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236 Ferraz, R.B. et al. / Rev. Psiq.

Clín 34 (5); 234-242, 2007

Muitas são as definições de felicidade, e a maioria países da América Latina, onde os índices médios de
delas faz menção a um estado emocional positivo, com felicidade são comparáveis aos da Austrália e do Japão
sentimentos de bem-estar e prazer. (Veenhoven, 1991).
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa (2004) No campo das ciências sociais, o World Values Surveys
define felicidade como: “1. qualidade ou estado de feliz, (WVS) é a maior pesquisa internacional já realizada,
estado de uma consciência plenamente satisfeita, satis- abordando de forma abrangente o sistema de valores
fação, contentamento, bem-estar; 2. boa fortuna, sorte; humanos em mais de 60 países. O último estudo publi-
3. bom êxito, acerto, sucesso”. cado, referente aos anos de 1999 a 2002, apontou que os
Ekman (1992) propõe que emoções básicas são escores mais elevados de felicidade foram encontrados,
acompanhadas por expressões faciais específicas, não por ordem decrescente, em Porto Rico, México, Dina-
importando a cultura do indivíduo, além de relaciona- marca e Colômbia. O Brasil é o 32o país do ranking, e
rem-se com determinadas alterações fisiológicas e um os Estados Unidos, o 15o (Inglehart et al., 2004; World
determinado comportamento, os quais têm um paralelo Values Survey Association, 2006).
demonstrável em primatas. Segundo tais critérios, pode- A literatura aponta que tanto para nações quanto para
se afirmar que a felicidade é uma emoção básica. indivíduos, superado um limiar de subsistência com dig-
Diversos estados e experiências podem produzir nidade (incluindo comida, água e saneamento básico),
felicidade. Alguns exemplos são: o amor, a alegria, a o aumento do poder aquisitivo não se correlaciona com
saúde, a saciedade, o prazer sexual, o contentamento, um incremento significativo nos níveis de felicidade
a segurança e a serenidade. Emoções como tristeza, (Csikszentmihalyi, 1999; Veenhoven, 1991). Isto foi
medo, raiva e nojo, além de estados afetivos como an- confirmado em um trabalho de revisão publicado em
siedade, angústia, dor e sofrimento, costumam diminuir 2002 por Diener e Biswas-Diener. Mais recentemente,
a felicidade. Kahneman et al. (2006) demonstraram que pessoas com
Cloninger (2004) considera que “felicidade” é a poder aquisitivo acima da média não são mais felizes do
expressão que traduz a compreensão coerente e lúcida que a população geral, quando se medem experiências
do mundo; ou seja: a felicidade autêntica requer uma momento a momento. Esses indivíduos são mais tensos
maneira coerente de viver. Isso inclui todos os processos e não destinam mais tempo a atividades prazerosas.
humanos que regulam os aspectos sexuais, materiais, Nessa linha de investigação, Diener et al. (1985a)
emocionais, intelectuais e espirituais da vida. O autor avaliaram os níveis de felicidade, satisfação com a vida,
acredita que tais aspectos (sexo, posses materiais, afetos positivos e negativos reportados por uma amostra
poder, relações interpessoais, entre outros) podem ser de indivíduos selecionada a partir de uma lista publicada
adaptativos ou não, a depender do grau de consciência na revista Forbes, que apontou as pessoas mais ricas dos
que as pessoas têm de seus objetivos e valores. Afirma, Estados Unidos. Tal amostra relatou apenas um pequeno
ainda, que o grau de coerência dos pensamentos e rela- incremento nos níveis de bem-estar quando comparados
cionamentos humanos pode ser medido em termos de com a média norte-americana; e 37% dos sujeitos repor-
quanto estes seriam capazes de conduzir à harmonia e taram níveis de felicidade inferiores aos da média.
à felicidade. Não existem pesquisas científicas sobre felicidade
na população brasileira, exceto os dados de pesquisas
Aspectos sociodemográficos e culturais internacionais já mencionados. Ainda dispomos de estu-
dos mercadológicos, realizados com intenções voltadas
Comparações feitas entre grandes amostras popula- para o jornalismo ou o marketing, porém tais pesquisas
cionais de diferentes países demonstram diferenças não foram incluídas nessa revisão por estarem fora dos
robustas e estáveis nos níveis de felicidade. Um grande nossos objetivos.
estudo (Ingleman e Klingemann, 2000) realizado em A associação entre saúde física e felicidade também
países da União Européia entre os anos de 1973 e 1998 já foi bastante testada e, a esse respeito, Salovey et al.
demonstrou que, ano após ano, cidadãos dinamar- (2000) publicaram uma revisão, na qual concluem que
queses tinham cinco vezes maior probabilidade de se muito mais se sabe acerca de como estados psicológicos
declararem “muito satisfeitos” com suas vidas quando negativos afetam a saúde física (especialmente fragi-
comparados a cidadãos italianos ou franceses, e doze lizando o sistema imunológico) do que como estados
vezes mais se comparados a portugueses. positivos podem protegê-la. Ainda assim, argumentam
Nações mais ricas costumam reportar índices mais que substituir emoções negativas por emoções positivas
elevados de felicidade em comparação a nações mais pode ter efeitos terapêuticos e preventivos.
pobres (Ingleman e Klingemann, 2000). Isto é, de modo Pressman e Cohen (2005) revisaram as publicações
geral, indivíduos que vivem nas regiões mais ricas do que analisam a relação entre saúde e afetos positivos,
globo (América do Norte, Austrália, Europa Ocidental concluindo que há evidência de menor mortalidade
e Japão) reportam escores de felicidade mais altos do em populações com altos índices de afetos positivos
que aqueles que vivem em regiões mais pobres (Áfri- mensurados como traço. Por outro lado, afirmam que
ca e Ásia). Isso, porém, não explica o caso de muitos índices excessivamente elevados de afetos positivos

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