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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

5ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Autos nº. 0006575-29.2022.8.16.0035

Recurso Inominado Cível n° 0006575-29.2022.8.16.0035 RecIno


1º Juizado Especial Cível de São José dos Pinhais
Recorrente(s): ANDERSON CORREA
Recorrido(s): MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A.
Relatora: Maria Roseli Guiessmann

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE


DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO
PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE
IMÓVEL RESIDENCIAL. ATRASO NA ENTREGA DA
UNIDADE HABITACIONAL. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. 1) PRELIMINARMENTE .
MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA, CONSIDERANDO
A DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA EM GRAU RECURSAL.
2) MÉRITO . I) PLEITO DE AFASTAMENTO DA
EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR CASO
FORTUITO – ACOLHIMENTO – AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO – CONSTRUTORA QUE NÃO SE
DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR QUE A
SITUAÇÃO DA PANDEMIA DE COVID-19 AFETOU O
EMPREENDIMENTO. II) PEDIDO DE RECONHECIMENTO
DA NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE
TOLERÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – PRAZO
DETERMINADO E RAZOÁVEL ADMITIDO PELA
JURISPRUDÊNCIA – VALIDADE DA CLÁUSULA. III)
PLEITO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE LUCROS
CESSANTES – DESACOLHIMENTO – PROMITENTE
VENDEDORA QUE ABATEU O VALOR DA MULTA POR
ATRASO NA OBRA DO SALDO DEVEDOR –
IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM LUCROS
CESSANTES – TEMA 970/STJ. IV) RESTITUIÇÃO DOS
VALORES PAGOS A TÍTULO DE JUROS DE OBRA –
POSSIBILIDADE – RESPONSABILIDADE DA
PROMITENTE VENDEDORA APÓS O PRAZO AJUSTADO
NO CONTRATO PARA A ENTREGA DAS CHAVES DA
UNIDADE AUTÔNOMA, INCLUÍDO O PERÍODO DE
TOLERÂNCIA – APLICAÇÃO DO TEMA 996/STJ. V)
PLEITO DE CONDENAÇÃO PELOS DANOS MORAIS
SOFRIDOS – DESACOLHIMENTO – ATRASO NA OBRA
QUE NÃO GERA DANO MORAL IN RE IPSA – AUSÊNCIA
DE DEMONSTRAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIA MAIOR OU
EXTRAORDINÁRIA A REPERCUTIR DE FORMA GRAVE,
VIOLANDO OS DIREITOS DA PERSONALIDADE – DANO
MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO INOMINADO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Relatório

O reclamante ingressou com ação de reparação de danos morais e materiais em


razão de atraso na entrega de unidade habitacional. A r. sentença julgou
improcedentes os pedidos iniciais (mov. 27).

Inconformado, o reclamante interpôs recurso, alegando, para tanto, que a


reclamada não trouxe aos autos qualquer elemento apto a demonstrar que a
pandemia de Covid-19 teria influenciado no atraso para a entrega da obra, não
restando configurado o alegado caso fortuito. Desse modo, pugna pelo acolhimento
dos pedidos iniciais (mov. 32).

Devidamente intimada, a parte recorrida apresentou contrarrazões (mov. 37).

É o breve relatório. Passo ao voto.

2. Fundamentação

Inicialmente, mantenho a decisão que concedeu os benefícios da justiça


gratuita ao recorrente, com base na documentação acostada em grau recursal
(mov. 12 – 2º Grau).

No mérito, a insurgência recursal do recorrente assenta-se no pleito de reforma da


sentença, sustentando, em síntese, que a reclamada não trouxe aos autos qualquer
elemento apto a demonstrar que a pandemia de Covid-19 teria influenciado no
atraso para a entrega da obra, não restando configurado o alegado caso fortuito.

Pois bem.

Compulsando os autos, denota-se que as partes celebraram em 05.11.2019


contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel residencial, pelo
valor de R$ 140.899,69 (cento e quarenta mil, oitocentos e noventa e nove reais e
sessenta e nove centavos), com previsão de entrega das chaves em 31.05.2021 e
data limite para entrega das chaves em 27.11.2021 (mov. 1.5).
Ocorre que houve atraso na entrega da unidade habitacional, restando comprovado
que as chaves do imóvel foram recebidas pelo adquirente apenas em 12.04.2022.

Não obstante o entendimento exarado pelo Juízo singular de que a pandemia de


Covid-19, de maneira genérica, interferiu em todas as atividades comerciais,
industriais e de construção civil, a jurisprudência das c. Turmas Recursais do TJPR
entende que deve haver a comprovação por parte da construtora do
empreendimento acerca do impacto causado, ônus que lhe incumbe, consoante
dispõe o artigo 373, inciso II, do CPC/2015. Veja-se:

“RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA.


COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ATRASO
NA ENTREGA DO IMÓVEL. ALEGAÇÃO DA
RECORRENTE DE CASO FORTUITO / FORÇA MAIOR
NO ATRASO. PANDEMIA. AUSÊNCIA DE PROVA
(ART. 373, II, CPC). LUCROS CESSANTES. ALUGUÉIS.
PRESUMIDOS (STJ). DESPESA LOCATÍCIA COMPROVADA
PELOS RECORRIDOS. RESSARCIMENTO DEVIDO.
SENTENÇA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
Recurso conhecido e desprovido”.
(TJPR – 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais –
0002502-77.2021.8.16.0187 – Curitiba – Rel.: JUÍZA DE
DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZADOS
ESPECIAIS FERNANDA DE QUADROS JORGENSEN
GERONASSO – J. 28.11.2022) grifei

“RECURSO INOMINADO. COMPRA E VENDA DE BEM


IMÓVEL. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DA TEORIA FINALISTA
MITIGADA. ATRASO NA ENTREGA. INCIDÊNCIA DE
CLÁUSULA PENAL CONTRATUAL. POSSIBILIDADE.
CASO FORTUITO E DE FORÇA MAIOR POR CONTA
DA PANDEMIA DE COVID-19. NÃO COMPROVAÇÃO
. PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 (CENTO E OITENTA)
DIAS. INCIDÊNCIA. PRECEDENTE DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ADEQUAÇÃO DO VALOR DA
MULTA AO PERÍODO ENTRE OS MESES DE FEVEREIRO
/2021 E JANEIRO/2022. DANO MORAL. NÃO
CONFIGURAÇÃO. INADIMPLEMENTO QUE,
ISOLADAMENTE, É INSUFICIENTE A CARACTERIZAR
DANO A DIREITO EXTRAPATRIMONIAL. SENTENÇA
REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE
PROVIDO”.
(TJPR – 3ª Turma Recursal – 0011057-
08.2021.8.16.0018 – Maringá – Rel.: JUIZ DE DIREITO
DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS JUAN
DANIEL PEREIRA SOBREIRO – J. 22.02.2023) grifei
In casu, considerando que as alegações deduzidas são genéricas e
desacompanhadas de qualquer elemento de prova, não há como acolher a tese de
caso fortuito em razão da pandemia de Covid-19, mormente porque a atividade de
construção civil foi reconhecida como atividade essencial ao atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade, nos termos do artigo 3º, §1º, do Decreto
nº 10.282/2020.

Desse modo, afasto a incidência da excludente de responsabilidade civil pela


inexistência de comprovação de caso fortuito.

No que tange ao pleito de nulidade da cláusula de tolerância prevista no


contrato, registre-se que sua existência é perfeitamente válida e aceita pela
jurisprudência, sobretudo por considerar que a construção de grandes obras pode
sofrer atraso em decorrência de imprevisibilidades.

Nesse sentido:

“Não pode ser reputada abusiva a cláusula de


tolerância no compromisso de compra e venda de
imóvel em construção desde que contratada com prazo
determinado e razoável, já que possui amparo não só
nos usos e costumes do setor, mas também em lei
especial (art. 48, §2º, da Lei nº 4.591/1964),
constituindo previsão que atenua os fatores de
imprevisibilidade que afetam negativamente a
construção civil, a onerar excessivamente seus atores,
tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos,
greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre
outros contratempos”. (STJ, 3ª T., REsp 1.582.318/RS,
Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, j.
12.09.2017, DJe 21.09.2017)

Portanto, a cláusula 5.2 do contrato firmado entre as partes, a qual prevê uma
tolerância de 180 (cento e oitenta) dias não deve ser considerada abusiva, pelo que
improcedente o pleito neste ponto.

Com relação aos lucros cessantes, no caso dos autos, a recorrida abateu, a título
de multa por atraso na obra (cláusulas 5.4 e 5.5 – mov. 1.6), o valor de R$ 8.677,02
(oito mil, seiscentos e setenta e sete reais e dois centavos) do saldo devedor (mov.
18.34), fato não impugnado pelo recorrente.

Nesse sentido, revela-se indevida a cumulação da multa por atraso na obra com
lucros cessantes, conforme tese firmada pelo e. STJ no Tema 970: “A cláusula penal
moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, é,
em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação
com lucros cessantes”.

Não é outro o entendimento adotado pelas c. Turmas Recursais do TJPR:

“RECURSO INOMINADO. COMPRA DE IMÓVEL URBANO.


POSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO DA EMENDA À
PETIÇÃO INICIAL ATÉ O FIM DA FASE INSTRUTÓRIA,
DESDE QUE OBSERVADOS O CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA (ENUNCIADO N. 157/FONAJE). TEMAS
REPETITIVOS N. 970 E 971 DO STJ. ATRASO NA
ENTREGA DA OBRA. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO
DA APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA APENAS AO
COMPRADOR EM CASO DE MORA. CUMULAÇÃO
COM LUCROS CESSANTES INDEVIDA. DANOS
MORAIS NÃO CONFIGURADOS. RECURSO DA PARTE
AUTORA DESPROVIDO. RECURSO DA PARTE RÉ
PARCIALMENTE PROVIDO”.
(TJPR – 2ª Turma Recursal – 0021863-
08.2015.8.16.0182 – Curitiba – Rel.: JUIZ DE DIREITO
DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS
ALVARO RODRIGUES JUNIOR –J. 14.02.2022) grifei

Adiante, acerca do pleito de devolução dos valores cobrados a título de juros de


obra, o e. Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento, por meio do Tema
996/STJ, no sentido de que “é ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro
encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves
da unidade autônoma, incluído o período de tolerância”.

Embora a responsabilidade contratual pelo pagamento dos juros de obra seja do


promitente comprador, não há como se olvidar que, havendo atraso na entrega da
obra, ou seja, uma dilação da fase de construção da obra, há uma excessiva
onerosidade ao consumidor, por culpa da construtora, devendo ser
responsabilizada pelo pagamento dos juros de obra incidentes além do contrato.

Assim, após o prazo contratualmente previsto para entrega, incluído o período de


tolerância (27.11.2021), é indevida a cobrança de juros de obra, pelo que deve ser
restituído, na forma simples, o valor efetivamente pago e comprovado.

Nesse sentido:

“RECURSO INOMINADO. ATRASO NA ENTREGA DO


IMÓVEL. 11 (ONZE) MESES. JUROS DE OBRA.
RESPONSABILIDADE DA REQUERIDA ANTE O
ATRASO NA ENTREGA . LUCROS CESSANTES
PRESUMIDO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART. 46, LJE). RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO”.
(TJPR – 1ª Turma Recursal – 0001505-
48.2022.8.16.0191 – Curitiba – Rel.: JUÍZA DE DIREITO
DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZADOS ESPECIAIS MARIA
FERNANDA SCHEIDEMANTEL NOGARA FERREIRA DA
COSTA – J. 15.04.2023) grifei

Por fim, em relação ao pleito de condenação pelos danos morais sofridos, cumpre
ressaltar que o e. Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido “de que o
mero descumprimento contratual, caso em que a promitente vendedora deixa de
entregar o imóvel no prazo contratual injustificadamente, não acarreta, por si só,
danos morais”.

Equivale dizer, o dano na espécie não se revela in re ipsa, sendo imperiosa a


demonstração de circunstância maior ou extraordinária a evidenciar o abalo a
direito da personalidade de modo a justificar o reconhecimento de danos imateriais
na presente hipótese, não bastando para tanto tão somente a demonstração da
ocorrência de ato ilícito decorrente do atraso na entrega do imóvel.

Não é outro o entendimento adotado pela c. 5ª Turma Recursal do TJPR em caso


análogo:

“RECURSO INOMINADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MATERIAIS E MORAIS. COMPRA DE TERRENO.
ATRASO NA ESCRITURAÇÃO E TRANSFERÊNCIA
DO IMÓVEL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
RECURSO DO RÉU. PERÍODO DE TRÊS MESES ENTRE A
QUITAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA E A
EFETIVA TRANSFERÊNCIA. ATRASO CAUSADO PELO
TRÂMITE DE REGISTRO. RELAÇÃO NEGOCIAL TUTELADA
PELA LEI CIVIL. INADIMPLEMENTO PARCIAL NÃO
GERA DANO MORAL IN RE IPSA. AFRONTA AO
DIREITO DA PERSONALIDADE NÃO
DEMONSTRADA. ÔNUS DO AUTOR. AUSENTE O
DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA REFORMADA.
PRETENSÃO INICIAL IMPROCEDENTE.RECURSO DO RÉU
PROVIDO”.
(TJPR – 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais –
0031804-45.2018.8.16.0030 – Foz do Iguaçu – Rel.:
JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZADOS
ESPECIAIS CAMILA HENNING SALMORIA – J. 04.05.2020)
grifei
Em conclusão, considerando o conteúdo genérico das alegações que embasam o
pedido de dano moral, de rigor a manutenção da r. sentença neste ponto.

3. Dispositivo

Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e dar parcial provimento ao recurso


inominado interposto, para o fim de afastar a excludente de responsabilidade civil
por caso fortuito e determinar a restituição dos valores comprovadamente pagos a
título de juros de obra no período excedente ao previsto contratualmente, incluindo
o período de tolerância, nos termos da fundamentação.

Diante da parcial procedência, impõe-se a condenação do recorrente ao pagamento


dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, nos termos do artigo 55 da Lei nº 9.099/1995, os quais devem
permanecer suspensos, nos termos do artigo 98, §3º, do CPC/2015, no caso de
eventual concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Custas na forma da Lei Estadual nº 18.413/2014, ressalvada eventual anterior


concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

DECISÃO

Ante o exposto, esta 5ª Turma Recursal dos Juizados


Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de ANDERSON
CORREA, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Provimento em Parte nos exatos
termos do voto.

O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Maria Roseli


Guiessmann (relator), com voto, e dele participaram os Juízes Fernanda De Quadros
Jorgensen Geronasso e Manuela Tallão Benke.

23 de junho de 2023

Maria Roseli Guiessmann

Juíza Relatora

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