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DAISAKU IKEDA

REVOLUÇÃ
O
HUMANA

Volume 3

Tradução de Dr. Fumio Tiba

Editora Brasil Seikyo Ltda.


São Paulo

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Título da Obra
REVOLUÇÃO HUMANA

© desta edição EDITORA


BRASIL SEIKYO

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Índice
Nova Vida .............................................................. 4
No Redemoinho ....................................................... 18
Os Modelos Humanos .............................................. 30
Ondas Murmurantes ............................................. 44
Os Frutos ................................................................ 56
A Sentença ............................................................... 69
O Marco .................................................................. 85
Pós-Escrito .............................................................. 97
A Nova Vida
No primeiro dia do ano de 1948, belo e agradável, Jossei Toda estava no 1.º andar do Nihon-
Shogakkan, em Kanda, Tóquio, sentado rigorosamente diante do Gohonzon, fazendo o Gongyo da manhã.
Logo atrás, seis ou sete líderes mais íntimos, acompanhavam a voz de Toda com suas vozes uníssonas,
ouvindo atentamente e de olhos fitos no Gohonzon.
O ritmo do Gongyo ressoava como uma ressonância única, mas de vigorosa sonoridade e sem
nenhuma desar-monia.
Eram momentos agradáveis quando, espontaneamente, ele pensava que seria um dia maravilhoso.
Após então, prosseguiu uma longa oração de Daimoku.
O ritmo suave e completamente harmonioso, tornava-se cada mais vivido e vigoroso e envolvia o
corpo de todos os presentes, formando uma ressonância vibrante e retumbante.
De súbito, lembrou-se do Universo Infinito, onde inúmeras estrelas e nebulosas se movem como
turbilhões. Não podia deixar de perceber uma sensação estranha, a misteriosa existência de seu corpo
insignificantemente minúsculo dentro do grande panorama do vastíssimo Universo. Toda começou a refletir:
"É interessante! Este Universo imenso e infinito. Conjunto de nebulosas que se movem com
velocidade ultra rápidas. Dentro destas, há uma via láctea com dez bi Ihões de estrelas. Neste sistema
galático existe um astro chamado Sol e em torno desse centro giram os nove planetas. Esta Terra que não
passa de uma simples "estrela" .. .move-se incessantemente sem parar, um instante sequer. Tudo se move
e sempre se transforma, com uma determinada ordem, desde o passado remoto há milhões e milhões de
anos até o futuro infinito. A Terra, com o seu movimento de rotação em torno de si, gira ao redor do Sol a
uma distância de 149.500.000 km, percorrendo 30 km por segundo, sobre a trajetória do seu movimento de
translação. Num recanto de uma pequena ilha situada neste planeta — "sinceramente, estou agora,
recitando Nam-myoho-rengue-kyo. Afinal, quem sou eu, um ser humano como este chamado Jossei Toda?
"
Mergulhado na meditação, a fim de observar o profundo abismo do Universo, ele, como um filósofo
sinceramente compenetrado, procurava confirmar a sua própria existência realmente segura.
"Dentre os planetas, o mais próximo do Sol é Mercúrio. Sabe-se que ele se move sobre a órbita
solar a uma distância de 57.870.000 km do Sol, a 47 km por segundo e completa a sua translação em 88
dias. Por outro lado, Plutão, o planeta mais distante do Sol a 5.870.000.000 km, move-se a uma velocidade
relativamente lenta a 4,6 km por segundo e completa uma translação em 248 anos. Não se pode pensar
na existência dos seres vivos. Apenas, a Terra, com surpresa, situa-se nessa posição privilegiada e
completa o seu movimento de translação em 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Como é
grandiosa a inteligência do homem, um ser terrestre que conseguiu tomar conhecimento desta evidente
realidade! Entretanto, por que razão, esse homem tão inteligente, continua perdido na própria infelicidade,
infelicidade esta que o mesmo carrega sempre e para sempre, sem poder arrancá-la de si? Ou poderá
então o aspecto real da infelicidade, ser bem mais misterioso do que o próprio mistério do Univer -
so?.. ."
As vozes das orações de Daimoku conduzidas por Toda, continuavam ainda, como se estivessem
esquecidas pelas horas decorridas. Sua ressonância ecoava na sala inteira, e parecia transbordar
incessantemente para fora, através das frestas mal adaptadas.
"O que será que eu estou fazendo agora num recanto deste país insular, sobre um planeta
chamado Terra, que flutua neste grande Universo? Sinceramente, eu estou recitando o sério Daimoku nesta
sala fria e modesta. O que está fazendo agora, na verdade, esta vida que tem o nome de Jossei Toda? "
Ele procurava compreender consigo mesmo: "Estou somente declarando a guerra contra o Rei dos
Demônios. Apenas eu existo como um sujeito."
Compreendeu, então, profundamente, a sua própria solidão por que razão estava sendo atirado
somente ele na luta contra as maldades neste grande Universo. Sentiu uma evidente ressurreição da
energia vital que transbordava de todo o seu corpo. Com certeza, essa energia vital jamais poderia ser
detida por alguém. Ele foi levado a acreditar naturalmente, que a força do Daimoku iria difundir-se no vasto
Universo.
Ele voltou a si. Em seguida, encerrou a cerimônia do Gongyo com as últimas recitações de
Daimoku, três vezes. Sorridente, fez a meia-volta e olhou a fisionomia dos dirigentes presentes. Seus trajes
eram simples e como sempre não diferiam dos outros dias habituais. As faces lisas e bri lhantes mostravam
suave coloração como das cerejeiras. Os olhos de todos brilhavam vivamente.
— Feliz Ano Novo.! — congratularam-se todos juntos. Harayama saudou com formalidade.

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— Felicidades, Mestre . . .desejo continuar igualmente este ano também. . .
— Ah! Feliz Ano Novo . . .Então, 'continuar igualmente este ano também', como no ano
passado! Se assim for, será muito penoso para mim. Não é verdade? Se for assim, o Kossen-rufu irá
apodrecer. Senhor Harayama, então pretende movimentar-se exatamente como no ano passado, assim
como age o bicho preguiça?
Levantaram-se as vozes às gargalhadas.
- O Mishima descontente, o Konishi contrariado, o Seki muito preocupado, com fisionomias
assim, quem sofrerá em primeiro lugar, sou eu,
Gargalhadas mais altas levantaram-se outra vez.
— Este ano já entrou no terceiro ano da reconstrução. Desejo que todos consigam
esplêndidas atividades do Chakubuku levando-as com a própria atuação da fé, a fim de evidenciar todas as
qualidades que cada um possui. Pretendo levar o ano dessa maneira. Peço a todos que sintam a
necessidade em promover as grandes transformações.
O sorriso desapareceu da fisionomia de todos. Ele disse de maneira positiva, frisando palavra por
palavra, como se estivesse repetindo tudo de novo.
— Todos pensam que trabalharam no ano passado, mas na realidade, eram trabalhos
arrastados à estagnação. Fiz preleções e fui às reuniões-de-palestra. Posso dizer que somente lá havia
atividades da Gakkai. Não havia atividade alguma nos locais onde estive ausente. Dessa maneira tornaria
falsa a Eterna Prosperidade do Budismo Verdadeiro. Conclui-se que as atividades foram apenas teóricas.
As atividades do Chakubuku, devem ser promovidas ativamente, em palestras, quer eu esteja presente ou
não. Se pensarem que a fé consiste em correr atrás de mim, estarão muito enganados. Desse modo, as
atividades irão decair e sem querer, deixarão apodrecer o Budismo de Nitiren Daisho nin, é um fato
realmente atemorizador.
Toda interrompeu aqui. Parecia estar procurando as
palavras seguintes.
Um verdadeiro líder é aquele que se preocupa sempre num passo progressivo de cem pessoas, em
vez de pensar na marcha de cem passos individuais.
Ele continuou a dizer com franqueza, colocando a força em suas palavras, embora dentro de uma
expressão delicada.
- . . .apesar disso, nunca significaria que devem fazer
as reuniões imitando a minha maneira de falar. Gostaria que cada um se manifestasse mais
sinceramente pela própria convicção e devoção de sua fé! Do contrário, a sua convicção estaria muito
aquém daquelas idosas animadas.
Quando uma organização inicia sua sistematização, inevitavelmente os dirigentes acomodar-se-ão.
Os próprios dirigentes não percebem disso. Sem distinções, eles pensam que poderão tocar a rotina como o
faziam habitualmente. Essa rotina levada exatamente como antes é o elemento mais traiçoeiro.
Não podendo mais conter seu constrangimento, Ha-rayama interrompeu Toda e disse:
— Mestre, peço desculpas pela falha das minhas palavras. . . Por favor, desejo devotar-me
neste ano para merecer uma grande transformação.
— Compreenderam, então? Bem. Tudo o que existe no Universo, quer seja um corpo celeste
ou mesmo uma pulga, não pode permanecer parado um instante sequer e sofre transformações sucessivas.
A intenção de prosseguir na mesma rotina, isso não passa de uma ilusão. A questão primordial aqui é a
transformação para o bem ou para o mal. Enquanto não perceberem essa realidade, as pessoas estarão
sendo arrastadas para a negligência, pela força do hábito. Em outras palavras, as próprias pessoas
permanecem completamente alheias não percebendo que elas mesmas estão se transformando num bom
ou num mau sentido. Tal eventualidade é forçosamente um temor em conseqüência do hábito que arrastará
a fé para a decadência. Quando o trabalho da fé cai na rotina, exatamente aí é que está a deserção da fé. A
fé consiste em transformar rapidamente as atividades práticas para o bom sentido. Essa força que só faz
transformar a todo o momento, chama-se Vida, que vem a ser Nyorai - portanto, chama-se Nyorai, força que
se denomina Buda. Além disso, Nitiren Daishonin definiu essa força de Nam-myoho-rengue-kyo e em
seguida nos deixou concretamente em forma de Gohonzon das Possessões Mútuas dos Dez Mundos. Fora
desse fundamento básico não existe a nossa fé. . . A poderosa força vital que é necessária à vida, chamada
Nam-myoho-rengue-kyo, existe mesmo em cada um dos homens pequeninos como nós e até no próprio
Universo.
— E continuou: Se não conseguirem reconhecer isto, praticando esta religião, estariam
então cometendo atos contrários ao Verdadeiro Budismo. Seria o mesmo que uma eficiente máquina sem o
motor em funcionamento ou um pianista que permanecesse em frente do piano, apenas sentado e sem
tocar nas teclas. Se todos julgarem que podem agir dessa maneira, a fé não terá significado algum. Por
outro lado, mesmo que pareça perdurar a infelicidade para toda vida, a mesma se transformará. Contanto
que mantenham esta fé, certamente poderão transformar para o lado da felicidade. Isso é a Lei Natural e
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chama-se "Mudança do Destino". Ignoramos também se a felicidade atual irá desviar ou não para o sentido
da infelicidade, caso não se siga esta fé que é fundamental. . . Pode ser dito o mesmo em relação ao país.
O Japão está agora dominado pelas forças estrangeiras e caído na infelicidade insolú-vel. Todos estão
desesperados, preocupando-se em saber quando retornaria à felicidade, mas, absolutamente, eu não estou
desesperado.
Uma gloriosa luz primaveril brilhará no caminho por onde passarão os líderes que possuem a visão
histórica, a filosofia e a conduta acertadas.
A luz da alvorada do Ano Novo começou a brilhar dentro da sala fria. Enfim, após a longa pausa de
silêncio, começou a perceber os movimentos dos pedestres transitando lá fora.
— Uma vez iluminados pelos princípios do budismo, não poderão mais permanecer na situação
corrente, assim como está. Além disso, já foi lançado o primeiro passo para o dinamismo do Kossen-rufu. À
medida que esse ideal for chegando à sua meta final, mais depressa as condições presentes se
transformarão. Kossen-rufu de um país, significa transformar inteiramente o destino de um país. Nunca, na
história da humanidade, alguém conseguiu realizar essa obra. Até agora, mesmo as ideologias, as filosofias
e as religiões mais eficientes não puderam salvar na totalidade, uma pessoa sequer, e por conseguinte, não
puderam dar exceto o relativo conforto e mera conformação. Por isso, as doutrinas e os princípios
aparentemente magníficos, nunca puderam salvar um país, total e admiravelmente.
- Ele continuou explicando: Apesar disso, os homens vieram incansavelmente,sonhando a ilusão de
uma sociedade ideal. Isso não demonstraria que a infelicidade existiu em todas as épocas? Estou afirmando
o que ninguém conseguiu até agora e que certamente será realizado. A razão disso está na garantia
absoluta de Nitiren Daishonin. Apesar de ser um discípulo sem mérito, no âmbito de meus conhecimentos,
posso afirmar que não existe equívoco nas palavras de Daishonin. Isso porque Nitiren Daishonin nos ensina
o fundamento de todas as verdades, sem nenhum erro. Nós estamos procurando realizar o ideal desejado
igualmente por todas as pessoas, o que ninguém conseguiu levá-lo ao êxito, ainda que ninguém mais
acredita nessa esperança. Não há uma outra obra mais grandiosa e nobre para a humanidade. É a mais
difícil de todas as complexidades. Entretanto, esta obra será certamente realizada. Não podemos ficar
convencidos de que a força existe em cada um de nós. Com certeza, isso é possível, porque existe a força
poderosa no Budismo de Nitiren Daishonin. Nós, que estudamos e provamos essa Doutrina, se estivermos
mergulhados na indolência com a consciência leviana, então, a conseqüência será desastrosa. O Budismo
é rigoroso. Por ser rigoroso é que eu estou dizendo aqui, severamente a todos. 'Este ano também como
antes'. . ., a partir daqui, a conversa se estendeu inesperadamente. Entretanto, mesmo uma palavra
inocente pode revelar o estado de espírito do momento em que uma pessoa está falando. Entendo isso
perfeitamente, pois isto é o que se chama a intuição da fé. De fato, a vida não tem forma e nem cor, mas a
sua manifestação aparece evidentemente sobre a viva realidade. Seria sofrível para mim, interpretarem de
maneira mesquinha pensando que estou ridicularizando as palavras mal empregadas. O aspecto real
aparece em todos os fenômenos e todos os fenômenos representam o aspecto real.
A rigorosa expressão de Toda, sacudiu o peito de seus discípulos. O ambiente estava envolvido por
um clima de seriedade. Os olhos dos discípulos estavam todos projetados agudamente sobre Toda. Era
como se um relâmpago de luz brilhante desprendesse da face de Toda na sala de ve lhos "tatamis" pardos,
paredes fuliginosas e teto desbotado. Ele falou pura e rigorosamente. Apesar disso, possuía um calor
humano inesgotável.
- Desde o dia do ano novo, o assunto desenrolou-se num clima de tensão. Portanto, desejo
que estejam cientes de que este ano será tenso. Mais do que nunca, chegou a hora de disciplinar
completamente os dirigentes. Isso também é a exigência da época. Não deverão se lamentar reclamando
que eu estou ficando exigente, sem saber a época em que estamos vivendo. O que adiantaria eu odiar os
meus discípulos? Estou pensando no futuro de cada um dos dirigentes. Não me interpretem de maneira
equívoca.
Até agora nunca houve um homem que conquistasse uma vida gloriosa sem o devido treinamento
disciplinar na arte, na tecnologia, na empresa, na política e mesmo na revolução.
Toda achou que já dissera tudo o que devia dizer. Ele não conteve seu sentimento de afeição pelos
discípulos que estavam constrangidos para ouvir. Retomou seu olhar delicado e disse-lhes sorridente:
- Perdão. Peço-lhes desculpas por ter criticado somente. . . Hoje é o primeiro dia do ano novo
e portanto vamos comemorá-lo imediatamente com Sakê Festivo?
Ele pediu para trazer uma garrafa de Sakê integral, guardada na prateleira; ele mesmo abriu-a e
derramou a cada tigela de chá. Como se derramasse o amor e a ternura para os seus discípulos, o dourado
líquido de Sakê foi enchendo as tigelas com leves murmúrios.
- Pronto. Aceitem todos. Vamos comemorar. Viva! Foi reservado especialmente para hoje e é
de primeira classe.
- Aceitaremos com todo o prazer.
Todos comemoraram. Em seguida, sentiram "como é gostoso este sakê!" Não porque a bebida
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fosse da melhor marca, mas eles sentiram como se estivessem aceitando a ternura de Toda. Para eles,
Toda era acima de tudo o primeiro, o seu -mestre e seu pai, mas, uma vez que o reencontraram, sem que
percebessem, transformaram-se em seus filhos. Além disso, nessa relação humana, a idade não fazia
nenhuma influência.
— Mestre, como Nitiren Daishonin encarava o Ano Novo? - perguntou Katsu Kiyohara, como
sempre, de maneira fraternal.
— Dentre as cartas de Nitiren Daishonin há uma chamada Mushimoti Gosho. Atualmente seria
uma carta de fé licitações pelo ano novo. Lá diz que é muito importante aprofundar a fé, renovando o
espírito desde o primeiro dia do ano. Alguém pode me emprestar o Gosho?
Hissao Seki retirou da sua pasta, o resumo do Gosho em forma de cópia em miniatura, e entregou-o
a Toda.
— Como é a carta endereçada para a senhora de Omossu, penso que está no fim do
Gosho. . .
Após localizar a carta, Toda, devolvendo o Gosho, disse:
— Senhor Seki, leia, por favor.
é o Juji Gosho? (Juji Gosho - pronúncia vulgar para as ideografias "Mushimoti Gosho")
Rindo discretamente, Toda respondeu:
— A ideografia escrita em forma de Juji lê-se Mushimoti. Por favor, leia o começo.
Seki começou a ler.
"Recebi cem bolinhos de arroz e um cesto de doces. O dia do Ano Novo é o primeiro dia do mês, o
início do ano e é o início da primavera (pelo calendário lunar). Quem celebra esse dia, evidentemente
aumentará a sua virtude e será cada vez mais amado pelos outros, assim como a lua vai-se arredondando à
medida que se dirige do oeste para o reste e que o sol se torna cada vez mais brilhante à medida que se
levanta do nascente para o poente."
Toda interrompeu a leitura nessa altura e começou a falar:
- A esposa do senhor de Omossu é a irmã de To-kimitsu Nanjo. Era da família Nanjo, mas casou-se
com Sanetada Shimpei Ishikawa, o Senhor de Omossu. Esta senhora comemorou o Ano Novo e antes de
mais nada ofereceu Gokuyo para Nitiren Daishonin em Monte Minobu, enviando especialmente cem
"Mushimoti" e um cesto de doces. Nitiren Daishonin elogiou o magnífico espírito de sua sincera e
espontânea dedicação. Aqui diz que o primeiro dia do ano novo é o início de tudo. Aparecem o sol, a lua, a
primavera e outros, mas em última análise, indica o próprio movimento do universo; em suma, é o ato de
benevolência. Portanto, é a própria Lei Mística. O primeiro dia do ano é um momento oportuno para
reajustar o que foi esquecido habitualmente. A Terra faz uma volta completa em torno do sol em 365 dias.
Isso não foi inventado. Reconheçam ou não, é um movimento que evidentemente existe no universo. É a
Lei. é o ritmo do universo.
Ele procurava sempre fazer compreender o Verdadeiro Budismo, cientificamente, sempre sob o
prisma da razão.
No ambiente espontâneo e natural, os discípulos inclinavam-se a fim de ouvir atentamente a
explanação de Toda.
— Se a Terra é um dos planetas do universo, nós somos idênticos também. Somos uma existência
chamada homem. Se considerarmos a atividade humana, esta é impossível de existir fora da Lei do ritmo do
universo. Todos os esforços serão inúteis fora desse conceito. Há ocasiões em que as atividades humanas
se dirigem desesperadamente contra esse princípio do universo. Quando surge uma espécie de misteriosa
desarmonia na vida diária, o homem então sente-se infeliz, é o Budismo de Nitiren Daishonin que esclarece,
com fundamentos e realidade, o campo da vida humana. Portanto, se conseguirmos entender isso,
compreenderemos a identidade Eu-Universo, que eqüivale à identidade Universo-Eu (que o mundo
subjetivo e o mundo objetivo se identificam). . . Além disso, esta verdade não existe no mundo ideal, mas
encontra-se neste mundo da realidade. Esta realidade parece que nós, mortais comuns, só a sentimos pelo
menos um pouco, no primeiro dia do ano. Quando a Terra completa um movimento de translação e inicia o
próximo, é o Ano Novo. Entretanto, no Ano Novo, cada pessoa sente-se renovada e decide: 'este ano estou
resolvido a realizar'. Esta decisão repete-se anualmente e assim completa o ciclo da vida de uma pessoa,
mas quem não está com o Gohonzon não consegue viver sob o ritmo dos movimentos do universo. Natural -
mente, a sua vida vai se desenrolando como um trem descarrilado. Entretanto, uma vez que nós temos o
Gohonzon e conseguimos recitar a Lei Mística, podemos estar perfeitamente sobre o ritmo dos movimentos
do universo e desviar a vida da rota descarrilada, quer consciente ou inconscientemente.
Toda continuou ainda:
— Há uma diferença considerável como o céu e a terra ou como a água e o fogo, entre quem
pratica ou não o Verdadeiro Budismo, apesar de ser a mesma decisão do ano. Entendem? No momento em
que se decide o que vai ser feito durante o ano, então, conseguirá certamente evidenciar o seu resultado
durante um ano de vida. Portanto, não é possível continuar este ano, exatamente como no passado. A
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esposa do Lorde Omossu deve ter decidido: "este ano farei uma prática religiosa exemplar e viverei co-
rajosamente". Nitiren Daishonin, vendo esta sinceridade pura e jovial, ficou muito contente e elogiou-a
dizendo: "aumentará a sua sorte assim como será amada pelos outros." No fim da carta está escrito: "sua
vida será amplamente florida, se desde o primeiro dia do novo ano for assim devotada à sua fé." Por favor,
leia esse trecho.
Novamente Seki apanhou o Gosho e começou a ler:
"A sincera boa vontade em oferecer dádivas ao Hokekyo é elogiável justamente agora no início do
Ano Novo! Isto é tão formidável quanto as flores que desabrocham da árvore, o brotar da flor de Lótus no
lago, os sândalos que se abrem nas Montanhas de Neve ou a lua que aparece pela primeira vez na
escuridão. O Japão tornou-se agora o inimigo do Hokekyo chamando a si má sorte de além das mil milhas
e, diante disso, conclui-se que aqueles que crêem agora no Hokekyo chamam a si a boa sorte mesmo de
além das mil milhas. A sombra provém do corpo. Ao país que considera o Hokekyo como seu inimigo,
acompanhará a má sorte como a sombra que segue o corpo. Aqueles que crêem no Hokekyo são como a
árvore de sândalo que perfuma com o seu aroma agradável. Continuarei na próxima ocasião."
São palavras familiares e lidas com freqüência.
Quanto mais lemos, mais sentimos a ternura e rigoro-sidade. Além disso, fazem todos lembrarem
profundamente, a necessidade em trazer à prática, esse grandioso Princípio da Causa e Efeito.
Após a profunda meditação, Toda começou a falar. Os olhos dos discípulos pareciam cada vez
mais projetar-se sobre a face de Toda.
- São palavras rigorosas. Declara que o Japão está chamando a má sorte além das mil milhas
enquanto considerar-se inimigo do Gohonzon. Absolutamente, não se refere apenas ao Império Mongol, há
700 anos. Não coincidiria exatamente com o aspecto do Japão derrotado na última guerra? ê um fato
terrível. Nitiren Daishonin ensina: os que crêem, ajuntam a si a boa sorte, mesmo além das dez mil milhas.
Kossen-rufu é o movimento que deve ser levado avante com as nossas próprias mãos e por todos os meios.
Ninguém no Japão derrotado sabe disso. Em vez disso vivem apenas sofrendo desesperadamente. Afinal,
quem conseguirá salvar esse povo? é MacArthur? ê o Governo? Ninguém! Não há mais ninguém a não ser
nós que arriscamos a própria vida em prol do Kossen-rufu, levando conosco esta Grande Filosofia! É essa a
missão da Nitiren Shoshu e atualmente não há mais ninguém, a não ser nós mesmos. Este ano levarei
avante a obra. Conto com o esforço de todos.
A decisão transbordava naturalmente de seus olhos a escorrer sobre o corpo de cada um.
Numa decisão sincera em que a própria vida está em jogo, jamais permitiria a existência de
afirmações levianas. Em tal circunstância, tornar-se-ia o ato em realidade tal como um rio caudaloso ou um
vasto oceano.
Toda pegou a tigela, tomou de um só gole e em seguida levou o olhar à garrafa de "sakê". Estava
completamente vazia.
- Como bebem!. . . deve estar chegando a hora. Vamos partir. É o Ano Novo. Antes de mais nada,
iremos ao Daissekiji. Não há outra sorte maior do que a peregrinação. Vamos todos juntos?
Já se passavam das oito horas.
O Céu em pleno inverno estava límpido, mas o vento era frio.
As ruas estavam frias. Todas as casas encontravam-se fechadas. Não havia pinheiros colocados
nos portões e raramente se viam ornamentações com seus ramos. Em lugar algum não se via o pavilhão
nacional do Sol Nascente. Nem era permitido ainda o hasteamento da bandeira. Nessa mesma hora, com
que sentimento outras pessoas receberam o Ano Novo? Na mesma cidade, no mesmo país, o povo nunca
sentira em anos anteriores, tanta decepção como nesse Ano Novo. Os discípulos que ouviram a orientação
de Toda, pelo contrário, passaram o Ano Novo realmente significativo.
No coração das pessoas que juntos foram apressadamente em direção à estação, com Toda no
meio, havia pureza.
Naquele terceiro ano, após o término da guerra, o trem do Ano Novo deixava a cidade com enorme
confusão. Dentro do vagão, o congestionamento não permitia o movimento dos passageiros. O ar era
abafado e com odores desagradáveis que estimulavam as narinas. Muitas janelas estavam ainda fechadas
com fragmentos de tábuas, deixando portanto escuro o interior do trem.
A maioria dos passageiros era constituída de homens porque haviam deixado suas respectivas
famílias abrigadas no interior para poderem trabalhar sozinhos em Tóquio. Eram os chamados "viúvos
evacuados" que pareciam estar impacientes em chegar mais depressa junto das suas respectivas famílias,
que os aguardavam ansiosamente nessa oportunidade do feriado de Ano Novo. Miseráveis, sim, todas as
pessoas eram indistintamente miseráveis. A atmosfera mortífera imediatamente após a guerra já havia
naturalmente desaparecido na época desse Ano Novo e o povo estava tornando-se mais paciente como se
estivesse conformado. Essa paciência, em vez de visar à construção para o futuro, parecia ser mais uma
conseqüência do individualismo e da força do hábito.
O jornal, nesse dia, anunciava a promulgação da Nova Lei do Registro das Famílias e a abertura da
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Ponte Dupla, a fim de permitir o ingresso para visita ao Palácio Imperial pelo público em geral.
Toda e seu grupo chegaram à estação de Fuji. Era mais de meio dia. A situação estava de tal
maneira que todos os passageiros tiveram que sair pelas janelas.
Sobre o céu contemplado por eles, projetava-se a figura majestosa do Monte Fuji, coberto de neve
branca. Devem tê-lo admirado como se fosse um Fuji novo que anunciava um novo ano.
Como sempre, a comunicação era péssima na linha Minobu. Além disso, o ônibus partia de
Fujinomiya só três vezes por dia, uma pela manhã e duas pela tarde. O ônibus, que partiu após longas
horas de espera, começou a subir a estrada cansativamente.
Deixando os passageiros em vários pontos à beira do caminho, chegou até à subida Aoki, onde se
via o topo das árvores da floresta do Templo Supremo. De repente, o ônibus parou. As rodas escorregavam
em conseqüência da subida forte. Apesar de forçar o motor, o ônibus não ia para a frente, provavelmente
por ser movido a gasogênio. Vendo a fisionomia desesperada do motorista, Toda saiu ao ônibus dizendo:
— Vamos descer todos e empurrar?
O motorista arrumou a estrada esparramando os pe-dregulhos e em seguida todos empurraram
num esforço conjunto. Isso teve êxito e o ônibus começou a se mover.
Enfim, quando eles desceram em frente ao San-Mon, entrada para o Templo Supremo, a escuridão
já havia começado a cair no dia de inverno.
Chegaram ao alojamento Rikyobo, já cansados. Sessenta membros estavam esperando-os. Era o
dobro em relação ao Ano Novo anterior. Todos pareciam estar animados.
Toda, vendo a fisionomia de cada um, não podia deixar de lembrar os fatos passados do Ano Novo
anterior, quando eram somente seis pessoas. Agora, passados dois anos, apesar de ser ainda um número
pequeno, houve realmente algo de profundas emoções, quanto ao crescimento rápido.
O mundo que se desenvolve mesmo pouco a pouco é forte. O aspecto real do mundo em
decadência sucessiva contém um destino algo triste.
O jantar no alojamento foi festejado com sopa contendo bolo de arroz em pedaços grandes.
À noite, foi realizada uma reunião de confraternização, com sucessivos relatos animados.
Era uma reunião onde todos podiam livremente opinar, relatar, perguntar e saudar. Não seria essa,
a maior forca da Gakkai?
Alguém indagou se "a liberdade não seria restringida pela organização? Não iria esta menosprezar
a opinião individual? " Independente de outras organizações e associações religiosas, desejo proclamar
fortemente que o nosso mundo está provando na prática, a essência real da demo cracia. Caso contrário,
como a maioria do povo inteligente poderia seguir para sempre? A massa ignorante não pode mais existir.
Finalmente, alguém levantou-se e iniciou as canções da Gakkai. Todos cantaram. Dentre todas a
que mais se destacou foi a "Canção dos Companheiros". Foi repetida por diversas vezes.
Toda ouviu atentamente. Enfim, levantou-se para dirigir o coral.
As ondas de sensibilidade pulsavam em todo o seu corpo. O ritmo e o tempo foram dominados
distintamente de tal modo a transparecer inteiramente o espírito da canção. Através da sua regência, os que
entoavam, foram compreendendo naturalmente o significado dessa canção.
Nessa noite ele não falou muito. Afinal, a sua conduta durante a regência da canção, já mostrava
com clareza a sua resolução.

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Não temo perder esta vida,
Com prazer, darei.
O jovens porta-estandartes!
Onde estão agora?
Venham correndo conhecer
O esplendor do Fuji
Símbolo ideal da nossa luta
Majestosa e nobre.
Ao mesmo tempo em que estimulava o ânimo de si próprio, ele incentivava o de todos os presentes.
Quem sabe, esse núcleo, simplesmente único, não estaria previamente convicto de oferecer a
todos, a esperança grandiosa e a fé na sobrevivência?
A manhã seguinte estava também límpida e agradável. O vento era frio, o Monte Fuji
completamente branco mostrava-se majestoso e belo.
Às oito horas da manhã, realizou-se a cerimônia Go-kaihi de abertura do Dai-Gohonzon na Casa
dos Tesouros. Todos devem ter oferecido suas respectivas orações, com os seus desejos dirigindo-se ao
Dai-Gohonzon, juntos, em torno de Toda. Com certeza suas orações devem ter conduzido diretamente para
as decisões desse ano.
Uma vez um filósofo disse:
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"A razão estender-se-á para se transformar em fé."
Não se poderá caminhar na rota da vida sem se possuir a fé, seja qual for e independente do seu
conteúdo. Nesta existência real encontram-se freqüentemente muitas pessoas infelizes, apesar de
possuírem numerosas idéias ou de se mostrarem envaidecidas pela cultura. Afinal, uma pessoa possuidora
de uma convicção própria não estaria sempre em condições de caminhar em direção à felicidade?
Logo em seguida, Toda foi para o alojamento dos bonzos a fim de encontrar-se com o Sumo
Prelado Nisshô Shonin e felicitá-lo pelo Ano Novo.
Nessa ocasião, ele ouviu do Sumo Prelado, pela primeira vez, os planos para a reconstrução
simultânea do Salão de Recepções que permanecia queimado e abandonado após o incêndio e o Templo
de Seis Compartimentos.
Desde o término da guerra, os templos regionais que haviam sido atingidos pelos incêndios
estavam sendo reconstruídos gradativamente em todo o Japão. Muitos já estavam com aspecto de templos
apresentáveis.
Assim, finalmente, foi decidida a restauração do Kya-kuden, tencionando-se completar a obra até
outubro desse ano, fazendo todos os esforços em conjunto, mas idealizado de tal modo que pudesse ser
utilizado de maneira mais conveniente. Os cedros da floresta do Templo Supremo seriam utilizados como
madeiras indispensáveis para a construção. Além disso, os ciprestes japoneses também iriam ser utilizados.
Soube do orçamento de 1.500.000 ienes, só para a construção e a resolução do Templo Supremo em
gastar tal quantia.
Após a guerra, cerca de 1.000.000 m2 de terras ará-veis, a maioria em cultivo, foram tomadas pelo
Governo em conseqüência da Nova Lei da Reforma Agrária. Parecia que a base financeira do Templo
Supremo iria para a falência. Além disso, os seguidores devotos de todo o país estavam também
mergulhados nos sofrimentos da pobreza, assim como estavam, igualmente, todas as pessoas de uma
nação derrotada.
A obra de restauração do Kyakuden foi realizada em meio a essa situação. Não deve ter sido fácil a
coleta de donativos de tamanho vulto, na época.
Apesar disso, o Sumo Prelado decidiu. Em virtude da lealdade para com o Templo Supremo, Toda
assumiu com apenas uma palavra e sem hesitação alguma, o compromisso de oferecer donativos, e, em
seguida, deixou o alojamento dos bonzos.
No dia 20 desse mês, realizou-se uma reunião do Conselho no Templo Supremo. A restauração do
Kyakuden e do Mutsubo foi aprovada na Reunião do Conselho pelos seis conselheiros da Nitiren Shoshu.
Ainda, no dia 22, o Reverendo Tatéi Horigome foi nomeado Administrador Geral da Nitiren Shoshu, no lugar
ocupado pelo Reverendo Shundo Sato.
No dia 31 de janeiro foi criado o Departamento para a Restauração do Kyakuden e foram nomeados
o Reverendo Hoguen Takano para Presidente e o Reverendo Hossoi (atual 66.º Sumo Prelado) para
Secretário Geral. Além disso, o Reverendo Ando Nose foi nomeado para Diretor de Obras e o Reverendo
Jinin Otiai para Tesoureiro. Foram também nomeados os dez bonzos para o Conselho Permanente e mais
vinte e dois conselheiros.
Pode-se dizer que chegara uma nova era, também no Templo Supremo.
Sinais de reconstrução começaram a aparecer com a decisão do Sumo Prelado Nissho Shonin
prenunciando uma nova Nitiren Shoshu.
- Tudo será resolvido pela época? Ou a convicção persistente dos homens irá decidir uma
era? Afinal, a verdadeira oportunidade viria apenas com o esforço humano e a mudança da época?
Imediatamente antes da despedida do Templo Supremo, Toda convocou a reunião de todos, no
recinto da ruína do Kyakuden incendiado. Em seguida, comunicou a decisão extraordinária do Sumo
Prelado.
- Para a Gakkai, isso deve ter sido o primeiro grito da declaração para restaurar o Templo
Supremo.
Todos ficaram contentes, com seus olhos sinceramente decididos, embora ignorassem a existência
de um grupo que permanecia no outro alojamento, formado por seguidores do Hokekyo, também crentes da
Nitiren Shoshu, mas, alheio à Gakkai.
Pode-se dizer que o Templo Supremo estava com vida nova. O Japão também, nessas alturas dava
seus passos para uma nova vida. E a Gakkai também estava com vida nova.
Cada cidadão, junto com a nação, estava pronto para dar seus primeiros passos no caminho para
uma vida nova.
Um idealismo orientador que faz viver na sua totalidade tanto a velha tradição japonesa como a
nova democracia; aqui se pode dizer que está aberto o caminho para a vida nova.
As atividades propriamente ditas do Kossen-rufu, têm sua prática baseada em palestras e lições
sobre Budismo.
Quando esses dois pilares forem alicerçados na prática, conseguirão mudar esta sociedade, criar a
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base para um Japão novo e formar um novo mundo de paz. A realização de uma reunião-de-palestra
moverá a engrenagem do Kossen-rufu com muito mais eficiência do que milhões de palavras que agradam
os movimentos.
Poder-se-ia dizer que a decisão de Toda no início do Ano Novo estava nesse ponto. Por outro lado,
a mesma transmitia-se naturalmente para os corações dos seus discípulos. Eles devem ter afirmado:
"Vamos promover as reuniões. Mais palestras com a nossa própria iniciativa. E com o nosso próprio
esforço. Assim, estaremos atuando a nossa fé, o mais eficientemente possível na prática. . . Além disso,
iniciemos e encerremos este ano com palestras e diálogos. Concordam? . . ."
****
Havia, perto da Estação de Koiwa, a casa de um membro da Divisão dos Jovens, chamado
Tetsuyuki Matsu-mura. Era uma casa que escapara da devastação dos bombardeios e com inúmeros
quartos de entradas e saídas pelo jardim. Era favorecida acima de tudo pelos transportes co letivos. O jovem
Matsumura sentia um gosto irresistível pelas atividades da Gakkai, desde que fora efetuado aquele debate
contra a Associação Religiosa "S". Ele era um rapaz corpulento que corria nos setores de Koto, pedalando a
sua bicicleta.
Pertencia à geração de pós-guerra. Uma vez ele conviveu com os delinqüentes e
consequentemente, após a conversão, foi molestado pelos mesmos, de diversas maneiras. Sendo membro
da Divisão dos Jovens, ele deve ter inflamado sua convicção e sua decisão, como fogo, a fim de reagir ao
mesmo tempo contra essas hostilidades. Naquela época ele era considerado como o incentivador da fé
dinâmica.
Nessa casa, no dia 31 de janeiro, foi realizada a reunião-de-palestra. Toda apareceu na hora exata
com vários dirigentes. Entre eles estava o marido da senhora Tame Izumida, Hiroshi, que reiniciara as
atividades da Gakkai após seu retorno da Guerra do Pacífico.
Hiroshi Izumida era um dos discípulos do ex-Presi-dente Makiguti, procurou Toda por todos os
meios, dirigindo-se imediatamente ao Daissekiji, logo que fora repatriado, mesmo sem ainda saber do
destino de sua esposa. Enfim, ele chegou correndo à frente de Toda e resolveu, seriamente, colaborar com
seus companheiros, tomando parte ativa na reconstrução da Gakkai.
- Hoje vamos promover uma alegre reunião. Por favor, venham todos para cá.
A voz de Toda soava com simpatia. Os participantes, enfim, aproximaram-se frente à mesinha. O
número parecia ser pouco mais de uma dezena de pessoas. Mastigando a pílula de cânfora, Toda, então,
sorriu.
- Amigos de Koiwa, como está o ânimo por aqui? Com essas únicas palavras, as pessoas do
bairro operário desarmaram-se daquela formalidade.
- Nesta noite ouvirei tudo calmamente.
Às fisionomias conhecidas e aos estranhos estas palavras soaram com inegável verdade e
continham as ressonâncias para se tornar amigo do povo.
Com certeza, todos os presentes possuíam tantos assuntos que desejariam ser ouvidos por Toda.
Entretanto, ao ver a fisionomia de Toda, calorosa e carinhosa, sentiram que suas preocupações fossem
aliviadas com tal atitude. Não havia um que desse o início de um relato, à espontânea vontade. Vendo que
ninguém se manifestava para fazer perguntas, Toda chamou uma senhora que estava num canto da sala
com a fisionomia sombria.
- Senhora Sassai, como tem passado ultimamente? Era uma recém-convertida. Ele
perguntou "como tem passado ultimamente" - sabendo talvez dos problemas da sua desarmonia familiar.
Os trabalhos da fábrica na cidade estavam sendo ameaçados de perigo e o marido era doente e ao mesmo
tempo violento. Por ser teimosa ela lutou intensamente pela sobrevivência, cuidando ao mesmo tempo dos
numerosos filhos, mas parecia que as suas forças estavam-se esgotando. No momento desesperador, ela
converteu-se por intermédio do Chakubuku. Em seguida, começou a sentir esperanças pelo futuro, mas ao
mesmo tempo iniciaram-se violentas oposições do seu marido autoritário. Ela se convertera devido ao
impasse, entretanto, uma vez convertida, teve que enfrentar mais uma outra dificuldade.
— Dizem que devotando-se a esta religião, tudo se torna melhor. Apesar disso, a situação
tornou-se cada vez pior. Ontem mesmo o meu marido acabou me agredindo violentamente e obrigou-me a
desistir desta religião. Seu temperamento agressivo está se tornando cada vez mais furioso e mais violento
do que antes da conversão. Como pode acontecer isso? Dessa maneira, quem sabe, a infelicidade tornar-
se-á cada vez maior.
Kinu Sassai preocupava-se dias e noites com tais pensamentos medíocres.
— Talvez esta religião esteja errada. Disseram-me tantas vezes que esta prática religiosa está
absolutamente correta. Agora, eu não entendo mais nada. . . Não existe neste mundo, mulher mais infeliz
do que eu!
Após a desesperada e dolorosa meditação, ela chegou à sua conclusão final.
— Se esta religião é correta, as oposições violentas estariam mostrando que deva me separar
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do meu marido.Seja o que for, não agüento mais. E isso mesmo! Vou-me separar. E melhor divorciar-me.
Poderão surgir momentos angustiosos mesmo após a separação, mas se comparar com o sofrimento atual,
seria um sofrimento ameno.
Kinu Sassai comparecera à reunião dessa noite, guardando solidamente consigo, essa resolução
final. Quando foi chamada por Toda, as primeiras palavras que saltaram de sua boca foram esta conclusão
obtida após tanta meditação.
— Mestre. Já decidi separar-me do meu marido a todo custo.
São numerosas, neste mundo, as pessoas que procuram embelezar a si próprias, extremando-se
no pensamento para a reputação social! Há pessoas que vivem no idealis mo sublime e defendem o seu
ideal. Enfim, o homem está sofrendo freqüentemente com as infelicidades que se encontram tão próximas
de si. Por outro lado, não se consegue denunciar o sofrimento. Não. De nada adiantaria denunciá-lo uma
vez que não se encontra o lugar onde possa ser solucionado. Nem podia ser levado ao conhecimento do
público pois, se assim fosse, significaria a derrota da sua própria família e da sua própria existência.
Toda permaneceu observando silenciosamente a fisionomia sombria de Sassai.
Os demais presentes estavam na expectativa com os ouvidos aguçados a fim de ouvir como iria
orientar diante dessa pergunta, lançada com toda sua força corporal.
Toda começou a responder suavemente.
— Não é que eu não entenda o seu tamanho sofrimento, mas não posso interferir na questão
conjugai. Entretanto, um conselho devo-lhe dar.
Suas palavras pareciam tão expressivas como que batesse fortemente o peito.
— Não há nada de extraordinário. Enquanto não revolucionar o destino de conviver comum
marido assim, mesmo que se divorcie, possuiria um outro marido idêntico. Se é que no fim dá na mesma, já
que tem numerosos filhos e que conseguiu viver até agora de uma forma ou de outra, será que o atual ainda
não serviria?
Todos riram com espontaneidade, mas Toda não desmanchou a sua atitude séria.
— Se persistir na devoção de sua fé, mesmo que seja judiada como atualmente, um dia, esse
mau destino será eliminado. Quando assim acontecer, esse marido se transformará certamente em bom
marido. Analisando a sua situação, com a base na fé, a senhora está no limite do inverno para a primavera,
é um fenômeno que surge assim como acontece na mudança da maré baixa para a maré alta. Se por acaso
a transformação de seu marido for impossível, então, ele próprio se afastará naturalmente. Se deve separar-
se ou não, poderá deixar esta questão a pensar nessa ocasião. Repito para não haver dúvidas. Não estou
dizendo que se deva separar ou não. Para provar o valor da ação da sua fé dentro do período de meio a um
ano de prática, deve empenhar seriamente os melhores esforços, tornando-se uma figura central da
revolução familiar. Deve prosseguir com muita coragem, dedicando-se com afinco
na mudança de um destino pior para melhor.
Ela levantou a face com um olhar francamente desapontado. Em seguida, fez transparecer uma
fisionomia desanimada e abaixou a cabeça.
Toda continuou a dizer como se nada tivesse acontecido.
— Mesmo que eu diga dessa maneira, não seria assunto que se poderia convencer a ponto de
responder "sim, é isso mesmo". Agora, a senhora não estaria pensando — "ninguém pode resolver o meu
sofrimento, nem mesmo o senhor; então, o que devo fazer? é o que eu desejo
saber." Não acertei o seu pensamento?
Toda riu.
— A senhora é uma pessoa ingênua. Está querendo a pílula para essa cura, não é? Se eu
tivesse uma tão formidável assim, gostaria de oferecer-lhe o quanto antes. Ela
poderá resolver o resfriado mas, a desarmonia conjugai não se resolve dessa maneira. Absolutamente não
há pílula eficaz contra esse problema tão ingrato. O vírus da incompatibilidade conjugal, creio,
provavelmente não será descoberto. A origem desse mal será descoberta, evidentemente, quando se
analisar através da Lei única da Causa e Efeito, que se estende para as três existências. Desde que a
senhora se converteu, o seu marido vem protestando violentamente, contra a sua prática religiosa. Isso é
um efeito resultante de uma causa remota e nunca poderia ser um fato espontâneo por mera coincidência.
Talvez não pudesse suceder dessa maneira nas religiões novas ou de culto aos mortos, que se encontram
corriqueiramente. A nossa religião possui força. É uma religião viva.
E continuou dizendo:
— Apesar de possuir o Gohonzon, a senhora continua sofrendo dessa maneira. Por acaso
sabe por que motivo? A causa fundamental não está nas palavras que os adeptos das religiões inferiores
pregam freqüentemente. - "o erro está no seu espírito ou que o mal é o marido que provoca as oposições."
Isso não é o fundamental. Evidentemente, a base é a Lei da Causalidade. Não adiantaria nada apelar para
a ignorância, dizendo que desconheço isso ou aquilo', pois o fato é regido pela evidente Lei da Causalidade
é o que está nos ensinamentos do Buda. É completamente diferente das palavras sedutoras dos fundadores
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e profissionais das religiões que se encontram na vizinhança. Absolutamente isso não é falso, é a pura
verdade. Entretanto, isso não poderá ser resolvido, mesmo que já se tenha compreendido a Lei da
Causalidade. Gohonzon é para solucionar de modo radical as questões dessa natureza. Para isso. Nitiren
Daishonin deixou o Gohonzon para nós. Antes de mais nada, deve-se orar com Daimoku ao Gohonzon e
persistir nos esforços para a melhoria da sua vida diária através da Revolução Humana. Tal como as
plantas jovens não crescerão de um dia para o outro, necessário se torna um longo período de prática
religiosa para libertar-se do seu destino infeliz.
Enfim, o conselho de Toda chegara ao coração de Ki-nu Sassai, como que um leve toque musical
no instrumento de corda.
- O seu problema desviará para a direita ou para a esquerda, dependendo única e
exclusivamente da sua decisão de enfrentar com a devoção convicta ou deixar de praticar levada pela
dúvida. Procure enfrentar, ciente de que o seu destino se tornará mais limpo à medida que for recebendo os
protestos do seu marido. Com certeza irá compreender mais tarde. Uma vez que a causa do mau destino é
transformada, qual será seu resultado? O destino será transformado. Assim sendo, transformar-se-á numa
vida bem melhor.
Toda continuou ainda:
- "O pecado em geral é como a geada e o orvalho. A misericordiosa luz solar o apagará e o
deixará perfeitamente limpo". Isso também está escrito no Hokekyo. Não terá
significado, se não persistir na devoção da fé até o fim. Embora sofrida ou contrariada, se chegar ao seu
fim, sentirá um alívio, como após a queimadura pela moxa. Comparando-se com a Vida Eterna, meio ou um
ano desse sofrimento seria sentido como um instante. Já que não há outro caminho para a mudança radical
da família, não desejaria prosseguir a fé e a prática daqui para frente com mais coragem? Garanto o seu
êxito com toda minha vida.
Ao invés de responder, ela começou a chorar com sussuro.
Não foi por causa da tristeza. Nem foi por desespero. Deve ter-se emocionado com a sinceridade
desse homem que orientara com tanta dedicação a uma infeliz mulher que lhe era completamente estranha.
Houve até agora alguém que se dedicara a ela tanto assim? Realmente, isso acontecera pela primeira vez.
Ela impressionara-se. Desejou por carinho como uma criança. Pela primeira vez, tentou confiar nas palavras
de Toda. Deve ter sido esse o motivo que a levara a derramar lágrimas de ternura.
Enfim, em voz baixa, ela conseguiu responder:
— Mestre. Desculpe-me.
— Não há o que desculpar. Apenas quero dizer que o resultado não aparecerá com a prática
religiosa irresponsável. Esforce-se ao máximo durante um certo tempo.
Parecia que Toda percebera sua decisão de lutar corajosa e pacientemente, levantando-se com
força e perseverança.
Nesse ínterim, entraram quatro ou cinco novos convidados. Entre eles havia um casal, cujo marido
parecia ter quarenta e a mulher, seus trinta anos. O marido era brevi-líneo e a mulher parecia estar doente.
Eram convidados de Tame Izumida. Sentaram-se juntos.
Tame Izumida informou para Toda, com seu desembaraço:
— Mestre, é o casal Yamakawa que mora perto da minha casa. Já decidiu converter-se, mas,
trouxe aqui a seupedido, pois desejava conhecer o senhor, pelo menos uma vez.
Izumida, que era afobada, disse impacientemente:
— O senhor Yamakawa está desempregado. Sua esposa sofre de tuberculose há muito
tempo. Eles têm seis filhos. Mudaram-se para perto da minha casa, após terem sofrido os danos da guerra.
Nós nos conhecemos recentemente.
Toda ouviu em silêncio. De repente ele disse:
— Por incrível que pareça, ajuntaram-se hoje, os casais desajustados. Olhe, senhora Sassai,
eles também são seus companheiros.
O casal Yamakawa olhava-se um ao outro, assustado de surpresa.
— Mestre. Na verdade, eles brigam muito!
Com essa resposta rápida de Tame Izumida, os presentes cairam na gargalhada.
— O marido está desempregado. A esposa é doente há muito tempo. Além disso, têm seis
filhos. Seria muito engraçado se não surgisse briga entre o casal. Quem não acharia estranho tudo isso?
Toda dirigiu sua face ao casal.
— Por favor, venha mais perto.. . Qual é o seu negócio?
Não se referiu à teoria elevada e longínqua. A sua atitude era daquele que penetra e chega perto
dos problemas reais da vida diária, a fim de provar a filosofia que pode fazer sobreviver no meio da vida
lamacenta.
Ambos aproximaram-se de Toda. Inicialmente disse Yoshito Yamakawa, abaixando a cabeça.
— Eu trabalhava na minha fábrica de fundições... Sua narração era, em resumo, a seguinte;
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"Durante a guerra, tornou-se dono de uma pequena fábrica de materiais bélicos. Quando os bombardeios
tornaram-se intensos, na ilha principal do Japão, ele preparou a mudança de sua fábrica, encaixotando as
máquinas da oficina, a fim de remeter para a zona rural. Depois de tudo pronto, enquanto estava
despachando os materiais, por azar, a estação foi bombardeada e tudo se transformou em cinzas. Isso
aconteceu três dias antes do término da guerra. Anteriormente, a sua moradia também fora atingida pelos
bombardeios. Perdeu tudo. Porém, parece que restara uma soma apreciável de dinheiro ganho em seu
negócio, que havia deixado na gaveta do armário. Enfim, esta grande família de oito pessoas foi encontrar o
lugar definitivo para morar na casa de um conhecido, isolada num campo que se situava ao lado da
barragem do Rio Edo."
Esta família que perdera o negócio e a residência, estava diante de um futuro tenebroso, porém
aquele dinheiro que restara na gaveta era o único recurso para manter a segurança do casal. Entretanto,
a inflação que vinha piorando cada vez mais, foi desvalorizando dia a dia, o dinheiro que ele possuía.
A reserva que continha logo após a guerra, cujo valor era suficiente para manter a vida dessa
família por mais de dez anos, esgotou-se em apenas três anos. Yoshito Yamakawa, possuidor de uma ética
profissional rígida, permanecia aborrecido com a rápida desvalorização do dinheiro. Além disso, sua esposa
doente era forte apenas na teimosia e não queria compreender absolutamente a rápida transformação
existente na sociedade. As crianças que estavam no período de crescimento, denunciavam fome, por mais
que comprassem os mantimentos no câmbio negro.
Yoshito Yamakawa detestava permanecer em casa e então, subia aquela barragem frente à sua
casa, várias vezes por dia. Ali, ele encontrava a sua espera, o vasto céu e a extensa correnteza das águas.
Podia admirar a paisagem dos arrozais no lado oposto do rio. Ele procurava sentir o alívio, a fim de consolar
seu coração totalmente traumatizado. A casa que ele alugara, dizem, fora habitada pelo poeta Hakushú
Kitahara, nos seus piores momentos. Nesse período de sofrimentos e dificuldades, com certeza, ele
também deve ter subido e descido aquele aterro, compenetrado na composição do seu poema. Muitos de
seus poemas escritos no início de sua carreira encontram-se na 'Era do Rio Edo' e devem ter surgido nessa
casa onde Yamakawa morava então. Apesar de que tivesse folga como o poeta e que viesse sofrendo
como ele, Yoshito Yamakawa, infelizmente parecia não ser poeta. Era apenas um profissional teimoso.
Jossei Toda ouvia com afeição paternal, as passagens da vida do casal contadas por eles. Em
seguida, como se lembrasse de algo, retirou os óculos e observou minuciosamente a face de Yamakawa.
Toda rejeitava qualquer interpretação sobre uma pessoa com base somente nas observações dos
traços fisionômicos. Ele mesmo detestava tais diagnósticos anti-científi-cos, como fazem os leitores
fisionômicos de baixo grau.
Entretanto, não podia negar certas impressões que os traços fisionômicos que mostravam
evidentemente conforme as circunstâncias, como a fisionomia da animalidade, da fome, da alegria e outras
ou até mesmo a da morte. Na fisionomia de Yamakawa, por acaso, não estaria marcada aquela impressão
que todos perceberiam que estava sendo agarrado pela deusa da pobreza?
— Hum. . .
Toda meditava profundamente, como se estivesse receoso de confessar.
Seria uma fisionomia grotesca? Ou então uma fisionomia horrível? Apesar disso, não podia deixar
de perceber os traços de ingenuidade.
Há muitas pessoas extremamente maldosas, apesar de se mostrarem com boa fisionomia. Não se
pode concluir apressadamente.
- É uma pena! Apesar disso, direi claramente. Não posso deixar de sentir que o senhor está
destinado a ser o homem mais pobre do Japão. Convença-se disso e enfrente
a sua predestinação. Uma vez que está decidido a se devotar com fé, não haverá uma outra alternativa
senão lutar corajosamente contra o seu mau destino, até que obtenha
a grande sorte do destino, e 'um dia o seu pecado será sanado', como diz a Sutra. Poderão suportar com
paciência até lá?
Yoshito Yamakawa concordou em silêncio abaixando a cabeça, mas sua esposa Kiyono respondeu
com toda inocência.
- Mestre, a pobreza não me espanta mais. Até agora, já suportei tantas e tantas vezes a vida
de pobre. Estou acostumada com isso e não me atormenta mais. Oh, oh, oh.. .
Kiyono soltou um riso alegre. Os demais acompanharam-na e riram também. Toda não riu. Ela
ainda escondia algumas notas de trinta e quarenta mil ienes no fundo da gaveta.
— Concordo. Evidentemente, o mais pobre do Japão é um só e não pode ser dois ou mais.
Aconteça o que acontecer, nunca deverá duvidar do Gohonzon. Prossiga na devoção da sua fé resoluta e
solidamente.
Após essas palavras, Toda aconselhou o soldado desmobilizado, o marido de Tame Izumida, que
estava perto:
- Deixo o casal Yamakawa aos seus cuidados. Peço uma dedicação toda especial para com
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eles. Senhor Yamakawa, conte com o senhor Izumida. Sr. Izumida, oriente pacientemente e sem
precipitação.
- Sim, senhor.
Hiroshi Izumida concordou com a cabeça. O casal Yamakawa parecia indiferente embora lhe fosse
dado tão infeliz apelido e predições.
Passado um ano, realmente começou a pobreza nesta família como havia sido profetizado e que
durou por sete anos. Então nessa época deve ter compreendido profundamente o que Toda havia dito: "o
mais pobre do Japão." Pode-se dizer que o casal, compreendendo a veracidade da orientação de Toda,
naquela noite e cada ano que passava, sentiu mais a necessidade de levantar-se sinceramente na devoção
da fé.
Desde então, começaram a acumular a boa sorte gradualmente e a família teve até 10 filhos. Em
seguida, todos os membros da família foram favorecidos pela saúde e os filhos, a começar do primeiro,
foram se tornando pessoas capazes de criar corajosamente seus ninhos na sociedade. A reminiscência do
passado desta família era emocionante, ao lembrar-se que a cunha da felicidade fora Incutida naquela noite
com as palavras de amor e benevolência de Toda.
Mesmo atualmente a maioria dos membros desta família luta como líderes da Gakkai na primeira
linha das atividades. A fábrica parece estar progredindo. O mais importante é o fato de que o casal vencera
a pobreza, criara os dez filhos para se tornarem valores humanos admiráveis, tanto à sociedade como para
o Kossen-rufu. A história da vida desse homem é indiscutivelmente um fato merecedor de respeito e
consideração. Assim, pode-se dizer que ele é o mais feliz do Japão.
O benefício inicial apareceu também para o casal Yamakawa, justamente sobre a doença de
Kiyono. Desde a manifestação da hemoptise grave quatro anos antes, anualmente repetia-se o mesmo
drama que deixava até o médico em pânico. Sua doença foi considerada incurável devido à sua constituição
física débil mas, apesar disso, em menos de dez dias, após a sua conversão, seu corpo recuperou-se de tal
maneira que ela podia permanecer de pé durante o dia todo. Ao mesmo tempo desapareceram a nevralgia
e a inflamação da bexiga. A família dedicava-se à oração de Daimoku sincera e prazerosamente com a
alegria da fé adquirida pela prática e sentida na própria vida. Mesmo assim, os trabalhos de Yoshito não se
endireitavam tão facilmente, apesar de seus esforços desesperados. As desavenças entre o casal
continuavam repetindo-se como sempre, quase que diariamente. Talvez por adquirir uma vitalidade mais
poderosa, a disputa entre o marido e a mulher tornara-se mais intensa do que antes.
Quando Yoshito atacava com um bastão, sua mulher reagia com uma vassoura. As lutas de bastão
contra vassoura tornaram-se famosas entre os companheiros, chegando até a espalhar-se o boato: "o seu
Daimoku é tão forte quanto a sua briga".
Vendo esse aspecto, tanto os vizinhos quanto os parentes não queriam se converter à religião do
casal. -Quando se faz correr a água dentro de um cano que foi deixado há muito tempo em desuso, desse
cano inicialmente só sairá água suja e enferrujada. Com o correr do tempo, chegará o dia em que o mesmo
deixará correr a água limpa em abundância. Isto reconheceria embora ignorasse a existência do benefício
dessa natureza. . .
***
Jossei Toda, nessa época, orientava cada pessoa, mesmo aqueles que pareciam ser convidados
novos na reunião, como se fossem membros antigos. Assim como a fisionomia das pessoas apresenta mil
ou dez mil variedades distintas, as circunstâncias em que elas vivem são também surpreendentemente
diferentes entre si. Além disso, a predestinação e b destino são de uma variedade extrema, quer em
espécies ou nos aspectos.
Enfim, as atividades democráticas estavam sendo realizadas de diversas maneiras na sociedade.
Eram intensos os movimentos para a organização do sindicalismo trabalhista.
Entretanto, essas atividades estavam sendo feitas sem levar em conta a finalidade última do
homem e a questão da infelicidade de um indivíduo. Isso deveria antes partir da própria vida em si e voltar
em seguida para a vida de cada pessoa. Nessas circunstâncias, não haveria nenhum outro líder que
desafiasse frontal mente a vital predestinação de cada pessoa senão Jossei Toda.
Sua intuição era surpreendente. A perspicácia de Toda deve ter assustado, com freqüência, muita
gente. Não é fácil para qualquer um, orientar uma pessoa de maneira radical e transformar
fundamentalmente sua vida, a fim de que tal pessoa mostre o sucesso de uma nova vida. Real mente, é a
mais difícil de todas as questões difíceis. Toda enfrentava tal dificuldade com toda a boa vontade.
Ele necessitava provar o valor do Budismo a outrem através de seu procedimento diário e pela
própria fé. Isso adivinha de seu senso de missão e responsabilidade.
Entretanto, a incidência real da infelicidade das pessoas era muitas vezes inimaginavelmente
trágica a ponto de se pensar que não poderia haver estratégia alguma que a viesse solucionar. Vendo o
aspecto dessa natureza, talvez ele tivesse momentos de perplexidade. Apesar de que estivesse convicto da
força imensurável do benefício da Lei Mística, deve ter encontrado momentos em que necessitasse expelir
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todo o furor da força de sua fé. Deve ter lutado muitas vezes, no íntimo, tal como se o seu corpo estivesse
enfrentando a correnteza das águas, não sabendo sequer o momento em que se escorregaria pelo golpe da
correnteza traiçoeira. Antes de orientar, ele próprio precisava vencer primeiro. Após essa luta, então,
emanava sua gentileza e sua força generosa em forma de benevolência e convicção.
— Está bem assim. Está bem. Contanto que tenha a vigorosa fé no Gohonzon que seja genuína
como um recém-nascido. É o mais importante. Isso resolverá tudo, seguramente — os problemas
individuais, familiares, ambientais e sociais.
Suas palavras faziam extinguir uma por uma as infelicidades e as tragédias deste mundo.
Jossei Toda dispendia toda a força de seu corpo a fim de correr dia e noite a todos os cantos da
cidade, as ruas de após-guerra, mas havia momentos infrutíferos como gotas d'água sobre uma pedra
quente. Não se poderia dizer que era devido à infelicidade das pessoas de pós-guerra, que estavam
enfurecidas como torrentes bravias?
Em fins de janeiro foi publicado o caso de onze bancários envenenados em Shiina-Mati, subúrbio de
Tóquio. Às 4 horas da tarde, após encerramento de expediente e durante o balanço, entrou um homem de
meia-idade dizendo-se fiscal sanitário da Prefeitura de Tóquio e que viera ao banco para fazer prevenção
contra disenteria cujo surto se alastrara nas vizinhanças. Em seguida, dispôs 15 copos em fila sobre a mesa
do gerente substituto e jorrou um líquido branco.
— Deixem a conta para depois e tomem este remédio depressa por favor.
Ninguém duvidou dele e tomaram o líquido. Deve ter sido uma combinação de cianeto de potássio.
Os funcionários foram caindo uns após outros e. até à tarde, morreram onze pessoas e o prejuízo foi de
mais de cem mil ienes. Foi um caso horrível e tumultuado chamado "Crime do Banco Imperial". O fato foi
muito comentado na época. Os suspeitos foram presos uns após outros, mas o verdadeiro suspeito como
criminoso, chamado Hirassawa, somente foi preso após oito meses.
O jornal da época tinha apenas duas páginas, mas repleta de casos tristes. O jornal é o espelho da
sociedade, é a síntese. Através dessa publicação, os jornais famosos devem ter lutado ativa e intensamente
contra a política e a sociedade.
O julgamento de Tóquio instalado em grande escala, foi reiniciado no dia 3 de maio de 1946 com o
nome de Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente. Já havia decorrido mais de um ano e meio. O
Tribunal Internacional de Nuremberg encerrara-se em apenas onze meses, mas o Tribunal de Tóquio ainda
se prolongava. No dia 2 de janeiro desse ano, foi aberta a 346. a Secção para o Julgamento Público. O
julgamento estava aproximando-se do final, com a pressa de elaborar as sentenças penais. O Promotor
Keenan continuou inquirindo Hideki Tojo, o que dava motivo de comentários intensos nos jornais. Faltava
apenas provar a acusação contra Umezu e, se isso terminasse, haveria mais duas semanas para a
acusação final por parte do promotor. Em seguida entraria na apelação final do advogado da defesa. Isso
também terminou em fevereiro e foi publicada a previsão de que a decisão final terminaria até o fim de
março. Entretanto, na realidade, o Tribunal de Tóquio chegou a encerrar, afinal, em 12 de novembro, no
outono desse ano.
A sociedade japonesa agitava-se convulsiva e freneticamente. Foi nesse mês que o Gabinete
Katayama começou a vacilar.
O primeiro ministério instalado logo após a promulgação da Nova Constituição, organizado pela
coligação dos partidos Socialista, Liberal, Democrata e Cooperativista, tendo como chefe do executivo Tetsu
Katayama do primeiro Partido Socialista, começou a desmoronar em menos de seis meses, em virtude das
lutas internas do seu partido. O Ministro da Agricultura Rikizo Hirano rompeu com os demais ministros e o
Primeiro Ministro Katayama exigiu a demissão de Hirano mas foi negada por este. Katayama usou então do
poder para forçar sua desistência, mas a situação não foi solucionada e Hirano foi expulso pela Lei do
Funcionalismo imposta, por aquele. Em conseqüência disso, os 16 membros do Partido Pan-Agrícola,
solidários ao partido de Hirano, chegaram a abandonar o Partido Socialista em janeiro de 1948.
Após então, parecia que a situação se acalmara, aparentemente; entretanto, em menos de alguns
dias, a aja esquerda desse partido declarou a revogação dos acordos quadripartidários e resolveu agir a fim
de anular a coligação dos quatro partidos na terceira conferência do Partido Socialista. Ao mesmo tempo,
estavam sendo efetuados ataques dos esquerdistas também na Dieta, e chegaram a rejeitar o orçamento
nacional da comissão de planejamento Orçamentário da Câmara dos Deputados. O Presidente da
Comissão do Planejamento era Mossaburo Suzuki, do partido da esquerda. Esgotaram-se todos os
recursos e o Ministro Katayama não teve outra alternativa senão resolver a demissão em massa.
Não seria isso a anarquia proveniente da pretensão de conquistar o poder, esquecendo a massa e
a reconstrução? — ou seria a revelação do egoísmo e da ganância do partido? - Desejaria não
comentar esse fato. . .
O dia 10 de março, foi estabelecido o chamado 'Ministério da Importação do Capital Estrangeiro'
formado pela coligação dos três partidos, elaborada por Hitoshi Ashida, do Partido Democrata, o líder
executivo. Nessa ocasião, os socialistas da esquerda conseguiram enviar alguns de seus representantes
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pelo mérito da derrubada do ministério anterior. O ministério Ashida estava com vida curta. Desde o início,
já existia a causa para um colapso final. A decadência moral deve ter sido muito intolerante nos bastidores
da arena política.
Esta plutocracia do século XX mostra o quanto é ridícula, tal como a política do século XVIII. é
profundamente lamentável que esta tendência não se tenha curado, mesmo hoje, decorridos mais de 20
anos após a guerra. Não seria uma verdade dizer que existem opiniões de inúmeras pessoas de que cada
cidadão deve estar mais consciente do dever cívico e fazer vigilância rigorosa à política? O mundo
econômico era pior do que a corrupção do mundo político, pois, a economia do câmbio negro circulava
livremente e a vida diária da massa operária estava extremamente empobrecida. Quanto à degenerescência
do espírito humano era desnecessário dizer.
Por que em qualquer época o povo honesto é sempre sacrificado? Qual a razão da insuficiência dos
políticos, se eles têm o dever de trabalhar para o bem do povo?
Jossei Toda estava observando atentamente por diversos ângulos, a situação real da 'Era Maldosa
e Impura de Mappo'. Aquela tragédia chamada Crime do Banco Imperial ocorrera baseando-se
consequentemente numa concepção falsa. O próprio julgamento de Tóquio mostrou o drama dos eminentes
ministros e generais, embora seus atos se baseassem na própria convicção de certeza! — Os aspectos do
mundo político estariam também nas mesmas condições? — Toda, entretanto, permanecia num silêncio
rigoroso em relação à rápida transformação da época.
— A luta bárbara entre os seres humanos, choques e conflitos horríveis entre os próprios
japoneses. . . É o mesmo que uma briga entre irmãos, e isso nunca deve ser repetido. Quem está errado?
Onde está a causa desse desvio descarrilhado que se acelera como um círculo vicioso que não tem o fim?
Por acaso, ninguém percebeu esta realidade? Não. Saiba ou não saiba, não há outra expressão para isso, a
não ser que rotule como situação irremediável.
Não posso deixar de lembrar uma passagem da novela histórica Shihon-Taiheiki. é sobre o poema
que descreve os dois filhos de Sôsso na novela de Sangoku-Shi que descreve a ambição dos Três Impérios
para o domínio inteiro da China.
Zao Cao, o fundador do Império Wei (Sosso-Gi) teve dois filhos. O primogênito de Zao Cao, o
sucessor do pai que se tornou imperador com o nome de Wen-ti (Sohi, o Imperador Culto) e outro mais
novo. Ambos possuíam gênios totalmente opostos. Surgiam consequentemente os atritos incessantes entre
eles, pois, o mais novo possuía paixão pela poesia e literatura com aversão à política e militarismo. Sua
visão era inteiramente oposta a do seu irmão. Entretanto, o mundo vivia sob nuvens belicosas em
conseqüência da aliança dos impérios vizinhos Wu e Shu (Go e Shoku) pretendendo atacar o seu pais. O
império monumental que Sosso construirá parecia sofrer uma varrida matutina de outono. A época não
permitia uma tranqüilidade que pudesse dedicar apenas à poesia.
(•) as pronúncias fora do parénteses é a chinesa e dentro, a japonesa para facilitar a leitura e
compreensão pelos nisseis, japoneses e conhecedores da língua japonesa.
Zao Cao chamou o seu irmão Zao Shi e disse: — Você esqueceu a obra do pai que nos deixou? Em
que época acha que estamos vivendo? A partir de hoje, deixe de compor os versos. Pegue a espada e
jogue fora os pincéis. O irmão poeta ajoelhou-se diante do seu irmão imperador com lágrima nos olhos.
Confrontou-se com Wen Ti e negou: - Sinto muito, mas, não posso parar 1 Diante dos olhos da
multidão de acessores do Imperador Buntei, ele disse: - Não possuo uma outra habilidade senão, dedicar-se
à Cultura. Essa é a minha razão única para viver. Mesmo que me ordenasse proibindo a composição da
poesia, não poderia deter os versos que nascem espontaneamente do meu coração. Esta cena
desenvolveu-se diante dos olhos da platéia militar. O imperador Wen Ti que não possuía cultura, decidiu
matar o seu irmão mais novo com sua espada, num só golpe. Ordenou para que o poeta levantasse: Vá
andando. Faça um poema enquanto marcha sete passos Se não conseguir, cortarei o pescoço e a cabeça
cairá imediatamente. Se fizer um excelente poema, perdoarei conformando que você é um ser anômalo.
Zao Shi (Soshoku) sob ordem temerosa, levantou-se para mover a passos, declamando tristemente a
poesia:

Para cozinhar os.grãos de soja,


Queimam-se as folhas e os ramos.
No caldeirão fervente,
a soja diz chorando:
— Por que destruirmos juntos,
Se nascemos da mesma raiz?
Além disso, . . .com pressa e bravura!

Esse poema, denunciando os conflitos de tristeza e de ódio entre os dois irmãos, não podia deixar
de impressionar o coração dos expectadores.
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Em torno de Toda, muitas vezes, seus discípulos manifestavam suas indignações contra os
numerosos exemplos semelhantes e vistos no meio da sociedade. Em todas essas ocasiões, ele respondia
ponderadamente:
— Por isso mesmo, digo que a era do Kossen-rufu está chegando. Deixem, por ora, fazerem o que
eles bem entenderem. Quanto mais se manifestarem, mais se desesperarão sem saída. Somente nós
sabemos como devemos salvar nessa época. O importante é estudar tudo e estarmos bem preparados para
qualquer eventualidade, já que, na certa, um dia se tornarão bastante atarefados. . .
Raramente, Toda comentava com risos ou sorrisos a respeito da política.
Certamente, ele deve ter possuído dentro de si, a convicção do progresso no Kossen-rufu que irá
transformar futuramente a sociedade e a política do país. Pode-se dizer que, naquela época, o seu trabalho
nada mais representava senão a solidificação das bases, passo a passo para a Paz Mundial. Criava seus
discípulos como entes queridos que bateriam suas asas para o futuro, mesmo mergulhando nas montanhas
e nos campos, acreditando no porvir de uma Nova Era.

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No Redemoinho
A Nihon Shogakkan de Jossei Toda sofria com as rudes ondas da inflação galopante. Seu trabalho
prosseguia assim mesmo, rejeitando os obstáculos sucessivos. Não se podia permitir um instante sequer o
menor descuido. Apesar de ter reiniciado três anos antes, seu negócio comparava-se a um pequeno barco.
Dentro do redemoinho da instabilidade da economia japonesa, encontrava-se numa situação insegura e não
sabia quando poderia ser engolido pelas ondas bravias ou ser afundado por elas.
Os assuntos internos de seu negócio modificavam-se vertiginosamente. Apesar dos cursos por
correspondência, de matemática, ciências e inglês iniciarem-se em boas condições, entretanto, com o
aumento dos preços de papel e das despesas em publicação, resultaram finalmente no déficit após seis
meses de trabalho. Nada podia fazer para se defender contra o declínio dos negócios devido às
dificuldades, apesar de que tivesse sucesso nos contratos e deixasse calculadas amplas somas em
reservas.
Ele elaborava todos os planos possíveis, como um barqueiro tarimbado que ia contornando com
habilidade as ondas elevadas e bravias.
Antes de mais nada, mudou o serviço para a publicação de livros. Se fossem vendidos em curto
prazo, poderia evitar as influências da inflação. Talvez, em virtude da saudade dos textos tipográficos ou
pela fome que sentiam das obras literárias, os leitores lançaram-se aos impressos. . . O conteúdo,
para os leitores, era de importância secundária. Eles queriam satisfazer a necessidade premente de
preencher sua fome espiritual através dos livros novos, desde que fossem letras imprimidas. Na certa,
desejariam sentir o sabor da paz do mundo de após-guerra, devorando os livros para satisfazer a leitura.
Foi nessa época precisa que, tão logo se publicou a 2.a edição de "A Pesquisa do Bem", de Kitaro
Nishida, os leitores formaram uma fila de centenas de metros frente à Livraria I, em Kanda, para a compra
do livro, apesar da escura hora da madrugada.
Não havia, portanto, receios quanto à venda de livros. A dificuldade consistia nos serviços de
impressão e na aquisição da matéria-prima. Desde o tempo da guerra, o papel era material controlado pelo
governo, e não podia ser obtida uma folha sequer sem sua autorização. Se considerarmos que o consumo
do papel mede o grau de cultura do povo, tal situação seria um disparate.
As editoras apresentavam seus planos de publicação para o órgão de controle da imprensa
denominada "Nihon-Shuppan-Kai", ou "Associação das Editoras do Japão". A tiragem das publicações era
resolvida de acordo com seu conteúdo. Em seguida, era autorizada a distribuição do papel, na quantidade
necessária, das fábricas para as editoras.
Esse tipo de controle prosseguia no mundo econômico, mesmo após a guerra. Os negócios no
câmbio negro realizavam-se à luz do dia, ofuscando os olhos da polícia econômica. Logo após a guerra, do
precioso papel escondido pelo Exército Imperial e apreendido pelas forças de Ocupação, foi se esgotando
no consumo interno. Quando acabou o estoque, um novo tipo de papel rústico chamado "Senkashi"
começou a entrar no consumo. Era um tipo de papel reformado e grosseiro, tal como é usado na
propaganda ordinária. Como podia ser usado na imprensa, parece que todas as editoras fizeram esforços
comuns para adquirir esse tipo de papel no valor inflacionário, fora da lei.
Pode-se dizer que era uma época em que uma empresa gráfica podia entrar imediatamente em
funcionamento, desde que garantisse a obtenção do papel. Foi nesse tempo que surgiram numerosas
empresas gráficas criadas por pessoas que cuidavam dos depósitos de papel que o exército despachava
sob controle. Foi o início da partida de uma cultura de baixo nível.
A proliferação de um bando de pequenas empresas editoriais e o surgimento do movimento
inflacionário até no setor da imprensa - estes fatos mostravam o triste destino ligado à horrível disputa de
interesses entre os homens.
Uma empresa que lutara desesperadamente para adquirir o papel, começou inclusive a comprar até
as florestas, a fim de garantir o material. Derrubando a floresta, escolhia as melhores árvores e cortava seus
troncos em pedaços para enviar às fábricas de papel e servir de matéria-prima. A fábrica restituía
clandestinamente uma porção de papel em troca dos troncos de madeira. Evidentemente, não era outra
coisa senão a volta ao comércio primitivo da troca de objeto por objeto, ressuscitada em conseqüência da
desvalorização da moeda.
Jossei Toda, como editor, estava também em meio a essa espécie de redemoinho. Certamente, ele
também correu à procura de papel, mas não chegou a ponto desesperador. Ele deve ter lutado,
repreendendo os Deuses Budistas. Conforme as ocasiões, para obter a quantidade necessária, associava-
se às outras pequenas editoras a fim de formar um capital maior para poder adquirir a maior quantia
possível de papel. Ele estava sendo surpreendentemente protegido pela sorte, na aquisição do papel.
Toda começou a publicar os livros em vários volumes, inicialmente 'As Lições sobre a Democracia
no Japão' seguido por numerosos tipos de novelas para o alcance das massas. Isso deu resultado até certo
ponto. Entretanto, quando planejava a publicação das novas edições, a fim de obter mais lucros, não pôde
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formular o balanço comercialmente favorável. Pelas normas gerais, o maior lucro da editora provinha
sempre das reedições. Entretanto, a época não permitia o uso desse bom senso, habitualmente eficaz.
Mesmo publicando livros que se esgotassem rapidamente e que após alguns meses fossem
reeditados, a marcha da inflação fazia encarecer os materiais e as despesas da imprensa. Surgia sempre
um déficit com o preço anterior, de tal maneira que não se podia calcular o "superávit". Além disso, mesmo
que publicassem de novo com outros preços, poucos livros bons eram seguramente bem sucedidos na
venda.
Apesar de que Toda tivesse habilidade nos negócios, não podia impedir a marcha inflacionária.
— é absurdo! Com muito esforço conseguem-se publicar os impressos. Vende-se com êxito.
Há incontáveis encomendas. Prepara-se a nova edição com otimismo, e o balanço é comercialmente
desfavorável, é um assunto completamente estranho. Desse modo, as editoras não podem publicar seus
livros e isso seria como um peixe fora d'água. é uma época realmente absurda. Assim, nada se pode fazer.
Como o negócio está sendo ingrato!
Toda deixava escapar sua insatisfação, rindo com os empresários que encontrava.
- Professor. Por favor, peço-lhe que me sugira uma boa idéia.
Muitos empresários tratavam Toda como um mestre.
— Não deixo de pensar nisso, mas, enquanto o ventre está revoltado não surge uma boa
idéia.
- Ah,ah. ah!
O diálogo terminava em piada, mas Toda não permanecia no meio do desgosto. A seguir,
após um raciocínio frio e sereno, partia para o início da publicação de novas revistas.
Nessa época estavam sendo publicadas numerosas revistas de poucas folhas. Algumas eram
revistas dos tempos anteriores à guerra. Apesar disso, ainda não havia uma editora que estivesse
planejando para se tornar realmente numa empresa comercial. As revistas mensais famosas nos tempos
anteriores à guerra, como 'A Revista da Mulher', as revistas para a diversão das massas e a 'Revista Infantil'
que necessitava de uma enorme quantia de papel, estavam suspensas devido à preocupação
quanto ao déficit no prosseguimento da publicação dessas edições.
é respeitosa a vida de uma pessoa que deposita toda sua força aplicando brilhantemente sua
inteligência em todas as atividades, sejam elas quais forem, sem que seja arrastada pelo desânimo.
Toda decidiu romper, a todo custo, os impedimentos para o prosseguimento da empresa editorial. A
revista era mensal. Era diferente da revista que requeria a publicação em séries contínuas de caráter
duradouro. Além disso, para se defender contra as alterações de preço, podia determinar o valor da revista
calculando antes o papel e a despesa, mês por mês. Podia determinar o orçamento de maneira razoável
acompanhando as ondas inflacionárias. E ainda, até aquele momento não havia concorrente.
Após essa conclusão obtida sinteticamente, fez preparativos com a velocidade dos raios ou da luz
incandescente. Antes de mais nada, era necessário o aumento do número de funcionários da editora. A
organização de uma editora, de maneira geral, é muito fácil por ser pequeno o número de empregados.
Como primeiro passo, publicou a 'Aventura Infantil' e em seguida a revista feminina, 'Rubi'.
A editora instalada numa das salas de Nihon-Shogakkan mostrou-se de súbito atarefada com as
múltiplas atividades. Os novos funcionários admitidos, apressavam-se para visitar os escritores e
desenhistas, e ao voltar para o escritório, deviam sair imediatamente.
O setor de coordenação dos negócios agia com cautela e segurança na obtenção do papel e nos
contratos com as empresas publicitárias. Além disso, iniciaram-se movimentos preparatórios para a rota das
promoções de vendas.
Portanto, sob rigorosa determinação dos horários, a ninguém era permitido o descuido. Em tudo se
consegue êxito, coordenando sistematicamente as atividades diversas para o esforço comum, visando um
objetivo, como um organismo vivo. Mesmo na empresa, na autarquia, na sociedade e no Estado, que visam
o progresso e paz, seria logicamente, uma verdade. Todos os dirigentes devem estar cientes disso e agir de
acordo com esse princípio. Entretanto, ao contrário, invejam os que estão unidos ou criticam a sua união.
Como podem ser tão levianos, tal qual os rasos-túmulos que se descobrem facilmente?
O mesmo acontecia com a criação de uma revista. O produtor era Jossei Toda. Sentando-se
calmamente na cadeira de vime, dirigia e incentivava junto aos editores, passando os olhos em todos os
setores. Ao seu redor, o ambiente era sempre de plena atividade.
Alguns meses após a primeira publicação, 'A Aventura Infantil' já havia atingido a circulação acima
de cem mil exemplares. A circulação de 'Rubi' que fora publicada pouco tempo antes, parece que
ultrapassou dez mil exemplares. Apesar de que houvesse devoluções, poder-se-ia dizer que fora um
sucesso evidente, o mínimo necessário para evitar o desastre da inflação.
Onde a figura central trabalha com afinco, seus empregados, naturalmente, tornam-se esforçados.
Se o chefe cai na rotina, seu hábito reflete-se nos empregados, o que influirá de algum modo para o
resultado, é um princípio comum aplicável em todas as sociedades. Mesmo que as empresas ou as
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organizações tornem-se grandes, visto a longo prazo, o processo será sempre o mesmo.
A Empresa de Toda, tendo estas duas revistas como objetivo principal e a publicação dos livros em
separata como objetivo secundário, parece que atingiu um lucro considerável, mas as atividades financeiras
pareciam ser muito penosas. Isso não foi devido à falta de um grande capitalista na sua retaguarda, mas à
medida que o lucro ia sendo acumulado, ele ordenava o pagamento das dívidas anteriores á guerra.
Por curiosidade, os aumentos dos preços do arroz racionado, foram os seguintes:
O preço do arroz em dezembro de 1945, era 6 ienes cada 10 kg; em julho de 1948, após dois anos
e meio, aumentou para 266 ienes. Houve o aumento de 45 vezes aproximadamente. Em agosto de 1952,
após 4 anos, subiu para 620 ienes, portanto 103 vezes mais em relação ao preço de 1945.
A inflação é habitualmente considerada como medida econômica para estimular a produção, mas, a
inflação galopante, ao contrário, perturbava e impedia o interesse e o ânimo da produção.
Aqueles dois anos de prisão - Durante a ausência de Toda, suas empresas foram à falência e
restaram apenas dívidas enormes. Comparando-se com a prosperidade dos negócios na véspera da prisão,
a falência seria um enigma. Porém, foi devido à irresponsabilidade dos dirigentes remanescentes. Era o que
se esperava, naturalmente.
Naquele tempo, era comum o distrato simples das dívidas e contrato de pagamentos por tempos
indefinidos, aproveitando-se das confusões reinantes na guerra, pois, a inflação deixava os negócios
desaparecerem por distrato natural, através do tempo.
Apesar disso, Toda aceitou a dívida total com mais de dois milhões de ienes, mesmo antes do fim
da guerra. Ele respeitava muito a confiança e a responsabilidade em relação aos negócios, apesar desse
hábito que reinava na época.
Logo após a guerra, as grandes e pequenas fábricas de munições transferiram uma grande soma
de materiais liberados pelos militares para os valores de suas próprias companhias, sob o nome de artigos
bélicos vendidos pelo governo e liquidados pelos acordos militares. Além disso, as empresas recebiam
cinicamente, até mesmo a indenização da guerra.
Em meio a essa época, Toda parecia um empresário totalmente honesto na opinião da maioria. Não
era uma dívida que ele criara. Fora criada pelos subordinados após ausentar-se da sociedade contra sua
vontade e obrigado pela imposição autoritária do Governo Militar.
Agora, ele se responsabilizava pela dívida por vontade própria. O Estado não deveria de arcar com
a responsabilidade total e sanar os danos sofridos por uma pessoa que saíra da prisão sem culpa e que
antes fora preso em defesa da sociedade e do país?
Okumura que era tesoureiro, possuía um bom senso extraordinário e mesmo assim, ele dizia a
Toda com indignação:
— Como o senhor tem coração mole!
Desviar, agora, o lucro obtido com tanto esforço, para então pagar a dívida que não trazia proveito
algum! Esta deve ter sido a causa de seu desgosto.
— Mestre! Aquela turma também é irresponsável. Não está sendo injusta demais?
A turma a que se referia, era a dos credores antes dá guerra. Sabendo que Toda dissolvera seus
negócios logo após o término da guerra, eles foram cobrar as dívidas, agora, com o pretexto das ordens de
pagamento por ele emitidas.
Toda sorriu para Okumura.
— Não seria melhor ser um bonzinho ingênuo do que maldoso?
— Mesmo assim, Mestre, há um limite!
Okumura, tesoureiro responsável, não podia mais conter sua insatisfação, toda vez que necessitava
arranjar o dinheiro para o pagamento a essa turma.
— Sinto muito. Não fique zangado por minha causa. Não acha que seria uma grande
transformação, o fato de poder pagar as dívidas antigas? Aquela turma antigamente
era rica. Agora, eles estão sofrendo mais do que eu. Dentro da prisão tive chance de comer muito arroz, e
os muitos empregados deles, juntamente com a família, deixaram de morrer pela fome graças ao crédito
emitido por eles e conseguiram viver no meio da guerra. Eu devo um pouco de gratidão a eles. Senhor
Okumura. por acaso não foi também um dos favorecidos? Ou ainda discorda comigo?
Okumura ficou desapontado de tal maneira que não tinha mais o que dizer.
— Eu não poderia pagar se não tivesse lucro. Não poderia pagar demasiadamente, a ponto de
provocar falência no negócio. Tudo tem limite. O seu trabalho, senhor Okumura, é ponderar bem sobre esse
ponto de vista. Peço que continue pagando dentro das possibilidades.
— Mas, que espécie de homem é esse professor!
O tesoureiro estava totalmente estupefato. Quando a insatisfação de Okumura para com Toda
desapareceu completamente, começou a acumular outra insatisfação que dirigia contra os credores.
Adaptando-se à sociedade que se transformava de maneira vertiginosa, Jossei Toda abria
sucessivamente as brechas no caminho desse meio para o prosseguimento de seus negócios.
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Os trabalhos, durante o dia - até pareciam estar avançando com toda a sua energia, dentro das
ondas intensamente agitadas.
À noite, ele se devotava à luta para a formação dos valores humanos, através das lições do
Hokekyo e do Gosho, três vezes por semana. Nos outros três dias da semana percorria as reuniões-de-
palestra para promovê-las dentro de Tóquio, ora entrevistando diversas pessoas ora mostrando como fazer
um Chakubuku modelo. As atividades durante os dias e as noites faziam-no muito mais atarefado e eficaz
do que outro empresário qualquer.
Aqueles que viram de perto suas atividades diárias, devem ter chegado naturalmente à conclusão
de que a fé consiste realmente no princípio da sobrevivência.
Além disso, as atividades do Chakubuku' regional vinham-se superpondo nos sábados e domingos.
No início da primavera de 1948, ele estava se dirigindo para Shimoda, Península de Izu.
Quando Toda ouvia falar de 'Shimoda' sentia dor no coração, é o local onde seu querido mestre
Tsunessaburo Makiguti fora preso. Ele não podia deixar de recordá-lo. Dentre seus acompanhantes,
ninguém podia conhecer sua indignação e tristeza. Com certeza, deve ter sentido profundamente no peito, o
fluir daquela dor que lembrava a da torsão visceral estrangulada.
No dia 4 de julho de 1943, o Presidente Makiguti dirigia-se para a reunião destinada às diversas
pessoas das vizinhanças de um hotel de Rendaiji, em Izu. Parece que cerca de três pessoas
acompanhavam-no desde Tóquio. Nessa época, um mês antes, no dia 20 de junho os dirigentes como
Jindate, Arita e outros, estavam sendo detidos e investigados pela Delegacia de Polícia de Yodobashi. As
garras maldosas do poder, estavam aproximando-se dele a cada minuto que passava. Ele percebia isso.
Entretanto, devido à sua responsabilidade inviolável perante a missão, Makiguti prosseguiu assim mesmo
sua viagem para Izu.
— Agora é o momento propício para advertir o Governo!
Com altos brados ele afirmou a sua decisão irreversível. Desde então, passaram seis meses. Essa
decisão posta em ação, significava o conflito inevitável com o poder autoritário do Governo Militar. O mesmo
sentimento de Nitiren Daishonin que advertiu o Governo Kamakura, há setecentos anos, na véspera do
perigo iminente do país que foi a invasão mongólica, aquele mesmo bramido de leão, não estaria de novo
preenchendo inteiramente o seu peito?
"Afinal, mesmo que o Céu me abandone, que eu deva sobrepujar dificuldades múltiplas e que à
minha vida seja aniquilada. . . Que surjam diversas espécies de obstáculos ainda maiores, a minha Doutrina
nunca deverá ser rejeitada, a não ser que seja destruída por um outro Sábio Maior."
Quantas vezes por dia, Tsunessaburo Makiguti compenetrou-se nesta frase que se encontra no
Kaimoku-sho (Kaimoku-sho: A tese importante de Nitiren Daishonin intitulada "Abertura dos Olhos ao
Verdadeiro Budismo" elucidando o objeto da fé em relação à pessoa). Mais do que nunca, ele deve ter
compreendido profundamente, convicto de que era o momento de prosseguir o caminho de Daishonin como
seu discípulo.
"Tal juramento não deve ser violado."
Para Makiguti, que contava com 73 anos, suspender o programa de viagem a Izu, significava a
derrota de sua fé. Estava em plena guerra, numa vila isolada e além disso, com alguns companheiros
somente. Sua conduta não permitia abandonar mesmo um simples membro à espera de sua orientação.
As atividades diárias da fé baseiam-se principalmente na prática. Não se poderá mais falar nos atos
da fé, se a prática for interrompida. A idade avançada, a rigorosa fiscalização policial, o local distante e
isolado ou o pequeno número de pessoas, nada disso serviria para a desistência. Sua atividade
impulsionada pela fé, como o fogo que incendeia o céu, por nada podia ser detida.
- Ah! Seguir o caminho da fé, escolhido pela própria convicção e avançar resolutamente, sem temer
o perigo. Poderia encontrar uma outra vida mais sublime do que esta?
Enquanto Makiguti solicitava à Nitiren Shoshu sua adesão para protestar com "Advertências ao
Governo", o Templo Supremo estava sendo pressionado pelo Governo e forçado a ser incluído no Plano da
Unificação de toda seita Nitiren pelo Ministério da Educação como uma das medidas para a unificação de
pensamentos. Surgiu até um grupo de bonzos maldosos que aclamaram o plano e aderiram à Unificação
em torno da Seita Minobu. Devido aos detestáveis bonzos que estenderam suas mãos do Governo Militar,
parece que o Templo Supremo foi obrigado a suportar as desagregações internas.
É desnecessário dizer que é uma necessidade possuir em primeiro lugar, a união dentro da Nitiren
Shoshu, em torno do ideal, a fim de que as "Advertências ao Governo", sejam postas em ação. A cúpula do
Templo Supremo estava com atenção totalmente voltada à reunificação interna e na defesa contra a
inclusão na Seita Minobu. Nessa época, o Departamento de Religiões do Ministério da Educação estava
sendo bitolado e manobrado pela Sociedade chamada "Suigyokai", formada pelos poderes militares e pelo
grupo de bonzos partidários do militarismo que estava aderindo à Seita Minobu, como vermes que corroem
o ventre do leão. Em conseqüência dessa conspiração, os bonzos fiéis à Nitiren Shoshu estavam
inteiramente ocupados em safar-se do perigo sem precedentes, desde há setecentos anos, antes que se
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pudessem preocupar com o perigo iminente do país. A ação unificada entre os bonzos e os seguidores da
Nitiren Shoshu, para mover as "Advertências ao Governo" propostas por Makiguti, infelizmente não foi bem
sucedida na época, por não encontrar apoio do Templo Supremo.
O protesto intransigente de Makiguti afinal levou-o ao isolacionismo completo. Enfim, pode-se dizer
que a Soka-Kyoiku-Gakkai* tomou uma posição vista como oposição ao Governo e assim, o vigor da
organização foi se esvaindo nitidamente. As perseguições do Governo Militar à Nitiren Shoshu mudaram
com grandes reviravoltas e começaram a concentrar todas as atenções para a Soka-Kyoiku-Gakkai (Soka-
Kyoiku-Gakkai: Sociedade Educacional Criadora de Valores. O nome da organização pré-guerra da Soka-
Gakkai, estabelecida por Tsunessaburo Makiguti, em 1930. Foi organizada com o grupo de professores que
se interessava pela teoria de criação de valores de Makiguti, cujo conceito filosófico se baseava na doutrina
da Nitiren Shoshu). A mudança de direção das perseguições para a Gakkai, trouxe tranqüilidade para o
Templo Supremo. Por outro lado, a Gakkai recebeu toda a opressão proveniente do poder militar e teve que
suportar desesperadamente as suas inteiras conseqüências.
O Departamento de investigações estava esperando atentamente a oportunidade para poder
prender os líderes da Gakkai de uma só vez. Não era difícil taxar como sendo uma Ordem Contrária ao
Estado com o pretexto de que suas afirmações eram contrárias ao Xintoísmo. Finalmente assim o fez.
Era uma época em que os patriotas e os sinceros amigos do povo, desejosos da sua felicidade,
eram chamados de traidores da Pátria. Que falta de lógica! Que contradição! Não devemos jamais permitir a
criação, daqui para frente e sempre, de uma época tão trágica assim, com dirigentes dessa natureza. Não
posso deixar de orar para a paz e a felicidade dos numerosos heróis anônimos que se distinguiram nessa
causa nobre.
No dia 3 de julho de 1943, quando os presságios desagradáveis da derrota começavam a se
intensificar sobre o Japão, Makiguti e seus acompanhantes partiram do Templo Rendaiji, rumo a Shimoda
para participarem da reunião de palestra a ser realizada à tarde como de costume, na casa de um membro.
À noite ele foi a Suzaki, a fim de realizar Chakubuku.
O motivo que levara Makiguti a dirigir-se à casa onde nasceu Kishiko Hayashi, em Suzaki, foi o de
encontrar-se com seu pai. Parece que ela desejava muito a conversão do seu idoso pai e com esse intuito
solicitou a visita de Makiguti.
Suzaki situava-se no promontório em forma de punho avançando para o mar, à esquerda do Porto
de Shimoda. Digamos que seja uma ponta de lança da Península de Izu para onde convergiam as águas do
Oceano Pacífico e Baía de Sagami. Desse local podia-se apreciar o majestoso panorama a mil milhas de
distância.
Makiguti admirava e apreciava o brilho e a paisagem tropical dessa ponta de terra para o mar.
Ele conversou com o pai de Kishiko até altas horas e aceitando o convite afetuoso, aí pousou nessa
noite.
No dia seguinte, 6 de julho, quando acabou de almoçar, dois agentes da polícia da Delegacia de
Shimoda, vieram solicitar entrevista com Makiguti, pedindo que ele os acompanhasse até o Posto Policial.
Kishiko Hayashi empalideceu.
- O que é isso? O que estão pretendendo com o Mestre? Se fosse Tóquio ainda vá lá, mas,
aqui é Shimoda! Como a polícia do interior teria assunto com o Mestre?
Às vozes excitadas de Kishiko, em frente do portão, Makiguti apareceu condignamente e
apresentou-se. Os olhos de Makiguti estavam sérios e penetrantes. Ele disse com calma, chamando os
policiais:
- Qual é o assunto?
- O senhor saberá quando chegar à Delegacia. . . pedimos que nos acompanhe sem
comentários.
Um dos policiais respondeu gaguejando. Makiguti, colocando uma das mãos entre o 'Obi' (Obi —
cinto para kimono) permaneceu por algum tempo fitando os olhos dos agentes da polícia.
- Agora? é para já?
- Isso mesmo.
- Então, peço que esperem um momento. Irei preparar-me.
Makiguti foi para o quarto do fundo, a fim de vestir com serenidade o traje clássico, inclusive a peça
'Hakama' (Hakama - um traje nativo japonês para o homem que ainda era comum nas eras de Meiji e
Taisho ou no início deste século). As mãos de Kishiko pareciam estar trêmulas no momento em que ela o
ajudava.
- Não há o que temer. Dei-lhe trabalhos. Desculpe-me. Era a casa do ex-chefe da vila. Ele
disse receosamente a fim de não incomodar a família e em seguida saiu para o corredor. Cumprimentou
cortesmente o pai de Kishiko na sala de chá e saiu para o portão, deixando atrás, as despedidas da família.
- Desculpe a demora.
Os dois agentes da polícia cumprimentaram-no à maneira tradicional.
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- Srta. Kishiko Yayashí, pedimos que venha também conosco.
- Eu também? . . .irei sim! Por que não?
Ela parecia estar revoltada. Virou os olhos para o pai que estava desapontado em pé, e chamou-o
como se pedisse ajuda.
- Papai...
O pai, já idoso, dirigia seu olhar dúbio e receoso sobre a filha.
- Agradeço as dedicações a mim prestadas. Desejo-lhe boa saúde. . .
Makiguti cumprimentou respeitosamente a cada um dos membros da família e em seguida,
começou a andar na frente de todos. Logo os dois policiais foram atrás. Um deles correu para se
emparelhar com Makiguti.
Kishiko também correu, alcançou Makiguti e disse:
— Mestre. Desculpe-me.
— Desculpar o que?
— ...
Como se indagasse algo, Makiguti observou a fisionomia de Kishiko.
— Chegou a hora!
Disse apenas isso e foi andando silenciosamente. Kishiko não podia entender nada do que se
passava. O motivo pelo qual ela disse "desculpe', foi devido ao pensamento de que seu pai, que era
contrário à sua religião, tivesse ido denunciar à polícia. Seus passos eram pesados.
Era longa a caminhada de 4 km até à Delegacia de Shimoda, pela estrada do interior. O sol de
julho, quase ao meio dia, batia diretamente nas costas das quatro pessoas.
Era escuro o verde das colinas. O céu azul estendia-se ao infinito. O sol de verão brilhava
claramente, sobre a superfície do mar. Esse caminho do interior seria uma tortura intolerável, se não tivesse
a brisa suave que soprava da praia.
Makiguti não parecia ser um homem de idade avançada na postura ereta e andando de peito cheio.
Usava o guarda-chuva de sua estimação com bengala e andava de tamanco sobre o caminho cheio de
pedregulhos, os quais dificultavam a sua marcha. Às vezes interrompia a marcha e contemplava o céu.
Outras vezes parecia admirar as belezas naturais das proximidades.
Seus olhos pareciam estar alheios à presença de Kishiko e dos policiais. A caminhada era
silenciosa, ele não demonstrava nenhum aspecto de reação, nem mesmo um pouco de medo sequer.
— Havia em seu aspecto algo que fazia sentir profundamente o ditado de um livro clássico: "A
causa da ruína de um país não está na ausência do sábio; está no impedimento da sua ação em proveito do
país."
Tsunessaburo Makiguti estava andando realmente com serenidade. Seu aspecto intelectual em
traje tradicional, o kimono, parecia sem dúvida, o de um homem solitário. Melhor ainda, deveria dizer que
parecia altivo. Se quisesse acrescentar algo, poderia dizer que até parecia sublime, quando se percebia o
aspecto dos seus lábios firmemente cerrados.
Enquanto ele conduzia, em silêncio, os seus passos, desenrolava-se dentro de sua mente, uma
série de pensamentos os mais diversos. - Sobre a vida dos seus numerosos discípulos em Tóquio. . . Se a
polícia estendera seus agentes até Shimoda, para deter Makiguti, então deve-se admitir que em Tóquio,
eles deveriam estar investigando rigorosamente sob planos premeditados.
Veio à sua mente a fisionomia do Diretor Geral. Em seguida, Terakawa, Miyajima, Fujissaki,
Kitagawa, Iwamori, Honda, Kanda, Mishima e outros. . . Por conseguinte, sem perceber, movendo a cabeça
estava orando e desejando que os discípulos tivessem intensa fé.
"Os discípulos de Nitiren nunca deverão ser covardes."
Na certa, esta frase deve ter emergido até os seus lábios. Por tantas vezes dele deve ter engolido e
repetido esta mesma frase dentro de si.
— Chegou o momento. Chegou a hora da luta em que a minha vida deve ser arriscada. Não devo
ser derrotado.
Ele orou intimamente o Daimoku. Ouvindo o chilrear dos pássaros, lembrou-se de repente do
aspecto da Yoko, sua neta recém-nascida. Preocupar-se pelos outros antes de pensar em si, isso deve ser
o sentimento paterno.
Ele voltou a si. De repente, brilhou na sua mente, uma das linhas das 'Onze Cartas" ('Onze' Cartas":
Nitiren Daishonin escreveu onze cartas às altas personalidade do Cia" Hojo e influentes líderes do Japão
em 1268, informando que a predição de Daishonin sobre a invasão mongol tornar-se-ia uma realidade se
eles se opuserem ao Verdadeiro Budismo, a despeito de sua austera admoestação. Isso provocaria
perseguições aos discípulos de Daishonin. Apesar disso, aconselhou-os a estarem preparados para
enfrentar as perseguições. A profecia transformou-se em realidade no ano de 1274.)
". . . cada um deve estar prevenido. Não se deve temer a esposa, os filhos e nem mesmo o poder
das autoridades. . ."
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Abaixo do penhasco, o mar estendia-se majestosamente à distância. A natureza, alheia aos
sentimentos humanos, permanecia demasiadamente calma e silenciosa.
— É isso mesmo! Chegou a hora inevitável de chocar frontalmente com o poder autoritário do
Governo. Esta batalha, chamada "Kokka-Kangyo", na verdade, é a luta admoestatória ao Governo. Há
processos legais quando alguém vai julgar ou ser julgado pela lei do país. Entretanto, isso não passa de
uma formalidade do ponto de vista do Budismo. Pela visão budista, a batalha do direito inalienável seria a
última tarefa, da Advertência para o Governo deixada para mim, Tsunessaburo Makiguti. Não devo perder
tempo com formalidades. Agora é uma ótima chance para refutar abertamente a conduta anti-budis-ta do
Governo, por meio da 'Teoria do Valor' e dos Princípios Básicos do Budismo. Chegou a hora da minha ação!
Desejava até sorrir animada e corajosamente. Levantou o guarda-chuva e bateu sua ponta contra
uma pedra que havia no caminho.
Os agentes de polícia olhavam para Makiguti com desconfiança.
Após a caminhada de 4 km, enfim, entrou pelo portão da Delegacia de Shimoda. Ele não era como
uma ovelha que seria massacrada no matadouro. Sua atitude era como a do Rei Leão que avança
destemidamente para o perigo.
Makiguti e Kishiko foram detidos nesse dia. Na manhã seguinte, somente Kishiko foi libertada. A
investigação contra ela fora simples e também ficara provado que o autor da denúncia não fora seu pai.
O pai que era inflexível, motivado por tal acontecimento, veio a se converter mais tarde.
Makiguti ficou preso mais um dia na Delegacia de Shimoda. No dia seguinte, de manhã, chegaram
vários investigadores da Polícia Metropolitana e ele foi transferido para Tóquio, a fim de ser detido como
autor do Crime Ideológico.
Passou-se um ano e meio, desde que fora preso.
Makiguti persistiu lutando heroicamente nos primeiros interrogatórios. Procurou até mesmo fazer
com que os juizes compreendessem a 'Teoria do Valor'.
No dia 18 de novembro de 1944, enfim, ele saiu da Prisão de Sugamo, transformando-se em
cadáver. No registro do presídio, nesse dia, foi anotada apenas a "Saída de Tsunessaburo Makiguti";
propositadamente o registro da morte fora omitido.
Jossei Toda partiu para Shimoda, a fim de recordar as
memórias de seu honrado mestre.
A primeira orientação regional foi realizada em Nassu, em setembro de 1946. A segunda foi em
Shimoda. Desde então, os membros da Gakkai aumentaram para oitenta famílias em Shimoda.
Indiscutivelmente, lá era o ponto de
convergência do Capítulo.
Toda e seu grupo desceram do ônibus na estação rodoviária em Mitsukuri. Nesse momento,
aproximou-se apressadamente do grupo, uma senhora de cabelos meio grisalhos, de aparência um pouco
obesa, para segurar as mãos de Toda, como se quisesse abraçá-lo.
— Mestre! Muito obrigada por ter vindo hoje.
Toda não reconheceu no início quem seria ela. Porém, passados alguns instantes, ele sorriu.
— Não é a senhora Honda? Que surpresa! Com essa mudança de aspecto, qualquer um a
tomaria por outra
pessoa!
Foi um encontro após um ano de ausência. Sua fisionomia animada e sorridente, fazia-a dez anos
mais nova. Até seus traços fisionômicos estavam se transformando. Os dirigentes também não acreditaram
que fosse realmente a mesma pessoa de um ano atrás.
— Em 1947, no ano anterior, foi realizada uma palestra nesse local, na casa da Família Oya. Era
uma sala do fundo da casa de um lavrador situada em frente à Rodovia Shimoda.
Era uma reunião de quase dez pessoas contando os convidados, numa sala pequena e com pouca
iluminação. Tomi Honda estava presente nessa reunião.
Antes da guerra ela morava em Tóquio, no bairro de Honjo. Sua família era crente fervorosa do
Hokekyo-ji em Nakayama (Nakayama: Uma cidade localizada na Prefeitura de Tiba. Uma vez que seu
templo principal localizava-se lá, a seita é chamada de seita Nakayama. É uma seita "Nitiren" herética.
Negligenciando o ensino de Daishonin, de adorar o Gohonzon, seus crentes adoram Kishimojin pela
recitação de Nam-myoho-rengue-kyo.). Portanto, sua família adorara Kishimojin (Kishimojin: O demônio
feminino que, diz-se, raptava e comia as crianças dos outros.) como sua protetora, por mais de dez anos.
Ela comparecia a todas as reuniões relacionadas com o Hokekyo, onde quer que fossem realizadas.
Dentre essas reuniões havia uma denominada 'A Reunião para Atestar e Provar a Vida do Bem
Maior' promovida pela Soka-Kyoiku-Gakkai', dirigida pelo Prof. Makiguti. Em 1941 ela compareceu a uma
das reuniões realizadas ocasionalmente na casa da família Kubo, em Midori-Tyô, Bairro Honjo, Tóquio.
Nessa ocasião, ela recebeu Chakubuku de Katsu Kiyohara, que usou da franqueza para elucidar o erro da
prática religiosa em relação à Seita Nakayama, através das Provas Literal, Lógica e Real. Ela então reagiu
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com violência e indignação: "Não há diferença no Daimoku do Hokekyo. Absolutamente não há diferença
entre o Daimoku do Nakayama e o da Nitiren Shoshu."
Kiyonara, com um ano de conversão, era mais enérgica ainda. Pregou abertamente a "Teoria das
Punições Divinas" seguindo o método usual de conversão que aprendeu antes da guerra. Tomi Honda
retirou-se furiosa da sala.
Kiyonara acrescentou no fim:
— Tome cuidado, enquanto volta para casa!
Tomi Honda retornou para casa pelos caminhos escuros, revoltada e indignada com "aquela
mocinha atrevida". Entretanto, quando chegou à estação de bonde, ficou preocupada com as últimas
palavras de Kiyohara.
— é melhor não ir de bonde. Se por azar, acontecer um desastre, poderei ser zombada por
aquela mocinha. Não posso dar chance a ela.
Propositadamente, ela caminhou a pé, até chegar à sua casa, sem acidente.
- Que castigo nada! Isso não existe.
Entrou em casa, subiu à sala e começou a adorar Kishimojin ali consagrada.
- Por favor, defenda-me de qualquer maneira. Passou-se uma semana e o efeito não
apareceu. Mesmo passado um mês, ela estava ilesa. Passou-se um ano e então ela se esqueceu dos fatos
daquela noite.
"Graças à Kishimojin" e apaixonada dessa maneira, parece que ela intensificou cada vez mais sua
fé, em agradecimento à sua deusa protetora, sem ter dúvida e sem possuir conhecimento doutrinário.
A família de Tomi Honda trabalhava com máquinas-de-costura. O casal começara com grandes
dificuldades e progredira a tal ponto de contratar cinco empregados. Acumulara ainda muitos bens e até
mesmo estava sendo invejada pela vizinhança. O casal decidiu transferir-se para o interior a fim de viver
tranqüilamente pelo resto da vida, já que o curso da guerra estava se tornando cada vez mais perigoso.
Fixou a residência em Numazu, deixando todos os seus negócios aos cuidados de sua filha com seu
marido. Nessa ocasião, o marido de Tomi que estava carregando um guarda-roupa caiu no meio da escada.
Sem saber por que razão o guarda-roupa caiu sobre ele batendo-lhe na cabeça. Teve morte instantânea.
Desde que ocorrera esse acidente, os sonhos de Tomi começaram a desmoronar-se. Tudo o que
ela fazia, desde então, transformava-se em azar; ela sofria muito em conseqüência desses infortúnios.
Teimosa como era, voltou sozinha com o neto de onze anos, a fim de se recuperar à sua terra natal, em
Shimoda, situada no setor leste da Península de Izu. Quando chegou à sua terra natal, encontrou um grupo
de pessoas que haviam debandado de Tóquio para se abrigarem na cidade. Teve que viver junto com o
neto no celeiro de um sobrado. Não havia sequer uma lâmpada elétrica. Com o lampião dependurado, ela
teve que pernoitar aí com seu neto. Entretanto, ainda nesse local, estavam sendo perseguidos pela
infelicidade.
Na mesma época, no dia 10 de março de 1945, por ocasião do intenso bombardeio de Tóquio, sua
casa foi incendiada. Sua filha e seu genro morreram queimados e todas as suas propriedades foram
perdidas num instante.
O choque deve ter sido demasiadamente grande para ela que já envelhecia. Todas as pessoas da
vila, cada qual se achava aflita pela própria sobrevivência e ninguém dispunha de tempo para que pudesse
consolar aquela alma ferida. Seu neto era a última esperança. Com o término da guerra, ela se levantou
carregando o fardo de mercadorias e começou a trabalhar como vendedora ambulante de roupas.
Não faltava alimentação na vila. Os moradores que haviam economizado dinheiro com negócios de
câmbio-negro, desejavam comprar roupas. Pode-se dizer que o negócio de Tomi era bastante promissor.
Entretanto, passado algum tempo, ela começou a aparecer apenas dez dias por mês. O restante
dos vinte dias ela permanecia no celeiro adorando Kishimojin.
A vida para ela tornara-se cansativa. Na verdade, ela estava exausta em relação à vida humana.
Poder-se-ia dizer que, na sua alma, refletia-se o inferno da idade encanecida de cada dia que passava.
Por diversas vezes, ela contava que, no retorno da sua viagem ambulante pelas vilas no meio das
montanhas e passando pela densa floresta, sentia-se por inúmeras vezes o desejo de morrer num bosque,
no fundo da floresta, sem que ninguém estivesse vendo. Achava que este era o meio mais eficaz para
tornar-se tranqüila.
Além disso, quando chegava a estender o seu corpo exausto sobre a grama, à beira do penhasco,
não resistindo mais ao peso das mercadorias após sua viagem cansativa entre as aldeias da beira-mar, teve
que lutar freqüentemente contra a tentação da morte que vinha persuadir como que as águas verdes do
mar, lá em baixo, viesse a sugá-la.
A Deusa da Morte começou a persegui-la. Parece que a existência do seu neto era o único
obstáculo contra a Deusa da Morte.
Ela temia sair de casa. A resistência física declinava-se visivelmente. O tédio era insuportável.
Mergulhada no pequeno sobrado, quanto mais intenso era o seu desespero mais implorava incessante e
27
intensamente Kishimojin.
Seu neto delirava de febre em conseqüência de uma gripe mal tratada. Contraindo gripe, ela
também caiu doente. Afinal, começou até a odiar Kishimojin.
Foi nessa época que, enfim, ela lembrou-se da Teoria da Punição' revelada por Kiyohara, seis anos
antes, na casa de Kubo.
- Por acaso, seria o castigo para mim? . . .apesar de que adorasse tanto Kishimojin, sincera e
incessantemente. . . Não. Não pode ser! Não pode haver diferença no Daimoku recitado por mim e no
Daimoku dito por aquela mocinha. Entretanto, se eu tive tanta má sorte, deve haver algum motivo alheio à
minha vontade. Quem poderia ensinar a razão por que eu fui levada à infelicidade? . . .
Tomi Honda, que estava deitada, recebeu a visita de Matsu Oya e ouviu novamente sobre assuntos
religiosos. Foi informada de que um ilustre professor viria de Tóquio para relatar sobre a Nitiren Shoshu.
Com uma esperança tênue em seu peito, ela conduziu o seu corpo convalescente para o local da
reunião onde se realizava a palestra. Com surpresa, após sete anos, encontrou-se nessa reunião, frontal
mente com Katsu Kiyohara que acompanhava Toda em sua viagem e justamente nessa ocasião ela teve
que mostrar seu aspecto infeliz.
A violenta transformação social desses seis anos era um fato sem precedente. Pode-se dizer que a
existência de Tomi Honda também estava mais intensamente repleta de revoltas!
***
O relato de Honda era longo. Durante esse período, a reunião permaneceu calma e silenciosa. A
voz da sinceridade, a voz de um ser humano; ao invés disso, poder-se-ia dizer que era um retrato integral
das trevas do espírito, reveladas através das palavras. Todos os que ouviram chocaram-se com o
resultado rigoroso da severa Lei de Causa e Efeito do Budismo.
Em seguida, tossindo para limpar os brônquios, Jossei Toda começou a falar calmamente.
O ambiente parecia estar na expectativa de se libertar da tensão rigorosa.
- A senhora adorou intensamente Kishimojin para ser feliz e veio-se esforçando em seus
trabalhos. O resultado disso é o sofrimento atual. Parece que algo está errado. Mas a senhora
compreenderia onde estaria esse erro?
- Não compreendo. Justamente é isso que eu quero saber. Sinceramente!
Seus olhos permaneciam imóveis. Parecia que estava esperando a resposta de Toda.
- Trabalha honestamente e devota-se fervorosamente a uma religião. Nesse âmbito, pode-se
dizer que é uma conduta exemplar como um ser humano. É também uma pessoa exemplar. Justamente,
por que razão, uma pessoa como a senhora deve ser infeliz?
- Eu não estou falando arbitrariamente. Só Daishonin sabia desta verdade e ensinou para
nós — "Nunca deverá crer em coisas falsas. Absolutamente deve-se compreender que o objetivo da fé irá
determinar fundamentalmente a felicidade ou a infelicidade das pessoas."
Tomi não podia compreender bem o significado. Através de sua atitude podia-se perceber que ela
interpretava as palavras de Toda, sem muita atenção, pensando que fosse uma resposta ambígua.
Nesse momento, ouviram uma ressonância enérgica na voz de Toda.
- A senhora não tem culpa. O mal está no objeto de adoração chamado Kishimojin que a
senhora adora como o objeto da Fé. Então, sofre as influências de Kishimojin e uma vez obcecada, está
sendo arrastada em direção à infelicidade.
As palavras de Toda atravessaram o peito de Tomi. Ela não podia deixar de sentir uma dor intensa.
Apenas podia enrugar a face.
Toda falou sobre o "Darani-bon', o 26.° Capítulo do Hokekyo, e ensinou o que era o verdadeiro
trabalho de Kishimojin, inerente à Vida. Iludidas pelos nomes atraentes das religiões tradicionais do Japão,
quantas milhares e milhares de pessoas vieram sendo enganadas, como focos de luzes intensas que são
implantadas sucessivamente na tenebrosa noite da fé, arrastadas pelos incorrigíveis costumes ignorantes 1
— Por essa razão, a senhora não deve adorar Kishimojin. Ela não passa de uma deusa má. A
verdadeira Deusa Kishimojin é a defensora das pessoas que crêem no Myoho e portanto, no Gohonzon.
Assim, junto com todos os Deuses Protetores do Budismo, ela protege-nos constantemente, dia e noite.
Seria absurdo, seguir Kishimojin como objeto de adoração. Este princípio está evidente no Hokekyo e
Nitiren Daishonin ensina isso claramente. Não é mentira, em absoluto. Dignas de pena são as vítimas
iludidas pelas pregações dos bonzos e profissionais religiosos que não entendem a verdadeira Doutrina do
Budismo.
— Espere um momento!
Ela levantou o braço e avançou para a frente.
Não há outra sociedade, no Japão, tão desorganizada como a religião. Há poucas pessoas que
podem responder claramente as diferenças entre as seitas budistas Zen e Nembutsu (Zen: Uma seita
Budista que despreza as sutras do Buda, afirmando que o ensino verdadeiro de Sakyamuni foi transmitido
tacitamente à seita Zen. "Nembutsu: Uma outra seita chamada Jodo ou "Terra Pura". A seita é baseada nas
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três sutras provisórias do Pré-Hokekyo que Sakyamuni expôs para ajudar seus discípulos a compreenderem
o Hokekyo. Ele declarou no Hokekyo que estas sutras devem ser rejeitadas.) quando lhes é solicitado um
esclarecimento do ponto de vista doutrinário, mesmo entre os professores famosos. Imaginem então o
conceito religioso entre as massas. Seria tristemente rudimentar. Na atualidade, pode-se dizer que a política
estaria no Século XVIII e a religião no Século XII.
Com os olhos penetrantes e desconfiados, Tomi Honda perguntou:
— Como? O senhor pode dizer que esta Deusa defende as pessoas que recitam Daimoku?
— Exatamente!
— Então, eu deveria estar segura com boa defesa. Vim recitando Daimoku há muitos anos, e
não posso me esforçar mais. . .
— Reconheço certamente que a senhora recitou o Daimoku. Entretanto, nunca pensou na
importância do objeto de adoração. Nem uma vez sequer refletiu sobre a veracidade do objeto de adoração.
Nitiren Daishonin já advertia desde há setecentos anos, sobre a "Confusão na Seleção do Honzon"
(Honzon-Zôran). Honzon é o objeto que deve se: respeitado como o princípio básico, é a entidade que deve
ser respeitada universalmente. Nitiren Daishonin deixou esse Gohonzon para nós. Atualmente, na Era de
Mappo (Mappo: O tempo que começa 2000 anos após a morte de Sakyamuni, quando seu Budismo perde o
valor para dar lugar a um outro mais próspero — o Budismo de Nitiren Daishonin.), a sutra de Lótus, o
Maka-Shikan (Maka-Shikan: 'Mo-ho-chih-kuan' em chinês. Contém os ensinos supremos de Tien-tai, o Buda
de Zoho - as explanações teóricas do Hokekyo.) de Tien-tai e todas as outras se tornaram escrituras
elucidativas para elucidar o Verdadeiro Honzon. Penso que esse assunto é um pouco difícil. ..
Toda ensinava pacientemente. Começaram-se a travar lutas íntimas e intensas no espírito de Tomi.
— Será que este homem estaria falando a verdade? Se estiver mentindo, convence como se fosse verdade,
e se for verdade, é demasiadamente simples. Enfim ela confessou:
— Eu não entendo dessa teoria complicada. . . A minha Deusa Kishimojin será uma deusa tão
maldosa assim? ... Eu vim adorando-a tão fervorosamente, oferecendo-lhe tanto Daimoku!.. .
Os presentes riram, sem malícias, achando isso engraçado. Entretanto, para Tomi Honda era
assunto sério e sem pilhérias. A inconformação, o ódio e o remorso giravam como redemoinhos dentro da
sua pequena cabeça. O sofrimento resultante dos conflitos internos refletia sobre a sua fisionomia severa
para deixá-la mais terrível ainda.
A senhora perdeu seis anos. Sinto-me culpada também. Após o último encontro, se eu a procurasse
de novo e deixasse melhores esclarecimentos, talvez a senhora não estaria sofrendo tanto. Não é verdade?
As palavras joviais de Kiyohara devem ter amenizado o sentido da indignação desta idosa senhora.
Kiyohara, como se quisesse encorajá-la, disse:
- Se a senhora aceitasse o Gohonzon junto conosco durante os seis anos. . . Penso que
estaria bem feliz agora. Desculpe a minha falta de atenção. Mas, nunca é tarde demais. O importante é
seguir daqui para frente. Não é?
Tomi Honda chorando perguntou:
- Será que o Gohonzon em que a senhorita e seus amigos crêem é tão verdadeiro como
estão falando?
Nesse momento, Toda, que estava sentado em silêncio, respondeu:
- é o Gohonzon Verdadeiro deixado por Nitiren Daishonin. É o único e Verdadeiro neste
mundo. Se a senhora devotar um ano poderá compreender o que é o Verdadeiro Gohonzon.
- Já tenho idade avançada. Desejo conformar-me com a minha má sorte. Apesar disso,
quando penso em meu neto, eu me sinto preocupada e não consigo morrer em paz.
- O neto deve ser a sua maior preocupação - disse Toda sorrindo para ela.
- Vamos fazer o seguinte trato: - Se, após um ano de prática religiosa, não for bem sucedida,
eu tratarei do seu estimado neto. Enviá-lo-ei para escolas e educá-lo-ei para ser um homem exemplar.
- é verdade? O senhor está dizendo coisas que me agradam, mas.. .
- Toda não mente.
- Apesar disso. . . Murmurou Tomi Honda e olhou atentamente para Toda.
- Entre Tóquio e Shimoda. . . A distância é demasiadamente longa. Se após um ano, quando
tiver que procurar o senhor, eu não poderia encontrá-lo, se não souber o seu nome e seu endereço. Por
favor, não poderia deixar o seu cartão?
Toda sorriu. Tirou um cartão de seu bolso e entregou-o a ela.
- Como é firme o caráter desta senhora1
Tomi Honda recebeu o cartão e com muita gratidão, guardou-o cuidadosamente.
* **
Passado um ano, o cartão já se tornava desnecessário. Esta senhora idosa que encontrou Toda um
ano depois, não queria mais sair de perto dele. Quando o grupo chegou à casa de Oya, ela começou a
contar detalhadamente as suas experiências de um ano, maiores, menores ou diversas, a ponto de não
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cessar mais.
- Agradeço profundamente. Na verdade, recebi muitos benefícios. Compreendi o que é o
Verdadeiro Gohonzon. . . Muito obrigada.
Era uma alegria inocente. Toda sorria também com gestos de concordância, reconhecendo o relato
genuinamente espontâneo.
Ela rejeitara a fé em Kishimojin e escolhera a fé no Verdadeiro Budismo, a fim de seguir com sua
própria convicção. Desde então, aquele corpo doentio e fraco foi-se tornando cada vez mais sadio.
Conseguira sem muito esforço, obter êxitos nas vendas de roupas como ambulante. Seus negócios
tornaram-se muito mais animados. A renda aumentou consideravelmente e acumulou grande soma de
dinheiro com os negócios de roupas. Com o desejo de fazer com que seu neto não sentisse
constrangimento social, pensava então na construção de uma pequena casa nova para morar. Ela chegou
até a consultar Toda.
Quem mais sentiu alegria foi Toda.
- Não há outra coisa tão grandiosa como a realidade. Esta prova real é um fato verídico e
jamais poderá ser negado por alguém. É um relato cuja testemunha é a própria
relatante. É o aspecto de causa e efeito que vários conhecidos observaram e compararam, sabendo como
era um ano antes.
Mesmo atualmente, essa senhora de idade, está jovialmente se dedicando às atividades da Gakkai
como dirigente de responsabilidade média. O neto cresceu também excelentemente e junto com sua esposa
exemplar, trabalham com brilhos na sociedade, assim como na Gakkai.
Também Kinu Sassai, que vivia em Koiwa, apesar de ter perdido seu marido recentemente, chegou
a demonstrar o que é um lar feliz. O filho mais velho trabalha atualmente como alto dirigente da Gakkai e as
filhas também vivem felizes. A própria Sassai, como muitos sabem, agora goza de boa saúde e com a sua
boa sorte está saboreando as alegrias da vida humana.
Quanto à família de Matsuo Oya, onde se realizara a reunião, havia também um filho portador do
Mal de Potts, cujo prognóstico era desesperador. Graças à orientação de um ano antes, já se recuperara
com alta hospitalar e está presente na reunião.
Isso é Renascimento!
Vendo esse rapaz de vinte anos, Toda não esqueceu de incentivá-lo.
— Foi-lhe restituída a saúde pela intensa devoção da fé. Não descuide. Trate bem do seu corpo. Se
o seu corpo é valioso, então, deve conservar a sua fé, sempre pura. Está entendido?
Enfim, foram numerosas as experiências contadas em Shimoda entre lágrimas de emoção.
A reunião dessa noite era diferente da de um ano atrás. Estava radiantemente animada. Os
participantes eram numerosos. Toda sentiu o sopro de um grande avanço enérgico.
Apesar da temperatura agradável da primavera, já conhecida em Izu, a noite ainda era fria. Muitos
presentes relataram suas experiências, esquecendo o avançar da noite.
Os dirigentes que haviam chegado de Tóquio sentiram também o impulso da reunião feita na casa
de Oya.
Após a dissolução da reunião, quando os remanescentes cogitavam que a força propulsora da
reunião dessa noite fora Tomi Honda, Toda, alegremente, disse:
— De qualquer maneira, Tomi Honda é uma senhora exagerada que espanta as pessoas. Que
assombro ela promoverá na próxima vez?
No dia seguinte, todos .os dirigentes que acompanhavam Toda, espalharam-se para todas as
direções. Havia muitas visitas individuais a fazer, a fim de promover Chakubuku aos conhecidos e aos
amigos nas vilas das montanhas em aldeias de pescadores, conduzidas por Tomi Honda, Matsuo Oya e
outros.
A orientação regional, desde essa época, entrou na fase da atuação prática e os resultados, por
vezes, foram notáveis.
Toda dirigia essa orientação; ia ao encontro das pessoas que apareciam e convencia-as
fraternalmente, uma por uma, ora delicadamente, ora severamente, fumando o cigarro, mastigando grânulos
de cânfora e contando anedotas engraçadas.
Onde ele estava presente, seja na cidade ou nas vilas ao longe das montanhas, o redemoinho do
movimento para Kossen-rufu começava a circular intensamente.
Os redemoinhos eram pequenos. Ainda eram poucos numericamente. Quase não se sobressaíam
no nível alto da sociedade. Entretanto, esses redemoinhos circulavam com precisão, expandindo
gradativamente e sem desaparecer.
A Revolução Francesa de 1789 tinha, no leito de sua corrente, um forte anseio para a conquista da
liberdade, pelos cidadãos da nova geração, contra o absolutismo do Rei. Tais movimentos foram sendo
espalhados para as cidades do interior e às zonas agrícolas pelo esforço das massas. Quando o ideal de
liberdade se infiltrou no meio do povo, após a implantação e germinação dessa filosofia na França por
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Rousseau e outros, o movimento transformou-se numa torrente bravia da verdadeira marcha para o
caminho da revolução. De maneira idêntica, a Revolução Russa de 1917 foi impulsionada pela força da
camada proletária que se levantou para derrubar o governo despótico. Eles lutaram com o ideal do
socialismo contra o regime Czarista que decaiu e corrompeu a sociedade russa.

31
Além disso, a restauração do regime imperial contra o feudalismo no Japão em 1867 e a Grande
Reforma de Meiji, eram desejos imperiosos dos homens de campo contra a opressão do regime feudal de
Tokugawa. Por conseguinte, o êxito da restauração de Meiji não foi ele devido ao apoio do movimento
revolucionário surgido entre as massas?
No leito da corrente revolucionária, surgem sempre os redemoinhos oriundos das massas. Os
poderosos da época, talvez ignorassem esse fato, ou não tinham meios para impedi-los. São os cegos
detentores do poder, que não sabem viver para o futuro, exceto para a proteção de si mesmos!
Enfim, os redemoinhos transformaram-se em correntes caudalosas, chocaram-se e prosseguiram
em destruições, deixando milhões de vítimas, sacrificando vidas preciosas.
Estas são histórias trágicas com derramamento de sangue.
O nosso objetivo na prática, não é a revolução acompanhada de selvageria. é a revolução pacífica e
sem guerras, baseada na dignidade da vida, conforme os princípios básicos do Budismo. Não seria essa a
Revolução Ideal que a humanidade almeja, desde os tempos históricos?
Esse redemoinho, cujo movimento apesar de pequeno, iniciado em Izu e que se move na cidade,
nos campos e nas vilas, irá no futuro, transformar-se numa grandiosa corrente que será a fonte da paz
mundial. Isso ninguém sabia a não ser Jossei Toda.

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Os Modelos Humanos
A simpatia de Jossei Toda humanamente atraente, era uma qualidade caracteristicamente pessoal.
Uma vez que chegavam perto dele, os novos membros eram atraídos pela simpatia e humanismo, levando
consigo essa impressão inesquecível para toda a vida, mesmo não entendendo assuntos ligados à religião.
Isso não quer dizer que ele possuía habilidades especiais para manobrar eis pessoas. Pelo
contrário, ele era espontâneo, franco e imparcial. Não fazia quaisquer distinções pessoais, seja quem fosse.
As diferenças quanto à posição social não eram problemas para ele. Seja um operário de meia-
idade que sofre sustentando o peso da vida, ou uma esposa que sofre de ciúmes do marido farrista e
enriquecido no câmbio negro; enfim, na tristeza do sofrimento inerente ao destino de cada pessoa, ele dava
atenção mais do que qualquer pessoa. Considerava isso como se fosse seu próprio problema. Seu gênio
não lhe permitia fechar os olhos diante da infelicidade dos outros e por isso, ensinava a cada pessoa, como
encarar o rigor do destino nas Três Existências da Vida, com o calor do sentimento fraternal. Ensinava o
benefício imensurável do Gohonzon. Com a força do seu entusiasmo, fazia levantar a vibração da fé,
mesmo dentro do desespero.
Vendo suas atividades, alguns diziam que, "aquele é o gênio de Toda"; outros comentavam,
"está arrumando adeptos para aproveitar nos seus negócios"; ou então, "o prazer dele é dialogar os
assuntos da vida humana". Tais calúnias não penetravam na consciência de Toda. Não estaria seu
humanismo bem mais elevado e acima das regras convencionais e das éticas formais, habituais ou
aparentes?
Toda não media as conseqüências no encontro com as pessoas, fosse quem fosse. Velhos, moços,
homens ou mulheres, ele tratava a todos como seres humanos.
Ele nunca censurava a pessoa que confessava sua pena resultante de quaisquer crimes ou
contravenções. Entretanto, quando percebia alguém que respondia com vaidade, galanteio, chantagem ou
arrogância durante a sua orientação sincera e com o risco da própria vida, não o perdoava. Repreendia de
imediato com energia e bravura de uma brasa incandescente. Em seguida, fazia erradicar a vaidade e a
arrogância com toda força do seu espírito. Jamais permitia qualquer acordo com a chantagem ou
irresponsabilidade.
Parece que muitas pessoas sofriam até chegar a compreender a súbita transformação de sua
atitude nessas ocasiões. Isso porque não era fácil descobrir a perspicácia do seu espírito em perceber
rapidamente as falsidades?
As pessoas que tinham essa dúvida, "Por que razão, ele precisaria bronquear tanto com essas
coisas? " só podiam compreender, finalmente, o porquê do extremismo de Toda, quando alguns dias depois
percebiam o surgimento das provas resultantes nas pessoas repreendidas. Era, então, natural que ficassem
surpresas pela primeira vez, ao descobrir que aquela repreensão partiu de seu sentimento benevolente,
proveniente do amor ao próximo.
Os aspectos diversos de sua atitude não podiam ser definidos senão "Mussa" ou atitudes
naturalmente livres e espontâneas. Nessa impressão real, havia coisas difíceis de serem descritas.
Portanto, a realidade mostra que ele possuía algo impossível de ser analisado pelas normas sociais
habitualmente corriqueiras.
Para muitos, poder-se-ia dizer que Jossei Toda fosse um homem difícil de se aproximar em
algumas ocasiões e, em outras, um Jossei Toda que amparava tudo mais generosamente do que qualquer
outra pessoa no mundo.
Isso não quer dizer que o espírito de Toda fosse transformar-se vertiginosamente, de uma hora para
outra. Não seria certo dizer que o espírito das pessoas que se encontravam com Toda, transformavam-se
de momento a momento, pela própria instabilidade? Ele era o espelho. Poder-se-ia dizer que as pessoas
que se lhe aproximavam fossem refletidas pelo espelho chamado espírito de Toda, fazendo transparecer os
próprios aspectos reais, nua e cruamente? Entretanto, as pessoas refletidas não percebiam um pouco
sequer a própria imagem. Ao invés disso, ficavam alarmadas com a transformação severa de Toda.
Muitas pessoas que tiveram conhecimento direto com Toda, não poderão esquecer jamais essa
primeira impressão extremamente feroz.
A imagem de Toda, gravada por eles em seus espíritos, mesmo nas diversas oscilações da vida
humana, retornava consequentemente clara à memória cada vez mais em cores distintas, mesmo passados
anos e meses após sua morte. Além disso, deve-se considerar que a sua originalidade é naturalmente
atribuída ao fato de que a rara profundidade da sua fé convicta, vive para sempre no seu almejo da
felicidade para toda espécie humana.

***

33
Era o casal Izumida quem trazia para Toda, sucessivamente, novos convertidos do bairro popular
de Koiwa. O casal morava num pequeno apartamento que restara do incêndio desse bairro.
Naquela época, os problemas habitacionais eram tão sérios que não podem ser concebidos pelas
imaginações atuais. Não há outra maneira de dizer senão que era de um aspecto dramático. Se tivesse pelo
menos teto, qualquer casa era considerada como a moradia de boa qualidade. O apartamento em que o
casal vivia, parece que era muito maltratado. O pessoal do bairro apreciava-o apelidando de "apartamento
caindo aos pedaços".
Sem dúvida, as vozes de Daimoku desse quarto foram motivos de comentários diversos das
vizinhanças, e estendiam-se como fogo do Chakubuku. O entusiasmo e a alegria do casal Izumida, nessa
época, fez converter quinze das dezessete famílias residentes nesse edifício. Assim como uma onda chama
as dez mil demais, o progresso do Chakubuku do bairro de Koiwa foi acelerando desde o
início.
Sete anos de prática após a conversão, o casal Izumida encontrava-se ardentemente entusiasmado
e satisfeito. Nesse período de sete anos, os quais compreendiam a parte final da guerra e a época pós-
guerra, em que eram sucessivas as mudanças de emergência na situação social, o próprio casal vivia
constantemente preocupado com a instabilidade do dia do amanhã. Entretanto, não podiam deixar de
reconhecer a prova da "Guense Annon", da "Paz neste mundo", após fazerem a análise retrospectiva dos
sete anos passados. Eles viviam com prazer na devoção da fé, sob a proteção de
Toda.
A infelicidade de Hiroshi Izumida da metade anterior da sua vida, começou aos três anos, quando
se separou da mãe que havia falecido. Seu pai, seguidor-mór do Templo da Seita Zen no interior das
montanhas da Península de Izu, abandonou-o e então ele cresceu sob os cuidados de seus avós até chegar
aos 21 anos de idade, quando eles deixaram este mundo. Apenas restaram para ele, as vultosas dívidas
avalizadas que o avô deixara. Todos os bens patrimoniais e utensílios domésticos dos avós foram
confiscados e destinados ao pagamento das dívidas. Somente ficou com o corpo em cuja saúde ele podia
confiar. Sendo órfão neste mundo, ingressou no Exército, pretendendo seguir a carreira militar. Que mais
ele poderia fazer? As sucessivas infelicidades ensinaram-lhe a resignação por tudo. Parece que ele não foi
um soldado exemplar quanto à bravura e à fidelidade. Não passava de um simples oficial comum. Não
gostava de soldados, mas não podia fazer outra coisa. Se indagarmos profundamente o passado de cada
pessoa, nota-se de maneira surpreendente a existência de muitas infelicidades provenientes da própria
resignação em relação ao destino da vida e da própria ignorância em relação à sociedade ou à
humanidade.
Izumida, que sempre detestava o treinamento militar, pediu transferência para a Força Pública, mas,
uma vez horrorizado com a crueldade da polícia, mudou a sua colocação para o serviço de contabilidade.
Era uma época em que o mundo era privilégio dos militares. Apesar do seu caráter, enfim, sua vida também
parecia sorrir para a esperança.
Começou a pensar sob diversos aspectos, sonhando com planos para o seu futuro e então, casou-
se. Nasceu o primogênito, mas este morreu após quatro dias de vida. Além disso, com a grave doença de
sua esposa e com a constante vida hospitalar, esgotaram-se totalmente as reservas que ele acumulara
nesses anos. Logo em seguida nasceu uma filha mas, para seu infortúnio, ela estava acometida de paralisia
cerebral. Ele ficou horrorizado.
Nessa época ele era objeto de Chakubuku de seu parente, mas estava revoltado, protestando que
não existia Deus e nem tampouco Buda. Se a esposa fosse má, poderia resolver com o divórcio, mas, com
a sua filha, não podia resolver dessa maneira.
Sua Filosofia-de-Vida que consistia: nesta existência nada se podia fazer senão "Laissez Faire e
Laissez Passer"; transformara-se agora totalmente num homem desarmado diante de sua filha que estendia
como um cadáver vivo em sua frente, não se desenvolvendo, não falando ou rindo.
Obedecendo a um convite de conversão, com o pensamento profundamente deprimido, encontrou-
se com Tsunessaburo Makiguti. Ele ouviu o relato de Izumida e disse apenas uma frase convictamente: .
— Na vida existe apenas uma coisa com a qual não precisa se resignar.
Hiroshi Izumida converteu-se.
Ele contava trinta anos de idade, em 1940. Já nessa época, estava completamente calvo. Sorrindo,
ele dizia: "os quepes anti-higiênicos do Exército Imperial criaram muitos carecas." Sua conversão não foi
devido ao reconhecimento da precisão doutrinária da Nitiren Shoshu, mas para dedicar-se a tudo o
que há de bom para a filha, a fim de não se arrepender depois em conseqüência de sua resignação.
Desde então, rendia-se incondicionalmente diante da nobreza do caráter de Makiguti e tinha
chances 3ra receber freqüentemente sua orientação.
A filha enferma pareceu não mostrar mudanças sensíveis; entretanto, a prática da sua fé, progredia
a passos largos.
— Mesmo que a minha filha venha a morrer um dia, eu não abandonarei a fé. Abandoná-la?
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Isso nunca!
Dois anos após sua conversão, quando assim o decidiu sinceramente, sua filha, tranqüilamente,
deixou de respirar.
Face sem sofrimentos — pela primeira vez os quatro membros deixaram-se mover livremente como
se fossem libertados de correntes. Quando viu o pequenino corpo de sua filha, ainda com os sorrisos
remanescentes nos lábios, Hiroshi Izumida, fazendo tremer sua enorme corpulência, deixando cair grandes
gotas de lágrimas, disse:
— Então você nasceu a fim de conduzir a minha fé, um homem com destino tão pesado como
eu? Minha filha, você, com esse pequenino corpo, veio sofrendo até hoje,
para ensinar o que é o Gohonzon para o seu pai ignorante que veio se opondo ao Verdadeiro Budismo por
dois anos? Ah! como fui pecador! Sou muito grato a você!
Uma vez agradecido à falecida filha, ele orou sinceramente o Daimoku, do íntimo do seu coração.
— Até há poucos instantes, havia, evidentemente, a vida nesta filha querida. Como e qual
destino afinal, seguiu esta vida?
Ele começou a pensar seriamente. Isso não resultou apenas do seu sentimento ferido. Sabia que
isso não se resolveria nos domínios da política, da ciência e da educação. Para resolver o assunto
primordial das questões fundamentais da vida, não há outro meio senão a Filosofia. Somente o Budismo
responde perfeitamente o que é a vida.
Por sua própria iniciativa, colocava em prática a Filosofia-de-Vida de Nitiren Daishonin e estudava
para afirmar a sua convicção, a fim de elaborar um dia, uma conclusão a seu modo. Izumida analisou
retrospectivamente sua vida passada. Então, ele jurou secretamente com o consentimento da esposa. A
seguir, não havia mais o que lamentar. Ele decidiu:
— Sim. Parece que estou compreendendo. Minha mãe que faleceu quando eu tinha três anos, meu
avô que morreu deixando dívidas, o fato de me tornar órfão, as circunstâncias que me levaram a seguir a
carreira militar, a morte dos meus dois filhos. . . deve ter sido tudo as condições para poder encontrar-me
com o Verdadeiro Budismo. Um homem com destino tão pesado como eu. .. Peço devotar-me ao Gohonzon
com todo o meu prazer, para o bem dos meus filhos.
Era setembro de 1942.
* * *
A Guerra do Pacífico quase completava um ano, desde seu início. As grandes vitórias sucessivas
não prosseguiram senão apenas meio ano e, em julho desse ano, após a derrota da Batalha Naval de
Midway, a tática ofensiva transformou-se imediatamente em defensiva e as ilhas conquistadas no Pacífico
estavam sendo entregues, dia após dia, com a perda dos domínios do ar e do mar. Em agosto, as Forças
Americanas iniciaram a contra-ofensiva em Guadalcanal. Evidentemente, uma remessa urgente de reforços
tornou-se necessária para aumentar as Forças Japonesas. A frota naval em grande escala levou os reforços
para o sul do Pacífico, mas os ataques das Forças Navais Americanas provocavam freqüentemente danos
sérios para os navios de transporte japoneses.
As informações que chegavam ao Japão, através de rumores, eram expressamente pessimistas,
apesar de que fossem notícias de primeira linha de intenso combate, tais como a do náufrago que
encontrara uma ilha desabitada após nadar desesperadamente por dias e noites perdido nos mares do sul;
ou do soldado que escapara milagrosamente da morte, nadando 4 km sobre o mar de petróleo formado pelo
afundamento dos navios bombardeados na véspera do desembarque.
Justamente nessa época em que o ano de 1942 estava chegando ao seu fim, veio a ordem de
partida para o batalhão ao qual pertencia Hiroshi Izumida. O destino era a linha de combate mais avançada,
situada em Nova Guiné.
Ele suspirou profundamente com o seu corpo enorme e murmurou:
— Por que razão só o meu batalhão deve partir para a linha de intensos combates, se há mais
de um milhão de soldados e oficiais no Japão? Passaram-se dois anos e meio, desde que me converti. Já
morreram os meus filhos e agora sou obrigado a ir para o campo de batalha sem chance de retorno?
Ele ficou indignado e em certo momento chegou" a duvidar da fé, mas não havia outro meio senão
restaurar os incentivos da sua fé no Gohonzon.
"Acautele-se quando tudo corre bem e aceite com naturalidade se ocorrer o inverso."
As palavras de Daishonin surgiram dentro de seu coração solitário como deserta. Percebeu que
estas palavras valiosas significavam algo para a transformação do seu destino.
Por ocasião da peregrinação do Ano Novo, no dia 2 de janeiro de 1943, ele participou da Cerimônia
de Gokaihi (Gokaihi: A cerimônia de adoração ao Dai-Gohonzon realizada no Templo Principal) e dedicou
intensamente a sua fé às orações ao Dai-Gohonzon. Durante a recitaçao de Daimoku, freqüentemente
suplicava implorando:
— Oh! Gohonzon! Estou de viagem para Nova Guiné. Por ora, ouço apenas más notícias
como a da chance de apenas uma sobrevivência para nove mortes. Não quero
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enfrentar tal desgraça. Oh! Gohonzon. Peço deixar-me viajar tranqüilo e voltar de lá são e salvo.
Era um pedido realmente bem conveniente. Parece que foi um soldado inseguro e covarde.
Entretanto, o mais temível para o mortal comum, não seria como sempre, a própria morte? Neste caso,
então, não seria a súplica de um ser humano qualquer? Seja o que for, não houve dúvida de que foi um
pedido desesperado de Izumida. Era como o desejo de uma criança birrenta; apesar disso sua oração era
pura e genuína.
No dia 28 de janeiro, este aspirante a oficial do Exército Imperial, que levava consigo o Gohonzon e
o Juzu (Juzu: Rosário budista.) secretamente guardado no bolso, partiu para a guerra, saindo pelo Porto de
Ujina, em Hiroshima.
Nessa época já era impossível viajar de navios diretamente para a Nova Guiné, devido aos ataques
dos submarinos inimigos.
De início, passou por Taiwan, a ilha de Formosa e, em seguida, dirigiu-se para Singapura,
passando pelo mar do sul da China que ainda estava sob o domínio das forças japonesas. Deu uma grande
volta, contornando as ilhas do Sudeste Asiático. Pode-se dizer que era uma viagem longa, ou melhor, um
longo percurso marítimo. Nesse ínterim, dizia ele, houve troca de navios, grandes ou pequenos por diversas
vezes.
Hiroshi Izumida, nunca deixou de falhar pelo menos o seu Gongyo da manhã e da noite, mesmo
"dentro de diferentes navios ou diante dos olhares estranhos dos outros. Entre os soldados que estavam no
limite da vida e da morte, a sua atitude durante a Liturgia do Gongyo, até estava sendo aceita com simpatia.
Em fevereiro, viajou de Singapura para Surabaia, na ilha de Jawa e ali permaneceu na Escola
Universitária aguardando a ordem de saída. Um dia, a frota que partiu dessa ilha, entrou no Mar de Arafura
e chegou à Ilha Ceram. Era uma das ilhas da parte oeste dos Irians pertencentes à Holanda. Da Ilha Ceram
passou para uma outra imediatamente vizinha chamada Amboina, onde ele permaneceu por alguns meses
aguardando o prosseguimento da viagem. Isso talvez fosse devido à retirada de uma linha mais avançada
do combate em Guadalcanal onde estavam combatendo desde o dia 1.° de fevereiro. Foi a primeira retirada
do avanço japonês, mas a Força Imperial anunciava isso como "transferência".
Nada é mais digno de compaixão do que um exército que perdeu o domínio do ar e do mar. Qual
teria sido o estado de espírito dos soldados do Império que permaneceram isolados nas ilhas, uma vez
cortadas todas as linhas de abastecimentos?'
Existe nos dizeres de Mussashi Miyamoto, o mestre na arte da espada, o seguinte: — "A melhor
tática de guerra é não lutar contra o inimigo, quando a derrota é certa. Deve-se efetuar a luta, dentro da
possibilidade dos seus passos. Não se deve esquecer que quem destrói com a espada, pela própria espada
será destruído."
Agora, os soldados estacionados nessas ilhas nada podiam fazer senão esperar a morte pela fome.
Poder-se-ia dizer que a tragédia mais terrível seria quanto maior fosse o número de soldados.
A retirada de Guadalcanal resultou em grandes perdas, mas assim mesmo foi possível escapar da
destruição total. As Forças Navais inimigas chegaram a imobilizar o batalhão de Izumida em Amboina. Foi
em 29 de abril, dia do aniversário do Imperador, que soube do primeiro bombardeio do Aeroporto Omahai,
na praia oposta da ilha Ceram.
Foi longa a permanência em Amboina. Quando chegou ao destino final no extremo oeste de
Sorong, a oeste da Nova Guiné, já era outubro. Haviam decorrido dez meses desde que partira do Japão,
em janeiro. Entretanto, ele nunca recebera ataques do inimigo. Nesse ínterim, Issoroku Yamamoto, o
Comandante Chefe das Forças Combinadas, faleceu em abril, em combate no céu do Pacífico Sul. Além
disso, em maio, as forças defensivas de Attu, no Pacífico Norte, foram destruídas e em novembro as
defesas das ilhas de Tarawa e Makin foram dizimadas. Por outro lado, em dezembro, estudantes estavam
sendo mobilizados para a linha de combate. Foi uma época em que as cores da derrota estavam se
tornando realmente cada vez mais densas, mas isso era fato ignorado por ele.
O batalhão que chegou a Sorong, sob o Equador, não tinha o que fazer. Certo seria dizer que não
podia avançar nem retroceder. Somente esperava a reação do inimigo, mantendo-se apenas com as rações
que se escasseavam a cada mês que passava.
Hiroshi Izumida às vezes subia sobre a torre de observação e contemplava o céu do Hemisfério
Norte, em direção ao Templo de Daissekiji e recordando-o, recitava sozinho o Daimoku até sentir-se
satisfeito. A sua oração não visava a vitória das Forças Japonesas e nem a Paz Mundial... era apenas para
garantir sua segurança.
Sorong, onde a tropa de Izumida desembarcou, era relativamente seguro, porém dizia-se que os
combates encarniçados desenvolviam-se nas montanhas das adjacências da Nova Guiné Oriental. Os
soldados japoneses que ocuparam as ilhas do Pacífico Sul estavam sendo castigados dia e noite, seguidos
pelos intensos bombardeios e exaustos por penosas lutas e pela fome. Portanto, dois anos após o início da
guerra, os japoneses não puderam reagir mais, devido à superioridade dos inimigos em relação aos
materiais, aos navios e aos aviões.
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Após um ano de permanência em Sorong, em outubro de 1944, o aspirante a oficial da Polícia
Militar, Hiroshi Izumida, subitamente recebeu ordem para ocupar sozinho um novo posto em Amboina.
Chegou até a desconfiar do seu ouvido.
— Que significa isso? Como pode explicar a minha transferência quando estão previstos os
bombardeios quer por ataques aéreos quer por navais? Aqui na Nova Guiné,
poderíamos fugir para dentro das florestas mesmo que sofrêssemos os ataques dos bombardeios. Mas, se
Amboina, que é uma ilha pequena como Awajishima, for atacada pelos
bombardeios navais será evidentemente destruída na totalidade. Afinal, eu terei que me dirigir ao local onde
serei morto?
Ele estava demasiadamente aborrecido. E, então duvidou da defesa de "Shoten-Zenjin",
Deuses Budistas.
— Penso que não cometi sacrilégio algum. Apesar disso...
Entretanto, ele percebeu logo.
— Sim. Estou duvidando. Isso não seria em si descrédito ao Budismo? Não seria o que se chama
de "apenas uma pata de caranguejo é suficiente para inutilizar os mil barris de verniz? " Cuidado! Cuidado!
No momento, eu não posso fazer nada. Apesar disso, não duvidar do Gohonzon, isso eu consigo fazer. Não
seria apenas isto o que eu poderia fazer para a devoção da minha fé?
Escorreram suores frios sob seus braços, num calor radiante do sol do meio dia, abaixo do
Equador.
Alugou um pequeno barco a motor e à noite, sozinho, partiu de Sorong. Era, realmente, apenas um
coração solitário. Se fosse descoberto, a morte seria inevitável pelas rajadas de metralhadoras. O barco
movia-se acompanhando a margem, escondia-se na sombra da ilha durante o dia e avançava pouco a
pouco à noite. Era lindo o céu noturno dos Mares do Sul, quando então se percebiam o vôo dos insetos
luminosos. Porém, não deve ter havido para ele, nem mesmo a chance de apreciar tal beleza.
Essa triste viagem marítima levou mais de um mês, até chegar ileso à sombra das rochas da Ilha de
Ceram. Enfim, chegou a permanecer em Amboina situada na Ilha Ambon, de acordo com a ordem de
transferência, mas uma vez que só ele fora transferido, continuava desconfiado, como antes, do enigma do
seu destino. Apesar disso, essa ilha, sem dúvida, era um local pacífico e tranqüilo.
Em julho de 1944, foram aniquiladas as forças japonesas da ilha de Saipan. Nessa época a linha de
combate entre as forças japonesas e americanas já havia mudado para a linha mais próxima da Ilha
Principal do Japão, ultrapassando mesmo, as forças japonesas das ilhas Bouganville, Nova Britânia e Nova
Guiné. Portanto, as forças japonesas estacionadas nas ilhas dos Mares do Sul, foram isoladas como órfãs
do Oceano. Não se podia ver o inimigo contra o qual devia-se lutar. No céu, os aviões inimigos voavam
sobre os soldados japoneses, como se estivessem no seu domínio e os navios inimigos cortaram totalmente
a rota de abastecimento com o Japão.
As tropas de soldados japoneses na defesa das ilhas, foram obrigadas a transformar-se em
agricultores, a fim de manterem a própria subsistência. Nesse ínterim, os bombardeios repetiam-se
periodicamente, provenientes dos aviões ou dos navios de guerra. Deve ter sido motivo de ódio para mais
de cem mil soldados japoneses que defendiam as ilhas. Enquanto isso, eles foram tombando
sucessivamente em conseqüência da fome e da desnutrição extrema. Não há outro argumento senão dizer
que fora o erro de cálculo estratégico do Estado Maior das Forças Japonesas.
Seja como for, não há outro mais infeliz do que o soldado miserável que vive diariamente no campo
de batalha com o terrível dilema de matar ou ser morto.
A tática de "Assalto sobre as Pedras" das Forças Aliadas teve êxito no desembarque à Ilha de
Luçon em janeiro de 1945. O controle das Filipinas dependia apenas do tempo. Em virtude do avanço da
linha de combate cada vez mais próximo do Japão, o Comando das Forças Japonesas chegou a declarar a
Batalha Decisiva na Ilha Principal.
Desde fevereiro, os bombardeios da Ilha Principal pelas Forças Aéreas Americanas, começaram a
ficar mais intensos, assustando os japoneses como o fogo num depósito. As cidades japonesas foram
sendo incendiadas em sucessão, provocando milhões de vítimas. Na mesma época, em março de 1945, a
Fortaleza de Iwojima foi completamente destruída. Em maio a Alemanha rendeu-se incondicionalmente e
em junho, a defesa de Okinawa estava na iminência de aniquilamento completo. Em agosto, caíram as
bombas atômicas em Hiroshima e em Nagazaki e finalmente, a guerra veio a terminar no dia 15 de agosto.
Enquanto Hiroshi Izumida, com saudades de sua terra natal, admirava o céu de Amboina, a nuvem
de guerra já mudara sobre o Japão e a nação japonesa estava no meio do inferno.
Como soldado, ele também foi envolvido no desespero da derrota. Com surpresa, o mensageiro das
Forças Aliadas veio para Amboina, hasteando a bandeira branca. Evidentemente, os habitantes da ilha
pensaram na vitória do Japão. Travaram a batalha de opiniões entre as forças da Marinha e do Exército
nesta ilha para decidir a guerra ou a paz, porém, concordaram finalmente em mandar o emissário, a fim de
notificar a rendição. Izumida, o sub-oficial da polícia japonesa, foi detido junto com os outros oficiais da
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Marinha e do Exército; entretanto, só ele foi levado ao quarto individual. Pensou que fosse sofrer junto com
os prisioneiros até à volta para o Japão, mas só Izumida foi privilegiado com leito individual, recebendo os
melhores tratos.
Viajando no Navio da Liberdade, chegou ao Porto de Tanabe, em Wakayama, onde foi
desmobilizado no dia 21 de junho de 1946.
Ao sair do banho, submeteu-se à assepsia com DDT e recebeu 300 ienes para a despesa de
viagem. Quando saiu para o corredor, encontrou-se inesperadamente com uma pessoa.
- Por acaso, o senhor não é o Sub-Oficial de Polícia, Izumida?
- Sou Izumida. E o senhor? Não podia lembrar quem era.
- Sou o praça Yamaguiwa.
O praça, com saudade, sorriu. Izumida, percebeu com vaga lembrança esse sorriso. Apesar disso,
a magreza da face do soldado Yamaguiwa não permitia reconhecer quem era. Desconfiou apenas o
aspecto e a feição completamente estranhos. Izumida também estava magro, porém Yamaguiwa o
reconheceu rindo: — foi graças à sua calvíce. Seja como for, os dois compartilharam a alegria de terem
voltado ilesos e continuaram dialogando as façanhas do passado.
- Sub-Oficial Izumida! Aconteceu no dia seguinte, quando o senhor foi transferido para
Amboina. Um avião americano desceu inesperadamente. Prendemos seus doze tripulantes. Estávamos
aguardando uma ordem superior, porém a solução não vinha. Enquanto isso, a guerra terminou.
Então, era a nossa vez de sermos capturados. Para evitar as conseqüências futuras em relação aos maus
tratos contra os cativos, a Polícia Militar levou os doze prisioneiros para uma ilha desabitada e executou-os.
Eu não sei de que maneira, mas isso foi descoberto pelas Forças Aliadas e todos os responsáveis foram
levados para a Austrália. Provavelmente eles foram executados após o julgamento do Tribunal Militar.
Izumida engoliu seu grito de espanto e sentiu um frio temível escorrendo pela coluna. A diferença
era de apenas um dia e de uma simples ordem.
Poder-se-ia consumar o fato, dizendo que é o destino de uma pessoa. Entretanto, como é '
freqüente a transformação dos destinos numa existência da vida com a diferença de um segundo, uma
hora, um dia ou apenas uma palavra, sem que ninguém possa interferir no impedimento dessa mudança de
situação!
Caso Izumida permanecesse em Sorong, forçosamente deveria ter sido o responsável pela
crueldade contra os prisioneiros. O enigma da ordem de sua transferência foi esclarecido e apagado como
se um 'Iceberg' fosse derretendo. O fato de ter sido informado no primeiro passo após a volta à terra de
origem, não seria mera coincidência. Ele estremeceu pela forte sensação de gratidão ao Buda e
compreendeu a absoluta existência da proteção dos Deuses Budistas.
Em seguida, com os mesmos passos, entrou no trem e foi direto para Fuji-Daissekiji.
Em frente à estação de Fujinomya, serviu-se de um chá quente. Izumida virou a sua carteira quase
sem vintém e tomou um táxi.
A floresta de cedros! Que saudade!. . . Ao revê-la, até se esquecia que era um aspirante a oficial da
guerra derrotado. Sem dúvida, deve ter inspirado na ressurreição de uma nova vida!
O sub-oficial, com o uniforme de desmobilizado, entrou no alojamento do Rikyobô, pisando
timidamente os pavimentos de pedra.
Apesar de que o bonzo do alojamento recebesse calorosamente esse peregrino excêntrico, ele
ficou totalmente chocado quando ouviu pela primeira vez sobre o incêndio do Kyakuden, o Salão de
Recepção, e sobre a morte de Tsunessaburo Makiguti na prisão.
Sozinho, no Gohozo (a Casa do Tesouro), ele assistiu à cerimônia do Gokaihi, para orar o Dai-
Gohonzon. Sob a iluminação vacilante das velas e penumbras, ele relatava o seu retorno são e salvo, três
anos e meio após o último encontro com o Dai-Gohonzon. Todos os seus pedidos feitos no Ano Novo três
anos e meio antes haviam sido realizados como ele desejara. Nesse período, não viu um soldado morto e
nem um ferido sequer. Sobretudo, a guerra terminara sem que ele tivesse dado um tiro. Não podia deter o
afluxo de lágrimas que escorria pela face.
Recentemente, ouvi episódios cujas narrações eram fatos de soldados americanos, durante as
férias em Honolulu, Havaí, provenientes da guerra do Vietnã. Entre esses soldados, há inúmeros membros
da Nitiren Shoshu. Eles estão absolutamente convictos da própria segurança. Em diversos relatos pessoais,
havia fatos semelhantes aos de Izumida.
Conforme os relatos, quando a batalha se tornava terrível com intensas trocas de balas, os
soldados ajuntavam-se em torno de um que possuía o rosário budista. Hiroshi Izumida de outrora, torna-se
agora um soldado americano de olhos azuis e de cabelos louros! Pode-se dizer que eles estão provando
para as pessoas do mundo, como é grandioso o Verdadeiro Budismo! E, ao mesmo tempo, estariam orando
para que a guerra terminasse o quanto antes. . .
Hiroshi Izumida permaneceu quase uma semana no Templo Supremo, ajudando a colheita do arroz
para os bonzos. Não sabendo onde estava sua esposa, procurou o endereço nos Registros de visitas ao
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Dai-Gohonzon; enviou um telegrama e enfim conseguiu chamá-la.
Tame Izumida morava num apartamento em Koiwa, Tóquio e trabalhava no escritório da Sede
daquele Distrito.
No dia seguinte, após a despedida do Templo Supremo, o casal procurou o Diretor Geral em Nihon-
Shogakkan. Vendo Izumida, Toda, com a voz radiante, disse:
— Oh! Seja bem-vindo.
Após ter ouvido numerosos episódios relatados por Izumida, Toda sorrindo, disse:
— Quem foi para o Sul do Pacífico, volta com a 'apatia tropical' e dizem que mostra atitudes
estranhas. . . mas, como está passando?
— Assim como o senhor está me vendo, eu me sinto perfeitamente bem disposto.
Izumida respondeu passando a mão sobre a cabeça sem cabelos. Toda outra vez disse:
— é, deve ter recitado muito Daimoku. Assim sendo, não poderia cair na 'apatia tropical'. De
agora em diante, recomendaria trabalhar com afinco em prol da sociedade, com esse corpo que foi
presenteado pelo Gohonzon. Seria o maior patrimônio.
— Sim, senhor.
— Embora o país tenha sido derrotado ou seu emprego perdido, a boa sorte do Daimoku
recitado permanecerá evidentemente. Agora, aproveite para descansar e recuperar a saúde e após então,
vamos nos esforçar mutuamente?
— Sim. Peço, por favor.
O casal Izumida dirigiu-se imediatamente para a residência do honorável mestre Makiguti. Izumida
que não conhecera o amor paterno, deve ter chorado intimamente e ter-se emocionado com o clamor da
nostalgia, diante da alma falecida de um pai chamado Makiguti.
Ele não sentia remorso algum por ter perdido o cargo militar. Entretanto, o portal da sociedade era-
lhe estreito por ser um soldado desmobilizado. Era penoso. Da pequena reserva que ele possuía no Banco,
não podiam ser retirados senão trezentos ienes por mês, devido ao bloqueio do depósito bancário. Sabia-se
que isso também esgotaria após cinco a seis meses. Sem saber o que fazer, com seu enorme corpo dentro
de um minúsculo apartamento, preocupava-se pelo futuro tenebroso. Apesar disso não deixava de se
esforçar pelo menos no Gongyo da manhã e da noite.
Embora sua vida tivesse sido salva pelo Gohonzon, ele chegara a um estado de sobrevivência
sofrível, economizando até mesmo a vela e o incenso que usava no Gongyo. Ele percebeu até que ponto
chegou sua avareza. Sentiu-se então indignado pela própria miserabilidade e reconheceu: — tornei-me
pobre a ponto de ser miserável.
— Abaixo a pobreza! Mesmo que chegue o momento em que seja necessário trabalhar como um
braçal, ou que as três refeições sejam reduzidas para duas, ou que seja despejado desse apartamento, e
que tenha que morar debaixo da ponte do rio Edo, jamais deixarei faltar as velas'
Já era pleno outono, quando ele reconquistou definitivamente a sua convicção na atuação da fé. Em
novembro de 1946, ele obteve um emprego numa empresa nova de jornal, por indicação de Jossei Toda.
Embora fosse de menor escala, imediatamente foi colocado como Chefe do Departamento de
Contabilidade. Apesar de ser um emprego imprevisto e meritoso para ele, não podia deixar de sentir
realmente uma surpresa. Era uma época em que os soldados de carreira e os funcionários do
Departamento de Assistência aos Repatriados estavam sendo atingidos pela ordem de abandono do cargo,
com a exceção dos que trabalhavam no Quartel General. Para um soldado profissional que não possuía
outros títulos e experiências, a sua admissão na Empresa como Chefe do Departamento de Contabilidade,
não podia deixar de dizer que fosse uma eventualidade surpreendentemente feliz.
O fato de não poder viver como desejava era a causa da horrível e corriqueira desavença conjugai,
mas desde essa época, ambos transformaram a vida diária em ânimo e alegria. Nasceu no casal, a
convicção de que, aqueles que têm fé, não têm medo, mesmo que a época agite tumultuosamente.
Apesar das brigas contínuas, ambos foram conduzindo sucessivamente o Chakubuku para os
moradores do apartamento. Diz-se que, toda vez que o vizinho recém-casado protestava veementemente
com vozes histéricas contra a prática, seu ordenado subia com uma rapidez um pouco maior que a
velocidade da inflação. Toda vez que recebia a notícia dos infelizes do bairro, intensificava cada vez mais a
sua atividade do Chakubuku.
Os recém-convertidos como Matsumura, Sassai, Yamakawa e Yakumo, cada qual trazia seus
amigos e convidados para o apartamento de Izumida.
Estendendo-se de ramo em ramo, o tronco de Koiwa tornava-se uma grande árvore. Não há outro
incentivo maior do que o ânimo e a alegria pela fé.
Katsu Kiyohara, que chegou tão cedo correndo apressadamente para a reconstrução da Gakkai,
após a guerra, já em 1947 lecionava num Grupo Escolar de Suguinami.
Na véspera da sua admissão no magistério, ela procurou Toda, a fim de contar a sua infelicidade,
após uma profunda análise de consciência.
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- Mestre! Já faz sete anos, desde que me converti e não consegui ser feliz nem um pouco sequer.
Ultimamente, não posso mais deixar de pensar que não há outra mulher mais infeliz do que eu.
Era março e o inverno rigoroso havia passado.
Ela, sendo moça, em plena juventude, possuía vários sofrimentos.
Desde antes da guerra, admirava o 'Estudo da Criação do Valor pela Educação' da teoria
educacional própria de Tsunessaburo Makiguti. Embora merecesse a simpatia dos alunos e estivesse sendo
reconhecida como uma educadora competente, possuía sofrimentos de natureza familiar.
Não combinava de maneira alguma com sua irmã geniosa. Além disso, ela estava doente do
pulmão. Para escapar do ambiente familiar desagradável, ela pensou em casamento ou no abandono do lar.
Mas, até o sonho do casamento foi aniquilado. Consequentemente, a moça tornou-se melancólica e
mergulhava freqüentemente nos dias de tristezas.
Procurando iluminar-se com o espelho do Verdadeiro Budismo, que chegou a conhecer, sentiu-se
horrorizada com o infortúnio do seu destino. Sua família constituída de irmãos que já haviam cursado o
Ensino Superior, parecia aos olhos de todos ser uma família ideal e de nível social acima do médio.
Entretanto, vendo sua própria situação mais profundamente, não podia deixar de sentir-se a mais infeliz de
todas as mulheres. A verdade é que o futuro parecia-lhe cinzento. Consequentemente, chorava sozinha
contra a sua predestinação infeliz.
A fisionomia de Toda tornou-se então, sever3.
— É lamúria. O que você está pensando a respeito da fé? Quer viver com mais conforto? Ou
então, deseja ser bem tratada pela sociedade? Por acaso, converteu-se à fé,
atraída pela ilusão de obter apenas a felicidade aparente? O objetivo último deste Budismo de Nitiren
Daishonin é sentira Eternidade da Vida. Consiste em conquistar com o próprio corpo, o que é a Vida Eterna.
Chama-se isso, a Felicidade Absoluta. Esta felicidade continuará para sempre e nunca será destruída. Para
concretização dessa felicidade é que devotamos à nossa fé. A leviandade do seu ideal é a causa da sua
própria infelicidade atual. Compreenda.
Ela fitou Toda. De seus olhos afluíam lágrimas. Assim mesmo, não procurava desviar seus olhos de
Toda.
- O seu espírito de lamúria destrói tudo o que é seu. Seja a mulher mais feliz do Japão.
Certamente conseguirá.
Chorando, Kiyohara sorriu suavemente.
A mulher sem lamúrias, certamente será a mulher no verdadeiro sentido de uma autêntica
revolucionária. Conforme as pessoas, lamentar seria um ato justificável. Entretanto, Kiyohara decidiu lutar
terminantemente contra as queixas e lamúrias. Resolveu erradicar todo e qualquer lamento do seu íntimo.
No mesmo instante que decidiu essa renovação do espírito, ela sentiu o afluxo do ânimo e da alegria e, ao
mesmo tempo, a leveza de seu corpo.
Poder-se-ia dizer que se via com sutileza, uma vida brilhante e vigorosa. Ou melhor, diria que ela
descobrira a partida para o segundo período da vida, na segunda etapa da atuação da fé. Ela se
transformou de corpo e alma e começou a promover Chakubuku para todos os professores que
lecionavam na sua escola. Entre eles, havia duas professoras: uma era Hideko Oshima e a outra,
Tissako Irie. Kiyohara esforçou-se muito a fim de fazê-las encontrar-se com Jossei Toda. Enfim, chegou o
dia esperado. Ouvindo a minuciosa explanação da 'Teoria do Valor e da 'Filosofia da Vida' por Toda, Irie
converteu-se logo em seguida. Entretanto, Oshima voltou para casa com atitude sombria e estranha.
Após a conversão de Tissako Irie por seu intermédio, Kiyohara ficou tão satisfeita e contente como
se encontrasse uma nova irmã, e devotava-se cada vez mais à orientação da fé.
Poder-se-ia dizer que a vida diária do professor era pior do que a de todos os assalariados da
época. Com a progressiva marcha da inflação, os assalariados que pertenciam aos trabalhos produtivos,
ainda tinham chance de obter aumentos de salários conforme o aumento dos preços de mercadorias.
Porém, os desfavorecidos eram aqueles que estavam subordinados ao Funcionalismo Público. Entre os
últimos, em piores situações estavam os educadores, pois as atividades educacionais não se mostravam
produtivos de imediato.
Já era de conhecimento público que, desde a liberação do país em Meiji, o salário dos funcionários
no setor da Educação era o último a ser aumentado. Na vida diária do povo de após-guerra, a camada
social que mais sofreu as duras conseqüências da inflação foi a classe dos "professores".
Logicamente seria natural que os educadores se devotassem às atividades dos Sindicatos mesmo
abandonando as respectivas aulas, a fim de lutar contra a morte pela fome. Essa atividade logo se estendeu
como ondas por todo o país.
Eram lutas desesperadas. Era uma campanha muito trágica para quem pensa na geração futura. É
impossível esquecer a compaixão para com os professores competentes. Ao mesmo tempo, é necessário
também reconhecer as inocentes crianças sacrificadas.
Em meio a essas tenebrosas demonstrações de protestos, ressaltava-se a existência do ânimo e
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alegria de Katsu Kiyohara e Tissako Irie como membros do Sindicato.
Um dia, em novembro de 1947, foi decidida a realização do Congresso dos professores na praça
em frente ao Palácio Imperial. Seria uma Assembléia com a participação de todos os professores do país.
No período da manhã, os professores que deixaram mais cedo as suas escolas, foram chegando
apressadamente em frente do Palácio Imperial.
Os professores da escola de Katsu Kiyohara entraram no bonde formando um grupo único. Talvez,
pelo cansaço na luta pela sobrevivência, ou pela indignação ao ver as crianças inocentes, mostravam os
semblantes sombrios. Entretanto, Kiyohara e Irie continuavam conversando sempre animadamente. Uma
das companheiras, Hideko Oshima, observava de um dos cantos do assento, o diálogo das duas, com olhar
enciumado, parecendo estar atraída pelo prazer das companheiras.
Sua turma chegou à praça em frente do Palácio Imperial. Já estavam à espera numerosos
professores. Era o local onde outrora marchara o Exército Imperial. A época mudara e agora, transformara-
se num local onde se realizaria a decisiva Assembléia dos Professores.
Tremenda era a mudança da época. Alguns denominaram essa praça como sendo a Praça do
Povo. Antes da guerra, houve uma época em que uma pessoa escreveu um Ensaio opinando que o
Imperador ficaria contente se visse o povo dispendendo momentos de lazer nessa praça como se fossem
seus filhos e isso despertou a atenção e simpatia de muitos. Nas épocas de contradições, seria natural que
as mesmas fossem se transformando gradativa e convenientemente.
As professoras do Grupo Suguinami sentaram-se sobre o gramado num canto do pinheiral. Mesmo
nessa ocasião, Kiyohara e Irie dialogavam com ânimo. Atraída por esse aspecto, Hideko Oshima, sem
querer, foi chegando perto delas.
As três moças compenetraram-se nos diálogos, como se tivessem esquecido da Assembléia do dia.
Kiyohara sustentava a importância da atuação da fé como a fonte propulsora da vida diária.
A Assembléia terminou, como sempre, com a leitura das resoluções e passava para a
demonstração com marcha em direção ao Ministério da Educação. Nesse instante, as três foram correndo
apressadamente a fim de se integrar à fila em movimento. Entre eles, havia pessoas com atitudes sérias,
outras com ironia ou indiferentes, outras ainda com entusiasmo, etc. . . Entretanto, quem estaria sendo
qualificado como educador competente?
No dia seguinte, após o movimento, realizou-se à noite a palestra na casa de Kiyohara. Era uma
reunião de cinco a seis moças somente. Hideko Oshima estava também no meio, ouvindo as experiências
de cada uma, relatadas sucessivamente. Ela compreendeu realmente os aspectos diversos entre as
infelicidades. Afinal, ela ' acabou confessando a infelicidade e a vergonha da sua família, pela qual nada
podia fazer. Ela que não gostava de falar e de conversar com as outras, foi automaticamente condicionada
a relatar, talvez pelo reflexo da sinceridade das companheiras. Ninguém a menosprezou, pelo contrário,
todas juntas encorajaram-na.
- Isso se resolverá admiravelmente. Você também tem o direito de ser feliz.
Enfim, Hideko Oshima converteu-se. Entretanto, no quarto dias após a sua conversão, sua irmã de
idade mais nova tentou suicidar-se. Felizmente não conseguiu, mas foi preciso reconhecer que a situação
familiar chegara a um ponto crítico. Hideko estava perdida.
Katsu Kiyohara, que se tornara sua única esperança, ouviu a confissão de Oshima e surpreendeu-
se pelos fatos inesperados. Apesar de ser noite, correu imediatamente para Shogakkan. A noite estava
completamente escura, devido à interrupção elétrica. Ouviam-se vozes de pessoas animadas no primeiro
andar. Kiyohara que era de pequeno porte, foi subindo as escadas estreitas com passos sonoros, puxando
a mão da alta Oshima.
No primeiro andar, Jossei Toda dialogava animadamente com diversas pessoas,
sentado numa cadeira de vime. Sobre a mesa, havia uma vela grossa e sua chama fazia mostrar nas
paredes e no teto, as enormes e vacilantes sombras de pessoas. Sentia-se que dentro da sala prevalecia
uma atmosfera agradável. Com um tom gravemente sério, Katsu Kiyohara relatou sobre a conversão
de Hideko Oshima e sobre o caso da tentativa de suicídio de sua irmã. Com a voz fraca, Oshima
começou a relatar o acontecimento do começo ao fim. Eram quatro irmãos, dentre os quais um rapaz
e três moças; ela era a primeira. Tão logo perderam a mãe, o pai casou-se de novo e a segunda
esposa teve um filho. Entretanto, o pai também veio a falecer cedo. A família remanescente começou a
enfrentar as ondas bravias da sociedade em torno da madrasta, mas por causa do irmão
unilateral, os outros quatro foram se tornando sacrificados e obrigados a sujeitar-se a tudo
pacientemente. Hideko era economicamente independente e por isso não sofria tanto, mas seu irmão
e suas irmãs que dependiam sob todos os aspectos da madrasta, chegaram a chorar de amargura pela
crueldade da mesma. Os irmãos, desprovidos de forças e obedientes como animais domésticos,
ajeitavam-se pacientemente conforme a vontade da madrasta. Havia limite no sacrifício e na
paciência. As vezes chegavam a explodir. Nessas ocasiões, Hideko Oshima servia de escudo para defender
seus irmãos, mas era ainda muito jovem. Não podia competir tomando como adversária a velha e astuta
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madrasta. O pretenso compromisso para defender os irmãos, tornava Hideko cada vez mais pessimista.
Essa situação adversa tornara a família sombria até ao ponto de levar uma das irmãs ao suicídio. Achava-
se, portanto, numa situação infernal. O ódio da madrasta, certamente, chegava até conter doses de
loucura.
Enfim, a questão chegara ao ponto crítico de resolver quem sairia de casa, os quatro irmãos ou a
madrasta com seu filho. Estavam em pleno sofrimento pela sobrevivência de pós-guerra. A questão
agravou-se mais seriamente no tocante aos interesses econômicos da família e no âmbito moral em relação
à madrasta e aos enteados. Em conseqüência, chegou até ao ponto culminante, a desagregação total da
família. Nessa ocasião, sua irmã tentou o suicídio e quando Hideko estava relatando o sentimento de
tristeza de sua irmã para Toda, chorou, perdendo o seu controle.
- Já sei, já sei. ..
Toda começou a falar gentilmente, como se estivesse conversando com sua própria filha. As
pessoas que estavam ao seu redor, devem ter percebido que os pais não devem morrer para o bem de
seus filhos. Com lágrimas nos olhos, eles observaram apenas a face de Toda.
— Talvez isso se resolva mais depressa do que se espera.
Pode-se afirmar que tal sofrimento é bem mais simples. Não quero dizer que sua madrasta seja culpada,
nem desejo concordar com suas razões. Naturalmente, deve ter havido
alguma causa que desencadeou esta situação, mas de nada adiantaria agora pesquisar a causa.
Independente das razões dessa ocorrência, desejo lembrar que a senhorita possui o Gohonzon. Uma vez
que recebeu o Gohonzon e que se devota à sua fé, então é Buda. Não existe Buda que chora e odeia as
pessoas.
Eram palavras severas. Ela contemplou os traços profundos da fisionomia de Toda que tremulavam
à luz da vela.
- Agora, você tornou-se discípula de Nitiren Daishonin, portanto, é filha do Buda. Nitiren
Daishonin disse: "Eu serei o pilar, o olho e a nave do Japão." Mesmo sentado no local da decapitação e sob
o frio congelado de Sado, lutou em prol do país e da nação. A senhorita deverá tornar-se pelo menos o pilar
da família por meio da corajosa devoção da fé. Por ser frágil é que o pilar vem a apodrecer. Você não tem
consciência quanto ao fato de ser ou não pilar de sua família. Titubeando é que os sofrimentos aumentam
cada vez mais. Levante-se a partir de hoje com a forte convicção.
— Compreendi.
Apesar de que ela concordasse com obediência, não sabia o que fazer em seguida. Esperava que
Katsu Kiyohara dissesse algo, mas ninguém manifestou-se.
Hideko balbuciando disse:
- Nessas circunstâncias, desejaria a todo o custo separar-me da madrasta. . .
- É sobre a questão da conduta? Há somente uma. Tornar-se forte com a fervorosa devoção
da fé e adquirir a disposição de uma rainha para lutar, enfrentando tudo com o seu corpo. Experimente.
Seria uma derrota se caísse no sentimentalismo. Resolva tudo com calma e conscientemente; o resto é orar
com fé no Gohonzon e confiança em si no almejo da sua felicidade, do seu irmão e das suas irmãs. Por fim,
todos serão felizes pela fé, conforme a devoção de cada um. Concorda?
Pela primeira vez, ela percebeu um passo além da sua conduta. Escolher o método para uma
conduta é também importante. Porém, é a devoção da fé, o que impulsiona vivamente a conduta para a
máxima eficiência.
Desde então, ela começou a orar Daimoku fervorosamente. De início, desapareceram o medo e a
insegurança.
A madrasta dirigia os negócios de uma loja. Para convencer definitivamente os quatro enteados,
levou o diretor da loja à sua casa. Ela havia dito de antemão que se tratava do assunto de sua expulsão por
iniciativa dos filhos da primeira esposa de seu marido. Apoiando inteiramente a madrasta, o diretor
apareceu com arrogância dizendo:
- Vocês devem saber do ditado antigo que os pais de criação devem ser mais importantes do
que os pais de origem? Se vocês não reconhecem os sofrimentos desta mãe que veio se dedicando para
criá-los durante dez anos, então, vocês estão agindo com a maior das ingratidões. Eu, como uma terceira
pessoa imparcial, acho isso arbitrário demais
Na minha opinião, se quiserem viver separados são vocês quatro que deverão sair daqui primeiro.
Hideko Oshima permanecia com surpreendente calma. Apesar de opor-se frontalmente aos
incessantes desaforos e humilhações verbais de sua madrasta, reagia com serenidade, esclarecendo as
realidades da vida diária familiar.
O que sua madrasta mais temia era a união dos quatro irmãos. Na tentativa de mantê-los
separados, havia momentos em que fechava as portas a pregos a fim de que Hideko, suas irmãs e seu
irmão não se comunicassem entre si. Quando uma das irmãs pousava no serviço, sua madrasta
não permitia que Hideko soubesse o endereço. Sua astúcia era algo acima de qualquer comentário.
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A situação real tornava-se cada vez mais clara. O responsável da loja que se colocara na situação
de terceiro, convenceu-se de que nada podia opinar, ouvindo apenas as acusações de um lado. Diante dos
fatos verídicos, ele ficou desapontado e enfim, chegou a observar a fisionomia da madrasta.
Afinal, a madrasta caiu na contradição e o debate não chegou mais à solução final.
— Quem agüentaria permanecer numa casa como esta? Ninguém poderá ficar aqui. Nem
mesmo a pedido1 — dito isto em gritos, a madrasta jogou a xícara de chá. Os irmãos
menores tremeram de medo. Entretanto, Hideko ainda possuía tranqüilidade suficiente para poder limpar o
chá que se derramara sobre a mesa. Se a briga dessa noite fosse apenas entre os membros da família,
todos acabariam talvez conciliando-se. Mas, nesta noite havia um estranho entre eles. Vendo a atitude da
madrasta, o diretor da firma não podia deixar de reconhecer a triste situação que levara uma das irmãs à
tentativa de suicídio. Sentiu-se compassivo com os quatro irmãos e acabou concordando com eles.
— Dessa maneira, a família arruinar-se-á. Quanto à moradia da madrasta, farei o possível de
arrumá-la por intermédio da firma. Se continuarem ferindo-se mutuamente dessa maneira, o caso irá se
agravar cada vez mais. Antes que piore mais a situação, não acharia melhor viverem separados, pelo
menos temporariamente?
As palavras do diretor possuíam o peso para convencer a madrasta.
— Peço-lhe, por favor. — disse primeiro a madrasta.
A situação mudou-se de imediato e a questão foi resolvida de modo admirável. Passados cerca de
vinte dias, a madrasta foi-se embora e chegaram enfim os dias de uma vida livre para os quatro irmãos.
Os quatro eram pobres, mas, apesar disso, devem ter sentido os prazeres da ressurreição de uma
nova vida. Até que enfim, vieram a clarear as nuvens tenebrosas que dominaram durante os dez anos.
Poder-se-ia dizer que seria solução de um problema insignificante; porém, seria para eles uma questão
sumamente importante, maior que a mais grave do país. Vendo essa situação, Hideko Oshima levantou-se
com ânimo, convicta de que todas as injustiças deste mundo podem ser resolvidas pelo Verdadeiro
Budismo.
* * *
Para onde quer que fosse Kiyohara, quer à sua direita ou à sua esquerda, seguiam-na sempre Irie e
Oshima. As três companheiras começaram suas atividades unindo-se, quer nas Reuniões de palestra,
estudo ou Chakubuku. Sem perceber, estavam sendo conhecidas como "os três cedrinhos de Suquinami"
("Três cedrinhos de Suguinami": 'Suguinami' é o nome do bairro na parte oeste de Tóquio e literalmente
significa a avenida de árvores de cedro. Por isso, as três professoras que moravam no bairro de Suguinami
foram assim apelidadas.)
As três professoras devotavam-se fervorosamente às atividades religiosas, mesmo "sabotando" os
trabalhos sindicais dos professores, até que, enfim, o chefe do sindicato levantou a questão da Reunião do
Professorado.
Eis a denúncia: — É condenável insistir os atos detestáveis conhecidos como "Chakubuku" sob
pretexto de visitas domiciliares. Isso desonra o prestígio dos educadores. Estão surgindo críticas pelos pais
e irmãos.
De fato, encarregadas de visitar as famílias dos alunos, notaram numerosas infelicidades por elas
imprevistas. Encontrando com essas famílias e entrevistando sobre os alunos e a educação, naturalmente
desviavam-se às vezes para o assunto do Budismo. Em conseqüência, aqui e acolá, surgiam famílias que
se convertiam.
Katsu Kiyohara, reagiu com veemência, levantando-se da cadeira no meio da reunião sindical.
— Suponhamos que se encontre uma pessoa gravemente enferma, durante a visita familiar.
Admitamos que o visitante conheça um médico excelente, capaz de curar tal doença grave. Nesse
momento, se fosse o senhor, sairia ou não, sem ensinar a existência do médico famoso, dizendo que estava
apenas em visita? Qual é a sua opinião?
Um líder do Sindicato dos Professores que possuía uma calvície como a de Lenin, levantou sua voz
arrogante. O ambiente da conferência foi envolvido por um clima de tensão excitante.
— Não desvie do assunto. Nós estamos levantando uma questão severamente criticada pela
PTA, a Associação de Pais e Professores em relação às suas atitudes. Nós, que somos responsáveis pelos
ensinos desta escola, devemos solucionar esta questão.
— Então, qual é a solução que o senhor sugere?
Kiyohara perguntou abruptamente. O tal líder de
calvície à Lenin, mudou de cor e disse:

Deve ser proibido o assunto da religião durante a visita familiar, é condenável a imposição
forçada de um credo religioso. A escolha da fé não é absolutamente livre?

É isso mesmo, a religião é livre. Portanto, propagar uma boa religião é também livre, desde
que o tempo e O local permitam. Não aceitar também é livre. Onde poderiam existir tolos que aceitariam a
fé por imposição? Por acaso, o senhor acha que é admissível na sociedade atual, obrigar alguém a crer
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pegando-o pelo pescoço e dizendo "vamos, ore e ore já". O povo não é tão ignorante como o senhor julga.
Pense bem, como um educador. Que ridículo1
Quando as palavras de escárneo terminaram, surgiram risos e gargalhadas entre os professores.
Provavelmente, acharam muito interessante o debate. Um outro líder tomou a palavra, levantando o cabelo
comprido.
— Habitualmente é considerado uma espécie de "tabu" o fato de os professores propagarem
especificamente nas classes, um partido político ou uma determinada religião. Não seria o mesmo caso,
fazer uma propaganda religiosa com o pretexto de uma visita familiar?
Dessa vez, Tissako Irie aceitou o desafio.
- Quando e onde o senhor acusa que nós fizemos a propaganda religiosa nas classes? Se
há provas, peço que as cite.
— . . .Bem, mesmo a visita familiar, para quem vai
como educador é o prolongamento das classes.
- Lar é lar. Classe é classe. Lar não é a extensão das salas de aula. Os objetivos não são
diferentes? Quanto a um doente grave citado há pouco por Kiyohara, seria um bom
exemplo. Existem no mundo muitos mergulhados nos diversos sofrimentos e infelicidades, além dos
sofrimentos corporais. Naturalmente, ao ver tais pessoas não se sentiria o
forte desejo de ajudá-las? Talvez os senhores preguem o Socialismo e o Comunismo. Se nós ensinamos
uma religião absolutamente eficaz nessas circunstâncias, qual é o nosso mal e por que o senhor aprova só
a propaganda socialista?
— Isso é divergência de ponto de vista. . . Abandone o magistério e vá negociar com a religião.
Nesse momento, Hideko Oshima levantou-se com sua estatura alta e objetou:
— Eu sei. Há um professor que era na o Comunismo para os alunos na sua sala de aula. Posso
citar claramente o seu nome? A Associação de Pais e Professores deseja que isso seja discutido mas
ninguém se atreveu a levantar essa questão, temendo as conseqüências. Este é o problema!
Ouvindo isso, os líderes do sindicato levantaram suas vozes tulmultuantes com aspectos
ameaçadores. Entre eles havia alguns com atitudes ofensivas contra Kiyohara e suas
companheiras.
Em qualquer época, o diálogo deve ser livre. Apesar disso, são munerosos os que criticam e
perseguem os outros, convencidos da grandeza de si mesmos' São numerosos também os intelectuais e os
jornalistas que uma vez criticados ou perseguidos procuram desesperadamente fugir das responsabilidades!
O diretor gritava repetidamente: "silêncio", "silêncio", dando voltas pela sala, chutando as cadeiras.
A algazarra acalmou-se, porém, os furiosos sopros respiratórios permaneciam ainda. Aquele calvo
à Lenin, censurou "os três cedrinhos de Suguinami" com semblante colérico e furioso dizendo:
— Esse pronunciamento de Hideko Oshima deve ser levantado em questão no Sindicato.
Desejaria consultar o Órgão Superior, nos próximos dias e discutir o assunto numa reunião desse ramo.
O líder de cabelos compridos falou também, aproveitando os momentos impulsivos.
— é isso mesmo. Não podemos admitir mais as traidoras que anarquizam a nossa união de
ferro. O que os senhores acham? Não concordam com isso?
Tornou-se uma reunião terrível.
Debates intensos prolongaram-se por mais de uma hora e por fim tornaram-se até provocantes.
Katsu Kiyohara, pronunciou rejeitando a pressão coercitiva.
— Para que todos não tenham mais dúvidas, deixarei bem claro aqui. Nós somos membros do
Sindicato, as mensalidades estão inteiramente pagas. Viemos sempre
participando das demonstrações, todas as vezes que foram ordenadas. Sendo membros do Sindicato, não
há razão para sermos criticadas pelos líderes, dessa maneira. Quando e
onde nós transgredimos o controle do Sindicato? Respondam agora 1 É que apenas os senhores líderes não
estão gostando das nossas atividades religiosas, não é verdade? Isso é o cúmulo da violação do direito
humano! Nós devotamos sinceramente aos ensinos para os alunos na
escola, participamos das atividades do Sindicato e além disso, estamos certas de que nós colaboramos pelo
menos numa parcela para a sociedade, para o nosso bem e para o bem dos infelizes. Como se pode dizer
que isso está errado?
O calvo à Lenin exaltou-se e gritou:
— Não ofenda o Sindicato.
— Não estou ofendendo. Não estaria errado em pensar que tudo pode ser resolvido apenas
pela ação sindical? Na realidade, não • recebemos nada dos senhores originariamente, nem sequer um
pouco de satisfação. A vida humana é bem mais complexa, ampla e profunda, de tal maneira que, na minha
opinião, os assuntos insolúveis pela inteligência do sindicato são bem numerosos. Seria melhor que os
problemas fossem resolvidos pelas atividades sindicais, porém como se resolveriam os problemas difíceis e
impossíveis, além do alcance do Sindicato? Quem luta sinceramente por dentro desses problemas é a
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Nitiren Shoshu Soka-gakkai. . . .
Nesse momento quando o líder cabeludo aparteava com altas vozes, as palavras de Kiyohara
estavam entrando no campo do Chakubuku.
— Não quero ouvir sermões1 O diretor não podia esconder a cor da sua face embaraçada.
Então, em tom burocrático, disse, a fim de encerrar a ordem do dia.
- Hoje, nós estamos realizando uma reunião de professores. Aqui não é lugar para a reunião
do Sindicato nem dos assuntos religiosos. Desejo que tais assuntos fossem plenamente debatidos num
outro local e em outra oportunidade. Como já passou do tempo, está encerrada a reunião de hoje. O meu
muito obrigado a todos.
A assembléia de ventos e nuvens encerrou-se em desapontamento.
As três moças retiraram-se de imediato. A escuridão começava a cobrir o pátio silencioso. Já não se
viam mais os alunos. Apenas sentia-se o aroma intenso da terra.
Não lhes importava mais o abuso dos líderes e dos maldosos. Talvez o vento tivesse levado para
qualquer lugar. Havia apenas o brilho da esperança que transbordava pelas atividades da juventude
primaveril.
Os líderes do Sindicato que haviam fracassado na "tentativa de enforcamento" dos "três cedrinhos"
Kiyohara, Irie e Oshima, agiram em seguida subversivamente e acabaram denunciando as três ao inspetor
da escola do bairro. Parece que o Sindicato não era um lugar onde prevalecia uma absoluta cooperação, a
defesa mútua ou o ânimo em conjunto.
Um dia, as três foram chamadas pelo inspetor. Porém, este não podia ser intransigente com as três
professoras que mereciam simpatia de seus alunos. Além disso, ninguém pode transgredir o direito da
liberdade religiosa que a constituição reconhece. Tacitamente, ele concordou com as atividades das três
moças.
Aqueles líderes sindicais, mesmo posteriormente, perseguiram-nas com olhos persistentes de tigre,
a fim de captar algumas falhas no seu procedimento. Por vezes explodiam-se debates violentos.
Essa luta chegou ao fim, em menos de alguns anos. Um dos líderes chegou a ter uma profunda
depressão nervosa e morreu louco. Um outro líder que era dono de uma saúde de ferro, enfraqueceu em
pouco tempo vítima de um ferimento infeccionado em conseqüência da disseminação bacilar intensa. Não
podendo mais continuar como professor, foi obrigado a retirar-se da escola.
Os "três cedrinhos de Suguinami" estenderam seus ramos, abriram suas folhas e criaram uma base
sólida para o Kossen-rufu em Tóquio, na região de Yamate ou Yamanote. Suas lutas que em nada eram
inferiores às atividades dos homens com entusiasmo nunca abaixo deles, foram assim construindo como
que um reinado autenticamente feminino. Desse local surgiram consequentemente numerosos elementos
de valor, inclusive homens de elevado grau de eficiência como líderes.
Contrapondo-se aos "três cedrinhos de Suguinami", haviam um "trio" em Kamata, formado por Koiti
Harayama, Takeo Konishi e Hissao Seki. Eles foram nomeados diretores simultaneamente a participavam
todos os dias das reuniões-de-palestra e das orientações para Chakubuku, em diversos lugares, seguindo
as instruções de Toda.
As casas de Take Sakata e de Eiko Mikawa, que sobreviveram aos incêndios na região de Kamata,
eram realmente os locais oportunos para a reunião-de-palestra. Pela conveniência do trânsito e da ampla
sala, eram os pontos de convergência das atividades. As campanhas do Chakubuku estendiam-se para
toda a Metrópole e além disso, prolongavam-se indiscutivelmente para a região de Yokohama e 'até mesmo
para o setor de Urayassu, na Prefeitura de Tiba e, nesses locais, já estavam sendo criados os pequenos
núcleos estratégicos regionais. Entretanto, não teria sido Kamata, a região que desde cedo mostrara o
surgimento de membros jovens, rapazes e moças?
Entre eles, estavam os jovens adeptos desde os tempos de Makiguti como: Tyuhei Yamadaira, Jiuti
Iwata, Guiiti Sakata, Yussuke Yoshikawa, Eiko Mikawa e Hiroshi Yamaguiwa que era docente de
Universidade.
Penetravam nas sedes das seitas hereges e promoviam com entusiasmo debates e diálogos a
respeito da Religião, fazendo até sentir pânico os inimigos da genuína fé.
Na região de Kanagawa morava Morikawa. Seu filho mais velho, Kazumassa, trabalhava na
Delegacia Distrital em Tsurumi e estava iniciando as atividades como um novo líder entre os jovens da
região de Tiba, Akio Nakamiti de 19 anos ainda incompletos, que cedo perdera o pai, uma vez completado o
curso preparatório militar e trabalhando como pescador, começou a inflamar o fogo do Kossen-rufu.
Longe de Tóquio, ao norte do Japão, em Sendai, um jovem chamado Kunio Shiratami, convertido
na época do Presidente Makiguti, começava a lutar sozinho. E ainda, em Tóquio, numerosas pessoas
estavam sendo convertidas e depois tornaram-se líderes principais para trabalhar como elementos do
núcleo da reconstrução da Gakkai.
O casal Haruki, convertidos desde os tempos do Presidente Makiguti, e Koji Itami em Kamata.
Massao Ussuda e esposa em Joto, Sussumo Hoshiyama em Mukojima, Kazunobu Saki em Hongo, Katsuzo
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Oba e esposa nos setores de Tsukiji Kanda dos tempos de Makiguti em Nakano e Hidekiti Fujikawa e
esposa em Adati, esses homens adultos e respectivas senhoras despertaram-se para o Verdadeiro
Budismo em torno de Toda e começaram a entrar em franca atividade a fim de provar a magnitude do poder
da fé.
Na primavera de 1948, o total de famílias pertences à Nitiren Shoshu, girava em torno de
quinhentas. Por não haver um memorial não se sabe o número exato, porém poder-se-ia calcular em torno
de 1.200 á 1.300 pessoas.
Shin-iti Yamamoto, desde sua conversão, comparecia ocasionalmente às reuniões palestras ou
lições. Entretanto, ele continuava sofrendo as conseqüências da doença e da subsistência.
Durante o dia trabalhava no escritório da editora em Shimbashi. Como não podia esquecer o hábito
intelectual, procurava compenetrar-se nas leituras dos livros que se achavam ao seu alcance desde que o
tempo permita. O trabalho era penoso para ele. Devido à febre que surgia sempre à tardinha, muitas vezes
voltava de bonde lotado para casa com o rosto avermelhado e suportando os tremos de frio no seu corpo.
Sua língua não sentia o sabor da comida. Entrava em seu quarto quieto e exausto e quando abria o livro já
sentia transpiração no peito. Não podendo mais suportar deitava segurando o peito a fim de obter alívio.
Tudo parecia desgostoso para ele e assim permanece imóvel. Logo em seguida começava a suar.
Escorriam-se gotas densas de suor pelo pescoço. Passado certo tempo, aquele corpo que parecia pesado
sentia-se automaticamente aliviado por uns momentos. Em seguida, às altas horas da noite, fazia aproximar
a lâmpada elétrica e passava o tempo com os olhos sobre o livro. Admirou de súbito o seu braço. Havia
gotas de suor brilhando na ponta dos pelos, iluminados pela luz da lâmpada.
Como se descobrisse algo novo, murmurava com tristeza:
— Que beleza!
Assim, durante horas, à noite, ele se absorvia na meditação pura e solitária.
As lições do Hokekyo de Jossei Toda eram para ele uma grande surpresa. O Budismo de Nitiren
Daishonin, na sua opinião, era o objeto da máxima distração. A figura de Jossei Toda impregnava-se no seu
espírito como o mestre único e ímpar permanecendo-lhe claramente e para sempre. Apesar disso, sentia-se
prondamente o embaraço incontrolável em seu coração.
Dedicar sua vida à Gakkai, junto de Toda; tal objetivo por ser tão grandioso, necessitaria no futuro,
de esforços extraordinários. Desistir ou persistir até o fim? Eis a escolha. Reconhecia isso intuitivamente.
Sobre esta linha, ele resistia, reagindo com todo o seu recurso.
— Se é para escapar, deve ser agora. Pelo contrário, teria depois conseqüências irreparáveis.
Por vezes, ele hesitava diante desse dilema, porém reconhecia que os problemas difíceis que se
encontravam nas leituras e nas meditações, se resolviam maravilhosamente com um pouco da Filosofia do
Budismo de Nitiren Daishonin, ensinada por Jossei Toda. Dia a dia, sentia a magnitude da essência do
Budismo e não podia deixar de reconhecer essa verdade.
Entretanto, era também uma realidade a tumultuação da sua previdência em relação ao futuro,
exatamente como a mudança do prognóstico do seu mundo da manhã, da tarde e da noite, para melhor ou
para pior, conforme o estado de saúde do seu corpo doentio.
Dentro do corpo e do espírito de Shin-iti Yamamoto de vinte anos, algo crescia com um impulso
terrível. Isso não chamava a atenção de ninguém e nem fazia perceber mesmo a ele próprio, que era
solitário.
Todas essas numerosas personagens dos modelos humanos estavam nas mãos de Jossei Toda.
Somente a ele única e exclusivamente cabia poli-las, para tornar cada personagem desses modelos
humanos em tesouros tão preciosos como a vida. Ora rigoroso, ora deixando cair no abismo profundo, ora
com severidade ou calor, ia assim construindo-os pacientemente. Houve muitos que caíram de suas mãos.
Entretanto, os modelos humanos que permaneceram, mais tarde foram-se tornando cada qual um
excepcional tesouro.

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Ondas Murmurantes
Desde que começara o ano de 1948, as intensas atividades de Jossei Toda e seus discípulos,
foram lançando sucessivamente novas ondas de repercussão sobre a organização que já estava se
solidificando. Foram os jovens, rapazes e moças, que receberam o impacto direto dos novos estilos. Até o
momento, sabe-se que o número de pessoas que nasceram na era de Meiji (1868-1912) não passa de
alguns milhões. Entretanto, estas pessoas idosas dirigem a política, a finança, a administração pública e
educacional. Porém, considerando que o tempo corre à procura de algo novo para a época, é natural que os
jovens nascidos nas eras de Taisho e Showa deveriam surgir com novas idéias, a fim de cultivar a Nova
Era. Poder-se-ia dizer que Toda sabia disso e assim o desejava também.
Havia nessa época, uma brecha divisória entre os jovens, antigos e novatos. Os primeiros
focalizavam suas atividades em visitas às sedes das outras religiões, a fim de travar debates e refutar, erros
doutrinários para em seguida, provar a Verdadeira Doutrina da Nitiren Shoshu, a herdeira legítima do ensino
de Nitiren Daishonin.
Isso era motivo de satisfação para os jovens e diante dessa façanha, um punhado de altos
dirigentes da Divisão dos Jovens vangloriava-se. Porém, suas paixões não se transmitiam aos demais
companheiros recém-convertidos.
Numerosos jovens recém-convertidos viviam na pobreza, sentiam ânsia de filosofia e
consequentemente, convertiam-se à procura de uma visão humanitária a fim de alimentar sua respectiva fé.
Entretanto, os debates travados entre os dirigentes jovens e as outras seitas religiosas pareciam uma
espécie de privilégio ou euforia toda especial e que por vezes mostravam até atitudes fanáticas. Por esses
motivos, apesar de que acompanhassem os antigos, os novatos desconfiavam, criticavam ou refutavam em
conseqüência, muitos deles até deixavam de comparecer às reuniões dos dirigentes da Divisão dos Jovens.
Pode-se dizer que os antigos corriam por conta própria e os novatos eram ainda imaturos. Porém as
atividades de Chakubuku tornavam-se cada vez mais intensas e os novatos foram aumentando
gradativamente em número pelas novas conversões, e pela descoberta deles no meio das famílias
convertidas. Apesar disso, o comparecimento dos jovens nas reuniões ainda se mostrava rudimentar.
Jossei Toda observava com perspicácia os jovens que se atiravam aos alvos num só golpe e
preocupava-se. — Ninguém é culpado. Sem saber, surgiu naturalmente esta brecha incomunicável e sólida
entre o ambiente dos jovens antigos e novatos.
No dia 26 de junho, no início do verão, havia uma reunião mensal da Divisão dos Jovens. Com
surpresa, nesse dia participaram mais de cincoenta membros. Era uma reunião diferente das costumeiras,
motivado talvez, para elaborar um novo plano de ação. Assim sendo, no diálogo de quase três horas,
surgiram avalanches de opiniões diversas, avançando rápida e progressivamente até chegar à resolução
final, que foi a dissolução da Divisão dos Jovens que até então vigorava.
Apesar de tudo isso, a verdade é que todos possuíam unanimemente o entusiasmo construtivo. Ao
mesmo tempo, com a dissolução, foi elaborada a reunião das comissões preparatórias e seus membros
foram eleitos.
Shin-iti Yamamoto não havia comparecido, nesse dia por motivo de saúde.
Os comissários Iwata e Yamadaira apresentaram os princípios básicos para o futuro e o plano de
uma nova organização a fim de serem deliberados pelos participantes.
— Urge, nesse momento, acima de tudo e evidentemente, o progresso da Divisão dos Jovens
a passos largos. As atividades da nossa Divisão que devem sustentar o futuro da Gakkai, não podem ser
limitadas, como vem sendo até agora pelas atitudes lideradas por um grupo minoritário. Agora, mais do que
nunca, nós nos transformaremos numa Divisão de Jovens organizada, com sistemas e planejamentos, de
tal modo que todos possam agir conjuntamente, sem cogitar de novatos ou antigos. Dessa maneira, vamos
concentrar-nos novamente em torno
do mestre Toda, formando uma Grande Divisão Progressista. Convoco todos com altos brados, à formação
de uma Juventude da Nova Era.
Todos estavam exaltados. Aquilo que eles guardavam sempre vago e espontaneamente no íntimo,
explodiu, de súbito nessa noite.
— Levantemos com sentimento de companheirismo, unidos e organizados, afastando o
convecimento egocêntrico ou a pretensão em busca de glória. . . e promovamos uma
ampla atividade na prática. Avancemos, formando um sistema poderoso, amplo e solidamente organizado,
desejando cada qual o panorama ideal do porvir, na nova Divisão dos Jovens.
A noite ia passando. Enfim, o comissariado foi elaborado por eleição, sendo formando de onze
pessoas que foram: Iwata, Kiyohara, Takimoto, Seki, Yamadaira, Yoshikawa, Sakata e mais quatro. Dentre
eles, Iwata, Yamadaira e Takimoto foram eleitos e empossados como membros permanentes da comissão,
por unanimidade.
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A Assembléia Inaugural foi marcada para o dia 3 de julho. Talvez tenham escolhido o dia da
libertação de Jossei Toda do presídio.
Foi uma precipitada dissolução e uma formação apressada. Toda ouviu os pormenores de seus
dirigentes no dia seguinte e ao saber que haviam escolhido os comissários através de eleições, mostrou-se
severo. Realmente, isso revelava a fraqueza de Divisão dos Jovens. Deve ter sentido profundamente a falta
de um jovem com ardente senso de missão e que se unisse diretamente a ele. Por um momento,
manifestou-se com atitude severamente indignada. Em seguida, quis dizer algo, porém, emudeceu. Vários
dirigentes da Divisão dos Jovens retraíram-se atemorizados. Reinou por momentos, um ambiente de
silêncio constrangedor.
Surpreendentemente, Toda começou a falar em tonalidade tranqüilizante:
— Uma vez que vocês decidiram conscientemente, executem até o fim, com senso de
responsabilidade. Não poderão chegar a uma compreensão verdadeira, se não experimentarem tudo na
prática. O ser humano é realmente problemático! Talvez vocês não puderam compreender no momento,
mas, a verdade é que uma sociedade religiosa pura que surge pelo anseio do Buda, nunca poderá ser
organizada de modo artificial. Se disser em outras palavras mais facilmente compreensíveis, parece que
nós estamos organizando, mas em última análise, está sendo elaborado pela vontade do Gohonzon, é
impossível que seja compreendido agora por vocês, porém, deixarei tudo em suas mãos, mesmo contra
meu desejo, por estarmos na época da transição. Não poderão formar uma organização se não forem
compententes. Experimentem. Um dia saberão, certamente, o que é, e o que deve ser a Organização da
Gakkai. Será o momento em que vocês crescerão como excelentes comandantes liderando com profundo
sentimento a importante missão para a Paz Mundial.
Nesse momento os jovens ainda não compreendiam o significado das palavras de Toda.
Para Toda era fácil apontar as falhas e as concepções errôneas dos jovens quanto à organização,
de acordo com os Princípios Básicos do Budismo. Por outro lado, talvez, ele desejasse incentivar o espírito
de iniciativa dos jovens em organizar-se por si próprios.
Todavia, ele percebia o perigo da fácil imitação dos Sindicatos trabalhistas ou do aproveitamento
das teorias de Organização com base no interesse. Era uma época em que o mundo clamava, como a voz
do hábito, "a democracia". Pode-se pensar que as atitudes dos jovens fossem naturalmente as mesmas.
Entretanto a idéia de
Toda baseada na grande obra do movimento de "ôbutsu-myogo'' ia muito além da capacidade de
compreensão dos jovens. (ÒBUTSU-MYOGO: - É o conceito da paz e prosperidade da nação em
conseqüência da aplicação ou Filosofia da vida do Budismo pela administração política de um país.)
O significado dessas palavras enigmáticas de Toda evidentemente poderia ser compreendido, se
julgassem os passos percorridos posteriormente pela Divisão dos Jovens. Eles se devotaram intensamente
às atividades, porém, os resultados não levaram à formação do movimento básico da Gakkai.
Consequentemente, sofreram por longos períodos, por não conseguirem formar uma sólida união para o
Kossen-rufu, desde que eles partiram com aquela transformação inicial até o fim.
Os Princípios Básicos do Budismo "quanto mais distante a nascente, o curso das águas é mais
longo" ou "a mesma consistência, desde o começo até o fim", logicamente se evidenciaram na realidade.
Esses Princípios reinam até mesmo na vida cotidiana, sem falar da exatidão do Budismo.
Até o nascimento de uma autêntica Divisão de Jovens, exatamente como idealizara Toda, foram
necessários meses e anos de treinamentos intensivos constantes.
À parte disso, a Assembléia de Inauguração foi realizada no dia 3 de julho. Foi uma concentração
de mais de sessenta jovens. Nihon-Shogakkan estava repleto de jovens, rapazes e moças. Lá afluía com
entusiasmo a paixão da juventude.
Não se viu, porém, a figura de Shin-iti Yamamoto. Seria febre outra vez? Não se viu também a
fisionomia de Akio Nakamiti. Seria por impedimento do trabalho, ou não conseguira as despesas de
viagem?
Houve, inicialmente, a apresentação de uma nova organização da Divisão dos Jovens, diante de
Toda. Onze membros foram reduzidos a dez. Somente Katsu Kiyohara não fora incluída entre os eleitos,
pelo fato de ter outro encargo, de acordo com o pensamento de Toda. Dentre os dez, empossaram os três
membros permanentes, um perito contador e um secretário geral, como estava previsto. Toda sorria com
prazer e dirigia a cada um, seu olhar de ternura. No final saudou os jovens com palavras de congratulações,
de maneira breve e concluiu com simplicidade incomum, frisando energicamente.
- Mais do que nunca, tenho agora, esperança no levante entusiástico da juventude.
Enfim, houve a partida de uma nova Divisão de Jovens. Indubitavelmente, a nova sorte de
oportunidades foi se infiltrando na arena das atividades da nova juventude. Assim, começaram a surgir
novos e inesperados movimentos de jovens, provenientes de locais imprevistos. Por exemplo, do Curso de
Verão realizado um mês depois, participaram jovens das Prefeituras vizinhas de Tóquio tais como Tiba,
Saitama e Gunma, formando grupos de cinco a dez pessoas, e todos estavam animados, com grandes
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esperanças na primeira Peregrinação ao Templo Supremo de Fuji. Impressionados com a maravilha do
Templo Daissekiji e principalmente com o primeiro encontro com Jossei Toda, começaram a agir pura e
coletivamente, com os olhos brilhantes.
Shin-iti Yamamoto também participou da peregrinação, pela primeira vez, porém, não conseguiu se
entrosar sinceramente com os demais jovens. Sentia-se solitário, inseguro e instável.
Terminada a Cerimônia de Ushitora-Gongyo, não mostrava nenhuma emoção especial. Ao
contrário, sem que deixasse perceber, em seu pensamento recitava serenamente uma poesia grega, até
que caiu no sono indiferente à passagem do tempo.
Agora, à noite,
Após meia-noite.
Sem que perceba
O avanço do tempo,
Eu durmo sozinho. . .
Com essa peregrinação, realizara-se o Terceiro Curso de Verão. O número de participantes atingiu
a 188. Os numerosos recém-convertidos chamaram atenção especial.
Em comparação com as 80 pessoas do ano anterior, houvera aumento de 100 participantes. Pode-
se dizer que nesse verão, conseguira, enfim, ultrapassar os 150 membros do verão de agosto de 1942, que
marcara o apogeu da Soka-Kyoiku-Gakkai antes da guerra. Terceiro ano, após o término da guerra. . . Era o
aspecto real do terceiro ano da reconstrução. Era também o resumo do balanço total. Gakkai chegara a
progredir a esse ponto. Ali estavam sendo resguardadas as numerosas forças que se iriam projetar em
direção ao futuro.
O Templo Supremo, por sua vez, mostrava o início da era de uma nova transformação. O Salão de
Recepção ora em construção, estava sendo concluído com a colocação de novos pilares e vigas, ao som
das marteladas e desprendendo o aroma de madeira nova. Estavam às vésperas da cerimônia para o início
da cobertura, no dia 22 de agosto.
Diziam que estas madeiras novas para a construção eram provenientes da derrubada de 91
enormes cedros e ciprestes de Daissekiji, e que haviam sido transformados em mais de 400 metros cúbicos
de madeiras para construção. Incluindo as madeiras para tábuas, pilares, vigas, etc, provenientes das
florestas livres, totalizaram em cargas, 37 caminhões de transporte.
Recentemente, quando alguns cedros foram derrubados pelos tufões, Nittatsu-Shonin conservou-os
cuidadosamente a fim de que pudessem ser utilizados oara a construção do Pavilhão dos Bonzo? e dos
Templos Regionais. Além disso, foram cedidos numerosos cedros do Templo Supremo para serem
utilizados na Sede Cultural Soka, ora em construção.
A duração do Curso de Verão foi de cinco dias.
Parece que os participantes foram compreendendo dia a dia, a correta devoção da fé.
Especialmente, quando se realizavam reuniões de confraternização e de diálogos nos diversos alojamentos,
surgiam aplausos e explosões de alegria que ecoavam na noite do Templo Supremo.
Durante cinco dias, Jossei Toda fez despertar a consciência de alegria da verdadeira fé em
todos os participantes. Aos dirigentes antigos especialmente, ele desejava incentivar a pesquisa sobre
Budismo a fim de que pudessem lutar sem desistência até o final da vida.
Falou, pela primeira vez, na reunião do terceiro dia do Curso de Verão:
— Por que razão nascemos nesse mundo turbulento, numa era chamada Mappo? Por que
motivo estamos reunidos aqui no Templo Supremo onde está consagrado o Dai-Gohonzon?. . . Como todos
estão encarando esta evidente realidade? Alguém que saiba, .peço responder as perguntas.
Ninguém respondeu. Os olhares de todos voltaram-se para o corpo de Toda. Sua fisionomia
demonstrava a euforia.
Toda lentamente foi desviando o olhar da direita para a esquerda, por detrás dos óculos de graus
acentuados, como se estivesse observando o íntimo de cada pessoa. Continuou reinando por certo tempo,
um silêncio rigoroso. No momento em que os presentes não podiam mais resistir a tal quietude, começou a
falar algo, apesar de sua voz em rouquidão:
— Peço meditar profundamente sobre esse significado. Se compreenderam, poder-se-á dizer
que o objetivo do Curso de Verão deste ano terá alcançado pleno êxito. Se
quiserem, poderão até deixar o Templo Supremo imediatamente após a cerimônia de Encontro com o Dai-
Gohonzon. O que poderei dizer para os que não compreenderam? Peço, então, que voltem primeiro os que
já compreenderam.
O constrangimento das pessoas foi se atenuando e até fizeram transparecer sorrisos suaves.
Porém, não se via um leve traço sequer de sorriso na fisionomia de Toda. Seus olhos brilhavam por trás dos
óculos.
Nunca se poderia admitir, pela Lei de Causa e Efeito do Budismo, a existência de uma
concentração de pessoas sem qualquer motivo. Uma reunião ou uma luta sem objetivo é como uma longa
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viagem de expedição no caminho da escuridão. De maneira alguma, ele desejava fazer uma reunião
sem nenhum significado. Talvez, desejasse fazê-los sentir a diferença fundamental que existe com
relação às reuniões de outras seitas que se assemelham à revoada de pássaros.
Toda frisando energicamente, disse:
— A realidade "por que nós nascemos na Era de Mappo", não poderá ser compreendida ou
sentida, a não ser por nós que já encontramos com o Dai-Gohonzon. As pessoas que lutam no mundo da
política, que dão a própria vida para as obras de caridade, que se dedicam ao
mundo educacional ou que se esforçam no mundo da cultura. . . cada qual age conforme seus objetivos.
Porém, não possuem o caráter eterno. Talvez nem todos percebam a própria missão. Entretanto, a vida de
cada um, originalmente, deve estar ciente disso. A verdade é que
todos nós aqui viemos nascer na Era de Mappo com missão e responsabilidade muito mais importantes do
que qualquer outra pessoa. Quando sentirem profundamente a
consciência desta missão e responsabilidade, farão transbordar no seu coração, constante e copiosamente
o fluxo da glória e da alegria inesgotável.
E continuou:
- Poderão objetar a respeito do que estou falando. Porém, não há falsidades neste veredicto.
Somos simples mortais comuns. Apesar disso, devemos executar os trabalhos do Buda. Por que razão?
Poderemos chegar, naturalmente, à compreensão, se meditarmos com
profundidade, cada qual por si, com a convicção de que "somos Budas com muita honra, semeados já no
eterno passado que é Kuon Ganjo". Cada um pôde optar
livremente aceitando-o como anedotas e fábulas ou como o verdadeiro auridicto oriundo da Filosofia de
Vida de Nitiren Daishonin. Entretanto, quem experimentou a pura
fé, um dia chegará a compreender que essa é a Essência Original da Vida. Perceba ou não, a vida de cada
um já a conhece. Há uma diferença entre o céu e a terra ou a nuvem e o lodo, assim como entre a
compreensão obtida pela razão teórica ou pela experiência adquirida na prática. Desejo que todos tomem
consciência da própria convicção, através da devoção da fé na prática, para sentir qual é a missão de cada
um. Nascemos com o aspecto de gente ordinária conforme nossos próprios desejos, a fim de cumprirmos
nossas missões como emissários do Buda. Se não tivermos um pouco sequer da convicção de que
possuímos a Vida do Buda e ao contrário, habituarmo-nos sempre como gente ordinária, então em nada
estaríamos sendo diferentes dos atuais citadinos com seus aspectos levianos. Portanto, o Curso de Verão
na verdade, é uma concentração dos eminentes Budas. Ninguém precisa observar o seu aspecto com
receio. A verdade é que todos são companheiros que nasceram para reunirem-se em torno do Dai-
Gohonzon, camuflados admiravelmente em forma de pobres ou doentes, conforme o pedido de cada um.
Explodiram vozes de gargalhadas. Os olhos de Toda mostravam-se brilhantes.
— Após o feliz aproveitamento deste Curso de Verão tão significativo, desejo renovar a minha
convicção de que realmente somos Budas. Em seguida, tornam-se necessárias nossas decisões para
defender a Lei, sem nenhum temor, com a nossa própria vida, provando nosso Chakubuku na prática e
fazendo Daimoku ao máximo, se é que desejamos concretizar o ideal de salvar um por um os infelizes.
Toda achou que sua orientação seria de difícil compreensão, porém, pensou também que esse era
o ponto característico do Curso de Verão.
De maneira alguma, os recém-convertidos poderiam compreender que eram Budas. . . mas, eles
sentiram claramente na consciência, o contato com a extensa e profunda essência do Budismo de Nitiren
Daishonin, bem diferente das outras religiões que possuem numerosas formalidades ou tendências aos
negócios. Ficaram cada vez mais compenetrados para conhecer tudo sobre a fé devotada para viver, a
missão que cada qual possui neste mundo, os objetivos da vida de cada um, e a Entidade Real para a
criação de valor.
A Lição sobre os Capítulos Essenciais do Hokekyo' explanada por Toda por duas vezes, e a
"Essência dos Ensinos de Gueshu" (Gueshu: Plantar a semente do Buda na vida de uma pessoa. O
Budismo de Nitiren Daishonin capacita as pessoas de Mappo a semear e colher numa existência para
atingir o Estado de Buda. Por isso é conhecido também como Budismo de Gueshu. O Budismo de
Sakyamuni vem colher o fruto maduro já plantado no passado.), pelo Reverendo Horigome, foram-lhes
difíceis de compreender. Porém, a 'Biografia de Nitiren Daishonin', explanada pelo Reverendo Onuma,
levantou interesses históricos devido às narrações sobre a linhagem de Nitiren Daishonin e sobre o aspecto
social do Japão antes e depois do nascimento de Nitiren Daishonin. O Reverendo Nakajima relatou
entusiasticamente a 'História da Despedida de Minobu' com o auxílio de gravuras. Entre os ouvintes havia
alguns que derramavam lágrimas, emocionados pelo sofrimento íntimo de Nikko Shonin há 700 anos.
O que mais os surpreendeu foi o Gongyo. Este e o Daimoku da manhã e da noite conduzidos por
Toda, demoravam mais de uma ou duas horas. Os jovens não habituados à posição genuflexa,
incentivavam-se uns aos outros, dizendo que estariam fazendo o exercício mais penoso das austeridades.
Mas, o organismo não mentia. Os pés adormeciam e perdiam a sensibilidade, • e afinal, caíam ao se
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levantarem. Havia até mesmo alguns arrastando-se no salão.
No dia 17, os jovens deixaram o Templo Supremo ao meio dia. Poder-se-ia dizer que houvera,
realmente, um grande significado.
Há numerosas ocasiões em que as reuniões ou cursos com duração de dezenas de dias, terminam
sem nenhum proveito. Mesmo um curto período pode-se oferecer a fonte original e a transformação de
máxima importância no curso da vida humana. Através do Curso de cinco dias de duração, sem dúvida
foram incutidas enormes cunhas para a mudança do curso de cada participante.
A prova é que todos os participantes, com exceção de alguns desistentes, estão atualmente em
plena atuação da fé, mostrando cada qual a felicidade em sua vida.
Na despedida do Templo Supremo, juntaram-se todos de pé em frente ao Portão Triplo. Os cedros
com seus enormes troncos atingindo o. céu mostravam evidentemente o aspecto orgulhoso da vitória pela
sua resistência contra os ventos e as neves através dos tempos! Muitos jovens devem ter adquirido a
decisão de lutar energicamente em prol do aperfeiçoamento de si mesmos, como essas árvores que
mostram uma existência perene sem mutação de cores, desafiando sempre os ventos e as neves através
das gerações.
Via-se o Fuji no fundo da floresta de pinho.
Os jovens aguardavam a chegada do ônibus formando grupos de 3 a 5, ora mostrando-se alegres,
ora de mãos dadas. Terminado o treinamento austero encontraram-se com satisfação uma nova disposição
de lutar. Assim, prometendo um novo encontro no Curso de Verão do ano seguinte, espalharam-se com
saúde e energia, para todos os recantos do país.
Ao entrar no mês de setembro, iniciou-se a 7.a Lição do Hokekyo. Indiscutivelmente, os
participantes renovaram-se e os ânimos elevaram-se mais. A explanação continuou até à 9.° lição e essa foi
a que mais se elevou ao clímax.
Quarenta ou cincoenta participantes chegavam apressadamente de diferentes locais de trabalho.
Os uniformes eram diversos. A transpiração de todos em virtude da profissão laboriosa desprendia-se
permanecendo naquele ambiente de calor.
Toda costumava entregar um distintivo prateado com a insígnia de uma cegonha em círculo,
àqueles que completavam o curso das Lições do Hokekyo. Posteriormente, tornar-se-ia o distintivo da
Gakkai.
Terminada a lição, surgiram perguntas diversas sobre questões várias, até mesmo sociais,
econômicas e políticas.
Porém, as que mais se destacavam eram assuntos sobre a vida diária e sobre a interpretação do
Budismo. Diante dessas questões, Toda convencia habilmente os presentes, fazendo todos rirem através
de suas periódicas anedotas. Assim, fazia notar quão formidável era o sabor que provinha do
contato e da compreensão da essência do Budismo.
Seu estilo de orientação diferia completamente das teorias abstratas dos chamados cultos ou dos
sermões herméticos de venerados clérigos. Na época, é claro, Toda era inteiramente desconhecido pela
sociedade. Com a sua orientação, entretanto, ele foi dando nova vida àqueles que viviam submersos nos
sofrimentos.
Há orientações feitas por homens famosos no mundo. Há também, muitos sermões proferidos por
célebres personagens eclesiásticos. Porém, quantos milhões de pessoas foram salvos dos sofrimentos da
vida diária, seguindo na prática, estas orientações e sermões?
Embora anônimo, aquele que procura restaurar as pessoas mergulhadas no verdadeiro sofrimento,
não deveria ser chamado de lider autêntico?
A hipocrisia da sociedade é a causa original da infelicidade e é impossível deixar de dizer que isso é
temível.
O tempo marchava incessantemente, como a correnteza de um rio caudaloso, criando histórias,
quer boas quer más. . . O que significaria, viver na época? São infelizes os que desconhecem a época. Mas,
quem constrói a época?
Entre os fatos sensacionais do momento, havia o episódio da Indústria Eletro-Química Showa. Era o
modelo de indústria química. Houvera reconversão do financiamento bancário e por trás disso, desvios de
grandes somas em dinheiro. Suspeita-se que houve até casos de prisão.
Em junho, o Presidente da Indústria Showa foi detido e, em setembro, Takeo Kurussu, Diretor da
Estabilização Econômica do Gabinete Ashida, foi detido repentinamente despertando-se como foco de
atenção do público em geral.
A corrupção no mundo das autoridades era tão surpreendente que o número de inquéritos
administrativos marcava o total de 193 em 1946, 287 em 1947 e 954 em 1948. Isso era apenas o pico de
todo um "iceberg".
A não diminuição desse malefício, mesmo passados 21 anos após o término da guerra, seria ela
conseqüência da falha na Lei. Seria ela devido ao problema de estruturação, ou à negligência de supervisão
51
por parte do público em geral?. . . Quando desaparecerá essa neblina escura e virão os pacíficos e
brilhantes raios solares da política democrática? A solução não poderá ser deixada a mercê dos políticos
profissionais e portanto, não poderá haver outro meio senão resolver através da união das forças do
povo. . .
O público indignou-se pela inesperada prisão do Ministério em exercício.
Um jovem perguntou a Toda:
— Mestre! Aprendi o princípio básico de que a raiz de todos os males está na religião herética,
mas, o que poderá ser feito para erradicar os males como no caso da Indústria Showa?
— É uma pergunta muito interessante. Vamos todos analisá-la esta noite. Como vocês
solucionariam melhor esta questão?
Toda apresentou aos presentes, a questão levantada por um jovem indignado. Entretanto, ninguém
se prontificou a responder espontaneamente. O rapaz levantou-se de novo e disse:
— Por isso mesmo, compreendo a necessidade do Kossen-rufu. Apesar disso, não posso
permanecer de braços cruzados, vendo os abusos desenfreados e proveniente de males sociais. Agora,
estamos lutando para eliminar os males deste mundo, mas, não posso deixar de pensar que não há outro
meio senão aguardar a longa decantação centenária de um rio.
— Esperar pacientemente a sedimentação do rio por cem anos! Desejaria também abandonar
uma colheita e lavar as mãos? Toda não abandonará nunca. Pensem bem. Os males dessa natureza não
são acontecimentos recentes. Desde que foi criada a sociedade humana, isso não veio perdurando por
milhares de anos? Todos os homens sensatos esforçaram-se, contorcendo toda a sua inteligência,
impondo sanções legais, promovendo a educação moral, reformando a organização social ou
revolucionando a política administrativa, a fim de eliminar os males, de uma forma ou de outra. Apesar
disso, é irremediável e em vão esperar a decantação centenária de um rio. Não seria a situação atual que o
leva a dizer essa tolice? É admirável o progresso da inteligência humana! Por outro lado, não posso deixar
de admirar também, o desenvolvimento da inteligência maldosa!
Todos ouviam silenciosamente. Havia homens que deixavam transparecer leves traços de sorriso.
O assunto de Toda tornava-se cada vez mais entusiástico.
— Tal círculo vicioso é desconhecido por todos.-Para onde for e para sempre, todos os atos da
vida são possuidores dos Dez Estados. O ser humano, já é feito dessa maneira. Por desconhecerem a
natureza humana é que os homens não podem aplicar medidas absolutamente eficazes. Portanto, a
civilização avança para o progresso e, pode-se dizer que a civilização perniciosa progride mais ainda. —
Todos poderão lamentar que a sociedade é ruim ou que a política é ma. é o que acontece na realidade,
porém, são os próprios homens que movem a sociedade ou a política. É misterioso o espírito do homem,
que possui os Dez Estados da Vida e pode-se dizer que é um fato temível. Uma vez que se percebe isso,
qualquer plano de ação, mesmo que pareça eficaz, terminará em vão naturalmente como a "trágica e
infrutífera apelação ao Buda Amida", enquanto o próprio homem não revolucionar radicalmente.
E continuando, disse:
— A história da humanidade vem repetindo fatos dessa natureza. Apesar de acreditarem na
revolução política e social, muitos não querem acreditar na absoluta Filosofia de Vida de Nitiren Daishonin,
que consegue realizar a transformação do destino e a revolução do caráter de cada pessoa. Pode-se dizer
que isso constitui a origem dos piores males. As nossas atividades que já reconhecem tudo isso, tornam-se
uma luta para eliminar as raízes desses males. O público em geral ignora completamente
esse assunto, porém, chegará o dia em que o mesmo, com certeza, surpreender-se-à. Indubitavelmente,
não será uma luta fácil. Portanto, afirmo desde já, que é uma luta inevitável e sem precedentes.
— Isso, eu consigo entender bem. Entretanto, Mestre, analisando os episódios recentes diante
dos meus olhos, não posso deixar de pensar que isso resulta da negligência. . .
Assim reagiu o rapaz compenetrado.
— Compreendo. Na sua opinião sincera diria então que teria uma vida melhor e bem vivida, se
os maus políticos fossem eliminados uns após outros?
— Que conclusão profunda! O seu senso de justiça é digno de louvor, porém, na história do
passado, houve muitos veteranos com os mesmos pensamentos. São os terroristas com idéias de
anarquismo sem governo. Pode-se dizer que, de maneira geral, qualquer um, com um pouco de raciocínio,
poderá chegar a essa conclusão, se estiver reagindo contra os males sociais. Entretanto, é na realidade, um
pensamento extremamente pueril. Por que razão? Como eu afirmo sempre, o Budismo ensina a dignidade
da Vida existindo nas três existências da vida -o passado, o presente e o futuro. Assim sendo, não há outro
crime maior do que matar um homem. Um homem mata um outro. Poderá parecer que a sociedade
melhorou para se viver bem. Mas, é apenas uma suposição. Ninguém poderá fugir da Lei de Causa e Efeito.
O fim de um terrorista é sempre trágico. Entretanto, o amplo e infinito Budismo de Nitiren Daishonin pode
salvar mesmo os políticos perniciosos. . . É também, uma das finalidades por que estou lutando agora,
arriscando até mesmo minha própria vida.
52
A fisionomia de todos parecia estar inconformada.
Talvez fosse devido á impossibilidade de eles equacionarem objetivamente, as questões evidentes
dos políticos perniciosos da época e ao ideal da Paz Mundial.
— Mestre. Então, o que poderemos fazer objetivamente?
O rapaz perguntou outra vez, demonstrando ainda mais sua dúvida.

53
Certamente, Toda deve ter sentido no íntimo, o desejo de fazer crescer cuidadosamente o senso de
justiça, o senso crítico e a perspicácia da juventude.
— Ainda não entenderam? Então, ensinarei. Vocês já sabem perfeitamente o que devem fazer
contra os males sociais dessa natureza.
Um sorriso amável, como sempre, transparecia na sua fisionomia.
Os jovens olharam-se uns aos outros, contorcendo a cabeça.
- Não está claro? Admitam por hipótese que tivessem um filho delinqüente e incorrigível na
família. Pode ser até um irmão. Nessas circunstâncias, o que cada um faria com ele?
A fisionomia de todos tranquilizou-se diante dessa questão simples. Um dos rapazes que possuía
tal experiência, levantou a mão e respondeu:
— Persistirei intensamente no Chakubuku, convertê-lo-ei a todo o custo e restabelecê-lo-ei
com a força do Gohonzon. Todos os outros meios são inúteis. Isso, posso afirmar baseado na minha
experiência.
- É isso mesmo! Vocês não estão realizando isso na prática, não é? Entretanto, quando se
falam de Ministros, pensam que são personagens especiais, mas é um grande equívoco. Os políticos
perniciosos são como deliquentes com inteligência perniciosa e bem
desenvolvida. A única diferença é que são filhos deliquentes do Estado, que vestem a capa do poder
autoritário e portanto são extremamente difíceis de serem corrigidos. Pode-se dizer que em princípios
básicos, o Kossen-rufu da família e do país são os mesmos. Porém, como há desproporção entre a família e
o Estado, ninguém pode dizer que é igual. Entretanto, se analisarmos de maneira minuciosa, perceberemos
que o Estado possui apenas uma organização mais ampla e complexa em relação à família. Diante desse
fato, evidentemente, nosso Kossen-rufu não poderá ser realizado, se não engrandecer, quer em
organização quer em atividades. Vocês concordam? Seria ilusório pensar que a Gakkai
permanecerá sempre no estado atual. Observem daqui para frente o seu aspecto após dez, vinte ou
cincoenta anos. . . Vocês não poderão imaginar. Se assim não fosse, não poderia salvar uma nação ou toda
a humanidade. Caso contrário o auridicto de Nitiren Daishonin tomar-se-ia inútil. Se o tempo já chegou,
então, os fatos não poderão permanecer como estão atualmente. E continuando:
— Como conclusão antecipada, admitimos que, se os jovens como vocês levantarem-se com
a pura devoção da fé e com avanço progressivo nas atividades e nos estudos do Budismo, dentro de alguns
anos estarão se tornando magníficos homens de valor possuidores de força e boa sorte. Suponhamos que
entre os que estão aqui, alguém possua a excelente habilidade política. É impossível que essa qualidade
esteja dormente. Forçosamente irá acordar
para desprender um dia, sua plena capacidade. Nessa ocasião, naturalmente organizar-se-á um partido
político dotado de um mesmo objetivo. Não seria um partido para conquistar privilégio, nem para fins
sindicais dos trabalhadores nem tampouco para um sistema político exclusivamente. Seria um partido
político que tivesse o sustentáculo na eterna felicidade de povo inteiro. Um partido político dessa natureza é
o que o povo espera com
grande ansiedade. No momento, não se vê nem mesmo um sinal de advento desse partido político.
Indubitavelmente, não poderia nascer de uma teoria da Política Democrática
Convencional. No momento, só existe no íntimo de Toda.
Todos devem ter julgado que o assunto de Toda não passava de uma teoria. Entretanto, não se
pode afirmar que não havia entre eles alguém que não tivesse percebido agudamente uma faceta desse
pensamento íntimo de Toda.
Eles ouviam com atenção, os olhos aguçados, e a face cada vez mais corada, esquecendo-se até
da passagem do tempo.
- São assuntos que poderão compreender quando lerem com atenção as Obras de Nitiren
Daishonin, condensadas no Gosho. Como o diamante, este emite com
nitidez as luzes dos Ensinamentos Imortais, em diversos trechos. Há uma necessidade absoluta de ser
seguido como o verdadeiro padrão supremo. Não somente a política, como também a economia, a cultura,
a ciência e os demais aspectos, pode-se dizer que todos os ramos da ciência humana devem segui-lo. Em
última análise, lá está provado o mais alto nível de civilização que poderá atingir por dois lados, a matéria e
o espírito. Isso é possível, porque a Lei Mística das Três Grandes Leis Secretas da Grande Filosofia da Vida
de Nitiren Daishonin constitui o mais elevado e profundo princípio básico. Em outras palavras, é a filosofia
prática e não teórica, tão distinto como a água e o fogo ou o céu e a terra. Somente há teoria nos críticos
atuais. . . Se eu continuo falando sozinho dessa maneira, poderei equivocar-me como se fosse um
megalomaníaco e, portanto, pararei por aqui, esta noite. Porém fica dito claramente que isso não é apenas
a minha imaginação.
Para os presentes não havia outra atitude senão suspirar profundamente, por não poder conhecer a
realidade do momento ou devido à existência de numerosas concepções antiquadas remanescentes no
íntimo de cada um.
54
Eles não duvidavam das idéias de Toda, porém, sentiam uma espécie de resistência, antes que a
sua respectiva fé as aceitasse na totalidade. Portanto, suas emoções eram momentâneas e, assim sendo,
não poderiam permanecer para sempre.
Se crer sinceramente significa executar com exatidão o que foi orientado, não poderia deixar de
admitir que havia uma espécie de véu, por assim dizer, diante da compreensão de cada um.
Entretanto, um certo jovem estava presente neste local.
Ele havia observado todas as palavras e as frases de Toda em seu cérebro, sem qualquer
resistência. Sem mover o corpo e abrindo os olhos como se estivesse concentrando toda a sua visão num
só ponto, observara os olhos de Toda por detrás dos óculos.
Este jovem era Shin-iti Yamamoto. Nessa época, era um dos participantes da sétima série das
lições do Hokekyo.
Nessa noite, ele escreveu no seu diário o seguinte:
"Ah! Como sou afortunado pela sorte de ter encontrado a Ilimitada e a Imensurável Doutrina do
Hokekyo!"
O Professor Toda é o verdadeiro mestre de toda humanidade.
"Sua grande convicção, com a qual ele avança, com o patriotismo pela Pátria Mãe, para trazer com
certeza a melhor felicidade para a humanidade. . . com a sua eterna paixão pela justiça, como o fogo diante
do qual nada e ninguém resiste!
"Comovido estou, somente pela magnânima e benevolente misercórdia de Nitiren Daishonin que
lutou contra sofrimentos e dificuldades nas piores épocas, para iluminar toda a humanidade e tornar-se
absolutamente feliz como Buda."

"Pelo Budismo.
Os jovens devem avançar
frente para a eternidade.
Os jovens devem avançar
para a eterna prosperidade."
Discípulo do Myoho.
Há vergonha em sua conduta?
Há dúvida no seu íntimo?

Hesitar ou duvidar,
Seguir ou prosseguir,
Decida-se por si.
A Revolução Religiosa
Ê Revolução Humana!
surge portanto,
A Revolução Educacional
E a Revolução Econômica.
Isso tornar-se-á
Numa Revolução Política.
O Mundo turbulento.
Quem irá purificá-lo?
E, os homens e a sociedade?
Ê importantíssima,
A missão da Gakkai!

somente a marcha
para a Nitiren-Shoshu.
Sim!
Estou decidido!

Revolução é morte!
A nossa morte é
Integração ao Myoho!
A morte,
Legitima e grandiosa.
Tornar-se-á um grande Pilar
para Salvar o país e o mundo!
Jovens!
55
Marchem com a grande benevolência
Jovens!
Lutem com a grande filosofia.
Eu,
com minhas vinte primaveras,
conheci
No caminho da juventude,
a vida mais gloriosa.
(Diário da Juventude).
Esse rapaz de vinte anos, tinha somente um ano de conversão. Era apenas um membro
desconhecido na Divisão dos Jovens. Desde aquela noite de conversão, já se havia passado um ano, sem
que tivesse a chance de se encontrar pessoalmente com Toda. Apesar disso, pode-se dizer que o ideal de
Toda começava a crescer, no íntimo de Shin-iti Yamamoto, ainda que superando todos os obstáculos
que vinham à sua frente. Certamente, ninguém estava percebendo esse fato.
Foram ampliadas rapidamente as investigações sobre o episódio "Shoden" da Indústria Eletro-
Química Showa para descobrir os responsáveis pelo crime. Como peculatos foram suspeitos Ninomiya,
Vice-Presidente do Banco da Indústria do Japão, Fukuden, Diretor do Orçamento do Ministério das
Finanças, o Deputado Massayuki Shiguemassa, o Diretor Executivo do Banco, Yassuda e muitos outros.
Em relação à cobertura do suborno, ficaram suspeitos Suehiro Nishio, Vice-Presidente do Partido Socialista
do Japão e Bamboku Ono do Partido Liberal Democrático do Japão. Além disso, havia até mesmo alguém
que ajudava por conveniência, para facilitar a prisão, como Ito, o chefe de Secçao de Segurança e Custódia
da Prisão de Tóquio. Assim, a investigação policial foi se estendendo, desde os líderes do mundo político-
financeiro-administrativo até aos procuradores e aos interiores dos presídios e da polícia.
Após a decisão do Tribunal, muitos foram considerados inocentes e absolvidos,
mas, através desse caso, poder-se-ia imaginar facilmente o quanto foi extensa a escala dessa
incidência e como estava terrivelmente corrupta a elite dos privilegiados.
O Primeiro Ministro Ashida continuava afirmando que sentia a responsabilidade moral mas não
politicamente em relação a Kurussu, o diretor da Estabilização Econômica, apesar de estar ciente da prisão
do mesmo. Entretanto, após alguns dias, em 6 de outubro, Suehiro Nishio foi preso. Enfim, o Gabinete
Ashida não teve outra alternativa senão demitir-se em massa no dia 7 de outubro. Passados os dois meses,
o próprio Ashida chegou a ser preso, no dia 7 de dezembro.
O caso Shoden não passava de um simples pico d( "Iceberg". Eram numerosos os escândalos
naquela época e entre os quais havia: o escândalo que envolvia o Controle Estatal das Minas de Carvão, o
episódio do Moinho Toyo, o caso da Empresa dos Produtos Alimentícios, o episódio do Café da Prefeitura
Gunma, o incidente da Prefeitura Saitama, o caso do Leite do Japão, o episódio do Arsenal de Osaka,
enfim, inúmeros acontecimentos.
Portanto, havia numerosos ladrões revestidos de títulos e honrarias, no mundo político, financeiro e
administrativo. . .
Deixando a reconstrução do país e aproveitando o bom nome de estadista, exploravam a confusão
resultante da Ocupação. Que turma nojenta! Não há outro povo mais sacrificado do que aquele que vive
forçosamente dentro da lagoa lamacenta da política putrefata.
O fato de o caso Shoden (Shoden: Abreviação de Showa Denko.) tornar-se evidentemente público,
parece estar ligado à administração interna das Forças de Ocupação.
No Quartel General, desde o início havia antagonismo entre o Departamento de Polícia
Democrática (G.S.) com intendências progressistas e o Departamento de Informações (G.ll) apoiado pelos
conservadores; os dois partidos vinham disputando cada qual a sua supremacia.
Os partidos políticos japoneses daquela época forçosamente mantinham ligações com um desses
dois partidos. O Gabinete Ashida vinha mantendo ligações com G.S. e o partido Liberal-Democrático da
oposição estava com boas relações de amizade com G.ll que provavelmente pretendia derrubar Kedes, o
competente líder do G.S., aproveitando o caso da Indústria Eletro-Químicas Showa.
Surgiram boatos em torno do escândalo sobre a intimidade da esposa do ex-Visconde Torio com
Kedes.
Quando o Departamento de Informações G. II descobriu a Sra. Torio envolvida no caso Shoden,
iniciou uma rigorosa investigação através das autoridades da Procuradoria. Naturalmente, o partido Liberal-
Democrático deve ter aproveitado intensamente esta situação como vantagem política para derrubar o
Gabinete Ashida.
São atos comuns nos bastidores da política. Diferente dos outros casos que vão sendo
sucessivamente enterrados na escuridão, o episódio da Indústria-Eletro-Química Showa veio mostrar,
forçosamente, o escândalo perante o público. Deve-se pensar que foi devido à existência das manobras
políticas sob Ocupação.
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Os mesmos aspectos não poderiam estar ocorrendo, de maneira análoga, no Golpe de Estado da
Indonésia e na Guerra do Vietnã?
O povo ficou indignado diante desse fenômeno social tão lamentável. Entretanto, nada resultaria de
bom se apenas permanecesse indignado. Eis a verdadeira causa da infelicidade da nação que perdurou até
agora. Apesar da indignação, eles nada podiam fazer.
Jossei Toda não estava perdido nesse meio. O fato e a causa dessa situação social tão triste,
comparado ao panorama brilhante de seu idealismo para o futuro que era conservado em seu íntimo, fazia-
o reconhecer quão extensa era a distância que separava o presente do futuro. Sentia dolorosamente sua
missão de encurtar o quantc antes essa distância tão longínqua, mas não aparentava perder um pouco
sequer de esperança.
Um caminho certo para a Paz Mundial1 Parecia aumentar cada vez mais com mais clareza, a sua
convicção, toda vez que sucessivos fenômenos tristes surgiam. Ele não se deixava influenciar pelas
mínimas indignações alheias. Ao contrário, marchava corajosamente no seu caminho. Diante da sua
convicção de que "já deu mais alguns passos no caminho das mil milhas", dir-se-ia que ele estava prevendo
a aceleração da velocidade da marcha para o futuro.
Dentre o povo destruído pelo sofrimento, somente dentro do coração de Toda, com certeza, brilhava
a luz da esperança.
As investigações sobre o caso Shoden, que fez derrubar o Gabinete Ashida, perdurou até 1958. Foi
uma época realmente lamentável, quando numerosos Ministros e autoridades foram julgados como
criminosos. Quem seria escolhido como o distinguido pelo mérito através do Julgamento Emérito da
História? Indiscutivelmente, o julgamento será sentenciado na época em que o Japão Democrático estiver
evidentemente concretizado.
Em agosto desse ano, foram mobilizados numerosos carros, caminhões e até mesmo tanques,
repletos de policiais e soldados da Cavalaria Americana para o Estúdio Cinematográfico Kinuta, Toho, onde
havia sucessivas tumultuações. No céu, voavam aviões e muitos diziam que só faltavam chegar as
belonaves. Dois mil policiais apoiados pelas Forças da Ocupação foram cercar os mil empregados do
Estúdio. Através das desavenças grevistas pode-se compreender as profundas decepções dos
trabalhadores da época. Os membros do Sindicato eram japoneses e os policiais também eram japoneses.
Quem era afinal, o responsável que manobrava essas pessoas para conduzir para o caos da infelicidade?
O Estúdio Cinematográfico Kinuta, Toho, ora dominado pelos grevistas, foi denunciado à Justiça,
pela Empresa Cinematográfica e a seguir foi provisoriamente interditado. Até então, estavam produzindo
excelentes filmes de pós-guerra, mesmo com a produção controlada, graças à união dos esforços dos
cineastas, diretores, escriturários e controladores de cena, organizando um Conselho de Manutenção
Funcional junto a Empresa.
A Empresa sofria dificuldades em conseqüência das inflações. A sua renda foi limitada a 20 ienes
por ingresso e, além disso, precisava pagar 150% de imposto sobre a venda de cada ingresso. Assim a
Empresa achava-se com um déficit enorme.
Estava na iminência da bancarrota e nessas circunstâncias era obrigada a tomar medidas ofensivas
para defender o seu capital. Após a interdição judiciária, os artistas famosos, os diretores, os escriturários e
os técnicos de cena, todos lutaram para manter a greve em pé, mesmo vivendo como vendedores
ambulantes. Entretanto, as desavenças sob greve tornavam-se dia a dia mais dramáticas até que a união
interna veio a desmoronar-se no dia 18 de outubro.
O Presidente do Sindicato grevista rendeu-se perante a Empresa, aceitando a condição de ordenar
a demissão dos vinte líderes comunistas e readmitir no seu lugar, os 250 empregados que estavam
na lista negra do desemprego. Assim, foi solucionada a greve que durava meio ano.
O Gabinete Yoshida surgiu no mundo político, pela segunda vez, no dia 19 de outubro, liderado por
Shigueru Yoshida, do Partido Minoritário, após o colapso do Gabinete Ashida. O primeiro trabalho do
Gabinete Yoshida era transformar o Decreto n.o 201 em Lei do Serviço Público Nacional, convocando uma
Sessão Extraordinária na Dieta (Assembléia). Em resumo, era a lei que condenava o direito de greve e do
direito de permutação coletiva. Além disso, desviou a reivindicação das greves dos sindicatos dos
trabalhadores particulares para o arbítrio da Comissão Central do Trabalho, obedecendo a suspensão da
greve e a aplicação dos "Três Princípios Salariais" ordenados pelo Quartel General em novembro.
Esses "Três Princípios" eram:
1) Suspensão do déficit financeiro.
2) Proibição das causas que motivaram a elevação de preços.
3) Determinação dos subsídios com base no balanço, financeiro.
Em novembro realizou-se uma greve durante oito dias com o total de 430.000 trabalhadores de 400
minas de carvão. O Sindicato dos Trabalhadores da Energia Elétrica ameaçou repetir a greve para cortar o
fornecimento de energia elétrica. O Sindicato dos Marítimos do Japão realizava greve pela terceira vez,
porém, todos foram obrigados a suspendê-la por advertência do Quartel General e em seguida entrar em
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acordo imediato.
Desse modo, as Forças de Ocupação foram interferindo em todos os setores da greve. Enfim, seria
isso conseqüência da perda de capacidade dos políticos e dos empresários em resolver a questão da
greve?
Pondo à frente os "Três Princípios Salariais" lançados pelo Quartel General, o Gabinete mostrava
então atitudes para dominar arbitrariamente as ofensivas trabalhistas. Talvez resultasse numa verdadeira
anarquia revolucionária, do dia para noite, se atrás dele não estivesse mantida a força coercitiva do Exército
de Ocupação.
Por que razão, o Quartel General das Forças de Ocupação que mantinha prioridade na
democratização do país e chegando a essa época, mudou completamente de tática? é porque a situação
mundial se transformava rapidamente para tornar-se naquilo que se chama clima de "guerra fria".
Pode-se dizer que seria um fato natural, o ódio dos trabalhadores liderados pelos sindicatos
trabalhistas contra os americanos. Enfim, os vencedores e os vencidos nada puderam fazer contra as
tendências do pensamento do povo.
Por outro lado, em fevereiro deste ano, surgiu a República Popular da Coréia do Norte apoiada
pelos russos, confrontando-se com a Coréia do Sul apoiada pelas Forças Americanas do Extremo Oriente.
Na Europa, o "Bloqueio de Berlin" teve o seu início no dia 1.o de abril, em conseqüência dos atritos
entre os E.U.A. e a U.R.S.S. em relação à Alemanha Oriental e Ocidental. Em seguida, os E.U.A. proibiram
a exportação de materiais bélicos para a União Soviética. Qual foi o outro maior erro de cálculo cometido
pelos americanos? Foi a inversão das Forças Nacionalistas e Comunistas da China Continental.
Indubitavelmente, o Comando Estratégico dos E.U.A. dava a máxima atenção para dominar o Japão,
inclusive a China. Para isso, apoiou a China Nacionalista de Chang-Kai-Shek. Para impedir o progresso do
Partido Comunista Chinês, deixaram em seu poder as principais cidades ocupadas pelos japoneses e, em
vez de passar para os comunistas, entregaram para o Governo Nacionalista. Além disso, enviaram enormes
quantidades de armas modernas, conselheiros de guerra e mais dois bilhões de dólares para ajuda militar.
Montado sobre a tática anti-comunista dos americanos, Chang-Kai-Shek iniciou uma ofensiva geral contra o
exército comunista chinês. Assim começou a guerra que resultou em matança de grande escala entre os
companheiros chineses de todo o seu território.
No início da guerra civil, em junho de 1947, o exército de Chang-Kai-Shek orgulhava-se de sua
supremacia em todos os pontos. Vangloriando-se, falava até em aniquilar o exército vermelho em seis
meses.
Entretanto, em setembro de 1948, as Forças Comunistas avançaram com grandes ofensivas para
Manchúria, Norte e Centro da China e, em curto tempo, ocuparam a terça parte do território chinês,
abrangendo toda a região norte do Rio Yangtzé, inclusive cidades, como Pequim, Tientsin e Fengtien. Na
primavera do ano seguinte, as Forças Comunistas atravessaram o Rio Yangtzé e, avançando para o sul,
atacaram Nankin e toda região sul da China. Finalmente, ocuparam toda China e expulsaram Chang-Kai-
Shek para a Ilha de Formosa. Após então, os comunistas elaboraram seu governo denominado "República
Popular da China", no dia 1.o de outubro de 1949.
Com certeza, os americanos estiveram desesperados diante da situação do Extremo Oriente. Não
podiam deixar de fortalecer as medidas anti-comunistas de âmbito mundial, para impedir o avanço do
poderio soviético na Europa, na Coréia e na China Continental. Do ponto de vista militar, o arquipélago
japonês tornou-se uma base na linha avançada dos americanos contra o comunismo. Assim, supõe-se que
a mudança da política de Ocupação do Japão foi uma necessidade premente e inevitável para o lado dos
americanos. Com certeza, eles tiveram que restaurar o Japão para fazer funcionar o parque industrial da
Ásia," a- fim de sustentar o seu sistema militar anti-comunista. Consequentemente, foram revisados os
planos para a desmilitarização e democratização do Japão, e tão logo, chegaram George Frost Kannan e
William H. Draper ao Extremo Oriente, com a esperança de restaurar o potencial industrial e bélico do
Japão.
Quando o antagonismo russo-americano chegou a causar o clima de tensão internacional, ao
mesmo tempo, no Japão, tornaram-se intensos os antagonismos entre o capital e o trabalho. Para evitar
esse perigo, as Forças de Ocupação ordenaram a proibição de toda espécie de greve, tentaram estabilizar
a crise financeira e apressar seriamente na restauração da economia japonesa. A razão disso, não seria
devido aos americanos compreenderem que, torturando os japoneses, poderiam não realizar um novo
objetivo de impedir o avanço comunista?
Enfim, pode-se dizer que o sistema de segurança e o progresso de um país sacrificando o outro,
começou a se apresentar aqui em miniatura. Entretanto, uma transformação política dessa natureza não
poderia prosseguir pacificamente. Muitos ficaram embaraçados pela mudança brusca dessa natureza e,
consequentemente, originaram-se vários atritos intensos resultando em muitos fenômenos sociais naquela
época.
Chamava-se "Guerra Fria", o resultado do antagonismo entre Leste e Oeste. Acompanhava sempre
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o perigo do desencadeamento da "Guerra Quente". O único meio para evitá-la fosse talvez a revivescência
das experiências trágicas da Segunda Guerra Mundial. Entretanto', as incessantes disputas que até então
ocorreram em diversas partes do mundo, não poderiam ser ditas de outra forma, senão, resultante da
ambição dos E.U.A. e da U.R.S.S. em dominar o mundo que o dividiram em Leste e Oeste.
Toda estava ciente de que, na realidade, existia simultaneamente no homem, o desejo para a paz e
a ambição para a conquista sobre os outros. Isso, portanto, é uma afirmação já conhecida, que é a vida nos
seus Dez Estados. Nunca o mundo, que se move conforme os interesses ocasionais, poderia sair dos
círculos viciosos dos seis caminhos mundanos, sem o reconhecimento desse conhecimento original. Toda
compreendera profundamente que mesmo no mundo culturalmente civilizado como é o do Século XX, ainda
isso não havia reformado, nem um pouco sequer, os caminhos da vida do homem.
— O que seria, na realidade, o verdadeiro aspecto desse mundo? Parece que ninguém percebeu.
Eis a origem da infelicidade da sociedade humana dos tempos modernos. Se todos o compreendessem,
seria tão simples, não é? Porém, todos lisonjeiam e não procuram compreendê-lo. Em vez disso, eles
discutem até doer os ouvidos, os fundamentos que lhes são desconhecidos.
Quando analisava os assuntos da situação mundial, às vezes, ouvia-se num tom murmurante, o
tópico da sua conversão.
- A situação atual não seria como uma farsa que viria camuflar uma situação após outra,
dizendo que o ideal é ideal e a realidade é realidade? A negligência com que
tratam os dois lados como se fossem completamente diferentes, ora, isso significa a distrofia do
pensamento moderno. Não procuram esforçar-se profunda e intensamente para descobrir qual é a força que
faz tornar o ideal em realidade. Não deve ter havido uma outra época em
que o espírito humano tivesse tornado tão distrófico. Além disso, esse espírito distrofiado fala como se fosse
inteligente. Não seria o cúmulo da tolice?
Sem se referir a alguém, Toda fazia escapar, na quietude, o seu espírito forte.
Com os olhos entreabertos, o seu aspecto demonstrava estar com o pensamento longínquo.
— Falta algo importante no mundo moderno. Muitos falam que percebem o que está faltando,
porém, debatem apenas de forma trágica. Somos nós, os únicos que estamos
por dentro do assunto. A força para transformar o ideal em realidade e a realidade em ideal é somente a
Grande Filosofia de Vida de Nitiren Daishonin. Os outros vêem
apenas como se fosse uma religião tradicional. Isso é absurdo. Se fosse um homem inteligente, como Marx
por exemplo, uma vez em contato com a Filosofia de Vida de
Nitiren Daishnonin, viria com certeza solicitar os Ensinamentos. Realmente, sinto-me desgostoso pelos
assim chamados sagazes.
Os líderes mais chegados ouviam antentamente. . . Porém, nada puderam entender sobre o
assunto que Toda falava. Foram necessários meses e anos de amadurecimento para que eles pudessem
compreender como realidade, pelo menos um pouco do ideal de Toda.

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Os Frutos
Jossei Toda caminhava numa noite chuvosa de outono, sob o seu guarda-chuva. Sentia-se o
desprendimento do aroma da maré dentro da noite. Era um bairro do subúrbio, perto das praias de
Urayassu, na Prefeitura Tiba.
Nesse dia, logo à tarde, partiu em direção a Urayassu acompanhado por Tyuhei Yamadaira, porém,
ao chegarem do outro lado do ancoradouro da balsa do Rio Yedo coincidiu, por azar, com a maré em plena
enchente. Como essa região era pantanosa e as pontes construídas sobre o leito do rio não eram
consistentes, abaixavam-se com o tempo e impediam a passagem das balsas por baixo delas durante a
maré alta.
Foi obrigado a esperar por horas contemplando o cair das águas da chuva sobre a superfície do rio.
Em virtude disso, quando chegaram a Urayassu, cidade situada junto à foz do rio, já eram mais de nove
horas da noite.
Era um caminho escuro e lamacento. Andava, evitando as poças d'água e, apesar disso, os sapatos
estavam completamente molhados. Andando, como se tivesse lembrado de algo subitamente, disse ele:
- Que aconteceu com Yamamoto? Por que ele ainda não compareceu?
Tyuhei Yamadaira não pôde perceber de início o que significavam as palavras de Toda. Isso,
porque estava preocupado demais com a sola de seus pés molhados.
- Quando virá Yamamoto?
Quando ouviu a pergunta de Toda, pela segunda vez, arrependeu-se do quanto ele fora negligente.
— Quando Toda perguntou se não havia alguém adequado para o Departamento de Redação de Nihon-
Shogakkan (Editorial), ele indicara Shin-iti Yamamoto que gostava demasiadamente de literatura. Isso
ocorrera vinte dias atrás, mas apenas superficialmente em meio a um assunto.
Ele havia dito a Yamamoto, a respeito de sua indicação porém, que não havia prosseguido os
preparativos para o contrato. Inesperadamente, ouvindo as palavras ansiosas de Toda, sentiu-se
envergonhado por sua negligência.
- Já estamos combinados. Comunicarei o quanto antes e o trarei para o senhor.
- Está bem. Mas, e a saúde dele. . . melhorou?
As palavras de Toda soaram estranhamente a Yamadaira. Durante um ano, os jovens
recém convertidos aumentavam sucessivamente. Apesar de que, habitualmente, não
pronunciasse o nome de Shin-iti Yamamoto, preocupava-se até com o estado de saúde, como se fossem
conhecidos de longa data.
- Está passando bem de saúde. Penso que está forte.
- Pois bem. Na redação das revistas, o seu êxito depende muito da resistência física. Os
horários de trabalho são irregulares, o sistema nervoso desgasta-se com a impaciência, é perseguido pelo
dia do encerramento, e no fim, o que conclui o trabalho é, forçosamente, a persistência da energia física.
Não acharia o seu trabalho atual mais fácil do que o da redação, Yamadaira?
- Sim. Concordo que é mais fácil, porém, no serviço atual não terei a profunda emoção e
alegria, como aquelas de após conclusão de um trabalho.
- Está bem. Mas não seja tão exigente!
As vozes da alegria de ambos ecoavam no caminho e os passos que faziam espirrar as águas,
também ressoavam dentro da noite.
* * *
Tyuhei Yamadaira freqüentara a Universidade até o ano anterior, ao mesmo tempo que trabalhava
na redação da Sede em Nihon-Shogakkan. Mesmo antes da guerra, nos tempos da escola Jisnu-Gakkàn,
cedo levava uma vida estudantil, trabalhando sob a proteção de Toda. Um aluno do curso primário que saiu
de uma vila das montanhas do interior, chegou à capital, e depois de cuidadoso esforço e estudo, recebeu o
certificado para lecionar como professor e obteve, então, emprego na Jishu-Gakkan, por intermédio de um
anúncio de jornal. 'Embora fosse um fato inesperado, conseguiu encontrar-se com Jossei Toda, o mestre
para a sua vida inteira.
Quando estudante fora enviado para a guerra, tornou-se um aviador, mas permaneceu na base
aérea situada na Ilha Principal. E com o término da guerra voltou a Tóquio em setembro de 1945, a fim de
procurar Jishu-Gakkan, em Meguro. O local transformara-se numa planície incendiada. Com muito custo,
conseguiu encontrar o escritório provisório da Nihon-Shogakkan. Pode-se dizer que foi o primeiro discípulo
que, terminada a. guerra, chegou correndo para junto de Toda. Foi readmitido, retornou aos estudos
universitários e reiniciou as atividades, mesmo lutando contra as dificuldades para sustentar uma vida de
pós-guerra. Sem dúvida, foi o discípulo imediato que recebeu diretamente as mais rigorosas orientações.
Completou o curso universitário em setembro de 1947, sete anos após a sua conversão. Após
então, ingressou no funcionalismo público, para enfrentar as questões trabalhistas. Ao mesmo tempo
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conseguiu um noivado feliz e casou-se. A graduação, o emprego e o casamento, com esse trio da sorte, viu
o final triunfante de sua juventude.
Tyuhei Yamadaira não podia conter sua imensa felicidade em meio a tantos jovens que haviam sido
traídos nos seus preciosos sonhos da juventude, junto com a guerra. Sentindo-se profundamente grato pela
grandiosidade dos benefícios mediatos do Gohonzon, avançava tranqüilamente, passo a passo, para
uma vida segura. Sempre que se permitia um momento de folga, como é possível acontecer no serviço
público, lia com discrição o Gosho aberto e guardado secretamente na gaveta de sua escrivaninha. Seu
estudo em relação ao Gosho abrangia todos os cantos das páginas.
À noite, participava das atividades da Gakkai. Parecia até rotina do dia, porém, durante dez anos,
sua dedicação na fé vinha adquirindo tal boa sorte que dificilmente seria possível acumular numa só
existência.

***

Nessa noite chuvosa, Yamadaira guiava Toda, caminhando à sua frente, enquanto se preocupava
com os passos descuidados de Toda. A deficiência visual de Toda era de tal gravidade que era muito difícil
de evitar as poças d'água.
Apenas alguns membros encontravam-se lá, quando chegaram ao local de palestra. A reunião já
havia sido encerrada em virtude da demora de Toda. Os responsáveis dessa noite, estavam inconformados
com pena e desânimo.
— Ninguém é culpado. Não importa que a reunião já esteja encerrada. Tampouco sou eu o culpado
por haver me atrasado. O mal está na maré enchente.
Toda riu com espontaneidade e sem receios para consolar os responsáveis. Pareciam estar
desanimados, mas foram se transformando em fisionomias cada vez mais animadas. Outras pessoas, logo
se tornaram alegres, a ponto de falarem espontaneamente. Era um bairro de pescadores. O assunto
inclinava-se naturalmente para os problemas da pesca em declínio e então lembrou-se da terra natal de
Toda. . . a vila Atsuta, em Hokkaido.
Uma vila próspera e animada era Atsuta, quando se pescavam muitos arenques, mas teve seu
declínio quando mudou o curso da corrente oceânica. Esta cidade, que se situa face à baía de Tóquio,
somente sobreviveria através de uma mudança de ocupações por parte de seus residentes, desde que, até
mesmo os peixes não existiriam sob a influência industrial das cidades adjacentes.
Eram variedades imensas de orientações quanto aos problemas sobre a sobrevivência. Mesmo que
a situação fosse desesperadora, uma vez que a orientação da fé se apoia no profundo reconhecimento da
realidade, ela se torna o maior incentivo e, assim, não poderá haver força maior do que a orientação pela fé.
Por outro lado, Toda ensinou que se o procedimento da fé não tivesse raízes na sobrevivência, seria uma fé
tão frágil e fútil que não passaria senão de simples conformismo.
Toda nunca dizia uma palavra sequer para se conformar. Através das numerosas experiências da
prática, ia provando a força benevolente do Gohonzon que transforma o impossível em possível. Os
ouvintes não podiam aceitar senão como sendo um caminho situado à longa distância. Todos
compreenderam que, em suma, isso seria objetivamente o caminho único e seguro. A fé, após a
compreensão, torna-se uma convicção própria, chamada "Zui-Jii". Embora o tempo fosse curto, os
presentes olhavam Toda e as fisionomias radiantes concordavam humildemente. Ele se levantou, pois a
hora de retorno chegara. Prometeu um novo encontro, apressou Yamadaira e saiu outra vez sob a chuva.
O vento soprava mais fortemente e a chuva caía com maior intensidade.
No dia seguinte, Tyuhei Yamadaira visitou imediatamente Shin-iti Yamamoto e transmitiu-lhe a
intenção de Toda, para que preparasse o seu"Curriculum Vitae".
Numa das noites, logo que terminou a lição do 'Hokekyo, Yamadaira chegou perto de Yamamoto e
alertou insistentemente dizendo: "O Currículo! O Currículo!"
Quando ambos foram à mesa de Toda, já havia três ou quatro pessoas solicitando orientações
individuais. A primeira pessoa era mulher ainda jovem e parecia estar perguntando sobre os termos
budistas. A seguir, um homem de quase cincoenta anos retirava-se após uma veemente repreensão
recebida de Toda, por ter caído no "conto do vigário". O terceiro era um distinto cavalheiro em torno de
quarenta anos; Seu problema era a infidelidade da sua esposa. Toda ouvia pacientemente as longas e
insistentes lamentações.
Com o currículo nas mãos, Shin-iti Yamamoto aguardava o final do assunto, reconhecendo como
devia ser penosa a posição do Mestre.
A questão desse homem era, em suma, a seguinte:
— Sinceramente, odeio aquele amante. Soube que se converteu. Odiando esse homem
estaria cometendo o pecado? Consequentemente, estaria contrariando a vontade do Buda?
Pensando no sofrimento desse homem de meia idade, que se preocupava em obter orientação,
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sem se importar com a decência ou a vaidade, a fisionomia de Toda tornava-se também cada vez mais
séria.
Com franqueza, Toda disse em seguida:
— O Professor Makiguti dizia freqüentemente, respondendo às questões dessa natureza que,
de acordo com o sentimento humano de âmbito social, poderia concordar dizendo que seria vítima da
esposa infiel. Entretanto, o senhor Makiguti não procedia dessa maneira.
Antes dizia: "Como pode ser tão covarde! É uma estupidez perder a própria esposa. Que odeie, então,
quanto quiser e vá buscar a sua mulher! Tal ato nunca se
torna pecado. Por outro lado, deve aperfeiçoar a fé para que o ódio se torne desnecessário."
O homem, atônito, parecia um pato em temporal sob raios e trovões. Toda, com seriedade
continuava dizendo:
— Há a seguinte passagem num romance: Um homem e uma mulher se amaram mutuamente.
Logo em seguida, ele foi ao estrangeiro. Passados dois ou três anos, ela se
casou com outro e ambos viveram dias felizes. Porém, uma noite, ela encontrou inesperadamente o
primeiro homem. Ele sentiu a revivescência do amor passado e chegou imediatamente para junto da
mulher. Ela o recusou, por estar satisfeita com a vida que levava. Ele então revelou ao marido, os fatos do
passado. O marido respondeu: "Suponhamos que alguém descobrisse ouro e prata dentro de uma
escavação. O senhor poderia exigir a restituição dos mesmos, dizendo que antes era dono do terreno onde
havia a mina? Dessa maneira, agora ela vive feliz, independentemente do passado. A questão conjugai
deve ser encarada com responsabilidade mútua.
O homem concordou levemente e cocou a cabeça. Em seguida, mostrando um suave sorriso disse:
- Aceito inteiramente os seus conselhos. Confesso que esta noite me rendi
incondicionalmente.
- Levante sua fé como homem digno para viver poderosamente. Conseguirá obter uma
solução realmente admirável, além da imaginação. Para isso, deve orar o Daimoku ao máximo. Sem dúvida,
tudo poderá transformar-se, como um veneno que se transforma em
remédio.
Dito isso, Toda voltou os olhos para Yamamoto e Yamadaira.
- Oh!
- Mestre! é Shin-iti Yamamoto, disse Yamadaira a Toda.
- Já sei, respondeu ele.
Shin-iti Yamamoto entregou-lhe o currículo, sem nada dizer.
Os supercílios um pouco alongados faziam sombras de tal maneira que em sua fisionomia ainda
houvesse reminiscências da infância.
Toda abriu cuidadosamente o currículo e observou meticulosamente. Corria o tempo silencioso e
relativamente longo. Nenhuma pergunta foi feita a respeito do currículo. Enfim, levantando a face e
observando Yamamoto, sorridentemente, disse apenas uma palavra:
- "E-S-F-O-R-Ç-A-R-A-S ?"
Automaticamente e seu hesitações, Shin-iti
Yamamoto respondeu:
- Sim. Peço, por favor.
Uma reação mútua e instantânea! Era um momento decisivo. O tempo já era propício. . . Desde
aquela noite de verão, um ano antes, quando conhecera Toda de perto. . . Aquilo que Shin-iti Yamamoto
pressentira e conservara consigo, para evidenciar nesse momento, revelou-se inevitavelmente numa
realidade.
Naquela noite de setembro, em que houve o episódio da Indústria Eletro-Química Showa, quando
ele anotou secretamente no seu diário, talvez, o "Rubicon" já tivesse sido ultrapassado.
Rubicon, um riacho que corria sobre o limite inviolável entre a Gália e a Itália. . . No ano 49 A.C.,
César, que conduzia o exército para a conquista de Pompéía, transgrediu a inviolabilidade do Tratado,
dizendo: O jogo já está feito. Atravessou-o e salvou a Pátria.
"Revolução significa Morte. A morte para nós é a devoção da nossa vida ao Myoho." — No
momento em que escreveu isso no diário, Shin-iti Yamamoto não estaria forte profundamente convicto de
sua predestinação e de sua missão para com a Lei Mística? Era uma decisão frente ao "Caminho por onde
segue a Juventude em direção ao Apogeu da Glória", ainda que a convicção fosse temerosa, por ser um
futuro desconhecido. Justamente como a frase "Revolução significa Morte", era uma revolução que ele
mesmo escolhera por iniciativa própria. A morte para um rapaz desconhecido e tão comum nos tempos de
pós-guerra, significava a decisão de abandonar tudo para jamais se arrepender. Entretanto, para Shin-iti
Yamamoto, a morte era "a devoção da própria vida à Lei Mística." Ao aceitar esta revolução e ao
propulsioná-la ativamente, Shin-iti Yamamoto já havia então renascido como revolucionário. Sem dúvida,
pela primeira vez, naquele momento, em meio a todos os sofrimentos, ele deve ter adquirido coragem e
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esperança, como um verdadeiro homem.
O idealismo à Lei Mística desse jovem revolucionário seria devotado objetivamente na prática, para
um mestre raríssimo. Desse modo, compreendeu que se deve con siderar como sendo a "devoção para
Jossei Toda".
Talvez, alguém possa dizer que é um rapaz inocente. Entretanto, ele já pressentia o rumo de toda
sua vida, um objetivo sublime brilhante e poderoso para o futuro, apesar de ser ainda inexperiente a
respeito da vida. Como freqüentemente acontece, muitos que sustentam os princípios, fazem decisões na
juventude intuitivamente, mesmo com pouco estudo ou experiência. Essa decisão afeta uma vida inteira 1
Independentemente do tipo dos esforços ou da profundididade das decisões, o sucesso e o
insucesso de uma vida não seriam determinados pelos acúmulos de fenômenos espontâneos que vivem
dentro dos destinos? Ou, então, sofrem as influencias, sobretudo, pela Lei da Causalidade, como a boa
causa leva ao bom efeito ou a má causa traz um mau resultado?
Seja como for, no momento em que passou aquele instante decisivo e vital, Toda, dobrando o
currículo, disse:
- Peça, amigavelmente, a demissão do emprego atual. Não se preocupe, mesmo que isso
demore. O que importa
é sair limpo, a fim de não trazer complicações posteriores. Após então, venha aqui comigo.
Dito apenas isso a Shin-iti Yamamoto, desviou o olhar para uma pessoa que o esperava
ansiosamente. Quando uma senhora começou a falar logo após os cumprimentos, imediatamente, uma
criança começou a chorar alto. Sem se importar com isso, ela continuou a falar. Às vezes repreendia o
choro da criança.
- Não faça a criança chorar!
Dizendo isso, Toda estendeu as mãos e começou a acariciá-la. Shin-iti Yamamoto deixou o local
junto com Yamadaira.
O lugar onde Shin-iti Yamamoto trabalhava era a Associação dos Industriários de Jonan, onde se
promoviam auxílios mútuos entre as empresas pequenas e médias. Localizava-se perto da sua casa.
Tornou-se empregado desta associação, após o convite insistente de seu diretor. Antes disso, trabalhara
por pouco tempo em uma oficina gráfica em Shimbashi. Como o local de trabalho era distante da
sua casa e o seu estado físico não era tão resistente para suportar o serviço pesado, a saúde arruinou-se
totalmente. Consequentemente, estava repousando e recuperando a saúde em sua própria casa. As dores
persistiam todas as noites e na manhã seguinte acordava completamente exausto. • Sua família, não
podendo mais ver esta condição deplorável, obrigou-o a deixar o serviço. Ele permaneceu em casa
recuperando a saúde, porém, seu corpo e seu espírito juvenil não permitiam um repouso tranqüilo a longo
prazo, por achar que isso era uma desonra.
Às vezes, saía em companhia de amigos sadios que vinham ao seu encontro. Comparecia
assiduamente às lições e às reuniões da Gakkai, desde que fosse convidado.
Sem que percebesse, começava a sentir profundas atrações pela filosofia da vida. Às vezes
impressionava-se vividamente pelo conteúdo nos livros que até então lera. Isso, inicialmente, parecia ser a
conseqüência do seu estado de saúde; porém, não podia deixar de sentir-se surpreso, quando percebeu
que já estava analisando suas leituras através do Budismo.
Foi nessa época que surgiu a oportunidade para empregar-se na Associação dos Industriários.
Sabendo de antemão que eram desnecessários os sacrifícios físicos, supondo ser útil em servir para a
coletividade local, já que morava em Jonan, ele aceitou facilmente o emprego para começar a trabalhar
prontamente. A Associação cresceu em seguida, chegando até a se cogitar sobre um projeto para
construção de uma sede no centro de Jonan. Pelo senso de responsabilidade e dedicação, ele estava
decidido a esforçar-se até a concretização do projeto. Não podia abandonar o trabalho, enquanto seu
sucessor não se tornasse competente para prosseguir o serviço de escritório.
Em fins de dezembro, ele deixou amigavelmente o emprego. Nessa ocasião, foi realizada uma festa
de despedida para Shin-iti, no primeiro andar da nova sede, com a participação de todos os companheiros
de serviço. Tanto o diretor como os empregados eram idosos e, apesar disso, estavam contentes com
o progresso do jovem Yamamoto.
Começou a trabalhar na Nihon-Shogakkan no dia 3 de janeiro do ano seguinte, em 1949, um dia
depois do seu 21 .o aniversário.
* * *
No Outono de 1948 realizou-se a Assembléia Geral do terceiro ano após o início da reconstrução da
Gakkai.
O resultado da reconstrução evidenciou-se real e nitidamente no Salão Educacional realizada no dia
17 de outubro. A abertura da sessão, marcada para às 9:00 horas da manhã, foi prorrogada cerca de
quarenta minutos, considerando as dificuldades do trânsito como causa provável do atraso dos participantes
das prefeituras vizinhas. Portanto, houve também atraso de trinta minutos no encerramento e o registro
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marcou seu término às 16:30.
A Assembléia Geral foi dividida em dois períodos: o da manha e o da tarde. Excluindo as horas de
intervalo, fora um longo dia ininterrupto de seis horas. Comparando com os dias atuais, poder-se-iam
surpreender .a tamanha paciência e perseverança dos participantes daquela época. Entretanto, a
Assembléia Anual era a única oportunidade que eles tinham para reunirem-se em conjunto. Pensando
naquela época em que ainda não havia revista e jornais, pode-se dizer que os membros da Gakkai
aceitavam tudo isso com inteira naturalidade. Era uma rara ocasião em que eles podiam conhecer-se
mutuamente, ouvir os relatos de experiências e as atividades de todos os locais do Japão. Além disso,
consideravam como uma reunião muito importante, onde se tomava conhecimento das atividades da Gakkai
na sua totalidade, bem como avaliava o grau de avanço da própria fé. Não havia lugar para o tédio, na
intensa devoção para absorver o Verdadeiro Budismo.
Mesmo finda a Assembléia, muitos participantes não queriam afastar-se do local e
permaneciam ainda em grupos aqui e acolá, reiniciando uma espécie de palestras improvisadas,
reunindo-se em torno dos recém-convertidos.
Nesse dia, um apreciável número de pessoas, dezoito ao todo, relataram uma diversidade de
experiências, a fim de provar a veracidade da Nitiren Shoshu. Isso, porque não há outra força mais
convincente do que a prova de uma experiência própria. Se argumentasse o certo e o errado apenas no
campo da teoria, estaria caminhando para o horizonte sem fim. Ao contrário, as inúmeras provas baseadas
na prática experimental, demonstrariam cientificamente que o Budismo é, realmente, uma verdade. Melhor
do que orientações elegantes e eloqüentes ou uma teoria ideal, não há outro discurso maior do que o relato
de uma evidente realidade.
Alguém diz: "Sua experiência é apenas um fato acidental". Pode ser que muitos pensem dessa
maneira. Porém, como justificar e contradizer ao reconhecer a soma dos fatos acidentais que chegariam à
mesma conclusão?
O primeiro que subiu ao palco do auditório foi um vendedor de 25 a 26 anos. O relato de sua própria
experiência denunciava o temor da contravenção do Budismo, no espírito de cada ouvinte.
Era um convertido antes da guerra. Contou que, após ter-se curado de tuberculose pulmonar, ficou
muito contente e satisfeito, a tal ponto de converter 16 famílias por intermédio do Chakubuku. Logo em
seguida, entretanto, o Presidente Makiguti e mais 21 líderes principais, perseguidos pelo governo militar,
foram levados à prisão) . Posteriormente, ele chegou a queimar o Gohonzon por imposição de um
companheiro. Isso porque um dos principais líderes jovens que saíra da prisão, após a deserção da fé,
obrigava as pessoas convertidas por intermédio do seu Chakubuku, a abandonarem o Gohonzon. Disse o
relator que ele queimara o Gohonzon, julgando que todos os membros da Gakkai fossem abandonar o
Gohonzon dessa maneira. Não tinha intenção alguma de abandonar sua devoção à fé; porém, pensou que
tal atitude fosse um meio de se evitar a tempestade das opressões do governo.
Durante o bombardeio da Ilha Principal, seu abrigo anti-aéreo foi atingido e todos que estavam
dentro morreram, com exceção do relator. Esteve à beira da morte durante duas horas e meia, mas foi salvo
graças à respiração artificial e com muito custo, conseguiu sobreviver.
— O que sinto profundamente agora, é a grandeza do benefício das orações de Daimoku.
Embora fosse um ignorante na Doutrina e que tivesse cometido a maior
transgressão no Budismo, somente orei a Nam-myoho-rengue-kyo dentro do abrigo, apesar da minha
respiração agonizante. Em seguida, a minha consciência
distanciava-se cada vez mais, até desaparecer por completo. Eram sete, os que foram enterrados dentro do
abrigo, porém, sou o único sobrevivente. Foi justamente após a guerra, quando realmente senti o temor do
pecado da profanação Budista. Evidentemente, fiquei indignado com o companheiro que me persuadiu a
abandonar o Gohonzon. Mas, o que eu podia remediar, depois de ter feito tudo isso? Enfim, percebi, que o
erro estava em mim mesmo e aprendi como é importante a minha missão para o futuro. Daqui para frente,
esforçar-me-ei dando tudo que tenho, para levar avante a mudança do meu destino, até o fim. Eis a minha
decisão.
Era um relato especial e peculiar, que se poderia dizer, o renascimento sobre os atos contraditórios.
Esse jovem viveu na miséria por muito tempo, como um miserável; porém, revolucionou a vida a
ponto de agora possuir um lar tranqüilo e continua, como sempre, esforçado e com ânimo.
O 'Balanço Anual' relatado por Yuzo Mishima, demonstrava novas atividades e os respectivos
resultados.
— . . .No ano passado, por ocasião da Segunda Assembléia Geral, os Capítulos que
promoviam reuniões eram apenas 12. Atualmente, há 25 locais em Tóquio, 10 em prefeituras vizinhas e 6
em regiões distantes. Ao todo, há cerca de 40 locais que estão conduzindo ativamente reuniões de
Chakubuku e orientações no estilo de palestras. Entretanto, no ano corrente, muitos capítulos mostraram
progressos evidentes, tais como: Koiwa, Kamata, Fukagawa, Mukójima, Nishi-Arai e Urayassu que nasceu
de Kamata. No setor de Yamate, destacaram-se os capítulos: Mejiro, Bunkyõ, Suguinami e Nakano. Isso
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abrange os 23 bairros de Tóquio. Nas regiões distantes, há capítulos: em Itô, Izu, Kawaguti e Kami-
Fukuóka, em Saitama e Kiryu ao norte de Kantô.
À medida que iam sendo anunciados sucessivamente os nomes dos Capítulos, seus membros
integrantes saudavam-no, através de palmas. Realmente, notava-se o sopro do nascimento de novas
sementes.
O Sumo Prelado Mizutani-Nisho-Shonin compareceu também, congratulando esta assembléia, com
amabilidade e alegria na face. Na sua orientação especial falou sobre "O Prenuncio do Progresso da Nitiren
Shoshu". Ele afirmou:
- Numa época turbulenta em que os escândalos e as prisões, a inflação e a elevação dos
preços, queda de produtividade e aumento dos desempregados, estão sendo
mergulhados na sombra tenebrosa, somente a Nitiren Shoshu prenuncia o progresso, com a aproximação
da conclusão do novo Salão de Recepção do Templo Supremo, junto com o impulso da Gakkai que
ultrapassou o seu apogeu de antes da guerra.
Falou, ainda, sobre as perseguições que a Nitiren Shoshu sofreu e afirmou a importância das
relações mútuas cada vez mais estreitas, para formar uma união sólida numa época em que se propicia o
avanço da Nitiren Shoshu com segurança e brilhantismo sobre a grande rota para a Paz Mundial.
Finalizou, dizendo o seguinte:
— Portanto, devemos enviar homens de valor aos setores de Produção,. Economia, Literatura,
Ciência, Política e Educação, dentre os seguidores da Nitiren
Shoshu, a fim de fazê-los refletir no país ou até mesmo no mundo inteiro, para glorificar desse modo a
nossa meta que é a Paz Eterna. Eis o desejo último de Nitiren Daishonin, o Buda Original, e este deve ser
nosso maior desejo. Agora é a oportunidade em que devemos marcar uma grande reviravolta na história da
Nitiren Shoshu. Desejo, sinceramente, sob proteção dos respeitosos Três Tesouros de Mappo-Gueshu, uma
união infalível entre os bonzos e seguidores, juntando toda a visão inteligente sob Itai-Doshin como orienta
Nitiren Daishonin, no sentido de unificar os esforços, a fim de edificar um grande projeto que é a
Propagação do Verdadeiro Budismo e pacificação do país com a Suprema Doutrina. É o que desejo
profundamente. Oro pela saúde e longevidade bem como a boa sorte de todos os membros da Soka
Gakkai.
Respeitosamente, recitaram o Daimoku todos juntos com o Sumo Prelado.
O Diretor Administrador, Reverendo Horigome, disse:
— Há opiniões contrárias a respeito da concordância do Chakubuku e a democracia moderna.
Porém, essa contradição é um grande erro. Através dessa concepção errônea, não se poderá naturalmente,
concretizar a magnífica democracia. Além disso, a verdadeira democracia deve depender da Essência do
Budismo.
Assim, ele provou, com sua dialética eloqüente, a necessidade do Chakubuku. Isso fazia sentir
como uma advertência necessária para a democracia adotar um princípio básico ainda mais profundo que o
da democracia européia e americana com bases no Cristianismo. Se alguém afirma que poderá ver o Buda,
fora das atividades do Chakubuku e isso seria uma ilusão ou uma loucura. Sobre a necessidade do
Chakubuku, pode-se pensar de diversas maneiras; porém, penso que isso seria natural no mundo atual da
democracia. A democracia eleva a liberdade individual como seu símbolo. Entretanto, não se concretizará a
verdadeira democracia, sem o aperfeiçoamento individual. Para isso, proclama-se a igualdade na
Educação; porém, necessário se torna uma visão correta sobre o Universo e a Humanidade. Onde podemos
procurar esse Princípio Básico? Fundamentalmente, impossível se torna, se não se basear numa religião
correta. Portanto, nossa fé é a chave final para a perfeição do homem. . .
Além disso, o Reverendo Hossoi, do Templo Jozaiji, revelou a superioridade do Hokekyo, em
comparação com os Ensinos Provisórios de Gonjitsu-Sotai (Gonjitsu-Sotai: Uma-das comparações
Quintuplas para a avaliação religiosa; porém, refere-se aos ensinos pré-Hokekyo. Hokekyo é abreviação de
Nam-myoho-rengue-kyo. que é o Budismo de Nitiren Daishonin. Portanto, não é a Sutra de Lotus
propriamente dita.) e conclui que hoje, em Mappo, o Nam-myoho-rengue-kyo da Grande Lei Mística,
profundamente significativo, é o caminho único para a felicidade absoluta em comunhão com a vida diária.
Os bonzos da Nitiren Shoshu elogiam as famílias de seus seguidores congregados nas atividades
da Gakkai e estas, por sua vez, com seus membros devotos, defendem o Portal Eclesiástico. Tal não seria
o modelo do mais moderno aspecto de uma sociedade religiosa?
Quanto mais complexo se torna o mundo, impossível se torna aos bonzos orientarem até o modo de
vida de seus devotos. Malgrado isso, é importante respeitar os bonzos. Entretanto, o Verdadeiro Ensino
perderá sua finalidade se os devotos desviarem a fé da vida diária, para se tornarem como subordinados
dos eclesiásticos. Suas atividades transformar-se-iam num ciclo vicioso inútil. Os bonzos devem preservar a
Doutrina, os devotos devem respeitar e defendê-los e ambos devem conviver mutuamente em torno da fé,
orientando-se dentro da rigorosa realidade social da vida moderna. Não seria isso uma conduta natural?
Enfim, o início de um sopro novo que surgia do Chakubuku da Gakkai, bem diferente de antes da
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guerra era inegavelmente uma realidade, ainda que não chegasse a chamar as atenções da coletividade.
Jossei Toda foi o último a se apresentar no rostro da plataforma na sessão da manhã.
Com a face corada, iniciou a orientação, citando uma frase do Kaimoku Sho, onde há uma
convicção eternamente imutável: "Que o céu me abandone enfim, que as mil dificuldades venham ou que
acabem com a minha vida. . ."
Baseando-se nestas palavras, Toda continuou a lição, orientando energicamente, como se
estivesse jorrando o seu sangue.
— . . ."Que o céu me abandone enfim, que as mil dificuldades venham ou que acabem com a minha
vida. . .", desse modo, nós, membros da Gakkai, devemos estar decididos a perder a vida pela causa da Lei
Mística. Por defendermos assim o Gohonzon é que temos merecido, consequentemente os benefícios e
portanto, os nossos desejos são plenamente realizados por correspondermos à vontade do Gohonzon.
Ademais, atitudes que visam apenas benefícios e méritos são permitidas apenas necessariamente aos
seguidores recém-convertidos. Porém, nossa atitude como devotos fervorosos em relação ao espírito de
Nitiren Daishonin deve ser somente a de lutar destemidamente, cientes dos riscos da nossa vida.
Toda, diante dos companheiros, deixou bem claro que a essência do Budismo, na realidade, está
bem acima de todas as cogitações que visam a lucro e a benefício.
Quisera talvez, com isso, afirmar a decisão para a devoção da fé em alto nível, que se concretiza
sólida e indestrutivelmente, visando os benefícios desta existência e não apenas os lucros imediatos. Para
realizar uma obra grandiosa chamada Paz Mundial, nem se pode chegar a qualquer cogitação, se não
houver uma decisão em prol da propagação do Budismo com o risco da própria vida. Embora os membros
aumentem numericamente, se esta decisão e a prática não estiverem gravadas no coração da maioria, a
glória do porvir não poderá ser conquistada. Sobre isso Toda sabia-o profundamente.
— "Por bem ou por mal, abandonar o Hokekyo é a causa predestinada para o inferno." Portanto,
nunca poderá haver felicidade nestas circunstâncias. "Os quinhentos milhões de anos para Sharihotsu. . .",
significa que se enfraquecer, nesta existência, a fé na devoção ao Gohonzon e chegar a abandoná-la,
quando então poderá encontrar novamente o Gohonzon? Após centenas de milhões de anos? Ao
pensarmos nisso, não podemos deixar de aceitar as orientações benevolentes de Nitiren Daishonin, senão,
com o afluxo das lágrimas provenientes da nossa gratidão. E continuou: Além disso, como poderá
abandonar a imensurável e grandiosa fé suprema, diante das ameaças, do terror ou da persuasão, tais
como: "Darei a soberania do Japão" ou "Decapitarei os seus pais"? Resguardando a grande convicção de
"Sustentarei a minha doutrina enquanto não for destruída por um outro sábio" de Nitiren Daishonin, nós,
discípulos, devemos conduzir esta Filosofia da Vida como um guia diretriz para a restauração do Japão.
Centenas de olhares concentravam-se sobre Toda. Pegando o copo na mão, tomou toda a água num só
instante. O auditório era o próprio silêncio.
— Essa atitude, uma vez posta de pé, não poderá ser derrubada, nem mesmo pela filosofia
comunista ou idealista. Se for destruída, a culpa caberá aos discípulos e isso corresponderá à queda para o
inferno. Portanto, "as outras grandes dificuldades serão como o lixo diante dos ventos." A causa da derrota
do Japão, diria que foi devida à punição divina do Budismo por não ser aceita e respeitada como Ensino a
afirmação veemente de Nitiren Daishonin: "Serei o pilar do Japão, seus olhos e a nave". Agora é a hora de
levantar o pilar, abrir os olhos e construir a nave. Digo a todos os membros da Gakkai. Vamos nos unir num
só organismo com o grandioso espírito e entregar nossas vidas para o bem do Budismo de Nitiren
Daishonin?
Toda voltou seu olhar para o auditório. Os óculos de grau acentuado projetavam raios de luz. Todos
aplaudiram ao mesmo tempo.
Abanando as mãos levemente, disse ele, fazendo transparecer um sorriso em sua face:
— Desejaria encerrar por aqui, a Assembléia de hoje. Porém, como há pessoas que vieram
especialmente de longe e porque ainda tenho muitos assuntos a dizer, prosseguirei.
É uma rara oportunidade, realizar uma assembléia, num dia inteiro. A Soka Gakkai é a organização que
realiza o que outros não podem realizar. Parece-me que o chá está preparado. Gostaria que todos o
tomassem e comessem calmamente seus lanches como se estivessem num pic-nic, para depois iniciarmos
a sessão da tarde. Que acham?
Todos aplaudiram sorrindo. Terminou, assim, a sessão da manhã.
Os participantes pareciam estar com fome. Aqueles que participaram pela primeira vez, muitos,
provavelmente, vieram com a intenção de averiguar a assembléia apenas para, logo em seguida, satisfazer
livremente a própria vontade. Porém, a impressão da manhã fez com que eles adquirissem algo que seria
dificílimo de se obter. Seus desejos fizeram com que aguardassem, naturalmente, a sessão da tarde.
Entretanto, perceberam que não traziam consigo lanches. Nessa época, não se podia conseguir uma
refeição se não tivesse o cartão de racionamento. Nem havia restaurante que pudesse fornecer comida
facilmente. Em conseqüência, essas pessoas permaneciam nos corredores aguardando o passar das horas,
tomando chá ou fumando cigarros um após outro. A maioria preferia lá permanecer do que voltar para casa.
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Foi aberta a sessão da tarde.
O auditório havia se transformado em ambiente de ternura fraternal. Os relatos divertidos que
faziam o auditório explodir em risos e as experiências de luta corajosa contra o mau destino, tais protestos
emocionantes deixavam o ambiente sensibilizado. Provavelmente, o auditório estaria sentindo profundas
emoções, maiores que os cenários emocionantes de um filme.
O que mais comoveu o auditório foi o discurso de Toda, Diretor Geral.
Seu discurso intitulado "O Caminho da Restauração Nacional", pode-se dizer, foi uma declaração
que elucidou de forma clara a meta da Gakkai para a época, e os princípios básicos do seu objetivo.
Mesmo atualmente, ao ver as anotações do seu discurso, percebe-se, indiscutivelmente, que é uma
das declarações históricas de Jossei Toda.
Ele estava bem disposto e radiante.
— Para restaurar uma nação é obrigatoriamente necessária uma filosofia. A filosofia deve ser
acompanhada de prática. Sem prática a filosofia não passaria de um jogo de teorias. Nosso país, que foi
derrotado fragorosamente em conseqüência da imposição do Xintoísmo, durante a guerra, com que
filosofia e moral poderá ser restaurado após a guerra? Nos momentos atuais em que proliferam as heresias
que iludem o povo e ressoam propagandas destrutivas do comunismo subversivo, a Nitiren Shoshu Soka
Gakkai traz na prática a grandiosa filosofia da Vida, de Nitiren Daishonin. Através de nossas práticas
atuemos o nosso dever de participar em prol da restauração do país.
Assim ele se expressou, depositando a força de sua sinceridade em cada palavra pronunciada.
Pode-se dizer que o conteúdo de sua declaração não atingiu apenas as seitas heréticas da época, no
Japão, mas também foi um ataque contra as idéias anarquistas.
— Os membros da Nitiren Shoshu estão agora se esforçando cada qual nos devidos setores;
porém, a luta é ainda morna e crua. Os chamados pioneiros da época necessitam de uma decisão
inabalável para enfrentar tudo corajosamente, seja morto ou queimado. Caso contrário, todos os esforços
seriam inúteis desde o início, como os trabalhos que não são desejados pela época, assim como as
armaduras e os capacetes dos antigos guerreiros não poderiam ser propagados no mundo moderno. As
coisas necessárias propagar-se-ão quando a necessidade obriga para a sobrevivência de uma época,
assim como as "calças gaúchas" propagaram-se durante a guerra, entre as mulheres, mesmo sem as
exigências da moda.
O auditório sentiu-se mais aliviado e conformado com o surgimento de "calças gaúchas" no tópico
do assunto.
Apontando a falta de convicção das pessoas que se empenhavam nas atividades da época, Toda
levantou a questão da necessidade premente de convicção para os pioneiros, dentro e fora da Nitiren
Shoshu.
Era uma eloqüência grandiosa que se desprendia de todo seu corpo, de tal maneira que os
covardes não podiam permanecer no recinto.
— Para reconstruir realmente nosso país destruído pela guerra, para uma nação amante da
paz e da justiça humana, é necessário fundamentar-se numa filosofia ou numa religião correta e estabelecer
sobre essa base, a política, a economia e a cultura. O impulso da concretização de todos esses ideais
desejados está na filosofia da nossa Nitiren Shoshu com base no Dai-Gohonzon.
Assim, revelou à luz o patriotismo do passado histórico e estabeleceu-o como o princípio básico da
restauração nacional. Foi, realmente, a primeira declaração de "Obutsu-Myogo", a ideologia do mútuo
esforço: Budismo e a Política para construir uma nação próspera.
— Apesar da permanência evidente do Dai-Gohonzon em nosso país, a maioria dos japoneses
ainda O desconhece. Nós, membros da Gakkai, apesar de estarmos numa época ingrata e calamitosa,
mesmo que fôssemos obrigados a sacrificar nossas vidas, que surgissem episódios, que viéssemos a
perder os pais, as respectivas esposas e os filhos, ou que outros companheiros abandonassem a fé,
avançaremos sempre e se for necessário sobre seus cadáveres. Essa é uma grandiosa missão, suprema e
ímpar, atribuída para a Gakkai!
Enquanto falava, estaria fervendo como redemoinhos em sua consciência, as lembranças amargas
dos seus dias, durante a guerra. Nessa época, dentre os 21 principais líderes da Gakkai que suportaram as
perseguições do governo militar, somente Toda e Makiguti não abandonaram a fé no Gohonzon. Deixando o
presídio e entrando no território japonês extremamente devastado, estava ele de pé e somente ele,
exatamente como disse "passando sobre cadáveres" e desde então, após três anos conseguira, enfim,
obter o fruto da reconstrução.
Tornar-se-ia como as espumas flutuantes. Fatos como aqueles não devem ser repetidos. Nunca!
Jamais devemos apagar, pela segunda vez, as chamas do Kossen-rufu. Agora, ele não podia deixar de
recomendar a centenas de companheiros que não abandonassem a devoção e nem desertassem da fé,
mesmo que perdessem a própria vida.
— Desejo que todos avancem corajosamente junto comigo, conservando a grande missão da
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Paz Mundial. Quem não tiver essa convicção resolutamente consolidada, desde já, deve se retirar da
Gakkai. Há somente o avanço em nossa frente. Passaremos se necessário sobre esses cadáveres,
intensificando cada vez mais o fortalecimento da nossa fé no Gohonzon!
Intensos aplausos envolviam Toda, como tempestades. Ele voltou ao seu lugar. De súbito, volveu o
olhar para os principais líderes, os quais permaneciam sentados em fila, atrás dele. A ordem dos assentos
estava determinada de acordo com a seqüência do tempo de conversão.
Naquele instante, não teria sentido uma preocupação em saber o que eles estavam pensando, em
que estado de espírito se achavam ou quais decisões haviam tomado aqueles diretores privilegiados da sua
amizade?
Os líderes da nova era crescem com vigor e agem vivamente. O progresso contínuo e a confiança
em si mesmos têm sido sempre fatores indispensáveis. Ele estava horrorizado com a inércia dos dirigentes
antigos e preocupado com a necessidade da substituição por novos líderes. Isso parecia ter-se tornado
evidente na plataforma da assembléia do dia.
Toda partira do marco zero, três anos antes e conseguira a reconstrução da Soka Gakkai a ponto
de ultrapassar o apogeu da Soka-Kyoiku-Gakkai de antes da guerra. Nos olhos dos discípulos já não se via
mais a imagem de Toda de antes da guerra. Entretanto, em nada haviam progredido os antigos diretores.
Toda não podia deixar de sentir tristeza pela distância que se tornara tão ampla entre ele e os diretores.
Com sentimento ferido, mais uma vez voltou os olhos aos assentos traseiros. — Com certeza,
haverá no futuro, uma transformação completa na fisionomia dos líderes principais. Esse dia estará perto.
Nessa ocasião, os velhos amigos serão talvez naufragados pelas correntezas da época. é uma questão
inevitável, que não poderia ser superada senão pelo avanço progressivo impulsionado pelo poder intensivo
da própria fé individual.
A última canção da Gakkai fazia tremular o auditório e as ressonantes ondas de emoções
transbordavam incessantemente do ambiente.
* * *
Entrando no mês seguinte, de novembro, a cerimônia da Imortalidade da Vida, de Nitiren Daishonin,
integrada no Dai-Gohonzon, chamada Oeshiki ou Ontaie, estava à espera nos dias 12 e 13.
Naquele ano, a cerimônia foi realizada juntamente com a inauguração do Salão de Recepção e do
Templo de Seis Compartimentos, então reformado.
No dia 12, às três horas da tarde. . . A ressonância dos gongos ecoava em todos os recantos do
Templo Supremo.
Era um dia de paz primaveril, de um céu azul e completamente puro. Havia até algumas cerejeiras
em flor, com galhos pendentes para o lado das passagens da via central, florescidas fora de estação, como
se comemorassem discretamente a cerimônia do dia.
Fuji, levantando o cume para o azul celeste, especialmente nesse dia, trajava seu manto
inteiramente branco.
Os peregrinos que tinham vindo de todos os recantos do Japão, mais de 600 pessoas e mais de
1.000 visitantes de regiões próximas, totalizaram 2.000 pessoas devotas, inclusive bonzos. Em meio a todas
essas pessoas, a cerimônia foi realizada solenemente.
Reinava um ar puro dentro do novo Salão de Recepção.
Um som de tambores ressoou em todo o Salão Nobre. Anunciava-se, desse modo, a chegada do
Sumo Prelado Mizutani-Nissho-Shonin.
Reinou um momento de silêncio completo.
Foi iniciada a leitura da Sutra com a direção de Nissho-Shonin
Estava sendo realizada a cerimônia de inauguração do novo Salão de Recepção e do Templo de
seis compartimentos.
Jossei Toda, representando os devotos de todo o país, estava sentado perto do Sumo Prelado, com
mais 50 dirigentes que estavam participando da peregrinação.
Terminada a leitura da Sutra, em seguida leu-se a mensagem de felicitações.
A voz que fluía com pureza, dava uma agradável impressão aos ouvidos dos participantes.
- O majestoso cume do Monte Fuji, sob a cobertura da neve, as águas do mar oriental
refletindo o azul celeste, a geada de outono purificando o céu e a terra, todas as criaturas assistindo
respeitosamente a rigor, em tais condições majestosas e magníficas, no dia 12 de outubro do 657.º ano do
calendário lunar, comemorativo do falecimento de Nitiren Daishonin, completamos a reconstrução do Salão
de Recepção e do Templo de seis compartimentos, respeitosamente prosseguindo esta cerimônia para
transmitir ao Dai-Gohonzon, a imagem do Fundador Nitiren Daishonin e a do Segundo Sumo Prelado Nikko-
Shonin, na presença de todos os bonzos e dos devotos aqui representados, ofereço respeitosamente o
sabor da Lei através da liturgia da leitura da Sutra e da oração de
Daimoku, a fim de celebrar a consagração do Gohonzon neste salão novo, no momento da sua
inauguração. . .
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A mensagem, a seguir, revelou a origem do Templo Supremo, quando Nikko-Shonin chegou ao
planalto chamado Oishi-ga-Hara, após sua saída do Monte Minobu e, desde então, após a construção do
alicerce para o Verdadeiro Budismo, as luzes da Lei vieram sendo resguardadas sempre e
ininterruptamente, até os trágicos acontecimentos recentes.
— . . .Assim, durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão foi bombardeado, fogos incendiaram
o território, o povo perdeu famílias, parentes e casas que foram queimadas. A nação caiu no inferno
horroroso. Ao mesmo tempo, no Templo Supremo, foram queimados o
"Kyakuden", "Mutsubo" e outros alojamentos. Diante desse fato, os seguidores da fé, chocados a ponto de
engolir a própria voz, mergulharam no desespero e sofreram as
conseqüências das dúvidas do "por que" de todos aqueles acontecimentos. Entretanto, após alguns meses,
o Japão foi derrotado e rendeu-se incondicionalmente, pela primeira vez em sua história. Aqui, pela primeira
vez, nós devotos, compreendemos a intenção do Buda. Reconhecemos quão rigoroso é o efeito da
punição divina e, uma vez penitenciados, nos compenetramos na fé.
Num ambiente silencioso, como se batesse sobre as águas, a voz do Sumo Prelado foi se elevando
cada vez mais.
— . . .Portanto, a derrota do Japão, surgiu evidentemente, por uma causa. Em primeiro lugar, os
dirigentes do país não souberam governá-lo através do Verdadeiro Budismo. Ao contrário, ostentaram-se
apenas com políticas arbitrárias. Foram incapazes de reconhecer os áureos ensinos do Fundador durante
700 anos. Suas atitudes, contrárias ao Buda, quebraram a própria virtude e finalmente destruíram o país.
Haveria um outro fato mais lamentável? Entretanto, devemos refletir mais uma vez que tudo isso ocorreu
em virtude da falta de propagação do nosso Ensino e, portanto, os missionários do Buda devem encarar as
milhares de mortes como surgidas em conseqüência do pecado pela negligência no Shakubuku. O 62.°
Sumo Prelado Nikkyo-Shonin perdeu a vida em meio a um incêndio. Foi um fato lastimável. Devemos deixar
os sonhos, retomar consciência e meditar profundamente sobre o senso de nossa responsabilidade. Os que
são fiéis a esta religião, levantem-se agora, sem demora.
O Sumo Prelado, lia sua mensagem comemorativa, com toda magnificência.
Eram palavras que penetravam no íntimo de cada ouvinte. Indistintamente, estariam todos
arrependidos e sentidos pelo remorso lembrado. Não estariam reconhecendo a própria humildade para em
seguida jurar solidamente entre si, o despertar de uma nova decisão?
Jossei Toda, que suportou todas as perseguições na carne, não sentia remorso ou arrependimento.
Entretanto, quando pensava na Paz Mundial, todos os seus sentimentos e emoções pareciam invadir
totalmente seu peito. Agora, dentro do salão inaugurado, procurava imaginar o passado em que o Templo
Supremo estava na iminência de ser destruído com o "sepultamento da Lei Branca".
* * *
No dia 21 de julho de 1947, um dia após a realização da Cerimônia tradicional da
Transferência dos Sumo-Prelados, foi realizada a Reunião-Kotokai no templo Mieido.
Os trinta representantes de toda paróquia do país chamados Hokkekô, reuniram-se . diante do 64.°
Sumo-Prelado recém-empossado. Era uma reunião muito importante visto que era a primeira reunião de
Hokkekô realizada após a guerra. Entretanto, ninguém sugeriu diretamente a reconstrução do Salão de
Recepção, destruído pelo incêndio.
Os problemas foram debatidos em torno da manutenção e empreendimento do Templo Supremo.
Naturalmente, o ponto crucial da questão foi a perda de seu patrimônio, avaliado em um milhão de metros
quadrados de terra. Entretanto, ninguém podia sugerir uma boa idéia.
Um delegado que viera de Hokkaido, possuidor de muitos bens, começou a indagar
presistentemente sobre o quanto fora o déficit financeiro. Sua atitude assemelhava-se à de um patrão que
exigia satisfações de seu empregado. . . Mas ao ser revelado o número concreto, ele também se calou.
Um outro, delegado de Fuji-no-Miya, protestando contra o Departamento da Restauração, disse,
numa tentativa de dissolver a reunião: "Como poderá ser executado o que foi resolvido por um número tão
pequeno de pessoas? "
Eram ao todo 36 ou 37 delegados. Eles foram nomeados pelos templos locais e reconhecidos pelo
Templo Supremo. Eram escolhidos entre as famílias dos seguidores mais tradicionais da Nitiren Shoshu.
Apesar disso, por que razão tais delegados não manifestaram apoio para a restauração do Templo
Supremo, nessa reunião tão importante? Acaso eles haviam perdido o precioso espírito de preservação do
Budismo? Ou seria a conservação própria bem mais necessária, de acordo com as circunstâncias imediatas
do que a própria fé?
O assunto da reunião desviava ora para a questão da reorganização da Sociedade Leiga, chamada
Hokkekô, ora para a questão das revistas informativas, ou para a questão das atividades da propagação.
Finalmente, voltava-se para a questão econòmico-financeira.
O delegado de Hokkaido e os de Tóquio começaram a dizer:
— A manutenção do Templo Supremo é de nossa responsabilidade. Entretanto, para que a
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operação financeira seja evidente daqui para frente, deve-se editar o balanço orçamentário. Nós
ajudaremos de qualquer maneira, porém, gostaríamos que as nossas contribuições fossem compensadas.
Apesar da falta de respeito que reinava nessa reunião desde o início, seria impossível deixar de
pensar que os delegados estivessem se esquivando de suas responsabilidades através das
denúncias contra o Templo Supremo que sofria de enorme déficit financeiro.
Nesse momento, não podendo mais conter a impaciência, Toda pediu a palavra. Naquele dia, ele
havia prometido consigo não manifestar sua opinião contra quaisquer objeções. Sabia claramente a respeito
da devastação do Templo Supremo. Reconhecia que a restauração não seria fácil. Entretanto, ele também
estava dando os passos iniciais para a reconstrução de seus negócios. A Soka Gakkai, que ele dirigia,
também estava nos seus primeiros passos. A restauração do Templo Supremo era o que ele mais desejava.
Porém, era obrigado a reconhecer, forçosamente, que nem ele nem seus discípulos, não possuíam ainda
recursos suficientes para realizar essa obra. Não podia afirmar, de acordo com o seu caráter, o que estava
fora de seu alcance.
Silenciosamente e sem nada dizer, sentia as decepções pela evidente falta de fé nos delegados
presentes.
Em seguida, deve ter comunicado ao Sumo Prelado, dentro de seu espírito:
— Por favor. Peço esperar com paciência. Toda defenderá certamente o Templo Supremo.
Enquanto estiver vivo, peço-lhe que esteja tranqüilo. No momento não poderei realizar seu desejo. Isso me
entristece como se meu corpo estivesse esquartejado. Não posso pedir de outra forma senão aguardar com
paciência, concedendo-me um prazo. Um dia serei o Toda que corresponderá totalmente aos seus desejos.
Lamentando-se da falta de fé mesmo nos devotos mais exemplares, Toda repetia essas palavras
dentro de si mesmo, porém, não podia externá-las.
Quando um delegado arrogante falou no balanço orçamentário, afinal, ele se levantou. Sua voz
estava inflamada de cólera.
- Cue significa essa compensação do contribuinte? Acaso estão pensando que o dinheiro
seria arrecadado o quanto desejasse conforme a apresentação do orçamento? Ou não estão querendo
oferecer dinheiro alegando que discordam com o destino de sua aplicação? Desde o início da história da
Nitiren Shoshu até o presente momento, jamais ouvi comentários de tal natureza. O espírito de Gokuyo não
deve ter mudado, embora o mundo tenha se transformado de uma forma ou de outra, porque a devoção da
fé nunca muda com a época. Há um princípio puro e sólido vigorado na nossa religião que é a não
aceitação de contribuições pelas pessoas desprovidas de fé no Gohonzon. O ato de Gokuyo é uma doação
para o Buda, proveniente da boa vontade da nossa fé. Não poderia resultá-lo de outra forma. Á questão
resume-se unicamente em nossa contribuição, fruto da nossa sinceridade. A doação não seria apenas isso?
Não é do nosso interesse quaisquer cogitações sobre a aplicação do dinheiro pelos bonzos. Mesmo que os
bonzos desperdiçassem os donativos em gastos completamente fúteis, nada teremos a ver com isso.
Certamente Nitiren Daishonin repreeenderá o responsável. Penso que o espírito de Gokuyo deve ser
encarado dessa maneira.
Toda disse de uma só vez, como se fechasse as páginas de um livro. A seguir, olhou a fisionomia
de cada um. A maioria dos delegados estava de olhos baixos.
O Sumo Prelado olhava-o com sorriso tênue. Em seguida, mas em tom habitual, Toda continuou a
dizer:
- Atualmente, após a derrota do país, penso que a nossa preocupação principal seria a
questão "como propagar o Verdadeiro Budismo para salvar a nação". Não deve haver outra questão mais
importante. A época para o Kossen-rufu já chegou. Creio que a questão pode ser analisada em três itens
seguintes: 1.°) Plano de Ação; 2.°) Filosofia; e 3.°) Shakubuku. O primeiro item é o Plano de Ação que
consiste em nomear um Presidente ou Chefe dos Delegados escolhido entre os seguidores mais dedicados
na fé e que seja possuidor de competência reconhecida pela sociedade em geral, para que as atividades
religiosas leigas sejam independentes dos templos e igrejas. O segundo item é a Filosofia. No tempo de
Nitiren Daishonin declaravam-se as quatro refutações, afirmando que Zen é o demônio do céu, Shingon é o
destruidor do país, Nembutsu é o sofrimento sem fim e Ritsu é o traidor do país. É Shiko-no-Kakuguen.
Hoje, porém, isso não repercutiria positivamente. No mundo moderno é necessário repudiar as filosofias
nocivas e as doutrinas maldosas. Devemos enfrentá-las diretamente por meio da Grande Filosofia da Vida,
em harmonia com o espírito e a matéria de Nitiren Daishonin. O terceiro item é o Shakubuku. Devemos
ensinar por que fazemos e por que devemos fazer o Shakubuku a todos minuciosamente, até que venham a
compreender perfeitamente a sua finalidade. Se não puserem em prática os três itens, segura e
sucessivamente, creio, então, que a restauração e a eterna prosperidade do Templo Supremo seriam
impossíveis.
Esses três itens eram, ao mesmo tempo, o princípio e a prática da Gakkai de pós-guerra que
estavam sendo resguardados no íntimo de Toda.
Os delegados não podiam compreender a opinião de Toda senão, talvez, como um mero idealismo,
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pois estavam entretidos mais em questões secundárias e colaterais. Desde essa época, as relações entre
Gakkai e Hokkeko não eram amistosas.
Os bonzos líderes que vinham de todo o país, apenas insistiam na escassez de rosários e livros de
orações.
* * *
Desde então, decorrera um ano e quatro meses. Enfim, o Salão de Recepção foi restaurado.
O Sumo Prelado terminou a Mensagem de Felicitações. Entrou na leitura do Jigague do Juryohon e
continuou a oração de Daimoku.
Vendo a participação daqueles delegados do Kotokai nesta cerimônia, com poses eufóricas, Toda
certamente deve ter pensado como eram ridículas suas atitudes. Realmente, deve ter percebido que
ninguém entre eles estava em condições de cogitar a respeito da propagação do Budismo; ciente do risco
da própria vida.
Portanto, estaria sentindo naquele momento que só ele, seus discípulos e mais ninguém,
suportariam nos ombros a enorme responsabilidade das missões da Gakkai.
A Cerimônia prosseguia.
Foram dirigidas palavras de agradecimento pelo Diretor Administrativo, Reverendo Horigome e pelo
Diretor do Departamento da Reconstrução, Reverendo Takano. Em seguida, o Diretor Geral, Reverendo
Hossoi, com fisionomia alegre e satisfeita, foi relatando como assunto da Diretoria, as ocorrências das obras
realizadas.
— Em janeiro deste ano, anunciamos o Plano de Restauração, em março conseguimos obter
licença para a construção com orçamento de dois milhões de ienes, em abril despachamos os sete
comissionários para a arrecadação dos donativos de todo o país e em junho tivemos o registro de 3,5
milhões de ienes. No dia 11 de julho, construímos um rancho na área de construção e iniciamos a obra.
Com o material de madeira pertencente ao Templo Supremo, mais de uma dezena de construtores
trabalhando dias e noites, conseguimos inaugurar a cerimônia de construção do teto no dia 22 de agosto e
desde então, após dois meses e alguns dias, chegamos a inaugurar a restauração do Salão Principal.
A eloqüência do Diretor Geral, que veio até então empenhando todos os esforços de sua juventude,
até mesmo arriscando a própria vida em favor da restauração do Templo Supremo, parecia anunciar uma
forte ressonância para o futuro, dedicando-se com toda a sua paixão pelo entusiasmo dos jovens bonzos
que devem defender a Nitiren Shoshu.
O relatório do Reverendo Hossoi prosseguiu:
- O número de pessoas que participou na construção foi 1.181 carpinteiros, 856 profissionais
e operários totalizando 2.037 pessoas. Foram arrecadados 2.543.900 ienes em donativos e a despesa foi
de 2.445.900 ienes até o momento. O altar, o corredor e a varanda estão ainda incompletos e isso exige
mais despesas, porém, nós estamos nos esforçando para que sejam concluídos sem ultrapassar a
arrecadação. Peço o apoio de todos para o êxito da obra.
A seguir, seis pessoas dirigiram palavras de congratulações. Repetiram as mesmas eloqüências
iniciando: "As rubras folhas incendiando as cordilheiras no mais alto céu. . ." e prosseguiram longamente os
discursos num belo estilo literário.
Somente Toda cumprimentava pura e simplesmente. Suas palavras projetavam sua paixão toda
especial pela Paz Mundial, através de meritosa propagação. Foi indicado a falar como o porta-voz de todos
os seguidores da Nitiren Shoshu do país.
- A inauguração do novo Salão, Kyakuden, hoje num território devastado como é o Japão,
significa um raro presságio agradável e estou convicto de que a era da Paz Mundial já amadureceu. Apesar
disso, a escala das nossas atividades é ainda rudimentar. Embora fossem maturas, uma vez iluminadas
pelos auri-dictos de Nitiren Daishonin, sabemos que todas as condições já estão sendo propícias. Surgiram
até as Três Calamidades e Sete Desastres e como
todos sabem, sofremos o maior desastre inédito que é evidentemente a invasão estrangeira. O momento
iminente da destruição do país é a oportunidade para a realização da Paz Mundial. Além disso, nunca
houve uma época em que se revelou com tanta evidência, a realidade das lutas internas, na família, na
sociedade e em qualquer canto do país. O preço das mercadorias sobe assustadoramente, a sobrevivência
torna-se cada vez mais penosa e os doentes aumentam anualmente. As Três Calamidades também
apareceram juntas.
Ele continuou:
- O fato mais importante nos últimos tempos é a lastimável situação de Fuji-Daissekiji em
ruínas. Nos tempos de Nitiren Daishonin, o Hokekyo de Tendai estava praticamente em ruína. Nos últimos
anos vemos os lamentáveis aspectos da devastação de Fuji-Daissekiji. Evidentemente, é lastimável a
destruição do Supremo Budismo que devia ser considerado como o orgulho para o mundo, porém, isso
prova o que está escrito na Hokekyo: "É o momento oportuno para o Kossen-rufu". Afirmo com toda minha
convicção que a Paz Mundial está perto de nós. Consequentemente, os Três Inimigos Potentes jamais
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vistos até então, surgirão lógica e necessariamente. Nem por sonho devemos pensar que a luta será fácil.
Quem quiser que fale o que desejar e outros concordem ou não, dedicar-me-ei ao Templo Supremo com
toda minha sinceridade. Seguirei o Sumo Prelado com toda minha fidelidade, e agora, nesse dia tão
comemorativo, mais do que nunca, juro a realização da Paz Mundial com o risco da minha própria vida.
Aplausos intensos surgiram de um dos cantos do salão. Talvez fossem provenientes dos cincoenta
membros que representavam a Gakkai. Infelizmente, os aplausos não refletiram no salão inteiro. Entretanto,
sua devotada atitude parecia ser inabalável como uma rocha. No seu peito inflamava a chama da paixão
defensora do Templo Supremo e realizadora da Paz Mundial.
Após a cerimônia, os participantes receberam lanches festivos e presentes comemorativos. Eram os
rústicos potes de chá feitos pacientemente com o pinho, à mão, pela dedicação dos acólitos do alojamento
principal dos bonzos. Nesses objetos haviam sido incutidos silenciosamente os anéis, os anos de vários
séculos.
O cair da tarde fazia escurecer os arredores, tornando mais calmo e silencioso o Templo Supremo.
Sete horas da noite. O primeiro gongo ressoava por toda a área do Templo. Anunciava-se o início
do cortejo para a cerimônia de comemoração chamada Oeshiki.
As fogueiras, sete em cada lado, iluminavam o caminho para Mieido. Como são lindos os cedros
ancestrais que refletem as cores das chamas por meio das folhas e ramagens 1 Até faziam-nos sentir que a
vida retornava aos séculos passados.
Uma fila com todos os bonzos seguia atrás do Sumo Prelado atravessando esse ambiente. Os
passos desta procissão para a Nitiren Shoshu significavam a revelação do ato da clareza e da imobilidade,
e do estado de auto-domínio espiritual do Buda na véspera da revelação do Seu Ensino.
Durante a cerimônia de comemoração em Mieido, o Sumo Prelado expressou um discurso
profundamente significativo. Para outras seitas, esta cerimônia não passaria de uma simples comemoração
do falecimento de Nitiren Daishonin; porém, o significado para a Nitiren Shoshu é fundamentalmente
diferente das comemorações eufóricas vistas habitualmente.
No dia 13 de outubro de 1282, Nitiren Daishonin revelou a morte na imortalidade e Oeshiki é a
cerimônia que comemora ao mesmo tempo a eternidade da Vida do Buda nas Três Existências. Além disso,
desde o segundo Sumo Prelado Nikko Shonin tornou-se uma cerimônia tradicional, por considerar Nitiren
Daishonin como Buda Original e Eterno desde o infinito passado das Três Existências e, portanto, celebra a
ressurreição de Nitiren Daishonin que vem pregar a Lei.
Esta cerimônia começou a ser celebrada majestosamente, como hoje, desde o 18.° Sumo Prelado
Nissei Shonin, no início da Era Tokugawa, quando foi inaugurado o Templo Mieido. Antes, comemorava-se
também, se bem que em formas originais, porém, não podia ser celebrada majestosamente em virtude da
guerra civil, travada entre os partidos do Norte e do Sul do Império.
No dia seguinte, 13 de outubro, uma hora da madrugada, no salão novo, realizava-se, pela primeira
vez, a cerimônia de Ushitora-Gongyo e as entrevistas com o Sumo Prelado conhecidas como "Omedori".
Às oito horas da manhã foram realizadas as sucessivas Cerimônias de Oferendas, Leituras de
Sutras e das Cartas Admonitórias, novamente no Mieido. A leitura dessas cartas revela o ardor das
advertências ao Governo pela Nitiren Shoshu. Iniciou com a leitura da Carta Admonitória do 9.° Sumo
Prelado Nitiyu Shonin, seguida de leitura do Rissho-Ankoku-Ron, a Tese da pacificação do país
pelo Verdadeiro Budismo, pelo Sumo Prelado em exercício. Após então, seguiram-se as leituras das cartas
do 2.° Sumo Prelado Nikko Shonin, do 3.° Sumo Prelado Nitimoku Shonin, do 4.° Sumo Prelado Nitido
Shonin e do 5.° Sumo Prelado Nitigyo Shonin, pelos bonzos, sucessivamente.
Às dez horas, foi realizada a cerimônia de confraternização entre bonzos e devotos.
Às 13 horas foi celebrado o primeiro encontro com o Dai-Gohonzon, após a transferência do Templo
dos Tesouros para o novo salão.
Foram realizadas às sete horas da noite, as lições sobre o Gosho e conferências no Mieido. Houve,
em seguida, o discurso do ex-Sumo Prelado Nitiman Shonin. Finalmente, encerrou-se a cerimônia com o
tradicional desarranjo de flores ornamentadas e decoradas com papel.
Eram 127 bonzos e 84 acólitos, nessa época. Entre eles, somente 30 permaneciam em todo o
Templo Supremo. Registravam-se 113 templos da Nitiren Shoshu em todo o país.
Enfim, a Nitiren Shoshu construíra um novo Salão de Recepção no local onde fora incendiado o
antigo. A Nitiren Shoshu teve também sucesso, ultrapassando o seu zênite de antes da guerra e viu nesse
outono, o resultado final, o fruto do seu trabalho no território devastado, em plena época agitada.
Entretanto, as nuvens escuras que envolviam a nação, ainda continuavam negras e o povo ainda
gemia com vozes aflitas no caos de Mappo.

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A Sentença
Alguém disse:
- Quando se mata uma pessoa, é condenado por crime de homicídio. Entretanto, na guerra, quem
mata milhões de pessoas é aclamado como herói. Não há outra contradição maior!
Por outro lado, uma vez derrotados na guerra, mesmo os impecáveis, que viveram sob retidão da
justiça, freqüentemente são desonrados como traidores da Pátria.
Embora admitam com razão que os injustos mereçam ser derrotados, a história permitirá, para
sempre, o julgamento dos vitoriosos sobre os derrotados, alheio ao do princípio do bem e do mal?

***

No dia 12 de novembro de 1948, na mesma época, a multidão de massas brilhava de alegria pela
inauguração do novo Salão de Recepção do Templo Supremo da Nitiren Shoshu - em Daissekiji. Em
Tóquio, num lugar chamado Itigaya, aguardava-se ao mesmo tempo o pronunciamento da Sentença Final
pelo Tribunal Militar Internacional do Extremo Oriente.
O Tribunal Militar, contra os 28 criminosos de guerra da classe A, com abertura no dia 3 de maio de
1946, durou um longo período de dois anos e meio, investigando a? testemunhas, ouvindo as denúncias
acusatórias e apreciando as contestações dos advogados da defesa. Enfim, a leitura da decisão do
Julgamento foi iniciada oito dias antes, em 4 de novembro.
A atenção do mundo inteiro concentrava-se sobre aquele Tribunal. Nesse ínterim, os réus haviam
sido reduzidos a 25, em virtude da morte por doença de Nagano e Matsuoka, e pela insanidade mental de
Okawa.
A leitura da decisão final, escrita em inglês, de 1.212 páginas, durou sete dias e terminou na manhã
do dia doze.
Às 1:45 horas da tarde, seguindo o processo, foi lida com toda rapidez, a decisão do Juiz
declarando "culpado" ou "inocente" para cada um dos 25 réus. Foi um julgamento em que todos foram
declarados culpados. Naquele momento, o relógio do Tribunal marcava 15:27 horas. De resto, faltava
somente a sentença. Houve intervalo de 15 minutos, porém, isso passou num instante. O Fórum estava
agitado e envolvido pelas últimas aflições. No teto, mais de 70 lâmpadas iluminavam como se fosse a luz do
dia. Entretanto, o corredor que ligava à sala dos acusados, estava com uma simples lâmpada.
Os réus chegaram e foram chamados um a um, a fim de receberem a sentença de julgamento. Os
promotores e os advogados de defesa tomaram seus assentos. Atrás da plataforma dos juizes, as onze
bandeiras das nações acusadoras pendiam pesadamente sob raios de iluminações. Os juizes entraram
solenemente uniformizados de preto e, finalmente, o Presidente do Tribunal, o Juiz William Flood Webb,
apareceu com o uniforme de magistrado sobre seu corpo enorme e ocupou o seu lugar. Em seguida,
colocou silenciosamente alguns pedaços de papel sobre a mesa.
— Declaro as Sentenças. Era uma voz consistente.
Às 3:55 horas da tarde.. . O Juiz Presidente Webb, que se destacava por seu nariz enorme, lançou
seu olhar por sobre o assento dos acusados, situados exatamente à sua frente.
Nesse lugar, Sadao Araki chegou em silêncio e permaneceu de pé, como a imagem de uma
sombra. Não se via mais o aspecto de um general de outrora. Usava terno sobre seu corpo magro e baixo.
Apenas seu bigode branco parecia destacar.
Foi colocado o audifone sobre os ouvidos de Araki.
- Prisão Perpétua.
Ele emudeceu. O Fórum começou a tumultuar-se como o murmúrio das ondas e foi quebrando a
tensão em desordem. O policial responsável pela ordem da sala, bateu na mesa com marteladas, porém, o
barulho não cessava. Os gritos de "Silêncio1", ressoaram em todo o Fórum.
O réu Araki, tirou o aparelho dos ouvidos, cumprimentou e retirou-se.
Os acusados foram chamados em Ordem alfabética.
Depois de Araki, era a vez de Kenji Doihara. Estava pálido. Sua face tremia, talvez devido à
nevralgia facial. Parece que levou algum tempo para colocar o aparelho sobre os ouvidos.
- Enforcamento.
Após a sentença, ele desprendeu o audifone, cumprimentou e retirou-se em silêncio.
Em seguida, Hashimoto, Hata e Hiranuma foram sentenciados à "Prisão Perpétua". A sentença de
morte por enforcamento para o réu Hirota parece que fora completamente inesperada pelo auditório.
O Fórum tumultuou-se por alguns momentos.
Hirota fechou os olhos e ouviu com atitude serena, porém, naquele instante, virou os olhos para o
advogado, desejando falar-lhe algo. Não estaria ele, pretendendo procurar seu segundo filho? Ele era o
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único civil sentenciado de "enforcamento".
Dentro da atmosfera tensa, cada réu foi levando sucessivamente sua sentença. Vestiam-se de
formas diversas, ora com uniformes militares nacionais ou ternos. Porém, todos os colarinhos estavam
completamente folgados. Nada se poderia dizer senão que tal cena era um triste final para os velhos oficiais
e generais derrotados.
Hideki Tojo foi o último a permanecer de pé em frente ao assento do réu.
Neste local, alguns anos antes, quando era o Quartel General das Forças Imperiais, ele comandava
todo o povo e as armas.
Agora, no mesmo local, ele ouvia a Sentença de "enforcamento", é impossível deixar de refletir o
quanto é rigoroso o destino e como é misteriosa a causalidade do ciclo vicioso da vida.
Mais de trinta fotógrafos entraram em ação, todos ao mesmo tempo. Com o uniforme militar, Hideki
Tojo inclinava levemente seu pescoço à esquerda e olhava o teto. Ouvia em silêncio a sentença traduzida
em japonês através do audifone, mas, quando ouviu "morte por enforcamento", parecia sorrir com ironia.
Em seguida, lançou o olhar à galeria e deixou o local. Com certeza, deve ter manifestado sua despedida à
família.
Ah! Como é dramática esta cena! Não poderia ser outro drama senão uma realidade cruel.
Após então, os três advogados levantaram-se de seus próprios locais, a fim de receberem a
sentença na ausência dos respectivos réus doentes.
Desta maneira, terminou a Sentença dos 25 réus da Classe A.
O Juiz Presidente Webb levantou-se primeiro com um chute na cadeira e todos os demais juizes,
em seguida, retiraram-se da sala, com fisionomias demonstrando a tensão nervosa. Restou no Tribunal uma
estranha excitação e o banco do réu, agora sem. a sombra do acusado. O local estava sendo focalizado
pelos olhos de centenas de pessoas, nos últimos momentos restantes.
Os sentenciados à forca eram: Tojo, Hirota, Doihara, Itagaki, Matsui, Kimura e Muto; ao todo, sete
réus.
A prisão perpétua foi sentenciada aos 16 militares e civis como: Kido, Hiranuma, Kaya e Shimada.
Os ex-Ministros das Relações Exteriores, Togo e Shiguemitsu foram sentenciados à prisão, um por
vinte e outro por sete anos, respectivamente.
O julgamento foi imediatamente divulgado pelo rádio para o mundo todo.
Já havia sido encerrado o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg para julgar os criminosos de
guerra da Alemanha. Naquele momento, sabendo da notícia sobre o Julgamento do Tribunal Militar
Internacional do Extremo Oriente, o mundo inteiro deve ter reconhecido o fechamento da cortina para
realmente encerrar o último ato da Segunda Guerra Mundial.
Esta justiça, cuja Corte foi organizada pelos países vitoriosos para julgar os responsáveis da guerra
pelos derrotados, nunca teve precedência na história mundial.
Deve haver diferenças entre esta e as guerras passadas. Entretanto, mesmo na Guerra Sino-
Japonesa, quando a derrota chinesa estava evidente, entrou um país neutro como a América, oferecendo-
se para ser o mediador da paz e, portanto, não foi instalado nenhum órgão que julgasse a responsabilidade
da guerra do país derrotado.
O resultado foi o mesmo no caso da Guerra Russo-Japonesa. Em junho de 1905, novamente os
E.U.A. entraram como árbitros da paz entre o Japão e a Rússia. O desgaste do poderio militar de um lado e
o perigo da revolução interna de outro, ambos os lados temeram o prosseguimento da guerra e aceitaram a
arbitrariedade. Desde agosto, em Portmouth, E.U.A., foi aberta a Conferência da paz entre os dois
delegados plenipotenciários Jutaro Komura e Sergei Yulienovich Witte e assim foi encerrada a guerra.
Na Guerra Russo-Japonesa, o Japão capturou numerosos prisioneiros nas batalhas em terra e no
mar. Era um número espantoso de 85.000 prisioneiros inclusive famílias. Apenas 2.000 soldados, agentes
de socorro médico e civis japoneses foram presos pelos russos.
Além disso, o Ministro da Guerra da época (Ministro Massayoshi Terauti), no seu "Detalhes sobre o
tratamento dos capturados durante a guerra de 1904 e 1905" registra que foi instalado o Departamento para
a informação dos capturados, com ótimos resultados quanto à administração, ao tratamento e à
transferência dos presos.
Lendo esse registro, pode-se compreender que reinava no Japão atitudes essencialmente
humanitárias, respeitando o espírito internacional de fraternidade.
Por outro lado, em 28 de junho de 1919, após a Primeira Guerra Mundial, foi realizado em
Versalhes, o Tratado de Paz entre a Alemanha e as nações aliadas. O conteúdo desse tratado está anotado
em 15 Fascículos e 440 Artigos. Nesse contexto, há um assunto judiciário no 7.° Fascículo, que trata do
Julgamento do Imperador Guilherme, que não foi processado por ter-se refugiado em um país neutro, a
Holanda.
Enfim, nos casos de massacres dos prisioneiros e dos civis não combatentes, os diretamente
responsáveis foram, como de costume, julgados criminosos de guerra pelas Leis Internacionais em vigor,
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porém, nunca houve acusações sobre os responsáveis pela própria guerra. Como sempre, as nações
vitoriosas exigiam somente as questões das indenizações pelos danos, e as devoluções dos territórios
ocupados. Em outras palavras, os vitoriosos nunca até então chegaram a acusar os derrotados como sendo
os responsáveis pela própria guerra e exigir como se fosse responsabilidade individual.
O resultado da Segunda Guerra Mundial fora completamente diferente. Pelo julgamento dos países
vitoriosos, os dirigentes dos países derrotados foram acusados e sentenciados como responsáveis pela
própria guerra. Os primeiros foram os líderes nazistas no Tribunal de Nuremberg.
Agora, pela segunda vez, os líderes japoneses eram julgados e considerados culpados.
Evidentemente, surgiram argumentos diversos.
Foram levantadas críticas prós e contras, baseadas nos princípios do Direito Internacional e do
Humanismo, no instinto de vingança ou no desejo de eliminar a guerra para estabelecer a paz.
Era, sem dúvida, um dos conceitos de maior atenção no século atual. Os países europeus e
americanos argumentaram esse julgamento como um processo legal.
Entretanto, a França e a Holanda, nem sempre estavam de acordo.
Por outro lado, as repercussões que a decisão final do julgamento tiveram sobre os países asiáticos
foram grandes e diversas, quanto à indenização dos danos pela guerra e das posições internacionais.
A índia que afirmou e julgou os réus todos inocentes e as Filipinas que sustentaram o uso legal da
bomba atômica para o objetivo dos E.U.A. foram os dois países que se destacaram nos dois extremos das
opiniões.
Entretanto, quem mais sofreu o choque tão severo, não teria sido o próprio povo japonês? Aqueles
que viviam lutando pela subsistência nos dias inseguros pela escassez de roupas, alimentações e moradias,
não podiam se preocupar pela sorte dos outros. Para esse tipo de pessoas também, o julgamento deve ter
sido um segundo choque sucedido após o Edito do Imperador, declarado no dia 15 de agosto. A população
que vivia sob ocupação, observava cada qual com profundas emoções e pensamentos complexos. As
pessoas que haviam perdido a família ou parentes na guerra, apesar de estarem descontentes com o
julgamento, talvez estivessem de acordo com a decisão em si. Os soldados desmobilizados, ouvindo a
sentença contra os líderes de guerra que causaram descontrole em toda sua vida, devem ter ficado
desapontados por não poderem mais encontrar aqueles a quem pudessem despejar as indignações
sofridas.
Quem sabe, as nações que sofreram as maiores ou menores conseqüências da guerra, ao tomar
conhecimento da sentença, não estariam fazendo análises retrospectivas, ressentindo como é triste
realmente a frieza e a severidade da derrota?
Entretanto, o povo evitava falar abertamente sobre as impressões ou sentimentos, pois estava
ciente de que vivia sob Ocupação.
Pela primeira vez, a nação japonesa viu claramente, pelos próprios olhos, o que era, na realidade, a
"rendição incondicional". Era o momento em que mais profundamente sentiram ódio pela guerra e
almejaram a paz, bem como o senso da sua missão para com o futuro.
Jossei Toda, como um dos homens que suportaram a maior conseqüência danosa pelos criminosos
de guerra, estava mergulhado dentro de profundas meditações.
Ele viu a prova real do Princípio Budista que diz: "Os Bonten e Taishaku virão de outros países para
punir um país que persegue a Verdadeira Doutrina por meio das Doutrinas Falsas!" Isso vinha sendo
comprovado até mesmo no final do Julgamento.
Sobre os acontecimentos da Inauguração do Salão de Recepção por um lado e, por outro, o
pronunciamento da sentença para os responsáveis que perseguiram o Verdadeiro Budismo, na mesma hora
e no mesmo dia, ele não os tomou como pura coincidêncja do acaso. Viu uma incontrovertível prova das
evidentes conseqüências do Xintoísmo que fomentara o país inteiro para a guerra.
Assim sendo, os criminosos de guerra sentenciados devem ter reconhecido a ineficiência da força
do Xintoísmo. Nesse momento, poder-se-ia dizer que, no Japão, ninguém conhecia essa realidade e,
mesmo que contasse essa verdade, ninguém acreditaria sinceramente. Isso é a época. Não havia outra
atitude senão esperar o tempo.
Uma vez vista toda essa realidade, ele dobrou todos esses detalhes e guardou dentro do seu
íntimo.
Quando os discípulos de Toda manifestavam ódio intenso contra os criminosos de guerra que os
haviam feito sofrer, sentia peso em seu coração.
Ele dizia apenas o seguinte:
— Há dois erros naquele julgamento. Em primeiro lugar a sentença de morte é absolutamente
inadmissível. O mais adequado seria a prisão perpétua. Em segundo lugar, aqueles que lançaram bombas
atômicas deveriam receber a mesma punição. Matar o seu semelhante é absolutamente condenável do
ponto de vista budista. Os lançadores da bomba atômica, embora sustentassem os melhores argumentos,
não agiram como demônios? Vencedores ou derrotados na guerra, as unhas demoníacas devem ser
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cortadas em nome da humanidade. Como criminosos de guerra, eles também deveriam receber a mesma
punição.
Apenas o advogado que defendia Umezu referiu-se sobre o lançamento da bomba atômica no
decorrer do julgamento. Era um legista americano Ben Bruce Blakeney. Entretanto, essa citação não
passava de contestação para a denúncia e para argumentar sobre o direito de que matar na guerra não é
crime.
- Se alguém é acusado pela morte do Almirante Kidd, pelo ataque dos bombardeiros à base
naval de Pearl Harbour, em Hawaí, então desejaríamos informar que sabemos perfeitamente das honrarias
recebidas pelos pilotos e glórias merecidas pelo chefe do comando estratégico, bem como o chefe supremo
da nação responsável pelo lançamento de bombas atômicas no ataque a Hiroshima. Acaso, estariam
preocupados pelos assassinos? é um fato realmente duvidoso. Isso porque não se pode pré-estabelecer
que a guerra para eles é uma justiça e que os derrotados são os injustos, pois a conduta da guerra em si
não é considerada criminosa.
— Então, onde está a justiça em que se aprova a legalidade para a matança pelos vencedores
e a penalidade para a matança aos derrotados? Eis a questão a ser argumentada. Se se provoca mortes
pela guerra e não sofre pena de assassinato, isso se torna um ato de Governo e não se pode acusar como
um ato individual. Portanto, o Direito e os Tratados Internacionais não consideram legais as exigências de
responsabilidades individuais nos Tribunais de Guerra.
Esse assunto foi intensamente debatido como questão processual legal ou ilegal quanto ao
julgamento da responsabilidade individual sobre o "Crime contra a Paz", no Tribunal de Tóquio.
É porque no leito da correnteza dessa questão, pairava em contato inseparável até o fim, a dúvida
se havia possibilidade ou não de aplicar a imparcialidade na justiça, quando o vencedor condena o vencido.
Pensando retrospectivamente, deve-se dizer que o Julgamento do Tribunal de Tóquio fora
realmente estranho.
A razão disso é que os países vitoriosos devem ter possuído o poder legal de uso incondicional
por ser vitorioso. Poderiam prender os derrotados, executá-los ou exilá-los às ilhas isoladas, sem que
necessitassem de tais julgamentos.
Entretanto, os países aliados, em vez de adotar o julgamento sumário, pretenderam formar o
Tribunal das Onze Nações e, através disso, mostrar forçosamente um julgamento justo e rigoroso. Vendo-se
por esse prisma, pode-se perceber também que os países vitoriosos pretendessem renunciar o uso do
poder absoluto de punir os países derrotados e seus respectivos povos.
Se assim fosse, quem deveria fazer o julgamento era a "Corte Internacional de Justiça" ou um país
neutro. Entretanto, a atitude do Tribunal de Tóquio, formado por países vitoriosos, com os E.U.A. à frente,
poder-se-ia dizer que revelava a sua verdadeira intenção, diferente da que mostravam os atos formais.
Assim sendo, a orgulhosa declaração de "que o Tribunal julga pelos princípios da justiça, livre de
sentimentos de amor ou de ódio" perderia o valor.
De uma forma ou de outra, o julgamento prosseguiu, forçosamente, durante o período de dois anos,
levando consigo esses princípios básicos profundamente contraditórios. Por vezes, parecia como uma falsa
comédia. Em meio às atenções de todo mundo, o palco do Tribunal Militar, em grande escala, começou a
apresentar solenemente a cena processual, desde 3 de maio de 1946.
Além disso, desde a cessação do fogo, os comandantes japoneses estavam sendo julgados pelos
Tribunais Militares em outros lugares da Ásia, Austrália e mesmo dentro do Japão. Tais julgamentos eram
chamados de Justiça do Tribunal para os criminosos de guerra das classes B e C.
O Julgamento dos criminosos de guerra da classe B visava os comandantes de nível superior e
investigava a responsabilidade pelos atos de atrocidades cometidos durante a guerra, de permissão e
comando das crueldades contra os prisioneiros e pela ordem ou falta de prevenção contra os maus tratos
de seus subordinados.
O julgamento dos criminosos de guerra da classe C visava responsabilidade direta pelos crimes
cometidos.
Tanto a classe B como C foram julgadas pelos processos habituais do Crime de Guerra, aprovados
pelo Direito Internacional que se baseava no que foi estabelecido na Conferência de Haia e nos outros
tratados. Eram Tribunais Militares aprovados entre os países. Por exemplo, os julgamentos realizados no
Tribunal Militar Americano, em Manilha, contra os generais Tomoyuki Yamashita e Massaharu Honma,
podem ser chamados de Classe B.
Vendo agora os resultados finais dos julgamentos da classe B e C pode-se notar o seguinte: pena
de morte: 937; prisão perpétua: 538; inocentes: 1.046; e condenados: 3.075. Não foram incluídos o número
daqueles julgados na Rússia, desde que ela declarou guerra contra o Japão. Esses julgamentos foram
realizados nos tribunais longe do Japão. Foram submetidos a rigorosos julgamentos militares dos países
diversos e isso não chegou até o conhecimento do povo japonês e nem foi divulgado por eles. Por falta de
comunicação e sem recursos para se defender, deve ter havido certamente numerosas tragédias
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desconhecidas.
— Não posso deixar de orar pela sorte dessas pessoas. . . Além disso, fui um dos que sentiram
tristezas pelas numerosas contradições da sociedade e do mundo.
Os soldados japoneses capturados no exterior, naturalmente devem ter sido objeto de vingança,
pelos nativos dominados outrora por japoneses. Muitos deles devem ter sido denunciados ou acusados
injustamente pelos habitantes locais e julgados culpados, sem devidos interrogatórios. Além das cogitações
como barreiras de línguas, poder-se-ia pensar que nem todos tribunais julgadores fossem competentes e
que tivessem conhecimentos suficientes em relação às regras ou tratados sobre a guerra. É duvidoso
também, se houve respeito ao direito da defesa ou se foram julgados através da investigação sob provas.
A única esperança deles era a terra natal que, por sua vez, se achava sob ocupação e desprovida
de qualquer direito ou autoridade.
Independente da culpabilidade ou não de cada um, se pensasse nos comandantes e nos
soldados que foram arrastados aos tribunais de países estrangeiros e analisasse o sentimento das
respectivas famílias, compreender-se-ia que a guerra é sempre cruel e trágica.
Os réus em Tóquio eram chamados de Principais Criminosos de Guerra, ou Classe A.
Foram acusados pelos "crimes contra a paz" por terem planejado, preparado e iniciado a guerra de
invasão e pelos "crimes contra a Humanidade" por terem ferido, matado ou torturado as populações antes e
durante a guerra. O Tribunal consistia em julgar a responsabilidade criminal dos políticos que pareciam ser
responsáveis pelo Governo, dos militares ligados ao alto comando e dos líderes belicistas visados.
O Tribunal pretendeu, com isso, punir a cúpula criadora dos criminosos da classe B e C. Talvez, em
virtude da dificuldade em punir a cúpula dos líderes, que não se envolvia diretamente nos crimes de guerra,
nunca, na história, fora acusada como autora do crime de responsabilidade do Estado.
Em primeiro lugar, não havia nas Convenções e nos Tratados Internacionais, o Artigo que citasse a
punição dos líderes culpados pela guerra.
O fundamento jurídico do Tribunal de Tóquio, a rigor, pode-se dizer que foi extremamente frágil.
Parece que o Tribunal se baseava nas Declarações de Potsdam que diz no Artigo 6.°: ". . .Devem ser
eliminados, para sempre, o poder e a autoridade dos que iludiram e conduziram os japoneses a conquistar o
mundo" e no Artigo 10.°: ". . .todos os criminosos de guerra que cometeram crueldades contra prisioneiros
aliados devem ser punidos severamente." Em seguida, foram estabelecidos os "Regulamentos para o
Tribunal Militar Internacional do Extremo Oriente" em nome do General Mac Arthur, o Comandante Supremo
das Forças Aliadas, sendo declarados especialmente como os artigos de maior destaque no Julgamento
desse Tribunal.
Naturalmente, os protestos dos advogados da defesa como os de Itiro Kiyosse e outros surgiram
desde o início.
Como o Japão rendeu-se de acordo com a Declaração de Potsdam, é certo que deve obedecer às
cláusulas, porém, não houve outras obrigações. Na Declaração de Potsdam não consta em seus artigos,
condições para punir "os crimes contra a Paz" ou "os crimes contra a Humanidade". Consequentemente, os
países aliados não teriam o direito de acusar os crimes que não fossem declarados expressamente.
Nesse caso, Mac Arthur, ao qual foram delegados poderes pelos aliados, não teria o direito de
julgar esses crimes. Caso contrário, seria abuso de direito. Pretender julgar os dois crimes contra a Paz e a
Humanidade, como no caso anterior do Julgamento de Nuremberg, seria uma violação do Artigo 5.° da
Declaração de Potsdam que diz: ". Cumpriremos nossos termos e não os desviaremos com outras
alternativas." Portanto, não deveria ter outro direito senão o de julgar naturalmente, apenas os crimes de
guerra reconhecidos pelo Direito Internacional.
As sucessivas revelações de falhas, não seria, na realidade, a revelação da falta de competência
desse Tribunal?
Os advogados corajosos lutaram intensamente. Talvez fosse pelo dever da profissão. Entretanto, foi
um Tribunal que aceitaram pelo menos como elementos de valor, os justos argumentos apresentados pelos
advogados?
Há muito o que pensar aqui.
William Sebald, consultor do Departamento Diplomático do Comando Supremo das Forças Aliadas,
compareceu no dia de abertura da Sessão, como ouvinte. Entretanto, sem bom senso não permitia que
comparecesse ao Tribunal desde esse dia até o final do julgamento.
Na sua obra "Memórias", escreveu o seguinte: - Apesar de que estivesse bem informado sobre
muitos acontecimentos sórdidos citados nas denúncias, por instinto senti que, de maneira geral, o erro
estava no próprio julgamento. Mesmo que os atos dos réus provocassem motivos de críticas ou sentimentos
de ódio do ponto de vista da Filosofia do Bem e do Mal, naquela época eu não podia concordar com a
Teoria do Julgamento dos vitoriosos contra os derrotados em relação aos crimes não revelados
expressamente nos Tratados Internacionais. Como pensasse seriamente nesse assunto, fiquei muito
preocupado, e portanto, não retornei mais ao Tribunal."
77
Foi o julgamento no qual um homem importante como o Consultor do Departamento Diplomático
receava comparecer.
Em que consistia, então, o objetivo dos países aliados quanto à realização da Justiça do Tribunal de
Tóquio?
Pode-se dizer que isso consistia num desafio contra a Política Tenebrosa do Japão, desde os dez
anos anteriores à guerra.
Não se teria realizado com o intuito de limpar a consciência do povo japonês, repetindo a
espetacular "Justiça Imparcial", modelo da democracia americana e européia, a fim de mostrar como banir o
poder e a autoridade dos líderes e poderosos que dançaram com as músicas de endeusamento do
Imperador, nacionalismo mitológico, atrocidades atrás do "Exército Divino" e administração do Estado pelos
tiranos, para abrir os olhos do povo que veio sendo obstinado pelas autoridades?
Parece que teve bom êxito nesse sentido, apesar do julgamento imparcial resultar num fracasso.. .
Após a citação das acusações pelos inquéritos e entrando na investigação das provas, foram sendo
revelados os segredos das assim chamadas personalidades envolvidas naquela época. No Japão ou no
estrangeiro, foram chamadas as testemunhas para depor e relatar as provas.
A guerra sofrida pelo povo e realizada sob o título de "Guerra Sagrada", foi revelada como
conseqüência das intrigas e da ambição dos dirigentes belicistas pretenciosos; as ocorrências desde o
atentado de 26 de fevereiro de 1936 até a criação do Império da Manchúria; atos desumanos e cruéis
cometidos pelas Forças Imperiais; "A Marcha para a Morte" em Bataan, Filipinas; o massacre em Nankin;
enfim, todos os acontecimentos que impeliam a fechar os ouvidos, foram revelados à luz do dia.
O público em. geral, na maioria desconhecendo tais fatos, assistiu com perplexidade. Entretanto,
eram notícias já conhecidas no mundo inteiro como eventos do passado.
Desse modo, foram eliminados os "tapa-olhos" do povo japonês que os usaram por mais de dez
anos, como cavalos puxando carroças, sob exigências do "Cumprimento do Grandioso Dever de Viver pela
Causa Eterna", clamando "A indestrutibilidade do Estado Divino" e convocando-os para o 'Êxito da Guerra
Sagrada'.
Enquanto o julgamento prosseguia a cada cavalgada, parecia que a noite se aprofundava cada vez
mais, aproximando-se de uma nova alvorada. Descrevendo o panorama de uma nova era que irá construir a
paz com a própria iniciativa do povo e com o apoio do povo. . . Em vão se ruíam e desapareciam os
conceitos do Xintoísmo. Desmoronava-se o Estado Antigo. Os velhos soldados foram-se também, como se
seguissem atrás dele.
Porém, a terra-mãe permanecerá para sempre, e, como sempre, o seu povo também prosseguirá
seus trabalhos sucessivos para os dias de amanhã.
Deve-se criar uma nova filosofia, uma nova sociedade e novos valores humanos, como uma
compensação preciosa do fruto desse julgamento. Isso é, naturalmente, significativo para o progresso da
sociedade, do país e da humanidade.
Entretanto, não seria estranho perceber fatos incompreensíveis existentes nos políticos atuais como
sendo a herança dos mesmos odores e a mesma naturalidade daqueles líderes e criminosos de guerra?
Desse modo, não estariam provando que não houve um passo de progresso.
Jamais se deve repetir o colossal sacrifício da Nação. Deve-se criar uma nova era, que não permita
e não desvie a um rumo oposto ou que a geração nova e o povo em geral jamais percam o forte poder
crítico pela justa causa.
Transformar a época para que nada se possa fazer sem apoio básico no povo. Uma época em que
o povo usa os políticos em seu proveito. Tudo existe com a finalidade visando tornar um povo feliz. Esta é a
sociedade nova e uma nova época.
Isso se torna realidade, quando cada cidadão se une fraternalmente, adquirindo força e retomando
a consciência. Uma nova luz primaveril brilhará, mesmo nos caminhos lamacentos e transformar-se-á em
sólidas e resistentes vias de concreto. Portanto, entramos numa época em que o próprio povo é o rei sem
coroa.

***

Um certo jovem fez lembrar o poema que descrevia o seu próprio ideal. Era o trecho do
'Desembarque à Nova Inglaterra' onde louva o "Espírito de Fronteiras" dos pioneiros que construíram o
Novo Mundo.
Eles não vieram como os conquistadores,
Nem vieram seguindo os ecos dos tambores
E nem apreciando das trombetas o ressoar
Que fazia as suas glórias despertar.

78
Eles não vieram como aqueles foragidos
Pelo temor ou solidão dominados.
Mas, foram o Hino da Alegria cantando,
As trevas e o silêncio do deserto vibrando.

Eles foram cantando até na tempestade.


O mar e as estrelas os seus hinos ouviram
E as árvores, todas de pé, admiraram
Esses Cânticos Épicos da Liberdade!

As águias do mar os seus vôos levantaram


Dos seus ninhos ao pé das ondas cor de neve
E os pinhos nos rochedos com seus ramos gemiam,
Pelo intenso vendaval da densa floresta.

Era a terra prometida que acolhia


................................................................................................................................................................
.............................................................................................................................................................................
....................................................................................
Certa mulher, com seus olhos tão destemidos,
Um homem robusto com a fronte saliente
E um jovem ardente de entusiasmo. . .
O que procuravam na terra tão distante?
As pedras preciosas brilhando nas minas?
As riquezas do mar? Ou, os desejos da guerra?
Não! Eles vieram à procura de um templo.
Sim! é um Templo Genuíno da Fé Pura,
Na terra em que eles pisaram primeiro
E, ao descobrirem, chamaram: "Terra Pura".
..............................................................................................................................................

Os jovens que recitavam esta poesia, já devem ser adultos da 4. a década. Porventura,
prosseguiram eles em seus caminhos de vida, sem perder a pureza, a esperança, a decisão e o idealismo
daquela época?
Transpondo a severa tempestade da época atual, sem serem manchados pelas correntes dos
grandes rios impuros. . ou então, foram cortejar os poderosos e as conveniências da época, ou
mergulharam nos sofrimentos e nos prazeres habituais, odiando a própria covardia, dentro da sociedade
corrompida? . . .
"Seja uma pessoa que consiga viver convicta para sempre, conservando a paixão da juventude."
"Tal pessoa é a mais brilhante de todas perante a humanidade." Certamente, seriam esses brados que os
veteranos deixaram quando partirem para as lutas em prol da paz.
* * *
Quando um médico americano relatou os detalhes da ocupação do Exército Imperial sobre o caso
do Massacre em Nankin, em dezembro de 1937, levando consigo várias testemunhas chinesas, um ex-
Ministro do Exterior ficou surpreso, ao tomar conhecimento pela primeira vez.
Além disso, ele foi o embaixador do Governo de Nankin após a ocorrência desse caso. No banco
dos réus, ele não podia contar mais o seu vexame e, após voltar à cela da prisão, escreveu no seu diário o
seguinte: "Algo me faz matar de desonra. Se pudesse reparar o crime por ser japonês, não hesitaria nunca
em aceitar a pena de morte.. ."
O controle sobre as palavras, pelos militares japoneses, no tempo da guerra, era realmente
rigorosíssimo.
Como exemplo típico de atrocidade, foi revelada a "Marcha para a Morte em Bataan".
No dia 10 de abril de 1942, dizem que os 73.000 americanos e filipinos que vieram se render aos
japoneses como prisioneiros, foram obrigados a marchar 120 km, sob ardente calor equatorial, durante 7 a
11 dias, sem água ou alimentos. Foi o caso em que ocorreu 30.000 mortos. Os sobreviventes
testemunharam o fato, dizendo "inacreditável espírito de lealdade dos Samurais" e denunciaram os
barbarismos, as torturas e as crueldades indesejáveis-de serem ouvidos, mas que foram cometidos pelo
exército japonês.
Além disso, ocorreram casos idênticos de crueldade contra os prisioneiros durante a construção da
estrada de ferro na Tailândia e na Birmânia.
79
Os juizes foram analisando o grau de atrocidades e a quantidade dos alimentos e os medicamentos
em falta, utilizando os dados estatísticos que comparavam ao número de mortes entre os prisioneiros
aliados nas guerras da Europa e do Pacífico,
Foram capturados pelas Forças Germânicas e Italianas 235.473 soldados aliados, principalmente
americanos. Entre eles, 9.348 soldados (4%) morreram como prisioneiros de guerra.
O Tribunal aceitou a estatística, a fim de provar o grau de intensidade das atrocidades cometidas
pelas Forças japonesas contra os prisioneiros aliados e exigiu a responsabilidade dos líderes da guerra.
Apenas para citar como informação, o tratamento dos prisioneiros dos países inimigos por ocasião
da Guerra Russo-Japonesa e da Primeira Guerra Mundial foi para o Japão, motivo de elogio pelos países
estrangeiros, como uma nação digna de louvor pela ética dos Samurais e assim obteve a confiança
internacional. Deve-se dizer que a decadência espiritual dos japoneses acelerou rapidamente, a ponto de se
tornar bem diferente dos tempos de Meiji. Onde está a causa fundamental da decadência moral?
Nas batalhas da Segunda Guerra Mundial, não raras ocasiões, os inimigos rendiam-se em massa,
dez a cem mil de uma vez.
Para as Forças Japonesas que pensavam "é melhor morrer que viver na desgraça como cativeiro",
a rendição de grande número de inimigos na guerra, deve ter sido uma surpresa ainda não imaginada e
que, diante desse fato, devem ter ficado embaraçosos para resolvê-lo.
A solução para os prisioneiros deve ter sido um problema difícil para as Forças Japonesas fora do
país. Apesar disso, crime é crime e atrocidade é atrocidade. A nação duvidava do próprio sangue da
respectiva nacionalidade, porém, havia muitas pessoas provando os casos, servindo de testemunhas. Eram
419 pessoas que testemunhavam provando as atrocidades, desde o caso do imperador Manchu Pu Yi.
Eram números consideráveis de 779 denúncias com 4.336 casos postos à prova.
Durante o longo intervalo de dois anos e sete meses, o Tribunal foi aberto 818 vezes em 417 dias e
as documentações atingiram ao todo, 48.412 páginas.
* * *
Itigaya, em cuja torre podia-se ver o Fuji ao longe, nos dias de céu azul, foi o cenário de um drama
de longa metragem que, enfim, nesse dia foram fechadas as cortinas, encerrando rigorosamente as portas
do teatro dos pesadelos da Guerra do Pacífico. Os canteiros do jardim, em frente à entrada do Tribunal,
estavam pacificamente ornamentados pelas flores de crisântemos, o símbolo do Japão, em sua plena
florada e, mesmo no escuro, ao cair da tarde, faziam sentir o louvor pela paz.
A seguir, quando estas flores caírem secas, a execução estará à espera dos sentenciados. O
produtor desse drama passou o ato às mãos do protagonista, que é o Supremo Comandante das Forças
Aliadas, chamado General Mac Arthur.
Nessa oportunidade, os advogados da defesa japoneses e americanos enviaram as petições e
solicitaram a revisão dos julgamentos, permitidos de acordo com os regulamentos do Tribunal.
Nas reconsiderações não imploravam a redução das penas, mas, apontavam os erros nos fatos
julgados e contestaram a ilegalidade do julgamento, baseando-se nos Princípios da Jurisprudência.
Finalmente, com a visão para o futuro do mundo, concluíram da seguinte maneira:
"Se nós somos organizados pelo sistema de Leis e desejarmos um mundo organizado sob Sistema
de Lei e Princípios da Justiça, nós próprios não poderemos cometer os crimes da crueldade contra a Lei e a
Justiça.
"A decisão do Julgamento de Tóquio, dessa forma vigente, não criará nenhum bem e apenas estará
colocando o mal sobre os males. Através dos atos desse reduzido número de juizes estarão sendo perdidos
muitos prestígios dos nossos países, mas que poderão ser salvos pelos destemidos prosseguimentos
processuais. Nós exigimos tais atitudes."
Os corajosos advogados do Conselho da Defesa, fizeram interromper a tenaz decisão de Mac
Arthur. Entretanto, o Quartel General procurou obter as opiniões dos delegados de vários países e anunciou
especialmente em 24 de novembro, a rejeição da petição. Em seguida, foi ordenada a execução para o
comandante do Oitavo Exército.
A execução contra os sete estava na iminência de ser realizada. Entretanto, o conselho da defesa
enviou as petições de alguns dos réus para a Suprema Corte dos E.U.A.
Argumentaram a validez de "Habeas Corpus" com a lógica na Jurisprudência, com seguinte
significado: "O Tribunal Internacional de Tóquio, em síntese, não passa de um Organismo criado por um
cidadão americano chamado General Mac Arthur que, por sua vez, organizou a corte por ordem do
Supremo Político da Nação que é o Presidente. Porém, o Governo dos E.U.A. não delegou para o
Comandante, os plenos poderes permitindo criar um Tribunal Fantoche. Isso é claramente contrário à
Constituição. Consequentemente, deve-se conceder "Habeas Corpus" aos acusados."
A Suprema Corte Federal em Washington chamou os quatro advogados americanos relacionados
com o assunto e entrou em debate em 16 de dezembro. Em seguida, no 4.° dia, em 20 de dezembro, a
Corte Suprema rejeitou a petição declarando que o mesmo não tem o direito de aceitá-la. Portanto, isso
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quer dizer que o Tribunal Militar é o Organismo dos países aliados e a Legislação Americana é desprovida
de competência para rever ou anular as suas decisões.
Aqui foi confirmado o resultado final.
No dia 23 de dezembro, no intervalo de 0:00 horas à 0:35 minutos da madrugada, os sete
sentenciados à Pena de Morte, foram subindo os treze degraus da escadaria do presídio de Sugamo. A
execução foi secreta.
Os quatro representantes dos diferentes países, indicados pelo General Mac Arthur estavam
presentes como observadores. Apenas um japonês, chamado Hanayama, o capelão da prisão, estava ao
lado, num quarto vizinho. Além disso, o Consultor Diplomático William Sebald, que desde o início evitava de
comparecer ao Tribunal, nesse dia foi escolhido como observador representando os Estados Unidos. Que
ironia do destino!
* * *
É o Tribunal de Tóquio cuja existência já se foi para o passado longínquo. Entretanto, por que razão
foi escrito longamente aqui, dessa maneira? Não houve outra preocupação, senão apenas para. . . fazer
refletir de que modo foi solucionada aquela guerra mundial que criou desastres e tragédias sem
precedentes.
A humanidade do Século XX espremeu sua inteligência a fim de realizar o balanço final dessa
guerra. O resultado apareceu dessa forma. Pode-se dizer que nós assistimos com os próprios olhos, o
cenário das operações do Tribunal de Tóquio. Assim sendo, não se pode pensar de outra forma, senão
admitir que a inteligência humana está muito aquém da perfeição.
Com certeza, a humanidade possui atualmente a capacidade e a inteligência para produzir
desastres sem precedentes. Entretanto, parece que ainda não possui capacidade e nem inteligência para
poder eliminar tais desastres. Além disso, pode-se dizer que, os espíritos de todos os seres humanos que
vivem sobre a Terra, estão na realidade temerosos, por pressentirem as infelicidades do futuro.
Quando se faz uma análise profunda desse balanço final, resultante do esforço da inteligência
humana, poderão perceber a existência inesgotável de inúmeros problemas movendo como remoinhos
caminhando em direção ao futuro.
A justiça transforma-se facilmente em vingança, a vaidade torna-se poder, a atitude para fazer valer
a justiça torna-se imediatamente em ato de opressão, a reação transforma-se em servidão, a superioridade
por vezes transforma-se em heroísmo e a vitória torna-se crueldade. . . Nessas mutações, milhões de
jovens são mortos e dezenas de milhões de remanescentes tornam-se vítimas.
Pode-se dizer que foi realizado um julgamento improdutivo em nome da civilização, a fim de
confeccionar o balanço final de todas as atividades humanas.
Nada se pode fazer quanto à inconsistência do conteúdo deste contexto. Aqui, desejaria dizer quão
felizes são os que ignoram a existência de figuras humanas que são difíceis de serem salvas no tempo
moderno!
Naquela época, Toda não desejava opinar sobre o Julgamento de Tóquio ou por vezes falava
forçosamente, pois ele previa os múltiplos aspectos da figura humana contemporânea que perdeu o seu
rumo. Para ele, nada podia fazer senão esperar o amadurecimento do tempo.
Quando ele falou simplesmente: "Deve-se escolher a prisão perpétua. Os que lançaram a bomba
atômica devem ser punidos igualmente". Isso nunca foi dito fundamentando-se numa jurisprudência digna
de respeito ou no bom senso humano que é mutável em quaisquer circunstâncias.
Era o murmúrio da filosofia do Budismo, envolvido pelo verdadeiro respeito à dignidade da vida
humana. Sejam quais forem as argumentações, não há no Budismo razão para um homem julgar o outro e
matar seu semelhante.
As duas aspirações reais e murmuradas por Toda eram atos que poderiam ser cumpridos muito
perto de nós. Entretanto, para a realização desses atos, necessitava lutar contra as maldades e, para a luta
contra os demônios, ele estava ciente da necessidade de todos os preparativos.
Ele havia tomado uma profunda decisão sobre a sua missão de transmitir veementemente estas
inspirações para todo o mundo.
* * *
O julgamento do Tribunal de Tóquio nem sempre teve a sua decisão unânime sob opiniões
idênticas entre os juizes representantes das onze nações. Foram decididos com a aprovação da maioria de
oito contra três.
Os três países de opiniões contrárias foram: Holanda, França e a índia. Além disso, o juiz
representante das Filipinas e o próprio Juiz Presidente representando a Austrália, apresentaram as opiniões
suplementares.
O Conselho da Defesa exigiu a leitura do parecer contrário da minoria no Tribunal, mas isso foi
rejeitado.
Mais tarde, os advogados e os jornalistas que leram pareceres contrários, pela primeira vez o
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conteúdo, ficaram surpresos.
Dentre os pareceres contrários destacava-se a do juiz representante da índia, Dr. Radhabinod Pai,
pela maior extensão por escrito. Além de elucidar a sua elevada visão cultural, atestava uma espécie de
crítica em torno da civilização. Isso incluía o prognóstico certo para o futuro da humanidade e até podia ser
considerado como um documento histórico.
A razão por que o Tribunal rejeitou a leitura dos pareceres da minoria fazia perceber que o mesmo
acatava apenas em consideração à influência da situação sob Ocupação.
Esse Tribunal que se poderia chamar de inconsistente, foi inconsistente até o fim. Pode-se saber
pela atitude do próprio Juiz Presidente que, não se conformando por alguma razão com a sua decisão, não
podia deixar de citar as suas próprias opiniões sutis.
Era uma estranha opinião escrita por ele que, em última análise, concordaria com a decisão da
maioria, porém justificaria a opinião própria. Não estaria ele muito preocupado, consequentemente, no
tocante ao sentenciamento da pena?
Por outro lado, após uma análise sobre o grau de avaliação da pena do Julgamento de Nuremberg
e comparando com a de Tóquio, ele disse também o seguinte:
"Os crimes cometidos pelos alemães acusados são bem mais cruéis, variados e extensos do que os
dos japoneses. . . Os acusados japoneses não devem ser sentenciados de pena de morte como
responsáveis pelo planejamento, preparo e execução da guerra de invasão."
Ele rejeitou a pena de morte em relação ao "Crime contra a Paz". Em seguida, em relação ao
"Crime contra a Humanidade", opina que, mesmo para os acusados contra os crimes comuns da guerra,
seriam preferíveis as penas de exílio a uma ilha distante do que sentenciar à morte e que, em relação aos
idosos, estaria contrária a pena de morte.
Vendo essa preferência da pena de exílio a uma ilha distante a sentenciar à pena de morte
conforme a opinião do Juiz Presidente Webb, pode-se notar a falta de convicção própria. Por essa razão,
pode ser que ele pretendia passar a ordem final de perdão ou amenização da pena para o General Mac
Arthur.
Seja como for, pode-se perceber a sua intenção de, no final das contas, transferir a
responsabilidade da execução penal, por ele sentenciada, para o Comandante das Forças Aliadas.
Contrastando com isso está o parecer do Juiz filipino pretendendo mostrar-se como alguém que estivesse
montado sobre a cauda de um cavalo. Diz o seguinte: "Se tiver alguma objeção contra o Tribunal é porque o
mesmo foi muito benevolente a favor dos réus. Isso apenas serviu de motivo para protelar o tempo de
julgamento". Além disso, justificou o uso legal da bomba atômica e atacou finalmente a opinião contrária do
Juiz Pal, da índia, protestando que a sua justiça é por demais benevolente por não corresponder com a
grandeza do crime cometido. Criticou também a decisão da maioria.
Em seguida, os juizes da Holanda e da França apresentaram os pareceres diferentes e, embora os
juizes das onze nações tivessem as opiniões diferentes, o Tribunal acabou concluindo o julgamento.
Consequentemente, pode-se notar que, no próprio Tribunal, havia numerosas questões ainda sem solução
mas que foram deixadas para o futuro.
Quem protestou frontalmente contra a decisão pela maioria foi o Juiz Pal, da índia. Ele retornou ao
Japão em outubro de 1966, aceitando o convite de Itiro Kiyosse e de outros membros do Conselho, é
inesquecível a sua atitude na plataforma do julgamento, quando se retirou cumprimentando
respeitosamente o Fórum de mãos postas e sem poder dizer uma palavra, talvez por motivo de cólica
abdominal.
O parecer contrário do Juiz Pal foi elaborado em papéis cópias escritas à máquina e o material
estava sendo proibido de ser publicado pelo Quartel General das Forças de Ocupação. A sua publicação
estava sendo proibida também na Inglaterra e permanecia ainda sem ser publicada nos Estados Unidos.
Somente em 1952, o parecer do Juiz Pai foi publicado no Japão, com o título de "Tese Sobre o Japão
Inocente".
Em 1957, até que enfim, uma editora em Calcutá, na índia, publicou toda a sua escrita com o título
de "Julgamento do Juiz Pal". No final desse livro, há 20 páginas relatando os danos de Hiroshima e
Nagasaki, ilustrando inclusive através de fotografias.
Somente em junho de 1966, o livro sobre o "Julgamento do Juiz Pal" foi traduzido e publicado em
japonês para ser visto diante dos nossos olhos. Para isso, foi necessário esperar realmente 18 anos, após o
encerramento do Tribunal de Tóquio.
No final do seu parecer ao contrário, com o título de "Recomendações" ele concluiu da seguinte
maneira:
"Baseando-se nas razões acima referidas, o Tribunal deve decidir pela inocência de todos os réus
acusados e denunciados com todas as provas e, além disso, afirmo decididamente que os mesmos devem
ser absolvidos de todas as acusações.
Não desejaria aqui comentar sobre a Filosofia do Direito, se o julgamento do réu inocente é justo ou
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não. Apenas queria apontar que a "inocência" para ele não significa uma justificação da Guerra do Pacífico
pelo Japão.
Para ele, não podia considerar que o julgamento do Tribunal de Tóquio fosse uma justiça imparcial.
Previa que de uma justiça unilateral e inadequada resultaria a morte legal processada pelas teorias
complexas do Direito e prognosticava que esse julgamento em nada iria contribuir para a paz eterna.
Em última análise. . . a atitude do vencedor julgar o vencido não passaria senão de uma vingança
intolerável, mesmo que argumentasse juridicamente o contrário."
O Juiz Pal desejaria talvez com isso apontar a ilegalidade desse Tribunal de acordo com a sua
intuição oriental.
Por exemplo, a guerra de conquista é realmente um mal. Se isso fosse verdade, a invasão russa
analisada em todos os sentidos, não seria uma guerra de conquista? Pelo menos, nessa época, o Japão
não estava invadindo a Rússia. Apesar disso, a Rússia vem julgar o Japão derrotado, na posição de um
país vitorioso.
Há ou não há justiça nessa lei?
Por outro lado, seria certamente improcedente a conspiração total dos acusados, denunciados
pelos investigadores. O caso seria completamente diferente da Alemanha, que um grupo de líderes nazistas
conspiraram por longo tempo em torno de Hitler para dominar o mundo.
Os japoneses acusados apareceram no palco da política nacional em sucessivas mudanças de
gabinete por 15 vezes em mais de 10 anos, e não há um fato que prova diretamente a conspiração total
como no caso do Nazismo. Portanto, acusar taxativamente de conspiração total, nada mais seria senão
uma concepção falsa e atrevida.
Estas declarações são apenas um exemplo do relatório jurídico do Dr. Pal. Na totalidade da sua
obra, ele escreve com a convicção e com o bom senso puro como um juiz, baseando-se na História da
Sociedade Internacional com os fatos do passado e do presente e, por meio da sua cultura abundante,
comenta e conclui logicamente, com minúcias através dos elevadíssimos graus de erudição, revelados por
meio dos vocabulários ricos e expressivos no seu estilo livre.
Ele era um homem corajoso, portador do senso de justiça. No meio da atmosfera opressiva sob
Ocupação Americana, denunciava a ordem do lançamento da bomba atômica pelo Presidente da nação
vencedora, os E.U.A.
Sobre os casos das atrocidades do exército japonês, embora condenem os criminosos das classes
B e C, continua comentando que não há provas evidentes sobre as autorizações e ordens pelos acusados
da classe A para tais execuções, e diz:
"Mesmo que pondere as propagandas e os exageros, apesar disso, as provas sobre os atos cruéis
são assustadoras. Muitas dessas atrocidades que ocorreram realmente não podem ser negadas."
Sobre esse ponto, ele afirma que os casos são diferentes das atrocidades ordenadas pelos
criminosos de guerra dos líderes nazistas.
Além disso, cita a carta do Kaiser Guilherme II, da Alemanha, ao Imperador Franz Joseph durante a
Primeira Guerra Mundial:
"Sinto-me torturado. Porém, tudo deverá ser dominado pele fogo e pelas espadas. Deverão matar
indistintamente os homens e as mulheres, os jovens e os velhos, e não deve permitir que fique uma casa
sequer de pé. Somente com essa atrocidade poderá influenciar os franceses degenerados e dessa maneira
a guerra poderá acabar em dois meses. Por outro lado, se tomar em consideração o respeito à humanidade,
a guerra prolongar-se-á por vários anos. Portanto, superando o senso da própria repugnância, fui obrigado a
escolher a primeira conduta."
Realmente foi uma ordem para as atrocidades dada por um insano mental. Felizmente, . essa
ordem não foi executada, mas, após a guerra, o Kaiser alemão foi acusado desse crime. Entretanto, a
Holanda recusou a entrega desse Imperador refugiado.
Aqui, o Juiz Pal fez explodir a sua ira contra a maldade chamada "Lançamento da Bomba Atômica"
que conduz a humanidade ao holocausto.
"Se na Guerra do Pacífico houve algo que se aproximasse do exemplo acima referido, que é o do
Kaiser alemão, seria então o uso da bomba atômica ordenado pelos países aliados. As gerações futuras
julgarão contra essa decisão trágica."
Baseando-se nos princípios jurídicos, ele chegou à seguinte conclusão final:
"Para esta minha tese, seria suficiente dizer que a destruição indiscriminada dos patrimônios e das
vidas humanas é considerada ilegal durante a guerra; então, na Guerra do Pacífico, a ordem do uso da
bomba atômica, o único que se compara com a ordem do Kaiser alemão na Primeira Guerra e dos líderes
nazistas na Segunda Guerra Mundial, é suficiente para provar contra o objetivo atual do Tribunal. Porém,
não posso encontrar nas denúncias atuais, acusações dessa natureza."
O Juiz Pal protestou energicamente a ilegalidade das atrocidades contra os civis não combatentes.
Por outro lado, os criminosos de guerra das classes B e C já estavam sendo julgados pelos países
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vencedores.
Se os 25 acusados por crime de guerra da classe A fossem inquiridos como responsáveis pelas
ordens e pelos comandos das atrocidades então, aquele que ordenou e decidiu o uso da bomba atômica
não deveria ser inquirido como o maior criminoso de guerra que cometeu o "Crime Contra a Humanidade"?
Se a lei é justa, ela não deve ser distorcida por quem quer que seja: vitorioso ou derrotado.
Não se pode dizer que o julgamento é correto, quando o vencedor julga o derrotado, usando o
nome da civilização.
"Não deve ser permitida a acusação em nome da Justiça, para prosseguir a perseguição pelas
represálias apenas por vingança. O mundo está realmente necessitando de generosidade magnânime e da
benevolência compreensiva. A questão real que surge do espírito em sã e plena consciência é a seguinte: A
humanidade que cresce rapidamente poderá ou não superar a luta entre a civilização e o desastre? "
Por isso mesmo, o Juiz Pal condenou o próprio Tribunal de Tóquio como sendo uma justiça ilegal e
daqui chegou à conclusão para declarar inocente a todos os acusados.
Ele parecia uma figura excêntrica ao se comparar com os demais juizes das dez nações. Quando
ele entrava no Tribunal, inicialmente cumprimentava os réus e tomava o seu assento somente após a
resposta em cumprimento de um dos réus. Isso já era o seu hábito.
Durante os dois anos e meio, desde que se iniciou o Julgamento em maio de 1946, ele ia e voltava
fazendo o mesmo trajeto entre o Hotel Imperial onde se hospedava e o Fórum de Itigaya, e cancelava todos
os seus divertimentos, o repouso nas estâncias ou viagens de turismo. Além disso, após dois meses de
exercício nesta justiça, evitou até contatos com os demais juizes. Dentro do seu quarto, no hotel, deve ter
estado totalmente compenetrado das leituras dos numerosos livros de consultas e dos extensos materiais
para as provas. Excepcionalmente freqüentava as bibliotecas como a da Universidade de Tóquio.
Ele vivia em meio a uma solidão extrema. Nos dias rudes sob Ocupação, vivia como um juiz
estrangeiro com opiniões contrárias às das Forças de Ocupação. . . defendendo a todo o custo o poder e a
autonomia da Lei, dedicava todos os seus esforços persistentemente na escrita de uma grandiosa obra de
mais de um milhão de palavras, na sua posição de um jurista que almeja a verdadeira paz mundial com
base na justiça, fundamentando-se no profundo conhecimento da história e nos competentes
conhecimentos da jurisprudência.
A sua esposa estava doente em sua terra natal. Logo no início das atividades do Tribunal, recebeu
a notícia do grave estado de saúde da sua esposa e voltou temporariamente à índia. Porém, sabe-se que
ele foi mandado de volta para o Japão após o incentivo da sua esposa idosa que disse: — Desde quando o
meu estado de saúde é o motivo para o retorno?
O jurista competente, com mais de 60 anos, inclinou toda a sua paixão no entusiasmo da realização
de uma obra de julgamento por escrito, com toda a sua honra e convicção, pesquisando minuciosamente as
verdadeiras causas da Guerra do Pacífico, procurando certificar-se da verdade e do justo, e analisando
todos os fatos da seqüência das ilimitadas complexidades das guerras internacionais. Tal esforço é motivo
de glorificação para as gerações futuras, como o exemplo de um jurista competente. Sim, desejaria
recomendar que isso fosse glorificado.
No meio das apresentações das provas pelos advogados da defesa, talvez prevendo o resultado do
julgamento, ele voltou para a índia. Em seguida, enviou de lá o seu volumoso parecer por escrito sobre o
Julgamento e deixou todos os juizes surpresos no dia da decisão.
Ele não foi um ingênuo simpatizante do Japão. Pode-se dizer que ele percebeu profundamente o
que só um asiático poderia compreender. Isso pode ser provado através da sua visão inteligente, com a raiz
na Filosofia Oriental revelada brilhantemente em todos os setores da sua Tese Jurídica. No momento em
que o caminho para a salvação do mundo deseja com louvor a visão oriental, a rigorosa compreensão do
Juiz Pal, como um espelho limpo que reflete imagens nítidas, seria uma lição tão preciosa como uma
importante pedra na montanha de outrem.
O seu trabalho nunca foi elaborado num só dia. Certamente as fontes devem ser distantes, bem
como as raízes profundas.
Ele nasceu em Bengala, na Índia, em 1886, especializou-se em Matemática e tornou-se professor
dessa matéria num Colégio em Bengala. Entretanto, por volta dos trinta anos, de repente foi estudar Direito,
talvez devido à mudança de idéia, e tornou-se advogado. Mais tarde, foi professor de Jurisprudência na
Universidade de Calcutá e veio estudando a Filosofia do Direito da Índia Antiga. Em 1930, como Professor
de Jurisprudência em Memória ao Tagore, ele lecionou sobre "Os Anais da Legislação Indiana". Até à
véspera da participação no Tribunal de Tóquio como Juiz, ele foi o Vice-Reitor da Universidade de Calcutá.
Além disso, o Dr. Pal era um dos descendentes do Rei Asoka, o primeiro proclamador da abolição
da guerra na História da Humanidade.
Contra os países vitoriosos portadores das máscaras de convencimentos, ilusões e fanatismos, que
nem eles haviam percebido, e na posição de um juiz dos países vitoriosos, ele encorajou a si próprio a fim
de expressar as vozes furiosas dos protestos de um bilhão de asiáticos.
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Após o encerramento do Tribunal de Tóquio, tornou-se um membro da comissão para as Leis
Internacionais das Nações Unidas que elabora os Códigos de Leis Internacionais e parece que prosseguiu
os seus esforços constantes na concretização da "Paz Mundial através das Leis Internacionais".
Em fevereiro de 1966, o Dr. Pal, aos 80 anos de idade, exortava aos jovens graduados durante a
sua formatura na Universidade de Calcutá.
"A turbulenta situação mundial exige um novo método de pensamento. Esse novo método não
significa apenas caminhar sobre a trilha do pensamento tradicional, nem segue o sentido da ciência
tecnológica, ou a direção da meta política. Se a questão é a existência da própria humanidade, a resposta
deve ser a "Essência" da própria conduta do homem. Desejo a todos que evitem a corrida em conseqüência
do impulso sem consciência e recomendo que a "Realidade Transcendental" seja o guia para toda a sua
vida."
O Juiz Pal conseguiu oferecer um vago princípio de guia para. os Jovens, no final de um longo
período de estudo e especulações.
Diante do perigo do mundo moderno, torna-se forçosamente necessário um novo pensamento. Isso
não provém da idéia tradicional. Nem pode ser criado pelo progresso da Ciência Tecnológica e nem pela
reforma da Estrutura Política. Depende somente da essência da humanidade. Isso, ele definiu em termos
abstratos como sendo uma Realidade Transcendental. Apesar de que teoricamente ele atingisse o pico da
sabedoria, infelizmente não chegou a ver a figura evidente que atestasse a realidade transcendental e nem
conseguiu ensinar qual é a entidade dessa realidade. O seu imensurável senso de justiça, seria realmente o
conteúdo dessa entidade. Entretanto, aqui, ele encontrou o limite.
Tal bom senso e a justiça, não são raros hoje em dia. Há, por exemplo, na patente da Unesco
(United Nations for Education, Science and Culture Organization) o seguinte:
"Como as guerras originam-se dentro do espírito dos homens, deve ser construída a defesa da paz
dentro do espírito humano."
Isso deve ser correto. Entretanto, na realidade, pode-se dizer que essa patente está sendo violada
em diversas regiões do Globo. O espírito que deveria confiá-la não estaria traindo a própria patente? Em
última análise, para eliminar a tragédia da guerra é necessário construir primeiro a defesa da paz dentro do
espírito humano. Assim sendo, eliminara detestável maldade do espírito humano seria bem mais difícil do
que rejeitar a guerra e isto a patente da Unesco pretendeu demonstrar, ainda que inconscientemente.

O espírito humano.
Mais complexo que a guerra!
É estranho, É difícil de lidar.
Além disso, é misterioso.
Afinal, o que é o espírito?
O "espírito" a que se refere aqui, não é 'idéia', é o espírito que realmente existe, é como a mente
que faz perceber a sua existência quando uma pessoa realiza algo.
Não tem existência material e nem por isso deixa de estar ausente. O espírito não é consciência e
nem fé.
Por exemplo, suponhamos que um espírito em sofrimento esteja aqui presente. Está sofrendo não
pela sua vontade. Está mostrando o reflexo do estado de sofrimento; esse mesmo sofrimento vem aparecer
nitidamente na fisionomia, como uma expressão sofrida. Entretanto, isso não revela o espírito, mas sim,
uma revelação da própria vida.
Assim sendo, a questão central do espírito está na própria vida. Esta não é um mero problema de
espírito. A pretensão de resolver todas as questões unilateralmente, por meio do espírito, é o maior erro de
conceito na sociedade moderna e isso nada mais é senão uma concepção falsa.
O espírito em sofrimento e a fisionomia sofrida, ambos formam um estado comum, porém são dois
aspectos distintos.
Aqui está a extrema profundidade da filosofia-da-vida de Nitiren Daishonin que considera "a matéria
e o espírito como unidade inseparável", onde a existência evidente de todos os fenômenos da 'Vida' foi
revelado como 'Buda'.
Evidentemente, nesta filosofia não há erro de conceito.
Desde os tempos antigos, os filósofos idealistas, apesar das boas intenções e dos amplos
conhecimentos, careciam de forças para realmente salvar o homem. Isso não deveria ter sido porque eles
procuravam pesquisar minuciosamente os fenômenos da vida, sem indagar a existência da própria vida?
Além disso, os filósofos materialistas, apesar de terem uma paixão inflamada sobre o senso de
justiça e adquirirem os profundos conhecimentos da ciência moderna, ainda não conseguiram compreender
um homem sequer e enfim, isso não seria devido à falta da tomada de consciência da própria existência da
vida, apesar do desesperado esforço da pesquisa especializada nas coisas e fenômenos reais?
A 'Vida' que se refere aqui, não é a mesma vida cogitada na Biologia. Indiscutivelmente, a vida
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biológica é uma das espécies da vida, mas não é toda uma 'Vida'.
Não há uma existência pura do espírito e nem a da matéria. Pode parecer explanação um pouco
exagerada, porém, ambos formam uma existência real da vida que se estende do presente para o infinito
passado e futuro.
Não pretendo aqui, agora, detalhar sobre a essência do Budismo que é a base da filosofia-da-vida
de Nitiren Daishonin. Entretanto, não posso deixar de lembra o nítido reflexo de uma situação em que os
filósofos contemporâneos não estão podendo mais acreditar na matéria ou no espírito. Falando
francamente, esse problema á justamente a questão mais importante do Século XX, assim chamado o
Século da Perplexidade".
Seja o que for, não posso crer que os delicados problemas que ameaçam atualmente a crise da
humanidade possam ser resolvidos por eles. Pelo contrário, parece que, aos poucos, estão entrando no
caminho da perdição.
O Dr. Pal, após a sua pesquisa minuciosa sobre a Guerra do Pacífico, uma tragédia da humanidade
realmente infeliz concluiu, através da intuição e da inteligência oriental, que a solução das questões da
sobrevivência da Humanidade para o futuro não é a reforma política, nem o desenvolvimento da Ciência
Tecnológica ou uma ideologia tradicional. É algo novo no modo de pensar. Enfim, não há outro meio senão
procurar uma nova filosofia.
Surge aqui, a ressurreição do semblante preocupado de um filósofo honesto. Ele afirmou que confia
na 'Essência' humana e não se referiu à mente ou ao espírito humano. Somente falou da 'Essência'.
Então, o que virá a ser essa força poderosa chamada 'Essência'? Ele disse aos jovens: "Tomem
como guia a "Realidade Transcendental". O que é, então, essa "Realidade" maravilhosa? Ele a percebeu
pura e intuitivamente e transformou-a em sua teoria, porém, foi obrigado a parar por aqui.
O que ele desejava descrever era aquilo que estava no seu íntimo e que pretendia demonstrar
concretamente a realidade do que se chama a 'Essência', que nada mais é senão a 'Vida', e o que
ele chamava a 'Realidade Transcendental', nada mais é senão o 'Gohonzon', ambos revelados por
Nitiren Daishonin.
Alguém poderá dizer que são argumentos forçados. Entretanto, poderá ser concebida dessa
maneira, no paredão da ignorância do próprio observador, é o mesmo se alguém perder a localização pela
falta de visão apesar do objeto de aclamação estar dentro do seu campo visual.
O que Nitiren Daishonin diz: "Mesmo que se torne um mestre do espírito, não permita que o espírito
seja o seu mestre", esse princípio não é um mero provérbio antigo.
A História da Humanidade veio seguindo vertiginosamente, como Mestre, os espíritos multiformes.
Quando um espírito admirado como Mestre era degenerado, apenas era substituído em seguida por um
outro novo mais simpático e hábil. Dessa maneira, veio dizendo que a paz é um problema do espírito. Como
sempre, irá à procura de um novo tipo de espírito. Entretanto, o mais importante deveria ser: o que deve ser
procurado é o Mestre do espírito humano.
Quem é esse Mestre? Não é Constituição, nem é Moralogia. é a Entidade Única que prevalece no
Universo.
Essa Doutrina só é claramente revelada na filosofia-da-vida de Nitiren Daishonin, que ensina o
princípio da inseparabilidade da matéria e do espírito.
Mahatma Gandhi já se foi e a Índia ficou sem Jawaharlal Nehru e, nessas circunstâncias, o que
mais causou sofrimento no espírito do Dr. Pal deve ter sido, com certeza, a infelicidade inerente em
centenas de milhões de indianos. Se assim não fosse, não haveria motivo para ele estar referindo-se à
'Existência Transcendental' como guia.
Muitos, entre os povos indianos, talvez estejam pensando que a infelicidade atual do seu país teria
origem nos trezentos anos de domínio colonial inglês. Se isso fosse verdade, a Independência do seu país
em 1947, após a libertação do Império Britânico, já devia estar trazendo o "paraíso". Entretanto, as
infelicidades estavam sendo realmente eliminadas? Sem reconhecer que o Dr. Pal estava procurando
seriamente, até hoje, algo que servisse de guia, não se pode compreender que a infelicidade foi eliminada
pela independência.
Observando-se através dos ensinamentos de Nitiren Daishonin, como um espelho, não poderia
dizer senão que a causa dessa infelicidade é realmente profunda.
Assim como o leito da correnteza das infelicidades do Japão moderno de cem anos foi, na verdade,
a falsa concepção religiosa; e se, por essa analogia, concluísse que o leito da correnteza das infelicidades
da índia de milhares de anos está realmente no seu Induísmo, como isso repercutiria no ouvido desse velho
filósofo?
Naquele Tribunal de Tóquio, quantas e tantas causas relacionadas com as questões internacionais
e bélicas, estariam certamente envolvidas no conjunto, em conexão com o futuro!
Sob ocupação, o povo nada podia comentar senão manter o silêncio. Em seguida, as memórias
foram sendo diluídas como o passar dos anos até hoje. Entretanto, devo dizer que o Julgamento do Dr. Pal
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é material de consulta historicamente raro, mesmo para servir de base para construir um novo século.
* * *
No dia 23 de dezembro, quando os sete réus, com Tojo à frente, foram executados, foi aprovado o
voto de não-confiança contra o Segundo Gabinete Yoshida. Em seguida, a Câmara dos Representantes foi
dissolvida. Era uma dissolução estranha; por assim dizer, uma dissolução pelo cambalacho político.
Antes, no dia 10 de março do mesmo ano, o Gabinete Ashida, que veio posteriormente a demitir-se
em massa, após o incidente da Indústria Eletro-Química Showa, formou o gabinete coligado com os três
partidos: Democrático, Socialista e Cooperativista. Era um gabinete frágil, chamado "Gabinete de
Investimento Estrangeiro". Após o Incidente Shoden, os ministros foram sucessivamente presos na Prisão
de Kossuga. O próprio Primeiro Ministro Ashida, após a demissão do cargo, foi também preso. Dessa
maneira, o Gabinete foi desonrado com o apelido de "Gabinete de Kossuga".
Após então, o poder político passou para o Partido Liberal-Democrático. Foi elaborado o Segundo
Gabinete Yoshida, mas era um partido independente e minoritário, com apenas 151 representantes na
Câmara dos Deputados.
Yoshida estava desesperado a fim de encontrar uma oportunidade para dissolver a Câmara o
quanto antes, mas que em conseqüência da corrupção dos três partidos, Democrático, Socialista e
Cooperativista, e temor pela crítica dos partidos neutros apoiados pelos manifestos públicos, tivera que
retardar a dissolução ao máximo. Os debates em torno da questão "Quem possui o poder para dissolver a
Câmara dos Deputados; é o Legislativo ou o Executivo? " repetiam-se por longos períodos e isso envolvia a
grande maioria para desprestigiar o órgão político até chegar ao impasse.
Nesse momento, houve intervenção do Quartel General; os Três Partidos decidiram votos de não-
confiança contra o Gabinete no dia 23 de dezembro e finalmente a Dieta foi dissolvida.
A eleição foi marcada para o dia 23 de janeiro de 1948. Como se esperava, a crítica do público foi
severa e os Três Partidos foram derrotados. Consequentemente, o Partido Liberal Democrático obteve logo
a maioria na Câmara. O Partido Comunista aumentou para 35 representantes. Desse modo, houve uma
reviravolta no sistema político.
O final desse ano, também passou precipitadamente a "frígore".
A marcha da inflação, que era rigorosa, ia destruindo as últimas economias domésticas até ao seu
limite.
A sobrevivência tornava-se insuportável, mesmo com a "vida ao broto de bambu", se não se
recorresse a uma parcela do dinheiro de câmbio negro. A sociedade tumultuava-se como na iminência dos
bombardeios. Entretanto, essas insatisfações estavam sendo abafadas pelas pesadas pressões das Forças
de Ocupação. O povo teria que resistir mais uma vez.
As Forças Americanas na Ásia estavam retirando-se da linha de frente para tomar,
necessariamente, uma posição de defesa.
No dia 18 de dezembro, as Forças Comunistas chinesas ocuparam Pequim e começaram a
pressionar as Forças Nacionalistas para as margens do Rio Yang-tsé.
Nessas circunstâncias, os E.U.A. decidiram transformar o Japão numa defesa poderosa contra o
Comunismo.
No dia 18 de dezembro, o Governo Americano veio instruir a execução dos Nove Princípios para a
estabilização econômica.
Posteriormente, os Nove Princípios foram conhecidos como "Linha Dodge". Isso atuou na economia
japonesa como se fossem operações cirúrgicas de grande escala. Consequentemente, aquela pior inflação
transformou-se em deflação, porém, os sacrifícios que o povo pagou foram também enormes.
No dia 24 de dezembro, um dia após a decisão da Sentença de Execução do Tribunal de Tóquio, o
Quartel General libertou subitamente os outros criminosos de guerra da classe A.
Nobussuke Kishi e mais 19 suspeitos foram declarados inocentes, por falta de acusação, e foram
libertados.
Foi encerrado o primeiro estágio da ação punitiva das Forças Aliadas contra o Império Japonês.
Entretanto, a sobrevivência do povo piorava dia após dia. Absolutamente não permitia folga. Pode-
se dizer que decorreu uma época em que, para se comer, necessitava-se despender o máximo de esforço.
* * *
Nessa época, no dia do fim do ano, estava sendo realizada uma cerimônia de casamento no
Templo da Nitiren Shoshu, em Nakano. O noivo estava com 25 anos e a noiva com 23.
Desde há dois anos atrás, combinavam-se mutuamente quer nos amores ou nos pensamentos, por
isso os pais, não podendo mais deixar de reconhecê-lo, estavam aguardando ansiosamente o dia do
matrimônio.
A família da noiva pertencia à classe média e sofria, pois desejava realizar um belo casamento para
a filha. Porém, na época em que as economias estavam sendo massacradas, não podiam se preparar
suficientemente.
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No local da cerimônia, Templo Kankiryô, compareceram cerca de vinte parentes. Entretanto, não
haviam trajes a Kimono, muito menos comidas e nem cheiro de Sakê. Com muito custo, dizem que a
família, com um pouco de farinha que havia reservado, pediu ao padeiro que fizesse pão doce e distribuiu
um para cada pessoa.
Era o que os pais podiam oferecer a fim de manifestar seu afeto. Esse aspecto, hoje em dia, está
fora da nossa imaginação. Com isso, podia-se notar a vida diária do povo daquela época.
O casamento daquela época diz-se que foi uma infelicidade. Hoje, pode-se dizer que o casamento é
feliz.
Entretanto, mesmo aqueles que tiveram o seu casamento simples, muitos deverão estar felizes.
Enquanto que outros com um casamento luxuoso, poderão estar sofrendo de infelicidades. Isso é uma
realidade, apesar de que os desejos dos presentes e as palavras de felicitações do bonzo da Nitiren Shoshu
fossem os mesmos de hoje como em 1948, com os mesmos sentimentos de carinho e afeto.
***
Na véspera do Ano Novo, Jossei Toda estava tomando "sakê" na sua residência em Shirogane,
junto com sua esposa Ikue, brincando com o filho Kyoiti que se tornou ginasiano.
Estava bem humorado e mastigando o seu apetitoso arenque defumado proveniente de Hokkaido.
— Kyoiti, este ano usei de vez em quando a sua sala de estudos para as reuniões-de-palestras e
gostaria de pedir também para o ano que vem, concorda?
Kyoiti demonstrava ter sono. Provavelmente estava tentando ouvir através do rádio o ecoar dos
gongos do templo, à meia-noite. As pálpebras estavam pesadas e parecia mal humorado.
- Papai. Não posso emprestar na época dos exames.
- Nessas condições, pediria que usasse a sala de visita lá em baixo da escada.
- A sala de visita? Eu não gostaria. Papai, não posso estudar com o barulho das pessoas que entram e
saem pela porta.
- Kyoiti, desde quando você se tornou tão estudioso assim?
Sorrindo, com as pálpebras semi-cerradas, Toda rasgou um fragmento de arenque defumado e
ofereceu para o seu filho.
- Eu não gosto muito de arenque. Dito isto, Kyoiti devolveu esse fragmento no prato de Toda.
- Você não experimentou ainda algo tão saboroso como este! Meu filho, acho que ainda está
faltando estudos sobre o arenque.
Após um ano de luta exaustiva. . . Não poderia haver arrependimento para ele. O que desejava era
sentir o prazer do "sakê", nos curtos momentos de conforto familiar.
* * *
Nesse mesmo período, Shin-iti Yamamoto abriu o seu diário sobre a mesa, na sua moradia perto da
praia, em Morigassaki. O Ano Novo chegará na manhã seguinte e retornarão os dias de trabalho ao redor
de Toda.
Quando o novo ano viesse, ele trabalharia com Toda todos os dias. Com um estranho
pressentimento, ele começou a escrever:
"Ano de 1948!
"Os meus vinte anos já estão passando.
"Um ano de aflição. Um ano de intensa luta.
"Um ano para o Budismo.
Um ano de primeiro passo para a alvorada.
"As ondas bravias do Japão.
A grande convulsão mundial.
"Junto ao Mestre e com o Budismo,
Há somente uma luta rigorosa.

***

"Para a paz eterna e duradoura,


com a Ordem Suprema de Daishonin,
"Toda minha vida é devotada
à Revolução Religiosa.

"A luz do pirilampo e a neve da janela. . .


"Adeus, a todo o passado.
"Ressoavam os gongos
da nova propagação da Lei Mística."
(Do Diário da Juventude.)
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O Marco
O Ano Novo de 1949 chegou em meio à campanha eleitoral para escolher os deputados à
Assembléia Legislativa, pela terceira vez após a guerra.
Desde que a Câmara fora dissolvida, no fim do ano passado em 23 de dezembro, a campanha
eleitoral iniciou-se oficialmente no dia 27, visando o dia da votação marcado para 23 de janeiro.
Os esforços eleitorais não permitiam descansos, mesmo no dia festivo do primeiro dia do ano. Os
partidos políticos Democrático, Liberal Democrático, Socialista, Cooperativista, Comunista e Independentes,
no total de 1.364 candidatos, lutavam visando aos 466 lugares na Câmara.
Jossei Toda parecia estar alheio aos movimentos da campanha eleitoral. Terminando a
peregrinação do Ano Novo, empenhava os seus esforços, dias e noites, nas palestras e lições.
Perto dos locais das reuniões, ouviam-se as vozes dos alto-falantes dos carros de passeatas nas
ruas, transmitindo discursos que se realizavam nas campanhas eleitorais. Nas reuniões eram freqüentes os
participantes distrairem-se persuadidos forçosamente pelas vozes estridentes dos microfones. Muitas vezes
as reuniões eram obrigadas a serem interrompidas por esse motivo.
Somente nessas ocasiões é que Toda opinava algo sobre as eleições.
— Agora, todos os presentes devem estar pensando que a eleição é o assunto para os outros,
porém, chegará o dia em que nós deveremos lutar nas campanhas eleitorais. — Dentre os que estão aqui,
alguém deverá ser o candidato e todos deverão apoiá-lo a vencer com o nosso esforço. Caso contrário,
nunca conseguiremos realizar a paz e a felicidade de toda humanidade.
Todos estavam ouvindo desapontados, como se estivessem admirando a miragem de um futuro
muito distante. Nessa época, naturalmente, não podiam compreender o significado da relação entre a
Política, Religião, Eleição e a Paz Mundial.
— Atualmente, podem estar pensando que tendo fé e dedicando à conversão é por demais
suficiente. Não há dúvida que isso é fundamental. Entretanto, chegará o dia em que só isso não será o
suficiente. Certamente virá uma ocasião em cujo estágio não se permitirá dizer apenas se gosta ou não de
política. Eu detesto a política. Entretanto, se fora recomendação de Nitiren Daishonin, não poderemos estar
cogitando dessa maneira, pois isso está claro nos trechos do Gosho. Está escrito em evidência, como se
deve proceder na última etapa da paz mundial. Lendo esses trechos e analisando a estrutura atual da
política nacional,
não poderemos chegar a uma outra conclusão senão avançar, inevitavelmente, para o mundo político.
Essa não é apenas a opinião própria de Toda. Está claramente escrito no 'Sandai-hiho-Bonjoji',
Gosho sobre as Três Grandes Leis Secretas e em outros trechos. Ler ou não dessa maneira, é uma
questão de fé. Quem leu assim, durante os 700 anos? Somente Nikkan Shonin percebeu claramente sobre
essa questão fundamental.
— Não posso deixar de sentir o Testamento de Nitiren Daishonin como espetadas contínuas
em meu corpo, talvez devido à chegada do tempo...
Ele observou todos os presentes. Encontrou, porém, filas de faces desconfiadas.
Ele perdeu a palavra. No pensamento dos membros da Gakkai daquela época, nem se poderia
cogitar sobre a política. Em vez disso, os problemas imediatos da sobrevivência eram os mais
importantes para aqueles que aceitaram a fé e, portanto, os benefícios eram as questões de maior
importância. A questão era sobreviver de hoje para amanhã, e dessas, o mais importante era o presente.
Com mais ênfase, ele acentuou a voz, dizendo:
— Para tudo, é necessário atuar sobretudo com fé. Agora é necessário acumular
absolutamente muita boa sorte. Mais tarde chegará uma época assim. A eleição não seria
senão uma abanada de atividade para a Paz Mundial. Peço, guardá-la num canto da memória de cada um,
pois é a primeira tarefa que deverá ser executada na prática em prol da paz. Peço, portanto, que observem
bem de perto o que é realmente a política.
Alguns concordavam gesticulando silenciosamente. Outros permaneciam totalmente indiferentes ao
assunto.
Um rapaz extremamente curioso, levantou a mão e inquiriu:
— Mestre! Quando surgirá essa época?
— Bem! Como eu não sou o leitor da sorte, não posso afirmar o dia, o mês e o ano.
Entretanto, pode-se dizer que será certamente no futuro próximo. Com certeza, deverá perceber que surgirá
num futuro próximo, quando fizermos uma análise profundamente, uma vez iluminados pelos ditados áureos
de Nitiren Daishonin. Entretanto, se deixarmos escapar essa oportunidade, a paz mundial distanciar-se-á
cada vez mais de nós.
— Com o marco da derrota do país, de lá para cá, as condições para a paz mundial estão
amadurecendo cada vez mais. Isso é uma realidade. Tudo depende da nossa fé e do nosso esforço. Daqui
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deverão surgir dentro em breve os representantes para a Dieta, é necessário que surjam outros candidatos
de diversas regiões em todo o Japão.
— Pela causa da Lei Mística e da construção da nova era, tornar-se-á uma luta impossível de
ser derrotada. Não somente isso, os discípulos de Nitiren Daishonin deverão vencer absolutamente em prol
da paz eterna da humanidade, bem como a restauração da nação. Assim sendo, os "Três Obstáculos e as
Quatro Maldades" tornar-se-ão naturalmente fortes. Consequentemente a luta se tornará
multi-dimensional e multiforme. Serão necessárias decisões extraordinárias. Nessa ocasião, não deverão se
entregar à desistência e à deserção pela fraqueza da fé.
— Será uma luta gloriosa para os verdadeiros Apóstolos da Paz que virão surgir da Terra.
Nessa ocasião, vamos nos unir fraternalmente e marchar corajosamente? Sinto muito
por não poder responder exatamente quando será essa época, mas deixarei afirmado que será num futuro
bem próximo.
As vozes das campanhas eleitorais nas ruas já estavam se distanciando. Dezenas de participantes
olhavam-se uns aos outros.
— Então, entre os presentes, quem poderá ser o futuro representante para a Dieta? Até
parece uma comédia engraçada. Não há dúvida de que o impossível não poderá existir neste mundo, desde
que a fé é poderosa. Mesmo assim, quando se torna imprescindível o envio de representantes à Câmara,
quais seriam então os candidados? Nessa ocasião, os valores adequados virão se converter? Logicamente,
não se poderia admitir tal pensamento, pois, eles não virão.
— Apesar disso, parece não ser mentira, pois, são as afirmações de Nitiren Daishonin e o
senhor Toda diz o mesmo. Deve ser o fato para acontecer daqui a 30 ou 50 anos à frente. Apesar de dizer
que é para um futuro bem próximo, assim mesmo nunca poderá acontecer nesses cinco ou dez anos.
Sendo assim, parece que não poderá surgir um fato dessa natureza ainda em nossa existência. As
atividades em relação à conversão, vêm se tornando intensas. Apesar disso, a média é de cinco famílias
para cada Capítulo. Então, mesmo após cem anos, o número será insignificante. O senhor Toda está
pensando até nos confins do futuro, porém, isso não deve ter nenhuma relação com a nossa existência. . .
Assim, os participantes estavam ouvindo o assunto de Toda, como se fosse uma espécie de lição
doutrinária. Ouviam-se as descrições da miragem do futuro remoto, como se estivessem assistindo o
próprio sonho e não havia um que acreditasse nas suas palavras.
Entretanto, o "futuro próximo" não era tão distante como eles pensavam. Em 1955, seis anos após a
sua afirmação, a Gakkai iniciou sua cavalgada para a campanha eleitoral, visando à Dieta bem como às
assembléias regionais.
No ano seguinte, em 1956, seis pessoas dentre eles, se candidataram para disputar a eleição para
o Senado. Nessa ocasião, apesar da admiração e da surpresa de que a realidade da paz mundial estivesse
tão próxima, que a política se encontrasse tão perto, e como se estivessem saindo dos sonhos, eles
empenharam, intensamente seus esforços nessa luta, como a força das ondas bravias.
Decorreram dezoito anos desde essa época, e então, os 32 companheiros vêm lutando como
candidatos para a Assembléia Legislativa, na mesma época do Ano Novo e no meio dos ventos gelados,
junto com os milhões de companheiros, com atitudes corajosas, empenhando todos os esforços nessa luta
com a fé absoluta na vitória, para transformar o futurismo descrito por Toda em realidade.
Quando se pensa no brilho da alvorada sobre o mundo político longamente escuro e tenebroso,
sinto que pessoas daquela época, certamente, devem ter percebido no seu peito uma alegria como se
estivessem num mundo novo.
* * *
Pode-se dizer que a ira do povo contra a desacreditada política explodiu nessa eleição de janeiro de
1949.
A política democrática parlamentarista estava sendo aceita e almejada dentro e fora do país, como
o único remédio especificamente eficaz para que a nação pudesse levantar a sua restauração sobre essa
plataforma.
Era uma reação que se libertava dos pesadelos da política militar totalitária por mais de dez anos.
Apesar de que estivesse sob Ocupação Americana, o lema "A Nova Política Democrática" deve ter sido
naturalmente aceito como o sol que anuncia o clarão da madrugada.
Foi concedido o direito de voto para a mulher. Consequentemente, nasceram dezenas de
representantes femininas na Dieta.
O povo conseguiu, enfim, respirar o ar politicamente livre que nunca fora experimentado antes.
Dessa época em diante, se tivesse sido conservada uma boa política, poderia superar os sofrimentos e
dificuldades da derrota e até poderia se equiparar com as melhores nações, como um país pacífico e
moderno.
Em meio à penosa sobrevivência, o povo depositava toda a sua esperança na política democrática
que deveria realizar um bom governo.
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Entretanto, o Gabinete Ashida, formado pelos poderes coligados pelos Partidos Democrático,
Socialista e Cooperativista, provocaram incidentes como o caso Shoden e os escândalos pelas sucessivas
prisões dos seus assessores, fazendo criar dessa maneiras as indignações e as reações perante o público.
Assim, a única esperança do povo caiu no desespero.
— A política nos traiu outra vez! A raiz do descrédito político era profunda e o povo
resguardava a ira, aguardando a eleição final.
O resultado da votação do dia 23 mostrava a fragorosa derrota dos coligados e a esmagadora
vitória do Partido Liberal-Democrático e Comunista.
O partido Liberal-Democrático, liderado por Yoshida, que possuía 152 representantes no momento
da dissolução, aumentou 112 com a eleição, totalizando 264 e conseguiu de uma vez a maioria absoluta na
Dieta.
O Partido Socialista, que no momento da dissolução estava com 111 cadeiras, após a eleição caiu
para 48. O Partido Democrático, de 90 passou para 69, e o Partido Cooperativista diminuiu de 29 para 14.
Os partidos com tendências socialistas foram derrotados fragorosamente e o Partido Comunista pulou de 4
para 35 representantes.
Em suma, obtiveram sucesso apenas os Partidos Liberal-Democrático e Comunista que não tiveram
compromissos com a política de coligação. A espantosa diferença da vitória e da derrota nessa eleição
ultrapassava muito além da previsão anunciada nos jornais anteriormente.
O Partido Liberal-Democrático lutou com o lema: "A Liberdade Brilhante ou o Controle Tenebroso".
Esse lema, para o povo que estava indignado com os sucessivos "casos de política" e com a política
burocrática desde o tempo da guerra, foi aceito e refletido como se fosse um mundo cor de rosa.
A liberdade, anseio intuitivo do homem, deve ser afirmada como a virtude mais digna para levar
uma existência livremente vivida com o desenfreado despreendimento da personalidade humana.
Entretanto, a liberdade irresponsável não é a verdadeira liberdade e, portanto, não se deve permitir atos
degenerativos que levam o povo para o mergulho na infelicidade.
Nessa época, os compromissos públicos para o Plano Econômico-Democrático foram destinados ao
engavetamento pela execução dos Nove Princípios Econômicos ou Plano Dodge, ordenados pelas Forças
de Ocupação. Apesar disso, o povo foi depositando cada voto limpo a favor dos novos candidados do
Partido Liberal-Democrático, manifestando o protesto contra os escândalos e os sucessivos "casos de
política" dos velhos políticos. No Partido Liberal Democrático, que mostrou o aumento súbito de 112
representantes, foram incorporados números funcionários-burocratas. Entre eles estavam Hayato Ikeda e
Eisaku Sato. Analisando retrospectivamente, a origem do fenômeno político-burocrático, sem participação
popular, que durou até hoje por mais de 20 anos, teve a sua raiz no "Premier" do Partido Liberal-
Democrático, Shigueru Yoshida.
O espírito do povo distanciou-se dos Partidos Socialista, Democrata e Cooperativista e, portanto,
perdeu simpatia por qualquer exigência ideológica e promessa política. O avanço do Partido Comunista
Japonês talvez foi devido ao desvio de votos em massa, pelo descrédito dos eleitores ao Partido Socialista.
Entretanto, parece que a mudança da situação internacional desencadeou também esse desvio. Na China
Continental, o governo comunista varreu as forças nacionalistas do norte do rio Yang-tsé e chegou até a
impor condições para a rendição ao General Chang-Kai-Chek, no dia 14 de janeiro.
Os três milhões de votos resultantes e o sucesso de 35 representantes eleitos pelo Partido
Comunista, devem ter sido, sem dúvida, uma vitória inesperada, mesmo para os comunistas. Entretanto,
isso não quer dizer que os comunistas conquistaram todos os votos dos socialistas. O Partido Socialista
perdeu 12,8% do eleitorado em relação à votação anterior e dessa, apenas 5,9% foi para o Partido
Comunista. Portanto, o sucesso do Partido Comunista não foi propriamente o seu mérito e pode-se notar
que as circunstâncias alheias, como a mudança da situação mundial e a degenerescência do Partido
Socialista, levaram ao seu êxito.
O General Mac Arthur anunciou imediatamente o resultado dessa eleição, com satisfação:
"Os povos do mundo livre, em qualquer lugar e onde estiverem, devem estar satisfeitos com a
última eleição realizada com entusiasmo e ordem que demonstrou a clara e decisiva responsabilidade para
a filosofia política dos conservadores, diante do perigo que ameaça a história da Ásia."
Em última análise, ele ficou satisfeito com o estabelecimento do poder conservador de Yoshida.
Entretanto, preocupava-o secretamente o "perigo asiático", pressentindo que o Japão iria ser envolvido um
dia pelas ondas adjacentes de revolução chinesa. A situação mundial criava perigo aos EUA, porém, talvez
ele estivesse contente no seu íntimo, sabendo que o Japão estaria amparado especialmente, como sendo
uma fortaleza anti-comunista da linha da defesa avançada.
Jossei Toda, vendo a situação política inversa, resultante dessa eleição, sentiu bem de perto a
tendência da opinião pública. O povo é inteligente. Os líderes que julgam o povo como sendo sempre tolo
serão um dia depostos. Devem estar sempre atentos e conscientes dos anseios e do destino das ondas do
espírito do povo e das massas. O que consegue captar o espírito das massas, não é delegar ou mandar,
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nem organizar, ou sistematizar apenas. Se as condições forem satisfatórias, o espírito do povo
entrará total e naturalmente dentro do organismo que o satisfaz.
A Paz Mundial, que parece ser uma obra de realização extremamente difícil, está em jogo a questão
do tempo e da condição, e toda sua dificuldade e seu sacrifício está em "como criar".
Para uma longa jornada de mil milhas, apesar de extremamente penosa, não há outro meio senão
conquistar passo a passo sem medir sacrifícios. Portanto, somente com os imensuráveis sacrifícios dos
líderes é que poderão coordenar as condições e trazê-las ao tempo.
Ele estava premeditando e jurando sozinho no seu íntimo, que nunca iria medir sacrifícios em
quaisquer condições.
***
Num dia de frio, fim de fevereiro, no descanso após o almoço, Toda perguntou sobre a reunião da
noite.
— Há reunião-de-palestra em Tsurumi hoje a noite? Eu irei, então.
Olhando o programa, Yuzo Mishima disse a Toda, que aceitou a participação por iniciativa própria.
— Mestre, pelo programa, o senhor está destinado a ir até Suguinami hoje à noite. Tsurumi
está a cargo de Harayama e Seki.
— E o senhor, aonde vai?
— Irei a Unoki, na casa de Konichi.
— Concordo. Unoki está seguro em torno de Konichi. Por favor, vá no meu lugar até
Suguinami, que eu irei a Tsurumi.
Toda estava muito preocupado com a situação em Tsurumi, pois se interessava pela família de Koji
Morikawa, o convertido mais antigo do bairro.
No outono passado, Morikawa perdera subitamente o seu emprego. A sua fé parecia não estar
perturbada, graças à orientação de Toda, porém, nesse ano quase não via a sua presença.
Recentemente, ele soube da notícia de que Morikawa abrira um restaurante. Toda estava
impacientemente preocupado pelas condições da sua vida diária em torno da fé.
Não somente isso, Morikawa que praticava fervorosamente e por que razão foi despedido de
repente?. . . Mais do que ele, talvez Toda estivesse lembrando visivelmente dos recém-convertidos de
Tsurumi que estivessem perturbados por esse motivo.
Há líderes que lutam atirando-se nas infelicidades das pessoas que sofrem. Há, também, dirigentes
que, por outro lado, vão somente nadando sagazmente, procurando montar sobre as ondas da fama,
evitando as pessoas infelizes. O público em geral acha que os últimos são os grandes. Que figura ridícula!
Uma vez decidida a sua ida para Tsurumi, Toda descansava enquanto fumava. Nesse momento,
subitamente, apareceu um jovem de Kamata, para trazer algumas comunicações.
Lá fora, o vento frio soprava entre os galhos desfolhados. O jovem, com a máscara, estava de volta
do trabalho. Toda chamou-o nesse instante.
— Por acaso vai trabalhar ainda hoje?
O jovem, olhando o seu relógio, respondeu:
— Não senhor. Como já perdi a hora, só poderei voltar para casa.
— é? Estou agora pensando em ir a Tsurumi e o senhor não quer me acompanhar para uma
palestra na casa do Morikawa?
— Reunião? Sim, irei junto, mas. Mestre, além de Morikawa, no momento, Tsurumi está em
situação desesperadora!
O jovem de Kamata já sabia a respeito das tumultuações dos seus companheiros em Tsurumi. Por
serem amigos, devem estar preocupados.
— Pois bem. Iremos já.
Toda levantou-se imediatamente, ouvindo o final da narração do jovem. Os empregados do
escritório trocavam olhares misteriosos por causa da rara saída antecipada de Toda. Ele vestiu a capa,
colocou o boné em sua cabeça e saiu do escritório acompanhado pelo jovem. Em torno deles parecia haver
um clima de ternura, como o de pai e filho, o de mestre e discípulo, ou então, entre amigos.
De Suidobashi foi a Shinagawa de bonde da Nacional; em seguida pegou o trem do Expresso
Keihin e desceu na estação do mercado de Tsurumi. Eles foram passando pelas ruas de lojas a passos
rápidos até à casa de Morikawa. Ao chegarem, as ruas ainda estavam claras.
Esse local, que atualmente se tornou um bairro congestionado de pequenas moradias, naquela
época ainda permitia apreciar a paisagem pastoril próxima ao litoral. Havia terrenos baldios transformados
em hortas e atrás da casa estendiam-se os arrozais. O rio Tsurumi, que corria perto, inundava
freqüentemente.
Com a inesperada visita de Toda, Morikawa perturbou-se, talvez pela sua alegria ou pela surpresa.
- O Mestre veio! Chegou o Mestre Toda!
Chamando a sua esposa que estava no restaurante,
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Morikawa ia à frente conduzindo Toda pelas estreitas escadas acima e falando "por favor, por
favor".
Era uma sala do sobrado, onde se realizavam as palestras. Toda subiu a escada constrangido e
encolhendo a sua estatura longilínea, dizendo ao jovem que seguia atrás:
- Que sobrado interessante! A porta é estreita. Tome cuidado com a cabeça.
A sala desse sobrado era estreita e longa e achava-se um pouco inclinada, exatamente como a
Torre de Pisa. Ao sentar, sentia forçosamente a reação da gravidade do peso corporal. Como era cedo
ainda, ninguém estava presente.
Após os cumprimentos, Morikawa olhou Toda com saudades.
- Mestre! Como o senhor conseguiu chegar tão cedo assim?
Em vez de responder, Toda concordava com seus gestos em silêncio procurando tirar o cigarro do
seu bolso. Disse em seguida:
— Como vai? Todos estão fortes?
Parece que estas palavras não alcançaram os ouvidos de Morikawa. Perturbado ou talvez
esquivando-se da visita de surpresa e, apesar disso, com a fisionomia forçosamente séria, Morikawa,
olhando para fora através de uma pequena janela, murmurou:
- Mestre! Este ano as colheitas de trigo serão excelentes!
Como disse ele, havia plantações de trigo no outro lado da janela. Os brotos de trigo que resistiram
ao inverno, estavam coloridos em verde brilhante.
O jovem, embaraçado, não conteve mais o riso. Toda riu também, desfazendo a seriedade.
— É isso mesmo! Irão acertar em cheio a colheita de trigo nesse ano!
Morikawa, contente com o vigor do crescimento do trigo, apesar de estar desempregado, era o
Morikawa de sempre. Sua atitude era serena e inabalável pelos ventos da primavera.
- Está bem, não há o que preocupar. - Toda
encarava-o desse modo.
***
Koji Morikawa converteu-se em 1941. Em outubro de 1942, quando ele perdeu um filho, o primeiro
Presidente Tsunessaburo Makiguti compareceu especialmente para a cerimônia fúnebre e assim ele o
conheceu. O seu irmão mais novo também converteu-se e esperava-se que ele se tornasse dirigente muito
cedo. Em junho de 1943, quando a Soka-Kyoiku-Gakkai estava sendo perseguida pelo governo militar, o
seu irmão mais novo foi detido em Kanagawa. Entretanto, com a oposição da família, ele abandonou a fé e
deixou a prisão. Desde então, a região de Kanagawa estava desligada, mesmo após a guerra.
Kazumassa, o filho mais velho de Koji, era um jovem de após-guerra com os seus objetivos
perdidos nas ondas bravias da sociedade tumultuada.
Às vezes, ele lembrava de Tsunessaburo Makiguti que vira uma ou duas vezes na sua infância.
Havia sido gravada na sua memória uma surpresa, quando Makiguti disse para o seu pai: "O Preceito
Educacional do Império é o mais rudimentar. .." Ele esqueceu completamente por que motivo Makiguti
dissera aquilo, mas as suas palavras não foram esquecidas.
Quando Kazumassa reconheceu realmente a inferioridade do Preceito Educacional do Império,
após a guerra começou a perceber que na sua casa havia o Gohonzon supremo da fé. Com surpresa,
nessa ocasião propícia, ouviu a notícia de que o Diretor Geral Toda iniciava a reconstrução da Gakkai em
Kanda, Tóquio. Sozinho, ele procurou Nihon-Shogakkan, a fim de encontrar-se com Toda.
Uma vez transmitido o motivo da visita, foi à sala da redação situada no primeiro andar. Toda
estava sentado na cadeira de palha, vime, vestindo apenas um calção e abanando-se com o leque. Era
início de outubro de 1946 e o calor remanescente ainda caia rigorosamente ao meio dia.
— Olá, filho de Morikawa em Tsurumi 1 Hoje está oor demais quente. Não está sentindo calor? Tire a
roupa 1

Kazumassa também estava sentindo calor. Tirou a sua camisa molhada de suor. Apareceu a
metade superior do seu corpo ainda em forma pueril. Esse primeiro encontro foi realmente informal de corpo
a corpo.
Kazumassa trabalhava de dia na fábrica de concerto de pneus das Forças de Ocupação e
freqüentava o curso superior à noite. Toda lançou olhares de ternura sobre esse universitário adolescente.
Em seguida, começou a ensinar súbita e sucessivamente a filosofia-da-vida. Escreveu "Os Dez Estados da
Vida" no papel e procurava fazer compreender a magnificência do Gohonzon através das explanações
minuciosas e delicadas.
Kazumassa, que não estava acostumado a ouvir os termos budistas, não podia compreender o
assunto senão com muita dificuldade, porém, o entusiasmo de Toda envolvia totalmente o seu corpo e a
tranqüilidade do seu caráter. Não seria a expressão do sentimento de amor fraternal através do
diálogo? Ou seria um diálogo envolvido pelo amor benevolente?
O jovem Morikawa ficou emocionado. Parecia que novos horizontes iam se abrindo visivelmente.
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— Venha sempre daqui por diante. Há muitos amigos seus. Yamadaira, por favor. . .
Chamou Tyuhei Yamadaira que estava descansando por alguns minutos do trabalho de redação e
em seguida apresentou-o para Kazumassa. Talvez Toda estivesse pensando que o mais importante é
possuir um bom amigo e um excelente veterano.
— Senhor Yamadaira, como parece que está um pouco folgado, peço ensinar a "Filosofia do
Valor" para o Senhor Morikawa da maneira mais compreensível.
— Sim, senhor.
Yamadaira, com o seu estilo estudantil, sorriu por um instante e voltou-se à mesa. Kazumassa foi
atrás e, em seguida, sentou-se à sua frente.
— O homem vive à procura de que? Por acaso o senhor pensou nisso?
Assim começou o diálogo entre os dois jovens. Kazumassa compenetrou-se no seu pensamento.
Yamadaira olhava silenciosamente. Foi grotesco e extremamente desajeitado esse primeiro encontro entre
esses dois jovens.
Kazumassa respondeu contorcendo o pescoço.
— É, sem dúvida, a felicidade; não seria naturalmente vida feliz?
— Sim. Logicamente seria isso mesmo. Porém, o que o homem procura para ser feliz? O
que ele procura concretamente? Qual é a sua opinião?
— É o valor. O homem procura o valor. . . a vida humana, pode-se dizer, consiste na criação
do valor.
Prosseguiram o árido diálogo. Em seguida, o assunto girou em torno das teorias abstratas. Apesar
disso, ele conseguiu conhecer de um modo geral os termos: valor, anti-valor, Verdade-Bem-Belo. Além
disso, pela primeira vez chegou a saber que o autor desta "Filosofia do Valor" foi o Presidente Makiguti e,
assim, teve a sensação da saudade indefinível por ele. Kazumassa procurou despedir-se de Toda,
antes de voltar. Vendo isso, Toda disse:
— Já vai? Por acaso o senhor já conversou com os outros a respeito da fé? Toda replicou
gentilmente.
— Ainda não tive a oportunidade.
— Deverá ensinar aos amigos infelizes. Se não sabe falar, leve Yamadaira ou outro qualquer.
— Sim, Mestre. O senhor poderá vir conosco. Tão logo falou dessa maneira, ele se
arrependeu pensando que a sua atitude fosse atrevida.
Era o desejo franco de um jovem. Toda gostava muito disso.
— Eu? Sim. Irei. Se comparecerem muitos amigos e vizinhos nas reuniões, avise-me o quanto
antes. Entrose com o seu pai e vamos fazer uma palestra em larga escala, não é mesmo?
Toda nunca recusou pedidos sinceros dos jovens. Mesmo os desejos inexequíveis, aceitava
graciosamente, embora sofresse conseqüências desastrosas posteriormente. Repetia sempre as mesmas
façanhas, rindo e dizendo que foi uma experiência terrível. Os jovens abusavam e aproveitavam sempre da
sua bondade inocente, porém, com o passar do tempo, a magnanimidade com que deixou os jovens à
vontade foi motivo para a criação dos valores humanos.
— Peço por favor. Muito obrigado.
Kazumassa Morikawa saiu do escritório de Nihon-Shogakkan sorridente. No seu bolso estava
guardado cuidadosamente, aquele papel com a inscrição dos Dez Estados da Vida. Ao chegar em casa,
abriu aquela folha e anunciou ao seu pai a respeito da entrevista com Toda. Koji, seu pai, espantou-se
dizendo:
— Isso é grave! Como resolveremos essa questão extraordinária? Para promover palestra,
precisamos reunir numerosas pessoas!
— Não faz mal papai. Eu convidarei muitos amigos meus.
— Conforme as experiências que eu tive no passado, sabe-se que não é fácil reunir as
pessoas em torno da fé. Não é como o teatro folclórico. Qual é a promessa que você fez? Que maçada!
— Papai, não se preocupe.
— Então, eu lavo as minhas mãos.
Assim começou o primeiro passo para a construção de um Capítulo que mais tarde se estendeu a
dezenas de milhares de famílias.
Pai e filho foram procurar os amigos e os parentes e, enfim, tiveram promessas da participação de
mais de vinte pessoas. Quando eles sentiram que a maré estava a o seu favor, já era janeiro de 1947.
Uma vez comunicada à sede, Toda compareceu junto com diversos dirigentes. Chegando na
hora ma rcada, nenhum convidado havia comparecido. Kazumassa correu desesperado para fora de casa
e com muito custo apresentou dois convidados.
Iniciou-se a propagação.
Era uma época de transtornos nevrálgicos de após-guerra. Um amigo que foi pressionado por
indagações sucessivas, ficou furioso.
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— Eu não vim aqui para ser humilhado. Morikawa, que satisfação você me apresenta?
Kazumassa não teve saída. Vendo isso, um dos dirigentes começou a rir. Quem sabe, isso foi
interpretado como um sorriso amarelo. O amigo levantou-se e retirou furiosamente.
Toda observava essa cena, fumando um cigarro. Em seguida, procurou incentivar Kazumassa que
se encontrava desanimado.
— Kazumassa, conversão hoje em dia é assim como você está vendo. Não há com o que se
preocupar. Estamos na Era de Mappo. Na realidade, aquele que contraria energicamente é o que mais
depressa poderá ser salvo pela reação-inversa ou "Gyakuen" e pela reação do veneno ou "Dokku-no-en".
Voltarei outra vez.
Kazumassa sentiu-se aliviado. A perspectiva de uma reunião em larga escala foi traída
surpreendentemente. Enquanto acompanhava Toda e a comitiva até à estação para a despedida, ele
pensou: "Se aquele dirigente não tivesse rido, o meu amigo não se retiraria indignado. Qualquer um se
revoltaria com aquela atitude, uma vez que comparecesse à reunião após tanto esforço. Eu deixei o meu
amigo envergonhado. Daqui por diante eu devo agir com muita prudência."
Pensando dessa maneira, Kazumassa também começou a ficar revoltado. Em seguida, perguntou a
um dirigente que caminhava ao seu lado:
— O mais importante na reunião não seria o ambiente? Humilhar os convidados durante a
palestra não trazia resultados negativos?
O dirigente virou o seu rosto e lançou seu sorriso mais amarelo ainda.
— Está criticando? Aguarde. Logo compreenderá. O veterano disse apenas isso.
Kazumassa ficou mais desgostoso.
À noite, ele mergulhou no acolchoado. Não conseguia dormir. Mal vinha o sono. Algo o fazia
acordar. Enquanto isso, a casa toda ficou cheia de fumaça. O acolchoado que cobria o aquecedor estava
começando a levantar chamas. Eie acordou aos pulos, fez levantar a família inteira e apagou o fogo jogando
água.
Vendo o acolchoado queimado, ele percebeu imediatamente.
— Isso não seria uma prova real? Não seria a punição? O acolchoado ficou queimado. Apesar
de não se transformar num incêndio, 'não resultou benefício algum. Foi um prejuízo. Logicamente,
seria um castigo.
Meditava sozinho, de braços cruzados, no meio do quarto cheirando a queimado.
— Aquele veterano disse que estava censurando. Qual é a diferença entre a crítica e a opinião
sincera? Desde então estava inconscientemente detestando a Gakkai. Isso seria, talvez, o ódio que eles
chamam de "Onshitsu". — Dessa época em diante, Kazumassa ficou neurastênico e cauteloso. Entretanto,
Koji, seu pai, lembrando talvez os tempos de Makiguti, encorajava-o dizendo: "Mesmo que seja castigo, o
mais importante é obter a prova real. Enquanto prosseguir a devoção da fé, logicamente surgirá o benefício.
Isto é uma certeza."
Continuou freqüentando a reunião mensal. Os convertidos foram aumentado em número. Koji
começou a freqüentar as lições em Tóquio. Nos dias de lições, três vezes por semana, quando chegava à
tardinha, encerrava apressadamente o seu serviço em Yokohama, a fim de dirigir-se para Kanda.
Apesar de estar um pouco idoso, em sua fisionomia transparecia vividamente um estranho
desenvolvimento. Freqüentava assiduamente as reuniões. Enquanto isso, as relações de amizade entre os
companheiros de trabalho distanciavam-se.
Desse modo, passaram-se os tempos — cerca de um ano. Um dia, no outono de 1948, Koji
Morikawa preocupou-se com algo misterioso: "Afinal, até que nível atingiu a minha fé? Devotei-me de
acordo com as minhas possibilidades, porém, agora não entendo mais nada. A fé não possui a forma e a
sombra. Não poderá haver um método que possa avaliá-la? "
Enquanto isso, preocupava-se sozinho, sem que pudesse consultar alguém. Um dia foi chamado
por Toda, numa noite após a aula.
- Senhor Morikawa, hoje tenho um assunto a dizer-lhe. . . Por favor, sente-se.
Indagando consigo qual seria o assunto, ele ficou esperando por muito tempo na frente de Toda.
Encerrando a orientação individual e a entrevista pessoal de vários membros, Toda dirigiu-lhe a
palavra, desculpando-se reiteradamente.
- O assunto não é nada extraordinário. Estava pensando que já está na oportunidade para
que o senhor seja solicitado para ser Diretor. Que tal?
Koji Morikawa desconfiou dos seus ouvidos.
- Eu...?
- Sim.
- Mestre, é impossível!
- Por que?
Koji perdeu a palavra.
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— Não quer?
— Nada disso. Isso é impossível. Na realidade, os meus estudos sobre o Budismo não nulos.
Apesar de que venho me devotando decididamente, o tempo é curto e, além disso, a minha fé não está à
altura de corresponder este cargo.
Toda sorrindo disse:
— O senhor reconhece o grau da sua fé. Que maravilha!
— Não, senhor. Não entendo nada.
Morikawa, riu, também.
— Não se preocupe, senhor Morikawa. Fique tranqüilo. Terá sempre o meu apoio.
— ...
Para Koji não havia mais o que falar. Não era por motivo de modéstia e nem por hesitação. Parecia
que a circulação cerebral fosse abruptamente interrompida pela súbita e inesperada entrevista, como que
caísse do céu e que viesse boiar sobre as águas.
— Não é necessário decidir agora. Peço que vá se
preparando para o momento oportuno.
Toda parecia falar gentilmente para Koji que estava perturbado.
Na volta, retomando a serenidade no interior do bonde, Koji sentiu uma profunda emoção. "Mestre
Toda está me reconhecendo. Eu serei Diretor? Será verdade? Até que ponto chegou a minha fé!"
O seu sentimento era o de gratidão, pois aquele desejo íntimo de avaliar o grau da sua fé foi
alcançado daquela maneira.
No interior do bonde que se movia aos solavancos, sentia-se extasiado. Desceu do bonde e foi
andando em direção à sua casa. No caminho, de repente, surgiu um pensamento.
"Essa hora é a mais importante. Diz-se que o demônio vive no mundo da alegria e, assim sendo,
seria penoso para mim se aparecesse uma punição severa. Sejam quais forem as maldades que
aparecerem, derrotá-los-ei seguramente".
O pensamento e a convicção dessa natureza passaram pela cabeça por um instante. Porém, logo
em seguida, desapareceram.
Com entusiasmo e otimismo entrou em casa, passando pelo pavimento de pedra. A família dormia
em meio ao silêncio. Olhou o seu relógio, fez a liturgia do Gongyo com uma seriedade excepcional e
dormiu.
No dia seguinte ao sentar-se diante da mesa do escritório da Cooperativa de Crédito, foi informado
de que o seu Diretor Geral desejava comunicar algo. Dirigindo-se à sala do Diretor Geral, o mesmo
ofereceu-lhe a cadeira dizendo:
— Bom dia. Falando francamente, desejaria que o senhor se demitisse daqui. Apesar do aviso
repentino, peço que aceite a decisão da Cooperativa, deliberada após
minuciosos estudos.
Era como um trovão em pleno céu azul. Koji ficou desapontado. Em seguida, observou a face do
Diretor Geral que lhe despachou asquerosamente o ultimato e perguntou:
— O que significa isso? Por que razão devo pedir a demissão?
— Naturalmente, não poderia deixar de haver motivos, mas vamos deixar de entrar em
cogitações? Na situação em que nós chegamos, seria inútil dizer qualquer coisa e isso apenas serviria para
nos aborrecermos. Vamos despedir limpos? Como Diretor Geral, dedicarei com o máximo de atenção
quanto à indenização e as demais conseqüências.
Falando com astúcia de um velho lobo, o Diretor Geral impôs taxativamente a sua decisão sobre
ele. Foi uma imposição inteiramente arbitrária. Um velho empregado com 17 anos de serviço é despedido
de repente, inocentemente na manhã de um certo dia. Isso não seria um golpe por demais maldoso? Koji
Morikawa que sempre fora gentil, ficou furioso. Em seguida, a sua atitude tornou-se desesperadora.
— O que o senhor está falando? Eu não trabalhei até agora nesta Cooperativa como
divertimento. Embora o senhor diga que "vamos encerrar o assunto" ou que me mande embora, o caso não
poderá ser acabado como um jogo do xadrez. Por acaso, poderá acusar de algum erro da minha parte?
O Diretor Geral ficou perturbado.
— Não. Não é por esse motivo. Para o bem do futuro da Cooperativa, eu pediria que o senhor
concordasse de qualquer maneira. A situação ficaria difícil se o senhor se exaltasse.
— Eu não estou me exaltando. Peço que esclareça então, o que entende por "bem do futuro
da Cooperativa".
A respiração furiosa envolvia Koji. Estava um pouco pálido. Seu olhar obrigara o afastamento dos
olhares do Diretor Geral.
— Por mim, não desejaria responder ao senhor, que trabalhou aqui por longo tempo.
Entretanto, como o senhor é teimoso, direi então, os motivos. Em primeiro lugar,
ultimamente, o senhor está se entusiasmando por demais na sua fé mas, para a Cooperativa, apesar da sua
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devoção na fé, seria indesejável se o senhor não se compenetrasse cada vez mais no trabalho. Em
segundo lugar. . .
Morikawa, subitamente interrompeu:
— Então, por acaso negligenciei no trabalho com pretexto na intensificação da fé?
— Por favor, ouça-me até o fim. Em segundo lugar, em nosso convívio durante vários anos,
infelizmente, as nossas opiniões não foram concordantes. Como o senhor sabe, a Cooperativa está como
que na porta do abismo. As discordâncias de opiniões trariam resultados negativos na sobrevivência da
empresa que atravessa momentos difíceis.
O Diretor Geral relatou minuciosamente a situação financeira precária.
Morikawa não estava fora do assunto. Na Cooperativa havia um diretor que era detestado pelos
demais. Era o proprietário de uma grande área no subúrbio e possuidor de uma grande parte das ações da
Cooperativa. Além de avarento, era arrogante e todos tiveram dificuldades nos tratos com ele. Somente
uma pessoa correta e sincera como Koji Morikawa podia enfrentá-lo diretamente e, por conseguinte,
surgiam choques sucessivos. Com a desvalorização da moeda, após a guerra, não havia dinheiro
que fosse suficiente. Todos sabiam que o ritmo da Cooperativa aceleraria pomposamente, se conseguisse
crédito em abundância.
Os interesses do Diretor Geral e do proprietário coincidiram um dia. O Diretor Geral esperava um
investimento em grande escala pelo proprietário. Então, o proprietário, que naturalmente era um calculista
hábil, deve ter imposto numerosas condições. Uma delas certamente deve ter sido a demissão de Koji
Morikawa, que sempre foi considerado por ele como um antipático. Parece que o Diretor Geral, com sua
astúcia no desejo de obter mais dinheiro, concordou com ele. A discordância entre Morikawa e o Diretor-
Proprietário foi, agora, transformada repentinamente em choque entre Morikawa e o Diretor Geral. Desse
modo, ele se tornou um inimigo único.
A situação se tornava bem mais clara. Ele interrompeu a explanação cansativa do Diretor Geral
dizendo:
— Assim sendo, o senhor quer dizer que eu estou dando más influências no andamento da
Cooperativa?
— Não. Não é isso. Peço que não interprete erroneamente. O senhor nunca trouxe más
influências. Somente que, de acordo com a situação atual, vai ser mudada uma parte do poder na Diretoria
da Cooperativa.
Percebeu intuitivamente que o assunto não havia relação alguma com a conduta da fé. Entretanto,
por que razão logo ele vem implicando com a devoção da fé? . . .
— Em última análise, pode-se prever as influências desagradáveis no progresso da
Cooperativa daqui para frente. Se o senhor não consegue se conformar com isso,
não poderia pedir a sua demissão, fechando os seus olhos, pelo menos temporariamente? Peço, por
favor. .. Penso que as condições para o reingresso poderão ser criadas oportunamente. Peço concordar
inteiramente nesse ponto, reconhecendo quem sofre penosamente.
O Diretor Geral tentou com a cilada do choro. A reação de Morikawa deve ter sido inesperada.
Nervoso como era, Morikawa se levantou e disse:
- Está bem. Tenho algo a consultar. Após então, responderei.
O Diretor Geral estava falando algo em voz alta. Entretanto, ele que estava saindo da sala, não deu
ouvidos para isso. Os empregados estavam surpresos diante dessa cena incomum.
Assim como os filhos mal tratados correm para os braços maternos, Morikawa de cincoenta anos
correu apressadamente aos amparos de Toda.
No caminho, retomada a sua consciência tranqüila, ele pensou inicialmente na sua família que iria
se surpreender e lamentar as conseqüências. Tinha muitos filhos, e para criá-los deveria trabalhar mais.
Somente o filho mais velho estava trabalhando, mas apesar de que estivesse na sociedade, podia cuidar
apenas da sua vida. Para fazer os outros filhos tornarem-se independentes na sociedade, o que deveria
fazer?. . .Não poderia jamais chorar diante daquele Diretor Geral ou implorar abaixando a cabeça para o
Diretor-Proprietário a fim de pedir desculpas. Mesmo que permanecesse no emprego com paciência e
perseverança, mais cedo ou mais tarde haveria choque. Não podia tomar atitudes submissas. Assim sendo,
um dia teria que deixar a Cooperativa. "Sim. Eu deixarei" Ele decidiu dessa maneira. Não possuía nenhuma
previsão quanto à sobrevivência após a sua demissão. Dentro da ira e da insegurança, ele estava sem
saber o que fazer.
Reagia energicamente sabendo que isso seriam os Três Obstáculos e as Quatro Maldades.
Aproximou-se do escritório de Toda.
Nesse momento, a sua fé devotada e sincera por mais de um ano e meio, fez flutuar subitamente na
sua consciência, um dos ditados áureos de Nitiren Daishonin: "Após os grandes males, virão os grandes
benefícios."
"Com certeza, isso deve ser um grande mal na minha vida. Assim sendo, sem dúvida, virá um
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grande benefício." Realmente, era um raciocínio lógico proveniente de uma fé convincente.
Koji Morikawa entrou no escritório da Nihon-Shogakkan com entusiasmo.
- Oh! Senhor Morikawa. Como veio tão cedo hoje! Por acaso, havia negócios em Kanda?
Toda chamou-o sorrindo.
- Mestre! Na verdade. .. E, em seguida, Koji começou a relatar, francamente, os episódios
ocorridos na manhã do dia.
Foram desaparecendo os sorrisos da face de Toda. Ele ouvia com atenção, transformando a sua
fisionomia em seriedade fora do comum.
Meditou profundamente, em silêncio, por um certo período e, após então, ele disse:
- Está bem. Já entendi. . .
Em seguida, respondeu em poucas palavras, se isso significaria a demissão e perguntou olhando a
fisionomia de Koji.
- Quantas pessoas há na sua família?
- Somos em oito.
- Oito pessoas? Os filhos são muitos. Isso seria
penoso!
Na voz de Toda, continha a ressonância de ternura indescritível. Koji reconhecia a sua alegria. Em
seguida, quando viu a fisionomia de Toda, sentiu inesperadamente o nascimento da coragem e da
convicção dentro de si e então
disse:
- Mestre. Sem dúvida, a situação é séria. Apesar disso, desejo persistir absolutamente na
devoção da fé, até o fim, mesmo que seja necessário viver só bebendo água.
- Compreendi. Toda falou com afirmação incisiva, como se estivesse esperando essa
resposta.
- Vencer ou não, através da fé! Consiga. Qual será o resultado no futuro? Prossiga a
devoção da ré pura, a partir do marco zero. ..
Era a manhã do dia seguinte e, ao mesmo tempo, a manhã do mesmo dia. Apenas em dez horas e
pouco, o destino de Koji Morikawa fez uma reviravolta de 180 graus. Assim como disse Toda, ele seguia
sem ser perturbado com o modo de transformação. Estava solidamente decidido de que iria manter a sua
fidelidade no que se chama "o eixo da fé". A Cooperativa para ele, nada mais seria senão o
organismo para a sua resignação.
Koji retornou à Cooperativa e conseguiu entrevistar-se serenamente com o Diretor Geral. Estava tão
calmo ao ponto de ouvir a indagação pretenciosa do Diretor Geral.
— Por acaso, achou um bom emprego, em algum lugar?
Eram pesados os pés que caminhavam em direção à sua casa. De que modo iria convencer a
família? Como pilar da família, estava perdido no meio da perplexidade. Subitamente, surgiu, enfim, uma
idéia.
— Hoje eu recebi um grande benefício no serviço. Olhares de expectativa da família
concentraram-se
sobre Koji. Entretanto, como o pai permanecia quieto, a filhinha que estava perto dele, perguntou
insistentemente:
— Papai. Qual é o benefício. . . heim? Diga.
Koji que hesitava dizer em seguida, respondeu afinal, após o crescente desejo da família em saber
a novidade.
— Na verdade. . . Sabe. . . hoje fui despedido.
A família inteira assustou-se com isso. Nem conseguiram perguntar por que isso acontecera. Por
momentos, o ambiente até se tornou sombrio. A esposa desapontada olhava Koji com seus olhos
assustados. A avó procurava desconfiar dos seus ouvidos, se por acaso escutara algo errado. Os meninos
começaram a introduzir rapidamente o arroz cozido na boca.
Enfim, Koji começou a narrar inteiramente os fatos ocorridos ontem à noite com Toda e hoje de
manhã com o Diretor Geral.
Com certeza, o desemprego deve ter sido um choque enorme para uma família com numerosas
pessoas que gozavam de estabilidade por longos anos.
Incentivando a si próprio, observando a família, Koji disse:
— Peço a todos que não se preocupem. Já recebi as orientações diretas de Toda. Ele também
concordou com a demissão da Cooperativa e incentivou-me dizendo: "Vitória
ou a derrota, decida com a fé. Prossiga!" Nós temos o poderoso Gohonzon na família! "Após os Grandes
Males virão os Grandes Benefícios." Chegou a hora de a família Morikawa realizar a mudança radical do
destino. Agora pode ser que a situação seja penosa mas, certamente, transformaremos o veneno em
remédio. Vamos todos nos esforçar juntos?
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A família ficou surpreendida, pois não sabia onde Morikawa estava guardando tanta coragem. Por
outro lado, também se achava tranqüilo. Ninguém se mostrava com a fisionomia aborrecida.
Enfim, Kazumassa, o filho mais velho, voltou do curso universitário noturno. Koji repetiu a narração
desde o início até o fim. Parece que Kazumassa ficou chocado. Entretanto, quando ouviu a decisão do pai,
ele disse com franqueza.
— Papai. Como é grandiosa a sua fé! Eu também não ficarei atrás. . . Isso mesmo, vamos festejar
hoje à noite o nosso pai desempregado?
Quem ficou surpreendido foi Koji. "Como estão ficando corajosos os meus filhos! Quando é que eles
cresceram tanto? Como sou feliz. Que gratidão!"
Era uma época difícil de se obter as rações alimentares. Iniciou o festejo com doces e bananas
secas que estavam guardadas. Nunca eles tiveram a experiência alegre e festiva emocionalmente
impressionante. Foi nesta noite que os pais e os filhos de Morikawa começaram a legítima devoção da fé.
Mesmo que tivesse o emprego, a despesa de manutenção da família de oito pessoas não era fácil
de ser sustentada na época da sobrevivência penosa e, ainda mais, para um desempregado.
Os adultos concentraram seus pensamentos, juntando as cabeças. Alguns dias depois, a avó
sugeriu uma boa idéia. - Na época atual, todos estão com fome. A quantidade supera a qualidade. Que tal,
se abríssemos um restaurante com refeições de preço popular e que deixassem encher o estômago à
vontade?
Todos estavam de acordo. Necessitava apenas multiplicar a quantidade de refeições da família de
oito pessoas. Será certamente um bom negócio. Morikawa colocou uma parte do dinheiro da indenização à
disposição.
Reformou a parte da moradia e abriu um restaurante de última hora que não parecia ser o de um
profissional.
***
Foi nessa ocasião que Jossei Toda acompanhado de um jovem de Kamata compareceu à reunião-
de-palestra a ser realizada na casa de Morikawa.
Toda, percebendo o ambiente de ânimo fora do comum na família Morikawa, ficou por,demais
contente e incentivou Koji e sua família, baseado em assuntos variados.
Já escurecia na tardinha de inverno e aproximava-se o horário da reunião. Seki e Harayama de
Kamata, foram os primeiros a chegar. Ambos desconheciam completamente a respeito da presença de
Toda. Chegaram aproximadamente mais dez pessoas de Tsurumi.
Apesar de estar despreocupado com «a família Morikawa, Toda percebeu que todos os presentes
estavam sendo envolvidos por sombras obscuras. Sentando-se no meio da sala, começou a falar com
seriedade excepcional!
— Apesar de não ser nada extraordinário, como todos sabem, o senhor Morikawa foi demitido
da Cooperativa de Crédito. Esse fato seria estranho para alguém que se devotou
intensamente à fé, não é verdade? Ele se devotou mais que todos. Apesar disso, por que isso aconteceu?
Não acham que é um fato estranho?
Kyussaku Sagawa que sustentava precariamente uma fábrica no bairro, começou a falar:
— Mestre nós estamos preocupados exatamente com isso. Como o senhor Morikawa afirma
nas reuniões que embora tivesse sido demitido provaria a transformação do veneno em remédio;
consequentemente, todos começaram a duvidar da fé no Gohonzon.
— Sem cogitar dos outros, não seria o senhor que estaria duvidando em primeiro lugar, não é?
Disse Toda com voz alta, como se estivesse respondendo a alguém.
— Não senhor. Eu já sei. "Se se devotar sinceramente o Verdadeiro Budismo, os Três
Obstáculos e as Quatro Maldades surgirão fulminantemente".
— Logicamente poderá entender em teoria, porém, compreender pela prática da fé é
totalmente diferente. Senhor Sagawa, não disse há pouco que estava preocupado
com o fato ocorrido em torno de Morikawa? Se o senhor tivesse realmente compreendido, não haveria
razão para estar lamentando esta sua preocupação. O senhor não está compreendendo realmente.
Sagawa parecia estar aborrecido. Prevendo talvez a doença grave, Toda continuou dizendo:
— O que estou preocupado não é com Morikawa. É com as pessoas como o senhor que vivem
em Tsurumi. Ele se devotou à fé. Em seguida foi demitido. Apesar de pensarem que é um fato estranho,
ninguém entre os presentes veio comunicar diretamente a mim e indagar
abertamente por que isso aconteceu. Em vez disso, quando se reúnem, criticam e duvidam mutuamente,
lamentando o fato ocorrido. Isso é terrível, do ponto de vista do Budismo.
As questões em torno de Morikawa já estão resolvidas. Observem os resultados no decorrer do tempo.
Assim poderão compreendê-lo perfeitamente.
Toda continou:
— A devoção da fé resume-se numa longa jornada. Apesar de que se diga sobre o longo e o
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infinito passado, não se sabe o procedimento dos homens no passado. Poderão surgir fatos desagradáveis
no decorrer do progresso da fé. Nitiren Daishonin diz que é devido às circunstâncias predestinadas.
Portanto, os sofrimentos inevitáveis que surgiriam daqui a dez ou vinte anos, são antecipados em forma
atenuada para serem eliminados previamente, a fim
de que possam gozar em seguida as provas da felicidade. Tendo verdadeira fé, tudo se torna benefício. Do
contrário, seria prejuízo, se duvidar sem fé. A família Morikawa está
contente, afirmando que é benefício. As pessoas alheias como o senhor duvidam disso e sofrem com os
prejuízos. Eu detesto assuntos contraditórios. As pessoas que agem desse modo são tolas. A tolice não se
mede com graus de inteligência. Se o assunto é da própria alçada, ainda seria admissível, porém, por causa
das circunstâncias alheias duvidam do Gohonzon e abandonam a fé. Não poderá haver uma outra tolice
ainda maior do que isso. Vim hoje à noite, numa boa oportunidade. Eu não desejo absolutamente que os
senhores cometam essa estupidez maior. Tenham continuamente uma devoção magnífica. Sejam felizes.
Farei tudo, a todos, se é para o bem da fé. Por acaso entenderam, pelo menos um pouco?
Mitsuru Noda, o amigo de Kazumassa que vivia sempre pescando, estava presente. Hiramatsu
estava na reunião acompanhado pela esposa parteira que vivia chorando pelos maus tratos da sogra.
Aquela moça tímida que recentemente se mudou de Kamata e que praticava atemorizadamente em
conseqüência das oposições da família, estava também presente. Aquele casal Yamakawa que se
converteu em Koiwa e que mudou para Namamugui, em Tsurumi, há seis meses, essa noite comportava-se
como um par de pombos. Kyussaku Sagawa e a sua esposa permaneciam quietos e constragidos, sem
poder levantar a cabeça.
***
Assim como Toda afirmou, em menos de um ano, Koji Morikawa, aceitando o convite, obteve o
emprego na Cooperativa de Crédito em Kawassaki. Passado vários anos, ele foi eleito vereador em
Yokohama, com o maior número de votos.
Analisando hoje, retrospectivamente, das pessoas presentes à reunião daquela noite, sabe-se que
ninguém abandonou a fé. Em vez disso, hoje estão construindo a respectiva felicidade, jamais sonhada
antes. A maioria tornou-se líder executivo da Gakkai com os níveis de vida, bem como posições sociais
elevadas. Por exemplo, dentro desses participantes surgiram dois senadores e um vereador.
A dedicação à fé, cada qual por si, foi uma longa jornada. Somente que, eles não possuíam motivos
para dúvidas. Seja o que for, dessa noite em diante, até vários meses depois, os membros de Tsurumi
levantaram fogos magníficos na campanha de divulgação, junto aos membros da família Morikawa, porém,
esse episódio será narrado oportunamente.
Não poderia dizer de outro modo senão que Jossei Toda lançou uma cunha que jamais seria
retirada e que serviria de marco notável em Tsurumi.
Paz e felicidade para toda humanidade.
O seu marco é tão distante!
Porém, no caminho acidentado e árido por onde Toda passou, sobre as suas pegadas cresciam,
sempre vigorosamente, as plantas com suas folhas verdes, repletas de nova vida.

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PÓS-ESCRITO
O Volume III de "A Revolução Humana" foi afinal publicado, exatamente um ano após a publicação
do Volume II, em 16 de março do ano passado. Quanto à escrita do último volume, a coleta e a pesquisa de
materiais requere-ram muito tempo. Especialmente ao escrever a respeito do Tribunal Militar Internacional
do Extremo Oriente, tive que investigar uma grande quantidade de materiais que cobriam vários milhares de
páginas. Isto atrasou a publicação do livro, atraso pelo qual o autor pede desculpas aos leitores.
Este volume descreve principalmente os eventos de 1948. Este foi o ano da aflição do Japão na
derrota, quanto a inflação cada vez pior levou as pessoas a uma vida de necessidade. Os sucessivos
lúgubres eventos tais como o Incidente Teigin, em janeiro, a disputa de trabalho da Companhia
Cinematográfica Toho e o Incidente Shoden, no campo político, foram eventos simbólicos do ano. No plano
internacional, a guerra fria entre o Oriente e o Ocidente intensificou-se com o domínio do continente chinês
pelos Comu nistas e outros eventos.
Sob tais circunstâncias, a Soka Gakkai gradualmente veio a dar o fruto da reconstrução, como se
simbolizasse um relampejo na escuridão. Centralizado em Tóquio, um grande número de excelentes
crentes foi desenvolvido por Toda como muitas pérolas. Os verdadeiros discípulos de Toda, com sua fé
genuína e entusiasmo sincero, lançaram-se às atividades nos distritos de Kamata, Koto e Suguinami em
Tóquio e também em Kanagawa.
Estes crentes foram o núcleo que se desenvolveu em uma multidão de líderes em um tempo muito
curto. A organização foi assim consolidada, chegando ao desenvolvimento atual. Em outras palavras, as
atividades da Soka Gakkai começaram naqueles dias. Foi a verdadeira abertura de uma nova era. O autor
desejou enfatizar a situação da época.
Ao lado disto, mencionei o nosso ponto de vista sobre a corrupção política no exemplo dos casos de
suborno envolvendo a união do gabinete dos partidos progressistas, e também sobre a questão da
responsabilidade da guerra ou questão da paz através do tribunal militar. Não é muito conhecido aos
japoneses a respeito do Dr. Pal, que clamava por um veredicto de "não culpado" para todos os acusados no
tribunal. Ê por isso que a publicação da sua opinião divergente foi proibida por um longo tempo. Não foi
senão até junho de 1966, ou dezoito anos após o fim do julgamento, que o livro foi traduzido e publicado no
Japão.
O tribunal militar que votou de maneira formal o que eles chamaram de um julgamento justo,
virtualmente, não era senão uma represália vingativa cheia de ódio. O Dr. Pal, contudo, nunca cessou de
afirmar a justiça da jurisprudência e desenvolveu sua opinião baseada no humanismo. Não foi somente uma
defesa dos criminosos de guerra, mas também a conseqüência da sua paixão em salvaguardar a justiça.
Foi uma batalha para preservar a dignidade da vida humana. Isto não deve ser sobrecarregado como uma
mera opinião única do Tribunal Militar Internacional do Extremo Oriente. Desejo rogar a todos que esta foi
uma batalha para a justiça que deve ser mantida em memória eterna.
Para o nosso grande pesar, contudo, naquela época, o espírito de ódio e represália rejeitaram as
palavras do Dr. Pal. Pelo contrário, foi omitido do público e permaneceu no esquecimento. Quão lamentável
é a época em que a verdade é enterrada! De agora em diante, devemos nos esforçar para construir uma era
em que a verdade ganhe a vitória. Mesmo hoje, parece-me que a humanidade está seguindo o mesmo
velho caminho, sendo levada de ponta cabeça para a aniquilação. Prestando honra à personalidade e
justiça do Dr. Pal, sinceramente desejo criar uma era de paz duradoura, tão logo quanto possível, com a
verdade e a harmonia baseadas na justiça internacional.
Casualmente, logo após ter escrito sobre o Dr. Pal, ele faleceu, fazendo surgir milhares de emoções
dentro do meu coração. Embora não o tenha conhecido pessoalmente, tomei a liberdade de enviar uma
mensagem de condolência em memória da sua grande obra.
Em conclusão, desejo expressar minha cordial gratidão para os meus leitores. Desde a publicação
do Volume I, em outubro de 1965, minha obra tem sido lida por muito mais pessoas do que esperava. Será
o meu maior prazer se esta obra ajudar os senhores a compreenderem mesmo um pouco da essência da
Soka Gakkai.
O AUTOR
16 de março de 1967.

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