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Clínica Psicanalítica I

Parte psicótica e não psicótica da personalidade

Prof. Me. Marcel H. Bertonzzin


Email: mbertonzzin@gmail.com
Divisão clássica das estruturas
• Freud, e depois mais fortemente Lacan, acompanharam a divisão
clássica da psiquiatria e separaram as formas de organização mental
em 3 estruturas básicas:
• Neurose
• Psicose
• Perversão
• Dentro destas, temos o que Lacan chamou de posições subjetivas,
que dividem-se em:
• Neurose:
• Obsessiva
• Histérica
• Fóbica
Divisão clássica das estruturas
• Psicose:
• Melancolia
• Esquizofrenia
• Paranóia
• Perversão:
• Masoquismo
• Sadismo
• Fetichismo
• Etc.
Divisão clássica das estruturas
• Freud, num texto clássico, separa a neurose e a psicose com a
seguinte fala:
• “Nas primeiras [neurose], o ego, em virtude de seu compromisso com a
realidade, suprime uma parte do id (a vida da pulsão), enquanto que nas
psicoses o mesmo ego, a serviço do id, retira-se de uma parte da realidade”
(FREUD, 1924)
• A perversão é separada em termos de aceitação da Lei,
primeiramente da castração, e é trabalhado no texto de Freud acerca
do fetichismo (Freud, 1927)
Klein e Bion
• Klein e Bion começam a encontrar, mais do que uma divisão clara
entre psicose e neurose, um continuum de um extremo ao outro.
• Isto fica claro quando Melanie Klein fala da posição esquizo-paranoide não
apenas nos quadros psicóticos, mas também nos neuróticos.
• Bion vai apontar para uma parte psicótica e uma parte não-psicótica
da personalidade.
• Ou seja, a divisão clássica perde sua força ao encontrar “ilhas” psicóticas e
neuróticas tanto nos sujeitos psicóticos quanto nos neuróticos.
• Isso implica aceitar que o psicótico nunca perde inteiramente o contato com a
realidade e que tampouco o neurótico está sempre em contato com ela.
Klein e Bion
• O contato com a realidade em pacientes mais psicóticos é mascarado
por uma fantasia de onipotência e um ataque, não só da realidade,
mas de toda percepção da realidade:
• Os componentes agressivos e essa recusa da realidade aparecem na clínica de
pacientes borderlines: “Eu vou amarrar o juiz em uma cadeira, torturar ele até
ele criar uma lei que as empresas precisam me contratar pelo salário e
horário que eu quero”.
• “Eu poderia ser professor... é só pegar um livro e ler na frente da sala...”
Klein e Bion
• O afastamento da realidade também se dá com a divisão em
minúsculos fragmentos do aparelho de percepção e pensamento:
• “Eu não consigo pensar em todas as coisas juntas... Eu preciso pensar em
cada coisa separada, como uma lista que eu vou marcando..: já consegui a
escola, agora isso vai embora, ninguém mais precisa ver se eu sei ou não de
algo... agora eu preciso passar nesse teste de força, depois posso encostar
numa cadeira para sempre”
• “Uma empresa deveria ter um funcionário para cada função... E daí se o
produto ia ficar mais caro? Eu não ligo para o lucro...”
Bion e a personalidade psicótica
• Bion (1957) destaca quatro traços da personalidade psicótica:
• “uma preponderância tão grande de impulsos destrutivos, que mesmo o
impulso de amor é inundado por eles e transformado em sadismo;”
• “um ódio da realidade, interna e externa, que se estende a tudo que contribui
para a percepção dela;”
• “um terror de aniquilação iminente (Klein, 1946);”
• “uma formação prematura e precipitada de relações de objeto”
Bion e a personalidade psicótica
• Para nós interessa mais destacar a convivência simultânea entre uma
parte psicótica e uma parte neurótica, pois isto é o mais frequente na
clínica.
• Vemos, nos exemplos reais anteriores, que existe um ódio por todo
tipo de pensamento, por todo tipo de privação ou frustração.
• A parte psicótica da personalidade é caracterizada pelo ódio, não só em
relação à realidade externa, mas também às emoções, à vida, aos sentidos...
• Neste caminho, tanto os pensamentos quanto o aparelho para pensar ficam
comprometidos, e o paciente não consegue mais habitar este mundo (“grau
máximo de –K”)
• O pensar psicótico distorce o princípio da realidade de modo a coincidir com
o princípio do prazer, negando a frustração
Bion e a personalidade psicótica
• Segundo Grinberg (1973, p. 54), no estado mental psicótico se:
• (...) desenvolverá a onipotência e a onisciência como substitutos do processo
de aprendizagem e não existirá uma função ou uma atividade psíquica que
possa discriminar entre o verdadeiro e o falso; tão pouco haverá um tipo de
pensamento capaz de autênticas simbolizações.
• Essa onisciência estabelece a criação de regras autoritárias não
apenas para si (o que acontece muito), mas também a todos os
demais, fantasias de controle onipotente são frequentes e os ataques
de raiva surgem sempre que tais pacientes são contrariados:
• “Eu sei tudo o que deve acontecer, todos só precisam fazer o que eu mando e
o mundo será perfeito!”
Aspectos técnicos
• O analista deve ser capaz de lidar tanto com a parte neurótica quanto
com a psicótica e isto é bastante difícil.
• Uma discussão pode frequentemente acontecer entre paciente e analista,
quando este fica irritado com as certezas do paciente a respeito de tudo.
Vemos como, rapidamente, ocorre uma identificação projetiva e agora é o
analista que está cheio de certezas, discutindo com seu paciente.
• Uma discussão desta natureza mostra um erro técnico, o analista deveria apenas apontar
como este paciente precisa de certezas, precisa que seu analista se comporte
exatamente da maneira que imaginou, e pode até destacar aspectos positivos desta
conduta, dependendo do caso (por ex.: mostrar sua revolta contra ser “submetido”,
“dominado” pelos pais/analista).
Aspectos técnicos
• O analista deve, também, modular sua fala de acordo com o nível
egóico de seu paciente:
• Não falar de maneira abstrata com um paciente “concreto”
• Não desprezar/minimizar o que o paciente sente como verdadeiro, apenas
por ser infantil/bizarro.
• O setting deve ser mantido salvo raríssimas exceções, posto que o
analista não deve ser a mãe/pai do paciente, mas apenas fornecer
aspectos de maternagem suficientemente bons.
• A contratransferência com o paciente psicótico é muito forte (ódio, tédio,
medo) e normalmente mobiliza o analista a diversas atitudes que violam o
setting (autoritarismo, prolongamento da sessão, ligações para o paciente ou
familiares)
Aspectos técnicos
• Lembrar que, segundo Bion descobre, a parte psicótica da
personalidade ganha espaço na falta de rêverie da mãe e é
fundamentalmente isto que devemos fornecer ao paciente,
capacidade de metabolizar aquilo que lhe ocorre:
• Não somos o ego ideal do paciente
• Não somos seu amigo
• Não somos seu professor
• Não somos o guardião da moral

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