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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0388.16.002849-3/001 Númeração 0028493-


Relator: Des.(a) Lílian Maciel
Relator do Acordão: Des.(a) Lílian Maciel
Data do Julgamento: 04/08/2021
Data da Publicação: 05/08/2021

APELAÇÕES CÍVEIS - PRELIMINAR - PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE -


OBSERVÂNCIA - RECURSO CONHECIDO - AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL
- ACIDENTE DE TRÂNSITO - QUEDA DE ÁRVORE EM RODOVIA
ADMINISTRADA POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO -
TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA -
DANO MATERIAL DEMONSTRADO - LUCROS CESSANTES -
COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO - DANO MORAL - AUSÊNCIA DE PROVA
- CORREÇÃO MONETÁRIA - RESTITUIÇÃO DE VALORES GASTOS COM
O CONSERTO DO VEÍCULO - INCIDÊNCIA DESDE O DESEMBOLSO -
CORREÇÃO "EX OFFICIO" DA SENTENÇA.

- Se o recorrente se atentou para as especificidades do caso e para os


termos da sentença, pois suas alegações recursais se prestam à
contraposição efetiva dos fundamentos daquele "decisum", a irresignação
recursal deve ser conhecida.

- A concessionária de serviços públicos responde objetivamente pelos danos


causados aos respectivos usuários ou a terceiros, nos termos do art. 37, §6º
da CRFB/1988.

- Consoante tese firmada pelo STF no julgamento de repercussão geral (RE


841.526/RS), mesmo em se tratando de ato omissivo, a responsabilidade
civil da Administração Pública prescinde de averiguação do elemento
subjetivo, devendo ser verificado o dever de indenizar sob o enfoque da
"teoria do risco administrativo".

- Embora seja objetiva a responsabilidade da concessionária de serviço


público, o autor não se exime de comprovar a ocorrência do fato, do dano e
do nexo de causalidade entre um e outro, não

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bastando a mera apresentação de conjecturas.

- Os danos materiais decorrentes dos gastos com o conserto do veículo


podem ser apurados em liquidação de sentença.

- Tendo sido suficientemente demonstrado que o autor deixou de aferir


ganhos em decorrência do acidente, deve ser acolhido o pedido de
compensação pelos lucros cessantes, não se tratando o pleito de
compensação em favor da pessoa jurídica.

- Quanto aos danos morais, não se cuidando de danos "in re ipsa", incumbe
à parte autora o ônus de comprovar que a falha no serviço causou-lhe
humilhação, dor ou sofrimento desarrazoados.

- A queda de árvore sobre o veículo do usuário, sem outras repercussões


mais graves sobre a sua incolumidade física do motorista, não é suficiente
para causar dano moral, tratando-se de mero aborrecimento.

- A correção monetária no caso de restituição de valores gastos com o


conserto do veículo deve incidir desde o respectivo desembolso.

- Recursos aos quais se negam provimento.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0388.16.002849-3/001 - COMARCA DE LUZ - 1º


APELANTE: MARCELO APARECIDO DA SILVA - 2º APELANTE:
CONCEBRA-CONCESSIONÁRIA DAS RODOVIAS CENTRAIS DO BRASIL
S.A - APELADO(A)(S): MARCELO APARECIDO DA SILVA, CONCEBRA-
CONCESSIONÁRIA DAS RODOVIAS CENTRAIS DO BRASIL S.A

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 20ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA
RÉ E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR.

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DESEMBARGADORA LÍLIAN MACIEL

RELATORA.

DESEMBARGADORA LÍLIAN MACIEL (RELATORA)

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo autor MARCELO


APARECIDO DA SILVA (1º apelante), e pela ré CONCREBRA -
CONCESSIONÁRIA DAS RODOVIAS CENTRAIS DO BRASIL S/A (2ª
apelante) contra a sentença proferida no bojo da presente ação indenizatória
que julgou parcialmente procedentes os pedidos autorais, nos seguintes
termos:

"Ante o exposto, resolvo o mérito (artigo 487, I, do Código de Processo Civil)


e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para:

a) CONDENO a requerida CONCREBRA - CONCESSIONÁRIA DAS


RODOVIAS CENTRAIS DO BRASIL S/A ao pagamento do valor
efetivamente gasto com o conserto do veículo - cavalo mecânico marca
Mercedes Benz L 1418 R - corrigido monetariamente atualizada pelos índices
fixados pela eg. Corregedoria de Justiça, desde a data do acidente, com
incidência de juros legais de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, a
ser verificado em liquidação de sentença.

JULGO IMPROCEDENTE os pedidos de danos morais e lucros cessantes.

Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e

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honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, à luz do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil."

Extrai-se dos autos que em 24.09.2016, às 16h30min, o autor trafegava


na Rodovia BR-262, sentido Bom Despacho/MG, quando uma árvore
desabou, atingindo a parte frontal de seu veículo. Ressalta-se que a referida
rodovia é administrada pela ré CONCEBRA, sob o regime de concessão de
serviços públicos.

Segundo narra o autor, no local em que se deu o acidente, na altura do


Km 508, as margens da rodovia são tomadas por plantações de eucalipto e
braquiárias, tendo sido atingida pouco tempo antes por queimadas. Todavia,
não recebeu qualquer manutenção por parte da ré no sentido de averiguar a
solidez das árvores que margeiam a pista.

Aponta que a ré teria incorrido em omissão no que tange a seu dever de


promover a manutenção do trecho de sua responsabilidade, tendo deixado
de efetuar a poda ou corte das árvores que possam oferecer riscos aos
usuários.

Entende, dessa forma, que a ré deve ser objetivamente responsabilizada


pelos danos causados ao autor em decorrência do evento danoso, nos
moldes do art. 37, §6º da CRFB/1988. Requereu, dessa forma, sua
condenação ao pagamento de danos materiais, morais e lucros cessantes.

Citada, a ré apresentou contestação alegando, preliminarmente, a


ilegitimidade ativa do autor em requerer a condenação ao pagamento dos
lucros cessantes, tendo em vista que esses corresponderiam a fretes
prestados por pessoa jurídica que não se encontra no polo ativo da lide.

No mérito, apontou que a responsabilidade da concessionária na


hipótese dos autos seria subjetiva, tendo em vista que a conduta

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imputada pelo autor é, na realidade, omissiva. Dessa forma, competiria ao


autor demonstrar a inexistência do serviço, seu retardamento ou mau
funcionamento, o que não ocorreu in casu. Outrossim, alegou que a queda
da árvore se deu por forças exclusivamente atribuíveis à natureza, devendo
ser reconhecida a excludente de responsabilidade de força maior. Requereu,
ao final, a improcedência dos pedidos iniciais.

Os pedidos autorais foram julgados parcialmente procedentes, conforme


relatado alhures, tendo o d. juízo monocrático reconhecido a
responsabilidade objetiva da concessionária de serviço público, afastando a
excludente invocada na contestação.

Os embargos de declaração opostos na origem pela parte ré foram


rejeitados.

Segundo alega em suas razões recursais, o autor e 1º apelante afirma


que o prejuízo material reconhecido na sentença, referente aos danos
emergentes causados no caminhão pela queda da árvore, deve corresponder
à média dos orçamentos apresentados junto com a exordial.

Afirma que "a comprovação dos danos materiais apontados na petição


inicial é válida a juntada de orçamento referente aos serviços, peças e
componentes de reposição necessários ao conserto do veículo, cuja
idoneidade e correspondência com as avarias descritas no Boletim de
Acidente de Trânsito de fls. 38/42, não foram infirmadas pela parte
Requerida" (sic).

Sustenta ser devida a indenização por danos morais postulada, vez que
"o acidente poderia ter custado a vida do Recorrente", e ainda, "em virtude
do impacto ocasionado pelo acidente, o Recorrente precisou ser submetido a
atendimento médico ambulatorial, tendo em vista ter sofrido uma forte
pancada na região torácica" (sic).

Assevera que "permaneceu impossibilitado de usufruir do veículo por um


longo período, devido aos danos causados pelo acidente,

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resultando em uma série de aborrecimentos e transtornos" (sic).

Por fim, em relação aos lucros cessantes, alega que "o Recorrente
percebia uma renda bruta mensal de aproximadamente R$16.000,00,
devidamente comprovada através do DACTE (Documento Auxiliar de
Conhecimento de Transporte Rodoviário) e Relatórios de Contas de fls.
56/67" (sic).

Também afirma que "pela declaração de imposto de renda carreada às


fls. 32/37, constata-se que o rendimento obtido em decorrência dos serviços
prestados pela MGL Transportes Ltda. ME, na qual possuía como tomadora
de serviços Laticínios União Total Ltda., era a única fonte de renda do
Recorrente" (sic).

Deduz ser "incontroverso que o veículo permaneceu parado em razão do


acidente ocorrido em 24 de setembro de 2016, sendo certo que, o Autor
contando com a assistência de parentes e amigos realizou o conserto
'parcial' do caminhão no final do mês de janeiro de 2018" (sic).

Anota que lhe é devida a indenização por lucros cessantes, "no importe
mensal de R$16.000,00, durante o período de 16 (dezesseis) meses em que
o veículo permaneceu inativo ou pelo menos a importância de 25% do valor a
título de lucro mensal (extraídas as despesas)" (sic).

Pugna pelo provimento da apelação a fim de que seja reformada a


sentença de primeiro grau, julgando-se totalmente procedente os pedidos
autorais (doc. ordem 27).

Parte isenta do recolhimento do preparo prévio, vez que litiga sob o pálio
da justiça gratuita (doc. ordem 04).

Em contrarrazões, a ré/apelada pede o desprovimento do recurso (doc.


ordem 32).

A requerida e 2ª apelante, por sua vez, sustenta que a

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concessionária de serviço público "não responde objetivamente pelos danos


causados por eventual omissão na prestação de serviços", invocando, assim,
"a responsabilidade civil de natureza subjetiva, fazendo-se imprescindível a
prova da culpa, do dano e do nexo de causalidade" (sic).

Invoca, ainda, a ausência de responsabilidade da concessionária por


ausência de culpa e nexo causal, e a excludente de ilicitude por caso fortuito
ou força maior, aduzindo que "a árvore em questão caiu por consequência da
força do vento que atingia a região naquele dia" (sic).

Por fim, insurge-se contra a condenação que lhe impôs ressarcir os


danos materiais, afirmando que "o Apelado não logrou êxito em demonstrar a
extensão dos danos". Aponta que "o pedido posto na peça exordial - e não
alterado por meio de emenda - era para recebimento de indenização em
quantia correspondente ao valor de mercado do veículo, haja vista que o
bem teria sofrido perda total. No entanto, questionado em audiência, o
apelado informou que o veículo foi consertado e que está em circulação,
contudo, não sabe informar o valor despendido, muito menos possui notas
fiscais dos reparos realizados, ou seja, não tem prova alguma quanto à
extensão dos danos" (sic).

Pugna pelo provimento da apelação a fim de que seja reformada a


sentença de primeiro grau, julgando-se integralmente improcedentes os
pedidos iniciais (doc. ordem 29).

O recolhimento do preparo prévio foi comprovado nos autos (doc. ordem


30).

Em contrarrazões, o autor/apelado suscita preliminar de não


conhecimento do recurso, invocando violação ao princípio da dialeticidade.
Meritoriamente, requer o desprovimento do recurso (doc. ordem 34).

É o relatório.

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PRELIMINAR: inobservância ao princípio da dialeticidade

O autor/apelado arguiu preliminar de não conhecimento do recurso


interposto pela parte ré, aduzindo que a apelação não impugnou os
fundamentos da sentença, o que importaria inobservância ao princípio da
dialeticidade.

Nos termos do artigo 1.010, incisos II e III, do CPC, a apelação deve


conter a exposição dos fatos e do direito em que se ampara o pedido de
reforma, bem como as respectivas razões que fundamentam o pedido, ou
seja, deve trazer os motivos pelos quais a parte entende que a decisão
proferida merece modificação.

Discorrendo sobre o princípio da dialeticidade, Cassio Scarpinella Bueno


anota que:

"Faço questão de frisar, a respeito deste princípio, que o recurso deve


evidenciar as razões pelas quais a decisão precisa ser anulada, reformada,
integrada ou complementada, e não que o recorrente tem razão. O recurso
tem de combater a decisão jurisdicional naquilo que ela o prejudica, naquela
que ela lhe nega pedido ou posição de vantagem processual, demonstrando
o seu desacerto, do ponto de vista procedimental (error in procedendo) ou do
ponto de vista do próprio julgamento (error in judicando). Não atende ao
princípio aqui examinado o recurso que se limita a afirmar a sua posição
jurídica como a mais correta. É inepto o recurso que se limita a rejeitar as
razões anteriormente expostas e que, com o proferimento da decisão, ainda
que erradamente e sem fundamentação suficiente, foram rejeitadas. A tônica
do recurso é remover o obstáculo criado pela decisão e não reavivar razões
já repelidas, devendo o recorrente desincumbir-se a contento do respectivo
ônus argumentativo." (Manual de direito processual civil. 3. ed. Editora
Saraiva Jur, 2017, p. 708)

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Volvendo aos autos, verifica-se que o juízo de primeiro grau julgou


parcialmente procedente os pedidos autorais, invocando em sua
fundamentação a responsabilidade objetiva da concessionária de serviço
público; rejeitou a tese de excludente de ilicitude; e quanto aos danos
materiais reconhecidos em favor do autor, determinou sua apuração em sede
de liquidação de sentença.

Da análise das razões recursais da 2ª apelante, observa-se que a


recorrente se atentou para as especificidades do caso e para os termos da
sentença, pois suas alegações recursais se prestam à contraposição efetiva
dos fundamentos daquele decisum, a viabilizar o total conhecimento da
irresignação recursal.

A recorrente impugnou especificamente as razões declinadas pelo MM.


Juiz sentenciante, aduzindo pelo reconhecimento da responsabilidade civil
subjetiva; reiterando a tese de excludente de responsabilização por caso
fortuito ou força maior e, por fim, também se insurgiu contra a indenização
por danos materiais, apontando pela ausência de prova do efetivo prejuízo
suportado pelo autor, invocando razões que, em tese, poderiam infirmar as
conclusões do juízo a quo.

Não bastasse isso, porém, o STJ já se posicionou no sentido de que "a


reprodução na apelação das razões já deduzidas na contestação [e por
consequência lógica, na petição inicial] não determina a negativa de
conhecimento do recurso, desde que haja compatibilidade com os temas
decididos na sentença" (REsp 924.378/PR).

Assim, REJEITO a preliminar arguida.

Em razão disso, ambos os recursos devem ser conhecidos já que


presentes os pressupostos de admissibilidade e de processamento que lhes
são próprios. Não há nulidades, outras questões preliminares ou prejudiciais
de mérito arguidas pelas partes ou suscitáveis ex officio.

MÉRITO

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Primeiramente, convém destacar que não há controvérsia sobre a


ocorrência do acidente envolvendo o veículo do autor, sobre o qual se
fundam os pedidos indenizatórios, fato que se deu no dia 24.09.2016,
ocasião em que uma árvore caiu sobre a parte frontal do caminhão.

A ré igualmente não negou que o acidente ocorreu em rodovia pública


que se encontra sob sua responsabilidade, em regime de concessão de
serviço público.

Considerando que ambas as apelações devolveram, na íntegra, a


controvérsia então instaurada perante a instância de origem, sua análise será
feita de forma conjunta.

Da responsabilidade civil da concessionária de serviço público por ato


omissivo

Em princípio, a responsabilidade civil pode ser assim definida, tal como


fez o nosso legislador: "a obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral" (art.
186, do Código Civil).

Deste conceito exsurgem os requisitos essenciais da reparação civil,


quais sejam: a) a verificação de uma conduta antijurídica, dolosa ou culposa;
b) a existência de um dano, seja este de ordem material ou imaterial, de
natureza patrimonial ou não-patrimonial; e c) o estabelecimento de um nexo
de causalidade entre uma e outro.

Sabe-se, contudo, que a responsabilidade da Administração Pública,


assim como das empresas concessionárias de serviço público, hoje atingiu o
ápice de seu caminho evolutivo, consagrando o princípio do risco
administrativo.

A CRFB/1988, repetindo a política legislativa adotada nas determinações


constitucionais anteriores, estabelece o princípio da responsabilidade do
Estado pelos danos que os seus agentes causem

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a terceiros.

Sobre o tema, eis o que estatui a Constituição Federal de 1988, através


do art. 37, §6º:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de


serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa."

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras


de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.

Esses entes responderão pelos atos de seus agentes sempre que a


vítima demonstre a existência do dano e do nexo causal entre o ato do
agente público e o prejuízo sofrido, tornando-se dispensável a perquirição da
intenção do agente, salvo quanto tratar-se de ato omissivo.

Em regra, portanto, para emergir a responsabilidade civil, a configuração


dos dois requisitos, relativos ao dano e o nexo causal, não se perquirindo
sobre a conduta ou mesmo a intenção do agente, salvo em casos de
omissão.

Esclarece Hely Lopes Meirelles:

"A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do


ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige
qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão,
sem o concurso do lesado. Não se cogita da culpa da Administração ou de
seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto
ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Advirta-se, contudo, que
a teoria do risco administrativo,

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embora dispense prova da culpa da Administração, permite que o Poder


Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.
Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O
risco administrativo não significa que a Administração deve indenizar sempre
e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-
somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração,
mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento
danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente
da indenização. (Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, p. 533) (grifo
meu)

Corroborando tal tese, Maria Sílvia Zanella di Pietro assevera que:

"(...) nessa teoria, a idéia de culpa é substituída pelo nexo de causalidade


entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo
administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou
mal, de forma regular ou irregular. É a chamada teoria da responsabilidade
objetiva, precisamente por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos
(culpa ou dolo); é também chamada teoria do risco, porque parte da idéia de
que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente. Causado
o dano, o Estado responde como se fosse uma empresa de seguro em que
os segurados seriam os contribuintes que, pagando os tributos, contribuem
para a formação de um patrimônio coletivo." (Direito Administrativo, 6ª
edição, Editora Atlas: 1996, p. 432) (grifo meu)

Desta forma, é necessário que aquele que pretende ser ressarcido,


demonstre o ato lesivo bem como seu liame de causalidade com a conduta
da concessionária.

O punctum dolens é analisar se a requerida, uma concessionária de


serviço público responsável pela rodovia na qual trafegava o

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veículo do autor, possui a responsabilidade civil objetiva em indenizar os


danos oriundos do acidente, cuja ocorrência em si, é incontroversa nos
autos.

A sentença reconheceu a responsabilidade objetiva, ao passo que a 2ª


apelante afirma que, em se tratando de ato omissivo, a responsabilidade civil
a incidir é a subjetiva, portanto, com necessidade de comprovação da culpa
pelo ocorrido.

De fato, não se desconhece a existência de divergências doutrinárias e


jurisprudenciais a respeito do tema, vez que, tal como afirma o jurista José
Cretella Júnior, os casos de inércia do poder público não prescindem da
demonstração de culpa, a qual está "ligada à idéia de inação, física ou
mental", senão vejamos:

"(...) a omissão configura a culpa 'in omitendo' e a culpa 'in vigilando'. São
casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia,
quando deveria agir, o agente público omite- se, empenhando a
responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir,
não agiu. Nem como o 'bonus pater familiae', nem como o 'bonus
admistrator'. Foi negligente. Às vezes imprudente e até imperito. Negligente,
se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não
previu as possibilidades de concretização do evento. Em todos os casos,
culpa, ligada à idéia de inação, física ou mental." (Tratado de Direito
Administrativo, Forense, Rio de Janeiro, 1a. ed., 1970, p. 210, n. 161).

Entrementes, o próprio STF já decidiu, no julgamento do RE 841.526/RS


submetido à repercussão geral, que "A responsabilidade civil estatal,
segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-
se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais
comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco
integral" (sic).

Ademais, ainda fazendo referência ao julgamento do STF, "A

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omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido


pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a
efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso" (sic).

Em seu judicioso voto, o Min. Luiz Fux, Relator no caso em comento,


apresentou a seguinte definição a respeito da teoria do risco administrativo, e
suas repercussões na apuração da responsabilidade civil do Estado e de
seus agentes, aqui incluídas as pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos:

"A teoria do risco administrativo substituiu a teoria da culpa anônima,


preconizando que, revertendo os benefícios da atividade pública a todos os
administrados, impõe-se da mesma forma reverter os seus riscos, devendo
eles ser suportados por toda a coletividade. Desse modo,
independentemente da culpa do agente público ou mesmo do serviço, deve o
Estado responder pelos danos que causar ao particular, o qual não arcará
sozinho com esse ônus, que será democraticamente, solidariamente e
igualitariamente repartido por toda a sociedade (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 25ª Edição, 2012, p. 701).
Registre-se que se, por um lado, a teoria do risco administrativo dispensa a
análise da culpa da Administração, por outro exige que haja nexo de
causalidade entre a conduta estatal e o dano causado ao particular. É dizer:
não se pode imputar ao Poder Público, segundo essa teoria, a reparação de
danos que não decorram das suas atividades, mas de fatos exclusivamente
atribuíveis a terceiros, à própria vítima, ou mesmo derivados de caso fortuito
ou força maior." (RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado
em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016)

Realmente, a integração do regime jurídico da responsabilidade civil do


Estado por omissão pressupõe que o omitente devia e podia agir para evitar
o resultado. Assim, embora não se estabeleça um

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

nexo de causalidade fático, imputa-se o resultado ao agente por meio de


uma causalidade juridicamente estabelecida.

Nas palavras de Francisco de Assis Toledo, "não se trata, pois, como


salienta Wessels, de um 'não fazer' passivo, mas da 'não-execução de uma
certa atividade juridicamente exigida'" (Princípios básicos de Direito Penal.
São Paulo: Saraiva, 5ª edição,2001, p. 117).

Conclui-se, portanto, que a responsabilidade civil da Administração


Pública será sempre objetiva, no sentido de que prescinde da apuração do
elemento subjetivo do agente (culpa ou dolo). Entretanto, estará a depender
de prova do efetivo nexo de causalidade entre a conduta invocada como
causadora do dano - ainda que omissiva - e os eventuais prejuízos daí
advindos.

Isso porque a responsabilidade objetiva que a Constituição Federal


preconiza, diz respeito àquele ato praticado em razão da atividade estatal por
si, ou por meio de suas concessionárias. Explicitando: a responsabilização
surge pelos danos ocasionados por parte do Estado ou por suas
concessionárias/permissionárias, em razão do serviço público prestado.

De outro lado, não é pelo simples fato da concessionária prestar um


serviço público de administração de rodovia, que todo e qualquer dano
ocorrido nesse contexto será por ela indenizado.

A interpretação da norma constitucional deve ser feita cum grano salis,


pois existem as hipóteses que excluem a responsabilidade civil objetiva, ante
o rompimento do nexo causal.

Nesta situação se enquadram a força maior, o fortuito externo e a culpa


exclusiva da vítima, justamente porque estabelecem uma nova relação de
causalidade.

Sobre a possibilidade da mitigação da teoria do risco administrativo,


doutrina Rui Stoco:

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"Mas opondo-se à teoria do risco integral, a teoria do risco administrativo


estabelece o princípio da responsabilidade objetiva mitigada ou temperada,
ou seja, que permite a discussão em torno de causas outras que excluam a
responsabilidade objetiva do Estado, nas hipóteses de inexistência do
elemento causal ou nexo de causalidade. (...) Assim, essa responsabilidade
objetiva do Estado pode ser reduzida ou excluída conforme haja culpa
concorrente do particular, ou tenha sido este o responsável exclusivo pelo
evento e, ainda, nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, em que
também ocorre o rompimento do liame causal." (Tratado de
Responsabilidade Civil, 5a edição, Revista dos Tribunais, p.761)
(destacamos)

Em conclusão, a concessionária de serviço público responde


objetivamente por eventuais danos causados aos usuários,
independentemente de culpa ou dolo, aliás, tal como estatui expressamente
o art. 25, caput, da Lei 8.987/1995, que assim dispõe:

"Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido,


cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder
concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida
pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade." (grifamos)

Lado outro, não se cogita a aplicação da teoria do risco integral,


justamente porque a lei admite a hipótese de exclusão da responsabilidade
nos casos de culpa exclusiva da vítima, fortuito externo ou força maior.

Toda essa digressão inicial se torna necessária para o correto deslinde


do feito, pois neste caso a 2ª apelante sustenta que teria incidindo uma das
hipóteses de excludente da responsabilidade civil, qual seja, um evento da
natureza imprevisível e sobre o qual não poderia exercer controle.

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Neste tocante, afirma que "a árvore que provocou o acidente somente
caiu sobre a rodovia em razão dos fortes ventos e da chuva que assolaram a
região o dia dos fatos" (sic).

A meu aviso, entrementes, como bem pontuado na r. sentença não


restou comprovada a figura da referida excludente de responsabilidade.

Recorrendo à prova produzida nos autos, temos o "BOLETIM DE


ACIDENTE DE TRÂNSITO", elaborado pela Polícia Rodoviária Federal (doc.
ordem 03 - pg. 14/18), do qual se infere a seguinte narrativa da ocorrência, in
verbis:

"Conforme levantamentos feitos no local do acidente - BR 262 KM 508 zona


rural de Luz - concluímos que: V1-MERCEDES BENZ L 1418 R cor vermelho
placa GSW-3155 transitava sentido Bom Despacho, quando um vento forte
lançou uma árvore de grande porte sobre a frontal do veículo. O condutor
nada sofreu no momento mas alegou atendimento médico posterior,
conforme relatório médico."

Também é possível inferir daquele documento que foi elaborado um


"croqui" do local do acidente, apontando a localização do veículo e da árvore,
o qual demonstra que o ocorrido se deu em um trecho de curva da rodovia.
Essa informação sobre o local do acidente, inclusive, foi corroborada por
duas testemunhas ouvidas em audiência: Cristiano Ricardo e Joaquim
Nazário.

Em princípio, poder-se-ia crer, então, tal como registrado no boletim de


ocorrência do acidente, que "um vento forte lançou uma árvore de grande
porte sobre o veículo" (sic), de modo que a causa do acidente recairia sobre
um evento da natureza.

Entretanto, consoante a narrativa dos fatos constante da exordial, o autor


afirmou que a vegetação às margens da rodovia no local do

17
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

acidente fora atingida por queimadas, o que de fato encontra-se corroborado


pelas fotos acostadas com a petição inicial (doc. ordem 03 - pg. 52/58).
Mesmo em se tratando de fotos sem coloração, é possível constatar que a
vegetação rasteira e a parte inferior do tronco das árvores retratadas
encontram-se enegrecidas pela ação do fogo.

De outro lado, contestando o feito, a concessionária afirmou que não teria


havido queimadas naquele local, acostando fotos que comprovariam tal fato
(doc. ordem 10 - pg. 137). Esses documentos, porém, diferentemente
daqueles apresentados pelo autor, foram tiradas à distância, não permitindo
constatar o estado da vegetação rasteira ou mesmo do tronco das árvores
existentes às margens da rodovia.

Além disso, observa-se das fotos juntadas pela parte ré que a queda de
árvore nelas retratada ocorreu em um trecho de reta da rodovia, o que não
se mostra consentâneo com o local do acidente sofrido pelo autor e retratado
no "croqui" da Polícia Rodoviária Federal.

Aliás, nem mesmo se pode afirmar que, nas fotos apresentadas pela ré, a
árvore caída sobre a rodovia teria atingido algum veículo, o qual também não
se encontra ali retratado. Ora, um veículo de grande porte como é o caso do
caminhão do autor certamente demandou tempo e equipamentos pesados
para retirá-lo da rodovia, mas o veículo não aparece nas fotos, sequer no
acostamento.

Não bastasse isso, a testemunha Cristiano Ricardo de Carvalho Gontijo,


ouvida em audiência de instrução e julgamento perante o juízo de origem,
prestou depoimento tendo afirmado que "presenciou o acidente" e que a
árvore, um "eucalipto", teria caído por estar "muito oco, muito queimado"
(sic). Também depôs que havia outras árvores na região do acidente na
mesma situação daquela que caiu sobre o caminhão do autor.

A testemunha Joaquim Nazário da Silva igualmente informou que chegou


ao local do acidente poucos instantes após o ocorrido e que a

18
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

árvore que caiu sobre o caminhão do autor estava "ocado; que era grosso o
eucalipto", e que "além desse que caiu tem vários eucaliptos lá, todos
ocados, com perigo de cair" (sic). Acrescentou ainda que, após o acidente, a
concessionária não retirou nenhuma outra árvore do local além do eucalipto
que caiu sobre o caminhão do autor e que pode precisar tal afirmação, pois
frequentemente transita naquele trecho da rodovia fazendo transporte de
animais para abate.

O conjunto probatório constante dos autos, portanto, corrobora a


narrativa fática apresentada pelo autor, segundo a qual a árvore que caiu
sobre o seu veículo, um eucalipto de grande porte, estava queimada e
"ocada", circunstâncias que, aliadas ao vento, deram causa ao acidente.

O pedido autoral busca impor à requerida a responsabilidade pelo


acidente, ante a ausência de fiscalização eficiente da rodovia, apta a
constatar a existência de árvores com o risco de cair.

A esse respeito, inclusive, convém analisar o depoimento prestado pela


testemunha da ré, o funcionário Fabrício Gustavo Duarte que ocupa o cargo
de "Supervisor de Operações", responsável por todas as equipes que fazem
a vistoria da rodovia. Em seu depoimento, a referida testemunha afirmou em
audiência que "a inspeção da rodovia ocorre da seguinte forma: o
colaborador faz a vistoria da rodovia e da faixa de domínio, averiguando se
tem algum ponto com alguma modificação; que sempre que verifica alguma
coisa diferente, é aberta uma ocorrência; que se for na faixa de domínio, são
feitas as correções da faixa de domínio". Também depôs que, nas rondas
obrigatórias que devem ser feitas pela concessionária, a equipe que faz a
vistoria "deve passar no mesmo ponto a cada noventa minutos" e que "a
vegetação lindeira também é inspecionada" (sic). Atestou ainda que, a poda
ou corte de árvores deve ser feita caso verificado que há risco, ocasião em
que é aberta uma ocorrência e repassada para o órgão ambiental
competente. Acrescentou ao seu relato que, uma vez sendo verificado que
a árvore está "prejudicada", é que se faz o corte, o qual, porém, não
acontece de forma imediata, mas sim após a devida autorização do órgão
ambiental competente.

19
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

A respeito dos eucaliptos existentes no local do acidente, o funcionário da


concessionária afirmou que, in verbis:

"(...) que pode ter sido verificado o risco de queda e, se foi verificado,
certamente foi aberto o chamado; que não pode realizar o corte da árvore
sem prévia autorização do órgão ambiental competente; que só faz o corte
mediante autorização ambiental, ainda que seja iminente o risco de queda;
que muito provavelmente foi feito o chamado sobre os eucaliptos
demonstrados nas fotos que constam dos autos; que o chamado é feito para
autorizar o corte da árvore; que tem órgão ambiental que demora anos
receber uma resposta deles; que trabalha desde janeiro de 2017 e não sabe
de histórico sobre quedas de árvores ocadas ou que caíram por qualquer
outro motivo;" (grifamos)

Observa-se do depoimento prestado pelo funcionário da empresa que


administra a rodovia, que o dever de inspecionar as condições da pista e da
respectiva faixa de domínio, é da concessionária de serviço público.

Evidente, portanto, que a fiscalização sobre a vegetação presente ao


longo da rodovia, incluindo-se árvores, recai sobre a concessionária, a qual,
inclusive, é a responsável pela realização da poda e corte daquelas árvores
que representem algum risco para os usuários.

No caso, o funcionário afirmou ser "muito provável que foi feito o


chamado" sobre os eucaliptos existentes no local do acidente, e que a
requerida descuidou de comprovar que teria solicitado ao órgão ambiental
competente a autorização para corte daquelas árvores que representassem
algum risco de queda.

Não bastasse isso, porém, ainda que a poda ou corte de árvores exigisse
a observância de prévio procedimento administrativo-ambiental, o que pode
ser demorado, como é da concessionária

20
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

garantir a segurança dos usuários da rodovia, deveria adotar outras medidas


que impedissem a queda da árvore, até que a autorização fosse obtida.

Assim, o conjunto probatório é claro e atesta que o acidente ocorreu em


decorrência de um fortuito interno, uma vez que a queda da árvore sobre o
caminhão do autor era previsível, incluindo-se na responsabilidade da
concessionária garantir a segurança dos usuários da rodovia, o que
certamente inclui impedir que árvores de grande porte atinjam veículos que
nela transitam.

O fortuito interno trata-se de evento previsível e evitável, relacionado à


organização daquele que desenvolve uma determinada atividade que,
contudo, não exclui a responsabilidade.

Sinteticamente, pode-se compreender o tema analisando a atividade


desenvolvida pelo negócio e a causa do dano. Assim, havendo uma relação
do fato, como se fizesse parte do processo de produção ou disponibilização
do serviço, tem-se o fortuito interno, ou seja, mantém-se a responsabilidade
do explorador do serviço, pois o fato imprevisível adere-se ao risco da
atividade desenvolvida, não havendo como aliená-la para o cliente/usuário.

Por outro lado, há o fortuito externo, evento imprevisível e alijado da


organização do negócio, sem qualquer conexão com a organização e
prestação do serviço. O fortuito externo é o autêntico fator excludente de
responsabilidade civil já que se equipara à força maior.

A propósito, a professora Andréia Andrade, em seu estudo sobre


responsabilidade civil, ao tratar do caso fortuito e força maior, busca
destacar:

"neste ponto o pensamento de Agostinho Alvim, que distingue o fortuito


interno (fatos ligados à pessoa ou à máquina) do fortuito externo (força
maior), entendendo que somente este teria o condão de excluir a
responsabilidade do agente. Para o Autor, o fortuito interno não estaria
enquadrado dentro dos caracteres de imprevisibilidade e

21
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

inevitabilidade, a exemplo do mal súbito, da quebra da barra de direção, do


estouro de pneus. Esta é a tendência dos tribunais em relação a
responsabilidade nos transportes." (Editora Magister - MAGISTERNET)

No caso, ainda que tenha ocorrido a queda da árvore por ação do vento,
a omissão da concessionária em impedir a ocorrência de tal fato não retira a
sua responsabilidade.

A variação climática, com chuvas e ventanias, é fato previsível e ocorre


com razoável frequência e certamente são fatores que integram o risco da
atividade de administração de rodovias. Tais circunstancias, portanto, não
ilidem a omissão da concessionária de, a tempo e modo, adotar as medidas
preventivas eficazes e necessárias a evitar incidentes como o ocorrido com o
autor, que teve o caminhão atingido por árvore de grande porte.

Por fim, não é despiciendo lembrar que recai sobre o réu a prova do fato
extintivo, modificativo ou impeditivo do direito alegado pelo autor. Destarte,
incumbia à 2ª apelante produzir prova capaz de atestar que a árvore que caiu
sobre o caminhão do autor não apresentava situação de risco de queda e
ainda, que os ventos que atingiram o local no dia dos fatos eram capazes de
provocar a queda de uma árvore de grande porte, mesmo estando saudável.

Em assim sendo, a concessionária somente se eximiria de ressarcir os


danos se tivesse demonstrado a existência da força maior, do fortuito
externo, ou da culpa exclusiva da vítima, o que não ocorreu nestes autos.

Verifica-se, assim, que a inércia da concessionária de serviço público,


contribuiu para o evento danoso. Neste sentido, o doutrinador Celso Antônio
Bandeira de Mello explicita em que hipótese as ações omissivas impõem à
Administração Pública o dever de arcar com os prejuízos eventualmente
causados:

22
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

"Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples


relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com
efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso
(obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo
mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado
responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-
la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer
fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por
negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou
então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado
atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar o ato
lesivo. Em uma palavra; é necessário que o Estado haja incorrido em
ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido
insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão
legal exigível." (Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São
Paulo, 1 999, 11ª ed., p. 669 a 673). (destaquei)

Por tudo isso, conclui-se estar comprovada a responsabilidade da


concessionária pelo acidente narrado na petição inicial, restando apurar se
estão comprovados os danos alegadamente sofridos pelo autor.

Dos danos materiais

Segundo se infere da sentença houve a condenação da requerida na


obrigação de indenizar o autor pelos danos materiais, correspondentes aos
prejuízos diretamente causados ao caminhão. Entrementes, a decisão
determinou a apuração do dano em procedimento de liquidação de sentença,
ao seguinte fundamento:

"No caso em análise, o autor em audiência afirmou que concertou o veículo,


porém não possui as notas fiscais, assim entendo que o requerido deve
arcar, portanto, com o ressarcimento do prejuízo

23
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

material sofrido, porém o valor do dano material deve ser demonstrado em


liquidação de sentença."

Em face dessa parte do decisum, ambas as partes apresentaram recurso


de apelação.

O autor, ora 1º apelante, afirmando que "o valor para o conserto do


caminhão encontra-se discriminado nos 03 (três) orçamentos realizados em
oficinas distintas, conforme documentos de fls. 47/54", requerendo, assim, a
modificação da sentença para que os danos morais sejam fixados em valor
"equivalente ao preço médio" dos orçamentos apresentados (sic).

Já a ré, ora 2ª apelante, sustenta que o pedido de indenização por dano


material deve ser julgado improcedente, pois o autor não fez prova dos
valores efetivamente desembolsados no conserto do veículo.

Neste tocante, porém, convém observar que, quanto ao dano material


relativo ao caminhão atingido no acidente, o próprio autor noticiara que o
veículo teria sofrido perda total, o que restaria corroborado pelo fato de que
os orçamentos obtidos para conserto superavam o valor de mercado do bem
verificado junto à Tabela FIPE. Tanto que o pedido autoral foi formulado de
forma certa, visando impor à ré a indenização do valor apresentado pela
Tabela FIPE, equivalente a R$60.021,00 (doc. ordem 03 - pg. 31).

A respeito desses fatos, verifica-se que a parte autora juntou dois


orçamentos demonstrando o custo total do conserto do caminhão, um no
valor de R$73.682,43 e outro no valor de R$63.862,93 (doc. ordem 03 - pg.
24/26 e pg. 28/30). Além disso, há outros dois orçamentos, mas que não
demonstram o custo total para conserto do caminhão, sendo que um deles
apenas demonstra o custo do "motor recondicionado completo" (doc. ordem
03 - pg. 23), e o outro só apresenta custo com serviços/mão-de-obra (doc.
ordem 03 - pg. 27).

24
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Poder-se-ia cogitar, assim, de julgamento extra petita, já que o dano


material reconhecido nos autos não teria observado o pedido expressamente
formulado pelo autor.

Entrementes, consoante estatui o art. 493 do CPC, o julgador em sede de


cognição exauriente deve aplicar o direito analisando todos os fatos e provas
apresentadas no processo naquele momento, inclusive as surgidas no curso
da lide. Senão, vejamos:

"Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo,


modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao
juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a decisão.

Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes


sobre ele antes de decidir."

No caso, foi o próprio autor quem noticiou, em depoimento pessoal


prestado em audiência, ter realizado o conserto do veículo, não sabendo
precisar, entretanto, o valor total desembolsado para tanto.

Em razão disso, ao decidir o litígio, não poderia realmente o d.


sentenciante desconsiderar a parcial modificação do fato constitutivo do
direito alegado pelo autor, já que, ao contrário do que afirmado na exordial,
no sentido de que o veículo sofrera perda total, acabou logrando consertá-lo.

A ausência de prova do valor efetivamente desembolsado não impede o


reconhecimento do prejuízo material que, aliás, é inconteste diante dos
anexos fotográficos do veículo após o acidente e os orçamentos
apresentados. Com isso, perfeitamente cabível a postergação da
quantificação do dano para a fase liquidatória, com o objetivo de apurar o
real valor a ser ressarcido ao autor.

25
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Não se está falando aqui em "presunção de dano material" (sic). O dano


emergente decorrente do acidente encontra-se comprovado nos autos,
restando a apuração do quantum devido relegada para momento posterior,
qual seja, a liquidação de sentença.

De outro lado, não se pode ignorar que o caminhão efetivamente foi


consertado, consoante confissão expressa do autor em audiência, fato este
que há de ser levado em consideração na apuração do quantum debeatur.

Em razão disso, não prospera a irresignação recursal de nenhuma das


partes neste tocante.

Dos lucros cessantes

Acerca dos lucros cessantes assim prevê o art. 402 do Código Civil:

"Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e


danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o
que razoavelmente deixou de lucrar."

Carlos Roberto Gonçalves define o lucro cessante como a frustração da


expectativa de lucro, isto é, a perda de um ganho efetivamente esperado. E
ensina o doutrinador que o magistrado deve utilizar a razoabilidade para
definir os fatos que ensejam a ocorrência do lucro cessante, afirmando que:

"Como diretriz, o Código usa a expressão razoavelmente, ou seja o que a


vítima 'razoavelmente deixou de lucrar'. Referido advérbio significa que se
deve admitir que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom-senso diz que
lucraria, ou seja, aquilo que é razoável supor

26
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

que lucraria" (GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, vol. 2, 8ª


ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 397).

No mesmo sentido, a lição de Sílvio de Salvo Venosa:

"O lucro cessante consiste naquilo que o credor razoavelmente deixou de


lucrar. O critério do razoável é para ser examinado em cada caso concreto
mediante a prudência do juiz; não pode a indenização converter-se em
enriquecimento do credor." (VENOSA, Sílvio de Salvo, Código civil
interpretado, São Paulo: Atlas, 2010, p. 408)

Conclui-se, portanto, que apenas serão cabíveis os lucros cessantes


quando a parte autora demonstrar de forma razoável e concreta que auferiria
o ganho indicado, o que a meu aviso restou suficientemente comprovado
pelo autor nos autos.

Como já analisado, é induvidoso que o caminhão do autor sofreu danos


decorrentes da queda de uma árvore enquanto ele trafegava pela rodovia
administrada pelo réu. Foi reconhecida, assim, a responsabilidade da
concessionária de serviço público pelo evento danoso e, por conseguinte, o
dever de indenizar os danos daí decorrentes, desde que efetivamente
comprovados.

Relativamente aos lucros cessantes, a sentença julgou improcedente


esse pedido, sobrevindo a apelação do autor, ora 1º apelante, pugnando pelo
reconhecimento do direito de ser indenizado pela renda que teria deixado de
auferir enquanto o caminhão não pode ser utilizado para transportar
mercadorias.

Neste ponto, eis o que decidiu o d. juízo de primeiro grau, in verbis:

"in casu, não restou comprovada os lucros cessantes, o prejuízo do

27
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

autor em decorrência dos fatos, ademais os DACTE de fls. 56/67 estão em


nome de pessoa jurídica, a qual não encontra-se na lide, haja vista que o
sócio da empresa, ora autor, não pode postular em nome próprio direito da
sociedade, pois a personalidade jurídica da sociedade não se confunde com
a personalidade física dos sócios. Constituem pessoas distintas, assim não
havendo provas robustas dos eventuais lucros cessantes, a improcedência
do pedido, neste tópico, é medida que se impõe."

O autor assevera nas razões recursais que "o Recorrente percebia uma
renda bruta mensal de aproximadamente R$16.000,00, devidamente
comprovada através do DACTE (Documento Auxiliar de Conhecimento de
Transporte Rodoviário) e Relatórios de Contas de fls. 56/67" (sic).

Também afirma que "pela declaração de imposto de renda carreada às


fls. 32/37, constata-se que o rendimento obtido em decorrência dos serviços
prestados pela MGL Transportes Ltda. ME, na qual possuía como tomadora
de serviços Laticínios União Total Ltda., era a única fonte de renda do
Recorrente" (sic).

Deduz ser "incontroverso que o veículo permaneceu parado em razão do


acidente ocorrido em 24 de setembro de 2016, sendo certo que, o Autor
contando com a assistência de parentes e amigos realizou o conserto
'parcial' do caminhão no final do mês de janeiro de 2018" (sic).

Pois bem.

Compulsando a prova dos autos, verifica-se que os documentos juntados


pelo autor para fazer prova dos lucros cessantes são o DACTE (Documento
Auxiliar de Conhecimento de Transporte Rodoviário) (doc. ordem 03 - pg.
32/43).

Há ainda os "relatórios de contas" apresentados (doc. ordem 03 - pg.


44/50) emitidos pela LATICÍNIOS UNIÃO TOTAL LTDA., empresa que figura
como tomadora dos serviços de transporte prestados pela

28
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

MGL TRANSPORTES.

Apesar de, conforme apontado na sentença, os DACTE¿s terem sido


emitidos pela MGL TRANSPORTES LTDA. ME, restou também demonstrado
nos autos que esta sociedade de responsabilidade limitada tem como sócio
administrador o próprio autor, circunstancia essa esclarecida em audiência.

Ainda conforme as Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física


(DIRPF) do autor juntadas com a inicial, o requerente/1º apelante detém 99%
do capital social da referida microempresa, da qual provém a totalidade dos
rendimentos tributados declarados pelo requerente (fls. 32-37 doc. único TJ).

A corroborar também a confusão patrimonial entre o requerente e a


pessoa jurídica, verifica-se que o caminhão encontra-se registrado no nome
do autor, conforme certificado de registro à fl. 46 (doc. único TJ).

Destarte, os documentos constantes dos autos comprovam que os


rendimentos auferidos pela MGL TRANSPORTES refletem os rendimentos
auferidos pelo 1º apelante. O caderno probatório indica que a prestação do
serviço de transporte de carga a partir do caminhão placa GSW-3156 era a
fonte de renda de subsistência do autor.

É relevante ainda registrar que, conforme a DIRPF, o único veículo de


propriedade do autor capaz de prestar o serviço de transporte de carga
(conforme comprovam os DACTE¿s) é o cavalo mecânico que se envolveu
no acidente narrado na exordial. De sorte que não se evidencia que o
requerente pode continuar prestando o serviço com outro veículo.

Com isso, o fato de ter a r. sentença refutado o pedido autoral referente


aos lucros cessantes em razão de que os documentos DACTE (Documento
Auxiliar de Conhecimento de Transporte Rodoviário) foram emitidos pela
pessoa jurídica que, nesse aspecto,

29
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

não se confundiria com a pessoa física do autor, parte de uma premissa


equivocada.

Isto porque, se o autor recebe lucros e dividendos da pessoa jurídica a


partir do serviço de transporte realizado, está postulando um direito próprio e
não da pessoa jurídica. Ou seja, os lucros cessantes referem-se aos seus
rendimentos enquanto sócio perante a pessoa jurídica e nisso, não há uma
incompatibilidade quanto à existência das figuras de direito distintas, ou seja,
a física e a jurídica.

Como dito alhures, não bastasse a confusão patrimonial entre sócio e a


empresa, a prova produzida nos autos é suficiente para demonstrar que o
autor (pessoa física) é sócio administrador da pessoa jurídica com 99% das
quotas e que dela retira os dividendos com os quais se sustém, conforme
registra na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física.

Não se trata de pedido de compensação por lucros cessantes em favor


da sociedade empresária, mas dos dividendos que usualmente o sócio/autor
costumava auferir e, por isso, a cifra a ser indenizada se limita aos valores
declarados, efetivamente recebidos, pela pessoa física, conforme veremos
mais a seguir.

Nesse sentido, com as devidas escusas ao entendimento do juízo de


primeiro grau, resta verificada a pertinência subjetiva do 1º apelante para, em
nome próprio, reclamar indenização por prejuízos que efetivamente suportou
em decorrência da impossibilidade de receber lucros e dividendos da pessoa
jurídica com a prestação de serviço de transporte.

Pois bem. Do conjunto probatório, extrai-se que a prova testemunhal


registrou que o conserto do caminhão ocorreu apenas em janeiro/2018,
tendo o autor permanecido sem trabalhar por um ano.

Por todo o exposto, deve ser julgado procedente o pedido de condenação


da parte requerida no dever de pagamento de indenizar os lucros cessantes
suportados pelo requerente.

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Caberia à ré a produção de provas (art. 373, II do CPC) para infirmar o


direito comprovado pelo autor de recebimento de compensação pelos
rendimentos que deixou de aferir, em especial com expedição de ofícios para
verificar se o requerente recebeu pagamento de seguro ou se continuou
prestando serviço à LATICÍNIOS UNIÃO TOTAL com outro caminhão
durante o período em que o veículo envolvido no abalroamento não foi
consertado. Contudo, não se desincumbiu desse ônus probatório.

Por outro lado, com relação ao "quantum" da indenização por lucros


cessantes, não é possível extrair dos DACTE¿s o valor do lucro que o
requerente deixou de receber. Isso porque o preço pago pelo serviço reflete
a renda bruta do autor, valor este do qual devem se deduzir todas as
despesas com combustível, manutenção, pedágios, alimentação, impostos
dentre outros.

Compulsando novamente a Declaração de Imposto de Renda, verifica-se


que no ano de 2015 o autor declarou rendimentos no montante de
R$9.456,00 recebidos da pessoa jurídica supracitada. Conforme DACTE de
fl. 67 o requerente presta serviço à LATICÍNIOS UNIÃO TOTAL desde
aquele ano.

Desse modo, é possível afirmar que a renda líquida mensal do


requerente comprovada nos autos é de R$788,00, montante resultante da
divisão de R$9.456,00 por doze.

Cabia ao autor a prova exata do lucro que deixou de receber (art. 373, I
do CPC), não tendo se desincumbido desse ônus, deve ser julgado
parcialmente procedente o pedido para condenar o requerido no dever de
indenizar os lucros cessantes no valor de renda mensal demonstrada nos
autos, qual seja, R$788,00, desde 24.09.2016 até 31.01.2018.

Do dano moral

31
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

O autor também busca a reforma da sentença, no tocante ao pedido de


indenização por danos morais.

Em suas razões recursais ele afirma que "o acidente poderia ter custado
a vida do Recorrente" e que, além disso, "em virtude do impacto ocasionado
pelo acidente, o Recorrente precisou ser submetido a atendimento médico
ambulatorial". Apontou, também, que "permaneceu impossibilitado de
usufruir do veículo por um longo período, devido aos danos causados pelo
acidente, resultando em uma série de aborrecimentos e transtornos" (sic).

Pois bem.

Para a configuração dos danos morais é preciso que a pessoa seja


atingida em sua honra, sua reputação, sua personalidade ou em seu
sentimento de dignidade. Conforme ensina Yussef Said Cahali, dano moral é:

"(...) tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-se


gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou
reconhecidos pela sociedade em que está integrado (...)." (in Dano Moral, 2ª
ed., ed. Revista dos Tribunais, 1998, p.20)

Como é concebido pela melhor doutrina e jurisprudência, o dano


estritamente moral não se pode comprovar, pois não possui reflexos
empíricos capazes de mensuração pecuniária. A ofensa, por sua vez, deve
ser comprovada e dela se deve presumir o dano, sendo essa justificação
suficiente para a indenização.

Carlos Roberto Gonçalves ensina:

"Para evitar excessos e abusos, recomenda Sérgio Cavalieri, com razão que
só se deve reputar como dano moral 'a dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que fugindo à normalidade, interfira intensamente no

32
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e


desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa,
irritação ou sensibilidade exarcerbada estão fora da órbita do dano moral,
porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no
trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais
situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio
psicológico do indivíduo" (Responsabilidade Civil, Carlos Roberto Gonçalves,
Editora Saraiva, 8ª edição, São Paulo, p. )

Por conseguinte, haverá direito à compensação por danos morais sempre


que comprovada a humilhação, dor ou sofrimento desarrazoados, que
extrapolaram a senda do mero aborrecimento. Acerca do tema, a doutrina de
Sérgio Cavalieri Filho, in verbis:

"Só deve ser reputado como dano moral a dor, o vexame, sofrimento,
humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no
comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e
desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa,
irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral,
porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no
trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações
não são intensas e duradouras, ao ponto de romper o equilíbrio psicológico
do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano
moral, ensejando ações judiciais em busca de indenização por triviais
aborrecimentos." (Filho, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil.
9ª. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010. p. 78).

E a jurisprudência do c. STJ não discrepa, pois:

"O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas

33
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida,


causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige."
(REsp. nº 215.66 - RJ, 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. un., Rel.
Min. César Asfor Rocha, em 21/6/01, DJU de 29/10/01, pág. 208).

Existem algumas situações em que é reconhecida a ocorrência de dano


moral in re ipsa, ou seja, de forma presumida. Tal situação ocorre quando,
pela própria narrativa do fato e incidência de normas de experiência comum,
pode-se verificar a existência de lesão aos direitos da personalidade.
Contudo, no caso, não se verifica tal hipótese.

In casu, entendo que os fatos narrados na exordial, bem assim os


desdobramentos subsequentes ao acidente sofrido pelo autor, não
constituem por si sós dano moral indenizável.

Sabe-se que o dano moral é aquele tipo de dano que atinge aspectos
constitutivos da identidade do indivíduo, a exemplo do seu corpo, do seu
nome, da sua imagem e de sua aparência, sendo a proteção da
personalidade e, por tudo isso, um direito imprescindível para preservação da
dignidade humana.

No caso destes autos, o próprio autor admitiu, em depoimento pessoal


prestado na instância de origem, que não foi alvo de qualquer ação
desmoralizante ou humilhante perpetrada pelos funcionários da
concessionária de serviço público. Aliás, não há sequer notícia de que teria
havido algum encontro entre o autor e os prepostos da requerida no dia dos
fatos.

Ele também admitiu que, muito embora tenha sido encaminhado para o
serviço de atendimento médico no dia dos fatos, foram feitos exames de
imagem e nenhuma fratura ou outro tipo de lesão mais grave foram
constatadas. Isso porque, da documentação carreada (doc. ordem 03 - pg.
19/20), evidencia-se que o requerente, apesar

34
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

de ter sido conduzida à Santa Casa de Bom Despacho para obter


atendimento médico, foi liberado no mesmo dia do ocorrido, logo após
receber medicação.

Ademais, da ficha de "ACOLHIMENTO COM CLASSIFICAÇÃO DE


RISCO" infere-se que o autor foi admitido no atendimento médico com a
seguinte "situação/queixa": "paciente vítima de acidente de trânsito com
queixa de dor torácica", tendo sido classificado no "fluxograma" com a
seguinte anotação: "mal estar em adulto" (sic).

Percebe-se, assim, que o autor foi encaminhado para atendimento


médico apenas para investigar a "dor torácica" que o acometeu em razão do
acidente, mas que não cursou com nenhum achado médico importante, já
que inexistente fratura ou lesão.

Convém ressaltar que o autor sequer apresentou receituário médico que


lhe teria sido prescrito naquela ocasião, tudo a indicar que nem mesmo
necessitou de outra medicação além daquela que lhe fora administrada no
dia do acidente.

Vê-se, portanto, que o autor não sofreu qualquer lesão de natureza leve
ou grave não tendo, tampouco, sido evidenciada a necessidade de exames
mais aprofundados ou da permanência do paciente em internação por longo
período de tempo.

As testemunhas ouvidas em juízo tampouco noticiaram outros fatos que


poderiam corroborar para os danos morais aqui alegados.

Diante desse necessário, o acervo probatório aponta apenas que o autor


sofreu o acidente, o qual, apesar da gravidade, não lhe causou quaisquer
danos físicos ou psíquicos.

A toda evidência, não houve qualquer lesão, sequela ou necessidade de


tratamento continuado. Some-se, ainda, não ter sido feita qualquer prova
relativa às dores prolongadas alegadas na inicial, ou que tais dores
impediram o autor de desempenhar suas atividades normais.

35
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como se sabe, nos termos do art. 373, I do CPC, incumbe ao autor a


prova dos fatos constitutivos de seu direito, sendo certo que, como se sabe,
a simples alegação não basta para fundamentar eventual provimento judicial
- allegatio et non probatio quasi non allegatio. É o ensinamento de Humberto
Theodoro Júnior, senão vejamos:

"Não há um dever de provar, nem à parte assiste o direito de exigir a prova


do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco
de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a
existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela
jurisdicional. Isto porque, segundo a máxima antiga, fato alegado e não
provado é o mesmo que fato inexistente. (THEODORO, Humberto Júnior.
Curso de direito processual civil. 12. ed. v. 1. Forense, 1994. p. 411)"

Na mesma esteira, salienta Cândido Rangel Dinamarco:

"A distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que,


visando a vitória na causa, cabe à parte desenvolver perante o juiz e ao
longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu espírito a
convicção de julgar favoravelmente. O juiz deve julgar secundum allegatta et
probata partium e não secumdum propiam suam conscientiam - e daí o
encargo que as partes têm no processo, não só alegar, como também de
provar (encargo=ônus).

O ônus da prova recai sobre aquele a quem aproveita o reconhecimento do


fato. Assim, segundo o disposto no art. 333 do Código de Processo, o ônus
da prova cabe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; ao réu
quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extinto do direito do
autor. (Teoria Geral do Processo, 7ª edição, p. 312)."

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Em face do exposto, não restando comprovado o dano moral alegado, a


sentença de primeiro grau não merece reparos neste tocante.

Nesse sentido, já se manifestou este eg. TJMG:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO


- CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - TRANSPORTE COLETIVO -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA - QUEDA DE PASSAGEIRO -
REPERCUSSÕES MAIS GRAVES - NÃO OCORRÊNCIA - DANOS MORAIS
- NÃO CONFIGURAÇÃO. - As concessionárias de transporte coletivo,
prestadoras de serviço público, respondem objetivamente pelos danos
causados aos usuários dos seus serviços (CR/88, art. 37, § 6º). - A queda de
passageiro no interior de ônibus, sem outras repercussões mais graves, não
é suficiente para causar dano moral, tratando-se de mero aborrecimento."
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.17.033751-3/002, Relator(a): Des.(a) Ramom
Tácio , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/06/2020, publicação da
súmula em 25/06/2020)

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS -


ACIDENTE DE TRÂNSITO COM ÔNIBUS COLETIVO - USUÁRIO -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO
DOS DANOS MORAIS ALEGADOS - AUSÊNCIA DO DEVER DE
INDENIZAR. - Cuidando-se de concessionária de serviço público de
transporte, essa responde objetivamente pelos danos causados a terceiros,
usuários do serviço, prescindindo de prova da culpa pelo evento ocorrido,
consoante dispõe o art. 37, §6º da Constituição Federal, decorrendo a
responsabilidade do próprio risco da atividade de transporte. - Havendo a
autora sofrido pequenas escoriações em razão do acidente de trânsito, sem
maiores consequências, não restaram comprovados os danos morais
alegados, não havendo que se falar em dever de indenizar." (TJMG -
Apelação Cível 1.0079.13.020017-7/001, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite
Machado, 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/07/2020, publicação da
súmula em 31/07/2020)

"APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ACIDENTE


DE ÔNIBUS - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - INDENIZAÇÃO

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

INDEVIDA. A despeito da responsabilidade objetiva do prestador de serviço


público, não havendo nos autos provas de que a parte autora tenha
vivenciado legítimo dano de ordem moral em decorrência do abalo sofrido
dentro do transporte de propriedade da ré, encontra-se ausente um dos
requisitos autorizadores do dever de indenizar." (TJMG - Apelação Cível
1.0024.10.144213-5/001, Relator(a): Des.(a) Arnaldo Maciel, 18ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 19/05/2020, publicação da súmula em 22/05/2020)

Dos consectários legais

Lado outro, por dever de ofício, verifica-se que a sentença merece reparo
quanto ao termo a quo de incidência da correção monetária, a incidir sobre
os valores devidos a título de danos materiais.

Muito embora inexista alegação das partes neste tocante, trata-se de


matéria de ordem pública, permitindo-se a correção ex officio. Nesse sentido,
é como vem decidindo este eg. Tribunal de Justiça:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA.


FALTA DE INTERESSE RECURSAL PARCIAL. CONHECIMENTO PARCIAL
DO RECURSO. MÉRITO. TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO.
LEGALIDADE NOS CONTRATOS FIRMADOS ATÉ 30/04/2008
(RESOLUÇÃO CMN 3.518/2007). ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ.
VALOR PAGO A MAIOR. DEVOLUÇÃO. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO
MONETÁRIA. DATA DO DESEMBOLSO. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO.
POSSIBILIDADE. (...) 3. A matéria relativa aos juros de mora e à correção
monetária é de ordem pública, pelo que a alteração do termo inicial de ofício
no julgamento de recurso de apelação pelo tribunal é possível. 4. Nas ações
de restituição, o termo inicial da correção monetária é a data do
desembolso." (TJMG - Apelação Cível 1.0223.11.009675-5/001, Relator(a):
Des.(a) Otávio Portes, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/12/2019,
publicação da súmula em 19/12/2019) (grifamos)

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Ante o exposto, observa-se que a sentença de primeiro grau determinou


a incidência de correção monetária sobre os valores que deverão ser
restituídos ao autor desde a data do acidente.

Entretanto, considerando que o reembolso determinado refere-se ao


gasto suportado pelo autor com o conserto do veículo, a correção monetária
deverá incidir desde a data do respectivo desembolso, o que também será
apurado na fase de liquidação de sentença.

CONCLUSÃO

Posto isso, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ e DOU


PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO AUTORA para condenar a
requerida ao pagamento de indenização por lucros cessantes no valor de
R$788,00 mensais entre 24.09.2016 até 31.01.2018. O montante deve ser
corrigido monetariamente desde cada mês em que seria devido, pela tabela
da CGJ/TJMG, e acrescidos de juros de mora de 1% a.m. desde a citação.

Lado outro, corrige-se de ofício o termo a quo de incidência da correção


monetária na restituição dos valores gastos pelo autor com o conserto do
veículo, para que seja ela devida a partir da data do respectivo desembolso,
a ser apurado em sede de liquidação de sentença.

Custas recursais devidas na proporção de 3/4 pela ré e 1/4 pela parte


autora, observada a gratuidade desta.

Nos termos do art. 85, §§1º e 11 do CPC, em razão dos recursos majoro
os honorários advocatícios de sucumbência fixados em primeiro grau sobre o
valor da condenação em 2% (dois por cento).

É como voto.

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MANOEL DOS REIS MORAIS - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "REJEITERAM A PRELIMINAR, NEGARAM


PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ E DERAM PARCIAL PROVIMENTO
AO RECURSO DO AUTOR"

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