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FASM - FACULDADE SANTA MARCELINA

MATHEUS MOREIRA CARRILHO

A UTILIZAÇÃO DE QUINTINAS POR ELOY CASAGRANDE:


Como são exploradas novas sonoridades da quiáltera dentro da música Alethea

SÃO PAULO
2021
1

RESUMO
O presente trabalho pretende compreender quais recursos são utilizados pelo
baterista Eloy Casagrande para atingir novas sonoridades com as quintinas. O
objeto de análise será a levada de bateria da música Alethea da banda brasileira de
heavy metal, Sepultura, a fim de compreender melhor a utilização dessas quiálteras
no universo da bateria. As quintinas não são amplamente exploradas no estudo
musical nem na prática musical propriamente dita, então o intuito deste trabalho é
entender como Eloy chega nessas novas sonoridades mesmo com uma ausência de
referencial dentro do estudo tradicional de música.

Palavras chave: Quintinas; quiálteras; bateria; rudimentos; Sepultura, Alethea;


Eloy Casagrande; Heavy Metal
2

ABSTRACT
This paper intends to understand which resources are used by the drummer
Eloy Casagrande to reach new sonorities with quintuplets. The object of analysis will
be the drum line of the song Alethea from the brazilian heavy metal band, Sepultura,
in order to better understand the use of these tuples in the universe of the drums.
Quintuplets are not widely explored in the study of music nor in music practice itself,
so the purpose of this paper is to understand how Eloy reached these new sonorities
even with a lack of refere inside the traditional music study.

Keywords: Quintuplets; tuplets; rudiments; Sepultura; Alethea; Eloy


Casagrande; Heavymetal
3

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 — Compasso 1, polirritmia com chimbal, e acento deslocado na caixa


Figura 2 — Compasso 1, agrupamento de 3 semicolcheias dentro da quintina
Figura 3 — Compasso 1, agrupamento de 2 semicolcheias dentro do grupo de 3
semicolcheias
Figura 4 — Flam Tap
Figura 5 — Flam
Figura 6 — Flam Tap, interpretação em uníssono
Figura 7 — Compassos 9 e 10 indicando os ataques dos outros instrumentos
Figura 8 — Single Stroke Roll
Figura 9 — Compassos 9 e 10 com indicação de manulação
Figura 10 — Compassos 9 e 10, sem as ghost notes e os chimbais menos
evidentes
Figura 11 — Compassos 12 e 13 com nova manulação
Figura 12 — Compassos 16 e 17 com nova manulação
Figura 13 — Compassos 20 e 21 com nova manulação
Figura 14 — Compassos 25 e 26 com manulação de single stroke roll e indicação
das acentuações do china
Figura 15 — Compassos 25 e 26 mas sem as ghost notes, apenas as notas
acentuadas no china e na caixa
Figura 16 — Compassos 29 e 30 destacando a acentuação do china a cada 4
semicolcheias, ou a cada dois toques de mãos direita
Figura 17 — Compassos 29 e 30 mas sem as ghost notes, apenas as notas
acentuadas no china e na caixa
Figura 18 — Compasso 39, com mão direita alternando entre stack e tom 1 e
preservando o padrão de 1 stack a cada 4 quintinas
Figura 19 — Relação entre o compasso 39 como é realmente tocado, 4/4 com
quintinas, com a sensação que ele causa, 5/4 com semicolcheias
Figura 20 — Compasso 42, destacando acentuação no stack e novo padrão rítmico
no repinique, representado pela quinta linha do pentagrama
Figura 21 — Compasso 47, acentuação no china a cada quatro semicolcheias de
quintina
4

Figura 22 — Compasso 49, nova acentuação na caixa, e indicação de manulação


utilizada nesse trecho
Figura 23 — Compasso 49, porém desconsiderando as ghost notes na caixa
Figura 24 — Paradiddle
Figura 25 — Double paradiddle, composto por dois toques simples e um duplo
Figura 26 — Triple paradiddle, composto por três toques simples e um duplo
Figura 27 — Paradiddle-diddle, composto por um toque simples e dois duplos
Figura 28 — Compasso 49 porém com o prato de ataque em uníssono com o
bumbo
Figura 29 — Compasso 49, com caixa e prato de ataque em uníssono, assim como
foi gravado
Figura 30 — Compasso 52, virada nos dois ultimos tempos
Figura 31 — Final do compasso 52 e começo do compasso 53. Quintinas de
semicolcheia no sistema de baixo sendo utilizadas como referencial para medição
da virada
Figura 32 — Comparação da virada com uma versão da mesma escrita dentro de
um 3/4 com fusas e colcheias
5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. SEPULTURA

1.1. ELOY CASAGRANDE

2. FERRAMENTAS DE ANÁLISE

2.1. QUIÁLTERAS

2.2. RUDIMENTOS

2.2.1 Paradiddles

2.3. POLIRRITMIA E POLIMETRIA

3. ANÁLISE DA PARTITURA DE BATERIA DA MÚSICA ALETHEA

3.1. COMPASSOS 1 AO 8

3.2. COMPASSOS 9 AO 24

3.3. COMPASSOS 25 AO 32

3.4. COMPASSOS 37 AO 40

3.5.COMPASSOS 41 AO 48

3.6.COMPASSOS 49 AO 56

3.7. CONCLUSÕES DA ANÁLISE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ANEXO A

ANEXO B
6

INTRODUÇÃO

Quando pensamos em quiálteras1, a primeira impressão que temos é de


estranhamento, algo difícil de se executar, e na maioria das vezes pouco musical.
Isso pode ser resultado de uma lacuna no ensino musical ocidental, que pouco
prioriza as divisões do pulso que não são múltiplas de 2 ou de 3. Quando são
apresentados outros tipos de quiálteras, (como de 5 notas por pulso, ou 7 notas por
pulso, por exemplo), essa apresentação é feita apenas de forma superficial, expondo
apenas o fato de que podemos colocar quantas notas quisermos com a mesma
duração dentro de um pulso; pouco é falado sobre como poderíamos explorar mais
esse recurso.
Levando todos esses fatores em consideração, imaginaríamos que essa
ferramenta composicional seria apenas utilizada em repertórios mais virtuosísticos,
onde a intenção do compositor é a de destrinchar ao máximo cada um dos
elementos utilizados naquela obra, sendo eles, rítmicos, melódicos, ou harmônicos.
Logo, seguindo esse raciocínio, uma utilização mais ampla das quintinas faria mais
sentido no ambiente onde o compositor poderia trabalhar não apenas essa
execução primeira (tocando todas as cinco notas por pulso), mas todas as figuras
que estão implícitas dentro das cinco notas,chegando, assim, em novas sonoridades
para a quiáltera. O que poucos esperariam seria ver esses elementos sendo
utilizados dentro de uma banda do estilo Heavy Metal, estilo musical que não tem a
virtuose não como um dos elementos determinantes nas suas origens. Justamente
por esse motivo, iremos abordar a utilização das quintinas dentro da música Alethea2
da banda brasileira de Heavy Metal Sepultura, um ambiente que pareceria pouco
provável para a utilização desse recurso.
Para compreendermos melhor esse fenômeno de como uma banda de Heavy
Metal foi uma das responsáveis por trazer ao mainstream3 musical essa nova
sonoridade das quiálteras, falaremos, no primeiro capítulo, sobre a história da
banda, e sobre seu atual baterista Eloy Casagrande, que trouxe essa ideia de
trabalhar com as quintinas para o resto da banda. No segundo e no terceiro capítulo

1
"Quiálteras são grupos de notas que não obedecem à divisão normal do compasso ou à subdivisão
normal de seus tempos" (LACERDA, Osvaldo. Compêndio de teoria elementar da música. 3ª ed. São
Paulo: Ricordi Brasileira, 1967, p. 37)
2
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9efchF3LIC0
3
Mainstream é um conceito que expressa uma tendência ou moda principal e dominante. A tradução
literal de mainstream é "corrente principal" ou "fluxo principal".
7

nos aprofundaremos na parte de técnica da bateria, através da análise da levada da


música Alethea. O intuito dessa análise será expor quais ferramentas do estudo da
bateria foram utilizadas para criar as novas sonoridades encontradas na música.
Com isso, espera-se que esse trabalho não só sirva de ferramenta de estudo para
possíveis intérpretes que estejam interessados em aprender a música em questão,
mas que também sirva como um material didático para aqueles que pretendem se
aprofundar no estudo das quintinas, já que, através da análise a ser feita, espera-se
que seja possível facilitar a compreensão tanto da sonoridade como das técnicas de
execução para esse novo repertório.
8

1. SEPULTURA

Em 1984 os irmãos Max e Igor Cavalera fundaram a banda Sepultura em Belo


Horizonte, a qual inicialmente se identificava como uma banda de Death Metal, um
subgênero do metal. Esse subgênero é caracterizado por guitarras extremamente
distorcidas, acompanhadas por levadas de bateria muito rápidas, porém não muito
complexas, sendo composta na maioria das vezes por um backbeat4, ou por levadas
acompanhadas de pedal duplo tocando de forma contínua. A técnica vocal de
gutural é outra característica marcante dentro desse subgênero.
Após gravarem seu primeiro EP, o Bestial Devastation, em 1985, a banda
começou a se destacar rapidamente no cenário underground do metal, o que fez
com que, poucos anos depois, após os lançamentos dos álbuns de estúdio Morbid
Visions, Schizophrenia, e Beneath the Remains, a banda alavancasse sua carreira
internacional com o álbum Arise, ficando ao lado de grandes bandas do cenário
internacional do metal. O reconhecimento nacional, contudo, ainda demorou um
pouco mais para alcançar grandes patamares. O festival Rock in Rio de 1991 foi
determinante nesse ponto, mostrando para o grande público brasileiro, a
profissionalização da banda que começou de forma muito simples na capital
mineira.
Outro fator determinante para esse grande destaque nacional e internacional
do Sepultura, foi a decisão da banda, após a turnê internacional do álbum Arise, de
trazer elementos de música brasileira para dentro do metal.

"Quanto mais culturas e países conheciam, mais orgulho sentiam por serem
brasileiros - por todos os aspectos positivos e negativos implicados. E
apesar de serem expatriados, sentiam uma necessidade, Andreas explicou
mais tarde, de lembrar ao mundo que eram uma banda brasileira."
(KOROLENKO, 2016, p. 120).

Após os primeiros experimentos com a mistura de metal com ritmos


brasileiros no álbum Chaos A.D. (1993) a banda chega ao ápice dessa
experimentação no álbum Roots (1996), contando com a participação do cantor

4
"Uma pesada ênfase rítmica nos tempos 2 e 4 dentro de um compasso de 4 tempos. Muitos padrões
de bateria de rock são baseados nos em volta do bumbo tocando nos tempos 1 e 3 com a caixa
soando no backbeat nos tempos 2 e 4"
9

baiano Carlinhos Brown (que além de cantar na faixa Ratamahatta, também gravou
vários instrumentos de percussão para a mesma música, dentre eles berimbau,
timbau, wood drums, djembê, xequerê e surdo). Além da inesperada participação de
Carlinhos Brown em um álbum de metal, a banda inovou ainda mais o estilo, sendo
a primeira a gravar uma faixa com a participação de uma tribo indigena brasileira. A
faixa Itsári foi gravada em uma aldeia da tribo Xavantes, tendo como instrumentação
violão, percussão, e os próprios membros da tribo cantando uma de suas músicas
de cura, segundo o líder da comunidade, Clipassé:

“Eles nos falaram que tinham esse sonho, de gravar com os índios e
queriam uma música que fosse bonita e forte. Mostramos nossas músicas
de cura. Mostramos uma, que ouviram várias vezes e não gostaram. Na
segunda, sentiram que podiam fazer um arranjo, colocar um ritmo legal e foi
assim que gravamos.” (DEHÒ, 2016)

Toda essa experimentação resultou no álbum com maior número de vendas


da banda (mais de 2 milhões de cópias), e que virou referência para a criação de um
novo estilo dentro do metal, o nu metal, cujas bandas de maior representatividade
são o Slipknot, Korn, e o Limp Bizkit. Todas elas colocam o Sepultura como uma de
suas maiores inspirações.
Um pouco depois do lançamento do álbum Roots, o vocalista e guitarrista
Max Cavalera anunciou sua saída da banda, o que gerou grande incerteza sobre o
futuro do Sepultura e de certa forma afetou negativamente a popularidade do grupo
na época. Nesse contexto, a banda chamou o vocalista norte americano Derrick
Green para assumir os vocais e com essa nova formação gravou mais dois álbuns
de estúdio, Against, e Dante XXI.
Em 2006, dez anos após a saída de Max Cavalera, seu irmão Igor Cavalera
decide também deixar a banda, dando lugar para o baterista mineiro Jean Dolabella,
que por sua vez gravou dois álbuns com a banda, A-lex e Kairos. Durante a turnê de
divulgação do álbum Kairos, Jean decide deixar a banda, afirmando que buscava
novos rumos para sua carreira. Após a saída do mineiro, o paulista Eloy
Casagrande assume a posição de baterista da banda, causando uma nova
revolução musical nas composições do grupo.
10

1.1. Eloy Casagrande

Nascido em 29 de janeiro de 1991 em Santo André, na região da grande São


Paulo, Eloy Casagrande Lopes é um baterista que iniciou seus estudos no
instrumento com 7 anos de idade, e pouco tempo depois já começou a ter grande
destaque no meio musical, resultado de muito interesse nos estudos desde cedo.
Outra característica que o colocou em posição de destaque, foi a sua notável
versatilidade em relação a estilos musicais. Por mais que atualmente esteja tocando
com a banda de Heavy Metal Sepultura, Eloy estudou diversos estilos musicais,
principalmente gêneros de música brasileira. Como teve vários professores, acabou
transitando por diferentes tipos de técnicas e repertórios, desde ritmos brasileiros
com Cristiano Rocha, até Heavy Metal com Aquiles Priester. Lenilson da Silva e
Lauro Lelis também foram professores de Eloy.
Em 2004 Eloy venceu o "Batuka International Drummer Fest", festival
promovido pela baterista brasileira Vera Figueiredo. No ano seguinte, quando tinha
14 anos, Eloy foi vencedor do "Modern Drummer’s Undiscovered Drummer Contest
2005", o que fez com que ficasse conhecido não apenas nacionalmente, mas
também internacionalmente, tendo em vista que a Modern Drummer é uma revista
publicada em diversos países do mundo. Daí em diante, Eloy começou a
profissionalizar mais ainda sua carreira como músico de estúdio, realizando diversas
gravações dos mais variados estilos musicais, e tocando com algumas bandas
(dentre as de maior notoriedade estão o Iahweh, banda de rock cristão da cidade de
Taubaté no interior paulista, e a banda de apoio do cantor André Matos, ex membro
da banda Angra).
No ano de 2011, Eloy foi convidado para ser baterista da banda paulista
Gloria, com a qual ele gravou um disco e participou do festival Rock in Rio também
em 2011. A participação no festival foi um fator determinante para o futuro de sua
carreira musical, pois no mesmo evento participava a banda Sepultura, que após
assistir a performance de Eloy, o fez um convite para que fizesse parte do grupo. No
final do ano de 2011, Eloy entrou no Sepultura, banda em que toca até os dias de
hoje e com a qual já gravou três álbuns de estúdio, The Mediator Between Head and
Hands Must Be the Heart (2013), Machine Messiah (2017), e Quadra (2020).
A música Alethea, que será o foco de análise deste trabalho, faz parte do
álbum Machine Messiah, o segundo com participação de Eloy. Neste álbum,a
11

capacidade da banda de absorver elementos até então não comuns à identidade


musical do grupo e do heavy metal veio à tona mais uma vez. Se antes isso ocorreu
com os elementos da música brasileira que foram incorporados nas músicas do
Sepultura, desta vez foi toda a virtuose de Eloy que remodelou a sonoridade da
banda, trazendo elementos pouco trabalhados pelo grupo anteriormente, como por
exemplo, as quiálteras. Em entrevista, Eloy explica o processo de composição da
música Alethea.
E: [...] era uma época em que paralelamente eu estava estudando as
quintinas, desenvolvendo esse universo das quintinas e septinas (eu resolvi
estudar as duas ao mesmo tempo) e daí eu levei algumas dessas levadas
para a banda. Eu com o Andreas principalmente, a gente que elabora toda a
parte rítmica, de composição, todos os arranjos das músicas; eu já tinha
trocado com ele alguns desses grooves em quintina, só que ele não
demonstrou tanto interesse inicialmente. Até que a gente começou a
ensaiar diariamente [...], e um dia no ensaio eu falei “Bicho, escuta isso
aqui! Em quintina, o um tá aqui, o dois tá aqui, o três tá aqui, o quatro tá
aqui. Pensa muito de forma quadrada”, eu apresentei realmente como se
fosse uma figura quatro por quatro, na hora nem falei de quintina, nem
comentei nisso. Daí comecei a tocar e claro, para uma pessoa que nunca
escutou a quintina, soa estranho, soa como um cinco, e é dessa forma
como eles contam até hoje. Porém, se eu estou contando em quatro, a
minha referência principal é o metrônomo em quatro, então as coisas vão se
desencontrar em algum momento, vai ter algum contraste. Eu lembro que a
gente ficou uma meia hora tentando tocar esse groove em quintina até que
o Andreas parou [...] e falou “olha, o negócio é o seguinte, esse negócio de
conservatório não faz parte do Sepultura, esse negócio tá muito
conservatório, cara, isso aqui é uma banda de metal”. E o ensaio acabou aí,
teve esse fim o ensaio. Era numa sexta-feira [...] e a gente não ia ensaiar
mais, só voltou a ensaiar numa segunda ou terça-feira. Daí quando a gente
voltou, o Andreas falou “Lembra aquela sua ideia? Então, eu acho que
escrevi um riff pra ela” e aí ele veio com o riff da Alethea. Mas foi uma
insistência minha.

M: Ele se sentiu provocado então, talvez...

E: Nem sei se foi uma provocação. Talvez ele tenha se sentido, mas nunca
foi o meu objetivo. Eu não quero provocar o músico com o qual eu toco, eu
quero que ele toque da melhor forma possível. E não é um desafio, nunca
teve esse lance. Mas era porque era algo que eu estava estudando, que eu
queria incorporar em alguma música. Daí ele veio com esse riff depois. Eu
acho que ele falou “legal testar alguma coisa diferente” (CASAGRANDE,
Eloy. Entrevista [out. 2021]. Entrevistador: Matheus Carrilho. São Paulo,
2021. 1 arquivo .m4a (16 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita
no anexo 2 desta monografia)

Apesar da resistência inicial por parte do guitarrista Andreas Kisser, a ideia


de Eloy no sentido de utilizar quintinas foi aceita, dando início a um processo em que
a banda passou a, cada vez mais, incorporar elementos técnicos mais complexos
trazidos pelo baterista em suas composições.
12

2. FERRAMENTAS DE ANÁLISE

Antes de realizarmos a análise da partitura de bateria da música Alethea, é


preciso fixar algumas premissas sobre os dois dos principais recursos
composicionais em questão: as quiálteras e os rudimentos.

2.1. QUIÁLTERAS

As quiálteras são figuras rítmicas com uma quantidade de notas que não
estão relacionadas com o tipo de compasso onde ela se encontra. Ou seja, em um
compasso binário, qualquer figura que não seja múltipla de 2 (como por exemplo
aquelas que contém 3, 5, 7 ou 9 notas de mesmo valor dentro de um só tempo) é
considerada uma quiáltera. Em um compasso ternário, vale a mesma definição,
porém para figuras que não são múltiplas de 3.
Uma possível confusão causada na identificação de quintinas ocorre quando
ela é utilizada na maior parte da música, como é o caso da Alethea. Nesses casos,
seria possível afirmar que não há quiálteras em todos os tempos, mas um compasso
de 5 tempos muito rápido (como um 5/16, ou até mesmo um 20/16 se pensarmos no
ciclo de quatro tempos presente nas linhas melódicas e rítmicas da música).
Especificamente no caso da música Alethea, essa confusão é facilmente
afastada porque há um ciclo de 4 tempos muito bem demarcado. Segundo o
dicionário Grove, um "compasso é a distância entre tempo fortes" (SADIE, 1994) em
uma música. Assim, como na música Alethea esses tempos fortes são muito claros
a cada 4 tempos, podemos classificar como um compasso de 4/4 com a constante
presença de quintinas. Outro fator que nos faz excluir a possibilidade de ser um
compasso de 5 tempos, é o uso do deslocamento de acentos dentro desses ciclos
de 5, o que tende a descaracterizar a ideia de 5 tempos; logo, a compreensão
desses ciclos fica mais clara quando analisamos em um espectro maior, como em
um compasso de 4 tempos com cada tempo sendo dividido em grupos de 5 notas,
ou múltiplos de 5.
13

2.2. RUDIMENTOS

Outra ferramenta que precisaremos compreender para a análise a seguir são


os rudimentos de bateria, que são combinações de baqueteamento e técnicas
utilizadas pelos percussionistas para desenvolver uma melhor coordenação e
sensibilidade com as baquetas. Além de padrões de notas, e a chamada
manulação5, os rudimentos também podem ser utilizados como ferramentas
composicionais, distribuindo seus padrões em diferentes peças da bateria.
Originalmente, os primeiros 13 rudimentos foram padronizados pela NARD
(National Association of Rudimental Drummers), que posteriormente adicionou mais
13 rudimentos, fechando a lista com os 26 rudimentos essenciais. Alguns anos
depois a PAS (Percussive Arts Society) adicionou mais 14 rudimentos à lista,
estabelecendo os 40 rudimentos essenciais que conhecemos hoje.
Para finalizar, devemos entender a diferença entre o conceito de polirritmia e
o de polimetria: na primeira, temos duas figuras rítmicas, que não são derivadas
uma da outra, tocando ao mesmo tempo (como três tercinas de colcheia por tempo e
duas colcheias por tempo sendo tocadas simultaneamente). Segundo Friedman,
polirritmia:

“É um fenômeno rítmico relativo ao aspecto vertical, onde será possível


detectar dois ou mais padrões rítmicos ocorrendo simultaneamente, mas
todos estarão baseados em uma mesma fórmula de compasso. É bastante
frequente a utilização de quiálteras nos procedimentos polirrítmicos, como
os encontrados na música africana em geral, podendo haver também uma
série de combinações possíveis para este procedimento.” (FRIDMAN, 2012,
p.5)

Já na polimetria, temos agrupamentos de números não derivados, mas dentro


de uma única figura rítmica, como o agrupamento constante de 3 notas dentro de
um de um grupo de 4 semicolcheias, o que nos dá a sensação de um compasso de
3 sendo tocado dentro de um compasso de 4, por exemplo.

“Definimos a polimetria como qualquer fenômeno rítmico em que se possa


distinguir auditivamente a utilização simultânea de mais de uma fórmula de
compasso, sendo este então um fenômeno restrito ao aspecto vertical. Há
vários tipos de polimetria, sendo a defasagem um exemplo deste
procedimento” (FRIDMAN, 2012, p.4)

5
Indicação da ordem das mãos que determinado padrão deve ser executado. Sempre que uma nota
necessite ser tocada com a mão direita, utilizaremos a letra D em cima desta nota, agora com a mão
esquerda, utilizaremos a letra E. No inglês se utiliza R e L, right hand e left hand respectivamente.
14

3. ANÁLISE DA PARTITURA DE BATERIA DA MÚSICA ALETHEA

Para esta análise, a música foi dividida em 6 partes. Embora a música possua
14 partes, algumas delas são repetições de trechos já apresentados anteriormente
na música, por isso é que serão analisadas apenas as 6 mais relevantes. Em cada
uma das partes serão estudadas as ideias principais que a fundamentam, e não
necessariamente todos os compassos.

3.1. PARTE 1: COMPASSOS 1 AO 8

Como a música começa com um ruído ascendente, é importante ressaltar que


o primeiro compasso só começa a ser contado a partir do momento em que a bateria
começa a tocar.
Essa primeira parte é caracterizada por uma levada constituída
majoritariamente por tons, surdos, e caixa tocando quintinas o tempo todo com o
bumbo sempre tocando na primeira e na quarta quintina nos tempos 1 e 3 de cada
compasso, e tocando sempre na quarta quintina dos tempos 2 e 4.
A primeira particularidade que é observada nesse início da música, é o
acompanhamento do pé esquerdo no chimbal que está fazendo uma polirritmia de 2
contra 5 utilizando um padrão de uma colcheia com chimbal aberto e uma colcheia
com chimbal fechado.
Nesse mesmo trecho é possível observar outra particularidade na utilização
da quintina que é o acento na caixa na segunda semicolcheia do quarto tempo,
sendo que o mais usual seria acentuar a primeira para dar a sensação de backbeat.

Figura 1 - Compasso 1, polirritmia com chimbal, e acento deslocado na caixa.

Dentro da levada dos tambores há uma frase recorrente, em que as


semicolcheias da quintina estão sendo agrupadas em ciclos de três notas.
15

Figura 2 - Compasso 1, agrupamento de 3 semicolcheias dentro da quintina.

É possível concluir que dentro desses agrupamentos de 3 notas temos uma


polimetria implícita que é a de ciclos de 2 notas dentro de um ciclo de 3 notas.

Figura 3 - Compasso 1, agrupamento de 2 semicolcheias dentro do grupo de 3 semicolcheias.

Se pensarmos em dois grupos de duas notas, a segunda nota do primeiro


grupo sempre está tocando em uníssono com a primeira nota do segundo grupo, por
isso podemos considerar como um grupo de 3 notas dentro da quintina.
Porém, em um espectro mais amplo, faz mais sentido para o intérprete pensar
nesse grupo de duas notas, justamente por ele provir do rudimento flam tap, pois
agrupamentos de 2 notas dentro de uma quintina não são comumente estudados,
enquanto que o flam tap é uma técnica já internalizada pela maioria dos bateristas.

Figura 4 - Flam Tap

Figura 5 - Flam
16

O flam é um rudimento em que há uma nota principal executada com uma das
mãos, precedida por uma apogiatura com a mão oposta à mão da nota principal. Já
o flam tap é constituído por um flam, seguido pela repetição da mão que executa a
nota principal do flam. Se, ao invés de uma apogiatura, pensarmos na nota de
preparo em uníssono com a nota principal, teremos a mesma polimetria utilizada por
Eloy na música em questão.

Figura 6 - Flam Tap, interpretação em uníssono.

3.2. PARTE 2: COMPASSOS 9 AO 24

Nessa segunda parte a bateria para com a levada nos tambores para ir para
uma levada com bumbo caixa e chimbal. A guitarra e o baixo também entram nessa
parte tocando na mesma rítmica dos dois primeiros bumbos do primeiro tempo, e da
primeira caixa do segundo tempo, ou seja, estão tocando na primeira e na quarta
semicolcheia do primeiro tempo, e na primeira semicolcheia do segundo tempo.

Figura 7 - Compassos 9 e 10 indicando os ataques dos outros instrumentos.

Essa levada é basicamente constituída pela manulação de single stroke roll,


onde tocamos cada uma das notas com uma mão. Ou seja, sempre depois de tocar
uma nota com a mão direita, a nota seguinte deve obrigatoriamente ser executada
com a mão esquerda, e vice versa.
17

Figura 8 - Single Stroke Roll.

Figura 9 - Compassos 9 e 10 com indicação de manulação.

Nessa parte,a caixa está sendo acentuada sempre no tempo 2 e 4, dando a


sensação de backbeat, e as caixas que não estão acentuadas, são executadas
como ghost notes6. Mais uma vez a utilização de um rudimento (o single stroke roll
nesse caso) auxilia a execução do intérprete nesse trecho, pois como as ghost notes
são quase inaudíveis comparadas as outras notas com a dinâmica muito alta, a
sensação rítmica desse trecho é muito mais complexa, ainda mais se considerarmos
apenas os chimbais mais em evidência deste trecho.

Figura 10 - Compassos 9 e 10, sem as ghost notes e os chimbais menos evidentes.

Essa interpretação destaca as notas mais perceptíveis na audição desta


levada. O single stroke roll entra como uma ferramenta para dar uma base mais
sólida para a compreensão do intérprete, tendo em vista que esse rudimento é algo
mais familiar para ele, de modo que acaba sendo muito mais simples distribuir os
acentos dentro do single stroke roll do que ter que aprender uma subdivisão rítmica

6
Notas executadas com dinâmica mais baixa do que as notas principais.
18

nova, que exigiria muito mais tempo para internalização da duração de figuras como
colcheia de quintina, e colcheia pontuada de quintina.
A única exceção que temos nessa levada onde o single stroke roll não é
utilizado, é no primeiro tempo do compasso 9 e no primeiro tempo a cada quatro
compassos, logo após a volta de alguma virada no quarto compasso de cada um
desses ciclos de quatro. Esse padrão diferente de manulação será abordado com
mais profundidade na parte 6.

Figura 11 - Compassos 12 e 13 com nova manulação.

Figura 12 - Compassos 16 e 17 com nova manulação.

Figura 13 - Compassos 20 e 21 com nova manulação.


19

3.3. PARTE 3: COMPASSOS 25 AO 32

Em questão de manulação, a parte 3 é mais simples do que a parte 2, pois


agora o single stroke roll está presente em todos os tempos da levada. De todo
modo, é possível dividir essa parte em dois momentos.
Antes de entendermos as diferenças entre eles, é preciso esclarecer que
novamente Eloy está usando ghost notes nessas levadas, mas desta vez, ele
também as utiliza no china, que é o prato que está sendo usado a todo momento
nesse parte.
No primeiro momento da levada, que vai do compasso 25 até o compasso 28,
temos a mesma manulação de single stroke roll entre china e caixa, mas agora os
acentos dentro desse single stroke roll estão ainda mais deslocados do que na parte
2.

Figura 14 - Compassos 25 e 26 com manulação de single stroke roll e indicação das acentuações do
china.

Os padrões de caixa e bumbo são muito similares aos padrões da parte 2,


mas a diferença da parte 3, além de ser tocada no china, que dá mais agressividade
para a música (agressividade essa que é complementar ao vocal gutural que entra
nesse momento da música), temos a acentuação em notas diferentes dentro da
quintina. Essa escolha de acentuação foi mais uma forma encontrada por Eloy para
criar uma nova sonoridade para esta quiáltera, pois o mais usual seria acentuá-la
sempre na primeira semicolcheia. No primeiro momento da parte 3 a escolha da
acentuação no china foi feita para ressaltar a terceira semicolcheia nos tempos 1 e
3, e a quarta semicolcheia nos tempos 2 e 4 de cada compasso. A caixa continua no
backbeat.
O single stroke roll é mais uma vez utilizado como ferramenta facilitadora para
a compreensão desses acentos, pois os chinas e as caixas que estão sendo
20

executados em forma de ghost notes são praticamente inaudíveis na gravação.


Sendo assim temos a real sonoridade da levada exposta na figura abaixo.

Figura 15 - Compassos 25 e 26 mas sem as ghost notes, apenas as notas acentuadas no china e na
caixa.

No segundo momento da parte 3, do compasso 29 até o 32, temos a mesma


manulação, os mesmos padrões de bumbo, porém os acentos do china mudaram.
Agora, há um acento a cada 4 semicolcheias gerando uma polimetria, de 4 dentro do
5, mas esse ciclo só começa na terceira semicolcheia do primeiro tempo de cada
compasso.
Como esse padrão continua funcionando com a manulação de single stroke
roll, dentro de cada grupo de 4 semicolcheias sempre teremos dois chinas e duas
caixas, então ao invés de pensar na acentuação a cada quatro notas do single
stroke roll, o intérprete pode pensar em acentuar um toque sim e outro não na mão
direita, que é a mão que está tocando o china.

Figura 16 - Compassos 29 e 30 destacando a acentuação do china a cada 4 semicolcheias, ou a


cada dois toques de mãos direita.

Assim como no primeiro momento da parte 3, se pensarmos em como a


levada soa na gravação, teremos um padrão bem mais complexo para ser
compreendido à primeira vista.
21

Figura 17 - Compassos 29 e 30 mas sem as ghost notes, apenas as notas acentuadas no china e na
caixa.

3.4. PARTE 4: COMPASSOS 37 AO 40

Após o final da parte 3 ocorre a repetição da levada da parte 1 do compasso


33 até o 36, por isso consideramos o início da parte 4 como sendo o compasso 37.
A parte 4 é muito similar ao segundo momento da parte 3, porém Eloy utiliza a
mão direita alternando entre o prato stack e o tom 1, preservando a manulação do
single stroke roll.

Figura 18 - Compasso 39, com mão direita alternando entre stack e tom 1 e preservando o padrão de
1 stack a cada 4 quintinas.

Como nesse momento a guitarra e o baixo só tocam no começo de cada


compasso, e o stack continua nesse ciclo constante de tocar a cada 4 quintinas de
semicolcheia, a polimetria de 4 contra 5 acaba ficando bem mais evidente. A
sensação que isso causa é de que o stack agora seria o pulso dentro de um
compasso de 5/4, e a caixa não estaria mais no backbeat, e sim sendo deslocada
dentro desse suposto 5/4.
22

Figura 19 - Relação entre o compasso 39 como é realmente tocado, 4/4 com quintinas, com a
sensação que ele causa, 5/4 com semicolcheias.

Essa sensação ocorre pelo fato de a guitarra e o baixo não estarem tocando a
todo momento, de modo que é a bateria que está ditando o ritmo, o que faz com
que, para um ouvido não acostumado com quintinas, essa parte possa ser
facilmente confundida com um compasso de 5/4.

3.5. PARTE 5: COMPASSOS 41 AO 48

Assim como na parte 3, é possível dividir a parte 5 em dois momentos.


Faremos isso pois os padrões de prato da parte 5 funcionam da mesma maneira que
os da parte 3.
No primeiro momento (compassos 41 ao 44), ocorre o padrão de acentuação
na terceira semicolcheia nos tempos 1 e 3, e na quarta semicolcheia nos tempos 2 e
4, assim como no primeiro momento da parte 3, no entanto, neste momento a
condução é feita no stack.
O prato continua sendo tocado a cada duas semicolcheias, com o som das
notas acentuadas mais em evidência, contudo, não temos mais a mão esquerda
fazendo as ghost notes na caixa, que completavam as semicolcheias que faltavam
em cada grupo de quintinas. Isso ocorre porque a mão esquerda irá agora tocar um
novo padrão rítmico no repinique, tocando a primeira e a segunda semicolcheia nos
tempos 1 e 3 de cada compasso, e a quarta semicolcheia no tempo 2 de cada
compasso. Apesar de a mão esquerda estar executando um novo padrão, a caixa
continua sendo tocada no backbeat em todos os compassos.
23

Figura 20 - Compasso 42, destacando acentuação no stack e novo padrão rítmico no repinique,
representado pela quinta linha do pentagrama.

Embora a mão esquerda não esteja mais fazendo o preenchimento das ghost
notes no formato de single stroke roll junto com o stack, neste momento, Eloy
começa a utilizar o pedal duplo para tocar o bumbo em todos os tempos, tocando
todas as 5 quintinas consecutivamente. Com isso, o padrão de single stroke roll
começa a ser executado com o pé direito e o pé esquerdo, o que dará a referência
necessária para o intérprete executar tanto o stack a cada duas semicolcheias,
quanto o padrão rítmico do repinique.
No segundo momento (compassos 45 ao 48) da parte 5, os padrões de
bumbo, caixa, e repinique continuam os mesmos, porém Eloy utiliza o china para a
condução com o mesmo padrão de acentuação do segundo momento da parte 3, ou
seja, tocando um prato a cada duas semicolcheias de quintina, e acentuando um sim
e um não consecutivamente.

Figura 21 - Compasso 47, acentuação no china a cada quatro semicolcheias de quintina.

3.6. PARTE 6: COMPASSOS 49 AO 56

Nesta parte, Eloy explora mais ainda os deslocamentos de acentos na caixa,


quebrando mais uma vez com a ideia de backbeat. Além dessa acentuação, uma
24

nova manulação é utilizada para conseguir proporcionar a sonoridade presente


nesse trecho.

Figura 22 - Compasso 49, nova acentuação na caixa, e indicação de manulação utilizada nesse
trecho.

Mais uma vez, a utilização das ghost notes é fundamental para ajudar o
intérprete a executar o trecho em questão. Sem as ghost notes servindo de apoio, a
interpretação do trecho partindo apenas do referencial sonoro seria muito mais
complexa: Teríamos novamente um caso onde as quintinas são muito mais
espaçadas, nos dando a sensação de colcheia de quintinas. Sendo assim, executar
essas notas com precisão seria muito mais difícil do que com todas as 5
semicolcheias da quintina dando apoio ao intérprete.

Figura 23 - Compasso 49, porém desconsiderando as ghost notes na caixa.

Essa forma de escrita da figura 23 reflete mais fielmente a sonoridade da


levada em questão, contudo, sua leitura é muito mais complexa, principalmente para
um músico que pouco estudou as quintinas.
Analisando a manulação utilizada por Eloy, podemos não apenas
compreender sua origem, mas também deixar mais claro para o intérprete como
executar esse trecho, pois ele provém do paradiddle, que, como visto, é um
rudimento muito conhecido entre os bateristas.
25

Figura 24 - Paradiddle.

O paradiddle, também conhecido como single paradiddle, é o primeiro


rudimento dentro da família dos diddles na lista dos 40 rudimentos da Percussive
Arts Society. Os diddles funcionam com uma lógica de alternância entre toques
simples (single stroke roll) e toques duplos (double stroke roll), de maneira que
sempre após um toque duplo, deve haver um toque simples começando com a mão
oposta à do toque duplo. Ou seja, se ocorre um toque duplo de mão esquerda, um
toque simples começando com a mão direita deve ser executado na sequência; se
tivermos um toque duplo de mão direita, teremos um toque simples começando com
a mão esquerda em seguida.
O mais comum na família dos diddles é ocorrer uma variação na quantidade
de toques simples antes de um toque duplo, com exceção do paradiddle-diddle em
que há um toque simples seguido de dois toques duplos antes de voltar novamente
para o toque simples.

Figura 25 - Double paradiddle, composto por dois toques simples e um duplo.

Figura 26 - Triple paradiddle, composto por três toques simples e um duplo.

Figura 27 - Paradiddle-diddle, composto por um toque simples e dois duplos.


26

A manulação utilizada por Eloy nesse trecho pode ser considerada uma
espécie de paradiddle porém em um ciclo maior contendo 10 semicolcheias.
Podemos afirmar isso levando em consideração que sempre que ele executa um
toque duplo com a mão esquerda, ele volta para um toque simples de mão direita.
Eloy ainda utiliza alguns recursos para deixar a sonoridade do trecho mais
fluida, e com isso não parecer apenas um rudimento grosseiramente aplicado na
bateria.
O primeiro recurso foi retirar a mão direita, que segundo a manulação deveria
estar em uníssono com o bumbo da terceira semicolcheia do segundo e quarto
tempos de cada compasso, e deslocar essa mão direita uma semicolcheia pra frente
para tocar em uníssono com a caixa da quarta semicolcheia dos mesmos tempos.
Outro recurso utilizado foi a acentuação das caixas ocorrendo sempre que há
um toque duplo, mas, no primeiro tempo de cada ciclo essa acentuação ocorre na
segunda nota do toque duplo, já no segundo tempo, ela ocorre na primeira nota do
toque duplo.

Figura 28 - Compasso 49 porém com o prato de ataque em uníssono com o bumbo.

Se considerarmos a manulação desse paradiddle em quintinas sendo


RLLRLRLRLL, o prato de ataque deveria estar junto com o bumbo como indicado na
figura 28, porém a escolha de Eloy foi colocar esse prato junto com a caixa como na
figura a seguir.

Figura 29 - Compasso 49, com caixa e prato de ataque em uníssono, assim como foi gravado.
27

Dentro da parte 6 ainda é possível achar mais um exemplo de polimetria


utilizado por Eloy brevemente em uma virada no compasso 52.

Figura 30 - Compasso 52, virada nos dois ultimos tempos.

A música é majoritariamente composta por semicolcheias de quintina, porém,


nessa virada, Eloy se utiliza de fusas e colcheias de quintina para gerar uma frase
polimétrica em que há um 4 dentro do 5.

Figura 31 - Final do compasso 52 e começo do compasso 53. Quintinas de semicolcheia no sistema


de baixo sendo utilizadas como referencial para medição da virada.

É possível notar que a frase utilizada por Eloy nessa virada tem a duração de
4 quintinas de semicolcheia, com exceção da última repetição, em que, após tocar o
prato de ataque, ele continua a tocar a levada, ao invés de esperar uma quintina de
semicolcheia para completá-la. É possível ainda interpretar essa virada como se
fosse uma frase com fusas e colcheias dentro de um 3/4.
28

Figura 32 - Comparação da virada com uma versão da mesma escrita dentro de um 3/4 com fusas e
colcheias.

Desta forma, fica mais claro para o intérprete de onde veio essa frase, pois o
3/4 deixa os 3 grupos em evidência de uma maneira mais visual.

3.7. CONCLUSÕES DA ANÁLISE

Concluímos que Eloy encontra novas sonoridades para as quintinas de


diversas formas, mas todas essas são resultado de uma transposição de técnicas já
utilizadas pelos bateristas em contextos binários e ternários ou com ausência de
quiálteras de quaisquer natureza.
A primeira forma que ele encontra para uma sonoridade não convencional da
quiáltera de cinco notas é a utilização de polirritmia, executando duas colcheias por
tempo quando toca cinco quintinas por tempo, gerando assim uma sensação de
desencontro rítmico, que realmente ocorre já que a segunda colcheia não faz
intersecção com nenhuma das cinco quintinas, pois são figuras de naturezas
diferentes.
A segunda ferramenta foi a utilização de polimetria em vários trechos da
música, o que foi um aspecto crucial para transformar a quintina, sem que ela
deixasse de ser uma quintina.
Vimos que a escolha de acentuar a quintina a cada 4 nota em certos
momentos gera uma dualidade na sensação rítmica em alguns trechos da música,
podendo soar da maneira como estão escritos, um 4/4 com 5 quintinas por tempo
sendo acentuadas a cada 4 semicolcheias e caixa acentuada sempre nos tempos 2
e 4, ou também como um 5/4 com semicolcheias em todos os tempos, com todos os
29

acentos nas cabeças de cada tempo, mas com a caixa sendo acentuada em
semicolcheias diferentes que não necessariamente são a cabeça de cada tempo.
Por último, podemos considerar a utilização de rudimentos por Eloy como um
dos fatores determinantes para remodelar a sonoridade da quintina dentro do
universo da bateria.
Ao invés de utilizar a quintina executando todas as 5 notas de forma linear
(ainda que utilizando recursos como deslocamento de acentos gerando polimetrias),
Eloy traz uma adaptação de vários rudimentos originalmente concebidos para
subdivisões binárias ou ternárias, mas agora pensados para caber em grupos de
cinco notas. O resultado disso vai além de orquestrações diferentes dentro da
bateria que ocorre em decorrência da distribuição das manulações de cada
rudimentos nos tambores e pratos. A utilização de rudimentos derivados do flam, por
exemplo, faz com que determinada figura fique mais preenchida, com mais camadas
de notas sendo executadas ao mesmo tempo, e ainda abre a possibilidade de
polimetrias mais complexas surgirem dentro desses rudimentos, como vimos na
parte 1 (item 3.1) da análise.
30

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa nos mostrou que a banda Sepultura a partir dos anos 90 passou a
ser mais receptiva com novos elementos musicais que eram pouco presentes em
bandas de metal, e que com a entrada do baterista Eloy Casagrande essa
receptividade que antes tinha sido com elementos da música regional brasileira,
agora ocorre com a adição de elementos mais técnicos e virtuosísticos em suas
composições. Podemos considerar Eloy como o fator principal nessa mudança de
sonoridade da banda, tendo em vista o grande interesse em pesquisa e estudo
técnico do instrumento por parte do baterista. Como vimos no capítulo 1, ocorreu
uma resistência inicial da banda em incorporar elementos tão técnicos quando Eloy
apresentou a ideia das quiálteras. Logo depois a banda acatou a ideia mas podemos
concluir que se não fosse pelo baterista, possivelmente o Sepultura não chegaria
nessas novas sonoridades por conta própria.

Através da análise da linha de bateria da música Alethea, concluímos que a


utilização de rudimentos foi fundamental para uma abordagem mais criativa com as
quintinas, distribuindo-as com diferentes manulações, e orquestrações nos
diferentes tambores e pratos da bateria. O uso de polirritmia e polimetria foi outra
forma encontrada por Eloy para descaracterizar a quintina através de mudanças na
percepção do tempo da música.

Fica mais claro agora que para os intérpretes que se interessem por aprender
uma música com sonoridades pouco usuais, a análise e a dissecação de cada
trecho da música em elementos menores porém mais comuns ao intérprete, são
recursos que facilitam a compreensão e tornam o processo de aprendizagem mais
dinâmico. Considerando os que pretendem compor músicas com sonoridades pouco
usuais, podemos concluir que o estudo minucioso em cima de técnicas simples pode
gerar tais sonoridades com mais facilidade do que a busca por técnicas muito
complexas ou não existentes no momento da composição.
31

REFERÊNCIAS:

Biografia de Eloy Casagrande extraída do site


<https://som13.com.br/artista-eloy-casagrande>. Acessado em: 01/12/2021

BUYER, Paul. “How Rudiments are used in the College Curriculum”. Percussive
Notes. Abril, 2005. Disponível em:
<http://www.paulbuyer.com/article/PBuyer-2005-RudimentsinCollege.pdf>. Acessado
em: 01/12/2021.

CERNY, Becket R. Groove Science: The “Dilla Feel”. Middletown: Wesleyan


University, 2019.

FRIDMAN, A.L. Conversas com a música não ocidental: da composição do século


XX para a formação do músico da atualidade. Revista DAPesquisa. Vol.8, Revista do
centro de artes da UDESC, Santa Catarina, 2012.

GRAMANI, Eduardo J. Rítmica. São Paulo: Perspectiva, 2007.

HISTORY of N.A.R.D. Disponível em:


<http://nard.us.com/History_of_N.A.R.D..html>. Acessado em: 01/12/2021

KOROLENKO, Jason. Relentless: 30 anos de Sepultura. Traduzido por Roberto


Candido Francisco. São Paulo: Benvirá, 2015.

LACERDA, Osvaldo. Compendio de Teoria Elementar da Música. São Paulo: Ricordi


Brasileira, 1967, 3ª ed.

PAS History. Disponível em: <https://www.pas.org/about/history>. Acessado em:


01/12/2021.

PAULI, Elvis; PAIVA, Rodrigo Gudin. “Polirritmia: conceitos e definições em


diferentes contextos musicais”. Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1,
2015.

SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
32

ANEXO A

(0’05’’) Matheus Carrilho: Bom, Eloy, eu quero saber como começou a sua história
com a batera, quando você começou a tocar, qual foi o interesse, com quem você já
estudou, como foi sua trajetória até hoje, resumidamente.

Eloy Casagrande: Cara, eu comecei a tocar sem a influência de ninguém, um dia


eu passei em frente a uma loja, dizem os meus pais que um dia eu passei em frente
a uma loja de instrumentos (eles não lembram se foi na frente de uma loja ou de
uma igreja) e eu vi uma bateria no lugar, daí eu me interessei pelo instrumento. Eles
tiveram que entrar comigo na loja/igreja para eu sentar e tocar um pouco a bateria. E
foi disso, eu não tive influência inicialmente de nenhum baterista, eu nem sabia do
que se tratava, como que se tocava uma bateria. Mas a bateria por si só é um
instrumento que chama muita atenção, principalmente para uma criança; é um
negócio bem lúdico, muito físico, visual, volume. Então, foi por isso mesmo.
Eu fiz aula, comecei a fazer aula, com um cara de Santo André, o nome dele é
Lenilson Silva, ele foi baterista do Sargentelli (?), que era um grupo bem antigo de
samba. Depois eu fiz aula com o Lauro Lellis, que tocou muito tempo com o Tom Zé.
Depois eu fiz aula com o Aquiles. E, por último, com o Cristiano Rocha. Eu fiz aula
até, sei lá, até os meus 18/19 anos de idade. Depois que eu comecei a viajar
bastante, infelizmente parei de fazer aula. Foi isso.

(01’41’’) M: Foi tudo mais por conta depois...

E: É, foi mais por conta própria, pesquisa minha mesmo.

(01’45’’) M: Outra coisa que eu ia te perguntar é: essa parte desse interesse pela
pesquisa foi 100% seu?

E: É, até hoje eu fico buscando coisas novas para estudar, conceitos novos. O lance
da quintina veio através de uma música do Meshuggah, que na verdade, eu não
estava entendendo o que eles estavam fazendo na música. Na verdade, eles nem
estavam tocando quintina, só que eu pensei que fosse em quintina. Pensei que
estavam fazendo alguma coisa diferente. Consegui identificar o cinco, mas não era a
quintina, não eram cinco notas por tempo. Comecei a estudar isso de uma forma
muito aleatória, muito minha. Primeiro eu identifiquei os principais paradiddles, os
rudimentos nas quintinas, estudei o single, o double, o paradiddle, algumas outras
manulações, (tipo direita esquerda direita esquerda esquerda, que é bem fácil para
encaixar as cinco notas), e eu comecei a explorar no kit levadas, grooves. E
conforme eu ia descobrindo grooves, eu colocava na balança se valia a pena ou não
continuar estudando o assunto. Eu queria ter um objetivo musical, só que eu não
sabia se era possível atingir um objetivo musical, fazer uma música com as
quintinas. Então, meio que fiz o caminho reverso, de buscar primeiro um groove, de
fazer um sentido musical para mim, e só depois eu voltei, dei um passo atrás e
comecei a estudar vários rudimentos em quintina, que eu mesmo ia escrevendo e a
partir disso eu consegui melhorar, ampliar meu universo nas quintinas.
33

(03’22’’) M: Então você fez o contrário do que muita gente faz quando começa a
estudar quando entra no universo não só das quintinas, mas das quiálteras em
geral: acho que as pessoas vão buscando mais manulações (eu sinto isso um pouco
nas quiálteras, em coisas de polirritmia, tempos quebrados), estudando a técnica
simplesmente pela dificuldade e não por algo musical. No primeiro momento você
tentou achar algo musical para depois estudar mais isso?

(03’55’’) E: Exatamente, foi isso aí. Eu queria ver se isso me levaria para algum lugar
musical, que eu não estava gastando meu tempo, rodando lâmpada, com algo
desnecessário. Eu tinha um conceito principal que era bumbo no um, caixa no dois,
bumbo no três, caixa no quatro e a partir disso eu vou colocar as cinco notas dentro
do tempo. Manulações começaram a aparecer enquanto eu buscava ritmos, então
eu não tive que me preocupar tanto com os paradiddles, as manulações em
quintinas, porque eles foram aparecendo conforme eu tocava e explorava. Depois,
quando eu tinha uma sequência de grooves, vários grooves, quando eu conseguia
conversar em quintina, sentar e tocar de forma livre, aí então eu parei e comecei a
transcrever tudo, para saber o que eu tava fazendo. E dessa minha transcrição que
surgiram novas possibilidades também (“eu tô usando tal padrão, mas e se eu
inverter esse padrão?”). Foi um processo realmente reverso: cheguei lá no final para
ver se fazia sentido e daí eu voltei para ir dando uma limpada em todo o processo.

(05’01’’) M: Um parêntesis: nessa pesquisa, um ponto em que quero chegar é o de


internalizar a figura. Do mesmo jeito que você não precisa estudar todo o pozzoli
para tocar em quatro por quatro, colcheia, semicolcheia, e você não fica pensando
em todas as subdivisões de sextina, a maioria das pessoas começa tocando um
blues normal, ou vai tocar alguma coisa de jazz, e tá natural a condução pelo que
ela está ouvindo, se está soando musical, e depois que ela começa a fazer essas
entortadas no meio.

(05’35’’) E: Eu acho que é bem isso.

(05’37’’) M: Mas então disso tudo como surgiu a ideia da música Alethea?

(05’48’’) E: Na verdade eu não sei até hoje [sobre a pronúncia do nome]. Alethea...

(05’51’’) M: Significa alguma coisa?

E: Eu lembrava o que significa, mas depois eu esqueci qual é o significado [risos]. É


muita música...

(06’00’’) E: Mas enfim, essa música foi no momento que a gente tava compondo o
álbum Machine Messiah do Sepultura e era uma época em que paralelamente eu
estava estudando as quintinas, desenvolvendo esse universo das quintinas e
septinas (eu resolvi estudar as duas ao mesmo tempo) e daí eu levei algumas
dessas levadas para a banda. Eu com o Andreas principalmente, a gente que
elabora toda a parte rítmica, de composição, todos os arranjos das músicas; eu já
34

tinha trocado com ele alguns desses grooves em quintina, só que ele não
demonstrou tanto interesse inicialmente. Até que a gente começou a ensaiar
diariamente (quando tá em fase de composição quase todo dia a gente se encontra
para fazer jams para desenvolver algumas células), e um dia no ensaio eu falei
“Bicho, escuta isso aqui! Em quintina, o um tá aqui, o dois tá aqui, o três tá aqui, o
quatro tá aqui. Pensa muito de forma quadrada”, eu apresentei realmente como se
fosse uma figura quatro por quatro, na hora nem falei de quintina, nem comentei
nisso. Daí comecei a tocar e claro, para uma pessoa que nunca escutou a quintina,
soa estranho, soa como um cinco, e é dessa forma como eles contam até hoje.
Porém, se eu estou contando em quatro, a minha referência principal é o metrônomo
em quatro, então as coisas vão se desencontrar em algum momento, vai ter algum
contraste. Eu lembro que a gente ficou uma meia hora tentando tocar esse groove
em quintina até que o Andreas parou (acho que tava o Paulo no ensaio também) e
falou “olha, o negócio é o seguinte, esse negócio de conservatório não faz parte do
Sepultura [risos], esse negócio tá muito conservatório, cara, isso aqui é uma banda
de metal”. E o ensaio acabou aí, teve esse fim o ensaio. Era numa sexta-feira
(quinta ou sexta-feira) e a gente não ia ensaiar mais, só voltou a ensaiar numa
segunda ou terça-feira. Daí quando a gente voltou, o Andreas falou “Lembra aquela
sua ideia? Então, eu acho que escrevi um riff pra ela” e aí ele veio com o riff da
Alethea. Mas foi uma insistência minha.

(08’11’’) M: Ele se sentiu provocado então, talvez...

E: Nem sei se foi uma provocação. Talvez ele tenha se sentido, mas nunca foi o meu
objetivo. Eu não quero provocar o músico com o qual eu toco, eu quero que ele
toque da melhor forma possível. E não é um desafio, nunca teve esse lance. Mas
era porque era algo que eu estava estudando, que eu queria incorporar em alguma
música. Daí ele veio com esse riff depois. Eu acho que ele falou “legal testar alguma
coisa diferente”; porque é a mesma coisa que alguém chegar pra mim e falar “toca
isso aí comigo, esse negócio em quintina” sendo que eu nunca estudei quintina, pô,
vai se ferrar né, vai tomar no seu c* [risos]. Então foi tipo isso que aconteceu. Mas
deu três ou quatro dias e ele já tava sacando qual que era e veio com o riff, e daí
surgiu a música.

(09’04’’) M: O terceiro ponto que eu ia perguntar era até esse, sobre a receptividade.
Porque como eu tinha conversado antes da entrevista com você, o Sepultura tem
isso de querer agregar elementos, coisas novas no som. Então você acha que o fato
de o Andreas e o Paulo serem mais abertos para incorporar coisas novas nas
músicas foi determinante e é determinante para o seu jeito de tocar atualmente no
Sepultura?

E: Ah sim, sim. Os caras sempre foram muito abertos em relação a novas ideias,
novos conceitos, a explorar. Eu acho que o Sepultura está tão ativo até hoje por
causa disso justamente. A banda nunca se limitou a buscar um estilo único, ou se
limitou a ser o Sepultura como as pessoas supostamente conhecem a banda. O
Sepultura está sempre mudando, sempre se renovando e justamente por causa
desses conceitos. Você consegue separar o Sepultura por fases, não só pelos
35

integrantes, mas pela fase musical: aquela fase mais metal extremo, trash metal,
depois mais groove, depois mais experimental, depois quando eu entrei teve um CD
muito extremo também, mais rápido, depois a gente foi para um lado mais
experimental, de trazer novos conceitos... Mas é por causa disso, os caras são
sempre abertos, sempre muito receptivos a novas ideias, novos conceitos. E eu tive
sorte, com certeza. Porque eu gosto sempre de estudar, de fazer coisas novas,
encontrar novas soluções, novos caminhos. É uma banda na qual eu consegui me
encaixar muito bem, porque ela está sempre aceitando essa transformação, essa
mudança. Se eu tivesse que subir lá e tocar todo dia a mesma coisa, eu estaria
morto já, porque é muito chato. Ou sentar para tocar um metal quadradinho, aquela
coisa bem mecânica, pra mim seria um fardo. Isso que é legal: sempre que a gente
vai ensaiar, tá no processo de composição, eu sempre vou empurrando coisas
novas; empurro coisa pra caramba, se passa um quinto, um sexto do que eu enviei
já tá demais, já tá muito bom.

(11’20’’) M: Eu acho que eram essas as perguntas mais pertinentes. Eu coloquei um


ponto também sobre essa questão da improvisação no ao vivo. Porque esse
trabalho é uma transcrição do que foi gravado no disco Machine Messiah, mas você
é um cara que acaba improvisando muito, tanto em vídeo pro YouTube, como para
performance ao vivo. Você se dá um limite de até onde, de se tem uma parte
específica que você vai improvisar, em que você vai tentar algo novo, para não
atrapalhar a sua performance? Como é a sua relação com o improviso dentro de
algo que foi muito bem pensado para aquela música?

(12’12’’) E: Boa. Cara, o primeiro fator, a primeira questão sobre eu improvisar nas
músicas é porque eu canso de sempre tocar a mesma coisa, é chato. E quando
você faz muitos shows com a sua banda, você faz ali cem shows por ano, chega
uma hora que você não aguenta mais tocar as coisas da mesma forma; parece que
você está sendo apenas uma representação do que você já foi. Se você toca
sempre aquela coisa do mesmo jeito que você gravou, faz sentido, mas também não
faz, porque aquilo fez sentido naquele momento e talvez agora não faça mais. Eu
acabo sentindo coisas diferentes, tendo ideias diferentes para as músicas. Então o
primeiro ponto é esse: eu fico entediado de tocar a mesma coisa sempre.
Em relação a pensar nesse improviso para diferentes partes, determinar onde eu
vou improvisar: as vezes sim, as vezes não. As vezes eu sei onde eu quero
improvisar, alguma coisa que não faz mais sentido tocar da mesma forma como
gravei originalmente, e tem outras partes que eu gosto muito, que elas fazem
sentido pra sempre (tipo “eu gravei daquela forma e acho que daquele jeito se
encaixa perfeitamente na música”). Então, tem esse equilíbrio dos dois mundos. Mas
a questão de improvisar em si no show, nas gravações, é algo muito espontâneo
geralmente. Eu tô tocando, daí vai vir uma virada ou ter uma levada diferente eu falo
“cara, vou fazer diferente”. As vezes dá certo, as vezes dá errado. Já aconteceu
bastante de eu errar ao vivo, pensar numa virada e estar completamente errado, não
conseguir terminar no um, me perder no meio da virada...

M: É aquela história da beleza e da paciência...


36

E: Não tô ligado.

M: Que você vai testar uma virada novo no meio, e aí se der certo, beleza, se não
der, paciência.

E: Exatamente! Mas é isso, de você sentir fazendo algo diferente, se colocar uma
situação de risco. E isso é bom, faz bem.

M: E o ambiente que você está te permite isso também, não é?

E: Permite. Mas mais ou menos, se eu errar muito os caras me mandam embora,


chutam minha bunda. Tem que ter o limite do erro ali. Assim, claro, se eu acabo
explorando muito, tirando a característica de uma música, isso vai trazer
repercussões para mim, não vai ser legal, porque eu não posso trazer o holofote
simplesmente para mim no meio de um show. A banda está tocando em prol de algo
maior, apenas pensar em questões bateristícas é muito pequeno. Mas por outro
lado, se eu toco algo espontâneo no show, algo novo, eu crio uma exceção no meio
de um show, se o show fica mais interessante para mim, acho que fica mais
interessante para as pessoas também. Porque as pessoas nunca sabem o que vai
acontecer, da mesma forma que eu não sei. A partir do momento que eu me coloco
numa situação de risco, que minha adrenalina está maior, acredito que isso também
acaba influenciando todo o ambiente. Acho que a gente vai ter essa troca diferente,
cada show vai ser um show atípico, um show único, diferente. Eu prezo muito por
isso. Nem que dê errado, o erro faz parte, o erro acontece quando você tá tentando
ultrapassar uma barreira e tá tudo bem, acontece, dane-se, foda-se.

M: É, o erro é consequência da tentativa né e não tem nada de errado nisso...

E: Mas é isso cara, eu sempre tento criar exceções. Porque viver sempre a mesma
coisa na música é chato. Então, abaixo a rotina e viva o erro!

M: Muito bom! Essa vai ser a frase com que eu vou abrir o meu trabalho.

E: Abaixo a rotina e viva o erro!

M: Muito obrigada Eloy por conceder seu tempo e suas palavras. Vai ser de muita
ajuda para o meu trabalho.

E: Imagina, que é isso. Obrigada você, velho. Obrigada por fazer o trabalho, me
mostrar como a música é tocada, que eu não tinha nem ideia de como era, tudo que
acontecia [risos].
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ANEXO B
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