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Brasileira
fase viii
abril-maio-junho 2016
ano v n.o 87
ensaio
Alexandre Herculano:
heróis públicos
Helena Carvalhã o Bu es c u
alguma bonomia, não deixa de se erigir como suporte axial de toda uma
comunidade. Deste ponto de vista, Herculano oferece-nos um contra-
ponto ao “herói heroico” protagonizado por Eurico – ambos surgem,
afinal, como garante da presença dos valores morais e éticos sem os
quais, para Herculano, nenhuma comunidade, e por maioria de razão
nenhuma nação, pode sobreviver.
Repensar a obra literária de Herculano é, assim, na minha opinião,
recolocar o problema da validade ética no literário. E se a narrativa his-
tórica surgiu, aos olhos deste autor, e por via dos seus conhecimentos e
da sua prática como historiador, enquanto domínio privilegiado para o
exercício desse constante chamamento moral e comunitário, o certo é
que tal opção não deve rasurar a diversidade e a complexificação sob as
quais ele se manifesta nos vários domínios da prosa e mesmo da poesia
herculaniana. Herculano soube ser o intérprete privilegiado desse olhar
“panorâmico e absoluto” que, mesmo se dificilmente pode ser o por to-
dos praticado na dimensão das opções quotidianas, não pode deixar de
ser reconhecido como a manifestação de uma consciência sempre atenta
à clarificação ética e axiológica que, de forma mais ou menos explícita,
surge como o inevitável suporte dessas mesmas opções. A incomodidade
de Herculano vem também daí: ele continua a confrontar-nos, hoje, com
a relatividade das nossas mesmas posições. E, se é certo que nem todos
podem ser Eurico, Afonso Domingues ou o paróco de aldeia, é também
verdade que algumas das opções que estas personagens manifestam con-
tinuam a encontrar eco nos nossos dias, na nossa própria vida.