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Normas, Atitudes
e Comportamento
Social
Cícero Roberto Pereira
Rui Costa-Lopes
(organizadores)
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Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociais


da Universidade de Lisboa

Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9


1600-189 Lisboa - Portugal
Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

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E-mail: imprensa@ics.ul.pt

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na Publicação


Normas , atitudes e comportamento social /
(organizadores) Cícero Roberto Pereira, Rui Costa-Lopes.
- Lisboa : ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2012. - 231 p. ; 23 cm
ISBN 978-972-671-301-2
Atitudes sociais / Comportamento social / Normas / Discriminação
CDU 316.6

Capa e concepção gráfica: João Segurado


Revisão: Levi Condinho
Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.
Depósito legal: 350097/12
1.ª edição: Novembro de 2012
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Índice
Os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Introdução
A normatividade das atitudes e do comportamento social . . . . . . 15
Rui Costa-Lopes e Cícero Roberto Pereira

Capítulo 1
Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas:
uma tipologia de normas alternativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
José-Miguel Fernández-Dols

Capítulo 2
Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social:
a perspectiva da dinâmica de grupos subjectiva sobre
os mecanismos de controlo social nos grupos. . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

Capítulo 3
Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão
da crença no mundo justo – uma aventura em psicologia social . . 73
Hélder Alves

Capítulo 4
Votar ou não votar: eis a questão. As normas sociais
e o direito-dever de voto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Mónica Brito Vieira
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Capítulo 5
Cada cabeça, duas sentenças: reconhecimento e saliência
de normas sociais conflituantes e expressão de avaliações
raciais na infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Capítulo 6
Normas sociais e legitimação da discriminação . . . . . . . . . . . . . . . 171
Cícero Roberto Pereira

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
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Índice de quadros e figuras

Quadros
2.1 Características das focalizações normativas descritiva
e prescritiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.1 Médias (e desvios-padrão) de desejabilidade social por esfera e grau
de CMJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
3.2 Médias (e desvios-padrão) do grau de CMJ expresso nas quatro
variáveis dependentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Figuras
2.1 Dinâmica de grupos subjectiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.1 Médias das pontuações em CMJ pessoal e geral por valência
de imagem (Estudo 2). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3.2 Normatividade percebida por esfera e grau de CMJ . . . . . . . . . . . . . 93
3.3 Mediação da adequabilidade do discurso às expectativas
da sociedade entre o grau de CMJ expresso e os julgamentos
de merecimento de estatuto do alvo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
5.1 Média e intervalo de confiança de 95% do reconhecimento
da norma anti-racista, por grupo etário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
5.2 Coeficientes de regressão normalizados do modelo de mediação
da relação entre a idade e a percepção da norma anti-racista
pelo raciocínio metacognitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
5.3 Média e intervalo de confiança de 95% do reconhecimento
das normas anti-racista e da lealdade endogrupal, por grupo etário . . 160
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5.4 Média e intervalo de confiança de 95% da atitude racial


intergrupal, por grupo etário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
5.5 Relação entre as normas anti-racista (à esquerda) e da lealdade
endogrupal (à direita) e as atitudes raciais intergrupais . . . . . . . . . . 162
6.1 Efeito da justificação na legitimidade, na percepção de justiça
e na decisão dos participantes de contratar a candidata branca . . . 180
6.2 Modelo da discriminação justificada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
6.3 Efeitos do preconceito mediados pelas ameaças realista
e simbólica na oposição à imigração (Estudos 1 e 2)
e na oposição à naturalização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192
6.4 Relação entre o preconceito e a oposição à imigração mediada . . .
pela percepção de ameaça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
6.5 Relação entre o preconceito e a oposição à imigração
e à naturalização de imigrantes mediada pela percepção
de ameaça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
6.6 Influência da infra-humanização na oposição à entrada
da Turquia na União Europeia mediada pela percepção
de ameaça simbólica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202
6.7 Relação entre o preconceito e a discriminação contra pessoas
negras mediada pela percepção de ameaça económica . . . . . . . . . . 205
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Os autores
Adam Rutland
Unidade de Desenvolvimento da Criança, Centro para o Estudo dos Pro-
cessos Grupais, Escola de Psicologia, Universidade de Kent, Reino Unido.
Professor catedrático na Universidade de Kent, tem-se dedicado ao estudo
do preconceito e das identidades sociais na infância. Co-autor do livro
Children and Social Exclusion: Morality, Prejudice, and Group Identity, publi-
cou vários artigos científicos sobre os processos de exclusão, desenvolvi-
mento e redução do preconceito na infância.

Cícero Roberto Pereira


Investigador auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa (ICS-UL). Doutorou-se em Psicologia Social Experimental pelo
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). A sua investigação analisa
o modo como diferentes tipos de justificações são usados pelos actores
sociais para legitimar acções e políticas discriminatórias contra grupos
minoritários e a função identitária dessa legitimação nas sociedades de-
mocráticas contemporâneas.

Helder Alves
Doutorado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISCTE-IUL.
Actualmente é investigador em pós-doutoramento no CIS-IUL e na Uni-
versidade Autónoma de Madrid. É também docente do ensino superior.
A sua investigação centra-se no estudo da crença no mundo justo como
uma motivação e na sua expressão como uma norma social enquanto
mecanismo legitimador do status quo.

Isabel R. Pinto
Professora auxiliar da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade do Porto. Doutorada em Psicologia Social (FPCEUP,
2006). Investigadora do Centro de Psicologia da Universidade do Porto

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Normas, Atitudes e Comportamento Social

(CPUP). A sua investigação está centrada na reacção ao desvio em con-


textos intergrupais, identidade social e normas sociais.

José M. Marques
Psicólogo social, professor catedrático da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação-Universidade do Porto (FPCEUP), investiga-
dor Associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
A sua investigação centra-se no domínio das relações entre grupos e dos
processos intragrupais associados ao desvio no seio dos grupos, nomea-
damente no quadro da teoria da dinâmica de grupos subjectiva, da qual
é proponente.

José-Miguel Fernández-Dols
Professor catedrático de Psicologia Social na Universidade Autónoma de
Madrid (Espanha). As suas linhas de investigação focam o estudo das
emoções, das normas sociais e da conduta moral. Mais informação em
www.fernandez-dols.com.

Maria Benedicta Monteiro


Centro de Investigação e Intervenção Social, Departamento de Psicologia
Social e das Organizações da Escola de Ciências Sociais, ISCTE-IUL.
Professora catedrática no ISCTE-IUL, tem-se dedicado ao estudo do pre-
conceito em crianças e jovens, dos seus processos de socialização, e ao
desenvolvimento de modelos de intervenção sociocognitivos e socio-
normativos visando a redução de conflitos e a promoção de relações in-
tergrupais positivas. Coordenadora do manual de Psicologia Social, pu-
blicou vários livros e artigos científicos, em Portugal e no estrangeiro.

Miguel Cameira
Professor auxiliar da FPCE-UP. Doutorado em Psicologia Social pela
FPCE-UP (2005). Tem desenvolvido investigação sobre processos intra
e intergrupais, nomeadamente, reacções ao desvio, influência das normas,
e discriminação social.

Mónica Brito Vieira


Investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa (ICS-UL). Doutorada em Teoria Política pela Universidade de
Cambridge, e mestre em História do Pensamento Político pela mesma
universidade, o seu trabalho desenvolve-se na intersecção entre estas duas
abordagens ao estudo do pensamento político. Em anos recentes, a sua

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Os autores

investigação tem-se centrado na história e teoria da representação política,


conceito sobre o qual publicou dois livros, Representation (2008), com
David Runciman, na Polity Press, The Elements of Representation in Hobbes
(2009), publicado pela Brill. Tem igualmente trabalhado sobre o conceito
de direito e lei natural, bem como sobre a relação entre direitos, consti-
tucionalismo e democracia, com destaque para a questão dos direitos so-
ciais, que desenvolveu em O Momento Constituinte (2010).

Ricardo Borges Rodrigues


Centro de Investigação e Intervenção Social, Departamento de Psicologia
Social e das Organizações da Escola de Ciências Sociais, ISCTE-IUL.
Doutorado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISCTE-IUL, é
professor auxiliar convidado no ISCTE-IUL, e formador no Alto Co-
missariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI). Nos últi-
mos anos tem-se dedicado ao estudo dos factores explicativos do desen-
volvimento do preconceito na infância e à formação de adultos nas áreas
da Educação Intercultural, Saúde e Imigração.

Rui Costa-Lopes
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Dou-
torado em Psicologia Social (ISCTE-IUL, 2009). Colabora com o ICS-
-UL desde 2004 no âmbito de projectos na temática do preconceito, dis-
criminação e atitudes face à imigração. Desde 2009, desenvolve investi-
gação pós-doutoral no ICS-UL em colaboração com a Radboud Univer-
sity Nijmegen (Países Baixos) sobre a temática das normas sociais e o
preconceito implícito.

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Rui Costa-Lopes
Cícero Roberto Pereira

Introdução

A normatividade das atitudes


e do comportamento social
Em Dezembro de 2009 realizou-se no Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa um seminário sobre normas e comportamen-
tos sociais para o qual foram convidados investigadores que estudam fe-
nómenos sociais nos quais consideram as normas sociais como um fac-
tor-chave para a sua compreensão. O objectivo deste encontro foi o de
discutir o conceito de normas sociais, a sua ambiguidade e a sua centra-
lidade na investigação em psicologia social. Especificamente, pretendía-
mos saber como as normas sociais são apreendidas no trabalho dos in-
vestigadores convidados e oferecer-lhes um ambiente intelectual no qual
pudéssemos discutir estudos empíricos realizados a partir de diferentes
perspectivas analíticas, mas que partilham o pressuposto de que o con-
ceito de norma é fundamental na compreensão das atitudes e dos com-
portamentos dos actores sociais.
A ideia de realizar este seminário surgiu de uma reflexão sobre a ne-
cessidade de sistematizar o entendimento sobre a natureza da norma so-
cial e o seu impacto na interpretação dos resultados da investigação sobre
o tema, assim como proceder a uma revisão do papel que as normas de-
sempenham nas atitudes e nos comportamentos sociais. De facto, os psi-
cólogos sociais têm estudado de forma sistemática o papel de factores
normativos na formação, desenvolvimento e expressão de atitudes e com-
portamentos. O pressuposto sobre o qual estes estudos são realizados é
o de que a acção social não é aleatória. Pelo contrário, a acção dos actores
sociais segue um padrão diacrónico a nível intra-individual (i. e., uma pes-
soa tende a apresentar o mesmo conjunto de acções perante situações si-
milares em diferentes momentos no tempo), sincrónico a nível intragru-
pal (i. e., as pessoas num grupo tendem a agir de acordo com o padrão
de acção dos membros do grupo), diferencial a nível intergrupal (i.e., as

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Normas, Atitudes e Comportamento Social

acções das pessoas num grupo tendem a seguir um padrão diferente das
pessoas de outro grupo) e funcional a nível ideológico (i. e., a acção dos
diferentes grupos sociais tem a função de conferir legitimidade à forma
como a sociedade está organizada). Essas ideias reflectem o que já se po-
pularizou como níveis de análise do objecto de estudo da psicologia so-
cial (Doise 1980) no qual destacamos a função reguladora das normas
sociais nos quatro níveis de análise. Especificamente, as funções da norma
nesses processos são definir a organização das instituições, regular o pen-
samento de senso comum e especificar as situações sociais em que estão
envolvidas, principalmente em contextos de incerteza.

A natureza da norma social


O conceito de norma social é ecléctico, o que implica que a sua defi-
nição teórica e a utilidade para a compreensão dos fenómenos estudados
por cientistas sociais carecem de especificidade e clareza analítica. A ideia
de que as normas sociais são importantes não é recente. Tem a idade das
ciências sociais modernas. Referência ainda que difusa e carente de evi-
dência empírica sobre a sua importância para a compreensão do com-
portamento dos actores sociais e da organização das estruturas sociais
pode ser facilmente encontrada em autores clássicos nas ciências sociais.
Por exemplo, Sumner (1906) usou a expressão folkways e mores para referir
costumes habituais ora motivados por necessidades básicas dos indiví-
duos ora referentes a princípios éticos fundamentais. Sherif (1936), por
sua vez, definiu norma como formas padronizadas que regulam as acti-
vidades da nossa vida e o modo como percebemos o mundo. De uma
forma mais difusa, considerou normas o conjunto formado por costu-
mes, tradições, regras, valores, modas e todos os demais critérios de
conduta que são estandardizados como resultado do contacto entre in-
divíduos. Estas ideias são o pressuposto no qual assenta a hipótese de
que as normas sociais explicam o comportamento humano (Horne 2001)
e a ordem social das coisas (Durkheim 1965 [1912]).
A investigação empírica sobre a influência das normas nos diversos
domínios da acção social é caracterizada por um grande dissenso, prin-
cipalmente no que respeita à natureza conceptual dos fenómenos nor-
mativos (e. g., Shaffer 1983), o que coloca em relevo o debate sobre se o
uso de conceitos abstractos é pertinente para a análise científica de com-
portamentos e atitudes. De facto, o conceito de normas sociais é de tal
modo controverso que às vezes uma norma é definida como sendo um

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Introdução

valor, outras vezes como uma regra, ou mesmo como costume social,
convenção ou tradição (v. Dubois 2003). Este problema definicional traduz,
na concepção de Cialdini e colegas (1990), o facto de o conceito ser po-
lissémico, vago, demasiado geral, contraditório e, portanto, de difícil ope-
racionalização (para uma revisão, v. Rodrigues 2011). A polissemia re-
flecte-se também na completa falta de consenso sobre a pertinência do
conceito de normas como variável explicativa do comportamento social
e do funcionamento da sociedade. Para alguns investigadores (e. g., Latané
e Darley 1970), a noção de normas sociais é demasiado vaga e abstracta
para que se possa identificar o seu impacto no comportamento. Outros
autores têm opinião contrária a esta, pelo que acreditam no conceito de
normas como categoria analítica central para que se possa alcançar uma
compreensão profunda sobre a natureza e a função social das atitudes e
acções humanas (e.g., Deutsch e Gerard 1955). Apesar da polissemia e
da ausência de clareza e precisão do conceito de norma, a literatura tem-
-se concentrado em tentar especificar a função normativa dos fenómenos
sociais, muitas das vezes alimentando a indefinição conceptual ao con-
fundir função do fenómeno com o seu conceito. De facto, a sua função
reguladora das atitudes sociais (e. g., Asch 1952; Berkowitz 1972) e das re-
lações que os grupos mantêm entre si (e. g., Turner, Hogg, Oakes, Reicher
e Wetherell 1987) tem sido amplamente demonstrada na investigação
empírica sobre o tema (para uma revisão, v. Moscovici 1985), o que nos
alerta para o facto de a análise do pensamento e da acção dos actores so-
ciais enquanto fenómenos colectivos necessitar que se considere a pos-
sibilidade de existir uma função normativa nesses fenómenos.
Embora a falta de consenso sobre o que é uma norma tipifique a li-
teratura neste domínio, podem-se identificar duas características dos fe-
nómenos normativos, as quais têm sido apontadas como centrais para
que se especifique com precisão a natureza conceptual de uma norma:
a descriptividade e a prescriptividade. Isto é, a polissemia do conceito
de norma assenta na distinção entre o que é mais tipicamente feito (ou o
que se pensa que é mais frequentemente feito na sociedade), e o que é ti-
picamente aprovado (ou o que se pensa que é mais valorizado pela socie-
dade). A maioria das definições sobre normas podem ser organizadas
nessas duas categorias. A primeira categoria define o que se convencio-
nou designar normas descritivas. A segunda categoria designa as normas
prescritivas. Um exemplo desta tentativa de diferenciação entre normas
descritivas e prescritivas pode ser encontrado em Sumner (1906) e na
sua distinção entre folkways – costumes habituais expressos por um
grupo motivados pela satisfação de necessidades básicas dos indivíduos

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Normas, Atitudes e Comportamento Social

e cujo desvio comportamental não suscita sanções severas (e. g., código
de vestuário) – e mores – costumes habituais que ascendem a um plano
de valor social superior por se considerar que incorporam princípios
éticos fundamentais à organização da sociedade (e. g., respeito pela pro-
priedade).
O termo normas descritivas é empregue actualmente para designar o
conjunto de pensamentos, atitudes ou comportamentos que é mais fre-
quentemente realizado pelos membros de um grupo social. Por exemplo,
Pepitone (1976, 642) referiu que «by normative it means that such social
behavior is more characteristic (e. g., more uniform) of some sociocultural
collective unit than of individuals observed at random». Norma é aqui
referida como um conceito usado para descrever aquilo que a maioria
dos membros do grupo faz, isto é, são os eventos mais frequentes. Em
outras palavras, «normative events are events that occur in the majority
of the cases; they are statistically the most prevalent» (Dubois 2003, 1).
Isto é, são os eventos modais. Ser normal significa «estar na moda». Por
analogia, os comportamentos não normativos, ou antinormativos, são
aqueles raramente executados ou mesmo não executados. É, designada-
mente, «estar fora da moda».
Por sua vez, o termo normas prescritivas caracteriza tanto os eventos
modais como aqueles cuja ocorrência seja valorizada ou desejada. Esse
tipo de norma remete-nos para a noção de valor, isto é, um fenómeno
será normativo na medida em que for valorizado no grupo. Esta ideia
de norma segue a proposta feita por Sherif (1936) segundo a qual estudar
normas sociais implica analisar valores. Nessa perspectiva, a norma pres-
creve o que «deve ser» e proscreve o que «não deve ser» pensado, sentido
e executado. O motivo pelo qual as pessoas seguem uma prescrição nor-
mativa seria, de acordo com Cialdini e Trost (1998), a necessidade de
estarem em conformidade com os valores sociais que prescrevem as re-
compensas para o seu cumprimento.
Em síntese, as definições sobre a natureza das normas reconhecem,
implícita ou explicitamente, a distinção entre essas classes de eventos fre-
quentemente observáveis e eventos socialmente valorizados. Assim, uma
norma social pode ser definida como um atributo grupal que é conside-
rado simultaneamente descritivo e prescritivo numa determinada colec-
tividade (v. Miller e Prentice 1996).

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Introdução

Influência social e a organização


da investigação sobre normas sociais
Numa revisão da literatura dos estudos sobre a influência social nor-
mativa, Pereira (2009) classificou a investigação sobre normas sociais em
três eixos temáticos. O primeiro eixo reúne os estudos que analisam os
mecanismos de formação das normas. O exemplo paradigmático da in-
vestigação sobre esse aspecto é o estudo clássico realizado por Sherif
(1936) no qual analisou os factores sociais que melhor explicam como
um quadro de referência individual é transformado numa norma grupal.
Na primeira fase do estudo, Sherif pediu aos participantes que, isolada-
mente, estimassem o tamanho das distâncias entre pontos de luz em mo-
vimento numa sala escura. O movimento percebido era, no entanto,
uma ilusão de óptica característica do efeito autocinético. Os resultados
mostraram que, após 30 estimativas, cada participante era capaz de for-
mar um padrão perceptivo relativamente estável sobre o tamanho das
distâncias dos supostos movimentos das luzes. Esse padrão individual
passou a organizar a percepção dos participantes de modo que cada in-
divíduo passou a fazer as mesmas estimativas para movimentos aleató-
rios, sugerindo que as pessoas tendem a organizar as suas experiências
em quadros de referências individuais, principalmente em situações de
incerteza. Na segunda fase do estudo, os indivíduos que já tinham for-
mado o seu quadro de referência pessoal tinham de realizar a mesma ta-
refa, mas em situações de grupo e depois de escutarem as estimações
feitas pelos outros membros do grupo. Os resultados dessa fase foram
elucidativos. Após algumas estimativas iniciais, cada indivíduo abando-
nava o quadro de referência individual e passava a seguir outro padrão
de respostas. Eles elaboravam um quadro de referência grupal. Especifi-
camente, o padrão de estimativas verificado na primeira fase do estudo
foi-se alterando espontaneamente em direcção a um ponto de referência
comum com base no qual todos os membros do grupo passaram a usar
como base para as suas percepções. Na terceira fase do estudo, cada mem-
bro do grupo era gradualmente substituído por novos indivíduos que
ainda não tinham participado nas fases precedentes (i. e., ainda não ti-
nham formado quadro de referência individual nem contribuído para a
formação da norma do grupo). Esses novos membros passaram a fazer
estimativas tendo como base a norma do grupo elaborada pelos outros
indivíduos, os quais não estavam presentes na experiência. Com base
nesses resultados, Sherif (1936) propôs que indivíduos colocados em si-

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Normas, Atitudes e Comportamento Social

tuação de grupo constroem normas sociais que regulam o seu compor-


tamento e a percepção que têm do ambiente em que vivem. A investi-
gação foi também reveladora no que respeita à força da norma grupal.
Mostrou que essas normas são factores mais importantes na definição
das percepções e dos comportamentos do que os quadros de referências
individuais na medida em que guiam as acções dos indivíduos mesmo
quando estes não contribuíram para a elaboração da norma grupal
(v. Garcia-Marques 2000, para uma revisão).
O segundo eixo temático organiza a investigação sobre se um deter-
minado fenómeno se reveste ou não de normatividade. Os estudos rea-
lizados por Jellison e Green (1981) sobre a norma da internalidade são
exemplos desse grupo temático. Na primeira experiência, Jellison e
Green mostraram que uma pessoa recebia avaliações mais positivas de
outras pessoas quando expressava atitudes causais internas do que
quando expressava atitudes causais externas. Noutra experiência, Jellison
e Green verificaram que as pessoas tendem a expressar com mais inten-
sidade atitudes causais internas quando lhes é pedido que respondam a
um questionário conforme as suas próprias opiniões do que quando
lhes é pedido que respondam como se fosse um membro típico do seu
grupo. Noutra experiência, as pessoas tentam exprimir mais atitudes cau-
sais internas quando lhes é pedido que dêem uma impressão positiva
de si do que quando lhes é solicitado que tentem exprimir uma imagem
negativa de si. Estes resultados são importantes para o estudo das normas
sociais porque indicam como se pode verificar a normatividade de um
fenómeno, para além de mostrar que a atribuição de internalidade é
uma norma social.
Finalmente, o terceiro eixo organiza a investigação sobre como as nor-
mas sociais influenciam as atitudes e comportamentos. Um exemplo pa-
radigmático desse eixo é a investigação realizada por Kelman (1958) sobre
a influência social normativa. Kelman levantou a hipótese de que uma
mensagem persuasiva influencia as acções dos actores sociais através de
três processos: 1) simples cumprimento da norma; 2) identificação com
a fonte de influência; e 3) internalização dos valores contidos numa men-
sagem normativa. Para mostrar a influência desses processos, Kelman
analisou a mudança de atitudes em alunos de cor negra que tinham opi-
nião consensual sobre a pertinência da lei anti-segregação racial nas es-
colas dos Estados Unidos. O seu objectivo era mostrar que a mudança
na atitude poderia verificar-se alterando manipulando as características
da fonte da influência social (i. e., fonte com poder de controlo social vs.
uma fonte investida de atractividade social vs. uma fonte revestida de

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Introdução

credibilidade) e a pressão normativa para o cumprimento da mensagem


persuasiva (i. e., pressão normativa vs. mera activação da norma vs. au-
sência da norma). Kelman pediu aos alunos que escutassem uma men-
sagem gravada em que se defendia uma posição contrária à lei anti-se-
gregação justificando que era necessário que algumas escolas fossem
frequentadas apenas por pessoas negras para que se pudesse manter pre-
servadas a cultura e a história dos negros. Na condição de poder de controlo
da fonte de influência, o autor da mensagem foi apresentado como o
«Presidente da Associação Nacional das Escolas Negras». Na condição
de atractividade da fonte de influência, o autor da mensagem foi apre-
sentado como o «Presidente do conselho estudantil». Na condição de
credibilidade da fonte de influência, a autoria da mensagem foi atribuída
ao «Professor de história das minorias raciais» que teria baseado a sua opi-
nião em pesquisas científicas e em «provas históricas».
A tarefa dos alunos era indicar se concordavam ou não com a opinião
do autor da mensagem. Essa indicação era realizada ora numa situação
de alta pressão normativa para o cumprimento da mensagem na qual os
alunos tinham de se identificar para que as suas respostas pudessem ser
inspecionadas, ora numa situação de ausência de pressão normativa, onde
não era necessária identificação. Os resultados mostraram que a opinião
dos alunos seguia a mensagem persuasiva quando o autor da mensagem
era apresentado como tendo forte poder de controlo, mas esse cumpri-
mento verificou-se apenas quando os alunos estavam sujeitos a forte pres-
são para seguir a mensagem. Quando o autor da mensagem era revestido
de atractividade, as opiniões dos alunos foram influenciadas tanto na si-
tuação de alta pressão normativa como na situação de ausência da norma.
Quando o autor estava revestido de credibilidade, os alunos não mudaram
as suas atitudes iniciais mantendo-se amplamente favoráveis à lei anti-se-
gregação. Segundo Kelman, estes resultados exemplificam os três proces-
sos pelos quais uma mensagem persuasiva influencia a mudança de atitu-
des. O primeiro processo actuou quando o autor da mensagem estava
investido de forte poder de controlo numa situação em que os alunos es-
tavam pressionados para seguir a mensagem. Estes exprimiram mudança
de atitude como uma estratégia através da qual poderiam obter aprovação
e evitar punição social. O segundo processo actuou quando o autor da
mensagem foi apresentado como socialmente atractivo. Nessa situação, a
expressão de mudança de atitude ocorreu porque os alunos se identifica-
ram com a fonte da influência normativa, ainda que não concordassem
com o teor da mensagem. O terceiro processo, designado internalização,
ocorreu na condição em que o autor da mensagem estava revestido de

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Normas, Atitudes e Comportamento Social

credibilidade. Nesta situação os alunos mantiveram as suas atitudes iniciais


porque o conteúdo da mensagem era incongruente com as suas crenças
e os seus valores previamente internalizados sobre o objecto da atitude,
neste caso, a lei anti-segregação racial nos Estados Unidos.

Organização do livro
A organização deste volume corresponde, em certa medida, à mesma
estrutura segundo a qual acabámos de descrever os trabalhos teóricos e
empíricos fulcrais na história das normas sociais. Assim, cada um dos seis
capítulos deste livro enquadra-se num dos três eixos fundamentais desta
literatura ainda que não formalmente distribuídos desse modo.
Os dois primeiros capítulos inserem-se no primeiro eixo que inclui
trabalho sobre a origem e formação das normas. O primeiro capítulo, da
autoria de José-Miguel Fernández-Dols, intitula-se «Normas formais e in-
formais vs. normas explícitas e implícitas: uma tipologia de normas al-
ternativa». Apesar de não se tratar de um trabalho que pensa sobre a ori-
gem das normas, trata-se de uma reflexão que repensa todo o conceito
de normas e que propõe uma nova tipologia para o entendimento deste
conceito. Ao apresentar esta nova tipologia, o autor avança a sugestão
de que o estudo psicossociológico das normas possa passar a focar-se em
todos os tipos de normas alargando a anterior perspectiva reducionista
que considerava irrelevante o enfoque nas normas formais e que se limi-
tava, por isso, ao estudo das normas informais.
Isabel Pinto, José Marques e Miguel Cameira são os autores do se-
gundo capítulo intitulado «Focalização normativa, reacções ao desvio e
identidade social: a perspectiva da dinâmica de grupos subjectiva sobre
os mecanismos de controlo social nos grupos». Ao identificar as dimen-
sões das normas sociais, nomeadamente a sua natureza, a sua extensão e
as suas funções, os autores apresentam uma reflexão teórica mas também
empiricamente suportada sobre a origem das normas. Na segunda parte
deste capítulo, os autores procuram aplicar a sua própria perspectiva aos
fenómenos intergrupais. Através desta perspectiva, que resulta de uma
articulação da visão da Dinâmica de Grupos Subjectiva (Marques, Paez e
Abrams 1998) com as reflexões anteriores sobre a origem e natureza das
normas, é analisado o comportamento desviante e as razões para a sua
punição ou promoção num contexto intergrupal.
Tal como referimos acima, o segundo eixo inclui trabalho que procura
averiguar se um dado fenómeno se reveste de normatividade. Incluímos

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Introdução

neste eixo o terceiro capítulo deste livro, da autoria de Hélder Alves, que
se intitula: «Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão
da crença no mundo justo – uma aventura em psicologia social». Como
o título deixa adivinhar, neste capítulo, o autor apresenta, numa perspec-
tiva que articula questões científicas com episódios do seu percurso pes-
soal, uma série de estudos que averiguaram a eventual normatividade da
Crença no Mundo Justo (CMJ). A teoria da CMJ defende que as pessoas
necessitam de percepcionar o mundo como um lugar onde os indivíduos
têm o que merecem e merecem aquilo que têm (Lerner e Simmons,
1966). Com este trabalho, o autor procurou saber se esta crença é vista
como socialmente relevante e normativa. O autor conclui que a CMJ é,
efectivamente, um fenómeno com valor social e que se reveste de nor-
matividade tanto a nível prescritivo como injuntivo (Cialdini et al. 1991).
Ainda neste eixo, incluímos aqui o capítulo de Mónica Brito Vieira
intitulado «Votar ou não votar. As normas sociais e o direito-dever de
voto». No âmbito de uma perspectiva mais enraizada noutra tradição dis-
ciplinar (história do pensamento político e social), a autora, que desde
cedo reflectiu profundamente sobre o conceito em análise, discute em
profundidade sobre em que medida o acto de votar pode ser compreen-
dido a partir de diferentes perspectivas e de como essas nos permitem
perceber se o acto de votar se reveste ou não de normatividade.
Os últimos dois capítulos apresentam estudos sobre o impacto das
normas nas atitudes e nos comportamentos dos indivíduos em contextos
intergrupais. O quarto capítulo, da autoria de Ricardo Rodrigues, Maria
Benedicta Monteiro e Adam Rutland, intitula-se «Cada cabeça, duas sen-
tenças: reconhecimento e saliência de normas sociais conflituantes e ex-
pressão de avaliações raciais na infância». Neste capítulo, os autores es-
tudam o desenvolvimento da norma anti-racista nas crianças e analisam
de que forma esta aprendizagem da norma tem impacto nas atitudes ra-
ciais que essas crianças expressam. A perspectiva desenvolvimentista
adoptada pelos autores permite perceber que a aprendizagem das normas
e a sua consequente «utilização» na regulação das atitudes e nos compor-
tamentos dos indivíduos em contextos públicos depende da idade. De
facto, é mostrado que é o desenvolvimento intelectual das crianças a par-
tir de uma certa idade que permite o desenvolvimento do raciocínio me-
tacognitivo que, por sua vez, permite o reconhecimento de normas so-
ciais que condenam a expressão de atitudes preconceituosas.
O último capítulo deste livro é da autoria de Cícero Roberto Pereira
e intitula-se «Normas sociais e legitimação da discriminação». Neste tra-
balho, o autor analisa o impacto das normas na relação entre preconceito

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Normas, Atitudes e Comportamento Social

e discriminação e demonstra como a existência de uma norma igualitária,


anti-racista, presente em todas as sociedades democráticas actuais, leva a
que os indivíduos procurem justificações não racistas para poderem dis-
criminar sem serem sancionados socialmente. A existência de uma norma
mais permissiva (Meritocracia), por sua vez, permite uma relação directa,
sem recurso a justificações, entre preconceito e discriminação.
Será importante referir que estes seis capítulos, que representam algum
do trabalho teórico e empírico mais relevante na área das normas sociais,
foram concebidos como capítulos independentes que permitem uma lei-
tura autónoma e não implicam qualquer leitura sequencial deste livro.
Desta forma, alertamos para uma possível redundância de termos e ex-
plicações ao longo do livro. Consideramos, no entanto, que tal redun-
dância pode ser importante ao permitir-nos perceber o que há de comum
e diferente nas várias abordagens, o que por sua vez facilita a identificação
daquilo que é verdadeiramente central no conceito de normas.
Para terminar, referimos, com um agradecimento, as pessoas e insti-
tuições sem as quais o encontro científico que deu origem a esta obra
não teria sido possível. Assim, uma primeira palavra de agradecimento a
todos os professores e investigadores que aceitaram participar neste en-
contro através da apresentação dos seus trabalhos, mas também a todas
as outras pessoas presentes que contribuíram para um debate interessante
e rico sobre o tema. Uma palavra especial ao Doutor Jorge Vala, que pre-
sidiu à abertura do encontro, e à Doutora Mónica Brito Vieira, que acei-
tou sentar-se com «os psicólogos» para trazer uma perspectiva diferente
ao encontro. À Fundação para a Ciência e a Tecnologia que apoiou fi-
nanceiramente grande parte dos trabalhos apresentados ao longo do en-
contro, dirigimos também o nosso agradecimento. Agradecemos final-
mente ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa que
serviu como instituição anfitriã do encontro e que ofereceu todas as con-
dições necessárias para a sua realização.1

1
Esta obra foi parcialmente financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia
ao abrigo do projecto com a referência PTDC/PSI-PSO/114159/2009.

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José-Miguel Fernández-Dols

Capítulo 1

Normas formais e informais


vs. normas explícitas e implícitas:
uma tipologia de normas alternativas
O conceito de norma social é um tanto ambíguo – a ponto de levar,
com certa frequência, os investigadores a procederem à delimitação entre
os fenómenos a incluir na categoria de «normas sociais» e aqueles que
caem fora desse âmbito. Bicchieri (2006) dá-nos um bom exemplo do
critério de delimitação clássico:

The social norms I am talking about are not formal, prescriptive or pros-
criptive rules designed, imposed and enforced by an exogenous authority
through the administration of selective incentives. I rather discuss informal
norms that emerge through decentralized interactions of agents within a col-
lective and are not imposed or designed by an authority [Bicchieri 2006, X].

O autor acrescenta que as normas formais têm sanções formais e estão


explicitamente codificadas, ao passo que as normas informais têm san-
ções informais, de tipo emocional, e não são explícitas, embora possam
estabelecer proibições. De modo geral, os cientistas sociais consideram
que o âmbito do seu trabalho se circunscreve às normas informais, pres-
critivas ou descritivas (Cialdini e Trost 1998), e que as normas formais
não serão relevantes, dado o seu carácter imposto e externo.
O objectivo deste capítulo é apresentar uma alternativa à dicotomia
«norma formal vs. norma informal», uma nova distinção que separa de
modo diferente os fenómenos normativos e, mais importante ainda, atri-
bui relevância psicológica, não só ao que tradicionalmente se designa por
«normas informais», mas também a muitos dos fenómenos que têm sido
englobados sob a designação de «normas formais».

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José-Miguel Fernández-Dols

Origem e manutenção das normas sociais


Segundo a explicação mais corrente sobre a origem e a manutenção
das normas, estas constituem uma forma de relação social que se impõe
pelos benefícios que proporciona. Tais benefícios podem ser individuais
ou colectivos. Quando são colectivos e se mostram em conflito com os
interesses do indivíduo, é necessária alguma forma de coacção para ga-
rantir o bem comum (v., por exemplo, Horne 2001). Esta visão da norma
como o resultado de um cálculo racional tendente a maximizar benefí-
cios e evitar custos tem sido bastante seguida porque se adequa às expli-
cações funcionalistas da sociologia e ao darwinismo social.
Ainda assim, a literatura de matriz psicológica, em especial a psicolo-
gia social nos primórdios da sua afirmação como disciplina académica,
enveredou por uma perspectiva muito afastada dessa visão racional e uti-
litária sobre o surgimento e a persistência das normas. Sherif (1935) de-
monstrou que quando as pessoas inseridas num grupo sofrem individual-
mente uma ilusão de óptica (sobre o movimento aparente de um ponto
luminoso na escuridão), ocorre uma convergência gradual das percepções
dessas pessoas (sobre tal movimento aparente) à medida que cada uma
vai revelando as suas percepções perante as demais. Mais tarde, Asch
(1952) demonstrou que não é um cálculo de custos e benefícios que está
na base da conformidade, mas sim uma «suspensão de juízo» – aquilo a
que Milgram (1974), nas suas bem conhecidas experiências sobre obe-
diência, chamará «estado agêntico» (agentic state).
Segundo esta perspectiva clássica da psicologia social, a norma é a ca-
racterística estrutural por excelência das chamadas «situações fortes», isto
é, situações que impõem uma determinada conduta ao indivíduo, sobre-
pondo-se à posição pessoal deste. Serão as condutas seguidas em tais «si-
tuações fortes» particularmente benéficas para o indivíduo ou para o
grupo social?
No âmbito de outras ciências sociais, a perguntas como esta é habitual
responder que, efectivamente, as normas permanecem porque não cho-
cam frontalmente com os interesses ou os princípios morais do indivíduo
(ex. Levi 1997). Sob este ponto de vista, as práticas reguladas por normas
seriam a garantia de uma cultura acumulativa capaz de assegurar a longo
prazo a sobrevivência dos indivíduos e da sociedade. Por outras palavras,
as normas sociais surgem e permanecem porque são funcionais. Aqueles
casos, relativamente raros, em que uma maioria de indivíduos adopta
normas de conduta «impopulares», isto é, efectiva ou potencialmente
disfuncionais, são explicados como constituindo efeitos indesejados de

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

processos colectivos de aquisição de informação – por exemplo, nas cha-


madas informational cascades, os indivíduos tomam decisões sobre opções
alternativas mais ou menos similares a partir da observação da conduta
de outros indivíduos (v. por exemplo, Bikhchandani, Hirshleifer e Welch
1992).
A investigação experimental sobre comportamento normativo de-
monstrou, no entanto, que as pessoas podem manter, e até impor aos
outros, normas com as quais não concordam, sem que haja indícios de
racionalidade individual ou funcionalidade colectiva (Willer, Kuwabara
e Macy 2009). Nesta linha, assinale-se ainda o contributo de Fast, Heath
e Wu (2009) para a demonstração de que a transmissão de normas cultu-
rais através de processos informais, como as conversas, não se rege por
critérios de funcionalidade: no estudo por eles efectuado, vê-se que a po-
pularidade dos jogadores de baseball não depende do seu rendimento des-
portivo objectivo, mas sim da medida em que os participantes na con-
versa estão familiarizados com eles.
A investigação recentemente efectuada com crianças de tenra idade
veio também confirmar que a formação de normas não é o resultado de
um processo de adaptação, mais ou menos oportunista, àquelas regras
que proporcionam certos benefícios. Tomasello (2009) mostrou que a
origem das normas nas crianças assenta num processo em que estas atri-
buem carácter deontológico – quer dizer, obrigatório – a condutas e sig-
nificados fixados arbitrariamente, como num jogo. Por exemplo, uma
criança, depois de aprender que é preciso utilizar determinados pedaços
de papel ou de metal para adquirir certas coisas, desenvolve a noção do
valor simbólico do dinheiro.
A própria investigação efectuada com chimpanzés aponta neste sen-
tido, com a demonstração de que não são aplicáveis princípios evolucio-
nistas simplistas ao desenvolvimento de protoculturas entre esses animais.
Marshall-Pescini e Whiten (2008) publicaram uma série de estudos ex-
perimentais onde se mostra que a funcionalidade de uma determinada
inovação na utilização de protoferramentas para obtenção de comida
não constitui garantia da sua implantação; bem pelo contrário, os chim-
panzés revelam-se extremamente conservadores e mantêm as suas normas
instrumentais para obter alimentos, ainda que elas sejam menos funcio-
nais.
Para além de os dados experimentais sugerirem uma visão alternativa
das normas informais, a própria reflexão sobre o conceito também lança
dúvidas sobre a viabilidade de considerarmos tais normas como intrin-
secamente funcionais: uma observação minimamente atenta dos proces-

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José-Miguel Fernández-Dols

sos de mudança social ocorridos ao longo da história chega para eviden-


ciar que a funcionalidade não é garantia da imposição de uma conduta.
É bem provável que a pretensa funcionalidade das normas se deva a qua-
tro fenómenos que, na verdade, justificam a norma sem chegar a alicer-
çar-se na funcionalidade objectiva desta.
Em primeiro lugar, obedecer a uma norma é logicamente funcional
porque não lhe obedecer é disfuncional na medida em que a desobe-
diência acarreta sanções – e isto, independentemente do conteúdo da
norma. A funcionalidade não se refere à norma em si, mas sim à conduta
obediente. Por outras palavras, é funcional obedecer, pelo menos a curto
prazo, independentemente das normas consideradas e das autoridades
que as imponham.
Em segundo lugar, a pretensa funcionalidade das normas pode ser
uma justificação post hoc – e quando se racionaliza ou justifica determi-
nada norma, é sempre possível encontrar uma funcionalidade, mais ou
menos realista, na execução de uma conduta em coordenação com ou-
tros. Quer isto dizer que a pretensa funcionalidade das normas nos diz
provavelmente mais sobre a capacidade dos indivíduos para gerar argu-
mentos razoáveis sobre condutas não necessariamente razoáveis do que
sobre a funcionalidade intrínseca das normas (v., por exemplo, Wilson e
Dunn 2004).
Em terceiro lugar, um padrão regular de conduta pode, independen-
temente da sua origem, acabar por ter uma ou várias funções sociais por-
que torna a conduta previsível, e isso constitui uma das chaves da coo-
peração social.
Em quarto lugar, embora as origens das normas sejam arbitrárias, não
são habitualmente caprichosas. Isto significa que a arbitrariedade pode
ter certos limites, não tanto de carácter utilitário, mas de carácter moral
e material. Exemplo de tais limites são os valores ou as intuições morais
dos sujeitos que sustentam as normas; ou certas restrições materiais evi-
dentes – embora, neste último caso, sem chegar a impedir a existência
de normas absurdas sob o ponto de vista ambiental ou até fisiológico
(tenha-se em vista a norma de fumar, em certos grupos etários, no sé-
culo XX; ou a norma de não comer, nas redes sociais de anoréticos).
Não é muito fácil encontrar referências a exemplos históricos de di-
vórcio entre normas e racionalidade funcional porque não é aliciante ter
uma visão não-linear da história. O certo é que a perspectiva histórica
tradicional ignora o grande número de casos em que práticas claramente
funcionais desapareceram ou não chegaram a implantar-se na sociedade.
Diamond (1998) ilustra muito bem este ponto a propósito das inovações

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

tecnológicas. O autor argumenta certeiramente que estas emergem, não


tanto da necessidade da sociedade – isto é, não são originariamente fun-
cionais –, mas antes da curiosidade de sucessivas gerações de inventores.
Há casos em que uma «invenção» surge repetidamente ao longo dos sé-
culos até chegar o momento de uma sociedade a adoptar como «inven-
ção» e lhe atribuir uma função.
Héron de Alexandria desenhou uma máquina a vapor cerca de 200
anos antes da Era Cristã. Está também historicamente documentado que
mais tarde, já na parte final da Idade Moderna, e num processo de
acumulação de conhecimento, a máquina a vapor é «inventada» por di-
ferentes investigadores, em 1680, em 1698 e em 1712 – até que, em 1769,
surge a «invenção» oficial por Watt, que «dá início» à Revolução Indus-
trial. Quanto à imprensa, é «inventada» oficialmente por volta de 1450;
mas antes houve uma série de «invenções da imprensa», que remontam
até ao ano de 1750 a. C. A própria adopção das inovações nem sempre
é um processo linear. Por exemplo, as armas de fogo chegam ao Japão
em 1543 e aí alcançam grande aceitação. Passam a ser produzidas e aper-
feiçoadas localmente até 1600. Nesta altura, a sociedade japonesa aban-
dona-as, até 1853.
A etnografia e a história dão-nos múltiplos exemplos de sociedades
cujas normas são profundamente diferentes, e até antagónicas, das oci-
dentais, mas que nem por isso deixaram de sobreviver durante longo
tempo. Por outro lado, quando uma sociedade desaparece, isso não pa-
rece dever-se à maior ou menor medida em que as suas normas são fun-
cionais do ponto de vista individual ou colectivo, mas sim à medida em
que essas mesmas normas se revelam capazes de proporcionar, mais ou
menos casualmente, circunstâncias ecologicamente sustentáveis. A veri-
ficação de um encaminhamento colectivo para uma situação de catás-
trofe ecológica não tem preocupado grandemente, a nível individual, os
membros da nossa sociedade – e provavelmente não preocupou mesmo
nada os membros da cultura maia, os habitantes da ilha da Páscoa, os
colonos noruegueses da Gronelândia ou os protagonistas de outros casos
notáveis de colapso absoluto e desaparecimento de sociedades (Diamond
2005).
Quando os antigos habitantes da ilha da Páscoa, uma remota mancha
de terra na imensidão do Pacífico, criaram um conjunto de normas que
conferiam um extraordinário valor simbólico a gigantescas cabeças de
pedra esculpida, desenvolveram durante cerca de 500 anos uma sociedade
aparentemente funcional e extraordinariamente vigorosa – pelo menos,
a julgar pelo entusiasmo com que desflorestaram a ilha para obter a ma-

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José-Miguel Fernández-Dols

deira destinada ao transporte e instalação de tais monumentos. Não há


nenhuma razão científica que nos faça pensar que os habitantes da ilha
da Páscoa eram menos racionais do que os demais seres humanos: pura
e simplesmente, tiveram azar com a conjugação arbitrária entre as suas
práticas sociais, os recursos naturais e os ciclos climáticos. Este azar con-
trasta com a sorte dos nossos antepassados europeus. Quando as popu-
lações da Europa medieval adoptaram um padrão de alimentação e pro-
dução baseado nas proteínas animais, encaminharam-se para um desastre
ecológico muito mais grave do que o da ilha da Páscoa. No entanto, a
própria «insustentabilidade» desse modo de subsistência foi a chave do
sucesso da cultura europeia: a busca desesperada de novas fontes de pro-
teínas – e também de especiarias capazes de evitar a rápida decomposição
da carne armazenada – acabou por propiciar a descoberta da América e
a expansão da cultura europeia por todo o mundo.
Se uma análise cuidadosa da história patenteia a arbitrariedade essen-
cial das estruturas sociais, também a economia nos fornece exemplos bem
reveladores da arbitrariedade da «mão invisível» do mercado. O chamado
Modelo Qwerty (v., entre outros, Krugman 1994) reflecte exemplarmente
esta arbitrariedade essencial da configuração dos produtos e dos mercados.
A designação do modelo é tão estranha quanto ilustrativa da origem ar-
bitrária das normas, pois alude à disposição convencional das letras nos
teclados das máquinas de escrever e, mais recentemente, dos computado-
res. Esta disposição é essencialmente disfuncional (foi concebida nos pri-
mórdios da mecanografia, de maneira intencionalmente absurda, para ob-
rigar os dactilógrafos a teclarem mais lentamente e assim evitar que as
máquinas encravassem), mas permaneceu e difundiu-se por todo o
mundo, convertendo-se numa norma universal que transitou inalterada
da velha máquina de escrever para o computador. O exemplo do Modelo
Qwerty dá-nos uma ideia de como a organização de centros de produção
e de distribuição nos mercados responde a essa mesma dinâmica arbitrária:
uma população começa a agregar, de forma casual, um certo tipo de in-
dústria, e isso acaba por convertê-la num centro produtor de determinados
bens no mercado nacional ou internacional.
Voltando ao plano do psicológico, podemos assim concluir que não
há razões – nem a nível individual, nem microssocial, nem macrossocial –
que sustentem sem margem para dúvidas que as normas sociais, também
chamadas normas informais, sejam fruto de um cálculo de custos e be-
nefícios por parte de um indivíduo ou do colectivo social em que ele
vive. A nossa hipótese de trabalho, que cremos suficientemente funda-
mentada, sugere antes a existência de um «imperativo normativo»

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

(Fernández-Dols 2002). As normas surgem de modo arbitrário e são ime-


diatamente investidas de uma racionalidade e/ou moralidade aparente
que satisfaz a nossa necessidade de viver num mundo cognitivamente
coerente (Festinger 1957) e justo (Lerner 1980).

Normas informais vs. normas formais


A afirmação de que as normas sociais ou informais são arbitrárias,
embora não caprichosas, significa que essas normas não têm origem na
acção racional de um agente social, nem num consenso colectivo sobre
os seus benefícios. Elas surgem a partir de mecanismos de imitação e
emulação sobre os quais, surpreendentemente, só no campo da psicolo-
gia foram avançadas explicações científicas. A investigação actual sobre
as bases do comportamento cooperativo e a cultura sugerem que os seres
humanos têm, provavelmente desde muito cedo, necessidade de estabe-
lecer práticas regulares e uniformes. Estas práticas transmitem um senti-
mento de obrigação e convertem-se em normas. A difusão das práticas
dá lugar a formas simbólicas de sentimento de obrigação que constituem,
precisamente, a base da estabilidade de uma sociedade. É o que Max
Weber designou por legitimidade.
Encontramos uma explicação científica sobre a transmissão de práticas
na investigação sobre difusão minoritária de inovações. Alguns dos fenó-
menos descritos por essa linha de investigação (como, por exemplo, o
processo de conversão demonstrado pela «infecção» de uma ilusão de óp-
tica – v. Moscovici e Personnaz 1980) apresentam paralelismos interes-
santes com os actuais estudos sobre priming – isto é, sobre a activação não
consciente de estruturas de conhecimento social (v. Bargh 2006).
A investigação sobre priming sublinha que o contexto social imediato
orienta constantemente, de modo não consciente, as nossas representa-
ções e motivações. É bem provável que, no futuro, uma melhor com-
preensão dos mecanismos de priming nos permita perceber mais clara-
mente os mecanismos de difusão das inovações normativas, abandonando
os modelos económicos de processos de inovação racional baseados em
fluxos de informação.
Na nossa proposta de compreensão das normas sociais, a distinção
entre normas formais e informais é desnecessária do ponto de vista teó-
rico. Uma vez que a norma social é o produto arbitrário de um processo
de construção social, a única diferença entre normas formais – por exem-
plo, normas constitucionais, legais ou regulamentares – e informais – por

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José-Miguel Fernández-Dols

exemplo, costumes, usos, regras de etiqueta – é que as circunstâncias que


as rodeiam, o seu «invólucro», são diferentes. Tem-se dito que as normas
formais são normas escritas que dão lugar a sanções, e que as pessoas
suas destinatárias devem conhecê-las, ao passo que as normas informais
são implícitas, mais flexíveis no desencadear de sanções e têm menor
grau de obrigatoriedade. No entanto, as normas formais são muito mais
implícitas, e as normas informais muito mais explícitas, do que parece à
primeira vista, o que dilui os termos da distinção.
Sob o ponto de vista psicológico, a «visibilidade» das normas formais
é muito discutível: nenhum ser humano, ou pelo menos nenhum cida-
dão comum, pode conhecer todas as normas formais que regulam a sua
vida quotidiana; e nenhuma autoridade consegue, normalmente, aplicá-
-las todas em simultâneo. O grau de racionalidade e abstracção do sistema
normativo da sociedade contemporânea – berço por excelência das nor-
mas formais – é tão psicologicamente inviável que os juristas criaram um
princípio («a ignorância da lei não exime do seu cumprimento») desti-
nado a tornear, de forma arbitrária, a arbitrariedade que, numa perspec-
tiva psicológica, é a mais escandalosa do sistema. Geraram, assim, um
princípio lógico que sustenta todo o sistema normativo, sem atender a
que ele viola múltiplos princípios psicológicos.
Por outro lado, também se pode relativizar o pretenso carácter implí-
cito das normas sociais, ou informais, aproximando as suas características
daquelas que são atribuídas às normas formais. As normas sociais não são
necessariamente explícitas no sentido mais estrito (i. e., no de estarem es-
critas algures), mas são necessariamente explicitáveis (i. e., para serem nor-
mas, têm de poder ser escritas). De facto, é pacificamente aceite no âmbito
do Direito e da prática política que as normas informais são uma das fon-
tes das normas formais e orientam a jurisprudência; e as normas formais,
por seu lado, podem transformar-se num mecanismo de mudança social
que afecta as normas informais. Em geral, o facto de as normas informais
não estarem escritas é algo meramente acidental: a sua representação é tão
ou mais sólida do que a das normas formais, e podem ser facilmente tra-
duzidas em enunciados prescritivos ou proibitivos escritos.
Quanto à relação pretensamente inexorável e essencial entre as nor-
mas formais e as sanções delas decorrentes, a literatura sobre processos
de socialização dos estudantes de Direito mostra que os futuros advoga-
dos devem aprender a ter sobre as leis uma visão diferente da que tem a
população em geral. Segundo essa visão, as normas legais não servem
para associar mecanicamente a sanções os princípios morais que supos-
tamente as inspiram, mas constituem um fim em si mesmas. Assim, no

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

contexto da prática da advocacia, as normas legais convertem-se num


conjunto de prescrições que o «bom advogado» torna flexíveis e maleá-
veis ao jogar com diversas interpretações admissíveis, contradições, e
ainda com a potencial indeterminação da prova empírica do seu eventual
cumprimento ou incumprimento (Pepper 1986). Assim, aquilo que para
o cidadão comum é um conjunto de normas pétreas, alicerçadas na
moral, que dão lugar, automática e inexoravelmente, a determinadas san-
ções, converte-se num conjunto de normas flexíveis, que constroem di-
versas realidades alternativas em função da habilidade dos profissionais
e não das suas intuições morais.
Por outro lado, também a proclamada flexibilidade das normas infor-
mais na aplicação de sanções é uma ilusão teórica, fruto das pressões da
tipificação e sem grande correspondência com a realidade. A etnografia
fornece-nos inúmeros exemplos de como as normas informais podem
acarretar sanções de modo tão, ou mais, inexorável e automático quanto
as normas formais – e até mesmo condicionar a aplicação destas. Por
exemplo, o conjunto de normas informais constituintes da chamada «cul-
tura da honra» (Nisbett e Cohen 1996) pode condenar ao ostracismo ou
à morte um marido que «tolere» a infidelidade da sua mulher; e afecta as
percepções dos cidadãos – incluindo, pode presumir-se, os profissionais
do Direito – sobre a relevância da defesa da honra como atenuante da
prática do homicídio voluntário.

Uma tipologia alternativa


É possível concluir de quanto ficou exposto que a partição entre normas
formais e normas informais, ou entre normas sociais e normas legais ou re-
gulamentares, tem prejudicado seriamente a investigação sobre as normas
no campo das ciências sociais em geral e da psicologia social em particular.
A pretensa estanquidade entre ambas as categorias levou os psicólogos
sociais a prestarem pouca atenção às normas formais em si, e a conside-
rarem relevantes, tão-só, as reacções dos cidadãos perante elas – mais con-
cretamente, as explicações sobre a obediência das pessoas a essas normas
(Tyler 1990) e, sobretudo, as causas de transgressão. O papel das normas
formais nas nossas representações e acções quotidianas nunca foi objecto
de igual consideração sob uma perspectiva uniforme.
Na verdade, a investigação sobre a legitimidade, ou sobre o desvio,
refere-se a situações extremamente raras para a maioria das pessoas, que
normalmente não têm de pensar sobre a moralidade das normas que

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regem a sua vida quotidiana, nem sobre as consequências da violação


das mesmas. Por outras palavras, os psicólogos sociais privilegiaram o es-
tudo do modo como o indivíduo integra a norma no seu comporta-
mento, mas descuraram uma questão muito mais relevante na vida quo-
tidiana: o modo como a norma integra o indivíduo em certos padrões
de comportamento.
Os motivos desta falta de atenção fazem-nos recuar muitos anos, até
1934, quando Floyd Allport propõe um algoritmo – a chamada «curva
em J» – que permite detectar a presença de normas na vida social. Os
factos mensuráveis tendem a distribuir-se ao longo de uma curva normal,
ao passo que as acções regidas por normas tendem a distribuir-se por
uma curva em forma de J. Allport estudou a obediência aos sinais de
trânsito, a certos ritos da liturgia cristã, aos horários de trabalho, etc. – e
concluiu que a obediência a estas normas pode ser representada assina-
lando graficamente, em representação linear, o número de vezes que cer-
tos actos prescritos são praticados. O resultado é uma curva de distribui-
ção que não coincide com a curva normal: as opções dos indivíduos
tendem a concentrar-se no extremo da curva que representa uma obe-
diência total, de modo que a curva tem a forma de um «J» reflectido. No
estudo de Allport, a curva em forma de J surge quando pelo menos me-
tade dos indivíduos considerados executa um acto de modo uniforme.
Há um aspecto deste contributo que tem sido ignorado mas é extre-
mamente importante. Com a abordagem que propôs, o autor colocou
em evidência o imenso leque de situações quotidianas em que a inten-
cionalidade do indivíduo desaparece ou é profundamente afectada pelas
normas. Estas permitem que o indivíduo «navegue» de forma automática
na vida social ou, pelo menos, condicionam muito significativamente
essa «navegação».
Lançando mão deste aspecto tão ignorado, é possível substituir a bi-
partição entre normas formais e informais por outra que atenda ao modo
como a norma actua sobre as condutas ou as acções dos indivíduos. Assim,
há normas que geram uniformidade de condutas – a «curva em J» de
Allport –; e são estas que designo por «normas explícitas». Outras normas
não eliminam a variabilidade das condutas de maneira explícita, mas fa-
cilitam a uniformidade da acção dos indivíduos de modo implícito. Elias
(1977) dá um exemplo muito sugestivo sobre normas reguladoras das
nossas condutas, e até mesmo das nossas emoções, que talvez facilite a
compreensão desta distinção.
Nos seus trabalhos sobre a metamorfose das emoções no processo ci-
vilizacional ocidental, este autor salienta que, paradoxalmente, o regresso

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

da nudez a locais públicos como certas praias, que se verifica actual-


mente, não é um indicador de primitivismo, mas sim de grande avanço
civilizacional. Uma praia de nudistas possui uma complexa teia de nor-
mas. Há normas que suprimem determinadas condutas e que originam
outras. Por exemplo, um homem não pode excitar-se sexualmente diante
de uma estranha nua, nem deve olhar fixamente para ela (restrições que
seriam impensáveis na Europa algumas gerações atrás). Outras normas
estabelecem critérios de acção mais genéricos, que permitem uma maior
variabilidade de condutas, embora dentro de certos parâmetros. Por
exemplo, as relações entre os nudistas ou, mais genericamente, entre os
naturistas, regem-se pelo que podemos chamar «regras de companhei-
rismo», promotoras de condutas de entreajuda.
Em suma, podemos falar de normas explícitas e normas implícitas
em vez de seguir a tipologia «normas formais vs. normas informais». As
normas explícitas são prescrições imperativas que devem ser cumpridas
mas podem ser desrespeitadas (v. g., «não desejar a mulher do próximo»).
As normas implícitas são esquemas cognitivos partilhados que geram ex-
pectativas sobre o significado da conduta (isto é, sobre a acção) dos indi-
víduos pertencentes a uma mesma estrutura social.
No caso das normas explícitas, as prescrições podem ou não estar «es-
critas»; mas todas podem (e devem) ser formalizadas por esse meio. Por
outras palavras, para serem normas, hão-de poder (ter a potencialidade de)
ser escritas. Uma segunda característica é que, embora sejam geralmente
cumpridas, são sempre passíveis de incumprimento. De facto, e por pa-
radoxal que pareça, não seriam normas se não encerrassem em si o po-
tencial de serem violadas. Em terceiro lugar, as normas explícitas consis-
tem habitualmente em obrigações ou proibições. Os fenómenos
psicológicos mais acessíveis para o estudo das normas explícitas centram-
-se sobretudo nas suas consequências, uma vez que as causas proximais
são múltiplas e de carácter arbitrário, e as causas distais transcendem o
fenómeno em si e situam-se, provavelmente, no âmbito de um «impera-
tivo normativo» que encontra as suas origens em formas arcaicas de coo-
peração e na ritualização da coordenação social através da linguagem.
Têm bastante interesse os problemas das consequências directas e indi-
rectas da sua deficiente lógica interna (eficiência), e do grau de obediência
que suscitam (eficácia).
No caso das normas implícitas, e usando a terminologia de Sherif, as
normas são marcos de referência, esquemas cognitivos que, basicamente,
constroem uma realidade. A sua primeira característica é a de serem nor-
mas constitutivas, no sentido de que estabelecem um significado válido

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para as condutas e por essa via uniformizam a acção social (conduta com
significado partilhado) de forma mais ou menos flexível. Não são, pois,
normas prescritivas, mas podem dar lugar (e muitas vezes dão-no efecti-
vamente) a normas explícitas. Não podem ser facilmente formalizadas e
– o que é mais interessante – não são passíveis de incumprimento (ou me-
lhor, a antinomia cumprimento vs. incumprimento é, neste caso, um con-
ceito logicamente irrelevante). As normas implícitas identificam-se sobre-
tudo com intuições morais. O seu interesse psicossocial radica, do meu
ponto de vista, nas condutas e emoções geradoras daquelas situações «for-
tes» que estão associadas a características de tais esquemas cognitivos.
Existem interacções interessantes entre normas explícitas e normas
implícitas (marcos de referência) – e ambos os conceitos podem até aju-
dar a descrever o mesmo fenómeno (como, por exemplo, as leis). A sua
natureza psicológica é, porém, diferente. Por exemplo, as normas explí-
citas podem dar lugar a normas implícitas; e podem ter mais ou menos
poder coercivo consoante a norma implícita que for mais relevante para
os indivíduos regulados. Pode também acontecer que diferentes normas
explícitas entrem em conflito umas com as outras; assim como diversos
indivíduos podem, numa mesma situação, utilizar diferentes normas im-
plícitas para dar significado à sua conduta – o que pode gerar mal-enten-
didos e conflitos relevantes.
Voltemos à nossa praia de nudistas. É indiferente classificarmos a
norma «não olhar fixamente as desconhecidas» como informal ou formal.
O que verdadeiramente interessa para o bom funcionamento do local é
que «não olhar…» constitui uma norma explícita que não só pode facil-
mente ser formalizada – isto é, transformada num enunciado prescritivo
traduzível em qualquer língua – como, independentemente de ser escrita
em tom mais ou menos pedagógico ou policial, tem um significado muito
claro, pelo menos em termos pragmáticos. Podemos verificar a existência
da norma ao observarmos que os homens, na sua esmagadora maioria,
não detêm o olhar nas mulheres que não conhecem – embora alguns pos-
sam ceder à tentação de transgredi-la, sujeitando-se, no caso de serem sur-
preendidos, a sofrer sanções mais ou menos severas, aplicadas por qual-
quer, ou quaisquer, dos outros indivíduos (expulsão do «clube» ou do
lugar, multa, olhares reprovadores, insultos, agressões físicas).
Já a norma implícita de «companheirismo naturista» é mais difusa nas
suas consequências condutais, mas confere significado às condutas que
ocorrem na praia. Na nossa sociedade, ficar nu à beira-mar, diante de
crianças e pessoas do sexo oposto, não é exibicionismo doentio, escân-
dalo público ou agressão sexual. É uma actividade com conotações mo-

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

rais usualmente chamada naturismo. Não é possível transgredir a norma


da «cooperação naturista» porque ela é constitutiva. Não se pode jogar
xadrez sem respeitar as normas constitutivas do xadrez: se não as respei-
tarmos, pura e simplesmente não estaremos a jogar xadrez. Na mesma
linha de raciocínio, não é possível alguém ser naturista sem assumir a
norma implícita a que chamamos «cooperação naturista». A norma de
cooperação naturista não prescreve condutas concretas, mas dá signifi-
cado à conduta que consiste em ficar nu na praia: a conduta converte-se
numa acção de comunhão com a Natureza que transforma um acto ha-
bitualmente reprovável – andar nu em público – em algo louvável e até
moralmente superior à conduta dos outros banhistas. A norma implícita
não gera sanções, mas sim censuras ou elogios traduzidos, sobretudo, em
emoções morais: o «mirone» de que falámos a propósito das normas ex-
plícitas até pode ser expulso da praia ou repreendido, mas a sua presença
causa, principalmente, repulsa ou desprezo nos «verdadeiros naturistas»,
que o percepcionam como estando fora do enquadramento social cons-
tituído pela norma implícita da comunidade naturista. Podemos dizer,
na esteira de Rozin, Lowery, Imada e Haidt (1999), que a norma explícita,
em relação a quem partilha uma mesma norma-marco, produz ira, ao
passo que quando se verifica que alguém não está dentro dos limites do
enquadramento demarcado pela norma nossa implícita – e pensamos
que deveria estar – sentimos repulsa ou desprezo.
Uma das características interessantes da normas implícitas é que a sua
relação flexível com as condutas, por um lado, e o esquema cognitivo
que as sustenta, por outro, permitem uma maior variabilidade individual,
diferenças estilísticas importantes, entre pessoas que, apesar de tudo, se
encontram no âmbito do mesmo enquadramento. Por exemplo, a praia
que referimos poderia estar ocupada em proporções semelhantes por na-
turistas militantes, que encaram a sua ociosidade como uma forma de
activismo político, e por naturistas ocasionais, que vêem a situação como
uma forma mais «comercial» de ócio.

Investigação sobre normas explícitas


A Psicologia não tem prestado grande atenção às normas explícitas,
em parte devido aos equívocos gerados pela distinção tradicional entre
normas formais e informais, e em parte devido ao facto de a explicação
funcionalista assentar num modelo de ser humano psicologicamente
não-problemático: as normas são, ou o produto de agentes racionais que

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procuram o seu próprio benefício, ou então formas de justificação do


domínio de uma classe ou grupo social. Em tal contexto, o problema
para o investigador não são as normas em si, mas sim perceber por que
razão, em certos casos, as normas não parecem ser úteis ou não parecem
ser formas de falsa consciência. Em qualquer destas alternativas, a inves-
tigação costuma partir da premissa de que, apesar da ocorrência de ano-
malias, as normas são, em última análise, úteis, benéficas ou, nas corren-
tes de inspiração marxista, formas de justificação do sistema social.
Na minha perspectiva, considerar que as normas são um fenómeno
extraordinariamente central para a explicação da conduta social; que são
inevitáveis para qualquer indivíduo; e que são arbitrárias mas não capri-
chosas – isto é, não necessariamente úteis, ainda que aparentemente viá-
veis –, permite uma abordagem extremamente útil, do ponto de vista
psicológico, a essas mesmas normas. Permite sobretudo considerá-las de
um modo mais aberto, sem sermos forçados a procurar a sua funciona-
lidade sob a perspectiva do indivíduo ou do grupo. A norma pode ser
funcional, mas também pode ser disfuncional – e a funcionalidade não
é necessariamente mais provável do que a disfuncionalidade. Talvez o
próprio contexto social da maioria dos cientistas sociais – sociedades
prósperas, democráticas e racionais – lhes tenha tornado mais difícil con-
siderarem a possibilidade de os seres humanos se regerem muitas vezes
por normas que não sejam úteis nem funcionais do ponto de vista do
indivíduo, do ponto de vista do endogrupo ou do ponto de vista do
grupo dominante. As normas são uma necessidade, mas não satisfazem
necessidades.
As normas perversas são normas explícitas que em determinado pe-
ríodo de tempo, ou em determinado grupo, são amplamente incumpri-
das, embora tanto «administradores» como «administrados» tentem man-
ter uma aparência de cumprimento. Trata-se de normas que não só são
arbitrárias na sua origem, como não são obedecidas. Encontramos exem-
plos deste tipo de «patologia» das normas explícitas em certas normas de
circulação rodoviária (como as referentes aos limites de velocidade), que
nalguns países ou em determinadas estradas são desrespeitadas em larga
escala.
A minha investigação sobre «normas perversas» (v. Fernández-Dols
1992, 1993 e 2002) parte do pressuposto descrito no parágrafo anterior,
que é geralmente bem percebido pelos públicos de sociedades que estão
ou estiveram sujeitas a modelos de burocracia e administração muito im-
perfeitos – por exemplo, no contexto político de uma ditadura. Já é mais
difícil de compreender naquelas sociedades em que as normas, podendo

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

ser justas ou injustas, não têm uma aparência de arbitrariedade. O con-


ceito de «norma perversa» também é facilmente entendido em sociedades
sujeitas a processos de mudança social bruscos, em que as normas, não
só se tornam obsoletas, como muitas vezes se mostram baseadas em pres-
supostos irrealistas, conducentes a ficções de maior ou menor amplitude.
O desmantelamento do sistema de justiça tribal no Afeganistão e a sua
substituição por um sistema judicial centralizado corrupto e ineficiente,
ou a recente crise financeira na Grécia, gerada pela imposição de um qua-
dro financeiro fictício, ditado por normas de cumprimento impossível,
exemplificam em larga escala o que quero dizer.
Após anos de investigação (v., por exemplo, Fernández-Dols e Oceja
1994; Oceja, Adarves e Fernández-Dols 2001; Oceja e Fernández-Dols
2001; Torres, Fernández-Dols e Oceja 2010), estamos em crer que todas
as normas encerram a possibilidade de um determinado risco de incum-
primento generalizado, que nalguns casos dependente de factores subtis.
De um modo geral, as nossas predições sugerem que a existência de nor-
mas perversas gera desmoralização e favoritismo nas pessoas encarregadas
de impô-las; e sentimento de injustiça, rejeição do sistema normativo no
seu conjunto e risco de novas transgressões nas pessoas a quem tais nor-
mas são impostas. Também verificámos que a situação de indefinição
normativa que surge neste tipo de casos não é acolhida de forma positiva
pelas pessoas envolvidas. Estas procuram instaurar um sistema normativo
explícito alternativo que possa ser cumprido (Oceja e Fernández-Dols
1992). Por outras palavras, as pessoas parecem mobilizar-se não apenas
pela falta de equidade ou de justiça procedimental: a percepção de que,
em dada situação, as normas carecem de poder discriminativo entre o
que pode ser cumprido e o que não pode (discriminative acuteness) provoca
uma busca de inovação normativa (Fernández-Dols et al. 2010).

Investigação sobre normas implícitas


A investigação sobre o que acima designei por «normas implícitas»
tem tido muito maior reconhecimento, no campo da Psicologia Social,
sob várias outras designações e em contextos teóricos diferentes. De entre
todos os contributos, os mais importantes são sem dúvida, a meu ver, os
proporcionados pelos conceitos de kinds of relationships (Lerner 1975) e de
relational models (Fiske 1991). Segundo a proposta de Lerner, o motivo de
justiça é universal, mas manifesta-se de modos diversos no contexto de
diferentes tipos de relações. O autor (1975; v. também Lerner, Miller e

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José-Miguel Fernández-Dols

Holmes 1976) propõe uma matriz em que os tipos de relações se diferen-


ciam pela forma como percebemos a pessoa com quem interagimos (en-
quanto indivíduo ou enquanto mero papel social) e o grau de proximi-
dade entre a nossa identidade e a dessa pessoa. Lerner observa que as
condutas resultantes do motivo de justiça numa relação identitária entre
pessoas que mantêm uma comunhão empática são muito diferentes das
resultantes do motivo de justiça numa relação entre meros actores de gru-
pos diferentes – por exemplo, numa competição de tipo soma-zero. No
primeiro caso, o motivo de justiça manifestar-se-á em termos de satisfação
de necessidades; no segundo, em termos de uma forma legítima de auto-
-interesse (justified self-interest). Lerner (1975) identifica seis tipos relacionais
diferentes, que originam diferentes manifestações do motivo de justiça.
Voltando à nossa terminologia, os «tipos de relações» de Lerner (1975)
serão normas implícitas que conferem significado a certas condutas – nos
casos referidos, às condutas geradas pelo motivo de justiça. A proposta
de Fiske (1991), independente da de Lerner mas com inspiração bastante
próxima, postula a existência de modelos relacionais (relational models).
Modelos relacionais são esquemas cognitivos partilhados que geram ex-
pectativas sobre as acções das pessoas com quem interagimos repetida-
mente. Fiske defende a existência de quatro modelos de relações, com
consequências em múltiplos domínios (domains) da vida social – o autor
refere quinze –, tais como as formas de intercâmbio, os significados par-
tilhados, a identidade ou (como no caso de Lerner) a justiça.
A saliência e a influência transversal das normas implícitas, que
podem ser assimiladas aos conceitos de Lerner e Fiske, sugerem que os
psicólogos sociais deveriam dar mais importância a esta variável, tanto
do ponto de vista metodológico como do teórico. Uma área em que essa
necessidade se mostra bem evidente é a da investigação sobre conduta
moral. Em muitos casos, o investigador adopta uma posição que corres-
ponde a determinado contexto normativo implícito, o qual não é neces-
sariamente o mesmo que rege o comportamento das pessoas observadas
nas suas experiências, nem (mais importante ainda) o das pessoas em
geral, nas circunstâncias que se pretende investigar.
Efectuámos recentemente (Fernández-Dols et al. 2010) um estudo ex-
perimental sobre hipocrisia moral que põe em relevo este problema.
A investigação sobre hipocrisia moral que maior influência tem alcan-
çado, tanto a nível teórico como metodológico, é sem dúvida a levada a
cabo por Batson e seus colaboradores. No paradigma experimental desse
estudo (Batson et al. 1997), os participantes – todos estudantes universi-
tários – são convidados a tomar uma decisão: distribuir duas tarefas, uma

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

interessante e outra desinteressante, entre eles mesmos e outro estudante,


que eles não conhecem. Logo a seguir é-lhes dito que uma maneira justa
de distribuir tarefas é tirar à sorte, e dá-se-lhes uma moeda para que pos-
sam, se quiserem, proceder a sorteio lançando a moeda ao ar. Batson ve-
rificou que um número significativo de inquiridos disseram ter distri-
buído as tarefas por sorteio quando, na verdade, não o tinham feito: pelo
contrário, tinham tomado directamente a decisão de reservar para eles
mesmos a tarefa mais interessante.
Aquilo que para Batson e os seus seguidores configura, à primeira
vista, uma demonstração da predisposição dos seres humanos para a hi-
pocrisia, é para nós um exemplo de como o psicólogo social pode não
ser sensível às pressões normativas a que os investigadores submetem os
participantes numa situação experimental – e a que são sujeitas as pessoas
na vida real. Fernández-Dols et al. (2010) consideraram que o paradigma
de Batson começa por colocar o participante num jogo de tipo soma-
-zero (só um pode ganhar, ficando com a tarefa agradável), em que o
auto-interesse é legítimo (Lerner 1975), para logo a seguir lhe impor uma
norma implícita que dá às necessidades de outrem prioridade sobre as
legítimas necessidades próprias desse mesmo participante (sacrificar-se
pelo outro, dispondo-se a dar-lhe a melhor tarefa). A nossa hipótese é
que a aparente hipocrisia dos participantes é, muito simplesmente, uma
obediência aparente (compliance) às exigências arbitrárias do investigador,
conjugada com uma legítima protecção dos interesses próprios que ti-
nham sido legitimados pelas primeiras instruções dadas pelo mesmo in-
vestigador (quando foi dito aos participantes que tinham o direito de es-
colher tarefas).
Para fazer a demonstração empírica desta explicação alternativa, Fer-
nández-Dols et al. (2010) criaram um conjunto de condições experimen-
tais em que, ao invés do que acontecia no paradigma de Batson, os par-
ticipantes não se viram confrontados com um conflito de normas
implícitas (interesse próprio legítimo vs. sacrifício potencial). Os resulta-
dos confirmaram a hipótese: quando não foi criado qualquer conflito
aos participantes e lhes foi dada uma única instrução moral (por exemplo:
«é bom distribuir por sorteio») ou uma única ordem («deves distribuir
por sorteio»), não se produziu hipocrisia e eles seguiram a instrução moral
ou cumpriram a ordem. Quando, numa terceira condição experimental,
lhes foi permitido que decidissem livremente, sem quaisquer ordens ou
instruções, decidiram ficar com a tarefa interessante. Em termos gerais, a
decisão de ficar com a melhor tarefa foi percebida como uma conduta,
não moralmente elevada, mas sem dúvida legítima.

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Uma das leituras possíveis desta experiência é que os psicólogos so-


ciais deveriam ser mais sensíveis às variações, por vezes bastante impor-
tantes, nas normas implícitas que regem o comportamento das pessoas
em situações aparentemente idênticas. O comportamento de um estu-
dante observado em laboratório não é regido pelos mesmos princípios
que o do investigador quando concebe a experiência. O primeiro é um
indivíduo sem poder num contexto de troca (receber créditos por parti-
cipar); o segundo é um indivíduo com poder (pelo menos em relação ao
estudante!) que se percepciona como uma autoridade benévola. É bem
possível que os participantes em experiências, não só sejam sujeitos ao
demanding effect (como já há muito foi assinalado), como também, em
muitas experiências efectuadas com recurso a questionário, assumam con-
dutas que, em vez de serem reais, correspondem às condutas normativas
implícitas que eles supõem ser as que a figura da autoridade – quem con-
cebe a experiência – espera observar naquele tipo de situações. Lerner
(2003), por exemplo, refere que as simulações de situações podem ter
prejudicado irremediavelmente a investigação contemporânea sobre a
justiça, ao criarem exigências normativas implícitas em detrimento de ex-
periências fiéis à realidade sobre justiça e injustiça.
Por outras palavras, as normas implícitas geram contextos relacionais
que podem tornar-se conflituantes e criar mal-entendidos entre agentes
e observadores. Nós, psicólogos sociais, somos observadores das vidas
alheias; mas não estou certo de que, ao fazermos essa observação, nos
esforcemos o bastante por compreender que o nosso quadro normativo
implícito não coincide necessariamente com os dos nossos sujeitos ex-
perimentais. As «acusações» de racionalização, justificação do sistema,
hipocrisia moral, etc., hoje tão frequentes na literatura psicossocial,
devem ser encaradas com cautela. Será que estes fenómenos ocorrem
realmente, ou estaremos nós a originar visões distorcidas sobre as normas
implícitas que regem as condutas dos nossos sujeitos de estudo? Quando
os participantes atacam ou rejeitam as formulações de crítica do status
quo, fazem-no para manter esse status quo, ou para evitar, numa posição
de inferioridade, serem vítimas de grupos ou indivíduos que, pela via do
protesto, acabem por criar exigências ainda mais abusivas para eles? Será
o protesto uma conduta habitualmente construtiva e sincera, ou habi-
tualmente destrutiva e desonesta? Será a obediência simulada às instru-
ções recebidas da autoridade uma hipocrisia moral ou um reflexo de so-
brevivência do mais fraco perante as arbitrariedades do mais forte?

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Normas formais e informais vs. normas explícitas e implícitas

Conclusão
A distinção entre normas implícitas e normas explícitas não se refere
apenas a fenómenos relevantes que foram já objecto de estudo sob outras
ópticas. Assinala também a existência de lacunas importantes na investi-
gação, que devem ser preenchidas sem demora. Talvez um debate orien-
tado nesta direcção nos permita partir de uma nova perspectiva e com-
preender por que razão nós, seres humanos, temos normas, porque
podem estas causar grande sofrimento, e porque são as normas implícitas
e as normas explícitas duas realidades correlacionadas mas muito dife-
rentes. Normas implícitas e normas explícitas, tal como as normas for-
mais e as informais, são «faux amis» a nível conceptual e empírico. Isto
não significa, porém, que tenham de ser inimigas umas das outras, ou
do psicólogo social.

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Isabel R. Pinto
José M. Marques
Miguel Cameira

Capítulo 2

Focalização normativa, reacções


ao desvio e identidade social:
a perspectiva da dinâmica de grupos
subjectiva sobre os mecanismos
de controlo social nos grupos
A definição paradigmática do conceito de «norma social» em Psico-
logia é a que foi proposta por Sherif (1966). Este autor definiu as normas
sociais como «padrões de influência que o indivíduo forma em interacção
com outras pessoas ou adquire de grupos significantes aos seus olhos [...].
Uma vez internalizados, esses padrões servem de premissas ou regulado-
res pelos quais os estímulos relevantes são ordenados, categorizados e
respondidos, mesmo na ausência de tentativas imediatas de influência
sobre o comportamento» (Sherif 1966, x, tradução nossa). De facto, as
normas sociais podem ser conceptualizadas como quadros de referência,
modelos mentais abstractos, ou scripts (Schank e Abelson 1977) que de-
sempenham uma tripla função: elas guiam o comportamento dos indi-
víduos, funcionam como determinantes das suas expectativas em relação
aos outros em situações sociais distintas, e fornecem critérios para a sua
avaliação. Para utilizarmos a expressão de Sherif (1966), as normas sociais
funcionam não só como quadros de referência que especificam as crenças
e os comportamentos adequados, mas também como «lubrificantes so-
ciais» facilitadores das interacções entre os indivíduos na sociedade, per-
mitindo-lhes agir segundo a antecipação das expectativas dos outros
(v. Asch 1952; Broom e Selznick 1963; Campbell 1964; Hawkins e Tie-
deman 1975; Johnson 1960; Jones e Gerard 1967; Miller e Prentice 1996;
Morris 1956; Newcomb 1956; Rommetveit 1954; Sherif 1936; Turner
1991). Esta concepção sobre as normas é uma concepção generalista, em

45
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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

relação à qual não é difícil estabelecer consenso entre os investigadores.


No entanto, ela oculta controvérsias essenciais ligadas à origem, extensão,
natureza, e funções das normas sociais. Neste capítulo, discutimos alguns
destes aspectos, e propomos a nossa própria perspectiva, à luz do que
designamos por Teoria da Dinâmica de Grupos Subjectiva (Marques,
Abrams, Páez e Hogg 2001; Marques, Abrams, Páez e Taboada 1998;
Marques, Páez e Abrams 1998; Pinto, Marques, Levine e Abrams 2010),
uma extensão das, mais clássicas, teorias da Identidade Social (Taifel
1978) e da Autocategorização (Turner, Hogg, Oakes, Reicher e Wetherell
1987).

Dimensões conceptuais das normas sociais


É possível sistematizar as concepções das normas sociais encontradas na
literatura tradicional através de duas dimensões: natureza (estatística vs. in-
juntiva) e extensão (específica vs. genérica). A definição da norma à luz destas
dimensões conduzirá ao reconhecimento de diferentes funções e diferentes
implicações das normas para a explicação do comportamento social.

Natureza estatística ou injuntiva

As normas sociais estão geralmente associadas a regularidades com-


portamentais (cf. Gibbs 1977; Opp 2001). Mas, a regularidade compor-
tamental e a noção de dever estão também frequentemente associadas.
Levanta-se, portanto, a questão de saber qual dos dois aspectos é a causa
e a consequência: ou seja, um comportamento torna-se prescritivo a par-
tir do momento em que se difunde através de uma população, ou, in-
versamente, difunde-se pela população a partir do momento em que se
torna prescriptivo? De facto, podemos pensar que um comportamento
frequente se torna «expectável» e que essa expectativa adquire progressi-
vamente um carácter injuntivo. Mas podemos, inversamente, considerar
que é o carácter prescritivo de uma norma que torna frequentes as con-
dutas que lhe estão associadas, gerando, assim, regularidades comporta-
mentais. É de notar, no entanto, que, se por um lado, existem condutas
frequentes que são vistas como violações de uma norma, por outro, exis-
tem certas regularidades sociais, cuja violação pode gerar surpresa sem
que isso gere avaliações negativas ou motivações punitivas em relação a
quem adopta essas condutas (cf. Cialdini e Trost 1998; Durkheim 1965
[1912]; Forsyth 1990).

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

As normas sociais, tais como as entendemos neste capítulo, decorrem


de asserções prescritivas, e parece-nos difícil conceptualizar esse carácter
prescritivo como decorrente de regularidades estatísticas preexistentes.
Como o afirma Gibbs (1977, 413), a definição de norma enquanto fenó-
meno estatístico pode incorrer numa tautologia: «se o termo ‘norma’ for
definido por referência ao comportamento médio ou típico, as explica-
ções normativas do comportamento tornam-se circulares. Por exemplo,
o casamento entre irmãos é contrário a uma norma por ser atípico, mas
a norma dificilmente explica essa atipicidade. Uma norma pode, pelo
contrário, ser definida em termos [...] de asserções dos membros de uma
unidade social acerca do que deve ser a conduta».
Noutros termos, uma norma corresponderia a uma expectativa sobre a
conduta com origem numa prescrição anterior. A associação prescrição-
-expectativa basear-se-ia tanto nas crenças privadas dos indivíduos, even-
tualmente ligadas a valores morais e sentimentos de dever, como na ante-
cipação de sanções por parte dos outros, no caso de não-cumprimento
(Buunk e Bakker 1995; Cialdini 1996; Cialdini, Kallgren e Reno 1991; For-
syth 1990; Gibbs 1965; Hawkes 1975; Schwartz 1968; Thibaut e Kelley
1959). As normas sociais funcionariam, assim, com base numa componente
metacognitiva, numa «teoria da mente» admiravelmente ilustrada pelo so-
ciólogo Charles H. Cooley (1992 [1922]), para quem a conformidade a uma
norma resultaria «de um sentimento mais ou menos vívido do mal-estar e
dos inconvenientes da não-conformidade [...] parecendo estar na origem
deste mal-estar um vago sentimento de curiosidade depreciativa que se ima-
gina evocar nos outros. O auto-sentimento social é ferido por uma visão
desfavorável de si próprio que atribuímos aos outros» (293-294).

Extensão específica ou genérica

A segunda dimensão de conceptualização das normas sociais diz res-


peito ao facto de serem relevantes em situações particulares e adoptadas
por determinados grupos sociais, ou, pelo contrário, serem universais ou,
pelo menos, partihadas por grupos sociais distintos. Alguns autores fo-
calizam-se nas normas sociais como enunciados produzidos por um
grupo específico a propósito da forma como os membros desse grupo se
devem comportar em circunstâncias específicas (por exemplo, Homans
1961; Bonacich 1972), ou como prescrições sobre o comportamento acei-
tável e inaceitável por parte de alguns actores sociais em situações espe-
cíficas (Williams 1960). As normas corresponderiam, assim, aos princí-
pios definidores dos diferentes papéis sociais (Opp 2001).

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

Outros autores enfatizam o carácter universalista das normas sociais.


Parsons (1965, 43), por exemplo, afirma que «uma norma […] é sempre
definida de forma universalista no interior do seu universo de pertinência,
seja ele um universo de acções, de papéis sociais, de colectividades. Sem
dúvida, a definição de um universo pertinente implica uma referência
a uma ordem superior». Noutros termos, é possível que, objectivamente,
uma norma seja específica, ou seja, estatisticamente representativa das
crenças, comportamentos, sentimentos, etc., dos membros de um grupo
por oposição a outros grupos. No entanto, essa norma pode ser expe-
rienciada subjectivamente por esses membros como um critério univer-
sal. Noutros casos, a norma pode ser partilhada por diferentes grupos
sem que, por isso, as fronteiras entre esses grupos se diluam.
Efectivamente é fácil encontrar normas (por exemplo, religiosas) que
servem como quadros de referência para o comportamento dos membros
de uma categoria social específica e que contribuem para diferenciar essa
categoria de outras categorias (não comer carne durante a Quaresma, para
os católicos, só comer comida kosher, para os judeus, não comer durante
o dia no Ramadão, para os muçulmanos). Nesse caso, as normas sociais
corresponderão a critérios específicos (aplicáveis a determinados grupos)
e correspondentes a regularidades estatísticas (por correlação entre o grupo
e a manifestação da conduta normativa). Outras normas podem ser ob-
jectivamente consideradas como universais. Por exemplo, independente-
mente de ser cristão, judeu, ou muçulmano, deve entrar-se de cabeça des-
coberta numa igreja, de cabeça coberta numa sinagoga, e descalço numa
mesquita. Neste caso, não é a norma comportamental (específica) que está
em causa, mas sim uma norma (genérica) de respeito pelas convicções e
normas dos outros grupos. Do mesmo modo, existem normas, como a
lealdade (Levine, Moreland e Hausmann 2005) ou a reciprocidade (Cial-
dini e Trost 1998; Malinowsky 1959), que se aplicam de forma indiscri-
minada ao universo dos grupos, dos indivíduos, e das situações sociais.
Em suma, à luz da dimensão estatística vs. injuntiva, o aspecto fun-
damental em jogo é o de saber se um comportamento normativo é um
comportamento que se tornou frequente e, a partir daí, adquiriu um ca-
rácter injuntivo ou se, pelo contrário, foi um antecedente injuntivo que
acabou por tornar esse comportamento frequente. Complementarmente,
o aspecto fundamental em jogo à luz da dimensão específica vs. genérica,
é o de saber se as normas estão associadas a certas pertenças grupais e
dissociadas de outras, traduzindo, assim, as divisões existentes no tecido
social, ou se, pelo contrário, elas atravessam esse tecido social e são par-
tilhadas por todos os indivíduos independentemente das suas pertenças

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

grupais. A resposta a estas questões está intimamente ligada ao tipo de


funções, denotativas ou prescritivas, atribuídas às normas sociais.

Funções denotativas e prescritivas das normas

Retomando os exemplos utilizados acima, imaginemos que nos co-


locam a questão de saber se a pessoa X é católica, judia ou muçulmana,
a partir da informação de que essa pessoa não consumiu carne durante
a Quaresma. Imaginemos, agora que devemos responder à mesma ques-
tão, sabendo desta vez que X se descalçou antes de entrar numa mesquita.
É evidente que, em qualquer dos casos, podemos arriscar uma resposta.
No entanto, a certeza quanto à resposta «católico» no primeiro caso é,
em princípio, claramente superior à de qualquer resposta possível no se-
gundo. Essa informação permite definir a pertença da pessoa, mas não
permite avaliá-la, a não ser exclusivamente com base nessa pertença. De
facto, a primeira informação tem um potencial heurístico claramente su-
perior à segunda. Essa informação baseia-se numa característica norma-
tiva definidora de uma categoria social e, assim, permite identificar facil-
mente a pertença da pessoa a essa categoria. Imaginemos, em alternativa,
que a questão é saber se X é «boa» ou «má» pessoa, sabendo, ou que essa
pessoa consumiu carne durante a Quaresma, ou que entrou calçada
numa mesquita. No primeiro caso, a resposta poderá variar dependendo
do conhecimento do grupo de pertença da pessoa e da relevância atri-
buída por quem avalia o comportamento em questão. Já no segundo
caso, a resposta depende mais dessa relevância do que da pertença reli-
giosa da pessoa em causa. Ou seja, nenhuma das informações fornece
critérios claramente definidores da pertença grupal da pessoa-alvo. No
entanto, ambas têm um potencial injuntivo, embora esse potencial seja
influenciado pelo eventual conhecimento (denotativo) da pertença social
dessa pessoa e pelo maior ou menor investimento (moral) de quem avalia
em relação à norma subjacente ao comportamento escrutinado. Ou seja,
embora em graus diferentes, ambas as informações permitem avaliar a
pessoa, mas não permitem definir a sua pertença a não ser com um ele-
vado grau de incerteza. Estes dois exemplos ilustram o que julgamos
serem as duas funções essenciais das normas: denotativa e prescritiva.
Para os autores que se referem às normas sociais como resultantes da
frequência estatística de certas condutas em contextos específicos (Cial-
dini e Trost 1998; Forsyth 1990; Miller e Prentice 1996), tais normas,
«descritivas» ou «locais», correspondem a expectativas que decorrem sim-
plesmente da frequência dessas condutas num tipo particular de situações

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

ou num grupo específico de indivíduos (Jacobsen e Van der Voordt 1980;


v. também Miller e Prentice 1996). O facto de uma determinada conduta
se tornar frequente poderá decorrer do carácter adaptativo dessa conduta,
pelo menos de início. A norma decorreria, portanto, de um processo se-
lectivo, de tal forma que seriam as condutas mais adequadas a um tipo
de situação aquelas que tenderiam a multiplicar-se em detrimento de ou-
tras menos eficazes. Considerando que grupos sociais diferentes se de-
param com situações diferentes, tais grupos acabariam «naturalmente»
por desenvolver sistemas normativos diferentes (Axelrod 1986; Campbell
1964). Neste sentido, uma norma social funcionaria como uma heurística
descritiva das diferentes situações sociais e dos intervenientes nessas si-
tuações. Como veremos adiante, esta definição corresponde à perspectiva
defendida pela Teoria da Autocategorização.
Segundo Miller e Prentice (1996), as normas descritivas corresponde-
riam a inferências construídas on-line a partir da construção retrospectiva
de uma distribuição de frequências de acontecimentos, motivada por um
acontecimento-estímulo. Por exemplo, confrontado com um homem
que entre de cabeça descoberta numa sinagoga, o indivíduo procuraria
inferir a probabilidade associada a esse acontecimento. Se essa probabi-
lidade fosse elevada, o acontecimento seria considerado normativo, se
fosse inferior a um determinado limiar, seria considerado desviante, sur-
preendente. No quadro deste processo de tratamento de informação a
posteriori (backward processing), o indivíduo compararia a situação obser-
vada com os atributos recuperados da memória, representativos de situa-
ções do mesmo tipo (Kahneman e Miller 1986). As normas descritivas
constituiriam, portanto, heurísticas que ajudariam o indivíduo a decidir
sobre os comportamentos adequados a cada situação (Cialdini e Trost
1998; Miller e Prentice 1996). Neste sentido, a opinião modal num grupo
corresponderia a uma norma descritiva, já que o consenso (ou seja, a fre-
quência elevada dessa opinião) serviria ao indivíduo de critério de aferi-
ção acerca da validade das suas próprias opiniões (Festinger 1950). Mas
podemos igualmente pensar que a norma reflecte directamente não uma
adequação à realidade «objectiva» ou material que a torna eficiente numa
situação, mas sim a adequação a uma realidade social, que o torna so-
cialmente eficaz para a obtenção de aprovação por parte dos outros.
A (des)aprovação social, reflectora da coesão normativa vigente no
grupo ou na comunidade, estaria, então, associada a um significado
moral de «dever» (Asch 1987; Durkheim 1930 [1912]; Erikson 1964).
É este sentido de «dever» (não enquanto asserção probabilística – «as an-
dorinhas devem estar a chegar» – mas sim imperativa – «deve-se amar o

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

próximo») que definiria o pensamento normativo prescritivo, indepen-


dentemente da frequência dos acontecimentos consistentes ou inconsis-
tentes com a norma. Noutros termos, uma norma prescritiva pode não
ter relação directa com a frequência das suas manifestações comporta-
mentais. O seu carácter adaptativo decorreria apenas das recompensas e
punições definidas de forma arbitrária pelo grupo ou pela comunidade
(v. Durkheim 1930 [1912]; Schwartz 1968). Um comportamento nor-
mativo seria a consequência de uma norma prescritiva preexistente, e não
a causa dessa norma (v. Bierstedt 1963; Nichols 2002).

Normas e processos intergrupais


Uma das perspectivas teóricas da Psicologia Social, que explora com
alguma profundidade a associação entre processos normativos e relações
grupais, é a abordagem da identificação social. Esta abordagem, que in-
clui a Teoria da Identidade Social (Tajfel 1978; Tajfel e Turner 1979) e a
Teoria da Autocategorização (Turner, Hogg, Oakes, Reicher e Wetherell
1987), encontra-se na base de muitos aspectos fundamentais da nossa
Teoria da Dinâmica de Grupos Subjectiva (v. Marques e Páez 1994; Mar-
ques, Abrams, Páez e Hogg 2001; Marques, Páez e Abrams 1998). Mas,
desde a sua génese com os trabalhos de Tajfel (1969), a abordagem da
identificação social foi sendo teoricamente moldada por uma ênfase no
estudo das relações intergrupais, deixando para segundo plano as relações
intragrupais, que conceptualiza como relações de nível «interpessoal»
(Tajfel 1978; Tajfel e Turner 1979; Turner 1975), e esse facto coloca difi-
culdades a uma análise do desvio nesse contexto teórico.
A Teoria da Autocategorização surgiu como um desenvolvimento da
Teoria da Identidade Social, e, embora o seu objecto seja o estudo dos
processos associados à representação da identidade social dos indiví-
duos, esta teoria acaba por colocar a noção de «norma» no centro desses
processos. De facto, para a Teoria da Autocategorização as normas gru-
pais são protótipos abstraídos a partir de regularidades decorrentes das
propriedades que, em cada contexto social específico, melhor permitem
interpretar esse contexto em termos de uma diferenciação intergrupal
clara. Os protótipos podem, assim, ser compreendidos como normas
cuja função é descrever, para o observador, a realidade intergrupal e os
aspectos relevantes dessa realidade para a definição da sua identidade
enquanto membro de um grupo. Os teóricos da autocategorização ex-
plicam este processo através de um princípio de metacontraste (Hogg

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

1992 e 1996; Hogg e McGarty 1990; Oakes, Haslam e Turner 1994; Tur-
ner et al. 1987).
O metacontraste decorreria da detecção de uma adequação comparativa,
ou associação entre um padrão de estimulação saliente no contexto per-
ceptivo (por exemplo, a cor da pele, o comprimento do cabelo, ou as opi-
niões expressas num debate parlamentar sobre o Orçamento de Estado)
e uma dimensão de categorização cognitivamente acessível ao indivíduo
(por exemplo, «etnia», «sexo», ou a «afiliação partidária»). Em cada con-
texto perceptivo particular, esta associação conduziria o observador a pro-
curar assegurar-se de que, em média, as diferenças intragrupais são infe-
riores às diferenças intergrupais – o princípio de metacontraste (por
exemplo, Hogg e McGarty 1990). Se tal for o caso, as características sa-
lientes na situação revelar-se-ão heurísticas. Essas características fornecerão
ao observador um critério de interpretação da situação em termos de uma
diferenciação clara entre grupos (Oakes, Haslam e Turner 1994; Oakes e
Turner 1990). Os protótipos categoriais corresponderão às duas posições
que melhor conciliam as diferenças intergrupais e as semelhanças intra-
grupais em termos do critério (ou dimensão) de categorização utilizado.
Neste contexto, os protótipos definem expectativas sobre as características
dos membros dos grupos evocados e a adequação normativa desses mem-
bros às suas categorias respectivas (por exemplo, Hogg 1992; Turner,
Wetherell e Hogg 1989). Assim, o limiar do desvio corresponderá ao
ponto a partir do qual a posição adoptada por um membro o torna mais
semelhante ao protótipo do outro grupo (Hogg 1992 e 1996). Um défice
de adequação normativa (ou seja, uma fraca correspondência entre as ca-
racterísticas ou comportamentos dos membros e as expectativas associadas
aos protótipos categoriais activados na situação) conduzirá o observador
a evocar uma nova dimensão intergrupal. Por exemplo, num debate sobre
a regionalização, em que existissem divisões no seio, quer de um partido
de Direita, quer de um partido de Esquerda, os participantes no debate
deixariam de ser vistos como «de Direita» e «de Esquerda», para passarem
a ser vistos como «pró-regionalização» e «anti-regionalização».

Focalização descritiva e focalização prescritiva

Encontramo-nos, agora, em posição para propormos a nossa própria


perspectiva acerca das normas e das suas funções. Das duas dimensões
usadas acima para definir as normas sociais, natureza e extensão, parece-
-nos ser a primeira que constitui o critério básico para a explicação da
origem e das funções das normas sociais. Incorreríamos, no entanto, num

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

realismo ingénuo se atribuíssemos propriedades estruturais às normas so-


ciais. Pelo contrário, parece-nos que o carácter mais descritivo ou mais
injuntivo de um comportamento normativo não é essência desse próprio
comportamento, mas decorre, em vez disso, do tipo de critérios que pre-
sidem à sua apreciação. Noutros termos, o facto de um comportamento
ser apreciado à luz de critérios normativos estatísticos ou descritivos, ou,
pelo contrário, morais ou prescriptivos, dependerá em grande parte do
tipo de focalização (descritiva ou prescritiva) adoptada por quem percep-
ciona esse comportamento, e essa focalização dependerá, por seu lado,
das características da situação e dos objectivos do percipiente nessa si-
tuação (Cialdini, Reno e Kallgren 1990; Kallgren, Reno e Cialdini 2000;
Reno, Cialdini e Kallgren 1993).
No que diz respeito às condições em que é evocada, a focalização
descritiva centrar-se-á nos elementos do contexto que se tornam salientes,
por exemplo, em função de um processo de acessibilidade x adequação
(ver acima), enquanto a focalização prescritiva se centrará nas implicações
morais desse comportamento. O que nos parece interessante relativa-
mente a esta alternativa é o facto de que o desvio definido em termos de
uma focalização descritiva pode ser considerado desejável e gerar avalia-
ções positivas. Por exemplo, os indivíduos «originais», «diferentes», «não-
convencionais», ou «especiais» são frequentemente apreciados desde que
os seus atributos não sejam percepcionados como transgressão de uma
norma prescritiva.1 Pelo contrário, mesmo quando a transgressão é mais
adaptativa, mais lógica, ou mais compreensível do que a conformidade,
o desviante percepcionado à luz de uma focalização prescritiva é, geral-
mente, depreciado (pensemos no homem adulto que, para garantir a sua
sobrevivência numa situação de naufrágio, espezinharia mulheres e crian-
ças para chegar em primeiro lugar ao bote de salvação).
Mesmo que tanto as normas descritivas como as prescritivas permitam
atribuir significados às situações sociais, elas relacionam-se com heurísticas
diferentes. A focalização descritiva permite, por exemplo, definir a per-

1
A tipologia das formas de desvio apresentada por Pitts (1965, 702) (o erro, a doença,
o crime e o pecado) é ilustrativa desta diferença: «o erro [...] é devido à ignorância ou à
ausência de controlo sobre os elementos da acção. A doença é também uma ausência de
controlo [...] sobre o corpo e o espírito que torna o indivíduo incapaz de cumprir os
seus compromissos e de preencher a sua parte de obrigações de solidariedade [...].
O crime e o pecado estão relacionados com faltas de cooperação com o colectivo ou
com faltas de demonstração de empenho em relação a valores societais. Estes são mais
severamente punidos do que o erro e a doença porque a sua probabilidade de prejudicar
a sociedade é geralmente maior. Existe um gradiente de desvio no qual o pecador ocupa
o escalão superior».

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

Quadro 2.1 – Características das focalizações normativas descritiva


e prescritiva
Focalização descritiva Focalização prescritiva

Moda estatística, Convencionalidade,


Critério saliente frequência relativa consistência com um valor
(intergrupal) moral
Definição do contexto Avaliação (do desviante)
Função
(intergrupal)
Extensão Limitada ao contexto presente Supracontextual
Evocação Accessibilidade x adequação Transgressão
Conduta adaptada à situação, Punitividade, empenho
Consequência
categorização social em relação à norma

tença categorial de qualquer um (num jogo Benfica-Porto, um adepto por-


tador de um cachecol azul e branco: será adepto de qual dos dois clubes?),
mas não o seu valor moral (esse adepto merece ser reprovado ou louvado
pelo simples facto de ser adepto do seu clube?). Pelo contrário, as normas
prescritivas permitem atribuir uma valência moral a um actor, porque de-
finem o que é digno de aprovação ou de reprovação (a acção de um
adepto que lança uma lata de refrigerante para o campo é moralmente
louvável ou reprovável?) mas não permitem definir a pertença categorial
desse actor. As focalizações normativas descritivas e prescritivas parecem
então ter naturezas, abrangências e funções diferentes (cf. quadro 2.1).

Dinâmica de grupos subjectiva


A Teoria da Dinâmica de Grupos Subjectiva parte da constatação de
que a punitividade em relação aos desviantes é uma componente inevi-
tável do sistema de regulação social, tanto nas grandes comunidades
como nos grupos restritos. Encontramos múltiplos exemplos desse facto
(cf. Marques e Páez 2008), quer na história da civilização ocidental – por
exemplo, nos processos inquisitoriais na Europa do século XII (Ben-Ye-
huda 1980), ou nos países ibéricos, entre os séculos XIV e XVI (Green 2007;
Reston 2005), ou no estabelecimento da comunidade puritana na Nova
Inglaterra dos séculos XVII-XVIII (Erikson 1966), ou no macarthismo nos
EUA do final da década de 1940 (Gibson 1988; Sullivan, Piereson e Mar-
cus 1979), ou nas purgas políticas do período estalinista na URSS (Con-
quest, 1990; Connor 1972) –, quer na investigação laboratorial sobre a
dinâmica dos grupos de face a face – por exemplo, nos estudos clássicos

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

na tradição de Festinger e colegas sobre as reacções dos membros de um


grupo em relação àqueles que adoptam consistentemente uma opinião
contrária à maioria (Cartwright e Zander 1968; Levine 1989) –, quer ainda
na investigação sobre as reacções ao desvio nas categorias sociais, como,
por exemplo, nos nossos próprios estudos sobre o «efeito ovelha negra»
(cf. Marques e Páez 1994 e 2008).
A noção de dinâmica de grupos subjectiva fundamenta-se sobre duas
ideias. Em primeiro lugar, o desvio pode contribuir para a legitimação
da identidade social positiva dos membros normativos de um grupo.
Assim, o desvio no seio de um grupo só pode ser adequadamente anali-
sado no contexto das relações desse grupo com outros grupos. Em se-
gundo lugar, as reacções de hostilidade manifestas ou implícitas em rela-
ção aos desviantes são a expressão de uma representação cognitiva da
ordem social e dos mecanismos para a sua manutenção, representação
essa que, em última análise, funciona como garante dessa mesma ordem
social (Marques 2004; Marques e Páez 1994; Marques, Páez e Abrams
1998). Estas duas ideias justificam três postulados.
Em primeiro lugar, o desvio e as reacções que ele desencadeia são, por
definição, processos intragrupais. Jogando com as palavras, diríamos que
tanto se pode ser desviante num grupo «normativo», como normativo
num grupo «desviante». Esta afirmação, aparentemente trivial, não é con-
sensual na literatura sobre os «grupos desviantes» ou «identidades desvian-
tes», tanto na Psicologia Social (por exemplo, Archer 1985; Breakwell
1986; Emler e Reicher 1995), como nas teorias clássicas da Sociologia Cri-
minal, (por exemplo, Becker 1963; Hirschi 1969; Merton 1938; Sutherland
e Cressey 1974). Em nosso entender, o conflito entre identidades ou gru-
pos convencionais e não-convencionais não é um exemplo de desvio, mas
sim a ilustração do funcionamento de uma focalização descritiva, da qual
resulta um antagonismo entre sistemas normativos diferentes. Podemos
encontrar aí manifestações de etnocentrismo, de preconceito, de compe-
tição social, de autoritarismo, etc., mas não de desvio.
A Teoria da Dinâmica de Grupos Subjectiva perspectiva o desvio como
resultado de uma focalização prescritiva. Neste contexto, o desvio corres-
ponde, efectivamente, a uma dimensão que não diferencia grupos e que,
nos casos empiricamente estudados, é mesmo interna ao grupo. Este
facto não significa que consideremos o desvio como um processo inde-
pendente do contexto intergrupal em que emerge (cf. Marques e Páez
1994 e 2008; Marques, Páez e Abrams 1998). Pelo contrário, acreditamos
que uma abordagem simultânea aos níveis intragrupal e intergrupal per-
mite compreender de forma mais abrangente os processos normativos

55
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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

Figura 2.1 – Dinâmica de grupos subjectiva

Nível intergrupos

Focalização descritiva
• metacontraste
Adequação • autocategorização
comparativa • identificação social
• favoritismo pró-endogrupal

não Saliência de
Crença na diferenciação membros
positiva do endogrupo desviantes no
endogrupo

sim

Validade subjectiva da Focalização prescritiva


identidade social positiva
• percepção de interdependência entre o eu
e o endogrupo
• consciência da norma prescritiva
• empenho na norma
• depreciação dos desviantes endogrupais
Nível intragrupo

Fonte: Adapt. de Marques, Páez e Abrams (1998).

implicados nos grupos. A figura 2.1 esquematiza a parte desses processos


sobre a qual se debruça a nossa teoria.

Complementaridade funcional entre focalizações descritiva


e prescritiva

Tal como está representado nesta figura, propomos que o resultado


final dos julgamentos sobre os membros desviantes de um grupo depen-
dem de uma complementaridade funcional entre focalizações descritiva
e prescritiva ou, mais concretamente, da articulação entre categorização
do eu e dos outros através de uma focalização sobre os atributos da si-
tuação que permitem diferenciar entre endogrupo e exogrupo, e a sub-
sequente focalização sobre os padrões de conduta ou as características
que sustentam a crença na superioridade relativa do endogrupo. Noutros
termos, de acordo com a abordagem da identificação social, acreditamos
que a categorização social é o processo imediatamente activado numa si-
tuação social orientada por uma busca de significado em termos de uma

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

distinção entre endogrupo e exogrupo (Hogg 2000). Uma vez estabele-


cido o contexto intergrupal, e uma vez que a identidade social dos indi-
víduos ficou saliente, estes desenvolverão um sentimento de interdepen-
dência promocional com o endogrupo, de tal forma que o contributo,
positivo ou negativo, de qualquer membro para a imagem do grupo será
percebido como um contributo para o valor atribuído ao eu enquanto
membro desse grupo (cf. Marques e Páez 1994). A focalização descritiva
é, assim, um processo essencial nas interacções sociais, já que define o
contexto identitário. Ao definir esse contexto, a focalização descritiva
gera nos indivíduos a motivação para construírem e manterem, compor-
tamental ou cognitivamente, uma representação favorável do endogrupo
comparativamente com o exogrupo (Tajfel 1978). A focalização prescri-
tiva entrará, então, em jogo, quando um acontecimento interpretável
como atentatório a essa motivação emerge no seio do endogrupo. Assim,
um comportamento moralmente reprovável associado a um membro do
endogrupo desencadeará uma focalização prescritiva que levará os indi-
víduos a reagirem de forma extremamente negativa em relação ao actor
desse comportamento, no intuito de restabelecerem subjectivamente a
validade das suas crenças numa identidade social positiva (Marques, Páez
e Abrams 1998; Marques, Abrams, Páez e Hogg 2001).
O efeito ovelha negra representa o padrão de julgamentos decorrente
deste processo. Os julgamentos realizados sobre os membros do endo-
grupo que contribuem de forma positiva para a representação favorável
do grupo resultarão, nesse caso, num enaltecimento dos mesmos por
comparação com membros semelhantes do exogrupo. No entanto, e pe-
rante membros que apresentam um comportamento ou opinião repro-
vável, os indivíduos julgarão de forma mais negativa os membros do en-
dogrupo do que do exogrupo, exactamente porque são estes que
contribuem de forma negativa para a representação favorável do endo-
grupo. Este processo foi encontrado por Marques, Yzerbyt e Leyens
(1988), quando pediram a estudantes belgas que avaliassem estudantes
belgas (condição Endogrupo) ou estudantes norte-africanos (condição
Exogrupo) que considerassem simpáticos ou antipáticos. Os resultados
mostraram que os estudantes belgas simpáticos foram mais positivamente
avaliados do que os estudantes norte-africanos simpáticos, enquanto os
estudantes belgas antipáticos foram julgados de forma mais negativa do
que os estudantes norte-africanos antipáticos.
No entanto, esta complementariedade funcional entre focalizações
descritivas e prescritivas não opera de forma sistemática e generalizada.
Com efeito, alguma investigação tem encontrado contextos específicos

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

que desencadeiam a ocorrência deste processo. Apresentaremos, de se-


guida, alguns moderadores que privilegiam a ocorrência desta comple-
mentaridade funcional; ou seja, que desencadeiam uma focalização pres-
critiva sobre comportamentos que contribuem de forma negativa para a
distintividade positiva do endogrupo.

Diferenciação entre membros normativos e desviantes


do endogrupo em função da focalização prescritiva
dos indivíduos

O primeiro moderador centra-se nos efeitos da focalização descritiva


ou prescritiva dos indivíduos sobre as avaliações que realizam sobre os
membros normativos e desviantes do endogrupo e do exogrupo. A nossa
teoria implica que, quando os indivíduos adoptam uma focalização des-
critiva, eles procuram criar uma diferenciação positiva entre o endogrupo
e o exogrupo, independentemente dos desvios que possam existir no seio
desses grupos em relação à norma descritiva. No entanto, com o objectivo
de manter a diferenciação intergrupal, perante os desvios intragrupais, são
levados a adoptar uma focalização prescritiva. A atenção dirige-se então
sobre as opiniões dos outros membros do endogrupo que legitimam ou
que desligitimam as suas crenças na superioridade do endogrupo.
A reacção a esses membros decorre não tanto do desvio dessas acções em
relação à norma, mas das suas implicações para a identidade social. Con-
cretamente, enquanto as normas descritivas servem objectivos de diferen-
ciação intergrupal, as normas prescriptivas servem objectivos de legitimi-
zação do endogrupo. Quando as normas do endogrupo se tornam
salientes, os indivíduos avaliarão positivamente os membros endogrupais
que concordem com elas, mas também avaliarão negativamente os mem-
bros endogrupais que não se mostrem de acordo com essas normas. No
entanto, se, para além deste carácter denotativo, estas normas assumirem
também um valor prescritivo (se as normas diferenciadoras dos dois gru-
pos adquirirem uma focalização prescritiva) deveremos observar a valori-
zação dos alvos que se demonstram consistentes com as mesmas, e de-
preciar os membros que se opõem às mesmas (neste caso, que são
consistentes com as normas do exogrupo).
Marques, Abrams, Páez e Taboada (1998, Estudo 3) pediram a estu-
dantes universitários que examinassem um caso de homicídio, suposta-
mente como parte de uma investigação sobre tomada de decisão em júri.
Os participantes foram informados de que existiam dois padrões opostos
de tomada de decisão (os padrões X e Y) e que o padrão a que pertenciam

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

seria determinado com base nos critérios de justificação de um julgamento


acerca das responsabilidades implicadas num crime. Os participantes de-
viam então ordenar as seis personagens envolvidas no crime, da mais para
a menos responsável, e justificar essa ordenação por escrito. Uma semana
mais tarde, os participantes foram informados de que, segundo o seu ra-
ciocínio justificativo (mas independentemente da ordenação que tinham
feito), os investigadores haviam determinado o padrão a que pertenciam.
Os participantes foram recordados das suas próprias ordenações de res-
ponsabilidade, e, numa condição (Forte Focalização Prescritiva), foram
informados de que existia uma norma segundo a qual todos os que per-
tencessem a um padrão deveriam ter ordenado as personagens segundo
uma dada ordem (que, para cada participante, correspondia exactamente
à ordenação que esse participante tinha feito), e que os pertencentes ao
padrão oposto deveriam ordenar as personagens segundo outra ordem
(inversa à do participante). Noutra condição (Fraca Focalização Prescri-
tiva), os participantes não receberam esta informação, de modo que ape-
nas as pertenças grupais dos alvos eram salientes. Em ambas as condições,
foi tornado explícito que a ordenação não determinava o padrão a que os
indivíduos pertenciam, e que a única determinante dessa pertença era a
forma como era justificada essa ordenação. Os participantes recebiam
então as ordenações dadas por cinco outros membros (na realidade, fictí-
cios) do endogrupo ou do exogrupo. As ordenações dos membros do en-
dogrupo foram construídas experimentalmente de tal modo que: (1) a res-
posta de cada participante era igual à norma do endogrupo; (2) quatro
membros do endogrupo haviam adoptado exactamente a mesma orde-
nação, e (3) um membro do endogrupo (o membro desviante) mostrava
uma resposta semelhante mas não idêntica à norma do exogrupo. Na con-
dição Exogrupo, o padrão de informação foi invertido.
Os autores observaram que os participantes avaliaram o endogrupo
de forma mais positiva do que o exogrupo. No entanto, as avaliações dos
membros modais e desviantes variaram em função de os alvos estarem
ou não conscientes da norma de ordenação de responsabilidades das per-
sonagens. Na condição de Fraca Focalização Prescritiva, os membros mo-
dais e desviante do endogrupo foram sempre julgados mais favoravel-
mente do que, respectivamente, o membro desviante (que dera uma
resposta próxima da resposta modal do endogrupo) e os membros mo-
dais (que deram respostas opostas à resposta modal do endogrupo) do
exogrupo. Mas, na condição de Forte Focalização Prescritiva, os membros
modais do endogrupo e o membro desviante do exogrupo foram julga-
dos mais favoravelmente do que o membro desviante do endogrupo e

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

os membros modais do exogrupo. Por outras palavras, quando não existia


uma prescrição normativa, os participantes comportaram-se sempre se-
gundo um princípio de diferenciação positiva do endogrupo, quer na
avaliação dos grupos em geral, quer nas avaliações dos seus membros.
No entanto, quando lhes foi fornecida informação sobre a norma grupal,
os julgamentos acerca dos membros desviantes divergiram dos restantes
no sentido da legitimação da norma prescritiva endogrupal.
Estes resultados sugerem que as normas prescritivas endogrupais têm
força sobre o julgamento dos indivíduos e operam em interacção com
as normas puramente descritivas. De facto, os resultados não podem ser
explicados pura e simplesmente em termos do princípio do metacon-
traste (Turner et al. 1987). Este princípio levaria a esperar que, sempre que
se está perante normas diferenciadoras dos grupos, os participantes pre-
ferissem os membros normativos no sentido descritivo do termo, ou seja,
típicos do endogrupo e do exogrupo, aos membros atípicos, dado que
os primeiros reforçam a diferenciação intergrupal, enquanto os segundos
a atenuam. No entanto, quando a norma adquiriu um carácter prescri-
tivo, os participantes foram levados a preferir os membros, que indepen-
dentemente do seu grupo de pertença, aderiram às normas do endo-
grupo, o que sugere que tal preferência serviu para legitimar o valor
positivo da identidade social dos indivíduos, nomeadamente através
da validação social da norma do endogrupo. Neste caso, os participantes
valorizaram simultaneamente a diferenciação entre grupos e o carácter
normativo dos seus membros. Estes resultados são, assim, consistentes
com a ideia apresentada acima, segundo a qual as normas descritivas ser-
vem para diferenciar os grupos e as normas prescritivas servem para legi-
timar essa diferenciação.

Fragilização das normas, desvalorização dos desviantes


e delimitação das fronteiras morais

O segundo moderador refere-se directamente ao papel legitimador da


focalização prescritiva, nomeadamente à sua função de garante da coesão
normativa do grupo, justificadora da crença numa diferenciação positiva
entre endogrupo e exogrupo. Assim, num contexto em que o endogrupo
se encontra mais fragilizado (por exemplo, pela ausência de suporte das
normas legitimadoras de uma identidade social positiva por parte de
membros relevantes), a reacção ao desvio deve ser mais intensa e negativa
do que num contexto em que o desvio não é ameaçador (por exemplo,
no caso de haver segurança quanto ao consenso à volta da norma). Efec-

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

tivamente, a percepção de ameaça no seio do endogrupo relativamente


às normas legitimadoras da identidade positiva do grupo deveria produzir
uma focalização prescritiva nos indivíduos. Consequentemente, os mem-
bros do endogrupo deveriam estabelecer padrões de aceitabilidade pres-
critiva mais limitativos no caso de os comportamentos desviantes ocor-
rerem num contexto de fragilidade normativa do grupo. Marques,
Abrams e Serôdio (2001, Estudo 1) tentaram ilustrar este processo de re-
dução do limiar de tolerância normativa endogrupal, pedindo a estudan-
tes de duas faculdades rivais que tomassem conhecimento dos supostos
resultados de um inquérito sobre a «praxe académica» que tinha sido,
pretensamente, realizado junto de 50 outros estudantes, ou da sua facul-
dade (condição Endogrupo), ou da outra faculdade (condição Exogrupo).
Os participantes foram ainda divididos em duas condições. Numa dessas
condições (Norma Validada), os participantes foram informados de que
a maioria dos estudantes inquiridos mostravam-se favoráveis à praxe aca-
démica, enquanto na outra (Norma Fragilizada), se mostravam em desa-
cordo com essa prática.2 Os participantes deveriam indicar qual era, para
eles, a posição ideal a adoptar ao longo de um contínuo de opiniões que
variava desde uma opinião fortemente favorável até um pólo fortemente
desfavorável em relação à praxe. Os participantes deveriam ainda indicar
a primeira posição que consideravam como sendo inaceitável nesse con-
tínuo.
As respostas a esta primeira questão mostraram um fenómeno inte-
ressante. Em geral, todos os participantes concordaram com a posição
desejável («a praxe é muito necessária»). Foram, no entanto, os partici-
pantes da condição Norma Fragilizada os que se mostraram menos tole-
rantes em relação a opiniões alternativas acerca da praxe. Com efeito,
apesar de os participantes de todas as outras condições estarem dispostos
a tolerar a posição segundo a qual «a praxe é muito inútil», ou mesmo a
posição segundo a qual a «praxe é absolutamente inútil» (posições mais
extremas e contranormativas), os participantes da condição Endogrupo/
Norma Fragilizada consideraram já a posição objectivamente neutra («a
praxe não é necessária nem inútil») como sendo inaceitável. Este resul-
tado é consistente com a nossa ideia segundo a qual a ameaça à legitimi-
dade do sistema normativo do endogrupo por parte dos seus membros
aumenta a focalização normativa dos indivíduos, reduzindo o seu limiar

2
É importante dizer que a praxe académica era, na altura, apoiada pela maioria dos
estudantes das faculdades onde o estudo foi conduzido. Este facto fora verificado num
estudo-piloto.

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

de tolerância à divergência em relação à posição normativa do grupo. No


entanto, os resultados vão mais longe no apoio ao nosso raciocínio.
Depois de indicarem a sua posição ideal e a primeira posição inacei-
tável, os participantes deveriam julgar outros estudantes do endogrupo
ou do exogrupo cuja resposta correspondia à resposta que os próprios
participantes haviam escolhido como ideal (normativa) e estudantes cuja
resposta correspondia à opinião que para eles seria a primeira posição
desviante. É importante assinalar que, em geral, os alvos normativos
foram idênticos para todos os participantes (a posição ideal não variou
entre condições). Mas este não é o caso dos alvos desviantes. Com efeito,
recordemos que na condição Endogrupo/ Norma Fragilizada, a posição
adoptada pelo alvo desviante foi objectivamente mais próxima da posi-
ção ideal do que a das outras condições. Mas foi exactamente nesta con-
dição que ela foi avaliada de forma mais desfavorável. Noutras palavras,
quando o sistema normativo do endogrupo está fragilizado, ou seja, os
membros percepcionam que o seu grupo não aderiu de forma substancial
a essa norma, é necessário menos para que um membro seja considerado
desviante, as fronteiras morais tornam-se mais rigorosas e menos amplas
e o espectro de tolerância dos comportamentos relacionados com essas
normas é menor. O desviante, neste caso, desencadeou as reacções mais
negativas por parte do grupo.
Em suma, os resultados indicam que a diferenciação intragrupal tem
por base uma focalização prescritiva dirigida sobre os potenciais legiti-
madores da imagem do endogrupo. A focalização prescritiva, e nomea-
damente as suas consequências a nível dos julgamentos emitidos em re-
lação aos membros do grupo, parecem permitir aos indivíduos validar
as suas crenças no valor positivo da identidade social, sobretudo quando
o desvio em relação a esses critérios se torna saliente. A diferenciação
entre membros normativos e membros desviantes parece, portanto, per-
mitir aos indivíduos reforçar as suas crenças, não acerca das diferenças
entre os grupos (uma vez que essas estão estabelecidas previamente), mas
acerca do valor que associam à sua pertença ao endogrupo.

Desvio pró-normativo e desvio contranormativo

O terceiro moderador prende-se com a direccionalidade do desvio.


De facto, podemos conceber que certas normas sociais são unidireccio-
nais. Por exemplo, a interdição de incesto é claramente uma norma uni-
polar uma vez que não conseguimos conceber outra forma além da con-
formidade que não seja o desvio contranormativo. Mas a lealdade ao

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

grupo, por exemplo, admite não só a conformidade e o desvio contra-


normativo, como também o desvio pró-normativo (v. Hawkes 1975).
Também a honestidade, por exemplo, é uma norma claramente unipolar,
dado que a expectativa prescritiva que lhe está associada torna improvável
que um indivíduo seja considerado «demasiado honesto», mas a religio-
sidade pode variar entre dois pólos extremos (o ateísmo puro e o fana-
tismo extremo). Neste caso, o desvio é positivo se a expectativa normativa
associada à dimensão em causa ficar aquém do comportamento obser-
vado nessa dimensão, e negativo se for o comportamento a ficar aquém
da expectativa que lhe está associada (idem). No contexto de uma norma
bipolar, os indivíduos deveriam estar mais centrados no significado (asso-
ciado à direcção) do desvio, significado esse que lhes permite atribuir um
valor ao grupo, do que na extensão do desvio, que lhes permite perceber
uma diferenciação mais ou menos clara entre os grupos. Podemos facil-
mente imaginar uma articulação entre significado e amplitude do desvio
no caso de normas bipolares, ou seja, de normas que admitem formas
de desvio pró-normativo e contranormativo (cf. Hawkes 1975; v. também
Bernard 1941).
Podemos, portanto, supor que, mesmo que os dois tipos de desvio
(pró- e contranormativo) contribuam igualmente para obscurecer a dis-
tintividade entre os grupos ao tornarem fluidas as posições distintivas
dos grupos, eles não serão avaliados da mesma forma em função do seu
contributo para o valor associado ao endogrupo. Por exemplo, desvio
contranormativo pode ser percebido como prejudicial à imagem do
grupo, ao invés do desvio pró-normativo, que pode contribuir para a va-
lidação da imagem positiva do grupo. Podemos portanto pensar que uma
focalização prescritiva desencadeará hostilidade no primeiro caso e
apreço no segundo, embora ambos os desvios tenham igual extensão.
Para testar a ideia enunciada acima, Abrams, Marques, Bown e Hen-
son (2000; v. também Abrams, Marques, Bown e Dougill 2002) basea-
ram-se nos resultados de um inquérito anteriormente conduzido junto
de estudantes ingleses, a propósito do número de pedidos de asilo polí-
tico que deveriam ser admitidos anualmente no Reino Unido, resultados
esses que mostravam que os estudantes estavam de acordo com o nú-
mero aceite no momento do inquérito. Os participantes deste estudo
eram estudantes que leram os resultados supostamente obtidos num in-
quérito nacional conduzido ou junto de estudantes, ou de funcionários
de alfândega. Os participantes foram informados de que os estudantes
não defendiam uma mudança na percentagem de pedidos de asilo ad-
mitidos no país, embora os funcionários defendessem uma redução de

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

30%. Os participantes podiam observar as respostas ao inquérito dadas


por 6 respondentes, apresentados ou como estudantes (condição Endo-
grupo) ou como funcionários (condição Exogrupo). Quatro dos alvos
apresentavam as opiniões normativas do seu grupo, um alvo era pró-nor-
mativo e o outro contranormativo. As posições dos alvos foram cons-
truídas de tal modo que a sua diferença era constante através das condi-
ções, e que os alvos contranormativos do endogrupo e do exogrupo
exprimissem a mesma posição (uma redução de 15% no número de ad-
missões de pedidos de asilo).
Os resultados mostram que os participantes avaliaram mais favora-
velmente o endogrupo do que o exogrupo, e que esta diferença estava
fortemente correlacionada com a identificação com o endogrupo. Para
além disso, os participantes consideraram os membros normativos e os
desviantes pró-normativos como igualmente típicos do seu grupo, e os
desviantes contranormativos como atípicos (efeito este maior no endo-
grupo). Os julgamentos de tipicidade não corresponderam às posições
descritivas dos alvos, mas reflectiram o grau em que cada alvo contribuía
para a validação da norma prescritiva do grupo. Em apoio desta ideia, os
membros normativos e pró-normativos do endogrupo foram avaliados
de forma mais positiva do que os membros contranormativos. O inverso
foi observado no caso de alvos do exogrupo. Um outro resultado inte-
ressante revela que quanto mais os participantes se identificaram com o
endogrupo, mais favoravelmente avaliaram o desviante pró-normativo
do endogrupo e o desviante contranormativo do exogrupo (ou seja, os
desviantes que validavam a norma prescritiva do endogrupo).
Estes resultados sugerem que no seio de uma diferenciação entre gru-
pos saliente e explícita, os indivíduos podem efectuar diferenciações pres-
critivas intragrupais em função da contribuição dos membros na validação
das normas importantes para o grupo. O aspecto crucial para a reacção
aos desviantes prescritivos não é, portanto, a medida em que estes obscu-
recem as fronteiras intergrupais, mas antes a medida em que reforçam ou
fragilizam a positividade do endogrupo no contexto em que essas fron-
teiras se encontram claramente definidas. Num tal contexto, os indivíduos
depreciam os desviantes que denigrem a imagem do grupo e valorizam
simultaneamente os desviantes que contribuem para validar essa imagem.

Representatividade dos membros e desvio prescritivo

Um quarto moderador de investigação pertinente no que diz respeito


à interacção entre focalização descritiva e prescritiva relaciona-se com as

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

implicações da adesão do desvio dos membros do grupo às normas pres-


critivas, dependendo da representatividade (descritiva) desses membros.
A ideia de base é que, se as focalizações descritiva e prescritiva eliciam
critérios de julgamento qualitativamente diferentes, podemos pensar que
certos membros do endogrupo podem ser percepcionados como descri-
tivamente representativos (típicos) de um grupo, e, simultaneamente,
como prescritivamente desviantes em relação a uma posição socialmente
desejável. Segundo a nossa linha de pensamento, deverão ser exacta-
mente esses membros os que mais ameaçam a imagem positiva do grupo
e que, por isso, suscitariam as avaliações mais depreciativas, por compa-
ração com os membros igualmente desviantes do ponto de vista prescri-
tivo, mas menos representativos do endogrupo.
Para testar esta ideia, em três estudos, Pinto, Marques, Levine e
Abrams (2010) informaram estudantes de duas faculdades de que se iria
realizar um debate de âmbito nacional acerca do papel que os estudantes
deveriam adoptar no âmbito de uma reforma do ensino superior. Os es-
tudantes foram ainda informados de que, em cada faculdade, foram se-
leccionados estudantes representantes e que esses representantes já ha-
viam participado numa reunião preparatória do debate que iria ser
organizado. A função dos participantes no estudo seria, naquele mo-
mento, a de «validar o processo em curso». Sem que os participantes o
soubessem, todas essas informações eram falsas, e tinham por objectivo
a recolha de julgamentos acerca de dois estudantes (na realidade, fictícios)
que já tinham, supostamente, participado na reunião preparatória e que
tinham emitido as suas opiniões sobre o papel que consideravam dever
ser atribuído aos estudantes, na reforma em questão. Segundo as condi-
ções, esses dois estudantes eram apresentados como estando a frequentar
a faculdade dos participantes (condição Endogrupo), ou a outra facul-
dade (condição Exogrupo). Para além disso, um desses estudantes adop-
tava a opinião de que «os estudantes deveriam participar na reforma ne-
gociando activamente com os responsáveis do sistema de ensino
nacional» (alvo Normativo), enquanto o outro achava que «os estudantes
não tinham maturidade suficiente para saber o que é melhor para eles e
deveriam, portanto, aceitar as decisões dos responsáveis do sistema de
ensino nacional» (alvo Desviante). A representatividade dos dois alvos
foi ainda manipulada. Um terço dos participantes foi informado de que
os dois estudantes-alvo tinham acabado de ingressar na faculdade deles
(condição Membros Noviços), um outro terço foi informado de que os
alvos frequentavam a faculdade desde o início dos seus estudos univer-
sitários e que se sentiam bem integrados na faculdade (condição Mem-

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Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

bros Veteranos), e o último terço foi informado de que os alvos frequen-


tavam a faculdade desde o início dos seus estudos, mas que gostariam de
sair da faculdade no final do ano (condição Membros Marginais).
Partindo do princípio que os membros veteranos são percebidos
como os mais representativos do seu grupo (Levine e Moreland 1994),
esperávamos que os participantes valorizassem mais o membro veterano
normativo e desvalorizassem mais o membro veterano desviante do en-
dogrupo, do que de todos os outros alvos. É, com efeito, o que mostram
os resultados. De entre os alvos do endogrupo, os noviços e os marginais
foram avaliados de forma significativamente menos positiva ou menos
negativa do que os veteranos (dependendo de serem normativos ou des-
viantes). De entre os alvos do exogrupo, os normativos foram avaliados
mais positivamente do que os desviantes, mas os seus estatutos de noviço,
veterano, ou marginal, não influenciaram essas avaliações que, em todo
o caso, foram menos extremas do que as avaliações atribuídas aos vete-
ranos do endogrupo.
Para além das avaliações, num dos estudos (Pinto et al. 2010, Estu-
do 3), os participantes deveriam ainda dar o seu acordo com uma série
de formas de interacção com os membros desviantes. Esses modos de
interacção eram representativos de uma motivação para exercer influência
informativa ou normativa (Deutsch e Gerard 1955). Os resultados mos-
tram uma maior motivação para exercer influência informativa sobre o
desviante noviço do endogrupo e influência normativa sobre o membro
de pleno direito do endogrupo.
Em suma, estes resultados são consistentes com a ideia segundo a qual
os indivíduos adoptam uma focalização prescritiva tanto mais forte
quanto mais os desviantes são representativos do endogrupo, e portanto,
maior é o seu potencial de ameaça para a imagem do grupo. Os resulta-
dos sugerem que a focalização prescritiva causada pela presença de des-
viantes nos grupos desencadeia reacções mais extremas e negativas
quanto mais os desviantes são normativos em termos descritivos (mais
contribuem para uma clara diferenciação intergrupal).

Suporte normativo e reforço do grupo

Um quinto e último moderador centra-se no carácter estruturante da


focalização prescritiva e, concretamente, na sua função de reforço do em-
penho dos indivíduos na legitimação dos padrões normativos do grupo
e no reforço da identidade endogrupal, e, a posteriori, na coesão do grupo.
Com base num procedimento semelhante ao dos estudos descritos

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Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

acima, Pinto, Marques, Levine e Abrams (submetido), pediram a estu-


dantes universitários que indicassem o seu grau de acordo com uma opi-
nião normativa e uma opinião desviante acerca do papel que considera-
vam dever ser atribuído aos estudantes nas tomadas de decisão sobre a
reforma do ensino. Em seguida, os participantes deviam avaliar dois
membros-alvo, um normativo e um desviante, pertencentes ou ao endo-
grupo (mesma faculdade) ou ao exogrupo (outra faculdade). Para além
disso, a representatividade destes membros-alvo foi também manipulada
com base no procedimento descrito acima. Os alvos poderiam ser des-
critos como estudantes empenhados e bem integrados (representativos)
na sua faculdade, ou como estudantes pouco identificados, marginais, e
não-representativos dessa faculdade. Assim, numa condição, os dois alvos
eram descritos como representativos ou do endogrupo ou do exogrupo,
tendo um deles uma opinião normativa e o outro uma opinião desviante.
Partindo da ideia de que quanto mais representativo for um membro do
grupo, mais esse membro contribuirá para legitimar ou ameaçar o valor
da identidade dos indivíduos, podemos supor que nesta condição o alvo
desviante conferia uma ameaça à norma grupal enquanto o alvo norma-
tivo valida essa norma (condição Ameaça). Noutra condição, ambos os
alvos eram descritos como membros marginais. Esta condição não de-
veria ter grande impacto quer no reforço, quer na ameaça ao valor do
grupo, uma vez que ambos os alvos eram pouco representativos do grupo
(condição Indiferença). Numa terceira condição, o alvo normativo era
descrito como representativo do grupo e o alvo desviante como marginal.
Esta condição deveria constituir a situação ideal de percepção de segu-
rança nos padrões normativos do grupo. Com efeito, o desvio não é
ameaçador, e os membros que apoiam a norma grupal são representativos
do grupo (condição Segurança). Finalmente, uma última condição des-
crevia o alvo normativo como marginal e o alvo desviante como repre-
sentativo do grupo. Este deveria ser o contexto mais problemático para
os participantes. De facto, perante um membro representativo do grupo
mas com uma opinião desviante, e um membro marginal mas com uma
posição normativa, os participantes, deveriam ver-se confrontados com
uma forte ameaça à norma, a par da inexistência de suporte normativo
suficientemente forte de validação dessa norma. Esta condição foi por
nós denominada condição Anomia. Os participantes avaliaram ambos
os membros-alvo e seguidamente indicaram, novamente, o seu acordo
com as opiniões normativa e desviante.
De facto, os resultados interessantes e significativos encontram-se
quando o membro desviante do endogrupo é descrito como membro

67
02 Normas, Atitudes Cap. 2_Layout 1 10/24/12 4:54 PM Page 68

Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

de pleno direito. Com efeito, este é o membro que maior ameaça pode
causar à representação que os indivíduos têm de uma imagem positiva
sobre o seu grupo. No entanto, a reacção a este alvo foi diferenciada,
dependendo da existência ou da ausência de um suporte normativo forte
(membro normativo e representativo do grupo). Quando este suporte
estava presente, observámos um efeito ovelha negra, e um consequente
reforço da posição normativa dos participantes. Estes, após derrogarem
o desviante e enaltecerem o normativo do endogrupo, passaram a con-
cordar mais com a opinião normativa e, simultaneamente, a discordar
ainda mais da opinião desviante. Este efeito foi tanto mais forte, quanto
mais os participantes estavam identificados com o seu grupo. Pelo con-
trário, quando o suporte normativo disponível na situação era fraco
(membro marginal), os participantes não derrogaram o alvo desviante,
e consequentemente desinvestiram da posição normativa; ou seja, en-
fraqueceram o seu acordo com a opinião normativa e discordaram
menos da opinião desviante. No conjunto, estes resultados sugerem que
a reacção punitiva sobre os membros desviantes permite aos grupos pro-
mover o empenho dos membros com as normas grupais. No entanto,
também sugerem que apenas quando o grupo dispõe de determinadas
condições importantes para a implementação dos seus mecanismos re-
guladores dos comportamentos dos membros (neste caso, quando os
grupos dispõem de suportes normativos internos) é que este fenómeno
ocorre, caso contrário, os membros enfraquecem os laços com a norma
grupal.
Com base nestes resultados, parece que, assim, podemos concluir que
uma atitude punitiva em relação aos desviantes endogrupais favorece o
maior empenho por parte dos membros grupais para com as normas de-
fendidas pelo endogrupo.
No entanto, os resultados quanto às consequências da punitividade
dos desviantes encontrados na investigação levada a cabo no âmbito da
teoria da dinâmica de grupos subjectiva não se ficam por aqui. Com
efeito, mais do que o reforço normativo, temos ainda indicadores de que
o fenómeno parece efectivamente reforçar a solidariedade dos indivíduos
com o endogrupo. Marques e colegas (1998, Estudo 4), focalizaram a
atenção dos participantes sobre o carácter prescritivo da norma com base
na qual teriam de avaliar membros normativos e desviantes do endo-
grupo (seu estilo cognitivo) ou do exogrupo (estilo cognitivo oposto). Pe-
diram ainda aos participantes que exprimissem o seu grau de identificação
com esses grupos, antes e depois de julgarem os membros-alvo. Obser-
varam correlações mais fortes entre a identificação dos participantes com

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02 Normas, Atitudes Cap. 2_Layout 1 10/24/12 4:54 PM Page 69

Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

o endogrupo e a depreciação dos desviantes quando os julgamentos eram


realizados sobre os membros do endogrupo do que os efectuados sobre
membros do exogrupo. A análise da mediação efectuada sobre estas cor-
relações mostrou que, apenas quando os participantes julgaram membros
do endogrupo, quanto mais se identificaram com o grupo, mais depre-
ciaram os desviantes, e mais reforçaram a sua identificação com o grupo
após a depreciação dos desviantes.
Numa outra série de estudos (Pinto, Marques e Páez, em preparação),
procurámos investigar mais directamente estas ideias. Pedimos aos parti-
cipantes que lessem algumas informações acerca de crimes de corrupção
ocorridos em Portugal (condição Endogrupo) ou em Espanha (condição
Exogrupo).
Para além da manipulação anterior, metade dos participantes foi in-
formada de que os crimes tinham sido julgados (condição Reacção Gru-
pal Presente), ou que os crimes não tinham sido levados a tribunal e iriam
prescrever (condição Reacção Grupal Ausente). Tendo por base a ideia
de que a reacção ao desvio constitui a implementação normativa de um
mecanismo de reacção disponível nos grupos, podemos equiparar a der-
rogação dos desviantes realizada pelos membros grupais e que foi medida
nos estudos descritos anteriormente, com a punição institucional encon-
trada nas sociedades (por exemplo, julgamentos em tribunais e penas).
Efectivamente, ambos os procedimentos deveriam corresponder a pro-
cessos de exercício de implementação de mecanismos de controlo social.
Os resultados obtidos são bastante interessantes. Os participantes evi-
denciaram sentimentos positivos em relação à sociedade portuguesa, uma
visão optimista em relação ao futuro de Portugal, e um reforço da sua
identificação com a sociedade portuguesa (endogrupo) e com os valores
sociais, quando perceberam que os crimes de corrupção em Portugal ti-
nham sido julgados; ou seja, quando perceberam que o endogrupo im-
plementou de forma eficaz mecanismos de controlo social sobre o des-
vio. Pelo contrário, a ausência de julgamento em Portugal sobre crimes
de corrupção levou os participantes a percepcionaram um futuro mais
negativo para Portugal, uma maior anomia na sociedade, e a enfraquecer
o seu empenho enquanto membros do grupo. No seguimento do que
temos vindo a sustentar, estes resultados apoiam a ideia de que, perante
o desvio, torna-se mesmo desejável que os grupos implementem respostas
reactivas no sentido de preservar o sistema normativo que foi ameaçado.
Se os membros percepcionam que o grupo é eficaz na implementação
destes mecanismos reactivos, demonstram o seu empenho com os com-
portamentos normativos do grupo e reforçam os laços colectivos. No

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02 Normas, Atitudes Cap. 2_Layout 1 10/24/12 4:54 PM Page 70

Isabel R. Pinto, José M. Marques e Miguel Cameira

caso de percepcionarem o grupo como ineficaz, sentimentos de insegu-


rança e falta de esperança ocorrem, e os membros enfraquecem os seus
laços com o grupo, e, por conseguinte, com os padrões normativos rele-
vantes para a manutenção da ordem social.

Conclusão
É verdade que os mecanismos reguladores dos comportamentos dos
indivíduos que os grupos possuem por excelência são as normas sociais.
No entanto, parece-nos heurístico considerar estas normas não apenas
como representações prescritivas e proscritivas supra-individuais, garantes
de estabilidade contra a mudança social (Durkheim 1930 [1912]; cf. tam-
bém Sherif 1936), ou apenas como instrumentos de redução de incertezas
e determinantes da autodefinição e da consequente acção dos indivíduos
no sentido da realização de objectivos psicológicos (a definição de uma
identidade social positiva), ou de objectivos colectivos do grupo, no sen-
tido em que Festinger (1950) definia o conceito de «locomoção de
grupo». Concebemo-las, para além de mecanismos preventivos orienta-
dores e reguladores comportamentais, também como processos dinâmi-
cos emergentes da constante negociação entre desvio no seio de um
grupo e a necessidade de validação subjectiva da identidade social, ou de
legitimização da diferenciação positiva do endogrupo em relação a um
exogrupo relevante. Neste sentido, as normas constituem um guia para
o comportamento dos indivíduos, tanto com carácter denotativo, como
prescritivo.
Contudo, as normas sociais per se não são mecanismos de controlo
social suficientes para eliminar o desvio nos grupos (Beccaria 1996).
A regulação do comportamento dos membros do grupo é controlada
não só pelo exercício das normas grupais, mas também pelas sanções a
elas associadas, em caso de violação das mesmas (Becker 1963; Erikson
1964, 1966). Ao reagirem de forma apropriada aos membros desviantes,
os grupos garantem o seu restabelecimento e até o seu fortalecimento.
Com efeito, ao louvarem os membros reforçadores das normas e ao rea-
girem aos membros que ameaçam as mesmas normas grupais, os grupos
criam uma diferenciação intergrupal com o objectivo de garantir uma
identidade social positiva. Este processo pode ser visto como o equiva-
lente psicológico dos actos públicos de imposição de normas, tais como
os que mencionámos anteriormente (cf. Ben-Yehuda 1980; Marques e
Páez 2008).

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02 Normas, Atitudes Cap. 2_Layout 1 10/24/12 4:54 PM Page 71

Focalização normativa, reacções ao desvio e identidade social

Neste sentido, a violação de normas pode ser funcional na vida dos


grupos, na medida em que desencadeia mecanismos de controlo social
que permitem definir critérios relevantes para a pertença ao grupo. Dado
que o valor prescritivo das normas só surge na medida em que foram
violadas (Forsyth 1990), o desvio desempenha um papel fundamental na
definição dos objectivos e dos interesses (subjectivos ou objectivos) do
grupo ao gerar controlo social objectivo ou subjectivo (cf. Hamilton e
Rauma 1995). Para além disso, a participação activa na punição do desvio
pode reforçar o investimento pessoal dos indivíduos na norma, refor-
çando, assim, a sua identificação com o endogrupo. Com efeito, a parti-
cipação em rituais punitivos reforça a adesão à norma e os laços entre os
membros.
Daqui decorre que a capacidade dos grupos para reagirem contra o
desvio torna-se num importante mecanismo para legitimar a norma vio-
lada e para restaurar a validade subjectiva de uma imagem positiva do
grupo. Talvez até estes processos sejam condições fundamentais para as-
segurar e promover a própria existência do grupo. Com efeito, os resul-
tados empíricos encontrados no âmbito da teoria da dinâmica de grupos
subjectiva são perfeitamente consistentes com a ideia de que o controlo
social de que os grupos dispõem é um indicador fundamental para que
os seus membros percebam a capacidade que o grupo detém para defen-
der os seus valores. Como consequência desta percepção, os indivíduos
reforçam o seu empenho com o grupo e com as normas grupais. Assim,
o desvio pode funcionar como uma faca de dois gumes, dependendo da
resposta normativa que gera. Se a resposta for vista como uma forma efi-
caz de restabelecimento da norma, o desvio contribuirá para o aumento
da identificação com o grupo. Mas se o grupo não se revelar capaz de
reagir, a ineficácia da reacção ao desvio tem impacto no decréscimo da
identificação dos indivíduos com o grupo. A longo prazo, a percepção
de uma fraca coesão grupal e a falta de empenho na defesa das normas
grupais podem levar a que os membros enfraqueçam os seus laços colec-
tivos a um ponto tal, que inevitavelmente o grupo se dissolva.

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03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 73

Hélder Alves

Capítulo 3

Sobre a descoberta da normatividade


injuntiva da expressão da crença
no mundo justo – uma aventura
em psicologia social

Que a justiça é um assunto crucial na vida das pessoas e das sociedades


é uma afirmação que não parece levantar polémica – trata-se de um
truísmo. Por muito comum e evidente que seja esta afirmação, tem sido
o foco de muita reflexão filosófica durante séculos e, no que interessa
neste contexto, de produção científica nas ciências sociais nas últimas
cinco décadas pelo menos (Correia 2010; Jost e Kay 2010). Situa-se aqui
a teoria da crença no mundo justo (CMJ), cujos princípios foram inicial-
mente propostos há mais de 40 anos (Lerner e Simmons 1966), e que
constituiu o ponto de partida para a minha investigação.
Nesta teoria, como veremos, a ênfase tem sido dada aos efeitos que
acarreta a necessidade de acreditar que o que acontece aos outros (CMJ
geral, Dalbert, Montada e Schmitt 1987) e ao próprio (CMJ pessoal, Dal-
bert 1999) é, ou virá a ser, justo (Lerner 1980). Os efeitos mais estudados
situam-se a nível intra- (e. g., bem-estar psicológico, Dalbert 2001) e inter-
individual (reacções às vítimas, Lerner e Miller 1978). A minha investi-
gação distanciou-se destas abordagens em vários aspectos, sem, no en-
tanto, as pôr em causa. Em primeiro lugar, centra-se na própria expressão
das duas esferas de CMJ (Bègue e Bastounis 2003), a geral e a pessoal, e
no seu carácter socialmente valorizado, ou normativo, independente-
mente do grau em que os indivíduos aderem a essa ideia. Em segundo

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Hélder Alves

lugar, derivado do ponto anterior, foca os efeitos para os indivíduos que


acarreta a (não) expressão da ideia de que o mundo é justo, e não, pelo
menos até agora, nos efeitos da necessidade de acreditar que o mundo é
justo. Neste aspecto, citando e, simultaneamente, parafraseando Kaiser
e Miller (2001), a minha investigação também se centra, por um lado,
«nas recompensas sociais» (expressão minha) e nos «custos sociais» em
que incorrem os indivíduos que exprimem as ideias de eles próprios ou
de os outros serem alvo, respectivamente, de justiça ou de injustiça lato
sensu (e não especificamente discriminação, como no caso de Kaiser e
Miller 2001). Finalmente, a minha investigação tem reflectido sobre o
papel desempenhado pela expressão da ideia de que o mundo é pelo
menos moderadamente justo para a manutenção do status quo.
Antes de iniciar a apresentação da «aventura», uma advertência ao lei-
tor. Este capítulo está pensado de uma forma atípica, como o próprio tí-
tulo sugere... o que é típico em mim. De facto, pretendo não só contri-
buir directamente para os objectivos deste volume – reflectir sobre o
conceito de normas sociais – mas também escrever algo pessoal sobre o
meu percurso de doutorando, excelentemente orientado pela Professora
Isabel Correia, do Departamento de Psicologia Social do ISCTE-IUL.
Tendo-o finalizado há menos de três anos quando escrevo este texto, pa-
rece-me ser o momento ideal para este exercício: trata-se de um passado
não tão longínquo que me tenha esquecido do processo, e não tão pró-
ximo que não consiga olhar com algum distanciamento, embora cons-
ciente de que este é sempre relativo. Desta forma, este capítulo será tam-
bém, mas não essencialmente, um texto de exposição pessoal. A opção
pelo recurso à primeira pessoa do singular ao longo dele, em vez do mais
modesto «nós», tem aí a sua origem, embora seja naturalmente um tra-
balho «nosso».
Portanto, neste capítulo descrevo parte do meu percurso enquanto
doutorando, contando episódios, principalmente em rodapé, com os
quais a maioria, senão a totalidade, de quem passa por este processo se
poderá identificar. Este texto apresentará os receios, as dúvidas, mas tam-
bém os ganhos que dele fazem parte, e poderá constituir, de alguma
forma, um testemunho sobre um processo que, apesar de fascinante, não
está isento de problemas. A palavra «aventura» no título, porventura
pouco ortodoxa num volume como este, justifica-se não só por estas ca-
racterísticas inerentes ao doutoramento, mas também porque, inicial-
mente, os resultados que obtive constituíram uma surpresa. Mas lá che-
garemos. Espero com esta estratégia atingir um público mais vasto, não
necessariamente interessado em normas sociais, CMJ ou discursos sobre

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03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 75

Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

justiça, mas que de alguma forma possa ajudá-lo a ver que os acasos, as
dúvidas, os sustos, o inesperado não são fenómenos raros que só acon-
tecem no seu doutoramento, mas antes a norma – e, afinal, de normas
trata este volume.
O capítulo foi estruturado da forma que passo a enunciar. Começarei
por apresentar a definição clássica de CMJ e estudos que testaram pres-
supostos centrais da teoria, situando-os nos respectivos níveis de análise
em Psicologia Social, tal como identificados por Doise (1982). Seguida-
mente, apresentarei o ponto de partida da minha pesquisa e em que sen-
tido difere da maior parte da investigação nesta área. Mostrarei a origem
dos paradigmas experimentais a que recorri e o raciocínio por detrás da
sua adequação para investigar a normatividade de um objecto social.
Apresentarei, depois, alguns dos estudos constantes na tese de doutora-
mento (e um último, realizado posteriormente), pela ordem por que
foram realizados, de modo a reflectir o processo de descoberta. Final-
mente, passarei à discussão dos mesmos e das suas implicações, apresen-
tando propostas para investigação futura.

Enquadrando a aventura
De acordo com a teoria da CMJ, as pessoas necessitam de percepcio-
nar o mundo como um lugar onde os indivíduos têm o que merecem e
merecem aquilo que têm (Lerner e Simmons 1966). Nas palavras de Ler-
ner (1980), trata-se de uma «ilusão fundamental» (fundamental delusion) –
«ilusão» porque não resiste ao teste da realidade e «fundamental» porque
é essencial para o funcionamento equilibrado dos indivíduos.
Tal como afirmar que a justiça é crucial na vida das pessoas constitui
um truísmo, o mesmo poderá ser escrito relativamente à afirmação de
que o acaso e o aleatório (e. g., encontrar alguém que não conhecemos e
que será decisivo nas nossas vidas; estar no lugar certo na hora certa ou
no lugar errado na hora errada) têm um papel importante na vida dos
indivíduos. No entanto, estes factores estão relativamente ausentes nas
explicações explícitas dos indivíduos comuns para o que lhes sucede,
pelo menos nas sociedades ocidentais, onde são valorizadas as explica-
ções internas (Dubois 1994) e controláveis, como o esforço (Dompnier
e Pansu 2007; Pansu e Gilibert 2002). De facto, a própria investigação
em Psicologia Social raramente se tem debruçado sobre estes aspectos
(Bandura 2001; Krantz 1998). Todavia, e recorrendo a outro truísmo, os
indivíduos sabem, a um nível explícito, que a injustiça, o acaso e o alea-

75
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 76

Hélder Alves

tório fazem parte da vida – basta ligar a televisão, ou mais geralmente


até, basta viver.
Propõe a literatura sobre a CMJ que, num mundo com estas caracte-
rísticas omnipresentes, é fulcral que os indivíduos tenham a percepção,
mesmo que ilusória e implícita, de que o que lhes acontece na vida é, ou
pelo menos virá a ser, justo; se não nesta, pelo menos numa outra vida
(Hafer e Bègue 2005; Lerner 1980; Maes 1998). Desta forma, continua
esta abordagem teórica, os indivíduos poderão fazer planos a longo prazo
com a confiança, ou a certeza subjectiva, de que os seus investimentos
conduzirão aos resultados desejados no longo prazo. Trata-se do que Ler-
ner (1977) cunhou metaforicamente como o «contrato pessoal» que o in-
divíduo estabelece com a sociedade desde a infância. Através deste con-
trato, o indivíduo compromete-se a abandonar o prazer imediato, a adiar
a sua gratificação, a planear e a perseguir objectivos socialmente aceites,
através de formas também elas normativas, uma ideia que ressoa aos prin-
cípios freudianos do prazer e da realidade. Em troca, o indivíduo espera
que a sociedade lhe permita alcançar esses objectivos, em princípio mais
recompensadores do que os que obteria se se limitasse à gratificação ime-
diata. A obtenção dos resultados desejados será percepcionada como justa
e os indivíduos sentem-se no direito («entitled to») a ela. Porque os indi-
víduos investiram tempo e esforço para alcançar os resultados desejados
a longo prazo, a sua obtenção é sentida como merecida. De facto, recen-
temente, Callan, Shead e Olson (2009) mostraram que quando os indi-
víduos percepcionam uma ameaça ao contrato pessoal, optam, desde
que possível, por obter uma gratificação a curto prazo, mesmo que de
menor valor, do que adiar uma possível maior gratificação no longo
prazo.
De acordo com Lerner (1980), a necessidade de acreditar que o
mundo é justo, isto é, que se trata de um lugar em que as pessoas
têm/terão o que merecem e não têm/terão o que não merecem – e que
constitui «evidência» de que o contrato pessoal é seguro – levará ao que
designou, novamente de forma metafórica, por «crença no mundo justo».
Com esta metáfora, origem de mal-entendidos conceptuais,1 Lerner não
pretendeu dizer que as pessoas aderem conscientemente à ideia de que
o mundo é justo. Pelo contrário, o seu objectivo foi transmitir a noção
de que os indivíduos estão de tal forma motivados para percepcionar jus-

1
Por esse motivo, actualmente é proposto que a teoria seja denominada teoria da
motivação para a justiça (justice motive theory) ou teoria do mundo justo (just world theory)
(Hafer e Bègue 2005).

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

tiça no mundo que se comportam e raciocinam como se realmente acre-


ditassem que o mundo é, de facto, um lugar justo, num processo larga-
mente inconsciente (Hafer e Bègue 2005; Lerner 1997 e 2003; Lerner e
Goldberg 1999).
Neste contexto, coíbo-me de me alargar extensamente sobre a testa-
gem destas premissas, pois a minha aventura científica teve, e tem, uma
abordagem e objectivos diferentes dos que têm sido apanágio nesta lite-
ratura. No entanto, uma breve apresentação da literatura impõe-se.
Em geral, a investigação sobre CMJ tem dado ênfase aos níveis que
Doise (1982) identificou como intra-individuais (os chamados «processos
psicológicos») e interindividuais (especificamente, as reacções a vítimas).
Este mesmo autor explicou os efeitos da CMJ a um nível ideológico, por
exemplo, o papel que tal crença terá na organização social. Todavia, como
veremos, este nível de análise tem sido descurado na investigação desta
área e, quando é incluído, apresenta algumas limitações importantes. De
igual forma, o nível de análise posicional/intergrupal só recentemente
recebeu investigação sistemática (Aguiar, Vala, Correia e Pereira 2008;
Correia, Vala e Aguiar 2007), apesar de Lerner (1980) ter teorizado que
os efeitos à ameaça à CMJ seriam mais acentuados relativamente a uma
vítima do endogrupo do que a uma vítima do exogrupo. Ainda assim,
seguindo a linha de pensamento de Lerner, os autores privilegiaram (mas,
reconheça-se, não se limitaram a) uma explicação de nível interindividual
para os seus resultados. Foquemo-nos, então, e por enquanto, nos níveis
de análise mais frequentemente abordados na literatura.
No nível intraindividual, a literatura tem estudado o efeito da ameaça
à CMJ nas reacções dos indivíduos a terceiros e identificado as funções
da CMJ para os indivíduos. Dado que o primeiro aspecto também en-
volve o nível interindividual, irei abordá-lo apenas mais adiante. Cen-
tremo-nos, por enquanto, nas funções da CMJ que Dalbert (2001) iden-
tifica como sendo: a motivação para agir de modo justo, a confiança de
que o mundo tratará o indivíduo de modo justo, permitindo que os in-
divíduos façam planos a longo prazo, e a assimilação das injustiças. Estes
mecanismos permitem a manutenção do bem-estar subjectivo. Esta lite-
ratura, essencialmente de natureza correlacional, tem mostrado, de forma
consistente, que os indivíduos com maiores pontuações em escalas de
CMJ tendem, relativamente aos indivíduos com menores pontuações, a:
indicar maior satisfação com a vida (Lipkus, Dalbert e Siegler 1996); apre-
sentar maiores níveis de auto-estima (Feather 1991) e de optimismo (Cor-
reia e Vala 2004); minimizar a injustiça dos acontecimentos negativos
das suas vidas, como a discriminação (Lipkus e Siegler 1993; v., igual-

77
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Hélder Alves

mente, Hafer e Olson 1989 e 1993); reagir com menor afecto negativo a
esses acontecimentos, como a violência (Dzuka e Dalbert 2007); ou ru-
minar menos sobre esses acontecimentos, como o facto de se encontra-
rem desempregados (Dalbert 1999). Lipkus, Siegler e Dalbert (1996) mos-
traram que a associação com o bem-estar subjectivo é mais forte e
consistente relativamente à CMJ pessoal do que geral. De facto, consti-
tuem duas esferas distintas de CMJ, mas correlacionadas positivamente,
cada uma sendo melhor preditora do que a outra de fenómenos diferen-
tes (Bègue e Bastounis 2003; Sutton e Douglas 2005) – enquanto a CMJ
pessoal prediz melhor fenómenos como os apresentados anteriormente
(e. g., bem-estar subjectivo), a CMJ geral prediz melhor as reacções a ví-
timas, como apresentarei de seguida. Para finalizar, de salientar que Cor-
reia, Batista e Lima (2009) mostraram experimentalmente que a relação
de causalidade entre CMJ e bem-estar se opera em ambos os sentidos,
isto é, tanto a CMJ dos indivíduos é maior porque se sentem bem, como
se sentem melhor porque acreditam que o mundo é justo.
A nível interpessoal, a investigação paradigmática nesta área tem en-
volvido o estudo das reacções às vítimas, sobretudo a sua «vitimização
secundária» (Brickman et al. 1982), isto é, as reacções que têm repercussão
negativa no seu bem-estar. Destas reacções, a literatura tem focado prin-
cipalmente a culpabilização/responsabilização das vítimas e/ou a desva-
lorização do seu carácter (Correia e Vala 2003; Correia, Vala e Aguiar
2001; Hafer 2000a; Hafer 2000b; Lerner e Simmons 1966) e, em menor
grau, a sua evitação (e. g., Furnham e Procter 1992) ou o comportamento
de ajuda (Bierhoff, Klein e Kramp 1991). O maior interesse desta inves-
tigação recai sobre estas reacções relativamente às chamadas «vítimas ino-
centes»,2 isto é, aquelas que não contribuíram objectivamente para a sua
condição e que, numa análise meramente racional, não deveriam ser, por
exemplo, culpabilizadas/responsabilizadas pelo seu sofrimento. Todavia,
a literatura tem mostrado que os observadores de sofrimento recorrem à
vitimização secundária de vítimas inocentes num grau surpreendente-
mente usual (e. g., a sua desvalorização; para revisões, v. Correia 2000 e

2
O recurso às etiquetas «inocente/não inocente» não é, já de si, inocente. De facto,
a literatura adoptou esta dicotomia para reflectir o facto de os indivíduos comummente
julgarem outros (cf. a metáfora da vida social como um tribunal, Weiner 1993 e 1995).
Encontra-se subjacente a ideia de que os indivíduos consideram, mesmo não o admitindo
abertamente, que há sofrimento que é merecido («vítima não inocente», e. g., alguém que
tem um acidente de viação porque conduziu em estado de embriaguez) e sofrimento
que não o é («vítima inocente», e. g., alguém que tem um acidente de viação resultante
da má condução de terceiros).

78
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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

2003; Hafer e Bègue 2005; Lerner 1980; Lerner e Miller 1978), ainda que
se trate de um conjunto de reacções reprovado socialmente, especial-
mente quando dirigido a este tipo de vítimas (Alves e Correia 2009). No
entanto, é de salientar a inexistência de resultados a indicar que estas
reacções são, pelo menos, tão recorrentes relativamente às vítimas ino-
centes como em relação às vítimas não inocentes. A questão não é que
as vítimas inocentes sejam, por exemplo, tão ou mais culpabilizadas ou
desvalorizadas do que as vítimas não inocentes; de facto, estas últimas
são-no mais do que as vítimas inocentes (Weiner, Perry e Magnusson
1988). Assim, embora as vítimas inocentes sejam, por exemplo, culpabi-
lizadas/responsabilizadas pelo seu sofrimento em menor grau do que as
vítimas não inocentes, são-no em grau superior ao que os dados objecti-
vos permitiriam indicar, caso o processo fosse puramente racional e, desse
modo, nenhuma culpa lhes fosse atribuída (Correia e Vala 2003; Lerner
1980). No entanto, neste contexto, estão envolvidas emoções.
De facto, a explicação que a teoria da CMJ apresenta para estas reac-
ções interpessoais é tipicamente de nível intra-individual. Nesta perspec-
tiva, as vítimas inocentes constituem uma ameaça à percepção de que o
mundo é justo (Lerner 1980); logo, uma ameaça ao contrato pessoal dos
observadores, directos ou indirectos, desse sofrimento não merecido, es-
pecialmente quando este não pode ser terminado (Correia et al. 2001).
A vitimização secundária será uma tentativa inconsciente e motivada
emocionalmente por parte dos observadores em proteger e/ou repor a
sua CMJ face a esta ameaça à sua «ilusão fundamental» (Lerner 1980 e
2003). No processo, os indivíduos encetam uma distorção inconsciente
da informação, recorrendo a esquemas de atribuição pouco sofisticados,
supostamente ausentes no raciocínio abstracto, através dos quais os re-
sultados negativos de alguém (e. g., um acidente) são explicados por ra-
zões internas a essa pessoa (para demonstrações do raciocínio de justiça
imanente nos adultos, v. Callan, Ellard e Nicol 2006).
A influência destes esquemas de atribuição, conscientes na infância,
mas normalmente inconscientes nos adultos, conduz a que os observado-
res os apliquem de forma automática, perante uma situação com forte carga
emotiva, como é o caso do testemunho de um sofrimento não merecido
e não possível de ser finalizado (Hafer e Bègue 2005; Lerner 2003; Lerner
e Goldberg 1999). De facto, a investigação tem demonstrado recorrente-
mente que, neste tipo de situação, os observadores atribuem algum grau
de responsabilidade à vítima inocente pelo que lhe sucedeu («sofre porque
fez por isso») ou/e desvalorizam o seu carácter («é o tipo de pessoa que
merece sofrer») (Correia e Vala 2003; Correia et al. 2001). Desta forma, os

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Hélder Alves

observadores, que tendem a representar-se como pessoas esforçadas e boas


(Lerner e Goldberg 1999; Steel 1988), portanto merecedoras de um bom
destino, poderão continuar a ter confiança no seu contrato pessoal.
«O mundo é, afinal, um lugar justo e, por isso, eu posso acreditar que ob-
terei aquilo por que me esforço» – eis o fundamental da ilusão. Esta pro-
posta recebeu apoio empírico em vários estudos. Por exemplo, Hafer
(2000b, Estudo 1) mostrou que indivíduos experimentalmente induzidos
a focar-se em planos a longo prazo vitimizaram secundariamente uma ví-
tima inocente em maior grau do que os indivíduos não induzidos a focar-
se nesses planos. Pelo contrário, não se registaram diferenças entre os par-
ticipantes relativamente à vítima apresentada como não inocente.
Um terceiro nível de análise identificado por Doise (1982) – o posi-
cional, ou intergrupal, que tem em conta as diferenças de estatuto – só
mais recentemente foi alvo de investigação sistemática nesta área. De
facto, Aguiar et al. (2008) e Correia et al. (2007) testaram, como indicado
anteriormente, um pressuposto da teoria, segundo o qual são as vítimas
inocentes do endogrupo as mais ameaçadoras para a CMJ. Por exemplo,
em Correia et al. (2007), os participantes, após verem um vídeo de uma
criança apresentada ou como responsável ou não responsável pelo seu
sofrimento, e sendo ou cigana (exogrupo) ou não cigana (endogrupo),
passavam a uma tarefa baseada em Hafer (2000a) – Stroop emocional mo-
dificado. Aparentemente simples, esta tarefa tem um «truque». Antes que
no ecrã do computador apareça cada estímulo supraliminar (conjunto
de oito asteriscos) cuja cor (vermelha, azul, amarela ou verde) os partici-
pantes deverão identificar o mais rapidamente possível, é projectada su-
bliminarmente uma palavra da mesma cor relacionada ou não relacio-
nada com justiça. Espera-se que as primeiras interfiram mais do que as
últimas na tarefa na condição de sofrimento de uma vítima inocente do
endogrupo. De facto, os resultados indicaram que os participantes que
assistiram à situação de sofrimento de uma vítima inocente e suposta-
mente do endogrupo foram aqueles que revelaram maiores latências a
identificar a cor dos estímulos quando previamente era apresentada uma
palavra relacionada com justiça. Aparentemente, uma vítima inocente
do endogrupo é mais ameaçadora para a CMJ, de tal modo que meras
palavras relacionadas com justiça, mesmo que apresentadas subliminar-
mente, interferem na execução de uma tarefa simples.
Ainda que esta investigação tenha tido o mérito de iniciar o estudo
sistemático do nível posicional na área da CMJ (mas v. também, para
abordagens pontuais, Braman e Lambert 2001), a explicação apresentada
para os resultados pertence essencialmente ao nível de análise intra-indi-

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

vidual – isto é, a maior ameaça que uma vítima do endogrupo representa


para a CMJ dos observadores. No entanto, é muito provável que ques-
tões ideológicas estejam presentes, dado que o alvo do exogrupo era apre-
sentado como sendo cigano. O facto de Aguiar et al. (2008) terem não só
replicado o padrão obtido por Correia et al. (2007), mas também verifi-
cado que a vítima do exogrupo era explicitamente mais desvalorizada do
que a vítima do endogrupo, parece apontar para um raciocínio – «é o
tipo de pessoa que merece sofrer».
Grande parte da investigação que se centra na relação entre a CMJ e
variáveis mais societais, nomeadamente ideológicas (e. g., religiosidade,
posição política), tem sido maioritariamente correlacional. Por um lado,
os resultados apontam para uma associação positiva consistente, embora
geralmente fraca, entre CMJ e ideologia de Direita, e entre CMJ e reli-
giosidade (Correia 2003). No entanto, a relação entre CMJ e religiosidade
poderá não ser tão linear como aparenta, podendo esta associação de-
pender, pelo menos nos Estados Unidos, de factores como a afiliação re-
ligiosa e o grupo de pertença (Hunt 2000).
Mesmo a investigação experimental que explicitamente foca as ques-
tões ideológicas da CMJ, como é o caso de grande parte dos estudos que
sustentam a teoria da justificação do sistema (Jost e Banaji 1994), tem-se
centrado na motivação dos indivíduos (questão intra-individual) para
apoiarem os sistemas sociais (para revisões, ver Jost e Hunyady 2002; Jost,
Liviatan, Van der Toorn, Ledgerwood, Mandisodza e Nosek 2010; para
uma notável excepção, v. Dittmar e Dickinson 1993). Esta abordagem
tem focado as funções para os indivíduos (e. g., funções epistémicas –
atribuir sentido à realidade social) que comportam a sua adesão, mesmo
que inconsciente, a mitos legitimadores do status quo, como a própria
CMJ (Jost e Hunyady 2005), ainda que essa adesão possa ir objectiva-
mente contra os interesses dos indivíduos e os do seu grupo (a questão
da «falsa consciência»). De facto, mesmo numa revisão recente sobre
CMJ (Hafer e Choma 2009), na qual certos resultados da literatura, como
os relativos à vitimização secundária, são reinterpretados a nível ideoló-
gico, as autoras cingem-se à motivação individual para a manutenção do
status quo. Tal como os autores anteriores, não referem explicitamente o
papel que a percepção das exigências e expectativas do próprio status quo
têm nesses fenómenos.
Em suma, apesar de Lerner (1980) ter identificado vários mecanismos
sociais pelos quais a CMJ é disseminada (e. g., meios de comunicação so-
cial, contos infantis), de o contrato pessoal derivar, em última análise, de
uma aprendizagem (ainda que Lerner pareça dar ênfase a questões moti-

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vacionais universais) e de Doise (1982) ter situado, como vimos, há já


quase 30 anos, a CMJ a nível ideológico, a investigação negligenciou a
dimensão da aprendizagem social e a dimensão ideológica deste cons-
tructo. Aliás, mesmo na sua obra amplamente citada de 1980, Lerner,
embora reconhecendo o possível papel legitimador da CMJ para o status
quo, discute este tema de forma muito breve. De facto, não lhe dedica
mais do que meia página, sendo que as suas preocupações se encontram
centradas no indivíduo.

Como tudo começou...


As minhas questões de partida respeitavam ao estatuto normativo da
expressão explícita da própria ideia de que o mundo é justo. Saliento o
facto de se tratar do estudo da «expressão explícita» (doravante, apenas «ex-
pressão») da CMJ, pois este aspecto diferencia a abordagem que sigo das
anteriores, focadas no aspecto implícito da CMJ. Que esta diferenciação
não implica uma rejeição desses estudos é, para mim, uma questão pacífica.
A vida (social) é demasiado complexa (e curta) para a passarmos em dis-
cussões frequentemente estéreis sobre quem tem realmente razão – alguém
a terá, sobretudo em ciência?
Pelo contrário, em vez de enveredar por esse caminho, não só confli-
tuante, como pouco construtivo (mas, obviamente, sem rejeitar a rele-
vância da discussão de ideias), vejo a minha abordagem como um com-
plemento à investigação anterior. De facto, tenho operacionalizado a
expressão da CMJ, através dos itens de duas escalas (CMJ pessoal, Dal-
bert 1999; CMJ geral, Dalbert et al. 1987), cujo objectivo é medir cons-
tructos cujos efeitos têm sido conceptualizados como implícitos. Fica
fora do âmbito deste capítulo discutir se as escalas realmente captam a
componente implícita da CMJ (para discussões sobre a validade de cons-
tructo destas escalas, ver Hafer e Bègue 2005; Hafer e Choma 2009; Ler-
ner 1998 e 2003). O meu ponto é que, independentemente de as escalas
medirem ou não a componente implícita da CMJ, constituem duas for-
mas estandardizadas de operacionalizar a sua expressão explícita, dada a
sua validade facial (Hafer e Bègue 2005).
Se é verdade que os efeitos da CMJ podem ser normativos (e. g., pla-
neamento a longo prazo, motivação para ajudar as vítimas inocentes
desde que tal seja possível e não acarrete demasiados custos) ou contra-
normativos (vitimização secundária, Alves e Correia 2009), o estatuto so-
cialmente (contra-)normativo, no sentido prescritivo, da própria CMJ

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

era, até então, desconhecido. Especificamente, as questões de partida


foram: será a expressão da CMJ normativa ou contranormativa? Esta
(contra-) normatividade diferirá de acordo com a esfera de CMJ (Bègue
e Bastounis 2003), isto é, a CMJ pessoal, referente ao próprio (Dalbert
1999), e a CMJ geral, referente aos outros (Dalbert et al. 1987)? De facto,
apesar de ambas as esferas de CMJ apresentarem correlações positivas,
predizem fenómenos diferentes (Bègue e Bastounis 2003; Sutton e Dou-
glas 2005), sendo a adesão explícita à CMJ pessoal geralmente superior
à da CMJ geral (Bègue 2002; Bègue e Bastounis 2003; Dalbert 1999;
Dzuka e Dalbert 2002; Lipkus et al. 1996; para uma excepção, v. Sutton
e Winnard 2007). Poderiam estes padrões indiciar diferentes graus de
(contra-) normatividade?
Embora, como referi, não veja estas questões como conflituantes com
as que têm guiado a maior parte da investigação sobre a CMJ, mas antes
como complementares, estas têm preocupações claramente diferentes e
situam-se a um nível de análise igualmente díspar. O meu objectivo foi,
então, deslocar a investigação de uma forma sistemática para um nível
de análise que raramente tinha sido alvo de estudo nesta área – o nível
ideológico. Esta opção não foi motivada pela mera deslocação em si. Tal
como salientou o próprio Doise (1982), não há níveis de análise melho-
res, mais completos ou verdadeiros do que os outros, mas diferentes e
complementares. A minha motivação derivou, antes de tudo, de curio-
sidade intelectual em questionar, relativamente à CMJ, o que há já mais
de 20 anos havia sido feito relativamente à norma da internalidade (Jel-
lison e Green 1981) e com cuja literatura, por um misto de acaso e de
persistência, começava a estar familiarizado.
Especificamente, estava interessado em estudar, através de uma abor-
dagem experimental, se a expressão das esferas de CMJ, pessoal e geral,
é aprovada ou desaprovada (ou seja, se tem uma normatividade injuntiva
nos termos de Cialdini e colegas – Cialdini, Kallgren e Reno 1991; Cial-
dini e Trost 1998; Kallgren, Reno e Cialdini 2000). A ênfase nas normas
injuntivas (ou prescritivas) deriva essencialmente de ter seguido a abor-
dagem sociocognitiva, popular especialmente em França, e que enfatiza
este tipo de normatividade relativamente aos vários componentes do que
denominam «a síndroma do individualismo» (Dubois e Beauvois 2005;
v. também Sampson 1975). Vários destes componentes (e. g., a internali-
dade, a auto-suficiência, a ancoragem no indivíduo) constituem «normas
de julgamento» nas sociedades ocidentais, isto é, afirmações que possuem
valor social independentemente de serem objectivamente verdadeiras ou
falsas (Dubois 1994 e 2003).

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Hélder Alves

O facto de esta abordagem não estudar a normatividade descritiva,


isto é, aquilo que os indivíduos ou grupos realmente fazem, dizem ou
pensam (Cialdini et al. 1991; Cialdini e Trost 1998), não se deve a ignorar
a sua importância (Dubois 2003). Esta opção é antes motivada pelo facto
de nem sempre o que é feito corresponder ao que é valorizado pelo co-
lectivo, ou seja, nem sempre as normas descritivas reflectirem as normas
prescritivas. Segundo esta abordagem, se queremos encontrar o que é va-
lorizado socialmente e o que constitui padrão de avaliação num colectivo
(e. g., apresentar razões internas tanto para os sucessos como para os fra-
cassos – a norma da internalidade, Dubois 1994) teremos de nos focar
nas normas injuntivas e não nas descritivas (e. g., o fenómeno recorrente
de apresentar razões internas para os sucessos –«sou inteligente» – e ex-
ternas para os fracassos – «tive azar» (o enviesamento de autocomplacên-
cia [self-serving bias], Miller e Ross 1975).
Para além do facto de me ter baseado na abordagem sociocognitiva,
outra razão conduziu-me a focar o aspecto prescritivo da normatividade.
É de admitir que um dos fenómenos que a investigação sobre a CMJ
tem estudado, mesmo que esse não tenha sido um seu objectivo explí-
cito, é a norma descritiva dessa crença. De facto, a medição do constructo
através de uma das várias escalas (cf. Furnham 2003) poderia levar à con-
clusão de que os participantes acreditam explicitamente pouco na CMJ
geral e moderadamente na CMJ pessoal. De facto, as suas pontuações
médias na CMJ geral tendem a situar-se abaixo do seu ponto médio (Ler-
ner 1980 e 1998), e ao redor do ponto médio nas escalas de CMJ pessoal
(Dalbert 1999; Lipkus et al. 1996). Assim, se me focasse na normatividade
descritiva da CMJ estaria apenas a replicar o que já era sobejamente co-
nhecido, excepto, talvez, se abordasse as percepções dessa (contra-) nor-
matividade. Porém, mesmo já depois de ter começado o processo, pouco
explorei este caminho por o ter considerado pouco rico. Trata-se, claro,
de uma posição criticável (cf. Cialdini 2007), embora não irreversível,
mas foi esta a minha opção na altura – havia que me focar.
Em suma, as minhas questões partiram dos níveis de análise intra- e
interindividual e aventuraram-se no nível ideológico para descobrir não
sabia ainda bem o quê, como apresentarei adiante. Comecei por «mera»
curiosidade intelectual, nunca pensando na altura que o meu doutora-
mento, cujo projecto original se centrava na percepção das normas sociais
nas reacções às vítimas, iria mudar de objecto com esta decisão. Confesso
que no início não esperava muito destes estudos – apenas esperava que
iria confirmar aquilo de que se suspeitava – que a expressão explícita da
CMJ seria contranormativa. Afinal, raciocinava eu, num mundo em que

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

todos os dias os indivíduos tomam conhecimento de injustiças, e em


que eles (nós) próprios já foram (fomos), em maior ou menor grau, mais
ou menos frequentemente, alvos de injustiças, como se poderia valorizar
positivamente a expressão da ideia de que o mundo é justo? Tratava-se
de uma convicção minha, ateórica, e que se revelou ingénua, embora
guiada por algumas reflexões que Lerner foi expondo. Por exemplo, em
1980 e 1998, Lerner sugere que ao enviesamento das respostas às escalas
no sentido de uma CMJ (geral) baixa estaria subjacente uma desvalori-
zação da própria crença (v. também Correia et al. 2007). Portanto, espe-
rava eu, convictamente, que a expressão da CMJ fosse contranormativa
ao nível prescritivo. Talvez se conhecesse a teoria da justificação do sis-
tema nessa altura, e tivesse a capacidade de a ter em conta, a minha con-
vicção não fosse tão forte. De facto, a teoria da justificação do sistema
(Jost e Banaji 1994) indiciava que a CMJ poderia ser normativa. Tal como
referido, segundo esta abordagem, os indivíduos estão motivados para
percepcionar o sistema como justo (just and fair) e defender essa visão,
mesmo contra o seu auto-interesse objectivo ou o do(s) seu(s) grupo(s)
de pertença. Além disso, a CMJ é identificada como um dos mitos de
pelo menos as sociedades ocidentais (Jost e Hunyady 2005). Assim, se-
gundo esta perspectiva, a CMJ com toda a probabilidade seria prescriti-
vamente normativa, isto é, seria alvo de valorização social positiva. Tal
como o leitor já deve ter suspeitado, tal foi o que veio a revelar-se. Em
retrospectiva, e sendo vítima do enviesamento com o mesmo nome
(hindsight bias, Fischoff 1975), não consigo deixar de soltar mentalmente
um «Era tão óbvio! Como não tinha visto isso antes?».
Em todo o caso, comecei por adaptar os paradigmas presentes em Jel-
lison e Green (1981), aplicando-os às duas esferas de CMJ. Estou certo de
que o faria mesmo que tivesse diferentes «hipóteses», pois os paradigmas
presentes nesse artigo, além de já me serem familiares naquele tempo, são
adequados para a investigação do carácter (contra-) normativo de um ob-
jecto (para uma revisão, v. Gilibert e Cambon 2003). Nesse curto artigo
que contém três simples, mas muito claros, estudos, Jellison e Green (1981)
propõem a existência de uma norma de internalidade em sociedades oci-
dentais, isto é, a valorização social de explicações internas para os resulta-
dos e comportamentos dos indivíduos. Tratou-se, então, de uma nova pro-
posta de explicação, situada a nível ideológico, de um enviesamento
atribuicional ainda hoje usualmente interpretado na literatura anglo-saxó-
nica como tendo origem no funcionamento cognitivo (nível intra-indivi-
dual). Assim, ainda que reconhecendo o carácter enviesado das atribuições
internas, a sua origem é situada na aprendizagem num contexto social que

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as valoriza positivamente e que moldará as próprias cognições (Dubois e


Beauvois 2003; Le Floch e Somat 2003). Foi a partir do artigo de Jellison
e Green que se desenvolveu a abordagem sociocognitiva que compatibiliza
os dois níveis de análise – a influência do social no cognitivo – tendo sido
a primeira publicação a recorrer simultaneamente aos três paradigmas ex-
perimentais-chave nesta abordagem: os paradigmas da identificação, da
auto-apresentação e dos juízes. Dubois (1994) e Gilibert e Cambon (2003)
dedicaram descrições pormenorizadas e reflexões relevantes sobre o papel
de cada um na determinação da normatividade de objectos sociais. Neste
contexto ficar-me-ei, como não poderia deixar de ser, por uma breve, mas
necessária, apresentação das formas mais usuais e básicas a que a investi-
gação, incluindo a minha, tem recorrido.
No paradigma da identificação, os participantes são convidados a
preencher um instrumento (e. g., escala de LOC, questionário de inter-
nalidade, escala de CMJ), segundo a sua opinião e segundo a de um alvo
médio (colegas, por exemplo). Espera-se, caso o objecto (e. g., a crença)
seja normativo, que as pontuações médias sejam mais elevadas quando
preenchem em seu nome do que segundo a posição dos seus pares. Este
padrão é usualmente interpretado como reflectindo uma estratégia de di-
ferenciação positiva do self, especificamente o efeito primus inter pares
(Codol 1975), isto é, a tendência de os indivíduos se mostrarem mais
normativos do que os outros (foi o que ocorreu em Jellison e Green
1981). No paradigma da auto-apresentação, os participantes preenchem
a escala de forma a transmitirem uma imagem positiva e/ou negativa de
si. Se a crença for normativa, os scores deverão ser mais elevados na con-
dição de imagem positiva do que negativa (foi igualmente o que ocorreu
em Jellison e Green 1981). No paradigma dos juízes, os participantes
lêem as respostas de um ou mais alvos e avaliam-no(s) num conjunto de
traços de personalidade. Espera-se que, se a crença for normativa, o alvo
que a exprima seja avaliado mais positivamente do que um alvo que não
o faça (foi também o que ocorreu em Jellison e Green 1981). Portanto, a
um alvo que exprime uma ideia normativa é esperado que os observa-
dores, quais juízes do sistema, outorguem valor social.

Como tudo continuou: os primeiros estudos


Os participantes de todos os estudos realizados foram (e continuam
a ser) estudantes do ensino superior de ambos os sexos de várias licen-
ciaturas em Lisboa e Setúbal (e. g., Gestão, GRH, Marketing, Arquitec-

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

tura, Geografia). Não se registam diferenças significativas relativas ao sexo


dos participantes, à licenciatura ou estabelecimento de ensino que fre-
quentam, tanto no preenchimento das escalas de CMJ como nos julga-
mentos.
Foi realizado um primeiro bloco de três estudos, cada um recorrendo
a um dos paradigmas, de modo a identificar a (contra-) normatividade
da CMJ pessoal e geral.3 Nos dois primeiros estudos, a expressão da CMJ
foi operacionalizada através das respostas às escalas de CMJ pessoal (Dal-
bert 1999) e geral (Dalbert et al. 1987) em escalas do tipo Likert com seis
pontos (1 = discordo totalmente; 6 = concordo totalmente).4
No Estudo 1 recorri ao paradigma da identificação (v. Alves e Correia
2010b). Os participantes respondiam a ambas as escalas de CMJ, segundo
duas instruções: a própria opinião e a forma como achavam que os seus
colegas de turma o fariam (desenho experimental intra-sujeitos).
Os resultados (Alves 2008b, Estudo 1; Alves e Correia 2010b) revela-
ram o padrão clássico em que as pontuações de CMJ pessoal (M = 3,93,
DP = 0,50) são mais elevadas do que as de CMJ geral (M = 3,13,
DP = 0,46), F (1, 24) = 72,80, p < 0,001, ηp2 = 0,75. Mais importante para
os objectivos, registou-se uma interacção que qualificou o efeito principal
anterior, F(1, 24) = 6,76, p = 0,016, ηp2 = 0,22. Quando os participantes
responderam à escala de CMJ pessoal, registaram-se pontuações mais ele-
vadas quando as respostas foram dadas segundo a sua própria opinião

3
Acrescento aqui que a sua aplicação decorreu em duas fases distintas por uma razão
prosaica: não tinha acesso ao número suficiente de participantes que me permitisse re-
colher dados para os três estudos simultaneamente. Assim, ficou decidido que primeira-
mente recolheria dados para dois estudos (que acabaram por ser os Estudos 1 e 2 da tese)
e, caso obtivesse resultados consistentes, eventualmente avançaria para o terceiro (como
referi anteriormente, o objecto da minha tese era outro nesta fase). A designação por Es-
tudos 1 e 2 deve-se à ordem por que surgem na tese, sendo que esta foi determinada pelo
facto de os resultados irem em «crescendo», favorecendo a argumentação, ou como esta
é familiarmente denominada no meio académico, a «estória que se pretende contar».
O facto de ter sido o estudo com o paradigma dos juízes a ser adiado – o que veio a ser
o Estudo 3 – deve-se a outra razão prosaica: a manipulação das variáveis independentes
era mais difícil do que as dos outros paradigmas, pelo menos para um recém-iniciado
nestas aventuras científicas, e também porque, para a selecção das medidas dependentes
desse estudo, era necessário realizar pré-testagem. Em retrospectiva, é irónico que tenha
exactamente adiado o estudo com o paradigma considerado mais importante na abor-
dagem sociocognitiva, mas em 2003 ainda não tinha tido contacto com o capítulo de
Gilibert e Cambon publicado igualmente nesse ano, onde essa ideia é claramente exposta.
4
Exemplos de itens são, no caso da escala de CMJ pessoal, «Em geral eu mereço o
que me acontece»; «As decisões que os outros tomam em relação a mim são justas» e, no
caso da escala de CMJ geral; «Basicamente o mundo em que vivemos é justo»; «As pes-
soas tentam ser justas quando tomam decisões importantes».

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(M = 4,10, DP = 0,49) do que segundo a dos colegas (M = 3,70,


DP = 0,68; p = 0,005). No entanto, não se verificaram diferenças signifi-
cativas relativamente à CMJ geral, isto é, os participantes indicaram CMJ
geral equivalente, quer segundo a sua opinião (M = 3,11, DP = 0,46),
quer segundo os seus colegas (M = 3,07, DP = 0,55; p = 0,73).
Do meu ponto de vista, a diferença significativa relativamente à CMJ
pessoal poderia reflectir um efeito Primus Inter Pares (Codol 1975), o que
sugeria o primeiro indício da normatividade desta esfera de CMJ. No
que respeita à CMJ geral não interpretei o efeito nulo como evidência
de que esta esfera de CMJ fosse contranormativa, caso em que as pon-
tuações na condição dos colegas deveriam ser maiores do que na condi-
ção do próprio. Perante este resultado, parecia verosímil que a CMJ geral
fosse valorizada, mas a sua normatividade fosse menos forte do que a da
CMJ pessoal. De facto, os resultados obtidos no Estudo 2, analisados si-
multaneamente, pareciam ser consistentes com esse raciocínio. Por isso,
os indivíduos teriam optado pela igualdade com o alvo de comparação
no Estudo 1, uma estratégia que Codol considera mais comum do que
o efeito Primus Inter Pares.
No Estudo 2, recorri ao paradigma da auto-apresentação, no qual os
participantes eram convidados a preencher uma das escalas de CMJ, se-
gundo uma de duas instruções – transmitir uma imagem positiva ou ne-
gativa num desenho experimental inter-sujeitos (Alves 2008b, Estudo 2;
Alves e Correia 2008). Os resultados indicaram que os participantes
preenchiam as escalas mais no sentido da concordância com a CMJ
quando lhes era pedido que dessem uma imagem positiva (M = 4,40,
DP = 0,93) do que negativa (M = 2,74, DP = 1,67), F (1,78) = 17,60,
p = 0,001, ηp2 = 0,18. Este padrão, no entanto, foi qualificado por uma
interacção, F (1,78) = 17,60, p = 0,001, ηp2 = 0,18, cujo padrão pode ser
consultado na figura 3.1, sendo que todos os valores são estatisticamente
diferentes uns dos outros (p’s < 0,05). De facto, o padrão anterior foi
mais acentuado para a CMJ pessoal do que para a CMJ geral. Por outras
palavras, na condição de «imagem positiva», os scores de CMJ pessoal são
ainda mais elevados do que os de CMJ geral, e mais baixos na condição
de «imagem negativa».
Pressenti que, com estes dois estudos, a minha curiosidade como mo-
tivo principal para investigar nesta área poderia dar lugar a outro motivo
mais importante para a ciência – tentar descobrir o que estava por detrás
do que eram para mim, na altura desconhecedor da literatura sobre jus-
tificação do sistema, tão estranhos resultados. Agora que tinha descoberto
a ponta de um fio, havia que descobrir se havia um novelo e, a existir, de

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

Figura 3.1 – Médias das pontuações em CMJ pessoal e geral por valência
de imagem (Estudo 2)
6

5
4,75

4,06
4

3,4
3

2,07
2

1
Imagem positiva Imagem negativa

CMJ pessoal CMJ geral

Nota: As pontuações podiam variar de 1 a 6. Os quatro valores médios são significativamente dife-
rentes uns dos outros, tal como testado através de testes post-hoc de Duncan (p’s < 0,05).

que cor era. Se os resultados de um terceiro estudo fossem compatíveis


com os anteriores teria fortes indícios de que o novelo, não só existia,
mas também tinha uma cor diferente da que esperava no início. Se assim
fosse, as minhas expectativas, meras hipóteses de um «homem da rua»,
que por acaso estava a fazer um doutoramento, teriam sido muito pro-
vavelmente falsificadas. A haver novelo, haveria descoberta – tinha,
então, de me meter à aventura.
Recapitulando, os resultados dos dois primeiros estudos foram inter-
pretados como indicando que ambas as esferas de CMJ são normativas
(i. e., valorizadas socialmente) e que a CMJ pessoal é-o ainda mais do
que a CMJ geral. No entanto, estes estudos apenas permitiram concluir,
ainda que com alguma cautela, que a expressão de maiores graus de CMJ
era normativa, mas não permitia identificar esses graus. Por exemplo, nes-
tes dois estudos a maior parte das pontuações encontravam-se em redor
do ponto médio das escalas. Significaria isso que é na expressão de um
grau moderado de CMJ que reside a sua normatividade prescritiva?
No Estudo 3 recorri ao paradigma dos juízes num desenho experi-
mental intersujeitos no qual foram manipuladas a esfera de CMJ (pessoal
ou geral) e o grau de CMJ (baixo, moderado ou alto). Os participantes

89
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 90

Hélder Alves

liam as respostas a uma das escalas de CMJ presumivelmente preenchida


por outro estudante universitário (o alvo do julgamento). O grau de CMJ
foi operacionalizado através da escolha dos pontos 1 e 2 (baixa), 3 e 4
(moderada), ou 5 e 6 das escalas (alta). A seguir à escala, era apresentado
um «comentário sobre as escolhas do alvo» em que se afirmava que este
tinha indicado uma CMJ baixa, moderada ou alta, ou para si ou para as
pessoas em geral, e o que essa posição significaria.5
Pedia aos participantes que formassem uma impressão da pessoa
tendo em conta as suas respostas e que a avaliassem em 12 traços 6 (seis
de valência positiva: justo(a), sensato(a), inteligente, responsável, ho-
nesto(a), boa pessoa) e seis de valência negativa: deprimido(a), menti-
roso(a), gabarola, egoísta, invejoso(a), inflexível), em escalas do tipo Likert
de sete pontos (1 = nada; 7 = muitíssimo). O efeito principal do grau de
CMJ, F(2, 66) = 14,33, p < 0,001, o único efeito significativo, indicou
que os alvos que exprimiram CMJ moderada (M = 5,03, DP = 0,60) ou
alta (M = 4,65, DP = 0,91) foram avaliados de forma igualmente positiva
(p > 0,10) e mais do que os alvos que exprimiram CMJ baixa (M = 4,17,

5
A propósito desta operacionalização, e sobretudo do comentário relativamente à
suposta CMJ moderada (e. g., «A pessoa pensa que as coisas que lhe sucedem por vezes
são justas e outras vezes não são justas»), ocorre-me contar um episódio. Estava a ultimar
o artigo que saiu na Social Justice Research (Alves e Correia 2008) que incluiu os Estudos 2
e 3, quando, a poucos dias do prazo para o envio do manuscrito, o olhar de fora do Pro-
fessor Jorge Vala verifica que aquilo que eu entendia como «CMJ moderada» podia ser
interpretado como «crença num mundo aleatório» (cf. Furnham 2003). Nunca tal me
tinha passado pela cabeça – para mim tinha sido óbvio até àquele momento que os pon-
tos 3 e 4 e o comentário adicional operacionalizavam um CMJ moderada – e, no entanto,
aquela objecção fazia todo o sentido! Dado que a manipulação das variáveis indepen-
dentes foi entre sujeitos, a eliminação destas condições não era problemática, já que não
influenciaram as respostas às outras condições experimentais. No entanto, por um mo-
mento, não me lembrei disso e senti algo próximo do pânico – para mais quando já
tinha recolhido dados para o que vieram a ser os Estudos 4 e 5. Só me conseguia imaginar
sem três estudos numa penada! Depois de mais calmo, e como não havia tempo para
realizar um estudo que verificasse qual o sentido que os indivíduos atribuíam ao que eu
denominava como CMJ moderada, até ao prazo do envio do artigo, optou-se por elimi-
nar essa condição. Acabei por realizar esse estudo posteriormente, através do qual verifi-
quei que os participantes interpretavam a operacionalização tal como pretendido, ou
seja, como CMJ moderada e não como crença num mundo aleatório. O alívio, por fim!
Por isso, na tese e neste capítulo apresento os resultados com a (agora sim!) CMJ mode-
rada, não o podendo ter feito no artigo. Lição aprendida: há que ter sempre um olhar
crítico no que fazemos, mesmo quando algo nos parece óbvio, pedir a opinião de pessoas
de fora em quem, naturalmente, confiamos, e pré-testar o material.
6
A selecção recaiu naqueles itens que, num pré-teste, apresentaram os seis valores
médios mais baixos ou mais altos em positividade. Foram seleccionados de uma lista
maior que englobava 37 adjectivos gerados por outros participantes que tiveram contacto
com as mesmas manipulações e, de seguida, descreviam o alvo com adjectivos seus.

90
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 91

Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

DP = 0,79; ambos os p’s < 0,01). Os resultados deste estudo foram, por-
tanto, consistentes com os anteriores, no sentido de uma maior valori-
zação de graus mais elevados de CMJ, tendo sido possível verificar que
tanto a CMJ moderada como a alta o são de modo equivalente.
O novelo fora encontrado. Havia agora que o ir desfiando. Poderia a
maior valorização dos graus moderado e alto de CMJ dever-se ao facto
de estes serem percepcionados como reflectindo uma verdade, ou seriam
estes dois julgamentos independentes? Além disso, a ausência de um
efeito de interacção significativo no Estudo 3 ia contra a interpretação
dos resultados dos estudos 1 e 2, segundo a qual a normatividade da
CMJ pessoal seria mais forte do que a da CMJ geral. Teria, então, o no-
velo uma cor diferente não só daquela que eu esperara antes de realizar
qualquer estudo, mas também daquela que eu esperava após os dois pri-
meiros? Havia que averiguar. Os dois próximos estudos foram desenvol-
vidos com esse objectivo.

... e continuou...: a verdade e a normatividade


percebidas e as duas dimensões de valor social
O objectivo do Estudo 4 (v. também Alves e Correia 2010a) foi testar
directamente a percepção de normatividade e percepção de veracidade
das duas esferas de CMJ. Surpreendentemente esta testagem directa
nunca fora realizada pela abordagem sociocognitiva cujo interesse reside,
exactamente, nas normas de julgamento, isto é, em afirmações que são
valorizadas independentemente de a sua expressão corresponder aos fac-
tos (Dubois 2003). Por «testagem directa», entenda-se perguntar aos par-
ticipantes quanto julgam que a expressão dos vários graus e esferas de
CMJ é valorizada e verdadeira.
Baseado nos resultados dos estudos anteriores, esperava que os graus
moderado e alto fossem julgados como mais normativos do que o grau
baixo de CMJ. Ficaria em aberto se o padrão seria mais acentuado para o
caso da CMJ pessoal do que geral (na linha dos Estudos 1 e 2) ou se não
haveria diferenças entre as duas esferas de CMJ (tal como no Estudo 3).
Relativamente à veracidade percebida, a abordagem foi largamente explo-
ratória, embora fosse possível adiantar algumas hipóteses condicionais.
De facto, só seria possível formular hipóteses para a veracidade percebida,
caso estivesse disposto a aceitar dois aspectos. Primeiro, que o ponto
médio das escalas de CMJ representa um grau moderado de expressão da
CMJ, uma ideia não isenta de problemas; em segundo lugar, que existe

91
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 92

Hélder Alves

uma relação directa entre o que os indivíduos exprimem (as suas respostas
às escalas) e os julgamentos que fazem de outros que exprimem uma ideia
equivalente, algo que Dubois (2000) mostrou nem sempre se verificar no
caso da norma da internalidade. Dentro destas limitações, no entanto,
seria possível prever que o grau moderado da CMJ pessoal seria conside-
rado como o mais verdadeiro, dado que as pontuações médias nas escalas
deste constructo costumam situar-se à volta do seu ponto médio. Relati-
vamente à CMJ geral seria de prever que a expressão do seu grau baixo
fosse considerada como a mais verdadeira, dado que as pontuações médias
às escalas deste constructo costumam situar-se abaixo do seu ponto médio.
O desenho experimental do Estudo 4 foi igual ao do Estudo 3, dis-
tinguindo-se, porém, na operacionalização das variáveis independentes.
Neste estudo, em vez de apresentar as escalas de CMJ já preenchidas, dei
a ler pequenos textos a que chamei «excertos de entrevistas», dado que
alguns participantes do estudo anterior referiram que a tarefa de avaliar
alguém, através das respostas às escalas, era «demasiado abstracta». Cada
participante leu um «excerto», havendo seis versões que manipulavam a
esfera e o grau de CMJ, baseadas nos itens da escala de CMJ pessoal
(Dalbert 1999). Foram acrescentadas algumas expressões típicas de lin-
guagem oral (e. g., «é isso») e indicações temporais (e. g., «minuto 10») que
pretendiam reforçar a ideia de os textos serem realmente excertos de en-
trevistas (cf. Anexo). Os «excertos de entrevista» eram seguidos pelos res-
pectivos comentários, iguais aos do Estudo 3.7
Relativamente à verdade percebida, os resultados indicaram que, glo-
balmente, o grau moderado foi considerado mais verdadeiro (M = 4,81,
DP = 1,03) do que os graus alto (M = 3,38, DP = 1,47) e baixo
(M = 2,89, DP = 1,45; p’s < 0,001). Estes últimos não se distinguiram
significativamente entre si (p = 0,21), nem se verificou uma distinção sig-
nificativa entre as duas esferas de CMJ. No respeitante à normatividade
percebida, tal como esperado, o grau de CMJ baixo foi considerado glo-
balmente como menos normativo (M = 2,21, DP = 1,14) do que os graus
moderado (M = 4,61, DP = 1,14) e alto (M = 4,06, DP = 1,12;
p’s < 0,001), sendo que estes últimos não se distinguiram significativa-
mente (p = 0,13). O efeito de interacção, representado na figura 3.2, qua-

7
As medidas dependentes foram a normatividade percebida dos excertos («Em que
grau você aprova que se tenha esta opinião?»; «Quanto acha desejável ter esta opinião?»;
α = 0,79) e a verdade percebida («Quão realista é acreditar nesta opinião?»; «Quanto con-
corda você com esta opinião?»; α = 0,88), em escalas do tipo Likert de sete pontos
(1 = nada; 7 = muitíssimo).

92
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 93

Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

Figura 3.2 – Normatividade percebida por esfera e grau de CMJ


7

5
4,46 4,5

4 4,31

3,39
3
2,87
2

1,45
1
CMJ baixa CMJ moderada CMJ alta

CMJ pessoal CMJ geral

Nota: As pontuações podiam variar de 1 a 7, sendo que a pontuações mais elevadas correspondem
julgamentos mais elevados de normatividade.

lificou o padrão da normatividade percebida, F(2,58) = 7,87, p = 0.001,


ηp2 = 0,21.
Assim, na linha dos Estudos 1 e 2, a CMJ pessoal alta (M = 4,50,
DP = 1,33) foi considerada mais normativa do que a CMJ geral alta
(M = 3,39, DP = 1.33; p = 0,005 ), e a CMJ pessoal baixa (M = 1,45,
DP = 0,78, p = 0,016) foi considerada menos normativa do que a CMJ
geral baixa (M = 2,87, DP = 1,16), não se tendo registado diferenças sig-
nificativas entre o grau moderado de ambas as esferas de CMJ (p = 0,51).
Estes resultados indicam que a CMJ é uma norma de julgamento – a
sua expressão é alvo de valorização, a qual não é necessariamente acom-
panhada de uma percepção de verdade (Dubois 2003). De facto, global-
mente, só à CMJ moderada se encontram associados julgamentos de re-
lativa verdade, mas tanto a CMJ moderada como a CMJ alta são
consideradas igualmente normativas. No entanto, a normatividade da
CMJ pessoal é mais forte do que a da CMJ geral. De facto, a expressão
de CMJ pessoal alta foi considerada como mais normativa do que a de
CMJ geral alta, ao mesmo tempo que a CMJ pessoal baixa foi conside-
rada como mais contranormativa do que a de CMJ geral baixa. Estes re-
sultados sugerem, portanto, que é esperado que os indivíduos participem

93
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 94

Hélder Alves

numa performance na qual ganham «valor social» ao exprimirem uma ideia


que não é considerada verdadeira. Esta noção de performance, no sentido
de se exprimir uma ideia em que não se acredita, aplica-se, assim, mais à
expressão de CMJ alta do que moderada. Veremos no último estudo que
esta performance é percepcionada como estando adequada às exigências
da sociedade. Por agora, gostaria de desenvolver a ideia do «valor social»
que a expressão de CMJ poderá transmitir, ou como também é usual de-
nominar na abordagem sociocognitiva, as suas «ancoragens».8 De seguida,
apresentarei um estudo que pretendeu testar essa ideia.
Segundo o modelo de Beauvois (1995), os traços não se limitam a
descrever pessoas, como o senso comum assume, não sendo, por isso,
neutros. Para este autor, os traços também (ou até essencialmente) atri-
buem valor a quem é rotulado/descrito com esses traços, tratando-se de
um mecanismo de posicionamento social dos indivíduos. O modelo de
Beauvois enfatiza o aspecto social do valor transportado pelos traços, fo-
cando-se no facto de os indivíduos serem entidades imersas em estruturas
sociais. O adjectivo «social» a qualificar as dimensões identificadas, a uti-
lidade e a desejabilidade, sublinha essa perspectiva.
Por um lado, a utilidade social está relacionada com a adequabilidade
da pessoa a opções fundamentais do funcionamento social, tendo uma
conotação quase económica. A utilidade social é definida pelas regras do
sistema que sustentam o seu funcionamento e que Beauvois, Dubois e
outros autores identificam como sendo o liberalismo económico (Beau-
vois 1995; Dubois 1994; Pansu, Bressoux e Louche 2003). O termo «uti-
lidade» em Beauvois, e tal como o autor salienta em mais do que uma
ocasião, refere-se ao valor de mercado positivo ou negativo do indivíduo
(e. g., competente, autónomo, trabalhador vs. incompetente, dependente,
preguiçoso), e não ao tipo ou à qualidade de serviços que este pode pres-
tar a outrem ou a um grupo. Por outro lado, a desejabilidade social en-
volve valor afectivo (Beauvois 2003) e inclui as características que levam
a que os outros se aproximem de um indivíduo (e. g., honesto, simpático)
vs. o evitem (desonesto, antipático). Em suma, neste modelo, uma pessoa
socialmente útil é alguém percepcionado como tendo as características
para ser bem-sucedida, enquanto uma pessoa socialmente desejável é al-
guém percepcionado como tendo as características que levam a que os

8
Não se deve interpretar o termo «ancoragem» no mesmo sentido em que o faz a
teoria das representações sociais (Moscovici 1976). Nesta, trata-se de um mecanismo pelo
qual os indivíduos ligam noções novas a outras já existentes, de modo a que as primeiras
possam ser inteligíveis. Na abordagem sociocognitiva uma ancoragem refere-se ao tipo
de valor social associado a uma norma de julgamento.

94
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 95

Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

outros gostem dela. Como se pode verificar, as operacionalizações destas


dimensões não diferem das de outras abordagens (e. g., Rosenberg, Nelson
e Vivekanthan 1968), mas a sua interpretação situa-se a um nível de aná-
lise diferente (mas v., para o caso dos grupos, as dimensões de compe-
tência e afectuosidade, Fiske, Xu, Cuddy e Glick 1999).
No estudo que passo a apresentar, pretendi verificar que dimen-
são(ões) de valor social a expressão da CMJ pessoal e geral confere aos
indivíduos, isto é, qual/quais a(s) sua(s) ancoragem(ens). O desenho ex-
perimental e as operacionalizações das esferas e graus de CMJ foram
exactamente iguais às do Estudo 4, isto é, apresentação de um «excerto»
de entrevista a cada participante, seguido de um breve «comentário». Tal
como o Estudo 3, também neste recorri ao paradigma dos juízes, mas
incluí adjectivos que medem especificamente cada uma das dimensões
de valor social.9
Globalmente, os alvos que exprimiram CMJ baixa foram avaliados
menos positivamente em ambas as dimensões (Mutilidade = 3,42,
DP = 1,00; Mdesejabilidade = 3,57 DP = 0,83, p’s < 0,01) do que os alvos
que exprimiram CMJ moderada (Mutilidade = 4,12, DP = 1,05; Mdesejabi-
lidade = 4,21, DP = 1,02) ou alta (Mutilidade = 4,48, DP = 0,87; Mdesejabili-
dade = 4,29, DP = 0,92), sendo que estes últimos graus de CMJ não foram
alvo de distinção significativa (p’s > 0,10). O efeito de interacção signifi-
cativo surgiu apenas na dimensão de desejabilidade social, F (2,81) = 7,73,
p = 0,001, sendo que as médias e desvios-padrão poderão ser consultados
no quadro 3.1.
Mais uma vez, verificou-se uma acentuação das diferenças entre os
graus baixo e alto da CMJ pessoal relativamente às da CMJ geral. Por
outras palavras, a expressão de CMJ pessoal baixa foi mais desvalorizada
do que a de CMJ geral (p = 0,02), enquanto a expressão de CMJ pessoal
alta foi mais valorizada do que a expressão de CMJ geral alta
(p = 0,005). Nesta esfera de CMJ não se registaram diferenças significati-
vas ao longo dos diversos graus (p’s > 0,15).
Dados estes padrões, defendo que tanto a CMJ pessoal como a geral
ancoram na utilidade social, isto é, aos alvos que exprimam CMJ alta ou
moderada são atribuídas as características que conduzem ao sucesso e,
portanto, a um estatuto social relativamente alto. No entanto, só a CMJ

9
Utilidade social (competente, confiante, independente, trabalhador(a), competi-
tivo(a), inteligente, determinado(a); α = 0,86) e desejabilidade social (de quem se gosta
[likable], prestável; sincero(a), caloroso(a); bem-educado(a), boa pessoa, tolerante;
α = 0,78), adjectivos retirados de Fiske et al. (1999).

95
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Hélder Alves

Quadro 3.1 – Médias (e desvios-padrão) de desejabilidade social por esfera


e grau de CMJ
CMJ baixa CMJ moderada CMJ alta

CMJ pessoal 3,18 (0,67) 4,22 (0.86) 4,74 (0,77)


CMJ geral 3,99 (0,76) 4,21 (0.86) 3,89 (1,00)
Nota: Os valores podiam variar entre 1 e 7, sendo que valores mais elevados indicam maior deseja-
bilidade social.

pessoal parece igualmente ancorar na desejabilidade social Esta dupla an-


coragem da CMJ pessoal constitui uma novidade teórica, na medida em
que até então a literatura sociocognitiva tinha identificado normas de
julgamento que ancoravam ou apenas na desejabilidade social (norma
da ancoragem individual) ou na utilidade social (e. g., a norma da inter-
nalidade, norma da auto-suficiência) (Dubois 2005).
Tendo em conta o resultado relativo à utilidade social, será então que
o que tenho vindo a designar como normatividade da CMJ não é mais
do que a associação da expressão desta ideia ao discurso dos indivíduos
que já têm ou virão a obter um estatuto elevado? Por outras palavras,
quando os participantes no Estudo 2 preencheram as escalas de CMJ
para transmitirem uma imagem favorável ou desfavorável, mais não fa-
ziam do que projectar as suas percepções do discurso dos membros do-
minantes ou dominados, respectivamente? Os resultados do último es-
tudo sugerem que as questões do estatuto percebido estão presentes, mas
não esgotam o assunto. Este ponto, aliás, verificou-se indirectamente
num outro estudo, no qual os participantes preencheram a escala de CMJ
pessoal com pontuações mais elevadas quando instruídos para indicarem
a perspectiva de alguém competente, de alguém bem-sucedido, mas tam-
bém de alguém que pretende que outros simpatizem com ele(a) (Alves e
Correia 2010b, Estudo 2).

... Como tudo continua ainda...: o estatuto,


o merecimento e as expectativas
Neste último estudo (Alves, Correia, Sutton e Pereira 2010, Estudo 2),
realizado depois do doutoramento, limitei-me à expressão dos graus
baixo e alto da CMJ pessoal, por várias razões: dada a maior normativi-
dade desta esfera de CMJ e devido ao facto de o grau moderado de CMJ
pessoal não diferir do grau alto em termos de normatividade nos estudos

96
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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

anteriores.10 O objectivo do estudo foi mostrar que a expressão de CMJ


alta não é percepcionada simplesmente como o discurso dos dominantes
(i. e., os que têm estatuto social relativamente elevado), mas também o
discurso de quem o merece ser – e, afinal, o merecimento é um conceito
tão central na teoria (Bobocel e Hafer 2007; Lerner 1977). Por outras pa-
lavras, era esperado que os participantes indicassem não só que o alvo
que exprime CMJ alta tem um estatuto mais elevado do que o alvo que
exprime CMJ baixa, mas também que o merece mais. Esperava-se ainda
que a expressão de CMJ alta fosse julgada como estando mais de acordo
com as expectativas sociais do que a CMJ baixa e que este julgamento
mediasse a relação entre expressão de CMJ e (merecimento) de estatuto.
Esta hipótese derivou dos resultados de um estudo incluído na tese,
que não apresentei aqui (Alves 2008b, Estudo 7), e no qual tanto um

10
O leitor poderá estar neste momento a questionar-se por que razão não recorri à
tradução de adjectivos de um estudo directamente ligado à abordagem sociocognitiva,
tendo optado pelos adjectivos incluídos no artigo seminal do modelo do conteúdo dos
estereótipos. Tratou-se de um mero acaso – o facto de não ter disponíveis referências da
abordagem sociocognitiva em que constassem esses adjectivos. Os dados para este estudo
foram recolhidos em 2005, mas os estudos de Laurent Cambon, que testaram directa-
mente o modelo de Beauvois, só foram publicados em 2006 (Cambon 2006; Cambon,
Djouari e Beauvois 2006). Sabia da equivalência empírica entre os adjectivos de um e
outro modelo, através do capítulo de Beauvois (2003) que apresentava alguns dos prin-
cipais resultados da tese de doutoramento de Laurent Cambon, e onde eram apresentados
em tabela, numa tradução inglesa, adjectivos a que este autor recorrera. No entanto, esse
capítulo não indica se estes foram usados num ou em vários estudos. Ademais, se tivesse
recorrido a esses adjectivos estaria a traduzir de uma tradução (Francês-Inglês-Português),
pelo que optei pelos constantes em Fiske et al. (1999). Tal como estes autores, apresentá-
mos adjectivos de valência positiva e negativa mas, igualmente como eles, tivemos de
eliminar estes últimos, dado não apresentarem consistência interna adequada.
Outra limitação, mais prosaica, revela que não só é a aventura que continua após o
doutoramento, mas também os seus percalços. De facto, também a questão do acesso a
participantes me levou a conceber um estudo simples (para ser rigoroso, foram dois) que
fosse de rápida aplicação em contexto de sala de aula, numa altura tipicamente difícil
para o efeito (final de Novembro, princípio de Dezembro de 2009). Por isso, restringi o
número de itens para cada constructo que pretendi medir (percepção do estatuto e de
merecimento de estatuto do alvo e percepção da adequação do seu discurso às expecta-
tivas sociais). Esta restrição conduziu a uma situação em que dois constructos (mereci-
mento de estatuto e adequação do discurso) acabaram por ser medidos apenas por um
item, aquele que apresentou o maior peso numa análise factorial exploratória, dado que
a inclusão de outro(s) revelaria valores de alfa de Cronbach demasiado baixos (inferiores
a 60). O número reduzido de participantes e as limitações das medidas poderão explicar
o facto de nem todas as hipóteses terem recebido apoio empírico. Assim, este estudo de-
verá ser entendido mais como um pré-estudo que apresenta resultados suficientemente
interessantes para serem apresentados no capítulo e que, na sua maioria, vão ao encontro
das hipóteses. O leitor poderá perguntar: «Se é tão difícil recolher dados nesse período,
porque não o fizeste antes?» Resposta (mais uma vez) prosaica: «Porque só tive a ideia
para o(s) estudo(s) a meio de Novembro.»

97
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Hélder Alves

Quadro 3.2 – Médias (e desvios-padrão) do grau de CMJ expresso


nas quatro variáveis dependentes
CMJ baixa CMJ alta F (1, 57) =

2,20 3,75 21,09


Estatuto percebido
(1,04) (1,47) p < 0,001, ηp2 = 0,27

2,48 3,25 5,43


Merecimento de estatuto
(1,12) (1,37) p = 0,02, ηp2 = 0,09

2,14 3,31 6,49


Adequabilidade do discurso
(1,49) (1,94) p = 0,01, ηp2 = 0,10

Nota: Os valores podiam variar entre 1 e 7, sendo que valores mais elevados indicam maior concor-
dância.

alvo indesejável («estudante graxista»; avaliado como interesseiro, não


muito competente, mas com um futuro de sucesso), como um alvo de-
sejável («bom estudante»; avaliado como honesto, competente e com
um futuro de sucesso) eram percepcionados como exprimindo igual grau
de CMJ. Porém, este padrão dever-se-ia, presumivelmente, a razões dife-
rentes – o bom aluno por acreditar, e o estudante graxista por razões es-
tratégicas (ser bem-visto pelos professores, quais «guardiães do sistema»
e, com isso, lucrar). Neste último caso, mais uma vez encontraríamos a
expressão da CMJ independente da dimensão de verdade (para outras
abordagens sobre a relação entre CMJ e estatuto, ver Iatridis e Fousiani
2009; Oldmeadow e Fiske 2007).11

11
Apesar da apresentação brevíssima deste estudo, gostaria de ter mais um aparte, em
especial para o leitor que ainda se encontra no doutoramento ou pensa iniciar o processo.
Este estudo foi realizado quando já me encontrava em fase adiantada de escrita da tese.
Ao escrever o capítulo sobre auto-apresentação/gestão de impressões, li referências sobre
o «slime effect» (Vonk 1998). Resumidamente, este constructo capta um padrão compor-
tamental de alvos avaliados de forma extremamente negativa pelos observadores, que se
caracteriza pela simultaneidade de comportamentos agradáveis para com os indivíduos
de estatuto superior e de comportamentos desagradáveis relativamente aos indivíduos
de estatuto inferior – «licking upward and kicking downwards» (p. 850). Enquanto actor
social, parecia-me ser uma característica dos indivíduos «graxistas» e reconheci o padrão
em algumas pessoas concretas que ficaram altamente activadas em memória – tanto que,
ainda hoje, quando penso nesse capítulo da tese e neste estudo em particular, penso igual-
mente nelas. Nesse sentido, e malgré eux, devo-lhes um agradecimento pela «inspiração»
que me motivou a fazer este estudo, numa altura que, normalmente, é dedicada à escrita.
No entanto, intuí que, obtendo os resultados que esperava, poderia ter um belo comple-
mento ao argumento que estava a desenvolver, especificamente o uso estratégico da ex-
pressão da CMJ (v. outro caso em Alves 2008b, Estudo 6; Alves e Correia 2010b, Estudo
2). Posto isto, não estou a encorajar que os doutorandos esperem por alguma ideia que

98
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 99

Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

Os participantes leram, então, os «excertos de entrevista» e comentá-


rios (versões CMJ pessoal alta e baixa), tratando-se, portanto, de um de-
senho experimental unifactorial com dois níveis da variável indepen-
dente. Respondiam, de seguida, a várias questões em escalas do tipo
Likert de 7 pontos (1 = não concordo nada; 7 = concordo muitíssimo).12
Em primeiro lugar, foi testado se os dois alvos se distinguiam nas três
medidas, o que ocorreu como esperado, como pode ser verificado no
quadro 3.2. De facto, o alvo que exprimiu CMJ alta, comparativamente
ao alvo que exprimiu CMJ baixa, foi percepcionado como tendo um es-
tatuto mais elevado, mais merecedor de estatuto elevado e mais de acordo
com as expectativas da sociedade. Seguidamente realizámos análises de
mediação, através de bootstrap.
Dado que ambos os mediadores se revelaram preditores não signifi-
cativos do estatuto percebido (B’s < 0,20, p’s > 0,20), não foi possível
realizar análises de mediação para esta variável. Assim, neste estudo, e
contrariamente ao esperado, a relação entre o grau de CMJ expresso pelo
alvo e a percepção do seu estatuto não foi mediada pela percepção da
adequabilidade do seu discurso às expectativas da sociedade. A análise
de mediação envolvendo o merecimento de estatuto pode ser consultada
na figura 3.3.
Resumidamente, e tal como esperado, a relação entre o grau de CMJ
pessoal expresso (codificado em variável dummy, 0 = CMJ baixa;
1 = CMJ alta) e os julgamentos de merecimento de estatuto, significativa
antes da inclusão das percepções de adequabilidade do discurso às exigên-
cias da sociedade, deixou de o ser após a inclusão desta variável, apontando
para uma mediação total. Por outras palavras, os participantes consideraram
que o alvo que exprime CMJ pessoal alta é merecedor de maior estatuto
porque apresenta um discurso adequado ao que a sociedade espera.

surja já em fase da escrita da tese para que a «estória» possa surgir. De facto, naquele mo-
mento já a tinha, mas percebi que a poderia complementar (não reformular, nesta fase)
com um estudo de fácil aplicação e análise. A «mensagem» é que não ponham de parte
ideias «só» porque surgiram numa fase em que, parece-me, as pessoas acham que não é
suposto fazer alterações (ou neste caso, complementos) a um plano preestabelecido. Ob-
viamente, menos ainda encorajo que no início ou até meio do processo, se excluam ideias
que não estavam no plano inicial – afinal, foi isso que fiz ao descobrir um «novelo» de
uma cor e de um tamanho inesperados. Muitas vezes, mas não necessariamente, são as
descobertas acidentais as que acabam por se revelar mais interessantes e importantes –
veja-se o caso clássico da penicilina.
12
Estatuto do alvo («Trata-se de uma pessoa bem-posicionada na vida», «É alguém ha-
bituado(a) a viajar em 1.ª classe»; α = 0,77); merecimento de estatuto («Esta pessoa merece
ter um estatuto elevado»); adequabilidade do discurso às expectativas da sociedade («A socie-
dade actual espera que as pessoas tenham este tipo de discurso»).

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03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 100

Hélder Alves

Figura 3.3 – Mediação da adequabilidade do discurso às expectativas


da sociedade entre o grau de CMJ expresso e os julgamentos
de merecimento de estatuto do alvo

Adequabilidade
do discurso

b = 0,32* b = 0,42**

Grau de Merecimento
CMJ (b = 0,52)** b = 0,17, n. s.
de estatuto

* p = 0,05
** p < 0,01
Sobel Z = 1,90, p = 0,057.

... e vai continuar...: algumas reflexões


Eis-nos chegados ao fim do início da aventura, que continua. Muitas
questões surgiram, entretanto, muitas mais do que aquelas que poderia
imaginar quando iniciei os primeiros estudos. Nesta secção, ficar-me-ei
apenas por «O que poderemos concluir destes poucos estudos?».
Basicamente que a expressão de CMJ, pessoal e geral, tem valor social
(Alves e Correia 2008 e 2010a), sendo normativa a nível prescritivo/in-
juntivo (Cialdini et al. 1991), e podendo ser usada de forma estratégica
(Alves e Correia 2010b). Esta normatividade, no entanto, parece ser mais
forte no caso da CMJ pessoal (Dalbert 1999) do que da CMJ geral (Dal-
bert et al. 1987), tal como indicado em vários estudos. Aliás, enquanto a
CMJ pessoal tem ancoradas as duas dimensões de valor social, isto é, a
utilidade e a desejabilidade sociais (Beauvois 1995), a CMJ geral tem ape-
nas associada a utilidade social. Por outras palavras, enquanto um alvo
que exprime CMJ pessoal é julgado simultaneamente como sendo uma
pessoa «que tem o que é preciso para ter sucesso e ser apreciado («aimé»)
(Cambon, Djouari e Beauvois 2006), um alvo que exprima CMJ geral é
julgado como possuindo apenas a primeira característica. A que se deve-
rão estes diferentes padrões? Neste momento não é possível adiantar ex-
plicações fundamentadas em pesquisa, mas apresentarei algumas ideias
explicativas para estas diferenças.
Possivelmente o que tenho designado por «força normativa» será
antes um clarividência normativa, isto é, o grau em que os indivíduos

100
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 101

Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

se encontram conscientes dessa norma (Py e Somat 1991). Trata-se, no


entanto, de uma resposta que não responde satisfatoriamente à questão,
podendo ser considerada uma mera paráfrase. De facto, porque apre-
sentarão os indivíduos maior consciência da normatividade da CMJ
pessoal relativamente à CMJ geral? Talvez este padrão reflicta a maior
centralidade da primeira na ideologia individualista, que deverá estar
cronicamente activada entre estudantes do ensino superior de zonas ur-
banas. De facto, tal como indica Triandis (2001), mesmo em culturas
colectivistas, a adesão ao individualismo por parte dos estudantes é ge-
ralmente superior ao da população em geral. O reverso da hipótese é
que a CMJ geral poderá ser mais central para uma ideologia colectivista.
Se estas hipóteses estiverem correctas, e se focarmos experimentalmente
os participantes numa ou noutra ideologia, então é de esperar que haja
influência no padrão de julgamentos de normatividade das esferas de
CMJ. Especificamente, quando focados na ideologia individualista, é
de esperar que a CMJ pessoal seja considerada mais normativa do que
a CMJ geral, ou seja, o padrão que tem sido obtido. Porém, quando fo-
cados na ideologia colectivista, espera-se que a CMJ geral seja conside-
rada mais normativa do que a CMJ pessoal. Se a maior normatividade
de CMJ pessoal derivar da sua maior adequação ao Individualismo, tam-
bém é de esperar que a sua relação com outros componentes desta ideo-
logia, como a norma da internalidade (Dubois 1994), seja mais forte do
que a CMJ geral.
Outra conclusão importante destes estudos é que a normatividade
da expressão não está relacionada com os julgamentos de verdade, tra-
tando--se portanto de normas de julgamento (Dubois 2003). Especifi-
camente no caso da CMJ pessoal, os seus graus moderado e alto são
considerados como igualmente normativos, mas só o moderado é jul-
gado como relativamente verdadeiro. Este aspecto remete-nos para a
questão do estudo da normatividade injuntiva e descritiva. Por um lado,
como referi na apresentação do meu percurso, por ter seguido a abor-
dagem sociocognitiva, centrei-me exclusivamente na normatividade in-
juntiva. Por outro lado, aquilo que os indivíduos percepcionam como
sendo o que a maioria dos outros faz, diz ou pensa (a norma descritiva),
também é relevante na vida social. Trata-se da questão da influência in-
formativa (Deutsch e Gerard 1955) que é uma base para a percepção de
certeza quanto à correcção de uma linha de acção – «se os outros fazem,
então deve ser certo».
A influência de uma norma descritiva tende a ser menos perene e
mais restrita ao contexto em que esta se verifica (ou é percepcionada) do

101
03 Normas, Atitudes Cap. 3_Layout 1 10/24/12 4:43 PM Page 102

Hélder Alves

que a influência de uma norma injuntiva (Reno, Cialdini, e Kallgren


1993). Ademais, uma norma descritiva pode inclusivamente não reflectir
uma norma injuntiva, cuja concretização até poderá ser impossível, como
é o caso das normas perversas (Fernández-Dols 1992). Todavia, a influên-
cia das normas descritivas não deverá ser descurada. De facto, as normas
descritivas têm uma grande influência sobre os comportamento e julga-
mentos dos indivíduos, podendo até criar a percepção errónea de uma
norma injuntiva à qual poucos aderem realmente (e. g., a ignorância plu-
ral, Miller e McFarland 1987). Estes dois fenómenos, normas perversas e
ignorância plural, têm consequências sociais nefastas como uma maior
tolerância a fenómenos como a corrupção (Fernández-Dols e Oceja
1994), ou a promoção de comportamentos de risco, como o consumo
excessivo de álcool (Prentice e Miller 1993) – a percepção, enviesada ou
não, da «verdade» social encontra-se na percepção do que os outros fazem
ou dizem. No entanto, o estudo da influência da percepção da norma
descritiva nos vários contextos é actualmente descurada em Psicologia
Social (para uma crítica, ver Cialdini 2007), excepto no âmbito dos com-
portamentos pró- ou anti-ambientais, em que conhece investigação sis-
temática (Cialdini et al. 1991; Göckeritz, Schultz, Rendón, Cialdini,
Goldstein e Griskevicius 2009; Nolan, Schultz, Cialdini, Goldstein e Gris-
kevicius 2008; Schultz, Nolan, Cialdini, Goldstein, e Griskevicius 2007).
Daí que me pareça também importante estudar a percepção da norma-
tividade descritiva da CMJ, mesmo que a ênfase possa continuar a ser
na sua normatividade injuntiva, o que iria enriquecer a abordagem. Uma
forma de o fazer seria medindo quão comuns os indivíduos consideram
ser os vários graus de CMJ, por exemplo perguntando a percentagem de
pessoas que aderem a essas ideias (na linha da investigação sobre o falso
consenso; e. g., Ross, Greene e House 1977). Se a percepção da norma
descritiva indica percepções de verdade, então será de esperar que os
indivíduos apresentem maiores percentagens para a expressão de CMJ
moderada do que para os outros dois graus.
Outro aspecto relevante remete para a possibilidade de o valor social
da CMJ não advir exclusivamente de uma associação a indivíduos do-
minantes. De facto, e especificamente no caso da CMJ pessoal, os indi-
víduos que exprimem a ideia de que o mundo é justo para si são julgados
como merecedores de um estatuto mais elevado do que os indivíduos
que exprimem a ideia oposta. Este julgamento é mediado pela percepção
de que se trata de um discurso adequado à sociedade. Juntando este re-
sultado com o anterior, os participantes, quais juízes, sentenciam que
quem aderir à performance merece ser mais recompensado do que quem

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

não o faz. Assim, é de esperar que a CMJ pessoal seja o que Pansu et al.
(2003) designam «critério de excelência», no sentido em que a expressão
de um discurso valorizado transmite a ideia aos avaliadores de que o
emissor é alguém que tem as características exigidas para fazer o jogo es-
perado num determinado contexto, nomeadamente onde impera o libe-
ralismo económico.
De facto, Pansu e Gilibert (2002) verificaram que os responsáveis pelas
avaliações de desempenho em várias organizações consideravam que um
candidato que exprimia alta internalidade (e. g., mostrar-se responsável pelo
que lhe acontece), mas tinha um desempenho profissional apenas médio,
era tão merecedor de uma promoção quanto um candidato que, embora
mostrasse um desempenho profissional acima da média, exprimia exter-
nalidade. Um padrão equivalente foi descoberto recentemente relativa-
mente à CMJ pessoal em estudantes do ensino superior, independente-
mente da sua idade (entre os 18 e os 53 anos) e de terem ou não experiência
profissional (Alves et al. 2010, Estudo 3). Tal indica que esta valorização
não depende da entrada no mercado de trabalho (embora possa ser refor-
çada nesse contexto), sendo-lhe anterior. Muito provavelmente, esta valo-
rização resulta na socialização nas práticas avaliativas, aprendidas durante
a escolarização, tal como ocorre com a norma da internalidade (Dubois
1994). Estudos futuros deveriam investigar directamente esta ideia e veri-
ficar em que grau e tipo de ensino essa aprendizagem é privilegiada. Tam-
bém à imagem da norma da internalidade, a performance da CMJ parece
ser fulcral na lógica da economia liberal, sendo um seu mecanismo legiti-
mador, como sugerem Jost e Hunyady (2005).
Dois pontos merecem ainda investigação: a categorização e o estatuto
social do alvo que exprime CMJ, e o papel da adesão à CMJ por parte
dos indivíduos que avaliam a sua normatividade. Relativamente ao pri-
meiro aspecto, será que é suposto que mesmo um alvo de baixo estatuto
(e. g., um imigrante) participe na performance? Intuitivamente dir-se-á que
não, pois objectivamente a sua condição não deverá ser justa. Porém,
como vimos, a verdade não é um critério de uma norma de julgamento,
como a CMJ. Recorrendo a investigação que tem mostrado que alvos
de racismo (Kaiser e Miller 2001), ou de sexismo (Garcia, Horstman
Reser, Amo, Redersdorff e Branscombe 2005) são avaliados negativa-
mente quando se queixam, mesmo que se lhes reconheça razão, é de es-
perar que seja suposto que mesmo alvos de baixo estatuto exprimam a
ideia de que têm o que merecem. Ironicamente, tal poderá ser tanto mais
forte quanto mais os indivíduos aderirem a uma ideologia aparentemente
benigna, como o luso-tropicalismo (Alves 2008a).

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Hélder Alves

Segundo esta ideologia (Alexandre 1999; Valentim 2003), os portu-


gueses são um povo não preconceituoso, que sempre manteve relações
afectuosas e de proximidade com os povos que colonizaram, e com
quem miticamente se miscigenaram de forma pacífica, uma representa-
ção que hoje em dia se reflectiria nas relações com os seus imigrantes
(Vala, Lopes e Lima 2008). Assim, será de esperar que um imigrante que
expresse CMJ alta esteja a confirmar esta mundivisão, e por isso seja va-
lorizado, enquanto um imigrante que exprima CMJ baixa esteja a
ameaçá-la, sendo desvalorizado (Alves 2008a), podendo ser representado
como ingrato. Caso os resultados vão nesta direcção, teremos evidência
de que a normatividade da CMJ, sendo um mecanismo legitimador do
status quo, é também um mecanismo perverso para os membros de grupos
dominados. Porém, dado que a CMJ moderada é igualmente normativa,
pode ser aí que tanto dominados como dominantes se possam entender,
sem que os primeiros percam em valor social atribuído. De facto, pode-
-se esperar que o mesmo grau de CMJ seja interpretado estrategicamente
de forma diferente por uns e outros. Recorrendo a uma metáfora comum,
os dominados representarão o copo como estando meio vazio (reivindi-
cando melhorias) e os dominantes como estando meio cheio (anuindo
aos protestos dos primeiros, mas não os sentindo como ameaça).
Relativamente à questão do efeito da CMJ dos indivíduos nos seus jul-
gamentos de normatividade, poder-se-á ter duas hipóteses. A primeira, de-
correndo tanto da teoria da CMJ (Lerner 1980) como da teoria da justifi-
cação do sistema (Jost e Banaji 1994), indicará que os indivíduos com maior
CMJ, presumivelmente os que têm maior necessidade de acreditar na jus-
teza do mundo/sistema, serão aqueles que mais valorizarão a expressão da
CMJ alta (que confirma a sua visão) e os que mais desvalorizarão a expres-
são de CMJ baixa (que ameaça a sua). A segunda, no entanto, decorrendo
da abordagem sociocognitiva, indicará não existirem diferenças entre os
indivíduos com CMJ alta e baixa, pois os julgamentos da normatividade
da CMJ são sobre o seu valor social, que é um conhecimento partilhado
colectivamente. De facto, Dubois (2000) mostrou, relativamente à norma
da internalidade, que um alvo que apresentava apenas razões internas para
o que lhe acontecia de positivo e negativo era avaliado mais positivamente
do que os alvos que apresentavam simplesmente razões externas para
ambos os acontecimentos, ou um misto de razões internas e externas. Esta
avaliação superior foi independente do padrão de atribuições que os par-
ticipantes apresentavam para si mesmos. É possível que ambas as hipóteses
recebam apoio, dependendo de a situação experimental ameaçar ou não
ameaçar a CMJ dos indivíduos, respectivamente.

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

Para finalizar, uma pequena provocação: será que o que a minha in-
vestigação tem mostrado é a normatividade da CMJ, ou a valorização
de algo mais geral como «os discursos sobre justiça», uma expressão a
que tenho recorrido nesta discussão? Ainda que não afecte a normativi-
dade do fenómeno, este alargamento conceptual poderá permitir que se
espere a valorização social da expressão de julgamentos de justiça distri-
butiva (e. g., Walster, Walster, e Berscheid 1978) e procedimental (e. g.,
Thibaut e Walker 1975). Por outras palavras, será mais valorizada a ex-
pressão da ideia de que se é alvo de equidade e de um tratamento justo
do que a expressão do seu oposto, independentemente de tal correspon-
der à realidade.
Como se vê a aventura está longe de ter terminado. De facto, ela mal
começou. Por isso, para finalizar, só posso dizer: to be continued...

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Hélder Alves

Anexo

Operacionalização da CMJ pessoal [geral] alta

(Minuto 10) «Acho que geralmente obtenho o que mereço [as pessoas
obtêm o que merecem]: de um modo geral os acontecimentos da minha
vida [na vida das pessoas] são justos... É isso: acho que a maior parte do
que me acontece [acontece às pessoas] é justo, que em geral eu mereço
o que me acontece [merecem o que lhes acontece].» [...]
(Minuto 26) «Geralmente os outros tratam-me [as pessoas tratam os ou-
tros] de uma maneira justa, por exemplo, a maior parte das decisões que
os outros tomam em relação a mim [que se tomam em relação aos ou-
tros] são justas.» [...]
(Minuto 43) «É como já disse, na minha vida [na vida] a injustiça é a ex-
cepção e não a regra.»

Comentário: As respostas dadas por esta pessoa revelam que se trata


de alguém com uma crença num mundo justo elevada. Tal significa que
esta pessoa tende a pensar que [os indivíduos] geralmente merece[m]
aquilo que lhe[s] acontece na vida (de bom e de mau). Em suma, esta
pessoa acredita que o mundo é um lugar justo para si [os indivíduos].

Operacionalização da CMJ pessoal [geral] moderada

(Minuto 10) «Acho que por vezes obtenho o que mereço [as pessoas
obtêm o que merecem]: por vezes os acontecimentos da minha vida [na
vida das pessoas] são justos... É isso: acho que parte do que me acontece
[acontece às pessoas] é justo, que por vezes eu mereço o que me acontece
[merecem o que lhes acontece], mas nem sempre.» [...]
(Minuto 26) «Há vezes em que os outros me tratam [as pessoas tratam
os outros] de uma maneira justa, por exemplo, certas decisões que os ou-
tros tomam em relação a mim [que se tomam em relação aos outros] são
justas, embora não todas.» [...]
(Minuto 43) «É como já disse, na minha vida [na vida] tanto a justiça
como a injustiça são a regra. Tenho tido [as pessoas têm] tanto duma
como doutra.»

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Sobre a descoberta da normatividade injuntiva da expressão da crença no mundo justo

Comentário: As respostas dadas por esta pessoa revelam que se trata


de alguém com uma crença num mundo justo moderada. Tal significa
que esta pessoa pensa que, certas vezes, [os indivíduos] merece[m] e ou-
tras não merece[m] o que lhe[s] acontece na vida (de bom e de mau).
Em suma, esta pessoa acredita que o mundo é um lugar que tanto pode
ser justo como injusto para si [para os indivíduos].

Operacionalização da CMJ pessoal [geral] baixa

(Minuto 10) «Acho que de um modo geral não obtenho o que mereço
[as pessoas não obtêm o que merecem]: de um modo geral os aconteci-
mentos da minha vida [na vida das pessoas] não são justos... É isso: acho
que a maior parte do que me acontece [acontece às pessoas] não é justo,
que em geral eu não mereço o que me acontece [não merecem o que
lhes acontece].» [...]
(Minuto 26) «Geralmente os outros não me tratam [as pessoas não tra-
tam os outros] de uma maneira justa, por exemplo, a maior parte das de-
cisões que os outros tomam em relação a mim [que se tomam em relação
aos outros] não são justas.» [...]
(Minuto 43) «É como já disse, na minha vida [na vida] a justiça é a ex-
cepção e não a regra.»

Comentário: As respostas dadas por esta pessoa revelam que se trata


de alguém com uma crença num mundo justo baixa. Tal significa que
esta pessoa tende a pensar que [os indivíduos] raramente merece[m]
aquilo que lhe[s] acontece na vida (de bom e de mau). Em suma, esta
pessoa não acredita que o mundo seja um lugar justo para si [para os in-
divíduos].

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Mónica Brito Vieira

Capítulo 4

Votar ou não votar: eis a questão.


As normas sociais e o direito-dever
de voto
Em Portugal, antes de cada eleição, é comum vermos os líderes polí-
ticos desdobrarem-se em apelos ao exercício do direito de voto. Face aos
recentes números recorde da abstenção nas eleições europeias, presiden-
ciais e legislativas, os apelos não surpreendem e retiram muita da sua
força do recurso a uma linguagem distintamente normativa:

Apelo para que não deixem de fazer aquilo que estiver ao vosso alcance
para que todos compareçam no dia 23. É uma responsabilidade perante vós,
perante os vossos filhos, perante os vossos descendentes. Portugal merece
mais do que o comodismo daqueles que querem ficar em casa. Não deixe-
mos a escolha na mão dos outros.

Estas foram as palavras dirigidas aos eleitores em 2011 pelo então pre-
sidente da República em exercício, Cavaco Silva, na campanha para as
presidenciais, em que era um dos candidatos.

O declínio da participação eleitoral e o correspondente aumento dos ní-


veis de abstenção são vulgarmente apontados, quer pelos principais actores
da vida política, quer pelos seus mais atentos estudiosos, como sintomas do
crescente alheamento dos cidadãos face à política, em geral, e aos partidos
políticos, em particular. Partidos que são cada vez mais percepcionados como
instituições fechadas em si, apresentado aos eleitores alternativas políticas
pouco diferenciadas e com efeitos esperados também eles pouco diferencia-
dos sobre as suas vidas. A preocupação com o declínio da participação elei-
toral sai agravada pelos padrões de distribuição que a abstenção apresenta:
em múltiplas democracias, as pessoas mais velhas, mais instruídas e mais

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Mónica Brito Vieira

ricas tendem a votar substantivamente mais do que os jovens, as pessoas


menos formalmente qualificadas e com rendimentos mais baixos. Apesar da
reconhecida dificuldade em interpretar o significado que se esconde por de-
trás da decisão de não ir às urnas, e apesar de ser legítimo esperar que esse
significado varie de grupo para grupo de não-votantes, uma conclusão é fre-
quentemente retirada da crueza dos números da abstenção: com o aumento
do número de eleitores que optam por não exercer o direito de voto, a de-
mocracia representativa conhece tempos menos auspiciosos.

Mas se a preocupação de alguns se centra no número de pessoas que


não vão hoje votar, outros espantam-se com o facto de que haja quem
vá votar, de todo. Com efeito, especialmente entre economistas e cien-
tistas políticos trabalhando com modelos de escolha racional, o que leva
alguns de nós a deslocar-se às assembleias de voto permanece um verda-
deiro mistério. É que de acordo com o modelo do eleitor racional, o acto
de votar, tal como a generalidade do comportamento humano, obedece
a pressupostos de racionalidade económica, seguindo uma lógica instru-
mental, de tipo custo/benefício. Ora encontrando-se os benefícios mar-
ginais do voto muito próximos do zero, mas sendo tangíveis os seus cus-
tos – custos de tempo, de esforço, de deslocação, de produtividade, entre
outros – um indivíduo racional deveria, em princípio, abster-se de votar
(v. Downs 1957). Assim o dita, pelo menos, uma ciência do político do-
minada pela economia.
Que o acto de votar é um acto irracional parece de facto ser a conclu-
são necessária à luz do modelo do eleitor racional e da concepção ato-
mística do eleitor que ele tipifica. Estamos aqui perante um eleitor que
é um actor isolado, e que se vê colocado perante um conjunto de partidos
e candidatos, com diferentes propostas, tendo de avaliar isoladamente
quais os custos e benefícios individuais do seu voto. Com estas premissas,
não admira que a sua decisão fosse no sentido de não votar. Isto porque,
por um lado, o voto tem custos associados tangíveis, e, por outro, a pro-
babilidade de que o voto de um eleitor a favor do seu candidato ou par-
tido preferido seja decisiva para o resultado eleitoral é extraordinaria-
mente baixa, negligenciável mesmo (v., entre outros, Riker e Ordeshook
1968; Carling 1995). Mas apesar de o modelo do eleitor racional apontar
para uma participação eleitoral extremamente reduzida, e malgrado os
números crescentes da abstenção verificados em muitas democracias oci-
dentais, o certo é que um conjunto muito significativo de cidadãos con-
tinua a comparecer ao acto eleitoral.
Muitas destas pessoas terão seguramente hesitado, por vezes, em ir
votar. Ficar em fila para votar é um transtorno e implica perda de tempo.

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04 Normas, Atitudes Cap. 4_Layout 1 10/24/12 4:44 PM Page 111

Votar ou não votar: eis a questão

Nalguns países, este é tempo dispendido no decurso de um dia normal de


trabalho e portanto roubado a outras actividades produtivas. Noutros, ele
é um tempo de espera vivido com enorme ansiedade, numa situação de
insegurança tal, que esperar em fila para exercer o direito de voto pode im-
plicar risco para a própria vida. Na maioria dos casos, porém, a deslocação
às assembleias de voto tem não tanto custos para a vida quanto custos em
dinheiro e custos de oportunidade. Isto porque ir votar conflitua amiúde
com uma série de outras opções, cuja gratificação é mais imediata: por
exemplo, tirar proveito das boas condições meteorológicas para ir à praia,
num fim-de-semana radioso, ou evitar o mau tempo no conforto de casa,
com uma chávena de café e um bom filme por companhia. Mesmo onde
o voto postal é admitido, e a deslocação às urnas nos é poupada, um es-
forço, ainda que mínimo, é exigido do eleitor: solicitar o envio do boletim
de voto; percorrer o boletim de voto com alguma atenção para assinalar a
cruz junto do candidato/partido da nossa escolha; recolher a informação
necessária à realização dessa escolha; obter uma contra-assinatura; deslo-
car-se à caixa ou à estação de correio mais próximas, etc. Estas podem bem
ser inconveniências menores, comparativamente falando, mas, para os teó-
ricos da acção racional, a questão de base permanece a mesma: por que
razão nos preocupamos, de todo, com ir votar, quando os nossos votos,
individualmente considerados, estão longe – muito longe mesmo – de ser
determinantes para o resultado de qualquer eleição?
As probabilidades de que o nosso voto afecte o resultado de uma elei-
ção são, de facto, ridiculamente baixas. Os economistas Casey Mulligan
e Charles Hunter analisaram 56 000 eleições, entre eleições para o Con-
gresso americano e eleições legislativas, a nível estadual, efectuadas desde
1898. Apesar de serem frequentes as antevisões de eleições renhidas, an-
tevisões de resto estrategicamente dramatizadas na retórica de campanha,
o certo é que as eleições ganhas por escassos votos são pouquíssimas.
Mesmo quando eleições efectivamente renhidas têm lugar, são pratica-
mente inexistentes os casos em que o voto de um eleitor é decisivo. Das
mais de 40 000 eleições para legisladores estaduais que Mullingan e Hun-
ter examinaram, envolvendo um total de cerca de um bilião de votos,
apenas sete foram decididas por um único voto. Nas mais de 16 000 elei-
ções para o Congresso dos últimos 100 anos, em que o número de par-
ticipantes foi maior ainda, apenas uma – a eleição de 1910, em Búfalo –
foi decidida por um único voto. E mesmo o pressuposto de que quanto
mais renhida a eleição maior a probabilidade de termos em nossas mãos
um voto decisivo é, no mínimo, questionável, quando observamos a evi-
dência empírica. Nestes casos, os processos de recontagem de votos ten-

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dem a transformar-se numa segunda batalha eleitoral de contornos kaf-


kianos, com fim provável nos tribunais, onde um colectivo de juízes re-
tira das mãos do eleitor a sua última e ínfima possibilidade de influenciar
determinantemente o resultado eleitoral. Veja-se o malogradamente cé-
lebre caso das eleições presidenciais americanas de 2000. Em suma: as
hipóteses de o nosso voto individual fazer a diferença numa eleição são
virtualmente inexistentes. O maior mistério enfrentado pelos economis-
tas e pela ciência política que deriva as sua hipóteses da teoria da escolha
racional não é, por conseguinte, explicar o declínio da participação elei-
toral, mas antes explicar o porquê de as pessoas se darem ao trabalho de
se deslocarem às assembleias de voto.
Este mistério assume dimensões porventura maiores numa altura em
que os antigos incentivos «pragmáticos» ao voto estão, de forma geral,
proibidos. Referimo-nos, por exemplo, aos pagamentos aos eleitores em
dinheiro ou género (e. g., o barril de whisky, a porção de farinha, o cabaz
de batatas ou o porco, que foram regularmente «pagos» pelos partidos
políticos aos eleitores ao longo da história das nossas democracias repre-
sentativas) que se encontram hoje, na maior parte dos casos, substituídos
pela oferta de material de propaganda e, por vezes também, sobretudo
entre nós, de electrodomésticos.
Mas não se pense que a questão dos incentivos materiais ao voto é
uma questão do passado ou de um presente mais ou menos dúbio. Em
Inglaterra, por exemplo, um membro liberal democrata da Câmara dos
Lordes, Chris Rennard, sugeriu, em 2005, a introdução de incentivo ao
voto na forma da redução em cinco libras do imposto local para assegurar
serviços públicos (council tax). Há poucos exemplos deste tipo de incen-
tivos, que são também uma forma de tentar atrair ao voto alguns daqueles
que dele estão mais afastados – designadamente, os mais pobres. Mas
onde eles foram implementados, por exemplo, na Califórnia, em que se
distribuíram donuts e jantares de frango gratuitos para incentivar a ida às
urnas, a medida não parece ter gozado de grande sucesso.
A nós importa aqui menos o caricato dos casos concretos do que con-
siderar o impacto que tais medidas podem ter sobre a norma social 1 do
«bom cidadão» que sustenta o direito/dever de votar. E a este respeito parece
legítimo dizer-se que pagar pelo voto é pouco propício à sustentação de
uma cultura política em que o voto seja visto como uma norma social,
apoiada na lei, e entendido como um bem colectivo. Bem pelo contrário,
introduzir um pagamento em dinheiro ou em bens no cálculo da utilidade

1
Para uma discussão do conceito de «norma social», v. o capítulo 1 deste volume.

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Votar ou não votar: eis a questão

do voto é uma forma (in)advertida de encorajar os indivíduos a focar as suas


decisões eleitorais exclusivamente no seu bem-estar económico individual.
Uma tal visão instrumental do voto coaduna-se sem dúvida com a
premissa da teoria da acção racional de que a maior parte do comporta-
mento humano é explicada em termos de um interesse dominante entre
os homens – o ganho económico, bem assim como com o modelo do
eleitor atomizado, compenetradamente pesando os custos contra os be-
nefícios, para os seus interesses próprios, de ir votar. Deste pressuposto
do carácter instrumental da maioria do comportamento humano é deri-
vada a ideia de que as normas sociais serão resistentes se (embora não
necessariamente apenas se) as pessoas tiverem um interesse individual,
designadamente de ordem económica, em honrá-las. Ora esta ideia é co-
locada sob considerável pressão no caso da norma social «votar», visto
que a capacidade de cada um dos eleitores vir a ser determinante para
um resultado eleitoral é, como vimos, diminuta. Ainda assim, muitas
pessoas, um pouco por todo o mundo, continuam a sair à rua, mesmo
sob chuva, e sem grande lealdade partidária, para votar.
O mistério da resistência da norma social «votar» persiste portanto.
Mas este, como outros mistérios afins, vale o que vale. É que muitos mis-
térios há que, à semelhança do voto, resultam de uma ignorância indu-
zida pelas próprias premissas assumidas no raciocínio. Deveria começar,
pois, pelas premissas o escrutínio científico. Todavia, raramente é isso
que acontece. Veja-se, por exemplo, como os teóricos da decisão racional
insistem em derivar de premissas economicistas a solução para o para-
doxo do voto que elas geram. A tarefa a que se propõem, como bem se
entende, não é fácil, afigurando-se, portanto, pouco surpreendente que
as propostas de resolução do «paradoxo do voto» se venham multipli-
cando, nos últimos cinquenta anos, sem fim à vista.
Uma tentativa recente de defesa da racionalidade do voto é de Richard
Tuck (Tuck 2008). O argumento de Tuck é montado contra Mancur
Olson, um dos mais destacados economistas políticos do século XX. Em
The Logic of Collective Action (1965), Olson foi para além da ideia de que
votar é irracional para o eleitor individualizado que deseja retirar mais
das eleições do que o que nelas colocou. Segundo Olson, mesmo que os
eleitores fossem concebidos não como agentes egoístas, mas como agen-
tes altruístas, intentos em fazer aquilo que é necessário à sustentação do
sistema democrático, teriam poucas razões «racionais» para participar elei-
toralmente. Isto porque o altruísmo das nossas intenções não tem qual-
quer impacto sobre a utilidade da nossa contribuição individual para ac-
tividades colectivas da escala de uma eleição. Com esta tese da futilidade

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da contribuição individual, independentemente da intenção que a


move, Olson abriu a porta à noção de que o free-riding é um problema
que se coloca às actividades de grupos de grande escala. O free-rider é o
indivíduo oportunista que, constatando que a sua contribuição não faz
qualquer diferença para a acção colectiva, decide para ela não contribuir
e beneficiar do bem colectivo resultante sem incorrer em quaisquer cus-
tos. Apesar de Olson fazer apenas uma menção curta ao voto como
exemplo deste problema, o voto acabaria por ser erguido a exemplo pa-
radigmático dos problemas de «parasitismo» que permeiam a acção co-
lectiva.
Todavia, se Olson colocara o voto entre os exemplos de actividade
colectiva em que a contribuição individual é fútil, Richard Tuck usa-o
como exemplo de precisamente o contrário: de uma contribuição indi-
vidual que conta. Noutras palavras, Tuck defende que alguns votos têm
eficácia causal, e que, assim sendo, votar é afinal uma forma de produzir
o resultado eleitoral desejado. Detenhamo-nos no argumento. Numa elei-
ção, é apenas necessário ter mais votos do que o adversário para ganhar,
existindo um limite – ou valor de viragem – a partir do qual isso é pos-
sível. Atingido esse valor, basta um voto para que a eleição seja decidida.
Este raciocínio parece provar apenas o valor do voto que é decisivo. Tuck
sublinha, porém, que essa conclusão é enganadora, porque para que esse
voto fosse decisivo foram precisos todos os votos que o precederam e
que permitiram afinal atingir o valor de viragem (ou desempate) do re-
sultado. Quer isto dizer que os eleitores podem causar um resultado elei-
toral, mesmo quando os seus votos não tenham sido individualmente
decisivos para produzir o dito resultado, porque os votos desses eleitores
pertencem ao grupo de votos causalmente eficazes – isto é, ao subcon-
junto de votos que foram indispensáveis para que o candidato ganhasse
a eleição. Daí decorre que, embora não seja razoável para qualquer um
de nós votar na expectativa de individualmente determinar o resultado
eleitoral, pode ainda ser racional votarmos por causa do valor atribuído
ao facto de sermos parte do que causa esse resultado. Noutras palavras,
sermos parte do agente causal «grupo de eleitores eficazes», cujos resul-
tado levam o candidato que favorecemos à vitória, pode ser razão mais
do que suficiente para nos levar às urnas (Tuck 2008).
Traduzindo esta ideia em números: 10 000 pessoas votam no candi-
dato A e 3999 votam no B; 4000 votos em A foram necessários à sua vi-
tória, os remanescentes 6000 votos foram supérfluos. A probabilidade
de o voto de um eleitor escolhido arbitrariamente pertencer ao grupo de
4000 votos causalmente eficazes é assim de 40%. Disto Tuck conclui que

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Votar ou não votar: eis a questão

«Há uma probabilidade alta de que o meu voto, quando combinado


com o voto dos demais, tenha ajudado a produzir o resultado desejado.
É importante que cheguemos aos 4000 votos, e dado que eu sabia que
outros eleitores votariam igualmente em A, isso deu-me uma boa razão
instrumental para votar em A, mesmo que o meu voto não fosse neces-
sário» (Tuck 2008). O voto é afinal não um acto atomizado, como ele
aparece frequentemente concebido, mas antes um acto interdependente,
e, assim sendo, profundamente enraizado nas expectativas que temos
sobre o comportamento dos demais (designadamente, se vão ou não
votar e em que sentido).
Será que o argumento de Tuck implica que os votos não eficazes, dos
6000 eleitores que votaram em A sem afectar a sua vitória, são votos des-
tituídos de valor? A conclusão parece dificilmente colher. Todos conhe-
cemos episódios infelizes, em que sendo necessário um certo número de
votos para passar ou reprovar uma medida ou um diploma, diferentes
grupos parlamentares tentam garantir que um número necessário de de-
putados seus esteja presente na votação, e, na falta de um, por impossi-
bilidade de comparência ou negligência, tudo cai por terra. Quando é
necessário um certo número de votos para ganhar uma votação, mandar
votar apenas o número mínimo de votantes necessários à vitória é receita
quase certa para o desastre. E se um ou alguns deles não podem compa-
recer na votação porque se perderam pelo caminho? Existindo um nú-
mero significativo de «suplentes», porém, o problema deixa de se colocar,
porque garantem que o valor que faz a diferença entre a vitória e a derrota
seja de facto atingido. Mas se assim é, o eleitor que marca a diferença
entre a vitória e a derrota eleitoral deixa de fazê-la, porque haveria sempre
alguém que o substituísse. Quer isto dizer que ele não é afinal causa do
resultado eleitoral? A resposta a esta questão, como David Runciman
nota, num artigo na London Review of Books, depende da noção de cau-
salidade com que se trabalhe. Alguns defendem que para uma dada causa
deve haver um efeito que nenhuma outra causa possa ter. Neste sentido
o eleitor em causa deixaria de ser causalmente eficiente. Mas uma tal exi-
gência parece excessiva. Se a equipa olímpica jamaicana tiver dois sprin-
ters, que estão a correr pelos primeiro e segundo lugares dos 100 metros,
não é normal concluirmos que o primeiro não é causa da vitória jamai-
cana, porque se tiver caído e subitamente ficado para trás, o segundo es-
tará sempre lá para tomar o seu lugar no pódio.
Tal como desenvolvido por Tuck, porém, o argumento parece ir no
sentido da futilidade dos votos dos eleitores que não fazem parte do
grupo causalmente eficaz. Esta conclusão enfrenta vários problemas. Um

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deles é o de que o propósito das eleições é não apenas determinar quem


ganha, mas também o nível de apoio ao partido ou ao candidato vence-
dores e, concomitantemente, a robustez da autorização que recebem para
governar. Todos os sistemas democráticos representativos envolvem uma
transferência de poder para alguns, que são autorizados a tomar decisões
e implementar medidas em nome de todos os demais. A robustez do
mandato que este «alguns» recebem é uma consideração da maior im-
portância na decisão de votar e tem implicações de monta para o exercí-
cio futuro do poder delegado (para uma discussão de algumas dessas pos-
síveis implicações, v. Guerrero 2010). Implicações que, todavia, Tuck
deixa fora da sua justificação racional para o voto. A um nível mais bá-
sico, porém, note-se que a forma como o processo eleitoral é conduzido
– a contagem de votos é anónima e ocorre de modo mais ou menos si-
multâneo nas diferentes mesas de voto – torna difícil, senão mesmo im-
possível, apurar se o voto deste ou daquele eleitor estava entre os causal-
mente eficazes ou entre aqueles que, à luz da proposta de Tuck, serviram
apenas como garantia «suplementar». Este facto, seguindo a mesma ló-
gica, produz uma espécie de «véu da ignorância», responsável por au-
mentar o incentivo ao voto, quando não mesmo (seguindo a lógica de
Tuck) o incentivo para votar cedo: quem chega primeiro às mesas de voto
está a garantir o seu lugar no grupo de eleitores causalmente eficazes.
Como Runciman assinala, o argumento de Tuck permite-nos perceber
melhor efeitos de contágio, como aquele em que o candidato mais po-
pular recebe votos adicionais quando começa a parecer provável que
ganhe. Nestas circunstâncias, o incentivo ao voto pode estar não na in-
tenção de fazer a diferença pelo voto individual, mas antes na intenção
de fazer parte do grupo de eleitores causalmente eficazes. Isto porque a
probabilidade de sermos membros desse grupo é maior quando o candi-
dato começa a ser percepcionado como o mais provável vencedor. Da
mesma forma, quando as eleições são pouco competitivas, poucos apa-
recerão para votar, porque o seu voto cairá muito provavelmente no
grupo de votos redundantes que nada acrescentam ao resultado da elei-
ção. Uma eleição muito próxima, por seu lado, aumenta a probabilidade
de que o meu voto conte entre os que fazem diferença, mas também é
muito possível que o meu candidato venha a perder a eleição, podendo
o meu voto não contar para nada ou contar para pouco. Nada, porém,
no argumento de Tuck contribui para a explicação da decisão aparente-
mente irracional de votar num candidato que vai obviamente perder.
Esta decisão assume contornos especialmente intrigantes num sistema
eleitoral maioritário, como o inglês, em que votos no candidato perdedor

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Votar ou não votar: eis a questão

são literalmente votos perdidos. Há quem remeta estes votos para a ca-
tegoria de votos expressivos, em que pouco importa se o candidato ganha
ou perde a eleição – o que mais importa é a afirmação da identidade po-
lítica e, muitas das vezes também social, do eleitor. Ainda que hoje mais
esbatidas, as questões ideológicas são certamente uma explicação forte
para este tipo de voto, como o é também a ideia de que, mais cedo ou
mais tarde, a minha persistência em votar em X há-de convencer outros
a fazê-lo. Afinal, de grão a grão, pode vir a ser possível chegar, de futuro,
a alguma forma de vitória.
O argumento avançado por Tuck tem aspectos convincentes, na me-
dida em que põe a tónica na interdependência entre eleitores e lhes dá
boas razões para cooperar na produção de resultados eleitorais, senão
mesmo para tentar convencer activamente os demais a votarem com eles,
através de um maior envolvimento no processo político (que não apenas
o eleitoral). No entanto, e como seria de esperar, o argumento aduzido
por Tuck a favor do voto tem sido contestado por vários autores, muitos
dos quais constroem as suas objecções com os instrumentos que a teoria
da acção racional lhes proporciona.
Jason Brennan, em particular, alertou para a necessidade de distinguir
entre dois tipos de eleitores: 1. aqueles que desejam não apenas que um
bom resultado eleitoral ocorra, mas que também querem ser agentes cau-
salmente responsáveis pelo resultado da eleição; 2. aqueles que somente
se preocupam com o bom resultado eleitoral do seu candidato (Brennan
2009).
No caso dos eleitores do tipo 1., Brennan chama a atenção para o
facto de ser errado concluir pela racionalidade do voto quando os votos
dos eleitores em causa façam parte do grupo de votos causalmente efica-
zes. É que, no entender de Brennan, a probabilidade de os votos fazerem
parte desse grupo tem ainda de ser multiplicada pelo valor atribuído por
cada potencial eleitor ao facto de o seu voto nele se encontrar, um valor
que pode variar muito de indivíduo para indivíduo. Mais, Brennan acusa
Tuck de ignorar os custos de oportunidade do exercício do acto de votar.
No entanto, Brennan insiste, só será racional votar, se a utilidade espe-
rada, pelos eleitores de tipo 1., for superior à utilidade de outro tipo de
acção que lhes esteja igualmente disponível – por exemplo, passar o dia
da eleição na praia ou no conforto do sofá.
Brennan vai mais longe porém, e desafia a racionalidade do voto
mesmo para eleitores do tipo 2., que têm preferência quanto ao resultado
eleitoral, mas não atribuem um valor particular a serem os agentes cau-
sadores desse mesmo resultado. Para Tuck, é racional para este tipo de

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eleitor votar porque ao fazê-lo, se um número suficiente de outros elei-


tores o fizer também, estará a fazer algo suficiente (embora não necessá-
rio) para produzir o resultado desejado. No entender de Brennan, porém,
o entendimento da acção racional que subjaz a esta conclusão é inacei-
tável à luz da teoria da acção racional. Isto porque Tuck parece definir o
agente racional como alguém que faz o suficiente para produzir um fim
desejado. Este entendimento da racionalidade como eficácia, nos termos
do qual a acção X é eficaz na medida em que fazer X seja uma forma efi-
caz de alcançar o fim desejado, é, na óptica de Brennan, problemático,
porque simultaneamente muito limitado e demasiado permissivo. Limi-
tado, porque mesmo onde haja prova evidente de que fazer X normal-
mente leva a Y, se a acção X não conseguir produzir Y, o agente terá sido
irracional ao fazer X (embora X possa ter sido claramente a escolha ra-
cional, no momento da decisão). Demasiado permissivo, porque, se, con-
tra todas as probabilidades, o agente fizer algo que fortuitamente lhe ga-
ranta Y, terá sido racional fazê-lo à luz da definição de racionalidade
como eficácia. A esta objecção Brennan acrescenta que a solução para o
paradoxo do voto encontrada por Tuck não contabiliza custos de opor-
tunidade. Todavia, para um eleitor que queira que o seu candidato pre-
ferido seja eleito, mas que não atribui particular valor à contribuição que
possa dar para esse efeito, a abstenção pode ser igualmente suficiente para
atingir o seu fim e ela será tão mais atraente quanto seja condição de rea-
lização de um outro fim por si desejado (e. g., ir à praia) e não impeça o
outro (isto é, a eleição do seu candidato preferido). Sublinhe-se, porém,
que a racionalidade da opção pela abstenção depende aqui de como os
outros eleitores estejam a votar, algo que o eleitor enfrentando a decisão
de ir ou não votar nunca pode saber ao certo. E, não sabendo isso, nem
sabendo onde está localizado o ponto de viragem do resultado, o eleitor
pode ter boas razões para, na dúvida, ir até à mesa de voto.
Enquanto Brennan quer colocar o problema do free-riding no centro
do voto, Tuck, mais convincentemente, cremos, nega-lhe essa centrali-
dade. Mas faz mais. Explica quando e como os teóricos da acção racional
– na economia e na ciência política – começaram a pensar no eleitor
como um indivíduo atomizado, à procura do momento certo para tirar
vantagem da acção colectiva dos demais. Noutras palavras, confere a his-
toricidade devida ao conceito de free-riding, que é, de facto, um conceito
de origem recente e imbuído de uma carga ideológica distintiva. O que
quer dizer também que aqueles autores clássicos que os teóricos da acção
racional citam amiúde em apoio à sua concepção do indivíduo como es-
sencialmente movido pelo seu interesse próprio – David Hume, Adam

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Votar ou não votar: eis a questão

Smith, Bentham e os demais utilitaristas – não tinham o problema do


free-riding como consequência inelutável dessa premissa (que aliás não
era única na sua concepção do ser humano: para autores como Hume e
Smith, por exemplo, o homem tem de facto tendência natural, pruden-
cial, para cuidar de si mesmo, mas é também criatura social, naturalmente
dotada de «simpatia» – ou, em linguagem actual, «empatia» – para com
os demais, e é este sentimento, em seu entender, a base dos juízos éticos
e da moralidade). Pelo contrário, o indivíduo orientado para a protecção
dos seus interesses teria motivos para a cooperação porque da sua con-
tribuição individual depende o usufruto dos benefícios que procura re-
tirar da acção colectiva. Estes autores não eram ingénuos, porém, e sa-
biam bem que o interesse próprio de cada um nem sempre era
esclarecido. Os homens são também criaturas impulsivas, irracionais até,
que deixam a imagem próxima do benefício imediato turvar a imagem
longínqua de um benefício maior. Mas isso não invalida a tese do bene-
fício da cooperação, apenas nos chama a atenção para a necessidade de
usarmos da nossa imaginação, institucional e outra, para impedirmos os
homens de se desviarem do caminho que mais benefício lhes traz: no
caso que temos em mãos, aquele que entende a política como um em-
preendimento colectivo e estabelece o Estado como garante primeiro da
cooperação social.
A ideia da irracionalidade do comportamento cooperativo individual
no âmbito dos grandes grupos começou a ganhar centralidade nos anos
30 do século passado, sobretudo no pensamento económico, em que
originou a doutrina da «competição perfeita» 2 e, portanto também, o
nosso bem conhecido problema do free-riding. A sua migração para a
ciência política coincide, em termos gerais, com o final da Segunda
Guerra Mundial. A história recente serviria de pano de fundo a essa mi-
gração interdisciplinar. No decurso dos anos 30, a política mundial havia
ficado marcada pelo desrespeito pelos acordos internacionais e pela du-
plicidade dos agentes. Mais, os sistemas capitalistas ocidentais encon-
trariam na doutrina da «competição perfeita» a ambicionada racionali-
zação para sua superioridade – também ela, aparentemente perfeita –

2
Segundo esta doutrina, os pequenos produtores não conseguem influenciar os pre-
ços do mercado aumentando ou baixando o seu próprio nível de produção. Portanto,
qualquer acordo entre esses produtores para fixar o preço entrará em colapso a longo
prazo. Isto acontece porque os produtores individuais poderão sempre optar por tirar
vantagem do grupo, por exemplo, produzindo mais do que o limite acordado para ma-
ximizar os seus lucros individuais. Desta conclusão era usualmente derivado um vaticínio
sombrio para o futuro de grupos como cartéis ou sindicatos.

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face às economias planeadas que haviam sido desenvolvidas no Leste.


Por isso, é sem grande surpresa que, em 1957, Anthony Downs, delineia
a sua teoria económica da democracia, no âmbito da qual é apresentado
o primeiro «cálculo do voto». Conhecer a genealogia da noção de «free-
riding» é, como Tuck prova, um exercício essencial à compreensão da
carga valorativa/ideológica que ele encerra e da razão de ser da sua lon-
gevidade.
A hipótese dos «votos causalmente eficazes» avançada por Richard
Tuck é uma defesa da racionalidade do voto que, apesar de tudo, ainda
se insere no âmbito das teorias da acção racional. Mas não é a única.
Bem pelo contrário, as tentativas de encontrar uma racionalidade instru-
mental para o voto têm sido várias e as estratégias seguidas por quem as
desenvolve muito diversificadas. Com efeito, o número de hipóteses ad
hoc avançadas para evitar a falsificação do modelo do eleitor racional é
tal, que seria impossível mapeá-las no âmbito deste capítulo. Mas se não
as podemos trazer todas à discussão, podemos pelo menos percorrer al-
gumas de entre as mais significativas.
Alguns defensores da teoria da acção racional tentaram superar o «pa-
radoxo do voto» afastando-se do pressuposto padrão da maximização da
utilidade esperada. Dentro deste campo, os chamados «instrumentalistas»
mantêm-se, como Tuck, fiéis à ideia de que a possibilidade de influenciar
o resultado das eleições é a grande motivação para as pessoas se desloca-
rem às urnas. Ainda assim, não hesitam em afastar-se do simples cálculo
da utilidade do voto individual. Relembre-se que, segundo este, a menos
que o nosso voto individual seja determinante para a eleição do candi-
dato que é melhor para nós – ou para prevenir a eleição daquele que é
pior – não temos uma razão fundada no interesse próprio para ir votar.
Por isso mesmo, a teoria da escolha racional defronta-se com a conclusão
de que é irracional ir votar onde milhões de homens e mulheres estejam
dispostos a fazê-lo por nós. Como superar esta contradição ainda dentro
de uma lógica utilitarista, e sem falar em votos causalmente eficazes? Isto
é feito usualmente pela contabilização, na utilidade esperada, de benefí-
cios não apenas para o próprio eleitor, individualmente considerado, mas
também para a sociedade, considerada como um todo, caso o «melhor»
candidato venha a ser eleito. A ideia é que quando estes benefícios co-
lectivos são integrados na utilidade esperada, mesmo uma probabilidade
mínima de fazer a diferença para um dado resultado pode ser suficiente
para favorecer o voto (Parfit 1984, 73-75). Mas para que o eleitor se preo-
cupe com os benefícios do voto para a sociedade como um todo, e os
contabilize no seu cálculo de utilidade, é necessário, parece-nos, primeiro

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Votar ou não votar: eis a questão

abandonar o entendimento individualista e egotista do eleitor racional


que permeia a teoria da acção racional. É que, para contabilizar benefícios
colectivos, o eleitor tem seguramente de ser capaz de empatia com os
demais, e talvez mesmo de se colocar na posição de um outro generali-
zado.
Dentro da teoria da acção racional, há ainda outras formas para tentar
fugir ao fatalismo do que nos diz o cálculo da utilidade individual sobre
a racionalidade do acto de votar. Uma delas concretiza-se pela adopção
de concepções de racionalidade alternativas à racionalidade instrumental
padrão. Entre estas destaca-se o «minimax regret», segundo o qual é ra-
cional escolher a alternativa que minimize o arrependimento futuro.
À luz deste preceito, não é necessariamente correcto dizer-se que quando
a probabilidade de afectar o resultado de uma eleição com o nosso voto
é muito pequena, ínfima mesmo, não é razoável votar (v. Ferejohn e Fio-
rina 1974).
Este tipo de argumento é, porém, mais revelador do desespero da teo-
ria da escolha racional em fazer sentido do voto do que da sua capacidade
de encontrar meios para o explicar. Isto porque, quando traduzida em
miúdos, a hipótese «minimax regret» assume contornos, no mínimo, bur-
lescos: vale a pena ir até à mesa de voto para nos protegermos contra a
desilusão monumental de termos ficado em casa naquele dia (virtual-
mente inexistente) em que o nosso voto teria sido decisivo para o resul-
tado, e em que nos poderíamos portanto considerar directamente res-
ponsáveis pela eleição do candidato (que teríamos, por assim dizer, «nas
nossas mãos»). Chamar-se a este tipo de explicação uma explicação ra-
cional requer alguma capacidade de suspensão do juízo.
Por seu lado, os teóricos dos jogos conseguiram atingir um certo equi-
líbrio com uma participação eleitoral positiva, mas baixa, através da en-
dogeneização da probabilidade ínfima de o nosso voto ser decisivo. Ao
esforço destes em explicar a racionalidade do voto soma-se ainda o de
todos aqueles que, à semelhança de Tuck, tentaram deslocar-se da imagem
do eleitor isolado para mais abertamente explorar as interdependências
entre eleitores. Isto é feito na base da intuição, desta feita, perfeitamente
plausível, de que a razão para os eleitores votarem poderá depender das
suas expectativas quanto às decisões eleitorais dos demais (v., entre outros,
Owend e Grofman 1984). Afinal, o direito de voto nunca é usado sozi-
nho. Ele é sempre inevitavelmente utilizado em coordenação com o exer-
cício de igual direito pelos demais – um conjunto de estranhos, sem os
quais o seu exercício não teria possibilidade alguma de avançar os nossos
interesses (a menos que, por absurdo, fôssemos nós os únicos a votar).

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Mónica Brito Vieira

Há ainda, porém, quem tenha pura e simplesmente deixado cair a hi-


pótese «instrumentalista» e argumente que, embora não seja razoável
votar na expectativa de alterar o resultado eleitoral, pode ainda sê-lo,
desde que se tenham em conta outras preferências e outras utilidades
possíveis do voto. Entramos aqui no segundo tipo de motivações eleitas
por John Harsanyi como as principais motivações da acção humana:

O comportamento das pessoas pode ser largamente explicado em termos


de dois interesses dominantes: o ganho económico e a aceitação social [Har-
sanyi 1969].

Desta tese parece decorrer uma outra, a saber, que uma norma social,
como «votar», resistirá quando a sua sobrevivência seja capaz de promo-
ver ganho económico e/ou aceitação social (note-se, porém, que estes
interesses podem, em determinados casos, ter de ser pesados um contra
o outro). Isto não quer dizer que cada indivíduo efectivamente pese o
ganho ou a aceitação social expectável da obediência à norma antes de
agir. Mas antes que a obediência à norma tenha resultados contrários a
um ou a ambos os interesses, os indivíduos terão razão suficiente para
parar para pensar (ou mesmo para deixar de aderir à norma). Assim, de
acordo com esta visão das normas sociais, um comportamento tenderá
a ver-se reproduzido numa sociedade quando seja no interesse próprio
directo dos indivíduos – em particular se esse for também um interesse
a que seja atribuível um valor monetário que exceda o custo do cumpri-
mento da norma; e/ou onde seja no interesse social dos indivíduos res-
peitar a norma, porque isso promove a estima e a afeição com que o in-
divíduo é olhado pelos demais. Para que seja racional votar, o interesse
próprio indirecto que desta segunda forma se satisfaz deve igualmente
exceder os custos inerentes à obediência. Só assim é expectável que a
norma se reproduza.
Mas as explicações instrumentais das normas sociais encerram conhe-
cidos problemas. Desde logo, a passagem do ganho económico à aceita-
ção social que, por vezes, na teoria da acção racional indelevelmente se
faz, poderá não ser tão facilmente justificável quanto parece à primeira
vista. É que, a menos que a aceitação social seja concebida em termos
exclusivamente estratégicos e os comportamentos que a atraem como
necessariamente hipócritas, podemos estar aqui a transitar de uma con-
cepção do indivíduo para outra significativamente distinta, sem qualquer
explicação para o facto, e sobretudo sem exploração das dificuldades que
a conciliação entre estas duas concepções do indivíduo (e os comporta-
mentos delas decorrentes), por vezes, levanta.

122
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Votar ou não votar: eis a questão

Por um lado, temos o indivíduo entendido como um agente prima-


riamente autocentrado, movido pelo interesse próprio, e em perpétua
competição com os demais. Esta é uma visão individualista que parece
coadunar-se na perfeição com a teoria da acção racional, com um en-
tendimento reducionista da teoria da evolução pela selecção natural, e
com a ideia afim de que a satisfação dos desejos e preferências de um
indivíduo é a melhor medida do seu bem-estar (e não já coisas como
capacidades, oportunidades, liberdades, etc., que desafiam os cálculos
de bem-estar baseados em preferências correntes e valores agregados,
como o produto nacional bruto). Desta concepção do agente racional
enquanto actor instrumental deriva uma segunda ideia, a de que a me-
lhor medida do voto é quantitativa, designadamente o valor ou nume-
rário que as pessoas estariam dispostas a pagar por ele (muito embora,
na verdade, este «pagamento» não seja tanto uma questão acessória
quanto uma questão moral e política fundamental: não é talvez por
acaso que muitos dos que trocam amiúde o exercício do voto por um
dia de praia consideram, no entanto, o igual direito ao voto algo de
muito importante, e estariam dispostos a lutar, com a sua própria vida,
contra quem lho negasse).
Em contraste com a concepção naturalizadora, atomística, e, por
vezes mesmo, antagonística, por detrás do modelo do eleitor racional,
temos uma concepção do indivíduo como um ser social, profundamente
moldado pela interacção com os demais e pela cultura. Um indivíduo
que passa assim a ser entendido como um ser plástico, responsivo, em-
pático, susceptível de identificação com os outros, capaz de criar e seguir
normas sociais, cuja obediência aprova e desobediência desaprova numa
base imparcial, e não exclusiva ou necessariamente na base de conside-
rações de interesse próprio. É este, de resto, também o homem de Adam
Smith, economista e filósofo moral que os teóricos da escolha racional
invocam como influência central na construção do seu homo economicus.
Ou não fossem estas palavras de Adam Smith: «Que recompensa é mais
adequada à promoção da prática da verdade, da justiça e da humanidade?
A confiança, a estima, e o amor daqueles com quem vivemos. A huma-
nidade não deseja ser grandiosa, mas ser amada» (Smith 1982 [1759],
166). Sem deixar de cuidar do seu próprio interesse, desta empatia tem
de ser igualmente feito o homem capaz de se preocupar com os benefí-
cios colectivos do voto, com a normatividade (ela mesma) da norma
votar, e com a estima que possa vir a receber dos seus co-cidadãos pelo
seu cumprimento, enquanto expressão de uma identidade, de uma in-
tenção ou um conjunto de valores cívicos partilhados.

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Mónica Brito Vieira

Voltemos então ao voto e às suas motivações, desta feita tentando


olhá-lo da perspectiva do eleitor comum. Serão de facto pouquíssimos
os eleitores que pensam como o economista, e que, conscientes da in-
significância do seu voto individual para a determinação do resultado
eleitoral, se sentiriam, no mínimo, embaraçados, se questionados sobre
as motivações que os levam a sair de casa para ir votar. Podemos conce-
ber, por especulação que seja, a existência de eleitores que olham para o
voto com a mesma atitude com que decidem jogar, semana após semana,
no Euromilhões. Isto é, eleitores que embora saibam que as hipóteses de
afectar a eleição e ganhar a lotaria são semelhantes, e semelhantemente
ínfimas, continuam a ir votar, porque lhes dá algum prazer entrar no
jogo, de sorte ou eleitoral. Não é muito caro – nem o jogo, nem o voto,
exigem grandes competências ou recursos – e viver, ainda que por alguns
dias apenas, na ilusão do possível impacto do prémio sobre as suas vidas
ou do voto sobre o partido ou candidato que venha ou não a ser eleito
pode trazer satisfação. Alguns eleitores haverá ainda que se deslocam às
urnas convictos de que o seu voto individual poderá ser decisivo para a
eleição do partido ou do candidato que favorecem. Trata-se aliás de uma
convicção frequentemente explorada pela retórica de campanha, que se
dirige a cada eleitor como possível causa da eleição do candidato e da
mudança que ele venha a produzir. Mas a maioria dos eleitores saberá
intuitivamente que embora o seu voto individual valha algo, ele não vale
tudo: é apenas quando conjugado com os dos demais que ele pode fazer
a diferença na eleição, uma diferença que pode ser essencial à protecção
do seu interesse próprio, mas que exige um esforço colectivo. Esta de-
pendência da decisão individual de voto das decisões tomadas pelos de-
mais pode desdobrar-se em duas outras hipóteses quanto às causas da
nossa disposição para votar. Primeiro, a de que os indivíduos tenderão a
votar quando aqueles imediatamente à sua volta, no seu circuito de in-
teracção habitual, também o façam. E, segundo, a de que os indivíduos
tenderão a votar quando já habituados à constituição de causas em
comum, por exemplo, em contextos associativos e organizacionais que
favoreçam a mobilização e o alcance de benefícios através do voto (em-
bora os estudos empíricos nos digam que estes factores têm usualmente
mais impacto sobre formas de participação política que não o voto). Em
sentido estrito, a maior diferença que o voto possa fazer depende da ca-
pacidade que um grupo de eleitores tenha de levar o seu partido ou o
seu candidato à vitória (ou pelo menos à participação no exercício do
poder – por exemplo, no âmbito de uma coligação, formal ou informal,
duradoura ou esporádica). Mas nem todos os eleitores votam em candi-

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Votar ou não votar: eis a questão

datos potencialmente ganhadores, e eleitores haverá que retiram prazer,


pura e simplesmente, do apoio por si prestado, através do voto, ao seu
candidato preferido, pela lealdade que lhe demonstram ao fazê-lo ou pela
forma como assim afirmam a sua identidade (por exemplo, conservadora
ou progressista, cristã-democrata ou comunista), independentemente do
impacto que esse voto possa vir a ter sobre quem venha a ser eleito. Mas
o alcance de um tal voto meramente expressivo tem limites, e muito do
voto supostamente expressivo será feito ainda na expectativa de contri-
buir para que uma força hoje menor cresça e venha a ter possibilidades
de alcançar o poder no futuro. Outros eleitores colherão satisfação da
afirmação da sua lealdade não para com candidatos ou partidos, em par-
ticular, que até consideram demasiado iguais entre si para justificarem
um esforço de escolha, mas para com o próprio processo (neste caso, as
eleições competitivas) e o sistema político que nele assenta (a democra-
cia), cumprindo, por essa razão, regular e incondicionalmente o «dever
cívico» de votar.
A teoria da escolha racional tende a referir-se a este último tipo de ra-
zões para votar como «benefícios expressivos», tidos por incluir benefícios
decorrentes quer da auto-expressão, da satisfação colhida da contribuição
para o funcionamento do sistema político democrático ou do cumpri-
mento do «dever cívico» de votar. Mas também aqui há razões para du-
vidar da assimilação dos diferentes tipos de motivação e do seu trata-
mento comum como um «benefício» dirigido ao interesse próprio. Um
motivo é de «interesse próprio» caso leve o indivíduo a prosseguir um
dado objectivo por «amor de si mesmo»: por exemplo, a utilidade espe-
rada do voto, em termos do impacto sobre os nossos interesses das polí-
ticas a serem avançadas pelo partido ou candidato da nossa escolha. Ora
este tipo de motivação de «interesse próprio» contrasta seguramente com
as motivações que a literatura caracteriza como «benefícios expressivos»
ou «benefícios de consumo» (Riker e Ordeshook 1968) decorrentes da
satisfação pelo cumprimento de um dever cívico. É que fazer algo por
«amor de si» não é o mesmo que fazer algo «por amor de outrem» ou
por simples «sentido de dever». O eleitor que vota apenas pensando em
si poderá ser levado a fazer escolhas bem diferentes das daquele que tenta
basear a sua decisão no que naquele momento possa ser melhor para a
sociedade como um todo. E aquele eleitor que entende que mesmo onde
as alternativas são insatisfatórias há um dever de votar pode ver-se impe-
lido a sancionar, com um olhar reprovador que seja, a sua mulher, que
não foi votar, ainda que não seja no seu interesse próprio fazê-lo, visto
que vive com ela, e ela ficará de mau humor por alguns dias. Por sentido

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de dever também o nosso eleitor pode ver-se obrigado a dar boleia até à
assembleia de voto a um vizinho de que, na verdade, gosta muito pouco.
Em resumo, os diferentes tipos de motivação e as funções motivacionais
distintas que eles tipificam não podem ser reduzidos uns aos outros, sob
pena de convertermos o que é diferente numa massa indiferenciada que
nada explica e que obnubila potenciais conflitos entre motivações. É isto
que parece estar a suceder quando, por exemplo, a satisfação individual
pelo cumprimento de um dever cívico, como votar, é apelidada de «be-
nefício de consumo», a ser somado ao cálculo de utilidade individual do
voto, para assim lhe encontrar uma «racionalidade perdida». Reduzir mo-
tivações muito diferentes a um denominador economicista comum para
efeitos de um cálculo utilitarista que tudo tritura e que faz confluir siste-
mas motivacionais distintos num só faz-nos perder de vista coisas tão
simples quanto o facto de nos relacionarmos de forma diferente com
«preferências» e com «valores» (que a norma social muitas vezes corpo-
riza). Coisas aparentemente simples, realmente, mas essenciais à com-
preensão do que, sempre, nalguns casos, ou em contextos e situações es-
pecíficos, noutros, nos leva, ou não, a sair à rua para votar.
Da mesma forma que é necessário distinguir entre diferentes tipos de
motivação, é preciso distinguir o comportamento ditado por uma racio-
nalidade instrumental do comportamento ditado por uma norma (o que
não quer dizer que ambos não possam estar envolvidos numa mesma
acção ou que o comportamento ditado pela norma não possa fazer sen-
tido em termos de interesse próprio também: por vezes faz, mas nem sem-
pre). O eleitor atomizado da teoria da escolha racional está sobretudo
preocupado com o resultado do seu voto. Para ele a desejabilidade desse
acto é condicional ao resultado esperado. As perguntas com que se con-
fronta são pois: «Tenho algum benefício líquido em ir votar? Muda este
benefício caso chova ou faça sol?» O eleitor que ao votar se vê como cum-
prindo essencialmente um dever cívico não encara o voto como um im-
perativo hipotético, isto é, dependente de resultados futuros ou de con-
dições meteorológicas. Antes tenderá a dizer-se «mesmo que as alternativas
não me agradem particularmente, e que chova copiosamente no do-
mingo, tenho de ir votar». E se, por alguma razão, não puder ir votar, sen-
tir-se-á mal consigo, mesmo na ausência de sanções ou atitudes reprova-
doras por parte de outrem. Este aspecto emocional da norma é, aliás,
crucial e, sendo interno, não tem vulgarmente lugar no cálculo utilitário
do valor do voto. Mas se as normas diferem de facto da acção racional,
concebida em termos estritamente instrumentais, há também que distin-
guir entre uma obediência à norma por incentivos externos à normativi-

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Votar ou não votar: eis a questão

dade da norma, e a ela apenas contingentemente ligados, e a obediência


à norma pelos seus méritos intrínsecos. Repare-se, por exemplo, como a
diferença é significativa entre, por um lado, uma acção orientada a fins
(e. g., vou votar porque isso aumenta a estima dos outros por mim) e, por
outro, uma acção cujo valor reside primariamente em si mesma (ex., tenho
de cumprir o dever cívico de votar). Ou ainda como o voto em benefício
próprio e o voto em benefício da comunidade apontam para concepções
diversas do próprio voto, ora como essencialmente uma forma de pro-
tecção dos nossos interesses, individualmente considerados, ora como
uma forma de realização do nosso interesse colectivo no autogoverno.
Ambos os tipos de interesse, note-se, são perfeitamente legítimos, infor-
mam o direito/dever de votar, e tornam a ética de voto, no mínimo, ex-
tremamente complicada, exigindo tanto competição quanto cooperação.
Mas esta complexidade e as diferenças que a informam não podem ser
perdidas de vista numa análise que se queira apta do comportamento hu-
mano, incluindo o que aqui mais directamente nos ocupa: o eleitoral.
Falar, como frequentemente ouvimos, do «dever cívico» de votar pres-
supõe a existência de uma norma social (que em certos países onde a par-
ticipação eleitoral é obrigatória é também norma legal) do «bom cida-
dão», enquanto alguém que participa eleitoralmente. A norma social é
aqui entendida como uma regularidade com a qual as pessoas se confor-
mam e que entendem como uma forma de obrigação, sendo que as ou-
tras pessoas, em geral, aprovam o cumprimento da norma e reprovam o
desvio (note-se, a este título, que o crescendo da abstenção pode, entre
outras coisas, ser sinal do esmorecimento da norma). Normas como a
do «bom cidadão» são geralmente internalizadas no processo de sociali-
zação. Por isso, muito amiúde, tenderão a ser seguidas mesmo quando a
violação da norma não possa ser observada e não tenha grande probabi-
lidade de originar sanções. Isto é, serão seguidas sobretudo porque o
agente está convencido de ser a forma adequada de agir. Não esqueçamos
também que as sanções formais e informais pela violação de uma norma
têm custos associados e que os custos do desvio a normas como o voto
são muito difusos e não pessoalmente direccionados, o que faz que não
seja no interesse particular de ninguém aplicar a sanção (a não ser, claro
está, que seja sua função fazê-lo, como acontece quando a norma social
se torna norma legal, e há agentes do Estado cujo ofício é garantir a sua
aplicação).
Tudo isto aponta para uma certa autonomia da norma – isto é, para
o facto de ela não ser, como tantos mantêm, mera racionalização ex post
facto do interesse próprio ou do bem-estar colectivo. Com efeito, muitos

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são aqueles que configuram as normas sociais como mecanismos de ma-


ximização da aptidão genética, da funcionalidade colectiva e/ou da uti-
lidade individual (e. g., pelo evitamento da sanção, pela economia de cus-
tos de decisão, pela superação da fraqueza da vontade, etc.) ou ainda que
as tomam por instrumentos de manipulação estratégica, usados para ves-
tir o interesse próprio de uma roupagem socialmente mais aceitável.
Porém, se atentarmos na grande diversidade de normas sociais existentes,
não parece haver um fim único – genético, individual ou colectivo – que
todas as normas sirvam e que explique o porquê de serem normas afinal
(Elster 1989, 125).
Apesar de muitas pessoas obedecerem à norma para evitar desapro-
vação social, é igualmente incorrecto daí derivar que a ameaça de san-
ções sociais leva a que seja racional obedecer à norma, que dessa ameaça
retiraria o seu poder de motivação. É que, como vimos, em muitos casos
a norma não necessita de sanções externamente impostas para ser se-
guida (de resto, muitos são os casos em que a probabilidade de ser-se
apanhado e punido por desobediência à norma tem pouca ou nenhuma
relação com o nível de obediência observado). Isto leva-nos a uma outra
hipótese. A de que a norma possa funcionar como uma motivação in-
dependente, que é exercida directamente sobre o agente, e que assenta
naquilo que usualmente se denomina pela «normatividade da norma»:
isto é, na opinião que as pessoas têm sobre os méritos intrínsecos ou a
autoridade impessoal da própria norma. Isto torna a mera perspectiva
da sua violação emocionalmente penosa e funciona como sanção in-
terna suficiente para oferecer um forte desincentivo à violação. Quer
isto dizer que o que quer que motive as sanções externamente impostas
aos violadores de determinadas normas sociais, de conteúdo moral dis-
tintivo, e a assunção dos custos envolvidos na aplicação dessas sanções
(por exemplo, o esforço de identificação dos «desertores», sua possível
alienação ou irritação, com os riscos correspondentes para o sanciona-
dor), 3 deve ser igualmente capaz de motivar a obediência directa à

3
Dentro da teoria da acção racional têm sido vários os defensores de que a sanção
pode não ter custos para o sancionador – i. e., ser automática, e de que o candidato ideal
a este tipo de sanções são precisamente os sentimentos de aprovação/desaprovação sen-
tidos perante alguém que observa/viola a norma. Esta busca de sanções «gratuitas» acon-
tece porque a tese de que a sanção é a razão de obediência à norma só é compatível com
os modelo da escolha racional se: 1) as pessoas aprovarem/desaprovarem os demais pela
obediência/desobediência à norma; 2) esses sentimentos não tiverem custos, sendo au-
tomáticos ou não intencionais; 3) as pessoas desejarem a aprovação dos demais. V. Pettit
(1990).

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Votar ou não votar: eis a questão

norma. Por esta mesma razão, nestes casos, a sanção não parece oferecer
a razão fundamental para a obediência à norma. Finalmente, a força
emocional que dá à norma um domínio sobre o agente coloca-o geral-
mente sob um considerável imperativo de consistência na acção. Vários
estudos empíricos confirmam, por exemplo, que os indivíduos imbuídos
de um forte sentido de dever cívico tendem também a votar mais (Knack
1992).
Temos assim no dever cívico de votar uma norma que apela sobretudo
ao entendimento do indivíduo enquanto cidadão e já não directamente
ao seu interesse próprio. Assim, em razão da aceitação conjunta do prin-
cípio de acção inerente à norma – e veja-se como a noção de «dever cí-
vico» está historicamente ligada a noções de autogoverno e à valorização
da vita activa sobre a vita contemplativa –, cada membro da comunidade
política vê-se obrigado a «fazer a sua parte» ou desempenhar o seu «papel»
(no dia da eleição), para dessa forma assegurar a realização do princípio
e do bem colectivo que a norma protege (neste caso, a vida comum em
democracia). É por isso que quem contesta a obrigatoriedade do voto
começa geralmente por oferecer uma descrição normativa alternativa da
acção política, designadamente, da acção que a norma exclui. Assim, a
abstenção aparece tratada não como uma forma de inacção ou alhea-
mento, mas antes como uma forma igualmente legítima de participação
política democrática. Mais concretamente, como uma forma de protesto,
que realiza o dever cívico de demonstrar desagrado com as alternativas
que as diferentes forças políticas consubstanciam, e que, dessa forma,
instiga a discussão, com vista à reforma do sistema político democrático.
Vimos que muito regularmente as pessoas obedecem a normas inde-
pendentemente dos benefícios imediatos que daí retirem ou do vigor
e/ou eficácia das sanções que os seus pares estejam dispostos a aplicar
em caso de violação. Ainda assim, a concepção do voto em termos de
custos e benefícios continua a dominar muita da investigação sobre o
comportamento eleitoral. Este domínio tem consequências práticas tan-
gíveis, designadamente em termos de medidas políticas tomadas em di-
ferentes países em combate à abstenção. É que quanto falamos do voto,
pensá-lo exclusivamente em termos de custos e benefícios, sanções e re-
compensas permite facilmente cogitar duas possíveis vias para a inversão
da actual tendência de decréscimo da participação eleitoral. Por um lado,
podemos tentar aumentar os custos da não-participação, por exemplo,
pela imposição da participação eleitoral obrigatória (o chamado «voto
obrigatório»). Por outro lado, podemos optar por diminuir os custos da
participação, por exemplo, através da admissão do uso do voto postal

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Mónica Brito Vieira

ou da introdução do voto electrónico. Em ambos os casos, o objectivo


é alterar os termos do cálculo do voto, ora onerando o incumprimento,
ora desonerando o cumprimento do direito-dever de votar.
Foi esta última via a seguida na Suíça, onde se tentou inverter o de-
clínio da participação eleitoral pela diminuição do custo do voto. Isso
foi obtido pela introdução, não do voto electrónico, como em muitos
países se propõe, mas do voto postal, a par do voto normal. Os 26 can-
tões suíços introduziram, porém, o voto postal em diferentes alturas: en-
quanto alguns admitiram o voto postal como alternativa ao voto normal
nos já anos 80, a opção foi estendida à maioria da população na década
de 90 apenas. Por esta discrepância temporal, e pelo facto de terem sido
mantidos os dois tipos de voto em simultâneo (normal e postal), a Suíça
transformou-se num laboratório especialmente interessante para exami-
nar as motivações do voto e as variações no comportamento eleitoral em
função da diversificação das formas de voto disponíveis. Esta oportuni-
dade não escapou a Patricia Funk, que, tomando como base o caso suíço,
elaborou um muito comentado estudo sobre o papel das normas sociais
no voto (Funk 2010).
À luz do modelo do eleitor racional seria de esperar que a redução
dos custos de votar associada à introdução do voto postal resultasse num
aumento da participação eleitoral.4 No entanto, os valores apurados na
Suíça vão exactamente no sentido contrário. A introdução do voto postal
opcional não alterou significativamente os valores agregados da partici-
pação eleitoral em eleições parlamentares. Mais ainda: ela teve um im-
pacto negativo na participação eleitoral em cantões com um número ele-
vado de pessoas a viver em comunidades pequenas, com menos de 1000
habitantes. O que explica este resultado paradoxal à luz do modelo do
eleitor racional? Mais concretamente, porque não passaram mais suíços
a votar e porque deixaram alguns deles de exercer o direito de voto
quando se tornara tão mais fácil fazê-lo?
A hipótese avançada por Funk assenta na noção de «benefícios exter-
nos» de adesão à norma, na sua relação estreita com a condição de «pu-
blicidade», ou seja, com a possibilidade de observação dos comporta-
mentos sancionados pela norma – neste caso, votar. Expliquemo-nos.
A introdução do voto postal na Suíça resultou, como vimos, numa re-
dução dos custos do voto, mas também, e este é o ponto relevante para

4
Na Suíça, esta redução foi especialmente significativa, dada a simplicidade do voto
postal introduzido. O eleitor suíço recebe automaticamente em casa o boletim de voto
com um envelope para a devolução, que pode pôr em qualquer caixa de correio.

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Votar ou não votar: eis a questão

Funk, numa considerável alteração dos benefícios externos da adesão à


norma. Na Suíça, como em muitos outros países, vigora, explica Funk,
uma norma social, dotada de força significativa, de que o «bom cidadão»
deve votar. Mas se alguns indivíduos internalizaram esta norma e sentem
prazer em cumprir o seu dever cívico de votar, outros, diz-nos Funk, são
indiferentes ao valor intrínseco do voto, preocupando-se pouco também
com os eventuais efeitos colectivos positivos que ele possa ter. Estes in-
divíduos – conclui Funk – têm um incentivo para ir votar apenas na me-
dida em que colham benefícios individuais de serem vistos a fazê-lo.
E essa motivação, encontrando-se dependente da visibilidade do acto de
votar, terá desaparecido, quase por completo, com a introdução do voto
postal.
Enquanto a deslocação à mesa de voto foi a única opção, explica
Funk, havia um incentivo real – senão mesmo uma pressão social consi-
derável – para os Suíços irem votar. Mais precisamente, uma pressão no
sentido de se «fazerem ver» e de «serem vistos» a votar, assim sinalizando
aos demais a sua inclinação cooperativa. As motivações específicas para
a adesão à norma do voto eram diversas, mas todas elas se centravam na
ideia da recolha de «benefícios externos», e estavam tanto mais presentes
quanto mais pequena era a comunidade e mais forte o controlo social
por ela exercido. Entre essas motivações destacavam-se, na interpretação
de Funk, o evitamento de sanções informais pelo incumprimento da
norma; a expectativa de ganhar estima social pelo cumprimento daquilo
que é entendido pela comunidade como um «dever cívico»; e o ser-se
globalmente percepcionado como um elemento cooperante da comu-
nidade, dessa imagem se podendo vir a colher dividendos futuros.
Com a introdução do voto postal, porém, os benefícios decorrentes
da sinalização externa da adesão à norma esmoreceram substancialmente,
ao mesmo passo que se tornou relativamente fácil enganar os demais
sem incorrer nos respectivos custos. Como explica Funk, aquele que antes
podia ser facilmente identificado como um «desertor» ou um «free-rider»,
não cumprindo o seu dever de votar, se não se deslocasse à mesa de voto,
pode agora dizer-se eleitor por correio, sem que a veracidade da sua de-
claração possa ser verificada. O perfeito anonimato introduzido pelo
voto postal teria, assim, diminuído de forma muito significativa os in-
centivos para votar entre os eleitores à partida menos interessados em
fazê-lo, mas colhendo benefícios relacionais consideráveis disso, en-
quanto o voto fora «público». Em consequência disso, a abstenção aca-
baria por subir, entre estes eleitores, em muitas comunidades, e contra-
riamente às expectativas, em sequência da introdução do voto postal.

131
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Mónica Brito Vieira

Este resultado, da subida da abstenção, é contrário às previsões da-


queles que avaliam o incentivo ao voto apenas em termos de custos e
benefícios individuais, entendidos em sentido estrito – isto é, sem atender
ao peso das expectativas normativas dos demais sobre nós e aos benefí-
cios que podem decorrer da sua satisfação (ainda que hipócrita). Para
quem faça um cálculo tão simples da utilidade voto, a introdução do
voto postal ou do voto electrónico parece ser uma solução atraente para
o combate ao declínio da participação eleitoral, sobretudo entre os elei-
tores mais indiferentes ou mais alheados do processo político, pela di-
minuição de custos que qualquer um destes votos representa em relação
ao voto tradicional.
A resposta que Funk encontra para a questão «porque votar?» – por
questões de pressão/recompensa social – levanta sérias dúvidas quanto
ao valor destas soluções putativas para a abstenção. Mas é também pre-
ciso notar que as objecções de Funk contra as limitações do modelo do
eleitor racional, e as soluções para que ele aponta, têm um âmbito de
aplicação limitado. Votar porque os demais esperam isso de nós e, sobre-
tudo, porque do atendimento dessas expectativas nos podem advir be-
nefícios relacionais futuros significativos, só faz sentido onde certas pré-
-condições se verifiquem. Primeiro, é necessário que o nosso
comportamento seja observável. Segundo, ele deverá ser observável di-
rectamente, por uma comunidade onde tais comportamentos sejam mu-
tuamente monitorizados com algum rigor, facilidade e eficácia. Por sua
vez, isto pressupõe que nessa comunidade o dever de votar tenha uma
internalização forte e bastante generalizada, e que a comunidade em
causa seja de pequena dimensão. Aumente-se o tamanho da comunidade
e dilua-se a intensidade da relação de exposição mútua (e portanto, tam-
bém, de controlo) entre o «emissor» da norma e o seu «receptor», e o ar-
gumento da «sinalização» ficará privado de muita da sua força inicial.
Por isso mesmo, em comunidades de maior dimensão, o argumento
adquire maior saliência quando aplicado, não à comunidade como um
todo, mas às redes sociais em que os eleitores se movem, sobretudo as
mais próximas, em que a sanção emocional pelo desvio à norma e a ca-
pacidade de verificação mútua do comportamento são mais elevadas
(Magalhães 2008). Também aqui a introdução do voto electrónico, ainda
mais do que o postal, pode actuar como um desincentivo à participação
eleitoral e um estímulo ao «free-riding». Isto porque o voto electrónico
torna mais fácil recolher benefícios da declaração da realização de um
comportamento – votar, neste caso – sem que de facto ele seja feito
(e sem que, portanto, se sofram os custos relacionais que estariam, de

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Votar ou não votar: eis a questão

outra forma, associados à violação). A análise de inquéritos sobre com-


portamento eleitoral feitos nos Estados Unidos tem concluído que uma
resposta positiva à questão «Tem amigos, vizinhos ou parentes que fica-
riam desiludidos ou mesmo furiosos consigo se não tivesse votado?» é
um forte preditor do voto – o segundo mais forte, a seguir à convicção
de o voto ser um dever cívico. E esta última parece, de facto, ter de estar
presente, para que alguém se dê ao trabalho de impor sanções, sobretudo
emocionais, a quem quer que, no âmbito das suas relações mais próxi-
mas, esteja a contemplar não ir votar.
Mas se as expectativas alimentadas pelas nossas relações mais próximas
parecem ter um impacto significativo sobre a nossa decisão de votar, as
estruturas sociais que favorecem esse tipo de impacto parecem estar sob
pressão. Com efeito, tendemos a viver cada vez mais isolados e os meios
em que nos inserimos – na sua esmagadora maioria, meios urbanos –
são de grande dimensão e saem marcados pelo anonimato. Isto é algo
que as redes sociais «virtuais» dificilmente mitigam. Podemos incentivar
ao voto on-line, mas dificilmente o podemos aí controlar (mais, os perfis
on-line baseados em preferências individuais, e numa certa reificação da
perspectiva do cidadão-consumidor, tendem a reforçar o entendimento
do voto como o exercício de uma «preferência» individual entre outras,
e, concomitantemente, a ser menos favoráveis ao seu entendimento
como um dever cívico ou dever colectivo). Esta desagregação do tecido
social, que dificulta o controlo mútuo de comportamentos, tende, aliás,
a afectar muito consideravelmente as comunidades urbanas mais proble-
máticas e desfavorecidas, onde a inclinação para sancionar o desvio à
norma tende a ser também menor.
Mas não é este o único problema da explicação para o voto avançada
por Funk e por estudos afins. Além de serem consideráveis os entraves à
sua generalização, o argumento de Funk parte de premissas normativas
problemáticas, mas nunca abertamente discutidas. Senão vejamos. Logo
no início do sua discussão, Funk divide os eleitores suíços em dois gran-
des grupos: 1) os cooperantes, que internalizaram a norma social e sen-
tem prazer em cumprir o seu dever cívico, e 2) os desertores, que pouco
se importam com deveres que tenham para com a comunidade, mas que
estão atentos aos benefícios que dela possam recolher, caso votem e sejam
vistos a fazê-lo.
Esta divisão dos eleitores em campos antagónicos, os cooperantes e
os desertores, resulta de uma configuração prévia do voto como um pos-
sível problema de acção colectiva. E embora o argumento do «free-rider»,
que Funk explicitamente recupera, nos seja quase sempre apresentado

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04 Normas, Atitudes Cap. 4_Layout 1 10/24/12 4:44 PM Page 134

Mónica Brito Vieira

como valendo sobretudo pela sua objectividade, ou abstinência face a


assunções controversas de valor, quando olhado um pouco mais de
perto, facilmente verificamos que é tudo menos «neutro». Isso torna-se
evidente quando atentamos no tratamento de todo aquele que não vota
como um «parasita», de costas voltadas para o interesse público, que, na
melhor das hipóteses, adere estrategicamente a quaisquer deveres que
tenha para com a comunidade. Daí que, na primeira das oportunidades,
ele se veja também, na leitura de Funk, tentado a tirar egoisticamente
partido de um bem público – neste caso, do sistema eleitoral competitivo,
que serve de base à democracia – sem abarcar com os respectivos custos.
Mas esta explicação para a abstenção é, no mínimo, questionável.
Questionável, desde logo, pela sua forte carga valorativa negativa. Ques-
tionável também, porém, na sua pretensão de explicar um fenómeno tão
complexo quanto a abstenção – na, e para além da, Suíça – através de
uma lógica única. Lógica essa que, na sua tentação hegemónica, deixa
na penumbra toda uma série de potenciais explicações outras para a abs-
tenção. E, talvez não por acaso, estamos a falar, aqui, de explicações de
ordem eminentemente política.
Antes e depois da multiplicação das formas de voto, a razão pela qual
as pessoas não vão votar não é, na interpretação de Funk, a de que não
vêem reais alternativas nas escolhas políticas que enfrentam. Ou a de que
não acreditam que os políticos venham a fazer o que prometeram em
campanha. Ou ainda porque duvidem que os candidatos por si eleitos
possam fazê-lo, mesmo que queiram, num contexto em que as suas de-
cisões conhecem constrangimentos tanto internos quanto externos muito
fortes, senão decisivos.
Afastado do núcleo de razões para a abstenção fica também a dificul-
dade de acesso à informação e o sentido de impotência que demove,
muitas vezes, os elementos mais pobres, menos educados, ou mais mar-
ginalizados de sociedades tanto – mas sobretudo, menos – afluentes do
que a suíça, de votar, apesar de, em termos de utilidade marginal, terem
porventura mais a perder (ou, de resto, a ganhar) com a política gover-
namental que venha (ou não) a ser seguida. E apesar de serem eles tam-
bém, ironicamente, aqueles que mais inclinação teriam para votar, nos
termos da própria teoria da acção racional, porque seriam em princípio
menos capazes de fazer correctamente o cálculo «fatal» dos custos-bene-
fícios do voto, quando individualmente considerado.
Igualmente fora de consideração fica a hipótese – importantíssima,
porém – de o entendimento dos imperativos da cidadania democrática,
ou do que seja o «bom cidadão», poder variar muito significativamente

134
04 Normas, Atitudes Cap. 4_Layout 1 10/24/12 4:44 PM Page 135

Votar ou não votar: eis a questão

entre indivíduos, grupos e gerações – envolvendo, para alguns, prima facie,


o dever de votar, e centrando-se, para outros, menos na política eleitoral
e no sistema político formal, do que noutras formas de participação po-
lítica, cuja eficácia e/ou benefícios expressivos possam ser tidos por mais
satisfatórios ou substantivos. Formas de participação não eleitoral essas
que, nalguns casos, poderão ser tidas como complementares ao voto,
mas que, em muitos outros, serão tidas como superiores ao voto ou
mesmo como conflituantes com ele.5
Nem tão pouco há lugar, em argumentos explorando somente a lógica
da acção colectiva ou a utilidade da acção individual, para a questão de
averiguar se o significado do voto e a força da norma social que o configura
como um dever cívico se viram, ou não, alterados, quando ele deixou,
muito literalmente, de ser «visto» como um acto político, simbólica e ri-
tualmente exercido em comum, e em simultâneo, por todos, para passar
a ser exercido isoladamente, a partir de casa, por cada um, a tempos di-
versos.
E, no entanto, descurar estas e outras hipóteses, a favor de fórmulas,
mais ou menos matematicamente complexas, da in/utilidade individual
do voto, é ignorar os muitos, e muito reais, conflitos de interesse, de
poder e de valor que definem o campo político, e que condicionam a
nossa acção – cooperativa, por vezes, competitiva, outras – dentro dele.

5
Por exemplo, em Inglaterra, o declínio do voto é muito mais pronunciado entre os
mais jovens. Em 1998, 36% dos jovens reconheciam a existência do dever de votar; em
2003, esse número cairia para os 31% (Park et al. 2004). Esta convicção é também sensível
ao rendimento e/ou classe dos eleitores e muito especialmente dos eleitores jovens: 44%
dos jovens que vivem nos agregados familiares situados no quartil de rendimentos mais
elevado (acima das 50 000 libras) crêem ter o dever de votar, comparado com apenas
21% daqueles do quartil mais pobre (abaixo das 150 00 libras). Park et al. sugerem que
isto pode dever-se mais ao cepticismo dos jovens perante a noção de «dever» do que pro-
priamente face ao voto, mas não é certo que assim seja. No entanto, é de salientar que a
maioria dos jovens ingleses pensa que é importante «ter voz» e «exercer influência» sobre
as decisões políticas, não havendo pois indícios de um declínio dos valores democráticos
entre eles.

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Ricardo B. Rodrigues
Maria Benedicta Monteiro
Adam Rutland

Capítulo 5

Cada cabeça, duas sentenças:


reconhecimento e saliência
de normas sociais conflituantes
e expressão de avaliações raciais
na infância *
It takes the child well into adolescence to learn
the peculiar double-talk appropriate to preju-
dice in a democracy
(Allport 1954, 310).

A Psicologia Social soma várias décadas de investigação dedicadas ao


estudo das origens e do desenvolvimento do preconceito racial, um es-
forço que se encontra traduzido numa diversidade de propostas teóricas

* A pesquisa apresentada neste capítulo foi financiada pela Fundação para a Ciência
e Tecnologia (FCT), designadamente por uma Bolsa de Doutoramento atribuída ao pri-
meiro autor (referência: SFRH/BD/16834/2004) e pelo Projecto «Modelos Sociocogni-
tivos de Inclusão Social e Prevenção da Discriminação Interétnica», coordenado pela se-
gunda autora (referência: PTDC/PSI/71271/2006). Agradecemos às crianças que
participaram nesta pesquisa, e aos seus pais, professores e directores de escola por nos fa-
cilitarem as condições necessárias à condução dos estudos. Agradecemos ainda aos bol-
seiros auxiliares do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE-IUL, desig-
nadamente Rita Morais, Nuno Cebola, Ana Elias e Maria Lopes, pela colaboração na
recolha dos dados. Os nossos agradecimentos estendem-se ainda aos investigadores e co-
legas do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa (ICS-UL), Cícero Pereira
e Rui Costa Lopes, pela organização do seminário «Normas e Comportamento Social»
e pela coordenação do presente livro. A correspondência sobre este capítulo deverá ser
enviada ao cuidado de Ricardo B. Rodrigues, para o endereço electrónico ricardo.rodri-
gues @iscte.pt, ou em alternativa, para o endereço postal do Centro de Investigação e
Intervenção Social (CIS, ISCTE-IUL), Avenida das Forças Armadas, Edifício ISCTE-
-IUL, 1649-026, Lisboa, Portugal.

137
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

e estudos empíricos publicados sobre o fenómeno (para uma revisão,


v. Brown 1995; Duckitt 1992; Nesdale 2004; Apfelbaum, Sommers e
Norton 2008). O preconceito racial constitui uma atitude social parti-
cular, concretamente, uma avaliação formada num contexto intergrupal
que comporta uma intenção derrogatória de um dado grupo racial 1
(Brown 1995). Actualmente, a evidência empírica é clara quanto às con-
sequências negativas, frequentemente insidiosas, da expressão de precon-
ceito e de discriminação raciais. Estes efeitos estão descritos, quer em po-
pulações adultas, quer em crianças e jovens, e neles se incluem, baixa
auto-estima, depressão, insucesso escolar, comportamentos de risco, entre outros
(para uma revisão, v. Harris-Britt, Valrie e Kurtz-Costes 2007). É impor-
tante notar que, ao contrário da crença comum, os primeiros esboços de
avaliações raciais emergem precocemente, em torno dos 3-4 anos de
idade (Nesdale 2004). Aos 5-6 anos de idade, estas atitudes revelam, fre-
quentemente, uma avaliação enviesada e favorável ao próprio grupo (en-
dogrupo) nas crianças de grupos de alto estatuto, e uma avaliação neutra,
ou desfavorável ao endogrupo nas crianças de grupos estigmatizados e
discriminados (Aboud 1988; Alexandre, Monteiro e Waldzus 2007; Mon-
teiro, Feddes e Justo 2010; Nesdale 2004). Na Psicologia Social, mas tam-
bém na Psicologia Social do Desenvolvimento, as atitudes têm consti-
tuído um tema central no contexto do estudo das relações intergrupais
(Brewer e Kramer 1985; Levy e Killen 2010). Este interesse resulta, em
parte, da relação próxima que se conhece entre as atitudes e os compor-
tamentos, onde o preconceito racial, por exemplo, constitui, um antece-
dente importante da discriminação racial (v. Pereira, Vala e Costa-Lopes
2010; Pereira, Vala e Leyens 2009). No seu conjunto, estas evidências ape-
lam ao desenvolvimento e à implementação de intervenções sociais que,
por via da redução/eliminação do preconceito racial, previnam a discri-

1
O termo «raça» e outros conceitos derivados deste conceito (e. g., grupos raciais) de-
signam, estritamente, uma categoria socialmente construída, portanto, sem qualquer acepção bio-
lógica. No senso comum, esta categoria apoia-se na crença de que existem diferenças ge-
néticas fundamentais entre grupos humanos, e que diferenças explicariam, quer as
variações fenotípicas (e. g., cor da pele), quer as variações nas práticas culturais (para uma
discussão e comparação dos processos de hetero-racialização e hetero-etnicização, v. Vala,
Brito e Lopes 1999). Esta teoria do senso comum é refutada pela comunidade científica
(v. American Anthropological Association 1998), designadamente, pela biologia, que de-
monstrou serem maiores as diferenças genéticas entre indivíduos do mesmo «grupo ra-
cial», que aquelas registadas entre «grupos raciais» distintos (Long e Kittles 2003). Parale-
lamente, encontram-se amplamente estudados pela Psicologia Social os processos e as
dinâmicas psicossociais que estão na origem da emergência destas crenças, designada-
mente, as dinâmicas intergrupais no contexto das relações de poder assimétricas (v. Vala
et al. 1999).

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Cada cabeça, duas sentenças

minação, a exclusão e o conflito raciais, ao mesmo tempo que promovem


relações raciais positivas. Para tanto, é fundamental que se proceda à iden-
tificação dos factores e dos processos que estão na génese da emergência,
desenvolvimento e manifestação do preconceito racial na infância.
Os autores Crandall, Eshleman e O’Brien (2002) organizam as teorias
explicativas do preconceito racial em três grandes áreas: dinâmicas cogni-
tivas, personalidade e normas sociais. As duas primeiras áreas mobilizam os
níveis de análise intra-individual e interpessoal, já a área das normas so-
ciais combina, primordialmente, os níveis de análise posicional/grupal e
societal (v. Doise 1980; Pepitone 1976). Comparadas as três áreas na sua
produção científica, constata-se que aquela relativa às explicações socio-
normativas e grupais do preconceito (e. g., Pettigrew 1991; Sherif e Sherif
1953) tem ocupado um papel relativamente lateral, quer na literatura
com adultos (Crandall et al. 2002), quer na literatura do desenvolvimento
psicossocial, com crianças e jovens (Monteiro, França e Rodrigues 2009;
Rutland 1999).
Antes de avançarmos, importa clarificar que existem várias definições
do conceito de norma social (para uma revisão, v. Cialdini e Trost 1998).
Na abordagem que aqui apresentamos, entendemos as normas sociais
tal como Cialdini e Trost as definem (1998). Para os autores, as normas
sociais constituem regras tácitas, partilhadas e conhecidas pela sociedade
em geral, ou por um grupo em particular que, sem a força da lei, orientam
e constrangem o comportamento social. Estas normas podem ser descri-
tivas ou injuntivas: as normas descritivas indicam o comportamento que
a maioria das pessoas adopta numa determinada circunstância (o que a
maioria das pessoas faz), ao passo que as normas injuntivas sinalizam a
aceitabilidade social dos comportamentos sociais (o que a maioria das
pessoas espera que se faça) e estipulam a aplicação de sanções aos desvios
comportamentais (v. também Cialdini, Kallgren, e Reno 1991). É impor-
tante sublinhar que, na perspectiva teórica em que nos apoiamos ao
longo do capítulo, estamos sobretudo interessados na dimensão socio-
psicológica das normas sociais, isto é, na percepção expressa que o indi-
víduo formula das regras que são socialmente partilhadas (Sherif
1936/1966).

História de uma abordagem socionormativa


Não obstante a escassez actual de estudos desenvolvidos a partir da
abordagem socionormativa, foi justamente a partir do ângulo teórico das

139
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

normas sociais que surgiram, nos EUA, as primeiras pesquisas sobre a


emergência e o desenvolvimento das atitudes raciais na infância/adoles-
cência (e. g., Horowitz e Horowitz 1938; Lasker 1929; Minard 1931). Ge-
nericamente, estas pesquisas demonstraram que as crianças brancas ti-
nham atitudes preconceituosas relativamente aos negros, e que estas
avaliações radicavam no contexto social norte-americano, marcadamente
racista (Horowitz e Horowitz 1938; Lasker 1929; Minard 1931). Concre-
tamente, nos EUA e na Europa, no período que antecedeu as décadas de
40-50 do século XX, propalava-se abertamente a crença na superioridade
dos brancos e na inferioridade dos negros, e a discriminação dos negros
encontrava-se institucionalizada e era socialmente valorizada e reforçada
(Gaertner e Dovidio 1986; Katz, Wackenhut e Hass 1986; McConahay
1986; Pettigrew 1958). Portanto, estes resultados preliminares sugeriram
que a avaliação que uma criança branca formulava dos negros em geral
era determinada, mais pelas atitudes e crenças negativas partilhadas na sua
comunidade, por adultos e crianças brancas, do que pelas suas experiên-
cias de contacto com crianças e adultos negros (Sherif e Sherif 1953).
Nos EUA e na Europa, o início da segunda metade do século XX é
marcado por uma inflexão importante no contexto socionormativo que
apoiava e promovia o racismo (McConahay 1986). Na génese desta mu-
dança estão, em grande medida, as iniciativas políticas da comunidade
internacional que, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, em particular
do Holocausto, condenam e visam a erradicação das ideologias racistas
do pensamento político e social (e. g., UNESCO 1950/1951). Nos EUA,
nas décadas de 50 e 60, esta mudança é potenciada pelos movimentos
sociais de luta pelos direitos civis liderados pela comunidade afro-ameri-
cana. No seu conjunto, estas dinâmicas políticas e sociais, ancoradas nos
valores democráticos, designadamente no valor da igualdade, confluem
no sentido da institucionalização de uma norma anti-racista proscritora
da discriminação racial 2 (Devine, Plante e Blair 2001; Pettigrew 1991;
Vala et al. 1999). Vários inquéritos à população sugerem que esta mu-
dança se faz acompanhar de uma redução do preconceito racial. Em pa-
ralelo, vários autores notam que, paradoxalmente, se mantêm, ou não se
reduzem na medida esperada, as assimetrias entre brancos e negros que
se conheciam na primeira metade do século XX, nomeadamente, nos pla-

2
De acordo com a tipologia de normas proposta por Cialdini e colegas (e. g., Cialdini
et al. 1991; Cialdini e Trost 1998) que distingue entre normas injuntivas, descritivas e pes-
soais, a norma anti-racista é uma norma injuntiva, isto é, uma norma impositiva, obri-
gatória cujo desvio suscita, portanto, a aplicação de sanções sociais.

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Cada cabeça, duas sentenças

nos socioeconómico, do trabalho, da educação e da saúde (v. Dovidio e


Gaertner 1986; Jones 1986; Smith e Dempsey 1983).
Ao longo das décadas de 70, 80 e 90 são desenvolvidas várias teorias
que visam, justamente, explicar, em populações adultas, este aparente di-
vórcio entre as avaliações públicas mais igualitárias e as condições de facto
das relações entre os grupos, que permanecem assimétricas. São exemplos
a Teoria do Racismo Moderno (McConahay e Hough 1976), a Teoria do
Racismo Aversivo (Gaertner e Dovidio 1986), ou ainda a Teoria do Racismo
Flagrante e Subtil (Pettigrew e Meertens 1995). Genericamente, estas teorias
propõem que os brancos (os grupos dominantes) mantêm as suas atitudes
preconceituosas face aos negros, mas que as expressam apenas em contextos
onde a norma anti-racista se encontra menos saliente, nomeadamente, em
contextos privados ou de menor exposição pública. Em contextos públicos,
a saliência da norma anti-racista tende a inibir a expressão de preconceito,
suscitando, no seu lugar, a manifestação de atitudes igualitárias e de repúdio
da discriminação racial. Assim, estas teorias identificam e caracterizam as
formas contemporâneas da expressão do preconceito e da discriminação
raciais como marcadamente veladas, aversivas, insidiosas, indirectas,
opondo-as às predecessoras, de tipo flagrante, directo e explícito.
Também no âmbito da análise do desenvolvimento do preconceito
racial na infância e na adolescência se questionou o papel da emergência
de uma norma anti-racista e, portanto, da actualidade e validade das pri-
meiras abordagens teóricas e pesquisas desenvolvidas num tempo e num
contexto em que o racismo era normativamente apoiado (e. g., Horowitz
e Horowitz 1938; Lasker 1929; Minard 1931). Gordon Allport (1979
[1954], cap. 18) foi um dos precursores desta reavaliação da abordagem
socionormativa na análise do preconceito racial na infância. Da proposta
do autor, destacamos aqui três hipóteses que consideramos centrais para
a reformulação desta abordagem. A primeira hipótese propõe que o am-
biente social, que rodeia e sustenta o desenvolvimento das atitudes raciais
das crianças e dos adolescentes, é marcadamente complexo e conflituante
do ponto de vista das normas sociais vigentes, porquanto integra dispo-
sições normativas contraditórias. A sociedade, e os vários agentes sociais,
exigem, por um lado, o respeito declarado pelo valor democrático da
igualdade, ao mesmo tempo que, e em contradição, promovem e apoiam
o etnocentrismo e a manutenção do status quo racista – nos termos de
Myrdal (1944), este conflito configura o Dilema Americano.
Na segunda hipótese, o autor propõe que o conflito normativo se dirime
– do ponto de vista do comportamento concreto –, «situação a situação»,
ou seja, que a saliência e a importância relativa de cada uma das orientações

141
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

depende das características da situação concreta, não especificando quais:


«Prejudiced talk and democratic talk are reserved for appropriate occasions,
and rationalizations are ready for whatever occasions require them. Even
conduct is varied according to circumstances» (Allport 1979 [1954], 310).
Por fim, na terceira hipótese, o autor considera as duas hipóteses ante-
riores à luz do contexto próprio da infância e da adolescência, isto é, des-
tacando o papel do desenvolvimento cognitivo, em interacção com o
processo de socialização, na aprendizagem da expressão contextualmente
adequada do preconceito e da discriminação raciais. Concretamente, sem
especificar factores em concreto, propõe que a aprendizagem da mode-
lação socionormativa e situada da expressão do preconceito racial – que
os adultos realizam – se estenderá pela infância, até ao início da adoles-
cência: «Double-dealing, like double-talk, is hard to learn. It takes the en-
tire period of childhood and much of adolescence to master the art of
ethnocentrism» (Allport 1979 [1954], 310).
As décadas seguintes aproveitam pouco a proposta de Allport (1954),
e a abordagem socionormativa esgota-se na análise da transmissão paren-
tal das atitudes raciais, conduzida a partir de um nível de análise inter-
pessoal (v. Aboud 1988; Fishbein 2000). Concretamente, os estudos pro-
curam aferir o grau de correspondência entre as atitudes raciais dos pais
e das crianças, ignorando, por exemplo, o papel dos pais na socialização
das crianças para a modelação da expressão de preconceito racial de
acordo com as normas sociais (cf. Correia et al. 2008; Sinclair, Dunn e
Lowery 2005). Paralelamente, em particular a partir de finais da década
de 80, uma parte considerável da investigação dedica-se a uma nova hi-
pótese, que perspectiva o desenvolvimento cognitivo das crianças como
o factor primordial na explicação das suas atitudes raciais.
Este movimento é impulsionado pelos trabalhos de Aboud (1988),
em particular pela Teoria do Desenvolvimento Sociocognitivo do Pre-
conceito, que a autora desenvolve a partir das contribuições teóricas de
Piaget e Weil (1951) e Katz (1976). A autora realiza uma revisão dos estu-
dos publicados entre as décadas de 60 e 80 e conclui que, em mais de
metade dos estudos analisados, o preconceito racial das crianças brancas
decresce com a idade, concretamente a partir dos 7-8 anos. De acordo
com a Teoria Sociocognitiva, esta mudança nas atitudes raciais das crian-
ças brancas decorre de aquisições a nível do desenvolvimento sociocog-
nitivo, que acompanham a transição do estágio pré-operatório para o es-
tágio das operações concretas, tais como o processamento de informação
individual (não-categorial), a categorização múltipla, a descentração do
endogrupo, ou a reconciliação de perspectivas raciais divergentes (Aboud

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Cada cabeça, duas sentenças

1988; Doyle e Aboud 1995). Portanto, em contraste com a hipótese so-


cionormativa, esta hipótese sociocognitiva atribui uma dimensão univer-
sal e inevitável ao desenvolvimento do preconceito racial na infância, e
secundariza o papel dos factores sociais.
Na última década, a Teoria Sociocognitiva (Aboud 1988) tem sido
alvo de várias críticas que contestam, justamente, a universalidade do fe-
nómeno de redução do preconceito racial que se verifica com o aumento
da idade (v. Monteiro et al. 2009; Rutland 1999 e 2004). Desde logo, uma
percentagem importante dos estudos revistos pela autora (superior a um
terço) não regista este padrão (cf. Aboud 1988), e para mais, ele não des-
creve o percurso das atitudes das crianças negras que, ou avaliam de igual
forma o seu grupo e o grupo dos brancos, ou expressam preferência pelo
grupo dos brancos (e. g., Aboud 1988; Alexandre, Monteiro e Waldzus
2007; Monteiro, Feddes e Justo 2010; Nesdale 2004). Aliás, estudos re-
centes mostram que, noutros contextos intergrupais, por exemplo na-
queles formados a partir de categorias de nacionalidade, o preconceito
tende a surgir mais tarde e não decresce com a idade (Rutland 1999; Ru-
tland, Cameron, Milne e McGeorge 2005; Tajfel 1981). Uma outra crítica
prende-se com o facto de o decréscimo do preconceito racial com a idade
constituir um fenómeno historicamente datado. Como referimos no iní-
cio do capítulo, não só os primeiros estudos não registaram qualquer re-
dução do preconceito racial (v. Horowitz e Horowitz 1938; Lasker 1929;
Minard 1931), como duas revisões de literatura de estudos realizados
entre as décadas de 30 e 50 – portanto, anteriores à revisão realizada por
Aboud (1988) – concluíram que o preconceito racial se mantinha cons-
tante, ou aumentava com a idade (e. g., Brand, Ruiz e Padilla 1974; Pros-
hansky 1966). Finalmente, estudos recentes mostram que o decréscimo
do preconceito racial emerge, exclusivamente, em medidas de atitudes
que permitem à criança controlar a sua resposta, comummente designa-
das medidas explícitas. Ao contrário destas, as medidas implícitas – que
não permitem o controlo da resposta pelo participante – têm revelado,
sistematicamente, valores significativos e constantes de enviesamento
avaliativo ao longo da idade (e. g., Baron e Banaji 2006; Rodrigues, Ru-
tland, Monteiro e Feddes 2010; Rutland et al. 2005).
Em geral, estas críticas expõem as fragilidades da Teoria Sociocognitiva
(Aboud 1988), ao mesmo tempo que sugerem a necessidade de se reava-
liar o papel das normas sociais sobre a expressão do preconceito racial.
Concretamente, na linha da hipótese de um conflito normativo (Allport
1979 [1954]), mas também dos resultados obtidos na pesquisa com adul-
tos (e. g., Gaertner e Dovidio 1986; Pettigrew e Meertens 1995; Vala et al.

143
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

1999), importa perguntar se, também as crianças brancas reconhecem a


existência de uma norma injuntiva anti-racista no endogrupo, como evo-
lui esse reconhecimento e que factores o potenciam?

Estudo 1: o papel da metacognição


no reconhecimento da norma anti-racista
Estudos recentes sugerem que aos 5 anos de idade muitas crianças
brancas reconhecem que o seu grupo condena a discriminação racial. Por
exemplo, na presença de um adulto do seu grupo, em amostras nos EUA,
as crianças opõem-se à exclusão dos negros (Killen e Stangor 2001; Ru-
tland et al. 2005), e consideram pouco provável que os adultos e as crian-
ças do seu grupo (brancas) expressem comentários racistas (FitzRoy e Ru-
tland 2010). Contudo, é importante notar que estes resultados constituem
apenas evidência indirecta do reconhecimento da norma anti-racista, uma
vez que não demonstram que os adultos se oporiam à discriminação ra-
cial. Admitindo a hipótese de que o reconhecimento da norma ocorre
por volta dos 5 anos de idade, importa perguntar como evolui. Neste
ponto, os resultados dos estudos citados acima são inconsistentes: alguns
sugerem que o grau de oposição à discriminação de grupos minoritários
por parte do endogrupo aumenta com a idade (e. g., Rutland et al. 2005),
outros apontam no sentido da estabilidade destas percepções (FitzRoy e
Rutland 2010; Killen e Stangor 2001; Monteiro et al. 2009). A primeira
possibilidade – consolidação do reconhecimento da norma anti-racista
com a idade – tem sido considerada por vários autores, admitindo a in-
tervenção de dois mecanismos, um de desenvolvimento cognitivo, outro
de desenvolvimento social. O primeiro mecanismo refere-se ao papel do
raciocínio metacognitivo na facilitação da aprendizagem das normas so-
ciais (Abrams, Rutland, Pelletier e Ferrell 2009; Banerjee 2000; Banerjee e
Yuill 1999; Sherif 1936-1966). O segundo refere o papel da experiência
social, nomeadamente das oportunidades de aprendizagem directa, ou vi-
cariante, da norma, designadamente em contextos multirraciais (Abrams
et al. 2009; Feddes, Noack e Rutland 2009).
Sherif (1966 [1936]) foi talvez dos primeiros a conceber uma relação
entre o raciocínio metacognitivo e o reconhecimento das normas sociais.
O autor define as normas sociais como o ponto de vista de outros, que é, simul-
taneamente, um ponto de vista socialmente aceite. A partir desta definição, e
apoiado nos trabalhos de Piaget (1965 [1932]) sobre o desenvolvimento da
moralidade, Sherif defendeu que o reconhecimento das normas sociais

144
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Cada cabeça, duas sentenças

pelas crianças impõe que tenham a capacidade de se descentrar do seu


ponto de vista, para se focarem nesses alter pontos de vista. Estudos recentes
confirmam esta relação, quer no caso de normas sociais gerais com relevo
no domínio da auto-apresentação (Banerjee 2000; Banerjee e Yuill 1999),
quer no domínio das relações intergrupais (Abrams et al. 2009). Adicional-
mente, vários estudos concluem que as formas mais sofisticadas de racio-
cínio metacognitivo – isto é, aquelas que requerem a coordenação simul-
tânea de várias perspectivas psicológicas – se desenvolvem, justamente, entre
os 4 e os 9 anos de idade, isto é, no período em que porventura ocorrerá a
consolidação do reconhecimento da norma (e. g., Banerjee e Yuill 1999).
Com o objectivo de responder às perguntas acima enunciadas – isto
é, se, e de que forma evolui ao longo da infância o reconhecimento da
norma anti-racista do endogrupo, e qual o papel do raciocínio metacog-
nitivo –, realizámos um estudo com crianças portuguesas brancas, com
idades entre os 5 e os 10 anos. Concretamente, avaliámos a percepção
da norma anti-racista e o papel mediador do raciocínio metacognitivo.
Testámos três hipóteses, nomeadamente: Hipótese 1 – as crianças reco-
nhecem, independentemente da idade, que os adultos do endogrupo
condenam a expressão de discriminação racial; Hipótese 2 – o reconheci-
mento da norma consolida-se com a idade; Hipótese 3 – o desenvolvi-
mento do reconhecimento da norma anti-racista é mediado pelo desen-
volvimento do raciocínio metacognitivo.

Participantes e procedimento

Participaram neste estudo 118 crianças portuguesas brancas, com


idade entre os 5 e os 10 anos, 61 do sexo feminino e 57 do sexo mas-
culino, de 4 escolas públicas do 1.º ciclo do Ensino Básico do distrito de
Lisboa.3 As crianças foram entrevistadas, individualmente, por um adulto
português branco, na sua escola. Aplicaram-se dois instrumentos: um
instrumento de avaliação do raciocínio metacognitivo, e um instrumento
de avaliação da percepção da norma anti-racista (por esta ordem). A en-
trevista teve a duração aproximada de 15 minutos, e terminou com um
breve esclarecimento sobre os objectivos do estudo.

3
As frequências absolutas e relativas, por ano de idade, são as seguintes: 5 anos
(n = 2; 1,7%), 6 anos (n = 37; 4%), 7 anos (n = 19; 16,1%), 8 anos (n = 2; 1,7%), 9 anos
(n = 55; 46,6%), e 10 anos (n = 3; 2,5%). A idade média é 7,7 (DP = 1,4). As escolas que
participaram no estudo tinham 80-85% de crianças portuguesas brancas, e 15 tinham
20% de crianças portuguesas negras.

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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Instrumentos

Raciocínio metacognitivo
Com o objectivo de avaliar o raciocínio metacognitivo de 2.ª ordem
dos participantes, aplicou-se uma adaptação de Banerjee e Yuill (1999)
do paradigma de falsa-crença de 2.ª ordem desenvolvido por Sullivan e
colaboradores (1994). Este tipo de raciocínio consiste no reconheci-
mento, distinção e correcta coordenação pelo indivíduo de duas pers-
pectivas psicológicas externas à sua própria perspectiva. No discurso,
pode ser observado em afirmações tais como «a Ilda sabe que o Luís
sabe...» (Sullivan, Zaitchik e Tager-Flusberg 1994).
O instrumento utilizado apresentou ao participante uma história em
que o João (uma criança) descobre, inadvertidamente e sem o conheci-
mento da sua mãe, a prenda de aniversário que vai receber (um gato).
Foi dito ao participante que a mãe pretendia fazer-lhe uma surpresa, razão
pela qual tinha escondido o gato na garagem, e quando questionada,
disse ao João que iria receber um brinquedo. Até aqui, para compreender
a história, o participante deveria ser capaz de distinguir a perspectiva do
João da perspectiva da mãe, ou seja, que o João sabe que vai receber um
gato, mas que a mãe não sabe que o João sabe, ou seja, que a mãe tem
uma falsa crença relativamente ao real conhecimento do João. De se-
guida, a história introduziu uma terceira personagem, a avó do João,
acompanhada da informação de que a avó, em conversa com a mãe do
João, lhe pergunta se o João sabe que prenda de aniversário vai receber.
Neste ponto, avaliou-se a capacidade do participante em coordenar cor-
rectamente a perspectiva da mãe e da avó, em concreto, se reconhece
que a mãe veiculará necessariamente a falsa crença de que o João não
sabe que prenda de aniversário vai receber. Foram apresentadas ao parti-
cipante três perguntas de teste.4 Atribuiu-se 1 ponto a cada pergunta de
teste respondida correctamente, e criou-se um índice (α = 0,75) indicativo
do número de respostas respondidas correctamente, que podia variar
entre «0» (nenhuma resposta correcta/baixo raciocínio metacognitivo de

4
Pergunta 1) «A avó pergunta à mãe: – O João sabe o que lhe compraste como prenda
de aniversário? O que é que a mãe responde à avó? R.1) Que o João sabe, ou R.2) que o
João não sabe?» Pergunta 2) «A avó pergunta à mãe: – O que é que o João pensa que lhe
vais oferecer? O que é que a mãe responde à avó? R.1) Que o João pensa que vai receber
um brinquedo, ou R.2) que o João pensa que vai receber um gato?» Pergunta 3) «Porque
é que a mãe responde isso?» Uma vez que a Pergunta 3 é uma pergunta aberta, as respostas
respectivas foram classificadas como «correctas» ou «incorrectas», por dois juízes inde-
pendentes (K de Cohen = 0,65).

146
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Cada cabeça, duas sentenças

2.ª ordem) e «3» (todas as respostas correctas/elevado raciocínio meta-


cognitivo de 2.ª ordem).

Norma injuntiva anti-racista


Para avaliar a percepção da norma injuntiva anti-racista, desenvolve-
mos um instrumento onde perguntámos à criança como reagiriam os
adultos do seu grupo, se a criança, ela própria, expressasse comentários
positivos e negativos sobre os negros. Este instrumento distingue-se de
outros que avaliam ou a percepção da norma descritiva (cf. FitzRoy e Ru-
tland 2010), ou o grau de internalização da norma (cf. Rutland et al. 2005).
Foi apresentado sob a forma de jogo, com o nome «À descoberta do que
os adultos acham certo e errado». Concretamente, apresentaram-se várias
afirmações positivas e negativas, cada uma acompanhada da seguinte ins-
trução: «Imagina que este grupo de adultos te ouvia dizer: – Não brinco
com as crianças negras. Se te ouvissem dizer isto, achas que eles iam julgar
que dizeres isso estaria (1) muito, mesmo muito, certo, (2) certo, (3) errado, ou
(4) muito, mesmo muito errado?» 5 Este procedimento foi repetido para as
restantes afirmações: «as crianças negras deixam-me zangado», «brinco
muito com as crianças negras», e «as crianças negras fazem-me feliz». Uti-
lizámos indicadores positivos e negativos por razões conceptuais, nomea-
damente, porque entendemos a expressão preconceito, quer enquanto ex-
pressão de comentários depreciativos, quer enquanto retracção de
comentários apreciativos. O grupo de adultos referido nas instruções foi
representado a partir das fotografias de 6 adultos brancos (3 do sexo femi-
nino e 3 do sexo masculino). As respostas dos participantes às 4 afirmações
foram agregadas num índice único, após inversão das respostas às 2 afir-
mações positivas (α = 0,66). Os valores neste índice podiam variar entre
«1» (percepção de que o endogrupo aprova a discriminação racial) e «4»
(percepção de que o endogrupo desaprova a discriminação racial).

Resultados

Para testar a Hipótese 1 – i. e., que as crianças reconhecem, indepen-


dentemente da sua idade, que os adultos do endogrupo condenam a dis-
criminação racial –, incluíram-se os participantes em três grupos etários:

5
Os pontos da escala de resposta foram ilustrados pictoricamente por «√» verdes
(dois de maior dimensão para a resposta «muito, mesmo muito certo» e um de menor
dimensão para a resposta «certo») e «X» encarnados (dois de maior dimensão para a re-
posta «muito, mesmo muito errado» e um de menor dimensão para a resposta «errado»).

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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Figura 5.1 – Média e intervalo de confiança de 95% do reconhecimento


da norma anti-racista, por grupo etário
4
Reconhecimento da norma anti-racista

1
5-6 anos 7-8 anos 9-10 anos

5-6 anos (n = 39, 33,1%), 7-8 anos (n = 21, 17,8%) e 9-10 anos (n = 58,
49,2%), e calculou-se, em cada um, a média da percepção da norma anti-
-racista, e o respectivo Intervalo de Confiança (IC) de 95%.
Os resultados são apresentados na figura 5.1 e confirmam a Hipóte-
se 1, uma vez que as médias dos três grupos etários se situam acima do
ponto de médio da escala, e os respectivos IC excluem o ponto médio
da escala e incluem o ponto «3».6
De seguida, analisámos a relação entre a idade dos participantes e a
percepção da norma anti-racista, de forma a testar a Hipótese 2. De
acordo com esta hipótese, a percepção do grau de oposição do endo-
grupo à expressão de discriminação racial deverá aumentar com a idade
dos participantes. Consistente com a hipótese, os resultados obtidos re-
velaram uma associação significativa e positiva entre a idade 7 e a percep-
ção da norma anti-racista (figura 5.2).

6
5-6 anos: M = 2,80, DP = 0,85, IC 95% [2,52; 3,08]; 7-8 anos: M = 2,80,
DP = 0,57, IC 95% [2,54; 3.06]; 9-10 anos: M = 3,08, DP = 0,60, IC 95% [2,92; 3,24 ].
7
Uma vez que esta análise tem como objectivo avaliar a relação entre as variáveis (e
não as médias dessas variáveis), a variável «idade» reflecte a idade original dos participantes
e não grupos etários. Este procedimento foi adoptado, uma vez que preserva as diferenças
individuais e, de acordo com vários estudos, previne a perda de poder estatístico
(v. Cohen 1983).

148
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Cada cabeça, duas sentenças

Figura 5.2 – Coeficientes de regressão normalizados do modelo


de mediação da relação entre a idade e a percepção
da norma anti-racista pelo raciocínio metacognitivo*

0,13
(0,21**)
Norma
Idade
anti-racista

0,23***
0,34**** Meta-
cognição

* Para testar o modelo de mediação subjacente à Hipótese 3, adoptámos os critérios de Baron


e Kenny (1986) relativamente ao teste de modelos de mediação com uma variável mediadora. Con-
cretamente, realizámos duas regressões lineares que estimaram, respectivamente, a relação entre a
idade e o raciocínio metacognitivo, e a relação entre a/o idade/raciocínio metacognitivo e a percep-
ção da norma. Na figura 1, o coeficiente de regressão apresentado entre parênteses refere-se à relação
entre a idade dos participantes e a percepção da norma anti-racista, não controlando a relação entre
o raciocínio metacognitivo e a percepção da norma. Idade-Norma sem o controlo da Metacognição:
b = 0,10, SE = 0,04, t(116) = 2,25, p = ,026, η2 = 0,04; Idade-Metacognição: b = 0,27, SE = 0,07,
t(116) = 3,93, p = 0,000, 2 = 0,12; Metacognição-Norma: b = 0,15, SE = 0,06, t(115) = 2,46,
p = ,016, η2 = 0,05; Idade-Norma com o controlo da Metacognição: b = 0,06, SE = 0,05,
t (115) = 1,32, p = ,189.
** p < 0,05.
*** p < 0,01.
**** p < 0,001.

Assim, prosseguimos com o teste da Hipótese 3, que estabelece o papel


mediador do raciocínio metacognitivo na relação entre a idade e a per-
cepção da norma. Os resultados revelaram uma relação significativa e po-
sitiva entre a idade dos participantes e o raciocínio metacognitivo, ou seja,
que o raciocínio metacognitivo se desenvolveu com o aumento da idade
dos participantes (v. figura 5.2). Verificou-se ainda que, controlada a rela-
ção entre a idade e a percepção da norma, a relação entre o raciocínio me-
tacognitivo e a percepção da norma foi significativa e positiva. Portanto,
quanto mais desenvolvido o raciocínio metacognitivo, maior a percepção
do grau de oposição do endogrupo à discriminação. Finalmente, verifi-
cou-se que a relação entre a idade e a percepção da norma deixou de ser
significativa, uma vez controlado o efeito do mediador, isto é, do raciocí-
nio metacognitivo. Em suma, o conjunto dos resultados indica que a per-
cepção da norma anti-racista se consolida com a idade porque nesse in-
tervalo etário se desenvolve o raciocínio metacognitivo, e porque, por sua
vez, a metacognição intervém no reconhecimento da norma.

149
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Conclusões do Estudo 1

No presente estudo avaliámos, em crianças portuguesas brancas, com


idades entre os 5 e os 10 anos, o reconhecimento da norma anti-racista
no endogrupo, e testámos o papel mediador do raciocínio metacognitivo.
O estudo permitiu concluir que aos 5 anos de idade as crianças brancas
reconhecem que discriminar verbalmente os negros suscita a reprovação
dos adultos do seu grupo. Estudos anteriores tinham já verificado que
estas crianças consideram que os membros do seu grupo não discrimi-
nam os negros (FitzRoy e Rutland 2010), e que elas próprias, em contex-
tos públicos, condenam a discriminação racial (Killen e Stangor 2001;
Rutland et al. 2005). Contudo, não sabíamos se reconheceriam a dimen-
são injuntiva da norma anti-racista, isto é, que o seu grupo impõe a
norma, condenando a discriminação dos negros.
Um segundo resultado importante do estudo refere-se à variação etária
registada na percepção da norma anti-racista. Concretamente, em apoio à
nossa hipótese, o reconhecimento da norma anti-racista consolidou-se entre
os 5 e os 10 anos de idade. Assim, conclui-se que, se por um lado aos
5 anos de idade as crianças já reconhecem a norma anti-racista, esse reco-
nhecimento tem espaço de progressão, e progride, no decurso da infância.
Finalmente, um terceiro resultado que importa destacar refere-se ao
papel da metacognição no reconhecimento da norma anti-racista. Con-
cretamente, de acordo com a hipótese originalmente avançada por Sherif
(1966 [1936]), e os resultados obtidos noutros contextos intergrupais
(e. g., Abrams et al. 2009), o presente estudo confirmou, pela primeira
vez, o papel do raciocínio metacognitivo como um dos mediadores no
desenvolvimento da percepção da norma injuntiva anti-racista. Este re-
sultado é importante, uma vez que revela que a capacidade de as crianças
reconhecerem e coordenarem adequadamente as perspectivas dos outros
lhes facilita o reconhecimento de que o seu grupo condena a discrimi-
nação dos negros. Não obstante, é importante destacar que este resultado
diverge de um outro obtido por FitzRoy e Rutland (2010) onde os autores
registaram uma dissociação entre a metacognição e o reconhecimento
da norma. Contudo, nesse estudo os autores avaliaram a percepção da
norma descritiva. Como explicação para essa dissociação entre a metacog-
nição e a percepção da norma descritiva, admitimos que reconhecer o
comportamento que o endogrupo adopta (norma descritiva) envolve
menos um «passo cognitivo» do que reconhecer o comportamento que
o endogrupo espera que o/a próprio/a adopte (norma injuntiva), e nessa
medida, que dispense o raciocínio metacognitivo.

150
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Cada cabeça, duas sentenças

Em síntese, o presente estudo permite concluir que as crianças portu-


guesas brancas reconhecem, a partir dos 5 anos de idade, uma norma in-
juntiva anti-racista, e que o desenvolvimento do raciocínio metacognitivo
favorece o reconhecimento dessa norma no decurso da infância.

Estudo 2: relação entre as normas sociais


conflituantes e as avaliações raciais
Os resultados obtidos no Estudo 1 suscitam duas perguntas: em que
medida o reconhecimento da norma injuntiva anti-racista do endogrupo
modela a expressão das atitudes raciais, e se a influência dessas percepções
varia de acordo com a idade das crianças. Isto é, perguntamos se a per-
cepção de «oposição» do endogrupo à discriminação dos negros afecta a
forma como as crianças brancas comunicam as avaliações raciais num
contexto de controlo pelo endogrupo, e até que ponto esta relação
– entre a norma e a expressão das atitudes – varia ao longo da infância,
ou seja, de acordo com a idade.
Com populações adultas, a hipótese da modelação da expressão das
atitudes e comportamentos intergrupais por normas sociais, avançada
por Sherif e Sherif (1953), está presente em abordagens teóricas recentes
(e. g., Crandall et al. 2002), e tem sido confirmada por inúmeros estudos
(v. Crandall et al. 2002; Gaertner e Dovidio 1986; Pereira, Vala e Costa-
-Lopes 2010; Pereira, Vala e Leyens 2009; Vala, Brito e Lopes 1999). Pa-
ralelamente, Cialdini e colegas, no contexto da Teoria do Foco da Conduta
Normativa, propõem que as normas sociais não estão permanentemente
activadas, ou seja, que a sua influência nos comportamentos se exerce de
forma intermitente ao longo do tempo, dependendo dos contextos e va-
riando de indivíduo para indivíduo (Cialdini et al. 1991; Cialdini e Trost
1998). Por exemplo, a activação das normas poderá depender da saliência
de pistas específicas na situação (Cialdini e Trost 1998), do grau de mo-
tivação dos indivíduos e do tempo e dos recursos de que dispõem para
regularem o comportamento de acordo com a norma (Fazio 1990).
Com crianças, vários estudos têm analisado e demonstrado o papel
das normas sociais na modelação de avaliações e comportamentos, em
vários contextos intergrupais (Abrams, Rutland, Cameron e Ferrell 2007;
França e Monteiro 2004, Estudo 3; Monteiro et al. 2009, Estudo 2; Nes-
dale et al. 2007; Rutland et al. 2005). No domínio das relações raciais, em
particular, a evidência empírica é consistente com uma hipótese de activação
etária diferencial da norma anti-racista, especificamente, que o impacto da

151
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

norma na inibição da expressão de preconceito aumenta com a idade


(França e Monteiro 2004; Monteiro et al. 2009; Nesdale et al. 2005). Por
exemplo, Nesdale e colaboradores (2005), num estudo com crianças bran-
cas anglo-australianas, com 7 e 9 anos de idade, registaram um efeito mais
forte da activação explícita de uma norma de inclusão intergrupal nas
crianças mais velhas. De igual modo, Monteiro e colegas (2009, Estudo
2), com crianças portuguesas brancas de 6-7 e 9-10 anos, obtiveram um
efeito da activação explícita de uma norma anti-racista na redução do en-
viesamento intergrupal apenas nas crianças de 9-10 anos. Esta hipótese
permite também explicar o decréscimo do enviesamento das atitudes ra-
ciais explícitas, um efeito que tem sido recorrentemente observado em
crianças brancas, a partir dos 7-8 anos de idade (v. Aboud 1988).
Portanto, em alternativa à hipótese da Teoria Sociocognitiva (Aboud
1988; Doyle e Aboud 1995), que considera que a melhoria das atitudes
raciais é um resultado directo do desenvolvimento cognitivo, e portanto,
uma melhoria de facto das atitudes raciais, a hipótese da activação etária
diferencial propõe que este efeito reflecte a ocultação pelas crianças mais
velhas do preconceito racial, uma vez que é contrário à norma anti-ra-
cista, e nesse sentido, uma alteração «superficial» – isto é, contextual; nor-
mativamente determinada – na expressão das atitudes raciais.
Actualmente, existem duas explicações que apoiam a hipótese da in-
fluência etária diferencial da norma anti-racista. Uma explicação propõe
que a influência reduzida da norma no período inicial da infância traduz
a dificuldade de auto-regulação do comportamento de acordo com normas
sociais. Ou seja, as crianças conhecem a norma mas revelam-se incapazes
de ajustar o comportamento, em acordo (v. Rutland et al. 2005; v. também,
Banerjee 2002). A outra explicação, avançada por Monteiro e colaboradores
(2009), sugere, na linha da hipótese de Allport (1979 [1954]) sobre a in-
fluência de normas contraditórias, que a ausência de um efeito de influên-
cia da norma anti-racista nas crianças mais novas resulta da interferência
de uma norma do endogrupo, oposta à anti-racista, e dominante, que pres-
creve o favorecimento e a lealdade ao endogrupo. De acordo com esta hi-
pótese, com o desenvolvimento sociocognitivo as crianças adquirem a ca-
pacidade de gerir conflitos normativos, hierarquizando normas
conflituantes de acordo com a sua importância e aplicabilidade num de-
terminado contexto (Kohlberg 1963). Portanto, se num determinado do-
mínio as crianças mais novas orientam o seu comportamento em função
de uma norma única, portanto, de aplicação universal, as crianças mais ve-
lhas tendem a seleccionar, do referencial normativo do grupo, aquela
norma que melhor se adequa à situação, de resto, tal como procedem os

152
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Cada cabeça, duas sentenças

adultos. Portanto, em concreto no domínio das avaliações raciais, esta hi-


pótese propõe que as crianças mais novas privilegiam, independentemente
do contexto, as orientações da norma da lealdade endogrupal. Já as crianças
mais velhas privilegiam, nos contextos públicos marcados pela norma anti-
racista, as orientações dessa norma, e nos contextos privados as orientações
da norma da lealdade ao endogrupo.
A hipótese sobre a relação entre uma norma da lealdade ao endo-
grupo e a discriminação intergrupal foi originalmente proposta por Tajfel
(1970), como explicação para o favorecimento do endogrupo num con-
texto de «grupos mínimos». Apesar de ter sido abandonada pelo autor
por considerar que se tratava de uma explicação demasiado geral do fe-
nómeno (Tajfel 1974), estudos realizados alguns anos mais tarde vieram
apoiar a sua validade. São exemplo os estudos pioneiros de Marques e
colaboradores que desocultaram o efeito ovelha negra, um efeito que se re-
fere à punição mais severa, comparativamente, dos membros do endo-
grupo que se desviam das normas grupais, do que dos desviantes que
não são membros do grupo (Marques, Yzerbyt e Leyens 1988). Paralela-
mente, vários estudos mostraram que nos grupos sociais existe a expec-
tativa partilhada de que os comportamentos positivos que visem mem-
bros do próprio grupo suscitem respostas similares no interior do grupo
(Gaertner e Insko 2000; Yamagishi, Jin e Kiyonari 1999). Contudo, a de-
monstração mais evidente de que a lealdade endogrupal pode integrar o
referencial normativo dos grupos foi providenciada por um conjunto de
estudos que observaram um aumento da prevalência dos comportamen-
tos de favorecimento do endogrupo, em condições de controlo pelo
grupo (Abrams, Wetherell, Cochrane e Hogg 1990; Barreto e Ellemers
2000; Batson et al. 1999; Marques, Abrams, Páez e Martinez-Taboada
1998; Noel, Wann e Branscombe 1995). Por exemplo, Marques e cola-
boradores (1998) verificaram que a monitorização das respostas dos in-
divíduos pelo endogrupo aumentou a expressão de concordância com o
grupo, as diferenças percebidas entre o endogrupo e o exogrupo, as ava-
liações positivas do endogrupo e dos membros que apoiam as suas nor-
mas e as avaliações negativas dos membros que se opõem a essas normas.
Em sentido semelhante, um estudo de Hertel e Kerr (2001) verificou que
a activação do conceito de «lealdade» (por oposição à activação do con-
ceito de «igualdade») aumentou a percepção de normatividade da leal-
dade no endogrupo e que, por seu turno, esse efeito explicou o aumento
do favoritismo endogrupal e do grau de identificação com o endogrupo.
Apesar da aparente centralidade desta norma na regulação dos com-
portamentos intra- e intergrupais, vários autores têm sugerido que, em

153
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

determinadas circunstâncias, a sua influência é limitada (e. g., Castelli,


Tomelleri e Zogmaister 2008). Por exemplo, quando as avaliações ex-
pressas pelos membros do endogrupo não ameaçam o estatuto do grupo
ou a sua distintividade, quando a identificação com o grupo é baixa,
quando estão em causa comportamentos derrogatórios do exogrupo ou
quando a saliência da norma da antidiscriminação é elevada (v. Castelli,
Tomelleri e Zogmaister 2008; Falomir-Pichastor, Gabarrot e Mugny
2009; Falomir-Pichastor, Munoz Rojas, Invernizzi e Mugny 2004; Ga-
barrot, Falomir-Pichastor e Mugny 2009; Hertel e Kerr 2001). De facto,
estudos recentes de Castelli e colaboradores mostraram que, com grupos
raciais, os membros do endogrupo (de alto estatuto) que expressem fa-
voritismo endogrupal não são preferidos pelo seu grupo (Castelli e Car-
raro 2010; Castelli et al. 2008). Por um lado, estes resultados poderiam
sugerir simplesmente que a norma da lealdade endogrupal não se aplica
no plano das relações raciais, o que se entenderia dada a saliência da
norma anti-racista. Contudo, recorrendo a uma tarefa de associação im-
plícita (Nosek e Banaji 2001), Castelli e colaboradores verificaram que,
a um nível implícito, os membros leais do endogrupo foram, na verdade,
preferidos pelo seu grupo, um efeito que os autores cunharam como
metafavoritismo endogrupal implícito (Castelli e Carraro 2010; Castelli et
al. 2008). Assim, podemos admitir que a expressão de discriminação em
domínios intergrupais tipicamente regulados por normas antidiscrimi-
nação, como o domínio das categorizações raciais, encontre apoio numa
norma tácita que promove os comportamentos de lealdade endogrupal,
tais como o favorecimento do endogrupo.
E qual a expressão desta norma na infância, quer em contextos regu-
lados, quer em contextos não-regulados pela norma da antidiscrimina-
ção? Com crianças brancas, e em contextos intergrupais com grupos mí-
nimos, grupos de nacionalidade ou grupos sociais de duração limitada
(e. g., escolas de Verão) – portanto, onde a saliência da norma antidiscri-
minação é menor (Rutland, Brown, Cameron, Ahmavaara, Arnold e
Samson 2007) –, vários estudos mostram que estas reconhecem a lealdade
endogrupal como uma norma do referencial de normas do grupo
(Abrams et al. 2007; Abrams et al. 2003; Abrams et al. 2008; Abrams et al.
2009). Concretamente, estes estudos demonstraram que a partir dos
6 anos de idade, as crianças brancas consideram que os membros leais
são vistos pelo grupo como mais típicos e com maiores possibilidades
de inclusão do que os membros desleais (Abrams et al. 2007; Abrams
et al. 2003; Abrams et al. 2008; Abrams et al. 2009). Uma segunda con-
clusão que resulta destes estudos indica que estes julgamentos tendem a

154
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Cada cabeça, duas sentenças

tornar-se mais prevalentes com o aumento da idade (Abrams et al. 2003;


Abrams et al. 2008; Abrams et al. 2009), particularmente em contextos de
controlo pelo grupo (Abrams et al. 2007). Em síntese, a expressão de leal-
dade em contextos intergrupais que envolvem outras categorias que não
a de raça é entendida como normativa por crianças em idade escolar.
Também com crianças brancas em idade escolar, mas envolvendo, por-
tanto, grupos raciais, um conjunto de quatro estudos conduzidos por Cas-
telli e colaboradores (Castelli, De Amicis e Sherman 2007) oferece algumas
indicações sobre o reconhecimento de uma norma da lealdade endogrupal
neste contexto. Estes estudos avaliaram as diferenças na percepção do grau
de popularidade endogrupal de um criança branca com relações de ami-
zade circunscritas aos membros do endogrupo (outras crianças brancas),
ou com relações de amizade extensíveis aos membros do exogrupo (crian-
ças negras). Para as crianças com idades entre os 4 e os 7 anos, os resultados
obtidos são consistentes com os reportados por Abrams e colaboradores
(Abrams et al. 2007; Abrams et al. 2003; Abrams et al. 2008; Abrams et al.
2009), isto é, as crianças expressaram que o membro do endogrupo amigo
apenas de crianças brancas era o mais popular (Castelli et al. 2007, Estudos
1, 2, e 3). Contudo, as crianças de 9 a 11 anos indicaram que o membro
mais popular no endogrupo seria aquele que tinha amigos brancos e ne-
gros (Castelli et al. 2007, Estudo 4), portanto, em contraste com os resul-
tados de Abrams e colaboradores (Abrams et al. 2007; Abrams et al. 2003;
Abrams et al. 2008; Abrams et al. 2009).
Em suma, o conjunto de evidências apresentadas sugere que, se até
aos 6 anos de idade as crianças brancas identificam, publicamente, duas
normas conflituantes – designadamente uma norma anti-racista e uma
norma da lealdade endogrupal –, a partir dos 7 anos de idade, e publica-
mente, deixam de reconhecer a norma da lealdade endogrupal como tal.
A este propósito, é importante referir que consideramos que a norma da
lealdade endogrupal perde a sua influência, somente naqueles contextos
dominados pela norma anti-racista (e. g., contextos públicos), permane-
cendo reconhecida e mantendo a sua influência em contextos privados.
Aliás, só assim se podem entender, no quadro de uma explicação socio-
normativa, os níveis elevados de enviesamento avaliativo das crianças mais
velhas registados em contextos onde o controlo social é reduzido. Esta
hipótese está de acordo com a proposta de Allport (1979 [1954]), que re-
fere que apesar de as crianças mais velhas terem aprendido, finalmente, a
respeitar a norma anti-racista, terão entretanto também internalizado, sob
a influência de uma norma etnocêntrica, a diferenciação e o preconceito
raciais: «by the age of 12, we may find verbal acceptance but behavioral

155
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

rejection. By this age the prejudices have finally affected conduct, even
while the verbal democratic norms are beginning to take effect» (p. 310).
As evidências apresentadas são também compatíveis com a hipótese
avançada por Monteiro e colaboradores (2009) no que se refere à relação
entre as percepções das normas e as avaliações raciais. De acordo com
esta hipótese, as alterações que ocorrem ao longo do primeiro ciclo de
escolaridade na expressão pública das avaliações raciais, nomeadamente
o decréscimo dos níveis de enviesamento racial, resultam da influência
etária diferencial das normas conflituantes anti-racista e da lealdade en-
dogrupal. Em linha com esta hipótese, propomos que as crianças mais
novas expressam níveis superiores de enviesamento nas avaliações raciais
uma vez que, apesar de reconhecerem as normas anti-racista e da lealdade
endogrupal, tomam como mais apropriada para efeitos de regulação do
comportamento a norma que favorece a diferenciação intergrupal (Mon-
teiro et al. 2009; Nesdale et al. 2005), enquanto as crianças mais velhas re-
conhecem e, em consonância, regulam o comportamento apenas pela
norma anti-racista.
Com o objectivo de testar esta hipótese, realizámos um segundo es-
tudo onde analisámos, em crianças portuguesas brancas com idades entre
os 6 e os 11 anos, a evolução das percepções das normas anti-racista e da
lealdade endogrupal, e a relação entre estas percepções e a expressão das
atitudes raciais, num contexto de controlo endogrupal. Concretamente,
testámos a hipótese de que as percepções das duas normas estão negati-
vamente associadas e são empiricamente diferenciáveis (H.1). Aferimos
novamente a hipótese segundo a qual todos os grupos etários reconhe-
cem uma norma anti-racista (H.2), e testámos a hipótese de que apenas
as crianças de 6 anos reconhecem uma norma da lealdade endogrupal
(H.3). Quanto ao perfil de desenvolvimento da expressão das atitudes ra-
ciais entre os 6 e os 11 anos, antecipámos um decréscimo no enviesa-
mento das atitudes raciais com o aumento da idade (H.4). Especifica-
mente, prevemos que esta redução resulte do efeito mediador das duas
normas, designadamente, da combinação de dois efeitos (H9): 1) conso-
lidação do reconhecimento de uma norma anti-racista com o aumento
da idade (H.5); e activação exclusiva dessa norma pelas crianças de 9-11
anos (H.6); 2) reconhecimento de uma norma da lealdade endogrupal
apenas pelas crianças de 6 anos (H.7), e activação exclusiva dessa norma
por este grupo etário (H.8).

156
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Cada cabeça, duas sentenças

Participantes e procedimento

Participaram neste estudo 135 crianças portuguesas brancas, com ida-


des entre os 6 e os 11 anos de idade, 70 do sexo masculino e 65 do sexo
feminino, de 4 escolas públicas do 1.º ciclo do Ensino Básico do distrito
de Lisboa.8 As crianças foram entrevistadas individualmente, na sua es-
cola, por um adulto português branco. Foram aplicados dois instrumen-
tos, designadamente, um instrumento de avaliação das percepções das
normas anti-racista e da lealdade endogrupal, e um instrumento de ava-
liação das atitudes raciais (por esta ordem). A entrevista teve a duração
aproximada de 15 minutos, e terminou com um breve esclarecimento
sobre os objectivos do estudo.

Instrumentos

Normas injuntivas anti-racista e da lealdade endogrupal


As percepções das normas anti-racista e da lealdade endogrupal foram
avaliadas utilizando o mesmo instrumento já referido no Estudo 1. Uti-
lizaram-se também os mesmos indicadores na avaliação da norma anti-
-racista. Quanto à norma da lealdade endogrupal, pediu-se a cada parti-
cipante que indicasse o que acharia o grupo de adultos se o/a ouvisse
dizer «Eu gosto mais dos(as) meninos(as) brancos(as) porque sou
branco(a) como eles/elas» e «Eu brinco mais com os/as meninos(as) bran-
cos(as) porque sou branco(a) como eles(as)». A ordem de avaliação das
duas normas foi contrabalançada. As respostas do/a participante foram
agregadas em dois índices, um referente à percepção da norma anti-racista
(α = 0,60), e o outro referente à percepção da norma da lealdade endo-
grupal (r = 0,41, p = 0,001).9 Em ambos os índices os valores podiam
variar entre «1» (percepção de que o endogrupo aprova a discriminação
racial/desaprova a lealdade endogrupal) e «4» (percepção de que o endo-
grupo desaprova a discriminação racial/aprova a lealdade endogrupal).

8
As frequências absolutas e relativas, por ano de idade, são as seguintes: 6 anos
(n = 36, 27,1%), 7 anos (n = 26 19,5%), 8 anos (n = 11, 8,3%), 9 anos (n = 39, 27,8%),
10 anos (n = 17, 12,8%), e 11 anos (n = 6, 4,5%). A média de idades é 7,9 e o desvio-
-padrão 1,6. As escolas participantes tinham 80-85% de crianças portuguesas brancas, e
15-20% de crianças portuguesas negras.
9
Inverteram-se as respostas dos(as) participantes às afirmações positivas da norma
anti-racista e às duas afirmações da norma da lealdade endogrupal, de forma a que valores
mais elevados nos índices indicassem, respectivamente, oposição percebida do endogrupo
à discriminação dos negros, e apoio percebido do endogrupo à expressão de lealdade en-
dogrupal.

157
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Atitudes raciais intergrupais


As atitudes raciais dos participantes – isto é, as suas avaliações das crian-
ças brancas e das crianças negras – foram aferidas a partir de uma adaptação,
administrada num computador, do procedimento da Medida de Resposta
Múltipla de Atitudes Raciais (MRA, Doyle e Aboud 1995). Concretamente,
pediu-se a cada participante que avaliasse, utilizando 7 traços positivos e
7 traços negativos,10 o grupo dos meninos/meninas brancos(as) e o grupo
dos meninos/meninas negros(as), representados, respectivamente, pelas fo-
tografias de duas crianças brancas e de duas crianças negras. Os grupos
foram avaliados em perguntas separadas. Por exemplo, na avaliação do
grupo dos meninos(as) negros(as) a partir do traço positivo «bons/boas», o
participante escutava no computador a seguinte instrução: «Bons/Boas.
Alguns/Algumas meninos(as) são bons/boas. Os/as meninos(as) negros(as)
são bons/boas?» O participante apontava as suas respostas numa folha de
papel, sob manifesta vigilância do entrevistador, que se encontrava sentado
ao seu lado observando ostensivamente a anotação das respostas. As res-
postas dos participantes foram agregadas num índice único.11

Resultados

Com o objectivo de testar a Hipótese 1, de acordo com a qual as per-


cepções das normas anti-racista e da lealdade endogrupal são empirica-
mente diferenciáveis, realizámos uma Análise Factorial Confirmatória com
recurso à modelização de equações estruturais.12 Comparámos o ajusta-
mento de dois modelos, concretamente, o modelo esperado (Modelo 1)
e um modelo alternativo (Modelo 2). O Modelo 1 propõe dois factores
latentes que explicam os respectivos indicadores, nomeadamente, um fac-
tor referente à percepção da norma anti-racista e um segundo factor refe-
rente à percepção da norma da lealdade endogrupal. O modelo alternativo
(Modelo 2), que serve de comparação ao Modelo 1, propõe um factor la-

10
Traços positivos: «boas», «ajudantes», «inteligentes», «limpas», «divertidas», «simpá-
ticas» e «amigas». Traços negativos: «más», «cruéis», «estúpidas», «sujas», «doentes», «egoís-
tas» e «chatas».
11
Este índice subtrai à diferença entre o número de traços positivos e negativos atri-
buídos aos brancos, a diferença entre o número de traços positivos e negativos atribuídos
aos negros. Este índice podia variar entre «-14» (valor máximo de enviesamento intergru-
pal favorável aos negros), e «14» (valor máximo de enviesamento intergrupal favorável
aos brancos), indicando o valor «0» ausência de enviesamento na avaliação intergrupal.
12
A modelização de equações estruturais permite avaliar em que medida o nosso
modelo teórico, que estipula a diferenciação das normas anti-racista e da lealdade endo-
grupal, se ajusta às respostas dos participantes.

158
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Cada cabeça, duas sentenças

tente que explica o conjunto dos indicadores das normas anti-racista e da


lealdade endogrupal. De acordo com a hipótese avançada, os resultados
revelaram um ajustamento do Modelo 1 aos dados obtidos, estatistica-
mente superior ao ajustamento do Modelo 2.13 Portanto, o modelo que
propõe que as percepções das duas normas estão negativamente correla-
cionadas, mas são empiricamente diferenciáveis, explicou melhor a matriz
de correlações entre os indicadores, do que o modelo de uma norma
única. Apesar de os resultados confirmarem a nossa hipótese, procedemos
a uma nova especificação do modelo com o objectivo de melhorar os ín-
dices de ajustamento (i. e., GFI e RMSEA).14 Esta redefinição do Modelo
1 admite a existência de dois factores latentes intermédios (de 1.ª ordem)
na norma anti-racista, um referente aos indicadores positivos da norma,
o outro referente aos indicadores negativos. Os resultados revelaram um
ajustamento muito bom deste modelo, estatisticamente superior, quer ao
ajustamento do Modelo 1 original, quer ao ajustamento do Modelo 2.15
Finalmente, os resultados revelaram uma correlação estatisticamente sig-
nificativa e negativa entre o factor latente de 2.ª ordem – referente às per-
cepções da norma anti-racista – e o factor latente de 1.ª ordem – referente
às percepções da norma da lealdade endogrupal, r = –0,67, p < 0,01.
Assim, estes resultados demonstram que as percepções do posicionamento
do endogrupo face à discriminação dos negros e à expressão de lealdade
endogrupal remetem para constructos independentes e negativamente as-
sociados – um maior reconhecimento de oposição endogrupal à discri-
minação dos negros associou-se a um menor reconhecimento de apoio
endogrupal à expressão de lealdade.
De seguida, procedemos ao teste da Hipótese 2, de acordo com a qual
todos os grupos etários reconhecem a norma anti-racista, e da Hipótese 3,

13
Índices de ajustamento do Modelo 1: χ2(8,135) = 37,83, p < 0,001, CFI = 0,78,
GFI = 0,91, AGFI = 0,76, RMSEA = 0,17, 90% CI RMSEA = [0,12, 0,22], AIC = 63,83;
Índices de ajustamento do Modelo 2: χ2(9,135) = 60,90, p < 0,001, CFI = 0,62,
GFI = 0,85, AGFI = 0,66, RMSEA = 21, 90% CI RMSEA = [0,16, 0,26], AIC = 84,90;
Modelo 1 vs. Modelo 2: ∆χ2[1,135] = 23,07, p < 0,001.
14
Este Modelo 1 redesenhado conceptualiza a norma anti-racista como um factor
latente de 2.ª ordem, que explica, por sua vez, dois factores latentes de 1.ª ordem: um
factor positivo que dá conta dos indicadores positivos da norma anti-racista, e um factor
negativo que dá conta dos indicadores negativos da norma anti-racista. Quanto à norma
da lealdade endogrupal, o factor latente mantém-se o mesmo do Modelo 1 original.
15
Índices de ajustamento do Modelo 1 após redefinição: χ2 (7,135) = 10,23,
p = 0,18, CFI = 0,98, GFI = 0,98, AGFI = 0,93, RMSEA = 0,06, 90% CI RMSEA = [0,00,
0,13], AIC = 38,23; Modelo 1 redefinido vs. Modelo 1 original: ∆χ2[1,135] = 27,06,
p < 0,001; Modelo 1 redefinido vs. Modelo 2: ∆χ2[2,135) = 50,67, p < 0,001.

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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Figura 5.3 – Média e intervalo de confiança de 95% do reconhecimento


das normas anti-racista e da lealdade endogrupal,
por grupo etário
4
Reconhecimento das normas

1
6 anos 7-8 anos 9-11 anos

que estabelece que a norma da lealdade endogrupal é reconhecida ape-


nas pelas crianças de 6 anos. Para o efeito, adoptámos o procedimento
seguido no Estudo 1.16 Os resultados são apresentados na figura 5.5 e
confirmam ambas as hipóteses.17 Note-se ainda que as crianças de 7-8 e
9-11 anos de idade não revelaram uma percepção ambígua do posicio-
namento do endogrupo face à expressão de lealdade endogrupal, uma
vez que ambos os IC excluíram o ponto médio da escala (2,5) e incluí-
ram o ponto 2 – nestes dois grupos etários, as crianças expressaram que
os comportamentos de lealdade endogrupal são antinormativos no en-
dogrupo.
Prosseguimos com o teste da Hipótese 4, que prevê um decréscimo
no enviesamento das atitudes raciais com o aumento da idade. O perfil
descendente da média de enviesamento intergrupal das atitudes raciais

16
Os participantes foram agrupados nos seguintes grupos etários: 6 anos: n = 36,
26,7%; 7-8 anos: n = 37, 27,4%; 9-11 anos: n = 62, 45,9%.
17
Norma anti-racista – 6 anos: M = 3,00, DP = 0,57, IC 95% = [2,83, 3,17]; 7-8 anos:
M = 3,22, DP = 0,46, IC 95% = [3,05, 3,38]; 9-11 anos: M = 3,30, DP = 0,51,
IC 95% = [3,17, 3,43]. Norma da lealdade endogrupal – 6 anos: M = 3,04, DP = 0,71,
IC 95% = [2,81, 3,27]; 7-8 anos: M = 2,20, DP = 0,76, IC 95% = [1,97, 2,43]; 9-11 anos:
M = 1,91, DP = 0,67, IC 95% = [1,73, 2,09].

160
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Cada cabeça, duas sentenças

Figura 5.4 – Média e intervalo de confiança de 95% da atitude racial


intergrupal, por grupo etário
8

6
Atitude racial intergrupal

–2
6 anos 7-8 anos 9-11 anos

dos participantes, apresentado por grupo etário na figura 5.3, é consis-


tente com esta hipótese – 6 anos: M = 3,67 (DP = 4,45), 7-8 anos:
M = 3,08, (DP = 4,30), 9-11 anos: M = 0,81, (DP = 3,60). Acresce ainda
que as atitudes das crianças de 9-11 anos de idade não revelaram qualquer
enviesamento intergrupal.18
Com o objectivo de testarmos as Hipóteses 5 a 8, realizámos quatro re-
gressões lineares. A primeira estabeleceu a relação directa entre a idade das
crianças e as avaliações raciais e registou, em acordo com a Hipótese 4,
uma associação negativa entre as duas variáveis.19 A segunda e a terceira
estimaram a relação entre a idade das crianças e a percepção das normas
anti-racista e da lealdade endogrupal, respectivamente.20 Os resultados
confirmaram as Hipóteses 5 e 7, uma vez que se registou, respectiva-
mente, uma associação significativa e positiva entre a idade e o reconhe-
cimento da norma anti-racista, e uma associação significativa e negativa
entre a idade e o reconhecimento da norma da lealdade endogrupal.

18
6 anos: t contra 0 (35) = 4,75, p = 0,000; 7-8 anos: t contra 0 (36) = 4,36, p = 0,000;
9-11 anos: t contra 0 (61) = 1,76, p = 0,083.
19
Regressão linear 1: Idade-Atitude: (β = –0,27); b = –1,12, SE = 0,35, t (133) = –3,18,
p = ,002, η2 = 0,07.
20
Regressão linear 2: Idade-Norma anti-racista: (β = 0,20), b = 0,07, SE = 0,03,
t (133) = 2,39, p = 0,018, 2 = 0,04. Regressão linear 3: Idade-Norma da lealdade endo-
grupal: (β = –0,51), b = –0,27, SE = 0,04, t (133) = –6,84, p = 0,000, η2 = 0,26.

161
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

Figura 5.5 – Relação entre as normas anti-racista (à esquerda) e da lealdade


endogrupal (à direita) e as atitudes raciais intergrupais*
5

4
Atitude racial intergrupal

0
– 1 DP + 1 DP – 1 DP + 1 DP
–1
Norma anti-racista Norma da lealdade endogrupal

6 anos 7,5 anos 9,5 anos

* No gráfico à esquerda, declive estimado da relação entre a percepção da norma anti-racista e


as atitudes raciais intergrupais, para um desvio padrão inferior e superior à percepção média da
norma – respectivamente, –1 DP = 2,67 e +1 DP = 3,73 –, com a idade centrada nos 6 anos, nos
7,5 anos e nos 9,5 anos. No gráfico à direita, declive estimado da relação entre a percepção da norma
da lealdade endogrupal e as atitudes raciais intergrupais para um desvio padrão inferior e superior à
média da norma – respectivamente, –1 DP = 1,45 e +1 DP = 3,13 –, com a idade centrada nos
6 anos, nos 7,5 anos e nos 9,5 anos.

Finalmente, realizámos uma quarta regressão linear onde estimámos


as relações entre as normas e as avaliações raciais, testando o papel mo-
derador da idade, isto é, verificando se a relação entre as normas e as ava-
liações variou de acordo com a idade.21 Os resultados desta análise reve-
laram uma associação significativa e negativa entre o reconhecimento da
norma anti-racista e as atitudes raciais intergrupais, consistente com um
efeito do reconhecimento da norma na redução da expressão do envie-
samento intergrupal. Esta relação é moderada pela idade das crianças.
Com o objectivo de verificar se esta moderação decorre da activação ex-
clusiva da norma anti-racista pelas crianças de 9-11 anos de idade (Hipó-

21
Regressão linear 4: Idade-Atitude – b = –0,72, SE = 0,39, t (129) = –1,86, p = 0,065,
η2 = 0,03; Norma anti-racista-Atitude – (β = –0,20), b = –0,84, SE = 0,35, t (129) = –2,42,
p = ,017, η2 = 0,04; Norma anti-racista x Idade-Atitude – (β = –0,21), b = –0,85, SE = 0,33,
t(129) = –2,59, p = 0,011, η2 = 0,05; Norma lealdade endogrupal x Idade-Atitude –
(β = –0,17), b = –0,74, SE = 0,36, t (129) = –2,07, p = 0,040, η2 = 0,03.

162
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Cada cabeça, duas sentenças

tese 6), adoptámos o procedimento descrito por Aiken e West (1991) para
a interpretação de efeitos de moderação entre variáveis contínuas no con-
texto da regressão linear.
No gráfico esquerdo da figura 5.5, apresentamos a relação estimada
entre a percepção da norma anti-racista e as avaliações raciais, em três
idades distintas. Os resultados confirmam a Hipótese 6, dado que a rela-
ção entre a norma e as avaliações se revela significativa apenas para as
crianças de 9,5 anos de idade.22 Quanto à Hipótese 8, que previa a acti-
vação da norma da lealdade endogrupal exclusivamente pelas crianças
com 6 anos de idade, os resultados da regressão linear (v. gráfico direito
da figura 5.5) confirmam a nossa hipótese, uma vez que revelam uma as-
sociação significativa e positiva entre o reconhecimento da norma e as
avaliações raciais, apenas aos 6 anos de idade.23
Finalmente testámos a Hipótese 9, de acordo com a qual a redução
do enviesamento das atitudes raciais com o aumento da idade (i. e., H.4)
seria explicada pelo reconhecimento e pela activação etários diferenciais
das normas anti-racista (i. e., H.5 e H.6, respectivamente) e da lealdade
endogrupal (i. e., H.7 e H.8, respectivamente). Como confirmação desta
hipótese, os resultados mostraram que, uma vez controlados os efeitos
implicados no reconhecimento e na activação etários diferenciais das
duas normas, a relação entre a idade das crianças e o grau de enviesa-
mento das atitudes raciais deixou de ser estatisticamente significativa.
Concretamente, isto significa que a expressão de enviesamento nas ava-
liações raciais decresce com a idade, quer porque as crianças mais novas,
apesar de reconhecerem ambas as normas, activam exclusivamente a
norma da lealdade endogrupal, quer porque as crianças mais velhas re-
conhecem e activam, exclusivamente, a norma anti-racista.

Conclusões do Estudo 2

Este estudo teve como objectivo explicar, em crianças portuguesas


brancas, com idades entre os 6 e os 11 anos, a redução do enviesamento

22
Declives estimados relativos a Norma anti-racista x Idade-Atitude: 6 anos – (β = 0,05),
b = 0,12, SE = 0,53, t(129) = 0,40, p = 0,689; 7,5 anos – (β = –0,14), b = –0,60, SE = 0,36,
t(129) = –1,67, p = 0,098; 9,5 anos – (β = –0,40), b = –1,68, SE = 0,48, t (129) = –3,49,
p = 0,001).
23
Declives estimados relativos a Norma da lealdade endogrupal: 6 anos – (β = 0,35),
b = 1,48, SE = 0,54, t (129) = 2,72, p = 0,008; 7,5 anos – (β = 0,18), b = 0,77, SE = 0,40,
t (129) = 1,93, p = 0,056; 9,5 anos – (β = –0,04), b = –0,18, SE = 0,58, t(129) = –0,30,
p = 0,765.

163
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

avaliativo favorável ao endogrupo que tipicamente ocorre com o aumento


da idade (v. Aboud 1988). Realizámos esta análise a partir da abordagem
do desenvolvimento socionormativo (Monteiro et al. 2009; Rutland 2004;
Rutland et al. 2005), designadamente, descrevendo a evolução das percep-
ções das normas anti-racista e da lealdade endogrupal e a sua influência
na expressão das atitudes raciais. Na literatura, estas duas normas têm sido
consideradas separadamente (v. Abrams et al. 2007; Abrams et al. 2003;
Abrams et al. 2008; Abrams et al. 2009; v. Abrams et al. 1990; Barreto e El-
lemers 2000; Batson et al. 1999; Castelli et al. 2007; Dovidio e Gaertner
1986; Marques et al. 1998; Monteiro et al. 2009; Noel et al. 1995; Rutland
et al. 2005). Assim, no primeiro passo da nossa análise, testámos a inde-
pendência e a associação negativa das duas normas, isto é, das percep-
ções de oposição do endogrupo à discriminação dos negros, e das per-
cepções de apoio do endogrupo à expressão de lealdade aos brancos. Os
resultados confirmaram essa hipótese: verificou-se que as duas normas
constituem constructos independentes, e que quanto maior a percepção
de oposição do endogrupo à discriminação dos negros, menor a percep-
ção de apoio endogrupal à expressão de lealdade endogrupal.
Confirmada a independência das duas normas, analisámos como evo-
lui o seu reconhecimento entre os 6 e os 11 anos de idade. Relativamente
à norma anti-racista, os resultados replicam os do Estudo 1, ou seja, as
crianças reconhecem, independentemente da idade, que o endogrupo se
opõe à discriminação dos negros. No entanto, tal como verificado no
Estudo 1, este reconhecimento consolida-se com o aumento da idade.
Quanto à norma da lealdade endogrupal, os resultados confirmaram a
hipótese proposta, ou seja, que apenas as crianças de 6 anos reconhece-
riam a normatividade no endogrupo dos comportamentos de expressão
de lealdade aos brancos. A partir dos 7 anos de idade, os comportamen-
tos de lealdade endogrupal passam a ser reconhecidos como antinorma-
tivos. Este resultado é semelhante aos resultados obtidos por Castelli e
colaboradores (2007, Estudo 3), os quais mostraram que apenas as crian-
ças brancas de 6 anos expressam preferência por, e consideram populares
os membros que favorecem o endogrupo.
Na nossa perspectiva, estes resultados sugerem que, por volta dos
6 anos de idade, estas crianças identificam correctamente as normas que
integram o referencial normativo do endogrupo, mas fazem-no de uma
forma socialmente «inapropriada», uma vez que reconhecem, num con-
texto público, que o endogrupo apoia os comportamentos de favoreci-
mento do endogrupo. Dada a incompatibilidade de utilizar as duas nor-
mas em simultâneo, e a conhecida saliência da norma anti-racista nos

164
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Cada cabeça, duas sentenças

contextos públicos (Dovidio e Gaertner 1986), será socialmente «apro-


priado» reconhecer apenas a norma anti-racista. Em apoio a esta hipótese
de que a norma da lealdade endogrupal constitui uma norma tácita e di-
ficilmente detectável em contextos públicos, pesquisas recentes demons-
traram que a preferência implícita dos adultos pelos membros leais do
seu grupo racial de alto estatuto não é reconhecida quando inquirida di-
recta e explicitamente (Castelli e Carraro 2010; Castelli et al. 2008).
Em suma, os resultados obtidos permitem-nos avançar a hipótese
mais geral de que, no domínio racial, o referencial normativo do endo-
grupo integra duas normas sociais conflituantes, mas que dada a natureza
conflituante destas normas, o reconhecimento, e porventura também a
influência da norma da lealdade endogrupal, se encontram adstritos a
contextos onde a saliência da norma anti-racista é menor, nomeada-
mente, a contextos privados (v. Allport 1979 [1954]).
Por fim, no último passo da nossa análise perguntámos se, e em que
idade, as percepções das normas anti-racista e da lealdade moldam a ex-
pressão das atitudes raciais, e se o padrão dessa influência permite explicar
o decréscimo do enviesamento nas avaliações intergrupais raciais que ti-
picamente se regista com o aumento da idade. Uma vez que se realizou
a avaliação das atitudes raciais num contexto público, e que nestas cir-
cunstâncias as crianças mais novas habitualmente expressam níveis de
enviesamento superiores aos das crianças mais velhas, avançámos a hi-
pótese de activação etária diferencial das duas normas. Concretamente,
antecipámos a saliência e um efeito de potenciação do enviesamento in-
tergrupal pela norma da lealdade endogrupal nas crianças mais novas, e
a saliência e um efeito de redução do enviesamento intergrupal pela
norma anti-racista, nas crianças mais velhas.
De acordo com a nossa hipótese, o presente estudo registou o típico
decréscimo, em contextos públicos, da expressão de enviesamento nas
atitudes raciais com o aumento da idade das crianças. Concretamente,
as crianças de 6 anos e de 7-8 anos expressaram uma avaliação favorável
ao seu grupo, ao passo que as crianças de 9-11 anos avaliaram de igual
forma os brancos e os negros. Com relevo para a explicação socionor-
mativa deste efeito, os resultados confirmaram, também, a nossa hipótese
da activação etária diferencial das normas anti-racista e da lealdade en-
dogrupal. Especificamente, num contexto público de avaliação, as crian-
ças mais novas expressaram níveis superiores de enviesamento, uma vez
que orientaram as suas avaliações por uma norma que apoia o favoreci-
mento do endogrupo, ao passo que as crianças mais velhas apresentaram
níveis inferiores de enviesamento nas suas avaliações porque se orienta-

165
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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

ram por uma norma que condena a discriminação dos negros. Global-
mente, estes resultados são consistentes com os resultados de estudos an-
teriores que registaram uma maior susceptibilidade das crianças mais
novas à activação explícita de normas favoráveis à discriminação, e uma
maior influência de normas desfavoráveis à discriminação nas crianças
mais velhas (Nesdale et al. 2005; Monteiro et al. 2009). O presente estudo
confere validade ecológica acrescida a estas evidências, designadamente
à hipótese da activação etária diferencial das normas grupais conflituan-
tes, uma vez que avaliou o impacto da percepção «real» das normas nas ati-
tudes, e não o efeito da evocação explícita dessas normas (cf. França e
Monteiro 2004; Monteiro et al. 2009; Nesdale et al. 2005).

Conclusões finais
No plano teórico, destacamos as implicações desta pesquisa para as
teorias socionormativas sobre as formas contemporâneas de expressão
do preconceito e de discriminação raciais. Na linha da Teoria Focada da
Conduta Normativa (Cialdini et al. 1991), fica patente o valor acrescentado
de uma abordagem centrada na caracterização do referencial normativo do
grupo para um determinado domínio intergrupal, e identificação dos
contextos que activam cada uma das normas do referencial. Contrapo-
mos esta abordagem àquelas perspectivas que têm apoiado a explicação
das variações na expressão das atitudes raciais na análise exclusiva do
papel de uma norma anti-racista (cf. Dovidio e Gaertner 1986). De facto,
na nossa pesquisa, só a consideração simultânea das normas anti-racista
e da lealdade endogrupal permitiu elucidar o processo dinâmico de mo-
dificação da expressão das atitudes raciais nas crianças.
Concretamente, consideramos que a presente hipótese de um refe-
rencial grupal normativo conflituante complementa as hipóteses da Teo-
ria das Normas Grupais (Sherif e Sherif 1953). Esta teoria explica as ati-
tudes preconceituosas dos indivíduos a partir das normas do grupo de
referência, e as variações contextuais do comportamento, a partir da exis-
tência de múltiplos grupos de referência com normas conflituantes, com
os quais os indivíduos se identificam. Ora, na presente abordagem, pro-
pomos que um único grupo de referência possa, pela inclusão no refe-
rencial normativo de normas sociais conflituantes, promover ele próprio
comportamentos inconsistentes.
Consideramos que a hipótese de um referencial grupal normativo
conflituante tem também implicações para as teorias contemporâneas

166
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Cada cabeça, duas sentenças

da expressão do preconceito racial que articulam uma explicação socio-


normativa da inibição do preconceito com uma explicação cognitiva da
manutenção de enviesamentos avaliativos (e. g., Gaertner e Dovidio 1986;
McConahay 1986). Na presente abordagem, mantemos a explicação so-
cionormativa da expressão do preconceito racial, quer para os contextos
em que o preconceito é abertamente comunicado, quer para os contextos
em que é ocultado. Em suma, entendemos que a análise dos equilíbrios
entre normas sociais conflituantes no interior dos referenciais normativos
dos grupos poderá ajudar a elucidar a resiliência «paradoxal» do status quo
racista em sociedades onde a oposição à discriminação racial é visível e
forte.
Consideramos que esta pesquisa tem implicações também para o de-
senvolvimento de intervenções que visem a redução da expressão do pre-
conceito racial e a promoção de relações intergrupais positivas. Na Psi-
cologia Social, os modelos actuais de redução do preconceito na infância
têm-se focado, ou na promoção do contacto intergrupal (directo ou vi-
cariante) e/ou na reconfiguração cognitiva das identidades grupais (para
uma revisão, v. Gaertner, Dovidio, Guerra, Rebelo, Monteiro, Riek e
Houlette 2008), relegando para um segundo plano os factores socionor-
mativos (cf. Teoria do Contacto Intergrupal, Allport 1979 [1954]). Neste
aspecto, a presente pesquisa sugere duas vias possíveis de intervenção de
pendor normativo em contexto escolar: uma centrada no reforço da vi-
sibilidade e da importância da mensagem anti-racista, e a outra focada
na desconstrução da ideia de benignidade da lealdade endogrupal apli-
cada ao domínio das relações raciais.
Uma vez que a norma anti-racista é reconhecida pelas crianças que se
encontram a frequentar o 1.º ano de escolaridade, uma intervenção em
contexto escolar deverá adoptar uma abordagem que extravase, quer os
eventos que apenas sublinham os aspectos exóticos das culturas minori-
tárias, quer a «mera» vigilância e punição dos comportamentos desvian-
tes; a intervenção deverá adoptar um perspectiva proactiva e preventiva
capaz de aumentar a visibilidade institucional da norma e de a posicionar
entre as normas mais importantes da cultura da escola. Para o efeito, po-
derá considerar-se a realização de actividades, tais como, a afixação de
cartazes elaborados pelos alunos alusivos à temática da interculturalidade,
a discussão na sala de aula das várias formas e consequências da discri-
minação racial, por exemplo, com recurso ao relato de experiências de
crianças ou de adultos em situação minoritária, até iniciativas mais epi-
sódicas como a celebração do Dia Internacional para a Eliminação da
Discriminação Racial. Uma vez que estas iniciativas visam o reforço de

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Ricardo B. Rodrigues, Maria Benedicta Monteiro e Adam Rutland

uma norma, a sua eficácia será tanto maior, quanto maior o envolvi-
mento dos alunos, dos vários agentes educativos e da comunidade em
geral.
Considerando que as normas anti-racista e da lealdade endogrupal se
encontram negativamente associadas (v. Estudo 2), isto é, são entendidas
como prescrições normativas contraditórias, podemos supor que o re-
forço da norma anti-racista visado nas actividades acima referidas, con-
tribua, concomitantemente, para a proscrição da norma da lealdade en-
dogrupal. No entanto, a lealdade grupal é explicitamente valorizada em
vários contextos intergrupais que envolvem outro tipo de categorias
(e. g., nas equipas de futebol; v. Tajfel, Billig, Bundy e Flament 1971), e
porventura pelos pais quando «preparam» os filhos para os contactos
com crianças de outros grupo raciais. Para além disto, as suas expressões
são, frequentemente, subtis e de difícil atribuição às categorizações de
raça. Por exemplo, a formação de um grupo de amigos que não integra,
e resiste, à entrada de crianças negras pode não preocupar os adultos, ou,
pelo menos, não tanto quanto a expressão verbal de preconceito incom-
patível com a norma anti-racista. No entanto, constitui um comporta-
mento consistente com a orientação normativa de lealdade ao grupo e,
simultaneamente, uma expressão insidiosa de discriminação racial com
consequências severas para as crianças discriminadas e excluídas. Neste
sentido, é indispensável que a intervenção seja capaz de sinalizar certos
comportamentos de lealdade ao grupo como inadequados e contrários
ao princípio da igualdade subjacente à norma anti-racista.
Em conclusão, a presente pesquisa sustenta que, na infância, a expres-
são de preconceito racial pelas crianças portuguesas brancas num con-
texto público controlado pelo endogrupo é enquadrada por duas normas
sociais conflituantes: uma norma anti-racista que proíbe a discriminação
dos negros, e uma norma da lealdade ao endogrupo que promove o fa-
vorecimento dos brancos. O Estudo 1 demonstrou que a norma anti-ra-
cista é reconhecida entre os 5 e os 10 anos de idade, e que a metacognição
desempenha um papel facilitador na consolidação desse reconhecimento.
Os resultados do Estudo 2 confirmaram o reconhecimento precoce da
norma anti-racista, e revelaram que as crianças mais novas identificam,
paralelamente, a existência de uma norma conflituante que apoia os com-
portamentos de lealdade endogrupal. Este estudo revelou, também, a li-
gação estreita entre estas normas sociais grupais e as atitudes intergrupais,
concretamente, que as normas anti-racista e da lealdade endogrupal mo-
delam a expressão do preconceito racial. Com relevo para a explicação
do decréscimo do preconceito racial que tem sido tipicamente observado

168
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Cada cabeça, duas sentenças

com o aumento da idade e em contextos de controlo social, os resultados


mostraram que a influência de cada uma das normas variou de acordo
com a idade das crianças – a norma da lealdade endogrupal potenciou a
expressão de preconceito racial nas crianças de 6 anos de idade, enquanto
a norma anti-racista constrangeu a expressão de preconceito nas crianças
de 9-11 anos.
Em suma, apesar de a norma anti-racista ser reconhecida pelas crian-
ças portuguesas brancas a partir dos 6 anos de idade, a sua eficácia na re-
dução da expressão pública de preconceito racial é comprometida nas
crianças mais novas pela influência dominante de uma norma confli-
tuante da lealdade endogrupal, que favorece, justamente, a expressão de
preconceito racial. Portanto, para as crianças de 6 anos em contextos pú-
blicos, e porventura para as crianças mais velhas, adolescentes e adultos
em contextos privados, a norma da lealdade ao endogrupo constitui um
contra-peso que compromete a realização plena dos propósitos da norma
anti-racista, uma barreira à eliminação das assimetrias entre grupos raciais
e uma força social de manutenção do status quo racista, que urge deso-
cultar e condenar.

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Cícero Roberto Pereira

Capítulo 6

Normas sociais e legitimação


da discriminação
Neste capítulo analisamos o papel de normas sociais num dos gran-
des paradoxos nas sociedades contemporâneas ainda não compreendido
em profundidade: a permanência de discriminação flagrante contra pes-
soas pelo simples facto de estas serem percebidas como membros de alguns
grupos ou categorias sociais e não de outros, discriminação que se mantém
mesmo em sociedades orientadas por normas, princípios constitucionais
e procedimentos jurídicos que condenam firmemente a expressão de pre-
conceito e atitudes discriminatórias. Para o efeito recorremos à ideia de
mecanismos de legitimação como elemento-chave para identificarmos o
papel central das normas sociais na compreensão desse paradoxo.
A primeira questão que colocamos é a de saber quais são os mecanis-
mos psicossociais que estão subjacentes ao facto de as pessoas (e também
as instituições democráticas) discriminarem sem serem acusadas de pre-
conceito. A nossa hipótese assenta na ideia de que o pensamento social
desenvolveu mecanismos psicossociais que permitem ao actor da acção
discriminatória dissimular a natureza preconceituosa de sua acção. Por
exemplo, dificilmente alguém organizaria ou mesmo participaria numa
manifestação pública contra a imigração fundamentando a sua acção na
ideia de que os imigrantes pertencem a uma «raça» menos dotada ou vêm
de uma «etnia» inferior, pois, se assim o fizesse, certamente estaria sujeito
à prisão por racismo.1 No entanto, as pessoas podem demostrar publica-

1
Aspas nossas na palavra «raça» para indicar que neste texto ela aparecerá sempre entre
comas porque, objectivamente, «raça» como entidade biológica ou como subtipo ou ca-
tegorias de pessoas não existe (Gould 1991). De acordo com a nossa perspectiva, o argu-
mento que invalida a classificação dos seres humanos em «subtipos raciais» fundamenta-
-se menos na crença de que «somos todos iguais», mas sim no facto de que «somos todos

171
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Cícero Roberto Pereira

mente a sua oposição à imigração, ou mesmo organizar e participar em


manifestações anti-imigração, sem correr o risco de ser acusada de pre-
conceito ou racismo. Normalmente, as pessoas expressam a sua oposição
à imigração com base no argumento de que os imigrantes representam
uma ameaça ao bem-estar económico, contribuem para o aumento da
criminalidade e enfraquecem a identidade cultural da sociedade de aco-
lhimento (Vala, Lopes, e Brito 1999). A nossa ideia é a de que a discrimi-
nação é condenável apenas quando o argumento usado para discriminar
assenta no facto de a pessoa-alvo ser percepcionada como membro de
um grupo protegido pela norma antipreconceito. Consequentemente,
se o acto discriminatório puder ser atribuído a motivações diferentes da
pertença das pessoas a estas categorias, estará justificado e será isento
de penalização. A nossa principal hipótese assenta no pressuposto de que
o pensamento social se adapta e reforça esta possibilidade e desenvolve
mecanismos através dos quais as pessoas possam exprimir atitudes e com-
portamentos discriminatórios, sem que sejam censuradas quer penal-
mente, quer socialmente, por violarem a norma antipreconceito. Nesse
cenário, actos discriminatórios podem ser interpretados como discrimi-
nação justificada (i. e., a discriminação sem preconceito).
A segunda questão que colocamos é a de saber em que medida o re-
curso às justificações é, per se, motivado pelo preconceito. Pensamos que
o uso de argumentos que não invocam a pertença do alvo da discrimi-
nação aos grupos ou categorias sociais protegidas pela norma pode ser o
mecanismo psicossocial que permite ao pensamento social legitimar a
discriminação nas sociedades democráticas. Seguindo este raciocínio,
apresentamos aqui argumento teórico e evidência empírica que mostram
a actuação deste mecanismo na expressão de comportamentos discrimi-
natórios. Analisamos com especial atenção o papel da norma antipre-
conceito na necessidade de as pessoas recorrerem a factores percebidos
como justificadores para legitimarem o seu apoio a políticas discrimina-
tórias contra pessoas vistas como membros de grupos minoritários.

igualmente diferentes» (v. Todorov 2000, para um argumento similar elaborado noutra
perspectiva). O nosso ponto de vista é baseado na evidência sobre a existência de mais di-
ferenças entre os indivíduos categorizados em supostos «grupos raciais» do que entre os
supostos «grupos raciais» (v. Dunn 1960). Mesmo assim, na lógica do pensamento de senso
comum, e no sistema jurídico da maioria das sociedades ocidentais, a ideia de «raça» é re-
correntemente usada como uma forma de categorização de pessoas com base na suposição
de que pertencem a populações diferentes. Por isto, o simples uso descritivo ou metafórico
da ideia de «raça» enquanto categoria linguística para referir e identificar pessoas é, per se,
uma das características do pensamento racista. O mesmo princípio aplica-se à ideia de
«etnia» e, portanto, o uso desta palavra também aparecerá entre aspas.

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Normas sociais e legitimação da discriminação

Discriminação sem preconceito?


A discriminação contra grupos minoritários tem sido exaustivamente
analisada por várias perspectivas teóricas na Psicologia Social (v. Duckitt
1992; Fiske 1998). Por exemplo, estudos desenvolvidos no âmbito da
perspectiva conhecida por «conservadorismo por princípio» revelam
que a discriminação pode ser motivada mais pela adesão sincera das
pessoas a princípios e ideias não preconceituosas do que pelo precon-
ceito. De facto, Sniderman e colaboradores (v., por exemplo, Coenders,
Scheepers, Sniderman e Verberk 2001; Sniderman, Brody e Kuklinski
1984; Sniderman, Piazza, Tetlock e Kendrick 1991) mostraram que a
oposição de norte-americanos brancos às políticas de acção afirmativa
pró-negros estava menos correlacionada com o preconceito antinegros
do que com a percepção de que as acções afirmativas violam a norma
da equidade e, portanto, são percebidas como injustas. Neste caso, ac-
ções discriminatórias, ou o apoio à manutenção do status quo, são in-
terpretadas como forma de discriminação justificada porque a sua mo-
tivação não estaria assente em crenças preconceituosas, mas sim no
princípio de justiça.
Recentemente, este fenómeno foi verificado sobretudo nas pessoas
mais alfabetizadas. Por exemplo, usando dados representativos da popu-
lação norte-americana, Reyna, Henry, Korfmacher e Tucker (2005) cons-
tataram que a oposição às políticas de acção afirmativa é mais forte
quando são dirigidas a pessoas de cor negra do que quando beneficiam
as mulheres, sendo menor esta discrepância nas pessoas com maior es-
colarização. De acordo com Reyna et al., as pessoas mais alfabetizadas
são menos sensíveis ao alvo das políticas afirmativas porque a sua oposi-
ção não seria motivada pelo racismo, mas sim por acreditarem que essas
políticas são injustas por violarem o valor da equidade. No entanto, estes
autores também verificaram que essa oposição pode não ser completa-
mente isenta de racismo. De facto, as pessoas mais escolarizadas com po-
sições políticas conservadoras opuseram-se mais às acções afirmativas pró-
negros e esta oposição foi baseada na percepção de que as pessoas negras
são responsáveis pela sua posição social e merecem estar numa situação
socioeconómica desfavorecida porque trabalham pouco. Ainda que essa
percepção tenha emergido como variável explicativa mais importante do
que o preconceito e o racismo explícito, os resultados desse estudo suge-
rem a possibilidade de a crença na ideologia da meritocracia poder ser
usada como argumento para a oposição às políticas afirmativas, sendo
essa crença motivada pelo racismo.

173
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Cícero Roberto Pereira

Essa possibilidade foi analisada por Bobocel et al. (1998) num estudo
em que analisaram a relação entre o racismo e a oposição de norte-ame-
ricanos brancos a diversas modalidades de políticas de acção afirmativa.
Os seus resultados confirmaram a hipótese de que a ideia de que as acções
afirmativas são injustas porque desrespeitam os princípios do mérito é
melhor preditora da oposição às acções afirmativas do que o racismo.
No entanto, e de maior importância para a compreensão dos processos
psicossociais que actuam na discriminação, os resultados também mos-
traram que a crença na ideologia do mérito era fortemente predita pelo
racismo. Essa ideologia actuava como mediadora na relação entre o ra-
cismo e a oposição dos participantes às acções afirmativas. Estes resulta-
dos permitem-nos pensar que a discriminação pode estar a reflectir um
processo de legitimação que precisa de ser analisado de forma mais de-
talhada, considerando o papel da norma antipreconceito e da meritocra-
cia nesse processo.

Consequência da pressão normativa:


a discriminação justificada
A teoria sobre os processos de influência social desenvolvida por Kel-
man (1958), e a investigação experimental por ele realizada, especificam
três mecanismos através dos quais as pessoas seguem uma mensagem nor-
mativa. O primeiro mecanismo é o de que as pessoas podem seguir as
normas simplesmente pela necessidade de obtenção de recompensas e de
evitação de punições sociais. Neste caso, as pessoas cumprem uma pres-
crição normativa não porque tenham internalizado os valores que susten-
tam a norma, mas porque o seu cumprimento é um instrumento através
do qual podem obter aprovação social. Este processo sugere que o não-
-cumprimento da norma necessita de ser socialmente legitimado, isto é,
as pessoas precisam de justificar publicamente o seu comportamento com
argumentos aceites como válidos pela fonte da influência normativa.
O segundo mecanismo de influência social proposto por Kelman prevê
que as pessoas podem seguir a norma porque se identificam com a fonte
da influência normativa, ainda que não concordem com a norma em si.
A fonte da influência são, na maioria das situações, os grupos sociais aos
quais as pessoas pertencem e que constituem a base da sua identidade so-
cial (e. g., Tajfel 1982). Neste caso, a acção social é guiada pela necessidade
de as pessoas se sentirem aceites pelos outros membros do grupo (Cialdini
e Goldstein 2004). Situações de não-cumprimento da norma necessitam

174
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Normas sociais e legitimação da discriminação

de ser legitimadas através do uso de justificações aceites pelo grupo. Fi-


nalmente, o terceiro mecanismo prevê que as pessoas seguem a norma
porque podem ter internalizado o valor que sustenta essa norma. Neste
caso, as pessoas seguem as normas quando estas são coerentes com as
crenças e os valores previamente internalizados (Cialdini e Trost 1998;
Kelman 1961) ou salientes num determinado contexto social (Pereira
2009). Situações de não-cumprimento da norma são fontes de ameaça ao
autoconceito e, portanto, necessitam de ser legitimadas através do uso de
justificações consideradas «pessoalmente» e «socialmente» válidas.
Esses processos de influência normativa têm sido identificados desde
os anos de 1950 nos estudos sobre preconceito, racismo e discriminação
(e. g., Pettigrew 1958). Por exemplo, num estudo clássico sofre a influência
do contexto normativo na interacção entre trabalhadoras negros e bran-
cos dentro e fora de uma mina de carvão em Pocahontas, Sul dos EUA,
Minard (1952) verificou que os trabalhadores brancos expressavam ati-
tudes e comportamentos igualitários face aos trabalhadores negros
quando estavam dentro das minas de carvão. No entanto, Minard cons-
tatou ausência de interacção social e atitudes menos positivas quando os
trabalhadores estavam fora da minas. Estes resultados levaram Minard a
concluir que os trabalhadores brancos agiram claramente em conformi-
dade com as normas sociais em ambos contextos. Enquanto dentro das
minas seguiram a norma igualitária, fora das minas foram influenciados
pela pressão da norma da segregação racial.
Mais recentemente, Pettigrew e Meertens (1995) realizaram uma aná-
lise dos resultados do Eurobarómetro do Outono de 1988 na qual cons-
tataram que os europeus tinham reorganizado as suas crenças sobre os
imigrantes num padrão que diferenciou o preconceito tradicional e fla-
grante (i. e., atribuição de inferioridade a pessoas percebidas como dife-
rentes e de expressão do sentimento de ameaça à «pureza do endogrupo»)
do preconceito mais subtil caracterizado pela crença na inferioridade cul-
tural de imigrantes de países percebidos como culturalmente diferentes.
Verificaram também que os entrevistados expressaram mais preconceito
subtil do que preconceito flagrante, indicando uma clara mudança na
expressão de preconceito, caracterizada pela diminuição da expressão de
preconceito com base na ideia de inferioridade racial e pelo aumento da
crença na inferioridade cultural do exogrupo.2 Essa mudança representava

2
Este mesmo padrão de resultados foi verificado no contexto português, como mos-
trado num estudo realizado por Vala, Brito e Lopes (1999) com uma amostra represen-
tativa da população de Lisboa.

175
06 Normas, Atitudes Cap. 6_Layout 1 10/24/12 4:45 PM Page 176

Cícero Roberto Pereira

as relações dos indivíduos com as diferentes modalidades de influência


normativa. Com base nas ideias de Kelman (1958) acima anunciadas,
Pettigrew e Meertens (1995) sugeriram que a mudança na expressão do
preconceito poderia indicar rejeição, conformidade ou interiorização das
normas. A expressão do preconceito flagrante corresponderia à rejeição
da norma antipreconceito, enquanto o preconceito subtil ou cultural in-
dicava aceitação formal ou mero cumprimento da norma na medida em
que a expressão subtil de preconceito acompanhava manifestações ocul-
tas do preconceito racial que não envolvem auto-identificação como uma
pessoa preconceituosa. Apenas atitudes igualitárias caracterizadas pela re-
jeição da crença na inferioridade cultural e biológica das pessoas percep-
cionadas como membros de exogrupos corresponderia à interiorização
da norma antipreconceito.
O papel das diferentes modalidadess de influência social na relação
entre a norma antipreconceito tem merecido destaque na investigação
sobre a legitimação da discriminação. Essa legitimação tem sido especial-
mente estudada nos contextos normativos que favorecem a justificação
da discriminação. Um exemplo é a investigação conduzida por Dovidio
e colaboradores no âmbito da teoria do racismo aversivo (v. Dovidio e
Gaertner 1998; Gaertner e Dovidio 1986). Esta teoria foi elaborada para
explicar os comportamentos discriminatórios de indivíduos que se auto-
representam como não-preconceituosos e que consciente e sinceramente
acreditam que são justos e igualitários. A teoria especifica que os racistas
aversivos precisam de alguma justificação para discriminar porque inter-
nalizaram a norma antipreconceito. Consequentemente, a teoria prevê
que estes indivíduos sintam tensão, desconforto e ansiedade em situações
inter-raciais (v. Dovidio e Gaertner 1998), as quais são evitadas, princi-
palmente pelas pessoas que genuinamente defendem o valor da igual-
dade. No estudo clássico que serviu de base para essa teoria, Gaertner
(1973) realizou uma chamada telefónica a participantes previamente iden-
tificados como igualitários (i. e., membros do Partido Democrata) e a par-
ticipantes que se definiam como conservadores (i. e., membros do Partido
Republicano). Gaertner fez-lhes acreditar que alguém que precisava da
ajuda de um mecânico se teria enganado ao marcar o número e já não
tinha dinheiro para fazer outra chamada para o número correcto. A cor
da pele dessa pessoa pode ser identificada através do sotaque e do uso
de expressões verbais percebidas como estereotípicas de pessoas negras
ou de pessoas brancas. A ajuda solicitada aos participantes consistia ape-
nas em telefonar ao serviço mecânico indicando a localização do carro
supostamente avariado. Os resultados mostraram que os participantes

176
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Normas sociais e legitimação da discriminação

conservadores ajudaram menos quando acreditavam que a ajuda era para


uma pessoa negra. Os participantes liberais definidos por Gaertner e Do-
vivio como igualitários não discriminaram. Eles ajudaram igualmente ne-
gros e brancos. No entanto, os resultados mais elucidativos sobre a emer-
gência de um padrão de resposta aversivo emergiram na análise do
comportamento dos participantes que desligaram o telefone antes de es-
cutarem o pedido de ajuda. Gaertner verificou que os participantes igua-
litários desligaram o telefone mais rapidamente quando acreditavam estar
a atender uma chamada feita por uma pessoa de cor negra do que quando
pensavam que a chamada era de uma pessoa branca. Isto é, a discrimina-
ção ocorreu antes que o motorista exprimisse a sua necessidade de ajuda,
não sendo, portanto, inapropriado terminar a conversação com o telefo-
nista. A interpretação para este efeito é a de que os participantes iguali-
tários desligaram o telefone antes de ouvirem o pedido de ajuda porque
encerrar uma conversa ao telefone nesta situação era socialmente mais
aceitável do que recusar ajuda a uma pessoa de cor negra, caso tivessem
esperado que o telefonista indicasse que necessitava de ajuda. Esses re-
sultados levaram Gaertner e Dovidio (1986) a concluir que a discrimina-
ção ocorre quando o contexto normativo é ambíguo sobre o significado
de uma acção, permitindo às pessoas invocarem justificações não-racistas
para o seu comportamento. Este efeito foi amplamente verificado nos
estudos subsequentes sobre a discriminação no comportamento de ajuda
(e. g., Gaertner e Dovidio 1977; Gaertner, Dovidio e Johnson 1982) e
foram confirmados numa meta-análise realizada por Saucier, Miller e
Doucet (2005).
Um exemplo de como a ambiguidade do contexto normativo favo-
rece a justificação da discriminação foi também mostrado por Hodson,
Hooper, Dovidio e Gaertner (2005) num estudo sobre o julgamento de
uma pessoa acusada de ter realizado um assalto a um banco. Neste es-
tudo, os participantes leram o processo judicial com a descrição detalhada
do caso e apresentava provas recolhidas com base em exames de ADN
mostrando evidência sobre a culpabilidade do acusado. Numa condição
experimental, o acusado era descrito como negro, enquanto noutra con-
dição era apresentado como branco. Além disso, numa situação era dito
aos participantes que a forma como as provas tinham sido obtidas era
considerada válida pelo juiz responsável pelo processo e que, portanto,
deveriam ser usadas no julgamento. Noutra situação, os participantes
liam que as provas tinham sido obtidas de forma não válida e deveriam
ser ignoradas no julgamento. Os resultados mostraram que os partici-
pantes não discriminaram os acusados negros na situação em que as pro-

177
06 Normas, Atitudes Cap. 6_Layout 1 10/24/12 4:45 PM Page 178

Cícero Roberto Pereira

vas eram consideradas válidas. No entanto, na situação em que lhes era


dito que não considerassem como válidas as provas obtidas, o acusado
descrito como negro foi mais vezes considerado culpado, recebeu con-
denação mais severa e foi-lhe atribuída maior propensão à reincidência
e menor probabilidade de recuperação do que ao acusado descrito como
branco. Este efeito sugere que a situação em que a prova não deveria ser
considerada no julgamento transmitiu uma mensagem normativamente
ambígua sobre o significado da decisão. Os participantes puderam con-
denar mais severamente o acusado negro porque a condenação poderia
ser justificada com base num argumento não preconceituoso: a evidência
de culpabilidade, mesmo esta sendo obtida de forma ilegal.
A ambiguidade do contexto normativo como justificação da acção
discriminatória tem sido analisada de forma mais directa na investigação
sobre a discriminação contra pessoas negras no acesso ao emprego. Por
exemplo, Dovidio e Gaertner (2000) realizaram um estudo sobre o papel
de justificações na decisão de participantes brancos sobre a contratação
de candidatos negros e brancos para um emprego. Os participantes foram
aleatoriamente colocados numa de três situações. Numa das situações,
as informações que receberam sobre cada candidato indicavam que estes
preenchiam todos os requisitos necessários para a contratação (i. e., os
candidatos tinham «boas qualificações» para o emprego). Noutra situa-
ção, as informações mostravam que todos os candidatos tinham «más
qualificações» (i. e., não preenchiam os requisitos exigidos). Finalmente,
na terceira situação as informações sobre as qualificações dos candidatos
eram ambíguas (i. e., os candidatos preenchiam alguns requisitos, mas fa-
lhavam noutros). Os resultados mostraram que os participantes usaram
uma estratégia igualitária (i. e., decidiram contratar a mesma proporção
de brancos e de negros) na sua decisão sobre a contratação na situação
em que os candidatos ao emprego foram apresentados como «bem qua-
lificados» e na situação em que foram descritos como «mal qualificados».
A discriminação ocorreu apenas na situação em que as informações eram
ambíguas sobre as qualificações dos candidatos. Os participantes decidi-
ram contratar mais candidatos brancos do que negros. De acordo com
Dovidio e Gaertner (2000), a discriminação não ocorreu nas duas pri-
meiras situações porque o contexto normativo delimitou de forma ex-
plícita o significado da acção: a selecção de mais candidatos brancos in-
dicaria uma rejeição por pessoas negras pelo simples facto de serem negras
e, portanto, os participantes não tinham disponíveis justificações não
preconceituosas para justificar a sua escolha. Contudo, a situação de am-
biguidade definia um contexto normativo no qual o significado da acção

178
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Normas sociais e legitimação da discriminação

não estava definido de forma clara, o que dava aos participantes a possi-
bilidade de justificar a sua acção com argumentos aparentemente «não
preconceituosos» para discriminar. Os participantes nessa situação inter-
pretaram a ambiguidade das qualificações dos candidatos brancos como
indicadora de boas qualificações, enquanto julgaram as qualificações am-
bíguas dos candidatos negros como más qualificações. Resultados simi-
lares foram obtidos por Hodson, Dovidio e Gaertner (2002) num estudo
sobre a admissão de candidatos negros e brancos para a universidade.
Com base nestes resultados, Dovidio e Gaertner (2000) concluíram que
os racistas aversivos discriminam apenas quando o contexto normativo
é suficientemente ambíguo sobre o significado da acção, permitindo às
pessoas justificarem a sua acção recorrendo a critérios não preconceituo-
sos. O problema desta interpretação está no facto de os estudos realizados
no âmbito deste paradigma não terem avaliado directamente se os parti-
cipantes perceberam a discriminação dos candidatos negros como justa
e legítima. Isto é, não é possível saber se a ambiguidade do contexto nor-
mativo activou o uso de justificações para a discriminação.
Para avaliar de forma mais directa o papel das justificações da discri-
minação contra pessoas negras no acesso ao emprego, realizamos um es-
tudo com estudantes universitários no qual apresentamos a participantes
brancos um cenário sobre um processo de selecção para um emprego em
que o gestor de uma loja num centro comercial tinha optado pela con-
tratação de uma candidata de cor branca, discriminando uma de cor
negra, mesmo esta possuindo qualificações para o emprego exactamente
iguais às qualificações da candidata de cor branca. À metade dos estudan-
tes demos a informação de que o gestor não era uma pessoa preconcei-
tuosa. Preferiu contratar a candidata branca «porque a sociedade é pre-
conceituosa, e prefere ser atendida por empregadas brancas. A contratação
de empregadas negras poderia representar uma ameaça para os negócios
da loja». A outra metade dos participantes não recebeu qualquer indicação
sobre os motivos da discriminação. Pretendíamos verificar se a disponi-
bilidade de uma justificação, baseada na ideia de que o gestor seguiu «as
leis do mercado», influenciava a percepção dos participantes sobre a legi-
timidade da discriminação e a decisão que teriam se lhes fosse delegada
a tarefa de decidir sobre a contratação. Os resultado que apresentamos
na figura 6.1 são elucidativos. Os participantes para quem a discriminação
foi justificada com base nas «leis de mercado» perceberam a decisão do
gestor como mais justa e legítima e indicaram que, se estivessem na situa-
ção daquela, também teriam contratado a candidata branca. Os partici-
pantes para quem não oferecemos justificações para a discriminação per-

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Cícero Roberto Pereira

Figura 6.1 – Efeito da justificação na legitimidade, na percepção de justiça


e na decisão dos participantes de contratar a candidata branca

5
Valores médios

1
Legitimidade Percepção de justiça Decisão sobre a contratação

Discrimnação justificada Discriminação não justificada

Nota: Valores mais elevados indicam maior legitimidade percebida, maior percepção de justiça e
maior intenção de contratar a candidata branca relativamente à candidata negra.

ceberam a decisão do gestor como injusta e ilegítima e indicaram ter uma


posição neutra sobre a candidata a ser contratada (v. Pereira, Torres e Al-
meida 2003).3
Os resultados deste estudo são particularmente importantes para com-
preendermos o mecanismo através do qual a discriminação é legitimada.
Em primeiro lugar, mostram que a intenção de discriminar uma pessoa
negra depende de justificações. Em segundo lugar, indicam que mesmo
um acto de discriminação flagrante pode ser legitimado quando é justi-
ficado com base num argumento «aparentemente não preconceituoso»,
tal como a necessidade de seguir as leis de mercado.
A questão que agora levantamos é a de saber o que leva as pessoas a
recorrerem a justificações para discriminar. Isto é, as investigações acima
descritas não nos permitem saber o que leva os participantes brancos a
interpretarem as qualificações ambíguas de candidatos brancos como

3
O efeito da manipulação da justificação é significativo nas três variáveis dependentes:
F Justiça (1, 117) = 21,44; p < 0,001, η2p = 0,16; F Legitimidade (1,117) = 34,73, η2p = 0,24;
p < 0,001; F Decisão(1,117) = 15,09; p < 0,001, η2p = 0,12.

180
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Normas sociais e legitimação da discriminação

«boas qualificações» e a de negros como «más qualificações» nos estudos


realizados por Dovidio e colaboradores (Dovidio e Gaertner 2000; Hod-
son et al. 2002), nem o que leva as pessoas a aceitarem que a contratação
de pessoas negras representa uma ameaça às «leis de mercado».

Discriminação justificada ou preconceito


dissimulado?
Uma possível resposta para as questões que colocamos é a de que o
preconceito ainda é a principal fonte de discriminação (e. g., Federico e
Sidanius 2002; Pettigrew e Meertens 1995). Por exemplo, Sidanius e
Pratto (1999) propuseram que muitos argumentos percebidos como «li-
vres de preconceito», frequentemente invocados para justificar a discri-
minação, podem, mesmo assim, carregar preconceito e ser estrategica-
mente usados para legitimar as desigualdades sociais e contribuir para a
manutenção do status quo (v. Jost, Banaji e Nosek 2004). De acordo com
esta perspectiva, a discriminação envolve um processo mais elaborado
de legitimação no qual o preconceito ocupa um papel central, mas a sua
influência ocorre de forma indirecta e não facilmente identificável. Mas
por que razão as pessoas necessitam de legitimar o seu comportamento
quando este é discriminatório?

A necessidade de dominação social


A Teoria da Dominância Social desenvolvida por Sidanius e Pratto
(1999) ajuda-nos a compreender este processo ao propor a hipótese de
que as pessoas recorrem a mitos legitimadores como justificação para dis-
criminar. Os mitos legitimadores são crenças ideológicas usadas por
membros de grupos maioritários para legitimar a sua hegemonia e do-
minação sobre os grupos minoritários. Sidanius e Pratto formularam a
teoria da dominância social com o objectivo de descrever o mecanismo
através do qual os processos psicológicos, estruturais, ideológicos e ins-
titucionais contribuem para a produção e a manutenção das desigualda-
des sociais (v. Pratto, Sidanius, Stallworth e Malle 1994; Sidanius, Liu,
Shaw e Pratto 1994; Sidanius, Pratto e Bobo 1996). A teoria especifica
que muitas das formas de conflito e de opressão «intergrupais» podem
ser compreendidas como manifestações de motivações humanas básicas
para formar hierarquias entre os grupos sociais. Neste sentido, os sistemas
sociais estão sujeitos à influência tanto da motivação para promoção da

181
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Cícero Roberto Pereira

hierarquia, produzindo desigualdades sociais, como da motivação para


atenuação da hierarquia, produzindo igualdade entre os grupos sociais.
A teoria define essa motivação como orientação para a dominância social
(SDO) e propõe que a sua expressão pode ser observada no apoio das
pessoas às desigualdades sociais e na permanência de dominação de gru-
pos maioritários sobre minoritários.
A nível empírico, vários estudos têm mostrado resultados que corro-
boram os postulados da teoria. Por exemplo, tem-se verificado que indi-
víduos (para uma revisão, ver Pratto 1999) e grupos sociais (e. g., Pratto,
Stallworth, Sidanius e Siers 1997; Sidanius et al. 1994) com posições em
instituições orientadas pela promoção (vs. atenuação) da hierarquia têm
escores mais elevados na SDO. Também há vasta evidência na literatura
sobre a relação entre a SDO e a discriminação, especialmente na discri-
minação contra pessoas de cor negra no acesso ao emprego (e. g., Levin,
Sidanius, Rabinowitz e Federico 1998; Major et al. 2002). Por exemplo,
Federico e Levin (e. g., Pratto e Espinoza 2001) constataram que a SDO
e os mitos legitimadores estavam relacionados com o preconceito de
brancos contra negros (Federico e Levin 2004), nos Estados Unidos, e de
israelitas contra árabes, em Israel. De maior importância para o teste da
teoria, Sidanius e Pratto (1999; v. também Danso e Esses 2001) mostra-
ram que a relação entre a SDO e vários indicadores de discriminação
(oposição à ajuda governamental às minorias e oposição às acções afir-
mativas) foi mediada pelos mitos legitimadores (e. g., crença no valor do
conservadorismo e na ética protestante) e Sidanius e Pratto (1999) verifi-
caram que a relação entre a SDO e a oposição às acções afirmativas nos
EUA foi mediada por justificações para essa oposição (e. g., a crença de
que as acções afirmativas são injustas e que aumentam o conflito «racial»).
Assim, ao menos a nível correlacional, esses estudos mostram alguma
evidência empírica para a hipótese de que o uso de mitos legitimadores
pode ser o processo psicológico através do qual a SDO motiva a discri-
minação. Além disso, esses estudos sugerem a possibilidade de esses mitos
serem usados de forma estratégica e deliberativa pelos actores sociais para
dar legitimidade a discriminação contra grupos minoritários.

A necessidade de justificação do status quo

Uma resposta para a necessidade de justificação foi proposta por Jost


e Banaji (1994) na Teoria da Justificação do Sistema. Essa teoria prevê
que as pessoas procuram ou mesmo elaboram justificações para legitimar
as desigualdades sociais porque existe nelas uma motivação psicológica

182
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Normas sociais e legitimação da discriminação

básica, designada «motivo de justiça», que as impulsiona a percepciona-


rem como legítima a forma como a sociedade está organizada. Jost e Ba-
naji definiram a justificação do sistema 4 como o processo psicológico
através do qual as pessoas justificam a forma como a sociedade está or-
ganizada, de tal modo que as desigualdades sociais são percepcionadas
como legítimas, naturais e necessárias. Essa definição vai ao encontro da
teoria da dominância social na medida em que considera que a motiva-
ção para a justificação varia interindividualmente, é regulada pela SDO
e, sobretudo, forma a base motivacional que alimenta o conservadorismo
político (v. Jost, Glaser, Kruglanski e Sulloway 2003).5 As duas questões
principais que a teoria procura responder são as seguintes: por que mo-
tivo as pessoas apoiam ideologias que promovem a manutenção do status
quo, mesmo quando este apoio parece entrar em conflito com os seus in-
teresses pessoais e com os interesses do seu grupo? Quais são as conse-
quências psicológicas e sociais do apoio que as pessoas dão ao status quo,
especialmente para membros de grupos minoritários? Segundo Jost
(2001), para que possamos responder a estas questões é necessário iden-
tificar os mecanismos de legitimação do sistema.
Vinte hipóteses derivaram dos postulados da teoria. Especificamente,
Jost e seus colaboradores realizaram uma série de estudos que dão apoio
empírico à hipótese de uma motivação para a racionalização do status
quo (v. Jost et al. 2004; Jost e Hunyady 2002). O aspecto de maior rele-
vância para a análise dos mecanismos de justificação das desigualdades
sociais é o facto de esta teoria colocar o processo de justificação em si
como central na análise de diversos comportamentos «intergrupais», in-
cluindo a discriminação. Contudo, tal como ocorre com a teoria da do-
minância social, a teoria da justificação do sistema não especifica as con-
dições nas quais o recurso às justificações é mais necessário. Consegue,
contudo, responder porque é que as pessoas necessitam de usar justifica-
ções para os seus comportamentos e para as acções dos seus grupos. No
entanto, não apresenta hipóteses testáveis sobre quando, ou em que condi-
ções, as pessoas precisam de usar essas justificações.

4
Jost e Banaji (1994) reconhecem que o conceito de sistema utilizado é vago, mas
foi propositadamente assim definido para incluir todos os «social arrangements such as
those found in families, institutions, organizations, social groups, governments, and na-
ture».
5
Jost et al. (2003, 65) propuseram um modelo sobre as bases motivacionais do con-
servadorismo político e mostraram, nos resultados de uma meta-análise, que as necessi-
dades ideológicas se correlacionavam moderadamente com o conservadorismo político.

183
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Cícero Roberto Pereira

A necessidade de preservação do autoconceito

Uma resposta para esta questão pode ser encontrada no modelo da jus-
tificação-supressão do preconceito proposto por Crandall e Eshleman
(2003). Esse modelo destaca o papel dos factores justificadores, para explicar
como, e do papel de normas e valores sociais para explicar quando o pre-
conceito genuíno 6 corresponde ao preconceito que as pessoas exprimem
abertamente. Crandall e Eshleman especificaram que: (1) as pessoas inter-
nalizaram o preconceito genuíno com grande força motivacional; (2) as
pessoas integraram, no seu autoconceito, valores e crenças não preconcei-
tuosas que funcionam como supressores da expressão do preconceito;
(3) consequentemente, as pessoas sentem um conflito entre a necessidade
de exprimir o preconceito e, ao mesmo tempo, serem coerentes com a sua
auto-imagem não-preconceituosa; (4) para solucionar o conflito, as pessoas
são altamente motivadas para buscar justificações que permitam exprimir
o preconceito e não serem pública ou pessoalmente censuradas.
O mecanismo psicossocial proposto é o de que os factores sociais,
culturais e cognitivos permitiram que as pessoas internalizassem vários
tipos de preconceito genuíno. Outros factores suprimem esse precon-
ceito, reduzindo a sua expressão pública, sendo que os supressores mais
fortes do preconceito são as normas igualitárias. Como na maioria das
vezes o preconceito é suprimido por esses factores, a sua expressão de-
pende de factores justificadores (e. g., crenças, ideologias, atribuições).
Consequentemente, quando não existem factores supressores, como a
presença da norma antipreconceito, a correspondência entre o precon-
ceito genuíno e o preconceito medido deve ser elevada. Quando existem
factores supressores e não há justificações, a correspondência deve ser
baixa. Assim, o processo de justificação ajuda a promover a correspon-
dência entre o preconceito genuíno e o preconceito expresso pelas pes-
soas. Ainda que Crandall e Eshleman (2003) tenham proposto que a ex-
pressão do preconceito depende de factores justificadores e tenham
apresentado hipóteses plausíveis para explicar os mecanismos sociais e
psicológicos através dos quais o preconceito é expresso, não apresentaram

6
Os autores definem o preconceito genuíno como uma reação motivacional não di-
rectamente mensurável. Especificamente: «by genuine prejudice, we mean «pure, una-
dulterated, original, unmanaged, and unambivalently negative feelings toward members
of a devalued group». Também reconhecem que este conceito «bears a resemblance to
the concept of ‘implicit attitude’. Like genuine prejudice, implicit attitudes are not directly
accessible through self-report, and they play accessible through self-report» (Crandall e
Eshleman 2003, 420).

184
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Normas sociais e legitimação da discriminação

nenhum argumento suficientemente consistente que especifique de


forma precisa o papel da supressão e das justificações na relação entre o
preconceito genuíno e o preconceito expresso.

A pressão da norma antipreconceito

Com base nos pressupostos sobre a necessidade de dominação social,


de justificação do status quo e de preservação do autoconceito, desenvol-
vemos um conjunto de hipóteses que tentam integrar os processos en-
volvidos no mecanismo de legitimação da discriminação num modelo
analítico, denominado Modelo da Discriminação Justificada (MDJ), se-
gundo o qual nas sociedades democráticas, onde supostamente o valor
da igualdade é um dos pilares da organização social, a discriminação ne-
cessita de ser justificada com argumentos percebidos como não precon-
ceituosos (Pereira, Vala e Costa-Lopes 2010; Pereira, Vala e Leyens 2009).
O princípio psicossocial no qual o modelo está assente é o de que as jus-
tificações são usadas pelas pessoas que estão ou que se sentem pressio-
nadas pela norma antipreconceito com o objectivo de dissimular cons-
ciente ou inconscientemente os fundamentos preconceituosos do seu
comportamento discriminatório. O uso de justificações ajuda a solucio-
nar possíveis conflitos sociais e psicológicos derivados da tensão entre o
desejo de as pessoas serem coerentes com os valores igualitários que acre-
ditam serem parte de seu autoconceito e, simultaneamente, agirem em
congruência com crenças e atitudes preconceituosas que têm interiori-
zado sobre os grupos-alvo de discriminação. Especificamente, o MDJ
realça o papel de factores justificadores da discriminação como o meca-
nismo através do qual o preconceito leva à discriminação e especifica as
condições normativas nas quais este processo ocorre (v. figura 6.2).
O modelo especifica duas hipóteses analíticas gerais, consideradas sufi-
cientes para explicar o mecanismo de legitimação da discriminação: 1) o
efeito do preconceito na discriminação é mediado por factores justifica-
dores; 2) esta mediação é moderada pela saliência da norma antiprecon-
ceito.
De um ponto de vista psicossocial, se a discriminação contra grupos
minoritários ainda persiste, mesmo sob a pressão de um padrão norma-
tivo que condena o preconceito, discriminar com base no preconceito
deve ser psicologicamente incoerente com o valor que sustenta a norma
que fora internalizada. Nestas condições, a relação entre o preconceito e
a discriminação necessita de ser justificada. A função das justificações
seria portanto reestabelecer a coerência social e psicológica entre discri-

185
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Cícero Roberto Pereira

Figura 6.2 – Modelo da discriminação justificada

Justificações

Contexto
normativo

Preconceito Discriminação

minar em contextos antipreconceito. Por outro lado, em contextos em


que a norma predominante permite a discriminação baseada na crença
numa suposta hierarquia entre os grupos sociais, a acção discriminatória
motivada por crenças preconceituosas não deve ser psicologicamente in-
coerente nesses contextos. Nestas condições a relação entre e o precon-
ceito e a discriminação não necessita de ser justificada.
Em linha com a literatura acima revisada, o MDJ especifica como e
em que condições a discriminação ocorre nas sociedades democráticas.
Resumidamente, o MDJ prevê o seguinte processo: 1) o preconceito é
o factor principal que motiva a discriminação; 2) a discriminação é fa-
cilitada pela acessibilidade ou pelo uso de justificações percepcionadas
como não-preconceituosas (v. também Gaertner e Dovidio 1986); 3) o
preconceito motiva a busca de justificações para legitimar a discrimina-
ção; 4) as justificações são estrategicamente usadas pelos actores sociais
para resolver os conflitos sociais e psicológicos que derivam, por um
lado, da sua motivação para actuar em função das suas crenças precon-
ceituosas contra os grupos percebidos como minoritários e, por outro
lado, da pressão exercida pela norma antipreconceito e pelos valores
igualitários internalizados por esses actores para agirem de forma justa
e não-preconceituosa (v. Crandall e Eshleman 2003); 5) o processo é re-
gulado por um mecanismo psicológico baseado no motivo geral de jus-
tificação (v. Jost e Banaji 1994), o qual motiva os actores sociais a usarem
mitos legitimadores no suporte que dão ao sistema de desigualdades so-
ciais existentes (v. Sidanius e Pratto 1999). O uso de justificações é o me-
canismo psicológico através do qual o preconceito leva à discriminação
nos contextos antipreconceito e nas pessoas que se autodefinem como

186
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Normas sociais e legitimação da discriminação

não-preconceituosas e igualitárias. A derivação lógica deste raciocínio é


a de que as justificações são factores mediadores na relação preconceito-
-discriminação.
O modelo que propomos operacionaliza de forma explícita este ra-
ciocínio e estende-o, no sentido de que este mecanismo não é exclusivo
em pessoas igualitárias e em microcontextos em que a norma antipre-
conceito é saliente, mas pode ser pensado como um processo típico nas
sociedades democráticas, onde a norma está objectivada numa legislação
que, fundamentada nos valores da igualdade e da justiça, prescreve, ex-
plicitamente, punições severas contra a discriminação feita com base no
preconceito. Assim, se este raciocínio for empiricamente consistente, po-
demos prever que, em contextos onde a norma antipreconceito é saliente,
a relação entre o preconceito e a discriminação deverá ser mediada por
factores justificadores. Isto significa que a força da norma antipreconceito
pressiona tanto pessoas pouco preconceituosas, como pessoas muito pre-
conceituosas, a recorrerem aos factores justificadores para legitimarem o
seu comportamento discriminatório. A seguir, apresentamos as bases teó-
ricas do modelo e a evidência empírica que temos acumulado sobre a
validade de suas hipóteses.

Como é que o preconceito influencia a discriminação?


O papel mediador das justificações

A primeira hipótese do MDJ segue a evidência empírica que mostra


a existência de uma relação positiva entre o preconceito e a discriminação
(Dovidio, Brigham, Johnson e Gaertner 1996; Schutz e Six 1996). Neste
caso, o modelo prevê que o maior nível de preconceito implica maior
discriminação. Sendo assim, a pergunta a ser respondida é: como é que o
preconceito leva à discriminação? A nossa proposta é a de que a discri-
minação é motivada por preconceito mas essa motivação é dissimulada
pelo uso de justificações. Se esse for de facto o mecanismo explicativo
do processo, a relação entre o preconceito e a discriminação deverá ser
mediada pelas justificações. Isto significa que, quanto mais forte for o
preconceito, maior será a probabilidade de as pessoas encontrarem (ou
numa situação mais extrema, elaborarem) justificações para discriminar.
A primeira análise do papel das justificações nas atitudes «intergrupais»
foi conduzida por LaPiere (1936) numa investigação sobre as explicações
dadas pelos habitantes de Fresno County, Califórnia, para justificar a sua
antipatia em relação a imigrantes arménios. LaPiere constatou que a per-
cepção de ameaça era o principal factor invocado pelas pessoas para ex-

187
06 Normas, Atitudes Cap. 6_Layout 1 10/24/12 4:45 PM Page 188

Cícero Roberto Pereira

plicar a antipatia «intergrupal». Constatou também que: «the parasitic


character of the Armenian out-group exists only in the imagination of
the in-group. It, like the charge of economic inequity, is a result rather
than a cause of antipathy towards the Armenians» (p. 234). Estes resulta-
dos levaram-no a concluir que «these explanations for the antipathy to-
wards the Armenians have this in common: they point to a cultural dif-
ference between the in-group and out-group» (p. 236). Este estudo é
particularmente importante para a fundamentação das nossas hipóteses,
principalmente porque apresenta a percepção de ameaça como um factor
justificador consequente das atitudes em relação ao «exogrupo».
A função da ameaça na discriminação e no preconceito tem sido es-
tudada quer na sua vertente realista (Bobo 1988; Blumer 1958; LeVine e
Campbell 1972; Sherif, Harvey, White, Hood e Sherif 1961), quer na sua
vertente simbólica (Esses, Haddock e Zanna 1993; Sears e Henry 2003;
Stephan et al. 2002), mas a sua função justificadora da expressão do pre-
conceito tem sido proposta só recentemente (Crandall e Eshleman 2003).
De acordo com as nossas hipóteses, sendo a percepção de ameaça um
factor justificador da discriminação, esta ameaça funcionará como um
mediador na relação preconceito-discriminação. A percepção de ameaça
é um factor justificador porque não evoca de forma explícita a noção de
hierarquia racial, mas está relacionada com a percepção de «distintivi-
dade» do «endogrupo» (Tajfel e Turner 1979), questiona o sistema de va-
lores e os padrões culturais do «endogrupo» (e. g., ameaça simbólica), co-
loca em cheque o bem-estar económico e a segurança (e. g., ameaça
realista) dos membros deste grupo e, portanto, a própria sobrevivência
do grupo (Blumer 1958).
Diversos modelos teóricos propuseram hipóteses explicativas para a
associação entre as ameaças simbólica e realista e a atitude preconceituosa.
Exemplos desses modelos são a teoria da posição social do grupo (Blumer
1958; Bobo 1999), a teoria do conflito realista (LeVine e Campbell 1972;
Sherif 1966), o modelo instrumental dos conflitos grupais (Esses, Jackson
e Armstrong 1998), a abordagem sociofuncional da ameaça (Cottrell e
Neuberg 2005) e a teoria do preconceito baseada na ameaça (Stephan
et al. 2002). Estudos correlacionais têm apoiado esses modelos mostrando
que tanto a ameaça realista (e. g., Bobo 1988; Quillian 1995; Stephan
et al. 2002) como a ameaça simbólica (e. g., Sears e Henry 2003; Vala, Pe-
reira e Ramos 2006) se correlacionam com o preconceito. Embora estudos
longitudinais tenham mostrado que a percepção de ameaça influencia o
sentimento de antipatia em relação a exogrupos (Schlueter, Schmidt e
Wagner 2008), a hipótese de uma relação causal que vai da ameaça ao

188
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Normas sociais e legitimação da discriminação

preconceito ainda não está confirmada (para uma meta-análise, v. Riek,


Mania e Gaertner 2006). De facto, o MDJ propõe uma relação causal
inversa segundo a qual é o preconceito que motiva as pessoas a percep-
cionarem membros de exogrupos como uma ameaça realista ou simbó-
lica ao endogrupo. Além disso, é provável que quanto mais o exogrupo
for percebido como uma ameaça, maior será a probabilidade de a dis-
criminação contra membros desse grupo ser percepcionada como legí-
tima (e. g., Pereira et al. 2009). Se esse fenómeno ocorrer, as percepções
de ameaça terão um papel mediador na relação entre preconceito e dis-
criminação.
Esta hipótese é consistente com a evidência empírica mostrada por
Vala et al. (2006). Estes autores verificaram, numa amostra representativa
da população dos países da União Europeia, que o preconceito prediz
a percepção de ameaça (económica, de segurança e simbólica) e que essa
percepção se relaciona positivamente com a oposição à imigração, um
indicador de discriminação. A hipótese dessa percepção como mediadora
também recebe apoio no âmbito dos estudos sobre a relação atitude-
-comportamento. Por exemplo, o modelo MODE das atitudes proposto
por Fazio (1990) especifica claramente os processos perceptivos como
consequentes da atitude. Neste sentido, «once activated, the attitude will
serve as a ‘filter’ through which the attitude object will be perceived [...].
Thus, selective perception produces perceptions of the object in the im-
mediate situation that are consistent with the attitude» (p. 84). Em con-
sequência, e de acordo com o modelo que propomos, o preconceito é
um factor que antecede a percepção, nomeadamente a percepção de
ameaça.
Realizámos um teste mais directo e objectivo da hipótese de que a
ameaça é um factor mediador da relação preconceito-discriminação em
dois estudos sobre o apoio dos europeus a políticas discriminatórias con-
tra imigrantes: a oposição à imigração e à naturalização de imigrantes (v.
Pereira et al. 2010, para um relato detalhado destes estudos). A oposição
à imigração é uma forma de suporte à políticas discriminatórias porque
a recusa à entrada de uma pessoa no país é justificada pelo facto de esta
ter nacionalidade diferente da categoria de pertença do cidadão nacional.
Mais precisamente, o argumento usado na recusa é a suposição de que a
pessoa em questão não é membro de uma categoria inclusiva (i. e., não é
«cidadã nacional» ou é «não europeia», por exemplo). Do ponto de vista
psicossocial, a oposição à imigração tem sido justificada mais pela per-
cepção de ameaça realista (Bobo 1988; Riek et al. 2006; Vala, Brito e Lopes
1999) – o mito legitimador de que os imigrantes representam uma

189
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Cícero Roberto Pereira

ameaça ao poder económico e ao bem-estar físico e material do endo-


grupo (v. LeVine e Campbell 1972; Stephan et al. 2002) – do que pela
percepção de ameaça simbólica – o mito legitimador de que os imigrantes
representam uma ameaça aos valores que definem a matriz cultural do
endogrupo (v. Sears e Henry 2003), embora esta ameaça também esteja
empiricamente correlacionada com o apoio às políticas anti-imigração,
como têm mostrado vários estudos neste domínio (e. g., Stephan, Renfro,
Esses, Stephan e Martin 2005; Vala et al. 2006).
No primeiro estudo testamos a hipótese de que a relação entre o pre-
conceito e a oposição à imigração é mediada pelo recurso ao sentimento
de ameaça enquanto factor que justifica essa oposição. Usamos dados
do European Social Survey (ESS-Round 1, Atitudes Sociais dos Portu-
gueses 2003) que são representativos das populações de 21 países euro-
peus (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia,
França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Luxem-
burgo, Noruega, Polónia, Portugal, República Checa, Eslovénia, Suécia
e Suíça). Os dados que analisamos foram obtidos a partir das respostas
de 36 566 participantes com 15 ou mais anos de idade em cada um dos
países. Medimos o preconceito com dois itens que descrevem avaliações
negativas de pessoas percebidas como pertencentes a «raça» ou «grupo
étnico» diferentes. Medimos as justificações com dois indicadores de per-
cepção de ameaça realista e com um indicador de ameaça simbólica.
A discriminação foi medida por dois indicadores de oposição à imigra-
ção, que medem o apoio dos inquiridos a políticas discriminatórias con-
tra imigrantes.7
De acordo com o MDJ, se as percepções de ameaça são factores legi-
timadores da oposição à imigração, o efeito do preconceito nessa oposi-
ção deve ser mediado por essas percepções. Além disso, se as pessoas
usam as ameaças de forma estratégica, a relação entre o preconceito e a
oposição à imigração deve ser mais fortemente mediada pela percepção

7
Os indicadores para a medida das variáveis que analisamos neste estudo são os se-
guintes: Preconceito («Em que medida se incomodaria que uma pessoa de uma ‘raça’ ou
‘grupo étnico’ diferente do seu fosse nomeado seu chefe»; «Em que medida se incomo-
daria se essa pessoa se casasse com um familiar próximo»); ameaça realista (e. g., «As pessoas
que vêm viver e trabalhar para cá fazem com que os salários baixem»; «Acha que com a
vinda dessas pessoas a criminalidade aumentou ou diminuiu?»); ameaça simbólica («E acha
que essas pessoas empobrecem ou enriquecem os nossos costumes, tradições e vida cul-
tural?»); na medida de oposição à imigração, o entrevistador solicitava aos participantes
que indicassem em que medida o seu país «deve deixar que pessoas de ‘raça’ ou grupo
‘étnico’ diferente da maioria dos cidadãos nacionais venham e fiquem a viver cá»; e «deve
deixar que pessoas dos países mais pobres fora da Europa venham e fiquem a viver cá».

190
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Normas sociais e legitimação da discriminação

de ameaça realista porque a imigração tem sido mais frequentemente des-


crita nos media e no discurso de senso comum como um problema asso-
ciado com os aspectos instrumentais da ameaça realista do que com os
aspectos simbólicos dessa ameaça (e. g., Stephan et al. 2002). Se essa hi-
pótese for confirmada, estaremos perante um indicador de que a oposi-
ção à imigração está a ser legitimada pelo uso do sentimento de ameaça
realista. Para testar estas hipóteses, calculamos uma série de análises de
mediação usando modelos de equações estruturais. Os resultados dessas
análises mostram um efeito forte e significativo do preconceito na opo-
sição à imigração, de maneira que, quanto maior é o preconceito, maior
é a oposição à imigração. O efeito do preconceito nos dois tipos de
ameaça também é forte: quando maior o preconceito, mais os partici-
pantes percepcionam os imigrantes como uma ameaça real e simbólica.
Além disso, quanto mais os imigrantes são percebidos como uma
ameaça, maior é a oposição à imigração. Também importante para o teste
das nossas hipóteses é o facto de termos verificado que o efeito do pre-
conceito na oposição à imigração é mais fortemente mediado pela
ameaça realista do que pela ameaça simbólica. Como podemos verificar
na figura 6.3, o efeito mediado pela ameaça realista é muito mais forte
do que o efeito mediado pela ameaça simbólica. Isto significa que o im-
pacto do preconceito está a ser transferido para a oposição à imigração
através do uso da ideia de que a imigração representa uma ameaça eco-
nómica e à segurança, os principais indicadores de ameaça realista.
Igualmente importante para o teste do modelo, uma análise multi-
grupos realizada com dados de três países que implementaram políticas
de imigração claramente distintas (Alemanha, França e Reino Unido) re-
vela que o modelo é igualmente adequado para explicar as relações entre
as variáveis nesses países (v. figura 6.4). Esse mesmo padrão de resultados
foi obtido em todos os 21 países analisados, mostrando um processo si-
milar de legitimação do apoio a políticas discriminatórias contra imigran-
tes nesses países.
No segundo estudo, analisamos, para além da oposição à imigração,
outro posicionamento relacionado com a discriminação de imigrantes:
a oposição à naturalização (v. Pereira et al. 2010). Embora cada país tenha
legislação específica sobre o processo de naturalização, há pelo menos
dois aspectos comuns na elaboração de leis mais restritivas sobre esse
tema. Primeiro, a naturalização está objectivamente relacionada com a
ampliação dos direitos civis, laborais e políticos de quem a adquire, apro-
ximando-os ou até mesmo igualando-os aos dos cidadãos nativos. Em
outras palavras, a oposição à naturalização envolve preocupações com

191
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Cícero Roberto Pereira

Figura 6.3 – Efeitos do preconceito mediados pelas ameaças realista


e simbólica na oposição à imigração (Estudos 1 e 2)
e na oposição à naturalização

0,30

0,23
Efeitos mediados

0,15

0,08

–0,08
Oposição à imigração Oposição à imigração Oposição à naturalização
(Estudo 1) (Estudo 2) (Estudo 2)

Mediação via ameaça simbólica Mediação via ameaça realista

aspectos mais instrumentais e realistas da ameaça. A segunda caracterís-


tica envolve dimensões mais identitárias. De facto, a restrição à natura-
lização pode estar mais fortemente ligada à protecção da matriz cultural
da sociedade de acolhimento, como os valores, os costumes, o modo
de vida, as tradições e também com a defesa de uma identidade única e
distinta das demais. Nessa dimensão, a oposição à naturalização envolve
preocupações com aspectos simbólicos da ameaça. Neste sentido, le-
vantamos a hipótese de que esta ameaça possa ser o factor justificativo
da maior importância para a legitimação da oposição à naturalização de
imigrantes.
Nesse segundo estudo testamos a hipótese de que as percepções de
ameaça realista e simbólica são estrategicamente usadas para legitimar di-
ferentes tipos de apoio às políticas discriminatórias contra imigrantes.
Usamos a base de dados do International Social Survey Programme de 2003
que contém uma amostra representativa de pessoas com 15 ou mais anos
da população da Suíça (N = 940), um país com longa tradição no aco-
lhimento de imigrantes, e de Portugal (N = 1514), que só recentemente
passou a ser também um destino sistemático de imigrantes. Neste estudo
medimos o preconceito através de um indicador clássico de avaliação do

192
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Normas sociais e legitimação da discriminação

Figura 6.4 – Relação entre o preconceito e a oposição à imigração mediada


pela percepção de ameaça
Alemanha
Ameaça
0,60*** realista 0,62***

(0,61***) Oposição
Preconceito
0,21** à imigração

0,52*** Ameaça 0,05


simbólica

França
Ameaça
0,52*** realista 0,54***

(0,49***) Oposição
Preconceito
0,18** à imigração

0,46*** Ameaça 0,07


simbólica

Reino Unido
Ameaça
0,49*** realista 0,58***

(0,53***) Oposição
Preconceito
0,26** à imigração

0,44*** Ameaça –0,03


simbólica

Nota: Os valores apresentados são coeficientes estandardizados. Os valores entre parênteses repre-
sentam o efeito total do preconceito na oposição à imigração. *p < 0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001.

193
06 Normas, Atitudes Cap. 6_Layout 1 10/24/12 4:45 PM Page 194

Cícero Roberto Pereira

preconceito racial. Medimos as justificações com indicadores de percep-


ção de ameaça realista e simbólica. Medimos o suporte a políticas discri-
minatórias através de um indicador de oposição à imigração e dois indi-
cadores de oposição à naturalização de imigrantes.8 De acordo com o
MDJ, o efeito do preconceito no apoio a essas políticas deve ser diferen-
temente mediado pelas percepções de ameaça realista e simbólica. Espe-
cificamente, o efeito do preconceito deve ser mais fortemente mediado
pela ameaça realista no caso da oposição à imigração, enquanto a me-
diação pela ameaça simbólica deve ser mais forte quando esteja em causa
a oposição à naturalização.
Os resultados confirmaram essas predições nos dois países analisados
(v. figura 6.5). O preconceito prediz tanto a oposição à imigração como
a oposição à naturalização. O preconceito também prediz os dois tipos
de percepção de ameaça, de modo que quanto maior é o preconceito,
mais os inquiridos percepcionam a imigração como uma ameaça realista
e simbólica. Consequentemente, a maior percepção de ameaça realista
implica maior oposição à imigração, mas não se relaciona com a oposição
à naturalização. A ameaça simbólica implica tanto maior oposição à imi-
gração como maior oposição à naturalização. De maior importância para
o teste do MDJ, quando analisamos em conjunto os dados das duas
amostras (v. figura 6.3), verificamos que o efeito do preconceito na opo-
sição à imigração é mais fortemente mediado pela percepção de ameaça
realista do que pela ameaça simbólica. O significado desse resultado é o
de que quanto mais forte é o preconceito, maior é a percepção de ameaça
realista e, em consequência, mais os participantes se opõem à imigração.
A relação entre o preconceito e a oposição à naturalização é mediada ex-
clusivamente pela percepção de ameaça simbólica (o efeito mediado pela
ameaça realista não é significativo), de modo que preconceito mais forte
implica maior percepção de que os imigrantes representam uma ameaça

8
Os indicadores usados neste estudo são os seguintes: Preconceito (i. e., «Em que me-
dida teria dificuldade em aceitar que um dos seus filhos tenha filhos de uma pessoa de
cor diferente, quer dizer, imagine ter um neto de cor diferente da sua»); ameaça realista
(i. e., «Os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade»; «Os imigrantes tiram
trabalho aos nacionais»); ameaça simbólica (e. g., «Os imigrantes melhoram a sociedade de
acolhimento ao trazerem novas ideias e culturas»; «A nossa sociedade seria mais rica se
partilhássemos costumes e tradições com os imigrantes»); oposição à imigração (i. e., «Em
que medida acha que actualmente o número de imigrantes deveria aumentar ou diminuir
muito»); oposição à naturalização («As crianças de pais estrangeiros devem ter o direito de
adquirir a nacionalidade do país de acolhimento»; «As crianças nascidas fora do país de
acolhimento devem ter o direito de adquirir a nacionalidade das pessoas do país de aco-
lhimento se, pelo menos um dos pais, for desta nacionalidade»).

194
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Normas sociais e legitimação da discriminação

Figura 6.5 – Relação entre o preconceito e a oposição à imigração


e à naturalização de imigrantes mediada pela percepção
de ameaça

Portugal
Ameaça 0,39***
realista
0,29***
–0,09
Oposição
(0,23***) à imigração
0,03
Preconceito
(0,31***)
0,02 Oposição
0,27** à naturalização

0,37*** Ameaça
simbólica 0,41***

Suíça
Ameaça 0,74***
realista
0,30***
0,02
Oposição
(0,22***) à imigração
–0,01
Preconceito
(0,25***)
0,04 Oposição
0,19* à naturalização

0,31*** Ameaça
simbólica 0,50***

Nota: Os valores apresentados são coeficientes estandardizados. Os valores entre parênteses repre-
sentam o efeito total do preconceito na oposição à imigração e à naturalização. *p < 0,05;
**p < 0,01; ***p < 0,001.

à matriz cultural do país de acolhimento e que, quanto maior é esta per-


cepção, mais os inquiridos se opõem à naturalização de imigrantes. As
análise multigrupos indicaram que esse padrão de resultados é idêntico
em Portugal e na Suíça, o que reforça a evidência empírica para a nossa
hipótese de que o processo de legitimação da discriminação contra imi-
grantes nestes países ocorre de forma similar na medida em que as per-
cepções de ameaça são o mecanismo psicológico através do qual o pre-
conceito leva à discriminação.

195
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Cícero Roberto Pereira

Quando as justificações medeiam a influência do preconceito


na discriminação: o papel moderador
da pressão da norma antipreconceito

O modelo da discriminação justificada também contribui para a in-


vestigação sobre a influência normativa no preconceito e nas relações in-
tergrupais. O modelo prevê que a relação entre o preconceito e a discri-
minação contra os grupos minoritários persiste mesmo sob a pressão de
um padrão normativo que condena o preconceito porque os factores jus-
tificadores são usados pelos actores sociais para conferir legitimidade ao
acto discriminatório. O modelo também propõe que, em contextos nos
quais a expressão de crenças e atitudes preconceituosas são toleradas, a
relação entre e o preconceito e a discriminação não necessita de ser jus-
tificada.
Este raciocínio recebe apoio nos estudos conduzidos por Terry e Hogg
(1996), os quais apresentam evidência empírica consistente com a hipótese
de que a motivação das pessoas para agirem de forma coerente com as
suas atitudes depende do contexto normativo onde as relações estão a de-
correr, isto é, as pessoas apresentam comportamentos coerentes com suas
atitudes quando a expressão destas recebe suporte normativo. Resultados
similares, mas analisados noutra perspectiva, foram apresentados por Wal-
lace, Paulson, Lord e Bond (2005) numa meta-análise. Estes autores mos-
traram que a relação atitude-comportamento é mais fraca quando existem
fortes pressões sociais contrárias à execução do comportamento. Portanto,
quer numa situação, quer noutra, os factores contextuais e normativos
são fundamentais para compreendermos as condições sociais que favore-
cem a correspondência, ou a ausência desta, na relação atitude-compor-
tamento. Também podemos encontrar fundamento teórico para esta pro-
posta no modelo MODE das atitudes. Este modelo especifica que
«normative guidelines may affect individual’s definition of the situation
[...]. In situations where norms do not dictate the definition of event, ho-
wever, the definition will be attitudinally congruent if attitude activation
and selective perception have occurred» (Fazio 1990, 84). Esta proposta é
particularmente importante para as nossas hipóteses porque indica a pos-
sibilidade de os processos perceptivos actuarem na relação atitude-com-
portamento quando o contexto normativo não favorece esta relação.
Nesse sentido, quando as normas contextuais prescreverem que uma ati-
tude (e. g., o preconceito) não pode ser expressa em comportamento (e. g.,
a discriminação), os factores perceptivos (e. g., a percepção de ameaça)
serão preditores mais próximos do comportamento do que a atitude.

196
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Normas sociais e legitimação da discriminação

Desenvolvendo este raciocínio para a análise da relação preconceito-


-discriminação, propomos que o recurso à percepção de ameaça para jus-
tificar a discriminação será necessário apenas num contexto em que a dis-
criminação com base no preconceito seja antinormativa. Ainda que indi-
rectamente, esta proposta também recebe apoio no âmbito da teoria do
racismo aversivo. Esta teoria foi elaborada para explicar os comportamen-
tos discriminatórios de indivíduos que se auto-representam como não-
-preconceituosos e que pensam comportar-se de acordo com ideais de
igualdade e de justiça social. A teoria especifica que é por causa da norma
antipreconceito que os racistas aversivos precisam de alguma justificação
para discriminar. Estes indivíduos sentem tensão, desconforto e ansiedade
em situações inter-raciais (Gaertner e Dovidio 1986), as quais são evitadas,
principalmente por aqueles que mais aderem aos valores igualitários,
como os membros do Partido Democrata, mas não pelos membros do
Partido Republicano (Gaertner 1973). Comportamentos discriminatórios
ocorrem quando o contexto normativo não condena claramente estes
comportamentos, como tem sido verificado nas situações de contratação
para o trabalho (e. g., Dovidio e Gaertner 2000), de admissão para a uni-
versidade (Hodson et al. 2002) e em simulações de julgamentos em tribu-
nais (Sommers e Ellsworth 2000). Em síntese, estas investigações mostram
que a norma antipreconceito influencia a necessidade dos indivíduos de
recorrerem às justificações para a discriminação. Mas quais são os valores
que caracterizam a norma antipreconceito e quais aqueles que fundamen-
tam as normas que facilitam o preconceito?
O antipreconceito é uma norma prescritiva (v. o capítulo 1 sobre a
natureza das normas prescritivas) fundamentada no valor da igualdade
que especifica desaprovação social para comportamentos discriminató-
rios quando estes têm por base o preconceito. A sua formalização deu-
-se sobretudo a partir de reacções de intelectuais, políticos e cientistas pa-
trocinados pela Organização das Nações Unidas, contrárias à ideia de
«raça» como conceito «cientificamente válido» para a classificação das
pessoas em «grupos raciais», a qual tinha sido usada como fonte de legi-
timação do imperialismo colonial europeu, da segregação das pessoas de
cor negra pelo regime de Jim Crow no Sul dos EUA entre 1890 e 1950,
do apartheid na África do Sul de 1948 a 1990 e, principalmente, do ho-
locausto na Alemanha nazi antes e durante a Segunda Guerra Mundial
(Fredrickson 2002).9 A institucionalização do antipreconceito como
9
Tal como ocorre no senso comum, a crença na existência de «raças» continua a in-
fluenciar a teorização sobre a natureza da humanidade produzida nas Ciências Sociais
contemporâneas, ainda que essa teorização tente suavizar a força da ideologia racialista

197
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Cícero Roberto Pereira

norma prescritiva foi amplamente difundida nas declarações dos direitos


humanos e na publicação dos resultados de um estudo realizado pela
UNESCO sobre a natureza do que se julgava ser «raça», «grupos raciais»
e «diferença racial» apresentado em Florença numa reunião realizada em
1950. Nessa reunião foi elaborada uma declaração proclamando a igual-
dade «racial», passo importante para a formalização da norma antipre-
conceito (UNESCO 1950/1951). Os princípios de igualdade que sus-
tentam a norma foram posteriormente reforçados na declaração de 1978
(UNESCO 1978).
A operacionalização e aplicação desses princípios em forma de leis
na maioria dos países ocidentais conferiu um padrão legal a esses princí-
pios, como, por exemplo, o artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa, que apresenta o valor da igualdade como um dos seus prin-
cípios gerais e orientadores, especificando que «ninguém pode ser privi-
legiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, ‘raça’, língua, território
de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situa-
ção económica, condição social ou orientação sexual». Ainda que o âm-
bito da aplicação do princípio da igualdade não seja universal, como es-
pecifica o artigo 15.º da mesma Constituição,10 este princípio tem
orientado leis mais específicas que prescrevem penas relativamente seve-
ras para a prática de actos discriminatórios, como é exemplo o artigo
240.º do Código Penal Português que prevê pena de prisão de um a oito
anos para quem desenvolva «actividades de propaganda organizada que
incitem à discriminação, ao ódio ou à violência ‘raciais’ ou religiosas» e
pena de prisão de seis meses a cinco anos para quem «provocar actos de

empregando o conceito de «raça» num sentido metafórico para categorizar e descrever


pessoas percepcionadas como grupos raciais. A influência dessa crença emerge sobretudo
na teorização que considera a «raça» um conceito analítico importante para a compreen-
são das relações sociais, designadas «relações raciais» (Banton, 2000). De facto, de acordo
com Miles (1993), as críticas científicas e políticas às ideologias racistas dos regimes nazi-
-fascistas não foram acompanhadas por uma completa rejeição da ideia de «raça» nem
da crença de que a espécie humana está dividida em «raças» distintas (Solomos e Back
1994-2001). V. especialmente Moscovici (1976) para uma análise da relação entre o co-
nhecimento de senso comum e teorias científicas.
10
De facto, o princípio constitucional de igualdade não é universalmente aplicável
no território nacional na medida em que o artigo 15.º limita o seu âmbito de aplicação
ao definir que «os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal
gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português», mas «exceptuam-
-se [...] os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter
predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela
lei exclusivamente aos cidadãos portugueses».

198
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Normas sociais e legitimação da discriminação

violência» ou «difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa


da sua ‘raça’, cor, origem ‘étnica’ ou nacional ou religião». Portanto, ob-
jectivamente, discriminar é um acto criminoso. Isto significa que a discri-
minação é regulada por uma norma formal (v. novamente o capítulo 1
deste volume) que tem como base o valor da igualdade.
Apesar de as relações sociais serem reguladas por esta norma, a inves-
tigação recente neste domínio indica que a população de pessoas perce-
bidas como diferente em algum critério arbitrário (e. g., cor da pele, ori-
gem nacional, modos e estilos de vida) tem sido vítima de actos de
discriminação objectiva verificada na relação que mantêm com institui-
ções privadas, como é exemplo a exigência de documentação adicional
aos imigrantes para que lhes seja concedido crédito bancário (e. g., Dias,
Silva, Kumar e Ralha 2009); com instituições do Estado quando os tri-
bunais de justiça aplicam penas mais severas aos imigrantes do que aos
cidadãos nacionais que cometeram o mesmo tipo de crime (e. g., Fonseca
2010); assim como nas suas relações interindividuais quando são alvo de
actos de injúria na sua vida diária (FRA 2009) e quando jovens imigrantes
se sentem vítimas de racismo e discriminação na relação que mantêm
com a sociedade de acolhimento (e. g., Lopes e Vala 2003).
A função da norma antipreconceito na expressão de atitudes e com-
portamentos discriminatórios tem merecido atenção especial no estudo
sobre os processos de influência social. A investigação tem mostrado que
a simples presença dessa norma reduz a expressão explícita do precon-
ceito contra pessoas negras. De facto, Katz e Hass (1988) verificaram que
a adesão das pessoas ao valor da igualdade, base do antipreconceito, es-
tava associada à atitude pró-negro (Estudo 1) e mostraram experimental-
mente que a mera activação contextual desse valor inibiu a atitude anti-
negro e fortaleceu a atitude pró-negro. Estudos mais recentes mostram o
efeito do igualitarismo na redução do favoritismo «endogrupal» (e. g.,
Gaertner e Insko 2001; Hertel e Kerr 2001) e na formação de impressões
menos estereotípicas (e. g., Goodwin, Gubin, Fiske e Yzerbyt 2000).
A nível implícito, Moskowitz, Gollwitzer, Wasel e Schaal (1999) consta-
taram que indivíduos que são cronicamente motivados para cumprirem
metas igualitárias controlam a aplicação dos estereótipos culturais asso-
ciados a pessoas de cor negra e têm menor nível de preconceito contra
essas pessoas.
Enquanto os valores igualitários estruturam a norma do antiprecon-
ceito, os valores da ética protestante, como a meritocracia (e. g., esforço,
competitividade, mérito e hierarquia), estão associados com a facilitação
do preconceito e da discriminação. Katz e Hass (1988) constataram esta

199
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Cícero Roberto Pereira

associação e mostraram experimentalmente que a simples activação dos


valores da ética protestante é suficiente para aumentar a atitude antinegro
e para reduzir a atitude pró-negro. Posteriormente, Biernat, Vescio e
Theno (1996) mostraram também que a activação contextual de valores
meritocráticos levou os participantes a avaliarem um empregado de cor
negra de forma mais negativa (i. e., menor percepção de competência e
maior orientação para distância social) do que um empregado branco.
No âmbito do paradigma do racismo simbólico, Sears e Henry (2003)
concluíram que a percepção de que os negros violam os valores do indi-
vidualismo meritocrático é a base da oposição de norte-americanos bran-
cos a políticas raciais pró-negros. O papel da norma meritocrática no pre-
conceito também foi verificado num estudo realizado por Vala, Lima e
Lopes (2004) com base em dados de amostras representativas das popu-
lações dos 15 países que formavam a União Europeia antes do alarga-
mento.
Essas investigações mostram que os valores do igualitarismo funda-
mentam a norma antipreconceito e os valores da meritocracia sustentam
as normas que facilitam a expressão de atitudes preconceituosas. Embora
o papel destas normas no preconceito e na discriminação esteja bem do-
cumentado na literatura e ainda que Crandall, Eshleman e O’Brien
(2002) tenham mostrado que a associação entre a aprovação do precon-
ceito e a aprovação da discriminação envolve factores normativos, a in-
vestigação não tinha analisado de forma sistemática o papel moderador
das normas na relação entre o preconceito e a discriminação. Especifica-
mente, a investigação ainda não tinha analisado as condições normativas
nas quais a relação entre o preconceito e a discriminação necessita de
ser justificada. Para preencher esta lacuna, e na sequência de nossos estu-
dos no âmbito do MDJ, propomos a hipótese de que quando a norma
antipreconceito (e. g., o igualitarismo) está saliente, a relação entre o pre-
conceito e a discriminação deve ser mediada por uma justificação (e. g.,
percepção de ameaça) que não invoca argumentos explicitamente pre-
conceituosos como base para a discriminação; quando a norma que fa-
cilita o preconceito está saliente (e. g., meritocracia), a relação entre o
preconceito e a discriminação poderá ocorrer de forma directa, não ha-
vendo necessidade de justificação.
Testamos esta hipótese numa série de estudos sobre a influência do
contexto normativo na necessidade de justificação da relação precon-
ceito-discriminação. Em primeiro lugar, mostramos a evidência experi-
mental para esta hipótese num estudo realizado no âmbito da literatura
sobre o efeito da infra-humanização na discriminação contra grupos mi-

200
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Normas sociais e legitimação da discriminação

noritários (Pereira et al. 2009). A infra-humanização é a tendência das pes-


soas para reservarem ao endogrupo as características tipicamente huma-
nas, tais como os sentimentos (v. Leyens et al. 2000). Analisamos o papel
da ameaça simbólica (i. e., a percepção de que a cultura do povo turco
pode pôr em causa a matriz cultural europeia) como um factor justifica-
dor da oposição de estudantes universitários portugueses à entrada da
Turquia na União Europeia (UE), assim como o papel da norma anti-
preconceito no recurso à ameaça para legitimar essa oposição. Os parti-
cipantes foram convidados a colaborar num estudo sobre a qualidade da
divulgação dos resultados de investigações em Ciências Sociais publica-
dos em jornais de grande circulação.
O estudo foi realizado em três fases. Na primeira, os participantes rea-
lizaram a leitura de um artigo fictício sobre as diferenças entre as pessoas
turcas e os povos dos países-membros da UE. As diferenças incidiam no
modo como pessoas turcas e europeias exprimem emoções e sentimen-
tos. Para metade dos participantes elaborámos um texto com o objectivo
de activarmos uma representação infra-humanizada (condição de infra-
-humanização) sobre as pessoas turcas. A outra metade dos participantes
leu um texto que tratava da forma como pessoas jovens e adultas apren-
dem línguas estrangeiras e, portanto, não activava qualquer representação
sobre turcos e europeus (condição de controlo). Na segunda fase do es-
tudo, realocámos aleatoriamente os participantes em função de dois con-
textos normativos. Num contexto, activámos a norma antipreconceito.
No outro contexto activámos uma norma que tolera a expressão de ati-
tudes preconceituosas. No contexto de saliência da norma antiprecon-
ceito os participantes leram um texto sobre a importância do valor da
igualdade, enquanto os participantes no contexto de saliência da noma
que facilita o preconceito leram um texto sobre a importância do valor
do mérito. Em seguida, os participantes responderam a um questionário
que, dependendo do contexto normativo, apresentava apenas itens da
escala de igualitarismo ou apenas itens da escala de individualismo me-
ritocrático, ambas elaboradas por Katz e Hass (1988). Aos participantes
era dito que se tratava de uma tarefa de compreensão de texto e o pro-
pósito desta tarefa era reforçar a activação das normas sociais (v. Pereira
et al. 2009, para uma descrição detalhada destes procedimentos). Na ter-
ceira fase do estudo, pedimos aos participantes que respondessem a um
conjunto de questões com base nas quais avaliámos a percepção de
ameaça simbólica e a oposição à entrada da Turquia na UE.
Os resultados mostraram que os participantes da condição de infra-
-humanização apresentaram maior oposição à adesão da Turquia à UE

201
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Cícero Roberto Pereira

Figura 6.6 – Influência da infra-humanização na oposição à entrada


da Turquia na União Europeia mediada pela percepção
de ameaça simbólica

Norma igualitária
Ameaça
simbólica 0,50*
0,71***

ZSobel = 1,97, p = 0,05

(0,33*) Oposição
Infra-humanização
–0,02 à Turquia

Norma meritocrática
Ameaça
simbólica 0,14
0,36*

ZSobel = 0,76, n. s.

(0,72***) Oposição
Infra-humanização
0,67*** à Turquia

Nota: Os valores apresentados são coeficientes de regressão estandardizados. Os valores entre pa-
rênteses representam o efeito total da infra-humanização na oposição à Turquia. *p < 0,05;
**p < 0,01; ***p < 0,001.

do que os participantes da condição de controlo. Tal como previmos no


MDJ, este efeito foi mediado pela ameaça simbólica. Também de acordo
com o modelo, a percepção de ameaça actuou como mediadora do efeito
da infra-humanização apenas no contexto igualitário. O uso da ameaça
como justificação para essa oposição não foi necessário no contexto me-
ritocrático (ver a figura 6.6). Este estudo mostrou a primeira evidência
experimental para a hipótese de que o contexto normativo influencia o
uso de factores justificadores, como a percepção de ameaça simbólica na
relação entre a infra-humanização e as atitudes discriminatórias contra
um grupo percebido como minoritário.
No segundo estudo analisámos em que medida o contexto normativo
influencia a necessidade de legitimação da discriminação objectiva contra
um grupo-alvo fortemente protegido pela norma antipreconceito (v. Pe-
reira e Vala 2011). Nesse estudo testámos as hipóteses do MDJ no quadro
da discriminação contra pessoas de cor negra quanto ao acesso ao em-

202
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Normas sociais e legitimação da discriminação

prego. Para realizar este estudo, introduzimos algumas modificações nos


procedimentos do paradigma experimental que desenvolvemos quando
analisámos o uso da ideologia das «leis de mercado» como justificação
para discriminação de uma candidata de cor negra ao emprego (v. Pereira
et al. 2003) de maneira que ficassem reunidas as condições necessárias para
verificarmos se o contexto normativo actua como um factor moderador
do uso de justificações na relação entre o preconceito e a discriminação,
isto é, a indicação da contratação de um candidato branco para um em-
prego ao invés de um candidato negro, quando ambos tinham as mesmas
habilitações e competências profissionais que o candidato branco. Anali-
sámos a percepção de ameaça económica como justificação para a discri-
minação. O estudo foi realizado em contextos sociais nos quais activámos
o valor da igualdade e o valor do mérito.
Os participantes foram 80 estudantes universitários portugueses que
definiram a cor da sua pele como branca e voluntariamente se dispuseram
a participar no estudo. Este estudo também foi realizado em três fases.
Quando chegavam ao laboratório, os sujeitos eram informados de que
participariam em três estudos não relacionados e que estes seriam con-
duzidos por dois experimentadores. Na primeira fase (a do suposto pri-
meiro estudo), os participantes responderam a um questionário no qual
medimos as suas crenças e atitudes face a pessoas negras. Usámos a escala
de atitude antinegro desenvolvidas por Katz e Hass (1988). Essa escala é
composta por oito itens que descrevem atitudes desfavoráveis aos negros
(e. g., «A maior parte dos negros não se respeitam a si mesmos e nem res-
peitam os outros»; «O maior problema dos negros em Portugal é que eles
próprios não gostam de ser negros»; α = 0,78). De seguida, o experimen-
tador agradeceu a colaboração e pediu que os participantes aguardassem
na sala a chegada do outro experimentador para a realização dos outros
estudos. O segundo experimentador informou os participantes que co-
laborariam em dois estudos não-relacionados, sendo um sobre compreen-
são de textos e o outro sobre tomada de decisões.
Na segunda fase, manipulámos a saliência da norma do igualitarismo
e da meritocracia usando os mesmos procedimentos do estudo sobre a
oposição à entrada da Turquia na UE. Na terceira fase, medimos a per-
cepção de ameaça económica e a discriminação. Para o efeito, apresen-
támos aos participantes um texto que descrevia uma situação no qual
um gestor de recursos humanos de uma loja precisava de contratar cinco
funcionários para uma rede de lojas instaladas em vários centros comer-
ciais de Lisboa. Após lerem o texto, os participantes foram informados
de que a sua tarefa era ajudar o gestor a tomar a decisão sobre a contra-

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Cícero Roberto Pereira

tação dos empregados. Receberam um envelope contendo a ficha de ins-


crição e os resultados de testes descrevendo graficamente o perfil psico-
lógico de cada um dos 10 candidatos, claramente identificáveis como
tendo cor de pele branca ou negra. A ficha de inscrição continha uma
fotografia, informações pessoais (idade, morada, etc.), interesses e expe-
riência profissional do candidato. Estas informações foram mantidas
constantes e as descrições dos perfis psicológicos foram controladas. Para
prevenirmos a suspeição sobre a verdadeira natureza do estudo, metade
dos participantes recebeu os perfis de seis candidatos brancos e de quatro
negros. A outra metade recebeu os perfis de seis candidatos negros e de
quatro brancos.
Para medirmos a percepção de ameaça, pedimos aos participantes que
avaliassem cada candidato indicando em que medida a sua contratação
representaria uma ameaça económica para as lojas.11 De seguida, pedimos
aos participantes que indicassem cinco candidatos para a contratação.
A medida da discriminação é a proporção de candidatos brancos indica-
dos em cada condição de contratação menos a proporção de candidatos
negros indicados em cada condição. Assim, os valores negativos indicam
a discriminação a favor dos candidatos negros. O valor zero indica au-
sência de discriminação, enquanto os valores positivos indicam discri-
minação contra os candidatos negros.
Os resultados mostraram que a diferença na proporção de candidatos
seleccionados variavam de -1,67 a 1,67 (Média = 0,24, DP = 0,61),12 in-
dicando que os participantes recomendaram objectivamente mais can-
didatos brancos para a contratação, discriminando os candidatos negros.
Importante para o teste do MDJ, a discriminação foi significativamente
predita pelo preconceito. Quanto mais elevados foram os valores de pre-
conceito obtidos na primeira fase do estudo, maior foi a proporção de
candidatos brancos e menos negros indicados para a contratação. Além
disso, a percepção de ameaça económica mediou essa relação. Maior pre-

11
Os participantes indicaram em que medida seria provável a ocorrência de cada
uma das seguintes situações caso o gestor decidisse contratar o candidato em questão:
«sucesso nas vendas»; «prejuízo para as expectativas económicas da loja»; «a contratação
do candidato será boa para a economia da loja»; «diminuição na competitividade». As
respostas foram dadas numa escala variando de 0 (nada provável) a 10 (muitíssimo pro-
vável). Calculámos um índice de percepção de ameaça económica da contratação dos
candidatos negros relativamente à contratação dos candidatos brancos (i. e., ameaça-ne-
gros minus ameaça-brancos). Valores mais elevados indicam maior percepção de que a
contratação dos candidatos negros representa uma ameaça para os negócios das lojas
(alfa = 0,80).
12
Esta média é significativamente maior do que zero, t (79) = 3,51, p < 0,001.

204
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Normas sociais e legitimação da discriminação

Figura 6.7 – Relação entre o preconceito e a discriminação contra pessoas


negras mediada pela percepção de ameaça económica

Norma igualitária
Ameaça
económica 0,33*
0,51***

ZSobel = 1,88, p = 0,05

(0,32*)
Preconceito Discriminação
0,15

Norma meritocrática
Ameaça
económica 0,42*
0,08

ZSobel = 0,44, n. s.

(0,41*)
Preconceito Discriminação
0,38*

Nota: Os valores apresentados são coeficientes estandardizados. Os valores entre parênteses repre-
sentam o efeito total do preconceito na discriminação. *p < 0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001.

conceito implicou maior percepção de ameaça económica que, por sua


vez, implicou maior discriminação dos candidatos negros. Igualmente
importante, os resultados indicaram que esta mediação foi moderada
pela activação das normas. Como pode ser verificado na figura 6.7,
quando a norma igualitária estava saliente, a relação entre o preconceito
e a discriminação foi mediada pela percepção de ameaça. Processo dife-
rente ocorreu na condição de norma meritocrática. Confirmando a hi-
pótese do MDJ, nesta condição a relação entre o preconceito e a discri-
minação não foi mediada pela percepção de ameaça económica. Neste
caso, o preconceito continuou a relacionar-se significativamente com a
discriminação, mesmo controlando o efeito da ameaça económica que,
por sua vez, se relacionou positivamente com a discriminação.
Em síntese, e de acordo com o MDJ, os resultados destes estudos
mostram que o recurso às justificações simbólicas no estudo sobre a opo-
sição à adesão da Turquia à UE e de justificações económicas no estudo
sobre a discriminação contra pessoas negras representam um exemplo

205
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Cícero Roberto Pereira

do mecanismo de legitimação de comportamentos discriminatórios em


contextos em que o antipreconceito é a norma. Também importante é o
facto de, no contexto onde o valor da meritocracia estava saliente, a re-
lação entre o preconceito e a discriminação não necessitar de ser legiti-
mada pelo recurso à ameaça.

Considerações finais
Este capítulo mostrou o papel central das normas sociais no entendi-
mento da relação entre o preconceito e a discriminação. A literatura que
aqui revisámos mostra evidência empírica consistente para a hipótese de
que a discriminação contra grupos minoritários em sociedades democrá-
ticas, assim como em microcontextos onde o antipreconceito é a norma,
está a ser facilitada pelo uso que os actores sociais fazem de justificações
– ou de argumentos que não exprimem preconceito de forma explí-
cita – para conferir legitimação a comportamentos discriminatórios con-
tra grupos minoritários. Sistematizámos no MDJ os pressupostos teóricos
e a evidência empírica apresentada em várias teorias sobre a expressão de
racismo, preconceito e discriminação, especialmente a evidência mos-
trada nos estudos sobre o racismo aversivo (Dovidio e Gaertner 1986),
sobre a necessidade de dominação social (Sidanius e Pratto 1999), a ne-
cessidade de justificação do sistema (Jost e Banaji 1994) e a necessidade
de manutenção da auto-estima (Crandal e Eshleman 2003), e sobre a in-
fluência de justificações na legitimação da discriminação (Pereira et al.
2003).
Central na nossa teorização é o papel fulcral exercido pela norma anti-
preconceito na necessidade dos actores sociais de justificar comporta-
mentos antinormativos. A hipótese dessa norma como factor regulador
da legitimação da relação entre o preconceito e a discriminação encontra
suporte teórico no estudo sobre os processos de influência social realiza-
dos Kelman (1958). De acordo com a nossa perspectiva, o uso de justifi-
cações para legitimar o sistema de desigualdades sociais torna-se necessá-
rio na medida em que há conflito entre a mensagem normativa e o
comportamento motivado por crenças preconceituosas. Realmente, a
evidência empírica que mostrámos confirma as predições do MDJ de
que, em contextos igualitários, a discriminação é o resultado de um pro-
cesso psicossocial no qual o preconceito activa ou facilita o uso (e, em
determinadas circunstâncias, a elaboração) de justificações que fazem a
discriminação ser percebida como legítima e justa. Especificamente, em

206
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Normas sociais e legitimação da discriminação

situações de pressão normativa para a inibição de comportamentos pre-


conceituosos, quanto mais forte é o preconceito, mais motivadas as pes-
soas estão para usar mitos legitimadores como justificação para discrimi-
nar. Em decorrência, quando mais apoio os actores sociais dão a esses
mitos legitimadores, maior será a probabilidade de actuarem de forma
discriminatória contra pessoas percebidas como membros de grupos mi-
noritários. Em síntese, os resultados mostraram a adequação do MDJ no
que respeita à previsão de que o uso de justificações é um factor mediador
da relação entre o preconceito e a discriminação. Essa mediação indica
que a hipótese da discriminação sem preconceito (Sniderman et al. 1991)
não é confirmada na medida em que o comportamento discriminatório
apenas está livre de preconceito numa análise mais superficial. Quando
se realiza uma análise mais profunda e detalhada para a dinâmica das re-
lações entre o preconceito e os factores justificadores, verificamos que o
preconceito continua a motivar a discriminação. Essa motivação encon-
tra-se, no entanto, de forma encoberta, ou mesmo dissimulada, nas jus-
tificações percebidas como legítimas e necessárias. Assim, a evidência
empírica aqui mostrada indica não existir paradoxo no facto de as socie-
dades formalmente igualitárias tolerarem a expressão de comportamentos
discriminatórios, pois esses comportamentos continuam a ser motivadas
pelo preconceito, mesmo que o papel deste na discriminação ocorra de
forma indirecta.
Finalmente, talvez a principal mensagem dos estudos que aqui revi-
sámos seja a ideia de que as pessoas podem estar a dissimular de forma
estratégica a natureza preconceituosa do seu comportamento discrimi-
natório usando argumentos aparentemente não preconceituosos, como
o mito legitimador de que as pessoas percebidas como membros de exo-
grupos representam uma ameaça à sobrevivência material e simbólica do
endogrupo. De facto, o sentimento de ameaça é percebido como a razão
justa e legítima para discriminar (v. especialmente Pereira et al. 2003), mas
o recurso a esse sentimento é motivado por crenças racistas e preconcei-
tuosas. A natureza estratégica e dissimulada da expressão do preconceito
merecerá ser investigada de forma mais sistemática em novas investiga-
ções.

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