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04/08/2022 08:53 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE


   
ACÓRDÃO: 202223371
RECURSO: Apelação Criminal
PROCESSO: 202200303591
RELATOR: ANA LÚCIA FREIRE DE A. DOS ANJOS
Defensor Público: EDGAR PATROCINIO DOS
APELANTE C.A.
SANTOS JUNIOR
APELADO M.P.D.E.D.S.
 

EMENTA
 
APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO
DE VULNERÁVEL (ARTIGO 217-A
DO CÓDIGO PENAL) – RECURSO
INTERPOSTO PELA DEFESA –
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO –
PERTINÊNCIA – CONQUANTO
TENHA SIDO CONSTATADO
OBJETIVAMENTE O
COMPORTAMENTO CAPITULADO NO
ARTIGO 217-A DO CP CONSISTENTE
NA PRÁTICA DE ATO SEXUAL COM
MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS,
NÃO SE VISLUMBROU TIPICIDADE
MATERIAL NESTE CASO CONCRETO,
DIANTE DAS SUAS
PARTICULARIDADES –
IRRELEVÂNCIA SOCIAL DO FATO
QUE AFASTA NECESSIDADE DE
SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA -
EXCEÇÃO “ROMEU E JULIETA” –
RÉU, ORA RECORRENTE, QUE
MANTEVE RELACIONAMENTO
(CONVIVERAM) COM A VÍTIMA
INICIADO QUANDO A MESMA
POSSUIA 13 (TREZE) ANOS DE
IDADE, TENDO A REFERIDA
SITUAÇÃO PERDURADO ATÉ OS
DIAS ATUAIS, TENDO O CASAL
CONVIVIDO NA CASA COM
GENITORES DO RÉU E COM O
CONSENTIMENTO DA MÃE DA
VÍTIMA – AUSÊNCIA DE
OFENSIVIDADE – PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS EM
SITUAÇÕES ANÁLOGAS À
DESTES AUTOS – RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO –
DECISÃO UNÂNIME.

ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes da Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, conhecer do recurso, para lhe dar provimento, em
conformidade com o relatório e o voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.

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04/08/2022 08:53 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

Aracaju/SE, 15 de Julho de 2022.

DESA. ANA LÚCIA FREIRE DE A. DOS ANJOS


RELATOR

RELATÓRIO
 
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE ofereceu Denúncia em desfavor de C.A., filho de
Maria Lúcia da Conceição, qualificado nos autos, imputando-lhe a prática dos delitos tipificados nos art.
148, §1º, inciso IV, e art. 217-A, c/c art. 71, e 304 do CPB, todos c/c o art. 69.

Consta da peça exordial acusatória “que, no  dia  07  de  outubro  de  2020,  no Loteamento  Japuí  II,
  na  Vila  de  Márcia  do  Ouro,  S/N,  Povoado  Pedra  Branca,  o  denunciado CLEITON ALVES foi
flagrado ao manter em cárcere privado a vulnerável e adolescente G. da C.S.  S.,  além  de  forma 
contínua,  ter  praticado  conjunções  carnais  contra  a  mesmal,  sem  o  seu consentimento por
expressivo lapso temporal, tendo, ainda, feito uso de documento de identidade falso no decorrer da
abordagem policial.”

Denúncia recebida em 22/10/2020, fl. 162.

Resposta a acusação, fl. 182/188.

Em Audiência de instrução e julgamento, foram colhidos os depoimentos da vítima e das testemunhas e


interrogado o réu (266/267, 282 e 310/311).

Laudo papiloscópico fl. 285/294.

Alegações finais acusação e defesa, fl. 318/336 e 339/384.

Em sentença (fls.393/399), o magistrado a quo julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva do


Estado, condenando o ora apelante como incurso no art. 217-A cumulado com art. 65, inciso III, alínea
d, e art. 61, inciso I, todos do CP, arbitrando comoreprimenda definitiva a sanção de08 (oito) anos de
reclusão, a serem cumpridos em regime inicialmente fechado, por força do disposto ao art. 33, §2º, “b”
do CP.

Embargos de declaração rejeitados as fl. 429/430.

Inconformada com o decisum, a defesa interpôs a presente Apelação Criminal (fls.436) e, em suas
razões recursais, manifestou pela reforma da sentença, argumentando que o denunciado incorreu em
erro de proibição inevitável, pois tendo etnia cigana, crescido nessa cultura e ainda analfabeto, não tinha
entendimento da ilicitude de sua ato. Aduz que vendo de família cigana é normalizado o casamento com
meninas a partir dos 12 anos. Diz que ignorar a cultura de pessoas que vivem como nômades e sem
acesso a informação mostra um elitismo da justiça que ignora realidades diversas. Subsidiariamente,
requer a aplicação na dosimetria de pena do art. 21 do CP, acaso entenda que é um erro evitável com
consequente alteração do regime de pena. 

Contrarrazões do Ministério Público pelo parcial provimento do apelo com aplicação do art. 21, parágrafo
único do CP.

A Procuradoria de Justiça em seu parecer manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o Relatório.

À Revisão.
VOTO
 

DESEMBARGADORA ANA LÚCIA FREIRE DE ALMEIDA DOS ANJOS (Relatora):

Trata-se de Apelação Criminal interposta por C.A. contra sentença penal condenatória que lhe atribuiu a
prática de conduta tipificada no art. 217–A, cumulado com art. 65, inciso III, alínea d, e art. 61, inciso I,
todos do CP, arbitrando como reprimenda definitiva a sanção de 08 (oito) anos de reclusão.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, passo à análise do recurso interposto.

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Inexistindo preliminares a serem arguidas, passo a análise do mérito da insurgência.

Alega a defesaque o denunciado incorreu em erro de proibição inevitável, pois tendo etnia cigana,
crescido nessa cultura e ainda analfabeto, não tinha entendimento da ilicitude de seu ato.

Da análise das provas vê-se que o acusado, tinha vasto conhecimento da idade da vítima e a simples
alegação de que não sabia ser tal conduta ilícita, não afasta o dolo do agente que, mesmo sabendo ser a
vítima menor de 14 anos, manteve com esta relações sexuais e conviviam juntos.

Vejamos os depoimentos das testemunhas e afirmação do réu, extraídos da sentença e disponíveis junto
ao SCPV, que corroboram tal fato:

Gilvando Ferreira da Silva - “(...)Que a relação da vítima era de casal com o réu. Que a vítima
comentou conviver com o réu desde os 13 anos de idade. Que perguntaram a vítima quanto
tempo ela estava lá e esta informou estar morando há alguns meses. Que ela informou ter
passado a morar com 13 anos, bem como se relacionar(...)”.

Maria Lúcia da Conceição (mãe do réu) – “(...)Que o réu realmente conviveu com a vítima
durante esse tempo, junto a ela. (...)Que a vítima tinha 13 anos. Que a vítima conviveu a partir
dos 13 anos. Que a mãe permitiu que o  réu  e  a  vítima  morassem  juntos(...)Que  a  vítima 
passou  a  morar  com  o  réu  com  uns  13 anos, 13 anos e meio, por aí, já estando próximo
dos 14 anos(...)”.

Martha Maria Santos (mãe da vítima) – “(...)Que quando eles passaram a conviver, viviam
bem. Que na época a filha estava com 13 anos. Que a vítima foi morar com o marido. Que
permitiu que a filha morasse com o réu tão nova. Que permitiu porque a vítima quis. Que
aceitou que a vítima morasse com o réu, pois estava tudo certinho. Que convivem há dois
anos(...)”.

Aliás, o próprio réu confirmou que convive com a Gabriela há 02 anos e 04 meses, e que
tiveram relações sexuais mesmo quando ela tinha menos de 14 anos de idade.

O fato da vítima ter consentido com a relação, não torna formalmente atípica a conduta do réu que
mantinha relação afetiva com a menor.

Destaco, contudo, que a controvérsia sobre a relevância ou não da existência de relacionamento


amoroso ou consentimento na realização de ato sexual entre maior de idade e menor de 14 (catorze)
anos ensejou, ao longo dos anos, variados julgamentos realizados nos tribunais pátrios, ora reputando
irrelevantes tais premissas, prevalecendo a presunção de violência, ora afastando a tipicidade material a
partir do critério de ausência de ofensividade em situações excepcionais de existência de relacionamento
duradouro, constituição de família etc. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal
de Justiça também oscilou entre as diferentes vertentes jurisprudenciais.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tornou a discutir o tema e estabeleceu a possibilidade de


eventual absolvição do réu, a depender da verificação criteriosa de cada caso concreto, se restar
observada a ausência de preservação do interesse da vítima e se a condenação não se harmonizar com a
proteção desta, nos termos do seguinte precedente:

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.


CRIME COMETIDO QUANDO O AUTOR TINHA 19 E A VÍTIMA 13 ANOS DE IDADE. SÚMULA
593/STJ. IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO OU DA EXPERIÊNCIA SEXUAL ANTERIOR.
IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE IMPOSIÇÃO DE PENA, DIANTEDA

Í É
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EXCEPCIONALÍSSIMA SITUAÇÃO DOS AUTOS. NAMORO ENTRE RÉU E VÍTIMA QUE


TEVE CONTINUIDADE, CULMINANDO EM SEU CASAMENTO (QUANDO JÁ ADULTA A
OFENDIDA). FAMÍLIA CONSTITUÍDA, COM DOIS FILHOS. NECESSIDADE DE PRESERVAR A
ESCOLHA FEITA LIVREMENTE PELA OFENDIDA, COMO FORMA DE EVITAR SUA VITIMIZAÇÃO
SECUNDÁRIA. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. O
réu I L D, à época com 19 anos de idade e padrasto da vítima C A C, manteve com ela relações
sexuais no período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013. Em decorrência destes fatos, C A
C, que tinha então 13 anos de idade, engravidou e deu à luz uma filha. 2. Nos termos da
Súmula 593/STJ, o consentimento da vítima e sua experiência sexual prévia não afastam o
crime do art. 217-A do CP. O caso concreto, todavia, possui peculiaridades que impedem a
aplicação do enunciado sumular para impor, automaticamente, a condenação do recorrido. 3. O
namoro entre réu e vítima teve continuidade, já depois de a moça atingir a idade permitida pela
legislação, culminando em seu casamento. Posteriormente, desta união foi gerado um segundo
filho, de modo que existe uma unidade familiar constituída livremente pela ofendida, quando
esta já tinha idade para consentir. 4. A vitimização secundária consiste no sofrimento imposto à
vítima de um crime pelo aparato estatal sancionador, por deixar de considerar seus anseios e
sua dignidade enquanto pessoa humana. 5. Impor a pena de reclusão ao recorrido constituiria,
na prática, em nova vitimização da ofendida. Esta, uma jovem moça com atualmente 21 anos,
seria deixada com a hercúlea tarefa de educar e sustentar, sozinha, dois filhos pequenos, sem o
apoio de seu marido. 6. Configura verdadeira contradição causar à vítima um sofrimento
desta natureza, colocando sobre seus ombros tão pesada missão, quando o objetivo
da norma penal é justamente protegê-la. 7. Não se propõe a superação da Súmula 593/STJ
(tampouco da tese repetitiva firmada pela Terceira Seção no julgamento do REsp 1.480.881/PI),
mas apenas se reconhece distinção entre a situação tratada pelo enunciado sumular e a
excepcionalíssima hipótese dos autos, a reclamar tratamento jurídico diferenciado que preserve
a liberdade de escolha da vítima e a família por ela constituída. 8. Agravo conhecido para negar
provimento ao recurso especial.” (STJ, AResp Nº 1.555.030/GO, Relator: Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18.05.2021, DJe 21.05.2021). (sem grifo no original)

Este Tribunal de Justiça, na mesma esteira, também já admitiu exceção ao entendimento outrora firmado
na Súmula 593 do STJ:

“REVISÃO CRIMINAL – Crime de Estupro de Vulnerável – Condenação – Alegação de nulidade


da ação penal por inimputabilidade decorrente da menoridade do réu ao tempo dos fatos –
Rejeitada – Prova nova – Justificação criminal – Réu que namorou a vítima e constituiu
família gerando um filho – Erro de Tipo – Irrelevância social do fato (Precedente do
STJ) – Exceção Romeu e Julieta – Reiteração do pleito revisional – Possibilidade – Absolvição
do Autor do crime que lhe foi imputado – Revisão criminal procedente – Absolvição do Réu –
 Decisão por maioria.   - Quanto ao pleito de nulidade da ação penal decorrente da menoridade
do Réu ao tempo dos fatos o mesmo deve ser rejeitado porque ficou atestado nos autos que o
Requerente nasceu no dia 26/06/1996, tornando-se maior de idade no dia 26/06/2014 e que
manteve relação sexual com a vítima no segundo semestre de 2014, prolongando-se até o
início de 2015.   - Houve uma revisão criminal anterior (nº 201800105376) que foi rejeitada
porque foi considerado que não houve a juntada de qualquer documento novo com a Inicial.
Nesta revisão que se aprecia o pleito é outro e vem amparado em novas provas que foram
produzidas em Justificação Criminal, além de fotografias. Por consequência, é plenamente
possível o pleito revisional com a nova roupagem, sem qualquer atrelamento ao julgamento da
ação de revisão criminal anterior.   - ERRO DE TIPO. É necessário que se observe que restou
provado o erro de tipo cometido pelo Requerente, pois não imaginou que a vítima tivesse
menos de 14 anos, em razão da sua compleição física, conforme as fotos que retratam que a
jovem, realmente, aparentava ter uma idade maior do que a que dispunha. Diga-se, ainda, que,
na audiência de justificação, a vítima disse que o acusado não sabia a sua verdadeira idade (e
que aparentava ter 16 anos) e quando o mesmo soube dos fatos, acabou o relacionamento
amoroso, o que gerou motivação para a sua genitora levar o fato ao conhecimento da
autoridade policial.   - IRRELEVÂNCIA SOCIAL DO FATO. A Constituição Federal traz o
Princípio da Proteção Integral à Família entalhado no art. 226. Essa proteção
constitucional não permite a condenação ou a apenação de um cidadão que praticou
crime sem violência, ao contrário, foi criminoso com amor, dividiu o lençol com a
vítima, juraram o enlace e tiveram um filho. Apenar o Requerente, é punir a vítima e, mais
ainda, punir o filho de ambos.   - O caso trata de dois jovens namorados, cujo relacionamento
foi aprovado pela mãe da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar.
A condenação de um jovem de 18 anos, que não oferece nenhum risco à sociedade, ao
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cumprimento de uma pena de 13 anos de reclusão, revela uma completa subversão do direito
penal, em afronta aos princípios fundamentais mais basilares, em rota de colisão direta com o
princípio da dignidade humana. A manutenção da pena privativa de liberdade do
recorrente, em processo no qual a pretensão do órgão acusador se revela contrária
aos anseios da própria vítima, acabaria por deixar a jovem e o filho de ambos
desamparados não apenas materialmente, mas também emocionalmente,
desestruturando a entidade familiar constitucionalmente protegida. (REsp 1524494/RN
e AREsp 1555030/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/5/2021, DJe 21/5/2021).   - A
“Exceção de Romeu e Julieta” tem o escopo de ir ao encontro da chamada tipicidade material,
evolução doutrinária que exige não apenas a fria subsunção do fato à norma (tipicidade formal),
mas, mais que isso, exige que a lesão ao bem jurídico tutelado seja considerável, devendo ser
levado em consideração para tanto a vontade do legislador. No caso dos autos, por certo, a
vontade legal não é o esfacelamento da entidade familiar e o desamparo da vítima e do filho
menor do casal.” (TJ/SE – Revisão Criminal Nº 202100123013 Nº único: 0009635-
03.2021.8.25.0000 - TRIBUNAL PLENO – Rel. Desembargador Ricardo Múcio Santana de A.
Lima - Julgado em 17/11//2021 – Publicado no DJE/SE em 25/11/2021) (sem grifo no
original)

Nesse contexto, considero pertinente o exame das particularidades do presente caso concreto.

Saliento que no depoimento da vítima e da mãe desta foi ressaltado que, em que pese a idade da vítima,
foi permitido o relacionamento com o réu, não visualizando elas nenhum problema com relação a tal
conduta.

A mãe da vítima afirmou que permitiu o relacionamento, que eles viviam bem e que a filha a visitava
constantemente, não vendo qualquer problema com o relacionamento da filha com o acusado.

 A vítima, por sua vez, detalhou em juízo que:

“Que tem 15 anos. Que está em juízo para falar sobre o caso do seu marido. Que teve relação
com um outro rapaz, ai o rapaz deixou ela jogada na rua me Laranjeiras. Que o
marido ficou atrás dela, porque ficou preocupado porque ela fugiu. Que ele e a sogra
ficaram procurando por ela, ai eles a acharam e ala pensou que ele ia fazer alguma
coisa com ela, mas ele não fez, apenas levou ela para casa. Que ela tava toda suja e
com os cabelos assanhados e quando ele chegou em casa não fez nada com ela. Que
mandou ela tomar banho e vestir a roupa, e beber um litro de agua. Que foi a
delegacia porque pensou que ele ia fazer alguma coisa com ela, mas graças a Deus ele
não fez. Que só foi na delegacia porque ficou com medo, mas até esse exato momento
ele não fez nada com ela. Que ele foi preso, porque ela com a cabeça cheia falou. Que ela
disse a mãe que ele não batia nela e nem mantinha em cárcere privado. Que ele ia na casa
da mãe sempre que queria e ele não impedia. Que moravam de barraco e a mãe dele,
o pai e as irmãs tratavam ela bem. Que ele nunca tocou a mão nela e se disser que
tocou vai tá mentindo. O que disse na delegacia foi porque tava com a mente cheia,
pensando que ele ia fazer alguma coisa e ai falou uma coisa em cima da outra. Que na
delegacia disse que ele não deixava ela sair de casa, mas foi porque tava com a cabeça cheia.
Que do medo ela gerou muitas coisa, mas graças a Deus ele não fez nada. Que tinha medo
porque naquele exato momento que fugiu com o cara, ai eu passei cinco dias na rua e
quando ele me achou eu pensei que ele ia fazer alguma coisa comigo. (Ruído do som
na gravação - inaudível). Que ela tinha traído ele, ai ficou com medo. Que convive
com ele a dois anos, porque a mãe liberou. Que antes dele já tinha casado com duas
pessoas antes. Que a mãe liberou para morar com ele e ele foi pedi na porta
direitinho. Que eles namoraram e depois ele chamou para morar com ele e minha mãe
deixou. Que ele e a mãe foram me procurar quando estava em Laranjeiras. Que ela tinha
fugido com o rapaz de Laranjeiras, por isso tava lá. Que ele levou ela de volta para casa e
tratou ela bem. Que no outro dia eles foram para casa da mãe dela e quando voltaram
aconteceu esse negócio. Que ela foi na delegacia porque estava com medo dele fazer alguma
coisa, mas ele não fez nada com ela. Que se disser que ele fez alguma coisa esta
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mentindo. Que o que falou na delegacia foi mentira, coisa da mente dela com medo.
Que ele tá preso lá inocente. Que ele não era ignorante e nunca bateu nela, nem deixou ela
trancada em casa. (ruído do som da gravação - inaudível). Que quer que tire a queixa dele,
porque ele tá preso inocente.   Que mentiu lá na delegacia, e ninguém pediu para ela
mudar a história agora não e que veio falar agora porque mentiu antes, ninguém
entrou na mente dela não. Lá mentiu foi porque tava enraivada e tinha traído ele.
(ruído do som da gravação – inaudível). Que tava presente quando Cleiton foi preso, mas não
conversou com nenhum policial. Que ele tá preso inocente. Que na delegacia falou porque tava
com a mente muito cheia e agora ta dizendo que mentiu, ele não fazia na com ela e tratava ela
bem. Que tinha 13 anos quando começou a relação. Que no começo só ficava nos
amassinhos e só quando foi morar com ele foi que teve relação. Que quando foi morar
com ele faltava um mês para fazer 14 anos.”

Do interrogatório do réu vê-se que se trata de homem de pouca instrução, não demonstrando em seu
depoimento qualquer intenção de dissimular os fatos, afirmando que ele e a vítima conviviam bem.

O Promotor de Justiça atuante no 1º grau vislumbrou a existência de erro de proibição indireto, já que o
acusado sabia ser conduta típica, mas supôs presente causa permissiva, diante da etnia cigana, idade,
consentimento familiar e sua pouca instrução escolar.

A meu sentir, no caso dos autos, merece acolhida a pretensão recursal a partir da alegada atipicidade,
ora considerada como sendo “atipicidade material”, tendo em vista a valoração dos elementos deste caso
concreto como sendo indicativo de incompatibilidade entre o édito condenatório e o interesse da vítima
pretensamente protegida pelo Estado-juiz.

A vítima e sua genitora afirmam que o réu pediu esta em namoro e depois para morarem juntos, tudo
com o consentimento da genitora da vítima, que afirma que eles viviam bem e que aceitou que a filha
convivesse com ele, mesmo tendo 13 anos, porque ela queria e estava tudo certo.  

A importância do distinguishing reside exatamente na necessidade de se analisar o caso concreto e sua


relevância social, e não apenas a subsunção do fato ao tipo penal, no caso dos autos o réu é pessoa de
pouca instrução, não alfabetizado, de cultura cigana, sem acesso a ampla gama de informações, tendo
ido até a mãe da vítima, pedido ela em namoro e depois para que morassem juntos, tendo a genitora da
vítima permitido o relacionamento.  

Vide, por derradeiro, ementa de recente julgamento unânime realizado na Câmara Criminal desta Corte
em que restou reformada sentença condenatória proferida em situação análoga à destes autos:

APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO DE VULNERÁVEL – ART. 217-A, DO CÓDIGO PENAL –


RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA – TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA EM RAZÃO DO
CONSENTIMENTO DA VÍTIMA E DO CONHECIMENTO DO FATO PELOS GENITORES DESTA –
ACOLHIMENTO – APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO ROMEU E JULIETA (ROMEO AND JULIET LAW) –
DIFERENÇA PEQUENA ENTRE A IDADE DA VÍTIMA (13 ANOS) E DO RÉU (18 ANOS) NA DATA
DO FATO – RELACIONAMENTO AMOROSO HAVIDO ENTRE AS PARTES – VÍTIMA E RÉU
QUE CONVIVERAM COMO SE CASADOS FOSSEM NA CASA DOS PAIS DESTE, SOB O
CONSENTIMENTO DE AMBOS – PAIS DA VÍTIMA QUE TINHAM CONHECIMENTO DA
RELAÇÃO AMOROSA, INCLUSIVE NÃO SE OPUSERAM AO FATO DE A MENOR IR
CONVIVER COM O ACUSADO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE –
IRRELEVÂNCIA SOCIAL DO FATO – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – SENTENÇA
REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

- As circunstâncias do fato revelam que a vítima e o Réu conviveram maritalmente, como se


casados fossem, mantendo um relacionamento amoroso, não havendo oposição por parte dos
pais da vítima;
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- Aliado a isso, não se mostra adequado a punição do agente, réu primário, sem
antecedentes, ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade no montante de 08
(oito) anos em regime semiaberto, por afronta aos princípios fundamentais previstos
na Carta Magna, mormente da dignidade da pessoa humana;

- A Exceção de Romeu e Julieta analisa o fato não fazendo a subsunção deste à norma penal
fria e literal, mas analisando as circunstâncias do ato a fim de verificar se a conduta praticada
pelo agente é típica.

(TJ/SE – ACrim 202100337318 – Câmara Criminal – Rel. Desembargador Osório de Araújo


Ramos Filho – DJE/SE 20/05/2022) (sem grifo no original)

Ante o exposto, conheço do recurso, para lhe dar provimento, reformando a sentença recorrida para
absolver o réu C.A. da imputação do crime tipificado no artigo 217-A do CP, determinando-se, ainda, que
seja encaminhado expediente de comunicação ao Juízo das Execuções Penais a fim de que tome
conhecimento deste julgamento, nos termos do artigo 1º, Parágrafo único da Resolução nº 113/2010 do
CNJ, com redação conferida pela Resolução nº 237/2016 do referido Conselho.

Por conseguinte, revogo a prisão preventiva do réu, devendo ser expedido o alvará de soltura, se por
outro motivo não estiver preso.

É como voto.

Aracaju/SE, 15 de Julho de 2022.


 
DESA.
ANA LÚCIA FREIRE DE A. DOS ANJOS
RELATOR

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