Você está na página 1de 4

Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão Terceira Turma Recursal DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO DISTRITO


FEDERAL

Processo N. RECURSO INOMINADO CÍVEL 0700951-03.2022.8.07.0004

RECORRENTE(S) FRANCISCO FAGNER SANTOS OLIVEIRA

RECORRIDO(S) THAYS LEAL DOS SANTOS


Relator Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA

Acórdão Nº 1606281

EMENTA

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENTRE


VEÍCULO AUTOMOTOR E BICICLETA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CAUTELA
E ATENÇÃO POR PARTE DO CONDUTOR DO VEÍCULO MOTORIZADO E DE MAIOR
PORTE AO INGRESSAR EM ÁREA DE ACOSTAMENTO TAMBÉM UTILIZADA COMO
“CICLOVIA”: CAUSA ÚNICA E DETERMINANTE DO SINISTRO. DANOS EMERGENTES
E LUCROS CESSANTES EVIDENCIADOS: IMPOSITIVA A OBRIGAÇÃO
INDENIZATÓRIA. NÃO COMPROVADA A AFETAÇÃO AOS DIREITOS INERENTES À
PERSONALIDADE (CC, ARTIGO 12 c/c CPC, ARTIGO 373, INCISO I). DANO
EXTRAPATRIMONIAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I. Ação ajuizada pelo ora recorrente, em que pretende a reparação dos danos materiais (danos
emergentes e lucros cessantes) e morais, em decorrência do acidente de trânsito ocorrido no dia
26.10.2021 (terça-feira), por volta das 08h49, na DF 290, sentido Santa Maria/DF – Gama/DF. Na
ocasião, a bicicleta que conduzia foi atingida pelo veículo dirigido pela parte requerida. Insurge-se
contra a sentença de improcedência.

II. Sustenta, em síntese, que: (a) Embora o Recorrente estivesse na contramão de direção, a sua
concorrência para o acidente não restou evidenciada, pois se estivesse no sentido da via, no
acostamento, o acidente teria ocorrido do mesmo jeito, em função da invasão do acostamento pela
Recorrida; (b) ainda que a vítima tenha concorrido para o acidente, ela faz jus a indenização,
convindo salientar que se a Recorrida não tivesse invadido o acostamento onde se encontra a
ciclovia o acidente não teria ocorrido.
III. É dever de todo condutor de veículo automotor guardar distância de segurança lateral e frontal
entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no
momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas,
além de respeitar as normas de circulação e conduta estabelecidas, em ordem decrescente, os veículos
de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não
motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres (Código de Trânsito, art. 29, II e § 2º).

IV. Nesse contexto, a narrativa da dinâmica do acidente, consubstanciada por evidências (boletim de
ocorrência – ID. 37120133; atestado e relatório médicos – ID. 37120134/37; orçamentos da bicicleta –
ID. 37120139; mensagens via “WhatsApp”, comprovantes de pagamento e receituários – ID.
37120179) aponta que a requerida ao adentrar repentinamente à área de acostamento, utilizada
secundariamente como “ciclovia” (faixa de retenção, a qual se alinha, em plano mais baixo, logo à
margem da autopista – link para verificação:
https://www.google.com.br/maps/@-16.0362124,-48.0490271,3a,90y,284.3h,66.8t/data=!3m6!1e1!3m4!1s8nECB-
), teria concorrido de forma exclusiva para o evento danoso, independentemente do sentido de direção
em que vinha o requerente na condução da bicicleta.

V. Nesse particular, anota-se que o local do sinistro é uma rodovia (DF 290, sentido Santa Maria –
Gama/DF), em que os veículos transitam com velocidade igual ou superior a 80 Km/h, o que motiva os
ciclistas a transitarem na área de retenção ou acostamento (secundariamente empregada como
“ciclovia”) não necessariamente no mesmo sentido ao dos automotores no leito da rodovia, para que
tenham ampla visibilidade do tráfego e alguma chance de escape em caso de invasão dessa área
(acostamento) por parte dos automotores, dada a quantidade de sinistros em que os biciclos são
atingidos na parte posterior sem qualquer chance de reação pelos ciclistas, os quais muitas vezes vêm a
óbito (Lei 9.099/95, artigo 5º).

VI. Ademais, apesar de se visualizar a sinalização horizontal (pintura em vermelho, com realce de
uma bicicleta e uma seta nas cores brancas, mesmo sentido da via), bem de ver que não se trataria de
uma autêntica “ciclofaixa”, a qual é normalmente mais estreita, bem-sinalizada (placas verticais de
advertência aos motoristas) e no mesmo plano, com divisória, da pista de rolamento de automotores.

VII. E a parte requerida/recorrida não teria se desincumbido do ônus de comprovar que teria sido
“fechada” por outro automotor ao ponto de transitar no acostamento (“ciclovia”), para assim subsidiar
o argumento de culpa exclusiva de terceiro. Logo, por não ter agido com o cuidado necessário na
condução de seu veículo (controle), desponta a sua negligência como causa exclusiva e determinante
do sinistro.

VIII. Comprovada, pois, a sua culpa exclusiva pelo evento danoso, a recorrida/requerida deve reparar
os danos causados ao recorrente/requerente em decorrência do acidente de trânsito (CC, artigo 186 e
944 e Código de Trânsito, artigos 29, II e § 2º).

IX. Por consequência, no que concerne aos danos emergentes (valores despendidos com o conserto da
bicicleta) e aos lucros cessantes (período em que teria ficado sem laborar), independentemente de a
requerida ter prestado auxílio financeiro ao requerente para tratamento das lesões físicas sofridas
(custos relativos aos medicamentos), e à míngua de específica impugnação aos documentos
colacionados (orçamentos e declaração da empresa de valor médio de ganho – ID 37120139/40), é de
se encampar o quantum indenizatório pleiteado (R$ 930,00 e R$ 5.115,00, respectivamente).

X. De outro giro, os danos extrapatrimoniais decorrem da relevante afetação jurídica dos atributos
(externos e/ou internos) da personalidade (CC, artigos 12 c/c 186) devidamente especificada e
comprovada.

XI. No caso concreto, bem verdade que o histórico hospitalar (ID 37120137) demonstra que: (a) em
26.10.2021, o recorrente teria dado entrada no Hospital Regional do Gama-DF e foi diagnosticado com
fratura do 2 MTT direito, passível de tratamento conservador; (b) em 05.11.2021, após retorno sob
alegação de dores, constatou-se “desvio de fratura”, oportunidade em que o médico responsável
orientou “internação para procedimento cirúrgico”, o qual teria sido realizado em 07.11.2021; (c) em
08.11.2021, recebeu alta hospitalar com prescrição de medicações para uso domiciliar.

XII. No entanto, a parte requerente não teria explicitado na petição inicial no que consistiria a afetação
à integridade dos direitos da personalidade (CC, artigo 12). O que se delineia tão somente é assertiva
da ocorrência de “[...] prejuízos muito além do material, mas psicológicos ao requerente que é o único
provedor da família [...]” (ID 37120129 – p.2), seguida de menção doutrinária acerca dos direitos de
personalidade e dos critérios de quantificação do dano moral (ID 37120129 – p. 2).

XIII. Não foi realizado o necessário cotejo do que efetiva e concretamente teria consistido o dano
extrapatrimonial, a exemplo do transtorno psicológico imediato em razão da cirurgia ou dor, ida ao
hospital, afetação de violação estética etc. No ponto, seria insuficiente a isolada alegação de ser o
“provedor da família”.

XIV. Ademais, a parte requerida teria solicitado socorro médico e prestado auxílio financeiro ao
requerente para tratamento das lesões físicas (custos relativos aos medicamentos), e não há
comprovação de que o requerente teria permanecido com sequelas em razão da intensidade da lesão no
pé direito (fratura do 2 MTT direito).

XV. Assim, ante a ausência de especificação e demonstração do fato constitutivo do direito (afetação à
esfera da integridade psicológica da personalidade do requerente) não prospera o pedido de
compensação dos danos morais (CPC, art. 373, I).

XVI. Recurso conhecido e parcialmente provido. Condenada a parte requerida a pagar à parte
requerente a quantia de R$ 6.045,00 (seis mil e quarenta e cinco reais) a título de danos
materiais, corrigidas monetariamente desde o efetivo prejuízo, e acrescidas de juros legais a
partir da citação. Improcedente o pedido quanto aos danos extrapatrimoniais. Sem condenação
em custas processuais nem honorários advocatícios, ante a ausência de recorrente integralmente
vencido. Ressalta-se que o recorrente litiga sob o pálio da assistência judiciária gratuita, ora
deferida (Lei 9.099/95, art. 55 e CPC, art. 98, § 3º).

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, FERNANDO ANTONIO TAVERNARD
LIMA - Relator, CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO - 1º Vogal e EDI MARIA COUTINHO
BIZZI - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA,
em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME., de acordo
com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 24 de Agosto de 2022

Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA


Presidente e Relator
RELATÓRIO

Dispensado o relatório (Lei n. 9099/95, Art. 46).

VOTOS

O Senhor Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA - Relator

A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme inteligência dos artigos 2º e 46 da Lei 9.099/95.

O Senhor Juiz CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO - 1º Vogal


Com o relator
A Senhora Juíza EDI MARIA COUTINHO BIZZI - 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO

CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME.

Você também pode gostar