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Informativo 733-STJ
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
▪ Reconhecida a responsabilidade estatal por acidente com evento morte em rodovia, é devida a indenização por
danos materiais aos filhos menores e ao cônjuge do de cujus.

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
▪ Nos contratos administrativos, é válida a cláusula que prevê renúncia do direito aos honorários de sucumbência por
parte de advogado contratado.

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR


▪ O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é computado em 1 dia de trabalho
a cada 8 horas de instrução.

DIREITO CIVIL
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
▪ Fundo de investimento pode sofrer os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica.

OUTROS CONTRATOS (CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO)


▪ Caso Campari.

PRISÃO CIVIL
▪ A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de coerção não se
mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações.

DIREITO DO CONSUMIDOR
RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO
▪ O médico é civilmente responsável por falha no dever de informação acerca dos riscos de morte em cirurgia.
▪ A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação
do serviço.

CONTRATOS BANCÁRIOS
▪ A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados
indevidamente, em ação ajuizada anteriormente, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito
dos juros remuneratórios incidentes sobre as tarifas.

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL


REGIME JURÍDICO
▪ A remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis, com base no art. 36, §§ 2º e 3º, da Lei 8.935/94,
não se submete ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição

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DIREITO EMPRESARIAL
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
▪ O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial em recuperação judicial deve
se submeter ao juízo universal.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


RECURSOS
▪ Para a prorrogação do prazo recursal é necessária a configuração da justa causa, que deve ser demonstrada de
maneira efetiva.

DIREITO PROCESSUAL PENAL


COMPETÊNCIA
▪ É aplicável a teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando
autorizadas por juízo aparentemente competente.

PRISÃO DOMICILIAR
▪ A apreensão de grande quantidade e variedade de drogas não impede a concessão da prisão domiciliar à mãe de
filho menor de 12 anos se não demonstrada situação excepcional de prática de delito com violência ou grave
ameaça ou contra seus filhos (art. 318-A do CPP).

PROVAS
▪ Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art. 226 do CPP.

DIREITO TRIBUTÁRIO
IPI
▪ O benefício da suspensão do IPI previsto no art. 5º, da Lei 9.826/99 e no art. 29 da Lei 10.637/2002 não se aplica a
estabelecimentos equiparados a industrial.

SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO


▪ O benefício do § 2º do art. 63 da Lei 9.430/96 é aplicável ao contribuinte que renuncia ao direito sobre o qual se
funda a ação.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO
APOSENTADORIA
▪ Para atender o parágrafo único do art. 124 da Lei 8.213/91, basta que o valor recebido a título de seguro-
desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido do montante devido nos casos em que o benefício
previdenciário foi equivocadamente indeferido pelo INSS.

DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO


COMPETÊNCIA
▪ Compete à Justiça do Trabalho julgar ação proposta contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento
de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada
a ele vinculada

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DIREITO ADMINISTRATIVO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


Reconhecida a responsabilidade estatal por acidente com evento morte em rodovia, é devida a
indenização por danos materiais aos filhos menores e ao cônjuge do de cujus
ODS 16

Caso concreto: ação de indenização ajuizada contra o Departamento de Estradas e Rodagens


de Sergipe (DER/SE), em face da morte do pai e companheiro dos autores, decorrente de
acidente de veículo em rodovia estadual, ocasionado por buraco não sinalizado.
Segundo o entendimento do STJ, a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é
subjetiva, sendo necessário, dessa forma, a comprovação da conduta omissiva e culposa
(negligência na atuação estatal - má prestação do serviço), o dano e o nexo causal entre ambos.
No caso, restou incontroverso que o acidente com evento morte ocorreu em rodovia estadual,
mediante a queda de caminhão em buraco de 15 metros de profundidade, decorrente da
ausência de manutenção e fiscalização estatal da via pública, não havendo quaisquer indícios
de culpa exclusiva da vítima.
Desse modo, é possível concluir pela existência de omissão culposa por parte do ente público,
consubstanciada na inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública, bem
como pelo nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que resultou na
morte do pai e marido dos recorrentes, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e
morais, os quais devem ser indenizados.
Presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte,
deve-se reconhecer devida a indenização por danos materiais, visto que a dependência
econômica dos cônjuges e filhos menores do de cujus é presumida, dispensando a
demonstração por qualquer outro meio de prova.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.709.727-SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Walter dirigia seu veículo durante uma noite chuvosa e passou por uma cratera na pista, cheia de água,
com aproximadamente 10 metros de largura e 15 metros de profundidade, ocasionada pela erosão.
O carro de Walter caiu no buraco e foi sugado pela correnteza, ocasionando o seu falecimento.
Constatou-se que o desabamento da pista ocorreu algumas horas antes do acidente e que o
Departamento Estadual de Estradas de Rodagem de Sergipe (DER/SE), mesmo sabendo do fato, não
promoveu qualquer sinalização indicando a obstrução da estrada, que se mostrava imprópria para o
tráfego.
O Departamento Estadual de Estradas de Rodagem de Sergipe (DER/SE) é uma entidade da Administração
Pública que tem como finalidade principal fiscalizar as estradas estaduais.
Lucas (criança de 5 anos) e Regina, filho e esposa de Walter, ajuizaram ação de indenização por danos
morais e materiais contra a DER/SE.
Em contestação, o DER/SE alegou a culpa exclusiva da vítima por imprudência e a configuração de caso
fortuito.
O juiz julgou improcedente a ação, pois entendeu que deveria ser aplicada a teoria da responsabilidade
objetiva apenas para os casos de comportamento comissivo e a teoria da responsabilidade subjetiva para
os casos de comportamento omissivo do Estado. Além disso, concluiu que o período de 5h entre a
formação da cratera e o acidente não era suficiente para configurar omissão do Estado. Acolheu a tese do
DER/SE sobre a configuração de caso fortuito.
Os autores interpuseram apelação e o Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso para:

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• reconhecer a responsabilidade do DER; e


• condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O TJ, contudo, entendeu que os danos materiais não foram devidamente comprovados e negou o pedido
neste ponto.
Os autores, então, interpuseram recurso especial, alegando que são dependentes presumidos do falecido.

O STJ concordou com os argumentos dos autores?


SIM.
O STJ entende que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário,
dessa forma, a comprovação:
a) da conduta omissiva e culposa (negligência na atuação estatal - má prestação do serviço);
b) o dano; e
c) o nexo causal entre ambos.

No caso concreto, restou comprovado que o acidente ocorreu em razão de falha na manutenção e na
fiscalização da via pública, não havendo quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima.
Assim, ficou demonstrada a existência de omissão culposa por parte do ente público, consubstanciada na
inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública.
Além disso, ficou comprovado o nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que
resultou na morte do pai e marido dos autores, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e
morais, os quais devem ser indenizados.

Danos materiais são devidos considerando que a dependência econômica é presumida


Presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte, a jurisprudência
do STJ reconhece devida a indenização por danos materiais, considerando que a dependência econômica
dos cônjuges e filhos menores do falecido é presumida, dispensando a demonstração por qualquer outro
meio de prova.
O STJ fixou os danos materiais no valor correspondente a 2/3 do salário mínimo, a serem pagos:
• até a expectativa média de vida da vítima, segundo a tabela do IBGE na data do óbito; ou
• até o falecimento da viúva, com a reversão em favor exclusiva desta após o menor completar 24 anos
de idade.
Os danos morais foram fixados em R$ 100 mil.

Em suma:
Reconhecida a responsabilidade estatal por acidente com evento morte em rodovia, é devida a
indenização por danos materiais aos filhos menores e ao cônjuge do de cujus.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.709.727-SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

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CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Nos contratos administrativos, é válida a cláusula que prevê renúncia do direito
aos honorários de sucumbência por parte de advogado contratado
ODS 16

Não contrariando a lei nem sendo abusivo, o contrato administrativo pode tratar de renúncia
a direito do contratado. Esta renúncia será eficaz e produzirá seus regulares efeitos na
hipótese em que houver expressa concordância do contratado.
Especificamente com relação aos advogados, o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) dispõe
serem do advogado os honorários de sucumbência. Havia previsão expressa a respeito da
impossibilidade de retirar-lhes esse direito. Estava no art. 24, § 3º. Contudo, em 2009, o STF
declarou a inconstitucionalidade da regra, uma vez que se trata de direito disponível e, por
isso, negociável com o constituinte do mandato (ADI 1194, Relatora p/ Acórdão Min. Cármen
Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009).
Nessa linha, não se pode concluir pela abusividade ou ilegalidade da cláusula contratual que
prevê a renúncia do direito aos honorários de sucumbência, notadamente quando a parte
contratada, por livre e espontânea vontade, manifesta sua concordância e procede ao
patrocínio das causas de seu cliente mediante a remuneração acertada no contrato.
No caso em análise, a parte autora manifestou, de forma expressa e consciente, a renúncia e
só procurou discutir a cláusula após o fim do contrato.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.825.800-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Uma empresa pública estadual realizou licitação para contratação de escritório de advocacia.
A sociedade “BCA Advogados Associados” ganhou a licitação e celebrou contrato administrativo com a
empresa pública por meio do qual ela prestaria serviços advocatícios durante 5 anos.
Nesse contrato, havia uma cláusula dizendo o seguinte: “pelos serviços ora ajustados, a CONTRATADA será
remunerada pelos honorários em que o devedor vier a ser condenado”. Também havia exceções a essa
cláusula, como, por exemplo, em caso de acordo. Nessa hipótese, os honorários seriam fixados em 3%
sobre o valor da causa.
Além disso, havia também uma cláusula prevendo que, em caso de rescisão contratual, a CONTRATADA
renunciaria a eventuais honorários sucumbenciais:
“6.8. Em qualquer hipótese de rescisão contratual, a CONTRATADA fará jus somente aos valores já
adiantados pelos atos já praticados, na forma do item I da tabela do Anexo I, renunciando expressamente
a eventuais honorários de sucumbência que vierem a ser recebidos no curso da demanda.”

O contrato não foi renovado. Algum tempo depois, a BCA ajuizou ação contra a empresa pública pedindo
o pagamento dos honorários sucumbenciais de causas que foram vencidas pela empresa depois do
contrato ter se encerrado, mas que começaram sob o patrocínio da BCA.
Alegou que não seria possível admitir a renúncia ao recebimento de eventuais honorários sucumbenciais
por causa da rescisão do contrato e que, por isso, a cláusula contratual deveria ser declarada como nula
de pleno direito.
Em 1ª instância, o juiz concordou com a autora e decidiu que a cláusula do contrato que tratava da
renúncia aos honorários seria nula e que, portanto, deveria ser garantido ao escritório de advocacia o
direito de exigir os honorários de sucumbência na proporção do trabalho desenvolvido.
O Tribunal de Justiça manteve a sentença alegando que a referida cláusula significava enriquecimento
ilícito da empresa pública.

O STJ concordou com os argumentos da autora e manteve a condenação?

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NÃO. O STJ decidiu que:


Nos contratos administrativos, é válida a cláusula que prevê renúncia do direito aos honorários de
sucumbência por parte de advogado contratado.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.825.800-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

O contrato administrativo pode, em regra, conter cláusula prevendo renúncia a direito do contratado. Isso
só não será permitido se essa renúncia, no caso concreto, contrariar a lei ou for abusiva.
Tirando essas situações de contrariedade à lei ou abusividade, a renúncia será eficaz e produzirá seus
regulares efeitos na hipótese em que houver expressa concordância do contratado.

É possível que o advogado renuncie aos honorários sucumbenciais?


SIM. Com relação especificamente aos advogados, a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) afirma que os
honorários de sucumbência pertencem ao advogado (art. 23, caput).
Havia uma previsão dizendo que o advogado não poderia renunciar aos honorários de sucumbência. Veja:
Art. 24 (...)
§ 3º É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que
retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

Contudo, em 2009, o STF declarou a inconstitucionalidade dessa regra. Para a Corte, os honorários
consistem em verba patrimonial e, portanto, trata-se de direito disponível e, por isso, negociável com o
constituinte do mandato: STF. Plenário. ADI 1194, Relatora p/ Acórdão Min. Cármen Lúcia, julgado em
20/05/2009.
Nessa linha, não se pode concluir pela abusividade ou ilegalidade da cláusula contratual que prevê a
renúncia do direito aos honorários de sucumbência, notadamente quando a parte contratada, por livre e
espontânea vontade, manifesta sua concordância e procede ao patrocínio das causas de seu cliente
mediante a remuneração acertada no contrato.

Caso concreto
No caso em análise, a parte autora manifestou, de forma expressa e consciente, a renúncia e só procurou
discutir a cláusula após o fim do contrato.
Nesse contexto, considerados os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos,
forçoso reconhecer não ser adequada a invocação da regra geral de proibição do enriquecimento sem
causa para anular a cláusula contratual de renúncia, pois, conforme entendimento jurisprudencial, é legal
e constitucional o acordo sobre a destinação dos honorários de sucumbência.
Ademais, não se pode admitir a alteração de regra prevista desde a época da realização do procedimento
licitatório, pois aqueles que concorreram para a prestação do serviço se submeteram à mesma regra para
elaborarem suas propostas.

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR


O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva
é computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução
ODS 16

O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é


computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.876.297-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

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Imagine a seguinte situação adaptada:


João prestou serviço militar, de maneira compulsória, junto ao Exército Brasileiro, no período
compreendido entre 23 de fevereiro a 13 de dezembro de 1988 no Núcleo de Preparação de Oficiais da
Reserva (NPOR), totalizando 293 dias.
O NPOR é um estabelecimento de ensino militar destinado a formar o Aspirante-a-Oficial da Reserva de
2ª classe, habilitando-o a ingressar no Corpo de Oficiais da Reserva do Exército (CORE).
João queria passar para a reserva (equivalente à aposentadoria do servidor civil) e, para tanto, precisava
averbar o tempo de serviço militar prestado.
Contudo, o Exército não reconheceu todo esse período como tempo de serviço e explicou que apenas os
dias em que os alunos NPOR tiveram 8 horas de instrução seriam contabilizados, excluindo fins de semana,
com base no art. 134, § 2º, da Lei nº 6.880/80 e art. 63 da Lei nº 4.375/64:
Art. 134 (...)
§ 2º O tempo de serviço como aluno de órgão de formação da reserva é computado, apenas, para
fins de inatividade na base de 1 (um) dia para cada período de 8 (oito) horas de instrução, desde
que concluída com aproveitamento a formação militar.

Art. 63 (...)
Parágrafo único. Igualmente será computado para efeito de aposentadoria o serviço prestado pelo
convocado matriculado em Órgão de Formação de Reserva na base de 1 (um) dia para período de
8 (oito) horas de instrução, desde que concluam com aproveitamento a sua formação.

Os dias em que não houve 8 horas de instrução não poderiam, portanto, ser computados.
João impetrou mandado de segurança argumentando que, apesar da previsão legal, os alunos do NPOR
cumprem de forma completa e integral as atividades dos demais militares, consistentes em serviços,
instruções e demais atributos típicos da vida militar.
Defendeu, ainda, que as atividades desempenhadas por um militar cursista não deveriam ser
contabilizadas de forma diferente de seus companheiros de quartel, sob pena de ofensa ao princípio da
isonomia.
Desse modo, as duas teses divergentes podem ser assim sintetizadas:
• para o autor, a contagem do tempo de serviço dos alunos do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
deve ser feita de forma integral (dia-a-dia);
• para a União (Exército), o período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva
deve ser computado em 1 dia de trabalho para cada 8 horas de instrução.

O STJ concordou com os argumentos do autor?


NÃO.
O art. 63 da Lei nº 4.375/64 prevê, expressamente, que o período em que o Militar foi aluno em Curso
Preparatório de Oficiais da Reserva será computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução.
A mesma previsão está contida no art. 134 da Lei nº 6.880/80, que dispõe que o tempo de serviço como
aluno de órgão de formação da reserva é computado, apenas, para fins de inatividade na base de 1 dia
para cada período de 8 horas de instrução.

Em suma:
O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é computado em 1
dia de trabalho a cada 8 horas de instrução.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.876.297-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

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DIREITO CIVIL

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


Fundo de investimento pode sofrer os efeitos da aplicação do
instituto da desconsideração da personalidade jurídica
ODS 16

O fato de ser o Fundo de Investimento em participação (FIP) constituído sob a forma de


condomínio e de não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a
aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado
abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações pertence, em condomínio,
a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um
único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o
patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a
penhora da sua cota-parte.
As cotas dos fundos de investimento podem ser objeto de penhora em processo de execução
por dívidas pessoais dos próprios cotistas, mas não podem ser penhoradas por dívidas do
fundo, tampouco de outros cotistas que não tenham nenhuma relação com o verdadeiro
devedor.
A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de
obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação
inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma
fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas
pertencentes a um mesmo grupo econômico.
Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos
sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar
a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao
mesmo grupo econômico.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.965.982-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação adaptada:


A Basf S/A ingressou com execução contra Bracol Holding Ltda.
Não foram encontrados bens suficientes para pagamento da dívida.
Diante disso, o juiz decretou a desconsideração da personalidade jurídica da Bracol e determinou a
penhora de ativos financeiros da Bertin Fundo de Investimento em Participações (FIP).
Segundo argumentou o magistrado, a Bracol e esse fundo fazem parte de um mesmo conglomerado
econômico formada por algumas empresas que possuem o mesmo procurador e que utilizam o mesmo
nome fantasia. Assim, para o juiz estaria configurada a confusão patrimonial entre elas, o que autorizaria
a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do art. 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios
da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

A Bertin Fundo de Investimento em Participações (FIP) apresentou embargos de terceiro pedindo a


liberação de seus ativos financeiros alegando que:
a) não faz parte da execução;

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b) é um fundo de investimentos constituído sob a forma de condomínio;


c) não possui personalidade jurídica e o art. 50 do CC incidia apenas com relação a entes personalizados.

O juiz rejeitou o pedido do fundo e manteve a constrição. O Tribunal de Justiça também entendeu da
mesma forma.

O STJ concordou com o magistrado e o Tribunal? É possível a desconsideração da personalidade jurídica


neste caso mesmo se tratando de um fundo de investimento?
SIM.
Os fundos de investimento são constituídos sob a forma de condomínio (art. 50 da Lei nº 4.728/65). No
entanto, nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente aplicáveis
aos fundos de investimento, considerando que eles estão sujeitos a regramento específico ditado pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Os fundos de investimento, embora destituídos de personalidade jurídica, possuem direitos e deveres,
tanto em suas relações internas quanto externas. Assim, os Fundos, embora exerçam suas atividades por
intermédio de seu administrador/gestor, podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações.
O fato de ser o Fundo de Investimento em participação (FIP) ser constituído sob a forma de condomínio
e, portanto, não possuir personalidade jurídica não são circunstâncias capazes de impedir, por si só, a
aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de
direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações pertence, em condomínio, a todos os
investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista. Assim, em
tese, não pode a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por
dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte.
As cotas dos fundos de investimento podem ser objeto de penhora em processo de execução por dívidas
pessoais dos próprios cotistas, mas não podem ser penhoradas por dívidas do fundo, tampouco de outros
cotistas que não tenham nenhuma relação com o verdadeiro devedor.
O que foi explicado acima é a regra. Vale ressaltar, contudo, que a impossibilidade de responsabilização
do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve
ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu
de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas
pertencentes a um mesmo grupo econômico. Foi isso que se entendeu no caso concreto.
Desse modo, comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos
sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a
personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo
econômico.

Em suma:
Fundo de investimento pode sofrer os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.965.982-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

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OUTROS CONTRATOS (CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO)


Caso Campari
ODS 12 E 16

Situação adaptada: Campari é uma marca de bebida alcóolica surgida há muitos anos na Itália.
Na década de 1970, a Campari celebrou contrato de distribuição com uma empresa brasileira
(DSB), que seria a responsável pela produção, distribuição e comercialização da bebida no
Brasil. Após muitos anos de contrato, a Campari decidiu não mais renovar o contrato e
constituiu uma empresa própria para fazer as atividades que eram desenvolvidas pela
contratada. A DSB ajuizou ação de indenização contra a Campari do Brasil Ltda alegando que
a ré, de forma ilícita, apropriou-se de toda a estrutura de vendas e distribuição montado pela
DSB, com vistas a criar sua própria organização de distribuição e venda do produto Campari.
Requereu indenização pela apropriação indevida de todo o seu know-how relativo à sua
estrutura de vendas e distribuição de produtos, de sua clientela, em resumo, de todo esse
patrimônio incorpóreo desenvolvido por décadas.
Para o STJ, a autora não tem direito à indenização.
Nos contratos de distribuição é normal que o produtor seja amplamente informado e participe
das técnicas mercadológicas usuais de venda desenvolvidas pela distribuidora e de seu campo
de atuação. Essas informações não configuram expertise singular indenizável, ou seja, não é
cabível, em regra, indenização pelo simples fato de o produtor utilizar essas informações para
continuar vendendo o produto no futuro sem a participação da empresa distribuidora.
Para que a Campari fosse condenada a indenizar seria necessário se provar que ela se utilizou
de know-how secreto e original da distribuidora, o que não é o caso.
Sem essa demonstração, o que se conclui é que a Campari utilizou-se dos conhecimentos e
informações que adquiriu ao longo de todos esses anos de contrato em função do exercício
legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor
exclusivo.
Vale ressaltar que, por força do próprio contrato, a empresa distribuidora deveria fornecer à
Campari as informações sobre estratégias de vendas, marketing, base de consumidores etc.
Assim, aquilo que a autora afirma que a ré se apropriou são informações que, pelo contrato, já
deveriam ser fornecidas. Isso afasta o caráter original e/ou secreto desses dados.
Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing
utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço
e à dedicação do distribuidor.
Dessa feita, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou
protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how,
sendo certo que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida
contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou
de lucros cessantes.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.727.824-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação adaptada:


Campari é uma conhecida marca de bebida alcóolica surgida há mais de 162 anos na Itália.
Em 1971, a empresa DSB Ltda celebrou contrato de licença, que disciplinou o uso da marca “Campari” no
Brasil, ficando essa empresa autorizada a produzir e comercializar a bebida, pagando royalties à
licenciadora Campari pelo uso da marca.
Para a fabricação da bebida Campari, a empresa foi obrigada a adquirir da licenciadora uma mistura
especial de ervas aromáticas, assim como outros materiais. A mistura se tratava de um segredo de
fabricação, que não poderia ser revelado à DSB.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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Além disso, a DSB se obrigou a usar uma cota mínima de 11% do valor das vendas na publicidade do
produto no território nacional, devendo ser a guardiã da marca Campari no país, sem direito a qualquer
remuneração, salvo o reembolso das despesas com o desempenho dessa obrigação.
Esse contrato foi posteriormente objeto de aditivos de prorrogação.
A DSB fez altos investimentos na industrialização e comercialização do produto, construindo novas instalações
fabris, tornando-se a maior revenda do produto fora da Itália e aumentando o faturamento da Campari.
Em 1992, a Campari notificou a DSB informando a sua intenção de não mais renovar o contrato de
distribuição, assumindo, por meio de outra pessoa jurídica, a distribuição da bebida no Brasil.
Diante desse cenário, a DSB ajuizou ação de indenização contra a Campari do Brasil Ltda.
A autora alegou que a ré, de forma ilícita, apropriou-se de toda a estrutura de vendas e distribuição
montado pela DSB, com vistas a criar sua própria organização de distribuição e venda do produto Campari.
Requereu indenização pela apropriação indevida de todo o seu know-how relativo à sua estrutura de
vendas e distribuição de produtos, de sua clientela, em resumo, de todo esse patrimônio incorpóreo
desenvolvido por décadas.

Para o STJ, a autora tem direito à indenização?


NÃO.
A atividade de distribuição consiste na colocação de bens junto aos consumidores finais de acordo com as
condições de tempo, local e forma determinados pelo fabricante.
Desse modo, o contrato de distribuição, por sua natureza, possui características próprias de controle por
parte do produtor junto ao contratado visando o sucesso do empreendimento, as quais propiciam o
conhecimento aprofundado da atividade exercida pelo distribuidor.
Em outras palavras, nos contratos de distribuição é normal que o produtor seja amplamente informado e
participe das técnicas mercadológicas usuais de venda desenvolvidas pela distribuidora e de seu campo
de atuação. Essas informações não configuram expertise singular indenizável, ou seja, não é cabível, em
regra, indenização pelo simples fato de o produtor utilizar essas informações para continuar vendendo o
produto no futuro sem a participação da empresa distribuidora.
Para que a Campari fosse condenada a indenizar seria necessário se provar que ela se utilizou de know-
how secreto e original da distribuidora, o que não é o caso.
Sem essa demonstração, o que se conclui é que a Campari utilizou-se dos conhecimentos e informações
que adquiriu ao longo de todos esses anos de contrato em função do exercício legítimo do seu poder de
controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo.
Vale ressaltar que, por força do próprio contrato, a empresa distribuidora deveria fornecer à Campari as
informações sobre estratégias de vendas, marketing, base de consumidores etc. Assim, aquilo que a
autora afirma que a ré se apropriou são informações que, pelo contrato, já deveriam ser fornecidas. Isso
afasta o caráter original e/ou secreto desses dados.
Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo
fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do
distribuidor.
Dessa feita, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por
sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, sendo certo que a
organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão
de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou de lucros cessantes.

Em suma:
Nos contratos de distribuição de bebidas, as informações relativas à formação da clientela estão
associadas às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à
notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.727.824-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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PRISÃO CIVIL
A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de
coerção não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações
ODS 16

No caso concreto, o STJ decidiu afastar a prisão civil com base nas seguintes particularidades:
(i) o credor é maior de idade, com formação superior e inscrito no respectivo conselho de
classe; (ii) o devedor de alimentos está com a saúde física e psicológica fragilizada, razão pela
qual não consegue manter regularidade no exercício de atividade laborativa; e (iii) a dívida se
prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de
prisão.
De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai
conseguir compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos
desde 2017, nada foi pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a
expedição do mandado de prisão civil em 2019, que só não foi efetivada em virtude da
pandemia causada pelo Covid-19.
A medida coativa extrema, no caso concreto, revela-se desnecessária e ineficaz, pois o risco
alimentar e a própria sobrevivência do credor, não se mostram iminentes e insuperáveis,
podendo ele, por si só, como vem fazendo, afastar a hipótese pelo próprio esforço.
STJ. 3ª Turma. RHC 160.368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Desde 2017, João não paga a pensão alimentícia que foi fixada judicialmente e que seria devida em favor
do seu filho Lucas.
Em 2019, o juiz chegou a decretar a prisão civil de João em razão do inadimplemento, no entanto, a medida
não foi cumprida por conta do início da pandemia o que ocasionou a suspensão das custódias dessa
natureza.
Em 2021, Lucas voltou a pedir a prisão civil de João porque ele continua inadimplente.
O devedor pediu para que a prisão fosse afastada porque ele não tem condições de trabalhar em razão de
estar enfrentando enfermidades crônicas (depressão e disfunção digestiva) que o impedem de manter
trabalho e dele exigem muitos gastos com consultas médicas e tratamento.
Além disso, argumentou que o filho é maior de idade, possui formação superior e, portanto, tem condições
de trabalhar para se sustentar.

A questão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com os argumentos do pai?


SIM.
Inicialmente, é importante esclarecer que, em regra, o fato de o credor ser maior de 18 anos e ter, em
tese, capacidade de se sustentar não são, por si só, argumentos suficientes para desconstituir a obrigação
alimentar, devendo haver prova pré-constituída da ausência de necessidade dos alimentos.
No entanto, no caso concreto, existem outros particularidades que permitem concluir que não existe
atualidade e urgência no recebimento dos alimentos, porque:
a) o credor é maior de idade, com formação superior em Psicologia, estando inscrito no respectivo
conselho de classe e, portanto, apto a trabalhar;
b) o devedor está com a saúde física e psicológica fragilizada, razão pela qual não consegue manter
regularidade no exercício de atividade laborativa; e
c) a dívida se prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de
prisão.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai conseguir
compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos desde 2017, nada foi
pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a expedição do mandado de prisão
civil em janeiro de 2019, que só não foi efetivada em virtude da pandemia causada pelo Covid-19.
Portanto, a medida coativa extrema se revela desnecessária e ineficaz, pois o risco alimentar e a própria
sobrevivência do credor não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ele, por si só, como vem
fazendo, sustentar-se pelo próprio esforço.

Em suma:
A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de
coerção não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações.
STJ. 3ª Turma. RHC 160.368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Confira outro julgado do STJ em sentido semelhante:


Na hipótese, o fato de a credora ter atingido a maioridade civil e exercer atividade profissional, bem como
o fato de o devedor ser idoso e possuir problemas de saúde incompatíveis com o recolhimento em
estabelecimento carcerário, recomenda que o restante da dívida seja executado sem a possibilidade de
uso da prisão civil como técnica coercitiva, em virtude da indispensável ponderação entre a efetividade da
tutela e a menor onerosidade da execução, somada à dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora
STJ. 3ª Turma. RHC 91.642/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/3/2018.

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


O médico é civilmente responsável por falha no dever de informação
acerca dos riscos de morte em cirurgia

Importante!!!
ODS 3 E 16

Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade


(autodeterminação), o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um
determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e
consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do
consentimento informado.
Esse dever de informação decorre do art. 22 do Código de Ética Médica e dos arts. 6º, III, e 14
do CDC.
Além disso, o Código Civil também disciplinou sobre o assunto no art. 15.
Justamente por isso, é indispensável o consentimento informado do paciente acerca dos riscos
inerentes ao procedimento cirúrgico. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos
riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da
operação.
Vale ressaltar, ainda, que a informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos,
benefícios e alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que
o profissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais
repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente,
considerando a deficiência no dever de informação.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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Com efeito, não se admite o chamado “blanket consente”, isto é, o consentimento genérico, em
que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o
exercício de seu direito fundamental à autodeterminação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.848.862-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Roberto consultou-se com um médico em busca de solução para o seu problema de ronco.
Após os exames, o médico diagnosticou que Roberto tinha apneia do sono, que pode gerar, inclusive,
morte súbita. Para correção da síndrome, o médico indicou a realização de uma cirurgia.
Na consulta, foi dito ao paciente que a cirurgia seria rápida e a laser.
Infelizmente, durante a cirurgia houve um choque anafilático e o paciente faleceu.
O laudo pericial da necropsia concluiu que as condições anátomo-funcionais do paciente foram decisivas
para o evento que desencadeou o óbito em razão da dificuldade de intubação.
Os familiares da vítima ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o cirurgião e o
anestesiologista.
A causa de pedir dessa ação não foi eventual erro médico, mas sim a ausência de esclarecimentos, por
parte dos médicos, a respeito dos riscos do procedimento cirúrgico, notadamente em razão de suas
condições físicas (obeso e com hipertrofia de base de língua), as quais poderiam dificultar bastante uma
eventual intubação do paciente, o que, de fato, acabou ocorrendo.
Segundo as provas produzidas, não houve consentimento informado ao paciente.

Para o STJ, os médicos têm responsabilidade civil neste caso?


SIM.
Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade (autodeterminação), o
direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento médico.
Isso é necessário para que ele possa manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na
realização da terapêutica envolvida. Isso se chama “consentimento informado”.
Esse dever de informação decorre do art. 22 do Código de Ética Médica e dos arts. 6º, III, e 14 do CDC:
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-
lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


(...)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem;

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela


reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Além disso, o Código Civil também disciplinou o assunto no seu art. 15:
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico
ou a intervenção cirúrgica.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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Justamente por isso, é indispensável o consentimento informado do paciente acerca dos riscos inerentes
ao procedimento cirúrgico. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre
em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação.
Conclui-se, assim, que o médico precisa do consentimento informado do paciente para executar qualquer
tratamento ou procedimento médico, em decorrência da boa-fé objetiva e do direito fundamental à
autodeterminação do indivíduo, sob pena de inadimplemento do contrato médico-hospitalar, o que
poderá ensejar a responsabilização civil.

Não é suficiente o “blanket consent”


Vale ressaltar, ainda, que a informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e
alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que o profissional de saúde
informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que
comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de
informação.
Com efeito, não se admite o chamado “blanket consent”, isto é, o consentimento genérico, em que não
há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito
fundamental à autodeterminação.

Os médicos poderiam ter provado que eles forneceram todas as informações ao paciente antes da
cirurgia, mas que essas informações foram prestadas oralmente ou é indispensável que os riscos da
cirurgia sejam informados por escrito?
Não há qualquer obrigatoriedade no ordenamento jurídico de que o consentimento informado seja
exercido mediante “termo”, isto é, na forma escrita.
O que se exige é tão somente a prestação clara e precisa de todas as informações sobre os riscos,
benefícios e alternativas do procedimento médico a ser adotado, independentemente da forma.
Admite-se, portanto, qualquer meio de prova para tentar demonstrar que foi cumprido o dever de
informação, nos termos do art. 107 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a
lei expressamente a exigir.

Entretanto, não se pode ignorar que a ausência de “termo de consentimento informado” gera uma
enorme dificuldade para que o médico consiga comprovar que cumpriu seu dever de informação ao
paciente. Logo, recomenda-se, sobretudo em casos mais complexos, em que há um maior incremento do
risco, que o consentimento informado seja feito em documento próprio, por escrito e assinado, a fim de
resguardar o profissional médico em caso de eventual discussão jurídica sobre o assunto.

Em suma:
O médico é civilmente responsável por falha no dever de informação acerca dos riscos de morte em
cirurgia.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.848.862-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Obs: no caso concreto, o STJ condenou os réus ao pagamento de R$ 10 mil em favor de cada autor (eram
dois autores), acrescido de correção monetária desde a data da sessão de julgamento (data do
arbitramento), a teor do disposto na Súmula 362 do STJ, além de juros de mora a partir da data do evento
danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line
responde civilmente pela falha na prestação do serviço

Importante!!!
ODS 16

A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Logo,
trata-se de um risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e que integra o
investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço.
Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da
festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são
solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não
prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.
Os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são
responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi
gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.
Caso concreto: ação de indenização proposta pelos consumidores em razão dos custos
advindos da compra de ingresso para o evento Pretty Little Weekend, a ser sediado na cidade
do Rio de Janeiro-RJ, cancelado, contudo, sem qualquer satisfação aos consumidores. A
sociedade empresária que comercializou os ingressos no sistema on-line possui
responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos
materiais e a compensação dos danos morais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:


João e a filha Renata, que moram em Belo Horizonte (MG), adquiram ingressos para um grande show que
seria realizado no Rio de Janeiro (RJ), no dia 29/11/2015.
Os ingressos foram comprados pela internet, no site da “Ingresso Rápido”, uma empresa que comercializa
ingressos on line de eventos realizados por outras empresas.
Um dia antes do evento, João e a filha viajaram de Belo Horizonte (MG) para o Rio de Janeiro (RJ) para
participarem do festival.
Depois que chegaram na capital fluminense, eles ficaram sabendo que o evento havia sido cancelado.
Diante disso, João e Renata ajuizaram ação de indenização contra a “Ingresso Rápido” e a empresa
organizadora do evento pedindo a reparação dos danos materiais e morais sofridos.
Como estava havendo enorme dificuldade de citação, os requerentes desistiram do prosseguimento do
feito em relação à segunda ré.
A “Ingresso Rápido” contestou a demanda argumentando que:
a) é parte ilegítima para a demanda tendo em vista que atuou apenas como intermediadora na venda dos
ingressos e que o adiamento foi realizado pela produtora. Logo, se houve culpa, esta foi exclusiva de terceiro;
b) os serviços de intermediação foram prestados por ela e foram efetivamente utilizados pelos
requerentes, independentemente do acontecimento do evento;
c) o cancelamento ou adiamento do show não gera danos morais.

A questão chegou até o STJ. A empresa ré, neste caso, mesmo sendo mera intermediária da venda dos
ingressos, responde pelos prejuízos causados decorrentes do cancelamento do evento?
SIM.
A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha
na prestação do serviço.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar sobre responsabilidade pelo fato do serviço, não faz
qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual se entende que toda a cadeia produtiva é
solidariamente responsável.
A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Como se trata do
negócio da empresa, ela deverá arcar com o risco da própria atividade empresarial. Isso porque, como a
empresa visa ao lucro, esse risco é parte integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto,
o custo básico embutido no preço.
É impossível conceber a realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por
meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a própria escala produtiva e
comercial do empreendimento.
A venda por intermédio da internet alcança um número infinitamente superior à venda presencial e reduz
o prazo do retorno dos investimentos empregados.
Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e
da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente
responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação
adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.
A jurisprudência do STJ é no sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória
consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de
que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.
A responsabilidade só seria afastada no caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não
podendo, contudo, uma empresa que integra a cadeia de consumo ser considerada como “terceiro”.
O STJ afastou, por fim, a alegação de que o cancelamento, no caso concreto, não geraria dano moral.
Na hipótese dos autos, o pai e filha deslocaram-se de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro exclusivamente
para a participação no evento. Em virtude da ausência eficaz de comunicação do
cancelamento/adiamento, nutriram sentimento de frustração, decepção e constrangimento, ante a não
realização do evento e a desinformação.
Qualquer interpretação em sentido contrário, estimularia lesões aos consumidores, especialmente porque
os fornecedores de produtos ou serviços, sob o argumento de ocorrência de “meros aborrecimentos
comuns cotidianos” ou “meros dissabores”, atentariam contra o princípio da correta, segura e tempestiva
informação, figura basilar nas relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode
confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a consumação de ilícito de
natureza civil, passível de reparação.

Curiosidades:
• O evento foi cancelado com quatro dias de antecedência;
• O STJ afirmou que não é obrigatório que os autores formulem pedido administrativo prévio de estorno
do valor pago, o qual não é pressuposto para o ajuizamento da ação indenizatória;
• Pai e filha foram indenizados por danos morais em R$ 3 mil, cada um, mais os prejuízos materiais.

CONTRATOS BANCÁRIOS
A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores
cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente, faz coisa julgada em relação ao
pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as tarifas
ODS 16

Caso concreto: a parte autora ajuizou a primeira ação pedindo a devolução em dobro de todos
os valores pagos com as tarifas declaradas nulas. Nessa ação é possível concluir que o pleito

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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abarcou também os encargos incidentes sobre as respectivas tarifas. Se a parte eventualmente


esqueceu de deduzir, de forma expressa, a pretensão de ressarcimento dos juros
remuneratórios que incidiram sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação, não poderá
propor nova demanda com essa finalidade, sob pena de violação à coisa julgada.
O acessório (juros remuneratórios incidentes sobre a tarifa) segue o principal (valor
correspondente à própria tarifa), razão pela qual o pedido de devolução de todos os valores
pagos referentes à tarifa nula abrange, por dedução lógica, a restituição também dos
respectivos encargos, sendo incabível, portanto, nova ação para rediscutir essa matéria.
Desse modo, a declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução
dos valores cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma
ampla, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito dos juros
remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.115-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João celebrou contrato de financiamento bancário com uma instituição financeira. Em palavras mais
simples, ele tomou empréstimo com o banco.
Um tempo depois, o consumidor percebeu que foram embutidos no contrato algumas tarifas indevidas.
Ele ajuizou ação questionando essas tarifas. Na petição inicial, João pediu para que o banco fosse
condenado a “restituir, em dobro, o valor das tarifas indevidamente exigidas, corrigidas monetariamente
mais juros legais a partir da data do efetivo prejuízo”.
O juiz julgou o pedido procedente e houve o trânsito em julgado.
Três anos depois, o autor ingressou com nova ação contra o banco, dessa vez pedindo a declaração da
ilegalidade da cobrança dos juros contratuais incidentes sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação.
Explicando melhor. Após ser condenada na primeira ação, a instituição financeira devolveu o valor
principal das tarifas declaradas ilegais. No entanto, não houve condenação e, portanto, não houve
devolução dos juros correspondentes a tais encargos.
Em contestação, o banco réu arguiu a coisa julgada, sob o argumento de que o pedido formulado agora já
estaria englobado na primeira ação.

A questão chegou até o STJ. O Tribunal acolheu a argumentação do banco?


SIM.
O autor ajuizou a primeira ação pedindo a devolução em dobro de todos os valores pagos com as tarifas
declaradas nulas. Nessa primeira ação é possível concluir que o pleito abarcou também os encargos
incidentes sobre as respectivas tarifas.
Se a parte autora eventualmente esqueceu de deduzir, de forma expressa, a pretensão de ressarcimento
dos juros remuneratórios que incidiram sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação, não poderá
propor nova demanda com essa finalidade, sob pena de violação à coisa julgada.
O acessório (juros remuneratórios incidentes sobre a tarifa) segue o principal (valor correspondente à
própria tarifa), razão pela qual o pedido de devolução de todos os valores pagos referentes à tarifa nula
abrange, por dedução lógica, a restituição também dos respectivos encargos, sendo incabível, portanto,
nova ação para rediscutir essa matéria.

Em suma:
A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados
indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma ampla, faz coisa julgada em
relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas
tarifas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.115-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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No mesmo sentido:
(...) 1. Cinge-se a controvérsia a definir se a declaração de ilegalidade de tarifas bancárias ("TAC" e "TEC"),
com a consequente devolução dos valores cobrados indevidamente, determinada em ação anteriormente
ajuizada no âmbito do Juizado Especial Cível, forma coisa julgada em relação ao pedido de repetição de
indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas.
2. Nos termos do art. 337, §§ 2º e 4º, do Código de Processo Civil de 2015, "uma ação é idêntica a outra
quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido", sendo que "há coisa julgada
quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado".
3. Na hipótese, da forma como o autor formulou o pedido na primeira ação, já transitada em julgado e que
tramitou perante o Juizado Especial Cível, consignando expressamente que buscava a devolução em dobro
de todos os valores pagos com as tarifas declaradas nulas, inclusive os "acréscimos referentes às mesmas",
é possível concluir que o pleito abarcou também os encargos incidentes sobre as respectivas tarifas, da
mesma forma em que se busca na ação subjacente, havendo, portanto, nítida identidade entre as partes, a
causa de pedir e o pedido, o que impõe o restabelecimento da sentença que extinguiu o feito, sem resolução
de mérito, em razão da existência de coisa julgada, a teor do disposto no art. 485, inciso V, do CPC/2015.
4. Recurso especial provido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.801/PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/8/2021.

DIREITO NOTARIAL
E REGISTRAL

REGIME JURÍDICO
A remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis, com base no art. 36, §§ 2º e
3º, da Lei 8.935/94, não se submete ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição
ODS 16

Os §§ 2º e 3º do art. 36 da Lei nº 8.935/94 deixam claro que ao interventor caberá depositar


em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse
montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que
terá indiscutível direito ao seu levantamento.
No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado
administrativamente, com o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da
legislação vigente, aquela metade arrecadada durante o afastamento do titular deverá ser
paga ao interventor.
Vale ressaltar que o STF decidiu que: “Os substitutos ou interinos designados para o exercício
de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não
atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição
Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes
estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da
República.” (STF. Plenário. RE 808202 RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/08/2020.
Repercussão Geral – Tema 779).
Ocorre que a hipótese dos autos diz respeito a interventor e é distinta, em princípio, da
situação que envolve “substitutos ou interinos”. Ademais, ainda que se aplique o precedente
referido, o STF – na apreciação dos declaratórios – modulou os efeitos do aludido acórdão “a
partir da data em que foi encerrada a sessão de julgamento virtual (21/8/20)”, sendo certo
que a questão em julgamento é de período anterior.
STJ. 1ª Turma. RMS 67.503-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


Informativo
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A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:


Pedro, Oficial de Registro, praticou falta disciplinar e foi afastado da serventia por força de decisão
proferida em processo administrativo oriundo de uma correição ordinária realizada no cartório.
Em decorrência do afastamento, João foi designado como interventor da serventia.
Essa designação foi feita com fundamento no § 1º do art. 36 da Lei nº 8.935/94 (Lei dos Notários e
Registradores):
Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for
necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo
prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.
§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela
serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar
conveniente para os serviços.
(...)

Na decisão que afastou Pedro e designou João, foi previsto que o interventor poderia ficar com 50% da
renda líquida da serventia, conforme expressamente determina o § 2º do art. 36 da Lei nº 8.935/94:
Art. 36. (...)
§ 2º Durante o período de afastamento, o titular perceberá metade da renda líquida da serventia;
outra metade será depositada em conta bancária especial, com correção monetária.

Por que existe essa regra? O que será feito com os outros 50% que são depositados na conta bancária
especial?
O interventor estará trabalhando e, portanto, precisa ser remunerado por isso. Logo, ele já tem garantidos
50% da renda líquida como contraprestação.
Os outros 50% ficarão esperando:
• se o titular afastado for absolvido: ele (titular) receberá esses 50% que ficaram depositados;
• se o titular afastado for condenado: o interventor ficará também com os 50% depositados. Neste caso,
o interventor ficará com a totalidade da renda líquida do cartório relativo ao período em que permaneceu
ali prestando serviços.

É o que prevê o § 3º do art. 36:


Art. 36 (...)
§ 3º Absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá esse montante
ao interventor.

Voltando ao caso concreto:


Ao final, Pedro (o titular) foi condenado e perdeu a delegação.
João requereu ao Juízo a expedição de alvará para levantamento dos valores depositados na conta judicial,
na forma do § 3º do art. 36 acima transcrito.
O juízo, contudo, indeferiu o pedido alegando que o CNJ e o STF afirmam que os interinos dos cartórios
extrajudiciais devem receber limitado ao teto do funcionalismo público (art. 37, XI, da CF/88). Logo, como
os valores já recebidos por João ultrapassam o teto, ele não poderia receber os 50% que estão
depositados.
A decisão do juízo foi mantida pelo TJ.

O STJ concordou com os argumentos do juízo de 1ª instância e do TJ?


NÃO.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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Conforme vimos acima, os §§ 2º e 3º do art. 36 da Lei nº 8.935/94 deixam claro que ao interventor caberá
depositar em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse
montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que terá
indiscutível direito ao seu levantamento.
No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado administrativamente, com
o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da legislação vigente, aquela metade arrecadada
durante o afastamento do titular deverá ser carreada ao interventor.
Interpretação diversa, mesmo que oriunda do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (em patamar
administrativo, portanto), não pode se sobrepor a expresso comando constante da lei federal. Vale
ressaltar que não existe qualquer decisão do STF declarando inconstitucionais os §§ 2º e 3º do art. 36 da
Lei nº 8.935/94.
O STF, ao julgar o Tema 779, fixou a seguinte tese:
Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares
de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236,
§ 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos
agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da
República.
STF. Plenário. RE 808202 RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/08/2020 (Repercussão Geral – Tema 779).

Para o STJ, a situação analisada nos autos seria diferente porque a figura do “interventor” é distinta, em
princípio, da situação que envolve “substitutos ou interinos”. Ademais, ainda que se aplique o precedente
referido, o STF – na apreciação dos embargos de declaração – modulou os efeitos do aludido acórdão “a
partir da data em que foi encerrada a sessão de julgamento virtual (21/8/20)”, sendo certo que a questão
em julgamento é de período anterior.

Em suma:
A remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis, com base no art. 36, §§ 2º e 3º, da
Lei n. 8.935/1994, não se submete ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal de 1988.
STJ. 1ª Turma. RMS 67.503-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial
em recuperação judicial deve se submeter ao juízo universal
ODS 16

No caso, o crédito foi constituído até a data do pedido da recuperação judicial, no entanto, a
incorporação da empresa pelo conglomerado de empresas em recuperação se deu
posteriormente.
Mesmo que a empresa não estivesse no conglomerado de empresas que tiveram o pedido de
recuperação judicial deferido, deve prevalecer o princípio da preservação da empresa, razão
pela qual o juízo universal deve ser o único a gerir os atos de constrição e alienação dos bens
do grupo de empresas em recuperação.
Sendo assim, o juízo universal deve exercer o controle sobre os atos constritivos sobre o
patrimônio do grupo em recuperação judicial, adequando a essencialidade do bem à atividade

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


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empresarial, independente da data em que a empresa foi incorporada à outra, já em plano de


recuperação judicial.
Nessa esteira, mesmo que a incorporação tenha ocorrido após a constituição do crédito e ao
pedido de recuperação judicial, deve se operar a força atrativa do juízo universal como forma
de manter a higidez do fluxo de caixa das empresas e, assim, gerenciar de forma exclusiva o
plano de recuperação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.972.038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 29/03/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Em maio de 2017, João celebrou contrato de telefonia e internet com a Oi Internet S.A.
Algum tempo depois, ele ajuizou ação de indenização contra a empresa alegando que ela teria incidido
em práticas abusivas.
Em 28/05/2018, o juiz julgou o pedido procedente condenando a empresa a pagar R$ 5 mil.
A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, transitando em julgado em 30/07/2019.
O autor requereu o cumprimento da sentença.
A empresa ofereceu impugnação alegando que a “OI Internet S.A” foi incorporada pelo “GRUPO OI S.A –
Em Recuperação Judicial” em março/2018. Por essa razão, o pagamento do crédito deveria ser habilitado
e pago segundo as regras previstas no plano de recuperação judicial.
Ressaltou, por fim, ser vedada a constrição de patrimônio da empresa para satisfação da dívida (princípio
da conservação da empresa).

O autor questionou os argumentos alegando que, para o crédito se sujeitar à recuperação judicial, ele
deveria preencher dois requisitos:
1) ser anterior ao pedido de recuperação judicial; e
2) não ser de natureza a qual a lei exclui expressamente do juízo recuperacional.

No caso concreto, a recuperação judicial do “GRUPO OI” existe desde 20/06/2016.


A incorporação da empresa “OI Internet S.A” somente ocorreu em março/2018, ou seja, após a
recuperação judicial (e após a aprovação do plano).
Logo, o crédito não deveria se submeter ao plano de recuperação judicial do grupo incorporador.

A questão chegou até o STJ. Quem tem razão: João ou o “Grupo OI”? Esse crédito deverá se submeter
ao juízo universal da recuperação judicial?
SIM. O “Grupo OI” tem razão.
No caso, o crédito foi constituído antes do pedido de recuperação judicial. No entanto, a incorporação da
empresa pelo conglomerado de empresas em recuperação se deu posteriormente.
Mesmo que a empresa ré não estivesse no conglomerado de empresas que tiveram o pedido de
recuperação judicial deferido, deve prevalecer o princípio da preservação da empresa, razão pela qual o
juízo universal deve ser o único a gerir os atos de constrição e alienação dos bens do grupo de empresas
em recuperação.
Sendo assim, o juízo universal deve exercer o controle sobre os atos constritivos sobre o patrimônio do
grupo em recuperação judicial, adequando a essencialidade do bem à atividade empresarial,
independente da data em que a empresa foi incorporada à outra, já em plano de recuperação judicial.
Mesmo que o crédito executado tenha se constituído em momento anterior tanto ao deferimento do
pedido de recuperação judicial do grupo empresarial, quanto à incorporação da empresa ré por outra
componente do conglomerado empresarial em recuperação, deve se operar a força atrativa do juízo
universal como forma de manter a higidez do fluxo de caixa das empresas e, assim, gerenciar o plano de
recuperação. Do contrário, ao permitir que outros juízos ocasionais, responsáveis por execuções
individuais, também possam determinar constrições sobre o patrimônio das empresas em recuperação,
mesmo que englobada posteriormente ao conjunto das empresas que tiveram deferido pedido de

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


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recuperação judicial, a premissa referente ao plano de recuperação judicial estaria esvaziada ante seu
multigerenciamento.

Em suma:
O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial em recuperação
judicial deve se submeter ao juízo universal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.972.038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 29/03/2022 (Info 733).

Diante disso, o STJ deu provimento ao recurso especial para submeter o crédito ora executado aos ditames
do plano de recuperação judicial da recorrente (Grupo OI S.A).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS
Para a prorrogação do prazo recursal é necessária a configuração da justa causa,
que deve ser demonstrada de maneira efetiva

Importante!!!
ODS 16

A Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que o equívoco na indicação do término do


prazo recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode
ser imputado ao recorrente (EREsp 1805589/MT, relator Ministro Mauro Campbell Marques,
Corte Especial, DJe de 25/11/2020).
Entretanto, também conforme o entendimento deste Tribunal Superior, para a prorrogação
do prazo é necessária a configuração da justa causa, que deve ser demonstrada de maneira
efetiva.
O STJ também já reconheceu que apenas o “print” do sistema não serve para efetivamente
demonstrar justa causa (AgInt no AREsp 1.640.644/MT, Rel. Ministro Gurgel de faria, Primeira
Turma, julgado em 31/08/2020).
Diante desse cenário, tem-se exigido que a parte recorrente demonstre, de maneira efetiva, a
justa causa para obter o excepcional afastamento da intempestividade recursal.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1.837.057/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
29/3/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuizou ação contra Pedro. O pedido foi julgado improcedente. O autor apelou. O Tribunal de Justiça
manteve a sentença. João interpôs recurso especial contra esse acórdão.
Vale relembrar que o recurso especial (REsp) é protocolizado no juízo a quo (recorrido) e não diretamente
no juízo ad quem (STJ), nos termos do art. 1.029 do CPC. Isso significa que João deu entrada no recurso
especial no TJ.
O recurso especial foi inadmitido pelo Presidente do Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que a
pretensão do recorrente importava em reexame de provas. Logo, não seria cabível recurso especial:
Súmula 7-STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

O recorrente foi intimado dessa decisão em 13/10/2020.


Ainda inconformado, ele interpôs o agravo em recurso especial de que trata o art. 1.042 do CPC:

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido
que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de
entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Esse agravo do art. 1.042 do CPC é dirigido e julgado pelo STJ.


No caso concreto, o recurso foi interposto em 26/11/2020.
O Ministro Relator no STJ não conheceu do agravo do art. 1.042 em razão da sua intempestividade, ou
seja, por ele ter sido interposto após o prazo de 15 dias.
João interpôs, então, agravo interno alegando que houve um erro material do sistema PROJUD, que
indicou erroneamente o dia 26/11/2020 como sendo último dia de prazo. Ocorre que, na realidade, o
último dia do prazo era 25/11/2020. Como ele confiou na informação do sistema, acabou interpondo o
recurso fora do prazo. Logo, pediu o reconhecimento de justa causa e que, diante disso, o recurso fosse
considerado tempestivo.
João juntou um print da tela como forma de comprovar que houve esse erro do sistema.

O pedido do recorrente foi aceito pelo STJ?


NÃO.
Inicialmente, é necessário esclarecer algo muito importante:
A Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que o equívoco na indicação do término do prazo
recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode ser imputado ao
recorrente.
EREsp 1805589/MT, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 25/11/2020.

A divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a
principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito.
A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que
confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.
STJ. Corte Especial. REsp 1324432/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 10/5/2013.

Logo, esse argumento de João está correto.


No caso concreto, contudo, o problema foi a forma de demonstração desse equívoco.
Para a prorrogação do prazo é necessária a configuração da justa causa, que deve ser demonstrada de
maneira efetiva.
Para o STJ, o simples “print” do sistema não serve para efetivamente demonstrar justa causa (AgInt no
AREsp 1.640.644/MT, Rel. Ministro Gurgel de faria, Primeira Turma, julgado em 31/08/2020).
Diante desse cenário, tem-se exigido que a parte recorrente demonstre, de maneira efetiva, a justa causa
para obter o excepcional afastamento da intempestividade recursal, o que não aconteceu no caso.

Em suma:
Para a prorrogação do prazo recursal é necessária a configuração da justa causa, que deve ser
demonstrada de maneira efetiva.
STJ. 4ª Turma. AREsp 1.837.057-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/03/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


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DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA
É aplicável a teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito
policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente

Importante!!!
ODS 16

A jurisprudência do STJ tem entendido, de maneira ampla, que o desvio de verbas do SUS atrai
a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do
governo federal.
No caso concreto, as decisões foram proferidas pelo Juízo estadual.
Assim, deve-se reconhecer a incompetência do Juízo estadual. No entanto, os atos processuais
devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não os atos até então
praticados.
É pacífica a aplicabilidade da teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no
curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente.
As provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da
autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a ser
considerado incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo
aparente.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 156.413-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação adaptada:


A Delegacia Estadual de Combate à Corrupção – DECCOR, do Estado de Goiás, estava investigando
possíveis desvios de recursos públicos destinados ao custeio das unidades de saúde do Estado de Goiás.
Durante a investigação, a DECCOR representou pela quebra de sigilos bancário e fiscal de diversas pessoas
físicas e jurídicas.
O Juiz de Direito deferiu os pedidos em 17/02/2021.
Dois meses depois, a DECCOR representou pela interceptação de comunicações telefônicas e fluxo de
dados telemáticos dos acusados, o que também foi deferido pelo magistrado estadual.
Posteriormente, com o avanço das investigações, foi feita nova representação, dessa vez pela busca e
apreensão e sequestro de bens.
Mais uma vez, o Juiz de Direito acolheu os pedidos.
João, um dos investigados que foi alvo das medidas, impetrou habeas corpus alegando que todas as
medidas cautelares decretadas seriam nulas de pleno de direito porque foram deferidas por juízo
absolutamente incompetente.
A defesa argumentou que a competência para julgar a causa seria da Justiça Federal porque o que se
estava investigando eram eventuais desvios de recursos públicos do SUS, mediante repasse “fundo a
fundo” ou por gestão. Nesses casos, não importa que as verbas já tenham sido incorporadas ao patrimônio
do Município ou do Estado federativo. A competência será da Justiça Federal.
Diante disso, requereu que fosse declarada a incompetência absoluta do juízo estadual, bem como a
nulidade de todas as medidas cautelares decretadas, além das provas delas derivadas.

A questão chegou ao STJ. O Tribunal concordou com os argumentos da defesa?


Em parte.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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A competência para julgar a causa e, portanto, para decretar as medidas cautelares, era da Justiça
Estadual ou da Justiça Federal?
Justiça Federal.
Em caso de desvios de verbas do Sistema Único de Saúde – SUS, a competência será da Justiça Federal,
tendo em vista que existe um dever de fiscalização e de supervisão por parte do Governo Federal (União).
Assim, como no caso concreto se estava apurando justamente suposto desvio de verbas no âmbito do
SUS, constatada está a competência da Justiça Federal.

Isso significa que todas as medidas cautelares decretadas deverão ser consideradas nulas de pleno direito?
NÃO.
Apesar de reconhecer que o Juiz de Direito era absolutamente incompetente para decretar as medidas
cautelares, o STJ afirmou que os atos processuais praticados devem ser avaliados pelo Juízo competente
(Juiz Federal) e ele poderá ratificar (validar), ou não, os atos até então praticados.
No STJ é pacífica a possibilidade de se aplicar a Teoria do Juízo Aparente para ratificar medidas cautelares
deferidas no curso do inquérito policial quando autorizadas por Juízo aparentemente competente.
Desse modo, as provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da
autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a autoridade
judicial que as decretou venha a ser posteriormente considerado incompetente, ante a aplicação no
processo investigativo da teoria do juízo aparente (STF. 2ª Turma. RE 1318172 AgR, Rel. Min. Edson Fachin,
Segunda Turma, julgado em 04/04/2022).
No mesmo sentido:
Esta Suprema Corte tem endossado, com base na teoria do juízo aparente, a possibilidade de ratificação
de atos processuais praticados por juízo aparentemente competente ao tempo de sua prática.
STF. 1ª Turma. HC 185755 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 08/06/2021.

Em suma:
É aplicável a teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial
quando autorizadas por juízo aparentemente competente.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 156.413-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Diante disso, o STJ reconheceu a incompetência absoluta da Justiça estadual, determinando a remessa
imediata do feito ao Juízo Federal, que deverá avaliar se convalida ou não os atos até então praticados.

PRISÃO DOMICILIAR
A apreensão de grande quantidade e variedade de drogas não impede a concessão da prisão
domiciliar à mãe de filho menor de 12 anos se não demonstrada situação excepcional de prática
de delito com violência ou grave ameaça ou contra seus filhos (art. 318-A do CPP)
ODS 16

O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de criança menor de 12 anos
exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de
indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência
ao art. 318, V, do CPP.
O art. 318-A, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 13.769/2018, dispõe que a prisão
preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas
com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I) não tenha cometido crime
com violência ou grave ameaça a pessoa e que II) não tenha cometido o crime contra seu filho
ou dependente.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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No caso, sendo a ré mãe de criança de 6 anos de idade, deve ser aplicada a regra geral de
proteção da primeira infância, considerando que o juízo não apresentou fundamentação
idônea para a mitigação da referida garantia constitucional.
O fato de se ter apreendido grande quantidade e variedade de entorpecentes não impede a
concessão da prisão domiciliar se não demonstrados outros motivos que evidenciam que a
conduta praticada representa risco à ordem pública, como indícios de comércio ilícito no local
em que a agente cria os menores.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 712.258-SP, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF
1ª Região), julgado em 29/03/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Regina foi encontrada portando grande quantidade e variedade de droga.
Diante disso, ele foi presa em flagrante pela prática do delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº
11.343/2006).
A defesa impetrou habeas corpus pedindo que Regina ficasse em prisão domiciliar porque ela é mãe de
uma criança menor de 12 anos, conforme autorizam o art. 318, V c/c o art. 318-A do CPP:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por
crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

O Tribunal de Justiça negou o pedido alegando que a grande quantidade e variedade de drogas
encontradas em poder da ré são circunstâncias que demonstram que ela teria participação em
organização criminosa.

A defesa recorreu. Para o STJ, a ré tem direito à prisão domiciliar?


SIM.
A apreensão de grande quantidade e variedade de drogas não impede a concessão da prisão domiciliar
à mãe de filho menor de 12 anos se não demonstrada situação excepcional de prática de delito com
violência ou grave ameaça ou contra seus filhos, nos termos do art. 318-A, I e II, do CPP.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 712.258-SP, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª
Região), julgado em 29/03/2022 (Info 733).

Para que se negue a prisão domiciliar em favor da mulher gestante ou mãe de criança menor de 12 anos
é necessária fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de
indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, V,
do CPP.
O art. 318-A, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 13.769/2018, dispõe que a prisão preventiva imposta
à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída
por prisão domiciliar, desde que: I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e
que II) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
No caso, sendo a ré mãe de criança de 6 anos de idade, deve ser aplicada a regra geral de proteção da
primeira infância, considerando que o juízo não apresentou fundamentação idônea para a mitigação da
referida garantia constitucional.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27


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O fato de se ter apreendido grande quantidade e variedade de entorpecentes não impede a concessão da
prisão domiciliar se não demonstrados outros motivos que evidenciam que a conduta praticada
representa risco à ordem pública, como indícios de comércio ilícito no local em que a agente cria os
menores.

PROVAS
Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato,
é desnecessário instaurar o procedimento do art. 226 do CPP

Importante!!!
ODS 16

O art. 226 do CPP trata sobre o procedimento para reconhecimento de pessoa.


Vale ressaltar que esse dispositivo diz que o reconhecimento de pessoa somente será
realizado “quando houver necessidade”, ou seja, quando houver dúvida sobre a identificação
do suposto autor.
Isso porque a prova de autoria não é tarifada pelo Código de Processo Penal, podendo ser
comprovada por outros meios.
No caso concreto, houve um reconhecimento sem observância das formalidades do art. 226 do
CPP. No entanto, apesar disso, a condenação foi mantida porque havia outras provas e a
autoria delitiva não estava em dúvida mesmo antes desse reconhecimento.
STJ. 6ª Turma. HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João viu, no Facebook, o anúncio de venda de um veículo usado. Esse anúncio estava em um perfil do
Facebook em nome de “Josemar Ferreira”. Ele ficou interessado em comprar o carro e entrou em contato
com o vendedor por meio de mensagem direta do Facebook.
O suposto “Josemar” marcou um encontro com João para que ele realizasse o pagamento do veículo.
Quando João chegou ao local, foi abordado por dois assaltantes armados que levaram seu dinheiro.
Na polícia, João acessou os amigos registrados do perfil “Josemar Ferreira”. Um dos amigos do perfil era
Edson. Pela foto, João reconheceu Edson como sendo um dos assaltantes.
Com base nesse reconhecimento fotográfico, a autoridade policial representou pela prisão temporária de
Edson, o que foi deferido, tendo sido também encontradas provas do crime em sua residência.
Edson foi denunciado e condenado por roubo majorado, sentença mantida pelo TJ.
A defesa do condenado impetrou habeas corpus alegando que o reconhecimento realizado não observou
as regras do art. 226 do CPP, razão pela qual seria nulo, assim como as provas dele derivadas.

A tese de Edson foi acolhida pelo Tribunal?


NÃO. Vamos entender com calma.
Inicialmente, é importante registrar que a jurisprudência atual do STJ entende que:
1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do CPP, cujas
formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de
um crime;
2) A inobservância do procedimento previsto no art. 226 do CPP torna inválido o reconhecimento da
pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o
reconhecimento em juízo;
3) O magistrado poder realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido
procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras
provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


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4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever


seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a
eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que
confirmado em juízo.
STJ. 6ª Turma. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 684).

No entanto, no caso concreto, o STJ entendeu que a condenação não se amparou, exclusivamente, no
reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial. Vale ressaltar, inclusive, que a vítima
reconheceu o réu em Juízo, descrevendo a negociação e a abordagem.
A identificação do perfil na rede social Facebook foi apenas uma das circunstâncias do fato, tendo em
conta que a negociação se deu por essa rede social. Isso não afastou o reconhecimento dos autores do
fato em juízo, razão pela qual o STJ entendeu que não houve violação do art. 226 do CPP.

Em suma:
Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art.
226 do CPP.
STJ. 6ª Turma. HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI
O benefício da suspensão do IPI previsto no art. 5º, da Lei 9.826/99 e no art. 29 da Lei
10.637/2002 não se aplica a estabelecimentos equiparados a industrial
ODS 16

O Código Tributário Nacional e a legislação específica do IPI não tratam o “estabelecimento


industrial” de forma idêntica ao “estabelecimento equiparado a industrial”. A equiparação
somente existe para determinadas finalidades expressas em lei.
O próprio CTN faz distinção entre estabelecimento industrial e equiparado a industrial. A
equiparação ali é realizada apenas para fins de sujeição passiva em relação ao IPI.
Se é a lei que equipara, a mesma lei pode desequiparar ou definir as situações onde a
equiparação deve se dar e quais os seus efeitos.
Todas as vezes que o legislador quer conceder determinado benefício fiscal também aos
estabelecimentos equiparados a industrial ele o faz expressamente, em atenção ao disposto
no art. 111, do CTN e no art. 150, §6º, da CF/88.
Não se pode, portanto, presumir que todas as vezes que a legislação tributária mencione o
estabelecimento industrial estaria a mencionar implicitamente também os estabelecimentos
equiparados a industrial, sob pena de se tornar o sistema tributário, no que diz respeito ao
IPI, imprevisível e inadministrável, especialmente diante da função extrafiscal do tributo que
exige intervenções calculadas e pontuais nos custos incorridos em cada etapa da cadeia
econômica.
Tanto o art. 5º, da Lei nº 9.826/99, quanto o art. 29, da Lei nº 10.637/2002, são claros ao
apontar como beneficiário da suspensão do mencionado imposto apenas o estabelecimento
industrial, sem estender ao equiparado, de modo que o art. 23, da Instrução Normativa da SRF
nº 296/2003 não limitou o pretendido direito, mas apenas explicitou aquilo que a lei e o
sistema já haviam determinado.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.587.197-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29


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Imagine a seguinte situação adaptada:


A empresa JMB tem como objeto social a importação e exportação de bens.
No exercício de suas atividades, a empresa importa peças de automóveis que são comercializadas no
mercado nacional.
A empresa, com base no art. 5º, da Lei nº 9.826/99 e no art. 29, da Lei nº 10.637/2002, argumentou que
não deveria pagar Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em relação às peças de automóveis que
ela comercializa. Veja o que dizem os dispositivos invocados:
Lei nº 9.826/99
Art. 5º Os componentes, chassis, carroçarias, acessórios, partes e peças dos produtos
autopropulsados classificados nas posições 84.29, 84.32, 84.33, 87.01 a 87.06 e 87.11, da TIPI,
sairão com suspensão do IPI do estabelecimento industrial. (Redação dada pela Lei nº 10.485, de
2002)
§ 1º Os componentes, chassis, carroçarias, acessórios, partes e peças, referidos no caput, de
origem estrangeira, serão desembaraçados com suspensão do IPI quando importados
diretamente por estabelecimento industrial. (Redação dada pela Lei nº 10.485, de 2002)
§ 2º A suspensão de que trata este artigo é condicionada a que o produto, inclusive importado,
seja destinado a emprego, pelo estabelecimento industrial adquirente: (Redação dada pela Lei nº
10.485, de 2002)
I - na produção de componentes, chassis, carroçarias, acessórios, partes ou peças dos produtos
autopropulsados; (Incluído pela Lei nº 10.485, de 2002)
II - na montagem dos produtos autopropulsados classificados nas posições 84.29, 84.32, 84.33,
87.01, 87.02, 87.03, 87.05, 87.06 e 87.11, e nos códigos 8704.10.00, 8704.2 e 8704.3, da TIPI.
(Incluído pela Lei nº 10.485, de 2002)
§ 3º A suspensão do imposto não impede a manutenção e a utilização dos créditos do IPI pelo
respectivo estabelecimento industrial. (Redação dada pela Lei nº 10.485, de 2002)
§ 4º Nas notas fiscais relativas às saídas referidas no caput deverá constar a expressão ‘Saída com
suspensão do IPI’ com a especificação do dispositivo legal correspondente, vedado o registro do
imposto nas referidas notas. (Incluído pela Lei nº 10.485, de 2002)
§ 5º Na hipótese de destinação dos produtos adquiridos ou importados com suspensão do IPI,
distinta da prevista no § 2o deste artigo, a saída dos mesmos do estabelecimento industrial
adquirente ou importador dar-se-á com a incidência do imposto. (Incluído pela Lei nº 10.485, de
2002)
§ 6º O disposto neste artigo aplica-se, também, a estabelecimento filial ou a pessoa jurídica
controlada de pessoas jurídicas fabricantes ou de suas controladoras, que opere na
comercialização dos produtos referidos no caput e de suas partes, peças e componentes para
reposição, adquiridos no mercado interno, recebidos em transferência de estabelecimento
industrial, ou importados. (Incluído pela Lei nº 10.485, de 2002)

Lei nº 10.637/2002
Art. 29. As matérias-primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem, destinados
a estabelecimento que se dedique, preponderantemente, à elaboração de produtos classificados
nos Capítulos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23 (exceto códigos 2309.10.00 e
2309.90.30 e Ex-01 no código 2309.90.90), 28, 29, 30, 31 e 64, no código 2209.00.00 e 2501.00.00,
e nas posições 21.01 a 21.05.00, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos
Industrializados - TIPI, inclusive aqueles a que corresponde a notação NT (não tributados), sairão
do estabelecimento industrial com suspensão do referido imposto. (Redação dada pela Lei nº
10.684, de 30.5.2003)

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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De acordo com a empresa, as peças de automóveis que ela venda saem da sede da empresa, que pode ser
classificada como “estabelecimento equiparado a industrial”. Logo, ela também teria direito à suspensão
do IPI na saída porque os dispositivos legais acima falam em “estabelecimento industrial”, o que deve
abarcar o estabelecimento equiparado a industrial.
Foi editada, contudo, uma instrução normativa da Receita Federal em sentido contrário à tese da empresa:
IN/SRF Nº 296, DE 06 DE FEVEREIRO DE 2003
Art. 2º Sairão do estabelecimento industrial com suspensão do IPI os componentes, chassis,
carroçarias, acessórios, partes e peças, adquiridos para emprego na industrialização dos produtos
autopropulsados classificados nos Códigos 84.29, 84.32, 84.33, 87.01, 87.02, 87.03, 8704.10.00,
8704.2, 8704.3, 87.05, 8706 e 87.11 da Tabela de Incidência do IPI (Tipi).
[...]
Art. 23. O disposto nesta Instrução Normativa não se aplica:
I - às pessoas jurídicas optantes do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições
das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples);
II - a estabelecimento equiparado a industrial, salvo quando se tratar de estabelecimento
comercial equiparado a industrial pela legislação do IPI, na operação a que se refere o art. 4º
(Redação dada pela Lei nº 10.684, de 30.5.2003)

Inconformada com o entendimento adotado pela Receita Federal, a empresa propôs contra a União,
objetivando a declaração do seu direito a proceder ao desembaraço aduaneiro e à saída de seus produtos
(escapamentos de veículos) com a suspensão do IPI.
A questão chegou até o STJ.

A tese da empresa foi acolhida? O benefício fiscal abarca também os estabelecimentos equiparados a
industriais?
NÃO. O Código Tributário Nacional e a legislação específica do IPI não tratam o “estabelecimento
industrial” de forma idêntica ao “estabelecimento equiparado a industrial”. A equiparação somente existe
para determinadas finalidades expressas em lei.
O próprio CTN faz distinção entre estabelecimento industrial e equiparado a industrial. A equiparação ali
é realizada apenas para fins de sujeição passiva em relação ao IPI.
Se é a lei que equipara, a mesma lei pode desequiparar ou definir as situações onde a equiparação deve
se dar e quais os seus efeitos.
Todas as vezes que o legislador quer conceder determinado benefício fiscal também aos estabelecimentos
equiparados a industrial ele o faz expressamente, em atenção ao disposto no art. 111, do CTN e no art.
150, §6º, da CF/88.
Não se pode, portanto, presumir que todas as vezes que a legislação tributária mencione o
estabelecimento industrial estaria a mencionar implicitamente também os estabelecimentos equiparados
a industrial, sob pena de se tornar o sistema tributário, no que diz respeito ao IPI, imprevisível e
inadministrável, especialmente diante da função extrafiscal do tributo que exige intervenções calculadas
e pontuais nos custos incorridos em cada etapa da cadeia econômica.
Tanto o art. 5º, da Lei nº 9.826/99, quanto o art. 29, da Lei nº 10.637/2002, são claros ao apontar como
beneficiário da suspensão do mencionado imposto apenas o estabelecimento industrial, sem estender ao
equiparado. Assim, o art. 23, da Instrução Normativa da SRF nº 296/2003 não limitou o pretendido direito,
mas apenas explicitou aquilo que a lei e o sistema já haviam determinado.

Em suma:
O benefício da suspensão do IPI previsto no art. 5°, da Lei n. 9.826/1999 e art. 29 da Lei n. 10.637/2002
não se aplica a estabelecimentos equiparados a industrial.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.587.197-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31


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SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO


O benefício do § 2º do art. 63 da Lei 9.430/96 é aplicável ao contribuinte
que renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação
ODS 16

O art. 63, § 2º da Lei nº 9.430/96 prevê o seguinte:


§ 2º A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência
da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação
da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição.
O que enseja a suspensão da exigibilidade do tributo - e da multa de mora, de que trata o § 2º
do referido art. 63 da Lei nº 9.430/96 - é a obtenção da medida liminar.
Se o contribuinte obteve a medida liminar na ação por ele proposta, mas depois renunciou ao
direito sobre o qual se funda a ação, o tributo ou contribuição será considerado devido mas a
incidência da multa de mora ficará interrompida até 30 dias após a data da publicação da
decisão que homologar essa renúncia.
Assim, depois que o juiz homologar a renúncia, ficarão cessados os efeitos da liminar e o
contribuinte terá restabelecida a sua condição de devedor, devendo recolher o tributo em até
30 dias, sem incidência da multa de mora.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 955.896-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/04/2022
(Info 733).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Em 28/01, a empresa CFI impetrou mandado de segurança questionando a exigibilidade de determinado
tributo federal que deveria ser pago no dia 02/02.
Em 01/02, a impetrante obteve uma liminar determinando a suspensão da exigibilidade do tributo
enquanto não é proferida uma decisão definitiva.
Passado algum tempo, o governo federal iniciou um programa de parcelamento de débitos (REFIS).
A empresa tinha outros débitos anteriores e resolveu aderir ao REFIS. Ocorre que, para isso, seria
necessário que ela renunciasse ao direito sobre o qual se fundava a ação (o MS impetrado).
A empresa solicitou a adesão ao REFIS. Paralelamente a isso, peticionou ao juízo do MS informando que
renunciava ao direito de questionar o tributo.
Em 16/11, a renúncia foi homologada pelo juízo e o processo extinto por sentença.
20 dias depois da sentença, a empresa pagou o tributo que ela estava questionando no mandado de
segurança.
A Receita Federal, contudo, disse que ainda faltava pagar a multa. Isso porque a renúncia teria efeito
retroativo. Logo, para a Receita, como houve a renúncia, a exigibilidade do tributo nunca esteve suspensa
e a empresa deverá pagar o tributo retroativamente ao dia do vencimento (02/02), com juros e multa
moratória.
Diante disso, a empresa foi obrigada a impetrar novo mandado de segurança pedindo para que se
reconhecesse que a sua situação se amolda ao art. 63, § 2º da Lei nº 9.430/96 e que, portanto, ela não
está obrigada a pagar multa moratória já que, depois que a exigibilidade foi revogada, ela pagou o tributo
no prazo inferior a 30 dias. Veja o que diz o art. 63, § 2º da Lei nº 9.430/96 que a empresa alega se amoldar
ao caso:
Art. 63 (...)
§ 2º A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da
multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da
decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32


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O STJ concordou com o argumento da empresa? A situação se amolda ao art. 63, § 2º da Lei nº 9.430/96?
SIM.
O § 2º do art. 63 da Lei nº 9.430/96 afirma que a medida liminar enseja a suspensão da exigibilidade do
tributo e da multa de mora.
A decisão que revoga a medida liminar faz com que o contribuinte tenha que pagar o tributo em até 30
dias. Se quitar nesse período, não pagará multa de mora.
O ato unilateral do contribuinte que renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação gera o mesmo efeito
considerando que, ao homologar a renúncia, o juiz irá revogar a medida liminar que havia sido concedida.
Cessados os efeitos da liminar no mandado de segurança, com a homologação judicial da renúncia, o
contribuinte volta à condição de devedor e deve recolher o tributo, sem incidência, porém, da multa de
mora. Conclusão em contrário atentaria contra a segurança jurídica, especialmente no presente caso, em
que, na vigência da liminar, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, a impetrante requereu a
renúncia ao direito sobre o qual se fundava a ação, e recolheu, de uma só vez, os valores não incluídos no
parcelamento dentro do prazo previsto no art. 63, § 2º, da Lei nº 9.430/96.
O objetivo do legislador foi proteger a confiança depositada pelo contribuinte no provimento judicial
precário, que afastou a exigência do tributo.

Em suma:
O benefício do § 2º do art. 63 da Lei n. 9.430/1996 é aplicável ao contribuinte que renuncia ao direito
sobre o qual se funda a ação.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 955.896-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/04/2022 (Info 733).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA
Para atender o parágrafo único do art. 124 da Lei 8.213/91, basta que o valor recebido a título
de seguro-desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido do montante devido nos casos
em que o benefício previdenciário foi equivocadamente indeferido pelo INSS
ODS 16

Caso concreto: João requereu administrativamente a aposentadoria. O INSS indeferiu o


pedido. Como não teve direito ao benefício, João continuou trabalhando. Ele, no entanto,
ajuizou ação pedindo a concessão da aposentadoria. O Poder Judiciário reconheceu que
deveria ter recebido a aposentadoria e concedeu o benefício determinando o pagamento
retroativo das parcelas desde o requerimento administrativo. Ocorre que João havia sido
demitido sem justa causa e estava recebendo seguro-desemprego. Assim, durante alguns
meses João receberia seguro-desemprego mais aposentadoria. Isso é possível? Não. Há
vedação no art. 124, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91:
Art. 124 (...) Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com
qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte
ou auxílio-acidente.
O que fazer nesse caso?
Deverão ser pagos os valores atrasados da aposentadoria, abatendo-se os valores já recebidos
a título de seguro-desemprego do montante devido. Ex: se ele tinha R$ 10 mil para receber de
aposentadoria atrasada, mas recebeu R$ 2 mil de seguro-desemprego, ficará com R$ 8 mil.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.982.937-SP, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5),
julgado em 05/04/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33


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Imagine a seguinte situação hipotética:


João requereu administrativamente a aposentadoria.
O INSS indeferiu o pedido.
Como não teve direito ao benefício, João continuou trabalhando. Ele, no entanto, ajuizou ação pedindo a
concessão da aposentadoria.
O Poder Judiciário reconheceu que João deveria ter recebido a aposentadoria e concedeu o benefício.
Além disso, condenou o INSS a fazer o pagamento retroativo das parcelas desde o requerimento
administrativo.
Ocorre que João havia sido demitido sem justa causa e estava recebendo seguro-desemprego.
Assim, durante alguns meses João receberia seguro-desemprego mais aposentadoria.

Isso é possível? A legislação autoriza que a pessoa receba seguro-desemprego mais aposentadoria?
NÃO. Há vedação no art. 124, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91:
Art. 124 (...) Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com
qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou
auxílio-acidente.

Diante disso, o que fazer nesse caso?


O STJ afirmou que deverão ser pagos os valores atrasados da aposentadoria, abatendo-se os valores já
recebidos a título de seguro-desemprego do montante devido. Ex: se ele tinha R$ 10 mil para receber de
aposentadoria atrasada, mas recebeu R$ 2 mil de seguro-desemprego, ficará com R$ 8 mil.

Em suma:
Para atender ao disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei n. 8.213/1991, basta que o valor recebido
a título de seguro-desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido do montante devido nos casos
em que o benefício previdenciário foi equivocadamente indeferido pela autarquia federal.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.982.937-SP, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), julgado
em 05/04/2022 (Info 733).

DIREITO DO TRABALHO E
PROCESSUAL DO TRABALHO

COMPETÊNCIA
Compete à Justiça do Trabalho julgar ação proposta contra o empregador nas quais se pretenda
o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições
para a entidade de previdência privada a ele vinculada
ODS 16

Caso concreto: ação proposta em face da CEF e da FUNCEF na qual o autor pretende a inclusão
da verba salarial denominada CTVA - Complemento Temporário Variável Ajuste de Mercado
na composição de salário de participação, com os devidos reflexos no cálculo de benefício de
complementação de aposentadoria.
Há, portanto, cumulação de pretensões de naturezas distintas, havendo a necessidade de
prévio julgamento da controvérsia trabalhista pois, somente em caso de procedência desta,
haverá possibilidade de análise do pleito relacionado ao plano previdenciário. Ou seja, a causa
de pedir originária (exclusão da parcela denominada CTVA do salário de contribuição)

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


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desdobra-se em dois pedidos, de natureza diversa: (a) na seara trabalhista, pugna-se pelo
reconhecimento da natureza salarial, com o respectivo recolhimento das contribuições
devidas; e, (b) no âmbito previdenciário, busca-se a revisão do benefício complementar.
Logo, em razão desta cumulação de pedidos, não incide - ao menos não de forma direta - o
entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 190/STF), no sentido da
competência da Justiça Comum para “o processamento de demandas ajuizadas contra
entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de
aposentadoria”, ante a necessidade de prévio enfrentamento da controvérsia laboral.
Ademais, em recente julgamento, a Suprema Corte fixou nova tese, em repercussão geral, no
sentido de que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o
empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os
reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada”
(Tema 1.166 - RE 1.265.564-SC).
STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 1.547.767-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/03/2022
(Info 733).

Imagine a seguinte situação adaptada:


A Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) é uma entidade fechada de previdência complementar
instituída com o objetivo de oferecer plano de previdência complementar aos funcionários da Caixa
Econômica Federal (CEF).
João era empregado da Caixa Econômica Federal (empresa pública federal) e, nesta condição, era
participante do plano de previdência complementar oferecido para os funcionários da empresa (era
participante do plano de previdência da FUNCEF).
O regulamento do plano de previdência previa que o valor da complementação de aposentadoria deveria
ser calculado a partir da média aritmética simples dos salários de participação do associado. Em outras
palavras, o valor da aposentadoria deveria ser calculado com base no salário que o indivíduo recebia e que
também servia como parâmetro para as contribuições pagas pelo empregado.
Quando estava na atividade, João recebia todos os meses R$ 7 mil da CEF. Desse total, R$ 2 mil eram referentes
a uma parcela denominada “Complemento Temporário Variável de Ajuste ao Piso de Mercado” (CTVA).
João se aposentou e reparou que sua aposentadoria não incluiu o valor da CTVA e, com isso, sua
aposentadoria ficou menor. Tal fato ocorreu porque a CEF considerou que a CTVA não teria natureza
salarial e, portanto, ela não repassou para a FUNCEF (não aportou) contribuições previdenciárias sobre
essa parcela salarial.

Ação proposta
Diante disso, João ajuizou ação contra a FUNCEF e a CEF, em litisconsórcio, pedindo que:
• a CTVA fosse reconhecida como verba de natureza salarial;
• que a CEF aportasse as contribuições previdenciárias referentes a essa parcela; e
• que a CTVA fosse integrada (incluída) no valor mensal de sua complementação de aposentadoria.

A demanda foi proposta inicialmente na Justiça Federal Comum (em razão de a CEF ser uma empresa
pública federal), tendo, no entanto, o juiz federal declinado da competência para a Justiça do Trabalho.
O Juiz do Trabalho suscitou conflito de competência, afirmando que o STF decidiu, no RE 586453 e no RE
583050, que compete à Justiça Comum processar e julgar os processos decorrentes de contratos de
previdência complementar privada:
A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência
complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do
Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de
matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta.

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


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Assim, compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de
previdência buscando-se o complemento de aposentadoria.
STF. Plenário. RE 586453/SE, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 20/2/2013.
STF. Plenário. RE 583050/RS, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 20/2/2013.

O que o STJ decidiu neste conflito de competência?


O STJ afirmou que a situação narrada não se amolda perfeitamente àquilo que decidiu o STF nos recursos
extraordinários 586453 e 583050. Isso porque a presente discussão não envolve apenas a interpretação
de regras estatutárias (regras do plano).
No caso aqui tratado é necessário definir, previamente, se essa parcela denominada CTVA tem ou não
natureza salarial e, por conseguinte, se poderia, na espécie, ter sido excluída do salário de contribuição do
autor, tendo em vista que esse fato tem reflexo no valor de suplementação de sua aposentadoria.

De quem vai ser a competência então?


O STJ decidiu que compete ao Juízo Trabalhista julgar inicialmente o pedido do autor, uma vez que o caso
em análise não se amolda aos precedentes do STF mencionados, por se tratar de discussão que não
envolve a simples interpretação de regras estatutárias, sendo necessário definir, previamente, se a parcela
denominada CTVA tem ou não natureza salarial e, por conseguinte, se poderia, na hipótese, ter sido
excluída do salário de contribuição do autor, tendo em vista que esse fato tem reflexo no valor de
suplementação de sua aposentadoria.
Após, o autor poderá ingressar com nova ação perante a Justiça comum discutindo a inclusão da CTVA na
complementação da aposentadoria.
Esse tem sido o entendimento reiterado do STJ a respeito do tema:
(...) Nos termos da jurisprudência do STJ, havendo cumulação de pretensões distintas, sendo um pedido
antecedente, de reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, em face da ex-empregadora (CEF),
deve a ação prosseguir primeiramente na Justiça do Trabalho. (...)
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1301661/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
04/05/2020.

(...) 1. Cuida-se, na origem, de reclamatória trabalhista ajuizada em face da CEF e da FUNCEF, em que se
pretende a inclusão da verba denominada CTVA - Complemento Temporário Variável Ajuste de Mercado
na composição de salário de participação, com os devidos reflexos no cálculo de benefício de
complementação de aposentadoria.
2. A presente demanda cumula pretensões de natureza distintas, havendo um pedido antecedente de
reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, com a condenação da ex-empregadora (CEF) em
aportar contribuições previdenciárias, e um pedido consequente de recálculo do valor do benefício de
suplementação de aposentadoria a cargo da entidade de previdência privada (FUNCEF).
3. Segundo a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça em hipóteses como a presente,
em se tratando de cumulação de pedidos envolvendo matérias de diferentes competências, deve a ação
prosseguir primeiramente na Justiça Especializada, para o exame das pretensões derivadas da relação de
trabalho, ressalvada a possibilidade de posterior ajuizamento de nova ação, perante a Justiça Comum,
com vistas ao deslinde da controvérsia relativa ao reajuste do benefício de suplementação de
aposentadoria. Aplica-se, com as adaptações necessárias, o disposto na Súmula 170/STJ. Precedentes. (...)
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1704500/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/10/2019.

Em suma:
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se
pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas
contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.
STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 1.547.767-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/03/2022 (Info 733).

Informativo 733-STJ (25/04/2022) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36


Informativo
comentado

No caso, a demanda originária foi ajuizada em face da CEF e FUNCEF, buscando o reconhecimento da
natureza salarial da verba CTVA, com a recomposição da reserva matemática e revisão do benefício de
previdência complementar.
Há, portanto, cumulação de pretensões de naturezas distintas, havendo a necessidade de prévio
julgamento da controvérsia trabalhista pois, somente em caso de procedência desta, haverá possibilidade
de análise do pleito relacionado ao plano previdenciário. Ou seja, a causa de pedir originária (exclusão da
parcela denominada CTVA do salário de contribuição) desdobra-se em dois pedidos, de natureza diversa:
(a) na seara trabalhista, pugna-se pelo reconhecimento da natureza salarial, com o respectivo
recolhimento das contribuições devidas; e,
(b) no âmbito previdenciário, busca-se a revisão do benefício complementar.
Logo, em razão desta cumulação de pedidos, não incide - ao menos não de forma direta - o entendimento
consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 190/STF), no sentido da competência da Justiça Comum
para “o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito
de obter complementação de aposentadoria”, ante a necessidade de prévio enfrentamento da
controvérsia laboral.
Ademais, em recente julgamento, o STF fixou nova tese, em repercussão geral, no sentido de que
"compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se
pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições
para a entidade de previdência privada a ele vinculada" (Tema 1.166 - RE 1.265.564-SC).

EXERCÍCIOS

Julgue os itens a seguir:


1) Reconhecida a responsabilidade estatal por acidente com evento morte em rodovia, é devida a
indenização por danos materiais aos filhos menores e ao cônjuge do de cujus. ( )
2) Mesmo nos contratos administrativos, não é válida a cláusula que prevê renúncia do direito aos
honorários de sucumbência por parte de advogado contratado. ( )
3) Fundo de investimento não pode sofrer os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica. ( )
4) Nos contratos de distribuição de bebidas, as informações relativas à formação da clientela estão
associadas às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade
da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor. ( )
5) A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de coerção
não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações. ( )
6) O médico é civilmente responsável por falha no dever de informação acerca dos riscos de morte em
cirurgia. ( )
7) A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na
prestação do serviço. ( )
8) A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados
indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma ampla, faz coisa julgada em
relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas.
( )
9) Segundo decidiu o STJ, a remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis, com base no
art. 36, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.935/1994, submete-se ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição
Federal de 1988. ( )
10) O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial em recuperação
judicial não deve se submeter ao juízo universal. ( )

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comentado

11) Para a prorrogação do prazo recursal é necessária a configuração da justa causa, que deve ser
demonstrada de maneira efetiva. ( )
12) É aplicável a teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial
quando autorizadas por juízo aparentemente competente. ( )
13) A apreensão de grande quantidade e variedade de drogas não impede a concessão da prisão domiciliar
à mãe de filho menor de 12 anos se não demonstrada situação excepcional de prática de delito com
violência ou grave ameaça ou contra seus filhos, nos termos do art. 318-A, I e II, do CPP. ( )
14) Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art.
226 do CPP. ( )
15) O benefício da suspensão do IPI previsto no art. 5º, da Lei 9.826/99 e no art. 29 da Lei 10.637/2002 não
se aplica a estabelecimentos equiparados a industrial. ( )
16) O benefício do § 2º do art. 63 da Lei n. 9.430/1996 é aplicável ao contribuinte que renuncia ao direito
sobre o qual se funda a ação. ( )
17) Para atender ao disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei n. 8.213/1991, basta que o valor recebido
a título de seguro-desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido do montante devido nos casos
em que o benefício previdenciário foi equivocadamente indeferido pela autarquia federal. ( )
18) Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se
pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições
para a entidade de previdência privada a ele vinculada. ( )

Gabarito
1. C 2. E 3. E 4. C 5. C 6. C 7. C 8. C 9. E 10. E
11. C 12. C 13. C 14. C 15. C 16. C 17. C 18. C

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