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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO
11ª Vara Federal

Processo nº 0058965-40.2016.4.02.5101 (2016.51.01.058965-4)


Autor: SUSEP-SUPERINTENDENCIA DE SEGUROS PRIVADOS.
Réu: FACILITY ASSOCIAÇÃO DE BENEFÍCIOS E OUTROS.

ncc

SENTENÇA TIPO A - FUNDAMENTAÇÃO INDIVIDUALIZADA

Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, proposta pela


SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP em face de FACILITY
ASSOCIAÇÃO DE BENEFÍCIOS MÚTUOS, LEANDRO BARROS DIAS, ELIANA
BARROS DIAS e JOSÉ EDUARDO DE ALMEIDA DIAS, objetivando: 1) em liminar:

a) a entidade ré abstenha-se de comercializar, realizar a oferta, veicular ou


anunciar, por qualquer meio de comunicação, modalidade contratual de seguro
no território nacional, bem como de angariar novos consumidores e renovar os
contratos já firmados; b) a primeira ré suspenda a cobrança de valores de seus
associados ou consumidores a título de mensalidades vencidas e/ou vincendas,
rateio e outras despesas relativas à atuação no mercado de seguros; c) a primeira
ré encaminhe a todos os associados correspondência comunicando o teor da
decisão; d) seja estipulada multa pessoal aos dirigentes da entidade ré no valor
de dois mil reais por dia de atraso no cumprimento das obrigações acima; e) seja
decretada a indisponibilidade de todos os bens da empresa ré e dos seus
administradores; e 2) pedido final: a) seja declarada ilícita a atuação da ré no
mercado de seguros, proibindo-a, em definitivo, de realizar oferta e/ou
comercializar qualquer modalidade contratual de seguro em todo o território
nacional; b) sejam os réus condenados a pagar indenização equivalente a três
vezes o valor da multa aplicada pela Susep no processo administrativo
sancionador em epígrafe a ser depositada no Fundo de Defesa de Direitos
Difusos; c) sejam os réus condenados em todas as obrigações pretendidas no
pedido liminar.

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Afirma a parte autora, como causa de pedir, que apurou, no processo


administrativo nº 15414.200142/2012-22, que a associação-ré vem atuando como
sociedade seguradora sem a devida autorização legal, em infringência aos artigos
24, 78 e 113, do Decreto-Lei nº 73/66, e aos artigos 8º e 9º, da Resolução CNSP
nº 60/01. Afirma que a penalidade administrativa cabível é apenas a de multa, de
modo que a autora depende de decisão judicial para promover a cessação das
atividades da ré à margem da legalidade. Sustenta haver “dano presumido de
âmbito nacional, na medida em que o âmbito de atuação regulatória da Susep dá-
se em todo o país e que a atividade securitária marginal espraia-se na mesma
proporção” (f. 06). Destaca que o estatuto social da Associação, ora ré não
encontra limitação territorial para contratação. Argumenta que a Associação-ré
fornece serviço de proteção veicular aos seus associados, o que, a rigor, é
contrato de seguro, dissociado do regramento legal previsto no artigo 757, do
Código Civil. Assevera que a Associação induz o consumidor em erro, já que não
o informa sobre a falta de registro na Susep. Destaca que a referida proteção
veicular possui todas as características de contrato. Aponta, ainda, que o grau
máximo de responsabilidade que uma sociedade seguradora pode assumir em um
seguro está diretamente relacionado com o seu patrimônio líquido ajustado, o que
não ocorre com a primeira ré. Aduz que a sociedade seguradora é equiparada à
instituição financeira, logo a operação de seguros sem autorização legal constitui
crime, previsto no artigo 16, da Lei nº 7.492/86. Defende a desconsideração da
personalidade jurídica, nos termos do artigo 50, do Código Civil c/c artigo 28, do
Código de Defesa do Consumidor c/c artigo 109, do Decreto-Lei nº 73/66, para
incidir sobre o patrimônio pessoal dos sócios da Associação-ré a multa por
descumprimento das obrigações que porventura venham a ser fixadas em juízo,
além da indenização em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
A inicial vem adunada com documentos (fls. 40/137).

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É declinada a competência em favor de uma das varas federais da


Seção Judiciária de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, onde se encontra o local do
alegado dano (fls. 140/142).
O feito é redistribuído para o Juízo da 5ª Vara Federal de Porto Alegre,
que decreta a indisponibilidade de bens dos réus e determina a citação (fls.
210/303).
Contestação da entidade-ré, na qual afirma que, no processo
administrativo, foi expedido ofício para endereço diverso do de sua sede, e
recebido por pessoa desconhecida, de modo que não houve sua regular intimação
e não foi possível participar daquele feito. Destaca que foi aplicada multa
administrativa, cuja notificação foi enviada, desta vez, para o endereço correto da
Associação. Destaca somente ter sido cientificada do processo administrativo
após sua condenação. Quanto ao mérito da causa, assevera não exercer atividade
alusiva a seguro privado, mas sim de proteção veicular. Elenca as diferenças
entre o contrato de seguro e a proteção veicular. Assevera que na proteção
veicular, “exercida através de uma associação de ajuda mútua, o valor dos
ressarcimentos (que, no seguro, são indenizações e de responsabilidade do
segurador) é rateado entre os associados, inclusive, a vítima do fato” (f. 324). O
pagamento pelo associado somente ocorre após apurado o valor das
indenizações, sendo o mesmo rateado entre os participantes e não há margem de
lucro. Aduz ser hipótese de aplicação do mutualismo puro, uma vez que os riscos
estão diluídos entre os próprios optantes do programa, e únicos responsáveis pelo
pagamento dos ressarcimentos a associados e despesas de reparação de veículos
acidentados. Alega que sua atuação é lícita, como demonstram as certidões
negativas em anexo. Sustenta ser nulo o processo administrativo sancionador,
com base nos artigos 85 e 133, da Resolução CNSP nº 243/2011. Aponta que o
tema já foi apreciado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal, cujo entendimento consolidou-se no Enunciado nº 185. Argumenta
inexistir relação de consumo e não constituir caso de desconsideração da

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personalidade jurídica, sendo certo que o Sr. Leandro Barros Dias desligou-se da
diretoria da associação há mais de quatro anos. Pugna pela cassação da liminar e
pela improcedência dos pedidos (fls. 304/376, procuração e documentos – fls.
377/654).
O Juízo da 5ª Vara Federal de Porto Alegre revoga a liminar,
determina o desbloqueio imediato das contas e determina a devolução dos autos
ao Juízo da 11ª Vara Federal do Rio de janeiro (fls. 655/662).
O feito é redistribuído para este Juízo da 11ª Vara Federal do Rio de
Janeiro (f. 737).
São acostadas as peças do processo por ofício da 5ª Vara Federal de
Porto Alegre (fls. 741/1.252).
Decisão de fls. 1.253/1.254 determina a restituição do feito à 5ª Vara
de Porto Alegre para, se assim entender, suscitar conflito de competência.
Suscitado conflito, o e. Superior Tribunal de Justiça declara
competente este Juízo da 11ª Vara Federal (fls. 1.257/1.261).
Decisão de fls. 1.262/1.263 ratifica os atos praticados pela 5ª Vara
Federal de Porto Alegre e determina a citação dos corréus pessoas físicas.
A ré Facility Associação apresenta parecer jurídico (fls. 1.274/1.302).
Os réus Leandro Barros Dias, Eliana Barros Dias e José Eduardo de
Almeida Dias apresentam contestação conjunta, na qual ratificam o conteúdo da
peça de defesa anteriormente apresentada pela Associação Facility. O corréu
Leandro informa ter se desligado da diretoria da Associação há mais de cinco
anos, não podendo ser responsabilizado por atos posteriores (fls. 1.334/1.335).
Requerem a concessão do benefício da gratuidade de justiça.
A autora apresenta réplica, requerendo a apresentação de documentos
pela parte ré (fls. 1.348/1.353).
O Ministério Público Federal postula pelo regular prosseguimento do
feito (f. 1.423).

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Concedidas novas oportunidades para as partes esclarecerem a


necessidade de produção de prova documental e oral, não se manifestam a esse
respeito, motivo porque se determina a remessa dos autos ao MPF, que requer
prolação de sentença (f. 1.543).
É o relatório. Fundamento e decido.
Presentes as condições para o regular exercício do direito de ação e os
pressupostos de desenvolvimento válido do processo, passo a examinar o mérito
da causa.
Cinge-se esta demanda em verificar se a proteção veicular, ofertada
pela Associação-ré constitui modalidade de contrato típico de seguro, cuja
autorização da Susep é necessária.
A autora afirma, em síntese, que, sem a sua autorização, Facility
Associação de Benefícios Mútuos está comercializando contratos de seguro, em
infringência aos artigos 24, 78 e 113, do Decreto-Lei nº 73/66, e aos artigos 8º e
9º, da Resolução CNSP nº 60/01, segundo apurou em processo administrativo nº
15414.200142/2012-22. A autora apresenta folheto de oferta de proteção veicular
da Associação de 27.03.2012 (f. 47), razão pela qual se reputa essa data o marco
inicial.
O réu José Eduardo de Almeida Dias retirou-se da Associação-ré, em
06.07.2012, consoante ata de assembleia geral acostada aos autos (fls.
1.342/1.343), logo, em tese, poderia vir a responder por atos praticados
anteriormente a esta data.
A Superintendência de Seguros Privado – SUSEP, instituída pelo
Decreto-Lei nº 73/1966, é autarquia federal responsável pela regulação estatal do
mercado privado de seguros e por sua fiscalização.
O Decreto-Lei nº 73/66 dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros
Privados, regula as operações de seguros e resseguros. Estabelece, em seu artigo
24, que apenas as sociedades anônimas ou cooperativas podem operar em
seguros privados, a depender de autorização da Susep, a saber:

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“Art 24. Poderão operar em seguros privados apenas Sociedades


Anônimas ou Cooperativas, devidamente autorizadas.
Parágrafo único. As Sociedades Cooperativas operarão unicamente
em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho.”

“Art. 78. As Sociedades Seguradoras só poderão operar em seguros


para os quais tenham a necessária autorização, segundo os planos,
tarifas e normas aprovadas pelo CNSP.”

“Art. 113. As pessoas físicas ou jurídicas que realizarem operações


de seguro, cosseguro ou resseguro sem a devida autorização, no País
ou no exterior, ficam sujeitas à pena de multa igual ao valor da
importância segurada ou ressegurada.”
“Art. 113. As pessoas naturais ou jurídicas que realizarem operações
de capitalização, seguro, cosseguro ou resseguro sem a devida
autorização estão sujeitas às penalidades administrativas previstas no
art. 108, aplicadas pelo órgão fiscalizador de seguros, aumentadas
até o triplo.” (Redação dada pela Lei nº 13.195, de 2015)

As associações de classe, de beneficência e de socorros mútuos e


montepios estão excluídas do regime estabelecido pelo Decreto-Lei em foco,
como se extrai de seu artigo 143:
“Art. 143. Os órgãos do Poder Público que operam em seguros
privados enquadrarão suas atividades ao regime deste Decreto-Lei no
prazo de cento e oitenta dias, ficando autorizados a constituir a
necessária Sociedade Anônima ou Cooperativa.
§ 1º As Associações de Classe, de Beneficência e de Socorros mútuos
e os Montepios que instituem pensões ou pecúlios, atualmente em
funcionamento, ficam excluídos do regime estabelecido neste Decreto-
Lei, facultado ao CNSP mandar fiscalizá-los se e quando julgar
conveniente.
(omissis)”.

Feitas essas necessárias considerações, não integra o objeto desta


demanda a alegação de concorrência desleal, suscitada pela autora, uma vez que
o tema não integra a perspectiva regulatória que compreende seus objetivos
institucionais na fiscalização do mercado de seguros privados.
Também não compõe a lide o argumento da Associação-ré de que o
processo administrativo nº 15414.200142/2012-22 movido contra si é nulo, uma
vez que não se está a discutir a penalidade de multa aplicada, mas, sim a natureza
jurídica do contrato de proteção veicular. Eventual debate acerca de nulidade no
processo administrativo deve se dar por meio de ação própria.

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O contrato típico de seguro é bilateral, sinalagmático (estabelece


obrigações e direitos recíprocos), oneroso (fruição da garantia securitária
corresponde ao pagamento pecuniário de prêmio), aleatório e, em regra, de
adesão, explorado por pessoas jurídicas estruturadas sob a forma de sociedade
anônima ou cooperativa.
Pressupõe risco, “isto é, o fato de estar o indivíduo exposto à
eventualidade de um dano à sua pessoa, ou ao seu patrimônio, motivado pelo
acaso” (Orlando Gomes, Contratos, 26ª edição, editora Forense, 2007, p. 505).
Segundo o artigo 757, do Código Civil/2002, “pelo contrato de seguro,
o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse
legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados”. E “somente pode ser parte, no contrato de seguro, como
segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada” (parágrafo único).
A partir dos debates realizados durante a III Jornada de Direito Civil
do Conselho da Justiça Federal, produziu-se o Enunciado nº 185, verbis:
“Enunciado 185: Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e
as normas da previdência privada que impõem a contratação
exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não
impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua,
caracterizados pela autogestão”.

Conquanto a parte ré apresente parecer do i. jurista Carlos Ayres Britto


favorável à sua tese, não se verifica as alegadas diferenças entre o contrato típico
de seguro e o de proteção veicular ofertado pela Associação-ré, como se
explicitará a seguir.
No caso dos autos, depreende-se que, dentre as finalidades da
Associação-ré está “negociar com o comércio em geral, nos mais diversos
segmentos (sobretudo automotivo), parcerias e convênios a fim de conferir
coletivamente descontos e vantagens aos associados” (f. 381). No Regulamento
do associado consta que “o programa de benefícios automotivos da Facility –
ABM foi criado pela Diretoria Executiva com a finalidade de proporcionar aos

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associados cobertura em casos de roubo, furto, colisão e incêndio dos seus


veículos, pelo sistema de rateio entre os associados. Desta forma, todos entre si
arcam com os gastos decorrentes dos casos acima, buscando sempre a
integração social comunitária dos mesmos” (f. 401 – grifei).
Nada obstante, em folheto, a Associação-ré apresenta valores de
mensalidade vinculada aos preços de mercado dos veículos automotores, além de
serviços de garantia para acidentes, rastreador, carro reserva, socorro mecânico
elétrico, reboque e pane seca chaveiro (f. 46), bem como cobertura para furto ou
roubo, choque, colisão e capotamento, incêndio, responsabilidade civil (seguro
contra terceiros) (f. 49). Explicita, ainda, que o rateio é calculado mediante o
somatório todas as despesas referentes aos sinistros, dividido pelo total de cotas
da associação, cada associado pagando o valor resultante desta divisão
multiplicado pelo valor de sua cota de participação (f. 50). Há também previsão
de franquia de conserto de valor mínimo de R$ 600,00 (seiscentos reais – f. 50).
Há nítido conflito entre o direito individual de liberdade de associar-se
(artigo 5º, XVII, da CF/88) e o direito difuso de proteção à captação de poupança
popular de pessoas que se associam em todo o território nacional para obter
proteção veicular.
Sobre a questão, repiso trecho da sentença exarada pelo Juízo da 7ª
Vara Federal do Rio de Janeiro, nos autos do processo nº 0014904-
70.2011.4.02.5101, segundo a qual se tem “caso singular, que transcende a
simples liberdade de associar ou de permanecer associado. É certo que a
associação tem autonomia para gerir a sua vida e a sua organização. É certo,
ainda, que, no direito de se associar, está incluída a faculdade de escolher com
quem se associar, o que implica poder de exclusão. O direito de associação,
entretanto, não é absoluto e comporta restrições, orientadas para o prestígio de
outros direitos também fundamentais. (....). Portanto, embora a gênese da pessoa
jurídica encontre fundamento na livre vontade humana, sua personalidade

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dependerá de objeto válido e, para funcionar em determinadas circunstâncias,


da obtenção de um ato administrativo autorizador”.
A fiscalização do mercado privado de seguros pela Susep é essencial,
seja para zelar pelas reservas técnicas das seguradoras, seja pelo controle das
cláusulas contratuais ofertadas.
Ademais, o caso em apreço é similar ao do Recurso Especial nº
1616359/RJ, julgado pela e. 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em
21.06.2018, da relatoria do Ministro OG Fernandes.
Naquele precedente, a e. Corte Superior assentou que os serviços
oferecidos pela associação eram os mesmos das seguradoras tradicionais, com
idênticas nomenclaturas para institutos-chave, como franquia, seguro contra
terceiros, coberturas. Considerou relevante que “o mero fato de o valor a ser
reembolsado, a título de prêmio, ao adquirente ser ‘tabelado’, não
descaracteriza a condição de um título seguro de danos”. A esse respeito, repisa-
se a doutrina mencionada no aresto:
“O seguro de danos é parcial, se feito por soma inferior ao valor
venal da coisa segurada. Em caso de sinistro, o segurador só
responde pelos danos na proporção em que o valor efetivo da coisa
segurada se acha em relação à quantia pela qual foi segurada,
entendendo-se que ele próprio foi o segurador da parte restante. A
redução decorre da chamada regra proporcional.” (In GOMES,
Orlando. Contratos. 26. ed. atualizada por Antonio Junqueira de
Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 511).

Também se esclareceu qual o tratamento dado pela doutrina acerca do


seguro mútuo:
“O seguro mútuo (mutual corporations), que não foi previsto
pelo novo Código Civil, era o contrato que requeria a existência
de uma sociedade de seguros mútuos (Dec.-Lei n. 2.063/40,
arts. 14 e s.; Dec.-Lei n. 3.908/41; Dec.-Lei n. 4.608/42 -
revogado pelo Decreto-Lei n. 8.934/46 -; Dec.-Lei n. 4.609/42;
Dec.-Lei n. 7.377/45), pois nesta modalidade eram os próprios
segurados que atuavam, concomitantemente, como seguradores
e segurados, de tal forma que a responsabilidade pelo risco era
compartilhada por todos os segurados, respondendo cada um
pelo dano sofrido por qualquer deles. [...] O seguro mútuo era o

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contrato pelo qual várias pessoas se uniam por meio de


estatutos para dividir danos que cada uma poderia ter, em
razão de certo sinistro.” (In DINIZ, Maria Helena. Curso de
direito civil brasileiro, volume 3: teoria das obrigações
contratuais e extracontratuais. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 576).

Vale dizer, “para que se pudesse reconhecer o estabelecimento de uma


sociedade de seguro mútuo, conforme Maria Helena Diniz, ‘era o valor do
seguro que determinava o valor das cotas de cada associado, levando-se em
consideração a existência de riscos diferentes’” (obra citada, p. 577).
No entanto, não é o que ocorre com a Associação-ré. O produto por ela
disponibilizado prevê pagamento de franquia, há coberturas e planos
diversificados, bem como consta que, em caso de furto ou roubo ou tentativa, a
proteção cobre no limite do valor do veículo (f. 49). Em nada se equivale ao
conceito de seguro de ajuda mútua.
A associação-ré comercializa a proteção veicular de forma abrangente,
em todo o território nacional, o que afasta a afirmação de natureza de grupo
restrito de associados. A atividade, hoje, não encontra amparo na legislação
vigente e tanto é verdade, que a própria parte ré acosta diversos projetos de lei
em tramitação no Poder Legislativo para alterar o artigo 53, do Código
Civil/2002, de modo a permitir a atividade debatida neste feito.
Por conseguinte, o produto veiculado pela Facility constitui atividade
securitária, sem a devida autorização da Susep.
Nada obstante, o pedido de indenização de três vezes o valor da multa
aplicada no processo administrativo sancionador não prospera. A incidência de
multa, in casu, implicaria em punição por fato abstrato, sem qualquer parâmetro
objetivo. A própria Susep já aplicou multa no referido processo administrativo,
logo tal pedido ocasiona bis in idem.
Também não está caracterizada hipótese de desconsideração da
personalidade jurídica, já que a autora não demonstrou a prática específica dos

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réus de desvio de finalidade (contida no estatuto da associação) ou de confusão


patrimonial.
Sendo assim, o feito não prospera quanto aos réus pessoas físicas.
Diante do exposto, quanto à Facility Associação de Benefícios
Mútuos, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO e defiro em parte a liminar,
com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para reconhecer a
ilicitude de sua atuação no mercado de seguros, proibindo-a, em definitivo, de
realizar oferta e/ou comercialização de qualquer modalidade contratual de seguro
em todo o território nacional. Em liminar, determino que a Associação-ré
suspenda, imediatamente, a comercialização e a oferta de qualquer modalidade
contratual de seguro.
Quanto aos réus Leandro Barros Dias, Eliana Barros Dias e José
Eduardo de Almeida Dias, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, com fundamento
no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do artigo 18,
da Lei nº 7.347/85 (ex vi também STJ – Primeira Seção - ERESP 200901027492 - DJE
DATA:18/12/2009 – Ministra Eliana Calmon).”
Sem custas para preparo, por serem os réus beneficiários da gratuidade
de justiça, que ora concedo.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Dê-se ciência ao MPF.
Rio de Janeiro, 26 de julho de 2019.

LAURA BASTOS CARVALHO


Juíza Federal Substituta
No exercício da Titularidade da 11ª Vara Federal
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