo de liberdade ..A famflia, na acef)9áo que tem a palavra
nas sociedades humanas, nao a conhecem eles. Sáo polígamos
e tomam quantas mulheres podem e a nenhuma mostram des-
velos26.

(26) - Cf CATUNDA, 1919.

141

O preconceito contra os Índios
nao tem limite

Seus usos e costumes só revelam animatidade; parem as


cunhás, como alimárias do campo, onde quer que sintam as do-
a
res, e apenas acabam de dar luz se váo meter n'ág1:1a com o
filho. .'(Notem que esse procedimento é hoje enaltecido pela mais
avan9ada ciencia).

Nas suas casas (ocas) náo há reparti9óes internas e as cons-


troem para durar apenas de tres a quatro anos.

Náo recue de horror a humanidade; náo sáo ainda seres


humanos. Nem sequer tem n09áo de propriedade nem paJavras
que exprimam idéias abstratas. Apaixona-os a omamentafáo.

Cultivam a música e sáo grandes cantadores de improviso.


Horrorosa é.sua orquestra:,urna tfbia, um peda90 de taquara (tó-
ré), um búzio e um maracá.

Habitam o Ceará as tribos menos vigorosas dessa ra9a. De


estatura mediar:ia, cabe9a chata, olhos grandes, rasgados, um
tanto oblfquos, nariz e lábios grossos, e de cor escuro azeitáo,
exalam os Índios do Ceará "o cheiro acre e nauseabundo" das
coisas torpes enquanto do colonizador, do branca, sua alma
exala "o perfume suave das verdades eternas".

Urna prova de inferioridade humana:.até hoje, "nenhum fn-


dio/caboclo foi canonizado"27.

(27) - Cf CATUNDA, 1919.

145
Da Questao Tapeba e Tremembé
Alguns Registros
,.
Saber e interesse de classe

Os pensamentos da classe dominante sáo também os pensa-


mentos de cada época. . . A classe que dispóe dos me.ios de produ9áo
material dispóe, também, dos meios de produ9áo intelectual, de sorte que
os pensamentos daqueles ·para os quais sáo recusados os meios de pro-
du9áo intelectual sáo, ao mesmo tempo, submetidos a essa classe domi-
nante28.
Desse modo, a classe dominante consegue impor sua visáo das
coisas, da sociedade, do mundo, da História. Monta e desmonta e torna a
montar orientada pelos seus interesses de classe. O saber daf produzido
é um saber que tem os condicionantes de classe. lsto é táo sério enquan-
to é capaz de detenninar o destino das pessoas, que se qualquer urna
das ciencias náo corresponder a tais interesses de classe, logo será
abandonada. Na hora da defesa dos interesses de classe, mais vale a
opiniáo de um jagun90 do que a opiniáo de um cientista. lsto porque a
consciencia burguesa, esclarece Lukács, tem um interesse social vital a
esconder de si mesma, os limites de sua própria racionalidade, isto é, a
burguesia náo só tem · a necessidade de esconder do proletariado a situa-
9áo real, mas de si mesma, porque ela precisa de ilusóes para acreditar
em sua fun9áo histórica29.

(28) - IANNI, 1987.


(29) - Lowy, 1981.

151
\ \
"
A forma da classe dominante

A classe dominante molda tudo e todos a forma de seus interes-


ses. É incríve1,: á primeira vista, como ela consegue tecer os fatos e ves-
ti-los de eternidade, levando os oprimidos a crerem na "imutabilidade da
vida real". Sem isto, a classe dominante náo teria como garantir as co"n-
di9óes de permanencia no poder; náo teria, inclusive, como garantir a uti-
liza9áo dos aparelhos do Estado para legitimar suas idéias, seus pontos
de vista, sua versáo da História. ,
No processo de reconhecimento dos Indios Tapeba junto a FU-
NAI,
-
o CSN - Conselho de Seguran9a Nacional, numa ,
atitude de defesa,
a classe dominante (20.7.88) nega a existencia de Indios em Caucaia,
com base náo em estudos antropológicos e sociológicos produzidos por
competentes profissionais, mas na opiniáo furiosa dos fazendeiros da
área em conflito.
A luta Tapeba recebeu apoio de órgáos como MIRAD, Museu
Nacional, CIMI, Arquidiocese de Fortaleza e, num dado momento, da pró-
pria FUNAI, além de quase cem entidades de classe, comunitárias, eco-
lógicas e culturais, tanto em nivel local, nacional, como em nível interna-
cional - que lhe conferiram um peso político de resistencia incomum.
Náo é corriqueiro, na história de luta do povo brasileiro, a socie-
dade civil manifestar-se coesa e de máos dadas coma grande imprensa
em favor de urna causa que mexe com padróes até entáo tidos como
verdadeiros e póe em debate toda urna visáo de história oficial, secular-
mente consagrada como a única válida.

Significado de algumas siglas:


MIRAD: Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário.
CSN: Conselho de Seguran9a Nacional, atualmente com nova nomenclatura.
SADEN - Secretaria CJe Assessoramento da Defesa Nacional.
CIMI: Conselho Indigenista Missionário (lgreja Católica).
FUNAI: Fundacáo Nacional do Índio.

155
Apelar para o precon~eit~

Nao foi a toa que urna deputada pelo PMDB, representante


, da
classe dominante, quis passar a idéia de que a existencia dos Indios em
Caucaia nao era senáo urna fantasia. Apelou para o preconceito ligado a
a
moral familiar e descaracteriza9ao racial:

"Nunca houve Índios Tapebas. O que existe é um grupo descenden-


te de um caboclo (grifo nosso) conhecido pela alcunha de "Perna de
Pau" que habitou na área de Caucaia no início do século e que teria vivi-
do maritalmente com duas irmás (grifo nosso), o que gerou um grupo
racial fechado..."30.

a
Também náo foi toa que um parente da deputada, suplente de
senador pelo mesmo partido e co-proprietário da Fazenda Soledade, em
a
questao, tenha reagido em frente FUNAI (3.7.87) contra a inclusáo da
propriedade de sua famllia na área indfgena Tapeba, de que trata a Por-
taría PO 2384/87 da FUNAI. Afirma ele que tudo isso "náo pa,ssa de uma
fantasia, alimentada pelo Cardeal-Arcebispo de Fortaleza, D. Aloísio
Lorscheider, que pretende criar com sua fértil imagina9áo, nos mangues
de Caucaia, um Brasil pré-Cabralino, habitado por silvícolas"31

(30) - Jornal "O POVO": 17.8.87.


(31) - Requerimento do Sr. Esmerino Oliveira Arruda Coelho a FUNAI em 3.7.87.

159
Jornal O POVO, Fortaleza, 25 de maio de 1988

Questionado exame de
sangue para definir indios

POLrr{cos ESTXO ENVOLVIDOS

Por várias vezes, durante as tentativas de conversa entre re-


presentantes dos Tapebas, especialmente Sérgio Leitáo, e os
alegados proprietários da fazenda Soledade, vários nomes de
políticos tem sido citados como possíveis de ser utilizados para
garantir a manuten9áo do quadro atual, sem qualquer mudan9a.
O que mais constantemente serve de referencia, conforme tes-
temunho do advogado, é do senador Mauro Benevides.
Utilizando essa forte retaguarda política, tendo em nível esta-
dual a deputada Maria Lúcia Correia como principal articuladora,
os proprietários estariam conseguindo mudar as regras de um jo-
go que, segundo Sérgio, "caminhava facilmente para defini9áo da
área indígena onde. hoje, mora a comunidade dos Tapetias". A
presen9a em Fortaleza, na próxima semana, do Presidente da
Funai, Romero Jucá, seria o principal indício dessa reversáo no
quadro.
É respaldado em documentos, incluindo o requerimento envia-
do a Funai pelo suplente de senador Esmerino Anuda, um dos
declarados proprietários da Faz.enda, que o advogado da Arqui-
diocese sente no ar a amea9a. 'Tínhamos informa9óes de que
técnicos da Funai viriam ao Ceará para articula9áo de formP'
possíveis de mudar a tendencia, sentida até entáo, de bene1 ..dr
os índios como fim do processo".
No requerimento, inclusive Esmerino Anuda diz que "a preten-
dida área indígena náo passa de fantasía, alimentada pelo Car-
deal Arcebispo de Fortaleza, dom Aloísio Lorscheider, com pre-
tensáo de recriar, com suas fértil imagina9áo, nos mangues de
Caucaia, um Brasil pré-cabralino, habitado por silvícolas".· Ele
próprio se contradiz ao anexar um laudo de avalia9áo onde, por

161
duas vezes, a área é identificada como um antigo aldeamento a imprensa leve o acesso barrado pelo proprietário, · é um indicío,
1
dos índios. segundo ele, "da intenr;áo de criar uma clima desfavorável para a
Ao rejeitar o requerimento do político, q antropólogo Artur No- decisáo a ser tomada sobre o assunto".
bres Mendes teria perdido o pasto na Funai, segundo argumenta- Tem cerca de tres anos a disputa pela terra entre os danos da
9áo de Sérgio Leitáo. Para justificar o fato da decisáo, nesse sen- fazenda Soledade, que formam um condomínio, e a comunidade
tido, ter sido tomada oito meses após o episódio acontecer, o ad- dos Tapebas. Conforme Sergio Leitáo, "a maior barreira parte do
vogado ..diz "ser conseqüencia do afunilamento do processo, com senhor José Geraldo, cujo filho é candidato a Prefeito em Cau-
o final estando próximo. Além do ..mais, o posicionamento dele, caia, com o apoio da deputada Maria Lúcia Correia, sua sogra";
contrário a vinda da comissáo a Fortaleza, para avaliar a situa- Por canta dessa situa9áo; os índios vivem impossibilatados até
r;áo, deve fer sido 'a gota d'água". Artur Nobres considerava sufi- de explorar uma terra que /hes pertence. A atitude dos·proprietá-
ciente, para se definir pela demarcar;áo da área, a tarta documen- rios, informando sobre a realizar;áo de exames de sangue, é (Jefi-
táo existente na Funai. nida pelo advogado como absurda.
O_próprio governador Tasso Jereissati, durante audiencia con- Para saber quantos índios existem no trecho, resistindo a to-
cedida a comissáo de representantes dos Tapebas. mostrou-se das as tentativas de expulsáo, segundo Sérgio Leitáo, "é suficien-
simpático a !uta desenvolvida pela comunidade. Determinou apu- te que se consulte o trabalho da Arquidiocese". Mostrando-se um
rar;ág par~ -~~ denúncias de violencia contra os índios, praticada número de brancas superior aos indígenas, entre as famílias que
pelo policiamento de ..Caucaia, como cónsequencia da implicar;áo ocupam a margem do río Ceará, o proprietário da Fazenda teria
política, e adiantou apoio a criar;áo da área indígena. O seu re- condir;óes de "apresentar uma situar;áo diferente da encontrada
o
presentante no grupo de trabalho que discute assunto, Marcos na realidade. A comunidade dos Tapebas é que aceitou a entra-
Antonio Vieira de Castro, defendeu essa proposta na reuniáo do da dos brancas, com os quais convivem, hoje, sem qualquer tipo
último dia 20 de abril, em Brasília quando a decisáo foi transferi- de conflito" - adianta ele.
da para depois da visita que a comissáo fez ao local na próxima O encontro ·de ontem, com a participar;áo de uma maiorias das
quinta- feira. famílias, "mostra:se como uma tentativa de passar uma idéia di-
Na manhá de ontem, os índios Tapebas que moram as mar- ferente, de que a área é motivo de tensáo, entre os moradores da
gens do río Ceará, na rodovia BR-222, receberam convite para comunidade': conforme o advogado da Arquidiocese. q quadro
, irem a fazenda Soledade, manter uma reuniáo com o proprietário, deve ser encontrado pela comissáo que chega quarta-feira, lide-
José Geraldo, e representantes da Funai. Na oportunidade, con- rado pelo Presidente da Funai, Romero Jucá Filho, para vistoriar
forme foi explicado, haveria exames de sangue para definir, na "in loco" a área e tomar uma decisáo final sobre a demarca9áo
realidade quem é efetivamente indígena dentro da comunidade. da área para os índios tapebas.
Nenhum dos 914 Tapebas, cadastrados pela Arquidiocese de ,
Fortaleza, em trabalho realizado no ano de 1986, se incluía entre- VINDA INEXPLICAVEL
tanto, no grupo que esteve no refeitório da fazenda.
Ao saber da reuniáo, o advogado da Arquidiocese, Sergio Lei- A forma como o problema da terra dos Tapebas vem senda
táo, foi até a comunidade dos Tapebas, denunciando o encontro .tratado, segundo avalia9áo de Sérgio Leitáo, mostra implicancias
como "Uma tentativa de reverter a expectativa sobre a demarca- políticas, com sérios prejuízos para a comunidade indígena. Con-
r;áo das terras da área, incluindo alguns hectares da fazenda forme dispóe o decreto número 95.945, assinado em novembro
Soledade, em favor dos índios". A presen9a da Funai, confirma- de 1987, a devolu9áo de área indígena deve acontecerpor deci-
da somente através de um participante da reuniáo, tem vista que sáo de um grupo de traba/ha, sempre atendendo proposta apre-
sentada pela Funai. "Com relar;áo aos Tapebas já. existe esse
•, .
162
163
apoio da Funda9áo e do próprio Governo do Estado, tornando po no !ocal, cerca de dois anos, Joaquim Rodrigues .de Oliveira
sem sentido a verifica9áo "in loco" da área"- argumenta. · afirmava náo ter o que dizer contra os Tapebas. O direito, aqui, é
a
-Por ser 90!Jfrário vinda da Comissáo, integrada por represen- igual para todos".
tantes dos Ministérios do Interior e da Reforma Agrária, do Con-· C01'1forme explica9áo do advogado Sérgio Leitáo, "desde
se/ho de Seguran9a Nacional e pelo próprio Presidente da Funai1 quando a Arquidiocese iniciou o trabalho junto a comunidad._e,
o Oi~eto~ d~ Divisáo de ldentifica9áo e Delimita9áo da Superin- sempre fez questáo de (}vitar qualquer prioridade para os índios,
tendencia de Assuntos Fundiários, Artu.r Nobre Mendes, "tería si- em rela9áo as famllias de brancos que habitam no trecho". Dessa
do. ~emitido do carfJO na última -segunda-feira': conforme Sérgio forma é que já se conseguiu desapropiar 3.200 hectares de terras
Le1tao. Em outro momento, Artur Nobre Mendes negou provi- para os brancas, "como forma de afastar conflito entre os mora-
mento a requerimento enviado a Funda9áo Nacional do Índio, dores, tratados sob uma .mesma visáo':
pelo suplente de senador Esmerino Arruda, um dos pretensos A tensáo pode ser criada, a partir inclusive dessa reuniáo de
donos da fazenda Soledade, considerando ilegítima a portaría ontem, dentro da inten9áo geral de inviabilizar a caracteriza9áo
~384187, que · instituiu grupo de trabalho para proceder levanta- do local como área indígena. O município de Caucaia, de acordo
mento fundiário e. plotagem de ocupa9óes incidentes na área in- . com levantamento fundíario, conta com mais de 66 mil hectares
dígenas Tapeba, em Caucaia. próprios para desapropria9áo, tornan.do injustificável qualquer !uta ·
riesse sentido.
BARRADO ACESSO DURANTE REUNIAO

Com o acesso a reuniáo barrado, sob amea9as inclusives de a


·Polícia ser acionada e ainda coma chegada "dos meninos" cha-
mados pelo proprietário, tornou-se impossível saber a veracidade
da informa9áo acerca da presen9a de representantes da Funai,
ontem, na. fazenda Soledade. Um dos supostos donos, José Ge-
raldo, entre uma amea9a e outra, negou apenas "a realiza9áo de
qualquer exame de sangue". Um participante náo identificado,
adiantou haver tres pessoas da Funda~áo participando do encon-
tro.
Para o índio tapeba Francisco Bento de Sousa, "era bom que
ele deixasse esse pessoal lá por dentro por trés días pelo menos,
pois assim poderiam aprender". Garantía náo haver representa-
9áo dos índio no encontro, "mas apenas de alguns brancas, parte
deles já trazidas pelo próprio Zé Geraldo para. morarem junto
com a comunidade, criando uma maioria que pode ter peso num
momento de defini9áo.
Entre os brancos que permaneceráo em suas casas, recusan-
do o convite feíto pelo fazendeiro, muitos mostravam igual indig-
na9áo que Francisco Bento. Moradora da comunidade há 1O
anos, neta de índia, Josefa Mendes atestava "nunca ter havido
qualquer tipo de problema no relacionamento ". Com menos tem-

164 165
Jornal O POVO, Fórtaleza, 7 de outubro de 1988 cutivo. .Alé,m diS$O, muitas das decisóes da Constituinte carecem
de legislar;áo complementar para valerem de fato.
Com o seminário sobre terras indfgenas no Nordeste, pro-
mor;ao dos Departamentos de Ciencias Sociais da UFC e de An-
Cientista diz que irreconhecimento tropología da UFRJ, o PETI procura passar sua experiencia para
as pessoas e grupos que trabalham com a questáo indígena no
dos Tapebas é represália do CSN Ceará.
O objetivo do Projeto, em nivel nacional, é levantar dados e
A decisáo do grupo interministerial de deixar de reconhecer informa9óes sobre as 509 áreas _indfgenas do Brasil. Hoje há um
os Tapebas como indígenas e, portanto, desautorizar a demarca- banco de dados computadori.zado com informar;óes sobre a si-
9ao de suas terras é urna espécie de represália do Conselho de tuar;ao jurldica de cada urna delas, sua extensáo, popular;áo, indf-
Seguran9a Nacional ao movimento de apoio de setores organi- cios da presenr;a de invasores, existencia de projetos de minera-
zados da sociedade civil aos Indios cearenses, entre os quais se r;ao e outras atividades que impliquem an1ea9as de extin9áo das
incluí a Arquidiocese de Fortaleza. comunidades indígenas.

A opiniáo é do antropólogo carioca Joáo Pacheco de O/ivei- Com o seminário, que conta com a participar;ao de mais
ra, coordenador do Projeto Estudo sobre Terras Indígenas no tres antropólogos do Museu Nacional, os profissionais resolveram
Brasil (PETI), do Departamento de Antropología do Museu Na- · passar subsfdios teóricos e metodológicos para que os grupos in-
cional, que está- em Fortaleza participando de um seminário so- teressados possam levar adiante e com mais profundidade esse
bre terras indígenas no Nordeste. mesmo trabalho no Ceará. ;.Além dos Tapebas, objeto da tese qe·
mestrado do antropólogo Enio Ban-eto, que já esteve tres vezes
AMEA{:A em Caucaia, já foram estudados os remanescentes da tribo Tre-
membés, em A/mofa/a. Joáo Pacheco de ·Oliveira reforr;a a teo-
Para ele, a preocupa9áo dos militares no Brasil coma ques- ría de que outras comunidades indfgenas se abfigam no Ceará,
táo indfgena tem dois fundamentos. Primeiro, eles acreditam que ainda desconhecidas dos estudiosos.
os Indios ocupam grandes espa9os de terra, prejudicando o de-
senvolvimento regional. Segundo, veem a organiza9áo das co-
munidades indígenas e a !uta pela demarcar;áo de suas ten-as
como os demais movimentos sociais no País - urna amea9a a
seguranr;a nacional, diante da qua/ náo se pode demonstrar fra-
queza.
Pacheco de Oliveira criticou a polftica indigenista da Nova
República, que tem seu suporte na filosofía do Conselho de Se-
guran9a Nacional, a mesma que permite o desmatamento e a
explora9áo económica da Floresta Amazónica - para citar um
exemplo de depredar;áo ambiental - em nome do desenvolvi-
mento.
O antropólogo considera importantes os avanr;os obtidos na
nova Constituir;áo com retar;ao a questáo indfgena, mas acha
que náo haverá mudanr;as significativas a curto prazo, na atual
polftica indigenista. lsso acontecerá quando mudar o Poder Exe-

166 167
Jornal O POYO, Fortaleza, 26 de julho de 1988 Diário do Nordeste, Fortaleza, 27 de julho de 1988

Cardeal contesta e diz


que Tapebas sáo indios
O Cardeal-Arcebispo de Fortaleza, dom Afoísio Lorscheider,
estranha que os Tapebas náo tenham sido reconhecidos como
índios, conforme decisáo do Grupo de Trabafho lnterministeriaf.
Acha o religioso que estudos feítos na comunidade, incfusive um
fevantamento fotográfico, revelam o auténtico tipo indígena e
confirmam que eles guardam todos os tra9os dos seus antepas-
sados.
Ressafta o cardeaf Lorscheider que a medida adotada pelo
Grupo de Trabalho objetiva apenas impedir que os Tapebas te-
nham direito as terras onde praticam suas atividades - pesca e
fabrica9áo de te/has e tijofos, entre outras, as margens do rio
Ceará, em Caucaia. Conforme sa/ienta, a Arquidiocese de Forta-
leza já tentara conseguir da Camara Municipal de Caucaia a de-
sapropria9áo de urna área de cinco mil hectares, para aqueta
comunidade. .
Ainda dizem
POLÍTICA
fndios Tapebas amea~ados
O Cardeaf-Arcebispo de Fortaleza acha que tem conota9áo de serem irreconhecidos co·
política a decisáo do Grupo de Trabafho instituído pelo Govemo mo tais.
em náo reconhecer, como remanescentes indígenas, os Tapebas, - Ainda dizem que vive·
que ocupam áreas em Caucaia, Aquiraz e ftapipoca. mos numa sociedade civiliza.
da.
O cardeal Lorscheider lamenta náo ver ainda coroado de
éxito seu trabafho em favor da preserva9áo de urna área para
aqueta comunidade.
Considerando extremamente grave o fato de as entidades
ligadas aos Indios, inclusive, a Arquidiocese, náo terem sido ou-
vidas e sequer contatadas pela comissáo g<;>vernamentaf que
decidiu sobre o caso, D. Afo1$ío Lorscheider fez um chamamento
a sociedade civil cearense para que se mobílize em defesa dos
Tapebas. "Sáo desprotegidos e só podem contar com nossa sofi-
dariedade de homens e de cristáos': ressaltou ele.

168 169
Jornal O POVO, Fortaleza, 26 de maio de 1988 Jornal O POVO, Fortaleza, 26 de julho de 1988

Reuniio vital cancelada Esmagamento de um povo


no Cambeba
A opíniáo pública cearense ainda se encontra chocada com
a decisáo do Grupo de Trabalho lnterministerial, tomada na últi-
a
A reuniáo marcada para ontem tarde, no Cambeba, entre
ma s.emana em Brasília, ao negf1r a identidade indígena da co-
o Governador em exercício, Gaste/o de Castro, e os representan-
munidade dos Tapebas, localizada as margens do río Ceará em
tes do Grupo de Trabalho lnterministerial (GTI}, para analisar a
Caucaia. A surpresa ficou por conta da forma -inopinada da deci-
questáo dos índios Tapebas, deixou de acontecer. Em virtude da
sáo, quando tudo já indicava v reconhecimento dos remanescen-
ausencia do Coordenador da Funai, Daniel Marques, que acom-
tes da antiga na9áo dos Tapuias.
panhava em Brasília a vota9áo dos capaulos da Constitui9áo re-
O mais chocante é que, na última incursáo feíta ao Ceará
ferentes ao Índio - o encontro foi adiado para o próximo día 10.
pelo grupo góvernamental, este náo procurou ouvir a opiniáo das
O cardeal Aloísío Lorscheider, também convidado para a
entidades e institui96es que tem mais estudos com rela9áo a es-
reuniáo, foi quem deu a notícia do adiamento aos índios de vá-
sa questáo. A Arquidiocese de Fortaleza, por exemplo, náo foi
rias tribos nordestinas que chegaram ontem, para dar o seu apoío
sequer contatada, quando se sabe do empenho do Cardeal-Arce-
aos Tapebas e protestar contra a idéia de implanta9áo da co/6-
nia indígena cea.rense. "O Bispo nos informou que receberá o bispo de Fortaleza dom Alofsio Lorscheider, em encontrar uma so-
lu9áo para o problema dos Tapebas. Aliás, foi através do Arce-
convite para participar da reuniáo através de um telex do dirigen-
bispo que os Tapebas voltaram a alimentar afgum tipo de espe-
te da Funai,r mas em seguida soubera que ele náo viria mais" -
ran~a de que náo desapareceriam de vez no pántano da degene-
disse António lnácio Severo, um dos líderes da tribo Funió (PE).
rafªº .cultural, como conseqüencia da discrimina9áo, violencia e
Integrante de urna das trihos brasileiras que cultivam o seu
m1séna a que foram submetidos ao longo dos séculos pelos des-
idioma e o ritu~I, António lnácio, 60 anos, considera "um crime o
.cendentes dos antigos colonos, responsáveis pela subjuga9áo
que se pretende fazer comos nossos irmáos Tapebas". .Comple-
das vinte e uma na96es indígenas que habitavam o Ceará.
tando as palavras do Cacique, José Heleno Feffeira de Sá, da
Se náo houve pelo menos cortesía a um religioso da mais
mesma tribo, disse que "esse seria o passo inicial da,do pela Fu-
alta hierarquía da lgreja Universal, justamente o Prelado que, du-
nai para transformar outras na96es de índios em colónias. .Pois já
rante tantos anos, se destacou como Presidente do Sínodo Mun-
se tem ~ notlcias da existencia de uma no Acre". Heleno comple-
dial dos Bispos, Presidente da Caritas Internacional, Presidente
tou sua opiniáo dizendo que "se os Tapebas passarem a fazer
da Conferencia Latino-Americana de Bispos e Presidente e Se-
parte de uma colónia, váo ficar sob os mandos do Estado ou do
cretário-Geral da CNBB, além de membro do Colégio de Car-
Municipio e ninguém gflrante que seráo mantidos os direitos re-
deais - o que !he dá uma autoridade inconteste ao longo traba-
g~dos pelo Estatuto do Índio". Em vírtude do adiamento da reu-
lho de pesquisa desenvolvido pela Arquidiocese para documentar
niáo, os trinta indígenas que vieram apoiar os Tapebas retornam .
a identidade cultural dos Tapebas.
hoje as suas tribos. "Mas continuaremos na /uta em favor dos
Náo é estranho esse papel da lgreja de lan9ar seu manto
nossos irmáos cearenses" - garantiu Heleno Sá.
protetor sobre uma comunidade indígena amea9ada de extermf-
nio. Retoma apenas a sua tradi9áo histórica, desde que iniciou os
primeiros aldeamentos indígenas, no século XVII no Ceará, pr0:

170 171
Jornal O POVO, Fortaleza, 26 de julho de 1988
tegendo-os muitas vezes da ganancia do colonizador. A Arquidio-
cese dispóe de tarta documenta9áo que vai desde ao levanta-
mento dos caracteres físicos dos Tapeba : até o rastreamento
dos seus valores culturais. A memória histórica está senda recu- Os índios Tapebas e o CSN (1)
perada, mesmo fragmentariamente, dada. a tradi9ao oral q~e
guarda episódios bastante indicativos de suas origens ancestra1s.
Nao se concebe, pois, que nada disso tenha sido levado em can- Sérgio Leitáo (,.)
ta pelos órgaos responsáveis por tal decisao.
Se outra coisa nao houvesse, bastaría um levantamento No día 20 do corrente, o Grupo de Traba/ha lnterministerial,
a
junto popula9ao "civilizada" da área para se sentir o preconcei- o chamado Grupao, reuniu-se em Brasília para apreciar~ Proces-
so Administrativo n(I 005186 da Funda9ao Nacional do Indio, so-
to enraizado contra os Tapeba:, justamente porque eles se dífe-
bre a demarca9ao administrativa da Área lndfgena . Tapeba, no
renciavam culturalmente. Sua forma de organiza9ao social des-
toa da circundante por canta de seus costumes "mais selvagens". municipio de Caucaia, Estado do Ceará. Até que a reuniao de
Nem sua estrutura familiar e seu relacionamento intracomunida- Brasília se realizasse, houve uma trajetória rica em dados e fatos
de guardam a rigidez da forma9ao judaico-crista. Por isso fo~am que, se explicitada, em muito irá ajudar na compreensao do des-
muitas vezes considerados moralmente degenerados pelos d1tos a
fecho formal transitório dado causa.
"civilizados". E ainda o sao. Há, no Nordeste, vinte e sete Povos lndfgenas emergentes,
que nos últimos dez anos tém questionado a hist'5ria oficial e re-
Num momento de recupera9ao dos valores democrátieos,
o
como que est~mos vivendo, seria extremamente frustrante que'
a
velado opiniao pública a ileg(timidade de certas riquezas, acu-
muladas gra9as á espolia9ao dO património indfgena por familias
a sociedade cearense rejeitasse a sua solidariedade a uma mino-
poderosas, oligárquicas no seu alinhamento polftico. _
ría étnica e cultural esmagada por séculas de opressao.
Desses vinte e sete povos, a causa-carro-chefe é, sem dúvi-
da, a Tapeba, nao somente por for9a da vasta documenta9áo que
prova a existencia da presen9a indígena em Caucaia, mas, e
principalmente, devido ao apoio amplo que tem recebido da so-
ciedade c.:vil tanto em ámbito local como nacional, o que !he con-
fere um peso polftico incomum.
Os Tapebas teriam recebido os 4.675 hectares dos 30.000
hectares a que teriam direito, se aceitassem trair os demais pa-
vos indfgenas, irmaos seus.
Apesar das investidas contra a sua !uta, oriundas de políti-
cos de Caucaia, de um senador e de dois constituintes pelo Cea-
rá, sornadas ao "lobby" formado por 55 presumfveis proprietários
liderados pela UDR - que reclamavam por ditas terras urna inde-
nizac;áo nunca inferior a 253.959,80 OTNs de setembro/87, os fn-

("') Sérgio Leitáo é advogado da Pastoral lndige1,1sta da Arquidiocese de


Fortaleza e participanfe do Grupo de Trabalho lntermínísterial.

172 173
dios Tapebas seriam atendidos, desde que resolvessem vestir a Jomal O POVO, Fortaleza, 27 de julho de 1988
camisa da trai9áo. Mas que tipo de trai9áo?
Ora, náo interessa ao bloco das classes dominantes, no
Brasil, hegemónicas que sáo do poder estatal, orientar uma polf.+
tica indigenista capaz de assegurar aos fndios sua preserva9áo, Os índios Tapabas é o CSN (11)
enquanto o~o de modelo social alternativo, -a partir do- re-
conhecimento de direitos originários. .·Pelo contrário. A través do
Conselho de Seguran9a Nacional, órgáo que tem determinado, Sérgio Leitáo (•)
de fato, as diretrizes da polftica indigenista governamental, é da-
Quais os fundamentos antropológicos e jurfdicos evocados
da a mesma ordem de t.rezentos anos atrás: exterminar todas as
na reuniáo de Brasflia que determinaram o náo~reconhecimento
na9óes indfgenas restantes. o mecanismo atual, moderno, en-
contrado para isso é a tal Colónia Agrfcola, figura jurfdica que o dos fndios Tapeba?
Inicialmente gostarfarnos de_ deixar aquí registrados os no-
CSN quería impor ao texto da nova Constitui9áo para substituir
mes dos presentes a reuniáo do Grupo de Trabalho lnterministe-
.as reservas indfg([Jnas. Os fndios Tapebas teriam que aceitar a
rial, ocorrido no· día 20 de julho último: 1) Romero Jucá Filho,
rnodalidade imposta se ''preferissem" continuar índios. Eis al o
maior resultado da reuniáo do grupáo que estava previsto acon- . presidente da Funai; 2) Daniel Marques de Sousa, superintenden-
tecer em Fortaleza a 25 de maio último, conforme esperava o te de assuntos fundiários da Funai; 3) Sónia Demarquet; ·secretá-
Conselho de Seguran9a Nacional. ria do Grupo de Trabalho lnterministerial e integrante dos qua-
A tgreja seria instrE:Jmentalizada para -sacramentar a·Colónia dros da Funai como antropóloga; 4) Válter Mendes, assessor da
superintendencia de assuntos fundiários da Funai; 5) Ronaldo
Agrrcx:ia por intermédio do cardeal A lofsio Lorscheider. Este apa-
Montenegro, integrante da Procuradoria Jurfdica da Funai; 6) Ma·
recena na televisáo, em circuito nacional, desejando exito ao
ria Eugenia, assessora do Ministro da Reforma e do Desenvolvi-
empreendimento que os Indios Tapebas, no Ceará, abra9ariam
em primeira máo. E a Colónia Agrfcola certamente desceria mento Agrário e representante do Ministério no Grupo de Traba-
goela-abaixo nos constituintes. Mas o Cardeal e os fndios do lho lnterministerial; 7) ltagibe Cristiano Campos Filho, coordena-
Nordeste, com total apoio das entidades civis e culturais de For- dor de terras indfgenas do Mirad e assessor da representante do
taleza, reagiram a manobra e derrubaram a idéia da Colónia de Mirad no Grupo de trabalho lnterministerial; 8) Marcos António
. . ' Vieira Castro, diretor-técnico do Instituto de Desenvolvimento
1nsplfa9áo pombalino-pentagonal, para irrita9áo do coronel Antó-
nio Carlos Carneiro da Silva, representante do Conselho de Se- Agrário do Estado do Ceará e representante do Govemo do Es-
guran9a Nacional. tado do Ceará no Grupo de Trabalho lnterministerial; 9) naimun-
do Sérgio Barros Leitáo, assessor do representante do Estado do
Ceará no Grupo de Trabalho lnterministerial; 1O) Renato b~l­
meida Leoni, consultor jurfdico do Ministério do Interior; e, final-
mente, 11) coronel António Carlos Carneiro da Silva, representan-
te do Conselho de Seguran9a Nacional.
A Secretária do Grupo de Trabalho lnterministerial, Sónia
Demarquet, atendendo a solicita9áo de Romero Jucá, presidente,

(") Sérgio Leitáo é advogado da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de


Fortaleza e participante do Grupo de Trabalho lnterministerial. .

174 175
"
expós o histórico da área identificada e delimitada pela Fúnai Feíto lagartixa, o presidente da Funai concorda com o re-
como imemorialmente ocupada pela comunidade dos fndios Ta- presentante do Conselho de Seguran9a Nacional, e final/za: "A
peba. Colocou ser tarta a documenta9áo acerca da prese119a in- Funai náo poderia demarcar a área dos índios Tapeba, sem a
dfgena no Município de Caucaia; que o municipio é originário de existencia de teffa para reassentamento dos náo-fndios (a propósi-
a/de.amento indfgena, sendo os Indios denominados eje Tapeba, to' o. lncra do Ceará traiu os Indios Tapeba e os enganou)"; "Sou
possuidores do direito a área identificada e delimitada pela Fu- favorável que se destinem a popula9áo Tapeba programas de
na1. assistencia, mas sem demarcar as teffas, posto as rea9óes que
Sem que houvesse. contesta9áo dos presentes, em tace da iriam acontecer... ·: "Certas situayóes sáo iffeversfveis, ·dada a
¡Jxposi9áo de Sónia Demarquet, com excec;áo de Romero Jucá, complexa superioridac/e da popula9áo branca sobre as comuni-
da Funai, já pressionado pelo Conselho de Seguran9a Nacional, dades indígenas, que náo teriam como fazer valer os seus direi-
o coronel António Carlos Carneiro da Silva, do CSN, assume po- tos, que os Indios náo poderiam reivindicar para si todo o teffitó-
si9áo decisória com os seguintes argumentos: "Vive a comunida- rio nacional.... "Que o processo Tapeba seja imediatamente reti-
de Tapeba de modo miserável, na mais absoluta pobreza"; "No rado de pauta e arquivado". •
processo da Funai náo há nenhuma comprova9áo da existencia Romero Jucá toma emprestado as últimas palavras do re-
atual de Indios no municipio de Caucaia"; "A última vez que se
teve noticia sobre a presen9a indígena no municipio de Caucaia
a
presentante do CSN e enceffa o assunto em meio indigna9áo
dos presentes.
foi no ano de 1862, permanecendo desde esta data até o ano de Assim parece repetir-se o ocoffido em Caucaia a 18 d(J fe-
1986, o mais completo desconhecimento sobre o grupo..."; "Con- vereiro de 1773, quando os jesuitas ainda insistiam em proteoer
versei com quatro pessoas durante a visita a Caucaia. Nenhurna os índios da Aldeia de Nossa Senhora dos Prazeres de Cau<;aia:
defas afirmou existirerri Indios no municipio de Caucaia"; ''Asco- . -
·~ Comarca de Soure (Caucaia) abre uma carta do governa~.r
munidades habitadas pelos Indios Tapeba situam-se no períme- Borges da Fonseca ordenando-lhe que fa9a os habitantes ilómi-
tro urbano do municfpio...". narem as casas por tres noites consecutivas em regozijo pelo ato
O representante do Conselho de Seguran9a Nacional, de Sua Santidade, Clemente XIV, extinguindo a Companhia de
quando da visita do grupáo ao Ceará, em maio do coffente, cHe- Jesus". Ouem registra o fato é Guilherme Studart, em'"Datas e
gou a Fortaleza tres días antes da reuniáo que decidiría os crité- Fatos·para a História d0Ceárá;:·1e96, pp. 335a 337. ·
rios de demarca9áo da área Tapeba. Sua hospedagem durante E como ficam os Indios Tapeba? Até quando nós todos,
esse tempo ficou por conta de fazendeiros de Caucaia. Também unidos a eles, iremos agüentar ta manha opressáo? Mais uma vez
o "Grupáo" fez visita ao fazendeiro da Soledade, o mesmo que, o povo cearense é esmagado ao ver esmagada uma parte impor-
no día 20, intimou os Indios a se submeterem a exame de san- tante da sua identidade que tem nos Indios, exemplares vivos, os
gue, para provar que realmente eram Indios, sob pena de perde- fundamentos da história e da cultura, enfim, da própria vida.
rem o direito a suas teffas. Aliá$, vale citar que em 1964 os In-
dios Tapeba desistiram, na ocasiáo, de reivindicar a posse de
suas feffas para náo verem divulgados pela familia do mesmo
fazendeiro os resultados do "exame~ de sangue feíto a for9a em
tres Tapebas e que davam Tapebas como nao sendo fndios . .O
"laboratório" que coletou e examinou o sangue dos índios se lo-
calizava na própria fazenda. Os Tapeba permaneceram em silen-
cio durante décadas, com medo do resultado do tal exame, que
afirmava serem eles o contrário daquilo que pensavam ser.
.

176
177
. .
Jornal O POVO, Fortaleza, 27 de julho de 1988 tom de brincadeira - "a decisáo do Grupo lnterministerial é um
. vestibular fraudado, no qua! foi reprovada a na9áo Tapeba ". Na
sua ·argumenta9áo o roteirista José Cordeiro apresenta a rela<;áo
de publica<;óes onde podem ser encontradas pravas, concretas,
Filme e livrQs afi~mam que T_~pebas da existencia da aldeia. indfgena em Caucaia.
A justificativa que o roteirista encontra para o desfecho final
devem ser considerados indígenas. .
do episódio "é a total submissáo da Funai as normas ditadas
pelo Conselho de Seguran9a Nacional. Disse o seu representante
O documentário filmado ."Tapeba: Heran9a e Resgate de no Grupo de Traba/ha lnterministerial, coronel Antonio Carlos
uma Tribo" foi produzido em 1986, com dire9áo do cineasta. Eu- Cordeiro da Silva, que quatro pessoas ouvidas na área urbana de
sélio Oliveira, roteiro de José Cordeiro e apoio da Arquidiocese Caucaia afirmaram desconhecer a existencia de fndios no Muni-
/ ' cfpio". Para José Cordeiro, os ouvidos devem ter sido "fazendei:
de Fortaleza. _Ainda hoje, o trabalho é lembrado pelos idealizado-
res, com uma grande emogáo, sentimento que se ampliou desde ros': pois o Coronel chegou tres días antes da última visita do
a decisáo do Grupo de Trabalho lnterministerial, a semana pas- Grupo a área, ficando hospedado na casa de um deles". ·
sada em Brasflia aos Tapebas a condi9áo de comunidade indíge- Cordeiro lembra a história da comunidade indígena de Cau-
na. caia desde quando chegavam os primeiros colonizadores, acom-
Ainda hoje, José Cordeiro mantém, em sua biblioteca parti- panhados de padres jesuitas, no día 20 de janeiro de 1607. A par-
cular, um variado acervo bibliográfico, no qua! se baseou para a tir de entáo, houve uma série de acontecimentos na regiáo, nar-
-- ,
produ9áo do roteiro. E dele, ainda, que se vale para con_tra-argu- rados · através dos historiadores ao longo dos anos e marcados
mentar essa decisáo inaceitável desse Grupo lnterministerial". por contesta9óes freqüentes da existencia da aldeia. "No entan-
Desde livros históricos antigos a recentes, até documentos da to" - esclarece ele - que o Capitáo-Mor da Capitanía ·concedeu, ·
própria Funda9áo Nacional do Índio (Funai), Cordeiro utiliza fon- no día 30 de mar<;O de 1723, ªº principal da aldeia de Caucaia e·
tes diversas para essa defesa dos Tapebas. seus o;;ciais e indios, para os indígenas e herdeiros, tres levas de
'

terra com uma légua de largura e meia légua para cada lado, fa-
zendo peáo no olho d'água chamado Taboca".
Nos cálculos de José Cordeiro, essa medi<;áo representaría,
AUTODESMORALIZACÁO depois de feíta a atualiza9áo para os critérios atuais, "o direito a
uma área co..m pelo menos 30 mil hectares para os Tapeba. . No
entanto, eles estáo reivindicando apenas 4.675 hectares, as mar-
gens do tri/ha e do río Ceará, onde atualmente permanecem os
Para o diretor do documentário, Eusélio Oliveira, a decisáo
remanescentes vivendo da pesca, pequenas vendas e biscates".
do chamado "Grupáo" traz no seu bojo "uma desmoraliza9áo pa-
Conforme acrescenta, há depoimentos do documentário, até
ra o próprio Governo, que se alía a interesses políticos e de es-
mesmo de herdeiros da fazenda Soledade, reconhecendo a exis-
pecula<;áo imobiliária . . O parecer é leviano, principalmente por
tencia dos fndios T~peba. ·
náo lfJvar em conta qualquer consulta a historiadores do Ceará" -
afirma. Ele próprio lembra, quando crian9a, "dos Tapeba venden- Na rela<;áo de livros e outras publica9óes consultadas pelo ro-
do can<;óes e outras coisas na década de 50". teirista, todos trazendo passagens, antigas e recentes, da verda-
Vários dos depoimentos existentes no documentário, já exi-· deira saga dos Tapeba, constam: "Revista Trimestral do Instituto
bidos em outros.países com grande aceita<;áo, ..conforme Eusélio, do Ceará': primeiro e segundo semestres, 1900, por Joáo Brígido:
"apresentam alto grau de emotividade. Para mim'' - finaliza erfl.· "Os aborígenes do Ceará': 1965, por Carlos Studart Filho; "Dicio-

178 179
Jornal O POVO, Fortaleza, 28 de julho de 1988
nário Geográfico e Histórico do Ceará': por Renato Braga; "Notas
para a História do Ceará': 1862, "Datas e Fatos para a História
( do Ceará" 1896,· ambos por Guilherme Studart; "Gaminhos Anti-
gos e Povoamento do Brasil': 1960, por Capistrano de Abreu; e
"Datas e Sesmariasn, editado pelo Estado do Ceará, em 1925.

A servi~ de quem? também as terras de seus


ancestrais, o bairro de
Merece.registro a Botafogo... "
participa~o do coronel
Antonio Carlos da Silva,
representante do Conselho de n
Seguran~ Nacional, na Outro argumento utilizado
última reuniao do Grupo de pelo coronel Antonio Carlos
Trabalho Interministerial. Carneiro da Silva contra a
O militar é radicalmente transformacao da área·dos
contra a devol\l~ das terras Tabepas em reserva indígena:
aos Tapebas, Acha a medida - Caucaia tem grande
capaz de abrir es~os para desenvolvimento tecnológico.
outras reivindica.cOes. Como É urna regia.o altamente
por exemplo: industrializada' nao podendo
- O.s descendentes dos ceder espac;o aos indios.
indígenas no Rio de Janeiro E prova:
podem acabar exigindo - Tem até borracheiro! (!)

Questio indígena
Representantes da Igreja cearense, identificados com a defesa dos
direitos indígenas, elogiam atitudes de Tasso Jere'isSa.ti.
Em telex enviado ao presidente da Funai, Romero Juc.á, o
Governador diz reconhecer, ao lado de outras personalidades do
Estado, os Tapebas como indios.
Solicita ainda que o processo administrativo da demarcac;ao da
área Tabeba em Caucaia nao seja arquivado.
resta saber se o Conselho de Seguran~ Nacional acata o pedido.

180 181
.
Nao aos indios

D.izendo um náo aos Índios, o Estado Brasileiro coloca-se frontal-


mente contra a sociedade civil, como se a ela náo devesse estar subme-
tido. E mais urna vez revela-se autoritário, opressor, claramente definido
como estrutura facilitadora da acumula9áo capitalista.
O fato nos faz pensar seriamente e, ao mesmo tempo, aponta para
novas formas de luta, se é que queremos urna sociedade sem explorado-
res e sem explorados.
Do que aprendemos , coma li9áo, aprendemos que náo basta substi-
tuir pessoas no poder. E a própria estrutura que tem que mudar. Mais que
isso: é o próprio regime concentrador. Se assim náo fosse, teria havido
qualquer mudan9a com a súbita morte daquele representante do entáo
Conselho de Seguran9a Nacional - acorrida em Brasflia, quando tomava
posse da Superintendencia Executiva de Assuntos Fundiários da FUNAI.
Esse cargo era o mais importante, depois do Presidente do órgáo. Um
pouco antes da sua morte, havia votado contra o reconhecimento oficial
dos índios Tapeba.
A denúncia da revista VEJA ilustra muito bem o que sempre se es-
conde por detrás de urna atitude tomada contra o povo:

Mestrinho associa-se a Nahas


O empresário Naji Nabas resolveu diversificar seus investi-
mentos, associando-se ao ex-govemador amazonense Gilberto
Mestrinbo, candidato a prefeito de Manaus, numa empresa mi-
neradora que vai atuar nas áreas liberadas pelo extinto Conselho
de Seguran~a Nacional para a atua~áo de empresas mineradoras
na reserva indígena ianomani, no território federal de Roraima,
onde a produ~áo garimpeira já cbega a 1 tonelada por mes
atualmente. Nabas já enviou um helicóptero para a regiáo, a
fim de dar início aos trabalhos exploratórios de ouro nas proxi-
midades da área indígena.

VEJA, 19 DE OUTUBRO, 1988

185
~lo~tem parecer contra Romero Jucá
O mais cotado candi~to para o govemo de Roraima, cujo
nome terá que ser encaminhado ao Senado até o día 20 de
novembro, é o ex-presidente da Funai Romero Jucá, que já
ocupa intminamente o cargo. Contra ele, no entanto, pesa um
parecer secreto do consultor-
geral Saulo Ramos. O advoga-
do náo só concluiu que a Fu-
nai vendeu madeira de áreas
indígenas ilegalmente como
afinnou que as transa\:óes
eram passíveis de anula~áo. O
parecer de Saulo Ramos, po-
rém, foi prontamente abafado
quando se constatou que a ex-
plora\:áO de madeiras naquelas
áreas foi coordenada pela se-
cretaria-geral do Conselho de
Seguran~a Nacional .

VEJA, 2 DE NOVEMBRO, 1988

A classe dominante, na salvaguarda de seus interesses, é capaz


de até quebrar os elos da História, separando o presente do passado e
negando o futuro.
Os estudiosos e o povo sabem que a Aldeia dos Índios de Nossa
Senhora dos Prazeres está na origem de Caucaia,, mas com golpes cer-
teiros a classe dominante conseguiu separar os Indios Tapebas, da Al-
deia, e, a Aldeia, dos indios Tapebas, como se um nada tivesse a ver
como outro.
Essa interru~áo na História do oprimido náo somente dava tran-
qüilidade a classe dominante como também criava para si . a ilusáo de,
nunca ser perturbada e de ser a legítima possuidora .daquelas riquezas. E
neste argumento que está formulada a nega9áo da continuidade históri-
ca: "Os primitivos índios de lá e Caucaia sáo da mesma origem dos ín-
.dios que habitaram outras cidades do Ceará, náo havendo, portanto, valor
histórico ou antropológico especial", disse a deputada31.

(31) - Jornal ·o POVO': 17.8.87.

186
Mais que dívida histórica

Lutar pelo resgate crítico da história e da cultura dos Povos Indí-


genas no Ceará é mais que possibilitar a esses Povos o reencontro com
sua identidade; é ao mesmo tempo a construyáo da própria identidade
como povo cearense e nordestino; é o "irrigar'' as nossas raízes indígenas
e nos proclamarmos povo de cultura autóctone. Semente assim, construi-
remos o futuro que nos interessa.
A classe dominante estará completamente enganada se tiver a
pretensáo de achar

.. . que a História
É a carro9a abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa esta9áo inglória.

Já foi lan9ada um estrela


Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcan9ar
E andar abra9ado ne/a.

(Pablo Milanés e Chico Buarque)

"A verdade histórica é, porém, muito outra e bem diversa. As tribos que
aqui viveram eram extremas e fortes.

Nenhum estado nortista talvez foi, como o Ceará, cenário de lutas vio-
lentas, de combates os mais desesperados entre aborígines e lusitanos.

O Indígena da terra de lracema bateu-se com estranha energia contra o


europeu e opós tenaz resistencia ao invasor "e só se sujeitou quando
por falta de número náo póde mais pelejar".

"Enquanto náo foram eles completamente aniquilados pelas armas, n4n-


ca puderam os brancos estender o seu domínio, no século XVII, além da
aldeia (aldeamento) junto ao forte ou além de outro arraial na barra dos
rios" (Carlos Studart Filho e António Bezerra, na pég. 130 de "O Ceará").

189
Os Índios Tapeba*

O refor90 da identidade étnica Tapeba, que tem contribuido


para um relativo grau de reorganiza9áo do referido grupo indíge-
na, está ligado a processos sociais de ocorréncia recente. En-
quanto tal, até onde nosso conhecimento presente nos permite
chegar, náo existe nenhum registro desse grupo seja em docu-
mentos históricos, seja nos registros da FUNAI anteriores a 1985,
seja em levantamentos realizados por antropólogos e missioná-
rios até entáo. Temas no entanto registros muito claros de que
no aldeamento jesuítico de Nossa Senhora dos Prazeres de Cau-
caia foram reunidos segmentos de grupos indígenas cultural e
lingüísticamente distintos - Kariri, Potiguara, Tremembé - "des-
cidos" de várias partes do Siará colonial ou tendo chegado como
soldados do exército de Pero Coelho. É do inter-re/acionamento
entre os membros desses trés grupos indígenas, reunidos no ter-
ritório da missáo de Caucaia, que surgiu o pavo Tapeba, através
de um lento processo de articula9áo e individua9áo étnica.
O nome Tapeba, que corresponde a uma referéncia fisiográ-
fica (trata-se do nome de uma lagoa e de um riacho temporário
localizados próximos a' sede do município) e é certamente um
nome de origem tupi (uma corruptela de ltapeva; itá, pedra; peva,
timpa, polida, ...), está, por outro lado, ligado a uma alusáo pro-
fundamente estigmatizadora tace uma determinada popula9áo
que residía na referida área. lsto certamente contribuiu para a de-
fini9áo de uma determinada posi9áo bem como de papéis sociais
que essa popula9áo encontrava abertos para o seu desempenho
(a atividade comercial e de servi9os), fornecendo elementos que
aparecem hoje fortemente como definidores de um passado co-
mum e demarcadores de uma fronteira étnica-cultural, de tal mo-
do que a popu/a9áo do município de Caucaia, onde residem, re-
conhece-os enquanto um grupo social diferenciado.

• FILHO, Henyo Trindade Barreto. Texto Mimeo. Museu Nacional de Antropolo-


gía, Universidade Federal do Río de Janeiro, 1989.

191
'

As pressóes que se desenvolveram no processo de regula- mente ocupada pelo grupo no passado: em torno de 60.000 hec-
riza9áo do mercado de terras local, principalmente quanto a utili- tares, área essa integrante do aldeamento de Nossa Senhora dos
za9áo e apropria9áo por latifundiários e grandes empresas dos Prazeres de Caucaia, já extinto.
territórios· tradicionalmente habitados pelos Tapeba se, por um Tendo sido reconhecido o direito dos Tapeba a área e en-
lado, foi responsável pelo desmembramento do grupo em várias caminhado um Relatório de ldentifica9áo por técnicos da FUNAI
unidades, por outro, aparece hoje como um dos fatores respon- o processo de cria9áo da área indígena Tapeba sofreu urna revi-
sáveis por essf{ processo de revivescencia étnica dos Tapeba. A ravolta radical em nível do Grupo de Trabalho lntermini$t~rial -
retomada da consciencia de seus direitos as terras que, de fato, "Grupáo': que delibera· sobre as demarca9óes - em fun9áo das
sáo suas e a reversáo das expectativas estigmatizantes que a pressóes e da intransigencia do Conselho de Seguran9a Nacionar
popula9áo local, ainda hoje, guarda face aos Tapeba se dáo a em reconhecer a identidade e o direito do grupo indígena Tape-
partir da atua9áo de urna equipe da Arquidiocese de Fortaleza na ba. Em 20 de julho de 1988, por intermédio da Resolu9áo n'J°01, o
área de Caucaia, desenvolvendo um trabalho de organiza9áo "Grupáo", decidt.~ pelo arquivamento do processo, e até hoje ne-
comunitária, que tem como termo inicial o ano de 1982. nnuma nova delibera9áo foi tomada, gerando uma situa9áo de
Os membros do grupo étnico Tapeba habitam hoje em instabilidade e expectativa quanto ao destino deste grupo indíge-
áreas (povoados, lugarejos e vi/as) geográfica e ecologicamente na. ·
distintos do distrito sede do município de Caucaia a 16 km de
Fortaleza. As áreas diferentes em que habitam constituem aglo-
merados populacionais de densidade e composi9áo populacional,
bem como disposi9áo espacial, bastante contrastantes. Há desde
áreas habitadas exclusiva ou majoritariamente por / Tapeba - ,.
como é o caso da Lagoa dos Tapeba, do Trilho, da Barra Nova e,
até das Capoeiras - até outras onde sua presen9a é residual e
pulberizada - como Vi/a Sáo José, A9ude, Vi/a Nova, frutos de
ocüpa9áci posterior por parte de popula9áo migrante em busca de
melhores oportunidades de vida em Fortaleza. A popula9áo Ta-
peba, segundo dados do "Cadastramento dos índios Tapeba,
realizado entre os meses de mar90 e setembro de 1986, pela
Equipe de Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Fortaleza, é
de 914 pessoas, sendo que dados recentes estimam um número
de 1.000 indivíduos. Os Tapeba vivem em intenso contato com
elementos náo-índios, principalmente no desenvolvimento de ati-
vidades produtivas, mas, conforme indicado, se reconhecem e
sáo reconhecidos pela popula9áo local como um grupo com urna 1

tradi9áo histórica e cultural distinta.


Os Asfor9os do Grupo tem-se dado no sentido de obter o
reconhecimento oficial e dessa forma recuperar o acesso a terra.
ª
A área "identificada" em 1986 pela FUNAI, corresponde 4.675
hectares, extensáo mínima se comparada com a· área efetiva-

192 193
Correio Brasiliense, BrasOia, 19 de abril de 1989
conhecimento oficial e dessa forma recuperar o acesso aterra. A
área "identificada" em 1986 pela FUNAI, corresponde a 4,675
hectares, extensáo mínima se comparada com a área efetiva-
mente ocupada pelo grupo no passado: em torno de 60.000 hec-
Os índios no Ceará tares, área essa integrante do aldeamento de Nossa Senhora dos
Prazeres de Caucaia, já extinto.
injusti9ados pelo governo Tendo sido reconhecido o direito dos Tapeba a área e enca-
minhado um Relatófio de ldentifica9áo por técnicos da FUNAI o
No Ceará, a presen9a indígena deixou de ser ignorada a partir processo de cria9áo da área indígena Tapeba sofreu uma revira-
do ano de 1982, quando o Grupo Indígena Tapeba, situado no volta radical a nível do Grupo de Traba/ha lnterministerial - "Gru-
Município de Caucaia, regiáo metropolitana de Fortaleza, saindo páo': que delibera sobre as demarca9óes - em fun9áo das pres-
da sua condi9áo de grupo estigmatizado, passa a reivindicar o di- sóes e da intransigencia do Conselho de Seguran9a Nacional em
reito a demarca9áo de suas terras por parte do Estado. Esse pro- reconhecer a identidade e o direito do grupo indígena Tapeba.
cesso de revivescencia étnica dos Tapeba, desmascara a farsa Em 20 de julho de 1988, por intermédio da resolu9áo nº 01, o
da decreta9áo da extin9áo dos índios no Estado, em 1863, reve- "Grupáo decide pelo arquivamento do processo, e até hoje ne-
lando o processo de expropria9áo e extermínio ao qua/ estiveram nhuma nova delibera9áo foi tomada, gerando uma situa9áo de
submetidos os diferentes Grupos Indígenas do Ceará, desde o instabilidade e expectativa quanto ao destino deste grupo indíge-
periodo colonial até os _días de hoje. na.
Os membros do grupo étnico Tapeba habitam em áreas (po- Assim, é necessário o apoio a reivindica9áo feíta pelos Tape-
voados, lugarejos e vi/as) geográfica e ecologicamente distintos ba, de demarca9áo do seu território tribal. E é isso, que eles efe:.
do distrito sede do Municipio de Caucaia - que se originou do tivamente pedem a todas as consciencias deste país.
antigo aldeamento jesuítico do mesmo nome, inagurado oficial-
mente em 20 de dezembro de 1741 -, a 16 km de Fortaleza. A Brasília, DF, 19 de abril de 1989
popula9áo Tapeba segundo dados do "Cadastramento dos Índios
Tapeba': realizado entre os meses de mar90 e setembro de • Df!putada Moema Sáo Thiago - PSDB-CE.
198~, pela Equipe da Arquidiocese, é de 914 pessoas, mas da- • Projeto Estudo Sobre Terras Indígenas no Brasil PETl/PP-
dos recentes estimam que o nt.imero é superior .a 1.000 indiví- GAS/Museu .Nacional - Río de Janeiro/RJ.
duos. Os Tapeba vivem em intenso contato com elementos náo- • HOJE - Assessoria em Educa9áo - Fortaleza/Ceará.
índios, principalmente no desenvolvimento de variadas atividades • Associa9áo dos Geógrafos do Brasil - Sec9áo Fortale-
produtivas, mas se reconhecem e sáo reconhecidos pela popula- za/Ceará
9áo local como um grupo com uma tradi9áo histórica e cultural • INESC - Instituto Nacional de Estudos Sócio-Econqmicos -
distinta. Brasília/DF.
O refor90 da identidade étnica Tapeba, paralelamente a orga- •Partido Verde
niza9áo deste Grupo, está ligado as pressóes que se estáo de- • Associa9áo dos Agrónomos do Estado do Ceará - Fortale-
senvolvendo no processo de regularizar;áo do mercado de terras za/Ceará
quanto a utiliza9áo e apropria9áo por latifundiários e grandes • Associa9áo Profissional dos Biólogos do Ceará - Fortale-
empresas, dos territórios tradicionalmente habitados pelos Tape- za/Ceará
ba. Os esfor9os do Grupo tem-se dado no sentido de obter o re- ~ FASE - Federatáo de Órgáos para Assisténcia Social e
Educacional - Equipe/Fortaleza

194
195
• CETRA - Centro de Estudo do Trabalho e de Assessoria ao
Trabalhador - Fortaleza/Ceará
• A TUAR - Assessoria aos Trabalhadores Urbanos e Rurais - Os Índios Tremenbé *
Fortaleza/Geará
• ESPLAR - Centro de Pesquisa e Assessoria ~ Fortale-
za/Ceará Ao averiguar algumas fontes de dados etno-históricos·(por
• Equipe Arquidiocesana de Apoio a Ouestáo Indígena - For- exemplo IBGE. 1972. Metraux, 1946; Nimuendaju, 1981; Pompeu
taleza/Ceará Sobrinho, 1951; Seraine, 1955) descobriremos que os primeiros
• Caritas Arquidiocesana de Fortaleza - Fortaleza/Ceará. contatos entre os índios Tremembé e portugueses ou franceses,
• Centro de Defesa e Promo9áo dos Direitos Humanos - For- sejam missionários, colonos ou comerciantes, ocorreram desde o
taleza/Ceará princípio da coloniza9áo portuguesa no Brasil. As referencias sáo
• Associa9áo das Comunidades do Río Ceará - Caucaia/Cea- mais precisas no que tange aos séculas XVII e XVIII, mais espe-
rá a
cíficamente constitui9áo de aldeamentos missionários.
• Associa9áo Popular do Cristo Redentor - Fortaleza/Ceará Os Tremembé ocupavam a faixa litoránea que vem desde o
• Uniáo de Moradores da Rua Sáo Cura D'Ars - Fortale- Maranháo até o litoral norte da antiga provincia do Ceará, onde
za/Ceará hoje se localizam os municípios de Acaraú e ltarema.
• Grupo de Teatro Cancela - Fortaleza/Ceará A prática do aldeamento indígena estabeleceu algumas
• Movimento de Cultura Popular do Pirambu - MOCUPP - missóes que serviam ao "recrutamento" e conversáo dos Tre-
Fortaleza/Ceará membé, como é o caso do aldeamento missionário de Nossa
• Conselho Indigenista Missionário - CIMl!Nordeste Senhora da Concei9áo de A/mofa/a, constituído no princípio do
• AGIR-CE, Associa9áo dos Grupos lntercomunitários do Meio século XVIII, pelo que se sabe na ordem do Padre José Borges
Rural Cearense - Fortaleza/CE de Novais, no ano de 1702. Esse aldeamento tomou-se núcleo
de destaque na atua9áo religiosa e política dos portugueses
quanto aos Tremembé, no que pode ser confirmado pela constru-
9áo da lgreja de Nossa Senhora da Concei9áo, que foi tombada
pelo SPHAN - Pró-Memória em 1984. Essa igreja é um dos mo-
numentos de referencia para os índios Tremembé que vivem hoje
no município de ltarema, pois serve como símbolo da rela9áo
com esse passado e com o que ele representa nos días atuais.
Os aldeamentos missionários eram formados a partir da
concessáo de sesmarias aos grupos étnicos que visavam a cate-
quizar. Foi o que aconteceu com os Tremembé e o aldeamento
de Nossa Senhora da Concei9áo, por isso, hoje em día, eles se
dizem filhos legítimos da "Terra da Santa'~ da "Terra do Al-
deamento'~ que é a maneira característica de se remeterem a

"'"VALLE, Carlos Guilherme Octaviano do Texto Mímeo. Museu Nacional


de Antropologia, Universidade Federal do Río de Janeiro, 1989.

196
197
a
uma origem comum e mostrarem o seu direito ten-a onde nas- Río Aracati-Mirim. Inclusive, essas expu/sóes vero. ocorrendo
ceram e se criaram. através de ostensivo e progressivo cercamento das ten-as, impe-
Apesar dos Tremembé náo terem conseguido manter sua dindo qualquer controle por parte dos próprios Tremembé que ali
língua de origem, ainda hoje encontramos um vasto universo sim- viviam.
bólico e cultural que os relaciona com seus antepassados. É o Os Tremembé vem senda até amea9ados.de marte, como é
caso do torém, que é uma dan9a mimética a .respeito de animais o caso do atual Cacique Tremembé, que recebeu uma carta que
e frutos nativos encontrados pelos índios, por exemplo o caju, a colocava em perigo sua própria vida, se ele organizasse outra vez
taínha, o guaxinim, e que possui uma série de versos e refróes a cerimónia do Torém; que é "um dos símbolos característicos da
musicais que apresentam vocábulos de origem indígena, sobre- tradi9áo cultural Tremembé.
tudo particularizando cada ser encontrado ou visto pelos Tre- A custa disso, os Tremembé vem tentando salvaguardar
membé. Além disso, existem diversas histórias como a da "La- seus direitos a terra, como foi o caso da comunida<J.~- da Varjota
goa da Criminosa" ou da "Santa de Oiro" que sáo contadas que entrou na justi9a alegando o direito ao usucapiáo coletivo de
nas comunidades, entre os amigos e parentes. Percebe-se cla- 387 ha, onde podem podem pescar, cu/tillar e criar para seu pró-
ramente a for9a que tem a tradi9ao oral entre eles e que sáo si- prio consumo. O processo jurídico da comunidade visava a con-
nais diacríticos inconfundíveis para aqueles que os conhecem. testar os direitos atribuídos pela empresa agro-industrial Ducóco
Essas histórias sáo de grande importancia na compreensáo da si- que se implantou na regiáo no início da década de 80 equis ex-
tua9áo étnica dos Tremembé. pulsá-los de suas terras.
No ano de 1986, uma equipe da FUNAI - Funda9áo Nacio- Essa a9áo judicial e a atividade política mais recente dos
nal do Índio - visitou a regiáo de A/mofa/a e escreveu relatório de Tremembé da Varjota contribuíram para a forma9áo até do Sindi-
atividades, onde contabiliza 3061 Tremembé (FUNAI: 86, TIB, cato dos Traba/hadares Rurais de ltarema, que possui grande
1987). Mas o fotógrafo Marcos Guilherme, que realiza pesquisa e número de filiados dft origem étnica Tremembé, os quais perce-
atividade fotográfica entre os Tremembé, há mais de 1O anos, beram o sindicato como um dos lugares por onde poderiam de-
procedeu a um levantamento populacional em 1984 e considerou fender o direito a ten-a que herdaram de seus antepassados. Es-
a presen9a de 4441 Tremembé, porém náo chegando a recen- se direito é reconhecido também pelas comunidades campone-
sear todas as áreas de distribui9áo da popula9áo indígena. Desse sas que vivem no município de ltarema, próximas das localidades
modo, pode-se ver a amplitude populacional das pessoas que se onde residem os Trememb?. Inclusive, o atu§I presidente do
auto-atribuem como Tremembé, residindo pela regiáo. Sindicato dos Traba/hadares Rurais de ltarema e um de seus di-
Eles ocupam a faixa litoranea do distrito de A/mofa/a e ou- retores sáo reconhecidos e se atribuem Tremembé.
tras localidades para o interior, mas sabe-se que existem comu- A participa9áo política se vem fazendo também nos encon-
nidades Tremembé também noutras áreas do município do Ita- tros regiorJais entre diversas _etnias do Nordeste, que vem senda
rema, que náo foram levantadas no período de visita da equipe promovido pelo CIMl-NE - Conselho Indigenista Missionário, re-
do órgáo indigenista do Estado. Esses fatos chocam-se com o giáo Nordeste - de grande valor para a comunica9áo e a traca de
próprio Plano de Metas da FUNAI (1987) que incluía o prosse- experiencias entre os grupos étnicos e da situa9áo que cada co-
guimento do "caso Tremembé" como um de seus objetivos para munidade partícularmente passa.
aquele ano. O CIMI - na pessoa de seus missionários - atua com bas-
Sobretudo, vale advertir que eles vem senda expulsos de tante vigor e decisivamente a favor da resistencia cultural e so-
suas terras já há muito tempo, como é o caso de inúmeras famí- cial dos Tremembé, incentivando a auto-afirma9áo étnica que é
lias que moravam nas localidades da Lagoa Seca, Passagem muito estigmatizada por aqueles que náo reconhecem os direitos
Rasa, Batedeira e Taperinha, estas duas na margem direita do

198 199
A

dos índios Tremembé. Sem dúvida nenhuma, tem papel profícuo


na defesa cultural desse grupo étnico. .
A Comissáo Pastoral da Terra, CPT, da Diocese de ltapipo-
ca, se destaca também por estar ajudando na organiza9áo comu-
nitária a partir da atividade das CEBs - Comunidades Eclesiais
de Base, desde o início estimulando as coletividades em se or-
ganizerem internamente em pro/ da lu(a pelos direitos sociais.
Apesar ·da visita da equipe da FUNAI, ainda náo houve
qualquer resultado quanto ao processo de identifica9áo e regula-
riza9áo da área indígena Tremembé. A FUNAI náo conseguiu
mostrar até o momento qua/quer atitude mais decisiva na regula-
riza9áo da área indígena Tremembé, exemplo típico do seu mau
funcionamento administrativo. -

Heróis Indígenas do Ceará

200
Heróis Indígenas do Ceará •

ACAJUÍ (Caju Pequeno) - Principal do deses, auxiliando-os com duzentos


Ceará Embora sofrendo tenaz per- índios na tomada do forte do Ceará
segui9áo, ao encontrar urna fatigada Em 1637 André Vidal de Negreiros
expedi9áo portuguesa , náo fez r.ecebeu ordens do Reino para afu-
questáo de dividir com os expedicio- gentá-lo. O cacique deixou sua al-
nários famintos o pouco mantimento deia ~s margens do Rio Ceará e foi
de que ainda dispunha. Refugiou-se se estabelecer no Camocim. Deram-
no Maranháo, sob a tutela de Japia- lhe o nome de Domingos Ticuna.
9u . (Século XVII). Ainda em 1656 o Rei recomendava a
Vidal de Negreiros nova a9~0 contra
ACAJUÍ-MIRIM (Cajuzinho) - Filho este maioral. Houve outro cacique
menor do principal Acajuí. Dotado de com este nome, que no batismo to-
invulgar inteligéncia, maravilhou os mou o nome de Joáo. Este foi aliado
franceses quando esteve na Europa, dos portugueses de quem recebeu
no primeiro quartel do Século XVII. agrados e mercés, chegando a ser
capitáo-mor dos índios do Ceará
Em 1671, junto com outros princi-
ÁLVARO DA COSTA - Índio do Ceará pais, assinou um documento solici-
alfabetizado pelos padres. Foi o es- tando soldados.
criváo do requerimento datado de 1O
de agosto de 1671, no qual os prin-
ANDIRA (Morcego) - Personagem de
cipais · Joáo Algodáo, Francisco Ara-
José de Alencar no ronance lrace-
jiba, Cachoe e Maxure pediam o au-
xilio dos portugueses para combater
ma. Funciona como irmáo de Araken
e tio de lracema.
os bravos paiakús. O documento foi
redigido na aldeia de Parangaba e
teve o aval do padre Francisco Fer- ANTÓNIO GONCALVEZ - Principal
reira de Lemos e de outras autorida- carapato. Converteu-se ao cristia-
des, que julgaram tratar-se de urna nismo com toda a sua gente, através
"guerra justa". O cabo Francisco do missionário José de Bluerme, ca-
Martins foi incumbido de castigar os puchinho trances. Foi nomeado go-
Paiakú. Para isto arregimentou trinta vernador e mestre-de-campo de
soldados e quinhentos arcos de rn- seus índios. Recebeu premios e até
dios, seus aliados, além da tropa do estátuas.
ajudante Filipe Coelho de Morais.
APODI - Cacique paiakú. Combateu
AMANIÚ (Algodáo) - Cacique potigua- os invasores portugueses. (Século
ra. Ofereceu e deu ajuda aos holan- XVII).

* ALMEIDA, Geraldo Gustavo de. Heróis lndfgenas do Brasil, Editora Cátedra,


Río de Janeiro, 1988.

203
ARAPÁ - Rrincipal r'"~·:ilú da Serra de CANINDÉ (Arara Azul) - Poderoso ca- CHUBEBA - Principal do CearA. Por como Catunda o descreve: "Era a
lbiapaba, CearA (Século XVII). cique tarairiú, filho do "rei" Janduf, a se rebelar contra os padres da personificac;áo dos vícios e qualida-
quem sucedeu. Foi grande inimigo Companhia de Jesus, foi por estes des da rac;a: bravura ruidosa e tea-
dos portugueses. Com o pretexto de hostilizado. A provisáo de 17 de abril tral, retórica facial

e obséena1 dissi-
ARARE -_ Personagem de José de negociar a paz, Joáo Fernandes de 1662, do governador da Bahia, mula9áo, perffdia., incapacidade do
Alencar, que funciona como sendo o Vieira chamou-o a Pernambuco. desterrou-o juntamente com outros bem, inteligéncia pronta do mal, ins-
pai do índio Peri, no romance O Mas o branco, descumprindo a pala- principais. tintos rapaces. Entrenebecia-lhe a
Guarani. vra dada, prendeu-o junto com mais fronte melancólica e feroz, como se
nove principais, somente o soltando , a voz interior lhe segredasse o mar-
depois que seu pai mandou ses- COBRA AZUL - Indio tabajara, do tirológio de sua posteridade através
BÁRBARA - india da aldeia de Paran- senta negros em troca do filho. Ao CearA. Era filho de Amaniú. Rebe- da história, em cuja esfera ia apare-.
gaba, CearA. Sobre ela hA urna len- suceder o pai, intitulou-se "rei dos lou-se contra o padre Luís Figueira e cer, porém transfigurado pela infusáo
da: depois de morta, no terceiro dia, Janduís". Comandava quinze mil in- acabou migrando para o Maranháo. de sangue mais nobre". Seu nome
teria aparecido a Susana da Silva, dígenas, dos quais havia cinco mil (Século XVII). era Juriparia9Ú, que na língua indíge-
índia, mulher de Manuel de Almeida, em armas. Combateu enquanto pOde na significa Diabo Grande.
também índio, pedindo que o padre o sanguinArio Matias Cardoso de
Rogério Canísio rezasse urna missa Almeida. Através de um interessan- COIÓ - Principal da Serra de lbiapaba.
para sua alma; atendido o pedido, a tfssimo documento, que é o único do Contemporfuleo de ArapA e Guara- FELIPE DE SOUSA CASTRO - indio
fndia apareceu novamente, desta género no Brasil, fez um tratado de ná (Século XVII). da Serra de lbiapaba, filho de Jacobo
feíta vestida de branco, indicando paz com o Rei de Portugal, em 1O de de Sousa. Foi cavaleiro da Ordem
que sua alma tora salva. abril de 1692. O descumprimento do de Santiago. Comandou várias ex-
tratado, por parte dos portugueses, COMATI - Chefe Kariri. Era sobrinho pedic;oes para combater os "bArba-
irritou o valente cacique que, afinal, do "rei" Janduf. Do seu nome veio ros". Como recompensa aos "Servi-
BASÍLIA TAVARES - india jaguariba- foi preso por Afonso de Albuquerque Cubati, pequena cidade do Interior c;os prestados" recebeu aqueta co-
ra. Ficou conhecida por ter matado Maranháo. Recebeu em doac;áo as da Paralba. (Século XVII). menda e o tratamento de Dom, em
urna onc;a a pauladas, depois de ser terras onde hoje se situa o municfpio 1721.
atacada pelo felino (Século XVIII). de Goianinha, Río Grande do Norte.
Posteriormente foi aldeado no Ac;u~ DIABO GRANDE - Morubixaba tabaja- GON<;ALO - Fiel fndio que guiou Pero
onde morreu de maleita em 1699. ra da Serra de lbiapaba. lnimigo dos Coelho de Sousa na segunda e tam-
BATATÁ (Coqueiro) - Cacique tabaja- invasores, recusou-se a fazer alian- bém desastrosa entrada que este
ra. Juntamente com outros princi- 9a com Jerónimo de Albuquerque.
fez A Serra de lbiapaba. As tropas
pais, participou da entrada de Pero CAPIRANHA - Principal do CearA. Ao Resistiu A entrada de Pero Coelho de Pero Coelho debandaram perma-
Coelho de Sousa ~ Serra de lbiapa- rebelar-se contra os portugueses, de Sousa1 em 1604. Aliou-se aos
necendo ao seu lado apenas dezes-
ba, entre 1603 e 1604, inclusive estes obtiveram do governador franceses, fazendo que os por-
sete homens, entre os quais o fiel
combatendo os franceses. Tomou Francisco Barreto urna provisáo tugueses batessem em retirada.
Gonc;alo, que conseguiu levar o
parte também na expedi9áo de JerO- datada de 17 de abril de 1662 para Prometeu a paz desde que lhe en-
resto da malograda expedic;áo até
nimo de Albuquerque ao Maranháo, desterré-lo juntamente com outros tregassem os inimigos Manuel de
Natal, numa penosa viagem de qua-
em 1614. principais. Miranda e Pedro Cangatá. Seu pedi-
se duzentas léguas (Século XVII).
do náo foi aceito e com a ajuda do
maioral Mel Redondo partiu para en-
CARAPOTO - Cacique Kariri. (Século frentar os lusitanos. Ao cabo de tres
BATURITÉ (Montanha) - Principal po-
XVII). dias de luta fez as pazes, influencia- GUARARÁ - Principal reriiú da Serra
tiguara. Era pai de JatobA e avO de
Jacaúna. Conta urna lenda que vo- do por Ubaúna, outro principal da- de lbiapaba. Para agradar aos pa-
luntariamente exilou-se na serra ·que CAUBI - LendArio irmáo de lracema, quelas paragens. Participou da ex- dres tinha somente urna mulher, que
leva seu nome, onde morreu. (Sé- no célebre romance de José de pedi9áo enviada ao Maranháo pelo logo repudiava por outra. Consta que
culo XV). Alencar. governador Gaspar de Sousa. Eis era bastante rixento, (Século XVII).

204 205
IACORUMA,MIRIM - Principal do Cea- LAGARTIXA ESPALMADA-Principal quando chegaram os que vinham forte do Rio Ceará, entregando-a
rá. Em 1644, juntamente com Tapa- tabajara, do Ceará. Foi contempora- com ele, assim portugueses oomo aos portugueses. Para isto, aliou-se
ratim da' Serra e Orubu Acanga apo- neo de Diabo Grande e Cobrq Azul. fndios, já tinha rendido a canoa e com Lacoruma e Taparatim da Ser-
derou-se do forte do Rio Ceará que Perseguiu bastante o padre LL;is Fi- preso o capitáo dela, e sua mulher e ra.
estava em poder dos holandeses. gueira. o filho livres". Antes desse episódio,
Ele e seus companheiros, depois de que ocorreu em 1614, o bq1vo caci-
trucidarem a guarni9áo, entregaram que havia participado de outras ex- PENATY - Cacique tapuia. Em 1666 foi
o forte aos portugueses. LUÍSA - Índia de Caucaia, Ceará. pedi9óes, inclusive a de Pero Coe- perseguido pelo capitáo-mor do Cea-
Convertida ao cristianismo, resolveu lho de Sousa, que malogrou. Man- rá, Joáo Tavares de Almeida, e pe-
permanecer virgem para melhor ser- diocapuba mereceu honras e mer- los índios lcó. O cacique e um filho
IRAPUÁ (Mel Redondo) - Cacique ta- vir a Deus. Porém, instigada pelos ces do Reí de Portugal por seu de- morreram em combate. Em 1679 a
bajará da Serra de lbiapaba. Aliou-se país e pelo padre Rogério Canísio, sempenho em favor dos invasores. viúva do entáo falecido capitáo-mor
a Diabo Grande contra Pero Coelho casou-se em 1744 com um índio da pediu ao Rei urna recompensa por
de Sousa, contando para isso com o mesma aldeia, sendo contaminada mais este "servi90" prestado por
apoio de alguns franceses sob as com doen9as venéreas. Definhando MANDU LADINO - Principal tapuia. seu defunto marido.

ordens do senhor de Mambille. E ci- a
e beira da morte, passou a ter vi- Comandou a última resistencia de
tado por José de Alencar em lrace- sóes celestiais que aliviavam suas vulto contra o invasof' luso no Nor-
ma. dores. Morreu um ano depois. deste. Entre 1712 e 1717 arrasou sf- SAf - Índia potiguara. Mulher de Jatobá
tios e fazendas no Piaur, Ceará e e máe de Jacaúna e de Potigua9ij.
Maranháo. Foi derrotado pelos ta- (Século XVI).
JACAÚNA - Chefe potiguara, irmáo de MANDIOCAPUBA - Cacique tabajara. bajaras da Serra de lbiapaba. Mor-
Poti-Gua9u. Deu ines~imável ajuda a Antes do combate de Guaxenduba, reu lutando próximo ao delta do Par-
nalba. TAGAIBUNA - Principal da Serra de
Martín Soares Moreno, a quem tinha que culminou com a expulsáo dos lbiapaba, contemporAneo de Algo-
como um · filho. Tomou parte na jor- franceses do Maranháo, que aí ha- dáo. Tornou-se amigo dos portugue-
nada do Maranháo. Sua amizade viam se estabelecido sob o coman- ses, recebendo cartas e presentes
com Soares Moreno come9ou em ~~ do senhor da La Ravardiere, PERNA DE PAU - Cacique tapeba do do Reí. Os padres censuraram-no
1611 e só terminou com a morte. Foi Urnas mo9as tabajara procedentes município de Caucaia, Cear~. De- por mancebía provocando a rebeldía
o único potiguara que transigiu com da Paralba saíram para mariscar na pois da sua morte, ocorrida há pou-
• do índio, em 1661. Em 17 de abril de
os portugueses. E citado no roman- praia. De repente os índios aliados co mais de vinte anos, os tapebas 1662, o governador da Bahia, Fran-
ce lracema. dos franceses atacaram-nas, ma- ficaram sem liderarn;a, perdendo cisco Barreto, expediu urna provisáo
tando urnas e levando outras prisio- gradativamente suas terras, com para os padres do Ceará determi-
JACOBO DE SOUSA - Principal ta- neiras. A mulher de Mandiocapuba a
grave amea9a sua precária sobre- nando sua puni9áo. Em 18 de mar90
bajara da Serra de lbiapaba. Amigo e estava entre o grupo assaltado. So- vivencia. de 1663, o mesmo governador fez_
defensor dos portugueses, foi agra- bre o episódio assim se refere Diogo urna carta ao capitáo-mor do Ceará
ciado com o título de Cavaleiro da de Campos: ºTocou-se arma, e acu- recomendando que o índio fosse
Ordem de Cristo. Morreu em Lisboa, diu a gente com prestreza, que náo NHONGUGE (Abelha Parda) - Princi- castigado, se possfvel com a morte,
quanto lá estava fazendo algumas somente lhes tiraram o que tomado pal tapuia, cunhado do "rei" Canindé. por haver destrufd_o ~ missáo de Sáo
reivindica9óes ao Reí. (Século XVII). tinham, mas pelo valor de um princi- Tinha urna filha casada com o portu- Francisco Xavier. O padre Vieira,
pal da na9áo tabajara, chamado gues Joáo Paes Floriáo. (Século que o censurara drasticamente por
Mandiocapuba, o qual sentindo que XVII). ter várias mulheres, tentou aliciá-lo
JENIPAPOACU - Cacique Paiakú, lhe levavam sua mulher e um filho com urna moeda de ouro. Entretanto,
notável pela astúcia. Foi vrtima de cativos, correu com tal ligeireza, que , o famoso padre também náo resistiu
urna armadilha preparada por Morais foi for9oso arremeter só a todos os ORUBU ACANGA - Cacique tapuia. aos encantos femininos e acabou
Navarro, em 1699, que quase liquida contrários, dos quais matou dois e Em 1644 revoltou-se contra os ho- deflorando urna jovem índia da aldeia
com todos os índios dessa na9áo. pOs os demais em tal desordem, que landeses. Trucidou a guarni9áo do de Gurupi, no Pará.

206 207
TAPARATIM - t>rincipal da Serra de rioridade no número. Foi um grande
lbiapaba. Em 1644 abandonou os aliado dos portuguses contra os po-
holandeses. Juntou-se a Orubú tiguaras, principalmente durante a
Acanga e lacoruma-Mirim para inva- conquista do Rio Grande do Nort~.
dir o forte do Rio Ceará. Depois de (Século XVI e XVll)r
trucidarem a guarni9áo batava en-
tregaram o forte aos portugueses. TIARARA - fndio tabajara da Serra de
lbiapaba. Em 1691 foi preso pelo
TAMINHOBA - Principal da Serra de simples fato de negociar com gado,
lbiapaba. Iludido pelas falsas pro- que mandava para Pernambuco.
messas de Joáo Velho do Vale mi- Atendendo urna peti9áo do sargento-
grou para o Maranháo. Dois anos mor Esteváo Velho de Moura, o
depois voltou sendo aldeado no marqués de Montebelo mandou sol-
mesmo local onde foram também os tá-lo.
principais Jacobo de Sousa e Salva- TOMÉ DIAS - Principal do Ceará (Pa-
dor Saraiva (Século XVU). rangaba). Em 25 de fevereiro de
L 1707 recebeu urna sesmaria na área
TATUGUACU (Tatu Grande) - Princi- compreendida entre a Lagoa Caracu
pal tremembé, lnimigo dos portugue- e as Serras de Maranguape e Sapu-
ses. Certa feíta teotou dizimar urna para.
éxpedi9áo portuguesa e. depqis de
muito perigo logrou fugir durante a
noite ,(Século XVI). "
UBAUNA - Principal do Ceará. Foi o Mapas e Fotografias
TATUPEBA (Tatu Chato) - Cacique de
intermediário na paz que Pero Coe-
lho de Sousa logrou fazer com Diabo
(Documenta~ao)
Camocim, Ceará. Grande e Mel Redondo, no início do
Século XVII. Era bastante estimado
TAVIRA - Guereirro tabajara. Dotado pelo seu povo.
de invulgar for9a física e coragem
pessoal, era o flagelo dos seus lni- UIRA·ECA·ACU (Pássaro de Olho
migos. Pessoalmente infiltrava-se Grande) - Oriundo da Serra de lbia-
entre os contrários para espionar paba, foi um dos principais da aldeia
seus acampamentos e escutar seus de Poieupe, Maranháo. T omou parte
planos. Preparava emboscadas e nas solenidades de funda9áo de Sáo
promovia assaltos notumos, man- Luís, em 1612. Foi o pai de ltapucú e
tendo seus lnimigos em contínuo so- era amigo de Japia9u.
bressalto. Um dia foi cercado; na iu-
ta urna seta vazou-lhe um olho. Ar-
rancou-a juntamente com o globo UIRÁ-UERÁ (Pássaro Preso) - Mulher
ocular, dizendo: "Para bater meus de Uirá-E9á-A96 e máe de ltapucú.
Ínimigos basta-me um só olho!". E Migrou com o marido da Serra de
de fato os derrotou apesar da supe- lbiapaba para o Maranháo.

208
INDÍGENA DO CEARÁ

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Fonte: MAPA ETNO-HISTÓRICO 00 BRASIL E REGIOES ADJACENTES


Adoptado do mopo de Curt Nimuendojú-1944
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• Moleta de pedra (mlos-de-pllAo) lndfgena- Procedéncia: Fortaleza.Ce. t.l.lseu


Histórico e Antropológico do Estado do Ceará. Data da fotografía: abril de 1989.

Vaso de Cerlmlca lncHgena - Proced6ncia: ttapipoca. Ce. C~lo Thomaz


Pompeu Sobrinho - Museu Histórico e Antropológico do Estado do Ceará. Data da
fotografia: mar90 de 1989.

215
Uma fu'**la lndfgena - Procedéncia: Parangaba, Fortaleza-ce. C~o Tho-
maz Pompeu Sobrinho - Museu Histórico e Antropológico do Estado do Ceará.
Data da fotografia: marco de 1989.

Machados de Pedra dos fndios do Ceará - Da esquerda para a direita (parte de


cima): Baturité - Russas - Trairi - lnhamus - Ceará - (parte do meio): Trairl -
Sáo Luís do Curu - Sáo Luís do Curu - Sáo Luís do Curu - Ceará (parte de baixo):
Trairl - Ceará - Caucaia - Fortaleza - Ceará. Muset,J Histórico e Antropológico do
Estado do Ceará. Data da fotografia: mar90 de 1989.

lga~aba de Ceramica lndfgena - Procedéncia: Parangaba, Fortaleza-Ce. Cole-


9áo Thomaz Pompeu Sobrinho - Museu Histórico e Antropológico do Estado do
Ceará. Data da fotografia: mar90 de 1989.

216 217
,.

Machados de Pedra dos Indios do Ceará - Da esquerda para a direita (parte de ~ de Pedra dos Índlos do Ceará. - Da esquerda para a direita (parte de
cima): Vi9osa - Curu - Curu - Momba9a - Curu (parte do meio): Mundaú - Mun- cima): Maranguape - Sobral - Maranguape - Fortaleza - Aracati (parte do meio):
daú - Sobral - Quixeramobim - Canindé - (parte de baixo): Mondubim - Curu - M~ranguape - Caucaia - Coité - Caucaia - Campos Sales (parte de baixo): S~o
Trairl - Caucaia - Trairt. Museu Histórico e Antropológico do Estado do Ceará. Luis do Curu - ltapipoca - Messejana - Maranguape - Aracati. Museu Histórico e
Data da fotografia: mar90 de 1989. Antropológico do Estado do Ceará.• Data da fotografia: mar90 de 1989.

218 219
,.

Machados de Pedra dos fndlos do Ceará. - Da esquerda para a direita (parte de ~chados de Pedra dos fndlos do Ceani. - Da esquerda para a direita (parte de
cima).: Sáo Luís do Curu - Fortaleza - Beberibe - Canindé {parte de baixo): Sáo cima): Acarape - Fo·rtaleza - Mundaú - {parte de baixo): Maranguape - Ceará -
Luís do Curu - Sáo Lu(s do Curu - Ceará - lpu. Museu Histórico e Antropológico Pacatuba. Museu Histórico e Antropológico do Estado do Ceará Data da fotogra-
do Estado do Ceará Data da fotografia: mar90 de 1989. fia: mar90 de 1989.

220 221
India Potygl88 (Potyguara é urna das orfgens dos fndios Tapeba). Reserva lrd-
gena da FUNAI. Estado da Paraba. Data da fotografia: ano de 1987.

India Tapeba - Comunidade Lagoa do Tapeba - Caucaia, Ce. Data da fotografia:


mar~o de 1988.
India Potyguara (Potyguara é urna das orfgens dos lndios Tapeba). Reserva lntf.
gena da FUNAI. Estado da Parafba. Data da fotografia: ano de 1987.

222 223
Monumento da P~ José de Alencar. Fortaleza-Ce. Guaranl - Monumento
11orunento da P~ José de Alencar. Fortaleza Ce. Guaranl - Monumento
erigido por iniciativa do jornalista Gilberto CAmara - Presidente da Associa9Ao
Cearense de lmprensa. Por ocasiáo do primeiro centenário do nascimento de José erigido por iniciativa do jornalista Gilberto CAmara - Presidente da Associa9Ao
de Alencar (1 º de mar90 de 1829 a 1º de mar90 de 1929). Data da fotografia: mar- Cearense de lmprensa. Por ocasiáo do primeiro centenário do nascimento de José
co de Alencar (1 º de mar90 de 1829 a 1º de mar90 de 1929). Data da fotografia: mar-
, de 1989.
90 de 1989.

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HMCI~ de Ponte do rlo COCO (prOxina ao ateno do mangue e saina, onde fol conatrufCIO o Shopplng
Center lguatemi). Data do día 13 de maio de 1791 a re~ifica9Ao da ponte sobre o río Cocó. Fortaleza-Ce. Em
,....,, 6 de junho do mesmo ano, a CAmara de Fortaleza paga 5$480 que sustentaram os fndios na reedifica9ao da
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citada ponte (STUDARt, Guilher. Datas e Fatos para a História do Ceará - tP Volume)•
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FORTE SCHOONENBORCH
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Forte Schoonenborch, atual 10' Regllo Miiitar. Fortaleza-Ce. Data da fotografta: malo de 1989. (GlrAo, Ral-
mundo. Matias Beek - Fundador de Fortaleza. lmprensa Oficial do Ceará, 1961 ). Data da reproducAo: abril de
1989.

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Forte Schoonenborch, atuaJ 10' Regllo Mllltar. Fortaleza-Ce. Data da fotografla: malo de 1989. (Glrlo, Rai-
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10' Regiio Mlltar, antlgo Forte Shoonenborch. Fortaleza-Ce. Data da fotografia:
maio de 1989.

Monumento em homenagem ao fndio do Ceará. Parque Cidade da Crian9a


- Fortaleza, Ce. Data da fotografía: abril de 1989.

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lgreta da S., CatlMllal Metropolitana de Fortaleza.Ce. corn a 10' Regilo Mitar.


Ambos, transpassados pelo Arraial Indígena, formam o triAngulo de irradia9áo ur-
bana. Em 1726, ano da instala9áo definitiva da Vila da Fortaleza, já a matriz figura
no local em que mais tarde seria construída a Sé. Data da fotografia: maio de 1989.

232 233
Machados de Pedla lndfgenas. - Da esquerda para a direita: Machado Indígena
do CearA. Retangular. Pedra polida. Proveniente das tribos da Serra da lbiapaba.
Machado Indígena do Ceará. Tronco-cOnico. Pedra polida (sem localizar a regi~o).
Instituto do Museu Jaguaribano, Aracati-Ce. Data da fotografia: maio de 1989.
Índlos Tapebe. Da esquerda para a direita: o Tapeba Victor, último Chefe Indígena
Tapeba, falecido a 3 de outubro de 1984, cuja data é comemorada anualmente como
o Día do indio Tapeba. Foto by Copyrith José Cordeiro de Oliveira.

234 235
,.

c.tmlca lndfgana do Can. Arglla. Proveniente das tribos da Serrada lbiapa- Machado de pedra dos Indios do Cearé (sem especifica~ de detalhes). Insti-
ba. Instituto do Museu Jaguaribano, Aracati-Ce. Data da fotografia: maio de 1989. tuto do Museu Jaguaribano, Aracati-Ce. Data da fotografia; maio de 1989.

236 237
Cerlmlca lncHgena do Celri. Arglla (sem locaizar a regiAo) Museu Diocesano Certmica lndrgena do Ceará. Arglla (sem locafizar a regiAo). Museu Diocesano
Dom José TupinambA da Frota, Sobral-Ce. Data de fotografía: maio de 1989. Dom José TupinambA da Frota, Sobral-Ce. Data da fotografia: maio de 1989.

238 239
C-*nlal lndfgena do Can. Arglla (sem locaHzar a regiAo). Museu Diocesano Cerlmlca lndfgena do Caanl. Arglla (sem localzar a regiAo). Museu Diocesano
Dom José TupinambA da Frota, Sobral-Ce. Data da fotografia: maio de 1989. Dom José Tupinambá da Frota, Sobrai.-Ce. Data da fotografia: maio de 1989.

240 241
Cachimbos Indígenas do Cearé. Da esquerda para a direita: cachimbo tipo Aste- lga~be Kartrt, tamanho grande, onde os Indios mortos eram enterrados. Encon-
ca e cachimbo Kariri, encontrados juntos, dentro de urna lga9aba. Data da fotogra- trada no centro da cidade do Grato, na Pra9a da Sé. Museu Histórico José de Fi-
fia: mar90 de 1989. guerédo Filho, Grato-Ce. Data da fotografia: mar90 de 1989.

242 243
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Machados de pedra dos lndlos Karlrl (sem especifica~ de detalhes). Museu Machados de pedla dos lndlos Kartrt (sern especifica~ de detalhes). Museu
Histórico José de Figuerédo ·Filho, Grato-Ce. Data da fotografia: mar90 de 1989. Histórico José de Figuerédo Filho, Grato-Ce. Data da fotógrafía: mar90 de 1989.

244 245
,.

Mio-de-pllio de pedra dos indios do Ceará (sem especificar detalhes). Museu


Histórico José de Figuer~o Filho, Grato-Ce. Data da fotografía: mar90 de 1989.

Índia Kartri. Tipo que entrou na forma9Ao dos Indios Tapeba.


Acervo de Thomaz Pompeu Sobrinho. Boletim da lnspetoria Fe-
deral de Obras Contra as Secas, julho de 1934.

246 247
Rebato a Óleo do Padre Francisco Pinto e do Padnt Lulz Flguelra. Jesuitas,

Coordenadores da Missáo Catequética dos Indios do Ceará. Fundadores dos Al-
deamentos de Caucaia, Parangaba e Messejana-Ce. Fonte: Cole<;áo História e
Cultura nº 8. Tres Documentos do Ceará Colonial. Fortaleza, lmprensa Oficial,
1967.

248 249
Retrato a Óleo do Padre Francisco Pinto e do Padre Lulz Flguelra. Jesuftas,
Coordenadores da Missao Catequética dos Indios do CearA. Fundadores dos Al-
deamentos de Caucaia, Parangaba e Messejana-Ce. Fonte: Cole9áo História e
Cultura nº 8. Tres Documentos do Ceará Colonial. Fortaleza, lmprensa Oficial,
1967.

250 251
Doltco - fndio C?abefudo ~ - 1agoa da Encantada -Aqunz, Ce. JoM De Siiva - Indio cabeludo Genipapo-Kanindé - Lagoa da Encantada - Aqui-
raz, Ce - Data da fotografia: agosto de 1989 - Copyrith by Marcos Filho.
Data da fotograf1a: agosto de 1989 - Copyrith by Marcos Filho.

252 253
Piiio de pedla encontrado no munidpio de Ouixeramobin onde habitavam os li-
dios Kanindé. Pertencente ao acervo particular do colecionador Sr. Jorge SimAo.
Quixeramobim, Ce. Data da fotografia; julho 89. Plláo de pedra encontrado no municfpio de Quixeramobim onde habitavam ~s rn-
dios Kanindé. Pertencente ao acervo particular do colecionador Sr. Jorge S1máo.
Quixeramobim. Ce. Data da fotografia: julho 89.

254 255
Piiio de pedla enoontrado no município de Ouixeramobim onde habitavam os ro- Piiio de pedra encontrado no município de Quixeramobim onde habitavam ~s ro-
dios Kanindé. Pertencente ao acervo particular do colecionador Sr. Jorge Simáo. dios Kanindé. Pertencente ao acervo particular do colecionador Sr. Jorge S1máo.
Quixeramobim, Ce. Data da fotografía: julho 89. Quixeramobim, Ce. Data da fotografía: julho 89.

256 257
.•

Mios-de-pillo Indígenas de Pedra. Encontradas no município de Quixeramobim


onde habitavam os lndios Kanindé. Pertencentes ao acervo particular do colecio-
dor Sr. Jorge SimAo. Quixeramobim, Ce. Data da fotografia: julho de 1989.

Machados lndfgenas de Pedra (vulgo pedra de corlsco). Encontrados no muni-


cípio de Quixeramobim onde habitavam os indios Kanindé. Pertencentes ao acervq
particular do colecionador Sr. Jorge Simáo. Quixeramobim, Ce. Data da fotografia:
julho de 1989.

258 259
,.

P~ de arteunato de Cldmica (hleo), possivemente usada petos fndios para Utenslllos fettos pelos Indios pera fuer fogo. Encontrados no municipio de
tear algodoo. Encontrada no municfpio de Ouixeramobim. Pertentence ao acervo Quixeramoblm. Pertencentes ao acervo particular do colecionador Sr. Jorge Si-
particular do colecionador Sr. Jorge SimAo. Ouixeramobim, Ce. Data da totografia: máo. Quixeramobim, CE. Data da Fotografia: julho de 1-989.
julho de 1989.

260 261
,.

Pitelra de cerlmlca tipo cachimbo usada pelos índlos. Encontrada no municf-


pio de Quixeramobim. Pertencente ao acervo particular do Sr. Jorge Sim~o. Quixe- .
ramobim, Ce. Data da fotografía: julho de 1989. fotografia; julho de 1989.

262
263
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Placas de rua com nomes de Na~óes lndlgenas do Ceará. Praia de lracema, Placas de rua com nomes de Na~óes Indígenas do Ceará. Praia de lracema,
mar90 de 1989. Fortaleza-Ce. mar90 de 1989. Fortaleza-Ce.

264 265
Placas de rua com nomes de Na~6es Indígenas do Ceará. Praja de lracema, Placas de rua com nomes de Na~óes lndfgenas do Ceará. Praia de lracema,
maryo de 1989. Fortaleza-Ce. mar90 de 1989. Fortaleza-Ce.

266 267
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www.etnolinguistica.org
REQUERIMENTO DO SR. ESMERINO OLIVEIRA ARRUDA COELHO A FUNAI,
em 3.7.87.

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Resistir é Preciso!
O símbolo da resisténcia indígena no Ceará se nos
coloca em consonAncia com o eco mais profundo da nossa
identidade como povo no resgate de sua história. É dessa
forma que o escritor José Cordeiro de Oliveira, sem paradig·
mas, artificios ou sofismas, restituí num pnsma totalmente
novo, mediante provas e documentes, a real dimensoo dos
fatos que envolvem a forma9áo da cultura indígena em nosso
Estado.
"OS INDIOS NO SIARÁ - MASSACRE E RESIS-
TENCIA" é um trabalho, antes de tudo, comprometido com a
clareza, a justh;a e a dignidade humana. Sem deixar de ser
um patamar demolidor de dúvidas e mentiras abafadas pelo
mofo da parcialidade e da omissáo histórica, introduzindo
urna ironía feroz contra os escritores da classe clomihante
pelo obscurantismo com que sempre trataram essa questao.
Este é um livro que tem duas vertentes básicas para
·sua compreensao. A primeira é a den(mcia contundente e
evidenciadora do esmagamento e da crueldade sofrida pelos
nossos silvfcolas sob o tacoo do colonizador até nossos
dias. Em seguida, ternos a análise dialética numa abordagem
mais ampla que vai ao vértice central do questionamento le-
vantado: a nossa estrutura fundiária conservadora e feudal, a
nos impor a polariza9áo da ordem atual do sistema capitalista
·- opressores versus oprimidos. Os fndios foram alvo e vfti-
mas da sangría desatada e da ambi9áo dos conquistadores.
Para o fndio o ciclo da vida se reconduz pelo equilrbrio com
os ecossistemas que emanam da terra. Ouanclo isso foi que-
brado, esmagado pelo branco, eles come9aram
, a resistir.
Mas qual o significado de tudo isso? E o que o autor nos
aponta, como num alerta: "Aju9á, aju9á! (morte, morte!). O
maior inimigo do nosso fndio é, foi e sempre será a proprie-
dade privada. Náo tem sarda. A sociedade precisa retomar
a luta e a esperan9a - é essa a perspectiva para que áponta
este livro. A busca imperecrvel do destino coletivo e da líber·
dade do Homem.

GUARACY RODRIGUES
Escritor

Pedidos para remessa do livro:


HOJE: Assessoria em Educayáo
Av. Treze de Maio, 1125
Fátima - CEP 60.040
Fortaleza - Ceará

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