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U assimdialética
ma de perdas e ganhos:
Franco Moretti introduz sua
originalmente em 1986, portanto antes
de Moretti desenvolver sua metodologia
tese de o romance de formação ser a for- pluridisciplinar para estudar a história da
ma simbólica da modernidade. “Perdi literatura, demonstra que ali já germi-
minha subjetividade, mas encontrei um navam conceitos que o autor expandiu
mundo, disse Goethe a propósito da via- posteriormente.
gem à Itália [...]: a vida ofereceu menos De acordo com Mikhail Bakhtin
do que o esperado – porém ofereceu (2010, p.121), graças à sua capacidade
algo a mais, e inesperado” (p.11). Teó- de renovação permanente, o gênero lite-
rico que cunhou o conceito de “distant rário “sempre é e não é o mesmo, sem-
reading” em contraposição à prática pre é novo e velho ao mesmo tempo. O
da “close reading” – interpretação ren- gênero renasce e se renova em cada nova
te ao texto que se consolidou ao longo etapa do desenvolvimento da literatura
do século XX –, Moretti propõe em O e em cada obra individual de um dado
romance de formação manter um olhar gênero”. No caso do romance de forma-
distanciado das obras em si para as anali- ção, essa passagem é bem marcada por
sar como representantes de seus respec- um momento histórico definido e por
tivos contextos e momentos históricos. uma obra específica.
Assim, ao abrir mão da leitura imanente Moretti considera o romance de for-
para alçar voo e alcançar uma visão ex- mação a forma simbólica e hegemôni-
tensiva, é dada a possibilidade de estabe- ca da modernidade em decorrência das
lecer conexões de enredos e personagens grandes mudanças sociais e econômicas
com movimentos sociais que abalaram a provocadas pela dupla revolução, a in-
dinâmica das relações entre indivíduo e dustrial e a burguesa. Organizado em
sociedade, abarcando desde aspectos da quatro grandes blocos, que por sua vez
vida pessoal e cotidiana até a esfera pú- separam-se em capítulos, esses divididos
blica e política. em vários subtítulos instigantes, numa
Para desenvolver sua argumentação, estrutura que remete ao formato de ár-
o ensaísta transita por um extenso arco vore, o livro compreende um período de
de ideias, dialoga com diversas linhas de pouco mais de um século, entre o sur-
pensamento, contestando-as ou emba- gimento do paradigmático Os anos de
sando seu raciocínio – de teóricos como aprendizado de Wilhelm Meister, de Go-
Lukács, Bakhtin, Adorno e Barthes a ethe, publicado em 1795-1796, e o de
filósofos e historiadores como Hegel, algumas obras modernistas do início do
Tocqueville, Burckhardt e Habermas, século XX, até 1914 – essas abordadas
além de Freud e Darwin, entre outros. em um ensaio adicional.
Mesmo assim, chega a uma amarração Uma vez que a definição de romance
coesa, embora algumas vezes constranja de formação tornou-se bastante elástica
o leitor a uma dispersão de propósitos. e abrangente, Moretti opta por utilizar
Essa característica da obra, publicada o termo original Bildungsroman apenas
Referências
BAKHTIN, M. Problemas da Poética de
Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2010.
ECKERMANN, J. P. Conversações com
Goethe nos últimos anos de sua vida: 1823-
1832. São Paulo: Editora Unesp, 2016.
p.521-2.
MAZZARI, M. V. Os anos de aprendiza-
do de Wilhelm Meister: “um magnífico
arco-íris’’. Revista Literatura e Sociedade,
v.1, n.27, 2018.
_______. A dupla noite das tílias – Histó-
ria e natureza no Fausto de Goethe. São
Paulo: Editora 34, 2019.
MORETTI, F. O romance de formação.
Trad. Natasha Belfort Palmeira. São Pau-
lo: Todavia, 2020.