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Professor Felipe Menezes

História
O Brasil democrático

Eleições e a nova Constituição

Após a renúncia de Getúlio Vargas, em 1945, ocorreram eleições por todo o


Brasil. Com o fim da ditadura do Estado Novo, iniciava-se o processo de
democratização do país. Para a presidência da República, foi eleito o general Eurico
Gaspar Dutra, que teve como principal concorrente o brigadeiro Eduardo Gomes.
Para os cargos legislativos, foram eleitos deputados federais e senadores. Esses
parlamentares, reunidos em uma Assembleia Constituinte, elaboraram a nova
Constituição do país. Entre os senadores, estava Getúlio Vargas, que não abandonara a
vida política e fora eleito com expressivo número de votos. Instalada em 2 de fevereiro
de 1946, a Assembleia Constituinte era composta de representantes dos principais
partidos políticos da época: Partido Social Democrático (PSD), União Democrática
Nacional (UDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Comunista do Brasil
(PCB).

Constituição de 1946

Depois de sete meses de trabalho legislativo, foi promulgada, em 18 de


setembro
de 1946, a quinta Constituição brasileira, que vigorou até 1967.1 De acordo com
historiadores, esta era uma Constituição liberal, que se afastava do perfil autoritário da
Constituição de 1937 e retomava aspectos da Constituição de 1934. De seu conteúdo,
podem ser destacados alguns pontos principais:

• democracia ​– estabelecimento da democracia como regime político do país.


Manteve-se a República como forma de governo, a Federação como forma de Estado e
o Presidencialismo como sistema de governo. Ao contrário da centralização de
poderes que ocorria no Estado Novo, a nova Constituição conferia poderes ao
Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário, para que atuassem de modo independente e
com equilíbrio de forças;
• direito de voto ​– confirmação do voto secreto e universal para os maiores de 18
anos que fossem alfabetizados. Continuavam sem direito ao voto os analfabetos, os
cabos e os soldados. É importante lembrar que os analfabetos representavam cerca de
50% da população brasileira na época;
• direito trabalhista ​– preservação da legislação trabalhista da Era Vargas, tendo como
novidade a garantia constitucional do direito de greve. No entanto, para exercer esse
direito, os trabalhadores dependiam de uma avaliação da Justiça;
• mandatos eletivos ​– estabelecimento do mandato presidencial de cinco anos, sendo
proibida a reeleição. Os deputados teriam mandato de quatro anos, e sua reeleição
seria permitida. Por sua vez, os senadores teriam mandato de oito anos, sendo em
número de três para cada estado da federação;
• direitos dos cidadãos ​– garantia constitucional de direitos fundamentais, como a
liberdade de pensamento, de crença religiosa, de expressão, de locomoção, de reunião
e de associação para fins lícitos.

Democracia brasileira: alcances e limites

A Constituição de 1946 promoveu a volta da democracia ao país. No entanto,


pode-se dizer que essa democracia constituía, em grande parte, um modelo abstrato,
pois não se refletiu no cotidiano da maioria dos brasileiros. Como explicar essa
situação?
Analisando o conceito de democracia, podem ser estabelecidas as seguintes
distinções:

• aspecto formal da democracia ​– diz respeito, por exemplo, à existência de


periodicidade de eleições populares, de voto secreto e universal, de pluripartidarismo
político, de autonomia dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de liberdade de
pensamento e de expressão. São os meios pelos quais se exerce o “jogo democrático”;
• aspecto substancial da democracia ​– diz respeito, por exemplo, à democratização da
educação de qualidade, do trabalho digno, das condições de saúde pública e do acesso
à justiça. São os fins, isto é, os conteúdos alcançados pelos meios formais no “jogo
democrático”.
Assim, o que se observou no Brasil desse período (e ainda se observa) foi uma
disparidade entre os aspectos formal e substancial da democracia. Em outras palavras,
permaneceu uma considerável distância entre o país ​legal ​(democrático) e o ​real ​(não
democrático). Em nossos dias, apesar das desigualdades sociais, milhões de brasileiros
lutam para fazer valer seus direitos de cidadãos estabelecidos pela Constituição. Nesse
contexto, destacam-se a presença dos ​movimentos sociais​, que procuram representar
as reivindicações dos cidadãos junto ao Estado e à sociedade em geral.

Governo Dutra

Conservador na política, liberal na economia Depois de exercer o cargo de


ministro da Guerra durante o Estado Novo, o general Eurico Gaspar Dutra venceu as
eleições de 1945 pelo PSD e assumiu a presidência da República em 31 de janeiro de
1946. Dutra foi considerado um político sisudo, que não despertava simpatia na
população. No entanto, contou com o apoio do PTB, partido fundado e liderado por
Getúlio Vargas. Nas eleições, recebeu cerca de 55% dos votos. O segundo colocado, o
brigadeiro Eduardo Gomes, recebeu cerca de 35% dos votos.

Alinhamento com os EUA

O governo Dutra foi influenciado por acontecimentos internacionais que


marcaram o pós-guerra, notadamente a Guerra Fria. Nesse contexto, o governo
brasileiro optou por um alinhamento com o bloco liderado pelos Estados Unidos e, em
1947, rompeu as relações diplomáticas com a União Soviética.
Internamente, o governo Dutra conseguiu obter decisão do Supremo Tribunal
Federal para suprimir o registro do Partido Comunista do Brasil. Postos na ilegalidade,
todos os parlamentares eleitos por esse partido – entre eles Luís Carlos Prestes, que
ocupava o cargo de senador – tiveram seus mandatos cassados, principalmente sob a
acusação de receber dinheiro e orientação da União Soviética.
Além disso, o governo brasileiro agiu de modo autoritário em relação aos
trabalhadores urbanos. Na época, enquanto os operários estavam insatisfeitos com a
perda do poder aquisitivo de seus salários (veja o quadro na próxima página), a equipe
do governo Dutra defendia que, para combater a inflação, não podia autorizar
aumentos salariais. Diante disso, as greves organizadas por trabalhadores
espalharam-se pelo país.
O governo reagiu às greves e aos protestos dos trabalhadores. Em nome do
combate ao comunismo, suspendeu o direito de greve, interveio em 143 sindicatos e
determinou a prisão de vários líderes operários. Outra medida governamental de
impacto foi a proibição dos jogos de azar em todo o país, em 1946, o que provocou a
eliminação de postos de trabalho ligados a essas atividades.

Diretrizes econômicas

Durante a Segunda Guerra Mundial, as exportações brasileiras tinham superado


as importações, resultando em superávit na balança comercial do país. Isso permitiu
que o governo saldasse os compromissos de sua dívida externa e ainda acumulasse
reservas cambiais ​de milhões de dólares. Assim, o governo Dutra iniciou sua gestão
com o país em boa situação financeira.
No mandato de Dutra, o nacionalismo econômico “herdado” da Era Vargas
seria enfraquecido. Porém, reservaram-se alguns setores, considerados prioritários,
para maior intervenção estatal: saúde, alimentação, transporte e energia. Procurando
criar uma política de investimentos nessas áreas, o governo lançou o ​Plano Salte ​(sigla
formada pelas letras iniciais desses quatro setores).
Foi o primeiro projeto de planejamento econômico no Brasil, cuja elaboração
teve início em 1946 e cobria um período de quatro anos. Por falta de recursos e de boa
gestão, o plano não foi bem-sucedido. Mas foram realizadas algumas medidas
importantes, como o combate à malária em 11 estados e a conclusão da rodovia
Rio-São Paulo, denominada rodovia Presidente Dutra.
Foi nesse contexto, também, que o governo Dutra realizou a compra de velhas
ferrovias inglesas instaladas no Brasil no século XIX, como a São Paulo Railway
(posteriormente nomeada Estrada de Ferro Santos- -Jundiaí), a Great Western of Brazil
Railway (posteriormente nomeada Rede Ferroviária do Nordeste) e a Leopoldina
Railway (posteriormente nomeada Estrada de Ferro Leopoldina). Esse investimento
contribuiu para dilapidar as reservas cambiais do país.

Abertura da economia

Seguindo uma orientação liberal, o governo Dutra abriu a economia do país às


empresas estrangeiras. Sem a preocupação de incentivar o desenvolvimento da
indústria nacional, facilitou a importação de produtos como brinquedos de plástico,
automóveis, geladeiras e aparelhos de rádio. Houve protestos dos líderes das
entidades industriais brasileiras, que criticavam a liberação indiscriminada das
importações. Na visão desse grupo, o aumento das importações prejudicava a
comercialização dos produtos nacionais. Eles defendiam a adoção de uma política de
seleção das importações, dizendo que estas deveriam estar voltadas para a compra de
bens de produção, como equipamentos industriais e combustíveis.
Pressionado por grupos nacionalistas, o governo passou a dificultar as
importações, mas já era tarde. Em dois anos, quase 80% das reservas cambiais
brasileiras haviam acabado.

O retorno de Getúlio ao poder

Ao final do governo Dutra, Getúlio Vargas concorreu à presidência da República


pelo PTB e elegeu-se com 48,7% dos votos. O segundo lugar coube ao brigadeiro
Eduardo Gomes, da UDN, com 29,7% dos votos. A UDN se tornaria o principal partido
de oposição a Vargas.
Antes da eleição, para conseguir aliados, Getúlio procurou apagar a imagem de
ditador do Estado Novo e construir um perfil de líder democrático. Em seu retorno à
Presidência, enfatizou duas diretrizes associadas à sua imagem pública: o nacionalismo
econômico e a política trabalhista.

O nacionalismo econômico

De volta ao poder, Vargas afirmou que era “preciso atacar a exploração das
forças internacionais” para que o país conquistasse sua “independência econômica”.
Essa postura nacionalista foi duramente combatida pelos representantes do governo
dos Estados Unidos, pelos dirigentes das empresas estrangeiras instaladas no Brasil e
pelos empresários brasileiros associados aos negócios internacionais.
No Congresso Nacional e na imprensa, estabeleceu-se um grande debate
político sobre o assunto. De um lado, estavam os nacionalistas, que apoiavam o
governo. De outro, os internacionalistas, que pretendiam estimular a abertura
econômica do país ao
capital estrangeiro e eram, por isso, chamados pejorativamente de “entreguistas”,
apelido que os acusava de querer entregar as riquezas do país à livre exploração
estrangeira. Nesse debate, podem ser destacados dois momentos relevantes:

• Campanha do petróleo ​– os nacionalistas queriam que a extração do petróleo no


Brasil fosse realizada por uma empresa estatal brasileira. Criaram, então, o ​slogan ​“O
petróleo é nosso”. Seus oponentes defendiam a exploração do petróleo por grupos
internacionais. A campanha teve um final favorável aos nacionalistas, com a fundação,
em 1953, da Petrobras, empresa estatal que obteve o monopólio da extração do
petróleo no Brasil, responsabilizando-se também, parcialmente, pelo seu refino. A
aprovação da lei que criou a Petrobras foi possível em razão de um acordo político.
Os nacionalistas e os adeptos da participação estatal na economia conseguiram
a aprovação do monopólio de importação, de prospecção e de refino. Os liberais e
internacionalistas obtiveram a permanência das refinarias particulares instaladas, e a
distribuição de derivados passaria a ser feita por empresas privadas.
• Lei de Lucros Extraordinários ​– proposta pelo governo ainda em 1953, limitava em
8% a remessa para o exterior dos lucros das empresas estrangeiras estabelecidas no
Brasil. A lei, entretanto, foi barrada no Congresso, devido a pressões de grupos
internacionais.

Política trabalhista
Vargas também retomou sua política trabalhista. Em discursos, declarava aos
trabalhadores urbanos que seu objetivo era a construção de uma “verdadeira
democracia social e econômica”, em que cada um tivesse, além dos direitos políticos, o
direito a desfrutar o progresso que ajudava a construir.
Coerente com essa promessa, seu governo recuperou significativamente o
poder aquisitivo do salário mínimo. Em 1954, Vargas autorizou aumento de 100% no
salário mínimo, atendendo à proposta do ministro do Trabalho, João Goulart. Essa
medida provocou enormes protestos entre os representantes do empresariado.

Oposição e crise

A política de Vargas recebeu diversas críticas de grupos de empresários e de


adversários do nacionalismo. Entre os críticos, destacava-se o governo dos Estados
Unidos, que não escondia seu desagrado pela criação da Petrobras e pela Lei de Lucros
Extraordinários. Foi nesse contexto que políticos da UDN – partido que liderava a
oposição ao governo – e setores ligados ao capital estrangeiro começaram a conspirar
para derrubar Vargas.
Um dos principais líderes oposicionistas era Carlos Lacerda, político vinculado à
UDN e diretor do jornal ​Tribuna da Imprensa,​ de onde comandava violentas críticas ao
governo. Em 5 de agosto de 1954, Lacerda foi vítima de um atentado, ocorrido na rua
Toneleros, em Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro. O político levou um tiro no pé
e escapou com vida. Já Rubem Vaz, major da Aeronáutica que o acompanhava,
morreu.
As investigações posteriores ao crime, conduzidas pela Aeronáutica, indicaram
que o assassino cumpria ordens de Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial.
Informado sobre essas acusações, conta-se que Getúlio teria desabafado: “Acho que
estou sobre um mar de lama”.

Morte de Vargas

As notícias sobre o crime da rua Toneleros tiveram grande repercussão na


imprensa. A oposição multiplicou os ataques ao governo federal. Nos dias 22 e 23 de
agosto, manifestações de oficiais militares exigiram a renúncia de Getúlio Vargas, que
se recusava a deixar o cargo, embora não tivesse condições para reagir. Isolado
politicamente, Vargas escreveu no dia seguinte uma carta-testamento ao povo
brasileiro e, em seguida, suicidou-se com um tiro no coração.
No período que ainda faltava para o término do mandato de Vargas (cerca de
um ano e meio), a presidência da República foi exercida inicialmente pelo
vice-presidente Café Filho, que depois se afastou sob a alegação de motivos de saúde.
Posteriormente, a presidência foi ocupada por Carlos Luz (presidente da Câmara dos
Deputados) e em seguida por Nereu Ramos (presidente do Senado).

Governo Juscelino - Uma onda de otimismo e “progresso”

Em 3 de outubro de 1955, no final do mandato de Vargas, que era cumprido


por
seus substitutos, realizaram-se novas eleições presidenciais. Os vencedores foram os
candidatos da coligação PTB-PSD, partidos de origem getulista: Juscelino Kubitschek de
Oliveira (PSD) elegeu-se presidente, e João Goulart (PTB), vice-presidente. Golpismo da
UDN Diante dos resultados das eleições de 1955, mais uma vez a UDN – grande
adversária do getulismo – era derrotada. Inconformados, os udenistas tentaram
impedir a posse de Juscelino e Goulart. Alegavam que os candidatos vitoriosos
recebiam apoio do “comunismo internacional” e não tinham obtido a maioria absoluta
dos votos (ou seja, 50% e mais um voto). De fato, venceram com apenas 35% dos
votos, mas a lei vigente na época – a Constituição de 1946 – não exigia a maioria
absoluta.
O então presidente da República, Café Filho, mostrou-se favorável à tese dos
udenistas e uniu-se aos golpistas, bem como parte das Forças Armadas. No entanto,
militares ligados ao ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott – de perfil
legalista ​–, desmontaram a conspiração, forçaram o afastamento de Café Filho e
garantiram a posse de Juscelino, em 31 de janeiro de 1956.
A UDN, porém, não desistiu. Logo após a posse, preparou novo golpe com a
ajuda de alguns oficiais da Aeronáutica. O movimento, entretanto, foi contido pelo
governo, e, em uma prova de habilidade política, Juscelino anistiou as pessoas
envolvidas nesses movimentos conspiratórios.

Desenvolvimentismo da Era JK

Antes de chegar à presidência, Juscelino Kubitschek havia sido prefeito de Belo


Horizonte e governador de Minas Gerais. Com ele, iniciaram-se as políticas
desenvolvimentistas no Brasil. Entusiasta da modernidade e do progresso, adotou
como lema de seu governo fazer o Brasil crescer “50 anos em 5”.
Para tanto, lançou em 1956 um plano nacional de desenvolvimento, também
conhecido como ​Plano de Metas​, programa que priorizava as obras de infraestrutura
(energia, transporte) e o estímulo à industrialização. Entre as principais realizações de
seu governo, podem ser citadas:

• construção de usinas hidrelétricas ​– foram construídas a hidrelétrica de Furnas (no


rio Grande), que na época se tornou a maior do Brasil, e a de Três Marias (no rio São
Francisco) – as duas no estado de Minas Gerais;
• implantação da indústria automobilística ​– novas fábricas produziriam mais de 300
mil veículos por ano, com 90% das peças fabricadas no Brasil;
• ampliação da extração de petróleo ​– que cresceu mais de 150% no período;
• construção de rodovias ​– cerca de 20 mil quilômetros de rodovias foram
construídos, entre elas a Belém-Brasília.

Construção de Brasília

Além dessas obras, o governo Juscelino destacou-se pela construção da nova


capital do país, Brasília. Para Juscelino, a construção de Brasília era a obra-símbolo das
mudanças modernizadoras que idealizava, a meta-síntese de seu programa de
governo.
O plano urbanístico da cidade foi traçado por Lúcio Costa e os projetos de arquitetura
foram concebidos por Oscar Niemeyer. Milhares de trabalhadores pioneiros, os
candangos – vindos principalmente do Nordeste –, revezavam-se noite e dia para
concluir as obras ainda no governo Juscelino. Depois de três anos, Brasília foi
inaugurada, em 21 de abril de 1960. O Centro-Oeste do país, tal como ocorreria com a
região Sudeste, passou a ser visto por milhares de brasileiros excluídos
economicamente como uma nova “terra prometida”.
Modernização e desnacionalização

Apesar dessa política desenvolvimentista em alguns setores – com atuação


preponderante do Estado –, o Plano de Metas também promoveu a
internacionalização
da economia, permitindo que grandes empresas multinacionais instalassem filiais no
país e controlassem importantes setores industriais, como os de eletrodomésticos,
automóveis, tratores e produtos farmacêuticos.
Por isso, representantes dos nacionalistas diziam que a política econômica de
Juscelino tinha a vantagem de ser modernizadora para a indústria, mas o defeito de
ser desnacionalizadora. De acordo com historiadores, começou, “então, um processo
que se desenvolve até o presente e que consiste em optar entre o nacionalismo ou a
internacionalização da economia”.
Além disso, a política desenvolvimentista do governo Juscelino trouxe custos
sociais e econômicos, como:

• aumento da dívida externa ​– os empréstimos obtidos no exterior para a realização


das obras aumentaram enormemente a dívida externa brasileira;
• inflação e baixos salários ​– indiretamente, os gastos com as grandes obras públicas
também contribuíram para elevar a inflação, enquanto os salários permaneciam em
um patamar baixo, sacrificando os trabalhadores brasileiros e aumentando a
concentração
de renda;
• êxodo rural ​– atraídos pelo desenvolvimento industrial, que se concentrava em São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, milhões de brasileiros continuaram migrando do
campo para as cidades, em busca de emprego na indústria e no setor de serviços.

Em 1960, a população urbana já atingia cerca de 45% da população total do


país.
Entretanto, a maioria, quando se instalava nas cidades, encontrava a miséria. Na
tentativa de resolver os problemas de desemprego e pobreza absoluta – que
ocasionavam o êxodo das populações nordestinas –, o governo federal criou, em 1959,
a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Ao longo dos anos,
porém, esse órgão obteve poucos resultados efetivos e, acusado de ser alvo fácil de
políticos corruptos, foi extinto em 2001.

Os anos dourados

O governo de Juscelino é frequentemente associado a grandes obras – como


Brasília – e a um momento de prosperidade e otimismo que refletiu nos hábitos de
consumo e no modo de pensar, sobretudo da elite e da classe média. Devido a esse
aspecto, o período ficou conhecido, romanticamente, como anos dourados.
Durante os anos dourados, a televisão dava seus primeiros passos e grande
parte da população ainda acompanhava os programas do rádio. A programação das
emissoras era diversificada, incluindo: musicais, humorismo, esportes, novelas,
orações e noticiários. Um dos destaques do rádio eram os programas de auditório com
cantores-estrelas, como as irmãs Linda e Dircinha Batista, Marlene, Emilinha Borba,
Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Nora Ney e Jorge Goulart.
Como meio de comunicação mais popular no país, o rádio difundia informações
e sonhos, acompanhando de perto o cotidiano das cidades. Por meio dele, a nova
realidade das capitais era apresentada aos migrantes que vinham do campo e das
pequenas cidades do interior. Desse modo, além de divertir, o rádio funcionava como
um veículo de integração social das populações recém-chegadas aos grandes centros
urbanos.
As músicas mais populares dessa época eram as marchinhas e o samba-canção.
A maioria dos cantores participava ativamente do carnaval e empenhava-se para que
suas composições fizessem sucesso. Outros gêneros musicais também eram
apreciados, como o chorinho, a valsa, o frevo e o baião. No final dos anos 1950, teve
início o movimento musical conhecido como ​bossa nova​. Na história da música
brasileira, a bossa nova trouxe sofisticação, principalmente no campo da ​harmonia​.
Faziam parte desse movimento Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Carlos Lyra, Luiz Bonfá,
João Gilberto etc. Uma das canções que se tornou símbolo da bossa nova foi “Garota
de Ipanema”, de Vinicius e Jobim.

Democracia liberal

Apesar da estabilidade política do país, o governo Juscelino não escapou de


acusações de corrupção – por parte de seus opositores e de parcela da imprensa –,
principalmente em relação às obras de construção de Brasília. De modo geral, o
governo garantiu as liberdades democráticas e não houve prisões por motivos
políticos. As diversas correntes políticas manifestavam suas ideias, exceto o Partido
Comunista, que ainda estava na ilegalidade.
Ao final do mandato de Juscelino Kubitschek, ocorreram eleições livres. Nessas
eleições venceu Jânio Quadros, que soube explorar as denúncias de corrupção contra
seu antecessor durante a campanha eleitoral.

Governo Jânio - Gestão breve e cheia de surpresas

Jânio da Silva Quadros, político sem grandes vínculos partidários, foi apoiado
pela UDN e por outras forças antigetulistas e venceu as eleições para a presidência.
Conseguiu 48% da preferência do eleitorado e larga vantagem sobre o segundo
colocado, o marechal Henrique Teixeira Lott, candidato da coligação PTB-PSD. Tomou
posse do cargo em 31 de janeiro de 1961, em cerimônia que, pela primeira vez,
realizou-se na nova capital do país: Brasília.
De acordo com a legislação eleitoral vigente naquele período, o presidente
eleito podia ser de uma ​chapa ​e o vice-presidente, de outra. Foi eleito para a
vice-presidência João Goulart, do PTB. Goulart, considerado herdeiro político do
getulismo, era adversário de Jânio.

Estilo janista de governar

Jânio chegou à presidência da República coroando uma carreira política rápida


e repleta de sucessos. Em São Paulo, tinha exercido sucessivamente os cargos de
vereador, deputado, prefeito da capital e governador do estado.
Com um estilo político considerado por analistas como exibicionista, moralista
e demagógico, Jânio conquistou muitos eleitores prometendo combater a corrupção e
“varrer” a sujeira da administração pública – o símbolo de sua campanha era
justamente uma vassoura.
Na presidência, tomou atitudes que surpreenderam, sobretudo porque se
ocupou, pessoalmente, de assuntos corriqueiros. Por meio de bilhetinhos, escritos de
próprio punho, dava ordens, como a proibição de lança-perfumes no carnaval, das
brigas de galo, das corridas de cavalo em dias de semana e do uso de biquínis em
desfiles de beleza. Os analistas políticos consideram Jânio Quadros uma figura política
difícil de ser definida. Ele não era de direita nem de esquerda. Por um lado, era
contrário ao comunismo e queria manter o país aberto ao capital estrangeiro, além de
seguir a política econômica ditada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI); mas, ao
mesmo tempo, em plena Guerra Fria, defendia uma política externa independente das
pressões das grandes potências e enviou ao Congresso uma ​lei antitruste ​e outra de
regulamentação e restrição do envio de lucros para o exterior.
Foi principalmente no contexto da política exterior e da diplomacia que
ocorreram duas decisões que provocaram a crise política de seu governo. Na primeira,
Jânio determinou o reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a União
Soviética e com a China comunista. Tal medida provocou violentas críticas dos
partidários da UDN e dos representantes das empresas multinacionais. Na segunda,
em 19 de agosto de 1961, Jânio Quadros condecorou o ministro da Economia de Cuba,
Ernesto “Che” Guevara, com a principal comenda brasileira: a Ordem do Cruzeiro do
Sul. Era uma homenagem pública a um dos principais líderes da revolução socialista
cubana de 1959, o que deixou as elites capitalistas – nacionais e estrangeiras – de
sobreaviso.

Oposição e renúncia

Diante das atitudes do presidente da República, a UDN rompeu com o governo.


Por meio de uma rede de televisão, o líder udenista Carlos Lacerda acusou Jânio de
“abrir as portas do Brasil ao comunismo internacional”.
Apesar do prestígio popular, Jânio não contava com forças políticas organizadas
na sociedade para sustentá-lo no poder. Sem o apoio da UDN, dos grandes
empresários e dos grupos que dominavam a imprensa, o presidente tomou mais uma
decisão que surpreendeu o país: renunciou ao cargo em 25 de agosto de 1961,
deixando uma carta de renúncia, endereçada ao Congresso, na qual justificava sua
atitude. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam […]. Se
permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas e
indispensáveis ao exercício de minha autoridade […]. A mim não falta a coragem da
renúncia.
Segundo algumas interpretações, Jânio teria pretendido, com a carta de
renúncia, gerar uma mobilização de forças populares e militares a favor de sua
continuidade, o que lhe daria maiores poderes contra seus opositores. Mas isso não
ocorreu. Sem demora, o Congresso aceitou seu pedido de renúncia. Depois desse
episódio, o retorno de Jânio Quadros a um cargo político só ocorreria em 1985,
quando se reelegeu prefeito da cidade de São Paulo, mantendo seu estilo “excêntrico”
de governar.

A posse de Goulart
De acordo com as normas constitucionais, com a renúncia de Jânio Quadros, a
presidência da República deveria ser ocupada pelo vice-presidente, João Goulart, que
tinha o apelido de Jango. Como ele estava em visita oficial à China comunista, tomou
posse do cargo, interinamente, conforme determinava a Constituição, o presidente da
Câmara dos Deputados.
A renúncia de Jânio ia ao encontro dos interesses udenistas e dos demais
grupos de oposição. Mas o mesmo não ocorria em relação à posse de Jango: uma junta
militar declarou veto ao vice-presidente, provocando a reação de diversos setores
políticos e sociais. Formaram-se dois grupos políticos opostos em relação à posse do
vice-presidente:

• grupo contrário à posse ​– usava como argumento a acusação de que João Goulart
seria um “perigoso comunista”. Reunia comandantes militares, políticos udenistas e
grandes empresários nacionais e estrangeiros;
• grupo favorável à posse ​– defendia a legalidade, isto é, o cumprimento da lei, da
ordem constitucional. Incluía uma parcela dos líderes sindicalistas e trabalhadores,
profissionais liberais e pequenos empresários.
Para representar esse grupo, foi organizada a Frente Legalista, que pretendia
garantir a posse de Jango em cumprimento da lei. Formada no Rio Grande do Sul, a
Frente era liderada pelo governador desse estado, Leonel Brizola (cunhado de Jango),
e apoiada pelo comandante do III Exército, general Machado Lopes.

Solução parlamentarista

O confronto entre esses dois grupos parecia encaminhar o país a uma guerra
civil. Para que isso não ocorresse, foi negociada uma solução política: o vice-presidente
assumiria o poder, desde que aceitasse o sistema parlamentarista.
Nesse sistema de governo, o presidente da República exerce apenas a chefia de
Estado, enquanto a chefia de governo cabe a um primeiro-ministro, indicado pelo
Legislativo. Por essa solução, portanto, João Goulart assumiria a Presidência com
poderes limitados e vigiados pelo Congresso Nacional. Goulart aceitou a condição
negociada para resolver o impasse, e uma emenda constitucional, aprovada pelo
Congresso em 30 de agosto de 1961, estabeleceu o parlamentarismo no Brasil.

Governo Goulart - O nacionalismo reformista

João Goulart tomou posse na presidência em 7 de setembro de 1961. A chefia


de governo, no entanto, coube a Tancredo Neves, político do PSD mineiro, empossado
como primeiro-ministro. Mas o sistema parlamentarista não duraria mais que 14
meses.
A emenda constitucional que tinha estabelecido o parlamentarismo previa que a
adoção desse sistema de governo deveria ser referendada por um plebiscito. Realizado
em 6 de janeiro de 1963, o plebiscito reuniu votos de mais de 12 milhões de cidadãos,
dos quais quase 10 milhões se manifestaram contra o parlamentarismo, votando pelo
restabelecimento do presidencialismo.
Com mais poder para governar depois do plebiscito, João Goulart se
empenharia em uma linha política nacionalista e reformista que lhe causaria muitos
problemas.
Plano Trienal

O governo João Goulart iniciou-se em um período de graves problemas


econômicos e sociais no país, e com uma inflação que não foi suficientemente
controlada. Sua estratégia socioeconômica foi formalizada, em 1962, por meio do
Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, organizado por Celso Furtado,
economista que ocupava o cargo de ministro do Planejamento. O Plano Trienal visava
fundamentalmente:

• ​promover melhor distribuição das riquezas nacionais, desapropriando os latifúndios


improdutivos para defender interesses sociais;
• ​encampar as refinarias particulares de petróleo;
• ​reduzir a dívida externa brasileira;
• ​diminuir a inflação e manter o crescimento econômico sem sacrificar exclusivamente
os trabalhadores.
Mas a inflação e o custo de vida não paravam de subir. As despesas com as
importações aumentavam e os preços das exportações caíam. Também diminuía o
ritmo de crescimento da indústria, e os grandes empresários nacionais e estrangeiros
reduziam os investimentos na produção, numa demonstração de desconfiança em
relação às intenções políticas de Jango. Havia o temor de que o governo pudesse
implantar o socialismo no Brasil – uma opção que parecia remota para a maioria dos
estudiosos daquele período.

Polarização da sociedade

O período do governo Goulart foi marcado, desde o início, pela mobilização


social e política de diversos setores da sociedade brasileira. Com o tempo, esses
movimentos e associações foram levando a uma radicalização das posições e a uma
polarização social. De um lado, estavam movimentos que traziam reivindicações
populares e pregavam transformações que, segundo eles, visavam a uma sociedade
mais justa e igualitária. Eram mobilizações organizadas por grupos formados por
estudantes, operários, camponeses etc.
Os estudantes eram ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE) e à
Juventude Universitária Católica (JUC); os operários eram ligados à Central Geral dos
Trabalhadores (CGT); e os camponeses, às Ligas Camponesas, que se difundiam
principalmente pelo Nordeste. Um de seus líderes, o advogado socialista Francisco
Julião, denunciava que os camponeses do Nordeste sobreviviam “num regime de
servidão, movendo-se dentro de um cenário trágico, de onde só emergem para ir
habitar o mocambo, a favela, a maloca, o prostíbulo, o hospital, o cárcere e, por fim, o
cemitério. Não conhecem o berçário, a creche, a escola, a cultura, a saúde, a paz, o
futuro, a vida”.
Do outro lado, atuavam associações como o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD), fundado em 1959, e o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
(IPES), criado em 1961. Esses institutos opunham-se aos movimentos políticos que,
segundo eles, estavam contaminados pelas ideologias comunista e anticapitalista.

Reformas de base
Em fins de 1963 e início de 1964, ficou evidente que o Plano Trienal não tinha
alcançado os resultados esperados. As tensões sociais aumentavam no país. Este
quadro levou, em 13 de março de 1964, João Goulart a falar a mais de 300 mil pessoas
em um
comício diante da Estação Central do Brasil (área de grande afluência popular no
centro da cidade do Rio de Janeiro).
Em seu discurso, ele expôs as dificuldades do país e a necessidade de realizar
um conjunto de reformas que seriam adotadas por seu governo.
Eram as chamadas ​reformas de base​, que acirraram ainda mais os ânimos das
elites dominantes e contrariaram os interesses estrangeiros. Entre elas, estavam:

• reforma agrária ​– para facilitar o acesso à terra a milhões de lavradores que


desejavam trabalhar e produzir no campo. Com melhores condições de vida e
trabalho, o morador do campo poderia permanecer em seu local de origem em vez de
se dirigir para as grandes cidades em busca de emprego;
• reforma urbana ​– para socorrer milhões de favelados, moradores de cortiços e
inquilinos nas grandes cidades;
• reforma educacional ​– para aumentar o número de escolas públicas, matricular
todas as crianças brasileiras e combater o analfabetismo;
• reforma eleitoral ​– para dar ao analfabeto o direito de participar da vida política,
votando nas eleições;
• reforma tributária ​– para corrigir as desigualdades sociais na distribuição dos
deveres entre ricos e pobres, patrões e empregados.

Além das reformas de base, Jango procurou, pela Lei de Remessa de Lucros,
limitar o envio de dólares das empresas multinacionais para o exterior. A aprovação
dessa lei provocou forte reação entre representantes das multinacionais, bem como
dos grupos políticos defensores dos interesses estrangeiros. Alguns setores populares
favoráveis ao governo passaram a fazer manifestações em apoio às reformas de base.
Paralelamente, as oposições organizaram seus protestos, como a Marcha da Família
com Deus pela Liberdade – série de passeatas de senhoras católicas, autoridades civis,
empresários e parte da classe média.
A primeira marcha ocorreu em São Paulo, no dia 19 de março. A agitação
política e social intensificou-se no país. Grupos de esquerda e de direita radicalizavam
suas posições. Em Brasília, 600 sargentos do Exército e da Aeronáutica ocuparam a
tiros suas guarnições, para exigir o direito de voto. A rebelião dos sargentos foi
controlada, mas os oficiais militares se assustaram com a indisciplina da tropa e
responsabilizaram o governo pelo “clima de desordem”.

Golpe militar

Em 31 de março de 1964, explodiu a rebelião das Forças Armadas contra o


governo João Goulart. O movimento militar teve início em Minas Gerais, apoiado pelo
governador mineiro Magalhães Pinto. Rapidamente, os golpistas contaram com a
adesão de unidades militares de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do antigo estado da
Guanabara (criado no lugar do antigo Distrito Federal, situado na cidade do Rio de
Janeiro até a transferência da capital federal para Brasília, em 1960).
Sem condições de resistir ao golpe militar, o presidente João Goulart deixou
Brasília em 1o de abril de 1964. Passou pelo Rio Grande do Sul e, em seguida, foi para
o Uruguai como exilado político. Era o começo do período de governos militares.

Bibliografia:
Cotrim, Gilberto História global 3 / Gilberto Cotrim. -- 3. ed. -- São Paulo :
Saraiva, 2016.

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