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Concepção e construção de aterros com enrocamentos e

misturas solo-enrocamento

Alguns aspectos da prática portuguesa


Definição clássica de enrocamento:
Conjunto de elementos rochosos, sem finos, em que os Paramento da barragem de Sabugal

de maior dimensão podem atingir diâmetros da ordem


dos 2 metros e os menores apenas de alguns
centímetros, construído através do simples lançamento
ou deposição dos elementos uns sobre os outros.

Definição atual de enrocamento:


Conjunto de elementos rochosos, com finos, constituindo uma granulometria
extensa, em que os elementos de maior dimensão podem atingir diâmetros da
ordem de 2 metros.
• coeficiente de permeabilidade ≥ 10-5 m/s;
• % de material com dimensão inferior a #200 < 10%;
• % de material com dimensão inferior a #3/4’ < 30%.

Definição de mistura solo-enrocamento


• 10% < material com dimensão inferior a #200 < 40%;
• 35% < material com dimensão inferior a #3/4’ < 70%.
Subclasse C2
(NF P 11-300)

(Fração 0/50 mm ≤ 60 a 80 %)
Vantagens na utilização de enrocamentos
• substituição de grandes volumes de solos difíceis de encontrar;
• rapidez de construção (não há pressões neutras);
• traficabilidade;
• taludes mais inclinados (menor volume de material; menores expropriações);
ex: 1:1,8 versus 1:4

Desvantagens na utilização de enrocamentos


• dificuldades de caracterização devido à dimensão das amostras;
• equipamentos mais pesados.
Caracterização:
• peso específico aparente do material rochoso;
• índice de vazios da mistura;
• ângulo de atrito interno;
• deformabilidade
Dimensão relativa das amostras de compressão triaxial (T30 e T10)

Dimensão relativa das amostras de compressão unidimensional


International Society for Rock Mechanics.
Grau Descrição Características Principais ISRM
VI Solos A textura da rocha não é reconhecível, as zonas mais superficiais contêm
húmus e raízes de plantas. Instável em taludes quando a cobertura é destruída.

V Rocha A rocha está completamente decomposta pela alteração in situ, mas a W5


completamente textura original é ainda visível. Quando a rocha-mãe é o granito, os feldspatos
alterada originais estão completamente alterados em minerais de argila, não sendo
recuperada como testemunho de sondagem em furos por rotação normal. Pode
ser escavada à mão. Não pode ser utilizada como fundação de barragens de betão
ou de grandes estruturas. É possível empregar-se como fundação de barragens de
aterro e como aterro. É instável em cortes muito altos e abruptos. Requer
proteção contra a erosão.
IV Rocha muito A rocha está tão enfraquecida pela alteração que mesmo grandes fragmentos são W4
alterada facilmente partidos ou esmagados à mão. Por vezes é recuperada como
testemunho de sondagem em furos à rotação executados cuidadosamente.
Apresenta coloração devida à limonite. Contém menos de 50% de rocha.

III Rocha Alteração considerável em toda a rocha. Possui alguma resistência: grandes W3
moderadamente fragmentos não são partidos à mão. Muitas vezes apresenta coloração devida à
alterada limonite. A percentagem de rocha está compreendida entre 50 e 90%. É
escavada com grande dificuldade sem a utilização de explosivos.

II Rocha pouco Distintamente alterada na maior parte da rocha e com alguma coloração devida à W2
alterada limonite. Nos granitos há alguma decomposição nos feldspatos. A resistência
aproxima-se da rocha sã. Mais de 90% do material é rocha. Necessita de
utilização de explosivos na escavação.
I Rocha sã A rocha sã pode apresentar alguma coloração devida à limonite em diáclases W1
Little, 1969, in Matos Fernandes, 2006
imediatamente abaixo da rocha alterada.
Matos Fernandes, 2006
RELAÇÃO ENTRE O ESTADO DE ALTERAÇÃO DO MATERIAL ROCHOSO E A
GRANULOMETRIA DO MATERIAL DE ATERRO
ENSAIOS SOBRE PROVETES ROCHOSOS
• Análise microscópica
• Determinação do teor em minerais argilosos
• Expansibilidade
• Porosidade e peso volúmico
• Resistência à rotura (compressão simples - UCS)
• Resistência ao esmagamento
• Resistência à carga pontual (Point Load Test - PLT)
• Resistência ao desgaste (Slake Durability Test - SDT)
• Resistência à fragmentação (Los Angeles - LA)
• Absorção de água
• Propagação de ultra-sons
• Avaliação da sensibilidade aos agentes de alteração (água oxigenada)
• Esfoliação (coesão das superfícies, por exemplo em xistos)
• Desgaste acelerado (sulfato de sódio)
Ensaio de desgaste em meio húmido (SDT)
Ensaio de expansibilidade

Provetes para
execução de ensaios

Aspecto do
ensaio
RESISTÊNCIA DAS PARTÍCULAS

Particularmente importante em meios com tensões elevadas, onde as tensões de


contacto entre partículas são elevadas.
Os fatores que, para além da tensão aplicada, afectam a fracturação das partículas
são:
• heterogeneidades;
• superfícies de baixa resistência (fissuras e vazios);
• resistência à tracção da rocha;
• concentração da tensão nos contactos.

Ensaios que podem ser realizados para estudar a resistência à fracturação:


• ensaio de tracção simples;
• ensaio de compressão diametral (tipo brasileiro);
• ensaio de carga pontual;
• ensaio de compressão simples;
• ensaio de resistência ao esmagamento.
Ensaio de carga pontual (PLT)
Ensaio de compressão simples (UCS)
Provetes de xisto-grauvaque

Provetes de granito

Coates (1964)
Classificação Resistência à compressão (MPa)
Baixa UCS < 35
Alta 35 < UCS < 175
Muito alta UCS > 175
RESISTÊNCIA AO ESMAGAMENTO DAS PARTÍCULAS

Determinação da resistência ao esmagamento das


partículas (Pa) para uma dada dimensão (d):
• aplica-se a três partículas de diâmetro semelhante (d)
uma força através de uma placa de aço;
• mede-se a força aplicada, N, com que a primeira partícula
é esmagada;
• contabiliza-se o menor do número de contactos em cada
placa (Nc);
• determina-se a resistência ao esmagamento: Pa = N/Nc Ensaio de esmagamento

A experiência mostrou que:

Pa= η d λ
d = dimensão média da partícula
1,2 < λ < 1,8
(λ, η ) coeficientes determinados a partir de resultados de ensaios
80 < η <140
Outra forma de determinar a resistência mecânica das partículas:
Força de contacto entre partículas associada à transferência de
carga num meio particulado
P= a db
d = dimensão média da partícula
(a, b ) coeficientes que dependem de: • forma dos partículas;
• propriedades mecânicas das partículas;
• arranjo das partículas no meio particulado.

Com o aumento da dimensão dos fragmentos de rocha (d), as forças de


contacto (P) crescem mais depressa (b ≈ 2 > λ) do que a resistência ao
esmagamento (Pa), o que permite concluir que as partículas (de diâmetro
elevado) do protótipo terão maior fracturação do que aquelas ensaiadas
(normalmente de pequeno diâmetro).

Exemplo: forças de contacto em amostras granulares uniformes solicitadas por uma


pressão hidrostática de 100 kN/m2 (Marsal, 1965)
Areia média – 1 gf
Cascalho – 1 kgf
Enrocamento (d=0,7m) – 1 tf
CLASSIFICAÇÃO DE MARSAL E RESENDIZ (1975)
Caracterização da resistência e da deformabilidade de enrocamentos
1) Classificação do enrocamento em função da:
• resistência das partículas (número associado à resistência)
e
• distribuição granulométrica (letra associada à distribuição granulométrica)
2) Estimativa do grau de fracturação (Bg) através do valor da tensão normal
octaédrica (a que o material estará sujeito no aterro), da resistência das partículas e
da granulometria
(diferença de pesos das partículas
• σ oct versus Bg retidas na fração k de diâmetro dn,
antes e depois de o material ser
3) Estimativa do ângulo de atrito solicitado)
• Bg versus (σ 1/ σ 3)f

4) Estimativa do módulo de deformabilidade


• Bg versus E*
Esmagamento

Resistência
à
fragmentação

Ensaio
Los Angeles
(%)
Determinação do grau
de fracturação (Bg) em
função do nível de
tensão previsível na
estrutura
σoc =(σ1+σ2+σ3)/3
(Marsal e Resendiz, 1975)
Estimativa do
ângulo de
atrito

Bg < 25%

Bg < 50%

Determinação da
tensão normalizada
de rotura em função
do grau de
fracturação
(Marsal e Resendiz, 1975)
Estimativa do
módulo de
deformabilidade

100 MPa

Relação entre o
módulo de
deformabilidade e o
grau de fracturação
(Marsal e Resendiz, 1975)
Outra abordagem distinta:
ENSAIOS SOBRE AMOSTRAS GRANULARES
Determinação de parâmetros de resistência e de deformabilidade
• Ensaio triaxial;
• Ensaio de deformação plana;
• Ensaio de compressão unidimensional;
• Ensaio de corte directo (entre outras limitações, os resultados são afectados pela
distribuição não uniforme de tensões na caixa de corte).

Ensaio de
compressão Ensaio de compressão
unidimensional triaxial (φ=300mm)
CARACTERÍSTICAS DE RESISTÊNCIA E DE DEFORMABILIDADE
DOS MEIOS PARTICULADOS DE ENROCAMENTO

Deformação devido a :
• compressão elástica da rocha;
• rearranjo das partículas
- quebra e esmagamento das partículas rochosas
- deslizamento relativo ou rolamento das partículas

Fatores que afetam as leis constitutivas dos materiais granulares


•Influência da trajetória das deformações aplicadas ao provete
Maior resistência ao corte em deformação plana do que em triaxial
• diferenças maiores em estado denso e baixas tensões de
confinamento
• para elevados níveis de tensão de confinamento, a fracturação
sobrepõe-se ao deslocamento das partículas e o resultado dos
ensaios é semelhante
Fatores que afetam as leis constitutivas dos materiais granulares

• dimensões do provete
• L/D = 2 (valores de L/D superiores podem conduzir a resultados mais
elevados (contra a segurança), porque a resistência aumenta com L/D)

• D/dmáx ≥ 5 L – altura do provete


D – diâmetro do provete
d – diâmetro das partículas

• velocidade de deformação durante o corte


•pouco importante se for dentro de um valor razoável (ex: 0,14mm/minuto)
• se for lenta pode provocar fluência

• mineralogia da rocha
• influencia o coeficiente de atrito entre as partículas, mas é menos
relevante do que, por exemplo, a fissuração
• dimensão das partículas
-o módulo de deformabilidade (Eoed) do meio particulado
diminui com o aumento da dimensão máxima das partículas,
essencialmente em estados densos, porque a fracturação das
partículas aumenta
-a resistência do meio particulado diminui com o aumento da
dimensão máxima das partículas
(ex: dmáx 19mm 50mm => redução de φ em 4º)
Efeito da dimensão máxima das partículas no ângulo de atrito interno (Marachi et al, 1969)
• forma das partículas

- influencia γd

- a importância depende da tensão aplicada e da resistência das partículas

É importante a semelhança da forma das partículas na modelação física

Conceito de coeficiente de forma


Relação entre o volume de um dado número
(n) de partículas e o volume do mesmo
número de esferas que as circunscrevem

• teoricamente, nos ensaios sobre enrocamentos não haverá efeito


de forma das partículas se os coeficientes de forma dos
fragmentos das amostras e do protótipo forem iguais.
• resistência ao esmagamento das partículas
- o aumento da resistência das partículas diminui o grau de fracturação (Bg)

• rugosidade da superfície das partículas


- o aumento da rugosidade melhora as propriedades mecânicas para baixas
pressões, mas é prejudicial para altas pressões
• teor em água
- o aumento do teor em água aumenta o esmagamento e promove a
lubrificação, logo aumenta a compressibilidade, principalmente com tensões
elevadas
• quantidade de material fino
- o aumento da quantidade de material fino diminui o índice de vazios,
reduz a fracturação e, consequentemente, altera as características mecânicas
do meio particulado
- exemplos: enrocamento + areia (40 a 50%) aumenta φ
enrocamento + finos (argila ou silte) diminui φ
• granulometria
- amostra mal graduada => grandes tensões de contacto

- amostra bem graduada => menor índice de vazios, menor esmagamento, maior E

É importante a semelhança
da curva granulométrica na
modelação física

Diferentes métodos de modelação


(eliminação da fracção grosseira)

• curva paralela;
• substituição;
• Cu = D60/D10 semelhante.
Zeller et al., 1957
• estado de compacidade
depende da granulometria, da forma das partículas, do tipo de compactação, etc.
• A deformabilidade diminui para • A resistência ao corte aumenta para
estados mais densos. estados mais densos.

• O índice de vazios inicial é muito importante na resistência e na deformabilidade,


essencialmente sob baixas pressões de confinamento. Para pressões elevadas os
materiais apresentam comportamento mecânico semelhante, independentemente do
valor daquele parâmetro.
• A envolvente de rotura de Mohr-Coulomb é tanto mais curva (maior resistência)
perto da origem quanto mais denso é o estado inicial do material.
Módulo de deformabilidade em função do índice de vazios inicial
e0
É importante a semelhança do estado de compacidade na modelação

• Alguns autores concluíram que a densidade relativa é um


parâmetro mais ajustável a uma melhor “modelação” do que o
índice de vazios.

• Estudos mostram, por exemplo, que ao comparar os resultados


obtidos em distintos provetes de um dado material, o ângulo de
atrito interno diminui menos com o aumento da dimensão
máxima das partículas quando o valor da densidade relativa
se mantém igual, comparativamente com a situação em que se
iguala o índice de vazios.

• Determinação do índice de vazios mínimo (correlação empírica):


• estado de tensão (tensão de confinamento e trajectória de tensões)
O aumento de σn conduz à diminuição da resistência ao corte e ao aumento da
deformabilidade na rotura, por exemplo, duas a três vezes.
ex: φ = 47 – 7 log σn (σn = tensão normal no plano de rotura em kgf/cm2)

Influência da tensão no
ângulo de atrito (Leps, 1970)

Permite otimizar o
perfil transversal tipo
nos aterros de grande
dimensão.

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