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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Autos nº. 0003990-67.2022.8.16.0014

Recurso Inominado Cível n° 0003990-67.2022.8.16.0014 RecIno


2º Juizado Especial Cível de Londrina
Recorrente(s): CONSTRUTORA PIACENTINI LTDA
Recorrido(s): ALDAIR ALVES BARBOSA
Relator: Irineu Stein Junior

RECURSO INOMINADO. MATÉRIA RESIDUAL. ATRASO


NA ENTREGA DE OBRA. MARCO INICIAL. REGISTRO DO
CONTRATO JUNTO AO AGENTE FINANCEIRO.
ABUSIVIDADE. PRECEDENTES. DATA DA ASSINATURA
DO CONTRATO CLÁUSULA EXPRESSA DE TOLERÂNCIA
(180 DIAS). VALIDADE. PRAZO QUE TEM POR OBJETIVO
SUPRIR CONTRATEMPOS CLIMÁTICOS E OUTROS QUE
IMPEDEM A CONCLUSÃO NO PRAZO AJUSTADO.
INOBSERVÂNCIA DO PRAZO FINAL. ILÍCITO
CONTRATUAL. DEVER DE INDENIZAR. VALORES PAGOS
A TÍTULO DE LOCAÇÃO. DANOS MORAIS SITUAÇÃO QUE
ULTRAPASSA OS MEROS ABORRECIMENTOS.
EXPECTATIVA DE MUDANÇA. DANOS
EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. VALOR DA
INDENIZAÇÃO QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO.

1 – Contrato de promessa de compra e venda de imóvel


residencial pelo Sistema Minha Casa Minha Vida.

2 – Prazo para a conclusão da obra que deve ter como marco


inicial a assinatura do contrato.
A previsão contratual que estabelece o marco inicial como sendo a
data do registro do contrato no agente financeira se mostra
abusiva.

A cláusula que atrela o prazo da obra ao contrato de


financiamento confunde o contratante quanto ao termo final para
a entrega da unidade, e se revela abusiva por acarretar em
situação visivelmente mais favorável às vendedoras e
desvantajosa ao adquirente Inteligência dos artigos 6º e 47, do
Código de Defesa do Consumidor e do artigo 423 do Código Civil.

Há, portanto, evidente abusividade na indigitada cláusula


contratual, seja porque não traz as informações quanto ao prazo
de entrega de forma clara e precisa, imediatamente
compreensível pelo consumidor, seja porque condiciona o termo
inicial do prazo a obrigação que cabe à própria incorporadora
(registro do contrato de financiamento por ela celebrado com
instituição bancária), colocando o consumidor em situação de
manifesta desvantagem

3 - Atraso expressivo para entrega do imóvel, justificadora de


danos morais.

Nesse sentido, o art. 6º, inc. VI, do Código de Defesa do


Consumidor, estabelece que os danos materiais e morais sofridos
pelo consumidor serão efetivamente reparados. Reparação esta
analisada sob o critério objetivo, ou seja, independente da
perquirição de culpa do agente causador, bastando para
caracterizá-la a existência de dano e de nexo de causalidade entre
o dano causado e o serviço defeituoso prestado.

Frente está à teoria do risco da atividade. Portanto, o serviço


prestado de forma viciada ou defeituosa - seja por falta de
informações, seja por não atender à legítima contrapartida que
dele se espera, mostrando-se inadequado ao seu fim ou em
desacordo com as normas regulamentares de prestabilidade -
enseja a responsabilização por danos materiais e morais causados
ao consumidor.

Nesse sentido, informa o § 3º do art. 14 que o fornecedor de


serviços só não será obrigado a indenizar quando o defeito
inexiste e quando a culpa cabe exclusivamente ao consumidor ou
a terceiros. Assim, cumpre ao fornecedor provar que o defeito
não existiu ou que a culpa é do consumidor ou de terceiro.

Na hipótese em apreço, a conduta antijurídica, restou


devidamente evidenciado, porquanto conforme exposto, as
Requeridas foram as responsáveis pelo atraso na entrega do
imóvel da Autora.

Lado outro, verifica-se que, em decorrência de tal atraso, a


Requerente ficou impossibilitada de residir ou locar seu imóvel,
fato este que configura o evento danoso e se mostra suficiente
para comprovar o abalo moral sofrido, já que ela sofreu um
constrangimento desnecessário.

Ademais, não se pode negar o constrangimento moral advindo da


conduta ilícita das Requeridas, sendo perfeitamente presumível
na hipótese a angústia vivenciada pela Requerente.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO


CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. ATRASO NA ENTREGA DA
OBRA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. CUMULAÇÃO DE CLÁUSULA
PENAL MORATÓRIA COM LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE.
TEMA REPETITIVO N. 970. ATRASO EXPRESSIVO NA ENTREGA.
DEMORA SUPERIOR A CINCO ANOS. CIRCUNSTÂNCIA
EXCEPCIONAL. DANO MORAL CARACTERIZADO. AGRAVO INTERNO
PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, "A legitimidade


passiva da CAIXA não deve decorrer da mera circunstância de haver
financiado a obra nem de se tratar de mútuo contraído no âmbito do SFH, mas
do fato de ter provido o empreendimento, elaborado o projeto com todas as
especificações, escolhido a construtora e negociado diretamente em programa
de habitação popular" (AgInt no REsp 1.526.130/SC, Rel. Ministro MOURA
RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe de 29/05/2017, g.
n.).

2. No caso específico do empreendimento imobiliário objeto destes autos,


julgados recentes desta Corte assentaram o entendimento de que foi gerido pela
própria Caixa Econômica Federal para a promoção de moradia a pessoas de
baixa renda, reconhecendo sua legitimidade para responder pelos vícios
construtivos.

3. O simples inadimplemento contratual em razão do atraso na entrega do


imóvel não é capaz, por si só, de gerar dano moral indenizável. Entretanto,
sendo considerável o atraso, alcançando longo período de tempo, pode ensejar
o reconhecimento de dano extrapatrimonial. Precedentes.

4. Na hipótese, o atraso de mais de cinco anos na entrega do imóvel supera o


mero inadimplemento contratual e denota circunstância excepcional suficiente
a ensejar a reparação por danos morais, fixados em R$ 10.000,00 (dez mil
reais).

5. "A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo


adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor
equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes" (REsp
1.635.428/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 22/05/2019, DJe de 25/06/2019 - Tema Repetitivo n. 970).

6. Agravo interno parcialmente provido, para dar parcial provimento ao


recurso especial. (AgInt no REsp n. 1.795.662/RN, Relator Ministro RAUL
ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/9/2020, DJe 1º/10/2020).

4 - A revisão do valor fixado para indenização por danos morais


pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação
se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de
razoabilidade, o que não ocorreu no caso dos autos, em que fixada
em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Magistrado que por estar mais perto das partes e da realidade


dos fatos teve plenas condições de avaliar o caso concreto, em
observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

5 – Indenização por danos materiais

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE


DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO
CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO
DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA,
MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS
ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM.
RECURSOS DESPROVIDOS.

1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em


contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito
do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de
renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:

1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá


estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega
do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou
a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o


período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na
injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na
forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado,
com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da
unidade autônoma.

1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente,


após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade
autônoma, incluído o período de tolerância.

1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de


tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor
com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual
deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao
consumidor.

2. Recursos especiais desprovidos.

(REsp 1.729.593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Segunda


Seção, j. 25/09/2019, DJe 27/9/2019

Conforme previsto na Tese firmada pelo STJ os prejuízos


materiais são presumidos cabendo a Construtora indenizar a
Autora no valor equivalente aos aluguéis, até a efetiva entrega das
chaves.
6 – Prazo de tolerância.

Reconhece-se que situações imprevisíveis acabam por impedir o


exato cumprimento da previsão contratual do prazo de entrega.
Embora tais fatores sejam a princípio de responsabilidade da
construtora, é aceitável uma tolerância razoável. Assim, entre o
dever de entrega do imóvel e as dificuldades da construtora
diante de casos fortuitos no curso da construção, o prazo de
tolerância serve como ponto de equilíbrio entre os interesses das
partes.

Assim, todas as questões imprevisíveis estão contempladas na


tolerância, não cabendo dilação.

7 – Cômputo do prazo para a conclusão da obra que considerou o


período desde a assinatura do contrato e a entrega efetiva do
imóvel, incluindo a tolerância de 180 dias. Ausência de erro na
contagem.

8 – Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido.

Trata-se de Recurso Inominado apresentado por CONSTRUTORA


PIACENTINI LTDA em razão da sentença de procedência dos pedidos formulados nos
autos de AÇÃO DE RECLAMAÇÃO CÍVEL proposta por ALDAIR ALVES BARBOSA.

Pretende a reforma da sentença.

Relatório dispensado, como autorizado pelo artigo 46 da Lei 9.099/95 e


Enunciado 92 do FONAJE.

Presentes os requisitos de admissibilidade conheço do recurso.

Compulsando detidamente os autos, entendo que a sentença atacada deve ser


mantida pelos seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 46 da Lei 9.099/95.

Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a


indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a
sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá
de acórdão.
Isto posto voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO mantendo a sentença hostilizada por seus próprios fundamentos.

Ante o insucesso recursal fica a parte Recorrente condenada ao pagamento de


honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (art. 55 da Lei
9.099/95).

Custas de lei, conforme Lei Estadual 18.413/14, arts. 2º, inc. II e 4º, e
Instrução Normativa - CSJEs, art. 18.

Ante o exposto, esta 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve,


por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de CONSTRUTORA PIACENTINI LTDA, julgar pelo
(a) Com Resolução do Mérito - Não-Provimento nos exatos termos do voto.

O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Irineu Stein Junior (relator),
com voto, e dele participaram os Juízes Alvaro Rodrigues Junior e Marcel Luis Hoffmann.

27 de junho de 2023

Irineu Stein Junior

Juiz (a) relator (a)

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