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FACULDADE DE FILOSOFIA E TEOLOGIA PAULO VI
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AINDA TEM SENTIDO FALAR DE INDULGÊNCIAS HOJE?
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ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, cap. XI Ainda Tem Sentido Falar De Indulgências
Hoje?
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PAULO IV, Papa. INDULGENTIARUM DOCTRINA, Sobre A Doutrina das Indulgências Normas N.1,
disponivel em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-
vi_apc_01011967_indulgentiarum-doctrina.html; Catecismo da Igreja Católica, n. 1471.
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ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, pg. 192-193
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As perseguições no início do cristianismo levaram à apostasia de muitos
fiéis. Aqueles que renegavam Jesus Cristo eram "excomungados" e submetidos à
penitência pública, que incluía restrições e penitências pesadas. Porém, os mártires
e confessores que sobreviveram às torturas eram considerados capazes de
interceder pelos pecadores arrependidos, concedendo-lhes "notas de paz" junto ao
bispo para reduzir o tempo das penitências.
Com o tempo, tornou-se evidente que os limites da penitência canônica
não eram eficazes, pois muitos pecadores adiavam sua reconciliação devido ao rigor
das penitências impostas. Diante disso, foi introduzida uma nova prática chamada
penitência tarifada, trazida pelos monges irlandeses e britânicos ao continente
europeu no século VII. Nessa nova forma de penitência, os fiéis tinham acesso ao
sacramento da penitência quantas vezes quisessem, e o confessor estabelecia a
penitência com base em um questionário e uma tarifa de penitências
correspondentes a cada pecado. Após cumprir a penitência, o penitente recebia a
absolvição do sacerdote.
A partir do século VI, a penitência canônica caiu em desuso, sendo
substituída pela penitência reiterável e privada. Surgiram listas de pecados com
indicações de penitências nos chamados livros penitenciais ou penitências tarifadas.
No século IX, a reforma carolíngia substituiu esses livros por coleções de cânones
sinodais autênticos, buscando uniformizar a disciplina penitencial. O Decreto de
Graciano, no século XII, finalmente padronizou a disciplina penitencial. 4
A evolução da prática da penitência levou gradualmente ao surgimento
das indulgências. Inicialmente, as indulgências eram discretas, com duração de vinte
ou quarenta dias. No entanto, os papas Calixto II e Alexandre III começaram a
conceder indulgências mais generosas, de um a três anos, e alguns bispos
aumentaram ainda mais esse período. Isso levou a abusos por parte de prelados
gananciosos, culminando na censura dos abusos pelo IV Concílio de Latrão em
1215.
Desde a Idade Média, as indulgências estavam frequentemente
vinculadas a obras específicas, como participação em cruzadas, peregrinações,
orações ou boas obras. Por exemplo, o papa Bonifácio VIII promulgou o primeiro
jubileu em 1300, oferecendo indulgência plenária aos cristãos que visitassem o
túmulo de São Pedro e as quatro basílicas romanas.
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Ibidem. Pag 194
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A prática das indulgências precedeu sua teorização teológica. No século
XIII, a palavra "indulgência" se tornou comum, e os teólogos inicialmente rejeitaram
a prática, considerando-a contrária à tradição secular da Igreja e movida pela busca
de lucro. No entanto, com a formulação da doutrina sobre o tesouro da Igreja, novos
elementos surgiram para a reflexão teológica. Os teólogos começaram a adotar uma
visão positiva das indulgências, destacando que as penas temporais eram
perdoadas ou reduzidas devido à aplicação das graças do tesouro da Igreja.
Na Alta Escolástica, dois conceitos importantes foram estabelecidos para
a Teologia das indulgências:
a) as penas temporais são perdoadas ou reduzidas pelas indulgências;
b) isso acontece pela aplicação das graças do tesouro da Igreja.
Assim, fica esclarecido que ganhar indulgências de um ano não significa
que o crente seria poupado de um ano de sofrimento no purgatório, mas sim que
seria perdoado das penas eclesiais que, de outra forma, seriam cumpridas com um
ano de penitência. Portanto, não se trata de avaliar ou negociar o tempo no
purgatório.5
No contexto da pregação das cruzadas sob o Papa Urbano II,
desenvolveu-se a ideia e a prática das indulgências plenárias. A partir do século XIII,
teólogos e canonistas passaram a ensinar a aplicação de indulgências também aos
falecidos. Em 1457, o Papa Calixto III concedeu indulgências aplicáveis aos mortos
durante uma cruzada contra os mouros.
Ao observar a evolução histórica da prática das indulgências, podemos
destacar alguns momentos importantes: 1) o crescimento e acumulação das
indulgências à medida que diminuíam as obras decorrentes das antigas comutações
e redenções penitenciais; 2) o surgimento das indulgências plenárias em conexão
com as cruzadas; 3) a concessão de indulgências aos mortos, especialmente a partir
do século XV; 4) a multiplicação ilimitada das indulgências a partir do século XI,
como uma fonte fácil e conveniente de obter dinheiro para fins eclesiásticos. Os
pregadores de indulgências frequentemente exploravam essa prática de maneira
leviana e irresponsável, conforme posteriormente reconhecido expressamente pelo
Concílio de Trento. Assim, desde o início da prática das indulgências, muitos abusos
foram introduzidos. Chegou-se a afirmar que as indulgências poderiam ser
adquiridas em favor das pessoas mortas em pecado mortal, desde que fosse paga a
5
Ibidem. Pag 201
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quantia correspondente. Alegava-se também que, com as indulgências, o papa
poderia esvaziar o purgatório. Nesse contexto, compreende-se e justifica-se a crítica
contundente de Martinho Lutero, que se revoltou contra uma prática abusiva e
vergonhosa vigente em sua época.6
2 QUAL É A DOUTRINA DA IGREJA CATÓLICA SOBRE AS INDULGÊNCIAS?
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Ibidem. Pag. 202
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Ibidem. Pag. 204
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bancária do tesouro da Igreja, onde os méritos podiam ser trocados comercialmente
em benefício dos mortos.
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ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, pg.207
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PAULO IV, Papa. INDULGENTIARUM DOCTRINA, Sobre A Doutrina das Indulgências n. 10
diposnivel em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-
vi_apc_01011967_indulgentiarum-doctrina.html
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Paulo VI estabeleceu normas para indulgências que visam fortalecer a
vida dos cristãos. Indulgência é a remissão parcial ou total da pena temporal pelos
pecados já perdoados. A Igreja concede indulgências com base nos méritos de
Jesus Cristo e dos santos. Os requisitos incluem intenção correta, estado de graça e
cumprimento das obras prescritas, como confissão, comunhão e práticas piedosas.12
3 QUAL É O SENTIDO TEOLÓGICO DAS INDULGÊNCIAS?
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Ibidem. Normas
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Portanto, as indulgências são um convite à busca de uma compreensão
mais profunda da graça divina, à prática do perdão e à vivência da solidariedade em
nossa jornada espiritual.
a doutrina das indulgências ainda possui um significado teológico
relevante para a vida prática dos cristãos e da comunidade. No entanto, é
necessário reinterpretá-la em um horizonte teológico mais amplo, levando em
consideração os trabalhos de estudiosos como K. Rahner, E. Schillebeeckx, P.
Anciaux e B. Poschmann no século XX, que contribuíram para uma reflexão mais
profunda sobre o tema.
A prática das indulgências se desenvolveu historicamente no contexto da
penitência eclesial e está intrinsicamente relacionada à comunhão eucarística.
Atualmente, a Igreja não impõe penitências temporais longas durante o sacramento
da penitência, reconhecendo que o perdão é principalmente uma graça de Deus e
não um mérito por meio de obras humanas. No entanto, isso não significa que a
remissão das penas temporais tenha perdido seu significado, pois representa a
busca por uma libertação mais profunda do poder do pecado e de suas
consequências.
Para compreender melhor a doutrina subjacente à prática das
indulgências, é fundamental entender a dupla consequência do pecado. Além de
romper a comunhão com Deus e resultar na perda da vida eterna (pena eterna), o
pecado também afeta o relacionamento do indivíduo com Deus e com a comunidade
humana (pena temporal). Com o perdão dos pecados, a pena eterna é removida e a
comunhão com Deus é restaurada, mas as penas temporais permanecem.
É essencial compreender que o pecado pessoal não apenas gera uma
ruptura interna no indivíduo, mas também deixa consequências nas atitudes, na
imaginação e na forma como se reage diante das solicitações do mundo. O pecado
também se manifesta nas estruturas sociais e nas atitudes pessoais, gerando uma
situação de pecado. Essas consequências podem ser chamadas de penas
temporais. Portanto, o perdão não dissolve automaticamente essas estruturas
pecaminosas na pessoa e na sociedade, as quais podem ser fontes de novos
pecados.13
4 CONCLUSÃO
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ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, pg. 209 - 213
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Ainda que passando por todos os percalços na má interpretação e na má
aplicação, as indulgências devem ser compreendidas como uma ajuda gratuita de
Deus ao pecador arrependido. Elas pressupõem um relacionamento de amor e fé
com Deus, que precisa ser cultivado. Reconhecemos que, mesmo com uma grande
vontade de fazer o bem, não somos totalmente senhores de nós mesmos, pois
somos condicionados pela situação em que estamos inseridos e pelas
consequências deixadas pelo pecado, mesmo que tenham sido perdoadas. Nesse
sentido, buscamos a redenção não apenas do pecado, mas também de suas
consequências, por meio da graça de Deus. Essa graça não pode ser negociada ou
comprada, mas é recebida como membros do corpo de Cristo e dependemos dela
para nos libertar de nossa arrogância, orgulho e egoísmo.
Dessa forma, compreendemos que a Igreja é a comunidade dos fiéis em
Cristo, que acreditam na presença ativa de Deus entre eles. Assim, a prática das
indulgências, quando vivenciada com um coração verdadeiramente arrependido e
voltado para a graça divina, pode ser uma expressão concreta da misericórdia
infinita de Deus em nossa vida e são necessárias para vida da Igreja nos tempos
atuais.
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REFERÊNCIAS
ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, cap. XI - Ainda Tem Sentido
Falar De Indulgências Hoje? – Material disponibilizado em PDF pelo docente
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