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ÍNDICE
DIREITO ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
▪ As empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade
econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial, são equiparadas à Fazenda Pública no que tange à
prescrição.
CONCURSOS PÚBLICOS
▪ Em concursos públicos, o critério utilizado para determinar se um candidato tem direito a participar das vagas
reservadas para pessoas negras baseia-se nas características físicas visíveis, como a cor da pele e traços faciais, ao
invés de sua herança genética ou ascendência.
SERVIDORES PÚBLICOS
▪ A GACEN é extensível aos aposentados e pensionistas que se enquadrarem na hipótese legal, pressupondo a
percepção da gratificação quando o servidor ainda estava em atividade.
PROCESSO ADMINISTRATIVO
▪ Negado o recurso administrativo interposto contra a multa, a data de vencimento continua sendo aquela contida
na primeira notificação, incidindo juros de mora a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo
previsto para o pagamento da multa.
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
▪ O contrato de financiamento habitacional celebrado por empresa pública com mutuários, ainda que de baixa renda,
pode conter cláusula de alienação fiduciária e, em caso de inadimplemento, pode ser realizado o leilão do imóvel,
não havendo ilegalidade nessa prática.
TEMAS DIVERSOS
▪ O ente federado pode promover diretamente ação judicial contra operadora privada de plano de saúde para
ressarcimento de valores referentes a prestação de serviço de saúde em cumprimento de ordem judicial.
DIREITO AMBIENTAL
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
▪ O autuado por infração ambiental pode ser intimado por edital para apresentar alegações finais no processo
administrativo federal?
DIREITO DO CONSUMIDOR
PLANO DE SAÚDE
▪ A regulamentação e a fiscalização dos denominados ‘cartões de descontos em serviços de saúde’ são de
competência da ANS.
EXECUÇÃO (IMPENHORABILIDADE)
▪ É possível a penhora dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E).
EXECUÇÃO FISCAL
▪ O Tema 444/STJ tratou sobre o redirecionamento contra os sócios da pessoa jurídica executada e que foi dissolvida
irregularmente; apesar disso, esse entendimento pode ser aplicado também para outros responsáveis tributários,
como é o caso do fiador da pessoa jurídica executada.
PROCESSO COLETIVO
▪ Aplica-se o entendimento exarado pelo STF no julgamento do ARE 709.212/DF ao cumprimento de sentença coletiva
que se pretende a execução individual dos direitos referentes à cobrança de valores não depositados no FGTS.
DIREITO TRIBUTÁRIO
IMPOSTO DE RENDA
▪ Se empresa brasileira contrata serviços técnicos e de assistência técnica, sem transferência de tecnologia, de
empresas situadas em países como Argentina, Chile, África do Sul e Peru, deverá reter o imposto de renda ao fazer
a remessa do pagamento.
▪ O art. 9º, da Lei 9.429/95, não impõe limitação temporal para a dedução de Juros sobre Capital Próprio (JCP)
referentes a exercícios anteriores.
▪ O § 1º do art. 7º da IN SRF 213/2002 é ilegal, pois permite a tributação do resultado positivo da equivalência
patrimonial de empresas controladas ou coligadas no exterior além dos lucros efetivamente realizados,
contrariando a legislação vigente.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Aplica-se o regime normativo prescricional das pessoas jurídicas de direito público, previsto
no Decreto nº 20.910/1932 e no Decreto-Lei nº 4.597/1942, às entidades da Administração
Indireta com personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos
essenciais sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.
STJ. Corte Especial. EREsp 1.725.030-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/12/2023 (Info 14 –
Edição Extraordinária).
CDHU
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) é uma empresa
pública (pessoa jurídica de direito privado) vinculada ao Estado de São Paulo.
A empresa tem por finalidade executar programas habitacionais em todo o território do Estado, voltados
para o atendimento exclusivo da população de baixa renda.
Desse modo, podemos dizer que é a CDHU é uma entidade da Administração Indireta, com personalidade
jurídica de direito privado, que atua na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade lucrativa
e sem natureza concorrencial.
O juiz rejeitou a alegação de prescrição sob o argumento de que o prazo prescricional seria de 5 anos, com
base no art. 1º do Decreto 20.910/32:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
A CDHU interpôs recurso, no qual defendeu que não o art. 1º do Decreto 20.910/32 não poderia ser
aplicado para sociedades de economia mista.
Esse prazo de 5 anos, contudo, também é aplicável para “autarquias ou entidades e órgãos paraestatais”
por expressa disposição do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/1942:
Art. 2º O Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição quinquenal, abrange
as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos
mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual
ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos.
... receberão tratamento jurídico assemelhado ao das pessoas jurídicas de direito público, operando-se
verdadeira extensão do conceito de Fazenda Pública.
Logo, as empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de
atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial são equiparadas à Fazenda Pública.
Como são equiparadas à Fazenda Pública, as regras de prescrição estabelecidas no Código Civil não vão
ter incidência quando a demanda envolver empresa estatal prestadora de serviços públicos essenciais,
não dedicada à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial.
Em tais casos, aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/1932, por se tratar de entidade que,
conquanto dotada de personalidade jurídica de direito privado, faz as vezes do próprio ente político ao
qual se vincula e, com isso, pode, em certa medida, receber tratamento assemelhado ao de Fazenda
Pública.
Em suma:
Aplica-se o regime normativo prescricional das pessoas jurídicas de direito público, previsto no Decreto
nº 20.910/1932 e no Decreto-Lei nº 4.597/1942, às entidades da Administração Indireta com
personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade
lucrativa e sem natureza concorrencial.
STJ. Corte Especial. EREsp 1.725.030-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/12/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
Não confundir:
REGRA: em regra, o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/1932 e no Decreto-Lei
nº 4.597/1942, não se aplica para as sociedades de economia mista e empresas públicas.
EXCEÇÃO: Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/1932 às empresas estatais prestadoras
de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade
lucrativa e natureza concorrencial.
CONCURSOS PÚBLICOS
Em concursos públicos, o critério utilizado para determinar se um candidato tem direito a
participar das vagas reservadas para pessoas negras baseia-se nas características físicas visíveis,
como a cor da pele e traços faciais, ao invés de sua herança genética ou ascendência
ODS 10 E 16
Primeira pergunta: isso é possível? O edital do concurso pode exigir que o candidato autodeclarado
preto ou pardo se submeta a uma banca de heteroidentificação?
SIM.
É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que
respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017 (Info 868).
O critério da autodeclaração é, em princípio, válido. Isso porque deve-se respeitar as pessoas tal como
elas se percebem. Entretanto, é possível também que a Administração Pública adote um controle
heterônomo, até mesmo para evitar abusos na autodeclaração.
Exemplos desse controle heterônomo: exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do
concurso; exigência de apresentação de fotos pelos candidatos; formação de comissões com composição
plural para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração.
Inconformado, ele impetrou mandado de segurança alegando, dentre outros argumentos, que a
Administração Pública, ao analisar se um candidato tem direito de concorrer à vagas reservadas para
negros, não pode fazer uma a avaliação baseada no fenótipo do candidato, devendo analisar seu genótipo
ou ancestralidade. Argumentou que seus ancestrais são negros e que, portanto, tem o genótipo de negro.
O Tribunal de Justiça da Bahia denegou a segurança (julgou improcedente o pedido).
Ainda inconformado, João interpôs recurso ordinário em mandado de segurança dirigido ao STJ:
Constituição Federal
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
II - julgar, em recurso ordinário:
(..)
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou
pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;
(...) IV. O Edital que regula o referido concurso público prevê a adoção do critério de fenotipia (e não do
genótipo ou ancestralidade) - ou seja, a manifestação visível das características físicas da pessoa -, para a
seleção de candidatos autodeclarados negros (pretos ou pardos), estabelecendo que a autodeclaração
étnico-racial deve ser aferida por uma Comissão de Verificação, adotando, ainda, o sistema misto de
identificação do sistema de cotas raciais, no qual o enquadramento do candidato como negro não é
efetuado somente com base na autodeclaração do candidato, mas sim em uma posterior análise por
comissão especial, especialmente designada heteroidentificação.
(...)
VI. No caso, apesar da declaração da parte recorrente ser pessoa de etnia negra, a questão foi submetida,
posteriormente, a uma Comissão para aferição dos requisitos, a qual, seguindo os termos do edital, não
reconheceu a condição autodeclarada da autora, com base nos critérios fenotípicos. Diante do que ora
sustenta, a análise da irresignação acerca do enquadramento nos requisitos para concorrência especial e
da fundamentação do ato que determinou sua exclusão do concurso exigiria a dilação probatória, o que é
sabidamente inviável na via escolhida, sem prejuízo das vias ordinárias. (...)
STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 61.579/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 27/6/2022.
Em suma:
O critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial funda-se no fenótipo, e
não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato.
STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em
23/10/2023 (Info 14 – Edição Extraordinária).
Vale ressaltar que existem julgados do STJ nem admitindo mandado de segurança nesses casos quando o
impetrante busca a reanálise de provas:
É inadequado o manejo de mandado de segurança com vistas à defesa do direito de candidato em
concurso público a continuar concorrendo às vagas reservadas às pessoas pretas ou pardas, quando a
comissão examinadora de heteroidentificação não confirma a sua autodeclaração.
STJ. 1ª Turma. RMS 58785-MS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 23/08/2022 (Info 746).
No caso concreto acima explicado, João não pretendia a reanálise de provas, razão pela qual foi conhecido
o mandado de segurança.
Vale registrar, por fim, que o candidato só pode ser excluído de concurso público por não se enquadrar na
cota para negros se houver contraditório e ampla defesa:
A exclusão do candidato, que concorre à vaga reservada em concurso público, pelo critério da
heteroidentificação, seja pela constatação de fraude, seja pela aferição do fenótipo ou por qualquer outro
fundamento, exige o franqueamento do contraditório e da ampla defesa.
STJ. 2ª Turma. RMS 62040-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2019 (Info 666).
SERVIDORES PÚBLICOS
A GACEN é extensível aos aposentados e pensionistas que se enquadrarem na hipótese legal,
pressupondo a percepção da gratificação quando o servidor ainda estava em atividade
ODS 16
GACEN
A GACEN, ou Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemias, é uma gratificação paga aos
servidores públicos federais do Ministério da Saúde e da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) que
realizam, em caráter permanente, atividades de saneamento, prevenção de doenças e promoção da
saúde, em áreas urbanas ou rurais, incluindo terras indígenas, áreas de remanescentes quilombolas, áreas
extrativistas e ribeirinhas.
A GACEN foi instituída pela Lei nº 11.784/2008:
Art. 54. Fica instituída, a partir de 1o de março de 2008, a Gratificação de Atividade de Combate
e Controle de Endemias - GACEN, devida aos ocupantes dos cargos de Agente Auxiliar de Saúde
Pública, Agente de Saúde Pública e Guarda de Endemias, do Quadro de Pessoal do Ministério da
Saúde e do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, regidos pela Lei no 8.112,
de 11 de dezembro de 1990.
Art. 55. A Gecen e a Gacen serão devidas aos titulares dos empregos e cargos públicos de que
tratam os arts. 53 e 54 desta Lei, que, em caráter permanente, realizarem atividades de combate
O valor da GACEN sempre foi fixo, ou seja, todos os servidores que estão na atividade e que recebem
GACEN, ganham o mesmo valor. Inicialmente era R$ 590,00 e depois foi sendo aumentado.
Os aposentados e pensionistas, por outro lado, não recebem o valor integral da GACEN. Eles ganham um
percentual, conforme previsto no art. 55, § 3º, inciso I, alíneas “a” e “b”, e inciso II, alíneas “a” e “b” da Lei
nº 11.784/2008.
Ação coletiva
O Sindicato dos Servidores Públicos Federais ajuizou ação contra a União afirmando que essa diferença de
pagamento entre os servidores ativos e inativos seria inconstitucional, porque violaria o princípio da
paridade.
Requereu que fosse declarado que os servidores públicos aposentados e pensionistas possuem o direito
de receber a GACEN em valor igual ao recebido pelos servidores ativos.
Requereu, ainda, a condenação da ré ao pagamento das diferenças entre os valores pagos e os devidos a
título de GACEN, acrescidas de juros de mora e correção monetária.
A regra da paridade estava prevista no art. 40, § 8º, da CF/88, incluído pela EC 20/1998.
O princípio da paridade foi revogado pela EC 41/2004. No entanto, alguns servidores tiveram direito
adquirido de continuar com a paridade.
Quem são esses servidores que ainda possuem direito à paridade?
• servidores que já estavam aposentados quando entrou em vigor a EC 41;
• servidores que ainda estavam na atividade, mas que já preenchiam os requisitos para se aposentar
quando entrou em vigor a EC 41;
• servidores que se enquadrarem nas regras de transição do art. 6º da EC 41 e do art. 3º da EC 47.
Desse modo, apesar de não mais existir atualmente a paridade para as novas aposentadorias, inúmeros
aposentados possuem esse direito.
No lugar da paridade, existe hoje o chamado “princípio da preservação do valor real”, previsto no art. 40,
§ 8º, da CF/88, segundo o qual os proventos do aposentado devem ser constantemente reajustados para
que seja sempre garantido o seu poder de compra.
Art. 40 (...)
§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o
valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
41/2003)
Contestação
A União contestou alegando que a GACEN se constitui em vantagem de caráter “pro labore faciendo”, na
medida em que vinculada ao custeio do exercício de uma atividade determinada, motivo pelo qual não
existe justificativa para a sua extensão, pelo mesmo valor, aos aposentados e aos pensionistas que não
trabalham sob as condições especiais que lhe dão ensejo.
A norma estabeleceu que a GACEN seria devida, de forma genérica, ou seja, independentemente de
avaliação de produtividade, “aos titulares dos empregos e cargos públicos de que tratam os arts. 53 e 54
desta Lei, que, em caráter permanente, realizarem atividades de combate e controle de endemias, em
área urbana ou rural, inclusive em terras indígenas e de remanescentes quilombolas, áreas extrativistas e
ribeirinhas”.
A Lei previu que seria possível incorporar essa gratificação na aposentadoria. No entanto, para que ocorra
a incorporação é necessário que a parte demonstre que:
• desempenhava atividades de combate e controle de endemias, em área urbana ou rural, inclusive em
terras indígenas e de remanescentes quilombolas, áreas extrativistas e ribeirinhas; e
• que recebia a gratificação quando ainda estava em atividade.
Dessa forma, os aposentados e pensionistas têm direito ao recebimento da GACEN no mesmo valor que
os servidores da ativa, nos termos do art. 40, §8º da Constituição Federal, desde que tenham preenchido
os requisitos para a aposentação antes de 31 de dezembro de 2003 (art. 7º da EC 41/2003) ou que se
aposentaram com a aplicação das regras de transição do art. 6º da EC 41/2003 ou no art. 3º da EC 47/2005,
com a paridade de vencimentos.
Em suma:
A Gratificação Especial de Atividade de Combate e Controle de Endemias - GACEN é extensível aos
aposentados e pensionistas que se enquadrarem na hipótese legal, pressupondo a percepção da
gratificação quando o servidor ainda estava em atividade.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.966.052-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 2/10/2023 (Info 14
– Edição Extraordinária).
PROCESSO ADMINISTRATIVO
Negado o recurso administrativo interposto contra a multa, a data de vencimento continua
sendo aquela contida na primeira notificação, incidindo juros de mora a partir do primeiro dia
subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa
ODS 16
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.716.010-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 25/9/2023 (Info 14
– Edição Extraordinária).
Em 19/06/2009, a empresa foi notificada da decisão que aplicou a multa, sendo informada de que tinha
30 dias para realizar o pagamento. Isso significa que a empresa tinha até o dia 21/07/2009 para quitar o
débito. Se não houvesse o pagamento, haveria a incidência de juros moratórios.
A empresa, em vez de efetuar o pagamento, decidiu interpor recurso administrativo.
Em 19/11/2009, o recurso administrativo da operadora foi julgado desprovido.
A ANS cobrou, então, a multa imposta acrescida de juros moratórios. A agência considerou que os juros
deveriam ser calculados desde 21/07/2009, quando se encerrou o prazo de 30 dias que a empresa tinha
para pagar.
A empresa, por sua vez, argumentou que os juros de mora deveriam ser contados somente depois de 30
dias do julgamento definitivo, ou seja, depois de 30 dias contados de 19/11/2009.
A operadora do plano de saúde defendeu, portanto, a impossibilidade de incidência dos juros de mora
enquanto não julgado o recurso administrativo, visto que ainda não teria havido a constituição definitiva
do crédito.
Desse modo, temos que buscar a regra que existe na legislação aplicável aos tributos federais, que, no
caso, é a Lei nº 9.430/96.
O art. 61, § 1º, da Lei nº 9.430/96, corrobora o argumento da ANS:
Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela
Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997,
não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora,
calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.
§ 1º A multa de que trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subsequente ao do
vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até o dia em que
ocorrer o seu pagamento.
(...)
Desse modo, a interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios. Esse
entendimento encontra amparo nos arts. 2º e 5º do Decreto-Lei nº 1.736/79, que dispõe sobre débitos
para com a Fazenda:
Art. 2º Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional serão acrescidos, na via
administrativa ou judicial, de juros de mora, contados do dia seguinte ao do vencimento e à razão
de 1% (um por cento) ao mês calendário, ou fração, e calculados sobre o valor originário.
Art. 5º A correção monetária e os juros de mora serão devidos inclusive durante o período em que
a respectiva cobrança houver sido suspensa por decisão administrativa ou judicial.
Registre-se, por oportuno, que a impossibilidade de a agência reguladora dar início aos atos executivos,
para fins de cobrança de seu crédito, antes da conclusão definitiva do processo administrativo, não altera
a data do vencimento da dívida nem impede a constituição em mora do devedor, nos termos da legislação
aplicável aos tributos federais.
Em suma:
A interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios, os quais devem
incidir a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da
multa administrativa, conforme disposição do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.430/1996.
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.716.010-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 25/9/2023 (Info 14 –
Edição Extraordinária).
No mesmo sentido:
Negado o recurso administrativo pela ANS, a data de vencimento do crédito continua sendo aquela
contida na primeira notificação, passando a incidir os juros de mora a partir do primeiro dia subsequente
ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art.
61, § 1º, da Lei nº 9.430/96.
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.494.736/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 29/5/2023.
A interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios, ex vi do disposto
nos arts. 2º e 5º do Decreto-lei n. 1.736/1979, os quais devem incidir a partir do primeiro dia subsequente
ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art.
61, § 1º, da Lei nº 9.430/96.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.890.217/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/6/2023.
Desse modo, a interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios, por
força dos arts. 2º e 5º do Decreto-Lei nº 1.736/1979, os quais devem incidir a partir do primeiro dia
subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme
disposição do art. 61, §1º, da Lei nº 9.430/96.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1574873-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/10/2022 (Info 754).
Ainda que o art. 57 da Lei nº 9.784/99 preveja o curso recursal por até três diversas instâncias
administrativas, não será dado ao sucumbente manejar três sucessivos recursos, mas somente
dois (um perante a instância de origem e um segundo, junto à instância administrativa
imediatamente superior), sob pena de se percorrer quatro instâncias administrativas.
STJ. 1ª Seção. MS 27.102-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 23/8/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
Obs: a Lei nº 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Mandado de segurança
João impetrou mandado de segurança contra o ato do Ministro da Justiça.
O impetrante argumentou que o art. 57 da Lei nº 9.784/99 asseguraria a possibilidade de o servidor
público federal interpor três recursos. Afirmou ter utilizado apenas duas instâncias recursais. Logo, teria o
direito de ter seu terceiro recurso analisado pelo Presidente da República.
Percebe-se, portanto, que não há uma garantia legal de interposição de três sucessivas insurgências
recursais (três recursos). Ao contrário. A regra legal limita a tramitação recursal por apenas três instâncias,
assegurando, portanto, a interposição de duas impugnações recursais, exceto se existente, para o
respectivo rito, “disposição legal diversa”.
Vejamos:
• o servidor que deseja recorrer, irá dirigir (endereçar) o recurso para a autoridade que proferiu a decisão.
É o que prevê o art. 56, § 1º, da Lei;
• assim, o servidor interpõe o primeiro recurso na instância administrativa de base (instância decidiu);
• a autoridade que nesse primeiro nível hierárquico proferiu a decisão impugnada poderá reconsiderá-la
ou não. Essa é a 1ª instância administrativa. Em nosso exemplo, o Superintendente Regional da PF;
• se a decisão for mantida (não houver reconsideração), esse mesmo recurso, será agora encaminhado
para ser apreciado pela autoridade hierárquica imediatamente superior, ou seja, perante a 2ª instância
administrativa. Em nosso exemplo, o Superintendente manteve a sua decisão e, em razão disso,
encaminhou o recurso para ser apreciado pelo Diretor-Geral da PF;
• se o servidor for novamente sucumbente, ele ainda terá direito a uma segunda e nova insurgência
recursal (segundo recurso). Esse segundo recurso será encaminhado e decidido no âmbito da terceira
instância administrativa. Em nosso exemplo, o Ministro da Justiça;
• se esse segundo recurso (que é apreciado pela terceira instância administrativa) for desprovido, não
haverá mais lugar para um terceiro recurso porque isso estaria fora daquilo que prevê o art. 57 da Lei;
• se houvesse um terceiro recurso, como quer João, ele seria apreciado por uma quarta instância
administrativa, o que violaria o art. 57.
Não se deve, portanto, confundir três instâncias administrativas com três recursos administrativos.
O recurso do impetrante passou por três instâncias: 1) o Superintendente Regional da Polícia Federal; 2)
o Diretor-Geral da Polícia Federal; e 3) o Ministro da Justiça.
Ainda que a lei preveja o curso recursal por até três diversas instâncias administrativas, não será dado ao
sucumbente manejar três sucessivos recursos, mas somente dois (um perante a instância de origem e um
segundo, junto à instância administrativa imediatamente superior), sob pena de se percorrer quatro
instâncias administrativas.
Cumpre salientar que a Lei nº 8.112/90, embora não defina o número de instâncias percorríveis, traz
previsão similar quanto ao processamento do recurso, no sentido de que o recurso será interposto perante
a autoridade que proferiu a decisão recorrida, isto é, a instância a quo. Veja:
Art. 107 (...)
§ 2º O recurso será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente
subordinado o requerente.
Aplica-se ao caso, portanto, a regra geral do art. 57 da Lei do Processo Administrativo Federal, no que toca
à limitação de instâncias recursais (tramitação por até três instâncias, dando ensejo, nesse iter, a no
máximo duas interposições recursais).
Em suma:
Ainda que o art. 57 da Lei n. 9.784/1999 preveja o curso recursal por até três diversas instâncias
administrativas, não será dado ao sucumbente manejar três sucessivos recursos, mas somente dois (um
perante a instância de origem e um segundo, junto à instância administrativa imediatamente superior),
sob pena de se percorrer quatro instâncias administrativas.
STJ. 1ª Seção. MS 27.102-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 23/8/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
O contrato de financiamento habitacional celebrado por empresa pública com mutuários, ainda
que de baixa renda, pode conter cláusula de alienação fiduciária e, em caso de inadimplemento,
pode ser realizado o leilão do imóvel, não havendo ilegalidade nessa prática
ODS 16
É possível manter a cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos por empresa
pública estadual criada para executar a política de habitação, como também é admissível o
leilão público dos imóveis quando houver a execução daquela garantia.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.776.983-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/9/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
Alienação fiduciária
“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena
a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra)
obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.”
(RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 827).
Regramento
O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-
B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:
• alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
• alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e
Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento
bancário com garantia de alienação fiduciária.
Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária:
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-
se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste
Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.
Resumindo:
Alienação fiduciária de Alienação fiduciária de
bens MÓVEIS fungíveis e bens MÓVEIS infungíveis
Alienação fiduciária de
infungíveis quando o credor quando o credor fiduciário for
bens IMÓVEIS
fiduciário for instituição pessoa natural ou jurídica (sem
financeira ser banco)
Lei nº 4.728/65 Código Civil de 2002
Lei nº 9.514/97
Decreto-Lei nº 911/69 (arts. 1.361 a 1.368-B)
Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com
o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou
fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)
Feita essa revisão, veja agora o caso concreto enfrentado pelo STJ:
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) é uma empresa
pública estadual criada para executar a política de habitação.
A CDHU celebra contratos de financiamento habitacional para emprestar dinheiro a fim de que pessoas
de baixa renda possam ter sua casa própria.
Nesses contratos, existe uma cláusula de alienação fiduciária, regida pela Lei nº 9.514/97, segundo a qual,
se o mutuário (pessoa que foi beneficiada com o empréstimo) deixar de pagar as parcelas, a propriedade
do imóvel se consolida em nome do fiduciário (CDHU) e o bem será vendido em um leilão, na forma dos
arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/97:
Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante,
consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias,
contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para
a alienação do imóvel.
A Defensoria Pública do Estado ingressou com ação civil pública contra a CDHU e o Estado de São Paulo,
alegando que a inclusão da cláusula de alienação fiduciária em garantia é incompatível com a política
habitacional estadual e que gera consequências muito negativas para os mutuários pois leva à remoção
de famílias de baixa renda de suas moradias em caso de inadimplência.
Argumentou que a execução extrajudicial e o leilão dos imóveis pela CDHU limita o direito de defesa dos
mutuários e possibilita a especulação imobiliária, contrariando o objetivo da política habitacional.
A Defensoria Pública pediu que a CDHU fosse proibida:
• de executar a garantia de alienação fiduciária nos contratos habitacionais já assinados;
• de realizar leilões dos imóveis dos mutuários inadimplentes; e de
• incluir essa cláusula de garantia de alienação fiduciária nos novos contratos.
A discussão chegou até o STJ. Os argumentos da Defensoria Pública foram acolhidos? É ilegal a inclusão
de cláusula de alienação fiduciária nos contratos de financiamento habitacional celebrados pela CDHU
com a população de baixa renda?
NÃO.
Em primeiro lugar, o STJ afirmou que não havia motivo para o Estado de São Paulo figurar no polo passivo
da demanda, sendo ele, portanto, parte ilegítima.
A CDHU é empresa pública, sendo ela a responsável pelos contratos de financiamento habitacional.
As empresas estatais componentes da administração indireta gozam de personalidade jurídica própria e
autonomia em relação ao ente que as criou. No caso, mesmo que o ente federativo (Estado de São Paulo)
seja, a princípio, o responsável pela política de habitação estadual, o ordenamento jurídico faculta-lhe a
possibilidade de delegar tal atribuição à entidade criada com essa finalidade. Foi esse o caso.
Se fosse exigido que o ente delegante (Estado de São Paulo) compusesse o polo passivo com o delegatário
(CDHU) - embora contra aquele primeiro não haja pedido explícito -, haveria o esvaziamento do instituto
da descentralização administrativa, que faculta à administração direta transferir poderes e atribuições a
sujeito de direito distinto e autônomo.
Superado esse ponto, o STJ afirmou que o pedido deveria ser julgado improcedente quanto à CDHU.
Não há, no ordenamento jurídico, dispositivo legal que proíba a inclusão da cláusula de alienação fiduciária
nas aquisições de imóveis para moradia popular. Ao contrário. O atual art. 26-A da Lei nº 9.514/97
expressamente admite o emprego da garantia nos contratos de operações de financiamento habitacional:
Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade
fiduciária e leilão decorrentes de financiamentos para aquisição ou construção de imóvel
residencial do devedor, exceto as operações do sistema de consórcio de que trata a Lei nº 11.795,
de 8 de outubro de 2008, estão sujeitos às normas especiais estabelecidas neste artigo. (Redação
dada pela Lei nº 14.711, de 2023)
Em suma:
É possível manter a cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos por empresa pública estadual
criada para executar a política de habitação, como também é admissível o leilão público dos imóveis
quando houver a execução daquela garantia.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.776.983-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/9/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
TEMAS DIVERSOS
O ente federado pode promover diretamente ação judicial contra operadora privada de plano
de saúde para ressarcimento de valores referentes a prestação de serviço de saúde em
cumprimento de ordem judicial
ODS 16
Se esse tratamento de saúde foi fornecido ao paciente por força de decisão judicial, o STJ
afirma que o ente federativo poderá buscar judicialmente o ressarcimento das despesas
diretamente contra a operadora do plano de saúde.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.945.959-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/10/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
Ressarcimento ao SUS
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o
Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:
Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art.
1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à
saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos
dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do
Sistema Único de Saúde - SUS. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001)
Assim, o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal
das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao
atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.
Apenas a título de curiosidade, na prática funciona assim:
1) O paciente é atendido em uma instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do
SUS;
2) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS
com o Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para identificar as pessoas que
foram atendidas na rede pública e que possuem plano de saúde;
3) A ANS notifica a operadora informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes;
4) A operadora pode contestar isso nas instâncias administrativas, dizendo, por exemplo, que aquele
serviço utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já havia deixado de
ser usuário do plano etc.
5) Não havendo impugnação administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos.
6) Caso não haja pagamento, a operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em dívida ativa da
ANS para, em seguida, serem executados.
7) Os valores recolhidos a título de ressarcimento ao SUS são repassados pela ANS para o Fundo Nacional
de Saúde.
O juiz deferiu a tutela provisória de urgência e a Regina realizou a cirurgia custeada pelo SUS.
Ao final, a tutela foi confirmada e o pedido julgado procedente. Houve o trânsito em julgado.
Depois de um tempo, a Administração Pública constatou que Regina era cliente do plano de saúde
Unimed, que tinha obrigação contratual de custear a bariátrica.
O Estado-membro tentou, administrativamente, conseguir o ressarcimento das despesas com o plano de
saúde, mas o pedido foi negado.
Diante desse cenário, o Estado-membro ajuizou ação contra a Unimed buscando o ressarcimento ao SUS,
com base no art. 32 da Lei nº 9.656/98.
A Unimed contestou apresentando dois argumentos principais:
1) o art. 32 não se aplicaria em casos de serviço prestado pelo SUS por força de decisão judicial;
2) a ANS é quem seria a responsável pelo ressarcimento, e não o Estado.
Em suma:
O ente federado pode promover diretamente ação judicial contra operadora privada de plano de saúde
para ressarcimento de valores referentes a prestação de serviço de saúde em cumprimento de ordem
judicial.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.945.959-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/10/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
O militar temporário não estável, para ter direito à reforma, deve comprovar que é portador
de uma das doenças previstas no inciso V do art. 108, mesmo sem relação de causa e efeito
com a atividade castrense.
O inciso V do art. 108 da Lei nº 6.880/80 estabelece a cegueira como causa de incapacidade
definitiva, sem fazer distinção se ela atinge um ou os dois olhos.
Assim, descabido restringir o âmbito de abrangência da norma, a partir da inserção de texto
nela inexistente, para diminuir a proteção previdenciária que o legislador quis conferir aos
casos que especifica.
STJ. 1ª Turma. Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 2/10/2023
(Info 14 – Edição Extraordinária).
1) adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei nº 6.880/80, que o
incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade
com o serviço militar;
2) quando a incapacidade decorre de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa
e efeito com o serviço militar, que impossibilite o militar, total e permanentemente, de exercer qualquer
trabalho (invalidez total).
STJ. Corte Especial. EREsp 1123371-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Mauro Campbell Marques,
julgado em 19/09/2018 (Info 643).
A União contestou alegando que a cegueira monocular de João não pode ser considerada uma
incapacidade definitiva para o serviço militar, uma vez que não estaria relacionada às atividades militares.
Além disso, a cegueira unilateral não teria o condão de incapacitar totalmente João.
A Corte Especial do STJ, no julgamento dos EREsp 1.123.371/RS - que tratou da reforma de militar
temporário não estável -, fixou o entendimento no sentido de que: “a reforma do militar temporário não
estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V
do art. 108 da Lei 6.880/1980, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da
comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar” (STJ. Corte Especial. EREsp 1123371-RS, Rel.
Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/09/2018. Info 643).
Ou seja, o militar temporário não estável pode ter direito à reforma se comprovar que é portador de uma
das doenças previstas no inciso V do art. 108, mesmo que não haja relação de causa e efeito com a
atividade castrense.
Em suma:
O militar temporário não estável, para ter direito à reforma, deve comprovar que é portador de uma
das doenças previstas no inciso V do art. 108, mesmo sem relação de causa e efeito com a atividade
castrense.
O inciso V do art. 108 da Lei nº 6.880/80 estabelece a cegueira como causa de incapacidade definitiva,
sem fazer distinção se ela atinge um ou os dois olhos.
Assim, descabido restringir o âmbito de abrangência da norma, a partir da inserção de texto nela
inexistente, para diminuir a proteção previdenciária que o legislador quis conferir aos casos que
especifica.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.064.105/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 2/10/2023 (Info 14
– Edição Extraordinária).
DIREITO DO CONSUMIDOR
PLANO DE SAÚDE
A regulamentação e a fiscalização dos denominados
‘cartões de descontos em serviços de saúde’ são de competência da ANS
ODS 3 E 16
O art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.565/98 prevê que a ANS deverá fiscalizar as empresas que atuam
com o “oferecimento de rede credenciada ou referenciada”. Esse é exatamente o tipo de
produto oferecido pelas empresas comercializadoras dos denominados “cartões de desconto
em serviços de saúde”.
A vulnerabilidade dos consumidores que contratam e se valem de tais “cartões de desconto
em serviços de saúde”, via de regra economicamente hipossuficientes sob o ponto de vista
técnico, jurídico e econômico, evidencia e reforça a necessidade da regulamentação e
fiscalização desse produto pela ANS, de forma a tutelar a vida, a saúde e a segurança dos
consumidores, nos exatos termos do CDC e da Lei nº 9.656/98.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.183.704-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/10/2023
(Info 14 – Edição Extraordinária).
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a empresa “TODOS Empreendimentos LTDA”,
bem como contra a ANS e a ANEEL.
A ANS, Agência Nacional de Saúde Suplementar, é uma autarquia sob regime especial (agência
reguladora), criada pela Lei nº 9.961/2000, sendo responsável, dentre outras atribuições, por
regular o setor de planos de saúde no país.
A ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, também é uma autarquia sob regime especial,
criada pela Lei nº 9.427/96, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão,
distribuição e comercialização de energia elétrica no Brasil.
Argumentação do MPF contra a TODOS: a empresa estaria se apresentando, para o público consumidor,
como uma operadora de plano de saúde que fornece a seus segurados descontos em serviços de saúde,
educação e lazer, mediante a utilização do cartão denominado “CARTÃO DE TODOS”. Tratava-se, no
entanto, apenas de um cartão de descontos em serviços de saúde.
O serviço era cobrado mediante o débito nas contas de energia elétrica, o que causava confusão aos
consumidores.
Além de tudo, tal empresa não estava registrada na ANS para operar como plano de saúde.
Argumentação do MPF contra a ANEEL: alegou que a inclusão do pagamento dos “cartões de descontos”
na mesma fatura e código de barras do serviço de energia elétrica é uma prática abusiva, que viola o
Código de Defesa do Consumidor. A agência teria sido omissa ao permitir as cobranças indevidas nas
faturas de energia elétrica.
Argumentação do MPF contra a ANS: alegou que a ANS deveria ter fiscalizado e regulamentado os serviços
prestados pela TODOS, que estaria oferecendo descontos em saúde mas operando à margem da lei.
É lícita a inclusão do pagamento dos “cartões de descontos” na mesma fatura e código de barras do
serviço de energia elétrica?
NÃO.
Há necessidade do controle de legalidade da forma de cobrança dos multicitados “cartões de desconto
em serviço de saúde” em razão do que dispõem os arts. 6º, III e IV; 37, §§1º e 3º, e 39, I, do CDC.
A fatura para pagamento da conta de energia e do multicitado “cartão de desconto em serviço de saúde”
não admite pagamento parcial, e ao consumidor somente é comunicado o direito à cisão das cobranças
quando já inadimplente e sujeito à suspensão do fornecimento de energia elétrica.
Embora seja formalmente facultado ao consumidor notificar a concessionária de energia quanto à
discordância sobre o valor cobrado pelo “cartão de desconto”, tal faculdade não é clara e intuitiva,
reverberando o caráter indevido e coercitivo resultante da cobrança conjunta (casada), que retira a
liberdade de escolha garantida ao consumidor pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Desse modo, não é admissível a cobrança da energia elétrica e do denominado “cartão de descontos em
serviços de saúde” em um único código de barras. Isso porque confunde o consumidor que normalmente
utiliza tal produto - via de regra de baixa renda e portanto mais vulnerável e hipossuficiente - sobre os
serviços e produtos que estão sendo efetivamente pagos, levando-o a uma falsa percepção de que, em
não sendo quitada a dívida do “cartão de descontos”, o fornecimento de energia poderá ser interrompido.
Tal prática desrespeita a legislação consumerista, em especial os arts. 6º, III e IV; 37, §§1º e 3º, e 39, I, do
CDC.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.183.704/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/10/2023.
SIM.
A Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, prevê, em seu
art. 1º:
Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam
planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a
sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990
(Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui
estabelecidas, as seguintes definições:
(...)
§ 1º Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS
qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura
financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o
diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:
(...)
b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada;
Tais dispositivos devem ser interpretados sistematicamente com o CDC, especialmente com os arts. 2º e
6º, I, III, IV e VI, voltados à defesa dos direitos que transcendem o individual, como é o caso da saúde,
consagrando o direito à tutela da vida, da integridade física e a efetiva prevenção dos danos que puderem
advir de práticas abusivas.
A vulnerabilidade dos consumidores que contratam e se valem de tais “cartões de desconto em serviços
de saúde”, via de regra economicamente hipossuficientes sob o ponto de vista técnico, jurídico e
econômico, evidencia e reforça a necessidade da regulamentação e fiscalização desse produto pela ANS,
de forma a tutelar a vida, a saúde e a segurança dos consumidores, nos exatos termos da Lei Consumerista
e da Lei nº 9.656/98.
O STJ já julgou, na Corte Especial, a legitimidade do ato administrativo da ANS consistente na suspensão
de comercialização de produtos (planos de saúde) avaliados negativamente pela autarquia federal.
Tal entendimento deve se estender - principalmente - aos chamados “cartões de desconto em serviços de
saúde”, que seguem a mesma sistemática de oferta, com descontos, de rede credenciada ou referenciada
de atendimento em saúde aos consumidores, porquanto se assemelham aos planos de saúde em regime
de coparticipação, sendo irrelevante, para efeito de tutela dos direitos do consumidor, o fato de os
pagamentos aos profissionais de saúde serem realizados diretamente pelos usuários, e não pelo plano de
saúde.
Desse modo, a atuação da ANS precisa atuar neste caso para garantir a clareza e a adequação das
informações sobre esses produtos, assegurando que seus usuários compreendam eventuais diferenças
existentes para com os tradicionais planos de saúde.
Em suma:
A regulamentação e a fiscalização dos denominados "cartões de descontos em serviços de saúde" são
de competência da Agência Nacional de Saúde.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.183.704-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/10/2023 (Info 14
– Edição Extraordinária).
DIREITO AMBIENTAL
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
O autuado por infração ambiental pode ser intimado por edital para
apresentar alegações finais no processo administrativo federal?
ODS 16
Observação inicial
Este julgado trata de questões relacionadas ao processo administrativo para apuração de infrações
ambientais e as formas de intimação para apresentação de alegações finais, segundo as regras do Decreto
nº 6.514/2008, no período de 2008 e 2019.
O Decreto nº 6.514/2008 prevê quais são as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e
estabelece o processo administrativo para apuração destas infrações.
Assim, a autoridade julgadora poderia decidir, por exemplo, que a empresa deveria receber multa de R$
18 mil.
Em um caso concreto semelhante a esse, considerando o período em que os fatos ocorreram (2015), o
STJ reconheceu que houve nulidade do processo administrativo em razão da intimação por edital?
NÃO.
Caso adaptado: após uma denúncia anônima, agentes ambientais foram fiscalizar uma
propriedade rural denominada Fazenda Florestal, ocasião em que constataram que o
proprietário, João, desmatou extensa área de floresta nativa do Bioma Amazônico sem
autorização ou licença do órgão ambiental competente. Foi lavrado auto de infração.
O Ministério Público ingressou com ação civil pública contra João pedindo que ele fosse
condenado: 1) em obrigação de não fazer, consistente em não mais desmatar as áreas de
floresta nativa do seu imóvel; 2) em obrigação de fazer, consistente em restaurar o meio
ambiente de todos os danos causados; 3) a pagar danos morais em favor da coletividade.
Constatando-se que, por meio de desmatamento não autorizado, causaram-se danos à
qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, não tem pertinência, para a solução
da causa, o chamado princípio da tolerabilidade.
Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do art. 225, § 3º, da Constituição
Federal e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, reconhece a necessidade de reparação integral
da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, não fazer
e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.989.778-MT, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/9/2023 (Info 14 –
Edição Extraordinária).
Imagine que determinada empresa causou grave dano ambiental. O Ministério Público (ou outro
legitimado) poderá ajuizar ação civil pública pedindo que essa empresa seja condenada a recompor o
meio ambiente (obrigação de fazer)?
SIM, sem nenhuma dúvida.
Além disso, é possível que, na ACP, seja pedida a condenação da empresa ao pagamento de danos
morais em favor da coletividade (obrigação de indenizar)? Em outras palavras, em caso de dano
ambiental, é cabível a cumulação da obrigação de fazer (ou não fazer) com a obrigação de indenizar?
SIM. É perfeitamente possível que o poluidor seja condenado, cumulativamente, a recompor o meio
ambiente e a pagar indenização pelos danos causados. Isso porque vigora, em nosso sistema jurídico, o
princípio da reparação integral do dano ambiental, de modo que o infrator deverá ser responsabilizado
por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, permitindo-se que haja a cumulação de obrigações de
fazer, de não fazer e de indenizar.
Importante esclarecer que não há “bis in idem” neste caso, considerando que as condenações possuem
finalidades e naturezas diferentes.
Vale ressaltar, por fim, que, apesar dessa possibilidade existir em tese, a condenação, no caso concreto, e
o seu eventual valor dependerão da situação:
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado segundo o qual é possível a cumulação de
obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar nos casos de lesão ao meio ambiente, contudo, a
necessidade do cumprimento de obrigação de pagar quantia deve ser aferida em cada situação analisada.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1538727/SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 07/08/2018.
O juiz e o Tribunal de Justiça não concordaram com a condenação do réu em danos morais coletivos.
O TJ alegou que não seria possível reconhecer o dano moral, porque, para isso, seria necessário que a
lesão ambiental tivesse ultrapassado os limites da tolerabilidade. Argumentou ainda que não havia nos
autos elementos suficientes para confirmar que o desmatamento realizado causou intranquilidade social
ou alterações relevantes à coletividade local.
O Ministério Público interpôs recurso especial alegando que, no caso concreto, trata-se de dano moral
coletivo in re ipsa.
Assim, constatado o dano ambiental - e não mero impacto negativo decorrente de atividade regular, que,
por si só, já exigiria medidas mitigatórias ou compensatórias -, incide a Súmula 629/STJ: “Quanto ao dano
ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de
indenizar”.
Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art.
14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio
ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos
danos morais coletivos.
Ao contrário do que afirmou o TJ, não era exigida uma “situação fática excepcional” para haver a
condenação por danos morais. O STJ entende que, em matéria ambiental, “os danos morais coletivos são
presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. A
configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa” (STJ. 2ª
Turma. REsp 1.940.030/SP, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 6/9/2022).
Há precedentes no STJ reconhecendo que a prática do desmatamento, em situações como a do caso, pode
ensejar dano moral:
Quem ilegalmente desmata, ou deixa que desmatem, floresta ou vegetação nativa responde
objetivamente pela completa recuperação da área degradada, sem prejuízo do pagamento de indenização
pelos danos, inclusive morais, que tenha causado.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.058.222/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 4/5/2011.
No caso, o ilícito sob exame não pode ser considerado de menor importância, uma vez que houve
exploração de 15,467 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação, na região amazônica,
com exploração madeireira e abertura de ramais, sem autorização do órgão ambiental competente.
Assim, constatado o dano ambiental e não o mero impacto negativo decorrente de atividade regular,
incide a Súmula 629/STJ.
Em suma:
O desmatamento e a exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão
ambiental competente, cuja conduta tem ocasionado danos ambientais no local, constitui infração
ambiental e gera indenização por dano moral coletivo in re ipsa, incidindo a Súmula 629/STJ.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.989.778-MT, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/9/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
COMPETÊNCIA
Compete à Justiça Federal julgar a causa, estabelecida entre particulares, que tem por objeto
reintegração de posse de imóvel que faz parte de comunidade quilombola
ODS 16
Caso adaptado: Regina ajuizou ação de reintegração de posse de um imóvel localizado em uma
comunidade quilombola. A ação foi proposta contra João, sendo ajuizada inicialmente na
Justiça Estadual. O Juízo de Direito declinou sua competência, argumentando que se tratava
de uma área integrante de comunidade quilombola e que o INCRA havia emitido uma licença
de ocupação para um indivíduo particular. O Juízo Federal devolveu o processo ao Juízo
estadual, alegando que a disputa ocorria entre particulares e não envolvia discussão sobre o
domínio do imóvel. No entanto, a controvérsia se destaca por envolver uma licença de
ocupação do INCRA, reconhecendo a posse de João.
O STJ decidiu que a competência é da Justiça Federal porque há interesse da União. A Instrução
Normativa nº 49 do INCRA estabelece que cabe a esta autarquia a gestão de questões
relacionadas às terras ocupadas por comunidades quilombolas. Identificado o interesse
jurídico da União, devido à atuação do INCRA em matéria fundiária envolvendo área
quilombola, a competência para julgar o caso recai sobre a Justiça Federal, conforme
estabelecido pelo art. 109, I, da CF/88. Assim, levando em conta as importantes implicações
das ações possessórias e a existência de uma disputa sobre um imóvel demarcado e atribuído
à comunidade quilombola, cabe exclusivamente ao Juízo federal resolver a questão.
STJ. 1ª Seção. CC 190.297-AP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 27/9/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
Quilombolas
O art. 68 do ADCT da CF/88 estabelece:
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
áreas quilombolas são áreas pertencentes às comunidades dos quilombos, sendo, portanto, particulares
(art. 68 do ADCT).
O juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Macapá suscitou, então, conflito negativo de competência perante
o Superior Tribunal de Justiça.
O que decidiu o STJ? A competência para julgar essa causa é da Justiça Estadual ou Federal?
Justiça Federal.
A ação originária, estabelecida entre particulares, tem por objeto a reintegração de posse de imóvel que
faz parte da comunidade quilombola, conforme lista da Coordenação das Comunidades Quilombolas do
Amapá - CONAQ/AP.
Em se tratando de ação possessória, em regra, não cabe a discussão sobre o domínio. Contudo, há duas
exceções:
1) quando os litigantes disputam a posse alegando propriedade ou;
2) quando duvidosa ambas as posses suscitadas.
No caso, a controvérsia reside na segunda exceção, tendo em vista que há evidente debate sobre a
legitimidade da posse do imóvel que constitui objeto da ação de reintegração.
No caso, consta licença de ocupação, expedida pelo INCRA, dando reconhecimento de posse a Pedro.
O art. 5º da Instrução Normativa n. 49 do INCRA dispõe que lhe compete a identificação, o
reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação e o registro imobiliário das terras
ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Logo, existe interesse jurídico da União, explicitado pela atuação da autarquia federal agrária em matéria
fundiária coletiva, notadamente envolvendo área quilombola, suficiente para atrair a competência da
Justiça Federal, ex vi do art. 109, I, da Constituição Federal.
Além disso, compete ao INCRA (art. 3º do Decreto n. 4.887/2003) a tarefa de demarcação e titulação de
terras ocupadas por comunidade remanescente de quilombo, o que evidencia o interesse da União na
demanda, representado por meio da aludida autarquia.
Assim, considerando as repercussões das ações possessórias, bem como a existência de disputa sobre
imóvel demarcado e cuja titularidade foi atribuída à comunidade quilombola, cabe exclusivamente ao
Juízo federal resolver a questão.
Em suma:
Compete à Justiça Federal julgar a causa, estabelecida entre particulares, que tem por objeto
reintegração de posse de imóvel que faz parte de comunidade quilombola.
STJ. 1ª Seção. CC 190.297-AP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 27/9/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
Caso hipotético: João, servidor público federal, ajuizou ação contra a União pedindo o
pagamento das parcelas atrasadas de uma gratificação que ele tinha direito.
Em 2013, o juiz julgou o pedido procedente determinando o pagamento das parcelas
atrasadas, acrescidas de juros e correção monetária. Na sentença, constou que o índice de
correção monetária deveria ser a Taxa Referencial (caderneta de poupança), prevista no art.
1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
O autor não recorreu. A Fazenda Nacional, por sua vez, apelou, mas a sentença foi mantida pelo
TRF. Em julho de 2017 (antes da decisão do STF no Tema 810), houve o trânsito em julgado.
Em 2018, no cumprimento de sentença, João pediu para que os atrasados fossem calculados
com base no IPCA-E (e não pela TR). Invocou a decisão do STF no Tema 810 (RE 870.947/SE)
na qual a TR foi declarada inconstitucional.
O pedido de João não pode ser acolhido sob pena de violar a coisa julgada.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 2.097.689-PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
4/12/2023 (Info 14 – Edição Extraordinária).
A REDAÇÃO ATUAL DO ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 É INAPLICÁVEL NO TOCANTE À CORREÇÃO MONETÁRIA
Antes de explicar o que decidiu o STJ neste Informativo, é necessário relembrar o entendimento
jurisprudencial segundo o qual a aplicação da TR como índice de correção monetária é inconstitucional.
Em 2019, o juiz julgou os pedidos procedentes determinando o pagamento das parcelas atrasadas,
acrescidas de juros e correção monetária.
Na sentença, constou que o índice de correção monetária deveria ser o IPCA-E.
A Fazenda Pública recorreu argumentando que a correção monetária deveria seguir a Taxa Referencial
(caderneta de poupança), prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97:
Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e
para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a
incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e
juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)
Levará alguns meses ou anos até que a ação chegue ao fim. Dessa forma, como há essa demora em o
processo terminar, a legislação prevê que o órgão judicial, ao condenar a Fazenda Pública, deverá
determinar que ela pague a quantia principal acrescida de juros e correção monetária.
Assim, em nosso primeiro exemplo, o juiz irá determinar que a União pague as gratificações atrasadas
acrescidas de juros e correção monetária. No segundo exemplo, o magistrado condenará o INSS a pagar
as prestações pretéritas da aposentadoria mais juros e correção monetária.
Quais os índices de juros e correção monetária que a Lei prevê para esses casos?
O tema é tratado no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97:
Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e
para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a
incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e
juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960/2009)
Desse modo, de acordo com esse dispositivo, deveriam ser adotados os seguintes parâmetros:
• correção monetária: índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (este índice é
chamado de TR — Taxa Referencial);
• juros de mora: juros simples no mesmo percentual que é pago na poupança (0,5% ao mês / 6% ao ano).
Assim, de acordo com o texto da Lei, quando a Fazenda Pública estivesse em débito (atraso), a correção
monetária e os juros de mora deveriam adotar os índices e percentuais aplicáveis às cadernetas de poupança.
Esse art. 1ºF da Lei nº 9.494/97 é constitucional? O que decidiu o STF a respeito?
O tema deve ser analisado de acordo com a natureza dos débitos discutidos em juízo.
Quanto à CORREÇÃO MONETÁRIA, o STF afirmou que a previsão do art. 1ºF é inconstitucional.
A correção monetária é simplesmente uma forma de manter o poder de compra da moeda. Se uma pessoa
tem R$ 100 mil hoje, não significa que daqui a dois anos esses R$ 100 mil conseguirão comprar as mesmas
coisas. O normal é que não, em virtude da inflação. Logo, a correção monetária tem por objetivo fazer
com que o valor de compra da moeda seja “atualizado”.
O art. 1º-F afirma que a correção monetária deve ser feita pelo índice oficial da poupança (que é chamado
de TR — Taxa Referencial). Ocorre que isso não consegue evitar a perda de poder aquisitivo da moeda.
Esse índice (TR) é fixado ex ante, ou seja, previamente, a partir de critérios técnicos não relacionados com
a inflação considerada no período. Em outras palavras, a TR é calculada antes de a inflação ocorrer. Assim,
a remuneração da caderneta de poupança – diferentemente de qualquer outro índice oficial de inflação –
é sempre prefixada. Essa circunstância deixa claro que existe uma desvinculação entre a remuneração da
poupança e a evolução dos preços da economia, isto é, a TR não capta a variação da inflação.
A inflação é um fenômeno tipicamente econômico-monetário e, portanto, mostra-se insuscetível de
captação apriorística (ex ante). Não dá para se ter certeza do quanto será a inflação e estabelecer um
índice antes que ela ocorra.
Por essa razão, diz-se que todo índice definido ex ante é incapaz de refletir a real flutuação de preços
apurada no período em referência. É o caso da TR (poupança).
Dessa maneira, como este índice não consegue manter o valor real da condenação, ele afronta à própria
decisão judicial, tendo em vista que o valor real do crédito previsto na condenação judicial não será o valor
que o credor irá receber efetivamente. Este valor terá sido corroído pela inflação.
A finalidade da correção monetária consiste em deixar a parte na mesma situação econômica que se
encontrava antes. Nesse sentido, o direito à correção monetária é um reflexo imediato da proteção da
propriedade.
A título de curiosidade, veja como a TR é um índice completamente injusto e que não garante o poder de
compra:
Imaginemos que, em maio de 2009, a pessoa possuía um crédito de R$ 100 mil para receber da União.
Se aplicarmos a TR, em dezembro de 2014 esse crédito estará em R$ 103.572,42 (cento e três mil,
quinhentos e setenta e dois reais e quarenta e dois centavos). É óbvio que nesses 5 anos o valor da inflação
foi superior a isso, ou seja, mesmo com a correção monetária, a pessoa perdeu poder de compra.
Se aplicarmos o IPCA-E como índice de correção monetária neste mesmo período, esse crédito será
equivalente a R$ 137.913,29 (cento e trinta e sete mil, novecentos e treze reais e vinte e nove centavos).
Perceba que a diferença supera 30%.
Em suma, a taxa básica de remuneração da poupança não mede, de forma adequada, a inflação acumulada
do período e, portanto, não pode servir de parâmetro para a correção monetária.
O STF assim decidiu, fixando a seguinte tese:
O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a
atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da
caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de
propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a
variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
STF. Plenário. RE 870947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/9/2017 (Repercussão Geral – Tema 810)
(Info 878).
Quanto aos JUROS DE MORA relacionados com dívidas não-tributárias, o STF afirmou que o índice previsto
no art. 1º-F é válido (constitucional).
O STF entendeu que não há qualquer inconstitucionalidade no fato de a lei ter previsto que os juros
moratórios das dívidas não-tributárias seriam equivalentes aos da caderneta de poupança.
Assim, no caso de juros moratórios quanto a débitos não-tributários da Fazenda Pública, continua sendo
aplicado o art. 1º-F.
É o que acontece, por exemplo, quando a Fazenda Pública é condenada a pagar benefícios previdenciários
ou verbas a servidores públicos. Em tais situações, os juros moratórios serão os da poupança.
O STF assim decidiu, fixando a seguinte tese:
Quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios
segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
STF. Plenário. RE 870947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/9/2017 (Repercussão Geral – Tema 810)
(Info 878).
Resumindo:
O que previa o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97? O que previa o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97?
• Correção monetária: índice oficial de • Correção monetária: índice oficial de
remuneração básica da poupança (TR); remuneração básica da poupança (TR);
• Juros de mora: juros no mesmo percentual que • Juros de mora: juros no mesmo percentual que
é pago na poupança (0,5% a.m. / 6% a.a.). é pago na poupança (0,5% a.m. / 6% a.a.).
Tanto os índices de juros como de correção economia, não sendo capaz de fazer a correta
monetária previstos no art. 1º-F são atualização monetária. Logo, há uma violação do
inconstitucionais. direito à propriedade.
• Quanto aos juros de mora: o art. 1º-F é
constitucional.
A redação atual do art. 1º-F da Lei n. 9.494/2007 é inaplicável no tocante à correção monetária.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 638.541-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21/11/2023
(Info 798).
O IPCA-E NÃO DEVERÁ SER APLICADO SE O TÍTULO EXECUTIVO DETERMINOU A INCIDÊNCIA DO ART. 1º-F
DA LEI Nº 9.494/97 E TRANSITOU EM JULGADO
Imagine uma segunda situação hipotética:
Em 2011, João, servidor público federal, ajuizou ação contra a União pedindo para que:
a) fosse reconhecido que ele tem direito à gratificação X;
b) a gratificação seja incorporada aos seus vencimentos mensais; e que
c) o Poder Público seja condenado a pagar as parcelas atrasadas desta gratificação relativas aos últimos
cinco anos.
Em 2013, o juiz julgou os pedidos procedentes determinando o pagamento das parcelas atrasadas,
acrescidas de juros e correção monetária.
Na sentença, constou que o índice de correção monetária deveria ser a Taxa Referencial (caderneta de
poupança), prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97:
Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e
para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a
incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e
juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)
O autor não recorreu. A Fazenda Nacional, por sua vez, apelou, mas a sentença foi mantida pelo TRF.
Em julho de 2017 (antes da decisão do STF no Tema 810), houve o trânsito em julgado.
Cumprimento de sentença
Logo em seguida, o servidor deu início à execução do julgado.
A contadoria judicial elaborou planilha de cálculos aplicando o índice oficial de remuneração básica da
caderneta de poupança (TR) para definir o valor das parcelas atrasadas, nos moldes da Lei nº 9.494/97,
com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
Esses cálculos foram homologados pelo juiz.
Em março de 2018, João interpôs agravo de instrumento afirmando que não deveria incidir a TR, mas sim
o IPCA-E para fins de cálculos dos atrasados. Invocou a decisão do STF no Tema 810 (RE 870.947/SE).
O TRF negou provimento ao recurso argumentando que o título judicial foi constituído antes do
julgamento, em 20/09/2017, do RE 870.947/SE.
No caso, como não houve a irresignação das partes, seja pela via ordinária ou a da ação rescisória, a
decisão foi acobertada pelo manto da coisa julgada material.
Ainda inconformado, João interpôs recurso especial insistindo na alegação de que a TR foi julgada
inconstitucional e que, portanto, deveria ser aplicado o IPCA.
O título executivo transitou em julgado, de forma que a decisão se encontra acobertada pelo manto da
coisa julgada material.
O STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que, em tais casos, não é possível alterar, na fase
de liquidação da sentença, os índices fixados no título executivo transitado em julgado. Nesse sentido:
A modificação, na fase de liquidação, do índice de juros de mora especificamente estabelecido em decisão
transitada em julgado e proferida após o advento do Código Civil de 2002 e da Lei 11.960/2009 constitui
inegável ofensa à coisa julgada.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1565926/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 22/10/2019.
Não se desconhece a natureza de questão de ordem pública dos juros legais, conforme entendimento
pacífico do STJ. Todavia, tal natureza não é capaz de se impor sobre outras questões da mesma ordem, tal
como a coisa julgada e a preclusão.
STJ. 2ª Turma. REsp 1783281/PE, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 29/10/2019.
Neste julgado do STJ são discutidas várias hipóteses interessantes. O caso de João se enquadra nos itens
VI e VII da ementa:
(...) IV - Segundo a jurisprudência desta Corte, a correção monetária e os juros moratórios constituem
parcelas de natureza processual, razão pela qual a alteração introduzida pela Lei n. 11.960/2009 se aplica
de imediato aos processos em curso, no que concerne ao período posterior à sua vigência, à luz do
princípio tempus regit actum.
V - A partir de tal compreensão, conclui-se que, na fase de execução, a coisa julgada não impede a
aplicação da Lei n. 11.960/2009 no tocante aos títulos formados anteriormente à sua vigência ou quando
o processo de conhecimento, embora transitado em julgado em momento posterior, nele não se debateu
sobre a incidência de tal norma por motivo não imputável à parte interessada.
VI - Por outro lado, quando a questão dos juros moratórios e da correção monetária foi esgotada na fase
cognitiva, examinando-se a controvérsia já na vigência da Lei n. 11.960/2009, deve-se prevalecer a higidez
da coisa julgada, independentemente do acerto da solução adotada no caso concreto em relação às teses
definidas no julgamento dos Temas n. 810/STF e n. 905/STJ.
VII - Nessa hipótese, devem prevalecer os parâmetros fixados na sentença transitada em julgado, sendo
incabível ao juízo da execução redefinir o título executivo nesse aspecto, sob pena de violação da coisa
julgada.
VIII - Na hipótese dos autos, o título exequendo se formou anteriormente à vigência da Lei n. 11.960/2009,
razão pela qual a alteração de tal critério não importa em afronta à coisa julgada. (...)
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.747.882/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 6/3/2023.
Nenhuma dessas três hipóteses excepcionais estava presente no caso de João, razão pela qual não é
possível alterar o índice da correção monetária.
Em suma:
Ofende a coisa julgada a alteração de índices de juros e correção monetária posterior ao advento do
CC/2002 e à Lei nº 11.960/2009.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 2.097.689-PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/12/2023
(Info 14 – Edição Extraordinária).
EXECUÇÃO (IMPENHORABILIDADE)
É possível a penhora dos valores decorrentes de recompra dos
Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E)
ODS 4 E 16
As instituições de ensino superior que prestam serviços educacionais para alunos do FIES são
remuneradas com Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E). Esses certificados
devem ser usados exclusivamente para a quitação de tributos federais, sendo impenhoráveis
com base no art. 833, I, do CPC.
Caso a instituição de ensino não possua débitos relativos a esses tributos ou, ainda, caso, após
a quitação dos tributos, reste algum excedente de títulos em sua posse, ela poderá oferecê-los
no processo de recompra realizado pelo agente operador. Nesse caso, o FNDE resgata esses
títulos junto às mantenedoras e entrega o valor financeiro equivalente ao resgate atualizado
pelo IGP-M (art. 13 da Lei nº 10.260/2001).
Assim, se esses certificados forem ser recomprados pela FNDE, os valores que a instituição de
ensino auferir com essa operação poderão ser penhorados.
STJ. 1ª Turma. REsp 2.039.092-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 22/8/2023 (Info 14 –
Edição Extraordinária).
FIES
FIES é a sigla para Fundo de Financiamento Estudantil, programa desenvolvido no âmbito do Plano
Nacional de Educação (PNE), instituído pelo Ministério da Educação.
Sua finalidade primordial é a concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos
da educação profissional, técnica e tecnológica, e em programas de mestrado e doutorado com avaliação
positiva, conforme determinado pelo art. 1º, caput e § 1º, da Lei nº 10.260/2001.
Trata-se de programa de fundamental importância porque busca concretizar o direito fundamental de
acesso à educação para todos, previsto no art. 205 da CF/88, principalmente por se tratar de uma política
pública que prioriza a promoção de acesso de famílias de baixa renda à educação superior.
CFT-E
O CFT-E está disciplinado no art. 7º da Lei nº 10.260/2001:
Art. 7º Fica a União autorizada a emitir títulos da dívida pública em favor do FIES.
§ 1º Os títulos a que se referem o caput serão representados por certificados de emissão do
Tesouro Nacional, com características definidas em ato do Poder Executivo.
§ 2º Os certificados a que se refere o parágrafo anterior serão emitidos sob a forma de colocação
direta, ao par, mediante solicitação expressa do FIES à Secretaria do Tesouro Nacional.
§ 3º Os recursos em moeda corrente entregues pelo FIES em contrapartida à colocação direta dos
certificados serão utilizados exclusivamente para abatimento da dívida pública de
responsabilidade do Tesouro Nacional.
Na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos CFT-E são repassados às Instituições
de Ensino Superior (IES).
A instituição pode utilizar esses títulos para pagar contribuições sociais previdenciárias. Se a instituição
não tiver débitos de contribuições previdenciárias, pode utilizá-los para quitar os demais tributos federais,
conforme determinam o art. 10, caput e o § 3º, da Lei nº 10.260/2001:
Art. 10. Os certificados de que trata o art. 7º serão utilizados para pagamento das contribuições
sociais previstas nas alíneas a e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de
1991, bem como das contribuições previstas no art. 3º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007.
(...)
§ 3º Não havendo débitos de caráter previdenciário, os certificados poderão ser utilizados para o
pagamento de quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, e
respectivos débitos, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar,
exigíveis ou com exigibilidade suspensa, bem como de multas, de juros e de demais encargos legais
incidentes.
E se a IES não tiver mais débitos tributários para pagar com os títulos?
Caso a mantenedora não possua débitos relativos a esses tributos ou, ainda, caso, após a quitação dos
tributos, reste algum excedente de títulos em sua posse, ela poderá oferecê-los no processo de recompra
realizado pelo agente operador.
Nesse caso, o FNDE resgata esses títulos junto às mantenedoras e entrega o valor financeiro equivalente
ao resgate atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). Veja a redação do art. 13 da Lei nº
10.260/2001:
Art. 13. O Fies recomprará, no mínimo a cada trimestre, ao par, os certificados aludidos no art. 9º,
mediante utilização dos recursos referidos no art. 2º, ressalvado o disposto no art. 16, em poder
das instituições de ensino que atendam ao disposto no art. 12.
Muito mais que constituir simples remuneração por serviços prestados, os créditos recebidos
do FIES retribuem a oportunidade dada aos estudantes de menor renda de obter a formação de nível
superior, de aumentar suas chances de inserção no mercado de trabalho formal e, por conseguinte, de
melhorar a qualidade de vida da família.
Como se vê, são recursos vinculados a um fim social, e, portanto, impenhoráveis.
Permitir a penhora desses recursos públicos transferidos às instituições particulares de ensino poderia
frustrar a adesão ao programa e, em consequência, o atingimento dos objetivos por ele traçados.
A 1ª Turma do STJ, que julga matérias de direito público (como recursos decorrentes de execuções fiscais),
entende que a impenhorabilidade decorre do art. 833, I, do CPC:
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
A 1ª Turma do STJ afirma que essa impenhorabilidade não pode se basear no inciso IX do art. 833 porque,
para que incida esse dispositivo, não basta a demonstração da origem pública dos recursos transferidos a
instituições privadas, sendo imprescindível atestar a vinculação dos valores a despesas com educação,
saúde ou assistência social. Os encargos financeiros decorrentes da prestação de serviços educacionais
abrangidos pelas operações do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) são custeados pelo Poder
Público mediante a entrega dos Certificados Financeiros do Tesouro Série E (CFT-E) às instituições de
ensino superior aderentes ao programa, com expressa previsão legal de seu emprego para a quitação, em
caráter exclusivo, de tributos federais, vencidos ou vincendos, nos termos do art. 10, caput e § 3º da Lei
nº 10.260/2001. Tais títulos, portanto, não são compulsoriamente aplicados em educação, o que afasta a
incidência da regra de impenhorabilidade descrita no art. 833, IX, do CPC.
É possível, no entanto, considerar que esses títulos sejam impenhoráveis com base no inciso I do art. 833
porque eles são bens inalienáveis por força de lei.
Com efeito, o art. 10, § 1º, da Lei nº 10.260/2001 afirma que é vedada a negociação dos CFT-E entre
pessoas jurídicas de direito privado. Logo, a lei qualifica os CFT-E como bens fora do comércio, de sorte
que se enquadram no art. 833, I, do CPC.
Os certificados em poder das instituições de ensino, recomprados pelo FIES e que excederem os débitos
previdenciários e tributários destas, estão sujeitos à penhora.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.760.784-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 6/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).
É possível a penhora dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro Série
E (CFT-E).
STJ. 1ª Turma. REsp 2.039.092-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 22/8/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
A impossibilidade de excussão dos CFT-E per se não é extensível ao numerário entregue às instituições de
ensino superior em decorrência do procedimento de recompra descrito no art. 13 da Lei nº 10.260/2001,
pois uma vez cumpridos os requisitos previstos no art. 12 do mesmo diploma normativo, o FIES pode
readquirir os títulos creditícios, hipótese na qual o montante decorrente da operação deve ser depositado
diretamente em conta dos entes beneficiários, passando, assim, à esfera de livre disponibilidade das
pessoas jurídicas aderentes ao programa governamental, sem qualquer imposição legal ou regulamentar
de sua aplicação compulsória em atividades educacionais.
A constrição de valores de recompra dos CFT-E equivale a penhora de crédito regulada pelo art. 855 do
CPC, medida judicial cujo deferimento antecede a operação de resgate de títulos representativos de dívida
mediante a vinculação das quantias futuras ao processo executivo, de modo a obstar o pagamento direto
ao executado.
EXECUÇÃO FISCAL
O Tema 444/STJ tratou sobre o redirecionamento contra os sócios da pessoa jurídica executada
e que foi dissolvida irregularmente; apesar disso, esse entendimento pode ser aplicado também
para outros responsáveis tributários, como é o caso do fiador da pessoa jurídica executada
ODS 16
O entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.201.993/SP (Tema 444), no sentido de que “a
decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da
Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora”, pode
ser aplicado em relação aos demais responsáveis tributários.
STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.733.325-SP, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em
23/10/2023 (Info 14 – Edição Extraordinária).
Redirecionamento
Quando a Fazenda Pública ajuíza uma execução fiscal contra a empresa e não consegue localizar bens
penhoráveis, o CTN prevê a possibilidade de o Fisco REDIRECIONAR a execução incluindo no polo passivo
como executadas algumas pessoas físicas que tenham relação com a empresa, desde que fique
demonstrado que elas praticaram atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos. É o que prevê o art. 135 do CTN:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
Assim, os sócios, como regra geral, não respondem pessoalmente (com seu patrimônio pessoal) pelas
dívidas da sociedade empresária. Isso porque vigora o princípio da autonomia jurídica da pessoa jurídica
em relação aos seus sócios. A pessoa jurídica possui personalidade e patrimônio autônomos, que não se
confundem com a personalidade e patrimônio de seus sócios. No entanto, se o sócio praticou atos com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III), ele utilizou o instituto da
personalidade jurídica de forma fraudulenta ou abusiva, podendo, portanto, ser responsabilizado
pessoalmente pelos débitos.
Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato de a pessoa jurídica estar em débito com o Fisco não autoriza
que o sócio pague pela dívida com seu patrimônio pessoal. É necessário – repito – que ele tenha praticado
atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III). A fim de que
não houvesse dúvidas quanto a isso, o STJ editou o seguinte enunciado:
Súmula 430-STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a
responsabilidade solidária do sócio-gerente.
Empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal e não comunica aos órgãos competentes,
presume-se que foi dissolvida irregularmente
Domicílio tributário (ou fiscal) é o lugar, cadastrado na repartição tributária, onde o sujeito passivo poderá
ser encontrado pelo Fisco. Dessa feita, se a Administração Tributária tiver que enviar uma notificação fiscal
para aquele contribuinte, deverá encaminhar para o endereço constante como seu domicílio fiscal.
As regras para a definição do domicílio tributário estão previstas no art. 127 do CTN.
Se a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, presume-se que ela deixou de existir (foi
dissolvida). E o pior: foi dissolvida de forma irregular, o que caracteriza infração à lei e permite o
redirecionamento da execução.
Assim, por exemplo, em uma execução fiscal, caso não se consiga fazer a citação da empresa porque ela
não mais está funcionando no endereço indicado como seu domicílio fiscal, será possível concluir que ela
foi dissolvida irregularmente, ensejando o redirecionamento da execução, conforme entendimento
sumulado do STJ:
Súmula 435-STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio
fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para
o sócio-gerente.
Segundo explica o Min. Mauro Campbell Marques ao comentar a origem da súmula, “o sócio-gerente tem
o dever de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da
empresa e a sua dissolução. Ocorre aí uma presunção da ocorrência de ilícito. Este ilícito é justamente a
não obediência ao rito próprio para a dissolução empresarial (...)” (REsp 1.371.128-RS).
O STJ discutiu, no REsp 1.201.993-SP, qual seria o termo inicial da prescrição para redirecionamento da
execução fiscal em um caso específico: a dissolução irregular da empresa.
Primeira pergunta: existe um prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal? Existe um
prazo para que o Fisco (exequente) requeira ao juiz que redirecione a execução fiscal (que estava
tramitando apenas contra a pessoa jurídica) para incluir também a pessoa física?
O legislador não disciplinou, de forma particularizada, a prescrição para as hipóteses de redirecionamento
da execução fiscal. Em outras palavras, não existe um dispositivo específico tratando sobre o tema.
O art. 174 do CTN trata, de forma genérica, sobre prescrição da obrigação tributária:
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data
da sua constituição definitiva.
Apesar disso, o STJ afirmou, com razão, que o redirecionamento não pode ser imprescritível.
Logo, o STJ afirmou que esse mesmo prazo de 5 anos deve ser utilizado para o caso de redirecionamento.
Assim, vigora o seguinte: o redirecionamento da execução fiscal deve ocorrer no prazo de 5 anos, sob pena
de prescrição.
O ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 444 PODE SER APLICADO PARA OS DEMAIS RESPONSÁVEIS
TRIBUTÁRIOS
O REsp 1.201.993-SP tratou sobre o redirecionamento contra os sócios da pessoa jurídica executada e que
foi dissolvida irregularmente.
Apesar disso, o STJ afirmou que o mesmo entendimento pode ser aplicado para outros responsáveis
tributários, como é o caso do fiador da pessoa jurídica executada.
Em suma:
O entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.201.993/SP (Tema 444), no sentido de que "a decretação
da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro
que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora", pode ser aplicado em relação aos demais
responsáveis tributários.
STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.733.325-SP, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em
23/10/2023 (Info 14 – Edição Extraordinária).
PROCESSO COLETIVO
Aplica-se o entendimento exarado pelo STF no julgamento do ARE 709.212/DF ao cumprimento
de sentença coletiva que se pretende a execução individual dos direitos referentes à cobrança
de valores não depositados no FGTS.
ODS 16
PRAZO PRESCRICIONAL PARA COBRANÇA EM JUÍZO DO FGTS (ARE 709.212, TEMA 608/STF)
FGTS
FGTS é a sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
O FGTS foi criado pela Lei n.º 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Atualmente, o FGTS é regido pela Lei n.º 8.036/90.
Súmula 82-STJ: Compete à Justiça Federal, excluídas as reclamações trabalhistas, processar e julgar os
feitos relativos à movimentação do FGTS.
Se o empregador não faz os depósitos de FGTS na conta do empregado, o empregado poderá ajuizar
uma ação contra o empregado cobrando esses valores?
SIM.
Esse prazo está previsto no art. 23, § 5º, da Lei n. 8.036/90 (Lei do FGTS) e no art. 55 do Decreto 99.684/90
(Regulamento do FGTS).
Em 2014, no entanto, o STF, analisando novamente o tema em sede de repercussão geral, alterou a
jurisprudência até então dominante e decidiu que o prazo prescricional para a cobrança judicial dos
valores devidos relativos ao FGTS é de 5 anos.
O prazo prescricional aplicável à cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) é quinquenal, nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal.
STF. Plenário. ARE 709212, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/11/2014 (Repercussão Geral – Tema
608).
Por quê?
A verba do FGTS possui natureza jurídica de verba trabalhista. Logo, aplica-se a ela a regra prevista no art.
7º, XXIX, da CF/88, que traz o prazo prescricional de 5 anos para cobrança de direitos trabalhistas:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
(...)
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de
CINCO anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de DOIS anos após a extinção do
contrato de trabalho;
Após sair do emprego (extinção do contrato de trabalho), o empregado tem até 2 anos para ingressar com
a ação (reclamação trabalhista) na Justiça do Trabalho, sob pena de prescrição. Nesta ação, ele poderá
pleitear apenas os direitos referentes aos últimos 5 anos, contados da data da propositura. As verbas
anteriores a esses 5 anos não mais poderão ser cobrados porque prescreveram.
Como existe regra expressa na CF/88 determinando o prazo prescricional de 5 anos para cobrança de
verbas trabalhistas, e como o FGTS se enquadra nessa natureza jurídica, não há motivo para se aplicar o
prazo de 30 anos.
STJ. 2ª Seção REsp 1.273.643-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/2/2013 (Recurso Repetitivo –
Tema 515).
Em suma:
Aplica-se o entendimento exarado pelo STF no julgamento do ARE 709.212/DF ao cumprimento de
sentença coletiva que se pretende a execução individual dos direitos referentes à cobrança de valores
não depositados no FGTS.
STJ. 2ª Turma. REsp 2.084.126-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 24/10/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
DIREITO TRIBUTÁRIO
IMPOSTO DE RENDA
Se empresa brasileira contrata serviços técnicos e de assistência técnica, sem transferência de
tecnologia, de empresas situadas em países como Argentina, Chile, África do Sul e Peru, deverá
reter o imposto de renda ao fazer a remessa do pagamento
Ocorre que, segundo a Fazenda Nacional, o parágrafo 5 afasta a aplicação do Artigo 7 nos casos em que
houver previsão de tratamento tributário específico a determinados rendimentos que compõem o lucro
das empresas nos demais dispositivos do acordo.
Assim, se a remessa ao exterior se enquadra em qualquer outra categoria prevista no Tratado, não se
aplica a disciplina do Artigo 7, inclusive quanto à regra do estabelecimento permanente no país da fonte
pagadora. Ou seja, não se deve tratar as remessas ao exterior como lucro até que se exclua o
enquadramento em qualquer outra categoria como royalties ou serviços profissionais independentes.
Diante disso, a Fazenda Nacional argumentou que, no caso em comento, a remessa tratada nos autos deve
ser equiparada ao conceito de royalty, uma vez que a Convenção Modelo da OCDE, em seu Artigo 12,
autoriza a tributação, no país da fonte, das remessas efetuadas para empresa estrangeira para pagamento
de royalties.
Argumentou que a maioria dos Tratados assinados pelo Brasil contemplam Protocolos anexos que detém
disposições interpretativas destinadas a equiparar os pagamentos relativos a contratos de serviços
técnicos e de assistência técnica aos royalties sem qualquer ressalva quanto à transferência de tecnologia.
destinados a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, celebrados pelo Brasil com a Argentina,
Chile, África do Sul e Peru.
A legislação interna do Brasil que dispõe acerca da cobrança e fiscalização do Imposto sobre a Renda
prescreve que a retenção e o recolhimento do tributo cabem à fonte quando pagar, creditar, empregar,
remeter ou entregar o rendimento, consoante estabelecem os arts. 100 e 101 do Decreto-Lei nº
5.844/1943:
Art. 100. A retenção do imposto, de que tratam os arts. 97 e 98, compete à fonte, quando pagar,
creditar; empregar, remeter ou entregar o rendimento.
Parágrafo único. Excetuam-se os seguintes casos, em que competirá ao procurador a retenção:
a) quando se tratar de aluguéis de imóveis;
b) quando o procurador não der conhecimento à fonte de que o proprietário do rendimento reside
ou é domiciliado no estrangeiro.
Art. 101. Às pessoas obrigadas a reter o imposto compete o recolhimento às repartições fiscais.
Por sua vez, as convenções firmadas pelo Brasil com Argentina, Chile, África do Sul e Peru estabelecem,
com disposições de similar conteúdo, no protocolo adicional, que aos rendimentos provenientes da
prestação de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis as disciplinas dos arts. 12 dos apontados
tratados, que cuidam da tributação dos royalties.
Para o STJ, os tratados contra dupla tributação celebrados com a Argentina, Chile, África do Sul e Peru
exibem, em seus protocolos anexos, previsão acerca da sujeição, por equiparação, dos pagamentos pela
prestação de serviço técnico, sem distinção quanto à transferência de tecnologia, ao regime jurídico de
royalties, não tendo tais diplomas normativos internacionais, como exposto, o condão de afastar, na
hipótese, o dever de retenção e recolhimento do Imposto sobre a Renda.
As normas contidas nos protocolos anexos, por serem especiais, prevalecem sobre a disciplina radicada
nos arts. 7º das convenções. Trata-se da aplicação do critério da especialidade para a solução de conflitos
normativos. Além disso, é preciso ter presente, de um lado, que o Brasil já celebrou, mais de uma vez,
convenção sem a equiparação em análise (e.g. Áustria, Finlândia e França) e segue, de outro lado,
negociando de modo a manter a tributação dos serviços técnicos na remessa.
Portanto, a solução adotada para determinado tratado internacional não pode, pura e simplesmente, ser
replicada para distinto diploma internacional com arrimo em qualquer dos modelos de convenção (ONU
ou OCDE), porque há prevalência da vontade materializada entre as nações contratantes nos acordos
firmados.
Logo, a retenção e o recolhimento de Imposto sobre a Renda devem ser mantidos, justamente por se
cuidar de regramento especial com disposições de similar conteúdo, as quais se encontram radicadas nos
protocolos anexos dos apontados acordos internacionais.
Em suma:
As convenções firmadas pelo Brasil com Argentina, Chile, África do Sul e Peru estabelecem, com
disposições de similar conteúdo, no protocolo adicional, que aos rendimentos provenientes da
prestação de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis as disciplinas dos arts. 12 dos
apontados tratados, que cuidam da tributação dos royalties.
STJ. 1ª Turma. REsp 2.102.886-RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 28/11/2023 (Info 14 – Edição
Extraordinária).
IMPOSTO DE RENDA
O art. 9º, da Lei 9.429/95, não impõe limitação temporal para a dedução de
Juros sobre Capital Próprio (JCP) referentes a exercícios anteriores
Caso hipotético: no período de 2001 a 2005, Alfa S/A não pagou os juros sobre capital próprio
(JCP). Somente em 2006, ela pagou o JCP aos seus acionistas e, em consequência, descontou R$
12 milhões na apuração dos lucros para efeito de apuração do IRPJ e da CSLL. O Fisco não
concordou e lavrou Auto de Infração contra a empresa dizendo que o JCP de 2006 foi apenas
de R$ 3 milhões. A empresa afirmou que esses outros R$ 9 milhões eram referentes aos outros
anos. O Fisco rejeitou essa defesa argumentando que o pagamento de juros sobre capital
próprio referente a exercícios anteriores representa burla ao limite legal de dedução do
exercício. Para a Receita Federal, a empresa não poderia ter deduzido em 2006 despesas de
JCP incorridas naquele ano, ainda que relativa aos períodos de 2001 a 2005, admitindo a
dedução apenas do JCP calculado em 2006. Por outro lado, para a empresa contribuinte o
procedimento adotado está amparado pelo art. 9º da Lei nº 9.249/95, inexistindo vedação na
legislação de regência para a dedução de juros sobre o capital próprio relativos a exercícios
anteriores.
O STJ concordou com os argumentos da empresa.
O pagamento de juros sobre capital próprio referente a exercícios anteriores não representa
burla ao limite legal de dedução do exercício, desde que, ao serem apurados, tomando por
base as contas do patrimônio líquido daqueles períodos com base na variação pro rata die da
TJLP sobre o patrimônio líquido de cada ano, o pagamento seja limitado ao valor
correspondente a 50% do lucro líquido em que se dá o pagamento ou a 50% dos lucros
acumulados e reservas de lucros.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.950.577-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 3/10/2023 (Info
14 – Edição Extraordinária).
IRPJ
IRPJ é a sigla para Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.
A base de cálculo do IRPJ é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos
tributáveis (art. 44 do CTN).
Em outras palavras, a base de cálculo do IRPJ é o lucro (real, presumido ou arbitrado) correspondente ao
período de apuração.
Conforme mencionado acima, existem três formas de tributação das pessoas jurídicas:
a) Lucro real;
b) Lucro presumido;
c Lucro arbitrado.
CSLL
CSLL é a sigla para Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Segundo a Lei que rege a CSLL, a base de cálculo dessa contribuição “é o valor do resultado do exercício,
antes da provisão para o imposto de renda” (art. 2º da Lei nº 7.689/88).
Desse modo, a base de cálculo da CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ.
O STJ concordou com o argumento da Receita Federal? O pagamento de juros sobre capital próprio
referente a exercícios anteriores representa necessariamente burla ao limite legal de dedução do
exercício?
NÃO.
Conforme já explicado, a empresa contribuinte alegou, no STJ, que sofreu autuação pela Receita Federal
do Brasil para cobrança de IRPJ e CSLL decorrente da glosa de juros sobre o capital próprio (JCP), relativos
a exercícios anteriores.
Para a empresa, a Lei nº 9.249/95 prevê limites e condições para a apuração do valor de JCP em cada ano-
calendário, mas não exige que o seu pagamento seja realizado no mesmo ano-calendário a que se referem,
ficando a critério da empresa decidir quando e quais valores poderão ser deliberados, creditados e/ou
pagos.
Com isso, a discussão que o STJ travou foi a respeito da possibilidade de deduzir da base de cálculo do IRPJ
e da CSLL as despesas com o pagamento ou crédito de juros sobre capital próprio de exercícios anteriores.
O STJ tem posicionamento consolidado por ambas as Turmas de competência tributária no sentido de que
a legislação - notadamente o art. 9º, da Lei nº 9.429/95 - não impõe limitação temporal para a dedução
de juros sobre capital próprio referentes a exercícios anteriores. A limitação temporal a que se refere a
norma diz respeito à data de pagamento dos JCP aos sócios/acionistas.
Além disso, o pagamento de juros sobre capital próprio referente a exercícios anteriores não representa
burla ao limite legal de dedução do exercício, desde que, ao serem apurados, tomando por base as contas
do patrimônio líquido daqueles períodos com base na variação pro rata die da TJLP sobre o patrimônio
líquido de cada ano, o pagamento seja limitado ao valor correspondente a 50% do lucro líquido em que se
dá o pagamento ou a 50% dos lucros acumulados e reservas de lucros.
Em suma:
O art. 9º, da Lei nº 9.429/95, não impõe limitação temporal para a dedução de Juros sobre Capital
Próprio (JCP) referentes a exercícios anteriores.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.950.577-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 3/10/2023 (Info 14 –
Edição Extraordinária).
No mesmo sentido:
O pagamento de juros sobre capital próprio referente a exercícios anteriores não representa burla ao
limite legal de dedução do exercício, desde que, ao serem apurados, tomando por base as contas do
patrimônio líquido daqueles períodos conforme a variação pro rata die da Taxa de Juros de Longo Prazo
sobre o patrimônio líquido de cada ano, o pagamento seja limitado ao valor correspondente a 50% do
lucro líquido em que se dá o pagamento ou a 50% dos lucros acumulados e reservas de lucros.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.946.363-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22/11/2022 (Info 761).
IMPOSTO DE RENDA
O § 1º do art. 7º da IN SRF 213/2002 é ilegal, pois permite a tributação do resultado positivo da
equivalência patrimonial de empresas controladas ou coligadas no exterior além dos lucros
efetivamente realizados, contrariando a legislação vigente
STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.760.205-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
22/8/2023 (Info 14 – Edição Extraordinária).
A autora alegou que é titular de investimentos relevantes no exterior que sempre foram avaliados pelo
método da equivalência patrimonial, como previsto na Lei nº 6.404/76, e que a legislação fiscal determina
que o resultado positivo da equivalência patrimonial não será computado no lucro líquido para efeito de
apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social.
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, mediante artifício contábil que elimina o impacto do
resultado da equivalência patrimonial na determinação do lucro real (base de cálculo do IRPJ) e na
apuração da base de cálculo da CSLL, não tendo essa legislação sido revogada pelo art. 25, da Lei n.
9.249/95, nem pelo art. 1º, da Medida Provisória n. 1.602, de 1997 (convertida na Lei n. 9.532/97), nem
pelo art. 21, da Medida Provisória n. 1.858-7, de 29, de julho de 1999, nem pelo art. 35, Medida Provisória
n. 1.991-15, de 10 de março de 2000, ou pelo art. 74, da Medida Provisória n. 2.158-34, de 2001 (edições
anteriores da atual Medida Provisória n. 2.158-35, de 24 de agosto de 2001).
STJ. 2ª Turma. REsp 1.211.882/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/4/2011.
Assim, embora fosse possível, em tese, a tributação de todo o lucro do investimento na empresa
controlada/coligada, o art. 23 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e o art. 2º da Lei nº 7.689/88 expressamente
eliminam o impacto do resultado (positivo ou negativo) nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Em suma:
A variação positiva ou negativa do valor do investimento em empresa controlada ou coligada situada
no exterior, apurada pelo método de equivalência patrimonial, embora influencie o lucro líquido da
empresa investidora, não tem impacto nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.760.205-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/8/2023
(Info 14 – Edição Extraordinária).
EXERCÍCIOS
11) Compete à Justiça Estadual julgar a causa, estabelecida entre particulares, que tem por objeto
reintegração de posse de imóvel que faz parte de comunidade quilombola. ( )
12) A modificação, na fase de liquidação, do índice de juros de mora especificamente estabelecido em
decisão transitada em julgado e proferida após o advento do Código Civil de 2002 e da Lei 11.960/2009
constitui ofensa à coisa julgada. ( )
13) Não é possível a penhora dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro
Série E (CFT-E). ( )
14) O Tema 444/STJ tratou sobre o redirecionamento contra os sócios da pessoa jurídica executada e que foi
dissolvida irregularmente; apesar disso, esse entendimento não pode ser aplicado também para outros
responsáveis tributários, como é o caso do fiador da pessoa jurídica executada. ( )
Gabarito
1. C 2. E 3. C 4. C 5. E 6. E 7. C 8. C 9. E 10. C
11. E 12. C 13. E 14. E