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Avaliação e educação no Brasil: avanços e retrocessos

EvaluaƟon and educaƟon in Brazil: advances and


setbacks
Roberta Muriel Cardoso*
José Dias Sobrinho**
* Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Edu-
cação (PPGE) da Universidade de Sorocaba (UNISO).
E-mail: robertamuriel@cartaconsulta.com.br
** Doutor em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas. Professor Ɵtular do PPGE da UNISO.
E-mail: jose.sobrinho@prof.uniso.br

Resumo
A importância da avaliação para garanƟr a qualidade em educação é consenso no setor educacional,
tarefa prevista na legislação e necessária para o direito de atuação da livre iniciaƟva na educação
superior. No Brasil, a avaliação deveria ser conduzida pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (SINAES), insƟtuído pela Lei 10.861/04. No entanto, é fundamental acompanhar a implanta-
ção deste Sistema, observando os atuais processos de regulação das InsƟtuições de Ensino Superior
e seus cursos, buscando discuƟr se o SINAES é um sistema implantado conforme sua concepção ou
se estaria ameaçado por operações de fiscalização e controle por parte do Estado regulador.
Palavras-chave
Avaliação. Educação Superior. Regulação.

Abstract
The importance of evaluaƟon to ensure quality in educaƟon is consensus in the educaƟonal sector,
task required under the legislaƟon to the right of operaƟon of free iniƟaƟve in higher educaƟon. In
Brazil, a NaƟonal EvaluaƟon System of Higher EducaƟon (SINAES), established by Law 10.861/04,
should conduct the evaluaƟon. However, it is essenƟal to monitor the implementaƟon of this system,
by observing the current processes for the regulaƟon of higher educaƟon insƟtuƟons and their cour-
ses, trying to discuss if the SINAES is an implanted system as its concepƟon or if it was threatened
by supervision and control operaƟons by the regulatory state.
Key words
EvaluaƟon. Higher EducaƟon. RegulaƟon.

Série-Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB


Campo Grande, MS, n. 37, p. 263-273, jan./jun. 2014
Introdução tecnologias de informação e comunica-
ção e aqueles que estão fora desse pro-
O mundo passou por três grandes cesso, os quais se tornam cada vez mais
transformações na economia, de acordo excluídos, por não poderem acompanhar
com Crawford (1994, p. 15-45): a primei- as inúmeras e rápidas transformações
ra quando passou de tribal de caça para que estão ocorrendo.
agrícola; a segunda, de agrícola para Diante da rapidez dessas mu-
industrial; e a terceira, de industrial para danças, é de fundamental importância
um modelo baseado em conhecimentos. desenvolver uma postura invesƟgaƟva
Na sociedade industrial, quem diante da provisoriedade das certezas
dominava a informação dominava a cienơficas. Tal comportamento requer
economia. Isso ocorreu durante muito uma busca por condições de acesso não
tempo. Hoje, não é mais possível. A ten- somente à informação, mas também à
dência é no senƟdo do desenvolvimento informação de qualidade.
de uma economia transnacional, em que A educação é o mais adequado
a troca de conhecimentos é do interesse meio para que essa busca possa ocor-
de todos. rer. Porém, diante da importância do
Embora se fale na existência de ser humano neste contexto, discute-se
uma “Sociedade do Conhecimento”, em a educação a partir da sociedade do
uma economia em que a busca é pela conhecimento e da condição humana
educação conƟnuada e pela atualização nesta sociedade. “A educação do futuro
do conhecimento, quesƟona-se a ade- deverá ser o ensino primeiro e universal,
quação deste termo para a sociedade centrado na condição humana.” (MORIN,
existente no mundo contemporâneo, 2004, p. 47)
no qual existem ainda bilhões de pes- Quando se fala em formação in-
soas sem acesso às novas tecnologias tegral do ser humano, pode-se buscar
de informação e comunicação (TIC), na ConsƟtuição da República o Ɵpo de
tornando-os excluídos nesse processo de formação que se espera:
atualização e busca pelo conhecimento. Art. 205. A educação, direito de to-
No Brasil, segundo pesquisa rea- dos e dever do Estado e da família,
lizada em 2006 pelo Comitê Gestor de será promovida e incenƟvada com a
Internet no Brasil, apenas 14,5% dos colaboração da sociedade, visando
domicílios dispõem de internet e 66,7% ao pleno desenvolvimento da pes-
da população nunca usou este recurso. soa, seu preparo para o exercício da
A mesma pesquisa revelou que 54,3% cidadania e sua qualificação para
dos brasileiros nunca tocaram em um o trabalho. (BRASIL, 1988; grifo
nosso).
computador.
A exclusão digital cria um abismo Percebe-se que o trabalho é parte
entre aqueles que têm acesso às novas dessa formação, mas não pode repre-

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sentar o todo. A formação profissional nos processos avaliaƟvos realizados nas
é um fator importante para o desenvol- InsƟtuições de Ensino Superior no Brasil.
vimento das pessoas e da sociedade. No
entanto, é uma formação que não preen- Desenvolvimento da Avaliação das
che os anseios dos seres humanos e não Instituições de Ensino Superior no
garante a sua formação para a cidadania, Brasil
se for considerada isoladamente.
Ressalta-se a importância das No Brasil, especificamente nas dé-
InsƟtuições de Ensino Superior como cadas de 1980 e 1990, buscou-se desen-
local de formação desse cidadão e desse volver diferentes propostas de avaliação
profissional. para as InsƟtuições de Ensino Superior,
Para o desenvolvimento do cida- pois a experiência neste senƟdo era ir-
dão e da sociedade, torna-se fundamen- relevante, contando o País apenas com
tal garanƟr o acesso a essas insƟtuições, a avaliação da pós-graduação, desenvol-
a permanência dessas pessoas que Ɵve- vida, desde 1976, pela Coordenação de
ram acesso e a oferta de uma educação Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
de qualidade. A qualidade deve ser vista Superior (CAPES).
como um princípio. A primeira proposta de avaliação
A educação é um fenômeno social da Educação Superior no Brasil voltada
em que muitas dimensões não são facil- para a graduação foi o Programa de
mente mensuráveis. Assim, medir a qua- Avaliação da Reforma Universitária
lidade em educação é tarefa complexa, (PARU), em 1983, o qual uƟlizou dados
que exige grande esforço para que possa de quesƟonários respondidos pelo cor-
ser considerada válida. po técnico-administraƟvo, pelo corpo
Averiguar essa qualidade é um dos docente e pelos estudantes das insƟtui-
objeƟvos do Sistema Nacional de Ava- ções avaliadas. Seu objeƟvo foi avaliar a
liação da Educação Superior (SINAES), gestão, a produção e a disseminação de
proposto pelo Ministério da Educação conhecimentos nestas IES.
(MEC) que busca integrar em um único Em 1985, o Grupo ExecuƟvo para a
sistema a avaliação de cursos, a avaliação Reforma da Educação Superior (GERES),
da IES e a avaliação dos alunos, o que do Ministério da Educação, apresentou
ocorre por meio do Exame Nacional de uma proposta de avaliação da educação
Desempenho do Estudante (ENADE). superior, com caracterísƟcas diferentes
Percebe-se, todavia, um distan- do PARU. Pretendia analisar a autonomia
ciamento entre a proposta do SINAES e das IES, com foco nas dimensões indi-
o que ocorre atualmente nos processos viduais, embora com atenção também
de regulação. É desse distanciamento voltada às dimensões institucionais.
que este arƟgo se propõe a tratar, com o Tinha por objeƟvo, além de promover
intuito de discuƟr o que acontece de fato o controle de qualidade, determinar a

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distribuição dos recursos públicos des- vinda do órgão regulador - no caso, o
Ɵnados às InsƟtuições. MEC -, sendo as IES submetidas aos
Em 1993, propõe-se o Programa processos de “avaliação” sem nenhuma
de Avaliação InsƟtucional das Universi- parƟcipação como sujeitos destes.
dades Brasileiras (PAIUB), que, embora Todas essas tentativas, embora
tenha Ɵdo uma breve duração, trouxe com pouco resultado, foram determinan-
resultados insƟtucionais capazes de, pela tes para que uma discussão em torno da
primeira vez, despertar nas IES a cultura necessidade de avaliação na educação
de avaliação, por envolver a comunidade superior no Brasil fosse estabelecida.
acadêmica em um diálogo em prol do Cada ação, a seu modo, trouxe para a
desenvolvimento das insƟtuições. pauta a importância de se estabelecer um
O PAIUB Ɵnha adesão voluntária. sistema de avaliação capaz de criar a cul-
Mesmo assim, contou com ampla parƟ- tura de avaliação nas IES, por considerá-la
cipação das universidades. No entanto, um instrumento de gestão fundamental
perdeu forças quando deixou de contar para o aprimoramento acadêmico, além
com o apoio do MEC, em decorrência da da necessidade premente de prestar
mudança de governo. contas à sociedade sobre o que se desen-
No final da década de 1990 e nos volvia internamente nessas InsƟtuições.
primeiros anos do novo século, outros Todas as discussões realizadas em
mecanismos isolados de avaliação foram torno do tema evidenciaram a necessi-
implementados, como: Exame Nacional dade de criar um sistema que pudesse
de Cursos (ENC), mais conhecido como arƟcular regulação e avaliação educaƟva,
“Provão”; Análise das Condições de En- resolvendo a questão da regulação e, ao
sino (ACE), que buscava a avaliação da mesmo tempo, garanƟndo, por meio do
IES; e Avaliação das Condições de Oferta processo avaliaƟvo, o aperfeiçoamento
(ACO), mais voltada para a avaliação dos acadêmico e a busca pela qualidade nas
cursos e outras ações isoladas de ava- InsƟtuições de Ensino Superior.
liação que não apresentavam o senƟdo
de uma análise global, como ocorreu no Proposta do Sistema Nacional de Ava-
PAIUB, mas, um senƟdo de demonstrar liação da Educação Superior
produƟvidade e eficiência e de prestar
contas, porém com um olhar pontual O Sistema Nacional de Avaliação
que considerava, por exemplo, a avalia- da Educação Superior (SINAES) surge em
ção do aluno por meio do ENC, suficiente meio à polêmica em torno da avaliação
para determinar a qualidade do curso. como uma proposta encabeçada pela
Nesse momento, a avaliação, Comissão Especial de Avaliação (CEA),
em seu senƟdo amplo, perdeu força e que Ɵnha como principal objeƟvo me-
estabeleceu-se uma práƟca voltada para lhorar a qualidade acadêmica e a gestão
a regulação, a supervisão e o controle, insƟtucional.

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A CEA, a partir de um amplo conhecer a realidade e aquele que busca
es tudo e debate com a sociedade, interpretá-la, buscando senƟdo.
ouvindo enƟdades representaƟvas de Estes três pontos foram bem defi-
diversos setores, estudiosos da área nidos no art. 2º da Lei 10.861/2004, que
de educação e membros de comuni- insƟtuiu o SINAES:
dade acadêmica que parƟciparam da Art. 2º O SINAES, ao promover a
construção e implementação de ações avaliação de insƟtuições, de cursos
de avalia ção utilizadas até então e e de desempenho dos estudantes,
contando com o apoio logísƟco e polí- deverá assegurar:
Ɵco do MEC, apresentou o documento I - avaliação insƟtucional, interna
“Diretrizes do SINAES” (SINAES, 2004), e externa, contemplando a analise
que, submetido à votação pelo Con- global e integrada das dimensões,
gresso, tornou-se lei (Lei 10.861/2004), estruturas, relações, compromisso
ultrapassando os limites do MEC e do social, atividades, finalidades e
governo, passando a consƟtuir-se em responsabilidades sociais das insƟ-
uma PolíƟca de Estado. tuições de educação superior e de
A proposta do SINAES contempla seus cursos;
duas ideias centrais: a de integração; e II - o caráter público de todos os
a de parƟcipação. procedimentos, dados e resultados
A ideia de integração relaciona-se dos processos avaliaƟvos;
com a utilização de múltiplos instru- III - o respeito à idenƟdade e à diver-
mentos e dimensões e a combinação de sidade de insƟtuições e de cursos;
diversas metodologias para a formação (BRASIL, 2004; grifo nosso).
de um conceito global.
O reconhecimento da diversidade
A ideia da parƟcipação ocorreria
das IES no Brasil, cada uma com sua his-
por meio do envolvimento de toda a
tória, e o entendimento da necessidade
comunidade acadêmica com o pro-
de colaboração para que esta diversida-
cesso avaliaƟvo, de modo a assegurar o
de seja respeitada são destacados no
compromeƟmento com as mudanças e
documento “Diretrizes do SINAES”:
a criar uma cultura de avaliação nas IES.
Três pontos de destaque carac- A diversificação insƟtucional, bem
terizam e diferenciam a proposta do como a crise de identidade da
SINAES: a) consideração da diversidade educação superior, por uma parte,
explicam-se pela necessidade de
insƟtucional existente no País; b) ne-
criar instituições com diferentes
cessidade do respeito à idenƟdade das formas e concepções e, por outro
insƟtuições; e c) análise global e inte- lado, pela dificuldade de atender
grada da avaliação, construída por dois satisfatoriamente a todas essas
momentos disƟntos, próprios de uma exigências e aos múlƟplos desafios
avaliação educaƟva: aquele que busca gestados neste período histórico. A

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regulação da educação e a avaliação a solidariedade interinsƟtucional.
educaƟva devem ter em conta que (SINAES, 2004, p. 91).
a uma insƟtuição em parƟcular é
praƟcamente impossível oferecer
Por fim, as Diretrizes do SINAES
respostas qualificadas a todas essas apontam os dois momentos disƟntos de
demandas, mas é importante que uma avaliação considerada educaƟva:
o conjunto das insƟtuições, solida- A avaliação educaƟva interliga duas
riamente, seja capaz de atender, ao ordens de ação. Uma é a de verifi-
menos, às demandas prioritárias car, conhecer, organizar informa-
para amplos e diferentes setores ções, constatar a realidade. Outra
da sociedade. A avaliação da edu- é a de quesƟonar, submeter a jul-
cação superior deve ter uma con- gamento, buscar a compreensão de
cepção tal que atenda ao critério conjunto, interpretar causalidades
da diversidade insƟtucional; deve e potencialidades, construir social-
contribuir para a construção de uma mente os significados e práƟcas da
políƟca e de uma éƟca de educação filosofia, políƟca e éƟca educaƟvas,
superior em que sejam respeitados enfim, produzir senƟdos. (SINAES,
o pluralismo, a alteridade, as dife- 2004, p. 88).
renças insƟtucionais, mas também
o espírito de solidariedade e de Contudo, quesƟona-se a aplicação
cooperação. (SINAES, 2004, p. 90). do SINAES tal como propõe sua concep-
No mesmo documento, também ção, especialmente no que diz respeito
se destaca a necessidade de respeitar a a estes três pontos de destaque men-
idenƟdade de cada insƟtuição, reconhe- cionados.
cendo que estas têm que exercitar sua
liberdade para que se desenvolvam. A Distorções na prática de avaliação atual
avaliação é vista como um instrumento A Portaria 40, de 12 de dezembro
para que as IES tenham, cada vez mais, de 2007, que insƟtuiu o e-MEC, sistema
consciência de sua idenƟdade: eletrônico de fluxo de trabalho e de ge-
A idenƟdade insƟtucional não é um renciamento de informações relaƟvas
já-dado; é uma construção que tem aos processos de regulação, avaliação
a ver com a história, as condições e supervisão da educação superior no
de produção, os valores e objeƟvos Sistema Federal de Educação, define
da comunidade, as demandas con- o que são Indicadores de Qualidade e
cretas, as relações interpessoais.
Conceitos de Avaliação.
Portanto, a avaliação deve esta-
belecer um elo de ligação entre o
São Indicadores de Qualidade de
específico insƟtucional e o sistema curso: o Conceito Preliminar de Curso
de Educação Superior. O respeito à (CPC), que, embora tenha essa designa-
idenƟdade não significa isolamento ção, é um indicador, conforme define a
insƟtucional, e sim condição para legislação, de insƟtuição: o Índice Geral

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de Cursos (IGC); e do desempenho dos saƟsfatório (nota 1 ou 2), cabe recurso.
estudantes: o Exame Nacional de De- Exaurido o recurso e permanecendo
sempenho de Estudantes (ENADE). conceito insaƟsfatório, a IES apresenta
A mesma Portaria definiu como à secretaria competente protocolo de
Conceitos de Avaliação de curso: o Con- compromisso, quando se compromete a
ceito de Curso (CC); e de insƟtuição: o solucionar os problemas apontados pela
Conceito de InsƟtuição (CI). avaliação. Se ocorrer descumprimento
Conforme Michaelis (s/d), indica- das medidas determinadas no protocolo
dor é o “que indica, ou serve de indica- de compromisso, será instaurado pro-
ção” e conceito significa “o entendimen- cesso administraƟvo para aplicação das
to, o juízo”. penalidades previstas no art. 10, §2º da
Assim, o indicador, como um indi- Lei 10.861/2004, porém, com o direito de
caƟvo, é algo provisório, pois é um indí- ampla defesa e do contraditório, reafir-
cio que não significa um entendimento mados no §3º do mesmo arƟgo:
definiƟvo, o que só se daria com com-
Art. 10. Os resultados considerados
provações que levariam à construção de
insaƟsfatórios ensejarão a celebra-
um conceito, que seria, este sim, o juízo.
ção de protocolo de compromisso,
Ainda, a Portaria 40/2007 estabele- a ser firmado entre a insƟtuição de
ce um processo para que a avaliação de educação superior e o Ministério da
cursos e de IES aconteça. No processo in- Educação, que deverá conter:
dicado, percebe-se claramente que o CC e
§2º O descumprimento do protoco-
o CI são os conceitos definiƟvos. Ou seja,
lo de compromisso, no todo ou em
não se fala em CPC ou IGC como concei-
parte, poderá ensejar a aplicação
tos, mas como “indicadores”, que, como das seguintes penalidades:
dito, deveriam ser entendidos como
provisórios no processo. O caminho da I - suspensão temporária da aber-
avaliação, segundo a regra, seria este: o tura de processo seleƟvo de cursos
de graduação;
Curso ou a IES recebem um Indicador de
Qualidade (CPC ou IGC). Se este Indica- II - cassação da autorização de
dor for insaƟsfatório (nota 1 ou 2), passa funcionamento da instituição de
por avaliação in loco; se for saƟsfatório educação superior ou do reconheci-
(nota 3, 4 ou 5), pode ser dispensado mento de cursos por ela oferecidos;
da avaliação in loco. Após a visita, nos III - advertência, suspensão ou
casos em que estas são necessárias, são perda de mandato do dirigente res-
definidos os Conceitos de Avaliação (CC ponsável pela ação não executada,
ou CI), conforme o caso. Se o Conceito no caso de insƟtuições públicas de
for saƟsfatório (3, 4 ou 5), o processo ensino superior.
segue para publicação da Portaria com §3º As penalidades previstas neste
o ato regulatório. Se o Conceito for in- arƟgo serão aplicadas pelo órgão

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do Ministério da Educação respon- próprio documento de Diretrizes que
sável pela regulação e supervisão da apresenta a proposta do SINAES justa-
educação superior, ouvida a Câmara mente por ter sido considerado como
de Educação Superior, do Conselho base para a determinação da qualidade
Nacional de Educação, em processo
dos cursos:
administraƟvo próprio, ficando as-
segurado o direito de ampla defesa Dos instrumentos de avaliação uƟ-
e do contraditório. (BRASIL, 2004; lizados pelo Ministério da Educação
grifo nosso). para avaliar a educação superior,
o Exame Nacional de Cursos é o
Percebe-se que o CC não é um in-
que tem sofrido as mais severas e
dicador de qualidade, e sim um conceito contundentes críƟcas. Entre tantas,
de avaliação. Portanto, deveria subsƟtuir destacam-se:
o Conceito Preliminar de Curso (CPC), a) a sua condição de exame geral
após verificação in loco das condições desarticulado de um conjunto
de oferta do curso. integrado de avaliações com prin-
Da mesma forma, o CI não é um cípios, objeƟvos, agentes e ações
indicador de qualidade, e sim um con- claramente definidos;
ceito de avaliação, que deveria subsƟtuir b) o fato de exames gerais seme-
o Índice Geral de Cursos (IGC), após lhantes ao ENC terem sua moti-
verificação in loco das condições apre- vação mais fora do que dentro da
escola, produzindo representações
sentadas pela insƟtuição.
pontuais, incompletas e equivoca-
Ocorre que o CPC e o IGC, assim
das do mundo acadêmico;
como a nota do ENADE, têm sido su- c) a sua racionalidade muito mais
ficientes para que o órgão regulador mercadológica e reguladora do que
adote medidas que só estariam previstas acadêmica e pedagógica, atenden-
no final do processo definido na legis- do, portanto, mais à construção da
lação, após avaliação in loco e no caso reputação insƟtucional do que à
de descumprimento do protocolo de qualidade insƟtucional;
compromisso. d) a desconsideração do perfil aca-
Cabe ressaltar ainda a enorme dêmico do alunado que ingressa em
importância do ENADE na definição do uma IES, tornando inviável a análise
CPC e do IGC, sendo a avaliação realiza- do valor agregado pela insƟtuição
aos conhecimentos e habilidades
da pelo aluno, responsável, quase que
dos seus estudantes e tornando
isoladamente, pela composição destes
impossível determinar a capacidade
indicadores. insƟtucional de oferecer boa forma-
QuesƟona-se se não estaríamos ção aos seus alunos;
voltando ao mesmo modelo adotado e) a ausência de comparabilidade
pelo Exame Nacional de Cursos (ENC), entre as provas ao longo do tempo,
o conhecido “Provão”, criticado pelo o que compromete seriamente a

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capacidade de avaliar os êxitos, in- de cada área e tem como base a nota do
sucessos e perspecƟvas dos cursos; ENADE; a avaliação do corpo docente,
f) os boicotes por parte dos estu- verificada pelos dados do cadastro de
dantes e a falta de critério para lidar docentes das insƟtuições; a infraestru-
com provas entregues em branco;
tura, verificada pela resposta do aluno
g) a constatação de que os concei-
tos divulgados à população, supos- ao questionário socioeconômico; e a
tamente indicaƟvos de qualidade, verificação da organização didático-
não expressam a real qualidade dos pedagógica do curso, que também é
cursos, gerando desinformação e verificada pela resposta do aluno a uma
desorientação do grande público. questão do questionário socioeconô-
A distribuição dos intervalos das mico. Este cálculo faz com que o aluno
notas que geram os conceitos atri- defina aproximadamente 70% deste
buídos aos cursos evidenciam que indicador.
um conceito A não significa, como
Quando se diz que nos cálculos
é de se esperar, um curso de boa
que definem o CPC há avaliação da or-
qualidade, assim como, um concei-
to D pode não indicar um curso de ganização didáƟco-pedagógica do curso
má-qualidade. e de sua infraestrutura, percebe-se que
h) a divulgação dos resultados isso não ocorre de fato. O que se tem é
do ENC desvinculados de outros uma visão do aluno em relação a estes
processos avaliaƟvos, atribuindo itens, não se podendo considerá-la, iso-
a ele centralidade no sistema de ladamente como uma avaliação destes
avaliação e autoridade exclusiva aspectos do curso.
ao comunicar ao grande público O IGC é diretamente afetado
a suposta qualidade dos cursos; e
pelo mesmo cálculo, pois é uma média
i) a adoção de políƟcas de premia-
ção e punição de insƟtuições com ponderada dos CPCs dos cursos de gra-
base em conceitos gerados por um duação e da nota da Capes dos cursos
instrumento e por uma metodolo- pós-graduação da insƟtuição (quando
gia deficientes e, portanto, incapa- existem mestrados e doutorados na IES),
zes de expressar com confiabilidade uƟlizando-se a distribuição dos alunos
a qualidade dos cursos. (SINAES, entre os diferentes níveis de ensino (gra-
2004, p. 62-63; grifo nosso). duação, mestrado e doutorado).
É evidente que, da mesma forma Questiona-se: Como garantir a
que o ENC, o ENADE não pode ser deter- análise global e integrada das dimensões
minante para aferir a qualidade de um tal como preconiza a Lei 10.861/2004
curso, sendo apenas um indício, como considerando-se o CPC, consƟtuído ma-
já dito. joritariamente pela avaliação do aluno
O CPC, no entanto, é calculado no como base para as decisões relacionadas
ano seguinte ao da realização do ENADE à avaliação dos cursos?

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Percebe-se que os dois índices, Considerações finais
CPC e IGC, passaram a ser determinantes
para a avaliação, sendo praƟcamente Vê-se que a concepção proposta
considerados como “a própria avaliação pelo SINAES encontra-se ameaçada por
da educação superior”. operações coƟdianas de fiscalização e
Outra questão polêmica na avalia- controle uƟlizadas pelo Estado distantes
ção prende-se à construção e uƟlização do que se propôs como avaliação e com
dos Instrumentos de Avaliação de Cursos o objeƟvo primordial de se estabelece-
e de InsƟtuição. Atualmente, o MEC tra- rem rankings, configurando uma aƟtude
balha com um instrumento único, uƟliza- voltada para a compeƟƟvidade, e não
do para a avaliação de todos os cursos de para a solidariedade; uma ação voltada
graduação (bacharelados, licenciaturas para o mercado, e não para a sociedade.
e cursos superiores de tecnologia), nas A proposta do SINAES teve seus
modalidades presencial e a distância, e principais objeƟvos descaracterizados,
para todos os processos existentes: au- tendo sua ação sido deslocada para a
torização, reconhecimento e renovação simples uƟlização de dois indicadores
de reconhecimento. – o CPC e o IGC -, ambos definidos, em
O instrumento de avaliação da IES grande parte, pelo ENADE.
também é único, sendo uƟlizado para A educação não tem somente uma
todos os Ɵpos de insƟtuição, seja ela função técnica e econômica. Seu papel
pública, privada, universitária ou não está muito mais relacionado com valores
universitária. do que propriamente com a economia.
Como garanƟr o respeito à idenƟ- A implantação de uma avaliação
dade e à diversidade insƟtucionais com educativa nas Instituições de Ensino
a uƟlização de um único instrumento de Superior com o senƟdo colaboraƟvo,
avaliação para a avaliação de insƟtuições conforme propõe o SINAES, poderia
e cursos tão disƟntos, com especifici- trazer para o setor respostas que impul-
dades relacionadas tanto às propostas sionariam o seu desenvolvimento, de-
pedagógicas definidas quanto à inserção terminante para o crescimento do País.
e ao contexto social e econômico em que Diante desse cenário, reafirma-
cada um deles estão envolvidos? se que a regulação e a avaliação, ne-
Àquilo que de fato existe atual- cessárias à delimitação do direito de
mente em avaliação aplica-se o que atuação da livre iniciaƟva na educação
afirmou Rui Barbosa: “Tratar com de- superior, encontram-se estabelecidas
sigualdade a iguais, ou a desiguais com pela Lei 10.861/04, restando ao MEC
igualdade, seria desigualdade flagrante, apenas regulamentar tais determina-
e não igualdade real”. ções, tornando-as viáveis por meio de
sua estrutura administraƟva, sem jamais
gerar obrigações às IES.

272 Roberta Muriel CARDOSO. Avaliação e educação no Brasil: avanços e retrocessos


Tais distorções e equívocos apre- transformação pela educação, e o Siste-
sentados são lamentáveis, pois a avalia- ma Nacional de Avaliação da Educação
ção deve ser vista como um patrimônio Superior, o SINAES, foi concebido com
público, na medida em que é um ins- todas as condições para proporcionar
trumento que poderia possibilitar uma essa transformação.

Referências
BRASIL. Presidência da República. ConsƟtuição da República FederaƟva do Brasil 1988.
Diário Oficial [da] República FederaƟva do Brasil, Brasília, DF, 5 de out. 1988. p. 1.
______. Presidência da República. Lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004. InsƟtui o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior -SINAES e dá outras providências. Diário Oficial
[da] República FederaƟva do Brasil, Brasília, DF, 15 de abr. 2004. Seção I - p. 3.
______. Ministério da Educação. Portaria NormaƟva 40, de 12 de dezembro de 2007. InsƟtui
o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relaƟvas
aos processos de regulação, avaliação e supervisão da educação superior no sistema federal
de educação, e o Cadastro e-MEC de InsƟtuições e Cursos Superiores e consolida disposi-
ções sobre indicadores de qualidade, banco de avaliadores (Basis) e o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes (ENADE) e outras disposições. Republicada no Diário Oficial
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Recebido em março de 2014


Aprovado para publicação em abril de 2014

Série-Estudos... Campo Grande, MS, n. 37, p. 263-273, jan./jun. 2014. 273

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