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ANÁLISE DA OBRA DO PIERRE-ANTOINE BAUDOUIN

SLIDE 01
Na obra A Leitura ou A Leitora Adormecida de Pierre-Antoine Baudouin vemos
a seguinte cena:
Em um cômodo, uma mulher está recostada em uma poltrona aparentemente
repousando. O corselete do seu vestido foi abaixado deixando à mostra os seus
seios, sua mão direita está igualmente relaxada e aponta para um livro que foi
recém colocado em cima da casinha do cachorro. Sua mão esquerda está dentro
do vestido e o tecido contraído nos faz perceber que ela, provavelmente, está
na região da pélvis.
Por meio da roupa que a mulher veste, é possível aferir que se trata de alguém
de posses. Quem sabe, uma jovem da nobreza ou da aristocracia francesa. O
local em que ela está reforça a sua condição financeira. Em nossa perspectiva
parece ser o seu quarto, ou, não sendo tão determinista: um local para leitura
provavelmente em seu quarto. Na mesa, à direta da mulher, localizamos a
presença de quatro grandes livros (sendo um deles embaixo da mesa), um globo
terrestre, uma série de papéis sendo um deles um mapa e dois bicos de pena.
Ao lado da mesa e da mulher, visualizamos uma cortina azulada que encobre
um acento, talvez um divã ou uma marquesa; na parede, há um quadro de uma
mulher e à esquerda desse quadro, em cima da entrada do local, existe um
ornamento representando dois macaquinhos. Não nos é possível ver o que está
fora do cômodo porque em frente da porta está um biombo dourado e azulado
decorado com flores.
À esquerda da mulher, visualiza-se uma casinha de cachorro, ou pelo menos um
pequeno dormitório para o bichinho, em cima dele está um violão e alguns
papéis, que podem indicar folhas com notas musicais para serem tocadas no
instrumento. Em volta desse violão, há um tecido de cor amarelo-ouro.
No chão do cômodo e aos pés da mulher, vê-se um tapete, ornamentado por
algumas flores.
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No tocante às cores, luzes e sombras, percebe-se o forte uso dos azuis, sejam
eles mais claros ou mais escuros, para demarcar o vestido da mulher, a cortina,
o estofado da poltrona e do divã, algumas flores do biombo e do tapete. Se nos
aproximarmos mais da obra, notaremos que até o cabelo da mulher é algo entre
o azulado claro e o acinzentado.
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Há a presença de tons amarronzados, a exemplo dos livros, da mesa e da casa
do cachorro. Existe também algumas pinceladas alaranjadas, como o bichinho
presente em cena, o bico do seio da mulher e as capas dos livros. Nota-se
também o uso de branco, em detalhes do vestido, por exemplo; de rosa claro,
como na pele da mulher; e de preto e cinza escuro na parede, no quadro e no
ornamento dos macacaquinhos.
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Percebe-se também o uso dos amarelos, sejam eles mais escuros como o
dourado no biombo, nos frisos da porta e da parede perto do teto, nas singelas
decorações da cortina, no metal que resguarda o globo e no tapete que cobre o
chão; ou amarelos mais claros, usados principalmente para sinalizar a sombra
causada pela luz solar em alguns objetos como nos livros em cima da mesa e na
própria mesa, a poltrona, que parece ser dourada, porém, devido à luz do sol
incidindo sobre ela está mais amarelada, o tecido que está atrás do violão e, na
barra do vestido da mulher, há algumas pinceladas de amarelo reforçando a
presença de luz.
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Por falar em luz, é possível perceber que ela vem da direita para esquerda,
iluminando os livros, parte da cortina e principalmente a mulher. A luz parece
entrar um tanto quanto na diagonal, incidindo fortemente na mulher.
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Porém, se nos atentarmos para o quadro como um todo, iremos perceber que
metade dele, está mais iluminado e metade dele está menos iluminado. No
entanto, o ponto mais iluminado é a leitora, pois é nela que devemos nos ater.
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O modo com o qual a mulher está na cadeira, o jeito em que está sua roupa e o
local onde estão as suas mãos indiciam que essa mulher está se tocando ou, dito
de modo mais claro, se masturbando. O seu olhar, meio perdido, distante,
completamente alheio ao mundo à sua volta sinaliza que estamos a vendo em
um momento de auto regozijo, de êxtase. As hipóteses sobre esse olhar diante
dos outros elementos corporais são variáveis: 1) ela acaba de adormecer, como
o título da obra sugere; 2) ela está no ápice do auto prazer, ou seja, no exato
momento em que ejacula e os seus olhos reviram para cima; 3) encontramos ela
segundos após o ato, em um completo estado de relaxamento e contemplação
do gozo, em que o corpo perde a eletricidade do prazer e despressuriza.
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Se observarmos a mulher e o cenário podemos dizer que estamos sendo
indiscretos, haja vista que a mulher está um momento tão íntimo que encontra-
se atrás do biombo, dando a entender que mesmo que alguém entrasse no
quarto não poderia vê-la em um primeiro momento, pois, ela está escondida.
Se formos além daquilo que os olhos captam, podemos entender que ela está
protegida por uma parede de flores, sendo essa parede o biombo e as flores
aquelas que estão representadas na divisória.
É interessante que a única “pessoa” que consegue observá-la durante todo o
ato é a mulher representada no quadro da parede. Contudo, não é possível saber
se essa figura feminina é a própria mulher ou algum parente. Baudouin faz
questão de colocar o biombo na frente do quadro e pintar essa figura feminina
olhando para o lado, como se ela não quisesse ver aquela cena ou como se ela
reprovasse o que estava vendo. Logo, se esse momento não era para ser visto
por aqueles que fazem parte da vida da leitora, ele também não deveria ser visto
por nós.
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É interessante observarmos as mãos da leitora. Enquanto a mão esquerda está
dentro do vestido sem nos dar a total certeza do que acontece por debaixo dos
panos, a sua mão direita nos dá um forte indício. O modo com qual a sua mão
e o livro estão representados simboliza o auto toque. O livro aberto de forma
despretensiosa, como se tivesse acabado de ser colocado em cima da casinha
do cachorro, e uma mão a tocá-lo pode ser visto como o símbolo de um clitóris
sendo tocado, o símbolo para masturbação.
Chamo atenção para os seios à mostra, que reforçam uma ideia de prazer, afinal
o seio é uma zona erógena. Sendo assim, é possível pensar que as mãos da
mulher ao mesmo tempo que tocam a sua genitália, podem também tocar os
seus mamilos aumentando a sensação de prazer.
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A historiadora de arte Mary Diane Sheriff nos chama a atenção para o modo
como o corpo da mulher e o violão encontram-se na cena. Eles estão na mesma
posição e, muito provavelmente, não de forma aleatória. O violão é símbolo da
serenata, das músicas românticas, da sedução. Logo, se pensarmos que, ao tocar
as cordas de um violão uma mulher pode ficar encantada, a mulher representada
na obra ao tocar a si própria pode ficar igualmente extasiada. Nas palavras de
Mary Sheriff: “Talvez como um instrumento de cordas, ele também sugira as vibrações que
ela colocou em movimento com os dedos, fazendo vibrar as cordas de seu delicado sistema
nervoso.” Em suma, tanto o violão quanto a masturbação são representações de
momentos de prazer. Além disso, pode-se fazer um paralelo entre o formato
do violão e o corpo feminino, fazendo uma acepção de “corpinho violão”.
Bem, se a mulher está um momento íntimo de prazer é de se questionar: o que
está provocando ou provocou o prazer nesta mulher? Para responder a isso,
observemos a obra em relação ao seu título.
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Ao observar a luminosidade da obra, destacamos que a luz solar vinda da direita
ilumina os livros e papeis da mesa. Assim como, ilumina o livro que em que a
mulher estava lendo. Levando em consideração o título da obra: A LEITURA
ou A LEITORA ADORMECIDA e relacionando-o com o contexto em que
ela foi produzida a interpretação final que podemos fazer é de que o causou
prazer na mulher foi o livro, ou simplesmente, a leitura. Tendo em vista a época
em que a obra foi feita, Baudoin pôde ter feito uma crítica, um alerta ou uma
mera ilustração de algo que se pensava e se discutia nos Setecentos: o perigo
que a leitura poderia causar nas mulheres, ou melhor, o perigo que alguns tipos
de leitura poderia causar nas mulheres.
A obra está inserida no contexto do Iluminismo em um momento que a leitura
licenciosa e obscena circulava pela Europa, principalmente na França, era
consumida por homens e mulheres e igualmente condenada por inúmeros
setores da sociedade. Haviam declarações e postulados sobre os males que esse
tipo de leitura poderia causar nas pessoas, em especial às mulheres. Acreditava-
se que livros maliciosos levariam o público feminino ao descontrole e à histeria.
Anos antes da obra de Baudoin, especificamente em 1748, foi lançado
anonimamente o livro Thérèse philosophe, que anos depois descobriu-se ter sido
escrito pelo filósofo francês Jean-Baptiste Boyer d'Argens, e fez um enorme
sucesso na época e igualmente causou polêmica por onde passou, pois foi vista
como libertina e obscena. A história é contada pela protagonista Teresa e, em
síntese, narra uma série de envolvimentos sexuais durante a sua adolescência e
juventude. Nesse sentido, será possível pensar que a leitora da obra de Baudouin
estivesse lendo um livro como esse? Será possível que Baudouin estivesse
ilustrando ou criticando o que aconteceria com mulheres que tivessem contato
com romances licenciosos?
A discussão sobre a proibição de mulheres a certos tipos de obras estendeu-se
por séculos chegando até o Brasil do final do século XIX onde circulava obras
classificadas como “romances para homens” e eram, como o próprio nome
sugere, proibida para as mulheres pelas mesmas razões que indicavam na França
de 1700: levariam elas à loucura, a devassidão e, em consequência, à desonra.
Como último detalhe, destaco novamente que Baudoin faz questão de iluminar
os livros. Sendo a leitura um ato condenável por muitos anos pela Igreja
Católica, levando em consideração que estamos no Iluminismo, onde há uma
defesa pública pelo conhecimento e tento em vista a cena representada,
podemos inferir que Baudouin, que foi criticado publicamente pelo erotismo
de suas obras, não deixa de fazer destaque a uma coisa tão cara aos iluministas:
o conhecimento. O sol que ilumina os livros, ilumina, acima de tudo, o
conhecimento. Conhecimento esse que informa, ensina, liberta e, para muitos,
principalmente a leitora em questão, dá prazer.

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