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Somado ao fim das ditaduras em outros países da América Latina como a

Argentina e Brasil, em 1988, os comandantes das Forças Aéreas, Navais e Policiais


entraram no palácio La Moneda. Foram todos convocados por Pinochet que, devido ao
grande aumento do poder coercitivo, sua popularidade vinha caindo bastante, mesmo
tendo suprimido a sua oposição. Sua derrota foi uma surpresa, principalmente pelo
poder que ele já tinha conquistado na época

O fim da ditadura no Chile aconteceu de maneira diferente, comparado ao Brasil


e Argentina que também tinha passado por essa experiencia nessa mesma época.

Tendo já acontecido dois plebiscitos anteriormente, com um visando defender a


soberania chilena por causa das acusações da ONU contra o regime de Pinochet por
violação dos Direitos Humanos e outro com a criação de uma nova constituição
mencionada no capitulo anterior, em que ambas não foram consideradas “disputas”.

No início do seu regime, Pinochet ainda tolerava a presença das organizações


da oposição, como o PDC e o Partido Radical, mas no momento que ele percebeu que
as ações dos partidos estavam excedendo o seu limite e que poderia vir a prejudicar
seu mandato, Pinochet viria a tomar medidas mais drásticas, os exilando. Essa sua
lógica de “amigo ou inimigo” tratou a oposição como se qualquer grupo estivesse se
envolvendo secretamente com o Partido Comunista para derrubar o governo. Foi com
essa mentalidade que, aos poucos, a força de coerção do mandato de Pinochet foi
ficando mais forte.

Outra característica muito forte em Pinochet era de ser o dono da verdade e


tinha uma forte convicção de que sua vida era um tipo de “missão” de salvar o país do
comunismo, e que ele e os Chicago Boys seriam os únicos capazes de reconstruir o
Chile.

Pinochet, consequentemente, se viu com sua imagem e autoridade bastante


enfraquecida, devido às suas politicas de Apertura em resposta às manifestações da
oposição e à crise econômica que ocorreu entre 1982 e 1983. Outro fator que
contribuiu com sua futura derrota no Plebiscito de 1988 foi o formato complexo que foi
criado para assegurar a credibilidade do plebiscito, que tinha o intuito de haver uma
eleição mais equilibrada, “democrática”. Houve bastante conflito com os civis
apoiadores do general, além de a oposição ter ressurgido e mostrado que haver um
grande numero, eles tinham apoio eleitoral necessário para derrotar Pinochet.

Importante ressaltar que, como dito no capitulo anterior, a criação da nova


constituição pelo general foi um verdadeiro tiro no pé, pela criação do plebiscito deu
uma grande abertura para uma possível saída de Pinochet por meios legítimos, o
enfraquecendo e providenciando recursos necessários para uma campanha simples,
mas efetiva contra o ditador.

Esse terceiro Plebiscito seria completamente diferente dos dois anteriores, ele
apresentava um único objetivo, que era o de reeleger Pinochet visando garantir seu
posto como líder da nação de um modo mais legitimo. O registro dos eleitores começou
meses antes, fazendo com que quase 8 milhões de chilenos se registrassem, isso seria
mais de 90% dos eleitores válidos. Além disso, os partidos políticos poderiam
finalmente serem reconhecidos se conseguissem juntar ao menos 33.500 assinaturas.
Esse acontecimento chamou a atenção de diversas pessoas estrangeiras, fazendo com
que passasse uma imagem de confiança, de que seria realmente algo legitimo. O medo
maior era dos próprios chilenos com alguma possível ação de Pinochet para que
pudesse sair por cima nesse plebiscito e que pudesse ficar no poder, como sabotar as
próprias votações ou negociar com a força policial. Além disso, o povo estava bastante
inseguro em ir para as ruas votar, mesmo com a quantidade de pessoas que tinham se
habilitado para votar. Muitos acharam que a única maneira de haver progresso
democraticamente seria através de uma eleição tradicional.

De forma geral, a oposição realmente não acreditou em uma verdadeira


participação do povo no plebiscito diante da situação que o Chile se encontrava, até
mesmo diversos grupos de esquerda afirmavam que seria algo impensável reunir uma
oposição tão grande capaz de derrotar o ditador. A ala democrática tinha bastante
duvida se o plebiscito apresentaria um resultado honesto, devido à falta de uma
instituição maior que pudesse garantir isso, mas o Artigo 87 garantiria que o Tribunal
Eleitoral chileno supervisionaria o plebiscito. Isso significou que o Tribunal conseguiria
dirigir mesmo havendo tantas duvidas acerca do plebiscito, este foi aceito pelo regime
de Pinochet, garantindo a votação para o Sim e Não, respectivamente.

Na medida que o dia da eleição se aproximava, os Gremialistas percebiam a


probabilidade da derrota aumentando, visto que isso seria algo desastroso para os
planos de sucessão de Pinochet. Foi impressionante como a mídia influenciou neste
último plebiscito, principalmente depois das mudanças no período de Apertura.

Importante salientar em como a oposição à Pinochet foi de grande importância


para impedi-lo de ser o seu próprio sucessor. Os responsáveis pela criação da
Constituição de 1980 esperavam uma oposição mais fragmentado, controlada e
liderada pela esquerda comunista, em que fossem forçar o Partido Democrata-Cristão
e os socialistas moderados em uma campanha como fizeram em 1978 e 1980, onde
tiveram poucas esperanças de vitória, apenas esperando firmar na história, de alguma
maneira, os seus ideais. Onde esperavam uma oposição segmentada, houve uma
bastante unida, se tornando a Concertación de Partidos por el “No”, formado pelos
maiores segmentos que existiam antes do golpe de 1973 (Democratas-Cristãos,
socialistas, radicais e alguns grupos direitistas). Esta união foi algo único em relação
aos regimes autoritários, dado a sua organização e habilidade para mobilizar seus
apoiadores, foi o resultado de muito trabalho em que sua confiança foi recuperado
depois de os lideres da oposição terem fragmentado os partidos antes do golpe
acontecer.

A Concertación apresentava três áreas onde atuavam, que era na defesa dos
direitos humanos, onde os membros do Congresso, ministros e advogados estavam os
protegendo de serem presos por se manifestarem contra o regime ditatorial de
Pinochet. Em seguida, trabalhavam no G-24, que foi criado em 1978 por políticos,
advogados e acadêmicos espectos políticos variados para preparar uma constituição
alternativa à que a Comissão de Ortúzar apresentava. Por fim, também atuava em
diversos trabalhos acadêmicos dirigidos por centenas de profissionais em centros de
estudos privados que foram de grande ajuda para criar um programa governamental
que divergia da ditadura ali presente e que oferecesse profissionais capacitamos para
assumir postos em um futuro governo.
Durante os primeiros anos do regime, as atividades da oposição eram bem
reduzidas por causa do duro controle exercido pela polícia, dificultando bastante. As
cortes se tornaram o principal palco para as manifestações políticas, onde os principais
advogados nas cortes militares pertenciam ao PDC e Partido Radical, que tinham
declarado que estavam “em greve”, e receberam bastante apoio das igrejas que
também cooperavam no combate de defesa dos Direitos Humanos. Essa luta foi de
grande importância, pois conseguiu, aos poucos, mostrar a repressão que o povo sofria
e recolher vários testemunhos de abusos.

A oposição, na situação em que se encontrava, tinha três principais áreas de


atuação para angariar votos para tirar Pinochet do poder, mesmo que soubessem bem
que o governo faria de tudo para manipular o plebiscito, principalmente pela
propagação de notícias falsas. A ideia de a oposição de abster ou fazer boicote foi
rejeitada e convocou todos os apoiadores a votar no “Não”, assim como também fazer
toda chance de se manifestar valer a pena e evitar a vitória de Pinochet.

Pinochet, por outro lado, começou sua campanha tendo que enfrentar uma
oposição fazendo de tudo que lhe fosse possível para vencer, até mesmo usando das
pesquisas de opinião publicas como propaganda para ir contra o atual regime. O
general e seu partido usou como principal argumento a de que o país voltaria à
situação de 1973 se não vencessem o plebiscito, principalmente na questão do cenário
econômico.

Ao longo dos meses as intenções de voto não mudaram significantemente antes


da oficialização da nomeação de Pinochet como candidato, permaneceu em uma
média de 40% entre Júlio e Agosto de 1988. Por outro lado, em Setembro, quando
Pinochet oficializou sua candidatura, as intenções para o “Não” aumentaram para
quase 50% enquanto os votos de apoio ao general apenas decaíam, onde essa
mudança foi bastante mascarada entre abstenções de voto e indecisão.

Em setembro de 1988 finalmente tivemos o resultado final do plebiscito, em que


pôde-se ver grande participação dos chilenos em uma situação tão importante. A
oposição democrática venceu por uma boa vantagem, de 54.7% (principalmente em
áreas com maior concentração da classe trabalhadora) contra os 43% (distritos mais
nobres em Santiago) conquistados a favor de Pinochet, com a penas 2.3% de
abstenções. No fim das contas, os militares aceitaram os resultados finais e
respeitaram as consequências, seguindo o que estava de acordo com a constituição
que o próprio general havia formulado, mesmo eles já sabendo que a derrota era
iminente, eleições tradicionais voltariam ao país no ano seguinte.

Inúmeros chilenos que não tinham esperança já tinham ido dormir antes dos
resultados oficiais da votação saírem, pois acreditavam que Pinochet sairia vitorioso de
qualquer maneira, utilizando algum método inconstitucional. Naquela noite e ainda mais
nos próximos meses ele discursou diversas vezes culpando o resultado da votação à
alguns países como a União Soviética, Estados Unidos e Cuba, além de outros países
latinos junto a certos políticos que tinham se vendido ao exterior.

Era ainda bastante incerto se Pinochet realmente acreditava que se candidata a


uma eleição tradicional seria algo viável dadas as circunstâncias, além de querer evitar
ser visto como um derrotado, abandonado. No ano seguinte com as cadeiras para
deputados e senadores prestes a serem reabertas, os membros da Junta,
principalmente os membros mais conservadores, começaram a dar preferência a um
candidato que teria sido um civil, e não um militar, para evitar de fazer com que a
população reviva o medo e preconceito que tinha sido criado durante a ditadura militar
de Pinochet.

Em 1990, o último ano em que Pinochet exerceria o cargo de presidente, ele


discursou de uma maneira totalmente oposta ao seu discurso anterior, coisas que não
iriam de acordo com a própria constituição que criou: disse que discutiria certos pontos
como encurtar o mandato que na época era de oito anos e acabar com o poder do
presidente de exilar chilenos do país. Isso indicou que o general não iria atrás de uma
reeleição na eleição que estava por vir, mas que estava criando melhores condições
para um futuro candidato conservador para a presidência. Mais tarde haveria outro
discurso em que ele disse que os militares continuariam como a melhor defesa contra
os que eram defensores da volta da chamada “pseudodemocracia” que o Chile
enfrentava no período de Allende.
O partido da Renovación Nacional, um partido de centro-direita tinha apoiado,
mesmo com certa dúvida a tentativa de reeleição de Pinochet no plebiscito. No
momento que viam que ele perderia, começaram a trabalhar junto à coalização da
oposição para futuras modificações na constituição chilena e o futuro político do país.
Toda essa negociação entre a Renovación Nacional, os lideres da oposição e o
Ministro do Interior, Carlos Cáceres aparentava ser algo bastante promissor para o
Chile, mas Pinochet respondeu a esse evento rejeitando todas as ideias que tinham
sido propostas, fazendo com que Cáceres renunciasse de seu cargo o mais rápido
possível. Pinochet até mesmo tentou recuperar um pouco de seus apoiadores
conservadores afirmando que o partido estava unindo forças com partidos que
partilhavam das ideias marxistas.

Se de um lado víamos o Chile tendo progresso nas reformas constitucionais, do


outro pudemos ver o general Pinochet tentando de tudo para impedi-las criando uma lei
que daria um grande bônus de aposentadoria aos juízes da Suprema Corte caso
aceitassem se aposentar naquele momento. Dos nove que eram elegíveis, seis
aceitaram rapidamente a oferta. Os que saíram foram substituídos por juízes que eram
contra as reformas propostas pela Renovación.

Mesmo com essa tentativa desesperadora de Pinochet, víamos mais tarde os


chilenos votando e com um apoio massivo às diversas reformas constitucionais.
Mesmo tendo sido um pouco reduzido comparado às propostas originais criadas pela
Renovación, a perda do poder do presidente de dissolver a Câmara dos Deputados e
exilar os chilenos opositores e limitar o poder do Executivo durante o Estado de
Emergência e Sítio já eram grandes avanços para o Chile que estaria por vir. Além
disso, o mandato do presidente foi reduzido de oito para quatro anos e a lei que servia
para banir o Partido Comunista Chileno foi trocado para uma que garantia a pluralidade
de ideias políticas.

Com as eleições finalmente retornando ao país, foi algo que se tornou não
apenas real mas de grande interesse a todo o povo chileno, seria a primeira desde
1970, em que Allende foi vencedor. A coalizão foi crescendo ao longo dos anos, e que
terminou se tornando a “Concertación de Partidos para la Democracia”, em que tinham
nomeado o democrata-cristão Patricio Aylwin, como o seu candidato para as eleições,
o que era bem esperado acontecer, pois ele não apenas era o líder do PDC, mas
também um dos mais participativo, ativos do Comando del No na época do Plebiscito
de 1988.

Logo após a nomeação, a Concertación publicou um longo documento com seu


programa de governo, que contava com quase 50 páginas que envolvia uma lista de
diversas reformas que aplicaria em seu mandato, além de um congresso que seria
criado por votações e não por indicação, alem de um maior poder do presidente em
relação aos militares. Além disso, prometeram que investigariam a fundo os crimes
contra os Direitos Humanos desde o golpe e que apoiaria as Cortes em processar os
casos que houvessem e novas políticas macroeconômicas como o aumento do salário
mínimo melhores direitos trabalhistas. Surgiram outros dois candidatos, um empresário
chamado Hernán Buchi que tinha como apoio os partidos de direita e que foi o Ministro
das Finanças durante o regime de Pinochet e Francisco Errazurriz, que tinha sido
lançado como um candidato independente, que serviu mais para desviar os votos de
Buchi, mas não de de Aylwin.

À medida que era vista as pesquisas eleitorais sendo feitas, víamos que Aylwin
seguia sendo o líder em uma larga vantagem e sua equipe já planejava as discussões
que entrariam em pauta em seu futuro governo. Aylwin se apresentava como uma
ponte dos ideais transmitidos por Allende e uma nova política mais conservadora da
oposição de Pinochet. Os resultados finais deram vitória a Aylwin com 55% de votos,
em que ele tinha prometido ser o “presidente de todos os Chilenos”. Foi uma eleição
surpreendentemente pacífica em sua maioria, além de que a maioria dos chilenos
desviaram sua atenção para o Natal. Houve apenas certos pequenos grupos de jovens
de esquerda entrando em conflito com a polícia chilena.

Finalmente no dia 11 de março de 1990 Augusto Pinochet passou a faixa


presidencial para o seu sucessor, o democrata-cristão Patrício Aylwin. O regime de
Pinochet deu pouquíssimo tempo para a nova governança se preparar para a
cerimônia de posse. Terminou sendo algo bastante simples, mas que milhares de seus
apoiadores apareceram em Santiago para comemorar a vitória do seu novo presidente.
Aos poucos víamos os chilenos saindo do grande trauma que toda a sociedade
passou por dezesseis anos, de pura repressão e violência contra a vida dos cidadãos.
Pinochet é conhecido como o maior ditador que já passou por toda a história do Chile
e, surpreendentemente, foi deposto não por meio das armas, da violência, mas através
da lei. Víamos a Concertación como a nova casa de tantos dos pertencentes dos
antigos grupos de esquerda da época de Allende, como os democratas-cristãos e
socialistas que, antes golpe eram inimigos, mas que se tornaram aliados com o objetivo
único de tirar Pinochet do poder. Procuraram não voltar aos moldes que apresentaram
diversos problemas na época de Allende, mas reformularam certos pontos do
neoliberalismo de Pinochet com políticas visando o bem da sociedade, isso tudo devido
à mudança de mentalidade que o exílio proporcionou a tantos esquerdistas durante o
regime ditatorial, em que procurariam, em sua volta ao Chile, de distanciar um pouco
de suas crenças revolucionárias de quando eram mais jovens, dando espaço para uma
ideia de espectro de centro-esquerda.

Pudemos ver neste reinício de um período de país no Chile o partido da


Concertación abraçando certos pontos do neoliberalismo, pois já tinham passado pelas
consequências negativas no contexto social que o neoliberalismo tinha trazido durante
a ditadura de Pinochet, a única coisa que restava seria aproveitar de seus pontos
positivos no contexto econômico.

Toda a sociedade chilena, por mais que houvesse uma pluralidade de espectro
políticos, estavam determinados a nunca mais repetir os erros do passado. Os líderes
da Concertación procuraram ao longo dos anos um grande combate à pobreza que
tinha sido gerado durante o governo de Pinochet, diminuindo drasticamente os
números de cidadãos vivendo em péssimas condições de vida, fazendo com que,
finalmente, pudesse passar um lado “humanizado” ao neoliberalismo tão duramente
criticado pela esquerda. Víamos, finalmente, um Chile renascido depois de dezesseis
duros anos de ditadura, que estava disposto a nunca mais passar por isso novamente.

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