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Centro de Estudos

Baianos

THALES DE AZEVEDO

cfP
Vo
A FRANCESIA BAIANA
DE ANTANHO

PUBLICAÇÃO DA
UNIVERSIDADE
FEDERAL DA BAHIA
©
Toda correspondência deve ser enviada à Direção do Centro de
Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia antigo prédio da
Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus - Térreo - Distrito da Sé -
Salvador - Bahia - 40.000
THALES DE AZEVEDO

A FRANCESIA BAIANA
DE ANTANHO

Universidade Federal da Bahia


Centro de Estudos Baianos
1985
. PROFESSOR G li RMAN O TABACOF
Reitor da Universidade Federal da Bahia

PROFliSSOR FERNANDO DA ROCHA PERbS


Diretor do Centro de Estudos Baianos da UFBA

Esta publicação ê uma homenagem do Centro de Estu


dos Baianos da UFBA aos 80 anos do Dr. Thales de
Azevedo, Professor Emérito da Universidade, com
pletados no dia 26 de agosto de 1984.

Azevedo, Thales de
A francesia baiana de antanho / Thales de
Azevedo . Salvador : Centro de Estudos Bai
anos da Universidade Federal da Bahia,1985.
4 4 p . ; 22cm. (Universidade Federal da
Bahia. Centro de Estudos Baianos, Publica
çao ; 110).

1. Português - Estrangeirismos. 2. Antro


pologia cultural - Brasil - Bahia. I. Titii
lo. II. Serie.

CDU 806.90-316.3
572(814.2)
(Centro de Estudos Baianos da UFBA)
A FRANCÊSIA BAIANA DE ANTANHO*

Thales de Azevedo

A contaminação por locuções e vocábulos estran


geiros é uma das características das línguas e dos
falares modernos em todos os países, efeito do in
tercâmbio de idéias, das leituras de livros, jor
nais, revistas publicados fora, das viagens e migra
ções, do desenvolvimento de saberes e técnicas num
ou noutro lugar, da melhor expressão do pensamento
por determinados idiomas e linguajares. Ocorre isso
no inglês, no alemão, no espanhol, no português, no
francês que parece ter o privilégio daquela influên
cia. Não há povo que possa eximir-se de usar cotidi
anamente palavras e ãs vezes sintaxes de outros id^
ornas, fenômeno que tem provocado até medidas aéfen
sivas e reações dos meios culturais e dos governos.
Na Alemanha, faz muito tempo, não sei se ainda re
flexo da K.ultusikamp6 de Bismarck ou do belicoso na
cionalismo de Guilherme II, procurava-se substituir
por formas nacionais muito da terminologia de proce
dência supostamente estranha: assim, em lugar de ho
tel-restaurant, de hospital, de injeção, gaòikauò,
ksiank.e.nhau.6 , aínò ptsiizung e agora e.hen por te
levisão e siu.nd.6unk em vez de rádio. Entretanto, os
filósofos existencialistas não conseguem expressar
sem as variantes do verbo t-in. Os portugueses pre
*Conferencia na Academia de Letras da Bahia, a 25
de Março de 1983.

3
ferem autocaAH.0 ao universal ônibus e poupada ao es
panhol koòtai, bem como comboio: ao trem. Os norte-
americanos não são mais resistentes que outros aos
francesismos: o ano passado, concluindo a escuta de
tl
meu coração, um medico procurou me tranquilizar, ex
clamando: "No bsiuit", ao que lhe retruquei, quando
cheguei a Paris, com um cartão-postal em que dizia:
"De. ia ten.fie de Laennec/í gtiet and thank to! meu ex
celente medico". Em edição de dias atrás do "New
York Times Magazine" li anuncio de camiòoleà de lu
xo e de apetitosas caòòeKoie4. A seu turno, o presi
dente Giscard d'Estaing, hã pouco reforçado por Mi
terrand, adotou providências oficiais contra as de
turpaçoes que o fitianglaiò está determinando no belo
e expressivo falar gaulês; em consequência, foi pro
ibido dizer dn.ive-in e knou)-kou), sendo admitidas
nas publicações e nas irradiações apenas cine-patic
e AavoiA. fiaisie. O francês, por sua parte, é um dos
grandes culpados de inçar outros falares de pala
vras e galicismos, justamente porque a França teve
a glória de ser o pólo cultural e espiritual do mun
do moderno antes que as tecnologias e os avanços em
certas indagações fizessem do inglês a fonte da
maior parte da abstrusa terminologia da física, da
engenharia, da economia e de outras ciências soei
ais, donde o economêò, o òociotogue-& e outras es
quisitices: por todo o mundo, desde pelo menos fins
ou meados do século passado,se instalaram tiaiivoayò,
tnamwaijò, tiibufiieò e, entre nós bondò; e estes tem
pos fala-se em u)iòkfiut thinking e em conòpicuouò
comòumption, que prefiro dizer pensamento desejoso
e consumo de ostentação; falar-se em baidge ieanó,
em òtand by, em òpsiead e oveA.ni.gt e não sei quantos
outros termos forjados pelos Keynes e Galbraiths
que o comum da gente não entende e que em nosso ca
4
so parecem inventados a.d U6u.m delpkinl, para nossa
confusão e perplexidade: impressionou-me nas três
visitas que nos anos 70 fiz ao norte do Peru, onde
minhas netas baianas ali criadas dizem Uquadofi em
lugar do nosso dificultoso liquidificador, muito ao
gosto do nosso tecnicismo vocabular, ouvir chamar
de gfia.òi> à grama, de pocofi, corruptela de popcofin,
a pipoca, de cafipofi, de ca.fipot americano, â france
sa ga.fia.gc, que ê uma das expressões que a introdu
ção do automóvel fez uzarem até hoje os diaufácufiò
de todo o mundo. Ê verdade que nós,brasileiros, nao
pecamos menos no particular. Destes dias é a intro
missão de falares brasileiros em Portugal pelas no
velas como Gabfilcla e outros programas que nossa te
levisão esta levando â velha metrópole e a diversos
outros países. As corridas e os fialllcò de automo
véis ultimamente enfatizam, para os torcedores da
queles esportes,, a importância da pole poòltlon pa
ra os competidores de tais provas, uns e outros ves
tindo jcanò... No Brasil, onde reações um tanto es
tranhas jã se esboçam, seria necessário fazer algo
para evitar que tais vícios desnaturem inteiramente
o vernáculo e nossos idiotismos.
Explico por que me afoitei a tratar aqui, ho
je, nesta douta Academia, do que chamo de francesia
baiana de antanho. Estava em Paris, no bairro de
Plaisance, no XIl/eme, hospedado em apartamento da
Rua Pernety, zona, por sinal, de morada de operá
rios portugueses, com bodegas de nomes minhotos e
assistidos em sua igreja paroquial por padre paulis
ta que reza missas em nosso comum idioma, quando, a
29 de junho passado, me ocorreu anotar os vocábulos
franceses que ouvia na Bahia em meu tempo de menino
e de adolescente. Dei início imediatamente a um doò
6-ÍCA. que leio neste instante.
5
Sio recordações "do meu tempo"espressões es
ta, diz Ecléa Bosi em "Memória e Sociedade" (1979),
de lembranças que relatamos como nossas, porém, que
"mergulham num passado anterior a nosso nascimento
e nos foram contadas tantas vezes que as incorpora
mos ao nosso cabedal. Entre elas continua con
tam-se feitos dos avós, mas também nossos, de que
acabamos 'nos lembrando'. Na verdade, nossas primei^
ras lembranças nao sao nossas, afirma a escritora
paulista -, estão ao alcance de nossa mão, no reli
cario transparente da família". Rebelando-se contra
essa restrição rejeita a ponderação de Simone de
Beauvoir, citando Aragon no "Blanche ou l'oubli" ao
considerar que o homem idoso é um sobrevivente im
produtivo, ineficaz, razão pela qual "se volta tão
prazeirosamente para um passado que pertencera a ele,
onde ele se considerava um indivíduo inteiro, um vi
vo". Não, o que trago aqui ê meu, supondo-me ainda
alerta e vivo.
Comecei, reconhecendo tentar um touJi de. fiosice.,
a puxar pela memória e eis que me surpreendo, ajuda
do por vários amigos, com um vocabulário e a recor
dação de fatos numerosos. Ocorre-me, por exemplo,
que na Farmácia Piedade, ali pelos anos da I Guer
ra, meu pai vendia os btbe,fionó com bicos de aaout
chout em que mamavam os nenens de então, e os perfu
mes de Guerlain, de Houbigant de Coty e Roger et
Gallet, importados da França junto com a Eau de Vi
chy ou de Evian para males de estômago. Uma de mi
nhas tias usava elegante Zosignon para sua miopia;
as senhoras idosas protegiam-se do friozinho baiano
com íchaA.pe.6 e com ^Zckuó; os homens vestiam patt
■totó saco e utilizavam-se do Elevador ou do C/tOK
filot para'irem trabalhar em seus bu.sie.aux de negoci

6
antes, de médicos, de advogados, na Cidade Baixa. 0
Pr°f■ Cassiano da França Gomes cobria-se com um cha
péu alto de feltro do tipo tayau. de. polle., envergan
do um cAO-t-óe escuro, ao tempo em que o prof. Henri
que Aureliano Tosta, em lugar do severo KzdinQote.,
sentia-se envergonhado de vestir seus primeiros ter
nos brancos muito bem engomados. 0 chapéu de pêlo, ’
lustroso e dobradiço, por isto mesmo chamado de
c.la<Lf ainda era obrigatório nas solenes cerimônias
políticas. Uma de minhas vaidades de menino era um
cclòque.££e. de pano matULon, que tive de substituir pe
lo bonmt do uniforme de externo do Colégio Antonio
Vieira, ao Portão da Piedade. O nougat era um dos
meus doces preferidos. E ia ao Cinema Ideal, a La
deira de São Bento, pouco acima do Hotel Sul-Ameri
cano e defronte do Hotel Paris, com os coupons que
minhas tias maternas, kabi.£u.é,e.ò daquela casa de es
petãculos, recortavam de jornais da época: eram as
ma.££ne,e,ò c.kZc4 . Mas não apenas aquelas sessões da
tarde assim se denominavam: quando em 1918 passou
pelo nosso porto o navio "Benjamim Constant" da Ma
rinha de Guerra nacional, sua oficialidade ofereceu
ã sociedade local uma tarde dançante no Politeama,
convidando para uma ma££ne.e. blanche,. Nesse afamado
teatro, em brilhante e concorridas AOÁ.A.é.e.6 realiza
vam-se as £outin<í&6 de tA.ou.pe.6 e companhias líricas,
dramáticas e de operetas, uma delas de consagrada
Sarah Bernhardt, caprichando as.orquestras, várias
vezes sob a regência do médico baiano Dr. Alberto
Muylaert, na ouverture do "Guarany" de Carlos Gomes
e em melodiosas e populares òu.Ã.te.6 e po£-pouA.A.i.6 de
operas e operetas.
Pode-se fazer idéia da popularidade da língua
francesa e do prestígio em nosso meio da cultura

7
francesa lendo o registro do que havia sucedido a
13 de setembro de 1907 , ao aportar aqui o navio AKa.
gon, vindo de Buenos Aires, Montevidéu, Santos e
Rio: a bordo estava nada menos que o extraordinário
comediante e declamador Benoit Constant Coquelin,
conhecido como Coquelin ainz, autor, com seu irmão
caçula Coquelin 'cadít, de "L'Art de dire le monolo
que" (1884), trazendo sua companhia teatral.O prof.
Cid Teixeira, em um de seus artigos na imprensa bai
ana, recorda o episódio: o grupo vinha dar um espe
tãculo nesta capital e o Politeama achava-se ocupa
do pela Companhia de Lucinda Simões e de Cristiano
de Souza; a este admirado ator, o Governador Severi
no Vieira, num gesto fidalgo, encarregou de promo
ver as homenagens ao grande artista que chegava. "0
convite para a fechada recepção, a bordo, foi expe
dido com data de dez de setembro: Cristiano de Sou
za, tendo de receber o grande artista universal Co
quelin Ainé, cumpre um dever, que o honra, de comu
nicar a V. Exa., como intelectual da gloriosa Bahia,
que, por fidalga gentileza do Sr. Dr. Governador do
Estado, haverá, na ponte da Companhia Baiana,na tar
de de 13 do corrente, um vapor para este fim e, ne
le/ um lugar para V. Exa. a quem, agradecendo, man
da as suas sinceras saudações, declarando que ape
nas fez, com este, quinze convites". 0 vapor era o
"Gonçalves Martins", que, à chegada do "Aragon", a
costou, levando a comissão da terra: Arlindo Frago
so, Afonso de Castro Rebelo, Joaquim Costa Pinto,
Otávio Mangabeira, Albino Leitão e mais os acadêmi
cos (força do tempo, esclarece Cid Teixeira) En jo.1
ras Vampré, Hildegardo Erudilho e Alceu Comide. E
— é claro — uma banda de música. Se falar fran
ces era o corriqueiro, citar Rui Barbosa era o obri
gatõrio. As duas coisas fez -o Prof. Castro Rebelo,
8
orador ao visitante. E todos ouviram, era êxtase,
quando da referência feita â Aguia de Haia, Coquelin
dizer: Oui, je le connais. C'est 1'enfant terrible
de la Conference'. Teria mesmo dito? isto não tem
nenhuma importância. Todos ouviram e os jornais re
gistraram. Esta é a verdade, Estávamos na Bahia do
começo do século (...) "Era o tempo do francesismo
exacerbado, comenta o nosso historiador. Estudava-
se aritmética pelo livro de Bezout, francês pela
gramática de Claude Auge e, naturalmente, lia-se o
Teatro Clássico de Filo. Vestia-se pelo Bon Marche,
frequentava-se o Chalet Parisien e os cavalheiros
que desciam o charriot encontravam-se no Au Gastro
nome para uma prosa". Veja o noticiário de um dos
jornais da cidade, citado pelo autorizado cronistas
da história: "Visão embriagadora e deliciosa a da
quele espetáculo... momento soleníssimo de uma sío
berba catedral da riqueza e de gosto. Perturbandlo
os sentidos, estonteando a imaginação, orgulhando a
sociedade, exaltanto soberanamente o nosso nome,
misturavam-se naquela magnificente sala de baile a
beleza das senhoras esculturais; a graça mimosa e
fascinadora? a pompa dos vestuários disputando os
prêmios da elegância e do luxo; a severidade das ca
sacas na distinção correta dos homens; a educação
da mocidade no entusiasmo do seus ardores" (refe
ria-se â Cia. Coquelin, no Politeama). "No palco,
Coquelin e os da sua companhia apresentaram, na pri
meira parte do espetáculo, o 39 e o 59 atos do Cyra
no de Bergerac, o grande papel do grande ator. A co
média heróica de Rostand que o mesmo Coquelin cria
ra na estréia de 1897 no "Theatre de Porte Saint-
Martin", quando o autor era um jovem de 28 anos,
continuava a sua carreira e agora estava no Politea
ma da Bahia. Coquelin estava com sessenta e seis
9
anos. Estava longe os dias eraque aparecera
Pela
primeira vez no palco como 'valet comique’
da "Dé
pit amourex" de Moliêre. Era o Coquelin glorioso
de fim de carreira, preocupado com o destino dos ar
tistas pobres e levantando fundos para uma casa de
recolhimento na França. No intervalo declamou ver
sos, enquanto, para tais fins filantrópicos,
eram
vendidos livros na platéia". Na segunda parte Coque
lin apresentou "Les precieuses ridicules", de Moliè
re.
Recordo que o Politeama encheu-se à cunha, pas
sadas as vibrantes festas populares do Armisticio,
para ouvir em francês a conferência do Abbé Dabes
cat sobre a Guerra de 1914-18 e o heroísmo dos P0£
taò franceses nas trincheiras do Marne e noutros
^SLOn-Cò de batalha, sob o comando dos marechais Jof
fre, Foch, Pétain. Ali estive, convidado pelo preza
do amigo de minha família, Epifânio Fernandes de
Souza, sócio e representante em Paris, durante mais
de dois decênios, da firma baiana Tude,Irmão & Cia.
e entudiasta admirador da França, como eram Pânfilo
d'Ultra de Carvalho, Anísio Massorra,
Viriatinho
Bittencourt, Otaviano Muniz Barreto e outros diri
gentes do Comitê prõ-Aliados na Bahia. Alguns des
ses tinham relações comerciais, bancárias e profis
sionais com Paris: Pânfilo com o banqueiro Marcei
Bouiloux Lafont, Geraldo Rocha com o Comitê des For
ges; o chileno Juaquin Ruiz de Gamboa com a Société
de Construction du Port de Bahia. Esses e outros
iam também a Paris consultar, com meus
padrinhos
Isabel e Plinio Tude de Souza, o
conceituado Doc
teur Raoul Bensaude, o médico português, irmão do
historiador Joaquim Bensaude, cuja irmã Margarida,
abastada dama, conheci pessoalmente em Lisboa, a
presentado por uma sua jovem compatriota cujos estu
10
dos custeava na Universidade de Wisconsin, em que
eu acabara de dar um curso e seminário a convite do
diretor do seu Centro Luso-Brasileiro, o açoriano
de mãe criado nos E.U.A. Prof. Alberto Machado da
Rosa.
Alguns dos brinquedos que conheci na meninice
foram o dtaboZo, pronuncia francesa de um jogo no
meado em italiano, e o btZboquct, ainda hoje trata
do por esse nome entre nõs. Quando ia a Alagoinhas,
passar dias no Oiteiro, a fazenda do meu avô José
Olympio de Azevedo, embarcava na QO.A.C da Calçada,
num dos wagonò da Compagnie des Chémins de Fer Fédé
raux de l'Est Brêsilien, levando a bagagem leve em
vaZZò e.4 . Na casa de meus pais, "no Hospício", a Rua
do Hospício, oficialmente Rua Democrata, via plan
tas em cachcpot4 adornados com papel ca. cp o h , em ci
ma de ctagcA.C6 e dunqucA.qu.c6, junto com bibelots de
cutt e de opaZZnc e vasos de ba.ccLA.at. Todos esses
objetos descansavam sobre toalhas de cA.och.ct ou de
macKamc, este tecido de um' barbante especial; eram
modelados ao gosto aA.t nouveau. Havia espelhos bl
òautcò, enquanto das paredes pendiam tapetes imitan
do os custosos gobcZZnò . No quarto de banho havia
um bidet, cuja utilidade mal entendia, tanto mais
que btdct era também a mesinha de cabeceira no quar
to de alcova. Na sala de jantar chamava-se por ve
zes de òu^eí o aparador com as quartinhas de bar
ro. Nas refeições, o lombo, a carne mal-assada, o
peixe eram acompanhados, alguns dias,de pcttt-potó,
como então se denominava a ervilha importada, e en
tre os frios era uma novidade o patc-au-{otc-gAa-6,
feito do fígado de patos engordados a pulso como
mostravam as gravuras do Berlitz. Uma festa para o
paladar era o CA.cmc A.cnvcA.6<í, hoje vulgarmente cha
mado de fiZan, ou o voZ-au-vcnt, um bolo fino e gos
11
toso como o "pão de Lot". BonbonA e raros pAaZtneA
deliciavam a meninada, ChamptgnonA comiam-se nos
banquetes, para o prazer dos gouAmztA . 0 "pão fran
cês", untado da Manteiga Ibsen, trazida da Holanda
e da Dinamarca, consumia-se diariamente. E, por fa
lar nisto, li hã anos na revista "New Yorker" que
se serviam nos Estados Unidos nada menos de trinta
e tantos pratos, pastéis e doces, tidos como france
ses, que nada tinham a ver com a cozinha e os for
nos dos maZtAe.A e dos confeiteiros daquela naciona
lidade; o qualificativo, entretanto,faziam-nos mais
apetecidos. Na Bahia não se falava em £ZZe.t mZgnon,
se não apenas em filé, porém, mZgnon era a menini
nha franzina e bonitinha e a je.une. £ZZZe. magrinha e
miúda, como PZe.AAotA e PZeJiAettzA, as fantasias
mais apreciadas nos baZA ma.Aqu.E-6 dos Clubes Cruz
Vermelha e Fantoche. No Carnaval de 1918, num dos
bailes à fantasia em nossa Cidade do Salvador, noti
ciava a revista BahZa lZ.uAtAa.da. que as moças e rapa
zes da alta sociedade apresentaram-se em disfarces
â européia como italianos, zíngaros, espanhóis, tur
cos, portugueses e principalmente como franceses.
Assim, Madame Pompadour com o característico pentea
do, Vendeuse, Gigollette, Pierrot Rose, Florista ã
Luis IV, Damas da corte francesa, Breta, Pierrette,
Almaciana, França, Vendeuse de Bonbons, Apache.

Era muito nas jóias caras e finas, caprichosa


mente desenhadas, que as damas mais elegantes exibi_
am, particularmente nos bailes, o que hoje se diz
AtatuA : eram bAoch&A , ba.AAe,tte.A, gargantilhas , pe.n
dantZ^A, tAo uaa e.A de metal rendadas, poAte.-bonhe.uAA
para níqueis; essas senhoras coravam as faces e os
lábios com carmim, empoando-se com macios pomponA
de seda. Suas toZZe.tte.A eram trabalhosamente cosi

12
das em seda ou linho, em algodão ou lã, diversamen
te designados como ^oaZan,d, cn.e.£onne., battòta, íta
mtm, moLL&ò tZtne,, pope.ZZne., Zatòe., alguns como ta
loXtcLò, on.ga.ncU,, voZZe., pan.c,aZ, cambn.ata, gaòe. cht
6on, o.n,Q,po., {^ZanzZa, &an.ja, ^an.Zno, zaphyn,. Alguns
eram Zaml*, quer dizer brilhantes, outros ckamaZota
cLoò ou de brilho cambiante? a boa seda roçava, pro
duzindo um £n.ou- £n,ou, outros eram diminutivos como
o vQ.Zou.ttne,; os modos e técnicas de coser também se
expressavam em francês; uns panos forravam-se com
cnJ.no Ztne., golas e punhos e outras peças teciam-se
com o rendilhado finíssimo do filé, enquanto as sai
as podiam ser arredondadas em godct preguedado em
pZtòòe., n.agZan£, dn.ape., bn.ocke, eram, como e.ntn.ave.,
outras tantas formas, disposições e modos de arran
jos nas mangas, nos decotes, nas caudas, nas blusas
e corpetes, da maneira que demt-baó foi a moda de
meias curtas para as meninas e mocinhas. Os tecidos
que não fossem originários da França e de outras
partes da Europa tinham nomes que referiam ou repro
duziam panos trazidos pelos portugueses, na época
das navegações, da índia e outras regiões do Orien
te: gon.guJião, madn.ai>£o, da cidade de Madras, caòemt
n.a, de Cachemir, madapoZão, cktta, ckttão, tan.Zata
na, caòòa, bn.tm, tcUAon., mon.Zm, tu.qu.tm, eáguZão, ^uó_
tão e até uma fazenda barata, a bu.Zgan.tana. Alguns
desses nomes eram sinônimos, uns enunciados na for
ma original, outros aportuguesados. Com uma liga
chamada ^outacke. faziam-se adornos e acabamentos
nas costuras; em dias mais recuados falava-se em
comtZka, em paptZZon, em nobn,e.za. Curioso é que Aan.
ja era o pano que um personagem de Moliêre, na come
dia "Êcole des Maris", achava que as mulheres devi
am vestir no diário, deixando o negro, possivelmen
te o CKQ.pe.t como nos lutos brasileiros, para as oca
13
siões solenes â noite. As fazendas de mo.n.lnõ, por
sua vez, eram tidas como de luxo, sua carnadura de
lã do carneiro do norte da África, da Espanha e da
França meridional, que Antonio Conselheiro, no come
ço de sua carreira de messias, proibia aos seus a
deptos e mandava queimar em fogueiras ao ar livre,
como revela o nosso José Calasans . Dominava toda es
sa terminologia a modista das ricas como, em parte,
a costureira das remediadas, enquanto as peças de
LiYiQQ.fiiZz e de btiodztiZo., das vestes íntimas, da rou
pa de mesa, e as rendas finas de Bruxelas, da Flan
dres, Richelieu ou Zaco.6 eram expostas e vendidas,
entre outros lugares, nas amplas salas de frente do
imponente casarão do Largo Dois de Julho ou do Acci
oli, em que os vi tantas, importadas do Bon Marche,
de La Samaritaine, do Printemps, das Galerias La
faytte, pelo comerciante Manuel Pedreira Sampaio,
cuja esposa D. ‘Maria, D. Mariquinhas para os ínti
mos , os amigos, muitos freguesas e vizinhos do So
dré, do Areai de Baixo e de Cima, do Hospício, man
tinha afreguesado Atelier de Bordados ali mesmo, es
pecializado em enxovais para casamentos e para cri
anças. Do mesmo comércio fino, de bom gosto e certo
luxo, participava em sua procurada loja na Piedade,
anteriormente na Cidade Baixa, o Sr. Julio Mateus,
viajado e prestigioso comerciante, Continuador da
quele negocio, inda conheci, com suas escolhidas im
portações jã depois da I Guerra, o casal Alfredo
Borges, na residência da Rua 21 de Abril, da Lapa
para São Pedro.

Os cavalheiros de mais idade e respeitabilida


de usavam pZnce-ne.z em lugar de simples õculos, dei
xavam crescer cavaZgnacó no mento
ou pQ.fia.6 no lábio
inferior, com suíças e costeletas na face, combina

14
das com bigodes de variado corte, alguns "à Kai
ser", de pontas finas para cima, como o do Dr. Eusé
bio Cardoso, e cabelos à bn.066e canjvêe, que nada
mais era do que o corte à escovinha; para momentos
de mais apuro, usavam gravatas largas de pla.0tn.OYi e
nos pés sapatos Walk-Over e outros, rematados por
polainas, ademais de C6 can.pt n6, sapatos rasos de bi
co fino, vestindo fraques ou casacas, dos bolsos de
cujos coletes pendiam vistosas correntes, as chato.
latne.6 . Os moços mais requintados na moda. na esco
lha dos tecidos, no vinco da calça, no corte do co
lete, na cor e tecido dã gravata, no chapéu de pa
lha, nos tons do sapato de bico fino, mestres em to
da essa arte, eram tidos como petimetres (pcttt- ma4.
tnc) . Como se vê toda a btj oute.n.ta, todos os arti
gos da moda feminina e mesmo masculina e as técni
nas de sua costura importavam da França ou por in
termédio desta, inclusive em suas denominações.

As viagens à Europa faziam os ricos e mais re


mediados terem a chance, do cobiçado "banho de civi^
lização", particularmente em Paris, como modelo de
cidade com belos e movimentados boule.van.d6, e às es
tações de águas minerais e termais em Vichy, ou as
vilas de repouso às margens do plácido Lago de Le
man, na Suíça francesa. Boute.van.d6 vieram a ser de
signaçoes de alguns dos nossos logradouros. Os dou
tores mais prósperos e reputados por suas catedras
na Faculdade de Medicina, seguindo a trilha dos mes
tres Alfredo Brito, Nina Rodrigues, se por exceção
procuravam a Alemanha, estagiavam nos hospitais de
Paris, dali trazendo títulos, métodos, aparelhos
que lhes reforçavam o prestígio junto à clientela e
aos alunos. Interno do Prof. José Adeodato, na En
fermaria de Santa Marta, do Hospital Santa Isabel,

15
nos anos 20, quando uma doente cloroformizada se me
xia durante a operação, parecendo que ia acordar,
ouço ainda o assistente Dr. Genésio Sales me adver
tir em ton de brincadeira, jã fixando os últimos
agfia^cò na pela da paciente, "la malade bouge", en
quanto o Dr. Jonas Martins, filho do Visconde de
São Lourenço, que se educara na França, mantinha
um apZomb acentuadamente gaulês no vestir, no ex
pressar-se, no apontar exemplos e lições dos mes
tres que ele e outros haviam tido no Hosp. Brous
sais, no Hotel-Dieu, na Salpetriêre. Para tais via
gens - que faziam naquele tempo os Drs.Pinto de Car
valho, Eduardo de Moraes, Caio Moura, Martagão Ges
teira, Fernando Luz, Oscar Teixeira, Antonio Borja,
ao passo que os comerciantes e sisudos comendadores
portugueses voltaram às quintas e as aldeias, de nas
cimento no Minho, na Beira, parando em Lisboa, no
Porto, serviam-se aqueles invejados viajantes dos
confortáveis paquetes da Mala Real Inglêza e da Com
pagnie des Méssagéries Maritimes, da Société Genera
le des Transports Maritimes Vapeur, da Chargeurs
Reunis. Na Europa e por vezes nó moderado inverno
baiano, um pouco "por chZc" neste caso, protegiam-
se do frio com bem-talhados capotes e caprichados
cache-coZò , que faziam igualmente de cache.-nez, en
quanto as senhoras abrigavam-se em tienahdò de pêlo
de raposa, aconchegantes boaò, envolvendo as delica
das maos em mZZ.aZ.yie6 rendadas ou luvas de pelica ou
de pelúcia, vestindo custosos manteaux da última mo
da. Se seus esposos ostentavam pesados pasi-de.64 u-ó,
elas introduziam na terra enòembZeò e taZZZeuJiò e
outros moldes em cores sobretudo mistas, alcançadas
pela tinturaria e tecelagem francesas da combinação
artística dos tons fundamentais segundo a advertên
cia de Verlaine, pas de couleur, rien que la nuan
16
ce": assim, cKzmz, bztgz, maKKon, muavz, botó-dz-Ko
6Z, tQ.t2.-dz-YLQ.QKQ. ou lllá.6, 6almon, gKznat, azul
po.Kva.ndiQ. ou natttz, em variadas nu.anzz6 e me£ang£4
ou &onzz6 quando sobreados e mais intenso o colori
do. Não esqueço o vermelho gaKancz, gravanço, no
linguajar nacionalizante, do tecido das calças dos
oficiais do Exército, que faziam exercícios e mano
bras no Largo Dois de Julho, perto lá de casa em
frente da Empreza das Carruagens, que alugava co
ches de diversificados tipos, para casamentos, bati^
zados, enterros e cerimônias outras.
A propósito das cores, vale a pena abrir, zn
pa.66a.nt, um parêntese para nota curiosa: João do
Rio, o escritor Paulo Barreto, em sua plaqazttz in
teressantíssima sobre o ^ZtKt no Rio de Janeiro em
1907, arrola entre vários o flerte poliglota, de ra
pazes e moçoilas da hautz gommz da sociedade cario
ca que haviam viajado pela Europa e pedantemente se
comunicavam em idiomas dos países visitados; as &ZZK
tzu6Z6 eram antigas alunas do conhecido Colégio
Sion, de Petrõpolis, que teriam cursado as classes
gKznat, 6almon, bztgz, todas as classes, toutz la
lyKZ do estudo". Essas eram as cores das faixas e
distintivos que naquele estabelecimento francofone
caracterizavam as alunas dos diferentes níveis. Vol
tando um pouco atrás: as viajantes de recursos tra
ziam da França, da Bélgica, elegantes chapéus dzKnt
ZK ckZ, com plumas e atgKZttZ6, procurando fazer
pzndant com as demais peças do refinado vestuário.
Âs parentas e amigas ofereciam 6ouvzntK6 delicados,
não faltando entre os mesmos pequenas jóias e bzKlo_
qu.Z6 . Influiam em tudo isso e na moda local os figu
rinos, as fotografias de "La Illustration", da gen
te toKd que concorria ãs corridas de cavalos em Long;

17
champs e Deauville e ao Bazar de Caridade, de Pa
ris, ou que se exibia nos bou.Zzva.fidA havia pouco
traçado por Haussmann, na Étoile, nos Champs Ely
sées, como nos parques de Londres, nas avenidas de
Berlim, de Bruxelas, de Roma. Vãrios intelectuais
assinavam a "Revue des Deux Mondes "ou o "Journal
des Debats"; antes que aparecesse sua versão brasi
leira, o "Je sais tout" liam muitos atraídos pela
poesia francesa, pelos contos, pelas anedotas, pe
las notas literárias; os poucos que sabiam inglês,
liam o "London Illustrated News", com suas reporta
gens sobre viagens a países exóticos e arqueologia,
em fotografias excelentes, em AzpZa. Algo daquelas
matérias reproduzia-se nas páginas, em papel coo.
c.hz, da "Bahia Ilustrada" e da "Renascença". Ao a
parecer em 1912, "A Tarde", o jornal de Simões Fi
lho, preparava em clZckzA suas fotos, imprimia em
maYizhzttzò o título das notícias de destaque, regis
trava em òuzltoò os ia.lt-dlvztu da vida cotidiana
da cidade, que se modernizava aos planos do Governa
dor José Joaquim Seabra e do Intendente Júlio Bran
dão. Nas praias de Itaparica, de Salinas da Margari
da, do Bogary e outras partes da península
de Itapa
gipe e da Penha, as moças tomavam o "banho salgado"
pudicamente vestidas em roupoes de mangas e calças
longas, de baeta azul-marinho, imitados das banhis
tas que de bayzttz frequentavam Bayonne e Nice; nos
vapores da Navegação Baiana, um dos quais o simpãti
co "Barão de Sergy"
movido a rodas laterais, e nos
trens da Chémins de Fer faziam-se
os plc-nlcò e as
viagens de passeio a Itaparica, ao Mar Grande, a Na
zaré, a Plataforma, ao Catu,
a Camaçari. Naqueles
lugares, as Filarmônicas famosas e caprichosas desa
fiavam-se por ocasião das festas tradicionais, assis
tidas por veranistas em cômodas ckaUíi longuíi, as
18
procsaicas cadeiras de balanço.
Nos bailes formais, em brincadeiras nas f azen
das e nas casas-de-família, dançava-se ainda a lin
da quadrilha dirigida ao som de comandos em fran
cês, chímZn de.6 dame.6, pa.ó de. dzax., en avant, en a/t
>14.(1*10., pa.6 de. qu.atn.0., jocosamente traduzidos por
"caminho da roça" e outros. Seriam reflexos das gra
ciosas 6 0Í.K.0.0.6 e dos grandes bailes do século passa
do, que Wanderley de Pinho recorda acentuando-
lhes a predominante nota francesa, quando não ingle
sa, em "Salões e Damas do Segundo Reinado", tempo
nao somente .das quadrilhas mas dos cotZZlon6, dos
6 c.kottZcke.6, dos minuetos, das gavotte.6, das vaporo
sas valsas. Estão salpicadas daquelas francesias as
descrições de recepções e de bailes do QKand monde.
de Petrõpolis nos romances do baiano Afranio Peixo
to, ao lado jã, ê verdade, de termos em inglês para
os 6po>i-tó e outras novidades dos decênios iniciais
da República. Â mesma época, na Bahia, em todo o
Brasil, as damas daquela nata saíam de seus boa
doZn.6 e alcovas vestidas em de.6 habZZZe 6 e ZZ6 e.u6 e.6 ,
que logo se chamariam de pe,ZgnoZ>i6 . Curioso fenôme
no semântico passou-se na Bahia com a locução >iobe.
de. ckarnb>ie.: para a veste feminina ficou >iobe, enquan
to a camisola masculina veio a ser conhecida como
chambre., antes que surgisse a inglesa pijama. Imagi
no que surpresas traria a Celina Scheinovitz a "anã
lise contrastiva" que estendesse, como em sua tese
de mestrado, ao material que aqui estamos revendo.
Suponho que muito do vocabulário até agora exposto
cairia na categoria dos "empréstimos", de palavras
sem defininido equivalente do francês em nosso por
tuguês. Um problema desta natureza deu lugar, em
1920, a uma polêmica erudita entre o Prof. J. Adeo

19
dato e os Profs. Pacífico Pereira e Eduardo de Mo
raes, aquele adepto de que denominasse de "ouvi
do" o aparelho auditivo, os outros dois ilustres
lentes da Faculdade de Medicina partidários de que
se desegnasse por "orelha" como faziam os franceses
com 0A.e.tll2, deixando olú.2. para a função. 0 povo
brincava com a língua estrangeira, vertendo jocosa
mente "Le lion est le roi des animaux" para "0 leão
a urrar e desanimou" e assim cora outras sentenças.
Ê verdade que nem tudo que vinha ou que se via
na França saudava-se entre nós: nas idas ã Cidade-
Luz, as senhoras vigiavam cautelosamente os cava
lheiros para que não se deixassem seduzir pelas mt
d'Lne.tte.6 dos magazínA célebres e das bouttqu.2.A e
muito menos que se deslumbrassem com as provocantes
dançarinas do Follies Bergêre, do Moulin Rouge, dos
cabaA.2.tò da Place Pigalle, de Montparnasse. Ba-ta-
clan ficou no Brasil como denominador de um gênero
de espetáculo dançante, escandaloso para a época,
com bailarinas de saiotes e pernas nuas e música ex
citante, trazido pelos anos 20 por uma tA.ou.p2. de ca
fé cantante ou similar. Esse título, curiosamente,
havia sido o de uma revista publicada em francês e
português, no Rio, entre 1867 e 1871, apresentando-
se como uma "chinoiserie franco-brêsilienne", cujos
editores e caricaturistas eram das duas nacionalidades,
um deles Pinheiro Guimarães. Quando por estas ban
das surgiu o corte de cabelo ã la ga.A.çonne., muita
mae zelosa e namorado ciumento tremeu receando
que desse ãs moças a aparência indesejável de cocot
to.6 ou coisa parecida. Logo sucedeu a voga dos cabe
los frizados em mtòe-en-pltò, em lugar dos cachos:
ichavam então as d2.motó 2.&&2.À d 1 h.oyin2.uA. que con
duziam os bou.qu.2.tA das noivas nos casamentos, em

20
cuidar dos boucl&6 que denotavam elegância e donai
re. E ainda a propósito, ofereciam-se trabalhadas
Q,onb<LÍ.ll<Lt> das mais lindas flores âs aniversarian
tes, ãs noivas, âs declamadoras e, com as coroas de
bZòCLuit, aos defuntos.
A francesia baiana, de que estou dando tão de
sarrumada notícia e testemunho, tinha sua história,
sem duvida alguma. Começava por ser principalmente
intelectual e literária, como assinalou mestre Pe
dro Calmon em sua erudita "História da Literatura
Baiana" (1949). Na verdade, o porto da Bahia fora
um daqueles pelos quais, no século XVIII, entravam
no Brasil as temidas "idéias francesas"; essas dou
trinas revolucionarias e sediciosas, quase todas de
mentes gaulesas e anglicanas, foram identificadas,
na chamada Revolução dos Alfaiates, "nossa primeira
revolução social", verificada em 1798 na pacata Ba
hia, por Afonso Ruy, Luis Viana, Luis Henrique Dias
Tavares; Katia Mattoso identificou como franceses
os principais teóricos em que se inspiraram os bran
cos e mulatos liberais da Bahia, promotores e entu
siastas daquelas novas idéias políticas. Também no
campo científico e no religioso, autores franceses
foram lidos e seguidos: a difusão do jansenismo e
do galicanismo, em que se apoiava nosso regalismo
no século XIX, muito deveu âs quatro edições, fei
tas na Bahia, do Catecismo de Montpellier; do mes
mo modo, a corrente eclética em filosofia, que Anto
nio Paim mostra tão influente entre clérigos e inte
lectuais baianos da época,aprendia bastante do fran
cês Victor Cousin.
Na época mais próxima de que me estou ocupan
do, sem a delimitar muito precisamente, essa france
sia manifestava-se na poesia, no culto da língua e
21.
da cultura, na leitura de Anatole, de Henri Borde
aux, de Paul Bourget, de Edmond Dantes com o popu
lar "Conde de Monte Cristo", de Maurice Barres,
François Coppê, Victor Hugo com "Os Miseráveis" e
sua empolgante poética, com Lamartine, Chateaubri
and e vários ZcAtvatn/, que contribuíram para a men
talidade da poetisa e romancista Ana Ribeiro de
Gões Bittencourt, ainda no século anterior. Na Ba
hia culta "do meu tempo", os expoentes daquela devo
ção foram o inspirado Péthion de Viliar com seu ver
so no idioma de Herédia, Álvaro Reis .que verteu pa
ra nos muito da poesia francesa e a incluiu em sua
Moóa FAa.nce.-6a. A força de tal influência era tal
que Carlos Chiacchio, naqueles dias e um pouco adi
ante, expondo sua "biocrítica" e traçando a origem
desta na crítica em correntes de pensamento de fran
ceses, concluía, em 1931, um tanto exageradamente:
"Eu, o que sei, nós, o que sabemos, devemos â Fran
ça". Comenta Dulce Mascarenhas em sua monografia so
bre "Homem e Obras" , desse crítico baiano,
reconhe
ce que "a preferência decisiva pela leitura dos
franceses é evidente no esquematizador
da biocrít_i
ca, devendo ser considerada como uma
consequência
normal de sua época e de seu meio, que sofreu a tio
sabida influência intelectual da França".
Até os boêmios, os nou.ve.aux Alcheò e bonò
\)t
van£ò, almofadinhas e pelintras, frequentadores dos
chateam, das botte-6 e cabaAetò e
ca-6aò -de.-Ae.nde.z-
vou.6, prefenam cocotte.6 e madame-6 francesas
e capa
zes de expressarem- se, fosse como fosse,
na língua
das primeiras, ao contrário das modestas
e sofridas
que faziam o tAottolA e que nao levavam ás
suas gaA
çonnteAe.4. Esse constituía um velho gosto
para o
qual chamou atenção o historiador francês Frédêric

22
Mauro ao escrever sobre o Brasil ao tempo de Pedro
IIt mostrando que, nos fins do período monárquico,
"la figure de la Française ou de la Polonaise prend
du relief dans la vie libertine du Brésil, jusque-lã
dominée par la femme de couleur ou 11Açorienne". E
repare-se para um contraste: eram principalmente mo
ralistas de língua francesa que se faziam ler à ju
ventude para a formação da pureza e da castidade;
nos colégios católicos de meninas e nas famílias in
culcavam-se e faziam-se largamente lidos os roman
ces de Ardei, dos irmãos Delly, da Condessa de Se
gur, cujos estilos e temas reproduzia e cultivava
no país a escritora Julia Lopes de Almeida. Entre
os adolescentes e rapazes, livros e opúsculos da
mesma procedência como Eymieu, Gillet, Magniez, Ho
ornaert, o último vindo a ser traduzido para o ver
nãculo e publicado na Bahia pelo afamado Pe.Cabral,
da Companhia de Jesus. Jã o Dr. Lino Coutinho, quan
do em 1843 redigiu o caderno sobre a desejada educa
ção de sua filha Cora, recomendava à preceptora des
ta que a fizesse ler autores franceses relativamen
te aos três reinos da natureza, daí derivando muito
de seus princípios morais, ao passo que os ingleses
leria depois, se lhe sobrasse tempo.' Pouco depois
de ingressar no Colégio Antonio Vieira, no ano de
14, para aprender desenho a mão livre e artístico
fui guiado, numa escolhida turma,pelo exímio aquare
lista Pe. M. Geraldes, professor de Geografia e Cos
mografia e homem de delicadas imensas mãos, autor
de preciosa série de quadros sobre as árvores e as
frutas desta região (que deve existir no Colégio An
tonio Vieira): esse mestre nos exercitava no manejo
do lápis, do c/tayon, nos sombreados com o
no esboço de cfioquuiò dos desenhos, falando-nos do
gouache., do oleo, da "aguarela".
23
Logo ao início do curso ginasial, o interesse
pela literatura policial e de aventura rae fez ler
com avidez, antes de Sherlock Holmes, os franceses
Raffles e Arsène Lupin e vários dos fantásticos li
vros de Julio Verne, cujo Miguel Strogoff encantara
também Sartre: pois em "Les Mots" conta o autor de
de "A Náusea" que na adolescência, ali pelos anos
de 1912 e 13, lia os folhetins e via no cinema fil
mes franceses e norte-americanos sobre o policial
Nick Carter, sobre o cowboy Buffalo Bi11, sobre as
proezas do musculoso Maciste, sobre os Mistérios de
Nova York, os Fantomab, exatamente as mesmas esto
rias e fitas que na Bahia, anos depois, empolgaram
os daquela idade. Esses filmes e leituras, algumas
nas páginas da revista "Je Sais Tout", me familiari
zaram com expressões como e-óctioqua, datatlva, chatil
vau, motigua: já no noticiário sobre crimes, do mes
mo modo que nos romances e na poesia de Pierre IotL,
de Alfred de Musset, se encontravam nome de plan
tas tropicais como ^lamboyant, bougalnvllla, e do
delicado miosoti como muguat, da rosa Paul Nation,
igualmente incorporados ao nossos falares. A moder
nização da arquitetura introduziu ckalat, patiquat,
lambatilò ; mais adiante, com o cimento armado, maji
qulòa, pllotlò . Com o pequeno automóvel da marca
francesa Panhard-Levassor, trazido para a nossa ci
dade dm 1901 por Henrique Lanat, e outros, após pe
lo Eng9. Alencar Lima e pelos filhos do Prof. Henri
que Diniz, Albêrico e Alfeu, irmãos de Almãchio, co
meçaram a ser empregados termos como guldon, chau£
í&usi, ganagam, capot, coupl, cantiobbania, tioulamant)
bem adiante mas ainda na fase a que me repor
to - os avioesinhos das Lignes Aériennes Latécoère,
que faziam o transporte de malas postais de Toulou
se, ao amzn.i.6batiam nas fofas areias de
Amaralina e
24
Ubaranas, ali por 1925, introduziram vocábulos como
nac.e.£Ze, para designar o bojo das aeronaves, cUZo.
zionò para as aletas que regulavam a direção panne,
para os desarranjos nos motores. Vívot jã era usado
pelos dentistas e protéticos e pelos policiais que,
procurando o móvel de um delito, eram conduzidos
pelo mote 'cherchez la femme". Ouvi falar em piquna
em relação a injeção, acajou. como a cor castanho-
avermelhada de tintura para cabelo, man-tca/ie, para
' as primeiras especialistas no tratamento estético
das unhas femininas, à-tête. e - a-1/.Ó0 para
os encontros face-a-face e para algo ã vista na
frente, da mesma maneira que noble^óe. obligo, refe
tia-se aos gostos fidalgos, âs deferências para com
pessoas de consideração. JzumòAe. doKÍz, nnlant ga
to, indicavam a juventude mimada e on o arrepio
ocasionado por um acontecimento surpreendente. Nova
mente no tocante ã arquitetura e ã decoração reparo
que um dos painéis de azulejos do Solar Aguiar a
proveitados pelo reitor Edgard Santos ao construir
o belo palácio da Reitoria da Universidade da Ba
hia, reproduzido por José Valadares no estudo a res
peito dos mesmo - e pode ver-se num dos corredores
do pavimento térreo -, representa, ao invés das cAt
Yioí&V1Á.2.0 e de cenas campestcres lusitanas, algum
episódio, possivelmente, de comédia de Moliêre, com
o "clysterium donare, postea seignare, ensuita pur
gare" de que seria paciente uma charmosa senhorita,
talvez "malade imaginaire".
No domínio da antroponímia, a voga e a devoção
ã Virgem nas aparições na França explicam a frequên
cia das Lourdes, Bernadetes, Salettes e das Terezi
nhas em homenagem à simpática e piedosa freirinha
de Lisieux; Ivete, Odete, Simone, Gilete, Denise,

25
Jeanete de origem também na França; motivos diver
sos e contraditórios levavam a adotar, como preno
mes, apelidos como Robespierre, Renan, Lafayette,
Fénélon, Didérot, Denizard, Junot, Vitor Hugo, Vol
taire, Mirabeau, Lamartine... As crianças divertiam
-se girando nos ca./1/LOiiòò et-ó e brincando com figu
rinhas moldadas em pap^LeJi machii, a pasta de papel
com água e goma-arãbica. Os indivíduos levemente a
lienados conheciam-se como . 0 estro dos
poetas, a inventiva dos contistas atribuíam-se a
sua e a po-óe de alguns à falta de modéstia;
alguns fingiam saber e talento "pour épater le bour
geois" com boutad&A, embaraçando-se em ga-HeA e ra
tas, plagiando em verdadeiros paòtÁ.c.ho,6 e revelando
não estarem realmente "â la page" com a última mala
da Europa. As lojas competiam na arrumação e deco
ração de suas .

Muito longe ainda nos levaria esta descosida


notícia. Perguntemo-nos mais uma vez, o que se po
de presumir de como veio a exercer-se sobre nos to
da essa influência linguística e cultural. É sabido
que durante os séculos XVIII e XIX nossas relações
intelectuais e espirituais foram simultaneamente
com Portugal e a França, apesar dos interesses in
gleses e a presença, ao menos comercial, de súditos
da coroa britânica, ensejados pela abertura dos nos
sos portos em 1808. Desde a segunda metade do sécu
lo passado, parece, foi-se acentuando o prestígio,
quase a predominância, do pensamento e da cultura
franceses sobre o Brasil, processo para o qual cha
maram atenção Afrânio Peixoto, Félix Pacheco, Alceu
Amoroso Lima, no tocante à literatura. A nível mais
modesto manecione-se o fato de que os jornais baia
nos , nos derradeiros decênios do XIX, davam inequí

26
voca preferência à publicação, em procurados roda
pês, de folhetins traduzidos do francês: anotem-se,
ao acaso, como indicações para uma investigação sis
temática, A Cigana, de Xavier de Montepin; 0 Jneen
di.an.io, de Charles Merouvel; Veeapitada, de F. du
Boisgobey; PanaZòo Pendido, de Julio Mary; Sem Mãe,
de Paulo d'Agremont, todos nas páginas do "Jornal
de Notícias" que, anteriormente, lançara 0 Gnilhe
ta, de G. Pradel; 0 "Diário de Notícias", em 1908,
ao lado de trechos do Vom CaAmunno, de Machado de
Assis, e de outros autores brasileiros, A Mulken
do Povo, de Adolfo d'Ennery, e em "A Tarde", em
1913, novamente Xavier de Montepin, com as A-ò Mulke
ie-6 de Bnonze. Em 1881, a firma portuguesa editora
Belém & Cia., da rua da Cruz do Pau em Lisboa, fa
ziam propaganda em jornais da Bahia de romances pa
ra "serões românticos" - em que possivelmente seri
am comentados por leitores e leitoras - como A-ò Voi
daò de Paniò , de Henri Rochefort, e 04 Comaniòtaò
no ExZlio e, depois deste, A Malken Patal, ambos de
Emilio Richebourg. A vida intelectual francesa re
percutia em nosso meio, mesmo nas gazetas diárias:
em junho de 1913, pouco antes daquele "fin de sie
cie" marcado tragicamente pela Grande Guerra, "A
Tarde" noticiava em Ia página e duas colunas, com
retrato, uma conferência em Paris do "sábio cirur
gião Alexis Carrel", informada pela agência Argus
de La Presse. O extenso catálogo da Livraria Catili
na, em 1917, não deixava dúvida sobre a procura e
voga daquelas leituras. O "Jornal de Notícias", nos
80, tinha correspondente em Paris e a firma Roiz &
Sõcio encarregava-se da publicação de anúncios em
todos os jornais portugueses e franceses, tomando
assinaturas dos mesmos.

27
0 francês foi, na época, a única língua viva
estrangeira que tinha cursos nos colégios e aulas
particulares anunciados nos jornais.Os doutores bai
anos, que frequentavam clínicas e hospitais na Euro
pa, faziam garbo em sublinhar as especialidades que
ofereciam á clientela. Meu tio Ramiro de Azevedo,
de volta de São Paulo onde clinicara por breve pe
ríodo, em 1900 anunciava sua "Clínica Mêdico-Cirür
gica com especialidades de partos e moléstias das
gargantas, nariz e ouvidos", chamando atenção para
sua prática nos hospitais de Paris, em que frequen
tara e trabalhara com mais assiduidade, dizia seu
anúncio, nas clínicas dos Profs. Tarnier e Guge
nheim. Os Drs. Alfredo Brito e Vieira Lima, em seu
"Gabinete de Eletricidade Médica e Raios X", faziam
aplicações de eletricidade estática ou frankliniza
ção pelo método Vigouroux e de correntes de alta
frequência de D'Arsonval-Tesla pelo método Brown-Se
quard e a cura pronta da blenorragia pelo método Ja
net. Certamente teria as mesmas recomendações o tra
tamento de "moléstias do peito, estômago e coração"
no novo consultório do Dr. Nina Rodrigues, "provido
de todos os aparelhos para o exame das moléstias do
estômago".

No comércio fazia-se igualmente forte tal pre


sença: ademais de uns poucos, muito poucos nomes em
inglês, as mais importantes lojas de artigos femini
nos e algumas de roupas e artigos para homens, como
as casas de comestíveis e hotéis, adotavam nomes em
francês como a mostrarem sua qualidade e atualida
de: o Chalet Parisien, além do salão de bilhar,
vendia presuntos e sorvetes; La Ville de Paris, seu
contemporâneo, anunciava fazendas modas, confecções
- as últimas ainda nao conhecidas, como hoje, pela

28
designação p/izt- à-poKto.fi; o Belle Jardiniêre em 81
servia potagz, ^lllzt, pztlt polò, vinhos Bordeaux
e Figueira, omzlzttz, panquzquzf aceitando assinatu
ras para almoço com direito a potagz e dois pratos
sobremesa, café ou chã e meia-garrafa de vinho, bem
â européia. Anos antes anunciava destacadamente Cho
zolat dz* Vamzó, Thz* noln. zt vznt, HtUlz £lnz dz
Wlzkzl Loquz, VI nó dz Bosidzaux, Cognac Bolólnaad i.
Cia., LIc.oazó filnoó dz MaAla Bsilzasid, Abólnth ?ZK
nod, Jambonó ^Aançaló, Land jjumé, ConóZAvaó. A Tein
turerie Parisienne, na Bahia e em Petrõpolis, espe
cializava se em lavagens a vapor de flanelas, corti
nas, ztamlnzó , mo uó ó zllnzó , rendas, consertando rou
pas de homens pelo sistema de dztazhagz. No ano 81,
tínhamos uma loja Bon Marchê, ao mesmo tempo que
pouco após a casa Au Bon Marchê, de Aristide Bouci
caut, de Paris, mantinha vistoso anuncio em nosso
"Jornal de Notícias", oferecendo artigos ao gosto
de frequeses estrangeiros e as atenções de intérpre
tes em todas as línguas. Independentemente daqueles
títulos, que certamente reproduziam nomes de estabe
lecimentos da França, as lojas e escritórios impor
tadores dos mesmos produtos publicavam Azclamzó tan
to em vernáculo como em longos textos em francês,
ressaltando quase sempre a procedência parisiense
de suas mercadorias. 0 Barateiro, por exemplo, ten
do em vista uma frequesia francofone e a requintada
burguesia local, dirigia-se a la zlzgant zlltz ofe
recendo ó zntlnzttzó e cAztonzó f enquanto o híbrido
Au High Life alardeava uma hautz nouvzautz em cha
péus; o Hotel de Paris, da firma Ballalai-Durand, ao
Largo do Teatro, servia dzjzunz/u & dlnzAó à Ia zaA
tz. A Joalheria e Relojoaria de Vitor Soares Ribei
ro expunha em 80 novidades das Exposições Univer

29
sais de Paris num estendido anúncio, ao mesmo tem
po, em português e francês. Ballalai & Alves vendia
ve.lotj.M6 e tranças, cachos e crescentes de cabe
los para senhoras, "última moda de Paris"; eram de
gosto e fatura franceses os artigos da Fabrica de
Biscoitos e Pastelaria de Lanat & C^a., estabeleci
da em São Bento, no ano de 1900.
A maior parte dos artigos industrializados que
consumíamos importavam-se do mesmo adiantado cen
tro, alguma coisa vinda da Inglaterra, da Alemanha,
dos E. Unidos. Da França, nos vinham perfumes ,mãqui_
nas, comidas, medicamentos, filmes das célebres fir
mas Gaumont, Lumiêre, Pathé. As primeiras fitas que
vi foram, em começos de 1916, no Cinema Avenida, no
Rio Vermelho, do extraordinário cômico framcês Max
Linder, precursor de Charles Chaplin em suas danças
e graciosos trejeitos. Ainda em 1913, o Recreio Fra
telli Vita prometia " a projeção do incomparável
film 06 M-Í6 <LKa.ve.i.6, obra de mais fôlego que produ
ziu a potentosa cerebração de Victor Hugo, ver
dadeiro Evangelho social". Vendiam-se aqui "chez Bal
lalai Ainê", vtn6 Ckampagne., fabricados por Theophi
le Roederer & Cia., Maison fondee en 1864, á Reims.
Artigos de Christoffle no escritório de Carlos Tei
xeira Gomes, artigos de drogaria. perfumaria e
quaisquer outros de Paris, faziam propaganda entre
nõs J. Batard, Morineau et Cie., do Boulevard Stras
bourg, de Paris. O espingardeiro belga Athanase Chu
chu, cuja lojinha ainda conhecemos na Cidade Baixa,
oferecia armas de fabricaçao em sua terra, Em 1900,
a Alfaiataria Brasileira, na rua Guindaste dos Pa
dres, "estava provida de aviamentos escolhidos em
Paris, na acreditada casa dos Srs. Bernardo Levy &
Cie." A Loja Góes, na rua da Alfândega, tinha cache.

30
mln.Q.6; o Bazar 6 5 punha, S disposição de seus fre
gueses, "fantasias em btò cutt, perfumes e adornos
de tollztto.". Tempos antes, o Armazém Universal ofe
recia biscoitos ingleses em latas, ambn.o.6 de Mor
ton, ditos de Wastphalia, òalamo.6 de Lyon, chocola
tes Suchard, dito com leite, dito em pó von Houters,
marmeladas inglesas, frutas cristalizadas em fras
cos" , a revelar o bom gosto dos baianos. A Ma.ntQ.lga.
Puacl d'Jòlgny Bn.o.to.1 FmÍ/lo.6 , de Valognes, com a pro
dução diária de 40.000 quilogramas e prêmio na Expo
sição de Paris em 1889, era também accessível aos
baianos de recursos. E assim o novo perfume Bnuylho.
d'€coòòo.f de Veillet de la Malmaison, do Boulevard
des Capucins. Antonio Barreiro Filho, agente dos co
fres Fichet, da Fábrica fundada em 1825 em Paris,
fornecedora do Banco da França, do Crédit Lyonnais,
da Société Gênérale National d 1Escompte,punha á ven
da, antes de 1914, casas-fortes blindadas, refratá
rias ás ações do fogo e do massarico oxiacetilêni
co, por sua qualidade resistente à chama, antt-cka
lu.mQ.au.. Instrumentos de musica, do fabricante Gau
trot, havia na Casa Guarany. A Cia. Cinematográfica
Brasileira, à mesma época, expunha objetivas Dar
lot e Dalmeyer e instalações completas de aparelhos
Pathê Frêres, agente também dos motores Aster e Dion
Bouton. As bicicletas, leves e esbeltas, eram de
marca Hirondelle.
Mas eram os medicamentos o grosso de nossa im
portação, a mostrar de que nosologia padecíamos, pa
recida com a da França. Naqueles últimos decênios
do século pasaado, consumíamos o Tônico, Regenera
dor e Febrífugo que eram as Vltulaò do. QutnZum o. do.
Vo.Kh.0 dtaZyòõ., do Dr. H.Vivien, o Vinho Cka.poto.aut,
com petone pêpsica, da fábrica na rua Vivienne; a

31
Ca*can.lna Lapn.lnca, para prisão de ventre; o X.an.opa
de Glbant, do Dr. Gibert e do farmacêutico Bouti
gny, produzido por Augendre, Maisons-Laffitte , e o
congênere Raml, "o medicamento mais receitado pelos
médicos da França e da Europa"; as cápsulas de Qul
nina da Pallatlan., o Vinho da. Cn.olx-R.amy na.tun.al,
"precioso aperitivo, cordial, natural, contra a de
bilidade do estômago, esgotamento e todas as pertur
bações da vida moderna". Esse vinho recomendava-se
por estar "receitado e adotado por os hospitais de
Paris e Londres"; fabricava-se na Rue Drout. Popula
res foram muito tempo o Álaatn.ado Guyot, o Llnlman
to Ganaau, da Rue St. Honorê, o Bálsamo Bangua; a
NauAOòlna Pnunlon., do deposito geral Chassaing &
Cie., Avênue Victoria, de Paris, indicada igualmen
te para a debilidade geral, anemia, raquitismo, fos
fatüria, enxaqueca; a Água doA Can.malltaj> Boyan., pa
ra os ataques de nervos, apoplexia, paralisia, ver
tigens; o Santal Mldy, "inofensivo, de absoluta pu
reza, que curava dentro de 48 horas corrimentos que
exigiam outrora semanas de tratamento com copaiba,
cubebas, opiatas e injeções"; famosa a Água bUna/tal
da Vlcky e as correspondentes pastilhas Vlcky-Hopl
tal, Vlahy-Etat, Gn.and GnÁ.lla, Cala&tUnò e as PZlu
laò do Vn.. Vahaut, do Faubourg St. Denis, para fal
ta de apetite e mã digestão; o Rublnat e o La(on.t,
que vieram a ser substantivos comuns,designando efi
cazes purgativos salino-amargos que alguns de nõs a
inda engolimos aos engulhos, como os febrífugos Agua
Inglaòa e Aguandanta Alamã; os comprimidos de Eun.y_
tkmine. Vítkan, para dores de cabeça, a gostosa Kola
Á4 tl an., fortificante, e muitos outros remédios.Como
se nao fosse suficiente a facilidade de comprar es
eses medicamentos nas farmácias sem receitas médica,
muitas famílias valiam-se do prestante livro Vicio
32
naJUo dz He.cU.clna Popalaa (1840-43), publicado pela
conhecida editora Garnier, que se encarregava tam
bém das obras de escritores portugueses e brasilei
ros, inclusive Machado de Assis, e do Jornal das Fa
mílias, fazendo circular no Brasil o "Conseiller
des Dames" e o "Magasin des Demoiselles". Chernoviz
era um polonês diplomado médico na França, que vi
veu em nosso pais cerca de 15 anos : em seu livro en
sinava a preparar medicamentos caseiros de variada
natureza, composição e utilidade.
A enumeração de medicamentos não se esgotaria
se conviesse aludir ã multiplicidade deles, o que
aqui interessa apenas para mostrar a voga, a popula
ridade, a admiração pelas coisas de procedência da
França. Não quero encerra-la, entretanto, sem dei
xar de mencionar, por exemplo a On.ydotkyA.lnz Pah.16
que em 1914 se anunciava para emagrecer, prometendo
que duas pílilas diárias bastavam para a mulher "re
cuperar os seus encantos de outrora: a elegância, a
formosura e a harmonia das linhas", fazendo a dese
jada laa66Z mcUgAz. 0 Aseptone, microbicido-astrin
gente, fazia a cura rápida das flores-brancas e de
todas as inflamações dos órgãos gênito-urinários e
as PlZuZa6 He.ZznZe.nne.6, de Naud, o mesmo, enquanto
o LaZt AntzphzZZquz Candz6, destinado â beleza do
rosto, dissipava "sardas, tez crestada, pintas ru
bras, borbulhas, rosto sarabulhente e farinãceo, ru
gas ".
Alimentava a francesia o ensino da língua, fa
vorecido pelo contato com mestras e mestres da naci
onalidade, assim nos colégios para meninas, das re
ligiosa ürsulinas e Sacramentinas, e dos Maristas,
para meninos. Nesses estabelecimentos, como em ou
t^ros acreditados, aquele estudo começava pelos sin
33
gelos textos do Berlitz, acompanhados das metódicas
lições e dos exercícios de Halbout e do Dr. Ahn, e
de gramáticas outras como as de Gaston Ruche, de
Claude Auge e de Mauger, a terminar pela rigorosa
análise das encantadoras Fábulas de La Fontaine e
dos dificultosos dramas e poemas do "Theatre Classi
que". Vários dos compêndios do curso secundário,
particularmente de disciplinas filosóficas e teolõ
gicas, eram franceses no original e, mais frequente
mente, traduzidos, de qualquer modo concorrendo pa
ra absorver e admirar a mentalidade gaulesa; a "Pi
losofia" de Lard, a "História Universal" de Seigno
bos, a "Lógica Formal" de Sortais, a "Apologética"
de Boulanger, sem falar nos manuais F.T.D. nas Ma
temáticas e Táboas de Logaritmos de Bezout de
Caillet, e outros, Os que iam, como me sucedeu, pa
ra a Medicina encontravam-se com a obrigatória lei
tura ou consulta a livros em língua francesa, assim,
logo no 19 Ano, a "Anatomia Descritiva" de Testut e
de Test-Jacob, a "Parasitologia" de Brumpt, a "Fio
siologia" de Gley, mais adiante a "Terapêutica" de
Martinet, a "Clínica" de Vidal, que o nosso José
Silveira menciona em sua encantadora "Vela Acessa"
e de que nos fala Pedro Nava, também.

Como estranhar que assim fosse: a influência


francesa, antiga como estamos vendo, fora registra
da desde os primeiros decênios do século XIX por
Ferdinand Denis, por Wetherell, por von Martius,
por Tollenare; este minucioso cronista nos diz que
na Biblioteca Publica de nossa cidade,naqueles anos
20, dos 4.000 volumes ali existentes,
era lison jei^
ro para um francês verificar que três mil ao menos
bem escolhidos ln-^olloò, especialmente os de teolo
gia e mística, eram escritos em seu idioma.Em 1836,
34
informa Inácio Accióli, em sua Memõ/i-ca Htótófitca da
Bahia, a mesma Biblioteca, ainda que bastante aban
donada, continha 4.273 volumes em francês, 1.395 em
latim, 1.185 em português, 580 em inglês e 388 em
italiano e espanhol. Se examinarmos a "Memória so
bre a Biblioteca Pública da Bahia", do erudito Anto
nio Moniz Sodré de Aragão, que estudara na Inglater
ra e completara sua formação filosófica ouvindo Au
gusto Comte e aderindo ao positivismo, o "Catálogo
dos Livros da Biblioteca da Faculdade de Medicina
da Bahia", organizado por Pedro Rodrigues Guimarães,
veremos que os baianos, tanto em Teologia e Místic^
em Medicina e Filosofia, como em Ciências, até as
proximidades de 1914, tinham extrema facilidade em
imprirar-se e instruir-se com a França, o mesmo dan
do-se com os clientes das livrarias. Até em biblio
tecas do interior do Estado era fácil ler no fran
cês e em suas traduções. Verificamos que, de cerca
de 2 mil volumes da Biblioteca do Club Literário Na
zareno até 1897, havia em francês mais de 80 relati^
vos a Ciências, Lexicologia, Direito, retórica e so
bre 1 mil de romances, poesia e literatura em geral
quase 150, ao lado de raríssimos em inglês.
Mais uma vez recorrendo â memória,lembramo-nos
que mesmo expressões italianas eram usadas na forma
francesa: os nossos grandes pintores, Lopes Rodri_
gues, Presciliano, Valença, Mendonça Filho falam em
uo.fit vo.fione.ò e, em to.Kfio. do. Sio.nne., em viintò à ta
blo.au, em vo.fin.i6 a fie.touc.ho.fi. . . E vefinióóage. foi
de há muito, o termo para indicar o lançamento de
exposições de pintura; toda aquela terminologia a
preendida nos estágios de aperfeiçoamento em ato.it
o.fit> de mestres consagrados, em visitas â Bretanha e
outras contfiÕ.0.6, para pintar paisagens e figuras im
pressionantçs.
35
0 Prof. Francisco Pinheiro Lima, em sua inêdi
ta monografia sobre teses de verificação de títulos
na Faculdade de Medicina da Bahia durante o século
XIX, relacionava diversos esculãpios que fizeram
seus cursos de graduaçao em Paris, em Montpellier,
em Bruxelas, em Lovaina e em Berna. O primeiro dire
tor da Escola Mêdico-Cirürgica da Bahia em 1808, Jo
sê Correia Picanço, estudara em Montpellier, como,
ao correr dos anos, seu colega de congregação Anto
nio Torquato Pires de Figueiredo e, em Paris, o ce
lebrado Antonio Ferreira França e Francisco de Pau
la de Araújo e Almeida. Dos médicos que daquele mo
do se habilitavam ao exercício da clínica na Bahia,
refere entre vários, uma cuja universidade de or.L
gem não conseguiu verificar, meu bisavô paterno, o
primeiro José Olympio d'Azevedo, cuja tese de douto
ramento em Paris, ano de 1840, possuo junto* com as
de M.P. da Silva, 1839 de Cachoeira (certamente da
Bahia), e de Antonio Ferreira França (1840) . A ex
plicação para a preferência de alguns baianos por
estudar ou aperfeiçoar-se na terra de Laennec está
no conhecimento da literatura médica daquela ori
gem como atestam as coleções do nosso Memorial de
Medicina, uma vez que desde 1838, ao fundar-se, a
Faculdade de Medicina da Bahia exigia dos seus alu
nos o domínio da língua francesa.

Antiga e ilustre era essa presença, mostrou -o


o nosso Cláudio Veiga em relação a Castro Alves. Em
erudito artigo na "Revista de Cultura da Bahia", PH
blicada pelo Conselho Estadual de Cultura, revela
que a presença da França e da civilização francesa
"não é pequena", antes "ocupa um lugar de relevo"
nesse altíssimo poeta tão brasileiro, O pai do vate
faz, entre 1841 e 1843, uma estada na França para

36
aperfeiçoar-se em Medicina e de volta, lente da Fa
culdade, entre outros conhecimentos, "deverá ter
proporcionado (...) ao filho, apreciável domínio da
língua francesa". "0 pequeno Cecéu, conforme trecho
não publicado de sua poesia A Boa Viòta, ouvia aten
to a 'mãe querida' embalar a 'irmã pequenina', can
tando uma cançao francesa. No Ginásio Baiano, de Abí
lio Cesar Borges, teve como livro-texto o "Petit
Cours de Litterature Française", de Charles André,
por meio do qual se familiarizou com os maiores no
mes daquela literatura; já nesse tempo, informa Xa
vier Marques, que Cláudio Veiga cita, ginasiano ain
da, o futuro poeta traduz poesias de Victor Hugo,
vulto de sua maior admiração por toda a vida. E a
propósito, o estudante havia-se matriculado no famo
so colégio junto com seu primo Cândido Serafim A^L
ves, que mais tarde se tornaria professor de fran
cês e autor de uma gramática dessa língua, publica
da na Bahia em 1876. As inclinações e idéias políti
cas lhe são muito inspiradas pela França. "Quando a
Prússia derrota a França em 1870, não hesita em fi
car ao lado da França. A 10 de maio de 1871, no sa
lão nobre da Associação Comercial da Bahia,numa reu
nião em favor das vítimas francesas, recita No 'Mee
tZng du Cometo, da Paln*, que é uma de suas poesias
vertidas para o francês. A colônia francesa da Ba
hia dirige, no dia seguinte, ao poeta uma carta de
agradecimento. A emoção causada pelos versos de Ca£
tro Alves, naquela reunião, foi enorme: 1Dirse-ia
que os franceses ali agrupados estavam diante da pá
tria adorada, da Mae sofredora, e mais de um peito
arquejou de dor e mais de uma face se orvalhou de
pranto. Ao terminar, tudo quanto o entusiasmo suge
re nessas ocasiões a coraçoes agradecidos,explodiu,
e essa manifestação foi em aumento, tocando ao delí
37
rio no momento em que, na mais apreciável comunhão.
brasileiros e franceses em braços o colocaram sobre
a sela'. Estava Castro Alves bastante combalido quan
do foi àquela cerimônia, Ao voltar para casa, não
pôde subir a escada, sendo carregado até o leito",
em que faleceria meses depois. Aproximadamente trin
ta autores franceses aparecem nominalmente em Ca:s
tro Alves, verificou o ilustrado articulista, e os
versos de Musset sobre seu romance com Georges Sand
"tiveram grande ressonância em Castro Alves que, por
seu romance com Eugênia Câmara, se sente na pele de
Musset". Antony, nome de um herói de Dumas pai, foi
um dos pseudônimos do baiano, que traduz vários dos
seus émulos, tema do outro artigo do nosso atual
presidente na Academia, publicado em "O Estado de
São Paulo" em 1971.
Também Ruy Barbosa experimentou a mesma podero
sa influência: foi muito, certamente, o francês a
preendido com o jovem professor Ernesto Carneiro Ri
beiro, no Colégio Abílio, na Bahia, que lhe faculta
ria o castiço discurso de saudação a Anatole Fran
ce, na Academia Brasileira, em 1909. Para isso con
tribuiu o estudo, ao mesmo tempo que do inglês e do
alemão, e a prática da leitura, até em voz alta.Con
ta Luiz Viana Filho que em casa de João Barbosa de
Oliveira, "todos os dias, depois da ceia, começava
a aula de História Sagrada. Sobre a mesa da sala de
jantar, abria-se a HlòtoKlz du. Nouv&clu. Tzól;ame.n£,
de VzA.omz, numa edição cheia de gravuras sobre a vi
da de Jesus, e o pequeno Rui e a irmãzinha (Brites)
iniciavam a leitura, que o pai interrompia com ex
plicaçÔes, enquanto Maria Adélia (sua mãe) meditava
sobre as páginas das Hova.6 Ho/lo.6 MaAtanaó". 0 inte
ligente menino gostava tanto daquele livro de fo
38
lhas douradas, tão cheio de imagens, talvez não da
autoria de VeKome mas encadernado pela famosa ofici
na daquele nome, que no mesmo escreveu: "Ce livre
appartient à Monsieur Ruy Barbosa". E no caderno de
apontamentos, que conservaria até a morte, tomava
notas colhidas aqui e ali, transcrevendo àquela al
tura sentenças de Eugène Pelletan, de Laboulaye e
outros, em francês, enquanto lia nesta língua sobre
a história e a política da Inglaterra, dos Estados
Unidos. E um desses livros. "La Republique Americai^
ne", de Browson, que oferece a seu pai como penhor
de gratidão ao receber o grau de bacharel em direi
to em 1870. Estudante no Recife e em São Paulo tive
ra, na sua já alentada biblioteca, entre outros li
vros de diversa procedência, "o seu Tocqueville, o
seu Bertauld, o seu Duvergier de Hauranne". Victor
Hugo já era um dos inspiradores de suas idéias repu
blicanas . 0 trato habitual com a língua explica por
que, em 1876, quando começava a tentar a vida de ad
vogado na Corte, numa das cartas à adorada noiva Ma
ria Augusta, Cota para os íntimos, lamentava não ha
ver conseguido para os futuros cunhados, Adelaide e
Dobert, e para o Dr. Salustiano Souto, seu dileto
amigo e, de algum modo, promotor do próximo casamen
to, uma maZòon gaAnZe; obtivera, porém, quartos no
confortável Hotel des Êtrangers. Na Conferência de
Haia, de que se tornou a proclamada Águia pelo ju^L
gamento dos seus pares e da imprensa mundial, seus
discursos em excelente francês foram outra evidên
cia do que aqui se ressalta.
A francesia baiana de antanho, como se vê, de
algum modo prolongou na Bahia a be.Ho. epoque daque
le á-cm de òZècte que Leon Daudet, na reacionária
perspectiva da Action Française, denomina de òtapl
39
de, mas cujo brilho não poderia negar: assim foi,
em nossa terra, na moda, nos gostos estéticos, na
língua, nas preferências intelectuais, literárias e
científicas, porta por onde penetrou no país o posi
tivismo francês, no requinte dos salões, nas comi
das, na decoração, no vlttiaux das casas ricas, nas
vinhetas que emolduravam elegantemente as revistas
e as pla.quLZtte.6 dos discursos eloquentes, das confe
rências dos beletristas e dos doutores e em muito
do que caracterizava o òa.voÃ,A. vxvtui baiano. Nao po
demos esquecer que, depois de uma Sociêté Française
de Bienfaisance, a Bahia teve o Club Francês, cuja
ultima sede no Campo Grande alguns dos vivos ainda
avistaram e frequentaram como morada do Prof. Pací
fico Pereira e, em seguida, sede da Pinacoteca do
Estado, onde ê hoje o Teatro Castro Alves, esquina
do Garcia. Temos também a nos lembrar e perpetuar
sua francesia os nomes numerosíssimos de famílias
Lanat, Calmon du Pin, Bompet, Pamponet, David, Co
hin, Ballalai, Gantois, Vergne, Doval,Bensabath, Du
bois, Pavie, Vallois, Luquin, Lavigne, Benjamin, Si
nay, Bittencourt, Massena, Dumas, Chastinet, Gueude
ville, Carnelier, Tournillon, Florence, Perouse, Chê
naud, Maron, Duplat, Recamier, Leciague, Ayard, Di
dier e mais, com muitos de cujos descendentes ainda
convivemos. Esta longa lista ê, entretanto, incom
pleta. Podemos acrescentar-lhe Belfort,Hegouet,Cham
pion, Boureau, Pernet, Lamatabois, Paillet,Malbouis
son; igualmente Peltier, Raynal, Marsillac, Rigaud,
Revault, Prudhomme, Deschamps, Noblat, Pithon, Ta
chard, Vennet, Morat, Brant, Duval, Boucher, Bus
quet, Larroude.. . Alguns desses apelidos podem ter
apenas a forma gráfica ou a desinência francesa, P2
dendo ser catalães ou de outra orocedência ; uns ca
40
berao no quadro que estamos traçando, outros terão
vindo da Bélgica, da Suíça, da Martinique, do Líba
no, mesmo de velhos troncos lusos, matéria, toda es
sa, para exame dos filõlogos e genealogistas. A lis
ta levanta um problema sociológico e histórico, o\
de investigar como uma província brasileira, que
nao recebeu imigração européia em massa e de famí
lias, vem a ter tantos sobrenomes de uma nacionali
dade estranha. Aqui, parece, chegaram a diversos mo
mentos, talvez principalmente no século XIX, imi
grantes isolados, maioria do sexo masculino, em bus^
ca de trabalho profissional e liberal artistas,
técnicos, comerciantes, cônsules, professores, arte
sãos, operários -, matéria, enfim para elucidativa
investigação, sobre como vieram, como viVeram, como
se integraram e nos trouxeram de seus talentos e de
seu labor.
Contribuiu bastante para a admiração dos baia
nos e obviamente de muitos brasileiros, pela cultu
ra francesa, a estada e viva presença no país de e£
critores como Paul Claudel, embaixador no Brasil,
Robert Garric com suas equipes de jovens católicos,
Georges Bernanos, exilado das lutas em torno dos
p<Le,d no*Ln.t> da Argélia, como do eminente sociólogo
Roger Bastide, tão interessado em nossa sociedade e
cultura, Jacques Lambert, todos entre os anos 20 e
40 passados, como temos em nosso meio, assimilado,
o sensível e exímio fotógrafo, etnológo e historia
dor Pierre Verger, doutor em coisas baianas. Essa
presença prolongou-se atuante e fecundadora, em de
cênios recentes, como evidenciou o nosso Edivaldo
Boaventura, em documentado estudo sobre a "Contri
buição francesa ao Desenvolvimento Cultural Cienti^
fico da Bahia após 1945", publicado na Revista des
41
ta Academia, pelo intercâmbio de estudantes, leito
res e professores das duas nacionalidades em diver
sos campos do saber.
Papel destacado tiveram, no particular, os cur
sos e a biblioteea da Maison de France, estabelecí
da na Universidade da Bahia com o concurso do Gover
no francês, infelizmente extinta com a reforma uni_
versitãria, como sucedeu ao similar Centro de Estu
dos Hispânicos. Teve marcante presença a esse res
peito, como jã salientara Edivaldo Boaventura, o au
torizado Prof. Raymond van der Haegen, talvez pri
meiro agsitgé. a ensinar na Bahia, inclusive como
cônsul, nas solenes comemorações do 14 de Julho,
pronunciando memoráveis discursos em português dian
te do que a Bahia tem de mais representativo e ofi
ciai. Na cátedra de sua língua, conquistada na Fa
culdade de Filosofia da Bahia, continuou o trabalho
desse mestre como autor de obras didáticas e, por
sua vez , como haviam sido Pethion de Villar, Álvaro
Reis, Heitor Frõis e agora o nosso Clovis Lima, o
estudioso apurado Cláudio Veiga, estudioso particu
larmente de Pascal, analista da presença na França
dos baianos Domingos Borges de Barros e Caetano Mou
ra, escrevendo a respeito do último, eminente elo a
ligar e unir nossas culturas, um livro em que proje
ta o compatrício ilustre, que foi médico das hostes
lusitanas de Napoleáo, tradutor de escritores român
ticos, historiador, fruto, esse volume, de meticulo
sa e fatigante pesquisa nos arquivos da Medicina,
do Exército, dos cemitérios franceses.
Minhas palavras finais sao de
agradecimento,
muito obrigado, a quantos colaboraram comigo nesta
grata tarefa.
42
Impresso na
Gráfica Universitária
Salvador - Bahia
APOIO CULTURAL
SECRETARIA DA EDUCACÃO E CULTURA
GOVERNO JOÃO DURVAL CARNEIRO

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