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J O Ã O DO Rio

VARIAÇÕES
IMÊf

SOBRE 0

# R I O D E JA*EDR.0
Iitvraria. Liaao-Braslloirci
M. Piedade & C—BditOro» •
#6 - 1R.U4 DA A S S E M B L E 4 *- 46
VARIAÇÕES SOBRE O "FLIRT

9^
*
OBRAS DO AUTOR

A s Religões n o Rio, 7- m i l h e i r o — E d i t o r
Garnier.. 7

O Momento Litterario — E d i t o r Garnier.


A A l m a encantadora das R u a s — E d i t o r
Garnier.
S a l o m é de W i l d e — E d i t o r G a r n i e r .
D e n t r o d a noite, C o n t o s a a p p a r e c e r .
E r a u m a vez... C o n t o s p a r a creanças d e
collaboração c o m V i r i a t o C o r r e i a — E d i -
t o r A l v e s & C.
U l t i m a Noite, episódio dramático e m 1
a c t o r e p r e s e n t a d o p e l a V vez e m o d i a '
8 de Março de 1907 n o T. R e c r e i o ,
JOÃO DO Rio

VARIAÇÕES SOBRE 0 "FLIRT"


Pequeno
Ensaio de psychologia urbana

RIO DE JANEIRO
L,ivraria t u s o - B r a s i l e i r a
M. Piedade & C — E d i t o r e s
46 - RUA DA ASéEMBLEA - 46
1907
A. Madame de E

Minha Senhora,

E' um prazer quando se está a dizer


coisas interessantes apenas pelo seu
próprio interesse, Der que entre pes-
soas de alta sociedade e preconceito
estreito fulguram um sorriso superior
e um entendimento elevado. O sorriso
encontrei-o eu uma vez—sorriso que me
i areceusuave comumo balsamo e re-
parador com oo orva lho da noite. Vel-o
acompanhar asfutilidades deste peque-
no ensaio de investigação urbana, se-
ria para mim, o bárbaro e o excessivo,
a maior das recompensas —porque
só assim poderia a desconfiança de
haver feito obra talvez inútil, de
mau estylo talvez—mas a certeza de
de algumas altitudes que a interessa-
sem. E seria para mim a felicidvde
suprema, tel-o conseguido.
Que a sua extrema bondade per-
mitta a ousadia da offerta.
João do Rio.
-o
- t

F l i r t . Toda a gente falia agora


de F l i r t . Fala de F l i r t como fala
do bridge e dos automóveis :*—
sem conrprehender a violência nar-
cótica do primeiro,e a força inenar-
rável dos segundos... F l i r t ! E'
uma questão de moda que as se-
nhoras arvoram como quem estréa
um vestido esplendido ou um ade-
reço de pedras caras.
E' um novo figurino do amor,
absolutamente indispensável como
a electricidade e o homem de ne-
gócios. Palavra franceza, costume
— 8

americano—fusão da moral. Galan


teria pratica, fetichismo semi-ou-
sado, experimentalismo excitante.
Que é o F l i r t ? O philosopho man-
dava sentir e não saber : il faut
sentir et non savoir. Mas o amoi é
sentir, sentir é gosar o soberano
bem, o estado harmonioso do corpo,
e o Üirt é a exasperação dos senti-
dos. Factos de t a l monta muito
antes de S. Thomaz de Aquino,
eram para que os homens os medi-
tassem . A meditação pode ser uma
contemplação interna...
*

O Flirt é um phenomeno gra-


víssimo — é a ultima etapa da se-
ducção da Mulher. A Mulher, aliás
o único osso desnecessário de Adão,
é o osso dominador do universo.
O personagem Deus fel-a na
sombra, mysterioso e subtil, em-
quanto A d ã o estava dormindo, e
deu-lhe uma alma de onda, de
renda, de attracção, de encanto e
de perversissima bondade. Quando
A d ã o accordou, extasiado ficou.
ííão era para menos. U m pedaço
da V i a Láctea parecia ter descido
do escuro azul da noite estrellada.
O Paiaiso, que até hoje ninguém
sabe onde f o i exatamente, rescen-
dia mais, e aquella meiga l u z ,
aquella doce lnz sorria, fazia com-
prehender o Desejo — a suprema
delicia de v i v e r . Adão não era
bem uma alma de anaiyse. D e i x o u
de indagar a razão do mysterio,
apparecido assim, de noite, em-
quanto o Paraíso d o r m i t a v a . B
ajbirou-se. Todos nós fazemos mais
ou meno^ como o Pae Veneravel :
atira mo-nos. Questão de atavismo
egoistico impellindo-nos a desejar
mais do que tudo, um osso inútil
que a lenda diz ter sido nosso.
10
•>

D essa preterição i r r a c i o n a l v e m
1

talvez o erro millenar em que" la-


boram os homens de querer pos-
suir, dominar, satisfazer e conhe-
cer o osso sensivel, a p r i m e i r a cos
tella do lado do coração. Os erros
acumulam-se, a M u l h e r é cada
vez mais a Esphinge que fala, e o
homem cada vez mais pretencioso,
só lhe a t i r a injustiças. Injustiças
de raposa que não alcança as uvas,
mas injustiças brutaes que passam
por graça e até por galanteria.
Que pensa o homem da m u l h e r ?
Mal. A alma do povo está no pro-
vérbio. Que diz o pioverbio
picardo ?
Mulher ri quando pôde
E chora quando quer.

E o flamengo ?
Tres mullures valem um mercado.

E o normando ?
—11—
Be mulher e de cabellos
Sempre ha o que dizer

E o italiano ?

Desconfia das mulheres más


E não confies dos boas.
E o chinez ? Até os chinezes i n -
ventai am a celebre phrase : — a
m u l h er tem os cabellos cumpridos
e as idéas curtas ! para que Ale-
xandre Dumas a empregasse pas-
sando por tel-a escripto. Essas vul-
garidades do riíão não são ultra-
passadas pelas phrases dos reis.
Francisco I dizia :

Souvent femme varie


Bien foi est qui s y fie
J

uma dessas amargas phrases de


despeito que não o lisongeiam. E
Napole&o, que còm ellas f o i sempre
u m b r u t a l por nunca as ter podido
vencer, assegurava :

V
— 12
— A s mulheres t e m u m a alma
de reuda.
o que v e m a ser u m a a l m a de fia
de seda, de fio de l i n h a , que co-
meça, faz ponto, a f r o u x a , é r e l e v o
a g u i , depressão acolá, f o r m a vié<
zes, curvas, flores, bichos, nomes,
e que, uma vez acabada, não se
sabe p o r onde acaba nem princi-
pia, labyrintho perturbador da
sensação...
Quando o homem não d i z m a l ,
d o u t r i n a — o que é peior. Já um
a n a l y s t a assegurou com g r a n d e gra-
v i d a d e o s e g u i n t e : « N ã o h a nessa
c r e a t u r a que parece tão profunda
m e n t e estudada senão paixão e
a m o r , d e v o t a m e n t o ou d u p l i c i d a d e ,
irresistivel pudor ou indon ayel
desejo. Mas as v i r t u d e s como os
v i c i o s a h i se e n c o n t r a m em estado
endêmico, g e i m e n s q u e p o d e m flo-
rescer ou perder se, segando a s
13

circumstancias, os meios, as tem-


peraturas, e o talento do homem
encarregado de cultivai-a. » E' o
caso de Eva reduzida a um cantei-
ro de. sensações, onde ha toda a
sorte de estados d'alma, todas as
vibrações, todos os arripios phisi-
€OS e moraes. A maneira de fazel-a
a mãe de Coriolano, Tosca, ou a
Margarida do Fausto, entretanto,
ainda maior admiração causa
porque eu já conheei uma menina
que sahindo de Sion — ha muitos
annos já se vê ! — era perversissi-
ma, e um bandido com tres mor-
tes, quarenta roubos e cincoenta e
sete entradas na Detenção, que
nos dias de visita tinha a chorar
nas grades do seu cubiculo o pèr-
feito amor de uma creança de vinte
annos... *
D e f i n i r a mulher ! Más pára que
semelhante trabalho, se é impôs-
— 14 —

eivei? Jules Laforgue chamava-as


de bebês monstros : As mulheres
fàzem-me o effeito de bebês mons-
tros, bebês importantes, monstruo-
samente desenvolvidos.» Michelet,
falando da Revolução também mu-
lher, e do Pássaro que à mulher
emprestou pelo menos o desejo de
voar, disse, com o seu incorregivel
lyrismo : « a mulher é ou infinita-
mente superior ou infinitamente
inferior ao homem. E uma lyra
?

mais extensa, mas i n c o m p l e t a —


por que as cordas do meio não são
fortes.»
• Monstros, lyras extensas com as
cordas do meio frouxas, cordas
cujo som deve ser semelhante ao
zumbido das abelhas e aos suspi-
ros das rolas ! Para que tudo isso ?
Ninguém a conhece, ninguém a
conhecerá : E r r o u Chamfort quan-
do asseverava : «Com as mulheres
é preciso ou amal-as ou conhecel-
as»—porque conhecel-as é amal-
as e amal-as é perder o juízo. Er-
r o u Michelet, errou Laforgue,erram
todos esses estúpidos rifões, por-
que jamais poderemos DÓS decifrar
essa sensibilidade aguda, alma fe-
l i n a com garras de fèra e velludo
nas patas, sentir curioso que per-
f u m a como uma essência, luz d i -
v i n a cujo calor pode acariciar e
pode causar insolações. O homem
que se agite conduzido por ella,
porque só P r o u d h o n disse real-
mente a verdade : a mulher é a
desolação do j u s t o .
i

E f o i a mulher que inventou o


F l i r t ! A h ! nós temos uma porção
de opiniões a respeito dessa alma-
i n h a d e etagére como diz o reve-
rendo Samuel ! Nós nos julgamos
immensamente superiores, immen-
— 16

samente piotectores, iinmensanien


te incomparaveis ? E entretanto
para conseguir conquistai a — o que
aliás não conseguimos— viramos
de senhores em escravos, raivosa-
mente defendemos este posto de
servo da gleba mais conhecido pelo
euphemismo de chefe de familia, e
chegamos ao estado de metal i n -
consciente attrahido pelo iman.
Esse iman é o amor. Será o amor ?
E o desejo. O amor é uma loucura
7

transitória. O desejo é a chamma


perenne, a ambição de um com-
plemento que nos falta. Por força
de poesia é que o desejo se exag-
gera na mascarada do amor, e
quando o poeta disser :
O amor é a própria vida !
A m o r é v e r o sói p o r e n t r e a n o i t e escura
E; s o t f r e r n a alegria, é g o z a r na t o r t u r a
E' r e u n i r n'um v e r s o o i n f i n i t o desejo :
— V i v e r por um sorriso e m o r r e r p o r um
(beijo!
-

— 17 —

Pode a gente ter a certeza de que


o amor è o nome do desejo deses-
peíado.
A mulher aproveitou-o para se
libertar de uma e cravidão lamen-
tável. A principio, logo depois da
scena de conhecimento absoluto
do Paraiso, essa entidade carrega-
va as armas de guerreiro, accendia
o lume, dava cafunés. E r a o chas-
seur da taba, o maitre-hotel e a
dama de companhia. U m bello dia
mostrou que era incapaz de ser
chasseur e começou a tornar-se
frágil nos gyneceus. A fragilidade
accentuou-se a ponto de fazer o
homem julgal-a a candura da terra
e a fazer torneios com muito san-
gue por amor da sua bella. Essa
attitude resolveu-a a ser Musa, a
Musa inspiradora, e afinal hoje em
que o homem é o servo, é o chás-
seur, e até mesmo a dama de com-
I

— IX —
panhia, élla, que è ineontentavel,
quiz t e r todos os d i r e i t o s e i n v e n -
t o u esse b r i n q u e d o t u r t u r a n t e q u e
todo o m u n d o c h a m a o «Flirt...

O Flirt! Que é o Flirt ? «O Flirt,


diz M i c h e l P r o v i n s , é o v e r m e que
docemente, sem que ninguém o
veja e n t r a r , estraga o m a i s b e l l o
fruto. Só se apercebem delle
quando o f r u t o desprendendo se
da a r v o r e , cahe». Como não l h e
bastasse essa viscosa comparação
do verme, P r o v i n s , c u j a v i d a se
tem passado a c o n t a r flirts, d i z ,
n u m h o r r e n d o ataque de d y s p e p s i a
moral: — o flirt é p a r a as almas
blasês o que o j a n t a r é p a r a os es-
tômagos actuaes. Incapazes de d i -
r i g i r os p r a t o s de resistência, nós
saboreiamos cs hors-ã^oeuvre, os
a p i m e n t a d o s e os adocicados.
19

W horrível. H a peior.
O sábio Dr. E o u x no Tnstinçt
(VJfrnour, assegura : — o flirt é a
conquista amorosa sem amor, ê o
desejo de inspirar o amor sem o
sentir. No flirt, cada u m dos adver-*
sarios, s i m ! é esse o nome que se
lhe deve dar ! cada u m dos adver-
sários acredita enganar e não en-
gana, não imagina mesmo que o
enganado é elle. R i das palavras
que diz e não percebe a i r o n i a das
que ouve ; pensa quasi sempre l u -
d i b r i a r e é a si mesmo que burla ;
ri i n t i m a m e n t e dos sentimentos
que finge e não sente ser apanhado
na rêde da comedia. O flirt é a
l u t a amorosa.
E ?
ainda horrível. Mas, feliz-
mente, encontra a gente opiniões
mais suaves. Oct?,vio Uzanne de-
finiu a coisa por gráos, que podiam
ser de exame e podiam ser de
20

thermometro, porque afinal nós


somos um iirnudo de therrnonietros
para o sol do amor ; um theorista
portuguez, dessas coisas futeis com
que se tece a gravidade da vida,
affirmou : — O flirt é uma p a l a v r a
i n g h z a que d e r i v a do francez. Já
tem fóros de portuguaza : Garret,
empregou-a. E' como uma b a t a l h a
de flores entre pessoas de sexo dif-
ferente. « E' a sombra do amor, é
a sombra chineza do amor...»
Bourget, tão l i d o em 1890, f o i lam-
bem avisado : — o flirt é a aqua-
rella do amor. ..

E aqui parámos todos n u m sú-


b i t o receio. Será? Será realmente
a aquarella ? a aquarella ou a som-
bra chineza, a sombra chineza ou
o verme, o verme ou a lucfra ?

O h ! não ! Deixemos as defini-


ções alheias. H a por a h i m u i t o
21

preciosismo e o resto como dizia


V e r i a ine :
Le reste est litterature...
O F l i r t é m u i t o grave. ..

Talvez mais grave do que toda a


gente d i z . O f l i r t é o resultado de
u m estado moríl da sociedade i n
teira. é universal. Fíirta-se nas
grandes cidade» e nas pequenas e
mais atrazadas v i l Ias, flirta se su-
b i n d o o N i l o ou subindo a r u a do
O u v i d o r , flnta-se á b e i r a do Santo
Sepulehro como nos kursaals da
Suissa, flirta-se a todo o propósito,
em todos os logares e com todas as
idades. Mas. flirta-se porque f Por-
que o egoísmo é maior, porque o
esforço p a r a o goso i n t i m o é eentu-
plieado, porque l i a u m a neuras-
t h e n i a a b s o l u t a com todos os phe-
nomenos de receio, hesits ção e
OO

inhibição do desejo. Essa neuras-


t h e n i a é de certo o resultado de
uma torrencial surmenagem senti-
mental, de u m período dé roman-
tismo, e de excessiva entrega de
almas e de corpos. O h o m e m de-
seja, mas teme as responsabili-
dades, a mulher quer, mas recúa
diante da responsabilidade e da
desillusao. A trahição d e i x a de ser
um acontecimento m o r t a l . Nin-
guém mais comprehende a cfua-
d r i n h a de Musset:

Honte à toi, qui lapremière


M/as appris la trahison
Honte à toi, tu fus la mêre
Des mes premières âouleurs.

A trahição é um ensinamento na
D u v i d a perpetua. Os grandes sen-
timentos dissolvem-se ; as grandes
phrases t o m a m na conversa pro-
porções de megatheriuns assusta-


^^m ^W^Ê 23 —
:: ;
~
dores ; teme-se o espasmo e o êx-
tase, e tem-se o frenesi de os obter.
Se o Creador não tivesse feito as
coisas cá por b a i x o menos mal, se
a psyohologia, depois, não v e r i f i -
casse, que no indivíduo são iude-
pendentes da volição e por conse-
qüência do cérebro, as funeções da
v i d a inconsciente, essa vida. peri-
» garia de certo. A sociedade só
chega ao fim por esquecimento, a
sociedade teme, a sociedade não se
assusta com o que dizem delia,
assusta-se por talvez não encontrar
o que almeja.
E' a neurastbenia. Daneurasthe-
nia resultou a delirante crise de
sport. da fúria, da força e das velo-
cidades hábeis, que actualmente
agita o homem. O F l i r t é uma con-
seqüência dessa conseqüência ; —
é u m sport, è a « cabra cega » do
amor, em que o homem t e m os

Í
— 24 —

olhos vendados, é, plastieamente


curioso, porque se faz renovador
d a s a t t i t u d e s no Amor, a espiritua-
lisação in extremis dos sentidos, a
velha lucta entre m u l h e r e homem
n'uma parallela em que o en-
contro i n f i n i t o está sempre a b i e
sempre i n f i n i t a m e n t e afastado...

* *
Todas as coisas são boas e são
más. Ampliando, generalisando,
englobando, chega-se à neurasthe-
nia diffusa como sua origem. Aua-
lyzando-o apenas, detalhando-lhe
a obra, fazendo a anatomia da sua
essência perversa encontramos-lhe
uma serie longa de superioridades
e de distincções.
A p r i m e i r a ê a differença entre
o f l i r t e o n.imoro. Namorar é an-
t i g o e v i r t u a l m e n t e democrático,
namorar é deplorável e velho. Já
Horacio, o poeta gorducho de Me-
cenas, dizia : — a pastora forma o
b'eijo para que o pastor o roube.
Já todos sabem que, quando j u l g a
dar o abraço de posse perpetua, o
homem sempre vão e vaidoso mur-
mura :—meu bem ! o que é o maior
dos paradoxos da espécie homem
desde o Paraizo. O namoro è m i l -
lenar, mas está para o f l i r t como
u m a proporção a r i t h e m e t i c a para
uma geométrica. Os que n a m o r a m
são simples, sem espirito e c o m
m u i t a carne; os que f l i r t a m t e m
espirito quasi tanto quanto carne e
ásvez^s até mesmo mais. U m ra-
pazola namorador não passa das
phrases consagradas, dessas tão ve-
lhas que parecem velhas sempre
alegres:—Quem me déra ser pedra
pai a a sra. pizar ! Ou então :—Se
eu pedir, yayá. você me dá? Os
jovens ãernier batteau, os P r i o l a
incipientes, dizem nos salões em-
quanto as orchestras desfiam v a l -
sas enervantes :—Sabe V. Ex. que
está allucinadora 1.. ou então:
Que nuca a t u a ! U m beijo para a
m i n h a v i d a !... O f l i r t só pertence
á nata, ao escól, ao dessus ãu pa-
bier] ao pessoal ãêrnière petrolette,
o pessoal que custa a se compro-
metter, veste bem, cria em torno
uma athemosphera de excitantes,
e, antes de f*è entregar completa-
mente, reflete com calma na vida,
na carteira de cambio e nas suas
conseqüências. N u n c a passou pela
imaginação de ninguém o f l i r t de
u m vendedor de balas ou de uma
lavadeira. E uma idéia que h o r r i -
?

pila. E n t r e t a n t o , ao v e r tres ou
quatro cavalheiros com quatro ou
cinco damas em torno ao samovar
de um chá das cinco, ou n u m baile,
entre espaduas núas e p e i t i l h o s re-
luzentes, não ha quem não diga :
Nossa Senhora ! Que f l i r t a t i o n !
'Que flirtage ! — p a r a i r , invejo*
saniente. lazer o mesmo a l l i ade-
ante.
No cerebio do homem de soeie-,
dade a noção de f l i i t já se radicou a
t a l ponto que nã) ha homem capaz
de conversar dez minutos com uma
senhora, sem que lhe emprestem ou
que elle mesmo tenha a intenção
de aproveitai-os nessa espécie de
trottoir roulant do Amor... Flirta-se
como se fuma : é u m costume ad-
quirido, è u m habito, é u m vicio
permettido. Seria mesmo reparado
que não se flirtasse. O f l i r t é como
o charuto. Fornece a breve illusão
no seu leve fumo. faz mal aos que
o experimentam pela p r i m e i r a vez,
e, quando se'apaga não se o torna
a accender—porque ninguém ac-
cende um charuto apagado como
não ha quem o fume todo, com
m e d o á q u e i m a d u r a do lábio...
D'ahi o u t r a distiucção : a com-
pleta amoralidade de que è elle
amostra. Nós andamos m u i t o pou-
co certos da v i d a para termos tem-
po de a m a r com paixão. O amor é
u m a c a l d e i r a d a egoistica p a r a vo-
razes glutões.
O f l i r t ^alta do a p e r i t i v o ao café
da sobremezae n a t u r a l m e n t e é cy-
nico, è canalha, é a m o r a l .
Amoral sim ! A moralidade é
uma facecia tristonha que cada
qual usa conforme entende para
a t a c a r o próximo, O f l i r t é amo-
ral, como o derriço do b a i x a classe,
e essa amoralidade, a completa
ignorância da c r i m e é que salva-
g u a r d a o estado das camadas so-
eiaes. Se tirassem u m a costureira
modesta, que ama o seu rapaz ou
mesmo os seus rapazes, ^ a r a u m a
festa de caridade ou um b a i l e onde
flirtaru as/W Ufjkt e as prôjlmo-
'nal beautp-s do estação, a costu-
r e i r a achará isso uma pouca ver-
gonha. E<u compensação u m a gran-
de dama não s u p o r t a r i a nem a
v i s t a de um «reconhecimento» de
costureiras à sabida do a t e l i e r . . .
O f l i r t t e m além d a elegância e
da a m o i a l i d a d e a renovação das
expressões nos diálogos e a m a r c a
indelével de u l t i m a obra, de vieili
de paráitre da seducção f e m i n i u a .
Que seria R o m e u h o j e ? bem gran-
de cacete. Paulo e Virgínia e n t r e
as bananeiras da I l h a de França?
b e m intolerável a b o r r e c i m e n t o . E
Hernaui? E Othelo ? Dv Juan
mesmo p a r a resistir teve que- mu-
dar de nome. Já ninguém namora
hoje encostado a u m I a m )eão de-
f r o n t e da j a n e l l a da apaixonada,
n e m h a quem d i g a a serio :—«In-
— 30

grata, se não/ores m i n h a não se-


rás de mais ninguém !» Tudo isso
passou. A l g u m a s palavras previas
antes dos gestos tornaram-se i n -
teiramente inúteis. Quem é capaz
de dizer hoje aquelle desejo da ve-
l h a canção franceza :

Mets ta main, ta petite main


Ta main dans la mienne ?

Pega-se, aperta-se, beija-se e


não sc diz n a d a — p o r q u e não vale
a pena. E m compensação fala-se
mal, das pessoas ao lado, e dis-
cute-se coisas «que não compli-
quem a existência». E nesses mo-
?

mentos que as mulheres põem em


evidencia os recursos especiaes do
seu estranho gênio, sorriem, re-
constam-se, dão risadinhas, arran-
j a m a pose irresistível, saccodem
uma renda, uma gaze pura que o
sen perfume attúe, concedem, con-
- — 31 —

cedem até onde querem, são a Teu


tação lendária em luta com o tenta-
dor, nessa analyse c h i m i c a do casa-
mento antes e depois que é o f l i r t
analyse feita, como a m a i o r i a das
analyses, de sorpresas, ineditismos,
coisas vagas, coisas falhas, coisas
subitaneas, coisas imprevistas...

O flirt como o automóvel, é na


nossa sociedade uma necessidade
e uma importação. Para os auto-
móveis foram abaixo as barreiras
da Alfândega, não houve protec-
cionismo possivel. O flirt nem pre-
cisou de pôr abaixo impostós ex-
cessivos, entrou como entram as
sedas dos grandes costureiros, des-
embarcando na praia do Russell,
de noite, sem que o fisco désse pela
fraude. De origem ingleza ou ame-
ricana, v i a New Y o r k ou v i a Lon-
32

ÜréB ? Ninguém o sabe nem o quiz


saber. Se v i a Londres asseguremos
as conveniências da sua morali-
dade,do cnnl austero e das austeras
m w que são governantas. Se v i a
New-Yoi k — o seu lado essencial-
mente pratico. H o u v e e ha quem
assegure que o flirt chega ao
B r a z i l v i a Pariz, talvez já contra-
facção, o que l h e i m p o r t a uma
dose a mais de viciosa elegância.
O caso é que dominou como os
automóveis, dominou vertiginosa-
mente, e nós ficamos como todos os
paizes sabendo o que é um 4 0 — c a -
vai los e o que é a curva perigosa
dessa esterilização do amor.
Naturalmente, se formos per-
guntar a opinião de u m senhor
idoso, o senhor idoso dirá: « O na-
moro de hoje é indecente. No meu
tempo não era assim ».
E mania dos contemporâneos já
?
em declínio, achar a sociedade de
agora m u i t o peior que a do pas-
sado'. O estado está perdido, o ca-
thoíicismo já f o i o que não é hoje,
os preliminares do amor são u m
escândalo.
Nós temos, entretanto, essas tres
coisas heterogêneas, m que as-
senta a sociedade : o estado, a re *
ligião e o amor, recebendo as mes-
missimas censuras atravez dos sé-
culos e cada vez mais moraes. O
flirt, por exemplo, além de ser uma
irresponsável resultante da nevrose
geral, é evidentemente moral em
comparação com o que se fez ou-
tr ora.
? 1

H a mesmo coisas de u m passado


próximo que a r r i p i a r i a m agora.
No tempo do Bei-Sol, L u i z X I V
mandava cartinhas amorosas pelo
veneravel Bossuet. A cidade, o
paiz. o mundo não tremei i a m hoje,

•i
34 —
se Fallières ou o Dr. Afíbnso
Penua escolhessem um simples
bispo para esse serviço secreto ?
Se dissermos a uma grave m a t r o n a
que respeita Bossuet: a X está
flirtando com o ioven H : a ma-
trona porá as mãos na cabeça,
-totalmente escandalisada desse *
meio directo de approximação.
Devemos censurai-a por isso ? Não!.
EUa também i)intou o sete, se
p i n t a r o sete é obedecer ás leis
íataes"da natureza. Apenas p i n t o u
de outra maneira e com outro gê-
nero de conducções.
H a no mundo coisas m u i t o d i -
versas, que teem uma secreta cor-
relação. O amor no R i o evoluiu
com a viação urbana...
No tempo da colônia, por exem-
plo, os gêneros de conducção eram
a cadeirinha e a rêde. Viam-se
passar pelo L a r g o do Paço sujeiti-

r
nhos, m u i t o bem deitados n'uma
rêde indiana, ao trote de dois po-
bres negros. A cidade t i n h a um
aspecto de África do norte, A r g e l
menor, sem francezes domiciliados
mas com assaltos de francezes. A s
casas eram caiadas de branco, sem
janellas, apenas com u m pequeno
postigó ; e, quando janellas havia,
essas eram gradeadas.
A s filhas dos colonisadores eram
como os escravos, sua propriedade.
Não sabiam ler e passavam o d i a
a conversar com as mucamas — o
que de certo também f a r i a m os i r -
mãos e algumas vezes os paes.
Quando o noivo escolhido pelo
progenitor indagava :
— Dona, que r casar commigo %
A menina baixava os olhos e
respondia :
— Não sei ; se pàpá quizer...
36

Mas não havia namoro ? Ora se


havia! Havia s i m nas celebres
missas da madrugada com cochi-
chos á p i a d'agua benta e recadi-
nhos passados atravez das beatas
de mantilha. Quando a coisa es-
tava de mais, os paes mandavam
as raparigas para o recolhimento
do Parto ou de I t a p i n i — este u l -
t i m o tão cômico que na época do
conde de Rezende lá se deu u m
escandaloso processo : as meninas
namoravam em bando, trepadas
ás rótulas do convento, fazendo si-
gnaes aos rapazes, no morro do
Castello ! Essa era a época da rede
e da cadeirinha. F o i também a
época do amor relapso, ignorante
e hypocrita.
Com a abertura das portas e a
chegada de D. João V I v e i u a
época das seges. A igrejas e o es-
tado forneciam o elemento appro-
37 —

x i m a t i v o , as procissões, as missas,
porque havia missa a toda a hora :
— a missa das quatro em S. José, a
missa das cinco, a missa das sete, a
missa das oito e meia, a das nove, a
das onze, e até a missa do t i r o de
peça. O namoro precisou de um sa-
christão e surgiu o moleque para os
recados.
Vieram depois as tres etapas da
locomoção democrata: a gondola
a séceò, o bonde e o electrico E a
?

sociabilização do amor, é o inter-


essante e longo namoro da janella
e da passagem da conducção —
tudo quanto ha de l y r i c o e de idio-
ta. Para esse amorinho fizeram-se
graves e profundos livros que os
nossos avós, os nossos paes, e t a l -
vez os nossos irmãos mais velhos
folhearam m u i t a vez com an-
ciã. U m delles f o i o tractado da
linguagem dos gestos. O cavalhei-
— 38

ro, passando de bonde pela casa da


namorada, podia fazel-a chorar,
r i r , cantar, ficar triste, alegrar-se.
Para isso bastava fazer um gesto.
E' assombroso, mas é verdade. Se
v i n h a baforando um grosso cha-
rutão, significava apenas]: não te
dou a m i n i m a importância. Se Um*
pava o suor do rosto : quantos tra-
balhos me dás ! Se passava com a
ponta da bengala para o ar — es-
tou de ponta comtigo ! Se trazia o
braço em decubito : estou com dor
de cotovelo, isto é com ciúmes, com
vontade de quebrar e cara a l l i ao
r i v a l . Se trazia o dedo na fronte :
as coisas não vão bem ! Se coçava
o nariz : Lá vem gente !
A c o n t e c i a que esses gestos eram
ás vezes involuntários, e d a h i cre-
7

anças assustadas quando estavam


ardentes, brigadas quando o amor
era mais forte. S u r g i u a l i n g u a g e m
— 39

das floreg — para simplificar. Um


j a r d i m e alguns movimentos basta-
v a m para falar-se coni uma l i g e i -
reza de espantar.
Mme. Charlotte de L a t o u r con-
ta-nos isso quasi emocionada. U m
botão de rosa com folhas e espinhos
quer dizer: temo mas espero. Eejei"
tado, de pernas para o ar : Pois não
tema nem espere. O mesmo botão
sem espinhos : Pois acho que tenho
tudo a esperar. Reentregue sem
folhas : — A te ner é que, é. O l i r i o
significava : começo a amar ! a tu-
üpa: declaro-me ! o myrto: amo-te !
o naicizo: que egoista! Como porém
a espécie^ a cor e a posição da flor
i n f l u i a m ao mesmo tempo, u m c i -
dadão se tivesse na mão, a balan-
çar uma flor vermelha, podia i r a
dar pinotes de alegria que a namo-
rada comprehendia immediata-
mente esta ameaça tremenda :
40

cuidado! estou com vontade de


beber-te o sangue!
Foi então que surgiu a carta,
a epistola amorosa. Já os bondes
chegavam á Eeal Grandeza... A
carta de namoro! Durante annos
foi a ne vrose das meninas e o mi-
cróbio dos sonetos. Uma quadrinha
d aquelle tempo diz mesmo :
7

Uma menina brasileira nata


Quando apanha uma paixa
Compra logo uma caixa
Be papel diplomata.

Os namorados também compra-


vam, e a musa urbana que guarda
todas as verdades e todos os factos
desde a guerra de Troya até a
ascensão de um balão espherico, a
musa urbana accrescentava :

Sinhasinha presumida
Com seu cabello loiro,
Fica toda delambida
Com a carta de namoro.
41 —

A carta é u m estylo l i t t e r a r i o . Os
nossos paes deviam ser terrivel-
mente lettrados. Mas não foram.
O estylo tropeçava na emoção, e
de vez em quando a franqueza era
mais forte do que a fantasia. Hou-
ve um que terminou a missiva
neste g r i t o d'alma.

Beste qu de ti se esconde
fi

Sempre teu e teu Osear


Note-Bem : não vou jantar
Por não ter n m niclccl p ro J
bonde.
E guarda-se mesmo aquelle post-
scriptum celebre : « Se teu pae ou
tua mãe a b i estiverem, não leias
esta senão mais tarde.»
— Depois d e s s a complicação
toda, o namorado entrava em casa.
E r a o pon - ^erminal, a chocação, o
f

momento do r e c i t a t i v o — » Seu An-


tenor o sr. recita ? — « U m pou*
quinho d. Elvira.»—Qaal é o seu
42

poeta predilecto ? — « Casiniiro de


Abreu.—« Também é o meu. F o i
elle que disse : sympathia é quasi
amor !...
Olhares. O namorado tosse, vae
para o p i a n o — o n d e a D a l i l a soluça.
—« Amor e Medo ! » annuncia,
deitando u m suspiro:

Q u a n d o te fujo e me desvio cauto


Da l u z c i a fogo que te cerca o b e l l a
C o m t i g o dizes, suspirando'amoreg:
« Meu Deus ! Que gelo! que f r i cza a q u e l -
(laj
Como te enganas! meu a m o r é chamrna
Que se a l i m e n t a no voraz segredo...

E seis mezes depois estavam ca-


s a d o s — p a r a toda a v i d a ! E anno
*e meio depois p r o d u z i a m u m filho,
com promessas de outros exempla-
res—fechando a vida passional
nesse c i r c u l o t r a n q u i l l o de repro-
ducção honesta com baptisados e
festas de a u n i v e r s a r i o ! Mizeri-
c o r d i a ! Como vae longe isso !...
43

U m bello d i a appareceu o Ariés


60 cavallos. H a v i a aberta a p r i -
meira Avenida i os motoristas
eram inhabeis, mas o carro par-
t i u varrendo as recordações, dei-
xando o próprio electrico ponto
vago numa vaga nuvem de poeira,
e surgiu o flirt, o minuto, a sen-
sação rápida, o egoismo, o passeio
vertiginoso em torno do perigo...
E r a a u l t i m a etapa da viação ur-
bana antes da provável e m u i t o
próxima viagem aérea. E a u l t i m a
?

forma do am^r, antes de o vermos


definitivamente pelos ares...

Como seria interessante se uma


senhora passional se resolvesse a
contar as suas impressões masculi-
nas, a rasão das suas predilecções,
o m o t i v o da sympathia !
Só assim talvez tivesse o mundo
uma l e i psychologica para o hom-
me à-fémmè, que ás vezes é feio,
outras lindo, numas brutaes. nou-
tras assucarado, que surge hércules
de feira ou adonis, que pode ser
u m gênio e um crápula e pode
ser um estúpido e um ingênuo. O
flirt é em giande pai te uma con-
seqüência de reflexões da m u l h e r —
a mulher que escolhe sempie e
sempre t e m o que deseja. Os typos
b r i l h a n t e s de tentadores são tidos
volúveis e por elles a mulher t e m
uma irresistível boa vontade. Mus-
set, que f o i um grande conhece-
dor do assumpto já o prognosti-
cava e, ainda, ha pouco com per-
feição e subtileza o afíirmava
Anatole France. A mulher dei-
xa-se mais facilmente prender pelo
flirt amável, pela galanteria espi-
r i t u a l , pela côrte desinvolta d e
um cavalheiro menos a p a i x o n a d o
qu e p e l a paixão silenciosa, por ve
K• a
— 45 — ?w0êm
zes massadora de um louco adora-
dor. Os satânicos, os ousados t r i -
umpharam sempre; Camors, P r i o l a
dominam, ao passo que W e r t h e r
e Lorenzacio andam por a h i a
njorrer, E porque ? sim. porque ?
Porque a vida é o momento, por-
que a eteruidade só pode ser eom-
prelieudida por uma successão de
mortes, porque o único grande sen-
t i m e n t o é aquelle que não fatiga,
attrahe, esvoaça, foge, reapparece
e se perpetua na curiosidade. O
flirt resalta dessa t h e o r i a tão bem
explicada pela nossa veneravelmãe
Eva. o ser de adapção que a tudo
se amoldou pai a nos moldar ao seu
capricho.

Hão de conhecer aquelle dia-


logo da «Mulher sem Importância»
de W i l d e ?
— V a m o s tomar chá ?
1

— Gosta então dos prazeres


simples?
— Adoro-os. Os prazeres simples
são o refugio das almas comple-
xas. Mas se quer, fiquemos aqui. O
livro da vida começou com um
homem e uma mulher num j a r d i m .
— E acabou com a Revelação...»
Hoje, o livro da vida está m u i t o
mais complicado e o amor é um
delicado drama musical em que as
árias de seducção se complicam
de assonancias e de instrumenta-
ções rarissimas. O flirt é uma arte
de instrumentação de desejos, ca-
paz de agradar a todos os tempe-
ramentos, mas, talvez por isso,
difficü.
Se o executante for falho e não
conhecer bem a partitura, é um
desastre; se o artista apenas sa-
hido do Vem cá Bitú... com um
dedo só, arrisca a m ã o ao excesso
47 —

de batucar um prelúdio, t e m d i a n t e
, de si o escolho da perdição.
W preciso saber tocar, harmo-
nisar os temperamentos, afinal-
os pela diapasão do mais forte.
O fliit ensina se pela Espécie de
flirteuses. Encontramos por exem-
plo aflirteuse. profissional, uma se-
nhora que t e m em geral o v i c i o de
ver todos os homens a seus pés
p a r a m e t t e r ferro ás amigas, con-
vencer-se da sua radiosa belleza e
prosperar. Orça pelos t r i n t a e tan-
tos e toda a gente a chama : a bélla
mme. Gonzaga. Esta dama é vai-
dosa como uma artista, a r t i f i c i a l
como um cômico, e i n t e i r a m e n t e
insensível. Que fazer? Mirtar 1
Como ? O coro de Thanauser, phra-
ses de eífeito e de obrigação. V e m
em seguida ãflirteuse iugenua, que
faz isso por instiucto lançando a
isca do casamento um, dois, tres
_ 48 —

annos, sempre linda, talvez mais


l i n d a . Então ? A approximação de
L o h e n g r i n e uma fuga, uma fuga
de Mozart... Mas ha ainda a/7/r-
teusr estourada que faz tudo por
sport e traz atrelladas ao carro pelo
menos tres parelhas de gulosos d'a-
mor ; a noviça desejosa de conhe
cer tudo ; a romanesca que pro-
cura attitudes antigas e treme
como deveria tremer un a dama da
idade media á declaração do pa-
gem f a t a l ; a irônica envenenada,
louca de desejo mas troçando, tro-
çando porque é essa a sua única
defesa; a perversa que só f l i r t a com
o cavalheiro a l l i ao lado para ar-
reliar o marido, o noivo, ou ás mais
das vezes a mulher do cavalheiro ;
a casada que t e m obrigações ; a
d i v o r c i a d a cuja posição é tão deli-
cada na sociedade, a v i r g e m que
começa a dar grandes liberdades...
Para a collecção de tempera-
mentos femininos, cada qual a re-
quisitar u m estylo de ftírt diverso,
ha a m u l t i p l i c i d a d e de typos de
homens. A variedade é ainda
maior. H a o irresistível, o sujeito
de altitudes tremendas que quer,
exige; o serviçal, que vae aos re-
cados, t r a t a dos cachorrinhos; o
smart, devendo ao alfaiate, e sem-
pre preoccupado com o v i n c o da
calça, o pollido das unhas, o passo
inaugurado no «footing» m a t i n a l ;
o curioso que se i n t i t u l a modes-
tamente «ledor do coração da mu-
lher»; o d i p l o m a t a convencido da
obrigação de fazer declarações em
cada canto do salão; o t i m i d o — o
flirt é a delicia do t i m i d o !—o t i -
m i d o que tendo a certeza de que
aquillo é só aquillo, aproveita a
occasião e transborda o coração;
o brusco que só fala de rowening,
5o — sjSKM
touros, automobilismo: o inoffen-
sivo, agua sedativa nos momentos
de transição; o pedante que escreve
cartões postaes com os versos
alheios; o vaidoso convencido de
paixões geraes: você já v i u o olhar
d a X ? A q u e l l a L i l i Péres t e m por
m i m u m cahido !... o conhecedor:
a mim é que ellas não enganam !
sendo enganado a cada passo...
Para a j u s t a posição desses tem-
peramentos, para a harmonia do
duo, que é preciso manobrar com
pericia, sem que a dama caia.
Desde que se càe, o flirt deixa de o
ser. F l i r t é apenas pender. Por isso
Stechetti, para acalmar possíveis
sustos, escreveu:
Pieno di scene orrende
Sarebbi il mondo entier
Se tuüo qu el che pende
J

Dovesse, oh JDio ! cader...


Esta é a parte p r i n c i p a l do con-
t r a ponto amoroso...
Quando já se sabe isso, quando
tauto a m u l h e r que d o m i n a e o
homem que é dominado, sabem os
gestos convencionaes, resignam-se
á fatalidade da v i d a preciosa e
passam, riem, folgam de accordo
sorrindo do próprio m a l ao vel-o
no casal próximo—ha então a ne-
cessidade da pratica, do conheci-
mento das relações entre os am-
bientes e os temperamentos. « Nós
amamos como vivemos, diz o ana-
.lysta. A secura, o calculo, o de-
sejo do confortável eis o mobiliá-
r i o das almas actuaes. Nasce nes-
se meio o f l i r t que dá o prazer sem
despeza, u m pouco de voluptuosi-
dade sem conseqüência, p e r m i t t e
dizer tudo sem fazer nada. « C o m o
t a l é preciso ter de cór a ária da
seducção, aproveitar os momen-
tos definitivos, o baile, o canto
j u n t o á janella, as horas, as horas
essas terríveis ancillas da vida, que
corno todos os creados,são ás vezes
desagradáveis, as horas que se de-
n o m i n a m de tempo em tempo Vheu-
re da berger e a hora do carvoeiro.
E os dias? Já um personagem
rediculo de uma comedia parisi-
ense caricaturou os versos do poeta
dizendo que ha u m d i a no amor
azul, outro cor de rosa, outro ama-
rello, e outro que elle chama cor
de treva. E a idade? H a assedio
* mais sábio que o de u m h o m e m de
quarenta annos ? H a ataque mais
desconcertante que o de uma ra-
pariga de v i n t e ?
Quando se chega a esse conhe-
cimento s u b t i l , só a h i nos appa-
rece, como uma resultante, o dom
de agradar.

Ce don de plaíré,eii nous plus sounhaité


Que n c s r T e s p r i t , p l u s s u r q u e l a beautè
E que no século x v n i era tido
ein tão boa conta.
A p r a t i c a de taes comrnetinien-
tos deixa naturalmente alguns
amargores nos que ensinaram e
perderam' os discipulos. Mas não
se fale em ingratidão, Sthendhal
dizia que não pode haver i n g r a t i -
dão no amor. O prazer de mo-
mento paga tudo, até mesmo os sa-
crifícios maiores...
E esse prazer do momento clas-
sifica-se, divide-se em classes, sub-
classes que a p r a t i c a esclarece. H a
o flirt de bond, com contactos rnys-
teriosos e phrases breves sem olha-
res. O maior prazer do amor é to-
car, é pegar. H a o f l i r t i m p e r a t i v o
que começa por odio e que acaba no
prazer delicioso de duas carnes que
se correspondem. H a o flirt passa-
tempo, quando não se t e m que fa-
zer e se espera o outro. A maioria
— 54 —

dos flirts é assim, porque a mulher


sente a necessidade da lisonja per-
petua e o homem faz da m e n t i r a
galanteria. H a o f l i r t casado. O h !
esse ! E' possivel esperar tudo ? H a
o flirt solteiro, sem ponto t e r m i n a l .
H a o f l i r t continuo, o sujeito qae
algumas damas trazem como as l u -
va* , sempre, sempre opacos, sem-
1

pre ácidos, sempre tristes. H a o


flirt exasperante, que alguns cha-
mam branco e toma ás vezes a
cor da congestão. H a o flirt ga-
lanteio :—Como está b o n i t a hoje !
— Acha? — Acho. — E ?
sempre
assim para todas as mulheres. —
Se todas as mulheres lembram-
me a senhora! — Diga-me, f o i
hontem á casa dos B e l f o r t . — F u i ,
não podia deixar de i r . Mine.
B e l f o r t estava de velludo preto.
V e l l u d o ! A q u e l l e vestido deve t e r
a idade do m a r i d o . — E porque não
— 55 —

a delia ? — Porque ella é ainda


mais velha do que elle ! — M á u !
Oh! esse seu cabello caindo
assim na nuca é de enlouquecer.—
Porque não enlouquece ? — Para
não beijal-a agora, já... — Olha,
gente... Toda uma súbita cumpli-
cidade de ousadia e de recusa. H a
o flirt m á lingua, o flirt inteira-
mente puro, ella e elle admirando
a belleza e procurando o meio de
sentil-a; o flirt polyglotta, denomi-
nado por alguns rasía, flirt em que
elle estudou na Áustria, na Suissa
ou na I n g l a t e r r a , e ella por lá pas-
seiou depois de t e r cursado com
brilho Sion, a classe grenat, a
classe salmon, a classe beije, todas
as classes, toute la lyre do estudo.
H a o flirt outonal, o u l t i m o flirt da
idade de amar já sem reflexão, o
flirt de « M a m a n Colibri» dos qua-
renta annos loncos da paixão...
E ha até, ó velhos deuses do
Prazer e do A m o r — o cume da
montanha, o pico do desvaira-
mento, o flirt quasi deixando de
ser flirt. r *
Toda a gente sabe que o prazer
é uma impressão p h i s i c a difíusa.
A o receber uma boa n o t i c i a a cir-
culação accelera-se;quando se ouve
musica,um maxixe ou um noctorno
de Chopin o nosso phisico acom-
panha a emoção da onda sonora.
O flirt é uma estranha musica.
Quando chega ao cume ha uma
fermata tremenda. A vibração dos
instrumentos faz gemer o am-
biente n u m derradeiro soluço. O
polo negativo e o polo positivo
obdecem á attracção. Cada gesto é
u m assombro,cada olhar u m êxtase.
Outro mundo — a c c o r d e final.
E' a catastrophe. E, neste caso,
o flirt estala, l v r a branda e delica-
da para ter por m u i t o tempo as
cordas tendidas n u m tão furioso
arranco...

O flirt, porém, não é só um reno-


vamento das attitudos do amor, o
resultado da nevrose moderna, a
u l t i m a etapa da seducção da Mu-
lher
Ò flirt é também entre nós u m
reformador de costumes e o pro-
pulsor de uma l i t t e r a t u r a nova. A o
amor antigo na nossa terra, ainda
colônia mental, bastava uma j a -
nella e um piano. O amor actual,
s u p e r — i n t e l l e c t u a l mesmo quando
praticados pelos que o são menos,
trouxe da Inglaterra a necessidade
do confortable, das avenidas de
New-York a necessidade de espan-
tar, de Paris o que nós, banal-
mente, chamamos o chie. A s habi-
tações antigas t i n h a m tudo, menos
o senso decorativo interno ; e as
casas de muito luxo, os at-home da
gente tina lembravam um sonbo
rocaille com elephantiasis. No co-
meço da Republica ainda era peior,
e a falta de gosto do Ensilhamento,
a estridencia espalhafatosa dos
bárbaros ávidos de gosos brutaes
não podia ser senão o que f o i :
uma crise feroz de papel dinheiro
e fartura de philistheus. O f l i r t
r

inatinctivamente e quasi de súbito,


ensinou o encanto de fazer de uma
casa a muldura relevo da mulher.
Dantes havia a pobre baroneza,
que aturava as recepções do mari-
do ministro, fazia doces e conver-
sava costuras. Hoje ha um ser per-
turbador, que para ser totalmente
admirado, provoca um sentimento
independente da posição do mari-
do ou do pae. H a as recepções de
madame, vae-se ao chá de madame
— 59

— e o marido na sua casa, onde h a


t r i n t a annos só se entrava quando
elle lá estava — passa á segunda
ordem e chega ás vezes a passar
despercebido. D ^ h i os serviços
leves de j a n t a r guiados por chefes
vindos de França; d'ahi esses
capitosos salões, onde madame re-
cebe os Íntimos, entre bergêres es-
tranhas e divans feitos para o efíei-
to dos longos tea-goicns; d'ahi as
coisas raras de elegância que agu-
çam o instincto do vaporoso, do
raro, do precioso ; d'ahi o renova-
mento da decoração interna.
Por outro lado, o homem ante-
r i o r ao F l i r t , se pertencia á peri-
gosa classe dos intellectuaes, usava
umas cabelleiras selvagens e umas
roupas feias ; se era normal, con-
certava mais a pastinha durante o
namoro, punha uma flor ao peito, e
t i n h a no máximo tres fatiotas. A
I

— l i ! )—

elegância masculina era uma hy-


perbole violenta, ignorada pelo es-
t r a n h o e usual conjuneto da calça
de b r i m branco, do f r a c k preto,
da cartolla e da bota dc verniz. O
homem t i n h a a pretenção insolente
de ser homem, o macho pae de fa-
m i l i a , superior á mulher, senhor
da mulher, que a t o m a v a para seu
* gpso, seu brinquedo, a m ã e dos seus
filhos e a p r i m e i r a das suas criadas.
O h o m e m era estupidamentefatuo,
mais do que sempre. Hoje, chegou
á convicção de que o amor uão é
contracto de arrendamento de u m a
casa, de que ê preciso conquistar
todos os dias o que conquistou no
p r i m e i r o , tendo ao lado a concur-
rencia, senão legal, pelo menos hu-
mana, de uma t u r b a de adoradores.
A m u l h e r é o sói; os homens
giram-lhe como loucos em torno,
esmolando o calor que fecunda, que
— 6L—
faz viver e que mata. Conseio da
sua fraqueza, o • homem perdeu a
confiança no próprio phisico, vol-
tou-se para o espelho, l i m o u as
phrases e l i m o u as unhas, i n v e n t o u
laços de gravata e sorrisos gentis.
O dandysmo é o egoistico desejo
de agradar. O dandy v i v e do f l i r t
como o gyrasol de um raio solar.
E não ficou só a h i , na transfor-
mação dos moldes decorativos das
casas, na transformação do homem,
na extincção do preconceito que
não a d m i t t i a uma conversa mais
longa entre uma senhora e u m ho-
mem, sem o cochicho, a calumnia,
a sova do páe, a r a i v a do irmão e
o ciúme do m a r i d o ! O flirt reno-
vou a l i t t e r a t u r a e as preferencias
artisticas. Em toda a parte do
mundo desde a índia, a l i t t e r a t u r a
guarda as feições do amor. Com a
A r t e de A m a r de Vat§yayana, os
poetas fesceninos da Grécia, os de-
pravados poetas latinos, os roman-
ces da cavallaria, os alambicados
escriptores do X V I I I século e o
romance moderno estuda se a evo-
lução do Amor. Menos que isto.
Basta cousultar os l i v r o s sagrados
do Kama Sutra ao Korão.
A q u i , porém, já lá fora h a v i a
Bourget e H e r v i e u , nós ainda está-
vamos fataes, correndo atrás da
Moreninha, dando passeios de barca
com o Moço Louro, tendo por ideal
a Iracema, ou o Guarany, onde,
como se sabe, u m i n d i o de tanga, .
pegador de tigres, t e m o exotismo
de amar uma pequena denominada
Cecy... Se a prosa era assim ; o
verso redobrava de cabelleira e de
fatalismo chorão. Tudo quanto nos
delicia, encanta e alegra, tudo
quanto nos dá o prazer de v i v e r ,
era para os poetas m o t i v o de vhor-
— 63

ror; e não houve u m só que não


criminasse a valsa, o baile, as fes-
tas. Quando já se fallava em Nie-
tzsche, nos super-homens, nas com-
plicações do Coeur ãefemme, ainda
a poesia t r e m i a i n d i g n a d a

Hontem no baile...
O flirt renovou tudo isso,—por-
que a mulher o quiz e o que quer a
mulher quer Deus...

Depois — Se pensarmos bem,


tudo hoje na terra é flirt. Desárti-
•culae a palavra, vêde o sentimento
que a compoz. F l i r t é na sua essên-
cia o sonho acariciador do ser
actual querendo e hesitando rea-
lizar uma acção f u t u r a . Em flirt
constante v i v e a nossa alma, flirt
dos contemplativos, flirt dos neu-
rasthenicos, flirt mesmo dos que se
j u l g a m fortes. Querer e não ter co-
ragem de se apossar por i n t e i r o , é
bem a nossa alma f e b r i l , excitada,
nervosa. Tentar quasi entregar-se,
ter u m pouco mais de coragem que
não basta, v i v e r na eterna vibra-
ção das sensações por conhecer, é
bem a alma da mysteriosa m u l h e r
de hoje. S i m ! Tudo é flirt! W um
f lvrteur o poeta, 6 um flirleut o bol-
sista, é u m flirteur o clubman no
eterno namoro da Sorte, a única
deusa que nos resta do esfarela-
mento total dos deuses! Quem
sabe se o F l i r t , tão agudamente
moderno, u l t i m o meio de appro-
mação do H o m e m e da M u l h e r não
é a crise da Revelação ? Quem sabe
se inconscientemente, o homem
não vê nessa transformação a mu-
lher, afinal l i v r e de todos os pre-
conceitos que a cscravisavam e a
h u m i l h a v a m ? Quem sabe se a mu-
— 05 —

lher agindo pela frivolidade para


' conquistar as grandes cousas, não-
tenta o derradeiro esforço para ser
a companheira igual, o symbolo da
Perfeição, ella que f o i o symbolo
da Belleza em Venus, surgindo da
espuma oceânica, o symbolo da
abundância em Xsis chorando o
Nilo, o symbolo da Castidade, em
Maria, Nossa Senhora % Talvez !
Neste grande momento, entre
gazes e sedas, ella é a Seducção,
a Seducção irresistível, que faz
transpor mares e montes, que arra-
sou Troya, que transforma o orbe ;
neste momento, a Seducção ereou
o F l i r t , palavra de seda que parece
um ruflo d'azas e que exala todo
um enebriante perfume. O homem
agita-se. A. mulher o guia.
Sigmol-a nessa delicia perturba-
dora, ó homens mortaes e fracos,
porque no seu sorriso divino enb
perdeu Adão e nos salva a nós, o
flirt é talvez o desabrochar da per-
feição !...

Mas talvez eu tenha dito muito.


Que importa? F l i r t ? Palavra com
que se denomina uma espécie es-
tranha de approximação. M á o ?
E; tão fácil atacal-o! Bom? W
tão fácil defendel-o...
Que importa a definição se tú o
gozas ? Já Goethe dizia : « Se com
este sentimento tú és feliz, cha-
mal-o como entenderes: felicidade,
coração, amor, Deus! »
Chama-o como entenderes.
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