Você está na página 1de 13

16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

×
Entenda como as mudanças no IR, o novo Refis e a tributação de dividendos afetam os
seus negócios.     Fique um passo à frente com o JOTA PRO Tributos!

ARTIGO

Coronavírus, ‘estado de exceção sanitária’ e restrições a


direitos fundamentais
Qual seria o ponto ótimo da atuação governamental para a proteção, na maior medida possível, da saúde e
da economia públicas?

RODRIGO BRANDÃO

04/04/2020 08:00

Brasília - DF, 31/03/2020. Pronunciamento do Presidente da República, Jair Bolsonaro em Rede Nacional de Rádio e
Televisão. Foto: Isac Nóbrega/PR

1. O coronavírus: crise sanitária, econômica e


constitucional

OOJOTA
“novo coronavírus”
faz uso (COVID-19),
de cookies para doença
oferecer uma melhor causada
experiência pelo
a você. Aovírus
utilizarSARS-CoV-2,
nossos consiste
ESTOU CIENTE
em grave
serviços, você crise sanitária
concorda com essade dimensões
prática. Saiba maisglobais. DesdedeoPrivacidade.
em nossa Política seu surgimento na cidade
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 1/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, o mundo vivencia, com apreensão, o


crescimento exponencial do número de infectados e mortos. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) considerou, em 11 de março de 2020, a COVID-19 uma pandemia, 1
e atualmente mais de um terço da população mundial está de quarentena ou sofre
algum tipo de restrição de locomoção.2

O fato de se tratar de doença extremamente contagiosa, com o potencial de causar


graves complicações respiratórias, pode colapsar os sistemas público e privado de
saúde. Há risco de, em curto espaço de tempo, faltarem leitos, respiradores,
equipamentos de proteção individual etc., colocando em risco pacientes e
profissionais de saúde.3

O dramático exemplo italiano revela, cruamente, que esse risco é real: a unidade de
crises da cidade de Turim propôs, em documento obtido pelo jornal britânico “The
Telegraph”, que “vítimas de coronavírus na Itália (tivessem) acesso negado a
tratamento intensivo caso tenham 80 anos ou mais ou sejam vítimas de graves
problemas de saúde com necessidade de leito de UTI.” Essa trágica escolha de
quem vai viver ou morrer, de quem vai ser deixado à própria sorte apesar de doente,
formulada em um contexto de drástica superlotação dos leitos em UTIs dessa
cidade do Piemonte, confirma o que os especialistas têm dito: vivenciamos uma
grave crise sanitária.

Para além das necessárias medidas de higiene, o diretor-geral da OMS, Tedros


Ghebreyesus, vem sustentando a adoção de duas providências essenciais:
testagens em massa e isolamento social.4 Seguindo as recomendações da OMS,
diversos países do mundo, inclusive no Brasil, recentemente determinaram medidas
de isolamento social, como a quarentena,5 o isolamento social propriamente dito,6 a
realização compulsória de exames e tratamentos médicos,7 a proibição do
funcionamento de estabelecimentos comerciais e de circulação de pessoas em
espaços públicos, restrições ao funcionamento de transportes públicos e privados
(ônibus, metrô, aplicativos de transporte individual, táxis, voos comerciais) etc.

O JOTA faz uso de cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 2/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

Estas medidas geram a redução ou mesmo a paralisação de diversas atividades


econômicas lícitas. Se a chegada do coronavírus no Brasil produz per se graves
consequências econômicas (com significativos gastos em ações de medicina
preventiva e curativa), a adoção destas providências também produz forte impacto
econômico.

Está em curso no Brasil intenso debate acerca da


correta dosagem do remédio: qual seria o ponto
ótimo da atuação governamental para a proteção, na
maior medida possível, da saúde e da economia
públicas?

Por outro lado, as medidas acima mencionadas implicam sérias restrições aos
direitos fundamentais de ir e vir, à autodeterminação sobre o próprio corpo e à livre
iniciativa. Embora justificáveis no presente momento – como se justificará adiante -,
uma descalibragem na intensidade e sobretudo na duração dessas medidas pode
deflagrar uma crise constitucional.

OEsse risco
JOTA faz uso se torna para
de cookies ainda maisuma
oferecer agudo
melhordiante da acogitação
experiência de nossos
você. Ao utilizar soluções, por assim
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda
dizer, mais comcomo
radicais, essa prática. Saiba mais em
a decretação denossa
estadoPolítica
de de Privacidade.
sítio. 8 À vista dos riscos à

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 3/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

democracia, à separação de poderes e aos direitos fundamentais, não se pode


afastar o cenário de uma crise constitucional.

É nesse complexo cenário de uma tríplice crise – a sanitária, já presente; a


econômica, iminente, e a constitucional, possível -, que escrevo esse artigo. Ele se
destina essencialmente a analisar em que medida a necessidade de adoção de
providências excepcionais de combate à pandemia justifica a restrição a direitos
fundamentais e outros princípios constitucionais.

2. “Estado de exceção sanitária”? Constituição de 1988 e


os institutos dos estados de calamidade pública e de
sítio. O descabimento da decretação de estado de sítio.
A pandemia do coronavírus suscita uma questão essencial à pretensão do Direito de
fixar normas obrigatórias para a disciplina da vida social: situações extremas, como
as decorrentes de graves crises de saúde pública como a presente, fariam emergir
um “estado de exceção sanitária”? Em outras palavras, estaríamos diante de uma
situação em que a necessidade de enfrentar a pandemia implicaria a suspensão da
aplicação da ordem jurídica ou, ao menos, de determinadas normas jurídicas?

A noção de um estado de exceção foi desenvolvida por Carl Schmitt, em seu


Teologia Política, e recentemente retomada por Giorgio Agamben. Trata-se de
conceito complexo, que se situa em posição limítrofe entre a política e o direito, e
que se relaciona com diversos institutos, de diferentes culturas jurídicas, como o
“estado de necessidade” alemão (notstand), o decreti-leggi italiano, o état de siége
francês e as martial laws e emergency powers da tradição anglo-saxônica.9

Trata-se, em síntese, na suspensão, total ou parcial, do Direito, diante de uma


situação de absoluta necessidade10. Conforme tradicional adágio latino, necessitas
legem non habet, ou seja, a necessidade não tem lei. Diante de típico status
necessitatis, o mundo da vida tenderia a se impor sobre ao Direito,11 em uma espécie
de “teoria da exceção (dispensatio), segundo a qual um caso particular escapa à
obrigação da observância da lei.”12

Não se pode negar que, se o Direito é concebido para atender a necessidades


básicas da pessoa humana – como é o caso da preservação da vida e da saúde das
pessoas -, em situações de grave risco a esses direitos fundamentais a aplicação do
Direito deve se adaptar à necessidade premente da sua preservação. Daí não
decorre a suspensão da ordem jurídica como um todo, como se a necessidade pura
OeJOTA
simplesmente se impusesse
faz uso de cookies sobre
para oferecer uma ela,
melhor instaurando
experiência anárquico
a você. Ao cenário de completa
utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços,
anomia. você
Osconcorda
riscoscom essa prática. Saiba
e equívocos desta mais em nossa Política
perspectiva são de Privacidade.
graves.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 4/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

Convém lembrar que uma visão assim abrangente de “estado de exceção” foi
largamente utilizada na primeira metade do século XX para justificar a expansão das
atribuições do Poder Executivo e especialmente a ascensão de regimes
totalitários.13 Embora no segundo pós-guerra tal conceito tenha caído em declínio
com a afirmação das democracias constitucionais no Ocidente, autores como
Giorgio Agamben percebem no momento uma expansão dessas situações de
exceção, como revelariam a frequente inobservância do direito internacional pelas
Nações em suas relações exteriores e posturas domésticas em face de parcelas
excluídas da população.14

Além disso, a ordem jurídica brasileira, na esteira das tradições jurídicas francesa e
alemã, normatiza tais situações de exceção. No plano constitucional, há expressa
regulamentação dos estados de defesa (art. 136 da CF/88) e de sítio (art. 137/9 da
CF/88), que, em conjunto com a intervenção federal, compõem o “sistema
constitucional de combate a crises institucionais”. No plano infraconstitucional está
previsto o estado de calamidade pública (Art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal).
Todos consistem em mecanismos excepcionais para situações de crise.

A disciplina expressa desses instrumentos reforça a


necessidade de que o combate a crises no Brasil,
ainda que bastante graves, seja feito nos termos do
seu ordenamento jurídico, e não contra ou em
paralelo a ele.

Os estados de sítio e de calamidade pública relativizam a aplicação de determinadas


normas jurídicas, para a preservação da continuidade da democracia constitucional
e dos seus elementos essenciais, como a soberania popular, a separação dos
poderes e os direitos fundamentais (v.g. os direitos à saúde e à vida). Assim, é a
ordem jurídica brasileira que autoriza o emprego de mecanismos que
excepcionalmente restringem mais intensamente determinados direitos e princípios
jurídicos, definindo, portanto, as condições de legitimidade do seu exercício.

Desse modo, a crise do coronavírus não implica a suspensão da aplicação do


Direito, mas maior tolerância à restrição de determinados princípios jurídicos desde
que tais medidas sejam autorizadas pela ordem jurídica brasileira e se revelem
Oabsolutamente necessárias
JOTA faz uso de cookies à uma
para oferecer restauração da normalidade.
melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 5/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

Dois destes instrumentos têm importância especial nesse debate: os estados de


sítio e de calamidade pública. O primeiro em razão de se ter cogitado a sua
decretação;15 e o segundo em razão de o Congresso Nacional já tê-lo declarado,
através do Decreto Legislativo n. 06, de 20.03.2020.

Saliente-se, inicialmente, que o estado de sítio consiste na mais grave medida


prevista na ordem jurídica brasileira para o combate a crises institucionais, sendo
cabível em casos de “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de
fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.” É
decretado pelo Presidente da República, mediante prévia oitiva dos Conselhos da
República e de Defesa Nacional (parecer meramente opinativo), e sujeito a controle
prévio do Congresso Nacional (que pode autorizá-lo ou não).

Conforme dispõe o art. 139 da CF/88, “na vigência do estado de sítio decretado com
fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes
medidas: I – obrigação de permanência em localidade determinada; II – detenção
em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; III –
restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão
e televisão, na forma da lei; IV – suspensão da liberdade de reunião; V – busca e
apreensão em domicílio; VI – intervenção nas empresas de serviços públicos; VII –
requisição de bens.”

A decretação de estado de sítio no presente


momento é mais do que inoportuna: é
inconstitucional.

Tratando-se, como se viu, do mais grave instrumento previsto no Direito brasileiro


para o combate a crises institucionais, com seríssimas restrições a direitos
fundamentais, deve ser a ultima ratio. Ou seja, somente deve ser adotado caso se
revele inequivocamente necessário, realidade que não se faz presente por um
conjunto de razões.

Primeiro: o Governo Federal já editou a Lei n.º 13.979/2020 que, ao prever a


possibilidade de quarentena, isolamento social, realização compulsória de exames e
O JOTA faz uso de cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
tratamentos médicos, consiste em norma geral nacional que provê instrumentos ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 6/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

importantes para o combate à pandemia. Ademais, Estados e Municípios, no


exercício de suas competências suplementares, adotaram duras medidas, como a
proibição do funcionamento de estabelecimentos comerciais e de circulação de
pessoas em espaços públicos, restrições ao funcionamento de transportes públicos
e privados etc. Não há necessidade de qualquer outra medida restritiva de direitos
que pudesse ser determinada no âmbito de um estado de sítio.

Segundo: como já salientado, o Congresso Nacional reconheceu, para os fins do art.


65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, estado de calamidade pública. Trata-se de
importante medida que libera a União Federal a gastar mais recursos no combate à
pandemia. Aliás, há forte confluência entre economistas, inclusive liberais, acerca da
necessidade do aumento do gasto público diante da dimensão da crise sanitária e
econômica.16

Recentemente o governo federal anunciou medidas nesse sentido, como a garantia


de renda mínima a trabalhadores informais, linhas de crédito a juros subsidiados
para empresas pagarem a sua folha de salários, suspensão do pagamento de
tributos, antecipação do saque do FGTS etc. O STF também deu a sua contribuição,
na medida em que o Ministro Alexandre de Moraes “deferiu medida cautelar que
afasta a exigência de demonstração de adequação orçamentária em relação à
criação e expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento da Covid-
19”, sendo “válida para todos os entes da federação que tenham decretado estado
de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus.”17

Terceiro: a eventual decretação de Estado de Sítio poderia ser usada para a adoção
de medidas repressivas extremamente perigosas à democracia constitucional
brasileira.

O recurso à história política brasileira é relevante


para se compreender esses riscos, como revela o
uso reiterado do expediente em nossa Primeira
República – cujo clímax foi atingido no Governo
Arthur Bernardes.

E o mundo atual, que vivencia perigoso momento de erosão democrática, traz


Oexemplos
JOTA faz usopreocupantes: recentemente
de cookies para oferecer o governo
uma melhor experiência da Hungria
a você. – cujo destaque no
Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços,
contexto vocêde
concorda com essa prática.
experiências Saiba maisdemocrática
de regressão em nossa Políticaéde Privacidade. – pediu ao
conhecido
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 7/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

Legislativo a extensão por prazo ilimitado (de) estado de emergência que confere ao
Executivo amplíssimos poderes sob a justificativa de combater o coronavírus.18

Quarto: um bom exemplo desses riscos consiste na Medida Provisória n. 928/20,


editada poucos dias antes da conclusão desse artigo, e já corretamente suspensa
por liminar do Min. Alexandre de Moraes19. A referida MP suspendeu a análise de
pedidos de acesso a informações públicas que dependam de acesso presencial,
determinou que pedidos formulados nesse período sejam reiterados no prazo de dez
dias a contar do fim da calamidade pública, e que não serão conhecidos recursos
contra a negativa de resposta a tais pedidos.

Como bem assinalou o Min. Alexandre de Moraes, a MP “pretende TRANSFORMAR


A EXCEÇÃO – sigilo de informações – EM REGRA, afastando a plena incidência dos
princípios da publicidade e da transparência.” Lembre-se que o acesso a
informações públicas consiste em direito fundamental dos brasileiros, como
decorrência direta dos princípios republicano e democrático, sendo também
fundamental ao combate à corrupção. Além disso, a Coréia do Sul, que tem tido um
dos melhores, senão o melhor, resultado no combate à pandemia, tem se norteado,
essencialmente, pela transparência e uso massivo de tecnologia de ponta.20

Se a Lei de Acesso à Informação já permite que se justifique a impossibilidade


material de observância dos prazos legais em situações concretas,21 a referida MP
não tem qualquer base constitucional. Desse modo, chama atenção que a
calamidade pública que vivemos seja utilizada como justificativa para a restrição ao
acesso a informações públicas, medida que, mais do que não promover o
enfrentamento da pandemia, o prejudica, para além dos prejuízos ao princípio
republicano e à transparência.

Uma eventual declaração de estado de sítio poderia dar azo a medidas tão ou mais
graves de restrição a direitos fundamentais, à separação de poderes e à democracia,
que, assim como esta, em nada promovam, talvez até prejudiquem o combate a
pandemia. Mas poderiam ser implementadas e “justificadas” pela situação de
emergência, necessidade ou exceção.

3. Direito à saúde versus economia. Restrições a direitos


fundamentais em tempos de pandemia
Diversos Estados, com destaque aos de São Paulo e do Rio de Janeiro, editaram
normas que contêm medidas drásticas, como a proibição do funcionamento de
Oestabelecimentos
JOTA faz uso de cookiescomerciais e demelhor
para oferecer uma circulação deapessoas
experiência em nossos
você. Ao utilizar espaços públicos,
ESTOU CIENTE
restrições
serviços, ao funcionamento
você concorda deSaiba
com essa prática. transportes públicos
mais em nossa e privados.
Política de Privacidade. Não há dúvida de

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 8/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

que em momentos de normalidade tais medidas seriam materialmente


inconstitucionais, por violação à liberdade de locomoção e à livre iniciativa. Mas, em
razão da opinião médica amplamente majoritária, essas medidas se revelam, nesse
momento, necessárias ao enfrentamento da pandemia do coronavírus. A crise
sanitária configura momento excepcional em que são toleradas restrições a direitos
fundamentais que normalmente não seriam aceitas, desde que necessárias à
preservação dos direitos à vida e à saúde.

Entretanto, já se levantam vozes22 no sentido de que estas medidas seriam


excessivas, acabando por paralisar a economia. Há aqui potencial conflito entre a
proteção à saúde e à economia, ambos importantes deveres constitucionais do
Estado brasileiro.

Como em qualquer situação de conflito entre


princípios constitucionais, deve-se evitar a
hierarquização, absoluta e apriorística, de um sobre
o outro. Trata-se de consequência natural do
princípio da unidade da Constituição, que submete
as normas constitucionais a mesma hierarquia
jurídica.

Assim, soluções radicais em um ou outro sentido devem ser rechaçadas: por


exemplo, paralisar todas as atividades econômicas presenciais por 4 meses desde
já (ainda que sejam ressalvadas as essenciais), notadamente porque no presente
momento não se sabe se será necessário período tão longo; ou, por outro lado,
permitir-se, desde já, a retomada de todas ou da maioria das atividades presenciais,
como antes da pandemia.

A aplicação dos princípios da concordância prática e da proporcionalidade se faz


imperativa: deve se buscar um ponto ótimo que promova a menor restrição possível
aos princípios em conflito, ou, em sentido inverso, que os promova da forma mais
intensa possível.

Dada a incerteza científica sobre a evolução da pandemia não há clareza absoluta


sobre onde se situa esse ponto. Porém, a OMS e boa parte dos epidemiologistas
O JOTA faz uso de cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
defendem,
serviços, no presente
você concorda momento,
com essa prática. Saibamedidas de isolamento
mais em nossa social. Cuidando-se
Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 9/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

essencialmente de um problema de saúde pública, deve se dar ênfase à opinião


médica. Essa conclusão é reforçada pelo fato de a dignidade da pessoa humana ser
fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88). Consistem em
dimensões essenciais desse princípio os direitos à vida e à saúde, de maneira que é
dever inafastável do Estado adotar as medidas necessárias, segundo a posição
predominante na comunidade científica, para a contenção da doença.

Apesar do potencial conflito entre a proteção à saúde e à economia, há em certa


medida confluência entre tais princípios. Com efeito, experiências como a da Itália
revelam que se nada ou pouco for feito no início da pandemia, há risco de drástico
agravamento da doença. Neste caso, é a doença em si, somada à insuficiência das
ações estatais para o seu enfrentamento, que produzirão um efeito devastador na
economia, além da crise humanitária.23

Note-se, por fim, que temos uma vantagem em relação aos europeus: o coronavírus
chegou no Brasil algumas semanas depois de aportar na Europa, de maneira que
estamos vivendo realidade semelhante a que eles viveram algumas semanas atrás.
O benefício do tempo é valioso no combate a uma doença nova e perigosa, em
relação a qual a ciência corre contra o tempo para aprender a contê-la. Devemos
ficar atentos a experiências bem-sucedidas no exterior e monitorarmos
constantemente a necessidade da manutenção das medidas atualmente adotadas
pelos entes federativos, particularmente pelos Estados e Municípios.

Não há nada mais importante no momento do que conter a doença e salvar vidas.
Essa é a postura que se impõe ao Estado brasileiro, como consequência natural do
dever de proteção suficiente dos fundamentais direitos à vida e à saúde. Isso não
significa que se deva tolerar medidas excessivas, como a tentativa de fechamento
de limites de municípios, que, além de ineficaz, causa graves problemas de
abastecimento e de circulação. Bom senso e deferência à orientação médica devem
nos nortear nessa difícil caminhada.

————————————–

1 https://www.paho.org/bra/index.php?

option=com_content&view=article&id=6101:folha-informativa-novo-coronavirus-
2019-ncov&Itemid=875

2 https://exame.abril.com.br/mundo/mais-de-um-terco-da-populacao-mundial-esta-

em-quarentena-pelo-coronavirus/.
O JOTA faz uso de cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 10/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

3 O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que, caso as medidas

necessárias ao combate da pandemia não sejam implementadas, há risco de


colapso do sistema brasileiro de saúde no final de abril do corrente ano.
https://exame.abril.com.br/brasil/em-abril-o-sistema-de-saude-entrara-em-colapso-
diz-mandetta/

4 Segue a sua declaração: “A forma mais eficaz de salvar vidas é quebrar a cadeia

de transmissão. E para fazer isso precisa testar e isolar. Não se pode apagar a fogo
cego. Não conseguiremos parar a pandemia se não soubermos quem está
infectado. Temos uma simples mensagem: testem, testem, testem. Todos os casos
suspeitos. Se eles derem positivo, isolem”.

5 Nos termos do art. 2º, II, da Lei n.º 13.979, de 06 de fevereiro de 2020:

“quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de


contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres,
animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de
maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.”

6 “isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens,

meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de


maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus;” art. 2º, I, da Lei
n.º 13.979/20.

7 Art. 3º, II, da Lei n.º 13.979/20.

8 “Bolsonaro diz que ‘ainda’ não considera decretar estado de sítio por coronavírus”.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-diz-que-ainda-nao-
considera-decretar-estado-de-sitio.shtml

9 AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução Iraci Poleti. 2 ed. São Paulo:

Boitempo, 2004.

10 ROSSITER, Clinton. Constitutional Dictatorship: Crisis Government in the

Modern Democracies. Princeton: Princeton University Press, 2006.

11 AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução Iraci Poleti. 2 ed. São Paulo:

Boitempo, 2004, pos. 590/591 (edição eletrônica).

O12  Ibid,
JOTA pos.
faz uso de610.
cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 11/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

13 Ibid., pos. 80.

14 Ibid., pos. 1918.

15 Bolsonaro diz que ‘ainda’ não considera decretar estado de sítio por coronavírus.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-diz-que-ainda-nao-
considera-decretar-estado-de-sitio.shtml.

16 Economistas falam sobre o desafio do coronavírus na economia. Disponível em

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/25/economistas-falam-sobre-
o-desafio-do-coronavirus-na-economia.ghtml

17 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=440384.

STF, ADI 6.357, Decisão monocrática do Min. Alexandre de Moraes de 29.03.20.

18 Executivo da Hungria busca poderes quase ilimitados. Jornal O Globo,

23.03.2020, p. 17.

19 ADI 6.351.

20 Coreia do Sul: contra o coronavírus, tecnologia: As inovações do país asiático

garantem a sua bem-sucedida campanha contra a epidemia de Covid-19. Disponível


em https://brasil.elpais.com/internacional/2020-03-15/coreia-do-sul-contra-o-
coronavirus-tecnologia.html.

21 Conferir Cristiana Fortini e Caio Mário Lana Cavalcanti.

https://www.conjur.com.br/2020-mar-26/interesse-publico-perigo-relativizacao-
indevida-transparencia-administrativa.

22 Bolsonaro diz que Brasil não pode parar: “Devemos abrir o comércio”. Disponível

em
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/03/26/internas_
economia,836876/bolsonaro-diz-que-brasil-nao-pode-parar-devemos-abrir-o-
comercio.shtml.

23 Esta é a opinião do economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.

“Arminio Fraga: Se não houver isolamento, economia pode sofrer segundo baque”.
Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/arminio-fraga-se-nao-houver-
Oisolamento-economia-pode-sofrer-segundo-baque-24331866.
JOTA faz uso de cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 12/13
16/07/2021 Coronavírus, 'estado de exceção sanitária' e restrições a direitos fundamentais | JOTA Info

RODRIGO BRANDÃO – Professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


Doutor e Mestre em Direito Público pela UERJ. Procurador do Município do Rio de Janeiro.

Os artigos publicados pelo JOTA não refletem necessariamente a opinião do site. Os textos
buscam estimular o debate sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a
pluralidade de ideias.

O JOTA faz uso de cookies para oferecer uma melhor experiência a você. Ao utilizar nossos
ESTOU CIENTE
serviços, você concorda com essa prática. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-estado-excecao-sanitaria-direitos-fundamentais-04042020 13/13

Você também pode gostar