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Rethinking the Apocalypse: An Indigenous Anti-Futurist Manifesto

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Repensando o Apocalipse: Um Manifesto Indígena Anti-


Futurista
Tradução- Roberta Mathias

Doutoranda PPCIS/UERJ, Professora da Especialização em Fotografia e Imagem do IUPERJ Integrante do


LEARCC coordenado pela Dra. Ana Paula Alves Ribeiro FEBF/UERJ,

… Esta é uma transmissão de um futuro que não acontecerá. De um povo que não
existe ...
Repensando o Apocalipse: Um Manifesto Anti-Futurista Indígena

"O fim está próximo. Ou já veio e antes se foi?


- Um ancestral
Por que podemos imaginar o fim do mundo, mas não o fim do colonialismo?

Figura 1 Repensando o apocalipse: Um Manifesto Indígena Anti-futurista


Vivemos o futuro de um passado que não é nosso.
É uma história de fantasias utópicas e idealização apocalíptica.
É uma ordem social global patogênica de futuros imaginados construída sobre
genocídio, escravização, ecocídio e total destruição.
Que conclusões devem ser obtidas em um mundo construído de ossos e metáforas
vazias? Um mundo de finais fetichizados calculado em meio à ficção coletiva de
espectros virulentos. Dos volumes religiosos ao entretenimento científico
ficcionalizado, cada linha do tempo imaginada foi construída de maneira tão
previsível; começo, meio e, finalmente, O Fim.

Inevitavelmente, nesta narrativa, há um protagonista lutando contra um Outro


Inimigo (uma apropriação genérica da espiritualidade africana / haitiana, um
"zumbi"?) E um alerta de spoiler: não somos você ou eu. Muitos estão ansiosamente
prontos para serem os únicos sobreviventes do "apocalipse zumbi". Mas essas são
metáforas intercambiáveis, esse zumbi / Outro, esse apocalipse. Essas metáforas
vazias, essa linearidade, existem apenas na linguagem dos pesadelos, são ao mesmo
tempo parte da imaginação apocalíptica e do impulso. Esse modo de "viver" ou
"cultura" é de dominação que consome tudo em próprio benefício. Trata-se de um
reordenamento econômico e político para adequar-se a uma realidade apoiada nos
pilares da concorrência, propriedade e controle na busca do lucro e da exploração
permanente. Ele(o modo de viver) professa "liberdade", mas seu fundamento é
estabelecido em terras roubadas, enquanto sua própria estrutura é construída por
vidas roubadas.

É essa mesma “cultura” que deve sempre ter um Outro Inimigo, para culpar,
reivindicar, afrontar, escravizar e assassinar.
Um inimigo sub-humano em que toda e qualquer forma de violência extrema não é
apenas permitida, mas também esperada. Se ele não tem um Outro imediato, ele
cria meticulosamente um. Este Outro não é feito do medo, mas sua destruição é
forçada por ele. Este Outro é constituído por axiomas apocalípticos e miséria
permanente. Esse Outro, esta doença weitko1, talvez seja melhor sintomizado em
sua estratagema mais simples, na de nosso remanejamento silenciado:

Eles são sujos, são inadequados para a vida, são incapazes, são incapazes, são
descartáveis, são não-crentes, são indignos, são feitos para nos beneficiar, eles
odeiam a nossa liberdade, são indocumentados, são esquisitas, são negras, são
indígenas, são menos que, são contra nós, até que finalmente, não são mais.
Nesse constante mantra de violência reformulado, é você ou eles.
É o Outro que é sacrificado por uma continuidade imortal e cancerosa. É o Outro que
é envenenado, que é bombardeado, que é deixado em silêncio debaixo dos
escombros.
Esse modo de ser, que infectou todos os aspectos de nossas vidas, é responsável
pela aniquilação de espécies inteiras, pela toxificação dos oceanos, pelo ar e pela
terra, pelo desmatamento e queima de florestas inteiras, pelo encarceramento em
massa, pela possibilidade tecnológica de guerra mundial que termina e elevando as
temperaturas em escala global, essa é a política mortal do capitalismo, é uma
pandemia.

1
Palavra nativo-americana que significa vírus da mente. Pode ser entendido como trauma para os
modernos freudianos.
Figura 2Querido Colonizador, seu futuro acabou- um ancestral

Um final que veio antes.

A invasão física, mental, emocional e espiritual de nossas terras, corpos e mentes


para se estabelecer e explorar, é o colonialismo. Navios navegavam com ventos
envenenados e marés ensangüentadas através dos oceanos, impelidos com uma
respiração superficial e um impulso à escravidão; milhões e milhões de vidas foram
silenciosamente extintas antes que pudessem nomear seu inimigo. 1492. 1918.
2020…

Cobertores de guerra biológica, o massacre de nosso parente, o búfalo, o


represamento de rios que dão vida, o escaldamento de terra não envernizada, as
marchas forçadas, a prisão tratada, a educação coercitiva através do abuso e da
violência.
O dia-a-dia, pós-guerra, pós-genocídio e troca de humilhações pós-coloniais de nosso
lento suicídio em massa no altar do capitalismo; trabalhe, renda, pague aluguel,
beba, foda-se, reproduza-se, aposente-se, morra. Está na beira da estrada, está à
venda nos mercados indianos, servindo bebidas no cassino, reabastecendo Bashas 2,
são bons índios servindo de você.

Cobertores de guerra biológica, o massacre de nosso parente, o búfalo, o


represamento de rios que dão vida, o escaldamento de terra não envernizada, as
marchas forçadas, a prisão tratada, a educação coercitiva através do abuso e da
violência.

2
Rede de mercados norte-americana, principalmente na parte sul do país
Esses são os dons de infestar destinos manifestos; é o imaginário futuro que nossos
captores nos fazem perpetuar e fazer parte. A imposição impiedosa deste mundo
morto foi impulsionada por uma utopia idealizada como Charnel House, foi "para
nosso próprio bem" um ato de "civilização".
Matar o "índio"; matando o nosso passado e com ele o nosso futuro. "Salvando o
homem"; impondo outro passado e com ele outro futuro.

Estes são os ideais apocalípticos de agressores, racistas e heteropatriarcas. A fé cega


doutrinária daqueles que só podem ver a vida através de um prisma, um
caleidoscópio fraturado3 de uma guerra sem fim e total.
É um apocalíptico que coloniza nossa imaginação e destrói nosso passado e futuro
simultaneamente. É uma luta para dominar o significado humano e toda a existência.
Este é o futurismo do colonizador, o capitalista. É ao mesmo tempo todo futuro
roubado pelo saqueador, pelo belicista e pelo estuprador.
Isso sempre foi sobre existência e não existência. É um apocalipse, atualizado. E com
a única certeza sendo um fim mortal, o colonialismo é uma praga.
Nossos ancestrais entendiam que esse modo de ser não podia ser fundamentado ou
negociado. Que não poderia ser mitigado ou resgatado. Eles entenderam que o
apocalíptico só existe em absolutos.

Nossos ancestrais sonhavam com o fim do mundo.

Muitos mundos foram anteriores a este.


Nossas histórias tradicionais são fortemente tecidas com o tecido do nascimento e
do fim dos mundos. Através desses cataclismos, adquirimos muitas lições que
moldaram quem somos e como devemos ser um com o outro. Nossos modos de ser
são informados através da busca de harmonia através e da destruição dos mundos.
O elíptico. Nascimento. Morte. Renascimento.
Temos um desconhecimento de histórias sobre histórias do mundo que faz parte de
nós. É a linguagem do cosmos, fala em profecias esculpidas há muito tempo nas
cicatrizes onde nossos ancestrais sonhavam. É a dança fantasma, os sete fogos, o
nascimento do Búfalo Branco4, a sétima geração, são os cinco sóis, está escrito em
pedra perto de Oraibi e além. Essas profecias não são apenas preditivas, elas também
foram diagnósticas e instrutivas.
Nós somos os sonhadores sonhados por nossos ancestrais. Atravessamos o tempo
todo entre as respirações dos nossos sonhos. Existimos de uma só vez com nossos
ancestrais e gerações não-nascidas. Nosso futuro está em nossas mãos. É a nossa
mutualidade e interdependência. É o nosso parente. Está nos vincos de nossas

3
Interessante para pensarmos o que deu errado na Modernidade. Por que ela produziu um
caleidoscópio, mas o deixou rachar?
4
http://www.imagick.org.br/pagmag/xamanismo/BufaloBranco.html - Importante e raro animal no
Xamanismo
memórias, dobradas gentilmente por nossos ancestrais. É o nosso tempo de sonhar
coletivo e agora. Então. Amanhã. Ontem.5
A imaginação anti-colonial não é uma reação subjetiva aos futurismos coloniais, é
um futuro anti-colonizador. Nossos ciclos de vida não são lineares, nosso futuro
existe sem tempo. É um sonho, não colonizado.

Este é o anti-futuro indígena.

Não estamos preocupados com como nossos inimigos nomeiam seu mundo morto
ou como eles nos reconhecem ou nos reconhecem ou a essas terras. Não estamos
preocupados em refazer suas maneiras de gerenciar o controle ou honrar seus
acordos ou tratados mortos. Eles não serão compelidos a acabar com a destruição

5
O tempo sem tempo
em que se baseia o mundo. Não pedimos a eles que acabem com o aquecimento
global, pois é a conclusão de seu imperativo apocalíptico e sua vida é construída com
a morte da Mãe Terra. Enterramos a asa direita e a asa esquerda juntas na terra,
que têm tanta fome de consumir. A conclusão da guerra ideológica da política colonial
é que os povos indígenas sempre perdem, a menos que nos percam. Capitalistas e
colonizadores não nos levarão para fora de seus futuros mortos.
A idealização apocalíptica é uma profecia auto-realizável6. É o mundo linear que
termina por dentro. A lógica apocalíptica existe dentro de uma zona morta espiritual,
mental e emocional que também se canibaliza. São os mortos ressuscitados 7 para
consumir toda a vida.

Nosso mundo vive quando o mundo deixa de existir.


Como anti-futuristas indígenas, somos a consequência da história do futuro do
colonizador. Nós somos a consequência da guerra deles contra a Mãe Terra. Não
permitiremos que o fantasma do colonizador, os fantasmas do passado assombrem
as ruínas deste mundo. Nós somos a atualização de nossas profecias.
Este é o ressurgimento do mundo dos ciclos.
Esta é a nossa cerimônia.
Entre céus silenciosos. O mundo respira novamente e a febre diminui.
A terra está quieta. Esperando por nós para ouvir.
Quando há menos distrações, vamos ao local onde nossos ancestrais surgiram.
E a sua / a nossa voz.
Há uma música mais antiga que os mundos aqui, que cura mais fundo do que a
lâmina do colonizador poderia cortar.
E aí está a nossa voz. Nós sempre fomos curadores. Este é o primeiro medicamento.
O colonialismo é uma praga, o capitalismo é uma pandemia.
Esses sistemas são anti-vida, não serão obrigados a se curar.
Não permitiremos que esses sistemas doentes e corrompidos se recuperem.
Vamos nos espalhar.

Nós somos os anticorpos8.

6
Interessante conceito a se trabalhar a partir do prisma capitalista e economicista da sociedade
Moderna e Pós-Moderna
7
Nesse sentido, somos os zumbis de Romero (A noite dos Mortos Vivos)
8
Em oposição aos zumbis que continuam a ser corpos, ainda que mortos.

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