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Raso da Catarina

- Edições trimestrais – ISSN 0000


Paulo Afonso Recife 1 de julho de 2021 ano 1 número 2

Adélia Maria Woelner


Adriana Mayrinck
Ana Maria César
Antonio Brasileiro
Antonio Galdino da Silva
Antonio Torres
Aramis Ribeiro Costa
Bráulio Tavares
Cássia Cassitas
Cyro de Mattos
David de Medeiros Leite
Diego Mendes Sousa
Dirceu Rabelo
Emanuel Lomelino

Editor: EDSON MENDES


Fernando Tavares
Um desastre de automóvel, na tarde Flávio Brayner
de 27 de junho de l960, iria Francisco Nery Jr
interromper a obra em progresso de Geovaldo Carvalho
Carlos Pena Filho [...]. Às quatro Geraldo José Correia de Melo
Gustavo Mendes
e quarenta e cinco da tarde, Carlos
Hayton Rocha
dá entrada, em estado desesperador,
Jaime Jackson
no Pronto Socorro do Recife.
Janio Soares
Durante 73 horas vive-se a
João Marques
expectativa dramática do desenlace.
José Alexandre Saraiva
Ninguém queria acreditar que o José Horácio de Araujo
fôssemos perder. Há uma romaria de José Lira -
amigos, desolados, à porta do
DOSSIÊ CARLOS PENA FILHO
José Luiz Melo
Hospital, pedindo o milagre. Quase José Nivaldo Jr
exigindo o milagre. Por que ele? Luis Felipe Maldaner
Tão jovem, tão bom amigo, tão alto Luzilá Gonçalves Ferreira
poeta.. [...] E o milagre não veio. Manoel Neto Teixeira
À primeira hora e dez minutos do Marconi Urquiza
dia primeiro de julho, a cidade Nivaldo Tenório
perdia o seu poeta [...] Oliveira de Panelas
Otaviano Amantea
Edilberto Coutinho
Paulo Gervais
Ruy Espinheira Filho
Salete Rego Barros
Virgínia Leal

III/I

1

2
memória
Há duas vidas: a que vivemos, e a que lembramos. A vida que vivemos é
a vida verdadeira. É nela que gozamos e sofremos as alegrias, as tristezas,
as dores e os amores. É nela que cultivamos a esperança, a saudade, a
ilusão e a desilusão. Cada dia de nossas vidas é como se fosse uma vida
nova, que esbanjamos, descuidosamente, com a certeza de que vamos
nos reinventar e renascer mal chegue uma nova manhã.

No avançar dos dias se dilui, a cada instante, um pouco da herança


biológica, que a genética divide em parcelas impagáveis, impossíveis: a
puerícia, a infância, a adolescência, a madureza, a velhice. É nesse
suceder do que se acaba, e que renasce, que as linhas perpendiculares do
tempo promovem o intercambio entre a realidade e o sonho: o que se
finda todas as noites renasce na manhã das memórias, com outras cores,
sabores, albores, amores, humores.

É desse entrelace do pensamento e da imaginação que extraímos a


matéria do sonho, e a este amálgama chamamos lembrança – ou
memória.

Tudo morre, tudo morrerá, mas nada se acaba no território do sonho, da


memória, do pensamento, da imaginação. É aí que encontramos a
substancia da vida: o sentido, o motivo, a razão, a explicação, porque a
verdade não é o que vemos, mas o que revemos, ou o que lembramos.

À imitação da vida, que chamamos Arte, e que inventamos para fugir à


finitude, aplicamos certas ferramentas específicas do mister existencial: a
pintura, a escultura, a música, a literatura... Dentre estas, e outras mais,
tome-se a escrita: ela nos proporciona a faculdade de, mesmo ausentes,
dizer aos presentes ou aos pósteros, do intervalo, não aquilo que de fato
se passou, e que ninguém sabe – mas aquilo que lembramos, porque é na
memória que o mundo se forma, reforma e reconstrói, definitivamente.

Ninguém se engane, assim, quanto à vida que está no papel e a que está
fora do papel. Ambas serão sempre menores que a vida verdadeira, isto
é, aquela da memória, que abarca e amplia todas as demais formas de sua
representação. Viver é uma arte transitória. Morrer é uma arte provisória.
Lembrar é a única forma de permanecer.


3
Raso da Catarina
Publisher/Editor: Edson Mendes

Direção Executiva
Antonio Galdino da Silva Paula Francinete Rubens de Menezes
Cássia Cassitas Perpétua Barbosa
Geraldo José Correia de Melo Salete Rego Barros

Conselho Consultivo Conselho Editorial


Adriana Mayrink Francisco Nery Jr
Ana Maria César Janio Soares
Evandro Santos Silva Virgínia Leal
Luzilá Gonçalves Ferreira ...
... ...

Contatos
Rua Marquês de Tamandaré 138/1802 Poço da Panela 52061-170 Recife/PE
Rua da Concórdia 555, Bairro General Dutra - 48600-000 Paulo Afonso/BA
A opinião dos autores não é, necessariamente, a mesma da revista

Raso da Catarina sucede a

CARPE DIEM
GAZETA PHILOSOPHICAE
Publicação intempestiva sobre os grandes temas da vida e os pequenos entreveros e humores da existência
Editor: Edson Mendes - Salvador da Bahia de Todos os Santos, periferia do Raso da Catarina - 25.11.2005, Ano 1 n. 1

Bilhete
Bilhetes não são epístolas nem tratados, não são escritos para a posteridade nem
carregam a volumosa pretensão das grandes verdades. São apenas registros pontuais,
noticiam coisas efêmeras e se destinam à fraternidade, à intimidade, à circunstância. Este
bilhete, portanto, e dessa forma sintética, anuncia esta gazeta philosophicae intempestiva,
cujo propósito é, distribuindo fragmentos, promover a discussão, a divergência, a dúvida, a
incerteza – e se for possível também algum conhecimento.

A revista RdC é produzida em PDF, e sua melhor experiência de leitura ocorre nos
computadores de mesa, tablets e celulares com reflow; nestes, o pdf é tratado como ePub,
aumentando a fonte e desconstruindo a página para melhor leitura.
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III/I


4
Ao Leitor

1. Recomeço agradecendo as manifestações de apoio e de reconhecimento à


nossa primeira edição (Cartas, 75). Sobre o que dizem digo que à distância
parece fácil juntar os papéis, mas posso garantir que muitas vezes as
aparências enganam, como dizia Carlos Estevam n’O Cruzeiro. Ortografia,
gramática, estilos, prazos, vaidades, venetas, mediocridades, talentos – tudo
isso dá um trabalho danado... Não pense, contudo, caro Leitor, que me
queixo – assim é, se lhe parece, mas apenas constato, feliz, que são esses os
ossos de nosso ofício.
2. A contrapartida, você sabe, e já nos falava o velho Millor: as aparências
não enganam! Parece muita pretensão avaliar e julgar o que outros fazem, e
ainda mais arrogante decidir, e ainda mais horrível dizê-lo – mas será?! Quem
diz o que quer ouve o que não quer, e isso também é justo, porém todos
sabemos que o que precisa ser feito tem que ser feito, não é? Tome nota:
somos todos farinha do mesmo saco: a bodega é a loja.
3. O que faz um editor? O Editor é responsável pela qualidade e pelo padrão
editorial, e seu primeiro compromisso é com o talento; responde pela
revisão, preparação e edição; sugere temas, cortes, inclusões e ajustes
gramaticais; propõe a retirada de personalismos e temas desfocados do
propósito central; identifica visões unilaterais ou frágeis, escolhe capas,
projetos, textos de quartas capas e orelhas, intermedeia os serviços de
marketing, etc. O Editor não é um censor, mas, como disse Max Perkins,“um
anãozinho no ombro de um grande general, aconselhando-o sobre o que fazer e não fazer,
sem que ninguém percebesse”. A nada disso se propõe o Raso da Catarina – mas
se você tem uma obra-prima dentro da pedra, como tirar os excessos de
pedra? Compare, compare-se: somos uma comunidade de aprendizes. (RdC
1, 1/4/2021, pag. 95).
4. Carlos Pena Filho morreu na madrugada de hoje, há 61 anos.
5. Para todos nós é uma honra estarmos aqui juntos com ele e com você. Até
quando?...

Edson Mendes, Editor


01/07/2021

PS: Não esqueça de assistir, em vídeo, às extraordinárias lições de Oliveira de


Panelas (pag. 65) e também ao documentário “Pena”, sobre o inesquecível
Poeta (Dossiê, pag. 99).


5
Sumário

Adélia Maria Woelner: Prece 35


Adriana Mayrinck: A embriaguez de uma saudade 40
Ana Maria César: Sertão 39
Antonio Brasileiro: O sim & outros achaques 31
Antonio Galdino da Silva: “Ai que saudades que eu sinto” 22
Antonio Torres: Os dois ladrões 15
Aramis Ribeiro Costa: Soneto da ninfa de olhos claros 38
Bráulio Tavares: Pelo Estado Laico 13
Cássia Cassitas: A linha tênue de Chicago 68
Cyro de Mattos: Duelo com o Corona 17
David de Medeiros Leite: O tempo na Poesia de Paulo de T… 52
Diego Mendes Sousa: Fanal do colo agônico 34
Dirceu Rabelo: Balada para Vinicius de Morais 33
Emanuel Lomelino: Inflexões 19
Fernando Tavares: Mergulho 41
Flávio Brayner: O ódio à democracia 12
Francisco Nery Jr: Tombo, bendito tombo 18
Geovaldo Carvalho: Cremação 16
Geraldo José Correia de Melo: Contexto 70
Gustavo Mendes: Lua 24
Hayton Rocha: O poeta abortado 20
Jaime Jackson: O Retrato 26
Janio Soares: Lua que inspira poeteas e desencalha navios 25
João Marques: A Noite, com Nostradmus 14
Jorge Amado: Carlinhos 8
José Alexandre Saraiva: A borboleta salmão 28
José Horácio de Araujo: Pingentes 45
José Lira: Um haicai 29
José Luiz Melo: Sexta Feira Santa A Mesa 37
José Nivaldo Jr: Uma agressão pensada e anunciada 48
Lúcio Roberto Ferreira: Meu caro Edson 11
Luis Felipe Maldaner: Reprise 60
Luzilá Gonçalves Ferreira: Um padre muito atual: e as quadrilhas 58
Manoel Neto Teixeira: Fim do jornal impresso 56
Marconi Urquiza: Pinceladas de amor 27
Mário de Andrade: Meu caro Nava 10
Nivaldo Tenório: O tempo envelhece depressa 54
Oliveira de Panelas: Na gramática portuguesa quem sabe tudo sou eu 65
Otaviano Amantea: Antiga história escandinava 62
Paulo Gervais: Dois poemas 46
Ruy Espinheira Filho: Descoberta 36
Salete Rego Barros: Tem gente com fome 42
Virgínia Leal : Acho que… 23


6
FOTOGRAFIA 24
Gustavo Mendes

MEMÓRIA 47
José Nivaldo Júnior

RODAPÉ 51
David de Medeiros Leite
Nivaldo Tenório

HISTÓRIA 54
Manoel Neto Teixeira
Luzilá Gonçalves Ferreira

FICÇÃO 59
Luiz Felipe Maldaner
Otaviano Amantea

CORDEL 63
Oliveira de Panelas

CINEMA 67
Cássia Cassitas

CONTEXTO 70
Geraldo José Correia de Melo

AGRADECIMENTOS, CRÉDITOS 72

BIOGRAFIAS 73

CARTAS 75

LANÇAMENTOS 77

COLOFÃO 78

DOSSIÊ 79

Z
Edilberto Coutinho
?
Manuel Bandeira
Mário Pontes
José Condé
Nilo Pereira
João Cabral de Melo Neto
Carlos Pena Filho


7
Carlinhos

Não, não desejo ir ao Recife, nem mesmo para chorar com Tania e Otília, para fitar em
silêncio a face de Eufrásio, para acariciar a cabeça de Clarinha. Nem mesmo para sentar-me
com os amigos Rui e Paulo, com Caio e Zé Conde, e recordar palavras tuas, momentos,
histórias, gargalhadas. Nem mesmo para reencontrar-te nas pontes sobre o Capibaribe, no
fundo da livraria, no bar, na casa do mestre Gilberto. Porque ainda não pude aceitar a ideia
de que já não estás, porque ainda não pude conformar-me com a injustiça de tua morte,
porque não posso ainda conceber a tua cidade sem o seu poeta magro e angélico. Ah!
Carlinhos, tu eras contra a injustiça e a tristeza, contra a desolação e o homem solitário.
Como ver tua cidade, que aprendi a amar em tua companhia, desolada e em luto? Não,
Carlinhos, não irei, e tu compreenderás. Não irias também, tenho certeza.
Sem ti, já não será mais a mesma, essa cidade do Recife. Eras o seu poeta, o irmão mais
moço de Joaquim Cardozo, o amigo do general e do pobre da esquina, da aeromoça e do
folião do Carnaval, do prefeito e da rainha do maracatu, do peta Ascenso, do compositor
Capiba, do pintor Brennand e do fabuloso Ariano, do ateu e do católico, do protestante e
do espírita, do rico e do pobre, era a solta fantasia e a densa realidade, o ar, a chuva e o sol
dessa cidade, seu cotidiano de beleza, eras o seu poeta. Foi preciso que faltasses assim,
brusca terrivelmente, para que compreendessem que eras o dono da cidade, que eras a
cidade, sua infinita e complexa realidade. Porque eras simples como o pão e profundo
como a água do rio, estavas plantado no chão da tua gente como certas plantas trepadeiras
aparentemente frágeis, porém mais resistentes e permanentes que as grandes árvores. Eras
a rosa e o musgo, a fruta sumarenta e o cacto de espinhos. Tua flor tinha riso e sangue,
levavas nos ombros de toda fragilidade a dor e esperança de teu povo, sua solidão, o
cangaço e a multidão no frevo. Foste tão tua gente que muito tempo vai passar antes que
surja outro poeta assim, para ser tão amado por seu povo.
Eras frágil de carne e osso, tão leve na balança, um vento mais forte podia te arrastar como
uma folha de árvore ou um pedaço roto de poema. Por isso, talvez, sempre me deste a
ideia de um anjo por amor perdido nas ruas do Recife. Mas como eras denso de vida por
dentro, como eras tão homem e tão povo, tão pernambucano e universal! Como sabia em
tão frágil estrutura tanta esperança do homem, cangaceiro, todo desolado sertão, toda a
vívida cidade e mais a doçura da amizade, da mais terna, da doce amizade? Eras talvez um
anjo, eras sem dúvida um anjo extraviado, pois só assim se explica fosse homem tão
completo, poesia tão solitária.
Teu clima era o amor, a amizade, a ternura, o dar-se a cada instante, a preocupação pelos
outros, eras o cantor de todos os que necessitam e se erguiam para conseguir. Nunca foste
capaz de ódio; tuas raivas e tuas brigas eram ainda fruto de muito amor e não duravam,
logo voltavam a ser ternura.
Aqui te vejo, nessa cidade da Bahia, que Odorico, Cícero, o príncipe Eduardo e eu te
ensinamos nos dias alegres, quando transportaste para as ruas mágicas o teu mistério. Não
aceito a tua falta, tua ausência, pois se ainda ontem ríamos aqui, na Reitoria e no
restaurante do mercado, na casa de Odorico e na ladeira , ouvindo o Governador dizer teus
versos e vendo Moisés a encher de vinho o teu copo. Não, não irei ao Recife. Aqui posso
pensar em ti como se apenas houvesses retornado à tua cidade, depois de visitar minha
cidade. Aqui posso imaginar que estou à tua espera para outros dias alegres de coração leve
e riso alto.

8
Foi injustiça demais, Carlinhos. Quando chegamos a certa idade, vamos indo pela vinda
com os vivos, mas também com os nossos mortos, aqueles que vão faltando. Carregamos
nossos defuntos, e eles fazem parte de nossa vida, vão conosco. Em geral, porém, os
amigos que partem são os que já deram tudo ou quase tudo de si, já completaram seu
trabalho, cantaram as estrofes de seu canto. Não era ainda a hora de partires, ainda era
cedo demais. Como será agora a noite do Recife se já não estás para ir buscar aurora no
fundo do rio e trazê-la para as pontes e para o casario? É difícil, quase impossível, tomar de
tua morte e carregá-la nos ombros.
Queria buscar tua palavra e escrevê-la aqui, entregá-la a Clarinha em nome de Paloma e
João, a Tania, em nome de Zélia. Foste amor e solidão da terra, cidade e sertão, dor e
esperança. Mas havia uma atmosfera tua, um clima, um ar na tua angélica humanidade. Era
uma atmosfera azul, quase infantil e mágica. Azul, Carlinhos, esse mistério que tu foste.
Azul, Carlinhos, tua morte de sangue coagulado, azul na tua definitiva permanência de
poeta, tão terrível azul este momento.

Jorge Amado

9
S. Paulo – 21 – julho – 1925
Meu caro Nava

Versos, carta, a Revista... Vamos a ver se dou conta de tudo nesta manhã.
Você também está tentando por seu lado uma solução de língua brasileira
que corresponda ao nosso caráter... Faz mais que bem. Dou-lhe meus
parabéns pela coragem de entrar na luta. Queria ter a idade de você.
Principiei muito tarde luto enormemente mas não me desacorçôo. Se
lembre sempre que é um trabalho dificílimo e que não pode ser leviano
sinão é contraproducente. Do abrasileiramento de linguagem de você tenho
duas observações: Você está acentuando todos os pras. Isso traz confusão
Nava. Acentue só quando tiver contração com artigo. Vou prá escola. Me
dê prá mim. Não acha essa diferenciação razoável? A outra observação é
sobre estar que você escreve star. Realmente entre nós quase sempre
pronunciamos assim mesmo: tar. Não posso ir tou pronto, por estou
pronto, sem dinheiro. Porém a gente não deve se esquecer que não estamos
fazendo uma fotografia do falar oral e sim uma organização literária (Em
todas as línguas sempre teve um falar oral diferenciado da linguagem
erudita) baseada apenas no falar comum que inconscientemente condiciona
a língua às precisões de raça clima época etc. D’aí o valor desse falar
popular. Mas fotografá-lo não é dar uma solução que tenha viabilidade
literária nem siquer prática. Star não é da índole tradicional da nossa língua
doce e sensual um pouco lenta toda florida de vogais abuntantíssimas.
Apesar disso eu ainda não me resolvi a escrever adimirar etc. porque em
outros casos idênticos porém de palavras que só a burguesia emprega como
adjetivo eu não poderia botar o i sem fugir à realidade. Botar num e não
botar noutro seria idiota. A generalização seria forçada. E não se trata de
uma organização apenasmente popular inculta regional porém duma geral
que inclua todos os meios brasileiros burgueses e populares. Acho que o
nosso trabalho tem de ser principalmente por enquanto empregar
desassombradamente todos os brasileirismos tanto sintáticos quanto
vocabulares e de todo o Brasil e não da região a que pertencemos.

Mario de Andrade

10
Recife, 30 de outubro de 1994
Amigo Edson,

Conforme teu interesse (meu também) , estou mandando alguns de meus


trabalhos literários pra que vejas sobre o que escrevo. são coisas sem
pretensão, compromissadas apenas comigo mesmo. Perturba-me muito o
conflito entre os homens, a violência, o desvio do amor e sua má
interpretação as incertezas diante da vida e da morte., a atitude do Homem
diante de seu Deus, a natureza, a grande alegria de estar vivo, o alheamento
dos homens diante do Homem, o Homem e a humanidade, o Homem e o
seu sistema, o semelhante como saída, etc...

A grande dificuldade que sinto para criar é a falta de orientação. Como


sabes, não estudei Letras. Fiz Economia. Não tenho relacionamento com
nenhum poeta ou crítico. O pouco que sei aprendi por mim mesmo.
Comecei lendo Cecília Meireles. Descobri logo depois Erza Pound, com
seu ABC da Literatura. Li outros livros dele, e dei muita atenção ao seu
paideuma. Depois li Rilke, Neruda, Rimbaud, Mallarmé, Manuel Bandeira,
Deolindo Tavares ( que você me deu ), T. S. Elliot, Tereza Tenório, Marcus
Acioly, Otávio Paz, Maiakovski, Vinicius, Walt Whitman, Tagore, Mário de
Andrade, Lourdes Sarmento, Fernando Pessoa, Emil Staiger, Domingos
Carvalho e sua teoria, Olga Savary, alguns hais-kais de Bashô e outros
autores, André Gide, Drummond, Ascenço Ferreira, Carlos Pena Filho,
Ferreira Gullar, João Cabral, etc. Estes até agora foram o meu paideuma.
Não consegui ainda firmeza no estilo. Meus textos parecem rebuscados,
com imagens simples, coisas parnasianas; preciso de mais fluência,
profundidade. Vou ler mais. Tenho melhorado lentamente.

Por favor leia e mande-me dizer qualquer coisa a respeito. Preciso ir me


avaliando.

Manda as tuas notícias e de tua família, como também de Garanhuns.


Recomendações a todos.

Abraços
do amigo
Lúcio Roberto Ferreira

11
O ódio à democracia
Flávio Brayner

Um número considerável de publicações recentes atesta uma


inquietação intelectual crescente a respeito da democracia. Para isto basta
observar seus títulos: "Como as democracias terminam"; "A tentação
totalitária"; "O ódio à democracia"; "Por que nós não amamos a
democracia". Tais ameaças não provêm de uma injunção "externa" ao
regime democrático: vem de seu "interior"! É o próprio Homo
Democraticus que não suporta mais o peso de certo estado de coisas
produzido e reproduzido pela Democracia.
Certa vez, Tocqueville afirmou ("A democracia na América") algo
assim: "Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia se
produzir no mundo: vejo uma multidão inumerável de homens semelhantes
e iguais que giram sem repouso sobre si mesmos para obter pequenos e
vulgares prazeres, com os quais enchem suas almas. Cada um está como
que alheio ao destino de todos os outros. (...) Acima deles se eleva um
poder imenso e tutelar, que se encarrega de lhes assegurar o prazer e zelar
por seu destino. Assemelha-se ao poder paterno, mas fixa-os
irrevogavelmente na infância(...)". Assim, parece que há um ATOR
responsável pelo "ódio à democracia": o consumidor obsessivo, imaturo,
narcisista e hiper individualista!
Mas o ATOR anti-democrático contemporâneo vai muito mais longe:
para ele é este "inconsequente" "respeito às diferenças", a 'affirmative action'
(que destrói a meritocracia), estabelece o reino universal de uma igualdade
ilusória, arruína hierarquias tidas como "naturais" (de saber, de classe, de
origem, de idade...) e que, resumidamente, se expressa numa tese: a boa
democracia é aquela que reprime a catástrofe da civilização democrática,
que se resume, por sua vez, num dilema: ou a democracia significa uma
larga participação nas coisas públicas ou é uma forma de vida social que
canaliza as energias para satisfações pessoais.
Se o totalitarismo era o Estado que devorava a sociedade, na
democracia é a sociedade que devora o Estado estendendo seus tentáculos
para todo um modo de vida, das relações familiares às pedagógicas, das
profissionais às geracionais... E a ficção que alimentamos a respeito da
"soberania popular" serviu apenas para alimentar as práticas da divisão do
povo que os regimes representativos desempenham tão bem.
No fundo, são estes "homens normais", todos desejosos de felicidade
privada, traduzida em "bens de consumo" que, por sua vez, se traduz em
"qualidade de vida" que está cansado da responsabilidade pública, da
Sociedade Civil, do Bem Comum, da Vontade Geral... Uma catástrofe se
aproxima!

12
Pelo Estado laico
Bráulio Tavares

Quem lê meus artigos ou me conhece pessoalmente, sabe duas coisas a


meu respeito: 1) Eu sou agnóstico, não acredito na existência de um Deus
nem de uma alma humana imortal; 2) Eu não me importo que outras
pessoas acreditem nisso, desde que essa crença as torne pessoas melhores e
não prejudique os demais. Acho a religião uma coisa importante, mas para
mim (para MIM, pessoal e intransferivelmente) a Ciência fornece
explicações mais sensatas sobre o Universo, o mundo e o ser humano. “Ah,
mas há milhões de coisas no mundo que a Ciência não explica!”. É verdade,
mas, e daí? O mundo é novo, minha gente! A Ciência mal começou!
O Brasil é uma República onde todo mundo (pelo menos no papel) tem
os mesmos direitos, e que não dá preferência a uma religião sobre as
demais. Dar precedência jurídica a qualquer grupo religioso – essa coisa tão
subjetiva, tão alicerçada na fé, tão de-foro-íntimo, tão pessoal-e-
intransferível – equivaleria a dar poder legislativo a um teoria estética sobre
as demais. Permitir, por exemplo, que um gênero literário (ou um ritmo
musical, ou um movimento teatral, etc.) tivesse o poder de bloquear todos
os apoios governamentais aos outros. Ia ser muito engraçado ver ensaios
intitulados – “O Declínio do Romance Realista Urbano no Brasil: Uma
Ditadura da Ficção Científica?”.
Religião é uma coisa parecida com a Arte. Não se baseia em verdades
universais, mas em crenças pessoais, acreditadas e disseminadas de início
por pequenos grupos, que vão se ampliando à medida que ganham adeptos,
mas que, em última análise, não têm o direito de impor sua visão sobre os
demais. Não há provas consensuais de que qualquer um desses deuses
(Deus, Iavé, Allah, Shiva, etc.) exista, assim como não há provas
consensuais de que Picasso seja um bom pintor, Glauber Rocha um bom
cineasta, H. G. Wells um bom escritor ou Pinto do Monteiro um bom
repentista.
Não há como avaliar isso de modo imparcial, objetivo, distanciado. Arte
e religião são certezas íntimas cultivadas por pessoas, e merecem o maior
respeito. Pelo respeito que merecem, precisam ser deixadas de fora da
atividade legislativa e jurídica: porque todas precisam ser levadas igualmente
a sério, o que significa que nenhuma delas tem o direito de se sobrepor
juridicamente às demais. O Estado brasileiro tem que ser laico em matéria
de religião, como garantia de que todas as religiões terão livre curso para
suas atividades; e que todas as formas de arte serão igualmente livres para
criar.
Principalmente nesta época (“Oh, tempos! Oh, costumes!”) em que é
muito mais fácil ficar rico inventando uma igreja do que criando obras de
arte. Vamos lutar pelo Estado laico, sempre.
09/04/2013

13
A Noite, com Nostradamus
João Marques

Noite, e Nostrad recolhido em um canto da sala. Sozinho, sentado numa


cadeira antiga, com guardas de sustentação por todo o canto. Cenho mostrando
amargura, e um ar de convencimento. Escuta os sons habituais de casa. Pouca
gente. Não se importa. A desolação silenciosa, de sala à parte, fechada. Ninguém
de casa entra ou passa na sala, era costume. O isolamento de sempre o deixa à
vontade. Pensa, e pensa mais dessa vez. De cá, do seu tronco, observa os livros
da estante. Que significavam mais? E se lembra que não havia terminado a leitura
de Guerra e Paz... quantas vezes, havia tentado, em vão. Que importa, agora?
Noite, tenebrosa noite. Os livros sem tempo. E sem tempo os livros da noite.
O dia passado tinha sido normal. Não muito, considerando-se o encontro com
um pastor protestante. Anuncia-lhe, o religioso, que o fim do mundo está
próximo. Cita a Bíblia, as previsões antigas, o livro de João, e as perdições do
mundo atual. O fim está próximo, aleluia! Nostrad escuta, atento. E, por
solidariedade, diz que os sinais já não estão apenas no céu... Outra passagem
digna de nota no dia foi a observação, que fez, de um político conhecido
abraçando todo o mundo que ia encontrando. Próximas as eleições, o homem
anda de mangas de camisa pela calçada movimentada. Para, abre os braços
incontinente, e, sorrindo, cumprimenta todos, abraça, fala... Uma moça,
sorridente também, entrega panfletos, onde está, também, retrato em mangas de
camisa. Só alegria. Manhã e tarde, nada mais notório que pudesse quebrar a
rotina. Apenas isso, esses exageros.
A noite, Nostrad está noite, e, sentado e só, vai tendo pouco a pouco
agravamento do que é. E é anoitecimento profundo. Nem saber do horário, do
andamento do tempo, nada lhe interessa mais. E nem respirar a vida, a existência
ali, com quadros de paisagem nas paredes, crianças brincando, de tonalidade azul.
Mais tarde, percebe que foram todos dormir. Poucos. Permanece, sólido, em sua
postura, dobrado na vida. Apaga a luz, alcançando o interruptor perto, sem se
levantar. É todo ficada, e as horas passam... até escutar sons conhecidos, da
madrugada. Sons por sons, não quer escutar mais. E desvia a atenção para o
pensamento de que todos dormem. Longe, tudo está muito longe. Sente frêmitos,
estacionado na cadeira. O mundo, pensa, não sabem, está estacionado na noite.
Durmam! solta a exclamação. Sente fria a língua. Admite, hermético como nunca,
que o mundo, agora, não é mais que a cadeira. E lhe parece prazeroso estar
sentado ainda sobre a cadeira. Sobre a noite e a cadeira. Espera mais, terrível
espera.
Dormentemente, bole os sapatos. Estava ainda de sapatos, como chegara da
rua. Tem um impulso à toa de querer tocar o interruptor. Mas não. A escuridão
da noite está definida... Espera. Entra em divagações. Vida, vá ao diabo!
Aposentadoria, vá ao diabo! Amigos, parentes, mortos, vão ao diabo! Há no
espaço um estalido da cadeira, escuta, recompõe-se do desespero na escuridão da
sala, decide-se pela calma, contemplar a noite que lhe resta ali. Levanta os olhos e
divisa pequena claridade entrando pela greta da janela próxima. Espera, senta
mais na cadeira o que não estivesse prostrado. Deixa cair os braços para os lados.
A claridade vem, e a noite começa a ser debelada, ali, na sala, a sua vista. Incrível...
Ah, é o sol, o sol de novo. E se levanta meio leso e entrevado. E, ao se erguer, a
cadeira range, amanhecida e livre

14
Os dois ladrões
Antônio Torres

O primeiro era apenas um Zé, ou Zê Preto, O Zé do velho Loló, chamava


de “Papai Lolô”, embora não fosse seu filho. Nunca se soube quem foram
os seus pais, nem se chegou a conhecê-los. Corria a lenda de que aquele Zê
havia sido encontrado numa porteira, dentro de um cesto. Outro mistério
envolvia o seu achamento: largado nu e solitário, ele no entanto sorria.
Como se fosse a criança mais feliz deste mundo.
A bem da verdade, eu ainda não havia nascido quando isso aconteceu, se é
que essa história não foi pura imaginação de um povo que vivia inventando
histórias para espantar o medo da noite — ou para não perder o juízo. O
certo é que, quando me dei por gente, Zê Preto já era um meninão grande,
forte e risão. Nós, os garotos menores — meus primos e eu — vivíamos
brincando com ele. Aquelas coisas da roça: bater perna pelos pastos, caçar
passarinhos, pegar canário, armar arapuca para codorna, pescar no riacho,
subir em pé de urubuzeiro, espetar tanajura. E foi assim que o conheci: já o
Zê de Papai Lolô e Mamãe Adelaide, que vinham a ser os meus avós
paternos. Logo, ele era como se fosse meu tio. Meu tio preto.
E assim ele cresceu: trabalhando a terra na enxada e no arado, cuidando do
gado, fazendo os mandados. Até tornar-se o carreiro de bois, a transportar
sacos de feijão e de milho, carradas de areia e de madeira (e gente também)
pra todo lado. E como aquele carro de bois cantava nas estradas! A
meninada adorava pegar uma carona nele. Não, Zê Preto não era apenas
um agregado do meu avô. Era um amigo.
Um dia fez-se a desgraça. Alguém das vizinhas deu falta de uma galinha e
cismou que o Zé a havia roubado. Alvoroço no povoado. Soldados no seu
encalço. Zá foi apanhado na roça em que sempre esteve e levado aos
empurrões e pontapés para a delegacia, onde um sargentão truculento o
aguardava com uma palmatória que devia pesar um bom meio quilo.
“Confessa negro” — o interrogatório do sargento era feito ao som das
palmadas, que se alternavam de uma mão à outra. E as mãos do Zê iam
engordando, inchando, estourando. E ele, os olhos se esbugalhando, jurava
por tudo quanto era santo que não havia roubado galinha nenhuma. E
quanto mais negava, mais apanhava. Tome soco, chute, bordoada. Quando
meu avô chegou para tentar libertá-lo, encontrou-o desmaiado. Zé morreu
um ano depois. Jamais se soube se das pancadas ou de desgosto. Ou das
duas.
O outro era ladrão mesmo. Roubava gado. Chamava-se Dominguinhos,
filho do velho Domingos, um fazendeiro endinheirado. Nunca foi
apanhado. Quando as denúncias começaram, ele caiu no mundo — o
maravilhoso mundo da impunidade. E esta é apenas mais uma história de
ladrões cuja moral já se tornou clássica.

(Do livro “Sobre Pessoas”, Editora Leitura, B.H., 2007).

15
Cremação
Geovaldo Carvalho

Já que anda em voga, tão propalada pelos pirômanos, devo confessar que
eu sou, também, um ardoroso adepto da cremação. Não nasci na terra de
Gandhi, mas tocar fogo é comigo mesmo.
Adoro demasiadamente a incineração que, se pudesse, cremava algumas
figuras ainda em vivas, ao molho de óleo de soja. Os amigos, por uma
deferência especial, incinerava-os ao molho do que há de melhor em
manteiga da terra.
A cremação é muito econômica. Evita aquela poeira enjoada que os
coveiros nos jogam na cara e, ainda por cima, batendo de mansinho com a
pá sobre a terra, num gesto que se entende que ele está dizendo,
implicitamente, que nunca mais sairemos de lá.
Nas cinzas, não. Elas esvoaçam no ar dando nova vida aos restos mortais.
Há uma expetativa de liberdade. Há até que dê sorte, como a Fênix,
exemplo marcante e confortador egípcio de redenção.
Eu mesmo, depois de bater o motor, podem toca fogo à vontade. Se
simplesmente sepultarem, teimoso que sou, corro o risco de voltar,
principalmente se for numa sexta-feira ou durante o mês de junho, de
saudoso são João.
Independente de ser cremado ou não, morrer numa sexta, convenhamos, é
um saco! O indivíduo perde o sábado e o domingo, e a alma, se é que
existe, não tem salvação. Na segunda, não. O elemento, quase sempre,
acorda pedindo pra morrer. Aí tudo fica mais fácil e perdoável. Pode, se
quiser, queimá-lo até vivo para livrá-lo da ressaca e da rotina de outra
semana que começa. Vai direto para o Céu!
Cremado, evita-se ao corpo o desprezível espetáculo de exumação, em
casos necessários. Ato, aliás, que nunca resolveu nada no purgatório local.
Ah, cremação! A vida é fogo! Viro cinzas mas não me entrego.

Junho 1987

16
Duelo com o Corona
Cyro de Mattos

Ficou entubado alguns dias. Estado crítico extremo. Certamente mais um


abatido pelo coronavírus. Naquele dia, o número de mortos atingira mais
de cem. Um pico que aterrorizava. Faziam os preparativos para levá-lo para
a cova. Faltava ser enrolado com o lençol.
Via tudo. Os olhos bem abertos. Gritava, mas ninguém ouvia sua voz. O
último grito abalou os nervos, tremeu a cama, assustou o médico e a
enfermeira. Mexeu com a pestana. Estava vivo. O médico mandou que ele
voltasse para a Unidade de Terapia Intensiva.
Mais alguns dias, a melhora era sentida, visivelmente. Até que recebeu alta.
Saiu numa cadeira de rodas, uma coroa de flores na cabeça. Palmas nos
corredores pelo pessoal de frente no combate ao coronavírus. Estava ávido
para receber um beijo da mulher, abraço dos filhos e amigos lá fora. Era o
primeiro vencedor no hospital da doença tão terrível.
Se um venceu, outros terão o mesmo final, pensou o médico plantonista.
Até que descobrissem a vacina para o desfecho da guerra vencida. Do lado
de fora, a mulher não conteve a emoção de vê-lo recuperado. Ali mesmo
desmaiou, teve uma dor no coração e morreu.
Era a revanche da indesejada, que nunca se dá por vencida. Infelizmente.
Apesar dos pesares, lá naquele lugar onde a esperança não morre ainda se
crê nessa manhã em que o sol voltará a brilhar.

17
Tombo, bendito tombo
Francisco Nery Junior

Em Toulouse, vi uma senhora levar um tombo. Foi o único que


testemunhei na França. (Um “spike” havia sido esquecido no chão do
Capitólio na festa da noite anterior.) Nas calçadas da França, não se leva
tombo. Nas calçadas de Paulo Afonso, a vontade é adiantar o uso da
bengala. Só não a uso, então, por proibição expressa da esposa e por
desconfiar que nossos órgãos de segurança temem o uso da bengala como
arma pelos malandros. Há infinitas maneiras de transformar as saudosas
bengalas em espadas e punhais.
Tombo é terrível. Para os mais velhos, pode ser fatal. Uma bacia quebrada
quase sempre significa o começo do fim para os que a ética – ou a moda –
manda chamar de terceira idade. Após vinte anos de casamento, uma das
principais diversões da minha mulher é contar os tombos que levo nas
calçadas da nossa cidade. “Levante os pés”, costuma dizer. “Olhe por onde
anda”, costuma bradar. Não adianta. Os tombos se fizeram os meus
inimigos mortais; renitentes, perigosos, insensíveis e brutais.
Interessante que, todas as vezes que levo um tombo, vou mais para a frente.
Ando mais rápido. Até ganho a parada para a minha esposa, mais nova do
que eu. Me recomponho, empertigado me torno e, altaneiro, prossigo. E
chego a bom termo. Repetindo a sabedoria popular do Nordeste, os
tombos botam o cabra pra frente. A senhora francesa do primeiro
parágrafo continuou a marcha para a frente com muito mais altivez.
Caminhou mais segura. Alcançou com mais segurança o seu objetivo.
O leitor sabe bem que o inimigo, muitas vezes querendo fazer o mal, faz o
bem para o desafeto. Já leu e sabe que [isto] está escrito. Lembro que logo
após terem sido demitidos do Colepa, o professor Marcos foi admitido
como professor da Universidade Federal da Paraíba e o professor Hilton
passou no concorridíssimo concurso do Banco do Brasil. Se Moisés não
tivesse sido “demitido” da corte do Egito, hoje estaria a jazer numa tumba
poeirenta do Vale dos Reis.
Assim sendo, benditos os nossos tombos. Nada de prostração. Nada de
ficar no chão. Nada de resmungo ou desilusão. Mesmo que venham
acompanhados do inevitável e redentor palavrão, o importante é a volta por
cima.
Quanto aos causadores dos tombos, nada a acrescentar. A prestação de
contas, esta não está na nossa área de competência.

in Jornal Folha Sertaneja, 19/11/2019

18
Inflexões
Emanuel Lomelino

Interessante como nos tempos modernos ainda existe quem pense que
fazer um livro é colocar uma capa em redor de um monte de textos
dactilografados.
Impressionante como nos nossos dias ainda existe quem pense que
espartilhar textos em versos, alguns de forma disforme, pode ser
considerado poesia.
Invariavelmente, neste universo de consumismo, ainda existe quem acredite
que escrever, tal qual se fala e vive, e sem pensamento crítico, é um
contributo para o desenvolvimento cultural de um povo e sua língua.
Infelizmente, nesta era de avanços tecnológicos, ainda existe quem negue a
pureza e a perfeição da escrita dos tempos analógicos, como se o acto de
escrever tivesse nascido milénios depois da própria escrita.
Intrigante como neste nosso tempo, de suposta escassa iliteracia, ainda
existe quem assuma que ler contamina a sua escrita e restringe a capacidade
criativa.
Inquietante, como numa época de pluralidade, ainda existe quem queira que
as palavras, tanto escritas como lidas, sejam privilégio de alguns e não
direito de todos.
Incoerente como ainda existem iluminados que, não se sabendo quem lhes
outorgou a tarefa, querem ditar novas regras para a escrita porque são
contra todas as regras.
Imbecilmente, neste tempo de muitas liberdades adquiridas, ainda há quem
sinta as suas mais legitimas que as dos outros.
Ironicamente, neste tempo que é nosso, ainda há quem não saiba
interpretar cada inflexão deste texto deduzindo ainda menos do que,
reduzidamente, aborda.
Inspiram-se sem pensar e depois chamam-se escritores.

19
O poeta abortado
Hayton Rocha

Três vezes por semana, de tardezinha, ele ia ao banheiro levando caderno e lápis.
Ficava ali mais de hora. Para sua irmã, não era para estudar Biologia ou Matemática.
Entre as folhas haveria alguma revistinha sueca, algo assim.
Ela andava tão desconfiada que um dia bateu à porta:
— Que diabo você tanto faz aí dentro?
— Não é de sua conta!
— Não fale assim comigo!
— Então, cuide de sua vida.
— Vou contar a papai.
— Oxe! Me deixe tomar banho sossegado.
Anos mais tarde, ele, em seus devaneios etílicos, defendeu na mesa do bar tese no
mínimo curiosa sobre a vida. Achava que os seres humanos deveriam nascer
velhinhos, decrépitos, e evoluírem no rumo de uma infância plena de saúde e
sabedoria até as fraldas.
Como no filme O curioso caso de Benjamim Button, inspirado na obra de
Fitzgerald e lançado apenas em 2008. A obra narra a história de um homem que
nasce com a aparência de um idoso e rejuvenesce à medida que vive experiências
como o amor, a solidão, a perda e o medo.
Para ele, só se deveria trabalhar após os 40. Antes disso, todo mundo receberia de
um fundo social — espécie de poupança formada pelas pessoas mais idosas — o
bastante para viver a plenitude da maturidade em plena ebulição hormonal.
Duvidava apenas se os suicidas não acabariam provocando o colapso financeiro do
sistema, deprimidos com a iminência dos 40. Se isso acontecesse, haveria
desequilíbrio entre nascimentos e mortes e a sobrevivência da espécie nesse paraíso
estaria ameaçada.
Encontrei-o quatro décadas depois num shopping, tomando café com tapioca e
queijo derretido. Apesar de nossos quilos a mais, cabelos grisalhos e rugas, não foi
difícil nos reconhecermos.
Logo conversávamos sobre ilusões convertidas em esperanças, sobre garrafas de
suor e lágrimas derramadas pelo caminho e sobre o medo de não conseguirmos
fazer tudo aquilo que ainda queremos.
Falei de filhos e netos, de ganhos e perdas e de que ando me sentindo bem, com as
doenças crônicas sob adequada lupa. Sem as peladas de antigamente, disse-lhe que
agora me contento escrevendo sobre o que vi ou tenho diante de mim.
Ele, que nunca foi de falar muito, a não ser quando tomado pela emoção do
segundo copo — citava Bogart, de Casablanca: “a humanidade está sempre duas
doses abaixo do normal” —, falou de si declamando a seu modo “O último
poema”, de Bandeira:

20
Assim eu quis, mas nunca consegui, o meu único poema.
Que dissesse as coisas mais simples e menos intencionais.
Que fosse forte como um soluço sem lágrimas.
Que fosse belo como as flores sem cheiro.
Que tivesse a pureza da terra, do ar, da água e do fogo, no começo de tudo.
E a paixão dos que se matam por nada.
Quis saber sobre seus próprios poemas e ele me disse que não havia. Até rabiscou
alguns versos na solidão do banheiro, quando menino, mas desistira. Sua irmã, sem
querer, matou o poeta no ninho.

(Este artigo é dedicado a todas as pessoas que têm a felicidade de ter um amigo e
a inteligência para preservá-lo).

21
“Ai que saudades que eu sinto”
Antônio Galdino da Silva

As redes sociais, os grupos de whatsapp, desde o começo da semana se


mostram coloridos, nas vibrantes imagens dos festejos juninos. Em cada
uma delas, o derramar de saudades dessa autêntica festa popular nordestina,
tanto na imensidão de cores, como nas músicas e nas comidas típicas da
época.
De fato, de novo chega o mês de junho e mais uma vez as ruas de Paulo
Afonso e de todas as cidades nordestinas, que viviam sempre em grande
burburinho nesses dias de festas juninas vivem os dias de uma cidade
esvaziada pelos decretos municipais e estaduais que impedem as pessoas do
exercício do ir e vir livremente.
O texto publicado nesses dias, neste site, pelo professor Francisco Nery,
nos fala da singeleza e da pureza do povo nordestino ao festejar os santos
do mês de junho – Santo Antônio, casamenteiro, São João, do carneirinho e
São Pedro, porteiro do céu.
É a doce imaginação do sertanejo que festeja, no mês de junho, com
fundamento na tradição católica de louvação aos seus santos, a colheita que
foi farta porque, na sua crença, foi grande a chuva no dia 19 de março, dia
de São José, o pai de Jesus...
E, nos vem à memória o baião criado por Zé Dantas e Luiz Gonzaga
chamado “Noites brasileiras” e gravado pelo Rei do Baião em 27 de abril de
1954, no lado A de um disco de 78 rotações. No lado B estava gravada a
polca “Lascano o cano”. A música “Noites brasileiras” foi lançada em julho
de 1954 e relançada oito anos depois, em 1962, no LP São João na Roça da
RCA Victor.
Escrita há 67 anos, a música parece ter sido feita há pouco para nos dizer
da saudade dos festejos juninos engolidos pela pandemia... Ela nos remete à
essência do puro São João sertanejo, de raiz, e descreve, verso a verso, o
cenário das noites sertanejas de São João...
“Ai que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras nas fogueiras
Sob o luar do sertão

Meninos brincando de roda


Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira
Brincando com o coração
Eita, São João dos meus sonhos
Eita, saudoso sertão, ai ai...”
É uma boa lembrança que também nos leva a refletir que o São João puro,
autêntico, dos sertões nordestinos, vem, a cada ano perdendo essa pureza
que é a sua maior grandeza. [...]
in Jornal Folha Sertaneja, 24/06/2021

22
Acho que...
Virgínia Leal

... acho que, talvez, tenha herdado de César uma certo modo
ranzinza de pensar em divisões, atomizações, segregações...
Não gosto delas, ainda que sempre tenha bem apreciado as
dicotomias saussureanas, sem ser uma estruturalista (ao
contrário!) – paradoxo a ser explicado em outro momento
(risos muitos...) Gosto, sim, de pensar que gosto de
literatura e de que não leio especificamente literatura feita
por mulheres porque sou mulher e devo politicamente estar
ao lado de quem “identifico” com esse rótulo, pagando
dívidas históricas e me associando às justas lutas que
empreendem... Prefiro amar uma Hilda Hilst, uma Cecília
Meirelles, uma Teresa Horta, uma Maria de Lourdes Hortas
(risos...), uma Cora Coralina, uma Ana Cristina Cesar, uma
Adélia Prado, uma Lucila Nogueira, uma Marize Castro,
uma Vernaide Wanderley, uma Patricia Maês, uma Elizabeth
Hazin, uma Márcia Maia, uma Eunice Arruda, uma Meimei
Bastos, uma Luna Vitrolira e tantas e tantas mulheres
porque o que escrevem é de uma densidade tamanha que
fico hipnotizada por suas letras, palavras, versos, gestos,
voz, corpo... linguagens....E fico maravilhada quando leio e
encontro essas mesmas sensações estéticas e éticas em um
João Cabral, um Drummond, um Fernando Pessoa, um
Alberto da Cunha Melo, um José Rodrigues de Paiva, um
Tito Leite, um Alexandre Guarnieri, um Luís Filipe
Sarmento, um José Luiz de Almeida Melo, um Leminski,
um Ivo Barroso, um Delmo Montenegro, um Antonio
Carlos Secchin, um Miró, um Jaci Bezerra, um César Leal...

http://www.domingocompoesia.com.br/2020/05/entrevista-com-
professora-virginia-leal.html?showComment=1589730168250

23
Lua

13/06/2021
Gustavo Mendes

24
Lua que inspira poetas e desencalha navios
Janio Soares

Caetano a confirma de São Jorge e a descreve azulverdejante, cheia, branca,


inteira, deslumbrante cauda de pavão. Manuel Bandeira, olhando-a de seu
quarto que dava pro nascente a preferia nova, pois cheia lembrava-lhe um
sol demente. Frank Sinatra pede um beijo da amada, pois isso o fará voar
até ela (Fly Me to the Moon), onde aí poderá brincar entre os planetas e ver
como é a primavera por lá. Paulo Leminski conta que um dia ela foi ao
cinema onde passava um filme engraçado, a história de uma estrela que não
tinha namorado. E aí ela ficou tão triste com aquela história de amor, que
até hoje ela insiste: – Amanheça, por favor! O MPB-4 canta que quem a
chama de velha, mente, pois assim que ela roda, já é nova novamente.
Cecília Meireles, como ela, tinha fases. Fases de andar escondida, de sair pra
rua, de se perder na vida. E nesses ciclos, muitas vezes na hora de ser de
alguém, Cecília então minguava e não era de ninguém. Herbert Vianna,
diante de sua gravidade, defende que ela seja visitada por bailarinos, não por
militares. Vinicius de Morais declama que ela se oferece aos poetas eriçada
de viço, ora ardente, ora se curvando em sensual arco de delírio, até que
eles somem em plumas e ela aí adormece, porém, provocantemente nua.
Jessier Quirino, no seu Bolero de Isabel, ensina que quem quiser ver
boniteza que a veja depois da auroridade vermelha e da claridade amarelada
do amanhecer, com sua luz resplandecendo a pele nua da amada na
harmonia que o inverno faz nascer. Milton Nascimento canta que quando
ela traça no Céu um compasso, ele só pensa em fazer um travesseiro dos
seus braços. Luiz Gonzaga traz o recado de Catulo da Paixão, de que
quando ela nasce por detrás da verde mata parecendo um sol de prata
branquejando a escuridão, é hora da viola pontear saudades nas noites
frescas do sertão. Marcos e Paulo Sérgio Valle pegam o mote e dizem que
as mesmas mãos que no sertão tocam violas, se preciso pegam fuzis e
espadas pra lutar por liberdades enluaradas. Drummond, depois de dizer ao
mundo que se se chamasse Raimundo seria apenas uma rima, se confessa
comovido como o diabo com sua luz refletindo o conhaque no seu copo.
João de Lemos, diante de sua palidez no fog londrino, implora-lhe que
retornem a Portugal, onde lá os dois voltariam a ser como Deus os fez: ele,
tendo de volta sua vida; ela, brilhando despida, livre do Céu inglês. O Ever
Given, após 144 horas encalhado no Canal de Suez, sente seu casco mover-
se e, diante dela valsando entre a Jordânia e o Egito, solta um apito de
agradecimento, como se dissesse: “Bastou você alinhar-se ao Sol que
ninguém via, que a maré subiu em versos e eu flutuei na poesia”.

Pra Dimitri (pelo carinho), Nelson Pretto (idem) e


Vitor Hugo (por ter a Lua de Glória luzindo na
retina).

25
O Retrato
Jaime Jackson

Recordo com saudade o momento desta foto, meu pai pediu que nos preparássemos e
vestíssemos a melhor roupa. Então foi aquela correria de toda a família, procurando o que
tinha de melhor para o tal evento, pois a foto seria enviada para os irmãos do meu pai que
moravam em cidades distantes. A minha mãe nos preparou, escolheu nossos trajes, ajeitou
nossos cabelos com todo o cuidado de uma mãe para com seus filhos. Nós tínhamos um
cão chamado Rex, era um vira-lata bem aceito por toda família, porém tinha um pequeno
defeito: gostava de esconder as meias da família. Não podia ver um sapato com meia
dentro que ela já catava e saía por aí, brincando pelos quintais, e nos dava depois o maior
trabalho para encontrar. No dia deste retrato familiar feito pelo fotógrafo Seu Zé Miron,
meu pai ficou com a maior bronca, pois no momento de calçar o seu sapato não encontrou
a meia. E foi aquele corre-corre de procurar e nada de encontrar. Até o cachorro havia
sumido. O jeito foi tirar a foto com o sapato sem meia, o que o deixou muito aborrecido.
Depois do fato consumado eu e meus irmãos levamos cada um aquela bronca devido ao
sumiço das meias. O cachorro, se estivesse por perto, certamente teria tomado umas
pancadas. A minha mãe, sempre tranquila, nos ajudou a procurar e foi dito e feito: no final
do dia achamos as meias no quintal de nossa casa. Ô cachorrinho danado!, disse meu pai.

15/1/2021

26
Pinceladas de amor
Marconi Urquiza

Um irmão ligou para uma das irmãs e disse: "Olha, isso aqui tá uma
bagunça!" Dias depois essa irmã foi ao local e constatou a
desordem. Estavam amontoados: roupas, medicamentos, móveis, objetos
pessoais, fotografias, postais, tudo. Restos de lembranças, restos de
afeto. Pinceladas de amor.
Uma das irmãs voltou com os restos de uma fotografia em forma de
painel, a outra levou pequenos objetos da mãe. Um baú era para o irmão
mais velho, lembranças do pai. Pinceladas de saudade.
Algum dia, 48 anos antes, cinco, dos sete irmãos entraram. De
adolescentes a crianças, entraram naquela casa. Nos anos seguintes, outros
dois se juntaram: irmão e irmã.
A casa. Gradeada, garagem, varanda, salas, a mesa onde todos faziam as
refeições. As namoradas, os namorados foram chegando, netas e netos
preenchendo o afeto, gritando e brincando, enchiam de sons a casa.
As pinceladas de amor cresceram.
A casa foi modificada, mais bonita, mais aberta. A mesma casa, uma casa
diferente. Dos primeiros moradores, restaram três. Dois se foram, a casa
ficou do tamanho do mundo. Gigante, vazia, sem alegria, sem gente a lhe
dar voz, cheiro, presença. O amor agora chora. Lembranças de uma
saudade irremediável.
Juntou-se tudo, de qualquer modo e levaram dali. O choque daquilo tudo
junto, sem os cuidados. Sem os sentimentos entranhados na alma. Olhar
triste que exprimia o afeto incompleto. Quem os levou, quem os arrumou
de qualquer jeito não captou, não poderia captar quanto de amor todos
aqueles objetos, inanimados, tinham de vida.
Alguns buscando pedaços que trouxessem afago para o peito. Pedaços de
objetos, de lembranças que enchessem os corações.
Vida morta, vida posta, vida que segue. "Olha, isso aqui tá uma
bagunça". Era o coração chorando, com as lágrimas escondidas sob uma
constatação. Eram as Pinceladas de amor teimando para não serem caiadas .
Pinceladas de saudade,
pinceladas de Amor.
Lembranças que se entranham,
lembranças que se ama.
Pincelados de amor,
Pinceladas de Saudade.

12/2/2021

27
A borboleta salmão
José Alexandre Saraiva

Era a mesma borboleta salmão de ontem. Com certeza. A mesma hora, o


mesmo adejar solene e alegre, o mesmo ritual. Chegou resoluta, querendo
ficar. Porém, depois de vasculhar e sentir cada canto do jardim, foi embora.
Mais uma vez, teve motivos para não pousar. Provavelmente, não verei
mais a insinuante borboleta. Como a flor do mandacaru, as borboletas têm
vida breve. Duram poucas horas, o necessário para sutil missão.

E só agora, daqui desta janela, vejo também que ali não é mais o mesmo
jardim da Dora. Falta nele o ar de sua graça. De Dora restou no jardim
apenas aquele pedacinho de mármore onde ela mandou esculpir este
lembrete de Mário Quintana: “Não precisa correr atrás das borboletas,
basta cuidar do jardim”.

28
Um haicai
José Lira

Um haicai é o registro de algo que alguém viu, ouviu, experimentou,


sentiu, lembrou ou, em último caso, imaginou. Sua linguagem deve
ser simples e direta, sem enfeites estilísticos e sem os recursos
poéticos próprios dos textos líricos, românticos ou sentimentais.
Um haicaísta (nunca é demais repisar isso) deve ser sempre o mais
objetivo possível, evitando, na elaboração de um haicai, a
exteriorização das suas ideias e das suas convicções.
Vai-se o verão:
Outra manhã na praia
Sem um haicai
Isso é um haicai
(Paixão se mede:
Meu caderno de haicais
Sabe teu nome)
Isso não.

[...]

29

30
O sim & outros achaques
Antônio Brasileiro

A vida inteira anulada


por falta de outros desígnios,

eis que voltamos ao parque


onde os homens se congregam:

ninguém jamais sabe ao certo


onde o sim das grandes aves,

singramos por mares mansos


que julgáramos esquecidos —

mas eis que a vida se perde


por falta de outros desígnios.

Ou não se perde: é só isto.

Pequenos assombros (1998-2000). 2ª. Edição. Feira de


Santana, Bahia: Edições Cordel, 2004. 59 p. 12x18
cm. Coleção Poiuy, 13) . Capa Abrasileiro. “Edição especial
em homenagem aos 60 anos do poeta.” Ex. bibl. Antonio
Miranda.

31
32
Balada para Vinícius de Morais
Dirceu Rabelo

Dada a minha pequenez,


é o que te posso ofertar:

Teu grande irmão português,


que me ocorreu relembrar,
me disse uma certa vez
que a água do rio corre
e é sempre a mesma no mar.

Jamais poeta algum morre:


— muda apenas de lugar.

Tua face? Quem vai vê-la


e a tua voz escutar?:

- habitantes de uma estrela


que escolheste pra morar.




Livro de cantares. Recife: Editora
Comunicante, 1995. 41 p. 14x21,5
cm. Col. A.M.




















33
Fanal do colo agônico
Diego Mendes Sousa

O passado e eu conjugamos
uma interrogação triste?

Paro,
a esperar que o tempo intimidado
olhe-me cara a cara
a fim de que renasça pasmado e luminoso.

Fico -- como um ausente sem endereço --


em uma rua escura de um outono febril
a ver ainda pássaros negros
no agônico coração amargo.

Sou -- mirando os meus labirintos em queda --


a cachoeira ruminando horizontes fantasmas
e esquecidos.
Eu e o passado,
triste exclamação conjugada!

in: Fanais dos verdes luzeiros.


Guaratinguetá, SP: Penalux, 2019.

34

Prece
Adélia Maria Woellner

Eu queria cantar o mundo,


com voz bem afinada,
e fazer ressoar meu canto
em cada canto,
em cada estrada.

Eu queria tocar qualquer instrumento,


que vertesse som,
que fluísse música com harmonia
e fazer cada corpo vibrar
ao compasso da minha melodia.

Eu queria ser pintor,


espalhar cores, muitas cores,
manchar telas com habilidade,
retratar a natureza, os sentimentos,
alegrar olhos e almas
e transmitir paz, serenidade.

Eu pedi a Deus tudo isso,


pois queria enternecer corações,
encher a vida de alegria,
colorir pensamentos
e despertar emoções...

Antes mesmo de nascer,


eu pedi para ser esteta...
Ah! como eu pedi a Deus!...
Pedi tanto, tanto,
que Deus me fez poeta.

35
Descoberta
Ruy Espinheira Filho

Só depois percebemos
o mais azul do azul,
olhando, ao fim da tarde,
as cinzas do céu extinto.

Só depois é que amamos


a quem tanto amávamos;
e o braço se estende, e a mão
aperta dedos de ar.

Só depois aprendemos
a trilhar o labirinto,
mas como acordar os passos
nos pés há muito dormidos?

Só depois é que sabemos


lidar com o que lidávamos.
E meditamos sobe esta
inútil descoberta

enquanto, lentamente,
da cumeeira carcomida
desce uma poeira fina
e nos sufoca.

(Heléboro, 1974)

36
SEXTA FEIRA SANTA
A MESA
“um jarro sobre a mesa, a flor da hortênsia”

Uma toalha na mesa, azul turquesa,


a curimã no forno e logo bebe
o vinho. O bacalhau, delicadezas:
feijão de coco, o bredo e o quibebe.

Na sala imóvel, ─ móvel largo ─ a mesa,


me aprisiona e dentro de uma sebe
carrego um fardo. A carga que me pesa,
comigo diferença não percebe.

É Sexta-feira Santa: ─ a abstinência;


um jarro sobre a mesa, a flor da hortênsia,
o vinho verde, a sala ajardinada.

A mesa, ─ sem meus pais e meus irmãos;


a iguaria agora é a solidão:
─ a mesa cada vez é mais pesada.

José Luiz Mélo


08/03/2021

37
Soneto da ninfa de olhos claros
Aramis Ribeiro Costa

Ela chegou repleta de desejos


Lúbrica ninfa de olhos claros, ternos
Trazendo nos sorrisos os eternos
Incontroláveis de prazer arpejos.

Queria amor em vastidão de ensejos


E liberou seus sonhos mais internos
Tinha no corpo o fogo dos infernos
E no gemer o som dos realejos.

Sátiro bruto de prazer sedento


Montei-a como em tempestade o vento
E cavalgamos o sentir dos deuses.

Depois ela se foi na madrugada


Deixando a luz suave da alvorada
Nas promessas de amor dos seus adeuses.

Do livro Espelho Partido.

38
Sertão
Ana Maria César

“Eu nunca guardei rebanhos


Mas é como se os guardasse”
Fernando Pessoa

Eu nunca vivi no sertão


mas é como se lá vivesse.
Tenho a pele crestada
os olhos incendiados
a alma abrasada
pelo sol bizarro que se derrama
nas planícies maduras
em dias e noites avessas.
Sol macabro que esquenta as lajes cobertas de cactos
com suas flores berrantes, incendiadas
do sol entranhado nos lajedos.
Sol sem água,
árido e severo como os homens rudes
em suas glebas insanas.
Sol de estio
desatinado, destrambelhado, desgovernado
a desterrar a vida descabida.
Sol de minh’alma
despejando destroços
de dor mortiça tardiamente vaga
que se extingue nas estradas desérticas.
E assim volto sempre ao sertão.
- Sertão onde nunca vivi
mas é como se lá vivesse.

39
A embriaguez de uma saudade
Adriana Mayrinck

Passo em descompasso
por ares distantes,
desfaço-me em melodias
tímidas e inaudíveis
de um lugar que ficou retido
na memória quase insana
e que traz saudade.

O olhar desfocado em miragens,


a pele marcada pelas passagens
de dores e êxtases
relembra outras paragens
que ainda cheira a maresia
e ventos quentes.

O corpo reage incansável,


com lentidão e firmeza
e grita em silêncio a sua insatisfação.

Notícias vindas de longe


de um cotidiano massacrado,
de um país humilhado
que resiste a inexistência
do que vai além.

Revolta-me o aprisionamento
a matança e a destruição
Mas líquido é o tempo
que baila na cor rubra
da essência que absorvo
em uma taça inexistente
dos sabores tropicais.

Embriago-me e retenho
o que está ao meu alcance.
Faço redemoinho com o ar e a terra
Espalho a palavra em ecos que bailam
e que liberta a esperança

que espera.

40
Mergulho

Engano Engano Engano Engano Engano

Nado Nado Nado Nado

E N G A N A D O

Dor

E N G A N A D O R

Enganado ou Enganador ?

DOR

Fernando Tavares

41
Tem gente com fome
Salete Rego Barros

A pandemia traz o agravamento de insegurança alimentar que, desde sempre, assola o país
cuja estrutura socioeconômica e cultural, herdada da colonização europeia, é branca, ao
tempo em que sublinha os impactos da exclusão entre a população negra (preta e parda)
que, em sua maioria, vive à margem da sociedade – no acesso à arte, educação, cultura, e
nas oportunidades de emprego e renda, entre outros.
Além do aspecto humanitário, uma profunda reflexão a respeito da viabilidade dessa
estrutura que se mostra a cada dia mais ineficaz, por impactar negativamente os sistemas
públicos de saúde e segurança, assim como as liberdades individuais, é necessária e urgente.
Até que ponto quantidade e qualidade nutricional do alimento ingerido pelo ser humano
têm importância relevante em suas tomadas de decisão, na compreensão do mundo e no
aprendizado?
O percentual das famílias, em sua maioria negras, que passam por este tipo de situação
representa 125,6 milhões de brasileiros, de acordo com o estudo “Efeitos da pandemia na
alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, coordenado por um grupo de
pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a
Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília. Diante da extensão de
terras agricultáveis de que o país dispõe, como justificar este percentual tão alto?
O alargamento do fosso que se abre entre as classes sociais requer alguns questionamentos.
Quais são as ferramentas disponibilizadas a esta parcela, que de fato é a maioria da
população brasileira, para que ela possa expressar artisticamente os seus sentimentos e
construir a sua própria linguagem de comunicação? A classificação estabelecida por
teóricos, que divide a arte em erudita, popular e afro-brasileira, estaria diminuindo ou
aumentando o fosso da desigualdade? A medida da qualidade da arte estaria vinculada às
ferramentas disponíveis à sua execução ou à verdade da expressão de sentimentos?
Solano Trindade, o poeta da resistência negra
Em 24 de julho de 1908 nascia, no bairro de São José, no Recife, Francisco Solano
Trindade, filho do sapateiro Manoel Abílio e da doméstica Emerenciana Quituteira,
descendente de brancos, negros e indígenas.
Ao ter a oportunidade de estudar num colégio tradicional, o Agnes Erskine, onde também
fez o curso de teatro, Solano se identifica como um cidadão apto a responder à situação de
exclusão e marginalidade social enfrentada pela população negra. Como poeta e teatrólogo,
registra em metáforas a afirmação de uma identidade negra no campo das ideias, das
emoções e das representações simbólicas.
Torna-se um multiartista: folclorista, pintor, escritor, ator, teatrólogo e cineasta. Une a ação
política à produção intelectual. Contudo, o caráter militante de sua poesia não exclui temas
como a beleza das mulheres, as lembranças de infância e da terra natal, o que oferece uma
dimensão literária mais ampla à sua obra. Sua produção artística funciona como um veículo
de transmissão de uma mensagem revolucionária até os dias atuais.
Nos anos 1930 Solano Trindade idealiza o I Congresso Afro-Brasileiro, no Recife, e funda
o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana. Atua na imprensa e no
teatro; organiza instituições com o objetivo de defender e propagar a cultura afrobrasileira,
mas foi como poeta que deu a sua maior contribuição à causa negra no Brasil.

42
Funda, em 1950, no Rio de Janeiro, o Teatro
Popular Brasileiro – TPB – ao lado de
Édison Carneiro e Margarida Trindade. Era
um teatro folclórico entendido como um
espaço de valorização da arte popular, onde
o folclore tem a dimensão de uma memória
coletiva ligada à tradição ritualística de um
grupo social restrito, que se retroalimenta
durante os ciclos das celebrações. Solano se
negava a construir um teatro comercial,
destacando que o seu trabalho consistia em
buscar a cultura do povo para devolvê-la ao
povo numa forma elevada de arte. Os
espetáculos duravam cerca de duas horas,
terminando sempre com uma roda de samba
cantando louvores ao Brasil e enaltecendo
suas belezas naturais.
Um de seus poemas mais marcantes – Tem
gente com Fome – faz um contraponto com
Trem de Ferro, conhecido poema de outro
pernambucano, Manuel Bandeira. Enquanto
Bandeira mostra as paisagens percorridas
pelo trem e sonoramente coloca o ritmo da
locomotiva nos versos “café com pão/café com pão/café com pão”, Solano Trindade
alerta: “tem gente com fome/tem gente com fome/tem gente com fome”.

Tem gente com fome


Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a corer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

43
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes


querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina


correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Pisiuuuuuuuuu

44
Pingentes
José Horácio de Araujo

Lá vem ele,
Lá vem ele,
Lá vem ele,
Lá vem ele,

Lá vai outro,
Lá vai outro,
Lá vai outro,
Lá vai outro,

Passou um pelo outro,


Passou um pelo outro,
Passou um pelo outro,
Passou um pelo outro,

Ficou gente,
Caída bulindo,
Caída parada,
Também quem mandou
Andar pendurada?

Foi salário,
Foi horário,
Foi salário,
Foi horário,
Foi salário....

in Jornal A Peteka, Rio de Janeiro, janeiro 1977

45
1.

Invejava o mestre Caeiro


A exterioridade pura e simples das coisas.
E que não fosse a gente capaz
de se despir do ornamento luxuoso
dos significados
e ficar assim, altivamente
nada.

2.
Estas mulheres
de cabelos longos pretos
que o pudor entrança e enrodilha
até fazer carga sobre si,
onde o vento do mundo passa incapaz de cerzir
um fio
de asas.

Paulo Gervais
in “ Ó Zé Régio! Eu, Dionízio, “

46



























memória

47
Uma agressão pensada e anunciada
José Nivaldo Júnior, 28/03/2021

À propósito do livro de Magno Martins, "A derrota não anunciada", tratando da sucessão
do Recife em 2000, considero um obra prima da literatura política brasileira. Original na
abordagem de uma campanha eleitoral. Profundo na pesquisa. Cuidadoso nos detalhes. E
muito bem escrito, tornando a leitura um grande prazer.
Sou meio suspeito para elogiar porque faço parte da história. Como criador do personagem
Mané da China, que contribuiu de forma bem humorada para a desconstrução da imagem
da gestão muito bem avaliada de Roberto Magalhães. Como responsável pelo marketing de
Carlos Wilson, no primeiro turno e de João Paulo, no segundo. Sobre isso, claro, guardei
alguns segredos do próprio Magno, no depoimento para o livro, pois tenho profundo
respeito pelo sigilo profissional.
Certas coisas, revelações de confiança ou trabalhos protegidos pela confidencialidade,
jamais revelarei. Outras, que foram públicas, comento sem restrições. Ainda há os fatos
cuja reserva caem com o tempo.
O episódio que vou narrar não faz parte de nenhuma dessas categorias. Não está no livro
porque na ocasião não lembrei ou talvez não tenha considerado oportuno lembrar.
O QUE FOMOS TRATAR
O caso foi o seguinte: solicitamos através do amigo comum e nosso advogado Felipe
Carlos uma audiência formal com o então prefeito Roberto Magalhães. O objetivo era levar
uma proposta de um cliente internacional da Makplan para a CTU. Era algo como a
empresa assumir a operação da CTU mantendo a companhia na propriedade da Prefeitura.
Marcelo Teixeira sabe mais sobre a proposta. Foi ele que tratou dos detalhes com o cliente.
Fui mais para acompanhar do que para atuar. Fomos recebidos na ampla sala de reunião,
anexa ao gabinete do prefeito. Como frequentei o espaço pela última vez na gestão João da
Costa, não sei se houve mudanças, mas creio que ainda deva estar lá do mesmo jeito.
Presentes, pela Prefeitura, Roberto Magalhães, Celecina Pontual, Borborema e mais um ou
dois secretários que não recordo. Do nosso lado, Felipe, Marcelo e eu.
REUNIÃO RELÂMPAGO
A reunião em si durou poucos minutos. Felipe fez breve introdução, passou a palavra a
Marcelo. Mal este explicitou do que se tratava, o prefeito cortou bruscamente a palavra e
disse algo como: "Esse assunto já está resolvido. A CTU vai ser privatizada".
Passou a palavra ao secretário da área, Heraldo Borborema, que rapidamente confirmou o
prefeito. Em menos de cinco minutos a reunião estava encerrada. Ficou aquele clima
estranho, cada qual esperando um sinal para bater em retirada. De rompante, no seu
estilo, o prefeito se dirigiu a mim.
Registre-se que mesmo estando frequentemente em campos opostos, sempre mantivemos
uma excelente e, digamos, descontraída relação pessoal. Desde o tempo em que foi meu
professor de Direito Comercial na UFPE. Tenho algumas boas histórias dessa longa
relação para o "Agora é FINDI", coluna de amenidades de O PODER nas sextas-feiras.
Mas vamos a essa que está ligada ao capítulo da "invasão" do JC por um Roberto
Magalhães irreconhecível, capítulo do dia do livro de Magno.

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UM DIÁLOGO IMPENSÁVEL
De repente, o prefeito quebrou o silêncio, apontou em minha direção e disparou: "Zé
Nivaldo, dizem que minha gestão não tem marketing, o que você acha?" Antes que eu
piscasse os olhos, emendou: "Contratei Lavareda para ser o meu marqueteiro, o que você
acha?".
Ainda bem, dessa segunda foi mais fácil eu me sair. Respondi: "Acho ótimo, Dr Roberto, o
senhor contratou o melhor profissional do mercado". Ele nem deu tempo de eu pegar o
copo de água e soltou novamente de lá: "Tem um jornalista aí, esse tal de Orismar
Rodrigues, que está tentando me desmoralizar com essa história do monumento de
Brennand. Eu estou pensando em tomar satisfações com ele. O que você acha?"
Respirei fundo, pensei um pouco. Vi que ele estava furioso, tentei desanuviar o ambiente
com a primeira saída que me veio à cabeça (politicamente pouco correta, mas enfim, foi o
que veio). Eu disse: "Dr Roberto, o pai de Marcelo Teixeira costuma dizer que brigar com
prostituta, jornalista e cachorro não vale a pena".
Ele veio de lá, Roberto Magalhães em estado puro: "Por que não com cachorro?".
O DESFECHO IMPREVISÍVEL
Era um diálogo tão inimaginável que expliquei didaticamente: "Dr Roberto, imagine que o
senhor vai caminhando e é atacado por um cachorro. Ao invés de se proteger, o senhor
enfrenta o bicho e bota a fera para correr. Chega em casa todo mordido, arranhado,
rasgado. Dra Jane pergunta o que aconteceu? Aí o senhor conta que foi atacado por um
cachorro, mas enfrentou a briga e ganhou. O que o senhor ganhou com isso?".
Ele olhou para o infinito por alguns instantes, bateu na mesa autorizando a retirada,
levantou e arrematou dizendo: "Muito bem. Vou pensar sobre isso". Se sequer lembrou do
assunto não sei. Se refletiu, pensou muito mal. Poucos dias depois, fez o que fez. Mas a
narrativa do almoço no Palácio e essa historinha convergem num ponto: ir tomar
satisfações no jornal não foi um rompante, foi caso pensado. Para mim, a surpresa foi a
presença do revólver na cintura. Pensei, sinceramente, que o anunciado "tomar satisfações"
não pasasse de um telefonema aborrecido, algo assim.
Pense numa coisa para não combinar com Roberto Magalhães é um revólver na cintura!

49
50



























rodapé

51
O tempo na Poesia de Paulo de Tarso Correia de Melo
David de Medeiros Leite
Princípio
...
O poema esteve onde sempre estive:
ao alcance da mão,
sob todos os passos,
o poema vive.
P.T.C.M.

Emily Dickinson estabelece a distinção entre poetas que trabalham para a permanência e
poetas que trabalham para o tempo. Esta análise propõe-se extrair da poeticidade de Paulo
de Tarso Correia de Melo o “tempo” como uma das vertentes, ousando abranger os
significados lírico, metafórico e, até mesmo, o sentido cronológico que o poeta potiguar,
propositadamente, oferece em meio aos versos. Tal diversificação está registrada nas mais
de duas dezenas de livros de sua produção. Sua estreia deu-se com Talhe Rupestre (Natal:
Cooperativa Cultural Universitária do RN Ltda., 1993). Seguindo-se:
l Natal: Secreta Biografia (Natal: Edições Triângulo, 1994). Prêmio Estadual de Poesia
Auta de Souza - 1991.
l Folhetim cordial da guerra em Natal e cordial folhetim da guerra em Parnamirim (Natal: UFRN.
Ed. Universitária, 1994). Prêmio Municipal de Poesia Othoniel Menezes - 1991;
l Romances de Alcaçus (Natal: EDFUERN, 1998);
l 14 Moedas Antigas (Natal: Separata da Revista da ANL, 2001);
l Casa da Metáfora (Natal: Separata da Revista da ANL, 2002);
l Rio dos Homens (Recife: Edições Bagaço, 2002). Indicado ao Prêmio Portugal Telecom
2003);
l O Sobrado das Palavras (Recife: Edições Bagaço, 2005);
l Auto de Natal: O Menino da Paz - Edição Coletiva 2005-2008 (Natal: PMM, 2008). Essa
primeira fase de publicações de Paulo de Tarso Correia de Melo (2001 - 2008) mereceu
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte das comemorações dos
50 anos de fundação dessa instituição, uma esmerada edição do livro:
l Talhe Rupestre: poesia reunida e inéditos (Natal: EDUFRN - Editora da UFRN, 2008).
Merece destaque o fato da referida obra ter organização, introdução e notas do
professor e escritor Carlos Newton Júnior. Como também faz-se necessário registrar
os títulos inéditos incluídos nessa reunião poética:
Ø Uma Nova Antologia Pessoal;
Ø Sabença;
Ø Cartas de Amerigo e Outros Cantares da Terra Natal;
Ø Assunto de Família.
Um retrospecto do material publicado, até agora, revela um traço onipresente em todos os
volumes: uma intencional unidade temática no que se refere à escrita ou agrupamento dos
poemas. Observa-se, a partir daí, que cada trabalho espelha um corte temporal. Esse tempo
não é apenas retratado cronologicamente. Análise que inclui, necessariamente, uma
discussão interna do momento cultural enfocado. Exemplificamos em alguns títulos:

52
Folhetim cordial da guerra em Natal e cordial folhetim da guerra em Parnamirim não é apenas o
primeiro tratamento literário da presença dos americanos em Natal, durante a segunda
guerra. O conjunto de poemas discute o encontro entre a civilização americana sofisticada
tecnologicamente e a nossa civilização rudimentar, ingênua e doce. Internamente, procura
mesclar a poesia dramática inglesa e o cordel nordestino. Casa da Metáfora não é apenas um
recorte temporal. É uma tentativa de mostrar que a metáfora física é um traço da poesia
popular do qual não escapa o cordel. Assim, nos títulos do poeta em comento, pode-se
verificar:
a) Um corte temporal;
b) Uma análise cultural do tempo retratado;
c) Uma discussão interna do tempo cultural referido.
Numa segunda fase de publicação (2010 - 2015), Paulo de Tarso Correia de Melo confia o
primeiro tomo a uma jovem editora local:
l Sabor de Amar (Mossoró: Sarau das Letras, 2010).
Extrapolando os limites da província, Paulo de Tarso passa a ter livros publicados com
parcerias editoriais no além-mar:
l Livro de Linhagens (Mossoró: Sarau das Letras; Porto - Portugal: Corpos Editora, 2011).
Obs.: o mesmo título é publicado em terras portuguesas.
l Livro de Linhagens (Porto - Portugal: Corpos Editora; Mossoró: Sarau das Letras; 2011).
l Misto Códice - Códice Mestiço: Versión e prólogo de Alfredo Pérez Alencart (Mossoró: Sarau das
Letras; Salamanca - Espanha: Trilce Ediciones, 2012).
l Diário de Natal (Mossoró, Sarau das Letras, 2013).
l Livro de Louvor - Libro de homenage: Versión e prólogo de Alfredo Pérez Alencar (Mossoró:
Sarau das Letras; Salamanca - Espanha: Trilce Ediciones, 2015).
Paulo de Tarso Correia de Melo diz sobre o Livro de Louvor: “A discussão interna é comigo
mesmo, um ajuste de contas com um poeta forte como queria Harold Bloom. Resumindo:
os motores de toda essa poesia são o tempo, o fazer humano e a mudança. Isso perpassa os
vinte e um volumes até agora publicados”.
Nesse tempo de pandemia, P.T.C.M. confessa dois possíveis acréscimos: “Um diário
poético a ser chamado Caderno de Quarentena e um volume que não sei se levarei a termo”.
No retrospecto avaliado, chama atenção, do ponto de vista literário, que a fecunda obra de
Paulo revela tendência a uma forma híbrida entre poesia e romance, verificando-se desde o
Folhetim e Rio dos Homens.
Outra confissão do poeta no epílogo da conversa: “Não tenho muitas ilusões. Consola-me
os ecos positivos dos Encontros Ibero-americanos de Poesia em Salamanca, aos quais
tenho comparecido recentemente e que já me renderam figurar em uma dúzia de antologias
internacionais, bem como as traduções de dois volumes por Alfredo Perez Alencart,
intermediadas por David Leite”.

53
O tempo envelhece depressa
Nivaldo Tenório

O tempo. Muitos já se encarregaram desse tema: poetas, romancistas,


filósofos. É possível citar alguns livros famosos, lembro-me de Lete de
Harald Weinrich, alguém vai se lembrar de Borges e o rio de Heráclito. É
sobre o tempo o livro de contos de Antônio Tabucchi. O tempo envelhece
depressa é o título. Li numa assentada. Fininho, pouco mais de 150 páginas.
Antônio nasceu na Itália, dizia que costumava sonhar em português, e
não há nada de estranho nisso, não para quem se apaixonou pela poesia de
Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos que se converteria em
personagem do próprio Tabucchi. Dizem que encontrou o poema
Tabacaria num quiosque perto da Gare de Lyon, Paris, assinado por Álvaro
de Campos. Desse dia em diante se interessou pelas coisas de Portugal,
tanto que se casou com uma portuguesa: D. Maria José de Lancastre de
Melo Sampaio, filha de baronesa e neta de conde.
Fico imaginando o Antônio perdido nas ruas e becos de Paris, uma
grande cidade, não resta dúvida, uma cidade estrangeira; ele cruza as ruas e
desaparece na multidão. Acho que melhor descrição não caberia para as
personagens de O tempo envelhece depressa. Para quem os observa de
longe: transeuntes. Um pouquinho mais perto e a gente nota a diferença:
alguns estão em terra estrangeira, são homens cultos na sua maioria,
poliglotas e leitores de Homero, mas estão velhos, alguns senis e além da
paisagem: o efêmero.
Como em outros livros do autor, nesse há referências literárias, o
“pobre rapaz de Praga que acordou fora de contexto” do conto Clof, clop,
clofete, clopete é Gregor Samsa e como ele as personagens de O tempo
envelhece depressa também estão atordoados, não com a metamorfose.
Não há nenhuma além do corpo jovem que se fez velho. Também não é a
cidade estrangeira. A descrição da paisagem é quase sempre dada a um
narrador sensível que faz disso motivo de reflexão e apreciação da arte. O
atordoamento porque se acordou fora de contexto é provocado pelo tempo
que passou depressa e nos deixou incompletos, fragmentados.
O tempo de Antônio Tabucchi acabou no dia 25 de março de 2012. Ele
nem fizera ainda 69 anos.

54



























história

55
Fim do jornal impresso
Manoel Neto Teixeira

Uma das invenções mais significativas e abrangentes da história da humanidade foi sem
dúvida a imprensa tipográfica, pelas mãos do sábio alemão Johann Gutenberg, década de
1430, assinalando a passagem da Idade Média para a Idade Moderna.
Com a invenção dos tipos móveis surge a máquina tipográfica (impressora) e daí a
reprodução da palavra, frases e textos em forma de livros, sendo a bíblia o primeiro a ser
impresso, conforme os registros. A invenção de Gutenberg foi tão revolucionária que só
pode ser comparada ao surgimento agora do computador e da reprodução digital da escrita,
na opinião de estudiosos da matéria.
A invenção da imprensa foi utilizada como ferramenta básica nas transformações que
marcariam o Renascimento, nos seus múltiplos aspectos, lastreando a passagem para a
modernidade.
Além da impressão do texto bíblico, tal como o conhecemos até hoje, a imprensa foi
utilizada como meio para a Reforma Protestante, no século XVI. Verdadeira revolução no
terreno da escrita e da leitura, com a produção de textos diversos, motivando o confronto
de ideias e concepções sobre o universo e a vida – vegetal e animal (onde se inclui o
homem como ser racional).
A escrita até então restringia-se a modos de réplica muito limitados, como as tabuinhas
com escrita cuneiforme dos povos sumérios, os papiros egípcios, os ideogramas chineses,
entre outras formas de reprodução, cujo acesso era restrito a pequenos grupos de pessoas,
geralmente ligadas aos palácios imperiais.
Fazia-se um molde com os caracteres móveis e, a partir dele, imprimiam-se quantas cópias
o estoque de tinta, à base de óleo, suportasse. O nome que passou a ser dado ao conjunto
de papeis impressos em caracteres móveis foi códice, do Latim códex.
Com as máquinas de impressão tipográficas tivemos a proliferação de periódicos – jornais,
revistas, livros e tantos outros impressos, ensejando o surgimento de atividades e
profissões – gráficos, jornalistas, editores, revisores, tipógrafos, em todos os recantos do
planeta. Passam os periódicos a ser instrumentos indispensáveis aos regimes políticos em
geral, de modo especial às democracias representativas, como é o caso do Brasil.
A imprensa é classificada como “o quarto poder”, ao lado do Executivo, Legislativo e
Judiciário, conforme ocorre em todos os regimes democráticos. É imensurável a sua
contribuição ao desenvolvimento das relações sociais, das ciências, das artes, da literatura e
demais formas de comunicação entre os povos.
Mas a inventividade do homem não tem limites, eis que de tempos em tempos vão
surgindo novas técnicas e instrumentos de comunicação e de produção nos diversos
setores de atividades, dos campos às cidades, acrescentando, quando não suprimindo,
antigas práticas. Assistimos, agora, melancólica e tristemente, ao fim dos jornais impressos,
de canto a canto do país, dando vez à comunicação eletrônica, com a informática e a
internet.
Após concluir os estudos básicos e o segundo ciclo (Clássico) no Diocesano de Garanhuns,
1965, ano do cinquentenário do nosso “Gigante da Praça da Bandeira”, como era por
todos – alunos e professores – proclamado esse educandário, dirigido por 44 anos

56
ininterruptos por Mons. Adelmar da Mota Valença, transferi-me para o Recife a fim de
realizar meus estudos universitários. Era 1966, quando fiz o vestibular para a Faculdade de
Jornalismo da Universidade Católica. Ao mesmo tempo, submeti-me a um “teste” para
atuar como repórter do Diário de Pernambuco, pelas mão e olhar atento do diretor,
jornalista Antônio Camelo (de saudosa memória).
Feliz início, para mim, pois levava a cabo o estudo teórico na Faculdade e a prática no meu
dia a dia de repórter do DP. Conclui Jornalismo em 1968, naquela turma de tantos amigos
e companheiros como Jones Figueiredo Alves, Marcílio Viana Luna, Antônio Martins,
Jones Melo, padres Florisval e Hildebrando, entre outros. A secretária da Faculdade, à
época, Wânia Nóbrega, jovem de apenas 15 anos, hoje, por ironia do destino, minha
companheira.
A profissão de jornalista no Brasil só veio a ser regulamentada em 1969. Até aí podia-se
trabalhar nas redações dos jornais e revistas sem o diploma universitário. Pois bem, desde
então me acostumei a ler jornal impresso como a primeira atividade do dia, principalmente
o velho/novo DP, conferindo o tratamento que o editor havia dado, dia anterior, aos meus
textos (notícias e reportagens). Agora, órfão dessa leitura, tenho que conviver e me inserir
às novas formas (online) de leitura. O fim dos jornais impressos no Brasil segue um
imperativo capitalista, além, claro, da força transformadora da internet.
Para mim, a morte (anunciada) concretizou-se na manhã daquele sábado da última semana
de abril de 2021, quando me dirigi à banca para adquirir o jornal impresso e recebi a triste
notícia de que os jornais impressos (Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e Folha
de Pernambuco) saíram definitivamente de circulação.
Tenho, pois, motivos pessoais para fazer este registro, meu desencanto com o fim dos
jornais impressos: ainda adolescente em Garanhuns já experimentava o fascínio de ver, nas
oficinas do jornal O MONITOR, do qual me tornaria colaborador, apesar da pouca idade,
o manuseio dos tipos móveis na formação de cada palavra, frases e parágrafos, compondo
as notícias, reportagens e artigos dos profissionais e colaboradores desse veículo. Sensação
que se ampliaria ao me transferir para o Recife e iniciar minhas atividades de repórter do
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, início de 1967.
O parque gráfico do DP ocupava todo o primeiro andar do histórico prédio da Praça da
Independência (Pracinha). Quantas vezes lá comparecíamos para dirimir dúvidas sobre esse
ou aquele texto, preparados por cada profissional, na redação (ocupávamos todo o segundo
andar do edifício), sob a supervisão dos editores. Foram 20 anos (1967/87) de militância
como repórter, revisor de originais e editor de texto do DP, certamente minha principal
“academia” como trabalhador da comunicação social. Tempo inesquecível: o
companheirismo, amizades, aprendizagens, sonhos e emoções, divididos/somados com
nomes de expressão do jornalismo e da própria cultura pernambucana.
Qual não era a emoção ao manusear cada edição, que começava a circular em plena
madrugada do novo dia, trazendo nossas matérias e dos companheiros, bem como as que
chegavam através das agências de notícias, nacionais e internacionais, os telégrafos.
Impressas em cada edição do nosso DP, o mais antigo em circulação da América Latina
(07-09-1825). Esquecer tudo isso não é fácil, com todo respeito às novas ferramentas.
Década de 80, vivenciamos a mudança das linotipos para o offset. Mas agora, tudo é
diferente, do texto impresso para a leitura online. Não é fácil acostumar.
MNT é autor, dentre outras publicações, da coleção
MULTIVISÃO, com VIII volumes.
polysneto@yahoo.com.br

57
Um padre muito atual: e as quadrilhas
Luzilá Gonçalves Ferreira

Um personagem, no cenário da cidade. Além de cumprir, digamos


religiosamente, suas obrigações eclesiásticas (o que lhe permitia penetrar
na vida alheia de parte da população e frequentar salões literários, como
aquele de Dona Anunciada Camila, a formosa qual pincel em tela fina de
Maciel Monteiro), o padre Lopes Gama foi educador, tradutor, professor
de retórica no Seminário de Olinda, deputado. Dirigiu os Cursos
Juridicos, o Colegio de Orfãs, a Instrução Pública. Mas o que nos deixou
de mais interessante é, certamente, seu jornal O Padre Carapuceiro,
publicado por vários anos a partir de 1840. Um excepcional documento
sobre o Recife, a desonestidade de políticos e de certas senhoras que
mandam nos maridos e espalham boatos sobre a vida alheia, copiam as
modas estrangeiras, sobretudo as vindas da França. E tudo isso o padre o
faz com estilo vivo, cômico, delicioso. Como no capítulo do jornal
dedicado às quadrilhas, palavra que no Nordeste lembra antes a dança,
como o lembrou Luce Pereira, no DP, lamentando que as atuais andam
perdendo a graça antiga e mais se assemelham a Escolas de Samba. Mas
voltemos ao Padre. Que, segundo a tradição secular que atribui aos
moradores de conventos o gosto pela boa cozinha, o bom vinho, descreve
sua predileção pela culinária junina, as canjicas, os milhos assados à
fogueira, mas ridiculariza a moda das quadrilhas, nas quais os cavalheiros
só fazem andar e cumprimentar as damas “enrufadas em seus engomados
vestidos” e assim “´por modo de peruzinhos que começam a brigar.”
Em crônica de 6 de abril de 1842, o Carapuceiro retoma o tema da
quadrilha e acrescenta uma observação infelizmente muito atual : “Por
toda a parte aparecem quadrilhas (inclusive de ladrões)”. Como atuais
são as observações do Padre sobre as mazelas de nossa cidade. Uma
reeedição do jornal O Carapuceiro, organizada por Leonardo Dantas, foi
feita pela Prefeitura do Recife, há uns anos, e uma compilação de alguns
dos melhores trechos do jornal, por Evaldo Cabral de Melo, agora
esgotada, foi realizada pela Companhia das Letras. Mas o leitor deste
artigo pode encontrar toda uma matéria sobre o Carapuceiro com trechos
do jornal, no livro Escritores Pernambucanos do Século XIX, tomo I,
editado recentemente pela Cepe, de autoria, toda modéstia à parte, desta
que vos escreve. Uma grande leitora e admiradora de Lopes Gama, o
Padre Carapuceiro, uma das joias da Literatura Pernambucana.

DP, 13 junho 2017

58



























ficção

59
Reprise
Luiz Felipe Maldaner
Esperei todo o tempo que me era possível,
para evitar ouvir de novo
aqueles repugnantes sons.

- Pär Lagerkvist, O anão

Ele estava jogando xadrez na casa do irmão. De repente levantou-se e


empurrou o tabuleiro, jogando-o no chão. As pedras espalharam-se pela
sala. O irmão assustou-se, perguntou o que estava acontecendo, ele o
mandou plantar batatas, que já estava de saco cheio de perder uma partida
atrás da outra. O irmão tentou acalmá-lo, mas ele se desvencilhou e saiu.
Ganhou a rua, aliviado. A noite já trouxera o seu manto escuro e ele se
deu conta de que passara boa parte do dia jogando xadrez. Sentiu-se um
tanto frustrado pelo tempo gasto enfurnado ali dentro. De súbito, ouviu um
som estranho vindo de um pequeno matagal no terreno baldio.
Aproximou-se com cuidado, tudo muito estranho. Fez barulho, pisando
num galho seco. Ouviu um grito estridente e, logo outros mais. Pareciam
crianças correndo, aos gritos, do matagal, em sua direção. Assustado, correu
também. Na rua, de chão batido, erodida da água da chuva, havia muitos
buracos. Na escuridão era difícil vê-los, volta e meia tinha de diminuir a
passada para escolher o melhor caminho.
Na sua idade, correr era uma extravagância, e já começava a lhe faltar o
fôlego. Os gritos das crianças, mais estridentes, não eram exatamente gritos,
eram ganidos, estranhos ganidos. Caiu. Os gritos cada vez mais próximos.
O tornozelo doía, continuou saltitando num pé só, mas foi em vão. Mãos
pequenas puxaram-no pelo braço e o derrubaram. Um facho de luz direto
no rosto, cega-o momentaneamente. Os gritos diminuem, são agora frases
soltas, e ele ainda sem entender o que acontecia.
Mas não eram crianças. Eram anões, vários anões que agarravam e
rasgavam sua camisa. Fez força para se desvencilhar. Em vão. Vasculharam
seus bolsos, a carteira, vociferando impropérios e, cada vez mais
incontrolados, chutaram-lhe as pernas, os braços. Davam-lhe socos. De
repente o anão que segurava a lanterna fez um sinal para os outros, e
partiram.
Prostrado, doído, levantou-se a custo, deu alguns passos e caiu
novamente. Precisava chegar em casa, pedir socorro. A rua deserta.
Levantou-se mais uma vez, capengando. Na esquina uma luz veio em sua
direção, faróis de um carro. Acenou, mas o carro seguiu. Continuou a
caminhar com dificuldade. De repente, acenderam as luzes da rua.

60
Chegou, esvaído. Abriu a porta, e não era a sua casa, era uma estação de
trem. Comboios estacionados, o vapor saindo das caldeiras, espalhando-se
pela plataforma vazia. Os trens estavam lotados. Não eram passageiros,
mais pareciam prisioneiros, com seus olhares perdidos. Um homem com
uma perna só, de muletas, parecia o Wunibaldo, mas usava um traje militar.
Tudo muito estranho. Puxou uma corda, ouviu-se o badalar de um sino.
Em seguida, o primeiro trem partiu. E logo encostou outro comboio,
também lotado, olhares fugidios. Pareciam prisioneiros. Os vagões eram de
ripas vazadas, semelhantes aos usados para o transporte do gado.
Novamente o militar de uma perna só bate o sino, e outro trem parte. E a
cena se repetiu, mas os rostos dentro dos vagões são os mesmos.
Ele estava exausto, pensou em se aproximar para ver melhor a cena que
se repetia. Atravessou a porta e deu um salto para chegar à plataforma. Caiu
num vazio. Foi caindo, caindo, até que sentiu uma pequena mão que o
agarrou com firmeza.

61
Antiga história escandinava
Otaviano Amantea

Nevava muito e dois amigos saíram caminhando. A noite chegou e a neve


aumentou. Estavam com fome, sede, exangues. Continuaram andando, com
dificuldade. Ouviram o choro de um recém nascido. Pararam ambos. E
distante uma luz. Uma casa. Um deles disse: vou procurar a criança e o
outro disse eu não, continuarei buscando o calor da casa. O que ficou
acabou encontrando a criança abandonada, arroxeada, quase morta. Com
dificuldades a colocou junto ao peito, cobriu-a com o manto que levava, e
começou a andar procurando a casa. Depois de horas conseguiu chegar.
Bateu na porta. Crepitava uma lareira. Colocou a criança próxima ao fogo.
Logo ela chorou, estava viva! Perguntou: onde está meu amigo que chegou
aqui bem antes de mim? O dono da casa respondeu: ninguém chegou nesta
noite. Dia seguinte, ao amanhecer, ele saiu campeando. Achou o amigo
morto numa vala, congelado. Ai entendeu que somente sobrevivera pelo
calor da criança. Junto ao peito. Ninguém pode deixar alguém pelo
caminho.




























62



























cordel

63
1º CAMPEONATO BRASILEIRO DE POETAS REPENTISTAS

Promovido pelo CPC-UMES e a UCRAN (União dos Cantadores Repentistas e


Apologistas do Nordeste), foi realizado de abril a julho de 1997, com
a participação de 96 cantadores, que se enfrentaram ao longo de 19
etapas. O vencedor foi Oliveira de Panelas. Em segundo lugar ficou
Ismael Pereira. Os repentistas Valdir Teles e Sebastião da Silva
obtiveram o terceiro e quarto lugares. A mesa julgadora foi presidida
pelo escritor Assis Ângelo. O repentista Lourinaldo Vitorino foi o
responsável pela apresentação e coordenação do projeto “O Desafio do
Repente” (CPC-008), CD que traz as principais pelejas da etapa final
do campeonato, realizadas no Memorial da América Latina, foi lançado
pela Gravadora CPC-UMES, em dezembro de 1997.
http://www.umes.org.br/index.php/poetas-repentistas

http://umbrasildeviola.blogspot.com/2011/10/oliveira-de-panelas-joao-pessoa-pb.html
http://oliveiradepanelas.blogspot.com/
https://dicionariompb.com.br/oliveira-de-panelas/dados-artisticos
http://culturapopular2.blogspot.com/2010/03/oliveira-de-panelas.html

64






























“Na gramática portuguesa quem sabe tudo sou eu “

OLIVEIRA DE PANELAS

https://www.youtube.com/watch?v=ah4g4KvuwhM
Veja aqui, desde o início, entrevista com o poeta,
e a partir dos 6’25’’ o poema “Na gramática portuguesa quem sabe tudo sou eu”.

65
66



























cinema

67
A linha tênue de Chicago
Cássia Cassitas

Uma amiga se mudou para Chicago. Por que me lembrei disso? A razão se
repetiu três vezes em menos de um mês. O marido, executivo de uma
multinacional, estava habituado a se mudar, alugar casa e aguardar a
chegada da esposa e dos três filhos. Será que o sobrenome do marido-
executivo-organizador era Hoffman? Ela, por sua vez, facilmente seguia o
movimento dos expatriados. A “família de quem deixou tudo para trás e
seguiu adiante”, diziam, enquanto minha mente imaginava uma tomada
panorâmica em que o mundo se torna o lar e a mudança frequente domina
os close-ups. O importante era, na família dessa amiga e no filme Os sete de
Chicago (Sorkin, 2020, BEL), manter as coisas alinhadas.
Ah, mas em Chicago não foi assim. Lá estavam os cinco do Brasil não fazia um mês,
quando começou o pesadelo. Caía a noite e ninguém conseguia dormir, devido ao barulho
enlouquecedor de milhares (isso mesmo!), milhares de cigarras em época de acasalamento.
No cinema foi mais rápido: Bobby Seale permaneceu apenas cinco horas na cidade. Tempo
suficiente para garantir que fosse enquadrado em contra-plongées agigantados nas cenas
protagonizadas. Não se enganem com as pequenas coisas, cigarras são uma espécie que
leva a sério questões de coletividade. Passam anos sob o solo, de 13 a 17 dependendo da
espécie, como raízes emaranhadas a conviver simbioticamente em seu habitat até atingirem
a idade adulta. Então, abandonam a estética rizomática subterrânea, delineiam planos de
fuga em feixes de vidas barulhentas a se espalhar em platôs de urgência e ação. Penso nos
discursos, alguns inflamados, outros sagazes, milhares alinhados em torno da defesa do
viver e deixar viver, dispostos a empunhar gritos de ordem e de paz. Elas fazem isso juntas,
todas de uma vez. Elas quem? Individualidades em movimento. Eles o fizeram em grupos-
rizomas, diversos grupos sociais retratados como platôs pelo roteirista e produtor Aaron
Sorkin no protesto contra a Guerra do Vietnã durante a reunião nacional do Partido
Democrata na cidade de Chicago. Cinco mil cidadãos americanos em marcha a delinear
linhas de fuga. Imagens em preto e branco recortadas de informes jornalísticos de época
mesclados a cenas em que a profundidade e os gestos preservados compõem a sequência
do confronto. O resultado desse tipo de evento é uma festa de arromba, em que ninguém
consegue dormir. Minha amiga não conseguia. Chicago também não. Elas queriam acasalar,
eles queriam que todos voltassem para casa. Para resumir, as intenções pacíficas não se
mostraram suficientes. A polícia tomou o parque, as ruas, as rédeas da situação. Ela não
esperou, fez as malas, botou as crianças no carro e avisou ao marido: me avise quando você
resolver isso. Os líderes dos movimentos que participaram do protesto acabaram nas mãos
do juiz Julius Hoffman, aquele citado no início do texto por gostar de organizar as coisas a
seu modo. Na década de 1960, Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) Tom Hayden (Eddie
Redmayne) Jerry Rubin (Jeremy Strong,) Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II,) John
Froines (Daniel Flaherty,) Rennie Davis (Alex Sharp,) David Dellinger (John Carroll
Linch) e Lee Weiner (Noah Robbins) não puderam deixar a cidade como minha amiga.
Juro, essa narrativa é toda baseada em fatos reais. O governo americano bem que tentou,
mas como resolver a questão? Eu me pergunto: como é que a gente lida com forças da
coletividade de tal envergadura?
A vocação de Chicago para acolher grupos barulhentos com o propósito de mudar as
coisas não é algo a se desprezar. Lá surgiram políticos influentes, entre os quais o ex-
presidente Barack Obama, cujas trajetórias remetem às ideias de Alexis de Tocqueville e

68
sua visão peculiar do “individualismo a serviço da democracia”, e da “tirania da maioria”.
Aqui do meu sofá, eu me questiono se estaria errado estabelecer uma relação entre
“individualismo” e o que aprendemos a denominar “diversidade”. O certo é que Chicago
vibra modernidade, capitalismo e diversidade. Não é um acaso seu repertório de palco.
Talvez pela originalidade do roteiro, pela eloquência da montagem em que as frases
iniciadas por um personagem são concluídas por outro, a versão cinematográfica da luta de
Abbie Hoffman (outro Hoffman no comando!) sacudiu minha percepção sobre a verve
pungente da metrópole. Deixem que se manifestem, os democratas, as cigarras, os
manifestantes! Talvez não tenha sido bem assim. Do longa-metragem Os 7 de Chicago
(Sorkin, 2020, EUA) ecoa a presença de uma linha tênue com a qual Chicago costura o
destino em torno de leis, costumes e abusos.
De um lado, o jovem promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt), uma lista com
oito nomes, e uma ordem: resolva isso condenando esses homens. Do outro lado, sete
líderes de movimentos sociais representados pelos advogados Wiliam Kunstler (Mark
Rylance) e Leonard Weinglass (Bem Schenkman). O oitavo nome é ninguém menos que o
cofundador dos Panteras Negras, Bobby Seale (aquele que ficou apenas cinco horas na
cidade). Sem advogado constituído, ele é impedido de exercer seu direito constitucional de
se defender. Por insistir em fazê-lo, o juiz Julius Hoffman ordena que “seja feito o que
deve ser feito”. Numa cena de impacto na trama, ele é agredido, tem os pés e mãos
algemados e presos a um cinturão, sua boca é preenchida pelo que parece ser um pano e
então amordaçado. Forte? Certa vez ouvi de um documentarista brasileiro que nenhum
filme é mais forte do que a realidade que pretende retratar. No julgamento comandado pelo
Hoffman de toga, a situação se repetiu por dias. Apenas quando o promotor solicita ao juiz
a retirada das queixas contra Bobby Seale, a barbaridade é estancada. O juiz atônito, se vê
encurralado diante do resultado de seu próprio excesso e liberta o réu das correntes.
Um dos antigos, o grego Hieráclito alardeava o poder do espanto na evolução da
humanidade. De várias formas, o julgamento ultrapassou a tênue linha entre “a forma
como as coisas são feitas” e o humanamente insustentável. Quando nos vemos frente a
algo que não podemos desculpar, enxergar por outro ângulo, algo dentro de nós impede
que permaneçamos na posição de espectadores, passivos e coniventes. Nossas certezas
estremecem a exigir uma atitude, algo que recoloque as coisas no lugar. Pode ser uma
velhinha em dificuldades na rua, uma briga de cachorros, alguém queimando nossa camisa
favorita. O fogo da indignação que habita em nós lança nosso comodismo, ou bons
modos, às cinzas e queima até a raiz o medo de agir. O Hoffman sem toga testemunhou, o
executivo que talvez seja Hoffman esperou. O ciclo se completou, todos voltaram para
casa.
Não dá para se enganar com as aparências. A camisa pode ter sido queimada pela velhinha,
os cachorros podem estar disputando o único pedaço de comida a que tiveram acesso há
dias. O mais importante é fazer como Tom Hayden, o “bom moço” que quase pôs tudo a
perder várias vezes antes de se tornar um deputado reeleito três vezes; manejar a
inteligência com bom senso como Abbie Hoffman e segurar, quantas vezes forem
necessárias, a situação no rumo certo; apostar na calma e na educação como David
Dellinger; acreditar no amor como Jerry Rubin e Rennie Davis. Que se acasalem e voltem
para casa, ora bolas! Enquanto as cigarras cantarem, a vida transcenderá a guerra.

69
Geraldo José Correia de Melo

contexto “Dizes-me com Com certerça


quem andas e - Programa de rádio,
eu te direi se
vou contigo”
às terças-feiras
Barão de Itararé

O Brasil tem concerto.


- Anúncio, música clássica

“PROCURA-SE HOMENS”
- RdC 1, 1/7/2021 Qual a principal
característica dos seres
humanos?
“É muito bom ser campeão a) peso
chegando em primeiro lugar”. b) inteligência
- Massal, massagista do time c) velocidade
de futebol da Associação d) força
Cultural e Desportiva e) altura
Potiguar da cidade de - Questão número 7,
Mossoró/RN prova de Direito Ambiental,
9. período, Faculdade
Maurício de Nassau, Recife
“(Queria) a casa cheia de
bruguelinho, um no bucho,
outro correndo pelo
terreiro, e outro no
pensamento”. - Cibele
Laurentino, in “Nobelina –
Plus Editora, 2021

“Ministro da Saúde muda foto


no Facebook”. - Coluna
Painel, Jornal O Estado de
São Paulo

“Durante essa viagem para o


autoconhecimento, a
instrutora irá direcionar o
participante a descobrir,
desenvolver e potencializar
as virtudes, as forças de
caráter e o seu talento, de
modo a orientar, por meio de
ferramentas usadas pela
psicologia positiva, o
desenvolvimento humano com
base nos fundamentos da
ciência e do bem-estar”.
- IEL, 08/06/2021

70
A desilusão é didática.
– Arnaldo Jabor


Aula

“Nosso Profe. de latim, Mestre Aristeu, era magro


e do Piauí. Falou que estava cansado de genitivos,
dativos, ablativos e doutras desinências. Gostaria
agora de escrever um livro. Usaria um idioma
de larvas incendiadas. Epa! O profe. falseou-ciciou

um colega. Idioma de larvas incendiadas! Mestre


Aristeu continuou: quisera uma linguagem que
obedecesse a desordem das falas infantis do que
as ordens gramaticais. Desfazer o normal há de
ser uma norma. (...)

- Manoel de Barros,
"Memórias Inventadas: A Segunda Infância"

71
AGRADECEMOS
A VOCÊS QUE NOS AJUDARAM SEM SABER, SABENDO PREVIAMENTE QUE É DANDO
QUE SE RECEBE, E QUE ESTÃO AQUI CONOSCO VENDO O QUE FIZEMOS COM O QUE
VOCÊS FIZERAM.

Millor Fernandes, pag. 6


Jorge Amado, pag. 8
Mário de Andrade, pag. 10
Z, pag. 79
Edilberto Coutinho, pag. 80
?, pag. 80
Manuel Bandeira, pag. 81
Mário Pontes, pag. 81
José Condé, pag. 81
Nilo Pereira, pag. 81
João Cabral de Melo Neto, pag. 81
Carlos Pena Filho, pag. 83 a 87
Biblioteca Nacional, pag. 79, 88 e 92/98

Créditos Fotográficos
Página 06: https://www.google.com/search
Página 24: Gustavo Mendes
Página 26: Jaime Jackson
Página 30: Antonio Miranda
Página 32: Antonio Miranda
Página 34: Diego Mendes Sousa
Página 43: Salete Rego Barros
Página 64: http://www.umes.org.br/index.php/poetas-repentistas
Página 65: http://oliveiradepanelas.blogspot.com/
Página 68: Cássia Casssitas
Página 70: UBE Recife
Página 71: Geraldo José Correia de Melo
Página 79: http://memoria.bn.br/DocReader
Página 88: idem
Página 89: https://www.portalsaofrancisco.com.br/biografias/carlos-pena-filho
Pagina 89/91: http://revistamododeusar.blogspot.com/2017/04/carlos-pena-filho-1929-1960.html
Páginas 92/98: http://memoria.bn.br/DocReader
Página 99: https://www.youtube.com/watch?v=H3gl9vKk76g

A Revista Raso da Catarina tem fins culturais e educativos, e não visa a obtenção de lucros.
Artesanal, amadora e de formato digital, não remunera nem é remunerada, tem circulação
dirigida e distribuição gratuita.

Todos os que desfrutam acreditam que na árvore o que importa é o fruto, quando na verdade o
que importa é a semente; eis a diferença entre os que desfrutam e os que creem.
- Friedrich Nietzsche

72
Biografias

ADÉLIA MARIA WOELNER (Curitiba PR,1940). Escritora, Academia Mossoroense de Letras. Fundador da Editora
advogada e professora universitária. Formada em Direito Sarau das Letras.
pela Universidade Federal do Paraná, é a atual ocupante
da cadeira nº 15 da Academia Paranaense de Letras. DIEGO MENDES SOUSA (Parnaíba, costa norte do Piauí,
15/07/1989) é poeta em tempo integral. Autor de dez livros
ADRIANA MAYRINCK (Recife PE, 1970). Autora, editora, de poemas, dentre eles, "Metafísica do encanto" (2008) e
produtora cultural. Criou a IN-FINITA em 2008, para "Tinteiros da casa e do coração desertos" (2019).
assessoria literária e produção cultural. Em 2017 mudou-
se para Portugal e divulga os lusófonos, em seus projetos Antônio DIRCEU RABELO de Vasconcelos (Tuparetama
e eventos. Tem dois livros publicados. PE 14/06/1939). Advogado, professor, ensaísta e poeta.
Foi assistente Jurídico no Banco do Brasil. Membro da
ANA MARIA CÉSAR (Recife PE) Bacharel pela Faculdade Academia Pernambucana de Letras.
de Direito do Recife, e Letras Neolatinas pela Universidade
Católica de Pernambuco. Publicou 14 livros - ensaios, EMANUEL LOMELINO (Camarate Pt, 29/01/1972). Autor,
poesia, memória, ficção, história (A Bala e a Mitra, A assessor literário e revisor. Tem 8 livros publicados, criou
Faculdade Sitiada, O Tom Azul, No limiar do tempo, Três em 2010 os blogs Toca a escrever e Toca a Falar Disso
homens chamados João. Pertence à Academia para divulgação de autores lusófonos, Sócio da In-finita.
Pernambucana de Letras e a outras entidades literárias.
FERNANDO TAVARES (Recife PE, 1948) Psiquiatra,
ANTONIO BRASILEIRO Borges (Ruy Barbosa BA, 1944). Psicólogo Clínico. Escritor, Poeta, Membro da UBE/PE,
Poeta, cordelista, professor, ficcionista, ensaísta e artista Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda,
plástico. Professor universitário, mora em Feira de Presidente da SOBRAMES /PE. Publicou "Metamorfoses
Santana. É membro da Academia de Letras da Bahia. do Tempo" (2014); e "Chamas e Cinzas" (2018).

ANTONIO GALDINO DA SILVA (Zabelê PB, 1948). FLÁVIO Henrique Albert BRAYNER (João Pessoa PB,
Registrado em Monteiro, morou em Taperoá, terra de sua 1956). Mestre em História (UFPE), Doutor em Filosofia da
mãe. Está em Paulo Afonso há 66 anos. Professor, educação (Sorbonne-Paris), Pós doutor em Filosofia
escritor, criou o jornal Folha Sertaneja em 2004, e é o atual (Sorbonne-Paris), Professor catedrático da UFPE. Ex-
presidente da Academia de Letras de Paulo Afonso. professor da Universidade de Montpellier.

ANTONIO TORRES (Sátiro Dias BA, 1940). Membro da FRANCISCO NERY JR (Salvador BA, 1947). Formado em
Academia Brasileira de Letras, da Academia de Letras da Letras pela Universidade Católica do Salvador. Professor
Bahia, da Academia Petropolitana de Letras, e sócio- de inglês, português e latim. Cursos de aperfeiçoamento
correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. em Houston, Texas; Worcester, Massachusetts;
Jacksonville, Flórida; Toulouse, França. Membro da
ARAMIS RIBEIRO COSTA (Salvador BA, 1952). Médico, Academia de Letras de Paulo Afonso, Bahia.
poeta, cronista, ficcionista, ensaísta, é autor de mais de
duas dezenas de livros, a maioria de ficção (romance, GEOVALDO CARVALHO (Escada/PE - 1950). Jornalista,
novela e conto). Pertence à Academia de Letras da Bahia. pos graduado em Redação, Marketing, Midias digitais e
Convergencia. Membro da Academia de Letras de
BRÁULIO TAVARES (Campina Grande PB, 1950). Campina Grande, publicou "Voo Livre" e “Vida Avessa".
Compositor, poeta, letrista, pesquisador de ficção científica
e literatura fantástica, escritor, tradutor, colunista de jornal. GERALDO JOSÉ CORREIA DE MELO (Natal RN, 1956).
Escreve roteiro para shows, cinema e televisão. De uma família de escrevinhadores premiados, diz que 1 é
pouco, 2 é bom 3 é demais.
CÁSSIA CASSITAS (Curitiba PR). Professora, autora de
romances, artigos e ensaios. Mestre em Comunicação e GUSTAVO MENDES (Paulo Afonso BA, 1977) Músico,
Linguagem, pós-graduada em Filosofia e Existência, chef, fotógrafo. Mora em Afogados da Ingazeira-PE.
Engenharia da Informação e Didática do Ensino Superior.
Presidente da Academia Feminina de Letras do Paraná. HAYTON ROCHA Paraibano criado em Alagoas, 63 anos,
vivendo hoje entre Brasília e Maceió. Casado, pai de três e
CYRO DE MATTOS (Itabuna Ba, 31/01/1939). Jornalista, avô de seis, é pós-graduado em Marketing, autor de “Só
advogado, contista, novelista, romancista, poeta, ensaísta. eu sei” (2020) e “Vai que dá certo ano que vem” (2020).
Publicou mais de 50 livros, no Brasil, Portugal, Itália,
França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Rússia e JAIME JACKSON (Paulo Afonso BA, 1951). Escritor,
Estados Unidos. Membro da Academia de Letras da Bahia. contista, cantor, compositor, músico, mágico, vendedor,
corretor de imóveis, ilusionista, mágico, hipnotizador.
DAVID DE MEDEIROS LEITE (Mossoró RN, 17/06/1966)
Professor, advogado, escritor e poeta, pertence à JANIO SOARES (Glória BA, 1963). Cronista, Secretário de
Cultura de Paulo Afonso.

73
JOÃO MARQUES Escritor, poeta, jornalista. Fundador do Olinda e de Garanhuns, da Academia Pernambucana de
Jornal O Século. Ex-Presidente da Academia de Letras de Letras Jurídicas e do Instituto Histórico de Olinda.
Garanhuns e do Grêmio Literário Ruber Van der Linden.
MARCONI URQUIZA (Bom Conselho PE, 1959). Escritor,
JOSÉ ALEXANDRE SARAIVA (Panelas 1949) Advogado, cronista, publicou “A Ética correu a alma” (2019).
jornalista, escritor e músico. Publicou, dentre outros, “De Advogado, Mestre em Gestão Pública e Professor.
Labiata a Lagoa da Canoa passando por Tacaratu, via
Quipapá ou Caruaru”. Pertence ao Centro de Letras do NIVALDO TENÓRIO (Garanhuns PE, 1970. É autor de
Paraná e ao Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Dias de febre na cabeça (2015) e Ninguém detém a noite
(2017) ambos contos, editora Confraria do Vento. Em
JOSÉ HORÁCIO DE ARAUJO (Sítio Caldeirão/Caruaru 2021, pela CEPE, publica Verão, também contos.
PE, 08/06/1947). Engenheiro, escritor, poeta.
OLIVEIRA DE PANELAS (Francisco Oliveira Melo –
JOSÉ LIRA (Pedra Lavrada PB, 1946). Publicou dez livros, Panelas/PE, 1946). Cantor, cantador, poeta repentista,
quatro deles com poemas de Emily Dickinson, e treze compositor, escritor. Vencedor do 1º Campeonato
folhetos de cordel, além da produção de Matsuo Bashō e Brasileiro de poetas repentistas, em 1997. Publicou 15
uma coletânea da poesia de Kobayashi Issa. “A Paisagem livros e inúmeros cordéis. Gravou 11 LPs e 22 CDs.
Lá Fora” e “Haicais Sequenciais” são os mais recentes.
OTAVIANO AMANTEA DE SOUZA CAMPOS é
JOSÉ LUIZ MÉLO (Jaboatão dos Guararapes PE,1941). advogado, palestrante, especialista em gestão de riscos.
Publicou “proibições e Impedimentos” pela editora Pirata Foi funcionário do Banco do Brasil.
em 1981 e a trilogia “ Livro dos Sonetos”, dos primeiros
aos derradeiros, o último em 2020. PAULO GERVAIS Veloso Filho (Garanhuns-PE, 1964).
Poeta, publicou os livros: "Guerra Florida" (Ed. Moenda
JOSÉ NIVALDO JR. Escritor, jornalista, publicitário, Fina), "Paulatim" (Ed. CEPE) e " Ó Zé Régio, Eu,
professor de Marketing Político, co-fundador do jornal O Dionízio," (Editora Vacatussa).
Poder, membro da Academia Pernambucana de Letras.
RUY ESPINHEIRA FILHO (Salvador BA 1942). Poeta,
LUIS FELIPE MALDANER (Cêrro Largo RS, 1956). Doutor romancista, professor, cronista e jornalista. Membro da
em Estudos Latino Americanos pela Hankuk University of Academia de Letras da Bahia.
Foreign Studies, Coreia do Sul. Professor do Mestrado em
Gestão e Negócios da Unisinos. Publicou três livros de SALETE REGO BARROS (Moreno PE, 1952). Arquiteta
contos e uma novela. Seu primeiro romance é de 2015. pela UFPE (1977), pós-graduada em Parapsicologia pelo
IPPP (1992). Fundadora da Novoestilo Ediçoes do Autor
LUZILÁ GONÇALVES FERREIRA (Garanhuns PE) Cidadã (1995), da Cultura Nordestina Letras & Artes, onde exerce
recifense por aclamação. Romancista, professora universi- o cargo de produtora cultural, e da Rede de Associados
tária, doutora em estudos literárias (Universidade Paris VII) Letras & Artes, da qual é a atual presidente.
Pesquisadora de Historia das Mulheres, vários livros
publicados. Da Academia Pernambucana de Letras, da VIRGÍNIA LEAL (Recife PE, 1956). Doutora em Semiótica
Academia de Letras e do Instituto Histórico de Garanhuns. e Linguística pela USP/Université Paris X. Professora do
Departamento de Letras/UFPE. Integra conselhos editorias
MANOEL NETO TEIXEIRA (Itaíba PE, 1943). Escritor, de revistas nacionais no campo dos direitos humanos e
jornalista, memorialista. Bacharel em Comunicação das letras. Tem especial interesse em temas relacionados
Social/Jornalismo e Direito (UNICAP). Mestre em Ciência à análise de discurso, mídia, artes e direitos humanos.
Política pela UFPE. Membro das Academias de Letras de

PARTICIPE!
Pedimos, propomos, criticamos, sugerimos, ouvimos.
Aceitamos e agradecemos colaborações, sugestões e críticas.
LEITORES: Escrevam e comentem os artigos publicados.
AUTORES: A próxima edição será fechada em 15/08/2021
Clareza
Concisão Serão aceitos os trabalhos que
Fruição atendam estes requisitos; os
Inquietação demais poderão ser submetidos
Instiga? ao Conselho Editorial se o autor
Inspira? assim o desejar. Desejamos
Entretém? que deseje.
Move?
Comove?

74
CARTAS
Belíssima diagramação. Trabalho primoroso. - Ana Maria César

Obrigada por ter compartilhado comigo essa revista tão incrível, com poemas fantásticos e fotos tão lindas! Sempre
gostei da frase “A vida imita a arte” e gostei muito de encontrá-la logo de início, mesmo que invertida. – G. Caparica

Não foi surpresa as belezas poéticas que encontrei nas suas páginas. Obrigada por enviar-me a Revista Raso da
Catarina 1! Parabéns [...] pela maravilhosa criação! - Lúcia Ramos

Parabéns pela iniciativa e, com certeza, esta estreia já garante o sucesso dos ávidos leitores, que como eu,
sentem-se gratificados por poesia e artigos que nos elevem o espírito e ocupem nossa mente , principalmente
nesta época, especialmente difícil de se viver. Abraços – Elda Madruga

Um belo trabalho! – Edward Lago de Macedo

Bela revista! Belíssimo trabalho! A revista é limpa, com textos curtos e autores de alto nível! Gostei da proposta e do
título. Além disso, traz um lindo livro infantil! – Diego Mendes Sousa

Amei a revista, parabéns! – Edileusa Bezerra Patriota

Li e adorei. Parabéns! – Marcos Mendonça

Uma bela é significativa produção!! - Dyandrea Portugal

Que maravilha ! Vou compartilhar – Ezilda Monteiro

Acabei de receber a edição da revista Raso da Catarina, além dos outros artigos. Gostei muito da linha editorial e da
excelente qualidade. A equipe está de parabéns pelo ótimo trabalho – Marcos Rosa de Lima

Estou adorando sua revista!!! Um primor! Estou na pág 10. Amei o Duelo, da pág 9! Mas o meu métier/vício de
revisora me faz comentar com vc que percebi, no índice, a falta do M, em “Procuram-se homens” = Homens são
procurados... Tinha que estar, o verbo, no plural... É crítica construtiva, e um erro muito comum — se serve de
consolo, como em: “Vendem-se casas”, “Alugam-se apartamentos”... Sempre se esquecem do M... – Angela Guerra

A primeira vista, imperam sentimento e arte. Alegria. Vou ler a totalidade. – Euler Araujo de Souza

Só folheei, pareceu-me um excelente obra! Vou lê-la com calma! - Zilda Pires

Gostei muito da revista – Sergio Das C. Loureiro

Com uma vista d'olhos rápido dá pra ver que é uma excelente revista. [...] me animo a manter uma assinatura.
Depois verei com mais vagar toda a revista. Mas pelo que apresenta, parece coisa fina. – Brito

Já dei uma olhada na revista! Textos interessantes! – Zilda Mendonça

Gostei muito. Muito bonita. Parabéns! – Alexandre Santos

Maravilha a Revista Raso da Catarina. Parabéns! - Dixsept Rosado Sobrinho

Passei o dia na leitura [...] Do início me deparei com o fim, [...], uma abertura antológica. Como conseguiu juntar
toda essa gente? [...] Iniciativa [...] brilhante, que perpetue e preencha muito mais os nossos dias de cultura, beleza,
poesia e aprendizado. Aguardando a número 2, [...] estamos precisando tanto de boa leitura, novos conhecimentos.
[...] Parabéns!!! Caso você resolver distribuir por assinatura, estou aqui e será um prazer. - Paulo Gomes de Oliveira

Vou ler e reler, pois já gostei muito do que vi – Ismael Gaião

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Recebi com prazer! Vou ler. Não vou ler, vou degustar com calma. Obrigado! – Carlos Guido

Já comecei a ler. Estou no Duelo das palavras. Sensacional – Jayme Jackson

Gostei da periodicidade: trimestral. A carga de alguns textos exige absorção lenta e gradual, sob pena de overdose
de reflexões e sentimentos. Não gostei de ser digital. Vejo-a apropriada às leituras de cabeceira. Preferia, pois, o
cheiro de tinta das impressas ao brilho do tablet nas retinas ressecadas. Fazer o quê? Nada. Ou imprimir o arquivo
na papelaria da esquina quando a vacina fizer sua parte em minha vida. – Hayton Rocha

Muito bom! Amei!! Parabéns e sucesso! – Adriana Mayrinck

Pareceu-me muito bem feita! Parabéns! Bom ver material interessante e de qualidade sendo apresentado em
tempos tão difíceis. Isso faz diferença, traz um facho de luz nesta interminável noite. – Lilia Souza

Que maravilha e privilégio receber a primeira edição. Gostei Mto da sua carta ao leitor. É uma contribuição de peso
aos amantes da boa leitura, na nossa língua portuguesa. Vou repassar para amigos apreciadores da boa escrita,
artigos, contos, crônicas e poesias. Parabéns por esse belo trabalho. Sucesso! Forte abraço – Ricardo Luiz e Silva

Excelente trabalho, belo visual e rico conteúdo. - Ney Perracini

É um catatau de especiarias culturais das melhores - Francisco Nery Jr

Ficou linda a revista.... - Patrícia Tenório

Parabéns pelo primoroso trabalho da Revista: Sucesso. - Ivanilde Gusmão

Que surpresa agradável... Que bela revista: apresentação, qualidade impecável, com texto de abertura magnífico. A
revista é toda arte! - Adelia M. Woellner

Muito obrigada pelo envio dessa magnífica obra. Parabéns para a equipe e os coautores. - Socorro Cavalcanti

Maravilha de obra literária – Sebastião Cunha

Ao ler as primeiras páginas percebi que tenho um tesouro em mãos – Aderbal Cunha

Você é teimoso e corajoso demais. Viva. Abraço – Luzilá Gonçalaves Ferreira

Densa. Intensa. Plural. Multissemiótica como a pós-modernidade reclama! Comecei e não conseguia parar... Projeto
gráfico bonito, pop, de deixar cativos olhos, coração e cérebro! Que tenha vida matusalúnica e reconhecida! – Virgínia Leal

Ótima a sua revista virtual. Parabéns. - Aramis Ribeiro Costa

Muito bonita a Raso da Catarina! Muito grata pela publicação de meu texto. Parabéns e um abraço solidário. - Edilene Matos

Longa vida para ela. – Antonio Torres

Parabens! - A. C. Secchin

Estou extasiado. Ágape intelectual. Orgasmo emocional. Cheiro de grama orvalhada, dia e esperança novos,
renascimento. Três, em especial, pela visão telúrica e por menção os dois últimos ao meu coração afetivo, me
preencheram o dia e o coração: "Que chute", "O menino, o boi e o burro" e "Se meu rio falasse". Lavra sentida,
dorida, escarafunhando a infância. Devoto de Chiquinho, o Amantea se amanteigou. Obrigado. - Otaviano Amantea

Edson, meus parabéns por sua revista. É claro que ela vai dar (ou melhor, já deu) certo... Sinto-me honrado por
estar ao lado de tantas pessoas de alto poder literário. Meu abraço. - José Lira

Parabéns Edson Mendes. Que extraordinário trabalho cultural. Muito bonita e com autores de renome. – Edir Meireles

Rica diversidade de vidas, temas e ensaios – Daniel Duarte Pereira

76
lançamentos
UFPE – Notícias, 30/06/2021 16:59
Cepe Editora lança as crônicas provocativas do professor Flávio Brayner
A arte de se tornar ignorante, do professor da UFPE, reúne artigos publicados de 2016 a 2019 sobre
política, democracia e educação

Comentários racistas, ameaças ao ensino, ataques à ciência e o desmonte da cultura apregoados pelo
governo federal e por cidadãos brasileiros serviram de mote para o professor Flávio Brayner escrever
crônicas semanais. Parte desses artigos, publicados na página de Opinião do Jornal do Commercio de
2016 a 2019, com agudeza e ironia fina, estão agora reunidos no livro “A arte de se tornar ignorante”, que
a Cepe Editora lança amanhã (1º). Brayner é professor aposentado do Departamento de Fundamentos
Sócio-Filosóficos da Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É formado em História
pela UFPE e autor de vários livros na área de educação.

A live de divulgação será às 19h30 com a presença do autor e de dois apresentadores da obra, o professor
Lourival Holanda e o ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Anísio Brasileiro, no
canal da Cepe no YouTube. O livro pode ser adquirido por R$ 40 (impresso) e R$ 16 (e-book), em lojas
físicas e no site da Cepe.

“A arte de se tornar ignorante” tem 288 páginas e 125 crônicas selecionadas de acordo com os eixos que
conduzem o livro: Os outros, A arte de se tornar ignorante, Universitas, O tempora, o mores!, Política &
História e O que fizeram de mim. Nos textos, curtos e elegantes, Flávio Brayner registra suas memórias e,
principalmente, aquilo que absorve em leituras e conversas. “Um pouco de atenção que dedico à nossa
época, seus costumes, sua decadência, aos ditos das pessoas, às declarações de homens públicos, às
passagens dos grandes clássicos da cultura, e que me servem de motivo e tema para os artigos”, afirmou o
autor.

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autores: 40 + 12
esta obra não teria sido realizada sem a sua participação

Esta segunda edição da revista Raso da Catarina


foi produzida em pdf, no formato A4, em junho de 2021,
no poço da panela e na rua da concórdia, e em
Recife, Paulo Afonso, Petrolândia, Campina Grande,
João Pessoa, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Curitiba, Lisboa, Maceió, Santos, Garanhuns, Natal, Feira de Santana,
Itabuna, Mossoró, Parnaíba, Afogados da Ingazeira.

Estiveram conosco, em participação especial, os


seguintes personagens, por ordem de entrada:

Carlos Estevam Millor Max Perkins Jorge Amado Carlos Pena Filho Tania
Otília Eufrásio Clarinha Rui Paulo Caio Zé Condé Gilberto Freyre Joaquim
Cardoso Ascenso Ferreira Capiba Brennand Ariano Suassuna Odorico Tavares
Cícero Eduardo Governador Moisés Paloma João Zélia Pedro Nava Mário de
Andrade Cecília Meireles Erza Pound Rilke Neruda Rimbaud Mallarmé Manuel
Bandeira Deolindo Tavares T. S. Elliot, Tereza Tenório, Marcus Acioly Otávio
Paz, Maiakovski Vinícius Walt Whitman Tagore Lourdes Sarmento Fernando
Pessoa Emil Staiger Domingos Carvalho Olga Savary Bashô André Gide Drummond
Ferreira Gullar João Cabral Lúcio Roberto Ferreira Tocqueville Deus Iavé
Allah Shiva Picasso Glauber Rocha H.G. Wells Pinto do Monteiro Nostradamus
João Zé Preto Loló Adelaide Dominguinhos Domingos Marcos Hilton Benjamim
Button Bogart Santo Antônio São João São Pedro Zé Dantas Luiz Gonzaga César
Leal Hilda Hirst Teresa Horta Maria de Lourdes Hortas Cora Coralina Ana
Cristina César Leal Adélia Prado Lucila Nogueira Marize Castro Vernaide
Wanderley Patrícia Maês Elizabeth Hazin Mária Maia Eunice Arruda Meimei
Bastos Luna Vitrolira Alberto da Cunha Melo José Rodrigues de Paiva Tito
Leite Alexandre Guarnieri Luís Filipe Sarmento José Luiz de Almeida Melo
Leminski Ivo Barroso Delmo Montenegro Antonio Carlos Secchin Miró Jaci
Bezerra São Jorge Frank Sinatra Herbert Vianna Jessier Quirino Milton
Nascimento Catulo da Paixão Marcos Valle Paulo Sérgio Valle Raimundo João de
Lemos Dimitri Nelson Pretto Vítor Hugo Zé Miron Dora Mario Quintana Solano
Trindade Agnes Erskine Édison Carneiro Margarida Trindade Caieiro Zé Régio
Dionízio Magno Martins Mané da China Roberto Magalhães Carlos Wilson João
Paulo Felipe Carlos Marcelo Teixeira Celecina Pontual Heraldo Borborema
Lavareda Orismar Rodrigues Jane Paulo de Tarso Correia de Melo Auta de Souza
Othoniel Menezes Carlos Newton Júnior Alfredo Perez Alencart Haroldo Bloom
David Leite Harald Weinrich Borges Heráclito Antônio Trabuchi Alvaro de
Campos Maria José de Lancastre de Melo Sampaio Gregor Samsa Johann Gutember
Adelmar da Mota Valença Antonio Camelo Jones Figueiredo Alves Marcílio Viana
Luna Antonio Martins Jones Melo Padre Florisval Padre Hildebrando Wânia
Nóbrega Anunciada Camila Maciel Monteiro Lopes Gama Padre Carapuceiro Luce
Pereira Leonardo Dantas Evaldo Cabral de Melo Par Lagerkvist Wunibaldo
Ismael Pereira Valdir Teles Sebastião da Silva Assis Ângelo Lourinaldo
Vitorino Sorkin Bobby Seale Abbie Hoffman Sacha Baron Cohen Tom Hayden
Eddie Redmayne Jerry Rubin Jeremy Strong Yahya Abdul-Mateen II John Froines
Daniel Flaherty Rennie Davis Alex Sharp David Dellinger John Carroll Linch
Lee Weiner Noah Robbins Barak Obama Richard Schultz Joseph Gordon-Levitt
Wiliam Kunstler Mark Rylance Leonard Weinglass Bem Schenkman Barão de
Itararé Massal Cibele Laurentino Arnaldo Jabor Mestre Aristeu Manoel de
Barros Friedrich Nietzsche Austro-Costa Paulo Fernando Craveiro Laurinda
Carlos Souto Pena Castro Alves Alvares de Azevedo Cassimiro de Abreu Roberto
Rossellini Di Cavalcanti Sosígenes Costa Sylvio Rabello Paulo Rangel Moreira
Murilo Costa Rego Renato Carneiro Campos.

78

dossiê
COISAS DA CIDADE
O acidente de Carlos Pena

Diante desse estúpido acidente, em que um jovem e


grande poeta do Recife ficou entre a vida e a morte, que
poderemos dizer, senão repetir os versos do aedo:
“Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra, tão pequeno”
Ontem, era outro grande poeta, que de modo tão
inesperado morria, dentro de um coletivo em disparada.
Hoje, é outro jovem e esplendido talento poético, que
sai de um automóvel em estado de coma; tão franzino,
que parecia mesmo aquele caniço, de que falava Pascal;
que um vapor ou uma gota dágua bastaria para matar.
Há poucos dias, toda a cidade se emocionava com o
desastre do avião da “Real”, que mergulhou nas mansas
águas da Guanabara, com 31 passageiros a bordo.
Muita gente jurou não mais viajar de avião pelos
perigos constantes que a navegação aérea oferece.
Mas andar de automóvel, numa cidade de ruas estreitas,
como é esta, acaso não será um perigo constante? Se
tomarmos um ónibus, arrisca-se o carro desgovernado a
bater num poste, como foi o caso de Austro-Costa. Se é
um carro particular, vai esbarrar-se com “coletivo, que
o reduz a um montão de destroços, como é agora o caso
de Carlos. Assim, o bicho da terra, tão pequeno, não
tem onde mesmo onde possa acolher-se; tantos são os
perigos que o rodeiam.
Mas há uma coisa, que se poderia chamar a “profilaxia
do acidente” e que aqui não se pratica. Não
compreendo porque as autoridades do transito ainda
não eliminaram a carroça de mão ou puxadas a cavalo,
que muitas vezes interrompe o tráfego, em ruas
movimentadas.
E qual a rua do Recife que não é movimentada desde
que o número de veículos motorizados aumenta todos
os dias? O mais indicado seria, de uma vez por todas,
proibi-la, no pressuposto de que tão anacrônico veículo
perturba a circulação e favorece o desastre.
Carlos Pena foi alcançado bem perto daquela igreja de
São José do Ribamar, naquele mesmo bairro por ele
celebrado no seu Guia poético da cidade, “de ruas de
casas juntas”; e de onde nunca supôs que seria
removido, um dia, entre a vida e a morte.

Z.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, quarta-feira, 29 de junho de l960


79
Um desastre de automóvel, na tarde de 27 de junho de l960, iria interromper a obra em
progresso de Carlos Pena Filho, já então apontado como um dos artífices da nova poesia
brasileira. Às quatro e quarenta e cinco da tarde, Carlos dá entrada, em estado
desesperador, no Pronto Socorro do Recife.
Durante 73 horas vive-se a expectativa dramática do desenlace. Ninguém queria
acreditar que o fôssemos perder. Há uma romaria de amigos, desolados, à porta do
Hospital, pedindo o milagre. Quase exigindo o milagre. Por que ele? Tão jovem, tão
bom amigo, tão alto poeta.
Véspera de luto no ar da cidade onde nasceu, que tanto amou e cantou. Onde fez tantos
amigos, que não o esquecem. De Carlos Pena Filho, diz Paulo Fernando Craveiro [...]
que “dividia o tempo em duas partes: escrever poesias e fazer amigos”. Paulo poderia
ter dito: duas artes.
E o milagre não veio. À primeira hora e dez minutos do dia primeiro de julho, a cidade
perdia o seu poeta. [...]
Nascido no Recife. Em 27 de maio de 1929. Filho de Laurinda e de Carlos Souto Pena.
De 1 metro e 69 centímetros de altura. De olhos castanhos. De cabelos castanho-
ondeados. Tudo conforme os dados de sua carteira de identidade, emitida pela
Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco. No Recife, em 15 de janeiro
de 1953. Ano seguinte ao da estreia em livro, com O tempo da busca (Recife, Edição
Região, 1952). Duas fotos 3x4 também datadas de 15.01.53. Frente e perfil. Rosto
magro de bigodes finos. Registro civil número 352.230. Impressão do polegar direito.
Não consta o dado principal: poeta.
[...]
- Edilberto Coutinho, in Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. São Paulo: Global
Editora, 1983

Carlos Pena Filho nasceu no Recife, à rua Princesa Isabel, a 18 de maio de 1929. Fez o
curso primário em Portugal, terra do seu pai. Voltou ao Recife aos 12 anos de idade,
tendo cursado o ginasial no Colégio Nóbrega e o clássico no Colégio Joaquim Nabuco.
Entrou na Faculdade de Direito, e se bacharelou em Ciências Jurídicas e Sociais em
1957. [...] Era Adjunto de Procurado Serviço Social Contra o Mocambo e [foi]
presidente da União Brasileira de Escritores, secção de Pernambuco, e também redator
do Jornal do Comércio. Filho do saudoso Carlos Souto Pena (Botijinha) e da Sra.
Laurinda Souto Pena, casou, a 24 de dezembro de 1957, com Maria Tânia Barbosa,
filha do industrial Eufrásio Dalva Barbosa e Sra. Otília Tavares Barbosa. Em 1959
nasceu Clara Maria, sua filha. Faleceu na primeira hora do dia 1o. de julho de 1960.
- ?, Breves notas biográficas – Diário de Pernambuco, 2 de julho de 1961

80
Escrevo este nome – Carlos Pena Filho – e estou certo de que o inscrevo na eternidade.
Pois me parece impossível que as presentes e futuras gerações esqueçam o poeta
encantador, tão cedo e tão tragicamente desaparecido. - Manuel Bandeira

Lírico, às vezes irônico, com vocação para estabelecer pontes de fácil comunicação com
o público, Carlos Pena Filho permanece uma lembrança muito viva nos círculos
boêmios do Recife, sua cidade natal, onde os bares que frequentava ainda guardam
poemas seus inscritos nas paredes. Nacionalmente, ele se tornou conhecido sobretudo
através dos versos de “A mesma rosa amarela, musicados por Capiba. - Mário Pontes

Para mim não era apenas o grande poeta do Recife e do Nordeste – o maior de sua
geração: era também e, sobretudo, o amigo querido, o irmão. – José Condé

Carlos Pena Filho morreu em plena vertigem lúcida, para dizer na sua apropria
linguagem. Morreu moço como morriam antigamente os poetas. Como morreram
Castro Alves, Alvares de Azevedo, Cassimiro e tantos outros, queridos dos deuses,
como se dizia então. E como esses e outros poetas que morreram cedo, ele ficará. A sua
poesia lhe deu a vida que a vida lhe negou: uma vida que floresce em versos,
eternamente. – Nilo Pereira

81
Carlos Pena Filho nos vinte anos de sua morte
João Cabral de Melo Neto

1. 3.

Todos os verdes que há no verde Sabia o da cana quando nasce


sabia (não mais os exerce): que é um verde lavado, de alface,

tinha-os da luz de Pernambuco e faz-se ácido, adolescente,


que se traz dentro como um pulso, e envelhece amarelamente,

e nos pernambucanos age no amarelo que murcha em palha


como se fosse seu sotaque. e onde, ainda núbil, se amortalha:

2. com medo que a dispam, se enluta


(mas a foice logo a desnuda).
Todos os verdes desse verde
estão vivos, maduram, crescem: De tais várzeas horizontais
de estupradas, cada ano mais,
do caldo-de-cana que o tempo
vai azedando e escurecendo, e onde o verde joga seu jogo
de ser amarelo, azul, roxo,
aos dessas praias do Recife
que mudam segundo o arrecife, Pena sabia o verde base
que dava a luz à sua frase,
ao verde dos sapotizeiros
que por noturno dá morcegos. incapaz de não ter leveza,
de não fazer leve e acesa.

82
Chope
(De Guia prático da cidade do Recife)

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antônio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde
mais se assemelha a um festim.
Nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
são trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra, amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isto no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
são trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,

83
A solidão e sua porta
A Francisco Brennand

Quando mais nada resistir que valha


a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar,
(nem o torpor do sono que se espalha).

Quando, pelo desuso da navalha


a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

a arquitetar na sombra a despedida


do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida

com tudo que é insolvente e provisório


e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.

Testamento do homem sensato


Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: Ele era assim...
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.

Aceita o que te deixo, o quase nada


destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.

Porém, se um dia, só, na tarde em queda,


surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,

deixa-a pousar em teu silêncio, leve


como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.

84
Soneto
A Maria Tânia

Por seres bela e azul é que te oferto


a serena lembrança desta tarde:
tudo em torno de mim vestiu um ar de
quem não te tem mas te deseja perto.

O verão que fugiu para o deserto


onde, indolente e sem motivos, arde
deixou-nos este leve e vago e incerto
silêncio que se espalha pela tarde.

Por seres bela e azul e improcedente


é que sabes que a flor, o céu e os dias
são estados de espírito somente,

como o leste e o oeste, o norte, e o sul.


Como a razão por que não renuncias
ao privilégio de ser bela e azul.

D. Sebastião, a caminho da África


Para Ariano Suassuna

Olhai, Senhor, para estas naus e vede


a quanto obrigam reino e cristandade;
atrás de nós já se ergue esta parede
de vento e mar e tempo e soledade

e à frente nos esperam sol e sede


e, mais que sede e sol, crua saudade
que pelas noites sem limites há-de
frequentar nosso abismo impuro. Sede

pois tão piedoso e justo quanto deve


ser um Deus para um servo e um soldado
que a proeza tamanha enfim se atreve
só porque julga ser do vosso agrado.

Mas não deixeis que volte sem vitória:


embora perca a vida, encontre a glória.

85
Para fazer um soneto
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:


se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza


das lembranças da infância, e não se apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece


dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.

Marinha
Primeiro trabalho publicado
Diário de Pernambuco, 1947

Tu nasceste no mundo do sargaço


da gestação de búzios, nas areias.
Correm águas do mar em tuas veias,
dormem peixes de prata em teu regaço.

Descobri tua origem, teu espaço,


pelas canções marinhas que semeias.
Por isso as tuas mãos são tão alheias,
Por isso teu olhar é triste e baço.

Mas teu segredo é meu, ó, não me digas


onde é tua pousada, onde é teu porto,
e onde moram sereias tão amigas.

Quem te ouvir, ficará sem teu conforto


pois não entenderá essas cantigas
que trouxeste do fundo do mar morto.

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Soneto oco
Ultimo trabalho publicado
Jornal do Comércio, Recife, 26/06/1960

Neste papel levanta-se um soneto,


de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,


sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,


pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,


olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

Soneto da Sexta-feira da Paixão


Encontrado após sua morte

Morto. Como também já morre o dia.


Mas continua a ser noutros lugares?
Ou morto diariamente nos altares
por ser diversa a morte que morria?

O corpo morto: azul melancolia


do mesmo azul perdido pelos ares,
vivo azul sobre os campos, sobre os mares,
sobre a clara manhã, sobre a hora tardia.

Um corpo morto. Um corpo morto de homem,


igual a esses cadáveres da guerra
que as batalhas atraem e consomem?

Ou um que junta o mundo à sua sorte,


contempla a sombra em torno e desce à terra
e morre em solidão e vence a morte

87
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Gilberto Freyre, Carlos Pena Filho, Roberto Rossellini e Di Cavalcanti, Recife, 1958.


Jorge Amado, Sosígenes Costa e Carlos Pena Filho, em 1960.

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Carlos Pena Filho, Sylvio Rabello, Gilberto Freyre,
Paulo Rangel Moreira e Murilo Costa Rego, década de 1950.

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PENA
( um documentário )
https://www.youtube.com/watch?v=H3gl9vKk76g
A mesma rosa amarela
Carlos Pena Filho

Você tem quase tudo dela,


o mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela,
só não tem o meu amor.
Mas nestes dias de carnaval
para mim, você vai ser ela.
O mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela.
Mas não sei o que será
quando chega a lembrança dela
e de você apenas restar
a mesma rosa amarela,
a mesma rosa amarela.

III/I

99

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