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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


11ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

Registro: 2022.0000504009

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1007642-09.2019.8.26.0077, da Comarca de Birigüi, em que é apelante MUNICIPIO
DE CLEMENTINA, são apelados ELIETE SILVA GARCIA ALMEIDA e
ARNALDO DE ALMEIDA NETO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 11ª Câmara de Direito


Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO DIP


(Presidente sem voto), OSCILD DE LIMA JÚNIOR E AFONSO FARO JR..

São Paulo, 29 de junho de 2022.

MÁRCIO KAMMER DE LIMA


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
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11ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

Apelação nº 1007642-09.2019.8.26.0077
Apelante: Município de Clementina
Apelado(s): Eliete Silva Garcia Almeida e Arnaldo de Almeida Neto
Comarca: Foro de Birigui
Juiz(a) de Direito: Lucas Gajardoni Fernandes
Voto nº 10

APELAÇÃO CIVIL RESPONSABILIDADE DA


ADMINISTRAÇÃO Ação de Reparação de Danos
Obras em via pública Acidente sofrido pelos recorridos
em virtude de queda de veículo em buraco aberto na via
pública Falta de sinalização Sentença de procedência
Apelo da municipalidade Responsabilidade por omissão,
de caráter subjetivo Danos materiais e morais constatados
Compensação por danos extrapatrimoniais devida
Valores fixados que atendem aos postulados da
proporcionalidade e razoabilidade, não padecendo de
excesso ou parvidade Sentença de procedência mantida
RECURSO DESPROVIDO.

Trata-se de ação de reparação de danos ajuizada por ELIETE SILVA


GARCIA ALMEIDA e ARNALDO DE ALMEIDA NETO em face do MUNICÍPIO
DE CLEMENTINA visando à condenação da pessoa política ao pagamento de
indenização por danos materiais e morais.

Argumentam os autores, em síntese, que experimentaram acidente de


trânsito, quando seu veículo caiu em buraco aberto em via pública durante a
realização de obras sem a devida sinalização. Aduzem que há época o veículo fora
encaminhado para terreno da Municipalidade, onde seria reparado, devendo os
autores providenciar orçamentos para tanto. Contudo, por anos, nenhuma providência
foi tomada pelo Município, que acabou por restituir o veículo sem os reparos
prometidos e ainda sem outros itens como rodas, estepe, bateria, macaco e chave de
roda, os quais furtados enquanto o bem encontrava-se sob a salvaguarda da

Apelação Cível nº 1007642-09.2019.8.26.0077 -Voto nº 10 * 2


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Municipalidade.

Por julgar comprovados os fatos alistados na inicial, o MM. Juiz


deliberou julgar procedente o pedido em ordem a condenar o Município de
Clementina a pagar aos autores a importância de R$ 13.567,23 ( treze mil,
quinhentos e sessenta e sete reais e vinte e três centavos) por danos materiais e R$
15.000,00 (quinze mil reais) por danos morais, sob o fundamento de que restou
demonstrada a omissão do ente público, pois, seu dever implica na mantença da
segurança da via pública, sinalizando-a ou impedindo tráfego no local.

Da r. sentença, apela a municipalidade visando à reforma do julgado,


sustentando em seu apelo ter o condutor assumido o risco de transitar por via pública
em obras, não se constatando culpa da Administração Pública. Dessarte, descabida
indenização material e moral ora requeridas que, se mantida, pertinente posterior
apuração dos danos materiais em sede de liquidação de sentença, bem como a
redução dos valores a título de danos morais a patamar razoável e proporcional.
Anota-se resposta ao recurso.

Essa, a síntese do necessário, em acréscimo ao relatório da r.


sentença.

Em que pese o inconformismo da Municipalidade e os fundamentos


contidos no apelo, o recurso não comporta provimento.

Do escorço fático, vislumbra-se acidente de trânsito o qual se dera por


abruta precipitação do veículo GM/Corsa Classic Life, placa BMN 2644 em uma
cratera aberta na Rua Juliano Sanches Vasques pela empresa DIAS ARAÇATUBA
CONTRUÇÕES, regularmente contratada pela PREFEITURA MUNICIPAL DE
CLEMENTINA para a realização de obras no local, conforme o Boletim de
Ocorrência lavrado pela Polícia Militar sob o nº 216/2016 (fls. 40/41) e apuração
pericial às fls. 44/50. O automóvel foi removido à oficina municipal para reparos
que, ao cabo, não ocorreram.

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Como é cediço, a Constituição Federal consagrou em seu art. 37, §6º,


a responsabilidade da administração pública pelos danos causados por seus agentes
em face do administrado, a responsabilidade objetiva do Estado, que independe de
dolo ou culpa, decorrente da teoria do risco administrativo que recai sobre o Estado.

Oportuno mencionar clássica lição de HELY LOPES MEIRELLES,


comumente presente em nossa jurisprudência:

“(...) enquanto não evidenciar a culpabilidade da


vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da
administração. Se total a culpa da vítima, ficará
excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se
parcial, reparte-se o 'quantum' da indenização
(MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo
Brasileiro, 12ª ed., p. 561 RT 611/221).

Dessarte, com o advento da Constituição Cidadã de 1988, vê-se a


amplitude da proteção conferida ao administrado, que poderá se valer da ação de
reparação de danos em face do Estado, até mesmo quando seus serviços forem
prestados por entidades privadas quando investidas em suas funções estatais.

Não à toa que JOSÉ DA SILVA PACHECO adverte que:

“(...) tendo sido usada a expressão 'serviço público', há


que se concebê-la como gênero, de que o serviço
administrativo seria mera espécie, compreendendo a
atividade ou função jurisdicional e também legislativa,
e não somente a administrativa do poder executivo; e,
no que se refere ao 'agente', deve ser entendido no
sentido de quem, no momento do dano, exercia
atribuição ligada à sua atividade ou função” (Parecer,

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Revista dos Tribunais, 635/103).

Partindo de tais premissas, não há como se ignorar que o ente público,


ora recorrente, responde pelos atos de seus agentes, bem como, por suas omissões.

Nesse sentido, nos ensina CELSO ANTONIO BANDEIRA DE


MELLO:

“Quando o dano foi possível em decorrência de uma


omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou
tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da
responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado
não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do
dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo
caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz
sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal
que lhe impunha obstar ao evento lesivo. Deveras, caso
o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o
acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o
encargo de suportar patrimonialmente as
consequências da lesão. Logo, a responsabilidade
estatal por ato omisso é sempre responsabilidade por
comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por
ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva,
pois, não há conduta ilícita do estado (embora do
particular possa haver) que não seja proveniente de
negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou,
então, deliberado propósito de violar a norma que o
constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são
justamente as modalidades de responsabilidade
subjetiva”. (Curso de Direito Administrativo; 32ª ed.;
São Paulo; E. Malheiros; 2015; p. 1041)

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Nessa perspectiva, é dever do Estado promover fiscalização, sobretudo


quando há a realização de obras em vias públicas. Tal obrigação é explicitada no art.
24, inciso IX, c.c art. 95, §1º, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, os quais se
leem, in verbis:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de


trânsito dos Municípios, no âmbito de sua
circunscrição:
(...)
IX fiscalizar o cumprimento da norma contida no art.
95, aplicando as penalidades e arrecadando as multas
nele previstas;
(...).
Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar
ou interromper a livre circulação de veículos e
pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será
iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de
trânsito com circunscrição sobre a via.
§ 1º A obrigação de sinalizar é do responsável pela
execução ou manutenção da obra ou do evento.

No caso em exame, claro está que a omissão administrativa em não


prover via pública da necessária sinalização apresentou-se como condição
preponderante para o acidente, haja vista que o condutor trafegava regularmente pela
pista de rolamento, quando surpreendido pela deficiência não sinalizada do
pavimento.

Não havia como se exigir cautela adicional ao condutor exatamente


em razão do princípio da confiança, tal que os limites dos cuidados de uns não
dependam da antevisão do comportamento ilícito de outros.

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Bem patenteada, portanto, hipótese de responsabilidade patrimonial do


Estado, cumprindo à pessoa política indenizar e compensar os danos experimentados
pelos autores.

Isso é orientação solidada no âmbito desta 11ª Câmara de Direito


Público:

Responsabilidade Civil do Estado Veículo que em


razão de depressões na avenida teve o painel frontal e
o parachoque dianteiro danificados
Responsabilidade por omissão, portanto, subjetiva
Danos materiais provados Conduta omissiva em
relação à manutenção da rua verificada Dever de
indenizar configurado Honorários advocatícios
Valor irrisório do proveito econômico Observância
do artigo 85, §8º do CPC Recurso do Município
desprovido. Recurso do autor provido. (Apelação Cível
1005800-03.2018.8.26.0344; Relator(a): Oscild de
Lima Júnior; Comarca: Marília; Órgão julgador: 11ª
Câmara de Direito Público; Data do julgamento:
15/03/2022)

RESPONSABILIDADE CIVIL/VEÍCULO SEGURADO


Pretensão da autora de condenação da ré a reembolsá-
la da importância despendida com veículo segurado -
Acidente sofrido em decorrência de colisão de veículo
com ressolagem de pneu encontrado na rodovia
Responsabilidade da ré por sua conduta omissiva -
Omissão no tocante à fiscalização das vias públicas,
bem como da criação de meios que impeçam a
permanência de objetos potencialmente danosos na
pista - Nexo de causalidade entre a conduta omissiva e
o dano configurado - Montante arbitrado pela r.
sentença que deve ser mantido, pois calculado segundo
orçamento detalhado juntado aos autos - Juros de
mora que devem incidir a partir da data do desembolso
e não do evento danoso - Sentença de procedência
reformada em parte - Precedentes do STJ e deste
Egrégio Tribunal - Fixação dos honorários
sucumbenciais recursais - Verba honorária arbitrada
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pela r. sentença no percentual máximo previsto no art.


85 do Novo CPC, sendo incabível majoração. Recurso
provido em parte. (Apelação Cível
1017849-16.2020.8.26.0309; Relator(a): Oscild de
Lima Júnior; Comarca: Jundiaí; Órgão julgador: 11ª
Câmara de Direito Público; Data do julgamento:
23/05/2022)

A indenização pelos constatados danos materiais foi adequadamente


fixada na r. sentença, ancorada em orçamentos não especificadamente impugnados
pela pessoa política.

No que atina à indicada lesão de ordem moral, como observou


agudamente o douto magistrado, “o acidente em si, pelas suas dimensões, já é
suficiente para gerar no autor, condutor do veículo naquele momento, violação a
sua integridade psíquica. Inegável o medo e a apreensão decorrentes do evento
narrado, que superam o mero aborrecimento.
'Ademais, os autores foram privados do uso do veículo por lapso
temporal excessivo, haja vista demora da ré em definir na esfera administrativa se
arcaria ou não com o conserto do automóvel. Durante esse tempo, natural a
apreensão dos autores e as dificuldades enfrentadas nos afazeres do dia-a-dia,
circunstâncias merecedoras de reparação”.

O valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) arbitrado para a


compensação da lesão de ordem extrapatrimonial não padece de excesso, tampouco
de parvidade, apresentando-se como reposta proporcional à compensação do abalo
experimentado pelo apelado.

Em remate, a r. sentença não comporta reparos, devendo ser mantida


em seus termos, majorada a honorária advocatícia sucumbencial, à força do
desprovimento do presente recurso, para que corresponda a 15% do valor da
condenação.

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Pelo exposto, meu voto, nega provimento ao recurso.

Eventual insurgência apresentada em face deste acórdão estará sujeita


a julgamento virtual, nos termos da Resolução nº 549/2011 do Colendo Órgão
Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça, ressaltando-se que as partes poderão, no
momento da apresentação do recurso, opor-se à forma do julgamento ou manifestar
interesse no preparo de memoriais. No silêncio, privilegiando-se o princípio da
celeridade processual, prosseguir-se-á com o julgamento virtual, na forma dos §§ 1º a
3º do artigo 1º da referida Resolução.

MÁRCIO KAMMER DE LIMA


Relator

Apelação Cível nº 1007642-09.2019.8.26.0077 -Voto nº 10 * 9

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