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DAISAKU IKEDA

REVOLUÇÃ
O
HUMANA

Volume 1

Tradução de Dr. Fumio Tiba

Editora Brasil Seikyo Ltda.


São Paulo

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Título da Obra
REVOLUÇÃO HUMANA

© desta edição EDITORA


BRASIL SEIKYO

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Índice
Prefácio .....................................................................7
Alvorada ...................................................................11
Reconstrução ............................................................41
Cessação de fogo ......................................................77
Ocupação ..................................................................113
Levantando sozinho .................................................143
Caminho das mil milhas ..........................................187
Prelúdio ....................................................................243
Engrenagem .............................................................273
PREFÁCIO
Já se passaram anos e meses desde que eu decidi secretamente que um dia deveria escrever um
romance em torno do Mestre Jossei Toda.
Logo após a publicação do Seikyo Shimbun ( Jornal informativo da Nitiren Shoshu ) na primavera de 1951, o
Mestre disse um dia com a mão no bolso do paletó:
— Escrevi um romance. Já que vai sair o jornal, talvez seja necessária a publicação de um romance
em série.
O Mestre parecia estar acanhado, porém satisfeito.
O material para o primeiro número já estava pronto e guardado dentro de seu bolso. Assim, deu-se o
nascimento de um romance, "A Revolução Humana", com o pseudónimo de Myo Goku.
Percebi nesse instante — Um dia terei que escrever a continuação de "A Revolução Humana".
Na primavera de 1957, numa noite em Karuizawa, oito meses antes de seu falecimento, o Mestre
recuperando-se de sua doença, seu corpo achava-se bastante enfraquecido. Após diversas orientações em
meio a diálogos, mencionou a publicação do livro "A Revolução Humana'*.
— Daissaku, o que você acha da minha 'A Revolução Humana'?
Pareceu-me que o Mestre estava preocupado com o resultado da publicação.
Fiquei constrangido, porém, disse com sinceridade:
— Tive a sorte de ler o romance. Penso que a primeira metade foi escrita num estilo essencialmente de
romance; porém, na última metade, senti admiração pelo registro documental baseado na própria experiên-
cia do senhor.
— Você acha? Não posso escrever tudo que há de tom em mim, não é?
O Mestre explodiu em gargalhada.
Compreendi na ressonância de sua voz, que a minha missão era transmitir corretamente para a
posteridade o espírito do Mestre através da existência de Jossei Toda; e este era seu desejo.
A seguir, aguardei a chegada do tempo.
Como disse o Mestre: — Não posso escrever tudo que há de bom em mim.,.
GOETHE escreveu sua autobiografia intitulando-a ^Dichtung Und Wahrheit". Traduzindo, essas
palavras alemos corresponderia a "Poesia e Verdade". Porém, em linguagem cotidiana, seria "Mentira e
Verdade". Isso é a sua autobiografia.
Deve-se dizer que ele foi uma poeta sincero. As verdades refletídas nas retinas dos olhos humanos nem
sempre traduzem totalmente a realidade. Ao invés dísso^ talvez a verdade possa ser distorcida para uma
falsidade. Eis o ponto importante, onde Goethe e outros escritores tiveram delicadas preocupações. Frente
a uma aparente ficção, elabora-se de antemão o panorama da verdade.
Devo preocupar-me com a mesma sutileza a fim de transmitir para sempre o verdadeiro aspecto do
Mestre.
Talvez surjam centenas de personagens no desenrolar do romance em torno da personalidade do
Mestre. Peço estarem cientes de que, dentre todas as persona-
gens, somente Tsunessaburo Makiguti e Jossei Toda possuem os nomes originais e todos os demais são
fictícios. As vezes é necessário que uma personagem rtíi:
apareça desdobrada em duas (personagens). Outras vezes as duas personagens reais podem aparecer
conjun-tamente na personalidade de um nome fictício. Ou então, três pessoas podem ser resumidas numa só
ou talvez apareçam inúmeras pessoas declarando o nome de uma personalidade única.
Seja como for, a grandiosa 'Revolução Humana, de uma única pessoa irá um dia impulsionar a
mudança total do destino de um país e, além disso, será capaz de transformar o destino de toda a
humanidade. — Eis, o assunto do romance.
Finalmente, este romance levará vários anos para ser escrito e será completado em 7 a 10 volumes.
Peço o apoio dos leitores para poder completar a obra.
Ho-Goku*

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APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTO
Atendendo à entusiástica solicitação de um grande número de leitores, o romance A Revolução
Humana, que veio sendo publicado em série no jornal semanário Brasil Seikyo e na revista mensal Terceira
Civilização, chega, finalmente, a ser lançado em livro pela Editora Brasil Seikyo Ltda.
A obra origin;il em Japonês, já considerada uma obra-prima imperecível, tem atraído a atenção dos
milhões de leitores do seu país, além de ter sido traduzida em inglês e francês. Agora entre nós, o
lançamento de A Revolução Humana, edição em idioma português, não deixará de causar, tal como ocorreu
com sua obra original, uma profunda comoção a todos quantos a leiam.
Quero dedicar sinceros agradecimentos ao seu autor, Pres. Daisaku Ïkeda, conhecido entre os leitores
pelo pseudónimo .Ho-Goku, que nos autorizou a edição da sua obra em idioma português. Valho-me, ao
mesmo tempo, desta oportunidade para manifestar o máximo respeito aos esforços estrénuos que o Pres.
Ikeda, o autor, desempenha, para o bem de toda a humanidade, em prol da realização do ideal de verdadeira
paz mundial através do Budismo.
Quero deixar aqui, ainda, meus agradecimentos à inestimável dedicação do Dr. Fumio Tiba, que
executou a tradução da obra para o idioma português; e, outrossim, aos redatores da Revista Terceira
Civilização e a muitos outros colaboradores que cumpriram dignamente os trabalhos, talvez os mais ma-
çantes, de preparação e correçâo dos originais e das provas. Sem a dedicação dessas pessoas, afinal, não teria
sido possível entregar ao publico a presente obra.
São Paulo, 16 de fevereiro 1973. Yasidüro Saito

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Alvorada

Não há um ato mais bárbaro do que a guerra!


Não existe um outro fato mais trágico do que a guerra!
Entretanto, essa guerra ainda continuava.
Não há um povo mais infeliz do que aquele dirigido por líderes estúpidos.
Durante oito anos, o povo vinha suportando os sofrimentos além de perder pais e filhos na guerra. E,
nos dias de julho de 1945, todos estavam sendo oprimidos pela atmosfera densa de expectativa apreensiva
que era a da invasão dos americanos a qualquer momento.
Às sete horas da noite de 3 de julho, do lado de fora do maldito portão de ferro da Prisão de Toyotama
(atual Prisão de Nakano, Tóquio), algumas pessoas permaneciam silenciosamente, com olhos fixos para o
pátio da prisão desolada, embora aí não se visse nenhum sinal de vida. Duas horas já se passaram e o
silêncio ainda reinava no ambiente.
Eram extensas e altas as paredes de concreto que cercava a prisão e o calor do dia que elas absorveram
não esfriou ainda, apesar da hora crepuscular. Entretanto, o dia quente já se despedia, e o vento suave
começava a soprar, de lá das florestas da Planície de Mussashino.
Nesse instante, um homem magro de meia idade, saiu às pressas de uma pequena porta situada no canto
direito do portão de ferro. De suas mãos, pendia um volumoso embrulho de furoshiki (Lenço grande para
transportar os pacotes à mão). Seus passos acelerados pareciam atrapalhar a marcha. Em direção a ele
correram as pessoas que estavam à sua espera, pronunciando algo em voz aguda.
— Olá!
— Oh!
O homem parou abruptamente e dirigiu a face em direção às pessoas. O brilho do sol refletiu-se de
súbito, sobre as lentes grossas de seus óculos.
— Ikue! Veio receber-me? A casa está bem?
— Não foi incendiada. Todos estão bem.
— Sim. Está bem! Está bem! Disse o homem à mulher, em tom rápido e consolador.
— Não precisa mais se preocupar. Realmente causei dificuldades.
— Seja benvindo, titio.
— Oh' Kazuo veio também?
— Seja benvindo.
— Oh, mana! A senhora veio também me buscar?
Para receber o homem, três pessoas, vieram. Ikue, esposa dele, a irmã e o sobrinho, Kazuo.
Yukata (Roupa leve em forma de quimono e de uso no tempo de calor), o traje leve de verão ressaltava
a alta estatura do homem. O vento levantou as extremidades de Yukata. Nisto, apareceram duas pernas
esqueléticas de pele e osso, que pareciam duas finas bengalas. Ikue, sua esposa, até então sorridente, sentiu
repentinamente um aperto no peito e estendeu as mãos para agarrar o volumoso embrulho que seu marido
levava.
Kazuo, seu sobrinho, entendeu também suas mãos e colocou-o sobre seus ombros.
— Puxa! É mais pesado do que eu pensava!
Desabrocharam sorrisos nas faces das quatro pessoas. Todos estavam dominados por uma espécie de
êxtase. Não conseguiam sequer formular palavras, embora tivessem tantos assuntos a dizerem, pois tinham
os corações repletos de alegria. Silenciosamente, as quatro pessoas caminharam passo a passo,
acompanhando o paredão da prisão.
As duas senhoras usavam o traje de mompe (Calças que as mulheres japonesas usavam nos serviços ) e
o boné antiaéreo, que deixavam cair pelas costas. O moço pendurava no dorso um capacete de ferro, e as
suas pernas estavam enroladas por ataduras de soldado. Eram trajes usados para defenderem-se contra os
iminentes ataques aéreos. O homem de meia idade, andando em seu traje de yukaía, de ombros erguidos,
como se voltasse de um banho quente, chamava a atenção de todos.
Em conseqüência dos repetidos ataques aéreos, a cidade parecia sombria justamente como o espírito das
pessoas agonizantes.
Já descera o véu escuro da noite. No fim do paredão, virando à direita, era a rua do Nakadori, Bairro de
Araityô. Não se via quase ninguém no seu trajeto. Um pouco mais além. do lado direito, viam-se casas
enfileiradas, mas, do outro, estendiam-se ruínas escuras como se fosse um buraco aberto no véu noturno. Era
a área devastada pelo incêndio da guerra.
O homem de yukata parou ali e observou a treva com olhar penetrante como se confirmasse alguma
coisa.
— Como é terrível!
Após um suspiro profundo, começou a andar novamente. Até então, ele vinha noites após noites experi-
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mentando sozinho os horrores da guerra, vendo, através da pequena Janela da prisão, o avermelhar do céu
devido ao reflexo do fogo dos bombardeios. A cada instante, meditava com. dor no peito, sobre o curso da
guerra, excitado pela sinistra sirene que anunciava o alarme. Mas, era a primeira vez que ele via a área
devastada pelo incêndio.
Já em novembro do ano anterior, os aviões americanos bombardeavam indistintamente as cidades
japonesas, partindo das bases fixadas nas Ilhas Marianas. Desde então até maio de 1945. as bombas
incendiárias haviam devastado quase que totalmente a maioria das grandes cidades do Japão, como Tóquio e
Osaka. E a partir de junho, vinham atacando diariamente as pequenas cidades regionais. Nessa altura, cerca
de 3 milhões de casas haviam sido incendiadas; foram causados 600 mil mortos e feridos, e 10 milhões de
vitimas afluíram à ilha principal.
Embora estivesse alheio a esses pormenores, ele já os previra. No caminho ia perguntando
sucessivamente, a respeito dos parentes e dos amigos. Soube que o bairro popular fora devastado quase que
totalmente e que dos conhecidos de Yamate só metade estavam ainda vivos.
Mas a guerra não terminou ainda.
— Até quando pretendem continuar essa tolice! Disse ele, movendo irritadamente os lábios, como se
cuspisse essas palavras, e sem se referir à alguém. Sua voz se apagou na escuridão, mas sua ira incendiava
incandescentemente.
O desejo da paz e felicidade é esperança de todos. Indistintamente. Nunca se deve provocar a guerra.
Quem ficará contente com a guerra? Nem os vitoriosos. Nem os derrotados! Na recente história do Japão, a
guerra veio decidindo o destino do pais. O Japão veio pagando-a
com sacrifícios cada vez maiores e vivendo as infelicidades. Como mudar esse destino?
O pensamento deste homem, porém, que acabara de sair da prisão, era completamente diferente do de
outros homens da época, os quais viviam afogados nos turbilhões da guerra.
Mesmo na prisão, não possuía rancor nem remorso. Tampouco havia necessidade de auto-crítica do seu
procedimento. Ele sabia, porém, quão fanático e estúpido era o governo militarista. Quão injusto e violento
era para com os compatriotas.' Estava certo de que a causa daquela loucura devia ser única e exclusivamente
ao Xintoismo, que eivava o eixo espiritual do governo militarista.
Contava ele, então, 45 anos de idade. Antes de ser aprisionado, seu peso atingira quase que 70 quilos,
porém, depois não chegava nem a 40 quilos.
Aquela libertação pode parecer, para muitos, um panorama vulgar da saída de um prisioneiro qualquer
em época de guerra. No entanto, este homem de meia idade e de cabeça raspada, trajando yukata, era justa -
mente Jossei Toda!
Seu respeitoso mestre, Presidente Makiguti, voltara daquela prisão, saindo por aquele portão, com a
morte. Ele, agora, saiu pelo mesmo portão com vida.
Os dois princípios da vida e da morte são obras místicas de um só espírito.
Tanto Tsunessaburo Makiguti como Jossei Toda em nada se diferiam no tocante ao desejo ardente da
Paz Mundial.
Através das veias destes dois princípios da unicidade mestre e discípulo e da unidade vida e morte, o
sangue da revolução humana se transferira.
Antes de mais nada, sentia ele o fervor da vingança.
Isso, porém não significava o plano de uma desforra dó natureza política contra o governo militarista,
mas visava exatamente ir contra o inimigo invisível que conduzira o velho e respeitoso mestre à prisão,
levando-o em seguida à morte. O inimigo deixou-o cerca de dois anos encarcerado como prisioneiro, fez
também sofrerem uma família e seus parentes, e mais ainda, trouxe miséria e sofrimento para uma nação de
mais de dezenas de milhões de pessoas.
Prometia firmemente, consigo mesmo, vingar-se desse inimigo invisível, causador dessas calamidades.
O Budismo é a lei da vitória ou derrota. É necessário provar a vitória para que a justiça sempre
prevaleça.
Não se pode afirmar que a origem da miséria baseia-se na ordem social ou formas de governo de uma
nação. Toda soube pela própria experiência, sentida na sua carne, que a percepção aguda de Nitiren
Daishonin, de que acima de tudo a miséria tem causa nas religiões heréticas e nas doutrinas falsas, é uma
verdade evidente. Isso e!e não percebeu agora pela primeira vez; durante a guerra, já na intensa atividade de
Soka-Kyoiku-Gakkai (literalmente, Sociedade Educacional de Criação de Valor, fundado em 1930. por
Tsunessaburo Makiguti, o 1° Presidente) cujo presidente era o Sr. Makiguti, quando ele servia como diretor
geral, florescia essa profunda convicção. A sua convicção não fora quebrada mesmo após a prisão;
entretanto, embora contra sua vontade, precisava reconhecer sua derrota, devido ao trabalho infrutífero
na imaturidade do tempo. Subitamente, ele parou e interrompeu a respiração, ao sentir que uma der aguda
vinha do seu coração. Aquele cheiro desagradável, proveniente dos restos de incêndio, vinha pairando ao
local. Novamente, começou a andar a passos lentos. Era a Avenida Wasseda. O ambiente todo era escuro
devido a medidas anti--aéreas. Nessa escuridão podia-se ver vagamente as casas ao longo da Avenida,
graças ao reflexo da visibilidade do pavimento. Seguindo adiante a uma certa distância e virando à direita, já
se via à frente, a estação de Nakano. As pequenas luzes cobertas ao longo da plataforma, mostrava-se aos
olhos como uma fila de pontilhados longínquos. Dali para frente era só entrar no trem. Sobre o muro de
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pedra, à esquerda, gramas estendiam-se desordenadamente. Ele se sentou sobre a grama e deu um suspiro.
— Vamos descansar um pouco? Chamou a família. Interrompendo a respiração.
— Isso mesmo, Kazuo, deixando cair imediatamente ao chão aquele volumoso embrulho de furoshiki.
— Como é pesado, tio!
— Sim. Ai está contido os livros. Até que enfim, depois de tanto tempo, consegui estudar um pouco,
disse Toda, coçando os flancos despreocupadamente.
— Não trouxe a toalha?
No momento em que sua esposa, Ikue, ia sentar-se ao seu lado, entregando-lhe a toalha. Toda disse,
rindo gostosamente:
— Se chegar muito perto assim, você irá receber os presentes.
— ?!.. .
— Piolhos. São as criaturas a quem reparti o meu sangue. Foram tão bonzinhos
Limpando a testa e o pescoço coberto de suor. Deu mais um suspiro. Fugindo da solidão do isolamento,
agora ele respirava profundamente o ar livre e suave. Depois de dois anos, veio respirar novamente aquele ar
saboroso. Um vento suave soprava, acariciando o seu rosto.
Os pedestres iam passando apressadamente, ignorando as quatro pessoas que ali permaneciam na
escuridão da noite.
O céu estendia-se sem fim. Não se viam as estrelas.
Era um céu escuro. Entretanto, Toda reconhecia no seu íntimo uma luz incandescente que inflamava o
seu coração. Ninguém jamais podia percebê-la. Nem havia meios para que os outros pudessem compreender.
Era Justamente aquela luz iluminada na solidão do isolamento, a qual nunca iria se apagar para o resto de
sua vida.
Nesse momento, ele certificava secretamente que, mesmo diante da opressão dos ventos do mundo
corrupto, aquela luz nunca se poderia estremecer. Ele estava satisfeito.
— Que coisa terrível.
Ele se levantou, varrendo o enxame de pernilongos que vinha invadir o seu rosto e as extremidades de
seus membros.
— Vamos andando.
Os quatro começaram a marchar vagarosamente em direção à estação Nakano.
Estavam escuros, tanto a estação como o interior do bonde. Todos os homens usavam polainas e bonés;
outros que possuíam capacete de ferro ou capota para o abrigo anti-aéreo, dependuravam-nos em seus
ombros como se estivessem seguindo as instruções pré-determinadas. As passageiras, embora em pequeno
número, trajavam calças gaúchas do tipo "mompe" e carregavam chapéus para o abrigo anti-aéreo.
No meio dessa multidão de pessoas assim trajadas, 'eis que aparece subitamente um homem com o traje
folgado de verão a yukata. Olhares franzidos de espanto dessas pessoas dirigiram-se todos em direção a esse
homem. O homem de yukata tornara-se imediatamente um elemento de suspeição e de curiosidade aos olhos
daquelas. Seu traje, tão natural na época do verão, parecia naquele momento muito estranho aos passageiros.
Só podia atribuir tal fato a um fenômeno estranho, resultante da guerra. Os passageiros, ao invés de
reconhecerem a estranheza da sua própria mudança de atitude psíquica, lançavam olhares hostis àquele
homem magro, como se o estivessem censurando a ponto de dizerem;
"Este traidor da nação..."
Toda não deu importância àquela atmosfera. Era um líder que sempre vivia com o povo, seja no meio
da cidade, seja dentro do bonde.
O povo é como a grama. Assim sendo, como as árvores podem florir e dar frutos onde não podem
crescer nem a grama? Às vezes, a força e o pensamento do povo contêm mais forças e mais verdades do que
os dos filósofos ou dos estadistas.
Com o pescoço fino e estendido, ele se absorvia nas conversações com o passageiro ao seu lado. A
palestra era franca e animada. Um homem sadio que aparentava uns cinqüenta anos, palestrava segurando
cuidadosamente sobre os seus Joelhos uma bacia e uma panela já desgastadas. Relatava seriamente o aspecto
do intenso bombardeio da noite de maio:
— Era um inferno de fogo. Bastava dizer isso. Ao alvorecer, era um extenso campo de incêndio. Sobre
a devastação restavam alguns abrigos antiaéreos, aqui e acolá. O meu abrigo, como foi construído um pouco
mais reforçado, nós, os quatro sobreviventes, pais e filhos, como se vê, podemos ainda viver lá.
Através das conversações dos passageiros, Toda lembrou subitamente aquele desastroso terremoto de
Kanto, em 1923. Fazia três anos que estava em Tóquio, vindo de Hokkaido. O bairro popular de Tóquio fora
incendiado durante dois dias consecutivos. Lembrou-se daquela época em que mesmo um cobertor ou um
nabo eram artigos preciosos. Era ainda um rapaz de vinte e quatro anos. Até agora, não podia se esquecer
daquele gosto da sopa de "missô", ingerida na manhã do quarto dia, que foi a mais saborosa do mundo.
Disse ele ao passageiro:
— Foi como aquele incêndio em 1923?
— Não. Não. Nem diga isso. O incêndio foi três vezes mais extenso que o de 1923 e o tremor, cinco
vezes mais intenso. Onde o senhor esteve?
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— Eu... Gaguejou ele.
Não disse que estava na prisão de Toyotama.
— É porque me retirei lá para a estrada de Oume.
— Compreendo. Também fui obrigado a me retirar do local, no incêndio de 1923. Agora é a segunda
vez. É lamentável. Duas vezes numa existência, tive que passar por esses apuros. Mas, no incêndio de 1923,
o culpado foi o terremoto. Não havia a quem pudéssemos dirigir a nossa revolta. Desta vez é Yankee. Só de
pensar, causa irritação. Nem quero saber dessa tolice e tais coisas perturbam muito o nosso estado nervoso.
O que será que o governo está pensando disso? Pelo que está passando, parece briga de adulto e criança.
Realmente...”“.
Dizendo estas palavras, o passageiro calou-se de repente, procurando observar ao redor com atitude de
temor.
Toda continuou tentando manter as conversações, mas o passageiro emudecera e apenas respondia
monossilabicamente. Certamente estava tomando precaução a fim de que o que dissera não fosse aos
ouvidos da polícia secreta ou Kempei-tai.
O bonde entrou na estação de Shinjuku, e Toda e seu grupo desceram para tomar outro bonde da linha
Yamate. Fosse com quem fosse, Toda procurava palestrar com as pessoas que dele se aproximavam. No
início, as pessoas sentiam-se estranhas para com o homem de yukata, mas, pela sua espontaneidade, iam-se
desinibindo e até havia pessoas que lhe informavam minuciosamente as ocorrências da catástrofe.
Ao chegar à estação de Harajuku, os passageiros imediatamente fizeram continências em direção ao
lado da janela, com a atitude mostrando a maior reverência. Toda fixou o olhar nessa direção, mas viu
apenas uma floresta com densas folhagens. Quando ele percebeu que era o jardim do Templo Xintoista de
Meiji, o bonde já estava perto de Shibuya.
Ele murmurou consigo.
— A ignorância religiosa destrói a nação. Os deuses não atendem às preces falsas. É, o ensinamento do
Grande Mestre. Não há proteção dos deuses budistas sem respeitar a Verdadeira Doutrina. Entretanto, o
governo militar pronunciou a prisão e enviou à morte o defensor do Verdadeiro Budismo, o Presidente
Makiguti.
Subitamente, a sua fisionomia se transformou em dor, cheia de tristeza. Em silêncio, lançava seus
olhares à vasta planície incendiada, estendida na escuridão, fora da janela. Dentro daquela escuridão, estava
o povo deslocando-se em movimentos vê r m i formes, carregando os pesados fardos do terror e do
desespero.
Ele meditava seriamente sobre o destino desse povo perseguido, que não tinha aonde ir e só tinha que
aguentar os horrores da guerra.
Hoje, não há quem desconheça este líder do povo, Jossei Toda. Mas, na época, quase ninguém conhecia
o seu nome. Mesmo que alguém o conhecesse, eram somente aquelas autoridades que tratavam dele como
um acusado de transgressor da Lei da Preservação da Segurança Pública, ou de violador do respeito à lei do
Governo. Com essas calúnias assim dirigidas contra ele, o governo militar desejava impedir a atividade de
propagação da Soka-Kyoiku-Gakkai.
A Lei de Preservação da Segurança Pública foi abolida mais tarde por ordem do General Douglas Mac-
Arthur, imediatamente após a guerra- Ao mesmo tempo, muitos "criminosos" políticos ou religiosos foram
libertados. Após a rejeição desta lei, entretanto, não houve um caso sequer de violação da segurança
nacional. Isto mostra claramente que, o preceito mau, por ser mau, perde sua eficácia.
Esta lei, criada para sufocar o comunismo, fez muitos prisioneiros inocentes. A lei pode criar muitos
criminosos e ao mesmo tempo conduzir a vida de muitas pessoas para o profundo desespero. O número de
vítimas desta lei foi além da imaginação.
No período final da guerra, a aplicação desta lei foi ampliada, transformando-se numa lei de repressão e
com isto, o governo militar pretendia obter sua segurança. Como é irracional uma lei que visa somente
preservar um punhado de classes! Como trouxe infelicidade e sofrimento a tantas e tantas pessoas! Daqui
para frente devemos observar, com rigor, o espírito da lei.
Embora a liberdade da religião estivesse garantida na Constituição, o Presidente Tsunessaburo Makiguti
fora obrigado a morrer na prisão, por causa desta lei infame. A morte do Presidente Makiguti estava em
flagrante contradição com o espírito da lei. Assim, pode-se dizer que há mais criminosos fora do que dentro
da prisão. Como se pode admitir que uma pessoa que deseja o bem ao seu país e que se dedica para o bem
do povo seja levada à prisão? Por outro lado, como se pode permitir que permaneçam sempre à vontade
aqueles que aproveitam a vida só para si, que continuam pregando a falsidade e que levam o povo à
degradação? O julgamento do certo e do errado, do bem e do mau, não está justamente contrário ao que
deveria ser?
A quem cabe o direito de julgar arbitrariamente a pessoa humana?
É impossível fazer um julgamento certo se não se basear na única Lei Suprema, imutável para sempre.
Se não avaliarmos a justiça por meio desta Lei Fundamental, nunca poderemos fazer jus ao julgamento.
O Diretor Geral Jossei Toda, embora fosse libertado da prisão após cerca de dois anos estava com seu
corpo a um passo aquém da caquexia. As suas empresas, organizadas antes da prisão, foram todas ao
colapso.
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Todo foi conhecido entre a geração nova com o nome de Jogai Toda, autor de um livro intitulado "Guia
para os Estudos da Matemática pelo Raciocínio". Este livro é muito rico em originalidades, e a tiragem ultra -
passou na época, mais de um milhão de volumes. Muitos sentiram a alegria de poder matricular-se na escola
com sucesso por meio deste livro, superando as dificuldades próprias da matemática no exame de admissão.
Os meninos que tiveram esta satisfação devem ter sido tantos milhões. Hoje, as pessoas com idade dos
quarenta certamente lembrarão, com saudade indescritível, aquele livro "Guia para o Estudo da Matemática
pelo Raciocínio". Os que conheceram o nome do autor Jogai Toda na sua infância, também não poderão
nunca esquecê-lo durante toda a sua existência.
Nessa época, todavia ninguém sabia quem era esse estranho homem alto de meia idade, passageiro do
bonde sujo da linha Yamate com as vidraças das janelas quebradas aqui e acolá.
Num canto do interior daquele veículo, havia um grupo de quatro ou cinco operários que discutiam em
altas vozes, que chegavam a abafar até o barulho do bonde em movimento.
Súbito, ele aguçou os ouvidos. O assunto da discussão era sobre a tampa da bomba incendiária.
— Seja o que for, aquele ferro do Yankee, como posso explicar, sua qualidade é excelente.
Experimentei fazer uma pá com aquilo e consegui fazer um instrumento formidável, disse um homem,
orgulhosamente, procurando explicar com o movimento das mãos e de todo o corpo.
— Sim, disse um outro, eu experimentei fazer facas de cozinha. Formidável! Com uma tampa apenas
consegui fazer dez facas.
— Que? Dez? Não é possível fazer tanto assim. No máximo, é possível cinco ou seis. Replicou
energicamente um homem de pequeno porte que até então permanecia quieto.
O inventei da faca de cozinha perdeu então a paciência:
— Não diga tolice. Garanto que conseguirá até dez facas.
— Não tente querer muito. Não adianta. Conseguirá no máximo cinco ou seis.
— Oh! Sim' Engana-se! Conseguirá dez facas, com absoluta certeza!
O orgulho dos artífices chocaram-se teimosamente.
Toda sorriu. Desejava elogiar sinceramente a inteligência construtiva do povo, que dos restos dos
fragmentos da bomba incendiária fazem facas e pás.
Toda se levantou, procurou aproximar-se dos operários, mas, nisto, o bonde diminuiu sua marcha para
entrar na estação de Meguro Ao descer, disse simpaticamente a esses dedicados participantes do debate:
— Senhores! Por favor, façam bastante pás e facas. Muito obrigado!
Todos eles olharam subitamente uns aos outros com embaraço. Procuraram lembrar quem era esse
companheiro. Ao saberem que era um desconhecido e que nunca o haviam visto antes, todos cairam em
animada gargalhada.
O bonde partiu da estação levando os operários. Ao perceberem o homem de yukata na plataforma
escura,
todos eles Juntos abanaram intensamente as mãos, de corpo para fora da janela do bonde, dizendo:
— Sayonara! Boa noite!
Pareciam ter reforçado a própria convicção da idéia de invenção com o incentivo repentino de um
desconhecido.
Para Jossei Toda, a escadaria da estação de Meguro. que deixara de passar por cerca de dois anos, cada
degrau era uma saudade. Foi, porém, muito penoso, para seu corpo bastante enfraquecido, galgar aquela
escadaria. Com muito custo, conseguiu subir, mas precisou descansar novamente depois de passar pelo
guichê.
Sua esposa, sua irmã e seu sobrinho aproximaram-se com a intenção de ampará-lo, mas logo Ikue
afastou-se do grupo em direção â rua. Procurou algo ao seu redor, na escuridão, mas era impossível que
nessa época houvesse algum táxi na rua. Havia um carro parado sob a luz do último poste quase que
imperceptível. A luz daquele poste era o melhor objeto de referência para indicar o caminho para sua casa
em Shirogane. Ela voltou e informou que o bonde estava à espera.
Toda abanou a cabeça em sinal de concordância, e começou a andar como se flutuasse ao vento, à
frente de todos, com seu corpo emagrecido. Saindo ele atravessou sozinho a rua, desviando-se da direção do
bonde,
Com os passos acelerados, os três voltaram e seguiram-no atrás, dizendo:
— Vamos de bonde?
— Sim. Antes disso, vamos ver a ruína que o incêndio deixou.
Olhando atrás, para sua esposa, Toda mostrou a direção apontando-a com o queixo. Havia um caminho
que formava um ângulo à direita com a rua que eles acabaram de cruzar. Era uma descida suave. Situado à
direita dessa descida, havia Jishu-Gakkan, a escola particular de Toda, onde outrora lecionara, mas que se
transformara numa ruína devido à devastação do incêndio, Ao seu redor, tudo era campo devastado pelo
incêndio. No meio de um silêncio tenebroso, ouviram-se apenas os passos das quatro pessoas como um
único ruído deste mundo. Construção e destruição — Destruição e construção — Será isto, a eterna
transformação das coisas do universo? Não seria possível que a humanidade não pudesse construir uma
sociedade indesmoronável? Por outro lado, não haveria a possibilidade de conseguir uma vida feliz para a
humanidade com o congraçamento de todas as raças? As ruínas do incêndio permaneciam abandonadas.
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Apesar de que já se haviam passado dois meses, ainda se emanavam cheiros peculiares da queimada.
Sentado sobre uma pedra de alicerce que havia perto, disse ele, como se lembrasse de súbito:
— Não tem cigarros?
— Tenho, sim.
Mexendo dentro da sacola, Ikue tirou alguns cigarros e entregou-os a ele; Ikue havia-os recebido como
quotas do racionamento e havia guardado cuidadosamente na sua sacola, como sendo primeira coisa a
oferecer no encontro, logo que ele saísse da prisão. Prometera isso consigo mesma, porém os havia
esquecido completamente.
Enquanto tragava saborosamente, a fumaça branca do cigarro ia nadando na escuridão até desaparecer.
A ruína incendiada a sua frente fora outrora o seu próprio castelo. Em 1922, no ano em que
Tsunessaburo Makiguti foi transferido da Escola Primária de Mikassa para Shirogane, com o mesmo cargo
de diretor. Toda pediu a demissão do cargo de instrutor do ensino primário, para que no ano seguinte, em
1923, pudesse fundar ali uma escola particular denominada Jishu-Gakkan.
Ao tornar-se o dono de um castelo com vinte e quatro anos de idade, prosseguiu nesta escola, sem
impedimento de ninguém, a aplicação da "Prática da Criação do Valor em Pedagogia" idealizada pelo seu
saudoso mestre, Prof. Makiguti.
Transformar qualquer um, mesmo o mais retardado, em excelente aluno, era a sua convicção sobre a
prática pedagógica. De fato, os alunos do primário em sua escola foram sendo sucessivamente aprovados
nos exames das escolas a que aspiravam e assim prosseguiam nos cursos posteriores.
Entre os meninos e as meninas de todo o distrito de Shirogane surgiram boatos: — Não adianta
freqüentar o curso diurno; precisamos freqüentar o curso noturno. O curso diurno, ou seja, a escola primária
municipal não merecia simpatia dos alunos. Os professores inconscientes e incompetentes aborreciam-se ao
ouvir Jishu-Gakkan. Ao cair da tarde, os alunos reuniam-se com entusiasmo no curso noturno, isto é em
Jishu-Gakkan.
Disse um filósofo uma vez: — O objetivo da educação não é formar máquinas, e sim, valores humanos.
O mais importante na formação humana consiste, sem dúvida, na educação. A educação é técnica. A base do
processo educacional é decidida pela existência ou não de um tipo de doutrina pedagógica que os educadores
possuem. Sinceramente, deve-se dizer que são felizes aqueles que receberam instruções dos grandes
educadores durante o curso de aperfeiçoamento de sua personalidade.
O método pedagógico de Toda era realmente soberbo.
Captando a atenção da intensa curiosidade da criança, ele apresentava conceitos matemáticos, partindo
de um ponto de vista concreto, e sobre esse ponto colocava o raciocínio que os fazia compreender
automaticamente tais conceitos elevados e complexos. Além disso, era divertido e os alunos aprendiam sem
sacrifício. Eles então sentiam prazer de estudar,
Não há coisa mais sensível do que a alma de uma criança. Responde prontamente como um
termômetro.
Ele sempre entrava na classe com sorriso alegre, dizendo: — Olá.' Vocês estão bem? Os meninos
arteiros corriam apressadamente aos seus assentos e abaixavam as cabeças, dizendo: — Boa noite!
Aguardavam com ansiedade e indagava, com brilho nos olhos, qual seria o assunto divertido dessa noite.
Ele começava a falar, sorrindo para as crianças:
— Alguém daqui deseja um cão? E, então, as crianças aquietavam-se com expectativa. — Darei um cão
a quem desejar.
As mãos levantavam-se intensamente, aqui e acolá.
— Professor, eu quero.
— Professor, dá para mim.
— A mim também.
— Eu quero também.
A classe tornava-se turbulenta. Ele observava a classe com sorriso no semblante, dizendo: — A quem
poderia dar então?
Dava meia volta, e de costa para os alunos, ia ao quadro negro e pegava o giz.
No meio do quadro negro ele escrevia "CÃO".
— O que é isto?
— CÃO.
— é?
— Sim.
— Não tem erro.
— Não.
— Então, quem quiser pode levar, Assim, todas as crianças ficavam atrapalhadas. Em seguida um rapaz
respondia: — Que nada! É letra!
Vozes e gargalhadas dominavam a sala de aula.
Ele apontava a letra "CÃO" e continuava:
— É CÃO? Não tem erro? Então darei para quem quiser.
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De fato, é um cão, mas não pode levá-lo como presente. — As crianças não conseguiam perceber onde
estava o erro.
Ele ia ensinando que a letra era o símbolo que representava o CÃO. Exemplificando, em seguida, com
casos semelhantes e interessantes, introduzia na pequenina mente da criança o conceito básico de que a
matemática era o estudo baseado nos símbolos. Eles começavam a fazer aplicações ativas de tais princípios,
através da própria habilidade.
As boas sementes criam plantas excelentes e dão belas flores. As boas crianças transformam-se em
jovens excelentes e no futuro, tornam-se eficientes lideres da sociedade. Jossei Toda distribuía apostilas aos
alunos como material para o estudo. Essa apostila foram colecionadas depois, a pedido dos interessados,
numa obra intitulada "Orientação de Matemática Através do Raciocínio" da autoria de Jogai Toda, cuja
publicação tornou-se popular pela sua originalidade. A venda surpreendente desse livro levou-o a criar uma
editora.
A sua habilidade em dirigir organizações de trabalhos fez também com que criasse várias outras
editoras. Fundou uma agência financeira e seus negócios expandíiram-se tanto, a ponto de poder organizar
uma companhia de seguros com escritório em Kabuto-tyo, no centro de Tóquio.
No dia 4 de julho de 1943, Tsunessaburo Makiguti fora preso subitamente pela polícia, em Shímoda;
dois dias depois, pela manhã, Toda era conduzido da sua residência para a delegacia de Takanawa. Ao todo,
vinte e um dirigentes da Soka-Kyoiku-Gakkai foram presos. Ao mesmo tempo eram confiscadas as
empresas de sua direçâo, que eram, então, em número de dezessete, além de uma empresa de exploração de
Minas de Carvão em Kyushu e de uma outra, produtora de óleo e gorduras em Osaka.
Uma filosofia excelente, verdadeira e profunda, oferece energia vital propulsora das atividades da vida
cotidiana, da sociedade e também da criação de valores. Do contrário, nada mais seria do que fatia de pão
pintado no quadro.
Jishu-Gakkan, prédio de três andares, fora berço da obra de Toda e também o seu castelo principal.
Agora, ao sair do presídio, sentado sobre as ruínas do incêndio, parecia como s° estivesse sobre as
ruínas do castelo vencido.
Toda permaneceu sobre as ruínas do incêndio, apenas por um intervalo de tampo que lhe permitiu
fumar um cigarro. Sua memória, porém, percorreu rapidamente para o passado. Sobre as ruínas da
devastação, já começava a crescer em alguns lugares as gramas de verão. Debaixo da grama formou-se a
morada dos pernilongos e não lhe foi possível ficar sentado por muito tempo no lugar. A visão panorâmica,
contemplada de lá do platô do campo incendiado, parecia estar condensada devido à atmosfera escura, e
viam-se apenas as pequeninas luzes trêmulas, em alguns lugares.
O grupo de quatro pessoas voltou à estação de bonde e sentou-se um ao lado do outro, dentro do veiculo
vazio, todo aberto. Não se via o motorneiro e nem o condutor. Após o toque do sinaleiro, entraram
apressados ambos, o motorneiro e o condutor, e o bonde partiu. Por incrível que pareça, nessa rua havia
casas que ainda não foram queimadas e que permaneciam umas ao lado das outras. O bonde chegou a
Shirogane-Daímati em pouco tempo. a esquerda do pavimento em declive, havia a mansão de Fussanossuke
Kubara, que ocupava uma área espaçosa com grandes árvores negras que cobriam o céu noturno. Lá reinava
um silencio absoluto,
Jossei Toda entrou na soleira da casa. Realmente foi um alívio; livre, após dois anos de prisão. O que o
tranqüilizou profundamente foi o fato de sua casa estar ainda íntegra como outrora. Disse a esposa,
sentando-se na sala de visita:
— Quero trocar todas as roupas do corpo. Por favor, enrole tudo juntos e jogue água fervente. Já chega
de piolhos da prisáo.
Ikue ajudou-o a tirar toda as roupas do corpo, inclusive a intima, para fazê-lo vestir um novo yukata. Ao
olhar o corpo do marido, quase grilou de susto e horror, porém imediatamente engoliu a voz.
No caminho de volta, ela havia notado a magreza de seu marido e dos ombros esticados através do traje
de yukata, mas não imaginara que o seu corpo estivesse tão enfraquecido. Não se via carne. Tanto os
membros superiores como os inferiores pareciam um par de bengalas Além disso, o ventre estava bem
intumecido. Sem duvida, era o aspecto de um desnutrido completo no seu último estágio.
Ikue não pode ver esse aspecto, por multo tempo O choque de horror obrigou-a a desviar os olhos.
— Não acha melhor descansar no quarto de cima? Nesse momento, entrou na sala de visita o pai de
Ikue, Seiji Matsui.
— Oh, pai! Toda cumprimentou atenciosamente o seu sogro. Há muito tempo venho lhe causando
preocupações. Agradeço muito pela sua dedicação. Como o senhor está vendo, estou bem disposto.
— Pois bem! Pois bem! Estou satisfeito em ver todos seguros. Também estou aqui aos cuidados da
família.
Pestanejando constantemente, Seiji Matsui mostrou--se tão contente, a ponto de pegar as mãos de Toda.
A residência de Seiji Matsui estivera sob a ação de desapropriação na primavera anterior, mas a mesma
estava agora destruída. Deixando a família num lugar seguro do distrito de Shonan, ele trabalhava como
empregado numa empresa e morava na casa de sua filha, cujo mando encontrava-se na prisão.
Além disso, sua irmã Tatsu Tamakura, cuja casa fora incendiada pelo bombardeio, em maio, veio em
seguida a abrigar-se na casa de Shirogane, trazendo consigo seu filho Kazuo, estudante do ginásio. Esta casa
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de variada convivência, tornou-se de repente animada com a volta de Toda.
— Ikue, Já está quente o banho quente de furo? Disse Matsui a Ikue,
Com certeza, durante a ausência de Toda, Matsui deve ter procurado escassas lenhas para aquecer as
águas do banho para este dia.
— Papai, por favor, tome o banho primeiro, disse Toda a Matsui, mas este negou firmemente,
discordando com o movimento da cabeça.
— Hoje o meu banho fica para depois.
— Papai, por favor, tome primeiro, porque Irei descansar um pouco no quarto de cima.
Dizendo assim, Toda subiu. Para deixá-lo descansar, Ikue seguiu atrás, mas, ao chegar no quarto, ele
sentou-se diante do altar familiar, curvou-se diante do-Gohonzon (objeto de adoração da Nitiren Shoshu) e
imobilizou-se.
Após então, levantou os olhos e observou atentamente o Gohonzon. As recordações de dois anos de
sofrimentos e dificuldades foram distanciando-se rapidamente até sumir no passado longínquo —
Derreteram-se num instante como se em degelo.
Jossei Toda conseguiu reconhecer o seu próprio Eu nesse instante, claramente representado na sua
mente.
Com serenidade, começou a fazer as preces de Gongyo. Atrás, dele, Ikue seguia o Gongyo com o juzu
(rosário com 108 contas) na mão, mas o pescoço emagrecido do marido prendia seus olhos. Não somente o
pescoço; todo o aspecto do corpo, visto por detrás após anos de ausência, era como se esti vesse bem mais
encolhido que antes.
Fervorosamente, ela orava ao Gohonzon pela recuperação da saúde do marido.
Serenamente, Toda entrou no Daimoku. Sem saber porque, as lágrimas transbordavam sucessivamente
dos olhos de Ikue. Ela não conseguia contê-las. Ela vinha orando dia e noite, durante aqueles dois anos, pela
segurança do seu marido ausente e pela sua libertação o mais breve possível. Seu marido, agora, encontrava-
se salvo diante do Gohonzon. O longo e almejado desejo de Ikue foi finalmente realizado, após muitos
sofrimentos e dificuldades que não podiam sequer imaginar como e quando iriam acabar.
Mal dominando a vontade de chorar, tentava harmonizar sua voz às preces de seu marido.
Lá embaixo, fazia barulho, pois o sobrinho Já declarava a fome. O jantar preparado pela irmã, ainda
que atrasada, estava sobre a mesa. Era comida procurada com muita dificuldade, pois, nas circunstâncias da
época, havia escassez de gêneros alimentícios. Havia saké, sementes de ervilhas verdes e, para completar,
peixes salgados e pedaços de bacalhau.
Enfim, recepcionando Toda, que vinha saindo do banho, começaram o Jantar debaixo de uma luz
racionada.
Ikue serviu sakê, a seu pai e ao marido.
Um ar florido penetrava no lar, depois de tanto tempo. Toda pegou o cálice de sakê e levou-o para sua
boca.
Provou o gosto várias vezes, mas, de repente, largou-o sobre a mesa. Para ele, devia ser uma bebida
festiva, depois de muito tempo. Entretanto...
— Está amargo! Disse ele.
Quem mais se surpreendeu foram Ikue e Seiji Matsui. Para Toda, não podia haver outro prazer maior do
que o sakê.
Espantada pelo fato inacreditável assim ocorrido, Ikue ficou a olhar com os olhos espantados a
fisionomia de Toda.
— Será que este sakê não está bom? Disse Matsui e provou-o diversas vezes a fim de confirmar o
sabor, e então balançou a cabeça em sinal de dúvida.
— Não parece estar tão ruim assim, murmurou ele.
— Não papai, é que o meu corpo ainda não está me obedecendo.
Tampando o cálice, acrescentou:
— O sakê não tem culpa.
O seu organismo estava tão debilitado que nem podia aceitar o sakê, o seu aperitivo favorito.
Ele estava não somente desnutrido, mas também acometido de tuberculose, que era seu mal crônico,
asma, cardiopatia, diabete, hemorróida e reumatismo. Além disso continuava a sofrer de diarreia crônica,
doença característica dos desnutridos. A sua forte miopia fez diminuir terrivelmente a sua capacidade visual,
a ponto de quase perder uma das vistas.
No entanto, ele permanecia, sereno e tranqüilo. Lançando a mão sobre o prato cheio de amendoim
torrado, começou a devorar o monte dizendo: — Em toda família, há um grau maior ou menor de infe-
licidade. Numa existência, há dias de chuva e de sol, de tristeza e de alegria. É quase impossível' passar a
vida toda em paz e em alegria. A paz familiar tem mais valor do que muitas fortunas, O líder do país só
merece esse título quando consegue dar a felicidade aos lares de seu povo.
Quatro dias antes, Toda fora transferido, de repente, da penitenciária de Sugamo para a prisão de
Toyotama. Não sabia qual era o motivo. E agora ele era um libertado. Em período de confusão total que era,
não podia imaginar a razão da sua libertação. Talvez os três anos de pena fossem encurtados para três dias.
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Acreditou então, no princípio budista de Tenju-Kyoju (Transformar o pecado pesado em mais leve)
— Está tudo bem! Está bem assim! Todos nós pudemos nos encontrar assim vivos. Ikue está salva,
Kyoiti acha-se em Itinosseki, nada tenho a reclamar. Assim está tudo bom! Disse Toda, com profunda
emoção, olhando as fisionomias de todos os membros da família, como se quisesse, com isso, convencer a si
mesmo.
Kyoiti, filho único de Toda, estava no quarto ano primário. Com a intensificação dos bombardeios, os
alunos foram sendo dispensados da escola. A irmã mais nova de Toda desposara-se numa família em
Itinosseki e morava numa casa de campo. Preocupada com a prisão de Toda, ela chamou Kyoiti para
abrigar-se lá.
Ao saber disso na prisão, Toda enviou uma carta para seu filho de dez anos.
— Soube que você está em Itinosseki. Lorde Kussu-noki Massatsuna sucedeu o pai com onze anos.
Você já tem dez anos. Para se tornar um cidadão japonês exemplar, deve se preparar sozinho em sua
jornada. Viva justa e fortemente. A base de todo o exercício para a perfeição da personalidade é, antes de
mais nada, tornar-se "sadio" e formar um corpo de homem forte. Para tornar-se "sadio" é necessário ter, de
inicio, a convicção de que será forte e, de resto, a inteligência encarregar-se-á de encontrar um meio para
torná-lo forte.
Seu pai não poderá vê-lo por muito tempo. Desejo fazer um trato. Faça Daímoku ao Gohonzon cem
vezes numa hora determinada de manhã de acordo com sua conveniência. Nessa hora, seu pai também fará
preces de Daimoku cem vezes. Nesse Ínterim, as "duas intenções" comunicar-se-ão como o telégrafo sem
fio. Assim poderemos conversar. Denominaremos a isso 'aliança Pai-Filho'. Se os avós e a mãe desejarem
fazer companhia poderá deixá-los aliar à sua vontade. É favor enviar-me a hora determinada.
Assim escreveu Toda, no interior da prisão, uma carta de encorajamento ao filho Kyoiti. Toda sempre
enviava a cada membro de sua família cem Daimoku suplementares apôs os seus dois mil Daimoku da
manhã e da noite.
Por outro lado, prevendo a chegada inevitável da derrota, ele pedia um amparo ao Dai-Gohonzon em
todas as eventualidades desastrosas que poderiam ocorrer após a invasão.
Na cela solitária do presídio não havia Gohonzon, nem vela, nem incenso. Ele colecionou, então, as
tampas das garrafas de leite que eram distribuídas nas celas e passou um fio no meio delas, para compor com
isso um juzu.
Era uma luta desesperadora dentro da prisão, acima de quaisquer descrições.
— Dai-Gohonzon! Salvaguardai a minha vida, a vida de minha esposa e a de meu filho. Eles poderão
ser capturados e humilhados pêlos inimigos. Poderão ser mortos pela baioneta do inimigo. Se isto acontecer,
que sejam sempre dignos de ser a esposa e o filho de Jossei Toda, o devoto do Myoho. Assim, ao chegar a
Ryojusen, receberão a hospitalidade de Nitiren Daishonin. Com certeza serão recebidos condignamente-
A sua prece, no meio da trilha da morte, continha a forte convicção da sua resolução,
Ele tinha certeza, pela experiência do estado de iluminação que atingira misteriosamente pela primeira
vez na prisão, de que as suas preces seriam alcançadas.
Agora, enfim, ele conseguiu sua liberdade. Desde muitas horas antes da sua saída do presídio até chegar
à mesa do Jantar em seu próprio lar, vinha palestrando constantemente. Parecia dar testemunha da sua
libertação após cerca de dois antes de vida presidiária. As conversações não chegavam ao fim, apesar das
altas horas da noite, Ikue estava Impacientemente preocupada com o cansaço do marido. Kazuo já estava
dormindo no outro quarto. Por fim. Seiji Matsui e a irmã caíram no silêncio.
Parecia uma noite de paz.
De repente, porém, a sirene de alerta contra o bombardeio rasgou o silêncio. Já passava da meia-noite.
A janela foi coberta de cortina negra. O rádio anunciava a chegada de uma enorme formação de 120
bombardeios P-51, conduzidos pêlos 3 bombardeiros B-29, os quais voavam por cima das águas da
Península de Bosso em direção à ilha principal.
Logo em seguida ressoava insistentemente a sirene, noticiando o bombardeio. Os membros da família
foram se proteger no abrigo antiaéreo. Somente Toda foi ao andar de cima.
Na sirene dessa noite, Ikue sentiu um medo estranho, não experimentado antes. O tremor do seu corpo
parecia não parar nunca.
Apesar de já haver passado dezenas de vezes por debaixo de bombardeios, nunca se sentira assim. Para
ela, não importava a guerra; tampouco dava importância às dificuldades de viver nem à falta de alimentos.
Mesmo quando o perigo se aproximava, nada lhe importava, senão uma coisa — adormecida ou
acordada, o seu mundo todo era a segurança de seu marido que lhe fora arrebatado.
— Que ele volte seguro o quanto antes — durante meses de espera, a sua vida dependia apenas desse
único desejo.
Mas, nessa noite, a situação era diferente. A volta de Toda com liberdade, preencheu todo o seu
mundo.
Pouco antes do toque da sirene, Toda apesar de seriamente doente e bastante desnutrido, dizia-lhe com
ternura consoladora:
— Não se preocupe. Já estou de volta, assim. Não há com que se preocupar, mesmo como vamos viver
daqui para frente.
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IKUE reconheceu que a luta de longos anos terminara com vitória. Parecia voltar de novo àquele estado
de calma e de normalidade. ...
E nesse instante, sentiu pela primeira vez, após o ressoar da sirene, uma inquietação no peito e
perturbou--se pelo medo de bombardeio. Por outro lado, no quarto de cima, forrado de cortinas negras, Toda
sentou-se diante do altar familiar.
O silêncio fúnebre da noite sob a ação do bombardeio envolvia o ambiente. Prendendo uma folha de
shi-kimi (ramos de folhas verdes e perduráveis) nos lábios, despregou vagarosamente o Joju-Gohonzon do
seu altar. A seguir, tirou os óculos.
Procurou observar cada letra do Gohonzon, tão perto dos seus olhos que sua face quase chegava a
escorregar rente à Inscrição.
— é isso mesmo. Não há dúvida. É exatamente igual como naquela vez.
Falando consigo mesmo, em murmúrio, ele confirmou que aquela cerimônia solene e misteriosa de
Kokuê (Cerimônia no Ar) estava sendo representada sob a forma de disposição das ideografias do
Gohonzon. Cheio de emoção, as lágrimas quentes de alegria escorreram pela sua face. Suas mãos estavam
trêmulas. Bradou claramente em seu espírito.
— Gohonzon! Senhor Nitiren Daishonin! Eu Jossei Toda, prometo realizar infalivelmente a Paz
Mundial (Kossen-rufu).
Sentiu no peito o calor de um fogo intenso que lançava uma luz incandescente. Era uma luz que
ninguém podia apagar. Em outras palavras, aquele fogo ardia além da sua consciência. Era como o fogo da
alvorada do Kossen-rufu que nunca iria desaparecer, que se acendeu nesse instante, dentro do coração de
Toda.
Após então, ele colocou novamente o Gohonzon dentro do altar e observou seu redor. No momento,
não havia nenhum meio para transmitir o seu sentimento de profunda emoção. Uma sensação de solidão, de
desamparo, invadiu-lhe o coração. Então, falava novamente consigo mesmo:
— Não se afobe. Não tenha pressa. Deve agir pacientemente. Haja o que houver, deve consegui-lo a
qualquer custo.
Nessa noite, já avançada e escura, dobrava o sino anunciando o início da alvorada no coração de Toda.
Entretanto, ninguém o podia perceber.
Essas ondas sonoras, até que atingissem tenuemente os ouvidos dos outros, precisariam levar meses e
anos. Porém, a alvorada do Japão já iniciou exatamente nesse momento. Um dia, no futuro, a história irá
comprová-lo claramente.
A escuridão era demais.
O futuro da nação era uma treva. Ao mesmo tempo, o mundo, ao seu redor, também estava
profundamente escuro. Apenas dentro do seu espírito havia a alvorada.
— Quanto mais densa a escuridão, mais próximo deve estar o clarão do céu, pensava ele.
O rádio transmitiu a noticia em altas vozes: — Os bombardeiros P-51 atacaram as prefeituras de Tiba e
Iba-raki e dirigiram-se ao sul de Kashima.
E o alarme do bombardeio cessou.

15
Reconstrução

Em 3 de julho, dia da libertação de Jossei Toda, o governo decretou finalmente a redução de 10% das
rações alimentares.
A pobreza extrema do povo, já cansado de sua má sorte, não podia mais ser camuflada. O padrão diário
da ração do arroz para o adulto passou a ser 297 gramas. Entretanto, quando fosse distribuída a ração
substitutiva como batatas, batatinhas, feijão, massas de soja, centeio, etc-, o peso destes eram descontados do
arroz racionado.
Os peixes eram distribuídos na proporção de um a cada quatro dias, e mesmo assim, quase sempre, era
apenas uma sardinha.
A unidade calórica do povo desceu até 1200 calorias. Isto significa a metade da caloria média do povo
antes da guerra, avaliada em 2160 calorias por pessoa. Esta quantidade permitia somente ficar quieto, sem se
mover. Se tentasse trabalhar nessas condições, logicamente se manifestariam em seguida os sinais de des -
nutrição. A desnutrição não existia somente na prisão. Acontecia também fora dela.
No período que vai desde o Inicio da etapa final da guerra até após o fim da mesma, a nação inteira
estava sendo invadida, antes de tudo, pela fome. Isto foi em conseqüência da falta da quantidade mínima de
alimentos necessários em virtude do bloqueio marítimo.
Notava-se no povo o rápido declínio do aspecto físico. A maioria da população andava com olhos
incrustados na fossa orbitária, roupas cada vez mais folgadas no corpo emagrecido, dificuldade de respiração
e falta crescente de coragem. Isto não era o aspecto de uma ou de outra pessoa, mas sim, da maioria absoluta
do povo.
Como é desesperadora a vida humana em condições de profunda miséria!
Se os líderes da nação Japonesa fossem mais inteligentes, teriam conduzido o povo para uma vida
melhor e mais segura.
Jamais o povo deverá esquecer-se desta amarga experiência.
Apesar desta situação, o governo proclamava a batalha decisiva na ilha principal e continuava pregando
ao povo "o sacrifício dos cem milhões" para não se render. Ninguém, entretanto, podia acreditar em tal lema'
e o espírito combativo foi se enfraquecendo dia por dia.
Além disso, não havia ninguém que apresentasse um plano concreto para mudar o curso da guerra ou
para possibilitar a negociação de paz.
Após a rendição incondicional da Alemanha em ma'o, a derrota tornou-se inevitável.
De maio a agosto desse ano, a nação inteira viveu num estado estranho de inércia e imobilidade.
Nessa época, os aviões americanos atacavam diariamente as cidades pequenas e médias, bombardeando
todo o território s5o pais. O exército e a marinha do Japão perderam quase totalmente o poder de resistência.
Os bombardeios atingiram 90 cidades e, com isso, cerca de um terço de todas as cidades do Japão foi
reduzido a cinzas. O arrasamento da ilha principal estava sendo progressivamente executado.
O plano de ação do governo para a batalha decisiva na ilha principal consistia simplesmente em
mobilizar os soldados em todo o país. De fevereiro a maio, o exército criou às pressas 45 divisões e elevou
para 3.000.000 o número de soldados para a defesa, distribuindo-os para iodos os recantos do país.
Entretanto, novos corpos de soldados assim formados eram exércitos completamente desprovidos de
equipamentos, não possuindo nem armas de fogo e nem baionetas.
A marinha já se havia tornado em "marinha sem esquadra". Assim, não havia outro plano senão o de
aumentar os soldados em terra para reorganizar a defesa costeira.
Em 1944, oitenta e nove por cento dos homens, de 20 a 40 anos, já haviam sido convocados para o
serviço militar, mas, em 1945, essa proporção foi para noventa por cento. Isto quer dizer que todos os
rapazes haviam sido mobilizados, com exceção de doentes e aleijados.
Esse exército, que parecia mais um bando de escravos, tinha como ação militar, única e exclusivamente,
a de cavar trincheiras ou túneis.
Quantos milhões de jovens, que poderiam construir o futuro, morreram nesta guerra! Quantos milhares
de famílias pacíficas foram destruídas!
Não havia dúvida de que era o próprio povo quem mais odiava a tolice dos líderes, os responsáveis pela
tristeza de tantos sacrificados.
Okínawa, que se orgulhava por sua fortaleza indestrutível, foi tomada, enfim, diante dos intensos
ataques das forças americanas, por ar, terra e mar, que se valeram de seus abundantes materiais de guerra.
Essa luta desesperada acabou no mês de junho.
Durante essa luta, todos os aviões Kamikaze foram mobilizados para cumprir a missão dos ataques
suicidas. O arrasamento da ilha foi completo. Morreram mais de cem mil soldados japoneses, e o número de
mortos entre os habitantes da ilha ultrapassou cento e cinqüenta mil.
Crianças, velhos e mulheres, que nada tinham a ver com a guerra, foram também banhadas pelo fogo de
artilharia. A batalha de Okinawa criou numerosas tragédias, tal como a tragédia do Corpo Himeyuri, grupo
de moças estudantes que foi convocado para socorrer os feridos.

16
Esses numerosos casos trágicos de crueldade e de miséria não eram senão o mau presságio de um
destino desesperador da batalha final, da ilha principal que se aproximava passo a passo.
A essa altura, o povo já havia perdido a coragem para reagir, tanto física como espiritualmente. A
medida que foram aumentando as vitimas de guerra, tornavam-se cada vez mais numerosas as pessoas que,
perdendo o teto para o abrigo, vagavam sem destino pelas ruas junto com suas famílias e com os utensílios
domésticos, os poucos que restaram do incêndio da guerra, abandonando os restantes, as casas e outros
pertences, já tudo queimado pelo fogo, todos perambulavam com fisionomias completamente conformados;
às vezes, entretanto, trocavam-se, entre eles, palestras com surpreendente senso de humor.
— Até que enfim, fui também atingido ontem à noite, dizia um homem. Respondia então, um outro
como ele.
— Mas, o senhor também! Fui atingido igualmente há 10 dias, e tudo ficou queimado tão limpinho. Ah,
ah, ah- Conversavam ambos como se estivessem falando para si, enquanto limpavam seus rostos, pretos de
fumaça, com toalhas sujas. Isto era pelo menos uma troca de consolação e de resignação. A realidade era
bem pior. O problema não era mais o de se apavorar peia perda do espírito combativo. O estado de profunda
apatia já cobria, desde há muito, a vida do povo.
Quantas infelicidades se amontoaram até chegar a esse estado de coisas! A "batalha decisiva" já não
passava de umas simples palavras. Nesse ínterim, aproximava-se, a cada segundo, o momento do balanço
final do povo japonês.
Enquanto a nação japonesa estava sendo conduzida, a passos acelerados, para o destino diabólico. Toda
passou a primeira noite em seu lar, após dois anos de ausência.
Ele acordou, quando o céu ia clareando. Após respirar profundamente o ar fresco da manhã de verão,
abrindo a janela de vidro, permaneceu-se deitado sobre o leito.
Reinava um profundo silêncio. Parecia até que a correnteza do tempo tivesse parado.
A madrugada era o momento mais importante para ele.
Sobre seu leito, sem ser importunado por ninguém, com a mente fresca recém-acordada, podia cair,
como de costume, em profunda meditação, raciocinando até as últimas implicações dos seus variados
planos.
"Reconstrução" era o único pensamento que circulava velozmente na sua mente — a reconstrução da
Gakkai. Para que isto fosse possível, era necessário, antes de mais nada, resolver o problema da restauração
da sua empresa. Para isso, não havia nenhuma compaixão pelo amparo de si próprio.
Dentro da prisão, ele Já sabia que o seu negócio havia ido ao colapso, mas não havia meio de verificar o
que realmente acontecera. Resolveu averiguar os fatos reais que levaram a esta situação adversa, tais como;
o controle das empresas, a mobilização de quase todos os seus empregados com idade para alistamento, os
edifícios das empresas que foram danificados peio incêndio, evacuação de seus auxiliares, a paralisada
situação económica e outras tantas condições desfavoráveis.
Para descobrir o fio da meada do inicio da reconstrução, precisava conhecer o verdadeiro aspecto de
pelo menos uma das suas numerosas empresas. Isso foi necessário porque não haveria reconstrução sem
constatar a realidade. O futuro brilha na vida de quem se dedica inteiramente a reconstrução. Sabe-se que o
triunfo ou a derrota de uma existência decidem-se com a construção da sua última vitória.
A força propulsora de todas as obras é, enfim, o próprio homem. A chave do sucesso está inteiramente
na própria revolução humana do indivíduo. Controlar perfeitamente o negócio ou ser controlado pelo
mesmo, eis o que decide o futuro destino da empresa.
Toda decidiu procurar imediatamente seu advogado em Shibuya, a quem havia encarregado o trabalho
de resolver todo o seu negócio. — tudo partia disso.
Finalizou prontamente o seu Gongyo e, terminada a refeição matinal, solicitou à sua esposa que
providenciasse o seu terno de verão.
Ikue opôs-se à saída do marido, preocupada com sua saúde precária.
De fato, a sua debilidade física dificultava a caminhada. Ontem precisara mais de duas horas até chegar
a casa, na volta da prisão de Toyotama.
Por que deve sair em pleno calor do dia? Por que precisa ser hoje? Não pode chamar o advogado em
casa? Ikue protestou veementemente, apresentando diversos motivos, mas a decisão de Toda era mais
veemente.
— Irei sim. Não se preocupe. Estou bem disposto. Deve haver numerosos documentos arquivados lá e
não ficaria nada bem, se o chamasse aqui. Devo ir lá e examinar todos os documentos. Se não fizer isso, não
poderei fazer nada. Queira trazer o meu terno de linho imediatamente?!
Observando o clima de inquietação entre ambos, Seiji Matsui disse, com sorriso forçado:
— Ikue, é melhor você concordar com ele e ir junto.
Vocês poderão ir descansando várias vezes no caminho! Vão devagar, sem fazer sacrifícios.
— Ah, ah, ah... Papai, como Ikue se tornou forte, não acha? disse Toda, rindo.
— Sim, deveras! replicou Ikue. Pois, fui a mulher que viveu sob as armas.
Ouvindo as palavras da esposa, Toda disse, após conter a estourada gargalhada:
— Não, não sob as armas, e sim sob a prisão. Toda ficou surpreendido ao vestir o seu terno de linho,
pois era tão folgado como se estivesse com o terno emprestado por um estranho. Ao colocar o seu chapéu
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Panamá, este caiu até a altura dos olhos. Embora seus cabelos haviam sido cortados completamente, parecia
que até a cabeça emagrecera. Pensando nos raios quentes do sol, Ikue trouxe o chapéu de caçador. O forro
do chapéu estava completamente coberto de mofo. Ikue limpou-o com força, pois o mofo estava fortemente
impregnado.
Enfim, terminados os preparativos para a salda, disse Toda, calçando o sapato na porta da casa:
— Oh, não é possível!
O sapato também estava tão folgado, apesar de ser o mesmo que usava anteriormente. Ikue abaixou seu
corpo ao alcance do sapato e apertou o cordão.
— ótimo. Nós não vamos correr. Está bem assim — disse Toda inocentemente, batendo várias vezes o
seu sapato folgado contra o chão.
Era, para ele, uma rara oportunidade de passeio. Era um prazer idêntico aos dos alunos do curso
primário que vão participar de um piquenique.
Entretanto, tinha o aspecto de um convalescente de uma doença crônica, o qual estivesse fazendo
exercício de recuperação, caminhando vagarosamente, passo a passo, auxiliado pela bengala. Sua
companheira trajada de calça gaúcha parecia uma enfermeira.
Assim, a luta pela reconstrução iniciou já na manhã do dia seguinte à saída do presídio. Não havia um
dia sequer de folga.
O casal Toda deixou a residência. Os arredores eram uma devastação em ruína. Será isto o que se
chama a "cidade de inferno"?
Embora a condição física fosse grave, a sua energia vital palpitante impulsionava vigorosamente os
trabalhos. sem se preocupar com os obstáculos. Quem marcha a um objetivo nobre possui sempre a
vitalidade propulsora.
Entretanto, não havia um que percebesse isto.
O advogado de Shibuya, responsável pelo balanço dos bens de Toda, mostrou uma por uma, a realidade
das dezessete empresas de Toda. A situação não era apenas o encerramento do negócio por causa da guerra.
Era bem pior que isso, uma completa bancarrota.
Disse o advogado, com uma fisionomia embaraçosa: — Tenho pena do senhor! Mas quem irá endireitar
a situação nacional?... Na verdade, não posso dizer nada. Não posso fazer nada quanto a isso.
— Entendo. Mas. então, como ficará o balanço total?
Toda apressou a conclusão — tais pretextos consoladores nada significavam por ora. O tempo exigia
apenas a conclusão. Precisava saber, antes de tudo, os números concretos.
O advogado ordenou ao seu secretário trazer o resultado final do balanço, entregando-lhe um pacote de
documentos. O secretário fez contas, movimentando os grãos de soroban (Ábaco. Instrumento que os
japoneses e os chineses usam para fazer cálculos), escreveu os números numa folha separada e colocou-a
sobre a mesa do advogado. Este observou atentamente a folha e depois a passou para Toda.
Toda retirou os óculos e leu com a folha muito perto do seu rosto.
O balanço total calculava-se em dois milhões e tantos ienes.
— Este é preto ou vermelho?
— é vermelho — o advogado respondeu sumariamente.
Disse Toda em murmúrio:
— é o déficit de dois milhões e quinhentos mil ienes?
Ikue, que permanecia ao seu lado, tremeu de susto ao ouvir essa quantia. Isso foi o balanço total do
resultado dos negócios de Toda em conseqüência dos dois anos da sua inocente vida presidiária.
Retornava com os passos vagarosos o caminho da sua casa, cheio de ira, sob os ardentes raios do sol.
Ele compreendeu que não havia outro caminho senão organizar um novo trabalho para a reconstrução de sua
vida. Não havia, entretanto, dinheiro nem meios. Não havia pessoas que pudessem auxiliá-lo. Nem
imaginava o tipo de trabalho que iria começar.
Como homem de negócio, precisava reconhecer o seu grave ferimento, financeiramente vital.
Se estabelecermos o índice de preço por atacado, 3,5 seria 360 atualmente. Então, aquele déficit seria
hoje aumentado mais de cem vezes, correspondendo 300 milhões de ienes.
— Não se preocupe. Enquanto estou vivo, nunca se preocupe, sim? — disse Toda, consolando a sua
esposa que o acompanhava tristemente.
Era realmente uma situação desesperadora- Não havia um plano sequer. Havia apenas uma convicção
dentro do seu coração que, entretanto, ninguém podia compreender.
Ikue estava a ponto de chorar, A semente da sua tristeza era a saúde do seu marido, visivelmente
perdida. Perguntou ela, levantando a cabeça:
— Está bem mesmo? Não acha melhor tratar da saúde por enquanto?
— O meu corpo? Poderia melhorar de saúde, mas nunca poderá ficar pior do que está. Não se preocupe
com isso também. — disse Toda, decisivamente, movimentando a sua bengala.
Havia muita gente andando nesse caminho. Todos estavam desalojados. Como o casal Toda, eles
também perambulavam carregando sofrimentos, ora maiores ora menores,
A mesma cidade, após o incêndio, parecia bem menor do que antes. Visto pela plataforma da estação de
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Shibuya, tudo parecia espantosamente próximo; assim, o campo de Yoyogui, a avenida Doguenzaka, o
distrito de Daíkanyama, pareciam muito próximos dos olhos.
No momento em que o casal retornava para casa, anunciava-se o alarme antiaéreo, pelo toque da sirena.
O rádio anunciava que 100 aviões P51 estavam penetrando na altura do mar de Kashima, conduzidas por
dois B29. Era aproximadamente onze horas da manhã. Nesse dia, os aviões americanos bombardearam os
aeroportos de Ibaraki, Totigui e Tiba, continuamente, até o meio-dia.
No dia 5, Toda permaneceu em casa a tarde inteira. Ele estava extremamente fatigado. Fez o seu
repouso no leito, limpando freqüentemente a transpiração do corpo. Seu pensamento, não obstante, girava
ativamente dentro da cabeça.
Vinham à sua procura alguns de seus antigos empregados. Era a turma de velhos que pareciam ser os
amigos da antiga empresa. Eram pessoas que haviam perdido o emprego. Eram pessoas que lhe pediam
favores, mas que não se podia contar com eles. Suas conversações eram como se tentassem procurar coisas
no escuro.
Altas horas da noite, sozinho, Toda pensava intensamente, segurando o travesseiro. Era seu costume
quando meditava. A um certo momento lembrou-se de uma idéia: — Que tal um curso por correspondência?
Visão, confiança e resolução constituem elementos essenciais para o êxito de um negócio.
No dia 1.° de março, o governo promulgou o Plano de Educação em condições de emergência,
ordenando a suspensão das escolas por um ano. mas isto já estava sendo posto em prática.
- Todas as crianças do grau primário foram transferidas em agrupamentos ou em casas de parentes fora
de Tóquio. Os estudantes do curso secundário foram mobilizados para trabalhar nas fábricas e assim foram
retiradas todas as oportunidades para os estudos. Ele sabia através da sua longa experiência, daquela avidez
de assimilação no espírito da mocidade estudantil, como o broto que absorve tudo e cresce rapidamente.
Confiou no amor pelo estudo da mocidade inocente que nunca perderia o entusiasmo e que voltaria sempre
ao seu lugar ao sol, mesmo que a guerra criasse situações piores ou que viesse uma derrota inesperada.
Tinha paixão ao reconhecer que havia sede de aprender no espírito da mocidade.
— Enviarei, pensava ele, estudos para estas mentes sedentas de conhecimento. Para isto, na situação do
momento, não há outro meio senão o curso por correspondência. — Sua meditação foi-se solidificando cada
vez mais.
Não precisaria de muitos auxiliares porque ele mesmo poderia planejar o estudo. O único problema
consistia em determinar a época para começar e o capital
para iniciar o trabalho.
O plano assim idealizado ia avançando progressivamente para a concretização. Como poderia angariar
fundos para a execução do seu plano? Lembrou-se então daquelas palavras que o advogado de Shibuya disse
ontem sorrindo:
— Estão aqui as apólices de seguro contra os incêndios, Poderá receber o pagamento de algumas
parcelas destas, como ocorreu na ocasião do grande terremoto de Kanto. Não posso dizer que possa receber
já. Um dia o governo certamente deverá tomar providências. A única coisa que poderia alimentar algumas
esperanças são estas apólices de seguro. Ha, ha, ha . .!
Agora, sem querer, lembrava-se daquelas palavras. Dentre os prédios pertencentes à sua empresa, havia
vários classificados como destruídos pelo incêndio. O valor do seguro atingia cento e tantos mil ienes. Era
praxe que as companhias de seguro não se responsabilizavam pelo pagamento dos danos causados pelos
incêndios quando eram provocados pela guerra. O governo, entretanto, via se forçosamente na obrigação de
fazer alguma coisa para reparar mais de três milhões de casas destruídas pelo incêndio em todo o país. Na
ocasião do grande terremoto de Kanto. as companhias de seguro do Japão insistiam em manter a não
obrigação de reparar os danos. As agências estrangeiras de seguro, entretanto, prontamente pagaram. A
opinião pública estava muito indignada com isso e o governo não teve outro meio senão o de tomar atitudes
a pagar algumas parcelas obrigatoriamente pêlos danos.
Ele compreendeu que estas apólices de seguro poderiam converter-se em fundos para suas finanças. Re-
solveu trocar idéias com o seu velho amigo, o advogado Kiyoshi Ozawa, antes de dar um passo para a
realização 'de sua obra.
Quem é possuidor de uma visão polida nunca chegará ao desespero. Uma vez desenvolvidas as idéias
até chegar ao ponto final da conclusão, ele adormeceu profunda e tranqüilamente.
Houve, até agora, alguma obra grandiosa construída com êxito sem o entusiasmo? Não! Nunca! Toda
apressou-se impacientemente a fim de formar uma base para a reconstrução da Gakkai, a Sociedade
Religiosa. Para isso, ele enfronhou seriamente no seu negócio.
Na manhã do dia 6 mandou recolher todos os documentos sobre os seguros que estavam nas mãos do
advogado de Shibuya. Após então, saiu de casa, acompanhado pela sua esposa Ikue. O céu estava nublado e
nem por isso deixava de ser um dia de calor.
Foram à estação de Suidobashi pela linha Sho, e tomaram o bonde para Yatiyotyo, onde ambos
desceram. Era uma visita após muitos anos de ausência.
Aquelas ruas que ele ainda lembrava, não haviam sido incendiadas. Deixando a rua principal, chegou a
Shinsaka. Até aquele momento não havia percebido que aquela ladeira era tão Íngreme. Chegou até a pensar
que viera pelo caminho errado.
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O esforço pela caminhada abalava muito a sua resistência física debilitada. A cada cinco ou seis metros
precisava parar e descansar a fim de que pudesse caminhar novamente. Aquela subida parecia terrivelmente
longa para ele. Ao chegar a uma grande curva situada no meio da subida, enfim, abaixou o corpo. As nuvens
já haviam desaparecido e caíam sobre ele os raios ardentes do sol de verão. Seu corpo ficou totalmente
banhado de suor. Ikue ficou desesperada.
—É um sacrifício demasiado! Está doente! Que tolice fiz eu! Devo, por enquanto, impedir a sua saída.
Ela se arrependeu e com muito remorso procurava fazer sombra com o seu próprio corpo sobre o de
Toda abaixado. O rosto do seu marido estava pálido. Ela fez Daimoku silenciosamente dentro do seu
coração.
Parecia ser lipotimia, devido à isquemia cerebral. Enfim voltava a se avermelhar as maçãs do rosto. Ele
limpou o suor do rosto até o pescoço. Após então, levantou-se com firmeza, apoiando sobre a bengala.
— é logo aí. Mas, como faz calor!
Ainda não estava por terminar a subida, porém, Ikue foi subindo como se estivesse empurrando o seu
marido por trás.
Ao terminar a subida, virando à esquerda, achava-se a residência de Ozawa. Era um suntuoso palacete
cercado de muros decorados com tijolos ornamentais.
Como fora avisado previamente pelo telefone, Ozawa estava ansioso à espera de Toda. Ao tocar a
campainha, a esposa de Ozawa veio correndo para recebê-los. Foram convidados a entrar numa sala de
visitas cujo forro era bem alto. No jardim havia pedras ainda molhadas pelo recente esguicho de água,
porém, o aquário permanecia seco. Estendia-se o piso de pedra numa extensão de dois tatami (as esteiras
com cerca de 1 x2 m e quando estendidas servem de assoalho), como sempre, ao longo da varanda.
Os velhos amigos trocaram simultaneamente as palavras ao cumprimentar uns aos outros.
— Oh!
— Oh!
— Como você está magro, não acha? — Ozawa surpreendeu-se com a debilidade Tísica de Toda.
— Sim, emagreci. Há alguém que sai gordo da prisão?
— Mas, está bem mesmo?
— Sim! ótimo! Não se preocupe. Consegui chegar até aqui caminhando toda aquela subida tão
terrível!
Ah, ah...!
Após reconhecerem o bem-estar um do outro, ambos caíram na gargalhada.
A amizade é forte. Dizia alguém que uma amizade supera cem relações de parentesco. Na amizade, en -
tretanto, distinguem-se dois tipos: a amizade secular e a amizade budista. A amizade do tipo secular parece
ser íntima; no entanto, é habitualmente superficial. Nela contém uma tendência natural de se afastarem
diante das realidades como o sacrifício ou o interesse pessoal. Por vezes pode-se transformar em horrível
ódio. é principalmente nessa ocasião que não raro se vê esposas e moças virem interferir no meio.
A amizade que provém de um companheirismo que vive num esforço comum para a realização de um
ideal, confiados na pura fé, contém o incentivo mútuo e o mútuo auxílio, mesmo arriscando a vida, se
necessário.
A essência da satisfação de Ozawa pela libertação da prisão de Toda era o encontro de uma saudade
entre dois amigos; infelizmente não era um encontro de dois companheiros de luta que depositavam corpo e
alma a um ideal.
Os dois, entretanto, iniciaram as conversações como se fossem dois amiguinhos que se entendem bem.
Para Toda era difícil compreender a evolução da situação política, estando preso na cela. Por outro lado,
Ozawa conhecia o curso da situação nacional, através das informações que podiam ser colhidas nos
bastidores da política militar. Em cooperação com as forças armadas, havia participado no planejamento da
paz em segredo, mas fora um sonho em vão. Assim ele tinha uma visão bem atualizada sobre a intenção das
altas patentes.
Toda ouvia essa narrativa, movendo a cabeça como sinal de concordância. Enfim, disse abruptamente:
— Exatamente, quando vai terminar a guerra?
— Isso não sei. Devem surgir opiniões contrárias sobre as negociações de paz. Não será possível isso, se
não houver chance de unificar a opinião pública — disse Ozawa em atitude de meditação, mexendo no seu
bigode.
— Derrota gradual? Assim não é possível! disse Toda.
— Como sempre, você é impaciente! respondeu Ozawa, rindo.
— Isso mesmo. . Eu tenho coisas para resolver.
— Mais um pouco de paciência. Espere meio ano ou um ano.
— Não posso esperar tanto tempo assim.
— Não adianta me bronquear. Eu não posso fazer nada.
Ambos caíram na gargalhada em altas vozes.
— Agora é sobre o meu negócio...
Toda explicou a história da falência de suas empresas e em seguida informou a respeito do novo plano
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de curso por correspondência. Recebeu as apólices de seguro contra incêndio pelas mãos de Ikue e, a seguir,
com esses documentos em garantia, pediu um empréstimo de dez mil ienes.
— Sim, está bem. — Ozawa concordou prontamente. Trouxe imediatamente um talão de cheques da sua
biblioteca particular. Com a caneta na mão, viu rapidamente a anotação da sua conta no banco e disse:
— Ôpa! Não está bom!
Em seguida, ele torceu o pescoço e disse:
— Sinto muito! Não pode ser a metade?
Nesse instante, Toda pensou que isso era impossível. Seria uma quantia insuficiente. Refletiu
novamente e enquanto isso prosseguia, houve momentos de silêncio.
Vendo, entretanto, a fisionomia preocupada de Ozawa, Toda cedeu.
— Está bem. Procurarei novos recursos para o resto.
— Desculpe. Sinto muito.
Ozawa assinou o cheque e identificou-o com o seu carimbo.
— Obrigado. — agradecendo, Toda recebeu o cheque
e passou-o às mãos de Ikue.
As relações de amizade já haviam, até então, prolongado por vinte e cinco anos. Eles se encontraram
pela primeira vez em 1920, na classe do terceiro ano do curso noturno do ginásio de kaissei. Toda havia che -
gado a Tóquio em março daquele ano, proveniente de Hokkaido e Ozawa em abril, proveniente de
Yamagata. Toda tinha um ano e três meses a mais de idade. O motivo por que eles ingressaram no terceiro
ano ginasial do curso noturno era para prepararem-se para o curso do quarto ano ginasial e obterem o
certificado de conclusão daquele curso. Na verdade, seus objetivos visavam ao ingresso no curso superior.
Naquela época, mesmo aqueles que concluíssem o quarto ano ginasial do curso noturno, não
estariam ,qualificados ao ingresso, se não passassem nesse exame especial.
Gênio é sinônimo de esforço constante. Sem esforço, como poderão surgir homens fortes, capazes de
vencer a luta pela vida?
Eles precisavam passar no exame de qualificação de todas as matérias do curso ginasial, de acordo com
os regulamentos da época, adotados pelo sistema oficial. Até então, havia necessidade de corrigir as
deficiências e suprir as falhas dos conhecimentos adquiridos pelo autodidatismo. Pela primeira vez, Toda
então começou a compreender corretamente o inglês.
Toda e Ozawa destacavam-se como amigos que se entendiam tão bem e foram merecedores de
admiração de todos. Toda era alto, contrastando com a pequenez de Ozawa e a combinação visivelmente
contrastante de "altão" e "baixinho". Esta dupla que sempre andava junto combinando-se mutuamente,
apresentava-se até como um contraste humorístico. A tendência livre e afetiva de Toda, fazia reunir em torno
dele, naturalmente e sempre, os numerosos colegas de classe.
Ele dialogava sobre a situação mundial, falava das coisas da vida e era sempre o "cabeça" do grupo e
considerado como o elemento mais simpático. Ozawa, pelo seu tipo dócil e atencioso servia sempre de
elemento de "quebra-galho" da turma. Os dois que tinham, comparativamente mais idade do que outros
alunos da classe, estes pareciam a eles como crianças. Ambos reconheciam-se mutuamente como sendo o
melhor amigo com quem deveria trocar idéias.
Toda, em Hokkaido, já era um funcionário, civil e independente, que passara no exame de qualificação
para exercer o cargo de professor primário de Yubari.
O ideal de sua mocidade convidava-o a Tóquio e oferecia coragem para matricular-se no terceiro ano
ginasial do curso noturno.
Ele guardava no seu coração, a decisão de ser um grande empresário no futuro. Ozawa sonhava ser um
grande estadista e para isso, havia decidido ser advogado, como primeiro passo.
As atividades de estudos, impulsionadas pela grandiosa decisão, era bem intensa. Toda destacava-se no-
tavelmente na matemática e na língua oficial. Se descobrisse uma dúvida na lição de inglês, perguntava a
todos, mesmo que fosse a um estranho, seja no meio do bonde, ou mesmo a um estudante do curso colegial
ou um universitário de Keiô. Diante de um problema insolúvel na matemática, dirigia-se prontamente à
aula de lições de matemática do curso preparatório ao nível superior do Kensú-Gakkan, esperando o final da
aula para entrar e perguntar ao professor. Tão logo terminada a aula, dirigia-se imediatamente à plataforma
da mesa do professor, para pedir a solução dos problemas. Isto aconteceu várias vezes, mas devido à sua
atitude exemplar e da dedicação atenciosa do professor foi considerado até o fim como um aluno esforçado e
nunca descobriram que era o estudante "penetra". Assim o seu progresso no estudo foi espantosamente
rápido. Isso foi devido à sua estratégia ímpar de voluntariedade ativa.
Ozawa observava constantemente as atividades diárias da vida de Toda. Ao freqüentar a sua residência
por diversas vezes, em cada vez que o encontrava, ficava mais surpreso de admiração pela grandiosidade do
seu gênio. Toda encontrou com o seu mestre permanente, Tsunessaburo Makiguti, no verão de 1920,
começou a lecionar na escola primária de Nishi-Mati, por seu intermédio, que era o diretor dessa escola.
A suprema felicidade na vida é encontrar o mestre para sempre. Não há coisa mais infeliz do que a vida
de uma pessoa sem o mestre. Seja quem for, famoso ou poderoso, é triste não ter mestre. Ozawa entretanto
não se importou e nem o teve. Desde o início já fora traçado o curso da vida de cada um, na encruzilhada do
destino em comum, com essas diferenças fundamentais. Pode--se dizer que esta é a diferença fundamental
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entre o homem de realização genial e do homem interessado no prazer e na fortuna.
Ele freqüentava o curso ginasial noturno. Este jovem professor do curso primário vivia num quarto do
fundo de uma pensão em Kanda, conjuntamente com sete ou oito rapazes. Cada um preparava as suas
refeições. Ozawa ficou surpreendido pela situação adversa na vida desse conjunto de rapazes na pensão de
Ryozanpaku. (Ryozanpaku - Comunidade dos bandoleiros no famoso romance "Suikoden ) Eram todos estudantes
provenientes de Hokkaido com grandes dificuldades para poder estudar. Uns eram entregadores de jornais,
outros eram condutores de carroças e alguns permaneciam no quarto sem fazer nada, porque eram
desempregados. Comparando-se com Toda, eram todos estudantes pobres. Por que motivo Toda tinha que
viver junto com esses rapazes? Dificilmente Ozawa poderia compreender isto. Enfim, um dia, não re sistiu
mais, pois não podia mais deixar de perguntar ao seu amigo a esse respeito.
Disse Toda: '• — Não posso sair daqui, agora. Se eu deixar aqui, todo esse pessoal andará desorientado
pelas ruas. No momento, recebo o ordenado de 55 ienes. Cinco fica para a minha despesa particular e o resto
que são 50 ienes ficam como ajuda de custo para a despesa dos suprimentos de todos. Isso pesa muito. Com
o tempo, espero que eles se tornem independentes. Até então, eu não posso sair daqui.
Ozawa ficou tão perplexo de surpresa que perdeu toda palavra para a resposta. Por outro lado, Toda
permanecia tranqüilo, como se isso fosse um fato natural. Ozawa reconheceu que fora completamente
vencido moralmente por Toda. Voltando para casa, ele ficou profundamente contemplativo ao refletir esse
fato.
— Eu nunca conseguirei fazer aquilo, nunca! Nem que ande com a cabeça no chão e de pernas para o
ar, nunca conseguirei fazer o que Toda faz!
A predestinação de uma pessoa não admite perspectiva alguma para qualquer um. A boa ou má sorte
de uma pessoa também é impossível de ser avaliada por alguém.
Acolhendo consigo a decisão da sua nobre ambição, Toda e Ozawa prosseguiram independentemente
no curso de vida escolhido por cada um pela sua respectiva fé.
Ambos foram aprovados no exame de qualificação, recebendo assim o certificado de aproveitamento
equivalente ao término do quarto ginasial, em 1922. Ozawa ingressou na Faculdade de Direito da
Universidade do Japão e em seguida foi aprovado no curso jurídico em 1923. Mais tarde voltou à sua terra
natal, casou-se com a filha de uma família muito rica e assim, iniciou a sua carreira de advogado.
Toda mudou da escola que estava lecionando, acompanhando a transferência do seu diretor, Makiguti,
do grupo escolar de Nishi-Mati para a escola Especial de Mikassa, situada numa favela populosa. Mais
tarde, quando o diretor Makiguti se transferiu para a escola primária de Shirogane, Toda afastou-se do cargo
de professor primário e tornou-se independente, inaugurando o seu curso de Jishu-Gakkan em 1923.
O curso da vida de cada um, foi tomando rumos cada vez mais distantes. A amizade entretanto, conti-
nuou inalterada por longos anos.
Ozawa retornou a Tóquio e firmou bases sólidas para fazer prosperar sua carreira de advogado.
Uma carreira cheia de peripécias esperava com o desafio contra a vida de Toda. Logo após superada a
luta difícil de organização na fase inicial da instalação do curso de Jishu-Gakkan, perdeu a sua filha menor e
logo em seguida suportou o falecimento da sua primeira esposa. Além disso, ele próprio foi acometido de
tuberculose e por várias vezes passou pelas fases de grandes hemoptises. E assim, ele próprio caiu nas
profundezas do sofrimento e do desespero. Nessa ocasião por não conhecer ainda o Budismo de Nitiren
Daishonin, não podia compreender o destino da sua vida, por mais que se esforçasse com o seu pensamento.
Não podendo saber o por que da sua infelicidade, procurou o alívio na prática do Cristianismo com fervor,
mas cegamente. Ele não podia compreender que estes sofrimentos eram provenientes da sua fé intensa e
cega no Cristianismo e que a sua infelicidade era proveniente do acúmulo de pecados formados no período
da prática anterior do velho budismo da seita Nembutsu. Não podia encontrar uma solução sequer para
resolver o seu destino infeliz, apesar de que acreditasse devotadamente. Quanto mais aprofundava a sua fé,
cada vez mais a sua vida caía no abismo do sofrimento e do desespero.
No entanto, uma vez mergulhada a sua vida nas profundezas da infelicidade, então de súbito abria-se
um novo horizonte à sua frente rumo a uma vida de intensas atividades que fazia elevar rapidamente o nível
de vida como um ser voador que fosse flutuando para o céu mais alto. A começar de Ozawa, aqueles que
conheceram Toda, observando atentamente a rápida reviravolta de altos e baixos na vida dele, compararam-
no a uma coto-via. Sua vida era uma espécie de aventura romanesca.
— Você parece mesmo como uma cotovia no céu. Quando penso que está escondido debaixo de
qualquer
grama, imediatamente mostra a sua cabeça e desaparece num instante, voando para tão alto no céu que
ninguém o pode alcançar. No momento em que se tenta localizar onde está, já se acha escondido debaixo de
qualquer grama.
Ozawa dizia sempre, a Toda. Ele então respondia com sua animada gargalhada.
— é a vida de cotovia? Isso é um grande sacrifício! Ah, ah, ah...
Agora, imediatamente após a libertação da prisão, o seu amigo Toda, com saúde fortemente abalada,
parecia para Ozawa, como se estivesse a um passo da morte. Além disso, o seu negócio fora tudo por água
abaixo. Ele sentiu muita dificuldade em acreditar neste companheiro "cotovia". Isto porque as condições do
momento eram completamente diferentes de outrora, pois em tais condições, ninguém poderia imaginar
como seria o destino e o futuro do país sobrecarregado de má sorte. Essa má sorte também recaía sobre Ikue.
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Antes de mais nada, o próprio Ozawa, embora estivesse privilegiado pela relativa sorte, com sua
residência ainda intacta pelo incêndio apesar da guerra, não tinha a idéia da sorte de amanhã. Nem podia
evitar que no dia de amanhã se escapará de alguém que o derrubará para se tornar num infeliz sem sorte.
Não podia deixar de temer e nem pensar nessas eventualidades. Além disso no caso de Toda especialmente,
um perseguido da Lei da Violação da Preservação da Segurança e da "Calúnia" contra o governo. Ozawa
procurou evitá-lo, não se envolvendo se fosse possível, com o seu amigo em situações perigosas. Ele não
podia deixar de sentir um certo pessimismo a respeito do seu companheiro "cotovia".
Todos são puros na infância e na mocidade. Suas amizades são limpas. Mas, à medida que vão se ama-
durecendo, as amizades vão se tornando interesseiras. Coisas dessa natureza também vinham germinando no
hábito de Ozawa, à medida que vinha nadando pelos oceanos da vida.
Enfim, a amizade de Ozawa não passava de uma simples amizade corriqueira comumente vista na
sociedade em geral. Entretanto, a amizade de Toda ultrapassava tudo isso, era uma amizade que se colocava
acima de toda força dos poderes, quer econômicos ou hierárquicos. Ozawa não entendia isso.
Na verdade, é rara a amizade de companheiros que dão suas vidas, juntos durante toda a existência, na
defesa de um ideal.
Desejaria que toda amizade fosse como aquela de Rossi e Bruno, descrita na "Cidade Eterna", romance
escrito por Holl Keen. Eles lutaram convictos da confiança mútua, mesmo diante da pena de morte.
Nesse momento disse Toda espontaneamente:
— Na verdade, eu sou um devoto de Hokekyo — Ozawa ouviu com naturalidade estas palavras de
Toda, sem qualquer interesse. Ao mesmo tempo, concordou por alto que ele pretendia continuar firmemente
no caminho da sua fé. Precisou levar dez anos até compreender que esta decisão de Toda tinha
irredutibilidade fora do comum.
Há um ditado que ensina: "Se deseja conhecer uma pessoa, procure observar os seus amigos". Aqueles
que falam abertamente, de coração devem ser os verdadeiros amigos e portanto os companheiros sinceros.
Toda almejava declarar a sua missão mais importante a um amigo de toda sua vida. Entretanto, ao
entender tudo a respeito de Ozawa precisava reconhecer que nele não havia nenhuma relação com as ativi-
dades do Kossen-Rufu, o ideal da Paz Mundial que estava para ser realizado no futuro. Mesmo que
explicasse, não poderia compreendê-lo. O peso dos vinte e cinco anos de amizade, pelo contrário, veio a
fechar a sua boca. Em face desta missão sublime do Kossen-Rufu, ele sentiu uma solidão sem fim.
Toda mudou de assunto. Começou a falar com ânimo, alegre e comicamente a respeito das passagens da
sua vida presidiária.
... O que lucrei na prisão foi a leitura daquele Hokekyo, sem muitas dificuldades. Consegui entender
todas aquelas letras chinesas. Não acha interessante?
— Como conseguiu estudar tanto! disse Ozawa em tom de admiração. Toda respondeu abanando a mão
com gesto de modéstia.
— Não, não é estudo. Não se pode compreender o Hokekyo através de estudos. Como poderia dizer...
Talvez porque eu suportei as dificuldades. Consegui compreender o que é o fundamento do Hokekyo. Após
então, não tive mais dificuldades na leitura desta Sutra. É realmente maravilhoso.
No capítulo Kambotsu-hon, 28.° Cap. do Hokekyo lê-se: "Aqueles que depositam sua fé nesta Sutra...
mas que se houver um lapso de uma frase ou de uma sentença do Hokekyo, eu ensinarei e juntos recitaremos
para que possamos merecer os benefícios. . ." Assim por diante.
No início, Toda estranhou esta Sutra. Entretanto, posteriormente, ele compreendeu que é uma realidade.
Naturalmente, Ozawa não podia nem imaginar a grandiosidade da experiência de Toda.
— Eu compreendi. O que eu devo fazer, farei. Só depois, morrerei. Siga-me atentamente.
Nesse momento uma certa idéia envolveu a mente de Ozawa.
— Houve transformação de algo em Toda... Sim, realmente Toda mudou! Ozawa notou esta mudança
intuitivamente. Entretanto, não podia entender como e em que ponto ele transformou.
Terminada s guerra, Ozawa candidatou-se a deputado pela sua terra natal em Yamagata e foi eleito.
Aquele ideal de sua mocidade fora assim realizado e ele se tornou então um representante do povo na
Câmara. Mas, na segunda vez, ele perdeu a eleição e conseqüentemente sofreu os reveses das contravenções
da política eleitoral. Assim, começou penetrar na sua vida uma grande brecha que não podia ser eliminada.
Após então, continuou por muito tempo numa vida controvertida.
Realmente é muito terrível o esgotamento da sorte para a vida de uma pessoa. O mais importante de
todas as coisas é conhecer um princípio fundamental para acumular a boa sorte.
Nessa mesma época, os negócios de Toda já haviam sido restabelecidos das suas dificuldades e a sua
situação estava privilegiada a ponto de subir ao céu como uma cotovia. Muitas vezes Ozawa pedia auxílio a
Toda a fim de sair do seu estado desesperador. Nessas ocasiões, Toda dizia "não tenho dinheiro'; no entanto,
apesar disso, ■ sempre aprontava para ele o que fosse necessário. Nunca recusou a seu pedido. A soma total
desse empréstimo atingiu a dezenas de milhões de ienes. Por causa de Ozawa, muitas vezes Toda abaixou a
cabeça, mesmo para os seus empregados. Isso fazia Ozawa comover-se profundamente.
A amizade de Toda deve tê-lo protegido mais do que todos, mesmo que ele cometesse crime de
homicídio, de violação ou de vergonha. Por causa da amizade de Toda, conseguiu escapar das situações
difíceis. Até o dia da morte de Toda. Ozawa continuou a demonstrar, since ramente, o respeito pela sua
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amizade.
Os dias de julho de 1945 pareciam como a hora de morte pelos bombardeios.
As forças americanas após a conquista de Okinawa e ilhas Marianas, imediatamente começaram a
construir as suas bases e atacar com os aviões 8-29 e outros, num total de 2.000 aviões. O domínio do ar
estava totalmente nas mãos das forças americanas e assim, eles podiam atacar todos os lugares do Japão
como quisessem.
O Governo Militar anunciava a "Ofensiva dos Cem Milhões", mas nada podia fazer com as suas
reservas militares esgotadas.
Por outro lado, a marinha americana aproximava-se das ilhas japonesas e navegava como se estivesse
demonstrando a sua imponência. Em 10 de julho, 800 aviões P-5I bombardearam toda a área de Kantô,
partindo da base em porta-aviões. No dia 14 as belonaves canhonearam as proximidades de Kamaishi. No
mesmo dia, 300 aviões da marinha e mais 20 aviões B-29 atacaram a ilha de Hokkaido, como também as
cidades de Hakodate, Muro-ram, Obihiro e Kushiro. No dia 18 as belonaves da marinha americana abriram
fogo de canhões nas zonas costeiras de Ibaraki e 500 aviões da marinha bombardearam novamente a área de
Kantô.
No dia 24, de acordo com a tática combinada pelo exército e pela marinha americana, 2.000 aviões de
bombardeios atacaram simultaneamente diversos locais do oeste do Japão. No dia 25, cinco cruzadores
americanos aproximaram-se do Cabo Shiono e retiraram-se após os ataques de canhões.
O povo japonês, não podendo se conformar com esses acontecimentos, cerrava os dentes de tanta raiva,
diante da fraqueza de contra ataques das forças japonesas e começou a perceber que a força aérea e a
marinha imperial já estavam sendo destruídas.
Debaixo desses bombardeios contínuos, Toda preparava de antemão a organização de seu novo
negócio.
Os dias de verão foram muito quentes para d paciente caquético. A diarréia crônica continuava sem
parar. O seu ventre estava tão abalado como o de um camundongo de caricatura. Entretanto, esse
camundongo de caricatura, vestido de terno, corria de leste a oeste, no meio do calor e das poeiras de
Tóquio.
Havia muitas controvérsias, mas os problemas tais como o papel, a tipografia, o escritório, por estranho
que pareçam, foram sendo localizados facilmente. Faltava apenas marcar o momento exato do início do seu
negócio.
Esse momento exato devia coincidir com o momento do término da guerra. Não há coisa mais
importante do que conhecer o tempo, Cem milhões de táticas não terão êxito se não conhecerem os
momentos exatos da sua aplicação. Mesmo no negócio, assim como na carreira de uma pessoa, resultar-se-
ão em confusão ou derrota se não acertar a oportunidade. Ele estava sendo obrigado a conhecer claramente
este momento precioso.
Um dia Toda visitou a residência de um famoso e velho político chamado Kazuo Kojima. Ele era
colega de Tsuyoshi Inugai, um hábil político que atuara nos três períodos de Meiji, Taisho e Showa. Nos
últimos tempos, ele se achava aposentado, mas toda vez que haviam mudanças políticas o seu nome aparecia
na imprensa como uma figura importante da atuação nos bastidores.
Após a 2.a guerra, em maio de 1946, o presidente do Partido Liberal Hatoyama pretendeu formar o
gabinete de sucessão em torno dele. Nesse momento Hatoyama caiu na cilada de expulsão do cargo público.
Nessa ocasião foi escolhido Shigueru Yoshida para seu sucessor. Entretanto, na verdade, sabe-se que as
primeiras pessoas escolhidas como sucessor foram Kazuo Kojima e Tsuneo Matsudaira. Isso mostra
claramente o grande prestígio que Kazuo Kojima gozava no campo da política durante toda a sua vida.
Kojima estava sozinho, absorvido diante da sua mesa de jogo de xadrez japonês (Go), estudando o
arranjo estratégico no lançamento da pedra. Olhando rapidamente a apresentação de Toda, ele
cumprimentou suavemente e voltou a fixar seus olhos sobre a mesa do jogo. Não havia mais significado no
prazer da sua vida, a não ser a política e o "go".
Pacientemente Toda esperava em silêncio. Kojima não dava folga a não ser de períodos em períodos
para íançar a pedra do "go" sobre a mesa, como se estivesse lembrando de uma idéia nova e em seguida,
comparava o seu lance com o texto de instrução do jogo.
Diante dessa atitude ríspida e da complexidade nc contato, muitos sofreram pela dificuldade do trato
com esse velho político.
Toda também esperava impacientemente, apesar da sua atitude sem cerimônia. Não podia saber quantas
horas durariam uma entrevista dessa natureza. Então surgiu um sorriso cômico na face de Toda. Parece que
achara uma boa idéia.
Subitamente, Toda chamou-o em voz alta.
— Senhor Kojima, dizem que o senhor não é tão forte no jogo de "go". é verdade?
— O quê?
Enfim o velho Kojima abrira a boca. Imediatamente, dirigiu a sua face em direção a Toda. Sem perder a
chance, Toda continuou a perguntar.
— Em que posição o senhor ocupa na escala política?
— Ah! Isso não há dúvida.
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— Como assim?
— Eu sou o máximo.
Kojima lançou um olhar penetrante sobre ele e sorriu em seguida.
— Não senhor. Muitos diz.em que o senhor é ainda fraco.
— Não. Isso não pode ser verdade, ah, ah, ah. . .! Finalmente Kojima sorriu abertamente e em seguida
começou a arrumar as pedras do "go".
Ele devia estar informado sobre o caso de prisão e julgamento de Toda. Entretanto parecia ignorar
tudo.
Ao mesmo tempo que fumava, ia observando minuciosamente a magreza de Toda como se estivesse
descobrindo algo importante, mas não quis perguntar nada. Não se pode dizer que essa seja a atitude de um
homem frio. Toda reconhecia o limite da sua força no momento. Não tinha possibilidade de agir contra a
força diabólica do governo militar.
Como é ingrata a situação das pessoas de valor, de habilidade e de nobreza do caráter, na época da
confusão social. Ora são caluniadas como traidores da pátria, ora são difamadas como covardes. São
realmente merecedores de respeito e de consideração, aqueles que mantém a sua convicção inabalável em
quaisquer transformações de época ou de confusão social.
O tempo corre. O pensamento humano move. Agora apesar das diferenças de ideologia ou de posição,
ambos estavam à espera da chegada de uma nova era.
A fisionomia de Kojima parecia como a máscara ofusca de "NOH" (que se usa no teatro kabuki).
Quando ela é de uma qualidade excelente, muda sua fisionomia conforme o lugar e as circunstâncias. As
manobras da sua estratégia e da arte do poder no mundo da política em épocas ainda não superadas nas três
gerações de Meiji, Taisho e Showa, devem ter formado a sucessiva mudança da sua fisionomia, como a
transformação das faces da máscara do "NOH".
Não procurava evitar as tempestades ou maremotos que vinham contra ele. Em vez disso, ele deve ter
lançado sua face diretamente contra esses obstáculos.
Enfim, Toda conseguiu com êxito fazer rir esta figura complexa que é Kazuo Kojima...
Assim Toda fez uma pergunta dando o toque na parte mais difícil do problema.
— Como terminará esta guerra?
— De uma forma ou de outra, haja o que houver, não está tudo certo?
Disse Kojima num tom quase silencioso.
— Então vai haver uma derrota?
Kojima permaneceu em silêncio diante da pergunta de Toda. Acendeu um cigarro e acompanhou o
destino da sua fumaça.
— Senhor Kojima, quando então irá terminar a guerra?
Fechando levemente os olhos, disse ele num tom paternal.
— Há alguma razão para essa necessidade?
— Sim, eu resolvi iniciar um novo trabalho, mas quando...
— Esse trabalho se refere ao negócio?
— Sim senhor.
— é isso mesmo. O problema é quando começar. Desviando o seu olhar, Kojima entrou em silêncio e
em seguida se manteve numa opressiva meditação.
— Seis meses?
Perguntou Toda, na tentativa de obter uma resposta. Com os olhos ainda fechados, ele oscilou
levemente o seu pescoço, dando um sinal negativo.
— Três meses?
Perguntou de novo. Kojima repetiu o sinal negativo pelo movimento do pescoço. Toda então resolveu
arriscar a sua última pergunta.
— Um mês?
Nesse instante Kojima fixou atentamente o seu olhar sobre a face de Toda.
Subitamente, impulsionado por uma idéia repentina, pegou um punhado de pedras do "go" na sua mão e
jogou sobre a mesa. Era um gesto de que o jogo estava no fim.
— Muito obrigado.
Toda, um pouco excitado, deixou a residência de Kojima.
Uma vez convicto da certeza de que a guerra estava para terminar logo, Toda começou a por em prática,
sucessivamente, todos os seus planos. O fornecimento do papel estava seguro. O serviço da tipografia estava
pronto para começar. Ele se apresentou à agência publicitária para anunciar o seu negócio. Firmemente, sem
apressar, iniciou a sua obra, passo a passo seguramente.
Apesar disso, o único obstáculo era a falta de capital. Naquela época não havia nenhum maluco que
entregasse o seu dinheiro para quem iniciasse o seu negócio. As apólices, as letras ou títulos não
funcionavam. Não havia meios para arrecadar o dinheiro. A troca de coisas era a atividade mais econômica e
mais segura. Era uma época em que se podia dizer que só as coisas do momento tinham valor.
Ele descobriu uma espada antiga no fundo de um armário, conjuntamente com os seus documentos de
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valor. Percebeu que aquela espada possuía valor, enquanto durasse a guerra que estava para terminar. Era
penoso abandonar aquela relíquia, principalmente para um apaixonado das espadas antigas como era Toda;
entretanto comunicou logo à loja de curiosidades e vendeu-a por um bom preço.
Satisfeito por ter resolvido todos os preparativos, em seguida concentrou-se em casa, para trabalhar na
formulação dos assuntos para texto de curso por correspondência.
Com o passar dos dias, o corpo debilitado de Toda recuperava-se aos poucos, mas a sua restauração não
podia ser 'tão fácil em virtude do estado de extrema depauperamento que chegou a afetar a sua saúde na
prisão.
Para sua reabilitação, procurava caminhar diariamente a passeio pela manhã e pela tarde. Numa tarde,
ao regressar, abrindo a porta de entrada, disse em direção à esposa que estava no interior da casa:
— Venha! Estamos com visitas.
Aproximando-se apressadamente para receber as "visitas", Ikue notou 4 ou 5 crianças atrás de seu
marido, com aspecto de meninos abandonados, procurando observar o interior da casa.
— Não tem... alguma coisa deliciosa? Perguntou Toda à sua esposa, procurando ao mesmo tempo encorajar
as crianças.
— Meninos, entrem! Esta é minha casa.
No topo de uma subida perto da casa de Toda, havia um templo enorme chamado Zuizenji. Algumas
vítimas da guerra que haviam perdido os lares, vinham procurar abrigo nesse templo. Seria mais certo dizer
que eles haviam sido arrastado até ali. Os "visitantes" de Toda eram os filhos dessas vítimas desabrigadas.
Durante os seus passeios, Toda foi se tornando amigo dessas crianças que se encontravam no caminho.
Havia crianças de todos os tipos. Eram bons companheiros oportunos para o seu passeio. Ao mesmo tempo
eram excelentes amigos para aliviar a sua tensão nervosa.
No início, Ikue sentiu desapontamento por essas 'visitas" esfarrapadas e inoportunas. Ficava
desesperada ao ver aquela nova façanha do estranho gosto de Toda. Entretanto, nessa ocasião não podia
deixar de lembrar-se de Kyoiti, o filho único de Toda que permanecia retirado em Itinosseki.
Em qualquer época ou em qualquer país, não haveria razões para fazer surgir uma guerra, se os mais
adultos desejassem igual e sinceramente o crescimento e a felicidade para todas as crianças. Poder-se-ia
dizer que esta é a mais simples, porém, a maior filosofia.
Esta sociedade, este mundo não pertence somente ao domínio dos adultos. Todos devem compreender
que esta comunidade pertence à juventude e este mundo pertence à geração das crianças que crescem para o
futuro.
Voltando à sala do chá, ela trouxe todos os doces que encontrara. Toda então distribuiu-os a
todas as crianças que estavam esperando impacientemente e deixaram-nas ficar contentes. Em seguida
observou atentamente o sorriso alegre dessas crianças que já há muito tempo deixavam para o esquecido.
Nesse momento, Toda também devia estar pensando em Kyoiti.
— Agora meninos, vamos deixar para amanhã. — Com os dizeres de Toda, as crianças retiraram-se,
agradecendo com os seus cumprimentos.
A freqüência sucessiva destas "visitas" foram se intensificando com o passar dos dias. Parecia que eles
iam se tornando mais sadios e mais radiantes à medida que iam se tornando íntimos com ele. Muitas vezes
esgotavam-se os doces. Para isso, ele deixava os miúdos a fim de distribuir para as crianças. Foi aumentando
cada vez mais o número dessas crianças.
Ele, com a sua estatura alta, caminhando cercado pela multidão de crianças barulhentas, já não se podia
dizer mais que fosse um passeio.
Essa curiosa amizade prolongou-se por muito tempo.
Mesmo durante esse período ele não deixava de pensar um dia sequer, sobre a reconstrução da Nitiren
Shoshu.
Não podia esquecer, nem por um instante sobre a morte do Presidente Makiguti gravada no seu íntimo.
O templo Supremo de Daissekiji também envolvia o seu pensamento para que jamais pudesse ser esquecido.
Altas horas da noite, era até um prazer, meditar sobre a reconstrução da Nitiren Shoshu.
Não havia meios para deter as pulsações do desafio a uma nova era, que deveria chegar para cumprir as
missões do Kossen-Rufu.
Ele, contudo, não podia localizar o destino da maioria dos altos dirigentes dos membros da sociedade.
Também não havia recebido notícias sobre os membros
que haviam sido convocados para a guerra ou dos professores que haviam sido removidos para os
campos a fim de escapar dos bombardeios. Por outro lado, -aqueles que ouviram as notícias sobre a
libertação da prisão de Toda, não podiam aproximar-se dele com receio de serem perseguidos pela
autoridade policial. Em conclusão, eles estavam mergulhados numa temível situação de deserção da fé
(taitem).
Novamente aqui, ele sentiu penetrar a rigorosidade da profecia de Nitiren Daishonin até à parte mais
profunda do seu corpo. Ele dizia a seu coração que não se apressasse. Antes de mais nada precisava
compreender que por ora apenas aguardava o momento de realizar a sua promessa.
Ele esperava unicamente o término da guerra. Sem nada revelar aos outros, sem deixar que outros
percebessem este grande projeto de reconstrução, empenhou-se em solidificar a reconstrução, tão perto de si
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e inerente a si mesmo.

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Cessação do fogo

No dia 7 de maio do ano da cessação do fogo, na época em que os ataques aéreos à ilha principal atingi-
ram o seu clímax, a Europa assistiu à rendição incondicional da Alemanha. Enfim, aquela guerra em grande
escala chegou ao seu término. A atenção do mundo voltou imediatamente a concentrar-se da Europa ao
Japão.
Somente o Japão continuou a lutar contra todo o mundo. Na luta contra o Japão, entretanto o adversário
principal foi como sempre, o americano. O Estado Maior das Forças Americanas estava então preparando
sucessiva e firmemente o plano de invasão à ilha principal como solução final para terminar a guerra. Esse
plano era uma operação invasão em larga escala, com um desembarque em outono, na costa sul de Kyushu,
em novembro de 1945, e outro na planície de Kantô, na primavera do ano seguinte, em 1946,
Para isso, chegaram a pensar que precisariam uma força de um grande exército de 5 milhões de
soldados, devido ao conhecimento prévio da tenaz resistência dos soldados japoneses experimentados em
iwojima e Oki" nawa. Para realizar esse plano precisavam transportar todos os soldados e oficiais que
lutaram nos campos de batalha da Europa até o fim da guerra, para o extremo oriente. Além disso, estavam
cientes de que haveria mais de meio milhão de mortos e feridos nas duas operações de desembarque.
Após a morte súbita do Presidente Roosevelt em 12 de abril de 1945. a cooperação das Forças Aliadas
não podia continuar como antes, especialmente entre os Estados Unidos e a União Soviética. O novo
Presidente Harry Truman, logo após a cessação da guerra contra a Alemanha, percebeu tão cedo os sintomas
da "guerra fria" entre os Estados Unidos e a União Soviética. Os Três Grandes das Forças Aliadas,
Roosevelt, Churchil e Sta!in, haviam concluído na negociação de Yalta em fevereiro daquele ano que,
conforme a sugestão de Roosevelt. depois aprovada pêlos demais, a União Soviética participaria na luta
contra o Japão, dois ou três meses após a rendição da Alemanha. Truman e seus assessores diretos queriam
terminar a guerra contra o Japão somente entre eles mesmos. Não desejaram portanto a participação da
Rússia na guerra no momento em que ela estava para terminar. Queriam evitar a expansão das forças
soviéticas depois da guerra- O seu ideal era terminar a guerra contra o Japão, antes da participação dos
russos. Os americanos começaram a apressar o encerramento da guerra.
Os tiranos, quer sejam de uma família, de um pais ou do mundo, não passam, enfim, de seres humanos.
Então, como podem eles pensar que o mundo pode pertencer a alguém que querem dominar?
O Japão desejava negociar com as Forças Aliadas para tratar da paz somente através da mediação da
União Soviética. Entretanto, a U R S S que procurava ganhar o tempo nessa guerra mostra-se naturalmente
indiferente nessa diplomacia. O governo japonês não percebia essa situação nem por sonho. Apesar disso, no
dia 5 de maio, a U R. S-S. veio a comunicar a não prorrogação do Tratado de Não-Agressão Russo-
Japonesa, O gabinete Koisso que não possuía nenhum plano a esse respeito, dissolveu-se. O gabinete Suzuki
que o sucedeu, mudou desesperadamente a atitude para negociar a paz em virtude da situação desesperadora
na cúpula belicisla. Foi decidido o envio da delegação especial para a UR S,S-, durante a reunião da cúpula
dos orientadores da guerra que durou 3 dias, desde o dia 11 de maio. Foi escolhido para delegado, o príncipe
Fuminaro Konoe. Entretanto, as autoridades da União Soviética não se interessaram com essa proposta e os
dias passados foram se acumulando sem resultado, apesar das tentativas desesperadoras.
No momento em que a sorte de um país se esgota, mesmo os estadistas ilustres e comandantes famosos
perdem a sorte conjuntamente. Nestas condições eles não podem encontrar a visão inteligente e a convicção,
e não conseguem mais adotar as medidas promissórias. Melhor seria dito que a sorte do país desaparece por
causa do esgotamento da sorte dos seus dirigentes. Este princípio é verdadeiro tanto para um país como para
uma família.
O governo japonês estava tentando levar as negociações diplomáticas tolamente, sem analisar as
posições dos movimentos das Forças Aliadas.
As circunstâncias da Segunda Guerra eram diferentes daquelas da Guerra Russo-Japonesa e em tais
situações, todo o plano para as negociações de paz cairiam no fracasso- Isto porque as negociações foram
conduzidas exclusivamente pêlos governantes e pêlos oficiais das altas patentes, sem nenhuma participação
da camada civil.
Desapareceram totalmente os movimentos preparatórios para a paz que deveriam surgir dos meios
populares ou dos seus representantes. As opressões do Governo Militar chegaram a tal ponto de sufocar a
opinião pública,
Em todas as épocas, indiscutivelmente, a diplomacia vem sendo conduzida pêlos altos dirigentes e vem
merecendo como missão importante para o intercâmbio e a confraternização dos povos. Todos os dirigentes
nunca devem esquecer que a diplomacia criada naturalmente pelas nações é a mais segura como a corrente
mais resistente, mais valorosa e mais duradoura.
Até hoje, nunca houve um governo ou um líder que fosse perdurar sem dar atenções ao seu povo.
Toda e qualquer declaração do Quartel General Japonês era de natureza depreciativa para a sua nação.
Vieram aguardando o "Vento Divino" clamando a "Indes-trutibilidade de Terra Divina" e ao chegar às
vésperas do término da guerra não havia outra alternativa senão anunciar histericamente a "Batalha Decisiva
na Ilha Principal". ou "Suicídio Honroso de Cem Milhões".

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Por outro lado, lançava secretamente suas mãos a um fio de esperança, numa negociação de paz inopor-
tuna por intermédio da União Soviética. Esse plano de guerra, de iludir o povo levou conseqüentemente à
auto--prisão e ao suicídio.
Nos momentos desesperadores foram anunciadas as Declarações de Potsdam em nome dos Estados
Unidos, da Inglaterra e da China. A Rússia não estava incluída por não ter participado na guerra contra o
Japão.
A rendição Incondicional era um modo único e exclusivo de fazer terminar a guerra por parte das
Forças Aliadas, Novamente, na declaração de Postdam foi exigida a Rendição Incondicional às Forças
Japonesas.
Os sete artigos contidos na Declaração, demonstravam claramente os objetivos fundamentais referentes
à destruição do militarismo, a ocupação da ilha principal do Japão, a devolução dos territórios ocupados por
agressão, a punição dos criminosos de guerra, a liberdade de palavras, de ideologia e religião, o respeito aos
direitos fundamentais dos homens, e a destruição completa das indústrias de produção que poderiam
contribuir para o possível rearmamento. Concluía que enquanto não se aceitasse esta proposta não havei ia
outra alternativa senão esperar a destruição final e completa.
O Governo Japonês ficou perturbado com o conteúdo da Declaração e seus líderes ficaram tão
aterrorizados que não sabiam mais o que fazer, aceitar ou não. Então, aqueles lideres favoráveis a um acordo
com a Rússia resolveram aguardar mais um pouco até à chegada do resultado das negociações. Enquanto
isso, uma empresa jornalística resolvia publicar a Declaração de Potsdam captada do exterior por
radiotelegrama ao jornal, ainda que os textos fossem incompletos. Obviamente, a nação entrou em comoção
ao ler aquela notícia. A autoridade militar exigiu do Primeiro Ministro Suzuki, a sua opinião sobre aquilo.
O Primeiro Ministro anunciou numa entrevista com os jornalistas que ... "o Governo não considera que
isso tenha qualquer valor importante. Somente nos manteremos em silencio, sem comentários. Estamos
unicamente levando avante para completar a guerra".
Esta entrevista informal apareceu nos jornais de 30 de julho e ao mesmo tempo desta noticia espalhou-
se por transmissão a rádio para o todo mundo.
O silêncio sem comentário do Governo Japonês perante a Declaração de Potsdam foi interpretado como
rejeição, por parte das Forças Aliadas. Era natural que aquilo tivesse acontecido. Entretanto, muitos daqueles
dirigentes participantes do Governo, que vinham procurando uma oportunidade para a conclusão final da
guerra, sofreram amargamente. O Governo militar, com as faculdades já descontroladas, tinham perdido até
a disposição de analisar e compreender serenamente a realidade da Declaração de Potsdam.
Eles estavam desesperadamente ocupados na conservaçao das suas posições e na manutenção das apa -
rências honrosas- Se alguém dissesse que a sua filosofia orientadora era desagregação e destruição, ninguém
podia negar isso. Não somente eles, e mais do que eles, a vida diária do povo achava-se há muito tempo
numa situação desagregadora e aniquiladora.
Apesar das épocas diferentes, a classe dos dirigentes deve sempre conservar uma consciência sólida, na
responsabilidade para conduzir o público em geral, a ponto de jamais desviar o seu porvir da paz e da
felicidade. Uma vez, em face a uma decisão, nessas circunstâncias, devem concentrar todos os seus esforços
e lutar seriamente, mesmo com risco de suas próprias vidas. Em conclusão, todas as deliberações tomadas
com base no pensamento do público em geral conduzem às decisões precisas.
Como era de se esperar, os ataques aéreos das Forças Americanas aumentaram de repente em grandes
escalas.
Em 30 de julho, 340 Fortalezas Voadoras B-29 atacaram todo o território japonês com exceção de
Hokkaido. No dia seguinte 700 aviões bombardearam toda vasta área de Kantô por três vezes, chegando até
ao distrito de Yamanashi.
Jossei Toda jamais entrou no abrigo anti-aéreo, por mais que se anunciasse a sirene de alerta. Mesmo
que a sua família recomendasse que deveria defender-se no abrigo sempre que a sirene anunciava o ataque
aéreo. Ele permanecia firmemente sem procurar abrigo. Não porque ele tivesse uma coragem de ferro, mas
porque ele tinha uma forte convicção de que nenhuma bomba poderia levá-lo à mo-te, um homem que tinha
o firme propósito de cump'' 1. uma nobre missão. Entretanto, não contradizia o convite da família para ir ao
abrigo.
Parecia que ele permanecia indiferente sob a cena da guerra.
Não obstante, com as pessoas que o procuravam, ele mantinha palestras de uma diversidade de
assuntos, seja sobre a vida diária, sobre a situação do momento, ou sobre a guerra. Como sempre,
conversava serena e humo-risticamente, no seu estilo próprio. Entretanto, sentia em si mesmo o aproximar
de um momento decisivo.
No dia 3 de agosto, um número elevado de 600 aviões B-29 bombardearam as regiões industrializadas
de Tsu-rumi e Kawasaki. Além disso, estenderam os seus ataques, dividindo a sua frota em direção a Mito,
Hatioji e Tatikawa. No mesmo dia, até a região remota de Toyama foi atingida e a cidade transformou-se em
fogo, em virtude do bombardeio. No dia 6 de agosto, 400 aviões B-29 destruíram, sem nenhum
impedimento, a cidade de Maebuti em Kantô, Nishinomiya em Kansai e bombardearam livremente todo o
resto do Japão.
Justamente, nesse dia, pela manhã, surgiu um temível cataclisma. Foi a primeira explosão da bomba
atómica na história da humanidade. Na hora em que apenas dois aviões B-29 sobrevoavam o céu de
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Hiroshima, no momento em que se viu um pára-quedas flutuar no ar. Hiroshima transformou-se numa
devastação total.
Esta única bomba fez com que surgisse no meio dos habitantes civis não combatentes, os 200 mil
mortos e feridos. Quem mais se surpreendeu foi o Quartel General Japonês. Esta surpresa penetrou como um
jato de água no ouvido de alguém que estivesse dormindo distraida-mente. Não conseguiu compreender o
que era esta bomba tão potente. Somente foi anunciado: "O inimigo lançou um novo tipo de bomba sobre
Hiroshima. A Defesa Aérea do Quartel General anunciou as medidas defensivas contra aquele novo tipo de
bomba, com a seguinte orientação; "Vestir roupas brancas e abrigar--se nas cavernas ou túneis".
Essa era a cultura cientifica representativa da inteligência máxima do Estado Maior.
Numerosos cientistas de física voaram de Tóquio para Hiroshima e após as suas investigações,
concluíram o resultado, anunciando que era a primeira bomba atómica resultante da fissão nuclear.
Sabe-se que, entretanto, nem o Governo e nem o Conselho Superior de Guerra deram muita atenção ao
relatório científico desta investigação.
O Japão foi o primeiro país que recebeu o batismo de fogo da pólvora das armas de ataques dos
mongóis numa invasão há 700 anos no tempo de Nitiren Daisho-nin. Agora, novamente, o Japão foi o
primeiro país do mundo que recebeu um novo oatismo da bomba atómica, Pensando nesta infeliz
determinação do destino, é o povo japonês quem mais deve estar convicto de assumir a grandiosa missão de
construir a paz mundial.
A partir desse dia, os diversos jornais começaram a publicar comentários sobre a Declaração do
Potsdam nos seus editoriais. Isto surgiu porque o público em geral. ao adquirir gradualmente a consciência
da noticia, começou a inclinar a sua atenção ao conteúdo da Declaração.
O lançamento da bomba atómica, ordenado pelo Presidente Truman, deve ter sido motivado para
apressar a cessação do fogo, Mas, em tese, não foi exclusivamente para a realização da paz. Ele sabia
perfeitamente que a derrota do Japão era apenas uma questão de tempo. Desejava impedir o direito de
manifestação pela Rússia na cessação das hostilidades. Em outras palavras, ele queria a vitória sem a
participação da União Soviética. Para tanto, ele foi obrigado a apressar-se o possível, para terminar logo a
guerra.
Os Estados Unidos, na véspera da abertura da Conferência dos Três órandes em Potsdam, ou seja, em
16 de Julho, obtiveram êxito na experimentação da bomba atómica. "A bomba atómica era a melhor arma
para impressionai a Rússia e forçar o Japão à rendição incondicional, tal como uma pedra única abatesse
dois pássaros ao mesmo tempo. A explosão nuclear em Hiroshima, não somente veio encerrar a segunda
guerra mundial, como também pode-se dizer que foi um estrondo que veio anunciar a abertura da cortina do
palco da guerra fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Conseqüente-mente, todos os sacrifícios
caíram sobre a raça japonesa.
O Governo Militar, ignorante no conhecimento cientifico, não percebeu a situação em que seu país foi
colocado no cenário mundial, após a explosão atómica em Hiroshima.
O Presidente Truman. no dia da explosão, fez um pronunciamento ao mundo pelo rádio:
— Nós gastamos dois milhões de dólares no maior jogo científico da história — e vencemos. Agora nós
estamos preparados para obliterar mais rápida e comple-tamente toda empresa produtora do Japão instalada
em qualquer cidade. - . se não aceitar agora os nossos termos, poderão esperar a chuva de ruínas nunca vistas
até agora, caindo do céu sobre a terra.
Era uma expressão tipicamente americana. Os lideres japoneses devem ter ouvido essa declaração pela
rádio-difusào que esclareceu a natureza exata de como era aquela bomba.
A população ficou atemorizada pelo horror de Hiro-shima, vendo este panorama infernal que não podia
imaginar que fosse coisa deste mundo. Vozes de lamento e de ódio ouviam-se em todos os recantos.
Entretanto, como é possível que a inteligência do Governo fosse interpretar apenas como ameaça, e per-
manecer em silêncio?
Aconteça o que acontecer, jamais deverá ocorrer a guerra na face da terra!
Enquanto os Estados Unidos ajuntaram o que havia de melhor e chegaram a empregar a bomba
atómica, o Governo Militar Japonês incentivava as lutas com as lanças de bambu, louvando apenas o espírito
japonês destemido pela morte (Yamato-Damashii) e assim desprezou a ciência, desacatando a coisa mais
importante. Apesar de que esta guerra fosse uma fatalidade para o Japão, ninguém podia deixar de se
lamentar, pelo baixo conteúdo da orientação ideológica a ponto de chegar a desprezar o senso de humanismo
e de racionalidade. Além disso, ninguém podia deixar de ridicularizar tal falta de habilidade.
O seu inimigo, Estados Unidos da América, aplicou medidas eminentemente racionais, com as suas
orientações filosóficas baseadas no pragmatismo de John De-wey. Mesmo considerando somente este fato,
poder-se-ia compreender claramente que a Grande Filosofia da Valorização conjunta da Matéria e do
Espírito (Shiki--Shin-Funi) é o principio ideológico que contém a orientação mais genuína e mais correia, e
possuidor de uma compreensão em toda profundidade do humanismo, sem deixar uma falha sequer.
A segunda bomba atómica explodiu sobre a cidade de Nagasaki, no dia 9 de agosto- Lá também foi
visto o aniquilamento instantâneo de cem mil mortos e feridos. Mesmo com as bombas atómicas, o comando
Japonês não podia decidir sobre a rendição.
Antes do amanhecer desse dia 9, a Rússia declarou guerra e invadiu a Manchúria. O Exército Imperial
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de Kantô, situado naquela região desmoronou-se rapidamente diante desta circunstância, por não- possuir
nenhum plano estratégico definido.
O militarismo japonês que não temeu a bomba atómica devido à sua ignorância da ciência, perdeu
enfim, a sua cor de tanto susto, ao tomar conhecimento da inesperada e repentina participação dos russos na
guerra. Então, às 10,30 horas desse mesmo dia foi convocada uma reunião do Conselho Supremo de
Orientação da Guerra.
A entrada dos russos na guerra, realmente causou um choque muito sério para o Governo,
principalmente para as autoridades militares. Assim, tudo foi em vào-Aquela única rota de esperança da
negociação da paz desapareceu. Apesar disso, o Governo Militar continuou anunciando a "batalha decisiva
na Ilha Principal" até o fim. Este plano também perdeu o seu significado porque na sua elaboração não
contava desde o inicio com a participação da Rússia- Este plano tinha por base o pacto de não agressão
Russo-Japonesa. Agora, diante da participação da Rússia na guerra, nada mais se podia fazer.
Já não havia mais outro meio a não ser a aceitação da rendição incondicional. Nesta reunião do
Conselho, foram estudados pela primeira vez, e minunciosamente os artigos da Declaração de Potsdam. As
autoridades do Governo e os militares confrontaram-se com as divergências. O Ministro das Relações
Exteriores por outro lado, insistiu na sua ideia de defender a garantia da posição do Imperador em troca da
aceitação da rendição.
De um lado, o Ministro da Guerra e o General Chefe do Estado Maior insistiram em acrescentar mais
itens como: o desarmamento independente, punição dos criminosos de guerra pelo próprio Japão e limitação
sobre a ocupação das Forças Aliadas. A Conferência repetiu-se por duas vezes. Finalmente, na Conferência
com a presença do Imperador, a altas horas da noite, às 23,50 horas, chegaram à conclusão final de
aprovação da proposta do Ministro do Exterior, ou seja, a condição única de preservar a posição do
Imperador.
O dia 9 de agosto foi o dia mais trágico para o Japão. Pela manhã, ainda escura, teve a notícia da
participação da Rússia na guerra; às 11 horas, presenciou a explosão da segunda bomba atómica em
Nagasaki e a altas horas da noite decidiu sobre a primeira rendição do Japão às outras potências. Foi o dia da
decisão do destino do Japão.
Disse uma pessoa, com lamentos: "Não há sanações piores do que a derrota para a vida cie uma pessoa
ou de um pais. üe maneira alguma deverá provocar uma guerra que resulte numa derrota".
No dia 10 de agosto, às 6,45 horas da manhã, o Japão anunciou a aceitação da Declaração de Potsdam.
pela rádio-difusão exterior, através üa mediação de um país neutro.
Declarou a aceitação com a seguinte condição para a rendição: "Sob o reconhecimento de nào alterar a
Magna Autoridade do Imperador para dirigir a nação". Esta noticia entretanto, não foi comunicada à nação,
Nos jornais do dia seguinte, 11 de agosto, apenas apareceram publicações em forma de entrevista com o
diretor do Departamento de Informações, nos seguintes termos: ". . .o Governo, desde o inicio vem se
es.orçando da melhor maneira possível na conservação da soberania nacional e de cem milhões de cidadãos,
e espero que tenha a paciência de suportar todas as espécies de dificuldades".
Mas, na mesma página havia uma proclamação veemente do Ministro da Guerra sob o título de Aviso a
todos os Generais e Spidados" a seguinte declaração:
".. . chegamos finalmente a este estágio e nada temos a dizer. Somente devemos lutar até o final desta
guerra sagrada, defendendo esta ilha divina, mesmo que precisemos mastigar a grama, morder a terra ou
tombar sobre o campo; acredito certamente que tenhamos a vida contra a morte".
Lendo estas duas noticias contraditórias ao mesmo tempo, a nação ficou perturbada de nào poder
entender o que isto vinha a significar.
Somente não podiam deixar de perceber intuitivamente, a aproximação de uma situação toda especial.
Realmente, o Japão entrou numa violenta comoção sem precedentes na sua história.
Indiscutivelmente, foi a pior crise. Em tal circunstância aqueles que vinham lutando estavam prestes a
desaparecer, uns pela morte, outros pelo destino ignorado e assim, eles caminhavam como num sonho que se
despede. Não somente esta crise, mas uma outra catástrofe mais séria, aguardava-se a qualquer momento, ao
Japão e ao mundo.
Devemos impedir terminantemente o aparecimento sucessivos destes sonhos horríveis. Ao mesmo
tempo, todos os lideres responsáveis pelo mundo, devem lançar a dedicação com toda sua devoção, a fim de
criar uma história de civilização, exatamente como um sonho pacífico.
No dia 12 de agosto, às 0,45 horas, o radio captou a resposta das Nações Aliadas contra a proposta do
Japão- A resposta foi declarada em nome do Secretário do Estado dos Estados Unidos, Byrnes, com a
seguinte mensagem: "No momento da rendição, o poder de conduzir o país. ora dirigido pelo Imperador e
Governo Japonês, passará a ser subordinado ao Supremo Comando das Forças Afiadas. O propósito último
do sistema governamental do Japão deverá ser determinado pelo desejo voluntário do povo japonês' .
Portanto, aqueia condição proposta pelo Japão foi rejeitada sem nenhuma referência a respeito da posição do
Imperador.
Sucederam-se intensos debates em torno desta resposta na Conferência do Gabinete do dia 12, Este
assunto continuou sendo debatido intensamente sem solução, até o dia seguinte, mesmo após ter sido
encaminhado ao
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Conselho Supremo.
O motivo do intenso debate girava em torno, desde o início, da "defesa da estrutura nacional". Os
partidários favoráveis à rendição incondicional insistiam na possibilidade de conservar a "Estrutura
Nacional" enquanto que a outra parte favorável à luta até o fim, opunha-se insistindo na impossibilidade de
conservar a "Estrutura Nacional".
As interpretações da "Estrutura Nacional" foram diferentes para cada um dos opositores. Uns
interpretavam como sendo o Sistema Imperial sob a soberania do Imperador; outros, mais extremistas,
clamavam ser uma ordem direta do Imperador; e outros ainda, tomaram a ideologia básica de endeusamento
do Imperador, contida na Constituição de Meiji.
Após as discussões violentas, a interpretação prática foi afinal atribuída à politica nacional e decidiram
que a defesa da mesma poderia significar o desejo último da Nação, ou seja, a Conservação da Família
Imperial, longe do conceito político.
Em conclusão, ambos os lados Já não podiam mais deixar de reconhecer que a guerra estava na fase
final.
No dia 14 de agosto, na última reunião imperial, foi decidida a rendição incondicional sob a decisão
forma) do Imperador.
Todo argumento deixou de ter o seu valor significativo quando a situação chegou a esse estado de
coisas. Todavia, deveria ter como uma medida estratégica, um plano prévio de cessação da guerra
imediatamente após a queda de Singapura. Além disso, o país precisava de Hderes excelentes como o
famoso Ministro das Relações Exteriores do Japão na era de Meiji, o Chanceler Jutaro Komura que,
empenhando em seu valor humano, dedicou-se ao serviço da Pátria em sacrifício da sua vida, A ausência de
valores humanos foi realmente lamentável.
Ao mesmo tempo, a rivalidade entre o Exército e a Marinha causaram atitudes deprimentes. Disse um
oficial do Exército: "Os nossos inimigos são os Estados Unidos da América e a Marinha Imperial". Podia-se
dizer que, desde o inicio não havia união entre eles e assim, por si próprio criaram causas para a derrota.
No mesmo dia, às 11 horas foi proclamado finalmente, o Edital Imperial de aceitação da rendição
incondicional de acordo com a Declaração de Potsdam.
Nesse dia, também surgiu um esquadrão de numerosos aviões com bases em cerca de dez porta-aviões e
sobrevoou os mares próximos de Kantô, como se estivesse aguardando ansiosamente a resposta. Além disso,
mais 600 bombardeios vieram atacar separadamente.
No dia 15 de agosto, pela manhã, surgiu uma visita na casa de Jossei Toda.
Chamava-se Kurikawa, seu amigo, conhecidos há muito tempo e relacionado aos seus negócios.
Possuía uma loja na rua principal, mas por causa do controle dos negócios, o seu comércio estava parado.
Toda estava decidido a alugar esse local para estabelecer o escritório de seu novo negócio.
Kurikawa, abrindo energicamente a porta da entrada, disse em altas vozes, entrando subitamente na sala
de visita:
— Bom dia. Finalmente, Já se acabou.
— Bom dia. Veio tão cedo, hoje, Sr. Kurikawa! Ikue estava preparando a refeição matinal.
— Por acaso a Sra. ouviu a noticia no rádio?
— Não.
— Então ainda não sabe? O rádio da manhã estava dizendo que haverá importante pronunciamento do
Imperador hoje ao meio dia.
— O que será então?
— Finalmente, está tudo acabado. Percebendo as vozes das conversações entre Kuri-kawa e Ikue, Toda
desceu do seu quarto.
— Sr. Kurikawa, como conseguiu chegar tão cedo assim?
— Não poderia estar dormindo. Enfim a guerra terminou. O Imperador enviará mensagem pelo rádio ao
meio dia.
Em seguida, disse a Toda em voz baixa.
— ... afinal, parece que é mesmo a rendição incondicional. Ontem, a altas horas da noite, um repórter
conhecido veio ao meu encontro.
— Sim? Toda teve um instante de seriedade perante a informação de Kurikawa.
— Mas, Sr. Kurikawa, como o Sr. pode permanecer contente?
— Por que não? Agora nós estamos livres.
— Quem?
— Nós, a nação.
Diante da derrota, uns pareciam estar contentes, outros, preocupados, enfim, as atitudes eram diversas.
Não poderia encontrar pessoas contentes suportando sempre os bombardeios e a escassez de mantimentos. O
desejo mais premente provenientes de todos instintivamente era o anseio de viver absolutamente feliz,
pacifica e alegremente.
— Sinceramente, sofri muito pelo B-29 e pela prisão do Sr., disse Kurikawa, encolhendo os ombros.
Em seguida os três riram em altas vozes.
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Após então, Kurikawa permaneceu pensativo e indagou a Toda com atitude contemplativa.
— O que poderá acontecer se vier a rendição incondicional?
— Se a guerra acabou em derrota, terá, daqui para a frente, muitas dificuldades.
— Oh não! Mais sacrifícios daqui para frente?
— é a punição geral. Uma punição geral para todo o Japão. Enfim, chegou a era em que vai necessitar
do Ensino do Verdadeiro Budismo de Mappo. Chegou a hora de brilhar realmente a Profunda Filosofia de
Nitiren Daishonin.
— Nós seremos salvos?
— é a vitória ou a derrota. É a atuação da fé na luta pela vida. Disse Toda. prendendo a voz. mas com
toda energia. Kurikawa retirou-se com feição de insatisfação. Ao terminar a refeição e o Gongyo, Toda
trocou de roupa.
— Irei ao escritório. Se alguém vier, peço enviar para lá. A batalha já começou, — dizendo assim à sua
esposa, ele saiu no meio dos raios quentes do sol de verão.
A nação, em sua maioria, uma vez isolada e incomunicável com o resto do mundo, não podia saber
sobre todos os pormenores dos acontecimentos do término da guerra. Somente foi informado de que haveria
um pronunciamento importante do Imperador ao meio dia de 15 de agosto. Ficaram na expectativa do seu
encorajamento para a batalha decisiva que estava para vir finalmente. Entretanto, ouvindo a voz solene e
grave do Imperador, Imediatamente compreenderam, apesar do seu pronunciamento em japonês clássico e
difícil de entender. Assim, mesmo através da frase: "Suportar o que é difícil de suportar", eles
compreenderam pelas próprias intui-ções, que a guerra acabara em derrota.
O início da guerra foi uma surpresa, como um jato de água no ouvido de um ser adormecido. Assim
também, a cortina da cessação do fogo desceu de repente diante da nação. Em ambas as ocasiões, as
surpresas ocorreram em nome do Imperador.
Nesse dia, todo o Japão foi favorecido por um lindo dia do céu azul sem uma nuvem sequer. No calor
do verão, ao meio dia, o Japão foi dominado por um silêncio absoluto, como se estivesse voltado para a era
da sua antiguidade. Parecia que os raios brilhantes do sol provenientes do límpido céu azul estavam
paralizando tudo.
Inicialmente, todos permaneceram em silêncio. A seguir, muitos choraram de emoção, enquanto outros
não puderam conter os suspiros de tristeza.
Pode-se dizer que estas lágrimas surgiram como o resultado de choque de encontro repentino com este
real acontecimento da derrota, sem aviso prévio, para aqueles que vinham suportando a longa vida de
paciência, pagando todos os tipos de sacrificios, confiando apenas na certeza da vitória final.
Em seguida, eles foram silenciosamente se afastando diante dos rádios. Os sentimentos de ira pelo
desespero inconformável e do alivio da libertação da guerra, vinham a penetrar profundamente no coração
destas pessoas. Não somente a tristeza, nem apenas a alegria dominaram os seus sentimentos. Era como se
estivessem agarrando a um vácuo iluminado obscuramente.
Toda voltou para casa ao anoitecer.
Apesar de aproximar-se a noite, já não havia mais necessidade para estender a cortina escura. As janelas
das casas e todos os quartos começaram a mostrar claramente a luz elétrica. Após muitos anos, chegaram a
conseguir uma noite clara. As pessoas em seus lares reuniam-se ao redor da mesa dirigindo-se ao jantar sob
luzes ofuscantes. Em seus arredores também permaneciam clarões festivos, ainda que no coração destas pes-
soas tivesse o pesado sentimento de derrota.
Já não eram mais necessários ouvir os alarmes anti-aéreos e nem ruído peculiar do bombardeio B-29
voando a grandes altitudes. Foi realmente uma sensação inacreditável. Aquele continuo horror e insegurança
deixavam finalmente este país. Isto aconteceu realmente.
Após terminar indiferentemente o seu jantar, Toda dirigiu-se à sua mesa do quarto de cima. Ele
começou a escrever algo a lápis, sobre o papel branco, apagou com a borracha e escreveu de novo. Era o
esquema de anúncio, sobre o Curso por Correspondência que iria publicar no jornal dentro em breve.
Dobrando-o delicadamente, deitou-se em seguida.
As palavras gloriosas de Risho-Ankoku-Ron* haviam se impregnado na mente de Toda. Surgiu, então,
de repente, a lembrança de um parágrafo contido na "Resposta ao Sr. Yassaburo". Levantou-se, pegou o
Goshò em suas mãos e abriu esta página:
— Assim, os bonzos do Japão de hoje são maus elementos, piores do que Diaba-Datta e Kugyari--
Sonja. Seus seguidores veneram-nos e oferecem donativos e conseqüentemente, surgem a olhos vistos neste
país a transformação em inferno sem fim, causando a fome intensa, a epidemia e sofrimentos sem
precedentes para os seus habitantes. Não somente isso, o país também será invadido pela nação estrangeira.
é a advertência divina de Bonten, Taishaku. Niti e Gatten e outros.
Somente Nitiren compreendeu isto e no infcio preocupava-se se devia dizer ou não, enfim, se isto é
verdade, o que posso fazer, . .? é a profecia escrita por Nitiren Daishonin há mais de 700 anos. Agora realiza
exatamente isso, sem nada diferir das palavras da profecia.
Risho-Ankoku-Ron ' Tese de pacificação da Terra com o estabelecimento do Verdadeiro Budismo.
O pais foi destruído. A construção é o resuitado de um acúmulo precioso de sangue e de suor das
gerações da sua nacionalidade através dos tempos. Em oposição, a destruição é a sua transformação em
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cinzas num instante apenas. Agora, aqui foi destruída a história de três mil anos de civilização do Japão.
Quão rigorosa foi a exatidâo da realização da profecia de Nitiren Daishonin. Para que jamais repita esta
tragédia no futuro, nós e os dirigentes da sociedade precisamos lembrar sempre este sagrado ensinamento,
respeitando sempre, sem jamais esquecer, conservando-o vivamente, seguindo-o rigorosamente — deixando
de lado os sentimentos mesquinhos, os pensamentos contraditórios e as atitudes arrogantes,
A época já chegou, de acordo com o principio de "após o surgimento de grandes infelicidades vem a
chegada de grande sorte".
Jossei Toda percebia intensamente em todo o seu corpo, com toda a sua convicção, a sensação da
chegada do momento da propagação da Suprema Doutrina do Budismo. Então, logicamente deve ser uma
verdade necessária, o poder de conduzir todo povo infeliz ao outro lado, à praia da felicidade absoluta.
Após 700 anos, desde o falecimento de Nitiren Daishonin. quem reconheceu realmente esta verdade?
Talvez não tenha havido uma pessoa que chegasse a formular isto como uma teoria ou como uma ideologia.
Mas, quem foi levado a reconhecer esta verdade? Além disso, quem não poderia deixar de compreendê-
la? Quem deveria ser esta pessoa? Quem poderia ser?
Jossei Toda, na sua contemplação, fazia o seu corpo tremer de emoção.
Realmente, chegou o momento. Se deixar escapar esta oportunidade, não virá outra. Não se deve deixar
passar este momento oportuno. Todas as condições para o pacifismo que é o Kossen-rufu estavam
preparadas.
Toda lançou um olhar para fora da janela. As janelas das casas pareciam abertas mostrando a claridade.
Ele foi junto à janela e respirou profundamente o ar.
O poderio total do Japão no final da guerra calculava--se em 7 200 000 soldados, incluindo o exército e
a marinha. tanto dentro como fora do pais. Na Guerra do Pacífico tiveram 1 .'854 000 mortos entre o
exército e a marinha desde 1941 excluindo as vitimas da Guerra da China. Tiveram mais de 678 000 feridos
e desaparecidos. Em suma, incluindo os civis convocados, foram mobilizados mais de dez milhões de
pessoas para a guerra. Isto equivale a um quarto de toda a população masculina do Japão daquela época. Em
média cada duas famílias enviaram um soldado para a guerra. Este cálculo foi quase idêntico da Alemanha
Nazista. Assim, o Japão teve a sua mobilização sem precedentes desde o início da sua história.
Além disso, incluindo vítimas dos bombardeios das explosões atómicas, das guerras de Okinawa e
Manchuria, o Japão perdeu três milhões de preciosas vidas entre os militares e civis. Aproximadamente, o
povo perdeu um parente próximo na proporção de um para cada cinco famílias. A diferença é bem
contrastante comparando-se com a Guerra Russo-Japonesa que teve cem mil mortos.
Isto mostra o balanço total do prejuízo da vida nacional- Aqueles que conseguiram sobreviver com
muitos sacrifícios, tiveram que sustentar daí para diante, as consequências sérias dos danos pesados.
Mais de 3.100 000 casas foram queimadas, destruídas ou desapropriadas. Aproximadamente 15 milhões
de pessoas foram desabrigadas. Três milhões de pessoas perderam os seus negócios ou empregos, Três
milhões e quinhentos mil estudantes estavam sendo levados a serviços de guerra. Três milhões de moças
tiveram que deixar os seus lares para trabalhar nas fábricas ou nos campos.
Realmente, foi uma extensa mobilização total do país. sem nenhum proveito.
Apesar de o povo japonês ter o desejo de acompanhar as ocorrências da guerra, não podia saber a
realidade dos fatos, visto que eles estavam sendo completamente isolados das noticias dos acontecimentos.
Nestas circunstâncias, um dia, subitamente foram levados a ouvir a notícia: "a guerra acabou em derrota".
Receberam o impacto intensamente chocante. Ao mesmo tempo, as preocupações foram aumentando cada
vez mais com as novas eventualidades previstas pela ocupação estrangeira.
Até o dia 15 de agosto, o "Black-out" (apagar todas as luzes para não mostrar o alvo para Ot
bombardeios) ainda não havia sido suspenso. Entretanto, as casas já começavam a acender as luzes. A
alegria pela paz não poderia nascer, sinceramente, desta forma. Foram demasiadamente sacrificados, embora
se houvesse dito que a guerra já terminara. Este dia marca no espírito de cada cidadão, o inicio para uma
nova luta. Surgem inicialmente o descrédito às autoridades. Uns transformaram-se em fatalistas, enquanto
outros decidiram-se pela morte em fidelidade à sua convicção.
Ao cair da tarde do dia 15 começaram a aparecer pessoas formando grupo de dois a três na praça em
frente ao Palácio Imperial e permaneceram sentadas reveren-ciosamente sobre os pedregulhos brancos.
Nessa noite, o Ministro da Guerra Anami suicidou-se. Suicidaram-se nu dia 22, o Marechal Suguiyama e sua
esposa e no dia 24, o General Seiti Tanaka, também se suicidou. Na Marinha, o Vice-Almírante Takijiro
Onichi. vice-chefe do Estado Maior da Marinha também se suicidou no dia 16.
Surgiram também os suicidas entre oficiais técnicos e de enfermagem. No balanço da cessação do fogo
enumerou-se 527 pessoas o total de suicidas, entre o Exército e a Marinha, levados pelo senso de
responsabilidade da derrota.
Independente dos militares, surgiram também nas massas os suicídios coletivos dos extremistas da
direita. Pode-se dizer que eles foram induzidos a escolher o suicídio pela triste desilusão pela sua convicção
e do seu idealismo.
Os 10 membros do "Pró Imperador e Fora os Estrangeiros" ao ouvir a decisão da cessação do fogo,
atacaram a residência do Ministro do Interior Koiti Kido na madrugada do dia 15- Não conseguindo
assassina-lo, formaram o posto de resistência no Monte Alago, em Tiba. desde o cia 16 até o dia 22 e
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convocaram os adepto', de todo o pais para realizar o objetivo de "restauração ' de seu propósito,
aproveitando o momento confusional, assassinando os principais ministros responsáveis pela derrota. No dia
22, ao perceber o ataque das policias, estas dez pessoas formaram um circulo e suicidaram-se
apressadamente com a granada que eles possuíam.
No dia 23 de agosto, às 11 hs. aproximadamente, os 13 membros da "Sociedade Brilhante" reuniram-se
num pinheral perto da ponte de fwaida, em frente ao Palácio Imperial e todos suicidaram-se ao mesmo
tempo, olhando em direçáo ao Palácio.
De maneira semelhante, 14 membros da Escola Daitô suicidaram-se no campo de treinamento do
quartel de Yoyogui em 25 de agosto às 3 hs., com as faces voltadas para o Templo do Imperador Meiji.
A conduta e a ideologia dos extremistas da direita foram todos baseados no Xintoísmo. Todos crentes
do Xintoísmo, seguidores do "Caminho de Kannagara" Eles foram aproveitados peto Governo Militar.
Lamentavelmente eles deram suas vidas pelo Xintoísmo, Com a própria mone á frente, eles advertiram às
autoridades, a responsabilidade da derrota.
Protestaram assim, veemente, contra aquelas autoridades que pregaram, "o povo todo tem a culpa da
derrota" ou "a confissão em massa de cem milhões de cidadãos."
Como se pode admitir que a culpa é a mesma entre a autoridade absolula e o povo indefeso? Assim,
eles se revoltaram. Procuraram assassinar as autoridades principais, mas naquele momento, também eles
foram obrigados a reconhecer a derrota do pais e ao mesmo tempo a sua ideologia. Indignados, eles
escolheram a morte como um protesto mais veemente contra as autoridades da época.
Não há coisa n-ials temerosa do que uma ideologia. Uma pequena amostra de pensamento tão trivial
pode levar tantas pessoas à morte! Podem dar suas vidas por essa causa. O homem é um ser vivo desta
natureza, isto é uma verdade. Entretanto, o que mais devemos temer é a ignorância completa dos nomens,
alheios â verdade ou à falsidade do seu pensamento. Em outras palavras, é a força maldosa da ideologia que
não tem a razão de existir, não tem o seu mérito de valor como filosofia Além disso, diante do furacão, isso
desaparece facilmente, em vão.
O Xintoísmo que teve o papel de guia ideológica na guerra, fez transparecer, sem nada esconder, a sua
completa falta de força e que fez chegar, finalmente, o pais a este resultado tão dramático.
As informações decepcionantes desta natureza chegavam uma após outra aos ouvidos de Toda- Ele
retietiu novamente, sobre a importância da atuaçáo da fé:
— Seja quem for, quando acredita numa doutrina falsa, cai radicalmente na infelicidade. Não somente
uma pessoa, como também uma associação, uma sociedade, uma nação, todos enfim sem nenhuma
diferença.
A coisa mais detestável deste mundo é crer certamente numa falsidade. Isto não tem relação nenhuma,
quer se trate de pessoas dotadas de conduta exemplar ou de um esforço admirável. Não poderia deixar de
colher senão a infelicidade se o culto em que confia é falso ou anti-cientifico. é uma realidade, sem nenhuma
dúvida,
Uns acreditam na filosofia especifica, ou na ciência. na religião, na Pátria, na sociedade, nos pais, nos
amigos, ou então na própria convicção, na medicina, na técnica enfim, todos acreditam em algo. A açào
humana. nunca terá o seu passo inicia) sem que se acredite em alguma coisa.
Além disso, mesmo aqueles que se orgulham em dizer que sào ateus, agem inconscientemente,
acreditando em algo também. Toda conduta humana pode ser considerada como acúmulo de ações baseadas
na fé.
Neste sentido, a fé religiosa não pode ser considerada tão longe da vida diária. Sua prática náo deve ser
um privilégio de um grupo especial de pessoas. O importante é o grau de profundidade do reconhecimento
da própria fé. As pessoas deste mundo, entretanto, não procuram fazer objeções sob todos os ângulos, se
aquilo em que acreditam é absolutamente certo ou não. Permanecem totalmente indiferentes diante da
questão do certo e do errado ou da verdade e da falsidade. Aqui existe a origem da infelicidade, tão difícil de
salvar.
Então, o que vem a ser esta coisa existente neste mundo que se pode afirmar seguramente que é uma
verdade absoluta? Existe alguém que nunca trai por mais que se confie e que não se deixe arrepender
depois? Será que existe isso? Ou não existe?
Toda percebeu isso claramente:
— Existe. Eu sei. A isto, Nitiren Daishonin deixou claramente revendo de maneira mais objetiva na Sua
Doutrina, (é o Dai-Gohonzon). Mas, as pessoas não procuram saber, deixaram passar 700 anos. Agora, após
uma experiência dramática, a humanidade chegará a compreender um dia e deverá acreditar. No momento,
dentro do sofrimento da derrota sem precedentes, nas profundezas da infelicidade, sou o único no mundo
que conheço esta verdade. Há mais alguém que a conhece? Não, ninguém conhece isso.
Jossei Toda não tinha um companheiro sequer para contar. O que havia era a devastação do país e mais
do que isso, a existência de uma temfvel invasão que era a de degeneração do espírito humano em todo o
país. Tudo o que via e ouvia enfim, fazia aumentar cada vez mais a solidão do seu espírito.
Seu corpo transpirava com o calor, embora sentisse frio suor nos momentos de profunda meditação.
Os aspectos mais diversos dos acontecimentos, imediatamente após a rendição, iluminavam-se,
minuciosamente, na sua mente atenta, como a cena das loucuras teatrais.
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A vontade de anunciar a propagação do Verdadeiro Budismo, como urro do leão diante da planície, esta
vontade irresistível, ele precisava conter forçosamente, por saber que precisava aguardar o tempo.
Deve-se aguardar o tempo ou criar o mesmo com esforço próprio? Ele ponderou calmamente.
Devo criar um novo e verdadeiro companheiro. Após então, criar mais um e depois um outro. Assim
estaria chamando o tempo. Agora, talvez seja mais penoso criar um verdadeiro companheiro do que instruir
milhões de companheiros no futuro na chegada do tempo. Não devo ser apressado.
Toda compreendeu que aqui estava uma séria dificuldade que deveria enfrentar direta e imediatamente.
— Somente Nitiren, inicialmente pronunciou Nam-myono-rengue-kyo, e isso foi transmitido e recitado
por duas, três e cem pessoas e assim sucessivamente. Isto acontecerá também no futuro. Não será isto, a
missão de Jiyu? Além disso, o fato de que toda a nação japonesa irá recitar Nam-myoho-rengue-kyo na
época do Kossen-rufu será de tanta certeza como escolher a terra para alvo.
Não houve necessidade de lembrar-se as frases do Shoho-Jisso-Sho. O próprio Nitiren Daishonin
iniciou com esta dificuldades para criar um discípulo verdadeiro.
Ele compreendeu claramente o íntimo de Nitiren Daishonin, quando estabeleceu o Verdadeiro Budismo
de Mappo, aos 32 anos. em 28 de abril de 1253.
Exatamente como profetizara; "Isto acontecerá também no futuro". Nitiren Daishonin não teria escrito
para Jossei Toda,, há 700 anos atrás? Agora, o país fora devastado e as condições para a Paz Mundial ou
Kossen-rufu estavam maduras.
Se a "Missão de Jiyu" é uma realidade, deveriam surgir agora, os companheiros do Kossen-rufu. A
visão do Buda é imensurável.
Não adiantaria agora anunciar em altas vozes "a uma, duas, três. .. ou a cem pessoas, pois, as vozes
desapareceriam nas planícies levadas pelo vento. Entretanto. o que se deve fazer diante do povo que sofre
incessantemente como se estivesse no inferno, na imensurável angústia em consequência da derrota?
Meditou profundamente. Salvar um por um, todos os sofredores. Embora levasse tempo, deveria salvar
encontrando-se diretamente
Jryó • Missionários da p«.

em eles. Estava convicto de que assim estaria provando a realização da profecia: "Isto acontecerá
também no futuro".
Jossei Toda tornou-se um homem muito ocupado desde o dia da cessação do fogo. Diariamente
frequentava o seu escritório alugado em Kamiósaki.
Em poucos dias conseguiu arrumar auxiliares para o seu escritório. Entretanto, Sumida, que era o mais
dedicado e dotado de mais senso de responsabilidade dentre os seus auxiliares mais antigos, mesmo no
tempo em que ele estava na prisão, não compareceu, e nem fez comunicação alguma. Habilidoso como era,
deveria ter analisado o futuro da saúde precária de Toda e das dificuldades do seu negócio. Apesar da sua
tranquilidade habitual, Toda ficou indignado, particularmente com a atitude dele. Francamente, era uma
reação de tristeza em consequência da traição do seu melhor discípulo nos negócios e em quem mais confiou
os cuidados do seu negócio durante a sua ausência. Como é tão mutável e ao mesmo tempo temível a
consciência humana! Nesse momento ele compreendeu que as relações humanas fora da fé no Budismo, não
são legítimas como ouro verdadeiro, mas sim, de ferro ou chumbo.
O velho Okumura e as moças escriturárias estavam defronte das mesas antigas. Era um escritório
solitário para aqueles que conheceram a extensão dos negócios de Toda nos dias anteriores à prisão.
Assim mesmo, ele estava animado. Não se podia dizer que estava sadio ainda que sua saúde estivesse
suficientemente recuperada. Sofria também de nevralgia e parecia claudicar com as suas pernas. Apesar do
acúmulo de diversas inconveniências, o seu negócio começou a movimentar-se, alheio às confusões da
época.
Após completado os preparativos, iniciou as ativida-des do seu negócio no dia 20 de agosto. Foi no 5.°
dia após o téimino da guerra e 49 dias após a sua libertação da pnsáo-
No dia 24 de agosto, o "Blackout" que vinha sendo vigorado há anos, fora totalmente cancelado
Surgiu um anuncio no Jornal Assahi, no dia 23 de agosto Todos os jornais daquele época continham
apenas duas páginas. O único anúncio no canto da página era de Nihon-Shogakkan. Não havia outro.
Percebia-se filas de letras maiúsculas anunciando: "Como estudar. aprender e resolver as matérias da '\.a, 2a
e 3a série do Ginásio, Matemática e Física (por correspondência)". A seguir vinham informações em letras
minúsculas: "A explanação dos assuntos principais de Matemática e de Física serão enviados em separatas
duas vezes por mês e os exames de aproveitamento serão leitos mensalmente por testes. Se colecionarem as
separatas das explanações da matéria poderão formar um livro indispensável para a consulta O curso será
completado em seis meses. 25 ienes por grau em 6 meses. Pagamento antecipado. Os interessados serão
limitados devido à escassez de material. Não há livros básicos ou de consulta."
Um aviso rústico desta natureza, mostra muito bem o reflexo da escassez de papel daquela época.
Não havia papéis suficientes para enviar informações ou regulamentos do curso. A dificuldade de
arrumar papel naquela época estava completamente fora da imaginação atua).
Por outro lado, a época era difícil também para o lado dos alunos, mesmo na aquisição de um livro de
texto-Nesta frase: "Se colecionarem as explanações poderão formar um livro de orientação indispensável..."
36
Aqui estava contido o segredo da forte convicção na "Orientação Racional da Matemática."
Toda conhecia muito bem a sede de estudo que havia na mente da Juventude, ou melhor, poderia dizer
que a ta! avidez já estava segura em suas mãos.
Passaram-se um, dois e três dias. As reaçoes do anúncio foram aparecendo com o passar dos dias. Dia-
riamente começaram a aparecer 30 a 50 pedidos por correspondência no seu escritório pela manhã. O atendi-
mento dos pedidos e o envio dos materiais foram sendo cac'a vez mais intensos. O escritório tornou-se
radiante. Á tarde, chegava até ao estado confusional de tanta ati-vidade.
Fumando um cigarro, disse Toda aos seus auxiliares:
— O que acham vocês, quando o nosso movimento chegar a 10 mil ienes diários, vamos todos
comemorar o sucesso com o apetitoso Sukiyaki?.
Os auxiliares ouviram com embaraços. Era uma notícia agradável, mas não se podia imaginar quando
nessa época, tão cedo, chegaria esse dia. Toda queria trazer a alegria aos seus empregados.
O melhor empresário é um financista que sempre conserva o senso de humanidade nas relações de seu
trabalho, no período de construção, como é o caso. Pode-se dizer que, é um vitorioso como homem e um
perfeito realizado.
— ótímo! Sukiyaki é formidável.
Espontâneo como sempre, Okumura manifestou imediatamente a sua aprovação. Parecia até estar se
recordando do gosto de Sukiyaki. Era o sabor que já havia sido esquecido. Não somente eles, a maioria do
povo já havia esquecido há muito tempo. Agora, o prazer de saborear Sukiyaki possuía força atrativa mais
do que a própria renda de 10 mil ienes por dia. Em seguida Okumura fez uma sugestão com a.atitude
engolindo a saliva condi-cionadamente reftetida.
— O Senhor não acha? Já que o escritório foi inaugurado e que conseguimos iniciar o negócio
favoravelmente, não poderíamos festejar aqui com Sukiyaki, celebrando previamente o nosso sucesso?
Toda começou a rir. A seguir, todos começaram a rir. Okumura percebeu que faltava mais uma
insistência:
— O Senhor não conhece a sorte da primeira bom-bada de água? Festejando previamente, sinto que
logo virá com certeza, o dia do rendimento de 10 mil ienes. Não acha assim?
— O senhor Okumura hoje está falando muito bem! Respondeu Toda, todo sorridente.
Toda permanecia sempre atento e apesar destas palestras, possuía inteira convicção no sucesso do seu
negócio para o futuro.
— Espere um pouco, por favor. Não seja tão afobado.
Okumura ficou um pouco decepcionado— Um pedido vale 25 ienes, dez valem 250 ienes, cem pedidos
valem 2.500 ienes e assim o sabor do Sukiyaki foi desaparecendo.
Naqueles dias agonizantes foi marcada a data da Ocupação pelas Forças Aliadas. Logo em seguida foi
cancelada e alterada.
Enquanto isso, o povo movimentava-se desesperada-mente, em comoções intensas, às vésperas da
Ocupação. Não podia imaginar como seriam realmente as Forças de Ocupação. Os boatos espalhavam-se
como ondas. Dois milhões e oitocentos mil cidadãos de Tóquio podiam somente permanecer aterrorizados.
Além de tudo isso, milhões de soldados começaram a repatriar. As estações de Shinagawa, Ueno e
Shinjuku estavam repletas de soldados desmobilizados, cada um carregando os utensílios de guerra
embrulhados nos respectivos cobertores e pacotes mais volumosos sobre os ombros. Locomotivas repletas
de gentes, bondes superlotados, e assim, começaram a surgir a confusão e a desordem em todos os lugares.
O escritório de Nihon-Shogakkan, apesar de pequeno, tinha o ambiente tão claro e cheio de vida que
parecia um canto do outro mundo.
Transparecia uma sensação de alívio indescritível nas fisionomias das pessoas do escritório, sempre que
Toda comparecia ao local- Lá fora era uma tempestade. Enquanto permaneciam no escritório apertado,
esqueciam-se das fortes ventanias e chuvas. Era um local de trabalho mais tranquilo e mais feliz do que
qualquer outro lugar, mais do que o próprio lar, mais do que a própria cidade.
O que é mais necessário é a convicção de um líder. As pessoas são extremamente delicadas. É
necessário refletir seriamente, que a convicção e o desejo forte de um responsável influi tanto no sucesso do
trabalho e como na sociedade.
Surpreendentemente, em menos de cinco dias chegou aquele dia desejado, desde a noite quando Toda
falara sobre Sukiyaki.
Nessa manhã, o carteiro deixou um pacote pesado com numerosas cartas amarradas com cordão. Foi até
penoso estampar o carimbo de recebimento em todas essas cartas. Era sete a oito vezes mais que o movi -
mento dos dias habituais. De fato, era um acontecimento inacreditável a todos. Começaram chegar de
Hokkaido. Tohoku, Kansai e Kyushu.
— Olhem, já tem 450. Ainda tem mais! — uma jovem auxiliar levantou a voz surpreendentemente.
Todos ficaram tão surpresos que permaneceram sem fala durante um certo tempo.
— Que surpresa! Okumura dirigiu a Toda com voz de admiração.
— Senhor, hoje ultrapassou 10 mit ienes.
— Ah, ah, ah... Toda riu.

37
— Okumura, você precisa procurar uma grande quantidade de carne. Coisa ainda mais difícil do que
dez mi) ienes é encontrar tanta carne!
— Deixe isso comigo. Enfrentarei esse trabalho penoso com todo o meu afinco.
Okumura, que se aproximava dos sessenta, "batia no peito" com a disposição feliz.
Toda acrescentou:
— Peço também o saké. Duas ou três garrafas, dos bons...
Nessa época tão crítica, não se podia encontrar um restaurante aberto para fornecer os materiais para
fazer Sukiyaki.
Jossei Toda, antes de encontrar-se com o seu mestre de toda a sua vida, denominava-se Jogai
(literalmente significa fora do castelo). Fora do castelo ele viveu livremente e procurou com toda a devoção
ao seu verdadeiro mestre para segui-lo eternamente. Agora, depois que o mestre o deixara, permaneceu o
desejo ardente dentro da magnitude da sua atitude "a sua convicção da reconstrução da Soka-Gakkal", de
sucede' a decisão do seu mestre, mesmo estando no pequeno local de trabalho.
Levado pela sua decisão de promover a obra do Kossen-rufu, e como o seu comandante geral resolveu
trocar o seu nome para Jossei (Literalmente significa sábio do castelo).
— Peço a todos reunirem-se hoje à noite em minha casa. O senhor Kurikawa também. Vamos terminar
cedo o serviço para podermos comemorar o sucesso.
_ Okumura levantou-se com entusiasmo para fazer as compras. Toda acrescentou como se estivesse
correndo atrás dele-
— Isso mesmo! Por favor, traga doces e frutas. Peço não esquecer também das bebidas para as
senhoras.
Apesar de parecer um homem de génio expansivo, Toda possuía a delicadeza de voltar a atenção aos
pormenores.
Toda voltou para casa à tarde, trazendo junto os seus convidados. O proprietário do escritório, o senhor
Kuri-kawa, por estar ausente por motivo de negócio, fora comunicado através de recado.
Okumura estava no auge da intensa atividade na ajuda à Sra. Ikue. Foi escolhido o quarto de cima para
o loca! da comemoração. Quando tudo estava preparado, todos aqueles que estavam conversando na sala de
visita subiram para o quarto de cima. A época ainda estava quente. O cheiro da carne estimulava o apetite
que há muito tempo deixara de ter esta oportunidade. Ouvia-se o borbulhar da fervura da carne dentro da
panela sobre o fogo.
Toda pegou o cálice, mas disse a Ikue:
— Vamos trocar pelo copo?
Surgiu uma cor amarela dourada. Atravessando o seu olhar através do copo, perguntou Toda a
Okumura:
— Este sakè é de ótima qualidade. Onde você conseguiu achar este artigo tão fino?
— é delicioso não é? O resto é segredo — assim dizendo, orgulhosamente Okumura pegou o Suklyaki,
todo sorridente.
— Cada homem tem o seu talento excepcional! Vamos dar uma Distinção da Ordem de Serviço pela
eficiência do trabalho de hoje à noite. Parabéns Okumura! — disse Toda olhando Okumura afetuosamente.
— Congratulações, senhor Toda! Desta vez o negócio foi um sucesso.
Quando Okumura disse isso, todos que estavam ao redor da mesa possuíam o mesmo pensamento.
A essa hora abriu-se o portão de entrada e alguém chamou. Era o proprietário do escritório, o senhor
Kurikawa- Logo que fora convidado a entrar no quarto, disse
alegremente em alta voz:
— Como é formidável, senhor Toda!
— Antes de mais nada, vamos tomar um aperitivo. Aceitando o convite, tomou assento à mesa.
— Tenho dado muito trabalho ao senhor mas agora parece que tudo corre bem; — disse Toda,
derramando o saké no cálice de Kurikawa.
— É uma surpresa assustadora* Realmente foi maravilhoso! — disse Kurikawa, olhando para todos os
participantes, não podendo conter a tamanha admiração.
— O sucesso é a luta de vida ou morte do comandante Okumura na caça dos géneros alimentícios.
Estava contemplando, profundamente, admirado pela existência de qualidades excepcionais para cada
pessoa.
A essas palavras de Toda. Okumura discordou, negando com os movimentos da sua cabeça.
— O jantar está formidável! Mais do que isso, o que me surpreendeu mais, foi a renda de dez mil ienes,
quando ouvi essa notícia através da sua esposa. Foi um sucesso surpreendente! Conseguir isso na época em
que o destino do país está seriamente abalado!
— Senhor Kurikawa, por acaso teria inveja de mim?
— é claro. Perfeitamente invejável. O material é o papel. É barato. E isso vem render dez mil ienes? é
como se estivesse colhendo o bolo que está caindo da prateleira. Não haveria um que deixasse de invejar!
— Por mais que invejasse, ninguém poderia imitar isso. — Todo sorridente, disse Toda despejando
calmamente o sakê no seu copo.
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— Sim. Pode ser que isso seja verdade, mas, confesso a minha admiração pela previsão do senhor Toda
em achar o ponto chave do sucesso!
Há limite na habilidade do homem. A sorte ou a falta de sorte é também a importante chave do sucesso
ou do fracasso. Nem todos os homens de visão conseguem obter sucessos. Há casos em que os homens que
parecem pouco Intefigentes, conseguem realizar grandes sucessos inesperadamente. São fenómenos comuns
da vida que ocorrem na sociedade em geral em nosso mundo humano, complexo e delicado.
O sorriso desapareceu da face de Toda, quando disse o seguinte:
— O que vocês todos acham sobre o resultado de hoje? é o benefício merecido pela luta de dois anos de
prisão, sofrendo e arriscando a vida contra a morte por causa do Hokekyo. Não foi apenas o talento. é o
Beneficio Divino. O Gohonzon é realmente maravilhoso!
Seus olhos brilhavam como raios e os lábios cerrados faziam-no parecer nobre.

39
Ocupação

Dia 30 de agosto, 14,05 horas.


O General Douglas MacArthur desceu no aeroporto de Atsugui, conduzido pelo seu avião especial
"Bataan", para tão logo iniciar a ocupação do Japão.
Dois dias antes, no dia 28, 150 soldados americanos haviam chegado no mesmo aeroporto como tropas
avançadas. Seu objetivo era preparar a chegada do General.
As Forças Americanas escolheram este aeroporto porque era o único que escapou ao bombardeio. Por
causa desta escolha, as autoridades militares japonesas sofreram muitas preocupações porque o Corpo de
Combate Aéreo n.° 302 de Atsugui pertencia ao Comando Selecionado para o combate. Além de o aeroporto
não ter sofrido nenhum dano, havia ali forças de combate suficiente para resistir. Todos estavam prontos
para morrer no combate sob a direção do Coronel Kossono, clamando: "Suicídio Honroso de Cem Milhões."
Eles ficaram furiosos ao ouvir a Proclamação do Imperador pelo rádio no dia 15 de agosto. Enviaram o
seguinte protesto ao Comando Central: "Declaramos agora os nossos protestos contra toda e qualquer
ordem". Para dar publicidade externamente, eles espalharam plan-fletos pêlos aviões e autos com o seguinte
anúncio:
"Absolutamente não há rendição para o Exército do Imperador. Obedecer e seguir a Declaração de
Potsdam é o procedimento de grande traição. Do Comando Aéreo da Marinha." Além disso, Já estavam
chamando adesões aos outros comandos. Isso quer dizer então que o Corpo de Combate Aéreo de Atsugui
havia se transformado em Forças de Rebelião.
Realmente foi uma dor de cabeça para o Quartel General do Comando Aéreo de como convencer a
rendição aos combatentes de Atsugui.
O Exército Japonês que até então vinha se orgulhando pela sua invencibilidade cuja unidade vinha se
baseando sobre o poder, agora, perdido o seu apoio, ao chegar a rendição, revelou a sua degeneração para
acabar em destruição completa. Já não havia mais aquele ideal construtivo das Forças Armadas. O
pensamento tradicional do imperialismo absoluto ou sistema de aproveitamento em nome do Imperador,
perdeu também, absolutamente o valor. Este foi o aspecto real de sua grande derrota, resultante de uma
organização que desprezou O senso de humanidade.
Por outro lado, o Governo Japonês já havia enviado uma delegação de 17 militares à Manilha que
chegou no dia 19 à tarde. De acordo com as primeiras instruções das Forças Americanas, suas forças de
vanguarda deveriam estar em Atsugui no dia 23. Q Comando Naval, portanto, decidiu forçosamente a
necessidade de enviar tropas a fim de salvar a situação tão logo possível. Para isso. preparou o Primeiro
Corpo Especial de Fuzilpjros Navate para dominar a Rebelião de Atsugui.
No dia 21, com a ordem do Comando Naval, foram iniciadas as operações de retirada de gasolina e
hélices dos aviões estacionados em Atsugui. Ao tomar conhecimento disso, 23 aviões do corpo deixaram o
aeroporto de Atsugui e fugiram para os aeroportos do Exército em Sayama e Kodama. Logo que chegaram,
entretanto, os pilotos foram capturados, imediatamente, pela patrulha militar.
Além disso, no dia 22, no meio da tempestade, iniciou-se a desmobilização, a começar dos pilotos
considerados mais perigosos. Ao mesmo tempo, com a despedida dos funcionários militares, os moradores
das vizinhanças invadiram a base e levaram consigo diversos materiais e utensílios. Entretanto, ninguém
podia impedir o saque. Foi o inicio do aspecto repugnante do estado de fome pela primeira vez
experimentado pelo país.
Apesar disso, enfim, conseguiram terminar a desmobilização e foram iniciados os preparativos para a
chegada das Forças Americanas.
Assim iniciou o drama sem precedentes da derrota para o Japão. Não é necessário dizer que a própria
derrota já significa o maior drama do Japão. Aqueles que meditaram profundamente o que fazer no futuro,
devem ter clamado do fundo do seu coração: "Nunca deverão ser repetidas esta tragédia e esta miséria".
O General MacArïhur apareceu, ao abrir a porta do seu avião, junto à escada, com a sua estatura
elevada de mais de 6 pés de altura. Permaneceu ali por um certo tempo e observou ao seu redor. Não
esqueceu sequer de fazer pose para os fotógrafos. Trajava uniforme simples de camisa e calça, cor de caqui,
e um grande chapéu de oficial. Não possuía nenhuma arma junto ao seu corpo. Com óculos escuros e a mão
esquerda levemente sobre a cintura, segurava o seu cachimbo com a mão direita. A seguir ele desceu a
escada e chegou ao chão, pisando a grama da primavera, onde registrou a sua pegada como primeiro passo
da Ocupação.
O Tenente-Coronel EÍchetberger, Comandante do 8.° Exército que havia chegado ao Aeroporto de
Atsugui no dia 20 pela manhã, todo sorridente recebeu o General.
— Alo, Bob.
MacArlhur chamou o Tenente-Coronel com voz baixa, mas sonora.
Deve ter sido um fato bastante orgulhoso para este elegante general. Ao mesmo tempo com o término
da guerra, ele havia sido nomeado Comandante Supremo das Forças Aliadas. Todo o poder de comando da
ocupação do Japão estava em suas mãos.
Mesmo que o país se torne vitorioso, hé muitas pessoas que vão sendo derrotados como homem. Apesar
de que o país fosse derrotado, não deve ser derrotado como homem. É desejável prosseguir na vida sempre e
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humanamente vitorioso.
O novo comandante não possuía nenhuma arma. À primeira vista, sua atitude parecia corajosa e deste-
mida, mas isso resultava de um cálculo próprio, peculiarmente planejado.
A guerra já terminava. Ele não veio para continuar a guerra. Agora, ele precisava apresentar uma pose
bem evidente de que é o general que veio trazendo a paz consigo.
Ele fez a seguinte declaração aos jornalistas:
— Foi uma longa jornada de ansiedade a partir de Meibourne até Tóquio. Foi uma longa e tenebrosa
viagem, mas, enfim, aqui é o fim da rota que encerrou tudo.
Neste Distrito, numerosos soldados japoneses foram desmoralizados e voltaram aos seus lares. Como os
Japoneses parecem enfrentar a situação difícil com extrema sinceridade, espero que a rendição tenha o êxito
final sem o derramamento de sangue.
Parecia não ter aqui, aquela atitude arrogante e autoritária de um vencedor. Agora, vencendo esta luta,
deveria vencer também a próxima. Ele sabia através de sua própria experiência que, dentro da vitória contém
a própria causa para a próxima derrota. O que ele precisava era estabelecer, urgentemente, o funcionamento
da polícia da ocupação, da plataforma administrativa e do plano de açáo para o Japão ocupado.
Não obstante, ele estava um pouco embaraçado.
A guerra terminou muito antes da sua expectativa. De acordo com o seu plano, deveria primeiro
executar duas operações de desembarques em dois lugares da ilha principal e a seguir, conduzir o Japão sob
o controle de um Governo Militar. Esperava que isso seria para agosto do próximo ano, em 1946, o mais
cedo possível.
Nessa época, os Estados Unidos estavam treinando os oficiais em Monterey, Califórnia, para poder
governar mititarmente o Japão. Havia a Escola de Administração Militar e o Centro de Treinamentos dos
Serviços Sociais. Havia 1.750 militares e mais 2.000 civis dedicando-se minuciosamente ao estudo de
geografia, indústria, comer-. cio e política de cada prefeitura do Japão. Os Estados Unidos estavam
planejando, com calma e segurança, o projeto de ocupação militar.
MacArthur não havia sido informado da posse da bomba atómica pêlos Estados Unidos, senão na
véspera da sua explosão em Hiroshima. Agora, tão logo cessado o fogo, ele não possuía o conhecimento
suficiente para administrar militarmente o Japão,
Durante sete horas de viagem, de Manilha a Tóquio, MacArthur estava ocupado em atividades
especulativas com intensos esforços mentais dentro do seu avião. Andava no meio do avião, de ponta a
ponta, fumando o seu cachimbo favorito; corrigia o pronunciamento do seu pensamento e em seguida, ditava
os seus planos ao Bri-gadeiro-Generat Whitney.
"Antes de mais nada, devemos destruir as forças militares... A seguir, é necessário estabelecer um sis -
tema representativo de governo... Dar à população feminina o direito de participação política... Emancipar
os homens do campo-.. Permitir o direito de manifestações livres aos trabalhadores... Encorajar a economia
livre... Abolir o sistema de controle opressivo da policia... Incentivar a imprensa livre, mas com responsabi-
lldades... Reforma do sistema educacional para ser mais liberal... Descentralizar o poder político... e
outros,"
Este primeiro plano serviu de base para realizar a ocupação durante seis anos e pode-se dizer que isso
foi realizado. Este conceito criado dentro do avião, tinha forte inclinação para acelerar a modernização do
Japão derrotado, em vez de realizar o plano de colonização por parte dos Estados Unidos.
Esse plano trouxe um proveito feliz para o Japão. Deixando de lado a comparação com a situação atual
do pais, MacArthur foi um idealista admirável.
O que resultaria se nessa ocasião o plano de ocupação viesse da Rússia ou da China?, - . "Se o Japão
saísse vitorioso na guerra, qual plano de ocupação os generais japoneses adotariam contra os Estados
Unidos, < qual situação resultaria disso?
Parecia haver, infelizmente, uma grande diferença de nível ideológico entre os generais japoneses,
comparando com o principio filosófico dos generais americanos e europeus. Os primeiros, endureceram-se
até se fecharem nos esconderijos do manto do patriotismo, enquanto que os últimos sentiam no próprio
corpo, antes de mais nada, experiências das duas grandes guerras e que a guerra moderna traria tragédias e
tristezas, tanto para o vencido como para o vencedor.
— Chega de guerra! eram gritos de expressões sinceras manifestadas espontaneamente pelas pessoas de
todo o mundo naquela época.
O próprio MacArthur não podia ter sido uma exce-çfio. Ele sabia através do encerramento da Segunda
Guerra Mundial, que esta deixou danos profundos também para os vitoriosos.
Um país vitorioso como o Império Britânico ficou extremamente enfraquecido. O mesmo se deu com a
Rússia, cuja vasta extensão de terra foi devastada de tal modo que a sua restauração pareceu extremamente
difícil. A grande reserva de recursos naturais dos Estados Unidos foi consumido abundantemente a tal ponto
de chegar a preocupar a sua escassez e o esgotamento no futuro.
Os vencidos tiveram o seu fim muito mais trágico. A Alemanha, a Itália e o Japão tombaram à terra
com a rendição incondicional. Assim, tornaram-se como mendicantes que estendem suas mãos à
misericórdia dos outros países. Enfim, todos souberam que não há outra obra mais estúpida do que uma
guerra. E, além disso, viram a explosão da bomba atómica.
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As guerras passadas, por mais violentas que fossem acabaram com mortos e feridos apenas de uma
parcela da população total do pais- A guerra futura possui o poder destrutivo para aniquilar totalmente,
tanto os inimigos como os amigos. Assim perecerá a cultura humana e apenas alguns viverão errantes nas
montanhas ou nas florestas, juntamente com os animais.
A cruel guerra do século XX teve o recurso suficiente para despedir um profissional da guerra como
MacArthur e empregá-lo como um pacifista.
Pelo menos nesta ocasião, ele deve ter meditado profundamente que não há outro caminho senão
eliminar a guerra, para a prosperidade do futuro da humanidade. No meio de matanças da guerra, este
Supremo Comandante das Forças Aliadas, possuía um bom senso, "um? ambição". Era o desejo de
reconstruir este Japão que agora está em suas mãos, em um país modelo de uma nação pacifica e amada por
todos.
Podia-se notar que os dois primeiros anos de sua ocupação, havia um forte colorido de seu idealismo.
Não acrescentou n.os seus cálculos os reflexos das ondas sujeitas às gerações futuras. Se o seu plano trouxe
ou não a felicidade ao povo japonês, vem sendo comprovado, claramente, com o passar dos tempos até
chegar ao dia de hoje.
MacArthur fez a seguinte declaração, após encerrada a cerimónia de Assinatura da Rendição
Incondicional no Couraçado Missouri, no dia 2 de setembro.
— Uma nova era está sobre nós, A vitória em si trouxe consigo uma lição de profundo interesse para a
segurança do nosso futuro e da sobrevivência da civilização. O potencial destrutivo de uma guerra que
acompanha o progresso das descobertas cientificas, chegou de fato, a renovar hoje, o conceito tradicional da
guerra.
— Os homens desde o início vieram procurando a paz. Vários métodos tem sido aventados através dos
tempos, para idealizar um processo internacional que viesse prevenir ou solucionar as disputas entre as
nações. Desde o inicio têm sido descobertos métodos eficazes para solucionar os conflitos de cidadãos
individuais, mas ainda não têm tido sucesso na execução do mecanismo de paz organizada sobre ampla
visão internacional. As alianças militares, o equilíbrio do poder, a liga das nações, todos falharam, deixando
apenas um caminho para uma nova guerra. Mas, agora o poder absoluto da força destrutiva está para matar e
varrer toda a humanidade da superfície da terra. Estamos na última chance. Não teremos outra chance a não
ser que formulemos um sistema internacional de coexistência pacifica. O problema básico é a ideologia e
requer a renovação espiritual 8 o aperfeiçoamento do caráter humano, que deverá sincronizar com o avanço
sem precedentes da ciência, da arte. da literatura, e de todos os progressos materiais e culturais de há dois
mil anos. Se desejarmos salvar o nosso corpo, deverá ser com algo espiritual.
Toda a nação japonesa saiu de encontro com a realidade cruel da derrota, que nunca foi experimentada
na história do Japão. é natural que a nação se encontrou no meio do terror, da confusão e da descrença.
Entretanto. com a declaração e a conduta de MacArthur desapareceram prontamente da mente do povo,
aqueles pensamentos de ódio contra os americanos. Mesmo assim, a derrota foi uma triste realidade. Mas, os
momentos de tranquilidade aumentaram dia a dia no sentimento do povo e pareciam que vinham
reconquistar aquela alegria de viver.
Por outro lado, sem que os percebesse, as pessoas Já haviam perdido aquele costume de observar e
analisar calmamente as coisas com a própria mente. Diante das novas situações que vinham surgindo, já não
sentiam mais senão a curiosidade. Além disso, a maioria da população precisava concentrar todos os seus
esforços na luta contra a fome, na manutenção dos géneros afimen-tfcios, para vencer na sobrevivência do
dia, no meio da vida social totalmente confusa e a situação económica profundamente arrasada.
Jossei Toda, confrontando-se diretamente com esta nova situação, seguia com os seus olhos atentos à
mudança do destino que o Japão estava atravessando nesse momento.
Ele pensou secretamente:
Há no Gosho de Nitiren Daishonin: "Numa das su-tras, diz o Buda: chamando Bonshaku, Nitiguetsu,
Shiten, Ryujin e outros deuses budistas deste e do outro mundo que, na eras de Shoho, Zoho e Mappo, vendo
e ouvindo a penetração de Dairokuten-no-Maô, e de outros demónios no corpo do rei e do seu povo, fazendo
provocar atitudes diabólicas para prejudicar os Meus Discípulos sejam cumpridores ou não dos preceitos
budistas e que deixaram de punir mesmo um instante sequer, certamente enviará Bon shaku e outros deuses
que mandarão punições por ordem dos protetores dos Quatro Cantos do Céu. Se os deuses da terra deixarem
de puni-los, e também fará o mesmo com o Bonshaku (deste mundo). Bonshaku e outros deuses do outro
mundo certamente deverão punir os Bonshaku, Nitiguetsu, Shiten e outros deste mundo (que não punirem a
ação de Dairo-kuten e outros demónios)."
Toda refletiu sobre esta profecia.
Ele entendia perfeitamente este princípio do Budismo segundo o qual, o Buda certamente envia
punições através de Bonten e Taishaku para o país que persegue o Verdadeiro Budismo, protegendo o falso
ou deixando proliferar a heresia budista.
Quem é este homem chamado MacArthur? Vendo--se pelo princípio do Budismo é o homem que
exerce os trabalhos de Bonten, Isso enquadra-se na pessoa de MacArthur.
— É isso mesmo! MacArthur é como Bonten. Disse ele para si mesmo, convictamente.
Sendo assim, ele não pode ser um homem que traz prejuízos para o futuro da raça japonesa,
especialmente para os seguidores do Verdadeiro Budismo. Deve ser uma pessoa que deverá trazer algo
42
proveitoso. Assim ele afirmou a sua convicção, fazendo refletir esse homem no espelho do Budismo que é o
epítome das leis do grande universo.
Pode-se dizer que já nessa éposa, Toda compreen' dia a essência básica da personalidade de MacArthur.
Desde então, após seis anos, surgiram resultados bons e maus com a ocupação. Mas, ele deixou muitos
resultados bons a tal ponto de afirmar que teve sucesso sem precedentes na história. Isto pode ser provado
comparando com os resultados da ocupação da Coreia dividida em Norte e Sul. Além disso, chama a atenção
o fato de que somente o Japão teve sucesso no plano de ocupação americana, comparando com o dos outros
países que geralmente não tiveram o êxito desejado.
Nesse dia, MacArthur foi em direçào a Yokohama, procedente de Atsugui. Para sua surpresa, os
soldado? japoneses permaneceram em pé, formando uma longa fila e cada margem da estrada de 24 km com
as suas costas voltadas para o General. Era uma atitude extraordinária cuja posição era tomada para defender
o Imperador. Agora, com a mesma atitude, vem proteger o Supremo Comandante estrangeiro. Foram
convocadas duas divisões com 30.000 soldados completamente armados. Tal panorama enigmático deve ter
reftetido estranhamente aos comandantes americanos.
O nosso Bonten, General MacArthur, dentro do automóvel providenciado pelo Governo Japonês, um
Lincoln Super-Luxo antigo, cujo ano de fabricação era difícil de distinguir, observava imponentemente,
deixando parecer a invencibilidade no seu sorriso.
Noventa e cinco por cento da área da cidade de Yokohama estava arrasada em cinzas.
Três mil estudantes da Prefeitura de Kanagawa foram convocados para fazer limpeza nos arredores do
Novo Grande Hotel, perto do Parque da Praia Yama-shita e da Alfândega de Yokohama, que haviam sido
escolhidas para instalar a sede do Comando Geral.
Que espécies de pensamentos, sonhos e aspirações esses jovens estudantes inocentes guardaram em
seus corações durante esses trabalhos de limpeza? Agora, eles são homens maduros e cada um deles tem
suas ati-vidades vanguardeiras na sociedade. Não há coisa mais rapidamente mutável do que a
transformação da época e da circunvolução da vida humana!
Seja o que for, o primeiro dia da Ocupação Americana terminou em paz sem acidentes. No mesmo dia,
numerosos navios de guerra foram vistos navegando sobre o horizonte da Baia de Sagami e, logo após, as
frotas aliadas fizeram descer suas âncoras na Baia de Tóquio. '
Jossei Toda, logo tomou conhecimento desses fatos através do rádio e do jornal. Ele percebeu,
intuitivamente, que estariam surgindo rápidas mudanças no aspecto social,, resultante da violenta
transformação da época. Chegaram aos seus ouvidos que os soldados americanos e seus funcionários
militares já apareciam nas esquinas das ruas de Tóquio no dia seguinte. Pela necessidade da língua, não
poderia deixar de pensar sobre o retorno da era da língua inglesa.
Toda perguntou às moças que estavam trabalhando no seu escritório;
— Afinal, chegará dentro em breve, multidões d' soldados americanos. O que vocês pensam a respeito
disso?
Elas demonstraram as expressões de uma espécie de tristeza estranha como se fossem atingidas por
assuntos que não desejavam que fossem tocados. Em seguida permaneceram em silêncio, olhando Toda.
— O que vocês farão quando eles perguntarem o caminho? disse Toda, calmamente, fumando o seu ci-
garro. Com essa pergunta e com o alivio, elas relaxaram aquela fisionomia. A moça mais nova respondeu,
gesticulando:
— Ensinarei indicando assim. Todos caíram em altos risos.
— Não deixa de ser uma linguagem comum internacional. Realmente é muito conveniente. Farei tam-
bém o mesmo-
0 veterano Okumura entrou também no assunto.
— Assim, Tóquio inteiro estará repleto de multidões de mudos- Os soldados americanos poderão pen-
sar que todos os Japoneses são mudos. Irào julgar que O povo de Tóquio perdeu a língua e só sabem ouvir.
Em tom meio pilhérico, Toda prosseguiu a sua conversação:
— Vocês gostariam de estudar inglês, se houvesse alguém disposto a ensinar?
— Certamente' Nós queremos.
— é natural que todos nós desejaríamos aprender. Todas elas afirmaram unanimemente. A seguir, disse
um jovem auxiliar de escritório, com entusiasmo:
— Estou plenamente de acordo. Então Okumura começou a falar novamente com a sua fisionomia
séria:
— é isso mesmo. Que tat publicarmos imediatamente um livro sobre conversação em Inglês.
— Sim, estamos de acordo. Sem dúvida acertará em cheio com publicações e mais publicações com su-
cesso.
Assim, todos os homens do escritório aprovaram, entusiasticamente, com as mesmas respostas.
— Não é mau este plano, porém as editoras, mesmo as piores já devem ter-se lembrado da mesma ideia,
respondeu Toda, calmamente, acendendo um novo cigarro.
Na verdade, textos sobre conversações em inglês em apenas urna folha de papel, no meio das aglomera -
ções de intensos movimentos, como nas estações de Tóquio, Shinjuku e Ueno. Mais rapidamente que isso já
haviam sido instaladas algumas escolas para Curso de Conversação em Inglês, no dia seguinte após a rendi-
43
ção. Além disso, não foi uma novidade espantosa, a inundação de livros nas ruas que tratavam dos mês
assuntos.
— Está para chegar uma época em que nada dem fazer sem se comunicarem com os americanos. as
trocas de ideias e pensamentos não forem corr pendidas, terão que suportar sacrifícios desnecessári Surgirão
tragédias inesperadas. Diante dessas nece;
dades é natural que surgirá uma surpreendente épc da língua inglesa.
— Por isso mesmo, vamos resolver já o lançamei do livro sobre conversação em inglês, náo é? Lê'
avante a iniciativa é a arma do sucesso nos negóci Nós pedimos a decisão do senhor.
Os jovens empregados ficaram, subitamente, en siasmados e começaram a solicitar persistentemente,
Todos eles estavam ansiosos por não poderem co preender por q"e Toda estava preocupado em coisas t
claramente evidentes.
— Okumura, qual é a sua opinião? perguntou to( voltando os seus olhares para trás.
— Estou plenamente de acordo. O nosso Curso p Correspondência continua com sucesso, temos reser
suficiente para publicar o texto e o papel para imprin e poderemos obtê-lo mesmo que seja mais caro ou coi
prando à vista ou expondo o nosso dinheiro. Penso q é uma ótima chance. Okumura expressou solenemen-
como um tesoureiro responsável.
— Todos estão de acordo e apenas eu sou do co Ira? Toda disse rindo e continuou-
— Agora é tarde. Todas as editoras chegaram essa ideia, passando por tudo isso. Muitos. . abaram
( planejar e dentre elas, algumas empresas já devem est imprimindo os textos. Afinal, isso resultará uma co
corrència intensa. Os interessados não irão compr dois ou mais livros semelhantes. Seria tolice publicar
posteriormente um livro idêntico.
— Mas, será assim? Sinto muita pena em abandonar este plano.
Os empregados jovens pareciam estar inconformados.
— Por isso mesmo, é necessário pensar um passo mais à frente,
Os olhos de Toda brilharam dentro de seus óculos nesse instante.
— Daqui para frente, certamente aumentarão as pessoas que desejarão dedicar mais firmemente no
estudo seguro de inglês. Por isso mesmo seria preferível um texto bem comprensívet, claro e acessível a
todos aqueles que desejarem aprender. Haverá necessidade de bons livros em forma de texto que ajudem a
ler, conversar e escrever. Algumas livrarias devem estar iniciando o seu planejamento. Para isso, é
necessário, de inicio, formar uma equipe de competentes. Vamos nos preparar imediatamente, para a criação
do melhor livro desta espécie, adequados para os dias de hoje? Será a lição de inglês para todos por
correspondência.
Seus empregados tiveram muitas dificuldades para compreender este pensamento. A opinião de Toda
parecia um plano de longo alcance, para eles.
Em primero lugar, os referidos professores competentes devem ter-se dispersados para todo o pais.
Seria penoso procurar os mestres da língua inglesa entre as diversas Universidades. Em se referindo sobre
lições de inglês para milhões, a mesma seria tão vaga tanto para os professores como para os leitores, devido
à dificuldade em convergir os interesses a um só objetivo-Se fossem livros cujos assuntos versassem apenas
sobre conversações em inglês, náo seriam difíceis de serem preparados. Sob todos os pontos de vista, tal
publicação parecia ser um projeto de realização ampla e séria.
As dificuldades múltiplas sobre a realização da lição de inglês por correspondência ocuparam toda a
cabeça dos empregados que até pareciam um grande precipício avançando sobre eles.
Observando a todos que permaneciam em silêncio, disse Toda, com sorriso:
— Será que vocês estão sendo dominados pela derrota? Não é verdade? Com essa atitude evasiva, não
poderão atravessar este mundo da derrota de após-guerra.
Ao observar uma por uma a fisionomia de todos os presentes, a sua se transformou numa expressão de
severidade. Continuou em seguida;
— A dificuldade é criada pela própria pessoa e quem a superará é a própria pessoa. O que poderá fazer
um covarde que foge das dificuldades? Não deve haver um covarde sequer neste Shogakkan de Toda. A
responsabilidade inteira está sobre mim. Alguma vez exigi de vocês a responsabilidade de um fracasso nos
negócios? Alguma vez fiz isso, Okumura?
O silêncio dominou completamente o escritório. oe olhares de todos voltaram-se ao chão. Momentos
depois Okurtrura murmurou:
— Nunca houve, senhor. Eu compreendi.
— Não. Não estão compreendendo.
Insatisfeito, ele fechou fortemente os lábios. Err meio a esse ambiente, desapontado, Toda passava os
olhos sobre as páginas da lista telefónica. Virando ume e outras folhas, escreveu o número de dois ou três
telefones e em seguida entregou a um dos empregados pare que telefonasse a esses números.
Eram números telefónicos do Departamento Cultural de uma ou duas Faculdades particulares. Então,
pró-
128
curou saber o endereço dos professores e instrutores de inglês. Foi informado de que uns já haviam sido

44
transferidos para regiões distantes, outros para bairros periféricos, e outros ainda não haviam sido
repatriados.
Apenas com essa simples atitude, os empregados retomaram rapidamente o estado de ânimo. Com a ini-
ciativa da figura central, foram resolvidos os preparativos e planos para o lançamento da Lição de Inglês por
Correspondência.
Toda disse novamente com sorriso:
— Se todos unirem em um só espirito, certamente a obra resultará em êxito. Mesmo que não realizem
tudo que foi planejado, surgirá a abertura de novos caminhos. É o poder, é a recompensa de quem cré no
Budismo de Nitiren Daishonin. Não há o que se preocupar. Vamos trabalhar firmemente.
No dia seguinte, iniciaram-se contatos com os professores.
Não se sabia ainda sobre a reabertura das escolas, mesmo terminada a guerra. Aqueles que aguardavam
sem saber o que fazer, aceitaram simplesmente com duas respostas. Eles mostravam a alegria em suas
fisionomias. pelo fato de poderem recomeçar os seus trabalhos, e cooperaram com boa vontade.
Diante desses fatos, os empregados do escritório sentiram-se envergonhados pelas suas atitudes
pessimistas. A vitalidade aumentou mais uma vez dentro do escritório. A renda total do Curso de
Matemática e Física por Correspondência foram levados a efeito em poucos dias, chegando a tal ponto de ter
o seu anúncio no Jornal Asahi do dia 25 de setembro.
Isso ocorreu exatamente 40 dias após o término da guerra.
O país inteiro estava mergulhado num caos pro-
129
fundo. As ruas estavam repletas de jovens rapazes com
aspecto de recém-desmobilizados. O povo, em sua maioria corria como louco à procura de algo para
alimentar--se para fugir da morte pela fome.
Durante esse período, Toda pôs-se a solidificar cada vez mais a base da construção de sua obra,
observando sempre com os olhos atentos para o futuro remoto do seu país.
O plano de desmobilização do Gen. MacArthur estava sendo aplicado rapidamente. A desmobilização
de 4 milhões de soldados no Japão, não incluindo aqueles enviados ao exterior, encerrou apenas em dois
meses. Surpreendentemente, a ocupação obteve ê\ito sem derramamento de sangue.
Um certo escritor escreveu recentemente um diário relatando a respeito daquela época. Num dos pará-
grafos lê-se o seguinte:
"... Vamos parar de humilhar o Japão e o seu povo e regojizar-nos com a inferioridade dos mesmos.
Embora se diga que o país foi derrotado, nós, como japoneses, manteremos os nossos orgulhos. Mesmo que
o Japão se torne uma nação colonial, nós mesmos deixaremos de tomar as atitudes de habitantes de uma
colónia. . . Diz ainda: Durante a guerra difundiram afirmações de que era necessário odiar os americanos; eu
odiei a leviandade dessa afirmação. Atualmente muitos estão denunciando um desprezo ao próprio Japão e
eu odeio as opiniões repugnantes dessa natureza."
Agora, estamos recebendo tempestades de criticas extremamente sensacionalistas e irresponsáveis. Sem
sermos perturbados por estas críticas cegas e levianas, devemos construir corajosamente a época, baseados
nos princípios da própria fé e da justiça. Apesar disso, ainda virá o tempo em que, seguramente, as mais
diversas pessoas unir-se-ão para apoiar-nos.
No dia 17 de agosto foi estabelecido o Gabinete de
130
Higashikuni. O mesmo apresentou um ridículo lema de "Arrependimento de cem milhões (de
japoneses)". Através da máscara dessa propaganda o Gabinete procurava fazer conformar, pela consolação,
o povo |á bastante arruinado. Para que esse arrependimento geral? Os dirigentes que conduziram a Nação à
derrota é que deveriam arrepender-se e confessar suas culpas perante o povo. A nação, em sua maioria,
revoltou-se com indignação. Tal lema que faz perceber um interesse religioso, na verdade, partiu da sugestão
de Toyohiko Kagawa, adepto do Partido Socialista Cristão, que era Conselheiro do Gabinete.
Esse Gabinete convidando um membro da Família Imperial para Primeiro Ministro, talvez quisesse
servir de alguma forma útil para a pacificação e desmilitarização dos soldados em nome do Imperador.
Entretanto, estava sendo completamente negligenciada a aplicação de algum meio para a reconstrução da
vida do povo, extremamente empobrecido. Melhor dizendo, seria ao invés de negligência, a Incompetência
desde o início. Devotava-se apenas à conservação do Sistema Imperial e à ressurreição das velhas estruturas.
Os problemas das sucessivas mortes pela fome e da vida diária das dezenas de milhares de pessoas, fo-
ram deixados completamente no segundo plano.
A Cerimónia de Assinatura da Rendição foi realizada na Baía de Tóquio no dia 2 de setembro. No dia 4
de setembro foi convocada a 88. a Reunião Extraordinária da Dieta onde foi aprovada a resolução por unani-
midade "a Obediência á Ordem Imperial" e assim, iniciou-se o movimento de formação de um novo partido
político.
O Plano de Ocupação de MacArthur estava sendo conduzido em forma de controle indireto, de tal
maneira
131
que todo o Tríplice Poder, Legislativo, Judiciário e Executivo do Japão fosse subordinado ao Comando
45
Supremo das Forças Aliadas. Para dar instruções ao Governo Japonês, o Comando Geral foi mudando seu
plano de ocupação gradativamente, da desmilitarização para a modernização.
Foi uma feliz sorte para o Japão ter evitado o controle direto das Forças de Ocupação. Na verdade,
entretanto, sabe-se que escapou por pouco de perigo iminente. No dia 3 de setembro, os Estados Unidos
estavam programando a publicação do estabelec^ento da Administração Militar para o Japão, tal como
realizado na Alemanha. Não somente um Governo Militar, mas a Justiça também estava programada para se
realizarem as decisões no Tribunaf Militar e ao mesmo tempo já havia preparado um plano que impede a
circulação da moeda nacional para usar a cédula militar.
Com estas informações, o Governo Japonês ficou bastante perturbado. Porém, com os desesperados
esforços de Okazaki, Chefe de Controle das Relações de Ocupação e de Shiguemitsu, Ministro das Relações
Exteriores, na véspera, à noite, o controle direto foi mudado para o controle indireto. É possível que os
Estados Unidos tenham também pensado no sistema de controle ind' reto como medida de contenção
temporária.
Enfim, o Governo de Ocupação transformou-se em Sistema de Comando Superior e debaixo dele foi
colocado o Governo Japonês. Assim foi evitada a confusão resultante de ordem administrativa e a nação
continuo' sob a administração do Governo Japonês. Em virtude ^•sso, o Gabinete Higashikuni evitou o uso
dos termos "Derrota da guerra" substituindo-os por "término da guerra" e a "Força de invasão" por "força de
ocupação".
Entretanto, o Gabinete de Higashikuni já estava com os dias contados para cair.
132
O sistema de controle administrativo do Japão foi anunciado no dia 10 de setembro pelo Quartel
General das Forças Aliadas do General MacArthur. No dia seguinte, foram presos os primeiros 38
criminosos de guerra, inclusive Hideki Tojo. Desde esse dia os criminosos de guerra foram sendo presos
continuamente.
O Comando da Ocupação obedecia um estranho silêncio sobre a possibilidade de se julgar o Imperador
um criminoso de guerra. O Governo Japonês estava muito preocupado com a responsabilidade da guerra na
pessoa do Imperador. Sentindo-se muito inseguro pelas notícias internas e externas, planejou uma entrevista
entre O Imperador e o General MacArthur.
No dia 27 de setembro, o Imperador visitou o General MacArthur no Edifício de Seguros Daiiti,
transformado em Quartel General do Comando.
O General MacArthur recebeu o Imperador na sala de visita, em frente à lareira e ordenou todos a se
retirarem. com exceção de seu intérprete. Ofereceu cigarros e o Imperador aceitou com agradecimento. O
General, ao oferecer fogo para acender o cigarro, não deixou de perceber o leve tremor das mãos do
Imperador. Compreendeu quão profundo fora o sofrimento da contenção da humilhação do Imperador.
r^âo fo" pequena a surpresa do General, quando ouviu de seu intérprete, a seguinte declaração do pró -
prio Imperador:
— Sou inteiramente responsável por todas as decisões e atividades da nação, política e militarmente,
perante a guerra; hoje eu o visitei a fim de ser julgado pêlos países aliados que o senhor representa.
MacArthur estava ciente de que o nome do Imperador estava em primeiro lugar na lista dos criminosos
de guerra enviados pela Rússia e Grã-Bretanha.
Apesar disso, o Imperador não viera ao encontro do
133
General para solicitar clemência fl um de poupar sua vida. A coragem de assumir a responsabilidade
por iniciativa própria, tinha sido discutida pelas autoridades militares. Nesse instante, a surpresa do General
transformou-se em profunda emoção.
Disse, MacArthur, ao despedir-se do Imperador:
— Por favor, venha procurar-nos em tudo que precisar.
Seria necessário preparar um milhão de soldados e oficiais, caso levasse o Imperador à execução.
MacArthur havia compreendido a existência de uma força surpreendente no sentimento tradicional do
povo japonês. Ele havia advertido a tomar precauções n?s declarações e atitudes por parte do Comando de
Washington, que estava inclinado a ceder diante da forte imposição da Inglaterra.
O Governo Japonês aliviou-se por certo tempo, ao saber do resultado do encontro. Entretanto, ficou
horrorizado quando viu a fotografia anunciada nas noticias dos jornais do dia seguinte. O retrato mostrava o
Imperador com pequena estatura ao lado de um corpulento General uniformizado. Não havia outra descrição
melhor do que esse retraio para mostrar a realidade da derrota. O Governo que estava desesperado em
preservar o Imperador, ficou muito temeroso de que isso viesse a afetar a sensibilidade da nação.
Imediatamente proibiu de publicar e vender os impressos que tivessem tal retraio. Por outro lado, o Quartel
General ordenou prontamente o cancelamento da proibição. Assim desmoronou-se a.honra do Governo
Japonês.
O Gabinete Higashikuni, contudo, tendo êxito em conseguir o controle indireto, procurou, sem dizer
por que motivo, pensar em conservar a Divisão da Guarda Imperial com o nome da Polícia da Corte
Imperial. Além disso. procurou preservar a segurança mantendo a Força Poli-
134
46
ciai, introduzindo formalmente ex-oficiais e soldados. Todas essas tentativas porém, foram impedidas
pelas Forças de Ocupação. Assim, desde o dia do caso do retra-to do Imperador, o Governo confinou
embaraçado sem compreender as ordens de "modernização" que eram enviadas umas após outras.
No dia 29 de setembro foi anunciada a morte de um filósofo em uma prisão- Era um pensador liberal
Kiyoshi Miki. Estava preso na Penitenciária de Toyotama, sob a lei da Preservação da Segurança, sob a
acusação de que protegera um amigo comunista. Através da notícia de sua morte agonizante, a nação chegou
a conhecer-a existência de numerosos criminosos ideológicos ainda presos. A sociedade começou a perceber
vagamente que a lei da Preservação da Segurança ainda estava em vigor, mesmo após a destruição do
militarismo.
Os correspondentes estrangeiros entrevistaram o Ministro do Interior Yamazaki. O Ministro respondeu
como se isso fosse um acontecimento natural:
— A Polícia Secreta para o Controle Ideológico ainda continua em ação no presente momento e todos
os comunistas que fazem propaganda contra a Casa Imperial são detidos prontamente. Todo o movimento
político pró -abolição do Sistema imperial foram considerados comunistas e estavam sendo presos sob a Lei
da Preservação da Segurança.
Tais perguntas e respostas que hoje parecem ser muito mais temerosas, estavam sendo realizadas com
naturalidade. Os pormenores dos acontecimentos foram publicados em "Stars and Strip", órgão informativo
das Forças de Ocupação e nos outros jornais estrangeiros.
O Governo Japonês que vinha colaborando inteiramente na desmilitarização, porém uma vez fora dessa
atividade, sonhava com a restauração da velha estrutura. Portanto, lançavam, todos os esforços para a
manutenção
135
do Sistema Direto de Administração pelo Imperador, tsso aconteceu justamente na época em que o
Imperador era alvo da responsabilidade da guerra, segundo a atenção mundial.
O tremendo erro de visão estava sendo cometidr petos máximos representantes inteligentes do Governo.
é impossível deixar de se irritar com tamanha estupidez e falta de qualquer visão dos dirigentes da nação,
que desconhecem completamente a evoïução do tempo.
No dia 4 de outubro, o Quartel General instruiu O Governo Japonês no sentido de abolir todas as restri-
ções contra liberação política, os direitos humanos e a liberdade religiosa. Isto não Íoi, entretanto, ordenado
apenas em favor do povo japonês, mas por causa da opinião mundial estimulada através das reportagens dos
correspondentes estrangeiros- Sendo assim, o Governo foi obri gado a abolir a Lei da Preservação da
Segurança, legalizar o Partido Comunista e libertar os criminosos políticos e ideológicos. Veio, assim, exigir
a demissão do Ministro do Interior e de todos os responsáveis da Polícia Secreta, assim como a extinção dos
Órgãos Especiais da Policia Secreta.
O Gabinete Higashikuni, chamado "Gabinete de Confissão em Massa", renunciou com todos os seus
membros, no dia seguinte, 5 de outubro, por não poder assumir a responsabilidade de executar essa ordem e
de não oder garantir a manutenção da segurança, caso levasse isto a efeito. Com essa atitude completamente
irresponsável, o Gabinete demitiu-se após apenas um curto período de 50 dias.
Tendo como chance essa transformação, iniciou-se a chamada verdadeira renovação de após-guerra.
No dia 9 de outubro surgiu o Gabinete Shinohara. No dia seguinte foi repelida a Lei da Preservação da
Se-
136
gurança. Conseqüentemente, foram libertados 500 criminosos políticos presos nas penitenciárias de
todo o pais.
Para Jossei Toda, esse dia foi o marco da libertação das opressões e da restauração da sua liberdade
completa. Além disso, surgiu mais um fato que o deixou ficar ainda mais contente. Foi a publicação do
memorando do Quartel General do dia 4 que, num de seus artigos ordenou a liberdade da religião.
— A liberdade religiosa cria o campo para os debates em que se decide a eficiência e a supremacia da
respectiva doutrina. O alcance do ideal em prol da paz ou Kossen-rufu seria muito difícil se não agíssemos
debaixo da completa liberdade religiosa.
Agora chegou a hora da sua liberdade. Nunca houve uma época tão livre assim, durante todo o período
de 700 anos, desde o tempo de Nitiren Daishonin.
As religiões, quer do ocidente ou do oriente, indistintamente, chegaram até os dias atuais, sob as
influências dos seus governos, ou recebendo a sua proteção ou então, surportando fortes perseguições.
No caminho do seu escritório, Toda murmurava sozinho, olhando o céu de outono tão limpidamente
belo:
— Amigo Bonten. Como você é eficiente! Ele respirou profundamente o ar puro da manhã. Percebeu
que a sua saúde se recuperava rapidamente, deixando aquela temível subnutrição. Moveu amplamente os
seus braços impulsionados pela sensação de liberdade. A sua própria liberdade comunicava-se diretamente à
liberdade da atividade religiosa para a Paz Mundial (Kossen-rufu). Compreendeu profundamente, que o
resto da sua vida existirá para cumprir esta missão nobre.
A liberdade religiosa, entretanto, nào foi realizada pela força das manifestações expressas, oriundas da
vontade do povo japonês. Ela resultou da imposição declarada pelo comandante militar estrangeiro. Toda
47
lembrou-se
137
novamente do desejo de reafirmar que, na verdade, isso foi o trabalho do Bonten e Taishaku, deuses
budistas.
O poder do governo, a partir desse dia, perdeu com-pletamente as suas forças para contrariar as
atividades de Toda. Os passos de sua caminhada sobre o pavimento, no sol radiante de outono, eram tão
leves que pareciam flutuar.
— Enfim, agora sou livre... realmente chegou a época. Mais do que nunca, agora devo realizar o que é
necessário. Assim, o povo infeliz do Japão será seguramente salvo. Digo absolutamente que eu devo salvar.
Toda continuava dizendo consigo mesmo. As palmas das suas mãos fortemente cerradas, sem que o
percebesse, estavam totalmente ensopadas de suor.
Nesse dia, muitos criminosos políticos e ideológicos sentiram as alegrias da libertação. Ninguém mais
do que Toda deve ter sentido tão profundamente estas alegrias.
Foi uma realidade necessária a chegada, embora tardia, dos dias de maior glória para Jossei Toda, que
fez sentir a enorme alegria por ter sido o fervoroso devoto do Hokekyo.
Surpreendentemente. Toda caminhava acariciando a sua barba. Após dois anos de prisão, a sua barba,
ago. rã. depois de dois meses após a libertação, parecia estar restaurada ao estado anterior à prisão. Sentiu,
fortemente, na sua pele que aqueles sofrimentos de dois anos desapareceram completamente como coisas do
passado.
— Está bem assim por enquanto, disse ele murmurando, e a seguir respirou profundamente. Voltando,
entretanto, a sua atenção ao sentimento do povo que luta desesperadamente com grandes preocupações, ele
também começou a ficar impaciente, levado pelo sentimento de cumprimento da sua missão.
Os lideres do Governo Japonês foram muito incompetentes em face à situação das mais perigosas,
desde o
138
inicio da história. Os próprios lideres estavam mais aflitos do que o próprio povo. Teriam surgido, na
certa, revoluções em várias partes do pais, se não estivessem aqui, as forças de Ocupação.
Agora, o povo já não tinha contra o que protestar. — Não adiantava protestar contra o governo
incompetente que não podia oferecer um saco de arroz sequer. Contrariar a Força de Ocupação resultaria no
reinicio de uma nova guerra que há pouco tempo cessara. Para o povo não havia outro meio senão suportar,
sofrivelmente esse desposto inconsolável na sua vida diária.
Jossei Toda sabia da existência dessa corrente de profunda escuridão fluindo nos corações de 80
milhões de habitantes.
Os desesperos e desapontamentos que se sentem em ocasião excepcionais, tornaram-se completamente
habituais na vida diária. Vendo, ouvindo e sentindo estas situações miseráveis, em sua mente perspícua a
justiça sentia-se já ferido, sem que ninguém a percebesse.
Contemplando os semblantes dos pedestres, ele foi sensibilizado pela vontade em chamar as pessoas.
— Um momento, por favor... os senhores não têm culpa nenhuma. . . tudo isso nada mais é senão a
consequência dos tóxicos das ideologias e das religiões falsas que foram se amontoando com o tempo.
Mesmo que se diga isso agora, os senhores não poderão entender. Infelizmente não conseguirão
compreender.
Quase foi de encontro com um jovem pedestre. Uma senhora passou ao seu lado empurrando o ventre
de Toda com seu volumoso embrulho nas costas. Ele caminhava lentamente, perdido na mais profunda
meditação.
— Isto é o mais temível resultado de toda heresia de um país — ofender o Buda Verdadeiro. Há 700
anos, Nitiren Daishonin disse isso claramente. Entretanto nin-
139
guém acreditou. Agora, finalmente, chegou a época da necessidade para se conduzir à verdadeira fé.
Dizia consigo, como se estivesse conversando com outras pessoas e continuou;
— ... é isso mesmo. Ouçam. Certamente eu sei. Estou decidido a viver daqui em diante, mesmo supor-
tando as sérias dificuldades, para que os senhores possam compreender um dia, definitivamente, esta
verdade. Estejam tranquilos. O que devemos fazer de imediato? A situação está completamente perdida, mas
o amigo Bonten está providenciando as medidas de emergência, pois essa é a sua função...
O MacArthur que se revelou como Bonten na mente de Toda, parecia ser completamente anti-social na
opinião pública.
Ete recusava as visitas, salvo algumas exceções. Nem havia telefone na sua sala, segundo informações.
Entretanto, cartas endereçadas a ele, abria com suas próprias mãos. não permitindo que ninguém abrisse.
Portanto, a única maneira de comunicar com ele, não podia ser de outra maneira senão, exclusivamente, por
meio de uma carta.
Durante os seis anos de permanência, desde a sua chegada em agosto de 1945 até abril de 1951, quando
ele foi removido do cargo de Supremo Comandante, por causa da sua oposição ao Governo de Washington,
discordando sobre a guerra da Coreia, nunca ele deixou o Japão. Não somente isso, ele é conhecido como o
autor de importante missão na Ásia imposta pelo próprio destino; não visitou seu país, nem uma vez sequer,
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durante 15 anos, desde maio de 1937 após a viagem de Filipinas aos Estados Unidos para realizar o seu
casamento.
Este homem excêntrico trabalhava sozinho dentro de uma solidão misteriosa. Durante a sua estadia, não
deixou o Japão. Raramente saiu de Tóquio. Mesmo em Tóquio,
140
era raro desviar da reta que liga a Embaixada Americana que serviu de sua residência, ao Edifício de
Seguros Dai-iti em frenie ao fosso do Palácio Imperial, que serviu de seu escritório.
Este General, tão estranho apesar de americano, parecia não gostar de encontrar com as pessoas. Para
ele não havia oportunidade para as estâncias de calor ou de frio e nem ambientes para os contatos sociais o i
momentos de diversão. Durante os seis anos de sua p. nna-nência no Japão, dentre aqueles que conseguiram
falar pessoalmente, sabe-se que, dos japoneses foram apenas um pouco mais de 10 pessoas. Enfim, nem
mesmo o Palácio Imperial ele se deixou visitar.
A publicação do livro "O Mistério de MacArthur" deve ter surgido pela curiosidade mcomum em tomo
da sua -vida e da sua personalidade.
Para Jossei Toda, não havia oportunidade, nem mesmo por acaso, de encontrar com MacArthur.
Naquele tempo ele não deve ter ouvido nem sequer o nome de Jossei Toda.
Entretanto, na imagem de Douglas MacArthur que se revelava na mente de Toda, havia uma estranha
sensação de atração simpática. Isso deve ser uma imagem histórica vista petos princípios do Budismo. No
entanto, ninguém percebeu isso, a não ser Toda.
O Japão foi ocupado. Não há coisa pior do que essa tragédia. Existem circunstâncias em que a vida
humana é dominada completamente pelo estado de Ira ou de Animalidade. Há ocasião em que a sociedade
ou a nação é dominada por uma ideologia diabólica. Em ambas as ocasiões, não há outros casos mais
infelizes do que esses.
No Budismo não existem fenómenos sem significado. Julgando-se pela luz do princípio de "o
surgimento de grandes males anunciam a chegada dos grandes benefícios", o futuro em que o Japão se
transformará no Mundo
141
do Buda, não deverá estar tão remoto assim. Isto pode ser chamado de Hendoku lyaku (mudar veneno
em remédio, miséria em felicidade) para um pais que protege ó Verdadeiro Budismo.
142

Levantando Sozinho
As Forças Americanas de Ocupação estranharam o não surgimento de nenhuma resistência por parte do
povo japonês no tocante à aplicação dos seus primeiros planos de administração ücupacional-- - aquela
violenta e honrosa morte nas ilhas do Pacifico, a tenaz resistência nas Filipinas e Okinawa, o indescritível
ataque de morte das unidades suicidas Kamikaze-Tokotai. Onde foi aquela forte e inesgotável energia? Não
se podia compreender esta atitude política do povo japonês.
Estavam cientes de que encontrariam resistência muito sérias na aplicação dos planos de ocupação, con-
forme a sua expectativa habitual. Entretanto, não encontraram nenhuma resistência. O que estaria
acontecendo então? Perceberam que o povo estava sem coragem, pobre e obediente e portanto não haveria
necessidade de preparar uma força militar de Governo em larga escala.
As Forças Americanas foram adquirindo uma espécie de auto-confiança. Tornaram-se cada vez mais
arrojadas. De outubro a dezembro de 1945, em apenas dois meses, lançaram, uns após outros, como
sucessivos lances de flechas, os seus planos básicos de ocupação.
No dia 11 de outubro, o Quartel General do novo Primeiro Ministro Shidehara, a promulgação dos
cinco programas: direito político à mulher, incentivo à união trabalhista, liberalização da educação escolar,
abolição do
143

sistema de governo despótico e a modernização da estrutura económica.


Em seguida, ordenou ao Governo Japonês, começando com a dissolução e o congelamento dos ativos
das grandes empresas, chamados Zaibatsu em 2 de novembro, e depôs o congelamento de bens da Casa
Imperial, suspensão da indemzaçào de guerra e a taxa de propriedade em 20 de novembro. Além disso, no
dia 9 de dezembro ordenou a reforma agrária, no dia 15, a separação do Xintoismo e do Estado, e no dia 16 a
permissão do sistema de planejamento, bem como a execução e a revisão dos orçamentos nacionais e
enviaram desse modo, sucessivamente. as ordens ao Governo Japonês.
Por outro !ado. as apreensões dos criminosos de guerra tornaram-se mais intensas nesse oeríodo- Em
dezembro. até mesmo o Marecha i Nashimoto-no-Miya fora preso. Koiti Kido e Fumimaro Konoe haviam
sido presos. Além disso, numerosos outros haviam sido interrogados para responder os crimes de
responsabilidade de guerra nos setores políticos, económicos e culturais, atingindo aproximadamente 200
mil pessoas em dois anos.
Essa tão intensa reformulação no pais, em tão curto espaço de tempo, foi um acontecimento raríssimo
49
no mundo. Realmente foi a própria revolução política. Não foi. entretanto, uma revolução política levada
pelas forças ativas da própria nação, mas esta revolução foi totalmente realizada sob as ordens de um líder
estrangeiro.
Poder-se-ia dizer que esta séria realidade da derrota causou, sobretudo, uma facilidade na execução da
reforma.
Em meio à profunda confusão resultante da derrota, o povo não tinha nenhuma folga para sentir estas
transformações no corpo. Portanto, era natural que pudessem oferecer uma resistência digna de oposição.
Estas instruções foram decretadas pelo Governo Japonês como leis,
144
e foram sendo sucessivamente executadas na prática.
Vendo esta realidade, Toda sentia agudamente antes mesmo da fraqueza da nação, a fraqueza do
próprio homem; e que a fraqueza do homem se origina de filosofias e religiões erróneas.
Poderia, por assim dizer, afirmar que a força total da soma das loucuras maldosas que vieram aluando
por muito tempo em todo Japão, apresentou desta forma como um balanço total.
— Assim sendo, penso que o povo Japonês não deve se esquecer da sua convicção e da sua reflexão co-
mo cidadão. Além disso, faço apelo incessante no sentido de que é necessário construir a espinha dorsal da
própria nação.
No meio das repercussões das violentas transformações da sociedade, Jossei Toda permanecia
tranquilo.
O negócio que ele iniciara, prosperava dia a dia. Em fins de setembro foi informado de que havia uma
casa à venda situada numa das quadras de Nishikanda, que escapara do incêndio dos bombardeios,
[mediatamente foi examiná-la e decidiu comprá-la na hora. Após um mês e meio desde o início do seu
negócio, conseguiu chegar a essa situação.
Em meados de outubro os negócios já haviam sido transferidos para um novo escritório, de três
pavimeTitos, deixando aquele escritório provisório apertado e sem assoalho. Foram um choque para Toda o
fato de ter perdido o seu negócio situado em Meguro, nos dias anteriores à guerra, e da sua escola Jishu-
Gakkan, em Meguro, petos incêndios dos bombardeios. Entretanto, após a sua mudança para Nishikanda,
seus danos anteriores pareciam ser insignificantes.
Kanda é o melhor local para negócios, para a imprensa e editora. Sem dúvida, é o centro dos negócios
de imprensa, de confecções de livros e de outros no setor
145
da emprensa gradua. Percebeu que aproximara a esse centro sem que ètft soubesse antes.
Toda começtíu ,a faiar com os auxiliares de costas voltadas para a janela do primeiro andar;
— O que vocêtí acham do fato de termos conseguido transferir de MõgurQ para este local central? Pode
parecer um mero ac^o. Mas, de maneira alguma foi um simples» acontec;inrór>to sem causa. Vocês
entendem?
Eles estavam rruito eufóricos e emocionados por terem sido transftíriTO para um escritório tão amplo.
— Sinceramente, admiro como conseguimos encontrar um lugar maravilhoso como esse, disse
Okumura, não podendo conter a SUa profunda emoção.
— O fato dtí ïçrmos mudado para um local como este, é a melhor ip^ova de que a nossa empresa
Nihon--Shogakkan teia Sucesso destacável nos círculos das empresas publicitárias, muito mais do que nos
dias anteriores à guerra ctefâ Toda, trazendo ao lado, o cinzeiro que estava sobre a mesa.
O seu novo escritório situava-se apenas 5 ou 6 casas, à direita, da Avenida da Universidade Senshu,
conhecida por seu trânsito congestionado. Era fácil tomar conduções e enfim, era favorável a tudo. Havia um
grande contraste com o escritório provisório de Meguro de janelas voltadas à rua onde corriam Os bondes.
Os empregados habituados ao barulho doii tiohdes nos ouvidos pareciam estar até desapontados com tanto
silêncio.
— Realrftehtfi fi um beneficio divino, disse Okurnu-ra, retirando de dentro de sua pasta o embrulho de
jornaf no qual continha Batatas cozidas, preparadas para o
almoço. ;
— Batatas, hoje, também? Não se pode dizer que
batatas sejam bántôficios divinos tão meritosos,.. Todos riram Juntos com as palavras de Toda.
— Esta casa foi merecida como benefício do
146
Gohonzon. A nossa empresa que começamos de mão vazias e de braços .livres, em menos de dois
meses trouxe-nos até lâquí, Ninguém poderá compreender isso. Não foi apenas o fruto do esforço. Esta casa
é também um presente oferecido pelo Gohonzon. é impossível imaginar o quão importante papel a nossa
casa vai desempenhar daqui para a frente. Vamos todos utilizá-la cuidadosamente, mantendo-a sempre
limpa?
— Sim, senhor. — responderam todos apesar de entenderem apenas superficialmente o significado das
palavras de Toda.
Todo o Japão vivia na agonia. Dia após dia vivia numa tenebrosa escuridão. Poucas pessoas possuíam

50
um ambiente de trabalho, onde pudessem executar a tarefa tranquilamente. Eles estavam até sentidos por
haverem merecido tanta sorte naquela época, de trabalhar num ambiente tão tranquilo e sem terem a
necessidade de se preocuparem com as dificuldades da vida diária.
Toda apreciava sentado o novo escritório, fazendo correr o seu pensamento para o futuro, imaginando
grandes vistas panorâmicas. Não se referia apenas ao seu negócio. É desnecessário dizer que era sobre a
reconstrução da Soka-Gakkai. Mas a amplitude da Sociedade assim chamada Soka-Gakkai imaginada agora
na mente de Toda era completamente diferente da Soka-Kyoiku-Gakkai, Sociedade Criadora de Valor no
Ensino, que teve o sfâu apogeu em 1940 a 1941,
Toda imaginava a criação de um projeto novo com sistemas amplos, adequados para a época.
Antes de mais nada, decidiu mudar o nome de Soka--Kyoiku-Gakkai para Soka-Gakkai. A razão disso é
porque ele estava resolvido de que o objetivo e a atividade da Sociedade não poderia limitar-se apenas ao
mundo educacional. mas deveria abranger o mundo da cultura, da economia, da política, de todas as
camadas e classes
147

sociais com bases no Budismo das Três Grandes Leis Secretas de Nitiren Daishonin, para dar toda a
esperança e energia a todos a fim de que eles possam aceitar e propagar esta grande filosofia eterna e
permanente. Para isso, era necessário, logicamente, adquirir aquele prédio que se situava no centro de
Tóquio.
Toda observou atentamente os três quartos do primeiro andar assoalhados com tatami. Os três quartos
tinham dimensões respectivamente de oito, quatro e meio e três tatamis.
Era seu castelo de trabalho no período de dia, mas à noite deveria comparecer ali à procura do Ensino
Su-piemo, numerosos missionários da paz (Jiyú-no-Bossa-tsu) que iriam trabalhar nas primeiras fileiras do
Kossen--Rufu. As paredes esfumaçadas, as colunas impregnadas de impressões digitais, os assoalhos
desgastados, deveriam ouvir um dia, certamente o vagido para a Paz Mundial.
Sem que ninguém o soubesse, os seus olhos estavam repletos de lágrimas.
A famosa instituição Shoka Sonjuku, na era Meiji, construída por Yoshida-Shoin tinha salas com oito,
quatro e meio e três tatamis. Dizem que foi ampliado para mais três. Os jovens que receberam as lições de
Yoshida-Shoin, líder daquela época, com bases ideológicas em "Jukyô", a doutrina moralista chinesa
baseada nos ensinamentos de Confúcio, tiveram grandes êxitos. Inicialmente Kus-saka-Guenzui,
Takassugui-Shinsaku, Itô-Hirobuni e outros, todos eles deixaram os seus nomes na história com a realização
da grandiosa obra da restauração de Meiji.
Ele estava fortemente convicto.
Numerosos jovens instruídos pela grande ideologia de Obutsu-Myogo* poderão emergir para a
revolução hu-
Obutsu-Mycgo* Uma boa política apoiada no verdadeiro Budismo.
148
mana.. . Ele visualizava nn seu espirito, uma diversidade de cenas que poderia resultar desta
eventuaiidade-
A estrutura social criada pêlos lideres do Idealismo Confuciano desde a era de Meiji, hoje está
completamente desmoronada. Além disso, seus sustentáculos espirituais provaram também que as suas
forças foram completamente perdidas.
Chegou a época em que uma nova juventude deverá se levantar com uma nova e grandiosa ideologia.
Ele estava apaixonadamente à espera da nova geração. Esse desejo o levou a mais forte decisão porque
aqueles homens maduros em que ele confiava, cairam todos no estado de abandono (Taiten). Compreendeu
através dessa dura experiência, que eles eram portadores de egoísmo e que não poderiam ser merecedores de
sua confiança.
As pessoas que ora se empregavam no seu escritório não podiam chegar a imaginar esta decisão
profunda e -o seu plano para o futuro. Somente como bons empregados seguiam o patrão e dedicavam-se
seriamente no rendimento do serviço.
Toda chamou seus empregados que estavam diante das mesas de trabalho.
— Atenção! Daqui para a frente a iuta vai ser espantosa. Não será como aquela brincadeira de crianças
que viemos tendo até agora. Decidam, todos, enfrentar firmemente, e mãos à obra! Para isso, ninguém
deverá esmorecer nos seus respectivos estudos e pesquisas. Vamos dispender todos os nossos esforços e
chegar até onde pudermos crescer. Está bem?
— Sim, senhor. — uma resposta sadia ecoou no teto esfumaçado. Uns permaneciam contemplativos
com seus olhares brilhantes. Outros mantinham os lábios cerrados fortemente, fazendo tremular os músculos
das maçãs do rosto. As palavras de Toda penetraram agudamente no coração de todos.
149

Sua decisão fora do comum transformou-se naturalmente em orientação no setor de trabalho e ao


mesmo tempo deve ter repercutido de maneira completamente diferente no sentimento dos seus auxiliares.
Passados alguns dias, não se via mais aquele clima frenético de afobação e de insegurança que havia no
51
escritório de Meguro e transformou-se, rapidamente, num ambiente seguro e radiante.
Foram aumentando diariamente as visitas para Toda, após a mudança do seu escritório para Nishikanda.
Sem dúvida aumentaram as visitas relacionadas com os seus negócios. Interessante é que. aqueles membros
pertencentes à Soka-Kyoiku-Gakkai, cuja organização tora destruída peia guerra, foram mostrando
esporadicamente suas presenças. Não eram membros dos que mantinham silêncio nos campos onde se
retiraram à procura de abrigo contra os bombardeios- Eram pessoas que permaneceram em Tóquio, durante
todo o período de guerra e que vieram suportando, miseravelmente, os bombardeios e a escassez de víveres,
até à cessação do fogo. Eram pessoas que viviam os seus dias dentro da incerteza e do desespero nunca
experimentado anteriormente.
A população de Tóquio no final da guerra havia caído para 2.400.000 pessoas. Eles eram alguns
membros da Gakkai no meio de todos esses habitantes,
Eram pessoas que haviam recebido, pessoalmente, as orientações afetuosas do Presidente Tsunessaburo
Makiguti. Excepcionalmente, entretanto, havia no meio deles, alguém que tivesse conversado pessoalmente
com Toda e a maioria apenas teve breves contatos formais. cies souberam do falecimento do Presidente
Makiguti através de informações de outros. Dentro do desânimo, ainda procuravam a existência da Gakkai.
Por depositarem tamanha confiança no Presidente Makiguti é que estavam procurando do fundo do
coração,
150
um novo líder que tivesse qualidades para estar no seu lugar.
Ao receberem as noticias trazidas pelo vento de que o Diretor Geral Jossei Toda estava vivo e
estabelecido em Tóquio, sentiram uma vontade irresistível de procurá--lo. Muitos tentaram procurá-lo de
todas as maneiras possíveis, apenas lembrando a fisionomia e a aparência dele e com muito custo
conseguiam chegar à porta do seu escritório de Nishi-Kanda.
— O senhor Toda está? perguntou alguém com hesitação, dirigindo-se à recepção instalada ao pé da
escadaria. Era um homem com aspecto de um ex-soldado com seu uniforme esfarrapado ou uma senhora que
parecia ser viúva de guerra com a calça gaúcha, segurando a mão de uma criança.
— Por favor, como se chama? Perguntou a jovem recepcionista.
— Meu nome é Tagami. Infelizmente, ele poderá não se lembrar de mim. Mas, saberá quando nos
encontrarmos.
— Peço o favor de informar a ele que eu fui antes um membro da Gakkai. Lembro-me perfeitamente da
fisionomia dele.
— Qual é o assunto?
— Bem, é um assunto sem importância, mas, de qualquer maneira tive vontade de encontrá-lo mais
uma vez ..
— Por favor, espere um momento.
Frequentemente ele chamava para cima estas pessoas e entrevistava no intervalo de tempo de serviço do
seu negócio bastante atarefado.
Ficou surpreso ao encontrar e ouvir aquele "assunto sem importância" que era uma confissão de alguém
que guardava no peito, as profundas tristezas e as aflições imensuráveis. Esgotados todos os recursos e
tentativas
151
e não tendo mais o que fazer, eles vinham à procura de uma orientação restauradora.
— É um caso muito sério. - .
Periodicamente Toda não podia deixar de transparecer um profundo lamento na sua respiração. Em
seguida. observava tristemente a face da pessoa que contava o seu caso com lágrimas nos olhos.
Especialmente, aqueles que haviam perdido ou queimado o Gohonzon (Obje-to de Adoração) durante os
incêndios da guerra saíram numa situação tão miserável que parecia não ter mais solução. Parecia mostrar
novamente o quanto é rigorosa a realidade da relação de causa e efeito. Isso vem mostrar claramente a
punição divina.
Se tais fatos ocorressem nas vésperas da guerra, deveria fazer perceber rigorosamente que isso é uma
punição divina do Gohonzon, de conformidade com a orientação da época. Agora, esses visitantes se
apresentavam tão miseravelmente a ponto de evitar que o drama se tornasse mais doloroso. Por outro lado,
eles devem ter sentido vagamente as suas próprias punições.
Toda tinha que engolir a Teoria da Punição Divina que chegava até à ponta de sua língua. Ao invés
disso, orientava minuciosamente com sorriso na face. Inicialmente ensinava a força imensurável do Dai-
Gohonzon. Encorajava o visitante, expondo frontaimente a Teoria do Merecimento Divino, de maneira a
mostrar que o verdadeiro beneficio divino chega para aqueles que sempre persistem na fé no Gohonzon e
então o recebem em forma de grande beneficio chamado Myoyaku.
Sua orientação estava sempre repleta de convicção. Possuía a força de transformar uma vida de
penitências em benefício divino. A face das pessoas que ouviam, ficavam cada vez mais coradas aos olhos
de todos. Parecia soar o sino da esperança no coração deserto daquelas pessoas.
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— Isso mesmo! Existe no Gohonzon, uma força divina que transforma veneno em remédio. Não há
52
com que se preocupar. Devemos manter a pura fé- .
— Absolutamente não há dúvidas nos ensinos de Ni-tiren Daishonin. Diante de grandes dificuldades
Ele disse assim:
— Eu e meus discípulos, não havendo momento de dúvidas, apesar dos fortes obstáculos, poderemos,
naturalmente, chegar ao Estado de Buda.
Mesmo que se encontre com as piores das dificuldades não se deve duvidar do Gohonzon. Se continuar
mantendo sua fé sem nenhuma dúvida, naturalmente chegará ao Estado de Buda. Ele diz que conseguirá ter
uma vida de felicidade absoluta. Agora, todos parecem estar em situações difíceis, mas o importante é não
duvidar e continuar atuando com a genuína fé no Gohonzon. Somente assim poderá decidir a vitória ou a
derrota de uma existência, pelo merecimento do benefício ou prejuízo na sua vida. Agora, daqui para frente,
poderá prosseguir pacientemente, não é?
Diante das palavras de Toda, uns choravam, outros meditavam profundamente e em seguida
concordavam com sorriso espontâneo. Respondiam sincera e corajosamente: — Sim senhor, praticarei
firmemente! fitando com os olhos brilhantes para em seguida despedirem-se com semblantes satisfeitos
como se estivessem saindo de um banho quente.
— Toda vez que tiver dificuldades, venha aqui. óizia ele por trás das pessoas que iam se despedindo.
— Sim, senhor. Muito obrigado. Cumprimentavam delicadamente, voltando de novo as suas faces em
direção a Toda e desciam aquela escadaria,
Visitantes desse tipo foram aumentando com o tempo. Entre eles havia uma turma que comparecia com
mais frequência. Era, antes da guerra, um grupo de economis-
153
tas, dirigentes da sociedade, e que mantinham relações de amizade com Toda, quer na vida pública,
quer na particular.
Eles haviam formado, uma vez, o Clube da Reforma Económica em torno de Toda. Formavam um
grupo de economistas dentro da antiga Sociedade, que na maioria era constituído de educadores. Eles
também haviam sidos levados à prisão, por fazerem parte dos vinte e poucos membros diretores da antiga
Sociedade. Infelizmente eram lideres que preferiram o estada de renúncia à fé nos momentos da prisão.
Dentre eles haviam aqueles que chegaram a devolver o Gohonzon ao templo. Outros foram libertados
da prisão com a condição de aceitar o rompimento das relações com a Sociedade e servir à guerra. Havia
também os que não chegaram a ser presos. Sabendo, entretanto, que as atividades da Gakkai seriam o
caminho para a prisão, foram se afastando dela, temendo que fossem presos algum dia.
Todos eles duvidaram do Budismo de Nitiren Daisho-nin e receberam o fim da guerra com desespero e
depressão nervosa. Isso significa que os diretores que foram os dirigentes máximos da Gakkai, desertaram,
caindo no Estado de Taiten, com exceção de Toda. Pode-se dizer com isso, que o grau de pureza da fé não é
necessariamente correspondente ao cargo que ocupa na Organização.
Esses elementos que formavam a cúpula dos dirigentes desistentes, souberam da libertação de Toda em
3 de julho; entretanto, não mostraram nem mesmo a sua presença até à cessação da guerra- Ao saberem da
queda tío Governo Militar e da vinda de Forças de Ocupação, imediatamente iniciaram a reconstrução de
suas vidas.
Era uma época de anarquia económica. Apesar de correrem a tantos lugares não podiam encontrar um
bom
154
negócio como se o lobo montasse sobre as costas do cavalo. Todos estavam preocupados em como
conseguir viver.
Esse grupo de economistas, diretores da Gakkai. estavam observando com muito interesse, a reconstru-
ção dos negócios de Toda em curto espaço de tempo. Ao entrar em outubro, eles foram os primeiros a
saberem a respeito da rápida mudança para Nishikanda. Entretanto, eles mesmos não haviam preparado uma
base sequer para iniciar os seus negócios. E eram, no entanto, economistas' Levados pela necessidade da
reconstrução da própria vida, começaram a aparecer uns após outros, à procura do escritório de Nishikanda.
Algumas pessoas continuam a seguir um objetivo com sinceridade; há pessoas que agem com a
intenção de tirar algum proveito para somente serem influenciados pelo dever ou pela vantagem e, em outras
vezes, porque recebem o amparo ou a atenção afetuosa. Afinal, uma pessoa que consegue dar toda sua vida à
causa de um grande objetivo, a uma reivindicação ou a uma ideologia, merece realmente ser chamado de
verdadeiro companheiro.
Toda não censurou a traição desses colegas.
Durante sua permanência na prisão, fora informado peto investigador de que os seus colegas foram
renunciando um após outro. Em todas essas condições, teve de suportar seu sofrimento íntimo, como se
fosse obrigado a beber água fervente. A seguir, guardava o seu rancor dobrado no seu coração; entretanto,
vendo os colegas que se apresentavam à sua frente, não podia lembrar daquela ira. Antes disso, não podia
conter o sentimento de compaixão que vinha surgindo.
Havia, em suas atitudes, os reflexos visíveis de suas experiências amargas. Não havia sequer um pouco
do aspecto que pudesse lembrar a coragem e a vigorosi-
155
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dade das vésperas das opressões, quando eles diziam: — é agora o momento de advertir o Governo! —
Eles não puderam esconder em suas aparências, a sensação do medo, apesar de fazerem aparecer um leve
sorriso na fisionomia.
Toda atendeu-os com delicadeza, como se nada tivesse acontecido. Os empregados do escritório, que
conheciam o génio tempestuoso de Toda, observaram pensativamente com estranheza, sempre que esses
economistas vinham à sua procura. Um deles, perdendo a paciência e não podendo mais conter a
curiosidade, perguntou a Toda, após a saída deles-
— Admiro como o senhor tem um bom coração! O senhor não sabe o que eles disseram, e que
preocupações nos causaram, ao invés de ajudar a Empresa, na sua ausência? é uma turma de asquerosos.
Eles são traidores. O senhor não acha?
Toda respondeu com sorriso, dirigindo-se à moça que denunciou veemente:
— Calma! Não fale asim. Experimente viver dentro da prisão ou 'penitenciária por um ou dois meses.
Imagine se for jogada e trancada lá dentro e ser torturada continuamente! é natural que se torne descrente.
Seria um caso surpreendente, se alguém deixasse de trair a própria fé.
Era um sorriso amável.
— Será possível. - .!
Inconformadamente, ela começou a meditar.
— Não poderão compreender isso, a não ser que passem por essa experiência. .. Vamos perdoar. Afinal,
para toda e qualquer pessoa chegará o dia de ser salvo pelo Gohonzon. Que reaja ou obedeça, nada se poderá
fazer. Afinal, todos vão sendo salvos. Esta é a infinita e inesgotável benevolência de Nitiren Daishonin!
Não há, neste mundo, coisa mais temível do que ser
156
julgado pelo Gohonzon. O julgamento de um homem por outro é uma coisa insignificante. é um caso
sério, esta criatura humana. Somente após um julgamento rigoroso é que começa a retomar a sua
consciência. Vamos deixá-los, por ora, O importante é não abandonar o Gohonzon para sempre. Eles
também não poderão se afastar do Gohonzon, Isso é o mais importante para eles, pelo menos no momento.
Pacientemente, Toda procurava fazè-los compreender, como se estivesse persuadindo a si mesmo.
Dos pertencentes ao Clube da Reforma Económica, Yoiti Fujissaki, Naossaku Kitagawa, Kizõ Iwamori
e Yoi-tiro Monda, especialmente estes quatro homens, entravam e saiam constantemente do escritório de
Toda, mesmo com pretextos insignificantes.
O mês de outubro estava chegando ao seu final.
A saúde de Toda recuperava-se progressivamente. Até o sabor do 'sakê' parecia voltar ao gosto anterior,
No grupo dos economistas havia alguns familiarizados com a rota do comércio clandestino das bebidas. Às
vezes encontravam uisque de alta qualidade e levavam para Toda a fim de contentá-lo.
Por volta do dia 25 de outubro, foi permitida a reabertura dos restaurantes, bares e casas de chá. Eles
começaram a frequentar, em grupos, familiares restaurantes de 'Sushi'.*
Toda saboreava o 'sakê', não se importando com a origem. Com o cálice na mão, sua conversação ia
naturalmente avançado para a paz ideal do futuro (Kossen-rufu).
— Não adianta faiar Kossen-rufu e mais Kossen-rufu, teoricamente como papagaios. Até pelo
contrário, o Kos-
Sushi * Risoto enrolado com algas marinhas.
157
sen-rufu irá fugir cada vez mais. Agora, o fato mais importante é quem vai fazer o Kossen-rufu. — de
repente, Toda mostrou-se severo.
Risos e sorrisos já haviam desaparecido das faces dos presentes. Observando um após outro o aspecto
fisionómico deles, Toda continuou a dizer
— A questão está no homem. O problema é 'quem'. Tudo resolve-se por um homem. Justamente isto se
resolve por um ser humano.
O ambiente caiu em silêncio.
Após um certo intervalo, Naossaku Kitagawa, dono de uma tipografia, interrompeu o silêncio:
— Como primeiro passo, acho que devemos reconstruir a Sociedade.
— Mas, quem? — Toda perguntou imediatamente.
— Quem seria?
— Não adianta dizer quem é. Logicamente, não há outra alternativa, senão fazermos entre nós
mesmos... começou a dizer em tom submisso, Kizô Iwamori. dono de uma fábrica de instrumentos óticos.
Era um dos lideres que, por sorte, não havia sido preso.
— Vamos deixar a cargo de Iwamori?... Mas, o caminho do Kossen-rufu, na verdade, é como a subida
num precipício. Não é o caminho que poderia ser visto através do telescópio.
Todos riram ao mesmo tempo, com altas vozes.
— é natural que o Diretor Gera! deva ir na frente. Sr. Toda, o senhor deve 'reconstruir'. — disse
receosamente Yoitiro Honda, aue levara a sua firma de géneros alimentícios à bancarrota. Ele nascera na
terra natal de Toda e era seu amigo desde a escola pnmária-
54
Toda estava levando silenciosamente o cálice aos lábios. Nesse momento, Yoiti Fujissaki, entendido
em assuntos financeiros, disse astuciosamente:
— Após o falecimento do Sr. Makiguti, eu penso que
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não existe outra pessoa indicada, a não ser o Sr. Toda. Se o Sr. Toda entrar em açâo, eu o seguirei para
onde for, apesar da minha falta de competência. Esta decisão eu já tenho de prontidão.
Nesse momento, com a fisionomia amarga, Toda permaneceu em silêncio.
Ele pensou no seu íntimo: — Será que aquela tamanha calamidade do tempo da guerra não deixara ne-
nhuma lição para esses quatro líderes máximos? Ou não passam de um grupo que rapidamente se transforma
em fanfarrões em torno da euforia de uma garrafa de uisque?
Toda retomou a consciência após a bebida. Em seguida, disse em tom murmurante;
— Absolutamente não desejo caminhar pêlos mesmos erros do passado. Não quero de maneira alguma!
— Os tempos mudaram. Mudaram cento e oitenta graus. Como poderão ser repetidos os mesmos erros
do passado?
Kitagawa, o antigo comerciante de Kansai, interrompendo as palavras de Toda, disse;
— Se dissermos que a época mudou, realmente ela mudou. Mas, a questão não é a época, mas sim, a
pessoa. Estou me referindo à pessoa que age com a fé inabalável, dando a própria vida à propagação do
Verdadeiro Budismo.
Ele prosseguiu com a voz rouca, mas, persecutoria-mente:
— ... mas, os inimigos do Budismo não foram já esmagados? Agora, as condições são totalmente dife-
rentes e eu acho que seria fácil de realizar,
Kitagawa sustentou que a transformação da época pode resolver tudo. Suas palavras irresponsáveis,
mas tão sagazes, não tinham nem a ponta de um dedo habilidoso.
Toda respondeu, fitando a face de Kitagawa:
159
— Concordo que o militarismo foi destruído. Entretanto, foram destruídas as milhares e mais dezenas
de milhares de sociedades de religiões heréticas? Vendo-se pêlos princípios, as condições básicas ainda
permanecem como antes. Além disso, as seitas heréticas irão proliferar cada vez mais, aproveitando os
momentos da confusão social. É mais claro do que ver o fogo-
Ele estava prevendo a expansão das seitas ilusórias como capins, amontoando sobre a confusão
espiritual e material de após-guerra.
A crença é livre. O povo desconhece a respeito da legitimidade ou da falsidade de uma doutrina
religiosa. Viveram até hoje, sem aprender o critério de avaliação e sem receber a educação religiosa. Nessa
época de liberdade religiosa, a da guerra de invasão das religiões, ele percebia que era a época que mais
intensamente deveria travar a luta do Chakubuku.
Ele continuou a dizer:
— O problema fundamental é: quem e o que se deve fazer. Se agirmos com os mesmos sistemas
habituais de até então, mesmo que as formas sejam mudadas, cairemos no mesmo fracasso.. .
— Nós devemos, então, começar tudo de novo? perguntou Yoiti Fujissaki, como se estivesse
concordando com a intenção de Toda.
— Não, não é isso. Falar é fácil. Se nós não partirmos com o Idealismo e a decisão completamente
novos, não conseguiremos re-alizar o ideal da Paz Mundial. Será que você não pode entender, Fujissaki?
disse Toda, como se estivesse falando consigo mesmo e em seguida, após a última palavra, permaneceu em
silêncio e imóvel com o cálice na mão.
Todos permaneceram em silêncio.
— Vamos parar por aqui, esta noite.
Toda levantou-se e foi à caixa para pagar a conta.
160
Suas palavras pareciam fazer entender que ele desejava fazer uma pausa naquela noite, sobre a
reconstrução da Gakkai. Por outro lado, parecia entender que desejava dar o encerramento do jantar
amistoso daquela noite.
— Realizou-se afinal o desejo tão esperado e encontrei o 'Sushi'. Certamente o estômago deve estar
surpre" endido! disse Kitagawa a Honda, ao sair para a rua, na frente de todos.
— Foi uma delicia. Quase estava esquecendo o sabor do 'Sushi'.
Conversando com Kitagawa, Monda virou o seu olhar para trás e chamou Iwamori que saíra depois.
— Na próxima ocasião conduzirei a um bom restaurante de 'Tempura' (frituras) recentemente
inaugurado em Shinjuku, onde você mora. Deixarei pronto e avisarei.
Os quatro homens de negócio pareciam estar satisfeitos. Esperavam a saída de Toda, conversando na
rua, formando um círculo. Como fato peculiar da época, o assunto de comidas chamava mais a atenção. Na
verdade, isso era o negócio mais importante para eles no momento.
Toda apareceu com passos leves, trazendo uma caixa de lanche na mão. Em seguida, dirigiu os olhos ao
céu e disse: "Que bela noite de outono!"
55
O céu noturno de Tóquio arruinado, estava misteriosamente límpido. O vento delicado e ténue banhava
a face de Toda. As estrelas cintilantes que tremeluziam no céu, pareciam tão brilhantes como aquelas do céu
noturno do planalto.
Saindo da rua principal, cada um se apressava nos respectivos caminhos da casa. Toda e Kitagawa
foram juntos até à estação de Meguro.
Deixando a estação de Meguro, ele caminhou sozinho em direção à sua casa em Shirogane,
acompanhando
161
a linha do bonde, nas horas avançadas da noite. Por diversas vezes contemplou o céu.
Ele sentia no coração, o peso da sua profunda decepção.
— Que distância grande separava aqueles quatro de mim.. .
Ele não procurou censurar a renúncia deles, em consequência das opressões. Apenas sentia-se triste peta
falta de convicção deles e inalteradas como antes. Compreendeu também que eles não eram amigos dignos
de confiança para falar sobre os assuntos do futuro.
— A época mudara completamente, mas eles não haviam mudado. Aqueles quatro homens vem
aproximando-se familiarmente. Com um pouco de 'sakê', entretanto, tornam-se facilmente eufóricos. Além
disso, não procuram compreender nem um pouco sequer, o meu coração cheio de problemas e sofrimentos...
Ele lamentou profundamente a inexistência de homens dignos entre os seus companheiros.
Toda conduziu os seus passos dentro da sua tristeza. Nesse instante surgiu na sua mente, a nítida ima-
gem de seu saudoso mestre, inesquecível por um instante sequer.
"Mestre..." Quase gritou de tanta aflição- O retraio da imagem do saudoso Mestre com atitude tão
benevolente e com sorrisos tão amáveis, enchia toda a amplitude da sua mente. — Simultaneamente, sentiu
que estava sendo constantemente amparado pelo Mestre que observava pela sua retaguarda.
Com lágrimas afluentes nos olhos, começou recitar a poesia que compusera na prisão:
Meu mestre deixou este mundo cruel Oferecendo sua vida em sacrifício. Como posso eu, na solidão,
Servir o desejo do Buda?
162

Tudo o que me resta agora


Vida, esta pura flor da verdade —
Devo arrancá-la de seu caule
Para dedicar ao meu país e meus amigos?
Ameaça agora a tempestade Escurecendo o céu oriental? Devo eu salvar meus companheiros
Perseguidos pelo mau destino?
Com o poder místico do meu tesouro? Irei salvar, companheiros meus! Quando assim gritou o meu
coração, Meu mestre sorriu em paz.
Ele foi descendo os degraus de pedra perto de sua casa. Parou um momento e novamente contemplou o
céu. As estrelas cintilavam intensamente belas. Reconheceu claramente naquele instante que ele existe
neste recanto deste universo infinito.
Ao tocar na maçaneta da porta da sua casa, a sua mente já estava completamente limpa. De bom humor
passou a caixa de sushi para as mãos de Ikue que viera acolhê-lo.
Os dias iam passando rapidamente.
No dia 18 de novembro, à tarde foi decidida a realização da cerimónia do primeiro ano do falecimento
do Presidente Tsunessaburo Makiguti. O local escolhido foi o Templo da Nitiren Shoshu, em Nakano,
chamado Kan-kiryô (Templo de Grande Alegria, hoje, Shorinji).
Nesse dia, Jossei Toda saiu do seu escritório mais cado. Desceu na estação de Nakano e caminhou
apressadamente para aquele Templo. O outono estava mais profundo.
No caminho, ele recordou:
163
— Uma vez fui à pé por esse caminho, apoiando numa bengala, cambaleando, com dispneia e mais
dispneia. a escorrer suores pela face.
Isso foi no segundo dia, após a libertação da prisão.
Dia 5 de julho de 1945 — nesse dia, ele permanecia em casa no calor no dia; mas, quando o sol
começou a inclinar no horizonte, ele saiu à procura do Reverendo Horigome, no Kankiryô, para se informar
sobre a situação do Templo Supremo, cuja preocupação não se afastava do seu cérebro,
Eram seis horas da tarde e ainda se fazia sentir o calor vaporoso. No ambiente silencioso da área do
Templo, não havia sombra de pessoa. Apenas se ouvia cigarras cantando como que anunciando o mundo
vivente.
Toda, acompanhado por Ikue, com muito custo, chegou afinal ao salão central do Templo. Assim, apre-
sentou-se diante do Gohonzon, ajoelhou-se e recitou Dai-moku reverenciosamente.
Percebendo, talvez, essa voz, os passos silenciosos se aproximavam ao salão principal, proveniente da
sala do Reverendo.
56
— É Sr. Toda mesmo! Surgiu a voz tranquila do Horigome Sonshi que apareceu com traje de yukata.
Aquela voz ressoou saudosamente nos ouvidos de Toda.
— Reverendo...
Com o Juzu nas mãos, dirigiu os olhos em direção a ele e não teve mais palavras para dizer. Sem falar
mais nada, permaneceu diante do Reverendo de mãos postas à frente.
Horigome-Sonshi aproximou-se de Toda, estendeu as mãos emagrecidas e pegou as deste. Isso
aconteceu justamente na frente do Joju-Gohonzon do Templo. Toda segurou as mãos do Reverendo. Em
seguida, este colocou a outra mão sobre as de Toda. Os dois como se
164
estivessem amparando mutuamente, uniram fortemente as
mãos como velhos amigos dos campos de batalha.
Havia tantos assuntos entre ambos, que deveriam ser revelados, mas não puderam formular palavras de
tanta emoção e de tamanha saudade. Aquelas mãos unidas falavam muito mais do que as palavras.
Horigome-Sonshi fora uma figura central do Templo Supremo durante a guerra, que viera lutando na
linha de frente, na defesa da Nitiren Shoshu, contra os seus agressores. Especialmente ele, dedicou-se com
grandes sacrifícios contra todas as perseguições das autoridades do Governo Militar.
Jossei Toda vinha suportando sozinho todas as controvérsias sérias contra a Gakkai por ser ete o seu
sustentáculo. Assim os dois anos de opressões cruéis deixaram-nos completamente afastados. O choque
violento das correntes da época que se poderia dizer terrível e complexa, afastara a ambos, que colaboravam
e chamavam um ao outro. Sobre essa corrente, numerosos desentendimentos e deturpações surgiam e
desapareciam como os troncos de árvores que flutuam e submergem.
Os historiadores do futuro afirmarão a existência destas duas pessoas que lutaram corajosamente contra
a maior perseguição religiosa na era de Showa (1926)...
Uma pessoa é Horigome-Sonshi, do Templo Supremo de Daissekiji, que conseguiu manter a pureza do
Budismo de Nitiren Daishonin e transmitiu ao sucessor sem mancha alguma. Outra pessoa é Jossei Toda, o
seguidor exemplar, bem como o doutrinador e líder da Sociedade Religiosa Nitiren Shoshu.
Enfim, esta grande religião, a maior e sem igual no mundo, que irá no futuro salvar toda a humanidade,
conseguiu atravessar a sua crise mais perigosa desde há setecentos anos, graças aos sacrifícios dedicados por
estas duas pessoas.
165
— Sr. Toda. Eu estava esperando o senhor. O Rev. Horigome, segurando as mãos de Toda, observou
atentamente a face dele por detrás dos óculos,
— Sinto-me imensamente grato. Vendo-o novamente, são e salvo...
Toda também observou a fisionomia do Rev. Horigome, do fundo de seus óculos. A enorme face do
Reverendo, tão próxima dele, agora parecia maior ainda.
— Apesar disso, como ele emagreceu! Ambos tiveram a mesma impressão, ao mesmo tempo.
Entretanto, não mencionavam isso. Somente desejavam consolar-se mutuamente.
Ikue até se esquecera de cumprimentar e inconscientemente estava com o lenço nos olhos, não podendo
mais vê-los.
— Sr. Toda, quando...?
— Na noite de anteontem. -. afinal, fui libertado.
— Sinto muito pêlos seus sacrifícios.
— Pelo contrário, tive uma experiência surpreendente.
Pela primeira vez, aqui, ele riu animadamente.
— é... uma experiência surpreendente? Compreendo... — murmurou o reverendo, sorrindo, persuadido
pelo ânimo de Toda. Em seguida, levantou-se calmamente dizendo:
— Vamos chegar, o ar aqui é mais agradável. Hoje vamos ficar à vontade. A senhora também, chegue
pare cá, por favor.
Ele se dirigiu na frente e convidou-os para a sale de visitas, chamando-os. Era uma biblioteca, onde
havis livros empilhados em estilo oriental.
Em seguida, eles. conversaram sobre vários assun tos. Era como se estivessem enterrando naquele
instan te, tcdo o espaço vazio formado nos dois anos de sepa ração.
166
Toda relatou os seus dias na prisão e mencionou o seu desespero quando soube da morte de
Tsunessaburo Makiguti. Nesse momento, a face do bonzo ficou avermelhada pelo choque emocional.
O Rev. Horigome também começou a relatar sobre a extrema destruição do Templo Supremo. Além
disso, informou a respeito dos acontecimentos vandálicos dos saqueadores, dos hereges, culminando com o
incêndio do Salão de Recepções, em 17 de junho.
Ao saber disso, Toda não sabia o que fazer para conter a sua reação contra tais indignações e deixava
cair sem perceber, lágrimas dos seus olhos.
Toda já havia tirado o paletó e a camisa. O seu corpo extremamente emagrecido estava folgado dentro
de uma camiseta fina. Era muito misterioso perceber de qual fonte originava aquela energia contida nas suas
57
palavras.
O a"opcto do Templo Supremo destruído era o mesmo da Soka-Kyoiku-Gakkai, também destruída.
Agora, esse aspecto refletia-se claramente nos dois.
A guerra ainda não está terminada. — O Verdadeiro Budismo está prestes a ser sepultado. Esse fato
único permanecia somente no fundo da consciência de apenas duas pessoas.
— Pui merecido a praticar um excelente exercício de aperfeiçoamento. Agradeço ao Gohonzon por ter-
me deixado tornar um homem amadurecido. Desta vez não fracassarei. Portanto, peço ao Reverendíssimo
que esteja tranquilo. — relatou Toda espontaneamente a sua firme decisão.
— O fato de que a Nitiren Shoshu suportou as dificuldades sem precedentes, eu pressinto, certamente,
que é o prenúncio de um progresso Jamais visto e ouvido antes, para a nossa religião. Sr. Toda, deixe o
Templo
167
Supremo comigo. Peço ao senhor defende-lo externamente.
As palavras do Rev. Horigome, apesar de serena, continham preces da mais alta firmeza. Toda apresen -
tou-se respeitosamente e disse:
— Enquanto este Toda estiver vivo, prometo defender infalivelmente a paz do Templo Supremo. Por
favor, peço ficar tranquilo. Como faz poucos dias que sai da prisão, os meus negócios aindas não estão
seguros e portanto peço aguardar um pouco.
A unidade sacerdote-seguidor restaurou-se após dois anos. Pede-se dizer que a partir desse dia, desse
momento, o laço da união foi reforçado com uma corrente acérrima. A história da Nitiren Shoshu de após a
guerra prova isso imi lucidamente,
Na sua prece fervorosa, Toda prometeu — certamente farei atingir a Paz Ideal do Kossen-rufu. Em se-
guida, decidiu reconstruir com segurança os seus negócios, de procurar progredir e solidificar firmemente as
suas bases. Quando ele fez Daimoku e se despediu, lá fora estava completamente escuro.
Assim terminou a conferência de apenas duas pessoas, por mais de três horas, que veio assim a anunciar
a alvorada da Nitiren Shoshu.
Desde aquele dia em que andou ardentemente emocionado e convicto pêlos caminhos de volta, passou
apenas um pouco mais de cem dias. Nesse ínterim, os negócios de Toda cresciam progressivamente. Ele
estava sentindo a enorme responsabilidade em herdar a obra do seu honroso mestre no dia 18 para iniciar
nesse dia o primeiro passo da sucessão.
Jossei Toda atravessou de bom humor, o portão de entrada para Kankiryô. Recitou Daimoku no Salão
Principal e dirigiu-se para a sala de visita. Em seguida, cum-
168
primentou o Rev. Horigome e foi se encontrar com as pessoas da família Makiguti que já haviam
chegado.
Ao perceber que os preparativos estavam prontos, todos foram ao Salão Principal.
Estavam reunidas as pessoas da família do Presidente Makiguti, seus parentes e além disso, vinte e pou-
cos dos seus discípulos. A Soka-Kyoiku-Gakai que contava com três mil famílias de membros no passado,
agora, no dia do primeiro ano comemorativo do falecimento de seu presidente, puderam reunfr-se somente
vinte e poucas pessoas. Embora dentre as três mil, havia ainda os membros que não tinham retornado do
campo de batalhas ou dos refúgios dos campos, os participantes não conseguiram ajuntar nem um por cento
de todos
os membros da Sociedade.
Não se poderia realmente compreender este número, considerando que o Presidente Makiguti dedicara
toda a sua vida com tanta amabilidade.
Isto faz-nos refletir o quanto foi difícil a reconstrução da Sociedade, Na verdade, o povo naqueles tem-
pos vivia mergulhado nos sofrimentos além da imaginação, comparando com as condições atuais,
Seja o que for, a maioria dos três mil membros da Gakkai abandonaram, caindo no estado de 'taiten'.
Este número demonstra mais do que qualquer outra prova.
Grande número de pessoas que se reuniram no Salão Central do Kankiryô, encontraram-se de surpresa.
Cumprimentaram-se uns aos outros, desculpando-se da longa ausência. Em seguida surpreendendo-se da
magreza dos companheiros, faziam florescer as suas palestras, relatando as numerosas peripécias da vida de
após-guerra.
Exatamente há um ano antes, no dia 18 de novembro de 1944, o Presidente Makiguti falecera no
Hospital da Casa de Detenção de Tóquio, em Sugamo. Assim. ele vivera um ano e quatro meses na prisão,
após a sua
169
detenção em Shimoda, Prefeitura Shizuoka. Contava
com 74 anos de idade,
Até o último dia lutara contra a injusta opressão das autoridades militares. Defendera o Verdadeiro
Budismo sem retroceder um passo sequer. Enfrentara a investigação cruel, os inquéritos insistentes, os tratos
vexatórios sem respeito aos direitos humanos e enfim, toda espécie de torturas provocadas pelo abuso das
autoridades. Sua firmeza de caráter manterá-se inabalável e nunca tomara atitude comprometedora com eles.
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A idade e a desnutrição foram avançando sobre o seu corpo. Ficara doente. Por várias vezes, a adminis -
tração do presidio aconselhara a sua transferência para o Hospital. Apesar de gravemente enfermo,
continuava recusando firmemente,
Afinal, na véspera da sua morte, no dia 17, consentira a sua remoção para o Hospital. Trocara toda a sua
roupa, vestira como se fosse para a cerimónia, cobrira--se com 'Haori', no estilo de traje a rigor antigo e, em
seguida, apresentara-se condignamente- Até a barba e o cabelo haviam sido cortados,
Aproximadamente às 3 horas da tarde, chegara o carcereiro, para ajudar a conduzi-lo ao Hospital.
Entretanto, achando que um corajoso não deve pedir auxílio, recusara a mão do carcereiro e fora
caminhando sozinho, a pé, com as pernas completamente atrofiadas.
Ao deitar no leito do Hospital, fora examinado pelo médico. Em seguida o enfermeiro trouxera o
remédio, mas recusara gesticulando com a mão. Horas depois, o enfermeiro observara a sua fisionomia
através da penumbra da luz contra 'Blackout'. Parecera estar tranquilamente entrando no sono profundo.
Na madrugada do dia seguinte, em 18 de novembro de 1944, pacificamente se despedira deste mundo.
O médico da sua cabeceira e os atendentes acha-
170
ram muito estranha a sua morte. — A face corada como a flor da cerejeira, fazendo parecer que ainda
estava vivo; além disso, um sorriso ténue na sua fisionomia tornava-o mais sublime ainda. Sem dúvida, em
nada diferia do aspecto de Jobutsu, a morte feliz descrita nas Sutras, referindo-se ao Nirvana do Buda. Por
diversas vezes, o médico procurara o pulso e não o achara, estando já com o corpo frio.
O seu corpo carregado sobre as costas de um jovem acompanhado de alguns membros da família, volta-
ra ao seu lar, transpondo o mesmo portão de entrada, após um ano e quatro meses.
Um ano depois.
Toda, agora, procurava dominar pacientemente a sua cólera, num canto do Salão Principal. Sentaram-se
os Rev. Hossoi Seido e Tigussa ao lado do Rev. Horigome, que veio depois a ocupar o lugar de 65.° Sumo
Prelado da Nitiren Shoshu.
No ambiente voltava o silêncio. Momentos depois seguindo Daimoku,' iniciou-se a leitura da Sutra.
O Rev, Horigome dedicara toda a sua vida, trabalhando arduamente e sem descanso, como figura prin-
cipal do Templo Supremo, na solução dos inúmeros problemas, dos mais difíceis que surgiram durante a
guerra. O Governo Militar procurara aplicar o sistema de controle sobre as religiões devido à sua
necessidade de unificar o pensamento do povo. Planejara a unificação das diversas seitas que professavam a
Doutrina de Nitiren Daishonin em uma única religião e ordenou que todas elas se reunissem em torno do
Templo Principal de Monte Minobu. As manobras secretas intrigavam-se cada vez mais, principalmente
entre os militares.
Lamentavelmente, surgiram alguns bonzos da Nitiren
Daimoku ' Oração d<? Nam-myoho-rengue-ltyo.
17l

Shoshu que apoiaram os militaristas servindo de seus


instrumentos e aclamaram as loucuras da 'Doutrina SIm-pon-Busshaku-Ron' (Deus Principal e Buda
Acessório — teoria do bonzo Jihon Ogassawara), tramando a união com a seita herética de Minobu, como
agem os vermes que corroem o ventre do leão.
O Templo Supremo de Daissekiji fora obrigado a enfrentar e lutar com uma inegável coragem contra as
autoridades do Governo. Na verdade, a própria sobrevivência de uma religião estava em perigo, prestes a ser
suprimida. Fora uma situação das mais graves que o Daissekiji suportara desde a sua fundação.
Além disso, aproximara-se também, cada vez mafs, o perigo da sobrevivência da própria nação.
Tsunessaburo Makiguti, Presidente da Soka-Kyoiku-Gakkai declarara energicamente:
— Agora é o momento de fazer advertências ao Governo, Não devemos temer o poder das autoridades.
As palavras e as profecias de Nitiren Daishonin são infalíveis e sem dúvida, estamos numa situação temfvel.
Para salvar a destruição do país não há outro meio senão advertir o Governo.
A decisão do Presidente Makiguti era ardentemente fervorosa.
A situação da época, entretanto, estava em condições piores do que no início da guerra. O Governo Mi-
litar estava fortemente agarrado à superstição histórica, acreditando que durante a invasão dos mongóis, há
cerca de 700 anos, surgira a "Tempestade do Vento Divino" chamada 'Kamikaze', enviada pela Deusa do Sol
Nascente ou Tensho-Daijin. Entretanto, eles não quiseram saber que, na verdade, o Divino Furacão surgiu
graças a NItI-ren Daishonin, no Japão. Obcecado com a ideia criada arbitrariamente pelo Xintoísmo, o
Governo Militar esperava somente esse milagre, obrigando toda a nação a
172

adorar a Deusa do Só! Nascente. É de se surpreender que, mesmo em tais situações, em plena guerra, a
turma do Presidente Makiguti continuasse rejeitando os obje-tos de adoração do Xintoísmo, resistindo contra
a ordem militar,
A adoração em massa da Deusa do Sol Nascente, cada dia tornava-se mais intensa com o apoio do Go-

59
verno, em toda a nação. Aqueles que não a adoravam foram taxados de traidores do país. Além disso, o Go-
verno chegou até a condenar muitos, como sendo portadores de ideias anti-belicistas.
Então, o que vem a ser esta Deusa do Sol Nascente?
— A maioria do povo não sabia o que significava. Mesmo a elite dos dirigentes do país não havia
compreendido.
De acordo com os ensinamentos de Nitiren Daishonin, a Deusa do Sol Nascente não passa de uma
deusa budista defensora do Hokekyo. Somente fazendo preces de Nam-myoho-rengue-kyo ao Gohonzon é
que surge a sua força benfeitora. Ela mesmo não possui nenhum poder. Absolutamente, não há filosofia e
nem a ideologia.
Agora, por adorar apenas a Deusa do Sol Nascente que não passa de uma defensora e esquecer do Dai-
-Gohonzon Verdadeiro e Onipotente, contido no profundo significado do Hokekyo, conseqüentemente,
os demónios vão morar na sua etiqueta de papel (Kamifuda), transformando-se em identidade dos deuses
maus e assim, a oração deixa de ser alcançada e dessa maneira, o cérebro das pessoas do país vai se
transformando em loucuras. Tal atitude é idêntica à tolice de uma pessoa que adora o seu filho desprezando
o pai ao mesmo tempo.
Entre os lideres da época, não havia um que pudesse perceber esta rigorosa lei do Budismo. Pelo con-
trário, eles vieram oprimir e torturar os seguidores do Verdadeiro Budismo. O Templo Supremo de
Daissekiji previra o surgimento de reações agressivas em conse-
173

qüéncia das atividades do Chakubuku encabeçadas por Makiguti, Nisso, surgira a questão da
unificação das seitas Nitiren, programada pelo Ministério da Educação.
Em junho de 1943, os líderes da Gakkai receberam ordens para fazer peregrinações ao Templo
Supremo. Receberam, então, a sugestão de um dos bonzos — sobre a possibilidade da aceitação formal e
temporária da etiqueta xintoísta (Kamifuda), uma tabuleta contendo â inscrição da Deusa do Sol Nascente,
O Presidente Makiguti, com profunda meditação,
recordava um artigo rigoroso do Testamento de Nikko Shonin:
Art. 17.° — Não se deve adotar a doutrina arbitrária, contrária ao Budismo, mesmo que seja
proveniente de um Sumo Prelado da época.
Erguendo a face, dissera clara e decididamente:
— Absolutamente, não aceitarei nenhum símbolo xintoísta.
Com esta resposta, deixara o Templo Supremo, com atitudes profundamente graves. Fora a sua última
peregrinação ao Daissekiji. Nos caminhos de volta, revelara o seu pensamento com profunda indignação.
— O que eu lamento não é a destruição de uma seita; é Justamente a destruição de um país, sumaria-
mente, diante dos olhos de todos. Sinceramente, sinto o temor pela tristeza de Nitiren Daishonin. Agora não
seria o momento de replicar o Governo? O que será que eles estão temendo? Toda, o que você pensa disso?
Toda não soubera o que responder, em consideração ao seu honroso mestre que passava dos 70 anos.
Desejara consolar o seu sentimento de indignação e firmeza de propósito. Ele era um discípulo bondoso. —
Toda, qual é a sua opinião?
Makiguti perguntara novamente para Toda. As suas vozes Já estavam delicadas.
174
Toda olhara para o céu. O sol da tarde irradiava fortemente o seu calor. À sua frente, via-se o esplendor
do Monte FuJi. Respondera decidido, mas serenamente, como se estivesse voltando para a sua consciência:
— Mestre, eu lutarei, mesmo que arrisque a minha vida. Aconteça o que acontecer e aonde for, segui-
lo-ei Junto.
Pela primeira vez, Makiguti começara a sorrir, oscilando a cabeça em sinal de concordância e limpara o
suor do pescoço.
No caminho de verão, as poeiras levantavam-se. mesmo com os passos da caminhada.
A contar desse dia, não se passara um mês e os dois foram detidos.
Prossegue-se, agora, a cerimónia do 1.° ano comemorativo do falecimento do Presidente Makiguti, sob
a direçâo do Rev. Horigome. À sua esquerda estava o Rev. Seido Hossoi, que mais tarde veio a ocupar o
lugar de 66.° Sumo Prelado da Nitiren Shoshu, com o nome de Nittatsu Shonin. Durante a guerra, lutara
sempre Junto do Rev. Horigome na defesa do Verdadeiro Budismo, seguindo-o como sombra e quando o
Rev. Horigome se tornara o 65.° Sumo Prelado com o nome de Nitijun •Shonin, o Rev. Hossoi na posição de
Superintendente Geral Eclesiástico, trabalhara como figura principal da força motora do progresso da
Nitiren Shoshu, que se tornou famoso hoje. Podia-se dizer somente que fora uma estranha coincidência.
Após a leitura da Sutra, lenta e serenamente, o ritual prosseguiu com as preces de Daimoku. Durante o
longo espaço de tempo, enquanto o incenso permanecia aceso, surgiram e desapareceram na mente de Toda,
os vários acontecimentos dos meses que passaram durante mais de dois anos, desde a volta daquela
última'peregrinação de verão até esse dia. Ao acompanhar as pre-
175
cês de Daimoku em conjunto, com as pálpebras cerradas, seus óculos ficaram embaçados por várias
60
vezes. Foi muito penoso para ele dominar seu sentimento de profunda emoção.
Ao terminar a última prece de Daimoku, o Rev. Ho-rigome virou-se e apresentando-se em direçáo aos
participantes da cerimónia, disse:
— Hoje, na comemoração do 1.° ano de falecimento do Presidente Makiguti, desejo manifestar as
minhas profundas admirações ao laço de ligação mestre-discípulo de todos os presentes. Acabei de orar
carinhosamente, dedicando as preces ao repouso tranquilo do falecido.
Recordando os seus tempos ainda em vida sinto -me profundamente emocionado, mas não posso deixar
de dizer pelo menos algumas palavras em sua memória, que ele teve uma existência de nobreza excepcional,
como devoto do Hokekyo,' dando a sua própria vida à propagação do Supremo Budismo. . ,
O silêncio do salão absorveu todas as vozes.
Estavam no local reservado para a família do falecido, e já idosa Sra. Makiguti e a viúva do seu filho
único falecido na guerra, com uma filha de 7 a 8 anos. Era uma família formada de somente três mulheres.
Toda sentiu-se na obrigação de dar assistência a esta família, para sempre, como se fosse a sua também.
A Sra. Makiguti faleceu no dia 18 de setembro de 1956. Contava com 80 anos de idade. Nessa ocasião,
Toda realizou uma suntuosa cerimónia funeral no Templo de Jozaiji, Ikebukuro, Tóquio. Elogiando a
coragem e a dedicação na companhia de um pioneiro, o seu esposo, dispendendo os sacrifícios por longos
anos em defesa do Presidente Makiguti, despediu-se chorando de emoção pela perda de uma amizade
exemplar. Aquela neta de
Hokekyo * Abreviação do Nam-myoho-rcnoue-kyo.
176
7 a 8 anos, hoje tem um marido excelente e, junto com a sua mãe, a viúva daquele filho único, formam
uma família de três pessoas que vivem diariamente felizes com a constante atuação da fé genuína.
Ao terminar as mensagens do Rev. Horigome, um homem levantou-se para falar:
— Com a permissão de todos, desejo expressar algumas palavras em memória do falecido Presidente
Makiguti, como um dos seus discípulos indignos.
Era Yozo Terakawa. Fora um dos altos lideres que externamente, ao lado de Toda, estava convencido
de ser o melhor discípulo da Escola Makiguti. Tão logo fora detido e levado à casa de detenção, obedecera à
autoridade e fora libertado. Era um homem considerado realmente um líder do grupo dos educadores da
Gakkaie um discípulo direto do educador e Presidente. Makiguti.
Era um bom orador. Com palavras eloquentes elogiou a memória do saudoso mestre Makiguti como um
grande educador. , . Atacou violentamente os líderes belicistas acusando os lideres do Governo Militar de
terem matado o tesouro do Japão. Para aqueles que o conheciam, os seus ataques, depois que o militarismo
caiu pareciam latidos de um cão distante, abrigado na zona de segurança da Ocupação.
é compietamente idêntico a uma turma de críticos atuais, medrosos e covardes. Era habilidoso como
político e vaidoso como extrovertido. Agora, mesmo refle-tirio no espelho do Budismo, ele ainda procurava
esconder desesperadamente o seu génio.
Um dia, ete deixou a Sociedade e viveu dez anos na infelicidade e em sofrimentos contínuos. Um ano
antes do falecimento de Toda, ele pediu sinceras desculpas para Toda e deixou este mundo, sozinho e
tristemente.
Após os longos discursos de Terakawa, levantou-se em seguida um outro homem. Era Tatsuji
Miyajima.
177
Como Terakawa. era um veterano do grupo dos educadores. Era conhecido como um teórico. Foi um
dos que renunciou à fé como os outros, após a detenção. Mesmo que Terakawa reconhecesse no íntimo que
estava um a dois passos atrás de Toda, externamente se orgulhava de ser ele próprio o discípulo predileto da
Escola de Makiguti e ridicularizava Toda. Para os discípulos de Makiguti, a presença de Toda parecia real-
mente ser indesejável e incomoda como um tumor acima dos olhos.
Com uma tosse, iniciou o seu discurso pela morte do saudoso mestre na prisão, criticou a Constituição
de Meiji e denunciou as inconveniências do Regime Imperial. E concluiu o seu memorável discurso num
estilo teórico, anunciando... "Finalmente, agora chegou o momento da verdadeira democratização do Japão
sobre os sagrados sacrifícios de muitas e muitas pessoas."
Ele também se afastara da Sociedade. Chegara a ser apontado como um líder pregador de um templo;
foi, entretanto, antipatizado por muitos, decaiu até ser hostilizado e morreu sozinho e tristemente.
Os discursos do grupo dos educadores duraram por um longo período. O grupo dos economistas parecia
estar desanimado. As palavras de Terakawa e Miyajima tiveram boa aceitação pêlos ouvidos, mas não se
dirigiram ao assunto da reconstrução da Gakkai, a fim de realizar o ideal do honroso mestre. Somente
falaram a respeito do passado trágico e manifestaram-se contra 'a indignidade. Até aquele momento, Toda
vinha percebendo o ar de contrariedade no ambiente. Entretanto, ele ouvia calmamente a eloquência dos
oradores.
Finalmente, Toda, com sua estatura alta, levantou-se e começou a falar em voz baixa:
— Eu estava sempre orantío ao Gohonzon, dentro da cela fria e solitária: — Sou novo ainda. O mestre
está
178
61
com 74 anos. Almejo que todas as penas venham amontoar sobre a minha pessoa para que ele possa
retornar o quanto antes. — Entretanto, num dia inesquecível, 8 de janeiro deste ano, o investigador
informou-me subitamente: "Makiguti já morreu". Retornando à minha cela não pude fazer outra coisa senão
chorar. Nunca imaginei que tivesse coisa tão triste neste mundo.
O mestre deixou a prisão somente com a morte. Eu, discípulo indigno, deixei a prisão com vida. O que
eu devo fazer? Logicamente é coisa muito evidente.
Aqui, Toda fez uma pausa. Percorreu seu olhar nesse intervalo sobre os presentes, como se estivesse
procurando as palavras seguintes. Havia pessoas que limpavam as suas lágrimas e olhares que
demonstravam hostilidades inquirindo: — O que você está pretendendo dizer? — e olhos distraídos em
direção ao céu vazio. Ele sentiu — que ambiente difícil de falar! Até pensou naquele instante em finalizar o
seu discurso. Entretanto, chegavam as palavras como avalanche até à sua boca.
Aumentando a voz, disse com um grau mais elevado:
— Voltando ao passado, desde a primavera do ano de 1943, o mestre dizia reiteradamente que a Gakkai
precisava fazer 'Hosshaku-Kempon' (Renovação). Nós éramos discípulos um tanto perdidos, sem poder
compreender o,seu profundo significado. As vezes, o mestre criticava severamente a respeito da nossa
extrema falta de coragem por não podermos demonstrar a prova do 'Hosshaku-Kempon', ou seja, íibertar-se
do estado provisório e demonstrar a verdade. Sem saber o que fazer, nós viemos atónitos até hoje. Agora,
compreendi um pouco da intenção do mestre. Desde a saída do presídio, eu vim reiterando a necessidade de
mais seriedade. Hoje, entretanto, eu declaro definidamente ao Presidente Makiguti e a todos os presentes.
Assim sendo, não terei de que arrepender.
179
Toda ergueu a sua cabeça. Os seus óculos brilharam nesse momento. Os olhares de todos concentraram-
se sobre os seus lábios.
— Sem dúvida, a nossa vida é eterna; sem começo e sem fim. Nós estamos convictos de que viemos a
este mundo com a grande missão de propagar os sete caracteres do Hokekyo, na era de Mappo. Julgando a
nossa posição sob esse ponto de vista, nós somos, afinal, os legítimos 'Jiyu-no Bossatsu' (Bodhisattva da
Terra) revelado no Verdadeiro Budismo.
No 'Shishin-Gohon Sho, Nitiren Daishonin revela;
— Peço às pessoas de todo o país, que não desprezem os meus discípulos. Procurando indagar os seus
passados, eles são os ilustres Bodhisattvas que vieram servindo o Buda durante todo o período de 80 trilhões
de 'Kô' (1 'Kô' == 8 milhões de anos). Não são os fervorosos seguidores do Gohonzon? Procurando saber o
seu futuro, eles levarão ao Buda mais oferendas du que uma pessoa do tempo de Sakyamuni poderia enviar
durante 80 anos e gozarão de 50 benefícios divinos- São como príncipes que ao nascer, vestem a roupa mais
preciosa e dotados da força do grande dragão que aparece pela primeira vez no céu. Não os desprezem!
Não oa desprezem!
Toda continuou — onde estão os Bodhisattvas da Terra? Na verdade, somos nós mesmos. Com esta
firme decisão, declaro agora definitivamente: Eu, Toda, mesmo que ninguém pretenda fazer, certamente
farei o Kossen--rufu. Meu querido mestre que agora descansa na terra, peço o meu perdão pela minha
negligência no passado. Mestre! Como seu verdadeiro discípulo, oferecerei a minha vida para a gloriosa
realização da Paz Mundial e do Kossen-rufu e irei depois ao seu encontro. Por favor, a partir de hoje, peço
descansar em paz.
Cada palavra e cada frase de Toda repercutia forte-
180
mente no coração de cada um dos presentes como o raio de uma tempestade. Todos estavam
completamente fora de si, como se estivessem totalmente chocados por um momento, mas logo em seguida
começaram a tumultuar o ambiente. Uns suspiravam profundamente; outros cochichavam no ouvido dos
outros. Havia alguns que curvavam a cabeça com sorriso irónico, parecendo querer dizer "a arrogância de
Toda começou novamente". Havia ainda outros que mostravam, francamente, a sua hostilidade desejando
censurar: "não seja tão convencido". Eram atos momentâneos, mas ninguém podia esconder o que eles
sentiam realmente.
O ambiente estava escuro e a luz elétrica Já estava acesa-
0 grupo Terakawa-Miyajima, despedindo-se da família do falecido, foi apressadamente para a saída. Os
acompanhantes foram saindo como se estivessem fugindo. Finalmente, Toda tratou com muita delicadeza a
despedida da família Makiguti,
Por fim, ele e mais algumas pessoas permaneceram no Salão Principal do Templo.
— Sr. Toda, recomendo como sempre, tomar muito cuidado com a sua saúde, — dito isso, o Rev.
Horigome foi à sala de visitas.
Toda estava no salão amplamente vazio. Precisava reconhecer que não havia uma pessoa sequer para
compreender a sua verdadeira intenção. Novamente foi invadido pela profunda sensação de solidão.
Acompanhado de algumas pessoas, caminhou para a estação. O sol do outono havia caído profunda e
silenciosamente. Ele estava excepcionalmente mau-humora-do. Nem procurava responder as perguntas que
os economistas formulavam. Além disso, a baixa temperatura da noite de outono fazia cada vez mais
constranger
62
181
o seu sentimento. Ao chegar perto da estação, finalmente
Interrompeu o silêncio.
— Vamos então nos despedir por aqui. Sinceramente, desejo a todos que continuem aluando á fé daqui
para diante, para não se arrependerem no futuro. Se o nome de cada um vai ser honrado ou não sobre as
páginas da história do Budismo pela causa do Hokekyo*, será decidido no futuro, nesses dois ou três anos de
ati-vidade da fé. Como Nitiren Daishonin disse: "a fé está para o corpo, assim como a sombra está para o
trabalho", vamos pedir Juntos o crescimento dos nossos trabalhos e progresso da GakkaÍ, tendo como centro
a fé,
De repente, sem perceber por que motivo, dissera aquilo para os economistas, encorajando-os.
Enquanto caminhava, ele começou a recitar tranquilamente a sua poesia, conservando dentro de si a sua
nobre decisão para o futuro:
Recebi a missão tão sublime
do Buda Supremo. Propagar a grande doutrina,
Myoho-rengue-kyo. Hasteando alto a bandeira,
levantei-me só Poucos companheiros de luta,
adversários, muitos!
Com quem, unido e confiando
poderei lutar? Tenho no meu coração valente, um fiel amigo.
Hokekyo * Verdadeiro Budismo de Mappo.
182
No imenso campo de batalha,
no furor dos ventos, Tenho somente a minha vida
e mais nada a dar.
Não temo perder esta vida,
com prazer, darei. ó jovens porta-estandartes!
onde estão agora? Venham correndo conhecer
o esplendor do Fuji, Símbolo ideal da nossa luta,
majestosa e nobre!
Ao recitar esta poesia, ele não podia deter os frémitos, as emoções e as lágrimas provenientes da sua
sensibilidade. Além disso, a paixão, a convicção e a resolução intensamente transbordantes, provocaram até
tremores no seu corpo.
De súbito, uma frase surgiu na sua mente.
— O leão nunca procura companheiros.
— Aquela estranha solidão que vinha perseguindo-o até então, era proveniente de uma vaga
obscuridade, à procura do seu companheiro. Teria sido resultante do trabalho da fraqueza do seu espírito. O
leão nunca procura companheiros. No momento que ele depender do companheiro, perderá a coroa do
reinado das selvas e deixará de ser o rei dos animais.
Absolutamente não existe solidão no leão. Os companheiros vem 'seguindo, sem serem procurados. A
realização da Paz Mundial 'é a obra do leão. Toda pensou: — Se eu devo ser um leão, jamais devo procu rar
os companheiros. Se eu for um verdadeiro leão, seguramente os companheiros deverão seguir atrás de mim,
sem que eu vá procurá-los.
183
O importante é tornar-me um verdadeiro leão, isto é, ser ou não ser um autêntico Jiyu-no-Bossatsu.
— Eu devo ser um leão. Um leão! Os demais são inúmeros.
Nesse instante, ele foi iluminado. No caminho, disse incisivamente aos amigos que estavam ao seu
lado;
— Vamos realizar no dia 18 de novembro do ano que vem, uma celebração em grande escala para come
morar o 3.° ano de falecimento do nosso mestre? é mais um ano de paciência. Nessa ocasião, faremos
também a Assembleia Geral da Nitiren Shoshu...
Os acompanhantes não podiam deixar de estranhar a atitude de Toda naquela noite. Somente
observavam a sua face. Ele sorria amavelmente, apresentando o vigor da vitalidade na sua atitude.
Agora, no meio das pessoas que comemoraram a cerimónia, somente Toda se levantava com a decisão
de comandar a marcha para a propagação do Verdadeiro Budismo.
Assim, naquela noite, Jossei Toda lançou a primeira declaração para a Paz Mundial. Esse dia tornou-se
uma data inesquecível,
Naquela ocasião, entretanto, ninguém podia compreender o significado profundo da sua decisão. Poste-
riormente, isto foi provado com o progresso da Nitiren Shoshu.
Os convidados daquela noite, apenas procuravam apressar os passos a caminho dos respectivos lares,
satisfeitos com o encerramento da cerimónia.
O ar da noite de outono estava tão límpido como o espírito de Toda. As estrelas cintilavam no céu,
como se estivessem celebrando a brilhante vitória do futuro.
63
Periodicamente o vento soprava, abalando as folha- i gens das árvores, como se viessem anunciar a
chegada
184 ;
do inverno que estava próximo. A seguir, iam batendo
contra as janelas clareadas pelas luzes.
Disse uma vez, Schiller, um poeta alemão:
— O verdadeiro corajoso é justamente aquele homem forte que levanta sozinho.

O caminho das mil milhas


O Japão, desde o seu início, é conhecido pelo seu povo como "o país dotado de planícies ricas em
caules com abundantes e maduras espigas". Apesar disso, por incrível que pareça, houve uma queda
surpreendente na safra de arroz no outono de 1945. O Governo esperava, segundo sua estimativa, pelo
menos a colheita de 150 milhões de sacas de arroz, mesmo considerando as condições adversas resultantes
da guerra- Entretanto, a safra do ano na realidade, não conseguiu atingir nem 120 milhões de sacas. Foi a
pior colheita desde o tim da era Meiji.
A perspectiva dos suprimentos alimentícios era mais séria do que no período da guerra. Como o
provérbio popular que diz "sem boa colheita não há tranquilidade", a vida da nação foi exposta às intensas
lutas contra a fome, ao ponto de apresentar-se no estado animalesco. Além disso, com a derrota, os 40
milhões de desempregados das indústrias bélicas encheram todo este pequeno pais. Somando aos soldados
desmilitarizados e repatriados da guerra, juntaram-se, ao todo, 13 milhões e 240 mil pessoas, que vagavam
em todo o pais, sem serviço, piorando ainda mais a situação.
Esta realidade tornou-se pública, após a declaração do Ministro do Bem Estar, Ashida, no início de
dezembro desse mesmo ano. Na verdade, a situação deve ter sido pior.
187

Dia a dia, o número de mortos foi aumentando em consequência da fome entre os pedestres e os
enfermos, nas principais cidades de todo o país, a começar por Tóquio. A importação dos géneros
alimentícios havia sido suspensa com o término da guerra. Os camponeses, que haviam oferecido a sua
reserva de arroz com sacrifícios durante a guerra para a causa da vitória, agora, após a derrota do pais, não
podiam atender como antes. O número de necessitados aumentava dia após dia, já se notando o início da
tenebrosa "Marcha para a Morte". Faltava exatamente o mínimo para alimentar a nação.
Não há coisa mais temível do que o ódio resultante da falta de alimentos, Em torno dos géneros
alimentícios surgiram os problemas familiares e até crimes de morte. Toda a população de cem milhões, sem
exceção, teve a necessidade de viver com os seus olhos congestos, loucamente desesperados, na defesa da
manutenção dos géneros alimentícios.
Desde os tempos antigos, considerava-se que a vida humana se baseava na ordem, em vestimenta-
alimenta-Ção-moradia. Entretanto, esta ordem não estava certa. Baseando-se no instinto humano, deve-se
necessariamente conversar sempre na seguinte ordem: alimentação-ves-timenta-moradis. Portanto, a
finalidade política deve visar sempre o sentido de satisfazer plenamente a alimentação, a vestimenta e a
moradia para toda a nação e, dispender todos os seus esforços para a manutenção dessa ordem. Isso deve
vigorar em qualquer época, acima de qualquer posição partidária.
Jossei Toda estava seriamente preocupado com os acontecimentos da época. Analisou profundamente
essa situação, isto é, o motivo pelo qual um "país de abundantes e maduras espigas" tornou-se "um país de
fome".
Na verdade, o "Divino Mandamento do Xintoísmo" vem revelar a sua própria falsidade. Se a Deusa do
188
Só! fosse uma realidade, apesar do período de pior infelicidade do povo e mesmo com a derrota do seu
país, deveria estar certamente protegendo a nação com abundantes colheitas.
Observando-se esta situação dramática, devemos reconhecer que nem a Deusa do Sol e nem os próprios
Deuses Budistas estavam presentes no país.
O fato de um doutrinador e teórico Xintoísta, Shurnei Okawa, tornar-se um psicopata vem também
comprovar esta verdade. Se realmente existisse a verdadeira Deusa do Sol, logicamente antes de mais nada,
deveria ter a obrigação de proteger pelo menos o autor, apesar de que o país fosse derrotado por falta de
sorte.
Baseando-se nas opiniões do público em geral e na sua vida cotidiana, quando se fala em Deus, este
pode ser dividido em três espécies:
A primeira espécie é aquele Deus Criador do Céu e da Terra, adotado nas diversas religiões. é um Deus
nascido da força imaginativa do homem. Por exemplo, o Jeová do Judaísmo, o Alá do Islamismo, o Senhor
Rei da Razão Celeste do Tenrikyô, o Deus do Ouro do Céu e da Terra do Konkokyo e outros, são Deuses
desta espécie. Entretanto, não existe a realidade material. A força imaginativa do homem pode criar qualquer
espécie de Deus. Porém, uma vez iluminado pelas luzes da ciência, suas imagens apagam-se totalmente. É
64
uma espécie de um Deus Evanescente. Não é necessário comentar aqui, a inferioridade das religiões que se
baseiam em deuses imaginários. Entretanto, deve ser levado em conta, a existência de certas religiões que
conduzem os homens ao fanatismo e, conseqüentemente, à infelicidade.
Por outro lado, nem os materialistas dialéticos europeus conseguiram escapar à tendência natural do
homem de procurar algo absoluto. Mesmo eles que raciocinaram com pensamentos baseados na razão obje-
189
tiva, não puderam deixar de sentir que este mundo é regido por algo incompreensível. Até para
sustentar a sua filosofia dialética, os filósofos tiveram que considerar este algo impossível de compreender
em um ser absoluto.
Denominaram este ser absoluto de Deus. é, por assim dizer, uma Filosofia Pantefsta. Não fizeram
exceção à regra, nem Descartes nem Spinoza. A chamada "Ideia" de Hegel é também Deus para ele. Não era
um Deus que tivesse uma denominação especial, mas também não faz diferença com um Deus criado pela
imaginação humana. A segunda espécie teve o seu início na era primitiva. Os descendentes comemoravam
as obras dos seus ancestrais, mesmo após a sua morte. Deuses pro-tetores que se consagram em cada vila do
Japão, por exemplo, são deuses desta espécie. O Sol, segundo o Xintoísmo, é a deusa protetora da Família
Imperial. A ideia de elevar o ancestral a Deus não passa de uma consequência da moralogia sentimental em
respeito aos ancestrais, transportando para o campo da religião. é até elogiável o sentimento de respeito e
gratidão aos ancestrais, mas é irrisório sustentar que os ancestrais mortos venham a salvar os infelizes.
Suponhamos que nós encerremos uma existência sofrida neste mundo. Se durante a vida não conseguimos
salvar nem a própria vida, como poderemos salvar os descendentes depois de mortos e feitos ancestrais? Se
surgissem forças salvadoras dos descendentes depois de mortos, isso seria fato bastante controvertido. Deus
ancestral não passa de um recém-nascido anómalo que surgiu entre a moral e a religião,
A terceira espécie é o Deus que existe nos ensinamentos do Budismo. São Deuses que manifestaram
suas promessas em proteger os devotos/do Verdadeiro Budismo. Na realidade, eles começaram a exercer
ativamente o»
190
seus trabalhos como Deus Legitimo, sob a influência da Filosofia-da-Vida de Nitiren Daishonin.
Sobre isso, há a seguinte interpretação no Jibyosho:
"A essência do Hokekyo é o princípio dos três mil mundos contidos num instante da vida. Ele contém
os caracteres bons e maus ao mesmo tempo, mesmo na posição mais elevada do exercício do Budismo. As
tendências do Bem manifestam-se como Bonten-Taishaku e do mau como Dairokuten-no Mão".
Deus não passa de uma exteriorização do potencial da vida em trabalho. A própria vida que possui
mutuamente os dez estados, contém originalmente a potência dos trabalhos de Bonten-Taishaku que se
chama Shoten-Zen-jin ou Deuses Protetores do Budismo e, a potência dos trabalhos do Dairokuten-no-Maô
chamados Deuses Maus ou Demónios. Se considerarmos este Universo como uma vida, seguramente existe
nele os Deuses Protetores com os seus trabalhos,
Pode-se dizer o mesmo com a vida de um território. Os Deuses do Japão, por conseguinte, e mesmo a
Deusa do Sol, são protetores contidos na vida do país. é desnecessário dizer que, logicamente, o mesmo
acontece com a vida de uma pessoa.
Entretanto, para saber a existência real da vida assim descrita, é necessário que seja purificada pelo
poder do Budismo de Nitiren Daishonin, e somente será claramente compreendida após ter sido iluminada
pelo Gohonzon de Nam-myoho-rengue-kyo.
Assim começa a surgir realmente a existência de Deus.
Nos momentos mais calamitosos, o Quartel General separou o Xintoísmo do Estado, Assim, os
Templos Xin-toístas de Isse e Yassukuni perderam a proteçâo financeira e prioritária do Governo e foram
obrigados a tornar--se uma Associação Religiosa Particular. A maioria da
191
nação japonesa não percebia as medidas tomadas de antemão pelo Quartel General. O Q. G. descobriu
que O Xintotsmo seria o maior obstáculo contra a democratização do Japão, dali por diante. Ao reconhecer
que o "Caminho de Kannagara" vinha sendo a base ideológica da política japonesa desde a era de Meiji,
tomou medidas antecipadas, antes que a maioria do público percebesse ta! situação.
Tanto a política, bem como a diplomacias o debate, não trazem nenhum proveito,, se se desviarem para
o sentimentalismo. Deve-se analisar e em seguida, debater o fundamento. Pode-se dizer que Q. G.
inteligentemente descobriu o fundamento.
Os sacerdotes xintoístas e seus adeptos receberam com grande choque a publicação da ordem de separa-
ção do Xintofsmo do Estado em 15 de dezembro, mas a maioria do público permaneceu indiferente.
Somente Jossei Toda, superando as tragédias da derrota, ficou muito contente por ter surgido o episódio
exatamente como ele tencionava.
— Bonten, como você é habilidoso. — Toda assim pensou no seu íntimo.
O Q. G. anulou a proteção do Xintoísmo pelo Estado, como um dos planos para a democratização do
Japão, mas não percebeu que o maior criminoso responsável pela guerra fora justamente o Xintoísmo.
Jossei Toda fez a análise retrospectiva do caminho que o Japão percorrera até á derrota,
minuciosamente. através das marcas da história. Então, novamente confirmou que aquela "Restauração
65
Tradicional da Política Imperial" (Oosei-Fukko), preconizada no inicio da era Meiji e que serviu de maqueta
para a "Construção do País", baseava-se justamente no Xintoísmo.
As raízes eram profundas assim como as fontes são remotas.
192
O Governo de Meiji levou a ideia de "Deus" ao povo para fazê-lo acreditar no Imperador, pela necessi-
dade de restaurar a soberania do Imperador na política administrativa. Julgou que o endeusamento do
Imperador era o melhor meio. Aproveitou-se dos contos da História Primitiva (Kojiki)..e da História do
Japão, difundidos no meio do povo, que são os únicos ensinamentos contidos na Doutrina, Xintoísta.
"Este país de planícies ricas em caules com abundantes e maduras espigas deverá ser o território das
minhas gerações futuras. Ide e governai, imperadores descendentes. Assim como o reino do céu, a prosperi -
dade do seu império se prolongará para sempre".
é o mandamento divino da Deusa do Sol (Amaterassu--Omikami ou Tensho-Daijin). Não há uma outra
arma melhor do que esse argumento, para fundamentar-se a política administrativa em nome do Imperador.
O Imperador é o filho de Deus desde o seu nascimento.
Baseando-se nesta ordem divina, a Constituição de Meiji promulgou o seu primeiro artigo:
Art. 1.° — O Imperador é sagrado e inviolável.
O Governo atribui todo o poder da soberania nacional ao Imperador e, em seu nome, procurava obter a
segurança do pais. Para isso, era necessário que o próprio Imperador acreditasse primeiro no Xintoismo, a
religião primitiva e tradicional do Japão, e ao mesmo tempo, se fizesse a nação adorar o Imperador, como
descendente de Deus.
A religião e a política foram completamente unificadas numa personalidade única chamada Imperador.
De outra maneira, não poderia haver absolutamente a solidez da soberania do Império Meiji como um
Estado novo.
Em conclusão, o Xintoísmo transformou inadvertidamente, a adoração do Imperador em "Religião do
Imperador".
193
Por outro lado, para igualar o poder do Estado com os países modernos, precisava revelar claramente a
liberdade religiosa na Constituição Imperial como toda a constituição dos países adiantados. Assim, foi
determinado o artigo 28, da seguinte forma:
Art. 28 — A nação japonesa tem a liberdade religiosa, desde que não perturbe a ordem e a
tranquilidade, e que não contrarie o dever dos cidadãos.
Como consequência, foram abolidas as proibições contra o Cristianismo que vigoravam desde a era
inicial de Tokugawa, e de numerosas restrições religiosas impostas pelo velho sistema feudal. A história da
repressão contra a Nitiren Shoshu, finalmente, foi também encerrada.
Sob o pretexto da necessidade de administração política de um país novo, o Governo adotou a medida
especial de proteção somente ao Xintoísmo. Assim, foi criado o Departamento de Religião do Ministério da
Educação para o controle das religiões em geral. Mas somente os templos xintoístas eram subordinados ao
Departamento de Templos Xintoístas no Ministério do Interior e recebiam os subsídios do Ministério pelo
orçamento nacional para a manutenção dos Templos Governamentais de Primeira Classe (Kampei-Taisha),
os Templos Nacionais de Segunda Classe (Kokuhei-Taisha), os Templos da Prefeitura (Kensha), os Templos
Distritais (Gosha) e outros. Além disso, os sacerdotes xintoístas e os empregados dos templos eram,
naturalmente, os funcionários públicos que recebiam os salários do Governo. Todas as cerimónias eram
realizadas com formalidades xintoístas e os funcionários públicos em geral eram obrigados a participar
destas solenidades. Devido a estas atitudes, apesar de haver algumas diferenças conforme o grau e a
localidade, o culto ao Xintoísmo mostrava-se como uma obrigação imposta pelo Estado ao
194
povo em geral. O culto a uma religião imposta pelo Governo e a atitude indolente do povo, que não
consegue avaliar o conteúdo da religião, ambos, na realidade, levaram o país à infelicidade. Uma religião
que não possui um fundamento filosófico, não pode ser considerada religião. Não se pode dizer que é uma
religião verdadeira, se não é compreendida, acreditada e propagada por todos.
Enfim, o Xintoísmo vinha ocupando o lugar de Religião do Estado, desde a restauração da Era de Meiji.
O tratamento especial a uma religião, com privilégio pelo Estado, é claramente anticonstitucionat e é
ato de violação da lei. Apesar disso, pode-se dizer que o sistema de Xintoísmo do Estado estava sendo
aplicado, desde togo após a Restauração da Era de Meiji, em 1868. A revisão da Constituição de Meiji foi
vigorada em 1899 e durante todo esse intervalo, pensava-se que o Sistema Religião do Estado pertencia ao
Xintoísmo.
O antagonismo entre o Xintoísmo como Religião do Estado e a "Liberdade Religiosa" não poderia,
entretanto, permanecer sempre dessa maneira contraditória. Todas as vezes que surgiam debates atinentes a
esse antagonismo, o Governo respondia amarguradamente, através dos seus representantes na Dieta,
alegando que Xintoismo não é Religião. Mesmo na sucessiva era de Taisho e Showa, essa contradição foi
severamente criticada por várias vezes,
— Se o Xinto não é Religião, o que vem a ser então?
— Xinto possui caracteres diferentes das outras religiões comuns. .. Como poderemos dizer. ,. é por
66
assim dizer., . pensamos que seja algo mais do que religião.
Respostas ambíguas desta natureza estavam sendo apresentadas nas assembleias da Dieta pêlos
sucessivos representantes do Governo.
O Governo, por conveniência do controle adminis-
195
trativo do país adotou a "Ordem Divina" da Deusa do Sol como fundamento do regime político e,
conseqüente-mente, elevou o Imperador inerente ao Xintoísmo, a uma existência sagrada e inviolável.
Ao chegar a era do Governo Militar, esse problema tornou-se um "tabu" para o povo japonês. Os
professores de Filosofia e Ciências Sociais, que possuíssem a mínima dúvida sobre esse assunto, eram
severamente punidos e perseguidos como traidores.
Apesar de estar ciente dos fatos, todo o povo preferia permanecer indiferente. Assim cognominado o
Japão Moderno desde a era de Meiji, vinha impondo o Xintoísmo à Nação, para que a mesma fosse uma
religião estatal.
Os budistas em geral, temendo a repressão pelo Governo, procuravam tentar acordos de conciliação
com o Xintoismo.
Os círculos budistas daquela época, apesar- de se restaurarem dos danos causados pêlos movimentos
"contra o Budismo e a destruição de suas imagens", realizados por ocasião da "Restauração do Tradicional
Regime Imperial" no período inicial da era de MeiJi, não possuíam os meios e a coragem capazes de
enfrentar a arrogância xintoísta.
Em meio a esta situação, 'Kokutyukai', uma associação que se dizia adepta de Nitiren liderado por
Tigaku Tanaka, vem aderir definitivamente às aclamações a favor do Xintoísmo. Tigaku e seus adeptos
tentaram justificar a deificaçào do Imperador pela existência absoluta do Hokekyo.
— O Imperador é único e absoluto; isto é equivalente ao Hokekyo único e absoluto.
Desta forma, eles se curvaram irresistivelmente ao Xintoísmo e outros círculos budistas também foram
levados a aceitarem a fé em torno da Deusa do Sol.
196
Aproveitando essa oportunidade, o Governo Militar decretou a Lei da Unificação das Religiões em
1929 e ordenou atrevidamente, impondo a todas as religiões unificarem-se em torno do Xintoísmo, "o
sustentáculo nacional do Grande Império do Sol Nascente".
Todo o mundo religioso do Japão aderiu ao Governo e ao "Movimento patriótico" lançado pelo
Xintoismo. Nesses momentos não tiveram sequer um pouco de bom senso para avaliar os seus
procedimentos. Por outro lado. o povo também não manifestou nenhuma atitude de discordância sobre a
questão.
Diz no Shinkoku-0-Gosho:
"O erro do Governo é como pequenas ondas ou ventos suaves. é difícil derrotar um grande país ou um
grande homem. O erro no Budismo é como o furacão ou o maremoto que destrói mesmo as pequenas embar-
cações. Não há dúvidas de que o país será destruído".
As grandes profanações contra o Budismo, provenientes da ignorância a respeito da religião, levou o
pais à destruição.
Entretanto, não havia uma pessoa sequer capaz de O perceber.
Assim, o regime político em torno do Xintoísmo. começou a exercer perante a nação, uma autoridade
totalitária e absolutista, adotando como o modelo, a teocracia dos velhos tempos.
Era natural, portanto, que o pais fosse destruído. Apesar de que se atribuísse a causa à ignorância, não
podia deixar de merecer uma punição divina geral chamada derrota; assim, tal fato não poderia deixar de
dizer que foi bastante lamentável.
Toda pensou:
— Já se foi o pais para a ruína. Se o Budismo de Nitiren Daishonin não puder ser propagado, num
período de tantas infelicidades e inúmeras condições adversas
197
para a vida, então, não poderia afirmar que é uma Religião Verdadeira. Se as palavras do Buda forem
verdadeiras, o Kcssen-rufu será certamente realizado e assim conseguirão ser salvos o pais, bem como o seu
povo infeliz.
Ainda pulsava no seu corpo, aquela sensação de excepcional iluminação adquirida na prisão e sentia ser
sua missão transmitir aos outros a todo custo e por todos os meios, integralmente, a maravilha contida no
Hokekyo.
Para tanto, bastava que as pessoas como ele, compreendessem a leitura dos cinco ou sete caracteres do
Nam-myoho-rengue-kyo e seguissem a Doutrina de Nitiren Daishonin, o Buda Original de Mappo, Ele
percebeu que todas as atividades para o futuro estavam sendo emanadas fluentemente dessa fonte,
Antes de mais nada, deverá ser reconhecido o respeito e a dignidade à vida, através do Budismo, Pelo
poder da Lei Mística, deverá surgir a maravilhosa energia vital na vida de cada pessoa. Assim, cada uma
delas irá fazer a auto-revelação humana. Sobre estas vidas irão florescer a educação, a ciência, a política e a
cultura. Assim terá a verdadeira democracia almejada pela humanidade e automaticamente, estará dando os
passos iniciais para a construção da felicidade da vida na era vindoura.
67
O princípio fundamental do Budismo é a benevolência ou "jihi" (retirar os sofrimentos e dar a
felicidade). A sociedade somente alcançará a prosperidade quando conseguir tornar felizes as pessoas que a
integram. Em simples palavras, pode-se dizer que a arte de governar bem (Obutsu-Myogo) consiste a
revelação da benevolência sobre a política. Não há coisa mais preciosa do que a vida. Entretanto, para fazer
revelar dignamente o seu valor, não pode haver outro caminho senão, seguir a Filosofia-da-Vida de Shiki-
Shin-Funi (corpo e mente "in totum*'). Nesse sentido, o ideal de Obutsu-Myogo
198
está mais intimamente ligado ao humanismo, o qual construirá no futuro, uma nova sociedade pacífica e
feliz.
A inteligência de Toda, bem como sua coragem e paixão, formavam o conjunto de uma canção da
legítima juventude primaveril que se dirige para a revolução religiosa.
Há ignorantes que ainda atualmente criticam dizendo que o principio do Obutsu-Myogo, e a sua
aplicação na prática, nada difere da Unidade Estado-lgreja (Seikyo--Itti), É uma atitude critica tão
neurastènica, que procura rejeitar com intenções maldosas, o que não convém ao seu agrado. Não se pode
deixar de rir por tamanha ridicutaridade. Como ó estreito o âmbito de consciência desses críticos! Até parece
com a rã que admite apenas o fundo do poço como o único mundo existente.
A unidade polïtico-religiosa (Seikyo-Ittf) fazia-se notar na Europa Medieval, no apogeu da Igreja
Católica Romana. A autoridade absoluta do papa controlava os políticos da época através da sua influência
religiosa. Na era chamada longa noite de trevas, o mundo feudal era governado por reis subordinados ao
poder eclesiástico do papado romano. Portanto, naquela época vigorava o regime politico-religioso
resultante da Unidade
Estado-lgreja.
A Unidade Estado-lgreja da Idade Média não era, absolutamente, um regime baseado em filosofias.
Havia rivalidades entre as autoridades eclesiásticas e imperiais, que resultavam em lutas encarniçadas pelo
poder e realizadas sob o nome da religião,
"A excomunhão" era a arma do Catolicismo, que naquela época equivalia à morte social. O Imperador
Frederico l Barba-Roxa foi obrigado a pedir perdão ao Papa Alexandre III por ter sido excomungado, e.
Henrique II da Inglaterra foi forçado a render-se ao Papa,
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diante do esquife de Thomas Becket, por ele assassinado.


A Cúria Romana (Corte do Papado) tinha extensa possessão territorial e.na realidade formava uma
nação eclesiástica. Arrecadava grandes somas em dinheiro, através dos dízimos, dos primeiros salários,
donativos, taxas e outras espécies de privilégios. Dizia-se que a Corte do Papado no século XIII possuía
renda maior que a renda total de todos os reinados dos países da Europa. Assim, a Unidade Estado-lgreja da
Idade Média resultava em coisas absurdas, e ali, não havia o mínimo senso de amor e solidariedade aos
humildes.
Em contraste com a teocracia Cristã, no Budismo não há nenhum ensino que recomende a participação
dos bonzos na política. Como discípulos do Buda, eles são cumpridores das missões de aperfeiçoamento das
práticas budistas, de propagar os ensinos do Buda à sociedade, de herdar o Verdadeiro Budismo para
transmitir fielmente o Ensino para a posteridade e de salvar os povos.
Isso está evidente no Nehangyo, a Sutra Nirvana:
— Nessa época havia um bonzo chamado Kakutoku quê cumpria fielmente a prática dos mandamentos.
Viviam também numerosos bonzos transgressores dos mandamentos que, ouvindo esta pregação, reagiram
com ódio e agrediram aquele bonzo com espadas e varas. Nesta ocasião o rei chamado Utoku, ao tomar
conhecimento dos fatos, foi imediatamente ao local onde se achava o pregador para protegê-lo e lutar contra
os inúmeros bonzos maus e transgressores dos mandamentos. Assim, o pregador conseguiu escapar do
perigo. O rei, nestas circunstâncias, recebeu numerosos ferimentos em todo o corpo e não encontrou lugar
que não houvesse derramamento de sangue.
Esta luta do ReilJtoku corresponde à verdadeira ati-vidade política, isto é, ao trabalho do Obutsu-
Myogo. Não
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há nenhuma pretensão em transformar o Rei Utoku em bonzo, ou fazer o Bonzo Kakutoku realizar os
trabalhos políticos para unificar a Religião ao Estado.
O Verdadeiro Budismo, desde o inicio vem adotando a separação da Religião e do Estado; esse assunto
não surgiu de uma opinião posterior que resolveu a separação da religião e da política. Além disso, a
Verdadeira Religião prega a Filisofia-da-Vida, visando a Revolução Humana e concretiza a Felicidade
Eterna de cada um. Aqueles que conseguem concretizar esta felicidade, procuram realizar a política do
Obutsu-Myogo com a sua excepcional inteligência e coragem.
Apesar de estar claramente definida a relação entre o Estado e a Religião, ainda há críticos que fazem
obje-ções contra a Teoria do Obutsu-Myogo, procurando interpretá-la como sendo o retorno à Unidade
Estado-lgreja ou Unidade PolÍtico-Cerimonial (Saissei-Itti), mostrando evidentemente suas críticas
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agressivas e sem fundamentos.
A Teoria do Obutsu-Myogo, como um princípio básico da política, possui o seu fundamento que é a
Filosofia da Lei Suprema do Budismo.
Numerosas plantas germinam, crescem num solo fértil e dão frutos abundantes- Se o solo não é fértil, as
plantas que crescem serão sub-desenvolvidas. Igualmente, a política, a economia, ou a arte possuem requi-
sitos muito importantes que vêm a ser a filosofia que irá servir de base. Certamente há altos e baixos, ou su -
perficialidade e profundidade na filosofia.
Quer seja Filosofia materialista, quer seja Espiritualista, ambas possuem um tipo de visão unilateral e
está claro que assim sendo, jamais poderão servir de bases para a criação de uma nova era. Por outro lado, o
Governo que não possui uma Filosofia ou que não adota um princípio político é como uma planta aquática
sem raiz.
201

Jossei Toda reconhecia profundamente que a ignorância sobre a religião era o maior inimigo dos
tempos modernos. Esse espesso paredão da ignorância precipitava-se à sua frente, como o alto muro da
prisão. Aquele muro do presidio onde vivera há cinco anos, era assaz insignificante, comparando-o com
aquele enorme paredão da ignorância.
Experimente bater a cabeça das pessoas que dizem ser intelectuais. Na certa, obterá ressonâncias de
pedra. quando se falar em religião. . Se é um especialista em assuntos religiosos, a ignorância a respeito do
certo e de errado ou, da superioridade e da inferioridade das religiões, apresenta-se ainda mais temivelmente
obstinada. Sua salvação é praticamente impossível. Em virtude do arraigamento a essa ignorância, a nação
foi conduzida à derrota. Apesar de o país ter sido derrotado, ninguém desejava se livrar dessa ignorância.
Jossei Toda resolveu agir com firmeza.
— Não há outro meio senão lançar a Filosofia-da-Vi-da de Nitiren Daishonin, a Essência do Budismo
de Mappo, contra esse paredão teimoso.
— O primeiro passo para a Paz Mundial é justamente sua aplicação na prática.
Até alcançarmos a Paz Mundial, não devemos esquecer o seu avanço passo a passo, mesmo que, até lá,
a caminhada pareça ter mil milhas. No momento em que desapareceu a proteçâo do Estado em favor do
Xintoísmo, Toda deu um passo à frente e firmemente, abraçando consigo a intenção de Nitiren Daishonin.
— A jornada de mil milhas deve começar com o primeiro passo.
A fim de romper o primeiro paredão, Toda estava decidido a suportar toda espécie de dificuldades.
Como o primeiro passo enérgico, resolveu dar início á fição do Hokekyo (a Sutra de Lótus).
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Para os ouvidos de quem poderia então lecionar ? No seu intimo, analisou muitas pessoas. Todas pare-
ciam estar surdas. A cabeça das pessoas estavam cheias de assuntos de alimentações e de artigos para o con -
trabando, Uma vez que surge o problema de dinheiro, todos voltam as atenções a esse assunto. Haveriam
dessa maneira, ouvidos que voltariam as atenções às roupas e às moradias, porém onde estariam as pessoas
que poderiam voltar os ouvidos ao Hokekyo ?
— Ou será que serei obrigado a pregar contra o paredão de pedra? Não existem ouvidos atenciosos à
procura do Verdadeiro Budismo ? Apesar disso, eu preciso ensinar!
Toda estava perdido.
Nesse instante, surgiu na sua mente, as figuras daqueles quatro economistas que lhe faziam visitas.
— Sejam quem forem, possuem oito ouvidos e procuram-me sempre.
Uma noite Jossei Toda disse a esses oito ouvidos:
— O fato de estarmos sempre bebendo assim, não traz nenhum proveito. O que vocês acham se
iniciarmos o estudo do Hokekyo ?
— O quê? H-o-k-e-k-y-o!! disse Yoitiro Honda, com atitude desapontada e com olhar embriagado em
consequência da bebida.
— é o Hokekyo. é a Sutra de Lótus de 28 capítulos. Há muito tempo vocês não estão em contacto com
eie não acham ? Sem conhecer o seu significado, de nada adiantará clamar Kossen-rufu e mais Kossen-
rufu,.. como poderia dizer. . . Realmente é um ensino fantástico, este Hokekyo. - Toda começou a falar
impacientemente e com atitude eufórica. Por estranho que pareça, aquele primeiro volume de Myoho-
rengue-kyo que havia sido enviado à prisão e que ele recusara, novamente vol tara a ele. Após repetidas
remessas e recusas, tinalmen-
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te, resolveu ler o Hokekyo com mais profundidade. Então, experimentou uma alegria jamais sentida
antes e que até fez estremecer o seu corpo. Nesta ocasião, relatou as impressões daquela época com estas e
mais experiências suas.
Os olhos de Toda brilhavam intensamente atrás dos óculos. Fascinados pêlos relatos de Toda, os
quatro, permaneciam seriamente atentos a ele, captando com grande interesse os relatos.

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— Isso mesmo ! Isso mesmo ! Vamos solicitar ao Sr. Toda. . . para que nós possamos ouvir a lição do
Hokekyo ? Não é mesmo, Kitagawa ? Kizo Iwamori perguntou-lhe com atitude persuasiva, voltando os
olhos ao Nao-saku Kitagawa que se achava ao seu lado :
— Concordo ! É uma boa ideia ! Uma vez eu desejei ler o Hokekyo profundamente. Entretanto ficou
somente no pensamento, porque aqueles caracteres chineses me arrepiavam de horror e não conseguiu levar
avante. Agora que o Sr. Toda vai nos ensinar, nós seremos muito gratos. é como um barco na travessia.
Kitagawa estava totalmente favorável. Ressaltava que o Hokekyo é difícil de compreender... Yoitiro
Hon-da interrompeu :
— Como o Sr. Toda conseguiu ler'facilmente na prisão, uma coisa tão difícil... é deveras surpreendente
l!
Toda permanecia indiferente e silencioso. Começou a falar tranquilamente sem se referir a alguém em
particular :
— Pelo menos reconheço a punição divina, se eu ensinar de maneira arbitrária.
— Não, não. Não estou duvidando dos conhecimentos do Sr. Toda. Chegou a hora de nós fazermos
também o Hosshaku-Kempon (mudança drástica). Sr. Toda. eu também desejo ser o seu discípulo. Por
favor.
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Yoiti Fujissaki, como sempre, era habilidoso em cortejar a sugestão dos outros. Mas, no momento Toda
estava desapontado com a resposta do seu velho amigo.
— Será que não passa de uma cortesia--.? Até onde vai a sinceridade. . -? Na realidade, teria pelo
menos um pouco de sinceridade..-?
No intimo ele estava preocupado. Mas.. .
— Espere ! é melhor pensar que estou pregando aos oito ouvidos que estão aqui, em vez de pensar que
são quatro velhos amigos. — Pretendeu conservar cuidadosamente esses oito ouvidos que estavam perto
dele.
Toda incutiu profundamente no seu peito, que a paciência é o alicerce no êxito para as grandes
realizações.
O escritório estava se tornando frio com o aprofundar da noite. Ele despejou Shotyu (bebida forte) nos
copos que- havia em cima da mesa, em número de cinco e esvaziou completamente a garrafa.
— Vamos encerrar por aqui hoje. Saudemos com brindes e viva, à explanação sobre a Sutra de Lótus
(Hokekyo kogui)!!
Os corpos das cinco pessoas levantaram-se animadamente debaixo da lâmpada escura.
Deixando o copo sobre a mesa, Fujissaki disse como se estivesse dirigindo o ritmo da música :
— A aprovação foi unânime. Mas quando poderemos dar inicio à lição ?
— Pode ser qualquer dia. Mesmo amanhã... Kitagawa disse espontaneamente, impelido pela euforia do
álcool.
— Assim não é possível! Ainda não possuo o Hokekyo.
— Eu também não possuo ainda. Preciso procurar em algum lugar.
As aprovações unânimes dos diretores, uma vez che-
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gada a hora da atuaçâo na prática tornaram-se problemáticas.


Toda disse sorrindo, como se estivesse consolando as pessoas :
— O Hokeyko não Irá fugir. Estamos no fim do ano e não podemos ter paciência agora; portanto vamos
deixar a partida à explanação no próximo ano. em Daisseklp e daremos o inicio à lição do Hokekyo lá no
Templo Supremo de Fuji. Até lá poderemos adquirir os nossos livros.
— Isso mesmo ! Isso mesmo !
— Isso mesmo ! É uma boa ideia !
Manifestando as vozes de aprovação, foram para a rua.
Uma rajada de vento frio de inverno atravessou as ruas escuras. Levantando bem alto a gola do
sobretudo. guardando as mãos nos bolsos, foram apressadamente em direçào à estação. Felizmente, estavam
com o corpo envolvido por sobretudo. Entretanto, muitos pedestres e muitos passageiros da plataforma da
estação não possuíam mantos ou capas. As vitimas da guerra haviam perdido as roupas de inverno. Aquele
manto guardado no pacote dos desmobilizados Já havia sido trocado por géneros alimentícios.
Era um terrível fim de ano experimentado no primeiro ano após a cessação do fogo.
As ruas estavam repletas desses dez milhões de desempregados, Uns transformados em carregadores,
enfrentavam seriamente a luta pela vida, dia após dia. A vida familiar na maioria das cidades chegou a tal
ponto que não se podia nem preparar botos de arroz (moti) para comemorar habitualmente o Ano Novo.
Com apenas minguas de arroz não refinado, e ainda por cima racionado, tiveram que se conformar em fazer
Kowameshi (arroz e feijão cozidos a vapor). As crianças inocentes passaram
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tristes e desapontadas na véspera do Ano Novo sem o bolo de arroz.
Por outro lado, a inflação peculiar, economia de após-guerra, marchara funesta e progressivamente. Era
justamente a sensação de fome a um passo para a ina-nição que estava soprando no céu frio sobre a fileira de
ilhas japonesas.
No meio desta vida social calamitosa, estava sendo acelerado a passos firmes, a chamada "Revolução
de pós-guerra". pelas mãos do Quartel General.
Ninguém podia deter essa ordem. Jamais se poderia deter essa força. — Diante dessa correnteza
irresistível da época, as pessoas encapsulavam-se dentro de seu egoísmo, procurando se defender apenas
para a preservação do próprio corpo. Nada podiam fazer senão permanecerem atónitos diante da marcha da
evolução dos tempos como a correnteza de um grande rio.
Apesar disto, se é um verdadeiro líder, deve julgar friamente a realidade e descobrir as diretrizes para o
bem estar do futuro. Quantos lideres dotados de responsabilidade. coragem e visão existiam naquela época ?
Dia 9 de dezembro — o Quartel General oficialmente ordenou a "Reforma Agrária" — Esta reforma em
grande escala determinou a emancipação dos homens do campo, que se mantinham ainda no velho sistema
feudal. Era um incentivo para reconstruir democraticamente e vida agrícola do Japão. Foi uma reforma tão
drástica e avançada, que os próprios americanos ainda não haviam tentado em seu país.
No dia 15 foi ordenada a Separação do Xintoismo e do Estado.
No dia 17, foi anunciada a Reforma da Lei Eleitoral para a Camará dos Deputados, o reconhecimento
do direito ao voto feminino e a aprovação do Sistema de Eleição Majoritária.
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No dia seguinte, 18 de dezembro, foi dissolvida a Assembleia Assistencial às Normas Imperiais. Dentro
de 30 dias após a dissolução, dever-se-ia realizar a Eleição Geral, mas o Quartel General que desejava a
mudança radical na estrutura política, ordenou que a eleição fosse adiada para abril do ano próximo. A nova
Constituição do Japão estava ainda em fase de franca elaboração.
No meio do desinteresse político do povo prostrado, os Projetos de Ocupação estavam sendo postos em
prática uns após outros, em pouco espaço de tempo. Chegado o dia 21 de dezembro o Quartel General
anunciou que as principais ordenações a respeito da democratização do Japão, isto é, o seu primeiro período
já estava sendo encerrado. Foi pronunciado o seguinte; "Com a destruição do Estado Xintoista, foi retirada a
raiz do mal que sustentava o regime imperial agora completamente eliminada-.."
Quem mais alivio sentiu foram os lideres do governo daquela época. Pensaram que, com isso, a posição
do Imperador e a permanência do Regime Imperial haviam entrado para dentro da faixa de segurança.
Desde o dia 15 de agiosto, iam-se acumulando os fatos ainda não experimentados pelo povo japonês.
Movimentando-se para a direita, esbarrando-se para a esquerda, perdendo-se no meio da confusão, vivendo
nos ambientes de escuridão, exaustos pelo cansaço físico... foi assim que a nação recebeu o ano de 1946.
Jossei Toda manteve-se íntegro sem que por nada deixasse influenciar. Em meio às intensas e rápidas
transformações externas, durante todo esse tempo, não deixava de acreditar na inteligência do Buda. Sob
estas ondas da época, dirigia seu barco sem falhar a direção. O firme progresso de seu negocio era a prova da
infabi-lidade. As ideias democráticas como a filosofia da salvação nacional da época, ecoavam em todo o
país como
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se fosse o único meio de salvação, e, em todos os lugares estavam sendo repetidas as palavras
"democratização" e democracia. Para ele, isso não passava senão de uma simples onda.
A sua consciência profundamente "ad integrun". não estava no meio dos movimentos sucessivos
aparentes da moda. A sua paixão somente se dirigia a uma única meta que era a Paz Mundial e baseada na
Filosofia-da-
•Vida de Nitiren Daishonin, este idealismo arraigava-se no seu espírito, como raízes profundas e
resistentes, Estava mais do que convicto de que somente esta Filosofia-
-tía-Vida deveria realmente ser o alicerce da verdadeira democracia do Japão.
Tão cedo e já havia percebido que :
— O sistema político e a estrutura social são como pJifícios. Se a base do edifício não for resistente
como ,-cderá ser perdurável?
Ano de 1946. Ano Novo.
As três horas da tarde aproximadamente, Jossei To-aa desceu à estação de Fujinomiya, Linha Tokaido.
Seus acompanhantes eram três pessoas: Yoiti Fujissaki, Naossaku Kitagawa e Kisô Iwamori. Desde Tóquio
o trem vinha repleto de passageiros. Durante seis horas de viagem, Iodos permaneceram em pé e ao
descerem em frente à estação, estavam totalmente exaustos. Foram informados de que precisariam esperar
mais duas horas e meia, a fim de fazer baldeações para poderem tomar o trem da Linha Minobu.
O céu estava límpido e soprava um vento frio.
Apesar de ser o dia do Ano Novo, raramente se via nas casas enfileiradas naquele clima frio, as orna-
mentações com os ramos de pinho. Somente o majestoso Fuji se projetava belo e altivo no céu azul, com a
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sua densa cobertura de neve completamente branca.
— Como é maravilhoso o Fuji' Está lindo como
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sempre, murmurou Toda, contemplando com os olhos semi-cerrados. Todos voltaram os olhos em
direção ao Fuji e permaneceram em silêncio por um momento-Toda semiu-se inspirado nesse instante
-- Durante a guerra, os aviões americanos vieram bombardear intensamente o Japão, procurando
focalizar o Fuji como referência. Os tempos mudaram e daquele momento em diante, tendo como centro o
Fuji, propagaria o Budismo de Nitiren Daishonin para a construção da paz mundial e da mais elevada
civilização humana,
Para Toda e seus acompanhantes, aquela imagem do Fuji era uma nova paisagem vista após tantos anos.
Surgiu na mente de todos aquela lembrança panorâmica do Templo Geral e Supremo de Daissekiji,
situado no coração da floresta de enormes cedros na encosta desse Fuji e o Dai-Gohonzon cuidadosamente
consagrado no Templo dos Tesouros (Gohozô)
Fuji é o símbolo do Japão e deve ser o monte mais grandioso do mundo. Os tratados clássicos dos
antigos denominaram o monte de Taho-Fuji-Dai-Niti-Rengue-Zan. Merece atenção, o enigma desta feliz
coincidência com o nome de Nitiren Daishonin. O Fuji tem oito picos em forma de folhas concêntricas, que
faz lembrar o significado de oito pétalas da flor de Lo-tus ou os oito volumes de Myoho-rengue-kyo.
Seja o que for, Toda pensou: "se pudesse exemplificar a personalidade de Nitiren Daishonin no mundo
objetivo, desejaria opinar que Ele teria sido como este monte Fuji sagrado,"
Da estação até tá havia 21 km. Era só chegar até à base da montanha... Eles começaram a ficar impa -
cientes, esquecendo-se do cansaço da viagem Alguns queriam chegar a pé, dando esse palpite bastante
animados.
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Em frente à estação havia um ponto de táxi, que outrora eles utilizaram frequentemente. Dentro da ga -
ragem empoeirada havia dois carros antigos. Kitagawa foi logo entrando naquela garagem e disse ao dono:
— Por favor, não poderia nos levar até o Daisse-kiji?
— Daissekiji?
O dono apareceu do fundo e mostrou-se assustado ao ver o visitante inoportuno. Com a fisionomia
desconfiada, observou Kitagawa e deu um sorriso amarelo.
— Para Daissekiji? Sinto muito! Por favor, peço que me desculpem, mas não posso,
Era uma resposta francamente negativa.
— Aquele não funciona? disse Kitagawa, olhando o carro todo empoeirado.
— Não, ele não está quebrado. Mas, até Daissekiji . , O motor não está em condições. Por favor, deixe-
me descansar pelo menos no dia do Ano Novo. Respondeu amargamente o dono. Nesse instante, entrou
Fujissaki e reforçou:
— Nós temos um doente. Peço um favor. Ajude-nos, por favor,
— Pagarei um bom preço. Dê um jeito, por favor. Kitagawa insistiu também no pedido, O dono per -
maneceu em silêncio sem resposta, desviando a face esfumaçada para baixo. De vez em quando observava a
ambos por cima dos olhos.
Kitagawa percebeu. — Há "pulso". Vai conseguir.
— Seremos gratos pelo seu favor. — dito isto, Kitagawa retirou rapidamente as notas da sua carteira.
O preço que o dono pedira estava excepcionalmente acima do normal, entretanto, pensando no bonde
superlotado que ia até Fujinomiya e o caminho a pé que teria que fazer dai por diante, achou que ainda assim
seria um bom negócio.
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— Se o motor falhar no meio do caminho, peço aos senhores que se conformem. — dito isso, o homem
de meia idade, vestiu a roupa de serviço.
Era um carro movido a gasogénio. Dai para a frente tornar-se-ia bastante penoso. O dono que era tam-
bém motorista, jorrou fragmentos de carvão no tubo de gasogénio e começou a virar a manivela do
ventilador. Em seguida, fumaças brancas começaram a sair através do fino tubo da chaminé.
Esse carro que se mostrava tão estranho, foi o que inicialmente mais chamou a atenção dos soldados e
oficiais das Forças de Ocupação. Foram fotografados com muito cuidado, como se fossem monstros
misteriosos que estavam sendo descobertos. Após o bloqueio marítimo, fora interrompida a importação de
petróleo e os inventores descobriram um meio de mover os carros, utilizando-se dos gases provenientes do
carvão de pedra ou de lenha,
Sem dúvida, a necessidade é a mãe das invenções.
Todos os carros do país inteiro, com exceção dos de usos bélicos, precisavam usar carvão ou lenha
como combustível. Por isso, os caminhões, automóveis e até ônibus, eram movidos a gasogénio. A potência
calculada em HP era bem fraca e falhava frequentemente.
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Era, portanto, natural que o motorista se sentisse inseguro. O caminho de 21 quilómetros até Daissekiji
é uma subida lenta. Ele não tinha confiança no carro,
— Vamos, queiram entrar todos no carro, disse o dono.
Decorridos quarenta minutos de maneiras grotescas. seu rosto mostrava-se completamente preto, com a
fisionomia de um verdadeiro carvoeiro.
Ao sair do perímetro urbano de Fujinomiya.-o caminho ia se tomando cada vez mais acidentado,
fazendo os passageiros darem cabeçadas no teto com os sola-
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vancos do carro. Assim mesmo, eles estavam animados, dando gargalhai i^ em altas vozes.
— é uma jornada difícil e penosa (Nangyô-Kugyo), disse Kizó Iwamori, segurando cuidadosamente as
duas garrafas de saké.
Os campos mostravam-se desolados porque as árvores e as plantas tinham suas folhas caídas devido ao
inverno.
Refletindo o brilho dourado do pôr do sol, o Monte Fuji apresentava-se com a superfície inteiramente
coberta de neve. Ao longo da estrada, havia montes de madeiras cortadas, isoladamente aqui e ali.
Quando o carro chegava a uma subida forte, a velocidade diminuía subitamente a ponto de temer se ia
parar ou seguir; marchava com sucessivos embalos.
— Até que enfim, conseguimos chegar ao Daissekiji, disse Toda, com expressão alegre, quando viu a
floresta densa de cedros. Desceu do carro ao chegar em frente do San-Mon, o portão de entrada do Templo
Supremo de Daissekiji.
Gigantescos cedros de seiscentos a setecentos anos, cercavam completamente o majestoso portão de
entrada, San-Mon. Este portão vermelho do Templo Supremo foi construído com a doação da Sra. Tennei-
in, a esposa do 6.° Suserano Feudal lenobu Tokugawa. Indiscutivelmente, pertence à categoria de relíquia
nacional e realmente, a suntuosidade do San-Mon corresponde à dignidade como portão de entrada do
Templo Supremo da Nitiren Shoshu. Sua pintura vermelha estava desbotada em alguns lugares e parecia
estar esperando o retoque de uma nova pintura após longos anos de ventos e neves. Eles se emocionaram ao
se encontrar com as colunas maciças de madeiras.
Recitando Daimoku três vezes diante do San-Mon,
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os quatro peregrinos saíram sobre es pavimentos de pedra, entusiasticamente com o coração palpitante.
Não navia uma pessoa sequer e sim u'"? silêncio completo naquele panorama de inverno. Pe-ceoeram o
ar de desolação que dominava em volta do templo, mas ninguém tocou no assunto.
Deixaram as suas bagagens no pavilhão Rikyobô, o alojamento n.° 2 e cumprimentaram o bonzo que
viera recefcé-fos pedindo desculpas pela longa ausência. Em seguida, oferecendo chá quente, o bonzo
começou a falar saudosa e amavelmente sobre diversos assuntos,
O Templo Supremo tem a via de acesso em linha reta do portão de San-Mon até o Templo Mieido. Em
cada lado dessa via. há seis alojamentos num total de doze prédios em fila dupla. O último alojamento à es-
querda é o Rikyobô. Desde os tempos do falecido Presidente Makiguti, este prédio vem sendo utilizado
especialmente peia Gakkai, a pedido dele e concedido pelo "emplo Supremo.
Quando o bonzo se referiu ao assunto do incêndio do Salão de Recepção, Toda levantou-se
imediatamente.
Os quatro visitantes saíram pêlos fundos do alojamento pisando a tábua que atravessava um pequeno
córrego e foram ao Jardim. Já não se via mais aqueie Salão de Recepção; via-se somente a vasta ruína,
Os quatro juntaram-se num canto e permaneceram desapontados por muito tempo.
— é a terra sagrada que será no futuro próximo o centro do mundo! Este Ryojusen, a morada dos
Budas, agora está completamente arrasado com a derrota do Japão. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que
o Japão foi destruído em consequência dos maus tratos ao Templo Supremo e ao Dai-Gohonzon de toda a
humanidade. Do fundo do coração eles sentiam a convicção de que a reconstrução do Templo Supremo é a
base
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fundamental para a reconstrução do Japão.


De acordo com a pesquisa do Departamento dos Assuntos Religiosos do Ministério da Educação, em
fins de 1939, a comparação entre a Nitiren Shoshu e demais seitas com nome de Nitiren Shu é o que se
segue' Templos (Jiin):
Nitiren Shoshu 75 Seitas Nitirenshu 4.962 Bonzos (Jushoku);
Nitiren Shoshu 52 Seitas Nitirenshu 4.451 Devotos (Danto):
Nitiren Shoshu 46.332 Seitas Nitirenshu 2.074.530 Crentes (Shinto):
Nitiren Shoshu 40.209 Seitas Nitirenshu 1.318.521
(Anuário Mainiti, 1942)
73
Os devotos são aqueles que 1.°: acreditam em sua doutrina religiosa; 2.°: seguem toda cerimónia ritual
do templo a que pertencem; e 3.°: defendem o seu templo. Aos crentes é excluído o item 2.
Em 1900, o governo veio a proibir mais uma vez a construção de novos templos. Esta determinação
continuou em vigor, na verdade até o final da guerra, portanto, mais de 40 anos. Mas, em virtude da pressão
dos países estrangeiros como os Estados Unidos, foram permitidas as construções de igrejas católicas
chamadas "Kyokai". Assim sendo, os budistas também construíram os seus templos com a autorização do
governo sob a denominação de "Kyokai". Não eram permitidas a manutenção de cemitérios e de restos
mortais dentro das áreas da igreja.
A Nitiren Shoshu construiu também mais de trinta (30) templos sob formas de igrejas. Portanto,
naquele
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anuário que registra os 75 templos não estão incluídos este número de igrejas. Ma verdade, contava no
total, mars de 100 templos,
Assim mesmo, não passava de uma unidade religiosa realmente muito pequena. Entretanto, a
legitimidade do Verdadeiro Budismo de Nitiren Daishonin foi conservada com toda a sua pureza pela
incessante dedicação corajosa desta pequena unidade religiosa. Durante o período de seiscentos e tantos anos
desde o falecimento de Nitiren Daishonin, quantos ventos e quantas neves de sacrifícios e abnegações, viera
suportando através dos tempos!
Mesmo aqueles funcionários do governo foram impor a ordem de unificação das seitas Nitiren para
subordinarem à seita do Monte Minobu, durante a guerra não conseguindo a sujeição da Nitiren Shoshu,
diziam: "Realmente, é uma unidade religiosa tão dura como arame de aço". Desejaria externar o profundo
respeito e gratidão em consideração à obra meritória dos Gosso-ryos (bonzos) que vem defendendo e
conservando a Suprema Doutrina de Nitiren Daishonin com toda sua pureza até os dias de hoje. Além disso,
a realização das cerimónias de "Ushitora-Gongyo*" para o alcance da paz mundial e da felicidade da nação
(Kossen-rufu e do Obutsu-Myogo), sem falhar um dia sequer, promovidas diretamente pêlos próprios Sumo
Prelados sucessores. Aonde poderá encontrar hoje em dia unidade religiosa assim tão pura e tão ardente de
benevolência?
Toda começou a caminhar comi dor no coração. Ao chegar em frente do Templo das relíquias
(Gohozô), inclinou-se em sinal de respeito profundo, abaixando ao máximo a sua cabeça.
A seguir, junto com seus três companheiros, foi
Ushitora-Gongyo * Cerimónia especial à meia-noite.
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dar voltas ao redor do Templo Mieido envolvido de cor escurecida.
Terminadas as suas preces no Templo Mieido, os quatro peregrinos desceram as escadarias.
Interrompiam por várias vezes as suas caminhadas e permaneciam imóveis, observando de longe os
telhados do templo, preocupando-se em certificar se cairiam ou não as goteiras nos tempos de chuva,
A Torre do Gongo estava meio inclinada. Infelizmente isso não podia ser reconhecido através dos seus
óculos de grau acentuado. Por outro lado sentia o corpo gelado durante aquele passeio. Certamente, não era
apenas o frio da tarde que lhe fazia mal. Nunca podia imaginar que aquela descrição da devastação do Tem -
plo Supremo informada pelo Revmo. Nitijun fosse assim.
O choque emocional foi intensamente profundo.
Na verdade era o aspecto real do iminente desaparecimento do Verdadeiro Ensino (Byakuhô-Onmotsu).
Ele nada disse a esse respeito. Porém, seu peito e fé inabalável estavam repletos de indignações.
Terminara a guerra que mais parecia um sonho diabólico. Mas Toda não podia deixar de crer que ainda
permanecia em continuação, o desenrolamento dos mesmos sonhos diabólicos.
Afinal o que significaria essa paisagem monótona de primeira peregrinação no Ano Novo? No abrigo
de Rikyobò não havia senão essas quatro pessoas. Na peregrinação de 1942, o ambiente estava animado,
com mais de cem pessoas participantes, promovida pela Soka-Kyoiku-Gakkai encabeçado peio Presidente
Makiguti. Todos trocavam saudações de Ano Novo e cada um o comemorava com ardentes esperanças no
porvir,
A título de curiosidade examinei o livro de registro dos peregrinos do Rikyobõ na época da guerra- No
ano da derrota, em 1945, de janeiro a dezembro, os partici-
217
uma minoria havia visitado após 15 de agosto até o fim desse ano,
Mesmo que tomasse em consideração as condições adversas como a limitação do trânsito, o
congestionamento, etc., é realmente inacreditável para aqueles que conhecem a Nitiren Shoshu de hoje, que
conduz mais de 200.000 pessoas mensalmente para o Daissekiji-
As palavras "Tojo-Kengo"' e "Byakuhô-Onmotsu", nascidas do coração de Toda, não possuíam nenhum
exagero, "ToJO-Kengo", a luta ferrenha, é como a guerra no Pacifico. Daqui para diante, até ao alcance da
Paz Mundial, os companheiros japoneses, bem como a humanidade qetestarão as repetições das guerras
trágicas. É o momento em que irá se apagar o Verdadeiro Ensino. Isto se chama "Byakuhô-Onmotsu". — A
realização do "Kossen-rufu" é tão segura, como acertar com uma flecha, a mira marcada sobre a terra diante
dos pés. — Esta profecia de Nitiren Daishonin, agora, realmente, está sendo violada, expostas a um passo do
74
perigo iminente de sua aniquilação.
As dificuldades do Templo Supremo foram se intensificando cada vez mais mesmo após o término da
guerra. Esta unidade religiosa que veio mantendo a honrosa tradição desde há mais de 600 anos sem receber
nenhuma doação dos descrentes ou dos hereges budistas, veio a perder grandes áreas de terras em virtude do
confisco da nova Reforma Agrária. Isso trouxe graves consequências financeiras e resultados desastrosos.
A "Lei do Reajuste das Terras e das Fazendas'' na sua primeira e segunda aplicação, confiscou cerca de
250 acres de extensão- Os arrozais, as granjas e até as florestas foram confiscados pelo governo a preços bai -
xos, praticamente de graça. Além disso as áreas não atingidas pelo confisco, foram usurpadas e violadas pe-
218
los comunistas da vizinhança que eram os agentes da Reforma Agrária. O Templo sofreu seriamente
pêlos danos causados por esses sândalos. Esses comunistas, depois de certo tempo, desapareceram com
destino ignorado e até agora não se sabe para onde foram.
Como se não bastasse, o depósito de arroz também foi queimado junto com o incêndio do salão de
Recepção. Ali estavam sendo guardados mais de 300 sacos de arroz- Conseqüentemente, o Templo Supremo
sofreu sérias dificuldades de subsistência e ao mesmo tempo, profundos abalos financeiros.
A firme decisão de Jossei Toda, em caminhar sozinho, a jornada de mil milhas, resultou de sua
meditação após análise profunda a respeito da situação do Templo Supremo.
Esta Jornada de Mil Milhas, não poderia jamais ser uma formalidade. Era uma dura realidade.
Aí se achava a grandeza de Toda. é o espirito de iniciativa própria, de dar um passo firme, decisivo e in -
falível, na primeira Jornada de mil milhas.
O bonzo estava à espera da volta dos quatro visitantes ao alojamento Rikyobô para fazerem juntos O
Gongyo. O último Gongyo no Templo Supremo havia sido realizado há dois anos. Finda a cerimónia, o jan -
tar estava preparado; simples mas feito com o calor do coração.
Todos preparavam-se para o jantar, sentando-se juntos ao redor de um enorme aquecedor. Nesse
instante, Iwamori tentou abrir a garrafa de saké. Vendo isso, Toda disse com amargura:
— Um momento Sr. iwamori. Vamos apreciar calmamente depois, pois temos ainda o Hokekyo.
— É para esperar então? Eu não importo, mas dito isto, Iwamori foi guardar novamente a garrafa de sa-
ké num dos cantos da sala.
219
— Por favor, pense no sacrifício do explanador que t"sta aguentando o seu desejo irresistível, A essas
palavras de Toda Kltagawa sorriu e disse
— Sim Compreendo. É isso mesmo. Então logo que terminar
Após um peaueno descanso para fumar, Fujissaki trouxe duas mesas da sala do bonzo, estendeu-as jun-
tas no meio da sala principal e disse:
— Isto aqu; até parece uma escohnha do templo! Acercando-se de Toda, todos colocaram sobre a mesa
seus respectivos livros de Hokekyo e Gosho. A lâmpaca estava escura. Toda folheava o livro, tirando os
óculos. Parecia que esfregava a página com a face,,
— Vamos começar agora, a partir do Primeiro Capitulo Johon. a introdução do Hokekyo. Como eu não
posso ver claramente, peço lerem um após outro, alter-nadamente, dito isso, deixou o livro sobre a mesa.
Yoiti Fujissaki começou a ler primeiro:
Myohorenguekyo Johon Dai-lti.
Yõshin Sanzo Houshi Kumaraju Bushoyaku.
Nyoze Gamon. Itiji Butsuju. Oshajo. Guishakussen Tyu. Yodai Biku Shu.
Man Nicen Ninku. Kaize Arakan...
Fujissaki leu a primeira linha com muito esforço e apavorado, murmurou com suspiro-
— Não estou entendendo nada. Isto para mim é grego.
Riram todos juntos.
— Muito obrigado. Poderá entender melhor, se lerem a parte traduzida correspondente às escritas em
caracteres chineses, sugeriu Toda com sorriso,
A seguir então, Naossaki Kitagawa leu a tradução com tonalidades interessantes.
— Assim eu ouvi do Buda (Sakyamuni), quando ele morava no Castelo do Rei (Oshajo), situado no
Monte
220
dos Abutres (Guishakussen), acompanhado de uma multidão de vinte mil bonzos ilustres. Todos eles
eram sábios (Arakan)
— Isso mesmo! Agora estou compreendendo um pouco melhor, murmurou Kizô Iwamori com alivio.
Fu-jissaki riu pilhericamente. Kitagawa continuou a ler a linha.
Um silêncio completo havia retornado à sala principal. Apesar de o frio chegar, cada vez mais até às
quatro pessoas havia um calor radiante nas faces contrapostas debaixo de uma lâmpada escura.
Limpando os brônquios com a tosse, Toda começou a falar suavemente;
— Sakyamuni entrou na vida de sacerdócio aos 19 anos, assim revela o Dairon (Tratado escrito por
Ryuju, Bodhisattva da Índia), Tornou-se Buda aos 30 anos. Após então pregou durante 50 anos. Todos os
75
seus ensinos foram classificados em Cinco Períodos e Oito Ensinos (Goji-Hakkyo), Os Cinco Períodos
referem-se aos seus ensinos subdivididos em cinco épocas diferentes. E os Oito Ensinos são tipos de
assuntos contidos nelas-
— Assim, analisando com ampia visão, o Budismo de Sakyamuni através do estudo comparativo dos
cinco períodos e oito ensinos, chega-se à conclusão de que o Ensinamento de Myoho-rengue-kyo foi o seu
ensino supremo. é a espinha dorsal. É o cordão principal.
— Portanto, nunca poderão saber a essência do Budismo de Sakyamuni sem compreender o Myoho-
rengue-kyo. Além disso, não poderão reconhecer entre as duas correntes, o Budismo de Sakyamuni e o de
Mappo de Daishonin, sem aprender o conhecimento básico de Myoho-rengue-kyo.
Todos manifestaram-se concordantes, como se estivessem compreendendo.
—• São poucos, realmente, aqueles que conhecem o
221
Budismo, a avaliação do certo e do errado nas religiões. bem como a profundidade e a superficialidade
das doutrinas filosóficas.
— Não. Não existem tais pessoas atualmente. Na verdade há muitos que criticam frontatmente quando
se fala em religião. Entretanto, se perguntar sobre os critérios de julgamento das religiões, tais como "Shiju-
Ko-hai" ou "Sanju-Hiden*, eles dirão que não os conhecem. Se perguntasse a diferença entre Sakyamuni e
Amida,* eles não saberiam também responder Enquanto não se quebrar o tabu da ignorância do povo a
respeito das religiões e não se sanar a confusão dos pensamentos, não poderá ser eliminada a raiz da
infelicidade-
— Sendo assim, o melhor líder que o século XX necessita deve ser um homem possuidor de elevada
convicção no tocante à orientação do certo e do errado no Budismo
— Por que razão a Religião Única e Suprema não foi amplamente divulgada, apesar de evidente
superioridade revelada nas escrituras budistas?
— A causa disso provém da corrupção religiosa pêlos religiosos incompetentes e pêlos bonzos hereges.
Eles não vieram dizendo que o Hokekyo é o Supremo — ou porque eles não sabiam, ou se sabiam náo
tiveram coragem para dizer a verdade. Seja o que for, o certo é que eles perderam o espirito de procura e
devoção e, vie-rnm apenas se aproveitando para o interesse próprio deixando de salvar as pessoas- Não
existe outro exemplo tão improdutivo como este-
Toda continuou a lição do Hokekyo:
— A confusão que reina atualmente no Budismo é proveniente da falta de distinção entre o Budismo de
Nam-myoho-rengue-kyo de Nitiren Daishonin e do Budismo de Myono-rengue-kyo de Sakyamuni por parte
dos
222
estudiosos confusos que não conseguiram distinguir estas duas doutrinas.
— Necessariamente deve estar bem claro que o Ho-kekyo de 28 capítulos é o Budismo de Sakyamuni e
o Nam-myoko-rengue-kyo é o Budismo de Nitiren Daishonin. Eis aqui uma questão de máxima importância.
Os três companheiros que estavam com os olhos atentos sobre o livro, ergueram a cabeça ao mesmo
tempo.
A seguir, então, Toda assim dizendo, bebeu a água do copo que eslava sobre a mesa,
— Como a água do Templo Supremo é deliciosa! Então o que vem ser a entidade real do Myoho-
rengue-kyo? Nitiren Daishonin diz da seguinte maneira no Onguikuden:
— Myo é o Hossho (iluminação); Ho é Mumyo (ignorância); Mumyo e Hosho Juntos formam o Myoho
(Lei Mística), Rengue significa as duas leis de causa e efeito. Estas duas leis formam a lei da causalidade.
Chama-se Kyo, o conjunto de línguas, vozes e ruídos de todos os seres,
— Uma interpretação diz que as vozes revelam as ati-vidades do Buda e isso se chama Kyo. Por outro
lado diz, Kyo é a eternidade da vida nas três existências. Hokkai é Myoho (o universo é Nam-myoho-
rengue-kyo):
Hokkai é Rengue (o universo é regido pela lei da causa e efeito) e Hokkai é Kyo (o universo é a
existência da vida dos seres). Rengue é a entidade do ser iluminado chamado Hatiyo-Kusson (oito pétalas da
flor de Lotus e nove honoráveis Bossatsu que significa possessão mutua dos dez estados da vida assim como
o estado de Buda possui ao mesmo tempo os nove outros estados). Eis o que deve ser meditado sempre e
profundamente! Assim diz Nitiren Daishonin.
Com a face bem rente ao Gosho imprimido em ta-
223
manho reduzido. Toda procurava trazer a leitura aos ouvidos de todos.
— Bem, este trecho aqui parece ambiguo, mas enfim, o que Nitiren Daishonin quer dizer é o seguinte:
Myohc-rengue-kyo é a lei básica de todos os fenómenos do universo e a entidade real de todas as leis do
universo, todas as leis sobre as quais os fenómenos do Universo transfoimam-se a cada hora, a cada instante.
é o que se chama Myoho-rengue-kyo. Em outras palavras, em lingua atual, seria a vida do universo.
No momento em que Toda disse isso, Kitagawa interrompeu:
— Então, . . o que seremos nós, os seres humanos? Como será a nossa existência: é verdade que nós es-
tamos sendo guiados pelas leis do Universo?
76
— Não. Não é bem assim. Sobre esse assunto, Ni-tiren Daishonin diz claramente no Totai-Guishô da
seguinte maneira. Novamente Toda começou a ler, penetrando os seus olhos no Gosho.
— Pergunta: O que vem a ser a entidade real do Myoho-rengue-kyo?
— Resposta: São Dez Estados da Vida objetiva e sub-jetiva (Esho). Isso representa a Myoho-rengue-
kyo.
— Pergunta: Se assim é. os seres existentes como nós podem ser ditos que têm o corpo inteiramente de
Myoho?
— Resposta; Certamente. A sutra diz- -.!
— Pode ser que ainda estejam entendendo vagamente. Mas em resumo, o âmbito da vida chama-se Dez
Mundos, ou dez espécies de atividades da vida, desde a vida de inferno até á de Buda. Esses dez padrões de
vida são as espécies mais elementares de todos os tipos de vida do Universo.
Por outro lado, Esho é a abreviação de Eho e Sho-no. Shono refere-se á vida em si e Eho corresponde
ao m.io ambiente onde a vida exerce a sua atividade.
224
Toda dispendia esforços em fazê-los entender a filosofia da vida revelada no Gosho, explicando da ma-
neira mais minuciosa possível, e usando termos modernos. Se esta filosofia da vida fosse difundida à huma-
nidade mais de 3 bilhões de vidas seriam salvas total e eternamente. Toda possuía a absoluta convicção
disso.
Continuava expondo a filosofia da vida e como a prova escrita citava escrituras budistas. Temia o
Gaken fopiniâo própria) e por outro lado precisava provar que não era sua arbitrariedade (Gaken).
— Após o parágrafo citado, seguia-se a sentença escrita por Nannaku-Daishi (mentor de TÍen'tai). Por
que se chama Myoho-rengue-kyo? Resposta: Myo (misterioso) significa Shujo-Myo (o homem é um ser
misterioso) e Ho significa Shujo-Ho (o homem representa a lei das várias atividades e fenómenos) e assim
por diante.
— Além disso, Tendai diz: — Shujo é Shoho (o homem em si representa a Lei Mística), — etc.
— Portanto, nós que somos os próprios mortais comuns (Shujo), somos entidades de Myoho-rengue-
kyo. é Shujo-Myo — esta surpreendente realidade da vida, 'a harmonia da pele, músculos e ossos, as
divisões celulares, as manifestações nervosas, etc. É Shujo-Ho — produzir vitaminas, açúcares, hormônios,
etc.... em nosso corpo, como uma verdadeira fábrica de remédios.
— Enfim, Myoho é a fonte original da nossa energia vital. Podem pensar que é uma interpretação
forçada. Nada disso. A esse respeito, Nitiren Daishonin diz claramente no Onguikuden. Aí está a
magnificência de Nitiren Daishonin.
Novamente Toda tevou o Gosho às mãos. aproximou-o à sua face e mostrou-o folheando as páginas.
Ergueu-se em seguida, tomou a posição semi-sentada à procura de mais claridade e disse:
225
— é isso. mesmo! Está aqui...
— Posso ler? Onde está?
Fujissaki levantou-se, recebeu de Toda o Gosho aberto e iniciou a leitura em pé, debaixo da luz elétrica.
— é para ler aqui? — Nyorai é Buda; genericamente significa todos os Budas de todas as partes nas três
existências; particularmente significa Buda Origina! de Mussa-no-Sanjin. De acordo com a interpretação
nossa, Nyorai significa discípulos de Nitiren e assim sendo, Mussa-no-Sanjin é o próprio Devoto do
Hokekyo na Era de Mappo.
— Pronto. Até aí.
A leitura foi interrompida pela voz de Toda, cuja tonalidade estava forte e ardente.
À sua frente havia apenas três ouvintes. Entretart-to, sua lição parecia estar transformando numa
grandiosa pregação diante de multidões de pessoas.
— De acordo com a intenção de Nitiren Daishonin citada no Onguikuden (os Testamentos Orais à
posterio-ridade) que lemos há instantes atrás, podemos compreender que Nyorai (Buda) é Shujo (mortais
comuns). Isso quer dizer que todo mortal comum é Buda ou entidade de Myoho-rengue-kyo.
— Em nada difere do Totaiguisho lido há pouco tempo. Nós também somos Budas. Somos entidade de
Myoho-rengue-kyo. Assim diz o Gosho. Sem dúvida, não existe erro.
— Nós podemos pensar ou julgar arbitrariamente. O erro está apenas na opinião própria arbitrária. Seja
qual for o pensamento ou julgamento, Nitiren Daishonin afirma que — todos os mortais comuns são Budas,
Eis aqui a mediocridade e a incredulidade do homem comum. Por esse motivo as criaturas não podem ser li-
bertadas dos círculos viciosos dos Seis Estados de Vida (Rokudo-Rinne) e portanto, não podem construir a
fe-
226
Ncidade indestrutível. Realmente é um caso bastante
estúpido.
— Em seguida, Nítiren Daishonin nos ensina que Nam-myoho-rengue-kyo é o título honorifico do
devoto do Hokekyo na Era de Mappo. Isso significa que o próprio Niliren Daishonin é Nam-myoho-
rengue-kyo e é o Buda que deve ser aclamado com o nome de Nam-myoho--rengue-kyo.
77
— Assim, a entidade de Myoho-rengue-kyo do ponto de vista da pessoa é o homem comum (Bompu)
na Era de Mappo. Em outras palavras é Nitiren Daishonin. Do ponto de vista da Lei, a própria vida do
Universo é a Lei Mística do Myoho-rengue-kyo. Sendo assim, as nossas vidas estão integradas também no
Myoho do universo como a entidade do Myoho-rengue-kyo. Podemos dizer, então, que a nossa vida está
incorporada na vida do Universo, formando uma única, ou melhor, a mesma vida de Nam-myoho-rengue-
kyo do Universo.
— Portanto, podemos dizer que Buda é a nossa vida. Os três observaram atentamente a face de Toda.
Pareciam estar bastante surpreendidos, mas por outro lado, pareciam estar plenamente de acordo.
Não é necessário acompanhar o poder que não possui a reta razão da justiça. Mas, a atitude correia é
seguir a coisa certa e a força da justa causa da verdade.
— Vamos parar por aqui. Se enchermos os pequenos recipientes, desde o início com muitas lições, po-
dem-se estourar e não quero que ninguém rebente a cabeça.
Toda fechou as páginas do livro sorridentemente. Os três voltaram a si. As mesmas dúvidas surgiram
simultaneamente nas três pessoas. Não era sobre o Hokekyo — A dúvida deles era sobre a própria pessoa de
Toda.
227
— Que maravilha... Afinal, quando é que ele conseguiu aprender tanto assim?
Era um enigma que nenhum dos três conseguiu de" •cifrar naquela noite. Eles pareciam aqueles cinco
bonzos inclusive Anhakurin que ficaram profundamente emocionados ao ouvirem os sermões de Sakyamuni
no jardim Rokuyaon.
Estas três pessoas também ao tomar contato com a elevada nobreza espiritual de Toda através das lições
do Gosho, não tiveram palavras para expressar as suas emoções.
Não havia nada diferente no aspecto de Toda. Como sempre, ele possuía os óculos de graus acentuados,
a testa saliente e o sorriso humoristico-
— Está encerrada a lição inaugural. É Ano Novo. Vamos comemorar esta noite com sakê festivo
(Tossô). Sr, Iwamori, por favor... sim?
Iwamori trouxe aquela garrafa de sakê, que havia guardado antes. Removendo apressadamente o papel
de embrulho ele disse:
— Não, não é apenas um sakê festivo. É um artigo fino. é uma bebida muito especial para esta noite.
Num quarto, ao lado da sala principal envolvidos por um silêncio absoluto, eles brincavam trocando os
cálices de sakê. Os risos e as palestras humorísticas continuaram sem interrupção até altas horas da noite.
— A respeito da lição do Hokokyo exposto há pouco tempo atrás, foi dito que nós, os mortais comuns,
somos Budas, mas será que isso é verdade? Ah! Eu não posso compreender... murmurou Iwamori que é
fraco na bebida.
— Concordo. Se Iwamori fosse Buda, seria um Buda muito engraçado. Ah, ah, ah. Kitagawa brincou
com Iwamori. A seguir, Fujissaki disse a Kitagawa:
228
— Você também, se fosse Buda, não seria um Buda merecedor de digno respeito. Seria um Buda
boémio. Todos casram no riso ao mesmo tempo. Toda riu também:
— Mas, que espécies de Budas ajuntaram hoje?
Em continuação ás palavras sorridentes de Toda. Iwamori acrescentou seriamente:
— Eu não posso compreender que sou Buda...
Novamente surgiu a explosão de gargalhadas. Toda disse a Iwamori:
— Não se preocupe, Iwamort. Por não podermos compreender os dizeres de Nitiren Daishonin é que
somos considerados homens comuns (Bompu). Mesmo assim, apesar de Bompu, fazendo aluar a fé
intensamente e adquirindo a compreensão, todos conseguirão ser Budas. Isso é absolutamente certo. Não há
mortaf comum que continue sofrendo se dedicar fervorosamente ao Gohonzon e puser em prática
intensamente as três atividades: Fé-Ação-Estudo. Eis o poder de Nitiren Daishonin. O exemplo é o mesmo
quando comparamos um cientista que deseja chegar a compreender a sabedoria e o trabalho de Einsten.
Jamais chegaria a compreender se não estudasse, pesquisasse e reproduzisse as experiências como fez o
autor.
O assunto voltou novamente para o Hokekyo. O fogo do aquecedor está apagando. Que frio! —
involuntariamente os corpos tremiam. Sem perceber o avanço da noite, eles continuaram conversando até o
clarear da madrugada.
Na manhã do dia seguinte 2 de janeiro, eles foram receber audiências com 63.° Sumo Prelado Nitimam
Sho-nin e em seguida, foram participar do Gokaihi no Gohozô (o Templo do Tesouro). Após dois anos e
meio de ausência, viram nesta cerimónia de abertura das portas o
229
Dai-Gohonzon majestosamente consagrado e sentiram profundamente Sua força penetrar no peito.
Durante todo o tempo do Gongyo, Toda permaneceu imóvel. Parecia que se esquecia de sua própria
permanência no Gohozô.
O encontro com o Dai-Gohonzon após dois anos e meio. Na prisão, quantas vezes ele não sonhou com

78
esse momento , Durante todo o período na prisão o Dai-Gohonzon amparou gloriosa e calorosamente o seu
coração solitário.
— Jossei Toda. Retornei neste momento. ..
Bradou de coração no Gohozô, enquanto fazia Dai-moku intensivamente. Oferecia sua gratidão por ter
atravessado os anos e os meses de sofrimentos e de dificuldades. Além disso, relatava a nova decisão para a
Paz Mundial.
Naquele instante parecia sentir que o passado e o futuro se apagavam na longínqua distância. Apenas
existiam o Dai-Gohonzon e Jossei Toda. Entre ambos, havia somente a correnteza do senso vital que se
poderia dizer. a Vida Eterna- A eternidade é a cadeia contínua de ins tante a instante. É Vida Eterna, a
ininterrupta continuação de cada momento. A origem e a existência real deste instante é o Nam-myoho-
rengue-kyo.
Era também um dia agradável.
 tarde, a lição do Hokekyo foi reiniciado entre as quatro pessoas.
Ao cair do dia, Yoitiro Honda mostrou-se presente. Por motivo de negócios, partiu para a peregrinação
um dia atrasado. Veio acompanhado de duas senhoras, Katsu Kiyohara e Tame Izumida. Sem condução, e
apesar do frio, elas vieram de Fujinomiya a pé. Limpavam o escorrer do suor, dizendo:
— Como estou cansada. Como estou cansada. 230
Ambas eram discípulas da Escola de Makiguti e professoras 'do curso primário.
O marido da Sra. Izumida era militar, fora convocado para o campo de iuta do sudeste asiático, não
havia retornado ainda e não se sabia se estava vivo ou não.
Subitamente, o alojamento tornou-se animado.
O jantar foi aumentado para sete pessoas, e naturalmente o ambiente tornou-se mais animado-
— Estou gostando muito da lição do Hokekyo. Realmente, até a refeição torna-se mais gostosa. Você
não experimentou ainda? disse Kitagawa inocentemente. E twamori acrescentou mostrando uma fisionomia
com seriedade forçada.
— Ah! Isso mesmo. Aquele sakê tomado ontem à noite estava muito gostoso. Era então, por causa da
lição do Hokekyo?
— Hokekyo transforma até o sabor do sakê! Eu não havia percebido isso.
Nas palavras de Fujissaki, havia um senso de realidade.
O dia seguinte, 3 de janeiro, estava chovendo.
Com a admissão dos recém-chegados, a lição do Hokekyo passou a ser exposta duas vezes por dia, de
manhã e de tarde.
Kitagawa e a sua turma ficaram cada vez mais entusiasmados com a lição. Chegaram ao ponto de utili-
zar frases como "Hokekyo nem sempre é difícil de compreender ou de penetrar (Nangue-Nannyu)".
Dia 4, encerrou o 2.° Capitulo Hoben e deu início ao Hiyubon 3.°.
O dia estava agradável com um calor brando, A fisionomia dos aspirantes do Budismo, diante da mesa,
na sala com a porta de papel (Shoji) aberta, mostrava-se brilhante de ânimo e devoção. Pensou Toda,
olhando para eles:
231
— Agradeceria muito, de coração aberto, se eles compreendessem pelo menos um pouco. Mesmo que
não entendessem, não teria importância. Seja o que for, continuarei a lição até o fim.
Estava satisfeito por ter dado um passo para a jornada de Mi) Milhas.
— O teão anda sozinho no caminho das mil milhas sem nenhuma companhia. Eu irei, convicto, visando
o ideal da Paz Mundial. Marcharei sempre avante rompendo e transpondo os furacões tempestuosos e as
ondas furiosas de obstáculos e maldades. Enfrentarei. Lutarei. — Assim ele jurou firmemente consigo
mesmo.
O dia 5 também estava lindo e agradável.
Fuji, em pleno inverno — exatamente como as letras daquela Canção da República dos Estudantes
Colegiais (Ikkô-Ryoka) — coberta de pureza e da brancura da neve, mostrava vivamerrte a beleza do monte
misticamente majestosa.
À tarde foi a despedida. Todos dirigiam-se a cada locai memorável das áreas do Templo Supremo, com
muita nostalgia e saudade. Reuniram-se, em seguida, no focal do Salão de Recepção (Kyakuden) e sentaram-
se ond<= não mais existia o prédio, pois havia sido incendiado. Intuitivamente Toda sentou-se sobre a pedra
ao lado. Permaneceu imóvel, em silêncio e caiu em profunda contemplação.
As ruínas do Salão de Recepção estavam cercadas de altos cedros e apesar de sombras escuras, o local
estava cuidadosamente limpo.
As pedras quadradas que serviram de alicerces permaneciam af deixando espaços regulares. é prova de
que eles vieram sustentando os grandes pilares. Aqui e acolá, percebia-se os restos .das gramas secas.
No dia 17 de junho de 1945, à meia noite, dois meses
232
antes da derrota do Japão, o Salão de Recepção (Kyaku-
den) fora subitamente incendiado.
79
O Kyakuden, historicamente inesquecível, foi reconstruído em 1869 pelo 52.° Nitten Shonin e ainda,
por ocasião do 650° ano comemorativo do falecimento de Niti* ren Daishonin, foi amplamente reformado
pelo 60.° Nikkai Shonin. Media 83 pés de frente, e 70,5 pés de fundo com telhados em estilo trimoya
cobertos de telhas onduladas. No seu interior havia áreas sagradas de 60 jardas reservadas para o altar, 48
jardas quadradas de soalhos polidos e mais espaços para 168 tatamis.
As cerimónias mais importantes do Templo Supremo eram celebradas naquele prédio do Oaissekiji.
Entretanto, o gloverno militar durante a guerra encampou-o a tím de utiliza-to para a acomodação de
numerosos recrutas durante a guerra.
Em julho de 1943, a biblioteca do alojamento dos bonzos (Taibô) de 200 tatamis de extensão, foi
ocupado para ser utilizado como Centro de Treinamento do Serviço Bélico da Zona Central do Japão, a fim
de formar trabalhadores mobilizados. Seus líderes, envenenados pelo Xintoísmo, construíram o oratório
Xintoista e chegaram afinal, a consagrar a sua Deusa Amaterassuomikami (deusa que ilumina o céu).
O Conselho Administrativo do templo, por várias vezes esclareceu a Doutrina da Nitiren Shosnu e
apelou reite-radamente para que retirasse o oratório Xintoista (mini--altar em forma de casinha).
Os agentes do Governo, profundamente intoxicados pelas doutrinas heréticas (Dokke-Shinnyu)
chegaram até a protestar contra o apelo da administração, sustentando arrogantemente o seu único motivo de
que o prédio era alugado pelo Governo Imperial e que o usaria como bem entendesse.
233
O Centro de Treinamento do Trabalho enviava mensalmente seus trabalhadores mobilizados para as
fábricas de munições revezando-os como os novos trabalhadores que vinham sendo convocados
apressadamente.
Os alojamentos do Templo Supremo estavam obrigando cotetivamente numerosos alunos do curso
primário de Tóquio, para estarem longe dos bombardeios. Os adultos recrutados e as crianças refugiadas,
juntos se movimentavam intensamente, todos os dias, sobre os pavimentos de pedras, quando na época eram
raríssimos os peregrinos por aquelas áreas. Eis, o aspecto panorâmico do Templo Supremo na época da
guerra. Em 944, os trabalhadores e dirigentes do Centro de Treinamento para as indústrias bélicas deixaram
o Templo Sagrado. Não obstante, em seu lugar, vieram em seguida, Batalhões de Agricultores do Exército
de Voluntários da Coreia. O Salão chegou a ser utilizado novamente para alojamento de mais de duzentos
coreanos.
Apesar de restaurado como antes, o Salão e a Biblioteca suportaram várias depredações provenientes
dos usos e costumes diferentes.
Tragicamente, as áreas sagradas do Templo Supremo foram sendo depredadas dia após dia.
Os dirigentes do Exército de Voluntários eram os oficiais e os aspirantes a oficiais japoneses. Eles eram
mais bárbaros do que os voluntários coreanos e alojaram-se na morada dos bonzos. Abusando dos
privilégios da autoridade, tomavam atitudes que mais pareciam como os antigos Senhores Feudais.
Ridicularizavam os bonzos e como demónios, pareciam estar levando o país ao inferno, ao invés de defender
a própria Pátria.
O fogo surgiu desta sala de visita e transformou-se no incêndio de Kyakuden. Será que o fogo surgiu do
descuido dos dirigentes? Ou os coreanos queimaram por
234
ódio contra eles? Os tempos passaram sem que se descobrisse a causa.
Seja como for, é desnecessário dizer que a causa última do incêndio foi devido ao ato de grande
profanação (Dai-Hobô)!
Quando o fogo foi descoberto, já estava atingindo o telhado.
Os voluntários coreanos estavam mais atarefados em levar os seus utensílios para fora, o quanto antes,
do que em procurar apagar o fogo.
Os bonzos reuniram-se em dois grupos; o primeiro grupo dirigiu-se ao Gohozô (templo do tesouro) para
defender o Dai-Gohonzon lá consagrado.
Naquela época, a maioria dos bonzos foram convocados para a guerra e os que ficaram eram apenas os
noviços ginasianos ou primários e os bonzos idosos cujas Idades haviam ultrapassado o limite de idade para
o serviço militar. Eram apenas trinta pessoas incluindo os doze veneráveis bonzos dos doze alojamentos do
Daisse-kiji.
As línguas dó fogo infernal, incandescentes, pareciam estar queimando o céu. Era tão alto e tão intenso
que era impossível de ser apagado por aqueles bonzos idosos que defendiam o Templo Supremo.
O corpo de bombeiros da vila de Ueno, chegou com o veículo contra o incêndio, movendo
barulhentamente as rodas sobre os pavimentos. Não havia sequer um jovem. Todos os bombeiros eram
homens idosos ou de meia idade, além dos limites da idade do serviço militar.
As Crianças que se abrigavam no Templo ajudaram também a levar baldes de água em sucessivos
passos, mas o fogo que o prédio vomitava era tão amplo que eles nada mais podiam fazer.
Não havia sequer um voluntário coreano que tivesse boa vontade em ajudar para apagar o fogo. O fato é
que
235

80
os dirigentes haviam se reunido num local, para impedir que eles se movessem, por terem receio de que
eles fugissem no meio do incêndio.
Afinal, os bonzos conseguiram transportar o enorme Gohonzon inscrito por Nikko Shonin, fundador do
Dais-sekiji, consagrado no Kyakuden, para a floresta de cedros que havia atrás do mesmo. Somente após
então é que tiveram um suspiro de alivio.
O incêndio tornava-se cada vez mais intenso, chamando fogo após fogo. Deixando um ou dois bonzos
de sentinela, os demais voltaram novamente para o mesmo local a fim de transportar as imagens de Nitiren
Daisho-nin e de Nikko Shonin. Vendo os fogos voarem para o céu noturno, um dos bonzos disse,
subitamente, como se estivesse retomando os sentidos;
— O qus estará acontecendo com o Sumo Prelado?
— Se não me engano, parece que eu o vi perto do portão.
— Oh! Sim.. , mas que situação horrível. O primeiro bonzo estava tão aflito que parecia estar
sentindo a retração do próprio corpo.
No meie do calamitoso fogo que ia queimando o
céu, do seu clarão do seu reflexo e do estranho barulho
do estouro, os bonzos oravam com as vozes baixas em
Daimoku.
Enfim, as imagens também foram transportadas. Também todas as relíquias foram removidas
sucessivamente para a floresta de cedro.
— Gohonzon está salvo.
Surgiram; alegrias no peito aliviado de todos os bonzos. Entretanto, o fogo furioso ainda não queria
diminuir a sua intensidade.
O céu começou a clarear levemente, o fogo também
236
começou a diminuir, as cores, a fisionomia das pessoas começou a ser reconhecível.
Nesse momento um dos bonzos deu o grito de espanto, observando a fisionomia de cada um dos bonzos
presentes:
— Onde está o Sumo Prelado? Os bonzos foram observar mutuamente a fisionomia de cada um. Em
seguida soltaram os gritos de espanto.
— O Sumo Prelado não está aqui...
— Não se acha aqui o Sumo Prelado.
— Alguém sabe onde ele está? Um bonzo que permaneceu de vigia, disse murmurando:
— Parece que eu o vi perto do portão. .. Essa voz ressoava como estivesse hesitando. Todos os bonzos
começaram a correr. Correram como se fossem rolar. Uns foram ao Templo Central (Tattyu), atravessando
a floresta de cedro, outros voltaram ao Kyakuden, alguns em direção ao outro lado daquela floresta,..
O grupo de bonzos correu apressadamente às áreas em volta do Kyakuden. Ali, nem mesmo a sombra
do Sumo Prelado foi encontrada.
Ninguém sabia do seu paradeiro.
— Deve estar em algum alojamento. • — Pode ser que esteja no Mieidô.
A preocupação dos bonzos aumentava cada vez mais, à medida que o fogo diminuta de intensidade.
Todos mostravam a palidez na fisionomia. Por diversas vezes eles se dispersaram e se ajuntaram pelas áreas
do templo.
Procuraram minuciosamente em todos os cantos dos doze alojamentos, observaram Mieidô e
investigaram as florestas de cedro. Não havia uma sombra de pessoa.
O tempo foi passando rapidamente. O céu tornou-se mais claro. Entretanto, ninguém viu o Sumo
Prelado.
237
Aqueles bonzos voltaram naturalmente para as ruínas do Kyakuden depois de uma busca desesperada
do seu superior. Os rostos de todos estavam escuros e sobre aquelas fisionomias ressaltavam os olhos
espantados.
Observando uns aos outros, tanto uns como outros leram nas respectivas fisionomias, uma inexplicável
inquietude.
O fogo apagou-se enfim.
Um estranho cheiro peculiar da queimada, desprendia-se das ruínas do incêndio. As fumaças
continuavam libertando-se dos restos queimados.
Os olhares dos bonzos dirigiam-se todos ao mesmo tempo para o quarto do Sumo Prelado.
Habitualmente se chamava 0-Oku e situava-se no andar de cima do Kyakuden. As escadas estavam
queimadas em preto, ainda que conservasse a sua forma.
Os estudantes retiraram-se para os respectivos alojamentos. Os soldados dos corpos de voluntários da
Coreia e o pessoal do corpo de bombeiros estavam conversando ruidosamente formando grupos sobre o
local incendiado.
De repente, um dos bonzos penetrou no Salão queimado e correu em direção a escadaria, sem nada
81
avisar.
— Olhe! é perigoso!
— Tome cuidado!
As vozes tenebrosas ecoavam em volta das ruínas do incêndio. Os olhares de todos dirigiram-se para as
costas daquele bonzo. Ele começou a subir a escadaria certificando-se da firmeza de seu apelo, batendo
escada por escada, com um pedaço de pau. Em seguida, desapareceu.
Momentos depois, ouvia-se o grito de pânico.
— Gueika! Oh, meu senhor.
Nesse instante, todos engoliram a própria respiração.
Passado esse momento, dois ou três bonzos entraram
238
nas rumas do incêndio, e subiram as escadas apressadamente.
No meio de seu quarto completamente queimado pelo incêndio, o 62.° Supremo Prelado Nikkyo-
Shonin deixou o corpo totalmente imóvel em posição de prece, chamando para si todo o fogo do incêndio.
Usava traje habitual do Sumo Prelado da Nitiren Shoshu. A sua frente estava voltada em direçâo ao Go-
nozo, onde havia guardado o Dai-Gohonzon de toda humanidade.
Poderia ter escapado do fogo se quisesse. A prova disso é que dentre mais de cem vítimas do incêndio,
ninguém ficou ferido,
Por que motivo ele se sacrificou de vontade própria, junto com o desaparecimento do Kyakuden pelo
incêndio? Deve-se evitar aqui quaisquer indagações em sentido mundano. Entretanto, havia o significado
profundo na mente dos bonzos idosos mais achegados a eles.
Um dos bonzos mais antigos lembrou-se das palavras do seu superior no dia anterior.
Quando comentava as noticias da guerra, que piorava dia a dia, dizia aos bonzos idosos mais chegados,
como se estivesse falando sozinho;
— Chegou a hora decisiva em que o pais vai ou não vai ser destruído. Não sei quando irei tombar
também.
Além disso, alguns dias antes, ele falava a respeito de sua estranha decisão confidencial a um outro
bonzo idoso.
— ... se alguma eventualidade ocorrer comigo, não se preocupem. A respeito da sucessão, os dois Sumo
Prelados aposentados Hori-Nitiko-Shonin e Mizutani-Nis-sho-Shonin estão bem informados.
Por outro lado, havia antes visitado sozinho o Ministério da Educação. O projeto de Unificação em
torno da
239
seita do Monte Minobu estava na iminência de ser ordenado a execução pela ordem do governo.
— Nitiren Shoshu, que herda a legítima doutrina de Nitiren Daishonin a que segue fielmente, jamais,
absolutamente, se unirá as seitas hereges como a de Minobu ou de qualquer outro grupo religioso que não
respeita o Verdadeiro Budismo. "Protesto contra a Unificação". Dito isto sozinho contra o Ministério
retornou após essa decla- \ ração decisiva.
Os funcionários ficaram surpresos por sua atitude poderosa e majestosa.
Ainda mais, voltou cumprindo a missão em defesa das águas puras do Verdadeiro Budismo de Nitiren
Shoshu com alta proclamação:
— Mesmo que fosse morto agora aqui, deixando o meu pescoço cortado, jamais me ajuntarei às seitas
hereges.
Realmente, pode-se ver com admiração a atitude idêntica à de Nitiren Daishonin, quando enfrentou o
poder J do Governo Feudal de Kamakura.
Sentado sobre um dos cantos das ruínas do incêndio, Jossei Toda pensava nos dias idos e vividos de
Nikkyô-Gueika. De súbito, então, veio na sua mente, a imagem do seu mestre inesquecível, Presidente
Makiguti.
Ele pensou:
— O Japão transformou-se em completa ruína em consequência da guerra. O Salão de Recepção
também foi à ruína em consequência do incêndio. O saudoso mestre morreu na prisão. Tanto o Rei Utoku
como o Bonzo Kakutoku foram mortos. Em alguma época já houve represália dessa natureza? Não, nunca
houve. Iluminado pêlos ensinos sagrados de Nitiren Daishonin, deduziu-se na verdade, que a derrota do
Japão é a consequência da repressão ao Verdadeiro Budismo. Evidentissimamente pode--se ver aqui a
existência da lei da causa e efeito.
240
Toda levantou o olhar ao topo dos cedros. Contemplou o vasto céu. Sem saber, ele estava meditando a
respeito do significado de uma sentença do Gosho.
O Nehangyó (Sutra do Nirvana) diz:
— Uma diversidade de sofrimentos da humanidade é o mesmo sofrimento do Buda. — Eu, Niliren
declaro que todo o sofrimento da humanidade é o meu próprio sofrimento.
Respeitosamente, compreende-se que Nikkyô-Shonin aceitou para si todo o sofrimento de um país
82
herético (Ikkoku-Hobó). Isto não é um ato nobre? Por outro lado:
— Quando acontece uma grande calamidade, é sinal que está para surgir logo em seguida uma grande
felicidade.
Contemplando as áreas em volta do templo silencioso, ele se levantou.
— Agora vamos começar. — disse ele com energia, porém serenamente. Todos levantaram-se Juntos.
Entretanto ninguém compreendia o que iria começar.
Nesse dia, à tarde, eles deixaram juntos o Templo Supremo.
Na estação de Fujmomiya, tiveram que esperar duas horas para a partida do bonde até á estação de Fuji
e ali foram obrigados a esperar mais quatro horas até à chegada do trem com destino a Tóquio.
Chegou a Tóquio escuro e frio. Ao chegar em casa Toda percebeu que o relógio marcava mais de meia
noite.
241
O Prelúdio
Em 1.° de janeiro de 1946, no dia em que Jossei Toda iniciou sua primeira lição do Hokekyo, no
alojamento do Templo Supremo de Daissekiji, foi publicado um veredicto do Imperador.
Nós e a nação (Tin e Nanji) tivemos sempre o laço de união sobre o respeito fraternal e a confiança
mútua. Isso nunca surgiu de uma simples mitologia ou de contos tradicionais. Não se baseia na ideia fictícia
de que o Imperador fosse um personagem deificado ou que a nação japonesa fosse superior às outras nações
e que nem por sonho se destina a dominar o mundo, .
Este veredicto é considerado como um trabalho elaborado pelo Primeiro Ministro Shidehara. Hoje é
um documento histórico. é conhecido, atualmente, como "Declaração do Imperador Humano''.
Pode-se dizer que é a primeira ordem do Gen. Mac-Arthur para separar o Xintoísmo do Estado.
A deificação do Imperador foi rejeitada pelo próprio Imperador. Não obstante, chegou ao ponto de
rejeitar o Xintoísmo.
— No documento da "Declaração Humana", como é de costume, foi empregado o sujeito 'Nós' (Tin)
em vez de 'Eu' (Imperador).
243

Jossei Toda voltou tarde para casa, na noite no dia 5 de janeiro. Dentre um monte de Jornais, ele pegou
um que fora publicado no dia 1.° de janeiro. Observou atentamente a primeira página e deixou-a de lado e,
com atitude seriamente preocupada, murmurou:
— 'Nós'?. . ,
Em seguida, voltou a othar ao rosto de seu f;!ho Kyoiti que dormia tranquilamente no leito a seu lado.
Um sorriso ténue surgiu em sua face. Acariciou com ? m^o o rosto do seu filho que ainda se achava
queimado pela neve.
— Que rapaz sadio'
Era seu filho Kyoiti que ele via novamente após dois anos e meio.
Havia momentos em que lhe despertava um desejo de abraçá-lo levado pelo choque impulsivo, mas,
conti-nha-se pacientemente.
Durante a sua prisão, às vésperas das evacuações dos alunos para fora do perigo, Kyoiti havia sido
abrigado em uma casa de campo, em Itinosseki, nordeste do Japão.
Ele frequentou sadiamente seu curso primário nas montanhas, até chegar ao fina! da guerra, sem
conhecer as dificuldades de alimentação que havia em Tóquio.
Mesmo após o término da guerra, havia deixado seu filho no interior, julgando que não poderia ter
certeza da reabertura dos cursos na capital tão cedo. Preferiu então, aguardar a restauração da ordem social.
Mas, ao chegar as férias de inverno, estando todos os dias preso na casa por causa da neve. começou a
insistir em retornar à casa dos pais.
Todos os lavradores tiraram férias de Ano Novo. Enfim, a irmã mais nova de Toda conseguira com
muito custo, obter as passagens de trem e após longos anos ela veio a Tóquio, acompanhada de Kyoiti.
244
Toda estava ausente, em virtude da sua peregrinação de Ano Novo ao Daissekiji.
Kyoiti colocou sua pequena sacola completamente cheia de bolos de arroz para o Ano Novo, na sala de
chá de sua casa,
Toda refletiu:
— Meu rapaz, você sofreu a separação, não é mesmo?
Ao deitar, ele acariciou o rosto de Kyoiti. Aqueles cabelos da criança 'à escovinha' a9ora estavam
comple-tamente raspados.
Já não se via um mínimo de. traço infantil. Sem que ele percebesse, crescera e transformara-ee em um
menino quartanista do primário, forte, sadio e arteiro,
Toda sentou respeitosamente em frente ao altar familiar. Fazendo as preces de Gongyo e Daimoku,
ofereceu uma oração com gratidão inesgotável por causa de seu
filho.
83
No altar havia os bolos brancos de arroz que Kyoiti trouxera em sua sacola. Era uma verdadeira
primavera para a família que passara por tantos sofrimentos e tantas dificuldades pela causa do Verdadeiro
Budismo.
Na manhã do dia seguinte, Kyoiti levantou-se e seguiu seu pai per todas as partes da casa, mesmo para
lavar o rosto e limpar as mãos.
A todas as perguntas a ele dirigidas, respondia simplesmente 'sim', 'sim'.
Sentaram-se todas as pessoas da família, calmamente, em volta da mesa de refeição, na sala de chá.
Quando o assunto voltou aos dois anos de permanência de Kyoiti em Itinosseki, o rapaz começou a narrar
sobre as avalanches na terra das neves com o peculiar sotaque nortista.
— A guerra não me trouxe nada de temível; mas, papai, avalanche é coisa tão terrível. Já viu?
245
No inicio Toda ouviu com certo sorriso irónico, mas não podendo mais conter, explodiu em
gargalhadas.
A adaptação da criança tinha modificado muito naturalmente sua pronúncia. Podia-se chamar a isto de
'dano de guerra' para o menino Kyoiti, durante esses dois anos. Entretanto, o rapaz não havia percebido nada.
Ikue, a esposa de Toda, também começou a rir, seguindo o riso explosivo de Toda. O rapaz, com atitude
completamente indiferente, disse olhando os pais com os olhos límpidos:
— O que acharam de engraçado? Os pais riram novamente.
— Kyoiti, como você aprendeu bem o dialeto nortista! — dirigiu Toda um sorriso ao rapaz.
— Não é, não. Não é dialeto nortista, não. — respondia assim, justificando-se com o rosto
avermelhado.
Naquele dia, Toda levou o menino ao seu escritório em Nishikanda.
Queria assim permitir-lhe ver o aspecto devastado pela guerra em pleno coração de Tóquio, em prol da
justa paz no futuro, pensando na orientação anti-belicista,
O menino mostrou-se bastante interessado e ao mesmo tempo excitado. Dentro do bonde, observava
alternativamente os dois lados de fora das Janelas, sobre os extensos campos queimados. Além disso, não
desviava os olhos do aspecto das pessoas que ali se tumultuavam como formigas.
Era um mundo completamente oposto àquele tranquilo e pacífico nordeste de montanhas e rios. O
menino parecia ter a mente desorientada.
— Quantas bombas caíram por aqui! Não é verdade, papai? As casas todas desapareceram!
— Sim. é isso mesmo.
— Apesar disso, a nossa casa não foi incendiada?
— Isso mesmo.
246
— Por que a nossa casa não foi incendiada?
— Por que? Por acaso gostaria que estivesse queimada?
— Não Essa não.
O menino sacudiu fortemente â cabeça. Toda mostrou-se com a fisionomia amarga. O menino
continuou a falar como se estivesse lembrando-
— Eu estava em itinosseki. Papai não estava em casa. Coitada! Mamãe ficou sozinha!
— Sinto muito. Eu reconheço. Mamãe defendeu a casa sozinha. Kyoiti, o Gohonzon já ciente de tudo,
protegeu a nossa capa, bem como o papai, mamãe e Kyoiti.
— Eu também rezei Daimoku em Itinosseki. O menino mostrou um sorriso franco e parecia estar
orgulhoso.
— Leu a carta de papai?
— Aquela carta de aliança pai-filho? Sim, eu lil Está guardada na gaveta do altar familiar da titia.
A família sofredora havia sido transformada em lar
feliz.
Kyoiti voltou para casa, após ter-se divertido a metade
do dia no escritório de Nishikanda.
A extrema devastação de Tóquio foi por demasiado estimulante ao seu sistema nervoso. Ele se sentiu
tão exausto que, ao terminar o jantar, foi imediatamente para O seu leito dormir.
Toda voltou à noite para casa muito tarde. Apreciou novamente o rosto adormecido do menino.
Surpreendentemente, o casal Toda discutiu a respeito de Kyoiti nessa noite. Toda insistia em fazer
permanecer Kyoiti em casa dos pais. Ikue, a sua esposa, também não cedia em deixar o filho aos cuidados
do seu parente no nordeste do Japão, até melhorar a situação alimentar de Tóquio. Por motivo de estudo,
havia também a razão para fazer a transferência da escola, a fim de
247
iniciar o novo curso em Tóquio no mês de abril. Após a discussão até altas horas da noite, chegaram à
conclusão de que deixariam à vontade do menino.
Na manhã do dia seguinte, logo ao acordar, Kyoiti foi perseguido por um dilema: escolher Tóquio ou
Itinos-seki. O menino permaneceu pensativo por uns tempos e disse claramente:
84
— Itinosseki é melhor!
— Mas, que rapaz folgado!
Toda viu o rosto da esposa, mostrando a fisionomia sofrivelmente amarga. Ikue disse olhando sorriden-
temente ao seu filho, quando colocava pratos e talheres sobre a mesa:
— É isso mesmo. é melhor assim. Tóquio ainda não é a cidade que as crianças possam viver.
Ao terminar as férias de inverno, Kyoiti voltou a Itinosseki, acompanhado por um parente.
Este menino agora conta com trinta anos de idade.
Terminou o Ginásio de Azabu com excelente classificação, colou grau na Faculdade de Ciências
Económicas da Universidade de Keio e agora trabalha na empresa M.
Casou-se há cinco anos e tornou-se um pai de três filhos. Devo acrescentar aqui a respeito da excelente
família que se formou junto com a sua mãe que agora educa os novos 'Kyoitis'.
Sucedendo aos ideais do pai, como alto dirigente da Nitiren Shoshu, ele marcha sempre corajosamente
para o Kossen-rufu. é motivo de admiração e respeito.
As lições do Hokekyo estavam prosseguindo com todo entusiasmo e energia por Jossei Toda. Uma ou
duas vezes por semana, quando chegava a noite, usava sempre o primeiro andar do Nihon-Shogakkan,
Devido à precariedade da energia elétrica, por diver-
248
sãs vezes havia interrupções das luzes. As velas eram acesas sobre a mesa das cinco pessoas. As
chamas
tremulavam e faziam projetar sombras horripilantes sobre o teto e as paredes.
Seria um sacrifício inútil para Toda procurar as letras com esta claridade das velas e com seus olhos
extremamente míopes. Ele ouvia atentamente alguém que lia o escrito origina! do Hokekyo, Logo em
seguida, fazia a
sua interpretação e revelava profundamente a filosofia da vida baseada nesse original.
Explanava com toda segurança, interpretava, citando as frases do Gosho de Nitiren Daisnonin. Com
plena habilidade, utilizava durante a lição, a 'Memória do Ensino Oral de Daísihonin' (Onguikuden), Cada
letra de Hokekyo e todas as páginas das Obras Completas de Nitiren (Gosho), desde o começo até o fim,
pareciam estar inteiramente conservados no cérebro de Toda
Os quatro ouvintes ficaram surpreendidos pela exa-tidão na coincidência da sua personalidade com os
epi-tomes do Gosho e do Hokekyo, bem como a fiel conca-tenação da explanação da sua lição com o Gosho
e o Hokekyo, os seus livros de consulta.
Uma noite Iwamori perguntou a Toda:
— Então, quando o senhor estudou tanto assim?
O assunto é tão penoso, até para guardar na memória. Estou imensamente surpreso!
Da mesma forma, os outros dois haviam formulado as mesmas perguntas nos seus pensamentos. Toda
respondeu tranquilamente:
— Bem. Como poderei explicar,-. Pode-se dizer que as 'Oitenta Mil Bibliotecas de Sutras' (Hatiman
Hozo) estavam na minha mente. Estudando naquelas condições, perseguido pelas dificuldades e com
Daimoku seríssimo na prisão, parece que os ensinamentos retornaram á -mi-

249
nhã memória. Antes, em virtude de estar tão atarefado em ganhar dinheiro, não tinha tempo para
lembrar.
— E lembrou?
Eles puderam apenas acenar, torcendo o pescoço em protesto à surpresa inconformada.
Toda possuía uma convicção sobre o Hokekyo. Estava ciente de que o Hokekyo é a medula do Budismo
que faz ressuscitar os povos. é uma grande potência que vem impulsionando o desenvolvimento cultural
tradicionalmente através da história.
— Na índia, houve épocas de florescimento da grande cultura com a propagação do Budismo de
Sakyamuni baseado no Hokekyo, na era do Rei Asoka, o Grande, e em seguida, nos tempos do Rei
Kanishika.
— Na China, também surgiu uma grande cultura internacionalmente famosa nas dinastias de Chen, Sul
e Tang.
— Após a introdução do Budismo no Japão, é do conhecimento histórico que a cultura de Asuka, da
época do Príncipe Shotoku (621-573 A.C.) era uma cultura que cominha a filosofia do Hokekyo (Sutra de
Lótus). O Japão mereceu uma esplêndida cultura no período de Heian, com a propagação do Maka-Shikan,*
o Hokekyo* (Itinen-sanzen) da Era de Zoho. de Tendai". por Dengyo, o Grande.
— Entretanto, nessas épocas reinava o absolutismo. Ao mesmo tempo, nas épocas de Shoho e Zoho em
que havia a validez do Hokekyo de Sakyamuni, o' Budismo estava maduro e pronto para ser colhido (Juku-
Datsu). Assim, poder-se-ia -jizer que fc; um tipo do propagação que estava longe ca massa popular e distante
do calor
" Maka-Shikan: Ensino exposto por Tendai, que é conhecido coco a Sutra de Lótus dos Dias Médios da
85
Lei (Zoho).
* Tendai: (TÍen'Tai) foi um Duda nos Dias Médios da Lei (Zoho) e o fundador da Seita Tendai na
China, Nascido em 1538.
250
da aclamação do povo. Poderei aqui, dizer que houve uma grande contradição por ter sido considerado
o Budismo Aristocrático, ou melhor, certamente não poderia ser de outro modo em virtude das
circunstâncias da época.
— Agora é Mappo. O Hokekyo de Sakyamuni tornou-
•ye uma relíquia do passado. Poderá ser criada uma Cultura da Nova Era com o Budismo de Nam-
myoho-
-rengue-kyo de Nitiren Daishonin. Não há outro meio senão defender-se com este Hokekyo. contra as
desastrosas consequências resultantes dos contrastes e confrontos das duas correntes ideológicas atuais entre
o Capitalismo e o Comunismo.
— Nunca mais devemos fazer a humanidade retornar ao mundo das trevas e das tragédias, quando a
primavera da paz chegar enfim após tanto custo. Com a Filosofia da Harmonia Matéria-Espírito (Shiki-Shin
Funi) de Nitiren Daishonin, devemos avaliar, amparar e orientar estas duas grandes filosofias: Materialismo
e Espiritualismo.
A sua lição estava sendo prosseguida com toda a convicção.
Ycitiro Honda foi um dos ouvintes que foi chocado de admiração pela vasta e profunda lição da
filosofia do Budismo e da convicção de Toda,
Ele fora seu colega de classe nos tempos do Grupo Eacc'ar. Estava convencido de que sabia mais que
todos, a respeito de Toda, desde a sua infância até hoje. Entretanto, eis que surge um Toda que nunca havia
sido imaginado até então. Com perplexidade, disse:
— Estou completamente surpreso. Como o Mestre Toda consegue revelar tão bem o Hokekyo! Vate
mais a prova do que o argumento. Não posso mais pensar que isso é a arte de um ser humano! Diante deste
fato, reconhecerei as afirmações de Toda.
— Nada disso. Apenas sou mortal comum dentre
251
todos os mortais. Somente que isso não passa de outra coisa senão uma aquisição da fé. Vucés também
façam o mesmo esforço.
Toda retirou um cigarro do maço e acendeu-o com a chama da vela.
— Nitiren Daishonin afirma que aqueles que pronunciam Nam-myoho-rengue-kyo na era de Mappo são
missionários do Buda (Bodhisattva da Terra ou Jiyu-no
-Bossatsu). Ele confirma dizendo "Se não tivesse o advento de Jiyu-no Bossatsu. seria praticamente
impossível o pronunciamento do Daimoku". Entretanto, é multo oenoso para nós reconhecermos isso. Mas,
conservando o Gohonzon e a Ele fazendo preces continuas de Nam-
-myoho-rengue-kyo, tornar-se-á um legítimo Jiyu-no Bossatsu. Assim sendo, nós devemos conservar
cada qual por si, cuidar do aprimoramento do nosso corpo, a fim de que possamos salvar os infelizes e
propagar o Verdadeiro Budismo. Jamais deveremos ser descuidados, O mais importante é a decisão de levar
em nossas ati-vidades, a prática do? ensinamentos de Nitiren Daishonin. Nem é possível existir um Buda
que diz asneiras. Assim mesmo, alguns pensam que há pontos ambíguos e começam a duvidar, desacatar,,.
Como somos ignorantes, nós, os mortais de Mappo. Que penitência!
Todos riram ao mesmo tempo.
O segredo da atração encantadora em relação à lição do Hokekyo, estava na simpatia magnética de
Toda.
Os quatro ouvintes ficaram enciumados ao tomar conhecimento da violenta transformação de Toda
antes e depois da guerra.
— Vivemos juntos até agora. Porém, quando pensamos em como viver para o futuro, percebemos o
quanto é grandiosa a força que ele possui. Dizem que a vida é uma treva a um dedo transverso diante de nós.
Em nossa frente, estão à nossa espera, os amontoados de
252
problemas da sobrevivência e da subsistência. A necessidade mais importante é a energia vital.
A simpatia de Toda brilhava dia a dia na sensibilidade das quatro pessoas.
Sobre ia transformação simpática de uma pessoa, Toda mesmo dizia:
— Parece inacreditável, mas é uma realidade com toda a sua verdade. A fonte da transformação emana
da essência do Budismo de Nitiren Daishonin, da atua-ção da Filosofia da Harmonia Matéria-Espirito
(Shiki--Shin Funi) na prática.
Além disso, ele ensinava que a fiel e corajosa prática do Verdadeiro Budismo para a libertação dos
maus destinos, chama-se Revolução Humana. A grande reforma do caráter de uma pessoa — o
estabelecimento da dignidade e concretização da personalidade — o afluxo da grandiosa energia vital de
uma pessoa — eis aqui a revolução original, o caminho mais curto que leva toda uma vida, a sociedade, a
educação, a ciência, a política e a cultura para uma grande reforma. Assim afirmava Toda.

86
A lição do Hokekyo já havia sido iniciada há um mês e meio.
Os quatro estudiosos começaram a cumprir rigorosamente os horários. Seus olhares maculados pêlos
males da sociedade, às vezes, em certos momentos, clareavam com brilhos de pureza. Dentro do intervalo de
tempo decorrido entre a sua vida diária e profissional, a lição do Hokekyo tinha-se tornado o mais
importante-
Um passo fora soprava o impiedoso vento frio de após-guerra. Economistas como eles, esperavam
sempre o perigo da surpresa traiçoeira. A cada dia que passava, não podiam permitir o descuido, nem um
instante sequer.
Naqueles dias, o Japão estava sendo invadido por
253
uma terrível crise económica. Era a marcha progressiva
da inflação indetível e imprevisível.
Em 17 de fevereiro de 1946, o Governo ordenou subitamente as medidas de "Emergências para a
Contenção Monetária e Investigação Estalai Temporária". Tais medidas visavam à detenção da iminente
explosão da marcha da inflação,
Foram suspensas as retiradas de todos os depósitos bancários. Ao mesmo tempo proibiu a utilização do
dinheiro em notas que até então circulava.
O Governo emitiu notas de ienes novos e como medida de contenção temporária, os ienes velhos foram
recolhidos, certificados e carimbados antes de entrar em Circulação.
As trocas de ienes velhos por novos foram restringidos em quantidade e impedidos de serem retirados
os excedentes. Assim, o sustento de um assalariado foi limitado para 500 ienes por mês, por família,
mesmo que tivesse um salário elevado. Toda quantia acima de 500 ienes fora recolhida ao depósito.
A nação inteira passou do dia para a noite, para uma vida de níveis Iguais a 500 ienes por família. Havia
exceções, como aqueles dirigentes ladinos e certos burocratas que colheram previamente as informações e
tomaram as suas medidas antecipadas,
Pode-se dizer que tal sistema formou um modo de vida inteiramente comunista. O sistema de controle
ado-tado durante a guerra também se assemelhava ao regime comunista. Havia mesmo as pessoas que
diziam que o Japão já se tornou um pais graduado em comunismo.
Afinal, será que o Governo conseguiu deter a inflação, forçando a nação a uma austera vida de precarie-
dade? Pelo contrário, em menos de um mês, a impossibilidade tornou-se evidente. Desesperados pela falta
de géneros de primeira necessidade em virtude do racio-
254
namento, o povo buscava o que precisava no câmbio negro. Do contrário, era muito difícil a
manutenção da própria subsistência.
Não há coisa mais temível e infeliz que um governo estúpido. é impossível que alguém viva com
apenas 500 ienes por mês. As dificuldades da vida foram sendo acentuadas dia a dia e cada vez mais se
mostravam os sinais de desespero nas pessoas.
Esta medida impediu temporariamente o perigo financeiro dos capitalistas, mas nada trouxe ao povo
senão o sacrifício.
Evidentemente, não havia coisas para adquirir, a começar dos qèneros alimentícios. Esta crise
económica não surgiu subitamente. As raízes eram profundas e )á tivera o seu inicio desde logo após a
cessação da guerra.
Quando foi decidida a Rendição Incondicional, o Governo ordenou a liberação dos bens em poder do
exército para fins militares, que excedia de 100 bilhões de ienes nos preços oficiais e mandou ocultar em
segredo, Isso quer dizer que as reservas militares em grande escala estavam sendo levadas a algum lugar
sem que o povo percebesse, aproveitando a confusão total do pais. Além disso, pagava até as contas
desnecessárias somente às grandes empresas para fins de indústrias bélicas, deixando completamente
abandonadas as pequenas e médias indústrias em triste estado.
Com o pretexto da indenização das perdas em consequências do término da guerra, espalhou grandes
somas de despesas reservadas para uma eventual guerra,
Isso aconteceu no momento quando cem milhões de habitantes estavam no sofrimento, em estado de
colapso.
As grandes empresas esconderam e levaram as grandes quantidades de reservas de guerra, até mesmo
adquirindo ilicitamente as despesas para a guerra temporária. Preservaram o próprio capital contratando
gran-
255
de número de operários, fomentando sabotagens à produção.
As sabotagens sobre as produções provocaram uma séria escassez dos bens de consumo e os preços
subiram assustadoramente.
As ondas provocaram novas ondas, — Na confusão social, o círculo vicioso do mal tende a piorar cada
vez mais.
Para piorar mais a situação, o Governo emitiu ilimitadamente. As despesas para o custo das compensa-
ções das munições, para o estabelecimento das Forças de Ocupação, para a desmobilização dos militares —
87
a quantidade de notas emitidas cresceram de 4,7 bilhões de ienes em dezembro de 1941 nas vésperas da
Guerra do Pacífico, para 28,6 bilhões de ienes em agosto de
1945. no mês da Cessação do Fogo. Além disso, alcançou finalmente a 60 bilhões de ienes em fevereiro
de
1946.
A inflação, que era a mais temida após a guerra, começou a avançar furiosamente,
As grandes empresas fizeram todos os esforços para evitar o reinicio das produções, A causa disso é
que a inflação traria grandes vantagens para os seus cálculos e preferiam esperar sem nada fazer, ganhando o
aumento dos preços das mercadorias com o tempo, apenas guardando os estoques acumulados nos depósitos.
Os comerciantes que podiam receber diariamente os ienes ainda tinham esperanças. Mas, a vida dos
assalariados caiu na profunda miséria, pois precisavam viver no meio da desvalorização da moeda, com
restrição das despesas de manutenção mensal e com os depósitos bancários retidos.
Os sindicatos foram sendo criados urgentemente.
No ano de 1944, o número de sindicatos era zero.
256
Entretanto, até dezembro de 1945 foram criados 707 sindicatos com 378.416 associados e até junho de
1946 foram aumentados para 12.006 sindicatos com3.679.971 associados, chegando a mostrar assim, os
aumentos sem precedentes na história do Movimento Trabalhista Mundial.
Os violentos debates foram iniciados em todos os recantos do pais em consequência das ondas resultan -
tes das intensas greves.
Em oposição à sabotagem da produção por parte dos capitalistas, os sindicatos exigiam até as medidas
de emergência para o 'Controle da Produção'.
Uma vez quebrado o eixo de sustentação, o país viveu dias de anarquia total. Assim, o perigo no 'status
económico' fazia tremer até as raízes de implantação da vida diária do povo, como grandes terremotos.
Podia ser dito que o povo foi obrigado a lutar deses-peradamente, cerrando os dentes, em defesa da
própria subsistência, antes de pensar na Empresa, na Sociedade ou no País.
O negócio de Toda estava em franca atividade. Apesar disso, não houve meio de se escapar das grandes
ondas da inflação.
Os pedidos para inscrição nos cursos por correspondência haviam atingido a números elevados, apesar
de ter sido recebido regularmente os pagamentos de 3 ou 6 meses adiantados. Assim mesmo, devido à
inflação não podia manter as despesas do papel e das imprensas que iam subindo assustadoramente em curto
tempo.
Não era possível aumentar as taxas do curso para mais três meses adiantados. Nem podia cobrar os adi -
cionais alegando o aumento da despesa do material. Além disso, não havia estoques como em outras
empresas maiores.
Por uma feliz sorte, havia conseguido um meio para
257
adquirir es papéis e arranjado para o serviço de imprensa. Lembrou-se então da ideia de publicar livros
em forma ae volumes, planejando o seu negócio vantajoso a curto prazo.
Antes de mais nada, Toda fix"u a sua atenção às novelas populares. Durante a guerra, um dos seus ne-
gócios de publicações havia tido uma vez sucesso com o lançamento de romances populares em série. Foram
imprimidos com o motivo de incentivar o ânimo dos soldados e agora não seria difícil selecionar os
trabalhos literários no meio desses romances. Possuía ainda os direitos autorais. Prontamente em seguida
colocou esse plano em execução.
As boas ideias nasceram ao mesmo tempo. Era a publicação sobre 'As Grandes Lições sobre a
Democracia."
A democracia, a democracia... eram as palavras habituais das pessoas de após a guerra, imitando como
papagaios em trocas de cumprimentos de bom dia ou de boa noite Apesar disso eles não sabiam â respeito
das origens da democracia. Ele se sentia desgostoso com isso. P^r^ebeu que essa publicação para fazer com-
preender os princípios da Democracia era uma ideia genial para o progresso dos seus negócios, bem como
contribuir para a sociedade.
Ele convidou imediatamente Koshin Murobusse, Tsuguimaro Imanaka, Tetsup Kada e Makoto Hori
como escritores editoriais. Planejou compilar em cinco volumes.
A sua medida de contenção contra a inflação consistia em aumentar os negócios do Nihon-Shogakkan
trabalhando com uma companhia editora realmente digna de menção.
Reforçou a seção editorial e determinou Yuzo Mi-shima como editor-chefe e sob a sua direçâo colocou
vá-
258
rios membros editoriais jovens, inclusive Tyuhei Yama-daira.
Mishima foi um dos diretores presos durante a guerra por pertencer à Soka-Kyoiku-GakaL
Yamadaira era um estudante universitário que estava lecionando no Liceu Jishu-Gakkan, antes da
Guerra, No meio dos estudos foi convocado para o serviço militar e foi à guerra como aviador. Era um rapaz
88
que, após a desmobilização, em setembro, procurou imediatamente Jishu-Gakkan arruinada pelo incêndio e
ao saber da libertação de Toda bem como de sua segurança, correu apressadamente junto a ele. Ajudava os
serviços do escritório em Nihon-Shogakkan, apesar de estar matriculado na universidade.
A turma dos editores estava entusiasmada.
As pessoas daquela época viviam sedentos em leituras. Os livros publicados foram sendo vendidos
como se a terra seca absorvesse a água, e assim, numerosas editoras foram surgindo uma após outras. A
chave principal do sucesso das editora's da época consistia em vencer as dificuldades de aquisição dos
papéis. O seu preço continuava subindo diariamente.
Jossei Toda não podia deixar também de lutar seriamente em vencer esta dificuldade. Foi nessa época
que ele demonstrou livremente à sua vontade, a sua habilidade de um editor competente e corajoso.
Não somente esforçava-se nas corridas para a captura dos papéis para a sua empresa, como muitas
vezes também os cedia às empresas pequenas e fracas. Assim, tais empresas conseguiam manter-se e seus
empresários sentiam-se muito gratos pela sua cooperação.
Em torno da sua empresa formavam-se empresas satélites, quer pequenas ou grandes. Em torno da sua
confiança e do seu amparo, formava uma quadra do mundo da imprensa com várias pequenas empresas
satéiite?.
259
Isso mais tarde, progrediu até à organização de um sistema bancário em torno dele.
Um dia Toda necessitava urgentemente de uma certa quantidade de papéis. Todas as especulações
esgotaram e todos os planos caíram por terra. Na noite avançada, subitamente ele se levantou do seu leito e
disse:
— Shoten Zenjin, a empresa é para formar a base do Kossen-rufu. Venha trazer os papéis para Jossei
Toda.
Ele fez uma advertência séria aos Deuses Proteto-res do Budismo (Shoten Zenjin), pela negligência em
salvar os devotos do Verdadeiro Budismo.
No dia seguinte, surpreendentemente, surgiu uma quantidade necessária de papéis, proveniente de uma
empresa que há tempos não havia tido comunicações.
Uma vez confrontado com a séria dificuldade, ele a enfrentava com toda a sua energia. Era realmente
admirável ver a sua atitude empenhada com toda inteligência e fúria. Entretanto, uma vez afastadas as
dificuldades, então ele retornava àquele ânimo de bom humor como sempre, ora concentrando-se no jogo de
xadrez (shogui), ora contando anedotas, completamente despreocupado, como se nada t'"" ^ntecido.
Mesmo que dispendesse o seu tempo até altas horas da noite bebendo na companhia dos seus amigos,
ou que fosse perseguido pelo acúmulo de trabalhos, na manhã seguinte ele estava dedicando seriamente no
trabalho. Chegava mais cedo que todos e incentivava os seus empregados. Não descansava um dia sequer.
Após a luta intensa do dia no escritório — à tarde, deixava as lanças do trabalho para, à noite, mudar de
repente em sala de lição do Hokekyo.
Três vezes por semana, às segundas, quartas e sex-tas-feiras, além do grupo de quatro pessoas, Katsu
Kiyo-hara e Tame Izumida começaram a frequentar com assiduidade.
260
Esta lição, ao entrar em março estava sendo adiantada para a introdução e para a conclusão do
Hokekyo. Na noite de 28 de março encerrou a lição dos dez volumes de Hokekyo. Desde o seu início, no dia
do Ano Novo, durou três meses completos.
— Afinal, está encerrada a lição. Reconheço profundamente a dedicação por terem ouvido a lição.
Agradeço a todos que frequentaram. Vamos fazer a cerimónia de graduação esta noite?
Os quatro ouvintes ficaram embaraçados com a expressão de Toda, "eu agradeço".
Quem devia agradecer eram os próprios ouvintes. Eles perderam por certo tempo as palavras de
retribuição, não puderam esconder a alegria de ter lido inteiramente o Hokekyo.
Representando os ouvintes, uma pessoa levantou-se
e disse;
— Agradeço sinceramente. Quem deve a gratidão somos nós mesmos. Não encontro palavras para agra-
decer.
Era Krzo Iwamori. Os outros três, cada qual por si
cumprimentaram:
— Foi uma lição completamente agradável.
— Nós desejamos servir ao Kossen-Rufu, apesar de
incompetentes.
Toda lembrou-se de algo, abriu a caixa de "sumi" e começou preparar a tinta para escrever.
Pegou o pincel e começou a escrever com a sua própria mão sobre o rolo de papel que havia em cima
da mesa.
Turma que completou a Primeira Série de Lição.
Abertura — 1° de janeiro de 1946. Encerramento — 28 de março de 1946. Em seguida, pediu as
assinaturas para as quatro pessoas.
89
261
— Assim está finda a cerimónia de encerramento. Devemos cantar a "Valsa de Despedida", mas com as
nossas vozes graves, assim não é possível. De qualquer maneira hoje vai ser um dia memorável. Vamos
comemorar? i
Toda detestava as formalidades. Respeitava a com- i petência real das pessoas, bem como a sua
vida e a sua aluação da fé. i
Subitamente, levantou-se e foi buscar uma garrafa l
de forma quadrada que continha uísque.
— Sr. Kitagawa, por favor, queira abrir isto aqui? ' Era uísque da marca "Suntory", coisa rara
naquela
época.
Kitagawa, espantado como se descobrisse a bomba,
disse:
— Que colosso! ;
Abriu. Derramou em seguida dentro dos cinco cálices, fazendo soltar os ruídos das borbulhas no
gargalo e ao mesmo tempo desprendendo um fino aroma agradável.
Logo a garrafa estava vazia.
— Saúde! Guardei cuidadosamente até hoje pensando em vocês. Vamos tomar?
As cinco pessoas gostavam muito de bebidas. Os ouvintes compreenderam a dedicação de amor ao pró-
ximo que Toda possuía.
Os quatro amigos da bebida, a começar de Fujissaki, ao compreender o sentimento de ternura de Toda,
fica- i ram tão introvertidos que não sabiam o que fazer em / seguida.
— Assim, o assunto está justamente ao contrário. Nós aprendemos gratuitamente durante três meses.
Além disso, recebemos o convite para apreciar o saboroso ufsque. Não temos palavras para agradecer.
262
Sem distinção, assim diziam, coçando a cabeça de tão desajeitado que estavam.
Ninguém podia compreender que no coração de Toda existia tal sentimento de gratidão que teve com os
ouvintes e nem as suas atitudes de agradecimento. Na verdade, quem devia agradecer ao mestre eram os
ouvintes. Isso é uma lógica natural. Entretanto, na lição do Hokekyo aconteceu justamente o contrário.
Uma frase do Hokekyo havia sido incutida no coração de Toda.
— Após a morte de Buda, aqueles que pregam o Hokekyo, bem ou em segredo, mesmo uma frase que
seja a uma pessoa, devem ser reconhecidos como emissários do Buda. Como mensageiros do Buda, praticam
atos do Buda. Assim sendo, o que mereceriam aqueles que o pregam amplamente no meio do povo para o
benefício da humanidade?
O Hokekyo após o Nirvana é o Nam-myoho-rengue--kyo da Era de Mappo.
Ele se sentiu grato pela sua sorte e glória. Como emissário do Dai-Gohonzon, agradeceu também aos
ouvintes.
Uma religião herética é um negócio criado pelo seu fundador, o próprio arrogante. Os seus seguidores
tornam-se escravos infelizes. O Verdadeiro Budismo leva os devotos a um estado idêntico ao do Buda.
Sentem-se gratos pela própria revolução humana por existirem os devotos. Isso não é o processo
democrático?
Tomando uísque, Toda riu:
— O que está acontecendo? Esta noite vocês estão muito sérios. Então, o que houve?
— Vamos agradecer e tomar uísque? dito isto Fu-jjssaki pegou o cálice com a sua mão. Os outros três
também acompanharam.
— Como é gostoso! Quando, tomando um gole, Ki-
263
tagawa admirou irresistivelmente. Todos caíram na gargalhada.
Nessa época — Katsu Kiyohara ouviu por intermédio de Honda. que a lição do Hokekyo havia sido en-
cerrada.
Certa manhã — ela apareceu diante de Toda, mostrando o brilho dos seus olhos inocentes.
— Sr. Toda, ouvi dizer que a lição do Hokekyo já terminou. Peço explanar mais uma vez para os novos
discipulos-
A atitude desta moça de 27 anos mostrava uma seriedade. O espirito de procurar a verdade afluía da
sua sinceridade.
— Havendo pessoas interessadas para ouvir... Sim. é possível.
— É verdade mesmo? Então, peço o favor, Kiyohara abaixou a cabeça espontaneamente. Era uma
fisionomia pura, sem complexos.
— Quem está querendo ouvir?
Com essa pergunta, ela ficou perturbada.
— Sr., Toda... de agora em diante irei reunir as pessoas. Quando poderá iniciar?
— Vamos iniciar no meio de abril, junto com a abertura das escolas.
Kiyohara ficou contente com o consentimento de Toda. Entretanto, não havia pessoas certas que
90
pudesse convidar e nem os meios certos para reunir. Tóquio era uma planície de ruínas incendiadas. A época
não permitia que alguém tivesse recursos em pensar para ouvir a lição do Hokekyo.
Apesar disso, ela fez preces de Daimoku fervoroso, Corria pêlos rastros por onde havia as notícias da fé
(chinjin). Comunicava reiteradamente que o primeiro discípulo do Presidente Makiguti, Diretor Toda havia
iniciado a reconstrução da Gakkai.
264
A alegria era imensa.
O motivo é que ela podia ver o reinicio das ativida-des da fé finalmente após três anos de ausência.
Corria com todas as suas forças, proclamando aos companheiros, para a formação dos adeptos.
Dia 12 de abril — À hora marcada, estavam reunidos cerca de dez pessoas.
Muitos eram figuras desconhecidas para Toda. Sem esperar a apresentação individual, ele começou a
sua lição, espontaneamente.
— Antes de mais nada, por falar em lição do Hokekyo, o mais importante é compreender o que vem a
ser Nam-myoho-rengue-kyo de Nitiren Daishonin. é o suficiente. Vamos começar aqui, Nam-myoho-
rengue-k/o. Bem, quando começa a interpretação o assunto se torna muito complexo. O significado de
Namu", isso não quer dizer que *o sul não existe'.
Havia alguém que escondia o seu sorriso espontâneo.
— é sânscrito traduzido para o japonês como "Ki-myo' ou em outras palavras 'Kimyo-Tyorai'.
Interpretando-se do ponto de vista da nossa fé, significa a nossa união à lei principal que se chama Lei
cística do Grande Universo. Além disso, pode-se dizer que é um princípio que faz unir ao Buda chamado
Nam-myoho-rengue-kyo em forma de Kyoti-Myogo, Portanto, é o nome do Buda. Mais particularmente,
refere-se ao 'Kuon-Ganjo-Jiyu-Ho-shin-Nyorai' que é Nitiren Daishonin. Agora, especificando isoladamente
o que é Nam, Myoho, Rengue ou Kyo, cada palavra contém princípios filosóficos profundos.
Todos estavam ouvindo atentamente forçando até as suas atitudes. Ele acendeu um cigarro.
Desta maneira enunciando subitamente um princípio mais elevado desde o início e daí deduzindo —
este mé-
265
todo é peculiar na Filosofia Orienta! e chama-se Método Dedutivo. A Filosofia Ocidental caracteriza-se
pelo Método Indutivo, que consiste em ajuntar sucessivamente as peças lógicas para montar uma teoria e
acima desta colocar uma conclusão final. Os japoneses de hoje foram educados pelo método indutivo nos
estudos e o sistema cerebral está organizado de tal maneira que se torna extremamente difícil a compreensão
dos princípios do Hokekyo,
Além disso, eie falou a respeito da prática (Gyo) do Verdadeiro Budismo, estendeu sua lição até o cam-
po da ciência, deixou bem clara a diferença e os obje-tivos da pesquisa nos campos da ciência e da religião.
Esclareceu o que é a verdadeira religião, tomando os exemplos da vida diária, A religião ,nâo é um mero
exercício moral, disciplinar ou para fazer penitências. é um estudo que tem como objetivo a vida. Ela
pesquisa o que deve ser feito para levar nossas vidas diárias à felicidade, e aluar na prática os princípios que
nos conduzem à felicidade absoluta.
Uma flor de lótus de dois mil anos que veio a florir é também um fato. Agora está para ftorir o Budismo
de Nitiren Daishonin (Shiki-Shin-Funi) que teve o seu início há 700 anos. O que Toda desejava era levar o
conhecimento do Budismo Vivo daqui para frente.
Até agora, as pessoas sabiam apenas o "Budismo Morto" e estão dominadas pelo conceito erróneo arrai-
gado na ignorância de que o Budismo é incompreensível e que não possui uma relação sequer com a vida
diária.
Esta noite as pessoas que se reuniram ficaram surpresas, pois, tanto o ambiente como o assunto eram
completamente diferentes das outras agremiações religiosas.
Apenas eles ouviam atentamente.
266
Desviamo-nos do assunto. Voltemos à explanação e vejamos da maneira mais fácil e sumária o que
vem a ser Nam-myoho-rengue-kyo.
— Nam é um sânscrito, como foi dito há pouco. É a linguagem antiga da índia e Myoho-rengue-kyo, é
a palavra chinesa. Possui o profundo significado de que o Budismo irá ser propagado novamente para a
China e para a Índia. Em sânscrito pronuncia-se "Saddharma Pundarika Sutra
Todos explodiram em gargalhadas. Sem ser influenciado pelas vozes dos risos, Toda Ia explanando
com a inteira segurança.
Atenção por favor, aqui é o ponto mais importante, onde todos riram.
— Nam em japonês é Kimyo. Portanto, agir no estado de Nam significa oferecer o corpo e o espírito à
causa da fé. O objeto desta devoção chama-se Honzon que se compõe de "Pessoa" e "Lei". A "Pessoa" é o
Buda Original, Nitiren Daishonin e a "Lei" é Nam-myoho-rengue-kyo.
— Por outro lado, "Ki" é a lei da matéria, portanto é a nossa mente. Nitiren Daishonin ensina-nos que a
inseparabilidade do corpo e da mente é uma perfeição ideal.
— Nunca o nosso corpo deve estar separado da sua mente. Ambos devem estar juntos em unidade para
fazer resultar na realidade, uma vida ideal. Torna-se bastante confuso quando o corpo está no escritório e a
91
mente em casa. Onde estiver, o nosso corpo deve permanecer junto com a mente no mesmo lugar. O verda-
deiro aspecto da nossa vida permanecerá onde ambos estiverem juntos. O aspecto da inseparabilidade do
corpo e da mente é o estado de Nam.
Daqui para frente a lição prolongou-se por mais uma hora e meia.
267
Kiyohara ficou satisfeita porque ninguém estava cochilando, São os seus convidados trazidos pelo
esforço da caminhada a pé no meio da planície incendiada. Secretamente guardava o orgulho dentro de si.
Entretanto. .. Dois dias depois, a tarde, à hora marcada, vieram apenas ela e Tame Izumida, duas
ouvintes.
Kiyohara sentiu-se diminuída. Encolheu mais ainda a sua pequena estatura. Ambas permaneciam
aterrorizadas em silêncio, olhando o texto do Hokekyo,
Toda não tocou no assunto quanto ao decréscimo dos participantes. As duas esperavam impacientemen-
te esperando que a lição terminasse logo.
Ele encerrou a lição da noite no lugar onde havia marcado e disse finalmente:
— Depois de amanhã estarei muito ocupado nos negócios e portanto será muito difícil e deixaremos pa-
ra uma outra semana.
Ao sair para fora, kiyohara disse a Izumida segurando a sua mão.
— Que decepção! O que nós podemos fazer. )zu-mida?
—Vamos procurar. Até a próxima semana... Ambas perderam a confiança e a convicção, Apenas
sentiam cada vez mais o aumento da insegurança. Enviaram cartas expressas a todas as pessoas da qual se
lembravam. Mas não seria possível chegar até às pessoas dispersas e às casas arruinadas pêlos incên dios. A
maioria das cartas voltaram.
Por essa ocasião. Kiyohara andava perto da ponte Gofuku. Ao passar pelo sinaleiro de trânsito,
encontrou defronte com Takeo Konishi.
— Olá, Kiyohara. Que coincidência! Konishi chegou sorridente com aspecto sadio e seu rosto
queimado de sol.
— Que surpresa, como vai, Konishi?
268
üs olhos dela parecia dar saltos de tanto susto. Enquanto relatavam as condições atuais, de súbito ela re-
lembrou dia lição do Hokekyo.
— Isso mesmo. Vou convidar para a lição. Ela peryuntou corajosamente.
— Está praticando, ainda o Budismo, Konishi?
— Estou praticando, sim. Como sempre estou sendo punido todo esse tempo. Que decepção! Mas não
fique triste. A minha casa não foi incendiada. Harayama e Se-ki entraram em casa e agora estamos juntos, . .
Não vejo nada de interessante na sociedade; sem dinheiro e nem "sakê" e portanto, estamos folgados
estudando o Gosho. A parte do Budismo creio que estamos praticando bastante .
O espirito de Makiguti aqui também estava correndo pelas veias, sem serem interrompidos.
Kiyohara ficou muito contente. Konishi continuou:
— Tentei fazer reunião do tipo Zadankai outro dia. A juventude de hoje é muito convencida; logo
discute muito com suas lógicas sem fundamentos. Fiquei decepcionado. Cada vez mais está chegando o
mundo mau com cinco impurezas (Gojoku-Akusse). Não é verdade?
• Ele parecia bem robusto e sadio. Era um discípulo de confiança da Escola Makiguti.
— Encontrou com o Mestre Toda por acaso?
— Sim. Ouvi dizer que o Diretor Geral saiu da prisão e agora está muito doente, , ,
— Mentira. Não é verdade. O Mestre Toda está muito bem disposto. Possui a empresa em Nishikanda e
dá até a lição do Hokekyo.
— Opa' Essa eu não sabia, Que saudade! Eu quero encontrar
Quem possui a verdadeira fé faz amigos num instante, como se fossem conhecidos de uma década.
Konishi era um instrutor do curso primário em Ka-
269
mata, Tóquio. Durante a guerra, vivia num tempto das montanhas no nordeste do Japão, junto com a
turma de alunos do curso primário que ali se abrigavam coletiva-mente. No ano da cessação de fogo, voltou
à Capital, no meio de outono e reassumiu na escota onde lecio" nara.
Seus companheiros Koiti Harayama e Hissao Seki foram também à mesma região Nordeste com os seus
alunos, embora em locais diferentes.
As casas de Harayama e Seki foram incendiadas, eles moravam temporariamente no andar de cima da
casa de Konishi.
Os três soldados corajosos de Kamata, escaparam das repressões do Governo Militar durante a guerra,
mas sofreram certos maus tratos; porém como eles eram os instrutores dos alunos em curso e por não serem
altos dirigentes da Gakkai, não foram presos, Durante os bombardeios, eles se reuniam sempre e liam
"Kaimoku--Sho", obra de Daishonin.
A lição do Hokekyo começou a ficar cada vez mais animada. Os três companheiros de Kamata vieram a
92
aderir. Mishima e Yamadaira da Editora Nihon-Shoqakkan e Okumura, o tesourei ro-chefe aderiram
também.
O ambiente estava completamente diferente do anterior. Os participantes eram mais novos do que Toda.
Pareciam estar .procurando mais dedicadamente,
Portanto começaram ajuntar os discípulos da Escola de Maklguti que Toda- ainda não os conhecia bem.
Ao lado da mesa de Toda, Kiyohara sentava na frente de todos.
Ela estava contente. Os participantes eram as pessoas convidadas por ela. Além disso, surgiu o Mestre
do Kossen-Rufu da Nova-Gakkai. Estava satisfeita de poder tomar parte nas atividades livremente como
sua discfpula.
270
Toda continuou a sua lição com firmeza.
Sentiu o impacto da nova geração.
E, começou o prelúdio da Paz Mundial.
Sentia precocemente o nascimento da Nitiren Sho-stíu em novo estilo.
Os participantes também sentiram o excepcional entusiasmo de Toda e leram as suas respectivas deci-
sões. Entretanto, eles não puderam compreender em que direção a Nova Gakkai deveria seguir para o futuro,
Não havia outro meio senão seguir os mesmos passos do Diretor Geral Toda.
Nessa época milhares de novas religiões começaram a se movimentar no Japão, cada qual levantando os
seus objetivos.
Centenas de organizações proclamavam a democracia, dando o início aos seus movimentos.
As três mil pessoas que foram membros anteriormente estavam todas espalhadas, mas a Soka-Gakkai
estabeleceu-se novamente com o sublime propósito da Paz Mundial através dos esforços de umas poucas
pessoas, firmemente determinadas a enfrentarem outra vez as ondas enfurecidas ou maremotos.
271

Engrenagem
Desde abril, a lição do Hokekyo estava sendo levada regularmente por Toda. nas segundas, quartas e
sextas-feiras. Nos outros dias da semana, ele mesmo decidiu a sua participação nas reuniões.
As reuniões de conversão que eram tradicionais desde a época do Presidente Makiguti, foram
reiniciadas nas residências de Kiyohara em Suguinami, de Konishi em Kamata, de Morikawa em Tsurumi e
em outros locais- Pron.overam as reuniões aos domingos em dois períodos, à tarde e à noite, com a presença
de Toda,
Certas associações religiosas estavam organizando atividades espetaculares, chamando atenções para
angariar e elevar os seus prestígios. Outras associações movimentavam com entusiasmo, visando negócios
lucrativos.
O círculo religioso agia também da mesma forma. As religiões antigas não podiam agir em grande
escala devido aos grandes revezes, mas as novas religiões, re-cém-formadas, iniciaram imediatamente as
suas atividades, ao ponto de receberem muitas críticas detestáveis pela socied.' lê de após guerra.
Risshokosseikai, Reiyúkai, Seitio-no-iê, o culto Dançante, Jikosson e outras religiões começaram a
surgir umas apôs as outras, como os brotos de bambu que surgem após a enxurrada.
273

Toda não se importava com esses fatos. Prosseguia o seu sistema de intenso polimento de um pequeno
número, com base no Kyogaku (estudo sobre o budismo) a fim de fazerem-nos adquirir os conhecimentos
fundamentais do Budismo.
Dia a dia, a sua lição tornava-se brilhante e convincente. Os ouvintes não se mostravam nem um pouco
perturba-los, isso porque todos eram discípulos treinados pelo Presidente Makiguti, e tinham entendido o
Budismo através da "Filosofia do Valor".
A lição de Toda, quase nunca se referia à "Filosofia do Valor". Ao invés disso, revelava desde o início,
a "Filosofia-da-Vida". Era uma grandiosa "Filosofia de Shiki-ShinFuni" isto é, "Harmonia da Matéria e do
Espírito". Pregava com entusiasmo a vida nas três existências, citando uma variedade de exemplos e
dedicava todo o seu esforço em fazê-los compreender a Eternidade da Vida,
Dificilmente eles entendiam a lição. Havia um deles que começou a dizer com ironia;
— Compreendo a lógica da Filosofia do Valor, mas não posso acreditar na vida com suas três
existências.
— Não pode acreditar? Eu não posso fazer nada .. Que pena! Podem compreender a Filosofia da Vida e
não podem acreditar na existência real da vida prévia! A existência rea) da Vida nos três períodos: o
passado, o presente e o futuro. é o zénite do Budismo. é o principio último da existência. Não podemos
fazer nada, senão acreditar Se acreditar neste principio fundamental da vida, tudo vem a ser compreendido
facilmente, dito isto, a seguir, Toda permaneceu em silêncio por um momento,
— "A Filosofia do Valor" nada mais é senão, um sistema lógico que conduz ao Vendeiro Budismo, co-
93
mo se fosse uma introdução, í como os oegraus de
274

uma escada que leva á compreensão do Verdadeiro Budismo. Não terá significado algum, se não
conseguirmos compreender e acreditar no próprio Myoho-rengue--kyo.
Assim, Toda continuava dizendo como se estivesse tentando convencer as crianças. Tanto ele como os
ouvintes perceberam que havia uma grande diferença no tocante à compreensão da lei do Myoho, muito
mais do que a diferença situacional pré e pós-guerra.
Toda sentiu novamente a necessidade premente da leitura do Hokekyo com a inteira profundidade.
Percebeu que seria uma temeridade, o fato de que os dirigentes da Gakkai estivessem obcecados com a
"Kati-ron" a Filosofia do Valor, ao ponto de considerar a Filosofia de Daishonin em plano secundário
E continuou:
— Como diz Nitiren Daishonin, se aluarmos obedientemente a nossa fé na dedicação á prática para si e
para os próximos (Jigyo-Keta), naturalmente chegaremos ao ponto em que é impossível deixar de acreditar.
é um fato que todos podem compreender. Isso é o principio básico da vida.
Seria um fato irrisório se pensarmos hoje, mas para aquela época a situação estava nessas condições.
Desejo, aqui expor sumariamente, a respeito de uma descoberta filosófica, a "Filosofia do Valor" da au -
toria de Tsunessaburo Makiguti.
Esta obra mudou radicalmente o conceito de valor exposto pelo grande filósifo alemão Immanuel Kant
(1724-1804) e sua corrente filosófica, esclarecendo que a "Coisa Verdadeira" ou a "Verdade" são os objetos
de reconhecimento e não fazem parte do conceito de valor que seria: o Bem, o Belo e o Lucro. O valor maior
ou máximo ele definiu como sendo "Bem Maior".
Assim, ele definiu que o Valor é a relação entre o
275
sujeito que é a vida humana com o seu objeto, revelando desse modo o conceito concreto do valor.
Além disso, ele afirmou que o objetivo da vida humana, em resumo. é a aquisição e a criação do valor. Para
que uma pessoa consiga ter a sua vida com o valor mais elevado, é necessário atuar ao máximo a energia
vital própria que é o sujeito, já que o valor é a relação entre a vida humana e o seu objeto. Portanto, esse
valor máximo é a vida de bem maior ou bem estar ao máximo. Isto só deve ser conseguido por meio da mais
elevada e verdadeira religião que esclarece perfeitamente a vida humana.
Aqui, a Filosofia do Valor de Makiguti teve que entrelaçar forçosamente com a Filosofia-da-Vida de
Nitiren Daishonin e a sua axiologia vem atuar sobre os problemas básicos da fé.
Se alguém acreditar numa religião errada, esta pessoa cairá inevitavelmente numa vida de
desvalorização. Neste caso. em vez de criação de valor, torna-se criação de desvaleres. Portanto, a
infelicidade é a vida de criação de desvaleres.
Assim, partindo da Filosofia do Valor chegou à Filosofia-da-Vida de Nitiren Daishonin. A atividade
religiosa de Makiguti através das reuniões, foi denominada de "Reunião para a Confirmação Experimental
da Vida do Bem Maior".
O assunto da reunião era o relato de experiências sobre a prática da Nitiren-Shoshu e a sua Filosofia.
Tsunessaburo Makiguti, na sua carta que se tornou o seu último escrito, endereçada à sua esposa já
idosa, na véspera da sua morte, um mês antes, com a data de 13 de outubro de 1944, ele revela o seguinte:
".. .Estou lendo atentamente a Filosofia de Kant. Revelei a "Filosofia do Valor", a obra que os filósofos
de há cem anos ou mesmo depois, não puderam tentar mes-
276
mo que desejassem. Além disso, eu estou surpreso ao ver que a obra foi ligada por cima com o
Hokekyo e por baixo com as testemunhas das práticas de milhares de pessoas. Portanto, os ataques furiosos
de Sansho--Shima foram evidentemente inevitáveis como atesta a sutra.
A Filosofia de Valor, no seu último propósito veio fouvar o Dai-Gohonzon de Nitiren Daishonin.
Makiguti compreendeu que encontrar com o Dai-Gohonzon' é a mais alta e absoluta felicidade, para quem
procura o mais alto e grandioso valor nesta vida.
Portanto, como filósofo da Axiologia, atingiu a sabedoria para encontrar o Objeto de Valor máximo que
é o "Gohonzon".
Certamente seria uma verdade.
O sistema axiológico do bem, belo e lucro é, sem dúvida, uma verdade que faz compreender o zénite do
valor máximo, dentro das áreas de especulação humana.
Entretanto, mesmo a Filosofia do Valor observado do ponto de vista do Budismo de Nitiren Daishonin
prova que o Dai-Gohonzon tem Força do Buda e Força da Lei, ilimitadas e infinitas, que superam todo o
pensamento humano. O Nam-myoho-rengue-kyo existe com ou sem a Filosofia do Valor.
Portanto, quando se considera o Myoho como valor, estaria limitando-o dentro da área da Filosofia do
Valor que é meramente lógica o que naturalmente, não pode ser possível.
Jossei Toda possuía um amor todo especial à lógica da Filosofia do Valor de Makiguti. Admirava since-
ramente ao ponto de tirar o chapéu, mas agora, precisava reconhecer o limite da criação humana a respeito

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do valor.
Analisando-se a vida do Bem Maior, à maneira axio-lógica de Makiguti, surge uma. tendência para a
ética
277
que é peculiar à sua filosofia. Além disso, quando o Dai-Cchonzon é utilizado como o meio de aluar na
Filosofia do Valor, o Dal-Gohonzon cairia dentro do âmbito da Filosofia do Valor. Parece que aqui refletiu a
sombra inconveniente de "Saisson-Nyuhi" que faz desmerecer o respeito e diminuir o valor.
Desde a libertação da prisão, Toda afastou temporariamente a Filosofia do Valor.
Em seguida, partiu desde início com o próprio Nam-myoho-rengue-kyo. Esta decisão resultou da
própria convicção obtida pela sua experiência sofrida dos anos e meses passados.
Ele reconhecia que a Filosofia do Valor é o pico mais elevado da Filosofia contemporânea. Entretanto,
considerando a Grande Filosofia-da-Vida de Nitiren Dai-shcnin, lembrava então a existência daquelas "nove
dobras de inferioridades".
Agora os ouvintes da lição do Hokekyo, são pessoas armadas de Filosofia do Valor do tempo da guerra.
De imediato eles não podiam compreender a intenção de Toda. Ficavam desnorteados pela Filosofia-da-Vida
e por sua vez, Toda perturbava-se também em relação a sles.
São fatos que atualmente estariam fora de cogitarão, porém, para romper esse paredão, foi necessário
despender anos de esforços e lutas-
A lição do Hokekyo, na sua segunda série, era diferente da primeira e não terminava mais em servir as
Oebidas. Em vez disso, logo iniciava as deliberações a ^erca da Soka-Gakkai.
Começaram brotar os novos entusiasmos. Surgiram muitas vezes os assuntos da reforma da organiza-
ção. Uns informavam aos outros as notícias dos velhos membros desaparecidos; outros, relatavam os planos
paia a orientação regional.
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A engrenagem começou a mover-se. Ela, que estava parada há três anos, resolve rodar de novo em tor-
no do seu eixo cuja figura central agora era Jossei Toda,
Chegou a realizar a Primeira Reunião dos Dirigentes da Nitiren Shoshu-Soka-Gakkai no dia primeiro de
maio. Compareceram nessa Reunião dos Dirigentes, um pouco mais de dez pessoas. Hoje, esse dia tornou-se
também uma data historicamente importante para a Gakkai.
As pessoas que aí reuniram-se, não ficaram desapontadas pelo pequeno número de comparecimento.
Em vez disso, ficaram mais contentes por ter sido encontrado um novo líder com quem podiam receber as
orientações da fé, como nos tempos anteriores à guerra.
Foi decidida a formação das Divisões com seus respectivos responsáveis. Em seguida foram estabeleci -
dos os quatro capítulos (Shibu) em Tsurumi e Tóquio e esquemas de reuniões programadas, já com as
respectivas datas, em torno de Jossei Toda.
No final da Reunião dos Dirigentes, Toda disse aos presentes:
-— Agradeço a dedicação de todos hoje. Assim, nossa Soka-Gakkai começou entrar em ação, mas da-
qui para frente será muito difícil. Se nós não levantarmos fortemente decididos com fé inabalável, os pés da
Gakkai serão arrastados petas ondas da época. Além disso, pode-se dizer que o Japão está em pior situação
com a turbulência sem precedentes na história.
— Pode-se compreender mesmo ouvindo as noticias de hoje, na comemoração de 1.° de maio, reuniram
500 mil trabalhadores no jardim em frente ao Palácio Impe-iial e levantaram as vozes de protesto exigindo a
solução dos problemas alimentares, a abolição do Regime Imperial e a implantação do Governo
Democrático. Foram decorridos vinte dias após a queda do gabinete Shi-
279
r.ohara e apesar disso, ainda continuava a confusão em torno da sucessão ministerial.
A sua saudação ora se mantinha calma ora eloquentes, como o valente cavaleiro que comanda sobre seu
cavalo branco.
— Forçosamente nós devemos suportar os efeitos danosos da derrota. A instabilidade da situação políti-
ca, a insegurança da vida diária, a estagnação das ati" vidades económicas, enfim, vivemos, na verdade,
numa sociedade temerosa. Não há um local tranquilo no país. Entretanto, por feliz sorte, nós temos o nosso
Gohonzon. A Sutra revela que "o local de uma pessoa com a intensa fé é o próprio local de tranquilidade
(Gashido-Annon)". Não há o que temer. Os dirigentes da Soka-Gakkai nunca devem se perturbar com os
fatos triviais. Com essa fraqueza de espírito e degradação da conduta, jamais poderemos conseguir o êxito
na hora de Kos-sen-Rufu.
A atitude de Toda tornava-se cada vez mais rigorosa e as suas palavras faziam estremecer o coração dos
ouvintes.
— Eu, Jossei Toda, já decidi entregar o meu corpc ao Gohonzon, pela causa da Paz Mundial. Aqueles
que possuem a mesma decisão gostaria que me seguissem para onde eu for. Se dentre os presentes estiver
alguém que não deseja ou tenha a mesma decisão, peco-lhe o favor de se retirar deste recinto.
A sala foi dominada por uma atmosfera tensa e logo voltou ao silêncio absoluto. Os presentes
engoliram as suas vozes. O silêncio tornava-se cada vez mais opressivo. Apesar disso, não havia um que
quisesse desviar os olhos do Mestre Toda.
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— Pergunto a todos. Qual é a decisão? Toda rompeu o. silêncio com altas vozes.
Os presentes foram salvos da opressão do ambien-
280
te silencioso, pelo incentivo da sua voz. Todos, ao mesmo tempo, responderam com ânimo:
— Sim. f-aremos. . ,
— Por favor, Mestre. Não se preocupe jamais.
Toda sorriu suavemente.
— é verdade?
— Certamente! Pode ficar sossegado.
— Muito obrigado. Então, mãos à obra. Vamos trabalhar com todo o entusiasmo. Haja o que houver,
não poderemos jamais ficar amedrontados. Está certo?
Subitamente, Toda retirou o seu paletó. Em seguida, levantou um de seus braços, bem alto... e começou
entoar a "Canção dos Campanheiros" (Doshi-no-Uta),
As lágrimas brilhavam nos seus olhos, espontaneamente, sem cogitar o motivo do pensamento.
Todos os diligentes cantaram juntos, várias vezes.
À medida que foram repetindo a canção, a decisão de Toda foi compenetrando na sensibilidade de
todos.
A jovem Kiyohara cantava chorando, O semblante de todos estava corado de alegria e decisão,
mostrando a revelação desta nobre missão. Ao terminar a canção, Toda retirou os seus óculos e levou o seu
lenço aos olhos.
Terminada a reunião, todos saíram da sala, mas ninguém demonstrava o desejo de ir embora. No cami-
nho escuro, cercaram Toda com as palestras sorridentes sem se moverem.
Em seguida, este grupo de aproximadamente dez pessoas caminharam conversando prazerosamente em
direção à estação de Suidobashi.
A marcha desta noite é incomparavelmente diferente daquela passeata de 500 mil operários em
comemoração ao dia do Trabalho. Entretanto, nesta marcha, não havia sombras que ocultavam a tragédia.
Era a marcha
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de minorias selecionadas, mas todos estavam sorridentes em plena meia noite.
Toda disse em frente do guiché.
— Todos estão animados! Fizemos até passeatas em plena noite! Ao chegar em casa comuniquem às
respectivas esposas, que hoje aderimos à "Marcha da Comemoração", está bem?
Surgiram vozes de alegria. Eram vozes sorridentes, tão brilhantes, e realmente encantadoras.
Após despedirem uns aos outros, uma turma foi à plataforma de cima e a outra, à de baixo.
Dia 22 de Maio. — Foi realizada a Segunda Reunião dos Dirigentes. Era um movimento realmente in-
significante. Era uma reunião que parecia com os movimentos dos átomos da molécula.
Cada um dos participantes parecia estar guardando secretamente consigo o ideal chamado "Kossen-
Rufu" comunicável somente entre eles, e que ninguém mais podia percebê-los.
Nessa noite, três novos Diretores foram nomeados pelo Diretor Geral Toda. Eram Koiti Harayama,
Takeo Konishi e Hissao Seki, assim chamados Três Companheiros de Kamata. Com os quatro Diretores do
Grupo de Economistas, a Diretoria ficou assim composta de sete Diretores.
Haviam passado apenas vinte dias desde a Primeira Reunião dos Dirigentes. A Organização da Soka-
Gakkai deu um passo firme à frente.
Nesse intervalo de vinte dias, a situação social piorou rapidamente.
No dia 12 de maio a "Grande Convenção da Demanda do Arroz" promovida pêlos habitantes do Bairro
de Setagaya movimentou passeatas em direção ao Palácio Imperial, invadiu a residência do Imperador e
exigiu a declaração pública da Receita da Família Imperial.
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O Governo estava diretamente em face à dificuldade na organização do novo Gabinete.
Na eleição geral do dia 10 de abril, o Partido Liberal. liderado por Itiro Hatoyama ocupou o primeiro
lugar e o Partido Progressista de Shidehara foi para o segundo lugar. Os Partidos Socialista e Comunista
também tiveram seus sucessos notáveis. Nesta eleição ambos juntos obtiveram 10 milhões de votos.
Sob as rédeas da sucessão ministerial, surgiram sucessivas manobras secretas e atritos nos bastidores da
política. Em 3 de maio, estavam prontos os planos políticos combinados pêlos dois partidos, Liberal e So -
cialista. Shidehara elaborava a formação do Gabinete independente com o Partido Liberal e aguardava a au-
torização de MacArthur.
Hatoyama preparou até as listas dos novos Ministros do seu Gabinete, mas o que ele recebeu foi a or-
dem de expulsão.
Com a situação política para a sucessão do Hatoyama, surgiram: Tsuneo Matsudaira, ex-Ministro da
Casa Imperial e Takeo Kojima, um velho político. Entretanto, em 3 de maio, o ex-Ministro do Exterior,
Shigue-ru Yoshida apareceu como sucessor de Hatoyama.
A organização do Novo Gabinete atravessou um vendaval de dificuldades. Por outro lado, o povo
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faminto tornava-se cada vez mais violento.
O Partido Comunista não deixou de aproveitar essa oportunidade. No dia 9 de maio, o partido
mobilizou 250 mil operários para a "Comemoração do Dia da Alimentação". Kyuiti Tokuda que se tornou
deputado, colocou-se à frente da demonstração, invadiu o Portão Sakashi-ta e exigiu a entrevista com o
Imperador.
Evidente, não poderia encontrar a mínima parcela de ombridade da nação japonesa. O povo desejava
apenas géneros alimentícios. O problema básico de suma
283
importância era a estabilidade da vida diária. Desejava que alguém viesse resolver os seus anseios, seja
qual for o partido.
A guerra foi uma tragédia! " Após a guerra, também foi uma tragédia!
A União dos Trabalhadores da Empresa Estatal de Estrada de Ferro do setor de Tóquio, ordenou a todas
as estações, a concessão de passagens gratuitas em oferta aos participantes das passeatas. Todos os sindi-
catos aderiram e apoiaram os movimentos.
Nesse momento começaram aparecer os cartazes com os dizeres agressivos — que chegaram até ser
processados mais tarde:
— Nós estamos com a barriga cheia'!! Vós que sois
os nossos subordinados, que morram. Assinado Imperador.
O autor desse cartaz, imediatamente se tornou um herói da luta trabalhista.
Realmente, foi uma época em que o país inteiro demonstrou o acesso de loucura, é fácil anarquizar. Di-
fícil é construir. Agora, na terra do Japão não havia mais a ressonância das melodias e das cores da feli -
cidade.
O movimento foi conduzido até na sede da elaboração do Gabinete que estava atravessada em crise e
um grupo de representantes dos movimentos, com Kyuiti Tokuda à testa, chegaram a esse local e aí
insistiram em permanecer até o fim.
Yoshida foi recusado pelo grupo de professores, após o seu convite para ingressar no Ministério e por
outro lado suportando as pressões dos movimentos populares, a sua organização do Gabinete estava esperan-
do uma crise a qualquer momento, como se estivesse na iminência de aborto.
Às sete horas da tarde, Yoshida chegou ao ponto
284
de mandar seu secretário particular a dizer aos delegados insistentes que já havia desistido da formação
do Gabinete. Parecia que a Soberania iria se transferir às mãos do povo que lutava pela democracia.
Entretanto, no dia seguinte, em 20 de maio, Mac-Arthur enviou uma séria advertência contra os
movimentos anarquistas do dia anterior:
— . , se é impossível para esta minoria da sociedade japonesa, tomar o controle e respeito por si
próprio, serei obrigado a tomar as medidas necessárias a fim de controlar e corrigir esta situação deplorável
Que imponência! Era um golpe a martelada contra os esquerdistas que aproveitavam da situação diante
do governo enfraquecido. Os lideres das lutas pela Democracia Popular sentiram-se estar por debaixo do
Regime de Ocupação e foram extinguidas as luzes do sonho revolucionário.
O Quartel General protegeu Yoshida que já pretendia abandonar a organização do Gabinete. A situação
política do Japão estava fora de controle do povo )a ponés. Estava sob a livre vontade das ordens das For cãs
de Ocupação dos Estados Unidos-
Dois dias após a advertência, finalmente foi organizado o Gabinete Yoshida.
Recentemente, apareceu num certo jornal um artigo desta natureza:
sob a Ocupação, não poderíamos conter as nossas iras contra a opressão da Terceira Nação, a exube-
rância das bandeiras vermelhas, a falsidade do Tribunal de Tóquio e revestimento formal da democracia.
Muitas vezes criticávamos o Primeiro Ministro Yoshida para atacar MacArthur que estava atrás-
— Compreendemos profundamente que existe algo solene na marcha da história e na profundeza da
socieda-
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de, incontroiável pela força de um homem. Sentimos a vontade de inclinar a cabeça para esse algo que
impulsiona a história. Durante os vinte anos decorridos após a guerra, vem marcando uma revolução
pacificamente. Entretanto não conseguimos decifrar o enigma contido nas palavras que está ornamentando
sobre & correnteza, como um ramalhete de flores, A renovação, a restauração, o bom senso, o progresso, a
inovação e a paz e mesmo até o centralismo das Nações Unidas não são. flores que nasceram na terra do
Japão. Seriam flores cortadas ou feitas de plástico importados do estrangeiro, . .
Qualquer pessoa pode fazer criticas. £ muito simples. Uma pessoa ou uma unidade conjunta de pessoas
que eliminasse radicalmente o drama desse povo e que construísse um verdadeiro Japão democrático, na
verdade, ele poderá ser admirado como um sustentáculo da História humana.
No mesmo dia, à noite, estava sendo realizada a Segunda Reunião dos Dirigentes.
Os manuscritos para a nova edição da revista "A Criação do Valor" já estavam colecionados nesta noi -
te. Eram revistas mimeografadas em papéis finos, cujo tamanho era a metade daqueles que habitualmente
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são usados para a escrita japonesa.
A publicação da primeira edição da "Criação do Valer" da Soka Kyoiku Gakkai ocorreu em julho de
1941. Era um órgão informativo para os três mil membros. Desde então, até maio do ano seguinte contava
nove números sucessivos, publicados mensalmente e os membros aumentaram até cinco mil. Apesar disso,
devido o racionamento de papéis, a publicação da revista foi suspensa. Em seguida, no ano vindouro, em
1943, a tempestade de perseguições avançou sobre a Sociedade.
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Após o intervalo de 3 anos de interrupção — novamente foram reiniciadas as campanhas retóricas em
torno de palavras eloquentes.
Sendo os papéis de má qualidade, as palavras nãc ficaram bem imprimidas. Entretanto, na alegria da
nova publicação havia algo indescritível.
Apesar disso, a engrenagem começou a rodar, movendo-se com imenso prazer.
No dia 22 de Junho, reuniram-se vários membros da Divisão dos Jovens. Toda compareceu também,
embora de maneira formal. A organização foi criada.
No dia 3 de julho, no primeiro aniversário de sua libertação da prisão, realizaram a Reunião dos Direto-
res e a Reunião dos Dirigentes.
Realizaram-se em continuação, no dia 20 de julho. a reunião da Divisão das Senhoras, no dia 24 de
julho, a Reunião dos Debates Orais da Divisão dos Jovens. As reuniões de cada Capítulo (Shibu) também
tornaram-se mais ativas.
Numerosas engrenagens começaram a se mover. Toda percebeu afinal, que a Gakkai libertou-se do
estado de submersão e desmoronomento. Reconheceu também que cada dente de uma engrenagem era
necessário combinar exatamente com o outro.
Um grupo de engrenagens que finalmente começou a mover — estavam muito longe das grandes
engrenagens que ele imaginava. Comparando-se com o panorama das rotações da engrenagem gigante que
ele imaginava em sua mente, esta rotação parecia evidentemente insignificante.
Entretanto, ele cuidou com carinho, cada uma das pequenas engrenagens e dedicou cuidadosamente ao
polimento das peças. Mais do que isso, ficou totalmente absorvido. Além disso, não provocava movimentos
senão estritamente necessários, porém seguros e firmes.
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Se houvesse uma engrenagem falha, isso seria fatal. Por causa dessa engrenagem, todo o movimento
tornar-se-ia difícil. Conforme o caso ela poderia até fazer parar todo o movimento. Isso era temível e ele to-
mava o máximo de cuidado para evitar esse problema.
As reuniões (Zadankai) da Gakkai são realmente rigorosas. Ali não há o mínimo de impureza da falsi -
dade. Nem há compromissos com as falsas doutrinas. Por isso mesmo, os convidados não decidiam
facilmente em sua conversão.
Jossei Toda, entretanto, lutava com paciência realmente admirável. Para os convidados que não se con-
verteram nas primeiras reuniões, convidava-os para acompanhar mais duas ou três vezes. Recomendava
ouvir os relatos de experiências das numerosas pessoas, ensinava em seguida a Filosofia da Vida e esperava
sempre até que o próprio convidado se convertesse, e por fim, de própria vontade viesse a acreditar no
Budismo de Daishonin.
— Não acham que é necessário um guia seguro para atravessar as ondas tempestuosas da vida e
navegar daqui para frente com uma religião poderosa que permite trazer as forças, os benefícios e acumular
a nossa sorte? Todos desejam o mesmo e estão procurando encontrar esta bússola. Não há coisa mais
temerosa do que uma religião falsa. Nós devemos acreditar numa religião que segue os Ditos Dourados de
Sakyamuni e Daishonin.
— Assim como não há dois sóis no firmamento, a verdadeira religião só existe uma para cada época. é
uma religião que faz libertar o mau destino e que mostra evidentemente a prova da felicidade na vida diária,
do contrário, a atuação da fé não teria o seu significado.
— Seja um ser humano, uma família, ou um país, ninguém pode fugir do Grande Principio da Vida do
Universo, que é Myoho. A prova está nos relatos de experiências apresentados há pouco. Somente, que não
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sabíamos até agora ou melhor, nós não percebíamos; não somente isso, apesar de ter encontrado alguém
que ensinasse, não pode se convencer, e assim, pensam que os fatos não podem suceder desta maneira. Qual
é a sua opinião? Não acha assim. ..?
Toda sorriu espontaneamente e observou o rosto do convidado. Este concordou e respondeu com voz
baixa:
— é isso mesmo!
— Nesta religião, absolutamente não há falsidade. Seguramente pode ser feliz. Digo com toda minha
convicção. Se achar que é mentira, poderá deixar a qualquer momento.
Toda afirmava categoricamente. O convidado fitava a sua face inteira.
Os membros da Gakkai convertidos antes da guerra adotavam o sistema de Chakubuku, iniciando com
o diálogo sobre a Teoria da Filosofia do Valor e acabavam fazendo o Chakubuku baseando-se na Teoria da
Punição Divina. No Chakubuku de Toda, não ressaltava a Teoria do Valor e em vez disso ressaltava desde o
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início até o fim, diretamente a Teoria do Benefício do Budismo. Apesar disso, o êxito do Chakubuku não era
fácil. A percentagem de convertidos era a mesma de antes da guerra.
Graças à instrução de Toda, as engrenagens, quer maiores ou menores, começaram a ser polidas
gradati-vamente.
Em dado momento apertavam-se os parafusos e em outras ocasiões colocavam-se os lubrificantes. E,
assim, os preparativos para a criação dos valores estavam sendo efetivados no lugar onde o público não
percebia.
Por outro lado, não havia um outro mundo que fosse cair em tanta confusão, a não ser o círculo
religioso de após-guerra como no Japão.
O Estado Xintoísta foi sufocado pelas Forças de
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Ocupação. Conseqüentemente os Templos Xintoistas caíram numa situação asfixiante.
— Existe Deus ou Buda? Qual nada' eram as respostas habituais da maioria do povo. Poderia ser dito
que o período após-guerra iniciou com o descrédito à religião. Sorte seria se as descrença® fossem dirigidas
contra as falsas religiões, mas, em vez disso, muitos corriam atras das novas religiões recém-criadas. Que
estupidez absurda!
Portanto, o povo provou que não possuía a capacidade ou método para avaliar a legitimidade ou a
falsidade no assunto da religião.
Nessa época, o povo começou a restaurar as suas condições de vida, após meio ou um ano de opressões
e misérias. As falsas religiões já miravam atentamente estas pessoas, à espera de oportunidade para tirar o
proveito.
Reiyukai, uma associação religiosa que por volta
de 1943 anunciava um milhão de adeptos, não sofreu nenhuma perseguição durante a guerra. Pelo
contrário, aproveitando-se da evacuação, formou numerosos pontos estratégicos em diversas partes do
Japão. Em 1944, após a morte do seu fundador, Kakutaro Kubo, a sucessora Kimi Kotani prosseguiu
as .atividades usando a tática de induzimento forçado chamado 'Omitibiki'- Em torno de 1949 ela chegou a
fazer uma propaganda exagerada de dois milhões de membros sob sua direção.
Rissho-Kosseikai, uma nova associação religiosa foi criada por Nikkei Niwano e Myokou Naganuma
em 1938 após o desmembramento do Reiyukai, não passava de 1 300 famílias no término da guerra, mas
começou peculia-riedades das religiões novas após a guerra, como surgem os capins e flores no campo.
Tanto Reiyukai como Rissho-Kosseikai não passam de uma exploração da moralidade em respeito aos
ancestrais tirada do costume japonês.
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•A devoção aos ancestrais é a base da solução de todos os sofrimentos'. Com esse ensinamento
medíocre mandava os seus adeptos a recitarem Nam-myoho-ren-gue-kyo a torto e a direito.
P. L. Kyodan, que antes da guerra se denominava Hitoncmiti (Caminho dos Homens), partiu da
Prefeitura de Saga em setembro de 1946 com o seu nome assim formado. P. L. é a sua abreviação de 'Perfect
Liberty' e o seu preâmbulo da fundação é uma frase sonhadora de que "a vida é uma arte". Através dos
ambientes ou reuniões americanizadas combinados com os panoramas coloniais, promoviam bailes e com
isso, os adeptos que não passavam de dez mil no inicio de 1947, aumentou para 230 mil em fins de 1949.
Omotokyo, uma outra religião que foi oprimida peio Governo Militar em 1935 por crime de Lesa
Majestade, após a guerra restaurou para 27 mil adeptos em 1949.
Tenrikyo sofreu as consequências das ondas da decadência do Xintoismo e conseqüentemente não mos-
trava atividades após a guerra, mas em 1949 a sua influência começou crescer novamente.
Sekai-meshiyakyo, ou Religião Messiânica Mundial de Mokiti Okada, é uma religião nova que se
tornou famosa. Através da propaganda otimista de seu fundador, que com as ondas eletro-espirituais que
saem das pontas dos dedos ao pressionar o corpo, todas as doenças são curadas, até mesmo desaparecem as
pobrezas e as desarmonias. Nem é preciso colocar os adubos nas plantações. Criou-se uma doutrina
demagógica e estava perturbando a sociedade, aproveitando-se das forças da maldade.
Jiu-kyo provocou o Motim de Kanazawa em Janeiro de 1945. A fundadora fc; Jikosson. Ela mesmo
declarava ser a personificação da Deusa do Sol. Assim ajuntaram numerosos fanáticos. A polícia reconheceu
que é uma
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seita do Xintoismo em cuja doutrina contém a ideia ultra-nacionalista e começou prender os seus líderes
alegando a violação da Lei que proibia a possessão das armas e de transportes de géneros alimentícios, Aqui
se tornou notável a luta desesperada do ex-Yokozuna Futabayama, aquele famoso campeão de luta de Sumo,
contra os policiais.
KarI Marx dizia: "a religião é o ópio do povo". Ele se referia ao Cristianismo. Infelizmente, ele não
chegou a conhecer profundamente o Budismo Oriental. Nem podia cogitar da vida nas Três Existências.
Tampouco ele podia atingir qualquer iluminação. As criticas e refutações de Nitiren Daishonin contra o falso
Budismo foram bem maiores do que as repercussões de Marx. Afirmava categoricamente com sua profunda
lógica que a religião falsa é a origem condutora da queda ao inferno e é a causa da ruina de um país, de uma
família ou de um indivíduo. Marx dizia que a religião é como o ópio, nocivo contra a revolução política e
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económica. Entretanto Niliren Daishonin refutou as doutrinas heréticas e implantou a Legítima Doutrina do
Budismo para a formação básica do progresso eterno da cultura, da educação, da ecoríomia e da política.
O Culto Dançante, por outro lado, era um tipo de religião, fora do comum dentre as que surgiram
depois da guerra. Com o nome de KOTAUIN-GU-KYO, causava noticias sensacionais nos jornais. Em
março de 1946, Sayo Kitamura. a fundadora desta religião fanática, fazia sermões curiosos e danças exóticas
em pleno coração de Tóquio, perto da Ponte Sukiya, chamando atenções dos transeuntes e até mesmo dos
jornais e filmes de reporta-nRns, com suas "danças inconscientes". Por incrível que pareça começaram surgir
seguidores que apresentavam as demonstrações de danças e cantos nas ruas de todo o pais. Em torno do ano
de 1949 este culto chegou a anunciar 300 mil adeptos.
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Assim, um bando de religiões novas, sem princípios e sem fundamentos, longe de serem consideradas
como religiões, começaram a invadir todo o Japão. Nesta época, estas religiões eram acatadas pelo povo
desesperado em aliviar os sofrimentos. Nessas circunstâncias era natural que até mesmo os homens sensatos
confundissem as religiões certas e erradas ao ponto de dizerem que:
"Todas as religiões são iguais".
Era um país destruído em cujas montanhas ou entre--rios não cresciam senão matos e assim a terra do
Japão estava em tristes condições.
Com a derrota, foi abolido o Ato da Associação Religiosa pelo Quartel General, Tal ato favoreceu
muito as religiões novas e naturalmente todas as religiões obedeceram.
Solicitando-se as licenças mediante o preenchimento de formalidades, imediatamente podiam partir
para uma ativídatíe religiosa qualquer. Não havia necessidade de pedirem autorizações. Nunca houve uma
outra época assim tão fácil de se criar uma religião.
Foi em abril de 1951 que se introduziu o sistema de autorização, quando foi adotada a Lei da
Associação Religiosa. Nesse intervalo de 5 anos, podiam ser criados quaisquer tipos de religiões com suas
atividades das mais extravagantes. Além disso, gozava inteiramente da isenção dos impostos.
Na Prefeitura de Shizuoka vivia um homem astuto chamado Kifune. Ele criou uma religião com o fim
de sonegar os impostos. A sua religião denominada *Kodo-jikyo-Jinguionmyoryo-Tenshajingu-Shityo', foi
transformando as lojas das travessas atrás das ruas principais, como dependências da sua igreja.
Argumentava que todas as atividades dos seus negócios tinham a finalidade religiosa e assim, fugia
admiravelmente dos pagamentos dos impostos. Por exemplo: o seu Instituto de Beleza definia
293
como sendo a 'prática de atividades religiosas para embelezar as condições de vida' e denominava
'Associação dos Institutos de Beleza para os Crentes', a sua alfaiataria era uma 'Cooperativa de Vendas de
Roupas para os Crentes' e o seu salão de chá era um 'Hotel para Coexistência e Coprosperidade' e assim
evitava o pagamento dos impostos.
Esta atividade chamada 'Kodojikyo' começou desde 1947 e não foi acusada como violação da Lei da
Associação Religiosa, mas foi processada como crime contra a Economia Popular e desde então esta religião
decaiu rapidamente- Ela desapareceu ao mesmo tempo que foi vigorando o cumprimento da Lei da
Associação Religiosa.
A argumentação do certo e do falso, do alto e do baixo, do profundo e do superficial, deve ser debatida
em cada ramo de especialidades, assim como a política no campo da política e a religião no campo da
religião, com a supervisão atenta e seletiva nascida da comunidade pela própria iniciativa do povo. Isso seria
um passo para a democracia.
Nessa época também continuavam as corrupções e as negociatas entre os políticos conservadores. Eles
não eram líderes dignos de suas responsabilidades. Os líderes religiosos eram piores ainda.
Aproveitando os costumes e as tendências humanas da época e a fraqueza da situação da época, eles
enganavam o povo e sugavam o seu dinheiro com as pregações demagógicas.
Na verdade, não há outro negócio mais lucrativo do que a empresa religiosa, se esta agir como um
negócio de má fé. Se tirassem apenas o dinheiro, só poderiam ser punidos como impostores ou ladroes. Mas,
em vez disso, exploravam o nome da fé para propagar a heresia. Isso seria a manobra do demónio que suga
para sempre o sangue vivo dos seres humanos.
294
Imperdoáveis são os fundadores das religiões heréticas.
A religião é livre. — Não há dúvida de que é livre para sempre. Entretanto, deve-se considerar que há
também a liberdade na propagação. Aqui surge a necessidade de promover a Revolução Religiosa. Eis aqui,
a decisão de Toda.
Não somente as novas religiões, as antigas também não foram excessões. Apesar disso as religiões
antigas com muito custo tiveram que se sustentar agindo como Agências Funerárias, pois, as suas terras
foram confiscadas pela lei da Reforma Agrária.
O Cristianismo no Japão, com a recepção do Supremo Comandante Cristão Gen. MacArthur, estava
trabalhando com toda elegância. Receberam quantidades imensas de donativos dos países estrangeiros e
tiveram também colaborações especiais das Forças de Ocupação-Sabe-se que foram espalhadas 2 milhões e
400 mH bíblias em todo o país. Os missionários expandiram suas atividades a todos os cantos do país.
100
Surgiram muitos frequentadores japoneses nas igrejas, levados pela necessidade de intercomunicação com
os estrangeiros. Muitos rapazes, entraram pêlos portões das igrejas católicas atraídos pelo interesse em
conhecer â língua estrangeira e pela vontade de sentir o ambiente exótico. Era uma espécie de moda.
Entretanto, as raízes eram superficiais. Com a 'retirada do velho cabo da guerra que desaparecia' essa moda
desapareceu como nuvens e neblinas com a despedida de MacArthur.
Jossei Toda vivia calmo no meio da época de confusão religiosa. Trabalhava da melhor maneira
possível, esforçando como sempre, segura e progressivamente. Apesar de chegar o dia 3 de julho — não
havia sobra de
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tempo para sentir a nostalgia dos fatos passados há um ano.
Em sua mente havia somente o futuro. Apenas um verde retrato do Kossen-Rufu. Dedicava todas as
suas energias, exclusivamente para a formação dos valores humanos.
A Revolução Religiosa de Martinho Lutero (1483-1546), na Alemanha, era apenas uma reforma dentro
da comunidade cristã.
A Revolução Religiosa que agora Toda pretendia levar avante era uma nova luta baseada no Budismo
de Nitiren Daishonin, tendo como inimigos todas as religiões heréticas do Japão.
Era necessário lutar como leão, o rei das selvas. Era necessário ensinar a Grande Filosofia-da-Vida para
que todos compreendessem. Era necessário demonstrar claramente as provas da verdade. Além disso, era
necessário incutir no centro da Organização, um grande pilar de aço, o espírito da Nitiren Shoshu que
inflama pura e entusiasticamente.
Teve somente os momentos de descanso quando visitou o Templo Supremo, por ocasião do Curso de
Verão. Foram momentos passados no Daissekijí contemplando O majestoso Monte Fuji junto de seus
companheiros, ou quando fazia preces sinceras de Gongyo e Daimoku, iluminado pela benevolência do Dai-
Gohonzon ou durante as orientações.
No Curso de Verão, antes da guerra, havia participações de 30 a 150 por ano em torno do Presidente
Maki-guti. Entretanto, após a opressão de 1943, o curso foi naturalmente abandonado.
No dia 7 a 10 de agosto de 1946, 29 membros participaram no Primeiro Curso de Verão de Após-
Guerra. Dentre eles estavam os recém-convertidos. Já estavam
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aparecendo seguramente os resultados das atividades do
Chakubuku.
Eis aqui uma breve história do Templo Supremo de
Daissekiji.
Nitiren Daishonin faleceu em Ikegami, Bushu, onde atualmente é Tóquio. Conforme o último
testamento de Nitiren raishonin, o sucessor direto, Nikko Shonin, tornou-se o Segundo Sumo Prelado do
Templo Kuonji, em Monte Minobu.
Entretanto, Sanenaga (Nitien) Hakii, o governador de Minobu que havia sido convertido para o
Budismo de Nitiren Daishonin por intermédio do Chakubuku de Nikko-Shonin, cometeu erros nos
procedimentos de fé, após a morte de Nitiren Daishonin.
é desnecessário dizer que os erros na conduta da fé foram devidos à falta de conhecimento da doutrina
do Verdadeiro Budismo. Além disso, quem persuadiu para tal procedimento foi Mimbu Ajari Niko,
proveniente de Mobara, Kazussa (atua! Prefeitura de Tiba) para Minobu, três anos após o falecimento de
Daishonin,
Logo que ele chegou, Nikko Shonin nomeou este bonzo versátil e multi-habilidoso, como instrutor-
chefe do Seminário. Entretanto, ele não desejava honrar o rigoroso Nikko Shonin como seu mestre e em
virtude da sua ideia avançada e da sua inteligência geniosa tomou atitudes contrárias às intenções do
Fundador.
O Estatuto da Escola de Fuji, escrito por Sanmi Niti-jun (Puji-Isseki-Monto-Zonji) declara:
1 — Ao pé do Monte Minobu, na vila Hakii, Província de Kai (atual Prefeitura de Yamanashi) está
situado o túmulo do Mestre. Mas, Nikko é obrigado a romper com Nambu Rokuro Nyudo (nome budista de
Nitien) governa-
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dor da província onde está localizado o túmulo, um dos primeiros discípulos de Nikko, peio
descumprimento das recomendações do falecido Mestre e por causa dos motivos de transgressão aos
preceitos, resolve deixar o lugar onde o Mestre viveu por nove anos e que em seguida vem se dedicando por
meses e anos até hoje. As razões são as seguintes:
Construiu a imagem de Sakyamuni e ofereceu-lhe contribuições (Gokuyô), considerando-a como objeto
de adoração (razão 1), Em seguida, visitou Templos Xin-toístas que haviam sido proibidos por Nitiren
Daishonin durante os nove anos de permanência em Monte Minobu. No ano do falecimento de Nitiren
Daishonin, visitou templos de Nisho e Mishima (razão 2). Com pretexto de elevar a virtude da família,
ergueu um monumento na vila Nambu, chamado Fukushi-no-Tô (Pagode da Sorte) e ofereceu à seita
herética do Budismo (razão 3). Além disso, com o motivo de incentivar a fé budista, construiu e em belezou
um templo para a seita herética de Kuhon-Nem-butsu que se localiza na província de Kai (razão 4). Adver -
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tido por Nikko sobre essas quatro heresias (Shiko-no-Hobô), Hakii disse-lhe que havia sido permitido. Por
essas razões resolve romper as relações de Mestre-Discípulo com Hakii Nyudo e seus descendentes por
muito tempo, em virtude de não corresponder à intenção do falecido Nitiren Daishonin.
Como se vê claramente neste documento, Hakii não procurava corrigir os seus atos de Hobô, apesar das
advertências de Nikko Shonin por várias vezes.
Se deixasse passar desta maneira, é evidente que o Monte Minobu se transformaria num local impuro e
profano.
Finalmente, na primavera de 5 de dezembro de 1288 — Nikko Shonin deixou definitivamente o Monte
Minobu, obedecendo à intenção de Nitiren Daishonin que dizia:
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'Meu espírito não viverá neste' Monte, quando o seu governador vier a transgredir as Leis do
Verdadeiro Budismo'.
Com 43 anos de idade Nikko-Shonin mudou para Kawai, perto de Fuji.
Há a seguinte dec.laração no testamento do Budismo de Daishonin: 'Quando o chefe da Nação adotar
este Budismo Supremo (com o consentimento da maioria do povo), o Kaidan deverá ser construído no
Honmonji (Templo Principal) em Monte Fuji'.
Além disso, na 'História de Fuji e Nikko-Shonin', escrita por 59.° Hori Nitikô-Shonin há o seguinte
detalhe sobre a designação da área do Monte Fuji para o futuro estabelecimento do Templo Supremo de
Daissekiji:
'Montes e vales acidentados de Minobu com densas florestas onde se ouve os gritos dos macacos, seria
certamente o local puro e sagrado? O planalto amplo de Monte Fuji onde pela majestade se impõe a
admiração ao céu e à terra, não seria o local mais indicado para a terra de Rycjussen? Não deveriam aqui, na
base desta montanha fazer prosperar os filhos puros do Verdadeiro Budismo, tanto dos clérigos como dos
seguidores?
Se a pessoa é pura, a lei será pura- Da mesma forma, se a lei é pura, o local deverá ser puro. Como
poderá deixar de dar atenções a esse loca! tão privilegiado? Que feliz coincidência! Não seria uma
estratégia absolutamente mais inteligente para o líder da propagação do Verdadeiro Budismo de Daishonin,
construir imediatamente o castelo suntuoso em defesa da Lei, aperfeiçoar majestosamente a Academia do
Kossen-Ftufu, para satisfazer o ardente desejo do Grande Mestre e isso não seria o caminho mais direto para
oferecer gratidões à Benevolência do Buda?
Está claramente escrito que a despedida de Monte Minobu foi, na verdade, uma boa sorte para a época
atual.
Daissekiji foi construído pelo Segundo Sumo Prelado
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Nikko Shonin, que recebeu todas as heranças de Nitiren Daishonin. com a dedicação, auxílio e proteção
de Nanjo Shitiro Jiro Tokimitsu, o Governador da Província de Ue-no, Junto ao Fuji. O nome Daissekiji
(tempo da grande rocha) é derivada de Oishigahara (planície da grande rocha)-
Além disso,-há a seguinte referência na História de Nikko Shonin sobre a sua mudança de Kawai para
Shí-monojôe em seguida para Oishigahara a fim de efetívar a construção de Daissekiji:
'Vila de Kawai era um local inadequado. Não passava de uma área estreita e fechada — servia apenas
para a residência temporária. Nanjo, que possuía os laços estreitos de discípulo e mestre para com Nikko
Shonin, não podia deixar de tomar as providências e imediatamente convidou-o para Ueno, oferecendo
gentilmente o abrigo no templo particular da família Nanjo, chamado Jibutsudô. Nikko Shonin morou cerca
de dez anos nesse templo servindo como academia e alojamento para o Daissekiji, com o nome de Shimo-
no-Bô.
Esse local era mais amplo do que Kawai, mas nào possuía o panorama que superasse as belezas naturais
de Oishigahara. É um planalto que alcançava a vista até mil milhas de distância, que imediatamente atrás,
situa os vertentes do Monte Fuji e em cuja frente se avista a Baia de Suruga. Além disso, há matas virgens
com as florestas de árvores antigas. Há estradas e também os rios e cachoeiras. é um local ideal para a Terra
Sagrada com os seus quatro requisitos preenchidos no 'Shishin-So-Ou'. O Mestre, com os seus discípulos
admiravam frequentemente a beleza local e derramava chuvas de Doutrinas Puras, sentado sobre a grande
rocha, (mais tarde foram retiradas as terras ao seu redor e deixou inteiramente exposto, denominando-o
Seppo-Ishi, a Pedra da Pregação).
300
Com a cooperação dos seus discípulos Nitimoku, Nikke e outros, além dos devotos Tokimitsu e
Nobutsuna (Nitta), através desses esforços em conjunto, a obra foi realizada sucessivamente e o Templo
acabou de ser construído no mês de outubro de 1320.
Os discípulos de Nikko-Shonin construíram os seus próprios alojamentos ao redor do Templo Principal.
Nitimoku, o mais direto e dedicado discípulo construiu o Ren-zobô com a frente para leste, Nitizen construiu
Shoubô ao sul, Nishu, Nissen e Nikke, sucessivamente o Rikyobô, Jozembo e Jakunitibô, para defender o
Templo Principal, salvaguardar o Dai-Gohonzon, conservar as relíquias, dedicar à memória dos falecidos e
assim, naturalmente, foram solidificados os alicerces para a conservação do Budismo de Nitiren Daishonin
desde a despedida do Monte Mino-bu. Mais tarde, foram construídos outros alojamentos como Rishobô,
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Kujobó e outros à frente, leste e oeste do Templo Principal.
Nikko Shonin, como fundador de Daissekiji, continuou a construção do Templo Supremo e incentivou
numerosos discípulos, jovens e veteranos para as viagens de propagação fazendo entoar os gongos do
Budismo para as regiões distantes do seu conhecimento, principalmente para Ko-Shun (atual Prefeituras
Yamanashi e Shizuoka). Nessa época, foi enviada uma série de cartas fazendo advertências ao Governo da
época, apesar disso infelizmente, não foi atendida...'
'Shishin-So-Ou' que foi citado há pouco significa literalmente a concordância dos quatro deuses.
Corresponde às quatro condições para um local ideal. Oishigahara que Nikko Shonin escolheu para fundar o
Templo Supremo de Daissekiji, satisfaz exatamente estas condições.
De acordo com a obra chinesa 'Onyosho', o lugar mais ideal seria:

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— À esquerda. Correndo as águas limpas do rio descendo do leste ao sul.
— À frente. A existência de grande reservatório de água como represa ou mar.
— À direita. Uma ampla estrada dirigindo para oeste.
— Atrás. A montanha.
Após a consolidação das bases do Kossen-Rufu em Oishigahara, o desenvolvimento de Daissekiji foi
algo notável. O Budismo de Nitiren Daishonin foi transmitido de gerações a gerações por mais de setecentos
anos através dos sucessivos Sumo-Prelados, assim como a água pura passa inteiramente de um cálice ao
outro sem perda e sem mancha.
"Jo-Jakkodo!" (Terra feliz para sempre). "Ryojussen!" (Montanhas dos Budas),. " Fuji-Daissekiji, onde
está consagrado Dai-Gohonzon, No coração de Toda estava guardada a chama do destino para a
Humanidade, é realmente, a terra sagrada do mundo. No futuro em breve, as pessoas de todo o mundo virão
reunir aqui e aqui será a fonte da verdadeira paz eterna, para o futuro eterno.
Durante todo o curso de verão, ele permaneceu com traje em japonês. Conversava com todos os
participantes, gentilmente, como se estivesse em família. Orientava os problemas da vida e da família, ora
minuciosamente ora amavelmente conforme a ocasião ou rigorosamente conforme a pessoa.
Nesse primeiro curso de verão foram realizadas reuniões de explanação do Gosho, perguntas e
respostas, zadankai e até excursões para Shiraito-no-Taki (Cachoeira das Linhas Brancas).
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O programa de maior importância dentre todos eram as preces de Daimoku,
Cem Toda â frente, permaneciam duas a três horas de manhã e de noite fazendo Daimoku, mesmo
procurando mover as pernas adormecidas,
A intenção de Toda era apenas o desejo de alcançar a Paz Mundial. Sua atitude era una seriedade para a
luta.
No momento da despedida em frente ao Sanmon, o portão principal de Daissekiji. após a estadia de
quatro dias do Curso de Verão, o semblante de todos irradiavam saúde e pureza, como se estivessem saindo
de um banho quente.
Eram faces que mostravam a união ou Itai-Doshin*.
Em seguida, as atividades desse grupo foram sendo desenvolvidas, visando os objetivos de outubro,
dentro da sociedade confusa de após-guerra com a crise inflacio-nária e desordem ideológica. Suas
atividades eram apenas um ponto focal iluminado que estava perdido na vasta planície. Este ponto focal se
estendera de uma grama a outra. Isso seria uma força da natureza?
Nesse ano, 1.° de Julho, os Estados Unidos fizeram nova experiência com a bomba atómica no Ato! de
Bikini, no arquipélago de Marshall,
Dez de agosto — Marshal e Stuart fizeram uma declaração conjunta a respeito da inexequibilidade de
tréguas entre a China Comunista e Nacionalista.

* Uai Ooshin: Diferente*, pç.--': nas com mesmo pensamento

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