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PROBREZA MENSTRUAL

E SEUS IMPACTOS:

Relatos de
uma Natal
que sangra! Francisca Pires

1
SUMÁRIO

POBREZA MENSTRUAL E SEUS IMPACTOS:


RELATOS DE UMA NATAL QUE SANGRA. 3
É sangue! 5
A generosidade de uma mãe que também sangra 7
Fora Bolsonaro 9
Mulher de fases 11
Do útero de Hélida 12
Projeto Luas 14
O que dizem as Leis 16
Agradecimento 17
Autora: Francisca Pires
Orientador: Antonino Condorelli
Diagramação: Sandro Gomes

3
Foto: Por Mirella Lopes, da agência Saiba Mais (2020)

Edilma, Eleide, Andreza, Hélida e Herika são mulheres


potiguares que moram na Ocupação Emmanuel Bezerra
e já viveram a experiência aterrorizante de não ter como
manejar corretamente a própria menstruação.

C
om medo, Unidas (ONU) considera dos que ligam a pobreza tiguares são moradoras
envergo- o acesso à higiene mens- menstrual como causa de da Ocupação Emmanuel
nhadas e, trual uma questão de saú- evasão escolar de meninas Bezerra, localizada no
até mesmo, de pública e de direitos e mulheres ou de infecções bairro da Ribeira, em Na-
humilha- humanos. e graves doenças causadas tal. Algumas são mora-
das. É assim que se des- Ainda que a mens- pelo manejo irregular ou doras desde a época que
crevem muitas mulheres truação seja um processo soluções improvisadas a Ocupação estava no an-
que vivenciaram, durante natural inerente a toda de conter o sangramen- tigo prédio da Faculdade
algum período da vida, ou pessoa que tem útero, to mensal. Para além das de Direito da Universida-
ainda vivenciam a pobre- sendo elas: meninas, consequências biológicas, de Federal do Rio Grande
za menstrual. O conceito mulheres, homens trans tem-se ainda uma clara do Norte (UFRN), outras
de “pobreza menstrual’’, e pessoas não binárias, o tentativa promovida pelo chegaram já no novo en-
que também ficou conhe- tema ainda é um tabu na patriarcado de negar aces- dereço, mas todas já vi-
cida como precariedade sociedade e a promoção da sos e enclausurar mulhe- veram a pobreza mens-
menstrual, busca reunir e dignidade menstrual, ape- res socialmente. trual em algum momento
sintetizar todos os pontos sar de ser um direito muito A criação de proje- da vida. Das cinco mu-
negativos que existem importante, se tornou uma tos de lei que promovam lheres, quatro são pretas,
por trás da falta das con- pauta com relevância ape- a distribuição de absor- e desde a mais velha, de
dições necessárias para a nas nos últimos anos. ventes descartáveis para 55 anos, até a mais nova,
administração e cuidado Por muito tempo e pessoas que menstruam de 14, os relatos demons-
da menstruação. Repre- até mesmo hoje, muitas é uma necessidade e fa- tram como o manejo ina-
senta, portanto, uma gra- pessoas consideram ab- ria muita diferença na dequado do próprio ciclo
ve violação de direitos, sorventes itens de luxo e vida de mulheres como menstrual afeta física e
visto que desde 2014, não de necessidade bási- Edilma, Eleide, Andreza, psicologicamente mulhe-
Organização das Nações ca, ignorando assim da- Hélida e Herika. As po- res e meninas.

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É sangue!
“Edilma, seu
short tá sujo!”. A meni-
na sorridente que brin-
cava de amarelinha na
rua fez pouco caso do
espanto da amiga sobre
o estado do short bran-
co que usava naquele
dia. “É lógico que tá
sujo, ele é branco e es-
tou brincando na rua,
só pode estar sujo mes-
mo”, respondeu com recebeu com naturalidade
um ar debochado de Edilma Barros em seu barraco na Ocupação Emmanuel Bezerra o novo título de “moci-
quem acaba de ouvir uma Foto: Francisca Pires nha”. Se escondeu dentro
afirmação muito óbvia. A de casa e evitava encon-
Tem o olhar desconfiado puberdade, chegou sem
impaciência, no entanto, trar com as amigas por
de quem já viveu muita aviso prévio, estragan-
rapidamente se transfor- causa da vergonha que
coisa nessa vida, mas não do sua vez de brincar
mou em espanto, medo e acreditava ter passado,
demora muito para se na hora da amarelinha.
vergonha quando em res- principalmente, porque
soltar e revelar a mulher Depois de se abaixar e
posta ouviu de sua amiga na ocasião dois amigos
sorridente e comunicati- confirmar a informação
a frase que mudaria tudo homens também estavam
va que vive em si. “Que- assustadora de que esta-
a partir dali: “Mas não é presentes. Desse dia em
ro minha foto com o ab- ria sangrando, a menina
sujeira, Edilma. É san- diante, toda vez que es-
sorvente! Se é para falar correu para casa e, enver-
gue”. tava menstruada e ouvia
de menstruação, melhor gonhada, tentou inventar
Edilma do Nasci- alguma de suas amigas
que a foto seja com um para sua avó que tinha se
mento Barros, 55 anos, chamar para brincar na
absorvente. Concorda?”. cortado. A avó, por sua
é uma mulher preta, rua, Edilma suplicava à
E teria como discordar, vez, munida dos conheci-
moradora da Ocupação avó que dissesse que ela
dona Edilma? mentos que adquiriu com
Emmanuel Bezerra há estava doente. “Ela tá
O fatídico dia do a vida, logo desmascarou
cerca de um ano e quatro com dor de cabeça”, gri-
short branco aconteceu a neta em negação e afir-
meses, desde quando o tava de volta a senhora
quando Edilma tinha 13 mou sem sombra de dú-
grupo ainda ocupava ou- que com todo amor que
anos. Sua menarca, nome vidas: “Não, minha filha,
tro endereço. Mãe de cin- tinha pela neta, jamais
dado à primeira mens- você se formou. É uma
co filhos adultos, Edil- lhe causaria mais cons-
truação da mulher e uma mocinha”.
ma é uma senhora trangimentos. Mesmo
das últimas fases da Edil-
séria e calada contando com a cobertu-
nos primeiros ma não
ra da avó, a falsa doença
momentos. de Edilma logo foi desco-

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berta. Uma amiga soube, como cuidadora de um dicionalidades a famílias
passou para outra que idoso, Edilma correu para em situação de pobreza e
passou para outra e nes- garantir o meio mais prá- de extrema pobreza, e fez
se telefone sem fio todo tico e seguro de manejar uma ultra-transvaginal.
grupo de amigos ficou sua própria menstruação. Esse exame sim satisfez
ciente da nova condição “Com o paninho a gen- sua inquietude, pois, acu-
da menina. “Foi por ver- te nunca está segura. Ele Tinha nojo sou um cisto no útero.
gonha”, respondeu quan- vaza, sabe? Eu sei que de- do sangue” “Eu não me conformava
do perguntada do porquê pende do fluxo da mulher, que era normal. Sentir
das suas mentiras mensais. mas, comigo, sempre va- Edilma dor não é normal”, pro-
A vergonha avassa- zava”, desabafa. É impor- Moradora da testa. Depois da remoção
Ocupação
ladora que tomou conta da tante destacar, porém, que Emanoel Bezerra
do cisto, Edilma nunca
menina Edilma pode ser durante sua vida adulta mais sentiu dores.
justificada pelo medo do nem sempre Edilma teve Quando questiona-
desconhecido. Ela conta condições de seguir com e, nesse sentido, quando da sobre a importância
que antes da menstruação o absorvente descartável. ocorre por volta dos 40 de existir um programa
se tornar uma realidade, Usou o paninho em várias anos, ou como no caso de social voltado para a dis-
desesperadora por sinal, outras ocasiões e conta Edilma aos 39 anos, é cha- tribuição gratuita de ab-
nunca ninguém tinha che- que até dentro do ônibus mada de menopausa pre- sorventes descartáveis,
gado até ela para trazer o sua menstruação chegou matura ou precoce. Mas, Edilma fica reflexiva e
assunto. Nem a mãe, nem a vazar, fazendo com que quanto a isso não há nada dispara: “Olha, sobre
a avó e também nenhuma se sentisse constrangida na com que se preocupar. isso eu não consigo nem
outra mulher do seu conví- frente de todos. Sua saúde ginecológica explicar”. Na sequência,
vio. “E agora, vó, o que eu O princípio de AVC sempre foi uma prioridade porém, se contradiz e ex-
faço?” perguntou sem saber (Acidente Vascular Cere- e Edilma conta que nunca plica: “É porque eu fico
quais eram os próximos bral), decorrente da alte- deixou de fazer o exame Pa- pensando na situação das
passos que uma mocinha ração do fluxo de sangue panicolau, conhecido popu- pessoas que estão na rua.
precisaria ter nesse mo- ao cérebro, comprometeu larmente como preventivo. Não tem dinheiro para
mento. Depois de alguns a mobilidade de um dos “Depois que eu tive comprar comida, imagine
minutos afastada, sua avó seus braços e somado a meu último filho, passei a um pacote de absorven-
voltou com um pedaço de uma forte dor na coluna, sentir muitas cólicas. Meu tes. É muito triste”. O ter-
pano cortado, dobrou duas ceifou sua capacidade fí- fluxo de sangue aumen- mo “pobreza menstrual”
vezes e explicou a ela como sica de trabalhar . Antes tou muito e cheguei a pas- para ela é muito novo.
usar, higienizar e quando disso acontecer, Edilma sar quinze dias menstrua- Foi apresentado através
era hora da troca. trabalhou em pousadas, da``, conta. Preocupada, de um grupo que foi na
Felizmente, a água restaurantes e casas de fa- Edilma recorreu a uma Ocupação entregar uma
encanada sempre fez parte mília na Grande Natal. O médica que lhe assegu- doação de absorventes
de sua vida e, sobre as tro- desemprego atual, porém, rou que todo esse quadro e conversar com as mo-
cas, Edilma lembra com não tem mais impacto sob era normal. A mulher, po- radoras sobre a questão.
clareza que sempre foram o manejo de sua menstru- rém, não se convenceu e Edilma caminhou com
várias:“Tinha nojo do san- ação, isso porque Edilma exigiu que a profissional a pobreza menstrual por
gue”, revela. O estoque de entrou na menopausa pre- lhe encaminhasse para anos, mas só soube que
paninhos e as lavagens re- cocemente, aos 39 anos. A um exame preventivo era uma de suas vítimas
correntes fizeram parte de menopausa corresponde que, por sua vez, como quando lhe contaram.
toda infância e adolescên- ao último ciclo menstrual, havia sido previsto, deu A menina de treze anos
cia da mulher. O primeiro ou seja, a última menstru- tudo normal. Edilma não brincando de amarelinha
absorvente descartável ação de uma pessoa com se conformou e cansada e a mulher adulta que
tornou-se possível apenas útero. Ocorre, em geral, das dores insistentes jun- vazou dentro do ônibus
aos dezoito anos quan- entre os 45 e 55 anos tou seu dinheiro do Bolsa compartilham da mesma
do, ao receber seu Família, programa que dor: a vergonha de san-
primeiro salário transfere renda com con- grar.

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A GENEROSIDADE DE UMA
MÃE QUE TAMBÉM SANGRA
Óculos de grau, regata Eleide Cristiana e sua cortina de cetim posteriormente, a uma ex-
azul na Ocupação Emmanuel Bezerra
roxa, tatuagem e cabelos Foto: Francisca Pires plicação do que represen-
com mechas. A aparência tava aquele momento. En-
jovial e despojada, acom- quanto morou com os pais,
panhada de um tímido sua vida menstrual seguiu
“Por favor, só não repara tranquilamente. Estudou
na bagunça”, apresen- em escola particular bem
ta Eleide Cristiana em sua estruturada e o acesso a
essência mais pura. Aos 36 água encanada, produtos
anos, ela é mãe de quatro de higiene e absorven-
filhos homens que, por iro- tes nunca lhe faltou. Até o
nia do destino, nunca vão momento em que saiu de
entender na prática o sa- casa. Depois de casar e ter
crifício que sua mãe pre- seu primeiro filho, há vin-
cisou fazer mensalmente te anos, o cenário mudou
durante um longo tempo. e a mãe se viu obrigada a
Foi exatamente quando se retirar o absorvente da
tornou mãe que seu perío- sua lista de prioridades.
do menstrual se transfor- Para que nada faltasse
mou em uma angústia. ao seu filho, Eleide por
Eleide menstruou muito tempo sangrou
pela primeira vez aos calada.
onze anos. Com o Um levantamen-
olhar reflexivo de to nacional*, coorde-
quem puxa do fundo nado pela antropólo-
da consciência uma ga Mirian Goldemberg
memória, ela conta mostrou que, ao longo da
que tomou um sus- vida, uma mulher gasta
to porque não en- de R$ 3 mil a R$ 8 mil com
tendia o que estava absorventes, valor exor-
acontecendo com bitante, sobretudo, para
seu corpo. Apesar uma mãe. Eleide não teve
da confusão inicial, acesso ao levantamento,
ela teve acesso ga- mas conhece na prática
rantido a absorven- o impacto desse cálculo:
tes descartáveis e, “Absorvente é muito caro.

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Já cheguei a passar sete momentos recorria ao do trabalho voluntário das
dias menstruada, quanto chão frio onde se deitava pessoas que já estiveram
gastaria?” constata imagi- na tentativa de amenizar a na Ocupação falando so-
nando o quão gigante seria dor. Agora a situação en- bre menstruação.
esse valor. Sem outro tipo volvendo o período mens- O semblante de tran-
de solução, recorreu aos trual é um pouco mais quilidade muda, porém,
paninhos que não supriam tranquila. Graças às doa- quando ela se recorda da
o que seu fluxo menstrual ções de absorventes que vez em que uma moça en-
exigia. Certa vez sua rou- a Ocupação recebe, o fato trou pelos corredores da
pa manchou de sangue na de ter sido demitida do seu Ocupação coberta de san-
rua graças a um vazamen- emprego como auxiliar de gue menstrual, “Ela andava
to do tal paninho. A cena é serviços gerais durante a e a gente via como estava
relatada por Eleide com o pandemia não a obrigou a completamente melada”.
constrangimento de quem voltar para o uso dos pa- Eleide então a chamou e
cometeu um crime e por ninhos. Pelo contrário, hoje deu um pacote de absor-
medo do episódio se repe- a mulher é um exemplo de vente para que pudes-
tir, ela conta que já deixou generosidade e ajuda ou- se trocar e fazer uso pelos
de ir ao trabalho, ao médi- tras mulheres que se en- próximos dias, pois segun-
co e a outros tipos de com- contram em situação de do ela, o que a gente tem,
promisso, “Eu não tinha di- maior vulnerabilidade que é preciso doar também.
nheiro para comprar, nem a dela. “Sempre que eu te- Sua generosidade, digna
tinha como conseguir. En- nho, eu divido!”, declara. de quem é uma mãe, vai
tão, simplesmente, não ia”. O tabu que existia sobre muito além de uma ques-
Uma presente e inco- o assunto também foi su- tão de caridade, é a ajuda
moda companheira dos ci- perado. Eleide declara que de quem viveu o problema
clos de Eleide também são não se sente mais descon- e gostaria de ter tido tam-


as cólicas menstruais. Por fortável ao tratar do tema, bém uma mão estendida.
muitas vezes sentiu as do- principalmente por causa É a identificação de quem
res sem acesso à também já sangrou muito
medicação e por alguns corredores sem
nesses ter como conter.

Absorvente é muito
caro. Já cheguei a *“Sem dinheiro
passar sete dias para absorventes 1
em cada 4 jovens já
menstruada, quanto deixou de ir à aula
gastaria?” por menstruar”
https://www.hype-
Eleide ness.com.br/2021/05/
Moradora da sem-dinheiro-para-
Ocupação -absorventes-1-em-
Emanoel Bezerra -cada-4-jovens-ja-
-deixou-de-ir-a-aula-
-por-menstruar/

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FORA
BOLSO
NARO
A porta enfeitada
por uma foto de Emma-
nuel Bezerra dos Santos,
militante político poti-
guar durante o período
da ditadura militar no
Brasil, ao lado dos dize-
res “Emmanuel Vive” e
um adesivo preto escrito lado dele, um recipiente muito geral, que isso sig-
“Fora Bolsonaro” denun- com pincéis capazes de nificava seu crescimen-
ciam que dentro daquele a vista para a praia pelo
deixá-la tímida de uma to enquanto mulher. Ao
pequeno lugar vive uma pequeno alojamento do
hora para outra. “É que contrário da grande par-
jovem com grandes con- galpão no bairro da Ri-
eu tenho muita vergonha, te das mulheres, Andre-
vicções políticas. A sus- beira. Assim como os de-
sabe?”, se limita a dizer za foi instruída sobre a
peita logo se confirma mais moradores, as duas
sobre a possibilidade de chegada desse momento,
com a materialização de esperam a entrega de sua
mostrar uma de suas pin- o que se tornou grande
Andreza Medeiros, de 25 moradia própria, prevista
turas. tranquilizador para ela.
anos. No braço, uma tatu- para o fim deste ano.
Faziam exatos sete O “Já sim” quando
agem de uma planta que Com muita tranqui-
dias que Andreza tinha perguntada sobre a falta
se parece muito uma espa- lidade Andreza conta que
sido demitida de uma de acesso a absorventes
da-de-são-jorge; no rosto, menstruou pela primeira
grande empresa de Te- sinalizava que a tran-
o sorriso de uma mulher vez aos onze anos. Não
lemarketing de Natal. quilidade de viver seus
muito bem articulada. estava esperando, po-
A pandemia, como para ciclos menstruais havia
Andreza fala muito rém também não sofreu
outras tantas mulheres, sido interrompida em al-
bem, pausadamente e mui- um grande susto: “Feliz-
inclusive desta reporta- gum momento. Segundo
ta segura de cada palavra. mente eu estava em casa
gem, foi a justificativa. Andreza, sua mãe não
As batidas na porta sina- quando aconteceu, minha
Na Ocupação ela chegou trabalha há muitos anos e
lizando o início da entre- mãe estava comigo e me
há cerca de um ano, jun- essa situação fez com que
vista interrompeu uma ajudou. Foi muito tran-
to com sua mãe. Antes existissem meses em que
pesquisa no notebook, quilo”. A pauta menstru-
disso, as duas moravam elas simplesmente não
usado anteriormente para ação já havia sido abor-
em uma casa com o ex- tivessem condições de
o trabalho, que assim dada antes de acontecer
-companheiro da matriar- bancar os materiais ne-
como o de vários ou- de fato, segundo ela, a
ca na conhecida rua do cessários para o cuidado
tros brasileiros, durante mãe já tinha a alertado
Motor que cruza a Praia de duas pessoas menstru-
a pandemia, estava sen- sobre a possibilidade de
do Meio e Areia Preta. adas. Sem condições de
do realizado de casa no estar perto de acontecer
A união acabou e An- gastar em dobro, roupas
chamado home office. Ao sua menarca e, de modo
dreza precisou substituir velhas e trapos eram uti-

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lizados como solução para afirmou, em entrevista ao em situação de vulnera-
ambas as mulheres. portal G1, a deputada Ta- bilidade. Andreza defen-
O sorriso de Andre- bata Amaral (PSB-SP). de que, principalmente,
za cessa por um momen- Quarenta e oito ho- mulheres em situação de
to. “Humilhante” É como ras depois, no dia 10 de rua que não têm acesso a
resume a situação em que março, o Congresso Na- água encanada e produ-
vivia. Tanto ela quanto cional decidiu derrubar tos de limpeza para ma-
a mãe faziam o que po- o veto do presidente Jair nutenção dos chamados
diam para arrumar algum Bolsonaro ao Programa paninhos, recebam ab-
dinheiro para comprar ab- de Proteção e Promoção sorventes descartáveis e,
sorventes e evitar que o da Saúde Menstrual. O assim, tenham o mínimo
período menstrual fosse veto foi derrubado por da dignidade necessária
inteiro levado com uma 426 votos a 25, na Câma- para viver. É perceptível
solução improvisada. ra, e, no Senado, por 64 nos olhos dela o quanto a
A irritação por se a 1. Andreza não poderia luta pelos direitos das de-
sentir suja é um senti- ter escolhido um adesivo mais perpassa seu desejo
mento que ainda não melhor para colocar na de ressignificar parte de
tinha sido relatado por sua porta. O grito “Fora sua própria história.
outra mulher nas entre- Bolsonaro” é ainda mais Timidamente An-
vistas anteriores. Triste- significativo para mulhe- dreza confidencia que ter
za, medo, angústia, ver- Andreza Medeiros em res que sofrem na pele as vindo morar na Ocupação
frente ao seu barraco na
gonha, sim. Mas sobre Ocupação Emmanuel violências do seu mandato. teve seus pontos positivos.
irritação e raiva, foi a Bezerra Andreza também Deu uma pausa como se
primeira a relatar. Nada Foto: Francisca Pires não conhecia a pauta da escolhesse as melhores pa-
mais condizente com a pobreza menstrual, pelo lavras para explicar e en-
sinceridade de uma jo- Bolsonaro editou e assi- menos não com esse tão concluiu: “É que hoje
vem com ideias tão revo- nou um decreto para pro- nome. Mas, não tem a eu não tenho mais preo-
lucionárias. O que pode teção da saúde menstrual menor sombra de dúvidas cupação com absorvente,
ser mais irritante para e distribuição gratuita de do quanto a falta de re- sabe? Recebemos muitas
alguém que a violação de absorventes e outros itens cursos para o manejo da doações e, além disso, às
um direito básico? de higiene. sua menstruação prejudi- vezes vêm pessoas con-
Falando em vio- Ao contrário do cou seu desenvolvimento versar com a gente sobre
lação de direitos, o pre- projeto de lei, aprovado como pessoa. “Já cheguei esses temas”. A fala mis-
sidente Jair Bolsonaro, no congresso, o decreto a faltar aula várias vezes. tura alívio com uma espé-
vetou em outubro de possui várias lacunas so- O trapo que eu usava era cie de culpa.
2021 os artigos 1º e 3º bre prazos, público alvo muito desconfortável, não A ferida da humi-
do Programa de Prote- e fonte de financiamento. dava”. O relato de Andre- lhação de não ter básico
ção e Promoção da Saú- “O que Bolsonaro vem za, infelizmente, é só mais para viver com dignidade
de Menstrual. Os artigos fazendo ao longo dos úl- um no país em que uma nunca estanca. Revisitar
previam a entrega de timos 2 anos é chacota, é em cada quatro jovens já essa dor é visivelmente
absorventes descartáveis piada da nossa luta, mes- faltou à aula por não poder delicado para Andreza e
para estudantes de baixa mo sabendo que nossas comprar absorvente. o encontro da sua vulne-
renda de escolas públi- meninas perdem 45 dias “Eu tinha uma casa. rabilidade com a força
cas, pessoas em situação de aula por ano por não Às vezes minha mãe pe- que precisou adotar para
de rua ou vulnerabilidade terem um absorvente; que gava uns bicos e mesmo si é um fenômeno interes-
social extrema e presidi- mulheres em situação de assim a gente não con- sante de observar. Com
árias. Como justificativa, rua, que mulheres em si- seguia comprar, já era toda educação que possui,
argumentou que o texto tuação de cárcere, por usa- complicado. Imagina sentindo que já tinha se
do projeto não estabele- rem um miolo de pão, um quem nunca teve nada?” exposto o suficiente, An-
ceu fonte de custeio. Cin- jornal sujo, um lençol ras- Argumenta sobre a dis- dreza finalizou a entrevista
co meses depois, no dia gado, adquirem infecções tribuição gratuita de ab- sem mostrar uma pintura
da mulher (8 de março), e muitas são internadas” sorventes para mulheres sua sequer.

10
Mulher
de fases
H
élida Al- taca que o lugar onde me as fases da sua vida. hoje em dia, seguindo
ves da vive é tranquilo e que As primeiras menstrua- a lógica do aumento de
Silva con- já conhecia como fun- ções eram intensas, dura- preço de todos os produ-
cede en- cionava uma ocupação vam muitos dias e eram tos possíveis, virou artigo
trevistas porque, quando mais jo- acompanhadas de dores de luxo. Nascida em San-
como se isso já fizesse vem, visitava sua mãe e fluxos grandes. Quando ta Cruz, Hélida morou de
parte do seu ofício. Su- que morava em uma. foi mãe, o fluxo diminuiu aluguel por muitos anos.
per à vontade, conversa Falando de quando era e passou a se prolongar Sem condições financei-
deitada na sua cama e o mais jovem, Hélida não bem menos. Hoje, aos 35 ras de manter a casa e os
microfone em nenhum consegue se lembrar com anos, os ciclos voltaram a itens necessários à sobre-
momento parece lhe inti- exatidão de quantos anos se intensificar. Sente cóli- vivência da família, se
midar. Conforme ela vai tinha quando sua menar- cas, muita dor de cabeça mudou para Natal assim
se mostrando, é notório ca chegou,“Deve ter sido mas, por sorte, já se acos- que soube da Ocupação.
que, na verdade, poucas com 12 ou 13, não me tumou com as variações O gasto mensal muito
coisas na vida lhe inti- lembro bem”. Apesar de do seu ciclo e lida bem alto com aluguel é uma
midam. Hélida é mãe de não lembrar sua idade, com elas. das justificativas que a
dois filhos, um casal cuja ela lembra com clareza Difícil de lidar mulher aponta para a vol-
menina é a única a morar das conversas que tinha mesmo, segundo ela, é ta da pobreza menstrual
consigo e será apresen- com sua mãe antes de com a falta de dinheiro em sua vida. Quando
tada nesta reportagem menstruar pela primeira para comprar o absorven- mais nova já tinha usado
em breve. Quando ouve vez. Foi instruída do que te descartável. “Quando por diversas vezes peda-
a pergunta sobre gostar aconteceria e munida dos a pessoa tem um pai ou ços de pano para conter
de morar na Ocupação conselhos que tinha es- uma mãe para pedir é seu sangramento.
Emmanuel Bezerra re- cutado não ficou nem um uma coisa. Agora quando “Mainha cortava
bate de forma precisa: pouco nervosa ou assus- depende da gente e esta- uns paninhos e arruma-
“Não é questão de gostar, tada com a nova fase. mos desempregados, fica va tudo na minha gave-
e sim, de lutar pela minha Uma observação sem condições”. Para tinha”, recorda de forma
moradia!”. Pois é, Héli- curiosa que Hélida faz é Hélida já houve um tem- saudosa até. O carinho
da, você tem toda razão. de que seu fluxo mens- po em que comprar ab- dos detalhes torna me-
Apesar disso, des- trual foi variando confor- sorventes era barato, mas nos dolorosa a lembrança

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Foto: Francisca Pires
de não ter acesso a um meio mais Hoje, as doações que recebem não
prático e seguro de lidar com sua permitem que essa realidade volte
menstruação. “O absorvente já é a assombrá-la. A generosidade de
próprio para aquela finalidade, en- pessoas que nem conhece garante
tão vem no tamanho certo e encai- um ciclo menstrual tranquilo para
xa na calcinha. O pano não. Vaza, Hélida e sua filha.
fica um ‘bolo’. É muito ruim”, Quando fala da casa própria,
avalia. Hélida conta que já aconte- prometida pelo governo para daqui
ceu de estar na rua e pessoas des- há seis meses, sorri como criança.
conhecidas irem até ela avisar que Fala dos planos de colocar em um
sua roupa estava manchada. En- som alto uma música que gosta,
vergonhada, chegou a voltar para fazer um churrasco e tomar uma
casa diversas vezes. cervejinha. As regras da Ocupação
Com ajuda de programas não permitem a realização desses
como bolsa família e bolsa escola, desejos e por este e mais outros
Hélida comprava absorventes para vários motivos, ela sonha acorda-
si e para filha adolescente sempre da com seu próprio espaço. Hélida
que podia. Porém, graças às demais é como várias outras brasileiras,
despesas da casa, nem sempre era mais uma Silva, esperando sua es-
Hélida da Silva em sua cama na
possível realizar a compra mensal. Ocupação Emmanuel Bezerra trela brilhar.

Do útero de Hélida

Diretamente e é a entrevistada mais


do útero de Hélida jovem desta reporta-
veio Herika Beatriz. gem. Herika é uma me-
Assim mesmo que você nina preta, assim como a
leu: com H, como a mãe, mãe. O olhar, no entanto, é
e K. Por coincidência, ou um pouco diferente. Os olhos
não, depois de ouvir o comentário são mais apertados e o sorriso já faz
de que seu nome parecia de artista olhou parte do rosto de uma forma que não parece
para criança que bisbilhotava entre a fresta da porta ser possível desfazer. Segura o microfone muito ani-
e gritou: “Dá licença? Estou dando uma entrevista!”. mada e conta as histórias com o entusiasmo que só
Herika tem 14 anos, mora com Hélida na Ocupação uma adolescente cheia de sonhos teria.

12
Foto: Francisca Pires
Herika fala sobre Ocupação, a compra de
sua menarca como um absorventes deixou de ser
fato que acabou de acon- uma angústia. Nas aulas
tecer. Há apenas dois da escola Isabel Gondim,
anos, quando tinha com- onde estuda em tempo in-
pletado 12, a primeira tegral, não corre mais ris-
menstruação chegou sem co de faltar. As doações
aviso prévio e, adivi- suprem a necessidade
nhem, deu o que falar. mensal e menstruar foi,
A menina andava em aos poucos, se tornando
uma bicicleta empres- só mais uma característi-
tada que pertencia a um ca de ser mulher. De estar
amigo. Logo um homem. se formando mulher. A
Ao entregar o transporte menina estava esquen-
ao dono foi surpreendida tando seu almoço quan-
pela indagação do rapaz do a entrevista começou.
“Herika, minha bicicle- Depois de responder a
ta está suja de sangue”. várias perguntas, olhou
Com a mão no rosto e ar com um ar de quem já ti-
de riso, a menina lem- nha dado tudo que podia
bra constrangida, “Oh oferecer e soltou: “E so-
meu Deus, que vergo- bre você, não fala nada?
nha, boy!”. Note como Diz ao menos quantos
a presença de uma figu- anos tu tem?”.
ra masculina é sempre Herika fala rápido,
apresentada pelas entre- quase que sem vírgulas.


vistadas como um agra- Por ser menor de idade, Herika Beatriz tem seu rosto É como se tivesse pressa
preservado na Ocupação Emmanuel Bezerra
vante para o constrangi- de ser ouvida.
mento que existe após Ao contrário de
um vazamento mens- tem uma menarca mui- dona Edilma, primeira e
trual. É como se sentis- to menos traumatizante. mais velha entrevistada,
sem mais vulneráveis e Herika, também como se soltou logo de cara. No
fossem mais julgadas. O sua mãe, não passou ilesa entanto, curiosamente, a
que, considerando opres- pelo uso do pano na falta história da menarca das
são imposta pelo patriar- de absorvente descar- Quando eu duas se unem em várias
cado, muitas vezes de tável. Segundo a meni- semelhanças. Ambas es-
na, a situação se repe- vou em um
fato acontece. tavam na rua brincando,
Felizmente a con- tia sempre que faltava supermercado sujaram a roupa, foram
versa aberta sobre mens- dinheiro na casa e, com e vejo um avisadas, tinham homens
truação foi algo passado isso, o medo de sair de pacote presentes e correram
de geração para geração. casa e ter a menstruação para casa. O medo de
vazada novamente come- pequeno de
Assim como sua avó con- sair também fez parte
versou com sua mãe, Hé- çou a acompanhá-la. absorvente da vida das duas. Os 41
lida também deixou claro “Quando eu vou por seis ou anos de diferença entre
para filha como acontece- em um supermercado e sete reais, fico Edilma e Herika somem
ria esse processo natural vejo um pacote pequeno aos poucos à medida
de absorvente por seis ou assustada. É
do corpo de toda menina que suas histórias se
como ela. É muito notó- sete reais, fico assustada. caro demais” cruzam de certa forma.
rio o quanto as mulheres É caro demais” desabafa Herika É muito difícil explicar
que têm acesso ao míni- a menina. Assim como as Moradora da em palavras a conexão
demais, Herika destaca Ocupação
mo de informação, seja Emanoel Bezerra
que existe entre pessoas
em casa ou na escola, que quando foi morar na que menstruam.

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PROJETO
LUAS
CONHEÇA
O PROJETO

Carregando no nome professora e Layla Linha- e é através do Instagram


a misticidade e a força res, 29 anos e advogada, (@projetoluas) que con-
do único satélite natural formam a equipe por trás seguem arrecadar os re-
da Terra e quinto maior do coletivo de mulheres cursos. “As doações são
do Sistema Solar, o Proje- unidas em prol da arreca- feitas preferencialmente
to Luas, assim mesmo no dação e doação de absor- em dinheiro, pois os kits,
plural, atravessa a vida de ventes a mulheres e ho- cada um com dez absor-
milhares de pessoas que mens encarcerados ou em ventes, são padronizados
menstruam. A iniciativa já situação de vulnerabilida- em uma embalagem com
existia nos planos de suas de no município de Natal nosso carimbo. Só então,
fundadoras desde 2019, e estado do Rio Grande do depois de embalados, dis-
mas foi no ano seguinte Norte. A ação visa, sobre- tribuímos.” explica. Após a
e durante a pandemia de tudo, promover a igualda- realização de quatro cam-
Covid-19, junho de 2020, de de acesso à dignidade panhas independentes e
que o Luas nasceu de fato. menstrual. mais algumas outras, re-
Falando em suas funda- Érica Iglesias conta alizadas através de parce-
doras, Érica Iglesias, 35 que o Luas entra em cam- rias, o coletivo conseguiu
anos e Servidora Pública, panha a cada três me- arrecadar e distribuir mais
Samara Tatiana, 32 anos e ses, aproximadamente, de 20.000 absorventes.

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Foto: Reprodução Jornal Saiba Mais
As mulheres desta
reportagem, moradoras
da Ocupação Emmanuel
Bezerra, tiveram suas his-
tórias entrelaçadas pelo
projeto através das liga-
ções já existentes com ou-
tras iniciativas. “Nós co-
meçamos a doar os kits
para alguns projetos como
a Pastoral Carcerária, a
Sopa Viga e o Humanas
da Rua e eram eles que fa-
ziam as entregas na ocu-
pação”, relata Érica. No
entanto, a primeira visita
oficial para distribuição
de absorvente na Emma- Absorventes empacotados para distribuição pelo Projeto Luas
nuel Bezerra veio somente
um tempo depois, através Alguns acreditam que o Por outro lado, seu es-
de uma pessoa conhecida poder e o magnetismo do tudo também comprovou
que já realizava a entrega satélite é capaz de regular que, considerando a mé-
de coletores menstruais a menstruação ou influen- dia global do ciclo mens-
e convidou o Projeto Luas ciar diretamente nos com- trual de 29 dias e o fato de
para esse movimento de portamentos de pessoas que ciclo lunar dura 29,5
entregar pessoalmente com útero. Aqueles mais dias, estatisticamente fa-
os recursos na ocupação. céticos, podem argumen- lando e com uma distri-
Hoje, o Luas contempla tar que, cientificamente buição aleatória das datas
a maior parte das ocu- falando, não há estudos de início do período, é pro-
pações do Movimento de que comprovem de fato vável que 1 em cada 2 mu-
Luta nos Bairros, Vilas e alguma relação entre os lheres tenha o início de seu
Favelas (MLB), onde acon- fatores. É o caso da pes- período menstrual mais
tecem entregas fixas pe- quisa da Dra. Marija Vlajić ou menos 3 dias a par-
riodicamente. Além disso, Wheeler, PhD em Astrofí- tir da lua cheia ou da lua
existem as entregas no nova. Estabelecida ou não
sica pela Universidade de
Complexo Penal Dr. João uma relação direta, o fato
Oxford, que analisando
Chaves (Pavilhão Femini- é que pessoas com útero
7,5 milhões de ciclos não são cíclicas, plurais e, em
no) e no Centro de Deten- encontrou nenhuma in- algumas culturas, até sa-
ção Provisória de Ceará- dicação de que o período gradas. Desse modo, me-
-Mirim. começa predominante- recem acesso à dignida-
Existem muitos mitos mente durante a lua nova de menstrual, para assim,
e crenças populares que como afirma a correlação serem livres para mens-
relacionam o ciclo mens- mais sugerida entre os ci- truar sem preocupações
trual com as fases da lua. clos lunar e menstrual. ou prejuízos.

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O QUE DIZEM AS LEIS
Conforme já foi rela- cunas sobre prazos, público esses legitimam a seriedade
tado anteriormente, em ou- alvo e fonte de financiamen- da pauta e promovem cami-
tubro de 2021, o presidente to. Quarenta e oito horas de- nhos para solucionar a pro-
Jair Messias Bolsonaro (PL) pois, no dia 10 de março, o blemática a curto, médio e
vetou trechos da lei que ins- Congresso Nacional decidiu longo prazo. Como muito foi
titui o Programa de Proteção derrubar o veto do presidente mostrado nesta reportagem,
e Promoção da Saúde Mens- Jair Bolsonaro ao Programa ainda que a menstruação
trual (Lei 14.214/2021). de Proteção e Promoção da possa parecer algo simples
Como justificativa para o Saúde Menstrual. O veto foi e banal, a falta de absorven-
veto, Bolsonaro argumenta derrubado por 426 votos a te afeta 28% das mulheres
que o texto do projeto não es- 25, na Câmara, e, no Senado, brasileiras de baixa renda,
tabelece fonte de custeio. No por 64 a 1. segundo uma pesquisa de-
entanto, o texto, aprovado Antes mesmo da as- senvolvida pela Johnson &
em agosto pela Câmara dos sinatura do decreto, no Rio Johnson Consumer Health,
Deputados e em setembro Grande do Norte, o cenário juntamente com os Institutos
pelo Senado Federal, previa já era mais mais animador. Kyra e Mosaiclab. A porcen-
que o dinheiro viria dos re- Pouco tempo após do veto tagem equivale a cerca de
cursos destinados pela União presidencial, o governo do 11,3 milhões de brasileiras e,
ao Sistema Único de Saúde estado sancionou a Lei nº além disso, 30% das mulhe-
(SUS) – e, no caso das pre- 10.947/21,de autoria do de- res que participaram do es-
sidiárias, do Fundo Peniten- putado estadual Kelps Lima tudo conhecem alguém que
ciário Nacional. A lei é fruto (Solidariedade), que prevê é afetado pelo problema da
do PL 4968/2019, da depu- a criação de um programa pobreza menstrual.
tada Marília Arraes (PT-PE), de conscientização sobre a 11,3 milhões de mu-
e previa a distribuição para menstruação, além da uni- lheres que são como Edilma,
estudantes de baixa renda versalização de acesso ao ab- Eleide, Andreza, Hélida e
de escolas públicas e pesso- sorvente pelas alunas da rede Herika. Histórias atravessa-
as em situação de rua ou de pública a partir do Ensino das de pessoas que sangram.
extrema vulnerabilidade. Fundamental II; adolescen- Biologicamente e metafori-
A notícia trouxe à tes infratoras que cumprem camente por causa das feri-
tona a discussão acerca da medidas socioeducativas; das causadas pelo desejo não
pobreza menstrual no Bra- presidiárias; adolescentes e atendido de viver com o mí-
sil e da necessidade da cria- mulheres em situação de vul- nimo de dignidade. Feridas
ção de políticas públicas que nerabilidade. Já em Natal, que não cicatrizam, mas que
tragam soluções para a ques- especificamente, a Câmara podem se tornar menos dolo-
tão. Cinco meses depois, no Municipal também aprovou rosas à medida que a socie-
dia da mulher (8 de março), em outubro de 2021, o Pro- dade fala sobre o assunto e
Bolsonaro editou e assinou jeto de Lei 83/2021 da vere- o poder público trabalha em
um decreto para proteção da adora Brisa Bracchi (PT) que prol de soluções para que as
saúde menstrual e distribui- institui a obrigatoriedade de próximas gerações de meni-
ção gratuita de absorventes distribuição de absorventes nas, mulheres, homens trans
e outros itens de higiene. higiênicos a pessoas em situ- e pessoas não binárias, não
Ao contrário do projeto de ação de vulnerabilidade so- conheçam a dor de sangrar,
lei, aprovado no congresso, cial e econômica. todo mês, sem assistência.
o decreto possui várias la- Projetos de lei como

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Obrigada
às mulheres corajosas desta
reportagem que aceitaram
revisitar suas dores e, mais
ainda, dividi-las comigo.
Francisca Pires

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MORADORES
DA OCUPAÇÃO
EMMANUEL
BEZERRA.
POBREZA MENSTRUAL E SEUS IMPACTOS:
RELATOS DE UMA NATAL QUE SANGRA
| FRANCISCA PIRES |

JORNALISMO UFRN 2022

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