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1 HISTÓRICO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.

Refazendo o caminho histórico, percebemos que a humanidade demorou para


compreender e aceitar a pessoa com deficiência. Luzes e sombras marcam
esses períodos. Desde a “coerência” no abandono por causa da sobrevivência
no período pré-histórico, segundo Ottor (2009, p.25), até a seleção e morte
pelos Espartanos e o abandono e rejeição por conta da “Forma Humana” no
direito romano. A pessoa com deficiência sempre esteve na contramão da
sociedade. A antiguidade apresentou como uma visão mais humanizada,
apenas no Egito. Pessoas com nanismo trabalhavam para autos funcionários e
tinham tratamento diferenciado. Papiros e algumas múmias encontradas
próximas das pirâmides expressam o valor que essas pessoas possuíam.

Na cidade de Esparta existia uma comissão para decidir o destino da criança


com deficiência. Sendo bela e forte voltava até os sete anos ao seio da família
e depois era entregue ao treinamento para a guerra; sendo considerada feia,
disforme e franzina a mesma era sacrificada pelo líder sendo ela arremessada
do monte Apothenai, que significa depósito, nas proximidades de Esparta. O
filósofo Platão na sua obra a República nos diz:

“Pegarão então nos filhos dos homens superiores, e levá-los-


ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num
bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos
outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e
oculto, como convém.” (GUGEL : 2007, p. 63).

Ainda o grande filósofo Aristóteles, não preservava uma boa visão sobre a
pessoa com deficiência. No seu livro “A Política” apresenta a seguinte visão:

“Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver


uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada;
com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das
cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver
um dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um
filho contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o
aborto antes que comecem as sensações e a vida (a legalidade
ou ilegalidade do aborto será definida pelo critério de haver ou
não sensação e vida).”(GUGEL : 2007, p. 63).

O mais discrepante dessa visão é o fato que o grande poeta e influenciador


grego Homero, autor da Ilíada e da Odisseia, era cego. Entre os personagens
criou Hefesto, o ferreiro divino. Rejeitado por sua mãe Hera por ter as pernas
atrofiadas, foi retirado por Zeus do Olímpo (morada dos deuses) para a terra.
Demonstrou grande habilidade na metalúrgica e artes manuais além de ter
casado com Afrodite e Atena. O próprio talento de Homero relata aquilo que
falaremos adiante sobre os valores criativos presentes na Logoterapia.

Em Roma existia no direito a “Formula Humana” que descrevia o recém-


nascido associado à forma de animal (seres Híbridos). O motivo dessa “forma”,
seria por conta de uma possível relação sexual entre uma mulher e um animal.
Por exemplo, a acefalia era considerada como mostros, por essa lei. Segundo
Ottor (2009) os mesmos abandonavam essas crianças nas proximidades dos
rios, muitos trabalharam como esmoles, os rapazes com cegueira nos navios
remando e no caso das meninas, principalmente com deficiência visual, nos
prostíbulos.

O advento do cristianismo e sua abordagem e mensagem de amor ao próximo,


começa uma mudança em relação à visão da pessoa com deficiência. Também
nesse período que por influencia da Igreja Católica surgiram os primeiros
hospitais e organizações destinados ao atendimento dos pobres, deficientes,
abandonados e doentes graves ou crônicos. As lutas entre cristãos e os
sarracenos foi outro fator de ação sobre a pessoa com deficiência,
principalmente a deficiência visual, muitos prisioneiros cristãos tinham seus
olhos perfurados pelos inimigos e ao voltarem para casa precisavam de
cuidados (conta-se que Luis IX teve os olhos perfurados - o que é ainda
contestado por alguns autores) e consequentemente Maranhão (2009): “[...]
destaca-se a fundação do primeiro hospital para pessoas cegas, criado por
Luiz IX (1214-1270). O chamado Hospice des Quinze-Vingts oferecia moradia e
alimentação a aproximadamente 300 cegos.”

Os combates bélicos apesar de sempre serem prejudiciais a qualquer nação


trouxeram a essas pessoas pequenos progressos: fundação do primeiro
hospital para pessoas cegas, criado por Luiz IX (1214-1270) por conta da luta
entre cristãos e sarracenos – que os cegavam. Com Napoleão Bonaparte e seu
oficial Charles Barbier, criou um código de mensagens para serem
decodificadas durante as batalhas. A ideia não se adequou a estratégia militar,
porém o brilhante aluno do Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris Louis
Braille (1809-1852) aos quatorze anos reformulou o código de Barbier, criando
a escrita Braille.

Os períodos das duas grandes guerras também proporcionaram tanto a


intolerância e extermínio em massa da pessoa com deficiência, como também
gerou a preocupação e a atenção voltada à sua inclusão e tratamento no
contexto do que foi pensado nas Nações Unidas (ONU). Em seu artigo primeiro
(Declaração Universal dos Direitos do Homem – 1948), que expressa à
igualdade e a liberdade de todas as pessoas, também implicam e devem
alcançar os indivíduos com deficiência. Fazendo necessário em 2006 a mesma
instituição promover um debate sobre o tema dessas pessoas com a
Conversão sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência a garantia da
completude do que foi elaborado em 1948, principalmente para todo tipo de
deficiência de natureza física, intelectual ou sensorial, buscando sua plena
participação no âmbito da sociedade. Kroeff (2012 apud ONU ,2006)
nessa convenção da ONU, ficou consagrada uma nova terminologia para
referir-se às pessoas com limitações: “Pessoas com Deficiência.”

Diante desse histórico, podemos relacionar as dificuldades da pessoa com


deficiência com a Busca de Sentido proposta pela Logoterapia? É possível que
uma prática fora da Logoterapia possa dialogar com seus conceitos? A
Logoeducação e sua pedagogia são capazes de afinar a consciência dessas
pessoas?

Kroeff (2012, p. 22) aborda que a deficiência interfere na dimensão psicofísica


da pessoa, podendo atingir uma ou ambas as referidas dimensões. A família
também é desafiada em relação à pessoa com deficiência, o nascimento de um
filho move todo o ambiente familiar e da comunidade que ela participa. A vinda
da criança com deficiência afeta a vida do casal, como algo desconfortável e
em alguns casos até trágico.
Kroeff (1987, p.77), reforça que quando a deficiência é congênita, a aceitação é
melhor, porém se é adquirida a ofuscação do sentido torna-se ainda maior
devido às expectativas que são colocadas sobre a criança e seu futuro
promissor. Pessoas com deficiência, podem se eximir da responsabilidade em
relação à resposta ao sentido. A conscientização e cooperação dos familiares e
dos profissionais são de suma importância. O papel da educação é
fundamental, assim afirma Frankl (1970, p.69): “[...] a mais importante tarefa da
educação [...] é refinar aquela capacidade que permite ao homem descobrir
significados singulares.”. Kroeff (2012,p.39) citando Buscaglia (1993) menciona
o quanto é importante uma ação da família nos primeiros momentos de vida em
relação a criança com deficiência:

“[...] é nesse momento que receberão ajuda para formar


atitudes básicas em relação à sua ótica futura –
otimismo/pessimismo,amor/ódio,crescimento/apatia,segurança/
frustração,alegria/desespero – e ao aprendizado em geral. É
vital, portanto, que os pais sejam conscientizados da
importância dos primeiros meses de vida e dos problemas e
ansiedades que podem criar.” (BUSCAGLIA, 1993, p.36)

Kroeff (2012) expõe que quanto maior a deficiência intelectual, menor será a
capacidade deste indivíduo de posicionar-se diante das decisões e respostas
ao sentido. É tendenciosa a tomada de decisão por parte dos profissionais e
familiares em razão da dificuldade na comunicação desse indivíduo, o que
seria um grande erro, pois segundo Frankl (2019, p.29): “O sentido não pode
ser dado, deve ser encontrado.” Nesses casos o que fazer? Kroeff (2012, p.28)
sugere para os parentes e os profissionais o seguinte questionamento: “[...]
Como posso manter, ampliar, estabelecer ou restabelecer possibilidades de
escolha (e, portanto, de responsabilidade) para essa pessoa? [...]”. A visão na
pessoa e não somente na deficiência é outro fator determinante no convívio e
atendimento à pessoa com deficiência. Finalizando a reflexão no capitulo sobre
o “Atendimento da pessoa com deficiência” assim explana Kroeff:

“[...] a contribuição maior da Logoterapia na área da deficiência


é a sua visão antropológica, a visão que a Logoterapia tem do
ser humano, de um ser único e irrepetível, ressaltando a sua
dignidade, sua vontade de sentido, sua liberdade e
responsabilidade, sua capacidade de autotranscendência e de
superação dos condicionamentos.” (KROEFF, 2012, p.31)

Uma pessoa com deficiência tem como responder a este sentido? Conforme os
conceitos da Logoterapia, principalmente o seu conceito antropológico, sim,
pois a sua visão antropológica de pessoa não é limitada às dimensões
Bio/Psicológica. O que não significa negar as referidas dimensões, como
também às circunstâncias de sofrimentos tanto congênitas quanto adquiridas
diante da deficiência. A liberdade para responder à vida e encontrar o sentido
sendo ela mesma responsável em fazer algo acontece através dos valores
(criativos, vivencial e principalmente de atitudes) as suas escolhas. É possível
ver esses conceitos presentes naquilo que é o ponto de observação deste
artigo, no Karate Adaptado. Ainda afirma Frankl (1997, p.36) diante da visão
antropológica da Logoterapia:

“[...] Inevitavelmente, a unidade do ser humano – unidade essa,


apesar da multiplicidade do corpo e da mente – não pode ser
achada em suas faces psicológica, nem biológica, mas deve
ser procurada em sua dimensão noológica, da qual o homem
foi, de inicio, projetado. (FRANL, 1997, p36)

2 A ANTROPOLOGIA FRANKLIANA FRENTE AO REDUCIONISMO DA


VISÃO DE PESSOA.

A Logoterapia, escola de psicoterapia criada pelo psiquiatra e neurologista


vienense, Viktor Emil Frankl (1905-1997), apresenta em sua visão
antropológica a afirmação de uma “autonomia da dimensão espiritual” frente
aos condicionamentos psicofísicos. Desta afirmação, decorre em sua teoria, o
“senso de responsabilidade”, ou seja, para Frankl (1967) o homem é, em sua
essência mais profunda um ser responsável. Lemos (2018, p.76) citando Frankl
(1994, p.65) expressa a visão de responsabilidade: “[...] uma responsabilidade
para levar à realização das possibilidades, em si transitórias, de realizar valores
, e, com isso, deposita algo de valor no passado, ou seja, no verdadeiro existir”
(FRANKL, 1994, p.65).

Frankl (2011, p.30) ao falar sobre as abordagens científicas, mostra que as


mesmas encontram-se fatiadas, ou seja, repleta de especialidades. O
especialista é alguém que: “[...] não mais vê a floresta da verdade, optando por
enxergar apenas as árvores dos fatos.". A subdivisão das especialidades,
tendem ao fechamento e a generalização de si mesmas o que segundo Frankl:

“No momento em que determinada ciência clama por


totalidade, a biologia se torna biologismo, a psicologia se torna
psicologismo, e a sociologia se transforma em sociologismo.
Em outras palavras, nesse exato momento, a ciência se
desfigura em ideologia. (FRANKL, 2011,p.32)

Freitas (2018, p.62) expressa que esse fechamento das abordagens,


principalmente na psicanálise, que reduz o ser humano ao plano do psicofísico
e o social limita-o sendo o mesmo: “incapaz de qualquer autoconfiguração,
indefeso diante das pressões internas exercidas pela psicodinâmica, e
externas, por meio da sociedade”.

Frankl (2017. p. 195), relata que a Logoterapia é um sistema aberto aponta em


duas direções: Voltada para o seu próprio processo de evolução e a outra em
cooperação com outras escolas. E é sobre este fundamento que desejamos
edificar os alicerces sobre a experiência já vivenciada desses conceitos com a
prática do Karate Adaptado no IBKA.

Freitas (2018, p.62) citando Frankl observa que uma visão de pessoa que
esteja incompleta, dividida, não representa o homem verdadeiro, apenas um:
“conjunto de reflexos e impulsos, uma marionete de reações e de instintos,
como um produto de herança, do ambiente e do meio social.” A essa
concepção em que a pessoa é reduzida aos condicionamentos, Frankl (2017,
p.15) realiza uma crítica à visão atomista da psicanálise do homem, que diante
de tal visão: “[...] a integridade da pessoa é destruída. Pode-se dizer que a
psicanálise despersonaliza o ser humano[...] destrói todo o unificado que é a
pessoa[...]” Contrapondo a essa concepção atomista, Frankl (2017, p.16),
substitui o automatismo de um aparelho psíquico pela autonomia da existência
espiritual. O ser humano que apesar dos condicionamentos é livre e
responsável.

Frankl não chegou a essa conclusão sozinho, dialogou com outros autores
para bem fundamentar seus conceitos e preservar a visão de homem de todo
reducionismo em face o pluralismo cientificista. Observou que nas teorias dos
pensadores Nicolai Hartmann e Max Scheler, Frankl foi construindo seu
conceito antropológico. Hartmann com sua Ontologia concebia o ser humano
sobre estratos (corpo, mente e espirito) em uma estrutura hierárquica aonde a
espiritual é o ápice das demais estruturas. A antropologia de Scheler concebe a
pessoa como camadas (psicológica, biológica e o eixo espiritual) sendo a
última a camada central. As referidas abordagens concebem o homem de
forma qualitativa. ¹

Frankl (2011, p.33) expressa que essas diferenças ontológicas se opõem e


citando Tomás de Aquino e sua colocação antropológica de homem como
“unitas multiplex”, ou seja, uma unidade na diversidade, Frankl a define como:
“[...] unidade apesar da multiplicidade.”. Sendo o homem encontrado, por mais
que existam essas multiplicidades, na dimensão nológica.

Miguez (2014, p.50) expõe que a analise existencial de Frankl é uma


orientação antropológica que mediante uma metodologia fenomenológica
investiga o homem além da sua facticidade. Seguindo a observação frankliana
o homem é: “[...] um ser incondicionado porque não esgota em sua
condicionalidade, porque nenhuma condição é capaz de defini-lo plenamente; a
condicionalidade o condiciona, mas não o constitui.”(Miguez 2014, apud
Frankl , 1994ª, p.83).

A visão antropológica da Logoterapia abre espaço para uma melhor


observação da libertação da visão reducionista sobre o ser humano, mostrando
que o mesmo é capaz de realizar um sentido na vida. A esta antropologia
nenhuma pessoa é descartada, pois não são as limitações físicas e os
condicionamentos psicológicos e sociais que determinam a pessoa humana. É
a sua existência na unidade, principalmente a dimensão espiritual que o
constitui e o torna capaz de encontrar o sentido.

6.3 DIMENSÃO NOÉTICA

Freitas (2018, p64) tratando do tema sobre a “Tridimensionalidade da Pessoa


Humana”, demostra que as dimensões Biológicas (presente nas plantas e nos
animais) e a Psicológica (apenas nos animais) também se encontram nos
seres humanos. Na pessoa humana pertence e a constitui a dimensão
existencial, espiritual e noética onde reside no homem: “[...] capacidade de
escolher e responder adequadamente à vida, a busca da realização de valores
e a vivência interior, somente nós, os seres humanos, possuímos. (Freitas,
2014, p.64)”.

O psicofísico não constitui a integralidade do ser humano, precisamos de um


terceiro dado: O espiritual. Dimensão esta que constitui a pessoa humana e
apresenta, como expõe Miguez: “sua característica mais típica, intima e
constitutiva.”( MIGUEZ, 2014, p.52). Em outras palavras:

“Não se trata de pensar, contudo, que o ser humano seja um


‘composto’ de corpo, alma (psique) e espírito. Tudo está
unificado pela dimensão espiritual. Essa unidade – totalidade
tridimensional só é possível porque fundada, integrada e
garantida pela pessoa espiritual.” (MIGUEZ, 2014, p. 54)
O espiritual contrapõe-se ao psicofísico em um dinamismo que Miguez (2014,
apud Frankl, p.56) chamou de: “antagonismo psiconoético” que é uma atitude
espiritual da própria pessoa frente ao condicionamento por ela sofrido. A
consciência diante dessas situações de adversidades e a liberdade e
responsabilidade em responder diante delas é o constitutivo mais humano,
noético, que a pessoa pode realizar. Miguez (2014, p57) a pessoa: “decide
assumir a própria existência e defini-la mediante um projeto de vida (que
aponta para o futuro)”.

A dimensão espiritual (noética) não pode adoecer, permanecendo intacta,


mesmo depois da perda da funcionalidade no psicofísico. Kroeff (2012) relata
que por mais que existam limitações, por meio dos valores (criativos, vivenciais
e atitudinais), principalmente os atitudinais, a pessoa com deficiência pode
decidir: “[...] a atitude que a pessoa assume frente a uma limitação em sua
vida, frente a um destino imodificável.” (Kroeff, 2012 p. 26).

A mais importante contribuição da Logoterapia é a sua crença na essência do


valor do ser humano e na sua dimensão espiritual, segundo reforça Kroeff
(2012, p22). E apesar das perdas causadas pela deficiência no psico/físico a
dignidade da pessoa jamais é atingida porque está inserida na dimensão
espiritual. A deficiência não tira a dignidade da pessoa por causa da sua
dimensão noética, porém a mesma pode mesmo nesta condição ser livre?
Kroeff responde:

“[...] A deficiência pode ser vista como uma condição que não
tira o sentido de vida de uma pessoa; antes, talvez, lhe
proporciona um novo sentido. A liberdade do indivíduo com
deficiência terá que referir-se a novos condicionamentos os
quais terá que enfrentar, buscando ultrapassá-los. Mas sua
liberdade permanecerá, assim como sua responsabilidade pela
orientação que der à sua vida.” (KROEFF, 2012, p.27)

6.4 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA É LIVRE E RESPONSAVEL.

A antropologia dimensional da Logoterapia expressa que o ser humano está


diante das condições biológicas, psicológicas e sociais. A dimensão espiritual é
que o constitui e a mesma exerce sobre as outras um antagonismo. Mediante
essa explicação o ser humano possui condicionamentos, mas não é um
condicionamento. Frankl expõe que o espiritual é o que é livre no ser humano:

“[...]Ele, como pessoa espiritual, não se confunde com o


organismo biopsiquico e com sua facticidade, mas se posiciona
diante dela, manifesta-se, e se expressa através de sua
facticidade. A pessoa é livre diante da sua facticidade e livre de
ser impulsionada de forma determinada, uma vez que os
impulsos no ser humano são sempre perpassados pela
liberdade[...] Ela se posiciona diante do seu próprio organismo.”
(MARINO, apud FRANKL ,2019, p.16)

Freitas (2018) aprofunda a visão de liberdade diante dos condicionamentos:

“Na medida em que ocorre a integração da personalidade, da


pessoa, em sua unidade bio-psiquco- noética, os impulsos e
instintos sã direcionados a sua intencionalidade. Não é
necessário ‘brigar’ com os instintos, mas dar-lhes a direção e a
intencionalidade que a liberdade responsável indicar. A
liberdade da pessoa deve permitir, caso seja necessário, dizer
não aos instintos, ou seja, a liberdade tem o poder de dirigir os
impulsos e os instintos para o sentido, para o bem, para a
felicidade.” (FREITAS , 2018, p.74)
Freitas (2018, p.74) debruçando-se sobe a liberdade, o dispõe sobre dois
aspectos: a liberdade “de” e a liberdade “para”. Baseada em Frankl (Freitas,
2018 apud Frankl 1998, 4) demonstra que a primeira é limitada pelos
condicionamentos biopsicosociais enquanto a segunda está ligada a um
posicionamento perante todas as condições e predisposições.

Frankl (1967, p.13) assegura que o homem consciente é livre em qualquer


situação, mesmo as mais trágicas e limitantes, sendo responsável para tomar
uma atitude frente a uma limitação. Reforçando a visão acima aborda Frankl:

“O homem é sua liberdade. Aquilo que apenas tem poderá


perder. A liberdade, porém, é característica permanente e
definitiva do homem. Mesmo que a ela renuncie, o próprio ato
dessa voluntária renúncia acontece na liberdade (FRANKL,
1990, p.118).”

Kroeff (2012,p28) expõe que quanto maior a deficiência intelectual, menor será
a capacidade deste indivíduo de posicionar-se diante das decisões e respostas
ao sentido. Nesses casos o que fazer? Kroeff (2012, p.28) sugere para os
parentes e os profissionais o seguinte questionamento: “[...] Como posso
manter, ampliar, estabelecer ou restabelecer possibilidades de escolha (e,
portanto, de responsabilidade) para essa pessoa? [...]”. A resposta diante
desse dilema encontra-se em como podemos manter, ampliar, estabelecer e
restabelecer a possibilidade de escolha para essa pessoa? A visão na pessoa
e não somente na deficiência é outro fator determinante no convívio e
atendimento à pessoa com deficiência.

Sobre o tema do sofrimento Kroeff (2012, p.29) aborda que é preciso restaurar
no ser humano a capacidade de sofrer o que o mesmo não é uma busca
irresponsável pelo sofrimento, mas conforme o autor: “[...] capacidade de
suportar aquele sofrimento que não pode ser afastado”. Não se pode negar o
fato da deficiência, porém a mesma não pode ser o centro da questão e sim
motivando a pessoa a encontrar o sentido e realizar valores apesar das
limitações causadas pela deficiência.

Brilhantemente Frankl (1997, p.14) demonstra que na Logoterapia até uma


doença incurável (como é o caso de algumas deficiências) constitui uma ação
terapêutica e que esse encontro entre o Logoterapêuta e o seu paciente torna-
se um encontro existencial (Frankl, 1997 p.14), único e que nem sempre
obedece a um padrão pré-estabelecido. Diante disso afirma Frankl:

“O ser humano não é completamente condicionado e


determinado; ele mesmo determina se cede aos
condicionamentos ou lhes resiste [...] pois uma das principais
características da existência humana está na capacidade de
elevar acima dessas condições, de crescer para além delas. “
KROEFF 2012, p73 apud FRANKL, 1991, p.112)
Diante do tema sobre a liberdade e o mesmo representa o primeiro pilar da
Logoterapia – Liberdade da Vontade. Miguez (2014, p.39) coloca a reflexão
sobre a questão sobre o antagonismo entre a necessidade e a liberdade. O
destino muitas vezes nos condiciona a certas necessidades e diante dos
mesmos parece quase inevitável superá-las. É a partir desse ponto que entra
em jogo a Liberdade da Vontade. Aparece outra categoria do espírito
fundamental do homem: o autodistanciamento. Expressa sobre o mesmo
Miguez:

“[...] O homem é livre para tomar posição perante qualquer


circunstância, como também perante si mesmo, em função
justamente dessa capacidade de distanciar-se da situação sem
diluir-se nela, ou distanciar-se do psicofísico sem identificar-se
com ele.” (MIGUEZ, 2014, p. 39)

O humor e o heroísmo constituem, segundo Frankl (2011, p.27), nossas


capacidades unicamente humanas. Esse autodistanciamento como vimos é a
disposição que a pessoa toma diante de uma situação e de si mesmo.
Corresponde uma atitude diante dos condicionamentos. O autodistanciamento
é possível para uma pessoa com deficiência? A esse respeito relata Kroeff:

“O autodistanciamento auxilia a pessoa com deficiência a não


ver exclusivamente que tem uma deficiência, mas ver
principalmente que é uma pessoa. Ou seja, não está ‘cego’
pelo que tem, que precisa ser levado em conta, mas que é
secundário, e centra-se em que é pessoa, sendo isso
essencial.[...]pois em se tratando de um porquê, em tendo em
mira um para quê, pode o homem ser mais forte do que as
circunstância externas e condições internas. Possui ele o poder
da obstinação contra elas, e, no espaço que o espirito lhe
reserva ele é livre.”(KROEFF, 2012,p.73 apud FRANKL 1999,
p.144)

6.5 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA É RESPONSÁVEL E


AUTOTRANSCENDENTE.
O homem é sempre orientado a algo, ou em direção a alguém. O mesmo é
interrogado e atraído por algo que está fora dele, conforme Frankl (2019, p.16).
Observamos que diante dos condicionamentos e das condições mais variadas
à pessoa é livre para decidir, porém essa decisão caracteriza uma resposta
que o tenciona para fora de si mesmo provocando uma responsabilidade sobre
a mesma. O que é essa responsabilidade?

Freitas (2018, p.75) demonstra que a responsabilidade significa: “responder


com habilidade, com assertividade, ao que a vida propõe.” Seguindo os passos
do fundador da Logoterapia a mesma autora aprofunda o tema com os
seguintes questionamentos: “Que a vida espera por mim? Que tarefa a vida
espera por mim?” (FREITAS 2018, p.76 apud Frankl, 1994ª, p.49). A esses
questionamentos responsabilidade na visão frankliana significa: “[...] uma
responsabilidade para levar a realização das possibilidades, em si transitórias,
de realizar valores, e, com isso depositar algo de valor no passado, ou seja, no
verdadeiro existir.” (FREITAS, 2018, p.76 apud Frankl, 1994, P.65).

Kroeff (2012) movido pelas palavras de Frankl que afirma que “Toda pessoa
tem que responder à questão: qual é o sentido da vida?” (Kroeff, 2012, p.71
apud Frankl , 1990, p.24), observa que por mais que uma pessoa com
deficiência possua limitações que lhe foram impostas, devem esforçar-se por
descobrir e realizar os valores de criação e de vivencia que lhes são possíveis.
Passando pelo terceiro valor, de atitude, poderá encontrar e responder ao
sentido. Sobre a responsabilidade e possibilidade de resposta ao sentido relata
Kroeff:

“Com isso Frankl não deixa espaço a ninguém para a fuga à


responsabilidade de responder ao questionamento sobre o
sentido da vida e a obrigação de esforçar-se por realiza-lo.
Pessoas com deficiência podem ser seduzidas ou ensinadas,
equivocadamente, a apresentar desculpas para não assumir as
responsabilidades de sua vida. Isso deve ser evitado, pois seu
preço é o do empobrecimento da personalidade da pessoa[...]”
(KROEFF, 2012, p.72

Frankl (2011, p.29) mostra que todo ser humano é livre e responsável as
maiores manifestações do ser humano, segundo Frankl é o amor e a
consciência. Essas são capacidades exclusivamente humanas que expressam
a autotranscendência. A mesma ocorre em direção a Busca de um Sentido
(que é apreendido pela consciência o sentido de uma situação em sua
totalidade e unicidade) como também a outro ser humano (Sentido do amor
que pela singularidade apreende outra pessoa em sua singularidade), sendo
ambos sempre únicos. Aprofunda o termo Freitas:

“[...] Na autotrancendência a pessoa humana vai configurando


sua personalidade, aumentando seu autoconhecimento e
assumindo cada vez mais sua verdadeira identidade; quanto
mais vai ao encontro de sua tarefa a realizar, quanto mais se
entrega a quem ama, tanto mais se humaniza, tanto mais se
torna a ‘si próprio’. (FREITAS, 2018, p.82)

Na autotranscendência o ser humano direciona-se a algo que não é ele mesmo


e é mediante o outro que a existência humana se concretiza. Esse relato
reafirma o que Frankl (1997, p.94.95) escreveu em resposta a Tríade de
Valores:

“O sentido da vida, por sua vez, se compõe da segunda tríade:


valores de criação, de experiência e de atitude [...] uma
abordagem otimista da vida, ao ensinar que não há nenhum
aspecto negativo da existência que não possa ser
transformado em conquistas positivas, em tudo, a depender da
atitude que se venha assumir. [...] O homem, contudo, pode,
sim, mudar a si mesmo [...] é prerrogativa do ser humano – e
parte constituinte de sua existência – a capacidade de definir-
se e redefinir-se” (FRANKL, 1997, p.94.95)

A autranscendência é a essência da existência (Frankl 1997, p.67) estando à


mesma direcionada a algo fora da pessoa. Conceitos antropológicos
subjetivistas e relativistas podem enfraquecer a busca do sentido,
principalmente a uma pessoa com deficiência. Mediante toda essa questão que
Frankl define o terceiro pilar da Logoterapia:

“Sentido é o que tenciona, seja por uma pessoa que me


pergunta algo, seja por uma situação que encerra uma
pergunta e clama uma resposta [...] O que devo fazer é tentar,
ao máximo, encontrar o verdadeiro sentido das perguntas que
me são formuladas [...] O ser humano é responsável por dar a
resposta certa para as perguntas, encontrando o verdadeiro
sentido a cada situação. Sentido é algo a ser encontrado e
descoberto, não podendo ser criado ou inventado.
(FRANKL,1997 p.81)

Essa ideia é de tal forma existencial e pessoal que se enquadra para qualquer
pessoa humana, tenha ela uma deficiência ou não. Claro que o foco do nosso
tema é a pessoa que possui uma deficiência, mas essa pergunta também não
é um privilégio único desse público alvo, é de cada ser humano que precisa
sair da letargia e do automatismo e responder a vida diante das perguntas por
elas estabelecidas.

Autotranscendência está presente principalmente no papel do docente que


como já foi citado acima descobre sentido da vida neste encontro com essas
pessoas conforme diz o professor Érick do IBKA: “Não treino patologias e sim
pessoas”. Os praticantes são motivados a encontrar e responder a vida através
da prática do Karate. A oportunidade de tomar uma atitude diante do sofrimento
em que se encontram como também na prática das competições, levando-os à
superação de si mesmo, com outras pessoas com ou sem deficiência e na
motivação dos mesmos prova que a dimensão noética pode se contrapor ao
Psicofísico. Sobre a autotranscendência em relação à pessoa com deficiência
reintera Kroeff:

“[...] O sentido está no mundo para ser descoberto e realizado.


O que o indivíduo tem em si não importa – aqui também se
considera a deficiência que ele tem, mas não é. O que
realmente vai contar é transcender o que se é agora, para
alcançar o que se pode ser. E a pessoa com deficiência não
está de forma alguma impedida de fazer isso. Ela precisa se
autodistanciar-se de sua deficiência não aceitando como
centro, nem sucumbindo a ela, mas ultrapassando-a, em
direção ao seu objetivo maior.” (KROEFF, 2012, p.30)
A Vontade de Sentido que segundo Frankl (1997, p.50): “[...] esforço mais
básico do homem na direção de encontrar e realizar sentidos e propósitos.” A
autorealização e a felicidade são efeitos da realização de um sentido e o
mesmo só poderá ser preenchido “lá fora, no mundo”.

No que se refere ainda à Vontade de sentido há uma tensão que direciona e


convoca a algo a realizar, principalmente no caso específico das pessoas com
deficiência nas quais o antagonismo psiconoético é notório nos praticantes do
IBKA, mostrando que essa tensão é própria da pessoa. Sobre essa tensão
decorrente da prática esportiva revela Frankl:

“Uma quantidade sadia de tensão, essa tensão evocada por


um sentido a preencher, é inerente ao ser humano e é
indispensável ao seu bem estar mental. [...] um direcionamento
a um sentido e uma orientação a uma missão são importantes
no que diz respeito à saúde mental” (FRANKL, 1997 p. 64.66)

A prática do Karate os permitiu descobrir que podem e devem fazer algo nas
suas vidas, realizar encontros e inserir-se na sociedade sem medos
enfrentando cada desafio como enfrentam e superam a cada dia suas
limitações. O Logoeducador na sua ação educativa: “deve capacitar o
educando para que ele exerça sua capacidade de escolha, decisão e orientado
para a sua consciência (FREITAS, 2018, p.64).” Consciente de sua
responsabilidade possa ter um espírito independente. O professor Érick em sua
fala reforça tal afirmação quando relata que: “Se encontrou e deseja somente
trabalhar com adaptado”.

Apropriando-se da Logopedagogia, tanto as próprias pessoas com deficiência


como seus pais enxergarão a vida e responderão a mesma por um prisma
diferente, tencionando-se a responderem ao que a mesma os propuser no
encontro com o sentido. Kroeff assim coloca a contribuição da Logoterapia às
pessoas com deficiência:

“[...]a contribuição maior da Logoterapia na área da deficiência é a sua visão


antropológica, a visão que a Logoterapia tem do ser humano, de um ser único e
irrepetível, ressaltando a sua dignidade, sua vontade de sentido, sua liberdade e
responsabilidade, sua capacidade de autotranscendência e de superação dos
condicionamentos.” (KROEFF, 2012, p.31

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