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6 | nº 6
Apoio Realização
Julho de 2019
Suplemento Gratuito
ISSN 2596-1373
04 08 17
ARTIGO CRISTALEIRA RADIADORA
FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
10 11
Kelson Oliveira
Raymundo Netto
Argentina Castro
curadoria, pesquisa e edição geral
Antônio Beethoven
Emanuela Fernandes
Hermínia Lima
assistência editorial
Fernanda Quinderé
GENTE ILUSTRADA Araceli Sobreira Benevides, Tércia
FLORES DE Lourdinha Leite Barbosa
Montenegro, Ana Karla Dubiella, Walber
Walber Feijó Diogo Fontenelle
AÇUCENA Feijó e Raymundo Netto colaboraram nesta
Mônica Silveira edição com textos e quadrinhos (exceto os da
Trevas do Dia seção “Radiadora”)
Cícero Almeida
Rogaciano Leite Filho Fernando França
Anielly Aquino
A Morte do ilustrações
Joan Edesson de Oliveira
Jangadeiro Cândido Rolim Amaurício Cortez
editor de design
Pe. Antônio Tomaz Carlos Gildemar Pontes
Deive Maria Agostinho Giselle Fernandes
Verde projeto gráfico
Cândido B.C. Neto
Júlio Maciel
Elton Danana Amaurício Cortez
As Doces Meninas William Lial editoração eletrônica
de Outrora Cid Carvalho Karlson Gracie
Horácio Dídimo Franklin Viana tipografia Maracajá
Flávio San revistamaracaja@gmail.com
Majela Colares contato
Marly Vasconcelos Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução
sem autorização prévia e escrita. Todas as
informações e opiniões são de responsabilidade dos
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respectivos autores, não refletindo a opinião deste
suplemento ou de seus editores.
Artista da Capa
Fernando França
Todos os direitos desta edição reservados à:
Raymundo Netto
Curador e editor do (sonho) Maracajá
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Artigo
Nilto
Maciel:
a herança de
um contista
inclassificável
D
esde a publicação de seu
foto: acervo Raymundo Netto
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Artigo
a 1980, como Murilo Rubião, Moacyr Scliar, J.J. reconstituem a vida simples, memoria-
5
Artigo
foto: acervo Raymundo Netto
O Amor de um
Tércia Montenegro,
Ana Miranda, Pedro Salgueiro e
Caio Porfírio Carneiro bom Amigo
M
inha memória entra em loop sempre que desejo:
volto àquela noite na livraria Café com Letras, onde
havia algum evento — um sarau, lançamento? Não
lembro mais — e no meio do barulho escuto alguém
chamar “Pedro Salgueiro!” Olhei na direção de onde
vinha a voz; fui lá, rompendo a timidez dos meus 17 anos, e me apresentei. Pouco
tempo depois, saía O Peso do Morto, livro de estreia desse autor que conheci antes
pelos contos lidos aqui e acolá, com entusiasmo.
Muita literatura se passou desde então. Foi Pedro — não esqueço! — quem me
apresentou Kafka, Quiroga, Rulfo, Munro... Até hoje ele continua me indicando
novos nomes (seus presentes são invariavelmente livros); prossegue sendo um dos
6
Artigo
leitores mais compulsivos que conhe- passeios e alguns atritos também, que
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Cristaleira
Cristaleira
Um brinde à
cidade e ao país de
Airton Monte Embriagai-vos. É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a
isso; eis o único problema. Para não sentirdes o horrível fardo do
Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra,
é preciso que vos embriagueis sem cessar. Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, como quiseres.
Charles Baudelaire
E
ra uma tarde de sábado, quando
foto: acervo Raymundo Netto
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Cristaleira
Logo ao aposentar a caneta, a má- humor e pela melancolia, ora desen- Ana Karla Dubiella
quina de datilografar e aderir ao com- cantada, ora tipicamente cearense, ao an_karla@hotmail.com
putador, o escritor/psiquiatra começou rir de si mesma para sobreviver. De Possui graduaço em Comunicação Social,
a receber diariamente e-mails de leito- bar em bar, a prosa e a poesia — a pro- especialização em Estudos Literários
res de todas as idades, criticando ou elo- esia, no dizer de Affonso Romano de e Culturais e mestrado em Literatura
giando seus textos, o que, segundo me Sant’Anna — correm frouxas e viram Brasileira pela Universidade Federal do
afirmou, o surpreendeu. Desde Moça literatura: “Porque nós gostamos de bo- Ceará. Doutora em Literatura Comparada
com flor na boca, sua primeira coletâ- tequins. Por isso que a gente frequen- pela Universidade Federal Fluminense.
nea (que acabou indicada para a seleção ta o Flórida Bar que tem 60 anos, que Atualmente, professora de Jornalismo,
de vestibular da UFC), a linguagem de nossos pais frequentavam. E o bar pra Gestora de Pesquisa e TCC no Centro uni-
Airton Monte tem o poder de encantar gente é isso (...) um espaço urbano onde versitário Inta (Uninta). É autora dos livros
(“a maior parte dos meus leitores são nos reuníamos para discutir as coisas. A traição das elegantes pelos pobres ho-
mulheres — e mulheres de 40 anos para Nós éramos uma geração, a geração de mens ricos: uma leitura da crítica social em
cima — e uma grande parte de aposen- 60, que nos interessávamos pelo Brasil! Rubem Braga (Edufes, 2007), Um coração
tados”, dizia). Que líamos Paulo Freire, que líamos postiço: a formação da crônica de Rubem
Em 2004, resolvi entrevistá-lo em Gilberto Freyre, Caio Prado Jr, a gente Braga (CCBNB, 2010) e a adaptação de sua
minha primeira pesquisa acadêmica (e queria saber que país era esse que a tese de doutorado As cidades de Rubem
que está no livro A traição das elegantes gente vivia. Coisas que a gente não Braga e W. Benjamin: flanando entre Rio,
pelos pobres homens ricos: uma leitura vê mais” ... Mas que costumamos ler,
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Cachoeiro e Paris (Lumiar, 2017).
da crítica social em Rubem Braga). Foi ainda, nas crônicas de Airton Monte.
ele que me fez pensar sobre a grandeza
do gênero litero-jornalístico e sua re-
lação umbilical com a cidade, todas as Para conhecer mais
do interior ao maior, que não tenha Monte (EDR). O livro pode ser
Leite Filho já fazia uma espécie de crô- Távora (anexo à sede do jornal
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Flores de Açucena
As Doces Meninas
de Outrora
as doces meninas de outrora
amanheceram
vestiram os vestidos novos
pintaram as unhas de vermelho
por um instante resplandeceram
depois baixaram as cabecinhas louras
e envelheceram como as flores
Horácio Dídimo
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Gente Ilustrada
Walber Feijó
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Radiadora
Radiadora
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Radiadora
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Radiadora
ÚTERO
Faltou energia de madrugada no meu deles uma máquina robusta, para bater e me apertou, fechou tão bem o aperto
prédio. Tive que descer, do oitavo andar, trilha. Os dentes dele aí se cravaram em que eu quase desmaio, eu aí consegui lhe
pelas escadas escuras, pelo útero do meu braço, eu dei um urro e arranquei dar um esbarrão contra a parede, des-
edifício. E me perdi. Dentro do útero ta- contra ele, dei-lhe sopapos e mais sopa- moronei-o contra a quina da escada, ele
teei saídas, mas sempre errava a porta, pos, nos atracamos, bolamos por alguns rangeu os ossos e roncou, mas logo se en-
sempre esbarrava contra o maciço da degraus da escada, sem falar nada um curvou, transferiu-me um golpe violen-
parede. O sufoco e o calor excessivo me para o outro, sem saber do rosto um do to na barriga, e de novo nos embolamos
deixavam molhado. O escuro redobrava outro, eu apenas me guiando pelo cheiro e emborcamos e desabamos pela escada
o calor, calava em meus músculos gran- fétido do perfume, dávamos bracejadas, até que violamos uma porta e fomos ex-
des bolhas de suor, que me empapavam um tentando rebentar o outro, eu já sen- pulsos para o meio do piso brilhoso da re-
a camisa. Eu subia e descia, me contorcia tindo o filete de sangue escorrer do meu cepção, duas criaturas geradas do escuro,
dentro do útero, mas sequer um fiozi- supercílio, eu já ensaboando os dedos da ensopadas de ódio, o porteiro assustado e
nho de vento eu puxava de um orifício, mão no sangue do meu rival, nos engalfi- se dirigindo para registrar tão repentino
porque não havia orifício algum. Teve nhamos mais, a fúria sem fim, cotovelos parto no livro de ocorrência.
um momento que emborquei dentro do contra cotovelos, respirações assopradas,
útero, depois de tropeçar numa perna. rancor de anos de um pelo outro, e eu o Rinaldo de Fernandes
Aí eu senti o cheiro do perfume barato esmurrei, esmurrei mais nas costas, como rinaldofernandes@uol.com.br
do meu vizinho que no fim de semana se querendo fazer seu pulmão berrar, e
me cuspira no rosto a palavra larápio. O ele me trancou o pescoço com o braço,
pilantra estava ali também procurando
sair do útero. Subiu uma raiva por eu
estar ali tão próximo do escroto, que, me
guiando pelo perfume, resolvi apanhar
o cabelo dele e lhe dar um puxão para
conter o canalha num soco. Dentro do
útero do prédio eu esbofeteei meu vi-
zinho que me menosprezava por
eu ter dois carros munidos, um
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Amanhecer Outros Voos
Radiadora
Morei em um lugar Retiro, um a um, teus dedos presos, ainda hoje, em meus cabelos.
que ainda não existia. Secura tua, fez rachar o chão do meu coração
Criamos as casas e as músicas Já não espero. Nada mesmo nos prometemos.
os pássaros e os consensos. Sigo outros voos que não passam pelo teu quintal.
Uma velha de cem anos me contou Tá silencioso meu coração
que com o tempo tudo mudaria, Arrisco beijos de outro colibri
e como mudaria: Pelo menos ele me vê, me escuta, me sente e, principalmente, me lê.
pois os extravios e erros chegam logo De silêncio e securas não guardo lembranças.
após o terceiro ou quarto amanhecer. Uso cores de Frida Khalo
Desde então, maquino todas as noites me perco entre borboletas e, quem quiser, que venha comigo.
um novo lugar para a vida.
Ainda ajudo a criar este lugar Argentina Castro
onde o amanhecer não seja o fardo dos ombros argesales@gmail.com
nem a condenação dos dias
e sim o presente do mundo.
Kelson Oliveira
kelsongok@yahoo.com.br
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O Pedreiro Amálgama
Radiadora
Constrói-se um verso a partir de palavras Definitivamente, não sou engenheiro do verso. A tua alma sabe
unidas pela argamassa da gramática, Se engenheiro eu fora, meus versos que a minha aura brilha
dentro dos imensos blocos de cimento armado seriam quando te vê.
da imaginação, abstrações concretas de uma Por isso ela se lança,
a encadear paredes de pensamento firme, firme, firme antes de ti,
sobre pilares de sentimento. suavidade. buscando acender a luz
que tu não podes ver.
Mas para isso não é preciso ser Antônio Beethoven
engenheiro do verso. abcgondim@gmail.com E quando, a aura acesa acende
Faz-se tão-só uso do o mundo em torno de mim,
Fio de prumo: ela se expande.
uma dúctil racionalidade Assim, a alma se dilui
estendida pelo peso da emoção. no raio incandescente
da aura que a conduz.
Hermínia Lima
herminialiteratura@gmail.com
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Radiadora
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Radiadora
Pelos Dedos Poema para
Meu amor transborda
Ser como se Diz
Não cabe no peito um poeta como se dissesse ser
Escorre pelos dedos ousa um passo no ósculo do desespero, a pedra a palavra do poeta.
Que querem com os óculos por cima das ventas. tudo tão concreto
Mais que tudo olhar retraído. em cruz e credo e asfalto
Descaradamente te tocar máquina de fazer imagens.
E como não desejariam? parado na rua. há como se diz
Essa tua pele cheirosa e mágica ali calado, as ruas de dentro
Uma vontade trágica como quando se diz uma pedra na ilusão
Esse santo calor! do caminho. caminho
Ah, esse amor... até o limite do poema
escarnecer
Mônica Silveira de ser mesmo uma esquina.
Cícero Almeida
ciceroas0509@gmail.com
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Radiadora
As cores vespertinas nos atraem, Agora parto e deixo paisagem quero uma noite de você.
a lua solitária goza que eu mesmo fiz; especial onde a lua amareleça
um orgasmo cheiroso vou fazer o caminho de volta e deixe cair as estrelas com
com perfume de céu. olhando as mesmas palmeiras pedidos em profusão.
Nádegas brancas e o mesmo pôr do sol;
contornadas pelo bronze tentarei reconstituir rosas, nuvens não resistem à noite,
da meia-noite. juntando-lhes pétalas pisadas. sonhos não entendem o raiar
E nós, Eu joguei pétalas para enfeitar do dia.
homens encantados com a lua, o caminho e perfumar
esquecemos as tardes, o vento. assim, o cenário de amor
as pérolas no fundo do mar Talvez não possa recompor quando olhos e braços
e chamamos de Pérola flores esmagadas partem na busca
o solitário ponto branco pelos pés trôpegos das caminhadas aflitas. de paz e certezas.
à noite escura a iluminar. É preciso morrer
antes do fim do caminho, na tua noite, sem fantasmas
Elton Danana terminando com o último vestígio ou sombras, beijos ganham
etregis63@gmail.com do sol vermelho relevos que espantam lágrimas
que a noite vai sepultar. gritos ou tristezas.
É preciso mesmo morrer nos primeiros passos
para haver tempo de ressurgir Franklin Viana
Submundo na noite que já vem. franklinadvmoreira@gmail.com
Quando o sol
Cid Carvalho
fecha os olhos,
a lua ilumina
toda a desordem
que os esgotos
sobre a terra
realizam.
William Lial
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Calçadas Palavras de um Rio Teatro Vazio
Radiadora
Corpos se desfraldam Dentro de mim ainda dorme um canto Eu dançava sem par no teatro vazio,
esguios, alguma força que guardei da fúria no braço a pulseira com o nome impresso
saem das calçadas no ouro falso das moedinhas.
— suas moradas sujas — e no meu ventre se resguarda o cio... Súbito, a música cessou. Parei o rodopio.
esparsos, com frio, Palmas, ouvi palmas entusiasmadas
olham as estrelas do céu mas vem a morte disfarçada em homem e perplexa ergui os olhos.
e não se contentam... que me instiga a responder com mágoa: Na última cadeira com forro de palhinha,
atiram-se uns aos outros, tu, solidão, tu me aplaudias.
dissolvem-se em gozos. — dentro de mim ainda pulsa um rio
Depois Marly Vasconcelos
voltam às calçadas Majela Colares
mortos de fome,
olham as estrelas
que somem.
Flávio San
flavioartesan@hotmail
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Tiragostos
artista
da capa
Fernando França
@fernandofrance
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