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ORGANIZADORES

Marco Aurelio da Cruz Souza


Thiago Silva de Amorim Jesus

DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL


MATURIDADE EM CENA

Daniela Llopart Castro

Volume 2

FINANCIAMENTO
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL
MATURIDADE EM CENA

Daniela Llopart Castro

Volume 2
ANDA Editora.

Coleção Novas Pesquisas em Dança 2021-2022 – Dissertações e Teses

1.ª Edição - Copyright© 2022 dos organizadores.

Direitos desta Edição Reservados à ANDA Editora.

Castro, Daniela Llopart


Descortinando a dança no Sul do Brasil [recurso eletrônico] : maturidade em cena. / Daniela
Llopart Castro ; organizadores Marco Aurélio da Cruz Souza ; Thiago Silva de Amorim Jesus . – Salvador:
Associação Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA), 2022.
150 p.: il. – (Coleção Novas Pesquisas em Dança – Dissertações e Teses 2021 - 2022; v. 2)

Modo de acesso: https://portalanda.org.br/publicacoes

Inclui Bibliografia

ISBN: 978-65-87431-17-8

1. Dança. 2. Dança moderna. 3. Idoso. 4. Brasil, Sul. I. Souza, Marco Aurélio da Cruz. II. Jesus, Thiago Silva
de Amorim. III. Associação Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA).

CDD 792.8

Ficha catalográfica elaborada por Ana Maia Cunha CRB-7/5203.

Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas,
serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as
Leis nº 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

ANDA Editora.
Av. Milton Santos s/n
Ondina – Salvador, Bahia.
CEP 40.170-110
Associação Nacional de Pesquisadores em Dança
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Diretoria Gestão 2018-2021 Diretoria Gestão 2021-2023


Dr.ª Lígia Losada Tourinho (UFRJ) Dr. Alysson Amâncio de Souza (URCA)
Dr. Lucas Valentim Rocha (UFBA) Dr.ª Maria Inês Galvão Souza (UFRJ)
Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus (UFPel) Dr.ª Meireane Rodrigues Ribeiro de Carvalho (UEA)
Dr. Vanilto Alves de Freitas (UFU) Dr. Vanilto Alves de Freitas (UFU)

Suplência Diretoria
Dr.ª Carmen Anita Hoffmann (UFPel)

Conselho Deliberativo, Científico e Fiscal Gestão Conselho Deliberativo, Científico e Fiscal Gestão
2018-2021 2021-2023
Dr.ª Dulce Tamara da Rocha Lamego da Silva (UFBA) Dr. Diego Pizarro (IFB)
Dr.ª Eleonora Campos da Motta Santos (UFPel) Me. Jessé Da Cruz (FURB)
Dr. Marcilio de Souza Vieira (UFRN) Dr.ª Yara dos Santos Costa Passos (UEA)
Dr. Marco Aurélio da Cruz Souza (FURB)

ANDA EDITORA

EDITORES
Dr.ª Lígia Losada Tourinho (UFRJ)
Dr. Lucas Valentim Rocha (UFBA)
Dr. Marco Aurélio da Cruz Souza (UFPel)

COMITÊ EDITORIAL
Dr.ª Dulce Tamara da Rocha Lamego da Silva (UFBA)
Dr.ª Eleonora Campos da Motta Santos (UFPel)
Dr. Marcílio de Souza Vieira (UFRN)
Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus (UFPel)
Dr.ª Carmen Anita Hoffmann (UFPel)
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Dr. Flávio Campos (UFSM)
Dr.ª Juliana Bittencourt Manhães (UNIRIO)
Dr.ª Luciana Paludo (UFRGS)
Dr.ª Rubiane Falkenberg Zancan (UFRGS)
Dr.ª Rebeca Recuero (UFPel)
Dr.ª Jussara Janning Xavier (FURB)
Dr.ª Josiane Gisela Franken Corrêa (UFPel)
Dr.ª Mônica Fagundes Dantas (UFRGS)
Dr. Gustavo de Oliveira Duarte (UFSM)
Dr.ª Elke Siedler (UNESPAR)
Dr. Igor Teixeira Silva Fagundes (UFRJ)
Dr.ª Gisele Reis Biancalana (UFSM)
Dr.ª Maria Fonseca Falkembach (UFPel)
Dr.ª Maria de Lourdes Macena de Souza (IFCE)
Dr.ª Jeane Chaves de Abreu (UEA)
Dr.ª Alexandra Gonçalves Dias (UFPel)

REVISÃO
Os autores

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO


William Gomes
CONSELHO CIENTÍFICO 2018-2021
Prof.ª Dr.ª Amanda da Silva Pinto (UEA)
Prof.ª Dr.ª Amélia Vitória de Souza Conrado (UFBA)
Prof. Dr. Amílcar Pinto Martins (Universidade Aberta de Lisboa/Portugal)
Prof.ª Dr.ª Ana Macara (Instituto de Etnomusicologia – Centro de estudos em música e dança/pólo FMH;
ULisboa – FMH – Portugal)
Prof.ª Dr.ª Dulce Tamara da Rocha Lamego da Silva (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro
(Instituto de Etnomusicologia – Centro de estudos em música e dança/pólo FMH; ULisboa – FMH – Portugal)
Prof.ª Dr.ª Eleonora Campos da Motta Santos (UFPel)
Prof. Dr. Fernando Marques Camargo Ferraz (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Helena Bastos (USP)
Prof. Dr. Marcilio de Souza Vieira (UFRN)
Prof. Dr. Marco Aurélio da Cruz Souza (FURB)
Prof.ª Dr.ª Marina Fernanda Elias Volpe (UFRJ)
Prof.ª Dr.ª Neila Baldi (UFSM)
Prof.ª Dr.ª Pegge Vissicaro (Northern Arizona University)
Prof. Dr. Rafael Guarato (UFG)
Prof. Dr. Sebastian G-Lozano – Universidade Católica San Antonio de Murcia, España
Prof. Dr. Sergio Ferreira do Amaral (UNICAMP)
Prof. Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus (UFPel)

CONSELHO CIENTÍFICO 2021-2023


Prof.ª Dr.ª Amanda da Silva Pinto (UEA)
Prof.ª Dr.ª Amélia Vitória de Souza Conrado (UFBA)
Prof. Dr. Amílcar Pinto Martins (Universidade Aberta de Lisboa/Portugal)
Prof.ª Dr.ª Ana Macara (Instituto de Etnomusicologia – Centro de estudos em música e dança/pólo FMH;
ULisboa – FMH – Portugal)
Prof.ª Dr.ª Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro
(Instituto de Etnomusicologia – Centro de estudos em música e dança/pólo FMH; ULisboa – FMH – Portugal)
Prof.ª Dr.ª Eleonora Campos da Motta Santos (UFPel)
Prof. Dr. Fernando Marques Camargo Ferraz (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Helena Bastos (USP)
Prof. Dr. Marco Aurélio da Cruz Souza (UFPel)
Prof.ª Dr.ª Pegge Vissicaro (Northern Arizona University)
Prof. Dr. Rafael Guarato (UFG)
Prof. Dr. Sebastian G-Lozano – Universidade Católica San Antonio de Murcia, España
Prof. Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus (UFPel)
Prof. Dr. Daniel Moura (UFS)
Prof. Dr. Lucas Rocha Valentim (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Rebeca Recuero Rebs (UFPel)
Prof. Dr. Diego Pizarro (Instituto Federal de Brasília)
Prof.ª Dr.ª Melina Scialom (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Daniela Llopart Castro (UFPel)
Prof. Dr. Adriano Bittar (UEG)
Prof.ª Dr.ª Aline Nogueira Haas (UFRGS)
Prof.ª Dr.ª Fabiana Amaral (Pesquisadora do MeDHa/UFG)
Prof.ª Dr.ª Lenira Peral Rengel (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Isabela Buarque (DAC/UFRJ)
Prof.ª Dr.ª Lara Seidler (DAC/UFRJ)
Prof.ª Dr.ª Yara dos Santos Costa Passos (UEA)
Prof. Dr. Giancarlo Martins (UNESPAR/FAP)
Prof.ª Dr.ª Jaqueline Reis Vasconcellos (Instituto Arte na Escola – Região Nordeste)
Prof.ª Dr.ª Christiane Araújo (UEMS)

__________________________
Esta obra foi aprovada pelo conselho científico e comitê editorial.
ORGANIZAÇÃO

MARCO AURELIO DA CRUZ SOUZA é professor adjunto do curso


Dança-Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Doutor em
Motricidade Humana na especialidade Dança pela Faculdade de
Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, Portugal. Coordenador do
Comitê Temático Dança e(m) Cultura: poéticas populares, tradicionais,
folclóricas, étnicas e outros atravessamentos da Associação Nacional
dos Pesquisadores em Dança – ANDA. Coordenador do Núcleo de Folclore
e Culturas Populares da UFPel. Líder e Pesquisador do grupo de pesquisa
“Arte e estética na educação” (FURB/CNPQ).

E-mail: marcoaurelio.souzamarco@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9243-5372
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9388759126062963

THIAGO SILVA DE AMORIM JESUS é professor associado no Curso


de Dança-Licenciatura e nos Programas de Pós-Graduação em História e
Artes Visuais (UFPel). Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Linguagem (UNISUL) e Licenciado em Dança (UNICRUZ).
Coordenador do Comitê Temático Dança e(m) Cultura: poéticas populares,
tradicionais, folclóricas, étnicas e outros atravessamentos da
Associação Nacional dos Pesquisadores em Dança – ANDA. Líder do Grupo
de Pesquisa OMEGA-Observatório de Memória, Educação, Gesto e Arte
(UFPel/CNPq). Diretor da Abambaé Companhia de Danças Brasileiras.

E-mail: thiago.amorim@ufpel.edu.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2536-6901
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0073480063679881
APRESENTAÇÃO

A Associação Nacional de Pesquisadores em Dança, por meio de sua Editora ANDA, tem a imensa satisfação
de apresentar a primeira edição da Coleção Novas Pesquisas em Dança - Dissertações e Teses 2021-2022, vinculada
ao Projeto Nacional de Incentivo à Publicação de Produções Científicas em Dança, iniciado pela Associação (Gestão
2018-2021).
O Projeto é uma iniciativa da Editora da Associação Nacional dos Pesquisadores em Dança -
ANDA, voltado à publicação e à divulgação, em formato de livro eletrônico, de conteúdos científicos, técnicos,
tecnológicos, culturais, artísticos, pedagógicos, entre outros, oriundos de trabalhos de pesquisadoras e
pesquisadores associadxs à ANDA e também convidadxs do Brasil e do exterior.
É interesse do projeto divulgar as pesquisas no campo da dança no Brasil; articular-se com a tendência
contemporânea de comunicação e divulgação científica, técnica e tecnológica por meio de obras digitais; visibilizar
a produção científica e intelectual dos programas de pós-graduação em dança do Brasil e outros programas com
produção intelectual sobre/em dança; contribuir para a consolidação das pesquisas em dança realizadas pelos
grupos de pesquisa de universidades brasileiras; e criar espaços de interlocução artística, acadêmica e científica
entre pesquisadorxs das diversas regiões do Brasil e também do exterior.
A coleção se configura mediante a publicação de textos no formato eletrônico (e-books) com vistas a
fomentar a política de circulação de conteúdos digitais resultantes de investigações em Dança, atuando, assim, para
valorizar a produção científica produzida pelxs pesquisadorxs associadxs da Associação Nacional dos Pesquisadores
em Dança, mediante pesquisas produzidas no ambiente da pós-graduação.
Tal iniciativa foi viabilizada mediante processo seletivo público aberto a todxs associadxs da ANDA via
edital, através do qual foram selecionadas cinco propostas para publicação eletrônica oriundas de Pesquisas em
Dança produzidas em Programas de Pós-Graduação, nos níveis de Mestrado (Dissertação) e Doutorado (Tese),
defendidas a partir de 01/01/2017 até a data de encerramento de inscrições do certame, que compõem esta primeira
edição da coleção.
São parceiros correalizadores da Coleção Novas Pesquisas em Dança - Dissertações e Teses 2021-2022 os
seguintes Programas de Pós-Graduação:
Programa de Pós-Graduação em Dança da UFBA (PPGDANCA) (BA)
Programa de Pós-Graduação Profissional em Dança da UFBA (PRODAN) (BA)
Programa de Pós-Graduação em Dança da UFRJ (PPGDan) (RJ)
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFPel (PPGAVI) (RS)
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN (PPGArC) (RN)
Programa de Pós Graduação Profissional em Dança da Faculdade Angel Vianna (RJ)

Todo o processo de avaliação foi realizado via online, utilizando-se de recursos digitais disponíveis,
especialmente devido à atual situação apresentada no país em relação à Pandemia do Coronavírus (Covid-19). As
propostas foram avaliadas às cegas por uma comissão de 20 (vinte) pareceristas ad hoc indicados pelo Conselho
Editorial da Editora ANDA.
O processo de avaliação das propostas submetidas neste edital foi orientado pelos seguintes critérios:
relevância da proposta para a área; originalidade e/ou inovação da produção; qualidade reflexiva da produção
textual; e atendimento às normas acadêmicas, de acordo com a modalidade do PPG de origem.
A ANDA é responsável pelo financiamento da Coleção oriundo do custeio relativo à seleção, edição,
diagramação, produção de identidade visual e finalização da publicação, gerada exclusivamente em formato
eletrônico, não implicando em gastos financeiros para xs autorxs dos textos selecionados.

Foram selecionados e compõem a primeira edição da Coleção Novas Pesquisas em Dança - Dissertações e
Teses 2021-2022 os seguintes livros (e-books), com respectivxs autorxs:

A QUEM CABE O LUGAR DE HUMANO NESTA DANÇA?


COSMO-FRICÇÕES PARA DANÇAS ESTILHAÇADAS
de Leonardo França Cordeiro

CORPOS QUE SÃO:


A CAPOEIRA REGIONAL REVERBERADA EM PROCESSOS CRIATIVOS EM ARTES
de Lia Günther Sfoggia

DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL


MATURIDADE EM CENA
de Daniela Llopart Castro

MARTHA GRAHAM E A DANÇA MODERNA


NA LINHA DE FRENTE DO MOVIMENTO PROGRESSISTA
de Jane Silveira de Oliveira

OBJETOSUJEITOBJETO:
A RESSIGNIFICAÇÃO DE CORPOS DANÇANTES ATRAVÉS DA RELAÇÃO ENTRE MATÉRIAS
de Fernanda de Oliveira Nicolini

Consideramos que esta Coleção de Publicações representa um marco na divulgação do conhecimento


científico e artístico de Dança em nosso país, abrangendo trabalhos potentes e diversos, e que poderá circular
amplamente e estará disponível para download gratuito em nosso portal web através do link
portalanda.org.br/publicacoes. Como o próprio nome indica, “Novas Pesquisas em Dança”, esta coleção
acolhe a diversidade de pesquisas que o campo está produzindo, e que embora a coleção se apresente como uma
unidade, procuramos respeitar a identidade e as características de cada uma das produções.

A Associação Nacional de Pesquisadores em Dança e a Editora ANDA sentem-se orgulhosos de contribuir


com a difusão do conhecimento em Dança, assim como com o estímulo à formação de novxs pesquisadorxs e novxs
leitorxs em nosso campo de conhecimento. Fazemos votos de que esta Coleção seja a primeira de muitas a serem
produzidas e publicadas no futuro, de forma a contribuir para a consolidação da área.

Coleção Novas Pesquisas em Dança | Dissertações e Teses 2021-2022


Associação Nacional de Pesquisadores em Dança | ANDA

Prof. Dr. Marco Aurelio Cruz Souza


Prof. Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus
Organizadores
DANIELA LLOPART CASTRO
Professora Adjunta do Curso de Dança Licenciatura da Universidade
Federal de Pelotas. Doutora em Motricidade Humana na Especialidade de
Dança pela Universidade de Lisboa. Coordenadora do Comitê Temático
Relatos de experiência com ou sem demonstração artística da
Associação Nacional dos Pesquisadores em Dança – ANDA. Coordenadora
dos Projetos Bailar: Núcleo de Dança na Maturidade e Turno 2: Pesquisa e
criação artística. Colaboradora do Projeto Tendências epistemo-
metodológicas da produção de conhecimento em Artes. Pesquisadora
dos Grupos de Pesquisa ÔMEGA e GEEDAC/Cnpq. Coordenadora da Câmara
de Extensão do Centro de Artes da UFPel. Diretora artística do Baila
Cassino Grupo de Dança. Envolvida com a dança desde os 7 anos de idade,
é professora, pesquisadora, coreógrafa e bailarina.

E-mail: danielallopartcastro@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5906-7929
Este livro é dedicado ao
Grupo Baila Cassino – exemplo de vida
para tantos, por me ensinar que é possível
fazer diferente, pois a arte não tem idade.
Quando você é jovem, você vai em
todas as direções, pode fazer tudo,
está expandindo, gosta de expandir,
gosta de encher espaços com sua
energia. Mas então, e isto é que
encanta quando você fica mais velho,
começa um processo de redução,
reduzindo o que gostaria de dizer...o
que é fantástico.
Liz Schwaiger
Performing One’s Age (2005)1

1
When you are young, you go in all directions, you can do everything, you are expanding, you like to expand, you like to fill spaces
with your energy. But then, and this is what is so nice when you get older, you start this process of reducing, of reducing what
you would like to say... and this is fantastic. (Liz Schwaiger, 2005)
AGRADECIMENTO

São muitos a agradecer, especialmente aqueles que estiveram presentes e contribuiram de inúmeras
formas em minhas constantes aproximações da dança ao longo da vida, levando-me a escrever uma tese
de doutorado, que aqui se materializa em livro. Mãe, pai, irmãos, amigos, colegas, professores, alunos e
todos que, de alguma forma, participaram deste percurso. Toda a minha gratidão!

Em particular:

À Associação Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA), pela oportunidade de pulbicação desta obra,
transformando minha tese em livro.

À Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa pela ensejo de realizar um doutoramento


internacional e à Universidade Federal de Pelotas, por me conceder o afastamento para cursar o
doutorado, resultando nesta publicação.

Aos organizadores dos festivais de dança na maturidade da Região Sul do Brasil e aos grupos envolvidos
neste estudo, por confiarem no meu trabalho e permitirem que, através de informações cedidas, eu
pudesse refletir sobre a arte da dança na maturidade.

Ao Baila Cassino, a grande inspiração desta pesquisa.

As queridas orientadoras Elisabete e Eleonora, uma portuguesa e outra brasileira, que, ao se permitirem
participar de um processo de orientação intercontinental, num ir e vir de férteis contribuições além-mar,
me acompanharam ao longo do percurso enriquecendo imensamente o desenrolar da pesquisa.

À minha mãe, por incutir em mim o gosto pela leitura, pela cultura e pela educação. Pela revisão final da
língua portuguesa e pelas traduções acadêmicas da lingua inglesa.

Aos meus dois filhos, Lorenzo e Manuela, meu contínuo querer da vida. Amor ilimitado que aflora o melhor
de mim.

Ao Ico, meu Amor, que sempre me apoiou nos desejos de ser mulher - guerreira, independente, artista,
mãe, companheira, cidadã do mundo. Quero seguir construindo contigo esta jornada da vida!

A todos, muitíssimo obrigada!


SUMÁRIO

NOTAS INTRODUTÓRIAS 16

PREFÁCIO 17
APRESENTAÇÃO 21

Envelhecimento: percurso de um conceito 28


Idades, terminologias e poder 34

Breve olhar sobre a dança e o envelhecimento na cultura ocidental 40


Corpos maduros que dançam em cena 47

Trilhando caminhos investigativos 60


Design Metodológico 61
A Análise Textual Discursiva nas Entrevistas 67

Compreendendo o campo de estudos 73

Bailarino maduro: o que este corpo pode? O que este corpo quer? 77

Entre a cena e a plateia: experiências artísticas e


parâmetros estéticos da dança na maturidade de grupos do sul do Brasil 95

Por uma pedagogia da diversidade e da maturidade corporal na dança:


relatos de práticas de grupos do sul do Brasil 115

Desfechos de um percurso 132

REFERÊNCIAS 141
ÍNDICE REMISSIVO 148
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

NOTAS INTRODUTÓRIAS

1. Todas imagens ilustrativas deste livro fazem parte do acervo do


Baila Cassino Grupo de Dança e foram gentilmente cedidas pela
direção do mesmo, sendo referentes ao espetáculo “A Galeria”,
apresentado entre 2018 e 2019 em diversas cidades do Rio Grande
do Sul.

2. De maneira a garantir o rigor e a fidelidade das citações utilizadas,


ao longo da tese optou-se por manter a língua original das fontes
consultadas, entretanto, neste livro, recorremos às suas
traduções para a língua portuguesa (realizadas por Maria Izabel
Ferreiro Llopart), decidindo colocar as originais em nota de rodapé.

3. No decorrer desta escrita, os grupos e integrantes que


participaram das entrevistas realizadas durante o estudo,
receberam nomes fictícios como forma de garantir seu anonimato.

16
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

PREFÁCIO

Se estou prefaciando este e-book é porque o desejo de Daniela de estudar mais profundamente
Dança e Maturidade não somente foi concretizado no seu doutoramento, em 2020, como também o
compartilhamento de seus achados, no processo desta pesquisa, foi perseguido por ela e alcançado.
Assim, não poderia iniciar sem agradecer a mais uma oportunidade de estar em momento de nova
conquista sua: a de, através desta publicação, lançar, de forma ampliada, novas argumentações e
perguntas ao campo acadêmico da Dança.

Importante dizer que, neste caminho, tivemos a indispensável companhia da professora Elisabete
Alexandra Pinheiro Monteiro, professora da Faculdade de Motricidade Humana, que me concedeu a
oportunidade de co-orientar a Daniela e estimulou meu protagonismo nesta experiência, sem nunca deixar
de ser a referência da orientação. Não hesito em dizer que foi um trabalho “a quatro mãos” que, somadas
“às duas mãos” da nossa orientanda, desenvolveu um caminho de pesquisa pautado no rigor, na seriedade,
na ética e na busca pela qualidade, sem nunca deixar de ter escuta e muito afeto.

Por isso tudo, e pelo convite para prefaciar este livro, muito obrigada!

Como colega de trabalho de Daniela, no Curso de Dança da Universidade Federal de Pelotas, desde
2012 tenho acompanhado o trabalho desenvolvido pelo projeto de extensão BAILAR – NÚCLEO DE DANÇA NA
MATURIDADE, por ela coordenado, e tenho aprendido a redimensionar minha compreensão sobre os limites
de idade ou do tempo de vida para estar em cena na Dança. Por muito tempo acreditei que, sim haveria o
momento, com muito esforço talvez próximo aos meus 35 ou 40 anos, no qual chegaria a hora de parar de
fazer aulas de dança e, principalmente, de deixar de estar em cena. E foi justamente neste período da
minha vida que passei a acompanhar os processos criativos e produções artísticas de dança decorrentes
dos trabalhos coordenados e dirigidos pela Dani. Foi momento em que me aproximei das bailarinas do
projeto e, com isso, pude presenciar mulheres voltando a experimentar dança depois de muito tempo ou,
em muitos casos, pela primeira vez, e se despindo de inúmeros tabus e pré-conceitos relativos ao contexto
da maturidade do qual já faziam parte, especialmente empoderando-se e se permitindo estar expostas e
inteiras em cena, mostrando-se como são, como se movem e como se expressam neste momento da vida
madura.

17
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

É, portanto, na companhia das discussões e fruições de obras em torno do tema da maturidade na


dança, em conversas, eventos e, foi também, durante a orientação da Daniela, que tenho aprendido a
entender, de fato, que a arte de dançar não tem idade e pode ser feita de forma diferente, como tão bem
está colocado na dedicatória deste livro. É por isso que, hoje, a mim importa mais pensar e sentir que dança
eu faço no agora, sem preocupar-me em até quando dançar.

Neste contexto, o livro aqui apresentado oferece aos/às leitores/as oportunidade de compreender
a temática a partir da perspectiva do campo da Dança. Ao longo do texto, a autora demonstra implicação
na pesquisa realizada, e aqui me refiro à capacidade de compreensão do referencial teórico na relação
com a problematização que conduziu à tese, agora apresentada em livro.

As referências teóricas que apoiam a discussão oferecem um necessário deslocamento de olhar


sobre o envelhecimento e a prática da dança na maturidade. Saindo da importante, mas muitas vezes
restrita visão da prática da dança na maturidade com o objetivo de atividade física e de socialização,
Daniela parte da perspectiva do campo artístico e vai buscar nos campos da Sociologia e da Antropologia,
referências para perceber o fenômeno que a inquieta por diferentes pontos de vista. Pontos de vista que
a permitem avançar e complexificar as reflexões sobre o tema uma vez que, na mesma direção da Arte,
acolhem as singularidades dos sujeitos envolvidos, seus contextos de vida específicos, seus desejos, suas
frustações, seus medos e realizações com o ato de dançar. Além disso, nossa autora revisita a história da
dança e a compreensão ocidental de espetáculo cênico para apontar de onde vem a expectativa do corpo
cênico virtuoso, hábil e tecnicamente treinado para a dança. Tal expectativa ainda nos dias atuais não foi
desconstruída, mesmo com toda a abertura que pensamentos contemporâneos em dança propõem ou
com o cada vez mais comum seguimento na carreira de profissionais de dança reconhecidos, que
carregam em seus corpos maduros não mais a juventude, mas a memória potente e intensa do
treinamento técnico alinhavados às experiências artísticas.

O livro não deixa de compartilhar a organização metodológica da investigação, coerente com o


que a questão de pesquisa solicitou. Através de um olhar qualitativo, construiu panorama da prática de
dança na maturidade no Sul do Brasil mapeando os grupos da região, reconheceu que os festivais foram,
na época, um dos principais espaços, para não dizer o único, de relações entre grupo e praticantes de
dança em idade madura nesse local, acessou a narrativa dos sujeitos envolvidos nestas práticas
(professores, coreógrafos e dançarinos integrantes dos grupos) e, a partir destas narrativas, conseguiu
desenvolver análise crítica e conclusões sobre os dados coletos. As análises desdobram-se em

18
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

posicionamentos não estagnados, trazendo a voz dos sujeitos de pesquisa, o que é coerente tanto com o
desejo propulsor de Daniela em alcançar a compreensão de quem propõe e de quem pratica a dança na
maturidade no Sul do Brasil, como com a opção de construir um referencial teórico de olhar ampliado,
pondo em diálogo a dança com a sociologia e a antropologia.

A publicação desta obra, na minha percepção, mostra o quanto Daniela continua a refletir e vem
amadurecendo as reflexões decorrentes da pesquisa. Percebendo as oportunidades de aprofundamento
teórico que a tese apontou, transformar a tese em livro permite compartilhar, com a comunidade
acadêmica e não acadêmica, percepções e novas inquietações. Possibilidades de desenvolver reflexões
filosóficas sobre o que pode o corpo maduro na dança e do investimento na noção de pedagogia da
diversidade são alguns dos pontos que o livro torna coletivos, permitindo o exercício que se espera e se
deseja no jogo do avanço do conhecimento: divulgação de resultados e argumentos na busca de que
outros/as pesquisadores e/ou leitores/as com eles dialoguem ou, com novos argumentos, os superem.

Dani, que sigamos conversando e percebendo danças e muitas danças na nossa volta! E, às
pessoas que lerem este livro, fica o convite para seguirem conosco!

Pelotas, 18 de julho de 2021.


ELEONORA CAMPOS DA MOTTA SANTOS

19
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

foto Mauren Rodrigues

20
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

APRESENTAÇÃO

A dança é uma manifestação cultural que perdura desde os primórdios da humanidade. O ser
humano sempre dançou por diferentes razões ao longo dos séculos, propiciando a criação de uma enorme
gama de formas, estruturas e expressividades exequíveis, de acordo com as características de cada povo.
No ocidente, a demarcação do espaço se deu, prioritariamente, através da dança cênica. Diferentes
concepções foram se desenvolvendo e abriram espaços para possibilidades variadas de trabalho com a
dança enquanto arte na contemporaneidade.

Bailarinas como Isadora Duncan, Ruth Saint-Denis e Mary Wigman, consideradas pioneiras da
dança moderna, mostraram ao mundo no início do século XX que muitos são os jeitos de se construir essa
arte. A partir daí, outras figuras seguiram trilhando o caminho da criação em dança, modificando e
remodelando este campo de conhecimento ao longo da história recente. Isto posto, como diz Lima (2009),
abriram-se as fronteiras para diversos corpos dançantes.

Devido à multiplicidade de perspectivas vislumbradas, Castro (2014) salienta que a dança é um


meio de comunicação privilegiado que ajuda a construir imagens do mundo, representando ideias e valores
que incorporam e/ou contestam os modelos políticos aos quais fazem parte. Revela-se, assim, uma forma
de ação, de pensamento e conhecimento de si e do mundo, ao oferecer múltiplas chaves de acesso à
vivência contemporânea.

Nessa linguagem em que o corpo é o elemento do trabalho, a preferência por um determinado


padrão aparece com força no mundo ocidental moderno. Corpos jovens e eficientes se apresentam como
modelos a serem seguidos, dificultando a atuação de bailarinos mais velhos no universo da dança. De
acordo com Lima (2009):

Vivemos em uma sociedade que valoriza o liso, que ama o polido, idolatra a juventude e o corpo
esbelto, na qual o envelhecimento passa a ser considerado desqualificação da aparência. Na
dança isso não é diferente, há uma certa ansiedade e uma negação a todas as marcas que
traduzem o envelhecimento no organismo [...]. Não se valoriza o enrugado, o amarrotado, o
pesado e assim, no palco, isso possui maiores dimensões. (p.95)

Neste sentido, um olhar que compreenda a arte como linguagem aberta e plural, se faz
extremamente necessário, facilitando a inserção de diferentes corpos no fazer dança. Conforme coloca
21
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Nunes (2005, p. 46): “Porque a dança permite visibilidade extrema ao corpo em seus modos de
representação, ela se apresenta como lugar privilegiado para reflexões em torno das identidades possíveis
a um corpo estético”.

Desta forma, mesmo reconhecendo que no mundo contemporâneo as fronteiras entre as fases da
vida, aos poucos, estão sendo desfeitas, procurando eliminar os padrões do que é ou não permitido em
cada idade, é inegável que junto à maturidade do ser humano, vem o envelhecimento 2 do corpo. Buscar
entender as modificações deste corpo, compreendendo-as como parte do curso da vida, é sinal de
renovação do pensamento, alterando a perspectiva em relação ao mundo.

Refletindo sobre o assunto, e interrompendo para um discurso na 1ª pessoa pelo caráter vivencial
do que vai ser dito, o que possibilitou a construção da tese3, aqui agora proposta como livro, surge em
consequência das minhas experiências enquanto docente e artista da dança, que provocaram
inquietações relacionadas ao corpo que dança na maturidade. Ao longo de minha trajetória profissional fui
me interessando, cada vez mais, pelas possibilidades de trabalho com o corpo maduro. Que corpos são
esses? Como movimentar estes corpos? Quais os limites reais? Que técnicas pedagógicas se adaptam?
Quais propostas funcionam? Como superar os preconceitos? Tudo isso me instigava a compreender melhor
esse eventual novo público para a dança.

A partir do ano de 2006 passei a atuar como professora de dança de um grupo de mulheres com
mais de 50 anos de idade. Este foi o início de colocar em prática questões que me provocavam enquanto
artista da dança. Afinal, o tempo também estava passando para mim e a vontade de mostrar que é possível
fazer algo diferente do tradicional me levou a incentivar essas mulheres a produzirem dança. Desde então
venho desenvolvendo um trabalho, ao que parece, pioneiro na cidade de Rio Grande (Rio Grande do Sul –
Brasil), onde protagonizamos a arte da dança com corpos maduros. Assim, as mulheres de 50 anos em

2
Buscando aproximações com estudos nos campos da Sociologia e Antropologia, sentimos necessidade de utilizar o termo
‘envelhecimento’, também usado no campo da Saúde, como forma de aprofundar compreensões teóricas sobre a fase madura
da vida do ser humano.
3
Tese apresentada, defendida e aprovada, em 28/07/2021 no programa de Pós-Graduação da Universidade de Lisboa para a
obtenção do grau de Doutora em Motricidade Humana na especialidade de Dança, sob orientação da Professora Doutora
Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro (Universidade de Lisboa) e co-orientação da Professora Doutora Eleonora Campos da
Motta Santos (Universidade Federal de Pelotas).

22
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

diante, do Grupo Baila Cassino foram, aos poucos, tornando-se bailarinas. Buscaram desenvolver
autonomia e criatividade, colocando-se, nos dias de hoje, como produtoras de cultura.

Também é importante ressaltar que, como professora de um curso de licenciatura em Dança no


Brasil, me preocupo com a formação dos alunos em relação ao preparo docente para lidar com o público
da maturidade. As disciplinas específicas que poderiam abordar esse tema são praticamente inexistentes
nesses cursos e isso gera um desconhecimento sobre os corpos em fases mais experientes da vida.

Pensando nisso, deixando o discurso da 1ª pessoa do singular4, a possiblidade de desenvolver um


trabalho de dança com pessoas adultas em fase cronológica mais avançada abre um vasto campo de
atuação para os futuros docentes, ao mesmo tempo em que colabora com a mudança de paradigma em
relação aos corpos dançantes, pois, por mais que o século XX tenha proporcionado o surgimento das
danças moderna e contemporânea e suas consequentes contribuições em relação às singularidades dos
corpos, como explica Márcia Milhazes em entrevista, “a referência estética ainda é a do balé clássico e de
seus estereótipos. Em geral, corpos mais desconstruídos ainda sofrem resistência” (Lima, 2009, p.129).

Outro ponto a ser salientado é o campo de estudos ainda bastante incipiente, geralmente
conduzindo as pesquisas sobre dança com idosos para as temáticas da saúde e do lazer. São inúmeros os
trabalhos com esse foco, entretanto, um olhar sobre a dança cênica com corpos maduros ainda é bastante
raro no Brasil. Isso nos faz perceber um espaço emergencial de compreensão sobre questões estéticas.

A pesquisa de mestrado de Souza (2016) analisou como a arte da dança vem sendo trabalhada no
resgate da autonomia e no empoderamento de pessoas mais velhas na sociedade atual. Para isso a autora
realizou um levantamento das produções acadêmicas brasileiras entre os anos 2000 e 2015 e selecionou
32 trabalhos científicos entre teses, dissertações e artigos. Este estudo se configura como um estado da
arte atual sobre trabalhos que vem sendo desenvolvidos com a temática da arte da dança na maturidade,
já que utilizou os principais bancos de dados brasileiros: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior), BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações), BVS (Biblioteca
Virtual em Saúde), Biblioteca Digital Vérsila e Google Acadêmico. O estudo apresenta os trabalhos
organizados em três categorias e mostra que a maioria, ou seja, vinte das publicações, utilizam a dança

4
Será mantida, neste livro, a predominância da escrita em 1ª pessoa do plural por acreditar que é coerente com o fato da
produção toda ser fruto de orientação e também pelo fato de ouvir um coletivo de pessoas que fundamentam as reflexões
apresentadas.

23
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

como instrumento de mensuração, quatro a mostram como mecanismo terapêutico e oito apresentam-na
como recurso etnográfico. Essa última perspectiva permite visibilidade e valorização dos corpos maduros
na dança, ampliando concomitantemente o universo da dança e da pessoa madura no processo de um
envelhecer melhor. Contudo, entre as pesquisas levantadas, não foi encontrada nenhuma que tenha
desenvolvido ou que estude metodologias e processos de criação em dança com aquele público maduro
que escolhe esta arte como um desejo de nova aprendizagem e prática.

Para além desta publicação, podemos citar dois trabalhos acadêmicos ainda em andamento. O
primeiro, de Carolina Lira (2018), o qual busca analisar em sua pesquisa de mestrado como mulheres
bailarinas lidam com o processo de envelhecimento, já inferindo que existem várias formas de entender o
corpo como instrumento de trabalho, ao reconhecer que as interpretações possíveis são sensíveis e
infinitas. O segundo, um estudo de doutoramento de Trindade e Mangan (2018), procura compreender a
identidade profissional do bailarino no estado do Rio Grande do Sul, apontando que existe uma relação
ambígua na profissão, onde o amadurecimento profissional também é um prelúdio do fim da atividade.
Assim, com a diversidade que se apresenta na formação e atuação dos bailarinos nesta primeira década
do século XXI, junto ao contexto acadêmico de formalidade, perfaz-se uma responsabilidade maior na
construção e no desenvolvimento destas identidades, além do avanço para uma educação crítica e
emancipatória ao longo da carreira.

No exterior, o assunto já vem sendo debatido no meio acadêmico há mais tempo, entretanto, ainda
com pouca evidência mediante estudos em outras áreas de conhecimento. Podemos citar a pesquisa de
Schwaiger (2005) na Universidade de Murdoch, na Austrália, que investigou as razões pelas quais bailarinos
profissionais se aposentam precocemente, constatando a instabilidade financeira e de emprego, a
dificuldade em competir com bailarinos mais jovens por contratos escassos e os problemas crescentes na
manutenção do pico da condição física à medida que os dançarinos envelhecem. Entretanto, essas são
questões complexas e sugerem que a idade cronológica não é suficiente para explicar a interrupção da
carreira na dança.

Coupland (2013), num estudo etnográfico com bailarinas maduras de uma companhia de dança
contemporânea na Universidade de Cardiff no Reino Unido, investigou a importância da dança para o
desenvolvimento de suas identidades enquanto mulheres mais velhas, diante das ideologias dominantes
sobre o envelhecimento e o corpo em relação à beleza juvenil. Observou que, embora a dança como prática
para bailarinos maduros permaneça marcada por pressupostos preconceituosos, ela também permite

24
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

ideologias emancipadoras, mostrando que o envelhecimento corporificado pode ser reconstruído muito
além dos contextos de dança.

A pesquisa de doutorado de York-Pryce (2014) na Universidade de Griffith na Austrália, deu ênfase


ao papel dos bailarinos que ultrapassam as expectativas de idade aceitável perante a sociedade,
analisando sua contribuição para os diálogos atuais sobre o envelhecimento no mundo da dança. Os
resultados indicaram que há um interesse profundo na experiência do corpo vivido de bailarinos maduros,
reconhecendo seu valor para a cultura da dança contemporânea ocidental.

Esses estudos destacam não só a questão da dança em termos artísticos na maturidade, mas
também a dança enquanto profissão e meio de subsistência. Embora transcendendo o âmbito desta
investigação, demonstram um interesse crescente sobre a temática da dança e o envelhecimento, mas
ainda são ínfimos diante da quantidade de pesquisas no campo da dança em geral. Logo, partindo do
pressuposto de que na sociedade ocidental há condicionantes estéticas convencionais direcionadas à
validade do corpo em movimento que compõe a dança, buscamos a possibilidade de outro olhar, fora da
convencionalidade, onde não há limites temporais para a dança, voltada para a produção artística e
praticada na maturidade. A dança aqui incorporada na trajetória de vida de bailarinos maduros conduz a
novas atuações no fazer artístico, pois o corpo não é o limite, mas o lugar da criatividade artística e da
comunicação de sentidos, independentemente da idade ou de preceitos estabelecidos pela sociedade.
Reconhecemos a importância desses estudos internacionais que focam em bailarinos profissionais, no
entanto, estas pesquisas não tratam ou questionam-se sobre como desenvolver trabalhos de dança para
pessoas maduras no âmbito dos praticantes amadores.

Desta forma, considerando que a arte busca sempre uma renovação em seus modos de expressar-
se; a reciclagem do olhar estético para a dança na maturidade possibilita modificar convenções e padrões
utilizados na dança em geral; e ainda os poucos estudos desenvolvidos no campo com o mesmo viés, surgiu
a problemática deste estudo: Como práticas em dança na Região Sul do Brasil possibilitam desenvolver
experiências artísticas em corpos maduros, na busca ou afirmação por outros parâmetros estéticos (não
convencionais) para a dança?

A proposta aqui apresentada está fundamentada nas produções teóricas sobre prática artística e
história da dança, envelhecimento e experiência estética com corpos maduros, relacionando a isso o
campo empírico de análise desta pesquisa com a intenção de dar visibilidade para trabalhos artísticos em

25
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

dança na maturidade, na direção de uma pedagogia da diversidade.5 A intenção é, sobretudo, contribuir


para a ampliação de imagens da dança cênica legitimadas popularmente e, consequentemente, sua
compreensão nos processos de ensino-aprendizagem na formação em dança no Brasil.

5
A ‘pedagogia da diversidade’ é um termo que vem surgindo a partir de estudos que abordam as diferentes pedagogias
conceituadas por Paulo Freire ao longo de suas obras e, neste livro, aparece no sentido de contribuir para a inserção de um olhar
múltiplo e intergeracional aos corpos que dançam.

26
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

foto Mauren Rodrigues

27
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

ENVELHECIMENTO:
percurso de um
conceito

28
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

O envelhecimento se apresenta, na atualidade, como um tema de grande interesse para a


pesquisa em diferentes áreas do conhecimento, já que é um fenômeno mundial e aponta um dos
crescimentos mais acelerados do mundo. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
[IBGE], de 1940 a 2016, a expectativa de vida do brasileiro subiu mais de 30 anos, estando ainda abaixo de
países como Japão, Itália e Suíça. Atualmente a média é de 75,8 anos. (IBGE, 2018). Com isso, cada vez mais
surge uma população atuante porém, ao mesmo tempo, sem um espaço legítimo na sociedade
contemporânea.

As referências utilizadas neste texto indicam que os estudos sobre este tema afloraram a partir
do século XX, ligados ao campo da biologia e da medicina em países onde as preocupações com o
envelhecimento da população começaram a se intensificar. Associado a isso, o rápido aumento das
pessoas com mais de 60 anos causou um problema social, devido às consequências econômicas que
afetavam empresas, família e estado, em razão do custo com estas pessoas que não estavam mais aptas
para o trabalho, porém ainda necessitavam de sustento.

Segundo Debert (2004), as pesquisas procuravam apontar o que é comum na experiência de


envelhecimento nas sociedades industrializadas, com a hipótese de que homogeneizar as experiências
vividas e os problemas enfrentados pelos idosos, minimizaria as diferenças em termos de etnicidade,
classe ou raça.

Assim surgiu a gerontologia que, de acordo com Neri (2008), por um longo tempo considerou o
envelhecimento como antítese do desenvolvimento, tornando a velhice sinônimo de doença. Entretanto,
a própria experiência das populações originou novos princípios que consideravam a possibilidade de uma
boa e saudável velhice, despontando um período de estudos onde a visão pessimista sobre o
envelhecimento conviveu com um exagerado otimismo em relação ao passar da idade. Atualmente, as
investigações buscam “um correto dimensionamento desse fenômeno, de seus limites e potencialidades
e de sua determinação genético-biológica, psicológica, social e cultural” (Neri, 2008, p.8). Mesmo com
diferentes campos de estudo voltando seus interesses para o envelhecimento, este texto discorre,
majoritariamente, sob um olhar teórico antropológico e sociológico.

Procurando entender um pouco sobre o envelhecimento através da história ocidental, percebe-se


a relação direta com a religião predominante em cada época, a qual caminha próxima às estruturas de
poder vigentes. O historiador americano Thomas Cole (1993) nos apresenta sua visão sobre as sociedades
anglo-saxônicas nas quais até o século XVI, a idade se referia principalmente ao período de vida que o ser
29
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

humano se encontrava e não à sua idade cronológica. As pessoas não sabiam sua idade exata e isso não
era relevante. Além disso, a literatura anglo-saxã medieval mostra uma clara preferência pela sabedoria
da velhice sobre a inocência da infância ou os poderes da juventude, já que a vida estava relacionada a
uma cultura que valorizava a vida eterna mais que a eterna juventude. Porém, a partir deste século,
iniciou-se a transformação da sociedade feudal para a sociedade urbana, através do crescimento da
classe média. Esta classe, predominantemente urbana e ascendente no início da Europa moderna, tanto
por razões sociais como religiosas, estava intensamente preocupada com os problemas de
comportamento apropriado e salvação, dando às etapas da vida um novo significado na cultura popular.

Um dos trabalhos mais influentes do século XVI na literatura germânica, “As 10 Idades deste
Mundo”, de Pamphilus Gengenbach’s, revela a importância do ciclo de vida no ‘processo
civilizatório’ – a longa transformação nos mecanismos de ordem social, provenientes do uso da
hierarquia e força externa para restrições mais internalizadas, igualitárias e individuais. (COLE,
1993, p.18, tradução nossa)6

Com essas ideias sobrepondo-se à sociedade e à família, segundo o autor citado, a autoridade
patriarcal e hierárquica foi sendo desvalorizada e a velhice perdendo seu prestígio ideológico. No final do
século XVIII, o ideal de veneração à geração mais velha não se adequava a uma sociedade de indivíduos
que estavam cada vez menos dispostos a submergir suas identidades ou restringir suas atividades dentro
dos limites comunitários da família, da igreja e da cidade. Várias mudanças simbolizaram a desvalorização
cultural da velhice como as vestimentas dos homens, favorecendo cada vez mais a juventude e os retratos
de grupo, tendendo a representar os membros da família num plano horizontal, em oposição à composição
mais antiga do patriarca, acima de sua esposa e filhos.

Sendo assim, no século XIX o propósito da religião não era mais glorificar a Deus, mas tornar o
homem virtuoso, consistindo num comportamento adequado, isto é, obediência às leis de Deus e
moralidade para obtenção da felicidade. Os valores morais da classe média moderna eram voltados para
o controle dos desejos, focando a energia para o trabalho. Aspiravam, dessa forma, buscar a perfeição que
inauguraria o milênio, passando o envelhecimento e a velhice a serem irrelevantes ou antitéticos a essas
aspirações. Os sermões evangélicos da época contêm uma riqueza de imagens sobre envelhecimento e
idosos, invocadas para contrastar com qualidades supostamente juvenis de vigor, imediatismo, ação e
autocontrole, muitas vezes cheios de hostilidade em relação à velhice, “sugerindo que os idosos são vistos

6
Citação original: One of the most influential works in sixteenth-century German literature, Pamphilus Gengenbach’s ‘The Ten
Ages of This World’, [...] reveals the importance of the life cycle in the ‘civilizing process’ – the long transformation in the
mechanisms of social order from the use of hierarchy and external force to more egalitarian, individual, internalized constraints.
(COLE, 1993, p.18).
30
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

como poderosos impedimentos ao progresso, lembretes indesejáveis tanto do peso opressivo do passado
quanto da inevitável fraqueza e dependência da humanidade.” (Cole, 1993, p. 83)

As transformações históricas ocorridas no processo de modernização ocidental, de acordo com


Debert (2007), estudiosa das áreas da antropologia e sociologia, corresponderam não apenas às mudanças
na regulação dos períodos da vida, mas também no seu curso enquanto instituição social, isto é, uma forma
de vida em que a idade cronológica era praticamente irrelevante foi substituída por outra, em que a idade
passou a ser uma dimensão fundamental na organização da sociedade. Essa institucionalização do curso
da vida envolveu as dimensões do mundo familiar e do trabalho de forma bastante intensa e está presente
na organização do sistema produtivo, nas instituições educativas, no mercado de consumo e nas políticas
públicas, que cada vez mais têm como alvo grupos etários específicos.

Cole (1993) afirma que a gestão científica do envelhecimento teve suas origens no final do século
XVIII e marcou o início de uma profunda mudança nas abordagens ocidentais em relação ao assunto, a qual
foi se desenvolvendo ao longo do sécuo XIX e primeira metade do século XX. Ele aponta que o paradigma
do pensamento surgido com o Iluminismo reflete o movimento moderno, distanciando-se da compreensão
do envelhecimento como uma questão existencial que requer compromisso moral e espiritual, para
percebê-lo principalmente como um problema científico passível de solução técnica. Especialmente após
a Segunda Guerra Mundial, a discussão pública sobre o tema ocorreu em grande parte dentro das
estruturas da ciência e da medicina. Cientistas biomédicos e sociais rotularam efetivamente o
envelhecimento como um problema que é possível resolver (ou pelo menos administrar), desde que haja
pesquisa e intervenção suficientes.

Os progressos da geriatria em aumentar a longevidade e melhorar a qualidade de vida dos idosos


levou a uma compreensão da velhice a partir da metáfora terapêutica. Esse fato de
consequências positivas, porém reforçado culturalmente pela ideologia da saúde perfeita,
provocou uma crescente medicalização da ancianidade, considerada como uma doença a ser
curada. Assim a velhice tornou-se predominantemente um fator biológico, esquecendo a sua
dimensão antropológico-existencial. (LOLAS STEPKE apud JUNGES, 2004, p.128).

Segundo Bengtson (2016), havia relativamente poucos sociólogos conduzindo pesquisas sobre
envelhecimento antes dos anos 60. Apesar deste início modesto, rapidamente se estabeleceu uma base
para teorias sobre as forças sociais da vida adulta e debates sérios encorajaram um número crescente de
cientistas sociais interessados no assunto. Alguns precursores que auxiliaram esta consolidação teórica
foram Ernest Burgess (1886-1966), Ralph Linton (1893-1953) e Robert Havighurst (1900-1991).

31
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Bengtson (2016) esclarece que Burgess, como teórico, construiu pontes entre o funcionalismo
estrutural herdado de Durkheim e o interacionismo simbólico, com base nas ideias de Weber,
desenvolvendo uma nova perspectiva sobre os processos familiares. Na gerontologia é reconhecido pelo
conceito de ‘roleless role of the aged’7 (Burgess, 1960 citado por Bengtson, 2016) que se refere à condição
do idoso não ter papel nas divisões de trabalho da sociedade moderna, devido à mudança social rápida que
ocorreu com a industrialização, urbanização e migração. Linton desenvolveu conceitos duradouros de
estrutura social e organização cultural. Já Robert Havighurst estudou a importância da satisfação com a
vida de indivíduos idosos e a relação com as condições sociais associadas a ele, formando a base para o
que veio a ser chamado de ‘teoria da atividade do envelhecimento’. Entretanto, os componentes sociais e
subjetivos de sua teoria, foram suprimidos dos modelos atuais de envelhecimento bem-sucedido,
tornando a definição de Havighurst substancialmente diferente das outras mais recentes.

Uma perspectiva diferente, segundo Bengtson (2016), despontou a partir da ótica fenomenológica,
ficando conhecida como ‘construção social da realidade’ (Berger & Luckman, 1966 citado por Bengtson,
2016). Aqui o foco estava nos significados da idade para os indivíduos e a sociedade, e como esses
influenciavam o status ou o bem-estar daqueles que eram velhos. Autores como Jabar Gubrium (1942- ),
Bernice Neugarten (1916-2001) e Robert Butler (1927-2010) fortaleceram esta concepção com seus estudos
na área. Neugarten abordou os significados sociais de idade e envelhecimento de uma direção ligeiramente
diversa. Sua pesquisa inicial com Havighust a convencera de que muitas percepções sobre a velhice eram
estereotípicas, pois a maioria dos adultos mais velhos estava satisfeita com suas vidas. Isso posto, ela
examinou percepções sociais em relação às normas de idade e encontrou uma concordância notável em
relação ao casamento, nova família e aposentadoria, concluindo que os idosos constituem um grupo
homogêneo. Butler, entretanto, foi o teórico que fez uma das mais importantes contribuições para os
significados sociais do envelhecimento ao introduzir o termo ‘Ageismo’. De acordo com a publicação que o
teórico fez na revista Gerontologist:

Ageismo reflete um profundo inconformismo por parte dos jovens e pessoas maduras – uma
revolta pessoal e um desgosto por envelhecer, doença, incapacidade; medo de impotência,
inutilidade e da morte. (BUTLER, 1969, p.243, tradução nossa).8

7
Tradução do termo: ‘papel sem papel dos idosos’.
8
Citação Original: Age-ism reflects a deep seated uneasiness on the part of the young and midle-aged – a personal revulsion to
and distaste for growing old, disease, disability; and fear of powerlessness, ‘uselessness’ and death. (BUTLER, 1969, p.243).
32
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Ao considerar a menção do autor citado, Vitols e Lynch (2015) falam que essa sensação de
desumanização, talvez como resultado do medo do que está por vir, é o que os velhos 9 sentem quando são
invisibilizados por suas próprias famílias e pelo que eles veem ou não veem refletido sobre si mesmos nas
representações da mídia de massa.

Entretanto, Snellman (2016) observa que o ageismo é um conceito complexo que está incrustado
na cultura ocidental. Para compreendê-lo melhor é importante pensar sobre os prós e contras relacionados
à idade e que surgem em diferentes fases da vida, a fim de nos tornarmos mais conscientes e capacitados
a agir contra a relativa inferioridade direcionada aos mais velhos. Para o autor, é possível que o ser humano
não seja capaz de identificar ações preconceituosas na velhice se não aprender a identificá-las no curso
de sua própria vida, ao reconhecer que, independentemente da idade, somos pessoas potencialmente
vulneráveis enquanto seres vivos.

Por conseguinte, utilizar abordagens teóricas sócio-antropológicas sobre o envelhecimento


auxilia na contestação de certas condutas próprias do senso comum e que organizam as práticas do
cotidiano. Conforme Debert (2005), “a Antropologia nos ajuda a pensar, porque ela desnaturaliza a vida
social, mostrando que não podemos supor que são inerentes à natureza humana valores e atitudes
próprios das sociedades ocidentais modernas” (p.110). Desde que a antropologia passou a estudar o
envelhecimento com mais frequência, de acordo com Ferreira (2007) as atenções voltaram-se
principalmente para indicar quais representações sociais vem sendo formuladas sobre a velhice, como os
sujeitos se definem velhos, como a idade cronológica instaura modificações no âmbito dos códigos de
valores e como as sociedades elaboram e organizam as classificações etárias.

Estes estudos são importantes para que se perceba a pessoa mais velha como sujeito social, como
pessoa inserida na vida cultural de seu povo, já que o saber acumulado por ele contribui com todos ao seu
redor. A velhice, assim, constitui um desafio para os que nela estão ou àqueles que buscam compreendê-
la pois, ao mesmo tempo em que pode ser vista como o período da sabedoria acumulada, no sistema social
em que vivemos o foco de valorização está, predominantemente, no jovem e em sua força de trabalho e
produção, onde a pessoa mais velha é percebida, também predominantemente, como aquela que não
consegue responder aos objetivos do sistema.

9
O uso do termo ‘velho’, neste texto, é uma escolha da pesquisadora, por acreditar que é preciso refletir sobre o vocábulo, como
forma de repensar o uso desta palavra no cotidiano da sociedade atual. Considerações conceituais sobre o termo estão
desenvolvidas no subtítulo ‘Idades, Terminologias e poder’.
33
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Idades, terminologias e poder

Diversos autores defendem que as idades são modos de classificar as pessoas dentro das
sociedades como forma de organização e controle, daí a necessidade de criar diferentes denominações
para as etapas da vida. Essas classificações impõem limites e provocam uma ordem para que cada um se
mantenha no lugar que lhe foi designado. Segundo Debert (1999, 2007), o curso de vida, a partir da
modernidade, foi sendo transformado em estágios definidos pela idade cronológica, recebendo um caráter
de instituição social. A padronização desses estágios - infância, adolescência, idade adulta e velhice -
surgiu devido às mudanças estruturais que ocorreram na economia, baseada até a Idade Média na unidade
doméstica e passando para uma economia focada no mercado de trabalho a partir da Idade Moderna.

Ao mostrar-se presente no sistema produtivo, nas escolas e no mercado de consumo, a


institucionalização de tais estágios assumiu o comando das regras do que é ou não permitido em cada
idade e, na medida em que o trabalho passou a ser a força das sociedades ocidentais, o vigor dos jovens
mostrou-se mais importante que a diferenciada capacidade física dos mais velhos. Esse novo estilo de
vida modificou drasticamente a forma de se relacionar com as pessoas mais envelhecidas. A estrutura de
papéis sociais por idade, consoante Siqueira (2008), organiza a sociedade hierarquicamente, sendo similar
à hierarquia de classe social, ressaltando que o lugar ocupado em uma composição de classes e/ou por
idade envolve influência, oportunidade, poder social e recompensas. Entretanto, as teorias que defendem
essa proposição não agregam análises mais detidas sobre as relações de poder, ignorando como as
estruturas podem ser controladas por elites sociais, políticas ou econômicas.

A partir das leituras feitas até aqui, é possível inferir que, ao colocar as pessoas dentro de
classificações etárias, obstrui-se a liberdade de cada um ser e agir conforme lhe convém, impondo
limitações do que é ou não permitido em cada categoria de idade. Também observamos que, enquanto se
justifica criar rótulos para melhor auxiliar os grupos mais excluídos, é notório a valorização da juventude
como um nicho para o consumo exacerbado. Isso passa a ser uma contradição na contemporaneidade –
ser reconhecido, de forma positiva, como uma pessoa mais velha, mas buscar constantemente se
aproximar da aparência jovial.

Debert (1999) observa que é uma ilusão acreditar que as configurações sociais da modernidade
correspondem a atitudes mais tolerantes em relação às idades. Sua característica marcante é a
valorização da juventude, associada principalmente a estilos de vida e não propriamente a um grupo etário
específico. Junges (2004) complementa dizendo que os valores fornecidos pela cultura atual, influenciada
34
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

pelo pensamento ocidental, dificultam a vivência do processo de envelhecimento, pois, movida pela utopia
da saúde perfeita, essa cultura não consegue oferecer recursos simbólicos que ajudem a integração sadia
dos mais velhos. Assim, segundo o autor, os velhos “são escondidos do convívio porque estampam, no seu
rosto, as rugas da velhice que incomodam o estereótipo cultural da eterna juventude.” (Junges, 2004, p.
128).

Em pleno século XXI o mundo contemporâneo, através das tecnologias desenvolvidas, hibridiza
cada vez mais o curso da vida, rompendo com a institucionalização da modernidade. Todos tem acesso às
informações e, ao se colocarem presentes num mundo virtual, se permitem experimentar diferentes
papeis e identidades. Mesmo assim permanece a ideia de categorias de idade como forma de controle da
sociedade, já que:

As idades são um mecanismo poderoso e eficiente na criação de mercados de consumo [...]


Tratar das idades cronológicas é reconhecer que elas são um elemento fundamental na tarefa
do Estado moderno, de estabelecer a ordem generalizando, classificando e separando
categorias. (DEBERT, 1999, p.76).

Assim, na busca de uma compreensão sobre o envelhecimento e, na lógica ocidental, daquela


considerada pelo campo da Saúde como a última categoria do processo de desenvolvimento do ser
humano, ou seja, a velhice, abordamos as terminologias mais usadas como forma de refletir sobre seus
sentidos e significados.

O envelhecimento apresenta uma ampla variação nas formas pelas quais é vivido em cada
sociedade, não sendo um processo homogêneo em todas as pessoas nem em cada um separadamente.
Motta (2007) coloca que os indivíduos são, ao mesmo tempo, semelhantes e diferentes. Mesmo com idades
aproximadas ou da mesma geração, isso não é garantia de características constitutivas similares. A autora
reforça que, além disso, há partes e funções do ser humano que se mantém mais conservadas que outras.

Diversas são as terminologias utilizadas para definir esta fase da vida, muitas vezes buscando
encaixá-las nos padrões delimitados pela contexto ocidental e de mercado de consumo em que vivemos.
Por isso a necessidade de compreender profundamente este complexo período da existência do indivíduo,
para ter a liberdade de escolher os termos mais coerentes a serem usados ao se referir ao grupo em
questão. Dentre tais termos encontram-se: velhice, velho, idoso, terceira idade e maturidade. Passo agora
a definir cada um desses termos, buscando refletir sobre seus significados dentro do nosso contexto
social.

35
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Começamos com velhice por entender que é uma expressão utilizada para se reportar à categoria
como um todo. O dicionário Michaelis (2015, “Dic.”) descreve velhice como “condição ou estado de velho” e
também “período que, na vida do indivíduo, sucede à idade madura”. Para além de uma definição
tradicional, Debert (2004, p. 50) esclarece que, num olhar antropológico, velhice é um “processo gradual
em que a dimensão histórica e social e a biografia individual devem ser consideradas com relevância”. E
Barros (2007, p.121) complementa dizendo que é “um período da vida visto como derradeiro”. Ferreira
(2007) reitera, colocando:

Conceito inserido em um repertório cultural social e historicamente delimitado, a velhice


transpõe assim o estatuto de processo biológico para o de uma construção social atravessada
no momento atual por uma ideologia da terceira idade que atua postulando uma nova
dinamicidade para o envelhecimento e o ser velho (p.208).

Velho é um vocábulo utilizado para definir o sujeito individualmente. Segundo Michaelis (2015,
“Dic.”), quer dizer “adiantado em anos; de idade avançada; que atingiu a ancianidade; que existe há muito
tempo; homem que tem muita idade; idoso”.

Entretanto, ainda na França do século XIX, conforme Peixoto (2007), já existia uma diferenciação
de terminologia de acordo com o status social dos indivíduos: aqueles que não detinham posses eram
chamados de velhos ou velhotes enquanto os que as possuíam eram designados de idosos. Assim
desenvolveu-se a noção de velho, fortemente associada à decadência e à incapacidade para o trabalho.
No Brasil, segundo o autor, o entendimento dos termos seguiu o mesmo caminho, tendo uma conotação
negativa para a palavra velho.

Idoso vem logo a seguir, sendo definido no dicionário como “aquele que tem muitos anos de vida;
velho.” (Michaelis, 2015, “Dic.”). De acordo com Peixoto (2007), embora a palavra idoso sempre tenha feito
parte do vocabulário português, até os anos 60 não era muito usada. Introduzida no uso da linguagem do
brasileiro por influência europeia foi, entretanto, criticada por especialistas por não ser um termo tão
preciso quanto velho, já que caracterizava tanto a população envelhecida quanto os indivíduos de
camadas sociais mais abastadas. Mas o autor afirma que idoso simboliza, sobretudo, os velhos
respeitados.

Debert (1999) fala que a categoria cultural chamada de pessoas idosas foi produzida pela
gerontologia através de tentativas de homogeneização das representações da velhice, surgindo um
conjunto autônomo e coerente que impõe outro recorte à geografia social e autoriza a colocação em
prática de modos específicos de gestão.
36
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Terceira Idade é uma expressão usada como categoria nos estudos sobre o envelhecimento,
principalmente na área da saúde, porém, não é um vocábulo existente nos dicionários da língua
portuguesa, apesar de já ser bastante utilizado na linguagem coloquial do povo brasileiro. Segundo Debert
(2007), a terceira idade:

É uma criação recente das sociedades ocidentais contemporâneas. Sua invenção implica a criação
de uma nova etapa na vida que se interpõe entre a idade adulta e a velhice e é acompanhada de
um conjunto de práticas, instituições e agentes especializados, encarregados de definir e atender
as necessidades dessa população que, a partir dos anos 70, em boa parte das sociedades europeias
e americanas, passaria a ser caracterizada como vítima da marginalização e da solidão. (p.53)

Peixoto (2007) afirma que, no Brasil, terceira idade designa principalmente os jovens velhos e os
aposentados dinâmicos, passando a ser uma expressão classificatória de uma categoria social bastante
heterogênea. Não por acaso ela ajuda o surgimento de um novo mercado: turismo, produtos de beleza,
alimentação e novas especialidades profissionais, tudo voltado para a terceira idade.

A expressão maturidade, de acordo com o dicionário Michaelis (2015, “Dic.”) possui várias
explicações. Primeiro “estado ou condição de ter atingido uma forma adulta ou amadurecida”. Também
como o “desenvolvimento pleno da inteligência e dos processos emocionais; estado em que o indivíduo
goza de plena e estável diferenciação e integração somática, psíquica e mental”. Na sequência diz “idade
adulta, entre a juventude e a velhice; meia-idade”. Ainda “qualidade daquele que, por ter atingido a idade
madura, age com reflexão, com bom senso e prudência” e “grau em que as atitudes, a socialização e a
estabilidade afetiva de um indivíduo refletem, como característica normal do homem adulto, um estado
de adaptação ou ajustamento ao seu próprio meio”.

Na Antropologia, maturidade, conforme Gusmão (2008), diz respeito a experiências vividas pelos
sujeitos ao longo de suas vidas, que resultam em qualidades conquistadas por suas trajetórias pessoais e
coletivas. Supõe-se que dessas experiências decorra o equilíbrio entre o corpo físico com suas perdas, que
não podem ser negadas, e o que resulta de um longo processo de aprendizagem acompanhado pelas
diferentes histórias de vida em construção permanente. É encontrar e desenvolver em várias dimensões
um ponto de equilíbrio vital entre o corpo biológico, o social e o psicológico.

Todas essas expressões relacionadas ao envelhecimento, embora digam respeito às mesmas


coisas - grupo ou indivíduo envelhecido - possuem, em seu uso, conotações diferenciadas. Ao reconhecer
as definições apresentadas no texto, se percebe as relações de poder encobertas no sentido de cada

37
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

expressão. Desta forma, é importante pensar quando, como e onde devem ser utilizadas, para evitar o
reducionismo de seus significados primeiros.

Como analisa Debert (1999), existe atualmente uma proliferação de denominações para as
categorias referentes ao envelhecimento, dentre elas, a terceira idade, empenhada na produção de novos
estilos de vida e na criação de mercados de consumo específicos. Essas categorizações sociais indicam
fases propícias para o prazer e a realização de sonhos adiados anteriormente. Assim, terceira idade
substitui velhice, aposentadoria ativa se opõe à aposentadoria e ajuda social ganha o nome de
gerontologia, bem como a compreensão de que terceira idade é a nova juventude ou a idade do lazer. A
autora continua apontando que desta maneira, a boa aparência deixa de depender de qualidades fixas e
se transforma em algo que deve ser conquistado a partir do esforço pessoal. As imperfeições do corpo
também não são imutáveis, já que com o esforço disciplinado e o uso de tecnologias pode-se conquistar a
aparência desejada. As rugas ou a flacidez se transformam em indícios de negligência moral e devem ser
tratadas com a ajuda dos cosméticos, da ginástica, das vitaminas e da indústria do lazer.

Abordar a velhice na experiência contemporânea é descrever um contexto em que as imagens e


os espaços abertos para uma velhice bem-sucedida não levam necessariamente a uma atitude
mais tolerante com os velhos, mas sim, e antes de tudo, a um compromisso com um tipo
determinado de envelhecimento positivo. (DEBERT, 1999, p.72).

Como coloca a autora em outro texto (Debert, 2005), atentar para as diferenças implícitas entre
essas expressões, é fundamental. Não basta apenas trocar a categoria de velho para idoso ou terceira
idade, mas sim ser consciente dos sentidos que cada uso direciona, entendendo, inclusive, que elas se
tornam um empecilho para os estudos sobre o envelhecimento.

Buscando refletir sobre o envelhecimento como um processo gradual de mudanças que ocorre ao
longo de toda a vida do ser humano, entende-se que, para além das questões biológicas, urge centrar-se
na cultura e na sociedade como formadores das complexidades da velhice. Parafraseando Gusmão (2008),
a cultura representa a experiência vital de seu tempo e espaço como sujeito individual e coletivo. Dessa
forma:

Reconhecer que o velho e a velhice portam uma vivência e uma experiência a serem
comunicadas e compreendidas é tornar visível para o mundo dos homens que dela resulta uma
maturidade alcançada no fluxo das experiências individuais e coletivas. É reconhecer que o idoso
exerce um papel mediador nas tramas da vida social e isso exige pensar os diversos tempos e
espaços em que o ‘outro’ se faz igualmente sujeito. (GUSMÃO, 2008, p.132).

38
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Num universo de profundas alterações, cujo ritmo frenético desafia a permanência de valores e
representações sobre o mundo vivido, compreender o sujeito velho como parte integrante da sociedade
contemporânea se faz essencial.

Sendo assim, a partir da escolha em estudar o envelhecimento como parte importante desta
pesquisa, os termos ‘corpos maduros’ e ‘corpos amadurecidos’ serão adotados no decorrer do livro, já que
maturidade é a expressão que abarca o entendimento de que as experiências vividas pelos sujeitos se
transformam em atributos conquistados ao longo dos percursos de vida trilhados, valorizando as
potencialidades de cada um.

39
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

BREVE OLHAR SOBRE A DANÇA


E O ENVELHECIMENTO
NA CULTURA OCIDENTAL

40
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Os primórdios da dança remontam à pré-história, época indiscutivelmente difícil de ser


comprovada cientificamente. Ao surgir provavelmente como uma necessidade básica de expressão do ser
humano ao longo de nossa civilização, a dança foi adquirindo diferentes objetivos e servindo a propósitos
variados.

Segundo Bourcier (2011), o primeiro documento que apresenta um humano em ação de dança tem
14.000 anos. Ao que parece, como coloca Faro (2011), as figuras mostram rituais de cunho religioso,
sugerindo uma premência vital dos seres humanos de se ligarem à natureza e suas ações vigorosas.
Concordando com o autor, Caminada (1999, p. 22) observa que: “na forma mais elementar, a dança se
manifesta através de movimentos que imitam as forças da natureza que parecem mais poderosas ao
homem e que trazem consigo a ideia de que esta imitação tornará possível a posse dos poderes dessa
força”.

Entretanto a autora esclarece que, já nesta época, mesmo lutando pela sobrevivência, o homem,
em dado momento, voltou sua atenção para uma atividade imaterial e tornou-se artista. “A dança nasceu
da necessidade de expressar uma emoção, de uma plenitude particular do ser, de uma exuberância
instintiva, de um apelo misterioso que atinge até o próprio mundo animal.” (Caminada, 1999, p. 22). Com
essas experiências, o ser humano abriu caminho para aflorar a expressividade humana, utilizando-a para
comunicar-se de outra forma que não aquela do cotidiano das pessoas.

E assim se iniciaram as primeiras manifestações cênicas que prenunciaram os espetáculos do


mundo moderno. Dumas (2010) explica que a natureza espetacular é compreendida como uma dimensão
inerente à existência humana, visto que a ação de perceber o outro em estado de apresentação foi se
mostrando no decorrer da história cultural da humanidade. Através das manifestações cênicas pré-
históricas, foi sendo construída a ideia de espetáculo onde há quem observa e há quem é observado, que
perdura, predominantemente, até os dias atuais. A palavra espetacular no contexto contemporâneo,
segundo a autora acima nomeada, é constantemente associada ao aspecto do que é apresentado para ser
contemplado. Deriva do latim spectaculum, significando “que fala aos olhos e à imaginação” (Dumas, 2010,
p. 1). A autora diz ainda que no final do século XIII essa expressão passou a significar também “divertimento
que se apresenta ao público” (ibidem).

Consoante Ramos (2009), o espetáculo e o espetacular são, ambas, instâncias ontologicamente


distintas da vida cotidiana e da realidade humana, já que existe uma diferença entre o que se dá a ver por
si e o que é visão produzida para afetar. Compreende-se, desta forma, que a espetacularidade (relativa ao
41
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

espetáculo) se mostra em fatos ou acontecimentos que têm em comum a intenção de se apresentarem a


outrem, com alguma intencionalidade.

Desde então, um longo caminho foi percorrido até chegar a dança no século XXI a qual vem, aos
poucos, buscando reconhecimento enquanto arte cosmopolita e heterogênea. As diferentes
manifestações que acontecem ao redor do mundo são, em sua grande maioria, diversificadas em relação
ao gênero, cultura, sexo dos bailarinos, movimentos corporais e mais uma infinidade de aspectos.

No ocidente, a dança contemporânea abriu espaço para um sem-número de possibilidades de


criação onde, de acordo com Tourinho e Silva (2006, p. 126), “qualquer movimento pode ser material para
dança, qualquer corpo pode dançar, qualquer procedimento pode ser um instrumento válido para a
composição”. Essas afirmações, vindas de Cunningham, trouxeram princípios que passaram a questionar
o formato da dança apresentada até meados dos anos 40 – do século passado, impulsionando as mais
variadas criações (Silva, 2005). Entretanto, apesar da grande diversidade de trabalhos, a validade do corpo
ágil e virtuoso ainda aparece como parâmetro para a compreensão de quem está apto a dançar. O
reconhecimento do bailarino está, em muito, relacionado aos corpos que dançam profissionalmente os
quais, geralmente, são jovens, retilíneos e virtuosos. Conforme Souza (2011), apesar da multiplicidade de
danças possíveis, os corpos continuam os mesmos, buscando um arquétipo homogêneo. Albright (2017)
complementa dizendo que, embora a aparência dos dançarinos tenha mudado bastante nos últimos dois
séculos, a dança cênica ainda é geralmente estruturada por uma mentalidade excludente que projeta uma
visão muito estreita da dançarina: jovem, branca, feminina, magra, flexível e fisicamente graciosa. A
autora acredita que, ainda que a maioria dos professores de dança universitária hoje neguem qualquer
fidelidade a um corpo ideal, mostrando formas em que a diversidade foi adicionada à mistura de suas
ofertas departamentais, todos que já vivenciaram o mundo das audições de companhias de dança e das
apresentações de escolas de dança sabem que o paradigma do dançarino virtuoso até os dias atuais ainda
não foi desconstruído. Neste escopo, percebemos que também o corpo maduro em cena continua a ser
considerado ultrapassado e obsoleto.

Para compreendermos melhor o assunto, voltemos à Grécia Antiga e seus preceitos de vida.
Aproveitando todo o imaginário mítico de seu povo, conforme coloca Caminada (1999), os gregos
transformaram lendas ancestrais vindas de sociedades ainda mais remotas, aproximando-as de sua
realidade. Dessa forma, a Grécia construiu sua imagem como sendo o berço da arte ocidental.

42
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Realidade, mito, lenda, concepção de mundo, teísmo, a Grécia é a base sobre a qual se
desenvolveu a nossa civilização e sobre cujas sucessivas leituras e releituras construímos o
nosso conceito de belo, de ética (ethos), de desempenho (práxis), da purificação através da arte
(catarse), do sofrimento (pathos), do conflito (agon), enfim, do drama da vida com sua tragédia
e sua comédia. (CAMINADA, 1999, p.47).

O povo grego tinha sua forma própria de entendimento sobre o mundo. De acordo com Caminada
(1999), buscavam conceber o invisível através do visível, sentir e criar a beleza a partir daquela que viam
ao redor de si e que abstraíam mediante o pensamento racional. Assim surgiu Apolo, deus da luz,
representação do belo, do sublime e do grego no mundo. “Apolo trouxe consigo a concepção de um deus
essencialmente grego e, portanto, sua aparência devia se aproximar do ideal de beleza encontrado no
próprio homem, nos atletas, nos jogos esportivos”. (Caminada, 1999, p. 53). O modelo apolíneo, para a
autora, serviu de impulso para o movimento renascentista e, desde então, é alento para milhares de
artistas das mais variadas manifestações.

Segundo Portinari (1989), o ideal de perfeição na antiga Grécia consistia na harmonia entre corpo
e espírito. O corpo esbelto e bem torneado do adolescente simbolizava a beleza suprema e tornou-se
permanente fonte de inspiração dos artistas da época. Para atingir este modelo os gregos eram
incentivados a se exercitar no esporte e na dança, passando essas atividades a incorporar a formação dos
cidadãos.

A partir desses preceitos foi se desenvolvendo a civilização ocidental e suas manifestações


artísticas desde então. O poder exercido pelas monarquias e depois pelos governos ditatoriais e, até
mesmo republicanos, apropriou-se deste pensamento, fazendo uso do mesmo como forma de controle das
sociedades que estavam crescendo e se moldando ao mundo moderno.

De acordo com Castro (2017), as pedagogias do corpo costumam ser utilizadas como aliadas da
educação do movimento na tentativa de domínio dos povos. Assim, seu uso busca o propósito racional no
lugar das questões naturais de cada indivíduo, passando a valorizar mais o cuidado com os corpos do que
as relações com o outro.

Nos estudos do filósofo Michel Foucault (1926–1984) aparece o emprego do movimento corporal na
neutralização da potência do ser humano, colaborando com a hegemonia de um pensamento único,
através de um tipo específico de indivíduo. Passa-se a construir seres potentes, porém obedientes e
submissos, mostrando um poder característico da sociedade ocidental burguesa moderna. O autor, em seu
livro Vigiar e Punir (Foucault, 1989), evidencia reflexões relacionadas ao uso do poder sobre os corpos dos

43
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

indivíduos. Sobre isso, salienta que, apesar dos processos disciplinares já existirem há bastante tempo, a
inserção das ‘disciplinas’, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, tornou-se fórmula de dominação utilizada
pelas instituições formais de ensino, dessa maneira:

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma
‘anatomia política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder’, está nascendo; ela define como
se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para
que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina
fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo
(em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência).
Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma ‘aptidão’, uma ‘capacidade’ que
ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela
uma relação de sujeição estrita. (FOUCAULT, 1989, p.127)

Ao longo da construção das suas teorias, Foucault buscou evidenciar o domínio do Estado sobre o
povo através da docilização dos corpos. Isto posto, é se de compreender porque, até os dias de hoje,
trabalhos de dança que saiam do padrão estabelecido – corpos jovens e eficazes – adquirem uma
invisibilidade e desvalorização apenas por não se encaixarem na ordem social vigente.

Tomando força a partir do Renascimento, quando as artes se abriram para o novo e, junto à isso,
absorveram os ideais gregos de beleza, o uso do poder foi cada vez mais reforçado pela hegemonia do
pensamento em relação à construção dos corpos da população.

Citando Berthold (2014), “ao ideal humanista da harmonia do universo correspondeu a


sistematização matematicamente precisa da arte e da ciência, a construção de um equilíbrio harmonioso
entre o detalhe e o todo” (p.284). Na dança, a concepção aberta e imaginativa das danças populares, de
acordo com Caminada (1999), foi sendo substituída pela racionalização e consequente predomínio das
formas fechadas e pré-estabelecidas de movimento. A música também separou as formas vocais das
instrumentais e os temas sociais afastaram-se dos sagrados. Portinari (1989) reitera que a dança, neste
período, passou a ser codificada por mestres a serviço das cortes e, tal como as outras artes, teve que
seguir regras que iam ao encontro do gosto reinante.

De acordo com Faro (2011), cada vez mais as apresentações dos balés de corte continham um
objetivo social e político, servindo, na França, como propaganda nacionalista, ao mostrar para os
embaixadores estrangeiros o poderio do país. Grandes cérebros artísticos da época contribuíram para
esses espetáculos, onde todo o luxo ostentado era pago com o dinheiro dos impostos do povo. Neste
período, as técnicas foram sendo aperfeiçoadas e os profissionais, aos poucos, tornaram-se cada vez mais
necessários. Como analisa Bourcier (2011), ao tomar consciência das possibilidades de expressão estética
44
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

do corpo humano e da utilidade das regras para explorá-lo, o profissionalismo caminhou no sentido de uma
elevação do nível técnico, criando a necessidade de formar dançarinos profissionais e mestres de dança,
o que ocorreu, de fato, no período seguinte.

Imbuído dessas ideias, chega ao trono da França Luís XIV (1638-1715). Seu reinado ficou conhecido
como um apogeu para a arte e a cultura. Consoante Portinari (1989), conhecido como Rei Sol, representou
o absolutismo monárquico aos extremos onde, convicto de sua origem divina da realeza, concentrou em
suas mãos todo o poder possível. O classicismo, com seu rigor formal, ditou as normas para a civilização
europeia, refletindo o espírito de um soberano que desenvolveu apurado gosto pela arte, elegância e
ostentação.

Cercado pelo esplendor do castelo de Versalhes, de acordo com Berthold (2014), o ballet toma força
com a era barroca que se seguiu à linearidade clássica. A abundância, autoconfiança e grandes alegorias
de suas apresentações, tornaram-no representante da arte da monarquia francesa. Reis, rainhas,
príncipes e princesas assumiam papéis de destaque nos espetáculos apresentados, trazendo a ilusão da
infinitude com o objetivo de mostrar uma apoteose grandiosa da soberania absolutista dos monarcas.
Portinari (1989) afirma que os espetáculos reais, neste período, atingem um requinte extraordinário,
fervilhando em criatividade e imaginação. Passam a ser criados esplêndidos cenários e, com Lully e
Beauchamp, surge a ideia de o ballet deixar de ser apenas uma combinação de danças esparsas para
assumir unidade em torno de um tema. Protegida pelo Rei Sol, a dança impera no seu aspecto mais refinado
e sofisticado porém, num ambiente artificial. Aqui importa comentar que, do ponto de vista das percepções
sobre espetáculo cênico na dança, os balés de corte, desde aqueles apresentados nos palácios até os que
chegaram aos teatros, também se apresentam, ainda, como referência predominante para produções em
dança até hoje.

Voltando o olhar para as referências para o corpo que dança cenicamente, observa-se que este
processo de aperfeiçoamento da técnica corporal do ballet priorizando o ideal de beleza grega para os
corpos, colaborou para reforçar, no contexto da dança, um pensamento excludente sobre quem estaria
apto a exercer esta prática. Resquícios desta forma de conceber o corpo na dança ainda hoje se mantém.
Como coloca Roubaud (2016), a exposição do declínio do corpo suscita incômodos e pode acabar
contribuindo para normalizar a exclusão. Todavia, trazer à superfície questões silenciadas ou obscurecidas
também provoca a reflexão sobre o tema. Como consequência, rever o modelo estético corporal e

45
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

coreográfico que está posto perante a sociedade, passa a demonstrar uma honestidade poética nos
trabalhos desenvolvidos.

Coupland (2013) salienta que as forças ideológicas reforçam a associação da dança com corpos
jovens, já que existe um olhar institucionalizado nos meios de comunicação e sustentado por pressupostos
culturais de que a beleza física é baseada na juventude e negada a pessoas mais velhas. Isto provoca uma
atração dos olhares para quem é jovem e, ao contrário, uma repulsa à aparência do envelhecimento, os
quais se refletem nos trabalhos profissionais apresentados ao público em geral. Segundo Rainer (2017), as
produções em dança na maturidade acabam sendo evidenciadas como declínio de corpos envelhecidos,
em vez de uma nova forma de vanguarda artística.

Ao longo de gerações, a dança tem sido uma indústria discriminatória, dominada pela ideia de
que 40 anos é a idade para aposentadoria, independente de gênero ou estado físico dos corpos
de dançarinos maduros, desconsiderando uma vida de experiência incorporada da dança. (YORK-
PRYCE, 2014, tradução nossa)10.

Assim, passa a ser extremamente importante dar visibilidade e protagonismo aos trabalhos
artísticos com bailarinos em idade madura, já que todas as possibilidades expressivas podem tornar-se
material para a dança, abrindo espaço para diferentes cenários de atuação, na direção do que nos coloca
Rainer (2017, p, 34) ao apontar que “the aging body is a thing unto itself and need not be judged as
inadequate or inferior if it can no longer jump through hoops” (p.34).

Jean-Georges Noverre (1727-1810) já preconizava a importância da expressividade na arte do ballet


durante o século XVIII, quando propôs novas ideias para uma reforma na dança. Como afirma Bourcier
(2011), ele coloca em questão a formação geral e técnica dos bailarinos, a formação dos professores e a
forma de trabalho dos compositores. Preconizando o ballet d’action, segundo Portinari (1989), Noverre dizia
que deveria ser uma obra coreográfica cujo desenrolar é baseado em movimento dramático, exprimindo a
relação entre os personagens. Acreditava que a dança precisava tornar-se expressiva para ser
reconhecida como uma verdadeira arte, assim, um ballet de ação necessitava ser convincente em todas
as suas partes, desde a unidade do tema e sua relação com a música até a elaboração de cenários e
figurinos e, especialmente, pela expressividade de braços e rosto de quem dançava.

10
Citação Original: For generations, dance as been a discriminatory industry, dominated by the idea that forty is the age to
retire, irrespective of gender or physicality of mature dancer’s bodies, disregarding a lifetime of embodied dance experience.
(YORK-PRYCE, 2014).
46
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Ao inserir a expressividade como fator importante, Noverre contribuiu para que a dança se
independizasse das outras manifestações artísticas, assumindo papel de protagonista na cena.
Entretanto, o ballet se desenvolveu seguindo os padrões de corpo estabelecidos na Renascença, que
perdurou até o século XX e influenciou grandemente a sociedade contemporânea.

Conforme Rainer (2017), o avanço do corpo em envelhecimento na dança cumpre as aspirações


dos bailarinos da década de 1960 que enfraqueceram as convenções da alta cultura para admitir uma
multidão de visões e opções alternativas. Silêncio, ruído, caminhadas, corridas - tudo derrubando os
padrões predominantes do monumental, da beleza, da graça, do profissionalismo e do heróico. De acordo
com Caminada (1999), a dança pós-moderna veio para protestar contra o que estava estabelecido, contra
o mundo tal como ele foi construído. Nas últimas décadas ela já cindiu, negou, infringiu, competiu, separou
e, ao final, fundiu as tendências estéticas, admitindo todos os recursos técnicos, códigos, concepções de
mundo e de vida, em uma mistura do Oriente com o Ocidente, do acadêmico com o moderno e da exaltação
da técnica até sua completa negação. Isto posto, estamos em tempo de admitir imagens do corpo mais
velho nesta arte, seja em produções profissionais ou em práticas amadoras de dança11.

Compactuar com esta forma de pensar contribui com um novo olhar sobre o mundo na
contemporaneidade, mostrando ações potentes e inventivas para a vanguarda da dança profissional e
amadora. São referências estéticas para a produção artística em dança, para a ideia sobre capacidades e
potencialidades do corpo que dança e sua prática artística em ambos âmbitos citados.

Corpos maduros que dançam em cena

Compreender o envelhecimento e dar continuidade na carreira de bailarino é uma postura de vida,


assumindo-se politicamente perante as exclusões da sociedade contemporânea. Entretanto, ainda hoje,
trabalhos artísticos que lidam com o corpo, sofrem interferências de uma estética de beleza consolidada
no mundo contemporâneo. Assim é também na dança. Levando em conta que, no ocidente, sua forma
espetacular tradicional foi pensada primordialmente para a juventude, a presença de bailarinos
amadurecidos, segundo Vieira e Magalhães (2016), desafia o sentido comum de acreditar que somente
corpos jovens podem dançar profissionalmente. Vieira (2016) considera que o corpo do bailarino maduro
vive a aventura de experimentar diferentes modos de querer, sentir e pensar, já que na dança signos

11
Relembramos que práticas amadoras de dança na maturidade é o foco mais específico de discussão deste trabalho.
47
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

corporais, sentidos e emoções é o corpo que nos mantém conectados com o mundo. Respeitando sua
fisiologia amadurecida, faz sua dança com singularidades, facultando a (re) descoberta de si mesmo.

O movimento desses corpos altera sua própria qualidade e dinâmica, que passam a ser adquiridas
pelas experiências que o tempo vai inserindo. A criação em dança alicerçada nessas percepções possibilita
aflorar outros dançares, a partir de movimentações próprias que surgem ao longo dos processos criativos.
Então o corpo biológico passa a não ser o mais importante, mas sim a compreensão subjetiva da própria
existência que surge como resultado. Como coloca John Dewey (2010):

A experiência, na medida em que é experiência, consiste na acentuação da vitalidade. Em vez de


significar um encerrar-se em sentimentos e sensações privados, significa uma troca ativa e
alerta com o mundo; em seu auge, significa uma interpenetração completa entre o eu e o mundo
dos objetos e acontecimentos. (p. 83).

Algo que a dança contemporânea, por sua natureza plural, proporciona mais facilmente aos
bailarinos. Como afirmou Mikhail Baryshnikov, bailarino profissional russo (parafraseado por Caminada,
1999), ela torna-se fascinante porque possibilita que cada um interprete sua própria idade. Já o ballet
clássico foi criado exclusivamente para jovens, valorizando a beleza e virtuosidade corporal acima de
qualquer outro atributo.

Parafraseando Tércio (2005), o corpo do bailarino era considerado belo, consoante uma
movimentação que seguia os padrões formais de harmonia, elegância e elevadas exigências técnicas.
Porém, nos dias de hoje, a realidade não é mais somente esta. Para além das condições estéticas e técnicas
está a premissa da autenticidade, o que buscamos compreender refletindo sobre a história da dança
ocidental, especialmente desde o Renascimento, onde fatos e aspectos mostram a ideia de que a arte de
dançar passou a exigir, como uma referência dominante, determinados padrões de harmonia e elegância
como sinônimo de beleza. Aliado a isso, o predomínio do modelo do ballet, como técnica para formar o
corpo apto a dançar, reforça esta proposição de que o corpo tem de ser potente, treinado e ágil sendo
capaz de habilmente reproduzir modelos de movimento, além de representar personagens ou temas na
dança12.

Em 1661 havia sido fundada por Luís XIV a Académie Royale de la Danse. Consoante Caminada (1999),
foi inspirada na Academia de Pintura e priorizava a pedagogia e os princípios das artes, embora sua

12
Ao mencionar o ballet neste estudo, não intencionamos desconsiderá-lo como uma das formas e gêneros de organização
técnica, estética e cênica de dança. A crítica é em tomar as lógicas do ballet como modelo único ou orientador, especialmente
para as propostas de prática de dança com pessoas mais velhas no âmbito amador.
48
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

regularidade tenha sido conquistada à custa de certa rigidez em detrimento da expressividade. Neste
período os bailarinos já eram contratados e não mais simples membros da corte do rei. A Academia, depois
de sua criação, coube aprimorar a técnica do ballet numa fase denominada clássica, onde o virtuosismo e
a racionalidade dos movimentos tiveram amplo desenvolvimento. Surgiu uma geração de bailarinos
acadêmicos que compreendiam a arte do ballet como algo articulado, tendo o todo da dança dentro de
suas mentes, porém sem ênfase na criação artística.

Com as ideias de Noverre e o aperfeiçoamento do ballet neste período, esta arte foi se
disseminando pela Europa e encontrando novos espaços de atuação, até se consolidar na Rússia como
lugar ideal para atingir seu ápice técnico. A partir de 1830, esse país passou a encantar com o
desenvolvimento do ballet clássico, caminhando, aos poucos, para tornar-se o centro desta arte no mundo.
Faro (2011) coloca que o Teatro Mariinski, em São Petersburgo e o Teatro Bolshoi, em Moscou, patrocinados
pelos czares da época, passaram a realizar apresentações periódicas feitas para as pessoas em geral, já
que esta arte foi considerada por lá como pertencente à vida do povo e não feita para as cortes da
monarquia, como acontecia na Europa. Desta forma, delinearam um estilo próprio. Conforme Bourcier
(2011), a dinâmica de uma coreografia acadêmica é de uma mecânica quase tão precisa quanto a de um
relógio, com todas as suas funções submetidas a uma marcação imposta. Para o autor, o academicismo,
nome dado ao ballet desenvolvido na Rússia, os passos são levados ao extremo da beleza formal e
artificialidade. Porém, recebem, por aqueles que são artistas, um complemento expressivo, sendo
carregados de uma autêntica poesia.

Muitos artistas contribuiram com a arte do ballet na Rússia. Marius Petipá, Pior Ilich Tchaikovski,
Lev Ivanov, Mikhail Fokine e Alexander Gorski são alguns dos nomes que consagraram o ballet em solo russo
como um estilo de dança representativo do povo, com mais dramaticidade e liberdade de expressão.
Fokine tornou-se coreógrafo dos Teatros Imperiais, no Mariinski, onde conheceu o bailarino Vaslav Nijinski
e o aristocrata Sergei Diaghilev. A partir daí, o mundo da dança experimentou uma mudança profunda e
irreversível mediante a criação dos Ballets Russes por Diaghilev, com participação de Fokine e Nijinski ao
longo da existência desta companhia de dança.

O início do século XX na Rússia foi atravessado por uma grande efervescência política e também
artística e cultural. Portinari (1989) afirma que intelectuais, músicos e pintores se reuniam para discutir
sobre novas formas de expressão, rejeitando códigos obsoletos. A dança também entrou na busca pela
autenticidade quando Diaghilev, com seu ímpeto revolucionário, se empenhou em mostrar ao mundo os

49
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Ballets Russes. Imbuído do pensamento da época, acreditava que para a dança seguir em frente,
necessitava uma colaboração ativa de pintores capazes de inovar a concepção de cenários e figurinos,
além de compositores com músicas vibrantes e atuais. “Sem ser um músico, um pintor ou um coreógrafo,
soube juntar o melhor de cada setor e extrair de seus colaboradores um máximo de rendimento”. (Portinari,
1989, p. 111)

Durante vinte anos, no início do século XX, os Ballets Russes, conforme Faro (2011), abriram a era
do balé moderno como organização concreta, realizando turnês inicialmente pela Europa e depois também
pela América, devido ao início da primeira guerra mundial. Enquanto instituição permanente, conseguiu
reunir um elenco formado por bailarinos, coreógrafos, cenógrafos, músicos e escritores de excelente
qualidade. Juntos, buscavam exprimir com maior liberdade os seus íntimos desejos artísticos. Entretanto,
a companhia também incluía em seu repertório obras representativas dos períodos anteriores que
possuíam valor intrínseco para serem preservadas. Diaghilev foi um grande empresário da dança,
transformando o ballet russo numa forma cosmopolita de interpretação, revitalizando-a como obra de
arte homogênea e autônoma.

L’ aprés-midi d’un faune foi uma das composições revolucionárias dos Ballets Russes. De acordo
com Caminada (1999), criado por Nijinski, coreógrafo e também bailarino excepcional da companhia, o ballet
estreou em 1912 com deslumbrante música de Debussy e cenários de Bakst. Explicitamente sensual, como
há muito não se via na dança, revelava sutilmente o impulso bárbaro do fauno e priorizava, plasticamente,
movimentações dos bailarinos de perfil, numa atitude semelhante aos baixos relevos gregos. Sacre du
Printemps (1913) foi criado no ano seguinte e constituiu-se num escândalo ainda maior que a obra anterior;
aplausos, contrapondo-se a gritos na estreia, onde a coreografia só conseguiu se manter devido à
persistência do maestro, a contagem da marcação dos tempos, feita por Nijinski, e a ordem expressa de
Diaghilev de não parar o espetáculo.

Na verdade, o público foi surpreendido com a violência e a modernidade da partitura de Stravinski


e pela ruptura brutal do coreógrafo com todos os valores vigentes para o ballet, até então.
Segundo o crítico Mario Pasi, ‘a obra significou a negação do gosto e do estilo românticos, foi a
pré-história que emergiu para espantar o conformismo do público que frequentava os teatros’,
e nesse ponto, o subtítulo do ballet era bem esclarecedor: Cenas da Rússia pagã. (CAMINADA,
1999, p.173)

Com ballets provocadores, temáticas densas e questionadoras e obras menores, mas cheias de
intenções, os Ballets Russes diminuíram a diversão e ampliaram os conteúdos dos trabalhos
desenvolvidos. Assim, utilizando menos cenários, menos figurinos e menos bailarinos, investiram numa

50
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

melhor qualidade artística para a dança. Dessa forma, Bourcier (2011) afirma que a renovação da dança no
Ocidente se deu, muito por influência de Diaghilev. Nas diferentes fases da companhia, houve cenários de
Picasso, Matisse e Bakst, bailarinos como Anna Pavlova e Vaslav Nijinski, coreografias de Fokine, Massine e
Balanchine, libretos de Cocteau, figurinos de Coco Chanel, música de Stravinski, influências
impressionistas, cubistas e expressionistas. Com isso Diaghilev outorgou dignidade à dança, conquistando
o interesse dos artistas contemporâneos e, assim, orientando-a para novos caminhos.

Os movimentos do que hoje chamamos de dança moderna, tal qual qualquer movimento artístico
importante especilamente identificado na primeira metade do Século XX, brotou como um impulso de
contestação ao rigor acadêmico e artifícios do ballet. Bastante influenciada pelos Ballets Russes e,
juntando as mudanças que vinham ocorrendo na esfera mundial, muitos pioneiros decidiram criar suas
formas de dançar, abandonando e negando o padrão existente até então. “Tomando por base a liberdade
expressiva do corpo, a dança moderna reflete o contexto histórico que a gerou: a de um mundo governado
por máquinas, no qual o ser humano se debate em busca de novas relações consigo mesmo e com a
sociedade”. (Portinari,1989, p. 113).

Como situa Bourcier (2011), a dança moderna, mais especificamente a linhagem americana, busca
romper o paradigma da representação, tentando aproximar o ato de dançar de uma correlação mais direta
e autêntica com sensações e sentimentos, mantendo até então o paradigma do preparo técnico
específico. Assim, nos Estados Unidos ela tomou rumo próprio, aproveitando-se da variedade de
influências que o país vivenciou. Conforme Mendes (2001), as danças folclóricas dos índios americanos, os
dons excepcionais de ritmo e estilo trazidos pelos africanos e a cultura dos imigrantes alemães, ingleses,
escoceses e irlandeses se misturaram num caldeirão de informações, criando o desejo de fazer uma dança
que incorporasse o patrimônio da nação. Isadora Duncan irrompeu deste ideal e, depois dela, inúmeros
bailarinos contribuíram com o desenvolvimento destes novos propósitos de dança.

De acordo com Bourcier (2011), com Ruth Saint-Denis chega-se realmente ao nascimento da dança
moderna. Conhecida com a ‘primeira dama da dança americana’, ela retomou a ideia mestra de Duncan de
que dançar é exprimir a vida interior, mas aprofundou esta noção, transformando em doutrina aquilo que
era apenas impulso pessoal, através de uma técnica corporal elaborada metodicamente. Junto com Ted
Shawn, como explica Portinari (1989), criou a escola chamada Denishawn, que teve grande importância
para o incremento desta arte. Desde o início, a escola se tornou um laboratório aberto a diversas

51
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

experiências que foram enriquecendo o vocabulário corporal e expressivo dos alunos. Tudo entre as aulas
de ballet (sem sapatilhas), técnica de flamenco e aplicação da teoria de François Delsarte13.

Ao mesmo tempo em que nos Estados Unidos a dança fervilhava em ideias e novas propostas
corporais, na Alemanha também crescia a escola expressionista, liderada, dentre outros artistas, por Mary
Wigman (1886-1973). Esta concepção propôs uma ruptura ainda mais abrangente. Partindo das premissas
do expressionismo, rompe com a ideia de representatividade e permite uma expressividade quase que
total e individual para a produção artística na dança, inclusive em termos de preparo corporal, onde a ideia
de um padrão de treinamento técnico de base é abandonado, passando a ter, cada proposta cênica, um
treino específico.

Segundo Portinari (1989), na década de 1920, atravessando uma profunda crise econômica, a
Alemanha foi centro de uma grande produção artística, surgindo a Bauhaus 14, que revolucionou a
arquitetura e o urbanismo, influenciando também outros setores criativos. Pela fundação passaram
artistas como Paul Klee e Kandinsky, que ajudaram a constituir o expressionismo nas artes plásticas. Essa
tendência estética também foi absorvida pela literatura, teatro e cinema, contendo um conteúdo cético
que refletia a angústia de uma geração.

Mendes (2001) esclarece que foram levadas ao palco figuras humanas recortadas por cones de luz,
através de uma projeção subjetiva sob forte tensão emocional, elementos distorcidos da cenografia e
maquiagem carregada, provocando a deformidade facial. Tudo para reforçar os elementos oníricos das
obras. Estética e psicologicamente, a dança deste movimento captou o estado de espírito do artista
alemão do momento, aproveitando-se coreograficamente dos elementos teatrais que vinham sendo
usados.

Assim, as principais características da dança expressionista alemã – o grotesco e a careta,


sublinhados por tensão muscular e deformação dos traços do rosto, um exagerado sentido

13
Nascido na França no início do seculo XIX, foi um dos primeiros teóricos do movimento e precursor dos estudos sobre contração
e relaxamento, que deram base aos princípios de uma parte da dança moderna. Admirado pela comunidade científica de sua
época, apresentou suas teorias no Anfiteatro de Medicina da Sorbonne. (CAMINADA, 1999).
14
A Bauhaus foi o resultado de uma tentativa incessante de renovar a formação nas artes aplicadas da Alemanha, procurando
resgatar a relação entre o artista e o artesão, perdida com a consagração do industrialismo. O fundador dessa escola, Walter
Gropius, acreditava que a base artesanal era essencial, e que a criação partiria do pressuposto de liberdade do artista. Com o
apoio de colegas arquitetos e de um grupo de artistas de vanguarda, aplicou uma proposta e um método de ensino
revolucionário, mesclando o pensamento artístico com o progresso industrial. Dessa forma, reuniu ao seu redor pintores,
escultores, decoradores, arquitetos e diversos outros profissionais que contribuíram para o desenvolvimento da escola,
entretanto, no ano de 1933, o regime nacional-socialista do terceiro Reich pôs definitivamente um fim à subsistência da
Bauhaus, difamada como centro de cultura bolchevista e comunista, porém sua contribuição para o mundo permanece até os
dias atuais. (PASCHOARELLI, SILVA, SILVA e SILVA, 2010).
52
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

patético ou de carga cômica – fizeram dela um drama pantomímico plástico, muscular e


dinâmico em alto grau. Em outras palavras, os dançarinos alemães agiam, na realidade, muito
mais como artistas dramáticos que representavam com seus corpos do que propriamente como
dançarinos. (MENDES, 2001, p. 63).

Wigman, expoente máxima da dança expressionista, iniciou seus estudos experimentando os


métodos de Dalcroze e Laban. Conforme Bourcier (2011), ao buscar a essência do movimento, passa a
desenvolver um jeito próprio de criação, acreditando que o sentido profundo da dança é revelar tudo que
jaz escondido no homem. Assim, “contribuiu para dar um sentido trágico e quase divinatório à dança, para
liberar o dançarino do vocabulário corporal, atribuindo-lhe total responsabilidade sobre a expressão”.
(BOURCIER, 2011, p.300).

Esta primeira geração de pioneiros da dança moderna e expressionista proporcionou ao mundo


contemporâneo se alforriar dos rígidos padrões impostos à dança desde a Idade Média. Ao procurar o
retorno aos essenciais, como coloca Faro (2011), a dança volta a ser primitiva no sentido de se libertar dos
artifícios como sapatos de ponta, tutus ou temas fantásticos, intencionando ser um meio através do qual
o artista pode expressar seus anseios mais de acordo com a vida do homem atual.

Sucessivas gerações de criadores do século XX viriam a contestar – quantas vezes ao limite – as


premissas da dança convencional. Os palcos, primeiro os alternativos e depois os consagrados,
foram progressivamente invadidos por tudo aquilo que em décadas anteriores ninguém
imaginaria ou quereria ver escancarado em cena: a diversidade morfológica e étnica; gestos,
corpos e pessoas comuns; a deformidade física e a doença; a imponderabilidade dos papéis de
gênero e das orientações sexuais. E a presença cada vez mais assídua de intérpretes de idade
avançada. (ROUBAUD, 2016, p.210-211).

As concepções mais contemporâneas de dança, alimentadas pelo que a dança moderna e pós-
moderna iniciaram a romper, buscam uma autenticidade na relação com a potência técnica. Percebendo
isto, salientamos que os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos com bailarinos mais velhos denotam uma
criatividade em cena que possibilita uma estética da dança advinda de corpos maduros. Como afirmam
Vieira e Magalhães (2016), os movimentos provindos desses corpos em distintas situações rompem o
padrão estético hegemônico do que é considerado um movimento belo na dança. Na contemporaneidade,
a estética substitui o belo pela vertente do verdadeiro (ou autêntico), concebendo a obra de arte como
uma manifestação do esforço do ser humano. Tércio (2007) coloca que, “a obra de arte é esse encontro
entre o fazer e o perceber” (p.24). O fazer é poético e se encontra na esfera da criação, o perceber diz
respeito ao outro que se relaciona e está ligado à esfera da recepção. Dessa forma, percebemos que os
corpos dançantes na maturidade, ao atuarem, nos dão a possibilidade de criar outros olhares, não
convencionais, para a arte da dança.

53
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Para Dewey (2010), a palavra estética refere-se à experiência como apreciação, percepção e
deleite, denotando principalmente o ponto de vista do receptor. Isso posto, a perfeição na execução não
pode ser medida ou definida apenas em termos de desempenho, mas implica também aqueles que
percebem e desfrutam do produto executado. Nesta direção, vemos que as produções artísticas em dança
com corpos maduros têm o potencial para afetar o espectador, pela qualidade da experiência estética que
podem provocar, sem precisar se valer da aceitação baseada na vitimização ou infantilização.

Como coloca Icle (2010), as práticas espetaculares são presenças cohabitadas, relações do campo
visual que não se reduzem a ele somente, pois o impulso se dá a ver, se oferece ao outro, envolvendo as
dimensões do atuante e do público. Essas práticas supõem uma relação a partir de uma experiência vivida
de presença compartilhada. Em outras palavras, “se essa experiência é algo que nos passa, nos toca, nos
modifica, nos intensifica como seres humanos é porque a experiência espetacular é, também, uma
experiência estética” (ICLE, 2010, p.25).

Diversos artistas contemporâneos apontam na direção de compreender a dança como prática


libertadora da expressividade de movimentos, possibilitando uma infinidade de maneiras de compor,
através do material corporal que se apresenta disponível. Servem como referências às coreógrafas Pina
Bausch (1940-2009) e Maguy Marin (1951- ). Conforme Grebler (2006), elas desenvolveram peças
atravessadas por uma poética forjada em experimentações, resultando num conjunto de processos que
inauguraram uma nova era e novos meios de produção e recepção para a Dança Contemporânea. São
trabalhos portadores de outras estéticas que se afastaram da tradição e do convencional, numa atitude
semelhante àquela dos pioneiros da Dança Moderna, tendo se mostrado historicamente como uma posição
necessária à renovação artística.

De acordo com Kumin (2006), Maguy Marin é provocadora, polêmica, profunda e prolífera. Na obra
May B sua imaginação fértil ligada à capacidade de criar imagens que, junto ao grotesco, chegam a
momentos de lirismo, mostrando uma visão sobre os absurdos da vida, através de personagens
atemporais e lugares indeterminados.

Esta obra sobre Samuel Beckett, conforme a explicação de TNBA (2019), coloca-se nos antípodas
da extroversão – numa quase imobilidade becketiana - que supostamente caracterizava a dança. Utilizou
passa isso minúsculos movimentos, íntimos, quase ignorados, mas, de forma alguma, insignificantes.

54
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

[Já] a arte de Bausch adquire uma força de expressividade única, que carrega os traços das lutas
do homem contemporâneo e sua contradição com o sistema da cultura. (...). O uso de diversas
linguagens, a transição de Bausch pelo teatro, dança e cinema surge, não como reflexo das lutas
sociais, mas como possibilidade múltipla dentro da ordem simbólica. (...) Conferindo à arte o
poder de pensar o impensável, fabricando o ‘infabricável’, ainda que seja no terreno da criação,
seu trabalho construiu ilusões de verdade e destruiu as ilusões da verdade. (CALDEIRA, 2010,
p.122)

No espetáculo Kontakthof, montado pela coreógrafa com homens e mulheres com mais de 65
anos, segundo Medeiros e Pereira (2012), buscou-se valorizar qualidades e saberes que só o passar dos
anos são capazes de produzir, colocando-os em cena e mostrando que, além de não existir limites de idade
para dançar, não existem limites para a dança. Portinari (1989) coloca que Bausch destoa da estética
convencional, ao utilizar em suas obras dançarinos que não precisam esconder barriga saliente, costas
arqueadas ou óculos de grau.

Na sequência destes trabalhos, surgiram propostas de companhias de dança que decidiram


abarcar bailarinos com mais idade, aproveitando suas experiências de vida para contribuir com as
criações. A Nederlands Dans Theater III (NDTIII) foi um destes exemplos. Conforme Vieira (2016), o grupo,
dirigido por Jiri Kylián, surgiu em 1991 e encerrou suas atividades em 2006. Foi criado como proposta para
dançarinos experientes treinados na técnica clássica, com idade acima de 40 anos, e tinha o objetivo de
propor desafios artísticos apropriados para seus corpos em transformação, ampliando, assim, suas
trajetórias profissionais. Schwaiger (2005) salienta que os corpos maduros dos bailarinos desta
companhia, alguns em seus sessenta anos, desafiaram as expectativas ocidentais de declínio corporal, ao
continuar participando de turnês como quando eram jovens. Servindo como referências para bailarinos
maduros, não foram marginalizados no discurso social, mas sim mostraram qualidades de desempenho
que a maturidade lhes permitiu desenvolver. No entanto, conforme o autor, as danças eram coreografadas
especificamente para suas capacidades, havendo uma diminuição do movimento ao mesmo tempo que
um aumento concomitante da atuação, podendo-se dizer que a dança puramente pelo movimento foi
substituída pelo teatro de dança, a técnica do movimento se tornou mais limitada e a virtuosidade física
foi praticamente eliminada.

Outro exemplo é a Companhia Maior, de Portugal, criada em 2010 por Luísa Taveira e composta por
artistas com mais de 60 anos de idade, vindos da dança, do teatro e da música. Segundo Moreira (2019)
tem como objetivo promover a criatividade com adultos maduros, em contato com diferentes gerações
de criadores e no contexto interdisciplinar da criação contemporânea, valorizar saberes adquiridos e
aperfeiçoados ao longo do tempo e proporcionar as condições para a sua expressão e comunicação,

55
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

através de uma estratégia inclusiva de artistas mais velhos e experientes, baseando-se na convicção de
que a sua relevância extravasa as fronteiras da arte. Conforme Taveira (2010):

Empenharmo-nos nesta causa de dar voz à criatividade de uma idade maior não é só um dever. É
sobretudo uma janela aberta para um potencial artístico que, numa era onde se preza a jovialidade
da imagem e da atitude, pode ser de uma frescura arrebatadora, porque é pleno de vida na
verdadeira acepção da palavra.

No Brasil muitos bailarinos deram continuidade à carreira mesmo tendo ultrapassado os 40 anos
de idade. Angel Vianna, Renné Gumiel, Dudude Hermann, Lenora Lobo, Jussara Miller, Graça Martins dentre
outros vem dando exemplos de como produzir dança em corpos amadurecidos. Sobre isso, em entrevista
ao jornal O Globo, Angel diz que:

O corpo tem mais memória que a própria memória. As coisas ficam marcadas na gente para a vida
toda. As coisas que eu fiz, com todas as pessoas que me ajudaram, com as quais eu dancei junto,
estão no meu corpo. Eu danço essa memória. O que muda é que é esse corpo, aqui e agora, que
dança. (apud LACERDA, 2016, p.31).

Lira (2018) complementa este pensamento ao apresentar declarações coletadas em entrevistas


realizadas com bailarinas profissionais para sua pesquisa de mestrado. Em sua maioria, com mais de 40
anos de idade, algumas afirmam que ocorre uma mudança de foco na compreensão de como usar o próprio
corpo na atualidade, já que não se tem mais as mesmas aptidões físicas da juventude. Observam que a
dança se modifica, passando a construir uma maior interação com outras artes, como o teatro e a música,
torna-se mais expressiva e menos performática, utilizando menos pernas altas ou grandes giros, porém
com todo o requinte do movimento que foi sendo adquirido ao longo dos anos.

De acordo com Cecolli (2014), o impacto que a idade tem sobre nossos corpos muitas vezes faz
com que bailarinos tenham uma carreira profissional bastante curta, salvo algumas excessões, como é o
caso de Mikael Baryshnikov. Segundo a autora, aos 66 anos ele seguia fazendo aula de dança todos os dias
porém, recusando-se a dançar o que seu corpo não pode mais executar com destreza, respeitando assim
sua maturidade e idade.

York-Pryce (2014), ao entrevistar bailarinos maduros que ainda estão atuantes na cena, mostra
que o mais importante para eles são as mudanças em relação a si mesmos e não seu desenvolvimento
físico. Isso aparece no depoimento de Susan Barlin, quando diz: “antes eu pensava que era mais sobre
perfeição, agora eu sinto que é mais sobre conexão” (p.7).

56
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Bailarinos ao redor do mundo vem, cada vez mais, mostrando que é possível envelhecer dançando,
ao revelar que para fazer dança nem sempre é necessário trabalhar com especificidades técnicas mas,
muitas vezes, utilizar-se de experimentações diversas, qualidade na expressividade corporal e
criatividade na movimentação proposta, valorizando saberes que só o tempo é capaz de acarretar.
Propostas de trabalho vêm sendo desenvolvidas em formatos diversos, porém ainda sem evidência
perante a grande maioria da população, inibindo o reconhecimento dessa prática como oportunidade de
inserção de pessoas mais maduras no cenário artístico da dança.

Para York-Pryce (2014), é fundamental que informações relacionadas especificamente à


continuidade da carreira do bailarino, como memória muscular, experiência corpórea e habilidades de
desempenho que se mantém com o tempo, sejam consideradas, a fim de compreender que quem pratica
dança não precisa parar em um determinado período da vida. Uma etnografia realizada por Coupland (2013)
mostrou que o habitus da dança, no sentido mais profundo de incorporar a experiência vivida por essa
prática, pode ser ativado mais tarde na vida. Bailarinos mais velhos relataram serem capazes de retornar
à forma física por meio de treinamento e performances, associando uma considerável reflexividade crítica
à sua consciência corporal. Além disso, se permitem recontextualizar ideologias alinhadas aos jovens,
porém, explorando outras formas corporais de estar no mundo. Logo, a dança parece oferecer às pessoas
mais velhas um conjunto coerente de possibilidades representacionais para tornar seu eu corporal
apreciável, tanto para os outros como para si mesmos.

O espetáculo Kontakthof, citado anteriormente, trabalho de Pina Bausch realizado por uma
companhia profissional, ao trazer para a cena a expressividade de pessoas maduras e não profissionais da
dança como material estético e cênico (MEDEIROS e PEREIRA, 2012), provoca considerações sobre os corpos
maduros em cena, ao mesmo tempo em que colabora com a ampliação de possibilidades para as produções
da dança na maturidade, tanto profissionais quanto amadoras.

A prática artística da dança na maturidade no sul Brasil possui um universo com inúmeros festivais
específicos acontecendo ao redor do país. Esses eventos contam com uma grande quantidade de grupos
participantes, envolvendo bailarinos em torno dos cinquenta aos oitenta anos de idade. Com objetivos
diversos, os coreógrafos desenvolvem propostas audaciosas que buscam uma estética baseada na
autenticidade das criações realizadas, com toda certeza um campo em crescimento nos últimos vinte
anos que ainda não foi suficientemente explorado. As produções geralmente são apresentadas nesses
eventos, bem como em atividades que acontecem nas cidades de origem dos grupos, mas acabam não

57
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

ultrapassando esses espaços e ficam sem visibilidade diante do circuito artístico mesmo que amador e
local. Poucos são os grupos que entram no circuito cultural dos estados e regiões municipais onde se
encontram.

Segundo York-Pryce (2014), os bailarinos Mark Edward e Helen Newall postulam que a comunidade
de dança mais ampla precisa acolher estes praticantes maduros, com a sua experiência e conhecimento
incorporados, permitindo-lhes seguir com suas carreiras, independentemente da idade. E, aproveitando
esta colocação, consideramos que também a prática amadora da dança na idade madura precisa ser mais
amplamente vislumbrada como possível. Com o envelhecimento da população mundial, a sociedade em
geral está precisando mudar suas percepções, especialmente na dança, onde este fluxo de dançarinos
amadurecidos tem se evidenciado, impulsionando a quebra de limites na cultura da dança. Assim, um
processo gradual e insurgente dos hábitos relacionados aos corpos dançantes pode e deve, com o tempo,
alterar as representações corporais tradicionais e convencionais no universo da dança.

58
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

foto Wilson da Fonseca

59
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

TRILHANDO CAMINHOS
INVESTIGATIVOS

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Numa investigação científica, um bom processo de pesquisa, que propicie elucidações honestas
em relação à problematização apresentada, deve ser tratado através da escolha de uma metodologia
apropriada ao estudo, a qual possibilite uma coleta de dados que vá ao encontro das intenções de busca,
bem como uma análise que dê conta das inquietações iniciais do pesquisador.

Pensando sobre isso, vale salientar que o que instigou a realização deste estudo, partiu das minhas
experiências docentes e artísticas como pesquisadora no campo da dança, provocando desassossegos
relacionados à dança na maturidade. Ao atuar como professora de dança de um grupo de mulheres com
mais de 50 anos de idade, durante quatorze anos, o interesse pelas possibilidades de trabalho com o corpo
envelhecido foi, a cada dia, crescendo mais. Dessa forma, a experiência da práxis em dança e a
problemática inicial do estudo, provocaram escopos que, à medida que as reflexões teóricas foram
avançando, configuraram-se como suporte para a definição dos objetivos considerados basilares à
investigação.

A partir do exposto anteriormente, foram estabelecidos para esta investigação os seguintes


propósitos: como objetivo geral, intentamos compreender e analisar práticas de dança na maturidade que
proporcionam a experiência artística na Região Sul do Brasil, propondo outros parâmetros estéticos para
a dança. Para isso, buscamos: identificar e descrever as possibilidades de prática da dança enquanto
experiência artística com diferentes corpos, através de um olhar sensível às práticas que vem sendo
trabalhadas nesta direção, no Brasil; problematizar concepções de corpo e suas reverberações na prática
da dança com corpos maduros, para facultar o entendimento de eventuais conflitos e concordâncias sobre
o assunto; contribuir para a produção de conhecimento no âmbito da pedagogia da diversidade e seu
reflexo na atuação no campo da dança na maturidade; legitimar o potencial artístico da dança na
maturidade como parte do contexto da formação e pesquisa em dança, contribuindo para ampliar o
conhecimento e compreensão por parte dos futuros diretores, coreógrafos e professores que estão
emergindo no mundo do trabalho.

Design Metodológico

Na construção de uma pesquisa que possibilitasse investigar a temática aqui apresentada,


visamos percorrer um caminho que estivesse de acordo com o estudo, permitindo encontrar dados
significativos para a busca. Conforme Zamboni (2012), pode haver vários caminhos diferentes, mas sempre

61
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

tem um que se adapta melhor, pois leva em conta o ponto de vista pessoal do pesquisador, bem como o
paradigma em que ele está atuando. Essa escolha está intimamente ligada ao conjunto de regras e teorias
que fazem parte da pesquisa.

Neste sentido, ao buscar um método que se adaptasse à problematização deste estudo,


juntamente com nossas intenções de pesquisa, procuramos uma abordagem qualitativa que, conforme
Creswell (2010), tem um foco no significado individual e na importância da interpretação da complexidade
de uma situação. Assim, apontamos como alternativa a Grounded Theory.

A metodologia proposta foi apresentada pela primeira vez por Gaser e Strauss no livro The
Discovery of Grounded Theory, em 1967. É uma metodologia indutiva que se aproxima do assunto a ser
investigado sem uma teoria pronta. De acordo com Strauss e Corbin (1997), ela “é planejada para promover
o desenvolvimento de uma teoria eficaz” (p.7), começando com uma área de estudo em que se permite
aflorar o que é relevante. Para isso, seus dados são sistematicamente coletados e analisados, mantendo
uma contínua interação entre essas duas etapas. A Grounded Theory contém três objetivos definidos:
proporcionar uma base racional para a teoria que será desenvolvida pelo confronto dos dados; propor
padrões e procedimentos adequados a essa descoberta; e legitimar a pesquisa qualitativa como método
adequado para a criação de uma teoria. (GASQUE, 2007).

Ao optar por desenvolver um tema que ainda é bastante recente para o campo da Dança, vimos,
nessa concepção, uma possibilidade metodológica de auxílio no aprofundamento da compreensão sobre a
dança na maturidade, atividade profissional a qual viemos nos dedicando nos últimos dez anos. Neste
sentido, quando valoriza o contato do pesquisador com o objeto, a Grounded Theory assume a importância
desse pesquisador poder se sensibilizar com os dados encontrados, a partir de suas experiências prévias
com o assunto, como acontece neste estudo.

Mesmo assumindo a experimentação do campo empírico como importante aporte do pesquisador,


o mesmo deve, inicialmente, deixar seu conhecimento em estado de suspensão para que a teoria possa
emergir (Gasque, 2007). Dessa forma, nos colocamos abertas ao novo, na espera do que estava sendo
mostrado para, ao longo do estudo, construirmos a proposta teórica com suporte dos dados encontrados
e das sucessivas análises realizadas.

62
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Seguindo os pressupostos da Grouded Theory, a coleta e a análise dos dados aconteceram ao longo
da pesquisa, em diferentes momentos. São processos concomitantes que ocorreram através de uma
retroalimentação constante entre um e outro.

Inicialmente foi realizada uma busca exploratória no Google, utilizando termos como “produção
coreográfica”, “obra coreográfica” e “espetáculo de dança”, todas as expressões relacionadas às palavras
“maturidade”, “terceira idade”, “idoso” e “envelhecimento”, a fim de reconhecer o campo da pesquisa e
identificar a possível divulgação on-line dos grupos de maturidade, atuantes na Região Sul do Brasil, que
tivessem realizado alguma produção em dança com características de obra completa. Praticamente não
foram encontrados resultados nesta busca.

A partir desta primeira procura, reconhecendo a não inserção dos grupos na mídia virtual, optamos
pela aproximação do campo através dos festivais de dança que são realizados especificamente para este
público, através de um contato prévio com seus organizadores via carta (modelo consta em anexo na tese
original15). Aqui foi levado em conta que o mapeamento de dados sobre dança no Brasil ainda é bastante
incipiente nas entidades específicas da área e, desta forma, a utilização dos festivais se tornou bem mais
eficaz. Deste modo, decidiu-se fazer a seleção dos sujeitos de pesquisa mediante listagem dos grupos
inscritos nos principais festivais de dança da maturidade nos estados brasileiros do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná, os quais abarcam um grande número de grupos participantes. Os mesmos serão
identificados na sequência deste texto.

Paralelamente a isto, o projeto de pesquisa foi submetido ao comitê de ética da Universidade


Federal de Pelotas, recebendo aprovação, passo que acreditamos ser de importância para a consolidação
do campo de conhecimento em dança no contexto acadêmico. Compreendemos que ter um grupo de
profissionais referendando os procedimentos a serem utilizados respalda o pesquisador e legitima a
proposta do estudo.

Os colaboradores desta pesquisa foram os coreógrafos/professores de grupos de maturidade na


Região do Sul do Brasil, que já montaram espetáculos ou apresentações com este público e participaram

15
Na versão final da tese, disponível na Universidade de Lisboa, encontram-se anexados todos os documentos referentes à
instrumentalização da coleta de dados, a exemplo desta carta, modelos dos questionários, roteiros das entrevistas, termos de
autorização, validação dos instrumentos, transcrições das entrevistas, etc. A opção foi não trazê-los, em sua maioria,
diretamente para a estrutura do livro, visto que aqui é apresentada versão suscinta do trabalho acadêmico. Em caso de
interesse em acessar tais documentos, indicamos contato com a Universidade de Lisboa ou com a autora pelo email
danielallopartcastro@gmail.com.
63
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

de pelo menos um dos quatro principais festivais específicos de dança para a maturidade: Cassino em
Dança/RS, Festival de Dança de Piratuba/SC, Festival da Melhor Idade/PR e Confraria da Dança/SC 16.
Também os integrantes dos grupos selecionados constituíram o estudo, além das bailarinas do Grupo Baila
Cassino, da cidade de Rio Grande, todas elas com mais de 50 anos de idade.

Esse grupo foi escolhido por apresentar um trabalho de organização de espetáculos cênicos com
corpos maduros, que se aponta como pioneiro, bem como por possuir uma relação direta com a
pesquisadora, assim, a experiência com ele serve como parâmetro a ser usado para a construção dos
instrumentos de coleta e, em diálogo com o referencial teórico, também como análise dos dados,
facilitando o aprofundamento da compreensão sobre a temática da pesquisa para, de acordo com Lakatos
e Marconi (2001), extrair informações com o propósito de operacionalizar conceitos para o estudo
subsequente.

Ao delimitar o estudo, passsamos a organizar a instrumentação que seria utilizada para coletar as
informações necessárias à realização da pesquisa. Foram utilizadas três técnicas: o questionário, o grupo
focal e a entrevista, os quais serão apresentados na sequência deste texto.

O questionário, segundo Gil (2008), é uma técnica de investigação com o objetivo de coletar
opiniões, interesses, crenças, etc. Ele é composto por um determinado número de questões que são
apresentadas de forma escrita aos sujeitos da pesquisa. Procuramos, ao utilizá-lo, organizar um panorama
mais geral do assunto para posterior aprofundamento através da entrevista. Desta forma, este
instrumento serviu para mapear características básicas dos grupos de dança na maturidade que
frequentam os principais festivais de dança de nossa região e foi respondido pelos coreógrafos e
professores dos grupos. O contato com os mesmos foi feito através de uma carta-convite via email.

O inquérito por questionário contou, em sua formatação final, com dez itens referentes aos dados
de identificação e dezesseis questões fechadas. Foi submetido à validação (RAYMUNDO, 2009), durante o
segundo semestre de 2017. Para a autora, a validade de conteúdo refere-se à apreciação dos instrumentos
de coleta por diferentes examinadores, que analisam a representatividade dos itens em relação às áreas
de conteúdo e à relevância dos objetivos da pesquisa. Os juízes, ao atuarem de forma cooperativa na

16
Para informações mais detalhadas sobre os festivais, acessar os links:
http://www.festivaldedancapiratuba.com.br/arquivos_internos/index.php
http://cassinoemdanca.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/festivalmelhoridadeguarapuava/
https://www.facebook.com/confrariadadancamelhoridade/
64
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

construção das ferramentas de coleta, relacionam seus diversos itens a fim de manter o equilíbrio entre
os conteúdos e a qualidade das instruções, evitando induções e/ou opiniões excessivamente subjetivas no
recolhimento dos dados. Nesse estudo, a validação do questionário contou com cinco professores
doutores das áreas de dança e educação física que colaboraram de forma competente na reformulação
do instrumento, avaliando o mesmo através do preenchimento de escalas com notas para cada pergunta,
em relação a quatro aspectos: relevância, clareza, facilidade de leitura e compreensão do conteúdo, junto
com observações qualitativas sobre as questões.

Os questionários foram enviados via on line e respondidos pelos diretores dos grupos em fevereiro
2018. A partir de seus resultados17, definimos quatro critérios para a seleção dos grupos que participaram
da segunda etapa da pesquisa, quando foram realizadas entrevistas presenciais com diretores e
integrantes. Tendo em vista que a pesquisa buscou problematizar o entendimento de como práticas em
dança possibilitam desenvolver a experiência artística em corpos maduros, os critérios de seleção
definidos pelas respostas dos questionários foram: formas de apresentação, espetáculos realizados
apenas com bailarinos do grupo, tempo dos espetáculos 18 e proporção de atuação de seus bailarinos.
Encaixaram-se nos parâmetros seis grupos respondentes. A partir dos critérios estipulados procurou-se
selecionar os grupos que tinham como prática a produção de obras coreográficas e cênicas.

Na sequência, partimos para o grupo focal, que foi o procedimento utilizado para coletar as
informações preliminares. Com o intuito de chegar na elaboração das entrevistas, consideramos
necessário lançar mão da aplicação deste instrumento com o Grupo Baila Cassino. Tal procedimento
buscou revelar as percepções dos participantes em relação aos tópicos apresentados para discussão.
Conforme Barbosa (2008) coloca, é um grupo de discussão informal com o propósito de obter informações
qualitativas em profundidade. Ele é formado por pessoas que possuem alguma característica em comum
e por isso são convidadas a participar. Assim, o Grupo Baila Cassino aparece nesta proposta de

17
A tese original possui um item específico que detalha e analisa os resultados dos questionários, os quais atuaram como etapa
preliminar às entrevistas. Para o livro, escolhemos apresentar mais detalhadamente a análise dos grupos entrevistados por
considerar que este foi o foco principal da pesquisa.
18
Considerando que compreender a complexidade de uma obra de dança passa pela experiência de vivenciar montagens em sua
totalidade, as quais podem conter mais de uma coreografia, trocas de figurinos, estruturas de cenário e elementos cênicos,
iluminação e contra-regragem, bem como tudo que envolve o pré e o pós espetáculo, acreditou-se que estabelecer um tempo
mínimo de 11 minutos de realização das obras dos grupos enquanto critério de seleção, poderia auxiliar na percepção dessas
vivências pelos bailarinos, mesmo compreendendo que um trabalho de dança, para ser considerado uma obra artística, não
necessariamente, precisa ter um tempo definido. Essa necessidade se deu em função das peculiaridades apresentadas pelos
grupos de dança na maturidade.
65
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

investigação não apenas como nosso parâmentro de olhar, mas também como espaço potente para dar
diretrizes à construção dos instrumentos de coleta indicados.

Enquanto os questionários estavam sendo respondidos, foi realizado o grupo focal com 12
bailarinas do Baila Cassino, mulheres com mais de 50 anos de idade que participavam, na época, da criação
de espetáculos de dança há pelo menos cinco anos. As bailarinas foram incentivadas a conversar entre si,
relatando suas observações e preferências sobre um assunto previamente determinado, acompanhadas
da diretora geral. A aplicação do instrumento foi conduzida pela pesquisadora com registros em vídeo. O
grupo focal contou com 23 questões abertas e serviu de referência para a elaboração de critérios
auxiliares na organização das entrevistas a serem aplicadas com os grupos estudados.

Tanto o grupo focal como o inquérito por entrevista também foram validados pelos mesmos
professores doutores que auxiliaram no processo de construção do questionário, tendo sido utilizada a
mesma forma de avaliação, o que deu um respaldo importante aos instrumentos deste estudo.

O terceiro instrumento utilizado foi a entrevista. Para Negrine (1999), a entrevista permite que se
estabeleça um vínculo melhor com o entrevistado, devido à proximidade do encontro de conversação junto
à profundidade possível na realização das perguntas. Neste estudo foi aplicada a entrevista semi-
estruturada, estratégia pensada para obter informações de questões definidas previamente e, ao mesmo
tempo, oferecer liberdade ao entrevistado para dissertar sobre o tema. A mesma foi escolhida por ser
considerada a que melhor se adaptava ao estudo.

Depois de selecionados os grupos por meio dos resultados dos questionários, foi feito um contato
com seus coreógrafos e/ou professores para a possibilidade de realização das entrevistas que buscaram
obter informações sobre as montagens de espetáculos para posterior análise e compreensão dos
caminhos que vem sendo percorridos pelos profissionais que atuam com bailarinos maduros.

Foram construídos dois roteiros para o terceiro instrumento. O inquérito por entrevista organizado
para os coreógrafos conteve seis itens nos dados de identificação e nove questões abertas. Já o inquérito
por entrevista organizado para os bailarinos, um pouco mais enxuto, tinha cinco itens nos dados de
identificação e sete questões abertas.

De posse dos instrumentos, depois de validados, retornamos à coleta, de forma presencial,


visitando os grupos em suas cidades de origem, durante os meses de outubro e novembro de 2018.
Buscando aprofundar conhecimentos através da entrevista, realizada com os profissionais que melhor se
66
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

enquadraram no perfil buscado pelo estudo, entrevistamos os coreógrafos e também os bailarinos. A


entrevista com os coreógrafos aconteceu de forma individual e a realizada com os grupos foi coletiva,
aproveitando o incentivo de uns com os outros durante a conversa que ocorreu. Foi decidido manter o
anonimato dos entrevistados, visto que o Termo de Consentimento utilizado continha uma cláusula
referente à confidencialidade do estudo como um de seus critérios éticos. Assim, cada participante foi
apelidado por um nome fictício, de maneira a manter a construção das falas, mantendo o sentido da
narrativa nos textos apresentados.

Após esta etapa foi iniciada a fase de codificação aberta que, de acordo com Strauss e Corbin
(1997), é o processo analítico pelos quais os conceitos são identificados e desenvolvidos em relação às
suas propriedades e dimensões. Para isso, utilizou-se um método específico de análise das informações
coletadas, conhecido como ATD – Análise Textual Discursiva. O texto a seguir elucida o caminho percorrido
neste momento da investigação até chegar à compreensão dos resultados buscados.

A Análise Textual Discursiva nas Entrevistas

A metodologia adotada neste estudo, conhecida como Grounded Theory, possui ampla relação com
o método escolhido para analisar os dados coletados nas entrevistas, a Análise Textual Discursiva (ATD).
Conforme Strauss e Corbin (1997), a Grounded Theory se aproxima do assunto a ser investigado
indutivamente, sem necessitar testar uma teoria a priori. Busca desenvolver uma teoria fundada em dados
sistematicamente coletados e analisados, numa contínua interação entre essas duas etapas, procurando
entender como e por que os fenômenos acontecem de determinadas maneiras. Já a Análise Textual
Discursiva, de acordo com Moraes e Galiazzi (2007), constitui-se num esforço para expressar intuições e
entendimentos alcançados a partir da impregnação com o corpus de análise, buscando ampliar a
compreensão dos fenômenos investigados. Num movimento espiralado, retomam-se periodicamente os
entedimentos já atingidos, na procura de mais sentidos, através de interlocuções teóricas e empíricas.

Considerando as definições apresentadas, percebemos as aproximações entre as duas propostas


metodológicas, verificando uma possível complementaridade entre elas. Desta forma, optamos por criar
um diálogo entre os métodos, seguindo o direcionamento da pesquisa, dado pela escolha da Grounded
Theory como método norteador porém, articulando a Análise Textual Discursiva como metodologia de

67
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

análise e interpretação das informações apuradas nas entrevistas, já que essa apresenta um
detalhamento organizacional bastante coerente e didático.

Consoante a Grounded Theory, após coletar todos os dados necessários, isto é, quando eles
passaram a se repetir, deve ser iniciada a codificação axial que busca aprimorar e diferenciar as categorias
resultantes anteriormente, formando proposições sobre o assunto. Logo a seguir surge a codificação
seletiva que refina todo o processo em um nível mais abstrato, identificando a categoria central da teoria,
com a qual todas as outras estão relacionadas. (GASQUE, 2007). Neste momento acontece a redação final
da teoria, sintetizando a essência do material analisado e, a partir disso, deixando proposições referentes
ao tema abordado durante a pesquisa.

Percorremos essas etapas através da ATD, por permitir uma sistemática bastante detalhada na
organização dos dados, o que facilitou grandemente a estruturação de todo material. Assim, fazendo uma
relação direta com a Grounded Theory, especificamente para análise das informações obtidas nas
entrevistas, foi utilizado o método de Análise Textual Discursiva, criado por Roque Moraes e Maria do Carmo
Galiazzi. Conforme os autores (MORAES E GALIAZZI, 2007), é uma metodologia de análise qualitativa
extremamente minuciosa, com a finalidade de produzir novas compreensões sobre os fenômenos e
discursos, requerendo do pesquisador a atenção e a rigorosidade em cada etapa do processo. Esse método
tem como procedimento: a desmontagem dos textos, com objetivo de examinar os detalhes; o
estabelecimento de relações, ou seja, construir associações entre os elementos linguísticos do texto; a
captação de um novo emergente, isto é, a capacidade para produzir uma nova combinação entre os
elementos; e, finalmente, um processo de auto-organização que pode resultar em criação e originalidade.
As etapas são conhecidas como: unitarização, categorização, metatextos e auto-organização.

A ATD parte do pressuposto que toda leitura é uma interpretação, portanto, nunca pode ser única.
Assim, pretende-se construir compreensões a partir do conjunto de textos que a investigação apresenta,
analisando-os e expressando alguns dos sentidos e significados que possibilitam ter. A multiplicidade
desses significados tem sua origem nas diferentes teorias que o pesquisador adota ao longo do estudo.
Esse método permite construir pressupostos teóricos com base no material que analisa, ficando os
mesmos conhecidos como teorias emergentes da análise. O conjunto de dados da pesquisa é denominado
de “corpus” e representa as informações recolhidas ainda como matéria-prima. Os textos do corpus
apresentam significantes, os quais exigem que o pesquisador construa significados de acordo com sua

68
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

perspectiva, tratando de um exercício hermenêutico de interpretação que precisa, também, considerar


sempre o outro polo, isto é, o autor do texto original. (MORAES e GALIAZZI, 2007).

A primeira etapa do método, chamada Unitarização, consiste num processo de decomposição dos
textos, colocando o foco nos detalhes e nas partes que os compõem. Dessa fragmentação surgem as
unidades de análise, também conhecidas como unidades de significado ou de sentido. Para chegar às 214
unidades de significado deste estudo, as mesmas foram elaboradas em consonância com os objetivos da
pesquisa, junto aos conhecimentos prévios do assunto. Como forma de saber quais os documentos que
deram origem a cada unidade e como retornar aos fragmentos, foram criados códigos específicos. Assim,
num processo recursivo de leituras das entrevistas, individualmente destacamos no texto em cinza (cor
do realce do texto) as frases consideradas significativas para este estudo. A marcação em caixa alta e em
negrito dentro dos parênteses referem-se aos títulos das categorias iniciais, conforme exemplo abaixo:

Entrevistado: Alan Andrade / CÓDIGO: AA

D: Na tua metodologia de trabalho como é que é desenvolvida a criação em dança, com os integrantes
que o grupo dispõe?

A: Desde o início eu trabalho com criação coletiva. Tem eu ali à frente do trabalho dirigindo,
coordenando, selecionando o que vai pra cena e o que não vai, propondo desafios de movimento,
propondo técnicas, propondo exercícios, propondo atividades, propondo aulas pra direcionar o trabalho,
mas ele é muito construído de forma coletiva. Principalmente na maturidade, porque ás vezes eu penso
em uma determinada coisa, mas aqueles corpos não conseguem desenvolver. Hoje eu conheço mais o
grupo né? AA17 (CRIAÇÃO EM DANÇA)

Com relação às falas dos entrevistados, as mesmas foram codificadas com duas letras no início,
referindo-se às iniciais do autor da fala, seguida de uma numeração que representa a ordenação da
unidade de significado extraída dessa entrevista. De acordo com o exemplo dado, é a décima sétima
unidade de significado da entrevista concedida pelo coreógrafo Alan Andrade. A codificação contribui para
que o texto possa ser revisado sempre que necessário, sem perder o contexto de onde as unidades foram
extraídas.

69
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Sobre as falas dos alunos, foram utilizadas as iniciais do coreógrafo do grupo, seguido da letra
inicial do nome de cada aluno. Desta forma, as falas dos grupos possuem uma letra a mais em seu código,
conforme exemplo abaixo:

Entrevistada: Zilda - aluna prof. Erik Gomes / CÓDIGO: EGZ

D: Queria saber o que é Dança pra vocês?

L: Ai, a Dança pra mim é vida! Eu amo dançar! Eu acho que a gente se realiza dançando, eu pelo menos,
me realizo dançando.

EGZ2 (O QUE É DANÇA)

O segundo momento do ciclo de análise é a categorização das unidades anteriormente


construídas. Conforme Moraes e Galiazzi (2007), “a categorização é um processo de comparação constante
entre as unidades definidas no momento inicial da análise, levando a agrupamentos de elementos
semelhantes” (p.22). Esta etapa implica nomear e definir as categorias, cada vez com maior precisão,
constituindo os elementos de organização dos metatextos que se pretende escrever.

Nesta pesquisa as categorias foram produzidas de forma indutiva, num processo de comparação
e contraste constante entre as unidades de significado, para criar conjuntos de elementos semelhantes,
onde surgiram construções teóricas elaboradas a partir do corpus do estudo. O essencial neste processo
é propiciar uma compreensão dos fenômenos investigados, sendo necessário que as categorias sejam
pertinentes, mantendo relação com os objetivos e objeto de análise, bem como sejam homogêneas no que
se refere a um mesmo contínuo conceitual. (Moraes e Galiazzi, 2007). Desta forma, as categorias
provisórias que surgiram das relações entre as unidades de significado foram três:

A primeira construção foi chamada de “experiências artísticas e parâmetros estéticos da dança


na maturidade”, tratando das vivências artísticas proporcionadas aos integrantes dos grupos, a partir dos
trabalhos desenvolvidos.

70
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

A segunda categoria provisória, intitulada inicialmente “corpos aptos para dançar em idade
madura”, buscou tratar do corpo maduro na dança, mostrando que a prática amadora da dança na
maturidade provoca o desafio de compreender e aceitar as produções na área como parte integrante do
campo de conhecimento da dança. Ao abordar os bailarinos maduros, as limitações que surgem, os pré-
conceitos impostos, procura-se saber o que este corpo pode e o que ele quer.

A terceira e última chamou-se “Práticas de dança na maturidade e concepções de corpo”, onde a


intenção foi associar a maturidade corporal na dança com a importância de uma pedagogia da diversidade
que, cada vez mais, se mostra necessária ao desenvolvimento das diferentes práticas de dança que se
apresentam mundo afora.

Quando chega o momento de expressar as compreensões atingidas – o Novo Emergente (terceira


etapa do método de análise em questão), de acordo com Moraes e Galiazzi (2007), a ATD visa construir
novos textos que se originam a partir dos textos originais do corpus. Conhecidos como metatextos, esses
textos expressam a compreensão do pesquisador sobre os significados e sentidos construídos a partir
deles. A intenção é que surjam argumentos centralizadores em cada uma das categorias, ao mesmo tempo
em que seja elaborada a tese principal, a qual serve como elemento estruturador de todos os componentes
dos diversos textos. A organização das categorias constitui-se no alicerce teórico emergente, a partir do
qual o pesquisador pode realizar reflexões e interpretações cada vez mais distantes do referencial
empírico. Os metatextos configuram a etapa final da análise, foram construídos a partir de todo processo
realizado anteriormente e serão apresentados na última parte deste livro.

71
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

foto Mauren Rodrigues

72
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

COMPREENDENDO O
CAMPO DE ESTUDOS

73
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

A primeira etapa da pesquisa de campo aconteceu entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018,
através do envio do questionário para os grupos reunidos nas listagens dos quatro festivais da Região Sul.
Participaram desta coleta 17 grupos que responderam ao inquérito por questionário.

Considerando que o objetivo maior deste estudo foi investigar práticas de dança na maturidade
que proporcionam a experiência artística na Região Sul do Brasil, propondo outros parâmetros estéticos
(não convencionais) para a dança, os entrevistados foram escolhidos a partir de critérios que os
aproximassem da busca pela compreensão sobre o assunto da pesquisa. Tanto os questionários como as
entrevistas foram pensados, inicialmente, enquanto instrumentos para obter informações dos
coreógrafos/professores. A inclusão dos bailarinos como possíveis respondentes aconteceu durante o
processo, buscando qualificar a contextualização dos gupos.

Assim, a partir dos 17 coreógrafos que responderam os questionários, foram selecionados seis
grupos do contexto amador de dança que se enquadraram nos critérios escolhidos. O grupo Baila Cassino
foi um deles entretanto, devido à sua aproximação com a autora do estudo, para além da participação na
pesquisa através do grupo focal, estabeleceu-se que o mesmo seria suprimido desta etapa da pesquisa.

Unindo as informações concedidas pelos grupos selecionados19, desde os questionários até as


conversas nas entrevistas, apresentamos a seguir a formação acadêmica dos cinco
coreógrafos/professores entrevistados, bem como as características destes grupos, a partir das
respostas dadas pelos próprios coreógrafos/professores e por 24 dos bailarinos integrantes dos grupos.
Salientamos o anonimato de todos através do uso de nomes fictícios.

O Grupo Karité é do estado do RS, possui 8 bailarinos, 1 profissional e existe há 12 anos. São 2
encontros semanais, de 4 horas de duração cada, pelas manhãs. Um dos dias é voltado para a preparação
corporal e conversas reflexivas sobre questões pessoais e do trabalho que está em desenvolvimento. O
outro dia é específico para a construção das montagens coreográficas e tudo que diz respeito a isso. O
diretor é Alan Andrade (42 anos), licenciado em Dança e em Artes Visuais, mestrando em Artes Visuais,
com formação em Teatro, cursos e oficinas nas diferentes linguagens artísticas.

Romã é um grupo de SC, com 12 bailarinos, 1 profissional e 4 anos de existência. Nas duas aulas
semanais, a metodologia é definida como uma dança terapêutica, de autoconhecimento e liberdade

19
Os grupos que participaram das entrevistas receberam nomes fictícios como forma de garantir seu anonimato e, ao mesmo
tempo, deixar a escrita mais fluída para o leitor.
74
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

interna, buscando a consciência de ser mulher. Os encontros partem da energia que o grupo demonstra
naquele momento e o trabalho vai sendo construído a partir da vivência de cada uma. Ester Carvalho (66
anos), diretora, é graduada em Administração, técnica em Magistério de Dança, com formações variadas
em dançaterapia, dança contemporânea, dança do ventre e contato-improvisação.

Carambola, o segundo grupo do RS, existe há 21 anos, contando com 70 bailarinos e 5 profissionais.
O espaço é direcionado para a maturidade e funciona nos 3 turnos com aulas variadas (ballet, ritmos,
alongamento, pilates, tango, sapateado, dança do ventre, limpeza coreográfica e aulas personalizadas).
As aulas, em torno de 4 por semana para o grupo, focam no preparo físico e qualidade de vida junto ao
desenvolvimento das composições coreográficas. O diretor Erik Gomes tem 60 anos, é técnico em
Contabilidade, licenciado em Educação Física com Especialização em Dança. Também aluno de graduação
em Design e Moda, bailarino de ballet clássico, jazz e dança contemporânea.

Caqui é outro dos grupos de SC, com 15 integrantes, 13 anos de existência e 1 profissional. Com 2
aulas por semana, os encontros costumam ter 2 horas de duração cada. Em períodos de festivais
acontecem mais vezes na semana. As aulas buscam um preparo físico e técnico da dança de salão. As
coreografias vão sendo construídas durante os encontros e têm partes elaboradas pelos bailarinos. O
grupo é dirigido por Roberto Ribeiro (40 anos), licenciado em Educação Física, com Especialização em Dança
- Dança de Salão. É bailarino de dança de salão e performer circense.

O quinto grupo pesquisado foi o Amora, do RS, que existe há 17 anos. Possui 15 bailarinos, 1
profissional e 1 aula por semana. Tem como objetivo principal desenvolver um trabalho voltado para a
saúde, através da dança como arte, para que a arte seja libertadora. O encontro inicia com um preparo
físico, seguido de pequenas sequências coreográficas, culminando no ensaio das coreografias já
existentes. Sempre com uma atenção especial para as especificidades da saúde do idoso. Sofia Kramer (56
anos) é a diretora. Licenciada em Educação Física e Bacharel em Direito, tem 4 cursos de especialização:
em Dança, em Folclore, em Ginástica e em Envelhecimento e Qualidade de Vida. É atriz, bailarina e
facilitadora de Danças Circulares.

Na seção subsequente apresentaremos a discussão e reflexão dos dados recolhidos com as


entrevistas realizadas com coreógrafos e bailarinos dos grupos selecionados, expondo um compêndio
daquilo que, a nosso ver, revela um pouco da dança que vem sendo realizada com pessoas maduras no sul
do Brasil. Não se trata apenas da descrição do que nos foi narrado, mas sim da interpretação da linguagem
viva de cada um dos participantes deste estudo, destacando aspectos comuns, mas também
75
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

diferenciadores, assim como tentando delinear como uma espécie de perfil ou suas variantes para o
contexto específico da pesquisa.

Diante desse processo, ao mesmo tempo em que interagimos com os entrevistados,


fundamentamos os aspectos tratados, relacionando-os com a problemática apresentada, através do
referencial teórico norteador deste estudo.

Antes de passarmos à apresentação da discussão e reflexões acerda dos dados recolhidos,


consideramos importante destacar que elegemos categorias estruturantes de análise, construídas
através do método da ATD, à qual as entrevistas foram submetidas, obedecendo a uma sistematização e
organização das informações, de acordo com os objetivos propostos para esta investigação.

À luz dessas categorias, analisamos o fazer artístico de grupos amadores de dança que
desenvolvem atividades com pessoas mais maduras, procurando refletir sobre o conteúdo registrado
durante as coletas e as questões que dele emergem.

A primeira categoria apresentada discorre sobre o corpo maduro que dança, atentando para os
preconceitos, as limitações e, ao mesmo tempo, as possibilidades de atuação dos idosos perante esta
prática. A categoria seguinte trata sobre os processos de criação e a obra artística que permeia os
trabalhos dos grupos com a maturidade. E, por último, mas não menos importante, uma terceira categoria
que procura compreender as experiências de ensino e aprendizagem que são desenvolvidas com os grupos
pesquisados. Na sequência são apresentados os textos referentes a cada uma delas.

76
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

BAILARINO MADURO:
o que este corpo
pode? O que este
corpo quer?

77
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Ao refletir sobre os corpos dançantes em idade madura, buscamos aproximar as falas dos
entrevistados de suas experiências com a prática da dança, relacionando os pontos de vista de cada um
deles, na tentativa de compreender como se apresenta este campo de estudo.

Conforme apresentamos no capítulo de enquadramento teórico, percebemos que existe um ideal


de corpo estigmatizado na sociedade contemporânea ocidental, que acaba definindo as permissividades
e exclusões às quais os indivíduos se balizam para definir o que podem ou não fazer com seus corpos. Como
coloca Barros (2006), construiu-se um conjunto de saberes e técnicas de intervenção em relação à velhice,
que a apresentam como um problema social o qual pode ser resolvido, desde que o dito velho se disponha.
A juventude passa a servir de modelo a ser seguido, deixando de ser compreendida apenas como um dos
momentos da vida. Dessa forma, ela se apresenta como um contraste à velhice e como um padrão de vida
que deve ser estendido a todas as faixas etárias.

A fala20 da coreógrafa21 Ester Carvalho reforça esta ideia, quando a mesma afirma que a
idealização de um padrão de corpo funciona como meio de controlar a população para que a mesma siga
os interesses do poder dominante, evitando, assim, questionamentos sobre a sociedade.

Não existe só para a dança, mas para tudo... Isso é uma maneira de nos manipularem através da mídia,
publicidade, que criam corpos e estéticas. (EC4, entrevista, outubro 9, 2018)

Debert (1999) nos fornece a explicação teórica para perceber, a partir da fala da entrevistada, o
que está posto na sociedade ocidental:

As idades são um mecanismo poderoso e eficiente na criação de mercados de consumo, na


definição de direitos e deveres e na constituição de atores políticos, sobretudo porque têm
independência e neutralidade na relação com os estágios de maturidade física e mental. Tratar
das idades cronológicas é reconhecer que elas são um elemento fundamental na tarefa do
Estado Moderno, tão bem caracterizada por Foucault, de estabelecer a ordem generalizando,
classificando e separando categorias. (p.76-77)

Corroborando este pensamento, Gusmão (2008) observa que o sistema ocidental inicialmente
condena o velho e a velhice e, logo a seguir, resgata-os, não na condição de cidadãos com direitos, mas de

20
As citações dos entrevistados serão apresentadas dentro de quadros, como forma de ressaltar que são falas transcritas
originalmente das conversas realizadas entre a pesquisadora e os grupos participantes neste estudo.
Levando em consideração o objetivo desta pesquisa, que mantém o foco na experiência artística da dança na maturidade, foi
21

adotado, na análise dos dados, a terminologia ‘coreógrafo’ para designar os profissionais responsáveis pelos grupos
entrevistados, já que os mesmos assumem mais de uma função em seus trabalhos.

78
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

mercadorias e consumidores. Assim, para resistir à finitude da vida, saem todos em busca de alternativas
pessoais fornecidas pelo capitalismo, como as práticas de rejuvenescimento, os complexos vitamínicos,
os cosméticos e o turismo exacerbado. A ideologia da velhice busca construir a imagem de um velho mais
dinâmico, atingindo homens e mulheres da chamada ‘terceira idade’, eufemismo usado por esse mercado
para tornar a velhice pretensamente mais aceitável.

A coreógrafa Sofia Kramer, ao comentar sobre o seu grupo de trabalho, diz:

Eu tenho problema com nomenclaturas. Assim ó, o que eu mais gosto e mais uso, Sênior ou Adulto Maior,
de preferência Adulto Maior. Porque a gente perde a identidade e isso é muito complicado, então, eu
tenho todas as idades e uma nomenclatura de Terceira Idade, Maturidade, Melhor Idade? (SK11,
entrevista, novembro 12, 2018)

Dessa forma, a entrevistada questiona as classificações e terminologias utilizadas para enquadrar


as pessoas de acordo com sua idade biológica e, junto a isso, a invisibilidade que surge com a chegada da
fase da vida mais relacionada ao envelhecimento. Complementa sua fala com a seguinte colocação:

Enquanto idoso ninguém mais reconhece, anda na rua quase que invisível, ninguém mais se interessa,
e ainda tiram o adulto da pessoa? (SK12, entrevista, novembro 12, 2018)

Junges (2004) coloca que é necessário superar a esquizofrenia cultural evidenciada pela
contradição entre, por um lado, a crescente longevidade propiciada pela medicina e, por outro, a notória
inutilidade a que é reduzida a pessoa mais velha na sociedade atual. Conforme Gusmão (2008, p.122), “o
velho e a velhice fazem parte da vida sociocultural, mas nela estão sem lugar. São, pois, sujeitos reprimidos
no contexto social, sem possuir ou ter uma forma óbvia de expressão”.

Coupland (2013), observa que na dança, a invisibilidade dos corpos maduros também é reforçada
pelos trabalhos que buscam, em primeiro plano, transmitir as virtuoses do movimento, estruturando-se,
dessa forma, a partir de um olhar da juventude. Por outro lado, o autor salienta que a aparência do
envelhecimento está associada a uma tendência de repulsa do olhar, o que afasta o interesse em ampliar
as manifestações que aqui se integram.

Tais reflexões mostram o quanto se torna difícil romper com os padrões estabelecidos e realizar
trabalhos de dança que proponham outras estéticas e formas de ver o mundo. O coreógrafo Alan Andrade,
relatando o início de sua trajetória profissional, fala sobre a força desta imposição social:
79
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Quando comecei eu acreditava que era preciso ter um corpo específico para a dança, que era preciso
ter um corpo esguio, magro, que desenvolvesse uma técnica específica, um corpo que tivesse uma
base tal para a dança, né? Hoje eu acredito que todos os corpos podem dançar! Desde que tu faças um
trabalho específico para aquilo que tu pretendes desenvolver. (AA12, entrevista, outubro 22, 2018)

Erik Gomes, outro dos coreógrafos entrevistados, acrescenta:

Com 35 anos de idade já achava que eu estava me aposentando. Hoje estou com 60 e sei que vou
conseguir fazer muito mais tempo coisas bonitas – longe do que eu fazia com 15, 16, 20, 25, 30 anos –
mas dentro do que eu posso fazer, fazer com vontade, com garra e tu te surpreendes! Porque se
consegue coisas fantásticas. (EG12, entrevista, outubro 8, 2018)

Essas falas demonstram o quanto de potencial existe para ser desenvolvido na dança com pessoas
maduras. De acordo com Neri e Cachioni (2004), “as perdas intelectuais ocasionadas por fatores biológicos
que se traduzem, por exemplo, em lentidão no tempo de reação, em dificuldades no processamento da
informação e em perdas de memória imediata, podem ser compensadas por ganhos em experiência de
vida” (p.122). Assim nos mostram alguns exemplos do campo estudado:

Eu tinha uma aluna que não faz mais parte do grupo, e ela tinha uma perna mais curta, andava de
bengala e ela era a minha melhor bailarina. Ela era o melhor ouvido musical, e quando ela ia caminhando
ninguém acreditava. Ela dançava Berioska deslizando as pernas! Então a gente sabe que o palco dá essa
magia. (SK34, entrevista, novembro 12, 2018)

Sobre isso, o coreógrafo Erik Gomes observa:

Eu penso assim, que se o bailarino, ele está se sentindo bem e ele consegue desenvolver e consegue
dançar com facilidade aquilo que ele quer, ele tem o físico que ele quiser! [...] Em verdade, eu penso
assim, que limitar alguém de dançar alguma coisa, tirar alguém do prazer que está dentro do seu
coração pelo físico, pelo peso é completamente estranho pra mim. Isso me machuca! [...] Se o bailarino
tem um domínio sobre isso, se isso não vai complicar a sua maneira de dançar, não vai tirar seu fôlego,
se ele não se importa com isso... Meu Deus, dancem! (EG11, entrevista, outubro 8, 2018)

Ao acreditar que a dança é uma manifestação plural, concordamos com Amans (2013) quando diz
que em uma sociedade que favorece os jovens, as artes têm potencial para desafiar a cultura dominante

80
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

na qual as pessoas mais velhas são frequentemente apresentadas como diferentes. A autora afirma que
os idosos são indivíduos diversos, assim como pessoas de qualquer idade. E muitos deles gostam de
dançar. Por conseguinte, compreender o bailarino maduro em sua individualidade e evidenciá-lo em cena
pode, também, ser constitutivo do universo da dança na contemporaneidade.

Manifestar-se, pois, faz parte do mundo da cultura e do humano enquanto ser vivo,
independentemente da idade cronológica de cada um. Como explica Gusmão (2008):

A maturidade, compreendida como parte da cultura, seu processo e seu produto, torna-se capaz
de gerar outros frutos que possibilitam a continuidade, não do indivíduo em si mesmo, mas de
seus atos, feitos e conquistas. Os produtos culturais assim criados persistem para além dos
indivíduos, para além do velho e da velhice, na continuidade da história de seus imediatos, e
também na de seu grupo e de sua humanidade. Tudo e todos como parte da história do mundo e
por ela responsáveis. (p.135)

As manifestações artísticas podem (e, ao nosso ver, devem) estar presentes na vida das pessoas
em todo seu percurso. Enquadrar, então, em compartimentos de idade, restringe a expressividade e, com
isso, as potencialidades que ainda poderiam ser exploradas de diferentes maneiras ao longo do
desenvolvimento do ser humano. Entretanto, as transformações existem, principalmente as perdas de
potência física que vão surgindo com o passar dos anos, a questão é saber lidar com essas perdas, ao
mesmo tempo em que a proposição de trabalhos de dança pode potencializar o reconhecimento de novas
habilidades, como por exemplo uma maior percepção de si em termos biológicos e emocionais, colaborando
com uma visão de mundo diferenciada da que está posta na contemporaneidade.

Conforme a bailarina22 Zilda, o envelhecimento vai transformando as pessoas sem que as mesmas
percebam:

Eu sinto que de uns anos pra cá, eu tenho alguma limitação. Porque eu sempre fui uma pessoa muito
ativa e sempre fiz tudo com pressa, eu era meio ansiosa e agora eu tenho que me dar conta que, às
vezes, o meu pensamento é muito mais rápido que a minha resposta do meu corpo, entendeu? Então
assim ó, as vezes eu quero fazer uma coisa, penso assim: “Peraí! Eu tenho que diminuir essa ansiedade,
fazer as coisas com mais calma, né”. (EGZ5, entrevista, outubro 8, 2018)

22
Durante a análise dos dados nesta pesquisa, como forma de referência aos integrantes dos grupos entrevistados, foi escolhido
utilizar também a terminologia “bailarino”, considerando que os próprios coreógrafos nomeiam seus alunos deste modo.
81
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Denise e Lúcia, nas falas seguintes, reforçam este pensamento quando salientam que seus corpos
respondem de maneira diferente ao que gostariam:

O corpo não acompanha as vontades da gente. Por exemplo, eu tenho prótese na perna direita, aí assim,
até na piscina, pra sair da piscina se não tem a escadinha eu fico fazendo onda por ali, dou uma olhada
porque eu não consigo dobrar o joelho, aí esses dias eu fui tentar fazer ligeiro e rolei que nem um
croquete. (Risos). Então, a gente vê limitação, não aceita, mas é! (SKD2, entrevista, novembro 12, 2018)

E eu com 80 anos eu sinto muito as limitações que eu tenho, que eu acho até que não são tantas sabe?
Mas o que eu tenho, que eu sinto, é que o espírito não envelhece, porque eu queria, ... Vontade eu tenho!
(SKL2, entrevista, novembro 12, 2018)

Foellmer (2017), em seu texto, levanta uma questão importante sobre os corpos com deficiência
que, a nosso ver, acompanha a mesma lógica da visibilidade dos corpos maduros em cena. Enquanto a
dança tradicional segue propondo uma certa “zona de conforto” para os espectadores, trabalhos que
provocam exposições extremas, no palco, do que é convencionalmente percebido como fraqueza e
incapacidade confrontam os conceitos de um virtuosismo exarcebado. Isto, muitas vezes, é instigado
através de restrições de movimentos na obra, onde o foco principal está na problematização do que
realmente seria incapacidade e capacidade perante a vida como um todo. Rever e buscar não consolidar
ou reforçar, assim, os preceitos convencionais implícitos na prática da dança com pessoas de mais idade,
faz-nos pensar sobre as infinitas possibilidades de criação, bem como as possiveis reverberações sociais
dessas produções artísticas.

A opinião sobre a viabilidade de realizar um trabalho com dança na maturidade é consoante entre
a maioria dos entrevistados, sejam eles coreógrafos ou bailarinos. É possível, mas há que saber como
fazer, como manter um equilíbrio nas propostas de movimento, considerando os diferentes corpos dos
bailarinos. Como propõe Alan:

Todos os corpos são capazes de dançar, independente de limitações físicas, psíquicas, enfim de todas
as limitações que a gente sabe que existem, eu acredito que todas as pessoas devam se aproximar
desse universo. (AA27, entrevista, outubro 22, 2018)

E a bailarina Maria do Carmo complementa:


82
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Mas é aquilo, como qualquer outra atividade, a gente tem que saber o limite e aqui, felizmente, o Alan
tem essa sensibilidade de não forçar, então vamos com calma, né? (AAMC8, entrevista, outubro 22,
2018)

De acordo com Neri e Cachioni (2004), dizer que na velhice ocorrem mais perdas do que ganhos
não significa dizer que velhice é sinônimo de doença e nem que as pessoas ficam impedidas de estar em
atividade. Mesmo considerando pontos de vistas que seguem a racionalidade baseada no conceito de
“normalidade”, podemos continuar refletindo na linha do que estes autores colocam quando apontam que
o que decresce com a idade é a plasticidade, ou seja, a flexibilidade e a rapidez com que o indivíduo pode
mudar em termos comportamentais, físicos e psicossociais. Eles lembram, e continuamos concordando,
que viver significa adaptação constante, tanto em termos biológicos quanto psicológicos e sociais.
Observamos que também os entrevistados indicam esta direção de pensamento. Segundo Erik Gomes, o
conhecimento do próprio corpo proporciona o prolongamento do período ativo durante a vida:

Nós bailarinos, com o tempo, a gente – é normal sentir mais dor! Os músculos enfraquecem e a gente
acha que aquela dor é um sinal que tem que parar. Pelo contrário! Te mantém, te aquece, desenvolve,
segue a rotina que tudo vai pro lugar. (EG13, entrevista, outubro 8, 2018)

Diversos bailarinos dos grupos entrevistados reforçam este pensamento quando argumentam
sobre sua percepção corporal nas atividades de dança. É o caso de Maria do Carmo, quando afirma:

A gente vive o dia a dia como se fosse uma adolescente. Porque a gente faz coisas, né? Que até as
pessoas olham pra gente e dizem: “Nossa! Como é que vocês conseguem fazer isso?” Até porque muitos
jovens não têm a agilidade da gente. (AAMC9, entrevista, outubro 22, 2018)

E Lúcia se refere a exposição do envelhecimento em seu corpo.

Mas eu não me preocupo, as minhas rugas estão bem aqui! Estão comigo, meu cabelo branco também!
(SKL4, entrevista, novembro 12, 2018)

Através dessas declarações, podemos perceber que, para os integrantes dos grupos de
maturidade, o reconhecimento de suas transformações, muitas vezes nomeadas por eles como limitações,
não é impedimento para acreditar que é possível seguir ativo ao longo da vida, indo ao encontro do que foi
publicado no estudo a seguir. Em uma pesquisa com alunos de uma universidade da terceira idade, - e

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

salvaguardando qualquer comparação, pois em cada estudo os respetivos resultados são válidos para o
contexto específico em que decorrem - Simões (1994) pesquisou 34 discursos reveladores, mostrando que
a corporeidade vivida pelos idosos comporta restrições e eles têm consciência disso. No entanto, essa
questão não é empecilho para que eles percebam a importância de participar das atividades motoras
propostas no curso, vivenciando as novas experiências sem a preocupação exagerada com os
preconceitos que a sociedade manifesta em relação a seus corpos.

Então, entendemos que as atividades práticas preocupadas com um olhar específico para o
envelhecimento, podem provocar a compreensão dos mais velhos em relação às permissividades
relacionadas a seu próprio corpo. Conforme Debert (1999), a experiência contemporânea impõe a revisão
das concepções teóricas em que o curso da vida é periodizado como uma sequência evolutiva unilinear
onde, apesar das particularidades sociais e culturais, cada etapa tem um caráter universal. Isto posto, é
importante repensar a compreensão sobre o curso da vida e como ele vem sendo ponderado na dança com
a maturidade, levantando alguns questionamentos neste estudo: como os coreógrafos estão
desenvolvendo os trabalhos com os grupos para assegurar um conhecimento de si? De que forma os
bailarinos reconhecem percepções de si, a exemplo de suas fragilidades, e trabalham com elas e a partir
delas para a construção do processo coreográfico? Como os profissionais estimulam de fato esse
reconhecimento e provocam este tipo de trabalho de dança?

Os coreógrafos Erik Gomes e Roberto Ribeiro, ao falarem sobre seus modos de trabalhar com a
maturidade, demonstram que as abordagens praticadas em aula definem a concepção de vida que
acompanha os trabalhos desenvolvidos.

Na terceira idade, na melhor idade existe limites. Não limites! Porque, não pelo teu corpo em si, então,
mais pela cabeça, pelo preconceito, pela sociedade, por definições e padrões. Eu comecei a mexer meu
quadril e elas ficaram me olhando e eu pensei: “Meu Deus! O que que eu tô fazendo aqui? Como assim?”
E isso foi uma questão de tempo, foi indo e hoje, nossa! Elas me pedem pra fazer coreografias sensuais
em que elas modifiquem, em que elas mostrem que o corpo está ali presente. EG12, entrevista, outubro
8, 2018)

Erik aqui chama a atenção para uma questão que está posta na sociedade em relação ao corpo
feminino. Parafraseando Foellmer (2017), o problema abrange a dupla natureza da visibilidade, ou seja, o
choque provocado pela exposição do corpo mais velho e, ainda, o desaparecimento do desejo erótico em

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

relação às mulheres maduras. Desvelar às bailarinas que a beleza feminina continua existindo ao longo da
vida, fortalecendo-as enquanto mulheres maduras, é um caminho possível nos trabalhos com dança. O
coreógrafo acrescenta uma segunda colocação que complementa o exposto acima.

É um cabelo bonito, é o corpo bonito, é o figurino bonito e a gente vê que vaidade, principalmente em
mulheres, não tem idade! Mulher quer ser, eternamente, bonita e vaidosa. E isso é maravilhoso! Porque
isso leva a nós artistas, a tu, a gente, se estimular mais, né? (EG14, entrevista, outubro 8, 2018)

Já Roberto parece manter certa preocupação em ajustar seus alunos aos padrões de corpo ditados
pela mídia ocidental.

“Ah eu tenho dificuldade em fazer tal coisa’’ ou “ah eu queria usar os figurinos”, aí eu: “mas tu acha que
vai se sentir bem?” “Quem sabe a gente dá uma emagrecida?” Não só por uma questão estética mas
por questão de saúde. (RR3, entrevista, outubro 9, 2018)

Quando busca a adaptação dos corpos e figurinos dos bailarinos, ao mesmo tempo em parece
buscar preservar a exposição da bailarina, indica preocupar-se, mesmo que sutilmente, com que seus
bailarinos tenham corpos de acordo com os modelos tradicionais de dança, reforça o pensamento
hegemônico que para dançar é necessário ser jovem e virtuoso. Dessa maneira, em certa medida, vai na
contramão das colocações de Junges (2004), ao observar que nossos corpos apresentam realidades
diferentes, conforme a percepção que possuímos de nós mesmos:

O corpo não é apenas uma realidade biológica; é um evento pessoal e cultural. A dimensão
corporal do ser humano não se reduz à estrutura físico-material pois se expressa,
fundamentalmente, como “corpo próprio”. [...] Nesse sentido, o “corpo próprio” é a configuração
pessoal da estrutura somática assumida como sujeito. A pessoa tem auto-consciência e revela-
se aos outros através do seu corpo apropriado como manifestação de si.

Essa reflexão antropológica sobre o “corpo próprio” tem um significado transcendental para o
processo de envelhecimento. Se o corpo biológico sofre fragilização e decrepitude, o “corpo
próprio” é algo adquirido que faz parte da identidade do sujeito, dependendo mais da experiência
pessoal com sua estrutura somática do que da fisiologia. Além do mais o corpo está enriquecido
pelas marcas de uma história existencial que identificam o idoso. (p.134)

Por conseguinte, à medida que propomos um trabalho consciente para os corpos maduros,
proporcionamos a reflexão sobre a imposição social que nos é colocada para interromper as atividades
devido à idade, ao mesmo tempo em que a vontade de participar segue existindo ou, até mesmo, tem a
chance de aumentar.

85
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Ao pensar sobre, abrem-se os questionamentos referentes ao assunto, possibilitando que cada


um faça suas escolhas, a partir de suas próprias experiências. Alguns trabalhos artísticos vêm provocando
o público sobre essas questões como forma de reagir às premissas da sociedade ocidental. É o caso de
Anna Halprin, bailarina e coreógrafa americana que iniciou suas atividades na metade do século XX.

De acordo com Ross (2017), Anna Halprin, dançando aos 80 anos de idade na obra Still Dance (1998-
2002)23, desafia as maneiras pelas quais seu corpo é moldado, não apenas por ela mesma, mas também
pelos padrões sociais para ocultar a idade, refazer o contorno de gênero e evitar a mortalidade. A
resistência de Anna a muitas das silenciosas regras da dança cênica ocidental - que as mulheres idosas
não dançam, que as mulheres idosas devem permanecer uma presença invisível na sociedade, que a
fixação pela juventude não deve ser contestada na dança – é o assunto principal desta composição.

Apesar da existência de artistas que abordam o assunto ao redor do mundo, ainda é bastante difícil
bastante difícil encontrar registros de desenvolvimento de trabalhos amadores de dança com o público
maduro, já que o preconceito em relação aos mais velhos está arraigado no senso comum. Os próprios
integrantes dos grupos reconhecem que muitas vezes esbarram no prejulgamento, antes mesmo de
realizarem a ação proposta. Diversas falas mostram o surgimento desses entraves durante os encontros:
A declaração de Zilda demonstra isso:

As vezes a gente diz: “Ai! Eu acho isso ridículo, não vou fazer!” E ele começa: “Não? Por que não vai? Tu
tá bem.” E quando a gente vê, tá fazendo! E fica bem, porque é algo que tu te põe, um preconceito né?
(EGZ13, entrevista, outubro 8, 2018)

Maria do Carmo, ao descrever uma situação ocorrida durante uma das apresentações, externaliza
o preconceito inicial existente com relação ao seu próprio corpo, já envelhecido, e as mudanças
processadas à medida que o trabalho com o grupo foi se desenvolvendo.

Algumas coisas assim, de mostrar o corpo, eu fui perdendo mais aqui né? Com as gurias. Teve uma vez
uma camiseta regata que eu não colocava, Deus o livre! Então teve um dia que eu tive que me enfrentar
porque o Alan pediu que nós fossemos de camiseta regata e a minha era branca! Quer dizer que pá!

23
Para maiores informações sobre a obra, bem como o vídeo que registrou o processo criativo, podem ser acessados o links:
https://www.annahalprin.org/performances e https://vimeo.com/37402413
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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Virou um painel! (Risos) Eu era mais gorda então, seios eu sempre tive, então eu virei um painel e pá!
Agora de boa, já era, eu viro painel e tá tudo bem! (AAMH17, entrevista, outubro 22, 2018)

Já Sofia Kramer chama atenção para a dificuldade em convencer seu grupo de expor o corpo
maduro, pela desconfiança das bailarinas em relação à hostilidade, muitas vezes demonstrada pelos
espectadores, num ato discriminatório com a exposição de pessoas com mais idade em cena.

Eu várias vezes tentei botar figurinos em que não ficasse tapando tanto o corpo. Exatamente pra que
a Arte trabalhasse nesse sentido: “Olha! É um corpo idoso. Todos nós vamos ficar assim! Não se
escondam! E vejam beleza nisso.” Né? Mas elas mesmas não aceitam e o grupo não aceita, os
espectadores também ficam atentos nisso, né? Não aceitam o corpo idoso, não querem aceitar nesse
sentido. (SK21, entrevista, novembro 12, 2018)

Na reflexão a seguir, a coreógrafa reforça a posição de distanciamento assumida pelas pessoas,


independente de sua idade, perante o envelhecimento. Apontam, com isso, que não se sentem inseridas
neste processo da vida, rejeitando esse momento e afastando-o, enquanto for possível, do seu viver
presente.

Entra geração, sai geração e as pessoas negam seu envelhecimento, como se nunca fossem chegar lá,
e como se fosse ficar velho de uma hora pra outra. Não veem isso como um processo, né? (SK15,
entrevista, novembro 12, 2018)

Percebemos nas falas dos entrevistados que existe um preconceito mas, ao mesmo tempo, que a
busca por trabalhos que tratam os bailarinos maduros com seriedade e respeito provoca uma mudança no
olhar das pessoas envolvidas – tanto dos próprios bailarinos como também do público que os assiste,
assunto esse que será discutido com mais profundidade na segunda categoria de análise.

Como tratar este corpo e como mostrar este corpo são questões relevantes ao estruturar ações
de dança com a maturidade. Os coreógrafos Roberto Ribeiro, Alan Andrade e Sofia Kramer narram algumas
de suas formas de atuação durante os encontros com os grupos:

Eu não gosto mesmo de infantilizar o idoso, tipo, eu gosto de personagem, mas não de coreografias
infantis ou de forma que retrata isso, porque são adultos, são mais experientes do que eu, né. Acho que
foi esse trabalho de anos que eu fiz com que eles aceitassem o corpo que eles têm! Então se “ah eu

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

tenho dificuldade de fazer algum movimento, eu não faço”, mas, você quer saber? “Então quem sabe a
gente faz um trabalho pra fazer, pra tentar”? (RR2, entrevista, outubro 9, 2018)

Na descrição de Roberto, é possível identificar um trabalho que busca a aceitação do próprio


corpo, concomitante com um ensino que promova a realização do movimento apresentado. Ao mesmo
tempo não percebemos aqui uma proposta de construção de movimentações próprias para cada bailarino,
pensando num processo criativo de descobertas, que propicie um maior entendimento do próprio corpo,
apenas o empenho pelo aprimoramento do movimento padronizado. Isso nos leva a acreditar que ainda
parece incipiente a iniciativa deste profissional em relação às possibilidades de trabalho experimental da
dança na maturidade.

Diferentemente do coreógrafo acima citado, Alan Andrade demonstra uma preocupação em


construir o trabalho coreográfico a partir das possibilidades de cada bailarina. Podemos assim inferir que
existe um processo de criação mais experimental no desenvolvimento das obras desse grupo, podendo
resultar em composições cênicas mais comprometidas com o fazer artístico contemporâneo.

E assim a gente vai jogando com as possibilidades e com as habilidades. Claro! Eu vou observando muito
as habilidades, hoje por conhecer o grupo bem mais, observo e conheço a habilidade de cada uma delas.
Eu sei que aquelas eu posso explorar mais, né? Aquela pode dançar mais, aquela outra já não consegue
dançar tanto, ou tem uma limitação maior, tem um problema na coluna então não vai explorar
determinados movimentos, né? Então a coisa vai se construindo e se constituindo assim, né? Com esse
jogo, com esse quebra cabeça que a gente vai montando aos poucos. (AA22, entrevista, outubro 22,
2018)

Schwaiger (2005) afirma que em vez de suprimir ou excluir representações alternativas de corpos
mais velhos na dança, a continuação dessas práticas que lidam com a peculiaridade desses corpos,
autoriza que o bailarino maduro permaneça dançando na meia-idade e além, onde o envelhecimento pode
assumir a função de oportunizar a transformação do eu, em vez de proclamar o declínio físico e o
desengajamento progressivo da exibição pública.

Sofia Kramer corrobora este pensamento, salientando a importância de romper com os padrões
impostos pela sociedade, a partir das abordagens assumidas perante os corpos maduros no
desenvolvimento dos trabalhos com os bailarinos.

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Então é trabalhar nesse sentido de que as pessoas resgatem a Arte que tiraram das suas vidas. E é uma
fase da vida que as pessoas estão livres pra fazer isso, mas cheias de travas sociais, então é um grande
desafio trabalhar isso, pra elas se exporem nesse sentido. (SK37, entrevista, novembro 12, 2018)

Observando as narrativas dos coreógrafos, urge a necessidade de compreender a multiplicidade


cultural da dança que pode abarcar uma enorme pluralidade de corpos a expressarem-se cenicamente nas
mais variadas formas e propostas.

Para constatar e experienciar a diversidade cultural presente na história de vida de cada um, que
nos faz entender a diversidade daquilo que somos, estabelecendo um conhecimento possível e, com ele, a
nossa emancipação, Gusmão (2008) propõe que se busque a transgressão ao que está instituído na
sociedade. Propostas de trabalho alternativas ao convencional, que desenvolvam um ser humano mais
crítico, autônomo e sensível vão ao encontro disso. De acordo com Junges (2004), a consciência de
autonomia pela própria pessoa mais velha emerge e cresce quando ela é vista pelos que a rodeiam como
ser autônomo. O autor reforça que existe a tendência de infantilizá-la, tratando-a como ser dependente
que não sabe decidir o que é melhor para si. Nesta direção, consideramos que um profissional de dança
ético e conectado às discussões atuais sobre corpo e cultura tem o papel de incentivar as iniciativas
pessoais, desenvolvendo ações condizentes com as proposições discutidas acima.

A conquista da autonomia das pessoas mais velhas necessita do reconhecimento de si enquanto


ator político e participante da sociedade na qual vivem. Desta forma, envolver-se com trabalhos que
promovam e provoquem percepções de si e do mundo proporciona o resgate da dignidade do indivíduo no
mundo contemporâneo. Como esclarece Gusmão (2008): “Saber o que se é permite superar tudo aquilo que
divide, hierarquiza e discrimina. Permite compreender outras possibilidades de determinação da própria
existência com base nas opções feitas, em seus significados e consequências” (p. 134).

Ao desenvolver formas de ação que trabalhem a autonomia do sujeito, inevitavelmente provoca-


se uma aproximação com o campo terapêutico. Nos discursos dos entrevistados podemos perceber como
os interesses se mesclam num emaranhado de proposições que, ao focar na dança, perpassam esse
caminho. Alan Andrade descreve a aproximação que ocorre na dinâmica dos encontros.

Também uma coisa que eu descobri através do trabalho com a maturidade, que foi essa função
terapêutica, né? Eu nunca tinha procurado nenhum trabalho voltado pra área da psicologia, da terapia
e eu dizia: “Olha! Eu não vou lá no meu trabalho fazer terapia com as pessoas”. No entanto, era uma
89
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

coisa que era natural e que ia acontecendo com a própria dinâmica do trabalho, e eu via que essa
dimensão do bem-estar, da saúde, terapêutica, ela provocava as pessoas a quererem saber mais sobre
Arte. (AA9, entrevista, outubro 22, 2018)

Para Miller (2012), no contexto da dança, uma abordagem diferenciada da abordagem tradicional
pode acabar sendo classificada não como aula técnica, mas como aula terapêutica, salientando que é uma
realidade histórica do entendimento do que vem a ser técnica nos aprendizados de dança. Como exemplo,
a autora explica sua maneira de trabalhar com a educação somática, tratando o participante como aluno-
pesquisador dançante e criativo que procura a saúde de seu corpo. Isso resulta numa postura autônoma
de seu processo corporal de cada aluno, em consequência da dedicação prática em aulas regulares, nas
quais recebe estímulos para a compreensão e conscientização de si e de suas limitações e possiblidades
de movimento em busca de desenvolver a cada dia um corpo presente na prática da dança.

Nesse caso, a educação somática, segundo a autora, é uma ação preventiva, e não curativa, não
excluindo, porém, a possibilidade de curar ou amenizar vários sintomas apresentados inicialmente pelos
alunos, como insônia, exaqueca e dores musculo-esqueléticas.

A entrevistada (bailarina) Marta expressa sua satisfação em dançar, salientando o valor das aulas
nas quais participa:

Então me fez muito bem pro corpo, mas principalmente, isso é muito bom mas pra alma. Eu acho que
se a gente fosse pagar uma terapia, ai, um psicólogo, né, porque a gente começa a precisar, nossa! Isso
aqui é tudo de bom! (RRM3, entrevista, outubro 9, 2018)

Assumir que a parte terapêutica está implícita nos trabalhos com dança na maturidade parece um
ponto a ser salientado neste estudo, já que isso é apontado tanto nas falas dos bailarinos como também
nas dos coreógrafos, levando-nos a refletir sobre a colocação de Junges (2004):

Com uma maior exposição de sua interioridade, o idoso põe para fora as luzes e as sombras que
habitam o seu coração. Aquelas realidades interiores, positivas ou negativas, que antes eram
levadas com certa consciência e controle, diluindo-se no cotidiano dos afazeres da vida, agora
emergem na sua espontaneidade com menor recurso a racionalizações. Tanto o velho como a
criança vivem com menos máscaras, porque estão menos preocupados com sua imagem.
Mostram aquilo que são. (p.135)

Então, reconhecer e propor processos de autoconhecimento na dança para corpos maduros


estimula tanto que se transponham os limites sociais de exposição do corpo, quanto que perspectivas
90
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

artísticas na maturidade sejam percebidas como propostas cênicas da arte contemporânea. Em outras
palavras, e no caso dos coreógrafos, é assumir uma postura de orientação que permita ao bailarino com
mais idade vivenciar as experiências artísticas da mesma forma que é oportunizado aos corpos jovens.

Infelizmente nós ainda temos na contemporaneidade uma visão romantizada, vamos dizer assim, uma
visão idealizada do corpo para a dança né? [...]. Eu hoje não acredito que existam padrões, eu acredito
que existam situações específicas pra determinados trabalhos. (AA12, entrevista, outubro 22, 2018)

Como coloca Toyama (2017), “old people dance well, not despite the fact that they are old, but
because they are old” (p.123). Relativo a esta afirmação, Junges (2004) observa que existe uma beleza e
um encantamento paradoxais num rosto enrugado pelo tempo, numa mão encarquilhada pelo trabalho,
num corpo curtido nos embates da vida. Daí a importância de trabalhar a consciência do eu corporal para
fazer frente e dialogar com as transformações físicas que se manifestam com o tempo.

Eu tenho um orgulho assim, sabe? Em ter energia, até assim, na aparência, sabe? Porque a gente se
sente muito bonita quando a gente põe o figurino porque o professor tem um bom gosto. Então eu me
sinto muito feliz no palco. Eu sou uma pessoa meio narcisista, eu digo: “Eu gosto do palco! Eu amo o
palco!” (Risos) E é muito sensual, né? Eu acho que isso pra mulher é muito bom, porque é uma coisa que
tu não perde! (EGZ9, entrevista, outubro 8, 2018)

Além da contribuição terapêutica, outro assunto que foi bastante comentado entre os integrantes
dos grupos foi o envolvimento inter-relacional que esses trabalhos provocam. Segundo Barros (2006), o
corpo velho pode deixar de carregar o peso negativo da idade e tornar-se o corpo liberto do controle social,
um corpo plástico sobre o qual cada um pode ter algum controle. Para a autora, em vez de ir e vir apenas
para tarefas tradicionais do dia-a-dia, esse deslocamento pode ser a busca por diferentes formas de lazer,
nos bailes, nas universidades da terceira idade, nos passeios e nas atividades dos grupos de idosos. Assim,
considera que a própria independência ganha outra dimensão.

Nas palavras das bailarinas Teodora e Clara Luíza, podemos perceber a importância de buscar a
qualidade de vida na maturidade, enfatizando cada uma delas, respectivamente, a alegria e o prazer, bem
como o auxílio através da participação nos grupos.

Não pode parar! A gente tem que tá sempre procurando o incentivo de uma coisa ou outra pra levar a
vida pra frente, né? E levar uma vida com uma boa qualidade de vida. Porque não adianta nada tu só

91
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

viver por viver, tem que viver com alegria, com prazer, com satisfação pra tua própria realização.
(SKT10, entrevista, novembro 12, 2018)

Eu tinha uma irmã que dizia: “Eu não vou pra dança, como é que tu vais?” E eu disse: “Que pena que tu
pensas assim, porque eu queria que tu tivesse lá dentro”. Porque me faz bem, eu me sinto bem melhor
e passo essa melhora dentro da minha casa, pras pessoas, pra minha filha. Então eu acho que isso é
ótimo né? Com a vida da gente! (AACL16, entrevista, outubro 22, 2018)

O momento da vida e o lugar social que cada indivíduo ocupa no presente , segundo Barros (2006),
fundamentam a representação da própria trajetória de vida. Assim, a presença do grupo social é
imprescindível para a constituição de si. Denise corrobora este pensamento, quando argumenta sobre a
importância das amizades nesta etapa da vida.

O velho não pode ficar sozinho! Não pode ficar sozinho. É o principal. E os amigos são superimportantes,
me desculpe, é mais que a família. Porque com a família tu não despeja as coisas às vezes, e com os
amigos tu pode dizer tudo que tu pensa e receber também. Sai bobagens, às vezes até demais, né
Sofia? (Risos) E a gente consegue ser franca! Eu consigo ser franca! (SKD9)

Ao analisar os discursos surgidos no campo estudado, concordamos com a afirmação de Gusmão


(2008) que pressupõe a importância de trabalhos diferenciados e preocupados com a inclusão dos mais
velhos na contemporaneidade.

Tais circunstâncias exigem que se olhe para determinadas realidades empíricas, a fim de fazer-
lhes uma leitura que revele o lugar do velho e da velhice. Uma leitura que mostre alternativas de
inserção social do velho, que rompa com papéis previstos e prescritos, impondo uma rebeldia
que inove, conteste e mostre ser possível à velhice atitudes e comportamentos marcados por
ações e iniciativas inteiramente outras e, portanto, transformadoras. (p.123)

Como diz Sofia Kramer:

A nossa grande busca deveria se intergeracional! (SK21, entrevista, novembro 12, 2018)

Com essa afirmação ela destaca a importância do envolvimento de pessoas com diferentes idades
em uma mesma prática. A partir desta fala podemos apontar práticas intergeracionais que incluam cada

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

vez mais as pessoas mais velhas podendo proporcionar o reconhecimento da seriedade dos trabalhos de
dança desenvolvidos com este público e, com isso, a quebra de preconceitos para todos os envolvidos.

Conforme Barros (2006), em relação à participação em grupos específicos na maturidade, o autor diz:

Os idosos desenvolvem sociabilidades e determinados padrões de comportamento, mas com


estratégias de interação suficientemente flexíveis para incluir gerações mais jovens e
diferentes segmentos sociais. A busca de companhia e de interações não familiares é o que une
as pessoas nestes espaços destacados da multidão anônima das cidades. (p. 119)

Dessa forma, o engajamento dos bailarinos em seus grupos proporciona a intensidade das relações
sociais as quais, segundo Wong e Waite (2016), são um recurso que ajuda a produzir saúde e bem-estar.
Assim, o acesso a uma variedade diversa de conexões sociais é bastante importante; e sua manutenção
ao longo do tempo compensa mudanças e perdas nas redes interpessoais de cada um.

Entretanto, consoante Toyama (2017), embora a dança possa funcionar como um poderoso apoio
para os idosos, o processo de envelhecer também é bom para o universo da dança! Seria, portanto,
interessante refletir sobre o que o amadurecimento dos dançarinos pode fazer pela dança, e não, apenas,
o que a dança pode fazer pelos dançarinos amadurecidos. Parafraseando Early (2013) se almejarmos mais
dos bailarinos do que apenas a perfeição física e uma beleza baseada em modelos midiáticos, há outras
qualidades que podem ser enaltecidas, concernentes à experiência, à sabedoria e à idade avançada, como
a precisão nos movimentos relacionados à prontidão emocional, junto a descontração do humor durante
os processos desenvolvidos. Como observa Alan Andrade:

Eu acho que o universo da dança na maturidade ainda tem muito pra crescer e a gente só vai crescer
quanto mais e mais pessoas, e espaços, e instituições também tiverem envolvidas com isso. (AA27,
entrevista, outubro 22, 2018)

Toda a reflexão diante do assunto apresentado neste capítulo, nos faz pensar sobre as reais
potencialidades do corpo maduro, mas também, os desejos que mantêm ativos estes bailarinos. Esse é,
ainda, pelo que percebemos até aqui, um território considerado à margem dos principais e predominantes
interesses da dança cênica ocidental, por desafiar os padrões convecionais do campo, estabelecidos há
séculos e que, de certo modo, permeiam as referências corporais também para grande parte das
produções contemporâneas de dança no ocidente. Assim, a prática amadora da dança na maturidade
sustenta a tensão desses dois pontos e, ao mesmo tempo, aparece como forma de promover o desafio de

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

produzir dança na/pela/com a maturidade sem descondiderá-los, o que, na nossa perspectiva, oferece um
potencial para múltiplos direcionamentos.

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

ENTRE A CENA E A PLATEIA:


experiências artísticas e
parâmetros estéticos da
dança na maturidade de
grupos do sul do Brasil

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Este texto busca compreender as experiências artísticas vividas pelos grupos que participaram
das entrevistas e as orientações estéticas que balizam os trabalhos de dança desenvolvidos por eles,
compreendendo as relações que se dão com os diferentes públicos.

Para entendermos o universo da dança cênica na maturidade, começamos por revelar o que ela
representa para os entrevistados. A poesia que emana da colocação do coreógrafo Erik Gomes já
demonstra a relação que é possível alcançar com esta prática artística:

Dança é minha alma, a dança me acalma. (EG7, entrevista, outubro 8, 2018)

E seguem outras afirmações que nos provocam a pensar sobre sua importância na vida de cada
um, dentre elas as falas dos coreógrafos Alan Andrade e Sofia Kramer.

Ah, a Dança é a forma como eu me relaciono com o mundo, é a forma como eu me comunico com esse
mundo e é a forma como eu me sinto melhor pra ser quem eu realmente sou. (AA7, entrevista, outubro
22, 2018)

A Dança é tudo! (SK6, entrevista, novembro 12, 2018)

Ao observar as citações acima evidenciadas, partimos do pressuposto de que, se a dança faz tão
bem, deveria ser plural a todos em suas mais diversas manifestações.

Pensar o Corpo em situação de Dança na contemporaneidade é, antes de tudo, aceitar que qualquer
Corpo está apto a dançar, é compreender que todo o Corpo em situação de Dança é um espaço de
interação permanente entre o cultural e o social, entre o objetivo e o subjetivo e entre o ideal e o
real. (MORTARI e BATALHA, 2016a, p.18)

Ainda, reconhecendo o papel da arte enquanto produtora de conhecimento, colocar em cena


praticantes de dança com mais idade pode contribuir com o desenvolvimento artístico-cultural dos
envolvidos, possibilitando o despertar da sensibilidade como meio de se relacionar no mundo. Denise
expressa esse sentimento no discurso que segue.

Parece assim, meu Deus! Que eu sou a maior, o nariz fica em pé, eu me sinto com 20 quilos a menos, eu
acho o máximo! Antes de entrar eu fico toda nervosa, dá a impressão que tudo fica branco que eu não

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

vou saber fazer nada, mas eu botei o pé, eu me sinto assim, realizada, sabe? Coisa mais boa! (SKD2,
entrevista, novembro 12, 2018)

Em sua fala, a bailarina testemunha a potência do fazer artístico, percebendo o quanto dançar
afeta a sensibilidade de quem se envolve nesta prática.

Yvonne Rainer, figura histórica que auxiliou na redefinição da dança nos anos 60, no auge de seus
80 anos de vida, declarou em entrevista à Wendy Perron: “Eu amo existir no palco!” (PERRON, 2015, p.5).
Com essa afirmação, Rainer demonstra a magnitude e a possibilidade de estar em estado da arte ao ir para
a cena e dançar, independentemente da sua idade. De acordo com York-Pryce (2014), a obsessão da cultura
ocidental pela juventude vem sendo desafiada pelo recente interesse por bailarinos profissionais maduros,
cuja visibilidade nos espetáculos está se tornando cada vez mais vibrante e aceitável.

Como explica Schwaiger (2005), o significado da prática continuada da dança com idade mais
avançada reside na expressão corporal legítima e na realização contínua da dança do eu como sujeito na
maturidade sendo, dessa maneira, possível que a forma de dançar dos bailarinos com mais idade se torne
relevante e aceita como atividade principal de todos aqueles que se propõem a realizá-la.

Esta visibilidade dos corpos maduros em cena passa a autorizar que praticantes de dança em geral
sejam pessoas mais velhas e que seu interesse nessa prática seja aceito por si mesmo e pelo contexto
social como possibilidade real de uma atividade a ser realizada. Ao procurar uma aula de dança, projeta-
se uma intenção e, a partir das experiências vividas pelo eu, tem-se a chance de ampliar o entendimento
de mundo e as permissividades em relação ao próprio corpo. Sobre isso, os coreógrafos Erik Gomes (EG16,
entrevista, outubro 8, 2018) e Sofia Kramer (SK24, entrevista, novembro 12, 2018) explicam que as alunas
vão em busca das aulas de dança geralmente com o objetivo de contribuir com a manutenção de sua saúde
mas, à medida que o envolvimento com as apresentações vai aumentando, as apresentações passam a
ser o foco principal da participação nos encontros.

Desta forma, ao haver um aumento do interesse do público da maturidade pela prática da dança
voltada à produção artística, percebemos que trabalhar as questões relativas à cena, à presença cênica e
ao movimento corporal, para tornar esses corpos disponíveis à cena, possivelmente passam a surgir como
demanda nas rotinas dos grupos. Como dar-se a ver sem pré-julgamentos, como possibilitar a experiência
sem traumas, como manter uma qualidade dialogando com restrições de movimentos? Essas são

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

questões que provocam os coreógrafos e, pelo que colocam, estão presentes na construção de suas obras.
Alan Andrade descreve em sua fala a preocupação que surge ao propor as atividades:

Logo no início quando eu tava ali experimentando o espaço, eu fui percebendo que era necessário que
aqueles corpos se apropriassem e entendessem aquilo. Que quando eles se apropriavam daquilo que eu
queria fazer, aquilo acontecia com mais verdade no palco, tinha muito mais presença deles ali, né? Não
era simplesmente uma cópia, não era simplesmente eu fazendo uma coisa e as pessoas reproduzindo.
(AA18, entrevista, outubro 22, 2018)

Aqui Alan demonstra ter cautela com as propostas repassadas para o grupo, considerando, ao que
parece, a inserção dos participantes na construção dos trabalhos. Dantas (2005), ao falar sobre dança
contemporânea, ressalta a importância da não reprodução de movimentos, bastante usada nos trabalhos
com técnicas codificadas e em propostas estéticas mais convencionais. A autora afirma que o que se
espera é uma disponibilidade corporal que dê condições ao bailarino de atuar como colaborador nos
processos de criação e interpretação coreográfica, extrapolando a função de reprodução de um
determinado estilo coreográfico e tornando-se, assim, atuante na elaboração de linguagens coreográficas.

Desse modo, podemos intensificar os questionamentos que vêm surgindo ao aprofundar as


análises deste estudo: como criar com corpos maduros? Como produzir coreograficamente com as
‘verdades’ de cada um? Em que medida cópias ou propostas pré-concebidas de movimento dão conta do
trabalho de dança com a maturidade? Sofia Kramer, Erik Gomes e Alan Andrade relatam alguns caminhos
percorridos por eles para tentar construir propostas cênicas com seus grupos.

Sofia fala em criação coletiva e Erik salienta a atenção com as possibilidades dos bailarinos.

Na realidade a única forma que eu tenho de criar, inclusive pra todas as faixas etárias, é a partir do
grupo. O que o grupo pode me dar e não o que eu quero, com tudo que o grupo pode oferecer. De alguma
forma elas se movimentam e eu digo: “Olha! Isso aí ficou bonito!”. Então é isso! Eu vejo a possibilidade,
se tu consegue fazer, é isso! O que o grupo não consegue já tira e vamos adaptando conforme o que
elas conseguem. [...] Uma criação coletiva. (SK30-31, entrevista, novembro 12, 2018)

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Eu gosto muito de trabalhar com as possibilidades do bailarino, saber o que elas conseguem fazer. Então
às vezes eu crio uma ideia, eu digo olha: “A informação é essa! Esse é o exercício. A partir daquilo que
tu pode mostrar, o quê que tu consegue me dar?” (EG22, entrevista, outubro 8, 2018)

Novamente, no discurso de Alan que segue, aparece a expressão ‘de forma coletiva’.

Desde o início eu trabalho com criação coletiva. Tem eu ali à frente do trabalho, dirigindo, coordenando,
selecionando o que vai pra cena e o que não vai, propondo desafios de movimento, propondo técnicas,
propondo exercícios, propondo atividades, propondo aulas pra direcionar o trabalho, mas ele é muito
construído de forma coletiva. (AA17, entrevista, outubro 22, 2018)

Será que o que foi relatado acima está, realmente, em sintonia com a compreensão do que vem a
ser uma criação coletiva em dança24? Em alguns momentos das falas, parece-nos que o que se intitula
criação coletiva, nos grupos, é uma metodologia que propõe a movimentação e verifica se os bailarinos
conseguem executá-la. Nas ocasiões em que eles não conseguem, é permitido fazer os ajustes
necessários.

Sem desconsiderar a estratégia usada pelos coreógrafos/professores, e que resulta nas obras
coreográficas dançadas pelos grupos, é importante mencionar que a literatura da dança apresenta
conceito em direção distinta: a composição coreográfica coletiva, ou seja, deixar o bailarino criar e, a partir
disso, compor com os elementos sugeridos, até construir a coreografia. Colocado por Lupinacci e Franken
(2015) da seguinte forma:

Na criação em dança, a colaboração se desenvolveu para quebrar paradigmas e construir um


novo modo de percebê-la e de senti-la. O ambiente que se instaura nos laboratórios de criação
potencializa as individualidades de cada integrante para a construção da composição
coreográfica colaborativa. Neste sentido, quando as individualidades são valorizadas para um
objetivo comum o ambiente cooperativo se instaura e, assim, cada integrante do grupo contribui
e constrói a obra a partir de cada potencialidade e dificuldade que apresenta. (p.133)

Neste sentido, a composição coreográfica colaborativa é um dos modos de compor trabalhos em


dança, aproveitando-se do material bruto que o bailarino oferece e lapidando-o, à medida que o processo
amadurece. Miller (2012) propõe que o processo de investigação corporal para alcançar o corpo cênico

24
De acordo com Nicolete (2002), o termo ‘criação coletiva’ surgiu das práticas teatrais ao longo da década de 1960 e significa
uma produção conjunta dos artistas, a partir das improvisações do grupo, sem uma figura única na condução do processo. É
precursora do chamado ‘processo colaborativo’, o qual requer alguém responsável pela dramaturgia, além do próprio diretor do
trabalho, onde, juntos, farão os alinhavos necessários às criações surgidas através dos improvisos produzidos pelo grupo.
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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

passe pelas percepções e vivências de cada um. Assim, a técnica não se fecha em si, mas permite acessar
o corpo para a experimentação de erros e acertos com o foco no processo investigativo e não somente no
produto artístico, resultando num entrelaçamento entre técnica e criação.

Isso posto, resulta no que afirmam Mortari e Batalha (2016a): o corpo está vinculado à pessoa do
mesmo modo que a dança está associada a quem a faz. Dessa forma, o corpo que dança vem carregado
pelos múltiplos elementos que o formam e constituem, sendo moldado em função de suas vivências.
“Nesse contexto, a Dança é edificada em função de quem a executa. Assim, o sujeito não é em função da
sua Dança mas, constrói a sua Dança em função de quem é”. (MORTARI e BATALHA, 2016a, p.21).

Fazendo uma relação entre as falas dos coreógrafos e a teoria apresentada, vemos que as
possibilidades de composição coreográfica colaborativa existem mas são exercitadas de forma sutil. Ao
que parece, a atenção para as vias mais propícias a fomentar, com mais investimento, a produção artística
coletiva e colaborativa em dança na maturidade, ainda é tímida, talvez por ser percebida como um
caminho complexo pela maioria dos coreógrafos. Um caminho que ainda parece estar sendo tateado.
Segundo o coreógrafo Alan Andrade, na busca pelo entendimento do processo, afirma que quanto mais ele
se aproxima da dança, mais se interessa por ela, propiciando o surgimento de outras formas de descobrir
e fazer dança que vem acompanhado de novas proposições dos bailarinos em relação aos diferentes jeitos
de se envolver com essa prática. (AA26, entrevista, outubro 22, 2018).

Ver as potencialidades de cada um e produzir uma obra de dança com bailarinos maduros, ainda
mais no contexto amador, concordamos, não é uma tarefa das mais fáceis, entretanto, conforme
Schwaiger (2005), existem oportunidades de desenvolver outras capacidades na maturidade que
enriquecem a performance do corpo expressivo. Qualidades que se tornam mais proeminentes com o
envelhecimento e que, muitas vezes, são valorizadas para além da destreza técnica. A autora observa
que, nas entrevistas realizadas em seu estudo, os bailarinos com mais de 40 anos de idade concordam
que:

These include an emerging emotional maturity that informs their presence on stage, an
increased self-confidence and ability to focus on performance and audience, a more integrated
physical-emotional-spiritual approach to dancing, a deep knowledge of the capacities and limits
of their performing bodies, and consequently an intelligent, parcimonious approach to
technique. (SCHWAIGER, 2005, p.111)

No entanto, mesmo com perspectivas de desenvolver um trabalho cênico autoral, que possa ser
reconhecido no circuito das obras de dança na contemporaneidade, o campo desta pesquisa mostrou que

100
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

são poucos os coreógrafos que realmente se aventuram neste universo. Compreender o sentido de
produzir arte e, junto a isso, encontrar maneiras de fazê-lo com os corpos maduros é um processo longo,
sensível e profundo. A partir da perspectiva do campo da dança, uma obra de dança ou o ato de dançar
não se consubstancia apenas com uma união de movimentos entrelaçados com uma música, mas
acontece, muitas vezes também, associando a forma criativa na intenção de construir um produto final
que propicie a experiência estética.

Como esclarece John Dewey (2010), a arte denota um processo de fazer ou criar. Toda arte faz algo
com um material físico, o corpo ou alguma coisa externa a ele, com vistas à produção de algo visível,
audível ou tangível. A mera perfeição na execução, entretanto, provavelmente poderia ser mais bem
alcançada por uma máquina do que pela arte humana. O fazer pode ser apenas uma exibição de
virtuosismo técnico e o vivenciar, uma onda de sentimentos ou um devaneio, se não estiverem
relacionados. O autor aponta ainda que em uma enfática experiência artístico-estética, a relação é tão
estreita que controla ao mesmo tempo o fazer e a percepção. Quando o artista não aperfeiçoa uma nova
visão em seu processo de fazer, ele age mecanicamente e repete algum velho modelo, já fixado em sua
mente. O que é feito e o que é vivenciado, portanto, são instrumentais um para o outro de maneira
recíproca, cumulativa e contínua. O verdadeiro trabalho do artista é construir uma experiência que seja
coerente na percepção, ao mesmo tempo em que se mova com mudanças constantes em seu
desenvolvimento.

Embora algumas falas dos coreógrafos demonstrem a vontade em realizar composições cênicas
com os grupos, na prática, fica parecendo que nem sempre se alcança o objetivo pretendido. Um exemplo
disso são as colocações do coreógrafo Roberto Ribeiro ao mencionar sua preocupação em conceber um
trabalho inserido no meio da dança, sem restrições com a idade. Não obstante, ao relatar sobre os
trabalhos realizados com o grupo no qual atua, aparece a necessidade de articulação com bailarinos mais
jovens, mostrando que a mescla dos dois grupos é primordial para a finalização do espetáculo,
provavelmente como forma de dar suporte à criação com corpos maduros.

Eu hoje não consigo pensar que é uma coreografia para terceira idade, é uma coreografia! E a resposta
deles [idosos] é bem mais legal do que dos jovens, por exemplo. (RR12, entrevista, outubro 9, 2018)

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Mas é um grupo que se apresenta [...] como uma forma de lazer. (RR6, entrevista, outubro 9, 2018)

Tem um espetáculo que é uns 30 minutos. Só que daí é eles e nós [jovens], aí é intercalado. [...] Mas já é
uma loucura para eles, a troca de roupas, ter que dançar várias vezes, assim, na mesma noite, várias
coreografias, se trocar no escuro... (RR8, entrevista, outubro 9, 2018)

A coreógrafa Sofia Kramer também relata situações próximas a esta, porém, evidencia as
dificuldades e, ao mesmo tempo, não aponta soluções para modificar a realidade apresentada.

Chegou num ponto em que eu não tenho mais como fazer grandes coreografias, tenho que dar uma
modificada nas que já existem. A gente tem que lidar com a realidade, a cognição muda, a memória
muda, a coordenação muda, as perdas são enormes né? Elas só não são mais acentuadas por causa da
dança. (SK18, entrevista, novembro 12, 2018)

Elas já dançaram espetáculo completo, mas intercalado com o coral pra poder trocar de roupa, né?
Então essa troca de roupa complica. E assim, desde que eu entrei no grupo, eu nunca desisti de ninguém,
então mesmo que a outra coordenadora quisesse que eu fizesse separado, com as que dançavam, eu
insisti que todas tinham que dançar! Então isso dava um problema que todas tinham que trocar de
roupa. (Risos). (SK32, entrevista, novembro 12, 2018)

Ao explicar que não é mais possível fazer novas coreografias devido à idade avançada das
participantes, a coreógrafa demonstra dificuldade em desapegar-se da elaboração de um produto de
dança com estética mais tradicional e que demanda um corpo ágil. Em função disso, pelo que coloca, não
consegue propor às bailarinas desafiarem-se em busca por outras estéticas de dança que nasçam
justamente das características dos corpos envelhecidos que compõem o grupo. Nesta direção, reforça a
compreensão de que uma mesma proposição de atividade ou de composição tem que poder valer para
todos os integrantes.

Essas afirmações provocam reflexões sobre os processos criativos e os objetivos do trabalho de


cada grupo. Ao trazer os resultados dos questionários, lembramos que os coreógrafos apontam finalidades
variadas para suas propostas, sem foco específico na produção artística. Apesar das manifestações de

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DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

satisfação de coreógrafos/professores e bailarinos em relação ao trabalho que fazem, o que não


desconsideramos, questionamo-nos se pode ser difícil abarcar tudo o que se pretende em um mesmo
trabalho de grupo o que, logo, pode fragilizar, por exemplo, o envolvimento com a composição cênica.

Percebida, muitas vezes, como tarefa complicada quando parte da ideia de um trabalho que reúne
potencias de expressividade e possibilidades motoras dos corpos envelhecidos, a criação coreográfica,
como observa Dantas (2005), é um fenômeno altamente complexo, em que estão presentes planejamento,
investigação, organização, reflexão, mas também uma boa dose de imaginação, fantasia, permeabilidade
e disponibilidade para aceitar as interveções do acaso.

Parece-nos que, como dentre os objetivos da prática de dança amadora pelas pessoas maduras,
especialmente as aqui entrevistadas, está a busca pelo prazer e pela socialização, provocar os bailarinos
a passarem por vivências mais inquietantes de enfrentamento com experiências mais investigativas de
criação coreográfica, não estaria no horizonte, ou pelo menos como uma prioridade, das propostas
lançadas pelos coreógrafos aos grupos, uma vez que provocar investigações subjetivas poderia ameaçar
os objetivos de bem-estar e socialização. As falas coletadas não revelam expressamente este ponto, mas
consideramos importante registrar aqui esta forte percepção sentida durante a realização de todas as
entrevistas com os coreógrafos. As discussões promovidas no âmbito da produção artística em dança
seguidamente apontam que a qualidade da obra artística vai além de propor uma estética irrefletida,
fazendo-se necessário um aprofundamento da concepção que se pretende desenvolver. Pensar o
processo de construção de um espetáculo exige compreender as possibilidades e limitações dos corpos
que se encontram disponíveis para a montagem, bem como as complementaridades que envolvem essa
produção.

Aproximando-se disso, temos o exemplo do grupo do professor Erik Gomes, que busca soluções na
preparação do espetáculo como um todo. A bailarina Zilda comenta sobre a organização feita pelo
coreógrafo para evitar a troca demasiada de figurinos e, dessa forma, permitir que permaneçam em cena
por mais tempo.

Tem espetáculos que a gente já teve assim ó, umas 6 trocas [de roupas]. Agora ele faz assim, ele tem
uma habilidade de montar o espetáculo, né? Por exemplo: Tu já tá com o collant, agora só bota uma
saia, troca o sapato, bota uma sapatilha. [...] Então ele sempre dá um jeitinho entre as coreografias pra
acomodar. (EGZ24/25, entrevista, outubro 8, 2018)

103
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Abordando outro aspecto da montagem, Alan Andrade fala sobre a necessidade do processo de
pesquisa durante a construção de uma obra em dança:

E aí, com isso, a gente foi sentindo a necessidade de estudar sobre outros elementos, sobre figurino,
sobre cenário, sobre maquiagem, sobre personagem, sobre a criação do personagem, sobre as músicas
que a gente ia estudar, sobre as músicas que a gente ia dançar, e assim isso foi fazendo com que o
trabalho se tornasse mais coeso, né? Mais bem amarrado também. (AA16, entrevista, outubro 22, 2018)

Siqueira (2006) reforça esta ideia, quando afirma que “é preciso estudar, ir às teorias, voltar à sala
de ensaios, ir ao palco, repetir, avaliar e seguir criando” (p.211). Ou seja, independentemente do grupo
disponível, o processo de construção de um espetáculo de dança segue os mesmos pressupostos de uma
montagem artística como qualquer outra. As entrevistas com os coreógrafos apontam a realização de
algumas destas etapas, mesmo que ainda de forma tímida. Contudo, os bailarinos não apresentaram
cosciência de estarem inseridos neste processo.

York-Pryce (2014), em sua pesquisa com bailarinos maduros, mostrou que existem coreógrafos
dedicando-se à criação de trabalhos específicos para este público. Esses profissionais acreditam que as
vivências práticas e a experiência que acompanha a maturidade são qualidades positivas para a
criatividade, passando a ser uma necessidade artística da dança em geral. Um exemplo disso, de acordo
com Perron (2015), é o trabalho do coreógrafo Colin Connor, intitulado The Weather in a Room, com a
atuação de dois bailarinos com mais de 50 anos de idade. Em vista que a dança na atualidade tende para a
novidade e a ilustração de coisas da juventude, ele foi atraído pela ideia oposta, de um relacionamento que
não é novo, mas vivido. Sua intenção era revelar uma intimidade física palpável entre pessoas de uma
época em que isso é menos percebido ou considerado, junto a um cenário da experiência contínua e da
expressividade na maturidade.

Segundo Connor (2019), o processo de criação de uma obra se torna uma espécie de arqueologia
comunitária, todos procurando fragmentos e dicas que podem ajudar a levá-los a um mundo onde todos
podem se comprometer. E são as colisões dos diferentes pontos de vista que reacendem continuamente
as investigações e esclarecem os conceitos subjacentes. O coreógrafo explica que a forma e o movimento
de uma obra se desenvolvem no estúdio através de um contínuo vaivém entre os bailarinos e ele. Suas
sensibilidades e imaginação são tão essenciais ao processo quanto suas habilidades físicas. Tudo passa
por uma conversa em andamento que inclui determinado movimento, reinvenção individual, exploração

104
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

baseada em tarefas, improvisação e o foco ou seleção do material que emerge. Todo o processo é, em sua
essência, sobre o ato de dançar.

Tendo como base exemplos da dança profissional, alguns dos grupos de maturidade do contexto
amador buscam, também, desenvolver experiências artísticas mais complexas e não tão convencionais
em dança, encontrando os jeitos de proceder para alcançar este propósito.

Entre os grupos que participaram desta pesquisa, podemos mencionar dois com produção que,
pelas falas dos entrevistados, se enquadra no que Siqueira (2006) concebe por espetáculo cênico. Para a
autora, espetáculo cênico pode ser entendido como representação cênica e, simultaneamente, como
reflexão sobre o corpo, as aspirações sociais, culturais e estéticas. Assim, a obra artística pode ser capaz
de provocar, instigar, fazer o espectador sair de seu estado cotidiano.

Um deles é o grupo do coreógrafo Alan Andrade, que explicitou em sua fala ser a produção artística
em dança o interesse principal do trabalho que desenvolve e, para além do discurso, indicou, ao longo da
entrevista que realmente se aproxima de produções investigativas em dança na maturidade, sobre o qual
esta pesquisa tem bastante interesse em refletir.

Um dos nossos principais focos, dos nossos principais objetivos é a produção de espetáculos, né? E a
gente acredita que dentro de todo o universo que envolve um espetáculo de dança, a criação de um
espetáculo de dança, a apresentação de um espetáculo de dança, várias dessas dimensões estejam
sendo trabalhadas. (AA25, entrevista, outubro 22, 2018)

O outro é o grupo dirigido pelo coreógrafo Erik Gomes, que já realizou inclusive temporadas em
teatros ao longo dos 21 anos de existência do grupo que coordena.

Em 21 anos não teve um ano, não teve um mês que eu não tivesse feito alguma coisa dançando.
Inclusive teve temporadas durante o mês, quinta, sexta, sábado e domingo dentro de teatro, dentro de
festival, inclusive teve viagens, concursos.

Dantas (2005) salienta a importância do bailarino reapresentar o espetáculo cênico repetidas


vezes pois, ao reviver no corpo a coreografia, passa a habitá-la. Possibilita, assim, a impregnação da obra
com sua presença, apropriando-se da coreografia a ponto de torná-la cada vez mais sua. Dessa forma, é
inegável que Erik Gomes proporciona aos bailarinos a experiência artística, entretanto, a compreensão
sobre isto não apareceu nas falas dos bailarinos entrevistados. Outro aspecto que não se ressalta nessas
105
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

falas é haver percepção concreta acerca do trabalho de consciência do movimento que foi sendo adquirido
com o tempo. O que transparece com mais força nos relatos dos bailarinos é a vivência de experiências,
sem reflexões mais complexas, relativas apenas ao ato de dançar.

Já o coreógrafo Alan parece mais embuido de uma percepção da dança enquanto campo de
conhecimento que abrange uma gama de possibilidades teóricas e práticas para buscar sua compreensão.
Foi o entrevistado que conseguiu mostrar na fala, descrita a seguir, seu conceito de obra artística em
dança e o esforço realizado para alcançar este objetivo nos trabalhos do grupo.

Nós montávamos uma coreografia aí lá pelas tantas, a gente montava uma outra coreografia, que isso
é uma coisa que acontece muito no universo da dança, aí a gente juntava tudo e apresentava. Mas
aquilo não era uma obra artística, né? Com início, meio e fim. Quando a gente foi entendendo isso a
gente sentiu a necessidade de desenvolver uma temática, pensar num tema, em um determinado tema
ou em um elemento que a gente queria trabalhar e explorar aquilo o máximo, né? Quais eram as
possibilidades totais que aquilo tinha de nos oferecer? E como que a gente ia colocar isso na cena?
Porque uma coisa é o que a gente faz aqui nos nossos ensaios e outra coisa é o que a gente coloca na
cena. Como a gente coloca na cena? (AA15, entrevista, outubro 22, 2018)

Pelo que depreendemos do relato, a percepção de que o trabalho ainda não poderia ser considerado
uma obra completa mas, sim, fragmentos de algo que ainda estava por surgir, segundo Alan, fez com que
o grupo procurasse compreender mais a fundo sua relação com o processo artístico e sua produção em
dança. Como explica Dewey (2010):

O processo de arte em produção relaciona-se organicamente com o estético na percepção. [...] O


fazer chega ao fim quando seu resultado é vivenciado como bom – e essa experiência não vem por
um mero julgamento intelectual e externo, mas na percepção direta. O artista, comparado a seus
semelhantes, é alguém não apenas especialmente dotado de poderes de execução, mas também
de uma sensibilidade inusitada às qualidades das coisas. Essa sensibilidade também orienta seus
atos e criações. (p.130)

Quando o espetáculo é considerado acabado, concordando com Marques (2012), não


necessariamente precisa ser visto como sinônimo de produto final. Ou seja, a finalização e o contato com
o espectador podem ser vistos como estar pronto para iniciar um novo e extraordinário processo de
transformação, modificando-se, crescendo, encorpando, sofrendo constante transmutação a cada
reapresentação.

106
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Ao pensar em como conceber uma obra de dança, Erik Gomes relatou alguns exemplos, onde fala de
como dar um começo, a partida para a criação:

Então eu sempre dou muito asas à imaginação, a liberdade disso, a minha também. Tem horas que eu
largo uma música e eu me mexo! E a gente tem essa coisa de bailarino, do improviso, tu sente a música
e tu começa a dançar. (EG23, entrevista, outubro 8, 2018)

Já tive inspirações que começou primeiro por um figurino, meu Deus! Uma saia vermelha bordada, com
uma flor de não sei o quê, elas já pensam em uma cigana e não sei..., e aí já a inspiração vêm. [...] Mas
existe também os bailarinos que não curtem o improviso, eles querem ser dirigidos: “Eu quero esse
braço aqui, esse assado aqui, essa perna, esse tempo”. Então assim, na criação a gente coloca uma
série de coisas, né? (EG22, entrevista, outubro 8, 2018)

Conforme Siqueira (2006), em um processo criativo o artista pode partir de infinitas possibilidades
– pode ser uma ideia, uma música, um livro, um movimento, uma pessoa, etc, sendo que o importante é
encontrar o motivo para começar. Buscando compreender as razões que levam os coreógrafos a criar, a
autora percebeu que artistas de uma mesma época se inquietam com o mundo que os circunda e isso
reflete na produção de seus trabalhos. Em vista disso, é importante para o campo artístico que a criação
em dança se distancie dos arquétipos já estabelecidos e oportunize fazer emergir aquilo que brota do
âmago do criador. O impulso criativo parte daquilo que move o artista.

Segundo Lobo e Navas (2008):

Dançar é a expressão do sensível que, ao se lançar no espaço externo, configura-se em forma,


criando símbolos e significados. É nesse momento que a dança sai do patamar das celebrações,
dos impulsos rítmicos, da expressão individual, das relações sociais, organizando-se enquanto
linguagem estética.

Quando a dança se elabora e se estrutura no tempo e espaço, ela se transforma no que


conhecemos como arte do movimento, composição coreográfica, obra de arte. (p.25)

Assim, os grupos estudados nesta pesquisa, buscam um fazer artístico em suas propostas de
trabalho, quando participam de pequenas apresentações, festivais, mostras, etc. Considerando, de acordo
com Lobo e Navas (2008), que o ato de dançar conecta o bailarino às percepções e sentimentos corporais,
por meio de movimentações expressivas e ritmadas, a sensibilidade é aflorada através da apresentação

107
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

coreográfica, realizada durante a participação nos eventos. Isso possibilita aos integrantes dos grupos
vivenciarem parte da experiência artística, tão almejada por quem trabalha com arte.

Então foi bem inusitado, porque pra mim foi uma experiência bem marcante: “Meu Deus, onde vamos
dançar? No meio da rua!” E os carros ficavam parados, porque ele não podia mandar fechar a rua porque
os policiais não deixaram. Então a gente dançava, terminava uma coreografia, a gente recuava e os
carros passavam. Então foi muito legal essa experiência! E, além do mais, depois no final, ela faz uma
dança integrativa e aí todas as pessoas da comunidade também dançaram. (ECM2, entrevista, outubro
9, 2018)

Essa narração demonstra que o simples ato de vivenciar um momento artístico, incentiva a
presença dos bailarinos amadores no universo da arte, já que, consoante Miller (2012), “o corpo que dança
permite o sensível com toda sua gama de possibilidades de sensações e reverberações variadas de
imagens e significados” (p.118).

Também compreendemos que, mesmo que os trabalhos em dança com corpos maduros, muitas
vezes, estejam ainda sendo criados a partir de processos criativos menos complexos ou invesigativos, sua
existência torna-se extremamente importante para a sociedade contemporânea, desafiando os
paradigmas de idade, geração e percepção do próprio corpo. Concordando com Schwaiger (2005), a
maneira como se pratica dança pode revelar o desenvolvimento do eu ao longo do processo de
envelhecimento, o que contribui com a possibilidade de mudança das regras culturais impostas sobre os
corpos que dançam.

Como propõe Lobo e Navas (2008), o processo de criação, até chegar à composição cênica, pode
resultar em uma apresentação enquanto obra de arte. Isso posto, reconhecemos o valor da participação
dos grupos em experiências com dança que possibilitem o fazer artístico, como forma de desenvolver
questões estéticas e propiciar reflexões que, aos poucos, podem almejar uma maior compreensão do
trabalho proposto, aprofundamento no processo de criação e responsabilidade em desenvolver arte com
qualidade.

O coreógrafo Roberto Ribeiro comenta sobre a importância da realização de espetáculos


completos de dança, já que considera uma composição coreográfica como parte de um todo maior que
busca ser alcançado pela especificidade desta linguagem artística.

108
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

A gente sempre pensa em coreografias, ah! Coreografias para o festival, coreografia para quê, aí
quando tu pensas em espetáculo é uma coisa muito maior, né? E espetáculos de dança faltam, de dança
de salão muito mais ... E espetáculos mesmo como todo, né, vou assistir uma peça de teatro, é uma
peça, vou assistir um musical, é um musical, mas vou assistir uma coreografia, daí fica muito fechado.
(RR16/17, entrevista, outubro 9, 2018)

Na sequência, menciona a experiência que o grupo vivenciou quando tiveram a oportunidade de


realizar um trabalho completo. Na fala, podemos perceber a projeção dada para a organização de uma obra
de dança que abarque a complexidade de um espetáculo cênico.

Acho que o auge foi o ano que a gente foi convidado para abrir o espetáculo de Piratuba. Então foi a
primeira vez que um grupo de terceira idade fez o espetáculo, e era um espetáculo, não eram 15
minutos, era 1 hora! Durou 1 hora e quinze, 1 hora e vinte... (RR7, entrevista, outubro 9, 2018)

O bailarino João Antônio complementa a narração sobre esta experiência:

Sim já fizemos! Só nós, o maior [espetáculo] que fizemos foi a abertura do Festival de Piratuba, foram
doze coreografias. Nove figurinos diferentes! Sensacional! Mas trabalhoso... Tem que ser rápido! Tem
que se organizar, né! Tem que levar tudo certinho e tal e não ter vergonha. Homem ou mulher, é tudo
igual! (RRJA4/5, entrevista, outubro 9, 2018)

A partir das falas anteriormente citadas, percebemos o interesse e, ao mesmo tempo, o valor dado
à experiência de montagem de um espetáculo de dança. Em vista disso, fica o questionamento: o que ainda
impediria coreógrafos de conduzir os bailarinos de forma a desenvolverem este tipo de trabalho? A maioria
dos coreógrafos entrevistados não mencionou a opção consciente de investir em montagens de
espetáculos completos de dança como rotina de trabalho com os grupos. Seria desconhecimento de
dimensões mais complexas e atualizadas dos caminhos de composição coreográfica em dança? Seria a
força das referências convencionais de dança no seu modo de entendê-la, fazendo-os não identificar
dança em processos e resultados de cunho mais investigativo e menos padronizados? Reconhecer a
potencialidade de desenvolver também outras lógicas de criação com corpos maduros, explorando a
expressividade e a subjetividade no espectro de possibilidades estéticas de movimentos que os corpos
dos bailarinos apresentam, se configura, pela nossa observação, como algo que poderia ser mais
aprofundado nos trabalhos dos grupos.

109
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Como afirmam Lobo e Navas (2008) “para se compor em dança é preciso muito mais que o ato de
dançar. É necessária a vivência do fascinante processo criativo para, a partir dele, dar forma à composição
cênica” (p.25). Assim, ao aprofundar o interesse pela arte da dança, para além do trabalho físico, os grupos
de maturidade passam a contribuir com o universo da dança na sociedade contemporânea.

A criação em arte se dá na relação entre a criação do autor e a percepção do receptor, por


conseguinte, considerar o corpo maduro como participante ativo do fazer artístico em dança, leva a pensar
sobre o receptor para as obras criadas. Que relações se dão entre bailarinos e plateia ao assistir uma
composição com corpos mais velhos? O que esperar desta experiência? Um ponto a ser salientado é a
emoção provocada com as apresentações dos grupos estudados. As bailarinas Ivone e Maria do Carmo
salientam esse aspecto em suas falas:

A gente vê bastante quando tem espetáculo é pessoas chorando muito. Elas se emocionam muito,
né? As mulheres principalmente. (AAI21, entrevista, outubro 22, 2018)

Um rapaz subiu no palco [...] E ele começou abraçar uma e abraçar outra e eu. “Nunca vi!” Ele dizia
assim. “Eu sou bailarino, eu dancei na Europa porque fui fazer um curso lá, eu nunca vi isso, eu não
consigo. Liguei pra minha mãe direto daqui e disse: Mãe, tu não sabes o que eu tô vendo...” Acho que ele
filmou um pedacinho pra mandar pra mãe dele porque ele tava emocionadíssimo! (AAMC22, entrevista,
outubro 22, 2018)

Apesar de ser uma característica do trabalho artístico – mexer com as emoções – as estéticas
apresentadas nas concepções coreográficas costumam sempre ser uma surpresa para aqueles que não
convivem com as obras de dança realizadas por grupos de maturidade. Na constante procura pelo
virtuosismo da juventude, York-Pryce (2018) observa que, muitas vezes, o público perde experiências
transformadoras ao deixar de assistir bailarinos maduros em cena.

Por outro lado, quando se propõem a vivenciar essas experiências, permitem-se ampliar o olhar
em relação às estéticas corporais impostas pela sociedade atual. Segundo Mortari e Batalha (2016a), “o
apego exagerado a um saber prévio, ou a um padrão há muito estabelecido pode, muitas vezes, inibir ou
inviabilizar a simples compreensão intuitiva do ato de Dançar ou ainda cercear momentos de vivência, de
experiências, de possibilidades em Dança” (p.16).

110
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Parafrazeando Dewey (2010), toda obra de arte segue o plano e o padrão de uma experiência
completa, fazendo que ela seja sentida de maneira mais intensa e concentrada. A fase estética ou
vivencial da experiência é receptiva, envolve uma rendição. Sabendo que, na percepção, há um ato de
reconstrução onde a consciência torna-se nova e viva, o objeto ou cena percebido é inteiramente
perpassado pela emoção. Ou seja, para perceber, o espectador tem de criar sua experiência; sem um ato
de recriação, o objeto não é percebido como uma obra de arte. Aquele que olha deve passar pelas mesmas
operações que o artista percorreu, porém, de acordo com seu próprio ponto de vista e interesse. Em ambos
ocorre um ato de abstração, isto é, de extração daquilo que é significativo.

Assim, a experiência estética proporcionada pelos trabalhos de dança com corpos maduros pode
suscitar no espectador uma desarticulação de suas certezas, possibilitando uma abertura ao novo e, para
o bailarino, pode provocar um mergulho no risco do ir além. Como afirmam Mortari e Batalha (2016a) sobre
o instante da apresentação:

A emoção que este momento desperta, tanto no público quanto no sujeito que a vivencia é a
mesma que antecede um primeiro-passo, aquele que tira o sujeito ou o espectador do conforto
da situação dada, da proteção do que acredita conhecer e controlar, e lança-o para o imprevisto,
onde o seu controle não mais alcança. (MORTARI e BATALHA, 2016a, p.19)

Sobre isto Mara Heloísa e Janete relatam o despertar da presença cênica que é propiciado a partir
das vivências artísticas com os grupos de dança onde estão inseridas.

E quando a gente vai pro espetáculo, a gente vai plena naquilo que foi trabalhado, a gente vai
consciente: “Isso aqui eu posso! Isso aqui dá!” (AAMH11, entrevista, outubro 22, 2018)

Em relação à apresentação no teatro mesmo, cada vez que toca aquele sinal o coração acelera. Porque
é uma responsabilidade que a gente sente, né? Dá um friozinho na barriga! (Risos) (ECJ9, entrevista,
outubro 9, 2018)

Demonstram assim, a consciência de si provocada pela arte, quando se colocam em estado de


cena, reforçando, a necessidade de reconhecimento da dança na maturidade perante a sociedade, para o
avanço desta perspectiva dentro da dança como um todo.

De acordo com Cecolli (2014), a dança é tudo sobre o corpo. Como a mais física das artes, ela é
incorporada e depende da fisicalidade para transmitir emoções e sentimentos através do movimento. É o
111
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

corpo do dançarino e o movimento que ele cria que transmite sua alma e as mensagens dentro dela. Para
esta autora, na existência de um diálogo continuo com os corpos, que deve ser confiável e escutado, a
idade auxilia no aprofundamento dessa relação, elevando seu significado.

Assim sendo, as experiências dos bailarinos com mais idade, quando bem trabalhadas, afloram a
beleza desses corpos e possibilitam ao espectador fruir a obra de dança de forma plena. York-Pryce (2018),
diz que pode ver a beleza nos corpos de bailarinos em que o tempo e a vida delinearam marcas. Aparece,
assim, uma expressividade que é marcadamente diferente da do corpo da pessoa jovem, uma vez que tem
uma história diferente para contar. As bailarinas Maria do Carmo e Margarida trazem, em suas narrativas,
exemplos da apreciação das coreografias por quem as assiste:

Quando a gente ouve que a gente é linda, lógico que não é a beleza física é a beleza aquela que a gente
consegue passar pro outro através da Arte, né? Eles enxergam uma mulher madura capaz de ser bonita!
Então a pessoa, uma mulher, ela é inteira o tempo todo, mas só que nós, que somos mais velhas, as
vezes a gente desacredita dessas coisas e a gente se encolhe e fica durona e fica fechada e aí a gente
perde o encanto. (AAMC23, entrevista, outubro 22, 2018)

E depois quando a gente desceu do palco eu falei pra minha amiga: “Meu Deus! A gente errou tudo”. E
ela disse: “Mas onde vocês erraram? Vocês foram as mais legais que se apresentaram!” (Risos) (ECM11,
entrevista, outubro 9, 2018)

Diante das falas expostas, observamos a realização pessoal das bailarinas e a receptividade
positiva do público com os grupos estudados. Como diz Amans (2015), enquanto arte, a dança tem o
potencial de envolver toda a pessoa e não apenas seus músculos e ossos. Isso é realmente perceptível ao
assistir o brilho interno que emana dos bailarinos quando eles se expressam na dança. Acreditando nisso,
refletimos sobre a necessidade de promover espaços culturais mais diversos a ponto de englobar,
também, obras de dança com bailarinos maduros como parte das agendas anuais de apresentações.

Joana complementa o assunto referente ao público que se faz presente nas apresentações onde
participa, demonstrando, através de seu comentário, a responsabilidade assumida pelos bailarinos e, ao
mesmo tempo, a satisfação em alcançar os resultados esperados.

112
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Desde que eu entrei, a intervenção da plateia é muito boa, é bem gratificante, a gente se sente assim...
que fez o nosso trabalho bem feito. (RRJ7, entrevista, outubro 9, 2018)

Por tudo que foi exposto neste texto, percebemos um interesse crescente pela dança com corpos
amadurecidos, tanto por parte dos bailarinos e coreógrafos, como também pelo público que se propõe a
conhecer os trabalhos que vem sendo feitos na área.

Entretanto, não podemos deixar de mencionar que, pelas respostas obtidas, a compreensão sobre
processos criativos de dança ainda não se monstra consciente em todos os coreógrafos entrevistados.
Suas falas relataram as formas que utilizam para criar as danças mas não aprofundaram as explicações e,
com exceção de Alan, não deixaram evidente o que entendem por processos de criação em dança. Sendo
assim, a limitação do campo produziu questões para pensar: Por que as falas dos entrevistados não dizem
muito? Será que realmente entendem o que fazem como um processo criativo em dança? Se sim, que tipo
de processo de criação os coreógrafos vislumbram quando desenvolvem um trabalho? Que tipo de
compreensão de dança atual eles têm?

Ao identificarmos, especialmente nos relatos dos coreógrafos, ausência de falas sobre conteúdos
específicos de dança, ficou visível que existe neles um potencial criativo, mas que falta um projetar-se a
novas práticas, ao novo e ao desafio, provocando, subvertendo, desestabilizando os padrões impostos
pela sociedade e, assim, produzindo obras com pessoas mais velhas, com a mesma qualidade de outros
trabalhos em dança. Parece-nos que se faz necessário redimensionar os conhecimentos dos profissionais
que vem trabalhando com a dança na maturidade, de forma a ampliar suas reflexões sobre a dança no
mundo contemporâneo.

Finalizamos com a colocação de Mortari e Batalha (2016b), quando afirmam que as diferentes
formas de vivenciar a dança na contemporaneidade – a partir dos sujeitos colocando-se como corpos
presentes, processos e projetos – propagou outros modos de vivenciá-la e geri-la. Por conseguinte, o
contínuo surgimento e desenvolvimento de estilos, maneiras e comportamentos, tanto marcam e
modelam os corpos, como permitem mudanças, rupturas, superações e a emergência de novas
construções, compreensões e significações junto a este campo de conhecimento.

Então, quando os corpos maduros, através da dança, permitem-se explorar outras formas de estar
no mundo, tornam seu eu corporal apreciável, tanto para os outros como para eles mesmos,

113
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

desestabilizando significados culturalmente normativos, permitindo novas interpretações próprias de


cada corpo. Isso amplia a visibilidade do campo da dança, essencial para a valorização desta arte cênica.

114
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

POR UMA PEDAGOGIA


DA DIVERSIDADE E
DA MATURIDADE CORPORAL
NA DANÇA:
relatos de práticas de grupos
do sul do Brasil

115
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Com o gradativo entusiasmo pela prática da dança por pessoas na maturidade, aparece como
importante haver um preparo singular do movimento para tornar estes corpos mais disponíveis ao
universo cênico. Perceber as experiências de ensino e aprendizagem dos grupos envolvidos neste estudo,
vislumbrando uma pedagogia da diversidade, no sentido do que já situamos na Introdução desta tese, é o
foco desta categoria.

Abrimos o texto mostrando como os coreógrafos deram início às suas propostas com bailarinos
na maturidade. Sobre isso, Alan Andrade relata:

Era necessário fazer antes todo um trabalho de entendimento do corpo, do próprio corpo, da mente,
né? Do espírito, de tudo aquilo que nos constitui naquele universo artístico, pra que depois a gente
pudesse aprofundar isso, né? Era necessário que elas entendessem a arte no corpo delas e a maneira
que elas poderiam se apropriar e se desenvolver dentro daquela linguagem artística, pra que depois
nós pudéssemos, né? Então eu costumo dizer hoje, que a nossa arte, que a nossa dança, ela foi surgindo
no nosso chão de trabalho. À medida que a gente foi trabalhando, a gente foi entendendo essa arte que
a gente faz. (AA13, entrevista, outubro 22, 2018)

Sofia Kramer, por ter iniciado suas aulas com um grupo já existente, precisou realizar adaptações
ao que já estava posto.

Quando eu entrei eu tive que fazer um trabalho todo educacional pra que elas entendessem que eu
precisava prepará-las pra fazer o movimento, né? Pra poder ampliar os horizontes, mas mesmo assim,
quando eu entrei a coisa já tava tão arraigada que foi muito difícil, então eu consegui fazer algumas
outras coisas, mas não consegui fugir muito, não tem como. Então, o que eu eu consegui fazer, porque
a gente trabalha com dança, não seria só o movimento pelo movimento, pelo menos no meu trabalho,
né? Tem que trabalhar muitos conceitos, principalmente os conceitos da socialização. (SK17, entrevista,
novembro 11, 2018)

Considerando a sala de aula de dança como um espaço de ensino não formal, é importante refletir
sobre o que é trabalhado na formação dos alunos que por ali passam, independente de idade e nível de
conhecimento específico sobre o assunto.

De acordo com Monteiro (2007), no contexto educativo, a dança é uma forma de expressão estética que,
mais tarde, pode alcançar uma elaboração artística, enquanto obra produzida. Importa, assim, perseguir

116
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

aprendizagens significativas e diversificadas pois, sem negarmos a relevância da subjetividade e


individualidade dos alunos, passa a ser fundamental que as experiências criativas do movimento
constituam um compromisso entre o processo e o produto da experiência.

As duas falas apresentadas anteriormente mostram uma preocupação com o entendimento da


dança durante o processo pedagógico, que vão ao encontro das colocações da autora acima citada. Já o
coreógrafo Roberto Ribeiro começou suas aulas tendo como foco o desenvolvimento da técnica da dança
de salão e, a partir disso, direcionou o trabalho para a composição coreográfica com este gênero de dança.

O grupo que eu peguei na primeira vez, eles eram acostumados a dançar muito livremente,
improvisando. Então chegar e ensinar para eles que eu posso fazer um bolero para frente e para trás,
vai e volta, foi muito difícil, porque eles já tinham um jeito de dançar. E aí a forma coreográfica foi uma
forma que eu achei que eles pudessem entender que eles podem dançar um pouco diferente, não
totalmente livres, mas com uma técnica e com uma base, né. E através de coreografias que a gente
começou a fazer isso. (RR4, entrevista, outubro 9, 2018)

Vemos aqui uma preocupação em oportunizar, também, o aprendizado de codificação dos passos,
especialmente pelo fato do coreógrafo trabalhar com dança de salão onde, parece-nos que o improviso,
num primeiro estágio de prática, não foi muito valorizado como preparação para o processo criativo das
coreografias. Não foi possível denotar se Roberto alia ou não os diferentes caminhos de dançar o que, ao
nosso ver, é um caminho bastante interessante para a prática de dança no geral.

Não se pode esquecer que, conforme Marques (2010):

O senso comum há muitos anos decretou que o aprendizado da dança se reduz ao aprendizado
de passos, à reprodução de coreografias e aos exercícios técnicos necessários para alcançar
esses objetivos. Essa concepção de ensino e aprendizagem de dança se assemelha à concepção
instrumentalizadora do ato de ler, há décadas discutida e criticada por estudiosos da linguagem:
essa é uma concepção mecânica do conhecimento da dança aliada a uma visão extremamente
funcional da vida. (p.34)

Assim, a experiência focada exclusivamente na cópia e reprodução de códigos pré-estabelecidos


de movimento, como destaca a autora, ou, por outro lado, somente a prática espontânea do movimento
pelo movimento, ambas trabalhadas de forma polarizada podem favorecer a uma experiência reducionista
de dança. Um trabalho sobre a consciência de si, como explica Miller (2012), provoca inúmeras
transformações, tanto em si próprio, como na essência da produção artística que cada um está envolvido.
Nesse território somático, emerge um corpo em estado exploratório e perceptivo, que pode ser sentido na
117
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

experiência do movimento. Acreditando nessa ideia, torna-se interessante que, para além do aprendizado
específico de passos já elaborados, se amplie o entendimento sobre o ensino da dança como proposta
pedagógica plural.

Erik Gomes demonstra uma preocupação com a formação do professor que está atuando com os
bailarinos maduros, quando afirma que:

Tu consegue ver aonde existe um trabalho de sala de aula, onde tem um trabalho de um coreógrafo que
pesquisa e que pensa, né? Que tem uma música, uma leitura, né? Então eu acho que a qualidade vai de
acordo com a questão do ensino-aprendizado, tu tem que ter estudo, tem que estudar o que tu tá
colocando em cena. (EG26, entrevista, outubro 8, 2018)

Ao enfatizar a importância do estudo para a construção artística junto ao processo de ensino-


aprendizagem, fica a dúvida sobre como isso será feito na intervenção artístico-pedagógica a que se
propõe. Nesse sentido, Corrêa, Silva e Santos (2017) salientam que “um determinado saber ou conteúdo de
dança, por si só, não porta um discurso pedagógico, pois este é prerrogativa daquele que o profere: o
professor” (p.8). Por conseguinte:

Mais importante que optar por um caminho para a abordagem pedagógica no ensino de dança, é
saber o porquê desta escolha. Por isso, [...] é necessário que o professor reflita, teorize acerca
do seu fazer, enfrentando a sala de aula e as questões que a envolvem com espírito crítico e sem
negligenciar as possíveis consequências de suas escolhas nos processos de ensino e
aprendizagem em dança e nas relações entre os seus sujeitos. [...] Para ser um bom professor,
não basta ser perito na arte de dançar, mas há a indicação de que uma aprendizagem
significativa parte da combinação entre fazer, refletir, relacionar e ensinar. (CORRÊA, SILVA e
SANTOS, 2017, p.13-14)

Durante a entrevista, Erik Gomes explicou como costuma encaminhar suas aulas, realçando a
atenção com o público com o qual trabalha. Num primeiro momento, salientou a importância de elevar a
autoestima como forma de motivar os alunos para a prática da dança, evitando ressaltar as dores
características da idade. Ao mesmo tempo, demonstrou um cuidado ao atentar para o excesso de peso, a
musculatura e os ossos desgastados, a prevenção da osteoporose, dentre outros problemas que surgem
no dia-a-dia das pessoas mais velhas. (EG19, entrevista, outubro 8, 2018). (EG19)

Apoiadas no discurso deste coreógrafo, não podemos deixar de mencionar a responsabilidade dos
profissionais com a questão da saúde. Apesar da intenção em desenvolver composições coreográficas que
possam ir para a cena, ao trabalharem com o movimento corporal do ser humano maduro, esse objetivo
fica implícito no decorrer das aulas.
118
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Sofia Kramer também verbalizou esse cuidado quando afirmou que o norteador de tudo é a saúde,
ressaltando em sua fala que está sempre preocupada com a compensação dos exercícios para os dois
lados e em equilibrar as perdas próprias da idade. Admitiu que a coreografia, apesar de parecer prioritário
para as bailarinas, torna-se um objetivo secundário em seu trabalho. (SK26, entrevista, novembro 11, 2018).

Segundo Civinski, Montibeller e Braz (2011), a inserção de uma rotina de exercícios físicos no estilo
de vida de pessoas idosas traz resultados quase que imediatos, pois esses são visíveis em curto prazo. Os
benefícios podem ser tanto físicos e sociais, quanto psicológicos, atuando de forma aguda e crônica nas
mais diversas doenças. Fortalecem os músculos e os ossos, auxiliam na perda de gordura corporal,
melhoram a capacidade cardiorrespiratória, além de atuarem na vida social do idoso, fazendo com que se
mantenha motivado e ativo, para executar as tarefas diárias normalmente sem dificuldade e com maior
mobilidade e facilidade.

Em direção a esse entendimento, Erik Gomes também salienta o aspecto da saúde como um ponto
importante do trabalho.

Eu controlo, eu cuido, eu vejo e a gente consegue ver quem tem o fôlego, tem gente que tem problema
no coração, problema de circulação, problema como eu falei, de osteoporose, diabetes, pressão alta,
pressão baixa. (EG19, entrevista, outubro 8, 2018)

Num trabalho de dança, por lidar diretamente com a fisicalidade dos participantes, reconhecemos
a importância de um preparo corporal que dê conta das especificidades necessárias ao condicionamento
físico de cada um. Roberto Ribeiro demonstra essa preocupação ao organizar seus encontros.

Eu trabalho bastante flexibilidade, não sei se posso dizer flexibilidade, mas um aquecimento articular
porque eu sei que vou ensaiar e não vou precisar parar e que vai alongar o movimento e tal, mas eu sou
meio ‘’chatinho’’ com essa questão meio técnica, de postura e elegância porque senão, fica muito
confortável e relaxado, ainda mais na idade deles. (RR14, entrevista, outubro 9, 2018)

Silva e Mazo (2007) relatam o exemplo de um projeto de dança para a terceira idade que tem como
objetivo o bem-estar físico e mental da pessoa mais velha. As aulas iniciam com aquecimento articular e
muscular, evoluindo para exercícios aeróbicos que trabalham força e coordenação, finalizando a aula com
o retorno à calma, através do controle da respiração, de alongamentos e relaxamento. Durante as aulas
são trabalhadas coreografias visando o exercício da memória, as apresentações para divulgar o projeto e

119
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

um estímulo à frequência nas aulas, visto que uma aula se torna complemento da outra, construindo-se
um trabalho coreográfico. As autoras salientam que, como o objetivo não é formar bailarinos, mas sim
proporcionar bem-estar e vivências corporais para seus participantes, alguns idosos deixaram de
frequentar as aulas por sentirem falta de uma técnica específica de dança.

Esta última colocação nos faz perceber que o aspecto da saúde é importante e faz parte do
preparo físico dos bailarinos, por outro lado, não podemos esquecer que o ensino da dança é carregado de
especificidades artísticas, fazendo-se necessário buscar os conteúdos essenciais a esta prática para
desenvolver nas propostas ofertadas. Priorizar quase que exclusivamente o preparo físico em atividades
ditas de dança pode indicar que o que está em foco é, na verdade, a realização de uma prática corporal e
não uma prática de dança.

As colocações de Marques (2003) sobre o ensino da dança na escola sugerem conteúdos a serem
trabalhados que, em nosso entender, podem ser ampliados para os diversos contextos do ensino não
formal. A autora propõe que a especificidade da dança está em tratá-la como arte e não como apenas
movimento, terapia ou recurso educacional. Assim, seus conteúdos podem ser divididos em: aspectos e
estruturas do aprendizado do movimento (coreologia, educação somática e técnica); elementos históricos,
culturais e sociais da dança, como história, estética, antropologia, apreciação e crítica, bem como saberes
de anatomia, fisiologia e cinesiologia; além das possibilidades de vivenciar a dança em si através de
repertórios, improvisações e composições coreográficas.

A técnica a ser utilizada é um desses conteúdos, que pode ser uma escolha dos modelos
tradicionais, com estruturas de movimento formatadas, ou processos criativos mais abertos, que
permitam a exteriorização do eu de cada um. Mas também é possível fazer uma associação dessas duas
possibilidades. Ao falar sobre o aprofundamento dos conhecimentos para a execução da dança, Erik Gomes
mostra que a idade não é limitadora das vontades dos bailarinos, estimulando o pensar sobre os propósitos
da dança enquanto arte na maturidade.

Não tem como tu escapar dessa questão que todos nós temos e que qualquer idade tem, da vaidade,
da beleza, do orgulho, da praticidade, de ter... E elas me cobram! Eu tenho uma aluna de 90 anos, vai
fazer 95 anos de idade que me diz: “Professor, hoje eu não me senti bem na aula porque eu errei aquele
movimento. Eu quero aprimorar.” Meu Deus do céu, é fantástico, né? E aí isso me leva no início, né? Do
balé clássico, que é minha primeira dança, meu primeiro trabalho de ter a correção, de primar pela

120
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

perfeição ou tentar chegar à perfeição. Eu acho que perfeição não existe, né? Mas tu pode aprimorar!
Então existe assim, uma questão muito forte da arte, de explosão, de botar um sentimento pra fora,
com a disciplina de cuidar do seu físico, do seu corpo. Isso é, uma arte-educação! É uma arte-ensino. E
isso, poxa! É sempre. (EG10, entrevista, outubro 8, 2018)

Pensar nas técnicas de movimento abre um mundo de possibilidades para os trabalhos com dança.
Entendendo técnica em um sentido mais amplo, a pré-disposição habilidosa de improvisar é uma técnica
conquistada, bem como a técnica relacionada com a consciência corporal também é importante na dança.
Como afirma Siqueira (2006), “é no desenvolvimento da técnica que se prepara o corpo para aplicar a
linguagem artística” (p.212). Concordando com a autora, percebemos, na explicação abaixo, que, sem uma
compreensão sobre a movimentação corporal básica para a dança, fica muito difícil para os coreógraqfos
entrevistados desenvolver as propostas com seus grupos.

Quando eu comecei eu não sabia o que era direita e esquerda: “Agora vai todo mundo pra direita” Lá ia
eu pra esquerda: “Agora todo mundo pra diagonal” Eu pensava: “Meu Deus, o que é diagonal?” A gente
se atrapalhava completamente! A gente não tinha noção, então não ia adiantar ele chegar e “Olha,
vamos estudar e vamos entender”. Não! Eu não sabia nem qual era a direita e qual era esquerda. Eu não
sabia o que era diagonal. (AAMC24, entevista, outubro 22, 2018)

Entretanto, não necessariamente o aprendizado da dança precisa estar alicerçado em técnicas


codificadas. Como aborda Stanton (2011), ao propor que uma aula de técnica seja um laboratório, onde a
resolução de problemas e a descoberta de como as coisas funcionam são enfatizadas, surgem
oportunidades para bailarinos e professores trabalharem produtivamente com suas habilidades e
limitações, valorizando o movimento por si e questionando seu contexto e significado.

Amans (2013) esclarece que os praticantes de dança na maturidade estão se permitindo participar
livremente da vida cultural da comunidade e desfrutar das artes. Ao pensar sobre as formas de ensino
para proporcionar uma prática de acordo com este público, é importante entender que existem diferenças
entre os vários estágios da vida, sejam crianças, adolescentes, adultos ou idosos. Neste sentido, a autora
diz que fazer adaptações porque alguém é mais velho é apenas parte de uma prática inclusiva. É, assim,
necessário trabalhar arduamente para alcançar permanentemente o ajuste certo entre as atividades
oferecidas e as necessidades e desejos dos bailarinos participantes.

121
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Aqui torna-se relevante pontuar que as adaptações não devem ser somente na forma do
movimento, mas propondo uma nova forma que se relacione com a potência expressiva que a maturidade
oferece para realizar essas novas movimentações. Isto é, não é só a execução do movimento que muda,
trocando a realização incorreta, já que o corpo biológico pode não responder mais ao desejado, pela
reprodução de um novo formato, mas também o sentido de execução mecânica se altera. A compreensão
no sentido deste movimento ao ser percebida de maneira diferente, pode potencializar novas
movimentações com mais expressividade e significado. Isto é aptidão a ser instigada por quem propõe e
exercitada por quem executa, pois implica em como interpretar o movimento, ou seja, como traduzir o que
se vê e o que se almeja, em cada corpo, no próprio corpo e com as próprias capacidades.

Coupland (2013), num estudo etnográfico realizado em uma companhia de dança contemporânea
formada por bailarinos maduros, afirma que, para eles, se, à medida que o envelhecimento chega, não se
pode mais reproduzir fisicamente determinadas movimentações, então, inevitavelmente, deve-se mudar
essa forma e propor outras estéticas corporais. Ao mesmo tempo, os bailarinos desse grupo comunitário
postulam que a sabedoria física é tão necessária quanto a sabedoria emocional e vivencial, passando a ser
extremamente importante valorizar as qualidades da maturidade no processo. Na mesma direção, Early
(2013, p.65)25 sabiamente designa aspectos relevantes a serem considerados:

Mas se esperarmos mais dos nossos dançarinos do que perfeição física e uma beleza clonada,
existem outras qualidades que podemos valorizar: qualidades associadas mais com experiência,
sabedoria e idade avançada. O que podemos esperar de dançarinos mais velhos? Talvez economia,
precisão, exatidão emocional, humor relaxado, encenação desenvolvida, uma visão de uma idade
mais enriquecida e decidida. (‘tradução nossa’)

Alan Andrade, em sua narrativa, realça a preocupação com a organização do trabalho, onde
transparece o empenho por construir o caminho durante o próprio percurso.

Então, a forma de conceber essa metodologia, ela vai acontecendo de formas muito diversas. (AA20,
entrevista, outubro 22, 2018)

Os escritos de Miller (2012) corroboram este pensamento, quando explica que a relação de
formação em dança, entre mestre e aluno, acontece não apenas por meio de uma assimilação teórica,

25
Citação Original: But if we ask more about our dancers than physical perfection and a cloned beauty there are other qualities
we might value: qualities associated more with experience, wisdom and older age. What could we expect from older dancers?
Perhaps economy, precision, emotional accurancy, relaxed humour, developed stagecraft, a vision of a helthful older age.
(EARLY, 2013)
122
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

mas, principalmente, a partir de um fazer prático, já que “o fazer, enquanto se faz, inventa o modo de
fazer” (p.20).

Segundo Mortari e Batalha (2016), existem especificidades na forma de conceber e desenvolver a


dança mas, é interessante ultrapassar as fronteiras entre uma técnica e outra, entre uma teoria e outra,
entre um padrão estético e outro, não cristalizando, assim, o conhecimento, de forma a aprisioná-lo dentro
de muralhas que impeçam a transposição de seus espaços. Por conseguinte, ao considerar as
particularidades do bailarino maduro, as metodologias se alargam para absorver também estes corpos.
Dessa forma, Erik Gomes reforça a necessidade de possibilitar aos bailarinos a participação em cena,
através de um rigor plausível nas ações propostas durante os encontros.

Não deixe de fazer aquilo que tu tem vontade, bota em cena, não tenha vergonha de nada! Acredita no
que tu tá fazendo, quer melhorar? Faz mais aula. Quer aprimorar o que tá dançando? Ensaia, né? Então
colocar o que tá dentro do coração, o que tá dentro da alma do artista, pra fora, é fundamental. (EG30,
entrevista, outubro 8, 2018)

Numa pesquisa com bailarinas profissionais com mais de 50 anos de idade, York-Pryce (2014)
salienta que, em seus relatos, foi demonstrada uma mudança da ênfase na perfeição externa para pensar
mais sobre o corpo e a mente internos, enfatizando que a importância da fisicalidade não era mais a
mesma e, assim, o dançar passou a ser mais reflexivo e emotivo.

Isto posto, nos leva a entender que existem especificidades sobre o envelhecimento que devem
ser trabalhadas nos grupos de dança com pessoas de mais idade, sendo importante aprofundar os
conhecimentos sobre o assunto para que se consiga, efetivamente, bons resultados na busca pelo
reconhecimento e valorização desta nova perspectiva na dança. Segundo Amans (2013) é interessante a
formação contínua dos profissionais que desenvolvem atividades com bailarinos maduros para que os
mesmos identifiquem e proponham adaptações necessárias nos trabalhos com dança, que favoreçam os
corpos amadurecidos. A autora postula que, em sua grande maioria, os coreógrafos que ainda estão
atuando, podem saber como é ser uma criança ou um jovem adulto, mas a maioria não sabe como é ter 75
ou 85 anos de idade. Aqui nesta investigação, Erik Gomes é o único coreógrafo com idade próxima a de seu
alunos mas, de fato, ainda não vivenciou a idade deles. Os demais coreógrafos entrevistados tem idade
bem inferior a dos seus bailarinos e, por isso, a consideração de Amans ganha ainda mais pertinência no
contexto estudado.

123
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Erik Gomes fala sobre o desejo de aprendizado pelas bailarinas de seu grupo, exaltando a beleza
da idade avançada e provocando a reflexão sobre os modos de construção desse ensino.

Tem gente de 60, 70, 80 anos de idade que são “gatésimas” dançando e querem coreografia, e querem
aprender e querem cada vez mais. (EG17, entrevista, outubro 8, 2018)

Então, como produzir arte da dança com estes corpos maduros? Citamos aqui uma afirmação de
Miller (2012), questionando-se sobre os processos pedagógicos em dança:

Como bailarina e coreógrafa, sempre me questiono sobre os resultados da nossa forma de


aprendizado em dança e sobre os processos didáticos oferecidos em trabalhos corporais, pois
há algum tempo a técnica pela técnica deixou de ser suficiente para fazer o bailarino dançar. O
que aprendemos de dança em sala de aula e o que dançamos de fato no palco? (p.46)

A autora provoca a pensarmos nesta correspondência entre sala de aula e palco sobre a qual
tratamos até aqui. Na nossa percepção, também nos trabalhos de dança com pessoas mais velhas, quanto
mais esta correspondência for perseguida, mais potentes as produções artísticas serão.

Marques (2012) afirma que a arte viabiliza delineamentos diferentes de vivenciar o mundo. Através
da criação, do conhecimento e da experimentação da dança, é possível produzir novos sentidos e leituras
de mundo. Nesta perspectiva, criar traz a oportunidade de transformar, experimentar e sentir prazer;
apreciar traz a possibilidade de estabelecer relações com o mundo para além das relações comerciais;
contextualizar permite conhecer ideias, culturas e histórias.

É a partir desta compreensão da dança enquanto área de conhecimento que abarca as três
dimensões do aprendizado em arte, que buscamos analisar o campo de estudos aqui apresentado,
acreditando que os trabalhos com dança na maturidade, mesmo que acontecendo em espaços não formais
e amadores de ensino, podem possibilitar uma construção do entendimento sobre a arte da dança como
uma manifestação plural do ser humano, que abarca todas as perspectivas da área.

Desta forma, percebemos algumas intenções nos grupos que se aproximam desses pressupostos,
mas não na integralidade dos trabalhos como um todo. Um exemplo disso é a afirmação do coreógrafo Erik
Gomes sobre o trabalho de improviso em dança:

124
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Eu acredito no improviso, acredito na espontaneidade sim. Tem gente que nasceu pra improvisar, que
tem uma disponibilidade corporal instantânea, mas tem que ter aula, tem que ter ensaio, tem que ter
quantidade. Se não há isso, tu não consegue um bom trabalho! (EG28, entrevista, outubro 8, 2018)

Não sabemos o aprofundamento do trabalho de improviso realizado com seus alunos mas,
considerando as diversas colocações ao longo das entrevistas sobre as aulas desenvolvidas, podemos
inferir que parece não acontecer uma pesquisa corporal detalhada que evoque a experiência perceptiva
junto à construção de um corpo singular, com as bailarinas do grupo.

Com certeza, um trabalho de improviso não é apenas “fazer qualquer coisa”, é preciso preparar o
corpo para conectar-se a um estado de concentração, atenção e escuta corporal que possibilite ao
bailarino acessar suas memórias e percepções em relação ao meio externo. Conforme Lobo e Navas (2008),
a improvisação em dança é um processo complexo de resposta aos impulsos provenientes dos estímulos
criativos. Por algum tempo, o improviso estava relacionado a uma dança feita de qualquer maneira, porém,
é um processo estruturado, onde acontecem, simultaneamente, a percepção, a intenção e a ação motora.

Corrêa, Silva e Santos (2017) explicam que se a improvisação for desenvolvida de forma coletiva,
consciente e crítica, num diálogo construtivo entre professor e bailarino, pode ultrapassar o mero objetivo
de desinibição, tendendo a configurar-se num processo de aprendizagem, o qual joga com os saberes
específicos da dança e a história corporal dos indivíduos. Conforme reitera Toyama (2017), este pode ser
um método aplicável a todos os corpos comuns, a partir de ações como andar, correr e fazer o que
constitui nossa vida cotidiana, encaixando-se nas características dos praticantes de dança na maturidade.

Outra aproximação com os conteúdos da dança é a explicação do coreógrafo Alan Andrade quando
fala de um trabalho que viabiliza a fruição de outras obras e a construção de um produto artístico em
forma de espetáculo.

E claro! A gente foi observando outros grupos de dança, a gente foi assistindo vídeos, né? O trabalho
com os espetáculos de dança também nos ajudou muito a construir essa compreensão. Dessa relação
palco – plateia, dessa relação público, né? Dessa relação de uma obra artística, o quê que é uma obra
artística, né? O quê que é um espetáculo de dança? Então à medida que a gente ia desenvolvendo esse
processo criativo, a gente ia entendendo como se desenvolvia nosso trabalho. À medida, também, que

125
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

eu fui me aprofundando, esse trabalho também foi ficando mais claro pra mim e, consequentemente,
mais claro pra elas. (AA14, entrevista, outubro 22, 2018)

Giguere (2016) afirma que as conexões entre aprender dança em estúdio e assistir uma
apresentação ao vivo são muito importantes. Quando isso torna-se inacessível, um recurso utilizado são
os vídeos de companhias profissionais, como forma de auxiliar o desenvolvimento do senso estético e a
compreensão sobre a arte da dança.

Sendo assim, é significativo reconhecer o uso deste artifício pelo grupo já que, muitas vezes,
segundo Marques (2010), a apreciação é considerada como parte da teoria e não da prática da dança, o que
a exclui das aulas mais tradicionais, eminentemente práticas.

Barreto (2008) explica que a fruição e a apreciação estética desenvolvem a sensibilização do


espectador que, neste caso, pode ser o próprio bailarino, quando, ao tomar contato com as obras de arte,
permite-se desfrutar, admirar, julgar e avaliar os trabalhos de dança que se propõe assistir. Sem dúvida,
amplia o aprendizado na área e provoca reflexões autênticas sobre as concepções cênicas que se
apresentam.

Também o espetáculo faz parte da formação do bailarino, concordando com Mortari e Batalha (2016b)
quando reiteram que a formatação de um espetáculo é fruto de re-significações artísticas, as quais
buscam a integralização do processo, pensado para exprimir um produto artístico de excelência.

A colocação do coreógrafo Erik Gomes levanta a questão da pesquisa como parte importante do
processo de aprendizagem.

Eu acho que tem que ter pesquisa. Pesquisa sobre ... até aonde o bailarino pode ir... (EG27, entrevista,
outubro 8, 2018)

Sua fala aponta uma preocupação com as potencialidades físicas do bailarino maduro, vinculando
o interesse de pesquisa diretamente a este ponto. Nas suas colocações não foi possível perceber se esta
preocupação relaciona-se e se estende a práticas de pesquisa de movimento enquanto processo criativo
para as obras coreográficas. Como observa Miller (2012), a investigação corporal serve para acessar o
corpo cênico, através da experimentação de erros e acertos que perpassam o território do corpo sensível
e do corpo poético pelo aluno-pesquisador, resultando num entrelaçamento entre técnica e criação.

126
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

O preparo corporal dos bailarinos para um trabalho cênico específico é outro ponto que faz parte
do aprendizado em dança. Alan Andrade relata como se organiza para colocar isto em prática com seu
grupo.

Quando eu quero um trabalho mais longo, um trabalho de mais tempo, onde elas vão dançar mais
coreografias eu procuro já desde o início trabalhar, fazer uma preparação corporal pra isso, né? Então
se eu sei que elas vão precisar de mais tempo, de fôlego, de respiração, se faz todo um trabalho de
respiração, se faz todo um trabalho de preparação do corpo pra que elas consigam atingir. E claro! A
gente tenta selecionar, por exemplo assim, tantas coreografias a fulana e a fulana vai dançar, outras
tantas beltrana, ciclana, pra que não aconteça isso também, delas ficarem muito tempo em cena e se
cansarem com isso. (AA21, entrevista, outubro 22, 2018)

Quando a prática de dança tem a intenção de organizar apresentações cênicas é importante ter o
cuidado de trabalhar os corpos de acordo com a proposta que será realizada.

Na tentativa de mostrar como as pessoas mais velhas podem se envolver com a dança, segundo
Dance (2016), buscou-se, através da realização de um filme, ampliar o entendimento do público em
geral,através de uma obra de dança de qualidade desenvolvida com bailarinos maduros. Durante o projeto,
realizado com um grupo de dança na comunidade, ao longo de 22 sessões, a preparadora introduziu novas
técnicas e abordagens de dança ao grupo, incentivou a experimentação e a capacidade criativa, explorou
o material coreográfico fornecido e disponibilizou informações, feedback e reflexão sobre o que estava
sendo feito. Vemos aqui um aprofundamento em relação à obra de dança a ser apresentada, que pode
fazer a diferença no produto final a ser alcançado.

Ainda sobre os conteúdos de um trabalho com dança com foco na produção artística, podemos
ressaltar os ensaios durante o processo de construção, necessários ao aprendizado da produção
coreográfica. O bailarino João Antônio reflete que não são todas as pessoas que se propõem a participar,
já que exige um grande envolvimento que vai além das aulas semanais.

Hoje já tem muito homem na dança de salão, só que é difícil achar quem queira participar de coreografia
porque exige muito trabalho, muito ensaio para chegar no palco, né? E exige, além disso, não é só dança,
ela é quase um teatro, e tem muita coisa além da dança. (RRJA8, entrevista, outubro 9, 2018)

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Conforme Siqueira (2006), para manter um esquema de ensaios é necessário criar uma estrutura
que dê conta de tudo, valendo-se da disponibilidade do espaço, do tempo extra do profissional e dos
bailarinos envolvidos, bem como da dedicação e comprometimento para a concepção e construção da obra
coreográfica.

Foram evidenciadas até aqui, ações realizadas pelos grupos que vão ao encontro da dança dentro
de uma perspectiva que foca na produção artística, na intenção de produzir dança com os corpos maduros.
Entretanto, não pudemos perceber, de fato, em que grau coreógrafos e bailarinos entrevistados
conscientizam as práticas que propõem e experimentam em termos das possibilidades que têm para a
produções artísticas e também em relação às correspondências que estabelecem, em maior ou menor
grau, com o que praticam em sala de aula e o que levam para cena.

Mesmo ainda com as características no desenvolvimento das propostas de dança para a


maturidade observadas neste estudo, vale destacar que nas percepções dos coreógrafos entrevistados,
aparece o desejo por encontrar ou entender uma estética da cena em suas criações artísticas. Alan
Andrade diz que é na dança-teatro que constrói a base de seu trabalho.

Hoje em dia a gente diz assim, que a gente trabalha com uma concepção de dança-teatro, né? É uma
concepção de dança que vai trabalhar justamente com a contemporaneidade, né? Com aquele
momento presente que nós estamos vivendo, então a gente vai procurar vampirizar outras linguagens
artísticas também. Trazer isso pra dentro da dança. Mas sempre com a consciência que nós estamos
fazendo um trabalho de dança! A gente traz o teatro, a gente traz a música, a gente traz as Artes
Visuais, a gente traz a performance também pra colaborar com esse trabalho, mas que é um trabalho
de dança, voltado pra questão do movimento e pra questão dos elementos que são específicos dessa
linguagem artística. (AA11, entrevista, outubro 22, 2018)

Ester Carvalho, apesar de não apresentar uma proposta pedagógica, enfatiza que a essência
interior é o fundamento para provocar o surgimento do trabalho artístico.

É muita coisa! Primeiro é a segurança e a consciência de ser mulher. O que eu posso dar e posso receber,
essa troca de energia. Porque eu quando danço, digo algo, fazemos drama também! Mas tem uma troca
entre o público e isso me marca muito! Não vamos dançar como se tivesse, enfim...dois para um lado,
dois para o outro, há uma técnica, mas eu tenho minha essência! (EC7, entrevista, outubro 9, 2018)

128
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

E Sofia Kramer salienta a importância do empoderamento das bailarinas, enquanto artistas da


dança, com um compromisso social a ser mostrado durante as criações.

Então o meu grande trabalho com o palco é exatamente isso. É a ideia de que elas são pessoas
privilegiadas e que tem que se empoderar nesse sentido pra poder empoderar as outras pessoas. E sair
de lá assim, satisfeitas, felizes, né? [...]. É o prazer da arte. (SK36, entrevista, novembro 12, 2018)

Nesta direção, surge a colocação de Mortari e Batalha (2016b), quando dizem que a
contemporaneidade tem o desafio de construir obras de dança que permitam tanto ao intérprete, como
ao criador e ao espectador, reelaborar seus saberes por meio de novas abordagens da dança. Dessa forma,
ao transformar os processos de criação dos objetos artísticos em espetáculos, passam a exprimir um
produto artístico por excelência.

Como mencionamos acima, este cuidado com a correspondência entre os trabalhos da sala de aula
e do palco não aparece de forma consistente nas falas dos entrevistados. As descrições feitas não
aprofundam a questão e, ao mesmo tempo indicaram tendêcia a desenvolver produções bastante
arraigadas às questões do movimento padronizado e dos produtos de dança com estéticas mais
tradicionais/convencionais.

Isso posto, parece-nos que a busca por outras estéticas de dança que nasçam justamente das
características e potencialidades dos corpos amadurecidos que compõem os grupos, não são tão
exploradas. Ao que podemos inferir, a ideia de que uma mesma proposição de atividade ou de composição
tem que valer para todos os bailarinos do grupo é uma escolha predominante em termos de condução de
trabalho pelos coreógrafos entrevistados.

Resta-nos aqui questionar se, efetivamente, os grupos estudados conseguem alcançar a


consciência sobre a potência que dos trabalhos artísticos com dança na maturidade podem ter. Será que
existe uma reflexão em relação aos processos de aprendizagem utilizados para que os mesmos resultem
num entendimento maior sobre onde podem e onde querem chegar com o trabalho desenvolvido? Esta é
questão, vemos agora, a que a entrevista, da maneira como foi feita, não conseguiu abarcar.

O coreógrafo Alan Andrade, foi quem mais se aproximou dessa compreensão, demonstrando que
potencializa um trabalho que busca esses princípios.

129
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Eu considero um trabalho artístico de qualidade, um trabalho que vá ao encontro de uma preocupação


com a Arte. Um trabalho artístico de qualidade na maturidade vai fazer com que as pessoas entendam
e se aproximem cada vez mais do universo artístico. Aquilo que se produz de arte no tempo que elas
estão, no momento que elas estão vivendo, que vá fazer também a construção e a aproximação do
público, né? Que vá gerar público, que vá trazer público pra dança, que vá fazer com que as pessoas se
interessem pela dança, em assistir dança, em produzir dança, né? Que vão fazer com que o universo da
dança se desenvolva mais. Que faça com que a gente tenha mais dança e mais pessoas interessadas
em dança. (AA24, entrevista, outubro 22, 2018)

Pretender um ensino-aprendizagem na dança que se outorgue plural e integralizado, necessita


exercitar um jogo de afastamento e novas aproximações do tradicional/convencional. Não colocamos aqui
que o tradicional/convencional precisa ser abandonado. Pelo contrário, acreditamos que importante é
estranhar este tradicional/convencional permitindo-se caminhar rumo ao desconhecido na busca de
outros delineamentos na dança. Concordando com Mortari e Batalha (2016b), abrir-se ao novo com a
perspectiva de vivenciar outros saberes e fazeres, amplia a visão de mundo conhecida e provoca
questionamentos e transformações na vida de cada um que se doa à experiência.

Deixar-se ir ao encontro do imprevisível é permitir-se viver momentos de encantamento ou de


desilusão. A surpresa frente ao novo, ao não esperado, desperta a reflexão sobre o que se vive,
sobre as verdades que se acredita e os propósitos que se pretende enquanto Ser que se quer
sujeito de sua própria história. Embora subjetivo este é um momento concreto de superação, de
transposição de um modo de agir e pensar o mundo, que se desvela em possibilidades de vir a
ser e estar diferente. (MORTARI e BATALHA, 2016b, p.16)

Trabalhos de dança que abordem a investigação subjetiva de movimentos favorecem a


complexificação e o apofundamento dos processos criativos. Assim, parece-nos que os coreógrafos, numa
tentativa de evitar o desconforto que as experiências de composição podem provocar durante os
processos, processos, priorizam práticas mais convencionais de composição dirigida e acabam por
demarcar com mais força, mesmo que não propositalmente, objetivos relacionados à qualidade de vida,
lazer e socialização em suas aulas de dança, deixando de potencializar e de trabalhar com mais ênfase
estratégias de desenvolvimento de um corpo sensível e cênico. Nossa hipótese é a de que a busca por um
redimensionamento dos conhecimentos e reflexões sobre dança por parte dos coreógrafos entrevistados,
no sentido de buscarem atualizações constantes a partir do campo de conhecimento da Dança, pode
favorecer a compreensão ampliada dos caminhos composição coreográfica que vem sendo percorridos na
contemporaneidade.

130
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

foto Mauren Rodrigues

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

DESFECHOS
DE UM PERCURSO

132
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Ao nos aproximarmos do fim, voltamos ao início de tudo, por entender que o exercício da pesquisa
é uma constante procura, revisão e ressignificação do que se pretende conhecer mais profundamente, a
partir das descobertas feitas ao longo do estudo. Passa, assim, a ser um recomeço com base em uma nova
compreensão do tema, neste caso - a dança cênica na maturidade. Um reiniciar que possibilita alargar os
entendimentos sobre o assunto.

Nesse percurso, o aprofundamento teórico, junto às análises do campo de estudo, nos permitiu
avançar e chegar até aqui, acreditando que mais do que concluir, deixaremos portas abertas e novas
perspectivas de investigação.

Considerando a extensão de um estudo de doutoramento, acreditamos ser importante elaborar


algumas sínteses para retomar o sentido do todo a que a pesquisa se propôs, consolidando um processo
que se procurou, articulado e consistente. Apontaremos, então, os passos mais relevantes desta
investigação, através de uma reflexão lacônica com a intenção de estabelecer os marcos essenciais do
trabalho.

Aqui, retomando a escrita na 1ª pessoa do singular, coloco como primordial lembrar as


inquietações que me trouxeram a este doutoramento – minhas experiências enquanto docente e artista
da dança que, desde algum tempo, vinham me provocando a pensar sobre o corpo maduro na dança.
Enquanto coreógrafa de um grupo amador formado por mulheres com mais de 50 anos de idade e também
professora de um curso de licenciatura em Dança, era inevitável querer compreender mais a fundo este
universo que se apresentava diante de mim. Enquanto coreógrafa, saber como proceder no campo
artístico, como docente universitária, saber como trocar e estimular os conhecimentos sobre o tema.
Entre idas e vindas, muitas procuras e poucas respostas, percebi a importância de buscar um
aperfeiçoamento que me auxiliasse a alargar o panorama sobre as práticas de dança cênica que vem sendo
realizadas com os corpos maduros, especialmente no âmbito amador. Assim se deu o início da trajetória
deste doutoramento.

Partindo das inquietações que me moveram, procurei envolver pessoas que acreditassem na
importância do tema do estudo e potencializassem o aprofundamento que seria necessário. Isso foi
possível com a parceria de minhas duas orientadoras que, ao aceitarem o entrelaçamento de opiniões e
reflexões, viabilizaram comigo a construção da tese, que agora se materializa em livro.

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Volto, a partir dessa exposição, a escrever no plural, por considerar que este foi um trabalho
construído a seis mãos, com o melhor de cada uma de nós para chegar ao que nos propúnhamos. Nesta
relação de confiança e comprometimento, surgiu o universo deste estudo, moldado a partir de minhas
inquietações, junto à realidade da dança no sul do Brasil.

Através do estudo teórico sobre o envelhecimento, com um olhar minucioso para compreender
aspectos sociológicos e antropológicos que se colocam na sociedade ocidental, refletimos criticamente a
respeito do curso da vida em relação a diversas questões que estão postas na contemporaneidade.

O outro ponto, realçado teoricamente, teve como foco a dança cênica ao longo da história e, neste
rumo, como foram vistos os corpos maduros que se colocaram em cena durante toda essa trajetória.

A complexidade e imbricamento desses dois textos permitiram reforçar o fenômeno a ser


estudado nesta pesquisa, cujo problema de investigação proposto foi compreender como as práticas em
dança na Região Sul do Brasil possibilitam desenvolver a experiência artística em corpos maduros, no
âmbito amador, na busca ou afirmação por outros parâmetros estéticos não convencionais para a dança.

Por meio do enquadramento teórico estabelecido e da definição metodológica do estudo, de


natureza qualitativa, concretizamos a análise e discussão dos dados apresentadas anteriormente.

No decorrer desta investigação, o campo de estudos surgiu à medida que as primeiras


informações sobre o assunto foram apuradas. Inicialmente o desejo era buscar apenas os grupos que
efetivamente realizavam propostas de dança cênica enquanto obra completa, porém, a realidade se
mostrou distante disso e nos conduziu a outros caminhos para a pesquisa. Assim, foi necessária uma
aproximação com os festivais de dança, voltados exclusivamente para a maturidade, para conseguirmos
acessar os grupos da região sul do Brasil que ali participavam também com coreografias pontuais.

Em posse dos questionários respondidos, pudemos ter um panorama geral sobre os trabalhos que
vem sendo desenvolvidos com esses grupos. Identificamos aspectos importantes, como constatar que a
média de idade apresentada pelos bailarinos não se enquadra na nomenclatura utilizada pelos grupos, seja
terceira idade ou melhor idade. Os objetivos dos trabalhos são variados e focam tanto na socialização,
bem-estar e saúde, como também na produção artística. Existe uma diversidade de modos de
compreender os conceitos sobre trabalhos artísticos em dança – obras coreográficas independentes,
espetáculos de dança, performances, saraus e vídeo-dança, demonstrando uma confusão entre os
entrevistados, ao tentarem definir as manifestações cênicas que costumam realizar.
134
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Com base nessas informações, vislumbramos um perfil de grupos que se dedicam prioritariamente
à prática da dança, mas refletem pouco sobre o que vêm fazendo e onde pretendem chegar com seus
trabalhos em termos de produção artística.

A partir desses primeiros resultados, voltamos ao campo para aprofundar algumas questões
imprescindíveis à compreensão da prática artística em dança na maturidade. Neste momento da pesquisa
foram selecionados para participar apenas os grupos que demonstraram características que os
aproximassem desse aspecto.

Da análise dos dados realizada no âmbito desta investigação, confrontamo-nos com um conjunto
de informações provindas das entrevistas que, à luz da Análise Textual Discursiva, metodologia utilizada
para apurar o olhar sobre esses conteúdos, foram organizadas em três categorias que pretenderam dar
conta de responder a problemática deste estudo. Ressaltamos, na sequência, os pontos com maior
relevância sob nosso olhar.

Iniciamos chamando a atenção para o corpo maduro na cena da dança. A partir do relato sobre as
diversas manifestações artísticas que os grupos realizam em suas trajetórias, observamos que as
características corporais e comportamentais das pessoas mais velhas ainda não é uma realidade
prioritariamente explorada nas produções, apresentando-se como um território à margem dos grandes
interesses da dança cênica no sul do Brasil, possivelmente por não seguir os padrões corporais
estabelecidos na sociedade contemporânea ocidental.

A pesquisa de produção em dança com corpos maduros, dessa forma, se mostra imensamente
profícua para mostrar outras belezas: aquela da lentidão de reação, da instabilidade pela falta de equilíbrio,
da experiência e das marcas corporais que revelam essas vivências.

Outro aspecto importante de mencionar é que percebemos, na discussão da análise, que nem
todos os coreógrafos entrevistados têm consciência da gama de possibilidades que a dança na maturidade
proporciona. Sentimos uma falta de conhecimento mais detalhado e até mesmo de consciência em relação
aos processos de criação realizados pelos grupos, demonstrada nas falas dos integrantes, sejam os
próprios coreógrafos ou os bailarinos, o que nos leva a inferir sobre a necessidade de que estes
profissionais redimensionem seus conhecimentos pelo campo da Dança para que possam favorecer e
estimular a produção de obras coreográficas que abarquem a diversidade corporal que os corpos maduros
ofertam, com foco na qualidade e no potencial artístico ampliado que tais produções podem alcançar.

135
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Ao não atentarem para a possibilidade de processos criativos com maior complexidade, os


coreógrafos perdem a oportunidade de mergulhar em experiências mais profundas de criação com aqueles
bailarinos que se permitem exteriorizar mais intensamente sua expressividade e movimentação, as quais
poderiam desabrochar durante esses momentos.

Ao mesmo tempo, salientamos a participação positiva do espectador mencionada mais de uma


vez nas entrevistas. Pelo que foi relatado, notamos que, para aqueles que se propõem conhecer um pouco
mais dos trabalhos na área, é possível contemplar o potencial inovador da dança na maturidade, auxiliando
em uma maior visibilidade e reconhecimento desta prática e produção artística.

Com relação as abordagens de ensino utilizadas com os grupos, constatamos que os coreógrafos
priorizam práticas mais convencionais de composição dirigida e acabam por demarcar com mais força,
mesmo que não propositalmente, objetivos relacionados à qualidade de vida, lazer e socialização em suas
aulas de dança, deixando de potencializar e de trabalhar com mais ênfase estratégias de desenvolvimento
de um corpo sensível e cênico. Apesar de não estar explícito nos relatos colhidos, percebemos a opção
acima indicada pode estar relacionada à tentativa de evitar o desconforto que as experiências de
composições mais investigativas podem provocar nos bailarinos durante os processos de criação, o que
poderia colocar em cheque os propósitos de socialização e bem-estar das atividades.

A ideia defendida pelos coreógrafos de reconhecer as potencialidades de cada um dos bailarinos


para as definições de composição coreográfica foi percebida como predominando dentro da seguinte
lógica: uma mesma proposição de atividade ou de composição tem que poder valer para todos do grupo.
Isto é, buscar movimentações que poderão ser feitas por todos é o que eles sugerem enquanto trabalho
de criação que respeita as individualidades dos corpos maduros, aproximando-se assim, de um produto de
dança com estética bastante tradicional e convencional.

No nosso entender, como já mencionamos, o redimensionamento dos conhecimentos e reflexões


sobre dança por parte da maioria dos que conduzem os trabalhos pode favorecer compreensão ampliada
sobre os caminhos de composição coreográfica que vem sendo percorridos na contemporaneidade para,
com isso, pluralizarem seus espectros de possibilidades de criação em dança. Em outras palavras, no nosso
modo de ver, não é preciso, por exemplo, sempre buscar coreografias coesas onde todos dancem juntos.
A polífona de movimentos é uma característica das produções em dança em seus períodos históricos pós-
moderno e contemporâneo. E, muitas vezes, é nesta oportunidade da polifonia que a força de cada
singularidade pode ser trabalhada de forma mais contundente na cena da dança.
136
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

Nessa direção, entendemos que a formação superior em dança e consolidação da dança no espaço
escolar podem colaborar a formar cidadãos e futuros profissionais de dança com experiências pessoais
recheadas de conhecimento ampliado e crítico sobre esta arte corporal, oportunizando a constituição de
profissionais do campo com maior potencial auto-reflexivo.

Considerando o potencial da dança na maturidade, entendemos que as rotinas dos encontros com
os grupos aqui estudados poderiam ampliar o foco na consciência corporal e nos estudos das questões
cênicas e criativas, como caminho de incremento no trabalho que já desenvolvem, possibilitando que
processos de criação de cunho subjetivo e investigativo provoquem novos desafios nos bailarinos, ou seja,
uma projeção a outras novidades, sem receio do desconhecido. Além disso, a organização de espaços que
estimulem reflexões acerca das produções artísticas em dança com corpos maduros, poderão colaborar
com um caminhar para uma pedagogia da diversidade.

Como consequência de todo o exposto acima, acreditamos que esta investigação aporta
contributos relevantes sobre a problemática estabelecida, cumprindo o que se propôs em sua proposta
inicial. Junto à análise e reflexão dos resultados, acrescentamos nossa experiência docente, fato que
permitiu estabelecer relações contundentes entre a prática e a teoria explanada que extrapolaram um
pouco a estrita descrição dos relatos.

Ao reconhecer o alcance dos objetivos apontados nesta pesquisa que buscou, em sua
generalidade, compreender e analisar as práticas de dança na maturidade que proporcionam a experiência
artística na Região Sul do Brasil, procurando identificar e descrever essas práticas, problematizar
concepções de corpo, contribuir para a produção do conhecimento na área e legitimar o potencial artístico
da dança na maturidade, não podemos deixar de mencionar algumas adversidades que surgiram durante
o percurso.

Num primeiro momento, a dispersão dos registros dos grupos de dança na maturidade e a
informalidade da organização dos festivais de dança, voltados para este público dificultaram o acesso aos
grupos. A falta de um registro sistematizado e atualizado das informações dos participantes, muitas vezes
contendo os mesmos grupos com nomes diversos ou diferentes coreógrafos com os mesmos grupos ou,
ainda, e-mails e telefones incorretos, nos lançou num trabalho árduo de depuração para conseguirmos
contatar os responsáveis e, mesmo assim, acabaram ficando de fora da pesquisa grupos aos quais não
tivemos acesso.

137
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

Percebemos, nessa busca, o quanto esses eventos poderiam estar contribuindo com o campo da
dança, se possuíssem registros estruturados dos dados de forma a construir um perfil da dança na
maturidade.

A distância geográfica que percorre toda a Região Sul do Brasil foi outro fator limitador, não
permitindo um contato pessoal com os grupos no início da investigação. Por conseguinte, ao reconhecer
que as pesquisas acadêmicas não fazem parte do cotidiano das pessoas, entendemos que uma explicação
virtual sobre o estudo ou mesmo uma conversa por telefone, não tem o mesmo efeito que pessoalmente.
Talvez este tenha sido um dos motivos de termos obtido um retorno reduzido dos questionários para a
primeira etapa desta investigação.

Um terceiro aspecto foi que, no decorrer da análise dos dados, percebemos uma fragilidade na
construção do inquérito por entrevista, por este não ter abarcado com mais profundidade as questões
pedagógicas. Aqui salientamos que não era o foco principal da investigação e, portanto, as perguntas
foram elaboradas de forma a amplificar o entendimento sobre os processos artísticos dos grupos. Porém,
identificamos a necessidade de falar a respeito dos processos pedagógicos, por entender, ao longo da
pesquisa, que num trabalho de dança estes se mostram imbricados com a construção das composições
coreográficas para as obras elaboradas.

A partir das considerações feitas, surgem diversas possibilidades de estabelecer novas linhas de
investigação, revelando um potencial para aprofundar algumas das temáticas propostas. Uma delas é um
olhar apurado para aspectos pedagógicos da dança com corpos maduros, especialmente em âmbito
amador, buscando o fortalecimento de uma pedagogia da diversidade que reconheça, nas diferenças, a
potência de ampliar caminhos para a dança.

Outro possível desdobramento desta investigação seria um estudo voltado para as referências de
corpo e produção cênica oriental, a qual vemos como uma direção enriquecedora para as reflexões sobre
prática e produção da dança na maturidade. Uma porta de entrada para essa discussão pode ser uma
perspectiva a partir da prática, estética e técnica da dança butoh.

Para finalizar, na provisoriedade do momento em que esta pesquisa se assenta, lembramos que
um fazer artístico em dança é uma ação que surge da realização de procedimentos práticos junto ao
acesso e à articulação de uma série de conhecimentos teóricos, cujos significados se entrelaçam com a
experiência de quem atua. Com isso e a partir desse pressuposto, compreendemos que as práticas de

138
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

dança na maturidade precisam, ainda, para ganhar visibilidade e reconhecimento perante a sociedade,
reconhecer que, na construção de processos criativos complexos de obras artísticas – provocando,
subvertendo, desestabilizando os padrões corporais vigentes e as estéticas convencionais de dança –
reside caminhos para a conquista de espaço no universo da arte.

139
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

foto Mauren Rodrigues

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147
COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

ÍNDICE REMISSIVO
Ageismo, 28 expressividade, 42
Análise Textual Discursiva, 63 expressividade corporal, 52
artista da dança, 18 Grounded Theory, 58
ATD, 64 grupo Baila Cassino, 70
Baila Cassino, 19, 60 Grupo Baila Cassino, 19
bailarinas maduras, 20 idade madura, 54
bailarinos com mais idade, 108 Idoso, 32
bailarinos em idade madura, 42 manifestações artísticas, 77
bailarinos maduros, 21, 100 maturidade, 33, 80
corpo maduro em cena, 38 mulheres maduras, 81
corpo que dança na maturidade, 18 obra artística, 99
corpos maduros, 51, 104, 130 obra de arte, 104
corpos que dançam, 38 pedagogia da diversidade, 22
dança cênica, 19 prática amadora da dança, 54
dança enquanto arte na maturidade, 116 prática artística em dança na maturidade, 131
dança na maturidade, 21, 57 processos criativos, 44
dançarinos amadurecidos, 54 produção artística em dança, 101
envelhecimento, 18, 25, Consulte produção em dança com corpos maduros, 131
espetáculo, 37 Região Sul do Brasil, 70
espetáculo de dança, 100 Terceira Idade, 33
experiência artística, 57, 70 velhice, 29, 32
experiências de ensino e aprendizagem, 112 Velho, 32

148
DESCORTINANDO A DANÇA NO SUL DO BRASIL

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COLEÇÃO NOVAS PESQUISAS EM DANÇA

portalanda.org.br

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