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RECRIANDO UM CENÁRIO VIRTUAL DE APRENDIZAGEM:

ANÁLISE DE JOGO EDUCATIVO EM UM CURSO A


1
DISTÂNCIA 2
Elaine Rodrigues Perdigão , Flavia Giffoni de Abreu dos Santos
1
Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância, elaineperdigaoster@gmail.com
2
Faculdade Cesgranrio/Programa de Mestrado em Avaliação, flaviagiffoni@globo.com

Resumo - O presente artigo visa explorar um estudo de caso para discutir sobre concepção e
criação de jogos educativos para cursos na modalidade a distância. A partir da experiência
das autoras em gestão e implementação de cursos a distância, é proposta a análise do
contexto de aplicação de um jogo e os desafios pedagógicos para eficiência deste recurso
didático. O objetivo é abrir uma discussão proveitosa sobre a relação entre mídias digitais e
estratégias educacionais, considerando aspectos comunicacionais e dialogismo. Será
traçada, como fio condutor da análise, uma abordagem sociocultural sobre EAD e os
pressupostos teóricos que corroboram a proposta do jogo. Em seguida, apresenta-se o
problema que desafiou a solução tecnológica e o planejamento que se seguiu para
elaboração do projeto, assim como as etapas de produção e implementação.
Palavras-chave: educação a distância, mídia digital, jogo educativo.

Abstract - This article aims to explore a case study to discuss the design and creation of
educational games for distance learning courses. Based on the experience of the authors in
the management and implementation of distance courses, it is proposed the analysis of the
context of application of a game and the pedagogical challenges for the efficiency of this
didactic resource. The objective is to open a useful discussion about the relationship
between digital media and educational strategies, considering communication aspects and
dialogism. A sociocultural approach to distance education and the theoretical assumptions
that corroborate the proposal of the game will be drawn as the guiding thread of the
analysis. Next, we present the problem that challenged the technological solution and the
planning that followed to elaborate the Project, as well as the stages of production and
impementation.
Key words: distance education, digital media, educational game.

1. Apresentação: perspectivas e desafios


A escrita deste artigo é resultado de nossa experiência em educação a distância, em
particular em produção de materiais didáticos. Somos duas autoras que trabalham com
planejamento de conteúdos didáticos para EAD. O exercício de explorar nossa vivência em
artigo acadêmico possibilitou-nos uma releitura interessante, bem como a revisão de nossos
erros e acertos. Os profissionais que trabalham com EAD fazem um grande esforço para
legitimar a modalidade, carregada ainda de preconceito. Os professores-tutores, geralmente
mal remunerados, estão a implementar estratégias didáticas eficientes, mas ainda presos a
modelos de ensino tradicionais. Turmas com número excessivo de alunos, conteúdos
didáticos simplistas, ambientes virtuais de aprendizagem pouco amigáveis, carga horária de
trabalho pouco precisa, com relação a quantidade de trabalho efetivo, constituem alguns dos
percalços que nos exigem reflexão para uma ação política consciente em educação,
independente da modalidade de ensino. Já que nos propomos a discutir sobre tecnologias,
realidade aumentada, criação de apps educacionais, voltemo-nos para os princípios
pedagógicos mais fundamentais. Ainda que os obstáculos atravessem o caminho, a jornada
não deixa de ser menos valiosa.
Nosso olhar para EAD é contextualizado, identificamos alguns entraves no processo
de ensino a distância em uma instituição de educação profissional. Integrando a equipe da
Gerência de Educação a Distância do Senac RJ1, desenvolvemos um jogo interativo que
compunha o projeto integrador de um dos módulos do curso. O desenho do jogo foi
construído por uma equipe multidisciplinar, incluindo professor-conteudista, designer
instrucional, designer gráfico, ilustrador, programador e revisor. Nosso papel consistia em
planejar e acompanhar o projeto a partir da execução do cronograma e validação técnica. O
projeto durou cerca de 6 (seis) meses de produção, no período de outubro de 2015 a março de
2016. Vamos nos ater a concepção metodológica do produto e descrever como o projeto foi
concebido para ser uma solução inovadora em conteúdos didáticos.

2. Educação a distância revisitada


Na Educação a distância a adoção de novas tecnologias digitais estabeleceram recursos
poderosos para a formação de novos alunos. O processo de ensino-aprendizagem no
decorrer dos últimos anos incorporou novos paradigmas, atendendo a demanda por novos
profissionais num mundo cada vez mais globalizado (CASTELLS, 1999). Neste percurso, novos
modos de ensinar e aprender são analisados num contexto mais amplo, envolvendo novas
práticas sociais e culturais. A socialização e expansão da informação e a promoção da
educação continuada constituem novas pautas para uma nova e urgente agenda
educacional.
Possibilidade de formação para muitos que estão no mercado de trabalho e não tem
tempo para frequentar uma sala de aula regular, falta de tempo e mobilidade de espaço
constituem pré-requisitos para a escolha em estudar a distância. O público é de jovens
adultos, em especial, composto em sua maioria por mulheres. Um importante instrumento
para mapear a EAD no país é o Censo EAD disponibilizado pela ABED (Associação Brasileira
de Educação a Distância)2. De acordo com os dados da ABED de 2016, a maior concentração

1
Referência em educação profissional, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) foi criado em
1946 com objetivo de ofertar formação técnica de qualidade. Sua criação coincide com a história do Brasil,
em plena pós Segunda Guerra, e a necessidade de investimento nacional para formação de mão de obra
qualificada para industrialização do país. Fonte: http://www.EaD.senac.br/noticias/2016/01/senac-70-
anos-uma-historia-que-esta-so-comecando/. Acessado em Julho de 2018.
2
O censo realizado pela ABED é um documento de pesquisa e referência que apresenta dados relevantes
relativos às atividades de educação a distância (EAD) no Brasil, abrangendo todos os níveis educacionais do
sistema de ensino. Os dados disponibilizados possuem uma amostra aderente, significativa e confiável
sobre a EAD no Brasil, por este motivo subsidiam uma análise mais precisa em termos de diagnóstico e
propostas de melhorias para EAD. Fonte: http://abed.org.br/censoEaD2016/
Censo_EAD_2016_portugues.pdf
de alunos em cursos a distância está entre as faixas de 26 e 30 anos e entre 31 e 40 anos. Os
dados demonstram que “essa alta incidência de alunos após a idade típica da graduação é
significativamente maior na educação a distância (EAD) que nos cursos presenciais” (CENSO
EaD 2016, P. 88). Já com relação à certa predominância feminina, os dados apontam que “as
mulheres se encontram em 54% nas instituições educacionais com fins lucrativos e 55% nas
entidades sem fins lucrativos. Nas instituições públicas, a proporção do público feminino é
ainda maior: 59% nas instituições públicas federais, 64% nas estaduais e 66% nas
municipais” (Ibid. p.86).
Trata-se de um perfil mais diferenciado que condiciona por certo as estratégias e o
planejamento para cursos a distância. É, portanto, com um olhar voltado para a qualidade
do ensino que a perspectiva do aluno deve ser primordialmente situada. De acordo com
Colombo et al. (2004), no planejamento deve-se desenvolver estratégias de ação, prever
desdobramentos, estabelecer regras e iniciativas de controle e acompanhamento e, claro,
aperfeiçoamento do processo. O público-alvo é sempre o ponto de partida e chegada – é ele
quem dá as diretrizes para a implementação do modelo de gestão do processo ensino-
aprendizagem e, também é para a sua satisfação que os esforços da gestão são destinados.
Porém, deve ser ressaltada a necessidade de melhoria contínua da qualidade de formação
que o sistema de EAD deve ser capaz de oferecer. A satisfação dos estudantes com o
conhecimento em construção move todo o sistema de gestão da qualidade da formação.
A estrada percorrida até aqui desvendou um campo aberto de muitas possibilidades.
Falar hoje em educação do futuro, tecnologias educacionais, cultura digital e cibercultura
ousa anunciar os bons ventos que sopram para uma nova, dinâmica e interativa sociedade
pós-moderna. Discutir sobre cultura digital implica também em discutir sobre sociedade em
termos de produção material e consumo. Os passos largos da humanidade em direção a um
próspero futuro são movidos também por uma máquina do capital que gira por força de
energias econômicas. Nesta seara sociológica argumenta-se, como bem apontou Manuel
Castells (1999), sobre as imbricadas relações entre sociedade e o Estado como agentes
fundamentais no processo de desenvolvimento tecnológico. Tal postura busca suprimir
qualquer determinismo tecnológico, posto que o que se coloca é tecnologia mediada por
interação humana (em sua acepção clássica de ação em meio a uma relação).
Na carona desta corrente teórica, podemos afirmar a estreita relação que se dá entre
cultura, tecnologia e sociedade. O autor Marcos Silva (2009) investe nessa perspectiva
sociocultural para tratar de educação online3 com vista a uma educação libertadora e
autônoma, na qual os aprendizes, em detrimento do lugar de meros consumidores e
expectadores, passam a intervir no processo de aprendizagem. Silva defende esse princípio
para uma verdadeira educação cidadã. A condição do aluno que recebe passivamente o
conteúdo (situação não exclusiva da educação a distância) evidencia a relação demasiada
desigual entre professor e aluno, na qual emissor e receptor são postos estaticamente. O
fracasso ou a desistência é culpa de um outro, aquele que não foi capaz de ajudá-lo, e o

3
Apropriamos o conceito de educação on-line para discutir sobre educação a distância, porém ressaltando que
ambos os conceitos resguardam distinções. Para melhor entendimento ver em SILVA, Marcos. Avaliação da
aprendizagem em educação online. Edições Loyola: São Paulo, Brasil, 2009.
professor estaria nesse papel de salva-vidas à beira de uma piscina em que a água não passa
dos joelhos. Os termos autonomia e independência são, a todo tempo, usados para justificar
uma suposta característica singular do aluno que estuda a distância.
Contudo essa autonomia, independente da modalidade de ensino, só pode se
apresentar nos termos de uma relação dialógica, como preconizou Bakhtin, e que poderia
ser resumida como processo no qual o aluno é também um interlocutor e testemunha de
um ato comunicativo, ele é mobilizado na sua singularidade a responder ao professor
(AMORIM, 2014). Esse ato não é mecânico ou automático, mas ocorre em meio a uma arena
de pensamentos, onde os sujeitos carregam suas histórias e memórias e utilizam desse
arsenal para comunicar. Não há uma caixa vazia na qual o professor preenche o conteúdo.
Os significados são construídos, reconstruídos e o aluno participa ativamente desse
processo. A questão é dispor de ferramentas que mobilize esse aluno e estarmos atentos ao
fato preocupante de que ambientes virtuais de aprendizagem estão a reproduzir esquemas
de avaliação passivos pouco construtivos para os alunos4.
Trabalhamos com a ferramenta Moodle para hospedagem de cursos virtuais5. As
atividades avaliativas e o conteúdo do curso ficam hospedados nesse ambiente de acesso
individual, mas que possui também instrumentos de construção colaborativa. O conteúdo
hospedado pode ser apresentado em diferentes formatos, telas, PDFs, vídeos, artigos,
imagens etc. A variabilidade de objetos de aprendizagem pode ser uma estratégia
interessante para criação de conteúdos originais e dinâmicos para EAD. A partir deste ponto
do nosso trabalho, justificamos a relevância da adoção e incremento da modalidade a
distância, pensada a partir dos conteúdos didáticos. Em pesquisa de satisfação realizada com
nossos alunos, identificamos alguns pontos críticos:
Aluno 1: textos muito longos acabam ficando maçantes e desfocam o interesse dos
alunos no conteúdo.
Aluno 2: os links disponibilizados sempre dão problema! Nunca consigo assistir, e
noto que é uma reclamação recorrente da maioria dos alunos. Com isso, vamos
buscar no Google outras fontes de pesquisa. E isso compromete e muito a
avaliação do foco temático.
Aluno 3: Eu, estou cursando adm e colocaria como ponto negativo a apostila que é
entregue é pouco utilizada pelos alunos, os conteúdos não são claros e objetivos
fazendo com quer os alunos busquem tirar as dúvidas no Google que é meu caso.
Aluno 4: Após o conteúdo passado, tem as atividades para fazer, sendo que falta
clareza e as vezes até matéria referente as atividades, deixando a gente confuso e
com dificuldade para fazê-las, onde acabo desanimando, pois o tempo que perco
para tentar interpretar e procurar informações adicionais no Google é absurdo.
Quem faz o conteúdo da plataforma tem que ter mais cuidado para passar as
informações, há muitos erros de português.

4
Jussara Hoffman argumenta sobre a prática docente, muitas vezes abusiva, com relação às notas dos alunos.
Pratica-se, segundo a autora, um “reducionismo do significado da avaliação”. A verdadeira avalição deve
abarcar a trajetória do aluno, valorizando suas histórias e experiências individuais (HOFFMANN, 2004). 5
Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment, um software livre, de apoio à aprendizagem,
executado num ambiente virtual.
Era evidente que ocorriam algumas pontas soltas em nossos cursos. Acessar esses
dados em cursos, já em operação, poderia ser traduzido como uma experiência assustadora,
posto que desenvolver conteúdos didáticos requer um longo processo de produção e
envolve profissionais das mais diferentes áreas. Mas havia ali um grande problema que não
poderia se repetir. A tarefa era rever a construção de alguns de nossos materiais, que não
estavam facilitando a vida do professor e tampouco davam condições autônomas de estudo
para o aluno. O conteúdo é certamente um componente essencial de uma oferta de
educação a distância (EAD). Existem vários tipos que podem ser ofertados, assim como são
as várias formas de produzi-lo e disponibilizá-lo. Em meio aos avanços tecnológicos do século
XXI, o grande desafio das instituições é desenvolver materiais didáticos que favoreçam o
aprendizado, o engajamento e a motivação.

3. Recriando o cenário: o contexto do trabalho e sua articulação com conteúdos


didáticos
A partir deste trecho, propomos discutir brevemente sobre a formação para o trabalho a
partir de conteúdos didáticos práticos e contextualizados. Trata-se de uma abordagem sócio
técnica privilegiando o desenvolvimento de estratégias pedagógicas com foco na
aprendizagem técnica. A educação, vista aqui como prática inclusiva, contempla em demasia a
questão do trabalho, não apenas do ponto de vista da reprodução de mão de obra, mas
como meio de transformação para a vida. Quais princípios devem nortear uma educação
verdadeiramente transformadora? Como conjugar a prática profissional e o instrumental
teórico de ensino?
O modo como o trabalho é definido e as atribuições que fazemos a partir disso
afetam mais do que a classe ocupacional e a renda: essas atribuições colorem o
tipo de vida social e cívica que podemos imaginar (ROSE, 2007 p. 33).

A função central dessa nova educação profissional é preparar as pessoas para o


exercício da cidadania e para o trabalho, em condições de influenciar o mundo do
trabalho e de modificá-lo, de modo a desenvolver um trabalho profissional
competente (ZARIFIAN, 2003 p. 27).

O desafio principal dessa abordagem é a de permitir ao aluno certa experiência


profissional suscitada por estudos de caso e atividades contextualizadas, de modo que o
aluno aplique efetivamente o conhecimento adquirido. As questões norteadoras são: Como
permitir ao aluno essa experiência que a priori não acontece dentro do ambiente
convencional de aprendizagem? Como representar a experiência do laboratório?
Considerando a eficiência da aprendizagem por competências no ensino, privilegia-se uma
abordagem mais prática do conteúdo, explicitando as competências a ser desenvolvidas,
aplicando os desafios como “ganchos” para posterior desenvolvimento dos tópicos e/ou
assuntos. Com tais premissas, entendemos que o desenvolvimento do material didático não
poderia ser outro do que aquele que inclui uma linguagem da vida prática, buscando a
solução de problemas e uma intervenção consciente na sociedade. Texto e contexto são
assim indissociáveis. E toda a arquitetura do material – incluindo imagens, estudos de caso,
atividades – deve ser pensada com foco no trabalho e para o trabalho. Grande desafio e
muitas possibilidades.
Nossa tarefa consistia, portanto, em identificar os problemas com os conteúdos
disponíveis e propor uma solução educacional inovadora. O contexto da prática profissional
era nossa premissa básica. Teríamos de rever a estrutura textual para investir numa narrativa
audiovisual que abarcasse outras formas de linguagem. Entendemos que o diálogo que
tínhamos como premissa realizar-se-ia em relação ao cenário de aprendizagem aberto, em
que o aluno pudesse navegar e intervir na aprendizagem. Precisávamos criar as bases
didáticas e tecnológicas para ajudar o aluno a construir esse cenário. Nesta perspectiva o
aluno deixaria de ser um expectador para participar ativamente do processo. Os jogos
didáticos constituem ferramentas poderosas para criação de cenários ricos e
contextualizados, com desafios estimulantes, permitindo ao aluno tomar decisões práticas. O
jogo teria a função de recriar o campo de aplicação de conhecimento, permitindo ao aluno
(por meio dos comandos das atividades) construir as pontes entre a ação, a reflexão e a
posterior ação racional, direcionada. O desafio seria reconstruir uma realidade virtual
ancorada nas próprias experiências desse aluno, com isso o material adquire um significado
mais tangível e prático (PALANGE, 2009).

4. A criação do jogo: método e planejamento


A concepção do jogo virtual pressupõe tanto a questão da representação da vida prática,
quanto o estimulo à imaginação e à criatividade. Jogos virtuais, como bem propõe o autor
Marco Silva (2014), abrem uma janela de expansão da própria vida, comportando tanto a
dimensão real quanto a dimensão virtual. Isso significa olhar para esses recursos como
artefatos produtivos de construção e interação dos sujeitos em meios virtuais, para além da
caracterização de puro entretenimento, posto que expressam questões culturais,
econômicas e psicológicas de uma sociedade, condições estas que atravessam a produção
de recursos tecnológicos. Acerca da interatividade que os jogos virtuais possibilitam, Silva
ressalta que tais recursos contemplam o aleatório (acaso), a ficção (no sentido da
imaginação e criatividade) e a intervenção (pela possibilidade do usuário intervir no
processo e alterar os resultados). Com isso, são muitas as possibilidades de criação e
coautoria – premissas fundamentais para um novo modelo de educação – estruturadas a
partir da inserção dos jogos em processos de aprendizagem. Digamos que partindo dessa
orientação pedagógica, destacamos a pertinência e viabilidade do projeto que
desenvolvemos.
Já no que tange à questão do conhecimento a distância, a utilização das TICs na
educação é fundamental, por abrir perspectivas que não se limitam à pedagogia nem à
informática (OLLIVER, 2012). No entanto, um dos erros comuns é confundir a disponibilidade
de informação com constituição de saber. Os jogos interativos, ou jogos, são recursos das
TICs que podem oferecer um aprendizado diferenciado. E para cumprir esse objetivo é
fundamental que os princípios pedagógicos sejam definidos previamente, bem como
alinhados à proposta de avaliação do curso. O primeiro passo do projeto era montar e reunir a
equipe de conteudistas e desenhistas instrucionais para elaboração do plano instrucional.
Não se tratava apenas de um recurso lúdico, posto que, cumpriria a execução do projeto
integrador6. Portanto, era imprescindível que atendesse ao desenvolvimento de
competências profissionais estabelecidas no projeto pedagógico do curso.
O cenário do jogo deveria recriar um ambiente de trabalho no qual as jogadas seriam
baseadas em tarefas cotidianas da prática profissional. O personagem central – um avatar
selecionado pelo aluno – é um(a) jovem profissional iniciante, que tem a tarefa de auxiliar o
seu gestor no plano operacional de marketing e venda de uma empresa. Elaboramos em
conjunto os objetivos principais com a produção do jogo, a saber:
1.Estimular o interesse do aluno;
2.Recriar situações reais e contextos profissionais (simulação do cenário de
trabalho);
3.Diversificar nossos materiais didáticos;
4.Oferecer suporte ao tutor, como mais uma ferramenta de apoio ao aprendizado;
5.Permitir que o aluno avalie seus conhecimentos.
Seguimos para a construção das atividades associadas, previstas em cada fase do
jogo. A orientação era seguir as competências de aprendizagem pré-definidas. Essa etapa
era muito importante, pois iríamos definir em sequência o esquema de avaliação,
estabelecendo os parâmetros e clareza dos instrumentos avaliativos. As competências de
aprendizagem previstas para o projeto integrador estão aqui descritas:
• Atender a clientes internos, externos e fornecedores fornecendo informações
sobre produtos e serviços;
• Subsidiar o plano de marketing e vendas, realizando pesquisa de dados,
informações e inovações mercadológicas;
• Planejar e executar atividades de vendas especializadas, sugerindo políticas de
prospecção de clientes, vendas e acompanhando o pós-venda;
• Colaborar com a execução das ações do planejamento de marketing, oferecendo
suporte a sua operação e auxiliando na promoção de produtos;
• Controlar a rotina administrativa de entrada e saída de mercadorias, produtos,
insumos e serviços, elaborando e conferindo documentos, relatórios, formulários e
planilhas necessários às ações de marketing e vendas;
• Registrar e analisar dados referentes à execução das atividades do plano de
marketing e vendas com foco nos indicadores de desempenho, visando melhoria
contínua dos processos e resultados da área.

6
O projeto integrador é uma atividade de caráter integral que busca reunir as principais competências
aprendidas durante o módulo ou curso. Pode ter a função de um portfólio, na medida em que o aluno
desenvolve projetos parciais associados a cada módulo.
Tínhamos uma base metodológica consistente que orientaria o desenvolvimento do
tipo de mídia a ser utilizada no jogo, bem como os recursos gráficos interativos. Embora haja
um arsenal de recursos tecnológicos e diferentes mídias, um projeto de jogo educativo deve
contemplar princípios gerais como: boa estrutura, objetivos claros, unidades pequenas,
participação planejada, integralidade, repetição, síntese, simulação e variedade,
modularidade, feedback e avaliação (MOORE e KERSLEY, 2013). Um importante passo havia
sido dado e agora a estrutura do jogo poderia ser estabelecida. Nesta etapa, ilustrador,
designer gráfico e programador integram o projeto dando os contornos mais gráficos e
interativos do trabalho. A estrutura pressupunha que:
• As fases do jogo contêm tarefas cotidianas do ambiente de trabalho;
• Cada fase possui 5 (cinco) jogadas, e cada jogada dura até 2 (duas) semanas,
totalizando as 10 semanas previstas de estudo do Módulo;
• Conforme o aluno avança no estudo do Módulo, ele estará apto a realizar as
ações previstas nas jogadas.
Exemplo: a fase 1 do Jogo está diretamente associada ao projeto integrador do
Módulo: Plano Operacional de Marketing e Venda de uma Empresa. Nessa fase, o aluno,
por meio da seleção de uma Startup, realiza pesquisa de marketing; define o negócio base
da empresa e analisa dados, competências previstas no Projeto Integrador.
A cada fase do jogo o aluno tinha a oportunidade de interagir com um setor diferente
da empresa e realizar atividades pertinentes a cada área, sempre em consonância com sua
atuação profissional. A criação do jogo teve como premissa desenvolver, por meio de uma
experiência educacional, lúdica e desafiadora, uma competência inerente à prática
profissional. Ademais, segundo Ollivier (2012) a aprendizagem baseada em tarefas é uma
abordagem, uma variação do aprender fazendo7. Desta forma, o aluno pode, mesmo não
estando em um ambiente profissional, realizar atividades de forma independente e
interativa, tomando decisões baseadas nos conteúdos vistos no curso.
O recurso de TICs pode oferecer um aprendizado diferenciado, apesar disso, a
simples disponibilização de uma atividade tecnologicamente atual e inovadora não é
suficiente para garantir o aprendizado. Por este motivo a criação do jogo envolveu muitas
áreas de conhecimento, da educação à programação. Conforme descreve Kenski (2015), o
modo de produção das equipes EAD deve pressupor soluções educacionais por uma equipe
multidisciplinar, pois a pluralidade de olhares e contribuições é capaz de gerar produtos de
maior qualidade.
Nos 6 (seis) meses disponíveis para execução do projeto uma equipe multidisciplinar
trabalhou em conjunto para dar vida ao jogo. Professores-conteudistas, conhecedores das

7
“Aprender fazendo” é a metodologia adotada nos cursos do Senac RJ, que envolve análise e solução de
problemas, estudo de casos, projetos, pesquisas e outras estratégias didáticas que integram teoria e prática.
O enfoque é no contexto do trabalho, de modo a estimular a percepção analítica e a contextualização de
informações, o raciocínio hipotético, a solução de problemas, a apropriação de conhecimentos prévios e a
construção de novos valores e saberes. Fonte: www.rj.senac.br.
atividades da área profissional, foram responsáveis por trazer para a equipe de produção a
representação do ambiente de trabalho, detalhando o espaço físico para dar vida ao cenário
de forma mais realista. Também selecionaram atividades pertinentes à atuação do
respectivo profissional, detalhando o passo a passo da sua execução.
Os designers instrucionais atuaram em conjunto de modo a analisar como as
atividades propostas poderiam ser concebidas em forma de jogo, sem perder seu cunho
educacional, visto que a aprendizagem e o desenvolvimento das competências profissionais
são o foco do jogo. Esta interação entre as partes integrantes da equipe é de suma
importância, pois somente desta forma é possível desenvolver soluções significantes. Para
manter o aluno motivado e engajado foi proposto o acúmulo de coins (moedas), pontuações
por finalizar as atividades que promoviam um ranking. Assim, os alunos sentiam-se
desafiados a jogar mais, e com isso praticavam mais vezes cada tarefa.
Ao passo que os designers instrucionais concebiam a dinâmica das atividades,
ilustradores e designers gráficos davam vida aos cenários, aos personagens e demais
elementos do jogo. Estes elementos, que remetem ao ambiente de trabalho deveriam ser
criados de forma leve e lúdica, como pressupõem um jogo, mas sem perder o caráter
profissional e seu foco educacional. Vale ressaltar que os professores-conteudistas
validavam todas as etapas da produção do jogo, de modo a tornar o jogo o mais realista
possível e garantir que as dinâmicas propostas estavam em consonância com a prática
profissional.
Finalizadas todas estas etapas o projeto do jogo estava pronto para ser programado.
Uma equipe de programadores atuou em conjunto, pois o jogo seria hospedado no
Ambiente Virtual de Aprendizagem e a programação deveria ser compatível com a
plataforma existente. A integração entre o jogo e o ambiente era um fator de extrema
importância, pois deveriam ser coletadas informações sobre a utilização do jogo, tais como:
acesso do aluno, avanço nas jogadas, quantitativo de tentativas, pontuação obtida, entre
outros. Estes dados eram imprescindíveis para avaliarmos a aceitação desta tecnologia por
partes dos alunos e como estava cumprindo seu papel como experiência educativa e
profissional.
Esta foi uma etapa complexa, tanto pelas especificidades da programação de jogos
digitais quanto pela integração entre este componente externo e o ambiente virtual. No
decorrer destes meses contamos com uma equipe totalmente dedicada ao projeto e isto
demandou um alto custo de produção. O resultado final foi muito positivo. Conseguimos
disponibilizar o material paras turmas em operação. O novo conteúdo didático foi
considerado uma inovação. Os relatórios de acompanhamento apresentaram alto índice de
acesso diário pelos alunos. Tanto a equipe de conteudistas quanto a equipe de produção
ficaram satisfeitos com a materialidade de seus conceitos e ideias. Ao final, a produção do
jogo se tornou um processo de aprendizado para toda a equipe.
Figura 1 – Comando da atividade no ambiente virtual de aprendizagem

Figura 2 - Cenário do jogo com personagens e atividade


Os relatórios de acompanhamento apresentaram alto índice de acesso diário pelos
alunos, mas os primeiros feedbacks sobre o jogo vieram dos tutores e coordenadores, que
sinalizaram a boa receptividade dos alunos e a aderência à integralidade do conteúdo e das
atividades avaliativas. Apesar da integração com o ambiente virtual fornecer dados sobre
acesso do aluno, tentativas realizadas, entre outros, despontou-se a necessidade de avaliar a
eficiência do jogo, tanto nas dimensões específicas do jogo quanto nas dimensões
pedagógicas. A intenção era avaliar se o jogo mobilizava nos alunos o processo de
aprendizagem, se propiciava o desenvolvimento cognitivo e o quanto estes percebiam as
atividades profissionais como realistas.
Em conjunto com a coordenação pedagógica desenhava-se uma avaliação que seria
aplicada ao final do último módulo do jogo e que compreenderia as dimensões pedagógicas,
que abordavam a linguagem, a clareza dos objetivos, o estímulo à resolução de problemas, a
adequação do feedback, o uso de situações da prática profissional, entre outras. Para avaliar
as dimensões específicas do jogo propomos medir a experiência do usuário e a interface,
neste sentido verificaríamos o quanto o usuário sentia-se desafiado e motivado, se o jogo
conseguia reter a concentração e promover a imersão, se o aluno percebia o controle das
situações no momento do jogo, se as informações visuais eram claras e permitiam a
proximidade do ambiente profissional e a facilidade de navegação.
O desenho dos parâmetros para avaliação desse projeto estava em desenvolvimento,
a saber:
1.A organização do jogo estava bem definida e compreensível para aluno?
2.Os alunos sabiam o que iriam aprender com o jogo?
3.Os alunos sabiam o que se esperava que eles realizassem?
4.Os alunos sabiam quando cumpriram a meta? Os objetivos de aprendizagem
estavam claros?
5.Foram mapeadas as experiências de aprendizado? O jogo era uma boa mídia
para aquele público?
No planejamento, após finalizar todos os parâmetros para a avaliação, o próximo
passo era coletar os dados com os alunos e a equipe de apoio a aprendizagem (professores-
tutores e coordenadores). Seria disponibilizado, no próprio ambiente virtual, um
questionário que permitiria medir a eficiência e a percepção dos alunos sobre o jogo. A
intenção era interpretar os dados fornecidos pelo aluno para promover as melhorias
pertinentes para as próximas turmas. Todavia, esta etapa da avaliação não foi concluída.
Desta forma, tínhamos em mãos os dados quantitativos que o ambiente fornecia
automaticamente, mas não foi possível avaliar, na percepção dos usuários, a qualidade e
eficiência do jogo8.
8
Reiteramos que a questão da avaliação de jogos virtuais em processos de aprendizagem permanece como uma
problemática pertinente. De fato, constitui objeto da dissertação de mestrado, em andamento, de uma das
autoras do presente artigo. Os desdobramentos da pesquisa, ainda em aberto, despertam nosso interesse e foco
em permanecer no tema. Entendemos que perseguir nas perguntas é primordial para uma verdadeira postura
epistemológica, que não se deixa satisfazer pelas primeiras respostas.
O jogo é para ser jogado: nossas considerações finais
A conclusão desse projeto nos proporcionou algumas conclusões parciais. É fato que, uma
vez concebido um projeto para um público amplo e diferenciado, os resultados serão
ressignificados por seus usuários. Isto significa que são os alunos, aqueles que estão a fazer
usos diversos desse tipo de recurso educacional. A despeito da boa receptividade que
tivemos, sentimos que seria necessário, implementar um modelo de avaliação do projeto
para uma avaliação mais precisa. Esta seria uma próxima etapa de execução da eficiência do
jogo que está sendo considerada pela equipe de coordenação pedagógica da instituição.
Temos ciência da importância de medir, em números, esta eficiência de modo a
identificar os acertos e possíveis erros do projeto. Ainda que a ausência destes dados
quantitativos inquiete o leitor deste artigo, reiteramos que nossa principal contribuição é a
de apresentar o desenho de uma solução educacional para um desafio que encontramos em
nossa experiência de trabalho. Nossa proposta é de compartilhamento. Acreditamos que a
divulgação do processo de construção do jogo pode nos ajudar na forma de reorientar nosso
olhar sobre o objeto. A importante lição que tiramos é que jogos educativos constituem
recursos muito poderosos para o aprendizado, porém exigem um investimento financeiro
que nem todas as instituições podem assumir. Em defesa de uma educação mais acessível e
democrática, seria muito importante que mais desses recursos didáticos estivessem
disponíveis para o público.
Retomando nossos pressupostos metodológicos, chegamos à conclusão de que
atingimos o objetivo de produzir um conteúdo didático inovador com relação aos materiais
anteriores disponíveis para o curso. Cumprimos com a proposta de privilegiar uma
linguagem mais dialógica e contextual e, sobretudo, oferecemos recurso digital com enfoque
pedagógico. Estamos certas de que a estratégia de inserir jogos virtuais pode ser muito
valiosa, porém seu uso deve ser feito com consistência didático-pedagógica. Diariamente os
indivíduos estão a fazer uso de jogos como pequena distração ou assimilação de conteúdo,
isso já faz parte da nossa cultura.
O jogo é para ser jogado, todavia, sua riqueza está em possibilitar uma oportunidade
de aprendizado e conhecimento criativo. As discussões que tendem a estabelecer
dicotomias, do tipo: virtual x real; ficção x verdade, são para fins deste artigo infrutíferas,
pois encobrem a verdadeira questão que é a de compreender que as dimensões de
realidades estão fluidas no contexto da sociedade em rede, hoje, atravessada pela
experiência com as tecnologias. O aspecto imaginário e lúdico do jogo não suprime as
questões da vida prática profissional, com a qual o aluno terá de se deparar no mercado de
trabalho e, por sua vez, estão representadas naquele cenário virtual.
Referências:

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