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Sem subvenção, grandes escolas procuram receitas

alternativas e ‘sambam’ para fazer carnaval


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25 de dezembro de 2019

Rio
Salgueiro prepara novo programa de sócio torcedor, enquanto Mangueira tenta campanha
de financiamento coletivo

Renan Rodrigues

25/12/2019 - 04:30
/ Atualizado em 25/12/2019 - 12:18

Portela lançou o "bailinho da Portela", sempre às quintas, no Centro, ao valor de R$ 40: busca por um
novo público Foto: Divulgação

RIO - A missão de colocar o carnaval de 2020 na rua promete ser a mais desafiadora já
vivida por quem risca o chão da Sapucaí todos os anos. Será o primeiro desfile das escolas
de samba sem apoio financeiro do poder público, uma tradição que, segundo
pesquisadores, começou ainda na década de 1930. As adversidades provocaram reflexos
nos enredos — com desfiles mais engajados politicamente — e obrigaram as agremiações
a repensarem o modelo de gestão em busca de alternativas para fechar as contas.

Enquanto a Acadêmicos do Salgueiro prepara o lançamento de um novo programa de


sócio torcedor, a Estação Primeira da Mangueira, atual campeã do carnaval, lançou no
último dia 14 uma campanha de financiamento coletivo com o objetivo de arrecadar R$ 1
milhão.

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— O apoio financeiro do poder público ao carnaval começa com Pedro Ernesto, em 1933,
que queria transformar o Rio em uma potência do turismo e considerava o carnaval um
elemento importante para esse projeto. O dinheiro vai minguando com o Crivella na
prefeitura, até chegar a situação inédita de não ter verba pública — diz o pesquisador
Mauro Cordeiro de Oliveira Junior, que acrescenta: — Estamos vendo o esgotamento de
um modelo.

LEIA TAMBÉM:Os dez sambas-enredo que marcaram a década: vote para escolher o
melhor dos últimos carnavais

O presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, concorda que as escolas precisam


buscar um novo rumo. A agremiação do Morro do Borel conquistou três títulos nos
últimos dez anos. Sem dinheiro, no entanto, vem se adaptando aos novos tempos. Se a
azul e amarelo já gastou até R$ 12 milhões em um carnaval, hoje os desfiles não passam
de R$ 8 milhões. Custo que, segundo ele, inclui mão de obra e gastos fixos, como contas
de luz e água do barracão, além do material para confecção de fantasias e alegorias.

— No momento, a situação é caótica, muito difícil para colocar o carnaval na rua. O desfile
tomou uma proporção muito grande. Gasta-se entre R$ 400 mil e R$ 500 mil só com o
aparato da Avenida, com o esquema de logística, segurança, alimentação. Só para manter
a Cidade do Samba, com limpeza e segurança, cada escola de samba desembolsa R$ 250
mil por ano. Nós temos funcionários fixos que geram impostos, como INSS e FGTS.
Estamos correndo atrás de parceiros, mas está muito difícil. A saída está na criatividade —
sentencia Horta.

VEJA:A dois meses do carnaval, Sambódromo ainda apresenta problemas estruturais

Após ver a ideia do “sócio torcedor” não decolar na antiga gestão, o Salgueiro contratou
uma empresa com experiência na gestão desse serviço em um grande clube de futebol do
Rio de Janeiro, e pretende lançar o novo programa ainda este ano.

— Estamos planejando ações como espaço exclusivo na quadra com foco no sócio, que
também vai ter uma entrada diferenciada do restante do público. Essa pessoa também
terá produtos licenciados da marca do Salgueiro exclusivos para ela. O sócio precisa se
sentir valorizado — afirma Nelson Sampaio, que trabalha no marketing da vermelho e
branco.

Financiamento coletivo

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Entre as ações desenvolvidas pela Mangueira está o espetáculo "Matrizes", realizado no barracão da
escola na Cidade do Samba. Foto: Divulgação / Leo Queiroz

A verde e rosa criou a campanha “Mangueirense nota 10”, um crowdfunding para


arrecadar R$ 1 milhão para o desfile de 2020. A escola também faz o espetáculo
“Matrizes”, dentro do barracão na Cidade do Samba.

— Quando assumi em maio, fiz tudo para resguardar a marca. Todo mundo vende a
Mangueira. Contratamos escritório de advocacia e estamos conseguindo bloquear shows e
produtos, vendidos por terceiros — comemora o presidente da Mangueira, Elias Riche.

Com dez anos de experiência no marketing das escolas de samba, Bruno Amorim tem
passagem por Mangueira e Unidos da Tijuca, onde foi responsável pela captação de
patrocínio em torno de R$ 7 milhões para a confecção do carnaval campeão de 2012,
quando a escola do Borel cantou na Sapucaí o centenário de Luiz Gonzaga. Na Portela,
Amorim integra a recém-criada assessoria comercial da escola.

— O novo produto que a gente criou é o Bailinho da Portela, no Centro (às quintas-feiras).
A gente tem que ter canais diferentes de comunicação porque, se formos buscar um
patrocinador, o que podemos oferecer? O camarote da escola na Sapucaí pode ter ativação
(jargão do marketing para uma ação de um patrocinador), a quadra também. A gente está
criando produtos que não são lucrativos no primeiro momento para que, na sequência,
possam gerar resultado positivo.

VEJA:Crítica política marca safra do carnaval 2020; ouça os sambas-enredo já


escolhidos

A Portela também aposta em seu camarote na Sapucaí, cuja venda de ingresso já foi
aberta, e em visitas guiadas ao barracão.

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Influência artística
Para o coordenador do Centro de Referência do Carnaval, Felipe Ferreira, apesar da crise
atual, as escolas estão vivas:

— Há muitos profissionais novos, como carnavalescos e diretores de bateria, o que trouxe


um frescor. Isso reflete nos enredos, nos sambas, na forma de desfilar, na maneira como
as escolas se apresentam e se organizam na Avenida.

Um dos novos profissionais é Leonardo Bora, professor de Belas Artes da UFRJ e que
estreará como carnavalesco no Grupo Especial, ao lado de Gabriel Haddad, na Grande
Rio:

— As escolas precisam se reinventar ou vão deixar de existir. Parece que esse abandono do
poder público e o contexto de mudanças generalizadas trouxe o potencial político. Essa
vertente, que sempre existiu, se tornou mais inflamável. É isso que está levando as escolas
a se repensarem.

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