Você está na página 1de 3

, N

o «LURIO BELT» E O PROBLEMA DA EVOLUÇAO DA CROSTA


CONTINENTAL DE ÁFRICA NO PRECÂMBRICO

por

J. RENATO ARAÚJO * e J. MANGUALDE BARRADAS *

RESUMO
Os autores, aceitando que a tectónica de placas operava no Precâmbrico, discutem os vários modelos propostos para a for-
mação da crosta no que concerne a África. Rejeitam para o Pan-Africano (600-900 m. a.) um modelo assente na acreção por arcos vul-
cânicos; demonstram que pelos 900 m.a. existiam bl9cOS constituídos e chamam a atenção para o Lúrio Belt, ignorado pelos autores que
têm discutido o Pan-Africano na região oriental de Mrica (Mozambique Belt). •
O modelo sugerido para o desenvolvimento crostal no Precâmbrico é transicional, dominantemente ensiálico com colisões
de pequena amplitude (subducção intracontinental) sendo o Pan-Mricano um episódio tectonotermal.

ABSTRACT

The authors discuss the models regarding the crust evolution in Precambrian based on plate tectonies.
The vulcanic ares model for the Pan-Mrican (900-600 m. y.) ignore the Lúrio Belt and the existence of continental crust within
the Mozambique Belt prior to 900 m. y. The model suggested is transitional predominantly ensialic (Arcaic) with small colisions (intercon-
tinental subduction) being the Pan-Mrican a tectono-thermal episode. An explanation for the Lurio BeIt is suggested although the authors
are aware of scarce data.

1 - ENQUADRAMENTO GERAL O bloco S é relativamente bem conhecido pelos au-


tores. Em 1966 haviam demonstrado que o «Mozambi-
A literatura recente mostra que o Pan-Africano que Belt» estava impresso em formações do Arcaico
(Pan-African Tectono episode - KENNEDY, 1964) depois de se ,haver reconhecido transição gradual,
voltou a ser estudado: R. SHACKLETON (1976), litológica e metamórfica, a partir das formações
I. GASS (1977), R. BLACK (1978) e H. KRÕNER (1977 conhecidas como «greenstone belts»; ao tempo fôra
e 1979); o mesmo se passa com «Mozambique Belt», também possível cartografar estruturas relíquias
designação devida a A. HOLMES (1951) com base em (NE-SWjE-W) dentro do «Mozambique Belt» (domi-
vários parâmetros, entre as quais o princípio de que nado por orientações N-S).
uma cadeia que corta outra é obrigatoriamente mais Um dos aspectos mais intrigantes da área, rela-
jovem, independentemente do grau de metamor- cionava-se com a extensa faixa de sedimentos (peli-
fismo. tos, quartzitos e calcários dolo míticos) na bordadura
Nos vários modelos propostos para a evolução do cratão rodesiano, que, mais tarde, foram data-
da crosta não se dá conta do «Lúrio Belt», faixa dos como anteriores aos 1 800 m. a. Esta extensão
única dentro do «Mozambique Belt» (Fig. 1) que de sedimentos de plataforma é uma constante dos
leva os autores, com os dados que têm, a questionar fins do Arcaico e pode relacionar-se com diminuição
os modelos propostos e a sugerir um modelo alter- da crosta proterozóica devido a movimentos de
nativo. extensão o que acarretaria subsidência. O metamor-
O «Lúrio Belt» que contraria um dos princípios fismo é barroviano.
definidores de A. Holmes é individualizado por W. A presença de unidades do Arcaico foi definitiva-
OBERHOLZER & R. ARAÚJO em 1968; situa-se na mente demonstrada para a parte norte do rio Zam-
parte norte de Moçambique, separando duas áreas beze (bloco S), onde o Pan-Africano termina com a
distintas dentro do Mozambique Belt, uma a Norte
(bloco N) e outra a Sul (bloco S) (Fig. 1). • Departamento de Geociências. Universidade de Aveiro.

295
--e>-Moçambique Be!t Lúrio Be!t
Mona
\ \ " A<o\ _,~ .. /.' """ ~., /

~~~~~==-=:r7\}'i
Litosfera infracro~tal
-- -~~~/..L'C~4J~::L:"L
.",,,,"
- - - - - - - - --

C. continental

p:-=-
k';,~
ªC.oceânica

U!trabásiCQs

100
o- - I 200 Km ~ Metavu!cônicas
,

Fig. 1 - Mapa de localização. D Granu!itos e metasedimentos

1 - Mozambique Belt; 2 - Lurio Belt.


Fig. 2 - Modelo esquemático para o Lurio Belt.
implantação de granitos diapíricos ricos em K e de
filões pegmatíticos de extensões consideráveis e variação litológica com domínio dos gnaisses na
intensa anatexia. parte ocidental da faixa (é aqui que ocorre a cordie-
Um dos autores havia já demonstrado em 1967 rite) é domínio granulítico s. L na parte oriental.
a não existência de sedimentos de geossinclinal liga- É também na zona oriental do «Lúrio Belt» e na
dos ao «Mozambique Belt». margem setentrional que aparecem rochas ultrabási-
Esta zona meridional apresenta fácies de médio cas, supostamente ofiolíticas, com bandas finas de
metamorfismo (anfibolítica). A cartografia referente cromite. Na zona de contacto desta margem ocorrem
ao bloco N não se realizou com pormenor idêntico sulfuretos (cobre, zinco). Dobramentos individua-
ao prosseguido para o bloco S. Contudo, os dados lizam-se a nível regional, com a lineação fazendo
por nós colhidos dão-nos conta de uma área consti- pequenos ângulos.
tuída por gnaisses e metassedimentos bem preserva- As determinações radiométricas Rb/Sr em rocha
dos (quartzitos, xistos e calcários), escassez de mani- total dão idades aproximadas de 1000 m. a. (char-
festações vulcânicas e ultrabásicas, ausência de noquito), 900 m. a. (granulitos) e 810 m. a. (gnaisses).
estruturas palimpséticas e domínios marcados pela Será interessante notar que uma idade aproximada
presença de domas de granito-granodiorito, fácies de 900 m. a. é dada para os ortognaisses nefelínicos
anfibolítica e alguma anatexia. que desenham a estrutura anelar alcalina do Monapo
situada dentro do bloco S a aproximadamente
2 - DESCRIÇÃO SUMÁRIA 100 km do «Lúrio Belt».
o «Lúrio Belt» é, como tantos outros da transição
Arcaico/Proterozóico, uma faixa linear que se desen- 3-MODELOS
volve no sentido NE-SW e E-W, formando ângulos
grandes com o «Mozambique Belt». A importância e Em 1977 I. GASS, apoiado em estudos sobre o
significado da construção destes mosaicos tem sido Pan-Africano da Arábia, propôs um modelo para a
discutida por vários autores, entre os quais J. SUTTON evolução da crosta por acreção de certo número
& J. WATSON (1974). Também aqui se constata a de arcos vulcânicos. R. BLACK (1978) sugere por sua
transição brusca passando de gnaisses grosseiros vez, um modelo de colisão. H. KRÕNER (op. cit.)
arcaicos a granulitos. evolui de um modelo ensiálico para um modelo de
A individualização desta faixa pode fazer-se na colisão. Os dados referentes à parte meridional do
fotografia aérea, imagem satélite e magnetometria; «Mozambique Belt», como atrás se descreve, suge-
tais métodos permitem demarcar uma área que vai rem modelo de de$envolvimento ensiálico muito pró-
da orla sedimentar moçambicana até ao Malavi, ximo das sugestões de R. SHACKLETON (1976) e
com larguras que podem atingir os 60 km. T. CLIFFORD (1974) com larga actividade ígnea domi-
A litologia é dominada por granulitos e grano- nantemente calco-alcalina no final do Arcaico.
blastitos (máficos e félsicos), granulitos charnoquí- A litologia do bloco N poderia suportar modelo
ticos, gnaisses biotíticos - anfibólicos e anfibolitos de colisão Pan-Africano, contudo tal modelo não
em bandas estreitas, foliação marcada e aspectos é válido, segundo pensamos, por este bloco se apre-
«shear». São minerais significativos: granada (alman- sentar, no todo ou em parte, já constituído e relati-
dina - piropo), horneblenda e clinopiroxena cál- vamente rígido anteriormente aos 900 m. a. (idade
cica, ortopiroxena e cordierite (muito rara). Existe limite inferior que I. Gass admite como início do

296
Pan-Africano). É relevante notar, neste contexto, que Proterozóico, designadamente o bloco S para
a idade mínima do Lúrio é de 1000 m. a. o qual se admite um desenvolvimento domi-
Os dados observados em Moçambique parecem nantemente ensiálico com forte actividade
pois mostrar que o Pan-Africano corresponde a intracratónica.
episódio tectono-termal, possivelmente ligado a movi- b) O Pan-Africano, entendido como o resultado
mentos infraplaca, impresso numa crosta constituída de uma acreação de arcos vulcânicos, não
ensialicamente, ainda que no Proterozóico se hajam tem em conta a existência de uma crosta
dado colisões de pequena amplitude. Ao desenvolvi- continental em Moçambique anterior ao pe-
mento ensiálico do Arcaico, seguir-se-ia desenvolvi- ríodo 900 m. a.
mento dinâmico no Proterozóico, constituindo-se c) O Pan-Africano é dominantemente um pro-
assim, neste período, um grande continente na linha cesso tectono-termal.
de evidência paleomagnética de J. PIPER (1976).
d) O modelo aqui tentativamente apresentado
4 - DESENVOLVIMENTO DO <<LúRIO BELT» para o Lúrio, parte do princípio de que o
bloco N estaria constituído no início do Pro-
Os «mobile belts» com orientação NE-SW de terozóico, no todo ou em parte, e actuaria
África, são englobados como Kibara-Irumide como margem activa.
(~ 1000 m. a.). Observa-se, também, no mapa de
limites tectónicos e suturas elaborado por K. BURKE
et ai. (1977), que uma linha bem marcada corre da BIBLIOGRAFIA
Namíbia até ao Malavi, esbatendo-se em Moçam-
bique. ARAúJO, J. R. (1976) - Mozambique Belt: Uma interpretação
O posicionamento do «Lúrio Belt» neste quadro geocronológica. Mem. e Notícias, Coimbra, n.O 81, pp.86-
geral é muito difícil, o mesmo acontecendo com -102.
a verificação, à escala global, de mudança de estilo BLACK, R. (1978) - Propos sur le Pan-Africain. Buli. Soc. Geol.
France, Paris, t. XX, fase. 6, pp. 843-850.
estrutural entre o Arcaico e o Proterozóico, devida BURKE, K., DEWEY, J. & KmD, W. (1977) - World distribution of
à estabilização dos cratões iniciais, seguida de impor- Sectores. Tectonophysics, vol. 40, pp. 69-79.
tante pulso termal (1200-900 m. a.). Existindo escas- CLIFFORD, T. N. (1974) - Review of African granulites and selected
sez de dados sobre esta faixa, nomeadamente geo- rocks. Geol. Soc. Amer. Sp. paper, 49 pp.
físicos, parece contudo aos autores que os dados geo- DEWEY, J. F. (1977) - Suture zone complexities: a review. Tec-
lógicos apontam para uma colisão com subducção tonophysics, vol. 40, pp. 53-67.
intracontinental, não ignorando porém o facto de ser GASS, I. G. (1977) - The evolution of the Pan African cristalline
mais fácil aceitar outro modelo, deduzindo uma basement in NE Africa and Arabia. J. Geol. Soc. Lond.,
vol. 134, pp. 129-138.
extensão da linha de sutura através de Moçambique. HOLMES, A. (1951) - The Sequence of Precambrian orogenic belts
A definição da zona de sutura dada por J. DEWEY in South and Central Africa. lnt. Geol. Comp., vol. 18 (14),
(1977) facilitaria a adopção de um modelo baseado pp. 254-269.
em subducção e subsequentemente ajustamento intra- KENNEDY, W. (1964) - The structural diferentiation of Africa
continental. in the Pan-Africa (+ 500 m. y.) tectonic episode. Res. lnst.
Sugere-se, contudo, um modelo (Fig. 2) partindo Afr. Geol. Univ. Leeds, 8th Am. Rep., pp. 48-49.
do pressuposto que a crosta oceânica é pouco espessa, KRôNER, H. (1977) - Precambrian mobile belts of Southem and
Westem Africa-ancient sutures or sites of ensiálic mobility?
contrastando com a espessura da crosta continental A case for crustal evolution towards plate Tectonic. Tecto-
(inexistência de movimentos extensivos de grande nophysics, vol. 40, pp. 101-135.
amplitude). O modelo implicará um gradiente geo- - (1979) - Pan-African mobile belts or evidence for transitional
térmíco de 27 + 7. o/km. (granulitos P. média). Os tectonic regime from intraplate orogeny to plate margin
aspectos transicionais W-E indicados em 2. e a orogeny. ln TAROM, S. A. (ed), Evolution and mineraliza-
tion of the Arabian-Nabian. Pergamon Press, Oxford, pp.
existência de granulitos s. 1., anfibolitos e metasse- 121-137.
dimentos, a par de escassos ofiolitos, podem implicar OBERHOLZER, W. & ARAúJO, R. F. (1968) - Metamorphic map of
certas profundidades e/ou cavalgamentos parciais. Mozambique. Ser. Geol. Minas Moçambique, Lourenço-
-Marques.
PlPER, J. D. (1973) - Geological interpretation of paleomagnetic
5 - CONCLUSÕES results from African Precambrian. ln Implication of conti-
nental drift to the earthscience. Bd. Tarling Runcorn, Academic
Press London, pp. 19-32.
Estando convictos da escassez de dados que apoia- - (1976) - Paleomagnetic evidence for a Proterozoic Supercon-
riam proposta mais fundamentada, os autores podem tinent. Phil. Trans. R. Soc. London, A 280, pp. 469-490.
contudo sugerir as seguintes conclusões: SUTI'ON, J. & WATSON, J. V. (1974) - Tectonic evolution of con-
tinents in Proterozoic times. Nature, n.O 247, pp. 133-145.
a) A maior parte da crosta precâmbrica de SHACKLETON, R. M. (1976) - Pan African structures. Phil. Trans.
Moçambique estava delineada no início do R. Soc. London, A 280, pp. 491-497.

297

Você também pode gostar