Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tese de Doutorado
Rio de Janeiro
Abril de 2012
Antonio Henrique de Castilho Gomes
Ficha Catalográfica
CDD: 800
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Este espaço é reservado para que, de alguma forma, eu possa retribuir toda a
ajuda que recebi ao longo do processo de construção desta tese. Devo muitas
coisas à muitas pessoas, por isso peço desculpas se algum nome for esquecido.
O número de pessoas que de forma relevante contribuíram para a formação da
minha vida é muito maior de que os aqui listados.
Em primeiro lugar quero agradecer ao meu orientador e amigo Júlio Diniz, com
quem tive a honra de conviver os últimos oito anos, por todo o
comprometimento, toda a disponibilidade a mim dedicada, e pelos proveitosos
encontros informais. Incluo aqui também sinceros agradecimentos aos
professores Karl Erik, Ana Paula Kiffer, Heidrun Krieger, que estiveram
presentes durante meu percurso. Não posso esquecer-me de mencionar a
fantástica Chiquinha, sempre pronta para resolver todos nossos problemas.
Agradeço ainda à PUC-Rio, pelo auxílio concedido, sem o qual este trabalho não
poderia ser realizado.
Sou muito grato também às amizades que construí na PUC e que me foram de
grande valia, nos informais papos acontecidos no “Pires” e em tantos outros
lugares. Em especial, gostaria de destacar: Stella Caymmi, Ana Paula de
Oliveira, Leinimar Pires, Marcela, Daniel, Mauro e tantos outros que me fogem a
memória.
Gostaria de agradecer também aos meus “padrinhos”, que me introduziram no
mundo do samba, em especial Jandyr Antunes, Jayminho, Paulinho Careca,
Maurício “Pipa”, Alexandre Brittes, Hiram Araujo e a meu tio Paulo Bayde.
Também sou muito grato aos companheiros de profissão que muito colaboraram
ao longo desta jornada, com conselhos, paciência e acima de tudo cumplicidade:
Nelson Oliveira, Waldyr Leal, Perivaldo, Nelson Ricardo, Celeste. Agradeço
também a valorosa contribuição dos amigos, professores, gestores e meus
queridos alunos da Escola SESC de Ensino Médio que muito me incentivaram e
fortaleceram em especial a grande figura de Eduardo Fillipe, com quem pude
trocar muitas experiências, que me foram de grande valia. Não poderia
negligenciar um agradecimento especial a Rodrigo Peixoto, pelo gigantesco
esforço dedicado a revisão desta tese.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
hegemônico no cenário cultural brasileiro. Para tanto, esta tese debruça seu
olhar sobre alguns elementos e momentos históricos que foram fundamentais
para a consolidação do caráter dominante do samba. Em primeiro lugar, busca-
se comprovar o espaço de fala do subalterno proporcionado pela força da
configuração do samba no espaço cultural brasileiro. No segundo momento, faz-
se uma análise das relações existentes entre o samba, o sambista, entendido
aqui de forma mais abrangente possível, e a indústria cultural. Por fim, busca-se
compreender de que forma se constrói o discurso do samba hoje em dia, que
relações são tecidas e de que formas elas são utilizadas para garantir o objetivo
fundamental do samba que é permanecer como principal manifestação de
cultura popular brasileira.
Palavras-chave
Gomes, Antonio Henrique de Castilho; Diniz, Júlio Cesar Valladão. The [re]
configuring samba speech. Rio de Janeiro, 2012. 178p. Doctor Thesis -
Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
cultural scene in Brazil. To this end, this thesis focuses its look on some elements
and historical moments that were essential for the consolidation of the dominant
character of samba. First, it seeks to prove the speech of the subaltern space
provided by the force of the samba configuration space of Brazilian culture. In the
second moment, it is an analysis of the relationship between samba, sambista,
understood more broadly as possible, and cultural industry. Finally, it seeks to
understand how speech is constructed of samba nowadays, what relationships
are woven and in what ways they are used to ensure the fundamental objective
of samba that is to remain as the main manifestation of Brazilian popular culture.
Keywords
1. Introdução 11
2. O samba e suas falas 18
2.1.O samba como espaço de fala 20
2.2. Samba e cultura popular 27
3.O samba, o sambista e a indústria cultural 45
3.1.O samba 47
3.2.O sambista 60
3.3.A indústria cultural 73
4.A reconfiguração do discurso do samba 87
4.1.As novas exigências do concurso das escolas de samba do Rio de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Janeiro 88
4.2.As novas superescolas de samba 104
4.3.O novo conceito de comunidade: entre o afeto e a territorialidade 116
5. Conclusão 126
6. Referências
6.1. Livros e periódicos 132
6.2.Sites 143
7. Anexos
7.1. Entrevistas concedidas ao autor
7.1.1. Jandyr Antunes e Jaime da Vila 147
7.1.2. Alexandre Brittes 153
7.1.3. Hiram Araújo 156
7.2. Entrevistas retiradas de periódicos – recurso eletrônico
7.2.1. Fernando Pamplona, o revolucionário tradicional 158
7.2.2. Fernando Pamplona – Carnavalesco 161
1
Introdução
tal papel, realizando uma espécie de antropofagia, absorvendo tudo o que vinha
de fora e reprocessando estes elementos submetendo-os aos próprios
interesses. Finalmente, as transformações ou reconfigurações que o discurso do
samba sofreu sempre funcionaram como uma espécie de estratégia para cumprir
um objetivo “intrínseco" a sua existência: ser hegemônico no cenário da
produção cultural do carnaval brasileiro. Tal pretensão o levou a dialogar
primeiro com o Estado, numa relação complexa em que se cruzaram interesses
mútuos e diversos, mas que lhe garantiu sair do gueto e se tornar símbolo de
uma inventada tradição cultural de um Brasil mestiço, o que de fato lhe trouxe
alguns benefícios, como por exemplo, a subvenção pública. Não propomos que
tenha ocorrido a homogeneização das produções culturais populares, ou uma
espécie de domesticação de uma manifestação livre. Este diálogo não extinguiu
em si, outros caminhos para construção de espaços de fala, ele apenas
representa uma dada opção:
1
VIANNA, Hermano. O Mistério do samba, p.154.
14
perspectiva de releitura apontada pelo próprio Stuart Hall. Esta releitura é uma
possibilidade de se afirmar enquanto protagonista de uma dada representação
cultural. O que estamos propondo, de certa forma, é que o samba é o espaço no
qual se articulam tensionalmente representações culturais diferentes,
constituindo assim uma espécie de entre-lugar onde vozes que parecem
dissonantes reconstroem espaços de representações subjetivas de uma dada
categoria subalterna:
Esta capacidade que o samba construiu desde sua origem, tornou-o capaz
de se transformar acompanhando as necessidades que surgiram ao longo da
própria história. Para permanecerem no lugar em que chegaram, as escolas
precisam dialogar com novos símbolos que transcendem as necessidades
geradas pelos segmentos ligados à tradição. Essas transformações buscam
atender também às demandas de elementos que se foram incorporando no
cenário do samba, conquistando um público/consumidor cada vez mais distante
do seu lugar de origem. A cada ano, as escolas se organizam e se
profissionalizam para garantir um espetáculo que seja visto/consumido por mais
de 140 países. Este hiperdimensionamento só foi possível graças a uma
gigantesca capacidade de se repensar, de se ressignificar e de reconfigurar a
própria fala, que antes era direcionada para um público muito próximo, diferente
de hoje.
Desta forma, o que pretendemos nesta tese não é esgotar as
possibilidades analíticas acerca de tais questões. Pretendemos apenas apontar
e comprovar hipóteses que indicam as estratégias “malandras” de que o samba
se utilizou ao longo da sua trajetória que lhe garantiram a passagem do gueto
para o cenário nacional e que lhe permitem, hoje, uma projeção que nem o mais
otimista fundador de uma das históricas agremiações pensava, enquanto
desfilava pela Praça Onze cantando no pioneiro ano de 1932. O que
defendemos é que, ao contrário do que pensa a crítica ligada à tradição, estas
2
BHABHA, Homi K. O Local da cultura, p.20.
15
que acometeu algumas escolas de samba nos anos de 1990, o fenômeno foi o
grande salto dado por elas, uma vez que acaba por aproximá-las de sua
comunidade, já que tal estrutura produtiva garante a geração de emprego e
renda. Além disso, elas buscam fazer, e têm feito muito bem, a associação entre
técnica e emoção. Uma escola precisa se profissionalizar, mas não pode se
tornar fria. Sua identidade é permeada pela emoção.
Então a gente está a cada dia tentando melhorar, a cada dia se tornando
mais profissional, mas mantendo o espetáculo. A gente não pode
transformar isto aqui numa coisa fria e calculista, tem que ter emoção.
Como é que uma coisa calculista tem emoção? Eu não sei, mas a gente
tem que manter a emoção e a harmonia e tem que ser um excelente
administrador, mas ter um coração de sambista. Não dá para dizer que se
não der lucro fecha. Não dá para ser assim. Escola de samba não ganha
dinheiro, só gasta. Agora tem que ser gasto racionalmente calculado. É
isto que vai te trazer para este mercado. Tem que juntar a emoção do
carnaval e a técnica e o conhecimento.3
3
Alexandre Brittes. Entrevista concedida ao autor.
16
A história começa nos fins dos 20, quando surge na música popular o
personagem malandro propriamente dito, para alcançar em seguida, na
década de 30, o ápice de seu prestígio (...) A virada se consuma a partir de
1937, quando o Estado Novo, instituindo a ideologia do culto ao trabalho e
uma política simultaneamente paternalista e repressiva em relação à
cultura popular, vem modificar as regras do jogo e o panorama da
produção poética do samba (...) Incentivam-se os compositores a louvar os
méritos e recompensas do trabalhador, ao mesmo tempo que se interditam
e censuram os casos e façanhas do malandro.
Mas ele já fundara sua linhagem dentro do samba, e esta, ao contrário do
que desejava o Estado Novo, não desaparece aí. O malandro legendário e
prestigiado, a espécie de anti-herói que povoa as composições da década
de 30, é substituído e continuado na década de 40 pela figura ambígua do
‘malandro regenerado’, sempre às voltas com a polícia, falante,
problemático, defensivo, dizendo-se trabalhador honesto, mas sempre
carregando os estigmas e emblemas da malandragem. O personagem
malandro – em cuja boca Wilson Batista em 1936 coloca as palavras: ’eu
passo gingando/ provoco e desafio/ eu tenho orgulho/ de ser tão vadio’
(‘Lenço no Pescoço’) – passa a dizer em 1941, nos versos do mesmo
17
Wilson Batista: ‘Seu Martins Vidal/ eu moro no Lins e sou o tal/ que há
muito tempo exerço/ uma fiel profissão/ eu não sou mais aquele antigo
trapalhão’ (‘Averiguações’)4
4
MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo
de Getúlio, p. 14.
2
O samba e suas falas
próprio conceito de cultura nos possibilita e nos permite. Dentro delas, optamos
pelas definições que melhor servem ao objetivo deste trabalho. Nesse sentido,
buscamos compreender o samba, enquanto uma manifestação de cultura
popular urbana, de duas formas, que de certa maneira se complementam:
evento e espaço de fala. Obviamente também se faz necessário delimitar a que
evento nos referimos, principalmente por que, de certa forma coexistem diversos
“eventos” que poderiam ser “chamados” de samba. Afinal, não seria de todo
inviável receber um convite para ir a um samba e parar numa simpática casa de
espetáculo para apreciar uma roda de samba, ou um grupo de chorinho, ou
ainda um show de algum sambista notório (de velha ou de nova geração). Quem
sabe não poderíamos ir a um samba e terminar ao redor de uma mesa de
botequim, num subúrbio carioca onde alguns instrumentistas tocam e cantam
diversas composições de também diversos autores. Por fim, quem sabe, ainda,
poderíamos ir a um samba e terminar numa quadra de uma dada escola de
samba ou bloco, ou para um “ensaio”, “feijoada” ou qualquer outro evento que
reúne apreciadores que nem sempre irão desfilar em tal agremiação. Ir a um
samba é uma afirmação repleta de possíveis significados. Neste caso, diante de
um conjunto tão diverso de eventos, abre-se a necessidade de se fazer uma
nova opção, bem mais específica que nos facilitará a análise. Então, quando
falamos de evento nos dirigimos especificamente ao carnaval das escolas de
samba, resultado prático de um tripé – samba-enredo, escola de samba e desfile
– que é construído ao longo de um ano inteiro, num calendário diferenciado com
19
Não estamos negando que os demais eventos, que também podem ser
entendidos como samba, constituam espaços semelhantes. Entretanto,
acreditamos que a escola de samba e seu carnaval representam historicamente,
em maior plenitude, esta fala. Dessa forma, todas as vezes que nos utilizarmos
da expressão samba, faremos referência ao tripé escola de samba, samba
enredo e desfile. Obviamente, ao se fazer necessário a referência a outro
contexto para a expressão samba, trataremos de descrevê-lo. Para que
possamos, então, dar continuidade a nossa análise, faz-se necessário que
explicitemos alguns conceitos que nos servem de referencial teórico e dão
sustentabilidade a nossa tese. Tais conceitos giram em torno de uma definição
mais específica de cultura popular e de sua relação com seus agentes
produtores. Para tanto, recorreremos a alguns teóricos que compreendem
cultura popular como um elemento de contenção e enfrentamento. Além disso, é
necessário comprovar a tese de que há, de fato, um espaço de fala para as
5
CAVALCANTI, Maria Laura. Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile, p. 15
6
Op. Cit. p.17
20
categorias ditas subalternas. É este espaço que permite que tais manifestações
sejam elementos de enfrentamento, mesmo que, como veremos adiante, tal
enfrentamento se dê a partir de determinadas estratégias. Nesse sentido
buscaremos em determinados autores e em suas respectivas obras a
comprovação da tese de que o subalterno fala.
2.1.
O samba como espaço de fala
necessitam de alguém que por elas falem, dando legitimidade, por vezes
acadêmica, aos seus discursos. Tal tendência se aproxima, em certa medida,
aos modelos antropológicos baseados no princípio da autoridade (como em
Bronisław Malinowski), ou dos modelos interpretativos (como em Clifford Gertz).
Dentro desta perspectiva, cria-se a idéia de “avant guarde”, a crença de que tais
categorias sempre necessitam de alguém que por elas fale. É estabelecida a
ideia de resgate, na qual o outro, o subalterno, é recuperado a partir de um olhar
salvador que está de fora. Seja por uma espécie de “experiência de campo”, que
no caso do samba se daria pela participação dentro da escola, ou pelo crivo
acadêmico do pesquisador, ou ainda pela fusão dos dois; o acadêmico
pesquisador que está “dentro” da escola de samba. Essas teses podem nos
levar à ideia de que, no caso específico do samba, a chegada de elementos
oriundos da academia7, ocupando lugares de destaque na concepção do
carnaval, construiria uma autoridade dialógica, centrada, como o nome já diz, no
diálogo em que “os interlocutores negociam uma visão compartilhada da
realidade”8 na qual o subalterno e seu tradutor teriam o mesmo papel. No
entanto, tal perspectiva antropológica é falsa, e é contestada de forma
contundente por James Clifford. Tal contestação se dá, principalmente, por que o
7
Referimo-nos aqui à figura do carnavalesco, que, a partir de um dado momento
histórico, passou a conceber o carnaval dentro das escolas. Para melhor compreensão
deste tema, sugiro como leitura “As transformações do samba carioca: entre a crise e a
polêmica”. (PUC-Rio)
8
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século
XX, p. 45.
21
diálogo transcrito na obra9 teria sido construído por um autor que configuraria, ou
pior, reconfiguraria o discurso (diálogo). Neste caso, o produto final acabaria
sendo a interpretação da fala original. Esta hipótese interpretativa se baseia na
materialização do olhar daquele que intermediou a leitura do discurso. Assim, o
subalterno não participa de forma ativa do espaço de fala. Na melhor das
hipóteses teria uma participação diminuta, que o distanciaria do objeto e
produziria uma espécie de estranhamento por este indivíduo que teve sua fala
interpretada, ou, se preferirmos, traduzida. Esta linha nos levaria à ideia de
ruptura e não de releitura. Esta lógica corroboraria, então, a tese da
impossibilidade, total ou parcial, de fala do subalterno.
Propomos em nossa análise a abertura de um espaço que debruce o olhar
para uma outra possibilidade que vai ao encontro de nossa tese central. James
Clifford problematiza, com já vimos, a autoridade dialógica para construir um
outro tipo de autoridade, que nos parece mais próxima do que defendemos, que
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
9
Clifford fala do texto etnográfico. No nosso caso específico, este suposto texto é
o desfile carnavalesco das escolas de samba.
22
certa forma isto vai de encontro à idéia de que há, por excelência, uma matriz
híbrida na construção do próprio samba10 e tal hibridismo garantiu, entre outras
coisas, a manutenção deste espaço de fala.
O samba, entretanto, é muito mais que uma peça de espetáculo, com mal
definidas compensações financeiras. O samba é o meio e o lugar de uma
troca social, de expressão de opiniões, fantasias e frustrações, de
continuidade de uma fala que resiste a sua expropriação cultural.11
Ontem, com alguns amigos – Prudente e Sérgio – passei uma noite que
quase ficou de manhã a ouvir Pixinguinha, um mulato, tocar em flauta
coisas suas de carnaval, com Donga, outro mulato, no violão, e o preto
bem preto Patrício a cantar. Grande noite cariocamente brasileira. Ouvindo
os três sentimos o grande Brasil que cresce meio tapado pelo Brasil oficial
e postiço e ridículo de mulatos a quererem ser helenos (...) e de caboclos
interessados (...) em parecer europeus e norte-americanos; e todos
bestamente a ver as coisas do Brasil (...) através dos pince-nez de
bacharéis afrancesados.21
consensual23.
22
SANTIAGO, Silviano. Atenção às memórias do subsolo. In: Prosa de sábado.
Estadão.com.br/cultura. São Paulo: 12 de junho de 2010.
23
Op. Cit.
24
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ed. Ática,
1989.
25
Op. Cit. p. 25.
27
fazer compreender por todos os que observam o evento. Esta é a grande virtude
da construção deste espaço híbrido: a fala de múltiplas vozes se faz
compreender por todos os segmentos. Não há uma rigidez no discurso, muito
embora seus significados sejam suficientemente fortes para produzir reações
que vão à direção do objetivo da fala. Produz-se certamente um espaço com
muito mais potência do que teríamos caso o discurso fosse “monofônico”,
interpretado ou traduzido por algum tipo de autoridade etnográfica. Por fim, cabe
apontar que, sendo um espaço de fala de categorias subalternas, com as
características já apontadas, o samba se confirma como manifestação de cultura
popular.
2.2.
Samba e cultura popular
No estudo da cultura popular, devemos sempre começar por aqui: com o duplo
interesse da cultura popular, o duplo movimento de conter e resistir, que
inevitavelmente se situa em seu interior.27
Sturat Hall, em sua obra, vai possibilitar uma fecunda análise que se
baseia na idéia de releitura também dentro do contexto de contato com o outro.
Idéia esta que vai ao encontro de uma lógica do descentramento das
identidades. Na medida em que não se sustenta mais a tese de uma identidade
única e centrada, que produziria uma marca no indivíduo, busca-se construir as
identidades em um paradigma de movimento, numa espécie de devir que
atravessa o sujeito e o põe em contato com o outro. Fundaria-se, então, uma
lógica polienraizada, na qual não desaparecem nenhuma das identidades, ao
contrário, o que se tem é uma espécie de soma delas, que não se anulam. É
uma espécie de polifonia identitária, de polienraizamento como nos diz Edgard
Morin no texto “Do submarrano ao pós-marrano”. Segundo ele, o autor se
constrói enquanto um sujeito de múltiplas identidades fundadas na sua própria
história e no diálogo que construiu com o outro ao longo de sua vida30. É claro
que Stuart Hall, em sua obra, está pensando nos povos que, por diversas
razões, realizaram diásporas, e que, portanto, foram “obrigados” a dialogar com
o outro, e no que se construiu a partir deste diálogo, sem contudo, anular
aquelas identidades culturais que se constituíram antes da diáspora. O que se
propõe, então, é partir do pressuposto de que estas identidades culturais estão
28
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas, p. 204.
29
VIANNA, Hermano. O mistério do samba, p. 167.
30
Sugiro a leitura completa da obra “Meus demônios”, de Edgard Morin.
30
31
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, p. 88/89.
32
Op. Cit. p.12
31
uma escola de samba, se isto não a afasta de sua função primeira enquanto
cultura popular. Ao contrário, permite a manutenção de sua própria existência.
Enfim, o que afirmamos, é que a presença de elementos oriundos de outros
mercados ou de outros segmentos, ao invés de limitar o caráter popular de uma
manifestação cultural, pode reforçá-lo. Entretanto, cabe ressaltar que estes
novos paradigmas não servem para justificar que uma produção cultural seja
meramente algo transclassista, que não há diferenciações entre popular e não
popular. É necessário compreender que, mesmo havendo uma participação
múltipla, principalmente no que diz respeito às origens sociais de seus
interlocutores, esta participação acaba reforçando o caráter popular da
produção. Quando, em 1998, a GRES Estação Primeira de Mangueira levou
para a avenida o enredo “Chico Buarque da Mangueira”, reforçou o caráter
híbrido da constituição de um carnaval de escola de samba. Entretanto, este
mesmo desfile tinha como protagonista a escola e sua comunidade que
homenageavam um mangueirense histórico, que fitava embevecido o início do
desfile, a passagem da escola e, por fim, a entrada do último carro alegórico,
que completava a apoteose mangueirense. Ora, neste desfile, o jogo entre figura
e fundo se confunde e a escola se torna tão visceral para o homenageado
quanto o mesmo para a escola. Chico Buarque, compositor, escritor, vindo de
família tradicional, era homenageado por uma comunidade mergulhada nas
contradições da periferia e se rendia a ela através da paixão pela escola.
33
Referimo-nos aqui ao samba “Bumbum Praticundum Prugurundum”, do GRES
Império Serrano, do ano de 1982.
32
Existem outros exemplos que poderiam estar aqui, mas trataremos mais
profundamente destas questões em momentos posteriores.
Mas por que podemos então classificar o samba enquanto uma
manifestação de cultura popular? A resposta é simples: por que reúne em si
todas as características e todas as informações que acima discutimos. Ele é, por
definição, uma manifestação cultural híbrida nas suas influências, nos seus
códigos, na sua história, na sua construção e no seu mercado consumidor. Foi
este hibridismo que possibilitou afirmar o sambista enquanto sujeito produtor.
Foram tais características que fizeram com que o samba deixasse o gueto e
ganhasse o mundo, e, ao ganhar o mundo, transformar-se num espaço de fala,
de contenção, de enfrentamento e, acima de tudo, de afirmação de uma parcela
significativa da sociedade brasileira que, por vezes, tentou-se silenciar.
Arriscamo-nos a dizer que, se não fosse essa capacidade de transitar em
diversos mundos, o samba talvez não mais cumprisse seu papel, quiçá
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
desaparecesse.
Mas como esta produção construiu tal singularidade, que curiosamente se
compõe justamente de uma diversidade? Para respondermos esta questão e
confirmarmos a ideia de que o samba é uma manifestação popular, precisamos
rever alguns aspectos da história desta manifestação ao longo do século XX.
Optando pela simplicidade, daremos conta apenas de dois momentos que nos
servirão de base para apresentar o samba enquanto uma manifestação popular.
Primeiro trataremos do nascimento do chamado samba carioca, a passagem da
cidade nova ao Estácio ou da roda para a rua. Depois nos preocuparemos com a
saída do gueto para a condição de música nacional.
34
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente, p. 132
33
festas participava. Esta restrição pode ser explicada de diversas formas: pela
manutenção de um caráter identitário/cultural, que marcaria o espaço simbólico
de determinados grupos sociais que se afirmavam nestes encontros ou pela
existência de uma legislação que proibia a divulgação de qualquer produto
cultural relacionado, direta ou indiretamente a afrodescendência.
Sua vinculação com o carnaval é muito intensa. Por esse contexto, o samba vai
apresentar, do ponto de vista étnico, uma pluralidade muito maior. Passará a
existir para cumprir, entre outras coisas, uma função nova: levar à rua o formato
organizado de as camadas populares brincarem o carnaval: o bloco. É o próprio
Ismael Silva que explica isto em entrevistas concedidas a Sérgio Cabral e
também a Máximo e Didier, afirmando que não era possível que os blocos
caminhassem com o tipo de samba produzido na chamada Pequena África. Ele
afirmava que esta modalidade produzia um ritmo parecido com um “tan, tantan,
tan tantan”, e que para os blocos era necessário algo parecido com o “bum, bum,
paticumbum, prugurundum”37. Nascia aí a primeira grande polêmica em torno do
samba. Fato é que muito rapidamente o novo formato ganhou as ruas e se
consolidou no gosto popular. Os espaços celebrativos do “novo samba”: a rua, o
botequim, o bloco etc., são em geral muito mais “democráticos”.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
37
CABRAL, Sérgio. Vozes desassombradas do museu.
38
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente, p. 144
35
39
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da Folia: uma história social do
carnaval carioca entre 1880 e 1920, p. 224
40
Refiro-me aqui ao conceito weberiano apresentado na obra Economia e
Sociedade de Max Weber.
36
carioca, que saía, então, do terreiro das casas das tias baianas e ganhava as
ruas. Sua composição, no entanto, realizava-se também em outro lugar: o morro.
É nessa região periférica do Rio de Janeiro, cidade habitada de forma mais
regular após as reformas de Pereira Passos, que o samba passa a ser carioca.
O formato composto pelo binômio música/evento, agora público e não mais
privado, começa a desempenhar uma função cultural mais distinta, configurando-
se como um instrumento de afirmação das camadas sociais periféricas. O
próprio bloco, por sua estrutura pública, democratizava o samba e colocava
como protagonista o subalterno com quem se identificava e por quem era
organizado, muito embora já tenhamos registro de participações transclassistas
nos desfiles realizados nas primeiras décadas do século passado.
41
“A voz do morro”. Zé Kéti, 1955.
42
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da Folia: uma história social do
carnaval carioca entre 1880 e 1920, p.90
37
Se o brasileiro gosta de samba (um ritmo que passa a ser visto como
puro) é por que ‘sempre foi assim’, ou ‘é da natureza brasileira o gosto pelo
samba’. A autenticidade fabricada do samba (que para existir precisa
escamotear esse seu caráter fabricado) torna eterna uma música criada
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
recentemente”.45
45
VIANNA, Hermano. O mistério do samba, p.162.
46
Op.Cit. p.151
39
assim, entendemos que não foi o Estado o mentor da ideia: ele se apropria de
uma proposta que nos parece ter sido bem interessante para todos os
envolvidos. Basta observar que neste concurso apresentaram-se 19
agremiações, número muito maior do que as cinco escolas surgidas na virada
dos anos 1920 e 1930. No concurso oficial de 1935, a já denominada Portela se
sagraria campeã.
Entretanto há outra possibilidade de análise que entendemos ser mais
fecunda por admitir que o vínculo do Estado com a escola de samba não precise
ser lido como algo imposto “de cima para baixo”. Contrariamente, entendemos
que o surgimento dessa última é mais um passo na direção da obtenção do
controle do carnaval por parte das camadas populares. Para tanto, entendemos
esta relação Escola de samba/Estado como polifônica. Há diversos interesses
dentro dela. Como exemplo disso, destaca-se que foi esse diálogo que permitiu
que as escolas saíssem do gueto, o que também foi proveitoso para um Governo
que desejava romper definitivamente com um modelo de sociedade pautado no
controle hegemônico das elites agrárias e sustentado por uma rede de relação
de dependência chamada pelos historiadores de coronelismo. Pretendia-se
47
Esta questão será discutida dentro de uma lógica de reconfiguração do discurso
do samba mais adiante.
48
Tais informações foram retiradas de diversas obras de Sérgio Cabral, dentre
elas: As escolas de samba: o quê, quem, com, quando e por quê e As escolas de samba
do Rio de Janeiro.
40
49
repactuar as relações sociais substituindo, em parte, os “coronéis” pela figura
do Estado que, para tanto, se utilizaria do samba e do carnaval para refundar o
Brasil dentro de uma matriz mestiça, abraçando uma lógica proposta pelos
modernistas. Tal fato se traduz inclusive na presença de uma série de
intelectuais/artistas dentro do Palácio do Catete. Como exemplo, citamos o
comparecimento do maestro Villa-Lobos em todas as comemorações propostas
pelo novo Estado. As escolas de samba também se utilizam desse movimento e
passam ao protagonismo do novo formato de Brasil por sua própria matriz
híbrida. Seria inocência acreditar que as agremiações não obtiveram vantagens
com tal “aliança”. Numa relação dialética, entendendo o termo dentro de uma
lógica adorniana, sem que haja a necessidade da busca de uma síntese50, as
escolas foram afirmando, passo a passo, as camadas populares – que até pouco
tempo antes brincavam o carnaval e realizavam a inversão social dos infernais
dias de momo – como elementos protagonistas do novo formato de nação. Para
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
49
Nome dado pela historiografia brasileira aos grandes proprietários rurais no
contexto de suas relações com seus subordinados;
50
ADORNO, Theodor W. Negative Dialectics. London: Routledge e Kegan Paul,
1973.
41
círculo fechado. Como exemplo disso, a GRES Império Serrano seria campeã
em 1949 com a composição “Exaltação a Tiradentes” e em 1950 com o enredo
“Batalha Naval do Riachuelo”. Neste mesmo ano, a Mangueira também vencia
falando sobre o plano SALTE: saúde, alimentação, transporte e energia.
É interessante apontar que nos anos de 1949, 1950 e 1951 as escolas
estavam divididas em duas organizações: a Federação Brasileira de Escolas de
Samba (FBES) e a União Geral das Escolas de Samba do Brasil (UGESB).
Ambas fundiram-se no início dos anos 1950, mais precisamente em 1952, para
dar origem à AESCRJ, que controlou o desfile até a criação da LIESA (Liga
Independente das Escolas de Samba) em 1984. Quando, em 2008, era fundada
a LESGA (Liga das Escolas de Samba do Grupo de Acesso), a AESCRJ perdia
espaço e passava a controlar apenas os grupos de acesso C, D e E, que
atualmente desfilam na Estrada Intendente Magalhães, no bairro de Campinho.
Havia também no ano de 1950 a União Cívica das Escolas de Samba (UCES)
que tinha como principais filiadas a Mangueira e a Portela. Estas escolas se
negaram a participar da FBES pela suposta ligação de seu presidente – um
simpatizante da novata Império Serrano (fundada em 1947) e da UGESB – ao
clandestino PCB (Partido Comunista Brasileiro), o que impediria o recebimento
de verbas da prefeitura. O que podemos observar com esta disputa de
interesses políticos é que as escolas de samba tornavam-se cada vez mais
protagonistas do carnaval do Rio de Janeiro. Com elas, as camadas populares
passavam ao protagonismo da cultura nacional brasileira assumindo a tarefa de
recontar, sob a ótica popular, a história do Brasil.
42
52
Mais adiante falaremos especificamente destas estratégias.
44
historicamente uma relação vital para que o samba continue a se manter como
uma manifestação de cultura popular até hoje: a relação entre o samba, o
sambista e a indústria cultural.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
3
O samba, o sambista e a indústria cultural
vezes a relação entre estes três elementos, que compõem o tripé de uma das
mais significativas manifestações da cultura popular brasileira, é dotada da mais
forte tensão. Primeiramente porque a expressão samba, como já afirmamos no
capítulo anterior, pode conter em si diversos significados; em segundo lugar,
porque, julgando-se par natural do samba, o sambista tem uma leitura própria,
muito particular, do que seja samba e do que ele representa para a cultura
popular; por fim, porque, para a indústria cultural, o samba é uma mercadoria, e,
como tal, precisa de mercado, e para alcançá-lo mais amplamente, ela
incorporará a ele aquilo que julgar necessário. Talvez aí esteja o maior foco das
tensões estabelecidas nesta relação: nem sempre é o sambista quem determina
aquilo que será incorporado, o que lhe causa certa estranheza, muito embora,
várias vezes ele mesmo se beneficie destas incorporações.
Como já afirmamos, a expressão samba, para nós, significa mais do que
um gênero musical significa “evento”, que reúne em torno de si diversas
manifestações, entre elas a escola de samba, o desfile e, por último, um dos
desdobramentos do gênero musical samba, o “samba-enredo”. É neste último
que todas as tensões vão acontecer, desde sua preparação, que se inicia ao
término do desfile, até o concurso seguinte. Vale recordar um episódio muito
marcante vivido pela escola de samba Portela no ano de 2005 quando, por
diversos problemas técnicos, os dois últimos carros alegóricos e a Velha Guarda
foram impedidos de desfilarem, por ordem do presidente da agremiação.
46
Tal atitude teve como justificativa o fato de ser um esforço técnico para
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
53
Folha de São Paulo. 08 de fevereiro de 2005.
47
3.1.
O samba
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
54
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente, p. 132
48
O samba do GRES Império Serrano possui uma letra tão simples e objetiva,
quanto o primeiro (da Unidos da Tijuca), entretanto o segundo já apresenta uma
visível subordinação ao enredo. Hoje alguns sambas são dotados de tanta
subjetividade, que mal o compreendemos, muito embora ele esteja
completamente subordinado à proposta de tema da agremiação. A questão que
nos parece relevante é perceber a relação íntima que a musica apresenta com
seu par o enredo, e com a proposta do desfile. Começa a ficar muito claro que
ele deve elucidar, mesmo que ainda de forma “simples” aquilo que a escola
pretende apresentar em seu desfile. Mas o que nos parece ser ainda mais
relevante, é a ligação entre todos esses fatores e o contexto histórico da década
de 1940.
Iniciado em 1937, mas com raízes que estão ligadas ao movimento de
1930, o chamado Estado Novo objetiva entre outras questões, refundar o Brasil
em uma matriz híbrida apontando, como já afirmamos no capítulo anterior, à
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Se o brasileiro gosta de samba (um ritmo que passa a ser visto como
puro) é porque ‘sempre foi assim’, ou ‘é da natureza brasileira o gosto pelo
samba’. A autenticidade fabricada do samba (que para existir precisa
escamotear esse seu caráter fabricado) torna eterna uma música criada
recentemente.57
Que a censura na ‘era Vargas’ foi um caso sério, não se discute. Que o
DIP tenha interferido profundamente nas manifestações da cultura
brasileira, também não (...). A exigência nos regulamentos de temas
nacionalistas, não partiu do DIP – está muito mais ligada aos próprios
sambistas que a uma imposição do governo. Em 1938 o primeiro artigo
proposto pela União das Escolas de Samba dizia o seguinte: ‘De acordo
com a música nacional, as escolas de samba poderão apresentar os seus
enredos no carnaval, por ocasião dos préstitos, com carros alegóricos ou
carretas, assim como não serão permitidas histórias internacionais em
sonhos ou imaginação.58
57
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba, p.162
58
MUSSA, Alberto. Sambas de enredo: história e arte, p. 52
51
este instrumento. Ele se faz valer dessa dada realidade para transformá-la num
instrumento que, de alguma forma, opere em seu favor. É inegável que a relação
foi bastante proveitosa para o samba, que saía do gueto para se transformar em
símbolo nacional. O intenso jogo de interesses, que permanece ao longo do final
da década de 1940 e durante quase toda a década de 1950, envolve
praticamente todas as agremiações. Curiosamente, o que fora sugerido pelo
regulamento de 1938 tornava-se obrigatório, de forma explícita, em 1947, já
durante o período democrático.
Vale ainda ressaltar que tal obrigatoriedade de uso dos temas nacionais só
foi extinta em 1997. Para ilustrar a presença desta relação, observemos a tabela
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
abaixo60:
59
AUGRAS, Monique. A ordem na desordem. Appud Silva e Oliveira F°, p. 73
60
Nos anos de 1949, 1950 e 1951 houveram dois desfiles, os considerados
extraoficiais foram vencidos respectivamente por Mangueira em 1949 e 1950, com os
respectivos enredos “Apoteose ao mestre” e “Saúde, lavoura, transporte e educação”, e
Portela em 1951 com o enredo “ A volta do filho pródigo”. Além disso, não houve
concurso em 1952.
52
61
Trataremos mais adiante deste fenômeno.
53
62
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira, p.299.
54
também de oito versos – que passou a ser chamado ‘refrão principal’, dada
a sua quase obrigatoriedade. Esse refrão principal, via de regra, tem como
função ‘levantar a avenida’, mencionando de forma entusiástica o nome da
escola, às vezes fugindo completamente do enredo.63
63
MUSSA, Alberto e SIMAS, Luis Antonio. Samba de enredo, p. 117
55
64
História das Escolas de Samba, vol. 3,1976.
65
AUGRAS, Monique. O Brasil do samba enredo. Rio de Janeiro: Editora FGV,
1998.
56
É claro que esta relação muito próxima com o Estado e seus interesses
também trazia problemas. Monique Augras no seu texto A ordem na desordem:
A regulamentação do desfile das escolas de samba e a exigência de "motivos
nacionais" nos recorda o episódio ocorrido com a Vizinha Faladeira, que fora
eliminada no concurso de 1939 por apresentar como enredo uma “lenda”:
Branca de Neve. Esta relação sempre se manteve no limite entre a troca de
favores e interesses e o controle. Tanto que no início dos anos 1940 a comissão
julgadora do carnaval era nomeada pelo secretário geral de administração da
prefeitura do Distrito Federal.
Hoje, em tempos de “cidade do samba”, as escolas funcionam como
empresas, sendo responsáveis direta e indiretamente por uma parcela, cada vez
mais significativa, do mercado de trabalho. Já consolidadas como protagonistas
do carnaval, como símbolos de cultura popular e como espaço de fala e
reconhecimento da própria cultura popular, a empreitada é consolidar-se como
mercadoria valorosa na indústria do entretenimento. Não há mais espaço para o
amadorismo, a busca pela perfeição associa-se à ideia de cumprimento de
regras. As escolas são instituições profissionais. Curiosamente, aquelas que não
se adequam a esta nova realidade são postas para trás, o que na prática
significa ficar de fora do seleto grupo das escolas de samba do grupo especial,
organizadas pela LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de
66
Manual do Julgador. LIESA. 2011.
57
67
Bum bum paticumbum, prugurundum - Beto Sem Braço e Aluisio Machado.
GRES Império Serrano, 1982.
68
Fonte: www.liesa.globo.com
69
Em 2012 serão 13 agremiações em função do incêndio ocorrido em 2011 que
levou a LIESA a suspender o descenso. Entretanto, no ano de 2012 cairão duas
agremiações.
58
70
Fonte: www.lesga.org
71
Fonte: www.aescrj.com.br
59
3.2.
O sambista
origens cada vez mais diversas. Que passaram a desempenhar funções distintas
dentro da escola, e, na medida em que a organização do desfile se tornava cada
vez mais complexa, mais elementos se juntavam aos chamados “sambistas”.
Quando, nos anos 60, um grupo de personalidades, ligadas à Escola de
Belas Artes, produziu uma verdadeira revolução no que tange às inovações
plásticas e temáticas nos enredos da Acadêmicos do Salgueiro, o universo do
carnaval via o início de mais uma etapa de uma trajetória que traria as escolas
de samba ao lugar onde hoje estão. Como então, negar, a contribuição
fundamental dada por estas personagens ao carnaval, e mais precisamente as
escolas de samba? Dessa forma é preciso ressignificar a expressão sambista.
Muito se deve a estes novos elementos e muitos dos chamados sambistas
tradicionais ocupam lugar de destaque no universo cultural brasileiro graças ao
gigantismo e a projeção dada a eles pela grandiosidade do espetáculo produzido
por estes carnavalescos. O fato é que tais inovações trazidas por estes
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
próprio desfile.
Se no início da jornada das escolas de samba, nos anos de 1930/40,
quando esta festividade/disputa entrou no calendário do carnaval carioca, o
espaço, o canto, a dança, ou melhor, o individuo era o centro da celebração,
hoje o todo, o coletivo prepondera. Cremos que um grande e interessante
exemplo gira em torno da figura do destaque. Na atualidade, o destaque compõe
o todo de um carro alegórico, ele está inserido na alegoria que o carro
representa. Logo, não traz em si a alegoria, é parte dela. Com isso, sua
presença parece ser diminuta se comparada ao papel por ela desempenhado há
algumas décadas. Mas esta visão é equivocada pois, ao compor o todo, não se
invisibiliza, ao contrário, sua presença na alegoria é tão importante quanto os
possíveis efeitos produzidos nesta mesma alegoria. A ausência do destaque no
carro alegórico leva inclusive, a escola a ser penalizada. Entretanto, já vimos,
por diversas vezes ocorrer uma substituição, por alguma razão, por um
integrante da ala ligada ao carro. Se a escola não foi penalizada por contar com
todos no carro, o efeito da alegoria foi diminuído e a penalização pode ocorrer de
qualquer forma. Antes, o destaque era a própria alegoria. Em tempos de carros
menores, alegorias de mão, a figura imponente do destaque, que vinha no chão,
com sua exuberante fantasia, trazia em si a representação alegórica que ajudava
na compreensão do enredo. Ele era o centro das atenções, por isso vinha
sozinho cercado de importância e símbolo. O que talvez tenha causado maior
73
Refiro-me aqui a obra Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile - Mec/Funarte
63
Ela não existe. Os carnavalescos têm que engolir porque velha guarda é
velha guarda e baiana é baiana. Mas já tentaram tirar às senhoras da ala
alegando que não aguentavam o peso das fantasias. O convívio do
carnavalesco com a velha guarda é que eles acham que a velha guarda
atrasa o desfile, tanto que tiraram a velha guarda da comissão de frente e
do fim do desfile, botaram no meio para ser empurrada. Dizer que a
convivência é pacífica é mentira!74
74
Jandyr Antunes e Jayme Machado. Entrevista concedida ao autor.
64
proteção das afamadas baianas da Pequena África. Esta ala mantém presente
também o aspecto ritualístico religioso de matriz afrodescendente (umbanda e
candomblé), tão íntimo ao carnaval das escolas de samba. Junto com a Velha
Guarda, elas representam o sagrado. São tão importantes que uma escola não
pode prescindir de tê-las, sob o peso da penalidade. Há inclusive um número
mínimo de baianas estabelecido pelo regulamento da Liga Independente das
Escolas de Samba. Como equilibrar esta equação entre a tradição e o visual?
Alguns carnavalescos encontram solução na criação de fantasias que utilizam
materiais mais leves permitindo a participação das matriarcas da ala e realização
da gira, coreografia obrigatória das baianas. Além disso, algumas escolas
optaram por posicionar as baianas mais à frente, não sem a oposição ferrenha
dos setores mais tradicionais:
75
Jandyr Antunes e Jayme Machado. Entrevista concedida ao autor.
76
CAVALCANTI. Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca: dos bastidores
ao desfile, p. 52.
65
Pamplona foi responsável, junto com sua equipe, por inovações que irão
mudar vertiginosamente a estrutura do desfile das escolas de samba. Com ele, a
figura do carnavalesco tornou-se parte integrante da escola, participando da
concepção e da organização do desfile. Curiosamente, a chegada destes
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
79
Jandyr Antunes e, Jayme Machado. Entrevista concedida ao autor.
80
Entrevista concedida por Fernando Pamplona a Bruno Fillipo. Crédito: O Dia na
Folia. www.odiaonline.com.br
67
Esta posição tem como argumento central o fato de que tais profissionais não
possuem ligação com a escola e que são contratados a peso de ouro e que por
um peso maior podem trocar uma escola por outra.
Tudo isto é verdade e relevante, mas mesmo após ter sido campeão pela
Viradouro e passado por outras escolas, a figura de Joãozinho Trinta ainda não
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
81
Paulinho da Viola. In. Suplemento especial - O correio brasiliense - 22 de janeiro
de 1978.
68
82
Trecho retirado do portal: ”O Terminal Carnavalesco”
83
CAVALCANTI. Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca: dos bastidores
ao desfile, p. 61
69
84
Entrevista concedida por Fernando Pamplona a Bruno Fillipo. Crédito: O Dia na
Folia. www.odiaonline.com.br
85
A atual quadra da escola, localiza-se em frente a antiga estação de trem da
Leopoldina, na Avenida Francisco Bicalho.
86
Entendemos aqui turista, não necessariamente como alguém que vem de fora
do estado ou do país. Há muitos componentes que vem de longe mas que construíram
um enorme laço de afinidade com a escola, e acaba desfilando como um componente
local. O turista, para nós é aquele indivíduo que compra a sua fantasia, se embebeda e
passa o desfile inteiro fazendo tudo, menos desfilar.
70
87
A Beija Flor esta localizada no município de Nilópolis, baixada fluminense.
88
Trataremos melhor deste assunto no próximo capítulo.
71
grupo que em sua maioria retornou à Portela após a vitória eleitoral do atual
presidente. De qualquer forma, foram estes patronos ou presidentes de honra
que deram a partida para este novo modelo de carnaval, que tem na figura do
carnavalesco a personagem principal, o protagonista, pelo menos durante a
preparação do desfile. Vale lembrar que a Liga Independente das Escolas de
Samba foi fundada a partir da dissidência de dez das maiores escolas de
sambas do Rio de Janeiro: Acadêmicos do Salgueiro, Beija-Flor de Nilópolis,
Caprichosos de Pilares, Estação Primeira de Mangueira, Imperatriz
Leopoldinense, Império Serrano, Mocidade Independente de Padre Miguel,
Portela, União da Ilha do Governador e Unidos de Vila Isabel. Interessados em
impor um conjunto de mudanças que objetivavam modernizar o desfile, estes
presidentes, liderados pelo então presidente da Mocidade Independente, Castor
de Andrade, criaram o primeiro esboço de estatuto (escrito pelo advogado
Randolfo Gomes) da LIESA.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
89
http://liesa.globo.com/2012/por/02-liesa/02-liesa_principal.htm
72
vezes substituídos por parentes, davam a sua escola, sua feição. Vejamos a fala
de Paulinho de Andrade, filho de Castor de Andrade, numa entrevista a Maria
Laura:
90
CAVALCANTI. Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca: dos bastidores
ao desfile, p. 70/71
73
3.3.
A indústria cultural
91
Referimo-nos a dialética negativa, desenvolvida por Adorno em sua obra,
Negative Dialectics (London: Routledge e Kegan Paul, 1973.).
92
Alguns modelos contemporâneos de administração de escolas de samba a
figura do patrono é substituído por um elemento pertencente historicamente à escola e
que chega a presidência via eleição.
93
T. W. Adorno, Os Pensadores. Textos escolhidos, “Conceito de Iluminismo”.
Nova Cultural, 1999.
74
estender para outras faixas de consumo, como por exemplo, a classe média94,
melhor. Daí os investimentos para, do ponto de vista do consumo, transformar a
produção cultural em um produto transclassista. Ora, na sociedade industrial
típica do século XX (que se difere do século XIX e do XXI) na qual a velocidade
da informação assume papel fundamental para a concepção da própria
materialidade da cultura, é possível que haja uma tendência quase natural a se
valorar mercadologicamente inclusive a produção cultural. Para alguns autores,
há na realidade um deslocamento da qualidade para o paradigma do consumo:
94
Entendemos aqui, que as camadas populares são de fato consumidoras, mas
que para a lógica do mercado quanto maior for o mercado melhor.
95
COSTA, Alda Cristina Silva da e outros. Movendo ideia, p.13. Junho de 2003.
96
Op. Cit. p.14
75
97
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER,Max. Dialética do esclarecimento:
.
fragmentos filosófico,. p.123
76
dia ou então a relação é tão cruel que tal crueldade não se dá por conta das
naturais relações de exploração capitalista, mas por uma espécie de psicopatia
lombrosiana da personagem. Mas esta também não é uma verdade absoluta, e,
curiosamente, no caso específico das produções populares, o diálogo se dá de
forma bem diferente. É claro que, por conta desta possibilidade, esta produção
passa a ter contato diverso e precisa ressignificar seus conteúdos à luz deste
novo diálogo, desta nova correlação de forças, desta nova dinâmica estabelecida
na relação capital/trabalho:
98
SILVA, Anna Paula de Oliveira Mattos; DINIZ, Júlio Cesar Valladão. Pindorama,
onde o samba é mais puro: o discurso da tradição na política, na crítica e no mercado
musical brasileiro, p.49.
99
Refiro-me aqui à ideia de samba de raiz popularmente veiculada para apontar
uma produção musical sem as interferências dos tempos presentes.
77
100
FENERICK, José Adriano. Nem do morro nem da cidade: as transformações do
samba e a indústria cultural (1920-1945), p. 139/40
78
101
Discutiremos mais profundamente esta questão no próximo capítulo.
102
Op.Cit. p.146
79
assinado em 1932 pelo então presidente provisório do Brasil, Getúlio Vargas. Tal
decreto permitia a divulgação de propaganda pelo rádio, ajudando a
profissionalizar este veículo de transmissão de informação e entretenimento.
Este fato foi benéfico a diversos setores. Aliás, cumpre lembrar que o Presidente
Vargas vai utilizá-lo amplamente para as propagandas oficiais do Estado,
principalmente a partir da criação da “Hora do Brasil”.
Este momento tem um protagonista, Ademar Casé, considerados por
muitos como o primeiro radialista profissional do Brasil. Casé trabalhava na
Rádio Philips do Brasil, que, segundo Fenerick, havia sido fundada para
“aumentar a venda de seus aparelhos receptores domésticos”103. A experiência
de Casé como radialista aponta um fenômeno bastante interessante: a
preferência pela música popular. Graças à dinâmica proporcionada pela entrada
da propaganda, descortinou-se uma série de programas de rádio. O programa
de Casé, iniciado em meados da década de 1920, dividia-se em duas partes de
duas horas cada. O acesso do ouvinte feito, já naquela época, por telefone, era
muito maior nas primeiras duas horas em que só se tocava música popular,
principalmente sambas. Isso provocou, mais tarde, uma mudança de
programação: tocava-se apenas músicas populares. O fato preponderante que
nos interessa é que, à medida que as “ondas do rádio” avançavam, o samba se
popularizou ainda mais, exigindo uma produção em série ainda maior e dando
mais notoriedade aos compositores. É fato também que esta popularização fez
103
Op.Cit. p.168
80
com que cada vez mais entrassem no universo do samba compositores oriundos
de segmentos sociais mais diversos. O samba mantinha o seu telhado amplo,
que, como já dissemos, abrigava muita gente, de muitos lugares.
Alguns autores vão apontar neste fenômeno mais um passo no processo
de domesticação do sambista, o que não é inverdade. A profissionalização do
rádio exigiu-lhe uma postura profissional. Se a autoria obrigou-o a abandonar,
em parte, seu senso de coletividade – dizemos em parte por que este senso
ainda está presente, em maior ou menor escala, ma relação entre sambistas – a
divulgação do rádio exigiu uma conduta profissional diferente da figura do
malandro, daí alguns autores se utilizarem da expressão “o malandro
regenerado”:
(...) Mas o malandro pra valer/, não espalha/, aposentou a navalha,/ tem
mulher e filho/ e tralha e tal./ dizem as más línguas/ que ele até trabalha,/
mora lá longe chacoalha/ num trem da central (...)104
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Mas não nos faltam histórias que apontam certa dificuldade na relação
entre o sambista e a exigência de profissionalização. Fenerick transcreve parte
de um depoimento do próprio Casé acerca das dificuldades com o sambista Noel
Rosa:
104
“Homenagem ao Malandro”. Chico Buarque de Holanda, 1977/1978. Ópera do
Malandro.
105
Ademar Casé in, CASÉ, R. Programa Casé:o rádio começa aqui. Rio de
Janeiro: Mauad, 1995. p. 56/57. appud, FENERICK, José Adriano. Nem do morro nem
da cidade: as transformações do samba e a indústria cultural (1920-1945), p. 172.
81
apresentação, aos poucos as rádios foram montando seu grupo de fixos. Esta
modalidade inseriu definitivamente, mas não totalmente, o sambista no mundo
do trabalho. Importante ainda ressaltar que a “época de ouro do rádio” se dá
durante a primazia da afamada Rádio Nacional. Fundada em 1936, ela vai se
tornar símbolo deste poderoso instrumento de difusão de cultura e informação.
Entretanto, vale dizer que, se por um lado a popularização do rádio foi um
poderoso instrumento para alavancar o samba à qualidade de símbolo nacional,
atendendo, como já dissemos, aos interesses da indústria cultural, do Estado e
do próprio sambista, também é verdade que o número de artistas negros que
tinham uma posição de destaque no universo radiofônico era muito pequena. O
sambista negro, do morro ou do subúrbio, compositor, via seu produto ganhar
notoriedade, mas quase sempre sendo interpretado por uma artista branco,
vestido a rigor, como, por exemplo, Francisco Alves que, segundo Carlos
Sandroni, foi o maior veículo da difusão do samba carioca no início do século:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Lenço no pescoço107
106
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente, p. 187
107
Wilson Batista, 1933.
82
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
E eles tocam
E você canta
E eu não dou
Rapaz Folgado108
108
Noel Rosa, 1933.
83
109
Sob a forma de flash, a TV Continental já transmitiam pedaços do desfile nos
anos de 1960.
110
Aconselhamos para um aprofundamento destas questões a leitura da
dissertação de mestrado de Gomes, Antonio Henrique de Castilho. As transformações do
samba enredo: entre a crise e a polêmica. Orientador: Júlio Cesar Valladão Diniz. PUC-
Rio.
84
ponto da Marquês de Sapucaí, o que leva cerca de meia hora. Até lá, as
imagens se repetem: comissão de frente, carro abre-alas e o início do
desfile não cansam de ser mostrados pelas câmeras (...)A emissora
também vacilou em questões técnicas. Várias vezes os narradores
comentavam uma ala que não era a mesma focalizada no vídeo. As
correções foram frequentes.111
111
Observatório da Imprensa - Raphael Perret. 2005.
112
Eliakim Araújo - Publicado originalmente no site Comunique-se em 12 de
janeiro de 2005
113
Ivo Lucchesi - Publicado originalmente no Observatório da Imprensa em 15 de
fevereiro de 2005
85
de 120 países no mundo que necessariamente não querem ver aquilo que um
brasileiro, que se julga um sambista em potencial, gostaria de ver. Esta
transmissão colabora para uma movimentação financeira de cerca de 41 milhões
de reais, segundo dados oficiais. A própria construção do sambódromo impôs
um modelo de desfile verticalizado que exige um esforço televisivo. Se as
transmissões mostram mais celebridades do que anônimos talvez seja por que o
telespectador comum, brasileiro ou não, goste mesmo é de ver celebridades. É
preciso entender também que o gigantismo que as escolas de samba ganharam
fez com que elas mesmas relessem alguns conceitos. Purismos, espaço de
negro, pobre e favelado, não lhes cabem mais, muito embora os sambistas
tradicionais, como já dissemos, ainda sejam a “alma” das escolas, elas se
transformaram numa manifestação híbrida de cultura popular. Utilizando uma
expressão de Edgar Morin, a escola de samba é um fenômeno “polienraizado”.
114
Tutty Vasques - Publicado no site nomínimo em 06 de março de 2003
115
SOUZA, Cássia Helena Glioche Novelli de. SCHMIDT, Beatriz. O desfile das
escolas de samba na televisão: vinte anos de sambódromo. Monografia apresentada
86
propostos pela indústria cultural. O saldo é que, no final, todos (ou pelo menos
quase todos) lucram. Há um preço a ser pago? Claro que há, mas vale a pena
pagá-lo? Cremos que sim. A indústria cultural conseguiu manter as escolas de
samba no protagonismo, não apenas do carnaval carioca, mas as transformou
no maior produto cultural brasileiro, popular e consumido no mundo inteiro. No
próximo capítulo, trataremos de analisar com mais intensidade como as escolas
de samba se foram modificando, transformando, reconfigurando seu discurso,
junto a vários elementos que lhes permitiram tornarem-se protagonistas do maior
espetáculo da terra!
4.1.
As novas exigências do concurso das escolas de samba do Rio de Janeiro
118
Em 1933 o desfile era organizado e financiado pelo jornal “O Globo”.
90
119
ARAÚJO, Hiram. Carnaval: seis milênios de História, p. 230.
120
Op. Cit. p. 232
91
ANO QUANTIDADE
1970 10 agremiações
1971 10 agremiações
1972 12 agremiações
1973 10 agremiações
1974 10 agremiações
1975 12 agremiações
1976 12 agremiações
1977 12 agremiações
1978 10 agremiações
1979 08 agremiações
1980 10 agremiações
1981 10 agremiações
1982 12 agremiações
1983 12 agremiações
123
1984 14 agremiações
121
Carta a Portela.
122
Optamos por apresentar dados a partir da década de 1970. Dados retirados da
obra de Hiram Araújo: Carnaval: seis milênios de história.
123
Neste ano o desfile foi realizado em dois dias. Foi o ano da inauguração do
sambódromo.
92
124
Uma das exceções a esta constância no rebaixamento se deu no ano passado
em função do incêndio na cidade do samba.
93
126
ARAÚJO, Hiram. Carnaval: seis milênios de História, p. 188.
95
É bem verdade que, entra ano e sai ano, os problemas com o exagero no
tamanho dos carros alegóricos causam prejuízos às escolas.
O concurso profissionalizou-se, as escolas não puderam mais errar. Para
chegar ao título, elas devem realizar um carnaval impecável aos olhos dos
jurados, que não estão preocupados com a emoção, mas com rígidos critérios
técnicos que definem a vencedora. Os regulamentos, presentes desde o início
dos concursos, tornaram-se, por razões diversas, cada vez mais exigentes. Há
quem critique, há quem elogie, mas a organização dos desfiles, principalmente a
partir da fundação da LIESA e da inauguração do sambódromo, fez com que o
carnaval das escolas de samba se tornasse cada vez maior e mais importante.
Alguns pontos do regulamento, que pode sofrer pequenas modificações de ano
para ano, sempre com a concordância de todas as agremiações, existem há
muito tempo. Hoje ele foi ampliado e trata desde questões relativas à
organização do desfile, bem como de questões pertinentes às obrigações que
cabem às escolas, à LIESA e até mesmo à prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro.
127
Regulamento dos desfiles das escolas de samba do grupo especial - 2012.
www.liesa.globo.com p.3
128
Op. Cit. p.7.
97
Artigo 26.
Além de outros deveres expressos no presente Regulamento, cada Escola
de Samba tem a obrigatoriedade de:
(...) II - desfilar com, no mínimo, 70 (setenta) Baianas agrupadas;
III - impedir a presença de pessoas do sexo masculino na Ala de Baianas,
exceto Diretores, desde que estes não estejam com a mesma fantasia da
Ala em questão(...)129
Seu Coração", fazia uma clara alusão a uma determinada fábrica de cerveja e
seu camarote, vejamos o que nos diz o regulamento ainda no artigo 26:
132
Manual do Julgador da LIESA – 2012. www.liesa.globo.com p.2
99
133
Manual do julgador da LIESA – 2012, p.26
134
Estamos utilizando o ano de 2011 por que, quando este trabalho foi escrito, as
justificativas do ano de 2012 ainda não estavam disponíveis ao público.
135
Caderno de justificativas dos julgadores 2011. www.liesa.globo.com
100
136
Op. Cit.
137
Op. Cit.
101
Modulo 1
Esbanjou ousadia e criatividade no desfile. No entanto, um desfile
completo compreende outros aspectos. Lamentavelmente o final do desfile
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
138
www.veja.abri.com.br - 09/03/201
139
Caderno de justificativas dos julgadores 2011. LIESA.
103
Bruno Fillipo – Mas, do ponto de vista estético, Paulo Barros não é uma
grande novidade?
Fernando Pamplona - Sim. Depois do Fernando Pinto, do Joãosinho Trinta,
da Rosa Magalhães, do Max Lopes e do Renato Lage, o Paulo Barros foi a
grande inovação do carnaval do rio, a única coisa boa que apareceu nos
últimos tempos. Ele se renova constantemente. Mas repito: ele não serve à
escola. Se a escola vier bem ou se vier mal, tanto faz, o que importa é que
ele venha bem. Agora, ele não é original. Antes dele, outro carnavalesco
fazia isso.
não contribui para uma escola de samba ser mais escola de samba. Ou
seja: é uma marca pessoal.140
140
Pamplona: o revolucionário tradicional. Entrevista concedida a Bruno Fillipo.
Crédito: O Dia na folia. www.odiaonline.com.br
104
4.2.
As novas superescolas de samba
141
Bum bum praticundum prugurundum. Beto Sem Braço e Aluísio Machado.
GRES Império Serrano. 1982.
105
142
Manual PRONAC. In: http://www.cultura.gov.br
143
O que é a Lei Estadual de Incentivo a Cultura. In: http://www.cultura.rj.gov.br
106
144
Regulamento para o desfile das escolas de samba do grupo especial – LIESA,
2012.
145
Referimo-nos aqui a prisão de nomes supostamente ligados ao jogo do bicho
que eram “patronos” de algumas agremiações.
107
148
A Universidade Estácio de Sá, numa parceria com a própria LIESA, foi pioneira
nesta empreitada.
149
Alexandre Pereira Brittes. Entrevista concedida ao autor.
109
150
Este trabalho foi organizado por Carla Alves Lopes, Maria Cecília Bezerra
Tavares Malafaia e José Carlos Vinhais e apresentado no SEGeT – Associação
Educacional Dom Bosco.
151
Fernando Pamplona: Carnavalesco. Entrevista concedida ao site “O
batuque.com”, em 23 de novembro de 2004.
110
vezes há também uma espécie busca de uma suposta identidade, não que isto
invalide a questão econômica, apenas reforça o próprio tema escolhido como,
por exemplo, o enredo de 2012 da GRES Unidos de Vila Isabel, cujo tema era
“Você semba lá... que eu sambo cá! O canto livre de Angola”. Como o próprio
samba enredo diz: “Vibra oh minha vila, a sua alma tem negra vocação. Somos a
pura raiz do samba. Bate meu peito à sua pulsação, incorpora outra vez
Kizomba e segue na missão”152, a escola fazia memória a sua suposta negra
raiz, bem como no fascinante enredo do ano de 1988, “Kizomba: a festa da
raça”, primeiro título da agremiação que a colocava, definitivamente, entre as
grandes do carnaval carioca. A mesma Vila, no ano de 2006 tornar-se-ia
novamente campeã com o enredo, “Soy loco por ti América, a Vila canta a
latinidade”. Este enredo lhe garantiu um aporte financeiro da PDVSA, empresa
petrolífera estatal venezuelana. Tornou-se bastante comuns os enredos
comerciais sobre lugares. Eis alguns exemplos:153
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
2004
"A cana que aqui se planta tudo dá, até GRES Acadêmicos do Salgueiro
energia... Álcool, o combustível do
futuro"
"Manôa, Manaus, Amazônia, Terra GRES Beija Flor
Santa... Que alimenta o corpo,
equilibra a alma e transmite a paz"
2005
"Mangueira energiza a Avenida. GRES Estação Primeira de Mangueira
Carnaval é pura energia e a energia é
o nosso desafio"
"Nós podemos: oito ideias para mudar GRES Portela
o mundo"
"Alimentar o corpo e alma faz bem" GRES Acadêmicos do Grande Rio
2006
“Poços de Caldas: Derrama Sobre a GRES Beija Flor
Terra Suas Águas Milagrosas – Do
Caos Inicial,
à explosão da Vida – Água – a Nave-
Mãe da Existência”
“Na folia com o Espírito Santo, o GRES Caprichosos de Pilares
Espírito Santo caprichou!”
2007
“Caxias - O Caminho do progresso, um GRES Acadêmicos do Grande Rio
Retrato do Brasil.”
152
“Você semba lá... que eu sambo cá! O canto livre de Angola”. Arlindo Cruz,
André Diniz, Evandro Bocão, Leonel e Artur das Ferragens. GRES Unidos de Vila Isabel.
153
Optamos por selecionar alguns enredos a partir do ano de 2004. Entretanto
cumpre-se dizer que esta prática é anterior a esta data, começando a se tornar mais
comum nos anos 1980. A fonte desta relação é a própria Liga Independente das Escolas
de Samba do Rio de janeiro.
112
2008
“100 anos do Frevo, é de perder o GRES Estação Primeira de Mangueira
sapato. Recife mandou me chamar”
2009
“Vira-Bahia, pura energia!” GRES Acadêmicos do Viradouro
Voila, Caxias! para sempre. Liberté, GRES Acadêmicos do Grande Rio
Egalité, Fraternité, Merci beaucoup,
Brésil! Não tem de quê”
2010
“Derrubando fronteiras, conquistando GRES Portela
liberdade... Rio de paz em estado de
graça!”
México, o Paraíso das Cores,sob o GRES Acadêmicos do Viradouro
Signo do Sol
Não são apenas lugares que são objeto de enredos cujo objetivo é garantir
financiamento. Há também os enredos que versam sobre empresas ou
atividades econômicas. Entretanto, este tipo de enredo sempre corre o risco de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
seu público. Isto, associado aos shows, feijoadas, eventos e ensaios que
acontecem durante todo o ano, vem tornando a escola economicamente viável, o
que lhe garante a execução de um carnaval que beira a perfeição, permitindo-lhe
figurar entre as principais escolas do grupo de acesso. Além disso, a escola tem
um departamento de marketing que lança de forma profissional seus enredos,
muito antes de eles serem divulgados oficialmente pela LIESA.
Outra estratégia bem interessante para possuir uma fonte de recursos que
garanta a sustentabilidade, é a ideia de associado. As escolas sempre
possuíram sócios, mas a relação entre a instituição e o seu quadro social
sempre foi significativamente amadora. Não havia, pelo menos com constância e
profissionalismo, uma política que garantisse ao associado algumas vantagens e
que o incentivasse a manter o pagamento, ou contribuição, em dia. Além disso,
algumas escolas conseguiram transformar suas quadras em verdadeiras casas
de espetáculo, com atividades lucrativas ao longo de todo o ano, o que as
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
154
Notícias. In: http://www.gresunidosdevilaisabel.com.br
115
4.3.
O novo conceito de comunidade: entre o afeto e a territorialidade.
157
Notícias. In: http://www.beija-flor.com.br
117
158
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade, p. 48/49.
159
SIMMEL, George. Filosofia do amor, p. 113.
118
Os indivíduos estão ligados uns aos outros pela influência mútua que
exercem entre si e pela determinação recíproca que exercem uns sobre os
outros161
160
Stuart Hall, Appud. SCHWARZ, B. Conservatism, nationalism and imperialism.
In Donald, J. e Hall, S. (Org.), Politics and Ideology, p.106.
161
SIMMEL, G. Questões fundamentais da Sociologia: indivíduo e sociedade,
p.17.
162
PAVÃO, Fábio de Oliveira; LEOPOLDI, José Sávio. Uma comunidade em
transformação: modernidade organização e conflito nas escolas de samba. Dissertação
de Mestrado. Departamento de Antropologia, UFF. 2005.
119
separados cotidianamente por questões geográficas e sociais, mas que, por uma
razão ou outra, identificam-se com aquela escola.
Este hibridismo presente na construção dessa nova ideia de comunidade
que circunda uma dada agremiação está visceralmente ligado ao processo de
popularização e de alargamento das fronteiras de consumo pelos quais passou o
desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Essa construção imaginada de
comunidade passa necessariamente pela ideia de difusão presente na obra de
Benedict Anderson, que aponta para a importância da descoberta/invenção da
imprensa como elemento que possibilitará uma espécie de aproximação pautada
na horizontalidade:
163
ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem
e a difusão do nacionalismo, p. 71.
164
WEBER, Max. Conceitos básicos de Sociologia. São Paulo: Editora Moraes,
1987.
120
logrando resultados cada vez mais significativos são aquelas que fizeram um
movimento de retorno à comunidade, não mais aquela geográfica, mas a um tipo
de comunidade constituída por elementos que possuem um elo afetivo e que
escolheram, por uma razão ou outra, ser determinada escola. Como vimos no
item anterior, com o exemplo da GRES Unidos de Vila Isabel, há uma
preocupação latente nas escolas em aliar-se com suas comunidades, buscando
um processo de fidelização que produzirá um efeito positivo no desfile.
Obviamente a comunidade da Vila Isabel, transcende o morro dos Macacos e o
morro do Pau da Bandeira, e alcança regiões geográficas distantes da Vila de
Noel. Este fenômeno ocorre naturalmente em todas as escolas, inclusive nas
agremiações mais jovens:
165
ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem
e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.
166
Este ano a GRES União da Ilha do Governador foi penalizada em vários
quesitos porque suas fantasias estavam muito pesadas comprometendo, entre outros
aspectos a harmonia e o conjunto.
167
Alexandre Brittes. Entrevista concedida ao autor.
121
Ora, este fenômeno se explica por esta eletividade pautada pelo afeto que
baliza a organização das novas comunidades. Quando o Diretor Geral de
Harmonia da GRES Renascer de Jacarepaguá afirma que o componente que
não mora na circunvizinhança da escola esta lá todo dia, isto se explica por dois
motivos fundamentais. Primeiro porque sua escolha faz com que ele queira estar
lá, presenciar os eventos que a escola produz. Segundo porque em todas as
escolas, principalmente naquelas em que o número das chamadas alas da
comunidade são superiores às chamadas alas comerciais, o que configura a
responsabilidade do membro da comunidade, é, entre outras coisas, a
participação, nos diversos ensaios que são promovidos. Ou seja, para o
indivíduo ser aceito como membro que vai desfilar em uma das chamadas alas
da comunidade, é preciso que ele mantenha uma frequência semanal nos
desfiles. Mesmo mudando de escola para escola, sempre há um limite mínimo
de faltas para que o componente receba gratuitamente sua fantasia. Essas alas,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
168
Atualmente a GRES Tradição, desfila no grupo de acesso B, tendo ficado neste
ano em quinto lugar. Cabe ressaltar que para o ano de 2013 a prefeitura fundiu os
grupos A e B, criando o chamado grupo de ouro.
123
Hoje não tem mais espaço para amadorismo no carnaval, mas tem muito
espaço para quem gosta de trabalhar. Tem que cair dentro. Hoje ainda é
muito trabalho. A remuneração é razoável é muito trabalho (...) Então eu
vejo isto: hoje é tudo profissional, eu vejo um mercado ainda pouco
explorado, as pessoas não acreditam que o samba sustenta uma família, e
sustenta. Um profissional do samba hoje pode ter um salário razoável,
melhor que no mercado. Tem professores trabalhando comigo,
profissionais da administração vindo trabalhar no carnaval, saindo de
empresa tradicional e vindo para a empresa carnaval(...)169
169
Op.Cit.
170
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, p. 12/13
125
escolha que fazemos, pautada neste afeto e que não é necessariamente natural
– é construída a partir da identificação de uma espécie de lugar comum, de
pertencimento, dialoga constantemente com outra comunidade muito mais
abrangente que é a comunidade que representa o universo do samba.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
5
Conclusão
173
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no renascimento – o
contexto de François Rabellais. São Paulo/Brasilia: Editora da UNB, 1993.
174
BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Schwarcz,
1995.
128
175
CAMPOS, Antonio. Um raro registro musical no Rio de Janeiro em 1640.
http://www.movimento.com
129
Outra questão relevante que esperamos ter conseguido tornar claro é que,
ao admitir que outras falas se fazem presentes no universo do samba, estamos
propondo que estas outras não ocupam o lugar da interlocução. Elas não falam
pelas categorias que representam o espaço da tradição, ao contrário, há uma
relação dialógica entre todas estas vozes. Desta feita, concluímos que quando
elementos ligados à academia adentraram no universo do samba e realizaram
um revolução estética, eles não se tornaram protagonistas do espetáculo.
Entendemos que estes indivíduos se transformaram, no máximo, em mediadores
entre o novo e o tradicional. O protagonismo ainda cabe a segmentos muito mais
ligados à tradição do que se crê. Ritmistas, compositores, mestres de bateria,
baianas, velhas guardas, e tantos outros setores ainda são e o serão por muito
mais tempo os grandes atores deste espetáculo a céu aberto. Se a técnica e a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
possibilita um novo olhar para o universo das relações que se desenrolam neste
universo, pois na medida em que estabelecemos o afeto como paradigma para
uma voluntária inserção dentro de uma agremiação carnavalesca, permitimo-
nos afirmar que, mesmo oriundos de universos bem distantes das comunidades
tradicionais do samba, o carnavalesco, ou qualquer outro elemento pode-se
inserir e contribuir para que a escola permaneça alargando suas possibilidades
discursivas e de representação de uma dada cultura. Esta leitura particular
acerca da comunidade e da relação entre estes novos elementos e os
segmentos mais tradicionais nos permite concluir que, seguindo os passos de
Hall, há um deslocamento da noção de identidade do sambista. O que
concluímos é que há uma dupla noção de identidade que se desloca dentro do
indivíduo: uma, como pontuamos, é aquela que está relacionada a sua opção
por uma agremiação e sua fidelidade, nas atividades mais pertinentes ao desfile,
a esta agremiação que ele escolheu por uma sorte de razões; há uma outra, a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
que chamamos de identidade de sambista que faz com que este indivíduo
mantenha relações com todo o universo do samba, e não apenas com sua
escola. Desta forma, quando um carnavalesco sai de uma escola para outra
pode-se muito bem, para além das questões econômicas que hoje são uma
realidade, entender que, naquele momento, há uma preponderância da
identidade de sambista.
6.1.
Livros e periódicos
ARANTES, Antonio Augusto. O Que é Cultura Popular? 11a ed. - São Paulo:
Brasiliense, 1986.
BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática,
1999.
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia. Das
Letras, 1989.
CLIFFORD, James; MARCUS, George. Writing Culture: the poetics and politics
of ethnography. Berkley: University of California Press, 1986.
COSTA, Alda Cristina Silva da et al. Movendo Ideais. Belém, nº 13. Junho de
2003.
DINIZ, Júlio Cesar Valladão et al. (ORG.). Leituras sobre música popular:
reflexões sobre sonoridade e cultura. Rio de janeiro: 7letras, 2008.
2004.
GALVÃO, Walnice Nogueira. “MPB: uma análise ideológica” In: Saco de gatos,
93-119. São Paulo: Duas Cidades, 1976.
MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa – uma biografia. Brasília: UnB,
1990.
MILAN, Betty. Brasil: Os Bastidores do carnaval. São Paulo: Empresa das Artes,
1984.
MUSSA, Alberto; SIMAS Luiz Antonio. Sambas de enredo: história e arte. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. Cacique de Ramos: uma história que deu
samba. Rio de Janeiro: E-papers, 2003.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval Brasileiro: o vivido e o mito. São
Paulo: Brasiliense, 1999.
141
SILVA, Ana Paula de Oliveira Mattos; DINIZ, Júlio Cesar Valladão. Pindorama,
onde o samba é mais puro: o discurso da tradição na política, na crítica e no
mercado musical brasileiro. Rio de Janeiro, 2008. Tese de doutoramento. Dep.
de Letras, PUC-Rio.
SOUZA, Cássia Helena Glioche Novelli de.; SCHMIDT, Beatriz . O desfile das
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
6.2.
Sites
LOPES, Carla Alves; MALAFAIA, Maria Cecília Tavares; VINHAIS, José Carlos.
Administração em escolas de samba: os bastidores do sucesso do carnaval
carioca. SEGet - Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia. Associação
Educacional Dom Bosco In: www.aedb.br/seget
www.academicosdogranderio.com.br
www.aescrj.com.br
www.comuniquese.com.br
www.cultura.gov.br
www.cultura.rj.gov.br
www.gresportela.com.br
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
www.gresuniãodailha.com.br
www.gresunidosdevilaisabel.com.br
www.imperatrizleopoldinense.com.br
www.lesga.org
www.mangueira.com.br
www.mocidadeindependente.com.br
www.oterminalcarnavalesco.com.br
www.renascerdejacarepagua.com.br
www.salgueiro.com.br
www.saoclemente.com.br
www.unidosdatijuca.com.br
146
www.unidosdoportodapedra.com.br
www.veja.abril.br
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
7
Anexos
7.1.
7.1.1.
Jandyr Antunes e Jayme da Vila
certo. Tanto deu certo que os carnavais que a Beija Flor vence é o Laíla, até o
presidente diz que é o Laíla, diz que ele é o cara. Agora ele é o cara por que o
presidente, que conhece menos, da este poder a ele. O Laíla conhece. Basta ver
com quantos carnavalescos bons o Laila já trabalhou: o Pamplona, o Renato
Lage, a Maria Augusta e o Joãozinho trinta. Ele trabalhou com estes todos e
tirou, aprendeu um pouco com cada um. E ele que é um cara inteligente
aprendeu tudo e hoje, não é só no Rio não, no Brasil inteiro quando fala em
carnaval fala em Laíla. Já deixou furo, alguns erros, mas ele é o cara.
Autor – Podemos dizer então que o carnavalesco ajudou a Escola de
samba a se manter como protagonista do carnaval carioca?
Jayminho – O carnavalesco, dentro do propósito de criação do novo
carnaval que a LIESA criou. A LIESA criou este novo carnaval dos carros
alegóricos gigantes das várias pessoas bem fantasiadas e bem equipadas
dentro do propósito do desfile. Então o que aconteceu foi que o carnavalesco
ganhou a importância que tem hoje. Porque no passado, eu que fui diretor de
harmonia por mais de trinta anos na Vila, vi, naquela época, Pamplona, Maria
Augusta que começaram no Salgueiro, que, naquela época, era uma escola
pobre, a Vila emprestava dinheiro pro Salgueiro. Hoje o carnavalesco é uma
figura fora de série no carnaval. Não é um carnaval de comunidade é um
carnaval de grandes sociedades. Os carnavalescos fazem hoje o carnaval das
grandes sociedades. As escolas de samba eram pobres, não tinham esta
pujança. Nos anos 1970 o Ismael se recusava a chamar as escolas de escolas
de samba, chamava de grandes sociedades. Os carnavalescos pegaram o
149
gancho das grandes sociedades e dos ranchos, que não existem mais, e
botaram dentro das escolas de samba. Aí hoje, o sambista do morro, pobre, não
aparece, não tem como fazer seus passos sua coreografia como fazia o Moisés,
o Gargalhada e o Vitamina. Hoje você não vê estas pessoas militando na
passarela. Se passa, passa invisível pelo gigantismo que os carnavalescos
colocam na avenida.
Autor – Como é o convívio do carnavalesco e/ou do diretor de carnaval
com os setores mais tradicionais da Escola como a Velha Guarda e Baianas?
Jandyr Antunes – Não é fácil. Na verdade, é o seguinte: a mudança deste
carnaval começou em 1984 quando foi inaugurado o Sambódromo. Este
carnaval ainda não era todo da Liga, era também da Riotur. Se fosse da Liga a
Mangueira não teria feito o que fez: ir até a apoteose e voltar. A mudança veio a
partir daquele carnaval, eu não tenho a estatística, a partir de 1984, não sei o
Ranking de 1984 para cá, mas me parece que Beija Flor e Imperatriz acumulam
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
comunidade, mas se a comunidade não pagar, não desfila. A Vila não consegue
bancar o Pau da Bandeira e o Macaco. A maioria desta galera não está no
desfile. A escola até veste uma proporção... o Macaco e o Pau da Bandeira são
muito grandes. Ela veste uma proporção para não perder a comunidade, isto é
obrigação. Inclusive ajuda as alas comerciais a cantar o samba com todo o
respeito. Quando eu era diretor de harmonia eu botava uma ala da comunidade
atrás de uma ala comercial para obrigar a ala comercial cantar o samba.
Jandyr – Há uma mística hoje no carnaval que é a ala de comunidade. Mas
não é não. Ala de comunidade hoje é quem frequenta a escola. O camarada as
vezes mora, falando aqui da vila, mora no morro do macaco mas não consegue
frequentar a escola por vários motivos. O outro mora lá em Copacabana e como
ele frequenta toda a semana, como ele vai a todos os ensaios, ele passa a ser
da comunidade. E tem mais, ala da comunidade se é para falar a bem da
verdade, é para encher o bolso de muito malandro. Tem muito malandro
enchendo o bolso de dinheiro dizendo que a ala é da comunidade e não é. A
metade é da comunidade, de quem frequenta o ensaio toda a semana sem falta,
a outra metade não é, ele vende. Ala da comunidade e ala comercial para mim é
tudo igual.
Autor – Pode se relacionar este modelo grandioso, caro, que as escolas de
samba do grupo especial e também do grupo de acesso A realizam e as
dificuldades econômicas das escolas dos demais grupos de acesso? Ou estas
dificuldades são fruto de uma incompetência administrativa da própria escola?
151
Jandyr – Nós vimos aí, há alguns anos atrás, e quem acompanha carnaval
há de lembrar que foi dito em verso e prosa que a subvenção da Liga e da Riotur
daria para fazer o carnaval de qualquer escola. Não haveria necessidade de
patrocínio por que o dinheiro daria para fazer o carnaval. Mas acontece o
seguinte, tem escola de samba que além da subvenção da Liga e da Riotur, tem
um patrocinador, ou um patrono. Aí ele sempre bota um dinheiro a mais, além da
subvenção da Liga e da Riotur e com isso a escola vem fazendo uma
apresentação bem melhor do que as outras, que não tem patrocinador para
bancar certas coisas. Os quesitos principais, por exemplo, Mestre Sala e Porta
Bandeira, são bancados. O Intérprete é bancado, saí de uma escola e vai para
outra porque é bancado. Aí houve uma variação e viram que só com dinheiro da
subvenção da Liga e da Riotur não dava para brigar, porque ia perder sempre o
carnaval, aí veio o tal carnaval patrocinado, dependendo do gestor deste
patrocínio. Tem gente que trabalha com gestão de carnaval só para arranjar
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Jandyr – Mas também é má administração. Tem cara que não tem carisma
para dirigir uma escola de samba. Veja só o Paulo de Almeida lá na
Caprichosos. Ele afundou a Ponte e agora esta afundando a Caprichosos.
Jayme – Nós temos lá na São Clemente a família que é apoiada pelo
Anízio, mas a escola não se firma no grupo especial. É a escola que mais sobe e
mais desce.
Autor – E o Império Serrano que sofre o mesmo fenômeno e agora é
administrada por uma pessoa tradicional da própria escola que é o Átila. Sua
presença pode transformar este quadro?
Jandyr – Eu tô preocupado, porque não sei se o Átila vai conseguir
administrar a escola. Não sei se ele vai ter dinheiro para fazer o que acha que
deve ser feito.
Autor – Então, na opinião de vocês o fracasso de algumas escolas é
resultado do modelo e da má gestão?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Autor – Então, mesmo o carnavalesco, não tendo ligação com uma escola
específica pode ser chamado de sambista?
Jayme – O carnavalesco só é sambista por que ele está numa escola,
então ele é um sambista intrujão. (risos)
Autor – E a questão do jogo do bicho. Até onde ele ainda tem penetração
nas escolas de samba?
Jandyr – A mesma de sempre. Ele bota dinheiro na escola. Ele bota, mas
também tira. Eles gostam de falar o que botam, mas não falam o que tiram.
Agora são importantes em algumas das principais escolas. O Anízio bancou toda
a graduação de carnaval e turismo da Neide Tamborim, foi um lance muito legal.
Ela acabou fazendo o caminho inverso, saiu da escola e foi para a academia.
7.1.2.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
com palestras, a ficar mais unido. Hoje não tem mais espaço para amadorismo
no carnaval, mas tem muito espaço para quem gosta de trabalhar. Tem que cair
dentro. Hoje ainda é muito trabalho. A remuneração é razoável e há muito
trabalho. A gente acumula muito trabalho. Eu hoje ajudo lá no barracão, tem os
diretores lá e eu vou lá ajudar no dia a dia. Tem sempre coisa para resolver lá.
Eu organizo os ensaios aqui na quadra. Então, terça-feira e sexta-feira eu faço
jornada dupla e nos dias “normais” eu estou lá, dando expediente. Então eu vejo
isso, hoje é tudo profissional, eu vejo um mercado ainda pouco explorado. As
pessoas não acreditam que o samba sustenta uma família, e sustenta. Um
profissional do samba hoje pode ter um salário razoável melhor que no mercado.
Tem professores trabalhando comigo, profissionais de administração saindo de
empresas tradicionais e vindo para a empresa carnaval. Está estudando para
conhecer a empresa carnaval e se aperfeiçoando. Então a gente está a cada dia
tentando melhorar, a cada dia se tornando mais profissional, mas mantendo o
espetáculo. A gente não pode transformar isto aqui numa coisa fria e calculista,
tem que ter emoção. Como é que uma coisa calculista tem emoção? Eu não sei,
mas a gente tem que manter a emoção e a harmonia e tem que ser um
excelente administrador, mas ter um coração de sambista. Não dá para dizer
que se não der lucro fecha. Não dá para ser assim. Escola de samba não ganha
dinheiro, só gasta. Agora tem que ser gasto racionalmente calculado. É isto que
vai te trazer para este mercado. Tem que juntar a emoção do carnaval e a
técnica e o conhecimento.
155
muito de samba e quase não vem aqui. A gente faz evento e não vem quase
ninguém daqui do lado.
Autor – Para você é grande a diferença entre o grupo de acesso A e o
grupo especial?
Alexandre Brittes – Hoje, o grupo de acesso, principalmente o grupo A, é
muito parecido com o especial. Só tem menos dinheiro e menos glamour. O B já
é mais ou menos, as escolas são menores, e ainda trazem a estrutura da
intendente. Agora na Intendente é muito diferente, muito menor. O patrocinador
não quer pôr dinheiro lá. No grupo A, já bota dinheiro. O nosso patrocinador do
ano passado, no grupo de acesso, que acreditou na gente, ficou. Está com a
gente este ano também. Por isso é muito difícil sair da Intendente e ficar na
Sapucaí. A Renascer conseguiu, mas é difícil. Agora, quando chega ao grupo A
fica mais fácil, é mais parecido. No acesso A, a gente entra com cinco carros
alegóricos e o especial, oito. A diferença é muito pequena, é muito parecido.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
7.1.3.
Hiram Araujo, diretor do centro cultural da LIESA
Carnaval Histórico
Hiram Araújo – O carnaval é uma das festas mais antigas do mundo.
Alguns estudos apontam que após a última glaciação (mais ou menos 10.000
a.C.) o homem passou a viver sedentariamente no campo, a partir do domínio da
agricultura, o que o levou a festejar, celebrar, principalmente após o período das
colheitas. Nascia aí o carnaval.
Estas celebrações que chamamos de carnaval se dirigiam primeiro aos
corpos celestes e posteriormente a corpos sociais. As primeiras formas destas
157
O Carnaval contemporâneo
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Hiram e a LIESA
Sempre fui muito amigo do Anízio e quando ele foi presidente da LIESA
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
7.2
Entrevistas retiradas de periódicos – (recurso eletrônico)
7.2.1.
Fernando Pamplona, o revolucionário tradicional, entrevista
concedida ao Jornalista, Sociólogo e Professor do Instituto do
Carnaval Sr. Bruno Fillipo. (créditos: o dia na folia)
escola vier bem ou se vier mal, tanto faz, o que importa é que ele venha bem.
Agora, ele não é original. Antes dele, outro carnavalesco fazia isso.
Bruno Fillipo – Quem?
Fernando Pamplona - Um artista extraordinário que faleceu muito cedo: Oswaldo
Jardim. Na Unidos da Tijuca – não me lembro em que ano - ele começou a usar
figuras humanas como elementos estéticos da alegoria. Uma vez eu o vi
terminando um carro na armação, na Presidente Vargas, com galhos de árvores
que ele arrancava na hora. Não lhe deram, em vida, o devido reconhecimento.
Bruno Fillipo – O estilo Paulo Barros se tornará um padrão?
Fernando Pamplona - Acho que não. É um estilo que morrerá com ele, e não
contribui para uma escola de samba ser mais escola de samba. Ou seja: é uma
marca pessoal.
Bruno Fillipo – Paulo Barros sofre severas críticas de alguns setores. No entanto,
antes dele, reclamava-se muito de que o desfile estava-se tornando uma
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Fernando Pamplona – Isso nem samba é! Quem escolheu foi o povo, que
cantava esse samba nas ruas antes de ele ser escolhido. Não era o meu
preferido. Gostava mais do samba do Bala, que era cantado pelo Laíla. Mas a
comissão – formada por mim, pelo Arlindo Rodrigues e pelo Haroldo Costa – não
teve como não aclamar o samba do Zuzuca.
Bruno Fillipo – O senhor arrepende-se da escolha?
Fernando Pamplona – Arrependo-me. Se pudesse voltar no tempo, teria
escolhido o samba do Bala. Era lindíssimo.
7.2.2.
Fernando Pamplona – Carnavalesco. OBatuque.com 23 de
novembro de 2004
eu continuasse. Eu falei: “Não sei fazer pausa, não sei ler texto direito, minha
dicção é ruim”. Fernando pediu para tentar umas três vezes: “Se não quiser a
gente tenta outro”. Carioca chia e eu não sabia direito ler. Inflexão, intenção e
pausa são fundamentais, mas eu banquei o estudante de novo e fiz um esforço
para tentar substituir o Sargento. Não com a qualidade que ele tinha, pois era um
profissional excelente. Poderiam chamar o filho dele que a voz é igualzinha. Mas
eles queriam uma pessoa mais velha, que ajudasse a trazer gente. Tem muito
convidado que veio para o programa, chamado “A Verdade”, porque o Sargento
fazia. Ele fez mais de 700 em casa. Eu já fiz mais de 140 depois que ele morreu.
Sei que eles me usam para poder chamar gente, mas se eu for falar, só acabo
amanhã pela manhã.
OBatuque.com – Como se aproximou do mundo do samba?
Fernando Pamplona - O único interesse que eu tenho de conhecimento é cultura
popular. Meu curso primário foi feito no Acre, quando ainda era território e a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
única comunicação com o mundo era por meio de telégrafo. Não havia televisão
e nem telefone. Se o governador quisesse falar com o presidente da república,
era por meio de telégrafo. Quando voltei ao Acre, pedi para tombar onde era o
telégrafo. Era uma das poucas coisas que restou do meu tempo. Navio lá, só de
seis em seis meses. Tinha enchente e navio não entrava. Navio que falo era
aquela barca de São Francisco que a gente chamava de chatinha. Era chatinha
por que tinha um fundo chato. E tinha que ser dessa maneira, senão entrava nos
rios rasos da Amazônia, nos igarapés. Se entrasse, eles encalhariam.
Eu sempre me interessei pela cultura popular. Primeira coisa que eu fiz lá além
dos desafios: “Capivara correu / No buraco se meteu / Esse bicho corre mais /
Do que o vapor Minas Gerais”. Vapor Minas Gerais era um ferro-velho, um
couraçado inglês da 2ª Guerra que nós compramos. Era capitânia da esquadra
do Brasil. Eu vi um boi e me encantei pelo boi. Daí em diante, mesmo adulto e já
no Rio, quando eu viajava queria ver o maracatu, entrava em Minas e queria
saber o que era uma congada. Via tudo que era atividade popular.
A mesma coisa era o carnaval. Carnaval não era meu interesse fundamental e
nunca foi. Era uma expressão cultural, popular e autêntica. Uma vez, estava
conversando no Vermelhinho, que naquela época era o ponto de reunião do Rio
de Janeiro, pois não havia teatro e nem galeria na Zona Sul. Quem trabalhava
com arte se reunia no Vermelhinho, na Araújo Porto Alegre, em frente à ABI,
onde todos os grandes nomes da época se reuniam. Do Di Cavalcanti ao
Pancetti ao Augusto Rodrigues, Mário Pedrosa, Mário Barata e vai por aí. E um
dia, um sujeito chamado Miécio Tati, que era o copydesk do Jorge Amado,
163
queimava. Ele queimou a memória do Brasil, ainda bem que houve Pierre
Verger, que fez a documentação do fluxo e do refluxo do movimento negro no
Brasil. Bem, tivemos que pegar em Portugal, pois lá eles guardam documentos.
Aqui, a gente queimava a documentação, porque Rui Barbosa tinha vergonha da
escravidão. Aí eu fiz o primeiro enredo. Depois fiz Aleijadinho. Eu briguei lá, o
Arlindo fez “Descobrimento do Brasil”. Eu estava na Alemanha e mandei o
enredo todo de “Chico Rei”. Depois “Dona Beija”…
OBatuque.com – Foi difícil convencer a escola, tanto direção como
componentes, a desenvolver esse novo conceito de enredo, fugindo àquela linha
predominantemente patriota da época?
Fernando Pamplona – Quando eu cheguei com Chico Rei no Salgueiro, uma ala
não podia ter o figurino da outra. Hoje tem até desfile de protótipos. Naquela
época eu fazia o risco. Chamávamos de esbolceto ou croqui. Mas o povo do
morro falava risco. Eles sabiam português mais do que a gente. Eles
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
vive muito bem, cobra U$ 100 mil por cada carnaval. Venderam a qualidade que
têm. Como eu nunca dependi do samba, resolvi não fazer mais carnaval. Apenas
pelo sorriso, pela simplicidade e pelo caráter que era o Jamil Cheiroso do
Império Serrano, eu dei cinco enredos para ele. Mas é aquele enredo de
botequim. Na mesa você passa uns riscos e diz o que tem que fazer. O primeiro
que dei foi o último campeonato da Império, “Bumbum-paticumbum-
prugurundum”, invenção onomatopaica da Rosa, porque eu tinha dado “Onze
Candelárias Sapecaí”, que era uma gozação às três fases das escolas de
samba. Era baseado um pouco no livro da Marília Barbosa, “Fala Mangueira”,
que ela fez sobre o Carlos Cachaça. Depois dei dois para o Renato, “Malandro
é” e depois “Mãe Baiana Mãe”. Depois ele disse: “Quero fazer os meus”. Aí ele
virou “o” Renato. Ainda dei mais dois sobre a história da comunicação no Brasil e
que o carnavalesco, infelizmente, não tinha o talento. Ele morreu, coitado. Era o
Ney Ayan, que esculhambou a guerra. Mas a Império não desceu (1991) por
causa disso, nem interessa especular.
OBatuque.com – Qual foi o seu trabalho preferido como carnavalesco?
Fernando Pamplona – Não é o preferido, não. Mas o maior impacto talvez tenha
sido “Quilombo dos Palmares”. Nós demos uma visão nova. Nós não inventamos
modernização nenhuma. Está no artigo que tem no livro do Haroldo Costa
(“Salgueiro, Academia do Samba”), que eu mandei para o Sérgio Cabral
escrevendo da Europa para ele. A maior contribuição nossa talvez tenha sido a
modificação do enredo: o negro; a mulher, com Dona Beija; o local, com Praça
XI, depois a Lapa; a história da liberdade no Brasil, que era revolucionária.
166
juntar três alas numa só pra poder atingir cem e fazer aquela massa. Aí o
Candeia tinha razão quando fez um samba dizendo que “depois que visual virou
quesito na concepção desses sambeiros…”.
Uma vez, viajando com o Joãozinho Trinta, perguntei a ele sobre a ideia que ele
tinha pra Grande Rio. Ele respondeu: “Eu não tenho ainda, Fernando. Estou
esperando a escola vender”. Então o carnavalesco, ao mesmo tempo que é um
ditador na hora da realização, quase um ditador dependendo do presidente da
escola, fica nas mãos do patrocinador.
No Salgueiro, o Maninho é quem mandava nos carnavalescos. Eu sou muito
amigo do Miro e o amo (nota da redação: a entrevista foi realizada antes do
falecimento de Miro Garcia). O Miro é um cara maravilhoso e o filho tinha o maior
respeito pelo pai, pedia a benção quando chegava. Hoje, os carnavalescos
aguardam as escolas venderem o enredo e os marqueteiros descobriram que as
escolas são o veículo mais barato para anunciar. Com R$ 4 milhões você
compra uma escola. Durante uma hora vai desfilar falando de você. E você vai
ficar conhecido por 40 milhões de pessoas. Você com R$ 4 milhões anuncia no
O Globo, na Veja ou na Isto É e só dão quatro páginas e não vai ter o mesmo
público que assiste aos desfiles das escolas de samba. Veja: vem lá o prefeito e
dá para a Imperatriz e depois não quer pagar, porque a Rosa pesquisou outras
coisas. Cabo Frio foi lá, vendeu e ela inventou o Pau Brasil. Ela é muito
inteligente. Hoje, o carnavalesco não pode usar a sua criatividade, tem que
esperar o enredo patrocinado. Esse foi um dos motivos porque larguei essa
merda.
167
OBatuque.com – Como viu a liberdade dada pelo regulamento atual dos desfiles,
que não limita mais os enredos das escolas a temas nacionais?
Fernando Pamplona- Isso ai era uma bobagem, bobagem fácil, porque quando o
João inventou de fazer o futebol, ele botou a China pra jogar futebol, botou a
Grécia, botou o Egito jogando futebol, ou seja, o João inventa muito e diz que é
verdade, jura que ele que é o vivo. Aí o pessoal acaba acreditando. Ele foi o
primeiro a botar uma bola da Adidas, só não tinha escrito Adidas, a bola do
campeonato do mundo. Ele também fez a história do carnaval, e não se limitou,
como nós, à história do carnaval carioca, que ele ajudou a fazer, ajudou muito
bem, criou a beça. Seja qual for o enredo, ele já inventa um mundo todo, então
pra que fazer uma lei que você praticamente não obedece e tem como não
obedecer? Foi muito bom eles terem tirado isso fora, e ter deixado a criação
dele, do artista. Leia o livro da Eneida (“História do Carnaval Carioca”), que ela
pode dizer isso; se não ler esse, leia outros que eu posso indicar para fazer uma
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
samba de verdade. É muito difícil você fazer samba hoje em dia no carnaval
brasileiro. Ano passado, quando sem querer visitei a Mangueira, eu fiquei muito
admirado, porque eu não vou mais em escola de samba e vi que a Mangueira
tem um lugar onde eles estão lançando de novo os sambas de quadra. No
carnaval que eu peguei você cantava o samba de quadra até a véspera. Não
tem mais o samba de quadra, eles proibiram o samba de quadra. Era um
exercício para que o compositor se inspirasse e depois fizesse a melodia, já que
não precisava ter o samba pronto em outubro, para ser gravado em novembro e
ser vendido em dezembro. E vendia 2 milhões, batia Roberto Carlos, e hoje está
vendendo 80 mil. Eu já fiz uma aposta com todas as escolas de samba reunidas.
Disse que dava uma garrafa de uísque para quem me cantasse um samba dos
últimos cinco anos, e não valia ser da própria escola. Um garoto disse que sabia,
e me cantou um samba de oito anos atrás. Ninguém lembra nada.
OBatuque.com – Será que enredo atrapalha o compositor?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
bom. A Praça da Apoteose não tem nada a ver com o desfile, aquilo ali, é do
Darcy Ribeiro.
OBatuque.com – Nos conte um pouco de sua experiência como jurado de desfile
de escola de samba. O José Carlos Rego disse que não é fácil.
Fernando Pamplona – Eu já julguei tudo, já julguei até aqueles caras que
limpam. Eu já julguei festival de música nativa. Não é difícil você julgar, você só
não pode é dar nota cada vez que passa uma coisa. Fiz assim, mas contestei.
Porque ser jurado é você comparar. Se a LIESA tivesse coragem, não teria nota,
teria que classificar: primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto… Aí, você
que é Mangueira botaria em segundo lugar quem você botaria direto 9 na ordem
de classificação. Aí eu sou Salgueiro, boto primeiro lugar Salgueiro… O segundo
lugar ganhava. Depois se dava nota para o vigésimo, décimo, nono, décimo
oitavo etc. E assim nunca iria dar empate, ou até poderia haver, mas seria um
julgamento muito mais justo, porque tem juiz que tem medo de dar nota e sai
dando 10 para todo mundo e 9 e 8 para duas escolas.
OBatuque.com – No mapa de apuração do desfile do Grupo Especial de 2000,
um jurado de um determinado quesito justificou a nota para uma grande escola
falando em “próximo à perfeição”. O mesmo jurado, na avaliação de uma escola
de menor porte escreveu “próximo à grande perfeição”. Esse jurado deu nota 9,5
para a grande, e 8 para a de menor porte. Há esperanças que um dia esse tipo
de distorção possa acabar?
Fernando Pamplona – Não, porque aí o maior cara que houve no século
passado vai classificar a cuca da gente. Pablo (Neruda) diz que cada indivíduo é
171
“Vamos lá quebrar ele agora”, e eu disse: “Não, Laíla. É que ele é um instrutor
acadêmico e nós estamos fazendo um manequim no lugar de escultura, nós
estamos fazendo caras vestidos com roupas da Lapa, com short da Praça Onze,
com o botequim da Praça Onze, com material da Praça Onze. Deu 7,5 para a
gente, e deu justamente, porque no julgamento dele não podia ter manequim”. O
escultor teria que trabalhar com a mão e ele é um acadêmico babaca, mas era o
julgamento dele. Então o julgamento, pra mim, é 90% subjetivo e 10% objetivo.
OBatuque.com – E neste ano de 2004 um jurado deu 7 ao samba enredo da
Acadêmicos do Dendê. Com as notas fracionadíssimas de hoje, equivale a um
zero e acabou rebaixando a escola (decisão essa depois revogada). Como vê
essas notas fracionadas em um décimo?
Fernando Pamplona – É que o pobre do Hiram Araújo, que é um dos sujeitos
mais maravilhosos que eu conheci, pela dedicação dele, quer fazer mil
experiências de julgamento para torná-lo isento. Tira a menor nota, tira a maior
nota, tira do sorteio cada juiz, só para ficar livre. Sempre que saía o resultado da
escola de samba diziam que a Riotur armava. Aí um sujeito que tinha na Riotur,
chamado Vitor Pinheiro, disse assim: “A Riotur não escolhe mais juiz, as escolas
de samba é que vão escolher”. Cada presidente tem poder de voto, se um
presidente me indicar como juiz vão ter doze presidentes para negar. Então,
quando aquele grupo de juízes que você não sabe nem quem são, e de onde
são, julga o carnaval hoje, eles já estão aprovados pelo mero poder do voto.
Caramba, eles aprovaram o voto do juiz, que pode se dar como você referiu
agora pouco. Pode ter feito uma merda qualquer, eles é que julgaram, então eles
172
é que decidem. Isso foi a melhor coisa que Vitor Pinheiro fez através da Riotur,
e, aliás, foi um ótimo presidente da Riotur. Eu me acostumei com esse negócio
de julgar, você adquire uma certa sabedoria do mecanismo de julgamento.
Uma vez julguei um festival de música, em Santa Catarina, e colei com um
garoto lá e nós tivemos uma excelente influência no resultado do julgamento
musical, em um povoado com amadores maravilhosamente bons. Umas
senhoras alemãs que cantam lindo. Voltamos lá, voltamos no júri, o Sérgio
Cabral foi e lançou o livro do Ary Barroso lá, em Santa Catarina. O Albino
Pinheiro foi, Marcos Carvalho foi e eu fui. Na seleção ficaram doze finalistas e o
garoto lá, com o qual eu tinha me afinado, deu 2, 3, 2, 3, 2, 3 e 10 para o
conjunto de ópera. Aí, no botequim, eu falei assim: “Vou ferrar esse garoto, eu
vou anular o voto dele, intencionalmente”. Veio o julgamento final, eu repeti mais
ou menos a dose e dei 9, 10, 9, 10, e para a música dele eu dei 1, anulei o voto
dele e venceu quem tinha que vencer. Nesse negócio você tem que saber da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
intenção escrota que, às vezes, está por trás. Se o jurado, mesmo dizendo o que
ele acha de verdade e que é o julgamento subjetivo dele, fizer armações, já era.
OBatuque.com – Ainda há espaço para o passista nas escolas de samba? Tem
muita ala de passo marcado passando pela passarela…
Fernando Pamplona - Na verdade, nunca houve muito espaço, não. Teve escola
que, para não prejudicar o desfile, juntou todos os passistas como se fosse um
naipe. Só porque o passista gosta muito de se exibir para uma câmera. Aí a
câmera pega ali no meio e vai para lá, vem pra cá e todo mundo vendo. Aí o
passista atrapalhava a escola, mas não por ser passista, porque eles são
maravilhosos, mas é porque atrapalhava a evolução. Então eles resolveram
juntar tudo. Lá na hora do júri (Estandarte de Ouro), sempre tem o julgamento de
passista e geralmente quem faz é o José Carlos Rego. Ele tem até livro sobre
isso, mas hoje não interfere mais no julgamento. Ninguém dá uma nota maior ou
menor porque o Gargalhada deu um show na Mangueira, ele que foi do
Salgueiro, assim como podia ter falado do Vitamina, que foi um dos maiores
passistas que vi. Mas o fato é que o passista, mesmo ele não desfilando, mesmo
num canto do ensaio de escola de samba, desenvolve coisas que você tem
vontade de aplaudir dez vezes, mesmo que o povo não esteja vendo. Passista é
uma condição natural, de um cara que nasceu para isso e que faz coisas
maravilhosas e não conta para o júri.
OBatuque.com – O passo marcado atrapalha a escola?
Fernando Pamplona – O passo marcado atrapalha sim. Acusaram a Mercedes
Batista por ter marcado o passo – muito bem – no minueto da Chica da Silva. Na
173
verdade, passo marcado sempre existiu na escola de samba. Em 1958, 59, tinha
uns caras da Mangueira que dançavam assim. Mas quem inventou passo
marcado foi o Salgueiro. Mercedes Batista passava com passo marcado
quarenta caras, quatro filas de dez com passo marcado como nesses
showzinhos que tem aí hoje, de vez em quando, nos clubes ou nos shows. Eu
não gosto.
OBatuque.com – Poderia contar algum fato curioso que ocorria em desfiles?
Fernando Pamplona – Antigamente as escolas entravam bem ou mal
dependendo dos quinze minutos que tinham para a armação. Se armasse bem,
entrava bem; se armasse mal, entrava mal. Hoje a coisa está organizada por
computador, tem cara com telefone, cronômetro, etc. Hoje não tem mais diretor
de Harmonia, hoje tem tenente, sargento, soldado… A coisa virou muito
mecânica. Há uma curiosidade com o Alcir Pimentel, que era quem armava o
Império Serrano. Ele era um cara dedicado, maravilhoso. A escola foi sempre a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
mais rica e tinha setenta destaques grandes. E eu estava vendo o Alcir botar os
destaques no carro, o que foi uma grande invenção, ao contrário do que todo
mundo diz, que atrapalha o samba. O carro abriu passagem, deu espaço para o
samba no pé. O famoso samba no pé, que ninguém sabe especificar direito o
que seja. Ele tirou setenta destaques maravilhosos do chão. E os destaques
ocupavam uma área de dez metros que vinha protegida. E setenta por dez é
uma área de setecentos metros de desfile. Até que o João botou tudo em cima
do carro e todos querem ser destaques, artistas da Globo etc. Aí, vinha todo
mundo lá em cima do carro, e como a TV só transmitia do lado esquerdo, elas
pagavam para vir do lado esquerdo, para poder aparecer na TV. Agora, como a
TV está dos dois lados, eles não sabem para onde vão, ficam no meio. Ficou
uma merda. Destaque antigamente era Tiradentes, destaque era personagem, e
Tiradentes era destaque porque ele era o enredo, ele com a camisola e com a
corda pendurada no pescoço com barba grande. Como nós fizemos a visita ao
Rei Negro, quando Mauricio de Nassau foi um destaque. O destaque mudou o
sentido, o destaque passou a ser a mulher que mais tem penas na bunda e que
venha mais nua. Inventaram uma pena lá, que é para fingir que aquilo é dela,
mas não é, e chamam aquilo de destaque. Uma vez eu neguei para o Salgueiro
um destaque que vinha de São Paulo, porque a roupa dela era que nem de
caminhão. E o Djalma Preto da Mangueira aceitou, eu não gostei. A Mangueira é
pura, e aceitou um negócio desse para atrapalhar seu desfile, e atrapalhou.
OBatuque.com – De todos os desfiles que presenciou, quais considera os mais
marcantes?
174
todos os programas que fizemos, porque a gente estava ali e não queríamos
ferrar a Manchete. Quando dizia alguma coisa tinha que assumir a
responsabilidade e enfrentaria com maior prazer a Justiça, se fosse processado,
por causa da censura que eles estabeleceram. Mas para mim foi o maior
carnaval de todos os tempos, não tem nenhum parecido até hoje, nem tão
empolgante, quanto aquele “Ratos e Urubus”, que eu chamo de “Cristo Proibido”.
OBatuque.com – Um samba-enredo?
Fernando Pamplona – “Heróis da Liberdade”, “Monteiro Lobato”, a melodia
extraordinária. Depois tem a Amazônia que foi cantada neste ano pela Portela
(“Lendas e Mistérios da Amazônia”), é maravilhosa. Martinho da Vila é fogo.
Aquele samba sem rima…
OBatuque.com – “Raízes”, 1987, no qual os compositores podiam se inspirar
para desenvolver melodia.
Fernando Pamplona – É isso mesmo, você falou certo. A melodia supera a rima.
Eu tenho um samba de Orlando Silva inteirinho sem nenhuma rima.
OBatuque.com - Um compositor?
Fernando Pamplona – Silas de Oliveira, indiscutivelmente acima de todos os
outros. Mas tem Geraldo Babão, Geraldo Pereira, Carlos Cachaça, Noel Rosa de
Oliveira, Zuzuca…
OBatuque.com – Um mestre-sala?
Fernando Pamplona – Difícil, são todos parecidos. Delegado… Mas eu sou mais
o Canelinha, do Império Serrano. Era tão magro e tão habilidoso quanto o
175
Delegado. Mas tinha um cara que tinha sido mestre-sala de rancho que herdou a
elegância do rancho, que eu não lembro o nome dele, não.
OBatuque.com – Uma porta-bandeira?
Fernando Pamplona – Depois da Wilma Nascimento, a Rita (Salgueiro) e fim de
papo.
OBatuque.com – Um mestre de bateria?
Fernando Pamplona – Um nome que vocês não conhecem, que armou a bateria
do Salgueiro. Uma vez saiu no Salgueiro. Ele armou a bateria da Vila, ganhou a
beça, se chamava Branco Ernesto, era batedor de surdo. Se você chegar na Vila
Isabel e perguntar quem foi Branco Ernesto eles vão se ajoelhar no chão,
inclusive o Martinho, e vão falar assim: “ex-grande mestre de bateria do
Salgueiro”.
OBatuque.com – Uma passista?
Fernando Pamplona – Uma mulher chamada Narcisa. Ela passava pelo meio do
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
desfile sozinha, não tinha nenhum homem que não ficasse de pau duro, é sério.
Ai daquele que não ficasse assim quando ela passasse, só se o cara fosse
brocha, porque até meio-homem ficava quando Narcisa passava com aquele
rebolado mais maravilhoso e gostoso do mundo. Tem a Roxinha do Salgueiro,
mas a diferença é que ela era uma passista maravilhosa, mas não era tão boa
quanto a Narcisa.
OBatuque.com – Um passista?
Fernando Pamplona – O saudoso Gargalhada, o Serrinha, mas o melhor é o
Vitamina.
OBatuque.com – Uma personalidade?
Fernando Pamplona – Nelson de Andrade, acima de todos. Muitos dizem que o
carnaval existiu antes e depois de mim, e isso é um absurdo. O carnaval existiu
antes de Nelson de Andrade e depois dele. Foi ele quem me colocou no samba
e adivinhou que produto que o Arlindo e eu poderíamos dar, foi quem me
ensinou tudo. Não era bicheiro, era peixeiro, e mais do que Natal ele contribuiu
com tudo e todos, ajudou a quem precisasse no tempo em que ele tinha
dinheiro. Depois ficou tão duro que teve que trabalhar pra mim, com diária. Mas
ele era de uma generosidade e compreensão que verdadeiramente todos
deveriam ter assim no samba. Ele topou fazer o “Debret”, só isso já vale uma
medalha de ouro enorme para ele. Obviamente, ele foi um cara indiscutivelmente
maravilhoso. E ele era paulista. Aliás, eu fiz um artigo uma vez, chamado “Os
Cariocas. Carioca é todo aquele que contribui para ajudar na cultura do Rio de
Janeiro, para a formação do espírito carioca. O maior que eu conheci na minha
176
vida, e até hoje eu afirmo isso, foi João Saldanha. Natal era paulista. A maior
música sobre o Rio de Janeiro foi composta por um pernambucano, Antônio
Maria, “Rio de Janeiro / gosto de você…” (“Valsa de uma Cidade”). O maior
cliente do Rio de Janeiro era o Rubem Braga, ele era do Espírito Santo. Um dos
maiores poetas do Rio se chama Carlos Drummond de Andrade. E aí eu fiz
todos os caras que fizeram o Rio, e obviamente não citei Albino Pinheiro, Beth
Carvalho, Martinho… Não citei os cariocas, citei os caras que fizeram o Rio de
Janeiro e não eram daqui e citei mais de cinquenta nomes. Ainda tem o Joel
Silveira, o maior repórter do Rio, hoje com 90 anos de idade.
OBatuque.com – Um carnavalesco?
Fernando Pamplona – O melhor carnavalesco hoje, pra mim, é a Rosa
Magalhães, que criou uma linha e é fiel a ela. E se houvesse a tal Taça
Eficiência que tinha no futebol carioca que eu falei, depois da Beija-Flor, viria a
Imperatriz Leopoldinense, com a assinatura da Rosa. Ela foi minha aluna de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA
Fernando Pamplona - Pô, você falou em um cara maravilhoso, que não teve a
chance de pegar uma escola grande, mas mesmo pegando escolas pequenas
mostrou ser de uma criatividade maravilhosa, foi um grande artista. E tem aquele
garoto, que uma vez me perguntou no programa que ele tinha o que fazer no
Barbosa Lima, o Milton Cunha, gosto muito dele, inteligentíssimo. Começou na
Beija-flor com o “Margareth Mee, a dama das bromélias”. Acredito que o Milton
Cunha esteja muito mais maduro hoje. Falei pra ele: “Você ainda não sabe,
garoto, você fez coreografia para a bateria. A bateria tem que tocar, não tem que
colar em cores diferentes, nem coreografar para fazer milagre visual, que você
esperava fazer com a Ilha”. Ele é um sujeito, fabuloso, extraordinário e espero
que venha ser um top quando tiver um discernimento estético mais comedido.
Ele já não é mais tão exibicionista, hoje está contido. É um homem muito
inteligente, homem de uma boa formação cultural, ele vai amadurecer.
OBatuque.com – O público sambista sente falta do Pamplona comentarista dos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812811/CA