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LITERATURA PORTUGUESA I – 1ª AVALIAÇÃO (1º sem.

2023)
Profa. Dra. Annie Gisele Fernandes

Seguem quatro propostas: 1) sobre Cantiga de Amor; 2) sobre Cantiga de Amigo; 3) sobre
Novela de Cavalaria; 4) sobre Os Lusíadas. Você poderá considerá-las a partir de duas
perspectivas: a) escolher 1 e desenvolver um ensaio OU b) escolher 3 propostas e respondê-
las, objetivamente. Em ambas as possibilidades o limite máximo são cinco páginas.

Datas de entrega: 27 de junho a 4 de julho, exclusivamente através do Moodle USP.

PROPOSTA 01 – CANTIGA DE AMOR

Vimos que uma das principais características da Cantiga de Amor é a coita amorosa.
a) Explique-a na cantiga que segue, apontando também outras características daquele tipo de
composição nela presentes;
b) indique as relações que se pode notar entre ela e o poema “Letra Para Uma Valsa
Romântica”, de Manuel Bandeira.
Considere, em sua análise, o Tratado do Amor Cortês, de André Capelão, e/ou a “Introdução”
(em A Lírica Trovadoresca), de Segismundo Spina.

Que prazer havedes, senhor,


de mi fazerdes mal por bem (D. Dinis, Cancioneiro da Vaticana 144)
que vos quis’ e quer’ e por em
peç’eu tant’a Nostro Senhor Vocabulário: por en: por isso; mais ca
que vos mud’êsse coraçon, mi: mais do que a mim; praz: agrada; que
que mi havedes tan sen razon. eu hei: em que estou / que tenho.

Prazer havedes do meu mal,


pero vos amo mais ca mi, Letra Para Uma Valsa Romântica
e por en peç’a Deus assi, A tarde agoniza
que sabe quant’ é o meu mal, Ao santo acalanto
que vos mud’êsse coraçon, Da noturna brisa,
que mi havedes tan sen razon. E eu, que também morro,
Morro sem consolo,
Muito vos praz do mal que hei, Se não vens, Elisa!
lume d’aquestes olhos meus,
e por esto peç’eu a Deus, Ai nem te humaniza
que sab’a coita que eu hei, O pranto que tanto
que vos mud’êsse coraçon, Nas faces deslizas
que mi havedes tan sen razon. Do amante que pede
Suplicantemente
E, se vo-lo mudar, enton Teu amor, Elisa!
poss’eu viver, se non, non. Ri, desdenha, pisa!
Meu canto, no entanto,
Mais te diviniza,
Mulher diferente,
Tão indiferente,
Desumana, Elisa!

(Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira)


PROPOSTA 02 – CANTIGA DE AMIGO

Leia a cantiga que segue e o fragmento de texto crítico transcrito abaixo e considere as
questões:

Ondas do mar de Vigo, Se vistes meu amigo,


se vistes meu amigo! O por que eu sospiro!
e ai Deus, se verrá cedo! E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado, Se vistes meu amado


se vistes meu amado! Por que hei gran cuidado!
e ai Deus, se verrá cedo! E ai Deus, se verrá cedo!
(Martim Codax)

“As formas tradicionais compreendem todos os cantares d’amigo que refletem a fragância
virginal do campo, das serras e da praia [...]. Como se sabe, os cantares dessa inspiração,
sobretudo aqueles que refletem a vida simples do campo, estão intimamente associados à
música e à dança, motivo por que o conteúdo poético da canção desce algumas vezes para
um plano secundário. [...]” (Segismundo Spina. Introdução. A Lírica Trovadoresca. São
Paulo: Edusp, 1996, p. 50).

a) Se lhe parece possível ver na cantiga de Martim Codax a sobreposição da “música e


[da] dança” quanto ao “conteúdo poético”, aponte e comente os recursos estético-
estilísticos que tornam possível essa sobreposição;
b) explique como se pode entender a afirmação de que os cantares de amigo “estão
associados à música e à dança” em relação ao que a música e a dança podem representar
para as cantigas de amor (aponte, na cantiga em estudo, os elementos de forma [e de
Retórica] que diferenciam os cantares de amor dos cantares de amigo).

PROPOSTA 03 – NOVELA DE CAVALARIA

Na apresentação que faz do episódio “[A tentação de Galaaz]”, de A Demanda do Santo


Graal, Segismundo Spina diz: “Nesta noite sucede, então, o episódio que vamos ler: a
tentação de Galaaz, prova máxima a que podia submeter-se um cavaleiro eleito, cuja
narrativa, palpitante de realismo e novelesco, é das páginas mais belas da Demanda.”
(Ficção Cavaleiresca. Presença da Literatura Portuguesa. Era Medieval. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1991, p. 62).
Uma das últimas cenas da referida passagem é o diálogo transcrito a seguir:
“A isto respondeu o rei e disse:
– Certamente, cavaleiro, sei que dizeis verdade e vejo que vós, Boorz, me matáreis, se
quiséreis, mas vossa cortesia não vos permitiu. E, portanto, vos dou por quite deste
desafio e faço-o mais por vossa boa cavalaria, que por outra razão, porque muito seria
grande maldade se, depois da morte da minha filha, que não posso reaver, fizesse matar
tão bom cavaleiro como vós. Mas rogo-vos, por Deus e por cortesia, que me digais como
ou por que matastes minha filha.
– Senhor – disse Boorz –, sobre toda minha crença e sobre toda honra de cavalaria e pela
fé que devo a meu senhor Lancelote, eu vos juro que não a matamos.”
(MEGALE, Heitor (trad.). A Demanda do Santo Graal. São Paulo: Ateliê, 2003, p. 44-
45).

a) Tendo identificado a “prova máxima a que podia submeter-se um cavaleiro eleito”,


explique-a, no fragmento transcrito, segundo o ideal cavaleiresco medieval;
b) no fragmento de A Demanda do Santo Graal, a atitude do Rei é equivalente à atitude
do Rei Marc, no excerto transcrito abaixo de O Romance de Tristão e Isolda. Explique,
considerando os dois fragmentos, como a atitude do Rei e a atitude do cavaleiro podem
ser entendidas segundo o ideal de cavalaria de lealdade e segundo o amor cortês.

“– Deus! – disse ele consigo mesmo. – Que vejo aqui? Será preciso que os mate? Há tanto
tempo vivem nesta floresta; se eles se amassem com amor louco, teriam colocado esta
espada entre eles? E não se sabe que uma lâmina nua que separa dois corpos é garantia e
guarda de castidade? Se eles se amassem com amor louco, repousariam com tanta pureza?
Não, não os matarei. Seria grande pecado feri-los. E, se eu acordasse este dorminhoco e
um de nós dois fosse morto, disso falariam por muito tempo, para vergonha nossa. Mas
farei com que, ao despertarem, saibam que os encontrei dormindo e que não quis a sua
morte, e que Deus teve compaixão deles.
O sol, atravessando a cabana, queimava a face branca de Isolda. O rei pegou suas luvas
ornadas de arminho: “Foi ela”, pensou ele, “que, recentemente, trouxe-mas da Irlanda!…”
Colocou-as na folhagem para fechar o buraco por onde descia o raio de sol; em seguida,
retirou de leve o anel de pedras de esmeralda que ele tinha dado à rainha. Naquela época,
fora preciso forçar um pouco para fazê-lo passar pelo dedo. Agora seus dedos estavam
tão magros, que o anel saiu sem esforço. Em seu lugar, o rei pôs o anel que Isolda lhe
presenteara. Em seguida retirou a espada que separava os amantes, aquela mesma –
reconheceu ele – que se tinha avariado no crânio do Morholt, colocou a sua em seu lugar,
saiu da choça, saltou para a sela, e disse ao monteiro:
– Agora foge e salva o teu corpo se puderes!
Ora, Isolda teve uma visão em seu sono: estava ela debaixo de uma rica tenda, no meio
de uma grande mata. Dois leões lançavam-se sobre ela e lutavam para possuí-la… Ela
soltou um grito e despertou: as luvas ornadas de arminho branco caíram sobre o seu seio.
Com o grito, Tristão ficou de pé, quis apanhar sua espada e reconheceu, pelo punho de
ouro, a espada do rei. E a rainha viu em seu dedo o anel de Marc. Ela gritou:
– Sire, que desgraça para nós! O rei surpreendeu-nos.
– Sim – disse Tristão –, ele levou minha espada; estava só, ficou com medo, foi procurar
reforço. Voltará, mandará lançarem-nos na fogueira diante de todo o povo. Vamos
fugir!…
E, em grandes jornadas, acompanhados de Gorvenal, eles fugiram para a terra de Gales,
até os confins da floresta do Morois. Quantas torturas causadas por amor!” (final do
Capítulo IX / BÉDIER, Joseph. O Romance de Tristão e Isolda. Trad.: Luís Cláudio de
Castro e Costa. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1988, pp. 68-69).

PROPOSTA 4 – Os Lusíadas e o Renascimento

Alguns estudiosos definem a Europa Ocidental de fins do século XV e primeiras décadas


do XVI como dividida: de um lado, a Itália e os Humanistas, promotores dos valores
humanos, do Quattrocento italiano, depois conhecido como Renascimento; de outro,
Alemanha e Martinho Lutero, que, em 31 de Outubro de 1517, afixou na porta da catedral
de Wittenberg as 95 teses que combatiam especialmente o luxo da Igreja católica e as
indulgências e, desse modo, efetivou a Reforma Religiosa, combatida pouco depois pela
Contra-Reforma.
Comente essa definição dos séculos XV e XVI, atentando para a “ação” desse contexto
em Portugal, considerando passagens críticas transcritas a seguir:

Jacinto do Prado Coelho escreveu em “‘História’ e ‘discurso’ n’Os Lusíadas” (Ao


Contrário de Penélope, Lisboa, Bertrand, 1976) que

A estética do veraz e do conciso, assim altivamente, polemicamente


defendida n’Os Lusíadas, podemos considerá-la como expressão dum
momento cultural em que o Homem já não se sente mero joguete das forças
naturais, antes ganhou consciência de que, observando-as, estudando-as, e
mercê também de tenacidade e ousadia, é capaz de as dominar e dirigir: o
‘bicho da Terra’ ameaça ultrapassar os deuses. (p. 88).
[...]
o poeta empenha-se em agir, pelo canto, no ânimo dos seus compatriotas;
coloca-se, pelo discurso épico, na esfera do “mundo comentado”. (p. 90).

Explique essas passagens relacionando uma a outra bem como aos versos que seguem:

Vereis amor da pátria, não movido


Do prêmio vil, mas alto e quase eterno,
Que não é prêmio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno,
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor supremo,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente. (Canto I, est. 10).

[...]
Já neste tempo o lúcido planeta
Que as horas vai do dia distinguindo
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo,
E da casa marítima secreta
Lhe estava o Deus Noturno a porta abrindo,
Quando as infidas gentes se chegaram
Às naus, que pouco havia que ancoraram. (Os Lusíadas, Canto II, est. 1).

b) Em seguida, diga de que modo o conteúdo delas se opõe a este trecho da “fala” do
Velho do Restelo:
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama! (Fama: personificação de vaidade)
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C’uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!” (Canto IV, est. 95).

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