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SÃO PAULO
2021
1
RESUMO
O presente trabalho pretende compreender quais recursos são utilizados pelo
baterista Eloy Casagrande para atingir novas sonoridades com as quintinas. O
objeto de análise será a levada de bateria da música Alethea da banda brasileira de
heavy metal, Sepultura, a fim de compreender melhor a utilização dessas quiálteras
no universo da bateria. As quintinas não são amplamente exploradas no estudo
musical nem na prática musical propriamente dita, então o intuito deste trabalho é
entender como Eloy chega nessas novas sonoridades mesmo com uma ausência de
referencial dentro do estudo tradicional de música.
ABSTRACT
This paper intends to understand which resources are used by the drummer
Eloy Casagrande to reach new sonorities with quintuplets. The object of analysis will
be the drum line of the song Alethea from the brazilian heavy metal band, Sepultura,
in order to better understand the use of these tuples in the universe of the drums.
Quintuplets are not widely explored in the study of music nor in music practice itself,
so the purpose of this paper is to understand how Eloy reached these new sonorities
even with a lack of refere inside the traditional music study.
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. SEPULTURA
2. FERRAMENTAS DE ANÁLISE
2.1. QUIÁLTERAS
2.2. RUDIMENTOS
2.2.1 Paradiddles
3.1. COMPASSOS 1 AO 8
3.2. COMPASSOS 9 AO 24
3.3. COMPASSOS 25 AO 32
3.4. COMPASSOS 37 AO 40
3.5.COMPASSOS 41 AO 48
3.6.COMPASSOS 49 AO 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ANEXO A
ANEXO B
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INTRODUÇÃO
1
"Quiálteras são grupos de notas que não obedecem à divisão normal do compasso ou à subdivisão
normal de seus tempos" (LACERDA, Osvaldo. Compêndio de teoria elementar da música. 3ª ed. São
Paulo: Ricordi Brasileira, 1967, p. 37)
2
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9efchF3LIC0
3
Mainstream é um conceito que expressa uma tendência ou moda principal e dominante. A tradução
literal de mainstream é "corrente principal" ou "fluxo principal".
7
1. SEPULTURA
"Quanto mais culturas e países conheciam, mais orgulho sentiam por serem
brasileiros - por todos os aspectos positivos e negativos implicados. E
apesar de serem expatriados, sentiam uma necessidade, Andreas explicou
mais tarde, de lembrar ao mundo que eram uma banda brasileira."
(KOROLENKO, 2016, p. 120).
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"Uma pesada ênfase rítmica nos tempos 2 e 4 dentro de um compasso de 4 tempos. Muitos padrões
de bateria de rock são baseados nos em volta do bumbo tocando nos tempos 1 e 3 com a caixa
soando no backbeat nos tempos 2 e 4"
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baiano Carlinhos Brown (que além de cantar na faixa Ratamahatta, também gravou
vários instrumentos de percussão para a mesma música, dentre eles berimbau,
timbau, wood drums, djembê, xequerê e surdo). Além da inesperada participação de
Carlinhos Brown em um álbum de metal, a banda inovou ainda mais o estilo, sendo
a primeira a gravar uma faixa com a participação de uma tribo indigena brasileira. A
faixa Itsári foi gravada em uma aldeia da tribo Xavantes, tendo como instrumentação
violão, percussão, e os próprios membros da tribo cantando uma de suas músicas
de cura, segundo o líder da comunidade, Clipassé:
“Eles nos falaram que tinham esse sonho, de gravar com os índios e
queriam uma música que fosse bonita e forte. Mostramos nossas músicas
de cura. Mostramos uma, que ouviram várias vezes e não gostaram. Na
segunda, sentiram que podiam fazer um arranjo, colocar um ritmo legal e foi
assim que gravamos.” (DEHÒ, 2016)
E: Nem sei se foi uma provocação. Talvez ele tenha se sentido, mas nunca
foi o meu objetivo. Eu não quero provocar o músico com o qual eu toco, eu
quero que ele toque da melhor forma possível. E não é um desafio, nunca
teve esse lance. Mas era porque era algo que eu estava estudando, que eu
queria incorporar em alguma música. Daí ele veio com esse riff depois. Eu
acho que ele falou “legal testar alguma coisa diferente” (CASAGRANDE,
Eloy. Entrevista [out. 2021]. Entrevistador: Matheus Carrilho. São Paulo,
2021. 1 arquivo .m4a (16 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita
no anexo 2 desta monografia)
2. FERRAMENTAS DE ANÁLISE
2.1. QUIÁLTERAS
As quiálteras são figuras rítmicas com uma quantidade de notas que não
estão relacionadas com o tipo de compasso onde ela se encontra. Ou seja, em um
compasso binário, qualquer figura que não seja múltipla de 2 (como por exemplo
aquelas que contém 3, 5, 7 ou 9 notas de mesmo valor dentro de um só tempo) é
considerada uma quiáltera. Em um compasso ternário, vale a mesma definição,
porém para figuras que não são múltiplas de 3.
Uma possível confusão causada na identificação de quintinas ocorre quando
ela é utilizada na maior parte da música, como é o caso da Alethea. Nesses casos,
seria possível afirmar que não há quiálteras em todos os tempos, mas um compasso
de 5 tempos muito rápido (como um 5/16, ou até mesmo um 20/16 se pensarmos no
ciclo de quatro tempos presente nas linhas melódicas e rítmicas da música).
Especificamente no caso da música Alethea, essa confusão é facilmente
afastada porque há um ciclo de 4 tempos muito bem demarcado. Segundo o
dicionário Grove, um "compasso é a distância entre tempo fortes" (SADIE, 1994) em
uma música. Assim, como na música Alethea esses tempos fortes são muito claros
a cada 4 tempos, podemos classificar como um compasso de 4/4 com a constante
presença de quintinas. Outro fator que nos faz excluir a possibilidade de ser um
compasso de 5 tempos, é o uso do deslocamento de acentos dentro desses ciclos
de 5, o que tende a descaracterizar a ideia de 5 tempos; logo, a compreensão
desses ciclos fica mais clara quando analisamos em um espectro maior, como em
um compasso de 4 tempos com cada tempo sendo dividido em grupos de 5 notas,
ou múltiplos de 5.
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2.2. RUDIMENTOS
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Indicação da ordem das mãos que determinado padrão deve ser executado. Sempre que uma nota
necessite ser tocada com a mão direita, utilizaremos a letra D em cima desta nota, agora com a mão
esquerda, utilizaremos a letra E. No inglês se utiliza R e L, right hand e left hand respectivamente.
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Para esta análise, a música foi dividida em 6 partes. Embora a música possua
14 partes, algumas delas são repetições de trechos já apresentados anteriormente
na música, por isso é que serão analisadas apenas as 6 mais relevantes. Em cada
uma das partes serão estudadas as ideias principais que a fundamentam, e não
necessariamente todos os compassos.
Figura 5 - Flam
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O flam é um rudimento em que há uma nota principal executada com uma das
mãos, precedida por uma apogiatura com a mão oposta à mão da nota principal. Já
o flam tap é constituído por um flam, seguido pela repetição da mão que executa a
nota principal do flam. Se, ao invés de uma apogiatura, pensarmos na nota de
preparo em uníssono com a nota principal, teremos a mesma polimetria utilizada por
Eloy na música em questão.
Nessa segunda parte a bateria para com a levada nos tambores para ir para
uma levada com bumbo caixa e chimbal. A guitarra e o baixo também entram nessa
parte tocando na mesma rítmica dos dois primeiros bumbos do primeiro tempo, e da
primeira caixa do segundo tempo, ou seja, estão tocando na primeira e na quarta
semicolcheia do primeiro tempo, e na primeira semicolcheia do segundo tempo.
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Notas executadas com dinâmica mais baixa do que as notas principais.
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nova, que exigiria muito mais tempo para internalização da duração de figuras como
colcheia de quintina, e colcheia pontuada de quintina.
A única exceção que temos nessa levada onde o single stroke roll não é
utilizado, é no primeiro tempo do compasso 9 e no primeiro tempo a cada quatro
compassos, logo após a volta de alguma virada no quarto compasso de cada um
desses ciclos de quatro. Esse padrão diferente de manulação será abordado com
mais profundidade na parte 6.
Figura 14 - Compassos 25 e 26 com manulação de single stroke roll e indicação das acentuações do
china.
Figura 15 - Compassos 25 e 26 mas sem as ghost notes, apenas as notas acentuadas no china e na
caixa.
Figura 17 - Compassos 29 e 30 mas sem as ghost notes, apenas as notas acentuadas no china e na
caixa.
Figura 18 - Compasso 39, com mão direita alternando entre stack e tom 1 e preservando o padrão de
1 stack a cada 4 quintinas.
Figura 19 - Relação entre o compasso 39 como é realmente tocado, 4/4 com quintinas, com a
sensação que ele causa, 5/4 com semicolcheias.
Essa sensação ocorre pelo fato de a guitarra e o baixo não estarem tocando a
todo momento, de modo que é a bateria que está ditando o ritmo, o que faz com
que, para um ouvido não acostumado com quintinas, essa parte possa ser
facilmente confundida com um compasso de 5/4.
Figura 20 - Compasso 42, destacando acentuação no stack e novo padrão rítmico no repinique,
representado pela quinta linha do pentagrama.
Embora a mão esquerda não esteja mais fazendo o preenchimento das ghost
notes no formato de single stroke roll junto com o stack, neste momento, Eloy
começa a utilizar o pedal duplo para tocar o bumbo em todos os tempos, tocando
todas as 5 quintinas consecutivamente. Com isso, o padrão de single stroke roll
começa a ser executado com o pé direito e o pé esquerdo, o que dará a referência
necessária para o intérprete executar tanto o stack a cada duas semicolcheias,
quanto o padrão rítmico do repinique.
No segundo momento (compassos 45 ao 48) da parte 5, os padrões de
bumbo, caixa, e repinique continuam os mesmos, porém Eloy utiliza o china para a
condução com o mesmo padrão de acentuação do segundo momento da parte 3, ou
seja, tocando um prato a cada duas semicolcheias de quintina, e acentuando um sim
e um não consecutivamente.
Figura 22 - Compasso 49, nova acentuação na caixa, e indicação de manulação utilizada nesse
trecho.
Mais uma vez, a utilização das ghost notes é fundamental para ajudar o
intérprete a executar o trecho em questão. Sem as ghost notes servindo de apoio, a
interpretação do trecho partindo apenas do referencial sonoro seria muito mais
complexa: Teríamos novamente um caso onde as quintinas são muito mais
espaçadas, nos dando a sensação de colcheia de quintinas. Sendo assim, executar
essas notas com precisão seria muito mais difícil do que com todas as 5
semicolcheias da quintina dando apoio ao intérprete.
Figura 24 - Paradiddle.
A manulação utilizada por Eloy nesse trecho pode ser considerada uma
espécie de paradiddle porém em um ciclo maior contendo 10 semicolcheias.
Podemos afirmar isso levando em consideração que sempre que ele executa um
toque duplo com a mão esquerda, ele volta para um toque simples de mão direita.
Eloy ainda utiliza alguns recursos para deixar a sonoridade do trecho mais
fluida, e com isso não parecer apenas um rudimento grosseiramente aplicado na
bateria.
O primeiro recurso foi retirar a mão direita, que segundo a manulação deveria
estar em uníssono com o bumbo da terceira semicolcheia do segundo e quarto
tempos de cada compasso, e deslocar essa mão direita uma semicolcheia pra frente
para tocar em uníssono com a caixa da quarta semicolcheia dos mesmos tempos.
Outro recurso utilizado foi a acentuação das caixas ocorrendo sempre que há
um toque duplo, mas, no primeiro tempo de cada ciclo essa acentuação ocorre na
segunda nota do toque duplo, já no segundo tempo, ela ocorre na primeira nota do
toque duplo.
Figura 29 - Compasso 49, com caixa e prato de ataque em uníssono, assim como foi gravado.
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É possível notar que a frase utilizada por Eloy nessa virada tem a duração de
4 quintinas de semicolcheia, com exceção da última repetição, em que, após tocar o
prato de ataque, ele continua a tocar a levada, ao invés de esperar uma quintina de
semicolcheia para completá-la. É possível ainda interpretar essa virada como se
fosse uma frase com fusas e colcheias dentro de um 3/4.
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Figura 32 - Comparação da virada com uma versão da mesma escrita dentro de um 3/4 com fusas e
colcheias.
Desta forma, fica mais claro para o intérprete de onde veio essa frase, pois o
3/4 deixa os 3 grupos em evidência de uma maneira mais visual.
acentos nas cabeças de cada tempo, mas com a caixa sendo acentuada em
semicolcheias diferentes que não necessariamente são a cabeça de cada tempo.
Por último, podemos considerar a utilização de rudimentos por Eloy como um
dos fatores determinantes para remodelar a sonoridade da quintina dentro do
universo da bateria.
Ao invés de utilizar a quintina executando todas as 5 notas de forma linear
(ainda que utilizando recursos como deslocamento de acentos gerando polimetrias),
Eloy traz uma adaptação de vários rudimentos originalmente concebidos para
subdivisões binárias ou ternárias, mas agora pensados para caber em grupos de
cinco notas. O resultado disso vai além de orquestrações diferentes dentro da
bateria que ocorre em decorrência da distribuição das manulações de cada
rudimentos nos tambores e pratos. A utilização de rudimentos derivados do flam, por
exemplo, faz com que determinada figura fique mais preenchida, com mais camadas
de notas sendo executadas ao mesmo tempo, e ainda abre a possibilidade de
polimetrias mais complexas surgirem dentro desses rudimentos, como vimos na
parte 1 (item 3.1) da análise.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa nos mostrou que a banda Sepultura a partir dos anos 90 passou a
ser mais receptiva com novos elementos musicais que eram pouco presentes em
bandas de metal, e que com a entrada do baterista Eloy Casagrande essa
receptividade que antes tinha sido com elementos da música regional brasileira,
agora ocorre com a adição de elementos mais técnicos e virtuosísticos em suas
composições. Podemos considerar Eloy como o fator principal nessa mudança de
sonoridade da banda, tendo em vista o grande interesse em pesquisa e estudo
técnico do instrumento por parte do baterista. Como vimos no capítulo 1, ocorreu
uma resistência inicial da banda em incorporar elementos tão técnicos quando Eloy
apresentou a ideia das quiálteras. Logo depois a banda acatou a ideia mas podemos
concluir que se não fosse pelo baterista, possivelmente o Sepultura não chegaria
nessas novas sonoridades por conta própria.
Fica mais claro agora que para os intérpretes que se interessem por aprender
uma música com sonoridades pouco usuais, a análise e a dissecação de cada
trecho da música em elementos menores porém mais comuns ao intérprete, são
recursos que facilitam a compreensão e tornam o processo de aprendizagem mais
dinâmico. Considerando os que pretendem compor músicas com sonoridades pouco
usuais, podemos concluir que o estudo minucioso em cima de técnicas simples pode
gerar tais sonoridades com mais facilidade do que a busca por técnicas muito
complexas ou não existentes no momento da composição.
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REFERÊNCIAS:
BUYER, Paul. “How Rudiments are used in the College Curriculum”. Percussive
Notes. Abril, 2005. Disponível em:
<http://www.paulbuyer.com/article/PBuyer-2005-RudimentsinCollege.pdf>. Acessado
em: 01/12/2021.
SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
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ANEXO A
(0’05’’) Matheus Carrilho: Bom, Eloy, eu quero saber como começou a sua história
com a batera, quando você começou a tocar, qual foi o interesse, com quem você já
estudou, como foi sua trajetória até hoje, resumidamente.
(01’45’’) M: Outra coisa que eu ia te perguntar é: essa parte desse interesse pela
pesquisa foi 100% seu?
E: É, até hoje eu fico buscando coisas novas para estudar, conceitos novos. O lance
da quintina veio através de uma música do Meshuggah, que na verdade, eu não
estava entendendo o que eles estavam fazendo na música. Na verdade, eles nem
estavam tocando quintina, só que eu pensei que fosse em quintina. Pensei que
estavam fazendo alguma coisa diferente. Consegui identificar o cinco, mas não era a
quintina, não eram cinco notas por tempo. Comecei a estudar isso de uma forma
muito aleatória, muito minha. Primeiro eu identifiquei os principais paradiddles, os
rudimentos nas quintinas, estudei o single, o double, o paradiddle, algumas outras
manulações, (tipo direita esquerda direita esquerda esquerda, que é bem fácil para
encaixar as cinco notas), e eu comecei a explorar no kit levadas, grooves. E
conforme eu ia descobrindo grooves, eu colocava na balança se valia a pena ou não
continuar estudando o assunto. Eu queria ter um objetivo musical, só que eu não
sabia se era possível atingir um objetivo musical, fazer uma música com as
quintinas. Então, meio que fiz o caminho reverso, de buscar primeiro um groove, de
fazer um sentido musical para mim, e só depois eu voltei, dei um passo atrás e
comecei a estudar vários rudimentos em quintina, que eu mesmo ia escrevendo e a
partir disso eu consegui melhorar, ampliar meu universo nas quintinas.
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(03’22’’) M: Então você fez o contrário do que muita gente faz quando começa a
estudar quando entra no universo não só das quintinas, mas das quiálteras em
geral: acho que as pessoas vão buscando mais manulações (eu sinto isso um pouco
nas quiálteras, em coisas de polirritmia, tempos quebrados), estudando a técnica
simplesmente pela dificuldade e não por algo musical. No primeiro momento você
tentou achar algo musical para depois estudar mais isso?
(03’55’’) E: Exatamente, foi isso aí. Eu queria ver se isso me levaria para algum lugar
musical, que eu não estava gastando meu tempo, rodando lâmpada, com algo
desnecessário. Eu tinha um conceito principal que era bumbo no um, caixa no dois,
bumbo no três, caixa no quatro e a partir disso eu vou colocar as cinco notas dentro
do tempo. Manulações começaram a aparecer enquanto eu buscava ritmos, então
eu não tive que me preocupar tanto com os paradiddles, as manulações em
quintinas, porque eles foram aparecendo conforme eu tocava e explorava. Depois,
quando eu tinha uma sequência de grooves, vários grooves, quando eu conseguia
conversar em quintina, sentar e tocar de forma livre, aí então eu parei e comecei a
transcrever tudo, para saber o que eu tava fazendo. E dessa minha transcrição que
surgiram novas possibilidades também (“eu tô usando tal padrão, mas e se eu
inverter esse padrão?”). Foi um processo realmente reverso: cheguei lá no final para
ver se fazia sentido e daí eu voltei para ir dando uma limpada em todo o processo.
(05’37’’) M: Mas então disso tudo como surgiu a ideia da música Alethea?
(05’48’’) E: Na verdade eu não sei até hoje [sobre a pronúncia do nome]. Alethea...
(06’00’’) E: Mas enfim, essa música foi no momento que a gente tava compondo o
álbum Machine Messiah do Sepultura e era uma época em que paralelamente eu
estava estudando as quintinas, desenvolvendo esse universo das quintinas e
septinas (eu resolvi estudar as duas ao mesmo tempo) e daí eu levei algumas
dessas levadas para a banda. Eu com o Andreas principalmente, a gente que
elabora toda a parte rítmica, de composição, todos os arranjos das músicas; eu já
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tinha trocado com ele alguns desses grooves em quintina, só que ele não
demonstrou tanto interesse inicialmente. Até que a gente começou a ensaiar
diariamente (quando tá em fase de composição quase todo dia a gente se encontra
para fazer jams para desenvolver algumas células), e um dia no ensaio eu falei
“Bicho, escuta isso aqui! Em quintina, o um tá aqui, o dois tá aqui, o três tá aqui, o
quatro tá aqui. Pensa muito de forma quadrada”, eu apresentei realmente como se
fosse uma figura quatro por quatro, na hora nem falei de quintina, nem comentei
nisso. Daí comecei a tocar e claro, para uma pessoa que nunca escutou a quintina,
soa estranho, soa como um cinco, e é dessa forma como eles contam até hoje.
Porém, se eu estou contando em quatro, a minha referência principal é o metrônomo
em quatro, então as coisas vão se desencontrar em algum momento, vai ter algum
contraste. Eu lembro que a gente ficou uma meia hora tentando tocar esse groove
em quintina até que o Andreas parou (acho que tava o Paulo no ensaio também) e
falou “olha, o negócio é o seguinte, esse negócio de conservatório não faz parte do
Sepultura [risos], esse negócio tá muito conservatório, cara, isso aqui é uma banda
de metal”. E o ensaio acabou aí, teve esse fim o ensaio. Era numa sexta-feira
(quinta ou sexta-feira) e a gente não ia ensaiar mais, só voltou a ensaiar numa
segunda ou terça-feira. Daí quando a gente voltou, o Andreas falou “Lembra aquela
sua ideia? Então, eu acho que escrevi um riff pra ela” e aí ele veio com o riff da
Alethea. Mas foi uma insistência minha.
E: Nem sei se foi uma provocação. Talvez ele tenha se sentido, mas nunca foi o meu
objetivo. Eu não quero provocar o músico com o qual eu toco, eu quero que ele
toque da melhor forma possível. E não é um desafio, nunca teve esse lance. Mas
era porque era algo que eu estava estudando, que eu queria incorporar em alguma
música. Daí ele veio com esse riff depois. Eu acho que ele falou “legal testar alguma
coisa diferente”; porque é a mesma coisa que alguém chegar pra mim e falar “toca
isso aí comigo, esse negócio em quintina” sendo que eu nunca estudei quintina, pô,
vai se ferrar né, vai tomar no seu c* [risos]. Então foi tipo isso que aconteceu. Mas
deu três ou quatro dias e ele já tava sacando qual que era e veio com o riff, e daí
surgiu a música.
(09’04’’) M: O terceiro ponto que eu ia perguntar era até esse, sobre a receptividade.
Porque como eu tinha conversado antes da entrevista com você, o Sepultura tem
isso de querer agregar elementos, coisas novas no som. Então você acha que o fato
de o Andreas e o Paulo serem mais abertos para incorporar coisas novas nas
músicas foi determinante e é determinante para o seu jeito de tocar atualmente no
Sepultura?
E: Ah sim, sim. Os caras sempre foram muito abertos em relação a novas ideias,
novos conceitos, a explorar. Eu acho que o Sepultura está tão ativo até hoje por
causa disso justamente. A banda nunca se limitou a buscar um estilo único, ou se
limitou a ser o Sepultura como as pessoas supostamente conhecem a banda. O
Sepultura está sempre mudando, sempre se renovando e justamente por causa
desses conceitos. Você consegue separar o Sepultura por fases, não só pelos
35
integrantes, mas pela fase musical: aquela fase mais metal extremo, trash metal,
depois mais groove, depois mais experimental, depois quando eu entrei teve um CD
muito extremo também, mais rápido, depois a gente foi para um lado mais
experimental, de trazer novos conceitos... Mas é por causa disso, os caras são
sempre abertos, sempre muito receptivos a novas ideias, novos conceitos. E eu tive
sorte, com certeza. Porque eu gosto sempre de estudar, de fazer coisas novas,
encontrar novas soluções, novos caminhos. É uma banda na qual eu consegui me
encaixar muito bem, porque ela está sempre aceitando essa transformação, essa
mudança. Se eu tivesse que subir lá e tocar todo dia a mesma coisa, eu estaria
morto já, porque é muito chato. Ou sentar para tocar um metal quadradinho, aquela
coisa bem mecânica, pra mim seria um fardo. Isso que é legal: sempre que a gente
vai ensaiar, tá no processo de composição, eu sempre vou empurrando coisas
novas; empurro coisa pra caramba, se passa um quinto, um sexto do que eu enviei
já tá demais, já tá muito bom.
(12’12’’) E: Boa. Cara, o primeiro fator, a primeira questão sobre eu improvisar nas
músicas é porque eu canso de sempre tocar a mesma coisa, é chato. E quando
você faz muitos shows com a sua banda, você faz ali cem shows por ano, chega
uma hora que você não aguenta mais tocar as coisas da mesma forma; parece que
você está sendo apenas uma representação do que você já foi. Se você toca
sempre aquela coisa do mesmo jeito que você gravou, faz sentido, mas também não
faz, porque aquilo fez sentido naquele momento e talvez agora não faça mais. Eu
acabo sentindo coisas diferentes, tendo ideias diferentes para as músicas. Então o
primeiro ponto é esse: eu fico entediado de tocar a mesma coisa sempre.
Em relação a pensar nesse improviso para diferentes partes, determinar onde eu
vou improvisar: as vezes sim, as vezes não. As vezes eu sei onde eu quero
improvisar, alguma coisa que não faz mais sentido tocar da mesma forma como
gravei originalmente, e tem outras partes que eu gosto muito, que elas fazem
sentido pra sempre (tipo “eu gravei daquela forma e acho que daquele jeito se
encaixa perfeitamente na música”). Então, tem esse equilíbrio dos dois mundos. Mas
a questão de improvisar em si no show, nas gravações, é algo muito espontâneo
geralmente. Eu tô tocando, daí vai vir uma virada ou ter uma levada diferente eu falo
“cara, vou fazer diferente”. As vezes dá certo, as vezes dá errado. Já aconteceu
bastante de eu errar ao vivo, pensar numa virada e estar completamente errado, não
conseguir terminar no um, me perder no meio da virada...
E: Não tô ligado.
M: Que você vai testar uma virada novo no meio, e aí se der certo, beleza, se não
der, paciência.
E: Exatamente! Mas é isso, de você sentir fazendo algo diferente, se colocar uma
situação de risco. E isso é bom, faz bem.
E: Mas é isso cara, eu sempre tento criar exceções. Porque viver sempre a mesma
coisa na música é chato. Então, abaixo a rotina e viva o erro!
M: Muito bom! Essa vai ser a frase com que eu vou abrir o meu trabalho.
M: Muito obrigada Eloy por conceder seu tempo e suas palavras. Vai ser de muita
ajuda para o meu trabalho.
E: Imagina, que é isso. Obrigada você, velho. Obrigada por fazer o trabalho, me
mostrar como a música é tocada, que eu não tinha nem ideia de como era, tudo que
acontecia [risos].
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ANEXO B
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