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ÍNDICE

AVALIAÇÃO DE EFEITOS DE DRENAGEM EM PARÂMETROS DE


RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DE UM REJEITO DE MINERAÇÃO DE
OURO

DRENAGE EFFECTS EVALUATION ON SHEAR RESISTANCE


PARAMETERS OF A GOLD MINING TAILING

Nierwinski, Helena Paula, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Joinville,


Brasil, helena.paula@ufsc.br
Heidemann, Marcelo, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Joinville,
Brasil, marcelo.heidemann@ufsc.br
Rosa, Luiz Eduardo, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Joinville, Brasil,
luizeduardo.rosa99@gmail.com
Tramontin, Caio, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Joinville, Brasil,
caio_tramontin@hotmail.com

RESUMO

Os rejeitos de mineração são materiais oriundos de processos de beneficiamento de


minerais e rotineiramente são dispostos ambientalmente por meio de estruturas de
contenção (barragens de rejeitos de mineração). Episódios recentes de rupturas
ocorridas neste tipo de barragem têm alertado para a necessidade de estudo e
entendimento das propriedades mecânicas e comportamento destes materiais. Em
sua grande maioria, os rejeitos de mineração apresentam granulometria
predominantemente siltosa, com baixa ou nula plasticidade. Além disso, estes
materiais caracterizam-se por apresentar permeabilidade intermediária entre areias e
argilas, fato que pode influenciar na correta definição de parâmetros de projeto. O
presente trabalho objetiva avaliar a variação dos parâmetros de resistência ao
cisalhamento de um rejeito de mineração de ouro brasileiro, por meio de ensaios de
cisalhamento direto. Por se tratar de um ensaio onde não se tem o controle de
poropressões, possíveis efeitos de drenagem foram avaliados por meio da variação da
velocidade de carregamento, em corpos de prova de mesma densidade e submetidos
a 3 níveis distintos de carga vertical. Foram definidas envoltórias de ruptura para 5
velocidades distintas de carregamento, sendo que uma possível influência da geração
de poropressões durante o carregamento de cisalhamento pode ser observada para
velocidades de carregamento superiores a 1 mm/s. Tal fato demonstra que o rejeito
avaliado pode apresentar uma resistência inferior aquela determinada em ensaios
padronizados, em casos de carregamentos rápidos de cisalhamento.

ABSTRACT

Mining tailings are materials originating from mineral beneficiation processes and are
often environmentally disposed through containment structures (mining tailings dams).
Recent episodes of failures in this type of dam have alerted to the need of study and
understanding about mechanical properties and behavior of these materials. Most of
mining tailings have a predominantly silty grain size, with low or null plasticity. In
addition, these materials are characterized by having intermediate permeability
between sands and clays, a fact that can influence the correct definition of design
parameters. The present work aims to evaluate the variation of the shear strength

AVALIAÇÃO DE EFEITOS DE DRENAGEM EM PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA


AO
CISALHAMENTO DE UM REJEITO DE MINERAÇÃO DE OURO 163
Nierwinski, Helena Paula; Heidemann, Marcelo; Rosa, Luiz Eduardo;
Tramontin, Caio
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parameters of a Brazilian gold mining tailings, through direct shear tests. As it is a test
where there is no control of poropressures, possible drainage effects were evaluated
by varying the loading speed, in same density specimens and submitted to 3 different
levels of vertical load. Failure envelopes have been defined for 5 different loading
speeds, and a possible influence of the generation of poropressures during shear
loading were observed for loading speeds greater than 1 mm/s. This fact demonstrates
that the evaluated tailings may present a resistance lower than that determined in
standardized tests, in cases of fast shearing load.

1. INTRODUÇÃO

Para atender à alta demanda industrial, atualmente existe a necessidade de extração


de grandes quantidades de minerais. Entretanto, o processo de extração mineral ao
mesmo tempo em que fornece elementos de valor comercial, gera produtos sem valor
comercial, provenientes do processo de beneficiamento, que são os chamados rejeitos
de mineração. De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)
brasileira (Lei N° 12305/2010), os rejeitos de mineração compõem-se por materiais
cujas possibilidades de tratamento e recuperação através de meios tecnológicos e
economicamente viáveis não são mais possíveis. Sendo assim, a destinação dos
mesmos se dá unicamente pelo armazenamento correto junto ao meio ambiente.
Rotineiramente, este armazenamento é realizado através de barragens, alteadas
hidraulicamente (Vick, 1990).

Os rejeitos de mineração são produzidos industrialmente e de maneira frequente


apresentam uma granulometria predominantemente siltosa com baixos valores de
plasticidade, se não nulos (Vick, 1990; Bedin, 2010; Nierwinski, 2019). Estes materiais
são considerados materiais de permeabilidade intermediária entre areias e argilas (10-5
m/s < k < 10-8 m/s), fato este que motivou diversos estudos relacionados à correta
interpretação de ensaios, principalmente ensaios de campo, cujos resultados são
obtidos em condições de drenagem parcial (Schnaid, 2005; Dienstmann, 2018). A
correta compreensão do comportamento de rejeitos de mineração e determinação de
parâmetros de projeto é de fundamental importância, uma vez que, rupturas em
depósitos deste material tem sido reportadas recentemente (Morgenstern et al, 2016;
Robertson et al., 2019).

O presente trabalho tem por objetivo avaliar possíveis efeitos de drenagem na


variação dos parâmetros de resistência ao cisalhamento de um rejeito de mineração
de ouro brasileiro, por meio de ensaios de cisalhamento direto. O ensaio de
cisalhamento direto não possui controle de poropressões, no entanto os efeitos de
geração de poropressões podem ser avaliados por meio da variação da velocidade de
carregamento (Head, 1986). Os parâmetros efetivos de resistência, ’ e c’, estão
ligados às tensões efetivas atuantes no material, as quais são dependentes das
poropressões internas. Sendo assim, o aumento na velocidade de cisalhamento
poderá impedir que o excesso de poropressões seja dissipado completamente durante
o carregamento, afetando os parâmetros efetivos de resistência. Este aspecto será
investigado no presente trabalho.

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2. MATERIAL E MÉTODOS

2.1. Rejeito de Mineração de Ouro

O Quadro 1 apresenta as principais características físicas do rejeito de mineração de


ouro utilizado na presente pesquisa. Este rejeito apresenta granulometria
predominantemente siltosa (71%), com uma parcela considerável de partículas do
tamanho de areia fina (28%). O material possui plasticidade nula e pode ser
classificado através do Sistema de Classificação Unificado (SUCS) como um silte de
baixa plasticidade (ML).

Quadro 1 – Principais propriedades físicas do rejeito de mineração de ouro


Propriedade Valor
Limite de Liquidez (LL) (%) -
Limite de Plasticidade (LP) (%) -
Índice de Plasticidade (IP) (%) Não-plástico (NP)
Massa Específica Real dos Grãos (G) 2.86
Areia Fina (0.075 mm < Diâmetro < 0.425 mm) (%) 28
Silte (0.002 mm < Diâmetro < 0.075 mm) (%) 71
Argila (Diâmetro < 0.002 mm) (%) 1
Diâmetro médio das partículas, D50 (mm) 0.06
Peso específico seco máximo por compactação Proctor 17
Normal (g/cm³)
Umidade ótima por compactação Proctor Normal (%) 17
Classificação SUCS ML

Bedin (2010) efetuou um estudo neste mesmo rejeito e definiu o índice de vazios do
material no interior dos depósitos como sendo igual a 1.2. Já a permeabilidade do
rejeito de mineração de ouro foi estudada por Nierwinski et al. (2019), considerando
diferentes condições de carregamento, que simulavam diferentes alturas de
alteamento das barragens. Neste estudo os autores verificaram que a permeabilidade
do rejeito de mineração de ouro é variável em função do índice de vazios, atingindo
valores médios de 2.5 x10-6 m/s para a condição do rejeito in situ (e≈1.2) e valores
médios de 5x10-7 m/s para condições próximas ao índice de vazios mínimo do material
(e≈0.9). De acordo com Manassero (1994) estes valores de permeabilidade
encontram-se dentro da faixa considerada intermediária, sendo que as argilas
apresentam valores de k inferiores e 10-9 m/s e as areias valores de k superiores a 10-6
m/s.

2.2. Metodologia

Para a avaliação de possíveis efeitos de drenagem em parâmetros de resistência ao


cisalhamento do rejeito de mineração de ouro, foram realizados ensaios de
cisalhamento direto em amostras reconstituídas no mesmo índice de vazios in situ
(e≈1.2), definido por Bedin (2010). A moldagem dos corpos de prova foi efetuada pela
metodologia proposta por Lade (1978), utilizando-se a umidade ótima apresentada no
Quadro 1. A moldagem dos corpos de prova foi realizada no interior do anel de
moldagem, com dimensões de 10x10mm (Figura 1a) e, posteriormente, o corpo de
prova foi cuidadosamente conduzido para a caixa de cisalhamento (Figura 1b).

Os efeitos de drenagem nos parâmetros de resistência do rejeito foram avaliados por


meio da variação da velocidade de carregamento adotada durante o cisalhamento do
corpo de prova. Respeitando-se a capacidade do equipamento e tendo como objetivo

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avaliar faixas de velocidade de cisalhamento mais rápidas, nas quais haveria a


possibilidade de identificar possíveis influência de geração de poropressões durante o
cisalhamento, foram adotadas 5 diferentes velocidades de carregamento de
cisalhamento, sendo elas: 10, 1, 0.5, 0.1 e 0.01 mm/minuto.

(a) (b)

Figura 1 – Moldagem dos corpos de prova (a) anel de moldagem (b) caixa de cisalhamento

Os ensaios foram realizados junto ao Laboratório de Mecânica dos Solos, da


Universidade Federal de Santa Catarina, campus Joinville-SC. O equipamento de
cisalhamento direto é da marca Owntec®, com sistema automatizado de aplicação da
carga de cisalhamento e obtenção das leituras de carga e deformação. A célula de
carga do equipamento tem capacidade de 500 Kgf e a velocidade de cisalhamento é
configurável, abrangendo a faixa de 0.001 mm/min a 10 mm/min. O sensor de carga
de cisalhamento tem precisão de 0.01 Kg e os sensores de deformação vertical e
horizontal possuem precisão de 0.001 mm. As leituras são realizadas
automaticamente e salvas em dispositivo de armazenamento externo, para posterior
análise. O carregamento axial é afetuado de forma manual, em conformidade com a
carga definida para o ensaio. Neste estudo, cada uma das velocidades foram
avaliadas em corpos de prova carregamentos verticalmente com 50, 100 e 150 kPa,
respectivamente.

A Figura 2 demonstra a realização de um dos ensaios de cisalhamento, com


demonstração do equipamento utilizado.

Figura 2 – Equipamento de cisalhamento direto e ensaio em execução

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Os corpos de prova foram ensaiados em condição saturada, sendo cisalhados após a


conlusão da etapa inicial de adensamento.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A etapa inicial do ensaio consistiu na fase de adensamento, conforme resultados


apresentados na Figura 3. Observa-se que as deformações verticais estabilizaram-se
dentro do período analisado e que a deformação vertical foi tanto maior quanto maior o
carregamento vertical imposto. Conforme demonstra a Figura 3, as deformações
devidas ao carregamento vertical encontravam-se estabilizadas no início do
cisalhamento, garantindo que não houvesse excessos de poropressão devidas a este
carregamento.

As leituras das deformações verticais foram monitoradas para todos os 15 corpos de


prova ensaiados, sendo o mesmo resultado obtido para os corpos de prova
submetidos ao mesmo carregamento.

Figura 3 – Deformações devidas ao carregamento vertical (adensamento)

O rejeito de mineração de ouro reconstituído na condição in situ apresenta-se com


uma densidade bastante baixa e, portanto, demonstra um comportamento contrativo
durante a imposição de carregamentos de cisalhamento, ou seja, o material reduz o
volume até a ruptura. Este comportamento também foi observado em estudos
realizados por Nierwinski (2019) em ensaios triaxiais conduzidos em rejeitos de
mineração de ouro. A autora observou que para densidades menores o material
apresentava comportamento contrativo (redução de volume) e apenas apresentaria
comportamento dilatante inicial para densidades maiores e maiores níveis de tensões.
Nos ensaios de cisalhamento realizados, a variação de volume do material para todos
os níveis de tensão normal reduziu e as curvas de tensão de cisalhamento () versus
deformação horizontal do rejeito apresentam um comportamento crescente da tensão
em função da deformação, até atingir um valor máximo estável, onde constatou-se a
ruptura do material.

A Figura 4 demonstra as curvas de tensão cisalhante () versus deformação horizontal


definida para as diferentes velocidades de carregamento, para condição de carga axial

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igual a 150 kPa (tomado como exemplo). Neste carregamento vertical, assim como
para os demais, observa-se que o comportamento de variação da tensão em função
da deformação é similar para todas as velocidades, sendo as maiores diferenças
observadas nos valores máximos de tensão obtidos para cada uma das condições. A
fim de facilitar a visualização e análise, os valores de tensão cisalhante máxima
obtidos para cada velocidade de carregamento e cargas verticais são apresentados no
Quadro 2.

Em análise aos resultados das tensões máximas obtidas, pode-se observar que para
todas as velocidades avaliadas, os valores obtidos para cada tensão vertical
apresentaram a mesma ordem de grandeza, ou seja, atingindo valores médios em
torno de 30 kPa para a tensão vertical de 50 kPa, valores médios em torno de 65 kPa
para a tensão vertical de 100 kPa e valores médios em torno de 100 kPa para a
tensão vertical de 150 kPa. Avaliando-se apenas os valores de tensão cisalhante
máxima definidos através dos ensaios, poderia-se concluir que a variação na
velocidade de cisalhamento não afeta a resistência ao cisalhamento do rejeito de
mineração. Comportamentos similares foram observados em estudos realizados em
solos residuais brasileiros, cuja granulometria também é predominantemente siltosa,
como por exemplo: Bressani (1997), Pinheiro et al. (1997) e Sandroni e Maccarini
(1981).

Figura 4 – Tensão cisalhante () versus deformação horizontal para um carregamento


vertical de 150 kPa e diferentes velocidades de cisalhamento

Quadro 2 – Valores de tensão cisalhante máximas (kPa)


Carga vertical (kPa)/
10 1 0.5 0.1 0.01
velocidade (mm/min)
50 30.55 32.89 30.92 32.38 30.41
100 65.29 64.41 67.02 64.02 62.16
150 93.79 99.97 101.58 99.02 97.87

Entretanto, considerando parâmetros efetivos adotados em projetos de contenções,


avaliou-se também, por meio dos resultados apresentados no Quadro 2, a envoltória
de resistência de Mohr-Coulomb para verificação da variação do ângulo de atrito
efetivo do material (') e do intercepto coesivo (c'), para cada ensaio, sob diferentes
velocidades de cisalhamento. A Figura 5 ilustra as diferentes envoltórias de ruptura

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definidas. Verifica-se que, assim como esperado, o material apresenta um intercepto


coesivo nulo ou muito próximo a zero em todas as condições avaliadas, como
demonstrado através da linha de extrapolação das envoltórias plotadas. Já os valores
do ângulo de atrito efetivo apresentaram variações em função da velocidade de
carregamento cisalhante imposta, como observado na variação dos valores do
coeficiente angular das equações que regem as envoltórias obtidas para cada
velocidade de cisalhamento, dispostas na Figura 5.

Figura 5 – Envoltórias de ruptura para diferentes velocidades de cisalhamento

Por meio da inclinação das envoltórias demonstradas na Figura 5, plotou-se na Figura


6 a variação dos valores de ´ obtidos em função da velocidade de cisalhamento.
Verifica-se que o acréscimo na velocidade, num primeiro momento (0.01, 0.1 e 0.5
mm/min), tem um efeito benéfico, mantendo ou aumentando os valores de '.
Observa-se, que embora se tenha uma pequena redução ' entre as velocidade de
0.01 e 0.1 mm/min, esta variação não é considerada significativa, podendo ser
consequência de características intrínsecas ao próprio processo de moldagem do
corpo de prova. O aumento ou manutenção dos valores de ' com a redução da
velocidade de cisalhamento é reportado em diversos estudos em solos naturais (solos
residuais, com granulometria predominantemente siltosa), como Novosad (1964),
Bressani (1997) e Pitanga (2002). Entretanto, para o caso do rejeito de mineração de
ouro, após atingir um valor máximo, para a velocidade de cisalhamento de 0.5
mm/min, os valores de ' começam a decrescer, atingindo um valor mínimo para a
máxima velocidade cisalhante ensaiada, de 10 mm/min.

A redução dos valores de ângulo de atrito de solos, com o aumento da velocidade de


cisalhamento, também foi observada por Tika et al. (1996), para valores de ângulo de
atrito residual para uma ampla gama de solos naturais. Os autores verificaram que
todos os solos avaliados apresentaram inicialmente um ganho de resistência com o
aumento da velocidade de cisalhamento e, posteriormente, uma queda. Tika et al,
entretanto, não relacionam a redução do ângulo de atrito residual destes solos naturais
à ocorrência de excessos de poropressões e sim a um rearranjo das partículas na
zona de ruptura, gerando um aumento do índice de vazios e permitindo uma maior
entrada de água nesta região, fato que levaria à redução da resistência com o
aumento da velocidade de cisalhamento.

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Para o caso do rejeito de mineração de ouro, entretanto, tendo em vista estudos


anteriores realizados no material por meio de ensaios de campo (Dienstmann et al.,
2018) e a evidência de ocorrência de geração de poropressões em carregamentos
rápidos, como por exemplo, com o aumento da velocidade de cravação de um ensaio
de cone em campo (DeJong e Randolph, 2012; Randolph e Hope, 2004), acredita-se
que para velocidades de cisalhamento superiores a 1 mm/min, o carregamento
imposto nos ensaios de cisalhamento direto, foi capaz de gerar excessos de
poropressões no interior do corpo de prova, que não foram dissipados a tempo em
função do rápido cisalhamento. Este aumento nas poropressões reduziu as tensões
efetivas atuantes na amostra, reduzindo, por consequência os valores do ângulo de
atrito efetivo do material.

Figura 6 – Variação do valores de ´em função da velocidade de cisalhamento

A redução dos valores do ângulo de atrito efetivo com o aumento da velocidade do


carregamento cisalhante chama a atenção ao fato de que para carregamentos rápidos,
o rejeito de mineração pode apresentar uma resistência reduzida. Conforme
apresentado nos estudos de Morgenstern et al. (2016) e Robertson et al. (2019)
referentes às rupturas ocorridas em depósitos de rejeitos brasileiros, há evidências de
que as rupturas tenham sido desencadeadas por liquefação, ou seja, a imposição de
um carregamento rápido suficiente para promover excessos de poropressões no
interior dos depósitos. Por se tratar de materiais de granulometria e permeabilidade
intermediárias, as velocidades rotineiramente adotadas em ensaios tradicionais de
campo e laboratório, podem não conduzir à condição de drenagem esperada
(totalmente drenado ou não drenado). Nestes materiais, a avaliação de parâmetros de
projeto para diferentes condições torna-se essencial.

Os resultados encontrados através dos ensaios de cisalhamento direto em laboratório,


corroboram com as avaliações realizadas no estudo de Nierwinski, Schnaid e
Odebrecht (2021) por meio de ensaios de campo. Neste estudo os autores também
demonstraram que a mudança na velocidade de penetração do cone (que pode ser
relacionada indiretamente à velocidade de cisalhamento do ensaio de laboratório)
fornece valores superiores de resistência para velocidades de penetração menores

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(menor geração de excessos de poropressões) e valores inferiores de resistência para


velocidades de penetração maiores (maior geração de excessos de poropressões). O
ponto que se destaca mais uma vez é a necessidade de avaliação do comportamento
de rejeitos de mineração em diferentes velocidades de carregamento, de modo a obter
parâmetros condizentes com as condições de campo e possibilitar o desenvolvimento
de projetos seguros.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho permitiu uma análise da variação de parâmetros de resistência de


um rejeito de mineração de ouro brasileiro, em função da velocidade de carregamento
imposta. Este estudo é de fundamental importância, uma vez que, em casos de
rupturas desencadeadas por liquefação (Morgenstern et al, 2016; Robertson et al,
2019), na qual a mudança de tensões em campo pode ocorrer de uma forma muito
brusca, a resistência do material em tais condições pode ser inferior àquela obtida
através de ensaios realizados em velocidades padronizadas.

Através das análises realizadas verificou-se que não ocorrem mudanças significativas
nos valores das tensões máximas obtidas por meio de velocidades distintas de
carregamento. Já os valores de ' do material sofrem mudanças. Inicialmente os
valores aumentam com o aumento da velocidade de cisalhamento, apresentando um
comportamento similar a estudos prévios apresentados pela literatura em solos
naturais. Já para velocidades superiores a 1 mm/min verificou-se a redução dos
valores de ' pela possível geração de poropressões no interior do corpo de prova.
Este fato alerta para a necessidade de estudos mais detalhados dos rejeitos de
mineração, com a adoção de parâmetros de projeto relacionados à velocidade do
carregamento imposto.

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