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FACULDADE DE FILOSOFIA E TEOLOGIA PAULO VI 

“LEITURA, SÍNTESE E ANÁLISE DO TEXTO: AINDA TEM SENTIDO FALAR DE


INDULGÊNCIAS HOJE?"

MOGI DAS CRUZES / SP 2018

1
FACULDADE DE FILOSOFIA E TEOLOGIA PAULO VI 
 

GUILHERME CASTRO BERUTTO MASIERO – RGM: 20212272 


 

 ““LEITURA, SÍNTESE E ANÁLISE DO TEXTO: AINDA TEM SENTIDO FALAR DE


INDULGÊNCIAS HOJE?"
"
 

Atividade acadêmica para obtenção de nota


parcial da disciplina História da Igreja Moderna,
curso – Teologia.
Docente: Prof. Me. Pe. Tiago Cosmo da Silva
Dias.

 
 
 

 MOGI DAS CRUZES / SP 


2018 

2
AINDA TEM SENTIDO FALAR DE INDULGÊNCIAS HOJE?

A prática das indulgências no cristianismo ocidental tem sido polêmica ao


longo da história, mas perdeu importância na modernidade. Apesar disso, ainda
existem lacunas de esclarecimento sobre o assunto. As indulgências surgiram no
século XI e se tornaram objeto de abusos financeiros, levando à crítica de Martinho
Lutero durante a Reforma Protestante. Embora não seja central para a fé católica, as
indulgências levantam questões teológicas complexas. É importante investigar sua
origem, a doutrina católica a respeito e o sentido teológico, como nos propõe o texto
referencia para essa análise1
1 COMO SURGIU A PRÁTICA DAS INDULGÊNCIAS?

Entende-se por indulgência


a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados
cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente disposto
obtém em certas e determinadas condições pela acção da Igreja que,
enquanto dispensadora da redenção, distribui e aplica, por sua
autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos2
Porém esse conceito nem sempre foi vivido na prática quando voltamos
nosso olhar para a história da Igreja e todo o processo que esse remédio espiritual
passou. Inicialmente, nos primeiros séculos do cristianismo, não havia uma prática
uniforme de penitência e reconciliação. Cada igreja local tratava dos casos de
infidelidade ao batismo individualmente. No entanto, à medida que as comunidades
cristãs cresceram em número, a fidelidade ao batismo diminuiu e o número de
pecadores graves aumentou. Para esses casos, foi oferecida uma segunda e última
chance de salvação, conhecida como penitência canônica. Essa forma de penitência
era imposta uma única vez na vida e era reservada para faltas graves, como
apostasia, adultério e assassinato, que constituíam uma ruptura com o batismo. Os
pecados diários eram perdoados por meio da prática da penitência diária.3

1
ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, cap. XI Ainda Tem Sentido Falar De Indulgências
Hoje?
2
PAULO IV, Papa. INDULGENTIARUM DOCTRINA, Sobre A Doutrina das Indulgências Normas N.1,
disponivel em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-
vi_apc_01011967_indulgentiarum-doctrina.html; Catecismo da Igreja Católica, n. 1471.
3
ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, pg. 192-193

3
As perseguições no início do cristianismo levaram à apostasia de muitos
fiéis. Aqueles que renegavam Jesus Cristo eram "excomungados" e submetidos à
penitência pública, que incluía restrições e penitências pesadas. Porém, os mártires
e confessores que sobreviveram às torturas eram considerados capazes de
interceder pelos pecadores arrependidos, concedendo-lhes "notas de paz" junto ao
bispo para reduzir o tempo das penitências.
Com o tempo, tornou-se evidente que os limites da penitência canônica
não eram eficazes, pois muitos pecadores adiavam sua reconciliação devido ao rigor
das penitências impostas. Diante disso, foi introduzida uma nova prática chamada
penitência tarifada, trazida pelos monges irlandeses e britânicos ao continente
europeu no século VII. Nessa nova forma de penitência, os fiéis tinham acesso ao
sacramento da penitência quantas vezes quisessem, e o confessor estabelecia a
penitência com base em um questionário e uma tarifa de penitências
correspondentes a cada pecado. Após cumprir a penitência, o penitente recebia a
absolvição do sacerdote.
A partir do século VI, a penitência canônica caiu em desuso, sendo
substituída pela penitência reiterável e privada. Surgiram listas de pecados com
indicações de penitências nos chamados livros penitenciais ou penitências tarifadas.
No século IX, a reforma carolíngia substituiu esses livros por coleções de cânones
sinodais autênticos, buscando uniformizar a disciplina penitencial. O Decreto de
Graciano, no século XII, finalmente padronizou a disciplina penitencial. 4
A evolução da prática da penitência levou gradualmente ao surgimento
das indulgências. Inicialmente, as indulgências eram discretas, com duração de vinte
ou quarenta dias. No entanto, os papas Calixto II e Alexandre III começaram a
conceder indulgências mais generosas, de um a três anos, e alguns bispos
aumentaram ainda mais esse período. Isso levou a abusos por parte de prelados
gananciosos, culminando na censura dos abusos pelo IV Concílio de Latrão em
1215.
Desde a Idade Média, as indulgências estavam frequentemente
vinculadas a obras específicas, como participação em cruzadas, peregrinações,
orações ou boas obras. Por exemplo, o papa Bonifácio VIII promulgou o primeiro
jubileu em 1300, oferecendo indulgência plenária aos cristãos que visitassem o
túmulo de São Pedro e as quatro basílicas romanas.
4
Ibidem. Pag 194
4
A prática das indulgências precedeu sua teorização teológica. No século
XIII, a palavra "indulgência" se tornou comum, e os teólogos inicialmente rejeitaram
a prática, considerando-a contrária à tradição secular da Igreja e movida pela busca
de lucro. No entanto, com a formulação da doutrina sobre o tesouro da Igreja, novos
elementos surgiram para a reflexão teológica. Os teólogos começaram a adotar uma
visão positiva das indulgências, destacando que as penas temporais eram
perdoadas ou reduzidas devido à aplicação das graças do tesouro da Igreja.
Na Alta Escolástica, dois conceitos importantes foram estabelecidos para
a Teologia das indulgências:
a) as penas temporais são perdoadas ou reduzidas pelas indulgências;
b) isso acontece pela aplicação das graças do tesouro da Igreja.
Assim, fica esclarecido que ganhar indulgências de um ano não significa
que o crente seria poupado de um ano de sofrimento no purgatório, mas sim que
seria perdoado das penas eclesiais que, de outra forma, seriam cumpridas com um
ano de penitência. Portanto, não se trata de avaliar ou negociar o tempo no
purgatório.5
No contexto da pregação das cruzadas sob o Papa Urbano II,
desenvolveu-se a ideia e a prática das indulgências plenárias. A partir do século XIII,
teólogos e canonistas passaram a ensinar a aplicação de indulgências também aos
falecidos. Em 1457, o Papa Calixto III concedeu indulgências aplicáveis aos mortos
durante uma cruzada contra os mouros.
Ao observar a evolução histórica da prática das indulgências, podemos
destacar alguns momentos importantes: 1) o crescimento e acumulação das
indulgências à medida que diminuíam as obras decorrentes das antigas comutações
e redenções penitenciais; 2) o surgimento das indulgências plenárias em conexão
com as cruzadas; 3) a concessão de indulgências aos mortos, especialmente a partir
do século XV; 4) a multiplicação ilimitada das indulgências a partir do século XI,
como uma fonte fácil e conveniente de obter dinheiro para fins eclesiásticos. Os
pregadores de indulgências frequentemente exploravam essa prática de maneira
leviana e irresponsável, conforme posteriormente reconhecido expressamente pelo
Concílio de Trento. Assim, desde o início da prática das indulgências, muitos abusos
foram introduzidos. Chegou-se a afirmar que as indulgências poderiam ser
adquiridas em favor das pessoas mortas em pecado mortal, desde que fosse paga a
5
Ibidem. Pag 201
5
quantia correspondente. Alegava-se também que, com as indulgências, o papa
poderia esvaziar o purgatório. Nesse contexto, compreende-se e justifica-se a crítica
contundente de Martinho Lutero, que se revoltou contra uma prática abusiva e
vergonhosa vigente em sua época.6
2 QUAL É A DOUTRINA DA IGREJA CATÓLICA SOBRE AS INDULGÊNCIAS?

O tema das indulgências é mencionado em diferentes documentos e


pronunciamentos oficiais da Igreja Católica ao longo da história, com isso pode-se
observar a evolução e os abusos associados a essa prática. A complexidade
histórica das indulgências, destacando tanto os esforços da Igreja Católica em
estabelecer diretrizes e limites para essa prática como os abusos que surgiram ao
longo do tempo levou as autoridades eclesiásticas a reconhecer a necessidade de
condenar excessos e promulgar restrições, como evidenciado pelos Concílios de
Latrão IV e Ravena. Além disso, a divergência de opiniões entre teólogos em
relação às indulgências demonstra a existência de debates e discussões dentro da
própria Igreja.
Alguns documentos oficiais que abordam a doutrina das indulgências,
como a bula Unigenitus Dei Filius do Papa Clemente VI em 1343, a bula Salvator
Noster do Papa Sixto em 1476, o decreto Cum postquam de Leão X em 1518, a
constituição Auctorem fidei de Pio VI, o decreto De indulgentiis do Concílio de Trento
em 1563, e a Constituição apostólica Indulgentiarum doctrina do Papa Paulo VI em
1967, nos dão uma ampla visão desse processo histórico.
Houveram também as condenações por parte das autoridades
eclesiásticas em relação aos abusos, assim como a resistência e a rejeição de
teólogos famosos, como Pedro Lombardo, em relação ao princípio das indulgências.
Por outro lado, Tomás de Aquino é citado como um defensor da prática,
fundamentando-a no "poder das chaves" conferido à Igreja.7
A Teologia católica em geral foi cautelosa em relação à doutrina das
indulgências. A prática das indulgências propagou-se com sucesso, mas também se
tornou fonte de abusos, reduzindo sua importância. Os fiéis passaram a vê-las como
um meio automático de garantir a salvação, e surgiu uma mentalidade de concepção

6
Ibidem. Pag. 202
7
Ibidem. Pag. 204
6
bancária do tesouro da Igreja, onde os méritos podiam ser trocados comercialmente
em benefício dos mortos.

Nesse contexto, Martinho Lutero e outros reformadores criticaram essa


prática. A crítica de Lutero não se limitou à comercialização das indulgências, mas
também se opôs a uma concepção objetivista e quantitativa dos méritos de Cristo.8
Em 1517, Lutero redigiu as 95 Teses contra a prática das indulgências da época,
considerando-as semelhantes à compra do perdão (simonia). Ele argumentou que
as indulgências levavam a uma segurança enganadora, pois os fiéis não as
recebiam como uma redução da pena temporal, mas como uma dispensa da
contrição autêntica e uma garantia de salvação. Lutero também rejeitou a ideia de
um "tesouro" dos méritos excedentes de Cristo e dos santos, que a Igreja poderia
utilizar para beneficiar os fiéis.
Lutero escreveu suas teses como um debate sobre o poder e a eficácia
das indulgências, iniciando assim a Reforma e a divisão do cristianismo no Ocidente.
Ele considerava abusiva a prática de vender indulgências, argumentando que elas
desencorajavam o verdadeiro arrependimento e a ajuda aos pobres. A crítica de
Lutero não se limitou aos abusos, mas questionou a própria concepção e
fundamento teológico das indulgências, incluindo a noção de um "tesouro" de
méritos da Igreja. Suas teses desencadearam um movimento de reforma religiosa e
divisão dentro do cristianismo, impactando profundamente a história religiosa e
social da Europa Ocidental. Suas teses foram consideradas heréticas pelos
superiores eclesiásticos e ele foi excomungado em 1521.9
O Concílio de Trento não abordou o conteúdo doutrinário das
indulgências, mas reconheceu que a Igreja possui o poder de Cristo para concedê-
las e afirmou sua utilidade para o povo cristão. O objetivo principal de Trento era
combater os abusos relacionados às indulgências. Em 1569, o Papa Pio V
estabeleceu a gratuidade das indulgências, substituindo a prática de oferecer
esmolas por certas orações e visitas a igrejas específicas.
A doutrina tradicional da Igreja sobre as indulgências, conforme formulada
nos cânones 992-997 do Código de Direito Canônico de 1917, pressupõe a distinção
8
Ibidem. Pag 205
9
MacCulloch, Diarmaid. "Martin Luther and the German Reformation." The Cambridge Companion to
Reformation Theology, edited by David Bagchi and David C. Steinmetz, Cambridge University Press,
2004, pp. 47–63.
7
tridentina entre culpa e pena. A indulgência é definida como a remissão das penas
temporais perante Deus, referentes a pecados que já foram perdoados ou que foram
perdoados antes da conclusão da boa obra prescrita. A concessão da indulgência é
feita pela autoridade eclesiástica, que administra o tesouro da Igreja, sendo aplicada
aos vivos na forma de absolvição e aos mortos na forma de sufrágio ou intercessão.
As condições para obter uma indulgência incluem o batismo, estar livre de
excomunhão, ter recebido o perdão de pecados graves, cumprir a obra prescrita e
ter a intenção correta. As indulgências se aplicam não apenas às penas canônicas,
mas também às penas perante Deus. São concedidas pela Igreja com base no
tesouro dos méritos de Cristo e dos santos. Além disso, a prática da Igreja
reconhece a existência de indulgências parciais e plenárias, conceitos que requerem
uma análise teológica mais aprofundada.
O Papa Pio V posteriormente implementou reformas, tornando as
indulgências gratuitas e substituindo as esmolas por outras práticas. A descrição da
doutrina das indulgências destaca a distinção entre culpa e pena, a remissão das
penas temporais perante Deus e as condições para obter uma indulgência. Também
é mencionado o tesouro dos méritos de Cristo e dos santos como base para a
concessão das indulgências. Essas questões doutrinárias são fundamentais para
entender o desenvolvimento e a aplicação das indulgências na história da Igreja
Católica.
O papa Paulo VI reformulou as normas práticas das indulgências
através da Constituição apostólica Indulgentiarum doctrina [...] Ele
modifica a disciplina, revisando as disposições práticas para salientar
melhor o espírito que deve animar o cristão para recebê-las, diz que,
para obter indulgências, embora sejam benefícios gratuitos, devem
cumprir-se as condições requeridas10: Com efeito, embora sejam as
indulgências benefícios gratuitos, não são concedidas tanto a favor
dos vivos como dos defuntos a não ser que se cumpram as condições
requeridas para sua obtenção. Duma parte devem ser cumpridas as
boas obras prescritas, doutra parte deve o fiel apresentar as
disposições exigidas, isto é, que ame a Deus, deteste os pecados,
tenha confiança nos méritos de Cristo e firmemente creia na grande
utilidade que para ele mesmo representa a comunhão dos Santos. 11

10
ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, pg.207
11
PAULO IV, Papa. INDULGENTIARUM DOCTRINA, Sobre A Doutrina das Indulgências n. 10
diposnivel em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-
vi_apc_01011967_indulgentiarum-doctrina.html
8
Paulo VI estabeleceu normas para indulgências que visam fortalecer a
vida dos cristãos. Indulgência é a remissão parcial ou total da pena temporal pelos
pecados já perdoados. A Igreja concede indulgências com base nos méritos de
Jesus Cristo e dos santos. Os requisitos incluem intenção correta, estado de graça e
cumprimento das obras prescritas, como confissão, comunhão e práticas piedosas.12
3 QUAL É O SENTIDO TEOLÓGICO DAS INDULGÊNCIAS?

A doutrina das indulgências passou por mudanças ao longo do tempo. A


linguagem usada ainda reflete concepções materialistas e quantitativas em relação
ao tesouro da Igreja. No entanto, o tesouro da Igreja não pode ser manipulado como
uma conta bancária. As indulgências não se tratam de um ganho ou de um negócio
com Deus. É importante enfatizar seu valor como intercessão e graça, e não uma
eficácia mecânica. A prática das indulgências requer conversão, fé, piedade e amor
genuíno. Elas não se baseiam no mérito humano, mas na doação de Deus. As
indulgências enfatizam a solidariedade entre os seres humanos e convidam à
indulgência no perdão, refletindo a misericórdia divina. Elas são um sinal concreto
da infinita e paradoxal misericórdia de Deus para conosco.
É importante destacar que as indulgências têm uma ligação intrínseca
com a Teologia da graça e a comunhão dos santos. Elas lembram aos cristãos que
a salvação não é alcançada por esforço próprio, mas é um dom de Deus. As
indulgências não são uma maneira de conquistar a salvação, mas sim um convite
para reconhecer nossa dependência da graça divina.
A história da prática das indulgências mostrou a necessidade de uma
abordagem teológica mais cuidadosa, evitando enfatizar excessivamente o caráter
comercial das obras relacionadas a elas. Em vez disso, é essencial ressaltar o papel
da graça, mediada pela Igreja e recebida pela fé, na concessão das indulgências.
Além disso, as indulgências têm uma dimensão de solidariedade, tanto
para o bem quanto para o mal. Elas nos recordam que somos responsáveis uns
pelos outros, inclusive em relação à salvação. Ao perdoar os outros de forma
indulgente, seguindo o exemplo de Deus, podemos acolher a graça da salvação não
apenas para nós mesmos, mas também para os outros.

12
Ibidem. Normas
9
Portanto, as indulgências são um convite à busca de uma compreensão
mais profunda da graça divina, à prática do perdão e à vivência da solidariedade em
nossa jornada espiritual.
a doutrina das indulgências ainda possui um significado teológico
relevante para a vida prática dos cristãos e da comunidade. No entanto, é
necessário reinterpretá-la em um horizonte teológico mais amplo, levando em
consideração os trabalhos de estudiosos como K. Rahner, E. Schillebeeckx, P.
Anciaux e B. Poschmann no século XX, que contribuíram para uma reflexão mais
profunda sobre o tema.
A prática das indulgências se desenvolveu historicamente no contexto da
penitência eclesial e está intrinsicamente relacionada à comunhão eucarística.
Atualmente, a Igreja não impõe penitências temporais longas durante o sacramento
da penitência, reconhecendo que o perdão é principalmente uma graça de Deus e
não um mérito por meio de obras humanas. No entanto, isso não significa que a
remissão das penas temporais tenha perdido seu significado, pois representa a
busca por uma libertação mais profunda do poder do pecado e de suas
consequências.
Para compreender melhor a doutrina subjacente à prática das
indulgências, é fundamental entender a dupla consequência do pecado. Além de
romper a comunhão com Deus e resultar na perda da vida eterna (pena eterna), o
pecado também afeta o relacionamento do indivíduo com Deus e com a comunidade
humana (pena temporal). Com o perdão dos pecados, a pena eterna é removida e a
comunhão com Deus é restaurada, mas as penas temporais permanecem.
É essencial compreender que o pecado pessoal não apenas gera uma
ruptura interna no indivíduo, mas também deixa consequências nas atitudes, na
imaginação e na forma como se reage diante das solicitações do mundo. O pecado
também se manifesta nas estruturas sociais e nas atitudes pessoais, gerando uma
situação de pecado. Essas consequências podem ser chamadas de penas
temporais. Portanto, o perdão não dissolve automaticamente essas estruturas
pecaminosas na pessoa e na sociedade, as quais podem ser fontes de novos
pecados.13
4 CONCLUSÃO

13
ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, pg. 209 - 213
10
Ainda que passando por todos os percalços na má interpretação e na má
aplicação, as indulgências devem ser compreendidas como uma ajuda gratuita de
Deus ao pecador arrependido. Elas pressupõem um relacionamento de amor e fé
com Deus, que precisa ser cultivado. Reconhecemos que, mesmo com uma grande
vontade de fazer o bem, não somos totalmente senhores de nós mesmos, pois
somos condicionados pela situação em que estamos inseridos e pelas
consequências deixadas pelo pecado, mesmo que tenham sido perdoadas. Nesse
sentido, buscamos a redenção não apenas do pecado, mas também de suas
consequências, por meio da graça de Deus. Essa graça não pode ser negociada ou
comprada, mas é recebida como membros do corpo de Cristo e dependemos dela
para nos libertar de nossa arrogância, orgulho e egoísmo.
Dessa forma, compreendemos que a Igreja é a comunidade dos fiéis em
Cristo, que acreditam na presença ativa de Deus entre eles. Assim, a prática das
indulgências, quando vivenciada com um coração verdadeiramente arrependido e
voltado para a graça divina, pode ser uma expressão concreta da misericórdia
infinita de Deus em nossa vida e são necessárias para vida da Igreja nos tempos
atuais.

11
REFERÊNCIAS

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em: https://www.vatican.va

MacCulloch, Diarmaid. "Martin Luther and the German Reformation." The


Cambridge Companion to Reformation Theology, edited by David Bagchi and David
C. Steinmetz, Cambridge University Press, 2004.

PAULO IV, Papa. Indulgentiarum Doctrina, Sobre A Doutrina das Indulgências


Normas N.1, disponivel em: https://www.vatican.va

ZILLES, Urbano. Desafios Atuais para a Teologia, cap. XI - Ainda Tem Sentido
Falar De Indulgências Hoje? – Material disponibilizado em PDF pelo docente

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