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FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS – UNESP/ARARAQUARA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LITERÁRIOS


SELEÇÃO DE CANDIDATOS AOS CURSOS DE MESTRADO E DOUTORADO
PROCESSO SELETIVO 2017/INGRESSO 2018

SEGUNDA ETAPA - PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS


23/10/2017

PRIMEIRA PARTE
Escolha 01 (uma) questão para responder (valor: 5 pontos).

QUESTÃO 1

Leia os excertos abaixo, extraídos da Poética1 de Aristóteles, e comente-os,


exemplificando seus comentários com leituras de seu repertório:

Costuma-se dar esse nome [de poeta] mesmo a quem publica matéria
médica ou científica em versos, mas, além da métrica, nada há de
comum entre Homero e Empédocles; por isso, o certo seria chamar
poeta ao primeiro e, ao segundo, antes naturalista do que poeta. (Cap.1,
p.20)

Não é em metrificar ou não que diferem o historiador e o poeta; a obra


de Heródoto podia ser metrificada; não seria menos uma história com o
metro do que sem ele; a diferença está em que um narra acontecimentos
e o outro, fatos quais podiam acontecer. Por isso, a Poesia encerra mais
filosofia e elevação do que a História; aquela enuncia verdades gerais;
esta relata fatos particulares. Enunciar verdades gerais é dizer que
espécie de coisas um indivíduo de natureza tal vem a dizer ou fazer
verossímil ou necessariamente; a isso visa a Poesia, ainda quando
nomeia personagens. Relatar fatos particulares é contar o que
Alcibíades fez ou o que fizeram a ele. (Cap. 9, p.28)

1
ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix; Editora da
Usp, 1981.
QUESTÃO 2

Com relação às nossas práticas de tradução literária, Paulo Henriques Britto (2012, p.
44) propõe que devemos “aprender a conviver com o imperfeito e o incompleto”, considerando
que

Conseguir recriar em português um romance de Proust, ou uma tragédia


de Shakespeare, ou um poema de Goethe, é uma das tarefas mais árduas
que se pode imaginar; mas o que o tradutor brasileiro deve tentar fazer
é precisamente isto: proporcionar ao leitor lusófono a experiência mais
próxima possível de ler Proust em francês ou Shakespeare em inglês ou
Goethe em alemão. O fato de que não podemos jamais atingir a
perfeição não deve nos desanimar nem nos levar a mudar de meta.
(BRITTO, 2012, p. 44-45).2

Comente a citação, explicitando os princípios que levam o autor a essa formulação


condensada.

2
BRITTO, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
QUESTÃO 3

M. Bakhtin, no capítulo “A ideia em Dostoiévski” contido em Problemas da poética de


Dostoiévski3 afirma:

“Se no universo monológico a ideia conserva sua significação como


ideia, ela se separa inevitavelmente da imagem sólida do herói e
artisticamente já não se combina com ele: ela é apenas colocada em sua
boca assim como poderia ser colocada na boca de qualquer outro herói.
O importante para o autor é que uma ideia verdadeira seja expressa no
contexto de uma dada obra; quem e quando a exprime é fato
determinado por razões composicionais de comodidade e oportunidade
ou por critérios puramente negativos, de modo a que ela não perturbe a
verossimilhança da imagem do falante. Por si mesma essa ideia não é
de ninguém. O herói é um simples agente dessa ideia-fim; enquanto
ideia verdadeira, significante, ela tende para um contexto sistêmico-
monológico impessoal, por outras palavras, para a cosmovisão
sistêmico-monológica do próprio autor. (BAKHTIN, 1997, p. 78).

Ainda de acordo com a concepção geral deste livro, identifique alguns dos recursos
formais e ideológicos presentes na prosa de Dostoiévski que a diferenciam da situação narrativa
acima descrita, atribuindo-lhe, assim, caráter inovador e mesmo revolucionário.

3
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 2.ed.
rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. [Obs. nesta prova atualizou-se a ortografia.]
QUESTÃO 4

“Para que serve a poesia?” é interrogação fundamental da obra Poesia e Utopia4. A


partir dessa questão, o autor pretende compreender o papel social da poesia e do poeta no século
XXI. Moisés chega a aventar três possíveis respostas, logo rechaçadas. Segundo o autor, a
poesia:

“Serve para nos ensinar a ver”, que devemos descartar, já que


demasiado genérica, e “Serve para atemorizar planejadores de
sociedades perfeitas”, inaproveitável, pois só se aplica a um tipo
específico de sociedade, no qual a nossa não se enquadra – embora os
tecnocratas que nos governam tentem a todo custo nos convencer de
que estamos muito perto da Perfeição. (...) “A poesia serve para manter
o homem e o mundo em estado de permanente renovação”, o que
também não resolve o problema, pois ao que tudo indica isto não passa
de mito inútil. (MOISÉS, 2007, p. 69).

Sendo tais respostas insuficientes, Moisés promove novas especulações sobre o modo
de circulação da poesia, o papel do leitor e a qualidade de recepção do fato poético na era da
globalização. Tais preocupações o conduzem à análise da relação do leitor com o dogma do
progresso e do consumo, da crise do sujeito poeta e leitor, e da lógica da incompatibilidade
entre imaginação e cognição, raciocínio e emoção no século XXI. Com base nas reflexões de
Carlos Felipe Moisés:

a) disserte sobre a circulação e recepção oral e impressa da poesia;

b) comente a expulsão do poeta da República de Platão e o significado da mansarda, ocupada


pelo poeta na era moderna;

c) discuta a premissa, sinalizada nos dias atuais, de que a poesia é um “digestivo”.

4
MOISÉS, Carlos Felipe. Poesia & Utopia: sobre a função social da poesia e do poeta. São Paulo: Escrituras
Editora, 2007, Coleção Ensaio Transversais, 35.
QUESTÃO 5

“Enquanto forma poética do fato (1) presente (2) e intersubjetivo (3), o


drama entrou em crise por volta o final do século XIX, em razão da
transformação temática que substitui os membros dessa tríade
conceitual por conceitos antitéticos correspondentes. Em Ibsen, o
passado domina no lugar do presente. Não é temático um acontecimento
passado, mas o próprio passado, na medida em que é lembrado e
continua a repercutir no íntimo. Desse modo, o elemento intersubjetivo
é substituído pelo intra-subjetivo. Nos dramas de Tchékhov, a vida ativa
no presente cede à vida onírica na lembrança e na utopia. O fato torna-
se acessório, e o diálogo, a forma de expressão intersubjetiva, converte-
se em receptáculo de reflexões monológicas. Nas obras de Strindberg,
o intersubjetivo ou é suprimido ou é visto através da lente subjetiva de
um eu central. Com essa interiorização, o tempo presente e ‘real’ perde
o seu domínio exclusivo: passado e presente desembocam um no outro,
o presente externo provoca o passado recordado. Na esfera
intersubjetiva, o fato restringe-se a uma seqüência de encontros, meras
balizas do verdadeiro fato: transformação interna. O drame statique de
Maeterlinck dispensa a ação. Em face da morte, à qual ele se dedicou
exclusivamente, desaparecem também as diferenças intersubjetivas e,
assim, a confrontação entre homem e homem. À morte se contrapõe um
grupo de homens anônimos, mudos e cegos. Finalmente a dramática
social de Hauptmann descreve a particularidade da vida intersubjetiva
por meio do extra-subjetivo: as condições políticas e econômicas. A
uniformidade ditada por elas suprime a singularidade do que é presente;
este é também o que passou e o que virá. A ação cede ao estado
condicionado, do qual os homens se tornam vítimas impotentes”
(SZONDI, 2001, p. 91-92).

No fragmento acima transcrito temos uma boa síntese dos sintomas da crise que Peter
Szondi descreve na sua Teoria do Drama Moderno [1880-1950]5. Depois de indicar os sintomas
da crise que abalou a forma dramática entre os anos de 1880 e 1950, o teórico comenta algumas
tentativas de salvamento do drama e também algumas tentativas de solução da crise através da
proposição de formas novas para o teatro. Aponte e explique, tão sucintamente quanto possível,
ao menos duas das novas formas que distinguiram o teatro moderno na primeira metade do
século XX.

5
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno [1880-1950]. Saõ Paulo: Cosac Naify, 2001.
QUESTÃO 6

Em sua História da beleza6, Umberto Eco diz:

No Renascimento chega a um alto grau de perfeição a chamada 'Grande


Teoria', segundo a qual a Beleza consiste na proporção das partes. Ao
mesmo tempo, porém, assistimos ao surgimento na mentalidade e na
cultura renascentistas de forças centrífugas que empurram em direção a
uma Beleza inquieta, informe, surpreendente. Trata-se de um
movimento dinâmico, que só para fins expositivos pode ser remetido a
categorias acadêmicas como Classicismo, Maneirismo, Barroco,
Rococó. É preciso, acima de tudo, deixar evidente o caráter fluido e
dinâmico de um processo cultural que atravessa tanto as artes quanto a
sociedade, e que apenas por alguns breves instantes, e muitas vezes só
em aparência, cristaliza-se em figuras determinadas e nitidamente
definidas (2015, p. 214).

Partindo dessas palavras de Eco, vemos que há pelo menos duas concepções divergentes
de Beleza: de um lado, a ideia do belo simétrico, uniforme, proporcional; de outro, um belo
inquieto, desproporcional, discrepante, inusitado. De um lado, o conjunto orgânico; de outro, o
encontro entre partes mutantes e paradoxais. Comente uma ou mais obras literárias que se
apresentam como seguindo alguma(s) dessa(s) noções de Beleza.

6
ECO, Umberto (Org.). História da beleza. Trad. Eliana Aguiar. 5. ed. Rio de janeiro: Record, 2015.
QUESTÃO 7

Ao discutir a questão da impessoalidade e da abstração na poesia de Mallarmé e de


Francis Ponge, Michael Hamburger, em A verdade da poesia7, afirma:

“A própria linguagem garante que nenhuma poesia seja totalmente


“desumanizada”, sem a necessidade de o poeta tentar projetar a pura
interioridade exteriormente – como Rilke fez algumas vezes – ou de
perder-se e achar-se nos animais, nas plantas e nas coisas inanimadas.
O equilíbrio exato entre expressão do sentimento e a penetração do
mundo exterior talvez seja um problema para os poetas quando não
estão escrevendo poesia, bem como para aqueles críticos cujos
interesses principais são psicológicos e filológicos. Quando um poema
é bem-sucedido, o problema se acha resolvido nele: em seus limites
uma correspondência mágica, de fato, predomina. Algo dessa
intercambialidade parece ligar-se até mesmo às experiências mais
recentes num tipo de poesia que nem expressa nem registra coisa
alguma, mas torna as palavras e suas relações recíprocas seu único
material; por significativo que pareça, esse tipo de poesia foi descrito
como poesia ‘abstrata’ e ‘Concreta’.” (HAMBURGER, 2007, p. 48)

Nesta passagem, o autor busca estabelecer critérios para um julgamento crítico do que
seria um poema “bem-sucedido”. Discuta esses critérios, considerando os conceitos que
mobiliza, sua pertinência e limites.

7
HAMBURGER, Michael. A verdade da poesia. Tensões na poesia modernista desde Baudelaire. Tradução de
Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
QUESTÃO 8

Discuta a seguinte afirmação de Catherine Gallagher, presente em seu ensaio “Ficção”,


do livro A cultura do romance8.

Embora se conceba a ficção – mundos possíveis, atos elocutórios


simulados, Gestalt ou jogos linguísticos –, os teóricos ainda hoje
seguem a definição de “poesia” dada por [Sir Philip] Sidney: de algum
modo, a ficção suspende, desvia ou mesmo segrega qualquer exigência
de veracidade em relação ao mundo da experiência ordinária. Em
termos modernos podemos dizer que os romance [novelas de cavalaria],
os contos populares, as alegorias, as fábulas, os poemas narrativos –
todos gêneros pré-modernos que não eram tomados literalmente como
verdade, mas que não tinham pretensão alguma de enganar –
modificavam drasticamente ou suspendiam a “‘referencialidade’ dos
próprios enunciados”. Os romance, portanto, podem, retroativamente,
e [...] anacronicamente, definir ficção, mesmo que, no passado, não
fossem chamados assim nem fossem agrupados em uma única
categoria, nem sequer na de “poesia”, segundo Sidney (GALLAGHER,
2009, p.632, grifos da

8
MORETTI, Franco (Org.). A cultura do romance. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
QUESTÃO 9

O "quadrado da veridicção", também conhecido por "quadrado semiótico" na teoria


greimasiana clássica, consiste em representação gráfica e esquemática de um de seus postulados
fundamentais. Estão representadas a seguir duas de suas formulações, aquela inspirada na
proposta de A. J. Greimas e que contém combinações de ser e parecer, bem como os termos de
“segunda geração” que delas emergem (Figura 1), e a que mostra uma de suas evoluções
históricas, baseada na proposta de J. Fontanille para nuançar diferentes graus de verdade, a
partir da qual Per Aage Brandt propôs dar formulação mais pragmática a tais termos (Figura 2):

FIGURA 1 FIGURA 2

Com base nessas informações e também nas considerações tecidas por Denis Bertrand,
no capítulo 7 de Caminhos da semiótica literária9, intitulado "Figuratividade e percepção"
(2003, p. 233-61), pede-se:

a) Comparar os dois modelos reproduzidos acima e dissertar sobre as diferenças de nuance


entre eles.

b) Explicar qual é a eficácia dos "quadrados de veridicção" para a análise textual?

9
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo Casa. Bauru, SP: EUSC, 2003.
QUESTÃO 10

A crise da forma dramática, tal como Szondi a descreveu e teorizou,


afeta todos os elementos constitutivos do drama, e tanto o diálogo
dramático quanto a fábula ou o personagem. Tratando-se da crise
específica do diálogo, poderíamos resumi-la a um questionamento da
relação interindividual entre os personagens e, através dessa relação, do
desenvolvimento do conflito dramático até a catástrofe e ao desfecho
(SARRAZAC, 2012, p. 69).

No verbete “Diálogo (crise do)”, do seu Léxico do drama moderno e contemporâneo10,


Sarrazac aponta as consequências da “crise específica do diálogo” dramático e estabelece, a
título de exemplo, um paralelismo entre peças de Ibsen, Strindberg e Tchekhov de um lado e,
de outro, peças de Beckett. Qual é a característica formal das peças que lhe permite estabelecer
esse paralelismo, ou, noutros termos, qual é a mais evidente consequência da crise do diálogo
no teatro moderno?

10
SARRAZAC, Jean-Pierre (Org.). Lé xico do drama moderno e contemporâ neo. Trad. André Telles. São Paulo:
Cosac Naify, 2012.
SEGUNDA PARTE
Escolha uma das análises propostas abaixo (Drama, Narrativa ou Poema) e responda, a partir
da leitura das obras constantes na Bibliografia para a Prova de Conhecimentos específicos que
se encontra no edital deste Processo Seletivo. (valor: 5 pontos)

ANÁLISE: DRAMA

“[…]

ALAÍDE (para Lúcia) – Diz ou não diz?


LÚCIA (com certa relutância) – O que eu disse, mamãe, é que a senhora… transpira muito.
Demais! Pronto! (para Alaíde) Viu como eu disse?
D. LÍGIA (abanando-se com mais força) – Mas, minha filha! Você teve coragem… Oh! Lúcia!
ALAÍDE (na sua cólera) – Mas não foi só isso!
[…]
ALAÍDE (cruel) – E aquela história, ‘aquilo’ que você disse?
D. LÍGIA (levantando um dos braços e abanando na altura das axilas) – Chega, Alaíde!
Chega! Uma filha, meu Deus!
LÚCIA – Aquilo o quê?
PEDRO (ajoelhado) – Deixe ela dizer, D. Lígia. Está tão interessante!
ALAÍDE (agressiva) – Não se lembra?
LÚCIA (resoluta) – Agora me lembro! Eu também falei, mamãe, que quando a senhora começa
a transpirar – a senhora é minha mãe – mas eu não posso! Não está em mim. Tenho que sair
de perto!

[…]” (RODRIGUES, 2012, p. 82-3 )

No programa de estreia de Vestido de Noiva11, em 1943, o grupo “Os Comediantes”


apresentava a peça como “tragédia de Nelson Rodrigues”. No fragmento acima transcrito, no
entanto, extraído do princípio do Terceiro Ato da peça, há algo que parece fugir ao tom
adequado ao gênero trágico. Retomando a definição clássica de tragédia, reflita sobre a
dimensão trágica da peça rodrigueana, procurando problematizar a designação de “tragédia”
usada no programa de estreia.

11
RODRIGUES, Nelson. Vestido de noiva: drama em três atos: peça psicológica. Roteiro de leitura e notas de
Flávio Aguiar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
ANÁLISE: NARRATIVA

Bolor12, conforme os trechos abaixo, é um romance disposto ao modo de um diário e


encena um processo ficcional em que personagens encontram-se determinadas em inventar e
dizer seus desejos. Disserte acerca de tais condições ficcionais, a partir de sua leitura do
romance.

Como quem enfia as pedras dum colar, junto umas às outras as palavras, elas
vão ficando unidas, não caem no chão, representam uma ordem. Mas se as
pérolas não se separam e ficam alinhadas segundo uma certa lei é porque,
embora invisível, as percorre um fio perdurável. De súbito, pergunto-me: que
fio perdurável, embora invisível, sustém as minhas palavras? O papel deste
caderno? (ABELAIRA, 1999, p. 61).

[...]

Vergonha de escrever um diário. Vergonha porquê? Vergonha de sugerir uma


vida íntima que escapa (escapou até hoje) aos olhos dos outros? À primeira
vista, talvez. Mas então esta caneta (e não eu) apressa-se a escrever: "Se um
homem esconde que tem vida íntima sobre a qual se debruça, sobre a qual
pensa e volta a pensar, não será pelo receio de que os outros, sabendo-o assim
detentor de intimidade, procurem reconstituí-la, procurem adivinhá-la?"
(ABELAIRA, 1999, p. 62).

12
ABELAIRA, Augusto. Bolor. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.
ANÁLISE: POEMA

Faça uma análise crítico-interpretativa do poema abaixo, levando em consideração tanto


o livro Impurezas do branco13, de Drummond, e sua fortuna crítica, quanto a bibliografia
estudada na linha de pesquisa "Teorias e crítica da poesia".

O MUSEU VIVO

O Museu de Erros passeia pelo mundo


estátuas andróginas
quadros despidos de moldura pintura tela
mas ativos
ideias conversíveis
planos tão racionais que chegam à vertigem do pensamento puro
embriões humanos in vitro
a sexalegria industrializada em artigos de supermercado.

Buzina
profecias de devastação para devaneio
dos que esperam escapar,
e em caprichado definitivo arco-íris
revela
o esplendor da verdade
sem verdade.

O museu moderno por excelência


viageiro visita
o interior das vísceras,
conta horror, beleza,
melodia, paz narcótica, novo horror.
As coleções têm a variedade
do que ainda não foi imaginado nem sentido.
O catálogo impresso em grito
lê, antes de ser lido,
visitantes apatetados
e nega-se a referir
o que é arte de amar sem computador.

O museu infiltra-se na plataforma submarina


onde se refugiam os derradeiros
homens e mulheres com cara de gente, irreconhecíveis.
Fulmina-os com seu raio, só existe agora o museu.
Sobe acima da lua, videofixa
a miséria estelar, novas espécies
do mal pré-histórico, presidente
imemorial da Natureza.

O museu muge eufórico


assume solenemente
o papel de deus-universo, espetáculo de si mesmo.

13
ANDRADE, Carlos Drummond. As impurezas do branco. Posfá cio Betina Bischof. Saõ Paulo: Companhia das
Letras, 2012. p. 49-50.

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