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(e-STJ Fl.

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HABEAS CORPUS Nº 799936 - PR (2023/0028780-4)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS


IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
PACIENTE : DANIEL MARQUES DA CRUZ
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar,


impetrado em benefício de DANIEL MARQUES DA CRUZ, contra acórdão do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, que deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo
Parquet estadual, para decretar a prisão preventiva do ora paciente, nos termos da seguinte
ementa:

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – RELAXAMENTO DA PRISÃO EM


FLAGRANTE PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS – RECURSO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE CONVERSÃO DA PRISÃO EM
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FLAGRANTE DO AUTUADO EM PRISÃO PREVENTIVA – PROCEDÊNCIA –


NÃO CARACTERIZAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA AÇÃO DOS POLICIAIS
– EXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DO CRIME E DE INDÍCIOS
SUFICIENTES DE AUTORIA – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DOS
ARTIGOS 312 E 313 E NECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR PARA A
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA EM RAZÃO DA GRAVIDADE CONCRETA
DOS FATOS REVELADA PELO MODUS OPERANDI E POR INDICATIVOS DE
REITERAÇÃO DELITUOSA – PRISÃO PREVENTIVA NECESSÁRIA PARA A
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DECISÃO REFORMADA – RECURSO
PROVIDO.” (e-STJ, fls. 61).

Neste habeas corpus, o impetrante sustenta, em síntese, a ocorrência de


constrangimento ilegal, pois não houve justa causa para a realização da busca pessoal, porque
apoiada em percepções subjetivas dos policiais, em afronta aos arts. 240, §2º e 244, ambos do
Código de Processo Penal, de modo que deve ser declarada a nulidade da prova dela decorrente.
Requer, ao final:

“estando ausente qualquer circunstância de flagrante, visível e evidente, que


permitisse a atuação dos policiais, as provas oriundas de tais práticas são
patentemente ilícitas e, portanto, devem ser consideradas nulas, nos termos do artigo
157, do Código de Processo Penal. E, consequentemente, impositiva a revogação da
prisão preventiva, pois não estão presentes quaisquer requisitos autorizadores para tal
medida extrema.” (e-STJ, fls.14).

O pedido em sede liminar foi indeferido (e-STJ, fl. 68).


O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do writ, mas pela
concessão da ordem, de ofício, para que seja reconhecida a nulidade da busca pessoal na espécie,
com o consequente trancamento do feito e revogação da preventiva (e-STJ, fls. 74-83).

Documento eletrônico VDA36065079 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
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Publicação no DJe/STJ nº 3611 de 11/04/2023. Código de Controle do Documento: 8078b4ce-84a1-45db-9226-a020470e2b2a
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É o relatório.
Decido.
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior,
julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma,
Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe
habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não
conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no
ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de
flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
Quanto à nulidade arguida acerca da busca, assim consignou o acórdão impugnado:

“Inicialmente, ao contrário do que fundamentou o MM. Juízo de origem, o caso não


se amolda ao recente entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça (ilegalidade da
busca pessoal baseada unicamente em atitude suspeita), eis que, como se verá a
seguir, no caso em tela não houve qualquer irregularidade na ação dos policiais.
O artigo 244 do Código de Processo Penal dispõe que “A busca pessoal independerá
de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de
delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.
No caso, segundo os depoimentos que instruem o auto de prisão em flagrante, a
equipe policial [1] estava em patrulhamento por uma região conhecida por ser ponto
de venda de drogas e constatou que o réu, ao avistar a viatura, guardou um tubo
plástico em suas vestes e tentou se evadir do local, o que motivou fundada suspeita
sobre o seu comportamento (de que estivesse na posse de objeto que constitui corpo
de delito) e justificou a sua abordagem.
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A situação em exame, portanto, está em conformidade com a prevista no artigo 244


do Código de Processo Penal, pois a busca pessoal do réu decorreu da fundada
suspeita de posse de material ilícito, decorrente da conjugação de três elementos: (a)
estar em local conhecido por tráfico; (b) guardar um objeto em suas vestes ao avistar
a viatura; (c) tentativa de se evadir do local logo em seguida.
E, em busca pessoal, a equipe policial localizou com o ora recorrido: 14 pinos de
cocaína, com peso aproximado de 8 gramas; 9 pedras de crack, com peso aproximado
de 1 grama; 1 invólucro com maconha, com peso aproximado de 1 grama. Além
disso, no local de onde o ora recorrido saiu ao avistar a viatura, localizaram 109
pedras de crack, com peso aproximado de 18 gramas. Portanto, não se verifica
qualquer irregularidade na ação dos policiais." (e-fls. 38-39).

Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, quanto à realização de busca


pessoal, o próprio § 2º do art. 240 do CPP consagra que é necessária a presença de fundada
suspeita para que seja autorizada a medida invasiva, padecendo de razoabilidade e de concretude
a abordagem de indivíduo tão somente por ser conhecido pelo prévio envolvimento delitivo e
pelo subjetivo argumento de estar em "atitude suspeita".
Confira-se:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA


DE FUNDADAS RAZÕES. FLAGRANTE AMPARADO EM ELEMENTOS
SUBJETIVOS. ILEGALIDADE POR ILICITUDE DAS PROVAS. ABSOLVIÇÃO.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, quanto à realização de busca
pessoal, o próprio § 2º do art. 240 do CPP consagra que é necessária a presença de
fundada suspeita para que seja autorizada a medida invasiva, padecendo de
razoabilidade e de concretude a abordagem de indivíduo tão somente por ser

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(e-STJ Fl.87)

conhecido pelo prévio envolvimento delitivo e pelo subjetivo argumento de estar em


"atitude suspeita".
2. Se não amparada pela legislação, a revista pessoal, que foi realizada apenas com
base em parâmetros subjetivos dos agentes policiais, sem a indicação de dado
concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva,
vislumbra-se a ilicitude da prova, e das dela decorrentes, nos termos do art. 157,
caput, e § 1º, do CPP.
3. No caso, o Tribunal de origem entendeu que a busca pessoal realizada na paciente
ocorreu de modo regular, pois havia fundada suspeita de prática delituosa, uma vez
que "a acusada estava sentada em um banco na rodoviária de Presidente Prudente SP,
quando, ao perceber a aproximação dos policiais militares, esboçou uma reação
estranha e demonstrou nervosismo, o que levantou suspeita. Realizada a abordagem
de Jéssica, ela prontamente confessou aos policiais que trazia tabletes de maconha
dentro de um travesseiro. [...] Contudo, no interior do mencionado travesseiro, havia
seis tabletes de maconha, totalizando 6kgs". Do contexto fático delineado pelas
instâncias ordinárias, vislumbra-se a inexistência de elementos concretos que
pudessem evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não tendo sido demonstrada a
existência de investigações prévias e de fundadas razões para a busca pessoal.
4. Habeas corpus concedido para reconhecer a nulidade das provas obtidas mediante
busca pessoal, bem como das provas derivadas, e absolver a paciente das imputações
trazidas na denúncia (art. 386, VII, do CPP), determinando-lhe a soltura incontinenti
(se encarcerada), se por outro motivo não estiver presa.”
(HC n. 791.754/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do
TJDFT), Sexta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 17/3/2023.)

No caso, o tribunal de origem consignou que os policiais realizavam patrulhamento


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ostensivo quando avistaram o ora paciente, que, ao perceber a presença da viatura, guardou um
tubo plástico nas vestes e tentou se evadir do local. Tal elemento, porém, não é suficiente, por si
só, para justificativa a revista pessoal, ensejada por desconfiança baseada em intuição ou palpite,
até porque, no caso, não foi citado qualquer outro elemento capaz de despertar suspeitas
concretas dos agentes públicos.
Tendo em vista que todo o elemento informativo para subsidiar a denúncia foi
colhido a partir da busca pessoal (e-STJ, fl. 17), não pode subsistir o processo penal no qual se
apura a conduta decorrente desta busca pessoal maculada e, por conseguinte, a prisão preventiva
em si.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo, contudo, de ofício, a
ordem do habeas corpus para anular as provas colhidas na busca pessoal, determinando-se o
trancamento do processo penal e relaxamento da prisão preventiva do paciente.
Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 03 de abril de 2023.

Ministro Ribeiro Dantas


Relator

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