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Competitividade empresarial, gestão de pessoas e controle

social: para pensar os dilemas da Qualidade de Vida no


Trabalho (QVT)
ERIKA BARBOZA DE SOUZA*

Resumo: Atualmente, discutir temas como Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) no âmbito das
organizações tem sido fundamental para enfrentar a concorrência acirrada no mundo dos negócios, com o
intuito de tornar a vida dos trabalhadores menos fatigante e, consequentemente, alavancar a produtividade
e a qualidade dos produtos e serviços da empresa. Por outro lado, alguns autores têm criticado fortemente
esses programas, uma vez que acreditam tratar-se de uma “maquiagem” de controle dos indivíduos pelas
empresas. Essa ideia remete a instrumentalização do indivíduo através do controle social sem a devida
tomada de consciência. Assim, este artigo surge com o intuito de compreender as discussões existentes
sobre QVT, relacionando a égide da valorização dos recursos humanos no atual contexto do mundo
capitalista com os processos objetivos e subjetivos de precarização do trabalho. Metodologicamente, o
estudo fundamentou-se em pesquisa bibliográfica, através da análise das discussões existentes sobre o
tema. Essa reflexão se justifica na tentativa de despertar uma análise crítica sobre programas de QVT,
aspirando novas ponderações sobre planejamento, gestão e bem-estar do trabalhador. Dessa forma, é
possível concluir que a ação de acabar com as práticas assistencialistas e implantar uma abordagem
alternativa em QVT, de caráter sustentável, seria o caminho mais adequado para o equilíbrio das
satisfações nas relações trabalhistas. Uma estratégia estrutural seria a criação de formas estáveis e
padronizadas de relações de trabalho e de segurança no emprego, reduzindo, por mérito, o temor da
113
instabilidade contratual e de renda, das responsabilidades laborais e da própria saúde ocupacional dos
trabalhadores.
Palavras-chave: Trabalho; Condições de Trabalho; Qualidade de Vida no Trabalho; Flexibilidade;
Controle Social.
Abstract: Currently, discussing topics such as Quality of Life at Work (QVT) within organizations has
been fundamental to face the fierce competition in the business world, in order to make life less stressful
workers and thus boost productivity and quality of products and services of the company. On the other
hand, some authors have strongly criticized these programs, since they believe it is a "make-up" control
of individuals by companies. This idea refers to the individual exploitation through social control without
proper awareness. Thus, this article appears in order to understand the existing discussions on QWL,
relating the aegis of the development of human resources in the current context of the capitalist world
with the objective and subjective processes of precarious work. The study was based on literature,
through the analysis of the discussions on the subject. This reflection is justified in trying to awaken a
critical analysis of the QWL programs, aspiring new weights on planning, management and welfare of the
worker. Thus, we conclude that the action of ending the welfare practices and implement an alternative
approach to QWL, sustainable character, would be the most appropriate way to balance the satisfactions
in labor relations. A structural strategy would be to create stable and standardized forms of labor relations
and employment security, reducing, by merit, the fear of contractual instability and income, labor
responsibilities and own occupational health of workers.
Key words: Work; Working Conditions; Quality of Life at Work; Flexibility; Social control.

*
ERIKA BARBOZA DE SOUZA é Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela
Faculdade de Desenvolvimento e Integração Regional – FADIRE.
Introdução programas de QVT, uma vez que
Atualmente, discutir temas como acreditam tratar-se de uma
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) “maquiagem” de controle dos
indivíduos pelas empresas, que buscam 114
no âmbito das organizações tem sido
fundamental para enfrentar a minimizar as divergências entre
concorrência acirrada no mundo dos produtividade versus força de trabalho.
negócios. No entanto, alguns estudiosos Nesse sentido, este artigo surge com o
têm percebido que é preciso levar em intuito de compreender as discussões
consideração as constantes existentes sobre o tema QVT,
transformações que vêm ocorrendo nas relacionando a égide da valorização dos
relações de trabalho devido ao impulso recursos humanos no atual contexto do
dos avanços tecnológicos e mundo capitalista com os processos
organizacionais, exigindo cada vez mais objetivos e subjetivos de precarização
qualificação e colaboração dos do trabalho. Assim, reflexionar sobre as
trabalhadores no atual regime capitalista perspectivas existentes de que a QVT é
de acumulação flexível. Observando os um diferencial de gestão em economias
conceitos estabelecidos, verifica-se que competitivas, sobre a ideia da
não existe, ainda, uma definição instrumentalização do indivíduo pelo
consensual sobre o assunto, mas capital através do controle social e
percebe-se que sempre trazem como sobre a positividade desses programas
objeto o bem-estar do trabalhador e a no cotidiano dos trabalhadores constitui,
relação que os setores organizacionais especificamente, os objetivos desse
têm com o trabalho, buscando sempre trabalho.
uma relação de equilíbrio entre os
Essa reflexão se justifica na tentativa de
interesses do trabalhador e da
despertar, tanto nos estudiosos da área
organização. Por outro lado, alguns
quanto nos atores sociais envolvidos
autores têm criticado fortemente esses
com a gestão de RH, uma análise crítica
sobre os programas de qualidade de Michigan.
vida no trabalho no âmbito das
organizações, aspirando novas A crise energética e a alta inflação que
ponderações sobre planejamento, gestão atingiam os países do ocidente no final
e bem-estar do trabalhador. da década de 70 ameaçavam o poder
Metodologicamente, o estudo competitivo e de sobrevivência das
fundamentou-se em pesquisa organizações, causando uma redução
bibliográfica, através da análise das pelo interesse da qualidade de vida no
discussões existentes sobre o tema. trabalho, que durou até o final desta
década (VIEIRA, 1997).
Qualidade de Vida no Trabalho
(QVT): uma discussão conceitual Bowditch e Buono (1992) destacam que
no início da década de 80, face ao
O termo Qualidade de Vida no Trabalho declínio da postura competitiva dos
(QVT) tem sido bastante discutido, E.U.A. e da constatação de que os
tanto no âmbito das organizações trabalhadores apresentavam um menor
quanto no meio acadêmico, com o grau de comprometimento,
intuito de analisar a relação indivíduo- comparativamente a outros Países,
trabalho-organização e implementar renasce a preocupação com a QVT.
uma reestruturação da tarefa dentro da
esfera laboral, tornando, dessa forma, a Fernandes (1996), após discutir as
vida dos trabalhadores menos fatigante abordagens de vários autores sobre a
e, consequentemente, alavancando a temática, concluiu que a QVT refere-se
produtividade e a qualidade dos a esforços no sentido de melhorar ou
produtos e serviços da empresa. humanizar a situação de trabalho,
orientados por soluções mais adequadas 115
Segundo Rodrigues (1991) a QVT é um que visem à reformulação do desenho
modelo de gestão da força de trabalho dos cargos, tornando-os mais produtivos
que surgiu na década de 1950, na em termos de empresa e mais
Inglaterra, a partir dos estudos de Eric satisfatórios para os trabalhadores.
Trist e colaboradores, no Instituto de Fatores como supervisão, condições de
Tavistock. Esses pesquisadores trabalho, pagamento, benefícios e
desenvolveram uma abordagem sócio- projetos do cargo afetam a QVT, sendo
técnica da organização do trabalho, a natureza do cargo o fator que envolve
tendo como base a satisfação do mais intimamente o trabalhador, já que,
trabalhador em seu ambiente para a maioria das pessoas, uma boa
profissional. No entanto, somente a vida no trabalho significa um cargo
partir da década de 1960 houve um interessante, desafiador e compensador,
novo impulso nos movimentos de QVT, ou seja, o projeto do cargo e a QVT são
sendo desenvolvidas inúmeras influenciados por fatores ambientais,
pesquisas sobre melhores formas de organizacionais e comportamentais
realizar o trabalho. Nessa mesma (WERTHER; DAVIS, 1983).
década, Bowditch e Buono (1992)
apontam que a sociedade norte A despeito destes grupos de definições,
americana mostrou uma grande Bowditch e Buono (1992) consideram
preocupação com os efeitos do emprego que, por um lado, a QVT representa
na saúde e bem-estar dos trabalhadores, uma preocupação com o efeito do
tendo surgido, pela primeira vez, o trabalho nas pessoas e na eficiência das
termo qualidade de emprego num organizações e, por outro, representa a
relatório realizado pela Universidade de ideia da necessidade dos trabalhadores
participarem na resolução de problemas processo motivacional, refletindo-se,
e na tomada de decisões. dessa forma, no desempenho das tarefas
do colaborador da empresa. Esses
Segundo Limongi-França & Rodrigues aspectos são citados por Rodrigues
(1997), qualidade de vida no trabalho (1994 apud MEDEIROS, 2013, p. 56)
deve ser vista como uma compreensão que demonstra, em seus estudos, os
abrangente e comprometida das pontos mais centrais sobre as dimensões
condições de vida no trabalho, que proporcionariam ao indivíduo uma
incluindo bem-estar, garantia da saúde e melhor QVT. São eles:
segurança física, mental e social, além
da capacitação para realizar tarefas com 1 – Adequada e satisfatória
segurança e bom uso da energia pessoal. recompensa;
Mais recentemente, Limongi-França 2 – Segurança e saúde no
(2003) destaca o interesse que o tema trabalho;
tem despertado em empresários e
administradores, e considera, ainda, a 3 – Desenvolvimento das
importância do papel desempenhado capacidades humanas;
pelos executivos de Recursos Humanos
4 – Crescimento e segurança
no desenvolvimento de experiências
profissional;
relativas à QVT e da compreensão sobre
os significados teórico e técnico do 5 – Integração social;
conceito, para evitar que sua utilização
6 – Direitos dos trabalhadores;
conduza apenas a um modismo
empresarial. 7 – Espaço total de vida no
trabalho e fora dele; 116
Assim, Medeiros (2013) reconhece que
para se ter qualidade de produtos e 8 – Relevância social.
serviços, aqueles que o produzem Diante dessas características, a autora
devem possuir qualidade de vida no faz uma análise do processo
trabalho. Nesse contexto, o autor motivacional das necessidades humanas
destaca que e conclui que esses fatores são
A QVT está diretamente determinantes e indispensáveis para se
relacionada não só com a chamada entender melhor a qualidade de vida no
responsabilidade social das trabalho, pois percebe que ela está
empresas, mas também com o nível diretamente ligada a motivação. Maciel
de conscientização dos e Sá (2007) consideram a motivação
trabalhadores pela relevância do como um fator crítico em qualquer
seu papel dentro delas, sobretudo planejamento organizacional; por isso
considerando-se atuais exigências
deve-se observar quais arranjos
por qualificação impostas pelo
mercado de trabalho (2013, p. 57). organizacionais e práticas gerenciais
fazem sentido, a fim de evitar o impacto
A autora evidencia ainda os aspectos que terão sobre os comportamentos
relevantes para a promoção da QVT individual e organizacional. Para eles, a
que, segundo ela, relacionam-se tarefa da administração não é a de
diretamente com a “pirâmide das motivar as pessoas que trabalham numa
necessidades humanas” apontada por organização, até porque isto é
Maslow, pois servem para a satisfação impossível, levando-se em consideração
do indivíduo nas organizações e, que a motivação é um processo
consequentemente, influenciam o intrínseco, íntimo para cada pessoa.
Diante disso, vários estudiosos montados para fazê-lo crer que ali é um
acreditam que não se pode motivar as ambiente de trabalho seguro e
pessoas, uma vez que a fonte de energia confortável” (DOURADO;
que move o comportamento CARVALHO, 2006, p. 08).
motivacional vem do interior delas,
sendo, também, contingencial e inerente Qualidade de Vida no Trabalho
às suas características de personalidade. (QVT) versus Controle de Vida do
No entanto, a organização pode e deve Trabalhador
criar um ambiente motivador, onde as
pessoas devem buscar satisfazer suas Com o desenvolvimento das
próprias necessidades. Os mesmos organizações, as teorias sobre a QVT
autores enfatizam que “a grande vêm demonstrando preocupação em
preocupação da administração não deve transformar as empresas num espaço
ser em adotar estratégias que motivem intermediário sem conflitos. Dessa
as pessoas, mas acima de tudo, oferecer forma, percebe-se que existe um
um ambiente de trabalho no qual a conflito essencial entre o capital e os
pessoa mantenha o seu tônus interesses dos indivíduos, e as
motivacional” (MACIEL; SÁ, 2007, p. organizações apresentam-se,
67). Dessa forma, entende-se que para essencialmente, como um sistema de
manter as pessoas motivadas é mediações. Dourado e Carvalho (2006,
necessário ter muita sensibilidade para p. 02) consideram que “o conflito é
detectar suas diferentes necessidades, encarado como o principal obstáculo ao
bem como levar em consideração a desempenho do homem no trabalho, por
variabilidade entre os estados de ‘desnaturalizar’ o esforço de trabalho e
carência que podem ocorrer solapar os estímulos”. Nesse contexto, 117
internamente a um mesmo sujeito. as autoras acreditam que nesse discurso
de ajustes nas políticas de tratamento do
Para alguns indivíduos, o aspecto trabalhador pelas empresas, existe uma
ambiental adquire grande relevo, necessidade de transformação do
centralizando sua atenção em elementos controle dos indivíduos para minimizar
tais como o pagamento, vantagens o conflito existente entre capital e
adicionais, competência da supervisão, trabalho, objetivando obter maiores
condições de trabalho, segurança, rendimentos. Em seus argumentos
política administrativa da organização e enfatizam que a flexibilidade oferece
os colegas de trabalho. Huse e aos indivíduos mais liberdade para
Cummings (1985 apud DOURADO; moldarem suas vidas, por outro lado
CARVALHO, 2006, p. 08) ratificam altera o próprio significado do trabalho
que “melhorias no ambiente de trabalho ao hostilizar a rigidez burocrática,
envolvem investimentos no ambiente dando lugar ao risco e a
físico, com o intuito de torná-lo mais vulnerabilidade. Segundo elas, “a nova
adequado à produtividade por ordem impõe novos e mais sofisticados
intermédio do aumento na satisfação métodos de controle que são muitas
dos trabalhadores”. Nessa dimensão, vezes difíceis de desvendar, pois o
Dourado e Carvalho (2006) defendem próprio sistema os tornou indecifráveis,
que há uma instância psicológica de dando-lhes roupagens cada vez mais
controle, “uma vez que busca subjetivas” (DOURADO; CARVALHO,
influenciar positivamente a satisfação 2006, p. 05). Essa ideia remete a
do trabalhador através de instrumentos instrumentalização do indivíduo através
ambientais, tais como cenários do controle social sem a devida tomada
de consciência. Dourado e Carvalho pois trata-se
(2006), ao citar diretamente Freitas
(2000), ressalta que “a tão exaltada De um ‘pacto da mediocridade’ em
racionalidade das organizações abre que os empregadores e seus
gestores aliados, por meio do
espaço para um espetáculo bizarro,
'engodo discursivo das relações
onde a insanidade é considerada uma harmoniosas entre trabalho e
manifestação louvável da criatividade e capital', encenam uma preocupação
as pessoas sequer se dão conta de que com a subjetividade no trabalho
forma estão sendo levadas a se enquanto os trabalhadores fingem
comportarem” (FREITAS, 2000 apud que acreditam e ainda agradecem
DOURADO; CARVALHO, 2006, p.10). por terem emprego (ARAÚJO,
Esses autores ainda apontam que 2008, p. 65).

Os programas de qualidade de vida Padilha (2009-2010) afirma,


no trabalho, ao propor criticamente, que a “QVT é 'meio' para
descentralização do processo maquiar problemas de ordem estrutural
decisório, maior aproximação entre (na organização e na sociedade), para
concepção e execução do trabalho, reforçar uma ideologia do ‘pão e circo’
melhoria nas condições do e para focar no indivíduo, desviando a
ambiente e no sistema de atenção de que se trata de um problema
recompensas, por exemplo,
do sóciometabolismo do capital” (2009-
conjugam em uma só estratégia de
gestão vários meios de
2010, p.555). Nessa ideia está presente
manutenção do homem alienado uma abordagem que concebe as ações
e cada vez mais refém do sociais como funções a serem
processo econômico do qual é desempenhadas em benefício da 118
recurso [...] As recompensas harmonia. No entanto, negam-se as
diretas e indiretas, as condições de origens dos problemas e conflitos
ambiente de trabalho, a autonomia existentes e não se preocupam em
e participação do indivíduo, a conhecer suas causas, vendo os males
imagem social da empresa e o como passageiros e tratando-os como
equilíbrio entre trabalho, família e doenças que podem ser curadas com
lazer promovem, na realidade, a
'medicamentos paliativos'. Assim, para
instrumentalização do indivíduo
no trabalho através de métodos
ela as práticas de QVT são utilizadas
cada vez mais sofisticados de como uma forma de aliviarem
controle social (DOURADO; momentaneamente os efeitos sem atacar
CARVALHO, 2006, p. 05-12, as causas, pois atua como 'válvula de
grifos nossos) escape', proporcionando uma sensação
imediata de alívio e bem-estar. Destaca
Nesse sentido, Costa (2013) ainda que as empresas modernas se
criticamente analisa a QVT “como sinal valem do discurso de que são uma
de precarização do trabalho, pois comunidade ou uma grande família
amplia expressivamente a carga de adotando diversos recursos como
responsabilidade sobre o trabalhador oferecer espaços de lazer, de recreação e
sob o rótulo de autonomia, liberdade, de integração social, tais como grêmios
criatividade, ludicidade, etc.” (COSTA, recreativos, academias de ginástica,
2013, p. 47). Araújo (2008), por sua colônias de férias, times de jogos etc.
vez, denominou os fundamentos de Defendem a ideia de que o empregado
qualidade de vida do trabalhador de deverá dedicar mais tempo à família e
'teatro da humanização do trabalho', ao lazer, discurso que objetiva
estabelecer uma aliança entre a empresa se destes atitudes proativas e
e a família do indivíduo, de forma a propositivas, capazes de torná-los
incentivá-lo a produzir o máximo membros da equipe de trabalho que visa
possível e assim fazer jus às benesses cumprir metas. Destarte, a ideia de
que a empresa proporciona não só a ele, gestão de pessoas implica disseminar
mas também à sua família. valores, sonhos, expectativas e
aspirações que disputem o trabalho
Assim, constata que essas
flexível. O autor acredita, ainda, que
contrapartidas de equilíbrio entre
essas medidas não visam somente
trabalho, família e lazer são na verdade
administrar recursos humanos, mas sim,
mais uma ação manipulativa da empresa
“manipular talentos humanos, no
sobre o homem, que age através de
sentido de cultivar o envolvimento de
verdadeiros estimuladores. A autora
cada um com os ideais (e ideias) da
destaca que
empresa” (ALVES, 2010, p. 05). Dessa
Políticas de QVT, em organizações forma, o jovem operário e empregado
públicas e privadas, que se do novo (e precário) mundo do trabalho
resumem a aulas de ioga, ginástica encontra uma nova estrutura legal de
laboral, massagens, salas de contratos de trabalho flexível que expõe
descanso, dança, artesanato ou a indignação da imprevisibilidade
coral, antes, durante ou depois do salarial. Assim, Alves expõe que
expediente de trabalho, não só têm
um 'caráter assistencial', como No Brasil, as medidas de
também são 'meios' para flexibilização das relações de
(supostamente) se alcançar ganhos trabalho na década de 1990 levaram
de produtividade. Nesse sentido, a criação do contrato de trabalho 119
QVT, na perspectiva da empresa, é por tempo determinado, contrato de
'meio' para melhorar trabalho por tempo parcial, além da
produtividade e para causar lei da terceirização, colocando um
imagem positiva da empresa tanto menu de opções flexíveis para a
para os funcionários quanto para o exploração da força de trabalho.
público em geral, por meio de Assim, cresce nos locais de
propagandas. (PADILHA, 2009- trabalho das grandes empresas,
2010, p. 555) formas instáveis do salariato, isto é,
novas modalidades especiais de
Mesmo diante das críticas elucidadas,
contrato de trabalho na CLT
Padilha acredita que “desenvolver (Consolidação das Leis
políticas de QVT é melhor que não Trabalhistas), com mudanças no
fazê-lo” (PADILHA, 2009-2010, p. plano dos direitos e na forma de
560), mas defende a tese de que essas contratação do trabalho. (ALVES,
políticas jamais transformarão os 2010, p. 09)
conflitos existentes entre capital e
trabalho numa parceria entre eles. Nesse contexto, a flexibilidade torna-se,
no sentido geral, um atributo da própria
Alves (2010) aponta o discurso da organização social da produção,
organização do trabalho com uma nova assumindo uma série de
roupagem, pois o que antes tratava-se particularizações concretas, com
como trabalhadores assalariados, múltiplas determinações.
operários ou empregados, hoje trata-se
como “colaboradores”, com o intuito de O mesmo autor ainda coloca que “é a
exaurir o discurso do conflito entre flexibilidade da força de trabalho, isto
empresas e “colaboradores”, exigindo- é, aquela flexibilidade relativa à
legislação e forma competitiva,
regulamentação ainda que funcional,
social e sindical, que no novo cenário
continua sendo tecnológico, tornou-
estratégica para a se desempregada,
acumulação do marginalizada ou
capital” (ALVES, empregada sob novas
2010, p. 04). Para formas de trabalho e
ele, a ‘acumulação qualificação, em
flexível’ se apoia, relações muitas vezes
principalmente, na precárias e não-
flexibilidade dos padronizadas.
processos de Ampliou-se, assim, a
trabalho, dos insegurança do
mercados de trabalho trabalhador sob
e ainda, dos produtos diferentes aspectos,
e padrões de como por exemplo, a
consumo, impondo, insegurança do
assim, o trabalho mercado de trabalho,
flexível como principal característica do emprego, da renda, da contratação,
do novo e precário mundo do trabalho. etc. Para Mattoso (1994),
Portanto, são as relações flexíveis do
Estas diferentes inseguranças
trabalho que instauram a nova condição refletem, sob diversos prismas, um
salarial que põem novas determinações mesmo problema: a liberação de
no processo de precarização do 120
tempo de trabalho em escala social
trabalhador. em meio à ofensiva do capital
reestruturado. Desemprego,
De uma forma geral, essas concepções trabalho parcial ou com tempo
sociológicas reconhecem que a busca determinado, salários cada vez mais
pela flexibilidade e a repulsa à rotina limitados ao tempo de trabalho
burocrática produzem novas estruturas individual e meritocrático [...]
de poder e de controle, em vez de evidenciam a crescente redundância
criarem condições de libertação dos do trabalho, a desigualdade na
homens, pois o enxugamento e a repartição do trabalho e do tempo
flexibilidade nas empresas significam liberado sob a exclusividade da
perdas consideráveis de emprego, de racionalidade econômica e da
estabilidade, de qualidade de vida e de lógica do mercado auto-regulável
(MATTOSO, 1994, p. 19).
dignidade aos milhões de trabalhadores
que dependem dos seus salários para Outro fator atribuído a flexibilização
sobreviverem. laboral, que é visto como um importante
aliado à fragilização da saúde do
A Qualidade de Vida no Trabalho
trabalhador, é a ideia da conciliação
(QVT) e suas perspectivas
entre trabalho e vida privada, o que
Diante de um novo paradigma laboral, implica diretamente a questão da
com o surgimento do novo trabalhador divisão de um tempo dedicado ao
e da flexibilização do trabalho, surge, trabalho e de outro dedicado à vida
também, uma crescente massa de pessoal e familiar, onde um não poderá
trabalhadores que, perdendo seus invadir o outro. Essa concepção sugere
antigos direitos e não se inserindo de uma ruptura entre trabalho e vida, como
se vida e trabalho estivessem numa muito mais relevante se as organizações
dimensão diferente da existência começassem a visualizar QVT como
humana. Padilha (2009-2010), ao citar um benefício direto à saúde e à vida dos
Tremblay (2006), destaca que trabalhadores, procurando atuar nas
A organização do tempo de trabalho causas dos problemas sem precisarem
(horários longos, rotatividade, atrelar essas políticas a uma
jornadas ou horas de trabalho não justificativa de aumento de
fixos) constitui um agente estressor produtividade e lucratividade.
para os empregados de vários
De um lado, trabalhadores qualificados
setores de atividade, pois ela
até podem gozar de certas vantagens
influencia sua vida no trabalho,
perturbando sua vida competitivas e, consequentemente,
extraprofissional e, comumente, positivas, contudo, que não garantem
fragilizando seu estado de saúde plenamente uma carreira em fluxo
(TREMBLAY et al., 2006, apud contínuo. Parafraseando Richard
PADILHA, 2009-2010, p. 557). Sennett (2012): não há mais longo
prazo! Por conseguinte, uma carreira
Essa abordagem defende que as
sólida, estável, duradoura e com
organizações deveriam ser mais
compreensivas e discutir com seus segurança é coisa de tempos idos.
subordinados os problemas da Sonhar com tal possibilidade pode
conciliação trabalho-vida privada, expressar um forte investimento
ajudando-os na aplicação de medidas simbólico numa quimera ainda fordista.
que pudessem facilitar suas vidas como, Do outro lado, trabalhadores
por exemplo, a flexibilidade de horário desqualificados preenchem os imensos
(poder eventualmente reduzir a jornada setores periféricos da força de trabalho 121
semanal de cinco para quatro dias). global. Alguns são mais descartáveis,
Essa, talvez, seja a medida de outros menos, mas no geral são
conciliação mais desejada pelos superabundantes e flexíveis, o que os
trabalhadores e, no entanto, a menos tornam uma grande massa de força de
oferecida pelas organizações. trabalho sempre disponível. A fila de
solicitantes de emprego aumenta a cada
Outra política de conciliação entre dia.
trabalho e vida pessoal apontada por
Na verdade, as estratégias de QVT que
vários autores seria o trabalho em
estão atreladas a chamada política de
domicílio. Esta, na verdade, contribui
“pão e circo" das organizações
bastante para dificultar a separação
deveriam dar lugar a formas estáveis e
entre trabalho e tempo livre, pois “não
padronizadas de relações de trabalho e
só traz uma intrusão do trabalho na vida
de segurança no emprego, reduzindo,
familiar como também pode significar
por mérito (avaliação de desempenho),
um aumento da duração do trabalho
o temor da instabilidade contratual e de
acompanhado de intensificação”
renda, das responsabilidades laborais e
(PADILHA, 2009-2010, p. 557).
da própria saúde ocupacional dos
Diante do exposto, percebe-se que não trabalhadores. Essas medidas, além de
há como existir QVT sem que seja livrar os trabalhadores das ‘amarras
alterada a estrutura do sócio ideológicas opressoras’ dão lugar ao
metabolismo do capital1, pois seria
divisão hierárquica do trabalho, que subordina
1
Sistema de sócio metabolismo do capital suas funções vitais ao capital” (ANTUNES,
significa “o complexo caracterizado pela 2002, p. 01).
“resgate das dimensões de qualidade de trabalhadores. Logo, se o mundo do
vida no trabalho, a partir de uma lógica trabalho está cada vez mais invadido
onde o homem é a centralidade e não as pelas formas precárias de vivenciar as
razões econômicas e seus instrumentos relações de trabalho e emprego, parece
reificadores” (DOURADO; bastante insuficiente limitar a
CARVALHO, 2006, p. 06). humanização do e no trabalho a
eventuais práticas de QVT. Por outro
Considerações finais lado, a QVT traz uma inovação
Num ambiente de alta competitividade, estratégica num momento em que muito
onde faltam profissionais de alta se reclama por parte da classe
qualidade e o conhecimento muda de trabalhadora, das condições de trabalho.
forma rápida, ignorar ações de QVT é Dessa forma, é possível concluir que a
correr um sério risco, pela simples ação de amenizar com as práticas
razão que o conceito de saúde e bem- assistencialistas e implantar uma
estar tornar-se-á fonte para o aumento abordagem alternativa em QVT, de
do desempenho e diferencial entre caráter estratégica e que atue,
empresas de alta e de baixa primordialmente, nas raízes mais
produtividade. A ideia de que a gestão profundas da ocorrência do mal-estar
da QVT cria condições favoráveis ao no trabalho, seria uma possibilidade
aumento da produtividade nas empresas para reduzir o desequilíbrio das
vem sendo largamente difundida. No satisfações nas relações trabalhistas.
entanto, essas políticas de QVT Uma estratégia estrutural para esta
precisam ser melhor avaliadas no potencial redução seria a criação de
tocante ao equilíbrio da concretização formas estáveis e padronizadas de 122
dos anseios, tanto dos trabalhadores relações de trabalho e de segurança no
quanto dos empregadores, pois “deve emprego, reduzindo, por mérito
ser tanto o resultado, quanto uma aliada (avaliação de desempenho), o temor da
no processo de democratização das instabilidade contratual e de renda, das
condições e relações de trabalho” responsabilidades laborais e da própria
(COSTA, 2013, p. 48), permitindo que saúde ocupacional dos trabalhadores.
os trabalhadores vivenciem um
constante processo de aprendizagem
que possibilite participarem, Referências
ativamente, do controle das decisões da ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e
empresa, de modo que suas sugestões capitalismo manipulatório – O novo
sejam atendidas pela empresa, pois metabolismo social do trabalho e a precarização
originam-se de uma reivindicação dos do homem que trabalha, 2010. Disponível em:
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da; SOUTO-MAIOR, Robéria César. Stress e
Disponível
qualidade de vida no trabalho: A percepção
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