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ARTIGO DISCIPLINA SEMINÁRIOS AVANÇADOS

PROF. CACÁ MACHADO

Diálogos entre erudito e popular na música de Léa Freire: Algumas reflexões

Heriberto Porto
IA/Unicamp (doutorando em música)
h203621@dac.unicamp.br

Resumo

Léa Freire é uma multi-instrumentista e compositora que desenvolveu uma linguagem musical
própria, dialogando entre diversos universos de nossa música, entre o popular e o erudito. Este trabalho
se propõe discutir como sua linguagem se insere no contexto da música de concerto brasileira, como
uma compositora que representa a continuação de uma música nacionalista, porém permanecendo em
constante diálogo com a música instrumental. Autores como José Miguel Wisnik(2007,2008,2022),
Acácio Piedade(2011), Mario de Andrade(2020,1991), Machado de Assis (1957) e Cacá Machado
(2007) são fundamentais neste diálogo sobre nossa linguagem musical onde se insere a musicalidade de
Léa Freire. Os autores modernistas como Mignone, Villa-Lobos e Guerra-Peixe também transitaram
entre estes dois universos e influenciaram compositores até hoje. A Semana de Arte Moderna na figura
de Mario de Andrade é um marco nesta história, dando uma grande projeção a Heitor Villa-Lobos.
Neste artigo busca entender como estes compositores formam uma base musical para a construção da
linguagem de Léa Freire. Propomos aqui algumas análises de temas musicais da compositora,
entremeadas de reflexões sobre a construção poética destas obras.
Palavras chave: Léa Freire; Música Brasileira;

1. INTRODUÇÃO
A música instrumental brasileira se encontra em uma fronteira entre a música popular e a música
erudita. Esta nossa linguagem musical é permeada de diversas influências, onde se encontram a música
dita séria ou erudita e a música de raiz ou popular. Léa Silva de Carvalho Freire (1957-) desenvolve sua
atuação musical desde os anos 1970, quando participava de discos e shows de diversos compositores
como Filó Machado, Alaíde Costa e Guilherme Vergueiro. Esta pesquisa parte da premissa de
pensarmos a obra de Léa Freire como uma compositora que representa a continuação de uma identidade
musical brasileira situada na fronteira entre popular e erudito. Diante deste pressuposto achamos
pertinente perguntar: como se constitui sua linguagem musical, ou sua musicalidade? Para compreender
a poética da autora, contamos com os conceitos sobre hibridismos na música (Piedade.2011. Wisnik
2007) e estas fronteiras fluidas entre o erudito e o popular, se utilizando da ideia de poética musical
como uma categoria ampla para se pensar e compreender a atuação da artista, em suas obras e em sua
performance. A noção de poética musical costuma ser abordada para se pensar a canção, na sua relação
entre melodia e poesia. Maura Penna (2005, p. 9) aponta que a canção seria, nesta concepção, um lugar
de encontro e entrecruzamento de duas esferas distintas, a música e a poesia, porém aqui se toma uma
concepção mais ampla de poética musical, “vinculada aos processos estéticos e de estruturação da
linguagem”, considerando, em consonância com o pensamento de Santaella (2002), que a música
apresenta “modos de engendramento que são típicos da função poética da linguagem” e que tanto a
música quanto a poesia são “construções de formas, jogos de estruturação, ecos e reverberações,
progressões e retrogradações, sobreposições, inversões, enfim, poetas e músicos são diagramadores da
linguagem” (p. 46-47)
Esta linguagem musical de Léa Freire se desenvolve absorvendo diversos universos musicais,
em múltiplas musicalidades, numa conversa constante entre o jazz brasileiro (ou a música instrumental
como é chamada por seus executantes) e a música erudita, aquela nacionalista modernista andradeana 1.
Sobre musicalidades Piedade (2011) aponta que diversos sistemas musicais são ativados dentro de
vivências e grupos sociais estáveis formando imbricadas formas musicais que podem até confundir um
ouvinte pouco atento. “Mais do que uma língua musical, portanto, musicalidade é uma audição-de-
mundo que ativa um sistema musical- simbólico através de um processo de experimentação e
aprendizado que, por sua vez, enraíza profundamente esta forma de ordenar o mundo audível no
sujeito”.

1
Mario de Andrade (1991) cita os nomes dos compositores que se inserem na sua visão de música nacionalista:
Villa Lobos, “o iniciador e a figura máxima da Fase Nacionalista em que estamos”. Luciano Gallet, Lourenço
Fernandez, Francisco Braga e Barroso Neto, os contemporâneos e os novos Francisco Mignone, Camargo
Guarnieri, Radamés Gnatalli, “ que são os que escolho, como até agora, mais realizados pra citar”.
A proposta deste artigo é discutir como sua linguagem se insere no contexto da música de
concerto brasileira, como uma compositora que representa a continuação de uma música erudita
nacional, porém permanecendo em constante diálogo com a música instrumental. Autores como Wisnik,
Piedade, Mario de Andrade, Machado de Assis e Cacá Machado são fundamentais neste diálogo sobre
nossa linguagem brasileira onde se insere a música Léa Freire.

2. O CONFLITO APARENTE
Desde o século XIX existiu um embate, uma comparação, uma hierarquia entre a música dita
culta e a música popular brasileira. Podemos observar este embate somente pelo prisma dos nomes e
pseudônimos que os compositores usavam para esconder suas produções em música popular. O caso
famoso é o do Chico Bororó, pseudônimo de Francisco Mignone, compositor que cumpriu a proposta de
nacionalização artística de Mário de Andrade (TRAVASSOS, 2000).
Quando publicava maxixes e choros, Mignone assinava Chico Bororó, pois tinha medo que a
alcunha de compositor popular prejudicasse sua carreira de compositor sério. “É que naquelas priscas
eras do começo do século, escrever música popular era coisa defesa, desqualificante mesmo.”
(MIGNONE apud TRAVASSOS, 2000 . p 11). Guerra-Peixe é outro caso de compositor, discípulo de
Andrade, que escondeu toda sua produção popular em pseudônimos, para não manchar seu catálogo de
obras. (TRAVASSOS, 2000). Apenas este aspecto dos nomes e das pluralidades de gêneros que os
compositores produziam já fica aparente a tensão que existe desde muito tempo. Uma coisa é certa: a
Semana de Arte Moderna e o projeto de Mário de Andrade, presente no Ensaio sobre a música
brasileira, repercutiram até os dias atuais, nas ideias e composições de várias gerações que beberam na
fonte de nossas danças dramáticas. É de se lamentar que a música popular urbana para Mario de
Andrade não tinha o mesmo valor que a música rural. Chegava a chamar de “popularesca”.
O caráter modernista e antropofágico é uma característica das mais relevantes de nossa música
brasileira. Wisnik sintetiza este nosso aspecto heterogêneo da cultura nacional:
Cito intencionalmente exemplos que vão da literatura à música, ao cinema e à
arquitetura, e onde se combinam manifestações eruditas com manifestações da cultura
popular e de massas. Quero assinalar com isso o caráter algo fusional e mesclado da
singularidade cultural brasileira, ligado a sua vocação para cruzar ou dissipar
fronteiras, o que não deixa de ser um traço “antropofágico”. (2007.p.56)

Wisnik deixa claro que a mistura entre erudito e popular é parte de nossa identidade, em todas as
artes. Segundo ele a formação da música brasileira moderna resulta do contato entre o erudito e o
popular, contato esse repleto de tensões: “Essa relação de conflito aparente se apresenta no universo
musical brasileiro como diálogo criativo, fusões as mais variadas e misturas desiguais, e torna-se uma
das chaves importantes para compreender a cultura brasileira” (WISNIK. 2007. p.2 )
No Ensaio sobre Música Brasileira, Mário de Andrade (2020[1928] ) já pressentia que nossa
música, como também a música de muitas outras nações, era permeada de misturas e influências e que
isso não a fazia ser música menos autêntica 2. “ A música popular brasileira é a mais completa, mais
totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora.” (idem. P. 73)
O poeta e ensaísta paulista lembra que música brasileira é composta de fontes estranhas3: um
pouco de música indígena, bastante música afrodescendente, muita música portuguesa e um tanto da
espanhola, nos tangos e habaneras. (idem)

Além dessas influências já digeridas temos que contar as atuais. Principalmente as americanas
do jazz e do tango argentino. Os processos do jazz estão se infiltrando no maxixe. Em
recorte infelizmente não sei de que jornal guardo um samba macumbeiro, Aruê de Changô
de João da Gente que é documento curioso por isso. E tanto mais curioso que os processos
polifonicos e rítmicos de jazz que estão nele não prejudicam em nada o carater da peça. É um
maxixe legítimo. (2020[1928]. P. 75)

É interessante notar aqui este prenúncio das teorias de hibridações e fricções de musicalidades
abordadas por autores mais atuais como Acácio Piedade. Este autor nos oferece comentários sobre
tensões e influências da música brasileira e do jazz americano, já anunciadas por Mário de Andrade em
1928:
A forma como a musicalidade brasileira e a norte-americana se encontram no jazz
brasileiro confere com a ideia de hibridismo contrastivo: as tópicas musicais presentes
nos temas e improvisações estabelecem uma relação de fricção de musicalidades. as
tópicas musicais presentes nos temas e improvisações estabelecem uma relação de
fricção de musicalidades4 . Esta revela a sua relação com discursos sobre
imperialismo cultural norte-americano, identidade brasileira, globalização e
regionalismo. ( PIEDADE,2011. p.105)

Consideramos que a música de Léa Freire, objeto deste trabalho, ganha uma autenticidade
particular, por ser composta por várias vertentes, diversas influências, e pode ser vista como resultado de
fricções de musicalidades e hibridismos como nos apresenta Piedade:
De fato, creio que este processo de fricção e fusão de musicalidades se dá
constantemente em vários sistemas musicais do mundo todo. Acho que o cenário das
musicalidades, como aquele das culturas, é de permanente encontro, intercâmbio e
mudança ocorrendo em diferentes intensidades e velocidades. Há setores da música
mundial que são mais propensos às mudanças rápidas, enquanto outras regiões
musicais trabalham mais pela permanência. Ou seja, usando novamente o conceito de
Lévi-Strauss, creio que há musicalidades frias e quentes. Muitas vezes se utiliza o
conceito de hibridismo para tratar da imbricação de elementos estilísticos que
sintetizam uma obra ou gênero musical. Esta mistura de elementos é normalmente
positivada, tomada como índice de complexidade ou sofisticação. ( id.p.106)

2
Neste caso autêntico quer dizer legitimamente brasileiro. Mario adverte sobre os preconceitos e repulsas ao
estrangeiro e aconselha a adaptação dele. “Nem exclusivista , nem unilateral”. No seu manifesto por uma
música nacional , Andrade sublinha que para ser brasileiro não precisa ser nem característico demais, nem
unilateral demais.
3
Estranhas: a expressão é usada por Andrade para falar dos aportes externos, estrangeiros, como amerídios,
africana eportuguesa.
Freire, em entrevista ao programa Brasilis, da Rádio Cultura FM, comenta sobre a ideia de
formar um grupo que transitasse entre diversas linguagens, citando a criação do grupo Vento em
Madeira. 4
“Eu queria fazer, pessoalmente, uma coisa que juntasse toda a bagagem musical [...].
De tanto estudar erudito, de tanto ouvir orquestra [...], tem um repertorio de coisas de
tudo quanto é lugar do mundo e do Brasil que eu queria juntar. Por que que não pode
você suingar na música erudita? Por que que você não pode fazer rallentando na
música popular? [...] pode tudo! Então, já que pode, vamos experimentar. Então eu
comecei a experimentar [...] com esse quinteto. E esse povo, eles absorvem isso numa
facilidade impressionante, né, o que é uma coisa difícil: você ter gente fazendo as duas
linguagens (FREIRE, 2013, transcrição nossa). (p:7)

Tomando como metáfora a fronteira entre a música popular instrumental e a música de


concerto, em primeiro lugar, nos instiga a ambivalência - e também polivalência - musical de Léa Freire,
como pianista e flautista, e como compositora que dialoga na fronteira entre a música de câmara erudita
e a música instrumental popular brasileira. Conforme afirma David Ganc (2017, p. 260), este “território
fronteiriço” trata-se de “um local indefinido, que, usando licença poética, fica logo após o pôr do sol e
um pouco antes de aparecer a primeira estrela.”
Sobre o conceito de MPIB, a tese de Giovanni Cirino nos propõe situar esta prática instrumental
desenvolvida no contexto brasileiro entre o jazz e a música de câmera:
A MPIB5 pode ser entendida como uma expressão das relações não resolvidas da
identidade nacional […] [ela] possibilita acessar a mescla, o heterogêneo. Ela
evidencia o resolvido e o não resolvido da sociedade brasileira, nela os vários estilos e
gêneros são componentes igualitários, nela se expõe a tensão entre tradicional e
moderno, popular e erudito, brasileiro e estrangeiro, oral e escrito, harmonia e
dissonância. Talvez porque tais categorias podem remeter ao seu antípoda, o erudito
pode ser popular e vice-versa, o tradicional pode ser moderno e vice-versa […] A
MPIB como símbolo nacional apresenta justamente a noção de Brasil não único, de
um Brasil contraditório e plural (CIRINO, 2005, p. 6-7).

Cirino explicita as relações de mistura, de conflitos e ambivalências que são muito próprias à
nossa cultura e bastante discutidas por outros autores.6 Machado de Assis foi certeiro ao contar a fábula
cômica do caso Pestana, em Um Homem Célebre7, história do compositor que sonhava em ser um autor
célebre de música erudita, porém só conseguia compor, e com genialidade, as dançantes polcas.
Machado de Assis expõe neste conto muito da cultura musical do Brasil do séc. XIX: o sucesso das

4
O Quinteto Vento em Madeira contava com os músicos Tiago Costa(piano), Fernando DeMarco( contrabaixo),
Léa Freire( flautas), Teco Cardoso( flautas e saxofones) e Edu Ribeiro(bateria). Mônica Salmaso (voz) participava
como convidada especial. O grupo surge como uma formação de câmera para tocar o repertório do CD
orquestral Cartas Brasileiras.
5
MPIB: Música Popular Instrumental Brasileira
6
P.ex: ( Machado,2007) (Wisnik,2008;2007), (Sandroni,2001))
7
O conto “Um homem célebre” (Várias histórias, 1896) é visto como uma fábula possível sobre o pianista
Ernesto Nazareth ou sobre a vida de um dos vários pianeiros cariocas.
polcas, a indústria das edições de partituras, a predominância do piano e da atividade dos pianeiros, a
pressão da música culta e a força da música popular num “balanço aparentemente insolúvel do fracasso-
sucesso” para usar a expressão de José Miguel Wisnik (2008.p.6)

Em Léa Freire a linguagem musical sugere, talvez, um diálogo com a estética andradeana de
modernismo para a música brasileira. É uma música onde permeiam os maxixes, os sambas, os
maracatus, os baiões, que pode ser inserida no projeto modernista nacionalista do nosso Mário de
Andrade. No Ensaio sobre a música brasileira, Andrade propõe como particularmente adequada a
utilização desses gêneros como substratos para nossa música brasileira

Sambas maxixes cocos chimarritas catiras cururus faxineiras candomblés chibas,


baianos, recortadas, mazurcas valsas schottisch polcas bendenguês tucuzis serranas
[...] Tudo isso está aí pra ser estudado e pra inspirar formas artísticas nacionais.
(ANDRADE, 2020a [1928], p. 110).

A visão do Mário para o que deve ser importante para o compositor brasileiro é muito
pertinente, quando ele proclama que a música deve ser ao mesmo tempo temperada dos gêneros
populares, mas sem os excessos do exclusivismo, do característico, do exótico, do purismo e ao mesmo
tempo aberta às antropofagias e digestões do que é estrangeiro. Ao mesmo tempo é um pensamento um
tanto utópico, paulistano-burguês e irreal este de propor uma fórmula para nossa música “culta”. “O
compositor brasileiro tem de se basear quer como documentação quer como inspiração no folclore”
(id.78)

A música de Léa Freire nos remete a este sentimento de nacionalista brasileiro presente nos
compositores como Guerra-Peixe, Claudio Santoro, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli e é claro
Villa-Lobos e Camargo Guanieri, os dois pilares, por empregar elementos da música de raiz, mais como
inspiração, como recriação, releitura e invenção de músicas novas. (ANDRADE, 1991) A própria Léa
declara que depois de morar um tempo nos Estados Unidos quis voltar ao Brasil, para a música
brasileira. (WIGLINSKI. 2022) Nos anos 80 começa a compor sambas e bossas ainda com uma forma
de standards, como Samba de Mulher e Vatapá ( com letra de Joyce Moreno), Risco e Fé. Esta última já
trás uma camada diferente, um acompanhamento como um baião muito lento, uma procissão, bem
arrastada, nos remetendo a uma procissão. A peça recebeu vários arranjos , flauta e cordas e conjunto de
flautas, por exemplo.
Figura 1 partitura cedida pela autora

Em geral seus primeiros temas eram melodias escritas e cifras8. Pouco a pouco a sua música se
torna mais rebuscada, mais arranjada, com várias partes, incluindo os momentos de improvisos como
uma parte especial da composição.

3. LÉA FREIRE, COMPOSITORA DA FRONTEIRA

Léa Freire estudou piano dos 7 aos 17 anos em escola erudita, depois passou a tocar flauta e a
frequentar o CLAM9. Mais tarde estudou jazz na escola Berklee College of Music, em Boston. Foi no
CLAM que Freire teve contato com a bossa-nova, o jazz, o samba e o nuevo tango (ANDRÉS, 2021)
Falando de sua formação no piano Andrés (2021) aponta que “apesar do caráter clássico do ensino que
lhe era transmitido, Léa teve uma experiência mais aberta com o instrumento e isso é relatado por ela em
entrevista: “ Minha professora era muito legal comigo, eu tive muita sorte porque até improvisar ela
deixava no piano”. (Andrés, 2021. p.62). Léa Freire abandona o curso na Berklee College of Music e
vive um ano em Nova Iorque, cidade onde ela tem uma prática musical intensa que se volta cada vez
mais para a música brasileira.
Em entrevista, para a revista Sax&metais, a artista falou a esse respeito:
É engraçado isso, quando você vai para fora é que descobre o Brasil. Em seguida
fomos para Nova York [Léa e Netão], aí eu ficava lá „tirando‟ Egberto Gismonti. Ia
aos shows do Village Vanguard, do Blue Note, vários lugares de jazz. Eram gigs de
US$ 50, tinha Ron Carter e outros grandes. Nessa época o jazz já não era o
mainstream, o que fazia sucesso, mas havia muita coisa boa, por volta de 1978, 1979.

8
Esta é a forma tradicional de escrever a música popular como o choro e o standart de jazz onde os improvisos
se dão na estrutura harmônica da música, chamada de “grade”.
9
Centro Livre de Aprendizagem Musical, a escola de música do Zimbo Trio, liderado pelo pianista Amilton
Godoy
Fiquei lá um ano e meio, e quando voltei para o Brasil, estava completamente
brasileira, só queria a nossa música (DE AQUINO, 2007: n. p.).

Neste breve depoimento tempos uma mostra das influências, percursos e opção por voltar para o
Brasil e para sua música. Léa Freire “conversa” com diversas correntes musicais brasileiras, da música
“erudita” de Villa-Lobos e Francisco Mignone até a “música instrumental” de Egberto Gismonti,
Amilton Godoy e Hermeto Pascoal. Compositores, instrumentistas, críticos contemporâneos tecem
comentários, colocando a artista em destaque entre os compositores atuais. Felipe Senna 10 apresenta a
compositora como detentora de uma linguagem própria com a particularidade de fazer soar “orgânico”
ritmos, “levadas” consideradas complexas:
Léa fala com três notas o que a maioria de nós se debate para dizer com todas, e nem
consegue. Seu domínio absoluto do discurso musical transparece em tudo que ela toca.
[...]Ela discorre por caminhos tremendamente originais com naturalidade que faz com
que a maior das complexidades soe simplesmente acessível (SENNA, 2022)

Senna expressa esta capacidade de Léa Freire de compor peças com compassos compostos que
muitas vezes soam artificiais ou gratuitamente complicados. No caso de suas composições o compasso
composto 7/8 (em Turbulenta), o 17/16 (Choro na Chuva) o 31/16 (Pintou um grilo) soam suingados,
cheios de musicalidades que fazem esse ritmos parecerem naturais. Isso se dá por que seus processos
composicionais passam por uma vivência prévia, uma execução experimentada pela compositora à
exaustão.

3.1 AS CARTAS DA LÉA

Em 2007 Freire lança um disco que é um marco em sua carreira e inaugura uma nova fase:
Cartas Brasileiras11. Aqui assistimos uma mudança tanto na instrumentação quanto na forma. A partir
deste disco sua produção se desenvolve formalmente numa linguagem mais ampla compondo para
orquestras. A orquestra neste disco é dirigida pelo maestro Gil Jardim 12 e Léa assina todas as

10
Felipe Senna é pianista, maestro e compositor paulista. Ganhou o prêmio Camargo Guarnieri de composição
em 2007. Em 2022 estreou sua ópera “Café” (livreto de Mário de Andrade) no Teatro Municipal de São Paulo
por ocasião do centenário da Semana de Arte Moderna. Tem desde xxxxxxxxx trabalhado orquestrações,
arranjos, além de dirigir orquestras apresentando o repertório da Léa Freire, inclusive no exterior. É diretor do
grupo CámaraNóva

11
O CD Cartas Brasileiras conta ainda com participações de nomes como Mônica Salmaso, Walmir Gil, André Mehmari,
grupo de clarinetas Sujeito a Guincho, Mozar Terra, Tiago Costa, Paulo Bellinati, Paulo Braga, Jose Alexandre, Teco
Cardoso, Toninho Carrasqueira.
12
Gilmar Roberto Jardim (Gil Jardim) é um maestro e arranjador brasileiro que atuou com as maiores orquestras do país,
dentre elas a Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo, A Sinfônica da Bahia, a Sinfônica do Recife. Professor da ECA da
composições e vários arranjos. O caráter nacional brasileiro é muito presente neste trabalho, quase um
manifesto. Já na apresentação, Marcilio Godoi13, no encarte do disco, parodia o hino nacional brasileiro
como quem proclama um manifesto: “Ouviram do Ipiranga à margem da Cantareira, o brado retumbante
de heroicos músicos. E o sol, o fá e o lá, em rádio livres, brilharão ao céu dessas fixas em algum instante
[...] É apenas o Brasil espelhando sua própria beleza. Léa adorada, entre outras mil, és tu flautista, a
flauta amada. Dos autores destes solos, é mãe gentil, mátria, mater, Brasil”. A própria Léa, falando da
música “Maré” gravada neste disco cita suas influências (FREIRE.2007): “Sempre gostei dos
impressionistas franceses, do Villa e das valsas de esquina do Francisco Mignone. Acabei fazendo esta
suíte de valsas, espalhada em marés e misturas por todo o litoral eternamente grávido do meu país” . É
interessante notar, coincidência ou não, que a ideia de suítes era uma constante em Mário de Andrade
(2020.[1928]p.110) em seu projeto (utópico-político-burguês) de convencimento dos compositores
deixarem de lado a preguiça e de descobrir o Brasil musical aproveitando a enorme variedade de danças
que aqui temos: “E além de serem formas isoladas fornecem fundo vasto pra criação das Suítes de
música pura. [...] A forma suíte (série de danças) não é patrimônio de povo nenhum. Entre nós ela
aparece bem”.
A própria Léa descreve no documentário recém lançado de Lucas Wiglinski14 (2022) seu ideal
de Brasil Musical ou de música brasileira neste disco, ideal político e estático: “A mensagem do Cartas
Brasileiras é que o Brasil é tão rico, culturalmente falando de uma forma espantosa, que essa cultura
está aí à disposição, que a gente não precisa ir buscar em lugar nenhum, que a gente deve ter mais auto
estima para tratar melhor aquilo que é do Brasil”. (WIGLINSKI, 2022)

Cartas Brasileiras oferece um panorama de gêneros musicais (baião, maxixe, choro, bossa
nova, valsas, samba, samba-canção) começando com Vento em Madeira15, peça dedicada ao flautista

USP, publicou o livro O Estilo Antropofágico de Heitor Villa-Lobos. É diretor artístico da OCAM, a Orquestra de Câmara da
USP.
13
Marcílio Godoi é mestre em Crítica Literária e Literatura Brasileira pela PUC-SP (2013). É jornalista diplomado pela
Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo (2003). Possui diploma também em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG -
Universidade Federal de Minas Gerais (1988). É colaborador mensal na Revista Língua Portuguesa desde 2007. Publicou,
entre outras obras, Estados Úmidos da Matéria (Editora Patuá, 2016); A Inacreditável História do Diminuto Senhor
Minúsculo (SM Edições, 2013); A Pequena Carta, Uma Fábula do Descobrimento do Brasil (Bom Texto, 2002). ( fonte. CV
Lattes 20/06/2022)
14
Diretor, ator, realizador, montador paulista, autor de A Máquina do Desejo (60 anos do Teatro Oficina),
dirigiu Cine-Poesia, filme-disco musical com obras de Léa Freire
15
“Escrita sob encomenda ( e dedicada) ao flautista Keith Underwood (NY University), a princípio em uma
versão para flauta e piano, Vento em Madeira ganhou versão Sinfônica no CD Cartas Brasileiras, meu primeiro
arranjo sinfônico” (FREIRE.2007). O nome é um trocadilho com o vocábulo Underwood, bosque baixo em
inglês. Primeira versão dat de 2000.
americano Keith Underwood16. A peça contém diversos momentos ou partes, inspirados nas danças e
cortejos brasileiros. No encarte do CD Vento em Madeira, Freire (2009) nomeia as danças que a
inspiraram para esta composição: “Trata-se de um passeio pelo Brasil com ritmos como coco, ciranda e
baião, em um mix paulistano que viaja também por sonoridades sinfônicas”. ( FREIRE, 2009).
A música inicia com o ritmo de baião no acompanhamento e uma melodia que soa como um
toque de chamada com seus intervalos de quartas e de terças nesta anunciação que acontece nos 26

primeiros compassos.
Figura 2 partitura fornecida pela autora

A nossa síncopa “característica”17 já se faz presente neste primeiro momento neste motivo que
nos remete à dança tradicional do “côco”. No Ensaio Sobre a Música Brasileira Mario de Andrade
(2020[1928]) faz análises e sugestões de leitura sobre a “origem” desta célula característica de nossa
música. Ele alerta que não devemos supor uma origem única africana, lembrando que muita síncopa
também está presente na musica dos lusitanos. No trabalho de Enrique Menezes 18 (2016) podemos ver
uma observação de Mário de Andrade em seus manuscritos que eram projetos de futuras publicações:

“Uma observação curiosa de fazer é que se esse ritmo sincopado veio se fixar quase
que invariável no primeiro tempo do 2/4 da rítmica dos nossos maxixes, na melodia
dos fados ele ocorre com mais frequência no segundo tempo. Nos fados da Coleção
Correa Cardoso isso é quase obrigatório.
“Por tudo isso a gente pode argumentar que o sincopado negro dos rag-times, maxixes
catiras e tangos americanos, foi aceito e se generalizou porque coincidia com
tendência particularmente ibero e geralmente europeia. A não ser que seja mesmo uma
necessidade essencial americana. Porque com efeito a síncopa que em geral se dá

16
Keith Underwood é frequentemente solicitado a gravar e a dar master classes nos Estados Unidos e no Brasil
em instituições como Julliard, Manhattan School of Music e a Mannes School of Music em Nova York.
17
Também chamado de tercilho, garfinho ou brasileirinho.
18
Enrique Menezes escreveu sua tese de doutorado em música na ECA-USP sobre “ Mário de Andrade e a
síncopa do Brasil” em 2016. Neste trabalho o autor realizou a transcrição de um manuscrito inédito de Mário
de Andrade intitulado “Síncopa”, pertencente à série “Manuscritos do autor”, do Arquivo Mário de Andrade,
hoje localizado no Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP.
como regra não frequenta muito a música genuinamente africana. (ANDRADE apud
MENEZES,2016. P.30)

Também faz a distinção da síncopa escrita e da síncopa tocada “Tal como é empregada na
música popular não temos que discutir o valor da síncopa. Em todo caso afirmo que tal como é realizado
na execução e não como está grafado no populário impresso, o sincopado brasileiro é rico”
(ANDRADE.2020.[1928]P. 85). Nosso Mário tinha o projeto de escrever um livro só sobre este tema
apaixonante que é o ritmo. No “Ensaio” ele deixa algumas pistas deste estudo como o fato de não ser
interessante nos debruçarmos sobre “as manifestações restritas da síncopa” impressa que chama de
estereotipada, mas indica que existem variedades imensas de síncopas, até cita Villa Lobos como o autor
que faz com que “não esqueça que música artística não é fenômeno popular porém desenvolvimento
deste”. (ANDRADE, 2020. P.85). Autores como Sandroni, Machado, Cançado e Menezes se
debruçaram sobre o assunto da rítmica brasileira, elemento essencial e identificador de nossa música,
mas que para Mário de Andrade a questão de origem seria quase irrelevante. Segundo Sandroni, Mário
de Andrade “sugere que o problema das origens seria de solução difícil e talvez mesmo irrelevante,
tendo em vista que a fusão criada em solo americano era algo de novo, e igualmente novas eram as
condições sociais que lhe deram lugar” (SANDRONI , 2001. P. 28) .
Nas composições de Léa Freire temos a presença constante dessa ambiguidade da síncopa,
essas variações de ritmo que é aquele “petit rien” 19 de imprecisão que torna o sabor dos temas mais
gingado, menos quadrado. Em várias peças Lea Freire trabalha às vezes claramente com a célula do
garfinho, às vezes com a célula da tercina, mais diluída. Falando da música Vento em Madeira a autora
apresenta essa mistura: “uma melodia em 2/4, outra em 3 sobre 2, em que se exploram efeitos de tercina
e às vezes se assume o 2 completamente; uma terceira que remete a pífanos e paisagens; e uma quarta
parte, em que uma ritimica de colcheias pontuadas se superpõe ao 2/4, criando uma impressão de 3 que
se dissolve para solos de piano e sax. Deu pra entender? (FREIRE. 2009).
A primeira parte (parte A) é o que ela chama de “romaria”: “A melodia inicial lembra uma
romaria, seguida por um 6/8 de terreiro- haja sincretismo”. (FREIRE. 2009). É uma melodia em menor
com um motivo que vai se repetindo cada vez mais alto até chegar no “6/8 de terreiro”.

19
Expressão do compositor francês Darius Milhaud, citado por MACHADO (2006) quando aquele
tentava capturar as nuances do suingue de nossa música sincopada :” [...] Havia na síncopa uma
imperceptível suspensão, uma respiração displicente, uma pequena parada que me era muito difícil de captar.
Comprei então uma quantidade de maxixes e tangos; e me apliquei em tocá-los com suas síncopas que passavam
de uma mão a outra. Meus esforços foram recompensados e eu pude enfim exprimir e analisar esse “pequeno
nada” tipicamente brasileiro.”
A letra B temos o tema do A na voz do baixo,( mão esquerda do piano), enquanto a voz
superior toca um contracanto “chorado” em semicolcheias

Na letra E vemos a poliritimia do 2/4 sincopado do baião com uma melodia em


tercinas, dando um efeito de deslocamento planante até a volta ao tema inicial no
compasso 103.
Figura 3 vento em madeira comp.82-104

Este efeito da melodia deslocada é uma característica em diversas peças de Léa


Freire. Trataremos desta particularidade mais adiante. A parte onde a autora se refere à
dança do côco é a letra F onde se tem os intervalos que nos remetem aos sons de
pífaros, as notas graves da frase devendo soar como “gostnots” ou notas escondidas
comuns nos nossos forrós.
Diversas composições de Léa Freire trazem esse ritmo primordial da síncopa pura, do
maxixe e do samba, do garfinho característico. Uma delas é Mamulengo, peça que
ganhou várias versões, tanto para pequenas formações quanto para orquestra. A música
foi gravada no Cd San-São Trio20 (Novos Caminhos) em 2018, pelo Quinteto Vento e
Madeira, por Amilton Godoy em solo de piano no disco Amilton Godoy e a Música de
Lea Freire21, em trio (duas flauta e piano) com os americanos Keith Underwood e Ali
Ryerson22, pelo Quarteto da Cidade de São Paulo e pela OSU (Orquestra Sinfônica da
Unicamp) entre outros. A peça começa por um ritmo saltitante, quase um maxixe
nazarethiano. Por cima deste ritmo vem se sobrepor uma melodia deslocada, efeito
muito presente na obra de Léa Freire.

Figura 4 partitura fornecida pela autora

No encarte do CD Quinteto Vento em Madeira Léa escreveu sua ideia para esta
música:

“Nos desfiles de blocos de Maracatu, os bonecos mamulengos, enormes e sorridentes


balançam os braços aleatoriamente, bem fora do ritmo, na maioria das vezes. Buscou-
se um atraso na melodia que lembrasse esse efeito e descobriu-se que isso, na
realidade, acaba por valorizar todo o resto- harmonia e ritmo- Momentos de melodia
são entremeados por um motivo ao piano ( cheio de intervalos de 2ª.) que lembra a

20
Trio formado por Léa, Amilton Godoy e o saxofonista e clarinetista Harvey Wainapel.
21
O repertório deste disco está disponível no site www.maritaca.art.br/leafreire/partituras
22
Gravada para o álbum/filme Cinepoesia, de Lucas Weglinki em 2020 e produzido pelo selo Maritaca e
distribuído pela Tratore
maravilhosa “desafinação” que grandes grupos desfilando costumam gerar e que são o
sal da coisa (FREIRE,2009)

No filme A Música Natureza de Léa Freire (WIGLINSKI, 2022) ela reforça esta constante, esta marca,
que é deslocar a melodia do acompanhamento:

Quando você desprende a melodia do tempo você realça a melodia e a harmonia


porque é inesperado. Assim, quando você toca o ritmo um pouquinho fora do normal,
você dá para melodia uma chance de brilhar fora do tempo. E também dá para a
harmonia a chance de brilhar dentro do ritmo. Porque quando todos estão juntos, você
só ouve a melodia. (WIGLINSKI, 2022. 1‟15”)

Nestes oito primeiros compassos podemos ver uma característica desta compositora que é,
além do ritmo constante, a presença de intervalos de segunda, criando este atrito desafinado.

Outra música é claramente um maxixe, este gênero pré samba, pré samba tão caro a
Ernesto Nazareth. Trata-se de Bis-a-Bis

Figura 5 partitura fornecida pela autora

Desde o primeiro compasso temos a presença da síncopa característica, comum nos maxixes,
choros e tangos brasileiros. Ela é uma homenagem, segundo à autora, à suas avós:
As fotos de minhas avós estão na moldura antiga. São retratos em preto e
branco, retocados com tinta de papel de seda, técnica moderníssima em 1931. Duas
grandes figuras que se falava de suas janelas próximas. Falavam uma da outra ou
ambas, de alguém desavisado. Havia música naquilo, quem sabe esse maxixe, que
lembra duas tias discutindo. (FREIRE,2007)

A harmonia aqui é aquela dos tournarounds comuns no jazz, no New Orleans e nos choros de
Pixinguinha:
V7/V ivm | I/3 iiim | ii IIb | I Vb| V7/V ivm | I/3 IIIb | VIb7 V7| Imaj7 ||
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar e revelar os aspectos composicionais desta música brasileira ainda pouco estudada é
de grande relevância para entender a música brasileira atual. Representaria ela a continuação, esse fio
condutor de nossa música, que nasce lá em Nazareth, passa por Villa Lobos, Mignone, Santoro e chega
em Léa Freire pela corrente de Jobim, Gismonti, Godoy. Wisnik traça essa árvore genealógica no seu
artigo Machado Maxixe, o caso Pestana:

Nazareth é uma espécie de Pestana que deu certo pelo avesso, pelo menos no destino
da obra, pois tornou-se um clássico erudito-popular não pela “Marcha fúnebre” e pelo
“ Improviso de concerto” , que dedicou a Villa-Lobos, mas pelos seus próprios
buliçosos, singulares, extremamente refinados e, numa palavra, geniais — maxixes
(que ele preferia classificar como “tangos brasileiros” ). Villa-Lobos não teria escrito a
sua série de Choros e Bachianas brasileiras sem que, fugindo ao modelo preconizado
pelo pai, tivesse convivido com os chorões, seresteiros e sambistas do Rio na década
de 1910, entre os quais tinha o apelido de “Violão clássico” Tom Jobim não se
conformaria com o sucesso mundial do “Samba de uma nota só”, de “Garota de
Ipanema” e de “Águas de março” sem se aproximar muitas vezes, cancional e
sinfonicamente, do seu modelo máximo — a música de Villa-Lobos. (WISNIK,
2004.p 78)

Nos últimos anos a atividade desta que atua como instrumentista desde os anos 70, tem ganhado
uma grande projeção, nacional e internacional: Como arranjadora e compositora Léa Freire tem recebido
encomendas de diversas instituições, tanto brasileiras como internacionais. A Associação Nacional de
Flautistas dos Estados Unidos (NFA) 23 tem feito encomendas de peças e arranjos desde 2018, para
diversos tipos de conjuntos e orquestras de flauta. Em 2023 Léa Freire será compositora homenageada
na convenção desta associação. Em 2020, a Oficina de Música de Curitiba lhe encomendou O Inverno,
que é parte da série As Quatro Estações Brasileiras. Escreveu arranjos de suas obras, sob encomenda,
para orquestras argentinas, para a Jazz Sinfônica de São Paulo, como também para o Quarteto de
Cordas da Cidade de São Paulo. Prepara encomendas para as celebrações dos 100 anos da Semana de
Arte Moderna e para a Orquestra Sinfônica de Santo André (SP). Em junho de 2022 parte em turnê nos
Estados Unidos onde participa do Berkeley Festival of Choro 2022 na California e de gravações em NY
com Keith Underwood24 e Ali Ryerson, flautistas junto com Felipe Senna e Toonai Quintet. Em 19 de
junho de 2022 estreou na sala do Cinema Olido (e depois circulou em outras salas paulistanas) em São

23
The National Flute Association (NFA) é a associação americana de flautistas fundada em 1972 e que
promove anualmente uma convenção nacional. Tem mais de 3000 membros
24
Keith Underwood é um flautista de Nova York. Ele se apresentou regularmente com a New York Chamber
Symphony, o Orpheus Ensemble, a Orchestra of St. Luke's e a New York Philharmonic. Underwood é flautista
solo do Parnassus and Musical Elements, Jazz Antiqu, Arcadia Baroque Ensemble, Ufonia e Riverside Symphony.
Paulo o filme A Música Natureza de Léa Freire do diretor Lucas Weglinski no Festival Internacional In-
Edit25. O filme supre uma lacuna sobre vida e obra desta compositora. Através dele um maior público
poderá ter contato com sua obra. O filme não abrange tudo da produção desta compositora, algumas
lacunas ficam evidentes, como a ausência do Quinteto Vento em Madeira.
Nas composições de Léa encontramos diversas particularidades como a presença de uma rítmica
sincopada, células rítmicas que permeiam as obras do começo ao fim, como um motor, um motivo
gerador de outras ideias musicais. Também vemos a presença constante de uma melodia planante, solta,
sobrepondo a rítmica do acompanhamento. Aqui se percebe a necessidade e a relevância de estudos mais
aprofundados sobre a poética, os processos composicionais desta compositora.

REFERÊNCIAS

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Edusp. São Paulo. 2020 [1928]

__________. Aspectos da Música Brasileira. Editora Villa Rica. Belo Horizonte-Rio de


Janeiro. 1991

ANDRÉS, Alexandre. Léa Freire, entre a composição e a improvisação: Uma análise de A


coisa ficou russa. In: MÚSICA CRIATIVA: PERFORMANCE, IMPROVISAÇÃO E
INOVAÇÃO. HILL, Clifford e RODRIGUES, Mauro: Organização. Escola de Música da
UFMG. Belo Horizonte 2021

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1959. 3 Vol.

CIRINO, Giovanni. Narrativas musicais: Performance e experiência na música popular


instrumental brasileira. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Universidade de São
Paulo (USP), São Paulo, 2005.

DE AQUINO, Débora. Ser brasileiro é uma bênção. Site do selo Maritaca. Revista
Sax&Metais. Jun. 2007. Disponível em:
http://www.maritaca.art.br/news/saxemetais+leafreire.html. Acesso em 20/06/2022.

FREIRE, Léa. GODOY, Amilton. A Mil Tons: Léa Feire e Amilton Godoy. Direção musical
Amilton Godoy. Produção Léa Freire. São Paulo. 2017.1 CD.
25
O In-Edit Brasil é um evento cinematográfico que tem como objetivo fomentar a produção e a difusão de
filmes documentários que tenham a música como elemento integrador. O filme entrou na mostra competitiva
da 13ª edição do festival.
FREIRE, Léa. Cartas Brasileiras. Direção Musical: Teco Cardoso. Produção Léa Freire.
Regência: Gil Jardim. Selo Maritaca. São Paulo. 2007. 1 CD.

______. Vento em Madeira. Direção geral: Léa Freire. Produção musical: Teco Cardoso. Selo
Maritaca. São Paulo.2009. 1 CD.

______. Vento em Madeira. 2000. 1 partitura. Piano solo

______. Mamulengo. 2005. 1 partitura. Piano solo

______. Bis-a-Bis. 2004. 1 partitura. Piano solo

FELIPE SENNA & CÂMARANÓVA. Câmara brasileira. Direção e Produção Musical:


Felipe Senna. São Paulo. 2022. 1. CD

GANC, David. Improvisação e interpretação na obra autoral de Nivaldo Ornelas. Tese


(Doutorado Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO). UNIRIO.
Rio de Janeiro. 2017

MACHADO, Cacá. O enigma do homem célebre: ambição e vocação de Ernesto Nazareth.


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http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=285022050004

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______Semana de 22 ainda diz muito sobre a grandeza e a barbárie do Brasil de hoje


Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/02/semana-de-22-ainda-diz-
muito-sobre-a-grandeza-e-a-barbarie-do-brasil-de-hoje.shtml Acessado em 14/07/2022

ZIMBRES, Paula. Gismontipascoal: a música instrumental brasileira como releitura pós-


moderna do ideal modernista . Dissertação ( Mestrado em Música) Universidade de Brasília;
- Brasília, 2017.

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