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Informativo 15-STJ (EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA)


Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO CIVIL
DIREITOS AUTORAIS
▪ Ainda que terceirizada a execução de shows e apresentações musicais, subsiste a responsabilidade solidária do ente
público idealizador do evento pelas sanções decorrentes da violação dos direitos autorais.

CONTRATOS
▪ Não é possível conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo, sobretudo quando as partes,
nessa nova avença, pactuaram obrigações diametralmente opostas e desautorizam, expressamente, os termos da
proposta original.
▪ Se houver uma cláusula contratual que limite o valor de indenização que a parte pode pedir em caso de
descumprimento do ajuste, essa cláusula não pode ser afastada pelo simples fato de uma das partes ter maior
poderio econômico e técnico do que a outra.
▪ Não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, dos quadros da cooperativa, de médico cooperado que
fundou nova cooperativa médica para operar no mesmo campo econômico da anterior, gerando evidente conflito
de interesses.

CONTRATOS (SEGURO)
▪ A associação de proteção veicular que foi estipulante de contrato de seguro coletivo responde solidariamente com
a seguradora pelo pagamento da indenização securitária.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS


▪ Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, é possível que o devedor fiduciante
faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário?

RESPONSABILIDADE CIVIL
▪ Não é possível responsabilizar a loja ou a empresa por compras feitas com cartão de crédito perdido, roubado ou
fraudulento, se o ladrão souber a senha correta ou se inseriu todos os dados necessários do cartão para a compra
online.
▪ Metrô deve ser responsabilizado por roubo ocorrido em suas dependências, se ficar evidenciado que a empresa não
adotou os procedimentos mínimos de segurança, nos termos da Lei 6.149/74, inclusive para fins de suporte à vítima
após o fato.
▪ Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem de todos os
produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado.

DIREITO AGRÁRIO / ARRENDAMENTO RURAL


▪ É de cinco anos o prazo mínimo para a duração de contrato de arrendamento rural em que ocorra pecuária de gado
bovino, independentemente da maior ou menor escala da atividade exploratória ou da extensão da área a que se
refira o contrato.

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DIREITO DO CONSUMIDOR
RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO PRODUTO
▪ Em caso de vício redibitório não resolvido no prazo de 30 dias, se o consumidor optar por rescindir o contrato e
receber de volta o valor pago, ele deverá receber integralmente o preço, sem qualquer abatimento pelo fato de ter
usado o bem durante um período.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


COMPETÊNCIA
▪ A regra do art. 43 do CPC pode ser superada, sempre em caráter excepcional, quando se constatar que o juízo
perante o qual tramita a ação não é adequado ou conveniente para processá-la e julgá-la.

CURADORIA ESPECIAL
▪ A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, goza de honorários advocatícios sucumbenciais
caso o réu sagre-se vencedor na demanda.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
▪ O advogado de núcleo de prática jurídica designado para atuar como defensor dativo, ante a impossibilidade da
Defensoria Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados pelo juiz e pagos pelo Estado.

RECURSOS
▪ A doença do advogado da parte pode ser invocada como justa causa para a devolução do prazo recursal?

HONORÁRIOS RECURSAIS
▪ O recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação – ainda que não seja conhecido ou que seja
desprovido - não implicará honorários de sucumbência recursal para a parte contrária.

EXECUÇÃO (IMPENHORABILIDADE)
▪ É imprescindível o esgotamento dos meios executivos típicos para a utilização do sistema Central Nacional de
Indisponibilidade de Bens (CNIB) como medida executiva atípica.
▪ O art. 833, X, do CPC assegura a impenhorabilidade de valores até o limite de 40 salários-mínimos,
independentemente de onde estiverem depositados ou mesmo em papel-moeda; não se admite a penhora ainda
que parcial desses valores.

EXECUÇÃO / FRAUDE À EXECUÇÃO


▪ A caracterização da fraude à execução, quando o credor não efetuou o registro imobiliário da penhora, depende de
prova de que o terceiro adquirente tinha ciência do ônus que recaía sobre o bem; esse entendimento existe desde a
redação original do CPC/1973.

PROCESSO COLETIVO
▪ Há legitimidade das vítimas para executar individualmente o TAC firmado por ente público que verse sobre direitos
individuais homogêneos.

DIREITO INTERNACIONAL
ALIMENTOS INTERNACIONAIS
▪ A remessa de valores para o exterior a título de alimentos internacionais é isenta do pagamento de tarifas bancárias.

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DIREITO CIVIL

DIREITOS AUTORAIS
Ainda que terceirizada a execução de shows e apresentações musicais, subsiste a
responsabilidade solidária do ente público idealizador do evento pelas sanções decorrentes da
violação dos direitos autorais
ODS 16

Caso adaptado: o Distrito Federal realiza todos os anos um carnaval de rua, com a
apresentação de intérpretes e bandas musicais nas principais cidades-satélites. Neste ano, o
governo decidiu contratar uma associação civil para organizar o evento (Liga Carnavalesca
dos Trios, Bandas e Blocos Tradicionais). Durante o referido evento ocorreram apresentações
de blocos em diversas vias públicas do Distrito Federal, ocasião em que foram tocadas
centenas de músicas. O problema foi que a associação civil contratada não providenciou a
liberação prévia perante o ECAD para as execuções públicas musicais, nem efetuou o
pagamento dos direitos autorais devidos. Em razão desses fatos, o ECAD ingressou com ação
de cobrança de direitos autorais em desfavor do Distrito Federal e da Liga Carnavalesca dos
Trios, Bandas e Blocos Tradicionais, pedindo a condenação dos requeridos ao pagamento dos
direitos autorais.
Ao contratar e remunerar a Liga Carnavalesca dos Trios, Bandas e Blocos Tradicionais, o
Distrito Federal assumiu a posição de proprietário do evento, não se restringindo a
meramente autorizar ou ceder o uso do espaço público para a realização de festa organizada
por particular em prol da comunidade.
A atuação estatal, no caso, não se limitou à mera concessão de subvenção social às escolas de
samba, com transferência de recursos à entidade sem fins lucrativos, tampouco à participação
governamental em programa de desenvolvimento de cultura popular. As festividades
carnavalescas foram idealizadas e promovidas pelo ente público.
Assim, a responsabilidade do Distrito Federal pelo pagamento dos direitos autorais decorre
de sua atuação como realizador e proprietário do evento, nos termos do art. 110 c/c o art. 68,
§ 3º, da Lei nº 9.610/98.
STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt no REsp 1.797.700-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
12/9/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).
Obs: existe decisão da 3ª Turma do STJ em sentido contrário ao entendimento acima explicado: STJ.
3ª Turma. REsp 1444957-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info 588).

Direitos autorais
Se houver a execução de obras musicais em um evento, a pessoa responsável pela organização deverá
fazer o pagamento de direitos autorais.
A cobrança realizada é feita com base no art. 68 da Lei nº 9.610/98:
Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras
teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções
públicas.

O fato gerador do pagamento dos direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de
frequência coletiva.

ECAD
Esses direitos autorais devem ser pagos ao ECAD que, então, irá repassar os valores arrecadados aos
autores das músicas.

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ECAD é a sigla para Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Trata-se de uma sociedade civil, de
natureza privada, instituída pela Lei federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais
Brasileira (Lei nº 9.610/98).
É entidade organizada e administrada por nove associações de gestão coletiva musical e cumpre a ela
formular a política e a normatização da arrecadação e distribuição de direitos autorais decorrentes da
execução pública de composições musicais ou literomusicais e de fonogramas, possuindo legitimidade
para defender em juízo ou fora dele a observância dos direitos autorais em nome de seus titulares.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


O Distrito Federal, por meio da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, realiza todos os anos um carnaval
de rua, com a apresentação de intérpretes e bandas musicais nas principais cidades-satélites.
Neste ano, o governo do Distrito Federal decidiu contratar uma associação civil para organizar o evento
(Liga Carnavalesca dos Trios, Bandas e Blocos Tradicionais).
Durante o referido evento ocorreram apresentações de blocos em diversas vias públicas do Distrito
Federal, ocasião em que foram tocadas centenas de músicas.
O problema foi que a associação civil contratada não providenciou a liberação prévia perante o ECAD para
as execuções públicas musicais, nem efetuou o pagamento dos direitos autorais devidos.
Em razão desses fatos, o ECAD ingressou com ação de cobrança de direitos autorais em desfavor do
Distrito Federal e da Liga Carnavalesca dos Trios, Bandas e Blocos Tradicionais, pedindo a condenação dos
requeridos ao pagamento dos direitos autorais.
O ECAD invocou como fundamento o art. 68 da Lei nº 9.610/98:
Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras
teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções
públicas.
(...)
§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais,
mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras
audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão
ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

Em contestação, o Distrito Federal alegou que:


1) o evento era público, na rua, e que não havia intuito de lucro; logo, não seria possível a cobrança de
direitos autorais.
2) se limitou a contratar a Liga Carnavalesca dos Trios, Bandas e Blocos Tradicionais, providenciando a
remuneração dos serviços, bem como a patrocinar o evento, não devendo ser cobrado por despesas a que
não deu causa. Afirmou ainda que a Liga foi responsável pela execução do evento e pelo pagamento de
indenizações, salários, encargos sociais e trabalhistas, tributos e todas as despesas existentes.

1) O ECAD poderia cobrar direitos autorais relacionados com a realização deste evento mesmo ele sendo
gratuito?
SIM.
Nos termos do art. 86 da Lei nº 9.610/98, “os direitos autorais de execução musical relativos a obras
musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares
pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3º do art. 68 desta Lei, que as exibirem,
ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem”.
Já o § 3º do art. 68 da Lei nº 9.610/98 dispõe que são locais de frequência coletiva os órgãos públicos da
administração direta ou indireta, fundacionais e estatais ou onde quer que se representem, executem ou
transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

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Portanto, a realização de festividade carnavalesca por ente estatal em logradouro público e com execução
de obras musicais configura local de frequência coletiva para os fins da Lei nº 9.610/98.
O STJ possui firme entendimento no sentido de que devido o pagamento de direitos autorais por utilização
de obras musicais em espetáculos promovidos pelo Poder Público, mesmo em eventos que não visem
direta ou indiretamente ao lucro, segundo dispõe a Lei nº 9.610/98. Nesse sentido:
A cobrança de direitos autorais pela execução de obras musicais protegidas em eventos públicos não está
condicionada ao objetivo ou obtenção de lucro.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.098.063-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/11/2023 (Info 795).

O uso de obras musicais em espetáculos promovidos pela municipalidade, mesmo que gratuitos, enseja
cobrança de direitos autorais.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp n. 1.703.865/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 19/4/2018.

2) O argumento de que o Distrito Federal se limitou a repassar os recursos para a associação civil realizar
o evento foi acolhido pelo STJ para fins de se reconhecer a inexistência de responsabilidade do poder
público?
NÃO.
Ao contratar e remunerar a Liga Carnavalesca dos Trios, Bandas e Blocos Tradicionais, o Distrito Federal
assumiu a posição de proprietário do evento, não se restringindo a meramente autorizar ou ceder o uso
do espaço público para a realização de festa organizada por particular em prol da comunidade.
A atuação estatal, no caso, não se limitou à mera concessão de subvenção social às escolas de samba, com
transferência de recursos à entidade sem fins lucrativos, tampouco à participação governamental em
programa de desenvolvimento de cultura popular. As festividades carnavalescas foram idealizadas e
promovidas pelo ente público.
Assim, a responsabilidade do Distrito Federal pelo pagamento dos direitos autorais decorre de sua atuação
como realizador e proprietário do evento, nos termos do art. 110 c/c o art. 68, § 3º, da Lei nº 9.610/98:
Art. 110. Pela violação de direitos autorais nos espetáculos e audições públicas, realizados nos
locais ou estabelecimentos a que alude o art. 68, seus proprietários, diretores, gerentes,
empresários e arrendatários respondem solidariamente com os organizadores dos espetáculos.

Art. 68 (...)
§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos,
boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e
industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos
da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros
terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam
obras literárias, artísticas ou científicas.

Ainda que se atribua a obrigação pelo recolhimento dos valores à associação civil contratada para executar
a programação das festividades carnavalescas, a responsabilidade do Distrito Federal não estaria afastada
de plano.
Cumpre frisar que não se está a impor ao ente público o dever de recolher os valores relativos aos direitos
autorais por simples descumprimento do dever de fiscalização, mas em decorrência de sua condição de
idealizador, executor e patrocinador do evento.
Veja-se que a atuação estatal, no caso, não se limitou à mera concessão de subvenção social às escolas de
samba, com transferência de recursos à entidade sem fins lucrativos, tampouco à participação
governamental em programa de desenvolvimento de cultura popular.

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Como consignado, as festividades carnavalescas foram idealizadas e promovidas pelo ente público e,
embora terceirizados os shows e apresentações, subsiste a responsabilidade solidária do ente público
idealizador do evento pelas sanções decorrentes da violação dos direitos autorais, nos termos do art. 110
da Lei nº 9.610/98.

Em suma:
Ainda que terceirizada a execução de shows e apresentações musicais, subsiste a responsabilidade
solidária do ente público idealizador do evento pelas sanções decorrentes da violação dos direitos
autorais.
STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt no REsp 1.797.700-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
12/9/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

Julgado em sentido contrário da 3ª Turma do STJ


Vale ressaltar a existência de decisão em sentido contrário:
Se o Município contratou, mediante licitação, uma empresa para a realização do evento, será dela a
responsabilidade pelo pagamento dos direitos autorais.
Exceções: esta responsabilidade poderá ser transferida para o Município em duas hipóteses:
1) se ficar demonstrado que o Poder Público colaborou direta ou indiretamente para a execução do
espetáculo; ou
2) se ficar comprovado que o Município teve culpa em seu dever de fiscalizar o cumprimento do contrato
público (culpa in eligendo ou in vigilando).
Em síntese: no caso em que sociedade empresária tenha sido contratada mediante licitação para a
execução integral de evento festivo promovido pelo Poder Público, a contratada - e não o ente que apenas
a contratou, sem colaborar direta ou indiretamente para a execução do espetáculo - será responsável pelo
pagamento dos direitos autorais referentes às obras musicais executadas no evento, salvo se comprovada
a ação culposa do contratante quanto ao dever de fiscalizar o cumprimento dos contratos públicos (culpa
in eligendo ou in vigilando).
STJ. 3ª Turma. REsp 1444957-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info 588).

CONTRATOS
Não é possível conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo,
sobretudo quando as partes, nessa nova avença, pactuaram obrigações diametralmente opostas
e desautorizam, expressamente, os termos da proposta original
ODS 16

Caso hipotético: TechInova é uma startup de tecnologia digital. Em novembro de 2022, os


acionistas e fundadores da TechInova aceitaram vender a empresa para um grande grupo de
investimentos, a Capital Ventures. O contrato preliminar previa que, com a venda, a Capital
Ventures assumiria todas as dívidas existentes da TechInova, incluindo obrigações
trabalhistas e tributárias. Em dezembro de 2022, as partes assinaram um “contrato definitivo
de compra e venda de ações”, no qual ficou ajustado que a TechInova e seus acionistas
venderiam a empresa para a Capital Ventures. No entanto, neste contrato definitivo, há uma
cláusula que diverge do acordo preliminar: segundo o contrato definitivo, os vendedores
(fundadores da TechInova) são responsáveis por todas as obrigações trabalhistas existentes
até a data da assinatura do contrato.
Em 2024, a TechInova, já sob o contrato da Capital Ventures, exige dos antigos acionistas da
startup o pagamento das dívidas trabalhistas não pagas. Os antigos acionistas se defendem
argumentando que, de acordo com a oferta de venda inicial e o contrato preliminar assinado,

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a compradora (Capital Ventures) seria responsável por essas dívidas. Logo, deveria
prevalecer essa cláusula prevista no contrato preliminar.
O STJ não concordou com os argumentos dos vendedores.
Quando chega o momento de assinar o contrato definitivo, é possível que as partes, de maneira
consensual, definam obrigações que sejam diferentes ou até mesmo contrários aos que
haviam sido combinados inicialmente no contrato preliminar.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.054.411-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/10/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


TechInova é uma startup de tecnologia digital.
Em novembro de 2022, os acionistas e fundadores da TechInova aceitaram vender a empresa para um
grande grupo de investimentos, a Capital Ventures.
O contrato preliminar previa que, com a venda, a Capital Ventures assumiria todas as dívidas existentes
da TechInova, incluindo obrigações trabalhistas e tributárias.
Em dezembro de 2022, as partes assinaram um “contrato definitivo de compra e venda de ações”, no qual
ficou ajustado que a TechInova e seus acionistas venderiam a empresa para a Capital Ventures.
No entanto, neste contrato definitivo, há uma cláusula que diverge do acordo preliminar: segundo o
contrato definitivo, os vendedores (fundadores da TechInova) são responsáveis por todas as obrigações
trabalhistas existentes até a data da assinatura do contrato.
Em 2024, a TechInova, já sob o contrato da Capital Ventures, exige dos antigos acionistas da startup o
pagamento das dívidas trabalhistas não pagas.
Os antigos acionistas se defendem argumentando que, de acordo com a oferta de venda inicial e o
contrato preliminar assinado, a compradora (Capital Ventures) seria responsável por essas dívidas. Logo,
deveria prevalecer essa cláusula prevista no contrato preliminar.

O argumento dos antigos acionistas foi acolhido pelo STJ?


NÃO.

O que é um contrato preliminar?


O contrato preliminar, também chamado de contrato promessa, é um ajuste provisório, preparatório no
qual as partes prometem a futura confecção de um contrato definitivo.
O contrato preliminar encontra-se disciplinado nos arts. 462 a 466 do Código Civil.

A parte pode exigir que a outra celebre o contrato definitivo


O contrato preliminar confere, em benefício de qualquer das partes, a prerrogativa de exigir da outra a
celebração do negócio definitivo com observância do que fora inicialmente pactuado. É o que prevê o art.
463 do CC:
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e
desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir
a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Vale ressaltar, contudo, que, quando chega o momento de assinar o contrato definitivo, é possível que as
partes, de maneira consensual, definam obrigações que sejam diferentes ou até mesmo contrários aos
que haviam sido combinados inicialmente no contrato preliminar. Isso acontece porque o contrato
preliminar tem um papel de preparar e estruturar as bases do acordo, mas pode ser alterado se as partes
assim desejarem, ajustando-se aos seus interesses e necessidades no momento da finalização do contrato.

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Nesse sentido, a liberdade contratual confere aos negociantes amplos poderes para revogar, modificar ou
substituir cláusulas anteriores, não importando se esses ajustes estavam previstos nos contratos
preliminares, uma vez que a autonomia da vontade das partes pode desconstituir obrigações
anteriormente assumidas.
Na situação analisada, as partes convencionaram, inicialmente, que a responsabilidade pelo pagamento
dos débitos trabalhistas seria do adquirente. No entanto, depois, no contrato definitivo, de comum
acordo, as partes ajustaram que essa obrigação seria de responsabilidade dos vendedores. Perceba que
foram os próprios negociantes que, depois do acordo inicial, resolveram mudar de ideia e,
consensualmente, formalizaram um contrato em sentido oposto ao da proposta inicial.
Não é possível que os vendedores queiram adotar um comportamento incoerente e que aleguem que
apenas essa cláusula do contrato definitivo não seja aplicada, mantendo-se todo o restante.
O que aconteceu no caso concreto foi que as partes ajustaram algo no contrato preliminar e, depois, no
contrato definitivo resolveram alterar. Diante disso, não há mais como se conferir maior eficácia à cláusula
contratual que estava no contrato preliminar do que aquela que ficou consignada no contrato definitivo.

Em suma:
Não é possível conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo, sobretudo
quando as partes, nessa nova avença, pactuaram obrigações diametralmente opostas e desautorizam,
expressamente, os termos da proposta original.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.054.411-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/10/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

CONTRATOS
Se houver uma cláusula contratual que limite o valor de indenização que a parte pode pedir em
caso de descumprimento do ajuste, essa cláusula não pode ser afastada pelo simples fato de
uma das partes ter maior poderio econômico e técnico do que a outra
ODS 16

O simples reconhecimento do poderio econômico e técnico da fornecedora e da debilidade da


distribuidora, retratado em sucessivas alterações contratuais, é insuficiente para tornar nula
cláusula de limitação de responsabilidade.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.989.291-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Moura
Ribeiro, julgado em 7/11/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


AlfaTech, uma grande empresa de tecnologia, celebrou contrato com uma empresa chamada DeltaTech,
distribuidora (revendedora) de produtos de informática.
Esse contrato previa que a Delta compraria os equipamentos da Alfa e os revenderia para usuários finais
no Município X.
Esta relação negocial durou muitos anos.
Ao longo do tempo, a Alfa foi modificando unilateralmente os termos do contrato, alterando a forma de
pagamento das comissões e reduzindo a margem de lucro da Delta.
Vale ressaltar, ainda, que a Alfa, em várias oportunidades, vendeu diretamente para usuários finais do
Município X, deixando, assim, de repassar os valores que a Delta tinha direito segundo o contrato.
A Delta viu-se obrigada a aceitar essas sucessivas alterações contratuais considerando que era uma
empresa com menor poderio econômico e técnico se comparada com a Alfa.
Com o tempo, contudo, essas práticas resultaram em significativas perdas financeiras para a Delta. Sem
conseguir mais reduzir suas margens de lucro, a Delta ajuizou ação de indenização contra a Alfa.

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O juiz condenou a Alfa ao pagamento de R$ 2 milhões que foram os prejuízos comprovados pela autora.
A Alfa recorreu alegando que o contrato possuía uma cláusula limitativa de responsabilidade, ou seja, uma
cláusula que estabelecia uma quantia máxima que poderia ser paga a título de indenização por uma das
partes no caso de descumprimento contratual ou outros tipos de prejuízos.
Essa cláusula limitativa de responsabilidade era de R$ 500 mil. Logo, a Alfa pediu para que a indenização
fosse reduzida e ficasse limitada a esse valor.
O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso argumentando que essa cláusula limitativa de
responsabilidade deveria, no caso concreto, ser tida como nula considerando o grande poderio econômico
e técnico da fornecedora (Alfa) e a debilidade da distribuidora (Delta).
Assim, a cláusula limitativa de extensão indenizatória pactuada foi afastada porque o TJ reconheceu que,
no caso, houve infração à ordem econômica caracterizada pelo aumento arbitrário de lucros e pelo
exercício abusivo de posição dominante.
Inconformada, a Alfa interpôs recurso especial afirmando que os motivos invocados pelo TJ não são
suficientes para declarar a nulidade da cláusula limitativa de responsabilidade.

O STJ concordou com os argumentos da recorrente (Alfa)?


SIM.
O ordenamento jurídico admite expressamente a possibilidade de as partes estabelecerem cláusula penal
compensatória como forma de antecipação das perdas e danos que futuramente possam sofrer.
No caso, a cláusula penal foi prevista e serve, exatamente, para casos em que o contratante deixe de
cumprir a obrigação (art. 408 do Código Civil) e, para ser exigida, não é necessário que o credor alegue
prejuízo (art. 416 do Código Civil):
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de
cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor
exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como
mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

O tribunal estadual entendeu por bem afastar a cláusula limitativa de responsabilidade para “coibir
eventual infração à ordem econômica”, nos termos do art. 36, III e IV da Lei nº 12.529/2011:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob
qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos,
ainda que não sejam alcançados:
(...)
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

Conforme já exposto, o STJ não concordou com essa conclusão.


O contrato previu uma cláusula penal para regular os eventuais prejuízos provenientes da relação
negocial. O credor (no caso, a Delta) não pode simplesmente desconsiderá-la e demandar o devedor (Alfa)
pela integralidade dos danos, exceto no caso de dolo ou se o contrato autorizar a cobrança dos prejuízos
excedentes, o que não foi o caso, porque nada foi previsto nesse sentido.
Apesar de a ré/recorrente ter uma posição dominante, é importante consignar que a distribuidora
também era uma empresa de grande porte, que cresceu exponencialmente com a parceria comercial, de
modo que não há como concluir que sua vulnerabilidade impedia o conhecimento e a compreensão de
uma cláusula limitativa de responsabilidade.

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Assim, como não ficou minimamente comprovado o dolo na fixação da cláusula penal nem foi previsto no
contrato a possibilidade de o credor demandar indenização suplementar, deve mesmo prevalecer a
validade da cláusula limitativa de responsabilidade, que engloba, inclusive, os danos morais arbitrados.

Em suma:
O simples reconhecimento do poderio econômico e técnico da fornecedora e da debilidade da
distribuidora, retratado em sucessivas alterações contratuais, é insuficiente para tornar nula cláusula
de limitação de responsabilidade.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.989.291-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Moura
Ribeiro, julgado em 7/11/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

CONTRATOS
Não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, dos quadros da cooperativa, de médico
cooperado que fundou nova cooperativa médica para operar no mesmo campo econômico da
anterior, gerando evidente conflito de interesses
ODS 16

Caso adaptado: João, médico, era um dos membros da cooperativa Unimed. Ele, juntamente
com outros 28 médicos, fundaram uma nova cooperativa médica denominada Saúde Total. Em
razão disso, João foi excluído da Unimed, sob a alegação de que ele descumpriu cláusulas
estatuárias.
João não concordou e ajuizou ação contra a Unimed alegando que essas imposições são
cláusulas de unimilitância que, portanto, são nulas. Como consequência, pediu a sua
reintegração à Unimed.
O STJ não concordou com o autor.
O art. 29, § 4º, da Lei 5.764/71 (Lei das Cooperativas) prevê que “não poderão ingressar no
quadro das cooperativas os agentes de comércio e empresários que operem no mesmo campo
econômico da sociedade”.
O estatuto social da Unimed dispõe, em síntese, que o médico cooperado não poderá exercer
exploração comercial no ramo da cooperativa ou ocupar cargos de direção e compor órgãos
sociais de outras operadoras de plano de saúde, sem, contudo, exigir exclusividade de atuação
(cláusula de unimilitância).
Na hipótese, a exclusão de João dos quadros da cooperativa recorrida não decorreu de
exigência de exclusividade, mas do rompimento do pacto cooperativo em razão de ter ele,
conjuntamente com outros médicos cooperados, fundado nova cooperativa, no mesmo ramo
de atuação daquela, para concorrer diretamente, gerando evidente conflito de interesses.
Desse modo, não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, tampouco importa
indevida restrição à atividade profissional dos cooperados.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.311.662-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/9/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, médico, era um dos membros da cooperativa Unimed, que funciona como plano de saúde.
Em 2002, João, juntamente com outros 28 médicos cooperados da Unimed, fundaram uma nova
cooperativa médica denominada Saúde Total.
Alguns meses depois da criação da Saúde Total, João foi excluído dos quadros de médicos cooperados da
Unimed, sob a alegação de que ele descumpriu as seguintes cláusulas estatuárias:

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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Art. 5º - Poderá ingressar na Unimed, toda a pessoa física que, tendo livre disposição de sua pessoa
e bens, exerça a profissão de médico dentro da área de ação da Sociedade, esteja devidamente
habilitado pela inscrição nos órgãos profissionais, econômicos e fiscais exigidos por Lei, que
concorde com o presente Estatuto e atenda aos demais comandos regimentais e dos órgãos
sociais da sociedade, e não realize qualquer atividade que possa prejudicar a Cooperativa ou que
venha a colidir com as suas finalidades.
(...)
IV - Não poderão ingressar no quadro da Cooperativa os Médicos que ocupem cargos de direção
ou exerçam atividades comerciais em organizações caracterizadas como entidades de medicina
de grupo ou empresas que atuam na área do seguro-saúde; os já cooperados antes da vigência
deste artigo tornam-se inelegíveis para cargos sociais.

Art. 8º - A eliminação de associados é de competência do Conselho de Administração, depois de


parecer do COTEP, incidindo sobre a pessoa que:
(...)
c) associe-se a outra Cooperativa singular que tenha o mesmo ou similar objeto social da Unimed.

Art. 45 - O cooperado não pode exercer cumulativamente cargos nos órgãos Sociais desta e/ou de
outras cooperativas.

João não concordou e ajuizou ação contra a Unimed alegando que essas imposições são cláusulas de
unimilitância que, portanto, são nulas.
A cláusula de unimilitância refere-se a uma disposição estatutária em cooperativas, especialmente as
cooperativas médicas, que exige dos seus cooperados a exclusividade na prestação de serviços. Em
resumo, esta cláusula impede que os cooperados se associem ou participem de outras cooperativas ou
entidades que atuem no mesmo campo ou segmento econômico.
O autor pediu a declaração de nulidade das cláusulas e a sua reintegração aos quadros de cooperados da
Unimed.

Após a tramitação nas instâncias ordinárias, o caso chegou até o STJ. O pedido do autor foi acolhido?
NÃO.

Cláusula de unimilitância
Como vimos acima, a cláusula de unimilitância é aquela que exige exclusividade dos médicos cooperados,
impedindo-os de se credenciarem ou referenciarem a quaisquer outras operadoras de planos de saúde ou
seguradoras especializadas em saúde concorrentes, o que acaba por criar restrições ao exercício da
atividade profissional dos cooperados, que passam a ser vinculados exclusivamente à cooperativa médica.

A cláusula de unimilitância é válida?


NÃO. A cláusula de unimilitância, apesar de ser habitual no âmbito das cooperativas médicas, é rechaçada
pelo ordenamento jurídico.
O art. 18, III, da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) proíbe expressamente a imposição de contratos
de exclusividade ou de restrição à atividade profissional dos médicos, independentemente da natureza
jurídica da operadora de plano de saúde:
Art. 18. A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da
condição de contratado, referenciado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei implica as seguintes obrigações e direitos:
(...)

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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III - a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com


número ilimitado de operadoras, sendo expressamente vedado às operadoras, independente de
sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade
profissional.

Justamente por isso, já decidiu o STJ:


É inválida a cláusula inserta em estatuto de cooperativa de trabalho médico que impõe exclusividade aos
médicos cooperados.
STJ. 1ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1.068.888/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 17/4/2012.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou, em 23 de setembro de 2008, a Resolução


Normativa n. 175 - que alterou a RN n. 85/2004, que dispõe sobre os requisitos para o funcionamento das
operadoras de planos de saúde -, para acrescentar a vedação à unimilitância como condição para
autorização de funcionamento das operadoras de planos de saúde, sendo que, a partir de então, as
cooperativas de trabalho médico passaram a ser obrigadas a inserir, em estatuto social, cláusula de
vedação à exclusividade.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) editou um enunciado também rechaçando essa
prática:
Súmula 7: Constitui infração contra a ordem econômica a prática, sob qualquer forma manifestada, de
impedir ou criar dificuldades a que médicos cooperados prestem serviços fora do âmbito da cooperativa,
caso esta detenha posição dominante.

Por que se proíbe a cláusula de unimilitância?


A vedação à unimilitância busca afastar situações que restrinjam ou criem embaraço à atividade
profissional dos médicos e que, consequentemente, resultem em prejuízo aos consumidores.

Cooperado não tem, contudo, liberdade absoluta


A cláusula de unimilitância é ilícita. Contudo, isso não significa que o médico prestador de serviços tenha
liberdade absoluta e irrestrita.
O art. 18, III, da Lei dos Planos de Saúde deve ser interpretado em harmonia com outras normas vigentes,
como a Lei nº 5.764/71 (Lei das Cooperativas), o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Antitruste e o
Código Civil.
Desse modo, ainda que, de acordo com princípio das portas abertas, que rege o sistema cooperativo, não
possam existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novos membros nas cooperativas,
a livre adesão de cooperados não pode ser compreendida como princípio absoluto, especialmente diante
da necessidade de que a cooperativa defenda seus interesses legítimos, zelando não só pela qualidade do
atendimento, mas também por sua saúde financeira e consequente sobrevivência no mercado do ramo
de planos de saúde, sendo, por essa razão, legítimas as cláusulas estatutárias que visem evitar situações
de conflitos de interesses que possam prejudicar o desempenho de sua atividade econômica.

No caso concreto, o médico fundou uma nova cooperativa para concorrer com a antiga
No caso, o cooperado não foi eliminado do quadro de cooperados simplesmente por ingressar em
cooperativa para realizar atendimentos médicos. A situação foi diversa. Ele fundou, em conjunto com
outros cooperados, uma nova cooperativa médica para concorrer com a Unimed, em razão da insatisfação
com alegadas limitações impostas às atividades dos cooperados, passando a integrar órgão social da nova
entidade.
Nesse contexto, a sua eliminação não se mostra arbitrária ou discriminatória, tampouco impõe restrições
à sua atividade profissional. Ao contrário, resultou do rompimento do pacto cooperativo, que tem como
principal objetivo potencializar o sucesso econômico da cooperativa de trabalho médico que, por sua vez,
passou a concorrer diretamente com a nova cooperativa por ele fundada.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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Nesse sentido, vale relembrar o que prevê o art. 29, § 4º, da Lei 5.764/71 (Lei das Cooperativas):
Art. 29 (...)
§ 4º Não poderão ingressar no quadro das cooperativas os agentes de comércio e empresários
que operem no mesmo campo econômico da sociedade.

Arts. 5º, IV, e 45 do Estatuto


João foi excluído com base nos arts. 5º, IV, e 45 do estatuto, que não impuseram dever de exclusividade,
vedada pela jurisprudência do STJ e do CADE. Isso porque tais cláusulas não impediam que o médico
realizasse atendimentos médicos fora do âmbito da cooperativa, mas apenas buscavam afastar situações
de conflito de interesses que pudessem trazer prejuízos à atuação da cooperativa e dos próprios
cooperados.
Referidas disposições estatutárias, portanto, não podem ser consideradas abusivas e/ou anticompetitivas,
pois não têm o condão de limitar a concorrência ou de diminuir a oferta de planos de saúde aos
consumidores, uma vez que não impedem a criação de operadoras concorrentes ou o exercício do médico
em operadoras distintas, mas apenas buscam proteger a higidez e a eficiência econômica da cooperativa
em situações específicas de conflito de interesses.

Em suma:
Não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, dos quadros da cooperativa, de médico
cooperado que fundou nova cooperativa médica para operar no mesmo campo econômico da anterior,
gerando evidente conflito de interesses.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.311.662-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/9/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

Aprofundando:
Por outro lado, o STJ afirmou que a cláusula prevista no art. 8º, “c”, do Estatuto era ilegal, à luz da
jurisprudência do STJ e do entendimento da ANS e do CADE. Isso porque se trata de situação clássica de
restrição ao exercício da atividade profissional.
Contudo, no caso concreto, a expulsão de João não se fundamentou nesta cláusula, mas em hipótese
prevista nos arts. 5º, IV, e 45 do estatuto, equiparando-se, para todos os efeitos, ao exercício de atividade
comercial no ramo da cooperativa. Isso, porque, ainda que os atos cooperativos não impliquem operações
de mercado, a conduta de João, dadas as particularidades do caso concreto, configura atividade
potencialmente prejudicial à cooperativa e, portanto, incompatível com seus objetivos.

CONTRATOS (SEGURO)
A associação de proteção veicular que foi estipulante de contrato de seguro coletivo responde
solidariamente com a seguradora pelo pagamento da indenização securitária
ODS 16

Caso adaptado: uma associação de proteção veicular celebrou contrato com a Nobre
Seguradora a fim de oferecer um seguro em favor de seus associados (caminhoneiros). João,
um dos associados, sofreu acidente e, como não recebeu a indenização, ajuizou ação contra a
seguradora e a associação em litisconsórcio.
O estipulante, em regra, não é o responsável pelo pagamento da indenização securitária. Por
outro lado, é possível, excepcionalmente, atribuir ao estipulante a responsabilidade pelo
pagamento da indenização securitária, em solidariedade com o ente segurador, como nas

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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hipóteses de mau cumprimento de suas obrigações contratuais ou de criação nos segurados


de legítima expectativa de ser ele o responsável por esse pagamento.
No caso, a associação deverá responder solidariamente com a seguradora por dois motivos:
1) ela não cumpriu adequadamente suas obrigações, visto que era a responsável por informar
adequadamente ao associado as cláusulas contratuais;
2) ela criou no associado/segurado a legítima expectativa de que se responsabilizaria pelo
pagamento dos prejuízos advindos do sinistro - ao lado da seguradora -, já que, além de
estipulante, apresentava-se como sendo uma associação de socorro mútuo.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.080.290-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2023 (Info
15 – Edição Extraordinária).

Seguro individual e coletivo


O seguro pode se dar em duas grandes modalidades:
a) o seguro individual; e
b) o seguro em grupo (ou coletivo).

Seguro individual
No contrato securitário individual, a pessoa física ou jurídica é quem contrata diretamente com a
seguradora o interesse segurável mediante o pagamento de um prêmio. Pode atuar, como intermediário,
um corretor autorizado, o qual presta serviços, integrando a cadeia de fornecimento.
Desse modo, tanto o ente segurador quanto o corretor de seguros devem prestar informações adequadas
ao proponente quando da contratação (art. 2º, VIII, “b”, e art. 3º, caput, e § 1º, V, VI e VIII, da Resolução
CNSP nº 382/2020).

Seguro coletivo
No contrato de seguro em grupo, cuja estipulação é feita em favor de terceiros, três são as partes
interessadas:
a estipulante, responsável pela contratação com o segurador (ex: empresa ou associação);
b) seguradora, que oferece a cobertura dos riscos especificados na apólice;
c) o grupo segurado, usufrutuários dos benefícios, que assumem suas obrigações para com o estipulante
(ex: trabalhadores ou associados).

Associação de proteção veicular


Associação de proteção veicular é uma organização formada por um grupo de pessoas, geralmente
proprietários de veículos, que se unem com o objetivo de oferecer proteção mútua contra prejuízos
materiais que possam ocorrer com seus veículos.
Essas associações funcionam com base no princípio do rateio, onde os custos dos sinistros são divididos
entre os membros, proporcionando uma forma alternativa de cobertura para riscos veiculares, como
acidentes, furtos, e danos.
A SUSEP considera essa prática ilegal por ser uma burla à regulação do mercado de seguros. Confira essa
informação extraída do site da SUSEP:
“Proteção veicular é seguro?
Algumas associações e cooperativas estão comercializando, ilegalmente, produtos similares a
seguros de automóveis com o nome, por exemplo, de 'proteção', 'proteção veicular', 'proteção
patrimonial', dentre outros.
Como essas associações e cooperativas não estão autorizadas pela SUSEP a comercializar seguros,
não há qualquer tipo de acompanhamento técnico de suas operações, e tampouco
monitoramento da existência de capacidade econômico-financeira suficiente para garantir os

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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pagamentos aos clientes em caso de sinistros.” (https://www.gov.br/susep/pt-br/assuntos/meu-


futuro-seguro/seguros-
previdencia-e-capitalizacao/seguros/seguro-de-automoveis)

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:


“Caminhoneiros Unidos” é uma associação de proteção veicular formada por proprietários de caminhões.
Essa associação celebrou contrato com a Nobre Seguradora a fim de oferecer um seguro em favor de seus
associados.
O associado que aceitasse participar do seguro, deveria preencher um termo de adesão e pagar certo valor
à seguradora a título de prêmio.
João foi um dos associados que aderiu ao seguro.
Isso significa que:
• a Caminhoneiros Unidos é a estipulante;
• a Nobre é a seguradora;
• João é um dos beneficiários.

João adquiriu um novo caminhão e, seguindo o procedimento padrão, pediu a substituição de sua antiga
apólice de seguro por uma nova, relativa ao seu novo veículo. A seguradora agendou a realização de uma
vistoria para avaliar o caminhão e, assim, dar início à cobertura securitária.
A vistoria foi realizada no dia 01/09.
Ocorre que, no dia seguinte (02/09), João se envolveu em um acidente na estrada e seu caminhão ficou
inteiramente destruído.
João requereu a indenização securitária, mas a seguradora negou o pedido, alegando que a apólice ainda
não estava vigente no momento do acidente. A seguradora explicou que a cobertura securitária somente
se inicia dois dias após a vistoria. Como ainda não havia passado esse prazo, o seguro ainda não estava em
vigor.
João não aceitou a justificativa e ajuizou ação contra a “Caminhoneiros Unidos” (associação) e contra
Nobre Seguradora, buscando a indenização pelo sinistro.
O juiz julgou o pedido procedente condenando a associação e a seguradora ao pagamento da indenização.
A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça.
Inconformada, a associação interpôs recurso especial alegando que era apenas uma intermediária no
contrato de seguro e, portanto, não deveria ser responsabilizada.

A associação de proteção veicular, que atuava na condição de estipulante de seguro automotivo


coletivo, possui legitimidade passiva ad causam, podendo ser responsabilizada solidariamente com o
ente segurador, em ação que busca o pagamento da indenização securitária?
SIM. Vamos entender com calma.

Quem é o estipulante do contrato?


O estipulante é a pessoa natural ou jurídica que ajusta um contrato de seguro em proveito do grupo que
a ela se vincula, assumindo perante o segurador a responsabilidade pelo cumprimento de todas as
obrigações contratuais, a exemplo do pagamento do prêmio recolhido dos segurados.
Vale ressaltar que o estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, exercendo papel
independente das demais partes que participam do contrato (art. 801, § 1º, do CC).
No caso concreto, como vimos, o estipulante era a associação de proteção veicular.

O estipulante é responsável pelo pagamento da indenização securitária?


Em regra, não. O estipulante, em regra, não é o responsável pelo pagamento da indenização securitária,
visto que atua apenas como interveniente, na condição de mandatário do segurado, agilizando o

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procedimento de contratação do seguro (arts. 21, § 2º, do Decreto-Lei nº 73/1966 e 801, § 1º, do Código
Civil).
Por outro lado, é possível, excepcionalmente, atribuir ao estipulante a responsabilidade pelo pagamento
da indenização securitária, em solidariedade com o ente segurador, como nas hipóteses de mau
cumprimento de suas obrigações contratuais ou de criação nos segurados de legítima expectativa de ser
ele o responsável por esse pagamento.
Nesse sentido:
Conquanto, como regra, o estipulante não tenha responsabilidade pela cobertura securitária, porquanto
atua apenas como interveniente, agilizando o procedimento de contratação do seguro, por exceção deve
responder de forma subsidiária nos casos em que seu comportamento cria nos segurados a legítima
expectativa de ser a responsável pela indenização, ou atua de forma a retardar o seu pagamento.
STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1.265.230/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 22/2/2013.

O estipulante, via de regra, não é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda que busca o
pagamento da indenização securitária, ressalvados os casos em que seu comportamento leva o
contratante a crer que é responsável pela cobertura (teoria da aparência).
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.294.945/AP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe de 13/6/2019.

Voltando à situação concreta:


No caso, a associação possui legitimidade passiva ad causam e deverá responder solidariamente com a
seguradora por dois motivos:
1) ela não cumpriu adequadamente suas obrigações, visto que era a responsável por intermediar a
contratação da apólice securitária entre seus associados e a seguradora e não informou adequadamente
ao associado quando entraria em vigência o seguro celebrado após a vistoria do novo automóvel;
2) além disso, a ela criou no associado/segurado a legítima expectativa de que se responsabilizaria pelo
pagamento dos prejuízos advindos do sinistro - ao lado da seguradora -, já que, além de estipulante, a
“Caminhoneiros Unidos” apresentava-se como sendo uma associação de proteção veicular, ou seja, uma
associação de socorro mútuo.

Em suma:
É possível, excepcionalmente, atribuir à associação de proteção veicular a responsabilidade pelo
pagamento da indenização securitária, em solidariedade com o ente segurador que atue na condição de
estipulante de seguro automotivo coletivo.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.080.290-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS


Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, é possível que o
devedor fiduciante faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do
fiduciário?
ODS 16

Antes da Lei 13.465/2017: mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em


garantia em nome do credor fiduciário, era possível a purgação da mora. A purgação era
admitida até a assinatura do auto de arrematação.

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Após a Lei 13.465/2017: não se admite a purgação da mora após a consolidação da


propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão
somente o exercício do direito de preferência.
Desse modo, não se admite a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto
adjeto de alienação fiduciária, submetidos à Lei nº 9.514/97 com a redação dada pela Lei nº
13.465/2017, nas hipóteses em que a consolidação da propriedade em favor do credor
fiduciário ocorreu na vigência da nova lei, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão
somente o exercício do direito de preferência.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.942.898-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/8/2023 (Info 15
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João quer comprar uma casa, mas não possui o dinheiro suficiente. Diante disso, ele procurou a Caixa
Econômica Federal (CEF), que celebrou com ele contrato de financiamento com garantia de alienação
fiduciária.
Assim, a CEF emprestou a João o dinheiro suficiente para comprar o imóvel. Como garantia do pagamento
do empréstimo, a propriedade resolúvel da casa ficará com o banco e João terá a posse, podendo usar
livremente o bem.
Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do
imóvel pelo banco “resolve-se” (acaba) e ela passa a pertencer a João.

Inadimplemento
João comprometeu-se a pagar a dívida em 180 prestações.
Ocorre que, por dificuldades financeiras, o mutuário/fiduciante tornou-se inadimplente.
Havendo mora por parte do mutuário, o credor deverá fazer a notificação extrajudicial (“intimação”) do
devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora.
Se, passados 15 dias da intimação, o fiduciante não pagar a dívida (purgar a mora), o art. 26 da Lei nº
9.514/97 afirma que ocorre a consolidação da propriedade em nome do fiduciário:
Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante,
consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
(...)

Para que serve essa intimação?


O devedor é notificado para ter a possibilidade de purgar a mora, no prazo de 15 dias, mediante o
pagamento das prestações vencidas e não pagas. Veja o que diz o § 1º do art. 26:
Art. 26 (...)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador
regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente
Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se
vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos
contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao
imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

Se o devedor purgar a mora


Se o devedor purgar a mora, o contrato de alienação fiduciária se convalescerá (§ 5º do art. 26).
O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário
(banco) as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.

Se o devedor não purgar a mora

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Se passarem os 15 dias sem que o devedor purgue a mora, o oficial do Registro de Imóveis irá certificar
esse fato e promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do
fiduciário (§ 7º do art. 26). Em outras palavras, o fiduciário (credor) torna-se o proprietário pleno.
Vale ressaltar que, antes de fazer a consolidação da propriedade, o registrador deverá exigir do fiduciário
o pagamento do imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e, se for o caso, do laudêmio.
Após a consolidação da propriedade, a Lei impõe ao fiduciário a obrigação de tentar alienar o imóvel por
meio de leilão público:
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias,
contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para
a alienação do imóvel.
(...)

Vimos acima que o devedor possui o prazo de 15 dias após a intimação para purgar a mora. Indaga-se:
é possível que o devedor fiduciante faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em
nome do fiduciário?

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL


É possível que o devedor fiduciante faça a purgação da mora mesmo após
já ter ocorrido a consolidação da propriedade em nome do fiduciário?
Antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: A partir da entrada em vigor da Lei 13.465/2017:
SIM (era possível) NÃO (não é mais possível)
Mesmo que já consolidada a propriedade do Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto
imóvel dado em garantia em nome do credor adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em
fiduciário, era possível a purgação da mora. vigor da Lei nº 13.465/2017, não se admite a
A purgação era admitida até a assinatura do auto purgação da mora após a consolidação da
de arrematação. propriedade em favor do credor fiduciário, sendo
assegurado ao devedor fiduciante tão somente o
exercício do direito de preferência.
A purgação da mora era permitida até a assinatura A Lei nº 13.465/2017 introduziu o § 2º-B ao art. 27
do auto de arrematação, com base no art. 34 do à Lei nº 9.514/97 prevendo que, após a
DL 70/1966, aplicado subsidiariamente às consolidação da propriedade fiduciária, o devedor
operações de financiamento imobiliário relativas à fiduciante só terá o direito de preferência para
Lei nº 9.514/97. adquirir o imóvel. A doutrina e a jurisprudência
interpretaram que, ao afirmar isso, o dispositivo
proibiu a purgação da mora após a consolidação
da propriedade.

Confira a redação do § 2º-B do art. 27:


Art. 27 (...)
§ 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor
fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o
direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado
aos encargos e despesas de que trata o § 2º deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto
sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da
propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao
procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos

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encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este
parágrafo, inclusive custas e emolumentos. (Incluído pela Lei nº 13.465/2017)

Sobrevindo a Lei nº 13.465, de 11/07/2017, que introduziu no art. 27 da Lei nº 9.514/97 o § 2º-B, não se
cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade
fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe
garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade
fiduciária.

Em suma:
Antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel
dado em garantia em nome do credor fiduciário, era possível a purgação da mora. A purgação era admitida
até a assinatura do auto de arrematação.
A partir da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: não se admite a purgação da mora após a consolidação
da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o
exercício do direito de preferência.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.649.595-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

Esse entendimento foi agora corroborado pela 2ª Seção do STJ:


Não se admite a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação
fiduciária, submetidos à Lei nº 9.514/97 com a redação dada pela Lei nº 13.465/2017, nas hipóteses em
que a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário ocorreu na vigência da nova lei, sendo
assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.942.898-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/8/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

RESPONSABILIDADE CIVIL
Não é possível responsabilizar a loja ou a empresa por compras feitas com cartão de crédito
perdido, roubado ou fraudulento, se o ladrão usou a senha correta ou se inseriu todos os dados
necessários do cartão para a compra online
ODS 16

Ex: Regina teve seu cartão de crédito furtado. Junto com o cartão, havia um papel no qual
Regina havia anotado a senha do cartão a fim de não esquecê-la. O ladrão, aproveitando-se da
situação, realizou diversas compras. Nas compras presenciais, o ladrão fez o uso regular da
senha da titular. Nas compras online, ele digitou todos os dados necessários para a operação.
Regina ajuizou então ação de indenização contra às lojas e empresas onde foram realizadas as
compras alegando que elas deveriam ter adotado procedimentos de segurança para evitar a
fraude exigindo a identidade do comprador para comparar com a titular do cartão.
O argumento da autora não foi acolhido pelo STJ.
Não há como imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado cartão de
crédito extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, especialmente se houve
uso regular de senha ou, então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de
todos os dados necessários para a operação.
Se os cartões de crédito estão livres de restrição, ou seja, desbloqueados e sem impedimentos
de ordem financeira, não há como entender que, pelo simples fato de terem aceitado o cartão
como meio de pagamento, lojistas estariam vinculados à fraude na sua utilização.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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STJ. 4ª Turma. REsp 2.095.413-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/10/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Regina teve seu cartão de crédito furtado. Junto com o cartão, havia um papel no qual Regina havia
anotado a senha do cartão a fim de não esquecê-la.
O ladrão, aproveitando-se da situação, realizou diversas compras em diferentes lojas do shopping.
Além disso, também realizou compras na internet utilizando o cartão de Regina.
Nas compras presenciais, o ladrão fez o uso regular da senha da titular. Nas compras online, o sujeito
digitou todos os dados necessários para a operação, incluindo o código de segurança de três dígitos que
fica na parte detrás do cartão.
Ao perceber o sumiço do cartão, Regina ligou imediatamente para o banco para cancelá-lo. Ocorre que
era tarde demais porque as compras já haviam sido realizadas.
Regina ajuizou então ação de indenização contra às lojas e empresas onde foram realizadas as compras
alegando que elas deveriam ter adotado procedimentos de segurança para evitar a fraude exigindo a
identidade do comprador para comparar com a titular do cartão.

A tese de Regina foi acolhida pelo STJ? As empresas e lojas possuem responsabilidade civil pelas compras
indevidas neste caso?
NÃO.
É possível encontrar alguns julgados mais antigos do STJ afirmando que:
Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias
das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras
realizadas com cartões magnéticos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.058.221/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/10/2011.

Essa não é mais a posição jurisprudencial que vigora atualmente. Em verdade, esse entendimento era
válido em casos mais antigos, envolvendo cartão sem chip e sem a necessidade de senha, haja vista que,
nesse cenário, os lojistas tinham sim o dever de conferir, ao menos, a identidade da pessoa que estava
efetuando a compra e a sua assinatura no boleto ou no canhoto. Atualmente, porém, a realidade das
transações comerciais é outra.
Hoje em dia, para a realização de compras com cartão, é necessário apenas que a pessoa que o esteja
portando digite a sua senha pessoal, ou então, em compras realizadas pela internet, digite todos os dados
necessários para a operação, inclusive código de segurança. No cenário atual, exigir do lojista, caso seja
utilizada a senha correta, que ele faça conferência extraordinária, para verificar se aquele cartão foi
emitido regularmente e não foi objeto de fraude ou furto não parece razoável, até porque, enquanto não
for registrada nenhuma ocorrência, é mesmo impossível atestar a inexistência de irregularidades.
Assim, não é correto imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado o cartão
extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, a não ser que se comprove que o lojista
também está envolvido na fraude, furto ou roubo, ou que o cartão tenha sido emitido em razão de parceria
comercial entre o estabelecimento comercial e o banco administrador. Se os cartões de crédito estão livres
de restrição, ou seja, desbloqueados e sem impedimentos de ordem financeira, não há como entender,
pelo simples fato de autorizarem a compra, que os lojistas estariam vinculados à fraude.

Em suma:
Não há como imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado cartão de crédito
extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, especialmente se houve uso regular de
senha ou, então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de todos os dados
necessários para a operação.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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STJ. 4ª Turma. REsp 2.095.413-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/10/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

No mesmo sentido:
Não comete ato ilícito o estabelecimento comercial que deixa de exigir documento de identidade no
momento do pagamento mediante cartão com uso de senha, considerando que não existe lei federal que
estabeleça obrigação nesse sentido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.676.090/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/8/2019.

RESPONSABILIDADE CIVIL
Metrô deve ser responsabilizado por roubo ocorrido em suas dependências, se ficar evidenciado
que a empresa não adotou os procedimentos mínimos de segurança, nos termos da Lei
6.149/74, inclusive para fins de suporte à vítima após o fato
ODS 16 E 17

A concessionária de serviço público deve ser responsabilizada pelos danos sofridos por
passageira nas dependências da estação do metrô, em razão de assalto à mão armada, quando
evidenciada a falha na prestação do serviço, em virtude da não adoção de procedimentos
mínimos de segurança.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.611.429-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/9/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, passageiro regular do metrô de São Paulo, aguardava o trem na Estação Paraíso.
Ele foi abordado por três indivíduos, sendo um deles armado.
Sob ameaça, João foi forçado a entregar seu telefone celular e sua carteira.
Vale ressaltar que o roubo ocorreu dentro das instalações da Companhia do Metropolitano de São Paulo
(Metrô) e que não havia nenhum agente de segurança ou dispositivo de monitoramento no local do
assalto.
Importante ainda destacar que os roubos no metrô aconteciam com frequência e já tinham sido noticiados
por reportagens meses antes do ato criminoso contra João.
Inconformado, João ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a Companhia do
Metropolitano de São Paulo (Metrô), alegando que a empresa falhou em fornecer um ambiente seguro
para seus usuários. Argumentou que, como concessionária de serviço público, o Metrô tem a
responsabilidade de garantir a segurança dos passageiros, e a ausência de segurança adequada na estação
contribuiu para o ocorrido.

Após a tramitação nas instâncias ordinárias, o caso chegou até o STJ. A concessionária foi condenada a
indenizar João?
SIM.
Em regra, o STJ entende que a concessionária de transporte coletivo não possui responsabilidade civil por
crimes praticados por terceiros em suas dependências. Nesse sentido:
Não há responsabilidade da empresa de transporte coletivo na hipótese de ocorrência de prática de ilícito
alheio à atividade fim, pois o ato doloso de terceiro afasta a responsabilidade civil da concessionária por
estar situado fora do desenvolvimento normal do contrato de transporte (fortuito externo), não tendo
com ele conexão.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


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STJ. 2ª Seção. REsp 1.853.361/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, relator para acórdão Min. Marco Buzzi, DJe
de 5/4/2021.

A concessionária de serviço público de transporte não tem responsabilidade civil em caso de assédio
sexual cometido por terceiro em suas dependências.
A importunação sexual no transporte de passageiros, cometida por pessoa estranha à empresa, configura
fato de terceiro, que rompe o nexo de causalidade entre o dano e o serviço prestado pela concessionária
– excluindo, para o transportador, o dever de indenizar.
O crime era inevitável, quando muito previsível apenas em tese, de forma abstrativa, com alto grau de
generalização. Por mais que se saiba da possibilidade de sua ocorrência, não se sabe quando, nem onde,
nem como e nem quem o praticará. Apenas se sabe que, em algum momento, em algum lugar, em alguma
oportunidade, algum malvado o consumará. Então, só pode ter por responsável o próprio criminoso.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.833.722/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/12/2020.

O caso concreto, contudo, é diferente


A concessionária deve ser responsabilizada não pelo mero ato ilícito praticado por terceiro ou por não ter
impedido o assalto à mão armada. A concessionária deve ser responsabilizada porque não cumpriu com
os requisitos mínimos legais de segurança. Ela deve ser responsabilizada porque não havia agente de
segurança nem dispositivo de monitoramento nas dependências da estação de metrô. Essa omissão
facilitou a ocorrência do roubo e impossibilitou que a vítima buscasse auxílio para prender os assaltantes.
A falta de corpo de segurança no local e de dispositivos de monitoramento configura ofensa flagrante aos
deveres impostos à prestadora de serviço público de transporte metroviário, à luz do disposto na Lei nº
6.149/74, que dispõe sobre a segurança do transporte metroviário:
Art. 3º Para a segurança do transporte metroviário, a pessoa jurídica que o execute deve manter
corpo próprio e especializado de agente de segurança com atuação nas áreas do serviço,
especialmente nas estações, linhas e carros de transporte.

Art. 4º O corpo de segurança do metrô colaborará com a Polícia local para manter a ordem pública,
prevenir ou reprimir crimes e contravenções penais nas áreas do serviço de transporte
metroviário.
§ 1º Em qualquer emergência ou ocorrência, o corpo de segurança deverá tomar imediatamente
as providências necessárias a manutenção ou restabelecimento da normalidade do tráfego e da
ordem nas dependências do metrô.
§ 2º Em caso de acidente, crime ou contravenção penal, o corpo de segurança do metrô adotará
as providências previstas na Lei nº 5.970, de 11 de dezembro de 1973, independentemente da
presença de autoridade ou agente policial, devendo ainda:
I - Remover os feridos para pronto-socorro ou hospital;
II - Prender em flagrante os autores dos crimes ou contravenções penais e apreender os
instrumentos e os objetos que tiverem relação com o fato, entregando-os à autoridade policial
competente; e
III - Isolar o local para verificações e perícias, se possível e conveniente, sem a paralisação do
tráfego.

Art. 5º Em qualquer dos casos a que se refere o § 2º do artigo anterior, após a adoção das
providências previstas, o corpo de segurança do metrô lavrará, encaminhando-o à autoridade
policial competente, boletim de ocorrência em que serão consignados o fato, as pessoas nele
envolvidas, as testemunhas e os demais elementos úteis para o esclarecimento da verdade.
Parágrafo único. O boletim de ocorrência se equipara ao registro policial de ocorrência para todos
os fins de direito.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


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Vale ressaltar que os assaltos no metrô eram corriqueiros e estavam sendo divulgados por reportagens
veiculadas meses antes do crime cometido contra João.
Nesse contexto, seria lógico que a concessionária tivesse adotado o mínimo de condições de segurança
esperada nos meses seguintes, o que não ocorreu, pois, quando do cometimento do crime, as
dependências da estação permaneciam sem mecanismo de vigilância algum, o que, impediu inclusive o
auxílio na busca e repreensão dos autores do ilícito, dever atribuído à concessionária por força dos arts.
3º, 4º e 5º da referida lei.

Em suma:
A concessionária de serviço público deve ser responsabilizada pelos danos sofridos por passageiro nas
dependências da estação do metrô, em razão de assalto à mão armada, quando evidenciada a falha na
prestação do serviço, em virtude da não adoção de procedimentos mínimos de segurança.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.611.429-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/9/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

RESPONSABILIDADE CIVIL / MARCO CIVIL DA INTERNET


Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a
origem de todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca
ao serviço prestado
ODS 16

Caso hipotético: Lucas e Mariana desenvolveram um curso online sobre arquitetura, vendido
em plataforma específica. Alguns meses depois do lançamento, eles descobriram que o curso
que criaram estava sendo comercializado por uma pessoa que não conheciam no Mercado
Livre.
Explicando melhor: alguém comprou o curso na plataforma, fez o download de todo o
conteúdo e agora está vendendo esse material no Mercado Livre. Trata-se, portanto, de um
curso “pirata”.
O Mercado Livre retira os anúncios denunciados pelos autores, mas logo em seguida já surge
outra oferta do mesmo curso com outro perfil de usuário. Diante desse cenário, Lucas e
Mariana ajuizaram ação contra o Mercado Livre pedindo que ele seja condenado a monitorar
sempre que alguém tentar vender o curso a fim de impedir que isso ocorra, sob pena de multa
diária.
O STJ não concordou com o pedido.
O serviço de intermediação virtual de venda e compra de produtos caracteriza uma espécie do
gênero provedoria de conteúdo, pois não há edição, organização ou qualquer outra forma de
gerenciamento das informações relativas às mercadorias inseridas pelos usuários.
Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a
origem de todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca
ao serviço prestado.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1.890.786-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
30/10/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Lucas e Mariana são arquitetos e desenvolveram um curso online no qual ensinam a execução e
administração financeira de obras, além de captação de clientes e elaboração de propostas e orçamentos.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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Esse curso passou a ser vendido em uma plataforma de venda de cursos online.
Ocorre que, alguns meses depois do lançamento, Lucas e Mariana descobriram que o curso que criaram
estava sendo comercializado por uma pessoa que não conheciam no Mercado Livre.
Explicando melhor: alguém comprou o curso na plataforma, fez o download de todo o conteúdo e agora
está vendendo esse material no Mercado Livre. Trata-se, portanto, de um curso “pirata”.
Lucas e Mariana fizeram um boletim de ocorrência na polícia e entraram em contato, por diversas vezes,
com o Mercado Livre para retirar essa venda do site.
O Mercado Livre retira os anúncios denunciados pelos autores, mas logo em seguida já surge outra oferta
do mesmo curso com outro perfil de usuário.
Diante desse cenário, Lucas e Mariana ajuizaram ação contra o Mercado Livre pedindo que ele seja
condenado:
a) a monitorar sempre que alguém tentar vender o curso a fim de impedir que isso ocorra, sob pena de
multa diária;
b) a pagar indenização pelos danos morais e materiais sofridos.

Após a tramitação nas instâncias ordinárias, o caso chegou até o STJ. Os pedidos dos autores foram
acolhidos?
NÃO.
De acordo com o entendimento consolidado do STJ, se um terceiro publica algum conteúdo ofensivo na
internet, o provedor de conteúdo ou de serviços, que armazena a página, somente tem a obrigação de
remover o conteúdo impugnado depois que a pessoa prejudicada informa, de maneira clara e precisa, a
URL's ou o link da postagem. Isso para permitir que o provedor faça a individualização e localização e,
consequentemente, a sua adequada remoção:
Para a remoção de conteúdo digital na internet, deve haver a indicação pelo requerente do respectivo
localizador URL do conteúdo apontado como infringente.
STJ. 3ª Turma. REsp 1654221/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2019.

Logo, não se afigura viável impor ao site de intermediação de vendas uma prévia fiscalização sobre a
origem ou a legalidade dos produtos anunciados:
O serviço de intermediação virtual de venda e compra de produtos caracteriza uma espécie do gênero
provedoria de conteúdo, pois não há edição, organização ou qualquer outra forma de gerenciamento das
informações relativas às mercadorias inseridas pelos usuários.
Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem de
todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1383354/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/08/2013.

Ressalta-se, ademais, que o art. 19 do Marco Civil da Internet, estabelece que o provedor de aplicação de
internet não será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdos produzidos por terceiros, salvo
se após ordem judicial específica, não adotar providências para tornar indisponível o conteúdo apontado
como danoso:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para,
no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível
o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara
e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do
material.
(...)

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


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Nesse sentido, a mera citação no processo e consequente ciência dos documentos dos autos não é
suficiente apara configurar a responsabilidade do provedor:
(...) 3. Os provedores de aplicações de internet possuem regramento próprio acerca da responsabilização
pela publicação de anúncios no ambiente digital, o que afasta a incidência da Lei n. 9.610/1998 e atrai o
disposto no art. 19, § 1º, da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
4. A ordem que determina a retirada de um conteúdo da internet deve ser proveniente do poder judiciário
e, como requisito de validade, deve ser identificada claramente. O Marco Civil da Internet elenca, entre
os requisitos de validade da ordem judicial para a retirada de conteúdo infringente, a 'identificação clara
e específica do conteúdo', sob pena de nulidade, sendo necessário, portanto, a indicação do localizador
URL. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1.763.517/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 5/9/2023;

(...) 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está amplamente consolidada no sentido de afirmar
que a responsabilidade dos provedores de aplicação da internet, por conteúdo gerado de terceiro, é
subjetiva e solidária, somente nas hipóteses em que, após ordem judicial, negar ou retardar
indevidamente a retirada do conteúdo.
5. A motivação do conteúdo divulgado de forma indevida é indiferente para a incidência do art. 19, do
Marco Civil da Internet. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1.993.896/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/5/2022.

Em suma:
Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem
de todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço
prestado.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1.890.786-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
30/10/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

DIREITO AGRÁRIO / ARRENDAMENTO RURAL


É de cinco anos o prazo mínimo para a duração de contrato de arrendamento rural em que
ocorra pecuária de gado bovino, independentemente da maior ou menor escala da atividade
exploratória ou da extensão da área a que se refira o contrato
ODS 16

No caso da criação de gado bovino, a atividade pecuária deve ser considerada de grande porte,
razão pela qual o prazo mínimo para duração do contrato de arrendamento mercantil é de 5
(cinco) anos, conforme disciplina o art. 13, II, “a”, do Decreto nº 59.566/66.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.336.293-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/5/2016 (Info 584).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.980.953-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/12/2023 (Info
15 – Edição Extraordinária).

Arrendamento rural
De forma resumida, arrendamento rural é um contrato por meio do qual o arrendador aluga um imóvel
que será utilizado por outra pessoa (arrendatário) para a exploração de atividade rural (agrícola, pecuária,
granjeira etc).

Vamos detalhar essa definição:

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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Arrendamento rural é...


- o contrato agrário
- por meio do qual uma pessoa se obriga a ceder à outra,
- por tempo determinado ou indeterminado,
- o uso e gozo de imóvel rural (no todo ou em parte),
- incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades,
- com o objetivo de que nele seja exercida atividade de
- exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista,
- pagando o arrendatário ao arrendador uma retribuição ou aluguel,
- observados os limites percentuais da Lei.

O contrato de arrendamento rural é regido pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e pelo Decreto nº
59.566/66.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, dono de uma fazenda, firmou contrato particular de arrendamento rural com Pedro por meio do
qual este, arrendatário, poderia explorar, durante 2 anos, o imóvel para criar gado, devendo pagar, em
contraprestação, R$ 5 mil por mês.
Chegando ao fim do contrato, Pedro queria renová-lo, mas João não aceitou.
Diante disso, Pedro ingressou com ação alegando que, como ele desenvolve pecuária bovina no local, o
prazo mínimo do arrendamento deveria ser de 5 anos, nos termos do art. 13, II, “a”, do Decreto nº
59.566/66. Assim, pedia que fosse declarada a nulidade da cláusula que previa apenas 2 anos e que o
contrato fosse estendido até completar os 5 anos estabelecidos no Decreto. Veja o dispositivo legal
mencionado:
Art. 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, contarão obrigatoriamente,
cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos
arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº 4.947-66);
(...)
II - Observância das seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais:
a) prazos mínimos, na forma da alínea “b”, do inciso XI, do art. 95 e da alínea " b ", do inciso V, do
art. 96 do Estatuto da Terra:
- de 3 (três) anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura
temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de parceria;
- de 5 (cinco) anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura
permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias
primas de origem animal;

O juiz julgou o pedido parcialmente procedente. O magistrado reconheceu que o autor tinha direito de
estender o prazo do contrato, mas não para 5 (como queria Pedro) e sim para 3 anos. Isso porque, na visão
do julgador, a pecuária desenvolvida pelo arrendatário era de pequeno e médio porte e o prazo de 5 anos
só se aplica para a pecuária de grande porte. O autor recorreu e a questão chegou até o STJ.

O argumento do magistrado foi aceito pelo STJ? O prazo mínimo do arrendamento rural deverá ser de
3 anos caso a pecuária desenvolvida seja de pequeno e médio porte?
NÃO.
No caso da criação de gado bovino, a atividade pecuária deve ser considerada de grande porte, razão
pela qual o prazo mínimo para duração do contrato de arrendamento mercantil é de 5 (cinco) anos,
conforme disciplina o art. 13, II, “a”, do Decreto nº 59.566/66.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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STJ. 4ª Turma. REsp 1.980.953-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/12/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

Função social da propriedade e prazo mínimo do contrato


O contrato agrário, mesmo tendo natureza privada (por envolver particulares), é utilizado pelo legislador
como um instrumento de concretização da função social da propriedade rural (arts. 5º, XXIII, 182 e 186 da
CF/88). Por essa razão, o arrendamento rural está sujeito a inúmeras repercussões do direito público.
Uma dessas “influências” do direito público é a proteção conferida pelo legislador à parte
economicamente mais frágil deste contrato (o arrendatário), conforme dispõe o art. 13 do Decreto nº
59.566/66.
Segundo este artigo do decreto, os contratos de arrendamento rural que tenham por objeto atividade de
pecuária (alínea "a" do inciso II do art. 13) devem ter prazos mínimos de vigência com a finalidade de
permitir que o arrendatário tenha tempo para criar, reproduzir e engordar o gado, considerando que isso
demora. O art. 13 faz a seguinte distinção
• pecuária de pequeno e médio porte: o arrendamento deverá ter prazo mínimo de 3 anos;
• pecuária de grande porte: o prazo mínimo será de 5 anos.

O que se entende por pecuária de pequeno, médio e grande porte?


Existe divergência na doutrina sobre o tema, mas o STJ adotou a corrente doutrinária que defende o
seguinte:
• Pequeno porte: envolve apicultura, piscicultura, avicultura, cunicultura e ovinocultura.
• Médio porte: refere-se à criação de suínos, caprinos e ovinos.
• Grande porte: abrange o gado bovino, bubalino, equino e asinino.

É a posição de RAMOS, Helena Maria Bezerra. Contrato de arrendamento rural. 2ª ed. Curitiba: Juruá,
2013, p. 97 e de COLHEO, José Fernando Lutz. Contratos Agrários: uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá,
2006, p. 130).
Desse modo, quando o Decreto fala em grande porte, não está se referindo ao tamanho da propriedade,
número de animais etc. O critério aqui é a espécie de animal que é criado. Veja:
“A expressão 'grande porte' não se refere à escala da atividade (número de unidades de animais,
por exemplo), mas, sim, ao porte dos animais, cujo prazo reprodutivo e de engorda é maior que
os de menor porte. Na pecuária de pequeno porte são incluídas a apicultura, piscicultura,
avicultura e cunicultura. Na de médio porte, a suinocultura, caprinocultura e ovinocultura e na de
grande porte a bovinocultura, bubalinocultura, equinocultura e asinino cultura.” (CARVALHO,
Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010, p. 410).

Nessa perspectiva, a melhor interpretação do art. 13 do Decreto nº 59.566/66 é a que confere ao tamanho
do animal a função de caracterizar se a atividade exercida é de pequeno, médio ou de grande porte, sendo
irrelevante, consequentemente, a dimensão do empreendimento.
Assim, a criação de gado bovino, por si, é suficiente para configurar a atividade pecuária como sendo de
grande porte, tendo em vista que, em razão dos ciclos exigidos para criação, reprodução, engorda e abate,
há necessidade de duração mais extensa do contrato de arrendamento rural.
Nesse mesmo sentido, a Terceira Turma decidiu que:
É de cinco anos o prazo mínimo para a duração de contrato de arrendamento rural em que ocorra pecuária
de gado bovino, independentemente da maior ou menor escala da atividade exploratória ou da extensão
da área a que se refira o contrato.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.336.293-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/5/2016 (Info 584).

Assim, tratando-se do exercício de pecuária de gado bovino, deve-se reconhecer que a atividade é de
grande porte, aplicando-se o prazo mínimo de 5 anos para a duração dos contratos de arrendamento rural.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27


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DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO PRODUTO


Em caso de vício redibitório não resolvido no prazo de 30 dias, se o consumidor optar por
rescindir o contrato e receber de volta o valor pago, ele deverá receber integralmente o preço,
sem qualquer abatimento pelo fato de ter usado o bem durante um período
ODS 16

Caso hipotético: João comprou uma moto 0km diretamente da concessionária. Após três anos
de uso, ele percebe um problema no motor (vício redibitório). João levou a moto para a
concessionária, que propôs reparar o problema substituindo o motor. Ocorre que essa
providência levaria mais de 60 dias para ser efetivada, ultrapassando assim o prazo legal de
30 dias para solução do vício previsto no § 1º do art. 18 do CDC.
João não aceitou e ingressou com ação redibitória contra a concessionária, pedindo a rescisão
do contrato e devolução integral do valor pago pela motocicleta, conforme a nota fiscal.
A concessionária contestou argumentando que a motocicleta foi utilizada por três anos sem
problemas. Diante disso, sustentou que a eventual devolução do valor deveria considerar o
desgaste do bem, sugerindo o uso da Tabela FIPE para determinar o valor de mercado da
motocicleta na data de sua devolução.
O STJ concordou com o consumidor.
É devida a devolução integral do valor atualizado pago pelo produto, não sendo cabível a
restituição de seu valor como usado, no caso de objeto que teve vício redibitório reconhecido,
ultrapassado o prazo para sanar o vício, nos termos do art. 18 do CDC.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.233.500-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
11/9/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João comprou uma moto 0km diretamente da concessionária.
Após três anos de uso, ele percebe um problema no motor, que se revela um “defeito” de fábrica, melhor
dizendo um vício redibitório.
João levou a moto para a concessionária, que propôs reparar o problema substituindo o motor. Ocorre
que essa providência levaria mais de 60 dias para ser efetivada, ultrapassando assim o prazo legal de 30
dias para solução do vício previsto no § 1º do art. 18 do CDC:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem
solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem
ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir,
alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


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(...)

Insatisfeito com a demora e preocupado com a segurança, João ingressou com ação redibitória contra a
concessionária, pedindo a rescisão do contrato e devolução integral do valor pago pela motocicleta,
conforme a nota fiscal.
A concessionária contestou argumentando que a motocicleta foi utilizada por três anos sem problemas.
Diante disso, sustentou que a eventual devolução do valor deveria considerar o desgaste do bem,
sugerindo o uso da Tabela FIPE para determinar o valor de mercado da motocicleta na data de sua
devolução.
Em outras palavras:
• João pediu para devolver a moto, recebendo o valor integralmente o valor que pagou (R$ 50 mil,
conforme consta na nota fiscal);
• a concessionária argumentou que, como houve a depreciação da moto, ele deveria receber o valor atual
do bem segundo a Tabela FIPE (R$ 30 mil).

Abrindo um parêntese: Tabela FIPE


FIPE é a sigla de “Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas”, uma organização de direito privado ligada
ao Departamento de Economia da USP. Esta fundação elabora, mensalmente, uma tabela prevendo os
preços médios dos veículos usados que são vendidos no mercado nacional.
Ex: segundo a tabela FIPE, um Fiat Palio City 1.0 4p, ano 2000, custa em, em julho de 2016, R$ 10.435,00.
Os valores estabelecidos na tabela variam em função da região, conservação, cor, acessórios ou qualquer
outro fator que possa influenciar as condições de oferta e procura por um veículo específico.
Vale ressaltar que o preço dos carros, em regra, vai diminuindo com o passar dos meses. Ex: em maio de
2016, o valor do mesmo Fiat Palio City 1.0 4p, ano 2000, era de R$ 10.516,00 na tabela FIPE. Já em julho
de 2016, caiu para R$ 10.435,00, como vimos acima.

Voltando ao caso concreto. Para o STJ, quem tem razão: o consumidor ou a concessionária?
O consumidor.
Segundo a jurisprudência do STJ:
A opção pela restituição da quantia paga nada mais é do que o exercício do direito de resolver o contrato
em razão do inadimplemento, sendo que um dos efeitos da resolução da avença consiste no retorno dos
contraentes ao status quo ante.
Para que o regresso ao estado anterior efetivamente se verifique, o fornecedor deve restituir ao
consumidor o valor despendido por este no momento da aquisição do produto viciado.
O abatimento da quantia correspondente à desvalorização do bem, haja vista a sua utilização pelo
adquirente, não encontra respaldo na legislação consumerista.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.000.701/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 30/8/2022.

No mesmo sentido:
A aplicação da Tabela FIPE, em casos como o presente, não encontra guarida na jurisprudência desta Corte
Superior.
STJ. 3ª Turma. AREsp 2.242.191/GO, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/2/2023.

Ao estabelecer, no caso concreto, a devolução ao consumidor, não do valor por ele efetivamente pago,
mas de um valor a menor, considerando a utilização do bem viciado durante o lapso temporal até a solução
da controvérsia, o TJDFT contrariou o disposto no art. 18, § 1º, II, do CDC, bem como a jurisprudência
desta Corte Superior, criando critério diverso daquele previsto na lei de regência.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.845.875/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 4/5/2020.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29


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Assim, no que tange a objeto que teve vício redibitório reconhecido, ultrapassado o prazo para sanar o
vício, nos termos do art. 18 do CDC, não é cabível a restituição de seu valor como usado, sendo devida a
devolução integral do valor atualizado pago pelo produto.

Em suma:
É devida a devolução integral do valor atualizado pago pelo produto, não sendo cabível a restituição de
seu valor como usado, no caso de objeto que teve vício redibitório reconhecido, ultrapassado o prazo
para sanar o vício, nos termos do art. 18 do CDC.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.233.500-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 11/9/2023
(Info 15 – Edição Extraordinária).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA
A regra do art. 43 do CPC pode ser superada, sempre em caráter excepcional, quando se
constatar que o juízo perante o qual tramita a ação não é adequado ou conveniente para
processá-la e julgá-la
ODS 16

Contemporaneamente, tem-se estudado com afinco institutos e instrumentos que impõem


uma releitura do princípio constitucional do juiz natural, com destaque especial para o
princípio da competência adequada, do qual deriva a ideia de existir, ainda que
excepcionalmente, um forum non conveniens.
Essa ideia se funda no fato de que, não basta que o órgão judicial seja previamente constituído
e individualizado como aquele objetiva e abstratamente competente para a causa. Deve ser,
também, concretamente competente, ou seja, o mais conveniente e apropriado para assegurar
a boa realização e administração da justiça.
Assim, quando se afirma que a competência pode ser definida especificamente para um juízo
concretamente competente em razão da adequação deste para processar e julgar a causa em
relação aos demais juízos também abstratamente competentes, afirma-se, consequentemente,
que há um outro juízo que, conquanto competente, é inadequado ou inconveniente (fórum non
conveniens).
No caso concreto, o STJ considerou necessário afastar a regra do art. 43 do CPC em razão de
circunstâncias excepcionais que foram narradas no voto:
i) haveria indícios significativos de que o genitor estaria exercendo influências indevidas
perante o juízo em que distribuída a primeira ação de guarda, em prejuízo da mãe e da própria
criança;
ii) há, contra o genitor, denúncia oferecida e recebida pela prática do crime de estupro de
vulnerável contra o filho, sem que isso tivesse exercido a necessária influência nas decisões
relacionadas à guarda ou ao regime de visitação da criança proferidas pelo juízo de
Fortaleza/CE;
iii) a criança tem sido submetida, em razão de frequentes decisões judiciais do juízo de
Fortaleza/CE, a sucessivas modificações de guarda e de residência, inclusive por terceiros
estranhos à família e alijando-se a mãe do exercício da guarda, o que tem lhe causado
imensurável prejuízo; e

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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iv) nenhuma das decisões judiciais proferidas pelo Poder Judiciário do Ceará, no âmbito cível,
considerou a possibilidade de afastar o convívio entre o genitor e o filho diante dos seríssimos
fatos que se encontram sob apuração perante o juízo criminal nos últimos 27 meses.
STJ. 2ª Seção. CC 199.079/RN, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado
em 13/12/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

Explicação preliminar
O art. 43 do CPC prevê a seguinte regra:
Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial,
sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente,
salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

Desse modo, o art. 43 do CPC estabelece que a competência do juízo é fixada no momento do registro ou
da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito
ocorridas posteriormente. Isso é conhecido como perpetuatio jurisdictionis (ou perpetuação da jurisdição).
Essa regra possui duas exceções explícitas:
a) a supressão do órgão judiciário em que tramitava o processo; e
b) a alteração superveniente de competência absoluta daquele órgão judiciário.

Em um caso concreto, o STJ, excepcionalmente, afastou a regra do art. 43 do CPC. Havia um conflito de
competência envolvendo dois juízos diferentes (juízos 1 e 2). Se fosse aplicada a regra do art. 43 do CPC,
a competência seria firmada no juízo 1. Ocorre que o STJ, por razões excepcionalíssimas que
ultrapassavam questões meramente processuais, decidiu que a competência seria do juízo 2.
No Informativo original constou o seguinte resumo do julgado: “A regra do art. 43 do CPC pode ser
superada, sempre em caráter excepcional, quando se constatar que o juízo perante o qual tramita a ação
não é adequado ou conveniente para processá-la e julgá-la.”

Apesar de a redação do resumo do julgado ter sido ampla, esse afastamento foi nitidamente para o caso
concreto que envolvia situações extremamente graves. Não se pode afirmar, contudo, que se tenha criado
uma possibilidade genérica de afastamento do art. 43 do CPC.
Para fins de concurso, vale o que está consignado na redação do Informativo original. No entanto, na
prática, reputo importante que você sabia que houve um afastamento episódio, excepcionalíssimo da
regra do art. 43 do CPC, e que dificilmente será replicado em outros casos.
Para que você possa entender bem a excepcionalidade do caso concreto, irei fazer uma descrição
detalhada dos fatos, ressaltando que haverá algumas adaptações e omissões para preservar a intimidade
das partes envolvidas. Os nomes, inclusive, são fictícios.

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:


Regina manteve união estável com João, com quem teve um filho, Lucas. A família residia em Fortaleza (CE).
A união estável chegou ao fim.
Em 2018, João ajuizou, no juízo da comarca de Fortaleza, ação de guarda. Neste processo, ficou definida
a guarda compartilhada entre os pais.
Em 2021, Regina passou a suspeitar que João poderia estar abusando sexualmente de Lucas.
Em razão disso, Regina narrou os fatos e requereu medida cautelar para proibir que João tivesse contato
com Lucas, em razão do possível crime de estupro de vulnerável.
O juízo de uma das varas da comarca de Fortaleza (CE) deferiu a medida cautelar em 27/08/2021.
Logo em seguida, Regina buscou auxílio de sua família e, para tanto, refugiou-se na comarca de
Parnamirim (RN).

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31


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Ali chegando, ela ajuizou ação de guarda unilateral cumulada com pedido de destituição do poder familiar
contra João.
O juízo de uma das varas da comarca de Parnamirim (RN) deferiu a tutela de urgência e concedeu a guarda
exclusivamente à genitora em 24/09/2022.
Na sequência, o juízo da comarca de Parnamirim (RN) declarou-se competente para apreciação e
julgamento dos processos que também estavam em tramitação no juízo da comarca de Fortaleza (CE) e
que envolvessem o interesse do infante Lucas.
Ocorre que o juízo da comarca de Fortaleza (CE) não concordou e, para piorar, em 03/12/2021, expediu
ordem para que a criança fosse devolvida ao pai João.
O juízo da comarca de Fortaleza (CE) chegou, inclusive, a suspender o poder familiar de Regina em
14/02/2022.
Como Regina não entregou o filho, o juízo da comarca de Fortaleza (CE) determinou:
• a execução de multa por descumprimento de ordem judicial;
• a busca e apreensão da criança; e
• a instauração de inquérito policial pelos crimes de desobediência e subtração de menor.

O mandado de busca e apreensão foi cumprido em 06/07/2023 e Lucas entregue ao seu genitor.

Denúncia criminal contra João


Paralelamente, o Ministério Público do Estado do Ceará apresentou, na vara criminal, denúncia contra
João pela prática de estupro de vulnerável.
O Promotor que ofereceu a denúncia requereu a busca e apreensão da vítima Lucas (que estava com o
pai) e a determinação de que ele não se aproximasse da criança.

Juízo da comarca de Parnamirim (RN) declinou da competência


Diante desses fatos, o juízo da comarca de Parnamirim (RN), para onde Regina havia se mudado, revogou
suas decisões anteriores e declinou da competência em favor do juízo da comarca de Fortaleza (CE), com
fundamento no art. 147, II, do ECA:
Art. 147. A competência será determinada:
(...)
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.

A decisão foi baseada no fato de que a criança não mais estava em Parnamirim.
Passo seguinte, o tumulto processual foi ampliado, pois o juízo da comarca de Fortaleza (CE) proferiu decisão
nos autos da execução de multa declinando da competência para o juízo da comarca de Parnamirim (RN).
Diante de todo esse impasse, foi instaurado conflito de competência perante o STJ.

O que decidiu o STJ? A competência será do juízo da comarca de Fortaleza (CE) ou da comarca de
Parnamirim (RN)?
Da comarca de Parnamirim (RN).
A 2ª Seção do STJ, por maioria, conheceu o conflito e declarou competente o Juízo da Comarca de
Parnamirim (RN). Prevaleceu o voto da Min. Nancy Andrighi que não era originalmente a Relatora.
Se o STJ fosse adotar a regra do art. 43 do CPC, a competência seria do Juízo de Fortaleza (CE). Entretanto,
o Tribunal decidiu que essa regra deveria ser afastada, no caso concreto, sob a ótica do princípio da
competência adequada e do forum non conveniens.
Os principais pontos do voto vencedor foram os seguintes:

Teoria da derrotabilidade das normas, princípios do juízo natural e da competência adequada e fórum
no conveniens

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32


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Por muito tempo, entendeu-se, a partir das lições de Ronald Dworkin e de Robert Alexy, que as regras,
diferentemente dos princípios, somente seriam aplicáveis a partir de um modelo de tudo-ou-nada. A partir
dessa concepção, a regra seria uma norma conclusiva que regularia a situação jurídica de modo definitivo,
devendo, pois, ser aplicada se presente o fato por ela enunciado ou, então, para ser afastada, deveria ser
declarada como inválida ou sem nenhuma relevância para a solução da questão em exame.
Todavia, modernamente, tem-se compreendido que a toda regra correspondem não apenas exceções
explícitas (assim compreendidas como aquelas previamente definidas pelo legislador), mas, também,
exceções implícitas, cuja identificação e incidência deve ser conformada concretamente pelo julgador, a
quem se atribui o poder de superar a regra, excepcional e concretamente, em determinadas hipóteses.
A partir dessa concepção, surge a teoria da derrotabilidade das normas, como fruto da interpretação a ser
dada pelo julgador em casos extremos e que tem seu campo de atuação, sempre excepcional, adstrito às
situações aparentemente não consideradas pelo legislador ou às situações que exigem do intérprete uma
solução distinta daquela que seria obtida a partir da interpretação literal ou tradicional da regra.
Diante desse cenário, conclui-se que pode o intérprete superar a regra a partir da exceção implícita nela
existente, nas excepcionais hipóteses em que a literalidade da regra seja insuficiente para resolver
situações não consideradas pelo legislador ou em que, por razões de inadequação, ineficiência ou
injustiça, o resultado da interpretação literal contrarie a finalidade subjacente da regra.

Teoria da derrotabilidade da norma


A doutrina ensina que a “Derrotabilidade é o ato pelo qual uma norma jurídica deixa de ser aplicada,
mesmo presentes todas as condições de sua aplicabilidade, de modo a prevalecer a justiça material no
caso concreto”. (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020,
p. 133).

Hipóteses de aplicação da teoria da derrotabilidade das normas


Justamente por se tratar de um método hermenêutico excepcional e que deve ser reservado a situações
absolutamente singulares, isto é, aos chamados hard cases, é preciso estabelecer critérios objetivos e
controláveis para o uso racional da teoria da derrotabilidade das normas, a fim de que a superação das
regras não se torne instrumento de erosão da segurança, da estabilidade e do próprio ordenamento
jurídico.
Quanto ao ponto, Humberto Ávila estabelece três requisitos materiais para que se possa superar uma
regra:
(i) que exista uma incompatibilidade entre a hipótese prevista na regra e a sua finalidade subjacente;
(ii) que seja pouco provável o reaparecimento frequente de uma situação similar, o que preservará a
segurança jurídica;
(iii) que a tentativa de se fazer justiça em uma determinada hipótese mediante a superação da regra não
afete a promoção da justiça para a maior parte das hipóteses.

Além dessas hipóteses materiais, o autor aponta ainda dois requisitos de natureza procedimental:
(i) a superação de uma regra deverá ter uma fundamentação condizente: é preciso exteriorizar, de modo
racional e transparente, as razões que permitem a superação. Vale dizer, uma regra não pode ser superada
sem que as razões de sua superação sejam exteriorizadas e possam, com isso, ser controladas. A
fundamentação deve ser escrita, juridicamente fundamentada e logicamente estruturada;
ii) a superação de uma regra deverá ter uma comprovação condizente: não sendo necessárias, notórias
nem presumidas, a ausência do aumento excessivo das controvérsias, da incerteza e da arbitrariedade e
a inexistência de problemas de coordenação, altos custos de deliberação e graves problemas de
conhecimento devem ser comprovadas por meios de prova adequados, como documentos, perícias ou
estatísticas. A mera alegação não pode ser suficiente para superar uma regra.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33


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A aplicabilidade prática desses requisitos é mais bem compreendida a partir de exemplo citado pelo
próprio autor:
Uma regra condicionava o ingresso num programa de pagamento simplificado de tributos federais
à ausência de importação de produtos estrangeiros. Os participantes do programa não poderiam
efetuar operações de importação, sob pena de exclusão. Essa é a hipótese da regra. O caso
concreto diz respeito a uma pequena fábrica de sofás que efetuou uma importação e foi, em
decorrência disso, sumariamente excluída do programa. Ocorre, no entanto, que a importação foi
de quatro pés de sofás, para um só sofá, uma única vez. Mediante recurso, a exclusão foi anulada
com base na falta de aplicação razoável da regra. Nesse caso, o fato previsto na hipótese da regra
ocorreu, mas a consequência do seu descumprimento não foi aplicada (exclusão do regime
tributário especial) porque a falta de adoção do comportamento por ela previsto não
comprometia a promoção do fim que a justificava (estímulo da produção nacional por pequenas
empresas).
Nesse caso, a aceitação da decisão individual (permissão para importação, quando a hipótese da
regra a proíbe) não prejudica a promoção da finalidade subjacente à regra (estímulo da produção
nacional por pequenas empresas). Ao contrário, permitir, individualmente, que a empresa
permanecesse fruindo o benefício fiscal até favoreceria a produção nacional, na medida em que a
importação efetuada seria, justamente, para melhor produzir bens no país. Mais ainda: a aceitação
da decisão individual discrepante da hipótese da regra geral não prejudicava a promoção da
segurança jurídica, sendo, ao contrário, indiferente à sua realização, pois a circunstância particular
(importação de algumas peças de um bem) não seria facilmente reproduzível ou alegável por
outros contribuintes e a demonstração da sua anormalidade dependia de difícil comprovação. Isso
significa, em outras palavras, que a aceitação do caso individual não prejudica a implementação
dos dois valores inerentes à regra: o valor formal da segurança não é restringido,
porque a circunstância particular não seria facilmente reproduzível por outros contribuintes; o
valor substancial de estímulo à produção nacional não seria reduzido, porque o comportamento
permitido levaria à sua promoção. A tentativa de fazer justiça para um caso mediante superação
de uma regra não afetaria a promoção da justiça para a maior parte dos casos. E o entendimento
contrário, no sentido de não superar a regra, provocaria mais prejuízo valorativo que benefício
(more harm than good). (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 115/116).

Teoria da competência adequada e o juiz natural


Fixados os critérios que conferem ao intérprete a autorização para superar a regra, a Ministra Nancy
Andrighi passou à análise da questão de direito controvertida, qual seja, a possibilidade excepcional de
deslocamento da competência de ação de guarda, após sua propositura, à luz do art. 43, do CPC, sem que
estejam presentes as ressalvas explícitas do legislador.
Em relação ao ponto, seria consabido que o art. 43, do CPC, consagra a regra do juiz natural, excepcionada
explicitamente por duas hipóteses:
• a supressão do órgão judiciário em que tramitava o processo; e
• a alteração superveniente de competência absoluta daquele órgão judiciário.

Ambas as hipóteses existem por razões similares, qual seja, o desaparecimento da competência material
do juízo pela extinção ou pela modificação.
Contudo, contemporaneamente, tem-se estudado com afinco institutos e instrumentos que impõem uma
releitura do princípio constitucional do juiz natural, com destaque especial para o princípio da
competência adequada, do qual deriva a ideia de existir, ainda que excepcionalmente, um forum non
conveniens.
Essa ideia se funda no fato de que, não basta que o órgão judicial seja previamente constituído e
individualizado como aquele objetiva e abstratamente competente para a causa. Deve ser, também,

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


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concretamente competente, ou seja, o mais conveniente e apropriado para assegurar a boa realização e
administração da justiça.
Assim, quando se afirma que a competência pode ser definida especificamente para um juízo
concretamente competente em razão da adequação deste para processar e julgar a causa em relação aos
demais juízos também abstratamente competentes, afirma-se, consequentemente, que há um outro juízo
que, conquanto competente, é inadequado ou inconveniente (fórum non conveniens).
Embora não seja comum em sistemas que adotam a civil law, a aplicação da teoria da superação das regras
(ou da derrotabilidade das normas) é a saída correta para que se possa, sempre em caráter excepcional e
diante de um hard case, como é a hipótese em exame, superar a imutabilidade da regra do art. 43 do CPC
(que contém apenas duas exceções explícitas) para reconhecer que, nessa regra, também há uma exceção
implícita, relacionada à inadequação e inconveniência do juízo em que tramita a ação com o deslocamento
de sua competência para outro juízo abstratamente competente.
Em outras palavras, apesar da ausência de previsão legal, a singularidade da hipótese em exame permite
concluir que o juízo definido pelas regras processuais não se apresenta como aquele adequado ou
conveniente para julgar a causa (exceção implícita).
Portanto, de forma excepcional, poder-se-ia concluir pela superação da regra prevista no art. 43.

Caso concreto
Na hipótese em exame, constata-se que existem duas ações de guarda envolvendo a criança Lucas, a
primeira ajuizada no ano de 2018 pelo genitor perante o Juízo de Direito da Vara de Família da Comarca
de Fortaleza (CE) e a segunda, ajuizada em 2021, pela mãe, perante o Juízo da Comarca de Parnamirim
(RN).
No bojo de cumprimento provisório de decisão que havia fixado multa por alegado descumprimento de
ordem de busca e apreensão da criança, o Juízo de Fortaleza (CE) declinou da competência para o Juízo de
Parnamirim (RN), ao passo que este, por sua vez, declinou da competência para o Juízo de Fortaleza (CE).
Se fossem adotados apenas os critérios rígidos e inflexíveis de fixação de competência, em especial a regra
do art. 43 do CPC, a conclusão seria de que a competência seria do Juízo de Fortaleza (CE). Entretanto, a
questão merece renovada reflexão à luz do princípio constitucional do juiz natural e, mais
especificamente, sob a ótica do princípio da competência adequada e do forum non conveniens.
Nessa perspectiva, é importante considerar inicialmente que é fato incontroverso que o genitor da criança
cuja guarda se discute, que é coronel aposentado da Polícia Militar do Ceará, possui vínculo de parentesco
com membros do Poder Judiciário daquele Estado, em 1º e 2º grau de jurisdição, inclusive em vara de
família da comarca da Capital.
A ação de guarda foi proposta pelo genitor em 2018 e se observa, desde então, a existência de declarações
de impedimentos e de suspeições de juízes e de membros do Ministério Público do Ceará que nela
oficiaram ou poderiam oficiar nestes mais de 5 (cinco) anos de tramitação, inclusive com sucessivas
transferências do processo entre as varas de família daquela comarca.
Na sequência, a Min. Nancy Andrigui enumerou todos os acontecimentos seguintes, afirmando que “causa
perplexidade, que nenhuma das decisões judiciais proferidas pelo Poder Judiciário do Ceará tenham
considerado ou deliberado a respeito da efetiva necessidade de afastamento do convívio entre o genitor
e o filho diante dos seríssimos fatos que se encontram sob apuração perante o juízo criminal”.
Advertiu que “desde a concessão de medidas protetivas lastreadas em indícios da prática do crime de
estupro de vulnerável, ocorrida em agosto de 2021, passaram-se mais de 27 meses em que o possível
autor do crime manteve livre acesso à possível vítima, uma criança de pouco mais de 6 (seis) anos de
idade, com o potencial de lhe causar, ou de agravar ainda mais, os danos físicos e psíquicos que ela pode
ter experimentado, sem que o Poder Judiciário do Ceará tivesse dado uma resposta adequada à questão”.
Prosseguiu afirmando que “também são absolutamente estarrecedoras as sucessivas, confusas e
contraditórias decisões judiciais, em 1º e em 2º grau de jurisdição, que, por circunstâncias inexplicadas ou
inexplicáveis, deixaram de considerar um princípio elementar de qualquer ação judicial que envolva a
temática da guarda, sobretudo quando envolvida em um cenário de possível violência, que é o melhor e

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


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prioritário interesse da criança (...) Chama a atenção, ademais, a manifesta inabilidade quanto à situação
fática da criança, que, após ter sido abruptamente retirada da mãe após uma aparente – e justificável –
fuga diante de um possível abuso sexual praticado pelo seu próprio genitor, já esteve, sucessivamente,
por vezes até na mesma semana, sob guarda da avó materna, sob a guarda de terceiro e sob a guarda do
próprio possível genitor sobre quem pende denúncia já recebida de estupro do próprio filho”.
Como esses fundamentos, concluiu que o Juízo de Fortaleza (CE), embora abstratamente competente,
revela-se, do ponto de vista concreto, inadequado e inconveniente para continuar processando e julgando
questões atinentes à guarda da criança Lucas, impondo-se a excepcional superação da regra do art. 43 do
CPC.
Com relação ao juízo de Parnamirim (RN), a Ministra ponderou que, de fato, a mãe não mais reside naquela
localidade. Contudo, as circunstâncias fáticas permitiam aferir que a mãe, de fato, chegou a residir naquele
município e que sua mudança foi perfeitamente justificada, citando, por exemplo, elementos de prova
datados de novembro/2021 que indicam que “um veículo com placas de Fortaleza/CE e pessoas afirmando
pertencerem às forças de segurança pública teriam procurado pela criança no endereço ao lado daquele
declarado pela mãe, motivando a lavratura de boletim de ocorrência para investigação desse fato”.
Por essas razões, seria absolutamente verossímil a versão de que, no momento da propositura da ação de
guarda pela mãe em setembro de 2021, ela estava devidamente estabelecida em Parnamirim (RN) e que,
citado o genitor e sabendo a partir disso o endereço em que a mãe passou a residir com a criança, teria
ele empreendido medidas no sentido de violar as medidas protetivas anteriormente deferidas, de modo
que à suscitante não restou outra alternativa senão se tornar uma espécie de nômade para a preservação
de sua própria vida e da vida de seu filho.
Em suma, a relatora concluiu que o afastamento da criança da cidade de Fortaleza (CE) no contexto acima
mencionado era, ao que tudo indica, uma medida de sobrevivência. E também se conclui que o
afastamento do processo que a envolve da comarca de Fortaleza (CE) é uma medida de extrema
importância para que sejam salvaguardados adequadamente os seus interesses jurídicos, físicos e
psicológicos que, respeitosamente, não estão sendo observados e respeitados a contento.

Conforme constou no informativo:


A regra do art. 43 do CPC pode ser superada, sempre em caráter excepcional, quando se constatar que
o juízo perante o qual tramita a ação não é adequado ou conveniente para processá-la e julgá-la.
STJ. 2ª Seção. CC 199.079/RN, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em
13/12/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

CURADORIA ESPECIAL
A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, goza de honorários
advocatícios sucumbenciais caso o réu sagre-se vencedor na demanda
ODS 16

A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, faz jus à verba decorrente
da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais caso o seu assistido sagre-se
vencedor na demanda.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.912.281-AC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/12/2023 (Info 15
– Edição Extraordinária).

Curador especial
O CPC prevê que, em determinadas situações, o juiz terá que nomear um curador especial que irá
defender, no processo civil, os interesses do réu.
O curador especial também é chamado de curador à lide.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36


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Hipóteses em que será nomeado curador especial:


Estão previstas no art. 72 do CPC/2015. São quatro situações:
a) Quando o réu for incapaz e não tiver representante legal;
b) Quando o réu for incapaz e tiver representante legal, mas os interesses deste (representante) colidirem
com os interesses daquele (incapaz);
c) Em caso de réu preso revel, enquanto não for constituído advogado.
d) Quando o réu tiver sido citado por edital ou com hora certa e não tiver apresentado resposta no prazo
legal (ou seja, tiver sido revel), enquanto não for constituído advogado.

Veja a redação legal:


Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele,
enquanto durar a incapacidade;
II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for
constituído advogado.

Quais são os poderes do curador especial? O que ele faz no processo?


O curador especial exerce um múnus público.
Sua função é a de defender o réu em juízo naquele processo.
Possui os mesmos poderes processuais que uma “parte”, podendo oferecer as diversas defesas
(contestação, exceção, impugnação etc.), produzir provas e interpor recursos.
Obviamente, o curador especial não pode dispor do direito do réu (não pode, por exemplo, reconhecer a
procedência do pedido), sendo nulo qualquer ato nesse sentido.
Vale ressaltar que, ao fazer a defesa do réu, o curador especial pode apresentar uma defesa geral
(“contestação por negação geral”), não se aplicando a ele o ônus da impugnação especificada dos fatos
(parágrafo único do art. 341 do CPC/2015).
Desse modo, o curador especial não tem o ônus de impugnar pontualmente (de forma individualizada)
cada fato alegado pelo autor.

Este art. 72 do CPC/2015 é aplicável apenas ao processo (fase) de conhecimento?


NÃO. Deve ser aplicado em qualquer processo, como no caso da execução.
Súmula 196-STJ: Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado
curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos.

O que essa função de curador especial tem a ver com a Defensoria Pública?
A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) estabelece o seguinte:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

De igual forma, o parágrafo único do art. 72 do CPC/2015 preconiza:


Art. 72 (...)
Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.

Desse modo, o múnus público de curador especial de que trata o art. 72 do CPC deve ser exercido pelo
Defensor Público.
Importante: a atuação da Defensoria Pública como curadora especial não exige que o réu seja
hipossuficiente economicamente. Nesses casos do art. 72 entende-se que o réu ostenta hipossuficiência
jurídica, sendo, portanto, necessária a atuação da Defensoria Pública.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37


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Imagine agora a seguinte situação hipotética:


O Banco do Brasil ingressou com execução de título extrajudicial em face de João.
Como o devedor não foi localizado, ele foi citado por edital.
O executado não apresentou defesa no prazo legal (ou seja, foi revel).
Por essa razão, a Defensoria Pública interveio nos autos no exercício da curadoria especial.
A Defensoria Pública opôs embargos à execução alegando, entre outras questões, a preliminar de nulidade
da citação por edital.
A magistrada de primeiro grau rejeitou a preliminar e julgou improcedentes os embargos.
A Defensoria Pública interpôs apelação insistindo na tese da nulidade da citação por edital em razão do
não esgotamento das tentativas de citar o réu pessoalmente.
O Tribunal de Justiça concordou e deu provimento ao recurso para anular o processo de execução a partir
da citação por edital, por considerar medida excepcional somente admitida quando esgotadas as
possibilidades de localização do réu.
Por outro lado, o TJ rejeitou o pedido da Defensoria Pública para condenação do banco ao pagamento de
honorários advocatícios sucumbenciais em favor da instituição. Para o TJ, o pagamento das verbas
sucumbenciais somente poderia ser feito ao final do processo.
Irresignada, a Defensoria Pública interpôs recurso especial alegando, em síntese, a necessidade de fixação
de honorários sucumbenciais nos embargos à execução, pois estes são ação autônoma, de modo que a
declaração de nulidade da citação implicará o arquivamento dos autos, não havendo falar em
continuidade do processo para, somente ao final, ser definida a sucumbência.
Em contrarrazões, o Banco alegou que a Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial,
não faz jus à verba decorrente da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais caso o seu
assistido sagre-se vencedor na demanda.

A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, goza de honorários advocatícios


sucumbenciais caso o réu sagre-se vencedor na demanda?
SIM.
A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, faz jus à verba decorrente da
condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais caso o seu assistido sagre-se vencedor na
demanda.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.912.281-AC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/12/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

A fim de corroborar com esse entendimento:


A Defensoria Pública, no exercício da função de curador especial, faz jus à verba decorrente da condenação
em honorários sucumbenciais caso o seu assistido sagre-se vencedor na demanda.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.991.998/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 5/9/2022.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 114.005/RJ, com repercussão geral (Tema
1002/STF), fixou a tese de que os honorários sucumbenciais são devidos à Defensoria Pública quando a
parte por ela representada for vencedora na demanda, ainda que a parte vencida seja o ente público que
ela integra:
Tema n. 1.002/STF:
1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa
parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra;
2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao
aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38


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Em tese, abstraindo o caso concreto, existe direito aos honorários sucumbenciais nos embargos à
execução?
SIM. Isso já foi, inclusive, reconhecido pelo STJ, em recurso repetitivo, tendo sido fixada a seguinte tese:
Os embargos do devedor são ação de conhecimento incidental à execução, razão porque os honorários
advocatícios podem ser fixados em cada uma das duas ações, de forma relativamente autônoma,
respeitando-se os limites de repercussão recíproca entre elas, desde que a cumulação da verba honorária
não exceda o limite máximo previsto no § 3º do art. 20 do CPC/1973.
STJ. Corte Especial. REsp 1520710-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2018
(Recurso Repetitivo – Tema 587) (Info 643).

Os embargos à execução constituem ação autônoma. Assim, ao ser proferida a sentença,


consequentemente, serão observados os efeitos dela decorrentes, inclusive mediante a fixação de ônus
sucumbenciais quando cabíveis, exatamente por se tratar de uma ação autônoma, observando-se,
contudo, o resultado prático alcançado pelo embargante.

No caso concreto acima narrado, a Defensoria Pública faz jus aos honorários advocatícios
sucumbenciais? O recurso da Defensoria Pública foi provido?
NÃO.
No caso, os embargos do devedor foram julgados improcedentes pela Magistrada de primeiro grau, mas
a apelação interposta pela curadoria especial foi provida pelo Tribunal de Justiça para, acolhendo a
preliminar de nulidade de citação, desconstituir a sentença, reconhecendo a nulidade do processo a partir
da determinação da citação por edital.
A Corte estadual ainda acrescentou que os ônus sucumbenciais deverão ser vistos ao final do processo,
pois, a despeito da autonomia dos embargos à execução, a sentença foi terminativa, não colocando fim
ao processo executivo, mas apenas reconhecendo uma nulidade processual.
Isso significa, portanto, que o assistido da Defensoria Pública (João) não pode ser, ainda, considerado o
vencedor na demanda, uma vez que apenas foi reconhecida a nulidade da citação arguida pela curadoria
especial, sendo determinada nova citação da parte assistida, com o consequente prosseguimento do feito.
Dessa maneira, podemos concluir que serão devidos honorários sucumbenciais à Defensoria Pública,
atuando como curadora especial, nos embargos à execução que resultem em algum proveito econômico
ao assistido no pleito executório.
A procedência dos embargos do devedor apenas para se reconhecer a nulidade de ato processual
existente no processo de execução, determinando a sua renovação, não justifica a condenação ao
pagamento de honorários sucumbenciais, haja vista que o assistido não se sagrou vencedor, tal como
ocorreria se os embargos tivessem sido acolhidos para julgar improcedente (total ou parcialmente) a
execução ou para extingui-la.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
O advogado de núcleo de prática jurídica designado para atuar como defensor dativo, ante a
impossibilidade da Defensoria Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados
pelo juiz e pagos pelo Estado
ODS 8 E 16

O fato de o advogado ser remunerado pela instituição educacional de nível superior, na


qualidade de orientador do núcleo de prática jurídica, não impede que ele receba honorários
advocatícios na condição de defensor dativo. Isso ocorre porque são funções distintas e não se
confundem. Enquanto a supervisão dos estudantes de direito é atividade interna corporis, o

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39


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trabalho de advogado dativo refere-se ao exercício de um múnus público por determinação


judicial.
O Estado não pode se locupletar do trabalho desempenhado por advogado, que somente
atendeu ao chamado da Justiça em colaboração com o Poder Público.
Os honorários advocatícios devem ser reconhecidos como a devida remuneração do trabalho
desenvolvido pelo advogado e, como tal, são protegidos pelo princípio fundamental do valor
social do trabalho, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.848.922/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/12/2023 (Info
15 – Edição Extraordinária).

O que são os Núcleos de Prática Jurídica?


O Núcleo de Prática Jurídica, também chamado de “escritório modelo”, é um espaço mantido pelas
faculdades de direito no qual os alunos, geralmente finalistas do curso, sob a supervisão de um Professor
que é advogado, oferecem assistência jurídica gratuita às pessoas economicamente carentes.
O Núcleo funciona, portanto, como uma prática jurídica real, matéria curricular obrigatória dos cursos de
Direito.
Esta atividade tem duplo objetivo:
a) finalidade pedagógica: considerando que os alunos irão aplicar, na prática, os conhecimentos teóricos
que receberam ao longo do curso, atuando como se fossem advogados, sempre com a supervisão e sob a
responsabilidade de um Professor advogado;
b) finalidade social: contribuindo com a sociedade carente ao oferecer assistência jurídica gratuita.

Guardadas as devidas proporções, apenas para que você entenda o sentido geral, os núcleos de prática
jurídica prestam um serviço assemelhado ao da Defensoria Pública. Vale ressaltar, contudo, que o modelo
oferecido pela Defensoria Pública é o ideal para o assistido porque se trata de um serviço mais organizado,
estruturado e com garantias institucionais que os núcleos infelizmente não possuem.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


João é advogado e desempenha a função de Professor orientador do Núcleo de Prática Jurídica da
Universidade Alfa.
Ele foi designado para atuar em uma ação de guarda e regulamentação de visitas, representando os
interesses do réu (Pedro) citado por edital.
O juiz designou João para patrocinar a causa desse réu revel tendo em vista que, na comarca, não havia
Defensoria Pública.
Ao final do processo, na sentença, o juiz arbitrou honorários advocatícios em favor de João no valor de
R$350,00, a serem pagos pelo Estado-membro.
O Estado-membro interpôs apelação pedindo a exclusão dos honorários arbitrados.
O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para excluir os honorários arbitrados, sob o fundamento
de que “o advogado ligado ao núcleo de prática jurídica não faz jus ao recebimento de honorários
advocatícios, eis que já é remunerado pela instituição de ensino da qual faz parte”.
João interpôs recurso especial, alegando violação ao art. 22, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da
Advocacia), sob o fundamento de que, “sua atuação e nomeação nos autos se dá nos moldes da advocacia
dativa, sendo que o fato de integrar o quadro de advogados do Núcleo de Prática Jurídica de Universidade
local, não lhe retira o direito à contraprestação por parte do Estado”.
Ao final, requereu fosse restabelecida a sentença prolatada pelo juízo de origem, que arbitrou honorários
advocatícios.

O STJ concordou com os argumentos do advogado? Cabe ao advogado do núcleo de prática jurídica o
direito à remuneração pelo trabalho desempenhado como defensor dativo, com pagamento a ser
realizado pelo Estado?

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40


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SIM.

Da relevância da Defensoria Dativa


A defensoria dativa possui um papel de relevância na promoção da justiça e na garantia dos princípios
constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do tratamento isonômico
das partes. Nesse aspecto, quando o múnus público é desempenhado por advogado, que aceitou
designação do Magistrado para defesa de réu hipossuficiente ou citado por edital, cabe ao Estado o
pagamento dos honorários, de acordo com o que dispõe o art. 22, § 1º, da Lei nº 8.906/94:
Art. 22 (...)
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso
de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos
honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos
pelo Estado.

Isso decorre do dever constitucional do Estado de fornecer assistência judiciária aos réus necessitados e
organizar as entidades necessárias e suficientes para cumprir essa missão, conforme estabelecido no art.
134 da Constituição Federal. Portanto, o Estado não pode se locupletar do trabalho desempenhado por
advogado, que somente atendeu ao chamado da Justiça em colaboração com o Poder Público.
É entendimento pacífico do STJ no sentido de que “são devidos pelo Estado os honorários advocatícios do
curador especial nomeado em razão da ausência de Defensoria Pública para a defesa dos interesses do
réu revel citado por edital” (STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 658.146/PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
16/5/2017).
Além disso, não é razoável considerar que a responsabilidade pela remuneração do advogado pelo múnus
público prestado recaia sobre uma terceira parte - a instituição particular de ensino superior -, com base
numa relação de trabalho na qual o Estado não teve nenhum envolvimento.
Os honorários advocatícios devem ser reconhecidos como a devida remuneração do trabalho
desenvolvido pelo advogado e, como tal, são protegidos pelo princípio fundamental do valor social do
trabalho, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal.

Defensoria dativa e os núcleos de prática jurídica


O fato de o advogado ser remunerado pela instituição educacional de nível superior, na qualidade de
orientador do Núcleo de Prática Jurídica, não impede que ele receba honorários advocatícios na condição
de defensor dativo. Isso ocorre porque são funções distintas e não se confundem. Enquanto a supervisão
dos estudantes de direito é atividade interna corporis, o trabalho de advogado dativo refere-se ao
exercício de um múnus público por determinação judicial.
É incontestável que os Núcleos de Prática Jurídica desempenham papel social significativo na busca pela
universalização do acesso à Justiça, auxiliando na prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos
necessitados, trabalho essencial diante da elevada demanda enfrentada pelas Defensorias Públicas em
todo o país no atendimento à população mais carente.
No entanto, a remuneração concedida pelas instituições de ensino superior privadas aos orientadores dos
Núcleos de Práticas se deve ao trabalho realizado na coordenação e supervisão dos estudantes de Direito,
proporcionando-lhes o primeiro contato com a prática advocatícia. Logo, a promoção do acesso à Justiça
é uma consequência do caráter pedagógico inerente à função de orientador.
Além disso, não seria razoável considerar que a responsabilidade pela remuneração do advogado pelo
múnus público prestado recaia sobre uma terceira parte – a instituição particular de ensino superior –,
com base numa relação de trabalho na qual o Estado não teve nenhum envolvimento.

Violação ao Estatuto da OAB

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41


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Os honorários advocatícios devem ser reconhecidos como a devida remuneração do trabalho


desenvolvido pelo advogado e, como tal, são protegidos pelo princípio fundamental do valor social do
trabalho, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Por conseguinte, ao cassar a decisão que condenou o Estado-membro ao pagamento de honorários
advocatícios remuneratórios pela função de defensor dativo, o Tribunal de Justiça deixou de aplicar o
disposto no art. 22, § 1º, da Lei nº 8.906/94:
Art. 22 (...)
§1º. O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso
de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos
honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos
pelo Estado.

Em suma:
O advogado de núcleo de prática jurídica, quando designado para patrocinar causa de juridicamente
necessitado ou de réu revel, ante a impossibilidade de a prestação do serviço ser realizada pela
Defensoria Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados pelo juiz e pagos pelo Estado.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.848.922/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/12/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

DOD PLUS – JULGADOS CORRELATOS


Havendo convênio entre a Defensoria e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver
defensor público para a causa, os honorários podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o
Estado não tiver participado da ação de conhecimento
Caso concreto: advogado atuou como defensor dativo em ação de alimentos. Esse advogado atuou porque
na localidade não há Defensoria Pública e existe um convênio com a OAB para que esse serviço seja
realizado por advogados que receberão honorários pagos pelo Estado. Na sentença, o magistrado arbitrou
a verba honorária conforme disposto na tabela do convênio. Porém, o Estado pagou só uma parte.
Neste caso, o STJ afirmou que o advogado poderá executar (cobrar) os honorários do Estado, nos próprios
autos, mesmo o Estado não tendo participado da ação de conhecimento.
Se for exigido que os advogados promovam uma ação específica contra a Fazenda Pública para poderem
receber seus honorários, isso fará com que eles sejam muito resistentes em aceitar a função de advogado
dativo, porque terão de trabalhar não só na ação para a qual foram designados, mas também em outra
ação que terão de propor contra a Fazenda Pública.
O fato de o Estado não ter participado da lide na ação de conhecimento não impede que ele seja intimado
a pagar os honorários, que são de sua responsabilidade em razão de convênio celebrado entre a
Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, em cumprimento de sentença.
STJ. Corte Especial. EREsp 1698526-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 05/02/2020 (Info 673).

A prerrogativa de intimação pessoal conferida à Defensoria Pública se aplica aos núcleos de prática
jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas
Os prazos para as manifestações processuais da Defensoria Pública são contados em dobro e têm início
com a intimação pessoal do defensor público (art. 186, caput e § 1º, do CPC).
O benefício da intimação pessoal se assenta no princípio da isonomia material (art. 5º, caput, da CF) e
constitui mecanismo voltado à concretização do acesso à Justiça e do contraditório pelos hipossuficientes.
A interpretação sistemática das normas - art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50 e art. 186, § 3º, do CPC - conduz
à conclusão de que a prerrogativa de intimação pessoal dos atos processuais também se estende aos
escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42


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Os núcleos de prática jurídica vinculados às universidades de ensino superior prestam assistência judiciária
aos hipossuficientes, razão pela qual é razoável crer, assim como a Defensoria Pública, recebem um alto
número de demandas, circunstância que dificulta o controle dos prazos processuais. Assim, a intimação
pessoal constitui uma ferramenta imprescindível para o desempenho das atividades por eles
desenvolvidas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.747/AM, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. para acórdão Min. Nancy
Andrighi, julgado em 7/11/2023 (Info 794).

A prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais também se aplica aos escritórios
de prática jurídica de instituições privadas de ensino superior
A partir da entrada em vigor do art. 186, § 3º, do CPC/2015, a prerrogativa de prazo em dobro para as
manifestações processuais também se aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas de
ensino superior.
Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
(...) § 3º O disposto no caput aplica-se aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito
reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de
convênios firmados com a Defensoria Pública.
STJ. Corte Especial. REsp 1986064-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2022 (Info 740).

HONORÁRIOS RECURSAIS
O recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação – ainda que não seja conhecido ou
que seja desprovido - não implicará honorários de sucumbência recursal para a parte contrária

Importante!!!
ODS 16

É indevida a majoração dos honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC) em recurso da parte
vencedora para ampliar a condenação, ainda que tal recurso seja desprovido.
STJ. Corte Especial. EAREsp 1.847.842-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/9/2023 (Info 15
– Edição Extraordinária).

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS


Se a parte recorrente perde (seu recurso é improvido), ela deverá, como regra, ser condenada em
honorários advocatícios mesmo já tendo sido condenada em 1ª instância?
SIM. Com o CPC/2015, em regra, existe condenação em honorários advocatícios para a parte que interpôs
recurso, mas sucumbiu. Esta previsão encontra-se no § 11 do art. 85 do CPC/2015:
Art. 85 (...)
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em
conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto
nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao
advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase
de conhecimento.

Ex: Ricardo ajuizou ação contra Antônio, sendo o pedido julgado improcedente. O juiz condenou Ricardo
a pagar 10% de honorários advocatícios (§ 2º do art. 85). O autor não se conformou e interpôs apelação,
tendo o Tribunal de Justiça mantido a sentença e aumentado a condenação em honorários para 15%, na
forma do § 11 do art. 85.
Veja o que diz a doutrina sobre este importante § 11 do art. 85 do CPC/2015:

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“Esta é uma das principais inovações do CPC/2015. No CPC/1973, em cada processo, havia uma
única condenação em honorários. No novo sistema, a cada recurso, há a majoração na condenação
em honorários – além daqueles já fixados anteriormente. 13.1. O teto para a fixação dos
honorários é o limite previsto no § 2º (20%, no caso de particulares) e § 3º (3% a 20%, conforme a
faixa, no caso da Fazenda Pública). Ou seja, mesmo com a sucumbência recursal, o teto de 20% de
honorários não poderá ser ultrapassado. (...) 13.3. Ao julgar o recurso, de ofício, o tribunal irá
aumentar os honorários. Assim, é possível que, no cotidiano, ocorra o seguinte: condenação em
10% quando da sentença, majorada para 15% quando do acórdão da apelação e para 20% quando
do acórdão do recurso especial (por ser esse o teto legal, como visto). Mas o mais provável é que
ocorra o seguinte: condenação em 10% quando da sentença, majorada para 20% quando do
acórdão da apelação e mantida nesses 20% quando do acórdão de eventual recurso especial
(exatamente por ser o teto legal). 13.4. Em virtude de quais recursos deve ser aplicada a
sucumbência recursal? Seriam todos os recursos previstos no artigo 994 do CPC/2015? Como o §
11 destaca “tribunal”, é de se concluir que não há a aplicação em 1º grau. Assim, quando dos
embargos de declaração da interlocutória ou sentença, descabe aplicar honorários recursais."
(DELLORE, Luiz. Comentários ao art. 85 do CPC. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de
2015 - Parte Geral. São Paulo: Método, 2015, p. 298-299).

Essa nova previsão tem dois objetivos principais:


1º) Remunerar o trabalho do advogado que terá que atuar também na fase de recurso;
2º) Desestimular a interposição de recursos, considerando que, agora, se eles forem improvidos, o
recorrente terá que pagar honorários advocatícios, o que não existia antes.

Nesse sentido:
O § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo atender à justa
remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos provenientes de
decisões condenatórias antecedentes. (...)
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 370.579/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23/06/2016.

Requisitos
Para que haja a fixação dos honorários advocatícios recursais, é necessário o preenchimento cumulativo
dos seguintes pressupostos:
a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o CPC/2015;
b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado
competente; e
c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
STJ. Corte Especial. AgInt nos EAREsp 762.075/MT, Rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, DJe 7/3/2019.

O RECURSO INTERPOSTO PELO VENCEDOR PARA AMPLIAR A CONDENAÇÃO – AINDA QUE NÃO SEJA
CONHECIDO OU QUE SEJA DESPROVIDO - NÃO IMPLICARÁ HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA RECURSAL
PARA A PARTE CONTRÁRIA
Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de indenização por danos morais contra a empresa.
O pedido foi julgado procedente e a empresa condenada a pagar a quantia de R$ 2 mil, a título de dano
moral.
O juiz condenou ainda a ré ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados em 10%
sobre o valor da condenação.
João não concordou com o valor da condenação e interpôs apelação pedindo a majoração dos danos
morais alegando que os transtornos foram elevados e que a ré possui grande poder econômico.
O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

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Em razão do desprovimento do recurso, o TJ com fundamento no art. 85, §11, do CPC/2015, condenou o
autor a pagar honorários advocatícios recursais no montante de 10% da condenação em benefício dos
advogados da ré.
João interpôs recurso especial alegando que não poderia ser condenado a pagar honorários advocatícios
recursais considerando que o § 11 do art. 85 do CPC somente prevê a majoração para os “honorários
fixados anteriormente”. Logo, como não houve fixação de honorários em favor dos advogados da ré
anteriormente, não haveria como se majorar honorários que não foram fixados.
A empresa apresentou contrarrazões alegando que o art. 85, §11, do CPC, não poderia ser interpretado
de forma literal e que os honorários seriam devidos neste caso por dois motivos:
1) Os honorários recursais, além do caráter remuneratório, possuem natureza sancionatória, ainda que
indireta, a fim de evitar a interposição de recursos destituídos de fundamentação razoável;
2) A interpretação da lei de ser feita de uma forma extensiva, isso porque as partes do processo devem
ser tratadas de forma isonômica, devendo ser oferecidas as mesmas chances e oportunidades de
influenciar a decisão final do processo. Não seria razoável que exista certa “ameaça” de honorários
recursais “apenas em desfavor de quem impugna sentença que lhe foi prejudicial, mas não para quem
pretende, de forma não fundamentada e para se aventurar em segundo grau, obter maiores ganhos do
que os já obtidos”.

São cabíveis honorários recursais neste caso? A jurisprudência do STJ está em harmonia com os
argumentos expostos pelo autor ou pela empresa?
NÃO. Neste caso, a jurisprudência do STJ está alinhada com os argumentos expostos pelo autor.
Não são cabíveis honorários recursais no julgamento de recurso interposto pela parte vencedora que
recorreu pretendendo ampliar a condenação.
Esse entendimento decorre da redação do art. 85, §11, do CPC, que não prevê fixação de honorários
advocatícios recursais em recurso da parte vencedora para ampliar a condenação, rejeitado, não provido
ou não conhecido. Vejamos novamente a literalidade do dispositivo:
Art. 85 (...)
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em
conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto
nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao
advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase
de conhecimento.

Diante da previsão expressa do art. 85, § 11, do Código Processual Civil, deve prevalecer, portanto, a tese
de que é indevida a majoração dos honorários recursais em recurso da parte vencedora para ampliar a
condenação, ainda que tal recurso seja desprovido.
Nesse sentido:
O recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação - que não seja conhecido, rejeitado ou
desprovido - não implica honorários de sucumbência recursal para a parte contrária.
O texto do §11 do art. 85 do CPC/15, prevê, expressamente, que somente serão majorados os ‘honorários
fixados anteriormente’, de modo que, não havendo arbitramento de honorários pelas instâncias
ordinárias, como na espécie, não haverá incidência da referida regra.
STJ. 3ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 1.040.024/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 31/8/2017.

Jurisprudência em Teses – Ed. 129


6) O recurso interposto pelo vencedor para ampliar a condenação - que não seja conhecido, rejeitado ou
desprovido - não implica honorários de sucumbência recursal para a parte contrária.

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Além disso, o STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de que não cabe a majoração de honorários
quando não houve prévia fixação de verba honorária em desfavor da parte recorrente na origem.

Em suma:
São incabíveis honorários recursais no recurso interposto pela parte vencedora para ampliar a
condenação.
É indevida a majoração dos honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC) em recurso da parte vencedora
para ampliar a condenação, ainda que tal recurso seja desprovido.
STJ. Corte Especial. EAREsp 1.847.842-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/9/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

APROFUNDANDO
O relator citou doutrina de Jales Sokal (A sucumbência recursal no novo CPC: razão, limites e algumas
perplexidades. Revista de Processo. vol. 256. ano 41. p. 179-205. São Paulo: Ed. RT, jun. 2016), que, ao
discorrer sobre o histórico do processo legislativo do novo CPC, explicita que essa foi a intenção do
legislador.
De acordo com a obra de Jales Sokal, o Projeto de Código, até a versão do Senado Federal, utilizava a
expressão “fixará nova verba honorária”, na redação da sucumbência recursal. No entanto, na Câmara
dos Deputados, adotou-se texto substancialmente diverso, norteado pelo verbo “majorará”, o que parece
realmente impedir a fixação de verba nova com os olhos postos apenas no vencedor do recurso, e não na
causa. E tanto assim que, na parte final do §11, em sua redação definitiva, menciona a lei o “cômputo geral
da fixação dos honorários devidos ao advogado do vencedor”, dando a entender que estes honorários
recursais sempre se conjugam com outros honorários.
Assim, por não haver coincidência entre o vencedor da causa e no recurso, simplesmente não haverá
honorários recursais para nenhum dos lados nas hipóteses de (i) vencedor que recorre sem razão; (ii) do
vencido que recorre, sagra-se vencedor no recurso, mas ainda permanece vencido na causa.
O doutrinador pondera que o legislador, ao adotar esse critério, ignorou a natureza remuneratória dos
honorários recursais, criando um espaço de trabalho sem remuneração no sistema.
Esse cenário, na visão do doutrinador, deve ser entendido como deve ser tido como resultado da política
legislativa por trás da própria hipótese de cabimento destes honorários recursais no NCPC, que não foram
queridos como um fator de encarecimento exagerado dos custos do processo no Código, em prejuízo, em
última análise, do próprio cidadão representado em juízo. E essa hipótese não seria extraordinária, pois,
para além do limite de 20%, ainda que haja trabalho desempenhado pelo advogado, não haverá
remuneração.

Sistematização das hipóteses de aplicação do §11, do art. 85, do CPC


Jales Sokal sistematiza as hipóteses de incidência (ou não) do dispositivo processual da seguinte forma:
i) vencedor na causa recorre e tem razão no recurso: há honorários recursais para o recorrente;
ii) vencedor na causa recorre e tem parcial razão no recurso: há honorários recursais para o recorrente,
mas não para o recorrido;
iii) vencedor na causa recorre e não tem razão no recurso: não há honorários recursais nem para o
recorrente e nem para o recorrido;
iv) vencido na causa recorre, tem razão no recurso, e passa a vencedor na causa: inversão dos honorários
para o recorrente, mas sem honorários recursais;
v) vencido na causa recorre, tem razão no recurso, mas permanece vencido na causa: não há honorários
recursais nem para o recorrente e nem para o recorrido;
vi) vencido na causa recorre, não tem razão no recurso, e permanece vencido na causa: há honorários
recursais para o recorrido;
vii) vencedor na causa recorre, tem parcial razão no recurso, e é caso de sucumbência recíproca na origem:
há honorários recursais para o recorrente e para o recorrido.

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EXECUÇÃO
É imprescindível o esgotamento dos meios executivos típicos para a utilização do sistema
Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) como medida executiva atípica
ODS 16

A adoção do CNIB atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Além disso,


não viola o princípio da menor onerosidade do devedor, pois a existência de anotação não
impede a lavratura de escritura pública representativa do negócio jurídico relativo à
propriedade ou outro direito real sobre imóvel, exercendo o papel de instrumento de
publicidade do ato de indisponibilidade.
Contudo, por se tratar de medida executiva atípica, a utilização do CNIB será admissível
somente quando exauridos os meios executivos típicos, ante a sua subsidiariedade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.969.105/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/9/2023.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.963.178-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/12/2023 (Info 15
– Edição Extraordinária).

O que é a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB)?


A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) é um sistema eletrônico que interliga os registros
públicos de bens imóveis e outros registros, facilitando a averbação de indisponibilidade de bens.
Essa central é utilizada principalmente por autoridades judiciais e outros órgãos competentes para
garantir a eficácia de decisões judiciais ou administrativas que determinam a indisponibilidade de bens de
determinadas pessoas físicas ou jurídicas.
Quando uma decisão judicial ou administrativa é emitida para tornar um bem indisponível, a CNIB permite
que essa decisão seja rapidamente comunicada aos registros pertinentes em todo o país. Isso ajuda a
prevenir a venda ou transferência de propriedades que estão sob litígio ou sujeitas a confisco, assegurando
assim a efetividade das medidas legais.
A CNIB é uma ferramenta importante no combate à fraude, corrupção e lavagem de dinheiro, pois impede
que indivíduos ou empresas envolvidos em investigações ou processos judiciais transfiram seus bens para
evitar sanções ou o cumprimento de obrigações legais.
A CNIB foi criada e regulamentada pelo Provimento nº 39/2014, do CNJ.

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa Alfa Ltda celebrou contrato de mútuo com o Banco Beta.
Após alguns meses, a empresa deixou de pagar as parcelas convencionadas, incorrendo em um débito de
R$ 230 mil.
O Banco propôs execução de título extrajudicial em face da Alfa e de seus sócios, que figuraram como
fiadores do empréstimo.
Tentou-se a penhora de valores via SISBAJUD, mas não havia nenhum numerário nas contas bancárias dos
executados.
Diante disso, como medida imediatamente subsequente, o Banco pediu a inscrição dos devedores na
Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB).
O juiz indeferiu o pedido sob o argumento de que a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB),
se presta ao combate à criminalidade e à improbidade administrativa, sendo absolutamente excepcional
para a satisfação de interesse meramente individual.
Conforme explicou o magistrado, para que seja permitida a inscrição dos devedores no CNIB é
indispensável que se esgote todos os meios executivos típicos. No caso concreto, tentou-se apenas o
SISBAJUD, razão pela qual ainda haveria outros meios executivos típicos para se pleitear antes da inscrição
no CNIB.

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O Banco interpôs agravo de instrumento, mas o Tribunal de Justiça manteve a decisão.


Ainda inconformado, o exequente interpôs recurso especial insistindo no pedido para inscrição dos
devedores no CNIB.

Os argumentos utilizados pelo magistrado para negar a inscrição no CNIB estão em harmonia com a
jurisprudência do STJ?
SIM.

É constitucional o art. 139, IV, do CPC, que prevê medidas atípicas destinadas a assegurar a efetivação
dos julgados
O STF, no julgamento da ADI 5.941/DF, recentemente declarou a constitucionalidade da aplicação
concreta das medidas atípicas previstas no art. 139, IV, do CPC, desde que não avance sobre direitos
fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade:
São constitucionais — desde que respeitados os direitos fundamentais da pessoa humana e observados
os valores especificados no próprio ordenamento processual, em especial os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade — as medidas atípicas previstas no CPC/2015 destinadas a assegurar
a efetivação dos julgados.
STF. Plenário. ADI 5941/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/02/2023 (Info 1082).

O art. 139, IV, do CPC/2015 representou uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar
mais efetividade ao processo. Veja a redação do dispositivo:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por
objeto prestação pecuniária;

No caso do processo de execução, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-


rogatórias apresenta-se como um importante instrumento para permitir a satisfação da obrigação que
está sendo cobrada (obrigação exequenda). Com isso, podemos dizer que esse dispositivo homenageia
(prestigia) o “princípio do resultado na execução”.
As medidas executivas atípicas, sobretudo as coercitivas, não são penalidades judiciais impostas ao
devedor, pois, se assim fossem, implicariam obrigatoriamente em quitação da dívida após o cumprimento
da referida pena, o que não ocorre.
Por esse motivo, essas medidas previstas no art. 139, IV, do CPC não representam uma superação do
dogma da patrimonialidade da execução, uma vez que são os bens - e apenas os bens - do devedor que
respondem pelas suas dívidas. O que o art. 139, IV, do CPC permite é que, mesmo a execução sendo
patrimonial, sejam impostas restrições pessoais como método para vencer a recalcitrância do devedor.

Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) e Provimento 39/2014-CNJ


A fim de regulamentar o Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), o Conselho Nacional de
Justiça editou o Provimento nº 39/2014, o qual prevê busca pela racionalização do intercâmbio de
informações entre o Poder Judiciário e os órgãos prestadores de serviços notariais e de registro,
constituindo uma importante ferramenta para a execução, a propiciar maior segurança jurídica aos
cidadãos em suas transações imobiliárias.
Nesse sentido, a adoção do CNIB atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem
como não viola o princípio da menor onerosidade do devedor, pois a existência de anotação não impede
a lavratura de escritura pública representativa do negócio jurídico relativo à propriedade ou outro direito
real sobre imóvel, exercendo o papel de instrumento de publicidade do ato de indisponibilidade.

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Inscrição no CNIB é subsidiária


Por se tratar de medida executiva atípica, a utilização do CNIB será admissível somente quando exauridos
os meios executivos típicos, ante a sua subsidiariedade.
No caso, nem todos os meios executivos haviam ainda sido adotados. Faltava, por exemplo, a consulta aos
sistemas informatizados BacenJud e RenaJud, com vistas a buscar bens dos devedores passíveis de
constrição.

Em suma:
É imprescindível o esgotamento dos meios executivos típicos para a utilização do sistema Central
Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) como medida executiva atípica.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.963.178-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/12/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

No mesmo sentido:
A utilização do CNIB de forma subsidiária, após o esgotamento das medidas ordinárias e sempre sob o
crivo do contraditório, encontra apoio no art. 139, incisos II e IV do CPC, e não viola os princípios da
razoabilidade, proporcionalidade ou da menor onerosidade ao devedor.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.969.105/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/9/2023.

RECURSOS
A doença do advogado da parte pode ser invocada como justa causa
para a devolução do prazo recursal?
ODS 16

A doença que acomete o advogado somente pode constituir justa causa para autorizar a
interposição tardia de recurso se, sendo o único procurador da parte, estiver o advogado
totalmente impossibilitado de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato a colega seu
para recorrer da decisão.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.223.183-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/10/2023 (Info 15
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa Alfa ingressou com ação contra o Banco.
Na procuração outorgada constava o nome de dois advogados: João e Mauro.
A petição inicial foi assinada por João.
Em decisão interlocutória, o juiz indeferiu a tutela provisória de urgência requerida pela autora.
O prazo que a autora tinha para interpor agravo de instrumento se encerrou em 15/08/2016.
Em 17/08/2016, a empresa ingressou com o agravo de instrumento.
Na petição do recurso, a recorrente reconhece que o prazo recursal findou em 15/08/2016, porém
argumentou que, no dia 09/08/2016, João, advogado que subscreveu o recurso, adoeceu, permanecendo
em repouso, por recomendação médica, por 7 dias.
O Tribunal de Justiça não concordou com a justificativa e entendeu que o agravo de instrumento era
intempestivo. O TJ argumentou que a empresa agravante era assistida por dois advogados, de modo que,
na impossibilidade de um dos causídicos exercer suas atividades laborais, o outro poderia tê-lo feito.
Inconformada, a empresa interpôs recurso especial insistindo no argumento de que a doença que o
acometeu poderia constituir justa causa para autorizar a interposição tardia de recurso. Não houve,
contudo, comprovação de que Mauro, o outro advogado, também estava impossibilitado.

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No caso concreto, o STJ concordou com os argumentos da recorrente?


NÃO.
O advogado somente terá direito à devolução do prazo em virtude de doença se:
1) o advogado doente era o único procurador constituído pela parte; e
2) ele estava totalmente impossibilitado de exercer a função ou de substabelecer o mandato a colega seu
para praticar o ato.

Assim, o fato de o advogado juntar um atestado provando que estava doente não é suficiente, por si só,
para ter direito novamente ao prazo recursal.
A doença deve ser de tal modo grave que ele não podia trabalhar nem pedir auxílio a um colega por meio
de substabelecimento.
Da mesma forma, ainda que a enfermidade seja muito grave, se a procuração havia sido conferida a mais
de um advogado, não se poderá invocar a justa causa na hipótese de apenas um deles ter ficado doente.

Nesse sentido:
Desde que seja o único constituído nos autos, configura justa causa a doença do próprio advogado que o
impossibilite totalmente de exercer a função ou de substabelecer o mandato, em caso de descumprimento
do prazo fixado na intimação para regularização da representação processual.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.104.220/PB, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/10/2023.

O pedido de devolução do prazo por motivo de doença do único patrono constituído depende da
demonstração de justa causa relativa à impossibilidade total do exercício da profissão ou de substabelecer
o mandato.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.205.732/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 6/3/2023.

No caso dos autos, não obstante a incapacidade de um dos procuradores, não ficou comprovada a
impossibilidade de atuação do outro causídico regularmente constituído.

Em suma:
A doença que acomete o advogado somente pode constituir justa causa para autorizar a interposição
tardia de recurso se, sendo o único procurador da parte, estiver o advogado totalmente impossibilitado
de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato a colega seu para recorrer da decisão.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.223.183-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/10/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

Esse entendimento vale também para processos criminais:


A doença que acomete o advogado somente se caracteriza como justa causa, a ensejar a devolução do
prazo, quando o impossibilita totalmente de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato a colega.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.895.348/RJ, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 19/9/2023.

EXECUÇÃO (IMPENHORABILIDADE)
O art. 833, X, do CPC assegura a impenhorabilidade de valores até o limite de 40 salários-
mínimos, independentemente de onde estiverem depositados ou mesmo em papel-moeda; não
se admite a penhora ainda que parcial desses valores
ODS 16

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50


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O art. 833, X, do CPC prevê que é impenhorável a quantia depositada em caderneta de


poupança, até o limite de 40 salários-mínimos.
Para o STJ, a impenhorabilidade do art. 833, X, do CPC/2015 se estende a todos os numerários
poupados pela parte executada, até o limite de 40 salários mínimos, não importando se
depositados em poupança, conta-corrente, fundos de investimento ou guardados em papel-
moeda.
Não é possível penhorar uma parte do valor (ex: 30%) assim como o STJ admite nos casos da
impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC.
Presume-se como indispensável para preservar a reserva financeira essencial à proteção do
mínimo existencial do executado e de sua família, bem como de depósitos em caderneta de
poupança ou qualquer outro tipo de aplicação financeira, o valor de 40 salários-mínimos.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.018.134-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 27/11/2023
(Info 15 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


O Banco ajuizou execução de título executivo extrajudicial contra João.
Como o executado não pagou, nem ofereceu bens à penhora, o exequente requereu o bloqueio de ativos
financeiros no SISBAJUD (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário).
Foi penhorada a quantia de R$ 52 mil pertencentes à João e que estavam depositados em sua conta
bancária.
O executado compareceu nos autos e alegou impenhorabilidade da quantia, na forma do art. 833, X, do
CPC:
Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-
mínimos;

Obs: o salário-mínimo foi fixado em R$ 1.412,00 para 2024; logo, 40 salários-mínimos, em 2024, é
equivalente a R$ 56.480,00.
O banco exequente requereu a manutenção do bloqueio, tendo em vista que o executado não comprovou
que se tratava de conta poupança. Ressaltou que um dos prints juntados pelo executado fazia referência
expressa à “conta de pagamentos” (conta corrente).
O devedor argumentou que a regra do art. 833, X, do CPC/2015 se estende a todos os numerários
poupados pela parte executada, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos, não importando se
depositados em poupança, conta-corrente, fundos de investimento ou guardados em papel-moeda.

O argumento do devedor está alinhado com a jurisprudência do STJ?


SIM.
Como vimos acima, o art. 833, X do CPC prevê, textualmente, a impenhorabilidade de valores abaixo de
40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança. Todavia, o STJ entende que não há razão
lógica ou jurídica para que a proteção se limite a determinado tipo de investimento (poupança), em
detrimento de outro.
Desse modo, a abrangência da regra do art. 833, X, do CPC/2015 se estende a todos os numerários
poupados pela parte executada, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, não importando se
depositados em poupança, conta-corrente, fundos de investimento ou guardados em papel-moeda.
Vale ressaltar que, se o magistrado identificar eventual abuso do direito por parte do executado, poderá
afastar, no caso concreto, a garantia da impenhorabilidade (STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp
1.323.550/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, julgado em 27/09/2021).

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Assim, em regra, a impenhorabilidade dos 40 salários mínimos vale de forma ampla (e não apenas para
cadernetas de poupança).
É possível a mitigação dessa mencionada regra, ou seja, a impenhorabilidade pode até ser relativizada
quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória do devedor
inadimplente, ocasião em que deve ser preservado montante suficiente a assegurar a subsistência digna
do executado e sua família.

É possível penhorar uma parte do valor (ex: 30%) assim como o STJ admite nos casos da
impenhorabilidade do inciso IV do art. 833 do CPC?
NÃO.
A possibilidade de penhora parcial de valores existe apenas no caso de quantias de origem salarial,
protegidas na forma do art. 833, IV, CPC. Nesse sentido:
O entendimento do STJ é consolidado no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade de salários,
proventos e demais vencimentos (art. 833, IV, do CPC/15) pode ser excepcionada quando for preservado
percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2038478/MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/03/2023.

Afinal, o motivo da proteção do salário é a garantia da subsistência do devedor, assegurada pelas


remunerações recebidas com a finalidade de pagamento das despesas familiares básicas.
Já o art. 833, X, CPC busca preservar a reserva financeira essencial à proteção do mínimo existencial do
executado e de sua família, em razão das inúmeras contingências que podem tornar imprescindível essa
poupança.

É necessário que o devedor comprove que todo o valor (40 salários-mínimos) é voltado para o mínimo
existencial da família?
NÃO. Existe uma presunção nesse sentido.
A lei presume que a quantia de 40 (quarenta) salários mínimos é o valor indispensável para o mínimo
existencial do executado e de sua família.

Em suma:
Presume-se como indispensável para preservar a reserva financeira essencial à proteção do mínimo
existencial do executado e de sua família, bem como de depósitos em caderneta de poupança ou
qualquer outro tipo de aplicação financeira, o valor de 40 salários mínimos.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.018.134-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 27/11/2023 (Info 15
– Edição Extraordinária).

EXECUÇÃO / FRAUDE À EXECUÇÃO


A caracterização da fraude à execução, quando o credor não efetuou o registro imobiliário da
penhora, depende de prova de que o terceiro adquirente tinha ciência do ônus que recaía sobre
o bem; esse entendimento existe desde a redação original do CPC/1973
ODS 16

De acordo com a Súmula 375 do STJ, para que se reconheça a fraude à execução é necessário:
• o registro da penhora do bem alienado; ou
• a prova de má-fé do terceiro adquirente.
Assim, se não houver registro da penhora na matrícula do imóvel, presume-se que o terceiro
adquirente não tinha conhecimento da existência de uma ação que poderia levar o alienante

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à insolvência. Essa presunção é relativa e pode ser afastada desde que o credor prove que o
terceiro adquirente tinha conhecimento.
Esse entendimento existe desde a redação original do § 4º do art. 659, do CPC/1973.
Desse modo, mesmo no sistema legal anterior à Lei nº 8.953/94, a caracterização da fraude à
execução, quando o credor não efetuou o registro imobiliário da penhora, dependia de prova
de que o terceiro adquirente tinha ciência do ônus que recaía sobre o bem.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.577.144-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 2/10/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

O julgado comentado envolve o tema fraude à execução.


Antes de explicar o que foi decidido, irei fazer uma revisão sobre o assunto.
Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para a explicação do julgado.

ALIENAÇÕES FRAUDULENTAS
Princípio da responsabilidade patrimonial
No processo de execução vigora, em regra, o princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual o
débito será quitado com o patrimônio do devedor.
Assim, com exceção da prestação alimentícia, o devedor não responde com seu corpo ou sua liberdade
pelas dívidas que tenha. Esses débitos são adimplidos com o patrimônio que o devedor possua ou venha
a possuir. Se não tiver patrimônio, o débito não é pago.
Tal princípio encontra-se previsto no CPC:
Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de
suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Alienações fraudulentas feitas pelo devedor para fugir da responsabilidade patrimonial


Se o débito somente pode ser quitado com o patrimônio do devedor, podemos imaginar que, em alguns casos,
a pessoa se desfaça de seus bens (verdadeiramente ou de maneira simulada) apenas para não pagar a dívida.
Alienando seu patrimônio, o devedor torna-se insolvente e não haverá mais meio de os credores obterem
a satisfação do crédito. Obs.: devedor insolvente é aquele cujo patrimônio passivo (dívidas) é maior que o
ativo (bens).
A legislação prevê três formas de se combater essa prática (fraude do devedor).

Fraude do devedor (alienação fraudulenta)


A legislação prevê três espécies de fraude do devedor (alienações fraudulentas) e as formas de combatê-las:
a) fraude contra credores;
b) fraude à execução;
c) alienação de bem penhorado.

Vamos tratar aqui apenas da segunda espécie: fraude à execução.

FRAUDE À EXECUÇÃO
Conceito
Fraude à execução consiste no ato do devedor de alienar ou gravar com ônus real (ex.: dar em hipoteca)
um bem que lhe pertence, em uma das situações previstas nos incisos do art. 792 do CPC.
A fraude contra a execução, além de causar prejuízo ao credor, configura ato atentatório à dignidade da
Justiça (art. 774, I, do CPC).

Hipóteses em que há fraude à execução segundo o CPC:

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Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:


I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória,
desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na
forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição
judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de
reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.

Se o devedor alienou ou gravou com ônus real determinado bem praticando fraude à execução, esse bem
continua respondendo pela dívida e poderá ser executado (poderá ser expropriado pelo credor) (art. 790,
V, do CPC).

É possível que ocorra fraude à execução se a alienação ou oneração ocorreu antes que a execução tenha
sido proposta?
NÃO. Para que ocorra a fraude à execução, é necessário que a execução tenha sido ao menos ajuizada.

É possível que ocorra fraude à execução se a alienação ou oneração ocorreu antes que o executado
tenha sido citado?
Em regra, NÃO. Em regra, para que haja fraude à execução, é indispensável que a alienação ou oneração
tenham acontecido após o devedor ter sido citado. Isso porque, para que haja fraude, é necessário que o
devedor soubesse que estava sendo executado quando alienou ou onerou o bem. Quando o devedor é
citado, existe a certeza de que, a partir daquele momento, ele tem consciência da existência do processo.
Logo, se o devedor vender ou onerar o bem depois de a execução ter sido ajuizada, mas antes de ele ser
citado, em regra, não haverá fraude à execução.

Por que se falou “em regra”? É possível que se reconheça a fraude à execução se o devedor vendeu ou
onerou o bem mesmo antes de ser citado?
SIM. Existe uma situação em que será possível reconhecer a fraude à execução quando o devedor alienou
ou onerou o bem após o ajuizamento, mas antes de ser citado. Isso ocorre quando o exequente fez a
averbação da execução nos registros públicos:
Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com
identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de
veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

Esse artigo permite que o exequente faça a averbação do ajuizamento da execução em registro público
de bens sujeitos à penhora ou arresto.
Explicando em simples palavras:
• Logo após dar entrada na execução, o credor pode obter uma certidão no fórum declarando que ele
ajuizou uma execução contra Fulano (devedor) cobrando determinada quantia.
• Em seguida, o exequente vai até os registros públicos onde possa haver bens do devedor lá registrados
(exs.: registro de imóveis, DETRAN, registro de embarcações na capitania dos portos) e pede para que seja
feita a averbação (uma espécie de anotação/observação feita no registro) da existência dessa execução
contra o proprietário daquele bem.
• Assim, se alguém for consultar a situação daquele bem, haverá uma averbação (anotação) de que existe
uma execução contra o proprietário.

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• Essa providência serve como um aviso ao devedor e um alerta para a pessoa que eventualmente quiser
adquirir a coisa, já que eles, ao consultarem a situação do bem, saberão que existe uma execução contra
o alienante e que aquele bem não pode ser vendido, sob pena de se caracterizar a fraude à execução.
• Se o devedor alienar ou onerar o bem após o credor ter feito a averbação, essa alienação ou oneração é
ineficaz (não produz efeitos) porque haverá uma presunção absoluta de que ocorreu fraude à execução.

Leia o restante do art. 828 do CPC, que tem muitas informações importantes sobre o tema:
Art. 828 (...)
§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as
averbações efetivadas.
§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente
providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não
penhorados.
§ 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o
exequente não o faça no prazo.
§ 4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a
averbação.
§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as
averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos
apartados.

Fraude à execução e citação


• Regra geral: para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do
devedor.
• Exceção: mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou
o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos (art. 828 do CPC).
Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação (§ 4º
do art. 828) (art. 792, II).

Se o credor perceber que o devedor, mesmo após ter sido proposta a execução, procedeu à alienação ou
oneração de bens, precisará ajuizar uma ação para provar que houve a fraude à execução?
NÃO. Basta que o credor lesado apresente uma petição ao juízo onde tramita a execução pedindo que seja
reconhecida a fraude à execução e declarada a ineficácia do ato de disposição (alienação ou oneração).
Atenção: o ato praticado em fraude à execução é um ato válido, mas ineficaz perante o credor
(reconhecida a fraude à execução, o juiz decretará a ineficácia da alienação).

Como fica a situação da pessoa que adquiriu o bem alienado (chamado de “terceiro”)? Esse terceiro
perderá o bem? Como protegê-lo?
Ao mesmo tempo que se deve evitar a fraude à execução, é também necessário que se proteja o terceiro
de boa-fé. Pensando nisso, o STJ firmou o entendimento de que somente será possível reconhecer a fraude
à execução se:
• ficar provada a má-fé do terceiro adquirente; ou
• se, no momento da alienação, o bem vendido já estava penhorado na execução e essa penhora estava
registrada no cartório de imóveis (art. 844 do CPC).

Essa posição foi transformada em uma súmula:


Súmula 375-STJ: O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

De quem é o ônus de provar que o terceiro adquirente estava de má-fé?


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Depende:
1) Se o bem adquirido pelo terceiro era sujeito a registro (se existe um registro público onde poderão ser
averbadas a existência de processo de execução ou de constrição judicial. Exs: bens imóveis - Registro de
Imóveis; automóveis - DETRAN). Neste caso deveremos analisar:
1.1 Se o exequente fez a averbação no registro informando que havia uma execução contra o proprietário
do bem ou uma constrição judicial (ex: penhora) sobre a coisa: neste caso, a má-fé do adquirente está
provada porque o registro gera publicidade e cabia ao terceiro tê-lo consultado.
1.2 Se o exequente não fez a averbação no registro: neste caso, o exequente terá que comprovar a má-fé
do adquirente.

2) Se o bem adquirido pelo terceiro não era sujeito a registro (não existe um registro público onde seja
anotada a sua propriedade e alterações. Exs: um quadro, uma joia etc.). Nesta hipótese, o terceiro
adquirente é quem terá o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante
a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem
(art. 792, § 2º, do CPC/2015). Se não provar, será reconhecida a fraude à execução e ele perderá o bem.

Confira o que diz Marcus Vinícius Gonçalves:


“Mas, e se o bem não for daqueles sujeitos a registro, como acontece com a maior parte dos bens
móveis? Como pode o exequente proteger-se da alienação, pelo devedor, de bens que não podem
ser registrados? O art. 792, § 2º, estabelece que, em se tratando de bens não sujeitos a registro,
o ônus da prova de boa-fé será do terceiro adquirente, a quem caberá demonstrar que adotou as
cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no
domicílio do vendedor e no local em que se encontra. Se o terceiro adquirente não fizer a
comprovação de que tomou tais cautelas, presumir-se-á que adquiriu o bem de má-fé, e o juiz
declarará a fraude à execução.” (GONÇALVES, Marcus Vinícius. Direito Processual Civil
esquematizado. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2016, p. 1.508).

Veja a redação do § 2º do art. 792 do CPC/2015:


Art. 792 (...)
§ 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de
provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões
pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.

Sobre o tema, se você faz concursos para cartórios, é importante também conhecer a redação do art. 54
da Lei nº 13.097/2015 (com redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022):
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais
sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não
tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi
admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos
no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);
III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de
indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou
responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso
IV do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de
imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia

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direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de
fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de
registro de título de imóvel.
§ 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para
a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não
serão exigidas:
I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos
do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e
II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.

Obs: importante esclarecer que a correta interpretação do art. 792, § 2º, do CPC/2015 é objeto de
polêmica na doutrina, não havendo uma posição ainda segura sobre o tema. As conclusões acima ainda
não foram examinadas pelo STJ. Em provas de concurso, penso que durante um bom tempo deverão
cobrar a redação literal do art. 792, § 2º, do CPC/2015.

E a súmula 375-STJ continua válida?


Sim, mas ela deve ser lida agora com esta nova hipótese trazida pelo art. 792, § 2º do CPC.

O que é o registro da penhora? É o mesmo que a averbação do art. 828 que vimos acima?
NÃO. O registro da penhora é uma coisa e a averbação do art. 828 do CPC é outra completamente diversa.
Penhorar significa apreender judicialmente os bens do devedor para utilizá-los, direta ou indiretamente,
na satisfação do crédito executado.
A penhora ocorre depois que já existe execução em curso e o executado já foi citado e não pagou.
Após ser realizada a penhora, o exequente, para se resguardar ainda mais, pode pegar na Secretaria da
Vara onde tramita a execução uma certidão de inteiro teor narrando que foi realizada a penhora sobre
determinado bem. Após, de posse dessa certidão, ele poderá ir até o cartório de registro de imóveis e
pedir que seja feita a averbação da penhora. Isso está previsto no art. 844 do CPC.
Caso faça a averbação, ela irá gerar uma presunção absoluta de que todas as pessoas sabem que esse bem
está penhorado. Logo, se alguém adquirir o bem, tal pessoa será considerada terceiro de má-fé e essa
venda não será eficaz.
Em outras palavras, o terceiro, mesmo tendo pago o preço, perderá a coisa porque adquiriu bem cuja
penhora estava registrada.

Teses definidas pelo STJ


O STJ, ainda na vigência do CPC/1973, apreciando o tema sob o regime do recurso repetitivo (Tema 243),
definiu as seguintes teses:
1) Em regra, para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do
devedor.
2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem,
o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos. Presume-se em fraude de
execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação.
3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende
do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
4) A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, devendo ser respeitada a
parêmia (ditado) milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”.
5) Assim, não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o
terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência.
STJ. Corte Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 243) (Info 552).

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Obs: as teses acima expostas continuam válidas, devendo, no entanto, ser observada também agora a
hipótese do art. 792, § 2º do CPC/2015.

Contraditório prévio
Outra importante novidade do CPC/2015 e que será explorada nas provas está na obrigatoriedade de
oportunizar contraditório ao terceiro adquirente antes que seja declarada a fraude à execução. Esta
previsão, que não existia no Código passado, foi expressamente inserida nos seguintes termos:
Art. 792 (...)
§ 4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se
quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.

EXPLICAÇÃO DO JULGADO
Imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1996, a empresa Alfa ajuizou execução contra Geraldo. Foi penhorado um imóvel do devedor (um
galpão). Não foi feita a averbação no registro na matrícula.
Em 1997, mesmo com a penhora, Geraldo vendeu o imóvel (galpão) para Domingos, tendo sido feito o
registro do ato na matrícula do imóvel.
Em 1999, no processo de execução, o juiz, sem saber que o imóvel havia sido vendido, determinou que o
galpão fosse levado a hasta pública, tendo ele sido arrematado (“comprado”) por Valdir.
Em 14/11/2003, Domingos vendeu o imóvel para Marcelo, com registro em cartório. Na escritura constou
declaração de que o comprador estava dispensando as certidões de que trata o art. 1º, § 2º, da Lei nº
7.433/85:
Art. 1º (...)
§ 2º O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do
pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de
propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

Ação de imissão na posse


No início de 2008, Valdir ajuizou ação de imissão na posse pedindo para ter a posse do bem que ele
arrematou na hasta pública.
Foi expedido e cumprido mandado de imissão na posse em favor de Valdir.
Marcelo, que, como vimos, havia comprado o imóvel em 2003, ingressou com embargos de terceiros
pedindo a desconstituição da constrição e da arrematação operadas nos autos do processo de execução.

Decisão do Tribunal de origem


O juiz e o Tribunal de Justiça rejeitaram os embargos de terceiros opostos por Marcelo, consignando que
o embargante adquiriu o bem em 2003, ou seja, depois de Valdir ter arrematado o bem (em 1999).
Logo, a arrematação deveria ser considerada perfeita, acabada e irretratável.
Além disso, foi destacado que, como Marcelo deixou de pedir as certidões mencionadas no art. 1º, § 2º,
da Lei nº 7.433/85, não poderia ser considerado como terceiro de boa-fé.

Recurso especial
Marcelo interpôs recurso especial alegando que a compra que ele fez do imóvel foi válida e eficaz e não
configurou fraude à execução.
O recorrente argumentou o seguinte:
- o imóvel foi penhorado em 1996 na execução proposta por Alfa contra Geraldo;
- em 1999, esse imóvel foi arrematado por Valdir;
- esse mesmo imóvel foi adquirido por mim (pelo recorrente (Marcelo) em 2003;

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- ocorre que essa compra não configurou fraude à execução porque nem a penhora (em 1996) nem a
arrematação (em 1999) estavam registradas na matrícula do imóvel;
- logo, como o credor não efetuou o registro imobiliário da penhora, eu (Marcelo) não tinha como saber
que havia um ônus que recaía sobre o bem;
- isso significa que eu estava de boa-fé.

O STJ concordou com os argumentos de Marcelo. O recurso especial foi provido?


SIM.
De acordo com a Súmula 375 do STJ, para que se reconheça a fraude à execução é necessário:
• o registro da penhora do bem alienado; ou
• a prova de má-fé do terceiro adquirente.

Assim, se não houver registro da penhora na matrícula do imóvel, presume-se que o terceiro adquirente
não tinha conhecimento da existência de uma ação que poderia levar o alienante à insolvência. Essa
presunção é relativa e pode ser afastada desde que o credor prove que o terceiro adquirente tinha
conhecimento.
Podemos assim sistematizar:
• se houve registro da penhora na matrícula do imóvel, o terceiro adquirente tinha conhecimento da
existência da ação e estará caracterizada a fraude à execução;
• se não houve registro da penhora na matrícula do imóvel, presume-se que o terceiro adquirente não
tinha conhecimento da existência da ação e a fraude à execução dependerá da prova de má-fé do terceiro.
O ônus de produzir essa prova é do credor.

Sob o regime do recurso repetitivo, o STJ fixou as seguintes teses a respeito do tema:
1) Em regra, para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do
devedor.
2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem,
o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos. Presume-se em fraude de
execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação.
3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende
do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
4) A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, devendo ser respeitada a
parêmia (ditado) milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”.
5) Assim, não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o
terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência.
STJ. Corte Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 243) (Info 552).

Nos termos da referida tese, para o reconhecimento da ineficácia do ato de disposição do bem penhorado,
além da alienação após a citação do devedor em demanda capaz de levar o alienante à insolvência, é
necessário investigar se o credor levou a registro a penhora do bem alienado ou, em caso negativo, se o
terceiro adquirente agiu de má-fé, não sendo viável a presunção de eventual má-fé, mas a certeza de
conduta nesse sentido, que deve ser comprovada pelo credor-exequente.
Desde a redação original do § 4º do art. 659, do CPC/1973 que dispunha que “A penhora de bens imóveis
realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e inscrição no respectivo registro”, já era necessário
registro da penhora para o reconhecimento de fraude à execução, sendo que a alteração do referido
dispositivo pela Lei nº 11.382/2006, apenas deixou ainda mais clara a exigência.
Trata-se de compreensão lógica que apenas foi sendo aprimorada pelos textos normativos que a
consagram. Não faz sentido exigir-se de terceiro interessado na aquisição de bem imóvel que percorra o
País buscando obter nos foros cíveis, trabalhistas e federais certidões negativas acerca de eventual

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existência de ações que possam reduzir à insolvência o proprietário do imóvel a ser adquirido. Muito mais
sensato e fácil é exigir que o próprio credor interessado na penhora do imóvel promova, na respectiva
matrícula, o registro de sua pretensão ou constrição, de modo a dar amplo conhecimento a todos.
Por isso, mesmo na redação originária do § 4º do art. 659 do CPC/1973, o STJ já entendia que, se o credor
não registrou a penhora, a caracterização de fraude à execução depende de prova de que o terceiro
adquirente tinha plena ciência da situação de insolvência do alienante, não sendo cabível presunção de
má-fé do adquirente a título oneroso.

Voltando ao caso concreto:


Não houve averbação da execução promovida pela empresa Alfa, de registro imobiliário da penhora ou
ainda da posterior arrematação do imóvel do terceiro adquirente não sendo possível, portanto, presumir
a sua má-fé.
Ausente a formalidade considerada essencial pela lei ao negócio realizado - efetivação do registro tanto
da penhora quanto da carta de arrematação - não é possível admitir que o título seja oponível aos terceiros
de boa-fé que adquiriram o imóvel que não era, à época, gravado com ônus reais.

Em suma:
Mesmo no sistema legal anterior à Lei nº 8.953/94, a caracterização da fraude à execução, quando o
credor não efetuou o registro imobiliário da penhora, dependia de prova de que o terceiro adquirente
tinha ciência do ônus que recaía sobre o bem.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.577.144-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 2/10/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

Por isso, esta Corte Superior, mesmo no sistema legal anterior à Lei 8.953/94, já entendia depender a
caracterização de fraude à execução, quando o credor não efetuara a singela cautela do registro
imobiliário da penhora ou de outra pretensão reipersecutória, da prova de que o terceiro adquirente tinha
plena ciência da situação de insolvência do alienante, não sendo cabível presunção de má-fé do adquirente
a título oneroso. Precedentes.
4. Na hipótese, é incontroversa a inexistência de averbação acerca da execução promovida pelo Consórcio
agravado, de registro imobiliário da penhora ou ainda da posterior arrematação, cuja carta somente foi
levada a registro mais de 4 (quatro) anos após a aquisição do imóvel pelos agravantes que, por sua vez,
promoveram, nos estritos termos da lei, o registro da operação de compra e venda, não sendo possível,
portanto, presumir sua má-fé.
5. Agravo interno a que se dá provimento para julgar procedentes os embargos de terceiro, a fim de tornar
sem efeitos os atos expropriatórios sobre o bem referenciado, realizados na execução movida pelo
Consórcio agravado e, consequentemente, a arrematação do bem pelo ora agravado.
(AgInt no REsp n. 1.577.144/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/10/2023, DJe
de 5/10/2023.)

PROCESSO COLETIVO
Há legitimidade das vítimas para executar individualmente o TAC firmado por ente público que
verse sobre direitos individuais homogêneos
ODS 11 E 16

As vítimas de evento danoso possuem legitimidade para executar individualmente o Termo


de Ajustamento de Conduta firmado por ente público que verse sobre direitos individuais
homogêneos.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.059.781-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

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O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:


Após um desastre ambiental de grandes proporções causado pelo rompimento de uma barragem no
município de Brumadinho, Minas Gerais, administrada pela empresa Vale S.A., inúmeras pessoas foram
afetadas, sofrendo perdas materiais e abalos psicológicos.
A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, representando os interesses das vítimas, firmou um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vale S.A. Este TAC previa indenizações para as pessoas
lesadas, incluindo pagamentos específicos para determinados tipos de danos.
João, uma das vítimas do desastre, que sofreu danos emocionais severos, decidiu buscar a indenização
prevista no TAC. Ele ingressou com ação de execução de título extrajudicial contra a Vale S.A.,
reivindicando a quantia estipulada no acordo para o dano específico que sofreu.
O juízo de primeira instância indeferiu a petição inicial de João e extinguiu o processo sem resolução de
mérito, argumentando falta de legitimidade ativa ad causam.

A decisão do magistrado foi mantida?


NÃO.

Rompimento da Barragem do Córrego do Feijão


A tragédia do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, ocorrida em 25 de janeiro de 2019 no
Município de Brumadinho/MG, acarretou inúmeras mortes e incomensuráveis prejuízos na vida dos
indivíduos atingidos - de ordem material e moral -, bem como devastador e irreparável dano ambiental na
região. Ou seja, a partir de um único evento danoso, foram violados, simultaneamente, direitos difusos,
direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos.
Nesse contexto, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais firmou Termo de Ajustamento de Conduta
com a empresa Vale S/A, por meio do qual esta se comprometeu a indenizar extrajudicialmente as vítimas
do acidente ocorrido na cidade de Brumadinho/MG.

Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)


O Compromisso ou Termo de Ajustamento de Conduta é um ato administrativo consensual, por meio do
qual determinado ente público, autorizado pelo art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, estabelece negociações
com determinada(s) pessoa(s) jurídica(s) a fim de que ajuste(m) suas condutas às exigências legais, bem
como repare(m) eventuais danos causados à coletividade.
O TAC possui eficácia jurídica de título executivo extrajudicial, sendo desnecessário ato homologatório
pelo Judiciário para sua exigibilidade.

Legitimados para celebrar o TAC


O art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347/85 trata sobre os legitimados para o TAC:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais,
étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
(...)

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§ 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de


ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título
executivo extrajudicial.

O § 6º do art. 5º fala nos legitimados para celebrar o TAC. Quem tem legitimidade para executá-lo?
A lei não prevê expressamente quem tenham legitimidade para executar o TAC. Essa questão sempre foi
polêmica na doutrina e na jurisprudência.
Todavia, a interpretação mais recente e consentânea com a finalidade das normas protetivas do
microssistema de demandas coletivas correlaciona a legitimidade para executar o Termo de Ajustamento
de Conduta à natureza do direito tutelado. Isso significa que:
• se o TAC tratou sobre direitos difusos e coletivos stricto sensu, os órgãos públicos são legitimados para
executar o acordo;
• por outro lado, tratando-se de direitos individuais homogêneos, nada impede que os próprios lesados
executem o título extrajudicial individualmente.

Assim, há legitimidade dos indivíduos para executar individualmente o Termo de Ajustamento de Conduta
firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos.

Em suma:
As vítimas de evento danoso possuem legitimidade para executar individualmente o Termo de
Ajustamento de Conduta firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.059.781-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

DIREITO INTERNACIONAL

ALIMENTOS INTERNACIONAIS
A remessa de valores para o exterior a título de alimentos internacionais
é isenta do pagamento de tarifas bancárias
ODS 16 E 17

A isenção prevista na Convenção de Nova Iorque (Decreto Legislativo nº 56.826/65) deve


incidir sobre todos os procedimentos necessários à efetivação de decisão judicial que fixa a
verba alimentar, entre eles o serviço bancário de remessa de valores para o exterior,
independentemente de norma regulamentar editada pelo Banco Central do Brasil.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.705.928-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 12/12/2023 (Info 15 –
Edição Extraordinária).

Alimentos internacionais
Se a pessoa obrigada a prestar os alimentos e a pessoa beneficiária moram em países diferentes, fala-se,
neste caso, em alimentos internacionais (ou transnacionais).
As dificuldades relacionadas aos alimentos internacionais (pensão alimentícia em um contexto
transnacional) são numerosas e podem ser bastante complexas. Aqui estão algumas das principais
dificuldades:
• diferenças na legislação dos países;
• determinar qual jurisdição é responsável pelo caso e garantir que as decisões de um país sejam
reconhecidas e executadas no outro;

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 62


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• a execução de ordens de pensão alimentícia em outro país pode ser complicada em razão de
dificuldades, como encontrar o devedor, avaliar sua situação financeira e depois efetivamente cobrar a
dívida;
• custos legais e administrativos para a execução desses comandos.

Para enfrentar essas e outras dificuldades, diversos países, dentre eles o Brasil, aderiram a tratados
internacionais como a Convenção de Nova Iorque e a Convenção de Haia sobre a Cobrança Internacional
de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, que visam facilitar a cooperação internacional
e o reconhecimento mútuo de decisões de alimentos.

Convenção de Nova Iorque (Decreto Legislativo nº 56.826/65)


O Decreto nº 56.826, de 02 de setembro de 1965, internalizou no ordenamento jurídico pátrio os termos
da Convenção de Nova Iorque para a prestação de alimentos no estrangeiro. Confira o Artigo I da
Convenção:
ARTIGO I
Objeto de Convenção
1. A presente Convenção tem como objeto facilitar a uma pessoa, doravante designada como
demandante, que se encontra no território de uma das Partes Contratantes, a obtenção de
alimentos aos quais pretende ter direito por parte de outra pessoa, doravante designada como
demandado, que se encontra sob jurisdição de outra Parte Contratante. Os organismos utilizados
para êste fim serão doravante designados como Autoridades Remetentes e Instituições
Intermediárias.
(...)

Assim, quando o alimentante reside no Brasil e o alimentando no exterior, a persecução (pedido) dos
alimentos é realizada através de instituição intermediária, assumindo o Estado brasileiro,
internacionalmente, a efetividade do direito aos alimentos.
Existem duas hipóteses de prestação de alimentos com base na Convenção de Nova Iorque:

1ª situação: 2ª situação
Alimentando (beneficiário) mora no exterior. Alimentando (beneficiário) mora no Brasil.
Alimentante (devedor) mora no Brasil. Alimentante (devedor) mora no exterior.
A competência para a ação de alimentos será da A competência para a ação de alimentos será da
Justiça Federal brasileira (art. 109, III, da CF/88), Justiça do país onde reside o alimentante (réu).
considerando que aqui reside o alimentante (réu).
O alimentando entrega os documentos O alimentando entrega os documentos ao MPF
necessários para a ação à Autoridade Remetente (que funciona como Autoridade Remetente) e
do país onde mora e esta encaminha ao MPF este os encaminha à Instituição Interveniente do
(Instituição Interveniente) no Brasil. país onde reside o alimentante.
A ação será proposta pelo Procurador da A ação será proposta pelo órgão que no país
República na Seção ou Subseção Judiciária em que estrangeiro funciona como Instituição
residir o alimentante. Interveniente.

Importante ressaltar que a mencionada convenção trata a prestação de alimentos no exterior como um
problema humanitário, dadas as dificuldades legais e práticas envolvidas para efetivação do direito aos
alimentos.
Justamente por essa razão, a Convenção de Nova Iorque prevê mecanismos que objetivam resolver esses
problemas e vencer essas dificuldades.

Informativo 15-STJ (Edição Extraordinária) (23/01/2024) – Márcio André Lopes Cavalcante | 63


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Cobrança de tarifas bancárias reduziam os benefícios decorrentes dos alimentos


Acontece que, uma vez arbitrados os alimentos, vinha acontecendo um impasse: a remessa de recursos
para exterior por meio de instituições financeiras, em regra, envolve a cobrança de tarifas, muitas vezes
elevadas.
Em 2004, por exemplo, o Banco do Brasil cobrava, no total, cerca de US$150,00 (cento e cinquenta dólares)
para realizar esse tipo de transação.
Assim, na prática, boa parte dos valores referentes aos alimentos enviados para o exterior acabava sendo
consumido pelas taxas incidentes na transação.
Inclusive, em alguns casos, os alimentandos foram obrigados a receber seus alimentos apenas
trimestralmente, pois, caso contrário, os gastos com transferências anulariam qualquer proveito
econômico.

Ação civil pública pedindo a isenção das tarifas bancárias


Diante desse cenário, o Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública em face do Banco do
Brasil e da União.
Alegou que é por meio da obrigação alimentícia que se assegura o direito à vida, bem como os direitos à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e a cultura garantidos na
Constituição Federal e no ECA.
Argumentou que o destinatário da obrigação de prestar alimentos é o familiar em situação de fragilidade,
que não possui renda própria, tampouco patrimônio, e não pode subsistir com o próprio trabalho.
Assim, os alimentos consistiriam em um dever de natureza pública, imposto pelo legislador por razões
humanitárias, com vistas a prover a subsistência da necessidade, garantido pela CF/88 e regulamentado
pela Convenção de Nova Iorque e pelo Código Civil brasileiro.
Prosseguiu afirmando que os alimentos são arbitrados em observância ao binômio possibilidade do
alimentante x necessidade do alimentado, vedando-se que o alimentando se locuplete com os alimentos
por ele recebidos, bem com o alimentante entregue-se a uma situação de penúria em decorrência da
obrigação alimentar.
Nesse contexto, concluiu que a incidência de pesadas taxas bancárias para a remessa internacional seria
frontalmente contrária ao próprio instituto do direito à alimentos, bem como ao disposto na Convenção
de Nova Iorque, de status constitucional.
Alertou que o Estado tem dever de observância dos tratados e convenções internacionais por ele
assinados e ratificados e que, no caso das transferências, a sociedade estatal estaria ofendendo,
simultaneamente, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o Artigo IX, 1, da Convenção
de Nova Iorque, que prevê que os demandantes gozarão do tratamento e das isenções de custos e de
despesas concedidas aos demandantes residentes no Estado em cujo território for proposta a ação:
ARTIGO IX
Isenções e Facilidades
1. Nos procedimentos previstos na presente Convenção, os demandantes gozarão do tratamento
e das isenções de custos e de despesas concedidas aos demandantes residentes no Estado em
cujo território fôr proposta a ação.
(...)

Em outras palavras, ao deixar de isentar o alimentando do pagamento das taxas bancárias, o Brasil,
enquanto Estado signatário, estaria garantindo apenas parcialmente o direito que lhe cumpre preservar.
Portanto, caberia ao Banco do Brasil, que tem agência em diversos países, enquanto sociedade de
economia mista e, como tal, vinculada ao respeito às políticas públicas assumidas pelo Governo Federal,
isentar o alimentando do pagamento dessas taxas, ou, subsidiariamente, que essas taxas fossem pagas
pela União.

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Ao final, requereu a procedência da ação para que o Banco do Brasil fosse compelido a cessar a cobrança
de quaisquer taxas, tarifas ou quaisquer valores referentes à remessa de valores ao exterior das pensões
alimentícias pagas no Brasil, ressalvados apenas os valores pagos ao banqueiro internacional, no caso de
o dinheiro não ser remetido para uma agência do próprio Banco do Brasil no exterior.
Subsidiariamente, requereu a condenação da União na obrigação de assumir o encargo.

O Juiz Federal acolheu o pedido do MPF?


SIM.
A ação foi distribuída para a 20ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo.
Ao final da instrução, o pedido foi julgado procedente para que o Banco do Brasil se abstivesse de cobrar
taxas, tarifas e quaisquer outros valores de remessa ao exterior de importâncias pagas no Brasil a titular
de pensão alimentícia, ressalvando-se unicamente os valores devidos ao banqueiro internacional, na
hipótese de a localidade de destino não contar com agência do Banco do Brasil.
De acordo com a decisão, a Convenção de Nova Iorque prevê expressamente o dever do Estado brasileiro
de facilitar a obtenção de alimentos por residentes no exterior, em razão da remessa dos valores pelo
prestador domiciliado no Brasil.
Como consequência lógica dessa obrigação, o juízo concluiu que os alimentos remetidos ao exterior deve
estar livre de todas as custas da transferência, sob pena de implicar diminuição do valor dos alimentos, os
quais, dada a sua natureza, são irrenunciáveis, irrepetíveis e irredutíveis. Ao permitir a cobrança de
elevadas taxas, estar-se-ia admitindo a redução substancial dos alimentos, o que não se afiguraria
juridicamente possível.
A sentença destacou que o entendimento encontraria fundamento no Artigo IX, 1, da Convenção de Nova
Iorque, acima transcrita.
O Banco do Brasil não concordou e interpôs apelação.
A Quinta Turma do TRF-3 negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.
Irresignado, o Banco do Brasil interpôs recurso especial alegando, dentre outros argumentos, que a
isenção somente poderia ser assegurada se houvesse regulamentação pelo Banco Central.

O STJ manteve a sentença e o acórdão? A isenção prevista na Convenção de Nova Iorque deve incidir
sobre o serviço bancário de remessa de valores para o exterior?
SIM.

Das isenções previstas na Convenção de Nova Iorque e seu alcance


A Convenção de Nova Iorque, em seu preâmbulo, afirma que ela foi assinada para resolver os problemas
e vencer as dificuldades que envolvem “a execução de ações sobre prestação de alimentos ou o
cumprimento de decisões relativas ao assunto”, diante das “sérias dificuldades legais e práticas”.
Objetivando alcançar seus objetivos, a Convenção de Nova Iorque prevê que:
ARTIGO IX
Isenções e Facilidades
1. Nos procedimentos previstos na presente Convenção, os demandantes gozarão do tratamento
e das isenções de custos e de despesas concedidas aos demandantes residentes no Estado em
cujo território fôr proposta a ação.
(...)

A interpretação literal e isolada da norma poderia conduzir à conclusão de que “as isenções de custos e
de despesas concedidas aos demandantes” abarcariam apenas as despesas judiciais.
Contudo, essa não seria a melhor interpretação, uma vez que o dispositivo deve ser analisado
sistematicamente, considerando-se o objetivo da isenção, que é facilitar a “obtenção de alimentos”, e não
apenas a propositura de uma ação de alimentos.

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Por isso, a expressão “facilitação de acesso aos alimentos” deve compreender todos os mecanismos
necessários para que o alimentante (“demandado”) possa cumprir as decisões judiciais que fixam a verba
alimentar. Em outras palavras, deve englobar todos os procedimentos necessários para a efetivação da
decisão judicial, entre eles o serviço bancário de remessa de valores para o exterior, sob pena de não
restarem afastados e vencidos os problemas e as dificuldades mencionadas na Convenção.

Preservação da efetividade do processo


A necessidade de isenção de custos para a efetivação de decisões judiciais, a fim de preservar a efetividade
do processo, já vem sendo reconhecida pelo STJ, especialmente em relação aos emolumentos devidos a
Notários e Registradores. Nesse sentido:
A gratuidade de justiça concedida em processo judicial deve ser estendida, para efeito de viabilizar o
cumprimento de decisão do Poder Judiciário e garantir a prestação jurisdicional plena, aos atos
extrajudiciais de notários e de registradores respectivos, indispensáveis à materialização do julgado. Essa
orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir
ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável
efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/88), cabendo ressaltar que
a abstrata declaração judicial do direito nada valerá sem a viabilidade da sua execução, do seu
cumprimento.
STJ. 2ª Turma. AgRg no RMS 24.557/MT, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 7/2/2013.

Inclusive, justamente em razão da interpretação que o STJ vinha dando ao princípio do acesso à justiça
dos financeiramente hipossuficientes, a isenção do pagamento de emolumentos a Notários e
Registradores passou a constar expressamente do CPC/2015, no art. 98, § 1º, IX.
Nesse passo, concluiu o relator que, “onde houver a mesma razão, haverá o mesmo direito”.
Assim, como a remessa para o exterior de verba alimentar fixada judicialmente representa a efetivação
da decisão judicial e, consequentemente, a obtenção dos alimentos, a isenção prevista na Convenção de
Nova Iorque deve incidir também sobre as tarifas bancárias exigidas em tal operação, independentemente
de norma regulamentar editada pelo Banco Central do Brasil.

Essa isenção vale para todos ou depende de comprovação da hipossuficiência do alimentando?


O Ministro Relator ressaltou que a hipossuficiência do alimentando é presumida, pois trata-se de requisito
que já fora verificado por ocasião da imposição da obrigação de pagamento da verba a alimentar. Por
outro lado, conquanto o pagamento das tarifas seja de responsabilidade do alimentante, a oneração do
devedor pode comprometer a remessa da verba alimentar, caracterizando-se como uma das dificuldades
que a Convenção pretendeu eliminar.
Afinal, conforme apontado na petição inicial, as tarifas bancárias alcançavam, em meados de 2004, o
montante de US$ 126,00 (cento e vinte e seis dólares americanos).

Em suma:
A isenção prevista na Convenção de Nova Iorque (Decreto Legislativo nº 56.826/65) deve incidir sobre
todos os procedimentos necessários à efetivação de decisão judicial que fixa a verba alimentar, entre
eles o serviço bancário de remessa de valores para o exterior, independentemente de norma
regulamentar editada pelo Banco Central do Brasil.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.705.928-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 12/12/2023 (Info 15 – Edição
Extraordinária).

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EXERCÍCIOS

Julgue os itens a seguir:


1) Ainda que terceirizada a execução de shows e apresentações musicais, subsiste a responsabilidade
solidária do ente público idealizador do evento pelas sanções decorrentes da violação dos direitos
autorais. ( )
2) É possível conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo. ( )
3) Se houver uma cláusula contratual que limite o valor de indenização que a parte pode pedir em caso
de descumprimento do ajuste, essa cláusula pode ser afastada pelo simples fato de uma das partes
ter maior poderio econômico e técnico do que a outra. ( )
4) Não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, dos quadros da cooperativa, de médico
cooperado que fundou nova cooperativa médica para operar no mesmo campo econômico da
anterior, gerando evidente conflito de interesses. ( )
5) A associação de proteção veicular que foi estipulante de contrato de seguro coletivo não responde
solidariamente com a seguradora pelo pagamento da indenização securitária. ( )
6) Não se admite a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de
alienação fiduciária, submetidos à Lei nº 9.514/97 com a redação dada pela Lei nº 13.465/2017, nas
hipóteses em que a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário ocorreu na vigência
da nova lei, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de
preferência. ( )
7) Há como imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado cartão de crédito
extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, especialmente se houve uso regular
de senha ou, então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de todos os dados
necessários para a operação. ( )
8) A concessionária de serviço público deve ser responsabilizada pelos danos sofridos por passageira
nas dependências da estação do metrô, em razão de assalto à mão armada, quando evidenciada a
falha na prestação do serviço, em virtude da não adoção de procedimentos mínimos de segurança.
( )
9) É necessário impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem
de todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço
prestado. ( )
10) No caso da criação de gado bovino, a atividade pecuária deve ser considerada de grande porte, razão
pela qual o prazo mínimo para duração do contrato de arrendamento mercantil é de 10 anos,
conforme disciplina o art. 13, II, “a”, do Decreto nº 59.566/66. ( )
11) É devida a devolução integral do valor atualizado pago pelo produto, não sendo cabível a restituição
de seu valor como usado, no caso de objeto que teve vício redibitório reconhecido, ultrapassado o
prazo para sanar o vício, nos termos do art. 18 do CDC. ( )
12) A regra do art. 43 do CPC pode ser superada, sempre em caráter excepcional, quando se constatar
que o juízo perante o qual tramita a ação não é adequado ou conveniente para processá-la e julgá-
la. ( )
13) A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, não goza de honorários
advocatícios sucumbenciais caso o réu sagre-se vencedor na demanda. ( )
14) O advogado de núcleo de prática jurídica designado para atuar como defensor dativo, ante a
impossibilidade da Defensoria Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados pelo juiz
e pagos pelo Estado. ( )
15) É indevida a majoração dos honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC) em recurso da parte
vencedora para ampliar a condenação, ainda que tal recurso seja desprovido. ( )

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16) É prescindível o esgotamento dos meios executivos típicos para a utilização do sistema Central
Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) como medida executiva atípica. ( )
17) A doença que acomete o advogado somente pode constituir justa causa para autorizar a interposição
tardia de recurso se, sendo o único procurador da parte, estiver o advogado totalmente
impossibilitado de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato a colega seu para recorrer da
decisão. ( )
18) Presume-se como indispensável para preservar a reserva financeira essencial à proteção do mínimo
existencial do executado e de sua família, bem como de depósitos em caderneta de poupança ou
qualquer outro tipo de aplicação financeira, o valor de 40 salários-mínimos. ( )
19) Mesmo no sistema legal anterior à Lei nº 8.953/94, a caracterização da fraude à execução, quando o
credor não efetuou o registro imobiliário da penhora, dependia de prova de que o terceiro
adquirente tinha ciência do ônus que recaía sobre o bem. ( )
20) As vítimas de evento danoso não possuem legitimidade para executar individualmente o Termo de
Ajustamento de Conduta firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos.
21) A remessa de valores para o exterior a título de alimentos internacionais é isenta do pagamento de
tarifas bancárias. ( )

Gabarito:
1. C 2. E 3. E 4. C 5. E 6. C 7. E 8. C 9. E 10. E
11. C 12. C 13. E 14. C 15. C 16. E 17. C 18. C 19. C 20. E
21. C

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