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Literatura Francesa III - Século XIX

Prof. Dr. Guilherme Ignácio da Silva

Débora dos Santos Nascimento, 135.646 - Noturno

Resumo 1: Stendhal

Éric Auerbach, inicia o capítulo Na mansão de la Mole, apresentando um


brevíssimo resumo do romance Le Rouge et le Noir, de Stendhal. A partir dessa
exposição inicial, o autor denuncia a principal problemática do livro e da obra deste
ilustre escritor francês: o retrato de um ambiente coberto por uma atmosfera de
convenções, presente nas mansões da alta sociedade e da burguesia francesa do
século XIX, com jantares e interações sociais repletas de hipocrisia e conversas
entediantes: “(...)Nesses salões não se deve falar daquilo que interessa a todo
mundo, dos problemas políticos e religiosos e, consequentemente, tampouco da
maioria dos temas literários da época ou do passado imediato; quando muito,
podem ser ditas frases oficiais, que são tão mentirosas que um homem de gosto e
de tato prefere evitá-las.”.
Essa característica presente no romance de Stendhal é determinada pelo
retrato sócio-histórico da época em que o autor situa esta sua obra: a Revolução
Francesa. Um momento marcado pelo terror de uma catástrofe iminente e por uma
sociedade mergulhada no fingimento, que escolhe discursos que o fazem
permanecer presos à superficialidade, como uma alternativa à sinceridade presente
em conversas profundas, neste momento histórico, falar a verdade poderia estar
vinculado a consequências severas. O próprio personagem Julien só pode confessar
o seu enfado diante dos jantares no salão da marquesa a seu amigo Abade Pirard,
pois tinham um nível de intimidade e espiritualidade provinda de uma antiga
relação mestre-discípulo: “Um tal instante de autodelação existe também aqui,
quando confia ao seu antigo mestre e protetor, o Abade Pirard, os seus
sentimentos no salão da marquesa, pois a liberdade espiritual que neles se
documenta não é concebível sem uma mistura de altivez espiritual e de sentimento
interno de superioridade, o que não fica nada bem num jovem clérigo e protegido
da casa. (Neste caso específico, a sua sinceridade não lhe acarreta qualquer dano,
pois o Abade Pirard é seu amigo, e sobre a casual espreitadora a declaração de
Julien causa uma impressão totalmente diferente daquela que seria de temer).”
A importância de estar atento ao período histórico em que se constrói a obra
de Stendhal ganha maior força, pois é também o que constitui a natureza do
realismo moderno presente em seus romances. Todos as suas personagens são
muito bem fundamentadas historicamente e ganham mais sentido quando
compreendemos o momento em que estão situadas. Foi um movimento muito
inovador (e genial) poder existir um romance que tem como personagem principal
um homem de baixíssimo estrato social e ainda retratar a atração desenvolvida
entre ele e uma marquesa. Mas, além disso, esses personagens só poderiam ser
concebidos naquela época, como afirma Auerbach, eles “estão determinados
sociologicamente segundo o momento histórico”.
Ao nos apresentar um breve panorama da conturbada vida de Stendhal, Éric
Auerbach dá uma amplitude ainda maior à obra, pois nos faz perceber que, mesmo
em seus romances, que não eram autobiográficos, talvez ainda restassem alguns
resquícios da vida de altos e baixos vivenciada pelo autor. Stendhal, inclusive, só
assume o ofício de escritor após passar por um momento de grande baixa em sua
vida: a queda de Napoleão. O mesmo que promove sua mobilidade social é
também o que o faz regredir a uma estaca quase nula. É nesse momento que o
autor toma consciência de seu não-lugar no mundo e, quando o seu dinheiro acaba,
ele começa a escrever, passando por diversos gêneros até chegar ao romance: “Só
então o mundo social que o circundava tornou-se para ele um problema; o
sentimento de ser diferente dos demais, que até então carregara leve e
orgulhosamente, transformou-se em seu interesse predominante e, finalmente, o
tema recorrente de sua atividade artística.”
Auerbach, ainda, traça um contraste muito interessante entre Stendhal e
Rousseau, nos fazendo entender com cada vez mais profundidade a complexidade
do autor. Ao contrário de Rousseau, Stendhal apenas reconhece o problema da
sociedade quando ela o rouba seu lugar no mundo e não mais gera para ele poder e
êxito. Sua obra está mergulhada na perspectiva dos tempos e ao mesmo tempo em
que vê na mudança constante uma certa esperança (previa que seria melhor
compreendido pelas gerações futuras), também temia que as transformações
fossem tão radicais que as nuances de seu texto pudessem se perder no futuro. Em
especial porque toda a sua obra era construída em um momento político e social de
movimento constante.
Se aproximando do final de sua análise do francês Stendhal, Auerbach tece
uma crítica ao autor, retratando a ausência do historicismo em sua obra. Apesar da
fundamentação histórica de seus personagens, por meio de seus romances não é
possível traçar uma “compreensão das evoluções”. A obra não aprofunda na
retratação do que dá base para a construção aristocracia e também não deixa
resquícios que permitam compreender a sua função, diferente do que acontece no
romantismo. Mesmo se aproximando mais das histórias trágicas, a obra de Stendhal
continua sendo muito surpreendente, pois o autor tem a coragem de tecer críticas à
uma sociedade muito próxima a ele e, inclusive, consegue, em muitos casos, driblar
a censura.
Resumo 2: Balzac

Auerbach começa a discorrer sobre Balzac a partir de um excerto do romance


O pai Goriot. Em conjunto com Stendhal, Balzac é um dos principais responsáveis
por dar forma ao realismo moderno e o trecho escolhido para a análise de Éric
Auerbach revela uma característica muito presente neste e em outros romances da
obra de Balzac: a harmonia entre o meio e os personagens.
A descrição da pensão, feita na primeira parte do livro, se confunde com a
descrição de sua dona, personagem decadente de Mme Vauquer, seu aspecto
grotesco e meio nojento também revela o espaço que gerenciava: “sa personne
explique la pension, comme la pension implique sa personne”.
Balzac adentrou de forma tão profunda nesta relação de retratar uma unidade
entre as pessoas e o meio que, constantemente, elas ganham “uma nova
significação”, que vai além de uma constituição racional pois se transformam em
figuras demoníacas. “Trata-se, portanto, da unidade de um espaço vital
determinado, sentida como uma visão de conjunto demoníaca-orgânica e descrita
com meios extremamente sugestivos e sensórios.”.
Exatamente por conta desta característica e da relação com o meio que se
constrói em suas obras, é que o pano de fundo histórico-social ganha uma
importância ainda maior para a compreensão da obra de Balzac se comparada à
obra de Stendhal. Para Balzac, o destino das personagens estava relacionado ao
meio que ocupavam e, em sua obra, a história geral atravessa a história das
personagens: “(...) todo espaço vital torna-se para ele uma atmosfera moral e física
cuja a paisagem, habitação, móveis, acessórios, vestuário, corpo, caráter, trato,
ideologia, atividade e destino permeiam o ser humano, ao mesmo tempo que a
situação histórica geral aparece, novamente, como atmosfera que abrange todos os
espaços vitais individuais.”. A esta singularidade, Auerbach dá o nome de “realismo
atmosférico”, do qual o próprio Balzac era produto devido à realidade
sócio-histórica que o formou.
A primeira crítica concebida por Auerbach à Balzac se dá a partir da análise da
tentativa de escrita teórica sobre suas ideologias, segundo o autor, apesar de Balzac
possuir uma grande riqueza de ideias, não é capaz de organizá-las de forma
sistemática para construir uma posição crítica sobre sua própria criação e suas
tentativas acabam se tornando confusas e caindo em contradições. Mas é também
um destes escritos “teóricos” que possibilita a compreensão da influência biológica
presente na obra de Balzac. O escritor deixa-se inspirar pela teoria de alguns
biólogos e, em seus romances, é possível perceber a influência de analogias
biológicas como uma tentativa de compreender a sociedade e o termo “milieu”,
antes usado de forma física e biológica, é agora transferido por Balzac para o uso
na sociologia: “Disto se conclui, em primeiro lugar, que Balzac tenta fundamentar
as suas opiniões acerca da sociedade humana (tipo humano diferenciado pelo meio)
mediante analogias biológicas. A palavra meio (milieu), que aparece aqui pela
primeira vez em sentido a sociológico, e à qual estava destinada uma tão grande
carreira (Taine parece tê-la recebido de Balzac), Balzac aprendeu-a de Geoffroy
Saint-Hilaire, o qual, por sua vez, a tinha transferido do campo da Física para o da
Biologia. Agora ela emigra da Biologia para a Sociologia.”
As inserções histórico-biológicas inseridas de forma muito esclarecida em
toda a obra de Balzac, representam um abrupto contraste quando percebemos os
elementos clássico-moralistas também presentes com frequência em sua obra. E
essa é uma segunda crítica tecida por Auerbach ao autor, ele afirma como suas
inserções moralistas em seus romances não passam de uma generalização que agem
como um “corpo estranho” na leitura das obras, pois parecem se diferenciar por
completo do estilo de Balzac.
Por fim, Auerbach nos mostra uma semelhança entre Stendhal e Balzac: o
caráter de heróis trágicos designado a seus personagens. Por mais que o cotidiano
corriqueiro ganhe espaço em seus romances, os acontecimentos mais banais eram
tratados de forma exageradamente pomposa: “Qualquer enredo, por mais trivial ou
corriqueiro que seja, é por ele tratado grandiloquentemente, como se fosse trágico;
qualquer mania é por ele vista como paixão. (Está sempre disposto a marcar
qualquer infeliz como herói ou como santo; se se tratar de uma mulher, compara-a
com um anjo ou com uma madona. Demoniza todo e qualquer malvado vigoroso
e, em geral, qualquer figura levemente sombria; e chega até a chamar o coitado do
velho Goriot ce Christ de la paternité.” A seriedade objetiva no retrato dos eventos
cotidianos, surgiram apenas em gerações posteriores, mas isso não significa que
Balzac e Stendhal já não enxergassem com seriedade e importância de retratar
personagens que representassem pessoas pertencentes a camadas sociais mais
rebaixadas.
Resumo 3: Flaubert

Flaubert nos é apresentado por Éric Auerbach a partir de um trecho do


famoso romance Madame Bovary. Ao citar este pequeno excerto de Emma Bovary
em um jantar com seu marido, o autor evidencia a característica “apartidária,
impessoal e objetiva” que ganha o realismo a partir do advento de uma nova
geração. É fascinante como a linguagem alcança uma nova perspectiva na escrita de
Flaubert, diferente de seus antecessores no realismo (em especial Stendhal e
Balzac), com Flaubert, o romance ganha uma característica artística, em que o
escritor não exprime suas impressões pessoais ao escrever sobre os seus
personagens, mas cria espaço em si para se tornar um outro: “uma teoria da
submersão nos objetos da realidade que se esquece de si mesma, através da qual
estes objetos seriam transformados (par une chimie merveilleuse) e evoluiriam até
atingir a maturidade verbal. Desta forma, os objetos preenchem inteira a mente o
escritor, ele se esquece a si próprio, o seu coração serve-lhe tão-somente para sentir
o dos outros (…)”
Ao retratar o que parece o mais simples e corriqueiro acontecimento do
cotidiano, Flaubert na verdade apresenta um quadro que revela de forma
amadurecida o enfado crônico que sentia Emma Bovary presa a um casamento sem
graça e infeliz. Para exprimir o sentimento de Madame Bovary, o escritor, no
entanto, não dá voz a seus pensamentos internos, ele apenas pinta uma imagem a
partir da visão de Emma e, dessa forma, evidencia para nós a subjetividade dessa
personagem. No romance de Flaubert, quem fala raramente são os personagens,
mas o escritor, que através da linguagem dá forma aos acontecimentos, que por si
só, traduzem os sentimentos das personagens, sem a necessidade da expressão e da
percepção do autor: “Seu papel limita-se a escolher os acontecimentos e a
traduzi-los em linguagem, e isto ocorre com a convicção de que qualquer
acontecimento, se for possível exprimi-lo limpa e integralmente, interpretaria
inteiramente a si próprio e os seres humanos que dele participassem; muito melhor
e mais inteiramente do que o poderia fazer qualquer opinião ou juízo que lhe fosse
acrescentado. Sobre esta convicção, isto é, sobre a profunda confiança na verdade
da linguagem empregada com responsabilidade, honestidade e esmero, repousa a
arte de Flaubert.”
Apesar de se diferenciar de outros autores do realismo moderno, algumas de
suas características ainda exercem uma presença importante no romance de
Flaubert, como o retrato cotidiano de classes mais baixas e a fundamentação dos
acontecimentos e personagens fincadas de forma profunda nos eventos
histórico-contemporâneos da época da monarquia burguesa, embora esses
acontecimentos não ganhem tanta ênfase na escrita de Flaubert, é impossível negar
sua importância na construção do romance.
Flaubert tem uma característica muito única pois, ao se denominar como
artista, se coloca em uma posição de Deus-criador e, dessa forma, seu objeto do
discurso é retratado de uma maneira completamente imparcial, as situações eram
relatados tal como aconteciam, sem atribuir a elas juízo de valor e assim,
consequentemente, revelariam sua essência.
É exatamente nessa característica da “fantasia criadora”, que Auerbach
também tece uma crítica à Flaubert, pois a sua intenção artística, somada ao fato de
odiar seu tempo, o faz aferrar-se a um misticismo artístico e, de certa maneira,
acaba caindo em contradições: “(…) o seu fanático misticismo artístico é quase
como uma religião sucedânea, à qual se aterra convulsivamente, e a sua honestidade
torna-se muito frequentemente resmungona, mesquinha, colérica e nervosa. Com
isto sofre, por vezes, o amor imparcial pelos objetos, comparável ao amor do
criador.”
Outra peculiaridade que marca a escrita de Flaubert é a “seriedade objetiva”
expressa em seus romances. O autor atenta-se a expressar apenas os fatos por eles
mesmos e, a partir disso, tem a intenção de que a linguagem desvele a verdade
apenas partindo do ponto de vista do observador. Com isso, Flaubert também tece
uma crítica a seu tempo e, diferente de Balzac e Stendhal, que ficam sua escrita em
em um tempo cheio de movimentos, a sua denúncia é feita ao retratar o enfado
daquela sociedade que tem movimentos externos quase que imperceptíveis, mas
que, ainda assim, era marcada por uma tensão e um “mal estar crônico”. Como
bem afirma Auerbach: “Todos os acontecimentos parecem modificá-lo muito
pouco; mas, na concreção da duração, a qual Flaubert sabe sugerir tanto no
acontecimento isolado (como no nosso exemplo) quanto no conjunto do
panorama da época, mostra-se algo como uma ameaça oculta: é um tempo que,
com a sua estúpida falta de escapatórias, parece carregado como com um
explosivo.”
Sem dúvida, a grande genialidade de Flaubert está contida nesse retrato da
sociedade que revela sua problemática mostrando-se apenas por si mesma, não há
necessidade de incluir nela moralismo ou juízo de valor, porque o seu retrato mais
fiel é o que revela sua essência.

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