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Resumo: Atualmente, discutir temas como Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) no âmbito das
organizações tem sido fundamental para enfrentar a concorrência acirrada no mundo dos negócios, com o
intuito de tornar a vida dos trabalhadores menos fatigante e, consequentemente, alavancar a produtividade
e a qualidade dos produtos e serviços da empresa. Por outro lado, alguns autores têm criticado fortemente
esses programas, uma vez que acreditam tratar-se de uma “maquiagem” de controle dos indivíduos pelas
empresas. Essa ideia remete a instrumentalização do indivíduo através do controle social sem a devida
tomada de consciência. Assim, este artigo surge com o intuito de compreender as discussões existentes
sobre QVT, relacionando a égide da valorização dos recursos humanos no atual contexto do mundo
capitalista com os processos objetivos e subjetivos de precarização do trabalho. Metodologicamente, o
estudo fundamentou-se em pesquisa bibliográfica, através da análise das discussões existentes sobre o
tema. Essa reflexão se justifica na tentativa de despertar uma análise crítica sobre programas de QVT,
aspirando novas ponderações sobre planejamento, gestão e bem-estar do trabalhador. Dessa forma, é
possível concluir que a ação de acabar com as práticas assistencialistas e implantar uma abordagem
alternativa em QVT, de caráter sustentável, seria o caminho mais adequado para o equilíbrio das
satisfações nas relações trabalhistas. Uma estratégia estrutural seria a criação de formas estáveis e
padronizadas de relações de trabalho e de segurança no emprego, reduzindo, por mérito, o temor da
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instabilidade contratual e de renda, das responsabilidades laborais e da própria saúde ocupacional dos
trabalhadores.
Palavras-chave: Trabalho; Condições de Trabalho; Qualidade de Vida no Trabalho; Flexibilidade;
Controle Social.
Abstract: Currently, discussing topics such as Quality of Life at Work (QVT) within organizations has
been fundamental to face the fierce competition in the business world, in order to make life less stressful
workers and thus boost productivity and quality of products and services of the company. On the other
hand, some authors have strongly criticized these programs, since they believe it is a "make-up" control
of individuals by companies. This idea refers to the individual exploitation through social control without
proper awareness. Thus, this article appears in order to understand the existing discussions on QWL,
relating the aegis of the development of human resources in the current context of the capitalist world
with the objective and subjective processes of precarious work. The study was based on literature,
through the analysis of the discussions on the subject. This reflection is justified in trying to awaken a
critical analysis of the QWL programs, aspiring new weights on planning, management and welfare of the
worker. Thus, we conclude that the action of ending the welfare practices and implement an alternative
approach to QWL, sustainable character, would be the most appropriate way to balance the satisfactions
in labor relations. A structural strategy would be to create stable and standardized forms of labor relations
and employment security, reducing, by merit, the fear of contractual instability and income, labor
responsibilities and own occupational health of workers.
Key words: Work; Working Conditions; Quality of Life at Work; Flexibility; Social control.
*
ERIKA BARBOZA DE SOUZA é Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela
Faculdade de Desenvolvimento e Integração Regional – FADIRE.
Introdução programas de QVT, uma vez que
Atualmente, discutir temas como acreditam tratar-se de uma
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) “maquiagem” de controle dos
indivíduos pelas empresas, que buscam 114
no âmbito das organizações tem sido
fundamental para enfrentar a minimizar as divergências entre
concorrência acirrada no mundo dos produtividade versus força de trabalho.
negócios. No entanto, alguns estudiosos Nesse sentido, este artigo surge com o
têm percebido que é preciso levar em intuito de compreender as discussões
consideração as constantes existentes sobre o tema QVT,
transformações que vêm ocorrendo nas relacionando a égide da valorização dos
relações de trabalho devido ao impulso recursos humanos no atual contexto do
dos avanços tecnológicos e mundo capitalista com os processos
organizacionais, exigindo cada vez mais objetivos e subjetivos de precarização
qualificação e colaboração dos do trabalho. Assim, reflexionar sobre as
trabalhadores no atual regime capitalista perspectivas existentes de que a QVT é
de acumulação flexível. Observando os um diferencial de gestão em economias
conceitos estabelecidos, verifica-se que competitivas, sobre a ideia da
não existe, ainda, uma definição instrumentalização do indivíduo pelo
consensual sobre o assunto, mas capital através do controle social e
percebe-se que sempre trazem como sobre a positividade desses programas
objeto o bem-estar do trabalhador e a no cotidiano dos trabalhadores constitui,
relação que os setores organizacionais especificamente, os objetivos desse
têm com o trabalho, buscando sempre trabalho.
uma relação de equilíbrio entre os
Essa reflexão se justifica na tentativa de
interesses do trabalhador e da
despertar, tanto nos estudiosos da área
organização. Por outro lado, alguns
quanto nos atores sociais envolvidos
autores têm criticado fortemente esses
com a gestão de RH, uma análise crítica
sobre os programas de qualidade de Michigan.
vida no trabalho no âmbito das
organizações, aspirando novas A crise energética e a alta inflação que
ponderações sobre planejamento, gestão atingiam os países do ocidente no final
e bem-estar do trabalhador. da década de 70 ameaçavam o poder
Metodologicamente, o estudo competitivo e de sobrevivência das
fundamentou-se em pesquisa organizações, causando uma redução
bibliográfica, através da análise das pelo interesse da qualidade de vida no
discussões existentes sobre o tema. trabalho, que durou até o final desta
década (VIEIRA, 1997).
Qualidade de Vida no Trabalho
(QVT): uma discussão conceitual Bowditch e Buono (1992) destacam que
no início da década de 80, face ao
O termo Qualidade de Vida no Trabalho declínio da postura competitiva dos
(QVT) tem sido bastante discutido, E.U.A. e da constatação de que os
tanto no âmbito das organizações trabalhadores apresentavam um menor
quanto no meio acadêmico, com o grau de comprometimento,
intuito de analisar a relação indivíduo- comparativamente a outros Países,
trabalho-organização e implementar renasce a preocupação com a QVT.
uma reestruturação da tarefa dentro da
esfera laboral, tornando, dessa forma, a Fernandes (1996), após discutir as
vida dos trabalhadores menos fatigante abordagens de vários autores sobre a
e, consequentemente, alavancando a temática, concluiu que a QVT refere-se
produtividade e a qualidade dos a esforços no sentido de melhorar ou
produtos e serviços da empresa. humanizar a situação de trabalho,
orientados por soluções mais adequadas 115
Segundo Rodrigues (1991) a QVT é um que visem à reformulação do desenho
modelo de gestão da força de trabalho dos cargos, tornando-os mais produtivos
que surgiu na década de 1950, na em termos de empresa e mais
Inglaterra, a partir dos estudos de Eric satisfatórios para os trabalhadores.
Trist e colaboradores, no Instituto de Fatores como supervisão, condições de
Tavistock. Esses pesquisadores trabalho, pagamento, benefícios e
desenvolveram uma abordagem sócio- projetos do cargo afetam a QVT, sendo
técnica da organização do trabalho, a natureza do cargo o fator que envolve
tendo como base a satisfação do mais intimamente o trabalhador, já que,
trabalhador em seu ambiente para a maioria das pessoas, uma boa
profissional. No entanto, somente a vida no trabalho significa um cargo
partir da década de 1960 houve um interessante, desafiador e compensador,
novo impulso nos movimentos de QVT, ou seja, o projeto do cargo e a QVT são
sendo desenvolvidas inúmeras influenciados por fatores ambientais,
pesquisas sobre melhores formas de organizacionais e comportamentais
realizar o trabalho. Nessa mesma (WERTHER; DAVIS, 1983).
década, Bowditch e Buono (1992)
apontam que a sociedade norte A despeito destes grupos de definições,
americana mostrou uma grande Bowditch e Buono (1992) consideram
preocupação com os efeitos do emprego que, por um lado, a QVT representa
na saúde e bem-estar dos trabalhadores, uma preocupação com o efeito do
tendo surgido, pela primeira vez, o trabalho nas pessoas e na eficiência das
termo qualidade de emprego num organizações e, por outro, representa a
relatório realizado pela Universidade de ideia da necessidade dos trabalhadores
participarem na resolução de problemas processo motivacional, refletindo-se,
e na tomada de decisões. dessa forma, no desempenho das tarefas
do colaborador da empresa. Esses
Segundo Limongi-França & Rodrigues aspectos são citados por Rodrigues
(1997), qualidade de vida no trabalho (1994 apud MEDEIROS, 2013, p. 56)
deve ser vista como uma compreensão que demonstra, em seus estudos, os
abrangente e comprometida das pontos mais centrais sobre as dimensões
condições de vida no trabalho, que proporcionariam ao indivíduo uma
incluindo bem-estar, garantia da saúde e melhor QVT. São eles:
segurança física, mental e social, além
da capacitação para realizar tarefas com 1 – Adequada e satisfatória
segurança e bom uso da energia pessoal. recompensa;
Mais recentemente, Limongi-França 2 – Segurança e saúde no
(2003) destaca o interesse que o tema trabalho;
tem despertado em empresários e
administradores, e considera, ainda, a 3 – Desenvolvimento das
importância do papel desempenhado capacidades humanas;
pelos executivos de Recursos Humanos
4 – Crescimento e segurança
no desenvolvimento de experiências
profissional;
relativas à QVT e da compreensão sobre
os significados teórico e técnico do 5 – Integração social;
conceito, para evitar que sua utilização
6 – Direitos dos trabalhadores;
conduza apenas a um modismo
empresarial. 7 – Espaço total de vida no
trabalho e fora dele; 116
Assim, Medeiros (2013) reconhece que
para se ter qualidade de produtos e 8 – Relevância social.
serviços, aqueles que o produzem Diante dessas características, a autora
devem possuir qualidade de vida no faz uma análise do processo
trabalho. Nesse contexto, o autor motivacional das necessidades humanas
destaca que e conclui que esses fatores são
A QVT está diretamente determinantes e indispensáveis para se
relacionada não só com a chamada entender melhor a qualidade de vida no
responsabilidade social das trabalho, pois percebe que ela está
empresas, mas também com o nível diretamente ligada a motivação. Maciel
de conscientização dos e Sá (2007) consideram a motivação
trabalhadores pela relevância do como um fator crítico em qualquer
seu papel dentro delas, sobretudo planejamento organizacional; por isso
considerando-se atuais exigências
deve-se observar quais arranjos
por qualificação impostas pelo
mercado de trabalho (2013, p. 57). organizacionais e práticas gerenciais
fazem sentido, a fim de evitar o impacto
A autora evidencia ainda os aspectos que terão sobre os comportamentos
relevantes para a promoção da QVT individual e organizacional. Para eles, a
que, segundo ela, relacionam-se tarefa da administração não é a de
diretamente com a “pirâmide das motivar as pessoas que trabalham numa
necessidades humanas” apontada por organização, até porque isto é
Maslow, pois servem para a satisfação impossível, levando-se em consideração
do indivíduo nas organizações e, que a motivação é um processo
consequentemente, influenciam o intrínseco, íntimo para cada pessoa.
Diante disso, vários estudiosos montados para fazê-lo crer que ali é um
acreditam que não se pode motivar as ambiente de trabalho seguro e
pessoas, uma vez que a fonte de energia confortável” (DOURADO;
que move o comportamento CARVALHO, 2006, p. 08).
motivacional vem do interior delas,
sendo, também, contingencial e inerente Qualidade de Vida no Trabalho
às suas características de personalidade. (QVT) versus Controle de Vida do
No entanto, a organização pode e deve Trabalhador
criar um ambiente motivador, onde as
pessoas devem buscar satisfazer suas Com o desenvolvimento das
próprias necessidades. Os mesmos organizações, as teorias sobre a QVT
autores enfatizam que “a grande vêm demonstrando preocupação em
preocupação da administração não deve transformar as empresas num espaço
ser em adotar estratégias que motivem intermediário sem conflitos. Dessa
as pessoas, mas acima de tudo, oferecer forma, percebe-se que existe um
um ambiente de trabalho no qual a conflito essencial entre o capital e os
pessoa mantenha o seu tônus interesses dos indivíduos, e as
motivacional” (MACIEL; SÁ, 2007, p. organizações apresentam-se,
67). Dessa forma, entende-se que para essencialmente, como um sistema de
manter as pessoas motivadas é mediações. Dourado e Carvalho (2006,
necessário ter muita sensibilidade para p. 02) consideram que “o conflito é
detectar suas diferentes necessidades, encarado como o principal obstáculo ao
bem como levar em consideração a desempenho do homem no trabalho, por
variabilidade entre os estados de ‘desnaturalizar’ o esforço de trabalho e
carência que podem ocorrer solapar os estímulos”. Nesse contexto, 117
internamente a um mesmo sujeito. as autoras acreditam que nesse discurso
de ajustes nas políticas de tratamento do
Para alguns indivíduos, o aspecto trabalhador pelas empresas, existe uma
ambiental adquire grande relevo, necessidade de transformação do
centralizando sua atenção em elementos controle dos indivíduos para minimizar
tais como o pagamento, vantagens o conflito existente entre capital e
adicionais, competência da supervisão, trabalho, objetivando obter maiores
condições de trabalho, segurança, rendimentos. Em seus argumentos
política administrativa da organização e enfatizam que a flexibilidade oferece
os colegas de trabalho. Huse e aos indivíduos mais liberdade para
Cummings (1985 apud DOURADO; moldarem suas vidas, por outro lado
CARVALHO, 2006, p. 08) ratificam altera o próprio significado do trabalho
que “melhorias no ambiente de trabalho ao hostilizar a rigidez burocrática,
envolvem investimentos no ambiente dando lugar ao risco e a
físico, com o intuito de torná-lo mais vulnerabilidade. Segundo elas, “a nova
adequado à produtividade por ordem impõe novos e mais sofisticados
intermédio do aumento na satisfação métodos de controle que são muitas
dos trabalhadores”. Nessa dimensão, vezes difíceis de desvendar, pois o
Dourado e Carvalho (2006) defendem próprio sistema os tornou indecifráveis,
que há uma instância psicológica de dando-lhes roupagens cada vez mais
controle, “uma vez que busca subjetivas” (DOURADO; CARVALHO,
influenciar positivamente a satisfação 2006, p. 05). Essa ideia remete a
do trabalhador através de instrumentos instrumentalização do indivíduo através
ambientais, tais como cenários do controle social sem a devida tomada
de consciência. Dourado e Carvalho pois trata-se
(2006), ao citar diretamente Freitas
(2000), ressalta que “a tão exaltada De um ‘pacto da mediocridade’ em
racionalidade das organizações abre que os empregadores e seus
gestores aliados, por meio do
espaço para um espetáculo bizarro,
'engodo discursivo das relações
onde a insanidade é considerada uma harmoniosas entre trabalho e
manifestação louvável da criatividade e capital', encenam uma preocupação
as pessoas sequer se dão conta de que com a subjetividade no trabalho
forma estão sendo levadas a se enquanto os trabalhadores fingem
comportarem” (FREITAS, 2000 apud que acreditam e ainda agradecem
DOURADO; CARVALHO, 2006, p.10). por terem emprego (ARAÚJO,
Esses autores ainda apontam que 2008, p. 65).