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JOÃO GUIMARÃES ROSA E GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ:

QUANDO A HISTÓRIA, A CULTURA E A


LITERATURA SE CRUZAM

Verônica Lima e Silva de Almeida*


Fábia dos Santos Marucci **

RESUMO

Trata este paper de uma breve leitura sobre a obra Cem anos de Solidão, de Gabriel García
Márquez (1927), e Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (1908-1967). Estes dois
intelectuais latino-americanos no século XX se consagraram na literatura mundial. O primeiro
com o gênero Fantástico, e o segundo com uma narrativa regional mineira. Em Guimarães o lugar
escolhido para suas histórias era carinhosamente chamado por ele de “Mundo Sertão”, lugar
onde seus personagens ganharam vida e foram imortalizados em suas obras como, por exemplo,
Riobaldo em Grande Sertão: Veredas (1956). Já García Márquez descreve o realismo mágico em
seu romance Cem Anos de Solidão (1967). O lugar do enredo é uma cidade fictícia cercada de
acontecimentos inexplicáveis e sobrenaturais, chamada Macondo, da qual tudo emerge e para
onde tudo volta. Revolucionando a literatura mundial o romance de García Márquez foi lançado
em maio de 1967, e além das muitas tiragens esta obra lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura
em 1982. Guimarães, por ironia do destino, não pôde ser agraciado com tão nobre Prêmio, em
virtude de sua morte súbita em 1967, aos 59 anos, três dias depois de tomar posse na Academia
Brasileira de Letras. Suas obras foram fonte de inspiração para o cinema, televisão, teatro e
música, diferente de García Márquez no que tange à obra aqui sinalizada. Sendo sete delas
publicadas: Sagarana (1946); Corpo de Baile (1956); Grande Sertão: Veredas (1956); Tutaméia –
Terceiras estórias, último livro publicado em vida por Guimarães em 1967, dentre outras.

Palavras-chave: García Márquez. Guimarães Rosa. Realismo fantástico. Sertão.

1 INTRODUÇÃO

No primeiro dia de aula da disciplina Literatura e Cultura da América Latina do curso de


Pós-Graduação em História e Cultura da América Latina, nos foi proposto pela professora Fábia
Marucci1 a apresentação de seminários sobre alguns escritores latino-americanos da ementa
do curso. Deveríamos, além de escolher os escritores, aprofundar o estudo em pelo menos
uma de suas principais obras, a fim de apresentar para nossos colegas de curso, socializando o

*Especialista em História e Cultura da América Latina (UNISUAM); Graduada em História pelo Centro Universitário
Augusto Motta (UNISUAM); ve_peixes@hotmail.com
**Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Letras pela Universidade Federal
Fluminense (UFF); Professora do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM); fabiamarucci@yahoo.com.br
1
A professora lecionou a disciplina Literatura e Cultura da América Latina no primeiro semestre de 2013 e orientou o
desenvolvimento deste artigo.

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conhecimento adquirido. Dentre os escritores sugeridos pela professora, encontram-se o brasileiro


João Guimarães Rosa e o colombiano Gabriel García Márquez, escolhidos para este trabalho.
Destacou-se assim para este estudo uma das principais obras de cada um dos intelectuais
mencionados acima, por considerar que tanto uma quanto outra, nas suas respectivas décadas
de 1950 e 1960, foram de suma importância para a divulgação e valorização da produção literária
latino-americana. São elas: Cem anos de Solidão (1967) e Grande Sertão: Veredas (1959).
Cem anos de Solidão foi publicado em diversas línguas, sendo gentilmente comparado a
Dom Quixote de La Mancha (1605), de Miguel de Cervantes, pelo escritor chileno Pablo Neruda.
Todavia o maior reconhecimento veio em 1982, quando García Márquez foi agraciado com
o Nobel de Literatura. Nunes (2006), em seu artigo, lembra que:
No século XIX, na América Latina, surgem os primeiros textos de uma incipiente
literatura fantástica. Posteriormente, o gênero ganha força com os nomes de Horacio
Quiroga, Leopoldo Lugores, Jorge Luis Borges, Adolfo Biov Casares, Julio Cortazar etc.
Além destes escritores como Alejo Carpentier, Mario Vargas Llosa e Gabriel Garcia
Márquez, entre outros, renovam o gênero com uma narrativa que pretende modificar
o tom regionalista da produção de literatura vigente. No Brasil, o fantástico permeia
diversos textos literários, desde Noite na Taverna, de Alvares de Azevedo, no século
XIX. Encontramos suas marcas em Machado de Assis, Mário de Andrade e Guimarães
Rosa, entre outros. E, mais fortemente, na obra de escritores modernos como Murilo
Rubião e Jorge Miguel Marinho (NUNES, 2006, p. 1).

Tratando-se de um gênero usado amplamente por escritores hispano-americanos,


pergunta-se: o que há de novo na obra de García Márquez que encantou a crítica mundial
e rendeu-lhe o mais cobiçado prêmio literário? A leitura completa da obra e as leituras
complementares permitem inferir que o estilo fantástico ou realismo mágico usado pelo autor,
o qual não nos cabe nesta oportunidade fazer a distinção, serviu para entreter os leitores como
nos romances do século XIX. Mas também trouxe algo “novo”, e esse “novo” se dá no momento
em que este escritor politicamente engajado usa de certa magia para criticar o contexto
histórico real implantado pelos governos ditatoriais latino-americanos na década de 1960, que
perseguiam intelectuais que se opunham ao sistema. Báez (2010, p. 27) denuncia não só os
estados autoritários que, ao longo do século XX, em torno de 1960, assassinaram e censuraram
artistas e intelectuais, como nos revela o extermínio cultural dos povos latino-americanos
quando da chegada dos europeus.
A obra de Guimarães Rosa, lançada nove anos antes, busca, assim como a de García
Márquez, reafirmar a identidade latino-americana, velha luta travada no continente desde o
século XIX, como bem mencionou o mais importante crítico literário brasileiro, Antônio Cândido
(1985, p. 19). Segundo ele, as primeiras manifestações em busca de uma identidade nacional
começaram a se forjar no início do século XIX:

No tempo da nossa independência, proclamada em 1822, formou-se uma teoria


nacionalista que parecia incomodada por este dado evidente e procurou minimizá-lo,
acentuando o que haveria de original, de diferente, a ponto de rejeitar o parentesco,
como se quisesse descobrir um estado ideal de começo absoluto. Trata-se de atitude
compreensível como afirmação política, exprimindo a ânsia por vezes patética de
identidade por parte de uma nação recente, que desconfiava do próprio ser e aspirava
ao reconhecimento dos outros. (CÂNDIDO, 1985, p. 25)

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Segundo este mesmo escritor o estilo regionalista era velho conhecido dos círculos literários e,

Em países como os da América Latina, ele invade imperiosamente o campo da


inspiração, porque representa o direito à existência por parte dos marginalizados pela
cultura dominante, geralmente privilégio de minorias, às quais pertencem também os
escritores. (CÂNDIDO, 1985, p. 93).

A marginalização de escritores regionalistas do século XIX e início do XX deve muito à


penetração da cultura europeia trazida pelos colonizadores. Impregnados por hábitos e costumes
alheios à cultura local, os grandes centros literários, como por exemplo o Rio de Janeiro, não
reconheciam o estilo regionalista como literatura de boa qualidade. Assim, toda e qualquer
produção literária de característica regional produzida fora da capital da República era colocada
à margem, o que fez com que as produções regionalistas tivessem dificuldades de se afirmar
como produção literária representante da cultura local. Sua expansão e valorização devem-se
muito ao escritor Guimarães Rosa, que soube dar destaque à cultura da região mineira com seus
tipos e costumes, divulgando-os aos quatro cantos do mundo.
Para Antônio Cândido, Guimarães Rosa, assim

[...] como outros escritores latino-americanos, foi capaz de fundir a perspectiva local
do regionalismo com os meios técnicos das vanguardas, para chegar a uma escrita
original e integrada, a cujo respeito pode-se falar de super-regionalismo (por analogia
com “surrealismo”). (CÂNDIDO, 1985, p. 94).

É verdade que a temática regional já se fazia presente entre escritores latino-americanos.


Autores brasileiros diversos, como José de Alencar, maior representante do século XIX, e mesmo
os da 2ª fase modernista (1926), como Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, José Américo de
Almeida, Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Érico Veríssimo, por exemplo, já tinham trilhado o
mesmo caminho. Quase todos, com exceção de Érico Veríssimo, que falou da paisagem sulina do
Brasil, abordaram temas ligados ao Nordeste, como o cangaço, a seca e o ciclo açucareiro.
Mas a pergunta que fizemos anteriormente cabe aqui ser repetida: o que de tão singular
há nas obras de Guimarães Rosa, já que este descreveu o mundo sertanejo, seus tipos, paisagens
e costumes, assim como seus antecessores?
Igualmente aos outros escritores acima, Guimarães também fala da relação do homem com
seu meio. Mas o seu regionalismo é diferente. Usa temas universais, como amor, ódio, vida, morte,
fazendo do Sertão mineiro o próprio “Mundo Sertão”, como ele mesmo dizia. Outra característica de
sua obra é o grande uso de neologismos, criação de novas palavras a partir de seu radical, inovando e
recriando palavras e expressões até então desconhecidas nos romances regionalistas.
Vejamos o que disse Pedro Bloch em entrevista concedida por Guimarães Rosa a este
jornalista e amigo seu, por ocasião de sua indicação para a Academia Brasileira de Letras em 1963:

Guimarães Rosa encontrou nas palavras uma quarta dimensão. Elas estão pejadas
de novos sentidos. Mesmo apelando para os  nossos sentidos poderíamos repetir
com Drummond que “cinco sentidos é tão pouco!” Especialmente quando se trata
de penetrar a obra de Rosa. As palavras estão nele sentidas e ressentidas, criadas
e recriadas. Quem conseguiria dizer como ele, falando de certo indivíduo que “ele
era um rico diabo bem-trapilho”?; “Enormes e desenormes”; “mudou e demudou”;
“essezinho, essezim”; “abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça, o
vôo já está pronto”; “tosse, tossura da que puxa secos peitos”; “por isso é que se carece

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principalmente de religião: para se desendoidecer, para desdoidar”; “antesmente”;


“um era ruim, como o outro ruim era”; “um poucadinho”; “sozinhozinho”; “uma
tristeza que até alegra”; “Como não ter Deus?! “Com Deus existindo, tudo dá
esperança; sempre um mi1agre é possível, o mundo se resolve.” (ROSA, 1963)

O jornalista registrou o frissom que causou a indicação de Guimarães Rosa para a Academia
Brasileira de Letras, em 1963:

Guimarães Rosa, o genial escritor brasileiro que está invadindo o mundo com sua obra.
O espanto dos editores e da crítica de todos os países, que vem conhecer o singular
homem de letras, tem sido imenso. [...] Publicou na Suécia, na Alemanha na Noruega,
na Dinamarca, na Tchecoslováquia, na Holanda, na Finlândia, na Espanha. Em toda
parte a obra deste vulto extraordinário de nossa literatura está provocando acalorada
disputa pela prioridade de publicação. (ROSA, 1963)

Ainda por ocasião da reportagem, sobre o futuro da literatura latino-americana, lemos


uma declaração do Editor da reconhecida editora francesa Seiul:

Sabemos que estamos diante de uma grandiosíssima obra, daquelas que um editor tem
raríssima oportunidade de deparar no decurso de sua carreira”; [...] “o impacto causado
no público vai mudar completamente nossa atitude em face da literatura sul-americana”.
(ROSA, 1963)

Delineava-se, naquele momento, um novo panorama literário para a América Latina, explicitado
nas palavras da editora francesa. A indicação de García Márquez para o Prêmio Nobel de Literatura
em 1982 vem consolidar esse reconhecimento universal da produção literária sul-americana.
Portanto, seria falso dizer que foi a partir das referidas obras que o mundo conheceu
nossa literatura, mas o fato é que com elas os escritores latino-americanos ganharam mais
notoriedade no universo literário mundial. Permitindo, assim, expandir ainda mais a cultura
latino-americana, tão singular e tão distinta da que nos foi imposta desde a colonização.
É chegado o momento de conhecermos um pouco mais sobre os autores e o interior
de suas obras. Começaremos por Rosa, obedecendo a ordem de publicação dos romances
escolhidos. Em seguida, abordaremos García Márquez.

2 JOÃO GUIMARÃES ROSA (1908-1967)

Guimarães Rosa nasceu em 1908, na pequenina cidade de Cordisburgo, Minas Gerais,


como ele mesmo fazia questão de dizer, e morreu em 1967, no Rio de janeiro, aos 59 anos de
idade. Os moradores e o sertão de Minas fizeram parte de sua vida desde a infância, incorporados
e imortalizados em suas obras, como ele mesmo disse certa vez: “Deitar no chão e imaginar
estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como personagens, misturando
as melhores coisas vistas e ouvidas”. (ROSA, s.d. apud SILVA, 2001, p. 42)
Suas histórias nasceram, por assim dizer, do amor que ele tinha pelo seu “Mundo Sertão”.
Mundo este que ele conhecia muito bem nas leituras solitárias dos livros de geografia quando
criança, e nas suas andanças como médico pelo sertão mineiro, onde clinicou até 1932. No
exercício da medicina, na pequena Itaguara, nos Campos Gerais, Guimarães se interessava não
só pelas doenças de seus pacientes, mas também por suas histórias e “causos”.

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Assim que se graduou, e casado há pouco com sua jovem vizinha Lygia Cabral Penna,
partiu para Itaguara, situada a cerca de cem quilômetros de Belo Horizonte, onde
clinicou até 1932. A vida pacata em Itaguara, então distrito de Itaúna, na época com
no máximo setecentos habitantes, onde nem sequer havia eletricidade e até então
não havia residido um médico, deu-lhe tempo para coletar mentalmente dezenas de
histórias para o livro Sagarana. No período de não mais que dezoito meses na região,
observou personagens típicos e guardou de memória casos antigos e novos, verídicos,
improváveis ou fantasiosos, histórias de crimes e de feitiçarias, e detalhes minuciosos
de bichos e plantas, que encheram as quinhentas páginas dos originais de Sagarana,
escrito alguns anos depois. (GOULART, 2001, p. 13).

A experiência médica de Guimarães foi curta, porém de grande valia para suas futuras
criações literárias. Tanto é que

[...] em 1952, numa volta às origens realizou uma grande cavalgada pelo sertão mineiro,
tangendo uma boiada. Saiu das margens do Rio São Francisco em direção a Cordisburgo,
sua cidade natal. [...].Durante doze dias, acompanhou – da manhã à noite – homens e
bois, sempre com um caderno de notas pendurado no pescoço por um barbante e um
lápis a mão[...] Nos anos seguintes Rosa escreveu Corpo de baile e, pouco depois, no
mesmo fôlego, o romance Grande Sertão: Veredas (GOULART, 2011, p. 21).

Assim o “Cônsul, Capitão, Clínico conceituado” se consagrava com “Grande Sertão:


Veredas” como um dos maiores escritores brasileiros de sua época, ocupando lugar de
destaque no mundo literário, ao lado de Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Nelson
Rodrigues, Ferreira Gullar e Lêdo Ivo, os chamados “Geração de 45”. Intelectuais modernistas
que vivenciaram momentos de profundas mudanças política, econômica e social tanto no
cenário nacional quanto no cenário mundial, entre 1945 e 1960, como as ditaduras populistas
sul-americanas, o fim da Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria e a queda de Getúlio Vargas em
consequência da Segunda Guerra.
Surge assim uma nova geração de intelectuais que passou a exprimir na poesia, nos contos
e na prosa narrativa as suas posições políticas e sociais.
O romance Grande Sertão: Veredas, até hoje, é considerado a maior obra-prima do autor.
O livro aborda temas como luta, violência, jagunçagem, o bem e o mal, traição, vingança, amor
e morte. Sentimentos que fizeram parte da vida de Riobaldo, ex-jagunço nos Campos Gerais,
que vai narrando sua vida a certo interlocutor anônimo, cuja fala só conhecemos por meio do
próprio: “O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada
pega a latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é
o sertão” (ROSA, 1994, p. 3); ”o Senhor pode ri: Seu riso tem siso” (ROSA, 1994, p. 112), “Ah, o
senhor conheceu ele? Ô titiquinha de mundo!” (ROSA, 1994, p. 92).
Assim, o narrador Riobaldo, num falar sertanejo-mineiro, abre seu coração ao desconhecido
ouvinte, a princípio com certa desconfiança. “Não sei, não sei. Não devia de estar relembrando
isto, contando assim o sombrio das coisas. Lenga-Lenga! Não devia de. O senhor é de fora meu
amigo, mas meu estranho” (ROSA, 1994, p. 47). Para, em seguida, estabelecer de fato a confiança
necessária, que faltava para prosseguir sua fala, justificando-se “Mas, talvez por isto mesmo.
Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito:
faz do jeito que eu falasse, mas mesmo comigo” (ROSA, 1994, p. 48). Revelando até o que parece
não querer revelar. “Ahã. De amar, de amo.... relembro Diadorim.... Minha mulher que não me
ouça” (ROSA,1994, p. 49).

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Com ele, ficamos conhecendo o espaço da narrativa, ou seja, o sertão mineiro:

Ai foi em fevereiro ou janeiro, no tempo do pendão do milho. Tresmente: que com


o capitão-do-campo de prateadas pontas, viçoso no cerrado; o anis enfeitando suas
moitas; e com florzinhas as dejaniras. Aquele capim-marmelada é muito restível,
redobra logo na brotação, tão verde-mar, filho do menor chuvisco. De qualquer pano
de mato, de de-dentre quase cada encosta de duas folhas, saíam em giro as todas as
cores de borboletas. Porque, nos gerais, a mesma raça de borboletas, que em outras
partes é trivial regular - cá cresce, vira muito maior, e com mais brilho, se sabe; acho
que é do seco do ar, do limpo, dessa luz enorme. Beiras nascentes do Urucúia, ali o
poví canta altinho. E tinha o xenxém, que tintipiava de manhã no revoredo, o sací-do-
brejo, a doidinha, a gangorrinha, o tempo quente, a rola-vaqueira... e o bem-te-vi que
dizia, e araras enrouquecidas. Bom era ouvir o mom das vacas devendo seu leite. Mas,
passarinho de bilo no desvéu da madrugada, para toda tristeza que o pensamento da
gente quer, ele repergunta e finge resposta. Tal, de tarde, o bento-vieira três voava,
em vai sobre vem sob, rebicando de voo todo bichinhozinho de finas asas; pássaro
esperto. Ia de chover mais em mais. Tardinha que enche as árvores de cigarras – então,
não chove. Assovios que fechavam o dia: o papa-banana, o azulejo, a garrincha do
brejo, o suirirí, o sabiá-ponga, o grunhatá-do-coqueiro. (ROSA, 1994, p. 32).

E segue assim por toda a narrativa mostrando o ambiente geográfico com seus chapadões,
veredas, seus rios, animais, pássaros e os diversos sons que emanam desse universo sertão, que
ele Riobaldo conhecia tão bem de suas aventuras com jagunço. “Assim conheço as províncias do
Estado, não há onde eu não tenha aparecido”. (ROSA, 1994, p. 82).
Mundo que passou a admirar ainda mais por Diadorim: ”Mas eu gostava de Diadorim
para poder saber que estes gerais são formosos” (ROSA, 1994, p. 71). Mas o sertão não são só
paisagens bonitas lembra, é também lugar de violência e luta constante pela vida: “viver é muito
perigoso...” (ROSA, 1994, p. 113).
Duas inquietações o acompanham do narrador em toda a narrativa: uma é o amor
reprimido de Riobaldo por Reinaldo, que na realidade se chamava Diadorim, uma mulher vestida
de jagunço que entra no bando para vingar a morte de seu pai, Joca Ramiro. “Diadorim pôs a
mão em meu braço. Do que me estremeci, de dentro, mas repeli esses alvoroços de doçura”.
Riobaldo só descobre a verdadeira identidade de Diadorim no momento de sua morte, já
no final da narrativa:

Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita... Estarreci. A dor não pode
mais do que a surpresa[...]. “Ela era. Tal que assim se desencantava num encanto tão
terrível: e levantei mão para me benzer – mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei
as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher
como o sol não acende água no rio Urucúia, como eu solucei meu desespero. O senhor
não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real. Eu estendi
a mão para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável:
abaixei meus olhos. E a mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles
olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com
tesoura de prata...Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura...E eu
não sabia por que nome chamar, eu exclamei me doendo:
– “Meu amor!” (ROSA, 1994, p. 86).

A outra grande dúvida do narrador e talvez a mais consistente é quanto à existência de


Deus e do Demo.

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Existe não existe, pergunta várias vezes a seu interlocutor, que lhe garante que o Demo não
existe. Num primeiro momento Riobaldo parece concordar com o ouvinte: “as ideias instruídas
do senhor me fornecem paz. Principalmente a confirmação, que me deu, de que o tal não existe;
pois é não?” (ROSA, 1994, p. 87). Mas depois enumera uma série de outros nomes pelos quais
se conhece no sertão o Demo:

O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o


Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto,
o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri,
o Sem-Gracejos.

E então exclama: “Pois, não existe! E se não existe como é que se pode contratar pacto
com ele?” (ROSA, 1994, p. 87). Permanecendo cético por toda a narrativa, no final ele conclui: “O
diabo não há! É o que eu digo, se for...Existe é homem humano. Travessia”. (ROSA, 1994, p. 88)
Ao final do livro, o narrador agradece ao interlocutor por ter lhe ouvido e encerra a
conversa:

Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não?
O senhor é um homem soberano circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não
há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia. (ROSA, 1994, p. 86).

3 GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ (1927-)

Gabriel García Márquez nasceu em Aracataca, na Colômbia, em 6 de março de 1927.


Formou-se em jornalismo e publicou obras como Folhas Mortas (1955), Ninguém Escreve ao
Coronel (1961), Os Funerais da Mamãe Grande (1961), A Má Hora (1962), Cem Anos de Solidão
(1967), dentre outros títulos.
Em 21 de outubro de 1982, o escritor e jornalista, então com 54 anos de idade, recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura, sendo o quarto latino-americano e primeiro colombiano a recebê-lo.
Abordava temas como avanço tecnológico, opressão, angústia e solidão, ou seja,
assuntos que o incomodavam, mas que não podiam ser verbalizados no momento, dando aos
acontecimentos reais certa magia. Expressava suas inquietações nascidas do regime ditatorial
nas personagens de seu livro que habitam a fictícia cidade de Macondo.
Conforme escrito na sobrecapa do romance Cem Anos de Solidão, conta a história da família
Buendía-Iguarán, “com a grandiosa figura de Úrsula e o suceder-se dos Aurelianos e Arcadios”.
Macondo é o nome de “uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de
um rio de águas diáfanas” (MÁRQUEZ, 1967, p. 7), fundada por José Arcadio Buendía em um
tempo tão antigo “que muitas coisas ainda careciam de nome e para mencioná-las se precisava
apontar com os dedos” (MÁRQUEZ, 1967, p. 7). Macondo também é símbolo da tragédia, da
angústia e dos erros da estirpe Buendía, desde que José Arcádio Buendía, contra todos os avisos
de se nascerem filhos com rabo de porco, desposou sua prima Úrsula Iguarán, e as sete gerações
seguintes foram condenadas a Cem Anos de Solidão.
Em Macondo, a descoberta do gelo é para os personagens tão possível como os fantasmas
que rondam a casa e o cheiro de morte que escapa de uma cova concretada:

[...] empurrou a porta do quarto e quase se sufocou com o cheiro de pólvora queimada,
e encontrou José Arcadio caído de bruços no chão, sobre as polainas que acabara de

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tirar, (...) Não encontraram nenhuma ferida no seu corpo nem puderam localizar a
arma. Tampouco foi possível tirar o penetrante cheiro de pólvora do cadáver. Primeiro
o lavaram três vezes com sabão e bucha, depois o esfregaram com sal e vinagre, em
seguida com cinza e limão, e por último o meteram num tonel de água sanitária e
o deixaram repousar seis horas. Quando conceberam o recurso desesperado de
temperá-lo com pimenta, cominho e folhas de louro e fervê-lo um dia inteiro em fogo
lento, já começara a se decompor, e tiveram que enterrá-lo às pressas. [...] o cemitério
continuou cheirando a pólvora até muitos anos mais tarde, quando os engenheiros da
companhia bananeira recobriram a sepultura com uma couraça de cimento aramado.
(MÁRQUEZ, 1967, p. 125-126).

Ao longo do enredo, o autor descreve a admiração e o ceticismo dos moradores da vila


com a chegada de muitos inventos trazidos por Melquíades, o Cigano: ímãs, óculos de alcance,
lupas, mapas portugueses, astrolábio, bússola, gelo, tapetes voadores e um laboratório de
alquimia, que Melquíades deu de presente a seu amigo José Arcadio Buendía e “que havia de
exercer uma influência decisiva no futuro da aldeia.” (MÁRQUEZ, 1967, p. 11).
Depois vieram as pestes, as revoluções, as 32 guerras civis entre Liberais e Conservadores.
Como “desgraça pouca é bobagem”, chegaram os ianques, a estrada de ferro, o primeiro automóvel,
a energia elétrica, o telefone e muitos forasteiros para trabalhar na companhia bananeira, os
inimigos invisíveis, a filiação partidária de José Arcadio no Partido dos Trabalhadores, as greves e
o massacre de mais de 3 mil pessoas na linha de trem, salvo José Arcadio.
Coisas fantásticas e inexplicáveis vão acontecendo ao longo da narrativa, como, por
exemplo, a peste de insônia e de esquecimento que atinge as pessoas da vila, a morte e o retorno
à vida de Melquíades, o Cigano mítico, o sebastianismo em torno da figura do Coronel Buendía,
que é unopresente em todas as revoluções que acontecem no continente, saindo ileso de todas
elas. Além dos vivos que se comunicam com os mortos.
A morte de Remédios, a bela, é algo sublime. A moça, certo dia, sobe aos céus de corpo e
alma, deixando lá embaixo seus admiradores perplexos.

Fernanda sentiu que um delicado vento de luz lhe arrancava os lençóis das mãos e
os escondia em toda a sua amplitude. Amaranta sentiu um tremor misterioso nas
rendas das suas anáguas e tratou de se agarrar no lençol para não cair, no momento
em Remédios, a bela começava a ascender [...] através do ar onde as quatro da tarde
terminavam, e se perderam com ela para sempre nos altos ares onde nem os mais
altos pássaros da memória a podiam alcançar. (MÁRQUEZ, 1967, p. 219).

Outro momento fantástico é a morte de Amaranta, que se faz mensageira por meio do
correio da morte entre vivos e mortos:

Amaranta se metera na cabeça que poderia reparar toda uma vida de mesquinharia com
um último favor ao mundo, e pensou que nenhum era melhor do que levar carta aos
mortos. A notícia de que Amaranta Buendía zarpava ao crepúsculo, levando o correio da
morte, foi divulgada em Macondo antes do meio-dia e, às três da tarde, já havia na sala
um caixote cheio de cartas. Os que não quiseram escrever deram a Amaranta recados
verbais que ela anotou numa caderneta, com o nome e a data de morte do destinatário.
“Não se preocupe”, tranquilizava os remetentes. ”A primeira coisa que farei ao chegar
será perguntar por ele, e então darei o seu recado”. (MÁRQUEZ, 1967, p. 256).

E claro as constantes visitas do morto Prudêncio Aguilar, morto por José Arcádio Buendía,
em uma briga de rinha de galo. Desde que Melquíades morrera e dera notícias do povoado,

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JOÃO GUIMARÃES ROSA E GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ: QUANDO A HISTÓRIA, A CULTURA E A
LITERATURA SE CRUZAM

Prudêncio Aguilar passou a visitar José Arcadio Buendía amarrado embaixo do castanheiro
desde o seu ataque de loucura.
Úrsula se dá conta que: “Na longa história da família, a tenaz repetição dos nomes permitira
que ela tirasse conclusões que lhe pareciam definitivas. Enquanto os Aurelianos eram retraídos,
mas de mentalidade lúcida, os Josés Arcadios eram impulsivos e empreendedores, mas estavam
marcados por um signo trágico” (MÁRQUEZ, 1967, p. 169).
Os Aurelianos terão, ao longo da história, a missão de desvendar os misteriosos pergaminhos
de Melquíades, o Cigano, que foi amigo de José Arcadio Buendía. “Estes pergaminhos têm
encerrados em si a história dramática da família e apenas serão decifrados quando o último da
estirpe estiver às portas da morte.” (MÁRQUEZ, 1967, p. 175). Ou seja por Aureliano, filho de
Amaranta Úrsula e Aureliano Babilônia.
Úrsula confirmou a sua impressão de que o tempo estava dando voltas num circulo vicioso.
“o mundo dá voltas” (MÁRQUEZ, 1967, p. 205), ou seja, tudo ocorre ciclicamente, numa eterna
repetição. A introdução de espelhos onde as personagens, de quando em quando, se olham
e veem sua figura retratada, percebendo assim o seu envelhecimento, também é um recurso
usado pelo autor para mencionar a passagem do tempo.
No final do enredo, Aureliano Babilônia, sentado na cadeira de balanço da sala de estar,
observa seu filho recém-nascido ser carregado pelas formigas. Naquele momento descobre a
chave que faltava para decifrar os pergaminhos:

Aureliano não conseguiu se mover. Não porque estivesse paralisado pelo horror, mas
porque naquele instante prodigioso revelaram-se as chaves definitivas de Melquíades
e viu a epígrafe dos pergaminhos perfeitamente ordenada no tempo e no espaço dos
homens: “O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o ultimo está sendo
comido pelas formigas”. E foi assim que Aureliano começou a decifrar os pergaminhos
e percebeu que “Era a história da família, escrita por Melquíades inclusive nos detalhes
mais triviais com cem anos de antecipação. (MÁRQUEZ, 1967, p. 382).

Estava lá escrito em sânscrito a origem da criação de Macondo, as primeiras invenções,


as intrigas familiares, as 32 guerras civis perdidas pelo Coronel Aureliano Buendía, a morte dos
3 mil trabalhadores da companhia bananeira, a praga da insônia, as chuvas que perduram mais
de quatro anos causando dilúvio na cidade, o isolamento e, claro, o tema principal do livro, que
é a solidão humana.
Naquele momento, Aureliano percebeu “que a história da família era uma engrenagem
de repetições irreparáveis, uma roda giratória que continuaria dando voltas até a eternidade, se
não fosse pelo desgaste progressivo do eixo”. (MÁRQUEZ, 1967, p. 365).
No final da saga, a fictícia Macondo, assim como o último da estirpe Buendía-iguarán,
chegam ao fim, engolidos por um “furação bíblico”.

Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e
começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia,
profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como
se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado [...] Entretanto, antes de chegar ao
final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto
que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da
memória dos homens, no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os
pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles, era irrepetível desde sempre e por

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todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma
segunda oportunidade sobre a terra. (MÁRQUEZ, 1967. p. 383).

Nota-se que o estado de desamparo do ser humano é representado como jamais foi nessa
obra de literatura fantástica criada por Márquez. Márquez é grande responsável, por sua obra,
pela projeção da América Latina e difusão de nossa cultura.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização de um trabalho contextualizando a história, a cultura e a literatura, é, além de


fundamental para a ampliação do conhecimento do historiador, muito prazeroso e gratificante
de ser desenvolvido.
A escolha dos autores e das obras já foi mencionada na introdução deste estudo, mas o
que não se falou ainda foi quanto aos empecilhos encontrados para a sua realização.
Na primeira semana após a professora me ter designado tão honrosa missão, saí em busca
de comprar a mais importante obra dos escritores aqui mencionados. Percorri alguns sebos da
cidade e encontrei com facilidade e por uma pechincha o livro Cem Anos de Solidão, de García
Márquez. “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa, também não foi difícil de encontrar, mas
só a versão mais atual e com um preço lá nas alturas. Não comprei, procurei na internet, salvei a
obra digitalizada e deixei-a lá, na área de trabalho.
Então, comecei a ler “Cem Anos de Solidão”. No entanto, a leitura diária não passava de
umas poucas páginas. Um emaranhado de nomes próprios e de acontecimentos inexplicáveis me
levaram a desistir naquele primeiro momento. Então, meu filho mais velho, que já ouvira falar
do livro, veio passar férias conosco e começou a lê-lo. À medida que avançava sobre a história,
tecia comentários comigo. Enfatizava que eu tinha que ler, pois se tratava de um romance “muito
maneiro”. Pude presenciar várias vezes suas gargalhadas quando estava entretido na leitura.
Confesso que isso me deixou intrigada e curiosa.
Assim, quando ele deu uma trégua, apanhei o livro e, com o auxílio dele, já íntimo da
história, comecei a entender o enredo. Pronto! Estabelecia-se ali, naquele momento, uma
“Solidão” humana, tal qual a da família Buendía-iguarán. Trancada em meu quarto, buscava,
assim como os Aurelianos, “comer” o livro para desvendar o final de sua história, da mesma forma
como eles no quarto de Melquíades, o Cigano na profunda leitura para decifrar os pergaminhos.
Com a obra de Guimarães Rosa a luta travada se deu no âmbito familiar. Como mencionara
anteriormente, não comprei o livro impresso, e “essezinho” que coloquei na área de trabalho do
computador só me permitia ler um “poucadinho” aqui, um “poucadinho” ali, pois na casa só há
um computador, que temos que dividir.
Para prosseguir com a leitura, passei a ler o livro “sozinhazinha”, no raiar do dia, quando
todos dormiam. Foi assim que encontrei uma maneira para “desdoidar” a ideia louca de que não
ia dar tempo de realizar o trabalho conforme o prazo estabelecido.
Portanto “antesmente” “um era ruim de ler, como o outro, difícil era”. E foi assim que no
final tudo deu certo.

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JOÃO GUIMARÃES ROSA E GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ: QUANDO A HISTÓRIA, A CULTURA E A
LITERATURA SE CRUZAM

JOÃO GUIMARÃES ROSA E GABRIEL GARCIA MARQUEZ:


WHEN HISTORY, CULTURE AND LITERATURE FOR CROSSING
ABSTRACT

This paper deals with a brief Reading of the work Cem anos de solidão, by Gabriel Garcia Márquez
(1927-2014), and Grande Sertão: Veredas, by João Guimarães Rosa (1908-1967). These two Latin-
american intelectuals of the 20th century became famous in the worldwide literature. The first
one with the fantastic genre and the second one with a regional narrative of Minas Gerais. The
place chosen by Guimarães Rosa was tenderly named by himself as “Mundo Sertão”, where his
characters came to life and were immortalized in his Works as, for example, Riobaldo in Grande
Sertão: Veredas (1956). Garcia Márquez describes the magic realism in his novel Cem anos de
solidão (1967). The place of the plot is a fictitious city full of inexplicable and supernatural events,
named Macondo, where everything comes from and everything goes back to. Revolutioning
the worldwide literature, the novel of Garcia Márquez was published in May 1967 and, bisides
many copies, this work gave him the Nobel Prize of Literature in 1982. Guimarães, by irony of
destiny, could not receive the great noble prize because of his sudden death in 1967, when he
was 59, three days after having taken his palce in the Brazilian Letters Academy. His Works were
the bases of inspiration for the cinema, theater and music, differently from Garcia Márquez in
relation to the work mentioned here. Seven works were published: Sagarana (1946); Corpo de
Baile (1956); Grande Sertão: Veredas (1956); Tutameia – third stories, the last book published
when he was still alive, among others.

Keywords: Garcia Márquez. Guimarães Rosa. Fantastic realism. Sertão.

REFERÊNCIAS

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