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Jesco von Puttkamer Fonte: Arquivo IGPA – PUC-GO

V ENCONTRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO


DO CENTRO-OESTE
“Memória e Democracia:
Os tempos e espaços da História da Educação”
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Escola de Formação de Professores e Humanidades
Goiânia-GO, de 05 a 07 de junho de 2019

ANAIS DO V EHECO
CRÉDITOS DA IMAGEM DA CAPA

A fotografia utilizada para compor o layout do V EHECO tem autoria do fotógrafo Jesco von Puttkamer, con-
siderado um dos precursores da antropologia visual no Brasil, por ter dedicado grande parte da sua vida à produção
de um dos maiores acervos audiovisuais sobre os povos indígenas brasileiros.
Jesco nasceu em 1919, em Niterói (RJ), filho de uma brasileira e de um Barão alemão. Realizou seus estudos pri-
mários na Suíça e voltou para o Brasil em 1934, residindo em São João del Rei (MG), onde licenciou-se em Ciências
Naturais. Durante a preparação de sua tese de doutorado em Química, retornou com a família para reivindicar uma
herança na Alemanha. Em 1942, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, foi levado com seu irmão para
um campo de concentração, onde permaneceu por mais de dois anos. Seu irmão nunca foi encontrado. Com o fim
da guerra, Jesco trabalhou como fotógrafo oficial do governo da Bavária, documentando os campos de deslocados de
guerra para as Nações Unidas e o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg.
Em 1947 retornou com sua família ao Brasil, decidido a realizar um sonho de infância: viver entre os índios
brasileiros. Já com certa experiência em fotografia documental, nos anos de 1960 Jesco von Puttkamer começou a
visitar as aldeias indígenas, acompanhando os irmãos Villas Bôas como fotógrafo em suas expedições ao Xingu. Jesco
os seguiu por oito anos, o que lhe rendeu diversos filmes de “primeiros contatos” para a BBC de Londres, bem como
artigos para a National Geographic e outras publicações internacionais.
No documentário “Bubula, o cara vermelha”, do cineasta Luiz Eduardo Jorge (1999), fica evidente o entusiasmo
de Jesco por povos intocados e ou isolados e sua participação em frentes de atração dos índios Txukahamãe, Txicão,
Suruí, Cinta-Larga, Marúbu, Kámpa, Kaxináwa, Waimiri-Atroarí, Yanomami, Hixkaryana, Uru-eu-wau-wau, entre
outros. A Editora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás publicou dois livros do acervo de fotografias de Jesco
após seu falecimento. Em 2000, com o apoio da Fundação Assis Chateaubriand, foi lançado o livro Sob o olhar de
Jesco, com centenas de fotos que mostram a construção de Brasília, desde o espaço geográfico, os criadores e cons-
trutores da cidade, até sua inauguração. A foto que compõe o layout do V EHECO foi escolhida porque a acuidade
imagética de Jesco von Puttkamer, representada nesta foto, expressa o tema do evento.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

Reitor: Prof. Wolmir Therézio Amado


Vice-Reitora: Profa. Olga Izilda Ronchi
Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa: Profa Milca Severino Pereira.
Pró-Reitora de Graduação: Profa. Sonia Margarida Gomes Sousa

ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES


Diretor: Prof. Romilson Martins Siqueira

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO


Coordenador: Prof. Aldimar Jacinto Duarte
Vice-coordenadora: Profa. Claudia Valente Cavalcante

COORDENAÇÃO GERAL DO EVENTO


Prof. Dra. Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida

Coordenação do Comitê Científico


Dra. Elianda Figueiredo Arantes Tiballi (PUC Goiás)
Dnda. Daniela Rodrigues de Sousa (PUC Goiás)

Comitê Científico

Dr. Ademilson Batista Paes (UEMS)


Dr. Aguinaldo Rodrigues Gomes (UFMS/ Aquidauana)
Dra. Aparecida Maria Almeida Barros (UFG/Catalão)
Dra. Amone Inácia Alves (UFG)
Dr. Aldimar Jacinto Duarte (PUC Goiás)
Dra. Alessandra Cristina Furtado (UFGD)
Dr. Armindo Quillici Neto (UFU)
Dra. Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro (UFU)
Dr. Carlos Alberto Lucena (UFU)
Dr. Carlos Edinei de Oliveira (UNEMAT)
Dr.Célio da Cunha (UCB)
Dr. Décio Gatti Junior (UFU)
Dra. Daniele Lopes Oliveira (FAP)
Dr. Eduardo Gusmão de Quadros (PUC Goiás)
Dra. Estela Natalina Mantovani Bertoletti (UEMS)
Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá (UFMT)
Dra. Eva Waisros (UNB)
Dra. Eurize Caldas Pessanha (UFGD)
Dra. Fabiany de Cássia Tavares Silva (UFMS)
Dra. Fernanda Barros (UFG/Catalão)
Dra. Giselli Gatti (UNIUBE)
Dra. Janaina Cassiano Silva (UFG/Catalão)
Dra. Jacira Elena do Valle Pereira Assis (UFMS)
Dra. Jaqueline Veloso Portela de Araújo (UFG)
Dr. João Roberto Resende Ferreira (UEG/Anápolis)
Dr. João Ferreira de Oliveira (UFG)
Dr. Juarez José Tuchinski dos Anjos (UNB)
Dra. Maria Margarida Machado – (UFG)
Dra. Maria Eleuza Montengrego (UCB)
Dra. Margarita Victória Rodriguez (UFMS)
Dra. Margarida do Amaral Silva (UFG)
Dra. Marcilene Pelegrine Gomes (UFG)
Dra. Magda Carmelita Sarat Oliveira (UFGD)
Dra. Merilin Baldan (UFMT/Rondonópolis)
Dr. Romilson Martins Siqueira (PUC Goiás)
Dra. Rubia-Mar Nunes Pinto (UFG)
Dr. Saualoéber Társio, de Sousa (UFU)
Dra. Silvia Helena Andrade de Brito (UFMS)
Dra. Tânia Regina Zimmermann (UMES/PPGEDO/ Paranaíba)
Dra. Thaís Alves Marinho (PUC Goiás)
Dra. Valdeniza Maria Lopes da Barra (UFG)
Dr. Wolney Honório Filho (UFG/Catalão)
Dr. Wenceslau Gonçalves Neto (UFU)
Dr. Wilson Paiva (UFG)

Comissão de Atividades Culturais

Coordenação: Dra. Daniele Lopes Oliveira (FAP)


Mestranda Geovana Arrais Lopes (PUC Goiás)
Dra. Cristiene de Paula Alencar (PUC Goiás)
Me. Divina Pinto Paiva (PUC Goiás)

Secretaria Geral

Coordenação: Dnda. Maria Edimaci Teixeira B. Leite (PUC Goiás)


Dra. Ivoni Fernandes (PUC Goiás)
Me. Kellen Cristina Prado (UFG)
Mestranda Meire Luce Gomes (PUC Goiás)
Mestranda Rosilda Campelo dos Santos (PUC Goiás)
Me. Alessandra de Oliveira Santos (SEDUCE)

Comissão de Recursos Financeiros

Coordenação: Dndo César Evangelista Fernandes Bressanin (PUC Goiás)


Tesoureiro: Dr. João Cândido Barbosa (UEG/ Aparecida de Goiânia)
Dra. Amone Inácia Alves (UFG)
Dra. Daniele Lopes Oliveira (FAP)

Comissão de Logística e Infraestrutura

Coordenação: Me. Adilson Alves da Silva (PUC Goiás)


Dnda. Ana Maria Franco Pereira (PUC Goiás)
Dnda. Kênia Guimarães Furquim Camargo (PUC Goiás)

Comissão de Comunicação e Mídia

Coordenação: Dra. Cristiene de Paula Alencar (PUC Goiás)


Dnda. Kamila Gusatti Dias (PUC Goiás)
Dra. Marcilene Gomes Pelegrini (UFG)
Comissão de Divulgação e Articulação

Coordenação: Dnda. Kamila Gusatti Dias (PUC Goiás)


Me. Suely Maria da Silva Amado (PUC Goiás)
Dnda. Claudiane Rondelini (UFGD)
Mestranda Cintia Medeiros Robles (UFMS)
Dnda. Gabriela Marques (UFU)
Mestrando Marcel dos Santos Borba (UFGD)
Dnda. Palloma Victória (UFU)
Mestranda Sabrina Sander (UFGD)
Dnda. Emilene Fontes de Oliveira (UFMT)
Dnda. Thalita Pavani Vargas de Castro (UFMT)
Dnda. Délete Cristiane Silva Heitor de Albuguergue (UFMT)
Mestranda Crystyne M. Gomes Abou Ghaddara (UFMT)
Mestranda Giselle Estevam Chiozini Corrêa (UFMT)
Mestranda Francine Suélen Assis Leite (UFMT)
Mestrando Luís Renato dos Santos Dias (UFMT)
Mestrando Ronaldo Manoel da Silva (PUC Goiás)

Comissão de Transporte, Recepção, Hospedagem e Alimentação

Coordenação: Dra. Marcilene Gomes Pelegrini (UFG)


Me. Alessandra de Oliveira Santos (SEDUCE)

ALMEIDA, Maria Zeneide Carneiro Magalhães (Org). Anais do V EHECO. V


Encontro de História da Educação do Centro-Oeste. Memória e Democracia: Os
Tempos e Espaços da História da Educação – PUC Goiás (5-7/6/2019). Goiânia: Kelps,
2019.

ISSN 22374310

Educação, Política, História, Memória e Democracia

Projeto e Correção

Dra. Daniele Lopes Oliveira – FAP

Apoio Técnico

Dra. Cristiene de Paula Alencar - PUC Goiás; Dnda. Maria Edimaci Teixeira B. Leite - PUC Goiás Dnda; Kamila Gusatti Dias
- PUC Goiás; César Evangelista Fernandes Bressanin - UFTO
SUMÁRIO

CRÉDITOS DA IMAGEM DA CAPA........................................................................................................................................................................ 2


APRESENTAÇÃO........................................................................................................................................................................................................... 13
HISTÓRICO DO EVENTO........................................................................................................................................................................................... 14

COMUNICAÇÕES - RESUMOS...........................................................................................................................................15

GT1. FONTES, CATEGORIAS E MÉTODOS DE PESQUISA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO................................................... 16


GT2. INSTITUIÇÕES, CULTURAS E PRÁTICAS ESCOLARES................................................................................................................32
GT3. INTELECTUAIS E PENSAMENTOS EDUCACIONAIS.................................................................................................................... 70
GT4. HISTÓRIA DA FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE E DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES.......................................87
GT5. MEMÓRIA, HISTÓRIA E CULTURA EM DIFERENTES ESPAÇOS SOCIAIS........................................................................ 111
GT6. HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E HISTÓRIA COMPARADA.............................................................147
GT7. ARQUIVOS, CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO, MUSEUS E EDUCAÇÃO........................................................................... 155
GT8. HISTÓRIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS.......................................................................................................................................... 166

TRABALHOS COMPLETOS.............................................................................................................................................. 200

(IN)VISIBILIDADE DAS PERCEPÇÕES E POSICIONAMENTOS DE PROFESSORES ACERCA DA BNCC: UM ESTUDO


A PARTIR DA PRODUÇÃO ACADÊMICO-CIENTÍFICA ENTRE 2015 A 2019..................................................................... 201
A (DES) VALORIZAÇÃO DAS LÍNGUAS INDÍGENAS NAS ESCOLAS URBANAS DE BARRA DO GARÇAS................ 209
A CONSTITUIÇÃO DE UM CÓDIGO DISCIPLINAR DA DIDÁTICA DA HISTÓRIA....................................................... 215
A CRIAÇÃO E EXPANSÃO DA ESCOLA DO COMÉRCIO EM MATO GROSSO (1931-1961)............................................ 223
A CULTURA DO SILÊNCIO: INCLUSÃO DOS SURDOS - HISTÓRIA E MEMÓRIAS.......................................................... 228
A CULTURA ESCOLAR E ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PARA ESTUDANTES XAVANTE EM ESPAÇOS URBANOS .... 233
A DEMOCRACIA CULTURAL NA REFORMA DO ENSINO: O PROJETO DE RADIOEDUCAÇÃO DO ESCOLANOVISTA
GARCIA DE REZENDE...................................................................................................................................................................... 243
A EDUCAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL TEM HISTÓRIA......................................................................................................... 250
A EDUCAÇÃO PRISIONAL NO BRASIL: HORIZONTE DE PERSPECTIVAS......................................................................... 259
A EDUCAÇÃO RURAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NA
BASE DE DADOS DA CAPES (2010-2017)...................................................................................................................................... 264
A EDUCAÇÃO SIQUERIANA A ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO......................................... 279
A ESCOLA DOMÉSTICA DE BRAZÓPOLIS: ÊXITOS E APROXIMAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA MULHER
NA SOCIEDADE (1927-1965)........................................................................................................................................................... 284
ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL, NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ............................................. 290
A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM GOIÁS: RECORTE HISTÓRICO DO BRASIL IMPERIAL................................ 297

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM GOIÁS A PARTIR DO PACTO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE
CERTA: UMA POLÍTICA VINCULADA AO CAMPO ACADÊMICO....................................................................................... 302
A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.................................................. 308
A GÊNESE DA INSERÇÃO EDUCACIONAL E SOCIAL DO SURDO EM GOIÁS: CAMINHOS E PROCESSOS DA DÉCADA
DE 1950 ATÉ A CONSOLIDAÇÃO DA LIBRAS NO BRASIL...................................................................................................... 315
A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NOS CURRICULOS ESCOLARES DAS ESCOLAS PÚBLICAS NO
BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS MOVIMENTOS NO INTERIOR DOS CAMPOS POLÍTICO, EDUCACIONAL E
RELIGIOSO........................................................................................................................................................................................... 325
A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MEMÓRIA: A CONSOLIDAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM GOIÁS............. 332
A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL VERSUS EDUCAÇÃO DO CAMPO E A IMPORTÂNCIA DA
FORMAÇÃO DOCENTE NESSE CONTEXTO.............................................................................................................................. 339
A HISTÓRIA DO LIVRO E DA LEITURA NO BRASIL: UM MAPEAMENTO HISTORIOGRÁFICO DA PRODUÇÃO E
INSTITUIÇÃO DO CAMPO.............................................................................................................................................................. 346
A INFLUÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA............................................................................. 354
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA COMO OBJETO DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO........ 361
A MEMÓRIA ENCONTRADA NAS ATAS DA CÂMARA DE VEREADORES DE VÁRZEA GRANDE............................. 367
A MISSÃO FRANCISCANA E A EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS NO SUL DO ANTIGO MATO GROSSO:
O PATRONATO DE MENORES DE DOURADOS/MS (1950-1966) ......................................................................................... 372
A MOBRALTECA EM GOIÁS: ENTRE O CONTROLE E A SENSIBILIDADE......................................................................... 378
A NOVA HISTÓRIA INDÍGENA: REFLEXÕES A PARTIR DO PIBID...................................................................................... 387
A ORGANIZAÇÃO E A NORMALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL: A DISCIPLINARIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS
SOCIAIS (1961 A 1971)....................................................................................................................................................................... 393
A PRÁTICA EDUCATIVA EM CÉLESTIN FREINET................................................................................................................... 400
A PRESENÇA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA IMPRENSA EM CAMPO GRANDE NA DÉCADA DE 1930...........................404
A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL.................. 410
A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL.......... 418
A REPRESENTAÇÃO DO GINÁSIO DOM BOSCO NO IMPRESSO ESTUDANTIL “O GINÁSIO”: NOTAS DE ESTUDOS
NA PERSPECTIVA BOURDIEUSIANA........................................................................................................................................... 425
ABÍLIO CAVALHEIRO E A EDUCAÇÃO PAULISTA (1920-1929): UMA DEFESA VERBO-VISUAL DA ESCOLA
OFICIAL................................................................................................................................................................................................ 431
ACCIÓN CULTURAL POPULAR (ACPO) Y SU VÍNCULO CON LOS DISCURSOS DEL DESARROLLO DE MITAD DEL
SIGLO XX EN COLOMBIA................................................................................................................................................................ 437
ACERVOS PRIVADOS COMO FONTES DE PESQUISA: ARQUIVOS, MEMÓRIAS, ESQUECIMENTOS.........................443
AÇÕES EM TORNO DA IMPLANTAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTRUTIVISTA EM ALFABETIZAÇÃO NA REDE
MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO (1986)........................................................................................................................ 451
AMÁLIA HERMANO TEIXEIRA: UMA INTELECTUAL GOIANA ESCOLANOVISTA ..................................................... 459
ANISIO TEIXEIRA: POR UMA EDUCAÇÃO SEM PRIVILÉGIOS............................................................................................. 466
APONTAMENTOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E A MISSÃO EVANGÉLICA CAIUÁ NA ESCOLARIZAÇÃO
INDÍGENA NA RESERVA DE DOURADOS.................................................................................................................................. 473
ARMANDA ÁLVARO ALBERTO: UMA EDUCADORA E FEMINISTA BRASILEIRA – A LACUNA INACEITÁVEL DA
HISTÓRIA............................................................................................................................................................................................. 483
ARQUIVO ESCOLAR: VARIAÇÕES DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO......................................................... 492

7
AS CONFERÊNCIAS BRASILEIRAS DE EDUCAÇÃO (CBE’S) E A FORMAÇÃO PARA O TRABALHO.......................... 500
AS CONTRIBUIÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO PARA A COMPREENSÃO DAS CRIANÇAS E
DAS INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS........................................................................................................................................ 507
AS FONTES DOCUMENTAIS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA OITOCENTISTA A
PARTIR DOS RELATÓRIOS DOS INSPETORES DE INSTRUÇÃO PÚBLICA........................................................................ 512
AS PARTICULARIDADES DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM TOMÁS DE AQUINO E
DAVYDOV........................................................................................................................................................................................... 517
AS PERCEPÇÕES NA ESCOLA DA ROÇA: NARRATIVAS DE CRIANÇAS............................................................................ 526
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA CONSTRUÇÃO DA BIBLIOTECA ESCOLAR COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE
LEITORES............................................................................................................................................................................................. 537
BREVES EXCERTOS DA HISTÓRIA DO INSTITUTO MADRE MARTA CERUTTI DA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS,
MT (1958-1978).................................................................................................................................................................................... 545
CAPITAL HUMANO, ESCOLA E O TRABALHO DOCENTE – PRECARIEDADES............................................................... 552
CENTENÁRIO DA ESCOLA ÉTNICA JAPONESA NO SUL DE MATO GROSSO “VISCONDE DE CAIRU”: BREVES
APONTAMENTOS.............................................................................................................................................................................. 559
COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO UM ESTUDO ACERCA DE MATTHEW LIPMAN.................................................. 567
CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NOS IMPRESSOS NO SÉCULO XIX...................................................................................... 573
“CULTURA, ESPORTE E LAZER NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS/
REGIONAL CATALÃO: ANÁLISE DOS ANAIS DO CONPEEX”............................................................................................... 580
DE ONDE VEM OS ALUNOS DA ESCOLA PÚBLICA? CULTURA ESCOLAR E ESTUDO DA REALIDADE HISTÓRICO-
EDUCACIONAL DE ALUNOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO EM DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL.............. 586
DEMOCRATIZAÇÃO DOS MUSEUS, PRÁTICAS EDUCATIVAS ONLINE E CULTURA PARTICIPATIVA.................. 593
DESAFIOS E CONQUISTAS NA EDUCAÇÃO EM NOVO HORIZONTE DO NORTE: NARRATIVAS DE MEMÓRIA DE
PROFESSORES DAS ESCOLAS ULISSES GUIMARÃES E ROSMAY KARA JOSÉ................................................................. 601
DIÁLOGOS ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA.................................................... 608
DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAIS.......................... 615
DOCÊNCIA E GÊNERO NA FORMAÇÃO DOCENTE PARA EDUCAÇÃO INFANTIL: HISTÓRIAS DE HOMENS NA
PEDAGOGIA-DOURADOS/MS....................................................................................................................................................... 623
DOM EMANUEL GOMES DE OLIVEIRA E A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM GOIÁS (1923 - 1955)..................................... 630
EDUCAÇÃO CRÍTICA E EMANCIPADORA: CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A EDUCAÇÃO
POPULAR............................................................................................................................................................................................. 636
EDUCAÇÃO DO CAMPO: HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA DOS EGRESSOS DA EFA - PORTO NACIONAL- TO........ 642
EDUCAÇÃO E EMPODERAMENTO: HISTÓRIAS DE RESISTÊNCIA DE MULHERES KALUNGAS................................647
EDUCAÇÃO E REGIME MILITAR: MEMÓRIAS DE UMA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA............................................ 658
EDUCAÇÃO NAS PRISÕES: QUAL O PAPEL DA INSTITUIÇÃO ESCOLA DENTRO DAS INSTITUIÇÕES DE PRIVAÇÃO
DA LIBERDADE?................................................................................................................................................................................. 665
EDUCAÇÃO NO TOCANTINS: ENTRE POLÍTICAS DE ESTADO E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL
DE PORTO NACIONAL (1960-1980)............................................................................................................................................... 669
EDUCAÇÃO POPULAR, CULTURA ESCOLAR EM DIÁLOGO COM O ENSINO ANTIRRACISTA................................. 676
A EDUCAÇÃO SIQUERIANA A ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO......................................... 685
EDUCAR E PREPARAR PARA O TRABALHO: UMA EXPERIÊNCIA MILITAR EM MATO GROSSO NA SEGUNDA
METADE DO SECULO XIX.............................................................................................................................................................. 690

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EMANCIPAÇÃO FEMININA PELA EDUCAÇÃO: ARENDT E BOURDIEU ........................................................................... 695
ENSINO DE HISTÓRIA: APRENDIZAGEM E COMPREENSÃO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA - SOB A
INFLUÊNCIA DAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA.................................................................................. 702
ENSINO DE HISTÓRIA, CURRÍCULO E OS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE NA REDE MUNICIPAL DE
GOIÂNIA............................................................................................................................................................................................... 709
ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL, NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ..............................................714
ESCOLAS INDÍGENAS DA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS/MT NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: UM
ESTUDO SOBRE AS PRÁTICAS ESCOLARES.............................................................................................................................. 721
EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA: PRIMEIROS ANOS DE UM NOVO SÉCULO........................................................................ 726
FERRAMENTAS PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: NOVAS POSSIBILIDADES OUTRAS
ABORDAGENS ................................................................................................................................................................................... 734
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS USOS PÚBLICOS DA HISTÓRIA.................................................................................741
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL: AS PRIMEIRAS INICIATIVAS..................................748
FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE EM AREÁS DE COLONIZAÇÃO RECENTE NO SUL DE MATO GROSSO (1948
– 1977): HISTÓRIAS E MEMÓRIAS................................................................................................................................................. 756
FORMAÇÃO PARA O TRABALHO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO SUL DE MATO GROSSO (1937-1977): UMA
ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA...................................................................................................... 762
GESTÃO E FUNCIONAMENTO DA ESCOLA INDÍGENA MBO`ERO ARANDU`I .................................................................... 769
HISTÓRIA DA EDUCACAO MOCAMBICANA NO SECULO XX: LEI 4/83 E 6/92 DO SISTEMA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO......................................................................................................................................................................................... 776
HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM REVISTA: UM BALANÇO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA (1998 A
2018)....................................................................................................................................................................................................... 783
HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL: O CENTRO ACADÊMICO DE PEDAGOGIA EM FOCO (1983-
1990)...................................................................................................................................................................................................... 792
HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS.................................................................................. 799
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA ESCOLA RURAL MISTA DE INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DE “FINOTO” (1958-1994)......... 806
HISTÓRIA E MEMÓRIA DAS INSTITUIÇÕES SALESIANAS NO SUL DE MATO GROSSO: ENTRE O TRADICIONALISMO
E O ESCOLANOVISMO..................................................................................................................................................................... 813
HISTÓRIA E MEMÓRIA DO POVO XAVANTE........................................................................................................................... 820
HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL FEDERAL EM GOIÁS - DA ESCOLA DE APRENDIZES
ARTÍFICES “DESTINADA À HABILITAÇÃO DOS FILHOS DOS DESFAVORECIDOS DA FORTUNA”, AO INSTITUTO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS “DESTINADO A FORMAR E QUALIFICAR
CIDADÃOS”.......................................................................................................................................................................................... 827
HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA PRESENÇA DOS MILITARES NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA............................................ 834
HISTÓRIA REGIONAL COMPARADA DA EDUCAÇÃO: INDICADORES DE UMA ESCOLHA METODOLÓGICA........ 843
HISTÓRIA, MEMÓRIA E FORMAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR LAICO EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: GRUPO ESCOLAR
SILVEIRA DA MOTTA...................................................................................................................................................................... 850
HISTÓRIA, MEMÓRIA E SAÚDE: A MALÁRIA NA CONSTRUÇÃO DA ESTRADA DE FERRO MADEIRA MAMORÉ..... 857
HISTÓRIA E MEMÓRIA DO POVO XAVANTE........................................................................................................................... 864
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE PROFESSORES DE ESCOLAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE DOURADOS-MS E REGIÃO
(1950-1990) ........................................................................................................................................................................................... 870
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL NO SÉCULO XX................................................................................. 876

9
HISTÓRICO DA ESCOLA MUNICIPAL NOTURNA DE QUIRINÓPOLIS: APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO
REGULAR, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A INCLUSÃO DE APENADOS.......................................................... 883
HISTÓRICO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM ESPAÇO DE MEMÓRIA........................................................................ 890
IMPORTÂNCIA DO CADERNO DE CAMPO NA PESQUISA COM HISTÓRIA ORAL........................................................ 898
IMPRESSOS, IMPRENSA E INTELECTUAIS: A MEDIAÇÃO CULTURAL EM TEMPORALIDADES DISTINTAS........ 904
INFÂNCIA(S) E ESCOLARIZAÇÃO: A CULTURA ESCOLAR E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS COM CRIANÇAS........ 912
MANOEL BOMFIM: ENTRE O HOMEM VISIONÁRIO E O INTELECTUAL ESQUECIDO................................................ 917
MAPEAMENTO DAS PRODUÇÕES DISPONÍVEIS NA SCIELO SOBRE REFORMAS DO ENSINO MÉDIO (1997-
2017) ...................................................................................................................................................................................................... 923
MEMORIA DE EX-SINDICALISTAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES EM
EDUCAÇAO PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ (SINTEPP) EM CANAÃ DOS CARAJÁS – PA.......................................... 931
MEMÓRIA E ENSINO DE PIANO EM CUIABÁ-MT: UM ESTUDO A PARTIR DE DUNGA ROGRIGUES..................... 938
MEMÓRIA, HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÃO POR MEIO DO ENSINO SUPERIOR: UMA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
- UEG - CÂMPUS APARECIDA DE GOIÂNIA.............................................................................................................................. 942
MEMÓRIAS DE MULHERES: A DITADURA MILITAR NA CIDADE DE BARREIRAS-BA................................................ 948
MEMÓRIAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA O COMBATE À VIOLÊNCIA NA ESCOLA................................................. 953
MÍDIAS SOCIAIS COMO PROMOTORAS DA MEMÓRIA EDUCATIVA .............................................................................. 960
NARRATIVAS DE JOVENS NEGROS E AS CATEGORIAS DE ANÁLISE SOBRE A SUBJETIVAÇÃO.............................. 968
NARRATIVAS SOBRE EDUCAÇÃO, FAMÍLIA E INFÂNCIA: DIALOGANDO COM HANNAH ARENDT..................... 973
O CENÁRIO DE CRIAÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES NO BRASIL, NA PRIMEIRA REPÚBLICA: O GRUPO ESCOLAR
“PADRE TRINDADE” DE ANÁPOLIS-GO...................................................................................................................................... 982
O CENTRO ESPECÍFICO DE APERFEIÇOAMENTO DO MAGISTÉRIO NO MUNICÍPIO DE NAVIRAÍ-MS E A SUA
TRAJETÓRIA NA HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES (1994-2000).................................................................. 992
O CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL SOB OS OLHARES DOS INTELECTUAIS; ANÍSIO TEIXEIRA, PAULO
FREIRE E MAGDA SOARES............................................................................................................................................................. 997
O CONTEXTUALISMO LINGUÍSTICO PARA A COMPREENSÃO DA ABORDAGEM DE LORIS MALAGUZZI....... 1003
O COTIDIANO COMO POSTURA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA HISTÓRICA EM EDUCAÇÃO...... 1011
O ENSINO SECUNDÁRIO GOIANO: DAS PRIMEIRAS INCIATIVAS AO PERÍODO DE EXPANSÃO............................ 1018
O INÍCIO DA INTERIORIZAÇÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO TÉCNICA E TECNOLÓGICA: A CRIAÇÃO DO
CAMPUS AVANÇADO FORMOSO DO ARAGUAIA, DO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS............................. 1025
O JORNAL CORREIO DE UBERLÂNDIA COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO TRIÂNGULO
MINEIRO (1950-1970)...................................................................................................................................................................... 1031
O JORNALISMO COMO INSTÂNCIA SOCIALIZADORA NO MOVIMENTO ESCOLANOVISTA: AS CONTRIBUIÇÕES
DE JULIO DE MESQUITA FILHO.................................................................................................................................................. 1039
O LUGAR DO ALUNO NA TEORIA DA INSTRUÇÃO EDUCATIVA DE HERBART E NA TEORIA DO ENSINO
DESENVOLVIMENTAL DE DAVYDOV...................................................................................................................................... 1044
O MOBRAL E AS ESTRATÉGIAS DE CONVENCIMENTO DO ESTADO MILITAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
PESQUISA DOCUMENTAL............................................................................................................................................................ 1051
O MOBRAL EM GOIÁS: A PARTIR DA NARRATIVA DE HISTÓRIAS DE VIDA............................................................... 1058
O MUNDO CLÁSSICO E A CIÊNCIA REPRESENTADOS NO PERIÓDICO OITOCENTISTA “IRIS PERIÓDICO” E NO
LIVRO DE LEITURA ELEMENTAR “IRIS CLÁSSICO”................................................................................................................. 1067
O PROCESSO HISTÓRICO DE FEMINIZAÇÃO NO CAMPO DOCENTE: A EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA.......... 1073

10
O PROCESSO HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL....................................................................... 1081
O USO DE FONTES NO ENSINO DE HISTÓRIA: PRÁTICAS E DESAFIOS.......................................................................... 1089
OBRAS IMPRESSAS SOBRE INSTRUÇÃO NO SÉCULO XIX: LEVANTAMENTO DE FONTES PARA A HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO NA SEÇÃO DE OBRAS RARAS DA BIBLIOTECA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS...... 1097
OFICINA DE TÉCNICAS DE ALFABETIZAÇÃO INFANTIL POR MEIO DE JOGOS LÚDICOS....................................... 1104
OLIVA ENCISO: O PENSAMENTO EDUCACIONAL E AS AÇÕES PRÁTICAS DE UMA INTELECTUAL ENGAJADA NA
EDUCAÇÃO PÚBLICA EM CAMPO GRANDE (1930-1960).................................................................................................... 1112
OS ESTUDOS COMPARADOS COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO- POLITICAS
EDUCACIONAIS E PROFISSÃO DOCENTE................................................................................................................................ 1119
OS JOGOS INTERNOS DA UFG NA DÉCADA DE 80 SOB A ÓTICA DA IMPRENSA GOIANIENSE.............................. 1126
OS PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DE MARTINHO LUTERO................................................................................................. 1133
PÁGINAS DA EDUCAÇÃO: CECILIA MEIRELES E A REPRESENTAÇÃO DE JUVENTUDE E NACIONALISMO...... 1139
PATRIMÔNIO CULTURAL & LUGAR DE MEMÓRIA: O PAPEL DA UNIVERSIDADE E DO ARQUIVO FREI SIMÃO
DORVI (FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DA CIDADE DE GOIÁS –FECIGO)........................................................................ 1146
PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDUCATIVO NAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UM MAPEAMENTO.
1150
PAULO FREIRE NÃO AINDA, MAS, SOBRETUDO HOJE........................................................................................................ 1156
POLÍTICAS DE CERTIFICAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS – O CASO DOS EXAMES DE MADUREZA................. 1161
POLÍTICAS DE INCENTIVO À FORMAÇÃO INICIAL DOS PROFESSORES: LIMITES E PERSPECTIVAS NO PERÍODO
DO GOVERNO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT)................................................................................................ 1167
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E SOCIAIS: UMA ANÁLISE SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA .......................... 1174
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE CASSILÂNDIA........ 1180
POLITICAS PÚBLICAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA..................................................................................... 1187
PORTAL MUSEU DA EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL:SELETAS DE MEMÓRIAS EDUCATIVAS EM
INSTRUMENTO DE INTERATIVIDADE.................................................................................................................................... 1192
PRÁTICAS EDUCATIVAS NO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO BASEADAS NA GESTÃO DAS TECNOLOGIAS NO
ENSINO MÉDIO INTEGRADO DOS INSTITUTOS FEDERAIS .............................................................................................. 1198
PRODUÇÕES CIENTÍFICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS EM INTERFACE COM A NOÇÃO DE
“ACONTECIMENTO” DE GILLES DELEUZE: DAS PRÁTICAS DOGMÁTICAS AO ENSINO E APRENDIZAGEM
COMO ACONTECIMENTO..............................................................................................................................................1204
PROFESSORES, MESTRES E EDUCADORES: A DOCÊNCIA AOS OLHOS DO JORNAL O REPÓRTER (UBERLÂNDIA:
1950-1970)........................................................................................................................................................................................... 1211
PROFISSÃO DOCENTE NO INTERIOR DE MATO GROSSO DO SUL: A TRAJETÓRIA DE UMA PROFESSORA DA
INFÂNCIA........................................................................................................................................................................................... 1217
PROJETO DE INTERVENÇÃO NO TRABALHO DOCENTE: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E MEMÓRIAS DE GOIÁS NO
MUSEU CASA DE CORA CORALINA.......................................................................................................................................... 1225
PROJETO PRODUÇÃO ARTÍSTICA, CULTURAL E RESGATE DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL EM CERES-
GOIÁS.................................................................................................................................................................................................. 1234
PROTESTANTISMO EM TERRAS GOIANAS: UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO E SAÚDE COMO PROJETO
MISSIONÁRIO................................................................................................................................................................................... 1241
REFLEXÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: O CASO DA ATUAÇÃO DAS IRMÃS
ALEMÃS FRANCISCANAS DE BONLANDEN NO COLÉGIO FRANCISCANO SÃO MIGUEL EM LADÁRIO/MS......... 1250

11
REPRESENTAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR VEICULADOS NAS MENSAGENS DOS GOVERNADORES DE
MATO GROSSO NOS ANOS 1960................................................................................................................................................. 1261
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ACADÊMICOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS SOBRE OS OBJETIVOS DE
PRÁTICAS DE ENSINO DO PROFESSOR.................................................................................................................................... 1266
REVISTAS PERIÓDICAS: FONTE PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA E CHILENA (1968-
1984).............................................................................................................................................................................................1271
ROMANIZAÇÃO DA IGREJA EM GOIÁS: A ATUAÇÃO DE D. EMANUEL GOMES DE OLIVEIRA (1923-1955)........ 1277
SABER EM PERCURSO: RESPONSÁVEIS PELO ENSINO NAS PROVÍNCIAS RESPONDEM AO CONVITE DE
PARTICIPAÇÃO NO CONGRESSO DE INSTRUÇÃO NO RIO DE JANEIRO (1883)........................................................... 1283
TODOS FAZEMOS PARTE! MUSEUS E ENSINO DE HISTÓRIA: HISTÓRIA, POLÍTICA E HEGEMONIA................... 1288
TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM OLHAR
A PARTIR DA HISTÓRIA ORAL................................................................................................................................................... 1295
UMA EXPERIÊNCIA DE DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL EM GOIÁS (2010 A 2016)............................................ 1303
VI, VIVI E (NÃO) VEJO – INFÂNCIAS E(M) RISCONARRATIVAS (AUTO)BIOGRÁFICAS DE PROFESSORES......... 1310
VOLTANDO AOS EXAMES DE ADMISSÃO AO GINÁSIO (1930-1970): A RELAÇÃO ENTRE A MATEMÁTICA DOS
EXAMES COM A MATEMÁTICA A ENSINAR NAS ESCOLAS..................................................................................................... 1317

PÔSTER CIENTÍFICO......................................................................................................................................................... 1325

PARCEIROS INSTITUCIONAIS..........................................................................................................................................................................1346

12
APRESENTAÇÃO

O cenário político das sociedades contemporâneas revela a importância do tema central do V EHECO - Memó-
ria e democracia: os tempos e espaços da história da educação - para o debate em que se discute o resgate histórico por meio
da memória e de seus registros, buscando esclarecer as relações de poder contraditórias e ambíguas que, entranhadas
historicamente nas relações sociais, ofuscam e dificultam o processo histórico de consolidação dos regimes democrá-
ticos. No Brasil, este ofuscamento é acentuado pelo descaso dos dirigentes políticos com a preservação do patrimônio
cultural, material e imaterial. O incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, uma ‘tragédia anunciada’, evidencia
o descaso com a história, a memória, a ciência e a cultura e a inexistência de políticas públicas para a preservação do
patrimônio histórico brasileiro. Com este incêndio, uma das melhores e maiores coleções existentes no mundo, com
cerca de 20 milhões de itens de artefatos indígenas e obras da literatura sobre nações de índios do Brasil, foi total-
mente destruída. O Museu Nacional era o maior patrimônio de nossa história política e soma-se a isso sua impor-
tância científica, com programas e pesquisas de ponta desenvolvidas por cientistas sociais naquela instituição. Neste
cenário, é pertinente reiterar a discussão sobre Memória e Democracia, pois a memória coletiva e a história de uma
sociedade podem servir para fortalecer seus processos democráticos. A Educação, do mesmo modo, é um espaço
imprescindível para o exercício contínuo da atividade intelectiva que, por meio de estudos investigativos, desvela a
história cultural e política da sociedade.
Assim, V EHECO foi pensado como um espaço propício para o debate politicamente profícuo sobre a Memória
e a Democracia: Os tempos e Espaços da História da Educação e, especialmente, um lugar destinado à interlocução entre
pesquisadores que intentam o contínuo desvelar da história cultural, social e política as sociedade brasileira, visando
a sua transformação.
Este, com certeza, foi o propósito dos participantes e dos pesquisadores que apresentaram trabalhos no V
EHECO, o que pode ser evidenciado por meio dos Resumos e dos Trabalhos Completos publicados neste documento
- Anais do V EHECO. Esperamos que este documento seja uma fonte de estímulo para a continuidade dos Encontros
de História da Educação do Centro - Oeste.

Profª. Drª.. Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida


Coordenadora geral do V EHECO

13
HISTÓRICO DO EVENTO

Desde 2011, bianualmente, estão sendo organizados Encontros de História da Educação na Região Centro- Oeste.

I EHECO: de 09 a 11 de novembro de 2011, em Cuiabá, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),
com o tema “FONTES, PESQUISA E ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO”;

II EHECO: de 29 a 31 de outubro de 2013, em Dourados, pela Universidade Federal da Grande Dourados


(UFGD), com o tema “HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: FRONTEIRAS, MOVIMENTOS SOCIAIS E INSTITUIÇÕES
EDUCATIVAS NA REGIÃO CENTRO-OESTE”;

III EHECO: de 19 a 21 de agosto de 2015, em Catalão, pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com o tema
“PERSPECTIVAS PARA UM INTERCÂMBIO REGIONAL EM PESQUISA E ESCRITA EM HISTÓRIA DA EDU-
CAÇÃO NO CENTRO OESTE”;

IV EHECO: de 22 a 25 de novembro de 2017, em Campo Grande, pela Universidade Estadual do Mato Grosso
do Sul (UEMS), com o tema “A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA ESFERA PÚBLICA E PRIVADA: INSTITUI-
ÇÕES, IMPRESSOS E PRÁTICAS”.

Nestes Encontros são realizadas reuniões temáticas por Grupos de Trabalho (GT)

GT1. Métodos e Fontes de Pesquisa na História da Educação;

GT2. Instituições, Culturas e Práticas Escolares;

GT3. Intelectuais e Pensamentos Educacionais;

GT4. História da formação e profissão docente;

GT5. Memória, História e Cultura em diferentes espaços sociais;

GT6. Historiografia da educação brasileira e história comparada;

GT7. Arquivos, centros de documentação, museus e educação;

GT8. História e Políticas Educacionais.

14
COMUNICAÇÕES
- RESUMOS

15
GT1. FONTES, CATEGORIAS E MÉTODOS DE PESQUISA NA HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO

Ementa: Fontes escolares e não escolares (manuscritas, impressas, visuais, orais) para a pes-
quisa em história da educação. Categorias teórico-metodológicas no tratamento de fontes históri-
co-educacionais. Métodos qualitativos e quantitativos para a produção de fontes documentais em
história da educação. Conceitos historiográficos e teorização de fontes.

O MUNDO CLÁSSICO E A CIÊNCIA REPRESENTADOS NO PERIÓDICO OITOCENTISTA


“IRIS” E NO LIVRO DE LEITURA ELEMENTAR “IRIS CLÁSSICO”

Sílvia Maria Wainer Caribé e Silva IFG – Câmpus Anápolis


Suzana Lopes de Albuquerque. IFG – Câmpus Goiânia Oeste

Resumo: O presente trabalho centra suas discussões na análise do livro de leitura elementar Iris Clássico (1854)
e do periódico Iris (1848-1849) que tiveram como autoria o português José Feliciano Castilho de Barreto e Noronha
(1810-1879), tratando-se de duas fontes históricas que circularam em diferentes províncias do império brasileiro
como a de Goiás. Nesse momento em que a cientificidade adentrou o projeto de instrução, as escolas primárias e
secundárias passaram a adotar variados livros de leitura e métodos de ensino em um contexto de internacionalização
das ideias pedagógicas. O livro de leitura Iris Clássico (1854) e o periódico Iris (1848-1849) engendraram o universo
da literatura clássica e o cientificismo ao projeto de instrução que estava sendo esboçado pela escola moderna. A obra
Iris Clássico foi destinada aos alunos do ensino secundário brasileiro e juntamente com o periódico Íris editado no
Rio de Janeiro apresentavam as descobertas científicas de seu tempo, vislumbrando o progresso material e humano a
partir do viés da ciência e instrução. Nesse artigo serão analisadas as duas produções do português José Castilho para
uma instrução e literatura pautadas na defesa pelo vernáculo na filologia brasileira e na propagação dos experimen-
tos químicos dos elementos. A metodologia arquivística fundamenta-se nas discussões de Zicman (1985), Luchese
(2014) e Alessandra El Far (2006), que defendem a utilização de impressos não-oficiais como fonte de pesquisa; para
fundamentar a discussão serão trabalhados textos como de Albuquerque & Boto (2018) que apresentam as questões
filológicas que compareceram no universo do ensino secundário imperial brasileiro. Como resultados alcançados,
esse artigo analisará a questão religiosa e a defesa do mundo clássico de José Castilho ao evocar textos de Camões e
do padre Antonio Vieira para a compilação de seu livro de leitura para a instrução secundária brasileira. A partir do
desdobramento de pesquisas como a de Boto e Albuquerque (2018), a análise do livro de leitura elementar Iris Clássi-
co possibilitou um diálogo sobre a defesa pelo clássico na literatura imperial brasileira e ainda a influência da religio-
sidade a partir da incorporação de textos como do padre Antônio Vieira. A análise do periódico Iris, que tratava-se
de um periódico de belas artes, ciência, religião, romances, notícias e variedades e publicado no Rio de Janeiro nos
anos de 1848 e 1849 apresentou características nacionalistas com o objetivo de vulgarizar o conhecimento científico,
promover a instrução e fazer com que o leitor se apaixonasse pela literatura e a língua vernácula portuguesa.
Palavras-chave: Instrução. Clássico. Ciência.

16
CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NOS IMPRESSOS DA INSTRUÇÃO OITOCENTISTA
BRASILEIRA

Ana Caroline Alves Pereira - IFG – Campus Goiânia Oeste


Hayoni Faleiro Tavares Marques - IFG – Campus Goiânia Oeste
Suzana Lopes De Albuquerque - IFG – Campus Goiânia Oeste

Resumo: O presente trabalho visa apresentar os desdobramentos dos projetos de pesquisa e de extensão rea-
lizados no IFG/Campus Goiânia Oeste que estão inseridos no campo da história da educação no império brasileiro
trazendo visibilidade aos vestígios de materiais, métodos de ensino e concepções pedagógicas nas escolas de primei-
ras letras oitocentista. Serão apresentadas algumas concepções pedagógicas presentes nas obras A Sciencia do bom
homem Ricardo (1825) e Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857). A partir de uma imersão em
arquivos físicos e digitais foram localizadas fontes que apontaram a circulação da obra A Sciencia do bom homem
Ricardo (1825) de autoria do norte americano Benjamin Franklin (1706 – 1790) na província de Goiás além do pe-
riódico Revista de Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857) de autoria do poeta português Antonio Feliciano
Castilho (1800-1875). As discussões sobre a vida e obra do autor português Castilho referem-se aos desdobramentos
dos trabalhos de Albuquerque e Boto (2018). Dessa forma, esse trabalho apresentará a concepção pedagógica pre-
sente no livro de leitura elementar que circulou na província de Goiás e em inúmeras outras províncias brasileiras,
que tinha como autoria o norte americano Benjamin Franklin e que evocava a preocupação em oferecer às crianças
livros de leitura cujo objetivo perpassava pela consolidação da concepção de trabalho produtivo capitalista desde a
tenra idade. Além desse livro de leitura elementar, esse escrito apresentará algumas concepções pedagógicas pre-
sentes no periódico escrito pelo poeta português Castilho e que foi destinado aos sujeitos envolvidos no processo
de escolarização nas diferentes províncias brasileiras. O caminho metodológico escolhido para trilhar tais objetivos
será a pesquisa qualitativa com caráter bibliográfico e de análise documental, a partir da proposta da renovação no
conceito historiográfico e de análise das fontes proposta pela Escola dos Annales (1929). Para essas discussões, nos
fundamentaremos em Bloch (2005) que trata dessas renovações no tratamento das fontes, El Far (2006), que aborda
a história da organização do livro e dos impressos no âmbito da instrução pública no processo de civilização das pro-
víncias brasileiras, Sales (2013) que trata das contribuições da obra de Benjamin Franklin para a história da educação
brasileira e ainda Albuquerque e Boto (2018) que apresentam as interlocuções do poeta português Castilho na instru-
ção pública brasileira oitocentista. Por meio deste estudo foi possível compreender diferentes objetivos no campo da
instrução pública para as crianças em sua função civilizatória frente ao sistema capitalista e ao liberalismo emergente.
O desenvolvimento dessa pesquisa provocou reflexões sobre modelos, métodos de ensino e concepções pedagógicas
que circularam no ensino da leitura e escrita de diferentes províncias brasileiras, sendo observada a relação entre a
escola, a infância e o processo civilizador no Brasil do século XIX.
Palavras-chave: Instrução. Leitura. Escrita

O CENTRO DE INFORMAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO E ARQUIVO (CIDARQ) DA UFG-


REGIONAL CATALÃO: NARRATIVAS E VISIBILIDADES

Wolney Honório Filho - UFG – Regional Catalão


Ana Paula Dias Pires- UFG – Regional Catalão

Resumo: A Lei No 8.159, de 8 de janeiro de 1991, establece, no seu Artigo primeiro que “é dever do Poder
Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à adminis-
tração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação”. Neste caso, considera-se
arquivos, os conjuntos de documentos, como diz a própria lei, produzidos e recebidos por órgãos públicos. A Uni-

17
versidade Federal de Goiás – Regional Catalão criou, em 2008, o CIDARQ – Centro de informação, documentação e
arquivo, através do Regimento Interno daquele Campus, baseado nesta lei de 1991, bem como ao órgão semelhante,
existente na Regional Goiânia, da mesma universidade. O objetivo deste texto é entender os significados envolvidos
na criação e manutenção do CIDARQ na Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão, através de narrativas
escritas, documentos do próprio CIDARQ, e narrativas orais, entrevistas com alguns de seus funcionarios/
técnicos administrativos. Desde sua criação, o CIDARQ é responsável por estabelecer normas e procedimentos sobre
a gestão, organização, acondicionamento e conservação dos acervos arquivísticos na UFG – Catalão. O CIDARQ é
ponto central no processo de revitalização, recuperação documental e de acesso à informação: memórias que consti-
tuem a história sócio-política dos processos, das lutas, interesses e trajetórias que marcam a UFG Catalão desde sua
fundação. Ou seja, o CIDARQ é um lugar de memoria institucional, não espontâneas, pois, ali, é lugar de notariar
atas e criar arquivos. Porém, desconhece-se, de modo geral, como esse trabalho vem sendo feito e a importancia do
mesmo para a rotina administrativa e científica da Universidade. A nossa busca pelo CIDARQ se deve a uma pesquisa
em andamento, pelo programa PIBIC, intitulada “A UFG Catalão de 1986 a 2002: narrativas autobiográficas – parte
II” e outra, pelo programa PIVIC, intitulada “O Campus Avançado de Catalão: biografia narrativa institucional”. Am-
bas pesquisas estão se utilizando de pastas de arquivos guardados no CIDARQ. Pastas essas que contém documentos
de atas de reuniões realizadas pela administração da universidade em Catalão, no período de 1986 a 2002. A
abordagem utilizada é a da pesquisa narrativa, que busca compreender as experiências de vida através das narrativas.
Vida não apenas biológica, mas também figurada pelas experiências de vida de pessoas que trabalham na instituição,
bem como descritas em documentos produzidos pela mesma. Os resultados alcançados apontam um distanciamento
entre o ideal transcrito nos propósitos do órgão gestor de documentos e a real utilização do mesmo pelos funciona-
rios da instituição. Ao levarmos em consideração o processo de criação da Universidade Federal de Catalão (UFCAT)
como desmembramento da UFG/RC, nos damos conta de que as fontes documentais situadas no CIDARQ pode
nos oferecer dados, análises e interpretações desse processo sócio-histórico e ampliar o horizonte do nosso olhar na
importância da compreensão do presente à luz do pasado.
Palavras-Chave: CIDARQ. Narrativas. Documento.

REVISTAS PERIÓDICAS: FONTE PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA


BRASILEIRA E CHILENA (1968-1984)

Silvano Ferreira de Araújo - UFGD


Alessandra Cristina Furtado- UFGD

Resumo: A imprensa periódica pode ser considerada como importante fonte para a pesquisa em História da
Educação, pois, ao se apropriar dessa fonte o pesquisador não trata de buscar as origens ou a veracidade do fato, e sim
entendê-las enquanto registro dos fatos históricos, motivo que faz com que a opção por esse tipo de material se tor-
ne relevante, principalmente por ser um espaço privilegiado de divulgação de teorias e de modelos pedagógicos. Os
impressos periódicos, especialmente, as revistas, têm demonstrado a sua relevância e pertinência por possibilitarem
ao pesquisador compreender o processo de produção do conhecimento histórico-educacional, permitindo conhecer
as suas origens, evoluções, características e finalidades variadas. A pesquisa está alicerçada nos aportes teórico-me-
todológicas da Nova História Cultural, História da Educação Comparada e História dos Impressos, estabelecendo-se
pelos procedimentos técnicos da Pesquisa Documental, objetivando analisar a constituição do discurso educacional
da Educação Física e de suas representações, em uma perspectiva comparada entre Brasil e Chile, por meio de duas
revistas especializadas: uma brasileira, a Revista Brasileira de Educação Física e Desportes (RBEFD), que ressurgiu duran-
te o período ditatorial militar, circulando no período de 1968-1984, e outra chilena, a Educación Física-Chile (EFCh),
considerada a revista latino-americana mais antiga dessa especialidade, com produção iniciada em 1929. O recorte
temporal engloba o período em que o Brasil e o Chile estiveram sob o controle político de governos militares que

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chegaram ao poder por meio de golpes de estado, no entanto, o recorte utilizado refere-se ao período de circulação
da revista brasileira. Ao utilizarmos a RBEFD e EFCh como fonte de pesquisa podemos compreender as várias ca-
racterísticas relacionadas a Educação Física, bem como a difusão de ideologias nos permite acompanhar e comparar
a trajetória dessa disciplina escolar, focalizando sobretudo os aspectos sócio históricos, com viés descritivo dos siste-
mas educacionais dos dois países, identificando as diferenças sociais, econômicas, culturais e as perspectivas críticas,
comprometidas com os processos de transformação das realidades, na intenção de compreender como elementos ad-
vindos de outros espaços externos à escola que a influenciaram. Consideramos que o uso dessas revistas como fonte,
e por que não, como objeto de pesquisa contribuem para compreender a trajetória percorrida pela Educação Física
brasileira e chilena durante o período enquadrado na delimitação temporal, revelando o campo educacional em di-
mensões distintas, como as particularidades que envolvem a teoria e a prática, os sistemas escolares e processos edu-
cativos, além da formação de professores em diferentes períodos. As revistas periódicas educacionais constituem-se
como um corpus privilegiado para se compreender os modos de funcionamento do campo educacional, pois nessas
publicações circulam informações sobre os trabalhos e as práticas docentes, a organização dos sistemas de ensino, as
reivindicações dos professores, entre outros temas. Palavras-chave: Revistas. Educação Física. Brasil e Chile.

AS FONTES DOCUMENTAIS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: A INSTRUÇÃO


SECUNDÁRIA OITOCENTISTA A PARTIR DOS RELATÓRIOS DOS INSPETORES DE
INSTRUÇÃO PÚBLICA

Alessandra de Oliveira Santos - PPGE/FE/UFG

Resumo: Na historiografia da educação brasileira recente, encontramos pistas, em distintas pesquisas, que
buscam desconstruir interpretações que descaracterizam, ou ignoram, as ações educativas no Brasil oitocentista. Esta
visão, defendida e construída por alguns autores republicanos do fim do século XIX e pelos renovadores da educa-
ção da década de 1920, nega as realizações ocorridas durante o período imperial, influenciando, como já sabemos, o
pensamento educacional. Assim, parece que, após a expulsão dos padres da Companhia de Jesus no final do século
XVIII até a subida dos republicanos ao poder, em fins do século XIX, as práticas educacionais estavam sem lugar, em
uma espécie de limbo, aguardando as luzes republicanas para dar continuidade aos processos considerados relevantes.
Neste sentido, a proposta desta comunicação oral que tem como resultado uma pesquisa que investiga a Instrução
Secundária na Província de Goyaz, na segunda metade do século XIX, tomando como referência o Lycêo de Goyaz,
propõe debater e apontar iniciativas que demonstrassem um movimento positivo em torno da implantação da ins-
trução secundária na província, revelando as contradições comuns na história de qualquer tempo e lugar, enxergando
possibilidades de outros olhares, indo além das cristalizações já constituídas. O contorno teórico-metodológico da
História Cultural possibilitou este estudo que se insere no campo da História da Educação, pois esta base teórica atua
na perspectiva de renovação e alargamento do uso das fontes.
Desta forma, o debate terá como eixo norteador a discussão sobreo o uso de fontes históricas e como estas tem
contribuído imensamente para o desenvolvimento de pesquisas, projetos, grupos de estudos na área da História da
Educação. Destacam-se neste contexto inúmeros trabalhos que revisam o passado educacional e historiográfico a
partir de diversos vestígios intencionalmente ou acidentalmente preservados ao longo dos tempos. O documento em
si só adquire sentido pela mediação metodológica realizada pelo historiador educacional. Este estabelece um diálogo
com o passado ao interrogar este(s) artefato(s) pelo presente. Todo documento é passível de leituras variadas, pois
variados são os métodos de análises, assim como as perguntas suscitadas pelo processo investigativo. Elas são, por-
tanto, um artefato, um vestígio, ou ainda, um testemunho de um tempo pretérito, que embora longínquo, preserva
no presente uma memória seletiva dos fatos históricos. Estes documentos se encontram disponíveis para pesquisas
nos diversos arquivos históricos responsáveis pela preservação e pela manutenção de um vasto acervo. Na discussão
em torno do objeto Instrução Secundária nos Oitocentos, a fonte mediadora foram os relatórios deixados pelos Ins-

19
petores de Instrução Pública, a partir delas indicaremos a possibilidade de pensar esta modalidade não somente como
o caos, mas também dentro de um processo pertinente ao seu tempo.
Palavras-chave: História da Educação; Instrução Secundária; Fontes documentais.

O MOBRAL E AS ESTRATÉGIAS DE CONVENCIMENTO DO ESTADO MILITAR: UMA


ANÁLISE A PARTIR DA PESQUISA DOCUMENTAL

Danielly Cardoso da Silva - UFG/ PPGE/ CEPAE

Resumo: Este trabalho discute as estratégias de convencimento utilizadas pelo Mobral no decurso de sua atu-
ação com recorte no período de 1970 a 1975. Buscou-se abordar que estratégias de manutenção do Estado Militar
encontram-se presentes nos discursos de sustentação do projeto educacional destinado a alfabetização de adultos
no período analisado. O Mobral foi um projeto educacional criado pela Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967,
sob forma de fundação, contando com autonomia em relação ao Ministério da Educação. No entanto, iniciou suas
atividades oficialmente apenas em 1970, com larga divulgação de atividades em âmbito nacional, utilizando vários
meios de comunicação para propagar suas ideias. Este texto é um recorte a partir de uma pesquisa documental que se
desenvolveu fundamentada na perspectiva da Histórica Cultural, pautada nos autores Burke (1994, 2011), Chartier
(1988), Pesavento (2005). Trabalhar na perspectiva da história cultural pressupõe considerar que as fontes para aces-
so ao passado não são neutras, que carecem de interpretação, e que esta pesquisa está a registrar sua percepção sobre
os fatos. Na leitura das fontes, percebe-se que existe uma memória social do que foi o Mobral que virou uma forma
de identificar a Educação de Jovens e Adultos – EJA. Essa forma de lembrar é uma construção coletiva, que torna esse
objeto um fenômeno histórico, um elemento do passado educacional, que embora não se faça mais presente no con-
texto atual, persiste no imaginário social. Este trabalho se baseia numa pesquisa documental que utilizou documentos
oficiais, publicações e propagandas sobre o projeto educacional veiculadas na Revista Veja, para identificar e analisar
os discursos utilizados pela ditadura militar enquanto estratégia de adesão ao Mobral. Nessa perspectiva o Mobral
é apresentado como o potencial salvador da nação, pois através deste, haveria a criação de empregos, a melhoria na
qualidade de vida, e a propagação da cultura e a integração social através das ações comunitárias. No contexto da
ditadura era essencial aos governantes manter o controle sobre a população, reprimindo toda possibilidade de oposi-
ção ao regime. O Mobral foi um braço da ditadura militar, atendendo a população urbana e rural chegando a lutares
onde instituições como os Correios não conseguiam atender. Apesar disso, há de se questionar a eficácia do projeto,
tendo em vista que seu principal objetivo, que era alfabetizar milhões de analfabetos não foi alcançado tal como se
esperava. Tal fato rendeu ao projeto uma investigação acerca da utilização de recursos por parte de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito – CPI, no ano de 1975. Como estratégia de convencimento para adesão do projeto eram
utilizados elementos cívicos, como o dever do bom cidadão compromissado com a nação, o apelo religioso, pautado
no conservadorismo cristão, e em caso de não colaboração o constrangimento público. Esses elementos tinham por
objetivo difundir a ideia de sucesso do Mobral enquanto projeto educacional na tentativa de captar recursos humanos
e financeiros para sua execução.
Palavras-chave: Mobral, Propagandas, Estado Militar.

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O JORNAL CORREIO DE UBERLÂNDIA COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO DO TRIÂNGULO MINEIRO (1950-1970)

Sauloeber Souza
José Lito Salustriano da Silva

Resumo: A proposta deste trabalho é refletir sobre a história da educação do município mineiro de Uberlândia
a partir das atividades desenvolvidas no projeto “Representações de Imprensa: O Universo Escolar nas Páginas de
Jornais do Triângulo Mineiro (1950-1970) ”, quando partimos da discussão inicial apoiada no debate sobre a impor-
tância do jornal enquanto fonte privilegiada para a pesquisa histórico educativa no Brasil. Em seguida, realizamos
a catalogação e a digitalização de notícias relacionadas à educação no período de 1950 a 1970, no Jornal Correio de
Uberlândia. Desde a década de 1980, a imprensa escrita ganhou grande valor aos olhos dos pesquisadores em histó-
ria e da história da educação, muito embora, até a década de 1970, os jornais eram encarados como fontes suspeitas
para o trabalho do historiador por acreditarem na carga excessiva de subjetividade que comportava esse veículo de
comunicação, contudo, suas informações se revelam rico manancial portador de diversas representações imagéticas
que nos ajudam a compreender o contexto investigado (LUCA, 2006). A delimitação do recorte temporal obedeceu
ao critério político- educacional pautado nos 13 anos de debates sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDBEN), que foi inicialmente proposta em 1948 e promulgada, apenas, em 1961 (nº. 4024/61) sendo, ainda,
reformulada com a Lei nº. 5692/71, portanto, um período rico em debates educacionais e que estavam presentes nos
veículos jornalísticos. Entendemos que as informações que o investigador obtém no uso das fontes jornalísticas, não
representam discursos neutros, pois suas linguagens comportam uma porção de elementos que atendem aos interes-
ses dos diversos grupos que sustentam essas mídias ou estão, direta ou indiretamente, ligados a elas. Assim, a análise
das representações veiculadas pelo Jornal Correio de Uberlândia possibilitou compreender o ideário social e aspectos
educacionais a partir das notícias que circulavam no período, revelando o contexto histórico-cultural e interesses dos
grupos que compunham a sociedade uberlandense. O trabalho de catalogação das 1495 notícias sobre a educação pre-
sentes nesse jornal permitiu traçar paralelos entre o contexto local e nacional refletindo sobre as representações do
universo escolar por ele difundidas em torno da ideia de educação (ou ideal de educação); a relação aluno-professor;
as questões do analfabetismo e o movimento de criação e expansão dos ensinos técnico e superior no município uber-
landense e região. Destacamos no conjunto catalogado, as 598 notícias relacionadas ao ensino superior, certamente
para atender aos interesses do público leitor desse jornal, tais matérias abordavam a criação e estruturação da Escola
de Engenharia e as Faculdades de Direito, de Filosofia e também a de Ciências Econômicas, além da articulação para a
criação da Fundação Universitária (Universidade de Uberlândia). Em fins dos anos 1960, as Faculdades de Medicina
e Odontologia faziam parte do sonho uberlandense de progresso. Na segunda etapa do projeto, os dados coletados
serão disponibilizados em uma plataforma digital para eventuais consultas do público interessado.
Palavras-Chave: Historiografia Educacional. Fontes Impressas. Jornal Correio de Uberlândia.

A REPRESENTAÇÃO DO GINÁSIO DOM BOSCO NO IMPRESSO ESTUDANTIL “O


GINÁSIO”: NOTAS DE ESTUDOS NA PERSPECTIVA BOURDIEUSIANA

Jéssica Lima Urbieta

Resumo: O atual estudo tem por escopo abarcar como o conceito de representação auxilia na compreensão das
práticas do Ginásio Dom Bosco presentes nas páginas do periódico estudantil “O Ginásio”. O texto incursiona-se pelo
aporte teórico-metodológico que privilegia a análise de impressos estudantis, a fim de dialogar com as perspectivas
teóricas de Pierre Bourdieu, contudo, no que tange a representação do Ginásio Dom Bosco presente nas páginas dos

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periódicos do estabelecimento de ensino secundário no sul de Mato Grosso entre os anos de 1930 a 1945. Elegemos
como recorte temporal da pesquisa os anos de 1930 a 1945, ao passo que, este período compreende o início dos tra-
balhos salesianos no ginásio e, consequentemente a produção das fontes selecionadas para a presente abordagem. A
categoria “representação” é aqui compreendida como categoria analítica de pesquisa e, potencial meio para auxiliar
na interpretação, compreensão e produção do conhecimento sobre práticas. O texto de caráter bibliográfico e docu-
mental terá como fonte principal de análise os principais elementos que caracterizam o ginásio de ensino, presentes
no periódico escolar do Órgão dos alunos do Ginásio Dom Bosco, que versava de publicações dos alunos ginasianos
em participação com a comunidade escolar do estabelecimento de ensino, recomendado pela direção como instru-
mento que buscava proporcionar a seus alunos a cultura de que necessitavam para a formação moral e intelectual dos
mesmos. Os resultados parciais sinalizam que, os estudos de Pierre Bourdieu proporcionam um leque de categorias
de análise, auxiliando-nos numa compreensão ampla do mundo social, visto que, o autor supramencionado conduziu
estudos em diferentes campos, como: o esporte, a televisão, as artes, a literatura, entre outros, ressaltando que em
cada campo de análise são as condições da história social que mobilizam a produção das práticas. Logo, o conceito
de representação, em sua teoria, auxilia na compreensão das práticas, ao passo que, a representação da instituição se
entrelaça com a conjuntura social do sul de Mato Grosso no período balizado e, as práticas advindas da relação entre
o social e os agentes nele inseridos. As representações nas páginas do periódico estudantil expressam o Ginásio Dom
Bosco na correlação ensino e religião como constituidor de fundamentos que proporcionaram ideais e, orientaram
as ações de estudantes secundaristas do ginásio entre os anos abrangidos. O impresso estudantil “O Ginásio”, apre-
senta elementos que propiciam a compreensão da representação do estabelecimento, pois contém propriedades que
transfiguram o seu ideal de moral, ensino e religião, processo de legitimação do estabelecimento, perfil dos seus estu-
dantes, as práticas advindas dessa relação e, por fim, a produção material desse emaranhado de elementos históricos
e culturais.
Palavras-Chave: Periódico Estudantil, Práticas, Pierre Bourdieu.

O LYCÊO DE GOYAZ E OS LIMITES HISTORIOGRÁFICOS DA PERSPECTIVA ELITISTA


DO ENSINO LICEAL: EM BUSCA DE UMA NOVA ANÁLISE (1854-1872)

Wellington Coelho Moreira

Resumo: O Lycêo de Goyaz, ao longo do século XIX, não foi essencialmente uma escola elitista como comu-
mente retrata a historiografia consagrada a nível nacional e regional. Sob a perspectiva da História Cultural, pode-se
perceber que essa instituição proporcionou a inúmeros alunos de famílias não abastadas dessa sociedade o acesso à
educação secundária. Pelo método de análise qualitativa do objeto, foram entrecruzados os nomes de vários alunos
do Lycêo, constantes nas listas de alunos entre os anos de 1854 a 1872, com os dados administrativos publicados
no Jornal Correio Official de Goyaz e com as diversas descrições apresentadas pelos Relatórios dos Presidentes da
Província de Goiás. Percebe-se por esta análise que muitos alunos e/ou suas famílias viram nesse instituto de ensino
uma possibilidade de ascender socialmente. Não poucos ex-alunos dessa instituição se tornaram funcionários públi-
cos, iniciando a sua carreira profissional como porteiros, contínuos e praticantes/amanuenses (copistas), e, com o
passar do tempo, foram ascendendo profissionalmente como escriturários, oficiais, secretários, tesoureiros e chefes
de departamentos da administração pública. Para o exercício dessas funções exigia-se que o candidato tivesse boa es-
crita (caligrafia) e conhecimentos ortográficos e matemáticos suficientes para o bom desenvolvimento de tais tarefas
administrativas. Vê-se por esse prisma que Lycêo de Goyaz não somente abrigou em sua história alunos de camadas
sociais diversas como também proporcionou-lhes conhecimentos suficientes para que esses pudessem se tornar fun-
cionários da burocracia estatal.
Palavras-Chave: Lycêo de Goyaz. Historiografia. Lista de Alunos.

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A IMPRENSA PEDAGÓGICA COMO FONTE DE PESQUISA: O ENSINO PROFISSIONAL
FEMININO E MASCULINO NA REVISTA DO ENSINO DE MINAS GERAIS (1925-1930)

Monalisa Lopes dos Santos Coelho - PPGED/UFU


Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro – ICHPO/UFU

Resumo: Este estudo se insere na linha de pesquisa de História e Historiografia da Educação. O recorte his-
tórico escolhido se situa no período de 1925 a 1930, na Primeira República, as fontes de pesquisa adotadas são as
Revistas do Ensino de Minas Geraes, e o objeto de estudo versa sobre o ensino profissional nesta imprensa pedagógica.
O objetivo geral deste trabalho é analisar qual a intencionalidade dos conteúdos pedagógicos publicados na Revista do
Ensino, em especial artigos de opinião e discursos que tratavam sobre o ensino profissional. Os objetivos específicos
são de: Identificar o valor do trabalho nos textos desta imprensa; averiguar como eram as recomendações dirigidas ao
público docente nos enunciados deste impresso pedagógico; Verificar como o ensino profissional de modo geral esta-
va estruturado em Minas Gerais, por meio dos textos da Revista do Ensino; e, reconhecer como o ensino profissional
masculino e o feminino estavam estampados nos enunciados deste periódico. Como metodologia realizou-se um le-
vantamento bibliográfico sobre a temática, efetuou-se uma leitura historiográfica, e posterior análise documental dos
52 números da Revista que circularam entre 1925 a 1930, adotou-se uma abordagem qualitativa na análise do conte-
údo da Revista, sendo que o procedimento teórico-metodológico utilizado envolveu a perspectiva histórico-dialética,
considerando os contextos estadual e nacional. As análises dos enunciados selecionados se processaram a partir de
três eixos ou categorias de análises. Os resultados evidenciaram como a referida imprensa pedagógica disseminava
textos que, nas entrelinhas, intencionavam o aconselhamento dos professores leitores. Pois, quando lessem os arti-
gos de opinião mencionados possivelmente concordariam com a ideia de que o ensino profissional, tanto feminino
como masculino seria fundamental para tirar o Brasil da pobreza e dos demais problemas sociais enfrentados, con-
duzindo a pátria à riqueza pública. Por meio do ensino profissional, o trabalho civilizaria os estudantes, tornando-os
patrióticos, mas de fato, moldava-os por meio da disciplina. Sendo assim, concluiu-se que a instrução profissional
pretendida, almejava a disciplinarização de mestres, estudantes e sociedade, e observou-se que a Revista do Ensino
defendia o valor trabalho, e da formação de trabalhadores, e que possivelmente a ótica desta imprensa, era que o en-
sino profissional significava formar cidadãos republicanos, patriotas, cívicos, ordeiros e disciplinados, porque toda
esta disciplina exercida por meio do trabalho resultaria no progresso nacional, na Primeira República.
Palavras-chave: Ensino profissional. Disciplinarização. Imprensa Pedagógica.

ACERVOS PRIVADOS COMO FONTES DE PESQUISA: ARQUIVOS, MEMÓRIAS,


ESQUECIMENTOS

Eurize Caldas Pessanha

Resumo: Fontes, arquivos e métodos para a escrita da história são temáticas recorrentes na produção biblio-
gráfica no campo da História e da História da Educação. Ao que tudo indica, o início e a permanência da “questão das
fontes” relacionam-se com a renovação da história provocada, principalmente, pelo movimento dos Annales com a
consequente ampliação da noção de documento e um novo conceito de fonte histórica. Conduzidos por nossas ques-
tões de pesquisa sobre a história de instituições escolares e das disciplinas escolares, ao longo de muitos anos, trans-
formamos em fontes documentos, fotos e objetos, localizados nas escolas investigadas, em depósitos nem sempre
bem organizados e conservados. Para responder às nossas questões de pesquisa, além dessas fontes obtidas nas esco-
las, foram realizadas entrevistas e, ocasionalmente, as pessoas entrevistadas nos ofereciam fotos, documentos e ob-
jetos de seus “guardados” que, na sua opinião, poderiam ser úteis para o pesquisador, provocando uma questão: esses

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“papéis e coisas velhas” guardados em acervos pessoais podem se transformar em fontes? O potencial de transformar
arquivos privados em fontes constitui outra temática que vem sendo focalizada há algum tempo pelos historiadores e
arquivistas entre os quais se destacam os grupos ligados ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contem-
porânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. Nos textos localizados sobre os arquivos pessoais, chamou
a atenção a utilização recorrente de expressões como: desafio, feitiço, irresistível, encantamento, boom, fascínio e ris-
cos que parecem indicar o impacto que o acesso a um conjunto de documentos produzidos por determinada pessoa,
aparentemente sem a intenção de publicizá-los, produz no pesquisador, provavelmente pelo potencial que oferecem
de conhecimento sobre a época e o tipo de atividades a que esta pessoa esteve ligada. Destacam-se também os aspec-
tos relacionados com a memória, individual e coletiva, e a dimensão social da produção dessas fontes. Este trabalho
se propõe a discutir as possibilidades e riscos de transformar o acervo de documentos, fotos e objetos colecionados e
guardados pelas pessoas ao longo de sua vida em fontes de pesquisa. As reflexões aqui apresentadas foram provocadas
por uma experiência de, por imposição burocrática, criar um memorial da vida profissional, transformando em fon-
tes documentos de acervo pessoal. Ginzburg e Certeau constituíram o referencial para realização dessa operação his-
toriográfica, considerando que o ponto de partida são sempre as questões de pesquisa, única forma de dar sentido aos
“papéis e coisas velhas”. No caso aqui relatado, foi necessário, em primeiro lugar, organizar os objetos, documentos
e fotografias e a opção foi classificá-los segundo as categorias especificadas pelas instâncias burocráticas. Depois de
formar uma “coleção”, separando, reunindo, copiando, fotografando os documentos e objetos foram transformados
em fontes Este processo de lidar com a memória implica em enfrentar estranhamentos, contradições, incompletudes,
ausências e omissões, principalmente quando é memória do próprio pesquisador, pois, abrindo as caixas e pastas que
guardam fotos e documentos, as “caixinhas” da memória também se abrem e a narrativa flui, ao mesmo tempo em
se processa a fruição da leitura desse material. Tratando alguns dos documentos/fontes como indícios de momen-
tos da história da educação no Brasil foi possível, paralelamente ao cumprimento da atividade burocrática, levantar
questões provocadas por alguns dos documentos. Exemplos dessa operação foram dois documentos: comprovante de
pagamento de professora do ensino primário estadual na década de 1970 e um contrato de trabalho como professora
de uma escola do SENAI, da década de 1960. Relacionando essas informações com a história do magistério nesses
períodos foi possível relacionar as características do ensino primário público e do ensino de formação profissional
naquela época. Conclui-se que a transformação de arquivos privados em fontes não só é possível como constitui uma
forma privilegiada de aproximação a processos da história da educação não registrados em outros tipos de acervos.
Cabe também, como conclusão, a necessidade de conhecimentos sobre a história da sociedade e da educação na qual
foi produzida a coleção transformada em fonte, numa operação que enfrenta as particularidades sem perder de vista
a totalidade histórica. Para reforçar o óbvio, apenas a formulação de questões de pesquisa pode dar sentido a essas
fontes.
Palavras-Chave: Acervos privados, Memória, Fontes

LIVRO DIDÁTICO COMO CULTURA MATERIAL ESCOLAR

Paulo Henrique Roseghini dos Santos - UFGD

Resumo: Ao ser questionado por uma pesquisadora dizendo que pesquisas com livros didáticos estavam ultra-
passadas, alguns questionamentos e angustias sobrevieram sobre meu projeto de pesquisa. Será mesmo que o livro
didático enquanto fonte de pesquisa está ultrapassado? Ninguém mais pesquisa livro didático? Uma fonte para a
História da Educação deve estar na “moda”? Dentro deste contexto, objetivamos apresentar uma discussão acerca do
livro didático enquanto elemento da cultura material escolar e fonte profícua para a escrita da História da Educação.
Importante no processo de escolarização, o livro de História do Brasil esteve e está presente nas instituições de ensino
brasileiras desde o século XIX, sendo assim, entendemos que pesquisas nesta direção são de extrema importância e
que elas contemplam um maior entendimento sobre a temática da História da Educação nas micros e macros particu-

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laridades que este tema trás no amplo processo de ensino. Para isso, utilizamos discussões de pesquisadores especia-
lizados sobre a temática da cultura material escolar, onde podemos citar Escolano e Badanelli. Notamos que o livro
didático é parte da cultura material escolar, sendo capazes de revelar indícios das práticas ocorridas no interior da
escola. É importante salientamos que este trabalho apresenta-se como um processo inicial de um projeto de pesquisa
em desenvolvimento ligado ao Programa de Pós Graduação da Universidade Federal da Grande Dourados UFGD,
pertencendo à linha História da Educação Memória e Sociedade. Temos como fontes, livros didáticos de História
do Brasil que circularam nas instituições educacionais entre os anos de 1870 a 1970 (ensino secundário). Em relação
aos livros didáticos, é comum a dificuldade enquanto sua localização e catalogação, uma vez que, não há interesse de
conservação por parte dos usuários (Choppin, 2017). Nesse caso, o processo de localização foi feito quanto ao nú-
mero de edições e também levamos em consideração aos anos que os mesmos estiveram presentes na sala de aula. A
metodologia utilizada para análise das fontes foi primeiramente situar a localidade a qual os livros foram produzidos,
colocando em destaque a importância do processo de localização das fontes, conforme Certeau (2008) Em seguida foi
feita uma pequena análise acerca da materialidade do livro, considerando o tamanho, papel, impressão, presença de
imagens ou não, etc. O estudo se pautou nas características materiais e estruturais dos livros selecionados, basean-
do-se em Chartier (1988), que julga necessário investigar a apropriação dos textos a partir da materialidade dos
suportes de leitura. Nesse sentido, iremos apresentar o livro didático enquanto uma profícua fonte de pesquisa
para adentrarmos ao universo das práticas escolares, uma vez que, são produtos e produtores de conhecimento, bens
culturais dotados de intenções e objetivos, tanto pelos autores como também pelas editoras. Desta forma, a partir das
discussões apresentadas, conclui-se que: o livro didático, que pertence à cultura material é de vital importância para
as investigações da história da educação; o livro didático se torna elemento desta cultura material e se destaca nas pes-
quisas relacionadas a História da educação, pois através deles faz-se entender além das práticas escolares o universo
social, econômico e político da sociedade brasileira no período abordado.
Palavras-Chave: Livro didático, Memória, Cultura, Fontes

IMPORTÂNCIA DO CADERNO DE CAMPO NA PESQUISA COM HISTÓRIA ORAL

Nívea Oliveira Couto de Jesus - SEDUC/CRE Rio Verde

Resumo: Este trabalho faz parte de fragmentos da abordagem metodológica da dissertação de Mestrado em
Educação intitulada “ESCOLA MUNICIPAL RURAL ÁGUA MANSA COQUEIROS EM RIO VERDE: HISTÓRIA
E MEMÓRIA”. O texto objetiva analisar a importância do caderno de campo em pesquisas qualitativas com meto-
dologia de história oral. Utilizou-se, durante o percurso metodológico da pesquisa, o instrumento do caderno de
campo do pesquisador, para capturar as observações que emergiram do processo de coleta de dados. Logo, toma-se
como objeto desse estudo as observações expressas no caderno de campo do pesquisador. A partir das práticas iden-
tificadas foram realizadas dez entrevistas com os sujeitos envolvidos na História e Memória da unidade escolar.
A pesquisa apresenta os testemunhos históricos dos narradores de acordo com sua verdade em relação a história
da construção da escola, entrelaçada nas memórias e lembranças de cada sujeito participante desta pesquisa. Por meio
das narrativas e dos documentos consultados, observou-se que cada história individual se fez e se refez fortemente
influenciada e condicionada ao contexto da escola. Ao narrar sobre a escola, suas alegrias, crenças, mitos, tradições,
angústias, os narradores entrelaçaram leituras acerca das suas próprias vidas, possibilitando assim uma aproximação
entre o passado e o presente. O caderno de campo foi fundamental na apreensão das informações acerca das entrevistas
e informações dos depoentes. Para melhor organização dividiu-se o caderno de campo em duas partes, sendo uma com
o Corpus Oral: fontes orais/narrativas/entrevistas: ficha/questionário para o início da entrevista e outra com o Cor-
pus Escrito: Documentos. No Corpus Oral, o caderno de campo foi composto pelos dados dos entrevistados, perfil da
família e roteiro para as entrevistas, levando em consideração os professores e suas lembranças, a escola pesquisada,
experiências escolares e ex alunos e a importância da escolarização em suas vidas, relações entre o ambiente familiar e a

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cultura letrada e experiência escolar dos pais e outros familiares. O Corpus Escrito contou com a catalogação de vários
documentos, cadernos escolares de alunos e dos professores, documentos oficiais, arquivos e escritos da escola, diários
escolares, boletins, currículo da escola, formas de avaliação dos alunos, cartas e correspondências de professores, alunos,
relatórios de inspetores, diretores, professores, cadernos de atas de reuniões da escola, conselhos escolares/de classe, de
secretaria, apostila de nomeação e ou registro de atividade funcional, Jornais, revistas, documentários regionais e locais
sobre os professores, a escola, as atividades e festividades cívicas, desfiles, concursos e torneios literários e esportivos
e fotografias. Conclui-se que o uso do caderno de campo tornou-se vantajoso frente às investigações da pesquisa, onde
buscou-se discutir a singularidade do trabalho de campo, envolvendo a relação entre o pesquisador e as pessoas ouvidas,
como condição de uma ciência que lida essencialmente com o indivíduo.
Palavras-Chave: História Oral, Memória, Cultura, Fontes

A REVISTA DA EDUCAÇÃO COMO VITRINE DO MOVIMENTO ESCOLANOVISTA EM


GOIÁS

Kênia Guimarães Furquim Camargo - PUC-GO


Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida - PUC-GO

Resumo: Este estudo faz parte da pesquisa realizada para a elaboração da pesquisa de tese de doutoramento,
em andamento, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Linha
de Pesquisa – Educação, Sociedade e Cultura que tem como objeto de estudo “O movimento renovador da educa-
ção pública primária em Goiás na primeira metade do século XX”. Este texto tem a Revista de Educação goiana como
corpus de investigação. Trata-se de um periódico de publicação oficial, editada em no Estado de Goiás pela diretoria da
Instrução Pública, no período de 1937 a 1962. Salientando que nesse trabalho serão analisadas as publicações referente a
primeira fase da revista que perdurou por oito anos (1937 a 1944). A criação desse impresso remonta ao ano de 1933, sob
o Decreto n. 3.482, de 12 de junho de 1933, mas circulou no Estado somente a partir de 1937. O documento foi assinado
pelo interventor do Estado Pedro Ludovico Teixeira e José de Carvalho dos S. Azevedo. No entanto, tratava-se de um
veículo, por meio do qual, o poder público estadual fazia divulgações sobre o movimento dos princípios de uma educa-
ção moderna. Foram abordadas as novas medidas e ações necessárias para a implantação do novo programa educacional
de Goiás, rumo à escola renovada. Procura-se investigar a circularidade dos princípios do movimento escolanovista em
território goiano, atentando para a forma de como foi apropriado e transformado no processo de constituição de pa-
drões pedagógicos nos anos de 1930, no contexto educacional goiano, pelos atores sociais estrategicamente situados no
campo político educacional. Para tanto, analisa-se como e em que proporção tais discursos se apresentavam no principal
impresso pedagógico goiano da época produzido com o intuito de (in) formar os professores, ou seja, enquadrar suas
práticas às novas demandas educacionais sob os princípios do movimento renovador educacional em voga, no período,
no Estado. A Revista de Educação goiana será analisada em sua materialidade, com base nos pressupostos teóricos e me-
todológicos da História Cultural. Deste modo, a Revista esteve atrelada a um projeto educacional em que os intelectuais
corroboravam a ampla circulação de um conjunto de representações sobre a modernidade, utilizando o impresso como
suporte pedagógico. Nesse sentido, a investigação possibilitou a percepção de que o governo articulou ações no sentido
de colocar o Estado de Goiás em destaque no cenário nacional. Para tanto, precisava remodelar a sociedade goiana por
meio da educação escolar. Diante desse cenário, a Revista de Educação condizente com sua filiação, composta pelos
órgãos oficiais do Estado, foi um significativo veículo de inovações educacionais. Portanto, contribuiria no que diz res-
peito à circulação dos preceitos defendidos e pretendidos a partir das ações governamentais.
Palavras-chave: Revista de educação. Movimento escolanovista. Impresso pedagógico.

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ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA E PIBID À LUZ DA DESCRIÇÃO
ETNOGRÁFICA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O IEC PRESIDENTE CASTELLO
BRANCO

Júlio César Kohler Damasceno Baron - PUC-GO

Resumo: A proposta deste artigo é assimilar, a partir de uma perspectiva etnográfica, as particularidades da
relação professor-aluno nas atividades de Língua Portuguesa desenvolvidas no IEC Presidente Castello Branco, loca-
lizado no bairro de Campinas, em Goiânia, sob o olhar de um bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência). A etnografia é uma metodologia de abordagem antropológica que busca descrever sistematica-
mente o “campo de pesquisa” recorrendo à imersão nesse campo, ato reconhecido como observação-participante. Por
este método, o pesquisador confunde-se com o corpus de pesquisa, “naturalizando-se” dentro deste espaço ao mesmo
tempo em que se distancia dele para descrever a vivência sob o olhar crítico de um agente externo. Com base nesse
procedimento, busca-se refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem e reconhecer as possíveis demandas das
atividades de Redação, Literatura e Gramática sob as perspectivas docente e discente em uma escola pública estadual
de tempo integral. Essa pesquisa, ainda em andamento, é promovida através de encontros semanais de 6 horas de
duração enquanto requisito para cumprimento da carga horária do PIBID. Logo, os objetivos para seu desenvol-
vimento também se estendem à constatação (e descrição) do que de fato é distribuído como atividade ao bolsista,
tomando como referência os parâmetros institucionais do programa. Uma descrição etnográfica em sua proposta
de “densidade” e aprofundamento, portanto, pode, mesmo que minimamente – visto que o “campo” da pesquisa é a
vivência em apenas um colégio –, compreender como se efetivam as atribuições de um bolsista PIBID em atividades
em Língua Portuguesa. Enquanto bolsista, integrado à estrutura de ensino da escola, espero constatar, não de forma
generalizante e pejorativa, mas visando contribuir para a própria melhoria do ensino de Língua Portuguesa no IEC
Presidente Castello Branco, a “recepção” das atividades propostas pelos professores entre os alunos, tanto em relação
às aulas de dinâmica formal (conteúdos abordados através das apostilas e apresentação de conteúdo pelo quadro e via
oral), quanto pelas atividades “eletivas”, mais lúdicas e dinâmicas que se apresentam. Por outro lado, a aproximação
com o corpo docente também compõe parte essencial para a verificação do processo de ensino-aprendizagem, na
medida em que uma demanda estrutural (ou psicológica) interfere diretamente para a organização e apresentação
metodológico-didática do conteúdo. Portanto, a intenção é constatar os métodos de ensino da Língua Portuguesa e a
assimilação desse mesmo ensino através das estratégias didático-pedagógicas dos professores e da realidade dos alu-
nos, além de verificar as atribuições de um bolsista do PIBID nesse trajeto de inserção à docência, usando (e demar-
cando, definitivamente) a etnografia e suas especificidades (entrevistas, filmagens e registros afins para uma posterior
descrição “densa” e sistematizada de uma vivência “de perto e de dentro”) como fonte/categoria/método de pesquisa
para análise e registro histórico da rotina da educação pública em nível básico.
Palavras-chave: Etnografia. PIBID. IEC Presidente Castello Branco.

IMPRESSOS, IMPRENSA E INTELECTUAIS: A MEDIAÇÃO CULTURAL EM


TEMPORALIDADES DISTINTAS

Adriana Aparecida Pinto - UFGD


Luciana Cristina Porfírio - UFG - Regional Jataí

Resumo: Pesquisas realizadas por todo o país indicam que os impressos, entre séculos XIX e XX, constituí-
ram-se em terreno fértil para a produção de saberes e circulação de ideias, disseminando valores, leituras de mundo,
práticas culturais, representações e posturas políticas. As discussões que compõem a proposta desta Comunicação

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orientam-se, pois, a partir de uma determinada tipologia documental: os impressos. Dessa forma, contempla-se uma
documentação a qual, alinhada ao campo de pesquisa histórica, antropológica e educacional, promove abordagens
significativas para a História da Educação e compreensão de aspectos silenciados em fontes de outra natureza. A lei-
tura desses impressos tem como fundamento analítico a máxima dos “novos olhares para velhos objetos”, articulan-
do-se as investigações aqui apresentadas sob a perspectiva teórico-metodológica da (Nova) História Cultural. Outro
ponto de convergência dos trabalhos alinha-se à prerrogativa de que impressos revelam as mediações culturais que
estabelecem, independentemente do período e localidade em que se inscrevem. LLI, 1998, 2003). Sustentam este
estudo, como corpus documental, a imprensa periódica de circulação geral em Mato Grosso, mais propriamente a
tipologia jornais, visto que promovem conhecimentos sobre redes de sociabilidades, espaços de circulação de ideias
e pessoas, ao lado de notícias e correspondências estrangeiras, conhecidas em Mato Grosso por meio da imprensa
semanal, corroborando com as teses de que Mato Grosso não se encontrava em situação de isolamento cultural, no
século XIX, como os relatos de viajantes marcaram em seus escritos (PINTO, 2013, 2018). Agregam-se à documen-
tação impressa as produções didáticas direcionadas à formação de professores, apresentando contribuições em torno
das múltiplas possibilidades que os estudos sobre este tipo de fonte permitem realizar. Partindo-se de uma conceitu-
ação ampliada de fonte histórica, entendida como toda produção ou interferência feita pelo homem e que possam ser
investigadas como forma de compreender essa sua ação no tempo-espaço, seja no passado ou no tempo presente. No
Brasil, a circulação de saberes em torno da profissão do professor, se faz também por meio dos materiais didáticos
impressos oferecidos em cursos de formação continuada, cujas análises revelaram que, apesar de se configurar como
uma construção social mais ampla, difundida mundialmente, foi também uma versão local e particular de uma refor-
ma educacional mundial instituída no Estado e que vem sendo legitimada pelo campo acadêmico. A essência dessa
reforma se consolidou por meio de um discurso que circulou para além dos limites do Estado-Nação, articulando e
validando narrativas que orientaram os profissionais a serem bons professores. A seleção das fontes e o tratamen-
to dado a ela revelou que os estudos são mobilizados nestes materiais para conferir cientificidade e legitimidade às
propostas reformistas em curso há quase três décadas no país. (PORFÍRIO, 2012). Considerando a materialidade da
documentação (CHARTIER, 1990), os contextos em que se inserem e suas formas de circulação, as propostas con-
vergem no exercício de pesquisa e escrita histórica sobre educação.
Palavras-Chave: Impressos. Jornais. Impressos didáticos.

COMPREENDER O ENSINO SECUNDÁRIO BRASILEIRO A PARTIR DA


DOCUMENTAÇÃO OFICIAL DE 1808 A 1930

Lucas Lino da Silva - UFG - Regional Catalão


Darllene Maria Costa S. Ribeiro - UFG - Regional Catalão
Lavínia Machado - UFG - Regional Catalão
Fernanda Barros - UFG - Regional Catalão

Resumo: Este texto se insere na área de História da Educação e tem como tema o ensino secundário no Bra-
sil a partir da documentação oficial do Império e da República do Brasil dos anos de 1808 a 1930. Seu objetivo é
compreender o ensino secundário brasileiro a partir da Coleção de Leis do Império e República do Brasil de 1808 a 1930
disponíveis no site da Câmara dos Deputados do Brasil. Nesta documentação foram coletados os documentos que re-
gistram onde foram abertas aulas avulsas e instituições de ensino secundário no Brasil. O ensino secundário brasileiro
iniciou sua organização a partir do Ato Adicional de 1834, a partir disso cada Província se tornaria responsável pelo
seu processo de instrução, o que teve seu ápice de criação com o Colégio Pedro II em 1837, que foi instaurado com
o objetivo de trazer ao sistema educacional brasileiro um modelo institucional ideal com base nos moldes franceses
de educação, o que possibilitaria às demais províncias uma nova ideologia educacional que propiciaria um ensino
preparatório para o ensino superior à altura dos jovens da elite, público alvo do ensino secundário. A pesquisa busca

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compreender como os poderes executivo e legislativo do período descreveram o processo de distribuição das institui-
ções de ensino secundário que, segundo as leis do período eram abertas pelas províncias/estados, mas passavam por
constante fiscalização do poder central, ou seja o projeto visa compreender qual é o controle do poder central sobre
o ensino secundário provincial estadual a partir do que é apresentado na documentação oficial dessa coleção. Essa
documentação se encontra disponível no site oficial da Câmara dos Deputados brasileira e, possui os mesmos padrões
dos documentos físicos extraídos dos arquivos físicos compostos por papéis. Até o momento, o levantamento docu-
mental nos possibilitou mapear as aulas avulsas e instituições de ensino abertas nas províncias/estados entre os anos
de 1808 e 1930 discutidos no texto, e também construir quadros quantitativos acerca dos dados contabilizados a partir
do número de aberturas, fechamentos e transformações das instituições identificadas no mapeamento. A análise irá
se desenvolver a partir de uma carga teórica, fazendo uso de autores de grande importância dentro da História da
Educação, como Maria de Lourdes Mariotto Haidar e Ariclê Vechia. A ferramenta atualmente acessível em todo o
meio acadêmico, o computador ligado à rede mundial de computadores traz a pesquisa uma grande colaboração para
o processo da busca de documentação, como a descrita neste texto, trazendo uma série de produções já escritas a luz
dos olhos críticos do historiador. Os resultados ainda parciais nos possibilitam visualizar que o ensino secundário
permeou todas as províncias brasileiras e poderemos na continuidade do trabalho compreender qual a efetividade
desse ensino nas localidades em que estiveram presentes.
Palavras Chave: Ensino Secundário. História da Educação. Legislação.

A REFORMA BENJAMIN CONSTANT (1890): POLÍTICA, REPRESENTAÇÕES E


IDENTIDADE

Lucas Lino da Silva - UFG - Regional Catalão


Fernanda Barros - UFG - Regional Catalão

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise do processo de construção do ensino se-
cundário brasileiro a partir da Reforma Benjamin Constant de 1890, tendo como foco a questão: como o currículo
apresentado na Reforma Benjamin Constant pelo Decreto n. 981 de 8/11/1890 propôs aspectos para a formação da
identidade do aluno de ensino secundário no Brasil? Fazendo uso de articulações teórico-metodológicas e seguindo a
vertente analítica da História Cultural, acredita-se que seja possível visualizar, por meio de representações, os rumos
tomados pelo ensino secundário após a reforma Benjamin Constant. O objetivo é analisar como a reforma propôs
criar uma identidade possível para os alunos do ensino secundário. A análise da matriz curricular integrante do en-
sino em questão, um ensino que até então era elitista e que não possuía ideais igualitários, nem tampouco o pensa-
mento contemporâneo de que todos têm direito à educação, pode traduzir como o número de disciplinas inseridas,
e como o teor de cada uma pôde influenciar diretamente na formação das identidades dos alunos por ela formados,
considerando-se o tempo e a metodologia estipulada pelo currículo, além, de abordar questões como a brasilidade em
sua construção, os alunos, as instituições de ensino e sua metodologia. As representações identificadas pela pesquisa
no ensino secundário, no método de instrução, na arquitetura das instituições, todos esses aspectos podem trazer
consigo novas descobertas e pontos a serem analisados tanto pela História da Educação quanto pela História Cultural.
Perceber o ser social dentro do ensino e como o mesmo se reconhece dentro daquele ambiente, é um dos aspectos
analisados pela História Cultural, vertente cuja escolha foi feita devido a essa grande extensão, que não abandona os
modelos já criados, mas possivelmente nos permitirá outro olhar sensível com relação ao sistema educacional pós
reforma. A reforma Benjamin Constant trouxe ao ensino e, consequentemente, à sociedade brasileira a reafirmação
de uma ideologia moral e de bons costumes. Esses eram constantemente relacionados aos princípios cristãos de bom
comportamento, herança da permanência europeia no país. Como será possível perceber, as representações contidas
no ensino após a reforma de Constant nos reafirmam a manutenção das desigualdades sociais já existentes no império
no viés educacional, representando os ideais de boa conduta como percussores para um bom desenvolvimento ins-

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trucional. Embora essas afirmações fossem utilizadas apenas como meio de manter ideais autoritários que já vinham
se ascendendo antes mesmo da deposição do rei, e que se mantiveram ao longo da história.
Palavras-Chave: Ensino Secundário, Representações, Identidade.

O COTIDIANO COMO POSTURA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA


HISTÓRICA EM EDUCAÇÃO

Diogo Mendes de Brito

Resumo: A vida cotidiana, na perspectiva da pensadora Agnes Heller (1929), se configura como sendo
a essência das relações sociais, pois nenhum homem está fora desta forma particular de vivência social, o que faz,
portanto, ser a vida cotidiana o “elemento” central do “fazer histórico”. Todos vivem, sem exceção, inteiramente o
cotidiano, com toda sua particularidade emocional, intelectual, ou seja, particularidades gestadas no âmbito social.
Sendo assim, o presente trabalho pretende apontar a vida cotidiana como uma categoria de análise, a partir de uma
postura teórico-metodológica de pesquisa histórica em educação, partindo, inicialmente, dos aspectos da vida coti-
diana tal como faz a pensadora de Budapest.
Palavras-Chave: Vida Cotidiana, educação, história, teoria, método.

FERRAMENTAS PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: NOVAS


POSSIBILIDADES OUTRAS ABORDAGENS

José Henrique dos Santos Barbosa - UEG

Resumo: Buscando contribuir para as discussões que vem permeando o campo da História da educação no que
diz respeito ao seu processo de produção, ampliações de fontes e metodologia, o presente trabalho tende a refletir,
por meio de revisão teórica, as contribuições que a Análise Crítica de Discurso, entendida como campo teórico e me-
todológico heterogêneo e interdisciplinar pode concorrer no processo de escrita da História e História da educação.
Para tal, buscar-se-á desenvolver inicialmente, necessária reflexão a respeito da História Cultural, faceta imprescin-
dível que contribui em demasia para a atual concepção que os historiadores da educação em sua maioria adotam de
documento, fontes, métodos, etc., para a escrita da historiografia educacional. As novas possibilidades que a História
Cultural tem apresentado aos historiadores da educação possibilitam entre outras coisas a ampliação dos olhares
frente ao objeto que se apresenta neste trabalho – a história da educação brasileira. Assim, fica evidente perceber
que a inserção das pesquisas em História da educação no campo da História Cultural, assumindo uma perspectiva da
diversidade de fontes e, de forma a que mais nos interessa neste trabalho, de suas possibilidades de entrecruzamento.
Concomitante a este processo de ampliação das concepções de fontes e métodos para a escrita da História e da His-
tória da educação, busca-se nos pressupostos teórico-metodológicos da ADC maiores possibilidades de investigação
no campo da História Cultural e mais especificamente no campo da História da Educação. Por este motivo, busca-se
para fins introdutórios apresentar de forma rápida, porém não simplista, como se dá o desenvolvimento da História
Cultural à qual tem se recorrido atualmente os historiadores da Educação em busca de variadas possibilidades de
desenvolver suas investigações. Em seguida, far-se-á uma discussão mais objetiva referente à Análise de Discurso
Crítica (ADC) buscando mapear suas potencialidades que nós acreditamos poder contribuir satisfatoriamente sem
a pretensão de limitar as investigações e reflexões a esse respeito para o processo de escrita da História e da História
da Educação que ainda têm, mesmo adotando novos olhares e perspectivas de análise, o documento escrito como sua
principal fonte de pesquisa. Não obstante, buscaremos ao final deste trabalho evidenciar algumas das intersecções que

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não foram ainda discutidas entre esses dois campos História Cultural e Análise Crítica de Discurso, devido aparente
distanciamento teórico, mas que, graças às reflexões produzidas na disciplina de Análise do Discurso, no Pro-
grama de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (PPGIELT) da Universidade
Estadual de Goiás (UEG) foram possíveis de apreciar e tecer notória aproximação. Utilizando como método de pes-
quisa a pesquisa bibliográfica acreditamos que a intersecção entre a análise documental a partir da compreensão do
que se torna fonte para os pesquisadores da história da educação na contemporaneidade, utilizando ainda, de recursos
teóricos e metodológicos presentes na Análise de Discurso Crítica (ADC), entendendo este último como campo he-
terogêneo e interdisciplinar, nos remete a questões importantes presentes não apenas no campo da linguística mas,
também, para campos presentes na história, e mais objetivamente na história da educação brasileira, que junto a isso
remete-nos a analises mais profundas sobre as fontes para a escrita da história e da história da educação, que têm
passado nas última décadas por um processo de renovação e ampliação.
Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica. História da educação. História Cultural

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GT2. INSTITUIÇÕES, CULTURAS E PRÁTICAS ESCOLARES

Ementa: Abrange pesquisas sobre a história de instituições escolares e suas práticas educativas.
Compreendem a análise acerca dos processos de criação, institucionalização, expansão das institui-
ções educativas, reformas educacionais e legislações, bem como das políticas nacionais, internacio-
nais, estaduais e municipais. Abrange história de instituições que trazem história das profissões,
educação profissional, ensino profissional.

REFLEXÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: O CASO


DA ATUAÇÃO DAS IRMÃS ALEMÃS FRANCISCANAS DE BONLANDEN NO COLÉGIO
FRANCISCANO SÃO MIGUEL EM LADÁRIO/MS.

Sabrina Gabriele Sander - UFGD


Maria do Carmo Brazil - UFGD

Resumo: Este estudo se liga ao rol das pesquisas realizadas na linha de “História da Educação, Memória e
Sociedade” do referido Programa (PPGEdu), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). O aporte do-
cumental que será utilizado para a realização da pesquisa será o iconográfico, algumas crônicas escritas em alemão e
outros documentos redigidos pelas freiras fundadoras da instituição de ensino, estes materiais já foram coletados no
colégio, separados e organizados para melhor compreensão e estudo. A análise para a escrita do texto será de cunho
qualitativo. Discutimos a temática “construção e desconstrução de identidades” a partir do contexto e da vivencia das
irmãs franciscanas de Bonlanden vindas da Alemanha para ministrar aulas no colégio São Miguel (Ladário, MS) entre
os anos de 1940-1970. O recorte temporal (1940-1970) refere-se à data da fundação da escola São Miguel, que foi no
dia 18 de fevereiro de 1940, através de um pedido realizado pelo frei franciscano Eucário Schmitt ao frei Heriberto
Muller, Definidor da Província na época, conseguiu depois de varias negociações trazer as Irmãs Franciscanas de
Bonlanden para a região. Eram elas: Maria Gertrudes Lang, Maria Segisberta Wendelener e Maria Amata Deninguer
acompanhadas da Madre Edeltrudis. A estas freiras coube a missão de abrir uma escola paroquial na cidade de Ladá-
rio. Tratava-se do início do ensino escolar para a população ladarense, que reuniu no primeiro momento a soma de
140 alunos matriculados. O limite temporal de 1970 como teto cronológico máximo da investigação deve-se por ser
o ano corresponde, no âmbito local, ao momento em que o Colégio São Miguel recebeu aval definitivo para o fun-
cionamento dos cursos: Jardim de Infância, Pré-Escolar e Primeiro Grau. No plano nacional, o ano de 1970 marca o
momento em que a educação, diante dos ditames da ditadura militar (1964-1985), caracterizou-se pela burocratização
do ensino público. Elegemos algumas fontes disponíveis na instituição e, para a construção da narrativa histórica,
ancoramos no referencial teórico de Benedict Anderson, Stuart Hall e Norbert Elias. Por meio das fotos coletadas na
escola foi possível captar vestígios das intenções da instituição em desenvolver um modelo de comportamento diante
do quadro histórico em que a instituição se encontrava e da identidade das freiras em constante movimento diante
das ações diárias e preocupação com a aceitação das mesmas na comunidade ladarense. Evidenciam-se nesta análise
as concepções de moralidade e práticas assentadas no ensino da “moral” e “bons costumes” e o esforço das missioná-
rias em enquadra-se na cidade através de visitas aos moradores juntamente com a necessidade de expandir a escola
através da ajuda dos militares da marinha. Ou seja, as irmãs tinham que adaptar-se ao local e ao mesmo tempo era
impossível deixar de colocar em prática costumes trazidos da Alemanha. A congregação das irmãs franciscanas de
Bonlanden ensinavam alunos/as desde os segmentos mais abastados do município, abarcava uma clientela oriunda de

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militares, do Arsenal da Marinha, e atendia também os filhos de moradores ribeirinhos, comerciantes entre outros.
Assentados em preceitos morais, disciplinadores e cívicos impostos pelo referencial político da época, a escolarização
direcionava-se à construção de valores e de saberes voltado para salvaguardar dos interesses e exaltação dos valores
nacionais e da família.
Palavras-chave: Ensino primário. Escola confessional católica. Mato Grosso.

EDUCAÇÃO QUILOMBOLA: UMA POLÍTICA DE IDENTIDADE CULTURAL

Eduardo Danilo Ribeiro dos Santos

Resumo: A Educação Quilombola é uma modalidade de ensino voltada para o atendimento das necessidades
específicas de comunidades originárias de quilombos. A possibilidade de sua criação surgiu na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996 quando esta definiu a divisão da Educação Brasileira em níveis e modalidades.
Definida nas Resoluções 04/10 e 08/12 do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica, tal modali-
dade tem sido adotada gradualmente, onde seja reconhecida uma comunidade quilombola ou na escola que receba um
considerável número de alunos oriundos da mesma. Para que o direito sobre as terras quilombolas e o consequente
reconhecimento de suas práticas culturais e sociais; de seus modos de ser e de viver fossem reconhecidos, houve um
processo de mais de cem anos, o que ocasionou grandes déficits para essas comunidades. A Educação Quilombola
surge no bojo desses direitos como uma forma particular de se fazer uma educação que se identifique com a cultura
local e promover justiça social. Desta forma, esta modalidade remete-se às perspectivas educacionais cunhadas por
Carlos Rodrigues Brandão, na medida em que para este, a eficácia da educação formal depende do grau de identi-
ficação na relação entre ela e a comunidade onde atua. Ao contrário de uma educação voltada para um processo de
homogeneização cultural, que dissemina e busca impor uma visão de mundo a partir das classes dominantes, a Edu-
cação Quilombola se propõe a fortalecer a cultura local, valorizando a cultura e as práticas sociais das comunidades
que por ela são atendidas.
Palavras-Chave: Educação, Educação Quilombola, Quilombos, Cultura Escolar.

FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONALIZANTE E INSTITUIÇÃO ESCOLAR: A HISTÓRIA


DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

João Oliveira Ramos Neto - IFG

Resumo: Após uma formação na área de História, em 2018 ingressamos em um estágio pós-doutoral no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás para realizar uma pesquisa sobre
a evasão escolar nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Com o desenvolvimento das atividades,
percebemos que as pesquisas sobre a história da educação técnico-profissionalizante no Brasil tendem majoritaria-
mente a seguir o mesmo processo. Salvo exceções, elas partem da historiografia clássica para sustentarem afirmações
que já estão consolidadas, como a de que a educação técnica surgiu no Brasil como promotora de exclusão social,
ao oferecer às classes economicamente desfavorecidas uma alternativa profissionalizante que não fosse o acesso ao
ensino superior. E, então, vão às fontes somente para citar trechos que confirmem essa premissa. Nessa perspectiva,
surgem pesquisas sobre a história e a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Lei 11.892
de 29 de dezembro de 2008), como uma importante ruptura ao antigo sistema, inovando no sentido de propor uma
integração e uma verticalização inéditas. Tomando a história do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
como objeto, a pergunta problema inicial foi questionar se essa história da educação técnica-profissionalizante até
então produzida e divulgada é suficiente. A hipótese é de que ela necessita de uma revisão, pois até o momento, as

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metodologias empregadas produzem reducionismos problemáticos ao produzirem uma história predominantemente
linear e descritiva. Diante disso, do ponto de vista metodológico, decidimos realizar uma pesquisa sobre o ensino
técnico-profissionalizante que contribua com a história da educação no Brasil através de outra abordagem. Primei-
ramente, estudar a história do ensino técnico-profissionalizante no Brasil que parta das próprias fontes, sem projetar
nelas elementos já postos, para fazer uma revisão do tema. E, também, retirar a pesquisa do isolamento, que sempre
a investiga a história da educação brasileira centrada em si mesma, com pouca internacionalização, e verificar se os
processos de continuidade e ruptura que aconteceram no Brasil acompanharam ou não as tendências mundiais. A
partir dessa pesquisa ampla, em uma perspectiva da história das instituições educacionais, o recorte desta comunica-
ção apresentará parte de resultados sobre a história dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia dentro
dessas duas abordagens que apresentamos acima. Além de uma iniciativa governamental, a criação e história dos
Institutos Federais acompanha as necessidades internacionais do mercado neoliberal e mantêm várias práticas ante-
riores. Assim, a apresentação desta comunicação conta também com as contribuições dos pares para continuidade da
pesquisa.
Palavras-Chave: história, instituições educacionais e formação técnica profissionalizante.

A ESCOLA DOMÉSTICA DE BRAZÓPOLIS: ÊXITOS E APROXIMAÇÕES PARA O


DESENVOLVIMENTO DA MULHER NA SOCIEDADE (1927-1965)

Palloma Victoria Nunes e Silva


Juliana Santos de Oliveira
Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro

Resumo: Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil em processo de modernização se organizou para a
preparação escolar de trabalhadores para o exercício profissional. Em setembro de 1909 foi promulgado o decreto
lei 7.566 prescrevendo o ensino profissional dirigido a pobres e desafortunados do país. O objetivo é compreender a
gênese da escola e a função social da mesma para moças pobres no sul de Minas Gerais. A pesquisa apresentada con-
verge para a seguinte questão: Qual a missão social da Escola Doméstica de Brazópolis e as influências do currículo
na formação das alunas? A premissa é que esse ensino se alinhou a uma classe social pobre alunas que desenvolveram
tardiamente um ofício, pois as obrigações no lar se impunham e as oportunidades profissionais se destinavam a priori
ao trabalhador masculino. O estudo faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo: “Educação, pobreza, política e
marginalização: formação da força de trabalho na nova capital de Minas Gerais”, 1909–27, aprovado pela FAPEMIG
e pelo CNPq, agências brasileiras de fomento à pesquisa acadêmica. A metodologia seguiu referenciais teóricos do
método histórico dialético, com a premissa da relação entre ensino profissional, juventude e pobreza, categorias de-
rivadas de fontes diversas. As fontes de estudo incluem mensagens de governadores estaduais, discursos, legislação
educacional, anuário de ensino e a imprensa. A análise dessas fontes seguiu o referencial teórico-metodológico do
materialismo histórico e dialético na inter-relação de ensino profissional, com exclusão, pobreza, juventude entre os
anos de 1927, data de criação da escola e 1965, quando a instituição foi transferida para responsabilidade da esfera es-
tadual. Os achados e as constatações da pesquisa apontam que a Escola Doméstica de Brazópolis constituiu-se de um
currículo cultural e social amplo que tenha proporcionado uma formação importante para a mulher pobre Brazopo-
lense sendo uma das primeiras escolas profissionais femininas no Estado de Minas Gerais, como mostra em matéria
jornalística divulgada em jornal impresso, disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, A Noite (RJ), publicado em
8 de março de 1928, p.4 destacando “entre os estabelecimentos que honram o espírito de iniciativa e a orientação
pedagógica do Estado, destaca-se a Escola Doméstica Modelar de Brazópolis, a primeira que se criou em Minas Ge-
rais”. A escola conseguiu modificar um paradigma social, pressupõe-se ainda que as mulheres não ocupavam cargos
no mercado de trabalho, estando sua atuação atrelada às tarefas domésticas e posteriormente tomando espaços sociais
conseguindo visibilidade social e empregabilidade. Os resultados da pesquisa apontam que a Escola Doméstica de

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Brasópolis abrangia em seu currículo competências para ensino de tarefas domésticas, matérias técnicas destinadas
para aprimoramento moral e religioso das alunas, após alguns anos a instituição passou a oferecer também curso
para habilitá-las para o exercício do magistério nas escolas de primeiro grau e como missão social visava a formação
integral das moças pobres como membros efetivos da sociedade.
Palavras-Chave: Escola Profissional Feminina. Pobreza. Educação.

A ESCOLA BATISTA DE TOCANTINIA, UMA INSTITUIÇÃO CONFESSIONAL NO


NORTE GOIANO

Jocyleia Santana dos Santos - UFT/PPGE

Resumo: Este trabalho tem como intuito historiar a instituição educativa, Escola Batista de Tocantínia (TO)
através da memória dos professores, dos alunos e dos funcionários. O recorte temporal escolhido foi o período de
1936 a 1980. Dentre os objetivos específicos busca-se identificar o motivo da implantação desta instituição escolar no
contexto de criação da cidade de Tocantinia e a consolidação da denominação religiosa Batista no norte goiano, atual
Estado do Tocantins. Na pesquisa bibliográfica utilizaram-se os autores que tratam de instituições educativas tais
como: Noselha (2009), Nunes (2006), Sanfelice (2007) e Justino Magalhães (2004) que no livro Tecendo nexos: história
das instituições educacionais enfatiza as instituições educacionais como espaços de transformação do indivíduo. E isso
traz consigo uma carga sócio/cultural, acontecendo a partir da discussão educação/ação, informações do contexto
cultural e social ao epistemológico; a educação/conteúdo que é o conhecimento epistemológico propriamente dito e
a educação/produto sendo o resultado do processo educativo. Para a aplicação da metodologia da História Oral ado-
tou-se Verena Alberti (2005), Santos (2008), Minayo (2001) e Triviños (1987). Todas as entrevistas foram transcritas
e analisadas buscando compreender a história oficial registrada nos documentos da Escola e a história narrada nas
entrevistas dos sujeitos investigados. Os sujeitos entrevistados foram ex-professores da unidade escolar, ex-alunos e
ex-funcionários. As entrevistas seguiram os procedimentos previstos de identificação de testemunhas, construção de
roteiro de perguntas, termo de consentimento livre e esclarecido e análise dos depoimentos. Os documentos utiliza-
dos foram: Diários de professores, atas de exames, boletins de frequência e de avaliações, regimento interno, atos
disciplinares, a relação dos alunos matriculados, as fotografias da unidade escolar, o Jornal Baptista, Jornal Anhan-
guera, o documento de criação do Grêmio Estudantil da Escola. Os profissionais que contribuíram com a consolida-
ção do Escola Batista de Tocantínia demonstraram em suas falas que não foi fácil a tarefa de ensinar, de trabalhar no
início da Vila Piabanha, atual Tocantínia. Mas que se sentem recompensados quando enumeram os ex-alunos que se
tornaram influenciadores e líderes no Tocantins. Para os sujeitos desta história, a Escola Batista de Tocantínia teve
uma importância político social e religiosa ao formar lideranças estaduais e marcar presença no vale do Tocantins
antes do acirramento da luta separatista na década de 1950.
Palavras-Chave: história oral, educação e entidade confessional.

HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL NO SÉCULO XX

Ana Maria da Conceição Silva

Resumo: Este artigo traz um estudo da história da Educação Especial no Brasil no decorrer do século XX. His-
toricamente, a educação especial tem sido considerada como educação de pessoas com qualquer tipo de deficiência
ou decorrente de distúrbios do desenvolvimento, além das pessoas superdotadas. No século XX várias mudanças
demarcaram a concepção de deficiência e necessidades educacionais especiais (NEE), sendo que, em cada época, as
concepções de deficiência refletiam as expectativas sociais daquele momento histórico. No início do século XX, os

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movimentos sociais se organizaram em favor das pessoas com deficiências, ocorrendo naquela época, o crescimento
das instituições especializadas para o atendimento dessas pessoas, principalmente das escolas especiais criadas junto
a hospitais e ao ensino regular. A partir de meados do século XX consolidou-se a integração escolar, onde os alunos
deveriam se adaptar ao sistema educacional, e não o sistema a eles. Naquele período, os alunos com NEE estudavam
em escolas regulares, mas, em salas individualizadas para o ensino especial, conforme a deficiência a ser atendida. Foi
a partir de 1990 que se firmou o movimento para a educação inclusiva, prevendo que o sistema escolar deveria se
adequar para atender as necessidades educativas especiais de todos os alunos, em salas de aulas comuns do sistema re-
gular de ensino, de forma a promover a aprendizagem e o desenvolvimento de todos. Nesse sentido, compreende-se
que a educação inclusiva abarca a educação especial dentro da escola regular, transformando a escola em um espaço
para todos. Verificou-se, assim, que no século XX a educação especial no Brasil vivenciou diferentes momentos:
de segregação, de integração e de inclusão. Entretanto, a política de educação inclusiva dá seu primeiro passo com
a Constituição Brasileira de 1988 que, em seu texto, garante o atendimento às pessoas que apresentam deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino. Embora as atuais Políticas Públicas tenham a Educação Especial sob o
panorama da Inclusão Escolar e do direito de todos à Educação, muitas ainda são as dificuldades encontradas pelas
pessoas com deficiência no Brasil no que diz respeito ao seu direito à Educação, justificando a continuidade de estu-
dos investigativos sobre esta temática. Assim, o presente estudo, de natureza bibliográfica, teve como fontes
primárias os textos legais que regulamentaram a educação de pessoas com NEE no Brasil e, como propósito, expli-
citar o contexto histórico, o contexto institucional/legal e o contexto cognitivo que configuraram os diferentes
momentos lógico-históricos que marcaram a Educação Especial no Brasil durante o século XX.
Palavras-Chave: História da Educação Especial. Educação Inclusiva. Ensino.

TIPOS DE ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PRIMÁRIO CRIADOS EM ANÁPOLIS/GO


(1940-1950)

Diogo Jansen Ribeiro

Resumo: O presente artigo apresentará uma análise acerca dos tipos de estabelecimentos de ensino primário
que foram criados no município de Anápolis-Go nas décadas de 1940 e 1950. Entende-se por tipos de estabelecimen-
tos de escola primária aqueles definidos no artigo 27 do Decreto-Lei nº 8.529, de 02 de janeiro de 1946, conhecido
também como Lei Orgânica do Ensino Primário, a saber: a Escola Isolada, Escolas reunidas, Grupo escolar, Escola
supletiva. Este Decreto-Lei estabeleceu os rumos da Educação primária no Brasil até a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Para tal, empreendeu-se uma análise documen-
tal dos seguintes projetos de leis do acervo histórico do Centro de Pesquisa e Documentação da Câmara Municipal
de Anápolis: Projeto de Lei nº 22, de 07 de março de 1949, que ‘Cria a Escola isolada na Vila Góis’, Projeto de Lei
nº 57, de 28 de março de 1949, que ‘Cria três Grupos escolares’, Projeto de Lei nº 59, de 28 de março de 1949, que
‘Cria escola primária na Vila Corumbá’, Projeto de Lei nº 39, de 07 de março de 1955, que ‘Cria escola no Distrito de
Goianápolis’. A criação destas escolas, em atendimento a supramencionada Lei Federal, traz no bojo uma expectativa
nacional pela popularização do ensino primário, com vista à ascensão e inserção social. É importante salientar que o
olhar lançado sobre essas fontes parte do entendimento de que todo documento é produzido em um tempo histórico
e como tal requer uma abordagem contextualizada e permeada por questionamentos por parte do pesquisador, nesse
sentido, optou-se também pelo aporte teórico da História Cultural e suas contribuições para nortear as reflexões
sobre o objeto em apreciação, uma vez que nesse campo de compreensão, a apreensão da realidade histórica não é
abordada como dado acabado e definitivo.
Palavras-chaves: História da Educação. Escolas Primárias. Anápolis/GO.

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO BASEADAS NA
GESTÃO DAS TECNOLOGIAS NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO DOS INSTITUTOS
FEDERAIS

Quéren dos Passos Freire Arbex - IFG


Cláudia Helena dos Santos Araújo (orientadora) - IFG

Resumo: Este escrito inscreve-se nos estudos relacionados às instituições, culturas e práticas escolares. Apre-
senta como tema as práticas educativas na tríade ensino, pesquisa e extensão baseadas na gestão das tecnologias nos
institutos federais. Deste modo, situa-se historicamente com a questão do princípio da indissociabilidade do ensino,
pesquisa e extensão integrado à Constituição Federal Brasileira em 1988. Seu alcance permaneceu restrito ao Ensi-
no Superior nas Universidades até 2008, quando passou a compor a finalidade dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia do Brasil (IFs), por meio da Lei de criação da Rede Federal. A história e a constituição dos IFs
perpassam por diversas transformações marcadas pela disputa de forças antagônicas quanto ao projeto de educação
profissional e tecnológica no Brasil, desde uma formação tecnicista até uma formação integrada, omnilateral e po-
litécnica. Com isto, a tríade passa a compor o eixo estruturante dos IFs desde o ensino médio integrado ao ensino
técnico até a pós-graduação lato e stricto sensu. Assim, os objetivos se delineiam em como a integração da tríade se
apresenta nos IFs e como as práticas educativas baseadas na gestão das tecnologias atuam no ensino, pesquisa e exten-
são nesse contexto. Este estudo é de abordagem qualitativa e quantitativa e seu universo se compõe a partir de fontes
bibliográficas, documentais e das tecnologias de gestão disponibilizadas em sítio eletrônico e no Relatório da Comis-
são de Alinhamento das Regulações das Câmaras de Ensino, Pesquisa e Extensão do Conselho de Ensino, Pesquisa
e Extensão do IFG. Trata-se de um documento produzido em 2017, que analisou as normativas da tríade ensino,
pesquisa e extensão no IFG. Destarte foi realizada a compreensão a partir de uma leitura hermenêutica com orien-
tação analítico-crítica e da realização de análise de conteúdo. Em um primeiro momento, foi realizada pesquisa nas
bibliografias de referência sobre a temática de tecnologias e o ensino, pesquisa e extensão na Educação Profissional
e Tecnológica e no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
referente aos últimos cinco anos. Delimitou-se as produções que contribuíam com a temática. No que toca aos resul-
tados foi possível observar a partir das práticas educativas baseadas na gestão das tecnologias, a integração da tríade
nesse nível de educação. Verificou-se que a integração da tríade ainda é fragmentada ou justaposta, tendo em vista o
modelo de práticas educativas e de gestão tecnológica adotada pelo IFG. Os resultados tiveram suas bases principais
ratificadas em duas fontes: a pesquisa sobre o ensino, pesquisa e extensão na Educação Profissional e Tecnológica e
as tecnologias utilizadas na gestão institucional da tríade. Com efeito, foi possível concluir que as práticas educativas
baseadas na gestão das tecnologias no ensino, pesquisa e extensão nos IFs necessita ser repensada para concretizar a
integração da tríade, em contraposição às condições impostas que induzem à fragmentação e justaposição das ações
de ensino, pesquisa e extensão.
Palavras-chave: Ensino, pesquisa e extensão. Institutos Federais. Tecnologias.

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MEMORIA DE EX-SINDICALISTAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO SINDICATO DOS
TRABALHADORES EM EDUCAÇAO PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ (SINTEPP) EM
CANAÃ DOS CARAJÁS-PA

Ademir Brandão Costa


Ritianne de Fatima Silva de Oliveira
Jocyleia Santana Dos Santos

Resumo: O presente estudo apresenta resultados de uma investigação que teve como objetivo descrever o
processo de implantação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP), no município de
Canaã dos Carajás, a pesquisa investigou acontecimentos e fatos históricos que ocorreram durante o período com-
preendido entre 1997 à 2001, ocasião em que a história da construção das bases dessa instituição se firmaram, suas
contribuições sociais junto aos profissionais em educação pública do município se consolidaram. Para alcançarmos o
objetivo se fez necessário averiguar o quão importante essa instituição foi e é para os servidores da educação básica
de tal município. A pesquisa foi realizada a partir da perspectiva metodológica da História Oral (HO), por compre-
ender que esta modalidade de pesquisa compromete-se em esclarecer o tema estudado a partir de diferentes pontos
de vistas, respeitando a opinião de quem relata os fatos por eles vividos, ou seja, considera aquela parte de vida do
entrevistado ligado ao tema de estudo. História Oral foi como um guia que nos encaminhou ao objeto pesquisado
e com apoio do resgate memorial de dois ex-coordenadores do SINTEPP Subsede Canaã dos Carajás, descreveu-se
as histórias de um povo de luta. As entrevistas se pautaram em um roteiro semiestruturado contendo dez perguntas
abertas do tipo exploratória, oportunizando o entrevistado adentrar assuntos que não estavam originalmente no
roteiro e também, arguir às perguntas com liberdade, sendo este o caso. Trata-se de um estudo com abordagem qua-
litativa, na qual, analisou-se, artigos, dissertações, e documentos importantes como o estatuto do SINTEPP (2015) e
o Livro Ata 01, livro esse que documenta os fatos ocorridos durante o período anteriormente citado, e que identifica
os primeiros profissionais da educação a presidir a Subsede Canaã dos Carajás, esse livro relata também, como foram
as atuações dos líderes sindicais, como foram desenvolvidos os conhecimentos e os princípios que norteiam as lutas
dos profissionais em educação básica e a própria atuação do sindicato. Assim, entrevistou-se dois professores: Sergio
Melo e Lucinete Oliveira que atuaram na coordenação do sindicato nos períodos de 2002-2005 e 2012-2015. Os re-
sultados indicam que a luta é árdua e permanente. Entra governo e sai governo, nenhum direito é criado por vontade
do gestor, os direitos se transformam a partir da luta social organizada. Nota-se que os primeiros anos de existência
da Subsede Canaã dos Carajás, os coordenadores participaram de vários embates políticos e ideológicos, estabele-
cendo lutas e batalhas contra as injustiças das autoridades governamentais, muitas conquistas e algumas derrotas.
Perante o exposto denota-se as dificuldades na implementação do Sindicato no Município, e o seu desenvolvimento
e crescimento não foram proporcionais, devido aos obstáculos institucionais que transcorriam desde o financeiro ao
estrutural e pessoal.
Palavras-Chave: Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará, História Oral, Canaã dos Carajás.

A ATUAÇÃO MASCULINA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS: O ESTADO DO


CONHECIMENTO (2011-2018)

Adriana Horta

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar um mapeamento dos estudos sobre gênero na educação, que
possuem com foco a atuação docente masculina com crianças. Utilizamos como base para a análise a produção aca-
dêmica divulgada on-line pelo Banco de Teses e Dissertações da CAPES, site da SCIELO e trabalhos da ANPED, no

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período de 2011 – 2018. Os estudos apontam que a concepção vigente é de que as mulheres são consideradas aptas
para exercer a profissão docente com crianças, pois possuem caraterísticas consideradas femininas, como vocação,
paciência e habilidade, essenciais para lidar com os pequenos. Verificamos que os trabalhos tendo como foco a par-
ticipação masculina no exercício docente com crianças, apresenta que os indivíduos enfrentaram conflitos ao longo
do exercício de sua atuação docente, conflitos provenientes de variadas preconcepções estabelecidas socialmente,
como desconfiança, preconceitos e discriminação. Por outro lado, os resultados apontam que os indivíduos do sexo
masculino que atuam com crianças, destacam como favoráveis alguns atributos impostos ao gênero masculino, como,
por exemplo, a autoridade relacionada ao poder. A análise dos trabalhos reflete o fato é que a grande diferença que
percebemos entre homens e mulheres é construída socialmente. De forma geral os estudos concluem que os homens
e as mulheres passam por um curso de graduação que os/as formas para serem professores, estando assim, preparados
para lidar com as situações cotidianas do ambiente escolar. São considerados profissionais da educação, independen-
temente do gênero ou das características pessoais. Apontamos que algumas brechas revelam carências de pesquisa,
como as verificar de que forma as trajetórias de vida e profissional de professores homens que atuaram com crianças
contribuem para a escrita da história da educação. Lembrando sempre de que estudar a história nos remete a com-
preensão da nossa própria realidade social, uma vez que a história não se refere somente a acontecimentos passados,
pois, toda ação humana tem um valor histórico que pode e deve ser conhecido, valorizado e transmitido as futuras
gerações, levando em consideração os valores sociais, étnicos, políticos e culturais. Refletir acerca dos modos como
esse processo civilizador de longa duração, contribui para a compreensão da transformação das relações de gênero na
educação e, com a escrita da história da educação, bem como o reconhecimento social dos indivíduos. Nessa perspec-
tiva, podemos perceber a educação em sua complexidade, evidenciando as possibilidades concretas do espaço escolar
em contribuir para a superação das desigualdades historicamente constituídas, de gênero, contemplando a atuação
masculina na docência com crianças, como apontamos anteriormente, em um espaço majoritariamente feminino.
Palavras chave: Homens professores. Educação de crianças. História da educação.

HISTÓRICO DA ESCOLA MUNICIPAL NOTURNA DE QUIRINÓPOLIS/GO:


APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO REGULAR, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E
A INCLUSÃO DE APENADOS

Ruth Borges Rilko


Thiago Donda Rodrigues

Resumo: A preocupação com os direitos fundamentais do homem, data de 1948 com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, dentre eles temos a educação. No Brasil, conforme o artigo 205 da Constituição Federal Brasi-
leira “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. ” No entanto, ainda podemos observar que para algumas pessoas, esta lei está longe de ser realmente
garantida, bastando olhar para uma das parcelas mais excluídas da sociedade: os apenados. A educação é constituída
de um processo amplo, dinâmico e político, e tratando-se da assistência educacional, seja ela na prisão ou na própria
escola, esta deve ser um elemento fundamental ao tratamento dos aprisionados, objetivando sua reinserção social.
Também é preciso olhar a educação como uma chave que abre as portas para inclusão de uma classe marginalizada
pela falta de estudo e oportunidade. Levando em consideração os poucos estudos encontrados na literatura acadêmi-
ca e buscando entender mais sobre o assunto, o presente trabalho tem por objetivo investigar a trajetória histórica
da Escola Municipal Noturna de Quirinópolis, que oferece em grande escala matriculas para a Educação de Jovens
e Adultos e atualmente recebe os presos que estão cumprindo pena no regime semiaberto. Para isso, buscou-se
investigar os aspectos históricos da escola/EJA, analisando também o Projeto Político Pedagógico – PPP da escola
escolhida, buscando compreender como e quando foi iniciada a prática de receber os apenados. Como metodologia

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optou-se pelas Pesquisas Bibliográfica e Documental, numa busca de informações, delineando um estudo secundário
através de outros primários, sendo estes analisados criteriosamente e avaliados quanto à sua qualidade científica. A
realização deste estudo permitiu afirmar que a EJA, é um dos caminhos a trilhar na busca de minimizar ou até mesmo
erradicar o analfabetismo em nosso país. Também é possível ponderar que a EJA, nos moldes abordados nesse tex-
to, contribui para o processo de inclusão de alunos apenados que cumprem pena no regime semiaberto na busca de
um compromisso com a formação das subjetividades sensíveis à igualdade no exercício e realização de seus deveres.
Assim acreditamos que todo esse processo é resultado de uma educação onde os reeducandos privados de liberdade
possam usufruir de seus direitos tornando cidadãos conscientes na busca da inserção social e contribuindo para o
exercício e realização de cidadania.
Palavras-Chave: Aluno apenado, Educação de Jovens e Adultos, Educação Inclusiva.

ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL: NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Orizeni Martins Vaz - PPGEDUC/UFG/GO


Rita Tatiana Cardoso Erbs - PPGEDUC/UFG/GO

Resumo: A pesquisa propõe a compreensão do Tempo Integral na escola, a partir da narrativa de alunos do
ensino médio do Colégio CEPI da PMG Polivalente Dr. Tharsis Campos, em Catalão - GO. Tendo como fundamen-
tação de estudos a educação integral e o tempo integral, apontados no Manifesto do Pioneiro/1930, idealizado por
alguns percursores da Escola Nova e sob as ideias de Anísio Teixeira. A ideia de tempo integral foi viabilizada ini-
cialmente na Bahia, em 1947 - 1950 pela “inauguração da Escola Parque Centro Popular Carneiro Ribeiro, no bairro
Liberdade, em Salvador. A escola de Tempo Integral, onde o currículo formal era trabalhado nas chamadas escolas
classes, no turno inverso, os alunos se dirigiam a Escola Parque, onde se desenvolviam atividades artísticas, esportivas
e de produções. Dados mais recentes demonstram a constituição de ideais de escolas “de” e/ou “em” Tempo Integral
que foram implantados em algumas escolas, tanto no ensino fundamental e ensino médio no Brasil. Por ser um tema
ainda polêmico e gerador de divisão na opinião de educadores, gestores e comunidade como um todo, consideramos
importante compreender uma proposta de escola em Tempo Integral dando voz aos alunos que passaram por uma
implantação em tempo integral na sua escola. O Colégio Polivalente foi escolhido para ser o locus da pesquisa por
ser uma escola de ensino médio que passou por duas transições uma primeira para implantação do Tempo Integral e
uma segunda, que se caracteriza pela militarização da escola, resultante pela falta de sustentação e estabilidade apenas
no modelo em Tempo Integral que passa para CEPI da PMG Polivalente Dr. Tharsis Campos. Nesse viés, temos o
objetivo de compreender o Tempo Integral, na perspectiva dos alunos do Ensino Médio, através das narrativas dos
alunos da 3ª série do Ensino Médio do colégio CEPI da PMG Polivalente Dr. Tharsis Campos, bem como frente aos
documentos Projeto Político Pedagógico, Plano de Ação, Manual de Orientação, Matriz Curricular do Ensino Médio
e entre outros – norteadores que fundamentam a modalidade da escola de Ensino Médio em Tempo Integral. Para
atingir os nossos objetivos de pesquisa, os alunos serão convidados de modo voluntário de dinâmicas e entrevistas.
A metodologia da pesquisa, vai acontecer em dois blocos. O Bloco 1 será utilizado um Questionário/Diagnóstico, de
questões abertas objetivando identificar quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral no ensino
médio. Bloco 2, serão realizadas as entrevistas a partir de questões semiestruturadas aos alunos selecionados a partir
da identificação no Bloco 1, sendo os alunos que ingressaram na escola e vivenciaram/experienciaram o processo
pós-implantação, já o processo da implementação do modelo de Tempo Integral do Programa Novo Futuro - CEPI
Polivalente Dr. Tharsis Campos em Catalão-GO, que ainda estão no Colégio, período que transcorreu de 2013 a
agosto de 2016. Nessa premissa, utilizaremos do método da narrativa (auto) biográfica colhendo as potencialidades
de diálogos entre o individual e o sociocultural, pois coloca em evidência o modo como cada pessoa mobiliza seus
conhecimentos, seus valores, as suas energias, suas emoções para ir dando forma à sua identidade, sua concepção,
num diálogo com os seus contextos. É através da narrativa que as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a sua

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experiência em uma sequência que dão relevância para si, jogam de modo simbólico com os eventos e acontecimentos
na construção de sua subjetividade, na vida individual e a vida social. Através das análises das narrativas dos alunos,
juntamente com os documentos escolares pretendemos compreender o Tempo Integral, no Ensino Médio, na rede
Estadual de ensino, no município de Catalão-GO.
Palavra-Chave: Escola em Tempo Integral. Alunos no Ensino Médio. Pesquisa (auto) biográfica.

DIÁLOGOS ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

Adriam Marcos da Silva - IFG


Claudia Helena dos Santos Araújo (orientadora) - IFG
Moisés de Oliveira Melo - UEG

Resumo: A presença das tecnologias, têm influenciado diversas áreas da vida educacional, social, política, eco-
nômica, histórica e cultural. Estão cada vez mais “naturalizadas” nas relações sociais, influenciando a linguagem, os
modelos e padrões de comportamento, transformando a maneira de pensar, sentir e agir. Intui-se a possibilidade de
contradições emanadas pelas desigualdades e distâncias entre as classes da sociedade brasileira. A temática central
deste artigo se refere acerca das tecnologias no que tange às orientações teóricas realizadas na relação entre tecno-
logia e educação profissional e tecnológica (EPT). Objetiva-se analisar a temática “tecnologia e EPT” em periódicos
científicos especializados publicados no Brasil. Desta forma, têm-se como objetivos, a saber: identificar os discursos
que norteiam a questão dos usos de tecnologias em EPT e as orientações teóricas que permeiam essa temática. No que
pertine à metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa que utiliza dados quantitativos, do tipo bibliográfica com
natureza descritiva e inventariante permeada por realização de análise de conteúdo. O universo se delimita nas pro-
duções acadêmicas publicadas no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
perior (CAPES) referentes aos anos de 2013 a 2018, que tratam da temática do uso de tecnologias em EPT. A escolha
do marco temporal inicial do ano de 2013 se deve pela implantação do Programa de Modernização da Rede Federal
para Uso de Tecnologias Educacionais (PMTE) como parte das políticas digitais do governo federal para distribuição
de tablets aos docentes da rede federal com finalidade de uso nas práticas escolares. Para tanto, foram pesquisados
os artigos científicos publicados em revistas classificadas em nível A1, A2, B1 e B2 nas áreas de Ensino e Educação.
Como resultado, apresenta-se o levantamento bibliográfico realizado na qual foram encontrados 1374 periódicos da
área da Educação, sendo que desse total, 109 foram classificados com qualis A1; 352 qualis A2; 519 qualis B1 e 394
qualis B2. Também foram encontrados 1356 periódicos na área de Ensino. Desses, 145 periódicos foram classificados
como qualis A1; 198 como qualis A2; 367 como qualis B1 e 646 como qualis B2. Desse universo de periódicos foram
selecionados quatro periódicos especializados por terem o maior número de trabalhos publicados sobre o tema inves-
tigado, a saber: Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica; Revista Educação & Tecnologia; Revista de
Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico (EDUCITEC) e Revista Novas Tecnologias na Educação (RENOTE).
Os resultados parciais apontam que as leituras dos títulos e resumos dos textos que norteiam este artigo indicam uma
tendência no trato das tecnologias utilizadas na educação substanciadas por uma visão tecnicista e utilitarista, consa-
grando a “inovação tecnológica” como solução para as emergências da educação e EPT. Conclui-se a necessidade da
leitura na íntegra dos trabalhos publicados nesses periódicos para análise e desenvolvimento do constructo teórico
que trata da relação entre tecnologias e educação profissional e tecnológica.
Palavras-chave: Tecnologia e EPT. Educação e Tecnologia. Uso de Tecnologias na EPT.

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BREVES EXCERTOS DA HISTÓRIA DO INSTITUTO MADRE MARTA CERUTTI DA
CIDADE DE BARRA DO GARÇAS-MT (1958-1978)

Rodrigo Amâncio de Assis. UFMT / PPGE – UFMT


Evando Carlos Moreira. FEF / PPGE – UFMT

Resumo: No Brasil, a participação de congregações religiosas nos diferentes sistemas de ensino não é algo
novo, dentre as mais conhecidas está a Congregação de São Francisco de Sales ou Salesianos de Dom Bosco (SDB),
como são popularmente conhecidos. No estado de Mato Grosso os SDB se espalharam de forma significativa por
grande parte do território estadual, da capital Cuiabá ao interior, contribuindo para evangelização e formação de
milhares de crianças e jovens, como também para a evangelização e educação indígena, disseminando seus valores
educacionais, morais e religiosos. Entre as escolas criadas no interior do estado pelas Filhas de Maria Auxiliadora, ala
feminina dos salesianos, está o Instituto Madre Marta Cerutti, que é uma escola privada, confessional, sendo uma das
mais antigas de Barra do Garças, principal cidade do Vale do Araguaia mato-grossense, lócus deste estudo. Assim,
este trabalho tem como objetivo apresentar excertos históricos do Instituto Madre Marta Cerutti e suas contribui-
ções para a educação da cidade de Barra do Garças, MT, entre os anos de 1958 e 1978. Para tanto, com base na história
das instituições escolares e na abordagem da história cultural, foi realizado uma análise iconográfica e documental,
que examinou atas, diários, registros manuscritos, fotos, jornais, arquivos, entre outros. O Instituto Madre Marta
Cerutti é um dos estabelecimentos de ensino mais antigos e tradicionais da cidade de Barra do Garças, entretanto
pouco se sabe sobre sua história e contribuições ao processo educacional da região. O recorte escolhido se dá por ser
o ano de 1958, o início das construções do prédio da escola e 1978 quando foi oferecido o último ano do curso de for-
mação de professores, ou seja, decidiu-se examinar os primeiros 20 anos de existência da instituição. Após as análises
descobriu-se que o Instituto Madre Marta Cerutti, através do Sistema Preventivo de Dom Bosco, ofereceu ensino
da pré-escola ao segundo grau (atualmente da pré-escola ao ensino médio), criou o primeiro curso de formação de
professores da cidade, ofertou ainda, enfermagem, Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL, complemen-
tação em ciências sociais, além de cursos de curta duração de corte e costura, culinária, datilografia, dentre outros.
Assim, conclui-se que, o Instituto Madre Marta Cerutti, mantido e administrado pelas Filhas de Maria Auxiliadora
contribuiu de forma significativa para a educação da cidade de Barra do Garças, por ter sido a primeira escola a for-
mar professores na cidade, os egressos do magistério puderam ampliar ainda mais o aprendizado recebido dentro
dos muros da instituição para além das fronteiras do município. A escola foi fundamental para a construção de
representações do cristianismo e contribuiu de forma significativa para a educação formal de milhares de pessoas e
para a construção de um ethos religioso.
Palavras-Chave: Salesianas. Escola Confessional. História.

REFLEXÕES SOBRE A ATUALIDADE DO MARXISMO NA PESQUISA: ENFOQUE NO


MÉTODO DIALÉTICO

Eliane Silva

Resumo: O artigo tem o propósito de revisitar aspectos da discussão atual em torno do marxismo de forma a
esclarecer, ponderar e ampliar o entendimento de questões referentes a esta concepção filosófica de base revolucio-
nária que fundamenta o método dialético. Mediante esta orientação, duas questões-problemas nortearam a investi-
gação proposta: em que aspectos os clássicos da filosofia da práxis concorrem para a compreensão teórica e prática
das polêmicas travadas sobre o marxismo? De que modo a ascensão do pensamento abstrato ao pensamento concreto
significa a conquista de uma forma mais elaborada de pensamento na esteira da lógica dialética? Teórico-metodolo-

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gicamente, a pesquisa bibliográfica referenciou-se em autores que suscitaram a atualidade do marxismo, ressaltando
as contribuições e ponderações de Saviani, alinhadas ao debate e controvérsias igualmente geradas em torno do mar-
xismo. O estudo discorreu sobre o método dialético, abordando aspectos de sua historicidade, assim como da lógica
dialética na relação com a lógica formal. Para tanto, desenvolveu-se o próprio método dialético pelo procedimento da
exposição que conforme Marx consiste na capacidade de “expor, adequadamente o movimento do real”.
Palavras-Chave: Marxismo, Pesquisa, Método Dialético.

MUSEU “ALDERICO BORGES DE CARVALHO” PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL


DE ANÁPOLIS/GO

Luzmaia Almeida de Jesus Souza - UniEVANGÉLICA


Sandra Elaine Aires de Abreu - UniEVANGÉLICA

Resumo: O presente estudo é um subprojeto, do projeto de pesquisa intitulado: “O ensino de história local e
patrimonial nos anos iniciais do ensino fundamental”, desenvolvido no Programa de Iniciação à Docência (PIBID),
pelo Centro Universitários de Anápolis (UniEVANGÉLICA), e que está inserido no Grupo Goiano de Estudos e Pes-
quisa em História da Educação. Desta forma, a pesquisa tem como tema a história local e a educação patrimonial com
foco nos patrimônios tombados de Anápolis/GO. A educação patrimonial busca a conservação da memória coletiva
dos patrimônios materiais e imateriais. Com o objetivo de esclarecer a relevância da preservação dos patrimônios
históricos e culturais, foi inserido na matriz curricular de Educação Básica da Secretária Municipal de Anápolis/GO
a educação patrimonial que propicia a escola trabalhar a valorização e conservação dos patrimônios, aspecto reforça-
do com a parceria realizada entre a rede municipal e o Centro Universitário de Anápolis, ao desenvolver o referido
projeto de Iniciação à docência. Assim esse trabalho tem como tema a educação patrimonial e os patrimônios de
Anápolis. Os patrimônios tombados são: o Mercado Municipal” Carlos de Pina”, Cadeia Pública, Estação Rodoviária,
Fórum, Museu, Casa JK, Colégio Estadual Antensina Santana, Colégio Couto Magalhães, Fonte Luminosa, Conjunto
Arbóreo da Praça Dom Emanuel e Praça Americano do Brasil, Estação Ferroviária General Curado e Casa do Chefe
da Estação. Dos patrimônios tombados, escolhemos como objeto de estudo e análise desta pesquisa o Museu “Alde-
rico Borges de Carvalho”, construído em 1907, em estilo colonial. O imóvel foi doado em caráter definitivo para o
município em 28 de junho de 1985, passando o museu ter o nome de seu doador, que foi tombado pela a lei n.1.824,
03 de janeiro de 1991. Considerando a importância da conservação dos patrimônios é preciso demonstrar, a impor-
tância dos museus na preservação cultural. O museu “Alderico Borges de Carvalho” além do prédio ser uma constru-
ção histórica ele também possui um acervo que preserva a memória, traz o conhecimento histórico, educação e lazer
aos cidadãos e em especial a Anapolina. O estudo foi realizado por meio da pesquisa bibliográfica e da análise
documental, privilegiando o livro de tombo, a lei de tombamento além da literatura sobre o assunto. A conservação
dos patrimônios é de suma importância para conservação da história, que se pode comparar passado e presente, nas
suas estruturas e em suas documentações. A história se constrói com o tempo, que não pode ser apagada pela fal-
ta de preservação e valorização da memória histórica, aspecto importante para o ensino, a aprendizagem e a produção
de conhecimento sobre a história.
Palavras-chave: Patrimônio. Museu. Educação Patrimonial.

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A HISTÓRIA DA ESCOLA DE DAVINÓPOLIS-GO NO PERÍODO DE 1948 A 1963

Jéssica Cristina Gomes da Silva


Fernanda Barros (Orientadora)

Resumo: Esta pesquisa tem como tema a História da escola de Davinópolis-Go no período de 1948 a 1963,
este recorte temporal engloba o período que vai da data de criação do grupo escolar, do ainda distrito, 1948 até 1963,
ano que marca a promulgação da Lei Estadual n. 4.928 que marca o desmembramento do distrito do Município de
Catalão. Os grupos escolares surgiram no Brasil durante o período Republicano e tinham como propósito a reforma
da instrução pública e a formação do cidadão. No ano de 1920 existia apenas o grupo escolar da Capital de Goiás que
era mantido pelo Estado, mas a partir da segunda metade dos anos 1920, ocorreu uma expansão dos grupos escolares
que passaram então de oito em 1924 para dezesseis em 1930. Durante esse período de expansão surgiu também o
Grupo Escolar do distrito de Catalão, em 1948, que mais tarde se tornou a cidade de Davinópolis, portanto, o foco
da minha investigação é o grupo escolar do então Distrito de Davinópolis. O problema que norteia este trabalho é
compreender o processo de criação da instituição que posteriormente deu origem ao município de Davinópolis, ou
seja, uma situação sui-generis observada nessa região. A pesquisa é documental e a partir de documentos como, a
carta de doação da terra para construção do grupo escolar; atas de reuniões da câmara de vereadores, entre outros,
podemos analisar aspectos relevantes sobre a história da primeira Instituição Escolar de Davinópolis, sendo possível
compreender aspectos intrínsecos à instituição e assim compreender Davinópolis e a História da escola dentro da
relação escola-cidade e, por fim, analisar como se de a institucionalização da cidade a partir de uma escola. A História
da educação como campo teórico-metodológico embasa esta pesquisa no que se refere à busca pela documentação
empírica e, sobretudo o escopo teórico que possibilitará a leitura e análise da documentação. Espera-se com esta
pesquisa compreender como a criação deste grupo escolar em uma zona rural proporcionou a criação de uma cidade,
movimento inverso ao que se presencia na maioria dos municípios goianos e brasileiros, portanto, deparamo-nos
com uma situação diferenciada e podemos averiguar que a situação de criação de uma escola antes da criação de um
município é um rico material para a História da educação.
Palavras-chave: Goiás. Grupo Escolar. Município. Davinópolis.

O PROCESSO DE TRANSIÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA PARA


A UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO EM 1931: UMA ANÁLISE DAS FONTES
IMPRESSAS E DOCUMENTOS OFICIAIS

Ruth de Sousa Ferreira Silva - UFU

Resumo: O novo regime político seria corporificado na criação do Instituto Nacional de Música, organizado
nos primeiros meses do governo provisório de Deodoro da Fonseca, a partir da refundação do antigo Conservatório
de Música do Império, em 1890. Com base neste contexto histórico, o objetivo deste estudo foi compreender a gêne-
se, a constituição e a implementação da Escola Superior de Música na cidade do Rio de Janeiro. Como parte da pes-
quisa de doutorado do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia, vinculado ao Núcleo de
História e Historiografia da Educação, foi realizado um trabalho de busca por fontes primárias que pudessem trazer
esclarecimentos sobre o processo de criação, autorização e investimentos do Estado para o ensino de música no Bra-
sil. Neste texto focalizam-se as articulações políticas e pedagógicas de âmbito local, estadual e nacional que existiram
a fim de consolidar o Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro bem como sua transição para a Universidade
do Rio de Janeiro, que naquele momento estava sob a direção de Luciano Gallet (1893-1931). Ainda que tenha sido
conturbada a sua gestão como diretor do Instituto, o ensino superior de música obteve importantes conquistas com

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sua gestão, quais sejam: a criação do curso de Regência, da cadeira de Folclore Musical, do Centro de Pesquisas Fol-
clóricas e da Revista Brasileira de Música. O referencial teórico-metodológico procurou articular dialeticamente
as dimensões local, estadual e nacional. As fontes pesquisadas foram Hemeroteca Digital, documentos do Instituto
Nacional de Música e o Decreto nº 19.852 de 11 de abril de 1931 no que diz respeito a incorporação do Instituto à
Universidade. Conclui-se que a reforma de ensino proposta por Luciano Gallet, enquanto diretor, foi fundamental
para a estruturação do curso superior de música e sua incorporação à Universidade do Rio de Janeiro. Ainda que
Gallet tenha tido uma relação conflituosa com a maioria do corpo docente do Instituto, ele demonstrou pre-
ocupação com a formação dos alunos de música, implementando novas disciplinas a fim de ampliar suas oportuni-
dades de aprendizagem musical. As mudanças resultantes do Decreto se estenderam também ao perfil da orquestra
do Instituto. Foi neste período que Gallet criou a Associação Brasileira de Música com a finalidade de promover a
pesquisa da música brasileira. Dessa forma, implementar novas propostas para o curso superior de música significou
realização de reformas curriculares no Instituto Nacional de Música. Entender este processo contribuiu para maior
compreensão sobre a institucionalização do ensino superior de música no Brasil.
Palavras-chave: Instituto Nacional de Música. Ensino Superior. Instituição de Ensino

POESIAS VINDAS DOS DEVANEIOS

Izabel Gonçalves Rego - PUC-GO

Resumo: Relatos cotidianos, momentos de expirações madrugadas afins... tenho como objetivo desenvolver
neste trabalho, obras literárias poéticas, de minha autoria, obras que mostram a vida como um todo, momentos de
amor, de pura solidão, de êxtase, de gozos da vida, uma escrita simples, mas não simplória. Escrita de fácil acesso ao
leitor, pois simplifico a escrita sem deixar de emitir minha mensagem, mensagem essa que não passa de uma escrita
íntima, escrita de si num arranjo clariceano, tal qual Objeto Gritante ou Água Viva. Mas o que seria de um poeta
sem vivências próprias? Nada. Os relatos colhidos numa mesa de bar é poiésis. Ali há também inspirações advindas
de músicas e conversações ou estados de silêncios interiores e outras tantas sensações armadilhadas em devaneios e
fugas e encontros e desencontros plurais e singulares também. O corpo em semiose é composição para luares. Simu-
lacro para películas em gêneros em hibridação no mundo maquínico que nos modela e aniquila em transcendências
do Pós-humano. Então indaga-se sobre novas formas de ensinagem e aprendizagem. Os filmes na câmera dos nossos
olhos, estalos criativos, instalam memórias líquidas do mundo contemporâneo. Um Bauman com a sociedade líquida
ou Marx com tudo que é sólido se desmancha no ar. Ou talvez fosse Bergman? Tudo é material para poesia. É arte. É
educação. São signos que se inscrevem em nossos corpos, infinitos momentos para expressão, comunicação, intera-
ção. Oportunos ou não, os instantes dos bares me fascinam e me inserem numa escrita criativa. Sou arte de palavras.
Sou poesia – alimento do mundo. Escrevo. Mas, isso não me basta. Não existo sendo só. Preciso de você leitor. É
você quem me externa ou me interna em suas entranhas criativas de autoria? Somos os dois a própria vida, não se es-
queça disso. Olha, um dos textos poéticos que fiz há tempos trata-se da vida pós-moderna com seus relacionamentos
hipermodernos. São textos que quero compartilhar com você. Diante disso, me inscrevo nesse Congresso para juntos
lermos poesia que trazem cultura e formas de ensinar e de aprender compartilhando versos. Esta proposta quer in-
serir o jovem no processo de criação e transcriação nos contextos escolares. Quer trabalhar a memória, imaginação,
criatividade, para numa poética do devaneio ultrapassar os muros de si e dos outros: lugares que nos constituem
enquanto sujeitos.
Palavra-chave: poesia, narrativa, educação.

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A POESIA ILUSTRADA PARA INFÂNCIA

Isabella Divina Nunes Lazarin - PUC-GO

Resumo: A história, a poesia, a música e o desenho não conquistam apenas os adultos, mas, principalmente, as
crianças, despertando-lhes a criatividade no sentido de lhes dizer o mundo. Assim, num arranjo das artes de ensinar e
aprender a narrativa do que integra a vida com os pequenos busca-se estímulos de vivencia para a sua liberdade ludo
criativa. Moraes, em 2012 ao discutir sobre essas narrativas destaca como trabalha-las em contextos de hibridação
de ciências e artes. Aponta-se como objetivo desse estudo o ato de palavrear com a poesia de forma lúdica. Inspira-
-se, também em Staiger no que ele diz em Conceitos fundamentais da poética ao ressaltar a melodia das poesias no que
remete uma imagem a partir do som das palavras que são utilizadas. Vem então, a ideia da musicalidade do poema
como algo motivador para que os leitores se adentrem nesse mundo mágico da criança e a estimule ao máximo em
sua criatividade e no interesse à leitura. Utiliza-se também o desenho e a poesia melódica com a junção de um ins-
trumento, em especifico o violão, com isso procura-se a integração de narrativa, ouvinte e narrador apoiando-se em
contos como A Cobra e o Grilo, de Graziela Bozano Hetzel e ilustrações de Ivan Zigg, O menino que não mascava chiclê,
de Leo Cunha com ilustrações de Marilda Castanha e Mário, de Bartolomeu Campos Queiros, livro ilustrado por Sara
Ávila. Para promover essa perspectiva de análise para a integração, imaginando em um âmbito ou escolar, didático,
ou em casa com um diálogo de pais com os filhos, avós e netos e outras reunidas da família ou não. Nessas situações
interativas é perceptível a importância de condutas lúdicas com as crianças e delas com elas mesmas. Aguçar a forma
de se ver o mundo é gratificante para quem conta as histórias. Estar presente quando as crianças ampliam a percepção
diante dessa experiência, além de estimular a criança a ler, a criatividade e memorização de modo que ela não perca
o interesse e sim desperte para este ambiente. Nessa pesquisa, também será apresentada uma previa do projeto de
um livro infantil de poesia pela autora Isabella Lazarin intitulado A Lalalá, que se torna objeto de discursão com as
questões apontadas anteriormente, como uma opção e demonstração da maneira de ser administrada, esse livro será
uma história sobre a lua carregado de melodia, como o próprio título já propõe, sendo capaz de se converter a mu-
sicalidade e com ilustrações na intenção de frisar o que já foi dito, ou seja, a relação da leitura dessas histórias com o
estimulo que agregam as crianças à perspectiva criativa. Conclui-se, que o desenvolvimento infantil deve ser livre, de
forma que não repreenda a singularidade da criança e sim que a estimule, tanto ao diálogo com os pais em contextos
familiares, quanto ao interesse nas aulas nos processos de leiturização e escrita.
Palavra-Chave: Poesia Infantil. Musicalidade. Narrativa. Educação.

FORMAÇÃO PARA O TRABALHO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO SUL DE MATO


GROSSO (1937-1977): UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA

Profº. Me. Alessandro Marcon da Silva-UFMS


Profª Ma. Cilmara Bortoleto Del Rio Ayache-UFMS

Resumo: Neste trabalho apresentamos uma pesquisa bibliográfica realizada com o objetivo de mapear e dis-
cutir a produção acadêmica que contempla os descritores: Instituição de ensino no sul de Mato Grosso; Formação
para o trabalho no sul de Mato Grosso; Trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso. Estes, propostos a partir
do projeto de pesquisa intitulado “A formação de crianças e adolescentes trabalhadores no sul de Mato Grosso: do
Estado Novo à criação de Mato Grosso do Sul (1937-1977) ”. O referido projeto tem por objetivo analisar a implan-
tação e a organização de instituições formadoras para a ação laboral de trabalhadores menores de idade, no referido
período, mediante a relação público/privado para a implantação e organização das instituições educacionais. Orga-
nizamos nossa busca pelos repositórios institucionais das universidades que oferecem programas de pós-graduação
stricto sensu em Educação na região geográfica que acopla a temática da pesquisa, a definir: Universidade Federal de

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Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Estadual de Mato Grosso
(UNEMAT) e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Dentro dos referidos repositórios, as buscas foram dire-
cionadas a teses e dissertações, mas não fizemos referência ao programa de pós-graduação, pois entendemos que além
da Educação, outras áreas do conhecimento poderiam apresentar trabalhos significativos para o nosso levantamento,
como os programas de História e Geografia. Primeiramente, a busca foi pelos títulos de trabalhos que indicassem a
discussão dos termos selecionados para a pesquisa. Para isso, pesquisamos os descritores apontados e pelos títulos se-
lecionamos algumas produções para a leitura e, assim, definitivamente, incluir ou excluir o trabalho de nossa seleção
inicial. Os critérios de seleção e exclusão foram definidos a partir dos instrumentos de busca dos repositórios, mas
tiveram algumas diretrizes comuns a todas as plataformas. Entre elas, pontuamos: 1) a tipologia da produção: teses
ou dissertações; 2) a produção precisou apresentar o objeto de pesquisa dentro do período proposto pelo anteprojeto
(1937-1977); 3) apresentar capítulo ou capítulos que discorram sobre a história da educação do sul de Mato Grosso,
no mesmo período. Foram selecionados setes trabalhos, sendo seis dissertações e uma tese. As temáticas dos traba-
lhos selecionados foram as mais variadas, sendo elas: inclusão, cultura escolar, biografia de personalidade histórica,
colônia agrícola, agentes educacionais, ensino superior, escola normal e ensino secundário. A década de 1930 teve
a menor incidência entre os trabalhos, com quatro incidências e a década de 1960 a que mais delineia as pesquisas
com dez aparições. As demais décadas ficaram com oito, sete e sete respectivamente. Observamos a predominância
dos estudos na tendência fenomenológico-hermenêutica com oito trabalhos construídos a partir desta perspectiva. E
nenhum trabalho construído a partir dos pressupostos da tendência empírico-analítica. Com isso, podemos concluir
que as produções elencadas e analisadas chegam a interpretação dos fenômenos estudados, em sua maioria, sendo
apenas cinco pesquisas que buscam investigar de maneira crítica os objetos propostos para o estudo, quatro na pers-
pectiva crítico-dialética e uma sob o olhar das teorias críticas. Pelas pesquisas encontradas, nos sentimos alicerçados
para iniciar a construção da revisão bibliográfica da tese, com o intuito de apontar os aspectos singulares do nosso
objeto e das especificidades da região sul de Mato Grosso antes da divisão do estado e posterior ao Estado Novo. Mes-
mo de diversas perspectivas teóricas, todos os trabalhos elencados nos trarão elementos para entender a tão pouca
estudada região sul de um estado periférico do Brasil.
Palavras-chave: Produção acadêmica. Instituição de ensino. Formação para o trabalho infanto-juvenil.

A REFORMA FRANCISCO CAMPOS COMO CAMPO DE HOMOGENEIZAÇÃO DA


EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Tatiana Patrícia Candido Carvalho - PUC-GO


Marilda Aparecida Vaz - PUC-GO

Resumo: A reforma Francisco Campos como Campo de Homogeneização da Educação Brasileira, na era Ge-
túlio Vargas. Objetivos: O presente trabalho visa analisar e descrever essencialmente as modificações implantadas
na educação durante a Reforma Francisco Campos, em 1931, na Era Vargas, uma vez que, o crescente processo de
industrialização e as demandas do mercado de trabalho exigiram uma mão de obra qualificada e produtiva. Metodo-
logia: Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental fontes primárias e secundárias; leitura essencial para se
compreender como se estruturou a organização do trabalho escolar, suas regras e práticas, a lógica da distribuição
das disciplinas, e, sobretudo, como essa padronização e uniformidade orientaram a formação de um cidadão adequa-
do à modernização nacional. Resultados: Segundo essa organicidade, o ensino secundário foi formalizado com as
seguintes características: seriação do currículo que passou de cinco para sete anos, sendo o período fundamental de
cinco (formação geral) e o ensino complementar de dois anos (preparatório para o ensino superior) dividido em três
opções: jurídico; medicina, farmácia e odontologia; e, engenharia ou arquitetura; a frequência torna-se obrigatória
para todos, em no mínimo de três quartos das aulas; mensalmente o aluno teria trabalhos práticos ou arguições orais

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em cada disciplina, e, realizaria quatro provas escritas parciais durante o ano; a seguir, realizaria uma prova oral final
presidida por uma banca examinadora constituída de dois professores e um inspetor federal. Caso não conseguisse
atingir a média necessária poderia realizar uma prova (segunda época) dessa forma, os estudantes eram submetidos,
de tempos em tempos, a uma série de exames progressivos de avaliação; com relação à transferência de unidade
escolar, o educando apenas poderia realizá-la em período de férias. Não obstante, deve-se pautar que para entrar
no ensino secundário foi fixado um exame de admissão a ser realizado em âmbito nacional, em que o estudante era
submetido a um conjunto de provas escritas e orais. Outro fator organizacional, foi a seriação anual das disciplinas a
serem ministradas no ensino fundamental: Português, Matemática, História da Civilização, Geografia e Desenho
estavam inseridas em todos os cinco anos; Educação Física obrigatória para todas as classes; o ensino de línguas
estrangeiras era alternado entre Francês, Alemão, Inglês e Latim; havia também o aprendizado de Ciências Físicas e
Naturais nas duas primeiras séries e nas três últimas de Física e Química separadamente; o estudo de Música nas três
primeiras séries era obrigatório; e, o estudo da História Natural compunha a seriação dos três últimos anos. Outras
disciplinas, poderiam ser ofertadas pelas unidades educadoras se não houvesse alteração no regime de horas semanais
pré-determinado pela lei. Já, o curso complementar teria disciplinas obrigatórias com foco nas áreas: Alemão ou In-
glês, Literatura, Geografia, Geofísica ou Cosmografia, História da Civilização, Matemática, Física, Química, História
natural, Biologia Geral, Higiene, Psicologia e Lógica, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia e Estatís-
tica, História da Filosofia e Desenho. O aluno poderia também cursar o técnico-profissionalizante ou o curso nor-
mal, caso não fosse para a universidade. Conclusões: A inserção dos alunos nas instituições de ensino e as diretrizes
curriculares adotadas pela Reforma Francisco Campos para organizar, e unificar um ensino secundário nas escolas
brasileiras foi imprescindível para a formação de um cidadão que tanto poderia ingressar na universidade formação
das elites intelectuais ou se qualificar para compor a indústria em ascensão.
Palavras-chave: Padronização. Modificação. Seriação

EDUCAR E PREPARAR PARA O TRABALHO: UMA EXPERIÊNCIA MILITAR EM MATO


GROSSO NA SEGUNDA METADE DO SECULO XIX

Liana Deise da Silva - UFMS

Resumo: Na segunda metade do século XIX, foram criadas em Mato Grosso duas instituições militares visan-
do o atendimento de meninos pobres da Província: a Companhia de Aprendizes Artífices, criada em 1842 e a Compa-
nhia de Aprendizes Marinheiros criada em 1857. Nessas instituições os meninos receberiam ensino primário e de um
ofício, com o intuito de que mais tarde esses se tornassem profissionais que atuariam como mão de obra para atender
as necessidades militares para proteção da Província, que era região fronteiriça. Dava-se preferência aos meninos
pobres órfãos ou abandonados, sob a condição de serem brasileiros natos e de constituição robusta para suportar o
trabalho. Os aprendizes eram encaminhados as Companhias por seus pais ou tutores responsáveis e frequentemente
também eram enviados a Companhia, a força pelas autoridades da Província. Estas mantinham em suas representa-
ções o discurso de que os menores eram vagabundos e que essa era a maneira de afastá-los da vida de vícios e crimes.
Para Chartier (1990), as representações são entendidas como “classificações, divisões e delimitações que organizam a
apreensão do mundo social com categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real”. (CHARTIER 1990,
p. 17). A partir dessas classificações e percepções dos grupos traduz-se a realidade tal como a pensam, ou como gos-
tariam que fosse, isto constituindo matrizes de discursos e de práticas diferenciadas. Dessa maneira as representações
constroem-se pela coletividade e implicam em exclusões e escolhas, condicionam valores, condutas e comandam atos.
Segundo o autor, as representações não são discursos neutros, produzem estratégias e práticas tendentes a impor
autoridade, acatamento e mesmo legitimar. Variam segundo a disposição dos grupos ou das classes sociais e são de-
terminadas pelo grupo que a forjam. Ainda, demonstram nessas representações, relações de poder, de concorrência,
de lutas onde cada grupo, a se impor, delimita, demonstra seus valores, sua pretensão de domínio. (CHARTIER 1990,

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p. 17). Buscou-se analisar as atitudes contraditórias da população livre pobre em relação às práticas pedagógicas im-
postas pelas elites a partir das categorias teóricas de disciplina e resistência desenvolvidas pelo historiador inglês E. P.
Thompson. Entre as fontes utilizadas, priorizei a correspondência oficial entre os presidentes de província de Mato
Grosso e os diretores do Arsenal de Guerra e da Marinha, que inclui diversos requerimentos de mulheres solicitando
matrícula ou dispensa de seus filhos nas referidas Companhias. A partir da análise dos critérios de admissão a Com-
panhia de Aprendizes menores e das estratégias utilizadas por mães pobres ora para matriculá-los ora para solicitar
sua devolução observam-se as atitudes contraditórias de rejeição e de aceitação do projeto disciplinar por parte da
população livre pobre.
Palavras chave: Educação militar. Aprendizes. História da educação.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DAS INSTITUIÇÕES SALESIANAS NO SUL DE MATO GROSSO:


ENTRE O TRADICIONALISMO E O ESCOLANOVISMO

Heloise Vargas de Andrade - UFMS


Adriana Espindola Britez - UFMS

Resumo: Esse artigo tem como objetivo compreender como instituições escolares salesianas de ensino secun-
dário do sul de Mato Grosso, com vistas a manutenção de sua posição de prestígio no campo educacional, adapta-
ram-se ao movimento da Escola Nova que ganhou força nas décadas de 1920 e 1930 entre os intelectuais ligados a
ABE - Academia Brasileira de Educação. De uma maneira geral, embora o movimento tivesse seccionado o campo
escolar entre intelectuais católicos e intelectuais escolanovistas, houveram também grupos de intelectuais católicos
que apoiaram e se adequaram a este movimento. Dentre eles, estão os salesianos que já possuíam diversos valores
compatibilizados a essa corrente, e ficaram conhecidos por serem católicos precursores da Escola Nova. Os salesianos
consolidaram sua posição de prestígio no campo educacional, espalharam-se por todo o território brasileiro, expan-
são essa marcada principalmente por instituições que funcionavam em regime de internato tanto no ensino primário
quanto no secundário. Tinham o intuito de preparar os jovens da elite para a vida adulta, com uma formação moral
e cristã, motivo pelo qual, o corpo docente se constituiu pelos próprios padres salesianos. E, para as classes menos fa-
vorecidas, a missão salesiana desenvolveu outro tipo de formação, realizada principalmente nas escolas profissionais,
agrícolas, comercial e industrial. Utilizou-se como fonte de pesquisa obras memorialísticas e relatos orais que foram
cruzados com documentos das instituições investigadas, Colégio Salesiano Dom Bosco de Campo Grande e Colégio
Salesiano Santa Teresa – de Corumbá. Tais fontes foram analisadas a partir do referencial teórico bourideusiano.
Foi identificado no campo educacional, intensas disputas entre defensores da pedagogia tradicional e escolanovista
possíveis de serem observadas nas práticas escolares. Isso porque, o ensino secundário mesmo com algumas ino-
vações curriculares continuava conformando-se como reduto de formação das elites intelectuais. No sul de Mato
Grosso, essas as instituições que haviam sido recentemente instaladas, ofereceram continuaram oferecendo às classes
economicamente favorecidas um ensino tradicional, com currículo predominantemente literário. Tanto o discipli-
namento por meio da cultura religiosa com suas práticas regradas, como a atuação em grêmios, teatros, desfiles e
competições proporcionaram aos agentes acesso ao capital cultural, social e simbólico, que puderam ser reinvestidos
nos mais diversos campos sociais. A aquisição de tais capitais pode ser lida pelo estudo sociológico de Bourdieu, que
propõe um sistema simbólico que colocam em discussão o papel das diversas formas de capital na diferenciação
dos agentes, o que implica o seu posicionamento dentro dos campos sociais.
Com tais adaptações das instituições secundárias do sul de Mato Grosso, alcançaram renome e cumpriram a
função de reprodução das desigualdades sociais, culturais e escolares.
Palavras-chave: Salesianos. Escola Nova. Memorialística.

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ENSINO SUPERIOR NO MATO GROSSO DO SUL: A CRIAÇÃO DA UEMS E A BUSCA
PELO FORTALECIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO

Maria de Lourdes dos Santos - UFGD/FAED)

Resumo: A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), foi instituída pela Lei Estadual nº 1461, de
20 de dezembro de 1993 e credenciada pela Deliberação do Conselho Estadual de Educação, CEE/MS nº 4787, no ano
de 1997, no entanto, a sua criação foi pensada bem antes quando do processo de divisão do Estado de Mato Grosso
e/ou criação do estado de Mato Grosso do Sul em 11 de outubro de 1977. Sua fundação se deu com a aprovação da
criação de uma universidade estadual própria, durante as discussões da Assembleia Constituinte do Estado de Mato
Grosso do Sul em maio de 1979, quando também ficou decidido que a sua sede seria na cidade de Dourados, segundo
maior município do recém-criado estado. Mas, cabe destacar que o processo até seu pleno funcionamento foi perme-
ado por debates e impasses envolvendo questões de cunho econômico e, principalmente, de divergências envolvendo
interesses sociais, educacionais e políticos locais e quiçá federais, como a federalização do campus da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (Centro Universitário de Dourados - CEUD), o que acabou de fato ocorrendo com a
criação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) pela lei federal Nº 11.153, de 29 de Julho de 2005. Sen-
do que passadas as discussões iniciais, a mesma teve ratificada a autorização de sua criação na Constituição Estadual de
1989 e, somente e em fins de 1993 é que foi instituída uma comissão para discutir e implantar de fato a Universidade,
cujos trabalhos foram iniciados no ano de 1994, ou seja, passaram-se quase 20 anos até seu efetivo funcionamento. De
acordo com o perfil da instituição presente em sua página oficial e com todas as referências consultadas a Fundação da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS foi concebida com o propósito de “desenhar um novo cenário
educacional no Estado”, tendo em vista que o mesmo enfrentava dificuldades quanto ao pequeno número de escolas
existentes, ao grande número de alunos que estavam fora das escolas e ao quadro deficitário de professores, que na
sua maioria não possuía formação adequada. Inclusive, tal situação, serviu como argumento ou mote para os debates
entre as “vozes” favoráveis e contrárias a implantação da Universidade no Estado. De um lado um grupo alegava que
antes de se investir no ensino superior os recursos deveriam ser concentrados no ensino fundamental e médio que
era muito deficitário em decorrência da grande amplitude do estado de Mato Grosso e pela distância da antiga ca-
pital Cuiabá. E, por outro lado as vozes favoráveis defendiam que a nova instituição e a oferta de cursos superiores,
sobretudo, de licenciatura, que iria possibilitar formar mais e melhores professores para atender a educação básica.
Para tanto, pensou-se então numa instituição que fosse até o aluno, diminuindo as dificuldades de deslocamento, por
exemplo. Deste modo, a situação se resolveu com uma proposta do funcionamento de 15 campus ou unidades acadê-
micas com cursos permanentes em sua oferta e temporários em sua localização, ou seja, com rotatividade de cursos,
que funcionavam por um período em algumas cidades e passavam depois de certo número de turmas formadas a ser
ofertados em outras cidades. A proposta de comunicação aqui apresentada visa apresentar como se deu o processo de
criação desta instituição de ensino superior pública, apontando alguns interesses, objetivos e conflitos que permea-
ram a sua história desde os seus primeiros passos, a partir de impressões coletadas por meio de leituras de materiais
impressos, produzidos pela própria instituição, pela imprensa jornalística e pelos poderes executivo e legislativo
estadual e por depoimentos de pessoas que testemunharam tal processo.
Palavras Chave: Ensino superior. Mato Grosso do Sul. Memória.

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CRIANÇAS E SUAS VOZES: DIÁLOGOS COM O 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
SOBRE O PRECONCEITO RACIAL E OS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO

Luciene Aparecida Pinto Costa Pereira – UNIFIMES

Resumo: O presente trabalho é resultado de um relato de experiência vivenciado durante o Estágio Supervisio-
nado II. O trabalho teve como objetivo trazer uma reflexão sobre as questões raciais no contexto educacional, tendo
como foco alunos da 3º ano do Ensino Fundamental e, ao mesmo tempo, mostrar como o preconceito racial é visto
pelos alunos dentro da escola e se a racialidade tem sido temática de ensino, já que existe uma lei que obriga as escolas
a ensinarem sobre a história dos afrodescendentes e dos negros no Brasil; levando em consideração que o racismo
pode causar impactos no processo de ensino e de aprendizagem, e que o mesmo traz a divisão e o sentimento de que
existam raças superiores que as outras, deixando clara a importância do negro dentro da sociedade, do professor estar
atento às práticas racistas e não comungar com as mesmas, e de que a escola é lugar aonde se abrem portas e não o
contrário. Para isso, dialogou-se com vários autores: Alberti (2007), Gilberto Freyre (1933), Henriques (2011), Con-
tins (2005), Martiniano Silva (1995) e outros. O relato teve como orientação teórica uma tentativa de aproximar-se
com o materialismo histórico e o método utilizado foi o qualitativo e quantitativo. Como instrumentos foram con-
sultados documentos, leis, artigos, livros, dissertações e diálogos com as crianças. O universo do relato de experiência
abrangeu 10 crianças sendo: cinco crianças negras e cinco crianças brancas. Através dos relatos das crianças, procu-
rou-se fazer um levantamento sobre o que elas pensavam a respeito do racismo; seus nomes foram resguardados e são
identificados ao longo do texto com a inicial de nome de cada um. Como resultados, pode-se evidenciar através dos
relatos das crianças, que mesmo tendo a obrigatoriedade da inserção nos currículos das escolas públicas e particulares
do nosso país o ensino sobre a cultura afro-brasileira, a realidade é que isso acaba não acontecendo conforme prevê
a lei. Muitos professores ainda acreditam que esse tema não seja necessário, porque a escravidão acabou no Brasil.
Ademais, essas questões étnico-racial, quase não são levadas para sala de aula, por falta de até mesmo conhecimento
sobre a cultura africana, por parte dos professores. Neste sentido, pode-se depreender que as crianças não nascem
racistas, a família e a escola, tem um papel fundamental para a (des) construção do racismo e do preconceito. E, é este
preconceito que fomenta a exclusão social.
Palavras-chave: Racismo. Professor. Escola. Alunos.

A (DES) VALORIZAÇÃO DAS LÍNGUAS INDÍGENAS NAS ESCOLAS URBANAS DE


BARRA DO GARÇAS

Rita Natalia Batista da SILVA - CEFAPRO/SEDUC/MT

Resumo: Este resumo resulta de uma pesquisa do Projeto de Extensão: Interculturalidade nas Escolas Públicas
Urbanas: resultados e desafios, do Grupo de Pesquisa: A presença dos estudantes indígenas da etnia Xavante no Mar-
co Interacional das escolas públicas urbanas: uma estratégia de contato realizada pelo Centro de Formação e Atuali-
zação dos Profissionais da Educação Básica, no segundo semestre de 2018, com os professores das escolas estaduais
da rede estadual, localizadas em Barra do Garças-MT, que atuam com alunos do povo Xavante e objetiva apresentar
resultados que proporcione uma visão mais detalhada de como os alunos indígenas do Povo Xavante são recebidos
pelos professores não indígenas propondo uma abordagem de novas perspectivas a serem utilizadas pelos professores
no ensino da história, da cultura e da língua dos povos indígenas, destacando aqui do povo xavante. Nesta perspec-
tiva, buscou-se caminhar na direção de promover uma análise histórica e em seguida apresentar novas maneiras de
trabalhar destacando a valorização dos povos indígenas, fornecendo subsídios, colaborando para uma nova forma de
abordar a temática indígena, tendo em vista que estes povos estão presentes na sociedade brasileira e devem ser trata-

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dos, estudados e pesquisados como uma população que busca seu espaço para o reconhecimento e a aceitação de suas
diferenças e o desafio dos professores na difícil tarefa de ensino em contextos interculturais, onde precisam buscar
estratégias para trabalhar com falantes de outra cultura para conhecer os pontos conflitantes entre a Língua Indígena
e a Língua Portuguesa e a partir das informações coletadas e confrontadas com referenciais teóricos sobre o tema
“educação intercultural”, possam efetuar uma análise qualitativa sobre aspectos pertinentes ao exercício da profissão,
especialmente no que tange ao trabalho em contextos interculturais. Trata-se de uma luta contra o tempo diante da
estimativa de que esses idiomas possam desaparecer em 50 ou 100 anos, pois das poucas línguas remanescentes no
Brasil atualmente, 40 têm menos de uma centena de falantes e algumas já estão com gravíssimo risco de extinção, pois
se limitam a menos 20 pessoas capazes de se expressar pela língua materna. Por isso temos a intenção de relatar uma
experiência docente de pesquisa e intervenção em sala de aula em relação aos conflitos entre as diferentes culturas e
os processos dinâmicos vividos por diferentes grupos sociais no processo de ensino aprendizagem a estudantes que
dominam a sua língua e estão no processo de aquisição de outra língua. É preciso compreender e analisar a língua
utilizada pelo aluno nas aldeias a fim de compreender como desenvolver o ensino da Língua 2, além de proceder-se-á
a análise documental para verificar, nos documentos da escola, como está a sua autonomia política que assegure o
direito a uma Educação Escolar caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias
históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas. Os autores que fundamentam os estu-
dos são Bakhtin, Grupioni, Lachnitt, Magalhães, Nóvoa, Pimentel da Silva, Tardif.
Palavras Chave: Educação Intercultural. Ensino de línguas. Lei 11 645/08

A CULTURA DA DISCIPLINARIZAÇÃO DOS CORPOS INSERIDA NA INSTITUIÇÃO


ESCOLAR

Davi Hipólito Gomes - UFG


Paula Amanda Silva Borges - UFG

Resumo: Este ensaio discorre acerca das interferências de aspectos culturais na dinâmica interna da escola,
enfatizando-se suas implicações no que diz respeito à educação corporal. A análise identifica, ainda, aspectos ideoló-
gicos e valores constituintes do pensamento vigente em determinada sociedade. Entendendo-se por cultura escolar,
um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e como um conjunto de práticas
que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas co-
ordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas. A análise identifica ainda, aspectos ideológicos e valores
constituintes do pensamento vigente em determinada sociedade. Normas e práticas não podem ser analisadas sem
se levar em consideração o corpo docente que é chamado a obedecer essas ordens e, portanto, a utilizar disposi-
tivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação. Objetiva-se, nesse sentido, definir de que forma o ambiente
escolar desenvolve mecanismos para o controle corporal dos estudantes. Partindo assertiva de que uma disciplina
escolar não comporta somente as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua
constituição e o fenômeno de aculturação de massas que ela determina, ampliar-se-á o debate referente às possibilida-
des passadas e presentes na educação do corpo como premissa básica da formação humana. Para tanto, este trabalho
fundamentou-se através de uma pesquisa qualitativa, bibliográfica e documental, em que os aspectos culturais acima
mencionados foram investigados a partir de uma reflexão teórica desenvolvida por autores como Taborda, Foucault,
Deleuze, Vidal, entre outros. Tal estudo, foi proposto no sentido de organizar e classificar conceitos que trouxessem
ao texto uma melhor argumentação no tocante às concepções e expressões da Educação Física enquanto disciplina do
adestramento corporal. É importante também ressaltar a extrema relevância que, para uma compreensão geral do
contexto no qual a disciplina de Educação física surge, sua importância e, sobretudo, sua finalidade, haja uma obser-
vância crítica das reminiscências de seus dados históricos. Em suma, partindo do fato de que vários estudos suscitam
reflexões das mais diversas sobre assuntos relacionados à prática de exercícios físicos e saúde, sedentarismo e doença,

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esporte, lazer e bem-estar, tais indagações apontam para o fato de que a disciplinarização dos corpos constitui um dos
dispositivos centrais de controle utilizados pelas instituições escolares, que visam a implantação de uma ideologia de
submissão do indivíduo face a ordem social. Observa-se, portanto, a existência de uma preocupação com a doutrina-
ção moral através da disciplina e controle corporal. Nesse cenário, a esportivização educacional funcionou como um
meio bastante específico para atingir tal fim.
Palavras-chave: Disciplina. Corpo. Cultura.8

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA ESCOLA RURAL MISTA DE INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DE


“FINOTO” (1958-1994)

Deysiane Pereira Pardin


Ariane Martins Aragão

Resumo: O trabalho proposto deriva de uma pesquisa de Mestrado que se encontra em andamento denomi-
nada “História e Memória da Escola Rural Mista de Instrução Primária de “Finoto” (1958-1994) ”, que possui como
objetivo central uma análise quanto ao surgimento e funcionamento da primeira Instituição Escolar do município de
Naviraí, utilizando fontes documentais, iconográficas e as experiências das primeiras professoras que exerceram seu
ofício no período de 1958 a 1994. A motivação por investigar essa instituição em específico, se consiste pelo fator de
residir no município de Naviraí, bem como, na relevância em que a instituição em si configurou na cidade, tendo em
vista que foi a primeira escola instalada na cidade. Além disso, a investigação histórica de escolas rurais justifica-se
pela singularidade dessas experiências institucionais intrinsecamente vinculadas ao ideário ruralista, que defendia
uma educação específica para a zona rural, isto é, objetivos, programas de ensino, materiais didáticos, e motivações
políticas. A delimitação do recorte se explica por ser a data de fundação da escola e a data de municipalização da mes-
ma, por meio do Decreto Nº 7.697 de Março de 1994. Cabe ressaltar que o recorte temporal poderá ser reduzido em
conformidade com as fontes encontradas sobre ou do período em questão. Este trabalho orienta-se há alguns referen-
ciais teóricos como: FOUCAULT (1999); LE GOFF (1990); BONDIA (2002); FRAGO (2001), entre outros. Trata-se
de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com procedimentos metodológicos da pesquisa bibliográfica e documen-
tal. Alguns dos documentos já estão disponíveis para análise, tendo em vista que já houve uma primeira conversa com
a administração da escola, bem como na Secretaria de Educação de Naviraí. Nesse contexto, a questão norteadora que
guiará a pesquisa será: Como surgiu e funcionou a “Escola Rural Mista de Instrução Primária de Finoto”, no período
de 1958 a 1994? Desse modo, pretende-se conhecer e analisar a história da instituição a experiência dos professores
e outros funcionários da instituição, como, diretoras, coordenadoras e outros funcionários que exerceram suas fun-
ções no período e participaram de sua feitura e transformações. Diante do exposto, estudar as instituições escolares,
a partir de uma particularidade regional – Escola Rural Mista de Instrução Primária de “Finoto” - é de suma impor-
tância diante das multiplicidades, variedades, amplitude e aspectos pertinentes em que a linha história da educação
está inserida. Assim, torna-se relevante frisar que até o presente momento a pesquisa se encontra focada na pesquisa
bibliográfica e na coleta de dados, sendo que o trabalho de análise dos mesmos está em processo de organização. Con-
sequentemente, o texto se concentra em expor uma parte deste estudo investigativo, em processo de elaboração, mais
precisamente, elementos da pesquisa bibliográfica. Portanto, o texto está estruturado em três partes: Se inicia apre-
sentando um breve histórico da escola rural, para na sequência, apresentar as principais características da escola rural
na atualidade e, como terceira parte, esboça embora ainda de forma embrionária uma análise das fontes já coletadas.
Palavras-Chave: Instituição Escolar. Escola Rural. Ensino Primário.

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EDUCAÇÃO NO TOCANTINS: ENTRE POLÍTICAS DE ESTADO E PRÁTICAS
EDUCATIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL DE PORTO NACIONAL (1960-1980)

Benvinda Barros Dourado – UFT


Biathriz Ramalho de Souza – UFT

Resumo: O presente estudo, em andamento, vinculado ao grupo de pesquisa “Arquivo e Cultura Escolar”,
apresenta como tema a educação no Tocantins, antigo norte goiano, no período do Regime Militar no Brasil (1964-
1985), configurando como objeto de estudo as implicações do contexto político, social e educacional, do período, nas
práticas educativas do Colégio Estadual de Porto Nacional e como principal objetivo conhecer e analisar os condi-
cionantes políticos, econômicos, sociais e culturais que influenciaram no processo educacional do Ensino de 2º Grau
(Ensino Médio) no Tocantins e, particularmente, no Colégio Estadual de Porto Nacional, no período do Regime
Militar (1964-1985). Para se expor reflexivamente o objeto de estudo e o objetivo proposto, optou-se por um corte
cronológico que recua a pesquisa mais especificamente, ao início dos anos de 1960, estendendo-se até o final dos anos
de 1980, perpassando, portanto, o período de transição da instituição educativa, de Ginásio para Colégio Estadual de
Porto Nacional (1961), a criação do Estado do Tocantins (1988), e particularmente os condicionantes das Reformas
da Educação Nacional, principalmente, por meio da Lei nº 5.692 de 1971. Para a realização dessa pesquisa, optou-se
por um estudo numa perspectiva qualitativa, usando a metodologia da pesquisa de cunho bibliográfico, principal-
mente, concernente ao Governo Militar, para melhor analisar e condicionar a situação proposta no contexto histó-
rico-político, assim como, a análise documental, mediada pelos fundamentos e procedimentos da história oral, por
meio da memória coletiva e individual de ex-alunos e professores do Colégio Estadual. O estado do Tocantins (TO),
desmembrado do Estado de Goiás por dispositivo da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 foi integrado Região
Norte do País. Portanto, no período em estudo, estava em pauta as discussões em torno da criação do Estado. Sendo
essa região, também, palco de ações em destaque no período, como a Guerrilha do Araguaia e ações pontuais em Por-
to Nacional, no campo e na cidade. O município de Porto Nacional, principal, lócus de análise deste estudo, localiza-se
na região central do estado do Tocantins. No período proposto para essa pesquisa era uma das principais cidades da
então região norte de Goiás, onde se protagonizou muitas discussões em prol da criação do Estado do Tocantins e
nesse percurso, o protagonismo estudantil da região, também se fez presente. Para compor esse cenário vale destacar
que foi criado em 1945 o Ginásio Estadual de Porto Nacional que mais tarde tornou-se Colégio Estadual (1961), e
posteriormente, recebeu a denominação de Centro de Ensino Médio (CEM) Prof. Florêncio Aires. Essa instituição
educativa portuense, assim, no período da década de 1940 à década de 1980, erigiu uma história que se confunde com
a história do próprio município e da região. Afinal, esse estabelecimento educacional acolheu estudantes oriundos de
diversas cidades e estados circunvizinhos, transformando Porto Nacional em um “polo cultural”, o que dinamizou o
processo educativo e ampliou a projeção política e social desse município. O que justifica a importância de se conhe-
cer os condicionantes históricos que exerceram influência na educação do Tocantins no período do Regime Militar
(1964-1985) e especificamente, nas práticas educativas do Colégio Estadual de Porto Nacional. O Regime Militar foi
um dos períodos mais marcantes na história do Brasil. O governo instalado em 1964 se caracterizou pelo autoritaris-
mo com que comandou o Estado Brasileiro, pela ênfase no crescimento econômico e pelas reformas institucionais,
incluindo a da educação. A política de educação tinha uma visão utilitarista, sob inspiração da “Teoria do Capital Hu-
mano”. Nas reformas dos ensinos de 1º e 2º Graus, por meio da Lei n. 5.692, de 1971. O estado de Goiás, no período
governado por Leonino di Ramos Caiado (1971-1975), fez a publicação a referida Lei, em janeiro de 1972, a qual foi
distribuída às instituições de ensino goianas. No que diz respeito ao Colégio Estadual de Porto Nacional, com base na
Reforma do ensino de 1971, teve o seu Regimento Escolar aprovado para implantação a partir de 1974/75. Assim, a
despeito dos esforços da profissionalização, essa instituição educativa colocou em pauta, de forma tardia e sem estru-
tura física/material e profissionais habilitados, a partir de 1975, a Reforma do 2º Grau.
Palavras-Chave: Educação no Tocantins. Educação em Porto Nacional. Educação no Regime Militar.

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OFICINA DE TÉCNICAS DE ALFABETIZAÇÃO INFANTIL POR MEIO
DE JOGOS LÚDICOS

Fernanda Rodrigues Costa


Edilamar Rodrigues de Jesus e Faria

Resumo: Esse trabalho parte da observação, junto ao núcleo de extensão do Projeto Rondon da UNB, da realida-
de da comunidade Paranoá Park, localizada no entorno do Distrito Federal. Uma comunidade isolada do centro urbano,
sem escolas públicas ou particulares presentes em um espaço acessível, nem transporte público acessível, no momento
da observação. Onde quase todas as crianças moradoras da região estavam ausentes da escola, devido à demora de res-
posta do estado, passando o dia em casa com pais, mães ou responsáveis desempregados, com pouca instrução e que
muitas vezes recorriam ao abuso de substancias nocivas, mesmo em frente das referidas crianças. Nesse sentido, o pre-
sente projeto foi pensado usando como base a visão crítica da educação brasileira, que segrega e marginaliza cidadãos.
Tendo como exemplos o pensamento de Paulo Freire, Vygotsky e demais pensadores da educação como ferramenta
emancipatória, buscamos idealizar um método simples, inclusivo e de relevância social, uma oficina de técnicas lúdicas
na educação. Tais técnicas lúdicas surgiram como ferramenta psicanalítica no século XX e demostraram elevada efici-
ência na aproximação da criança com o meio social e sua inclusão nele. Com a criação da pedagogia do oprimido e de
uma teoria pedagógica crítica, foram levadas a educação e passaram a completar a base educacional brasileira a partir da
década de 30. Na tentativa de tornar esse processo mais simples para crianças que estão à margem do sistema educacio-
nal brasileiro, esse projeto visa programar técnicas lúdicas em dinâmicas de alfabetização infantil seguindo exemplos da
Terapia comportamental infantil (TCI), que utiliza jogos e brincadeiras para favorecer a aquisição de comportamentos
sociais importantes e a melhorar nas interações sociais em crianças. Assim, a criação destes espaços lúdicos surge como
resposta ao distanciamento escolar e, diretamente combate a exposição dessas crianças a perigos de ambientes externos,
além de oferecer uma maneira simples e lúdica de inseri-las em espaços aonde terão contato com atividades didáticas na
matéria de linguagem, de maneira que ao retornarem ao sistema formal de ensino elas não tenham maiores dificuldades
para retomar os estudos. Tendo em vista o aspecto social necessário para a formação dessas crianças, esse projeto busca
também integrar a responsabilidade familiar na formação didática das crianças, por meio de técnicas lúdicas que tra-
balhem o desenvolvimento motor e a assimilação dessas crianças com os componentes da alfabetização. Essa proposta
então tem uma metodologia de pesquisa aplicada, descritiva e exploratória, qualitativa de método dedutivo, baseada em
pesquisa bibliográfica e experimental. Os resultados de tal pesquisa foram promissores, entendendo que a comunidade
não pode substituir a educação escolar, mas deve contribuir para ela e que essa contribuição gera efeitos positivos na
própria comunidade. A conclusão se baseia então no entendimento da necessidade de divulgação de técnicas educativas
simples e da participação ativa da comunidade na educação das suas crianças.
Palavras-Chave: Alfabetização, Oficinas, Rondon.

A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NOS CURRICULOS ESCOLARES


DAS ESCOLAS PÚBLICAS NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS MOVIMENTOS
NO INTERIOR DOS CAMPOS POLÍTICO, EDUCACIONAL E RELIGIOSO

Letícia Casagrande Oliveira - UFMS


Jéssica Lima Urbieta - UFMS

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma discussão sobre a história da disciplina de En-
sino Religioso como componente do currículo de escolas públicas no Brasil. Compreendemos que ao longo de sua
história, a disciplina assumiu diferentes características que podem ser consideradas como opostas obrigatória/ facul-

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tativa; confessional/ não confessional, entre outras que serão apresentadas ao longo do texto. A metodologia da pes-
quisa consistiu na análise de produções teóricas produzidas no interior do campo de pesquisas em educação, em que
foi possível identificarmos que os movimentos no interior dos campos educacional e religioso, exerceram influências
significativas no campo político que favorecem a permanência da disciplina nos currículos escolares. Retomando a
história de formação do campo educacional no Brasil, identificamos uma forte presença de representantes do campo
religioso como agentes de promoção da prática educativa e de tomadas de decisão sobre a organização e objetivos da
educação escolar no Brasil. Durante o período de colonização, a Igreja Católica pode ser apontada como a principal
representante do campo religioso que se fez presente nos diferentes campos sociais entre eles educacional e político
exercendo influência e ocupando espaços de poder e prestígio reconhecidos socialmente. A partir dessa atuação, foi
possível enraizar no campo educacional a ideia da religião como elemento componente do espaço educativo, tendo
por exemplo, as funções de disciplinar os estudantes e servir como instrumento do ensino da moral e da ética. A par-
tir do princípio laico assumido pelo Estado brasileiro na Constituição de 1891, a religião passa a ser entendida como
elemento a ser discutido no âmbito privado. Ao Estado caberia, portanto, assumir uma postura neutra, possibilitando
a manifestação da religião sem que nenhuma denominação religiosa seja favorecida ou ocupe lugares de prestígio,
como era observado no período em que a religião católica era tida como religião oficial do país. Dessa maneira, en-
tre as diversas problematizações que se fazem sobre a disciplina, estudos apontam que a mesma pode ser entendida
como um risco para a laicidade do Estado. Utilizamos como aporte teórico, as contribuições de Pierre Bourdieu e seus
interlocutores. As relações estabelecidas entre os diferentes campos e as disputas por espaços de poder entre os agen-
tes é considerada pelo autor como uma possibilidade para compreendermos a forma como a sociedade se organiza.
Consideramos que discutir a disciplina de Ensino Religioso a partir de um olhar histórico possibilite uma maior com-
preensão sobre os elementos que servem como justificativa para que ela se mantenha no interior das escolas públicas.
Palavras-chave: Ensino Religioso. Laicidade. Campos.

REPRESENTAÇÕES E CONHECIMENTOS DOS ACADÊMICOS DE PEDAGOGIA NO


TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DA LEI 10639/03

Maria Célia da Silva Gonçalves

A educação das relações étnico-raciais consiste em um dos grandes desafios da contemporaneidade encontra-
dos no universo educacional. Já são mais de quinze anos em que foi assinada a lei que determina a obrigatoriedade da
inserção da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial escolar e ainda há muito por fazer diante das lacunas
existentes. Assinada pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 09 de janeiro de 2003, a Lei. 10.639/03 altera
a Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96 e significa um marco legal que, de certa forma, redimensiona o ensino no que
se refere à obrigatoriedade da temática no contexto da educação básica. Esta Lei resulta da luta dos movimentos so-
ciais, principalmente do Movimento Negro e de ações afirmativas que vem sendo implantadas no cenário nacional
nas últimas décadas. Resulta também da lacuna historicamente construída no âmbito educacional com relação aos
conteúdos escolares ligados à cultura afro-brasileira e que apontem para a importância da mesma na construção da
identidade nacional. Esta discussão tem-se ampliado, juntamente com os debates sobre a questão racial, pois ela não
interfere somente sobre a população negra. Partindo dessas constatações é que o presente trabalho tem como objeti-
vo analisar o conhecimento de acadêmicos de licenciatura em Pedagogia de uma faculdade particular situada em João
Pinheiro (MG) no tocante à implantação da Lei 10639/03 altera a Lei9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-brasileira”. A pesquisa foi realizada na modalidade qualitativa, a amostra foi com-
posta por quarenta alunos do oitavo período do curso e o critério de inclusão foi ter cursado a disciplina de Educação
Étnico-Raciais constante na grade do mesmo. A investigação buscou responder a seguinte problematização: os aca-
dêmicos do curso de Pedagogia da instituição pesquisada têm conhecimento da Lei 10.639/03? Se eles possuem tal

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conhecimento, como foi adquiro? A disciplina das Relações Étnico-Raciais oferecida na grade do curso tem orientado
aos alunos enquanto um mecanismo pedagógico? Quando esses alunos passaram a ter contato com essa disciplina
na sua vida escolar? Qual a representação que esses alunos atribuem à Lei 10.639/3? Os resultados evidenciaram um
bom conhecimento sobre as Leis, no entanto sinaliza que não se aplicam de forma correta e adequada a lei 10.639/03
nas escolas, uma vez que eles relataram que ela foi trabalhada somente apenas nas datas comemorativas e em projetos
durante a sua formação básica.
Palavras-chave: Lei 10.639/3. Conhecimento. Representações Acadêmicos de Pedagogia.

A EDUCAÇÃO DE MENINOS E MENINAS INSTITUCIONALIZADOS PELO CÓDIGO DO


MENOR DE 1927

Heloanny Araujo de Morais Nunes - Pedagoga – SEMEC – Ap. de Goiânia

Resumo: Os direitos das crianças adolescentes na história da legislação brasileira passaram por distintas mu-
danças de paradigmas, conforme orientações do tempo e do lugar em que foram criadas. Foi um caminho longo para
se alcançar a doutrina de proteção integral como está posta hoje pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Essa proteção integral, inclui a educação como um direito subjetivo do cidadão e um dever do Estado, determina-
da inicialmente na nossa Carta Magna, a Constituição Brasileira de 1988, reforçada pelo ECA. Assim sendo, para
compreender as configurações destes processos de mudanças, precisamos compreender o momento histórico e suas
determinações. A partir do grande processo de urbanização que ocorria no Brasil no século XX, surgiu uma grande
preocupação perante o que era definido na época como “desordem” e “vagabundagem” de crianças e adolescentes
pobres que vinham crescendo rapidamente em toda a sociedade. Definia-se a situação dos menores que “vadiavam”
e “vagabundavam” nas ruas, como um problema a ser resolvido. Como forma de resolução deste, apresentou o reco-
lhimento desta população por meio do Código do Menor, ficando conhecido também como Código Mello Mattos,
referência ao autor do projeto. Esse Código era responsável pela execução das políticas sociais para os menores de
18 anos abandonados moralmente, materialmente e aos delinquentes na década se 20 do século XX. Estabelece assim
o controle social por parte do Estado, que acreditava ser necessário instruir estes indivíduos para que se tornassem
cidadãos úteis à sociedade, enquadrando-se a moral e bons costumes estabelecidos na época. Em sua proposta, o Có-
digo de Menores de 1927 tinha como premissa a institucionalização dos “menores” marginalizados, com o objetivo
de educar e/ou reabilitá-los para voltar ao convívio social. Assim sendo, este estudo teve como objetivo identificar
através de um estudo bibliográfico, o que estava posto neste material, no que se refere ao direito à educação, apren-
dizagem, conhecimentos para crianças e adolescentes institucionalizados neste período. Um tempo que os mesmos,
definidos pela situação de pobreza, eram identificados sob a doutrina da situação irregular, devendo ser confinados,
afastados e segregados pelo Estado, para serem ‘recuperados’. Neste sentido, apresentaremos, nessa comunicação de
evento científico, quais eram os propósitos específicos da educação escolar nesta legislação, o que propunha a mesma,
dentro de um Estado que assumia legalmente a tutela das crianças e adolescentes imputados de ‘menor’, ou seja, dos
considerados em situação irregular, os filhos da camada pobre.
Palavras chave: Legislação. Menor. Educação.

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ACADÊMICOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
SOBRE OS OBJETIVOS DE PRÁTICAS DE ENSINO DO PROFESSOR

Luanna Gomes Silva Pereira - UniEvangélica


Mickaele Pabline Siqueira Dutra - UniEvangélica

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo investigar a compreensão dos alunos do ensino superior da
área de ciências humanas e sociais a respeito dos objetivos do professor em sua prática cotidiana de ensino. Existe
hoje nas universidades a entrada de alunos de várias classes sociais, com histórias e culturas distintas, que exigem dos
professores um movimento de adaptação que inclui a compreensão do que os alunos entendem e esperam do papel
do professor quando ele entra em sala de aula. Diante de tantas mudanças tecnológicas, cabe questionar o que o aluno
espera do professor do ensino superior. Para isso, adotou-se como pressuposto teórico a obra de Serge Moscovici que
inaugurou uma recente perspectiva no estudo das representações sociais, fundando uma nova psicologia social que se
propõe a articular o individual com o social. Essa perspectiva foi aprofundada por autores estruturalistas da conhe-
cida escola de Midi na França, que conceberam as representações sociais como estruturas possuidoras de um núcleo
central e uma periferia, possibilitando a articulação das variâncias com as invariâncias do pensamento social. Neste
sentido foi realizada uma pesquisa exploratória de campo, através de uma pergunta de evocação que foi aplicada aos
alunos dos cursos de Psicologia e Direito do Centro Universitário de Anápolis, totalizando 140 universitários sendo,
70 alunos do curso de direito e 70 alunos do curso de Psicologia. Entre os acadêmicos de Psicologia 20% eram sexo
masculino e 76% do sexo feminino e 4% não responderam. Dos acadêmicos de Direito, 31% do sexo masculino e 64%
do sexo feminino e 5% não responderam. Os resultados demonstram que os alunos possuem uma concepção tradi-
cional da pedagogia, centralizada no ensino de conteúdo. Esses são analisados a partir de autores da área da educação
tais como José Carlos Libâneo e Bernard Charlot. A sociedade contemporânea implicada no processo de globalização
neoliberal tende a perceber a educação como uma mercadoria, na qual o professor entrega um produto, sendo esse
o conteúdo que qualificará o aluno para o exercício profissional. Nesse contexto, o professor tem sua função em-
pobrecida pela sociedade capitalista contemporânea, enfrentando impedimentos para exercer sua função de formar
trabalhadores críticos, bem informados, reflexivos e autônomos, em todos os âmbitos da vida.
Palavras-chaves: Professores. Ensino superior. Práticas Educacionais.

CULTURA ESCOLAR JUVENIL NO PERIÓDICO ESTUDANTIL VIDA ESCOLAR

Jaíne Massirer da Silva - USP

Resumo: Este trabalho faz parte de uma pesquisa de Mestrado em Educação, conta com o financiamento da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES), a qual investiga o periódico estudantil Vida
Escolar: Orgão dos Estudantes de Campo Grande, organizado pelos alunos do Colégio Visconde de Taunay, instituição
de ensino privado, na cidade de Campo Grande, Sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, entre os anos de
1934 a 1936. A história do Vida Escolar constitui-se em uma rica documentação sobre a história da educação em Mato
Grosso, pois apresenta indícios das representações culturais juvenis daquele tempo e lugar. O Vida Escolar, apesar de
ser organizado pelos alunos do Colégio Visconde de Taunay, contava com a colaboração de todos os alunos e pro-
fessores dos estabelecimentos de ensino da cidade. Através deste estudo foi possível identificar a inserção de práticas
educativas oriundas do Movimento da Escola Nova, um projeto de uma nova política educacional com base no reco-
nhecimento e função social da escola frente às necessidades de modernidade do país, além de incentivar às escolas a
desenvolverem iniciativas de cooperação social entre os alunos e professores, sendo a imprensa uma dessas formas.
Os textos publicados no jornal eram de temáticas literárias do cotidiano escolar, questões da vida juvenil, como
obrigações da juventude, anseios, amor e morte, também sobre política da cidade e do país. O Vida Escolar ainda pu-

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blicava anúncios, circulando, para além dos muros da escola. Objetiva-se identificar os significados dos discursos do
periódico, para uma melhor compreensão do movimento e investigação das relações com as publicações dos estudan-
tes organizados. Pretende-se ainda, compreender a dinâmica de sociabilidade do impresso e a possível influência na
construção das identidades da juventude campograndense. Para análise do periódico juvenil a pesquisa identifica-se
com os pressupostos teóricos da História Cultural e se inscreve no campo das práticas de leitura e escrita de memórias
juvenis, contribuindo para o entendimento das práticas discentes no contexto da cultura escolar das instituições esco-
lares. Foram localizados vinte e uma edições do Vida Escolar, devido ao enorme número de textos e anúncios foi feita
a leitura integral de todo o jornal e a criação de um banco de dados, para identificação das temáticas e dos autores. A
análise possibilitou levantar uma diversidade de temas, contribuindo para identificar a atuação dos alunos no Colé-
gio e as suas relações externas ao estabelecimento de ensino. Esse lugar de escrita dos alunos configurou-se como uma
produção de significados, vivências e a construção de perfis de como esses alunos apresentavam sua compreensão
sobre o que é ser estudantes, sobre o período da juventude e a preparação para a vida adulta.
Palavras-chave: Periódico Juvenil. Cultura Escolar. Escritas escolares.

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MEMÓRIA: A CONSOLIDAÇÃO DA EDUCAÇÃO


SUPERIOR EM GOIÁS

Raquel de Paula Mendonça - Uni-ANHANGUERA


Renato de Oliveira Dering - Uni-ANHANGUERA
Lorena Bernardes Barcelos - Uni-ANHANGUERA/PPGE –UFG)

Resumo: O presente trabalho, de cunho memorial ensaístico, busca discutir e refletir sobre a construção e
consolidação da educação superior no Estado de Goiás, com um recorte nos últimos 50 anos. É importante pensar
que a evolutiva social, nesse espaço-tempo, ocorre após a transferência da capital federal para o Centro-Oeste do país,
momento de uma constante urbanização nos estados que compunham a referida região geográfica. Goiás, no contex-
to proposto, não apenas foi palco para a construção de Brasília, mas também culminou um rápido processo de trans-
formação urbana, principalmente na capital, Goiânia. Nessa consoante, concomitantemente à formação da sociedade
goiana e goianiense, Instituições de Ensino Superior (IES) surgiram e foram preponderantes na/para História da
Educação em Goiás. Assim, a Universidade Federal de Goiás (UFG), criada a partir da fusão de cinco faculdades já
existentes no Estado; a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), proveniente da Faculdade de Filosofia,
da Sociedade de Educação e Ensino de Goyaz e o Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA, oriundo da
Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas (FACH), delinearam e traçaram os caminhos da Educação Superior no
estado. Esse recorte temporal foi estabelecido considerando-se que foi nas últimas cinco décadas, principalmente, que
a Educação Superior se estruturou no Estado, haja vista que antes desse período, havia apenas esparsas faculdades e
isso levava os jovens, que almejam a formação superior, a sair do Estado e, muitas vezes, sem regresso certo, com-
prometendo o próprio desenvolvimento de Goiás nas esferas sociais e de trabalho. Desse modo, pensar na formação
e qualificação dos profissionais no Estado, nessas últimas décadas, sem dúvida, é também conhecer e reconhecer
como essas IES foram fundamentais na construção da sociedade goianiense. Para essa pesquisa, trazemos como foco
de análise do referido contexto, o Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA, um dos pilares entre as
três principais IES do Estado, supracitadas. Com início das atividades em 1973, a Faculdade Anhanguera de Ciências
Humanas ofereceu, a priori, os cursos de Bacharelado em Ciências Contábeis, Administração e Direito, todos ainda
em atividade e reconhecidos pela comunidade. O entrelace entre a História do Uni-ANHANGUERA e a História da
Educação em Goiás será pautado no viés memorialístico realizado por uma entrevista com um de seus fundadores e
atual reitor, Professor Doutor Joveny Sebastião Candido de Oliveira, e outros professores que foram preponderantes
para a consolidação dessa Instituição de Ensino, no cenário de Educação Superior no Estado, considerando, ainda,

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que importantes personalidades sociais e políticas de Goiás são egressos dessa casa, reforçando a tradição e pioneiris-
mo do Centro Universitário de Goiás.
Palavras-chave: Educação Superior. História da Educação em Goiás. Centro Universitário de Goiás.

MEMÓRIAS RURAIS: CLASSES MULTISSERIADAS NO INTERIOR DO BRASIL

Fábio Bombarda - UFT-TO


Jocyleia Santana dos Santos - UFT-TO

Resumo: Este trabalho foi realizado na disciplina História, Memória e Educação do Mestrado Acadêmico
em Educação da UFT no ano de 2018. A pesquisa investiga quais as dificuldades enfrentadas pelos educadores e os
educandos que vivenciam a realidade das classes multisseriadas na Escola Estadual Vila Rica no interior do Estado de
Mato Grosso, Brasil. Para isso visitamos o local e fizemos algumas entrevistas utilizando a metodologia da história
oral. O método história oral é descrito como um instrumento de pesquisa que lança vida aos fatos e registra experiên-
cias de uma pessoa ou de pessoas que pertencem a um grupo social. Primeiro fizemos um projeto e apresentamos na
disciplina. Algumas das dificuldades verificadas foram: os ônibus, as estradas, a poeira, as pontes, os fatores climáticos
como o calor e a chuva, bem como as estruturas físicas, corpo docente e segmento pedagógico. Os teóricos utilizados
foram Brandão (1999), Hage (2004), Arroyo e Fernandes (1999), acerca do saber social de camponeses, de comunida-
des tradicionais, de assentados, para perceber a importância e a contribuição do saber na formação e na constituição
da cultura camponesa assentada, nos modos de vida, na educação e na formação humana. Para a metodologia da
história oral recorreu-se aos teóricos Portelli, Verena Alberti e Sebe Meihy para fazer entrevistas com os sujeitos
envolvidos: professores, direção e alunos. A partir do depoimento de professores e alunos, alguns aspectos ganharam
destaque: falta de formação específica para o docente atuar na multisseriacão, questão que afeta a qualidade do ensino;
ausência de um currículo voltado também para a realidade do campo, e a falta de infraestrutura física. Estas condições
implicaram em resultados negativos para a modalidade de Educação no Campo. É necessário construir urna visão
positiva do campo, pensar em uma formação inicial e continuada que reverta a visão negativa que se tem do campo
com políticas de formação sintonizadas com a dinâmica específica, onde está implícita a afirmação de direitos a terra,
a cultura e a educação. A realidade vivenciada pelos sujeitos nas escolas existentes no campo denuncia grandes desa-
fios a serem enfrentados para que sejam cumpridos os marcos legais e com a força das lutas dos movimentos sociais
populares do campo.
Palavras chave: História oral. Classes Multisseriadas. Memória local.

VOLTANDO AOS EXAMES DE ADMISSÃO AO GINÁSIO (1930-1970): OS EFEITOS


OBSERVADOS A PARTIR DESSA POLÍTICA AVALIATIVA

Dina Elizabete Alfonso - UFMS


Fernanda Cristina Martins Martti- UFMS
Késia Caroline Ramires Neves- UFMS

Resumo: O presente artigo trata de resultados de uma metanálise realizada sobre trabalhos acadêmicos de
perspectiva histórico-investigativa, os quais discutiram acerca da implantação e desenvolvimento dos exames de
admissão ao ginásio realizados no Brasil entre 1930 e 1970. Focaliza o papel desses exames no contexto educacional
da época e, principalmente, busca evidenciar a relação da matemática exigida nesses exames com a matemática pro-
gramada às escolas, ou seja, discute a possível relação entre a “matemática dos exames” e a “matemática a ensinar”.
Como componentes de um grupo de pesquisa da área de ensino de matemática e pedagogia, partícipes da formação

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docente, o interesse da pesquisa permeou não somente a matemática estudada e avaliada na época, mas também
procurou discutir, paralelamente, as questões políticas envolvidas nos exames, bem como os efeitos que poderiam
causar sobre as práticas escolares. Para tanto, fora realizada uma pesquisa bibliográfica na Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações. A escolha por esse banco de dados se deu pela sua maior disponibilidade de teses e disser-
tações para download, facilitando o acesso da pesquisa. Inicialmente, a busca bibliográfica foi direcionada aos títulos
dos trabalhos, usando as palavras-chave “exame de admissão”, “ensino secundário” e “matemática”. Posteriormente,
voltou-se à leitura dos resumos que trouxessem informações acerca das mesmas palavras-chave. Assim, a metanálise
se concentrou em apenas as 3 dissertações que foram encontradas, intituladas: Saberes matemáticos identificados em
provas do exame de admissão ao ginásio do colégio São Paulo (1931-1969), os exames de admissão ao ginásio, seu sig-
nificado e função na educação paranaense: análise dos conteúdos matemáticos (1930-1971) e uma análise dos exames
de admissão ao secundário (1930-1970): subsídios para a história da educação matemática no Brasil. Para direcionar
o estudo, partiu-se de cinco questões norteadoras: O que foi o exame de admissão ao ginásio? Qual sua finalidade?
Quais conteúdos matemáticos eram exigidos nas provas dos exames? Como esses conteúdos eram abordados nas
questões das provas? Houve alguma interferência da “matemática dos exames” sobre a “matemática a ensinar” nas
escolas? Com os resultados desses trabalhos, as quatro primeiras questões foram respondidas rapidamente e pude-
ram adiantar caminhos a seguir na investigação. Restou apurar a última questão, ainda não discutida nos materiais
encontrados, e também tema central desta pesquisa: saber se houve alguma interferência/relação da “matemática dos
exames” sobre a “matemática a ensinar” nas escolas. Os exames de admissão ao ensino secundário foram uma política
de avaliação de caráter nacional, criada no governo de Getúlio Vargas, em formato de provas dissertativas e orais,
na qual eram cobradas as disciplinas de Português (redação e ditado), Aritmética (cálculo elementar), Geografia, His-
tória do Brasil e Ciências Naturais. Realizados por alunos que terminavam a 4ª série do ensino primário, os exames
selecionavam os alunos que quisessem prosseguir sua vida escolar, ingressando, posteriormente, no ensino secun-
dário. Essa política avaliativa perdurou por 40 anos, de 1931 a 1971, respaldada pela Lei Nº 19.890 de 18 de abril de
1931 até a Lei 5692/71, quando o exame foi extinto. Mas como revelam os achados nas dissertações, mesmo após os
exames não serem mais obrigatórios em território nacional, algumas escolas continuaram a usá-los como forma de
seleção de seus alunos. Assim, ao analisar os resultados dos trabalhos e concluir a metanálise sobre eles, verificou-se
que ao se comparar as provas dos exames de admissão com os programas de ensino destinados ao primário, não havia
dissonância quanto ao que se ensinava e o que se exigia nas provas, logo, o exame parece não ter imposto condições
para que o ensino dos quatro anos do primário se modificasse em função da avaliação que seria aplicada. Contudo, foi
possível inferir que mesmo não havendo imposição dos exames para haver mudanças sobre o ensino primário, eles
surtiram um efeito importante sobre os sistemas de ensino, pois fora aumentado em um ano a fase dos primeiros anos
escolares, sendo o quinto e último ano destinado à preparação dos alunos para os exames de admissão. Também foi
identificado pela metanálise realizada que, alguns professores que lecionavam ao primário foram levados a lecionar
em cursos preparatórios para o exame de admissão, o que, supostamente, pode ter interferido na prática de ensino
desses professores, atuando no primário e/ou em cursos preparatórios e os levando a reformular práticas já estabe-
lecidas. Portanto, os indícios revelam que além de um efeito seletivo do alunado da época, os exames de admissão
podem ter influenciado de alguma maneira a prática de professores, abrindo, com tudo isso, novos questionamentos
a futuras pesquisas sobre um possível efeito dos exames sobre as práticas de ensino ministradas no primário e condi-
cionadas, talvez, pela política avaliativa dos exames.
Palavras-chave: Exame de admissão ao ginásio. Matemática. Práticas escolares.

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A DIREÇÃO DAS ESCOLAS DE ENSINO SECUNDÁRIO NA PRIMEIRA REPÚBLICA: UMA
ANÁLISE A PARTIR DA LEGISLAÇÃO DE 1890 A 1925

Luciana Braga Oliveira

Resumo: A pesquisa em andamento tem como tema a direção das escolas de ensino secundário apreendida
a partir da legislação do ensino secundário durante o período da Primeira República de 1889 a 1930 no Brasil. O
objetivo é compreender como se formalizariam as atividades dos Diretores dentro das escolas de Ensino Secundário
nas reformas educacionais do período, visto que a função do Diretor numa escola é de suma importância, pois este
funcionaria como um mediador entre as instâncias de organização da educação e a comunidade escolar. O proble-
ma da pesquisa é compreender, através da análise das principais reformas educacionais deste período: da Benjamin
Constant (1890) à João Luiz Alvez (1925), conhecida também por Lei Rocha Vaz os aspectos presentes nos textos das
cinco reformas do ensino secundário o papel do diretor e suas funções na educação secundária do período. O trabalho
tem sua fundamentação baseada na pesquisa em História da Educação, que se fundamenta na história como campo
teórico de pesquisa. Dentre os estudos que compreendem a pesquisa na educação estão as políticas educacionais, a
filosofia, a história da educação, a história do currículo, entre vários outros. Esta área de pesquisa já estabelecida como
campo de pesquisa sólido, começou a ser debatida como tal em meados do século XX no Brasil e, antes disto ela se
constituía basicamente em estudos filosóficos e pedagógicos e, mais tarde foi sendo considerada também como um
ramo de pesquisa a ser estudado. O método usado para este trabalho será a pesquisa documental, pesquisa essa que
utiliza fontes legislativas, publicadas pelo poder público brasileiro sobre o ensino secundário. Tais documentos são
públicos e encontrados nas publicações oficiais do governo. Como resultado desta pesquisa espera-se que ao longo do
trabalho possamos compreender ainda mais sobre a Direção das instituições de ensino secundário durante o período
estudado e colaborar para a área de pesquisa em que está sendo produzida. Concluímos a importância deste trabalho
compreendendo que a formação que se estabelece nas escolas atualmente funciona como uma engrenagem para que
cada função seja exercida com ótimo desempenho há a necessidade de que a outra também seja dada da mesma forma
e, que a função da pesquisa é ajudar a compreender como funciona este processo.
Palavras Chave: História da Educação. Ensino Secundário. Legislação. Direção.

A HISTÓRIA DA ESCOLA DE DAVINÓPOLIS-GO NO PERÍODO DE 1948 A 1963

Jéssica Cristina Gomes da Silva - UFG - Regional Catalão


Fernanda Barros (Orientadora) - UFG - Regional Catalão

Resumo: Esta pesquisa que ainda está sendo desenvolvida tem como tema a História da escola de Davinópolis-
-Go no período de 1948 a 1963, este recorte temporal engloba o período que vai da data de criação do grupo escolar
do ainda distrito, 1948, até 1963, ano que marca a promulgação da Lei Estadual n. 4.928 que marca o desmembra-
mento do distrito do Município de Catalão. Os grupos escolares surgiram no Brasil durante o período Republicano,
tinham como propósito a reforma da instrução pública e a formação do cidadão. No ano de 1920 existia apenas o
grupo escolar da Capital de Goiás, que era mantido pelo Estado, mas a partir da segunda metade dos anos 1920, ocor-
reu uma grande expansão dos grupos escolares, passaram então de oito em 1924 para dezesseis em 1930. E durante
esse período de expansão surgiu também o Grupo Escolar do distrito de Catalão, em 1948, que mais tarde se tornou
a cidade de Davinópolis, portanto, o foco da minha investigação é o grupo escolar da cidade de Davinópolis, naquele
momento, ainda distrito de Catalão. O problema que a norteia é a importância da criação de um grupo escolar que, a
partir dele se funda um município. O objetivo do referido trabalho é a partir de documentação reconstituir a história
da primeira Instituição Escolar de Davinópolis, sendo possível entender o que seria uma instituição educacional e
assim compreender Davinópolis e a História da escola dentro da relação escola-cidade e, por fim, analisar como se

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dá a institucionalização da cidade a partir de uma escola. A fundamentação teórica que estipulamos é a investigação
em História de Educação que, como disciplina surgiu no final do século XIX, se desenvolveu nas Escolas Normais e
também em cursos ministrados com o objetivo de formar professores, estando então ligada com a Pedagogia que se
relaciona com a Teologia e Filosofia. A história da História da Educação aqui no Brasil também estava conectada com
as escolas normais, com os cursos de Pedagogia e Filosofia, ou seja, estava associada com a educação, mais especifica-
mente com o ensino. A metodologia de apuração utilizada será a averiguação documental e também os resultados de
tais processos, pois, a mesma ainda é uma pesquisa que está em andamento devido a isso os resultados são parciais.
Mas como certeza temos que a História da Educação assim como a História das Instituições Escolares são áreas da
educação que fazem uso de instrumentos historiográficos que auxiliam na compreensão das ações educativas e tam-
bém na produção de trajetórias históricas.
Palavras-chave: História da Educação. Grupo Escolar. Município. Davinópolis.

AS OCUPAÇÕES DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS DE ANÁPOLIS E A


MODIFICAÇÃO DA CULTURA ESCOLAR

Felipe Silva de Freitas

Resumo: O final do ano de 2015 foi marcado por ocupações dos estudantes secundaristas das escolas públicas
na cidade de Anápolis, contra a transferência da gestão destas escolas para as Organizações Sociais. Tais ocupações
que compreendemos através do olhar geográfico como uma territorialização do espaço escolar, aconteceram nas
mais variadas cidades do estado de Goiás e produziu novas formas de relacionamento social e espacial, e consequen-
temente alterou de forma frenética a Cultura Escolar até então vigente no ambiente escolar. Esta alteração deu-se
através de uma disputa de poder própria das relações territoriais que garantiu aos estudantes autonomia para decidir
o funcionamento da escola, modificar as normas e refuncionalizar os espaços. Para compreender tal fato histórico e as
alterações geográficas dos espaços convidamos a dialogar conosco os mais diversos autores acompanhados de concei-
tos como: Território, Poder, Autonomia, Cultura Escolar, entre outros conceitos que são encarados como secundá-
rios para a compreensão do tema. A metodologia utilizada nesta investigação constitui-se da observação participante
do processo de ocupação do Colégio Polivalente Frei João Batista, o qual temos como recorte espacial da pesquisa.
O acompanhamento das demais ocupações na cidade de Anápolis realizada ora frequentemente, ora com intervalos
mais longos, permitiu-nos compreender que os estudantes reagiram de forma semelhante, e consequentemente pro-
duziram resultados congêneres com relação a modificação da cultura escolar, tendo como diferenciação suas subje-
tividades: espaciais, temporais, sociais e individuais dos ocupantes. O presente artigo que tem a pretensão de iniciar
os debates sobre mudança da cultura escolar através dos processos de ocupação dos estudantes secundaristas, não
tem pretensão de esgotar os debates a respeito da importância dos movimentos sociais de reorganizar e questionar
o ambiente escolar, mas sim de alargar um debate que deve ser realizado sobre o funcionamento, a funcionalidade, e
o desenvolvimento do ambiente escolar, desta forma portanto, convidamos a todas(os) as(os) leitoras(es) a iniciar e
continuar um amplo debate sobre a necessidade do desenvolvimento da autonomia para a juventude como interlocu-
tores do diálogo que deve produzir bons frutos para a justiça social e o desenvolvimento social.
Palavras-Chave: Ocupação. Movimento Estudantil, Cultura Escolar. Escola.

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AS PERCEPÇÕES NA ESCOLA DA ROÇA: NARRATIVAS DE CRIANÇAS

Márcia Gizella Nunes Barbosa - UFG - Regional Catalão


Rita Tatiana Cardoso Erbs - UFG - Regional Catalão

Resumo: Esta é uma pesquisa (Auto) biográfica, com narrativas de crianças na escola da roça, Escola Municipal
Francisca Mariana Luiz localizada na Rodovia BR 050 KM 172, Projeto Paineiras no Município de Campo Alegre de
Goiás. Através das narrativas das crianças que estão inseridas nessa instituição o questionamento se expõe nessa pauta:
Como a escola da roça se apresenta na perspectiva das crianças? A investigação, ainda em andamento discorre como
uma pesquisa qualitativa em Educação. Retratando a intenção de discutir e problematizar a função da escola a partir do
que dizem as crianças sobre ela. No processo das narrativas as crianças recontam suas experiências escolares, descre-
vem o papel da instituição em suas vidas. Tem como objetivo compreender o sentido atribuído a esse lugar de apren-
dizagem (formal e obrigatório), com um olhar específico realizado por crianças que vivem e enfatizam com suas falas,
apontando em suas experiências os conhecimentos diversos adquiridos nessa escola, sempre discutindo e captando o
papel da escola na vida das crianças a partir de suas narrativas. Ouvir as crianças aponta como cerne da metodologia da
pesquisa. Para a escolha da coleta de dados será explorado momentos com oficinas diversas, envolvendo leituras, foto-
grafias, narrativas colhidas em rodas de conversa e exploradas nas atividades lúdicas, com diálogos que proporcionem
interação. As crianças são apresentadas à boneca de pano nome Luíza, que se insere na pesquisa abrindo espaço para a
ludicidade associada a literatura infantil do livro, “A garota e a Boneca de Pano” (autor Adeilson Salles). As evidencias
dessa escola da roça são apresentadas com sujeitos ativos e participantes da pesquisa envolvendo os alunos do Ensino
Fundamental com idade de 7 a 10 anos. O campo da pesquisa (auto) biográfica com crianças é inspirada no conceito
Maria da Conceição Passeggi, que pesquisa e desenvolve o Projeto ‘Narrativas da infância’ (CNPq-CAPES n°07/2011):
“Narrativas Infantis: o que contam as crianças sobre a escola na infância? E pretende discutir e problematizar o sentido
da escola para crianças da zona rural a partir do que pensam. As leituras como referencial teórico a ser dotadas, serão
realizadas com a possibilidade de ampliar um diálogo com alguns autores que percorram pela trajetória da escola no
Brasil, ampliando a interlocução com fundamentos da pesquisa (auto) biográfica, discursando no tema Escola Rural,
Escola Multisseriada, Narrativas com crianças, isso para compreender melhor o objeto de estudo que em autores como
Elizeu Clementino de Souza, Maria Helena Menna Barreto Abrahão, Clandinin e Conely, Silvia Helena Vieira Cruz,
Miguel Arroyo dentre outros apoios que surgirem na pesquisa a partir da aplicação das metodologias citadas. Espe-
ra-se que as crianças contribuam e se envolvam com essa pesquisa cooperando no que se propões dentro dos estudos
apresentados no Mestrado Acadêmico em Educação, da Instituição UFG-Campos Catalão-GO, na linha de pesquisa
Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto) biográfica.
Palavras-chave: Crianças. Narrativas. Escola.

A HISTÓRIA DO INSTITUTO AUXILIADORA: SILVÂNIA- GO TECIDA PELAS


NARRATIVAS DE PROFESORES (1932-2012)

Marilene Ap. Santana da Silva - UFG - Regional Catalão

Resumo: Segundo o portal da prefeitura, a cidade de Silvânia teve início por volta do ano de 1774, com a desco-
berta de lavras de ouro na região, isso atraiu aventureiros de diversas regiões, inclusive da Bahia, os quais trouxeram
consigo uma imagem de Nosso Senhor do Bonfim, que deu nome ao arraial que ali surgira. Somente no ano de 1833 O
arraial recebeu o título de vila. A vila obteve o foro de cidade em 5 de outubro de 1857. O nome Bonfim, foi alterado
para Silvânia em 1943, em homenagem à família Silva, de Vicente Miguel da Silva e seus descendentes, que ocupavam
cargos de grande prestígio na cidade. A cidade de Silvânia continua sendo um importante polo comercial e educacio-
nal, com o surgimento do Instituto Auxiliadora em 1932, pode-se afirmar uma mudança na história da educação da

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cidade de Silvânia-GO, por ser a primeira escola apenas para meninas na cidade, o que nos desperta indagações sobre
a história do surgimento desta instituição educativa, quanto ao trabalho, as culturas, crenças, políticas, etc. e poste-
riormente indagações que contemplam a perspectiva de estudos das organizações escolares proposta por Bolívar 2002,
apud Vaz (2018) “Estudar as organizações a partir das histórias, narrativas e memórias que se tecem em torno delas”,
desta forma tem-se a compreensão dos aspectos relevantes à construção da história do Instituto Auxiliadora na pers-
pectiva dos professores, Qual seria então a história a ser contada pelos professores do Instituto Auxiliadora? Como é
visto o Instituto Auxiliadora para a região? Como os professores percebem sua contribuição para o Instituto Auxilia-
dora. Essa pesquisa compreende abordar a metodologia biográfico – narrativo e a pesquisa bibliográfica, recorrendo
ainda a fontes oficiais, tais como cartas, fotos, documentos, etc. Participarão como sujeitos narradores nesta pesquisa
os professores que atuaram no Instituto Auxiliadora no período de 1932 a 2012, estes serão convidados a falar sobre a
trajetória de vida e experiência neste período repleto de mudanças e acontecimentos históricos, através de entrevista
informal, que segundo Gil (1999) apud Júnior Álvaro (2011) et al, O tipo de entrevista informal é o menos estruturado
possível e só se distingue da simples conversação porque tem como objetivo básico a coleta de dados. Ao utilizar a
biografia pode-se permitir ao sujeito a compreensão não somente da história política e cultural da cidade e/ ou da ins-
tituição em questão, mas também, a compreensão de si próprio na história, assim segundo Delory-Momberger (2012)
apud Honório Filho (2017) a perspectiva biográfica narrativa toma essa ideia de que o sujeito/ator tem um papel
fundamental em sua inserção/interação social, especialmente quando a narra, contando para outra sua experiência.
O sujeito tem uma relação singular, pela sua atividade biográfica, “com o mundo histórico e social”. Na perspectiva
de compreender as transformações da história do Instituto Auxiliadora desde a sua criação em 1932 até 2012, quando
este completa 80 anos de história e contribuição para a educação da cidade de Silvânia-GO as biografias narrativas
dos professores que fizeram parte desta contribuição serão de extrema relevância, visto que “a nossa expectativa é de
reconstruir/ Reconstituir/Recompor a história” Vaz (2018) do Instituto Auxiliadora de Silvânia-GO. Dessa forma, ao
desenvolver este projeto assim como Sanches (2011) acredito na preservação da memória do Instituto Auxiliadora na
história da educação da cidade de Silvânia-GO e sua perpetuação através das gerações.
Palavras Chaves: Memória. Biografia. História.

ESCOLAS INDÍGENAS DA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS/MT NA PRIMEIRA


METADE DO SÉCULO XX: UM ESTUDO SOBRE AS PRÁTICAS ESCOLARES

Cristiane Pereira Peres - UFGD

Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo analisar o processo de criação e consolidação das escolas indí-
genas instaladas na primeira metade do século XX, na Reserva Indígena de Dourados (RID), no Sul de Mato Grosso,
a “escola da missão” (Escola Primária General Rondon), e a “escola do Posto” (Escola Francisco Ibiapina), assim como
perscrutar como era o ensino nestas instituições no período. Para tanto, foi necessário recorrer a uma bibliografia li-
gada à educação indígena, Carvalho (2004), Gonçalves (2009, 2012), Lourenço (2007); à história da educação, Roma-
nelli (2014); à história das instituições, Magalhães (1996, 1998, 2004); ao conceito de cultura escolar de Vidal (2005),
entre outros. E, recorrer, também, as fontes de pesquisa, como os documentos oficiais do Posto Indígena Francisco
Horta e da Missão Indígena Evangélica Caiuá, como: relatórios e atas de reunião do Posto Indígena Francisco Horta,
relatórios de frequência escolar e notas dos alunos indígenas, relatórios de atendimento e consumo de gêneros ali-
mentícios e de higiene nas escolas, relatórios do quantitativo populacional da Reserva, relatórios sobre os serviços
realizados na Missão, relatórios emitidos pelas escolas, relatórios escritos pelas professoras, provas e conteúdos tra-
balhados. Neste estudo, foi possível constatar que as escolas indígenas investigadas estiveram ligadas a Missão Caiuá,
que tinha confissão protestante e buscava “civilizar”, integrar e evangelizar as etnias indígenas por meio de estratégias
escolares e religiosas que priorizaram um ensino que negava e desvalorizava a cultura indígena, impondo uma cultura
não indígena como única e desenvolvida. No entanto, os indígenas, diante da política de “civilização”, evangelização

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e integração do projeto de nacionalidade dos não indígenas, souberam a seu modo étnico e cultural, negar, assimilar
e/ou participar das estratégias de escolarização utilizadas, afirmando a sua identidade, que sofreram transformações
com as relações que foram sendo estabelecidas.
Palavras-chave: Escolas Indígenas. Ensino. Reserva Indígena de Dourados.

O CENÁRIO DE CRIAÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES NO BRASIL, NA PRIMEIRA


REPÚBLICA: O GRUPO ESCOLAR “PADRE TRINDADE” DE ANÁPOLIS-GO

Alda Franciele - PPG-IELT- UEG


Sandra Elaine Aires de Abreu - PPG-IELT- UEG

Resumo: Propõe-se neste, um simples resumo do cenário do Brasil na primeira república, faz-se um breve
apontamento sobre o trabalho, a educação e o social na primeira república e uma discussão sobre visão “romântica”
dos problemas da sociedade e das suas soluções, por parte dos intelectuais republicanos que se propuseram a pensar
a educação no Brasil e como a escola primária se estabeleceu como mecanismo de formação cívica, moral e instru-
mental, propõe-se ainda trazer uma breve discussão sobre os grupos escolares criados no país num contexto geral
e aborda a criação do grupo escolar “Padre Trindade” de Anápolis-GO. Pois é neste cenário da primeira república
brasileira, que temos um número expressivo de disfunções de ordem social, políticas e econômicas que resultou para
o país neste período num empobrecimento estético e higiênico da nação. Esse cenário de degradação, cada vez mais
presente no cotidiano no país, contradizia, os ideais defendidos e divulgados pelo projeto republicano, pois para esses
intelectuais e seus pares, a razão de educar o povo, era, para que os mesmos sejam ativos na participação política do
país, exerçam seus direitos de cidadãos e consigam se estabelecer neste novo cenário que estava se formando, nesse
sentido, organizar, higienizar e disciplinar a população das cidades apresentavam-se como questões fundamentais.
Toda carga de regenerar, promover, organizar, disciplinar esse povo híbrido, recai sobre os ombros da educação, pois
para os intelectuais republicanos da época, no Brasil só há um problema nacional a educação do povo, portanto, a
educação ganha extremo valor para os intelectuais republicanos, para eles a educação tinha um papel social e político
muito definido, pautados na convicção de que era na educação que habitava a solução dos problemas da nação. Edu-
car o povo – no discurso de seus governantes era mais que um dever, era um interesse, porque a sua independência
enquanto cidadão está atrelada a um espírito culto e por meio da educação se cria, avigora e mantém a conquista da
liberdade. Neste contexto, vê-se os Grupos Escolares se constituir, como escola modelo, capaz de ministrar um en-
sino completo. Ao estudar Grupos Escolares, vemos como a nova escola primária se tornou um molde cultural, que
ao longo dos séculos circulou por vários países como a França, Inglaterra, Espanha, e Estados Unidos, o que tempos
depois foi o modelo adotado pelos estados brasileiros e que por décadas teve como esse “modelo” de escola primária
no Brasil, que foi extinta na década 1970. Por meio de estudos sobre Grupos escolares em Goiás, mais especificamente
Anápolis, verificamos que os processos de organização vão além de uma nova forma estruturar a educação, os grupos
escolares, significou uma estratégia de atuação.
Palavras Chaves: Educação. Primeira República. Grupos Escolares.

HISTÓRIA DAS INSTITUIÇÕES E O CURSO DE MAGISTÉRIO (1995-1998)

Luana Tainah Alexandre Braz - FAED/UFGD


Magda Sarat - FAED/UFGD

Resumo: Esta pesquisa em andamento faz parte de um projeto de pesquisa do mestrado que tem como objetivo
analisar a trajetória, as origens e a história do curso de magistério em uma instituição educativa na cidade de Doura-

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dos, estado de Mato Grosso do Sul. Sendo ela a instituição intitulada Escola Serviço de Educação Integral (SEI), que
teve sua origem no ano de 1980 e em breve completará 40 anos de funcionamento no município, como uma insti-
tuição que atualmente oferece turmas desde a Educação Infantil até os anos iniciais e finais do ensino Fundamental.
Durante sua história a escola criou um curso de magistério que formou uma única turma entre os anos de 1995-
1998. Procuramos diante disso, analisar a história deste curso e suas contribuições à história da formação docente
considerando-o em todos os aspectos: as turmas ofertadas, quais e quantas alunas/os se formaram, como ocorreu a
proposta curricular implantada, as/os professoras/es que atuaram no referido curso e também nos indagamos acerca
das motivações para a criação de um único curso e a sua extinção. Sendo assim, nós questionamos ainda acerca do
lugar da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei 9.394/ 96 considerando o fato que a mesma
estabeleceu, normas para a formação de docentes da educação básica. Além disso, nos interessa compreender, como
ocorreu essa mudança e como interferiu na vida das/os professoras/es e das/os alunos deste referido período, permi-
tindo fazer um mapeamento de todo o curso do magistério da Escola SEI, considerando o período e o fato de ter sido
uma única turma. Neste contexto, a pesquisa ainda em fase inicial, busca a partir das leituras escolhidas dialogar com
autores da história do magistério, da formação e profissão docente e da história da educação, e em seguida, com todas
as fontes documentais disponibilizadas pela instituição tais como: autorização para funcionamento, atas finais, pastas
de estágios, livro de matrículas, proposta curricular, planos de aula de professores/as, além de um grande acervo fo-
tográfico que nos possibilitará contar esta história. Cabe destacar que até o presente momento não existem estudos
desse período histórico do SEI. As pesquisas realizadas na instituição tiveram como foco apenas a Educação Infantil.
Acreditamos que esta investigação poderá contribuir para elucidar alguns aspectos da formação de professoras/
es no período do curso do magistério, apresentando o processo histórico da instituição educativa e a trajetória da
história da educação desta instituição para o município de Dourados.
Palavras-chaves: Magistério. História de Instituições. Profissão docente.

REFLEXÕES ACERCA DA FONTE LUMINOSA DE ANÁPOLIS COMO PATRIMÔNIO


HISTÓRICO E CULTURAL LOCAL

Társio Paula dos Santos - UniEVANGÉLICA


Sandra Elaine Aires de Abreu - UniEVANGÉLICA

Resumo: Este artigo propõe trabalhar os Patrimônios Históricos e Culturais do Município de Anápolis/GO
oriundo estudos do projeto de pesquisa intitulado: “O ensino de história local e patrimonial nos anos iniciais do ensi-
no fundamental”, desenvolvido no Programa de Iniciação à Docência (PIBID), desenvolvido no Centro Universitário
de Anápolis (UniEVANGÉLICA), e que está inserido no Grupo Goiano de Estudos e Pesquisa em História da Educa-
ção. Localizada no estado de Goiás, Anápolis possui um distrito com forte presença do setor agroindustrial e também
uma cultura bastante diversificada. A partir de 1984, iniciaram-se os tombamentos de bens materiais e naturais que
ajudam a construir a história e a cultura do município. Estas ações resultam das demandas de órgãos nacionais, secre-
tarias municipais e a força de grupos minoritários de valorização da cultura e história local. Nessa mesma abordagem,
pode-se indicar os tombamentos como registros que reconhecem a legitimidade e proteção de um bem como parte da
cultura e são garantidos através de leis nacionais e municipais que também buscam a promoção, conscientização e a
preservação dos mesmos em ação conjunta com a população. O acervo patrimonial de Anápolis é constituído de doze
bens materiais e naturais que são: Mercado Municipal Carlos de Pina, Cadeia Pública (prédio da atual Escola de Artes
Oswaldo Verano), Estação Ferroviária Prefeito José Fernandes Valente, Fórum (prédio da atual Secretaria Municipal
de Cultura), Museu Histórico de Anápolis Alderico Borges de Carvalho, Coreto, Memorial Casa JK, Colégio Estadual
Antesina de Santana, Colégio Couto Magalhães, Fonte Luminosa e os Conjuntos Arbóreos das praças Dom Emanuel
e Americano do Brasil. Partindo dessas noções, o objetivo geral dessa pesquisa é analisar a Fonte Luminosa como
Patrimônio Histórico e Cultural de Anápolis/GO. Este bem tombado está localizado na Praça Bom Jesus, em frente a

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Secretaria da Cultura do Município, antigo Fórum, no Setor Central. Sua inscrição também é encontrada no Livro de
Tombos, que compõe o acervo do Museu de Anápolis. A Fonte está presente ao longo da história de Anápolis desde
1962, quando foi construída. Em 2012, foi revitalizada dentro do projeto de revitalização da praça onde está situada.
Nessa pesquisa foi adotada como metodologia a pesquisa bibliográfica e a análise de documentos históricos Assim, a
partir dessa investigação, pode-se afirmar que o governo municipal anapolino tem articulado estratégias visando uma
conscientização da temática por meio da Educação Patrimonial, inserida na matriz curricular da Educação Básica e
que está sendo reforçada com a parceria com a UniEVANGÉLICA, no desenvolvimento de um projeto de interven-
ção sobre a educação patrimonial por meio do PIBID. Essa proposta promove uma ação conjunta de professores e
pesquisadores dessa área e a apropriação cultural por parte da comunidade educacional. Outra conclusão a ser pon-
tuada é a importância cultural da Fonte Luminosa para a sociedade anapolina, pois, tendo como presença marcante
na praça Bom Jesus, sempre acompanhou os movimentos importantes da cidade bem como os desenvolvimentos
sociais advindos com a modernidade. Portanto, esses fatos tornam legítima a indicação desse Patrimônio como parte
da identidade cultural da população. Palavras-chave: Patrimônio. Anápolis/GO. Fonte Luminosa.

CENTENÁRIO DA ESCOLA ÉTNICA JAPONESA NO SUL DE MATO GROSSO “VISCONDE


DE CAIRU”: BREVES APONTAMENTOS

Stephanie Amaya - PPGEdu/UFMS

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo realizar breves apontamentos para conhecermos a história
centenária e a importância da escola étnica japonesa em Campo Grande no então sul de Mato Grosso mediante
apontamentos históricos realizados por meio do levantamento bibliográfico e documental. Dessa maneira a proposta
apresenta alguns documentos coletados durante as comemorações e também no acervo da instituição que revelam
algumas práticas escolares para compreender a formação da escola japonesa. Entre os materiais estão livros pon-
tos, livro de chamada, matrículas, levantamentos estatísticos, caderno de atividade e boletim. Para as análises nos
pautamos no referencial teórico do sociólogo Pierre Bourdieu e de alguns estudiosos da memória e história como
Pollak (1989;1992); Bosi (1994) e Halbwachs (2006). A Escola Visconde de Cairu foi criada em 18 de agosto de 1918,
pela colônia japonesa, no loteamento conhecido como Chacrinha. Foi construída a princípio para que os filhos dos
imigrantes japoneses não perdessem os vínculos com a língua e cultura tendo por finalidade o retorno ao Japão. A
escola iniciou suas atividades em uma comunidade rural, mudou a sua localização geográfica, instalando-se na área
urbana de Campo Grande. É relevante pontuar que a escola denominava-se anteriormente como Hanja e também
como Escola Japonesa de Língua Japonesa, em 1925 passou a ser chamada de Escola Japonesa de Campo Grande. Em
1927, por orientação das autoridades foi rebatizada de Visconde de Cairu. Sendo assim, a Escola de Japoneses (Vis-
conde de Cairu) sofreu forte pressão política para modificar o nome da instituição, contratar professores brasileiros,
não podiam falar a língua japonesa, importar e utilizar materiais em língua japonesa. No que se refere à mudança
no nome da instituição foi motivada pela necessidade de proteção da sua identidade étnica, devido às restrições go-
vernamentais essa “manobra” foi realizada pelo professor Luiz Alexandre quando foi diretor e detentor dos bens da
Escola de Japoneses para manter a instituição aberta. A escola teve muitos percalços que envolveram o currículo da
escola e dentre fortes pressões políticas completou ano passado seu centenário com as atividades ininterruptas. A im-
portância da escola para o município de Campo Grande é a tentativa de preservar a cultura e os costumes japoneses.
Dentre as características culturais trazidas pelos japoneses podemos citar: o sobá; a Festa Bon Odori e a história na
participação da Feira Central. O que se pode aproximar durante a elaboração desse texto é persistência do grupo
de imigrantes em manter a língua japonesa e a cultura por meio da escola étnica e a resistência para cumprir as exi-
gências e manter a escola em funcionamento. Tendo como fundo os traços da disciplina e rigidez por parte de seus
professores e estudantes.
Palavras-chave: Escolarização japonesa. Instituição Escolar. Pierre Bourdieu.

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PRODUÇÕES CIENTÍFICAS BRASILEIRAS EM INTERFACE COM A NOÇÃO DE
“ACONTECIMENTO” DE GILLES DELEUZE: DAS PRÁTICAS DOGMÁTICAS AO ENSINO
E APRENDIZAGEM COMO ACONTECIMENTO

Déborah Cristina BarbosaFerreira - PPGEDUC/UFG-RC


Rita Tatiana Cardoso Erbs - PPGEDUC/UFG-RC

Resumo: O presente trabalho tem o campo da Educação como grande área. Se caracteriza por ser um pro-
jeto de pesquisa em andamento, orientado pela Profa. Dra. Rita Tatiana Cardoso Erbs, vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC) da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão, referente à linha
de pesquisa Políticas Educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto) biográfica. A construção deste projeto se
justificou pela necessidade de refletir sobre o campo educacional e como ele tem se construído historicamente rela-
cionado a instituição Escola e com saberes científicos que buscam verdades universais, saberes prontos e absolutos.
Deste modo, nos apropriamos de discussão sobre a crise da razão moderna. Os saberes difundidos na instituição
Escola se concretizaria em práticas que influenciariam na direção de estimular certo tipo de pensamento, além de prá-
ticas disciplinares de espaços e corpos. Tomando as discussões sobre a crise da razão, este projeto tem como objetivo
geral investigar o conceito de “acontecimento”, levantado pelo filósofo Gilles Deleuze, relacionado a pesquisas em
Educação no Brasil, pesquisas estas que tem realizado esta junção afim de compreender a educação escolar e alguns
aspectos da mesma como, por exemplo, os estímulos a certos tipos de pensamento como o da repetição de conteúdos
acriticamente -, práticas denominadas como dogmáticas por não deixarem espaço para o desafio às crenças domi-
nantes, para criatividade e imaginação. O objetivo específico é de descrever e analisar as contribuições teóricas destes
pesquisadores brasileiros, enfatizando suas perspectivas sobre a relação conceitual Educação versus acontecimento e
suas implicações aos processos educacionais contemporâneos e produção de subjetividades na escola. A metodologia
proposta para esta pesquisa é de realizar pesquisa de tipo bibliográfica, de caráter exploratório e analítico, onde
será realizado o recorte conceitual Educação e acontecimento. A coleta de dados e levantamento da bibliografia serão re-
alizados prioritariamente por meios digitais através da plataforma SciELO – Scientific Electronic Library, Plataforma
CAPES e Google Acadêmico, com posterior análise dos conteúdos contidos na bibliografia. O referencial teórico
formado até o presente momento, neste projeto de pesquisa, abrange teóricos pertencentes à linha de pensamento
da Filosofia da Diferença, portanto, é a partir deles que foi pensado este projeto e que se pretende guiar as análises
bibliográficas e conceituais. Alguns conceitos do filósofo Gilles Deleuze serão tomados para análise junto ao conceito
de acontecimento, uma vez que caminham juntos para o entendimento do fenômeno proposto por tal filósofo; tais
conceitos são: Recognição, Pensamento-Problema e Pensamento Dogmático. O desafio inerente a este projeto é o
de tentar compreender se estas concepções filosóficas contribuem de algum modo para a compreensão da educa-
ção escolar e sua consequente produção de subjetividade por meio de práticas ou estímulos a determinados tipos de
pensamento.
Palavras-chave: Escola. Práticas Educacionais. Produção de subjetividade.

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GT3. INTELECTUAIS E PENSAMENTOS EDUCACIONAIS

Ementa: Estudos investigativos da história de intelectuais que atuaram no campo da educação


contribuindo para a constituição do pensamento educacional, dos projetos que defenderam, das pro-
posições que formularam e da atuação destes intelectuais em instituições educativas, culturais, em
espaços editorias e na formulação e implantação de políticas públicas educacionais.

A DEMOCRACIA CULTURAL NA REFORMA DO ENSINO: O PROJETO DE RÁDIO-


EDUCAÇÃO DO ESCOLANOVISTA GARCIA DE REZENDE

Wilson Alves de Paiva - UFG

Resumo: Malgrado a importância e a repercussão que teve o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
alguns dentre os vinte e seis signatários do documento não tiveram a mesma projeção que outros nomes, como o
de Anísio Teixeira, de Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, ou de Cecília Meireles. Dentre os menos conhecidos
está o professor, escritor e jornalista Sezefredo Garcia de Rezende, o qual participou das discussões, dos encontros
e de diversas reuniões dos membros mais ativos do movimento, bem como assinou o Manifesto e, paradoxalmente,
em vez de manter a produção conjunta com aquele grupo, desapareceu do cenário nacional. Porém, assim como os
outros menos festejados, Garcia de Rezende teve uma forte atuação política, cultural e educacional. Só não ficou tão
conhecido porque acabou limitando sua atuação ao seu estado de origem, isto é, o Espírito Santo. sua teia inicial e
maior de relações pessoais, políticas e profissionais foi com os intelectuais do Espírito Santo. O Clube dos Boêmios,
em Vitória, era o ponto de encontro e lá foi realizada em 1921 a sessão de lançamento da Academia Espirito-santense
de Letras. Na capital, participou da elite cultural e foi membro-fundador da Academia. Garcia de Rezende trouxe do
Rio de Janeiro e de São Paulo, tudo o que pode absorver do tempo em que ele passou com Fernando de Azevedo e
outros intelectuais liberais modernistas. Defensor do liberalismo, da democracia e da reconstrução da cultura, trouxe
os ideias do movimento antropofágico. Foi com essa aproximação que possibilitou uma maior interação com os mo-
dernistas, como Oswald de Andrade, chegando depois a participar mais intensamente do Movimento Antropofágico,
até mesmo para fortalecer a ideia da renovação e do caráter tipicamente brasileiro da cultura, no Espírito Santo, onde
a ideia não teve tanta repercussão. Com o intuito de fomentar todas essas ideias em seu estado, criou algumas insti-
tuições culturais e jornalísticas na cidade de Cataguases-MG, como o Grêmio Literário Belmiro Braga, o Semanário
“A Luta”, mais ou menos na mesma época em se foi criada a revista “Verde”, famosa por suas publicações literárias. Já
no campo da educação, iniciou sua carreira educacional como diretor da escola pública de Boa Família, atual Itaguaçu,
área de colonização italiana. Publicou em diversos jornais suas crônicas e seus escritos sobre educação, defendendo os
princípios da escola nova. Escreveu também sobre política, defendendo o movimento liberal; e sobre arte, propagan-
do os ideais da arte moderna. Para Garcia de Rezende, era o rádio o melhor meio de propagar a cultura, promovendo
a cooperação intelectual entre professores, alunos e demais interessados. Para ele, o rádio seria o maior instrumento
de democratização da cultura, de preparação política da população e de promoção do ensino.
Palavras-chave: Garcia de Rezende. Escolanovismo. Radio-educação.

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AS CONTRIBUIÇÕES DE EDGAR ROQUETTE PINTO PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO NO BRASIL

Edna Misseno Pires - PUC-GO

Resumo: O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932” ocorreu em um período de grandes trans-
formações no Brasil principalmente no campo urbano industrial e consequência da exposição de tensões e conflitos
político, econômico e sociais. O contexto brasileiro do pensamento liberal democrático liderado por: Anísio Teixeira,
Fernando Azevedo e Lourenço Filho continha nos seus bastidores figuras importantíssimas que teriam grandes in-
fluências nas diversas tomadas de decisões como, por exemplo, o médico e antropólogo e educador Edgar Roquette
Pinto. Os interesses em prol da ampla de divulgação deste documento pode ter sido uma das causas da participação
de Roquette Pinto deste momento histórico. Roquette-Pinto acreditava que neste Brasil marcado pelo trabalho,
pelas doenças e pelo analfabetismo ainda era possível uma regeneração pelo meio âmbito cultural. Roquette Pinto
conhecido popularmente como “pai do rádio”, com ideias liberais e pensamento influenciado pelo positivismo Edgar
Roquette - Pinto fundou a rádio no dia 20 de abril de 1923 e visualizou a rádio como um meio de divulgar a cultura
e popularizar a educação. Ele contribuiu para reflexões sobre as diferenças e desigualdades, a diversidade racial e
isto envolvia ver o Brasil com olhar antropológico e enxergar o homem na idade da pedra, homem campo, homem
trabalhador e servo. Roquette Pinto influenciado pelas leituras de Foucault engajou nas lutas contra o racismo e as
ideias de superioridade de raças e seus estudos antropológicos do território brasileiro resultou em produções que
serviram para a formação do cidadão republicano. “Roquette foi reconhecido como um cientista social e buscou iden-
tificar formas de relação de poder no ”Brasil sertão” sustentado pelo analfabetismo e as pestilências e miséria nestes
territórios. Este artigo tem como objetivo conhecer a história deste intelectual e suas contribuições para a democra-
tização da educação no contexto brasileiro. Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico baseado em autores e
documentos tais como: Ferranetto (2000); Costa (2004) e Manifesto dos pioneiros da educação nova (1984). Este
estudo compreendeu que a ideia de uma nação civilizada por meio da educação e cultura usando a rádio contribuiu
para compor o cenário brasileiro. Ao analisar a história de intelectuais que ajudaram a compor o documento “Mani-
festo dos Pioneiros da educação nova” em 1932, podemos traçar o contexto político, social e cultural do Brasil neste
período. O documento se consagra como clímax de um movimento que se começou no início do século XX em prol
da modernização da educação e os interesses em prol da ampla de divulgação deste documento pode ter sido uma das
causas da participação de Roquette Pinto deste momento histórico.
Palavras Chaves: Educação. Cultura. Modernização do ensino

AMÁLIA HERMANO TEIXEIRA: UMA INTELECTUAL GOIANA ESCOLANOVISTA

Luciana da Silva Martins. - PUC-GO

Resumo: Este trabalho expressa parte de uma pesquisa sustentada pela história dos intelectuais; tem como
objeto de estudo as contribuições de Amália Hermano Teixeira no movimento escolanovista em Goiás. Ressalta o
objetivo de por meio dos escritos de Amália Hermano Teixeira, analisar a configuração do ideário escolanovista em
Goiás, no período de 1937 a 1963, espaço temporal que a mesma atuou como professora. O procedimento metodoló-
gico que sustentou esta pesquisa consiste no Contextualismo Linguístico, fundamentado por Quentin Skinner, pela
ótica de Vieira (2008; 2015; 2017) e Silva, Ricardo (2010). O qual entende que pode-se fazer uma leitura do contexto
partindo do texto, pois, o que está escrito foi anteriormente pensado e ressalta uma intenção previamente progra-
mada. Para complementar a análise dos dados, utilizou-se a Pesquisa Oral como respaldo que fortaleceu as vozes dos
entrevistados e compilou nos resultados que estão divididos neste trabalho em três partes; sendo que a primeira trata

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da contextualização histórica do cenário goiano, no início do século XX, que se instaurou a partir de enfrentamentos
político-sociais e ideológicos, ressaltados pela revolução de 1930 e as mudanças arquitetadas em consonância com
a colaboração com o sistema de poder firmados pelo apoio escolanovista, buscou-se fazer uma compreensão dada
pelos escritos de Amália Hermano Teixeira (1916-1991) e sua visão em relação a todo esse processo. A segunda
parte busca responder ao objetivo de instaurar uma explicação sobre a participação dos intelectuais na consolidação
do ideário educacional goiano; retrata as relações institucionais que se constituiu no estado goiano com a aprovação
dos intelectuais às ações do governo os quais promoveu a expansão e permanência de um ideário escolanovista. Para
sustentar esta análise, utilizou-se os escritos da autora publicados na Revista Oeste (1942-1945) e Revista Educação
(1959,1960,1962), instrumentos utilizados para propagar os ideais governamentais da época. A terceira parte assume
a função de apresentar um foco à intelectual Amália Hermano Teixeira e ressaltar as suas contribuições enquanto
professora e partícipe na estruturação do processo educacional goiano, com vistas à Escola Nova, a partir de análises
de escritos da própria autora em um caderno de planos da mesma, datado em 1940; quando era professora da Escola
Normal Oficial. Conclui-se, este com o convencimento de que Amália Hermano Teixeira atuou no contexto educa-
cional goiano, como militante do movimento escolanovista, combinando estratégias e ideários advindos do governo,
de forma a concretizar uma ação educativa voltada para novos padrões sociais em que a sociedade engrenava-se,
padrões liberais e voltados para o progresso. Configurou-se assim, um pertencimento a um cenário em que Amália
Hermano Teixeira, fez-se intelectual, e que a mesma atuou de maneira ativa, com propósitos pensados e normatiza-
dos à época, constituindo-se como parte importante da história da educação em Goiás.
Palavras-chave: Amália Hermano Teixeira. Intelectual. Escolanovista.

O PENSAMENTO DE PAULO FREIRE SOBRE A ALFABETIZAÇÃO A PARTIR DE 1959 E


SUA ATUALIDADE NA CONTRAPOSIÇÃO DE DISCURSOS ANTIDEMOCRÁTICOS

Anderson Souza da Silva


Raquel Gomes Botelho Nogueira
Dayanna P. Santos

Resumo: Este trabalho objetiva evidenciar a contribuição de Paulo Freire à Educação de Jovens e Adultos
por meio da análise da concepção de alfabetização adotada em seu no pensamento no contexto da educação popular
brasileira. Destarte, buscamos compreender os fundamentos e as articulações do pensamento político-pedagógico de
Paulo Freire presentes em seus principais livros com circulação no Brasil. Para tanto, fez-se necessário adotar como
abordagem metodológica a técnica hermenêutica de interpretação de texto que inclui aspectos práticos e teóricos no
âmbito da interpretação textual. Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, pautada na interpretação e com-
preensão da obra de Paulo Freire desde o princípio da pedagogia da libertação que se fundamenta nos pressupostos
teóricos da teologia progressista e do nacionalismo-desenvolvimentista das décadas de 1950 e 1960 identificados
nas obras Educação e atualidade brasileira (1959) e Educação como prática da liberdade (1984), do progressismo marxista
presente de maneira explicita em Pedagogia do oprimido (1984b), Ação Cultural para a liberdade e outros escritos (1984),
Educação e mudança (1979), até na adoção de alguns elementos do “pós-modernismo progressista”, presentes em Peda-
gogia da esperança (1996). Sob esse prisma, evidencia-se o fato de que até meados dos anos 1960, Hegel (1966), o mar-
xismo “superestrutural” e as ideias de Gramsci balizam a construção teórica desenvolvida em Pedagogia do oprimido
(1984). A partir da análise empreendida foi possível depreender que o pensamento político-pedagógico de Freire vai
evidenciando gradualmente, uma concepção humanista do mundo e da vida social e incluindo distintas concepções
político-filosóficas acerca do mundo, da sociedade e do ser humano. Trata-se, portanto, de um pensamento genuíno
e crítico que marca o campo pedagógico brasileiro da segunda metade do século XX e ainda na contemporaneidade
demonstra-se atual e necessário na contraposição de discursos políticos antidemocráticos que legitimam tipologias
distintas da educação dualista brasileira, categorizadas pelas desigualdades sociais.
Palavras-chave: Alfabetização. Paulo Freire. Pensamento político-pedagógico.

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O CONTEXTUALISMO LINGUISTICO PARA A COMPREENSÃO DA ABORDAGEM DE
LORIS MALAGUZZI

Milian Daniane Mendes Ivo Silva

Resumo: O objetivo do presente artigo consiste em analisar as contribuições teóricas e metodológicas propos-
tas pelo historiador britânico Quentin Robert Duthie Skinner para pensar a escrita da história. A partir da leitura
de alguns de seus principais textos metodológicos, especialmente Visões Politicas sobre os Métodos Históricos, bus-
cando compreender as questões centrais que fundamentam o “contextualismo linguístico”. Ao longo de sua obra, o
que mais mobilizou Skinner foi o trabalho de problematizar a dimensão da interpretação dos significados contidos
em textos passados, procurando para isso compreender em que termos autores, textos, contextos e linguagem devem
ser articulados pelo historiador ao investigar uma obra histórica, um conjunto de ideias, um enunciado ou o pensa-
mento de um determinado autor. Com esse aporte teórico metodológico da perspectiva skinneriana, foi analisada
os aspectos epistemológicos de uma experiência concreta na educação da primeira infância que surge no início da
segunda metade do século XX, no norte da Itália, na cidade de Reggio Emilia, e de lá se expande para o mundo. Esta
pedagogia, que tem como mentor e precursor o pedagogo e psicólogo italiano Loris Malaguzzi, afirma que a criança
é um ser social e histórico. Assim, essa experiência educativa torna-se com o passar do tempo, uma rede de escolas
para crianças pequenas, nas quais o potencial intelectual, emocional, social e moral de cada criança é cuidadosamente
cultivado e orientado. Princípios que fazem a cidade de Reggio Emilia ser mundialmente reconhecida como cidade
educadora de primeira infância, essa experiência educacional ficou conhecida como Abordagem de Reggio Emília.
Compreende-se elementos importantes como a imagem da criança que também pode nos ensinar, a criança como
sujeitos únicos, com direitos, em vez de simplesmente com necessidades. Visão e entendimento de criança que se
contrapõe ao modo como até então se entendia o papel da infância nos processos de ensino e aprendizagem; um olhar
desvinculado do caráter assistencialista. Assim, Malaguzzi, tornou-se promotor de uma filosofia da educação inova-
dora, criativa, capaz de valorizar o patrimônio de potencialidades e recursos que emergem das diferentes linguagens
das crianças, tornando a Abordagem de Reggio Emilia um objeto de estudo para estudiosos da educação, em especial
para os pesquisadores da infância.
Palavras-Chave: Contextualismo Linguístico, Loris Malaguzzi e abordagem pedagógica de Reggio Emilia.

O JORNALISMO COMO INSTÂNCIA SOCIALIZADORA NO MOVIMENTO


ESCOLANOVISTA: AS CONTRIBUIÇÕES DE JULIO DE MESQUITA FILHO

Vinicius Oliveira Seabra Guimarães


Aldimar Jacinto Duarte

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a participação política e profissional do jornalista Júlio de Mes-
quita Filho, e suas contribuições na construção de um pensamento político, social e educacional na cidade de São
Paulo por meio do Jornal “O Estado de S. Paulo”. Busca-se compreender as ações desse jornalista no campo político
e social (complexas e contraditórias), que o levaram a assinar o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Júlio de
Mesquita Filho nasceu na cidade de São Paulo no ano de 1892 e veio a falecer no ano de 1969, aos 77 anos de ida-
de. O primeiro livro autoral dele foi publicado em 1925 com o título: “A crise nacional”, em que já discutia sobre a
questão da democracia, a política e a educação no Brasil. No ano de 1927, assume a direção do jornal “O Estado de S.
Paulo”, sendo este um jornal de grande circulação na capital paulista desde o ano de 1875, que posteriormente com
a junção de outras mídias ficou conhecido até os dias atuais como “Estadão”. No dia 19 de março de 1932 ele assina e
publica no jornal “O Estado de S. Paulo” o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, que juntamente com outros

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26 signatários defendiam uma educação pública, laica e gratuita, entre outras premissas. Em 1933, Júlio de Mesqui-
ta Filho, encontra-se com o educador Fernando de Azevedo (1894-1974), momento este em que juntos trabalham
para a criação da Universidade de São Paulo (USP), que foi efetivamente fundada em 25 de janeiro de 1934. Uma das
grandes contribuições de Júlio de Mesquita Filho foi usar o jornalismo como um elemento de mobilização da opinião
pública, demonstrando ser essa mídia uma instância educativa, socializadora e provocativa da própria realidade histó-
rico-social do Brasil em que viveu. Entretanto, o mesmo veículo de informação serviu como plataforma de interesses
pessoais e políticos, reafirmando as hegemonias de poder e as disputas de classes do seu tempo.
Palavras-Chave: Jornalismo. Escolanovismo. Educação.

O CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL SOB OS OLHARES DOS INTELECTUAIS:


ANÍSIO TEIXEIRA, PAULO FREIRE E MAGDA SOARES

Elizabeth de Fatima Freitas Marcelino

Resumo: Este artigo tem como finalidade apresentar os resultados de um estudo investigativo sobre a
história do conceito de alfabetização no discurso educacional brasileiro do século XX. Para este estudo foram toma-
dos como principais referências os escritos dos intelectuais Anísio Teixeira, Paulo Freire, e Magda Soares sobre a
educação e a alfabetização no Brasil. Anísio Teixeira ao buscar fazer da escola, uma escola democrática e humanista,
destacou-se no cenário educacional como um intelectual defensor da escola pública e da universalização do
ensino. A dinamicidade e o entrelaçamento de suas ideias contribuíram para a constituição de um pensamento
pedagógico brasileiro em defesa da escola pública e da alfabetização de todas as crianças em idade escolar, por meio da
universalização do ensino primário. Paulo Freire foi um intelectual reconhecido nacionalmente e internacionalmen-
te por seu trabalho com a educação popular e, mais especificamente, com a alfabetização de adultos. Em seu discurso
pedagógico defendia uma educação para o despertar da consciência e da autonomia das pessoas, capacitando o
oprimido para a livre interpretação do mundo por meio da leitura e escrita. Magda Soares, educadora, pesquisadora e
intelectual, autora de vários livros e publicações em periódicos especializados, vem influenciando diferentes gerações
de professores e pesquisadores brasileiros, tendo contribuído decisivamente para a discussão e proposição de novos
rumos para a alfabetização no Brasil e para sua constituição como objeto de pesquisa e campo de conhecimento. Por
meio do discurso sobre a alfabetização formulado por estes três autores procuramos recuperar a história da alfabe-
tização no Brasil no decorrer do século XX, analisando as mudanças ocorridas na história deste conceito durante o
período analisado. As referências teórico-metodológicas destes estudos foram tomadas da História dos Conceitos,
especialmente de Kosellek, Vieira e Quental, que apresentam proposições especificamente dedicadas à esta modali-
dade de escrita da história.
Palavras-Chave: Educação, Conceito de Alfabetização, Intelectuais brasileiros.

PAULO FREIRE NÃO AINDA, MAS, SOBRETUDO HOJE

Alair Maria David Primon - UEMG

Resumo: O presente texto visa evidenciar alguns elementos essenciais da obra de Paulo Freire, sobretudo
Pedagogia do Oprimido, trazendo o texto de 50 anos atrás para um diálogo com a atualidade. Focaliza no tema da desu-
manização e, enquanto instrumento de alienação do sujeito oprimido e nas possíveis introjeções que esse sujeito pode
realizar quando tem no opressor um modelo hegemônico de relação com o mundo. Este artigo tem como objetivo
ressaltar a importância do papel de Paulo Freire nos tempos atuais, como forma de enfrentamento de um regime
totalitário. Para tanto, fez-se uso de da pesquisa qualitativa através de estudo bibliográfico de suas obras, em especial,

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Pedagogia do Oprimido. Analisando o cenário atual, percebe-se que todo esforço no sentido de direcionar a educação
e todos os processos pedagógicos para a transformação da realidade devem ser louvados. Que sejam louvados também
os autores, teóricos e educadores que, com seu gesto que joga luz sobre questões tão importantes, inspiram seus pares
a agir garantindo uma educação libertadora, conscientizadora, crítica. Após análise das obras, foi possível perceber
que existe um contexto global de diminuição das diferenças, de rechaçamento das lutas pelo reconhecimento das
minorias, pelo recrudescimento das políticas de repressão das populações historicamente menos favorecidas e de
proteção de uma hegemonia. Mas, o caso brasileiro parece estar mostrando sua faceta mais radical nos tempos atuais,
quando se trata de políticas de opressão e de esvaziamento do discurso crítico. Nesse contexto um pensador como
Paulo Freire se faz cada vez mais atual e necessário. A construção de uma pedagogia enraizada na realidade, na qual se
aprende em comunidade, onde a capacidade de aprender é um dado inalienável do indivíduo. Essa pedagogia foi de-
finitivamente definida, defendida e elaborada pelo agora “perseguido” Paulo Freire. Nessa perspectiva, o pensamento
de Freire representa um tal risco a qualquer governo com pretensões totalitárias, pois na sua visão ele imagina uma
educação enquanto ato político, envolvida nos problemas contemporâneos. Seus textos trazem uma visão da realida-
de brasileira que, ao que tudo indica, pouco se transformou. Ou talvez, a onda conservadora obscurantista que vemos
se intensificar seja justamente a reação a alguma transformação. E o seu Pedagogia do Oprimido é o cerne da elaboração
dessa educação do/pelo afeto e amorosidade; da igualdade como fundamento de uma ação pedagógica libertadora. É
sobre esse texto em especial que o presente artigo irá se debruçar, tentado apontar a importância de Paulo Freire não
ainda, mas, sobretudo, hoje.
Palavras chave: Paulo Freire, pedagogia, opressão, humanização, libertação.

CAPITAL HUMANO, ESCOLA E O TRABALHO DOCENTE: PRECARIEDADES

Marco Aurélio Pedrosa de Melo

Resumo: A reflexão proposta parte de estudos para uma tese defendida, onde há necessidade de se pen-
sar a Escola a partir de um contexto social, porém o que devemos voltar a aprofundar é a participação docente neste
processo que consolide uma nova institucionalização da própria instituição social que é Escola. Pensar o trabalho
docente requer pensar o social que cerca o ser humano, o estudante que sofrem com a lógica do capital humano em
detrimento do capital social. Na Escola apresenta-se condição para um controle social, organização do trabalho e pla-
nejamento da divisão social do trabalho de tal forma que a educação entra numa encruzilhada de conformar e agravar
uma situação de desequilíbrio de oportunidade e desigualdade social perpetuando-se na Escola. Partimos das
observações de Illich sobre “a descolarização de uma sociedade escolarizada” em que a escolarização engana ao indi-
car ao aluno que quanto mais tempo na Escola maior as oportunidades, porém, treina não para entender o mundo e
transforma-lo, mas sim executar funções em um papel social que assume. Exploramos também a questão do capital
humano que não desapareceu na escola e que foi reconfigurado de forma a se fundir com as atualizações do sistema
capitalista quanto a organização, planejamento e controle do trabalho conforme as perspectivas dos seguintes teóri-
cos que elencamos, entre eles Rossi, Freitag, Silva Júnior e Helonai. Estas teorias explicativas criam um contexto de
atualidade na educação brasileira, com consequências difíceis de recuperação para melhoria do ensino, aprendizagem
e qualidade e valorização do trabalho docente. As contribuições dos autores foram elencadas de pesquisa bibliográfica
e os fatos relacionados a realidade social e educacional brasileira, em específico entre os professores de Sociologia na
capital de Goiás, Goiânia. A discussão chega a conclusão de como os processos de controle e organização do trabalho
docente são novas aplicações dos objetivos do capital humano.
Palavras-Chave: capital humano, escola, trabalho docente

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FERNANDO DE AZEVEDO E OS MOVIMENTOS EM TORNO DA CRIAÇÃO DA
UNIVERSIDADE NO BRASIL

Jacirema das Neves Pompeu Martins - FINOM

Resumo: A concepção da universidade no Brasil nos apresenta desde seu início um histórico de resistência
a sua implantação, primeiramente por parte de Portugal refletindo claramente sua política de colonização, que vai
desde a criação até o próprio desinteresse por parte de brasileiros, que não viam justificativa para a criação de uma
instituição desse gênero na Colônia, pois consideravam mais adequado que as elites da época procurassem a Europa
para realizar seus estudos superiores. As primeiras ideias no sentido de sua criação nascem sob o signo do insuces-
so. Os alunos graduados nos colégios jesuítas partiam para a Universidade de Coimbra em Portugal ou para outras
universidades europeias, a fim de completar seus estudos. Nossa pesquisa objetiva discorrer acerca das tentativas de
criação de universidade no Brasil, sob a égide de Fernando de Azevedo. Por meio de pesquisa bibliográfica, encontra-
mos registros de intenções, que constam desde a agenda traçada no período da Inconfidência Mineira, tentativas, sem
êxito que continuaram por mais de um século e uma delas coincidindo com a transferência da sede da Monarquia para
o Brasil. Portanto, não seria exagero inferir que Portugal exerceu, até o final do Primeiro Reinado, grande poder de
influência na formação de nossas elites. Desta feita podemos concluir que as tentativas de criação de universidades,
nos períodos colonial e monárquico, foram frustradas, fato que denunciava uma política de controle por parte da
Metrópole sobre qualquer ação que divisasse sinais de independência cultural e política da Colônia. Importa lembrar
ainda que, mesmo como sede da Monarquia, o Brasil consegue ainda assim o funcionamento de algumas escolas
superiores de caráter profissionalizante. Ou seja, o novo ensino superior nasceu sob o signo do Estado Nacional. No
ano da transmigração da Família Real para o Brasil é criado, por meio do Decreto de 18 de fevereiro de 1808, o Curso
Médico de Cirurgia na Bahia e, em 5 de novembro do mesmo ano, é instituída, no Hospital Militar do Rio de Janeiro,
uma Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica. Outros atos são sancionados e contribuem para a instalação, no Rio de
Janeiro e na Bahia, de dois centros médico-cirúrgicos, matrizes das atuais Faculdades de Medicina da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em 1810, por meio da Carta Régia de
4 de dezembro é instituída a Academia Real Militar, inaugurada em abril do ano seguinte. Foi nessa Academia que
se implantou o núcleo inicial da atual Escola de Engenharia da UFRJ, passo importante para o desenvolvimento da
Universidade.
Palavras chave: Fernando de Azevedo. Universidades no Brasil. Implantação.

ARMANDA ÁLVARO ALBERTO: UMA EDUCADORA E FEMINISTA BRASILEIRA A


LACUNA INACEITÁVEL DA HISTÓRIA

Selma Regina Gomes

Resumo: Este trabalho apresenta a história da intelectual Armanda Álvaro Alberto, uma das três mulheres sig-
natárias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O objetivo é destacar sua contribuição ao pensamento edu-
cacional brasileiro, evidenciando o contexto das relações sociais, institucionais e intelectuais do qual emergiu seu
projeto de escola idealizado e colocado em prática na Escola Regional de Meriti, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
Trata-se de uma pesquisa realizada a partir de estudo investigativo, referente à História Intelectual dos Signatários
do Manifesto da Educação Nova, realizado pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Educacional Brasileiro, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, cujo propósito é contribuir
com a produção do conhecimento sobre a constituição do pensamento educacional brasileiro, por meio da história de
intelectuais protagonistas do movimento pela Escola Nova no Brasil. Elegeu-se o Contextualismo Linguístico como

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orientação metodológica para a apreensão do contexto e das ideias da intelectual em questão, buscando atentar para o
tempo histórico da produção das ideias defendidas pela intelectual e a intenção por trás de suas ações. Como suporte
teórico as proposições sobre a prática da história intelectual de Vieira (2015). Esta pesquisa permitiu identificar as di-
mensões de poder e prestígio que está educadora deteve no contexto da história da educação brasileira e compreender
porque apesar desta educadora ter atuado em um dos movimentos educacionais mais estudados pelos historiadores, o
movimento da Escola Nova, a produção historiográfica, não deu a ela um lugar de destaque. Palavras-Chave: História
dos Intelectuais; Armanda Álvaro Alberto; Pensamento Educacional.
Palavras-Chave: História dos Intelectuais; Armanda Álvaro Alberto; Pensamento Educacional.

ROMANIZAÇÃO DA IGREJA EM GOIÁS: A ATUAÇÃO DE D. EMANUEL GOMES DE


OLIVEIRA (1923-1955)

Renata Teixeira Mendes da Costa - UFG - Regional Catalão


Ana Maria Gonçalves - UFG - Regional Catalão

Resumo: Este artigo resulta de pesquisa, desenvolvida no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão, intitulada “A influência salesiana na história da educação goiana
(1923-1955)”, vinculada ao projeto O Legado Educacional do Catolicismo em Goiás (1889/1957), que discute a participação
da Igreja Católica Apóstolica Romana na expansão da rede goiana de ensino. Trata-se de pesquisa em andamento e os
resultados apresentados são frutos de pesquisa bibliográfica que teve como fontes: artigos, teses, dissertações e livros
sobre a história da Igreja Católica e da congregação salesiana. O objetivo desse artigo é apresentar D. Emanuel Gomes
de Oliveira, religioso salesiano, sétimo bispo de Goiás, proeminente figura no cenário político e educacional goiano no
recorte temporal adotado. D. Emanuel é hoje nome de colégios, praças públicas e logradouros em várias cidades
do estado. Em virtude de sua atuante trajetória no cenário político e educacional goiano, utilizando a concepção de
Sirinelli, o definimos como “intelectual”. Sua atuação na vida do estado, como ator social, lhe confere um papel signifi-
cativo quanto ao desenvolvimento de Goiás, em função do forte investimento na educação, seja criando ou apoiando a
implantação de escolas em grande parte do território goiano, dimensão que vinculamos à sua formação salesiana e ao
projeto romanizador. D. Emanuel além de ser um religioso engajado com os desígnios do catolicismo, possuía grande
habilidade para lidar com questões de cunho político, diplomático, às vezes se abstinha de tomar partido em algumas
situações, por exemplo a transferência da capital, além do que possuía poder de convencimento frente às autoridades,
encontrando assim apoio para aprovação de seus projetos. Sua rede de relações lhe permitiu enfrentar as restrições que
recebia quanto a sua visão e posicionamentos. A atuação como figura representante do bispado de Goiás entre os anos
de 1923 e 1955 ainda contribuiu fortemente para o processo de romanização da Igreja Católica que apostava suas fichas
no ensino confessional, voltado aos cidadãos pertencentes à elite, em oposição às idealizações modernas. Em meio as
suas viagens, D. Emanuel recebia inúmeros pedidos para criação de escolas, aos quais apresentava promessas de uma
futura conquista. Com tal objetivo, D. Emanuel organizou a vinda de religiosos pertencentes a diferentes ordens e
congregações para o estado goiano a fim de ampliar a abertura de novas obras educacionais. Ao todo o arcebispo criou
ou incentivou a abertura de cinquenta e sete escolas de Ensino Primário, trinta e um Ginásios, em nível médio: cinco
Colégios, dezesseis escolas de Ensino Normal e quatro de Ensino Técnico, e ainda seis Faculdades que, posteriormente,
se unificaram como Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Seus esforços enveredaram para o con-
sequente desenvolvimento do campo educacional e a diminuição do analfabetismo em Goiás, sendo condecorado pela
autoridade estadual da época Pedro Ludovico Teixeira e jornais com a alcunha de “arcebispo da instrução”. Após sua
morte em 1955, na cidade de Silvânia, foi inaugurada em 1956 a arquidiocese da nova capital, Goiânia, substituindo e
encerrando os trabalhos da arquidiocese de Goiás, levando assim D. Emanuel Gomes de Oliveira a ser conhecido como
o primeiro e único a desempenhar o papel de arcebispo de Goiás.
Palavras-Chave: Intelectual. Educação Confessional. D. Emanuel Gomes de Oliveira.

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RENOVAÇÃO, RENOVADORES E A CONSTRUÇÃO DO CAMPO EDUCACIONAL EM
GOIÁS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

Jaqueline Veloso Portela de Araújo - UFG


Anderson de Brito Rodrigues - UFG

Resumo: A presente pesquisa trata do processo de constituição do movimento de renovação pedagógica em


Goiás, seus atores e as perspectivas pedagógicas por eles defendidas. Pretende-se compreender quem foram os inte-
lectuais que contribuíram para a entrada e o desenvolvimento de concepções educacionais inovadoras no Estado de
Goiás, e suas relações com o processo de constituição do campo educacional nesse Estado e de proposição do ideário
pedagógico renovador, propondo-se a identificar quem foram os principais intelectuais no Estado de Goiás que con-
tribuíram para a constituição do escolanovismo, ideário pedagógico que perdurou no cenário goiano pelo menos até
a década de 1960. Para atingir tal objetivo as fontes tomadas em análise são a imprensa periódica (jornais, revistas),
anais de congressos, relatórios de governo, entre outros, à procura de concepções de educação, escola, professor,
aluno, infância, didática, métodos de ensino-aprendizagem enunciadas por tais sujeitos. A perspectiva teórico-meto-
dológica que fundamenta tal pesquisa compreende a historiografia como recurso e principal caminho para o enten-
dimento dos discursos e práticas pedagógicas constituídos na primeira metade do século XX em Goiás. Considera-se
que as ideias pedagógicas de cunho renovador presentes nos textos de professores, médicos, jornalistas, políticos, es-
critores (esses profissionais são denominados na pesquisa como intelectuais) contribuíram para fundamentar as polí-
ticas educacionais no Estado, sendo balizadores da formação de professores e difusores de uma concepção de infância
e de aprendizagem fundamentada no pensamento escolanovista, constituindo assim o campo educacional goiano. Tal
tarefa apresenta-se como um desafio, pois produzir uma memória histórica a partir dos dados das publicações peri-
ódicas e outros documentos (regulamentos, cartas, anais) impõe a necessidade de deslocamento no tempo histórico,
o qual traz, por sua vez, o imperativo de remontar as intencionalidades contidas nos discursos dos sujeitos daquela
época, o que implica em reconstituir uma memória e produzir uma história sobre os renovadores e a constituição
das ideias pedagógicas em Goiás. Os dados levantados indicam que algumas professoras e professores que exerciam
suas funções no Grupo Escolar, Escola Normal, Instituto de Educação, e também diretores desses espaços e ainda
diretores de revistas e outros intelectuais estiveram envolvidos na realização de congressos e eventos, proposição de
reformas e regulamentações da instrução pública, contribuindo para que o ideário escolanovista se fizesse presente
no Estado de Goiás. Dentre alguns desses nomes ressalta-se a atuação de Vasco dos Reis Gonçalves, Amália Hermano
Teixeira, Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro e Floracy Artiaga Mendes. Os personagens mencionados realiza-
ram um trabalho importante de divulgação das concepções pedagógicas da Escola Nova, tanto em eventos científicos
e associativos, em agremiações, como em publicações periódicas, contribuindo para a construção do campo e para a
institucionalização da educação em Goiás.
Palavras-chave: Escola Nova; Ideias pedagógicas; História da educação em Goiás.

MANOEL BOMFIM: ENTRE O HOMEM VISIONÁRIO E O INTELECTUAL ESQUECIDO

Fernanda Borges Neto - PPGED/UFU


Sônia Maria dos Santos - PPGED/UFU

Resumo: O presente resumo apresenta algumas considerações sobre a vida e a obra de Manoel Bomfim. Ape-
sar de pouco conhecido e reconhecido, Manoel Bomfim foi umintelectual brasileiro cujas ideias e pensamento trans-
corre fins do século XIX e início do século XX. Nasceu em Aracaju (SE) em 1868 e faleceu no Rio de Janeiro em 1932,
mesmo ano do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em defesa do ensino público gratuito, laico e obrigatório.
Formou-se Medicina em 1890 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a qual se muda ainda em 1888, por

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influência e persuasão do jornalista Alcindo Guanabara, contrariando a vontade do pai que o queria cuidando dos
negócios da família em Aracaju. Abandona a medicina em razão da morte da filha e passa a dedicar-se ao magistério
lecionando Educação Moral e Cívica na Escola Normal do Rio de Janeiro, e em 1896 assume o cargo de redator da
Revista Pedagogium. No ano de 1902 é enviado a Paris (França) pela Prefeitura do Rio de Janeiro para estudar os
estabelecimentos pedagógicos deste país. Cursa Psicologia na Sorbonne, com o propósito de especializar-se nessa
disciplina e melhor desempenhar as suas tarefas no “Pedagogium” museu pedagógico fundado em 1890 na cidade do
Rio de Janeiro, transformado em 1897 em centro de cultura superior e, que em 1906, recebeu o primeiro laboratório
de psicologia experimental do país; a instituição foi extinta em 1919, no qual participa do planejamento do primeiro
Laboratório de Psicologia Brasileiro em 1906, permanecendo seu diretor por 15 anos. São obras suas e de autoria em
parceria com outros autores: A América Latina: males de origem, Livro de composição, Através do Brasil: prática da
língua portuguesa, Lições de pedagogia: teoria e prática, O Brasil na América, O Brasil na história, O Brasil nação,
Cultura e educação do povo brasileiro. Em sua vasta obra, à frente de muitos pensadores da sua época, contrapu-
nha-se ao que era colocado como verdade por outros intelectuais. Contestava as teorias raciais, as explicações
simplistas e baseadas em modelos europeus para as mazelas do Brasil. Preocupava-se com a urgência de políticas
educacionais, particularmente para a instrução primária – o “remédio” - que pudesse retirar o Brasil de seu atraso a
“doença” perante outros países. Em sua vida e obra destacou a importância dos estudos sobre psicologia educacional,
criticando, inclusive, as análises com base apenas neste critério e sem considerar as questões sociais e históricas das
sociedades. Em 2010 o Ministério da Educação em cooperação com a UNESCO publica, dentro da “Coleção Edu-
cadores”, um volume dedicado a este pensador, resgatando pontos da vida e obra deste homem visionário, porém
esquecido.
Palavras-chave: Manoel Bomfim. Intelectual. Vida e obra.

AS CONTRIBUIÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO PARA A


COMPREENSÃO DAS CRIANÇAS E DAS INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS

Nelma Roberto Gonçalves Mendes

Resumo: Presente trabalho parte de um estudo bibliográfico que pretende responder ao seguinte questiona-
mento: o materialismo histórico-dialético (MHD), método desenvolvido por Marx no século XIX, é pertinente para
o conhecimento das crianças e das infâncias contemporâneas? Os objetivos desse trabalho é um convite a conhecer e
discutir os princípios que norteiam o materialismo histórico-dialético associando-o ao estudo da criança através da
história e da cultura em que está inserida e compreender a criança como produtora de cultura e compreendê-la como
sujeito que possui agência, que submete o mundo às suas intencionalidades. Os principais autores utilizados foram
Marx (2013), Marx e Engels (2004) e Oliveira-Formisino, Kishimoto, Pinazza (2007), Carvalho; Fochi (2017). Se-
gundo Marx, a humanidade não é dada ao homem, ela é construída no decorrer de seu desenvolvimento ontológico,
da infância até a velhice, de acordo com suas experiências de vida. O homem atua sobre a natureza, modificando-a e,
ao mesmo tempo em que submete o mundo às suas intencionalidades, ele próprio é transformado. Pensar a criança e
a infância a partir da base epistemológica materialista histórico-dialética exige antes de tudo considerar que todo fe-
nômeno é dinâmico, se desenvolve pela acumulação de mudanças quantitativas expressas em mudanças qualitativas,
em um movimento progressivo e ascendente que engloba as contradições, em uma unidade de contrários, superando
o simples em direção ao complexo (KOPNIN, 1978). Através do método dialético do pensamento, podemos con-
siderar que nenhum objeto ou fenômeno pode ser compreendido se focalizado isoladamente, sem conexão com os
objetos ou fenômenos que o cercam, ou seja, a criança e a infância devem ser compreendidas a partir de seu contexto
e de sua historicidade. Os estudos de Marx são importantes dentro dessa temática aqui abordada para analisarmos a
criança como sujeito que age no ambiente em que está inserida, transformando esse ambiente e sendo transfor-
mada por ele. Uma educação que não se constitui num modo de transmissão de saberes e reprodução de culturas na

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infância é aquela que respeita a criança na sua totalidade histórica e social e parte da concepção de sujeito que recria
o mundo que a cerca.
Palavras-Chave: Criança, Infância e Cultura.

A INFLUÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Osmar Pereira dos Santos


Raquel Aparecida Marra da Madeira Freitas

Resumo: Sabe-se que o sistema educacional brasileiro sofreu diversas mudanças ao longo da história, tais mu-
danças acontecem de acordo com as necessidades do momento em que a sociedade está vivendo, ou para atender os
diversos interesses, sejam eles políticos, econômicos ou sociais. No campo dos interesses políticos e econômicos se
nota a interferência de organismos internacionais sobre os rumos da educação no Brasil, é o que muitos estudiosos
chamam de internacionalização da educação. Já no aspecto social têm-se uma educação da acolhida para a população
vulnerável e uma escola de conhecimento aos mais abastados economicamente. Objetivo: Compreender o processo
de internacionalização da educação brasileira a partir da Declaração Mundial sobre Educação Para Todos. Metodo-
logia: A proposta metodológica foi pesquisa bibliográfica de caráter descritiva, com consultas em banco de dados
online. Resultados: A Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, ocorrida na cidade de Jontiem, na Tailândia em
1990, foi um marco que representou o divisor de águas, no planejamento e execução das políticas da área da educação
no Brasil e no mundo. No documento são expressas as preocupações com as condições e oportunidades de acesso a
aprendizagem básica do ser humano, seja ela criança, adolescente ou adulto. Com um caráter de preocupação uni-
versal destas condições de aprendizagem, mesmo que sejam mínimas, a Declaração de Jontiem ganha adeptos e suas
diretrizes passam a ser adotadas no sistema educacional do Brasil. É interessante notar que a internacionalização da
educação mundial está atrelada a globalização e as políticas neoliberais. Estes organismos internacionais geralmente
atuam financiando projetos sociais e educacionais com objetivos, metas e normas bem definidas. Tais projetos são
desenvolvidos quase sempre junto aos países em desenvolvimento, devido a sua vulnerabilidade social, com isso são
criados escola de acolhida social. Libanêo afirma que a ´´escola para o acolhimento social tem sua origem na Decla-
ração Mundial sobre Educação para Todos[...], nos quais é recorrente o diagnóstico de que a escola tradicional está
restrita a espaços e tempos precisos, sendo incapaz de adaptar-se a novos contextos e a diferentes momentos e de ofe-
recer um conhecimento para toda a vida, operacional e prático``. Com isso evidencia que existem dois tipos de escolas
no sistema educacional brasileiro, sendo a escola de conhecimento para o aluno rico e a escola do acolhimento social
para o aluno pobre e está segregação tem a sua origem neste documento internacional. Observado estes tipos de es-
colas existentes no país, tem-se que questionar as reais intencionalidades das políticas internacionais para a educação,
pois a partir dos anos de 1990 as escolas públicas brasileiras começaram a mudar o seu real papel na formação do
aluno, que seria promover meios e condições para a geração de conhecimento e aprendizagem, sendo substituída por
uma escola com funções sociais de acolhimento, socialização, e inclusão social. Além disso, foi observado que a educa-
ção assumiu outra função, que é a preparação do aluno (pobre) para o mercado de trabalho, que se pode chamá-la de
políticas educacionais mercadológica, pois atendem os interesses das políticas neoliberais, pois, esse tipo de política
gera um interesse econômico ligado ao mercado da educação de vários países. Conclusões: A internacionalização
pode ser detectada através da influência que as organizações internacionais exercem sobre as políticas educacionais,
especialmente em países considerados periféricos neste caso inclui-se o Brasil, na medida em que o projeto neoliberal
vai avançando, neste modo as redes públicas de educação acabam sendo orientadas por interesses de uma economia
de mercado de forma globalizada. Sendo assim, a chamada universalização de acesso à educação se configura como
sendo um elemento longe do alcance de muitos brasileiros e de outros no mundo a fora.
Palavras-Chave: Internacionalização. Educação Brasileira. Políticas.

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AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA MARXIANA PARA A ANÁLISE DAS RELAÇÕES
ENTRE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA

Daniela Rodrigues de Sousa - PUC-GO

Resumo: O presente trabalho parte de um estudo bibliográfico que, a partir de estados do conhecimento
(ARAÚJO, 2008; BARRETO, 2006; MORAES, 2016) que examinam relação entre educação e tecnologia, objeti-
va investigar as contribuições da teoria marxiana para a compreensão de tal relação. Os estados do conhecimento
apontam, entre outras evidências, a predominância de perspectivas tecnocêntricas subsidiando as análises do uso
de tecnologia na educação. Se deterministas, as perspectivas tecnocêntricas consideram que a tecnologia é a força
motriz do desenvolvimento social, secundarizando o papel do homem em relação ao desenvolvimento técnico. Se
instrumentais, partem do pressuposto que o homem submete completamente a tecnologia às suas finalidades, pos-
tulando a neutralidade da tecnologia. Tais concepções partem de uma leitura enviesada da lógica formal, resultando
em explicações reducionistas que supervalorizam o aparente, o imediato, o empírico e as relações lineares de causa e
efeito. Marx (2013), Marx e Engels (2004) contribuem, por meio da lógica dialética, para a ampliação do panorama de
análise. Segundo a teoria marxiana, a aparência, ainda que revele importantes atributos dos fenômenos, também os
oculta. Mesmo que aparentemente a tecnologia facilite (ou prejudique) os processos educativos, não se pode afirmar
que ela seja capaz de gerar novos paradigmas educacionais. A insuficiência das perspectivas tecnocêntricas reside nas
interpretações repletas de argumentos extremos, endógenos, absolutos e concludentes. Os fenômenos educativos e
tecnológicos são humanos, históricos, contraditórios, políticos, dialéticos e, na sociedade capitalista, estão invariavel-
mente ligados à dinâmica da luta de classe. As funcionalidades técnicas dos aparatos tecnológicos trazem, por vezes,
uma aparência inovadora, moderna e revolucionária, mas, sua essência traz um vínculo radical com a essência da so-
ciedade capitalista: a necessidade de manutenção e reprodução do capital. Por esse motivo, a relação entre educação e
tecnologia não pode se resumir às funcionalidades técnicas dos aparatos tecnológicos e sua suposta neutralidade, pois
evidencia não só a complexidade da educação e da tecnologia, mas das relações sociais. A teoria marxiana evidencia
a importância de se considerar os fenômenos humanos a partir de sua historicidade, dinamicidade e contradições,
ou seja, como resultado de múltiplas determinações. Dessa forma, compreende-se as perspectivas tecnocêntricas
como alinhadas aos interesses da classe hegemônica pois, ao naturalizar, despolitizar, descontextualizar e eliminar a
complexidade das relações entre educação e tecnologia, contribuem para a transposição de lógicas administrativas e
mercadológicas para a educação, como se fossem simétricas. Essa transposição atende aos interesses neoliberais que
pretendem submeter educação e tecnologia às necessidades imediatas do mercado. Conclui-se que a teoria marxiana
apresenta grande utilidade para a compreensão das relações entre educação e tecnologia, pois contribui para uma
compreensão mais aprofundada e crítica de tais relações.
Palavras-chave: Educação. Tecnologia. Teoria marxiana.

A PRÁTICA EDUCATIVA EM CÉLESTIN FREINET

Eduardo Moreira Marques - FTM

Resumo: Este trabalho resultou de uma pesquisa bibliográfica sobre a vida e a obra do educador Célestin Frei-
net (1896-1966), tendo como orientações metodológicas as proposições formuladas no âmbito da História Política
que retomam a narrativa biográfica como possibilidade de escrita da história. Freinet foi um educador francês, co-
munista, um dos precursores do movimento da escola nova que fundamenta-se no princípio de que a o educando é a
chave central do processo educativo. Com base neste princípio, propôs um ensino que tivesse a atividade como fonte
norteadora da prática escolar, com objetivo de uma formação que preparasse o aluno para o trabalho livre, criativo

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e emancipador. Por conseguinte, de acordo com o Freinet, no ambiente de aprendizagem, o professor é o mediador,
o mobilizador das crianças a fazerem experimentos em busca de respostas às indagações que vão ao encontro da
superação de suas dificuldades, desencadeando suas motivações internas para o aprender. Freinet, foi comunista e
atuou como professor na zona rural francesa, desenvolveu ideias de uma escola popular, partindo do pressuposto de
que o conhecimento inicia-se a partir do nascimento da criança e não a partir da sua idade da razão. Freinet, quando
prisioneiro na segunda guerra mundial utilizou-se desse tempo para elaborar grande parte de sua obra, como grande
mentor das ideias base da pedagogia que estivesse voltada para as classes desfavorecidas, com a finalidade de propiciar
meios democráticos para o desenvolvimento de uma escola moderna e inserida na realidade do aluno. Os principais
marcos de sua trajetória como professor e intelectual foi utilizar como metodologia ouvir e registrar as falas dos seus
educandos, seus desejos, comportamentos e sentimentos diante dos sucessos e insucessos. Propôs como método
um ensino que priorizasse o indivíduo e sua diversidade, sem submeter os educandos a mecanismos pré-estabele-
cidas para a formação do cidadão, o ensino deveria ser voltado para sua realidade cotidiana, demonstrando que por
meio das experiências os alunos conseguem contribuir com informações importantes aos seus docentes e ajudar no
aperfeiçoamento de suas técnicas, didáticas e práticas pedagógicas para uma escola moderna e nova. Com base neste
princípio propôs um ensino que tivesse a atividade como fonte norteadora de toda prática escolar, com a finalidade
de proporcionar uma formação onde os cidadãos estivessem preparados para o trabalho livre e criativo. Assim, deste
estudo da história intelectual de Célestin resulta o entendimento de que este educador atuou com precursor do ensino
ativo e nisto reside a importância de estudos sobre seus postulados educacionais.
Palavras Chave: educação.aprendizagem.sujeito ativo.

COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO: UM ESTUDO ACERCA DE MATTHEW LIPMAN

Elizabeth Venâncio - UFG

Resumo: Quando Matthew Lipman, nos Estados Unidos, na década de 60, trabalhou como educador e pensou
acerca da educação, ele o fez em um contexto social, histórico e espacial diferente dos vivenciados pelos educadores da
região Centro-Oeste do Brasil, no ano de 2019. Entretanto, é possível afirmar que realidades diferentes, podem con-
ter necessidades humanas semelhantes. Se for como pretende-se argumentar neste artigo, o pensamento lipmaniano
ultrapassaria as diversas barreiras: históricas, sociais, culturais e políticas para ofertar a humanidade um ideal edu-
cacional. Decorrido quase sessenta anos da proposta de ensinar crianças a pensar filosoficamente e dos debates que
aconteceram e continuam repercutido em mais de 30 países, despertou-se o interesse em estudar o assunto nos edu-
cadores goianos, preocupados com os índices de deficiências de aprendizagem noticiados por institutos de pesquisa.
Assim, em 2017 foi criado o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o ensino de filosofia para crianças e adolescentes, da
Universidade Federal de Goiás, sob a coordenação do professor doutor Wilson Alves de Paiva, para discutir os fun-
damentos e as práticas do ensino da filosofia, principalmente do movimento chamado FPCA - Filosofia para crian-
ças e adolescentes - tendência aberta pelo pensamento e escritos do filósofo Mathew Lipman. Para a investigação
do pensamento de Lipman utiliza-se a metodologia do estudo exploratório, pesquisa bibliográfica, com abordagem
qualitativa, preceitos metodológicos da estatística descritiva. Ambiciona-se verificar a viabilidade de transformar a
sala de aula em uma comunidade de investigação, conforme proposto por Lipman (2001). Em que tal comunidade se
constitui como um espaço-social, ou melhor, um dispositivo interacional: lugar para dialogar e tensionar conheci-
mentos. Abre-se aqui um parêntese para explicar que apesar do conceito de “dispositivo interacional” ter sido criado
na área da comunicação com o intuito de estudar os acontecimentos comunicacionais, almeja-se utilizá-lo a partir da
perspectiva da interação em sala de aula, ou seja, trata-se de estudar as comunidades de investigação como um objeto
empírico observável, adequado para produzir as informações necessárias quanto a viabilidade do ensino de filosofia
para crianças. Esta pesquisa encontra-se em construção, portanto, o desejo é de compartilhar conceitos engendrados

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por Matthew Lipman, discutir a possibilidade de implementação da comunidade de investigação e aprofundar a ideia,
a muito debatida, acerca de nossa capacidade de ensinar o pensar crítico.
Palavras-chave: comunidade de investigação; Matthew Lipman; educação

ANISIO TEIXEIRA: POR UMA EDUCAÇÃO SEM PRIVILÉGIOS

César Evangelista Fernandes Bressanin PPGE - PUC-GO


Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida PPGE – PUC-GO

Resumo: A comunicação aqui proposta tem como tema e objeto de análise a obra “Educação não é privilégio”,
de Anísio Teixeira. Ela resultou das leituras e estudos realizados nas disciplinas do Programa de Pós-Graduação em
Educação da PUC-GO, nível de doutoramento. Apesar desta produção de Teixeira ser de 1957 ela constitui uma
leitura permanente e atual sobre temas consideráveis acerca da educação brasileira. Assim, um dos objetivos aqui, a
partir de uma biografia do intelectual Anísio Teixeira, é conhecer sua trajetória, as marcas que deixou na História
da Educação através de suas ideias, de sua atuação política e de seu papel na construção do pensamento educacional
brasileiro. Objetiva-se, principalmente, tecer reflexões sobre o texto “Educação não é privilégio” a partir de alguns
elementos que nela se apresentam como fundamentais, a democracia, a sociedade de privilégios, a política educacio-
nal para a escola pública primária e a formação de professores. Nesta obra, Anísio Teixeira esclarece e sintetiza sua
defesa e o seu sonho por uma escola primária, pública, gratuita, de tempo integral, igual para todos, sem privilégios.
Ao mesmo tempo expõe as suas propostas de ação para mudanças eficientes e para se alcançar o que defendia e no
que acreditava, a educação como elemento primordial do processo de modernização e inovação da sociedade. Por isso
empenhou-se na organização e gestão do sistema público de ensino, com o intuito de garantir uma educação integral.
A defesa de uma educação moderna e democrática, por parte de Teixeira em “Educação não é privilégio”, constitui-se
o caminho para superar a permanência do conceito de uma educação que seleciona ou especializa, fortalecida por uma
metodologia que produz e reproduz uma cultura escolar que segrega. É inegável a contribuição de Anísio Teixeira e
de sua obra “Educação não é privilégio” para escola pública brasileira. No entanto, apesar de muito ter se trilhado na
consolidação de políticas que assegurem o direito de acesso de todos à educação pública, universal e gratuita, a defesa
da democracia, da autonomia da escolas, da formação permanente do professorado, de ações articuladas entre os en-
tes federativos para o financiamento e manutenção da educação, como propõe “Educação não é privilégio”, muito há
de se avançar, ainda mais no contexto político em que nos inserimos atualmente, no qual os sinais de retrocesso são
evidenciados a cada dia na esfera da organização e gestão da educação básica e superior.
Palavras-chave: Anísio Teixeira. Escola. História da Educação. Privilégios.

OS PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DE MARTINHO LUTERO

Tamiris Alves Muniz - UFU


Sauloéber Tarsio de Souza - UFU

Resumo: O presente trabalho é resultado de estudos sobre a educação protestante no Brasil e busca discutir
o pensamento educacional do reformador alemão, Martinho Lutero. Um dos percussores da Reforma Protestante
do século XVI e no contexto de desenvolvimento da mesma e da própria modernidade, Lutero, bem como outros
reformadores, em meio às suas concepções religiosas, também refletiram sobre a relação entre religião e educação e
apresentaram suas propostas para o campo educacional. Isso porque, as denúncias e questionamentos que suscitaram
em torno da Igreja, de sua organização e influência no mundo secular, demandaram também uma reflexão sobre a
educação escolar que estava em grande parte sob a administração e oferta da Igreja Católica e, principalmente, porque

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a educação foi vista por esses reformadores como um instrumento importante para que as pessoas pudessem apren-
der a ler e viessem a ler a Bíblia, se convertendo a nova fé e propagando-a, de modo que o movimento reformado não
se perdesse. Ademais, a nova sociedade que estava se constituindo reclamava uma nova educação, de maneira que a
defesa da educação e o acesso à mesma por parte dos novos cristãos viria a afirmar a ideia disseminada pelos protes-
tantes de que os mesmos eram pessoas comprometidas com as questões sociais, com o progresso e, portanto, “cul-
turalmente diferenciados”. Nesse sentido, buscamos analisar as premissas teológicas e sociais em que se assentava o
pensamento educacional de Lutero, bem como questionar os interesses que envolviam sua atuação nesse campo. Para
tanto, utilizamos como fonte os principais escritos de Lutero sobre a educação que se encontram expressos nas obras
À Nobreza cristã na nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão (1520), Aos Conselhos de todas as cidades da
Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs (1524) e Uma prédica para que se mandem os filhos à escola (1530).
O referencial teórico se assenta nos estudos de César Toledo (1999), José Jardilino (2009), Luciane Barbosa (2011) e
Walter Altmann (1994). Marcado pelo seu tempo, o pensamento reformado recebeu influência do Humanismo, do
Iluminismo e de outros movimentos em voga, interagiu com a ciência, com os novos tempos, cunhando uma ideia de
modernidade, ainda que assentada na tradição religiosa e, que se fez sentir, também, no campo educacional. Lutero
associou a educação, a formação do cidadão, a possibilidade de mobilidade social, defendeu a educação como um di-
reito de todos que deveria ser garantida e ofertada pelo Estado, apresentou propostas para o currículo escolar, como
o ensino de música e a promoção de jogos e brincadeiras. Contudo, apesar do caráter secular que Lutero atribuiu
a educação, ele entendia que a mesma deveria ser cristã. Isso porque, o reformador abordou a questão educacional
como teólogo, seu pensamento educacional e suas propostas para esse campo estavam assentadas, primeiramente, em
interesses religiosos, sendo a educação uma estratégia missionária do protestantismo que se materializou na criação
de escolas, fato que se verifica no projeto de expansão protestante norte-americano e no trabalho de suas missões, que
resultou, inclusive, na criação de inúmeras escolas protestantes no Brasil e, portanto, também justifica a importância
de estudos nessa área. A despeito das interpretações que Lutero e seu pensamento em torno da educação têm gerado,
do próprio conservadorismo religioso e das limitações que o cerca, Lutero e a Reforma religiosa de um modo geral,
valorizaram a educação e lançaram ideias para se pensar a educação, principalmente, na modernidade, contribuindo
assim com a mesma, e com a própria oferta educacional por meio das escolas que criaram por todo o mundo. Não
obstante tal preocupação, os protestantes, em sua concepção educacional, corroboraram também com a associação
entre Estado, religião e educação, fato que buscaremos também problematizar.
Palavras-chave: Lutero. Religião. Educação.

SABER EM PERCURSO: RESPONSÁVEIS PELO ENSINO NAS PROVÍNCIAS RESPONDEM


AO CONVITE DE PARTICIPAÇÃO NO CONGRESSO DE INSTRUÇÃO NO RIO DE
JANEIRO (1883)

Etienne Baldez Louzada Barbosa - UNB

Resumo: Em 19 de dezembro de 1882, a Assembleia Geral Legislativa convocou um Congresso de Instrução


Pública, que deveria acontecer no ano seguinte, na Corte, na província do Rio de Janeiro, com plano e programa
organizados pelo Ministro e Secretário dos Negócios do Império, Carlos Leôncio de Carvalho. As demais províncias
brasileiras receberam convites para enviarem representantes do magistério público primário e secundário para o
Congresso. É para essa circulação dos responsáveis pelo ensino que o foco se volta. Nesse sentido, o presente estudo
tem como objetivo mapear o trânsito dos responsáveis pela instrução pública, de suas províncias até a Corte. A in-
tenção é identificar não somente o escolhido, como também a função que exercia diretamente na instrução pública e
que contribuiu para o seu convite. O deslocamento de uma pessoa pode ser investigado pelo percurso territorial ana-
lisando os seus motivos, os locais que passou e as aquisições que fez e pelo percurso imaterial aquilo que apreendeu
das experiências sociais que travou ao longo da sua viagem. A circulação desses sujeitos, com o objetivo específico de

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um encontro voltado para a questão da instrução, pode contribuir para a (re) formulação de ideias voltadas para o en-
sino. A hipótese aqui aventada é a de que a participação no referido Congresso promoveu uma conexão de ideias em
prol da instrução durante o período, por meio da circulação dos sujeitos e das suas propostas para o ensino público.
A busca pelos responsáveis pelo ensino (inspetores, diretores, professores, presidentes de província) que circularam
no Brasil, em prol da participação no Congresso de Instrução Pública, teve como base documental os jornais e peri-
ódicos disponibilizados pela Biblioteca Nacional. O Congresso da Instrução Pública de 1883 não ocorreu, contudo,
durante o período, aconteceram as Conferências da Glória, que também propiciaram o ambiente de debate sobre a
instrução pública. Como é possível identificar na documentação, participar dessas discussões não era ação esperada
somente do Inspetor/Diretor Geral da Instrução Pública, indicado pelo governo provincial para essa missão, como
também de qualquer indivíduo de outra província, que seguiria em viagem com tal objetivo. A província de Goiás
enviou um professor interino do Liceu da capital, que dava aulas de Geografia e História, para exercer a função de
delegado no Congresso. Mesmo com a extinção do evento, é pertinente conhecer que sujeitos foram escolhidos para
representar as províncias e quais eram seus posicionamentos e propostas para a instrução pública no Brasil, no final
do Oitocentos.
Palavras-chave: Congresso de Instrução Pública. Responsáveis pela Instrução. Século XIX.

ABÍLIO CAVALHEIRO E A EDUCAÇÃO PAULISTA (1920-1929): UMA DEFESA VERBO-


VISUAL DA ESCOLA OFICIAL

Vinicius Vieira Silva – UFU

Resumo: Nos anos de 1920, durante a sua atuação como representante comercial, o longroivense Abílio Au-
gusto Abrunhosa Cavalheiro se dirigiu ao noroeste do Estado de São Paulo. Ao chegar na cidade de Rio Preto, ele
se deslumbrou com a conjuntura que observou, principalmente porque está se divergia das impressões soturnas que
ouviu e leu sobre tal quinhão. Assim, em um afã de retornar à sua carreira jornalística, o lusitano idealizou, organizou
e editou o Álbum Ilustrado da Comarca sediada em tal plaga, com fins explícitos de promover uma propaganda so-
cial e de demarcar a gênese da história toda a Zona Araraquarense. Nesta narrativa, ele coligiu letras e fotografias de
distintas temáticas que pudessem denotar a viabilidade e a estabilidade que os investimentos financeiros dispensados
à região teriam. Dentre tais assuntos, os do âmbito das instituições, dos sujeitos e das práticas escolares foram recor-
rentes na composição material do aludido artefato tipográfico, estando presentes até nas laudas dedicadas aos torrões
menos abastados da jurisdição em foco. Diante deste cenário, objetivou-se a identificar o pensamento subjacente à
reincidência enunciativa do conteúdo educacional consubstanciado no citado impresso. Para tanto, à luz das propo-
sições teóricas e metodológicas da História Cultural e da Análise do Discurso Pós-estruturalista, analisou-se o per-
curso biográfico do artífice português, o circuito social de produção, circulação e recepção da obra de imprensa que
ele redigiu e assinou, bem como os padrões estilísticos dos retratos que integraram a dimensão palpável desta. Nisto,
constatou-se que o entusiasmo que Abílio teve para com a questão da educação foi decorrente, sobretudo, do período
em que viveu na capital paulista, quando exerceu o ofício do magistério e integrou grupos de sociabilidade constituí-
dos por intelectuais que, posteriormente, aglutinaram-se no ideário escolanovista. Com isto, buscou consolidar a sua
formação ideológica em prol de uma modernização que abarcasse as riquezas naturais, de modo que a preservação e
a utilização dos recursos do meio ambiente fossem feitas concomitantemente ao aperfeiçoamento letrado e moral da
população rural e urbana. Destarte, arquitetou uma argumentação verbo-visual, na qual a existência e a construção
de escolas adequadas para cada finalidade de ensino e para cada faixa etária eram a demonstração salutar de progresso
alcançado, em curso e vindouro. Porém, a sua defesa era de que este projeto só teria concretização consistente, caso
a administração oficial efetivasse as legislações vigentes e gerisse todos os estabelecimentos educativos, inclusive os
de iniciativa particular, porque a resolução dos agouros da ignorância desencadearia a extirpação das demais mazelas
sociais. Por isto, consonante a esse empenho discursivo, as representações imagéticas dos edifícios de escolas públicas

85
seguiram um arquétipo de exaltação da sua suntuosidade arquitetônica, enquanto que as do corpo docente indicaram
uma seriedade e uma disponibilidade às e pelas transformações, e as dos aprendizes manifestaram uma súplica ao
desvanecimento do aparente constrangimento que o analfabetismo impunha aos indivíduos e à coletividade. Desta
forma, concluiu-se que a perspectiva estruturante da discursividade do jornalista longroivense tinha a instrução po-
pular como o alicerce imprescindível à instauração de uma ordem societária direcionada ao constante melhoramento.
Portanto, ao fazer esta intercessão, ele avultou a sua persona como um dos agentes que contribuíram rigorosamente
para a civilização dos territórios que apresentou nas páginas do referido dispositivo ilustrado, e preconizou a educa-
ção como o campo de exercício dos arautos das benesses e, a um só tempo, como o elemento inaugural da história a
ser rememorada e perpetuada. Palavras-chave: Educação Escolar. Imprensa. Noroeste Paulista.

O LUGAR DO ALUNO NA TEORIA DA INSTRUÇÃO EDUCATIVA DE HERBART E NA


TEORIA DO ENSINO DESENVOLVIMENTAL DE DAVYDOV

Carmes Ana Da Rosa Batistella,


Raquel Aparecida Marra Da Madeira Freitas

Resumo: A história da educação revela que práticas pedagógicas não são neutras, elas se fundamentam em teo-
rias da educação formuladas por intelectuais de acordo com as concepções de ensino e aprendizagem que comungam.
Neste trabalho elencamos os pedagogos Herbart e Davydov na busca de contribuições destes para o pensamento edu-
cacional. Esses intelectuais delegaram papeis diferentes tanto ao professor como ao estudante. Herbart pertencente a
vertente tradicionalista, foi o primeiro pedagogo a sistematizar o ensino, traduzindo suas ideias no método que deno-
minou de instrução educativa. Davydov, pertencente a vertente histórico cultural formulou sua teoria priorizando a
aprendizagem dos estudantes. O objetivo deste estudo foi discutir o lugar do estudante no processo de ensino/apren-
dizagem no pensamento desses autores. Resguardadas as distinções históricas e teóricas entre eles, buscou-se mostrar
em suas teorias o modo como concebem o aluno e sua atividade. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica
cujos resultados permitem concluir que enquanto na teoria de Davydov o lugar do aluno é na atividade de estudo de
caráter social e motivado, visando transformá-lo em um estudante que investiga o objeto de aprendizagem; na teoria
de Herbart o lugar do aluno é compreendido em sua capacidade de valer-se de habilidades tais como memorização
e adaptação para estabelecer relações entre os diversos conhecimentos que lhe são apresentados. A relação com o
objeto de estudo é diferente e, por isso, o aluno porta-se de maneira diferenciada. No primeiro caso, age como inves-
tigador; no segundo, como alguém capaz de interagir com o objeto de estudo, manipulando-o adequadamente, sem
a prerrogativa de lançar-se em uma jornada de descoberta científica, já que a instrução tem mais a função de formar
moralmente o homem do que torná-lo questionador e crítico.
Palavras-Chave: Davydov, Herbart, ensino, aprendizagem, aluno.

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GT4. HISTÓRIA DA FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE E DAS
INSTITUIÇÕES ESCOLARES

Ementa: Abrange pesquisas sobre as instituições de formação de professores, a história dos


cursos, a história dos currículos e a história das disciplinas escolares de formação docente. Investiga,
também, a atuação de professores, as histórias de vida e memórias da profissão docente.144

CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA POR CORRESPONDÊNCIA (1964-1967): QUAL


EDUCAÇÃO FÍSICA? QUAL ESPORTE?

Profa. Dra. Rubia-Mar Nunes Pinto - FEFD/UFG-PPGE/UFG


Prof. Tanísio Emanuel Neves de Aguiar - CEMEHIS FEFD/UFG

Este trabalho, de caráter histórico, tematiza a formação de professores de Educação Física no Brasil conforme
o Curso de Educação Física por Correspondência que ocorreu no período entre 1964 e 1967. O Curso foi promovido
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e regulamentado pela Portaria nº 6-Br, 22 de janeiro de 1963. Um estu-
do exploratório sobre as concepções de corpo presentes nos livros e manuais do Curso pôde encontrar, nos manuais
e livros deste Curso, fortes indícios de perspectivas higienistas, sanitaristas e eugênicas e. neste sentido, esta pesquisa
pretende realizar um aprofundamento no estudo e interpretação das fontes de pesquisa a procura de outros temas
e categorias temáticas. A pesquisa enfoca os campos de conhecimento e os saberes privilegiados para problematizar
quais representações e imagens de educação física e esporte foram difundidas neste Curso. Os objetivos delineados
são: 1) mapear quais campos de conhecimentos e quais saberes foram privilegiados na/para a formação de professores
de educação física no Curso; e 2) identificar e analisar representações e imagens de Educação Física e Esporte difun-
didos no/pelo Curso. As fontes de pesquisa compõe um corpus documental de vinte e um livros/manuais impressos
que fazem parte de acervo preservado no Centro de Memória e História da Faculdade de Educação Física e Dança
(CEMEHIS FEFD) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O diálogo teórico historiográfico vem se dando estudos
dedicados a história do livro e do impresso como os do historiador francês Roger Chartier, autores da história da edu-
cação, especialmente, aqueles dedicados ao estudo de impressos pedagógicos, livros e manuais didáticos e a história
da formação docente. Também temos como referência os textos de historiadores da educação física, particularmente,
estudiosos que vem desenvolvendo pesquisas sobre a história da educação do corpo no Brasil e em Goiás tais como
Marco Aurélio Tarboda de Oliveira, Alexandre Vaz, Carmem Lucia Soares, Rubia-Mar Nunes Pinto, Cleber Dias,
entre outros. Para a análise das fontes a opção recai sobre técnicas e métodos da análise de discursos. Até o momen-
to, a pesquisa vem operando com a leitura e a organização das fontes de pesquisa em séries temáticas tendo como
premissa o problema e os objetivos delineados. A partir desta leitura e organização, é possível aventar que o Curso
de Educação Física por Correspondência do MEC imprimiu forte carga técnico-esportiva à formação de professores
de educação física privilegiando os esportes como principal componente do trabalho deste professorado sinalizando
também para representações e imagens que sustentam-se na imbricação entre educação, saúde e esporte.
Palavras Chave : Educação Física, Esporte, Educação por correspondência

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E USOS PÚBLICOS DA HISTÓRIA

Miriam Bianca Amaral Ribeiro – UFG

Resumo: Esse trabalho compõe os resultados parciais da pesquisa intitulada “Comemorações e datas históricas:
mudanças e permanências” em andamento, sob nossa coordenação, vinculada ao DHUCA - Diálogos Humanidades,
Ciência e Aprendizagem, Núcleo de Pesquisa em Educação e Ciências Humanas, da Faculdade de Educação da UFG.
O objeto desta pesquisa é a incidência das comemorações e datas históricas no cotidiano presente da vida brasileira,
observando e problematizando suas mudanças e permanências. Tendo como referência o conceito de cultura his-
tórica, a partir de Le Goff (1992), e a noção de usos públicos da história (KALLÁS, 2017), estamos trabalhando a
articulação entre História do Brasil e de Goiás, História da Educação e a História da História Ensinada. Isso é possível
a partir da consideração da existência de uma história ensinada dentro e fora da sala de aula, o que leva ao exame
da escola existente em Goiás e da história nela ensinada, em todos os níveis de escolaridade, assim como a história
ensinada a quem jamais adentrou um recinto dessa natureza, mas percorre as ruas da cidade, assiste ou participa de
desfiles, eventos e celebrações, ouve salvas de tiros ou badaladas comemorativas dos sinos, observa monumentos,
leu ou ouviu notícias de jornal e seus comentários, ou descansou em feriados por datas históricas comemorativas.
Interessa discutir as relações entre história ensinada, escrita da história, o uso público da história e a constituição
e afirmação de projetos de região e nação. Para realizar esse debate, estamos coletando depoimentos ao longo dos
desfiles de 7 de setembro e 24 de outubro, desde o ano de 2016. Também estamos acompanhando a rotina de escolas
públicas e privadas no contexto das comemorações, especialmente as escolas de Ensino Fundamental. Também com-
põe o espectro de fontes, o levantamento, junto aos veículos de comunicação de massa, dos elementos presentes nas
várias mídias, pertinentes às comemorações, na proximidade de suas realizações. Neste momento, discutiremos uma
das fontes levantadas para a essa discussão, diretamente relacionada à formação de professores. Para isso, aplicamos
questionários junto a alunos iniciantes, alunos do quarto período e alunos concluintes do curso de pedagogia da UFG
e da PUC/GO, em um total de 320 questionários respondidos. Neles inquirimos quais datas comemorativas históricas
as pessoas se lembram, qual papel elas tiveram em sua formação, que papel teriam na formação geral da sociedade e
se hoje em dia frequenta (e porque frequenta) os desfiles referentes a essas mesmas comemorações. O levantamento
de dados foi realizado entre 2014 e 2016, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás e na Universidade Federal de
Goiás, junto aos alunos dos cursos de pedagogia destas instituições. A escolha desse curso se deve ao fato de que a
pedagogia, além de ser o curso de formação de professores em que atuamos, é um curso que articula todas as áreas
de conhecimento (Ciências Naturais, Linguagens, Ciências Humanas, Ciências Exatas e a Arte) para a formação do
professor para Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Trata-se de uma formação que, necessa-
riamente, deve suprir as necessidades mínimas de formação para todas essas áreas de conhecimento e como preten-
demos, sob uma abordagem que possibilite aos sujeitos – alunos de pedagogia/futuros docentes, uma intervenção
crítica diante das visões hegemônicas consolidadas na sociedade em que atuamos, vivemos e construímos nossas
perspectivas e projetos individuais e coletivos. Temos isso como tarefa da área de Ciências Humanas, em um espectro
de tempo bastante contrito, diante do projeto geral de formação docente, como ocorre na Pedagogia. Além disso,
trata-se de alunos em formação para atuação junto às séries iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil,
momentos da escolarização dos sujeitos em que, nos parece, observando a priori, ainda mais susceptíveis aos rituais
cívicos comemorativos. O que se observou nos dados coletados é que tais noções permanecem muito próximas entre
as várias faixas etárias investigadas. Vale registrar que a mais da metade dos sujeitos não esteve muito tempo longe de
uma instituição escolar, pois não demoraram muito a ingressar em uma universidade, ao concluírem o Ensino
Médio, quando não o fizeram imediatamente na sequência desta conclusão, entre outras considerações detalhadas no
texto completo deste trabalho.
Palavras-chave: Formação de professores, história, educação.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES ATRAVÉS DO PIBID HISTÓRIA UEG CÂMPUS
MORRINHOS E PIRES DO RIO

Keides Batista Vicente

Resumo: Através das atividades acadêmicas desenvolvidas nos projetos PIBID/UEG História Campus Morri-
nhos e Pires do Rio, no período 2012/2013/2014, buscou-se analisar o processo de formação de professores através
do programa de Iniciação à docência instituído pelo Ministério da Educação no ano de 2007 com o apoio da Secreta-
ria de Educação Superior (SESu), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior (CAPES) e também
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Com esse material buscamos compreender, quais as
atividades foram desenvolvidas, os objetivos, instituições de ensino básico envolvidos, caminhos teóricos escolhidos
e a concepção de educação e ensino de História foram abordados. Na UEG o programa iniciou-se no ano de 2012
com a participação de quarenta projetos, em execução em 41 Unidades Universitárias, instaladas em 48 municípios
do Estado de Goiás. Para a execução de cada projeto de área foram selecionados seis alunos em formação, um profes-
sor supervisor e uma escola da rede pública para que o projeto fosse realizado. Na cidade de Morrinhos o projeto foi
realizado no Colégio Estadual Xavier de Almeida. Em Pires do Rio o projeto do PIBID em História foi realizado no
Colégio Estadual Martins Borges. No ano de 2014 a área de atuação dos projetos alcançou o número de doze alunos
em formação, dois professores supervisores e até duas escolas para realização das atividades. No caso do projeto PI-
BID História Pires do Rio as atividades foram divididas entre o Colégio Estadual Martins Borges e o Colégio Estadual
Ivan Ferreira. Na cidade de Morrinhos o projeto PIBID História foi realizado no Colégio Estadual Xavier de Almeida
e Colégio Estadual Hermenegildo de Morais. Os dados coletados em consonância com as críticas dos pesquisadores
sobre a educação nos levaram a questionar o processo de formação de professor através do PIBID com base em con-
cepções que atravessaram a compreensão sobre educação no Brasil. Desta forma em um primeiro momento apre-
sentamos o debate teórico sobre formação de professores; seguida pelo debate sobre o PIBID e sua implementação
na UEG; e através dos dados obtidos com o levantamento minucioso das produções científicas e participações em
eventos conseguimos problematizar as experiências vividas por esses alunos nos seguintes aspectos: a relação Uni-
versidade e escola campo; a relação entre a profissão docente e a formação docente, isto é, a relação professor e aluno;
a experiência com a pesquisa para a realização das atividades, relacionando o aspecto do professor pesquisador; e a
experiência com a participação em eventos científicos com a apresentação e publicação de relatos de experiências.
Ao final da pesquisa foi possível compreendermos o processo de formação de professores através do PIBID História
Câmpus Morrinhos e Pires do Rio, a partir de uma concepção de educação pela práxis.
Palavras chaves: Formação de professores; práxis; PIBID.

O PROCESSO HISTÓRICO DE FEMINIZAÇÃO NO CAMPO DOCENTE: A EDUCAÇÃO


INFANTIL BRASILEIRA

Maria José Pereira de Oliveira Dias


Maria Esperança Fernandes Carneiro

Resumo: Este trabalho apresenta uma análise, histórica, acerca da feminização no contexto da docência e as
contradições no processo de inserção da mulher na profissão, sobretudo na primeira etapa na Educação Infantil. Por-
tanto, a partir da necessidade de se discutir e compreender questões referentes ao trabalho docente e a feminização no
campo da Educação Infantil, este estudo aportou-se nos autores: Afonso (2003), Louro (1997; 2003), Catani (2003),
Saviane (1991), Costa (1996), Marx e Engels (1977), Rocha (2012), Nogueira (2004), Saffioti (2013), dentre outros. A
primeira parte do texto traça um breve histórico acerca da posição da mulher, frente ao trabalho público, no contexto

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da sociedade capitalista. A segunda seção destaca o surgimento e as contradições presentes no processo de feminiza-
ção do trabalho docente no Brasil, sobretudo a partir da virada do século XIX até o período atual. A Educação Infantil
é um espaço que demarca, historicamente, a segregação e o estereótipo de que o papel profissional deve ser exercido
por professora. Portanto, é preciso que esse trabalho seja efetivamente valorizado em todos os aspectos necessários.
A busca por melhores condições de trabalho, remuneração adequada a função executada e o reconhecimento social
são fatores fundamentais para que esse campo não seja segregado pela divisão sexual instituída ao longo da história.
Palavras-Chave: Feminização; Docência; Educação Infantil.

APONTAMENTOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E A MISSÃO EVANGÉLICA


CAIUÁ NA ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA NA RESERVA DE DOURADOS (1940-1975)

José Augusto dos Santos Moraes - UFGD

Resumo: O presente artigo apresenta e discute alguns aspectos inerentes às relações entre o Estado brasileiro
e a Missão Evangélica Caiuá na escolarização dos indígenas da Reserva de Dourados, com foco no período entre os
anos de 1940 e 1975. O objetivo foi o de averiguar as implicações do modelo de educação escolar oferecido às etnias
que viviam neste local e analisar em quais sentidos ele produziu afetações, ou não, de caráter sócio formativo. Para
tanto, foram analisados documentos do Serviço de Proteção aos Índios e da Funai, bem como registros e relatos de
missionários e indígenas, bem como algumas entrevistas com professores e lideranças indígenas. Para além destas
fontes, também foram privilegiados os estudos já realizados sobre questões que envolvem a escolarização na Reserva
de Dourados. Como opção metodológica recorri à etno-história como forma de diminuir os limites existentes entre
a História e a Antropologia. De modo geral, a investigação observou que embora influente, a escolarização indígena
promovida pelo Estado brasileiro em parceria com a Missão Evangélica Caiuá não foi capaz de “produzir” gerações
alienadas e com uma consciência resignada às mudanças socioculturais impostas. Porém, apesar dos avanços que se
seguiram ao período analisado, um comparativo com informações mais recentes indica a permanência, ainda que
minorizada, do modelo integracionista de escolarização daqueles indígenas. Palavras-chaves: Reserva de Dourados.
Escolarização Indígena. Missão Evangélica.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL: AS PRIMEIRAS


INICIATIVAS

Fernanda Welter Adams - IFG - Campus Morrinhos

Resumo: A formação e a qualificação dos professores se constitui essencial para a inserção dos temas da diver-
sidade e diferença, uma vez que a escola deixa de ser homogênea. Dentro dessa heterogeneidade, destacamos a educa-
ção especial que é definida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, lei nº 9394 de 20 de dezembro
de 1996 (BRASIL, 1996), como a “modalidade de Educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
para educandos portadores de necessidades especiais”, ou seja, temos a garantia legal do acesso e permanência dos alunos com
deficiência na escola pública, sendo o professor um dos sujeitos responsáveis por assegurar este direito dos alunos, através do seu
desenvolvimento. Desse modo, questiona-se: sendo a educação especial uma garantia legal e o professor um dos agentes
responsáveis pela garantia da permanência destes sujeitos na escola, como se deu o início dessa discussão nos cursos
de formação de professores? Para tanto, o objetivo deste trabalho é discutir as primeiras iniciativas para a garantia da
educação especial na formação de professores. Análise essa realizada através de legislações que regem a educação es-
pecial e a formação de professores, ou seja, fazendo-se uso da pesquisa documental. No século XIX temos o início ao

90
acesso à educação para as pessoas com deficiência, nas chamadas classes especiais, necessitando assim que a formação
de professores para este público seja pensada. Durante muito tempos as iniciativas para a formação docente voltada a
educação especial eram isoladas, sendo oferecidas por um e outro Instituto e dentro de suas especialidades, como pelo
Instituto Benjamin Constant, que, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, em 1947 realizou
o primeiro Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos. Em 1951, Ana Rímoli de Faria Doria, dire-
tora do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM), ofereceu em 27 de fevereiro do mesmo ano o primeiro Curso
Normal de Professores para Surdos no Brasil, equivalente ao grau médio, de três anos de duração. Em 1962, iniciou,
na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), as aulas do primeiro Curso de Extensão Universitária, que foi o
marco na formação de recursos humanos para a Educação Especial Mais tarde, em 1974, foi criada a Habilitação em
Deficientes da Audiocomunicação no curso de Pedagogia dessa mesma Universidade. Nos anos de 1977 e 1978, foi
oferecido o Curso de Educação Especial – Licenciatura Curta e, a partir de 1982, o curso foi aprovado pelo então Con-
selho Federal de Educação como Licenciatura Plena. A partir do ano de 1984, os ingressantes passaram a frequentar
o Curso de Educação Especial. Trata-se do primeiro curso de Licenciatura Plena em Educação Especial do Brasil. Foi
no ano de 1972 que o primeiro curso de formação de professores de excepcionais (área de ensino de deficientes men-
tais) do país foi instalado no Estado de São Paulo como habilitação específica do Curso de Pedagogia. Tal iniciativa
foi tomada pela Faculdade Pestalozzi de Ciências, Educação e Tecnologia, no município de Franca (SP). O curso de
Pedagogia oferecia, além das habilitações em Administração Escolar de 1º e 2º Graus, Orientação Educacional de 1º
e 2º Graus e Ensino de Disciplinas e Atividades Práticas do Curso Normal (Magistério), habilitação em “Educação de
Excepcionais Deficientes Mentais” (MAZZOTTA, 1993). Em seguida a habilitação em educação especial se espalhou
por diversos cursos de pedagogia, essa habilitação se concentrava nas áreas da deficiência visual, auditiva, mental e
física (BUENO, 2000). Mazzotta (1992, p. 12) relata que no período que vai de 1972 a 1989, a “formação em nível
superior, através da habilitação específica do curso de Pedagogia, passou a ser mantida por entidades particulares e
públicas, assumindo uma multiplicidade de tendências. Observamos que até esse momento da história a formação na
perspectiva da educação especial acontecia de formação mais aligeirada onde somente mais tarde criou-se os cursos
de licenciatura em educação especial no país. Podemos observar que a educação especial foi e é trabalhada de forma
desarticulada na formação inicial de professores, o que leva o licenciando muitas vezes a não saber como abordar o
conteúdo de forma com que o aluno se sinta incluído e desenvolva aprendizado. Dessa forma, problematiza-se isso,
por ser a formação inicial um espaço em que o professor começa a construir sua identidade docente, sendo assim
necessário que ele vivencie todas as experiências de forma que saia da Universidade preparado para lidar com a hete-
rogeneidade dos alunos. Por meio da discussão das primeiras iniciativas para uma formação voltada para a educação
especial, observa-se também que há pouca preocupação com a formação continuada dos professores que já atuam
com os alunos com deficiência.
Palavras-chave: Educação Especial. História. Formação de Professores.

FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE EM ÁREAS DE COLONIZAÇÃO RECENTE NO


SUL DE MATO GROSSO (1948- 1977): HISTÓRIA E MEMÓRIAS

Lucélia da Silva Cavalcanti - UFGD


Alessandra Cristina Furtado - UFGD

Resumo: Este trabalho se insere nas pesquisas sobre a história da formação e da profissão docente. Neste senti-
do, o presente trabalho emerge com o objetivo de analisar a formação e o trabalho docente desenvolvido por profes-
sores que atuaram em escolas rurais de áreas de colonização recente do Sul de Mato Grosso, situadas nos municípios
e distritos de Dourados, Itaporã, Fátima do Sul, no período entre as décadas 1948 a 1977. O recorte temporal justifica-
-se em 1948 por sinalizar o ano de instalação da Colônia Nacional Agrícola de Dourados. E, o ano de 1977 por marcar
um período de término de um Curso de Magistério de Férias para professores leigos do município de Dourados e re-

91
gião, que formou uma demanda significativa de professores leigos da localidade. O presente trabalho foi desenvolvido
por meio de referências provenientes da história cultural, história da educação, história da educação rural, história da
formação e da profissão docente, entre outras. E, também, por meio de uma pesquisa histórico-documental realizada
em arquivos pessoais de professores, centro de documentação, onde foram localizados documentos como Mensagens
de Governadores do Estado, criação de cargos de professores em escolas rurais, carreira e remuneração docente, de-
signação de professores para as escolas, legislação, entre outras. Foi necessário também recorrer às entrevistas com
ex-professores (as) de escolas rurais. Resultados apontaram que nessas áreas marcadas por colonização recente do Sul
de Mato Grosso, áreas essas onde estão situados os munícipios de Dourados, Itaporã e Fátima do Sul, os docentes que
atuaram nas escolas rurais, principalmente, entre as décadas de 1940 a 1970, trabalharam na condição de professores
leigos, atuando nessas escolas com formação primária (completa ou incompleta) ou ginasial (completa e incompleta).
Os dados analisados revelaram que esses professores passaram por muitas dificuldades em seu cotidiano, dificuldades
essas desde as condições físicas das escolas até de materiais didáticos e pedagógicos para o trabalho docente em sala
de aula. Além disso, esses professores exerciam dentro dessas escolas atividades para além da docência, uma vez que,
eram eles que cuidavam da merenda, da limpeza e até mesmo da documentação escolar. Embora não fossem ha-
bilitados para ministrarem aulas de 1.ª a 4.ª séries, esses professores exerceram um papel importante no processo de
criação e funcionamento das escolas primárias nessas áreas, bem como contribuíram para oprocesso de escolarização
das crianças. Assim, esses professores também contribuíram para a constituição da profissão docente em meio rural
em áreas de colonização recente no Sul de Mato Grosso. Contudo, pode-se dizer ainda que esse trabalho com os seus
resultados permite compreender a história da formação e do trabalho docente.
Palavras-chave: Professores. Escolas Rurais. Sul de Mato Grosso.

A FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE DE LEONORA MARCOLINA NOBREGA SILVA

Aurea Esteves Serra

Resumo: O presente trabalho teve como tema buscar conhecer questões relacionadas sobre a formação e a
prática docente, tendo como objetivo apreender a relação entre a formação inicial e continua e as práticas docentes da
Profa Leonora Marcolina Nogueira Silva residente na cidade Birigui/SP mediante o conhecimento de sua história de
vida; formação e profissionalização. A pesquisa foi realizada por meio da revisão da literatura pertinente ao tema, en-
trevista semi-estruturada e análise de fontes documentais. Profa Leonora nasceu em 02/05/1953 na cidade de Burita-
ma/SP e cursou o curso Colegial de Formação de Professores para o Ensino Primário na EEPSG Prof. Stélio Machado
Loureiro, o concluindo em 1976. Iniciou a carreira docente em escolas rurais localizadas nos municípios paulistas de
Bilac, Birigui, Brejo Alegre, Coroados, Clementina e Glicério. Trabalhou em escolas rurais por quase seis anos como
substituta. Anos mais tarde foi aprovada no concurso Público de Provas e Títulos do Estado de São Paulo ingressan-
do em uma escola na cidade de Guarulhos/SP. Permaneceu nessa escola até sua remoção para o Grupo Escolar Profª
Geni Leite da Silva, localizado na cidade de Birigui. Profa Leonora permaneceu nesse grupo até sua aposentadoria no
magistério estadual. Com a municipalização do ensino em Birigui no ano de 1999, Profa Leonora continua a lecionar
na mesma escola, agora EMEF por mais seis anos como professora ACT. Foram 32 anos dedicados ao magistério,
dos quais 30 foram em salas de 1º ano, um ano com uma 4ª série e um ano com uma 3ª série. Profa Leonora afirma
que suas práticas docentes estiveram embasadas na teoria tradicional de alfabetização e quando assumiu aulas na rede
municipal de ensino era exigido que todo o trabalho de alfabetização fosse realizado mediante a abordagem cons-
trutivista. Informa que o mais difícil foi deixar a cartilha de lado, porque no curso de formação e durante 25 anos de
sua carreira era a cartilha o material mais usado para alfabetizar. Disse ter sofrido com a adaptação, Estudar Ferreiro,
mas que deu conta porque fez muitos cursos e também porque trocava experiência com uma professora recém-for-
mada pelo CEFAM já na proposta construtivista. Os resultados dessa pesquisa apontam que a Profa Leonora além a
formação inicial sempre se preocupou muito com a formação em serviço. Nesse contexto foi possível relacionar 24

92
cursos oferecidos pela rede estadual que contaram com a participação da professora entre os anos de 1978 e 1997. E 22
cursos promovidos pela rede municipal de ensino de Birigui. O presente trabalho possibilitou, conhecer a trajetória
da Profa Leonora e sua dedicação a alfabetização, os métodos de ensino utilizados para alfabetizar, enfim a didática
docente explicitada pela professora Leonora. Concluí-se que o importante além de dominar os conhecimentos sobre
a alfabetização nas vertentes tradicional e construtivista, se faz necessário compreender a necessidade de cada aluno
buscando melhorar a prática educativa em sala de aula para que todos possa aprender da melhor forma. Segundo a
Profa Leonora ensinar exige muito amor e carinho para que o processo de alfabetização seja para todos.
Palavras-Chave: Formação docente. Práticas docente. Alfabetização.

A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO


FÍSICA NO BRASIL

Murilo Cézar de Carvalho Pereira - UEMS


Ademilson Batista Paes - UEMS

Resumo: O presente trabalho encontra-se vinculado aos estudos em desenvolvimento - no âmbito do curso de
Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação (PGEdu), Unidade Unirsitária de Paranaíba, Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)4. Em termos gerais, pode-se afirmar que ao abordar temáticas e áreas de
atuação em Educação Física, os pesquisadores recorrem a metodologias que busquem solucionar os problemas ine-
rentes ao seu campo investigação. O levantamento da produção científica, tema em foco neste trabalho, registra que
ela contempla as mais diversas metodologias nas áreas do conhecimento, por isso, analisar a natureza das produções
neste viés de estudo, requer um rigor metodológico que propicie o mapeamento qualitativo e quantitativo da mesma.
O mapeamento das produções permite ao pesquisador que, por meio de uma intensa e profícua pesquisa, a seleção
e exclusão de materiais que serão úteis no desenvolvimento de outras pesquisas, com novas hipóteses, problemas,
recortes, argumentações. A partir de inquietações sobre a História da Educação Física no estado de Mato Grosso do
Sul, surgiu a necessidade de levantar dados que dessem suporte à pesquisa. Em termos bem pontuais, e, enquanto
medida de aproximação com o tema e também com o objeto de estudo história da disciplina de Educação Física em
Mato Grosso do Sul – apurou-se a quantidade de dissertações e teses defendidos em programas de pós-graduação. De
conformidade com esses trabalhos presentes no banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Disserta-
ções (BDTD/IBICT) e no SCIELO, identificados a partir dos descritores “História da Educação Física”, “História da
Gymnástica” e “História da Educação Física Escolar”, apurou-se a partir da coleta realizada entre outubro de 2018 e ja-
neiro de 2019, cinquenta (50) trabalhos que contemplam a estudo a História da Educação Física, sendo selecionados
somente os trabalhos que referiam a história como tema principal do estudo e não como base para outros tipos de
coleta de dados. Assim, dezessete (17) trabalhos puderam ser classificados como tal, desenvolvidos entre 1991 e 2018.
A seleção foi classificada por categorias, constituindo agrupamentos dos textos que dependendo da ótica com que se
pretendia analisá-los, poderiam constituir-se tópicos de outras categorias, ou pela linha teórica que abordam ou pela
forma como foram realizadas procedimentalmente. Sendo assim, com base no levantamento, foi possível perceber
que dos dezessete trabalhos selecionados, quatorze utilizaram como foco principal a pesquisa documental aliada ao
de cunho bibliográfico. Cinco trabalhos encontram-se fundamentados na História Cultural, sobretudo em autores
como Peter Burke e Roger Chartier. Três utilizaram de entrevistas como metodologia de pesquisa. Ainda foi possível
detectar cinco trabalhos que utilizaram como método a História Oral, tendo como tema a historicidade regional da
educação física em diferentes regiões do Brasil. Tendo em vista o levantamento realizado, foi possível concluir que
as possibilidades para a história da disciplina são fecundas, válidas, viáveis e extremamente necessárias, fornecendo
bases fundamentais no desenvolvimento de novas investigações no âmbito nacional e regional.
Palavras Chave: Nova História Cultural. História Oral. Gymnástica.

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A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Bruna Lorrany da Silva Di Nápoli - UFG

Resumo: Este estudo relaciona a atuação docente na modalidade EJA às práticas ligadas especificamente à for-
mação inicial de professores no curso de Pedagogia. O presente estudo busca evidenciar como o Curso de Pedagogia
da FE/UFG aborda a modalidade EJA em sua grade curricular, bem como o estágio supervisionado abrange a for-
mação inicial para tal modalidade de ensino. Nesse sentido, o problema que está proposto para esta pesquisa consiste
na busca da compreensão da formação inicial de professores recebida no curso superior de Pedagogia e como este
futuro professor está sendo preparado para atuar na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. A importância
de evidenciar o lugar da EJA no curso de Pedagogia da FE/UFG e a identidade na qual este curso se respalda tor-
na-se necessária na medida em que, seja pelo fio histórico da formação de professores, seja pela operacionalização
do estágio curricular obrigatório, se pergunta sobre a identidade apreendida na formação do pedagogo e os desafios
impostos pela atuação na modalidade EJA. O objetivo geral do presente trabalho é analisar para compreender a for-
mação inicial do professor recebida no curso de Pedagogia da FE/UFG visando a atuação na modalidade de ensino
EJA, considerando que os pedagogos são formados para atuarem nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o que
inclui a modalidade EJA na primeira etapa do Ensino Fundamental, com base nos teóricos que discutem a formação
de professores no Brasil, documentos que regulamentam o curso de Pedagogia e distam sobre a educação do país será
analisado a formação dos professores para a EJA. Além disso, realizar-se-á um percurso histórico sobre a formação
de professor no Brasil e em Goiás para que se possa buscar a compreensão da formação inicial do pedagogo no curso
de Pedagogia da FE/UFG. Para tanto, de acordo com Marcílio (2014), as raízes históricas do ensino público no Brasil
estão carregadas de tentativas e fracassos, descasos, descontinuidade, omissões, etc. Sempre na busca por modelos e
métodos vindos de outros países, a formação do professor nunca foi uma preocupação para as autoridades, tanto do
governo quanto da universidade. A apresentação histórica do curso de Pedagogia no Brasil, foi pautada no Parecer
nº 3/2006 sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia não esgota as discussões e estudos
sobre este curso necessário à formação de professores, que se preparam para lidar com todas as diferenças da vida
cotidiana em sociedade. Daí a importância de discussões e avaliações acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais.
Assim, desde a instituição da primeira Escola Normal no Brasil até os dias de hoje é possível perceber que a formação
de professores no país passou por diversas reformas educacionais e metodológicas, mas que não foram tão satisfató-
rias para a qualificação desta formação. É possível também, a partir dos dados da história da formação de professores,
notar a comercialização do ensino, na qual abrem-se escolas, institutos e faculdades particulares visando formar o
maior número de professores quanto a possibilidade de receber por isso. A oferta de uma formação de baixa qualidade
imprime diversos diplomas habilitando profissionais inexperientes e consequentemente a improvisação da formação.
Buscando compreender o processo da formação de professores também no Estado de Goiás, pois é o lugar de onde
a presente pesquisa fala, uma vez que o Curso Superior de Pedagogia da FE/UFG localiza-se na capital deste estado
e também das escolas campo de estágio, é preciso retomar à primeira metade do século XX, na qual o movimento
escolanovista, por meio da Missão Pedagógica Paulista, trouxe para Goiás um grupo de professores com o objetivo
de atuar na formação dos professores goianos. Em Goiás, como também em outras partes do Brasil, a educação foi
pensada como meio para civilizar a população. Segundo apontamentos de Barra (2011), a intenção era de criar uma
identidade regional associando-se à nacional. Com o esboço histórico feito no decorrer do trabalho sobre a formação
de professores, pode-se perceber que ocorreram sucessivas mudanças neste processo, com descontinuidades, mas
sem rupturas. Vale ressaltar a falta de interesse por parte do profissional de se dedicar aos estudos contínuos para
aperfeiçoar na docência por não ter incentivo tanto financeiro como do próprio governo que não prevê melhorias
concretas para a área da educação. É preciso que se eleja a educação como máxima prioridade, definindo-a como o
eixo de um projeto de desenvolvimento nacional e, em consequência, carrear para ela todos os recursos disponíveis,
priorizando a educação, os setores básicos do país também se modificarão, pois com uma educação de qualidade para

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todos, serão formados profissionais de excelência para compor as demais áreas fundamentais para uma sociedade ser
completa, nos quesitos saúde, moradia, lazer e economia.
Palavras Chave: Educação de Jovens e Adultos, História e Formação de Professores.

DOCÊNCIA E GÊNERO NA FORMAÇÃO DOCENTE PARA EDUCAÇÃO INFANTIL:


HISTÓRIAS DE HOMENS NA PEDAGOGIA-DOURADOS/MS

Adaiane Enequio Palhano - UFGD


Míria Izabel Campos - UFGD

Resumo: Docência e gênero se aproximam ao longo da história do magistério, especialmente, quando se co-
loca em evidência e discussão o trabalho com a infância. Por diversos estudos realizados, é possível comprovar que a
maciça presença feminina na docência ocorreu devido à construção histórica de um pensamento que liga a mulher à
maternidade e, como caminho natural, ao posto de professora de crianças pequenas. Nesse contexto, a proposta que
ora apresenta-se é de trazer para o debate no Grupo de Trabalho 4 - História da formação e profissão docente
e das instituições escolares - do V EHECO “Memória e democracia: os tempos e espaços da história da educação”
recorte de pesquisa desenvolvida na graduação em Pedagogia. O estudo, de cunho quali-quantitativo, teve como
objetivo conhecer e compreender acerca da presença de homens/pedagogos na docência da Educação Infantil, no
município de Dourados/MS, na perspectiva dos estudos de gênero. A metodologia se efetivou, primeiramente, a par-
tir de estudos teóricos-bibliográficos em autoras/es das temáticas infâncias, docência na Educação Infantil e gênero.
Posteriormente, efetuou-se investigação no documento oficial referente ao Concurso para o Magistério 001/2016
da rede Pública da Educação de Dourados, estado de Mato Grosso do Sul, a fim de averiguar quantos candidatos/
homens foram aprovados e se estes assumiram a docência na Educação Infantil. Os resultados apontaram que em um
total de 649 candidatos aprovados, 647 (seiscentos e quarenta e sete) eram mulheres e 2 (dois) eram homens, sendo
que nenhum dos candidatos que obtiveram êxito no referido concurso estavam atuando na rede pública de ensino
da Educação Infantil, no momento da realização da investigação. A partir da realidade vivenciada no contexto desta
pesquisa, depreende-se que a docência masculina na creche e pré-escola, quer seja, na Educação Infantil primeira
etapa da Educação Básica no Brasil ainda tem se construído sob os preceitos de que apenas mulheres podem e devem
assumir o trabalho como professoras de crianças pequenas. Nessa égide, ficou perceptível um processo contínuo de
exclusão dos homens pedagogos do espaço coletivo das crianças pequenas. A pesquisa demonstrou que mesmo habi-
litados para exercer as práticas pedagógicas tanto quanto as mulheres, o número de homens aprovados no concurso
investigado foi insignificante, assim como chamou atenção à classificação destes, pois esta ficou muito aquém à das
mulheres e, ainda, que eles continuam ausentes do trabalho com as crianças pequenas, ou seja, nenhum deles assumiu
a função até o momento da finalização do estudo. Contudo, salienta-se, por menor que seja o número de homens
que se arriscam na carreira docente para a Educação Infantil, não se pode negar nem tampouco ocultar a existência
deles. Sendo assim, a pretensão com o trabalho foi trazer à tona como se tem constituído essa história no município
de Dourados/MS, a fim de provocar reflexões sobre as questões que norteiam à formação docente para a Educação
Infantil, tanto a masculina como a feminina, pois na perspectiva dos estudos de gênero, a história de um é a história
do outro. E, para concluir, acredita-se ser crucial proporcionar às crianças diferentes experiências com professores
e professoras, possibilitando uma formação humana voltada para uma sociedade menos sexista, não discriminante e
com mais equidade de gênero e respeito às diversidades.
Palavras-chave: Docência. Gênero. Educação Infantil. Pedagogos.

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“PROFESSORES, MESTRES E EDUCADORES”: A DOCÊNCIA AOS OLHOS DO JORNAL O
REPÓRTER (UBERLÂNDIA 1950-1970)

José Lito Salustriano da Silva

Resumo: O texto resulta das atividades do projeto “Representações de Imprensa: O Universo Escolar nas Pá-
ginas de Jornais do Triângulo Mineiro (1950- 1970)”. Os dados apresentados decorrem da catalogação e digitalização
das notícias sobre a educação coletadas nos jornais que circulavam no munícipio. Desde os anos de 1980, os jornais
têm sido amplamente utilizados na pesquisa histórica e também histórico-educativa, mesmo que tenham sido consi-
derados até então, como fontes suspeitas para esse tipo de pesquisa, pois se entendia que tais veículos de comunicação
portavam carga excessiva de interesses subjetivos (LUCA, 2006). Nessa comunicação em específico, abordamos a
ideia de docência veiculada no jornal “O Repórter”, tentando identificar o estereótipo de professor (a) que era apre-
sentado aos leitores do jornal. Esse veículo de impressa escrita surgiu sob a responsabilidade de Artur Barros e J. Faria
em 1925, no início da década de 1950, circulava duas vezes por semana (aos sábados e as quartas-feiras) em 04 páginas
(02 folhas), quando de seu encerramento, no ano de 1963, era veiculado de 3 a 4 vezes por semana e seu presidente
diretor era João Daher. Ao finalizar a primeira etapa do projeto, levantamos um número de 846 matérias relativas a
educação na coleção desse jornal constante do acervo do Arquivo Público Municipal de Uberlândia, no período entre
1950 e 1963 com exceção de alguns anos já que os livros de tombo estavam no setor de restauração (1951/52/57/58).
Mesmo assim, a temática debatida em torno da profissão docente foi bastante expressiva cerca de 8% do total, chegan-
do a sete dezenas de notícias. Destacamos que nesse período, ocorreu acelerado crescimento da rede pública escolar
urbana em todo o país e também em Uberlândia, fenômeno atrelado a urbanização e que pode ser percebido pelos
debates presentes nos jornais. Aqui em específico, recortamos as notícias que abordavam os termos professor(a),
mestres e educadores, de maneira que o conjunto analisado tratava de homenagens aos docentes (póstumas ou não),
formação de professores (cursos de férias, palestras e visitas de personalidades nacionais e internacionais do campo da
educação), a profissionalização da categoria (criação de associações, greves, aumento ou atraso nos salários), e aqueles
que debatiam com algum esforço teórico o papel do professor na sociedade, como o publicado com o título “Urge
elevar e dignificar o professor” (JOR, 06/abril/1956). As reflexões alcançadas indicam que no processo de acelerado
crescimento da rede escolar urbana do município mineiro, as representações dos professores eram apresentadas en-
tre dois polos distintos muitas vezes como figuras de prestígio dignas de exaltação, mas também em alguns momentos
acusados pela precariedade da educação em função da má formação.
Palavras-Chave: Representações de Imprensa. Docência. Fontes Impressas. Jornal O Repórter.

DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL E


SÉRIES INICIAIS

Divina Lucia Rodrigues Barbacena Monteiro

Resumo: O presente estudo relata sobre os distúrbios na educação infantil apresentando a dicotomia na apren-
dizagem da leitura e da escrita. A revisão teórica procura explorar duas visões distintas do processo de aprendizagem
dessas habilidades: a Psicogênese da Leitura e da Escrita proposta por Ferreiro e Teberosky e os estudos da Psico-
logia Cognitiva, buscando uma complementaridade entre essas abordagens. No entanto evidências pedagógicas foi
constatado que as atividades e as propostas da escola envolviam o conhecimento das letras, das unidades silábicas e
da consciência fonêmica, detendo-se principalmente em atividades de escrita. O estudo sugere que o professor tem
conhecimento que o habilita a classificar as habilidades de leitura e escrita de seus alunos de forma relacionada ao
desempenho deles, com base na psicologia cognitiva. Porém, nenhuma das atividades envolvia a construção do sig-

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nificado das palavras, ficando apenas na correspondência letra-som. O estudo apresenta atividades de intervenção
psicopedagógicas desenvolvidas no contexto da sala de aula, em que a construção do significado das palavras na lei-
tura foi instigada.
Palavras-Chave: Dislexia. Leitura. Transtornos da linguagem.

PROFISSÃO DOCENTE NO INTERIOR DE MATO GROSSO DO SUL: A TRAJETÓRIA DE


UMA PROFESSORA DA INFÂNCIA

Giseli Tavares de Souza Rodrigues - PPGEDU/UFGD


Luciene Cléa da Silva - PPGEDU/UFGD

Resumo: O presente artigo surgiu a partir da elaboração de uma atividade proposta na disciplina de História
Oral, no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados - PP-
GEDU/UFGD, em nível de Mestrado e Doutorado e apresenta a trajetória docente de uma professora que atua com
a infância no município de Itaquiraí/MS há mais de 20 anos, moradora de um assentamento rural. Começou sua car-
reira docente em 1977, aos 28 anos de idade, quando se mudou de Dourados/MS para Itaquiraí/MS e ao se deparar
com a falta de professores em tal região, visto que se encontrava em um acampamento ‘sem terra’. Assim, o trabalho
teve o objetivo de identificar e analisar a carreira docente no interior de Mato Grosso do Sul por meio da história de
uma professora que iniciou e exerceu a profissão docente com a infância no meio rural. A professora participante do
estudo narrou acerca da escolha da profissão e dos percalços vivenciados durante sua trajetória. Como metodologia
de trabalho foi utilizada a História Oral Temática, com apoio do método chamado de entrevista. Tal abordagem
metodológica permite conhecer histórias e memórias de pessoas que narram suas experiências de vida e profissional,
proporcionando a propagação de conhecimento científico, o qual muitas vezes não pode ser encontrado em fontes
documentais como impressos e outros. A fonte oral permite o contato direto do pesquisador com o pesquisado e
tem a capacidade de se transformar em registro documental, contribuindo com a escrita da história e memória de
um tempo, de um povo e de um lugar especifico. Os dados discutidos foram analisados à luz do referencial teórico de
Norbert Elias, a partir dos conceitos de figuração e interdependência, contando também com autores que tratam so-
bre a profissão docente e a Educação Infantil. A trajetória profissional da docente, rememorada durante a ação inves-
tigativa, permitiu compreender o processo de constituição da profissão docente, do ser professora, da predominância
feminina na docência, da prática com crianças e do papel relevante que ela teve na educação da infância na parte
sul de Mato Grosso do Sul, local onde começou a carreira, que ainda mora e continua desenvolvendo seu trabalho,
destacando que na busca por se estabelecer enquanto professora, tem contribuído significativamente com a história
da educação da infância desta região. É imprescindível destacar que sua história colabora também com a reflexão e a
escrita da história da Educação Infantil e profissão docente em Mato Grosso do Sul.
Palavras-chave: Trajetória docente. Infância. História Oral.

TRAJETÓRIAS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE DA MULHER EDUCADORA:


MONITORAS DE CRECHE EM NAVIRAÍ - MS

Larissa Wayhs Trein Montiel - UFMS


Míria Izabel Campos - UFGD

Resumo: Ao logo da história, o atendimento coletivo das crianças nas creches em nosso país se pautou pela
ideia preconcebida de que a mulher, por sua natureza feminina, seria mais bem preparada para assumir as funções
nesses espaços. Nesse contexto, o artigo parte da perspectiva de que estudar a trajetória profissional de mulheres que

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atuaram na educação de crianças poderá colaborar e estimular a reflexão quanto à formação de novos professores e,
também, contribuir para reconstrução da história da profissão docente na Educação Infantil em Mato Grosso do Sul,
bem como proporcionar uma análise sobre as questões de gênero referentes ao lugar social da mulher e de trabalho
na carreira do magistério. Sendo assim, a trajetória profissional de mulheres que atuaram na educação de crianças no
período em que o atendimento era ofertado pela Assistência Social e passa para a Educação Infantil se constituiu de
pano de fundo da pesquisa. Buscou-se compreender como se tornaram monitoras de creche, quais motivos e ou inte-
resses as levaram para essa escolha profissional e como as questões de gênero permearam e refletiram nas trajetórias
de vida e profissão, enquanto atuavam com as crianças na creche e, ainda, de que forma compreenderam a necessi-
dade de uma profissionalização docente para se estabelecerem na carreira. Utilizou-se como recurso metodológico a
História Oral temática, tendo sido realizadas entrevistas, as quais foram gravadas em áudio, transcritas, textualizadas
e analisadas à luz do referencial teórico do sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990). Cinco monitoras de creche
participaram do estudo e contaram que tinham o primeiro ou segundo grau (nomenclatura da época) e com a mu-
dança da legislação, a partir da Constituição Federal de 1988, precisaram buscar uma formação específica para per-
manecerem no cargo que exerciam no município de Naviraí - MS. Portanto, as cinco mulheres educadoras tiveram
que adequar suas vidas pessoais e profissionais diante da nova necessidade e demanda da profissão, relatando que tais
mudanças foram percebidas e alteraram as relações de trabalho na instituição em que atuavam. Assim, percebeu-se
que as políticas educacionais pensadas para o atendimento à criança pequena geraram uma alteração na carreira
destas profissionais e isso se refletiu em suas trajetórias de formação docente. Ressalta-se que as monitoras de creche
poderiam ter ficado no esquecimento da história da Educação Infantil de Naviraí – MS, não fossem as narrativas de
suas vivências do cotidiano escolar e suas contribuições relatadas por meio da pesquisa científica. Com isso, com-
preende-se que rememorar os aspectos envolvidos no percurso de suas vidas e trajetórias profissionais, possibilitou
o entendimento de como as figurações, quer sejam, as redes de interdependência, foram constituídas pelas mulheres
educadoras e ao mesmo tempo as constituíram, trazendo à tona questões de gênero e poder inerentes aos diferentes
tempos e espaços de trabalho e formação.
Palavras-chave: Profissão docente. História Oral. Figurações.

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE PROFESSORES DE ESCOLAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE


DOURADOS-MS E REGIÃO (1950-1990)

Terezinha Garcia Cazuza Martinez - UFGD


Alessandra Cristina Furtado - UFGD

Resumo: Este trabalho se insere nas pesquisas sobre a história da profissão docente no meio rural. Para tanto,
busca reconstruir as histórias e as memórias de professores de escolas rurais do município de Dourados e região, no
período entre as décadas 1950 a 1990. O recorte temporal justifica-se na década de 1950 por marcar um período de ex-
pansão do ensino primário rural no município de Dourados e região, com a criação de várias escolas primárias rurais.
E, a década de 1990 por sinalizar um período de mudanças que refletiram no processo de formação desses professores
das escolas rurais, sobretudo, com o a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a de n.9.394/96,
que acabou por determinar que os professores para ministrarem aulas nas séries iniciais passassem a ter formação
em nível superior. O presente trabalho foi desenvolvido por meio de referências provenientes da história cultural,
história da educação, história do ensino rural, história da formação e da profissão docente, entre outras. E, também,
por meio de uma pesquisa histórico-documental realizada em escolas rurais, câmaras municipais, arquivos pessoais
de professores, centro de documentação, onde foram localizados documentos como Mensagens de Governadores do
Estado, criação de cargos de professores em escolas rurais, carreira e remuneração docente, designação de professo-
res para as escolas, legislação, entre outras. Foi necessário também recorrer às entrevistas com ex-professores (as) de
escolas rurais. A partir disso, os resultados apontaram que as histórias e as memórias dos professores de escolas rurais

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no município de Dourados e região, estão marcadas por um processo de colonização recente no Sul de Mato Grosso
(atual Mato Grosso do Sul) e de muitas dificuldades no percurso de sua atuação docente, sobretudo, entre os anos de
1950 a 1970. Convém registrar aqui que, muitos desses docentes trabalharam na condição de professores leigos, atu-
ando nessas escolas com formação primária (completa ou incompleta) ou ginasial (completa e incompleta). Mesmo
não sendo habilitados para ministrarem aulas de 1.ª a 4.ª séries, eles exerceram um papel importante no processo de
criação e funcionamento das escolas primárias nessas áreas, bem como contribuíram para o processo de escolarização
das crianças. Os dados ainda evidenciaram que a luta desses professores se fazia diariamente, pois, muitos desses ti-
veram que participar desde o processo de construção das escolas, inclusive alguns estabelecimentos iniciaram as suas
atividades nas próprias casas desses professores, antes de terem um espaço próprio. Além disso, esses professores
exerciam dentro das escolas atividades para além da docência, uma vez que, eram eles que cuidavam da merenda, da
limpeza e até mesmo da documentação escolar. Contudo, as condições dos professores leigos dessas áreas rurais do
município de Dourados e região começaram a mudar, sobretudo, a partir da década de 1970, com a implantação de
Cursos de Magistério Rural no Sul de Mato Grosso, realizado durante as férias e também pela inserção desses docen-
tes nos projetos Logos I e Logos II, implantado governo federal. Assim, esses professores que atuaram nessas áreas
rurais situadas no município de Dourados e região deixaram as suas marcas na história e nas memórias das escolas
rurais, bem como na história da formação e da constituição da profissão docente nessa localidade.
Palavras-chave: História. Professores. Escolas Rurais.

REPRESENTAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR VEICULADOS NAS MENSAGENS


DOS GOVERNADORES DE MATO GROSSO NOS ANOS 1960

Rômulo Pinheiro de Amorim- UFGD

Tatiana de Albues Pinto Amorim - UFMG

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as representações construídas sobre a educação pública
veiculadas nas mensagens dos governadores de Mato Grosso nos anos 1960. A escolha dos anos 1960 como recorte
temporal deste estudo foi devido à elaboração de planejamentos educacionais realizados pelo governo federal nessa
época, que acabaram influenciando a organização da educação escolar no estado, principalmente no que se refere
à constituição de uma estrutura voltada para a formação e aperfeiçoamento de professores mato-grossenses. Além
disso, a temporalidade definida para esse estudo se justifica pelas ingerências do governo estadual, em articulação
com as ações da gestão federal no ensino público estadual, com o objetivo de melhorar o ensino oferecido nas escolas
mato-grossenses em suas diferentes modalidades. As mensagens dos governadores foram veiculadas diante de um
contexto voltado para a implantação de modificações na organização do ensino público nacional. Sendo assim, este
trabalho procura compreender como as questões educacionais foram narradas nos conteúdos relacionados às mensa-
gens dos governadores para a Assembleia Legislativa de Mato Grosso. O subsídio teórico escolhido para este estudo
foi o conceito de representações elaborado por Roger Chartier (1990), que é compreendido como delimitações, clas-
sificações e divisões que indivíduos e grupos organizam sobre si mesmos ou sobre algum aspecto do mundo social.
Para a realização deste trabalho foram consultados diversos trechos de itens relacionados à educação pública inseridos
nas mensagens dos governadores de Mato Grosso nos anos 1960, localizado no Arquivo do Núcleo de Documenta-
ção e Informação de História Regional – NDIHR, da Universidade Federal de Mato Grosso, bem como a consulta à
literatura sobre a História da Educação brasileira e mato-grossense do período definido para esse estudo. As análises
indicaram que os diversos discursos difundidos nos conteúdos das mensagens dos governadores procuravam elencar
as problemáticas do ensino público estadual. Esses discursos estavam associados com mensagens que enfatizavam a
atuação do Estado na implantação de modificações no ensino estadual. Os discursos dos gestores estaduais ressalta-
vam a representação de que Mato Grosso estava saindo do atraso educacional para alcançar patamares elevados de

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qualidade na educação, por causa dos investimentos que os governadores estavam realizando para modificar o ensino
público do estado com a criação do Centro de Treinamento do Magistério de Cuiabá nos anos 1960.
Palavras-chave: Representações. Educação escolar. Mato Grosso.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM GOIÁS A PARTIR DO PACTO NACIONAL DE


ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: UMA POLÍTICA VINCULADA AO CAMPO
ACADÊMICO.

Daniela Amélia de Moura - PPGE/PUC-GO


Elzilene Maria Lopes de Souza- PPGE/PUC-GO

Resumo: compreende uma análise que tem como tema de estudo a formação continuada de professores alfa-
betizadores através do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Sendo uma iniciativa do Governo
Federal com o objetivo de alfabetizar todas as crianças das escolas públicas até o final do 3º ano do Ensino Fundamen-
tal, denominado Ciclo de Alfabetização. O estudo das propostas e vivências na prática pedagógica dos professores do
programa em questão, averiguar o papel dos gestores escolares, na figura dos coordenadores pedagógicos e o apoio
à formação continuada destes professores sendo a perspectiva fundamental deste trabalho averiguar essa política
vinculada ao campo acadêmico. Objetivos: Analisar as temáticas políticas e o que tem se discutido na realização da
formação continuada (PNAIC); e discutir as influências da formação continuada no processo educativo; metodologia:
analisar as concepções que norteiam a formação continuada desenvolvida no contexto do Pacto Nacional pela Alfa-
betização na Idade Certa (PNAIC) no estado de goiás, mediante o materialismo histórico e dialético como princípio
metodológico dessa pesquisa, priorizando assim, o movimento da totalidade social, significado assim, entre outras
questões, a possibilidades de perceber as condições concretas para a objetivação do gênero humano na individualida-
de dos sujeitos e a superação das condições propostas na realidade atual, o materialismo histórico dialético constrói
um complexo caminho em direção à formação da consciência crítica, em nenhum memento de modo conclusivo. No
entanto a formação continuada de professores como política e prática transformadora, numa perspectiva contextu-
alizada e real, busca-se a compreensão das concepções presentes no programa do Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa; relacionando o singular e o todo, o social e o histórico, o político e o educacional, o concreto e o
contraditório nessa ligação. Resultados: envolvem uma série de fatores que estão diretamente ligados ao proces-
so de formação dos docentes, sobretudo dos que atuam com a alfabetização. Apesar das exigências desse processo
formativo, os cursos de graduação, por sua constituição fragmentada, não garantem uma formação completa aos
profissionais que atuarão nas diversas séries dos anos de ensino. Esse problema é agravado por aspectos externos à
educação, como as questões financeiras e políticas, e pela ausência de uma política educacional comprometida com
a qualidade do ensino. Tudo isso contribui para que os índices de analfabetismo sejam relevantes em nosso país. O
PNAIC estrutura-se em quatro eixos: a formação continuada presencial, o suporte com material didático, o processo
de avaliação e da gestão e o da mobilização e do controle social. O objetivo principal dessa ação conjunta é a erradica-
ção de um dos maiores problemas educacionais do país, o analfabetismo, através do investimento em formação con-
tinuada de professores. O caráter inovador desse programa, em seu trabalho com a formação de professores, está em
sua estrutura, que se organiza e funciona por meio do pacto entre universidades, Secretarias de Educação estaduais e
municipais e Ministério da Educação. O estado de Goiás aderiu a esse Pacto no ano de 2013, através da Universidade
Federal de Goiás, instituição responsável pela formação e pelo acompanhamento dos professores dos 242 municípios
pactuados. À equipe envolvida no projeto constitui-se, em sua estrutura, de coordenadores adjuntos, supervisores, 19
professores formadores, 446 professores orientado- res de estudos e 9.011 professores alfabetizadores. Os encontros
destinados à formação de professores através do PNAIC seguiram um cronograma de atividades presenciais no polo
Goiânia e, posteriormente, os professores orientadores realizaram uma multiplicação em seus municípios de origem
e naqueles sob a responsabilidade do estado. Tal procedimento possibilitou a sequência dos estudos em todo o esta-

100
do, culminando nos seminários finais, em que foram apresentados resultados e experiências exitosas do Pacto, e no
seminário regional, ocorrido em março de 2015. Esse seminário, realizado na cidade de Caldas Novas, contou com
a participação de todos os estados da região Centro-Oeste e ainda com a do estado do Tocantins. O PNAIC pauta a
ação docente em atividades que priorizem estratégias voltadas para a garantia dos direitos de aprendizagem e do res-
peito às singularidades locais. Portanto essa proposta curricular e concepção de alfabetização tem sido propagada aos
professores alfabetizadores de nosso país e no estado de goiás através da parceria estabelecida entre o MEC e as uni-
versidades públicas, que possuem a função de formar os professores formadores. Nessa análise real de fatos podemos
questionar fundamentalmente, qual a necessidade de alterar uma política de formação de professores alfabetizadores?
Os resultados preliminares apontam algumas fragilidades na constituição desses programas, no entanto direcionam,
também, para uma reflexão mais aprofundada sobre as consequências que uma interrupção dessas ações promoverá
no desenvolvimento de todo o processo.
Palavras chaves: Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, formação continuada, política.

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL VERSUS EDUCAÇÃO DO CAMPO E A


IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NESSE CONTEXTO

Ana Maria Franco Pereira


Fernanda Moreira Silva Rabelo

Resumo: O objetivo deste estudo é realizar, em linhas gerais, uma reflexão, por meio de investigação sobre a
Educação Rural no Brasil, versus educação do campo, partindo de um contexto histórico, bem como a importância
da formação do docente nesse processo educacional. A temática do trabalho norteia-se na Educação Rural do Brasil
e na importância da formação do docente nesse processo. Para o desenvolvimento do referente estudo partiu-se da
inquietação em compreender como ocorreu a educação rural, seus desafios e perspectivas voltados à Educação “do”
Rural, e, de certa forma, como era vista pela sociedade, e ainda, a importância da formação dos professores, os quais
possuem um papel fundamental e indispensável nesse contexto. O referente estudo é parte de uma pesquisa de dou-
torado (em andamento), pesquisa esta que visará descrever a história da nucleação das escolas rurais no município de
Rio Verde - GO. Para o desenvolvimento deste trabalho aportou-se em um estudo qualitativo de natureza bibliográ-
fica, possibilitando apreensão científica a partir da análise crítica das concepções e problematizações sociais, políticas
e pedagógicas imbuídas no campo epistemológico da educação, sobretudo, da educação rural e dos atores pertencen-
tes a esse contexto, sejam eles, pais, alunos, professores e comunidades. Esta busca de conhecimento, por intermédio
deste trabalho, possibilitará para a sociedade e a outros estudos a compreensão da educação rural no contexto de
sua história, através dos movimentos sociais realizados em prol de uma educação no e do campo, e a importância
da formação do docente para atender às especificidades e a diversidade do campo. O educador do campo ocupa na
comunidade um papel fundamental no fomento à cultura, na formação dos sujeitos e na organização político-social,
os mesmos, têm a tarefa de promover a formação e a socialização do conhecimento partindo das particularidades
dos saberes e culturas das comunidades que residem no campo. Se faz necessário a integração Educação do Campo
e a formação de professores na construção de políticas educacionais voltadas aos sujeitos do campo, com conteúdo
escolares e conteúdos advindos da vida, do cotidiano, das histórias, memórias e cultura dos educandos, da comunidade
e de todo local. Ao término deste estudo, fica-se amplamente elucidado que a formação de professores para atuação nas
escolas no campo deve ser concebida abrangendo preocupação com o campo social dos diferentes grupos que ali vivem,
contribuindo para a transformação social, econômica, cultural e educativa, que se leva a expectativa de se repensar os
cursos de formação, instituídos em contextos distintos, de modo que venham a preparar os professores para que sejam
capazes de desenvolver pedagogias contra-hegemônicas e que consigam fortalecer os educandos das escolas do campo ao
dar-lhes o conhecimento necessário podendo atuar como agentes críticos e transformadores da realidade de si mesmos.
Palavras-Chave: Educação Rural, Educação no/do Campo, Formação Docente.

101
HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS

Heloisa Maria Prado - IFG - Campus Morrinhos


Cristina Aparecida Carvalho - IFG - Campus Morrinhos
Michelle Castro Lima - IFG - Campus Morrinhos

Resumo: Durante um longo período as pesquisas sobre história da alfabetização no Brasil investigaram os
métodos e as cartilhas de alfabetização e pouco se trabalhou com as práticas pedagógicas e com os conceitos de alfa-
betização e letramento. Estudar as práticas das professoras alfabetizadoras é buscar representações em meio histórico,
fazendo uso do ponto de vista da História, Memória e Representação da educação. O presente estudo buscou analisar
quais as práticas educacionais eram usadas pelas professoras alfabetizadoras da cidade de Goiatuba no período de
1979 a 2015. Para isso, buscou-se respaldo teórico das tendências que classificam as diferentes abordagens da pesqui-
sa, sendo que esta proposta se classifica no campo das pesquisas qualitativas, de forma que a metodologia perpassa a
pesquisa histórica e compreende a leitura e análise de fontes bibliográficas, análise de revistas e livros da época e dos
diários escolares. O objetivo de usar a Memória como instrumento nesse trabalho, seria para reunir informações de
pessoas que atuaram nesse período, para saber e compreender como funcionava a educação e as práticas escolares. As
representações sobre o papel da Educação e do alfabetizador vão se construindo na trajetória escolar e em outros es-
paços sociais de convivência. Por isso se fez necessário entender quem eram as alfabetizadoras e conhecer o trabalho
que realizavam em sala de aula, suas práticas e as atividades que desenvolviam. Conhecendo por meio de estudos a
formação do docente e os cursos de formação da época, torna-se possível compreender sobre a prática desenvolvida
pelas alfabetizadoras, e para a maioria das professoras, prevalecia os métodos tradicionais, que preconizam a memo-
rização e a cópia, excluindo os usos sociais da leitura e da escrita. Assim, as atividades eram voltadas para as cópias
do quadro, a leitura era tomada pela professora e os ditados eram práticas corriqueiras no processo de alfabetização
tradicional. Todas essas observações foram feitas por meio de análise documental, e para ter acesso aos arquivos, pas-
samos por um processo onde primeiro, comunicamos ao secretário da educação sobre a pesquisa e explicamos a sua
importância para a história da formação de professores, especialmente para o sul do estado de Goiás, onde essa área
é pouco explorada e carece de mais atenção. Desta forma, buscamos identificar quais práticas e símbolos que as nor-
mas educacionais goianas apresentavam e como estas eram apropriadas e trabalhadas pelas alfabetizadoras. Assim,
denominamos de normas educacionais todas as leis, decretos, projetos e programas de ensino propostos pelo governo
estadual de Goiás. Recebido o aceite do secretário de educação, passamos pela aceitação das instituições que foram
pesquisadas, e essas, apresentaram muita resistência, mesmo com a carta de autorização da secretaria de educação e da
instituição a qual fazemos parte; mas ao final conseguimos recolher as informações de que precisávamos. No entanto,
foi encontrado muito material referente à alfabetização na cidade de Goiatuba – GO, por esse motivo estendemos o
período de análise e para essa primeira etapa da pesquisa realizamos a análise dos diários e em um segundo momento
iremos realizar as entrevistas com algumas das professoras alfabetizadoras. Portanto, a pesquisa e análise dos acervos
foi realizada em três das cinco escolas previstas, devido à grande quantidade de material, como dito anteriormente.
Desta maneira, essa foi uma pesquisa desenvolvida em um projeto de iniciação científica, o qual realizamos a análise
documental nas escolas municipais sobre o período determinado. Feitas as observações e análise, pudemos concluir
que inicialmente, havia grande dificuldade em manter as escolas, por falta de verba, a maioria eram grupos escolares
e esses, se localizavam nas fazendas porque também havia a dificuldade em se deslocar para a cidade todos os dias.
Posteriormente, houveram mudanças e com o êxodo rural, escolas foram surgindo nas cidades, chegando o momento
de extinção das escolas rurais, porém, a falta de verba permanecia. As salas eram multisseriadas e como não tinham
salas suficientes para a alfabetização, havia superlotação. Os métodos eram tradicionais, sendo o sintético o mais ob-
servado nos diários e as professoras faziam uso da cartilha, seu principal instrumento de alfabetização. Foi apenas na
década de 1980 que começaram a florescer as discussões sobre letramento, para que desenvolvesse na alfabetização,
o uso social da leitura e escrita, fatores essenciais para a base do processo de ensino aprendizagem nas séries iniciais.
Palavras-Chave: Alfabetizadoras. Práticas. Formação.170

102
O CENTRO ESPECÍFICO DE APERFEIÇOAMENTO DO MAGISTÉRIO NO MUNICIPIO DE
NAVIRAÍ-MS E A SUA TRAJETÓRIA NA HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
(1994-2000)

Natalicia Gomes Teixeira Arcanjo - UFGD

Resumo: Este trabalho se insere nas abordagens sobre a história da formação de professores. Dos anos de 1990
em diante, pesquisas de temas relacionados à formação de professores se expandiram no campo de estudo da História
da Educação brasileira. Nesta perspectiva, esse trabalho visa investigar a história do Centro Específico de Formação e
Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) no município de Naviraí/MS, buscando compreender o processo de cria-
ção e instalação desse Centro, caracterizar o perfil de seu quadro discente, analisar a formação docente proporcionada
por essa instituição escolar a sua clientela, no período de 1994 a 2000. O recorte temporal justifica-se por dois argu-
mentos: o ano de 1994 por marcar a instalação desse Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magisté-
rio junto à Escola Estadual de Pré-Escolar, 1 º e 2 º Graus Juracy Alves Cardoso, em Naviraí/MS. O ano de 2000 por
corresponder ao período de fechamento desse Centro de formação de professores nesse município. O trabalho foi
desenvolvido por meio de uma bibliografia ligada à história, à história da educação e à formação de professores e com
base em documentos do arquivo da Escola Estadual Juracy Alves Cardoso, jornais, livros de história desse Município,
entre outros. A partir disso, os resultados permitiram verificar que os Centros Específicos de Formação e Aperfei-
çoamento do Magistério em Mato Grosso do Sul, não estiveram entre os primeiros instalados no Brasil, pois esses
Centros chegaram a este Estado, apenas a partir do ano de 1987, devido a um movimento de consolidação e expansão
desses Centros pelo país. Além disso, foi possível constatar que esses Centros de formação docente foram instalados
também fora da capital Campo Grande e das maiores cidades do Estado. Tais aspectos ficaram bem evidenciados na
instalação ocorrida desse Centro em Naviraí, que de um lado, ocorreu somente na década de 1990, com a transição
do Curso de Magistério da Escola Estadual Escola Estadual de Pré-Escolar, 1º e 2º Graus Juracy Alves Cardoso para
Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento do Magistério em 1994 e, de outro, foi instalado em um município de
médio porte, como é o caso de Naviraí. Apesar disso, esse Centro funcionou poucos anos em Naviraí, mesmo assim,
conseguiu formar muitos docentes do município e da região, proporcionando a eles uma formação em período in-
tegral, que os habilitava para atuarem desde a Pré-Escola até a 4ª série do 1º Grau. Contudo, pode-se concluir que,
esse Centro mesmo com um período tão curto de funcionamento conseguiu com sua proposta de ensino voltada a
uma formação docente em período integral, formar professores, que estão até os dias de hoje atuando como docentes,
coordenadores, diretores na rede de ensino pública e privada do município de Naviraí e região.
Palavras-chave: Formação Docente. Fontes Documentais. História da Educação.

A CONSTITUIÇÃO DE UM CÓDIGO DISCIPLINAR DA DIDÁTICA DA HISTORIA

Tales Damascena de Lima

Resumo: O presente trabalho propõe levantar questões sobre o ensino de História nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Realizar uma reflexão sobre o saber histórico nas séries iniciais demanda uma breve consideração acer-
ca dos caminhos teóricos e metodológicos percorridos pela História nas últimas décadas, quando houve um avanço
das pesquisas sobre o ensino de História nos anos da 5ª à 8ª séries, sendo mais recente a preocupação com o Ensino
de História nas séries iniciais. Historiadores acreditam que crianças de seis a dez anos têm dificuldade na aprendiza-
gem de História devido às questões relacionadas ao conceito de tempo e espaço. Historiadores são questionados em
suas competências pelos pedagogos, uma vez que as licenciaturas em História não habilitam para o magistério em
séries inicias do ensino fundamental, e, no caso dos pedagogos, as pedras são lançadas pelos historiadores, visto que

103
a graduação em pedagogia não aborda questões consideradas fundamentais para historiadores e para a produção do
conhecimento histórico. Quando se trata do ensino de História nas séries iniciais, há lacunas nos currículos de ambos
os cursos. Desse modo, o presente trabalho pretende evidenciar a importância da História como disciplina escolar
na fase inicial do processo educacional. Buscou-se discutir sobre a Didática da História, não apenas a importância
e a possibilidade do ensino de História nas séries iniciais, mas as contribuições da Didática da História para os anos
iniciais. Procurou-se, também, traçar possibilidades e desafios, já que a Licenciatura de História não habilita adequa-
damente para o trabalho com as séries iniciais, e a Pedagogia não aborda questões fundamentais para historiadores.
Como um dos objetivos, esse trabalho busca explicitar como as teorias pedagógicas têm abordado a relação entre os
fundamentos da educação e os saberes específicos da disciplina de História. Encontramos muitos livros, teses e disser-
tações sobre o ensino de História nas séries iniciais, e sobre a aprendizagem histórica, com Isabel Barca, Keith Barton,
nos quais desenvolvem pesquisas relacionadas à cognição ou ao pensamento histórico de crianças e adolescentes. Há
também estudos de Peter Lee, Alaric Dickinson e Rosalyn Ashby, que buscam investigar o saber discente, produzin-
do materiais e pesquisas sobre o ensino de História desde os anos iniciais de escolaridade. As discussões e produções
sobre o ensino de História não são de hoje - há anos esse tema vem sendo discutido por vários autores e sob várias
perspectivas; porém, nunca sob os olhares da Didática da História (Geschichtsdidaktik) e da Didática da Educação em
História (Didaktik des Geschichtsunterrrichts), trabalhadas por autores alemães, dentre os quais Klaus Bergmann,
Jörn Rüsen, entre outros. A Didática da História não considera apenas os problemas de ensino e aprendizado na
escola, mas analisa todas as formas de raciocínio e conhecimento histórico na vida cotidiana e prática; busca compre-
ender as formas e princípios cognitivos da História. Esse trabalho busca trazer um olhar tal como Geschichtsdidaktik,
trabalhada por Jörn Rüsen, que busca refletir sobre como tem sido trabalhado esse processo de cognição nas teses e
dissertações sobre o Ensino de História nas Séries Iniciais.
Palavras-Chave: Didática da História, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Ensino e Aprendizagem.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES SOBRE EDUCAÇÃO E RELIGIÃO: NARRATIVAS DE


FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Raimundo Márcio Mota de Castro

Resumo: Os debates que circundam a formação docente datam de longa data, sendo registrados em grande
parte da história da formação de professores no Brasil. Indicativo pontual da pertinência de estabelecer diálogos
possibilitadores que auxilie a reflexão sobre a temática, principalmente envolvendo duas categorias culturais deter-
minantes da sociedade: educação e religião. O texto apresentado é recorte dos resultados da pesquisa intitulada “Di-
versidade, Educação e Religião: narrativas e (auto)biografias”, realizada nos anos de 2017-2018, por pesquisadores da
Universidade Estadual de Goiás. Busca-se apreender os sentidos atribuídos pelos sujeitos na construção de suas sub-
jetividades permitindo emergir as relações entre educação e/ou religião em suas constituições identitárias, seja como
sujeitos sociais, seja no exercício da docência. O aporte teórico ampara-se nas concepções de Cecchetti (2013); Cas-
tro (2009; 2014); Junqueira (2016) que refletem a situação da relação escola e religião, Bauman (2005); Hall (2003);
Santos (2013; 2014) que apresentam aspectos referente a construção identitária, Saviani (2009); Gatti (2014); Tardif
(2002; 2014) pontuando a formação de professores, entre outros. O corpus metodológico segue o percurso da pes-
quisa de abordagem qualitativa (MINAYO, 2002), Exploratória (GIL, 2008), narrativa (auto)biográfica (SOUZA,
2006; JOSSO, 2012; CASTRO, 2014). A utilização de narrativas na construção e compreensão da formação docente
tem ensejado inúmeras percepções sobre a relação educação e sociedade, principalmente no que se refere a aspectos
da compreensão da subjetividade e identidade dos sujeitos, como autores e atores de suas histórias. As narrativas
apresentam a religião como categoria determinante nas práticas escolares uma vez que se constituem na ontologia
dos sujeitos docentes. Diante do exposto, conclui-se que os aspectos da formação dos professores pouco ou nada
consideram a religião como categoria social relevante nos processos formativos que refletem práticas ancoradas em

104
crenças nem sempre condizentes com a abertura necessária a prática do docente, principalmente no que se refere as
diversidades presentes na escola, Outrossim, as vozes dos professores precisam ser consideras como aspecto relevante
da formação e da reconstrução do pensamento e das práticas docentes.
Palavras-chave: Formação docente. Ensino religioso. Escola.

ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL:


UMA ANÁLISE SOBRE AS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS (2012- 2018)

Geiliane Aparecida Salles Teixeira - UFGD

Resumo: O tema alfabetização é bem difundido no Brasil e sucinta diversas discussões, pois é um tema abran-
gente e um tanto polêmico. O Estado do Conhecimento que aqui nos propomos apresentar, tem por objetivo conhe-
cer e analisar as produções científicas sobre a história da alfabetização no Brasil, no período de 2012 a 2018. Dessa
forma, apresentamos os resultados dos estudos realizados, esboçando as produções, cujo recorte temporal se justifica
porque em 2012 foi idealizado o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), um programa gover-
namental direcionado à formação continuada dos professores que atuavam do primeiro ao terceiro ano do Ensino
fundamental, período este onde observou-se um considerável avanço nas produções sobre alfabetização e que nos
motivou buscar entender os fatores que justificam tais números. Esse estudo surge em um momento em que se preci-
sa delinear um projeto de tese para doutoramento com pretensão de abordagem metodológica via história oral e daí a
importância de verificar as produções que transitam nos meios acadêmicos, para então tecermos reflexões e identifi-
carmos lacunas sobre a temática. Assim, apresentamos aqui um estudo com base nessas produções, que embora sejam
muitas, o nível de abrangência nos possibilitou identificar abordagens quase que únicas sobre formação docente e
práticas pedagógicas, o que nos causa certa estranheza, considerando que desde 2012 o Governo tem investido em
formação continuada para essa etapa da educação. O que se conclui é que as formações não mudam a prática e assim,
consolida-se um ciclo onde há formação, há inegavelmente a ação, mas não há reflexão. Se o sujeito se constitui no
fazer, no agir e no refletir, não haverá avanços se rompermos com esse ciclo. Ou seja, a alfabetização apesar de tão
discutida nas produções acadêmicas e científicas, continua com uma prática desafiadora. Trata-se de um processo
por muitos incompreensíveis e relativamente menos importante que outras etapas da educação básica. O caminho
a trilhar para que a alfabetização de fato ofereça oportunidades de aquisição das habilidades necessárias aos alunos,
depende de uma variedade de fatores e para tal, fomentar pesquisas para e sobre o tema, é um início. Ao realizar
esse Estado do Conhecimento, observou-se muitas lacunas nas pesquisas sobre a temática, principalmente no que
se refere aos métodos de alfabetização. Entendemos que a elaboração desse Estado do Conhecimento contribui para
delinearmos nosso objeto de pesquisa, mas também suscitou inúmeros questionamentos que passam a nos inquietar
de agora em diante, tornando assim a pesquisa inconclusa.
Palavras-Chave: Alfabetização. História Oral. Produções Acadêmicas.

ENSINO DE HISTÓRIA, CURRÍCULO E OS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE


NA REDE MUNICIPAL DE GOIÂNIA

Carolina do Carmo Castro - SME


Eunice Aparecida Antunes Fleury - SME
Warlúcia Pereira Guimarães - SME

Resumo: A partir da criação da Base Nacional Comum Curricular como um documento orientador dos objeti-
vos de aprendizagem em cada etapa da formação escolar, muito se discute sobre as possibilidades e desafios propostos

105
por esse documento. Acreditamos que o ensino de História deve ser considerado elemento chave para a formação de
sujeitos históricos críticos e conscientes da importância de sua participação social, compreendendo a realidade histó-
rica que vivem, relacionando-a com outras experiências do presente e passado. Em 2019, foram designados aos mu-
nicípios revisarem seus documentos orientadores, de acordo, com a BNCC e o DC – GO. As contribuições e os pare-
ceres, somados aos outros processos de divulgação, qualificarão os documentos curriculares ao subsidiar a equipe de
currículo ampliada na elaboração de uma nova versão, mais próxima dos anseios e das necessidades dos profissionais
de cada rede de ensino. Nesse sentido, pretende-se, neste trabalho, abordar como está sendo construído o ensino de
História no documento curricular para Rede Municipal de Educação de Goiânia e as bases teóricas que o sustentam.
Para isso será apresentado o plano de trabalho para implementação da BNCC no ensino de História que contempla
a elaboração da documentação curricular no Ensino Fundamental organizado em ciclos de formação e desenvol-
vimento humano. Nesta perspectiva, a metodologia adotada busca a promoção de estratégias que propiciam uma
aprendizagem mais significativa como a investigação e análise de documentos e objetos, estudos do meio; visitas em
arquivos locais, bibliotecas e museus, estudos do patrimônio, monumentos, agrupamentos arquitetônicos, sítios na-
turais e bens culturais que ajudam os educandos(as) na análise dos diferentes níveis da realidade: econômico, político,
social e cultural. Nesse processo, com o intuito de envolver ao máximo os profissionais da educação da RME, várias
estratégias estão sendo utilizadas, dentre elas: ter professores em regência das escolas municipais, na composição de
equipe de currículo ampliada, realização de consulta pública via plataforma online, organização de grupos de traba-
lho (GTs) semipresenciais, com representantes de professores de instituições educacionais das cinco Coordenadorias
Regionais de Educação, realização do dia “D” de discussão nas instituições educacionais, por etapa e por modalidade
para diálogos e contribuições aos Documentos. O objetivo dos GT’s é promover diálogos e discussões mais aprofun-
dadas, a fim de identificar o que necessita ser alterado em cada documento curricular, para atender as necessidades e
anseios dos profissionais, das crianças, dos adolescentes, dos jovens e dos adultos, bem como da própria sociedade.
Nesta perspectiva, ressaltamos a importância em discutir os reflexos deste documento nos pressupostos, concepções
e definições que embasam o ensino de História na Rede Municipal de Educação de Goiânia, já que esse documento
refletirá no trabalho docente, na publicação de materiais didáticos e nos currículos escolares.
Palavras – chave: História. Currículo. Formação Docente.

UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA MULHER PROFESSORA

Jéssica Nayara Silva Leite Tavares - PUC-GO


Lúcia Helena Rincon Afonso - PUC-GO

Resumo: O estudo intitulado “Um olhar sobre a história da mulher professora”, tem como objetivo conhecer
de forma mais detalhada a história da mulher na profissão docente. Utiliza-se como metodologia, estudos bibliográ-
ficos com abordagem qualitativa. Como aponta a história no Brasil, a entrada das mulheres no magistério se deu ao
longo do século XIX. Não foi uma entrada tranquila, mas sim de muitas disputas e polêmicas, pois até então, o dever
da mulher era de ser esposa e mãe, numa sociedade patriarcal e de classes onde o universo simbólico sobre os papéis
sociais de homens e mulheres estava construído a partir de modelos e interesses da burguesia e a divisão sexual e so-
cial do trabalho no conjunto da sociedade, subjugando as mulheres aos homens, era ignorada. A partir do momento
em que se deu a abertura das escolas normais as mulheres tiveram uma presença maior do que se esperava nas escolas.
Houve diversos discursos em relação à mulher ocupar espaço no magistério. Alguns afirmaram que é uma insensatez
entregar às mulheres portadoras de cérebros “poucos desenvolvidos” para ensinar as crianças. Outros afirmaram seria
uma boa ideia, uma vez que, as mesmas têm por natureza uma inclinação para o trato com as crianças. E assim, se a
maternidade é seu destino primordial, o magistério passa a ser representado como forma extensiva da maternidade.
O magistérioé compreendido, como uma atividade de amor, ocupado por quem tivesse vocação, e circulava-se a
ideia de que a mulher professora era desgraciosa, aquela que não conseguiu casar, solteirona retraída e desconfiada.

106
A partir de determinado momento do século XIX, quando a mão de obra masculina vai sendo requisitada em outros
campos de trabalho, houve uma queda de professores homens na profissão docente e a presença da mulher passou
cada vez mais ser mais marcante nesta profissão. Apesar de ainda haver divisão de trabalho de acordo com o gênero,
que é fruto da diferença e uma classificação valorativa que é fruto de uma construção social, estamos vivendo uma
realidade em mudança, na qual tem se tornado recorrente a presença de homens em atividades outrora consideradas
típicas de mulheres e vice-versa. Dessa forma, vem paulatinamente se rompendo com o estereótipo de que a mu-
lher tem que ser “dona de casa”, que sua vocação natural é cuidar de casa, marido e filhos, e com o único destino das
mulheres decidido para profissões que signifiquem semelhança de continuidade deste papel, como o de professora.
Percebe-se que os estereótipos atribuídos às mulheres na docência são concepções atribuídas sob a ideologia
patriarcal, construídas a partir da divisão sexual do trabalho.
Palavras-chave: Mulher. Profissão docente. Gênero.

A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM GOIÁS: RECORTE HISTÓRICO DO BRASIL


IMPERIAL

Rodrigo Silva Rocha - UEG/Anápolis


Sandra Elaine Aires de Abreu - UEG/Anápolis

Resumo: Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás e tem como objetivo principal entender
o período histórico e o contexto em que se deu a transição da educação, inicialmente, ministrada por homens e,
posteriormente, também por mulheres no Estado de Goiás, a partir do recorte histórico do Brasil Imperial. Quanto
aos procedimentos metodológicos considera-se a aplicação de pesquisa bibliográfica, seguida por análise documen-
tal, tendo em vista a necessidade de consultas a documentos direcionadores da educação no Brasil. Compreende-se
que a atividade docente no Brasil foi iniciada por homens, em particular jesuítas, no período colonial. A partir do
Decreto Lei Imperial 1827 é possível vislumbrar algumas mudanças sociais que não, apenas, demonstraria a presença
feminina na sala de aula. Em outras palavras, as mulheres deveriam ser educadas, pois é delas a responsabilidade pela
primeira educação dos/as filhos/as. Após o anseio de vários atores masculinos, provenientes dos setores mais inte-
lectualizados da sociedade, houve a defesa da instrução feminina pautados na importância de capacitar as mulheres
para a atividade exemplar de esposa e mãe. Por outro lado, os primeiros relatórios ministeriais de 1831 a 1836 des-
mascaram a eficiência do Decreto Lei Imperial 1827 e denuncia o abandono da educação nas Províncias Imperiais.
Contudo, não é possível alcançar os resultados esperados da pesquisa sem considerar o processo de criação e expansão
das escolas de primeiras letras em Goiás, da constituição da carreira docente e do exercício do magistério. A partir do
trabalho bibliográfico e da análise realizada até o momento é possível observar a lacuna existente na exploração acadêmi-
ca referente à feminização do magistério em Goiás e o estudo limitado de como transcorreu o processo da mudança do trabalho
docente exercido por homens também às mulheres na sociedade goiana; a vagarosa inserção do estado de Goiás no
contexto colonial que pouco influenciou nos moldes educacionais da época; os primeiros registros educacionais de
Goiás aconteceram em 1830, havia-se passados oito anos do início do Período Imperial quando os primeiros con-
teúdos relacionados à educação começavam a serem divulgados na cidade de Meia Ponte, atualmente, Pirenópolis;
continuava às mulheres a responsabilidade de promover os meios educativos das crianças, mesmo que pautadas no
universo doméstico, na moralidade e nas tradições masculinas, e por fim, mas não menos importante, a luta feminina
pela equidade entre os gêneros arrasta-se por séculos como uma forma de resistência a ideologia patriarcal e como
ferramenta de transformação social.
Palavras-chave: Feminização. Magistério. Goiás.

107
PRÁTICAS DE ALFABETIZADORES: FORMANDO DOCENTES

Ana Leide Rodrigues de Sena Góis - UFT


Jocyleia Santana dos Santos-UFT
Daniela Patricia Ado Maldonaod-UFT

Resumo: Este trabalho tem como objetivo historiar as práticas alfabetizadoras, o currículo e os procedimen-
tos avaliativos do Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) no ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º) na
rede municipal de educação de Colinas do Tocantins -TO. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa foi
instituído pela Portaria nº 867, de 04 de julho de 2012 do Ministério da Educação. As ações (formação, avaliação,
distribuição de materiais e gestão, controle social e mobilização) aconteceram em parceria com as IES (Instituições de
Ensino Superior), com os sistemas públicos de ensino dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Entre essas ações
se dá a formação continuada em rede implementada pela Universidade Federal do Tocantins - UFT e multiplicada
junto aos professores alfabetizadores pelos orientadores de estudos (professores com experiência em alfabetização e
em formação de professores). As ações formativas do PNAIC foram planejadas inicialmente pelo Governo Federal
com duração de dois anos, sendo que em 2013 (primeiro ano do Pacto) o foco foi à alfabetização e o letramento e em
2014 essa temática foi ampliada para alfabetização e matemática. Para realização da pesquisa utilizou-se a metodolo-
gia da história oral e a pesquisa bibliográfica. No percurso foi construído um diálogo com os autores: Tardif (2003),
Boas (2004), Ferreiro (1985), Shores e Grace (2001). Quanto à história oral utilizou-se Verena Alberti e Sebe Meihy,
autores essenciais para embasar a temática e realizar as entrevistas semi-estruturadas com 03 professores Alfabeti-
zadores formadores da rede municipal de educação nos anos de 2013 a 2014. O roteiro das perguntas versou sobre
questões: as práticas alfabetizadoras adotadas a partir do uso do portfólio pelos professores alfabetizadores do ciclo
de alfabetização como processo avaliativo do processo de ensino e aprendizagem, o currículo e os procedimentos
avaliativos adotados nos ciclos de alfabetização. Durante as entrevistas percebeu-se que os professores têm muitas
dificuldades e limitações quanto ao processo avaliativo e ao próprio processo de letramento, portanto apresentou-se
aos professores um passo-a-passo, como utilizar-se o portfólio como instrumento avaliativo. Espera-se que o PNAIC
tenha proporcionando a conscientização e a formação continuada necessária para que os alfabetizadores aprendam a
ter um diálogo constante com as teorias, os saberes docentes e as experiências apreendidas como pares nas unidades
escolares onde aconteciam os encontros de formação continuada.
Palavras Chave: Formação docente. Alfabetizadores. História Oral. PNAIC. Alfabetizadores.

VI, VIVI E (NÃO) VEJO: INFÂNCIAS E (M) RISCO NARRATIVAS (AUTO) BIOGRÁFICAS
DE PROFESSORES

Júlia Cristina de Almeida Braz - UFG - Regional Catalão PPGEDUC


Drª Rita Tatiana Cardoso Erbs - UFG - Regional Catalão PPGEDUC

Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar o percurso de pesquisa de mestrado em andamento, vin-
culada ao Programa de Pós-Graduação em Educação - UFG/Regional Catalão, 2018, cuja proposta é compreender
como professores do Ensino Fundamental significam, a partir de suas experiências, os riscos à infância. Os sujeitos
da pesquisa são quatro professores (as) da rede municipal de Caldas Novas, atuantes em escolas que, situamos em
dois polos: 1. Escola com maior indicativo de vivência de risco à infância e, 2. Na escola com menor indicativo destes
relatos. Outro critério foi a delimitação de atuação no Ensino Fundamental, em virtude do atendimento à uma ampla
faixa etária (07 aos 14 anos). A metodologia utilizada é a pesquisa (auto) biográfica: narrar a si, narrar a si em relação
a, narrar a si numa confluência de tempos e espaços, matizados pela memória, narrar a si e alcançar o outro. Assim,
como critério fenomenológico, a narrativa (auto) biográfica constitui-se em compreensão da organização discursiva

108
das experiências e sentidos do sujeito. No contexto da educação, entendemos que o relato (auto)biográfico possibilita
aproximar os modos de apreensão e construção da realidade pelo qual se imbricam ‘as relações entre as ações educa-
tivas e as políticas educacionais, entre histórias
individuais e história social’, refletindo nas ações Neste sentido, a concepção de educação concebida por
J. Dewey e apropriada pelas teóricas desta metodologia, Clandinin e Connelly (2005), é transversal a todo trabalho,
pois a aponta como campo de reconstrução e reorganização das experiências nas quais as atividades presentes, pas-
sadas e futuras se permeiam e se ampliam. Para compreender o contexto sociohistórico no qual se torna imperativo
a contabilização dos riscos, a pesquisa, a partir de autores como Giddens, Ulrich, Foucault e Bauman reflete sobre a
ênfase, pós-moderna, na necessidade de segurança e na antevisão do futuro, ou seja, no gerenciamento dos riscos.
Trata-se de estabelecimento de um diálogo conceitual: ‘sistemas peritos’ de Giddens, ‘governamentalidade’ de Fou-
cault e de ‘sociedade de risco’ de Ulrich Beck para compreender o tencionamento entre incerteza, segurança e risco. A
partir destas leituras percebe-se que a experiência da infância no Brasil, século XX, não escapa; torna-se preocupação
jurídica-social que encontra na promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, 1990) o ordenamento da
proteção integral à infância e adolescência, seja na perspectiva de garantias imediatas, seja nos cuidados modelados
pela expectativa de formação do futuro (ser) humano minimizando riscos ao seu desenvolvimento. Posteriormente
(2006), para assegurar e fortalecer a implementação do Estatuto constituiu-se o Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e Adolescente (SGDA), formado na integração e a articulação diversos atores: o Estado, as famílias e a socie-
dade civil. Sendo que no entendimento do Ministério da Educação a escola é espaço de “responsabilidade social am-
pliada” (MEC, 2007). Portanto, tecer uma trama de sentidos sobre riscos à infância com estes profissionais pressupõe
entrever em espectro mais amplo, no âmbito da Educação, a visibilidade (ou não) dos riscos que perpassam a infância
e, fomentar a partir dos indícios dos resultados a reflexão quanto à relação professor/aluno prospectando aspectos
necessários à formação docente.
Palavras-Chave: Infância. Riscos. Narrativas (Auto) Biográficas.

CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA POR CORRESPONDÊNCIA (1964-1967): QUAL


EDUCAÇÃO FÍSICA? QUAL ESPORTE?

Profa. Dra. Rubia-Mar Nunes Pinto - FEFD/UFG-PPGE/UFG


Prof. Tanísio Emanuel Neves de Aguiar - CEMEHIS FEFD/UFG

Resumo: História da formação e profissão docente e das instituições escolares Este trabalho, de caráter his-
tórico, tematiza a formação de professores de Educação Física no Brasil conforme o Curso de Educação Física por
Correspondência que ocorreu no período entre 1964 e 1967. O Curso foi promovido pelo Ministério da Educação
e Cultura (MEC) e regulamentado pela Portaria nº 6-Br, 22 de janeiro de 1963. Um estudo exploratório sobre as
concepções de corpo presentes nos livros e manuais do Curso pôde encontrar, nos manuais e livros deste Curso,
fortes indícios de perspectivas higienistas, sanitaristas e eugênicas e. neste sentido, esta pesquisa pretende realizar um
aprofundamento no estudo e interpretação das fontes de pesquisa a procura de outros temas e categorias temáticas.
A pesquisa enfoca os campos de conhecimento e os saberes privilegiados para problematizar quais representações
e imagens de educação física e esporte foram difundidas neste Curso. Os objetivos delineados são: 1) mapear quais
campos de conhecimentos e quais saberes foram privilegiados na/para a formação de professores de educação física
no Curso; e 2) identificar e analisar representações e imagens de Educação Física e Esporte difundidos no/pelo Curso.
As fontes de pesquisa compõem um corpus documental de vinte e um livros/manuais impressos que fazem parte de
acervo preservado no Centro de Memória e História da Faculdade de Educação Física e Dança (CEMEHIS FEFD) da
Universidade Federal de Goiás (UFG). O diálogo teórico historiográfico vem se dando estudos dedicados a história
do livro e do impresso como os do historiador francês Roger Chartier, autores da história da educação, especialmen-
te, aqueles dedicados ao estudo de impressos pedagógicos, livros e manuais didáticos e a história da formação docente.

109
Também temos como referência os textos de historiadores da educação física, particularmente, estudiosos que vem
desenvolvendo pesquisas sobre a história da educação do corpo no Brasil e em Goiás tais como Marco Aurélio Tar-
boda de Oliveira, Alexandre Vaz, Carmem Lucia Soares, Rubia-Mar Nunes Pinto, Cleber Dias, entre outros. Para
a análise das fontes a opção recai sobre técnicas e métodos da análise de discursos. Até o momento, a pesquisa vem
operando com a leitura e a organização das fontes de pesquisa em séries temáticas tendo como premissa o problema
e os objetivos delineados. A partir desta leitura e organização, é possível aventar que o Curso de Educação Física
por Correspondência do MEC imprimiu forte carga técnico-esportiva à formação de professores de educação física
privilegiando os esportes como principal componente do trabalho deste professorado sinalizando também para re-
presentações e imagens que sustentam-se na imbricação entre educação, saúde e esporte.
Palavras-Chave: História, Educação Física. Educação.

A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM GOIÁS: RECORTE HISTÓRICO DO BRASIL


IMPERIAL

Rodrigo Silva Rocha – UEG Goiás13


Sandra Elaine Aires de Abreu – UEG Goiás14

Resumo: Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás e tem como objetivo principal entender
o período histórico e o contexto em que se deu a transição da educação, inicialmente, ministrada por homens e,
posteriormente, também por mulheres no Estado de Goiás, a partir do recorte histórico do Brasil Imperial. Quanto
aos procedimentos metodológicos considera-se a aplicação de pesquisa bibliográfica, seguida por análise documen-
tal, tendo em vista a necessidade de consultas a documentos direcionadores da educação no Brasil. Compreende-se
que a atividade docente no Brasil foi iniciada por homens, em particular jesuítas, no período colonial. A partir do
Decreto Lei Imperial 1827 é possível vislumbrar algumas mudanças sociais que não, apenas, demonstraria a presença
feminina na sala de aula. Em outras palavras, as mulheres deveriam ser educadas, pois é delas a responsabilidade pela
primeira educação dos/as filhos/as. Após o anseio de vários atores masculinos, provenientes dos setores mais inte-
lectualizados da sociedade, houve a defesa da instrução feminina pautados na importância de capacitar as mulheres
para a atividade exemplar de esposa e mãe. Por outro lado, os primeiros relatórios ministeriais de 1831 a 1836 des-
mascaram a eficiência do Decreto Lei Imperial 1827 e denuncia o abandono da educação nas Províncias Imperiais.
Contudo, não é possível alcançar os resultados esperados da pesquisa sem considerar o processo de criação e expansão
das escolas de primeiras letras em Goiás, da constituição da carreira docente e do exercício do magistério. A partir
do trabalho bibliográfico e da análise realizada até o momento é possível observar a lacuna existente na exploração aca-
dêmica referente à feminização do magistério em Goiás e o estudo limitado de como transcorreu o trabalho docente exercido
por homens também às mulheres na sociedade goiana; a vagarosa inserção do estado de Goiás no contexto colonial
que pouco influenciou nos moldes educacionais da época; os primeiros registros educacionais de Goiás aconteceram
em 1830, havia-se passados oito anos do início do Período Imperial quando os primeiros conteúdos relacionados à
educação começavam a serem divulgados na cidade de Meia Ponte, atualmente, Pirenópolis; continuava às mulheres
a responsabilidade de promover os meios educativos das crianças, mesmo que pautadas no universo doméstico, na
moralidade e nas tradições masculinas, e por fim, mas não menos importante, a luta feminina pela equidade entre os
gêneros arrasta-se por séculos como uma forma de resistência a ideologia patriarcal e como ferramenta de transfor-
mação social.
Palavras-chave: Feminização. Magistério. Goiás.

110
GT5. MEMÓRIA, HISTÓRIA E CULTURA EM DIFERENTES ESPAÇOS
SOCIAIS

Ementa: História social e cultural da educação em seus diferentes níveis, processos, modalida-
des e espaços; histórias e memórias nos diversos espaços sociais. Cultura escolar e em outros espaços
de aprendizagem. As relações entre memória e história da educação. A contribuição da história oral
para a produção do conhecimento em história da educação. Memória e prática docente.186

PROTESTANTISMO EM TERRAS GOIANAS: UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO E


SAÚDE COMO PROJETO MISSIONÁRIO

Kamila Gusatti Dias


Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida

Resumo: O desconhecimento pela vida no sertão goiano, ao longo do século XIX e início do XX fez com que
a imagem do povo “sertanejo” e do povo “caipira” fossem estigmatizados, sofrendo mudanças inovadoras e significa-
tivas só a partir da construção da nova capital, Brasília. Nessa conjuntura, em Goiás, os sanitaristas precisaram viajar
pelo sertão no intento de conhecê-lo e mapeá-lo, com o objetivo de associar um projeto político reformista em torno
da saúde pública, como uma proposta primordial para o desenvolvimento nacional. Os sanitaristas, ao adentrarem
o vasto território goiano, presenciaram um estado precário da população em relação à saúde. A educação, até esse
momento ainda não era tida como ponto crucial para o avanço dessa região. Os altos níveis de analfabetismo ainda
assolavam grande parte da população goiana. Dessa maneira, as doenças foram responsáveis pelo atraso de todo ser-
tão goiano. A falta de assistência médica permitiu que as doenças tropicais como febre amarela e Chagas atingissem
cruelmente as pessoas, deixando-as sem muitas expectativas de um futuro promissor. No contexto político, a elite
goiana, corroborava com a ação sanitarista como uma ação estratégica política. Dessa forma, exigia-se a atenção e
investimentos do governo republicano. Para tanto, o presente trabalho tem como foco apresentar, em uma conjun-
tura sincrônica, aspectos do campo da educação e da saúde, como ponto de convergência para o avanço da região do
Brasil Central, em especial o estado de Goiás. O cenário temporal compreende os anos a partir da década de 1930,
onde Goiás viveu grandes transformações econômicas, políticas e sociais, influenciando os processos de colonização
e migração, tornando-se um campo promissor para a difusão do protestantismo em terras goianas. Nesse sentido,
faz-se necessário observar os processos migratórios e de colonização que se deu em terras goianas, onde missões
evangélicas apresentavam-se com objetivo de difundir o proselitismo sob a égide da educação e saúde como projeto
missionário. A obra missionária protestante desenvolvida na região do Centro-Oeste do Brasil, denominada de Bra-
sil Central, da qual foi impulsionada pela política varguista Marcha para o Oeste, teve como escopo o incentivo do
progresso e a ocupação dessa região. Essa comunicação apresenta uma perspectiva que pode ajudar a descortinar as
estratégias de implantação da obra missionária em solo goiano. Os missionários protestantes, sob à égide da criação
de igrejas, escolas, hospitais e escolas de enfermagens, pretendiam transformar o hinterland brasileiro, o “sertão de
Goiás”, procurando evangelizar e criar um novo modus vivendi. Entretanto, para os protestantes, Goiás era visto como
um “jardim encantado”, o que para a obra missionária tornar-se-ia um campo produtivo para difusão do protestan-
tismo. Como metodologia, optou-se pela pesquisa qualitativa, de cunho documental, ancorada na análise de fontes
que delineiam todo esse percurso.
Palavras-Chave: Protestantismo. Educação. Saúde.

111
O MOBRAL EM GOIÁS: A PARTIR DA NARRATIVA DE HISTÓRIAS DE VIDA

Silvania Maria Alves - IFG - Campus Goiânia Oeste


Dayanna Pereira dos Santos - IFG - Campus Anápolis
Anderson Silva - IFG - Campus Anápolis

Resumo: A presente investigação está inserida na pesquisa de iniciação científica, modalidade PIBIC, O Mobral
em Goiás (1970-1985): vozes silenciadas, cadastrada no Instituto Federal de Goiás, com o objetivo de identificar qual
o significado da alfabetização para os ex alunos do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) em Goiás,
entre 1970-1985.Nesse contexto, fez-se necessário rememorar a história do MOBRAL em Goiás, na perspectiva
dos sujeitos que vivenciaram tal fato histórico. Para tanto, buscou-se registrar, por meio da oralidade, as ações do
MOBRAL em Goiás partindo da seguinte problematização: Quais foram os impasses/contribuições/significado das
ações de alfabetização implementadas pelo MOBRAL para os ex-alunos? Os sujeitos da pesquisa foram oito ex-alunos
do MOBRAL em Goiás, de diferentes municípios do Estado, entre eles: Niquelândia, Ceres, Jataí, Goiânia, Luziânia
e Cavalcante. Destarte, o objetivo dessa pesquisa consistiu em incluir as narrativas de vida de ex alunos do Mobral
considerando suas experiências, saberes e memórias. Quanto à metodologia de pesquisa, essa se efetivou por meio
de uma abordagem qualitativa, incluindo o estudo de referenciais teóricos e a realização de entrevistas conforme os
pressupostos da História Oral. Isso na medida em que se buscou ouvir e registrar as vozes de sujeitos ora excluídos da
história oficial e inseri-los dentro dela. Assim, com o objetivo de favorecer a interação entre os sujeitos da pesquisa,
as entrevistas foram realizadas nos locais escolhidos pelos próprios participantes, todas elas gravadas e transcritas
mantendo a originalidade da linguagem adotada pelos depoentes. Isso porque entendemos que as palavras ditas nas
entrevistas somam-se às “pistas sociais, as nuances da incerteza, do humor ou do fingimento, bem como a
textura do dialeto” (THOMPSON, 2002, p.146). Ao analisarmos os depoimentos dos sujeitos da pesquisa, deparamos
com um cenário histórico balizado pela negação de direitos, de modo que o Programa de Alfabetização funcional
do MOBRAL constituía-se como única possibilidade de acesso à educação formal e de continuidade dos estudos. Na
contramão do ideário pedagógico humanista e libertador de Paulo Freire, esse programa vislumbrava apenas o uso
instrumental e prático da leitura e da escrita. Desse modo, as atividades didático-pedagógicas apresentavam caráter
simplesmente técnico, embasadas nas normas da racionalidade militar, reguladas, sobretudo, pela obtenção do
desenvolvimento econômico regional almejado, sem a conjeturada influência política. Com efeito, os dizeres regis-
trados no trabalho revelam que esse é um campo de estudo que necessita ser aprofundado em pesquisas futuras com
a ampliação das vozes escutadas.
Palavras-chave: MOBRAL. Alfabetização. Goiás.

A MOBRALTECA EM GOIÁS: ENTRE O CONTROLE E A SENSIBILIDADE

Raquel Botelho - IFG - Campus Anápolis


Dayanna Pereira dos Santos - IFG - Campus Anápolis
Silvania Maria Alves - IFG -Campus Goiânia Oeste

Resumo: Este artigo é um recorte da pesquisa de iniciação científica, modalidade PIBIC, sobre as ações desen-
volvidas pelo Programa MOBRAL Cultural em Goiás, implementado pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) 1970-1985. O Programa Cultural do MOBRAL, fundado em 1973, tinha como objetivo incentivar a
socialização entre díspares sujeitos e divulgar a filosofia do movimento por meio de atividades direcionadas ao lazer,
a arte e à cultura. Neste contexto, destacam-se as particularidades da Mobralteca em Goiás, ora em seus aspectos his-
tóricos, políticos e culturais e também as narrativas de três sujeitos que dele fizeram parte e de uma ex-agente cultural
do referido programa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, pautada pelos pressupostos da História Oral. Para tanto,

112
consideramos, a partir de Thompson (2002), que a história oral permite o acesso às experiências daqueles que vivem
às margens do poder, e cujas vozes estão ocultas por que suas vidas são menos prováveis de serem documentadas
nos arquivos. Logo, a importância da história oral é valorizar a voz daqueles que normalmente não são escutados e
incluídos. Os depoimentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa foram depreendidos por meio de entrevistas, incluindo,
também, as narrativas de fotografias como fontes visuais. Tais narrativas partiram da seguinte questão: Quais foram às
contribuições e ressignificações experienciadas pelos sujeitos do MOBRAL, no campo das ações culturais da MOBRAL-
TECA no interior de Goiás (1973 – 1985)? Sob esse prisma, buscamos narrar de que modo ocorreu o funcionamento
dos trabalhos/ações culturais realizadas a partir presença da Mobralteca no Estado de Goiás, sobretudo, na zona rural.
Os usos das fotografias como estilhas de um tempo contribuíram para a compreensão e problematização acerca de o
processo de implementação e atuação da Mobralteca à luz dos objetivos traçados pelo MOBRAL. Tendo em vista as
contribuições dos participantes da pesquisa, constatou-se, por meio das análises realizadas, que, apesar da perspectiva
tecnicista e instrumental do ensino proposto pelo Mobral em Goiás, as ações culturais do programa MOBRAL Cultural
e da Mobralteca, devido à escassez de oportunidades e a censura imposta pela Ditadura Militar, constituíram-se como
única possibilidade de acesso e manifestação cultural para inúmeros adultos trabalhadores da época.
Palavras-chave: Mobral Cultural. Mobralteca. Goiás.

A CULTURA ESCOLAR E ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PARA ESTUDANTES XAVANTE


EM ESPAÇOS URBANOS

Marly Augusta Lopes de Magalhães


Luciene de Morais Rosa
Luciana Sawasaki Manzano Deluci

Resumo: Este resumo é um recorte do projeto de pesquisa Didática Desenvolvimental: uma organização do
ensino para estudantes Xavante em Escolas Estadual Urbanas na cidade de Barra do Garças, que atua num dos desa-
fios, que é o de se pensar na aprendizagem de estudantes indígenas em escolas públicas urbanas e, consequentemente,
na formação didático-pedagógica do profissional da educação. Sabe-se que, nos últimos tempos, a educação tem
passado por diversas transformações, acompanhando o processo de democratização social, urbanização e avanços
tecnológicos e, num movimento histórico, de valorização das diferentes culturas e variações linguísticas advindas
dos povos originários desse país. Nesse movimento os povos indígenas, deixam suas aldeias e marcam presença nas
escolas públicas urbanas em busca outros saberes, também importantes para sua vida em comunidade. A presença
desses alunos em contextos escolares urbanos é marcada por contradições que só podem ser compreendidas e ca-
tegorizada por uma pesquisa que mostre o seu real movimento do processo de ensino e da aprendizagem, em que
pressupõe acontecer num espaço alheio aos costumes e tradições e, do qual o ensino é ministrado unicamente na
Língua Portuguesa, considerada a segunda língua para o povo Xavante. Nesse sentido é oportuno e necessário um
estudo que possa ser desenvolvido com os estudantes indígenas fundamentado na abordagem histórico-cultural e
do ensino desenvolvimental, buscando compreender as relações entre os professores não índios e alunos indígenas
e, assim, encontrar uma direção mais eficaz e politicamente comprometida com a aprendizagem, no decorrer dos
parâmetros pesquisados. A concepção deste trabalho pauta-se na teoria histórico-cultural, cujas contribuições advêm
de Vygotsky e Leontiev, entre outros. Os procedimentos metodológicos utilizados são as ações do ensino desenvol-
vimental referenciadas em Davídov. Assim, o objetivo do projeto foi discutir a organização do ensino na perspectiva
desenvolvimental para estudantes indígenas das Escolas públicas urbanas na cidade de Barra do Garças-MT. O tema
da didática desenvolvimental, foi abordado por meio das disciplinas de Língua Portuguesa e História, nos conteúdos:
escrita, produção de texto, temporalidades e narrativas históricas. Os resultados evidenciam fortes elementos de na-
tureza cosmológica, de relações entre sincronia-diacronia, de tempo escorçado para realização de tarefas do dia a dia,
bem como de lembrança e memória. Nessa perspectiva, a mediação didática possibilitou aos estudantes a apropriação

113
de elementos conceituais de temporalidade, memória, cultura e dos elementos para o desenvolvimento do pensa-
mento autônomo e de capacidade de generalização sobre tempo e narrativa na produção escrita. A exploração do
texto: “Minha vó foi pega a laço”, possibilitou que os estudantes apropriassem não somente dos aspectos gramaticais,
mas também, dos aspectos semânticos, o que resultou na produção de textos significativos relativo a própria existên-
cia xavante e o processo político diante dos desafios da sociedade não indígena. Constatamos que se os mediadores
conhecem elementos da cultura Xavante o processo de mediação é mais efetivo. Assim, ainda concluímos que se deve
dar continuidade ao projeto, com a inserção das disciplinas de Matemática e Geografia, trazendo a reflexão sobre
espaço, forma, território, grandezas e medidas, a luz da teoria do ensino desenvolvimental.
Palavras-Chave: Cultura. Estudante Xavante. Ensino Desenvolvimental.

MEMÓRIAS DE MULHERES: A DITADURA MILITAR NA CIDADE DE BARREIRAS-BA

Dr. Aldimar Jacinto Duarte - PUC-GO


Dllane de Souza Dias leal

Resumo: O presente texto se constitui como o resultado parcial de uma pesquisa maior intitulada História
e memória da ditadura militar: sentidos atribuídos por adultos e Jovens do município de Barreiras-BA, conta com o relato
mulheres adultas residentes no município, que vivenciaram o período da ditadura militar na Bahia. Porém em Bar-
reiras, diferente de outros lugares, foi um caso atípico, devido à implantação do Batalhão de Engenharia na cidade.
Atualmente, todas elas possuem mais de sessenta anos, sendo que todas foram professoras. Cabe lembrar, que o
uso das falas foi autorizado por todas as participantes e seus nomes e identidades foram preservadas. O município
de Barreiras localiza-se no Oeste da Bahia, há 800 km da capital Salvador. Segundo os dados disponíveis pelo IBGE
(2016), Barreiras possui uma população aproximada de 155.519 habitantes. A ditadura militar implantada no Brasil
em 1964 alcançou diversos municípios da Federação, desde os centros urbanos até municípios menores. Mobilizou
uma grande parte dos brasileiros, que no contexto contou com a participação de várias mulheres. Para realização
desse trabalho os retratos biográficos através das entrevistas, foram relevantes uma vez que as vozes dessas persona-
gens foram fundamentais para construção do tema em discussão. Destaca-se que, atualmente a História Oral que se
tornou um aparato como preservação e reconstrução do passado (THOMPSON, 1992). Assim, recorremos a autores
como Halbwachs (2006) e Ricouer (2007), Ecléa Bosi (1994), para compreender a memória da maior parte do povo
barreirense em relação à ditadura militar. Por reconhecer os quadros sociais como ponto de referência na evocação
das lembranças, Maurice Halbwachs (2006) é considerado um precursor ao tratar a memória como fenômeno cole-
tivo. Nessa perspectiva o estudo da memória coletiva, torna-se sinônimo de manutenção da identidade de um povo.
Segundo Halbwachs (2006, p.29): “Recorremos a testemunhos para reforçar ou enfraquecer e também para contem-
plar o que sabemos de um evento sobre o qual já temos alguma informação [...]”. Tratando ainda da problemática da
memória como preservação do passado e consequentemente de construção da identidade de um povo, Paul Ricouer
(2007), filósofo francês levantou a seguinte questão: Como preservar o passado diante do esquecimento? Dessa for-
ma, autor destacou em seu empreendimento como questão central o esquecimento. Para Ricouer (2007, p.456); “A
falta excessiva de memória, de que se falou em outro lugar, pode ser classificada como esquecimento passivo, na me-
dida em que pode aparecer como um déficit do trabalho de memória. ” O ato de esquecer se configura uma fragilidade
da memória e por isso uma ameaça à preservação da história, tendo em conta o apagamento de rastros e impressões
históricas. Comungando com as ideias dos outros autores, Ecléa Bosi (1994), compartilha com esses autores a impor-
tância da memória. Em suas pesquisas, identificou a memória como um importante elemento de reconstrução da his-
tória, sobretudo a memória de idosos. A autora trouxe para o cerne de seus debates a história de vida desses sujeitos,
promovendo uma nova dimensão de leitura da realidade. Nessa perspectiva, trazer relatos e trajetória de vidas como
fonte documental, reconhecendo a riqueza dessas fontes orais, potencializou o entendimento do que é documento e
alargou as possibilidades de ratificar a história, abarcando todas as manifestações que permeiam a vida do homem. A

114
ditadura militar que se instalou no país em 1964 foi balizada por um regime autoritário e violento e a Bahia também
foi alcançada pela repressão. O receio que o comunismo fincasse suas raízes na política nacional provocou uma to-
mada brusca no poder, então, com o aval da classe média como a partir de então o país migrou para um grupo cívico
militar. (VIEIRA, 2014). A instalação militar contou com o apoio das camadas mais abastadas da sociedade, sobretu-
do das mulheres. No dia 12 de maio de 1972 o município recebeu a 1° Companhia de Engenharia de Construção do
Piauí, de Crateús-CE a companhia militar chegou à localidade trazendo consigo mais de cinco mil pessoas, inclusive
militares e civis. Ao falar acerca dos militares, Iara (entrevistada dia 26/09/2016) relata: O 4° BEC veio pra cá na
intenção do governo de fazer as estradas, porque a cidade com esse Cerrado tão grande de 10 milhões de hectares
precisava ter a estrada pra Brasília. Outra mulher, Margarete (15/07/2016) que nessa época era professora da rede
estadual de educação, também esboça a sua concepção de contentamento quanto à chegada do 4° BEC, da seguinte
forma: “A chegada do BEC aqui em Barreiras foi um impacto muito forte que entrou e muita melhoria e emprego
para muita gente”. De acordo com as autoras, para a população barreirense as transformações proporcionadas pela
equipe do quartel, sobretudo na área da construção civil, trouxeram melhorias para a população, a partir disso, ficou
evidente o sentido de satisfação que esse povo atribuiu à corporação. Para o cidadão barreirense a instituição militar
foi sinônimo de progresso. Nesse sentido, ao ser questionada sobre o golpe militar, Lúcia entrevista dia 27/07/2016
comentou: “Sim, havia saldos para se comemorar, tanto de um lado como do outro”. Ainda que diante do contexto
repressivo pelo qual o país estava sujeito, em Barreiras a referência destinada aos militares por essas personagens
expressam uma visão incomum do que representou os militares em outros lugares. Mesmo diante do desapare-
cimento dos irmãos Dourados. José Dourado e Nelson Dourado morreram no Araguaia, tiveram seus direitos
violados, José que era funcionário da Petrobras, teve seu cargo suspenso e passou a viver de forma clandestina, mas
esses movimentos foram estereotipados por uma parte da população como ação terrorista. Esse acontecimento aba-
lou a cidade, ainda assim o reconhecimento destinado aos militares permaneceu. Lembra Jerusa ao falar dos meninos
que foram seus colegas e morreram no Araguaia (entrevista dia 10/09/2016): [...] ouvi dizer que ele participou pra
lá dessa guerrilha no Araguaia, disse que ele morreu lá e eu fiquei assim, até sentida. A Bahia foi alcançada por esse
momento de ruptura com a democracia, sentiu o aparelhamento de coerção do governo, mas o caso de Barreiras é
provável que se diferencie de outros locais, em virtude da instalação do 4° BEC na cidade, tendo em vista o que os
soldados da construção civil edificaram na cidade neutralizou o outro lado da história. De fato, o município sofreu
melhorias com as modificações do BEC, porém o apagamento do que foi a ditadura militar no país em 1964 se torna
um perigo para as presentes e futuras gerações.
Palavras-chave: Mulheres.Memória.Ditadura Militar.

HISTÓRIA E MEMÓRIAS DO CURSO DE GEOGRAFIA DA PUC-GOIÁS: CONCEPÇÃO DE


GEOGRAFIA, TRAJETÓRIA, CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL

Vinicius Borges Silva - PUC-GO


José Maria Baldino- PUC-GO

Resumo: A Geografia torna-se ciência por volta do século XVIII/XIX, ainda com data incerta, na Alemanha.
Suas primeiras tendências no Brasil surgem com a criação do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, no ano de 1934. Ancorada teoricamente no pensamento científico
desenvolvido pela Escola Francesa de Paul Vidal de La Blache, uma Geografia de caráter descritivo, positivista. No
final da década seguinte, é criado o curso de Geografia na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Goyaz,
fundada pela igreja Católica-Arquidiocese de Goiânia em 1949. O objetivo é resgatar a história e as memórias políti-
cas e acadêmicas do Curso de Geografia da PUC-Goiás, destacando-se a sua trajetória institucional, da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de 1949 à atual Escola de Formação de Professores e Humanidades. Os objetivos especí-
ficos: a) quais as concepções teóricas da Ciência Geográfica; b) como se articulam a história do curso de Geografia da

115
PUC-Goiás com a história da Geografia no Brasil; c) como os Professores pioneiros do curso relatam as memórias
do curso; d) como os atuais professores do curso o avaliam diante das novas exigências teóricas da ciência geográfica.
Metodologia: Optamos por uma pesquisa de natureza qualitativa com abordagem crítica privilegiando o procedimen-
to da análise bibliográfica e documental, entrevista aprofundada e aplicação de um questionário aos atuais docentes
do curso. Resultados: 1)-A partir deste estudo pôde-se encontrar e apreender as diferentes correntes de pensamento
geográfico que influenciaram o curso (Geografias Positivista e Marxista, respectivamente);2)-o seu deslocamento de-
partamental devido à influência destas correntes de pensamento (primeiramente na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, depois no Departamento de Ciências Biológicas e Geociências, posteriormente no Departamento de His-
tória, Geografia e Ciências Sociais e, atualmente, na Escola de Formação de Professores e Humanidades);3)-a forma
como o curso modifica-se para adaptar-se às necessidades de cada época. Conclusões. Com as mudanças estabeleci-
das, tanto pelas correntes filosóficas, quanto pelas determinações dos órgãos da Educação e das demandas sociais, a
estrutura do curso também se alterou significativamente, chegando a ter a possibilidade de cursar, em um período de
8 semestres, bacharelado, licenciatura e uma especialização, sendo a mais escolhida na época a Educação Ambiental,
devido à alocação do estudo do Meio Ambiente como um tema transversal dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Atualmente o curso é oferecido na modalidade licenciatura com a metodologia modular.
Palavras-chave: Geografia. Trajetória Institucional. Correntes Geográficas.

CIDADE DE CAMPO GRANDE E SUAS REPRESENTAÇÕES NA 1ª. FEIRA DE AMOSTRA


DE MATO GROSSO EM 1933: A FORMAÇÃO DO CIDADÃO MODERNO

Eglem de Oliveira Passone Rodrigues - UFGD


Kênia Hilda Moreira - UFGD

Resumo: Objetiva-se identificar as representações sobre a cidade de Campo Grande expostas durante a 1ª. Fei-
ra de Amostra de Mato Grosso, e suas potenciais contribuições para a formação de um cidadão moderno. Utiliza-se
como fonte de pesquisa a Revista Mensal Ilustrada Folha da Serra (RFS), um periódico não pedagógico, que contri-
buiu na produção de estratégias educativas, (FARIA FILHO, 2002) na divulgação de ideais e representações para um
grande número de leitores. Parte-se, portanto, de uma perspectiva de educação não formal, para além dos muros da
escola (CAVACO, 2003). A Revista Folha da Serra foi criada e produzida na cidade de Campo Grande, Mato Gros-
so, Brasil, e circulou entre 1931 a 1940. Em suas páginas a Mostra foi amplamente exposta e divulgada. O principal
objetivo da Revista consistia em propagar ao mundo o tão “esquecido e desprezado” Mato Grosso, principalmente,
a porção sul do estado, em especial a cidade de Campo Grande, como fica evidente, do primeiro ao último número.
A Feira aconteceu em agosto de 1933, data compartilhada pela passagem do aniversário de Campo Grande (o que
justifica o recorte tempo-espacial), com diversas atividades comemorativas de cunho cívico e militar, dentre elas, a 1ª.
Feira de Amostra de Mato Grosso, expondo os criadores, agricultores e industriais do Estado. Busca-se identificar e
analisar as representações de Campo Grande durante a 1ª. Feira de Amostra de Mato Grosso na RFS, tendo em vista
a formação de um novo cidadão moderno, no âmbito da promoção de um espaço urbano, desenvolvido, aliado aos
ideais de modernidade (PESAVENTO,1997; MAHL, 2013). A criação de uma estrutura arquitetônica moderna, com
investimentos em obras de infraestrutura para a cidade ajudava a compor este novo quadro de cidadão urbano mo-
derno. Estas estratégias modernizantes instauraram a tentativa de promover uma fase industrial capitalista marcada
pela política nacionalista de Vargas, com vistas a descontruir a representação de atraso das cidades, em sua maioria
rural, considerado atrasado tanto economicamente, quanto culturalmente, e implantar uma nova representação, de
um país industrializado, ou seja, moderno. Para tanto, considera-se os conteúdos, textuais e imagéticos, presentes nas
páginas da RFS, que foram transmitidos a centenas de leitores, transmitindo saberes, hábitos, valores, e crenças196

116
a uma determinada sociedade a fim de promover a porção Sul do estado, sobretudo Campo Grande, uma cidade
do interior mato-grossense, que em 1977 se tornaria a capital de Mato Grosso do Sul (BITTAR, 1997). Com vistas a
aprofundar as questões envolvidas no desenvolver do texto, lança-se mão do aporte teórico-metodológico da Nova
História Cultural. Verifica-se que a Feira está em sintonia com os grandes espetáculos da modernidade do século XIX,
que acontecia em todo o mundo, como Londres, Paris, Chicago, dentre outros epicentros modernos da época. No
Brasil, a exposição ocorreu no Rio de Janeiro em 1922. Ocorreram 16 Exposições Universais, as quais tinham o mes-
mo propósito, manifestar prestígio, afirmar poder econômico, cultural, revelar um futuro promissor de progresso e
expor representações de modernidade. Os dados da análise permitem problematizar a construção de um novo padrão
urbano, assim como o discurso de modernidade social, os quais reforçam o processo de inclusão e legitimação de
uma nova representação de Campo Grande, de um cidadão moderno, defendido pela Revista e disseminado na Feira.
A Revista Folha da Serra ajudou a divulgar a 1ª. Feira de Amostra de Mato Grosso, que caracterizou como um forte
movimento em combater e substituir o estigma negativo de “barbárie” que havia sido instaurado na cidade para uma
nova representação, cidade símbolo de laborioso progresso. Conclui-se com base na fonte, que a 1ª. Feira de Amos-
tras de Mato Grosso, foi um evento que reuniu muitas pessoas, além de expor tudo o que o Estado tinha de melhor,
promovendo assim, a tão buscada propaganda de Mato Grosso, em especial de Campo Grande, que se destacou por
ter sido a sede do evento. A investigação revelou ainda que por meio da educação não formal a 1ª. Feira de Amostra
de Mato Grosso, aliada com interesses da Revista Folha da Serra divulgou em suas páginas uma reunião de estratégias
que buscavam conduzir, educar a população campo-grandense e regiões afins, segundo princípios, valores, modelos,
ideais de uma elite dirigente que buscava construir uma nova representação para Campo Grande e de seus cidadãos,
veiculada com os princípios de modernidade, civilidade e progresso inculcada pelo contexto econômico e político
vigente. Portanto, apesar da Revista não ser pedagógica, ela educou, formou e modelou por meio de dimensões edu-
cativas.
Palavras chave: Modernidade. Sul de Mato Grosso. História da Educação.

HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL: O CENTRO ACADÊMICO DE


PEDAGOGIA EM FOCO (1983- 1990)

Nandara Maciel de Alencar - UFMT


Elizabeth Figueiredo de Sá - UFMT

Resumo: Este trabalho versa sobre a história do Centro Acadêmico de Pedagogia – CAPE da Universidade
Federal de Mato Grosso – Campus Cuiabá. Os Centros Acadêmicos foram criados através da Lei nº 7.395 de 31 de
outubro de 1985, enquanto organização estudantil dos cursos de graduação, que compõe a União Nacional de Estu-
dantes-UNE, criado em 1937. A pesquisa tem como referencial teórico-metodológico o paradigma indiciário de Carlo
Ginzburg e a pertinência do estudo da história das instituições educativas de Sanfelice. Utiliza como fontes os ofícios,
jornais e regulamentos encontrados no acervo do CAPE/UFMT, bem como a legislação nacional disponibilizada em
rede de comunicação remota. Essas fontes foram, nesta pesquisa, utilizadas para remontar a trajetória do Centro Aca-
dêmico de Pedagogia enquanto Movimento Estudantil presente no curso de Pedagogia da UFMT– Campus Cuiabá.
Compreende-se o movimento estudantil como sendo um movimento social de um grupo de indivíduos com propósi-
tos de reivindicações em comum, que tem como característica principal sua origem proveniente das demandas que os
alunos tem para com as instituições escolares. A delimitação temporal justifica-se pela data do primeiro documento
encontrado (1983) ao mandato da terceira diretoria do CAPE, que permaneceu por dois mandatos, isto é, até 1990.
Para realizar a reconstrução da memória do CAPE a partir de seu acervo, é imprescindível considerar o período de
re-democratização iniciado no Brasil na década de 80, em que este clima de retomada também estava fortemente
presente nas Universidades Públicas do Brasil. Contextualizar o período é tão fundamental quanto contextualizar
como a UFMT, mais precisamente o Departamento de Educação se faz presente na sociedade enquanto instituição

117
escolar de formação docente, levando em consideração o contexto social, político e cultural que este Departamento,
bem como a Universidade estava inserido. A pesquisa apresentada neste trabalho, compreende que a reconstrução
da história do CAPE neste período implica na expansão da compreensão de como foi a gestão do Centro Acadêmico
de Pedagogia, como foram as intervenções realizadas na comunidade acadêmica e como esta entidade ocupou seu
espaço enquanto movimento de representação estudantil nas tomadas de decisões do Departamento de Educação, da
UFMT e nos eventos de Educação. Este trabalho contribui para a reconstrução da história do Centro Acadêmico de
Pedagogia, e da instituição educativa à qual ele esteve atrelado é de suma importância para o entendimento de como
os alunos formados neste Curso de Pedagogia no período de 1983 a 1990 construíram suas identidades profissionais
em meio a este momento tão representativo.
Palavras-chave: Organização acadêmica. Centro Acadêmico de Pedagogia. Movimento Estudantil.

NARRATIVAS SOBRE EDUCAÇÃO, FAMÍLIA E INFÂNCIA: DIALOGANDO COM


HANNAH ARENDT

Priscilla Barros da Silva

Resumo: O estudo realizado traz a família ao centro das atenções de um contexto educativo. A sociedade ini-
ciando-se no seio familiar não pode negar a sua influência para o desenvolvimento individual e consequentemente
coletivo desse ser que trouxe ao mundo. O motivo, portanto, de retomar mais uma vez dentro do meio acadêmico
essa temática, é o de procurar caminhos que nos conduzam a achar entendimentos necessários para auxiliar na edu-
cação em si, escolar ou não. Sabendo não ser possível, e não tendo a pretensão de esgotar ou responder questões
tão complexas, que envolvem o subjetivo de cada ser, esse é um trabalho realizado com o intuito de abrir discussões
acerca da grandiosa oportunidade de educar. Para isso a convidada de honra para dar luz a essa questão é a filósofa
Hannah Arendt, questionadora e preocupada com o futuro do mundo, se debruçou em abrir um campo de visão
além do óbvio. A proposta então é de um diálogo, entre a realidade vivida e a realidade teorizada, para que juntas se
complementem ou ainda se desentendam em um primeiro momento, para chegarem a algum ponto de equilíbrio.
Foram realizadas entrevistas com três gerações de uma família, onde puderam ser percebidas, ao longo do tempo as
diferenças na criação que os pais propiciaram, e o olhar que agora como adultas, tem sobre o seu próprio processo de
formação. Ao dar voz aos sujeitos protagonistas de suas próprias vidas, saímos do lugar comum, e tomamos a postura
de pesquisadores ativos da realidade. A partir disso, ver no outro um ser histórico, formado por questões vistas como
insignificantes para os expectadores, mas que para quem viveu fez e faz todo um sentido, tanto experiências positivas
quanto as negativas, mas fundamentais para o processo de construir-se. E é com isso que a criança, ou o novo como
diz Arendt, chega ao mundo, com a potencialidade de trazer à tona uma nova ação na esfera pública, as tantas possi-
bilidades ainda não manifestadas. Portanto, é a educação, esse olhar do adulto e a apresentação do mundo que será o
objeto de inserção de uma nova consciência. Tratar temas como família e educação são atemporais, e sempre atuais
e necessários. Faz-se urgente e de extrema importância discutir e levar para além dos muros da academia conheci-
mentos dessa natureza, que chamam à reflexão e contribuem para a formação humana. Memórias constituem o que
há de mais profundo na formação humana, a história objetiva e subjetiva, que refletirá em todos os campos sociais.
Palavras-chave: Família. Hannah Arendt. Educação.

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HISTÓRIA, MEMÓRIA E FORMAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR LAICO EM SÃO JOSÉ DOS
PINHAIS: GRUPO ESCOLAR SILVEIRA DA MOTTA

Antônio Francisco Bobrowec - UFPA

Resumo: O artigo aqui proposto tem como objetivo geral propor uma visão da formação escolar laica em São
José dos Pinhais, cidade do Estado do Paraná (Brasil), com destaque para o primeiro espaço escolar do Município,
a cadeira de instrução e depois Casa Escolar e Grupo Escolar Silveira da Motta. O texto visa também tratar sobre a
construção dos dois prédios que abrigaram essa instituição escolar desde o início do século XX, e da relevância de sua
memória histórica, cultural e arquitetônica para a sociedade são-joseense. O Silveira da Motta é também resultado
da progressiva implantação do Regime Republicano nesse Município, servindo de modelo à materialização das ideias
e propostas educacionais republicanas, bem como das transformações sociais que a região foi sofrendo ao longo da
história. A escola passa a ser vista como equipamento de Estado para a nova realidade econômica, cultural e política
do país. Com a institucionalização do grupo escolar, desde a sua primeira fase com a oferta do ensino graduado e de
método simultâneo até a criação do ensino secundário, de formação profissional com o magistério e escola técnica
de contabilidade, São José dos Pinhais implanta em seu território a escola moderna republicana, de enfoque na for-
mação básica e profissional, de acordo com as novas exigências socioeconômicas do país. É a efetivação do ensino
focado para um novo modelo de trabalho, aos moldes da sociedade capitalista, que São José dos Pinhais também foi
se adequando. Dessa forma, a escola passou a representar o lócus de acesso para essa transformação, onde o ensino
escolarizado tornou-se peça determinante para a formação da sociedade são-joseense. O presente texto procura ainda
relacionar espaço escolar laico do centro da Cidade com a de outras instituições de ensino, como a escola confes-
sional da paróquia São José e as escolas criadas nas colônias de imigrantes, símbolos de resistência à aculturação e
de preservação da cultura, língua e valores de seus países de origem. Sobre as fontes históricas, a pesquisa recorreu
principalmente a fontes documentais, como decretos, leis municipais e estaduais e documentos dos arquivos do Con-
selho Municipal de Patrimônio Artístico e Cultura (Compac) e da Secretaria Municipal de Urbanismo. Para as
Referências Bibliográficas, foram consultadas obras que tratavam sobre a história da Cidade de São José dos Pinhais,
com destaque para as pesquisas de Marochi (2003 e 2016) e de Colnaghi, Magalhães e Magalhães Filho (1992); sobre
a história da educação e a história da cultura material escolar, como Machado (2006), Romanelli (1986), Sá (2006),
Wachowicz (1984), Zem (2004) e Souza (2007); e da relação sobre história, memória e cultura material, como Le
Goff (1990), Nora (1993) e Pesez (1990).
Palavras-chave: São José dos Pinhais. Grupo Escolar. História e Memória.

A ESCOLA ESTADUAL QUINTINO VARGAS NA PERSPECTIVA DOS PAIS DE ALUNOS


DOS 7ºS ANOS DO ANO DE 2019: O PASSADO E O PRESENTE FAZENDO HISTÓRIA

Maria de Lourdes de Aguiar Ferreira - Escola Estadual Quintino Vargas

Resumo: Esta pesquisa apresenta como objeto a história da educação no enfoque da trajetória histórica da Es-
cola Estadual Quintino Vargas, localizada em João Pinheiro, Noroeste do Estado de Minas Gerais, delimitando como
marco temporal a década de 1960 a 2019. Foi um estudo realizado a partir de representações de pais de alunos dos
7ºs Anos da referida escola acerca das lembranças que possuem do tempo que nela estudaram. Teve como questio-
namento central: quais lembranças os pais possuem sobre a experiência como estudante e a história da escola?; quais
foram às mudanças ocorridas na metodologia do ensino, estrutura física e área de entorno escola? O objetivo geral
foi conhecer as narrativas dos pais dos alunos sobre suas experiências na escola e história da mesma. A escolha pelo
estudo da Escola Estadual Quintino Vargas justifica-se por ser o primeiro educandário da rede pública a ministrar o

119
Ensino Fundamental II e Ensino Médio do município e ser, desde 2004, Escola Referência em qualidade de ensino. Os
resultados apresentados correspondem à análise de uma atividade, integrante de um projeto pedagógico realizado em
2019, nas aulas da disciplina de Língua Portuguesa com alunos dos 7ºs Anos da referida escola. O projeto teve como
recorte específico o trabalho com o gênero textual “entrevista”, abordando desde sua estrutura, característica e tipolo-
gia. Como sugestão de atividade para o gênero, uma das ações propostas foi a realização de entrevista oral feita pelos
alunos com seus pais utilizando o celular para gravar os áudios. A entrevista foi estruturada juntamente com os alu-
nos, levando em consideração a problemática apresentada acima e discutida com os alunos em aula abordando fatos
para eles relevantes. Depois do roteiro elaborado, gravaram, sendo, posteriormente, feita a transcrição, seguindo a
estrutura do gênero estudado, no Caderno de atividade de “Gêneros e produções textuais”. Totalizaram 90 entrevistas
orais, das quais foram escolhidas as 15 mais relevantes, sendo 5 de cada uma das 3 turmas e cujas análises compõem
o empírico desta pesquisa. Feita a transcrição e a análise, partiu-se para pesquisa dos documentos da instituição com
o intuito de conhecer os registros escritos do desenvolvimento histórico da mesma. O estudo se constituiu em uma
pesquisa de cunho qualitativo com análise de documentos e história oral, vista como importante recurso metodo-
lógico para se registrar as lembranças, as memórias. Concluiu-se que só se compreende o presente, quando se busca
o passado, quando se faz mediação entre lembranças e escrita, por esta última não conseguir, totalmente, fazer vir à
tona a emoção sentida por quem vivenciou, fez parte da criação do que no presente também está constituindo outra
história que ficará de legado para gerações futuras.
Palavras-chave: Escola Estadual Quintino Vargas. Memória. Pais de alunos.

CHICA MACHADO: A FORÇA DA CULTURA MANTIDA NA ORALIDADE E SEUS


DIZERES

Adélia Freitas da Silva

Resumo: Este resumo apresenta uma discussão sobre a força de permanência de uma metáfora da mulher
negra, escrava e vencedora mantida na oralidade por mais de dois séculos numa bacia semântica em relativo estado
de conservação cultural no interior de Goiás. Pretende-se tratar o tema oralidade e cultura mostrando o poder da
narrativa mitológica como arquétipo de influência sobre comportamentos por meio dos dizeres discursivos como
estratégia comunicativa. Isto em conformidade com o GT5. O comportamento cultural da sociedade acadêmica
atual, no que se refere à geração do conhecimento frente às ações das convergências midiáticas exige reflexão e nova
postura do professor frente às questões referentes à cultura e identidade goiana. Para tal, optou-se por lançar mão
da religação dos saberes entre o passado e o presente para vislumbrar um futuro mais favorável, pois “o desafio do
século XXI [...] na religação dos saberes (MORIN, 2010) é a empreitada aqui pretendida. Para isto, questiona-se: O
uso da narrativa mítica contada oralmente pode contribuir para a sustentação de um saber cultural e isto interfe-
re na formação da identidade dos estudantes goianos? Como desdobramento desta propositura, optou-se por
examinar a possibilidade de didática muito usada no passado e já quase apagada que é o contar histórias em sala para
atrair os alunos para a prática da escrita. Partindo dessa ideia, coube tomar como aporte teórico os registros de (MO-
RIN, 2010), (FAZENDA, 2018), (BERTRAN, 1999; BARTHES, 1972; DURAND, 1997), (SILVA.2011), (ORLANDI,
1997), (TRINDADE, 2004), (VANOY, 1998), dentre outros. Trata-se de uma releitura bibliográfica no paradigma
qualitativo e método dialético.
Palavras-Chave: Chica Machado, cultura, memória, oralidade.

120
“APITOU! A FOLIA COMEÇOU”: TEMPORALIDADES E PODER NAS FOLIAS DE REIS
(ITAGUARI – GO 1990-2015)

Alleks Endriw Pereira Macedo - PUC-GO

Resumo: O presente trabalho refere-se ao estudo sobre as transformações sócio-temporais ocorridas nas Fo-
lias de Reis do município de Itaguari- GO. Mudanças estas que estão ligadas ao tocante do mundo rural as quais estão
inseridas que, com o passar dos anos as tradicionais festas de Reis, acompanham um rápido processo de urbanização
e modernização território goiano, modificando os seus hábitus. Outro fator interligado a estas transições foi, o rápido
processo de êxodo rural, ocorrido principalmente pela urbanização, além da implementação da agropecuária exten-
siva e a criação de pequenas e médias industriais no município os quais muito influenciaram na vida cotidiana da po-
pulação e seus costumes, como sua religiosidade popular. Tendo em consideração que esta pesquisa é extremamente
ligada ao cotidiano e às crenças anexadas as Folia de Reis, passaram a ser alteradas e ressignificadas com as mudanças
ocorridas. Apesar das novas estruturas sócias instaladas na sociedade itaguarina terem gerado modificações de seus
ritos e na sua organização, estas transformações não impediram a continuidade das realizações dos festejos da religio-
sidade popular, mas as transformando-os, pois estes agora passam a interagir como o mundo social contemporâneo e
suas estruturas socioeconômicas e políticas, o que gerou principalmente nas Folias itaguarinas uma mudança em seus
hábitus, transformando a sua devoção tradicional em espetacularização fugindo um pouco de sua essência religiosa,
gerando novos debates, a respeito dos limites do sagrado e do profano. Estes conflitos estão inseridos, de modos
internos e externos, dentro das próprias folias, podendo ser descritos como conflitos de relações de interesse, poder,
divergências religiosas, devoção e costumes dentro do próprio município. Outro ponto a ser destacado é a noção do
tempo segundo Koselleck (2006) nas Folias de Reis, questionando sua influência a vida cotidiana e os costumes da
população itaguarina, com base na hipótese inicial que durante o período dos festejos se tenha uma ruptura do tempo
cronológico, só se retornando ao normal após seus encerramentos, gerando ainda mais conflitos socias, nesta comu-
nidade. Além disto, este trabalho utilizara a história oral, as entrevistas levantaram discussões sobre os costumes de
diferentes épocas, mostrando as alterações bem como, possibilitaram a (re) construção da história de vida das pessoas
entrevistadas. Desta forma, esta proposta visa contribuir com a preservação da cultural popular brasileira e auxiliar
na divulgação desta cultural típica sertaneja. Vendo seu espaço na sociedade ameaçado pelas novas interações oca-
sionadas pela modernidade, que para continuar existindo tiveram que se readaptar, sofrendo influencia destas novas
formas de interação e organização da sociedade que, veem a modernidade como algo de incertezas, causando nestas
crenças populares alterações de seus costumes e de sua forma de expor.
Palavras-Chave: Folia de Reis. Relações Poder. Habitus.

A PRODUÇÃO DO HABITUS NA UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS NA


CULTURA DOS REMANESCENTES QUILOMBOLAS DE MINAÇU-GO

Elzilene Maria Lopes de Souza


Daniela Amélia de Moura

Resumo: O presente artigo trata da utilização de plantas medicinais pelas comunidades de remanescentes
Quilombolas, sob o título de “A produção do Habitus na utilização da cultura de Plantas Medicinais dos remanescen-
tes Quilombolas de Minaçu-Go”. Aborda aspectos históricos e socioculturais desse grupo, sob a ótica do mito e do
habitus, caracterizando a compreensão de seu ritual e a importância como fins medicinais. Pretende-se, portanto, a
referida pesquisa caracterizar os principais comportamentos, práticas do grupo que utilizam (plantas típicas da região
para cuidados com a saúde) que se classificam como habitus, a partir da compreensão e definição de Pierre Bourdieu.

121
Comportamentos que se fundamentam nos mitos que sustentam e protegem a comunidade, formadores e conser-
vadores de habitus e identidades. Metodologicamente vale-se da referência de teóricos pesquisadores do assunto E
coleta de relatos.
Palavras-Chave: Plantas Medicinais. Mito. Habitus.

OS JOGOS INTERNOS DA UFG NA DÉCADA DE 80 SOB A ÓTICA DA IMPRENSA


GOIANIENSE

Ana Lúcia Junger da Fonseca Alves - IFG - PPGE/FE/UFG

Resumo: A pesquisa, de caráter histórico, tematiza a trajetória da educação física e dos esportes no ensino su-
perior na década de 80 quando vigorava a obrigatoriedade da disciplina em todos os cursos estabelecida pelo regime
militar através de uma análise da cobertura dos Jogos Internos da Universidade Federal de Goiás, que aconteceram de
1982 a meados da década de 90, feita pela imprensa local na época. A problematização da pesquisa é simples: como foi
a cobertura da imprensa goianiense sobre os Jogos Internos da UFG na década de 80? E tem por objetivo realizar uma
investigação sobre como a imprensa da época cobria a competição, para, a partir daí, compreender quais assuntos
eram mais relevantes, apareciam com menos ou mais frequência; detectar possíveis impressões sobre possíveis in-
tenções com essas quantidades; traçar os perfis dos jornais que publicavam sobre os jogos; e produzir entendimentos
e compreensões sobre o desenvolvimento histórico das práticas esportivas em Goiás. O recorte temporal, embora os
jogos tenham tido um número maior de edições, abarca os eventos de 1983 a 1988. As fontes de pesquisa, compostas
por periódicos da imprensa da época (noticiário urbano de jornais de Goiânia); fontes iconográficas (fotografias, car-
tazes e folders), Relatórios técnicos dos Jogos Internos da UFG; e fontes orais, fazem parte do acervo preservado do
Centro de Memória e História FEFD/UFG. O estudo das fontes foi inspirado pelas técnicas da análise de conteúdo e
o que pôde se perceber após a coleta, categorização e interpretação das fontes é que assuntos como eventos de aber-
tura, por exemplo, recebiam uma atenção muito maior do que a competição propriamente dita, não por acaso era um
momento de muito protesto, tanto pela classe estudantil, quanto pelos servidores da universidade.
Palavras-chave: imprensa; esporte goiano; ensino superior.

HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA PRESENÇA DOS MILITARES NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Edna Rodrigues Araújo

Resumo: O presente artigo tem por objetivo resgatar a presença histórica dos Militares na Educação Brasi-
leira, em especial no Estado de Goiás, onde percebe-se uma diferencial a ser destacada, pois, as Unidades Escolares
que atualmente estão sob o Comando e Gestão da Polícia Militar do Estado de Goiás, através do Comando de Ensino
Instrução e Pesquisa, não são vinculadas ao Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB). A presença dos Militares na
Educação Brasileira possui uma origem muito antiga, e reporta-se ao final do século XVII. Os Militares desde o início
sonhavam com a criação de uma instituição militar encarregada de atuar na educação dos filhos dos militares do Exér-
cito e da Marinha, prestando uma educação de qualidade, que moldasse os comportamentos e o saber, a partir das
normas, regras, regulamentos e padrões pré-estabelecidos, ou seja, de controle. O primeiro vestígio da presença dos
Militares no ensino militar no país acontece no ano de 1698, no Estado do Rio de Janeiro. As Instituições Militares
Educacionais estão em todos os Estados da Federação Brasileira e hoje em Goiás há 52 unidades que tiveram a Gestão
entregue aos Militares da Polícia de Goiás. Essa “presença dos Militares na educação se fortaleceu ainda mais, diante
de uma sociedade que classifica os Colégios como sinônimo de ”a excelência no ensino público”. Portanto, para anali-
sar a experiência do convênio entre a Secretaria Estadual de Educação (SECUCE) e a Secretaria da Segurança Pública

122
(SSP), pontuar a história da gestão militar nos Colégios Estaduais (quando começou, quais as mudanças aconteceram,
quantas vagas ofertadas) optamos por uma pesquisa de natureza qualitativa com abordagem crítica que privilegia o
procedimento da análise bibliográfica e documental.
Palavras-Chave: Militares. Educação. Polícia Militar. Goiás.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DO POVO XAVANTE

Lúcia Tavares dos Santos Serpa - PUC-GO


Prof. Dr. José Maria Baldino - Orientador

Resumo: A cultura é um artefato ligado na existência humana, assim não há pessoa nenhuma no planeta que
não possua a sua cultura. O objetivo aqui é apresentar o contexto histórico e a memória do povo A’uwe Xavante no
território indígena localizado no leste do Estado de Mato Grosso, onde os saberes sobre a Amazônia Legal, da qual faz
parte o cerado mato-grossense, as serras, os rios e riachos, o modo de pensar e ver o seu povo e os demais povos, os
ritos nas cerimônias, as danças, os sonhos e as músicas estão presentes não só na memória do povo Xavante, como no
seu coração e em todo seu corpo pintado de carvão e urucum. Seus adornos como as gravatas, cordinhas nos pulsos
e rolinhos de madeira perpassando as orelhas, ainda são usados igual os seus ancestrais utilizavam. A metodologia é
uma pesquisa bibliográfica sobre a vida, a cultura e a educação do povo Xavante. A história indígena nasce bem antes
do descobrimento do Brasil em 1.500 pelos Portugueses, portanto torna se dispensável salientar a grande impor-
tância histórica e cultural do índio na formação cultural do povo brasileiro. Como resultado temos as características
marcantes do índio xavante são suas migrações pelo cerrado dos Estados de Goiás e Mato Grosso, na década de 1930
o governo de Getúlio Dornelles Vargas, constituiu a Marcha para o Oeste com o intuito de ocupar a região Centro-
-Oeste, onde existia muitas terras “vagas”, com esta Marcha as terras do povo xavante foram invadidas e acabaram
cercadas pelo homem branco, com isso foi gerado inúmeros confrontos e mortes o que culminou em 1970 com a
demarcação das terras indígenas Xavante no leste mato-grossense. A fragmentação da jurisdição indígena tornou-se
um arquipélago de terras xavante nesta região do estado, este conjunto de terras ilhadas, originou diversos conflitos
ambientais e sociais alterando assim a rotina cultural de um povo. As escolas indígenas nas aldeias é uma realidade no
município de Barra do Garças-MT, a gestão escolar e até os professores são Xavantes e pertencem a comunidade em
que atuam, o povo xavante também tem professores mestres que trabalha na secretaria de Educação tanto municipal
como estadual para coordenar os trabalhos pedagógicos desenvolvidos nas escolas indígenas nas aldeias.
Palavras-chave: História. Memoria. Educação.

A ENTREVISTA COMO PRODUÇÃO DE FONTES NA FORMAÇÃO DE UMA


PROFESSORA NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA

Maria Cristina Santos de Oliveira Alves


Daniella Santos Alves

Resumo: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa maior intitulada “A formação continuada na rede mu-
nicipal de ensino de Uberlândia (1990-1995): com a palavra os professores”, cujo objetivo foi recuperar a memória
dos docentes sobre a formação continuada oferecida pelo município de Uberlândia nos referidos anos. Para realizar
tal empreitada recorremos a metodologia da História Oral – HO em parceria com a análise de documentos, o que
permitiu cotejar os dados oriundos das entrevistas seis depoentes com as diminutas fontes e documentos oficiais da
Secretaria Municipal de Educação. Nesse cenário a entrevista teve a vantagem de suprimir a escassez de documen-
tos oficias mostrando como os depoimentos podem se tornar fontes documentais e históricas para a reconstrução

123
de um período. Dentro desse contexto, no presente trabalho temos como objetivo resgatar uma dessas entrevistas
apontando tanto para as minúcias e riquezas que esse recurso pode evocar, mas antevendo que ela enquanto técnica
da história oral torna-se também uma fonte documental de pesquisa. A entrevista é aqui entendida tal como aponta
Thompson como um processo que deve ser feito a luz da sensibilidade, respeito, parcimônia e da troca de experi-
ências entre entrevistador e entrevistado. Para capturar a memória da docente nesse momento de entrevista utili-
zamos um gravador para registrar o momento, tal registro alcança um patamar de reconhecimento uma vez que a
fala dessa docente fica gravada para que outros pesquisadores possam a vir consulta-la para fins de validade histórica
(CORREA, 1996; FREITAS, 2002). Vale lembrar também que a força motriz da entrevista é a memória, esta deve
ser entendida segundo Bosi (1994) como um processo de rememoração que exige daquele que recorda um refazer,
uma recuperação do passado a partir do que foi vivido, até o momento presente. Ao percorrer toda a trajetória de sua
vida profissional notamos que tal docente não apresenta apenas as reminiscências de sua formação individual, mas
de um período histórico que marcou a vida de tantas outras professoras formadoras, isto é a memória evocada pela
entrevista permite o deslocamento de um plano cartesiano para um holístico e total, contribuindo, pois, para história
do município.
Palavras chave: Entrevista. História Oral. Memória.

PERSPECTIVAS DE VIDA DE MULHERES TRANS E TRAVESTIS PROSTITUTAS NO


MUNICÍPIO DE PARANAÍBA/MS

Eberson Frederice Santos

Resumo: Objetivo deste trabalho é dar voz as histórias de vida das Mulheres Trans e Travestis que traba-
lham como prostitutas no município de Paranaíba/MS. Para o alcance de tal objetivo este trabalho empregará como
principal metodologia a história oral H.O., que relaciona história, memória e identidades coletivas e individuais. A
história oral se caracteriza como uma metodologia de pesquisa que implica na realização de entrevistas gravadas
com indivíduos que possam relatar acontecimentos passados, instituições, conjunturas, modos de vida entre outros
fatos históricos. Estas entrevistas são produzidas geralmente por estímulos, do pesquisador para com o seu objeto
de pesquisa (o entrevistado) para fazer lhe perguntas. Tendo em vista que, faz parte de um conjunto de documentos
biográficos, memórias e autobiografia, possibilitando o entendimento de como o indivíduo experimenta e interpreta
o que ocorreu, sendo coletivo ou individual. Para além da teoria da H.O. as histórias relatadas serão analisadas a luz
de teorias como a de Judith Butler (1990; 2004), Simone de Beauvoir (2016), sobre as questões relacionadas a gênero.
É muito explicito na sociedade brasileira que Gays, Lésbicas, Transexuais, Travestis e todos os que se enquadram na
sigla LGBTQ+ sofrem preconceito e violências diariamente, diante disso duas teorias sociológicas importantes serão
incorporadas a este trabalho, o “Estigma” de Erving Goffman (2008) e “Outsiders” de Howard S. Beker (2017), para
análise desse objeto de pesquisa, que são corpos estigmatizados e desviantes diante do padrão normativo que é esta-
belecido pela da sociedade. É cada vez mais comum encontrarmos na literatura acadêmica estudos que dão lugar de
fala e visibilidade para o público LGBTQ+ evidenciando as mazelas que estes se encontram ao não terem seus direitos
garantidos. Este tipo de produção científica é importante pois pode colaborar com a elaboração de políticas públicas
de combate a violência, de inclusão, entre tantos outros tipos de políticas. Na questão educacional, Bourdieu (2017)
ajudará a refletir sobre o processo que a educação aparece nos relatos de vida. Se tratando de um trabalho em anda-
mento, não temos considerações finais, mas possíveis apontamentos que esta pesquisa poderá resultar. A questão
primordial que esta pesquisa contribuirá é dar voz por meio das histórias de vida dessas mulheres trans e travestis que
em geral não possuem luar de fala e são invisíveis aos olhos da sociedade e do poder público; por meio dos resultados
das entrevistas, poderemos apontar questões que englobam desde a saúde, como educação, preconceito, construção
do corpo e da identidade, violências, profissão, família, drogas e outros aspectos que surgirão durante o processo de

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coleta de material. Dessa forma este trabalho abrirá novos caminhos para outras pesquisas que poderão contribuir
cada vez mais com a visibilidade trans.
Palavras-chave: História Oral. Mulheres Trans e Travestis. Identidade de Gênero. Prostituição.

DOM EMANUEL GOMES DE OLIVEIRA E A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM GOIÁS


(1923 - 1955)

Maximiliano Gonçalves da Costa - UEG

Resumo: O Estado de Goiás no final da década de 1920 e início da década de 1930 passava por grandes desafios
no que diz respeito à carência de suas estruturas. E no campo da educação não era diferente. Foi esse contexto que Dom
Emanuel Gomes de Oliveira encontrou logo que assumiu a sua função como bispo de Goiás, em 1923. Diante dessa
carência existente, uma de suas prioridades foi a educação. Portanto, ele deu uma contribuição considerável nessa área,
principalmente lançando as bases para a implantação da educação superior em Goiás, por isso esse artigo visa investigar
essa colaboração para a história de Goiás. Desse modo, faremos um recorte histórico partindo de 1923, sua chegada
como bispo de Goiás, até 1955, ano da sua morte. No processo de instauração da educação superior em Goiás, D. Ema-
nuel foi pioneiro, pois, mediante o seu trabalho consolidou-se no futuro o que viria a ser a primeira universidade do
Centro Oeste brasileiro. Nós, distantes no tempo e usufruidores dos benefícios do ensino superior em Goiás temos o
desejo de aprofundar os estudos deste processo histórico, para compreender a atuação de Dom Emanuel na história de
Goiás. Dom Emanuel Gomes de Oliveira sempre atuou na educação, ficou conhecido como o “Arcebispo da Instrução”,
durante o seu episcopado (1923-1955) se dedicou a fundação de escolas em todo o estado de Goiás. Sendo salesiano,
uma de suas preocupações era a propagação da educação em todos os níveis. Ele considerava a instrução e educação
como faróis na vida. Assim sendo, o seu trabalho consolidou os fundamentos para o início da educação superior na
recém-criada, Goiânia, a nova capital de Goiás. Com o desejo de aprofundarmos mais no conhecimento da instalação
do ensino superior em Goiás, abordaremos o contexto eclesial e político da época, diante do nosso objeto, para assim,
compreendermos a contribuição de Dom Emanuel para que, no futuro, se criasse a primeira universidade de Goiás.
Palavras-chave: Dom Emanuel. Educação. Goiás.

IMPRESSOS, IMPRENSA e INTELECTUAIS: A MEDIAÇÃO CULTURAL EM


TEMPORALIDADES DISTINTAS

Adriana Aparecida Pinto - UFGD


Luciana Cristina Porfírio - UFG - Regional Jataí

Resumo: Pesquisas realizadas por todo o país indicam que os impressos, entre séculos XIX e XX, constituí-
ram-se em terreno fértil para a produção de saberes e circulação de ideias, disseminando valores, leituras de mundo,
práticas culturais, representações e posturas políticas. As discussões que compõem a proposta desta Comunicação
orientam-se, pois, a partir de uma determinada tipologia documental: os impressos. Dessa forma, contempla-se uma
documentação a qual, alinhada ao campo de pesquisa histórica, antropológica e educacional, promove abordagens
significativas para a História da Educação e compreensão de aspectos silenciados em fontes de outra natureza. A lei-
tura desses impressos tem como fundamento analítico a máxima dos “novos olhares para velhos objetos”, articulan-
do-se as investigações aqui apresentadas sob a perspectiva teórico-metodológica da (Nova) História Cultural. Outro
ponto de convergência dos trabalhos alinha-se à prerrogativa de que impressos revelam as mediações culturais que
estabelecem, independentemente do período e localidade em que se inscrevem. LLI, 1998, 2003). Sustentam este
estudo, como corpus documental, a imprensa periódica de circulação geral em Mato Grosso, mais propriamente a

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tipologia jornais, visto que promovem conhecimentos sobre redes de sociabilidades, espaços de circulação de ideias
e pessoas, ao lado de notícias e correspondências estrangeiras, conhecidas em Mato Grosso por meio da imprensa
semanal, corroborando com as teses de que Mato Grosso não se encontrava em situação de isolamento cultural, no
século XIX, como os relatos de viajantes marcaram em seus escritos (PINTO, 2013, 2018). Agregam-se à documen-
tação impressa as produções didáticas direcionadas à formação de professores, apresentando contribuições em torno
das múltiplas possibilidades que os estudos sobre este tipo de fonte permitem realizar. Partindo-se de uma conceitu-
ação ampliada de fonte histórica, entendida como toda produção ou interferência feita pelo homem e que possam ser
investigadas como forma de compreender essa sua ação no tempo-espaço, seja no passado ou no tempo presente. No
Brasil, a circulação de saberes em torno da profissão do professor, se faz também por meio dos materiais didáticos
impressos oferecidos em cursos de formação continuada, cujas análises revelaram que, apesar de se configurar como
uma construção social mais ampla, difundida mundialmente, foi também uma versão local e particular de uma refor-
ma educacional mundial instituída no Estado e que vem sendo legitimada pelo campo acadêmico. A essência dessa
reforma se consolidou por meio de um discurso que circulou para além dos limites do Estado-Nação, articulando e
validando narrativas que orientaram os profissionais a serem bons professores. A seleção das fontes e o tratamen-
to dado a ela revelou que os estudos são mobilizados nestes materiais para conferir cientificidade e legitimidade às
propostas reformistas em curso há quase três décadas no país. (PORFÍRIO, 2012). Considerando a materialidade da
documentação (CHARTIER, 1990), os contextos em que se inserem e suas formas de circulação, as propostas con-
vergem no exercício de pesquisa e escrita histórica sobre educação.
Palavras-Chave: Impressos. Jornais. Impressos didáticos.

CIDADE COLONIAL E PATRIMÔNIO CULTURAL: MEMÓRIA, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO


PATRIMONIAL

Giselda Shirley da Silva

Resumo: Giselda Shirley da Silva A pesquisa possui com objetivo refletir sobre história, memória e cultura em
diferentes espaços sociais com enfoque na história regional e educação patrimonial, sumamente importantes para
conhecer e divulgar o patrimônio cultural. Delimitando Paracatu, cidade colonial pertencente ao ciclo da mineração
como plano de observação do presente estudo, foi realizado um projeto de educação patrimonial e pesquisa no Cen-
tro histórico da cidade, tombado como patrimônio cultural pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Na-
cional -IPHAN. O projeto teve como público alvo os acadêmicos do curso de História de uma faculdade do Noroeste
de Minas em 2018. O trabalho realizado de forma interdisciplinar e executado em diversas etapas, teve como ponto
forte a visita guiada in loco ao centro histórico. Durante a visita os alunos fizeram relatórios da observação os quais
constituem em fonte de pesquisa desse estudo. A observação foi realizada por dois grupos de trabalho, sendo o que o
primeiro analisou as edificações civis em estilo colonial existentes na área tombada e preservada como patrimônio.
O segundo, lançou olhares sobre os espaços públicos e de sociabilidade, entre eles, as praças, chafarizes, becos e ruas.
Após a visita, os alunos se dedicaram a escrita do relatório de pesquisa tendo como eixo norteador o Arraial de São
Luiz e Sant’ Ana das Minas de Paracatu, posteriormente Paracatu do Príncipe, elevado a essa categoria em 20 de ou-
tubro de 1798, e hoje, Paracatu, possibilitando ver a complexidade da sociedade que lá foi se estruturando e apresen-
taram no II Congresso de Educação a Distância promovido pela Faculdade FINOM. Metodologicamente a pesquisa
foi realizada no viés qualitativo e teve como suporte documental o projeto pedagógico, os relatórios escritos pelos
acadêmicos nos diferentes momentos do trabalho, bem como, as fotografias por eles produzidas no decorrer da visita
guiada ao centro histórico. Foi realizada também uma entrevista estruturada com a coordenadora do curso de His-
tória. A pesquisa desvelou a importância da educação patrimonial para conhecimento história e patrimônio cultural
local, sendo este saber de grande relevância na formação do professor e na preservação da memória.
Palavras-Chave: memória, história, patrimônio cultural e educação

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A GÊNESE DA INSERÇÃO EDUCACIONAL E SOCIAL DO SURDO EM GOIÁS: CAMINHOS
E PROCESSOS DA DÉCADA DE 1950 ATÉ A CONSOLIDAÇÃO DA LIBRAS NO BRASIL

Paulo Cesar Soares de Oliveira


Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida

Resumo: O tema central deste estudo é a busca da gênese do processo educativo do surdo em Goiás, a partir da
década de 1950, quando o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES/RJ) passa por uma reforma de descentra-
lização de suas ações pedagógicas, fomentando a criação de instituições em várias regiões do país; e a busca dos cami-
nhos e processos por ela percorridos até a consolidação desta modalidade educacional em Goiás tendo como marco a
aprovação da Libras pela Lei N.º 10.436 de 21 de abril de 2002 como línguas oficial de comunicação da comunidade
surda brasileira. A investigação caracteriza como Pesquisa Qualitativa e Bibliográfica, priorizando a coleta de dados
relacionados à memória, história oral de vidas de surdos, seus processos educacionais e sua inserção social em Goiás
a partir da década de 1950 aos dias atuais. Para abarcar o recorte espaço temporal proposto, e de suma importância
realizar o estado da arte desta temática, nacional, regional e local na busca de estudos realizados. O método analítico
descritivo é o utilizado para apresentar os dados coletados dos bancos de dados dos órgãos e intuições públicas e
privadas como: Associação dos Surdos do Estado de Goiás, SEDUCE-GO, SME-Goiânia, MEC/INEP, CAS-GO, So-
ciedade Pestalozzi de Goiânia, APE-Goiânia, Instituto Nacional de Educação de Surdos- INES-RJ, IES, entre outras.
Soma-se a estas o destaque a memória e a história oral observando à narrativa (depoimento em Libras) dos sujeitos
surdos, que participaram da história das instituições de ensino (extintas e atuantes). Este processo busca escrutinar,
coletar e catalogar os relatos dos surdos, suas memórias individuais e coletivas, os depoimentos dos marcos, das lutas
e das conquistas. Tais itens deverão ser coletados junto aos surdos, aos familiares, aos amigos, aos professores e aos
intérpretes ouvintes que compõem a totalidade dessa comunidade goiana. Também os acervos documentais e ima-
géticos, pessoais e oficiais, tanto dos pioneiros desta educação quanto das instituições por eles criadas ou que fizeram
parte. Sendo assim, ao pesquisar, de forma acadêmica, a história da educação da comunidade surda goiana e ao assen-
tar, por escrito, os relatos, até então na memória “oral” ou em fontes imagéticas particulares, a pesquisa contribuirá
para sua periodização e oficialização documental. Os aspectos teóricos desta pesquisa se inserem na história cultural
que desenvolve uma reflexão nova sobre estes dados deixados à margem da história oficial. A história cultural vem
constituindo-se no novo campo de pesquisa em Estudos Surdos no Brasil e novos marcos são introduzidos na história
cultural dos surdos. Nesta perspectiva, torna-se indispensável ampliar e relativizar as fontes da pesquisa por meio de
entrevistas, história oral, pesquisas em arquivos imagéticos particulares, institucionais e oficiais. Dessa forma, nota-
-se a importância em refletir sobre a caminhada dos surdos em Goiás e produzir uma contribuição precursora para a
historiografia da educação inclusiva na área da surdez goiana. A literatura sobre esta perspectiva histórica espelha-se
em exemplos de estudos acadêmicos realizados por Dionísio Schmitt (2008 e 2013) em Santa Catarina e Verônica dos
Reis Mariano Souza (2007) em Aracaju bem como outras dissertações em regiões do Brasil com a temática da his-
tória da educação do surdo quer nacional, regional ou local, demonstrando a possibilidade e a viabilidade do estudo.
Nesse contexto, para fundamentação teórica, esta pesquisa baseia-se em Albuquerque (2007) e Rüsen (2007) Chartier
(1987) e Geertz (2008) para Cultura; Le Goff (2003); Rocha (2009 e 2010); Santos (2016) e Skliar (2015), Jannuzzi
(1997); Meletti (2007) e Silva (1995) dentre outros.
Palavras-Chave: História da Educação. Memoria. Educação de Surdos.

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ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL OLÍMPIO MICHAEL GONZAGA-PARACATU (MG):
HERANÇAS COLONIAIS DA MEMÓRIA NO PATRIMÔNIO DOCUMENTAL

Vandeir José da Silva

Resumo: Vandeir José da Silva Este trabalho teve como objetivo versar sobre a importância do Arquivo
Público de Paracatu como local de salvaguarda documental e preservação da história e memória local, tendo em vista,
que a cidade fora o último local do ciclo minerador das Minas Gerais do século XVIII. Desse modo, apresentamos o
arquivo local, desde sua primeira instalação como fruto da iniciativa de um projeto criado nos anos de 1993, sendo
uma parceria realizada entre a Faculdade do Noroeste de Minas Finom e o poder público municipal desta localidade.
A efetivação do Arquivo ocorreu somente nos anos de 1995 quando este passou a abrigar a massa documental com-
posta de processos que vão do século XVIII ao século XX. Diversas são os processos catalogados em cinco séries que
vão de Testamento/Inventário, Administração do Tribunal, Devassas, Casamento e Justificação de Gênere, sendo os
documentos relacionados ao Arraial de São Luis e Santa Anna, Minas do Paracatu e região. Para a pesquisa, propo-
mos a seguinte argumentação: Qual é o papel desse Arquivo como espaço educativo, de preservação e divulgação da
memória, história, patrimônio local e regional? A pesquisa qualitativa e de campo utilizou como instrumentos entre-
vistas orais, análise documental e fotográfica, sendo a análise pautada em autores que partilham do solo da história
cultural e da memória.
Palavras-Chave: História, memória, patrimônio, arquivo, período colonial.

A CULTURA DO SILÊNCIO: INCLUSÃO DOS SURDOS HISTÓRIA E MEMÓRIAS

Meire Luce Gomes - PUC-GO


José Maria Baldino- PUC-GO

Resumo: O trabalho tem o objetivo de ressaltar a importância do estudo da disciplina História da Educação
e suas contribuições para o conhecimento de todo o percurso histórico da educação dos surdos em Goiânia-Goiás.
Para compreendermos hoje o processo já consolidado de inclusão dos surdos é importante compreender os marcos
históricos, resgatar as memórias, comparar as normas para compreender como se deu este processo de organização
educacional. O estudo fundamenta-se na necessidade de sermos críticos em relação ao sistema educacional do qual
fazemos parte. A melhor maneira de compreendermos é investigando esse processo educacional em suas múltiplas
manifestações ao longo de toda história, percebendo como este era visto pelas diversas sociedades e como se dava a
educação em cada período. Para uma melhor compreensão da disciplina História da Educação foram sugeridas várias
obras, dentre elas, destacaremos alguns: o Manifesto dos Pioneiros, História da Pedagogia, História Social da Educa-
ção no Brasil (1926-1996), A Cultura Escolar em Debate, A reinvenção da cidade e da multidão e História da Educa-
ção: do antigo “direito de educação” ao novo “direito à educação”. Todas muito importantes, pois elucidam sempre
a educação num contexto histórico geral, para observar as crises vividas dentro de um sistema social. Na realidade,
as questões da educação são engendradas nas relações que os homens estabelecem ao produzir sua existência. Nesta
perspectiva, a educação não é um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos da ideologia, por estar de fato envolvida na
política. O estudo nos permite avaliar como foi praticada a educação, em épocas e sociedades diferentes e nos possi-
bilita, a entender a educação hoje, no mundo contemporâneo, como um processo dinâmico. Dentro desta dinâmica,
utilizaremos a obra de A. Reis Monteiro História da Educação: do antigo “direito de educação” ao novo “direito à
educação” como respaldo e contribuição ao nosso objeto de estudo. Nesta obra trata-se de um movimento, ou seja,
de uma educação nova, trava-se o direito do homem à educação, e dentro desta perspectiva, abordaremos uma edu-
cação proposta à diversidade, ou seja, abordaremos a inclusão que também é oriunda de lutas de classe. O texto será
dividido em três partes. Na primeira apresentaremos as contribuições do Movimento da Escola Nova. Na segunda as

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contribuições de Pestalozzi na educação e na terceira parte as contribuições de Maria Montessori. Ressaltando a im-
portância de ambos na educação, dentro de uma proposta de educação na perspectiva inclusivista.
Será realizada uma revisão bibliográfica utilizando o método da memória. Além disso, deve-se atentar
para aquilo que não está sendo dito ou como diz Maria Isaura Pereira de Queiroz (1987) para o indizível. Procurar
verificar as razões que levaram as pessoas a não mencionarem tal fato: esquecimento, ocultamento, desconhecimento
e outros que possuem uma razão e uma explicação de ser. Para Pollak (1992), os significados do silêncio também têm
uma razão e uma explicação de ser e podem estar relacionados há vários fatores: a própria interação com o pesquisa-
dor, o medo de ser punido por aquilo que sabe, de se expor a mal-entendidos e etc. que cabe ao pesquisador observar
e desvendar. A memória parece ser, a priori, como defende Henri Bergson, analisado por Ecléa Bosi em Memória e
sociedade: lembranças de velhos (1994) um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio das pessoas, que
conservam em seu espírito, o passado, que aflora na consciência em forma de imagens-lembrança e nos sonhos e
devaneios em forma pura. Maurice Halbawchs, em Memória Coletiva (1990), no entanto, contesta essa interpreta-
ção. Para ele, a memória não é um fenômeno estritamente individual, mas um fenômeno coletivo, que influencia as
lembranças dos indivíduos, “construída coletivamente e submetida a flutuações, transformações e mudanças constan-
tes”, como afirma Pollak (1992, p.201). Não devendo, portanto, ser avaliada isoladamente, mas posta em relação com
toda a experiência social do grupo em que o sujeito está inserido. A memória dos indivíduos, comenta Halbawchs
(1990), não depende só de sua subjetividade, de seu espírito, mas do seu relacionamento com a família, com a classe
social, com a Igreja, com a profissão, o que inclusive, o estimula e o põe a lembrar.
Palavras-Chave: História, memória, resgate, surdos

EMANCIPAÇÃO FEMININA PELA EDUCAÇÃO: ARENDT E BOURDIEU

Edilamar Rodrigues de Jesus e Faria

Resumo: O presente artigo tem como objetivo colocar em pauta o diálogo sobre a importância do empode-
ramento feminino no desenvolvimento da sociedade, a partir da educação, tendo como referencial a ótica de Pierre
Bourdieu e, também inspira-se nas ideias de Hannah Arendt e aplicado aos bairros de Habitação de Interesse Social
(SHIS) em Anápolis, Goiás. Nesse sentido, pode-se enquadrar ao objeto de estudo, o gênero e o empoderamento de
mulheres, tendo como foco a emancipação feminina pela Educação, para romper com o círculo vicioso e transgera-
cional da pobreza e opressão. Assim, o presente estudo parte da observação de campo de famílias lideradas por mu-
lheres, residentes nos referidos bairros do SHIS em Anápolis, Goiás. Trata-se de um estudo iniciado durante o curso
de pós-graduação do Programa de Mestrado, onde elementos conceituais do pensamento arendtiano foram utiliza-
dos para construção do sentido epistemológico. Onde a compreensão de cidadania ativa favorece o entendimento da
modelo democracia brasileira como pacto social representado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, onde a
vontade do povo é a máxima do poder político e o Estado age em favor da sociedade. Seguindo a trajetória acadêmica
com novas interações e olhares contributivos sobre o objeto, durante o percurso do doutoramento em Educação.
Onde o presente estudo se encontra em modelo de construção de tese da linha de pesquisa em Educação, Sociedade e
Cultura, e no projeto do grupo de pesquisa da mesma linha, intitulado “Diversidade cultural e educação: Juventudes,
participação política, organizações e movimentos sociais no século XXI”. Através dos contributos e da orientação,
se percebe que elementos conceituais buerdianos, poderiam dar voz aos sentidos e significantes dos “instrumentos
simbólicos”, “estruturas estruturantes e estruturadas e instrumentos de dominação” dessa população observada e na
construção do objeto de estudo. Para isso, utiliza-se como metodologia uma pesquisa básica, descritiva e explicativa,
qualitativa, de expressão dialética e fenomenológica, pautada em pesquisa bibliográfica, documental e observação
de campo em forma inacabada. Resultados observados ressalta-se que as lutas de campo pelo poder dominador, tem
deixado a condição feminina em posição de dominada. Essa dualidade, na qual a sociedade se organiza, homem-mu-
lher, incorpora habitus e agentes, sistemas, esquemas de percepção de pensamento e ações em busca do poder. A

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educação tem seu lugar preponderante na luta pela igualdade de gênero e fortalecimento na reivindicação de direitos
e construção de políticas públicas favoráveis a emancipação feminina, o que consequentemente levaria a inclusão do
Estado de direito de todo o conjunto familiar, bem como, de toda o grupo social. A título de Conclusões, entende-se
que a educação tem sido reprodutora da cultura de dominação masculina e que deveria ser determinante no processo
de empoderamento e emancipação desse grupo de mulheres chefes de família para romper com o círculo vicioso da
pobreza e opressão, ocasionado pela sujeição de um poder simbólico opressor que impede dentre outros o direito à
educação, assim, mobilizadas pela política de moradia social e a necessidade de emancipação, essa população
necessita de uma política favorável ao empoderamento feminino e sua efetividade no processo emancipatório.
Palavras-Chave: Educação, Mulheres, Emancipação.

HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL FEDERAL EM GOIÁS: DA


ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DESTINADA À “HABILITAÇÃO DOS FILHOS
DOS DESFAVORECIDOS DA FORTUNA”, AO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS DESTINADO A “FORMAR E QUALIFICAR
CIDADÃOS”

Dalliane Louredo de Melo Moreira

Resumo: História e Memórias da Escola de Aprendizes Artífices de 1909 ao Instituto Federal de Educação, Ci-
ência e Tecnologia de Goiás em 2008. Este período compreende a história institucional da Educação Profissional das
primeiras iniciativas e cursos de formação ministrados até 2008 ofertados pela rede federal. Conjunturalmente este
período é marcado por mudanças históricas e abrange as três fases da industrialização no Brasil, que segundo Ianni
(1978) marca os três modelos de desenvolvimento: a) o agrário exportador até 1930; b) o de substituição de Importa-
ções de 1930 a 1964 e c) o terceiro, denominado de Internacionalização da Economia, de 1964 em diante. Neste pro-
cesso, há que se destacar a mudança da capital de Goyaz para Goiânia, em 1942. A Educação Profissional em Goiás,
integrante da rede federal, institucionalmente passou pela Escola de Aprendizes Artífices (1909); Escola Técnica de
Goiânia (1942); Escola Técnica Federal de Goiás (1965); Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (1999) e
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (2008). Objetivos. Objetivo Geral. Evidenciar a trajetó-
ria da Educação Profissional em Goiás, por intermédio de memórias advindas e apreendidas de fontes documentais e
orais. Demarcar as diferentes configurações institucionais da Educação Profissional Federal em Goiás, suas finalida-
des, cursos ofertados e públicos preferenciais; demonstrar como as conjunturas econômicas e políticas influenciaram
os processos de formação profissional; c) realizar uma entrevista com um professor que vivenciou parte desta longa
trajetória e transformá-la em um vídeo memória. Metodologia. Optou-se pela realização de uma pesquisa de natu-
reza exploratória qualitativa sem pretensão de uniformizar uma história que se fez e se faz dialeticamente, portanto,
dinâmica e marcada por avanços e continuidades. Privilegiou-se em termos de procedimentos metodológicos, a defi-
nição de um corpus teórico (estudos científicos e fontes documentais, normativas e legais) e um corpus oral (entrevista
aprofundada) orientados pelos estudos culturais com foco na categoria de memória (Halbwachs, 2013). Resultados:
a) maior compreensão da trajetória institucional da educação profissional em Goiás, seus embates e desafios con-
junturais; b) reconhecimento político de como a educação federal sempre teve seu foco de destinação à classe
trabalhadora no Brasil. Conclusões. a) A Educação Profissional Federal no Brasil traz marcas históricas da dualidade
estrutural que separa a educação geral da educação profissional; b) a educação integral, politécnica e omnilateral deve
demarcar a filosofia da educação empreendida pelos Institutos Federais em seus diferentes níveis e modalidades.
Palavras-chave: Educação Profissional. História. Memórias.

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NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS DAS PROFESSORAS AFRODESCENDENTES:
MEMÓRIA E PERCURSO ESCOLAR

Rosilda Campelo dos Santos


Dra. Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida

Resumo: Este trabalho está vinculado ao projeto de pesquisa História e Memória da Educação e da Cultura
Escolar em espaços de trijunção (Goiás - Minas Gerais e Tocantins). Tendo como propósito identificar a trajetória
profissional e de vida das professoras afrodescentes a partir das narrativas autobiográficas, bem como contribuir com
a escrita da História e Memória das professoras afrodescentedentes que atuaram e ou atuam na educação básica das
escolas de Goiânia Goiás. Trazendo em seu bojo o percurso escolar, a História e a Memória desse grupo. A área da
História e Memória é abrangente, mas o percurso escolar das professoras afrodescendentes é recente, pois o acesso,
a permanência e a conclusão da educação formal vêm ocorrendo a apenas um século, ou seja, desde o século XX. As
narrativas das professoras afrodescendentes pouco têm sido escritas, e sim, esquecidas e desvalorizadas, o qual se
busca apagar a Memória constituída. Vale ressaltar que o processo de silenciamento das Memórias das professoras
afro-brasileiras em nossa sociedade, tem se constituído em grandes desafios, tanto paras as populações afros como
também para as diferentes instâncias e instituições que tem se preocupado com as questões das desigualdades sociais
impostas por tais condições. A abordagem será com base em pesquisa bibliográfica, entrevistas, histórias de vida,
tendo como fundamentação teórica a base Bueno (2002); Giacomini (2012); Halbawachs (2004); Nóvoa (2007); Scott
(1989); Thompson (1998) entre outros.
Palavras-Chave: Narrativas autobiográficas, História Oral, Memória, Professoras afrodescendentes e Mulhe-
res Negras.

EDUCAÇÃO E EMPODERAMENTO: HISTÓRIAS DE RESISTÊNCIA DE MULHERES


KALUNGAS

Sonilda Aparecida De Fátima Silva


Maria Edimaci Teixeira Barbosa Leite
Lucia Helena Rincon Afonso

Resumo: Apresenta-se nesse artigo parte do resultado da pesquisa do Doutorado em Educação, a qual tem
como objetivo compreender as relações de gênero e de patriarcado, de sobrevivências, e os fatores interseccionais de
gênero, de raça e de classe social, e das relações de poder que têm contribuído para a desigualdade de gênero, investi-
gando, ao mesmo tempo, o tipo de educação que tem contribuído para o crescimento pessoal, social e político dessas
mulheres, levando-as a encontrar as forças necessárias para se empoderar no espaço público. Como aporte teórico,
buscou-se os escritos de Saffioti (2004), Louro (1998), Costa (2000), Coulouris, (2004), Thompson (1992), Pallacin
(1984), Libâneo (2010) e Freire (1987), dentre outros. Por tratar-se de uma pesquisa em andamento, a metodologia,
a priori, pautou-se em pesquisas bibliográficas e pesquisa de campo, na cidade de Monte Alegre, na comunidade de
Riachão, com entrevistas semiestruturadas e utilização da história oral e da pesquisa narrativa.
Palavras-Chave: kalungas; patriarcado; gênero e empoderamento.

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EDUCAÇÃO POPULAR, CULTURA ESCOLAR EM DIÁLOGO COM O ENSINO
ANTIRRACISTA

Maria Edimaci Teixeira Barbosa Leite


Ronaldo Manoel Da Silva
Sonilda Aparecida De Fátima Silva

Resumo: Este trabalho insere-se ao projeto de pesquisa História e Memória da Educação e da Cultura Escolar
em espaços de trijunção (Goiás-Minas Gerais e Tocantins). Um dos eixos da referida pesquisa propõe desenvolver
estudos e pesquisas sobre as escolas, as Instituições educativas/educacionais, em suas diferentes modalidades. Aborda
aspecto histórico, sociocultural dos conceitos cultura e educação popular, caracterizando este último na compreensão
do teórico Paulo Freire. Pretende-se, portanto, refletir sobre educação popular freireana, bem como sua importân-
cia para a realidade de hoje e suas contribuições para o Ensino da Cultura Afro-brasileira, o trato com a diversidade
cultural e a formação do professor no sentido de garantir e conferir ao educando a efetivação dos objetivos da edu-
cação antirracista. Metodologicamente vale-se da referência de teóricos pesquisadores do assunto. Paulo Freire, de
certa forma, compartilha com esse conceito multicultural de cultura e reconhece a importância do conhecimento que
possui o povo, os grupos populares. Entende que as classes populares são detentoras de um saber não valorizado e
excluídas do conhecimento historicamente acumulado pela sociedade. Os referenciais estão ancorados nos estudos
teóricos e metodológicos desenvolvidos por Freire (2003), Gomes (2005), trata da educação e relações sociais, Brasil
(2003), entre outros, os quais possibilitarão o entendimento da temática.
Palavras-Chave: Educação Popular, Ensino antirracista, Cultura e Cultura escolar.

DESAFIOS E CONQUISTAS NA EDUCAÇÃO EM NOVO HORIZONTE DO NORTE:


NARRATIVAS DE MEMÓRIA DE PROFESSORES DAS ESCOLAS ULISSES GUIMARÃES E
ROSMAY KARA JOSÉ

Francine Suélen Assis Leite - UFMT

Resumo; Sonhos de uma vida melhor, anseios por um pedaço de terra, a ilusão da riqueza, fatos guardados na
memória de quem se embrenhou em viagens longas para lutar por um pouco de terra para chamar de sua, vinham as
primeiras famílias para Novo Horizonte do Norte. O presente artigo é parte do pré-projeto de Mestrado em educa-
ção da Universidade Federal do Mato Grosso, da linha de pesquisa “cultura, memória e teorias da educação”, em que
pretendemos compreender o desenvolvimento da História da Educação em Novo Horizonte do Norte ao longo do
tempo, esboçando seus desafios e conquistas, por meio de narrativas de memórias dos professores das escolas Ulisses
Guimarães e Rosmay Kara José. O tempo é o elemento primordial para a História, pois indica transformações, meta-
morfoses. Para compreendermos o nosso tempo precisamos estudar o passado, porque nossa constituição identitária
e as possibilidades de indicar caminhos passa pela compreensão do que fomos e somos. A problematização em uma
pesquisa visa à busca de respostas para uma determinada questão de pesquisa, respostas estas que não são imediatas,
que exigem um aprofundamento para se alcançar o resultado, nesta pesquisa traremos como análise a seguinte pro-
blematização: Quais as trajetórias e os desafios que permeiam a História da educação em Novo Horizonte do Norte?
A questão pesquisa desse projeto surgiu com o intuito de aprofundar ainda mais na História da educação de Novo
Horizonte do Norte. Esse anseio surgi a partir da escrita da monografia “Influência das políticas de avaliação externa
na Cultura Escolar: um estudo a partir das memórias de atores sociais da Escola Municipal Ulisses Guimarães” que
buscou investigar, por meio das narrativas de memória, como que as avaliações externas influenciaram na Cultura
escolar e no currículo da escola Municipal Ulisses Guimarães. Essa pesquisa influenciou a investigação do subprojeto

132
“Desafios e Conquistas na Trajetória da Educação em Juara: História, Cultura Escolar e Currículo nas Instituições de
Ensino Juarenses”, vinculado ao projeto “Fronteira, Territorialidade e Cultura: História de Juara-MT na memória de
seus habitantes”, projeto institucionalizado e contemplado com bolsa de iniciação científica PIBIC/CNPq e desen-
volvido pela UNEMAT/Juara. Por meio da metodologia o pesquisador delineia o percurso que irá percorrer. Nesta
pesquisa de teor qualitativo, faremos uso da Metodologia da História Oral. Este método surgiu a partir da criação do
gravador e foi incorporado no Brasil na década de 1970, mas apenas na década de 1990 teve uma expansão significa-
tiva, neste período seminários com esta temática abriram as portas para seu crescimento (CPDOC, 2015; ALBERTI,
FERNANDES e FERREIRA, 2000). A História oral consiste na gravação de entrevistas de caráter documental e
histórico, alicerçada nas narrativas de memória (ALBERTI, 2003). Evidencia a memória do sujeito que por meio do
ato de narrar transmite experiências, sua história de vida. As lembranças guardadas na memória transformadas em
linguagem, evidenciam vivências influenciadas pelo meio em que vivemos e pelos grupos que participamos, que são
atualizadas na hora em que ocorre a narrativa. Além de ser um processo individual também apresenta a influência do
grupo (HALBWACHS apud SCHMIDT e MAHFOUD, 1993). Buscamos compreender as memórias de profissionais
da educação que atuaram no processo educacional durante a ocupação e reocupação da cidade de Novo Horizonte
do Norte, nas escolas Ulisses Gumarães e Rosmay Kara José, respectivamente uma municipal e a outra estadual.
Será utilizada a entrevista gravada e transcrita, seguindo as técnicas da Metodologia da História Oral, que conforme
Falcão (2015), contempla as seguintes etapas: “i. Observação e pré-entrevista [...]; ii. Seleção de sujeitos a serem en-
trevistados; iii. Elaboração do roteiro de entrevistas; iv. Realização das Entrevistas; v. Transcrição; vi. Tratamento
das entrevistas e transcrições; vii. Armazenamento; viii. Produção de um índice; ix. Disponibilização para pesquisa”.
A entrevista exerce a função de pista para conhecer o passado, faz parte de uma metodologia de coleta e tratamento
de dados e produção de informações importantes para a História, cujo princípio é a interação entre entrevistador e
entrevistado por meio do diálogo, o entrevistador elabora um roteiro de perguntas com o intuito de colher dados
para sua pesquisa e por meio de questões realizadas ao entrevistado faz que este transforme lembranças em narra-
tivas (ALBERTI, 2003; 2004; 2010). Ao produzir narrativas de memórias de professores que fizeram a história da
educação em Novo Horizonte do Norte e apresentar ao público por meio de artigos e publicações estimularemos
o conhecimento de suas origens, das mudanças no cenário da educação, dos conflitos do percurso do currículo, do
enriquecimento da Cultura Escolar e suas mudanças, da interação entre mudanças e permanências que influencia as
instituições escolares.
Palavras-chave: Narrativas de memória. História da educação. História Oral.

DE ONDE VEM OS ALUNOS DA ESCOLA PÚBLICA? CULTURA ESCOLAR E ESTUDO DA


REALIDADE HISTÓRICO-EDUCACIONAL DE ALUNOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO
EM DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL

Jackson James Debona


Adriana Aparecida Pinto

Resumo: A pesquisa histórica em Educação revela faces dos processos de apropriação cultural significativos
para compreensão tanto de aspectos sociais, bem como as distinções/preconceitos que por muitas vezes o cotidiano
escolar teima em silenciar. Nesse sentido, a presente proposta evidencia o trabalho e alguns dos resultados de pes-
quisa aplicada em comunidade escolar da periferia da cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, cujo trabalho foi
realizado entre os anos de 2015-2018, no que concerne a uma particularidade observada durante projetos de ensino e
pesquisa desenvolvidos na instituição escolar, a saber, o índice significativo de crianças que descendem em primeira
ou segunda geração de famílias que imigraram do Paraguai para Dourados, entre as décadas de 1950 à 1980, desco-
nhecido, em boa medida, pelo contexto escolar e seus conviveres. A pesquisa teve cunho exploratório e bibliográ-
fico, contando com o aporte das produções assentadas na abordagem histórico cultural, em especial nas discussões

133
que acentuam o papel importante atribuído à noção de cultura escolar como elemento para conhecer os contextos
históricos educacionais e, posteriormente, atuar de modo analítico e pró ativo sobre eles. Os dados coletados foram
objetivados a partir de pesquisa quantitativa e qualitativa, aplicada aos alunos das turmas do Ensino Fundamental de
6º. a 9º. Ano, totalizando 127 respondentes, com vistas à obtenção de um quadro geral da comunidade escolar, para
vislumbrar a aplicação de projetos em turmas de ensino fundamental Anos Finais. Os questionários assentaram-se
no suporte on line, da plataforma Google Forms, e foram respondidos no laboratório de informática da própria escola,
cujas turmas foram organizadas com colaboração da equipe escolar, professores de História, bolsistas do Pibid (Pro-
grama Institucional de Iniciação à Docência), alunos de graduação em situação de estágio supervisionado em História
e membros do Projeto (FUNDECT). O instrumento de pesquisa contava com questões de escolha definida, relativas
à faixa etária, identificação geral, composição familiar e acesso aos meios de comunicação, e questões abertas, estas
últimas referindo-se aos interesses dos alunos quanto ao temário a ser apreendido, sob a forma de projetos, no campo
da disciplina de história, dentre eles o interesse em conhecer a história da comunidade, da família e do Município. Os
resultados surpreenderam a todos os envolvidos, pois muito embora houvesse indicativos a respeito da composição
paraguaia das famílias de origem dos alunos, não haviam mecanismos efetivos de comprovação da hipótese, para
além da observação da compleição física e características gerais, identificadas nos sobrenomes das crianças matricula-
das. Revelaram, ainda, que muitas dessas crianças não conhecem a história de sua origem, facultando à escola possi-
bilidades variadas de trabalho pedagógico, tanto de ordem histórica, como em outras áreas do conhecimento escolar.
Palavras chave: Cultura Escolar; Escola pública; diversidade cultural.

MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL: UM PASSEIO PELA PRAÇA DIOGO JARDIM EM


MIRACEMA/TO

Aragoneide Martins Barros - UFT/Campus de Palmas


Rosemary Negreiros de Araújo - UFT/Campus de Miracema

Resumo: A praça pública das cidades de pequeno porte é continuamente frequentada por crianças, jovens e
adultos, razão porque ela é palco da história de vida desses moradores no decorrer do tempo. O presente trabalho
tem, pois, o objetivo de abordar a praça pública e seus múltiplos significados e usos ao longo do tempo histórico.
Para tanto, elegeu-se como recorte espacial da pesquisa a Praça Diogo Jardim, que durante algum tempo foi chamada
Praça dos Operários e/ou Praça dos Trabalhadores, localizada no centro de Miracema do Tocantins (TO). Trata-se
de uma pesquisa de cunho qualitativo. A História Oral apresentou-se como um recurso metodológico por permitir
o diálogo com as memórias de quem fez/faz uso da referida praça. Essa metodologia de fontes orais, utilizada com
o auxílio de um roteiro de entrevistas semiestruturadas, foi pensada como uma forma de valorização das memórias
e das recordações de indivíduos ora desconsiderados pela história. O estudo recorreu, portanto, à História Oral
para entender a metodologia não somente como relato, mas como um objeto de pesquisa que vai além de relatos
de fatos de forma a alcançar conhecimentos de fatos vivenciados (THOMPSON, 2002), visto que a experiência oral
dos moradores revela as significações dadas ao lugar e os fenômenos vivenciados ao longo do tempo. As memórias
remetem a boas recordações da praça, pois é onde os primeiros ocupantes criaram os filhos e enfrentaram batalhas
e dificuldades para a sua sobrevivência, como as advindas de duas grandes enchentes (1980-1981 e 1992). Mas as
memórias também podem vincular-se a imagens negativas, já que alguns moradores percebem a praça como lugar
de descaso e de vandalismo. A história oral é, também, uma possibilidade pedagógica. Seu uso em sala de aula com
crianças e jovens permite atividades como observação e registro fotográfico do movimento de ir e vir nas praças e
a escuta dos depoimentos dos moradores, que podem contribuir com o desenvolvimento de habilidades de leitura e
escrita e aproximar os alunos das suas comunidades. Na percepção de moradores atuais, a praça é vista como lugar de
lazer, o que nos levou a concluir que as vivências e as experiências sociais são ressignificadas no tempo e na história
dos indivíduos. A experiência deixou claro que há possibilidades de realização do exercício da pesquisa em diferentes

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espaços de produção do conhecimento, seja no espaço da sala de aula seja em uma disciplina, no entanto deve haver
empenho e compromisso por parte de docentes e discentes, além de um potencial criativo por parte do pesquisador.
Palavras Chave: História Oral. Praça Pública. Memórias.

ENSINO DE HISTÓRIA: APRENDIZAGEM E COMPREENSÃO DA DITADURA MILITAR


BRASILEIRA SOB A INFLUÊNCIA DAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA

Maria Lucia Alves Teixeira Silva

Resumo: Este artigo busca ressaltar a importância da música como instrumento de comunicação, relatando
uma proposta de intervenção pedagógica com acadêmicos da disciplina Estágio Supervisionado, Curso de Licencia-
tura em História, UEG– Universidade Estadual de Goiás, Campus Quirinópolis, proporcionará um diálogo através
de atividades teórico-práticas, visando mudanças qualitativas na prática-didática-pedagógica e aprendizagem dos
sujeitos envolvidos. Público: alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola Municipal Canaã Quirinópolis,
GO, faixa etária entre 12-15 anos. A proposta elaborada de acordo com as orientações das Diretrizes Curriculares
Educacionais de História, de Goiás, no que se refere às “competências” e “habilidades”, enfatizadas no documento
sendo essenciais à aprendizagem dos estudantes. A música como instrumento didático-pedagógico num processo in-
terventivo no ensino de história para maior compreensão do aprendiz sobre o período da Ditatura Militar no Brasil,
num contexto comparativo entre o passado/presente/futuro, propõe uma reflexão crítica numa imersão às letras das
músicas de Chico Buarque de Hollanda e, por meio delas, enfatizar-se a importância ideológica e social que as canções
refletem mediante interpretação dos mecanismos de resistência, ativa a sensibilidade do aprendente, facilita a apren-
dizagem mediante o jogo de palavras. As metodologias aplicadas foram bibliográficas, na busca de fontes em sites,
livros, revistas, artigos; pesquisa participante, “a realidade pesquisada não é fixa, o observador e seus instrumentos
desempenham papel ativo na coleta, análise e interpretação dos dados” (GIL, 2008, p. 31). Pesquisa educacional, por
favorecer uma visão ampla do objeto estudado e envolvimento do pesquisador com a realidade social, política, eco-
nômica e cultural. A abordagem qualitativa, permite considerar e respeitar a subjetividade dos sujeitos da pesquisa.
O método dialético por renegar todo conhecimento rígido, tudo é visto em constante mudança, como considerar o
conhecimento prévio do aprendiz. Autores Rüsen (2006); Pinsky (2010); Ferreira (2010); Calazans (2012) e outros
auxiliaram a analisar o impacto do regramento estatal na vida dos brasileiros na época. Constatou-se que Chico Bu-
arque buscava, por meio das canções, criticar - muitas vezes ironicamente e com recursos ambíguos de linguagem
tudo aquilo com o que ele não concordava, e descrevia não somente aspectos do âmbito político, mas também do
econômico e comportamental. A importância do uso de letras de músicas como linguagem facilitadora no processo
de ensino/aprendizagem nas aulas de História, apresenta possibilidades promissoras no que tange a complexidade do
pensamento histórico, a aprendizagem histórica e, por conseguinte, ao incremento da consciência histórica desses
sujeitos. Dificuldades apontadas: o reforço das ideias de linearidade histórica e a utilização de reprodução argumen-
tativa, pretensamente de foco teórico na construção dos discursos dos alunos.
Palavras-Chave: Ditadura, Músicas, Liberdade de Expressão, Regime Militar, Chico Buarque.

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NARRATIVAS DE JOVENS NEGROS E AS CATEGORIAS DE ANÁLISE SOBRE A
SUBJETIVAÇÃO

Valéria Landa Alfaiate Carrijo


Juliana Pereira de Araújo

Resumo: O presente trabalho apresenta um recorte com dados preliminares de pesquisa de mestrado em anda-
mento pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás Regional Catalão. Contex-
tualizando a pesquisa que subsidia esse texto podemos dizer, em linhas gerais, que, por ela, buscamos compreender os
processos de subjetivação e formação da identidade de jovens negros, cuja discussão se ancora em referencial teórico
constituído em Franz Fanon (2008), Munanga (2009), Gomes (2002) que se dedicam a pensar as subjetividades do
povo negro e em Touraine (2009) e Maffesoli (2006) que tratam das subjetividades na perspectiva da pós-moder-
nidade. Esse artigo deriva das primeiras leituras do material levantado em campo e tem por objetivos: 1 - valorizar
a importância das narrativas para a compreensão dos modos de ser, de estar e de agir de determinados grupos em
dado espaço e tempo; 2-compreender o jogo do implícito, do subentendido para além do dito, a ponto de se pode-
rem levantar elementos identitários que influenciem na constituição do sujeito. Compreendem-se nesses objetivos
as especificidades do método biográfico: a historicidade e a subjetividade que, dialeticamente, nos impelem a refletir
sobre o indivíduo e o seu lugar social, nas palavras de Momberger (2012) “como os indivíduos se tornam indivíduos?
” Movimento que impulsiona a questão central da pesquisa e do presente trabalho: o que transforma um indivíduo
negro em indivíduo? A metodologia utilizada para a construção desse texto constituiu-se de levantamento biblio-
gráfico a respeito de narrativas e pesquisa autobiográfica como instrumentos para constituição de memórias que nos
possibilitassem pensar questões sobre individuação, constituição da identidade do sujeito negro na pós-modernidade.
Além disso, realizamos um levantamento de inquietações expressas em produções de textos narrativos sobre a forma
como o jovem negro consegue se perceber nas vivências familiares, escolares e nas relações sociais nos grupos dos
quais faz parte, obtidas com jovens negros alunos do Ensino Médio que participaram de um coletivo de jovens cha-
mado “Empodera! Juventude Negra”. Na leitura dessas narrativas, duas questões nos orientaram: O que nos diriam as
narrativas de jovens negros? Quais pistas elas nos dariam sobre a influência dos espaços sociais sobre as identidades
negras? Das primeiras leituras das narrativas dos jovens negros participantes da pesquisa, destacamos duas categorias
de análise para compreensão das identidades de jovens negros: a) a estética e b) o sentimento de pertença (estar junto/
fazer parte). Pinçados pela derivação de narrativas obtidas nas produções textuais dos jovens negros participantes da
pesquisa, os primeiros resultados obtidos nos levaram a identificar formas que os mesmos utilizam para sinalizar suas
percepções sobre si e sobre o lugar histórico e social que ocupam (ou não).
Palavras-Chave: Narrativas, Subjetivação, Juventudes Negras.

“COMPANHEIRA, COMPANHEIRA, COMO VOCÊ EU ANDO MELHOR”: EXPERIÊNCIAS


DE RESISTÊNCIA E AJUDA MÚTUA DE MULHERES

Keides Batista Vicente - UFG - UEG - Campus Pires do Rio

Resumo: Utilizou-se o conceito de experiência de Thompson (1997) para compreender a participação femi-
nina e suas práticas culturais com a utilização de plantas medicinais, cultivo de hortas, realizações de “benzeções”
como forma de resistência e ajuda mútua no espaço feminino permeado por ausência de direitos. Com referência
ao debate apresentado por De Beauvoir (1995) e seus questionamentos sobre os direitos nortearão nossa pesquisa:
o que um corpo que gesta pode ter de diferente para não ter acesso a direitos? E acrescenta-se a esse questionamen-
to a preocupação: como as mulheres resistem ao não acesso aos direitos básicos que norteiam a sobrevivência dos

136
seus corpos? O pressuposto da presente pesquisa é a de que há entre as mulheres relações de resistência com ações
culturais e educacionais que enfatizam a ajuda mútua tendo as práticas culturais como mediadoras desse processo
elaborando assim processos educacionais através da oralidade. Com a pesquisa buscou-se compreender e construir
um quadro histórico e cultural das práticas culturais, também compreendidas como educacionais, realizadas por
mulheres nas cidades de Pires do Rio, Urutaí, Santa Cruz de Goiás, Palmelo, Ipameri e Cristianópolis. A escolha das
cidades justifica-se por ser o espaço de vivência dos alunos que buscam os cursos oferecidos pela UEG Campus Pires
do Rio, e assim foi possível envolver os acadêmicos em atividades de pesquisa na modalidade bolsista ou voluntário.
A pesquisa também proporcionou uma aproximação da universidade com a referida região e suas práticas culturais,
possibilitando assim a valorização das atividades desenvolvidas culturalmente na região e materializadas em artigos,
resumos e comunicações de pesquisas em eventos científicos, além de viabilizar outras pesquisas na região sobre
gênero e oralidade. Com o uso da história oral foi possível acessar o conhecimento de um grupo de mulheres e suas
compreensões sobre as práticas culturais educacionais que permeiam o espaço das suas vivências. Através da pesquisa
busca-se elaborar e avançar, teoricamente, no debate sobre direitos das mulheres, práticas cultuais e educacionais
em espaços de atuação feminina. Compreende-se os direitos como manutenção legal para sobrevivência dos corpos,
direitos que possibilitam claramente a vida, já que os corpos das mulheres possuem necessidades singulares e que são,
geralmente, urgentes, como os que envolvem a fertilidade.
Palavras-chave: Mulheres, Experiência, Resistência.

MEMÓRIA, HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÃO POR MEIO DO ENSINO SUPERIOR: UMA


HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO UEG CÂMPUS APARECIDA DE GOIÂNIA

Dr. João Cândido Barbosa


Dra. Daniele Lopes Oliveira
Dra. Maria Zeneide Carneiro

Resumo: Aparecida de Goiânia é um município brasileiro do Estado de Goiás que se localiza na Região Me-
tropolitana de Goiânia, há 70 km de Anápolis e 210 quilômetros de Brasília, tendo como principal meio de acesso à
rodovia BR-153. Tem, 455.657 habitantes, sendo o segundo maior colégio eleitoral do Estado. Atualmente, possui
uma população municipal estimada em 542.090 pessoas. O Município de Aparecida de Goiânia é a terceira maior eco-
nomia de Estado requerendo, assim, mão de obra qualificada em todos os setores. Houve grande fluxos migratórios
de povoamento da cidade. E com o envelhecimento da antiga população local. Tende-se a se perder o aporte histórico
cultural da cidade. E isso leva consequentemente a destruição de um monumento histórico em função da moderniza-
ção. Isso acontece em muitos lugares, mas podemos destacar que acontece com frequência em comunidades pequenas
e interioranas, que ainda não tiveram seus bens patrimoniais reconhecidos oficialmente pelo Estado. O outro fator
e que sem o resgate da história de determinada região ele tende a morrer ou a se fundir a outras realidades perdendo
sua categoria cultural, sendo subsumida por outras matrizes culturais. Dessa forma, a partir desses debates, têm sido
apresentadas algumas soluções de preservação como forma de desenvolvimento sustentável. Quando falamos em
preservar o patrimônio cultural e histórico, muitos ainda relacionam essa preservação como apenas um processo no
qual irão recuperar monumentos e obras do passado e transformá-los em produto turístico. Infelizmente, muitos
centros históricos ainda são preservados dessa forma e com essa finalidade, todavia, temos que nos conscientizar de
que mais importante do que preservar um patrimônio apenas para conservar o passado e aguçar a atividade turística,
essa preservação deve ser acompanhada da preocupação de fazê-la ser efetivamente uma ação que resgatará a identi-
dade de uma comunidade, fazendo reviver a cultura e a história local e, além disso, melhorar a qualidade de vida das
pessoas envolvidas. A valorização do patrimônio histórico e cultural e sua consequente preservação podem acarretar
uma série de melhorias para a comunidade envolvida. Não obstante ao momento de crise que assola o Brasil, Apare-

137
cida de Goiânia tem saltado no desenvolvimento econômico e despertado o interesse de grandes investidores. A mo-
vimentação econômica tem atraído profissionais, que vêm à cidade para buscar e gerar oportunidades de negócios.
Palavras-chave: Cidade Aparecida de Goiânia, Educação, Câmpus UEG Aparecida de Goiânia, Educação,
História.

PROJETO PRODUÇÃO ARTISTICA, CULTURAL E RESGATE DO PATRIMÔNIO


HISTÓRICO CULTURAL EM CERES-GOIÁS

Dra. Daniele Lopes Oliveira- FAP


Dr. João Candido Barbosa - UEG - Aparecida de Goiânia
Dra. Maria Zeneide Carneiro - PUC Goiás

Resumo: O projeto busca resgatar a história, a memória e a identidade da cidade por meio desta ação educati-
va de caráter científico que se pauta por conhecer a história de Ceres, promover conhecimento e por fim levar esse
saber adiante por meio das atividades de extensão realizando o “Diálogos com o Patrimônio Cultural, Artístico e a
Memória Coletiva em Ceres-Goiás”, com os alunos e com a população sobre o patrimônio cultural, artístico e a me-
mória coletiva. Procurando por meio de diversos veículos de informação estimular essas populações a reinterpretar
e (re) significar o patrimônio cultural, artístico e a memória coletiva institucionalizada. Aliando práticas de extensão
e educação, bem como outros recursos e atividades que possam contribuir para o projeto. Também busca trazer para
a população, apresentações artísticas, culturais, palestras, minicursos, mostra de arte entre outras atividades, com a
finalidade de trazer valores culturais e agregar conhecimentos aos discentes, docentes e comunidade. De outro lado
promover ações que busquem a valorização do patrimônio histórico, cultural e artístico da cidade. Resgatando valo-
res regionais e históricos e trazendo novas significações a cultura local. Ceres teve sua origem na Colônia Agrícola
Nacional de Goiás (CANG) em 1940, durante a política expansionista de Getúlio Vargas, denominada de Marcha
para o Oeste, a criação de Goiânia e da Fundação Brasil Central influenciaram a configuração territorial de Goiás.
Com o passar dos anos a área da Colônia teve uma intensa ocupação por migrantes, mas as dinâmicas territoriais
que se desenvolveram na região trouxeram novos conteúdos e lógicas que acabaram por transformar a área em um
importante núcleo urbano ligado à saúde. Por conseguinte, de fronteira agrícola, a localidade se emancipou e o nú-
cleo urbano denominado de Ceres se especializou em um setor econômico distinto daquele previsto no projeto de
criação da Colônia, de acordo com Castilho (2012, p. 117-118). Conforme Dayrell (1974, p.88), as Colônias Agrícolas
Nacionais “foram criadas para receber e fixar cidadãos brasileiros pobres, aptos a agricultura, dentre aquele amplo
programa de superação das carências do modelo brasileiro de desenvolvimento”. Margarida Barreto (2000, p. 44) nos
diz que a “recriação de espaços revitalizados” é um dos fatores que podem contribuir para “desencadear o processo de
identificação do cidadão com sua história e cultura”. Nossos objetivos se dividem em duas categorias: objetivo geral
e objetivos específicos. O objetivo geral do presente trabalho foi mostrar aos alunos a importância da pesquisa e de
se estudar a história, também despertar neles a consciência de preservação do patrimônio histórico e o olhar crítico
sobre o processo de escrita da história. Os objetivos específicos consistiram em debater a importância da preser-
vação do patrimônio histórico; estudar a história local como reflexo da história universal e sua importância como
fator para a construção da cidadania; analisar o patrimônio histórico do lugar; identificar as casas que são, objetos
relevantes para a preservação da história da comunidade; perceber as mudanças ocorridas no cenário arquitetônico
da comunidade e, por fim, construir a história das casas buscando destacar sua construção, reformas, moradores,
principais acontecimentos, curiosidades, relacionando a história das casas ao momento histórico vivido no Brasil. O
projeto será desenvolvido em cinco etapas: estudo bibliográfico, escolha das casas, coleta de informações, análise das
informações coletadas e, por último, elaboração do texto e do documentário. A primeira etapa consistirá no estudo
bibliográfico a respeito do assunto abordado no projeto. Nessa etapa, trabalharemos com as turmas, realizando com
os alunos estudos e leituras e, posteriormente, promovendo debates sobre as políticas de preservação do patrimônio

138
histórico, identidade e cultura, história oral e história local, preservação ambiental colocando em discussão a impor-
tância da pesquisa e do estudo da história. A segunda etapa terá como objetivo fazer a escolha dos objetos de estudo.
As salas serão divididas em grupos e os alunos irão fotografar as casas para que, juntos, escolham as casas considera-
das essenciais para a preservação da história da comunidade. Posteriormente irão para a sala de multimídia, quando
serão escolhidas, pelos próprios alunos, sob a orientação do professor, as sete casas que serão estudadas. Na terceira
etapa, os alunos buscarão informações sobre o objeto de estudo. Nesse momento, discutirão as metas e estratégias
para conhecer a história da casa, utilizando como um dos métodos a entrevista. Assim, será necessário conhecer as
técnicas para a realização das mesmas. Em sala de aula, será trabalhado o processo de montagem de um roteiro, os
alunos serão orientados sobre os cuidados que devem ser tomados ao se realizar uma entrevista e também sobre
como analisar o material recolhido. Nessa etapa, os alunos realizarão as entrevistas com o proprietário do imóvel.
Depois de realizadas as entrevistas, os alunos apresentarão em sala de aula as experiências vivenciadas com a prática
desenvolvida, relatando as dificuldades e as curiosidades encontradas no processo. Ainda na terceira etapa e depois
de colher as primeiras informações sobre os objetos de estudo, irão surgir muitos questionamentos a partir da fala
dos próprios moradores das casas, questões que deverão ser esclarecidas para que se possa concluir o trabalho. Dessa
forma, os alunos começaram a procurar outras fontes de informações, como jornais, fotografias e entrevistas com
pessoas relacionadas com a determinada casa, com a finalidade de preencher algumas lacunas e contrapor fatos, bus-
cando uma proximidade com a verdade histórica. A quarta etapa consiste em analisar o material recolhido. Assim, os
grupos trarão, para a sala de aula, as entrevistas transcritas, as fotografias, os recortes de jornais, etc. Todo o material
será analisado pelos alunos em laboratórios realizados em sala de aula com o auxílio do professor, que os orientou
sobre as técnicas de análise de documentos. Depois de todas as fontes organizadas, direcionamos nossa atenção para
a quinta e última etapa do projeto: sua finalização, ou seja, a construção da história da casa. Nesse momento, os alu-
nos serão orientados a buscar contextualizar a construção do imóvel ao momento histórico que o Brasil vivenciava e
tentar encontrar um reflexo do mesmo na construção dessa casa. Os alunos construirão um texto relatando a história
da casa, um texto informativo com fotos e dados referentes ao imóvel. Por iniciativa dos próprios alunos, cada grupo
elaborará um pequeno documentário reunindo as entrevistas e as fotos recolhidas durante a pesquisa de campo. Ao
final, o trabalho será apresentado para a comunidade.
Palavras-chave: História, Memória, Cultura, Identidade, Cidade de Ceres.

INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E CIVILIDADE NO “GRUPO ESCOLAR PRESIDENTE VARGAS”


(1970 -1974)

Vanessa Kusminski. UFGD/CNPq/FUNDECT/GPEPC


Adriana Horta Faria. UFGD/CAPES/FUNDECT/GPEPC

Resumo: O presente trabalho realizado no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação cientí-
fica CNPQ, apresenta o andamento de uma pesquisa que objetiva investigar as concepções de infância, educação e
civilidade nas memórias dos professores do Grupo Escolar Presidente Vargas, localizado no Distrito de Vila Vargas,
município de Dourados/ MT entre os anos de 1970-1974, um recorte temporal que marca da criação a extinção do
Grupo. Nessa perspectiva, buscamos compreender a concepção do processo civilizador da infância nessa instituição.
Para tal, primeiramente realizamos um levantamento bibliográfico a fim de recuperar bibliografias referentes à temá-
tica. A opção metodológica escolhida para o desenvolvimento da pesquisa foi a História Oral, assim, localizamos os
professores que atuaram na instituição e posteriormente, realizamos duas entrevistas em áudio, com uma professora
e um professor, atuantes no Grupo Escolar em seu período de existência e atualmente aposentados. A metodologia
de história oral nos permitiu, portanto, ouvir vozes, experiências e trajetórias até então guardadas nas memórias dos
professores e gestores que vivenciaram e atuaram no cotidiano/rotina do Grupo Escolar Presidente Vargas, as entre-
vistas foram gravadas em áudio, transcritas e textualizadas, seguindo os procedimentos metodológicos desse campo

139
de estudos. Ao analisar as falas dos professores do Grupo Escolar constatamos que o tempo que a criança passava na
escola era submetida a regras, providas de um período de regime militar, o qual perdura por todos os anos de existên-
cia do Grupo. Nesse ‘processo’, as relações de interdependência entre os adultos e as crianças, acontecem em meio a
uma relação de poder onde a criança está sujeita a decisões do adulto, assim, a família e a escola determinam normas
e comportamentos baseados as próprias concepções de criança, infância e educação. Os resultados ainda não estão fi-
nalizados, mas nos permite inferir que as concepções de infância, educação e civilidade nas memórias dos professores
estão pautadas em princípios de ordem estabelecidos por em um período de Regime Militar que abrange os anos de
existência do Grupo. As conclusões deste trabalho permeiam o campo da formação para a civilização do indivíduo,
onde os Grupos Escolares tiveram espaços importantes na construção da criança civilizada. Logo, buscamos contri-
buir para as pesquisas em História da Educação, no estado de Mato Grosso do Sul.
Palavras-chave: História da Educação. História da Infância. Processo Civilizador.

MEMÓRIAS E CULTURA NA RELIGIOSIDADE DA IDADE MÉDIA NA EUROPA/ BNCC


NO ENSINO DE HISTÓRIA/RELIGIÃO NAS ESCOLAS DE GOIÂNIA

Enelice Milhomem Jacobina Teixeira - Secretaria Municipal de Educação de Goiânia

Resumo: A comunicação proposta discutirá as memórias tratadas em documentos a partir da mentalidade


cultural dominante na Idade Média do século V ao XV influenciada principalmente pela Igreja Católica. O conteúdo
tratado está incluído na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) na Unidade Temática, Trabalho e formas de or-
ganização social e cultural, no sétimo ano do Ensino Fundamental. A proposta é discutir a temática da Igreja Católica,
como principal influenciadora da sociedade do período medieval, relacionando-a com a mentalidade conservadora
que observamos no mundo, especificamente no Brasil, na atualidade. O objetivo dessa comunicação é analisar as
memórias estudadas pelos alunos nas escolas públicas de Goiânia, na série analisada 7o. Ano em relação à temática
observada. Ao participar da construção conjunta da adequação da BNCC as habilidades e conteúdos na Secretaria
Municipal de Educação de Goiânia, sobre o tema: A religião na Idade Média. Nos estudos do 7o. ano questionam-se
as relações da Igreja Católica e suas relações com outras práticas religiosas, como o legado das religiões ocidentais e
orientais. As habilidades da BNCC, com contribuições do trabalho realizado pela SME no corrente ano, destacam as
rupturas e permanências que tem ocorrido ao longo do tempo e as memórias pesquisadas em documentos históricos
que expliquem de forma imparcial a influência da religião cristã na construção de uma mentalidade da época me-
dieval e sua continuação até os dias de hoje. No período medieval as habilidades da BNCC apontam as relações que
foram construídas pela Igreja Católica com outras práticas e crenças religiosas como paganismo, islamismo, heresias
entre outras questões. Uma questão a ser discutida pela história da educação, a influência da religião cristã ao longo
da dominação europeia no Brasil, favorecendo o impulso a educação religiosa nas escolas favorecendo a Religião
Cristã. Ao analisar os últimos documentos legais da SME de Goiânia, o ensino sobre religiões deve ocorrer a partir
da história das religiões, porém ainda não ocorreu na prática. A proposta das habilidades sugeridas pela BNCC da
SME indica a problematização da intolerância religiosa e sua relação com o contexto econômico em relação com o
contexto econômico, político, social e cultural na antiguidade romana, no medievo e na atualidade. Na comunicação
procuro pensar ao longo da história da educação a importância do momento vivido pelo ambiente escolar de estudar
o tema religião na Idade Média, discutindo a mentalidade religiosa na atualidade que recua de forma temporal ao
período medieval desenvolvendo um comportamento cristão conservador desfavorecendo o encontro tolerante e
relativizador com outras posturas religiosas ou não.
Palavras-chave: História. Memória. Cultura.

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MEMÓRIAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA O COMBATE A VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Jocivannia Maria de Sousa Nobre Dias - PUC-GO

Resumo: O trabalho a ser apresentado perpassa pela memória da autora, enquanto estudante dos primeiros
anos de escola, até a profissão no campo da educação. É preciso registrar que este passado que nos afeta deve ser revi-
sitado para ser descortinado. Segundo Adorno (2012, p.46): “No fundo, tudo dependerá do modo pelo qual o passado
será referido no presente”. O autor conclui afirmando que: “O passado só estará plenamente elaborado no instante em
que estiverem eliminadas as causas do que passou” (ADORNO, 2012, p.49), caso contrário o “fantasma” do passado
vai continuar atormentando, e permanecerá com expressividade no tempo presente. Procura-se ressaltar o grau de
importância e os impactos que essa trajetória trouxe para a escolha do tema da dissertação de mestrado, intitulada:
“Violência na Escola: enfrentamentos estéticos na educação à luz da Teoria Crítica de Theodor W. Adorno”. O ob-
jetivo neste ensaio é destacar que as escolhas do presente relacionam-se com a trajetória de vida desta pesquisadora,
ou seja, as experiências do passado reverberam na atualidade, vindos à tona com novas significações, novos olhares
e aprendizagens, exigindo que sejam problematizadas. Ao explicitar que nos anos iniciais como aluna, o espaço novo
da escola causou grandes impactos, desde a dificuldade para responder a frequência às experiências traumáticas com
relação à violência (física à psicológica), até nos anos subsequentes de estudante, que marcou e continua sendo até
hoje um desafio a ser vencido, pois muito se constrói no enfrentamento com (auto) reflexão e dedicação. Destaca-se
noutra etapa enquanto profissional da educação presenciando inúmeros acontecimentos envolvendo a violência,
como de alguma forma isso se refletia no rendimento escolar dos alunos envolvidos em tais situações. Como pro-
fessora de arte do ensino fundamental se buscou dar ênfase as atividades artístico-estéticas a partir de um projeto
pedagógico de enfrentamento à violência na escola. O estabelecimento de ensino, contexto das discussões da pesquisa
de mestrado, apresentava um alto índice de violência. Daí a ideia de professores e gestores elaborarem um projeto
pedagógico intitulado “Esquadrão sou do bem”, um projeto piloto que nos últimos anos acontece, initerruptamente,
envolvendo toda a escola. Diante deste cenário de experiências sejam elas de conflitos, convivências e superações, de
ensino e aprendizagem, se configuraram a pesquisa em averiguar que contribuições à educação e a arte têm no com-
bate à violência na escola. O trabalho proposto à pesquisa de mestrado fundamenta-se no pensamento de Theodor
Adorno por possibilitar um diálogo sobre educação contra a barbárie. Segundo França (2011, p.106), ao tratar sobre
a emancipação e barbárie a partir da perspectiva adorniana, “a barbárie é o contrário de formação”. Esta assertiva
remete-nos a pensar a educação como ponto primordial no combate à violência, as atividades artísticas realizadas no
projeto “Esquadrão Sou do Bem” como enfoque principal do trabalho de pesquisa de campo. E, conforme a concep-
ção desta pesquisadora, a arte consiste em um caminho para modificar o que está imposto e legitimado em grande
parte do pensamento existente. De Acordo com Duarte (2010) Adorno trata sobre a autonomia da arte no contexto
da contemporaneidade, “na terceira parte da teoria estética a “perspectiva”, na qual certos fenômenos da arte con-
temporânea, ao se realizarem, apesar de todas as dificuldades, antecipam a possível emancipação da espécie humana”
(DUARTE, 2010, p.222). A autenticidade da arte, na perspectiva da teoria crítica, repousa na liberdade do homem,
que primeiro necessita de meios que o ajude a perceber o estado em que se encontra, para depois iniciar o processo
de emancipação. A memória e a experiência são dois instrumentos, recursos interligados numa reflexão crítica: “a
estrutura da memória é considerada decisiva para a estrutura filosófica da experiência” (BENJAMIM, 1983, p. 30).
Assumindo como ponto fundamental, que a memória está relacionada com a experiência, e que pode haver grandes
sentidos e significados para quem tem a oportunidade de retomar esse percurso sem se prender a um passado reme-
morável, geralmente, o que traz desconforto ou adormecidas até, sobretudo, possa despertar estudos em educação
mais aprofundados e abertos ao devir.
Palavras-chave: História. Memória. Cultura. Violência.

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PÁGINAS DA EDUCAÇÃO: CECILIA MEIRELES E A REPRESENTAÇÃO DE JUVENTUDE
E NACIONALISMO

Mariana Mattos Pereira – PPGEdu/CUR/UFMT

Resumo: Cecília Meireles enquanto educadora, poetisa e jornalista, defendeu nos anos 1930 uma produção
literária pedagógica específica para a infância e juventude. Publicando livros voltados à criança organizando a primei-
ra biblioteca infantil do país, criticando métodos educacionais de sua época, Cecilia fez da educação infanto-juvenil
um tema latente em toda sua trajetória, acreditando que o século XX era das crianças e da mocidade. Para Meireles,
a nacionalidade está na juventude, e dela emana toda força e coragem para lutar por si, pelo outro e pela pátria, para
além de uma revolução, na esperança da afirmação de uma nacionalidade, na busca de um estado ideal. Desta forma,
pretendemos analisar a representação de juventude e nacionalidade presentes em suas crônicas publicadas no cader-
no Página de Educação, do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, de 1930 a 1933. Nesse período a educação passava por
grandes transformações sob a obra de reforma geral, e Meireles fazia do seu espaço, de seus Comentários o lugar para
abrigar a voz da educação para os educadores, pais, crianças e jovens, destacando a preocupação em se olhar com mais
respeito à infância e à adolescência, além de críticas ferrenhas contra a religião no ensino escolar e aos deslizes do
governo varguista. Os estudos e discussões em torno da infância e juventude estavam ganhando espaço mundial, e a
autora fazia questão de propiciar aos leitores daquele veículo de comunicação reflexões sobre as necessidades, vicissi-
tudes e ensejos dessas condições que todo ser humano vivencia antes da idade adulta, ou como afirmava a educadora,
antes de sentir que a atuação individual já cessou e o destino já se está cumprido. Para o estudo das crônicas são leva-
dos em consideração o contexto sócio-histórico da Reforma do Ensino na era Vargas e o Manifesto dos Pioneiros da
Educação de 1932, do qual Cecília Meireles era uma das signatárias. Meireles sendo criadora e diretora da Página de
Educação para o Diário de Notícias usou deste espaço – único no Distrito Federal totalmente dedicado à educação na
época - como grande porta-voz da chamada Escola Nova, movimento educacional que a autora defendia por acredi-
tar na proposta renovadora deste ensino vinculado à psicologia do comportamento humano. Desvelar a trajetória de
militante da educação desta consagrada poeta é memorar um dos capítulos da história da educação.
Palavras-chave: Cecília Meireles. Juventude. Nacionalismo.

A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA


EDUCAÇÃO

Thalita Pavani Vargas de Castro – UFMT


Elizabeth Figueiredo de Sá – UFMT

Resumo: Este artigo trata da pesquisa de doutorado que se encontra em fase inicial no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, no Grupo de Pesquisa História da Educação e Me-
mória – GEM. Tem como objetivo apresentar a Legião Brasileira de Assistência (LBA) como fonte para a história da
educação, com enfoque na sua criação e no direcionamento das suas ações aos projetos assistenciais desenvolvidos
na educação brasileira e mato-grossense. Considerando que a LBA foi fundada por Darcy Saramanho Vargas, esposa
de Getúlio Vargas, em 28 de agosto de 1942, em parceira com o Estado e com o empresariado brasileiro. Contou
com o trabalho voluntário desenvolvido pelas mulheres na LBA, assim como as políticas direcionadas à assistência
à infância com a Caixa e a Sopa Escolar. A relevância desta pesquisa está ancorada nas contribuições para a história
da educação, à medida que essa instituição foi responsável por desenvolver programas e projetos de alcance nacional
e estadual para os diversos segmentos da população brasileira, sobretudo, na educação. Dessa forma, a pesquisa se
fundamenta na perspectiva da História Cultural com base em Roger Chartier por considerar as expressões culturais e

142
sociais envolvendo toda experiência vivida, voltando o olhar para a LBA como uma instituição produtora de cultura.
Além disso, o quadro teórico-metodológico também se direciona para a educação não-formal entendida por Maria
da Glória Gohn enquanto processos educativos que consideram um sentido mais ampliado, compreendendo outros
espaços além das instituições escolares e direciona-se na preocupação com os processos de aprendizagens e produção
de saberes existentes na sociedade, portanto algumas das atividades desenvolvidas por esta instituição podem ser
entendidas enquanto processos de educação não-formal. Os procedimentos metodológicos se constituem na análise
qualitativa de abordagem histórica e, na pesquisa documental através das fontes impressas e manuscritas localizadas
no Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, Biblioteca Nacional Digital e na Fundação Getúlio Vargas - Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC, bem como será realizada ainda uma revi-
são bibliográfica. Essa documentação é composta por Atas, Estatutos decretos, legislações, Jornal A Cruz e O Estado
de Mato Grosso e pela Revista A Violeta, que tratam sobre a Legião Brasileira de Assistência entre os anos de 1942 a
1950. Os resultados parciais apontam que a LBA desempenhou um papel político e educacional durante o período em
análise, pois inicialmente fortaleceu a ideologia nacionalista no amparo às famílias dos homens voluntários a guerra
e, posteriormente, estendeu a assistência social para outros direcionamentos da sociedade brasileira, inclusive para a
educação com o objetivo de atender a todo o país.
Palavras-chave: Legião Brasileira de Assistência. Mato Grosso. Educação não-formal.

A EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO TÉCNICO PROFISSIONALIZANTE

Nádia Gisele Marques de Souza Nascimento - UFG - Regional Catalão

Resumo: A evasão escolar é um fenômeno que sempre esteve presente na história da educação brasileira,
sendo ainda um grande desafio para o sistema educacional, por isso se constitui como um tema de muita relevância
para pesquisa em Educação. Mas quando se trata da evasão escolar no ensino Técnico profissionalizante, há poucos
estudos envolvendo a temática e uma das hipóteses levantadas para esse fato, de acordo com Rosemary Dore (2013),
é que o fenômeno da evasão no ensino Técnico profissionalizante só passou a ser problematizado após a implemen-
tação da política de expansão da Rede Federal de Ensino(2005) e se concretizou com a criação dos Institutos Federais
(2009), pois com os altos investimento na criação de novos cursos e ampliação da oferta de matrículas, percebeu-se
um elevado número de alunos desistentes, o que despertou a preocupação de alguns órgãos, como por exemplo o
Tribunal de Contas da União, surgindo então, a necessidade de se discutir o fenômeno na rede. É nesta perspectiva
que o presente trabalho se apresenta, com o objetivo de discutir o fenômeno da evasão escolar no ensino técnico pro-
fissionalizante, partindo do contexto histórico do surgimento das escolas técnicas no Brasil e seguindo em direção ao
momento que o fenômeno se estabelece durante o processo de implantação da Política de expansão da rede Federal
de Ensino Técnico Profissionalizante, para então chegarmos ao locus onde se encontra o objeto desta investigação,
que são os alunos evadidos do curso Técnico em Informática do Instituto Federal Goiano Campus Avançado Catalão.
A metodologia em que o trabalho se apoia para discorrer sobre o contexto histórico foi a leitura e análise de artigos,
dissertações e capítulos de livros relacionados ao tema. Os dados da evasão no ensino técnico foram retirados do site
do Ministério da Educação, do tribunal de Contas da União e da Plataforma Nilo Peçanha. A partir da análise destes
dados foi possível descrever a complexidade e a relevância de se discutir o fenômeno da evasão no Ensino técnico
Profissionalizante. Nota-se que o fenômeno da evasão se materializa junto com o crescimento acelerado da oferta de
matrícula e a criação de novos cursos e passa a ser mais evidente com a criação dos Institutos Federais, momento em
que as escolas passam a ofertar diversas formas e modalidades de ensino. Somente mais tarde em 2016, quando o Tri-
bunal de Contas da União, preocupado com a aplicabilidade dos investimentos financeiros que foram liberados para o
projeto de Expansão da Rede Federal de Ensino profissionalizante, que foi diagnosticado o alto índice de alunos eva-
didos. A partir de então, cria-se comissões específicas para se discutir a evasão no ensino técnico profissionalizante e
em 2017, o IV Ciclo de Formação, levanta esta problemática como tema principal. Desta discussão surge o primeiro

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projeto do Instituto Federal Goiano denominado Plano Estratégico de Permanência e Êxito, que tem como objetivo
principal o combate à evasão escolar no ensino técnico profissionalizante.
Palavras chave: Evasão Escolar. Ensino Técnico. Expansão da Rede.

MEMÓRIA DE VELHO: FRAGMENTOS DE VIDA DE UMA DRAG QUEEN

Felipe Farias Caetano de Araujo - UEMS


Ademilson Batista Paes - UEMS

Resumo: O presente trabalho expõe parte de dados e estudos coletados e compilados no âmbito do Progra-
ma de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UEMS), em vigência e vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em
História, Gênero e Diversidade (GEPHis). Em termos gerais a proposta de comunicação oral aborda um tema ainda
recente e pouco pesquisado: o envelhecimento de homossexuais. Assim, a partir de entrevistas realizadas com um su-
jeito paulistano, hoje tem oitenta (80) anos, e, que desde sua juventude dedicou-se a atuar profissionalmente no meio
artístico de São Paulo, desenvolvendo há muitas décadas como dragqueen, performances em shows, palestras, festas e
afins. Grosso modo, sabe-se que o ideal de homem é constituído por uma construção social e histórica que perpassam
as relações sociais. Nesse processo de constituição parece ser necessário que o indivíduo se assume e se reconheça em
determinado gênero perante a sociedade, no entanto, tal maneira costuma determinar a relação com a identidade,
em construção constante por meio das relações e espaços que o indivíduo ocupa. A identidade que é como o sujeito
se identifica difere-se do conceito de identidade sexual que diz respeito às relações sexuais. Assim sendo, é a partir do
entendimento dos conceitos de gênero, identidade e sexualidade que a pesquisa tem por meio dos aportes teórico-
-metodológicos da História Oral (HO), sobretudo pela modalidade “história de vida”. A HO tem como instrumento
e pressuposto o uso da memória, uma vez que é a partir dela que o sujeito guarda as suas experiências e permite a ele
recorrer ao passado, por meio de suas lembranças para poder contar sua história. Desse modo, buscou-se registrar
sua constituição como sujeito homossexual, compilando em entrevistas estruturada em eixos sobre sua infância,
adolescência, vida adulta e profissional. Perpassando esses temas, coletou-se também aspectos da vida familiar, da
convivência nos espaços urbanos, como na escola, nos bairros, com a parentela, no mundo artístico culminando
com sua etapa atual de vida. Além dos preconceitos por se constituir e assumir ser homem, velho, homossexual e
do sexo masculino. Por fim, apesar da IC ainda estar em andamento e será concluída em julho/2019, constata-se a
riqueza da iniciativa e dos dados coletados, e, acreditamos que noutras fases/entrevistas ainda a serem desenvolvidas
serão apontados e oferecidos conteúdos substanciais para a compreensão da rica trajetória de uma artista e ativista
homossexual, cuja trajetória de vida é significativa para o reconhecimento ao direito ao respeito às lutas e pautas da
diversidade, presentes nos debates da sociedade brasileira atual.
Palavras-chave: Diversidade. LGBT. História Cultural.

MEMÓRIA E ENSINO DE PIANO EM CUIABÁ-MT: UM ESTUDO A PARTIR DE DUNGA


RODRIGUES

Luis Renato dos Santos Dias – UFMT


Elizabeth Figueiredo de Sá– UFMT

Resumo: Este pesquisa de mestrado que em encontra em fase inicial no Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da Universidade Federal de Mato Grosso, no Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM tem
como finalidade estudar a primeira escola de piano em Cuiabá. A formação educacional feminina tem início em Cuia-
bá na Escola Asilo Santa Rita, com a chagada das Irmãs Azuis, cujo foco na educação visava preparação das mulheres

144
para funções consideradas como próprias e inerentes do sexo feminino à época. Através do ensino oferecido no Asilo
Santa Rita, onde a formação inerente era de formar mulheres no magistério, para serem professoras primárias, surgi-
rá no contexto de ensino uma nova modalidade, as jovens mulheres cuiabanas terão acesso à educação pianísitica e
nesse contexto se insere uma ex-aluna dessa instituição de ensino que veio se tornar uma mulher de destaque na
sociedade cuiabana – a pianista e professora Dunga Rodrigues. Nesse sentido, fazer uma restrospectiva histórica da
educação musical em Cuiabá-MT, no recorte temporal da atuação dessa pianista como professora de piano torna-se
importante no contexto das pesquisas no âmbito da história da educação. A presente pesquisa objetiva analisar a
trajetória de ensino musical da pianista Dunga Rodrigues, a partir de depoimentos de seus ex-alunos, análise do pro-
grama de piano e o currículo da pianista. A pesquisa conta com o suporte téorico dos estudos da educação pianísitca,
sendo norteado pelas contribuições de Hazan (1984), Kaplan (1987), bem como estudos no campo da memória. Os
dados recolhidos permitirão o resgate e a análise dos diversos aspectos do processo histórico-social que constituem a
educação musical em Cuiabá-MT.
Palavras-chave: Educação Pianística. História da educação. Dunga Rodrigues

ACCIÓN CULTURAL POPULAR (ACPO) Y SU VÍNCULO CON LOS DISCURSOS DEL


DESARROLLO DE MITAD DEL SIGLO XX EN COLOMBIA

Sara Evelin Urrea Quintero - UFMG

Resumo: Un proyecto de educación no formal, que sale de la escuela pero utiliza su formato, haciendo uso del
universo de los medios masivos de comunicación para acceder a un público históricamente olvidado por el Estado;
el campesinado; en Colombia de mitad del siglo XX, es el objeto de la presente investigación. Acción Cultural Po-
pular-ACPO es una organización católica, con un proyecto educativo para el campesino; este debe entenderse como
todo un sistema, en él se tejen relaciones de dependencia entre los elementos utilizados, las personas movilizadas y
los objetivos perseguidos. En su ejecución en la cotidianidad puede verse cómo los medios masivos de comunicación
se apoyaban unos con otros, los auxiliares inmediatos (figura vista como un apoyo presencial al maestro locutor de
las escuelas radiofónicas) eran seleccionados entre el campesinado que salía a formarse a los institutos campesinos
(creados en 1954), sirviendo de puente entre las directivas de ACPO y las comunidades; a su vez la parroquia se
constituía en la líder y administradora de los procesos educativos. Dicha red fue vinculándose con los presupuestos
nacionales para la educación rural y con los proyectos de cooperación para el campo, creando tejidos cada vez más
sólidos y, quizás, más difíciles de evadir. Esta primera definición es fundamental en la búsqueda por investigar los
elementos utilizados, los contenidos vehiculados y los vínculos creados con los proyectos políticos económicos en un
contexto de discursos desarrollistas en América Latina. Se parte de la hipótesis de que el ideal de campesino a formar
por ACPO es coherente con dichos proyectos económicos y políticos, por lo cual se permitió y apoyó la expansión
de la organización por diferentes ruralidades del país durante la segunda mitad del siglo XX. El recorte temporal
escogido va desde 1948 hasta la década de 1970, estos años contemplan la fundación, crecimiento, fortalecimiento y
expansión de ACPO. A pesar de que el proyecto continúa hasta 1989 y cierra definitivamente transmisión en 1994, su
declive comienza en la década de 1970. El presente texto tiene como objetivo reconocer los vínculos existentes entre
el objetivo de formación del campesinado construido por ACPO y los proyectos políticos y económicos nacionales y
transnacionales construidos en la segunda mitad del siglo XX por los discursos desarrollistas en boga en dicho perí-
odo. Para el análisis son utilizados como fuentes tanto el Periódico El Campesino (publicado por ACPO desde 1958)
como documentos escritos por los directores de ACPO y publicados en el marco del recorte temporal establecido para
la pesquisa. Hacer la elección de estas fuentes dentro de las múltiples posibilidades que brinda el Archivo de Radio
Sutatenza (Biblioteca del Banco de la República) obedece a varios factores, en primer lugar la dificultad de acceso
y tratamiento de las grabaciones de los programas radiales que serían uno de los principales medios educativos del
proyecto y en segundo lugar porque se reconoce al periódico como un vínculo entre lo acontecido nacionalmente y

145
la visión que decidió presentarse al campesino colombiano, a la vez que presenta las representaciones (CHARTIER,
2002) sobre el campesino que se entregaban al resto de Colombia. En el periódico son tratados los principales temas
políticos y económicos del momento, vehiculándose una forma “correcta” de interpretarlos a la vez que se interpela
al campesino sobre la forma en qué debe ser y hacer en su lugar de productor y trabajador de la tierra. Los demás
documentos dan cuenta de la visión de los directivos de ACPO y de sus conexiones tanto con los discursos desar-
rollistas como con los proyectos encaminados a concretizarlos en el campo colombiano. A través de la educación del
campesino, era posible avanzar hacia el desarrollo, discursos como el del capital humano se hicieron presentes, pero
también la lógica de “deber con la patria”. El campesino poseía una obligación con el desarrollo de Colombia y para
ello debía educarse y producir. Cuestiones alrededor de la Alianza para el Progreso, las misiones de las agencias
internacionales, la Reforma Agraria, la tecnificación de la agricultura, etc. Circularon por los medios de comunica-
ción de ACPO, en donde el campesino ‘ignorante’ debía salir de su atraso, tener ‘una reforma mental’ y apostarle a la
producción y al consumo en los términos que la teoría del desarrollo en boga estaba colocando.
Palabras-clave: Educación rural. Acción Cultural Popular. Teoría desarrollista.

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GT6. HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E HISTÓRIA
COMPARADA

Ementa: Considera-se as pesquisas que enfocam os sujeitos envolvidos no universo educa-


cional de diferentes instituições, unidades federativas e/ou países, como por exemplo, estudos que
tratam das suas práticas escolares que se diferem em suas orientações pedagógicas; da história das
instituições educativas em sua diversidade mantenedora (público ou privada); das questões de; do
cotidiano escolar nos variados níveis educacionais ou de natureza da educação (profissional, espe-
cial, rural, noturna, etc.). A proposta se justifica pela necessidade de se dar espaço institucional, no
âmbito desse evento do campo da História da Educação do Centro-oeste brasileiro, ao crescente
diálogo acadêmico entre historiadores da educação brasileiros e as peculiaridades de suas pesquisas
regionais, mas também, acolhendo os estudos comparados entre as experiências latino-americanas
ou relativas a outras partes do planeta, como estudos luso-brasileiros de grande tradição no campo.
Atualmente, os estudos comparados têm demonstrado certa vitalidade entre os historiadores da edu-
cação, situação que pode ser percebida em diversos eventos da área onde são apresentadas experiên-
cias de pesquisa dessa natureza, que são bem-sucedidas ao que tange aos seus resultados.

A HISTÓRIA DO LIVRO E DA LEITURA NO BRASIL: UM MAPEAMENTO


HISTORIOGRÁFICO DA PRODUÇÃO E INSTITUIÇÃO DO CAMPO

Daniele Spadotto Sperandio – UEMS


Estela Natalina Mantovani Bertoletti - PGEDU – UEMS

Resumo: No cenário acadêmico mundial, especialmente nos países de língua inglesa e francesa, os estudos de-
senvolvidos no campo da história do livro e da leitura acentuaram-se a partir da década de 1960. Nesta comunicação,
com objetivo de avaliar esse desenvolvimento no cenário brasileiro, questiona-se quais são as áreas que têm realizado
pesquisas sobre história do livro e da leitura no Brasil, mediante mapeamento de estudos acadêmicos ao longo dos
anos. Para tanto, busca-se averiguar os temas, os enfoques, as instituições que têm desenvolvido as pesquisas em
consonância aos aportes teóricos utilizados, o que permite analisar quando foi instituído o campo de conhecimento
sobre história do livro e da leitura no Brasil e, consequentemente, qual área predomina nesses estudos. Por meio de
processos de buscas no catálogo de Teses e dissertações da CAPES (que se encontra em processo de incorporação de
teses e dissertações anteriores a 2013) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), levantou-se
as teses e dissertações defendidas no Brasil, que continham nas palavras-chaves os termos “história do livro” e “his-
tória da leitura”. Obteve-se 222 trabalhos, sem limitação quanto ao ano de publicação, visto que o foco é analisar sua
evolução e tentar determinar quando o campo se consolidou. Como critério de refinamento da busca, utilizou-se a os
termos “didático”, “infância”, “literatura”, “alfabetização” e “matemática” para exclusão dos estudos, que no caso, desto-
am do objeto de pesquisa. A partir dos trabalhos recuperados no processo de busca, faz-se necessário apontar sob qual
influência foi instituído o campo em estudo, ou seja, se possui ascendência francesa, cuja abordagem possui ênfase
na história da cultura, dos livros, da leitura e da escrita como práticas sociais, ou por tendência norte-americana, que
particulariza os estudos do tema em determinados contextos e comportamentos humanos em períodos definidos do
tempo e do espaço. Como principais resultados, verificou-se que 52 instituições possuíam trabalhos no tema pro-

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posto, distribuídos em 21 estados e Distrito Federal, contemplando 44 programas de pós-graduação, sendo que 64
trabalhos estão vinculados aos Programas em Educação, seguidos por 36 em Letras, 29 em História, 10 em Ciência da
Informação e, demais trabalhos compreendendo os outros 40 programas. Dentre os trabalhos recuperados, 127 são
de instituições da Região Sudeste, seguidos pela Região Nordeste, com 42, Sul com 38, Centro-Oeste com 11 e Norte
com 4 estudos. Somam-se 155 Dissertações e 67 Teses. Verifica-se, portanto, que há uma quantidade relativamente
expressiva de trabalhos na temática e, entre os resultados, o primeiro estudo recuperado refere-se ao ano de 1988.
Houve maior crescimento a partir de 2008 e, e em 2016 atingiu 41 trabalhos. Por esse breve mapeamento sobre a his-
toriografia das pesquisas sobre a história do livro e da leitura, percebe-se a ocorrência de forte influência dos modelos
estrangeiros, indicados por meio das fontes, dos métodos, pela natureza do estudo e no quanto foram responsáveis
para o desenvolvimento das pesquisas no Brasil, sedimentando um campo, ainda em construção.
Palavras-chave: História do livro. História da leitura. Historiografia.

O UNIVERSO ESCOLAR REPRESENTADO POR MEIO DAS LENTES DO JORNAL


CORREIO DE UBERLÂNDIA (1950-1970)

Sauloéber Társio de Souza - UFU


José Lito Salustriano da Silva- UFU

Resumo: A proposta deste trabalho é refletir sobre a história da educação do município mineiro de Uberlândia
a partir das atividades desenvolvidas no projeto “Representações de Imprensa: O Universo Escolar nas Páginas de
Jornais do Triângulo Mineiro (1950-1970) ”. Discutiu-se sobre a importância do jornal enquanto fonte privilegiada
para a pesquisa histórico educativa no Brasil, para tanto, realizamos a catalogação e a digitalização de notícias rela-
cionadas à educação no período de 1950 a 1970, no Jornal Correio de Uberlândia. Desde a década de 1980, a imprensa
escrita ganhou grande valor aos olhos dos pesquisadores em história e da história da educação, muito embora, até a
década de 1970, os jornais eram encarados como fontes suspeitas para o trabalho do historiador por acreditarem na
carga excessiva de subjetividade que comportava esse veículo de comunicação, contudo, suas informações se revelam
rico manancial portador de diversas representações imagéticas que nos ajudam a compreender o contexto investiga-
do (LUCA, 2006). A delimitação do recorte temporal obedeceu ao critério político-educacional pautado nos 13 anos
de debates sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que foi inicialmente proposta em 1948 e
promulgada, apenas, em 1961 (nº. 4024/61) sendo, ainda, reformulada com a Lei nº. 5692/71, portanto, um período
rico em debates educacionais e que estavam presentes nos veículos jornalísticos. Entendemos que as informações
que o investigador obtém no uso das fontes jornalísticas, não representam discursos neutros, pois suas linguagens
comportam uma porção de elementos que atendem aos interesses dos diversos grupos que sustentam essas mídias
ou estão, direta ou indiretamente, ligados a elas. Assim, a análise das representações veiculadas pelo Jornal Correio de
Uberlândia possibilitará compreender o ideário social e aspectos educacionais a partir das notícias que circulavam no
período, revelando o contexto histórico-cultural e interesses dos grupos que compunham a sociedade uberlandense.
O trabalho de catalogação das 1495 notícias sobre a educação presentes nesse jornal no período permitiu traçar pa-
ralelos entre o contexto local e nacional refletindo sobre as representações do universo escolar por ele difundidas em
torno da ideia de educação (ou ideal de educação); a relação aluno-professor; as questões do analfabetismo e o movi-
mento de criação e expansão dos ensinos técnico e superior no município uberlandense e região. Destacamos nesse
trabalho de catalogação as 598 notícias relacionadas ao ensino superior, certamente para atender aos interesses do
público leitor desse jornal, tais matérias abordavam a criação e estruturação da Escola de Engenharia e as Faculdades
de Direito, de Filosofia e também a de Ciências Econômicas, além da articulação para a criação da Fundação Univer-
sitária (Universidade de Uberlândia). Em fins dos anos 1960, as Faculdades de Medicina e Odontologia faziam parte
do sonho uberlandense de progresso. Na segunda etapa do projeto, os dados coletados serão disponibilizados em uma
plataforma digital para eventuais consultas do público interessado.
Palavras-chaves: Historiografia Educacional. Fontes Impressas. Jornal Correio de Uberlândia.

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EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES NAS PÁGINAS DA REVISTA BRASILEIRA DE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO 2003-2018

Christian Martins Barros - Universidade Tiradentes

Resumo: O tema desta pesquisa em andamento são os estudos sobre Educação Física e Esportes na Revis-
ta Brasileira de História da Educação (RBHE), importante periódico científico da Sociedade Brasileira de História da
Educação (SBHE), que circula nacional e internacionalmente desde 2001, figurando com o conceito A1 Educação na
mais recente avaliação do Programa Qualis/CAPES, realizada em 2016 pelo Ministério da Educação do Brasil. Assim,
objetivamos analisar os estudos que tratam da História da Educação Física e dos Esportes veiculados na RBHE, desde
a publicação do primeiro número do periódico, em 2001, até o presente (leia-se: até a conclusão desta pesquisa). Tal
análise buscará compreender a seleção de objetos (e seus recortes espaço-temporais), fontes (e seus usos) e referen-
ciais teórico-metodológicos, além dos conceitos de Educação Física e Esportes constantes nos referidos trabalhos.
Nossas fontes são os artigos publicados na RBHE desde a circulação do primeiro número do periódico até o presente,
tratando da História da Educação Física e dos Esportes. Nesse sentido, realizamos um prévio levantamento em to-
dos os números da RBHE, disponíveis no sítio eletrônico www.sbhe.org.br/publicacoes, na Internet. Doze trabalhos
foram veiculados pela RBHE, entre 2003 e 2018, abordando temas variados no campo da História da Educação Fí-
sica e dos Esportes. Na execução desta pesquisa, o principal conceito utilizado será o de representação, difundido em
obras do historiador francês Roger Chartier, pretendendo compreender com maior clareza como as representações ou
discursos sobre Educação Física e Esportes foram produzidos e circularam da RBHE, no recorte temporal estudado.
Obras como A História Cultural entre práticas e representações (1990) e A aventura do livro: do leitor ao navegador (1999)
darão o nosso norte conceitual. No campo da História e, mais especificamente, da História da Educação e da História
da Imprensa, dialogaremos com obras referenciais como: História da Educação (2001), de Eliana Marta Teixeira Lopes
e Ana Maria de Oliveira Galvão; 500 anos de Educação no Brasil (2000), organizado por Eliana Marta Teixeira Lopes,
Luciano Mendes de Faria Filho e Cynthia Greive Veiga; História social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot (2003),
de Peter Burke; e Revistas em Revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República - São Paulo, 1890/1922 (2001),
de Ana Luiza Martins.
Palavras-Chave: Educação Física. Esportes. Revista Brasileira de História da Educação.

A REFORMA FRANCISCO CAMPOS COMO CAMPO DE HOMOGENEIZAÇÃO DA


EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Tatiana Patrícia Candido Carvalho - PUC-GO


Marilda Aparecida Vaz - PUC-GO

Resumo: A reforma Francisco Campos como Campo de Homogeneização da Educação Brasileira, na era Ge-
túlio Vargas. Objetivos: O presente trabalho visa analisar e descrever essencialmente as modificações implantadas
na educação durante a Reforma Francisco Campos, em 1931, na Era Vargas, uma vez que, o crescente processo de
industrialização e as demandas do mercado de trabalho exigiram uma mão de obra qualificada e produtiva. Metodo-
logia: Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental fontes primárias e secundárias; leitura essencial para se
compreender como se estruturou a organização do trabalho escolar, suas regras e práticas, a lógica da distribuição das
disciplinas, e, sobretudo, como essa padronização e uniformidade orientaram a formação de um cidadão adequado
à modernização nacional. Resultados: Segundo essa organicidade, o ensino secundário foi formalizado com as se-
guintes características: seriação do currículo – que passou de cinco para sete anos, sendo o período fundamental de
cinco (formação geral) e o ensino complementar de dois anos (preparatório para o ensino superior) dividido em três

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opções: jurídico; medicina, farmácia e odontologia; e, engenharia ou arquitetura; a frequência torna-se obrigatória
para todos, em no mínimo de três quartos das aulas; mensalmente o aluno teria trabalhos práticos ou arguições orais
em cada disciplina, e, realizaria quatro provas escritas parciais durante o ano; a seguir, realizaria uma prova oral final
presidida por uma banca examinadora constituída de dois professores e um inspetor federal. Caso não conseguisse
atingir a média necessária poderia realizar uma prova (segunda época), dessa forma, os estudantes eram submetidos,
de tempos em tempos, a uma série de exames progressivos de avaliação; com relação à transferência de unidade
escolar, o educando apenas poderia realizá-la em período de férias. Não obstante, deve-se pautar que para entrar
no ensino secundário foi fixado um exame de admissão a ser realizado em âmbito nacional, em que o estudante era
submetido a um conjunto de provas escritas e orais. Outro fator organizacional, foi a seriação anual das disciplinas
a serem ministradas no ensino fundamental: Português, Matemática, História da Civilização, Geografia e Desenho
estavam inseridas em todos os cinco anos; Educação Física obrigatória para todas as classes; o ensino de línguas es-
trangeiras era alternado entre Francês, Alemão, Inglês e Latim; havia também o aprendizado de Ciências Físicas e
Naturais nas duas primeiras séries e nas três últimas de Física e Química separadamente; o estudo de Música nas três
primeiras séries era obrigatório; e, o estudo da História Natural compunha a seriação dos três últimos anos. Outras
disciplinas, poderiam ser ofertadas pelas unidades educadoras se não houvesse alteração no regime de horas semanais
pré-determinado pela lei. Já, o curso complementar teria disciplinas obrigatórias com foco nas áreas: Alemão ou In-
glês, Literatura, Geografia, Geofísica ou Cosmografia, História da Civilização, Matemática, Física, Química, História
natural, Biologia Geral, Higiene, Psicologia e Lógica, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia e Estatís-
tica, História da Filosofia e Desenho. O aluno poderia também cursar o técnico-profissionalizante ou o curso nor-
mal, caso não fosse para a universidade. Conclusões: A inserção dos alunos nas instituições de ensino e as diretrizes
curriculares adotadas pela Reforma Francisco Campos para organizar, e unificar um ensino secundário nas escolas
brasileiras foi imprescindível para a formação de um cidadão que tanto poderia ingressar na universidade – formação
das elites intelectuais ou se qualificar para compor a indústria em ascensão.
Palavras-chave: Padronização. Modificação. Seriação.

ESCOLA DO DISTRITO DE VILA SÃO PEDRO, SUL DE MATO GROSSO E A RELAÇÃO


COM OS FRANCISCANOS (1968-1979)

Marcel dos Santos Borba – UFGD


Maria do Carmo Brazil – UFGD

Resumo: Este trabalho contribui para ampliação do conhecimento no campo da História da Educação em
Mato Grosso do Sul. Dessa forma, tomou-se como proposta discutir os escritos e percursos de pesquisas sobre as
instituições educacionais com influência franciscanas. Pretende-se também apresentar o contexto educacional com
base em conceitos de espaço e lugar, bem como as características de funcionamento da Escola Reunida São Pedro,
assentada no antigo Núcleo Colonial de Dourados, município de Dourados (MS). Esta colônia estava ligada a dinâ-
mica da ocupação desse espaço e sobre a política desenvolvida pelo Presidente Getúlio Vargas ainda no Estado Novo
(1937-1945), assentada nas questões territoriais e na implementação de estratégias capazes de promover a “integração
nacional”. Insere-se, em termos mais específicos, no âmbito da História das Instituições Educacionais e tem também
a intenção de retratar o papel da igreja e da congregação especifica dos franciscanos no processo de organização da
Escola Reunida São Pedro. Sendo mais pontual, o trabalho visa analisar participação dos freis franciscanos no fun-
cionamento da Escola Reunida São Pedro, no período de 1968 a 1979, a partir do contexto de formação da Vila São
Pedro, no município de Dourados, que também foi Distrito, pertencia a Ponta Porã, mas se emancipou em 20 de de-
zembro de 1935, com áreas desmembradas do Município de Ponta Porã, por decreto nº 30 de 20/12/1935, do então
Governador do Estado, Sr. Mário Corrêa da Costa. Implantado o Município de Dourados, criaram-se ao longo dos
anos outros distritos que depois se tornaram novos municípios. Os distritos são: Guaçu, Indápolis, Itaum, Panambi,

150
Picadinha, São Pedro, Vila Formosa e Vila Vargas, a finalidade desses distritos foi criar divisão territorial adminis-
trativa rural, concentrava famílias que diretamente vivem do campo, pois esses distritos facilitava o dia a dia dessas
pessoas, que não precisaria se deslocar a cidade para resolver pequenas pendências de institucionalização da instrução
pública primária rural no sul do Mato Grosso. A análise histórica da temática proposta, contempla considerações
sobre os agentes sociais que participaram da expansão educacional e o movimento da Ordem Franciscana na região,
bem como os aspectos mais significativos da cultura escolar da referida instituição. O referencial teórico tem como
princípio a Nova História Cultural. A metodologia foi norteada por estudos biográficos e documentais, que teve
como aporte, registros sobre essa instituição no terreno paroquial. Em meio aos desafios apresentados no decorrer
do processo investigativo, destaca-se que, os de interpretação não se resolvem pela acumulação ou justaposição infor-
mativa de memórias e arquivos, mas sim pela interpelação do devir espaço temporal e sociocultural, como principal
produto das relações entre estruturas, circunstâncias, agentes, culturas, valores, interesses, motivações, racionalida-
des, narrativas de vida que caracterizaram e substantivaram o processo educacional.
Palavras chave: distrito, educação franciscana, educação rural.

O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO: “O INÍCIO DE UMA NOVA HISTÓRIA”

Irene Costa de Oliveira - PUC-GO


Marcélia Gomes Ferreira- PUC-GO

Resumo: O trabalho em questão, almeja promover uma análise histórica sobre o Manifesto dos Pioneiros da
Educação realizado no ano de 1932 e ampliar o conhecimento a respeito dele, bem como sua contribuição para a
educação brasileira, a influência de suas ideias e propostas. Tendo como objetivos específicos, apresentar os educado-
res que formularam o documento em questão; conscientizar sobre as propostas contidas no Manifesto e, sobretudo,
destacar a importância desse documento na compreensão, discussão e análise da história da educação do Brasil. Nesse
sentido, ao expor o Manifesto dos Pioneiros da Educação, dar-se-á a importância devida, haja vista que, representou
um marco na renovação educacional do Brasil, os 26 educadores que formularam o documento assumiram a in-
cumbência de conduzir a nação brasileira à modernidade através da educação. Reconheciam que, na hierarquia dos
problemas nacionais, nenhum estava em importância e gravidade ao da educação; que era impossível desenvolver as
forças econômicas ou de produção, sem um preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões,
fatores estes fundamentais, segundo eles, para acrescentar riqueza a uma sociedade. Para compreender a significativa
importância do Manifesto dos Pioneiros, é preciso expor que o Brasil vivia um momento da história política, social,
cultural e educacional muito importante. O país estava em meio a transformações, as quais eram resultantes do anta-
gonismo vivido pela sociedade brasileira na época, muitas pessoas analfabetas inseridas num contexto de industriali-
zação, o qual requisitava mão-de-obra qualificada para suprir tal demanda. Por conseguinte, outro fator também mo-
vimentou o cenário educacional, a presença de imigrantes com certo grau de instrução disseminou questionamentos
sobre os sistemas de ensino. Todos viam que a quantidade de escolas públicas era reduzida e os alunos eram oriundos
da classe média. Não era uma educação acessível para todos, logo, o destaque direcionado ao Manifesto dos Pionei-
ros da Educação representa a modernização da educação brasileira por, primordialmente definir uma nova política
educacional para o Brasil. O documentou teve a assinatura de 26 intelectuais da época, eram 23 homens e 3 mulheres,
foram eles: Fernando de Azevedo, A. de Sampaio Doria, Anísio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Ro-
quette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Júlio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mário Casssanta, C. Delgado de Carvalho, A.
Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attílio Vivac-
qua, Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão, Cecília Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro
Alberto, Garcia de Rezende, Nóbrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Gomes. O Manifesto foi uma solicitação do
governo da época, Getúlio Vargas, na IV Conferência Nacional de Educação, coordenada pela Associação Brasileira
de Educação, inaugurada em 1924, no Rio de Janeiro. Seus idealizadores esperavam que núcleos semelhantes ao do

151
Distrito Federal estabelecessem em cada estado da federação brasileira. Assim, seu processo de consolidação enquan-
to entidade nacional foi apenas a partir de 1927, ano em que realizou a I Conferência Nacional de Educação. Fernando
de Magalhães foi o responsável pela IV Conferência, a qual teve a presença direta do então Ministro da Educação e
Saúde Pública, Francisco Campos. Estado e Associação Brasileira de Educação tinham uma relação próxima, de um
lado o ministro Francisco Campos e do outro Belissário Pena, presidente da referida Associação. A abertura da IV
Conferência Nacional de Educação teve a presença do ilustre presidente Getúlio Vargas e do Ministro da Educação
e Saúde Pública Francisco Campos. Num mesmo tom de discurso, ambos reforçaram a parceria entre a Associação
e o Governo na construção e organização do sistema educacional brasileiro. Período este, de redefinição do Estado
provocado pela Revolução de 1930, início da segunda república do Governo Vargas e o desafio era justamente cons-
tituir uma política educacional eficaz, não presenciada desde a Proclamação da República em 1889. Nesse ínterim,
propõe-se elencar alguns elementos históricos e políticos da elaboração do Manifesto do Pioneiros da Educação, por
meio de exposição oral, com uso de recursos instrucionais que possibilitem o entendimento de que este advento foi
o início de uma nova história para a educação brasileira.
Palavras chave: educação, história, manifesto dos pioneiros.

HISTÓRIA REGIONAL COMPARADA DA EDUCAÇÃO: INDICADORES DE UMA


ESCOLHA METODOLÓGICA

Fernando Vendrame Menezes - Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS


Fabiany de Cássia Tavares Silva - UFMS

Resumo: A proposta de comunicação aqui apresentada integra um duplo esforço. O primeiro de compreensão
das formas como a comparação vem sendo adotada nos estudos e investigações dos campos da História e da Educação,
respectivamente. Para tanto, analisa as trajetórias de dois campos de investigação, a História Comparada e a Educação
Comparada, enfatizando as aproximações e distanciamentos no que concerne ao uso da comparação. Nesse exercício
optamos pela sistematização de explicações sobre as principais tendências teórico-metodológicas destes campos, ou
que se esforçaram em empregar o método comparado em estudos empíricos na História ou na Educação. No segundo,
definimos como, no contexto desta abordagem, empregamos os conceitos de região e território com suas possíveis
aplicações numa História Regional Comparada da Educação. Do ponto de vista da História, as diferentes propostas
e conceituações para o uso da comparação, que de certa forma representaram distintas possibilidades comparativas,
indicam que apesar dos debates e das críticas, inerentes ao fazer historiográfico, a comparação se expandiu/expande,
mesmo que timidamente, às fronteiras da produção do conhecimento e contribuiu/contribui para a compreensão do
homem no tempo. Atualmente, no campo da Educação Comparada, observamos um movimento de ampliação dos
debates em torno de suas bases teórico-metodológicas e de seus objetos de investigação, refletindo sobre diferentes
perspectivas, tais como o impacto das teorias pós-modernas, ou as articulações possíveis com campos como a História
Cultural, ou a Sociologia da Educação. No que concerne aos objetos de estudo, investigaram-se os efeitos da globali-
zação econômica e das reformas neoliberais de fins do século XX para a Educação. Em linhas gerais, tanto a História
Comparada quanto a Educação Comparada buscou/busca, com graus diferentes de intensidade, a reconfiguração de
seus campos de investigação, quer seja do ponto de vista da reflexão teórica, ou da atuação prática. Neste exercício,
notamos a permanência nas análises destes campos a predominância da referência ao elemento nacional, entendido
no seu aspecto político-administrativo, como unidade da comparação. A par disso, constituímos, nos limites de es-
crita de tese, uma proposta de História Regional Comparada da Educação, articulando os conceitos de região e terri-
tório, identificando o território como um campo de forças que projetava/projeta no espaço um conjunto específico
de relações sociais, o que permitiu/permite a superposição de diferentes territórios e até mesmo de contradições e
atritos entre os diferentes poderes que os compõem, ou que os disputam. Desta forma, propomos uma perspectiva
de abordagem comparada que considerou as distintas territorialidades constituídas no processo de escolarização de

152
diferentes grupos sociais. Consideramos, nesse contexto, a escola como um território de disputa de/por poder, onde
grupos sociais desenvolvem complexas relações figuracionais e adotam diferentes táticas e estratégias para manter ou
alterar sua posição neste espaço social. Neste quadro, a proposta de comparação desenhada busca/buscou a identifica-
ção das relações entre táticas e estratégias adotadas por distintos grupos em suas figurações sociais, para dimensionar
as singularidades destes processos e colocá-los em relevo no panorama mais amplos das investigações sobre a história
da educação brasileira.
Palavras-chave: História Comparada; Educação Comparada; História Regional Comparada da Educação.

DA REPRESENTAÇÃO DO PROFESSOR NA OBRA DE GENESCO FERREIRA BRETAS: O


CASO DE LUIZ ANTÔNIO DA SILVA E SOUZA E JOÃO GOMES MACHADO CORUMBÁ,
SÉCULO XIX

Vinicius Correia Amaral - PPGE- UFG

Resumo: A obra intitulada ``História da Instrução Pública em Goiás´´ de Genesco Ferreira Bretas de 1991 é
um verdadeiro marco da historiografia educacional de Goiás. Uma obra de fôlego, com um amplo uso de fontes his-
tóricas, que abarca muitos séculos de história, que vão desde o período colonial até o período republicano em mais
de seiscentas páginas. Esta obra passou a ser leitura obrigatória para todos aqueles que se aventuram na pesquisa
historiografia da educação goiana, e influenciou diretamente as produções que se seguiram. A importância desta obra
se faz então, inegável e irrevogável, porém, como toda produção histórica esta obra é produto de seu tempo, e como
tal, traz seus equívocos e incongruências. A história em sua dinamicidade está sempre se renovando a partir de novos
olhares, novos métodos e novas perspectivas, resinificando processos históricos já tão bem consolidados. E é a partir
destas novas perspectivas que buscaremos analisar nesse trabalho proposto, como se dá a representação do professor
do século XIX em Goiás a partir de dois casos muitos distintos. Esta nova abordagem de análise se dará a partir dos
pressupostos teóricos e metodológicos da História Cultural, da qual empregaremos principalmente o conceito de
representação, para pensarmos como se dá a construção da figura do professor a partir das representações que são
produzidas pelo autor. Usaremos, portanto, dois casos para melhor compreendermos essa construção, sendo um o
caso do professor Cônego Luiz Antônio da Silva e Souza figura proeminente em Goiás no período, a quem Bretas irá
enxergar um ideal de professor e, portanto, construir uma representação positiva. E João Gomes Machado Corumbá,
professor de Geometria, com formação em Coimbra, algo muito raro para época, que vai ser descrito por Bretas de
forma bastante negativa. Buscaremos analisar essas distintas representações, a partir da análise do discurso do autor,
juntamente com o confronto com outros autores, e principalmente com o confronto com as fontes históricas que
com outra perspectiva produz diferentes conclusões. Se faz, portanto, como objetivo deste trabalho analisar como
se dá a construção da representação do professor do século XIX, a partir de dois exemplos opostos, o do professor
Silva e Souza em contraponto ao professor Corumbá, tendo como objetivo secundário pensarmos a representação do
professor na produção historiográfica goiana e suas possíveis revisões.
Palavras-chave: História da Educação. Representação. Genesco Ferreira Bretas.

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OS ESTUDOS COMPARADOS COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE PARA A PESQUISA
EM EDUCAÇÃO: POLITICAS EDUCACIONAIS E PROFISSÃO DOCENTE

Luciana Cristina Porfírio - UFG – Regional Jataí

Resumo: Este texto busca apresentar as contribuições que a História e a Educação Comparada oferecem para
a pesquisa no campo educacional tendo esta literatura abordagem teórico-metodológica. Parte-se do princípio que a
utilização dos conceitos de “externalização” de Juergen Schiriewer e de “estrangeiro indígena” de Thomas Popkewitz,
como método de análise em torno dos processos educacionais permite ao pesquisador uma análise mais profunda da
complexidade que os envolvem, seja ao longo da história ou no tempo presente. Esse olhar permitiu concluir que,
apesar de haver uma abertura as influências reformistas dos sistemas educacionais mundiais, localmente as práticas
discursivas e as ações passam por hibridização e adaptam-se às necessidades internas de seus sistemas. Essa conclusão
foi possível a partir da análise dos materiais didáticos usados em um Programa de continuada de professores
Palavras-chave: Estudos Comparados. Políticas educacionais. Formação docente.

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GT7. ARQUIVOS, CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO, MUSEUS E
EDUCAÇÃO

Ementa: Arquivos escolares, institucionais e pessoais para a pesquisa em história da educação.


Centros de documentação: processos de organização, tratamento e preservação de acervos. Museus,
patrimônio histórico-educativo e educação patrimonial. Cultura material escolar. Memória e Histó-
ria da Educação.

TODOS FAZEMOS PARTE! MUSEUS E ENSINO DE HISTÓRIA: HISTÓRIA, POLÍTICA E


HEGEMONIA

Cristina Helou Gomide – UFG

Resumo: Historicamente, a imagem construída sobre museus é carregada de concepção elitista, colocando-nos
como sujeitos contempladores de histórias feitas por “outros”, separando-nos, grande parte, da história produzida
ao logo dos tempos. Junta-se a isso, a ideia de que museu é o espaço que remete ao passado longínquo, no qual não
estamos presentes. A própria noção de história, comumente trazida por uma concepção de nação que é mantida
por heróis, transforma o museu no local da contemplação, e, portanto, do silêncio e da aceitação do que está posto.
O que temos buscado desconstruir nas aulas de ciências humanas é essa ideia de museu como um espaço distante,
sobretudo do que refere aos museus históricos. O museu é, na verdade, lugar de atores e espectadores, e vice-versa.
A ida ao museu, ainda que seja carregada de dúvidas ou de rejeições ao que está exposto, é uma experiência. Vê-lo
como um espaço eminentemente político e em movimento também é fundamental para que a experiência seja de fato
percebida. Diante disso, podemos perguntar aos alunos e alunas, por exemplo, se eles se reconhecem ou não no que
está exposto, ou o que acrescentariam, ou como se sentem representados. O questionamento ou a identificação com
o espaço visitado abre caminhos para outras formas de ver o museu e então, a própria história. Nesse sentido, ques-
tiona-se inclusive o termo “exposição permanente”, uma vez que a presença humana e seu olhar movimenta o que
está exposto e garante interpretações. Visando problematizar tais reflexões, fizemos levantamentos das impressões
de alunos e alunas de cursos de graduação da UFG (com discentes das disciplinas de Fundamentos e Metodologia de
Ciências Humanas e do Núcleo Livre oferecido pela área de ciências humanas sobre História de Goiás) quando em
visitação ao Museu Antigo Palácio Conde dos Arcos, bem como de depoimentos de outros visitantes ao mesmo local.
Realizamos várias leituras de autores diversos, que contribuíram para as reflexões postas aqui. Para citar somente
alguns, cabe registrar Circe Bittencourt e sua contribuição no campo da noção de história que se desenvolve em sala
de aula ao longo dos tempos e Giulio Carlo Argan, cuja análise sobre o que definimos como arte foi fundamental
para trilharmos nosso debate. Desejamos, enfim, contribuir para o campo da história e ensino da história no que se
refere às relações entre museus e educação. Consideremos premente que tais reflexões sejam postas, sobretudo dian-
te do momento vivido por nós educadores no tempo presente, quando a produção científica e a história produzida
nos trabalhos científicos têm sido apropriadas pelo discurso hegemônico sob viés fascista. Nesse sentido, a leitura do
trabalho de Ana Lima Kallás sobre os usos públicos da história, foi fundamental. Enfim, pensar os museus históricos
como espaços de resistência significa estimular a participação cidadã à qual todos e todas temos direito.
Palavras-chave: história. Museus. Ensino.

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A MEMÓRIA ENCONTRADA NAS ATAS DA CÂMARA DE VEREADORES DE VÁRZEA
GRANDE

Crissya Laura de Moraes Nascimento

Resumo: O presente trabalho “A memória encontrada nas atas da câmara de vereadores de Várzea Grande” é
um recorte da pesquisa de mestrado em desenvolvimento “A trajetória da docente Sarita Baracat na educação e polí-
tica Várzea-Grandense e Mato-Grossense” que compõe o projeto guarda-chuva “Gênero, vida e ação: memórias de
docentes que exerceram cargos eletivos nas esferas municipal, estadual e federal em Mato Grosso”, cuja finalidade é
o registro da memória de docentes que participaram da política em Mato Grosso ocupando cargos eletivos, coorde-
nado pela professora e orientadora desta pesquisa, doutora Marlene Gonçalves. Neste artigo objetivamos apresentar
as memórias encontradas no arquivo da câmara de vereadores da cidade de Várzea Grande-MT através das atas das
sessões, dando destaque para a atuação da professora Sarita Baracat que foi eleita em 1957 como a primeira mulher
a ocupar o cargo de vereadora na cidade de Várzea Grande e a assumir a presidência da mesa diretória, além expor
a importância da fonte documental para desenvolvimento de estudos. Faremos um breve compilado dos projetos
apresentados por essa professora que foi uma mulher a frente de seu tempo, os discursos realizados nas sessões, tam-
bém será apresentado as dificuldades por ela enfrentados em atuar e ser ouvida em um espaço predominantemente
ocupada por homens em um período em que as mulheres tinham pouca ou nenhuma participação política e eram
preparadas para assumir o papel de esposa e mãe, salientando também a importância da existência, conservação e
permanência da fonte documental, pois possibilita o conhecimento da história. A pesquisa divide-se em duas etapas:
fez-se uma revisão bibliográfica, na etapa inicial, em livros e artigos que abordam temas como documentos oficiais,
memória arquivada e a mulher na política em Várzea Grande; na segunda etapa foi realizado o levantamento dos
dados no arquivo da câmara municipal de vereadores de Várzea Grande, a de leitura das atas das sessões dos anos de
1957 a 1961, período em que a câmara teve sua primeira vereadora, a coleta de informações sobre a atuação da docen-
te pesquisada. Os resultados apontam a partir da leitura das atas das sessões a atuação da vereadora Sarita Baracat, o
seu empenho para o desenvolvimento da sua cidade natal e os principais projetos apresentados, os quais muitos
não eram aprovados. No entanto quando projetos de mesma natureza eram apresentados por outro vereador eram
aprovados, o que demonstra como a soberania da presença masculina dificultou a atuação da vereadora citada. As
atas das sessões são concebidas como documentos oficiais internos nos quais podemos encontrar informações que, de
acordo com Paul Ricoeur, constituem a memória arquivada e como esses arquivos nos levam ao encontro a memória
de um período.
Palavras-Chave: Atas Parlamentares. Sarita Baracat. Vereadora de Várzea Grande.

MUSEUS: MEMÓRIA, CULTURA E EDUCAÇÃO EM VILLA BOA

Divina Pinto Paiva


Kalebi Santos Machado

Resumo: O tempo, nos Museus da Cidade de Goiás, se modela na cultura e memória das pessoas e das coisas
como modo de ensinagem e aprendizagem. Neste estudo, propõe-se a analisar documentos do acervo do Museu das
Bandeiras da cidade de Goiás. O intuito é o de apresentar algumas leituras do material coletado, selecionado e orga-
nizado, no que este apresenta características relacionadas ao processo de ensino, pesquisa e aprendizagem guardadas
memórias do oartesanal ao tecnológico. Numa mostra dos registros dos fatos vividos pelos povos do passado que ora
se apresenta ali, via documentos impressos, objetos, fotografias e obras de arte selecionadas do acervo do Museu,
estuda-se a vida focando questões de naturezas política, histórica, social, educacional, artística e outras para dar a
conhecer sobre como era o cotidiano das pessoas na antiga capital do Estado de Goiás. Apresenta-se algumas aná-

156
lises do material selecionado e organizado, tendo por foco a memória e a história do processo educacional na cidade
de Goiás, numa perspectiva das semióticas da memória e da cultura, bem como de teorias relacionadas à educação
e linguísticas aplicadas contemporâneas. Apoia-se para a fundamentação das análises em teóricos tais como: Peter
Burke, Ivan Gaskell, Iuri Lótman, Maria Augusta Babo e outros que se fizerem necessários às análises propostas,
neste estudo.
Palavras-chave: Museus. Memória. Cultura. Educação. Semióticas.

PORTAL MUSEU DA EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL: SELETAS DE MEMÓRIAS


EDUCATIVAS EM INSTRUMENTO DE INTERATIVIDADE

Aracy Roza Sampaio Pereira


Maria Paula Vasconcelos D Escragnolle Taunay

Resumo: O presente artigo descreve a experiência de geração de interatividades no campo da história da edu-
cação, em contexto virtual. Como um produto de pesquisa associado à comunicação, educação e tecnologia, tem o
escopo de provocar o interesse da comunidade do Distrito Federal para a educação em seus primórdios. Este projeto
de pesquisa, destinado à criação e implantação do Portal Museu da Educação do Distrito Federal pressupõe a abertura
do diálogo entre a comunidade local e o Museu da Educação, expondo seu acervo à sociedade do Distrito Federal e
recebendo depósitos de memórias fotográficas e documentos históricos significativos. Originado do desejo de evocar
experiências educativas na rede pública de ensino, o trabalho visou ampliar e divulgar o acervo temático do Museu
da Educação e viabilizar a democratização do acesso ao conhecimento constituído pela história da educação local,
provocando interação entre a população e os conteúdos produzidos, estimulando o interesse geral à preservação
dessa memória.
Palavras-Chave: Museu da Educação, Educação no Distrito Federal, Portal Educativo, Memória da Educação.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA CONSTRUÇÃO DA BIBLIOTECA ESCOLAR COMO


ESPAÇO DE FORMAÇÃO DO LEITOR

Daniele Spadotto Sperandio – UEMS


Estela Natalina Mantovani Bertoletti – UEMS

Resumo: No Brasil, em uma série de estudos e pesquisas sobre o tema “bibliotecas escolares”, as dificuldades
pelas quais esses espaços passam são sinalizadas sob vários aspectos que englobam desde a formação do acervo, a
necessidade de mobiliários específicos, a capacitação de pessoal para atendimento ao público, em conjunto com a
urgência de adequação da infraestrutura predial até a necessidade de acompanhar a evolução tecnológica. Partindo
desses apontamentos, temos a seguinte questão norteadora do presente estudo: como as políticas públicas para o
livro, a leitura e a biblioteca têm contribuído para a construção das bibliotecas escolares como espaços de formação
do leitor? A partir desse questionamento, o objetivo desta comunicação é analisar se as políticas públicas auxiliam
na estruturação da biblioteca escolar como espaço para a formação do leitor e apontar quais são as políticas que as
regulamentam. Trata-se de uma pesquisa de caráter teórico e exploratória, de abordagem qualitativa e fundamentada
em levantamento bibliográfico, na qual se analisam leis, decretos e documentos correlatos do governo federal que
abordam os programas e políticas públicas do livro, de incentivo à leitura, da formação de acervos e bibliotecas. No
âmbito das escolas públicas, a biblioteca possui uma grande responsabilidade na formação do leitor e é essencial no
processo de aprendizagem dentro do ambiente escolar. Hoje, as bibliotecas precisam inovar para despertar o interesse
do público, principalmente daqueles considerados nativos digitais, ou seja, da geração nascida a partir da década de

157
1980, numa era de grandes avanços da tecnologia da informação. Assim, o perfil da biblioteca escolar também precisa
acompanhar essas mudanças, não se restringindo apenas na composição de acervos de livros impressos. Consequen-
temente as bibliotecas precisam inovar, tanto com a criação de makerspaces (espaços de aprendizagem e de criação),
quanto em fornecer suportes para as novas formas de leitura, como a leitura digital. Considerando essas premissas,
as políticas públicas para o livro, a leitura e a biblioteca, tornam-se fundamentais quando analisamos toda a gama de
possibilidades de ações e investimentos necessários para a concretização desse tipo de demanda, cuja principal meta
é a formação de leitores. A partir da análise da legislação sobre o livro, a leitura e as bibliotecas, observou-se que há
concentração de políticas públicas para a distribuição de livros didáticos e de literatura, porém as bibliotecas escolares
encontram-se desamparadas em relação às políticas para financiamento de seus espaços físicos, como construção e
adequação que garanta, no mínimo, a acessibilidade. Conclui-se, portanto, que as políticas públicas falham no atendi-
mento em relação à criação de ambientes diferenciados, quanto à aquisição de equipamentos e mobiliários adequados
que garantam a estruturação da biblioteca escolar como espaço de formação de leitores.
Palavras-chave: Bibliotecas escolares. Políticas públicas. Formação do leitor.

A EDUCAÇÃO NOS REGISTROS DA CÂMARA MUNICIPAL DE DOURADOS (1935-1961)

Eurize Caldas Pessanha – UFGD


Raissa Araújo Gomes – UFGD

Resumo: A historiografia da educação registra a participação concreta e efetiva do poder municipal no desen-
volvimento da educação em sua região com apoio financeiro, cedência de edifícios ou terrenos para a instalação de
escolas e de professores. Verificar se e como os vereadores da cidade de Dourados demonstravam preocupação com
assuntos relacionados à educação no Município foi a questão de pesquisa que orientou a coleta e análise dos resul-
tados. O presente trabalho visa a apresentação e análise dos registros relacionados à educação durante as décadas de
1935 até 1961 desde doações de terrenos, reformas de espaços, apoio financeiro e outros encontrados nos registros
camarários na Câmara Municipal de Dourados durante uma pesquisa realizada para Iniciação Científica sob orien-
tação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD. O recorte temporal escolhido se dá pelo fato de 1935
ser o ano de fundação da cidade de Dourados e 1961 ao ano em que a Lei nº 4.024 fixa as Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional. Foram encontrados e analisados um total de 06 Livros Atas que se encontravam em ótimo estado de
conservação, devido ao trabalho de recuperação de arquivos realizado no ano de 2000 pelo então prefeito. Nos dois
primeiros volumes desses livros foram encontradas atas de reuniões que ocorreram entre 1935 ano de fundação da
cidade e novembro de 1937 ano em que devido a Constituição que estabelece o Estado Novo Varguista todas as Câ-
maras Municipais foram dissolvidas. Dessa forma, a maior parte das informações foram coletadas a partir do terceiro
volume (1947). Após o período de pesquisa na Câmara foi realizada a análise e catalogação dos registros encontra-
dos, que resultou em 08 categorias. São elas: Criação/Construção/Reforma de Escolas, aqui foram enquadrados 64
registros; Recursos Destinados/Usados/Contestados Para Escolas, sendo reunidos 35 registros; Professores e Fun-
cionários, com 17 registros; Bolsa de Estudos Para Alunos, com 12 registros; Alunos, com 11 registros; Comissões,
com 6 registros, Homenagens, com 05 registros; Funcionamento das Escolas, com 05 registros; também foram
encontradas outros 05 registros os quais não foi possível classificar em nenhuma das categorias acima citadas. Com
esta pesquisa não foi possível calcular a proporção dos registros sobre a educação em comparação com o restante dos
registros da Câmara Municipal de Dourados, porém a quantidade de registros encontrados mostra que o tema era
discutido durante as reuniões camarárias da cidade. Espera-se com essa pesquisa, abrir um novo espaço para mais
pesquisas históricas relacionadas ao tema da educação na cidade de Dourados.
Palavras-chave: Educação. Câmara Municipal. Registros.

158
PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDUCATIVO NAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO: UM MAPEAMENTO

Mayara Ramos Ortlieb - UFGD


Kênia Hilda Morreira- UFGD

Resumo: Objetivamos apresentar um mapeamento das produções acadêmicas em história da educação que
tiveram o patrimônio histórico educativo como tema de pesquisa. Para tanto, utilizamos como buscadores para a
elaboração deste balanço os periódicos: Revista Brasileira de História da Educação (RBHE) com publicações desde
2010; Revista Cadernos de História da Educação (RCHE) com publicações desde 2009; Revista História da Educação
(UFRGS), desde 1997; Revista HISTEDBR, desde 1998; e os anais do Congresso Brasileiro de História da Educação
(CBHE) encontrados no Google. Em todas as edições dos periódicos e evento em questão, buscamos pelo descritor
“patrimônio” no título, resumo e/ou palavras-chave. Localizamos 15 artigos que permitiram uma análise quanti-
-qualitativa, sendo 7no formato de artigos em anais e 8 em periódicos. A análise dos artigos localizados realizou-se
pela leitura dos resumos, cientes, como aponta Ferreira (2002, p. 268), que há limitações nesse tipo de procedimento
metodológico. Entre as questões analíticas destacamos as instituições e autores recorrentes, o período de maior pro-
dução, conforme a publicação nos referidos periódicos, bem como o recorte temporal da história do Brasil delimi-
tado para cada pesquisa. Tais questões permitiram evidenciar a escassez de pesquisa nesse campo, com 15 autores e
6 instituições. As pesquisas encontradas foram publicadas entre 2015 e 2019, o que demonstra a atualidade do tema.
O recorte temporal das pesquisas realizadas em revistas e nos anais vai de 1983, que foi quando o termo patrimônio
ganhou espaço nas discussões em torno do que seria Educação Patrimonial, com a criação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), até 2016, onde foi formulado as diretrizes da Educação Patrimonial com o
objetivo de buscar pelo descritor patrimônio. No que diz respeito à análise qualitativa questionamos sobre as fontes
utilizadas para tratar patrimônio histórico educativo, bem como os principais referenciais teóricos utilizados pelas
pesquisas localizadas. Sobre os referenciais teóricos mais utilizados, destacamos Poulot (2009), Rocha (2012), Carva-
lho e Pintassilgo (2011), Chartier (2012), Abreu (2015) e Certeau (2013). Durante o levantamento de dados a respeito
do tema a ser trabalhado, percebe – se que esses autores estão presentes em quase todos os artigos mapeados sobre o
descritor patrimônio. Os seguintes autores se relacionam na perspectiva de mostrar a importância sobre o assunto
patrimônio educacional. Neste sentido, busca-se promover intercâmbios, estabelecer diálogos e construir reflexões
acerca da temática apresentada como patrimônio. O levantamento também permitiu apresentar uma lista das fontes
utilizadas nas pesquisas como documentos em acervos e arquivos online, como as Revistas: Brasileira de História da
Educação (2010 a 2019), a Revista Cadernos de História da Educação (2009 a 2019), a Revista HISTEDBR (2010 a
2019) e também os anais do CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação. De modo geral, o balanço permi-
tiu evidenciar carências na produção de artigos sobre o tema e aprofundamentos temáticos e temporais que ocorreu
somente com a criação do Iphan, sobre o patrimônio histórico educativo nas pesquisas em história da educação.
Palavras-chave: História da Educação. Levantamento bibliográfico. Patrimônio.

159
MÍDIAS SOCIAIS COMO PROMOTORAS DA MEMÓRIA EDUCATIVA

Ariane Abrunhosa - UnB/SEDF


Mariana Gonçalves Penna - UnB

Resumo: O artigo aborda uma experiência referente ao uso das mídias sociais, apontando como elas têm sido
um importante recurso para promover a memória educativa a partir de um trabalho desenvolvido no Museu da Edu-
cação do Distrito Federal (MUDE), com a criação de uma página no Facebook e de um canal no YouTube. O objetivo
do artigo é o de apresentar como se construiu uma experiência exitosa, no uso das redes sociais para a promoção de
informações de cunho histórico-educativo e de evidenciar como sua utilização pode auxiliar na preservação da me-
mória da educação. O trabalho de registro e conservação da memória educativa do Distrito Federal é desenvolvido por
um grupo de pesquisa e trabalho, vinculado à Universidade de Brasília e à Secretaria de Educação do Distrito Federal,
há mais de 15 anos. O resultado desse trabalho é um acervo composto por registros de história oral, fotografias, víde-
os, documentos e objetos de época desde os primórdios da educação no Distrito Federal. Parte do acervo documental
revela a importância do projeto de educação idealizado para a nova capital, desenvolvido pelo educador Anísio Tei-
xeira, um plano considerado inovador e que se tornou um importante legado para a história da educação brasiliense
e brasileira. Com fins de dar visibilidade para esse acervo foi desenvolvido um site, que traz em suas páginas fatos da
história da educação do Distrito Federal, além de disponibilizar para o público parte do acervo digitalizado do qual o
Museu dispõe. A partir de 2018, reuniu-se a essa proposta de divulgação por meio do site, o trabalho com as mídias
sociais, com postagens de conteúdos referentes à memória da educação no Distrito Federal (Facebook e Youtube).
Esses recursos passaram a ser os principais veículos de divulgação das atividades e propostas articuladas pelo grupo
de trabalho, mas, especialmente, de meio para inserção na web de conteúdos de cunho histórico, comemorativos, de
fragmentos de depoimentos de história oral de profissionais da educação, bem como de fotografias e reportagens
sobre temas educacionais da atualidade. Essas ações visam ampliar o público que é conhecedor da utopia educativa
idealizada por Anísio Teixeira e de sua implementação por um grupo de pioneiros que se deslocaram para Brasília e
participaram dos esforços pela interiorização da capital. A metodologia utilizada é de observação e análise das estra-
tégias de postagens e das características dos conteúdos postados, no Facebook do MUDE, durante o período de um
ano. Ao longo do período observado constatou-se o aumento dos seguidores da página do Facebook e o aumento no
compartilhamento dos conteúdos postados. Deduz-se, portanto, que as mídias são um importante e poderoso meio
de veiculação da história e da memória educativa e podem ser utilizadas também com fins educacionais na medida em
que colocam os usuários em contato com fatos históricos, fotografias e depoimentos daqueles que participaram dos
anos iniciais, na educação da nova capital. Por fim, o pôster se propõe a debater com o público a importância que as
mídias sociais possuem, hoje em dia, na conservação da história e da memória da educação.
Palavras-Chave: História da Educação. Mídias Sociais. Museu da Educação.

DEMOCRATIZAÇÃO DOS MUSEUS, PRÁTICAS EDUCATIVAS ONLINE E CULTURA


PARTICIPATIVA

Ariane Abrunhosa - SE/UnB

Resumo: O ponto de partida é um conjunto de dados obtidos em uma pesquisa com vistas a um doutoramento
junto à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (2018), referentes aos espaços educativos presentes nos
sites dos museus brasileiros e sua utilidade na formação de uma cultura participativa. Procurou-se entender como os
espaços educativos virtuais dos museus estavam configurados tecnológica, cultural e pedagogicamente, base necessá-
ria à interatividade entre tais organizações e seus públicos. A fundamentação teórica e conceitual demandou um foco
em: cibercultura, cultura participativa, convergência midiática e interação. Inicialmente, foram analisadas as práticas

160
pedagógicas online e a presença de espaços de participação para os internautas. No tratamento das informações cole-
tadas, foram realizadas etapas quantitativas e qualitativas na composição de uma metodologia mista. Posteriormente,
foram selecionadas práticas interativas e educativas passíveis de serem replicadas em museus. A questão central con-
sistiu em demostrar a possibilidade das páginas educativas dos museus de Educação, na internet, poder abrigar espa-
ços alternativos de aprendizagem, em sintonia com uma cultura participativa. Por acréscimo, verificar se os recursos
de interação favoreciam práticas educativas participativas e dialógicas, o que viria, certamente, a facilitar também
registros de memória e as atividades de divulgação de cunho histórico e pedagógico. Constatou-se que apesar de os
museus brasileiros ainda não estarem inseridos em uma cultura participativa, uma vez que dispõem de poucas práti-
cas educativas online associadas a espaços de interlocução, é possível que a replicação de algumas experiências
exitosas sirvam para a criação e desenvolvimento de espaços educativos museais na internet e, com isto, a inserção
dos museus num contexto de democratização do conhecimento, da história e da memória da educação, haja vista, o
potencial dos meios digitais para a ampliação do debate e da participação cooperativa em diversos temas. Para além de
uma comunicação escrita, pretende-se criar oportunidade de discussão quanto à importância das principais práticas
educativas online orientadas para modalidades de aprendizagens adequadas ao ambiente digital museal e às interações
próprias de uma cultura participativa. A hipótese é a de que todo um horizonte de possibilidade se desponta em favor
da educação museal (não formal) com o advento de práticas e linguagens interativas em rede, que podem vir a fazer
parte do cotidiano de educadores e de pessoas do público em geral. E, dessa forma, também facilitar a divulgação
da história da educação e o resgate de memórias de professores, gestores e estudantes.
Palavras-chave: Museus. Práticas Educativa Online. Cultura da Participação.

PROJETO DE INTERVENÇÃO NO TRABALHO DOCENTE: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL


E MEMÓRIAS DE GOIÁS NO MUSEU CASA DE CORA CORALINA

Ricardo Nunes Ferreir- UEG - Câmpus Cora Coralina


Wilmar Henrique Caponi - UEG - Câmpus Cora Coralina
Dra. Keley Cristina Carneiro (orientadora) - UEG - Câmpus Cora Coralina

Resumo: Com base neste relato de experiência, propomos um breve estudo acerca da importância do incenti-
vo à elaboração de projetos de intervenção na formação de professores de História para aperfeiçoamento da prática
docente. Entendemos que não somente na formação profissional, mas sim de forma continuada, cabe ao professor
mediador de conhecimentos, desenvolver novas estratégias de ensino a fim de superar as distâncias e lacunas exis-
tentes no processo de ensino aprendizagem. O objetivo deste trabalho é apresentar como a elaboração de projetos de
intervenção no ensino de História pode possibilitar grandes contribuições para o aprendizado histórico dos estudan-
tes, neste caso, visando resgatar a aprendizagem acerca da memória e consciência histórica local da cidade de Goiás.
Toda a discussão foi pautada com base nos resultados obtidos na execução do projeto: Educação Patrimonial e Memórias
de Goiás: Museu Casa de Cora Coralina, aplicado aos estudantes do Colégio da Polícia Militar de Goiás “Professor João
Augusto Perillo” (CEPMG- JAP), desenvolvido por professores em formação do Curso de História da Universidade
Estadual de Goiás UEG, sob orientação da docente Dra. Keley Cristina Carneiro. Neste trabalho de campo, realizado
com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental CEPMG-JAP, buscamos aliar a teoria em sala com a prática, pro-
movendo assim uma proximidade dos conteúdos estudados a realidade dos estudantes, tornando o ensino atrativo
e aprimorando seus conhecimentos cerca do patrimônio cultural (material e imaterial) inseridos na comunidade
vilaboense. No entanto, o foco desta pesquisa se voltou especificamente para as conclusões e resultados obtidos na
execução do projeto: Educação Patrimonial e Memórias de Goiás: Museu Casa de Cora Coralina, e suas contribuições na in-
ter-relação da prática docente. Assim, podemos ressaltar a importância do incentivo a elaboração, desenvolvimento
e execução de projetos de intervenção na formação de professores, em contribuição ao aperfeiçoamento do processo
de ensino-aprendizagem e do próprio trabalho docente. Em nossa metodologia, propomos uma análise sobre as con-

161
tribuições educacionais direcionadas para a experiência e execução do trabalho de campo. Também cabe remontar
toda parte de planejamento, elaboração e realização do projeto, posteriormente possibilitando discussões acerca dos
resultados obtidos. Elaborar um projeto de intervenção não se constitui uma tarefa simples. É necessário bastante
percepção para um diagnóstico preciso a fim de detectar quais as lacunas e dificuldades que os estudantes, ou mesmo
a comunidade escolar alvo apresenta. Portanto, nele apresentamos os resultados obtidos e discussões levantadas com
base nas experiências vivenciadas na comunidade escolar e na execução de todas as etapas da atividade. É importante
enfatizar que a educação em museus possibilita aos alunos uma nova experiência, além de incrementar o trabalho
docente, frente a um modelo de ensino totalmente ultrapassado e metódico. O estudo sobre a História local permite
aos estudantes um olhar diferente do passado, gerando uma maior possibilidade de participação e interação; no qual
possam despertar em si mesmo a conscientização de sujeitos ativos pertencentes da própria história. A realização do
projeto: Educação Patrimonial e Memórias de Goiás: Museu Casa de Cora Coralina, permitiu levar para o ambiente esco-
lar o reforço a educação Patrimonial, Memorial e especificamente a História de Goiás, despertando o contato com a
história local e a conscientização dos estudantes para a compreensão da importância da preservação do Patrimônio
Cultural material e imaterial.
Palavras Chave: Ensino. História. Patrimônio.

PATRIMÔNIO CULTURAL & LUGAR DE MEMÓRIA: O PAPEL DA UNIVERSIDADE E


DO ARQUIVO FREI SIMÃO DORVI (FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DA CIDADE DE GOIÁS
– FECIGO)

Wérica Pires dos Santos - UEG - Câmpus Cora Coralina


Dra.Keley Cristina Carneiro (Orientadora) - UEG - Câmpus Cora Coralina

Resumo: O patrimônio cultural carrega consigo grande carga de identidade, história e memória. O patrimô-
nio se divide em categorias: materiais ou imateriais. Dentro dos bens materiais que devem ser preservados estão os
arquivos, em que resguardam itens que se tornam históricos, geralmente são os “documentos históricos”, que são
registros de uma escola, de uma igreja, de cartórios, de doações de pessoas ou jornais e outros. Desde que o homem
passou a registrar suas atividades e pensamentos foi imprescindível a criação dos arquivos, para que os registros não
se perdessem com o tempo. Este trabalho tem como principal proposta analisar o papel do Arquivo Frei Simão Dorvi
da cidade de Goiás, Patrimônio da Humanidade, e apresentar a experiência do projeto de extensão da Universidade
Estadual de Goiás na preservação do arquivo em Goiás. O Arquivo Frei Simão, lócus de pesquisa arquivística, tem
parceria com a Universidade Estadual de Goiás (UEG) por meio do Centro de Memória da Pró-reitoria de Extensão
(PrE), que desenvolve ações de preservação dos documentos, com atuação direta do Núcleo de Documentação, que
compõe uma das frentes do Centro de Memória da UEG. Pelo valor histórico do acervo documental do Arquivo
Frei Simão Dorvi é que escolhemos trabalhar neste referido arquivo, além do fato de que há um número crescente
de solicitações de acesso de pesquisadores de diversas universidades brasileiras e de outros países na documentação
deste local. O arquivo Frei Simão resguarda documentos históricos do Séc. XVII, XVIII e XIX, do entorno da cidade
de Goiás como Pilar de Goiás, Arraial do Ferreiro, da própria cidade sobre os órgãos públicos, como o Hospital São
Pedro de Alcântara, Asilo São Vicente de Paula e o cemitério São Miguel e outros, além de inúmeros periódicos. As
ações da UEG, desenvolvidas no arquivo Frei Simão, organiza-se em oficinas, sendo as escolas as protagonistas, em
trabalhar técnicas de higienização da documentação existente, técnicas de manuseio, além de contribuir para que o
arquivo fique aberto todos os dias para o público pesquisador. Assim, colabora para que o arquivo tenha uma fre-
quente visitação, fazendo com que permaneça em funcionamento, sendo mantido não só por seus coordenadores,
mas também contando com o suporte da academia para a população vilaboense e externa, que se torna consciente do
valor deste patrimônio cultural. Enfim, este trabalho justifica-se pela questão do aprofundamento dos estudos ligados

162
às pesquisas em arquivos, pelo arquivo como “lugar de memória” e, também, pela importância da institucionalização
acadêmica em ações de conservação de documentos históricos.
Palavras chave: Patrimônio. Arquivo. Preservação.

HISTÓRICO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM ESPAÇO DE MEMÓRIA

Profa Dra Luciana de Maya Ricardo

Resumo: Este resumo versa sobre o trabalho de educação patrimonial ocorrido na década de 1990, no Museu
Vivo da Memória Candanga (MVMC), e mais precisamente, sobre o curso de educação continuada para professores
da rede pública de ensino do Distrito Federal, nominado Refazendo a Trama – Educação, Cultura e Meio Ambiente.
O curso, que aconteceu por 10 anos, fez parte de um grande projeto pioneiro de revitalização de espaços tombados,
do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do DF (DePHA), vinculado à Secretaria de Estado de Cultura
do DF, que restaurou o antigo Hospital Juscelino Kubistchek de Oliveira, o HJKO último conjunto arquitetônico
todo de madeira preservado, da época da construção de Brasília –, transformando-o em Museu e entregando-o a co-
munidade com espaços para educação, pesquisa e produção cultural. O local contava com espaços físicos nominados
de oficinas, ambientados e equipados, onde ocorriam cursos, produções e pesquisas nas áreas artesanais, ligando as
tradições culturais, os saberes e fazeres trazidos pelas pessoas que vieram construir a nova Capital Federal ou eram
oriundas da região, ligando estes patrimônios culturais às novas tecnologias e a práticas educacionais transdiscipli-
nares, fomentando a integralidade e a subjetividade do indivíduo. Para desenvolver a proposta pedagógica do Museu
Vivo da Memória Candanga, o DePHA contou com convênio interinstitucional firmado entre a Secretaria de Cultura
(SC), a Fundação Educacional do Distrito Federal (FEDF), e a Secretaria do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia
(SEMATEC). Tal convênio cedia um número determinado de profissionais da FEDF e SEMATEC para trabalhar na
Secretaria de Cultura, Esporte e Comunicação Social do Distrito Federal, na construção do projeto pedagógico do
Museu que incluía diversas atividades como o curso para professores da rede pública de ensino citado, cursos para
adolescentes da rede pública, cursos abertos a comunidade como um todo, encontros de artesãos, núcleos de produ-
ção e pesquisa por áreas, exposições temporárias, permanentes e itinerantes com os diversos temas que envolviam
o museu, eventos pontuais como Festa Junina, Festa de Cosme e Damião, Domingo no Museu, Bazar de Natal, e
seminários e palestras sobre Patrimônio cultural, educação, artesanato, cultura popular, Cerrado, entre outros. A in-
tenção do Departamento era difundir os conteúdos patrimoniais na rede pública de ensino, fazendo chegar ao maior
número de pessoas tais conteúdos, materiais e imateriais, trabalhando com seus alunos a pré-história do Centro
Oeste até Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade, por meio de práticas e possibilidades transdisciplinares aos
conteúdos educacionais formais ou não. Para tal, construíram uma metodologia própria utilizaram-se das linguagens
artesanais, do meio ambiente, das memórias coletivas e individuais da comunidade e dos participantes, como meio
de se alcançar tais objetivos mostrando para os alunos sua relação direta e cotidiana com seus patrimônios, dando um
sentido de pertencimento a este aluno, dentro de seus territórios. A pesquisa faz parte da tese de doutorado “A Edu-
cação em Diálogo com a Cultura – da experiência de educação do Museu Vivo da Memória Candanga a uma proposta
educativa para o Museu da Educação do DF”, defendida em 2017, que se utilizou de pesquisa documental, imagética
e entrevistas, como base para a pesquisa qualitativa desenvolvida.
Palavras-chave: Museu. Educação. Educação Patrimonial.

163
MUSEU DA EDUCAÇÃO: DE UM ARQUIVO ÀS POLÍTICAS
DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

Bruno de Alves Borges - SEEDF

Resumo: A educação patrimonial é uma dimensão prática e subjetiva da educação que deve proporcionar de-
senvolvimento integral dos sujeitos, deve considerar suas identidades e suas relações com bens de natureza material
e imaterial, paisagísticos, artísticos, históricos e arqueológicos. Assim se potencializa o processo de ensino-aprendi-
zagem, assim se contribui para a preservação da memória. Eis a chave de entrada utilizada, com algumas adaptações,
para se instituir em agosto de 2016 a “Política de Educação Patrimonial da Secretaria de Estado de Educação do Dis-
trito Federal”. Entretanto, apesar de currículos voltados à cidadania e aos Direitos Humanos, a prática docente ainda
não conseguiu se apropriar integralmente das questões relativas ao patrimônio e memória no chão da escola. Este
trabalho visa compartilhar alguns percursos vividos por um professor-pesquisador de escola pública no Distrito Fe-
deral, na construção de sua formação, na graduação da Universidade de Brasília (UnB), construindo relações entre es-
cola, memória e patrimônio. Partindo da vivência com a organização do que viria a ser o núcleo inicial do arquivo do
Museu da Educação no Distrito Federal (MUDE), apontando impasses e problemáticas, tal demanda nos impunha,
tem-se como objetivo refletir sobre a formação de professores no contexto da Educação Patrimonial. Do fomento
dos bolsistas à procura por espaço físico para alocar volumoso acervo/arquivo, suas complexas questões em torno das
condições de conservação e restauro, passando pelas disputas entre linhas de pesquisa na Universidade de Brasília, os
embates em coordenações pedagógicas e o dia a dia da sala de aula com os afazeres que muitas vezes ainda margina-
lizam as questões patrimoniais, essas são apenas algumas das imagens trazidas por uma década de envolvimento com
essa temática. Um longo percurso foi trilhado no Brasil desde a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, em 1936, até as mais recentes políticas de tombamento e salvaguarda. A Secretaria de Educação, entretanto,
apesar de municiada de aparato legal relativamente consolidado, em âmbito federal e distrital, ainda se depara com
impasses e arestas a serem enfrentadas na implantação efetiva das políticas que se referem a educação patrimonial em
seu diálogo com os Projetos Político-Pedagógicos das escolas. Não resta dúvidas de que tudo aquilo que é sinalizado
na metodologia dos inventários participativos é algo imprescindível à inserção do trabalho da educação patrimonial nas
escolas. Reunir a comunidade, jovens, mães, professoras, articuladores locais e colocar a metodologia em prática é
que tem se mostrado o grande desafio para todos os que se dedicam ao tema.
Palavras-chave: Arquivos, documentação, museus e educação.

ARQUIVO ESCOLAR: VARIAÇÕES DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO.

José Henrique dos Santos Barbosa - UEG


Sandra Elaine Aires de Abreu - UEG

Resumo: A história da educação e a história das instituições escolares têm sido tratadas com atenção e minúcia
nos últimos anos, consequência das novas possibilidades de análise documental que por sua vez é resultado do valor
dado a novas fontes que passam a ser tidas como documentos a partir da perspectiva tratada no campo da história
cultural. O presente artigo tem o propósito de analisar e discutir como os arquivos escolares e sua documentação
podem tornar-se lugar de referência para a pesquisa em História da Educação. Para o desenvolvimento deste trabalho
utilizou-se além da pesquisa bibliografica a pesquisa documental. O corpus documental utilizado tornou-se fonte
imprescindível para a escrita da história da educação de Leopoldo de Bulhões– Go por se tratar de importante fonte
de pesquisa sobre o primeiro Grupo Escolar instalado e inaugurado pelo munícipio e por ter uma variedade conside-
ravelemnte grande de fontes para pesquisas futuras, entre esses documentos podem ser mencionados livros de pontos
dos professores, atas de reuniões do corpo administrativo, livro de visitas, diários de classes, ata da caixa do Grupo

164
Escolar, entre outros. Todos esses documentos, vizualizados e encarados como fontes de pesquisa, possibiliram o
desvelaar de uma nova história da instituição escolar, podendo ser esploraado desde o público recevido pelo Grupo
Escolar em questão e até questões pertinentes ao tempo e espaço escolar. Sendo assim, foi possível notar que a análise
das possibilidades e limitações da pesquisa a partir dos arquivos escolares e seus documentos está atrelada a um refe-
rencial teórico voltado para a História, História da Educação e Arquivologia. Na pesquisa proferida sobre o arquivo
Escolar da Escola Estadual Geralda Luzia Vecce, em busca de documentação referente à organização e funcionamento
do Grupo Escolar Joaquim José da Silva, nos períodos de 1937 a 1970, foi possível localizar uma importante docu-
mentação para o estudo da história do referido Grupo Escolar, bem como mostrar as possibilidades que a documenta-
ção presente no arquivo da Escola pode apresentar para a pesquisa em História da Educação e também para a história
das instituições escolares. Além disso, o arquivo em questão fornece elementos significativos para a compreensão do
perfil dos indivíduos que lá estudaram e/ou trabalharam, em especial, dados sobre os alunos e professores do Grupo
Escolar, bem como as relações estabelecidas com órgãos de seu entorno, o que gera novos dados para as pesquisas em
História da Educação brasileira e mais espeficamente para a História da Educação Goiana.
Palavras-chave: Arquivo escolar. Pesquisa em Educação. História da Educação.

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GT8. HISTÓRIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Ementa: Compreender as políticas públicas educacionais em sua perspectiva histórica. Histo-


ricizar as demandas, obstáculos e potencialidades do processo de criação, implementação e resulta-
dos de políticas educacionais voltadas à educação etnicorracial, educação (escolar) indígena, educa-
ção feminina, etc. História e Memória da Educação Local/Regional por meio de políticas educacio-
nais, reformas e contrarreformas, tendências governamentais, etc. Contextualizar personalidades na
construção de políticas públicas.

A LEI 11.645/08, SUA REPRESENTAÇÃO NO LIVRO DIDÁTICO E OS USOS DESTE PELOS


ALUNOS INDÍGENAS

Mírian Regina Camargo Barroso – UFMT

A Lei 11.645/2008 altera a Lei 9.394/1996, modificada pela Lei 10.639/2003, a qual estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História
e cultura afro-brasileira e indígena”. Isso implica a necessidade de abordar a temática em questão no ensino de todas
as disciplinas do currículo da educação básica, que inclui o ensino fundamental e médio. Consequentemente, essa
temática aparece também no livro didático, uma vez que ele é um dos instrumentos mais utilizados pelos professores
e alunos nos processos de ensino e aprendizagem. Instrumento esse que deve ser analisado contemplando todo sua
complexidade de natureza e de utilização pelos sujeitos que fazer parte de todo o processo de produção, regulamen-
tação, distribuição e uso final. A relevância deste tema se situa na necessidade de fazer uma história do Brasil onde as
diversidades culturais e étnicas sejam devidamente representadas, desmitificando a teoria da democracia racial que
vimos ser amplamente difundida no Brasil. O racismo e o preconceito percorrem os corredores das instituições edu-
cacionais muitas vezes de forma velada, como percebemos na pesquisa de Flavia Ribeiro e Cândida Soares, quando
tratam do racismo institucional. E a regulamentação dos livros didáticos sempre preconizou que este fosse isento de
toda e qualquer forma de nuances preconceituosas ou a disseminação de estereótipos. A escolha de livros oficiais tem
sua justificativa em virtude do papel fundamental no sistema educacional brasileiro, na prática docente bem como um
imponente investimento financeiro por parte do Governo. Ângelo Priori alerta da dimensão do livro como merca-
doria, portanto se adequando as leis do mercado e da dimensão do uso que o Estado faz deste para além da obtenção
de vantagens econômicas, mas também como instrumento de reprodução ideológica, aspecto também ressaltado por
Rosa Lydia Teixeira Corrêia. Serão analisadas coleções de livros didáticos do ensino médio no intervalo dos anos de
2013 a 2015 que foram selecionados e utilizados como principal fonte de estudos na escola estadual no município de
Campinápolis-MT que consta em sua população cerca de 56% da população indígena, visto que é a única escola que
oferta do ensino médio na zona urbana deste município a versão de um material didático pode representar a única
versão para um determinado tema trabalhado, corremos o risco de estar trabalhando com o perigo da “história única”
como Chimamanda Adichie gosta de chamar, então assegurar que aqueles estudantes tenham acesso a uma visão
múltipla da história do Brasil e da sua História, através da abordagem do professor e do cumprimento da lei 11645/08.
Palavras Chave: Políticas Educacionais, Livro Didático, Educação Indígena.

166
AÇÕES EM TORNO DA IMPLANTAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTRUTIVISTA EM
ALFABETIZAÇÃO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO (1986)

Diego Benjamim Neves - UNIFESP

Resumo: Neste texto apresentam-se resultados parciais de pesquisa de mestrado em Educação, cujos objetivos
são: contribuir para a produção de uma história da alfabetização na rede municipal de São Paulo e colaborar para o
debate em torno da circulação, apropriação e implantação do pensamento construtivista em alfabetização no país.
Assim, enfocam-se as orientações didáticas do material de formação de professores do município de São Paulo, da-
tado de 1986, intitulado “Repensando a prática da Alfabetização”. Mediante abordagem histórica, centrada em pes-
quisa documental e bibliográfica, por meio dos procedimentos de localização, reunião, seleção e ordenação vêm-se
agregando diversos textos relacionados à alfabetização no município de São Paulo, dentre eles “Repensando a prática
da Alfabetização”. Na perspectiva da História Cultural, com enfoque na História do Currículo e das Disciplinas Esco-
lares, por meio da análise deste documento constatam-se os seguintes aspectos: na década de 1970, as pesquisadoras
Emília Ferreiro e Ana Teberosky desenvolveram ampla pesquisa sobre o tema acerca da América Latina, com o apoio
de diferentes colaboradores, o que resultou na publicação do livro “Los sistemas de Escrituras em el desarollo del niño”
(1979). Nessa publicação, as autoras propõem, dentre outras questões, uma “revolução conceitual” no ensino inicial
da leitura e da escrita, defendem o abandono dos métodos tradicionais e o deslocamento dos processos de alfabetiza-
ção do eixo do ensino para o eixo da aprendizagem. O livro tornou-se a principal referência na reforma dos sistemas
estaduais e municipais de ensino, após a reabertura política do país. O ano de 1986 corresponde à data do documen-
to mais antigo localizado na pesquisa, com pressupostos do construtivismo em alfabetização. O presente trabalho,
cujo aporte teórico leva em consideração os pressupostos de Le Goff (1984), Roger Chartier (1990), Certeau (1982)
e Mortatti (2000), centra-se em 1986 e o documento analisado se constitui como uma das principais fontes de uma
pesquisa de mestrado em andamento, cujo corpus documental é composto de produções realizadas para formações
de educadores, bem como currículos escritos publicados entre 1986 e 1996. “Repensando a prática de Alfabetização”
aborda questões próprias do construtivismo em alfabetização e tópicos relativos aos métodos sintético e analítico
do ensino de leitura e escrita, discute minimamente práticas escolares como cópia, leitura, escrita e ditado, além de
atividades de matemática. Quanto à leitura e escrita, o material se compõe de dois artigos e alguns quadros que suge-
rem mudanças na prática pedagógica e organização da sala de aula com vistas à inovação construtivista. O material
apresenta ampla bibliografia composta por referenciais atuais considerando o ano de publicação.
Palavras-chave: História da alfabetização. Construtivismo. Município de São Paulo.

A EDUCAÇÃO PRISIONAL NO BRASIL: HORIZONTE DE EXPECTATIVAS

Suely Franco de Oliveira - SEDUCE

Resumo: Este resumo do artigo que está sendo submetido para comunicação no V EHECO, traz como campo
investigativo a história das práticas educativas na educação prisional brasileira e resulta de um estudo de caso do
Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Presídio Municipal de Palmeiras de Goiás, Estado de Goiás.
A educação prisional consiste em um fenômeno sócio-político-educativo distinto, novo e carente de uma proposta
pedagógica específica, pois esta modalidade de ensino possui como orientações normativas apenas as diretrizes gerais
da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além disso, o aumento da população carcerária no Brasil duplicou desde o
ano de 2016, passando a ser considerada uma das maiores do mundo. Isso enseja estudos, análises e pesquisas acadê-
micas, de modo a iniciar importantes debates sobre processos educativos nos espaços prisionais. Apesar do número
significativo de estudos e pesquisas sobre a educação prisional no Brasil, esse tema ainda é pouco discutido no âm-

167
bito educacional, sendo poucos os trabalhos científicos que formulam uma proposta pedagógica para a educação nos
presídios ou que avaliam as prioridades e o sentido que os reeducandos dão à educação como forma de reintegração
social. A partir dessa constatação surgiu o meu interesse em pesquisar esse assunto que, além de muito relevante,
é interessante e importante para minha prática pedagógica, considerando que venho atuando como professora no
presídio de Palmeiras de Goiás-Goiás, desde 2010. A educação prisional, no projeto “Educando para a Liberdade7”,
tem como função educar e ressocializar como um direito humanitário e fundamental a todos os que são privados de
liberdade, pois essa educação tem como papel principal desenvolver e mobilizar internos aprisionados para que, desta
forma, eles possam se conscientizar de que a Educação é um dos caminhos de recondução e reintegração capaz de
torná-los cidadãos com possibilidades de mudar sua própria história. Entretanto, minha experiência como professora
que atua na rede regular de ensino e também no ambiente prisional, não me permite identificar com veracidade se
há este entendimento por parte dos alunos que frequentam regularmente as aulas no presídio. Assim, este trabalho
é um resultado parcial da pesquisa que venho realizando com o propósito de responder à seguinte indagação: qual
significado e importância que o reeducando prisional atribui às práticas educativas além da certeza do benefício da
remição de pena e quais são as expectativas de aprendizagem escolar desses alunos dentro do sistema penitenciário?
Esta indagação tem como premissa o entendimento de que identificar e refletir sobre as expectativas do reeducan-
do prisional a respeito da educação escolar é condição para aprimoramento do projeto pedagógico que vem sendo
desenvolvido nesta modalidade de educação escolar. Assim, tendo como referência a história da educação prisional
no Brasil, o objetivo deste artigo é explicitar o significado atribuído pelo reeducando prisional à educação escolar,
analisando suas expectativas sobre o processo de escolarização do qual participam. A pesquisa que está sendo desen-
volvida e que deu origem à este artigo tem natureza qualitativa, sendo desenvolvida por meio de um estudo de caso,
com entrevistas individuais, grupo focal e observação-participante e tendo como sujeitos todos os reeducando que
frequentarão as aulas no presídio de Palmeiras de Goiás no período de 2019 a 2020. Os resultados parciais da análise
dos dados obtidos por meio da pesquisa de campo, à luz dos referenciais teóricos obtidos com a pesquisa bibliográfica,
possibilitaram o entendimento e a explicação de que o sentido da aprendizagem escolar atribuído à educação prisional
pelos reeducando, sujeitos do ato pedagógico na educação escolar prisional, podem ser divididas em dois grupos: no
primeiro encontram-se os que recém iniciaram os estudos e as expectativas destes se circunscrevem ao seu espaço
de experiência prisional e à espera pela remissão da pena; no segundo encontram-se os que já frequentam as aulas
regularmente há mais de um ano e neste processo ampliaram seus horizontes de expectativas e passaram a desejar a
compreensão do mundo e a ressocialização por meio dos estudos escolares. Assim, uma conclusão preliminar pode
ser constatada a partir deste estudo investigativo: Embora as finalidades socioeducativas da instituição prisional seja
uma responsabilidade do Estado por meio de políticas públicas de ressocialização do preso ou de remição de pena, a
história da educação prisional no Brasil é um campo investigativo que permite demonstrar que os reeducando pri-
sionais são sujeitos críticos e participativos e que a educação escolar é um processo capaz de contribuir significativa-
mente para reintegração social desses sujeitos.
Palavras-chave: Educação escolar. Educação Prisional. Ressocialização.

A EDUCAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL TEM HISTÓRIA

Rita Cássia

Resumo: Conhecer a história da educação do negro brasileiro é percorrer os caminhos da articulação que res-
significam a função social da escola no terreno sobre o qual foi erguido o campo de conflito de uma história social da
educação do negro, com revelações expressas na dinâmica histórica dos interesses divergentes das lutas de gerações
dominante e dominada. Justificadas pelas forças reais ocultadas pela narração do historiador-ideólogo que cria cau-
sas e finalidades convertendo a história por sua própria conta, fazendo dos homens instrumentos ocasionais. Para
o sociólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2005) é preciso romper com a estrutura de classe do país, desfazer a sociedade

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para refazê-la. Para ele, a estratificação da pirâmide social brasileira é formada por: classes dominantes, setores inter-
mediários, classes subalternas e classes oprimidas, sendo essa última a “oprimida” formada principalmente por negros
e mulatos moradores de favelas e periferias da cidade; ocupantes dos baixos setores no mercado de trabalho em sua
maioria analfabetos, incapazes de se organizar para reivindicar direitos e exercer sua cidadania. Atualmente, compre-
ender os processos de escolarização do negro, a trajetória institucional da educação dos descendentes de africanos no
Brasil, responde a necessidade para a compreensão da atual Lei 10.639/03 e dos indicadores que constatam a histórica
desigualdade entre as trajetórias escolares desses dois grupos sociais, negros e brancos no país. O campo educacional
durante um longo período ignorou as críticas em relação aos condicionamentos produzidos pela discriminação racial
que assinalava a falta de conhecimento das relações entre educação e raça. A História da Educação tem ignorado as
iniciativas de grupos negros no campo da educação, tais como a criação de escolas, centros culturais, suas lutas e suas
propostas de uma pedagogia que leve em conta a pluralidade étnica do alunado no sistema de ensino brasileiro, e, em
específico a favor da população negra. A escola é um meio insubstituível de contribuição para as lutas democráticas,
e a escola pública tem a responsabilização do poder estatal na perspectiva de tornar significativo o estudo da misci-
genação, do mérito acadêmico e das desigualdades/exclusões sociais, fatores esses constituintes na explícita recusa ao
debate sobre a base da questão: o racismo brasileiro. Estudos demonstram a necessidade de investimento na formação
de professores para uma educação anti-racista, visto que a desigualdade de renda brasileira tem forte relação associada
à desigualdade na distribuição da educação entre a população adulta brasileira. Não ignorando as melhorias nos níveis
médios de escolaridade de brancos e negros ao longo deste século, o paradoxo “discriminação” de escolaridade dos
brancos em relação aos negros se mantém estável entre as gerações.
Palavra-chave: Educação. Negro. História.

TRABALHO E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DAS POLÍTICAS PARA EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO BRASIL

Kamylla Pereira Borges - IFG/Campus Anápolis


Érika Marinho Witeze - IFG/Campus Anápolis
Raphael Fillipe Cordeiro de Lima- IFG/Campus Anápolis

Resumo: Historicamente a educação tem respondido as demandas do modo de produção capitalista, contri-
buindo para formação de indivíduos condicionados ao modelo societal do capital. É necessário que o sujeito se qua-
lifique de acordo com as competências requeridas para o mercado em termos polivalência, flexibilidade e afetividade
para atender todas as necessidades do seu empregador. Consequentemente as relações de poder e de classe são enco-
bertas e instaura-se o senso comum da ideologia do capital humano. De acordo com a Teoria do Capital Humano a
educação torna as pessoas mais produtivas, aumenta seus salários e influencia o progresso econômico. Esse ideário
perpassou o século XX e perdura até o atual, pois para o Capital é necessário a formação de um trabalhador que
atenda suas necessidades produtivas e comerciais. Assim sendo, o objetivo dessa pesquisa é empreender uma análise
histórica a respeito da concepção de trabalho e educação contida nas políticas educacionais voltadas para a Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) desde a LDB/1971 até a Reforma do Ensino Médio de 2017( Lei 13415/2017), le-
vando-se em consideração como a ideologia do capital humano atua na intermediação e conformação do processo de
ensino-aprendizagem na EPT, influenciando as formas de percepção da educação e trabalho nas políticas educacio-
nais. Conhecer essas concepções irá contribuir para o estudo e implementação de novas ações voltadas para fortalecer
um conceito de educação profissional e tecnológica que vá além da preparação pura e simples para o mercado de
trabalho, como requer o ideário neoliberal. Dessa forma o estudo dos elementos apontados pode contribuir para
uma melhor compreensão do processo de formação da EPT fundamentando as lutas em prol de uma educação volta-
da para emancipação e transformação social. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, do tipo exploratório, des-
critivo e analítico fundamentado nos princípios do Materialismo Histórico Dialético. A coleta de dados foi realizada

169
por meio da Análise documental dos documentos que representam o escopo das políticas públicas educacionais, que de
uma forma ou outra, tratam a EPT no Brasil, desde a década de 1970 até a atualidade. A análise dos documentos seguiu
os passos genéricos propostos por Bardin (1977) para análise de conteúdo. De forma geral, percebe-se que as políticas
voltadas para a EPT no Brasil, com raras exceções como o decreto nº 5154/2004, se adequam aos imperativos da Teoria
do Capital Humano, tendo como base uma concepção de educação e trabalho limitada, que se refere apenas ao atendi-
mento dos ditames do mercado capitalista. É uma EPT aligeirada e aleijada de conhecimentos mais amplos que poderiam
contribuir para emancipação do sujeito e essa concepção fundamenta a Reforma do Ensino Médio (Lei 13415/2017).
Palavra-chave: Leis. Políticas Públicas. Inclusão. Reforma do Ensino Médio.

POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MUNICÍPIO


DE CASSILÂNDIA

Marlene Nunes Amancio – UEMS


Thiago Rodrigues – UFMS

Resumo: O presente artigo tem por objetivo realizar um levantamento histórico das Leis e Políticas Públicas
relacionadas à inclusão de alunos com deficiência na escola comum. O estudo foi desenvolvido no município de Cas-
silândia localizada ao Leste do Estado de Mato Grosso do Sul e se baseará na metodologia de pesquisa documental
para fazer o levantamento das Leis e Políticas Públicas vigentes nessa municipalidade. Para tanto, a pesquisa foi rea-
lizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos, que não
receberam nenhum tratamento científico/analítico ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos
da pesquisa. O contexto da pesquisa é delimitado pelas ações das Políticas Públicas de educação brasileira, nas quais
foram influenciadas/acordadas pelas políticas na escola comum, tais como a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva Inclusiva de 2008, pelo Decreto nº 6.571/08 e a Resolução nº 04/2009, que efetivou o Atendimento
Educacional Especializado na Sala de Recurso Multifuncional da escola comum e a instituição da Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), pela Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
O objetivo também parte do fato da primeira autora do presente trabalho atuar na coordenação da Educação Especial
na Secretaria Municipal de Educação de Cassilândia, visto que, diariamente experiência novos desafios para garantir
os direitos legítimos dos alunos com deficiência. Desse modo, buscou-se verificar as leis, deliberações e resoluções em
vigência na rede municipal de ensino de Cassilândia, bem como leis e decretos municipais referentes à acessibilidade e
outros direitos garantidos as pessoas com deficiência em âmbito municipal, bem como a falta dessas, em observância
às normas e Leis Estaduais, Nacionais e Internacionais das quais o Brasil é signatário. Buscou-se, também, verificar
se os recursos pedagógicos e de acessibilidade das escolas estão articulados com as Diretrizes da Política Nacional In-
clusiva e ainda os investimentos e gastos efetivados nos últimos 10 anos nas escolas municipais. Assim, foi realizado
o levantamento da legislação vigente, dos documentos que comprovem investimentos em prol da acessibilidade e
aquisição de equipamentos bem como recursos de tecnologia assistiva, materiais pedagógicos próprios e destinados a
Sala de Recurso Multifuncional ou destinado a atender necessidades de aluno com deficiência. A partir da análise dos
dados, concluiu-se que, ainda que de forma modesta, o Atendimento Educacional Especializado já começou a acon-
tecer na escola comum como direito, porém, nem todos os alunos usufruem desse benefício por motivos diversos.
Um dos agravantes observados trata-se da falta de diagnóstico de deficiência, doença e/ou síndrome que os alunos
possam vir a ter para, consequentemente, poderem ser atendidos adequadamente, de acordo com a legislação vigente.
O município não tem feito muitos investimentos nas Salas de Recursos Multifuncionais e, portanto, observou-se a
necessidade de parcerias entre as secretarias municipais de Educação, Saúde e Bem-Estar Social, novas discussões,
pesquisas, pressões sociais e educacionais ao próprio município para que o direito ao atendimento educacional se
consolide dentro do contexto estudado.
Palavra-chave: Leis. Políticas Públicas. Inclusão.

170
ANÁLISE DOCUMENTAL DO MODELO BRASILEIRO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Aristóteles Mesquita de Lima Netto - PUC-GO


Maria Esperança Fernandes Carneiro - PUC-SP

Resumo: O presente trabalho é produto da análise do Decreto 977/65 e do contexto histórico que o mesmo
foi elaborado. Os impactos que o referido decreto e as regulamentações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) competem a sistemática de operacionalização das pós-graduações no Brasil, e
consequentemente das pesquisas. O objetivo se fez num recorte documental da pós-graduação stricto sensu nacional
como reprodução da capitalista norte-americana, evidenciando as aproximações e contradições do modelo brasileiro
perante a matriz de origem norte-americana. O método de investigação foi o materialismo histórico dialético, com
abordagem de cunho qualitativo, na modalidade de análise documental. A referida análise destes documentos se justi-
fica na necessidade em constituir um aporte teórico que subsidiará o percurso da escrita da tese do doutorado. Como
referencial teórico orientador utilizamos Freitag (1986), Chauí (2013), Verdike (2008), Santos (2003), Cury (2009) e
Guaciarema (1972). Logo, os resultados revelam que o Decreto n. 19.850/31 quanto o Decreto 977/65 representam
os tentáculos do autoritarismo que visa ofertar títulos e atender o ideal neoliberal do capitalismo. Quando estudos,
análises e simples levantamentos de dados/informações ocorrem no âmbito do processo comparativo, cuidados fren-
te a doutrinas alienantes são fundamentais. Todavia Marx (1867) em o Capital nos permite refletir o quanto as lutas
de classes, competem e na verdade são reais “terrores” ao sistema neoliberal vigente na atual economia de mercado.
O sistema de pós-graduação norte-americano, por fato e de seu real direito, se faz completamente produto da classe
dominante, operado pelo capitalismo como economia de mercado. Mas, tal sistema detém toda uma estrutura de
mercado que capta os filhotes do programas norte-americanos. Já no Brasil, por meio das análises realizadas no per-
curso do dado artigo, as exigências e obrigatoriedades seguem o modelo norte-americano, enquanto o percurso téc-
nico cópia formatações ideológicas europeias, principalmente, a francesa. Porém, não possuímos um mercado a nossa
espera como o dos Estados Unidos e nem detemos construção cultural num comparativo com a europeia. Assim, a
pós-graduação brasileira, nasce de um parecer (977/65) em plena ditadura militar, de forma engessada, com objetivo
de atender diretrizes. Assim, constatou-se que à pós-graduação brasileira em todo contexto explicitado apresenta re-
sultados de discentes em maioria considerável, que não possuem formação prévia comparada aos discentes europeus,
mas que também não vivenciam a estrutura possibilitada aos pós-graduandos norte-americanos. No âmbito docente,
os mesmos sofrem pelo padrão de exigências formatado pela CAPES que segue o modelo dos Estados Unidos, mas
em contraponto vivenciam total ausência de estrutura, como carga horária, incentivo real, e inúmeros fatores que
potenciariam a qualidade do trabalho docente.
Palavras-Chave: Pós-graduação. Educação. Ditadura militar.

POLITICAS PÚBLICAS NO ENSINO SUPERIOR À DISTÂNCIA

José Francisco Rocha Simão - Secretaria Municipal de Palmas

Resumo: O presente trabalho tem por objetivos evidenciar algumas políticas públicas educacionais e o cresci-
mento da educação superior à distância no Brasil. Para o uso metodológico considerou-se, a pesquisa documental. O
resultado da pesquisa mostra que essa modalidade de ensino é possibilitada, devido ao artigo 80 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional de 1996. E ainda com o do Decreto Federal nº 9.057 de 2017, que trata do funciona-
mento e normas que as instituições de ensino superior devem seguir. Além do uso das tecnologias, tempo flexivo
para os estudantes e recursos financeiros que fazem com que, as pessoas optem por esse sistema educacional. Como
políticas públicas educacionais destacam-se a UAB e PROUNI, com objetivos de dar formação de nível superior aos
interessados que quer crescer profissionalmente ou sem formação acadêmica A Universidade Aberta do Brasil está

171
regulamentada com o Decreto Federal nº 5.800 de 2006 e trata da formação de professores em cursos de pedagogia,
licenciaturas em: Matemática, Letras, Geografia, História e especializações. A UAB funciona em parcerias com ins-
tituições públicas visando democratizar e interiorizar o ensino superior aos docentes de todo o Brasil. O Programa
Universidade Para Todos, regulamentado com a lei nª 11.096 de 2005, propõem e oportunizam para as pessoas,
condições de acesso aos cursos superiores em instituições de educação superior privadas. O PROUNI favorece bolsas
integral ou parcial aos interessados desde que atendam certas condições normatizadas, a exemplo de o interessado
ter cursado o ensino médio em escolas públicas e ter realizado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) sem
ter zerado a redação. Esse trabalho identificou alguns pontos positivos do ensino à distância no decorrer da história
do Brasil. Em 1900, o EAD começa por meios de correspondências. Em 1952, o rádio passa a fazer parte do sistema
educacional à distância. A televisão começou a integrar essa modalidade de ensino a partir de 1960. Depois de 1970,
as universidades com o uso da internet possibilitaram avanços significativos no EAD. O texto conclui discorrendo
sobre a temática desse sistema de ensino educacional. Além de, considerar as normativas legais que norteiam o fun-
cionamento da Educação à Distância no Brasil. Após análise de informações documentais, percebe-se que, o ensino
superior à distância cresce significativamente no país, percebe-se ainda, o uso cada vez maior de novas ferramentas e
o preparo das instituições educacionais para melhor atender as necessidades dos estudantes, que escolhem essa mo-
dalidade de ensino. Ressalta-se informar: a autonomia, a responsabilidade, o cumprimento de atividades, o esforço
dos estudantes nos cursos de instituições públicas ou privadas, considerando ainda as políticas públicas educacionais
para diminuir certas desiguais sócias nos níveis de ensino. Sendo assim, um fator importante para muitos estudantes
que não podem estudar cursos superiores de forma presencial.
Palavras Chaves: Educação. Politicas. Públicas.

POLÍTICAS DE INCENTIVO À FORMAÇÃO INICIAL DOS PROFESSORES: AVANÇOS E


LIMITES NO PERÍODO DO GOVERNO DO PARTIDO DOS TRABALAHADORES (PT)

Caroline Correia Maciel – UFMS


Margarita Victoria Rodríguez – UFMS
Sara Santana Armoa da Silva – UFMS

Resumo: A propositura temática do presente artigo constitui-se acerca dos debates sobre as tendências dos
diferentes governos que fizeram parte da história do Brasil e, por conseguinte, orientaram de maneira distinta e
singular o campo da educação com repercussões nas políticas educacionais. Conforme o tema estabelecido, o objeto
desse estudo foi delimitado a partir do interesse em compreender a implementação e o desenvolvimento das polí-
ticas de formação inicial de professores no período dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), entre 2003 e
2015, momento em que houve um significativo fomento de financiamento estatal nesse campo quando comparado
aos governos que antecederam. Objetivou-se, portanto, analisar os avanços, os limites e a tendência do processo de
implementação e desenvolvimento das respectivas políticas no período anunciado anteriormente. Para atingir o
objetivo proposto, foram utilizados como fonte de investigação os documentos oficiais vinculados à regulamentação
dos programas que incentivaram as políticas de formação inicial, bem como a legislação que normatizou tal segui-
mento. Além disso, bibliografias específicas, as quais indicaram estudos em torno de programas criados no governo
PT também se referiram a outras fontes de investigação. De forma específica, ressalta-se os documentos utilizados
para análise: a) o Parecer n. 05/2005, de 13 de dezembro de 2005; b) o Decreto n. 5.800/2006, de 08 de junho de
2006; c) o Programa Universidade para Todos - PROUNI (2004); d) o Pró-Licenciatura (2005); e) o Programa de
Educação Tutorial - PET (2005); f) a Universidade Aberta do Brasil – UAB (2006); g) o Programa de Apoio a Planos
de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI (2007); e h) o Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência – PIBID (2007). O projeto neoliberal e suas singularidades, sobretudo no campo das polí-
ticas educacionais, se referiram aos pressupostos e a base teórica que mediaram as análises das respectivas fontes.

172
Salienta-se que esse artigo foi sistematizado em três tópicos. No primeiro foi discutida a concepção neoliberal situada
historicamente e sua influência no incentivo às políticas de formação inicial. Posteriormente, buscou-se apresentar
a história das referidas políticas com ênfase nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso -FHC (1995-
2002) e os governos do PT (2003-2015). Por último, no terceiro tópico, foi feita a análise das fontes definidas para
investigação. A partir disso, considerou-se que, de fato, o movimento de incentivo às políticas de formação inicial
no governo PT demonstrou significativa ampliação e investimento com programas financiados pela União nesse
seguimento quando observada a dinâmica estabelecida na educação no governo anterior. No entanto, notou-se que
a implementação e o desenvolvimento de tais programas e legislações deliberadas no período estudado evidenciaram
contradições pertinentes a demanda orientada pelo projeto neoliberal. Nesse caso, com apoio de bibliografias que
ajudaram a compreender os programas e as normativas definidas para análise, verificou-se condições de interferência
do setor privado no público, da meritocracia como forma de selecionar e organizar a oferta educacional de formação,
da gestão gerencial e das competências e habilidades como a base para o desenvolvimento das políticas de incentivo
da formação inicial, categorias vinculadas ao projeto neoliberal orientado pelos setores financeiros.
Palavras-chave: Política de Educação. Formação Inicial de Professores. Governo Partido dos Trabalhadores.

EDUCAÇÃO CRÍTICA E EMANCIPADORA: CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE HISTÓRIA


PARA A EDUCAÇÃO POPULAR

Mariana Saturnino - UFMT

Resumo: Ao fazer um brevíssimo panorama histórico da educação brasileira, analisando o padrão educacional
dentro de uma sociabilidade capitalista, o texto se propõe a debater os elementos que auxiliam na construção de um
horizonte emancipatório, centralizando o debate na relação entre educador e educando nas aulas de história a partir
da ótica da educação democrática e cidadã, atravessados pelas políticas educacionais. Desse modo, o objetivo central
é como devemos quebrar a lógica liberal de ensino e priorizar a formação integral dos sujeitos. Assim, foi utilizado
uma base teórica marxista para explicar a estrutura social e escolar capitalista em Louis Althusser e Antônio Grams-
ci, tendo o texto Ensino de História e Cidadania de Selva Guimarães como base norteadora da discussão. Para discutir
as políticas educacionais e o ensino de história além de Selva Guimarães, foi utilizada a perspectiva de Marcelo de
Souza Magalhães a respeito das políticas voltadas ao ensino de história; o conceito de educação popular a partir da
perspectiva de Simone de Azevedo Moura, o conceito de consciência histórica em Maria Auxiliadora Moreira dos
Santos Schimidt e Tânia Maria F. Braga Garcia. Sendo assim o texto foi desenvolvido através de levantamento e aná-
lise bibliográfica. A partir dessa movimentação da redemocratização, sobretudo nesse momento em que há o resgate
da participação popular, a cidadania é o centro do debate no interior das escolas, as relações entre educadores/as e
alunos/as sofrem os impactos positivos, revolucionários dessas mudanças, capazes de instigar uma série de teorias e
práticas educacionais voltadas para a educação e formação humana desses indivíduos, como por exemplo a educação
popular. A educação popular é um projeto de educação voltado para a transformação do saber diferenciado em um
saber popular, íntimo ao educando, com viés político emancipatório capaz de transformar os sujeitos e a sociedade
como forma de estabelecer, com esse saber, a quebra da hegemonia pela ascensão do poder popular (MOURA, 2010).
A partir da educação popular é possível perceber uma nova educação, politicamente posicionada em transformar os
sujeitos oprimidos em protagonistas, donos do seu próprio destino a partir de um ensino que construa sua autonomia
intelectual e política para a participação na elaboração de políticas e na luta através da organização de seus movimen-
tos. A educação popular não se restringe a transformar apenas as práticas pedagógicas ou a metodologia da educação,
ela busca a transformação dos sujeitos que estão envolvidos nesse processo e a sociedade na qual se integram esses
sujeitos (MOURA, 2010). O educador, ao se comprometer com o projeto de educação popular, antes de tudo, deve
ser um educador questionador, problematizador da realidade, que consiga descortinar as tendências destrutivas do
capitalismo e, a partir daí, reconhecer os papéis sociais aos quais estão sujeitos, não só ele, mas seus educandos. Essa

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reflexão é fundamental para que haja uma nova concepção de ensino, até mesmo para que o educador possa quebrar
a lógica do “professor neutro” ou da “educação neutra”, como Paulo Freire (1996) defende, pois, a partir do momento
em que o educador reconhece seu compromisso político para com a emancipação dos seus educandos e de si próprio,
ele passa a se posicionar politicamente, comprometido a auxiliar a emancipação humana. As contribuições didático
metodológicas no ensino de história, segundo Schmidt e Garcia (2005), o professor deve buscar, em parceria com os
alunos, antes de tudo, renovar conteúdos construindo problematizações históricas onde os alunos possam contar sua
própria história, ao passo que saibam e escutem histórias de outros sujeitos históricos que não os hegemônicos, prin-
cipalmente, de histórias silenciadas ou que não tiveram acesso à História. Desse modo o professor ajuda no processo
de pertencimento desses alunos ao vivenciarem múltiplas e diversas histórias e realidades. A formação da consciência
histórica é um importante objetivo a ser alcançado pelo educador, já que é a partir dela que o aluno será capaz de
compreender a realidade presente a partir da realidade passada. O trabalho de formação da consciência histórica per-
mite que os alunos possam visualizar o curso do tempo ao qual as construções estão sujeitas, “trata do passado como
experiência e revela o tecido da mudança temporal no qual estão amarradas as nossas vidas, bem como as experiências
futuras para as quais se dirigem as mudanças” (SCHMIDT e GARCIA, 2005, p.301).
Palavras chave: Educação Crítica. Ensino de História. Política Educacional.

UMA EXPERIÊNCIA DE DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL EM GOIÁS (2010 - 2016)

Clebia Ramos de Oliveira

Resumo: Este artigo aborda o tema Democratização Educacional acerca do estudo do projeto de pesquisa:
Escola Adelino Ariane (Aparecida de Goiânia): Uma Experiência de Democratização Educacional em Goiás - 2010 a
2016, em andamento sobre a gestão da escola. Busca-se analisar e compreender quais foram as representações coleti-
vas que os agentes envolvidos na gestão educacional dessa escola tinham da democracia naquele período? Assinala-se
que desde o início de suas atividades a escola vem passando por intervenções e indicações de gestores, uma política
que tem demonstrado problemas para Unidade Escolar, pois a instituição tem sido administrada ao longo de sua tra-
jetória por meio de constante troca de gestores, nomeados por indicação política ou intervenções que impactaram e
ainda impactam o desenvolvimento democrático e pedagógico da escola e sua representatividade perante a sociedade.
Devido a essa problemática os reflexos e conflitos em sua esfera administrativa e pedagógica tornaram-se inevitá-
veis, pois quando a comunidade escolar estabelecia um vínculo com a equipe gestora, logo em seguida, a intervenção
acontecia aleatoriamente, sem que os envolvidos no processo fossem comunicados ou reunidos para esclarecer tal
ato. Percebe-se mediante a pesquisa documental, ainda parcial, que havia uma busca incessável da escola em realizar
um trabalho ancorado nas relações humanas de cooperação, liberdade de expressão e democracia, compartilhando
as dificuldades e buscando soluções em conjunto com a comunidade escolar. Estes apontamentos levam-nos a refle-
tir a legitimidade da educação pública levantando a necessidade do estudo e reflexão sobre o assunto. Objetiva-se,
analisar as influências históricas, sociais, políticas que impedem o êxito no processo de Democratização Educacional
em Aparecida de Goiânia. Acredita-se que democratização educacional advém de um pleito eleitoral estabelecido
por um processo de autocrítica e de transformação por parte de seus agentes e que somente através do respeito aos
diferentes grupos sociais, através de uma luta de representações, é que teremos uma democratização educacional efi-
caz e de qualidade. A temática insere-se como pesquisa bibliográfica e documental, acerca da análise de documentos
de órgãos públicos municipais, estaduais, federais e da própria escola. Observa-se que a escola atualmente necessita
de uma transformação, buscando superar os desafios que transformam as ideias juntamente com sua comunidade, e
que essa integração seja revertida em uma participação mais efetiva por parte de todos os interessados. A partir da
exposição da temática nos embasaremos na fundamentação teórica e na aplicabilidade de conceitos práticos e dialé-
ticos que estão contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa, pois a gestão escolar está enraizada num conjunto
de representação e gênero em consonância com aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais. Encontramos na

174
estrutura educacional exemplos constantes de representação e poder entre os governantes, os gestores e a comuni-
dade escolar, que constituem uma competitividade em relações a representatividade, gênero e poder, que propicia
consequências marcantes na educação de Goiás. Espera-se que este estudo nos possibilite alcançar resultados que
possam contribuir para a efetiva democratização Educacional em Aparecida de Goiânia, e que mediante as pesquisas,
reflexões e analises possamos identificar as influências históricas, sociais e políticas que impedem o êxito no processo
eleitoral democrático.
Palavras-Chave: Democratização. Gestão Escolar. Representação.

EDUCAÇÃO E REGIME MILITAR: MEMÓRIAS DE UMA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA

Marcilene Cardoso Oliveira Mendes – UFMT

Resumo: O presente estudo apresenta as memórias de uma professora universitária do Estado de Mato Grosso,
reconstituindo sua atuação profissional durante o período do regime militar brasileiro. Esse período foi caracterizado
pelo comando de militares, com caráter autoritário e patriota em especial na década de setenta com a implantação do
Ato Institucional número cinco, mais conhecido como AI-5, que produziu uma série de ações arbitrárias e violentas
de efeitos duradouros, que concedeu poder de execução aos governos militares para punir os considerados inimigos
do regime, entre eles, professores, sendo punidos, perseguidos, demitidos, presos, por suas ideias antirregime. Para
viabilizar a pesquisa, recorreu-se a depoimento da pesquisada, a fim de aclarar e completar o que se sabe a respeito
do período histórico abordado. Esse estudo está ancorado na memória individual da professora, a fim de reconsti-
tuir o tempo vivido por ela na educação universitária, no período do regime militar brasileiro, ela depõe como foi
trabalhar na educação, nesse período, pois, a memória individual não é inteiramente isolada e fechada. Embora seja
sujeito individual, porque é singular, também é coletivo, pois faz parte de uma realidade social. Portanto a memória
também é coletiva, uma vez que compõe um tecido social. Por assim dizer, a memória individual é um ponto da
memória coletiva. Dessa maneira, a memória individual do tempo vivido pela professora pesquisada não é mais que
uma maneira de se ter conhecimento de uma representação coletiva relacionada à uma experiência vivenciada por
um grupo. Isso, pois, há coerência e lógica na percepção que se impõem ao grupo. A memória individual da profes-
sora está apoiada na memória histórica do período do regime militar, afinal a história de vida não é desvinculada da
história geral. Metodologicamente, o estudo foi estruturado por meio da pesquisa qualitativa, tendo como método
de análise a prosopografia. No que tange aos recursos de coleta de dados, o estudo foi viabilizado por entrevistas e
revisãO bibliográfica. A questão norteadora desse estudo se fundamenta na seguinte indagação: como se constituía
à docência universitária no período do regime militar. O resultado de pesquisa confirma o autoritarismo exercido
oficialmente, por meio de perseguições, atos hostis aos docentes considerados subversivos, retirada de disciplinas
críticas do currículo, implantação de disciplinas de caráter político ideológico que visavam reforçar as tradições,
patriotismo, símbolos e postura moral-ética, controle de conteúdo e de materiais didáticos. Conclui-se que o regime
militar brasileiro foi um período antidemocrático, em que os militares comandavam politicamente o país, detendo o
poder das mais diversas áreas, inclusive, da Educação, o que deixou marcas indeléveis nessa área e naqueles que nela
estavam inseridos. Palavras-chave: Memória. Educação. Regime Militar.

175
CINEMA, EDUCAÇÃO E NEOLIBERALISMO: UMA ANÁLISE DOS FILMES DE JOHN
HUGHES NOS ESTADOS UNIDOS DOS ANOS 1980

Flávio Vilas-Bôas Trovão - UFMG - Câmpus Rondonópolis

Resumo: A obra cinematográfica de John Hughes ganhou relevância ao longo da década de 1980 à medida que
seu nome se consolidava dentro da indústria hollywoodiana como sinônimo de produtos bem-sucedidos comercial-
mente. Por serem direcionados a um público específico, os adolescentes e jovens entre os 13 e 17 anos de idade, o
diretor recebeu a alcunha de “rei das comédias teenagers” naquela década. Os filmes são ambientados nos subúrbios
norte-americanos de classe média e, nesse espaço, o cotidiano escolar ganha um papel de destaque nas narrativas que
encenam. Através da metodologia de análise fílmica (FERRO e ROSENSTONE) que consiste em ler o filme a par-
tir de suas estruturas internas e o contexto histórico no qual se insere, analisamos as representações de professores
e gestores escolares nas películas: Curtindo a vida adoidado (1986) e Clube dos cinco (1985), realizadas por Hughes e
consideradas obras-primas de sua cinematografia. Partindo dos conceitos de cultura midiática (KELLNER) e peda-
gogias culturais (GIROUX), problematizamos as imagens produzidas por Hughes no contexto histórico dos anos
1980, momento em que ocorre uma ampla reforma educacional nos Estados Unidos, implementada pelo governo de
Ronald Reagan. Esse pautou-se em duas grandes frentes: as diretrizes neoliberais, que privilegiam o “estado mínimo”
em oposição ao “estado de bem-estar social” e a difusão de valores morais conservadores no campo dos costumes. A
reforma na educação promovida naquele momento, teve como base as diretrizes do relatório A nation at risk (1983),
organizado por uma equipe de especialistas encarregada de propor ações visando à “excelência educacional” no país.
O documento se tornou referência na história da educação norte-americana por marcar o avanço da iniciativa priva-
da no sistema público educacional e a implantação de um sistema centralizado de controle e mensuração de resulta-
dos, entendido como sinônimo de qualidade e melhoria do serviço prestado. Os resultados da pesquisa, desenvolvida
em nível pós-doutoral junto ao Departamento de História Social da Universidade de São Paulo, apontam para um
processo de ataque às políticas públicas educacionais pautadas nos princípios de igualdade de oportunidades e a con-
sequente introdução de valores mercadológicos como solução para os problemas apontados em A nation at risk, tais
como, qualidade, competência e meritocracia. As imagens dos filmes aqui analisados, direcionados para o adolescente
e jovem norte-americano, quando problematizadas no contexto do processo histórico de avanço neoliberal sobre o
campo educacional, permitem compreender a formação de uma pedagogia cultural e midiática que, ao mesmo tempo
em que criticou a defasagem da educação, abriu o caminho para sua mercantilização e consequente processo de pri-
vatização da gestão escolar.
Palavras-chaves: Cinema. Educação. Estados Unidos.

AS CONFERÊNCIAS BRASILEIRAS DE EDUCAÇÃO (CBE’S) E A FORMAÇÃO PARA O


TRABALHO

Mara Franco de Sá - UFPI

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as contribuições das Conferências Brasileiras de
Educação (CBE’s) para a educação profissional brasileira na fase de redemocratização política do país. Neste contexto,
três entidades acadêmicas e científicas se destacaram por terem iniciado os debates acerca da educação no Brasil: a
Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED); a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC); e o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES). Estas entidades já aspiravam por reformas no setor
educacional a partir das reflexões e críticas que realizavam da política educacional da ditadura civil-militar de 1964,
bem como se organizando em associações de pesquisas na área de educação, organizações estas que tiveram grande

176
influência na oportunidade de realização das Conferências Brasileira de Educação (CBEs). As entidades acima men-
cionadas se destacaram ainda na história da educação pela organização e realização das Conferências Brasileiras de
Educação (CBE’s), especialmente pela elaboração da Carta de Goiânia, documento redigido na IV CBE, onde constam
as sugestões que as entidades acadêmicas e científicas apresentaram à Assembleia Nacional Constituinte à educação
Desse modo, essas entidades colocaram em debate um projeto educativo voltado à ruptura da dualidade estrutural da
educação brasileira mediante a defesa da escola unitária como direito de todos. Para a realização da pesquisa optamos
pela abordagem qualitativa e buscamos compreender nosso objeto de estudo a partir da análise dos registros docu-
mentais que descrevem a memória da educação profissional brasileira nas CBE’s. No que se refere à coleta dos dados
está ocorreu tendo como base o exame dos Anais das Conferências Brasileiras de Educação, inicialmente com a leitura
da I CBE e das subsequentes, até a V CBE, dos quais selecionamos o conteúdo que tratava da educação profissional.
O acesso aos Anais das CBE’s foi possível a partir da consulta ao acervo do Programa de Estudos e Documentação
Educação e Sociedade (PROEDES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A organização das CBE’s ocorreu a
partir de simpósios temáticos. Em relação à da educação profissional, os debates, em todas as conferências, foram
realizados em dois Simpósios sempre denominados de “A Política de educação profissional” e “Educação e Trabalho”.
A leitura atenta dos Anais das CBE’s demonstra a ampliação do debate acerca da educação profissional ao longo dos
anos do evento, visto que os temas abordados não mais se limitaram às críticas à experiência de profissionalização
compulsória do 2º grau, instituída pela Lei 5692/71. As Conferências trataram a temática do trabalho e educação a
partir do entendimento dos aspectos econômicos, políticos e pedagógicos presentes na formação para o trabalho,
assim como dialogaram com experiências de formação profissional dos sindicatos. Embora a organização das CBE’s
tenha surgido da ação de entidades acadêmicas, diversos foram os sujeitos sociais presentes nos encontros. Entre os
participantes que abordaram a educação profissional, encontraram-se, além dos pesquisadores, representantes das
secretarias estaduais de educação, dos sindicatos e do Sistema S. As CBE’s foram fundamentais para a durante o perí-
odo de redemocratização pela defesa de uma escola pública, gratuita, laica e universal. Dos debates ocorridos durante
as conferências em questão se destacou a compreensão de que o acesso das classes populares a uma nova escola básica
era uma condição mínima. Porém defendiam ser indispensável que os trabalhadores não recebessem exclusivamente
uma formação voltada à reprodução da força de trabalho. A defesa do trabalho enquanto um princípio educativo
era decorrente da compreensão de que assim os trabalhadores e seus filhos poderiam ter acesso a um saber capaz de
promover uma inserção social justa a partir da escola. Essa apreensão tornou-se o ponto central dos debates acerca
da educação profissional durante as CBE’s e se fez presente nas propostas defendidas pelas entidades acadêmicas e
científicas, as quais tendo os princípios da escola unitária como orientação teórica, sustentaram que a educação pro-
fissional não poderia prescindir da formação geral. Por essa razão, defendiam que a formação para o trabalho não
deveria limitar-se a uma preparação pragmática; ao contrário, era necessário o acesso ao saber científico, que integra
o processo produtivo em sua totalidade. A atuação dessas entidades, juntamente aos movimentos sociais, sindicais
e aos políticos que partilhavam da mesma perspectiva das entidades em questão foi fundamental na defesa da escola
pública para todos, em todos os níveis, incluindo a formação para o trabalho.
Palavras-chave: Conferências Brasileira de Educação. Educação profissional. Educação e sociedade civil.

CRIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO


SUL 1960-1990: REGIONALIZAÇÃO OU INTERNACIONALIZAÇÃO?

Margarita Victoria Rodríguez - UFMS


Silvia Helena Andrade de Brito - UFMS

Resumo: O debate a respeito da necessidade de inserção do Brasil no concerto dos países capitalistas como uma
nação desenvolvida e competitiva se intensificou durante os anos 1960 e 1970, precisamente no momento histórico
em que as políticas desenvolvimentistas estavam em voga como estratégia de acumulação do capital. A teoria do

177
capital humano era o pano de fundo das ações e programas educacionais instrumentalizados pelo Estado para supe-
rar o atraso econômico. As discussões que se travaram na época faziam referência ao papel e função das instituições
universitárias para atender as demandas da expansão capitalista por meio da formação da força de trabalho, e nesse
contexto, a regionalização e a internacionalização das instituições aparece como um componente da conformação e
do perfil institucional das universidades. Mas será nos anos 1980 que se inicia o processo recente de mudanças em
relação à questão da internacionalização, especialmente nos países europeus e na América do Norte, nos quais se
instalaram uma série de iniciativas que buscavam consolidar a inserção das instituições universitárias no plano in-
ternacional. Posteriormente, durante os anos 1990, estas atividades se estenderam para o restante dos países, a partir
de diversas estratégias que envolveram alunos, professores, pesquisadores e funcionários – seja na participação em
projetos de pesquisa conjuntos; na mobilidade docente, discente e de servidores; na participação em eventos inter-
nacionais; na extensão de campus em outros países e interculturalidade no currículo, entre outros. Nos anos 2000,
a internacionalização ganhou centralidade nas políticas da educação superior brasileira e atingiu grande parte das
instituições universitárias, tornando-se um aspecto constitutivo da missão social das universidades, junto à pesquisa,
ensino e extensão. O trabalho discute a participação do estado de Mato Grosso, junto com as outras unidades da fe-
deração, a partir de meados dos anos 1960, desse projeto político que tinha como objetivo o desenvolvimento e mo-
dernização da nação, mediante a intensificação da industrialização e a formação da força de trabalho na perspectiva
científica e técnica, por meio da expansão de instituições de educação superior no país. Isso redundou, no decorrer
dos anos 1970, durante a ditatura cívico-militar, no maior incremento do número de cursos superiores, faculdades e
universidades estaduais, por um lado; mas também como resultado das políticas implementadas pela União, privile-
giou-se, por outro, a instalação de novas universidades federais, ou federalizou-se instituições estaduais já existentes.
No caso de Mato Grosso, o processo de instauração de uma universidade no estado registrou uma série de percalços,
que repercutiram na instabilidade das instituições criadas. Assim, a instalação em Cuiabá da Faculdades de Direito de
Mato Grosso (FDMT), mediante o Lei n° 486, de 09 de setembro de 1952, foi suspensa pelo Decreto n° 2.248, de 07 de
novembro de 1955, e novamente reaberta pelo Decreto n° 120, de 05 de setembro de 1956. Em 1961 a instituição foi
federalizada pela Lei n° 3.877, tendo sido posteriormente integrada à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),
criada pela a Lei nº 5.647, de 10 de dezembro de 1970. No ano de 1979, em decorrência da criação do estado de Mato
Grosso do Sul, as unidades da UFMT situadas em cidades sul-mato-grossenses conformaram uma nova instituição,
a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Assim, o objetivo geral do trabalho é analisar o processo
de criação e consolidação da UFMS desde seus primórdios, e como se materializou o debate a respeito do papel da
instituição com relação à sua inserção social com vista a promover sua regionalização e internacionalização, durante
o período de 1960 a 1990. Destaca-se a concepção de regionalização e internacionalização e como as mesmas se ex-
pressavam nas diretrizes institucionais, bem como as estratégias e procedimentos adotados visando a consolidação
e expansão do processo de internacionalização e ou regionalização. Para tal, foram analisados documentos e normas
legais tais como o Estatuto da Universidade Estadual de Mato Grosso (1970); Relatório Anual da Universidade Es-
tadual de Mato Grosso (1971); Atas do Conselho Universitário da Universidade Estadual de Mato Grosso (1973 a
1979/1975 e 1979); Estatuto da Fundação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1984/1994), entre outras
fontes documentais. Como resultado, se verificou que inicialmente a instituição focou a regionalização como forma
de inserção e interferência no processo de promoção do desenvolvimento econômico mediante a formação de qua-
dros profissionais para atuar tanto no campo da administração pública como nas atividades da iniciativa privada, em
especial, as atividades comerciais e da incipiente exploração agroindustrial, a partir da criação de campus universitá-
rios no interior do estado. Também se identifica nos documentos analisados que inicialmente a internacionalização
não era uma política institucional, mas paulatinamente se detecta um interesse por instituir práticas acadêmicas,
pedagógicas e administrativas com esse objetivo, atendendo as prerrogativas das diretrizes nacionais da educação
superior, sendo que o entendimento da internacionalização baseava-se na concepção clássica e tradicional de trans-
ferência de conhecimento, mediante a inovação científica e tecnológica.
Palavras-chave: Internacionalização da educação. Educação superior. Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul.

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A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E A RETOMADA DA PEDAGOGIA
NEOLIBERAL: O CURRICULO EM DISPUTA

Reynaldo Zorzi Neto


Kamylla P. Borges, Dayanna P. Santos

Resumo: Esta pesquisa insere-se no campo da História e Políticas Educacionais. O tema se constitui em empre-
ender uma análise histórica, a partir da década de 1990, sobre as políticas educacionais no contexto das transforma-
ções socioeconômicas e reformas neoliberais ocorridas no período. Objetiva-se a compreensão sobre a retomada do
ideário neoliberal para a educação brasileira no Governo Temer, concretizando-se na homologação da Base Nacional
Curricular Comum (BNCC). Parte-se da premissa de que a BNCC retoma aspectos da Pedagogia neoliberal da década
de 1990 ao apresentar um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências a ser adquirido pelo estudante
brasileiro por meio de padronização do currículo e de dispositivos de poder que buscam fomentar a formação do
homo economicus neoliberal. Nesta reflexão, considera-se que embora seja relevante à elaboração de uma base co-
mum nacional, faz-se cogente o reconhecimento do respeito à liberdade para construção do currículo escolar, isso em
conformidade com a realidade expressa pelo projeto-político pedagógico de cada instituição de ensino Em aspectos
metodológicos, para analisar as rupturas e permanências no campo da história e políticas educacionais, foi realizada
uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa e pesquisa documental. Os documentos oficiais vinculados às
políticas educacionais para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e para elaboração da
BNCC foram mapeados, assim como documentos provenientes de agentes do campo econômico e político. Tal refle-
xão é estabelecida a luz dos estudos sobre currículo que apontam para os impasses de sua implementação. Por meio
dessa análise observou-se o modo como se estabeleceram as relações entre o desenvolvimento do PNE (2014 a 2024)
e a elaboração/homologação da BNCC. A partir das análises realizadas identificou-se que a BNCC apresenta em seu
texto elementos do tecnicismo e da retomada da Pedagogia Neoliberal propagada na década de 1990, ao responder aos
interesses do capital e da sua lógica. Os documentos oficiais vinculados às políticas educacionais para o cumprimento
das metas do PNE e para elaboração da BNCC foram mapeados bem como documentos provenientes de agentes dos
campos econômico e político. Assim, verificou-se também que a BNCC foi elaborada em concordância com as reco-
mendações dos Organismos Internacionais que têm orientado e influenciado a criação e o desenvolvimento das polí-
ticas educacionais primando pelo fortalecimento de um projeto formativo centrado no atendimento dos interesses e
demandas do campo econômico. É neste aspecto que defendemos a necessidade de estabelecer diálogos e articulações
pedagógicas e políticas que permitam a experiência democrática de construção coletiva do currículo. Conclui-se que
os discursos formados em torno da BNCC têm servido como um meio de assegurar a conservação do projeto neoli-
beral de educação, sendo este fundamentado no discurso pragmático das reformas educacionais atuais.
Palavras-Chave: BNCC, Pedagogia Neoliberal, Currículo, Neoliberalismo.

O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ESTADO: UM DIALÓGO COM


ANÍSIO TEIXEIRA

Marcilene Pelegrine Gomes - UFG

Resumo: No tempo presente, vivencia-se no Brasil, um contexto político e social em que as conquistas sociais,
já consideradas consolidadas no campo do direito e da cidadania, são atacadas em nome de um projeto neoliberal e
conservador de Estado. Nesse contexto, a democracia, o direito à educação e o fortalecimento da escola pública torna-
ram-se alvos de ataques e críticas. Em oposição à esta realidade empírica, neste trabalho, objetivou-se apreender, por
meio de um estudo documental e bibliográfico, como as ideias de Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) contribuem

179
para a compreensão e a defesa de um projeto democrático de sociedade em que a educação e a escola pública sejam
tomadas como aspectos estruturantes para o desenvolvimento econômico e social do país. Essa defesa reverberou
nas ideias e nos ideais que orientaram a luta política e pedagógica do educador em prol da garantia da educação como
um direito de todos e do fortalecimento da escola pública, laica e de qualidade, como espaço prioritário para a for-
mação humana e para o enfrentamento das desigualdades educacionais e sociais que afetavam, sobretudo as crianças
vulneráveis pela pobreza. Tarefa que só era possível, na compreensão de Teixeira, mediada pela ação intencional
e planejada de um Estado democrático. Neste estudo, as obras de Anísio Teixeira Educação não é privilégio (1977)
e Educação é um direito (2009) serão tratadas como fontes bibliográficas e documentais para o desenvolvimento da
temática anunciada. O pensamento educacional de Anísio Teixeira estava diretamente articulado à sua defesa de de-
senvolvimento econômico e social do país. No campo econômico, o Brasil da década de 1950 e início de 1960, tempo
de produção das obras utilizadas como referências para este estudo, se caracterizava pela consolidação do capitalismo
periférico impulsionado, principalmente pela industrialização e urbanização. No campo educacional, a democratiza-
ção e a universalização do acesso à escola primária ainda se colocavam como desafio no cenário das políticas públicas
educacionais. No campo social, permanecia as relações marcadas pela extrema desigualdade social que, para o autor,
teria um impacto significativo na produção das desigualdades educacionais. Transcorridos mais de cinco décadas
da publicação das obras de Anísio Teixeira, mesmo que com a democratização e a universalização do acesso à
escola pública, a realidade educacional brasileira denuncia que ainda há muito a ser assegurado no campo do direito
à educação e à escola pública de qualidade. Os escritos e as reflexões deixadas pelo autor, mesmo quando anunciadas
nos discursos dos formuladores de políticas nas diferentes esferas da gestão pública, não foram materializadas nas ins-
tituições escolares, na reorganização dos tempos e dos espaços na perspectiva da garantia do direito à aprendizagem
como direito de todos e não como privilégio de poucos.
Palavras-Chave: Direito à educação. Democracia. Estado e Política. Pública.

O ENSINO SECUNDÁRIO GOIANO: DAS PRIMEIRAS INCIATIVAS AO PERÍODO DE


EXPANSÃO

Ana Maria Gonçalves - UFG - Regional Catalão

Resumo: Data de 1778 a primeira iniciativa referente ao ensino secundário em Goiás. Nesse ano a Metrópole
mandou para a Capitania dois professores de latim e um de retórica. Em 1800 mais uma cadeira de latim foi criada
e mantida com subsidio literário. A ordem de criação das escolas régias goianas foi: escola de Gramática Latina do
Arraial de Meia-Ponte, no ano de 1787; escola de Gramática Latina em Vila Boa, no ano de 1788; escola de Retórica
em Vila Boa, em 1791; e escola de Filosofia Racional em Vila Boa, em 1792. As escolas régias funcionaram em Goiás
até 1825. Posterior a essa data, o ensino secundário funcionou por meio de cadeiras isoladas, sendo elas: de Latim,
Retórica, Francês, Aritmética, Geometria e Filosofia. Havia, contudo, dificuldade de provimento em algumas delas.
Um fato marcante é que quase todas as cadeiras foram ocupadas por religiosos. O primeiro estabelecimento de ensino
secundário de Goiás foi o Liceu, criado por lei em 2 de julho de 1846 e inaugurado em 23 de fevereiro de 1847. Até o
ano de 1933, com uma história marcada com dificuldades, o Liceu de Goiás permaneceu como único estabelecimento
público de ensino secundário do estado. Em 3 de março de 1860 foi fundado o Seminário Episcopal. Sua instalação se
deu em 7 de novembro de 1863, pela Resolução Nº 417. O início de seu funcionamento se deu em 1872, tornando-se
o segundo estabelecimento de ensino secundário do estado, rivalizando em qualidade com o Liceu de Goiás. Vale
lembrar que alguns raros estabelecimentos de ensino secundário particulares foram criados nessa fase inicial, dentre
eles: o Colégio Nosso Senhor do Bonfim, fundado em Meia-Ponte no ano de 1868, por Francisco Henrique Raimun-
do Trigant Des Genettes, e o Ateneu Meiapontense, fundado também em Meia-Ponte, no ano de 1887, por Vicente
da Silva Batista, Luiz Gonzaga Jaime e Brás Aristófanes de Pina. Esses estabelecimentos funcionaram por pouco tem-
po. Durante as décadas de 1920-1930 as relações entre Estado e Igreja Católica foram reatadas, não só nos estados,

180
mas a nível de nação. Iniciava-se, assim, um processo de colaboração entre essas duas instituições, processo esse que
se manteve até meados de 1960. No que tange ao processo de expansão do ensino secundário no estado de Goiás é
preciso destacar seu início logo após a transferência da capital para Goiânia. Um fato que contribuiu com a criação de
estabelecimentos de ensino secundário foi o Fundo Nacional do Ensino Médio, que assegurou recursos para constru-
ção de ginásios. No que se refere a expansão do ensino secundário no estado de Goiás convém salientar, também, a
atuação da Igreja Católica Apostólica Romana. É interessante destacar que no final dos anos 1950 a capital do estado,
Goiânia, contava com um total de 24 (vinte e quatro) estabelecimentos de ensino médio. Desses, 16 (dezesseis) ofe-
reciam o ensino secundário, sendo que apenas 3 (três) ofertavam os dois ciclos. Há que se considerar que dos 3 (três)
estabelecimentos que ofertavam o secundário completo, apenas 1 (um) era público, o Colégio Estadual de Goiânia.
Inquestionavelmente a expansão do ensino secundário goiano se deu a partir da década de 1950. Contudo, é possível
identificar que apenas o ciclo ginasial era ofertado nos estabelecimentos de ensino secundário do interior do estado.
A proposta deste texto foi configurar a organização do ensino secundário em Goiás, das primeiras inciativas até o
ano de 1961. Esse trabalho resulta de pesquisa bibliográfica e documental, especialmente dados estatísticos produzi-
dos pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Os resultados permitem afirmar que a atuação da Igreja
Católica Apostólica Romana em Goiás no campo educacional foi significativa, atuando hegemonicamente no nível
secundário até meados dos anos 1950. Se os primeiros mestres eram religiosos, com a romanização a educação foi
transformada em uma diretriz importante do movimento reformador católico, o qual contou com a contribuição
de ordens e congregações religiosas. Essa configuração confirma o que pesquisas acerca da história do catolicismo
no Brasil assinalam, ou seja, que a atuação dos religiosos no campo educacional a partir da segunda metade do século
XIX se tornou uma prioridade absoluta, de modo que eram raros os institutos religiosos que não se envolviam com a
educação. Por fim, a presença do setor público nesse nível de ensino se fez mais consistente a partir dos anos 1960.
Palavras-Chave: Ensino Secundário. Educação Confessional. Expansão do ensino.

POLÍTICAS DE CERTIFICAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS: O CASO DOS EXAMES DE


MADUREZA

Maria Margarida Machado - UFG


Stephany Lago - UFG

Resumo: Esta pesquisa propõe uma reconstituição histórica dos Exames de Madureza no Estado de Goiás, com
vistas a compor o acervo de documentação e memória da Educação de Jovens e Adultos (EJA) deste Estado, disponi-
bilizado em plataforma digital pelo Centro Memória Viva (CMV). O Decreto-Lei nº 981/1890 de Benjamim Cons-
tant abriu espaço para brasileiros, que não tiveram oportunidade de cursar o chamado “ensino regular”, formalmente
em uma instituição de ensino, obterem através do Exame de Madureza um certificado que lhes dava título de bacharel
(correspondente ao final da educação básica nos dias atuais); direito de concorrer a cargos no serviço público; e a
possibilidade de se candidatar a um curso no ensino superior. A pesquisa tem por finalidade contribuir para pensar a
política de educação de jovens e adultos implementada, neste Estado, e sua relação com as políticas nacionais voltadas
para EJA. A concepção de história presente nessa pesquisa parte da relação intrínseca entre passado e presente, aqui
focalizada na tentativa de percepção dos sentidos atribuídos aos exames, no contexto da educação brasileira. Os dados
apresentados, resultam de pesquisa documental realizada nos arquivos da Secretaria de Estado da Educação Cul-
tura e Esportes de Goiás (Seduc/GO), focalizando os achados documentais que registram o perfil dos candidatos aos
Exames de Madureza. A documentação sobre os Exames de Madureza da SEDUC/GO encontra-se no “Departamen-
to de Expedição de Certificados” (DECD). No arquivo deste departamento foram localizados 4 livros atas, com dados
de identificação das pessoas que buscaram seus certificados do Exame de Madureza nos anos de 1973 a 1977. Após
a identificação, tratamento e tabulação dos dados, foi possível produzir gráficos que revelam o perfil dos candidatos
certificados pelos Exames de Madureza em Goiás. Os livros de registro do DECD, nos possibilitaram identificar a

181
estratégia da certificação atendendo a necessidade de jovens e adultos. A busca pela certificação está representada pela
maioria de jovens e homens, o que reforça a não oferta de cursos regulares, naquele contexto da educação brasileira,
ao mesmo tempo em que revela a dificuldade da condição feminina, ainda na década de 1970, de lutar pelo direito a
educação, tendo em vista que a quantidade de mulheres que concluem sua escolaridade básica é significativamente
inferior aos homens. A sistematização destas informações sobre o perfil dos certificados pelos Exames de Madureza
em Goiás contribui para a constituição da história da educação, destinada aos sujeitos jovens e adultos neste Estado e
a pensar a política nacional voltada para EJA. Ao mesmo tempo, possibilita o levantamento de outras questões
acerca da política de exames, quando esses dados são colocados em análise frente as demais políticas de certifica-
ção, como os Exames Supletivos, que substituíram os Exames de Madureza, ou ainda, o Exame de Certificação de
Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), que substituíram os Exames Supletivos.
Palavras-chaves: Exame de Madureza. Certificação. Educação de Jovens e Adultos.

A ORGANIZAÇÃO E A NORMALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL: A


DISCIPLINARIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS (1961-1971)

Nivaldo Corrêa Tenório – UFMS

Resumo: O objeto deste estudo insere-se num campo de pesquisa da História do Currículo no Brasil. Nosso
estudo tratará especificamente da constituição curricular do ensino médio em âmbito macro. E em âmbito micro no
estudo das disciplinas escolares que compuseram as chamadas Ciências Sociais e como elas foram disponibilizadas
no currículo escolar, no período compreendido entre 1961 – 1971. O período se justifica pelas preposições e modi-
ficações sugeridas em âmbito nacional, primeiramente pela lei de diretrizes e bases da educação nº 4.024/61 e pela
lei nº 5.692/71 e suas repercussões e consequências para o currículo escolar. Esse conjunto de documentos, além de
organizar e normalizar o ensino médio, permite analisar a construção histórica do chamado currículo prescrito e a
posição ocupada pela disciplinarização das Ciências Sociais em seu interior. Salientamos ainda que o período por nós
pesquisado contempla o início do Regime Militar no Brasil (1964 -1985), que foi um fator político, social e econô-
mico importante e que norteou a educação no Brasil. Lembrando que muito dos direcionamentos curriculares das
Ciências Sociais foram elaborados e/ou impostos pelo comando militar da época. Merecendo destaque a ciranda de
nomenclaturas que tentavam conduzir a compreensão das Ciências Sociais e sua localização nos currículos prescri-
tos, a saber: Ciências Sociais (CS), Moral e Cívica (MC), Moral (M), Organização Social e Política Brasileira (OSPB),
Estudos Sociais (ES) e Educação Moral e Cívica (EMC). Para desenvolvermos nosso trabalho adotamos duas frentes
de procedimentos, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa histórico documental. A primeira frente, voltada para a temas
como currículo, cultura escolar e história das disciplinas escolares. A Segunda para o exame das resoluções, dos pa-
receres, das leis, dos relatórios, das emendas, do currículo prescrito, que configuraram o conjunto de legislação rela-
tiva ao ensino médio no Brasil no período pesquisado. Ao fazer uso de diferentes tipos de documentos, procuramos
identificar as condições históricas, sociais e políticas de produção de cada uma destas fontes. Assim, os documentos
foram analisados fazendo-lhes uma crítica interna e buscando as condições de produção dos mesmos. Pois, quando
pesquisamos a história das disciplinas escolares e no nosso caso particular as Ciências Sociais, não devemos nos es-
quecer também que elas têm a função de conservação e de transmissão cultural, pois é resultado de uma seleção e
reelaboração de conteúdos pré-determinados a serem transmitidos à sociedade. A pesquisa está vinculada à Linha de
Pesquisa História, Políticas, Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) (UFMS) e ao Obser-
vatório de Cultura Escolar (OCE-UFMS).
Palavras-chaves: Ensino médio. Currículo. Ciências Sociais.

182
GESTÃO ESCOLAR INDÍGENA NA ESCOLA “MBO`ERO ARANDU`I” NO MUNICÍPIO DE
JUTI-MS (2004-2019)

Rosângela Farias da Silva - UFGD/Bolsista-Capes

Resumo: Este trabalho teve como objetivo analisar os desdobramentos institucionais sobre o funcionamento
da gestão escolar da Escola Indígena MBO`ERO ARANDU`I, localizada na Aldeia Jarará, no município de Juti-MS. A
gestão dessa Escola Indígena, vem sendo realizada pela Escola Municipal Doraci de Freitas Fernandes-Polo, desde
sua criação em outubro de 2004. A educação escolar indígena na Aldeia Jarará, de modo amplo, percorreu em meio as
retomadas e despejos dos índios Guarani e Kaiowá desde 1987, também marcada pela demarcação da terra indígena
de Jarará (TI). O problema norteador indaga o porquê de todos os desdobramentos que a escola percorreu, mas ainda
não é autônoma, já que foi institucionalizada desde 2005; e qual a finalidade das táticas e estratégias utilizadas pela
administração pública ao transformar a escola em uma extensão de outra instituição educativa da Rede Municipal
de Educação? O recorte temporal inicia-se com a instalação do prédio escolar na área da Aldeia Jarará, que poste-
riormente, teve seu funcionamento como escola indígena e, como recorte final definiu-se o ano de 2019, quando ela
se torna apenas uma sala, extensão de outra escola. Desse modo a educação na Aldeia não é autônoma, mas gestada
do mesmo modo que as demais escolas urbanas do município. A pesquisa foi de cunho qualitativo, documental e de
campo. A fundamentação teórica em conceitos inscritos na perspectiva foucaultiana, como poder-saber, dispositivo,
táticas e estratégias. Para a metodologia, foram utilizadas como fontes documentais jornais, legislação e informações
obtidas junto a indígenas da Aldeia Jarará. As informações levantadas junto aos indígenas da Aldeia inserem-se em
pesquisa de mestrado em andamento na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), com a autorização do
Comitê de Ética e Pesquisa (CEP-CONEP) e da FUNAI para ingresso na Terra Indígena. Como resultado conclui-se
que a escola nunca teve uma gestão autônoma estando submetida as mesmas exigências feitas para as demais escolas
urbanas do município de Juti. Mas, conforme consta no documento de criação e de autorização de funcionamento,
Lei Municipal nº 202/2005 e também pelo Regimento Escolar, segundo Portaria nº 052/2010, foi concebida como
uma “escola indígena” e não uma extensão como se pode observar atualmente. Concluiu-se ainda que mesmo no perí-
odo de criação e regulamentação da Escola Indígena em 2004, não se constituiu como uma instituição autônoma, pas-
sando a ser palco de intervenções e transformações até tornar-se apenas uma sala de aula. Esse poder-saber, conforme
Foucault, não se separam, eles se implicam, comungando da mesma esfera que se constituem. Ou seja, estratégia para
traçar assim, meios para obter uma finalidade, e concretizar objetivos. Também enquanto tática, o enfrentamento e
contornos diante da solicitação de regularizar a escola para seu funcionamento, a administração pública de Juti veio
trabalhando manobras por meio de táticas e estratégias para transformar a escola em extensão. O poder-saber dá
subsídio para concentrar nas ações e finalidades a atingir. Esse poder-saber, conforme Foucault, não se separam, eles
se implicam, comungando da mesma esfera que se constituem. Ou seja, estratégia para traçar assim, meios para obter
uma finalidade, e concretizar objetivos. Também enquanto tática, o enfrentamento e contornos diante da solicitação
de regularizar a escola para seu funcionamento, a administração pública de Juti veio trabalhando manobras por meio
de táticas e estratégias para transformar a escola em extensão. O poder-saber dão subsídio para concentrar nas ações
e finalidades a atingir.
Palavras-chave: Autonomia na gestão escolar. Extensão escolar. Estratégias. Táticas.

183
(IN) VISIBILIDADE DAS PERCEPÇÕES E POSICIONAMENTOS DE PROFESSORES
ACERCA DA BNCC: UM ESTUDO A PARTIR DA PRODUÇÃO ACADÊMICO-CIENTÍFICA
ENTRE 2015 A 2019

Laurina Tavares de Farias - UFMT


Gizeli da Costa Leão Mendes - UFMT
Merilin Baldan - UFMT

Resumo: O presente resumo comporta os resultados parciais da pesquisa de mestrado relacionada a temática
de políticas públicas educacionais, mais especificamente, na perspectiva histórica da política de regulação do currícu-
lo. No contexto educacional brasileiro, embora a discussão de uma base curricular não seja atual, a configuração da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem suscitado questionamentos e polarizações que se tornam essenciais
investigar. Muitas vezes, o professor da educação, é um sujeito (in) visibilizado no processo, como se política só fosse
a “grade política” e o professor só estivesse ali para “fazê-la cumprir” ou, ao contrário, colocar-se como um “obstá-
culo”. Nesse sentido, emergiram algumas inquietações: Quantas e de que maneira as produções acadêmico-cientí-
ficas têm dado (in) visibilidade as percepções e posicionamentos dos professores dentro do processo de discussão e
implementação da BNCC? Quais são essas percepções e posicionamentos dos professores? Quais são as reações dos
pesquisadores a essas percepções e reações? Desse modo definiu-se como objetivo geral investigar a (in) visibilidade
das percepções e posicionamento dos professores acerca da BNCC nas produções acadêmico-científicas no período
de 2015 a 2019, na base de dados multidisciplinar. A natureza da investigação é de natureza bibliográfica, com abor-
dagem qualitativa, correlacionada com o levantamento das produções acadêmico-científicas na base de dados multi-
disciplinar “Portal Brasileiro de Publicações Científicas”. Para tal, utilizamos a delimitação temporal de 2015 a 2019,
bem como os seguintes descritores: BNCC”, “Base Nacional Comum Curricular”, “Ensino Fundamental”, “Ensino
Médio”, “Professores”, “Currículo”. Foram levantadas 57 produções no período de 2015 à 2019, das quais 10 versa-
vam sobre a BNCC e discursos de professores. Para análise dos dados realizou-se a leitura e a elaboração de mapas
conceituais, a partir dos quais foi possível identificar algumas questões pertinentes em resposta aos questionamentos,
contudo ressalta-se que a intenção da pesquisa não é apontar conclusões, mas reflexões acerca do assunto abordado
para possibilitar debates, em torno de conflitos sobre a análise da BNCC. Considerando, também, o referencial te-
órico adotado por nós, isto é, o Ciclo de Políticas, é essencial compreender os conflitos de interesse e de disputa em
torno da produção da BNCC, das razões da centralidade conferida ao currículo, a reintrodução discursos pragmáticos
e a-históricos, a noção utilitarista, a presença do gerencialismo, os princípios tecnocráticos do ensino, a prescrição e
o cerceamento da autonomia docente, etc., cujos elementos aparecem em nossos resultados parciais.
Palavras-Chaves: BNCC. Professores. Políticas Curriculares.

A LEI 10.639/2003 E O CURRÍCULO DE HISTÓRIA NO ENSINO BÁSICO TÉCNICO E


TECNOLÓGICO NO INSTITUTO FEDERAL (IF): RUPTURA OU CONTINUIDADE?

Ana Flávia Sardinha Gonçalves Paiva - IFPA – Campus –Tucuruí


Murillo Medeiros de Godoi - SEDUC-Goiás

Resumo: Essa comunicação tem como proposta analisar a Lei 10.639/2003 no currículo do ensino de História
no Ensino Médio Técnico e tecnológico no Instituto Federal, através das ementas curriculares dos PPCs (Projeto Pe-
dagógico de Curso do IF), os entraves ou não da possibilidade da implementação desta lei, assim como compreender
os dispositivos legais e fundamentos teóricos para as políticas de ações afirmativas e a promoção da igualdade racial
para a implementação deste dispositivo legal nesta instituição escolar. Compreender como foram construídos os

184
fundamentos da lei 10.639/03 e como os dispositivos legais e fundamentos teóricos para as ações afirmativas e pro-
moção de igualdade racial no contexto histórico da Educação Brasileira. A Historiografia oficial brasileira, embasada
em uma cultura eurocêntrica e elitista, marginalizou, omitiu, ignorou dos currículos escolares de História do Brasil,
a História de outras matrizes culturais e étnicas que contribuíram para o processo civilizatório da História Brasileira,
principalmente, a população de origem afro e afro -descendentes. A História acadêmica e a História como disciplina
escolar se confundiam em suas propostas, pois cabia ao estado brasileiro a formação da nacionalidade tendo à frente
um governo liderado por uma elite intelectual e econômica, verdadeiro motor das transformações pelos quais o Brasil
deveria passar para chegar ao desenvolvimento. O objetivo básico da História escolar era formar o “cidadão político”,
o possuidor do direito ao voto e cuja ideia de identidade nacional deveria estar alicerçada na História da Europa-“ o
berço da nação”. O currículo nacional, privilegiou discursos dominantes e excluiu das salas de aulas, os discursos e as
vozes dos grupos sociais oprimidos, vistos como marginais e não dignos de serem ouvidos no espaço escolar. O saber
Histórico em sala de aula, passou por mudanças, renovações em suas propostas curriculares desde o final do séc. XIX
e no decorrer do séc. XX, porém, sem romper com a tradição eurocêntrica. No final dos anos 90, do séc. XX, o mo-
vimento de reformulações curriculares, começaram a se fazer presentes nas normatizações estabelecidas pelo MEC,
através dos PCN´s com objetivo de regulamentar o exercício do ensino Fundamental e Médio com conteúdos sobre
as noções de cultura, diversidade cultural e identidades e relações étnico-raciais eram trabalhadas em sala de aula. A
Lei 10.639/2003, no início do séc. XXI estabeleceu oficialmente a obrigatoriedade do ensino da História da África e
cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras de Educação Básica. Esta lei colocou no centro do debate con-
ceito de raça, identidade negra, racismo, democracia racial, cultura negra, cultura afro-brasileira, pluralidade cultural
e cultura brasileira, a política educacional proposta pelas “Diretrizes” exigia o aprofundamento desses conceitos e sua
contextualização no processo Histórico, as” Diretrizes” convocam os profissionais de História para uma ampla refle-
xão sobre a História da Cultura afro-brasileira em suas dimensões de pesquisa e ensino. A metodologia utilizada pelo
estudo foi do tipo análise documental do currículo e os PPC´s dos cursos de forma exploratória para identificar se o
dispositivo legal proposto pela Lei 10.639/03 foi ou não contemplada nas ementas curriculares e nos PPC´s dos cur-
sos do IF. A pesquisa de campo foi do tipo descritiva e atrelada ao contexto social, que permeiaram as relações so-
ciais, por isso optou-se por uma abordagem qualitativa, baseada na corrente epistemológica da dialética, abordagem
que facilitou e expôs a veracidade, os dados e objetos pesquisados. O resultado esperado foi um avanço considerável
dentro das metas e a concretização da Lei 10.639/2003 no currículo escolar da disciplina de História na instituição,
assim como também no Projeto Pedagógico de Curso .A abordagem do ponto de vista metodológico e a reflexão dos
diversos cursos tecnológicos estão em consonância com o princípio da igualdade, como igualdade de condições de
vida e cidadania, assim como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do
acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros, com base na Lei 10.639/2003.
Palavras-Chave: Currículo de História. Políticas afirmativas. Educação escolar.

POLÍTICAS DE COTAS E EXTENSÃO NA UFT: POR UMA EDUCAÇÃO


MULTICULTURAL

Rosemary Negreiros de Araújo – UFT


Sheila Kelly Paulino Nogueira – UFC

Resumo: O exercício aqui proposto é o de, a partir do Programa Política de Cotas da Universidade Federal do
Tocantins (UFT), dialogar com os desafios e implicações para uma efetiva implementação de políticas afirmativas
voltadas à educação étnico racial e a inclusão de pessoas indígenas e quilombolas na Universidade. Tomando como
ponto de partida a implementação da política de cotas no contexto nacional chegamos na UFT, em um esforço de ar-
ticular escalas para compreender a importância do debate em tela para a democratização da educação no Brasil. O in-
gresso de estudantes indígenas e quilombolas nas universidades é algo recente. Na UFT, a presença desses estudantes

185
tem sido possibilitada pelo sistema de cotas para indígenas (2005), posteriormente ampliado para quilombolas. Foi a
partir das cotas que esta instituição de ensino superior passou a receber estudantes com origem e trajetórias diversifi-
cadas. Atualmente a UFT, em seus sete campi, é composta por uma expressiva diversidade cultural e social. O Câmpus
de Miracema, conta com cerca de 100 alunos indígenas regularmente matriculados, pertencentes aos povos Xerente,
Karajá, Karajá Xambioá, Javaé, Kanela, Atikum e Pankará (esses últimos são de Pernambuco), desse percentual, o
maior número pertence ao povo Xerente, 41 Indígenas. Já os quilombolas são cerca de 30, sendo oriundos de duas
comunidades em Chapada de Natividade, e uma aluna de Boi de Carro no Maranhão. A iniciativa é recente e muito
importante para um país onde negros e indígenas nunca tiveram igualdade de direito, de acesso aos bens e serviços,
igualmente ao acesso à educação superior. Vale ressaltar, que o acesso e a permanência de estudantes indígenas e
quilombolas na UFT, decorre, também, da luta que essas etnias travaram pelos seus direitos, a fim de assumirem uma
condução autônoma de seus destinos. No entanto, acessar o ensino superior, não significa necessariamente, chegar
até o fim da jornada. As fragilidades ainda presentes na implementação da política de cotas reverberam em desafios de
múltiplas ordens no cotidiano acadêmico de discentes e docentes. Entre os efeitos gerados por tais desafios destaca-se
o alto índice de evasão escolar de estudantes indígenas e quilombolas. Considerando essa realidade, na escala regio-
nal, o contexto da reflexão é o Projeto de Extensão intitulado Extensão, Afirmação de Identidades e Permanência
de Estudantes indígenas e Quilombolas na Universidade que vem sendo desenvolvido desde 2018 com previsão de
encerramento em 2020. A proposta visa implantar ações interdisciplinares, cujo objetivo é promover um espaço de
interlocuções entre estudantes indígenas e quilombolas do Câmpus de Miracema (UFT), a fim de dar visibilidade à
cultura, aos conhecimentos tradicionais e aos modos de vida desses dois grupos: povos indígenas e comunidades qui-
lombolas. Em síntese, o Projeto visa contribuir com a visibilização dos estudantes pertencentes aos povos originários
(indígenas) e às comunidades tradicionais (aqui representadas pelos quilombolas) no meio acadêmico como sujeitos
de direito a partir de ações educativas e de pesquisa que tragam o debate étnico-racial como cerne de suas metodolo-
gias. Embora as ações do Projeto ainda estejam em curso, à apresentação do relato do processo de sua realização tem
a potência de nos permitir pesar sobre a prática, partilhando acertos e descompassos que apontem para a ampliação
da reflexão em torno de formas mais criativas e democráticas de acolher a diversidade e/ou multiculturalidade no
ambiente acadêmico. Para o desenvolvimento do Projeto elegemos a pesquisa-ação como premissa metodológica. A
proposta abrange momentos de vivências acadêmicas e científicas entre estudantes indígenas, quilombolas e demais
estudantes, professores e técnicos, por meio da constituição de ciclos de debates, cursos, oficinas e feiras. A duração
prevista da intervenção é de dois anos, com carga horária de 340 horas divididas entre ações educativas e de pesqui-
sa. De caráter interdisciplinar, as ações estão agrupadas em três eixos temáticos que abrigam um conjunto de ações:
Acesso e permanência de indígenas e quilombolas; Territorialidades, movimentos sociais e questões ambientais; Me-
mória e Arte de povos indígenas e quilombolas.Como resultados preliminares destacam-se: a adesão dos estudantes
e servidores públicos a proposta; parcerias firmadas com outros docentes; ampliação do debate junto a outros campi
da UFT, a partir da divulgação das ações programadas; organização de um núcleo de pesquisa; estruturação da sala do
núcleo, cedida pela Universidade essa conquista tem sido comemorada por se constituir em um espaço de referência
para a formação em torno das questões trabalhadas no Projeto. As notas conclusivas apontam para o entendimento
de que a política de cotas deve abranger possibilidades de entrada dos estudantes articuladas a condições efetivas de
sua permanência. É preciso pensar a chegada, mas também a travessia de indígenas e quilombolas durante o tempo
de duração de suas graduações.
Palavras-chave: Política de Cotas. Educação multicultural. Extensão.

186
HISTÓRIA DOS MÉTODOS E MATERIAIS PARA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS EM
GOIÁS 1916-1937

Juliano Guerra Rocha - Prefeitura de Itumbiara; Secretaria de Estado da Educação de Goiás


Sônia Maria dos Santos - UFU

Resumo: Este trabalho tem como objeto de estudos a alfabetização no estado de Goiás, analisando sua traje-
tória histórica entre os anos de 1916 e 1937, na busca de evidenciar os métodos e materiais para o ensino inicial de
leitura e escrita. O marco inicial está no ano de 1916, quando foi promulgada a Lei n.º 527 de 7 de julho de 1916, que
reorganizou a instrução primária no estado de Goiás. Essa legislação previa a uniformidade e gratuidade escolar, por
meio da oficialização do ensino intuitivo e do método analítico de palavração. Pela primeira vez, o estado indicava
ambos os métodos numa lei, inaugurando um modo diferente de se pensar a escola e as práticas de ensino de leitura e
escrita. Embora esta lei não tenha entrado em vigor, devido aos problemas financeiros do estado, havia a sinalização
de aspectos antes não tratados na sua legislação, especialmente sob a influência do pensamento escolanovista. Ela de-
volvia ao estado a responsabilidade por manter e legislar sobre a abertura de escolas, além de instalar o grupo escolar
na Capital, anexo à Escola Normal. Esses dois pontos ilustram os principais motivos pelo qual a lei não foi colocada
em prática. Embora não tenha vigorado, as ideias preconizadas em 1916 foram ampliadas e concretizadas na Lei n.º
631 de 02 de agosto de 1918, conhecida como Reforma João Alves de Castro e Americano do Brasil. Essa reforma
dispunha sobre a organização do ensino primário goiano, sendo considerada um marco na normatização e concreti-
zação de mudanças no cenário da educação estadual. O estado de Goiás lançava-se, com ela, no debate da difusão de
uma escola popular por meio de uma renovação pedagógica em que o método de ensino oficializado influenciava di-
retamente no sucesso das práticas escolares. Já o marco final do recorte histórico da pesquisa está localizado em 1937,
ano em que foi publicado o Regulamento do Ensino Primário do estado de Goiás, sob a lei n.º 264 de 7 de agosto de
1937. Diferente das leis de ensino aprovadas desde 1916, nessa não há a oficialização de um método para o ensino da
leitura e escrita. Logo, tomando como fonte, as legislações do período, a imprensa e outras documentações do Arqui-
vo Histórico Estadual de Goiás, problematizamos: como a alfabetização foi projetada e legislada no estado de Goiás
nos primeiros anos do século XX? Quais os materiais e métodos previstos para o ensino inicial de leitura e escrita às
crianças goianas? A metodologia do trabalho baseou-se numa pesquisa documental de cunho exploratória. Dessa ma-
neira, os resultados apontam que no período de 1916 a 1937 da história da alfabetização goiana, houve a oficialização
dos métodos analíticos de alfabetização, sob os enfoques das marchas de palavração e sentenciação. Começaram a ser
difundidas as séries didáticas de autores como Antonio Firmino Proença, Arnaldo de Oliveira Barreto, Erasmo Braga,
João Köpke, Ramon Roca Dordal e Romão Puiggari. Esses escritores eram defensores do método analítico, outros-
sim, também tiveram a experiência na escola paulista, seja na sua formação, ou na sua atuação no setor educacional.
De tal modo, circularam no estado livros escolares com temáticas relacionadas ao ensino da moral e do civismo.
Palavras-chave: Goiás; história da alfabetização; métodos e materiais.

MOBRAL E ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NO TOCANTINS (1970 – 1985)

Tainara Ferreira Mousinho - UFT


Benvinda Barros Dourado - UFT

Resumo: O presente trabalho apresenta a pesquisa, em andamento, “Mobral e Alfabetização de Adultos no


Tocantins (1970 – 1985) ”, a qual está vinculada ao projeto de pesquisa “Educação no Tocantins: entre políticas de
Estado e práticas educativas da década de 1960 à década de 1980”. A pesquisa tem por objetivo aprofundar os estu-
dos referentes ao processo de criação e a atuação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) durante o
período do Regime Militar, e principalmente, analisar suas propostas na Educação de Jovens e Adultos no Tocantins

187
(antiga região norte de Goiás), e particularmente na Alfabetização de Adultos em Porto Nacional. O MOBRAL é uma
política de Estado que se encontra no contexto do Regime Militar no Brasil (1964-1985), cujo governo passa a controlar
os programas de alfabetização de forma centralizada. A Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos
foi instituída, conforme autorizada pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, por meio do decreto nº 62.455, de 22
de março de 1968, cujo documento cria, também, o estatuto da Fundação, tendo por finalidade a execução do Plano de
Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adolescentes e Adultos. O MOBRAL foi organizado com o intuito
de desenvolver quatro programas: a Alfabetização Funcional, a Educação Integrada, o Desenvolvimento Comunitário e
as Atividades Culturais. Conforme pesquisa preliminar, percebe-se que é restrita a literatura sobre o Mobral no Estado
de Goiás e, principalmente, sobre a região norte do Estado. No Tocantins e em Porto Nacional, principais lócus dessa
pesquisa, faz-se urgente a necessidade desse estudo, para compreender o alcance dessa política de educação para essa
população. Assim, o período proposto para estudo pauta no sentido de que embora formalmente criado em 1968, o MO-
BRAL só foi efetivamente implementado a partir da década de 1970 e por meio do Decreto nº 91.980, de 25 de novem-
bro de 1985 foi redefinido os objetivos e alterada a sua denominação. Diante desse política de educação de alfabetização
de Jovens e Adultos surgiram algumas indagações, como: como ocorreu o processo de desenvolvimento da alfabetização
de adultos no Tocantins, principalmente, em Porto Nacional, no período do Regime Militar (1964-1985); como ocorreu
o processo de institucionalização e organização das práticas educativas oferecidas pelo MOBRAL em Porto Nacional,
no período do Regime Militar; quem foram os sujeitos que compunham esse Movimento de Alfabetização em Porto
Nacional (Comissão Municipal, professores, alunos e outros) e como foi o processo de desenvolvimento e aprendizado
dos alunos do Mobral no período em estudo. Assim, na perspectiva de atingir os objetivos propostos em tal pesquisa,
em andamento, está se realizando um estudo numa percepção qualitativa, usando como metodologia o levantamento
bibliográfico e documental em relação ao MOBRAL, mediada pela perspectiva da história oral por meio, principalmen-
te, da memória de professores e alunos que participaram desse movimento de alfabetização no período em questão. No
Tocantins (antiga região norte de Goiás) percebe-se, com ausência de pesquisa sistematizada, que foram criadas classes
de alfabetização de adultos e ofertas de cursos profissionalizantes, por meio do Programa de Educação Comunitária para
o Trabalho (PETRA), por intermédio da Comissão Municipal (COMUM).
Palavras chave: MOBRAL. Alfabetização de Adultos. Educação no Tocantins.

EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA: PRIMEIROS ANOS DE UM NOVO SÉCULO

Ma. Thaienn Paes Leme Alberto - UFU


Ma. Patricia Paes Leme Alberto Oliveira Silva - IFTM

RESUMO: O presente artigo é resultado de estudos e reflexões desenvolvidos no âmbito do mestrado em edu-
cação e se propôs a analisar os processos de expansão universitária no início do século XXI, essencialmente o período
compreendido entre 2003 e 2012, onde a expansão universitária se faz pela ampliação das ofertas de vagas no ensino
superior por meio de políticas públicas para educação. Para tal finalidade procedeu-se inicialmente à pesquisa biblio-
gráfica para levantar o conhecimento já produzido, seguido de pesquisa documental: analisou-se o Plano Nacional
de Educação (PNE) (2001), o Programa de Expansão da Educação Superior Pública (2003) e o Plano de Desenvolvi-
mento da Educação (PDE) (2007). No eixo do PDE que trata Educação Superior destacam-se: os Programas de Apoio
a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), em 2007, este último subsidiado pelo
Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), no mesmo ano, e, pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), em
2010. As universidades federais contribuem ativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do país e
para a transformação da realidade na qual estão inseridas. Os projetos de reestruturação das universidades, propostos
pelo governo federal, foram justificados como meio de expansão, democratização e inclusão do ensino público e de
qualidade, com vistas à contribuição para o desenvolvimento e à diminuição das assimetrias regionais existentes no
país. A necessidade de expansão e democratização da educação superior, uma demanda legítima da sociedade brasi-

188
leira, vem acompanhada da ampliação da oferta de vagas que não pode ser desvinculada da manutenção ou mesmo
do incremento da qualidade dos cursos oferecidos aos estudantes. Os números apresentados demonstram que hou-
ve aumento do investimento em educação, avanços na educação superior por meio de programas como Expandir,
REUNI, PROUNI, FIES, UAB, que possibilitaram a ampliação das ofertas de vagas na educação superior, bem como
o aumento no número total de matrículas e a interiorização das universidades. Foi possível averiguar que a expansão
universitária é um dos componentes que consubstanciam a democratização da educação superior, e deve vir acom-
panhada de políticas públicas que promovam a inclusão e permanência de alunos provenientes de todas as camadas
e grupos sociais nas universidades, bem como mudanças nas formas de ingresso e acesso a estas instituições com o
intuito de atender a maioria da população, principalmente as marginalizadas pela sociedade, com a garantia de qua-
lidade no ensino, pesquisa e extensão. A despeito de alguns percalços, o processo de expansão universitária significa
uma nova fase na democratização da educação superior no país.
Palavras-Chave: Universidade. Expansão. Democratização.

VIVÊNCIAS DE UM BOLSISTA NO PIBID: UMA EXPERIÊNCIA NO COLÉGIO ESTADUAL


ANGÉLICA RIBEIRO ARANHA

Samara Silva dos Santos - UFT


Tainara Ferreira Mousinho - UFT
Rafael Machado Santana - UFT
Juliana RicarteFerraro - UFT

Resumo: O presente artigo tem por objetivo relatar as experiências vivenciadas no Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), do subprojeto de História da Universidade Federal do Tocantins (UFT), cam-
pus de Porto Nacional, em parceria com o Colégio Estadual Angélica Ribeiro Aranha localizado na mesma cidade.
Pretendemos aqui destacar a importância do programa para a formação docente; a atuação do subprojeto de História
no referido colégio com uma turma específica, a saber: o 7° ano; o desafio de desenvolver oficinas com turmas multis-
seriadas; bem como analisar as dificuldades encontradas pelos discentes para a realização das atividades. As metodo-
logias utilizadas nas atividades do subprojeto se embasam numa relação entre a teoria e a prática através de oficinas
pedagógicas que são realizadas no colégio, caracterizam-se por ser uma forma diferenciada de ensinar, atrelando
conteúdos significativos, lúdicos e estimulantes para os estudantes. Logo, antes de serem realizadas as oficinas há um
planejamento de como estas devem ocorrer. Isto posto, a primeira atividade foi proposta com o intuito de conhecer
os alunos e identificar as dificuldades e problemas enfrentados pela turma. Assim, nesse primeiro contato foi nota-
do que o principal aspecto que poderia ser trabalhado foi a questão do preconceito racial e as desigualdades sociais
vividas, em consonância com a necessidade social identificada na comunidade. Os anos que foram compreendidos
neste trabalho, correspondem a alunos do 6°, 7° e 8° anos do período matutino, sendo as atividades desenvolvidas
no contra turno, segundo semestre de 2018. Outro ponto a ser considerado é o tema gerador Arte, o qual as oficinas
tiveram que ser desenvolvidas, levando em consideração a interdisciplinaridade. Uma atividade um pouco distinta
do habitual foi sugerida pelo supervisor durante o planejamento. Esta se tratava em realizar uma oficina com uma
única e específica turma da escola, o 7° ano. A sugestão surgiu da dificuldade observada pelo supervisor (professor da
escola) de indisciplina em sala e consequentemente falta de concentração e baixo rendimento de notas da turma. Tal
desafio foi bem visto pelos bolsistas, que o encararam como forma de obter uma maior responsabilidade, bem como
de poder contribuir no progresso desses alunos. É importante ressaltar a satisfação dos estudantes quanto ao projeto,
à participação nas atividades, despertando um interesse pela disciplina de História. Dessa forma, tais atividades estão
colaborando para o desenvolvimento de futuros professores, além de estar contribuindo para a formação escolar
dos alunos. O programa pode ser considerado agente principal no processo de formação docente, tornando-se fun-
damental e oportunizando aos bolsistas, uma proximidade a realidade educacional da rede pública. As experiências

189
vivenciadas no programa têm sido enriquecedoras, onde há uma maior aproximação com a rotina escolar de forma
mais direta e contextualizada. O convívio com o cotidiano docente ainda na situação de formando vem colaborando
muito no processo de construção da identidade docente. Diante do exposto, foi através das experiências docentes que
se passou conhecer e entender melhor a sala de aula, observando as formas de reunir a teoria estudada na universi-
dade e as práticas dentro da escola, permitindo uma aprendizagem mais aprofundada no processo de formação inicial
dos futuros professores de História. Sendo assim, acreditamos que as atividades desenvolvidas através do PIBID dei-
xam belas marcas e farão a diferença no futuro da educação básica.
Palavras-chave: Formação de professores. Oficinas Pedagógicas. PIBID.

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAL A ANÁLISE DA LEI 10.639 E A GARANTIA AO DIREITO


A EDUCAÇÃO

Scarlet Dandara Borges Alves


Fernanda Welter Adams

Resumo: Não se tem muitos registros sobre a educação nos negros no Brasil, bem como sobre as questões
da população negra. Segundo Fonseca e Barros (2016) essa discussão se deu a partir de um longo processo de rei-
vindicação construído pelos movimentos sociais criados pela população negra durante todo o século XX. A partir
dos anos de 1980, estas reivindicações começaram a encontrar ressonância em diferentes segmentos da sociedade,
possibilitando a construção de dispositivos pedagógicos e legais que estabeleceram diretrizes para o tratamento das
questões étnico-raciais. Portanto, podemos atribuir tal transformação à persistência e capacidade do movimento ne-
gro de vencer as resistências apresentadas por setores que desconsideravam o racismo como elemento estruturante
da sociedade brasileira. A Lei nº 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-bra-
sileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio. Para tanto, o objetivo do presente
trabalho é analisar a implementação da Lei nº 10.639/03 no espaço escolar, fazendo-se uso da pesquisa documental.
Aprovada em 9 de janeiro de 2003, a Lei 10.639/2003 faz alterações à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
para implantar a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas e privadas de
Ensino Fundamental e Médio e estabelecer especificações pertinentes. A implementação da lei compõe um conjunto
de dispositivos legais considerados como indutores de uma política educacional voltada para a afirmação da diversi-
dade cultural e da concretização de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas, desencadeada a partir dos
anos 2000. Entendemos a Lei 10.639/2003, primeiramente, como uma política de ação afirmativa e um questiona-
mento do currículo oficial, apresentando assim uma democratização do mesmo, pois permite que o negro tenha sua
cultura valorizada. É nesse mesmo contexto que foi aprovado, em 2009, o Plano Nacional das Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana (BRASIL, 2009). Ao introduzir a discussão sistemática das relações étnico-raciais e da história e cultura
africanas e afro-brasileiras, essa legislação impulsiona mudanças significativas na escola básica brasileira, articulando
o respeito e o reconhecimento à diversidade étnico-racial com a qualidade social da educação. Ela altera uma lei na-
cional e universal, a saber, a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) –, incluindo
e explicitando nesta que o cumprimento da educação enquanto direito social passa necessariamente pelo atendimento
democrático da diversidade étnico-racial e por um posicionamento político de superação do racismo e das desigual-
dades raciais. É importante compreender, então, que a Lei nº 10.639/03 representa uma importante alteração da
LDBEN, por isso, o seu cumprimento é obrigatório para todas as escolas e sistemas de ensino. O trabalho com a
cultura e história afro-brasileira traz para as escolas a possibilidade de construir narrativas contra-hegemônicas.
“É uma possibilidade para que a população negra, tenha sua representatividade legitimada, para que possamos trazer
outros lugares de fala que não seja de um discurso colonial.
Palavras-Chave: Direito a Educação, Negros, Legislação.

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A PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:
PRIMEIROS PASSOS DE UMA PESQUISA SOBRE O PROEB / UAB

Lorena Bernardes Barcelos - PPGE / UFG

Resumo: Este trabalho apresenta a caracterização de uma pesquisa em andamento, acerca dos Mestrados Pro-
fissionais ofertados pelo ProEB (Programa de Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Públi-
ca de Educação Básica) por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB. Tanto o ProEB quanto o Sistema
UAB configuram-se como importantes políticas educacionais para a Educação Superior no Brasil, e a referida pesqui-
sa propõe a compreensão das duas políticas públicas educacionais em sua perspectiva histórica. O ProEB tem como
finalidade a melhoria da qualidade do ensino nas escolas da Educação Básica Pública Brasileira, à medida que promove
a formação continuada de professores das redes públicas de educação, no nível de pós-graduação stricto sensu, nas dife-
rentes áreas da Educação Básica Brasileira. Para tanto, o Programa instituiu uma rede nacional para oferta dos cursos
de mestrados profissionais através do Sistema UAB. A Universidade Aberta do Brasil, por sua vez, foi instituída pelo
Decreto 5800, de 8 de junho de 2006, para viabilizar o desenvolvimento da Educação a Distância, com vista à expan-
são e interiorização do ensino superior no país. A pesquisa, que culminará em uma tese de doutoramento, objetiva
analisar a efetividade da oferta dos MPs pelo Sistema UAB, especificamente na Universidade Federal de Goiás, ten-
do como eixo do estudo a institucionalização, o acesso e a permanência dos estudantes (professores da Educação
Básica) nestes programas. Para tanto, torna-se fundamental a reconstituição histórica da pós-graduação no Brasil,
para, então, delinear a trajetória dos Mestrados Profissionais, que são ofertados desde 1995. Na pesquisa em questão,
refaz-se os caminhos que conduziram à implementação deste tipo de pós-graduação stricto sensu e observa-se como
esses cursos figuram, desde sua gênese, nos Planos Nacionais de Pós-Graduação – PNPG. Uma vez que os programas
em estudo são ofertados através do Sistema Universidade Aberta do Brasil, apresenta-se, também, a constituição da
UAB enquanto política pública educacional, contextualizando a oferta dos MPs neste Sistema (em detrimento de
outras vias que poderiam ser utilizadas). O levantamento bibliográfico inicial, feito em caráter exploratório, teve o
recorte temporal estabelecido de 2010 a 2018, uma vez que o ProEB teve início em 2010. A busca de trabalhos foi feita
em quatro repositórios, a saber: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Catálogo de Teses
e Dissertações da Capes, ERIC (Institute of Education Sciences, base de trabalhos acadêmicos produzidos nos Estados
Unidos) e Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). O levantamento apontou escassez
de estudos sobre os Mestrados Profissionais ofertados pelo ProEB, o que reforça a necessidade de aprofundamento
sobre a temática, para delinear, historicamente, os caminhos do ProEB e da modalidade de educação a distância na
pós-graduação stricto sensu no Brasil.
Palavras-chave: Mestrado Profissional. UAB. ProEb.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE NO SECULO XX

Ancha Quimuenhe

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de apresentar uma síntese provisória da história da Educação em Mo-
çambique, considerando como marco os quatro momentos lógico-históricos em que a alternância de poder e de
dirigentes daquele sistema de ensino modificou seus propósitos, instituindo novas políticas educacionais. Para esta
análise da educação moçambicana está sendo considerada como principal referência teórica e metodológica o con-
textualismo linguístico de Quentin Skiner, tendo como fonte os textos legais que instituíram as reformas de ensino
naquele país. Várias são as etapas que o sistema educativo moçambicano sofreu, ou seja, teve que enfrentar até aos
nossos dias. Na era ante-colonial, isto é, antes da penetração portuguesa, o povo moçambicano já detinha duma

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educação “tradicional”, que consistia na transmissão de conhecimentos, convicçoes e valores de geração em geração.
Com a chegada dos portugueses, introduziu-se outra educação de opressão, desprezando os nativos que até chegaram
de apelidar de indígenas, povo selvagem. Segundo os defensores dessa educação na época, com essa educação pre-
tendiam libertar do estágio em que se encontrava o povo nativo, para inserí-lo na classe dos assimilados. A educação
portuguesa considerada como opressora, não beneficiava a toda população moçambicana se não para os portugueses
e as suas famílias e uma pequeníssima parte de nativos considerada de assimilados. Durante a luta de libertação de
Moçambique, criaram-se centros onde a população tinha a oportunidade de aprender a ler e a escrever. Assim, após
a independência nacional criou-se um sistema de educação cujo objectivo era de formar o Homem Novo, um homem
livre da opressão e ideias coloniais. Em 1983, é introduzida a Lei 4/83, de 23 de março, que regulava na altura o sis-
tema nacional de educação. Com o advento da guerra e outros fatores, houve a necessidade de se ajustar o sistema
educativo às conjunturas locais, nacionais e até internacionais, daí a introdução da Lei 6/92, de 6 de maio, atual lei do
Sistema Nacional de Educação, em vigor na República de Moçambique. No que concerne à sua estrutura, o sistema
de ensino manteve a mesma que vinha funcionando com a lei 4/83 de 23 de março. As mudanças mais significativas
foram a abertura da participação de outras entidades, comunitárias, cooperativas, empresariais e privados no pro-
cesso educativo e a diminuição da idade de ingresso na escola, que passou de 7 anos de idade para 6 anos. Apesar de
ter havido mudanças na legislação, as políticas educacionais continuam ineficientes para garantir a todas as crianças
moçambicanas em idade escolar o acesso à escola. Não obstante, em Moçambique, segundo a Constituição da Repú-
blica (CR), a educação é direito de todo povo moçambicano. O Ministério da Educação (MINED) tem o mandato de
disponibilizar aos moçambicanos a educação desde as classes iniciais até ao ensino superior. Assim, este estudo apre-
senta um panorama das principais mudanças ocorridas no sistema de ensino de Moçambique no decorrer do século
XX, por meio de uma análise crítica da política educacional que vigorou no país naquele período.
Palavras-Chave: História da Educação em Moçambique. Reformas de Ensino. Política Educacional.

CULTURA, ESPORTE E LAZER NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA UNIVERSIDADE


FEDERAL DE GOIÁS/REGIONAL CATALÃO: ANÁLISE DOS ANAIS DO CONPEEX

Amanda Graziela de Oliveira - UFG - Regional Catalão


Juliana Pereira de Araújo - UFG - Regional Catalão

Resumo: A criação na década de 1980 do campus da Universidade Federal de Goiás em Catalão (Regional
Catalão) foi valiosa como manifesto da interiorização da educação superior no estado de goiás mas teve também fun-
damental papel no processo de desenvolvimento sócio-econômico-cultural da região. Agora Universidade Federal
de Catalão (UFCAT) oferece 25 cursos de graduação na modalidade presencial e 2 cursos de graduação na modali-
dade a distância sendo que destes 14 são licenciaturas. É ainda um desafio à essa instituição estabelecer e consolidar
um padrão nos três pilares que regem as universidades Ensino, Pesquisa e Extensão. Particularmente na dimensão
da extensão tem sido buscada ações que aproximem a universidade da comunidade de seu entorno o que acontece
sobretudo a partir de projetos de curta e média duração cadastrados na coordenação de extensão. Desde 2015 a Re-
gional Catalão realiza anualmente o Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão- CONPEEX e nele são socializadas e
problematizadas também as ações de extensão sendo que o esporte, a cultura e o lazer se sobressaem como temáticas
predominantes. No presente artigo temos como objetivo geral apresentar os resultados de uma revisão sistemática
que se ateve a mapear e analisar as ações de extensão universitária com foco na cultura, no esporte e no lazer. São
questões centrais dessa revisão: quais os cursos de graduação e áreas de conhecimento que tem fortalecido a extensão
nas temáticas referentes a cultura, ao esporte e ao lazer? Quais os públicos têm sido atendidos predominantemente
por estas ações? Qual o referencial teórico-metodológico é utilizado tendo em vista a extensão? Para a revisão a co-
leta de dados foi realizada através da filtragem dos anais de todos os Conpeex realizados em Catalão utilizando como
descritores de busca as palavras “esporte” e-ou “lazer” e-ou “cultura” constantes no título e-ou nos resumos e-ou nas

192
palavras-chave dos textos publicados. De modo preliminar destacamos que para ações de extensão nestas áreas o
público com mais aproximação é formado pelas crianças e em seguida pelos jovens que predomina o lazer seguido da
cultura como dimensões basais dos projetos. O curso de Educação Física é responsável pela maior parte das iniciati-
vas. Com a realização deste estudo, temos a expectativa de colocar em evidência as questões relacionadas a extensão
universitária em geral e mais especificamente em relação a como vem-se desenvolvendo esses projetos de extensão
universitária na RC/UFG assim como despertar o interesse do público em geral para tomarem conhecimento do
acesso a essas políticas de extensão.
Palavras-chave: Extensão. Conpeex. Catalão.

EDUCAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA NA PRIMEIRA REPÚBLICA NO LYCEU DE


GOYAZ

Rodrigues Amanda Cléscia Guedes - UFG - Regional Catalão


Fernanda Barros - UFG - Regional Catalão

Resumo: O presente trabalho busca refletir os trajetos históricos percorridos pela população negra na educa-
ção, no Ensino Secundário do Lyceu de Goyaz na cidade de Goiás utilizando o recorte temporal da Primeira Repúbli-
ca 1889 a 1930. Trata-se de uma investigação que objetiva compreender os espaços ocupados pelos negros na insti-
tuição educativa, pautando-se na análise das possibilidades ofertadas para emancipação intelectual e dos mecanismos
de controle utilizados pela instrução pública vigentes na época na Cidade de Goiás. Para Verónica Edwuards, o sujeito
social se constitui por meio das relações que estabelece desde o nascimento. Segundo Jacques Le Goff a memória cole-
tiva é preservada ou não de acordo com interesses de quem está no poder, ou seja, os silêncios e os esquecimentos fa-
zem parte dos mecanismos de manipulação da memória coletiva. Collin Heywood evidencia que a base da civilização
se norteia pela divisão de duas classes, a trabalhadora e a instruída, havendo a necessidade de dois tipos de escola, a do
povo e dos notáveis. Karla Barros relata que as intenções da elite com a instrução no Brasil era induzir a população
às condutas de civilidade, conseguindo, assim, melhorar a governabilidade, e propiciar a edificação de uma sociedade
na qual cada indivíduo soubesse “seu lugar”. Atendo-se ainda, ao momento político vigente na cidade de Goiás no
período da Primeira República, observa-se que o poder coronelístico se constituiam por grupos seletos que nacio-
nalmente visavam a continuidade e sustentação do poder, abrindo vistas a indagações de como se perpetuava isso no
Lyceu de Goyaz. Portanto o trabalho se pautará além da pesquisa bibliográfica, na pesquisa documental que, tem-se
como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só documentos impressos, mas, sobretudo de outros tipos de
documentos. Nesse sentindo, pretende-se após seleção, categorização e leitura reflexiva e sistematizada do material
selecionado, realizar a síntese do estudo proposto, a fim de acrescentar e trazer novas releituras sobre o assunto, res-
saltando ainda, a importância de dar maior visibilidade a essa parcela da sociedade no intuito de desmistificar raízes
profundas cristalizadas em um dado momento histórico. A pesquisa orienta-se através da abordagem da História da
Educação e toma por base o método histórico na qual compreende a realidade como uma construção social contínua,
objetivando ainda, contribuir para o acervo de estudos sobre história da educação. Trata-se de uma pesquisa em fase
inicial de elaboração, portanto, não podemos ainda apresentar resultados, mas podemos dizer que o negro sempre foi
um ser social esquecido da sociedade educacional, principalmente do ensino secundário.
Palavras-chave: Construção social. Educação do negro. Ensino Secundário.

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A REFORMA FRANCISCO CAMPOS E SUA ADERENCIA À PSICOLOGIA NO CICLO
COMPLEMENTAR PARA A FORMAÇÃO DE UMA ELITE: OS PORQUÊS, OS MOTIVOS E
AS INTENÇÕES

Palloma Danielly Quirino dos Santos - UFG – Regional Catalão

Resumo: A educação no Brasil não se apresenta como uma constante estável, imutável, longe disso, a história
da educação brasileira carrega em si diversas reformas e propostas que buscavam elaborar uma educação na qual o
ensino e a formação do aluno representassem os ideais e os anseios políticos e sociais de cada época. É por essa razão
que a proposta dessa pesquisa, como o tema escolhido, se constrói com a intenção de analisar parte desse processo
educacional que vem ocorrendo ao longo dos anos. Isso pontuado, a Reforma Francisco Campos instituída pelo
decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931 consistirá como o ponto norteador da pesquisa, porém com um recorte no
ciclo complementar, como também no ensino da disciplina de psicologia fornecido pelo mesmo. Sendo assim o tema
precisa: A psicologia na formação dos alunos do ciclo complementar no ensino secundário pós Reforma Francisco
Campos. Essa reforma propõe e estabelece uma mudança estrutural do ensino e no próprio currículo escolar que até
então não estava presente na educação, a proposta do ensino complementar tinha em seu objetivo a formação de uma
elite que tivesse a possibilidade de ingressar no ensino superior, para que assim, como Zotti discorre, a elite possa ser
o vetor que determinasse os caminhos da educação brasileira. A partir desse aspecto o objetivo da pesquisa consiste
em entender os motivos subjacentes à inserção da psicologia como disciplina no ciclo complementar para formação
dessa elite. Por que a psicologia? Que elite era essa? Assim para a realização desse objetivo a metodologia da pesquisa
tomará como base a pesquisa documental e também bibliográfica afim de que possamos compreender através dos do-
cumentos do período da publicação da reforma Francisco Campos, os motivos da disciplina de psicologia ser utilizada
no ciclo complementar para a formação dos alunos que pleiteavam o vestibular de cursos de medicina e odontologia
e bibliografias que auxiliem no entendimento dos conceitos e categorias elencados para o estudo como o conceito
de elite. É importante relembrar a evolução das fontes documentais, para entender que eles não são somente textos
prontos e acabados, na interpretação deles, o pesquisador deve considerar, como Le Goff pontua, que o documento
é fator resultante de uma época histórica, sendo carregado de preceitos e ideais daquela sociedade. Como pesquisa
inicial, não podemos ainda apresentar resultados, mas é possível sinalizar que a educação secundária brasileira na
primeira metade do século XX foi pensada para a elite brasileira de forma que as suas reformas foram resultado cons-
tante de embates da permanência da elite em instituições destinadas a esse grupo.
Palavras-chave: História da Educação. Ensino secundário. Reforma Francisco Campos. Elite.

O PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DO FECHAMENTO DAS ESCOLAS RURAIS NO


MUNICÍPIO DE BELA VISTA DE GOIÁS

Carlos Antônio Rocha - PUC-GO


Maria Cristina das Graças Dutra Mesquita- PUC-GO

Resumo: O presente trabalho resulta de pesquisa e vincula-se à Linha de Pesquisa Estado, Políticas e Institui-
ções Educacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Educação, cujo
objetivo foi reconstruir o movimento histórico de reordenamento das escolas rurais no Município de Bela Vista de
Goiás a partir do ano de 1980 até 2006, período no qual ocorreu o fechamento das escolas. O problema da pesquisa
pode ser delineado a partir da questão: Como se deu o movimento de reordenamento das escolas rurais no Município
de Bela Vista de Goiás e qual a lógica das políticas públicas daquela época, ressaltando a importância e os critérios da

194
criação da Escola Núcleo Nicanor Gomes Pereira na Fazenda Matinha. Essa é uma temática considerada de extre-
ma relevância no cenário das pesquisas na área da Educação, apresentando-se como importante de ser debatida e
estudada, tendo em vista o número reduzido de estudos realizados a seu respeito e a urgente necessidade de se pen-
sar e ofertar educação de qualidade no campo para a população do campo. O estudo teve como ponto de partida o
materialismo histórico dialético, enquanto uma concepção de realidade e de mundo, assegurando o princípio de que
a realidade existe independente da consciência que temos dela e que, portanto, as condições materiais determinam a
consciência com a qual nos apropriamos dessa realidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa cujos procedi-
mentos metodológicos adotados foram a pesquisa bibliográfica, documental e empírica. O estudo abrange geografi-
camente as 10 microrregiões do Município. Por meio de questionário semiestruturado, obtivemos a percepção de 44
sujeitos que participaram do processo do qual resultou no reordenamento das escolas rurais. Como aporte teórico
recorremos a Arendt (2007, 2008), Arroyo, Caldart e Molina (2004, 2006, 2011), Bobbio (2000), Brzezinski e Santos
(2015), Campos (2005), Chauí (1995, 2001), Dallari (2004), Enguita (1989), Freire (1987,1996), Gadotti (2008,
2011), kuenzer (1990), Martins (2004), Marx e Engels (1989, 2004, 2007), Orso (2007), Saviani (1991, 2007), Silva
(2007), entre outros. Evidenciamos que a efetivação de uma política de Educação do Campo abrange um processo
complexo haja vista que a educação ofertada para crianças, jovens e adolescentes residentes no meio rural acontece,
em sua maioria, nas escolas urbanas que nem sempre articulam um currículo com a realidade do campo. As poucas es-
colas que ainda resistem no meio rural não oferecem uma educação do campo e, sim, uma educação no campo. Ficou
evidente que “urbanizou-se” a educação no campo, mas não com as mesmas oportunidades. Os estudos revelaram que
para a maior parte da comunidade local (pais e professores), o processo foi autoritário e não considerou a vontade da
maioria, contraditoriamente, ao que se compreende como processo democrático. Constatamos que há legislação que
garante a educação do campo, com bases sólidas, no entanto faltam políticas públicas que concretizem esse direito,
que foi negado por toda a história brasileira.
Palavras chave: Educação do Campo. Políticas Públicas e Educacionais. Legislação.

POLÍTICAS EDUCACIONAIS E SOCIAIS: UMA ANÁLISE SOBRE O PROGRAMA BOLSA


FAMÍLIA

Sara Santana Armoa da Silva – UFMS


Caroline Correia Maciel – UFMS

Resumo: A temática do presente artigo constitui-se sobre os debates no campo da história que discutem as
políticas educacionais ou as vinculadas à educação nos diferentes governos instituídos no Brasil. Destaca-se que esse
estudo é parte do processo de uma pesquisa de doutorado, em andamento, e apresenta como objetivo investigar e
compreender a relação e como foram se construindo as políticas de renda mínima e a garantia do direito à educação
no Brasil. Para alcançar o objetivo proposto, foram utilizados como fonte os documentos legislativos e bibliografias
que indicaram o movimento histórico da implementação das políticas de renda mínima, bem como quando passa-
ram a se associar às políticas educacionais. Tendo em conta a necessidade de compreender as políticas definidas para
investigação em sua complexidade, o artigo foi sistematizado em três tópicos. No primeiro foi discutido o papel do
Estado na sociedade capitalista e sua regulação no campo das políticas públicas, especialmente das políticas educacio-
nais e de renda mínima, buscando caracterizá-lo historicamente. O Estado Moderno e suas contradições decorrentes
da sociedade de classes referem-se as categorias centrais que delinearam a discussão, a qual pode-se considerar como
os pressupostos e a base teórica para compreensão da relação entre as políticas de renda mínima e as políticas edu-
cacionais. Analisar as características históricas e dialética do Estado fez-se necessário para evidenciar o movimento
que ele faz ao sancionar e/ou abolir estas políticas, evidenciando, sobretudo, o processo da metodologia utilizada
neste texto. Por último, no terceiro tópico, foi realizada a discussão da relação das políticas de renda mínima, com
ênfase no Programa Bolsa Família, sua origem, dados sobre o Programa e discussões acerca do tema. Além disso, uma

195
análise histórica sobre as políticas educacionais, desde quando se tornam universais no Brasil faz-se necessária para
aprofundamento do debate. Com base nos documentos, bibliografias e pressupostos apresentados evidencia-se que a
partir do momento que as políticas educacionais passam a ser universais, surge a necessidade da criação de políticas
públicas que garantam não apenas o acesso à educação, mas também a permanência dos estudantes no âmbito escolar.
O Programa Bolsa Família, com suas condicionalidades relacionadas a frequência na escola e ao bom desempenho
dos estudantes, possui um papel importante para análise sobre a relação entre as políticas sociais e educacionais, que
constantemente se conectam. Numa perspectiva dialética, fica evidente que ao mesmo tempo em que as políticas so-
ciais atendem às necessidades do capital, esta deve produzir algum grau de satisfação às necessidades do trabalhador,
assim como, também, é o caso das políticas educacionais, elucidado neste trabalho.
Palavras chaves: Políticas educacionais, Estado, Programa Bolsa Família.

LEVANTAMENTO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO SOBRE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Alcione Aparecida Almeida Andrade - UEMS


Ademilson Batista Paes - UEMS

Resumo: A presente proposta encontra-se vinculada ao tema “legislação sobre infância e adolescência no âm-
bito nacional e do estado do Mato Grosso do Sul”, e, faz parte do projeto de iniciação científica junto ao Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS),
além disso, está inserida junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Brasileira (GEPHEB). Sa-
be-se que, ao longo da história da humana, nem sempre a criança e adolescência foram objeto de atenção especial e
esmerada, por parte da família, religião, enfim dos mais diversos segmentos sociais. Na atualidade, estudos no campo
da história e da história da educação em termos globais e brasileiros, têm procurado compreender tais temas e regu-
lamentação deles por meio de leis, decretos, atos normativos etc. Pode se dizer então, que o estudo da história por
meio da legislação é fundamental para a compreensão das relações de poder entre Estado e sociedade civil. Em termos
gerais, o grande marco regulatório foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com uma essência protetiva
mais ampla quando se trata de criança e adolescente. Mas, busca-se, ainda no projeto de IC, questões norteadoras
como: Como que ela surgiu? Que lei (leis) ela sucedeu? Quais lacunas foram desfeitas após sua promulgação? Para
responder desses questionamentos faz-se necessário entender a história das legislações, utilizando os aportes da Nova
História Cultural. A localização e compilação da legislação, tem ocorrido por meio de buscas eletrônicas em sítios ofi-
ciais públicos e não públicos, como Fundação Carlos Chagas, Scielo, IBICT, Senado e Câmara Federal, Assembleias
estaduais entre tantos outros, apurando-se os seguintes documentos: a Lei nº. 2.040 de 1871, (Lei do Ventre Livre),
Código de Menores de 1927, Lei Nº 4.024 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1961, Lei Nº
5.692 (segunda lei de diretrizes e bases educacionais do Brasil) de 1971, Novo Código de Menores, em 1979, Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, Lei Nº 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em
vigor. Assim, mudanças no aparato legal consolidam a valorização social das crianças e dos adolescentes, com uma
crescente preocupação em relação a regulamentação de proteção para o pleno desenvolvimento físico e mental. Po-
rém, importa salientar que o processo da evolução da história dos direitos da criança não decorreu de forma fácil e
linear. Houve, ao longo do processo, muitos debates e tensões, com avanços e recuos. Com o término da pesquisa, os
resultados totais poderão ser disponibilizados para outras iniciativas de pesquisas.
Palavras-chave: História Cultural. Leis. Mato Grosso do Sul.

196
OS PRINCÍPIOS CONSTITUTIVOS DA ESCOLA PÚBLICA DO BRASIL NA LEGISLAÇÃO
EDUCACIONAL DO ENSINO SECUNDÁRIO NA PRIMEIRA REPÚBLICA DE 1889 A 1900

Naves Pereira Daniely Rota - UFG - Regional Catalão


Fernanda Barros - UFG - Regional Catalão

Resumo: O texto refere-se ao projeto de pesquisa em andamento no curso de mestrado em educação da Uni-
versidade Federal de Goiás - Regional Catalão UFG/RC, com o tema Os princípios constitutivos da escola pública
do Brasil na legislação educacional do ensino secundário na Primeira República de 1889 a 1900. O ano de 1889 foi
escolhido por se tratar do ano da Proclamação da República brasileira e 1900 por ser o último ano de vigência da pri-
meira Reforma do ensino secundário republicana. O problema da pesquisa é compreender como os princípios consti-
tutivos: universalização, estatização, gratuidade, laicidade e obrigatoriedade aparecem no Decreto-lei n. 981 de 1890.
Como objetivo geral, a pesquisa se propõe a compreender como os princípios constitutivos da escola pública foram
apresentados nessa legislação educacional do Ensino Secundário. Por se tratar da primeira legislação republicana que
apresentava regras para esse tipo de ensino e também representar os preceitos que o estado pregava para a educação.
Foram elencados para a pesquisa objetivos específicos, como: compreender o conceito de Estado, de República e o
conceito dos princípios constitutivos: universalização, estatização, laicidade, gratuidade e obrigatoriedade; compre-
ender como se organizou a república brasileira no final do século XIX; e, analisar a primeira reforma do ensino se-
cundário desse estado republicano a fim de identificar como e se os princípios constitutivos da educação republicana
estiveram presentes nos documentos oficiais educacionais e se foram pensados para a escola pública secundária. É a
partir da Revolução Francesa que os princípios de universalidade, estatização, gratuidade, laicidade e obrigatoriedade
passam a compor a escola pública tal como a concebemos hoje. A educação brasileira é marcada pela chegada da Com-
panhia de Jesus a colônia em 1549, a missão era de evangelização dos nativos. Com o passar dos anos o processo de
industrialização estabelece a necessidade de ensinar minimamente aos cidadãos da república a ler, escrever e contar.
A então colônia passa a ser república, e para tanto seus cidadãos precisavam ter noções básicas de escolarização. A
escola pública estatal, passa a ser responsável pela educação desses cidadãos. Para desenvolvimento da pesquisa, no
campo metodológico fundamentamo-nos na pesquisa em História da Educação e na pesquisa histórico documental e
bibliográfica. A História da Educação como campo teórico, se propõe a pesquisar com base científica a historização
da educação. A pesquisa histórica documental é tomada por produções humanas, como indícios, como construções
instituidoras de sentidos e significados humanos precisam ser montados e desmontados e nesse processo emergem
categorias de análise e delas subcategorias. Entretanto, ainda não foram elencadas as categorias de análises. Por se
tratar de uma pesquisa em andamento, não dispomos de dados suficientes para apresentar resultados. Entretanto,
como ações preliminares da pesquisa estamos na etapa de escrita da dissertação, com a definição dos conceitos de
Estado, República e dos Princípios Constitutivos da escola pública.
Palavras-chave: História da Educação. Políticas Educacionais. Princípios Constitutivos.

EDUCAÇÃO NAS PRISÕES: QUAL O PAPEL DA INSTITUIÇÃO ESCOLA DENTRO DAS


INSTITUIÇÕES DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE?

Ariane Martins Aragão


Deysiane Pereira Pardin

Resumo: O presente texto traz apontamentos em relação ao papel da escola dentro da prisão, seu histórico,
dificuldades, resultados e objetivos. A metodologia desse artigo parte de análise de trabalhos, pesquisas científicas,
revisão de literatura voltada para o tema, investigação de documentos oficiais. Assim, o objetivo do artigo foi refletir

197
sobre a história da implantação da instituição escola dentro das unidades prisionais brasileiras, destacando as políti-
cas públicas que garantiram sua implantação, elementos constitutivos das dificuldades encontradas no processo de
implantação e funcionamento, a função atribuída à escola, ainda apontando aspectos que muitas vezes acabam por
impedir sua consolidação. Para isso, recorremos à literatura especializada na temática na perspectiva de levantar o
histórico, características e problemas vivenciados neste ambiente. Neste sentido, a reflexão problematiza a real fun-
ção da escola nesses espaços, assim como os interesses envolvidos nessa perspectiva sob o crivo do jogo de forças en-
tre educação e segurança. Percebe-se que os estudos sobre esta temática são relevantes, porém poucos, tendo em vista
as possibilidades que podem desencadear, pois é imprescindível pensar sobre as perspectivas e a qualidade do ensino
também dentro das prisões, para que se chegue o mais próximo possível dos objetivos que foram estabelecidos em
sua implantação. A investigação leva ao fato de que o principal objetivo de existir a instituição escola dentro da prisão
é a ressocialização do sujeito, mas os números atuais mostram que este objetivo não tem sido alcançado com êxito,
a oferta de educação nas prisões tem se organizado de forma precária. Em grande parte das Secretarias de Adminis-
tração Penitenciária não há um setor para organizar a assistência educacional, e os motivos para esse fato ainda são
desconhecidos. Outro ponto relevante para análise é de que a escola dentro da prisão atende apenas um pequeno gru-
po de sujeitos em privação de liberdade, o porquê e quem são esses sujeitos, e como foram selecionados são questões
relevantes para a análise como um todo. Destaca-se a importância de identificar, dentro de um sentimento coletivo,
que culminou em uma memória coletiva, o caráter de sujeitos da história que os membros deste grupo assumem, den-
tro de um processo histórico e dialético, perceber as motivações históricas que perfazem as relações humanas dentro
da prisão, levanto em conta aspectos como hierarquia, poder e grupos sociais. Infelizmente, a educação nas prisões
sofre de uma insegurança absoluta em penitenciárias cada vez mais lotadas. Para alcançar à educação de qualidade é
imprescindível pensar sobre a qualidade do ensino também dentro dos presídios, para que se chegue o mais próximo
possível dos objetivos propostos, mas o que é mais importante seria pensar, que afinal, o objetivo seria mesmo este,
ou esse objetivo apenas encobre uma ideia desconhecida?
Palavras-chave: Educação na Prisão. História da Educação. Institucionalização da Educação.

O PROCESSO HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL

Juliane Aparecida Ribeiro Diniz - PPGE/UFG

Resumo: É sabido que a participação da iniciativa privada na educação brasileira de forma decisiva não é
algo recente, remonta o período militar (1964-1984) e perdura aos dias atuais de forma avivada. Contudo, percebe-
-se, assim, uma intensificação desse processo a partir dos anos 1990, com suporte na diversificação de instituições,
na diferenciação de cursos, na distinção das modalidades educativas, na entrada de capital estrangeiro no setor, na
abertura das ações das ‘empresas educacionais’ na bolsa de valores e na formação de cadeias produtivas no setor, am-
plamente apoiados pelas políticas públicas educacionais. Assim, tendo em vista tal panorama, esse ensaio propõe-se
a compreender como se constituiu o processo histórico do ensino superior privado no Brasil e a mercadorização da
educação universitária, enfatizando os movimentos do ciclo hodierno de financeirização e oligopolização do setor. O
procedimento metodológico adotado foi a pesquisa bibliográfica, em livros, artigos científicos, dissertações e teses, e
a pesquisa documental, em que as legislações foram consideradas documentos. Dessa forma, o estudo foi organizado
em quatro seções. A primeira dedica-se à exposição da organização do ensino superior privado da Primeira República
(1889) ao final dos anos 1980, percebendo que nesse período estabeleceu-se as primeiras universidades mercantis,
todavia ainda sem explicitar o princípio da concorrência e da rivalidade. Vinculavam-se, basicamente, à necessidade
de atender aos alunos excedentes das instituições públicas de ensino, ao aumento das vantagens competitivas propor-
cionadas pelas políticas públicas e à rentabilidade e à acumulação do capital. A seção seguinte retrata o período dos
anos de 1990 a 2007, entendendo-o como tempo de constituição da mercantilização da educação superior no Brasil.
Momento esse em que o Estado nacional vivencia um cenário de crise fiscal e redefinição do seu papel perante ao

198
país, priorizando as parcerias entre o público e o particular, as privatizações de organizações estatais e a emergência
da concorrência extremamente acirrada entre as ‘empresas educacionais’, estabelecendo, assim, um mercado de ‘pro-
dutos e serviços’ educativos. A terceira parte explicita o processo de oligopolização do setor de ensino superior brasi-
leiro, iniciado de forma incisiva em 2007 e que perdura aos dias atuais, priorizando a financeirização como tônica de
valorização do capital das ‘organizações educativas’. Estas, então, passam a recorrer ao capital internacional por meio
de títulos e de ações negociados na Bolsa de Valores e às estratégias de marketing para valorização da marca, para bus-
car incessantemente insólitos mercados consumidores, para formação de cadeias produtivas e adoção da estratégia de
franchising (franquias) para abertura de novos negócios em regiões interioranas. Por fim, as observações finais sobre a
temática indicaram que esse movimento de fusões, incorporações e aquisições de instituições de ensino superior tem
proporcionado o desenvolvimento do setor por meio da lógica do capital financeiro e da constituição de oligopólios,
para a ‘fabricação’ e a ‘venda’ da mercadoria ‘educação universitária’, como tendência hegemônica de transnacionali-
zação do capital. Palavras-chave: Ensino superior. Setor privado. Mercantilização da educação superior.

199
TRABALHOS
COMPLETOS

200
(IN)VISIBILIDADE DAS PERCEPÇÕES E POSICIONAMENTOS DE
PROFESSORES ACERCA DA BNCC: UM ESTUDO A PARTIR DA
PRODUÇÃO ACADÊMICO-CIENTÍFICA ENTRE 2015 A 2019

Laurina Tavares de Farias1


Gizeli da Costa Leão Mendes2
Merilin Baldan3

RESUMO: O presente resumo comporta os resultados parciais da pesquisa de mestrado relacionada à temática
de políticas públicas educacionais, mais especificamente, na perspectiva histórica da política de regulação do currícu-
lo. No contexto educacional brasileiro, embora a discussão de uma base curricular não seja atual, a configuração da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem suscitado questionamentos e polarizações que se tornam essenciais
investigar. Muitas vezes, o professor da educação, é um sujeito (in)visibilizado no processo, como se política só fosse
a “grade política” e o professor só estivesse ali para “fazê-la cumprir” ou, ao contrário, colocar-se como um “obstá-
culo”. Nesse sentido, emergiram algumas inquietações: Quantas e de que maneira as produções acadêmico-cientí-
ficas têm dado (in)visibilidade as percepções e posicionamentos dos professores dentro do processo de discussão e
implementação da BNCC? Quais são essas percepções e posicionamentos dos professores? Quais são as reações dos
pesquisadores a essas percepções e reações? Desse modo definiu-se como objetivo geral investigar a (in)visibilidade
das percepções e posicionamento dos professores acerca da BNCC nas produções acadêmico-científicas no período
de 2015 a 2019, na base de dados multidisciplinar. A natureza da investigação é de natureza bibliográfica, com abor-
dagem qualitativa, correlacionada com o levantamento das produções acadêmico-científicas na base de dados multi-
disciplinar “Portal Brasileiro de Publicações Científicas”. Para tal, utilizamos a delimitação temporal de 2015 a 2019,
bem como os seguintes descritores: BNCC”, “Base Nacional Curricular Comum”, “Ensino Fundamental”, “Ensino
Médio”, “Professores”, “Currículo”. Foram levantadas 57 produções no período de 2015 à 2019, das quais 10 versa-
vam sobre a BNCC e discursos de professores. Para análise dos dados realizou-se a leitura e a elaboração de mapas
conceituais, a partir dos quais foi possível identificar algumas questões pertinentes em resposta aos questionamentos,
contudo ressalta-se que a intenção da pesquisa não é apontar conclusões, mas reflexões acerca do assunto abordado
para possibilitar debates, em torno de conflitos sobre a análise da BNCC. Considerando, também, o referencial te-
órico adotado por nós, isto é, o Ciclo de Políticas, é essencial compreender os conflitos de interesse e de disputa em
torno da produção da BNCC, das razões da centralidade conferida ao currículo, a reintrodução discursos pragmáticos
e a-históricos, a noção utilitarista, a presença do gerencialismo, os princípios tecnocráticos do ensino, a prescrição e
o cerceamento da autonomia docente, etc., cujos elementos aparecem em nossos resultados parciais.
Palavras-Chaves: BNCC. Professores. Políticas Curriculares.

INTRODUÇÃO

A educação no Brasil vem ao longo dos anos sofrendo com reformas e contrarreformas que recaem sempre no
currículo que orienta o ensino nas instituições escolares. Desde 2015 perpassa as políticas educacionais de regulação
do currículo discussões e debates acerca de um currículo comum, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que a
partir de sua 3ª versão apresentada em 2017 foi imposta para implementação nas instituições de ensino.

1 Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: laurinatf@gmail.com


2 Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: gizeli74@hotmail.com
3 Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: merilinbaldan@gmail.com

201
Desde então, diversos pesquisadores têm se debruçado sobre o tema e suas consequências para educação, em
meio a discussões do conteúdo do documento e dos mecanismos de convencimento da necessidade da reforma, o
professor da educação, é um sujeito (in)visibilizado no processo. Assim, o objetivo desse artigo é investigar a (in)vi-
sibilidade das percepções e posicionamento dos professores acerca da BNCC nas produções acadêmico-científicas no
período de 2015 a 2019, na base de dados multidisciplinar Portal Brasileiro de Publicações Científicas (oasisbr.ibict).
Nesse sentido, emergiram algumas inquietações que problematizamos: quantas e de que maneira as produções
acadêmico-científicas têm dado (in)visibilidade as percepções e posicionamentos dos professores dentro do processo
de discussão e implementação da BNCC? Quais são essas percepções e posicionamentos dos professores? Quais são as
reações dos pesquisadores a essas percepções e reações?
A investigação desse trabalho é de natureza bibliográfica, com abordagem qualitativa, correlacionada com o
levantamento das produções acadêmico-científicas na base de dados multidisciplinar oasis.ibict. Para tal, utilizamos
a delimitação temporal de 2015 a 2019. Foram levantadas 57 produções, das quais 10 versavam sobre a BNCC e dis-
cursos de professores. Para análise dos dados realizou-se a leitura e a elaboração de mapas conceituais, a partir dos
quais foi possível identificar algumas questões pertinentes em resposta aos questionamentos, não sendo conclusões,
mas reflexões acerca do assunto abordado para possibilitar debates, em torno de conflitos sobre a análise da BNCC.
O referencial teórico adotado é o Ciclo de Políticas, abordagem formulada pelo sociólogo inglês Stephen Ball e
por colaboradores, que tem corroborado com as análises de programas e políticas educacionais.
Desse modo, compreendemos que a complexidade da formulação à avaliação da BNCC demanda compreender
os aspectos desse ciclo, denotados, o que nos orientará para compreender os conflitos de interesse e de disputa em
torno da produção da BNCC, das razões da centralidade conferida ao currículo, com a reintrodução discursos prag-
máticos e a-históricos, cujos elementos aparecem em nossos resultados parciais.

A POLÍTICA CURRICULAR DA BNCC EM CONTEXTO

A elucidação do que está posto no que concerne às concepções norteadoras das políticas curriculares que en-
tram em vigor com a BNCC, implica como afirma Lopes (2004, p. 110) “entender as modificações sociais, políticas,
econômicas e culturais pelas quais passamos” para interpretarmos as questões que implicam nas mudanças para a
sociedade e tipo de educação que se quer formar com essas orientações.
Para se entender a implicação das mudanças curriculares da BNCC, primeiramente devemos perceber que todo
documento curricular é composto a partir da ideia central de reforma como projeto necessário. Lopes (2004, p. 110),
ressalta que “pelas mudanças curriculares, o poder central de um país constrói a positividade de uma reforma muito
mais ampla que a dos currículos, visando sua legitimação.”
A autora destaca ainda, que o discurso instituído em uma reforma é o de negação, critica-se as práticas curricu-
lares anteriores à reforma como desatualizadas, de forma a instituir o discurso favorável e necessário a implementa-
ção das mudanças. Ao analisarmos o documento da BNCC, percebemos que ele também está atrelado a reforma, seja
a do Ensino Médio, ou seja a das competências do ensino fundamental.
A partir do pressuposto de que as políticas curriculares estão em permanente movimento e que envolvem
complexidades e elementos contraditórios e instáveis, como o texto e o discurso, Lopes (2006), afirma que existe
uma disputa entre discursos que constituem o Estado em relação às condições materiais engendradas constituinte do
antagonismo social, mas que para compreender as políticas de dominação do Estado sobre definições curriculares e
necessário análise de outras dimensões, textuais e discursivas, na constituição das políticas curriculares. Para a autora
a teorização de Stephen Ball a respeito das políticas educacionais pode contribuir para compreensão desses contextos
da política.
Mainardes (2006) esclarece que a abordagem do Ciclo de políticas, desenvolvida pelos trabalhos de Ball e Bowe,
aborda a natureza complexa e controversa da política educacional, processos macro e micropolíticos de análise da
política, e ação dos profissionais que lidam com as políticas no nível local, tornando-se um referencial teórico dinâ-

202
mico e flexível. A nossa atenção, para este trabalho, tem voltado justamente para esses profissionais (in)visibilizados
dentro do Ciclo de Políticos e da produção científica quanto ao seu posicionamento acerca da BNCC.
A princípio tal abordagem envolvia facetas ou arenas políticas, depois considerando que o processo de formu-
lação da política envolvia relações contínuas em uma variedade de contextos nomeou-os em: contexto de influência,
contexto de produção de texto e contexto da prática, mais tarde os estudos dos autores encaminharam para o acrésci-
mo dos contextos dos resultados e efeitos, e contextos da estratégia política (MAINARDES, 2006).
Os contextos são inter-relacionados, no contexto de influência, as políticas são iniciadas, os discursos políticos
são construídos, disputas sobre a definição das finalidades sociais da educação e do que e ser educado, há uma luta por
hegemonia – poder, envolve legitimar e formar um discurso de base da política, os atores que atuam nesse contexto
são as redes sociais, os partidos políticos, governo, processo legislativo, agências multilaterais, governos de outros
países que buscam migrar suas políticas. (BOWE, BALL & GOLD, 1992; LOPES, 2004; MAINARDES, 2006).
Já no contexto de produção dos textos políticos, estes representam a política, estão articulados com a linguagem
do interesse público, ideologias dogmáticas, pouco coerentes e claros e por vezes contraditórios, são resultados de
disputas e acordos dos grupos que competem para controlar as políticas. Em relação ao contexto da prática, é onde
as políticas são recriadas e reinterpretadas, não são simplesmente implementadas e podem levar aos efeitos e conse-
quências que os atores envolvidos podem gerar, representando mudanças e transformações na política de origem.
(BOWE, BALL & GOLD, 1992; LOPES, 2004; MAINARDES, 2006).
Grosso modo, o texto da política deve ser lido e interpretado tendo em vista o jogo político em que foi influen-
ciado, produzido, e as relações envolvidas no contexto de representação de disputas de hegemonia – poder. O contex-
to da prática é o espaço de representação política, de entender o complexo processo de negociação da sociedade que
se quer formar. Mainardes (2006, p. 53) afirma que, “os professores e demais profissionais exercem um papel ativo
no processo de interpretação e reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no que
acreditam têm implicações para o processo de implementação das políticas.”.
O problema é que neste cenário, apenas algumas vozes são ouvidas e poucas agendas reconhecidas e legiti-
madas, cabendo a um trabalho de articular relações de mudança e condições de mudança, na visão de Ball (2011),
às políticas colocam problemas para seus sujeitos, que precisam ser resolvidos no contexto, e respostas precisam ser
construídas a partir de bases que envolvam reconhecimento, resistência, diversidade social, inter-relacionamento
de teorias, coerência, num entendimento multifacetado e dialético, que necessita articular as perspectivas macro e
micropolíticas.
Assim, cabe aos atores que analisam as políticas ampliar o entendimento das articulações hegemônicas que in-
fluenciam as produções dos textos, para a partir de interpretações híbridas, recriar fazendo uso dos espaços possíveis
de luta e resistência.

BNCC: COMPREENDENDO A POLÍTICA

O Conselho Nacional de Educação (CNE) iniciou, paralelamente ao Ministério da Educação (MEC), no ano
de 2014, a discussão sobre Base Nacional Curricular Comum (BNCC), constituindo uma Comissão Bicameral criada
pela Portaria CNE/CP nº 11/2014, para acompanhar e contribuir na elaboração da BNCC.
Dessa forma, em 2015, o MEC elaborou novos estudos sobre o tema com a participação de diversas entidades,
especialistas, profissionais da educação para elaboração de um documento sobre a BNCC. Segundo o documento De-
bates e controvérsias em torno da BNCC (DOCUMENTO, 2018 p. 270), “cerca de 120 (cento e vinte) profissionais
da educação, entre eles professores da Educação Básica e da Educação Superior de diferentes áreas do conhecimento,
foram convidados pelo MEC para elaborar um documento que resultou na “primeira versão” da BNCC.” Colocado
posteriormente em consulta pública pela internet com imensa participação, houve cerca de 12 milhões contribuições.
Todavia, é importante destacar que as contribuições foram realizadas majoritariamente em plataformas virtuais, com
divulgação questionável, assim como uma não transparência das contribuições e vozes. Se observarmos a diferença

203
do empenho midiático entre o período da “consulta” e o período da aprovação (versões e texto final) é bastante re-
velador.
O documento (DOCUMENTO, 2018) destaca ainda, que no ano de 2016 a “segunda versão” do documento da
BNCC foi disponibilizada e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e Conselho Nacio-
nal de Secretários de Educação (CONSED), realizou seminários para discussão com cerca de quase 9 mil educadores.
Ademais, a Comissão Bicameral promoveu 5 (cinco) audiências públicas nacionais, sendo uma em cada Região Geo-
gráfica do país, com grande participação das pessoas interessadas no assunto.
Nesse ínterim, vinha se encaminhando relatórios com as sugestões de mudanças, alterações e inclusões ao do-
cumento, adotando a metodologia participativa, mas em 2017 foi disponibilizado ao CNE para análise uma “terceira
versão” que mostrou-se segundo o referido documento (DOCUMENTO,2018, p. 274), de “metodologia de constru-
ção linear, vertical e centralizadora.”. Outro grave problema foi a divisão que essa terceira versão promoveu, pois
tratou somente do ensino fundamental e deixou o ensino médio de fora, para que se criasse uma outra BNCC para
esta modalidade, resultando no documento que vem operacionalizando a Reforma do Ensino Médio imposto pela
Medida Provisória no. 746/2016, que posteriormente se transformou na Lei no. 13.415/17.
As discussões sobre as políticas curriculares têm demonstrado que tais propostas, têm efeitos e desdobramentos
sobre o currículo e o trabalho dos professores, Bowe, Ball, Gold (1992), elucidam que as influências externas/internas
podem modificar os atores-chaves envolvidos na produção da política, e em consequência essa substituição modifica
significativamente o primeiro pensar curricular.
Nesse sentido, Bowe, Ball, Gold (1992), ressaltam ainda que em meio às arenas/contextos, algumas vozes se
sobressaem mais que outras. Deste modo, percebemos que as vozes dos professores por vezes fica (in)visibilizada, e
se perdem em meio a disputas de poder, prescrição e cerceamento de sua autonomia.
Posto isso, o levantamento das produções acadêmico-científicas na base de dados multidisciplinar oasisbr.ibict,
na delimitação temporal de 2015 a 2019, a partir da busca com o descritor “BNCC” e “Base Nacional Curricular Co-
mum”, encontramos um total de 354 produções, refinando a busca com os outros descritores “Ensino Fundamental”,
“Ensino Médio”, “Professores”, “Currículo”, e com a leitura de títulos e resumos levantamos 57 produções, das quais
selecionamos as 10 que versavam sobre o tema.
A incidência das produções são de diversas áreas do conhecimento, mas com foco na BNCC e o posicionamen-
to e percepções dos professores, percebemos na triagem que o auge de produções são de artigos, e que no geral as áre-
as de ciências humanas e da natureza, que mais possuem mudanças com a BNCC em seus componentes curriculares,
são as que mais produzem, no quadro 1 apresentamos as produções selecionadas:

Quadro 1: Incidência das produções

ARTIGO AUTORES 4
A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso SILVA, M.R. 1
CARVALHO, J.M.;
O silenciamento de professores da Educação Básica pela estratégia de fazê-los falar 1
LOURENÇO, S.G.
FRANCO, A. P.;
Saberes históricos prescritos na BNCC para o ensino fundamental: tensões e concessões SILVA JÚNIOR, A. F.; 1
GUIMARÃES, S.
Visão de professores de escolas de Cuiabá/MT e Campo Verde/MT sobre a Base Nacional MACIEL, C. M. L. A.;
1
Comum Curricular (BNCC) et al.
DISSERTAÇÃO 3
Base Nacional Comum Curricular: concepção do componente Educação Física para o Ensino
ALMEIDA, D.F. 1
Fundamental
O papel da escola pública a partir das vozes dos professores: isto e/ou aquilo? SILVA, K. M. 1
Os entrelugares educação infantil - ensino fundamental: o que podem os currículos tecidos
SILVA, T. M. 1
com os cotidianos das escolas?

204
TESE 3
Base Nacional Comum Curricular como política de regulação do currículo, da dimensão
COSTA, V. S. S. 1
global ao local: o que pensam os professores?
Bem-me-quer, malmequer: um estudo sobre a presença do ensino religioso na Base Nacional
FREITAS, E. M. L. M. 1
Comum Curricular
O ensino da geografia e sua especificidade na base nacional comum curricular brasileira: uma
OZÓRIO, A. M. 1
cartografia das ausências
Total Geral 10

Fonte: elaborado pelas autoras, com dados do banco pesquisado.

No que concerne às regiões das produções selecionadas, pertencem ao Centro-Oeste, e Sudeste, sendo esta a
região que se destaca pelos índices de mais produções, demonstrando que concentra um percentual elevado em rela-
ção às outras regiões devido certamente ao grande número de programas de pós-graduação e pesquisas em desenvol-
vimento. O Estado de São Paulo, destaca-se com o maior número de produções, sendo um artigo, duas dissertações
e três teses.
Com relação a natureza das instituições que produziram, ao proceder a identificação das Instituições de Ensino
Superior (IES) e o agrupamento das produções evidenciamos que 70% são públicas, sendo que nos 30% das privadas
só há produções de dissertação e tese, com ênfase para Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), po-
rém, em nível nacional o destaque para produções e pesquisas são para as instituições públicas.

PROFESSORES E BNCC: A (IN)VISIBILIDADE E O DISCURSO

Nos achados da Pesquisa, os posicionamentos e percepções dos professores nas produções apontam que os
professores que conhecem o documento da BNCC tem a clareza que este normatizará o currículo, bem como tem a
ciência de suas fragilidades, da valorização de algumas disciplinas em detrimento de outras e o cerceamento dos pro-
fessores em relação ao fazer pedagógico no espaço escolar.
É agravante o viés que o documento se posiciona diante da educação brasileira, pois a escola é o lugar de dar vez
e voz a comunidade escolar, criou-se se um estereótipo em que o diálogo, a dialética e a dúvida não fazem parte do
currículo e das realidade de quem usufrui da escola, principalmente a pública. Esse fato é preocupante, pois de forma
velada estão promovendo um silenciamento e uma invisibilidade das vozes dos alunos e professores.
Vale lembrar que Althusser (apud MÉSZÁROS, 2008), considerava que qualquer sistema político utiliza da
educação como aparelho ideológico para disseminar sua ideologia. Porém se empregarmos a educação como acentua
Gadotti (2008), como ato e práxis, pois a educação além de ser um ato político é também um ato social ligado a eco-
nomia e a ação produtiva, como tal não pode ser destruída pela ideologia posta na BNCC. E nessa dialética de conflito
à imposição de uma classe dominante, a educação tem condições de escapar da ideologia por ela determinada.
Dessa forma, apresentamos abaixo uma síntese das produções acadêmico-científicas utilizadas neste trabalho:
Ozório (2018) enfatiza em sua tese que a BNCC traz um contexto de menor valorização da disciplina de Geo-
grafia. De acordo com Ozório (2018), o contexto neoliberal reorientou o sistema de ensino para uma noção utilitaris-
ta de currículo, com uma visão de conhecimento e discurso fragmentado, acarretando na dificuldade que os sujeitos
que herdaram os frutos do movimento de renovação do pensamento geográfico, na década de 1970, em unir e/ou
difundir o discurso sobre a metodologia e epistemologia da ciência geográfica.
Na tese de Costa (2018), a partir da análise do contexto, elucida que a BNCC é permeada de conflitos e dispu-
tas tanto em torno dos sentidos da política quanto pelo controle político-econômico da educação. Há uma conexão
em torno dos atores envolvidos na política, no âmbito local, nacional ligado à rede global para estabelecer o sentido
hegemônico na condução do sistema de educação com influências de regulação, prescrição e centralização ignorando
aspectos locais políticos, sociais e culturais.

205
Por sua vez, em sua tese, Freitas (2018) defende o Ensino Religioso enquanto ciência religiosa e trata da inser-
ção desta disciplina em um documento oficial como BNCC. Para a autora, apesar das críticas e dos problemas expos-
tos em sua pesquisa, a BNCC aponta para um avanço na educação básica, uma vez que compreende a disciplina está
mais ligada ao fenômeno religioso, por meio de pressupostos científicos, filosóficos e éticos, e não aos dogmas de fé.
Na dissertação de Almeida (2018), a BNCC é compreendida como uma política pública geradora de polêmicas
e posicionamentos, por vezes contraditórios quanto a interpretações e aceitabilidade de suas concepções. A caracte-
rização de Educação Física na BNCC, segundo Almeida (2018), corresponde a um retrocesso histórico, uma vez que
desconsidera as conquistas do movimento contínuo de debates e lutas de professores e pesquisadores por uma educa-
ção mais democrática no sentido da promoção da autonomia de alunos e docentes numa perspectiva crítico-cultural.
Silva (2018), por meio da investigação nos cotidianos de uma EMEIEF (Escola Municipal de Educação Infantil
e Ensino Fundamental), pensando nos espaços-tempos escolares, macropolíticas curriculares e microações cotidia-
nas, aponta o determinismo da BNCC como política prescritiva curricular, que evidencia uma lógica de binarismo
para alfabetização, impondo tempos, idades, séries e maneiras para os praticantes que não abarcam por completo o
poder transversal dos currículos nos cotidianos das escolas.
Silva (2018), averigua em sua pesquisa que na prática o documento da BNCC ignora pesquisas e currículos
existentes, torna o currículo mínimo por articular-se com a avaliação externa, sendo um currículo imposto, que se
apresenta instrumental, preocupado com escola de resultados imediatos.
Com relação aos artigos, as análises apontam que: Silva (2018) apresenta que por trás de um discurso “novo”
da BNCC, há um velho discurso de disputas em torno de sentidos e finalidades, sendo que a centralidade conferida à
noção de competências recupera a década de 1990 e reintroduz uma abordagem de caráter pragmático e a-histórico.
Carvalho e Lourenço (2018), por sua vez, salientam que a política da BNCC sufoca a possibilidade de proble-
matização dos professores da educação básica, sendo que os experts silenciaram as vozes dos professores, num jogo
no qual ocorre um estímulo a participação dos professores para fazê-los falar, e legitimar o discurso imposto pelos
experts, sob aparente participação mas sem efetivo poder de decisão. É um processo de sujeição social com a existên-
cia de uma problematização silenciada e modelos verticalmente impostos.
Maciel et al. (2017) averiguaram que poucos participantes da pesquisa demonstraram conhecer a BNCC e tam-
pouco ter contribuído para elaboração do documento. Apresentaram a dificuldade de conciliá-la com a realidade das
escolas, que a política não expressa de forma coerente a participação ativa e objetiva dos professores em relação aos
seus anseios e desafios de formação.
Para Franco, Silva Júnior e Guimarães (2018), a BNCC no tocante ao ensino de história é uma prescrição regu-
ladora, instrumento padrão de controle do fazer pedagógico dos professores, apresenta uma prescrição de um currí-
culo que retrocede aos círculos concêntricos e reafirma o eurocentrismo, com reforço do controle sobre a história a
ser ensinada, num claro cerceamento da criatividade e criticidade docente.
Diante do apresentado, preocupa a constatação que ainda há muitos professores que não conhecem o docu-
mento, e poderão ser levados apenas por falácias formais da mídia. Embora os que já conhecem têm apresentado uma
capacidade de análise e reflexão sobre o mesmo e poderão arguir e posicionar-se para extrair o que há de melhor para
não prejudicar o educando, a relevância desse questionamento é primordial em tempos obscuros e sombríos para
contrapor a lógica neoliberal que está posta.
Nesse sentido, se os professores não tiverem o compromisso com o fazer pedagógico, as consequências serão
graves pois Sader (apud MÉSZÁROS, 2008, p. 16), alerta que “no reino do capital, a educação é, ela mesma, uma
mercadoria”. E nesse contexto, para contrapor essa lógica é necessário que o protagonismo dos alunos e professores
sejam assegurados, no sentido de que a BNCC não desvirtue a propositura de uma educação crítica para a emancipa-
ção e que os professores não cumpra tão somente os conteúdos e as competências, mas que traga o diálogo a descen-
tralização do documento e a realidade de cada espaço escolar.

206
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Longe de findarmos a conclusão deste debate, mas com a finalidade de fazer emergir algumas considerações
que nos permitam avançar sobre as necessárias reflexões acerca da BNCC apresentamos os seguintes apontamentos.
A BNCC é uma política curricular que tem sido formulada sobre influências do contexto neoliberal e da de-
manda do setor produtivo para a formação dos sujeitos, em especial, quando observamos que essa política está orien-
tada para a formação das competências e com o orquestramento das agências multilaterais e privadas. Do mesmo
modo o contexto, da produção da política educacional opera entre discursos e texto que visam posição hegemônica
desse grupo, cujos dissensos vão sendo apagados com a indução do contexto da prática, pela implementação dessa
política ainda no momento de formulação pelas redes públicas de ensino, de cunho homogeneizador e prescritivo.
Todo esse processo de influência, produção e implementação, bem como os efeitos e avaliação das políticas,
tem diretamente o professor como um agente imprescindível. No entanto, a sua (in)visibilidade tem operado de for-
ma bastante perversa: sofrendo com as políticas neoliberais de formação de professores, a nível de formação inicial
e continuada; com as condições salariais defasadas (desvalorização da profissão do magistério, o não cumprimento
do piso salarial, etc.) e péssimas condições de trabalho; ausência de recursos didático pedagógicos nas escolas e infra-
estrutura muitas vezes precárias nas escolas; tem sido responsabilizado, dentro das políticas de accountability, pelos
resultados das avaliações em larga escala e indicadores. É sobre ele que pesa a necessidade de uma política curricular
mais rígida, monitora e controlada pelo sistema. A sua visibilidade, portanto, só é alertada quando os aspectos nega-
tivos convém a construção de um discurso sobre a necessidade de maior controle, de maior fiscalização, de monito-
ramento, etc.
Por outro lado, torna-se invisível, quanto a discussão do seu trabalho e das suas reivindicações, das suas pro-
postas e proposições para a educação. No caso da BNCC, há uma invisibilidade da sua real participação no processo
nos contextos vigentes do Ciclo de Políticas, assim como a produção acadêmico-científica, a respeito da BNCC, tem
pouco privilegiado as percepções e posicionamentos dos professores da rede pública de ensino, da educação infantil
ao ensino médio.
Compreende a sua (in)visibilidade no processo é também uma forma de promover a consciência política e
preparar a resistência que o campo educacional precisa levantar diante das perversidades no campo da política edu-
cacional que tem se instaurado ao longo das últimas décadas. Afinal, como podemos apreender de Mézsáros (2008,
p.108) “A necessidade de uma mudança estrutura radical e abrangente na ordem sociometabólica estabelecida carrega
consigo a exigência da redefinição qualitativa das determinações sistêmicas da sociedade como a perspectiva geral de
transformação.” Ajustes parciais e melhorias marginais na ordem socioreprodutiva existente não são suficientes para
cumprir o desafio.

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208
A (DES) VALORIZAÇÃO DAS LÍNGUAS INDÍGENAS NAS ESCOLAS
URBANAS DE BARRA DO GARÇAS

Rita Natalia Batista da Silva Carvalho – SEDUC MT/CEFAPRO

Este resumo resulta de uma pesquisa do Projeto de Extensão: Interculturalidade nas Escolas Públicas Urbanas:
resultados e desafios, do Grupo de Pesquisa: A presença dos estudantes indígenas da etnia Xavante no Marco Inte-
racional das escolas públicas urbanas: uma estratégia de contato realizada pelo Centro de Formação e Atualização
dos Profissionais da Educação Básica, no segundo semestre de 2018, com os professores das escolas estaduais da rede
estadual, localizadas em Barra do Garças-MT, que atuam com alunos do povo Xavante e objetiva apresentar resul-
tados que proporcione uma visão mais detalhada de como os alunos indígenas do Povo Xavante são recebidos pelos
professores não indígenas propondo uma abordagem de novas perspectivas a serem utilizadas pelos professores no
ensino da história, da cultura e da língua dos povos indígenas, destacando aqui do povo xavante. Nesta perspectiva,
buscou-se caminhar na direção de promover uma análise histórica e em seguida apresentar novas maneiras de
trabalhar destacando a valorização dos povos indígenas, fornecendo subsídios, colaborando para uma nova
forma de abordar a temática indígena, tendo em vista que estes povos estão presentes na sociedade brasileira e devem
ser tratados, estudados e pesquisados como uma população que busca seu espaço para o reconhecimento e a aceitação
de suas diferenças e o desafio dos professores na difícil tarefa de ensino em contextos interculturais, onde precisam
buscar estratégias para trabalhar com falantes de outra cultura para conhecer os pontos conflitantes entre a Língua
Indígena e a Língua Portuguesa e a partir das informações coletadas e confrontadas com referenciais teóricos sobre
o tema “educação intercultural”, possam efetuar uma análise qualitativa sobre aspectos pertinentes ao exercício da
profissão, especialmente no que tange ao trabalho em contextos interculturais. Trata-se de uma luta contra o tempo
diante da estimativa de que esses idiomas possam desaparecer em 50 ou 100 anos, pois das poucas línguas remanes-
centes no Brasil atualmente, 40 têm menos de uma centena de falantes e algumas já estão com gravíssimo risco de
extinção, pois se limitam a menos 20 pessoas capazes de se expressar pela língua materna.  Portanto, temos a intenção
de relatar uma experiência docente de pesquisa e intervenção em sala de aula em relação aos conflitos entre as dife-
rentes culturas e os processos dinâmicos vividos por diferentes grupos sociais no processo de ensino aprendizagem
a estudantes que dominam a sua língua e estão no processo de aquisição de outra língua. É preciso compreender e
analisar a língua utilizada pelo aluno nas aldeias a fim de compreender como desenvolver o ensino da Língua 2, além
de proceder-se-á a análise documental para verificar, nos documentos da escola, como está a sua autonomia política
que assegure o direito a uma Educação Escolar caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação
das memórias históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas. Os autores que fun-
damentam os estudos são Freire (2006), Lachnitt (1988), Magalhães (2010), Aguilhera (2010), Goldenberg (1999),
Sobrinho (2011) e Caldeironi (2011)
Palavras Chave: Educação Intercultural. Ensino de línguas. Lei 11 645/08

INTRODUÇÃO

No Brasil, os povos indígenas têm reconhecidos suas formas próprias de organização social, tradições, conhe-
cimentos e processos de constituição de saberes e transmissão cultural para as gerações futuras. Vivem em 597 terras
indígenas regularizadas ou em processo de regularização, totalizando 12,54% do territorial nacional. Apesar da ampla
distribuição, mais de 60% da população indígena está concentrada na região da Amazônia Legal, a qual, devido ao
recente e diferenciado processo de ocupação pelas frentes de expansão, possui mais de 98% das terras (AGUILERA
URQUIZA, 2010b, p. 39).

209
A presença dos povos indígenas por toda a extensão territorial do Brasil com seus direitos gerou a possibilidade
de os povos indígenas se apropriarem da instituição escola, atribuindo-lhe identidade e função peculiares. A escola,
espaço histórico de imposição de valores e assimilação para incorporação à economia de mercado e, nesse processo,
devoradora de identidades, passa a ser reivindicada pelas comunidades indígenas como espaço de construção de rela-
ções Inter societárias baseadas na interculturalidade e na autonomia política.
Entretanto, a concepção intercultural é recente, pois a trajetória da educação escolar indígena (LOPES DA
SILVA; GRUPIONI, 1995) nos informa que de maneira geral, a pretensão da escola era de integrar estas populações
étnicas à sociedade nacional. No entanto, uma das razões que impossibilitava a consecução deste objetivo eram as
línguas indígenas.
Mato Grosso é um Estado pluricultural, multiétnico e multilinguístico. Os povos que aqui vivem fazem de
Mato Grosso um Estado peculiar em riqueza de culturas, costumes, tradições, valores, conhecimentos e organização
social. Há aqui, mais de 40 povos indígenas, falando cerca de 34 línguas distintas. Os povos indígenas de Mato Grosso
se diferem tanto na pluralidade cultural quanto nos diversos estágios de aculturação e de contato com a sociedade
“não-índigena”. A situação linguística também é múltipla e diversa, enquanto há grupos que só se comunicam em sua
língua étnica, há outros em que a língua portuguesa é a língua de uso no cotidiano.
Barra do Garças apresenta um desafio aos educadores no sentido de que em quase todas as quinze escolas
urbanas há a presenças de alunos indígenas e não é mais possível invisibilizar a presença destes alunos em sala de
aula e nem o reconhecimento da diversidade de mais de 42 povos indígenas presentes no estado e da sua busca por
autodeterminação. A formação continuada se configura como uma das alternativas dos professores aperfeiçoarem
seus estudos na ampliação de um conhecimento da história destes povos, de sua cultura e de sua língua. O Centro de
Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica, responsável pela formação continuada no estado de
Mato Grosso desenvolve formações que buscam promover reflexões e mudanças de prática pedagógica dos profis-
sionais que hoje tem como desafio o ensinar em contextos de interculturalidade e os resultados destas formações se
apresentam em práticas interculturais já desenvolvidas por alguns professores, mas ainda há muito que se fazer para
que haja por parte dos professores e profissionais das escolas a compreensão da capacidade dos povos indígenas de
olhar para frente à procura de novos caminhos, de novas atuações não para se tornarem não-indígenas, mas sim para
continuarem a ser indígenas capazes de conviver entre dois mundos, o seu e do outro sem deixarem de ser quem são.
Neste sentido, afirma Ferreira (2001, p. 71) que:

A finalidade do Estado brasileiro, que procura aculturar e integrar os índios à sociedade envolvente por meio da
escolarização confronta-se, atualmente, com os ideais de autodeterminação dos povos. Para os índios, a educação
é essencialmente distinta daquela praticada desde os tempos coloniais, por missionários e representantes do gover-
no. Os índios recorrem à educação escolar, hoje em dia, como instrumento conceituado de luta.

A escola deve ser um lugar de efetivação real das políticas linguísticas reivindicadas pelas comunidades e es-
tabelecidas pelos governos. No Brasil atual, é possível observar a formação e expansão de iniciativas importantes da
chamada “educação bilíngue intercultural, específica e diferenciada”, mas se tais iniciativas são de fato implemen­tadas
com os resultados esperados - manutenção das línguas e culturas dos diversos povos indígenas - ainda é tema de
discussão.
Neste sentido, o artigo científico traz considerações preliminares sobre as práticas de ensino nas escolas es-
taduais urbanas, fruto de uma das ações do Projeto de Extensão: Interculturalidade nas Escolas Públicas Urbanas:
resultados e Desafios, inserido no Grupo de Pesquisa A presença dos estudantes indígenas da etnia Xavante no Marco
Interacional das escolas públicas urbanas: uma estratégia de contato com o objetivo principal de apresentar algumas
práticas pedagógicas dos docentes com relação aos adolescentes indígenas do povo Xavante matriculados nas escolas
estaduais urbanas de Barra do Garças/MT. Para tratar do tema e avançar com os estudos do mesmo faz-se necessário
uma aproximação das produções já realizadas sobre o tema , principalmente de autores como: Freire (2006), Lachnitt
(1988), Magalhães (2009), Aguilhera (2010), Goldenberg (1999), CANDAU e OLIVEIRA, (2010) para compreender
as práticas de ensino dos docentes que circulam pelas escolas que possuem estudantes indígenas do povo Xavante.

210
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa deve-se levar em conta a relação dinâmica entre a realidade e o sujeito
pesquisado. É necessário que haja um vínculo inseparável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. Por se
tratar de uma investigação que envolve a observação do comportamento socio interacional dos indivíduos, ela não
pode ser traduzida em dados numéricos. O investigador trabalha basicamente com a interpretação dos fenômenos e
também com a atribuição dos significados.
Segundo (Goldenberg, 1999, p. 106), uma pesquisa deve conter os seguintes requisitos: a) a existência de uma
pergunta que se deseja responder, b) a elaboração de um conjunto de passos que permitam chegar à resposta, c) a
indicação do grau de confiabilidade na resposta obtida.
Nessa ótica, para que em nossa pesquisa possamos atingir os propósitos ressaltados por Goldemberg, utiliza-
remos como procedimentos a observação participante, encontros com professores não indígenas, visitas a escolas,
entrevistas com alunos indígenas do povo Xavante, registros fotográficos e filmagem dos ambientes educativos e os
espaços ocupados por esse grupo (alunos indígenas do povo Xavante) nestes ambientes educativos.
A metodologia de caráter qualitativo, a qual será apresentada no texto estabelece uma relação entre identidade,
diferença e cultura (s), tendo como eixo de interpretação os processos históricos que produzem sentidos e os signifi-
cados que realçam ainda mais as relações de poder que hierarquizam as diferentes culturas.
Sendo assim, após anunciar rapidamente o objetivo do texto e o campo teórico no qual pretendemos transcor-
rer a escrita do artigo, o trabalho apresenta o cenário indígena de Barra do Garças/MT, destacando dados numéricos
dos estudantes indígenas matriculados nas escolas públicas urbanas. Finalizando procura descrever algumas práticas
pedagógicas de docentes de escolas com alunos indígenas do povo Xavante.

O POVO XAVANTE NO CONTEXTO URBANO DE BARRA DO GARÇAS/MT

A transformação mundial está provocando cada vez mais uma série de turbulências para os povos indígenas,
principalmente, para aqueles que deixam suas aldeias para enfrentar o dia a dia nos espaços urbanos. O ritmo do cres-
cimento dos alunos matriculados em escolas públicas tem produzido efeitos negativos em quase todos os aspectos de
suas vidas, tanto linguísticos como culturais, sobretudo, em seus hábitos alimentares colocando em risco quase todo
o seu patrimônio. A instituição de ensino cabe a tarefa de expor sobre a importância da preservação de sua cultura,
a fim de manter as conquistas do presente, no sentido de formar alunos conscientes de sua responsabilidade social,
conhecedor de seus direitos e deveres que priorizem suas inclusões, nas escolas públicas urbanas, sem deixar de serem
o povo autêntico e verdadeiro, sendo considerados como os precursores do conhecimento e da prosperidade de uma
determinada região.
A cidade de Barra do Garças apresenta um significativo contingente de indivíduos indígenas, sobretudo,
do povo Xavante, dada a proximidade das T.I (Terra Indígena) de São Marcos (município de Barra do Garças),
Sangradouro (município de General Carneiro), Parabubure (município de Campinápolis), Areões (município de
Água Boa). As escolas públicas urbanas de Barra do Garças tem recebido alunos do povo Xavante, os quais têm a
língua portuguesa como segunda língua (L2) e a aquisição da língua portuguesa por esses alunos, em muitos casos,
ocorre em situações informais de uso dessa nas relações de contato com os não indígenas, sendo que seu domínio
apresenta grande variabilidade de acordo o grau de frequência com o qual a língua portuguesa é usada dentro e fora
da comunidade em duas situações distintas quanto ao conhecimento que os alunos indígena Xavante têm da língua
portuguesa: (a) domínio parcial da segunda língua vinculado exclusivamente à oralidade, e (b) dificuldades quanto
ao desempenho na modalidade escrita, ainda que sejam alunos alfabetizados na língua materna (a’uwẽ uptabi), por se
tratarem de línguas com estruturas gramaticais distintas. Logo, as práticas de ensino e aprendizagem não só da língua
portuguesa, mas também das diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar deveriam considerar o perfil do
aluno na condição de sujeito bilíngue e portador de outra identidade cultural, mas na prática não é bem assim que as
coisas acontecem.
Entender a ligação do povo Xavante e dos não indígenas na cidade em Barra do Garças perpassa por sua locali-
zação geográfica; uma vez que está localizada na região Centro-Oeste do Brasil, a nordeste de Mato Grosso na fron-

211
teira com o estado de Goiás, distante a 550 km da capital Cuiabá. Barra do Garças faz divisa com Araguaiana, General
Carneiro, Pontal do Araguaia, no estado de Mato Grosso e com Aragarças no estado de Goiás.
Os conflitos entre o povo Xavante e os não indígenas surgiram desde o início de contato. O povo Xavante,
assim como outros povos indígenas sempre tiveram uma tradição pautada na cultura oral, por isso não se tem regis-
tros feitos por eles de seus primeiros contatos com os não indígenas, mas é possível encontrar em relatos como os de
Tseradzadzuté, e Mandú e a Pedzai’o watsu’u (história do boto) situações que denotam como pode ter ocorrido esse
contato na visão do povo Xavante.

O povo Xavante assim como outros indígenas veem para a zona urbana e acreditam que poderão encontrar opor-
tunidades para recomeçar a vida. “Esperam reencontrar, nos espaços urbanos, uma sociedade que os recebam com
dignidade, e que as portas de um trabalho possam se abrir; acreditam ainda na reintegração do não-índio com o
indígena” [...] (MAGALHÃES, 2009, p.206).

Esses índios, em sua grande maioria, mulheres, não querem nada mais do que oportunidade de melhorar suas
condições de vida, principalmente no que diz respeito a parentesco, trabalho e a educação escolar devido ao fato de
haver restrita condição de trabalho na aldeia apenas relacionadas ao setor público (ex. professor, agente de saúde).

UM BREVE OLHAR SOBRE OS ESTUDANTES INDÍGENAS DO POVO XAVANTE NAS


ESCOLAS URBANAS DO MUNICÍPIO DE BARRA DO GARÇAS/MT.

Mesmo sabendo da existência de alunos do povo Xavante matriculados nos municípios de Pontal do Araguaia/
MT e Aragarças/GO focaremos somente na realidade do município de Barra do Garças/MT. Esta opção se justifica
pelo fato de haver um número maior de estudantes do povo Xavante matriculados nas escolas públicas de Barra do
Garças (mais de 100 alunos) e segundo porque ao definirmos por apenas um município podemos apresentar dados
significativos sobre os estudantes indígenas que frequentam as escolas estaduais indígenas do município de Barra do
Garças/MT, sem termos que nos desdobrar para apresentar dados de outros dois municípios.
Barra do Garças possui atualmente 15 escolas públicas urbanas, da rede estadual e segundo dados da Assessoria
Pedagógica, no ano de 2018 foram matriculados em todas escolas alunos indígenas do povo Xavante totalizando 113
matrículas. Destes muitos não concluem o ano letivo e abandonam os estudos porque o calendário escolar não con-
templa o calendário cultural com a realização de rituais e atividades culturais importantes para se manter na cultura.
A segunda justificativa e talvez a que mais merece atenção dos pesquisadores, é que mesmo tendo direito as-
segurado pela Constituição Federal de 1988 à educação diferenciada, os estudantes indígenas do povo Xavante são
inclusos, mas não tem a garantia de seus direitos respeitados na política de educação do estado no que diz respeito a
sua cultura e a sua língua nos espaços educativos das escolas públicas urbanas de Barra do Garças. Eles ainda não são
vistos como pertencentes aquela unidade escolar e podemos perceber que os currículos e as práticas pedagógicas não
atendem a diversidade. Ao contrário, as práticas de ensino e os currículos que se fazem presentes nas escolas refor-
çam o modelo hegemônico de educação que continuam excluindo e silenciando aqueles que mais precisam. Em outras
palavras, o diferente é excluído, inferiorizado, silenciado e aprisionado em sua diferença cultural, o que não permite
a possibilidade de movimento e dinamismo e impede a produção de outros sentidos (BHABHA, 1998).

AS PRÁTICAS DE ENSINO NAS ESCOLAS PÚBLICAS URBANAS PARA O POVO XAVANTE

A possibilidade de realizar um trabalho com os povos indígenas em contexto urbano é sempre um convite a
aprender, pois trata-se de um cenário de pesquisa em construção. Assim, além da dificuldade de escrever sobre a te-
mática, nessa seção, o artigo tem como proposta apresentar algumas práticas pedagógicas dos docentes com relação
aos alunos indígenas do povo Xavante matriculados nas escolas de Barra do Garças/MT. A intenção de apresentar

212
essas práticas de ensino dos docentes vem no sentido de mostrar que uma boa prática pedagógica não pode ser reali-
zada sem garantir conflitos e tensões, e sem que o conceito de cultura não esteja presente.
Os escritos que serão apresentadas no artigo são elaborados a partir de experiências preliminares no curso de
formação: Róbdzanahmrizé e Leitura e Produção Textual. O curso foi ofertado para professores de Língua Portu-
guesa e Pedagogos que lecionam para alunos do povo Xavante e o curso Leitura e Produção Textual oferecido aos
indígenas do povo Xavante matriculados nas escolas públicas urbanas de Barra do Garças/MT. Os dois cursos procu-
ram promover um diálogo entre professores não indígenas e alunos indígenas sobre cultura, língua e identidade. Tal
opção se justifica devido, principalmente as tensões que vão se formando no fazer pedagógico onde o aluno indígena
do povo Xavante chega à escola e depara-se com uma realidade diferente das escolas indígenas situadas nas aldeias,
lugar onde ele cursou os anos iniciais do Ensino Fundamental. Em determinadas situações podem ser considerados
“espécie” pelos professores e ainda precisam lidar com situações onde não há uma compreensão do interlocutor com
sua língua e em contrapartida ainda não conhecem plenamente e não dominam a outra língua. Essa questão pode
ser compreendida na fala da aluna indígena do povo Xavante “Quando cheguei à sala de aula, meu primeiro impacto
foi com a questão da língua porque eu falava a língua do meu povo e a professora falava na língua portuguesa e não
entendia nada na minha língua”.
O que se observa é o grande desafio enfrentado por alunos e professores no convívio diário sendo falantes
de línguas diferentes. O aluno indígena acredita que com este professor ele vencerá suas barreiras quanto ao uso da
língua portuguesa e o professor, por estar frente a um aluno que deposita nele tanta confiança, não sabe como ajudar
por não conhecer nada da língua e nem da cultura deste aluno.
Diante dessas e outras situações encontradas nas escolas, observamos que os estudantes indígenas do povo
Xavante conseguem melhores resultados frente às práticas pedagógicas dos docentes do que o professor quanto a
alteridade dos alunos indígenas. Os professores por não conseguirem conhecer a realidade dos alunos indígena do
povo Xavante acabam desenvolvendo práticas pedagógicas de exclusão, silenciamento e marginalização do diferente.
Muitas dessas práticas são resultantes do modelo hegemônico de escola, a qual seleciona saberes, valores, práticas e
outros referentes que consideram adequados ao seu desenvolvimento.
Em diálogos promovidos durante o curso de Formação: Róbdzanhamridzé não foram raras as vezes que ouvi-
mos relatos de professoras que diziam sempre perceber que os alunos indígenas do povo Xavante presentes em sua
sala de aula tinham muita dificuldade ao realizar as atividades propostas chegando ao final do bimestre sem rendi-
mento satisfatório. Alguns professores percebendo o desafio afirmaram ter mudado sua prática, mas outros ainda não
conseguiram encontrar alternativas para trabalhar com a diversidade, com o aluno indígena. Analisando o discurso
das professoras sobre os alunos indígenas do povo Xavante é possível perceber duas questões sobre as quais podemos
refletir. No relato da professora, percebemos que ela traz a dificuldade somente para os estudantes indígenas e es-
quece que essas dificuldades apresentadas, também podem ocorrer com os alunos não indígenas. O que acontece em
muitas situações é que o estudante indígena está destinado ao fracasso escolar. Outro ponto a destacar no diálogo com
os professores é de que há uma intenção de rever as práticas pedagógicas optando por práticas baseadas no diálogo e
na troca de conhecimento de diferentes grupos, mas ainda existe uma grande barreira que diz respeito a língua. Po-
demos observar que ainda está distante a possibilidade de pensar em uma educação que promova um processo dinâ-
mico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito e igualdade, que
garanta um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes,
buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença, onde as desigualdades sociais, econômicas e po-
líticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados
(CANDAU e OLIVEIRA, 2010, p.14).
No diálogo com um aluno indígena do povo Xavante uma situação me emocionou quando disse: “estou na
escola da cidade e no curso, não tenho tempo para mais nada porque estou aqui para estudar e aprender bastante
sobre o não indígena e a língua portuguesa”. Na fala do aluno indígena do povo Xavante percebemos o desafio que
ele enfrenta em seu cotidiano morando na zona urbana e realizando seus estudos na intenção de não estar a margem
e não ser excluído em um grupo onde a superioridade colonizadora se sobressai.

213
Como podemos observar os professores tem dificuldade de reconhecer a diferença e com isso não conseguem
questionar os conceitos hegemônicos e permanentes que excluem o outro. A formação de professores se destaca nas
discussões relativa às políticas públicas, reformas na política de formação docente ou nos debates acerca da formação
inicial e continuada dos professores e as preocupações apresentam como enfoque as contribuições na busca de novos
referenciais teórico-metodológicos, buscando a mudança e a inovação das práticas escolares. A proposta é que a práti-
ca do professor deve levar em conta o estudo da sua própria prática, como um dos meios constitutivos da construção
de novos saberes profissionais, que seja capaz de produzir o seu próprio ofício, que assumam a responsabilidade do
seu próprio ofício e que sejam protagonistas.
Assim, após um ano de trabalho com os professores de alunos indígenas e refletir sobre as práticas pedagógicas
que circulam nas escolas com alunos indígenas, pensamos que ainda precisamos percorrer muitos caminhos investi-
gativos sobre os desafios eu estes profissionais enfrentam e que nós como pesquisadores enfrentamos, uma vez que
nosso objetivo é ir além e contribuir para que este profissional possa avançar com o objetivo a melhoria da qualida-
de da educação em seus aspectos ligados ao ensino de modo geral, mas ainda recente de uma política voltada para
desenvolvimento de métodos e técnicas que venha suprimir a vulnerabilidade do processo educativo em lidar com
diversidade cultural e linguística nos espaços escolares urbanos. Só assim será possível minimizar os conflitos étnicos
e ao mesmo tempo contribuir sobremaneira para instrumentalizar os professores da rede pública que atuam em es-
paços escolares tão permeados pela diversidade sociocultural beneficiando professores, alunos e toda a comunidade
envolvida com o processo educacional e cientifico.

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214
A CONSTITUIÇÃO DE UM CÓDIGO DISCIPLINAR
DA DIDÁTICA DA HISTÓRIA

Tales Damascena de Lima - PPGH PUC - Goiás

RESUMO: O presente trabalho propõe levantar questões sobre o ensino de História nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Realizar uma reflexão sobre o saber histórico nas séries iniciais demanda uma breve consideração acerca
dos caminhos teóricos e metodológicos percorridos pela História nas últimas décadas, quando houve um avanço das
pesquisas sobre o ensino de História nos anos da 5ª à 8ª séries, sendo mais recente a preocupação com o Ensino de Histó-
ria nas séries iniciais. Historiadores acreditam que crianças de seis a dez anos têm dificuldade na aprendizagem de Histó-
ria devido às questões relacionadas ao conceito de tempo e espaço. Historiadores são questionados em suas competências
pelos pedagogos, uma vez que as licenciaturas em História não habilitam para o magistério em séries inicias do ensino
fundamental, e, no caso dos pedagogos, as pedras são lançadas pelos historiadores, visto que a graduação em pedagogia
não aborda questões consideradas fundamentais para historiadores e para a produção do conhecimento histórico.

INTRODUÇÃO

Quando se trata do ensino de História nas séries iniciais, há lacunas nos currículos de ambos os cursos. Desse
modo, o presente trabalho pretende evidenciar a importância da História como disciplina escolar na fase inicial do
processo educacional. Buscou-se discutir sobre a Didática da História, não apenas a importância e a possibilidade do
ensino de História nas séries iniciais, mas as contribuições da Didática da História para os anos iniciais. Procurou-se,
também, traçar possibilidades e desafios, já que a Licenciatura de História não habilita adequadamente para o trabalho
com as séries iniciais, e a Pedagogia não aborda questões fundamentais para historiadores. Como um dos objetivos,
esse trabalho busca explicitar como as teorias pedagógicas têm abordado a relação entre os fundamentos da educação
e os saberes específicos da disciplina de História. Encontramos muitos livros, teses e dissertações sobre o ensino de
História nas séries iniciais, e sobre a aprendizagem histórica, com Isabel Barca, Keith Barton, nos quais desenvolvem
pesquisas relacionadas à cognição ou ao pensamento histórico de crianças e adolescentes. Há também estudos de Pe-
ter Lee, Alaric Dickinson e Rosalyn Ashby, que buscam investigar o saber discente, produzindo materiais e pesquisas
sobre o ensino de História desde os anos iniciais de escolaridade. As discussões e produções sobre o ensino de História
não são de hoje - há anos esse tema vem sendo discutido por vários autores e sob várias perspectivas; porém, nunca
sob os olhares da Didática da História (Geschichtsdidaktik) e da Didática da Educação em História (Didaktik des Ges-
chichtsunterrrichts), trabalhadas por autores alemães, dentre os quais Klaus Bergmann, Jörn Rüsen, entre outros.
A Didática da História não considera apenas os problemas de ensino e aprendizado na escola, mas analisa todas as
formas de raciocínio e conhecimento histórico na vida cotidiana e prática; busca compreender as formas e princípios
cognitivos da História. Esse trabalho busca trazer um olhar tal como Geschichtsdidaktik, trabalhada por Jörn Rüsen,
que busca refletir sobre como tem sido trabalhado esse processo de cognição nas teses e dissertações sobre o Ensino
de História nas Séries Iniciais.

A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: PERSPECTIVA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Em 1985 Chevallarrd publica uma obra intitulada “La transposición didática – del saber sábio al saber enseña-
do”,. O autor entende que os conteúdos academicos seriam o ponto de referência, de partida, e por meio de processo
de didatização, eles se transformariam em um conhecimento escolar. Assim, ele tem como preocupação fundamen-
tal como ensinar os conteúdos do saber sábio para o saber escolar.

215
Un contenido de saber que ha sido designado como saber a enseñar, sufre a partir de entonces un conjunto de
transformaciones adaptativas que van a hacerlo apto para ocupar entre los objetos de enseñanza. El “trabajo” que
transforma de un objeto de saber a enseñar en un objeto de enseñanza, es denominado la transposición didáctica.
(CHEVALLARRD, 2005, p. 45)

Para que um conteúdo possa ser aprendido, esse conteúdo necessitaria sofrer alterações que o transformariam
em um saber que possa ser ensinado, assim rompendo a fronteira do saber sábio e escolar. A transposição didática
vem permeando vários trabalhos acadêmicos. Um desses trabalhos que se destaca é o de Monteiro (1999) intitulado
“Ensino de História: entre saberes e práticas”, onde a autora se referência a Chevallard para analisar que os professo-
res de História estabelecem didáticas com os saberes que ensinam.
Assim a transposição didática defendida por Chevallard que o saber sábio que é o saber academico, passaria por
um processo de sistematização, seleção transformando-se em outro saber que será objeto de ensino. O professor é
o responsável por fazer as escolhas, selecionar organizar transpor o conteúdo. Com isso o aluno apenas recebe esse
conteúdo modificado por meio da ação do professor.

Essa abordagem considera a disciplina escolar dependente do conhecimento erudito ou científico, o qual, para
chegar à escola e vulgarizar-se, necessita da didática, encarregada de realizar a “transposição”. Consequentemente,
uma “boa” didática tem por objetivo fundamental evitar o distanciamento entre a produção científica e o que deve
ser ensinado, além de criar instrumentos metodológicos para transpor o conhecimento científico para a escola da
forma mais adequada possível (BITTENCOURT, 2004, p. 36).

Existem fatores que interferem nesta relação: como o fato de o professor e o aluno serem sujeitos, portadores
de uma forma de entendimento de mundo, aprendizagem e educação.
Chevallard (2005) enfatiza a necessidade de que o professor tem de mobilizar saberes e sentidos de didatizar
o conteúdo transformando em um saber que possa ser ensinado aos alunos e aprendidos pelos alunos. Chevallard
(2005) contribui para o entendimento do ensino de História em direção a uma Didática especifica, onde o conteúdo
passaria por uma recriação, adaptação, modificação em um conteúdo de ensino assim ocorrendo uma transposição
didática:

Podemos considerar la existencia de una transposición didáctica, como proceso de conjunto, como situaciones de
creaciones didácticas de objetos (de saber y de enseñanza a la vez) que se hacen “necesarias” por las exigencias del
funcionamiento didáctico (CHEVALLARD, 2005, p. 47)

Tanto Chevallard (2005) como Monteiro (1999), afirmam a necessidade de superar a insuficiência do conceito
de transposição didática, onde os autores indicam a utilização do conceito de mediação didática, que traduziria me-
lhor a conceitos de transposição didática.

O termo transposição tende a ser associado à ideia de reprodução, movimento de transportar de um lugar a ou-
tro, sem alterações. Mais coerentemente, devemo-nos referir a um processo de mediação didática. Todavia, não
no sentido genérico, ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou “ponte”, de permitir
a passagem de uma coisa a outra. Mas no sentido dialético: processo de constituição de uma realidade através de
mediações contraditórias, de relações complexas, não imediatas, com um profundo sentido de dialogia (Aut@r,
1997, p.564).

A importância acerca dos debates da transposição didática, o conceito trabalhado por Monteiro e Chevallarda,
ampliam as discussões entre o saber a ser ensinado e o saber acadêmico.

216
A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO HISTÓRICA

A transposição didática tem seu lugar de compreender o ensino e a aprendizagem. No entanto, e possível en-
contrar outras perspectivas que contribuei para se entender a natureza do código disciplinar da Didática da História.
realizou um estudo sobre o campo de investigação denominado Educação Histórica
Bergmann (1990) afirma que a função da Didática da História seria, analisar e investigar o significado da pró-
pria ciência Histórica, e um tarefa normativa:

[...] a Didática da História é uma disciplina que pesquisa a elaboração da História e sua recepção, que é formação
de uma consciência histórica, se dá num contexto social e histórico e é conduzida por terceiros, intencionalmente
ou não. (...)
A Didática da História é a disciplina científica que investiga e expõe sistematicamente os processos de ensino e
aprendizagem, processos de formação e autoformação de indivíduos, grupos e sociedades a partir da e pela Histó-
ria (...)
A Didática da História procura também explicitar os pressupostos, condições e metas da aprendizagem na dis-
ciplina específica da História, os conteúdos a serem transmitidos, os métodos e as categorias e a possibilidade da
estruturação dos conteúdos a partir das categorias didaticamente escolhidas na Ciência Histórica e analisa também
as técnicas e materiais de ensino e as várias possibilidades da representação da História (BERGMANN, 1990, p.
30 e 31).

Com essas citações podemos observar que Bergmann mostra que a Didática da História teria três preocupações:
uma para a aprendizagem em história, outra para a análise e investigação do significado da própria ciência Histórica
e por último a preocupação com a ação normativa. Assim o autor entende a Didática da História a partir do olhar da
cognição histórica, devido a Didática da História ter como tarefa a preocupação com a aprendizagem em História, e
ele tem um outro olhar para o significado do própria História.
Com isso a Didática da História chama para si uma forma de pensar o ensino e a aprendizagem, procurando
entender como se dá a aprendizagem em História, como os alunos construiriam as ideias acerca da História, em cima
dos conteúdos trabalhados na escola.
As pesquisas sobre cognição histórica se destacam no Reino Unido, América do Norte, Espanha, Portugal e
recentemente no Brasil.
Barca (2001) em sua tese de doutorado intitulada “O Pensamento Histórico dos jovens – ideias dos adolescentes
acerca da provisoriedade da explicação histórica”, analisa elementos de aprendizagem da História, por meio de um
estudo realizado com jovens portugueses demostrando como esses jovens compreendem a ideia de provisoriedade
histórica. Assim Barca diz sobre a cognição histórica:

[...] os conceitos históricos são compreendidos pela sua relação com os conceitos da realidade humana e social
que o sujeito experiencia. Quando o aluno procura explicações para uma situação do passado, à luz da sua própria
experiência, mesmo sem apreciar as diferenças entre as suas crenças e valores e as de outra sociedade, revela já um
esforço de compreensão histórica. (...)
Compreender os processos cognitivos dos sujeitos ao pensarem em História, examinar as relações entre as ideias
tácitas (ideias que os alunos constroem a partir de suas vivências) e os conceitos históricos, explorar a compreen-
são dos alunos quanto aos conceitos históricos quer de natureza substantiva quer de natureza epistemológica (por
exemplo, a interpretação das fontes) tem sido objectivos centrais da pesquisa no campo da cognição histórica (...)
[...] examinar as relações entre as ideias tácitas e os conceitos históricos, explorar a compreensão dos alunos quan-
to aos conceitos históricos quer de natureza substantiva quer de natureza epistemológica têm sido objetivos cen-
trais da pesquisa no campo da cognição histórica (BARCA, 2001, p.241 e 242).

Com a cognição histórica, a aprendizagem em História passa a ter, como ponto de referência o que a autora
chama de Ideias Tacitas e Conceitos Históricos. Configurando em pontos fundamentais acerca da compreensão sobre

217
a aprendizagem em história. Os alunos são entendidos em duas perspectivas de compreensão da cognição histórica.
Nas palavras de Lee,

Existem conceitos substantivos, como agricultor, impostos, datas, eventos, que são muito importantes. Embora a
compreensão dos conceitos substantivos seja muito importante, em Inglaterra começamos a ter em conta outro
tipo de conceitos também, os ‘conceitos de segunda ordem’. É este tipo de conceitos, como narrativa, relato, ex-
plicação, que dá consistência à disciplina. É importante investigar as ideias das crianças sobre estes conceitos, pois
se tiverem ideias erradas acerca da natureza da História elas manter-se-ão se nada se fizer para as contrariar (LEE,
2001, p.15).

A relação da aprendizagem e a progressão no ensino de História, vem se preocupando como os alunos apren-
dem e o que é pensar historicamente. Barca (data) mostra a influência que a psicologia tem sobre o ensino de História,
como afirma a autora, pautada em teorias da psicologia como a teoria piagetiana onde enfatiza o desenvolvimento
dividido em fases de aprendizados e etapas a serem alcançadas. No Brasil a influência da psicologia na forma de como
pensar a História foi muito marcante. Bittencourt indica os fundamentos e métodos do ensino da História, e a contri-
buição da psicologia para entender a aprendizagem, teorias essas que ajudaram a sustentar a impossibilidade de crian-
ças dos anos iniciais e até adolescentes de aprender História por se tratar de conceitos muitos abstratos e complexos:

Essa teoria do desenvolvimento cognitivo (formulada por Piaget) [...], passou a sustentar muitos dos princípios
da constituição de conceitos e permitiu justificar a impossibilidade de alunos dos primeiros anos de escolarização
dominarem conceitos abstratos, como os de tempo histórico, uma vez que cada fase “operatória” depende de con-
dicionamentos biológicos (BITTENCOURT, 2004, p. 185).

Assim, a cognição histórica é referenciada pela Filosofia da História. entendendo que a cognição histórica
acontece para um aprender e ensinar História, torna-se fundamental buscar entender e discutir essa forma de ensino
e aprendizagem.
Em estudo realizado em 1978 por Lee e Dickinson, os autores questionam qual deveria ser a forma de pensar a
História que nortearia sua pesquisa problematizando os estágios de desenvolvimento baseados na teoria piagetiana.
Posteriormente com o projeto CHATA ( Concepts of History Teaching Approaches), Lee se aprofunda nos estudos
dos modelos de progressão em jovens de 7 a 14 anos. Nas pesquisas sobre Educação Histórica, faz-se necessário ter
um entendimento dos aspectos teóricos sobre os conhecimentos históricos.
Dray (1998), é professor do departamento de Filosofia da Universidade de Ottawa no Canadá. Ele afirma que
um fato torna-se objeto de interesse histórico quando esse fato tem um significado societário. Assim a tarefa do his-
toriador não é apenas estabelecer fatos mais compreende-los, explica-los.
O significado da teoria da História na constituição da Didática da História é que a teoria da História pode as-
sumir um papel de ancorar a forma de pensar e produzir História, que se desdobra na forma de ensinar e aprender
História.
É na perspectiva desses autores que se destaca em relação a uma forma de pensar o ensino e aprendizagem da
História, Jörn Rüsen, um pesquisador alemão que estudou História, Filosofia, Pedagogia e Germanística. Publicou e
organizou várias obras nas areas de teoria, didática e história da historiografia. Suas publicações são datadas a partir
do final da década de 80 na Alemanha.
Rüsen afirma que a teoria desempenha um importante papel na profissionalização didática dos historiadores,
papel que consiste em transmitir a esses profissionais em formação, uma concepção solida da especificidade profissio-
nal da ciência. Para o autor, a teoria tem a função de coordenar, tonando possível a especificidade da própria História.

Sua contribuição mais importante para o estudo da história poderia consistir no fato de que os estudiosos apren-
dem, no processo mesmo de obtenção da competência profissional, a não dissociar sua própria subjetividade da
objetividade do pensamento cientifico, mas sim a empregá-la frutiferamente na construção dessa objetividade. A
teoria da história pode auxiliá-los, pois, a assegurar uma porção de independência intelectual no trato da experi-
ência histórica (RUSEN, 2001, p. 42).

218
Assim ele entende a relevância da teoria da História nos estudos da História, pelo fato de que a Didática da
História tem, e deve ter, uma preocupação sobre o significado da própria História, refletindo acerca da teoria e seus
desdobramentos de ensinar e aprender História. Rusen afirma que na Alemanha a aproximação entre a Didática da
História e a Pedagogia, provocou um grande abismo entre a Didática e os estudos históricos.

Originalmente, a didática da História da Alemanha, como em qualquer lugar, tinha sido guiada pelas necessidades
práticas de treinamento de professores de história. Esse treinamento teve lugar em dois níveis. Um, era puramente
pragmático e relacionava-se com os métodos de ensino de historia em sala de aula. O segundo era teórico: ele se
concentrava nas condições e nos propósitos básicos do ensinar e aprender história (RÜSEN, 2006, p. 9).

Essa dicotomia apresentada por Rüsen, entre os estudos históricos e o ensino, que se constituiu preocupa-
ções da Didática da História na Alemanha, se estabelece também aqui no Brasil. Para Rüsen a Didática da História se
constitui como uma disciplina, com referenciais e concepções próprias. O seu lugar não estava especificado, era vista
como um auxílio a didática geral, assim ela foi aproximando-se cada vez mais da Pedagogia e a especificidade diluída
entre a História e a Pedagogia.
Isso se dá pelo fato, que as discussões referentes a consciência histórica e os fatores constitutivos do pensa-
mento histórico não tem sido integrada na pragmática do ensino e aprendizagem. Segundo Rusen a utilização da
história na vida pública, se configura como um aspecto novo para a Didática da História. A consciência histórica e
sua dimensão é complexa sendo que a consciência histórica não é somente um conhecimento do passado, ela contém
o passado, mas a necessidade de conhecer o passado se pauta em um conhecer o presente e pensar o futuro.

A consciência histórica é, assim, o modo pelo qual a relação dinâmica entre experiência do tempo e intenção no
tempo se realiza no processo da vida humana. [...] Para essa forma de consciência, é determinante a operação
mental com a qual o homem articula, no processo de sua vida prática, a experiência do tempo com as intenções
no tempo e estas com aquelas. Essa operação pode ser descrita como orientação do agir humano no tempo. [...] A
consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para tornar suas intenções de agir conformes
com a experiência do tempo (RÜSEN, 2001, p. 58-59).

O objeto da Didática da História está voltado ao aprender historicamente, que tem formação da consciência
histórica. De forma que essa forma de pensar a História encoraje o desenvolvimento de uma consciência histórica,
que não seja penas linear.
Com isso se entende Didática da História definida por Rüsen, baseada na ciência História, e que a consciência
histórica está presente no fundamento da ciência História. assim entendendo que a cognição histórica, que há uma
forma de aprender que se pauta na teoria, a teoria da História, que essa teoria possui uma Didática.
O autor afirma também que o termo Didática da História se constitui em um significado ambíguo, no campo
do pensamento histórico.

O termo “didática” indica que a função prática do conhecimento histórico produz efeitos nos processos de apren-
dizado. O que se entende aqui por processos de aprendizado vai bem além dos recursos pedagógicos do ensino [...]
de história (quase sempre conotado com o termo “didática”). “Aprender” significa, antes, uma forma elementar da
vida, um modo fundamental da cultura, no qual a ciência se conforma, que se realiza por ela e que a influencie de
forme marcante (RUSEN, 2007. p. 87)

Pode-se observar que Rüsen não percebe que a Didática, se configura apenas como uma preocupação baseada
nos recursos e técnicas, o autor reconhece tais funções, mas se volta para relação entre a Didática e a aprendizagem,
afirmando que ela se preocupa com a aprendizagem, e não penas com técnicas de aprender, a concepção se dá pelo
fato da Didática estár em um domínio da Pedagogia, mas Rüsen afirma:

Se “aprender” for entendido, fundamental e genericamente, como processo no qual as experiências e as com-
petências são refletidas interpretativamente, esse conceito de aprendizado diz respeito ao que se discute aqui: a
contribuição da ciência da história para o desenvolvimento daquelas competências da consciência histórica que são
necessárias para resolver problemas práticos de orientação com o auxílio do saber histórico (RUSEN, 2007, p. 94)

219
Assim a concepção de aprendizagem histórica, é a consciência humana com relação ao tempo, analisando o
tempo para ser significativo, adquirindo a competência de sentido (significado) ao tempo e desenvolvendo esta com-
petência, (Rüsen, 1993).
Esse aprendizado, expresso pela consciência histórica é evidenciado pela elaboração de narrativas, que são
construções coerentes elaboradas pelos sujeitos pela forma que esse se relacionam com o passado.

A consciência histórica fica em evidência ao contar narrativas (histórias), que é uma forma coerente de comunica-
ção por ser sobre a identidade histórica de ambos o comunicador e o receptor. As narrativas, ou seja, histórias ditas
aqui, são produtos da mente humana; com sua ajuda as pessoas envolvem lugar e tempo de uma forma aceitável
por elas (RUSEN, 1993, p. 85).

O destaque em torno da consciência histórica é a aprendizagem, e como a Didática da História tem como foco
a aprendizagem, é importante destacar as dimensões que envolvem a aprendizagem segundo Rüsen: experiência,
interpretação e orientação. Essa experiência que o autor fala é efetivada pelo meio do conteúdo, envolvendo a ca-
pacidade de perceber o passado e compreender a dimensões de tempo, por meio da construção de narrativas. Assim
a formula não é um passado pelo passado, mas a capacidade de distanciar, diferencia-lo do presente, reconhecendo
nele a existência de uma experiência própria. A interpretação temporal, é traduzida na possibilidade de compreensão
das diferenças entre passado, presente, e futuro, por meio da compreensão de uma totalidade temporal. O sentido no
tempo só existirá se conseguir interpretá-lo. A dimensão temporal permite que a percepção temporal oriente as ações
da vida diária ou de fatos que possam ser estudados. Como isso, a História se pauta na experiência e interpretação,
assim o conteúdo e a forma, constituindo uma relação ensino e aprendizagem, forma e conteúdos sem hierarquização
e dissociação, se constituindo uma epistemologia pautada na própria História. Rüsen afirma com isso a existência
de uma Didática da História, entendendo que a História possui uma função Didática, sendo seu objetivo investigar
(parece que o texto abaixo não respalda que o objetivo da função Didática da História seja investigar o aprendizado
histórico) o aprendizado histórico.

O aprendizado histórico é uma das dimensões e manifestações da consciência histórica. É o processo fundamental
de socialização e individualização humana e forma o núcleo de todas estas operações. [...] Teoricamente, a didática
da história tem de conceituar consciência histórica como uma estrutura e processo de aprendizado. [...] Metodo-
logicamente, a didática da história pode usar métodos estabelecidos da psicologia e sociologia e reestruturá-los de
acordo com a peculiaridade da consciência histórica (RUSEN, 2006, p. 15-16).

Para o autor, o aprendizado histórico seria o entendimento da História como o estudo da experiência huma-
na, que permite evidenciar o lugar das experiências individuais e coletivas da humanidade. Assim existem logicas e
estratégias de ensino e aprendizagem. Defende que essa aprendizagem deve ser por meio da ciência de referência,
situações concretas que façam sentido para quem aprende.
Nesse capitulo tomou-se como pressupostos teóricos metodológicos do código disciplinar da Didática da His-
tória, a transposição didática e da educação histórica, observando os fundamentos epistemológicos do código disci-
plinar de uma forma de aprender e ensinar História. Pode-se observar que são construídos vários caminhos acerca do
ensino e aprendizagem, cada um com uma lente.
A transposição didática, se configura como um caminho caracterizado por aspectos normativos, pautando-se
em transformar o conteúdo para a aprendizagem, trabalhado os conteúdos de forma didática. Já na Educação Histó-
rica a mediação ocorre por meio dos conhecimentos prévios de quem aprende, não se constitui como um tratamento
didático, mas uma relação que leva em conta a experiência e a forma de pensar historicamente, de quem ensina e de
quem aprende. Saber História não significa apenas saber os conteúdos, mas sim, em dar sentido. A aprendizagem
histórica vai além de memorização dos conteúdos, consiste em uma explicação mais complexa, representando não
uma modificação do conteúdo mais uma relação com a experiência dos sujeitos envolvidos.

220
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222
A CRIAÇÃO E EXPANSÃO DA ESCOLA DO COMÉRCIO
EM MATO GROSSO (1931-1961)

Giselle Estevam Chiozini Corrêa - UFMT1

Resumo: Este trabalho é parte da dissertação de mestrado em andamento desenvolvida no Grupo de Pesquisa
História da Educação e Memória – GEM/UFMT. e versa sobre a criação e o funcionamento da Escola do Comércio,
entendida aqui como uma modalidade do ensino secundário.  Criada no estado de Mato Grosso a partir de 1945,
essa modalidade escolar teve antecedentes desde 1871, com a criação de uma cadeira de escrituração mercantil por
partidas dobradas. No ano de 1925 ocorre a criação do curso de escrituração mercantil, anexo ao Liceu Cuiabano, e
na década de 1930, acontece a regulamentação do Curso Comercial Antônio Corrêa, e ainda a criação de um curso de
guarda-livros, anexo também ao Liceu Cuiabano. Este curso foi mantido em funcionamento até 1944, desligando-se
do já então Colégio Estadual, quando passa a denominar-se Escola Técnica do Comércio, no ano seguinte. Em âm-
bito Nacional, no ano de 1926, através do Decreto nº 17329, de 28 de maio, é organizado no país o Ensino Técnico
Comercial. Sobre essa temática, Manuel Marques de Carvalho discorre que o surto comercial e industrial da década
de 1920 a 1930, consequente á Grande Guerra e o nascimento dos mercados internos, vieram desenvolver o ensino
comercial, que de 06 estabelecimentos em 1920, passou rapidamente a 145 em 1930. Duas importantes Reformas do
ensino comercial ocorreram no período delimitado: Reforma Francisco Campos, que segundo o Decreto n. 20.158,
de 1931, dividiu a estrutura do ensino comercial em três níveis: propedêutico, técnico e superior, e a Reforma insti-
tuída por Gustavo Capanema, que trouxe uma reestruturação ao ensino comercial do país através do Decreto-Lei n.
6141, de 1943, a Lei Orgânica do Ensino Comercial. Este trabalho tem como objetivo compreender o processo pelo
qual se deu a criação e a expansão da Escola do Comércio no Estado de Mato Grosso. Justifica-se por tratar-se de uma
investigação que contempla um objeto com raras pesquisas na historiografia da educação mato-grossense. Apresen-
tar uma dissertação que se proponha a estudar a Escola do Comércio no Estado de Mato Grosso é, por essa razão,
um desafio e uma necessidade. Tem a História Cultural como referencial teórico, bem como a História das Institui-
ções Escolares fundamentada em Justino Magalhães. Utiliza-se ainda como aporte teórico as contribuições de Roger
Chartier, José Luís Sanfelice e Manuel Marque de Carvalho, entre outros. A metodologia utilizada neste trabalho foi
a análise documental, utilizando-se de fontes contidas na Legislação Oficial, Relatório de Interventores e Governa-
dores de Mato Grosso, disponíveis no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso-APMT, no Núcleo de Documen-
tos e Informação Histórica Regional-NDIHR e na Biblioteca Nacional, bem como foi realizada revisão bibliográfica
com base em artigos de periódicos, teses, dissertações e material disponível em base de dados. Os resultados parciais
apontam que a partir da década de 1930, no Estado de Mato Grosso, foram criadas legislações específicas para o Curso
Comercial, que visavam organizar essa modalidade de ensino no Estado, e ainda na década de 1940, a regulamentação
do Curso Comercial. Os documentos indicam ainda que os agentes públicos perceberam a importância do Ensino
Comercial, que ocorria em âmbito nacional, levando as autoridades que estavam à frente da administração do Estado
a investir na criação e posterior expansão dessa modalidade de ensino.
Palavras-Chave: Ensino. Ensino profissional. Escola do comércio.

INTRODUÇÃO

Este artigo analisa como se deu a criação e a expansão da Escola do Comércio no Estado de Mato Grosso, entre
os anos de 1931 a 1961. A partir do ano de 1931 acontecem no Brasil reformas importantes, que vão regulamentar o
Ensino Secundário, como a Reforma Francisco Campos, que trouxe a essa modalidade de ensino organicidade, pois

1 Mestranda em Educação, UFMT/MT. Email: gisellechiozini@gmail.com. Bolsista CAPES – Código de Financiamento 001/ UFMT-MT

223
até esse período o que havia eram cursos preparatórios e exames parcelados. Estabelecem-se aí normas de seriação,
bem como obrigatoriedade de frequência as aulas. Francisco Campos trata também do Ensino Comercial, que através
do Decreto Nº 20.158, regulamenta a profissão de contador, o ensino comercial e dá outras providências. Uma das
questões não resolvidas pela Reforma Francisco Campos, considerada um ponto essencial na organização do ensino
secundário, foi a necessidade da flexibilização entre o ensino secundário e os demais ramos do ensino médio, uma
vez que “os cursos profissionais (a reforma só cuidou do ensino comercial) não tinham nenhuma articulação com o
ensino secundário e não davam acesso ao ensino superior” (ROMANELLI, 2010, p. 141).
Ocorre também no período delimitado, a Reforma Capanema, cujas leis ficaram conhecidas como Leis Orgâni-
cas do Ensino. O Decreto Lei 4244, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Secundário, reestruturou os dois ciclos
do ensino secundário. A Lei Orgânica do Ensino Comercial se deu através do Decreto Lei 6141, de 28 de dezembro
de 1943. Esta lei vai, em suas finalidades, tratar:

Art. 1º Esta lei estabelece as bases de organização e de regime do ensino comercial, que é o ramo de ensino de
segundo grau, destinado às seguintes finalidades:
1. Formar profissionais aptos ao exercício de atividades específicas no comércio e bem assim de funções auxiliares
de caráter administrativo nos negócios públicos e privados.
2. Dar a candidatos ao exercício das mais simples ou correntes atividades no comércio e na administração uma
sumária preparação profissional. 
3. Aperfeiçoar os conhecimentos e capacidades técnicas de profissionais diplomados na forma desta lei. (BRASIL.
Decreto-Lei 6141, de 28 de dezembro de 1943).

Nesse cenário, vamos observar a criação e a expansão das escolas de ensino comercial no Estado de Mato Grosso.
A estratégia metodológica que permeia este trabalho pauta-se no “pressuposto de que toda operação historio-
gráfica possui uma relação tênue entre o lugar, os procedimentos de análise e de escrita”, (CERTEAU, 1982). O gesto
de separar, de reunir documentos, de localizar, é o primeiro trabalho de distribuição cultural, conforme Certeau
(1982, p.74). A metodologia utilizada é a análise documental e bibliográfica, utilizando-se de fontes documentais,
como Legislação Oficial, Relatório de Interventores e Governadores de Mato Grosso, disponíveis no arquivo Pú-
blico de Mato Grosso-APMT, no Núcleo de Documentos e Informação Histórica Regional-NDIHR e na Biblioteca
Nacional, livros, artigos de periódicos, teses, dissertações e material disponível em base de dados. A partir dos docu-
mentos pesquisados verifica-se a ausência de produções e pesquisas historiográficas referentes à Escola do Comércio
no Estado De Mato Grosso.
Ainda que autores como Nosella e Buffa (2009), ressaltem a multiplicação de pesquisas com temas instituições
escolares a partir da década de 1990, o tema ensino comercial é pouco encontrado na historiografia da educação.

[...] são privilegiados temas como cultura escolar, formação de professores, livros didáticos, disciplinas escolares,
currículo, práticas educativas, questões de gênero, infância e, obviamente, as instituições escolares. A nova his-
tória, a história cultural, a nova sociologia e a sociologia francesa constituem as matrizes teóricas das pesquisas
realizadas dos anos 90 pra cá. (NOSELLA, BUFFA, 2009, p. 17).

Para SANFELICE (2007, p.79) todas as instituições escolares (particular ou pública; urbana, rural ou comer-
cial), são objetos de investigações históricas, “não havendo instituição escolar e educativa que não mereça ser objeto
de pesquisa histórica.’
A pesquisa referente a instituições escolares, de acordo com NOSELLA E BUFFA (2009, p. 25), privilegiam as
instituições mais antigas e socialmente mais prestigiadas, enquanto as escolas de formação para o trabalho e as mais
modestas destinadas a população carente, como escolas comunitárias ou de caráter assistencial, estão pouco represen-
tadas. Ao historiar uma instituição, segundo Magalhães, o historiador deve:

[...] compreender e explicar os processos e os “compromissos” sociais como condição instituinte, de regulação e
de manutenção normativa, analisando os comportamentos, representações e projetos de sujeitos na relação com a
realidade material e sociocultural de contexto. (MAGALHÃES, 2004, p.58).

224
ESCOLA DO COMÉRCIO

A história do ensino comercial no Brasil se inicia de forma consensual na historiografia brasileira, com a Escola
Prática do Comércio, na cidade de São Paulo, em 1902. A economia do país nesse contexto passa de um modelo agro-
exportador para um modelo urbano industrial, conforme ROMANELLI (2000, p.46). Expressivas mudanças sociais
se iniciam a partir da década de 1910, onde há uma significativa expansão da urbanização e o desenvolvimento indus-
trial, trazendo o crescimento das camadas urbanas. A ampliação do setor industrial trouxe consigo o nascimento da
burguesia industrial, a classe média e o operariado.
No Rio de Janeiro e em São Paulo já existiam estabelecimentos de ensino especializados, que em 1905 atra-
vés da Lei 1339, de 09 de janeiro, são reconhecidos como padrão para a formação especializada. Trata-se do ensino
comercial da Academia de Comércio do Rio de Janeiro e da Escola Prática do Comércio em São Paulo, que depois
torna-se conhecida como Álvares Penteado.

O crescimento demográfico do país, a concentração urbana e o nascimento da industrialização nos grandes cen-
tros, provocada pela I Grande Guerra de 1914, contribuíram, com o advento do automóvel e com a abertura de es-
tradas, para acelerar o desenvolvimento comercial e a consequente necessidade de pessoal especializado para suas
atividades, de tal forma, que novos empreendimentos de ensino comercial surgiram...(CARVALHO, 1965, p.73).

Assim, com o desenvolvimento das práticas comerciais fomentadas pelas demandas econômicas, dá-se a neces-
sidade de qualificação da mão de obra:

As relações que podem existir entre o sistema educacional e o sistema econômico são, assim, mais profundas: elas
se medem não apenas em termos de defasagem, mas também em termos de exigências reais do modo econômico.
Ambas determinam o grau de avanço ou atraso na escola. (ROMANELLI, 1984, p. 56).

Em 1926, através do Decreto n. 17329, de 28.05, é instituído no país o Ensino Técnico Comercial. Segundo
Carvalho (1965), “o surto comercial e industrial da década de 1920 a 1930, consequente á Grande Guerra e o nasci-
mento dos mercados internos, vieram desenvolver o ensino comercial, que de 06 estabelecimentos em 1920, passou
rapidamente a 145 em 1930”.
A delimitação temporal deste trabalho (1931-1961) deve-se a importantes reformas do ensino comercial que
foram estabelecidas nesse período: a Reforma Francisco Campos, que segundo o Decreto n. 20.158, de 30.06.1931,
que dividiu a estrutura do ensino comercial em três níveis: propedêutico, técnico e superior. O curso propedêutico
exigia o mínimo de 12 anos para o ingresso e realização de exames admissionais. No ensino técnico, o ensino comer-
cial possuía algumas ramificações: secretário, guarda-livros e administrador vendedor, com duração de dois anos, e
atuário e perito contador, com duração de três anos. Havia ainda o superior em Administração e Finanças, com três
anos de duração e um elementar de Auxiliar de Comércio, com dois anos de duração.
Essa estrutura permaneceu durante a gestão de Francisco de Campos. O Ministro Gustavo Capanema, que es-
teve à frente do Ministério de Educação e Saúde de 1934 a 1945, durante a Era Vargas, trouxe uma reestruturação ao
ensino comercial do país através do Decreto-Lei n. 6141, de 28.12.1943, a Lei Orgânica do Ensino Comercial, como
desdobramento de dois ciclos do ensino comercial: o primeiro comum curso comercial básico com duração de qua-
tro anos, e o segundo ciclo com cinco cursos de formação, denominados cursos comerciais técnicos. Existiam nesse
período dois tipos de estabelecimentos de ensino comercial: as escolas comerciais e as escolas técnicas de comércio.
As escolas comerciais eram aptas a oferecer o curso comercial básico, e as escolas técnicas do comércio ofere-
ciam um ou mais cursos comerciais técnicos, podendo ministrar também o curso comercial básico. Capanema divide
as disciplinas do Ensino Comercial em duas ordens: as disciplinas de cultura geral e as disciplinas técnicas, sendo
ainda incluída duas práticas educativas, como a educação física e o canto orfeônico.
No Decreto-Lei 20.158, de 1931, na Reforma Francisco Campos, é previsto um Curso Superior de Administra-
ção e Finanças, sendo exigido para ingresso no mesmo o diploma de perito-contador ou de atuário.
Já a partir da Lei Orgânica do Ensino Comercial, na Reforma Capanema:

225
“É’ assegurada ao portador de diploma conferido em virtude de conclusão de um curso comercial técnico a possibi-
lidade de ingressar em estabelecimento de ensino superior, para matrícula em curso diretamente relacionado com
o curso comercial técnico concluído, uma vez verificada a satisfação das condições de admissão determinadas pela
legislação competente.” (DECRETO  6141, de 28 de dezembro de 1943).

No entanto, como podemos observar, essa articulação com o ensino superior era absolutamente restrita, per-
mitindo-se o acesso ao ensino superior limitado ao tipo de curso frequentado. No período delimitado (1931-1961),
o dualismo existente na educação brasileira é bastante acentuado, percebendo-se as diferentes funções propedêuticas
(ensino secundário) e profissionalizantes (ensino comercial) do ensino.
Somente após a primeira LDBEN (Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional) – Lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, ocorre a equivalência entre todos os cursos do mesmo nível.

O ENSINO COMERCIAL EM MATO GROSSO

No Estado de Mato Grosso, a escola Técnica do Comércio é criada em 1945, tendo o ensino comercial ante-
cedentes desde 1871, com a criação de uma cadeira de escrituração mercantil por partidas dobradas. No ano de 1925
ocorre a criação do curso de escrituração mercantil, anexo ao Liceu Cuiabano, e em 1930, acontece a regulamentação
do curso Comercial Antônio Corrêa. Já no ano de 1937, criou-se um curso de guarda-livros, anexo também ao Liceu
Cuiabano. Este curso foi mantido em funcionamento até 1944, desligando-se do já então Colégio Estadual, quando
passa a denominar-se Escola Técnica do Comércio, em 1945 (MARCILIO, 1963).
Através da Lei 1024, de 26 de setembro de 1929, o Presidente do Estado de Mato Grosso Dr. Mario Corrêa da
Costa oficializa o “Curso Commercial Antônio Corrêa, transformando-o em estabelecimento de ensino comercial do
Estado, regulamentando-o e nomeando o respectivo pessoal docente e administrativo”.
Já em 1930, é publicado o Decreto n. 895, de 14 de janeiro, onde regulamenta o Curso Commercial Antônio
Corrêa, dispondo em seus capítulos sobre seus fins, da distribuição das cadeiras e das aulas, dos programas de ensi-
no, do ano letivo e das férias, das aulas, das matrículas, dos exames trimestrais, anuais e de admissão, dos exames de
segunda época, dos deveres dos alunos, dos diplomas. Dispõe ainda o Decreto sobre a constituição, deveres e direitos
do corpo docente do curso comercial, da Congregação, do pessoal administrativo do curso, do diretor, do secretário,
do porteiro servente e disposições gerais.
Em 29.12 de 1937, através do Decreto 112, o Governo do Estado cria o Curso Comercial e no ano de 1942,
através do Decreto-Lei n. 450, de 14.07, regulamentado o curso comercial no Estado, e o destina ao ensino técni-
co-comercial, e a habilitação para o exercício da profissão de contador e de secretário. Este curso funciona anexo
ao Colégio Estadual de Mato Grosso, A partir do Decreto Lei n. 555, de 10.03.1944, passa o Curso Comercial a ser
regulado pelo Decreto Lei Federal 6161.
No ano de 1947, através da Lei n. 55, de 22.10, o Governador do Estado de Mato Grosso cria uma Escola Téc-
nica do Comércio na cidade de Corumbá, que funcionaria, em horário diferente, no prédio do Ginásio Maria Leite.
Marcílio (1963), vai relatar ainda a existência de outras instituições de ensino comercial no Estado, como a Escola
Técnica de Comércio “Carlos de Carvalho”, e a Escola Técnica de Comércio “Nossa Senhora Auxiliadora”, ambas es-
tabelecidas na cidade de Campo Grande, e a Escola Técnica de Comércio de Três Lagoas, na cidade de mesmo nome.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados parciais da pesquisa apontam que no período delimitado houve, no Estado de Mato Grosso, a
criação, inicialmente, de cursos de guarda-livros, e posteriormente a regulamentação e criação de Cursos Comerciais,
que a princípio funcionaram anexo aos Liceus, e subsequentemente, após a criação da Escola Técnica do Comércio,
em prédios específicos para o funcionamento dos Cursos Comerciais.

226
REFERÊNCIAS

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ensino  technico commercial reconhecidos officialmente pelo Governo Federal. Disponível em: https://www2.
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contador e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-
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BRASIL. Decreto-Lei 4244, de 09 de abril de 1942. Lei Orgânica do Ensino Secundário. Disponível em: https://www2.
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BRASIL. Decreto-Lei 6141, de 29 de dezembro de 1943. Lei Orgânica do ensino Comercial. Disponível em: https://www2.
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Acesso em 12.03.2019.
BRASIL. LEI No 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html, acesso em
10.12.2018. . Acesso em 12.03.2019.
CARVALHO, Manoel Marque de. Situação atual e tendências do ensino técnico comercial no Brasil. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. XV IV n.99, p. 72-98, jul.1965.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1982.
CHARTIER, Roger. História Cultural – Entre práticas e representações. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Bertrand Brasil,
1990.
MAGALHÃES, Justino Pereira de. Tecendo Nexos: História das Instituições Educativas. Ed. Univ. São Francisco, Bragança
Paulista-SP, 2004.
MARCÍLIO, Humberto, História do ensino em Mato Grosso. Publicação da Secretaria de Educação, Cultura e Saúde, Cuiabá-
MT, 1963.
MATO GROSSO. Lei 1024, de 26 de setembro de 1929.Autoriza o Poder Executivo a oficializar o Curso Commercial
Antonio Corrêa, transformando-o em estabelecimento de ensino commercial do Estado, e dá outras providências.
Diário Oficial, disponível no Arquivo Público de Mato Grosso.
MATO GROSSO. Decreto n. 895, de 14 de janeiro de 1930. Dá regulamento para o Curso Commercial Antonio Corrêa.
Diário Oficial, disponível no Arquivo Público de Mato Grosso.
MATO GROSSO. Decreto n.112, de 29 de dezembro de 1937. Incorpora a Escola Normal “Pedro Celestino” ao Lyceu
Cuiabano e dá outras providências. Diário Oficial, disponível no Arquivo Público de Mato Grosso.
MATO GROSSO. Decreto-Lei n 450, de 14 de julho de 1942. Regulamenta o Curso Comercial do Estado. Diário Oficial,
disponível no Arquivo Público de Mato Grosso.
NOSELLA, Paolo; BUFFA, Ester. Instituições Escolares: Por que e como pesquisar. Campinas-SP. Editora Alínea, 2009.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). 36 ed. Petrópolis-RJ: Vozes: 2010.
SANFELICE, José Luis. História das Instituições Escolares. In; Nascimento, Maria Isabel de Moura (et. al.) (orgs) Instituições
Escolares no Brasil: conceito t reconstrução histórica. Campinas: Autores Associados, p. 75-94, 2007.

227
A CULTURA DO SILÊNCIO: INCLUSÃO DOS SURDOS
- HISTÓRIA E MEMÓRIAS

Meire Luce Gomes - PUC-GO1

INTRODUÇÃO

O trabalho tem o objetivo de ressaltar a importância do estudo da disciplina História da Educação e suas con-
tribuições para o conhecimento de todo o percurso histórico da educação dos surdos da cidade de Goiânia-Goiás. O
estudo fundamenta-se na necessidade de sermos críticos em relação ao sistema educacional do qual fazemos parte. A
melhor maneira de compreendermos é investigando esse processo educacional em suas múltiplas manifestações ao
longo de toda história, percebendo como este era visto pelas diversas sociedades e como se dava a educação em cada
período.
Para compreendermos hoje esse processo já consolidado de inclusão dos surdos é importante conhecer os mar-
cos históricos, resgatar as memórias, comparar as normas para uma melhor compreensão de como se deu esse este
processo .E para uma melhor compreensão da disciplina História da Educação, dentro desta proposta de inclusão,
foram sugeridas várias obras, dentre elas, destacaremos algumas: o Manifesto dos Pioneiros, História da Pedagogia,
História Social da Educação no Brasil (1926-1996), A Cultura Escolar em Debate, A reinvenção da cidade e da multi-
dão e História da Educação: do antigo “direito de educação” ao novo “direito à educação”. Todas muito importantes,
pois elucidam sempre a educação num contexto histórico geral, para observar as crises vividas dentro de um sistema
social. Na realidade, as questões da educação são engendradas nas relações que os homens estabelecem ao produzir
sua existência.
Nesta perspectiva, a educação não é um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos da ideologia, por estar de fato
envolvida na política. O estudo nos permite avaliar como foi praticada a educação, em épocas e sociedades diferen-
tes e nos possibilita, a entender a educação hoje, no mundo contemporâneo, como um processo dinâmico. Dentro
desta dinâmica, utilizaremos a obra de A. Reis Monteiro: História da Educação: do antigo “direito de educação”
ao novo “direito à educação” como respaldo e contribuição ao nosso objeto de estudo. Nesta obra trata-se de um
movimento, ou seja, de uma educação nova, nela trava-se o direito do homem à educação, e dentro desta perspec-
tiva, elucidaremos uma educação proposta à diversidade, ou seja, abordaremos a inclusão dos surdos que também é
oriunda de lutas de classe.
Buscamos verificar dentro de uma revisão bibliográfica, história e memórias, as razões que levaram as pessoas
não mencionarem a inclusão dos surdos na educação nos manifestos da época, tal fato poderá ser dito como esqueci-
mento, ocultamento, desconhecimento e outros que possuem uma razão e uma explicação de ser. Além disso, deve-se
atentar para aquilo que não está sendo dito, ou como se diz Maria Isaura Pereira Queiroz (1987), para o indizível. Para
Pollak (1992), os significados do silêncio também têm uma razão e uma explicação de ser e podem estar relacionados
há vários fatores que cabe ao pesquisador observar e desvendar.
O texto será dividido em três partes. Na primeira apresentaremos as contribuições do Movimento da Escola
Nova. Na segunda as contribuições de Pestalozzi na educação e na terceira parte as contribuições de Maria Montesso-
ri. Ressaltando a importância de ambos na educação, dentro de uma proposta de educação na perspectiva inclusivista.

O LEGADO DO MOVIMENTO DA EDUCAÇÃO NOVA – MEN- NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

228
O texto mostra uma singularidade do Movimento, pois alguns representantes importantes vieram de fora do
campo educacional, dentre eles, temos psicólogos, sociólogos, médicos, teólogos, políticos e advogados, porém, todos
consideravam que a educação é mais do que instrução e deveria ter uma base psicológica científica e sua finalidade
deveria ser pessoal e social. A criança deveria ser reconhecida na sua dignidade, diferenças e interesses.
Os princípios do Movimento da Escola Nova- MEN foram enunciados nos Congressos de Calais (1921) e de
Nice (1932). No Congresso de Calais adaptaram vários “Princípios de Filiação” dentre eles destacaremos os itens 3 e
7, pois eles falam do respeito à criança de forma global:

3. Os estudos e, de um modo geral, a aprendizagem da vida, devem dar livre curso aos interesses inatos da criança,
isto é, aqueles que nela se despertam espontaneamente e que se exprimem nas atividades variadas de ordem ma-
nual, intelectual, estética, social e outras.
7. A educação nova prepara, na criança, não somente o futuro cidadão capaz de cumprir os seus deveres para com
os seus próximos, a sua nação e a humanidade no seu conjunto, mas também o ser humano consciente da sua dig-
nidade de homem. (MONTEIRO, p.89).

A educação nova trazia uma nova roupagem, suas características eram de superação. Seu discurso era contra
o autoritarismo verbalista e intelectualidade de outrora, pois apostava na liberdade, como a própria característica da
educação. Considerava o ser humano na sua totalidade.
O Congresso de Nice definiu assim a educação:

A educação consiste em favorecer o desenvolvimento tão completo quanto possível das aptidões de cada pessoa,
ao mesmo tempo como indivíduo e como membro de uma sociedade regida pela solidariedade. A educação é
inseparável da evolução social; constitui uma das forças que a determinam. A finalidade própria da educação e os
seus métodos devem ser, pois, constantemente revistos, à medida que a ciência e a experiência aumentam o nosso
conhecimento da criança, do homem e da sociedade. (MONTEIRO, p.90)

Destacamos os textos a cima para identificar uma educação que acompanha as mudanças sociais e que procura
solucionar os problemas e as necessidades da época. Nota-se que a realidade do Movimento da Escola Nova - MEN
era bastante diversificada e heterogênea, pois seus protagonistas também eram de áreas distintas. Sendo assim, pode-
mos afirmar que que iniciou uma nova era na educação através do movimento da educação nova.
Dentre as figuras ilustres do Movimento da Escola Nova - MEN, destacaremos Johann H. Pestalozzi e Maria
Montessori, pois, ambos deixaram legados importantíssimos que contribuíram na formação e capacitação de profis-
sionais para o trabalho com à diversidade. Para ele, os sentimentos tinham o poder de despertar o processo de apren-
dizagem autônoma na criança, e para ela, o potencial de aprender está em cada um de nós.

CONTRIBUIÇÕES DE PESTALOZZI NA EDUCAÇÃO

Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) –Nasceu em Zurique na Suíça. Sua vida e obras estão intimamente
ligadas à religião. Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra a ser usada quando se
fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra dos pensadores que lançaram os fundamen-
tos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular, ao amor materno, como
Pestalozzi. Antecipando as concepções do MEN, que surgiria na virada do século XIX para o século XX, Pestalozzi
afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. Segun-
do ele “o amor deflagra o processo de autoeducação”
Segundo Pestalozzi, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabe-
ça, a mão e o coração. O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e
moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois
destas percepções viria a linguagem.Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante Pestalozzi acreditava,
como a maior parte dos reformadores educacionais renascentistas, que a educação devia ser o principal meio das

229
reformas sociais. Para ele a educação consistia no desenvolvimento moral, mental e físico da natureza da criança, de
todas as crianças, independentemente de suas condições sociais. Segundo seu método, a educação é o desenvolvimen-
to natural, progressivo e harmonioso de todos os poderes e faculdades, plantados pela natureza, em todo ser humano.
Para ele, a criança é um organismo que se desenvolve conforme leis definidas, ordenadas, como se fosse uma planta
enraizada no solo. Essa ideia era comum para muitos pensadores da época, teria condições de encontrar em si mesmo
a liberdade e a autonomia moral.
Cada um se desenvolve à sua maneira, conforme leis que podem ser comprovadas. Encontrar essas leis e usá-
-las adequadamente na instrução das crianças é tarefa da escola. A partir deste desenvolvimento orgânico, Pestalozzi
deduz os princípios gerais de seu método de formação e instrução, no qual os três aspectos devem se desenvolver
em harmonia. Contudo, a primazia é sempre dá moral; os dois outros lhe são subordinados. A criança se desenvolve
de dentro para fora como, naturalmente, a semente se transforma em uma árvore; seus impulsos são inatos. Assim,
“toda a instrução educativa deve ser extraída das próprias crianças e nascer dentro delas”. O processo pedagógico de
Pestalozzi é marcado pela gradualidade, seguindo o desenvolvimento da natureza que não faz saltos, mas procede
lentamente por acréscimos imperceptíveis. As matérias de estudo devem ser organizadas por etapas de transição,
partindo do mais fácil para o mais difícil, tudo conforme a capacidade de realização da criança. O método de toda edu-
cação consiste em um princípio muito simples: seguir a natureza. Para ele, o educador não acrescenta nada à criança,
apenas vigia para que seu crescimento não seja prejudicado, mas siga o curso de sua própria lei.
Desse modo o aprendizado seria, em grande parte conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação
prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. Isto é, a ideia de aprender fazendo, hoje
incorporada em muitas escolas especiais. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o
abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras.
Podemos resumir as principais ideias de Pestalozzi sobre a educação assim:
• Educação humana baseada na natureza espiritual e física da criança;
• Educação como desenvolvimento interno, formação espontânea, mas com direção;
• Educação baseada nas circunstâncias que se encontra o homem;
• Educação social e da escola popular contra a interior concepção individualista da educação;
• Educação profissional, subordinada à educação geral;
• Ideia da intuição como base da educação intelectual e espiritual;
• Educação religiosa íntima, não- confessional, promovendo a educação moral do ser.

CONTRIBUIÇÕES DE MARIA MONTESSORI PARA A EDUCAÇÃO

Maria Montessori (1870-1952) – Chiaravalle -Itália. Primeira mulher a se formar em medicina em seu país. Fez
também estudos em Ciências Naturais e Filosofia. Trabalhou na Clínica de Pediatria da Universidade de Roma, onde
estudou o comportamento de jovens com atrasos mentais. É bastante reconhecida dentro do movimento. Tinha um
verdadeiro culto pelas crianças e acreditava na bondade de sua natureza e na sua capacidade. Para ela, era muito impor-
tante o ambiente de ensino, deveria ser favorável ao aprendizado, requisitos básicos de seu pensamento pedagógico.
Sua fama se deu no investimento de materiais didáticos pedagógicos, literalmente à altura e à medida das
crianças. Ela defendia uma concepção de educação que se estende além dos limites de acúmulo de informações e que
o caminho do intelecto passa pelas mãos, porque é por meio do movimento e do toque que as crianças decodificam
o mundo ao seu redor. Muitos exercícios desenvolvidos por ela são hoje utilizados na educação infantil (tamanho,
forma, cor, textura, peso, cheiro, barulho). Seu método parte do concreto para o abstrato. Baseia na observação, ex-
periência direta, procura e descoberta.

230
As ideias de educação de Maria Montessori refletem a concepção positiva do conhecimento que caracterizou
a época em que viveu, sobretudo a virada do século XIX para o XX, marcada pela efervescência intelectual e fascínio
pela mente humana. As descobertas da ciência criavam expectativas ilimitadas para o futuro. Pesquisas tornavam
mais eficaz e mais humano o tratamento dos doentes mentais e lançavam luz sobre o funcionamento do cérebro de
“loucos” e “sãos”. Ela começa a focar em estudar e pesquisar a forma como as crianças especiais eram educadas e tra-
tadas, criando teses e estudos que depois se tornaram a base de seus métodos mais conhecidos.
Maria Montessori nos ensinou mais que seu método, legado educacional, também nos ensinou alguns pontos
que devemos seguir em busca do sucesso, eis alguns:
• Não desista dos seus sonhos e metas...continue focado e vá em busca dos seus objetivos;
• Não veja o diferente (grifo nosso) como um problema, mas com olhar de igualdade;
• Invista tempo em melhorar o que já existe e faça coisas novas que sejam úteis;
• Seja livre ou morra.

Quando se fala em inclusão, fala-se das diferenças, ou do diferente (grifo nosso). Esse olhar com igualdade, de
Montessori nos remete a convicção que TODOS precisam de educação, não basta inserir uma criança com deficiência
na rede regular de ensino, não é suficiente um “diferente” ser admitido. Ele necessita ser incluído, pois inclusão é
mais que estar dentro e fora é uma transformação do todo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, ressaltamos a importância dos métodos Montessoriano e de Pestalozzi na educação especial,
pois ambos, lançaram as bases da educação moderna ao conceber um sistema de ensino prático e flexível, que pro-
curava estimular as faculdades intelectuais e físicas das crianças. Influenciaram profundamente todas as correntes
educacionais, e longe estão de deixar de ser referências, pois foram capazes, através da educação, de chegar ao povo,
no tempo em que o ensino era privilégio exclusivo.
A partir de meados dos do século XX, com a intensificação dos movimentos sociais de lutas contra todas as for-
mas de discriminação que impedem o exercício da cidadania das pessoas com deficiência, emerge, em nível mundial
a defesa de uma sociedade inclusiva. Na busca de enfrentar esses desafios e construir projetos capazes de superar os
processos históricos de exclusão, a Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien/1990 chama a atenção dos
países sobre os altos índices de crianças, adolescentes e jovens sem escolarização.
No contexto do movimento político para o alcance da meta de educação para todos, a Conferência Mundial
de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada pela UNESCO em 1996, propõe aprofundar a
discussão, problematizando os aspectos sobre a escola não acessível a todos os estudantes.
Nesta perspectiva, a partir desta reflexão acerca das práticas educacionais que resultam na desigualdade social
de diversos grupos, o documento Declaração de Salamanca declara que:

As escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,
emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem-dotadas; crianças que
vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas,
étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas (DECLARAÇÃO DE
SALAMANCA p. 17-18).

Assim, podemos refletir que o histórico da educação é permeado por lutas de classes na busca e legitimidade
do direito à educação. A história da educação poderá ser interpretada como um processo lento e, muitas vezes, são
ignoradas as suas raízes e seus imortais pensadores. Necessário se faz uma breve retrospectiva para lembrarmos que
muitos dos métodos, hoje utilizados em nossas escolas, são heranças dos nossos antepassados.

231
Considera-se o presente estudo importante na medida que poderá contribuir para a compreensão do processo
ensino aprendizagem dos surdos, como excluídos em vários momentos históricos, dentre eles movimentos sociais
e educacionais. É notório observar que houve uma ruptura em alguma parte da história na educação dos surdos e
a memória parece ser, a priori, como defende Henri Bergson, analisado por Ecléia Bosi, em Memória e sociedade:
lembrança de velhos (1994) um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio das pessoas, que conservam
em seu espírito, o passado, que aflora na consciência em forma de imagens-lembranças.
Sendo assim, o momento atual se caracteriza pela proliferação de expressões que valorizam a diversidade, bus-
cando uma sociedade mais inclusiva e políticas públicas que garantam a inclusão escolar para todos. É difícil pensar
em uma opinião contrária sobre a afirmação: que todo cidadão tem direito de participar da vida social, política e eco-
nômica de seu país. E cabe a escola, a responsabilidade de possibilitar o acesso e sua permanência para que ele exerça
sua cidadania de forma plena e consciente. De acordo com o estudo, pode-se dizer que só uma educação crítica poderá
contribuir na formação de uma sociedade que luta pela sua autonomia e emancipação política e social.
Portanto, resgatar a memória de um processo educacional menos excludente, com perspectivas inovadoras,
com métodos de inclusão baseados na capacidade do próprio educando, faz-se necessário conhecer os educadores su-
pracitados, que tiveram olhares e práticas diferentes dos modelos até então propostos para aquela época. Educadores
que ultrapassaram as barreiras físicas e atitudinais para propor uma mudança de paradigmas. Deixaram um legado
histórico importante, milhares de escolas pelo mundo todo, inclusive no Brasil, seguem os métodos da grande pro-
fessora, que foi sem dúvida a precursora da educação com alunos especiais, igualando-os aos com menos dificuldades
de aprendizado, mostrando que qualquer pessoa é apta a aprender quando não se tem somente materiais práticos,
mas principalmente amor e cuidado em ensinar. Considerando também a importância das instituições, que levam o
nome de Pestalozzi. Todas trabalham com a pedagogia do amor, instruindo tanto as crianças, quanto aos jovens com
deficiências para as Atividades da Vida Diária-AVD, como também qualificando através de oficinas, oportunizando a
acessibilidade aos cursos profissionalizantes, confirmando seu legado histórico: “o amor é o eterno fundamento para
a educação”.

REFERÊNCIAS

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos, Companhia das Letras, S. Paulo,1994.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
BRASIL. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõem sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõem sobre
a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
CONFERÊNCIA MUNDIAL sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990.
DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas
Especiais, 1994, Salamanca-Espanha
DELORS, J. Educar para o futuro, In: Correio da UNESCO, 1996
MONTEIRO, A. Reis. História da educação: do antigo “direito de educação” ao novo “direito à educação”. São Paulo:
Cortez,2006.
POLLAK, M. Memória e identidade social Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v 2, n 3, 1992.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira - Relatos orais: do “indizível ao “dizível”- Ciência e cultura, São Paulo, n.39, mar 1987
REVISTA NOVA ESCOLA- Grandes Pensadores- Edição Especial. Julho,2008

232
A CULTURA ESCOLAR E ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PARA
ESTUDANTES XAVANTE1 EM ESPAÇOS URBANOS

Profa Dra Marly Augusta Lopes de Magalhães – UFMT2


Profa Ma Luciene de Morais Rosa – SEDUC/MT3
Profa Ma Luciana Akeme Sawasaki Manzano Deluci– SEDUC/MT4

O artigo é parte dos resultados do projeto de pesquisa DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL: uma organização
do ensino para estudantes Xavante em Escolas Estadual Urbanas na cidade de Barra do Garças/MT, que atua num
dos desafios, que é o de se pensar na aprendizagem de estudantes indígenas em escolas públicas urbanas e, conse-
quentemente, na formação didático-pedagógica do profissional da educação. Nos últimos tempos, a educação tem
passado por diversas transformações, acompanhando o processo de democratização social, urbanização e avanços
tecnológicos e, num movimento histórico, de valorização das diferentes culturas e variações linguísticas advindas
dos povos originários desse país. Nesse movimento os povos indígenas, deixam suas aldeias e marcam presença nas
escolas públicas urbanas em busca outros saberes, também importantes para sua vida em comunidade. A presença
desses alunos em contextos escolares urbanos é marcada por contradições que só podem ser compreendidas e ca-
tegorizada por uma pesquisa que mostre o seu real movimento do processo de ensino e da aprendizagem, em que
pressupõe acontecer num espaço alheio aos costumes e tradições e, do qual o ensino é ministrado unicamente na
Língua Portuguesa, considerada a segunda língua para o povo Xavante. Nesse sentido é oportuno e necessário um
estudo que possa ser desenvolvido com os estudantes indígenas fundamentado na abordagem histórico-cultural e
do ensino desenvolvimental, buscando compreender as relações entre os professores não índios e alunos indígenas
e, assim, encontrar uma direção mais eficaz e politicamente comprometida com a aprendizagem, no decorrer dos
parâmetros pesquisados. A concepção deste trabalho pauta-se na teoria histórico-cultural, cujas contribuições advêm
de Vygotsky e Leontiev, entre outros. Os procedimentos metodológicos utilizados são as ações do ensino desenvol-
vimental referenciadas em Davídov. Assim, o objetivo do projeto foi discutir a organização do ensino na perspectiva
desenvolvimental para estudantes indígenas das Escolas públicas urbanas na cidade de Barra do Garças-MT. O tema
da didática desenvolvimental, foi abordado por meio das disciplinas de Língua Portuguesa e História, nos conteúdos:
escrita, produção de texto, temporalidades e narrativas históricas. Os resultados evidenciam fortes elementos de na-
tureza cosmológica, de relações entre sincronia-diacronia, de tempo escorçado para realização de tarefas do dia a dia,
bem como de lembrança e memória. Nessa perspectiva, a mediação didática possibilitou aos estudantes a apropriação
de elementos conceituais de temporalidade, memória, cultura e dos elementos para o desenvolvimento do pensa-
mento autônomo e de capacidade de generalização sobre tempo e narrativa na produção escrita. A exploração do
texto: “Minha vó foi pega a laço”, possibilitou que os estudantes apropriassem não somente dos aspectos gramaticais,
mas também, dos aspectos semânticos, o que resultou na produção de textos significativos relativo a própria existên-
cia xavante e o processo político diante dos desafios da sociedade não indígena. Constatamos que se os mediadores
conhecessem elementos da cultura Xavante o processo de mediação seria mais efetivo. Assim, ainda concluímos que
se deve dar continuidade ao projeto, com a inserção das disciplinas de Matemática e Geografia, trazendo a reflexão
sobre espaço, forma, território, grandezas e medidas, a luz da teoria do ensino desenvolvimental.
Palavras-chave: Cultura. Estudante Xavante. Ensino Desenvolvimental.
O trabalho em destaque é um recorte do projeto de pesquisa “Organização do Ensino na Perspectiva da Didática
Desenvolvimental” integrado ao Grupo de Pesquisa Fronteiras, Culturas, Identidades: espaço de diálogo com povos
Indígenas do Araguaia/Xingu. Campus Universitário do Araguaia/ Universidade Federal de Mato Grosso e Centro
de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação/CEFAPRO de Barra do Garças/MT. Esta investigação tem
como objetivo analisar as contribuições da Didática Desenvolvimental na organização do ensino para construção de

233
novos caminhos que orientam a formação do pensamento teórico dos estudantes Xavante em contexto intercultu-
ral nas Escolas públicas urbanas de ensino fundamental e médio na cidade de Barra do Garças- MT. Para perseguir
nossos objetivos, o projeto se fundamenta nas teorias de Vygotsky, Davídov, Leontiev, Marzari, acerca do ensino de-
senvolvimental e da teoria histórico-cultural, sobre os estudantes Xavante em contexto das escolas públicas urbanas.
Como educadores e participantes do processo de formação, defrontamo-nos, constantemente, com uma série
de desafios relacionados ao ensino e aprendizagem dos estudantes Xavante que deixam suas aldeias em busca de
outros saberes, também importantes para sua vida em comunidade. E ao chegarem às escolas urbanas a pretendida
aprendizagem não se efetiva, frustrando as expectativas que a comunidade deposita nesse indivíduo, de retornar as
aldeias com a formação acadêmica pela qual ansiavam. E por muitas vezes acabam por seguir caminhos opostos ao
esperado.
Dessa forma, percebemos que o nosso sistema de ensino tem sido demasiadamente “silencioso” com relação a
presença desses novos atores nos cenários urbanos. O que nos leva a refletir: quais são os instrumentos que as escolas
urbanas têm oferecido para enfrentar estes desafios? Quais as teorias educacionais contribuem para melhor compre-
ender as situações de ensino/aprendizagem de desses estudantes?
Assim, pensando em dar respostas a esses questionamentos, tão recorrentes em nosso dia a dia de educadores,
buscamos a teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, bem como a teoria da atividade de Leontiev, pois dentre as várias
ciências que fundamentam a educação, essas teorias vêm contribuir como subsídios no desenvolvimento de ações
junto aos estudantes Xavante do Ensino Fundamental e Médio matriculados nas escolas públicas urbanas de Barra
do Garças/MT e participantes do Curso Interculturalidade5 práticas pedagógicas dos professores das escolas públicas
urbanas, lócus de nossa investigação.
Nesse sentido, partimos do pressuposto de que as dificuldades de aprendizagem dos estudantes indígenas resul-
tam de uma multiplicidade de fatores, sendo um deles a insuficiência do modelo de ensino voltado para os estudantes
indígenas, em escolas públicas urbanas que, muitas vezes, não causa impacto positivo na qualidade de aprendizagem
desses estudantes. Ou seja, desacreditam na possibilidade de desenvolvimento de uma consciência crítica, meramen-
te, por fazer parte de um outro universo fora dos parâmetros urbanos. Por essa razão, Libâneo frisa que,

Os processos de mediação didática têm como suporte a unidade entre o aprender e o ensinar, numa relação neces-
sariamente mútua, em que o aluno é orientado em sua atividade autônoma por adultos e colegas visando a apro-
priação dos produtos da cultura, da ciência, da arte, de modo geral, da experiência humana social e historicamente
acumulada. (Libâneo, 2015, p.39)

Dessa forma, acreditamos que, para desenvolver o pensamento cognitivo é necessário que se impulsione as
ferramentas pedagógicas no sentido de organizar o ensino, a fim de que os estudantes indígenas internalizem e se
apropriem dos conteúdos científicos produzidos historicamente. Sem estas ferramentas pedagógicas, dificilmente
esses estudantes conseguem fazer generalizações teóricas, bem como, se utilizarem dos conhecimentos na resolução
de problemas da vida prática.
Nesse sentido, a nossa intenção, com a pesquisa, é contribuir com a melhoria da qualidade do ensino e apren-
dizagem dos estudantes Xavante que frequentam escolas públicas urbanas de ensino fundamental e médio e, conse-
quentemente, para o avanço do pensamento teórico.
Em compasso com a constante presença dos estudantes indígenas em escolas públicas urbanas, o cenário vis-
lumbrado, em nossa pesquisa, consiste em apresentar de modo simples os diferentes níveis que ocupa o sujeito na
organização social e cultural e que são dispositivos indispensáveis para seu modo de ser e estar no mundo e que é fun-
damental para professores, alunos (indígenas e não indígenas) e os demais sujeitos pertencentes ao coletivo escolar
ter conhecimento, pois representa um importante aspecto no processo de aprendizagem. O tema em discussão suge-
re um criar um espaço de diálogo que, necessariamente, nasce no âmbito das ações tanto individuais como coletivas.
Assim, o nosso foco principal com o projeto é elaborar as bases de um modelo de ensino sustentado pela teoria
da didática desenvolvimental, no sentido de empregar as principais contribuições da tradição pedagógica e, dessa
5 Foi um curso destinado a criar espaços para um ensino alçado às condições sociointeracionais dos estudantes indígenas em ambientes
urbanos

234
forma, contribuir com a organização do ensino voltado para os estudantes Xavante e, ao mesmo tempo, responder as
demanda dos professores que trabalham com eles no dia a dia da sala de aula.
Este é o motivo pelo qual estamos empenhados na tarefa de fazer uma releitura das atividades de ensino volta-
das para a concepção da didática desenvolvimental, a fim de que possamos contribuir não só com os professores das
escolas públicas urbanas, mas sobretudo, com à produção de conhecimentos dos alunos indígenas.
As contribuições do ensino desenvolvimental para os que trabalham com estudantes indígenas, foram funda-
mentais, principalmente, levando-se em considerações a nossa pouca experiência sobre o assunto.
Diante deste panorama, propusemos, neste experimento, que o ensino dos conteúdos fosse trabalhado na pers-
pectiva da didática desenvolvimental, a fim de que as barreiras linguísticas, históricas e matemáticas dos estudantes
indígenas fossem transpostas. Pois o que temos presenciado é que os conteúdos de Língua Portuguesa, História e Ma-
temática são trabalhados de forma fragmentada e desordenada, em contraste com a simetria do pensamento teórico.
A fim de situar melhor os nossos leitores, faremos a contextualização de nossa parceria no desenvolvimento
de nossas atividades com os estudantes indígenas. Tentaremos mostrar a importância do ensino desenvolvimental
e sua dimensão para as ciências linguísticas, históricas e matemáticas. No que diz respeito à aquisição dos conceitos
empíricos e teóricos, consideramos que nosso trabalho com a teoria histórico-cultural apresenta grande importância,
não só para o ensino da língua portuguesa, mas sobretudo, para o ensino de história.
O experimento realizado com os estudantes Xavante foi organizado a partir do processo de ensino e aprendi-
zagem, apresentados por Vygotsky e Davydov, foram desmembradas em dois (02) experimentos, assim, resumida-
mente, descritos:
1) Estudos da Língua Portuguesa voltados para os aspectos linguísticos, verificados nos textos, “Minha
vó foi pega a laço”, Daniel Munduruku
2) Os aspectos históricos: Nessa etapa, os estudantes Xavante participaram do curso Temporalidades e
Narrativas Históricas. Trabalhado pela profª. Ma. Luciene de Morais
3) Ações Planejadas: Língua Portuguesa e História

ATIVIDADES RELACIONADAS A LÍNGUA PORTUGUESA

O conteúdo trabalhado foi, basicamente, a partir do texto “ Minha vó foi pega a laço”, Daniel Munduruku, se-
lecionados de vários elementos da língua portuguesa a fim de que os estudantes pudessem desenvolver as habilidades
de que necessitavam para o entendimento das funções linguísticas na construção do sentido do texto. Como segue:
Ação 1: Transformar os termos da tarefa em relação ao conceito de leitura e produção de texto.
Objetivo de aprendizagem: Conhecer através da leitura os elementos básicos do texto
Operação 01 – Leitura do texto: “Minha vó foi pega a laço”, Daniel Munduruku
a. A partir da leitura do texto explique o que você entendeu.
Operação 02 – Destacar do texto as palavras desconhecidas
a. Colocar as palavras desconhecidas em uma sequência lógica,
b. Discutir com o grupo as dificuldades encontradas;
c. Socialização das respostas discutidas no grupo.
Operação 03 – Pesquisar na internet as palavras desconhecidas.
a. Apresentação do que foi pesquisado
AÇÃO 02: Modelar a relação encontrada do conteúdo em forma objetivada.
Objetivo de aprendizagem: Elaborar um texto com base na leitura anterior.

235
Operação 01 – Elaboração de um texto a fim de que pudessem demonstrar o que apreendeu de com as discus-
sões anteriores;
a. Os alunos discutiam sobre a apreensão do que leram e produziram;
b. Socialização dos modelos.
AÇÃO 03: Transformar o modelo com vistas a estudar as propriedades intrínsecas do conteúdo.
Objetivo de aprendizagem: relacionar o conhecimento dos itens lexicais das duas modalidades linguísticas:
Língua Portuguesa e Língua Xavante.
Operação 01: Leitura dos textos
a. Comparar as palavras utilizados nos textos;
b. Produção textual tendo como base a língua materna e, em seguida, na Língua Portuguesa,
c. Socialização dos textos produzidos;

Devido a delimitação de páginas, apresentaremos apenas alguns exemplos das produções dos alunos, tanto de
Língua Portuguesa como de História.
A fim de não expor a identidade dos estudantes, utilizamos os numerais para suas caracterizações.

1) Aluno nº 1:

Imagem 1 – texto aluno 1

236
Fonte: arquivo do curso interculturalidade

2) Aluno nº 2:

Imagem 2 – texto aluno 2

237
Fonte: arquivo do curso interculturalidade

Como podemos observar, com os textos escritos pelos estudantes indígenas é, que, nem todos colocaram em
prática determinados aspectos relacionados ao que foi apresentado sobre as normas de produção textual, uma vez
que, escreveram, releram, revisaram e, ao mesmo tempo, interagiram com os outros colegas acerca dos textos lidos e
produzidos, comentaram com os outros colegas o que havia abstraído, houve um momento em que intercambiaram
ideias sobre as relações entre os diferentes textos trabalhados e produzidos. No entanto, notamos que, ainda, falta o
essencial, o conhecimento básico da estrutura da Língua Portuguesa. Para Libâneo, “o trabalho dos professores con-
siste em ajudar o aluno, por meio dos conteúdos, a adquirir capacidades para novas operações mentais ou modificar
as existentes, com o que se operam mudanças qualitativas em sua personalidade” (Libâneo, 2012, p.67)
Ressaltamos, todavia, que em cada encontro aumentava a nossa perspectiva com relação ao aprendizado de
cada estudante indígena. Pois não podíamos usar os recursos de produção de textos, de forma homogênea, uma vez
que a finalidade do ensino da Língua Portuguesa para os estudantes indígenas deveria permitir a ampliação do do-
mínio da linguagem da segunda língua, condição fundamental para elaborar o pensamento teórico na perspectiva
intercultural e caminhar o pleno o exercício da cidadania. Acreditávamos que as atividades de leitura e produção de
texto dariam a esses estudantes condições cognitivas a fim de buscar respostas para os problemas pessoais e coletivos,
mesmo que não as encontrassem de imediato.

Atividades relacionadas a História


238
Ação 01 - transformação dos dados da tarefa de aprendizagem a fim de revelar a relação principal de
tempo

Objetivo da aprendizagem: Perceber os diferentes tempos existentes na vida humana

Operação 1: Representar a percepção de tempo


a) Elaboração de um desenho qual a representação sobre o tempo.
b) Apresentação do desenho de como veem o tempo
c) O que demora mais para passar: cinco minutos no recreio da escola ou cinco minutos na cadeira de
um dentista?

Operação 2: Observar os Marcadores de Tempo


a) Para que os povos marcam a contagem de tempo
b) Quais situações você conhece que é importante marcar o tempo?
c) Observação dos marcadores temporais em um texto
d) Trazer no próximo encontro uma história contada por alguém de sua família que aconteceu em qual-
quer tempo (pode ser história dos anciãos e outras histórias)

Operação 3: Audição Leitura do fragmento da música Tempo Perdido (Renato Russo).


a) Quais os tempos que aparecem na música de Tempo Perdido?
b) Qual o significado de tempo?
c) Cada participante escreverá em seu caderno o que compreende por tempo

Ação 02 - modelação da relação encontrada em forma objetivada.

Objetivo de aprendizagem: Elaborar um modelo que represente a relação principal do conceito de tempo.

Operação 01: Elaboração de uma representação – (mapa conceitual, texto, compreensão de tempo).
a) Discussão no grupo sobre um mapa conceitual de tempo
b) Elaboração individual do mapa
c) Apresentação para o grupo

Ação 03 – transformação do modelo com vista a estudar as propriedades intrínsecas a estas relações.

Objetivo de aprendizagem: Reconhecer as relações entre tempo e narrativa para compreensão da História

Operação 1:
a) Como os acontecimentos se situam no tempo?
b) Cada grupo escolherá um marcador textual na caixa para iniciar uma narrativa histórica coletiva
c) Produção da história coletiva

Ação 04 - Construção de um sistema de problema específico (tarefa particular) que pode ser resolvi-
do mediante aplicação do modelo geral do conceito.

Objetivo da aprendizagem: Resolver problemas específicos utilizando o modelo geral do conceito de tempo
e narrativa

Operação 01: Identificação dos tempos presentes no trecho da história Xavante: A origem do Fogo:

239
a) Os marcadores textuais de tempo que aparecem na história
b) Em qual tempo a história acontece
c) Discussão no grupo;
d) Um membro de cada grupo apresenta aos demais colegas;

Ação 05 – Controle da realização das ações precedentes (professor)

Objetivo da aprendizagem – Aplicar o modelo geral para a resolução de situações-problemas (os alunos
criam uma situação problema fazendo uso do conceito)

Operação 01 – Elabore um texto narrativo- temporal a partir da imagem apresentada


a) Em grupo, os participantes discutem o conceito;
b) Cada participante elabora o seu texto - ENTREGAR;
c) Os membros do grupo socializam as produções entre si;
d) O grupo define um trabalho para ser apresentado.

Aluno 3

Imagem 3 - terra indígena de antigamente

Fonte: arquivo do curso interculturalidade

As representações trouxeram parlenda quando o estudante iniciou o texto usando:


“Perguntei para o tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu pro o tempo, que o tempo tem o
tempo que o tempo tem”. Em seguida apresentou a seguinte narrativa:

240
Estar em contato com a natureza significa que além de estar em um lugar mais verde, você reservou tempo
(aquele que marca no relógio e ao mesmo tempo se desligou dele a ponto de entrar na percepção do tempo da vida).
Se nós não pensamos de dia a dia que acontecem na nossa vida, além disso, o tempo faria agente (sic) anotar
tudo que vejamos nos acidentes, usinas etc. desmatamos as árvores destruímos o que eles tem.

Aluno 4

Eu vejo o tempo no presente e passado. Nós seres humanos antes de nascer na terra, a terra é virgem. Não tem
nada na terra, depois que nós nascemos. A terra mostramos cada um de nós, sabedoria, habilidade e experiência. De
quê? Do estudo isso é o tempo agora tinha muita fazenda, aí o espaço está diminuindo e o tempo.
E quando também alguém estuda muito, vai melhorar muito a vida dele, ganha bem o pagamento. E quem não
gosta de estudar, isso vai sofrer muito na vida dele.
Ganha bem o pagamento, e que não que gosta de estudar, isso é pior vai sofrer muito na vida dele, fome, sede
e morre. Isso também para mim, o espaço está acabando.

Imagem 4 - terra indígena cercada por fazendeiros

Fonte: arquivo do curso interculturalidade

Apresenta um texto imagético com um desenho de uma estância cercada por muros e um texto escrito cujo
tema é Fazenda e Estudo: com o eu vejo o tempo?

CONSIDERAÇÕES

241
Para trabalhar com os alunos indígenas Xavante matriculados em escolas públicas urbanas de Barra de Garças/
MT, na perspectiva da Didática Desenvolvimental e da Teoria Histórico-Cultural, foram observados problemas re-
lativos à leitura, interpretação e elaboração de textos, relacionados ao ensino-aprendizagem da segunda Língua, bem
como a produção textual relacionados aos aspectos históricos. Percebemos que muitos conceitos não foram apreen-
didos por esses alunos, pois misturavam alguns critérios ou não percebiam alguns aspectos linguísticos importantes
relacionados aos experimentos em questão.

REFERÊNCIAS:

Disponível em: http://danielmunduruku.blogspot.com.br/2017/11/minha-vo-foi-pega-laco.html. Acesso 27/04/18


LIBÂNEO, J. C. Antinomias na formação de professores e a busca de integração entre o conhecimento pedagógico-didático e o
conhecimento disciplinar. In: Didática: teoria e pesquisa, (org) Alda Junqueira Marin, Selma Garrido Pimenta. Araraquara,
SP: Junqueira &Marin, 2015.
_______ .; ALVES, N. (Org.). Temas de pedagogia: diálogos entre didática e currículo. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2012. v. 1
LUCINI, M. Tempo, Narrativa e Ensino de História. Editora Mediação. Porto Alegre: 2000
MALERBA J. (Org) História & Narrativas A ciência e a arte da escrita histórica. Editora Vozes. Petrópolis. 2016

242
A DEMOCRACIA CULTURAL NA REFORMA DO ENSINO: O PROJETO
DE RADIOEDUCAÇÃO DO ESCOLANOVISTA GARCIA DE REZENDE

Wilson Alves de Paiva - FE/UFG1

O tema ao qual o título nos remete, o da ideia de uma democracia cultural, é algo relativamente novo na histo-
riografia da educação brasileira. Considerando que dentre o legado dos jesuítas,2 cuja pedagogia reinou por duzentos
e dez anos (entre 1549-1759), destacam-se a formalidade didática, a rigidez de conteúdos e a natureza catequética da
transplantação cultural, a brisa do liberalismo demorou a ser sentida nas costas brasileiras. O discurso democrático
ganha fôlego somente no final do século XIX e início do XX, quando as ideias liberais e republicanas passaram a
constituir um corpus teórico mais fundamentado e, como consequência disso, fomentaram os movimentos de inte-
lectuais, voltados para mudanças no cenário social e político brasileiro, com repercussões no processo educacional.
Influenciados pelas ideias de progresso científico, de educação cívica e moral, bem como por um ensino intuitivo,3
portanto contrário ao ensino tradicional, os republicanos liberais e positivistas tentaram contribuir, cada um ao seu
modo, tanto com a discussão quanto com as práticas educativas do ensino. O movimento da Escola Nova e o manifes-
to assinado em 1932 criou, como diz Vidal (2013, p. 579) um “personagem coletivo: os pioneiros da educação nova”,
de onde podemos tirar exemplos interessantes de projetos que procuravam dinamizar o ensino e atrelar sua pedago-
gia às condições políticas e sociais da época, como é o caso e Garcia de Rezende com seu projeto de radio-educação.
Sezefredo Garcia de Rezende (1897-1978)4 foi um jornalista, escritor e professor brasileiro, que teve uma
atuação significativa em prol das reformas escolares no Estado do Espírito Santo, sobretudo nas décadas de 20 e 30 do
século passado, mas que ficou mais conhecido por ter sido um dos vinte e seis signatários do Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova, de 1932. Seu nome não teve a mesma repercussão que o de Anísio Teixeira, de Cecília Meireles
ou do próprio redator do documento, Fernando de Azevedo, mas seu projeto de radioeducação surgiu precisamente
por seu vínculo com esse grupo de intelectuais, e suas propostas se encaixam dentro das perspetivas pedagógicas do
movimento. Malgrado sua atuação política na promoção da democracia, na difusão dos conhecimentos e na inovação
do ensino e das políticas educacionais no Espírito Santo, as informações sobre ele são esparsas e de difícil acesso.
Nascido no Rio e Janeiro, Garcia de Rezende era Filho de famílias que compuseram a chamada “aristocracia
cafeeira”, mas que adentraram o mundo da política por terem seus latifúndios perdidos pela crise econômica, sua tra-
jetória também foi da fazenda para a atuação política e intelectual, transitando entre os estados do Rio de Janeiro, Mi-
nas Gerais e Espírito Santo, até bacharelar-se em Letras, aos 16 anos de idade. Seu gosto pela literatura foi despertado
ainda em sua juventude quando, juntamente com outros jovens, criou algumas instituições culturais e jornalísticas na
cidade de Cataguases-MG, como o Grêmio Literário Belmiro Braga, o Semanário “A Luta”, mais ou menos na mesma
época em se foi criada a revista “Verde” – famosa por suas publicações literárias. No reconhecimento de seu trabalho,
chegou a ser membro-fundador da Academia Espírito-Santense de Letras, mas não teve farta produção nesse campo.
Publicou alguns livros, como o de contos, intitulado “Fogo de Palha”, que reconheceu que tinha mais valor histórico,
por ter sido talvez o primeiro livro editado em Vitória, do que um valor literário (Rezende, 1981, p. 26).
1 Doutor em Filosofia da Educação pela USP, com pós-doutorado em Educação, cultura e diversidade cultural, pela Werklund School of
Education, da Universidade de Calgary (Canadá). Professor da Faculdade de Educação da UFG, com Fundamentos da Educação. Email:
scriswap@ufg.br
2 Remeto ao artigo de minha autoria: O legado dos jesuítas na educação brasileira. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
46982015000400201&script=sci_abstract&tlng=pt
3 Entende-se por ensino intuitivo, “[...] é aquele que em todo ensino faz apelo a esta força sui generis, a este olhar do espírito, a este ímpeto
espontâneo da inteligência em direção da verdade. Ele consiste não na aplicação de um ou outro procedimento, mas na intenção e no hábito
geral de fazer agir, de deixar agir o espírito da criança em conformidade com o que nós chamávamos a pouco de instintos intelectuais”
(BUISSON, 1897, p. 9).
4 Filho de Virgílio Vieira de Rezende e Sophia Garcia Bastos de Rezende, nasceu em 07 de abril de 1897, no interior do Rio de Janeiro, na
Fazenda Boa Esperança, de propriedade do avô materno, localizada no atual município de Lage do Muriaé.

243
Foi em Vitória que realizou seu curso superior, com conclusão em 03 de setembro de 1930, quando defen-
deu “sob aplausos” (Gontijo e Gomes, 2013, p. 217) a monografia sobre Cooperação e Extensão Cultural, no Curso
Superior de Cultura Pedagógica, o qual tinha um currículo parecido com os atuais cursos de pedagogia. Esse curso,
implantado pela Secretaria de Instrução Pública, em 1928, fazia parte do projeto reformador da educação e pode ser
considerado como o “eixo radiador” (Berto e Simões, 2016, p. 400) dos princípios da Escola Nova, pois destinava-se
a professores e inspetores escolares. O curso foi concebido pelo educador paulista Pedro Deodato de Moraes, com-
panheiro de J. P. Fontenelle. Talvez por essa relação com o médico-educador que defendia veementemente a higiene
escolar, que Pedro Deodato possibilitou a interação dessas ideias com Attilio Vivacqua e Garcia de Rezende, os quais
passaram a defender a assistência médico-dentária nas escolas. O curso foi implantando por decreto, com participa-
ção direta de Atíllio Vivacqua, pois também tinha fortes relações com Fernando de Azevedo e, como este, defendia
que o problema da educação estava na formação dos professores e na organização do ensino.
Sua carreira educacional iniciou com o cargo de diretor da escola pública de Boa Família, atual Itaguaçu, área
de colonização italiana, relacionando-se com amigos que o influenciaram no campo filosófico e literário, como o mé-
dico Dr. Raul Brandão, com quem, diz Garcia de Rezende, “aprendi a ler os clássicos e os ases da literatura brasileira e
portuguesa, de Eça de Queiroz a Machado de Assis, para ficar nesses dois escritores tão representativos da sua época”
(Rezende, 1981, p. 19). Durante o serviço militar, no Batalhão de Caçadores, em Vila Velha-ES, atuou como diretor
da Escola Regimental, na qual alfabetizou vários soldados de origem italiana e alemã. Chegou a essa função por um
acaso do destino. Ele relata em suas Memórias (1981, p. 19) que se apresentou ao quartel de fraque, pois todo professor
da época assim se vestia, e foi motivo de pilhéria por parte do sargento que recebia os recrutas. Porém:

Essa severa indumentária, me foi útil. Passando pelo local, o comandante do batalhão assistiu ao espetáculo que
tinha como principal protagonista o meu fraque e mandou que o sargento acabasse com a gozação. Ordenando
o meu comparecimento ao seu gabinete, e sabendo da minha condição de mestre-escola, atribuiu-me a seguinte
missão: dirigir a Escola Regimental…[e assim] alfabetizei 90 soldados procedentes das zonas da colonização alemã
e italiana.

Deu baixa em 1920 quando conheceu (na viagem de trem de volta a Vitória) o presidente do Estado, Coronel
Nestor Gomes (1920-1924) e com ele atuou por vários anos, tanto como seu chefe de gabinete, como no Diário da
Manhã, o periódico oficial do governo, criado em 1907 como porta-voz do Partido Republicano Construtor (Busa-
tto, 1992). Nesse jornal Garcia de Rezende publica suas crônicas e seus escritos sobre educação, defendendo os prin-
cípios da escola nova. Escreve também sobre política, defendendo o movimento liberal; e sobre arte, propagando os
ideais da arte moderna. Aliás, segundo Gigioli (208), foi ele quem levou aos jornais capixabas tais ideais, discutindo
sua relevância, uma vez que a Semana de Arte Moderna (1922) havia registrado pouco impacto no Estado. Foi assim
que integrou o movimento modernista e trocou farta correspondência com Carlos Drummond de Andrade, sendo
este um dos colaboradores da revista, além de Mário de Andrade, Aníbal Machado, dentre outros. Infelizmente a
revista teve uma curta circulação: de 1927 a 1929.
Mesmo com tanto atividade no campo da literatura e do jornalismo, não deixou de atuar na educação. Nesse
período ocupou a cadeira de professor de Instrução Moral e Cívica do Ginásio do Espírito Santo - função que deixou
apenas quando foi assessorar o Secretário de Educação, e também signatário do Manifesto, Attílio Vivacqua, em
1928, sob o governo de Aristeu de Aguiar (1928-1930). Ocupou o cargo de Inspetor Escolar, quando pode divulgar
melhor as ideias da Escola Nova e colaborar com as reformas educacionais, incentivando inclusive as bibliotecas cir-
culantes, a criação de cinema escolar e a radio-educação. Sobre as bibliotecas circulantes, ele afirma: “As bibliothecas
circulantes, como o próprio nome indica, transitam de escola para escola, levando ás mais apartadas regiões espirito-
-santenses a influencia da idéa nova e da moderna cultura” (Rezende, 1930, p. 13 - sic).
A amizade com Attílio Vivacqua vinha desde 1922 quando este assumiu o cargo de deputado estadual e se
tornou uma figura importante no meio intelectual de Vitória, principalmente por defender ideias modernas, como a
escola ativa, a implantação do Curso Superior em Cultura Pedagógica, entre outras. A partir de 1928, quando Attílio
Vivacqua assumiu o cargo de secretário da educação, Garcia de Rezende passou a auxiliá-lo na implantação desses

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projetos, além da implantação do cinema escolar, bibliotecas circulantes e a ideia da escola como um estabelecimen-
to-laboratório, defendido pelos princípios da Escola Ativa.
O trabalho desses dois idealistas certamente contribuiu com a embora curta (1928-1930) administração pú-
blica do presidente Aristeu de Aguiar (1892-1951) na qual deixaram um saldo de quase 70.000 crianças de 7 a 12 anos
escolarizadas. Aristeu Borges de Aguiar era formado em Direito e chegou a ser Procurador do Estado, tendo sido
também jornalista, professor e diretor de escola. Foi secretário de Instrução Pública e a filiação ao PRES - Partido Re-
publicano Espírito-Santense o levou à candidatura à presidência do Estado. Eleito, não foi a política, mas a educação
e o jornalismo que consagraram a união entre ele, Attilio Vivacqua e Garcia de Rezende.
Attilio Vivacqua e Garcia de Rezende eram entusiastas da escola ativa, publicando artigos em defesa da nova
pedagogia, nos quais é possível visualizar tanto a perspectiva do naturalismo de Rousseau, quanto da influência do
meio físico sobre a criança, defendido por Comte. E na perspectiva das reflexões do pedagogo suíço Adolphe Ferrière
(1879-1960), Garcia de Rezende e Attílio Vivaqua defendiam o uso do rádio como ferramenta educativa. Segundo
Gilioli (2008, p. 65), no Brasil, “[...] as propostas de radioeducação surgiram, não por coincidência, em um mesmo
círculo intelectual: no Rio de Janeiro entre Roquette-Pinto e seus colaboradores, no Espírito Santo com Garcia de
Rezende e Attilio Vivacqua”. Para Garcia de Rezende, era o rádio o melhor meio de propagar a cultura, promovendo
a cooperação intelectual entre professores, alunos e demais interessados. Com intensas relações estabelecidas com
os integrantes do Movimento Antropofágico, passa a defender, dentro dos princípios da escola ativa, uma espécie
de “ensino antropofágico” que pudesse desenvolver a brasilidade numa visão de mestiçagem, com vistas a um “novo
homem” totalmente brasileiro. Inclusive a própria escola ativa deveria, segundo ele, passar por um processo de nacio-
nalização, adaptando seus princípios e ideias pedagógicas à realidade brasileira. Em entrevista à Revista Movimento
Brasileiro (1930, p. 1), ele diz:

“As doutrinas de Ferrière, Decroly, Kerchensteiner e Dewey surgiram apenas traduzidas com emphase, na bôcca
dos nossos educadores. E sem, ao menos, um trabalho criterioso de adaptação dos princípios da escola nova ás
realidades brasileiras iniciou-se, em todo o paiz, a doutrina da pedagogia moderna. É claro que não estou me in-
surgindo contra esse movimento innovador como contribuição indispensável da cultura extrangeira. Se- ria situar
o Brasil num regionalismo sem physionomia pró- pria e sem finalidade”.

E o melhor meio dessa difusão seria, segundo eles, o cinema e a rádio a serviço de uma unidade nacional. Sua
atuação nessa frente possibilitou a expansão da ABE - Associação Brasileira de Educação, criada em 1924, para o
Espírito Santo, atingindo 155 membros em sua seção estadual. Para Garcia de Rezende (Sg. Soares, 1998), o rádio
seria como um elemento didático para conectar as escolas do interior às da capital, auxiliando na formação cultural
com transmissão de músicas, lições, cursos e conferências. Bem de acordo com o ideário geral dos pioneiros, os quais,
segundo Libânea (2002), viam-se como racionalizadores de uma realidade caótica.
Garcia de Rezende foi também Chefe do Aparelho de Coordenação e Irradiação de Cultura, em 1930, cola-
borando com o Boletim de Educação – Publicação trimestral da Secretaria da Instrução do Espírito Santo, inspirada
no Serviço de Cooperação Cultural criado em 1920 pela Liga das Nações. Percebe-se seu engajamento nas ideias da
escola nova e o esforço que empreendeu para divulgá-las em seu Estado. Para isso empreendeu diversas viagens ao
Rio de Janeiro e a São Paulo no sentido de ampliar sua rede de relações com os escolanovistas, sobretudo durante a
movimentação em torno do manifesto, de 1930 a 1932.
Porém, sua teia inicial e maior de relações pessoais, políticas e profissionais foi com os intelectuais do Espírito
Santo. O Clube dos Boêmios, em Vitória, era o ponto de encontro e lá foi realizada em 1921 a sessão de lançamento da
Academia Espirito-santense de Letras. Diversas sessões se sucederam e Garcia Rezende ocupou a Cadeira N. 19 e foi
eleito segundo secretário. Entre esses “boêmios”, destacamos os nomes do advogado Alarico de Freitas do professor
Elpídio Pimentel e do jornalista Thiers Velloso. A Academia Espírito-santense de Letras (AEL) resistiu ao tempo e às
instabilidades e turbulências políticas desse Estado e até hoje persiste no centro de Vitória, localizada à Praça Clima-
co, como baluarte da cultura, embora com períodos de inatividade no passado. Como “filho” de seu tempo e “tesouro”

245
das letras e da intelectualidade espírito-santense, é possível afirmar que Garcia de Rezende honrou seus confrades e,
em especial, o patrono de sua cadeira, João Motta (1881-1914), o qual escrevera em um de seus poemas:
Filhos d’alma!, vós sois o meu tesouro,
o meu amplo sacrário de ventura:
- epílogo de um livro onde cultura
todo um poema de amor em letras de ouro.

Outro momento importante de sua vida foi quando participou, junto com Atillio Vivacqua, como membros da
comitiva do Espírito Santo no congresso da Associação Brasileira de Educação, realizado no Rio de Janeiro, em 1930.
Todos os secretários de educação do Brasil estavam presentes e Attílio Vivacqua apresentou seu projeto de Escola
Ativa – o qual foi elogiado e imediatamente aceito tanto pelo Movimento da Escola Nova, quanto pelo Movimento
Antropofágico (Garcia de Rezende, 1981, p. 35).
Sabemos que o grupo em torno desse movimento não era homogêneo, quanto aos ideias, mas os intelectuais
viviam o que Cury (1984) chamou de um “momento de compromisso” pela modernização da educação, independente
de suas divergências ideológicas. Em suas Memórias, Garcia de Rezende informa:

Nessa oportunidade, assinamos o famoso Manifesto de Educação, lançado por um pugilo de idealistas para sepultar
a velha pedagogia, cuja pregação não tinha mais sentido, em face das mudanças ditadas e impostas pelo incon-
formismo das novas gerações. Esse documento de tamanha importância como grito de alerta contra a rotina, o
ramerrão, o passadismo em ramo tão expressivo de conhecimento humano e da cultural, foi redigido por Nóbrega
da Cunha, Cecília Meireles e Fernando de Azevedo, então diretor de instrução da municipalidade carioca (Garcia
de Rezende, 1981 p. 35).

Os dois capixabas só não compartilhavam o entusiasmo aliancista (da Aliança Liberal, liderada por Getúlio
Vargas) de muitos renovadores. Garcia de Rezende havia apoiado Júlio Prestes para presidente da República e chegou
a dizer, referindo às mudanças no Espírito Santo: “tudo o que se fez em matéria de renovação escolar, foi devorado
pelo espírito revolucionário”. Garcia de Rezende deixa clara sua antipatia a Vargas e, em suas Memórias, reacende a
polêmica da autoria da carta-testamento, afirmando: “Até a carta-testamento, o dramático apelo que fez ao povo para
honrar o seu legado, não foi nem por ele rascunhada. Foi redigida pelo meu amigo e brilhante jornalista J. S. Maciel
Filho, como ele próprio me confessou” (P. 97).
Entretanto seu afastamento do poder, por ter sido destituído dos cargos que ocupava, possibilitou uma maior in-
teração com os modernistas, como Oswald de Andrade, chegando depois a participar mais intensamente do Movimento
Antropofágico, até mesmo para fortalecer a ideia da renovação e do caráter tipicamente brasileiro da cultura, no Espírito
Santo – onde a ideia não teve tanta repercussão. Busatto (1992, p. 5) afirma que “a Semana de Arte Moderna realizada
em São Paulo, no ano de 1922, não repercutiu em vitória do Espírito Santo. A vida, na cidade, se arrastava sem moder-
nistas e modernismos. Daí a necessidade de Garcia de Rezende ir atrás, com intuito de relacionar-se com os membros
do movimento em São Paulo. Ele relata uma reunião com Oswald de Andrade da seguinte forma:

Fui convidado por ele [Oswald] a visitar a taba, então instalada na residência da pintora Tarsila do Amaral, com
quem estava casado (...). Para me receber, reuniram-se todos os antropófagos, dentre os quais os dois Andrades, o
Oswald e o Mário, Raul Bopp, Clóvis Gusmão, Osvaldo Costa e outros. Todos estavam sentados, formando uma
roda. Fazia parte do ritual: fumar o cachimbo da paz e tomar cauim em copos especialmente fabricados de barro
puro. Para alegrar o ambiente, aparecia, então, a Josefina Studbaker, uma negrinha de corpo escultural, dançando
um balé infernal, num ritmo bárbaro. O cauim era uma dinamite terrível, preparada à base de cachaça, gim e uís-
que, embebedando rapidamente. Terminada a cerimônia, fomos todos jantar num restaurante da moda. Era como
se encerrava a cerimônia, mais do que aconselhável, em face do violento aperitivo. O Oswald pagava tudo (Garcia
de Rezende apud Soares, 1998, p. 79).

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Foi por causa dessa ampliação de relações que Garcia de Rezende foi buscar no Rio de Janeiro e em São Pau-
lo, que ele passou a ter maior contato com Fernando de Azevedo e outros intelectuais liberais modernistas, sendo
elogiado por eles e, naturalmente, criticado pelos conservadores, como Alceu de Amoroso Lima (1893-1983), mais
conhecido como Tristão de Athayde. Mesmo assim era notório o isolamento do Espírito Santo.5 Nomes como os de
Vieira da Cunha (1897-1976) e de Graça Aranha (1868-1931) já eram conhecidos em Vitória, mas coube a Garcia de
Rezende, seja por sua produção literária, seja por sua atuação no jornalismo, a ação de divulgar os nomes dos demais
modernistas. O intercâmbio entre o Diário da Manhã e a Revista de Antropofagia foi intenso. Tanto que o número
11, de 19 de junho de 1929 desta revista traz um artigo sobre o “ensino antropofágico” de Garcia de Rezende, e o
número 13, de 4 de julho do mesmo ano, traz um elogio ao Diário da Manhã, feito por Raul Bopp. Infelizmente, o
Congresso Mundial de Antropofagia, programado para ser realizado em Vitória, em 1930, acabou não acontecendo
por causa de problemas pessoais entre Oswald de Andrade e sua companheira Tarsila do Amaral (Sg. BOPP, 1966) e
a irrupção do movimento getulista (Sg. Rezende, 1981). E vale salientar também que embora Bopp (1966, p. 63) clas-
sifique o movimento antropofágico como “burlão”, por sua irreverência, e “negativista”, Garcia de Rezende não o via
da mesma forma, mas um movimento de renovação, de reconstrução da cultura adicionando a consciência nacional,
portanto um movimento positivo.
No intenso relacionamento com os pioneiros é que provavelmente se desenvolveu a ideia da rádio-educação,
perspectiva que esta presente no ideário escolanovista, também ligado ao ideário internacional de modernização do
ensino, que vieram depois a serem desenvolvidas por Roquette-Pinto,6 outro signatário, além de Mário de Andrade
e de alguns secretários estaduais de educação, como de Pernambuco, de São Paulo, entre outros estados, como na Re-
forma de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal, em 1928. O rádio estava ligado ao projeto de nação, de moder-
nização e de difusão da cultura, diferente da ideia de rádios comerciais que vieram a se desenvolver depois da década
de 30. E é no primeiro sentido que estava centrada a ação de Roquette-Pinto, bem como a compreensão de Garcia de
Rezende sobre a radiofonia como um instrumento pedagógico de unificação da cultura e de sua democratização.
De volta à política, a atuação de Rezende foi mais técnica e na posição de um “observador”. Estava presente
no tumultuoso comício do 13 de fevereiro de 1930 quando o senador Pires Rebello chamou o governador do Espírito
Santo, Aristeu Borges de Aguiar, de ladrão de votos. No dia seguinte, no Diário da Manhã, Garcia Rezende relata a
confusão e as mortes resultantes da intervenção militar nesse comício. Segundo Wanick (2008), Garcia de Rezende
chegou a apoiar com veemência o governo, mesmo sob tão tumultuada gestão, mas em suas Memórias acabou por
criticar o governo por seus erros, num tom mais rigoroso que a oposição.
A saída do governo foi brutal. Não tendo participado da Revolução de 30, foi perseguido pelo interventor
federal, José Armando Ribeiro de Paula, fazendo-o transferir-se para o Rio de Janeiro, onde passou a atuar como
jornalista no Diário de Notícias e no Diários Associados, com a ajuda do amigo Nóbrega da Cunha. O Diário de Notícias
tinha uma página inteira dedicada à educação e era coordenada pela poetisa e professora Cecília Meireles, assessora de
Fernando de Azevedo. Garcia de Rezende colaborou com essa página publicando diversos artigos, juntamente com
um jovem de 18 anos por nome Carlos Lacerda. Como jornalista, viajou a outros estados brasileiros, e até à Argenti-
na (a pedido de Chateaubriand), como observador da “nova ordem” política, quando acabou fazendo diverso amigos
entre os políticos e os literatos.
No Rio, fez amizade com Assis Chateaubriand, Camilo Castelo Branco, entre outros, ampliando suas relações
e atuou como redator em diversos jornais no Rio e em São Paulo por 40 anos. Dentre os periódicos, destacamos O
Jornal, o Diário da Noite, o Meridional e O Diário de São Paulo. Também, manteve a revista Vida Capichaba, pos-
teriormente liderada por Elpídio Pimentel e Manoel Lopes Pimenta, a qual circulou por 35 anos e tratava de vários

5 Para comprovar essa afirmação, no livro Movimentos modernistas no Brasil: 1922-1928, Raul Bopp (1966, p. 80 – grifo meu) escreve comentando
o dia em que, reunidos, decidiram fazer o primeiro congresso mundial de antropofagia em Vitória, da seguinte forma: “O Secretário da
Educação do Estado do Espírito Santo (não me lembro mais o nome), que assistia casualmente essa formulação de planos, entusiasmou-se
pelas idéias de “um Brasil mais autêntico”.
6 Em sua tese, Giliogi (2008, p. 127) infomra: “Roquette, ao invés de concentrar seu discurso, esforços programáticos e empenhar atividades
em projetos de reforma globais dos sistemas educacionais, pretendeu “encurtar” o caminho para a popularização do ensino. O rádio e o
cinema lhe pareciam as ferramentas mais apropriadas para tanto”.

247
temas referentes ao Espírito Santo (Derenzi, 1995), além da revista Chanaan a qual “deu novos rumos” às letras capi-
chabas por meio da divulgação dos trabalhos modernistas (Busatto, 1992, p. 8-9).
Garcia de Rezende foi um observador crítico de seu tempo. Via clararamente os perigos do fascismo e do
comunismo. Analizou que os tenentes haviam lutado contra as oligarquias e o caudilhismo, mas que acabaram forta-
lecendo a ditadura. Sério e comprometido com o trabalho jornalístico, não deixou, porém, de gozar a boemia carioca
e paulistana. Diz ele: (Garcia de Rezende, 1981, p. 82): “No espaço de tempo que vai do ano de 1931 a 1940, vivi
intensamente a noite carioca. Ainda alcancei os cabarés da rua do Passeio, Políticos e Palace e a famosa Mere Louise,
nos confins de Copacabana”. Cansado da vida boêmia, casou-se em 1941, com a prima Irene Rezende, funcinária do
Conselho Superior do Comércio Exterior e no Instituto Pinho. Segundo relata em suas Memórias, foi um matrrimô-
nio de muito amor e carinho que o consolaram até a velhice. Um ano após casado, teve uma DPOC (doença pulmonar
obstrutiva crônica) que o levou a longas internações no Sanatório de Belo Horizonte. Sarado, voltou à intensa vida
jornalística no Rio e se tornou “por um golpe de sorte” (Idem, p. 94) funcionário do Ministério do Trabalho, como
editor do Boletim Aéreo Semanal, e atividades burocráticas até sua aposentadoria, sem deixar antes de fazer um périplo
pela Europa com a esposa. Assim, afastado das discussões educacionais do Espírito Santo, não mais tão próximo aos
escolanovistas, talvez por isso não tenha participado do manifesto dos pioneiros, de 1959. Faleceu em Valença, Rio
de Janeiro, em 6 de outubro de 1978.
Em que sentido, então, podemos afirmar que seu projeto de rádio-educação pode ter contribuído com a refor-
ma do ensino e com a divulgação e democratização da cultura? Ora, a compreensão de uma escola ativa pressupõe
a utilização de recursos pedagógicos para além da sala de aula e da pura transmissão de conhecimento. Conscientes
disso, os pioneiros buscavam inovações técnicas, cinetíficas e pedagógicas que pudessem dinamizar a educação e
transformá-la em um processo de elevação cultural da população. E é nesse sentido que Garcia de Rezende criou o
SCEC (Serviço de Cooperação e Extensão Cultura)7 para promover não apenas o uso do rádio, como de museus,
de bibliotecas rotativas e até de cinema como recursos pedagógicos e integração cultural (BERTO & SIMÕES, 2016).
Nas palavras de Soares (1998, p. 40):

O rádio seria utilizado como “elemento didático de informação e aproximação, a serviço da unidade nacional”. O
projeto era instalar radiotelefonia para proporcionar o contato das escolas do interior com as da capital, facilitan-
do “a transmissão de música, cursos, lições, conferências”, encontradas mais facilmente em um “centro grande e
civilizado”

A ideia de democratização da cultura vinha do duplo sentido de conectar a capital com as regiões interioranas e
de difundir os conhecimentos cíentíficos e artísticos por meio do rádio, isto é, um canal de propagação das descober-
tas, conferências, cursos, manifestações folclóricas, músicas e outras variedades que elevariam o nível dessas popu-
lações – contribuindo, inclusive, com o processo antropofágico e o movimento de “salvação” do país pelo progresso
cultural, empreendida por uma perspectiva da educação como “remédio” no combate ao mal da ignorância. Lamenta-
velmente, tudo isso tinha um custo alto e a ideia não se consolidou como Garcia de Rezende imaginava. Attilio Viva-
qua chegou a adquirir alguns aparelhos cinematográficos para a produção de filmes educativos, com relativo sucesso,
porém os limites econômicos não permitiram a instalação de rádios educativas e os limites políticos encerravam a
empreitada: os grupos locais alinhados ao interventor de 1930 ajudaram a sepultar a tentativa. Como afirmam Berto
e Simões (2016, p. 77) “Em outras palavras, o discurso da modernidade, utilizado para justificar a reforma do ensino
como base para mudanças sociais, contrapunha-se à tradição agrária e aos modos coronelistas da política local”.

7 Desenvido por Garcia de Rezende quando era diretor da Secretaria da Instrução do Espírito Santo, inspirado no Serviço de Cooperação
Cultural criado pela Liga das Nações em 1920.

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AGRADECIMENTOS:

Agradeço à Academia pelo apoio e colaboração, prestados pelo seu presidente, Prof. Francisco Aurélio Ribeiro.

REFERÊNCIAS:

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estratégia de formação de professores e difusão da escola ativa nas escolas capixabas. Cadernos de História da Educação, v.15, n.1,
p.398-421, jan.-abr. 2016.
BRASIL. Diário Oficial de 26 de maio de 1945. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/PastasMinistros/
BentoFaria/DadosDatas/007.pdf. Acessado em: 24.10.2017.
BOPP, Raul. Movimentos modernistas no Brasil. Rio de Janeiro: São José, 1966.
BUISSON, Ferdinand. Conférence sur l’enseignement intuitif. In: Conférences pédagogiques faites aux instituteurs dele gues à
l’Exposition Universelle de 1878. Paris: Librairie Ch. Delagrave, 1897.
BUSATTO, Luiz. O Modernismo Antropofágico no Espírito Santo. Vitória: Secretaria de Produção e Difusão Cultural – UFES,
1992.
DERENZI, Luiz Serafim. 1995. Biografia de uma ilha. 2 ed. Vitória: PMV & Secretaria Municipal de Turismo.
GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Educação e cultura no rádio brasileiro: concepções de radioescola em Roquette-Pinto. Tese de
Doutorado. Faculdade de Educação da USP. São Paulo: 2008.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo, Cortez, 1984.
PROMAF/ES - Governo do Estado do Espírito Santo Secretaria de Estado da Fazenda Projeto de Modernização e Administração Fazendária.
Sezefredo Garcia de Rezende. Disponível em: http://www.sefaz.es.gov.br/painel/jornal12.htm Acesso em: 24/10/2017.
REZENDE, Garcia de. O ensino no Espirito Santo: Uma entrevista com o Snr. Garcia de Rezende. Movimento Brasileiro, Rio de
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______. Memórias: (1897-1978). Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Ameida, 1981.
RIBEIRO, Francisco Aurelio. Academia Espírito-santense de Letras. Patronos & Acadêmicos. Vitória: Academia Espírito-santenese
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SOARES, Renato Viana. A Escola Activa Antropofágica que a “Revolução” de 30 comeu. São Paulo: Lei Rubem Braga-Darwin, 1998.
WANICK, Flávio Calmon. Aristeu Borges de Aguiar um presidente atropelado pela história: a política e a economia capixabas
durante os anos 1928 a 1930. Vitória: Flor e Cultura Editores, 2008.
SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 1-8. (Coleção
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BERTO, Rosianny Campos & SIMÕES, Regina Helena Sivla. Rádio e cinema escolares como elementos de inovação pedagógica
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249
A EDUCAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL TEM HISTÓRIA

Rita Cássia Rafel

Conhecer a história da educação do negro brasileiro é percorrer os caminhos da articulação que ressignificam
a função social da escola no terreno sobre o qual foi erguido o campo de conflito de uma história social da educação
do negro, com revelações expressas na dinâmica histórica dos interesses divergentes das lutas de gerações dominante
e dominada. Justificadas pelas forças reais ocultadas pela narração do historiador-ideólogo que cria causas e finali-
dades convertendo a história por sua própria conta, fazendo dos homens instrumentos ocasionais. Para o sociólogo
brasileiro Darcy Ribeiro (2005) é preciso romper com a estrutura de classe do país, desfazer a sociedade para refazê-
-la. Para ele, a estratificação da pirâmide social brasileira é formada por: classes dominantes, setores intermediários,
classes subalternas e classes oprimidas, sendo essa última a “oprimida” formada principalmente por negros e mulatos
moradores de favelas e periferias da cidade; ocupantes dos baixos setores no mercado de trabalho em sua maioria
analfabetos, incapazes de se organizar para reivindicar direitos e exercer sua cidadania. Atualmente, compreender
os processos de escolarização do negro, a trajetória institucional da educação dos descendentes de africanos no Bra-
sil, responde a necessidade para a compreensão da atual Lei 10.639/03 e dos indicadores que constatam a histórica
desigualdade entre as trajetórias escolares desses dois grupos sociais, negros e brancos no país. O campo educacional
durante um longo período ignorou as críticas em relação aos condicionamentos produzidos pela discriminação racial
que assinalava a falta de conhecimento das relações entre educação e raça. A História da Educação tem ignorado as
iniciativas de grupos negros no campo da educação, tais como a criação de escolas, centros culturais, suas lutas e suas
propostas de uma pedagogia que leve em conta a pluralidade étnica do alunado no sistema de ensino brasileiro, e,
em específico a favor da população negra. A escola é um meio insubstituível de contribuição para as lutas demo-
cráticas, e a escola pública tem a responsabilização do poder estatal na perspectiva de tornar significativo o estudo
da miscigenação, do mérito acadêmico e das desigualdade/exclusão social, fatores esses constituintes na explícita
recusa ao debate sobre a base da questão: o racismo brasileiro. Estudos demonstram a necessidade de investimento
na formação de professores para uma educação anti-racista, visto que a desigualdade de renda brasileira tem forte
relação associada à desigualdade na distribuição da educação entre a população adulta brasileira. Não ignorando as
melhorias nos níveis médios de escolaridade de brancos e negros ao longo deste século, o paradoxo “discriminação”
de escolaridade dos brancos em relação aos negros se mantém estável entre as gerações. Assim, as estratégias adotadas
pelas políticas educacionais no passado esclarecem as origens de graves problemas educacionais que afligem a maior
parte da comunidade negra brasileira, transpondo para este século, desigualdades imensas lançadas à atual situação
educacional dos negros brasileiros.
Palavras-chave: Educação. Negro. Racismo.

Se a História da Educação Brasileira ignora o universo dos processos históricos dos resultados estatísticos que
mostram a existência de problemas relativos aos temas de interesses à população de origem africana, é porque essa
educação não tem contemplado a multiplicidade dos aspectos da vida social e da riqueza cultural do povo brasileiro.
Ao mesmo tempo em que funciona como a história da escolarização das camadas de grupos dominantes de um siste-
ma educacional que se recusa admitir a existência de um racismo à brasileira, com opressão e dominação, resultando
na limitação de acesso dos afrodescendentes aos bens sociais, culturais e políticos, consolidando o ideário de concen-
tração de poder da elite nacional.
Conhecer a história da educação do negro brasileiro, em seus aspectos de exclusão e resistência, é percorrer os
caminhos da articulação que ressignificam a função social da escola no terreno sobre o qual foi erguido o campo de
conflito de uma história social da educação do negro, com revelações expressas na dinâmica histórica dos interesses
divergentes das lutas de gerações dominante e dominada. Justificadas pelas forças reais ocultadas pela narração do

250
historiador-ideólogo que cria causas e finalidades convertendo a história por sua própria conta, fazendo dos homens
instrumentos ocasionais. Michel de Certeau (2013) destaca o papel do historiador e a importância das fontes no proces-
so de produção de conhecimentos históricos. Enquanto sujeito da pesquisa, o historiador transforma objetos em fontes
históricas, reorganiza instrumentos a partir de novas demandas sociais, faz a história ou refaz uma nova história.
Postura como essa, pode ser um dos aspectos que força suposição de ideias que torna alguns povos mais sujeitos
históricos que outros. Em tempos atuais, compreender os processos de escolarização do negro, a trajetória institu-
cional da educação dos descendentes de africanos no Brasil, responde a necessidade para a compreensão da atual Lei
10.639/03 e dos indicadores que constatam a histórica desigualdade entre as trajetórias escolares desses dois grupos
sociais, negros e brancos no país. De acordo com Marx, as desigualdades de classes funcionam como elemento funda-
mental, estrutural, das sociedades modernas, ou seja, das sociedades capitalistas (MARX apud ROMÃO, 2005).

Há atualmente uma imensa necessidade de estudos voltados para a realidade afrodescendente brasileira. A partir de
estudos nessa perspectiva, poderemos construir uma nova história da educação no Brasil, que deve ser uma histó-
ria em que se possa ver a narrativa de acontecimentos por vários observadores, sendo conhecido o lugar que cada
um ocupa como historiador e como participante do contexto estudado. Assim, teremos um fenômeno histórico
visto por vários ângulos, a partir de várias lentes. Uma história nessa perspectiva merece ser denominada história
brasileira (CRUZ, 2005, pg.25).

A necessidade de ser livre ou de usufruir a cidadania quando livre, no império e na república levou as camadas
negras a uma aproximação dos saberes oficias do sistema de ensino vigente no país, que de forma limitada tiveram
acesso a diferentes meios de aproximação com a educação. Alguns criaram suas próprias escolas, no caso os quilom-
bolas; outros recebiam instrução de pessoas escolarizadas, buscavam a rede pública, neste caso a escola era oferecida
por entidade religiosa, também os asilos de órfãos e em alguns casos até as escolas particulares. Essas diferentes
formas de acesso dependiam da localização regional á qual o individuo vivia. Os pesquisadores/as desta temática
afirmam que é possível dizer que, em 1871, em Campinas, havia algumas poucas escolas públicas para a população de
“negros” libertos e escravos, e que essa liberdade de instrução em Campinas começou desde o ano em que entrou em
vigor a Lei do Ventre Livre, 17 anos antes da libertação da escravatura brasileira.

A luta das camadas negras pela sua participação no processo de escolarização oficial evidencia que mesmo à mar-
gem da cidadania, como podiam, os negros acompanharam os processos de desenvolvimento da nação brasileira
e nele exerceram suas influências. O Estado brasileiro em diferentes períodos de sua história procurou estabelecer
regras convenientes a as estratégias social daquele momento no sentido de proibir, ou dificultar a presença dessa
camada social quanto ao acesso à instrução pública. No século XIX, em 1854, o decreto n.1331 de 17 fevereiro,
proibia o acesso de gente escravos nas escolas; em 1878 o decreto nº 7031-A, determinava o restrição do estudo
dos indivíduos negros, estes poderiam estudar apenas no período noturno. Mecanismos adotados pelo Estado, que
na prática, mesmo quando garantindo o direito dos livres de estudar, não houve condições materiais para a realiza-
ção plena desse direito. No que se refere propriamente à escolarização dos negros (grupo de pessoas), segundo os
modelos oficiais, percebe-se que eles sempre estiveram em contraponto a afirmações que alegam sua incapacidade
para vivências bem sucedidas de experiências escolas e sociais. Tal fato pode ser comprovado pela ascensão de uma
intelectualidade negra desde o período republicano que, via domínio da escrita, atingiu espaços sociais dos quais
os brancos pareciam detentores absolutos. A biografia do professor Antônio Ferreira Cesariano Júnior é uma de-
monstração de como o espaço escolar cumpre em relação ao negro uma dupla função: veículo de ascensão social
e instrumento de discriminação. Sua trajetória social e educacional no início do século XX evidencia a ascensão
socioeconômica, mesmo sob inúmeros obstáculos, e o reconhecimento público do seu prestígio intelectual como
professor de ensino superior, advogado e médico (BARBOSA, 1997 apud CRUZ, 2005, p.29).

Para o sociólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2005) é preciso romper com a estrutura de classe do país, desfazer a
sociedade para refazê-la. Para ele, a estratificação da pirâmide social brasileira é formada por: classes dominantes, setores
intermediários, classes subalternas e classes oprimidas, sendo essa última a “oprimida” formada principalmente por ne-
gros e mulatos moradores de favelas e periferias da cidade; ocupantes dos baixos setores no mercado de trabalho em sua
maioria analfabetos, incapazes de se organizar para reivindicar direitos e exercer sua cidadania. Para Ribeiro

251
essa estrutura de classe engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem
social vigente. Seu comando natural são as classes dominantes. Seus setores mais dinâmicos são as classes interme-
diárias. Seu núcleo mais combativo, as classes subalternas. “E seu componente majoritário são as classe oprimidas,
só capazes de explosão catárticas ou de expressão indireta de sua revolta. Geralmente estão resignadas com seu
destino, apesar da miserabilidade em que vivem, e por sua incapacidade de organizar-se e enfrentar os donos do
poder” (RIBEIRO, 2015, p.158).

A classe dominante faz uso do Estado para montar um aparelho de coerção e de repressão social, e através des-
se aparelho, exerce seu poder sobre toda a sociedade, submetendo-a as regras política. Essa classe substitui a função
social legislativa do Direito pela ideia do “seu” Direito; substituindo por meio das leis a legitimação de suas ideologias
como justas e boa para todos os membros dessa sociedade. Para Freire,

os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação
antológica e histórica de ser mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicoto-
mizar o conteúdo da forma histórica de ser do homem (FREIRE, 1987, p.52).

O campo educacional durante um longo período ignorou as críticas em relação aos condicionamentos produ-
zidos pela discriminação racial que assinalava a falta de conhecimento das relações entre educação e raça. A História
da Educação tem ignorado as iniciativas de grupos negros no campo da educação, tais como a criação de escolas,
centros culturais, suas lutas e suas propostas de uma pedagogia que leve em conta a pluralidade étnica do alunado
no sistema de ensino brasileiro, e, em específico a favor da população negra. No ano de 1834, foi criada uma lei que
dava autonomia as províncias onde as mesmas deveriam gerenciar e definir suas políticas educacionais. Desta forma,
percebe-se que o sistema educacional para os negros não funcionou de forma uniforme na colônia, dependendo de
suas lideranças políticas regionais. A Lei nº2040 de 28.09.1871, conhecida como a Lei do Ventre Livre foi aprovada,
estabelecendo a libertação das crianças que nasciam de mulheres escravas. A relação desta lei com a educação ocorreu
de diferentes formas como já citado acima, dependendo da liderança de cada província na época. A referida lei deter-
minava que o Estado deveria ser responsável pelas instruções educacionais e que essa criança, enquanto pessoa livre,
passava a ter esse direito; Desse modo a Lei do Ventre Livre (1871) passa a ser um dos pontos de referência sobre a
discussão da educação dos negros no Brasil, abrindo um intenso debate que envolveu diversos setores da sociedade,
denominando assim o que pode ser considerado de sistematização de uma política pública para a educação dos ex-
-escravos e seus descendentes.
O fato das províncias se tornarem autônomas com relação ao processo de escolarização aparenta ser um dos
fatores nesse trajeto de omissão sobre a abordagem da história do negro no sistema educacional. Afinal o contexto
histórico do nosso país registra que províncias com maior força política tiveram maior espaço na historiografia. Rio
de Janeiro e Rio Grande do Sul, por exemplo, foram províncias com notoriedade em suas forças políticas, porém ao
mesmo tempo foram elas as mais rígidas em relação à flexibilização da legislação educacional acessiva aos negros.
Por outro lado, a província de Sergipe, tomando apenas essa como exemplo, acatou a lei do Ventre Livre sem maior
resistência quanto à presença de crianças negra nas escolas.
Percebe-se que os afro-brasileiros são ao mesmo tempo sujeitos e objeto do conhecimento, onde o saber pro-
duzido enquanto objeto válido que é, necessita de uma avaliação das condições pelas quais foram produzidas; devendo
o pesquisador evidenciar sua posição, o lugar que ele ocupa ao analisar os conceitos sobre determinado fenômeno.
Para o filósofo e sociólogo francês Goldmann,

uma das mais importantes tarefas de qualquer investigador sério nos parece consistir no esforço para conhecer
e tornar conhecidas pelos outros as suas valorizações, indicando-as explicitamente, esforço que o ajudará a al-
cançar o máximo de sua objetividade subjetivamente acessível no momento em que escreve e, sobretudo, que
facilitará a outros investigadores trabalhando numa perspectiva mais avançada e que permite uma melhor com-
preensão da realidade, a utilização e a ultrapassagem dos seus próprios trabalhos (GOLDMANN,1984, p. 15, apud
CRUZ,2005, p.24 ).

252
Problematizar os processos de distinção e exclusão que historicamente pesaram sobre esse grupo social no
campo educativo, importa observar suas ações e expressões, no instintivo modo de reivindicar e promover a própria
educação, razões que levam a se afirmarem como sujeito e agente transformador do contexto no qual está inserido.
Houve iniciativas e atitudes dos negros que se organizavam de forma coletiva com práticas educativas diversas, com
princípios definidos que abrangiam os processos de apropriação e utilização da leitura e da escrita. A exemplo desse
caráter, educativo, coletivo, associativo e formativo, citamos o das irmandades negras e também da ação educativa
de uma organização de artífices do Recife: a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco (SAMLP).
Essas associações exerceram fundamental papel como instituições de difusão da leitura e da escrita entre os negros
,diante das restrições impostas pelo sistema escravista vigente naquele período, que, conforme já citado nesse estudo,
houve peculiaridades no funcionamento do sistema de ensino após a Lei do Vente Livre, que funcionou de forma
independente obedecendo a legislação estabelecida por cada província da colônia brasileira( LUZ,2016).
As estratégias adotadas pelas políticas educacionais no passado esclarecem as origens de graves problemas
educacionais que afligem a maior parte da comunidade negra brasileira, transpondo para este século, desigualdades
imensas lançadas à atual situação educacional dos negros brasileiros, estruturados em dois eixos: exclusão e aban-
dono. Com origem longínqua em nossa história, retrata a história da educação, em especial aquelas estratégias que
buscam estudar como as elites brasileiras vêm tentando equacionar o problema da instrução das camadas populares.
Preocupação presente no século XIX, período em que a construção de uma nação se colocava para as elites como
uma questão crucial. Nesse contexto seria impossível (pensamento da elite) erigir uma nação sem que, igualmente
lançassem projetos, estratégias que pudessem fortalecer a instrução pública nas províncias do Império, ofertando a
toda população o acesso às letras, pensamento diferente no período colonial, que se proibia o alfabeto nas casas-gran-
des especialmente a africanos escravizados. Estes estavam impedidos de aprender a ler e escrever, de cursar escolas
quando estas existiam, privilégio concedido a alto preço, em algumas exceções, caso fossem escravos em fazendas de
padres jesuítas. Eles visavam a “elevação moral” de seus escravos, e tendo os jesuítas, o conhecimento a seu favor,
providenciaram escolas para os filhos dos escravizados, que recebiam lições de catecismo e instruções das primeiras
letras, porém eram impedidos de almejar outros níveis de estudos como de instrução média e superior. Em toda a
nossa história o desencontro político evidencia que Estado e Nação sempre se colocaram em níveis diferentes, não
conseguem resguardar na sua totalidade os sujeitos que os constituem. Para Odalia,

Nação e Estado foram sempre concebidos como tarefa de uma minoria culta e esclarecida que deveria reger os des-
tinos de ambos, orientando, corrigindo, pela educação, pela força, a massa considerada incapaz e incompetente de
se reconhecer e de reconhecer, no projeto idealizado pela camada dirigente, seu destino. Ao povo resta sua única
arma, a indiferença, o desinteresse. Em alguns períodos, essa letargia e essa impossibilidade de ação que acompa-
nham nosso povo são desmentidas e podemos então sentir sua presença em movimentos de cunho regionalista...
ou então em movimentos que galvanizam a Nação (ODALIA, 1929, p.33).

A imposição ideológica nas escolas dos jesuítas submetia as crianças negras a um processo de aculturação, na
visão cristã de mundo, os padres entendiam e pregavam o cristianismo, fora isso nenhuma cultura era correta peran-
te a religião. Fazendo uso de um método pedagógico de caráter repressivo com foco bem mais na conduta da moral
cotidiana, do comportamento social, de modo que, o processo de escolarização de escravos em mãos de jesuítas tinha
o objetivo de submetê-los ao controle de seus senhores missionários e não como um projeto ideológico educacional
que visasse mudar o destino dos cativos.
Algumas décadas que antecederam a Abolição havia um consenso entre alguns membros próximo ao
escalão do governo imperial, que preconizavam ideias sobre a educação dos libertos como uma medida complemen-
tar e necessária à própria Abolição. Foi defendido por célebres personagens do Império como o escritor indianista
romântico José de Alencar, à época deputado, ele defendia a ideia de libertar o cativo somente quando este fosse
educado, capaz de usar suas próprias palavras para um despertar da consciência, situação que descontentava os se-
nhores de escravos, pois feria frontalmente seus princípios morais, uma vez que a educação concedida aos escravos
poderia representar uma mudança efetiva na condição dos sujeitos emancipados do cativeiro. Esse descontentamento
por parte dos senhores de escravo ameaçava a aprovação da Lei do Ventre Livre, visto que esta determinava certa

253
igualdade de direitos aos indivíduos que se enquadravam na lei, levando a um complexo processo de negociação entre
parlamentares e proprietários. Em setembro de 1871 a Lei nº 2.040 isentava os senhores de qualquer responsabili-
dade quanto à instrução das crianças nascidas livres de mulheres escravas, estas seriam educadas apenas aquelas que
fossem entregues pelos proprietários ao governo, mediante indenização. Para as/os pesquisadoras/es deste assunto, a
tentativa de manter, nas mãos dos antigos senhores, os poderes de decisão e intervenção sobre as vidas dos indivíduos
livres e libertos pobres, oferecendo-lhes instrução agrícola com a intenção de prepará-los não apenas para o trabalho
livre, mas também conservar a mão de obra descendente de escravos nas fazendas e nas áreas rurais (OLIVEIRA;
SILVA; PINTO, 2005, p.18).
A educação para além dos padrões oficiais também era uma necessidade usada pelos negros em situações
de interesse próprio e também de seus donos. A conservação da língua de origem era um aspecto importante da vida
dos escravos, mas também havia interesse dos africanos em aprender português, porque isso lhes facilitaria a fuga,
assim misturavam o português com suas próprias línguas, criando falares outros e tinham o apoio de escravos liber-
tos alfabetizados. Havia toda uma pressão imposta pelos donos de novos escravos africanos para que estes falassem
rapidamente apenas o português, de modo que era comum os senhores de escravos usarem as crianças com idade
entre 6 e 10 anos no processo de socialização da linguagem dos adultos com os escravos que chegavam a colônia. Em
geral, a literatura sobre o assunto dá conta de que a presença de crianças escravas na escola era muito pequena, e não
é provável que o maior meio de alfabetização dos negros fosse a escola formal.
Para alguns pesquisadores há hipóteses de que, os escravizados negros fossem crianças ou adultos aprenderiam
ao acompanhar seus donos nas aulas, fossem em escolas públicas ou particulares. Em outros casos, dependiam dos
senhores, estes poderiam providenciar esse aprendizado dependendo da função que os escravos exerceriam, era inte-
ressante que pudessem ler e escrever. Por exemplo, o comércio urbano, necessitava das habilidades de leitura e escri-
ta e também de noções de matemática. Outro aspecto é que com o fim tráfico de escravos, passando a existir esse tipo
de comercio apenas interno entre as províncias da colônia, o escravo alfabetizado tinha um grande valor comercial.
O Estado é um poder distinto da sociedade, é a forma pela qual é preservado o interesse particular da classe dos
mais fortes com aparência de interesse de toda sociedade através de regulação e imposição. “O Estado é a expressão
política da sociedade civil em quanto dividida em classe. Não é como imagina Hegel, a superação das contradições,
mas a vitória de uma parte da sociedade sobre a outra” Chauí (2004, p.27). A determinação do grupo social negro pelo
direito à liberdade e a cidadania se manifesta intencionalmente em todos os momentos da história brasileira. No pe-
ríodo escravocrata essas manifestações são marcadas pelas rebeliões, as insurreições e os quilombos que registraram
fortes marcas de resistência e oposição ao sistema, seguido pelos os anos que antecederam a abolição, os movimen-
tos abolicionistas e as alforrias conquistadas por força da lei confirmam a vigor e a continuidade dessas lutas. Nesse
contexto de redescobrimento enquanto sujeitos se apropriando dessa interioridade, o período pós-abolição tem as
marcas da criação da imprensa negra, das companhias teatrais e as diversas associações de “homens de cor”. Para
Araújo isso confirma que o negro,

depois de 1888, não ficou omisso à luta para resolver os problemas do grave erro da chamada Lei Áurea” Sob a con-
cepção de que a educação seria um instrumento de inclusão e ascensão social do negro, as organizações negras da
Primeira República (re)inauguraram, ainda que precariamente, escolas e cursos de alfabetização, cujas concepções
centravam, num primeiro momento, a prática formal e profissionalizante. Era uma reação às barreiras raciais im-
postas ao acesso ao saber escolarizado e ao mercado de trabalho. Posteriormente, essa educação planejada serviria
como instrumento político, ponto de mobilização e resistência contra as discriminações raciais que promoviam a
interdição da cidadania plena (ARAÚJO,2007, p.39).

Na teoria marxista, as classes sociais são elementos fundamentais de certo modo de produção, fazendo com que
as relações sociais se organizem por meio de mecanismo de exploração, fundamentadas em duas classes antagônicas.
Para Silva Jr.,

durante um certo período, quando se abordava a questão da discriminação no trabalho, neste país, tanto o Movi-
mento Negro quanto estudiosos e pesquisadores acreditavam que a discriminação manifestava-se na ponta final

254
das relações raciais, isto é, a parcela negra da população defrontava-se com o racismo no momento do ingresso e/
ou no curso da relação de trabalho. Posteriormente, com o auxílio de estudos – principalmente estatísticos – sobre
o processo educacional brasileiro, notou-se que essa discriminação estava situada na ponta inicial do processo,
uma vez que a trajetória de escolaridade era intensamente diferenciada por raça/cor, desde o acesso, passando pela
permanência e finalização da trajetória escolar, a qual, por sua vez, era definidora de capacidade competitiva, num
mercado de trabalho formal que demandava cada vez mais competências específicas e altamente desenvolvidas
(SILVA JR. 2002, p.20).

Ao realizar essa pesquisa bibliográfica sobre a história da educação dos negros no Brasil, com base no mate-
rial ao qual tive acesso, e citado nesse texto, é perceptível a convergência entre os/as estudiosos/as desta temática,
o quanto a escrita historiográfica brasileira foi omissa ao não registrar a dimensão ideológica do projeto “educação”
e as oportunidades educacionais negadas pelo Estado aos negros nos séculos que compreendem o Brasil colonial e
imperial. Nessa mesma dimensão ficou omitida também a luta de um povo que não se calou frentes as diversidades
que lhe foram impostas inclusive no campo educacional.
Ao interrogar o abandono educacional a que foi relegada a população negra brasileira fica um vazio, quanto a
não correspondência por parte do Estado, quando este adota a lei do Ventre Livre e ignora o artigo que permite aces-
so á educação primária de seus indivíduos livres, as crianças negras e livres foram “consentidamente” pelo governo,
excluídas dos processos de escolarização. Inegavelmente esse fato apresenta reflexos no processo de mobilização e
ascensão social desse grupo étnico até nossos dias. Essa questão responde parte do questionamento desse trabalho;
compreender a origem das barreiras que levaram a segregação e limitação de mobilidade do negro na estrutura eco-
nômica, política, intelectual e cultural do país, salvo algumas exceções.

a inserção dos negros no mundo do ensino tem um papel muito importante para a construção da sua mobilização
em torno da justiça social... no Brasil tem mais discriminação socioeconômica do que propriamente racial. Porém,
nesse momento, é mais importante crucial a construção de uma identidade e consciência dos negros não só na edu-
cação formal, mas também na educação que muitos chamam de informal, que se dá nos movimentos sociais e no
seu alvo, a sociedade. Em suma, a consciência de oprimido do negro não necessariamente deve surgir nos bancos
das universidades, mas no dia a dia das lutas sociais (DOS ANJOS, 2009, p.64).

A pesquisadora Regina Pahim Pinto (1994) avalia que o movimento negro desse período acentuava a educação
como instrumento de ascensão social. Essa percepção frente a ausência de atitudes das autoridades levou os negros a
desenvolverem por meio de suas organizações de luta uma percepção crítica e negativa sobre a política educacional,
que tomando para si essa responsabilidade, passaram a oferecer escolas visando a alfabetizar os adultos e promover
uma formação educacional mais abrangente para as crianças negras. Para Clovis Moura, outro estudioso das lutas
contra o racismo no Brasil, ele compreendeu esse movimento “como algo que se realizavam exclusivamente na es-
fera privada, os negros não tinham a dimensão pública da educação, uma vez que, quando a ela se referiam, viam-na
como uma questão da família e não do Estado” (MOURA s/d. apud GONÇALVES E SILVA, 2005 p.192). Percebe-se
que Moura e Pinto apresentam pontos de vista opostos, quanto à forma que era ofertada a educação. É importante
ressaltar que as fontes históricas sobre as quais Moura e Pinto se apoiam para examinar a quem os negros atribuíam
a responsabilidade da educação, foram registros encontrados nos jornais negros da época, foi a imprensa negra do
início do século, pois a historiografia brasileira não registrou esses acontecimentos “sobre o negro”.

(...) e eu penso que é preciso ir mais longe: questionar a documentação histórica sobre as suas lacunas, interrogar-
-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços brancos da história. É necessário fazer o inventário dos arquivos
do silêncio e fazer a história a partir dos documentos e das ausências de documentos. (LE GOLFF, apud ARAÚJO,
2007, p.39).

255
O SISTEMA EDUCACIONAL NO PÓS-ABOLIÇÃO

“A educação contribuiu consideravelmente para fundamentar e para manter a ideia de progresso como proces-
so de marcha ascendente na História; assim, ajudou a sustentar a esperança em alguns indivíduos, em uma sociedade,
em um mundo e em um porvir melhores” (SACRISTÁN 2001, apud MOREIRA e CANDU, 2007 p.44). A geração de
uma nova ordem social mais racional, sob a concepção de que a educação seria um instrumento de inclusão e ascensão
social do negro, despertou às organizações negras da Primeira República como, por exemplo, a Frente Negra Brasi-
leira (FNB). Voltaram a luta e (re)inauguraram, mesmo enfrentando inúmeras dificuldades, escolas e cursos de alfa-
betização centrado num primeiro momento, a prática formal e profissionalizante, como forma de protesto e também
de reação às barreiras raciais impostas ao acesso ao saber escolarizado e ao mercado de trabalho. Em outro momento,
essa educação, organizada, planejada seria usada como instrumento político, contribuindo com iniciativas de mobili-
zação e resistência contra as discriminações raciais que promoviam a interdição da cidadania plena (ARAÚJO, 2007).
A abolição e a República foram atos importantes que disseminaram ideias passíveis de igualdade jurídica entre
brancos e negros, porém não trouxeram renovação às políticas oficiais de educação que atendessem ao contingente
de ex-escravos. Com o passar do tempo, mesmo com a presença restrita pelas dificuldades de acessibilidade do negro
na escola, esta se manteve centrada no projeto que excluía os valores, a história e a identidade negra. O contraponto
se deu pela ação dos movimentos negros, que desde o início do século XX articulavam propostas de educação para a
população negra, situação que ganha força a partir dos anos 1970, e mais tarde com o surgimento da consciência da
vontade do povo em construir caminhos para redemocratização do país. Um repensar sobre realidade social encami-
nha o eixo das discussões e os objetivos do movimento negro marcam as estratégias contra o preconceito racial no
Brasil. Esse processo marcou o pensamento sobre a educação no País, pois um dos pontos focados pela nova geração
de militantes que se formava era a afirmação de uma identidade étnica negra. Para Sansone, professor de antropologia
da Universidade Federal da Bahia e coordenador do Programa Fabrica de Ideias do Centro de Estudo Afro-orientais
da mesma universidade, analisa que

o caso do Brasil demonstra com muita ênfase que a identidade étnica é um constructo social de caráter contingente
e que difere de um contexto para outro. Embora alguns estudiosos como Charles Taylor, afirmem haver uma es-
pécie de necessidades psicológicas natural expressar a diversidade etno-racial mais íntima através de um processo
individual e coletivo de reconhecimento da identidade, essa ideia tem sido criticada por estudiosos como Richard
Handler e Paul Gilroy, que afirmam que “identidade” não é um conceito transcultural. As fronteiras e os marca-
dores étnicos não são imutáveis no tempo e no espaço e, em algumas circunstâncias, a despeito de muitas provas
de discriminação racial, as pessoas preferem mobilizar outras identidades sociais que lhe parecem mais compensa-
doras. Se a identidade étnica não é entendida como essencial, é preciso concebê-la como um processo afetado pela
história e pelas circunstancias contemporânea e tanto pela dinâmica local quanto pela global. A identidade étnica
pode ser considerada como um recurso cujo poder depende do contexto nacional ou regional. Ela é, portanto uma
história sem fim, (SANSONE, 2003, p.12).

Na história do Brasil, sobre a questão étnico-racial encontramos elementos que apontam para a compreensão
de que esta é uma questão que possui como bases a internalização do racismo e a manifestação do preconceito e da
discriminação étnico-racial. Uma discriminação fundamentada na ideologia racista da inferioridade do povo negro e
no desconhecimento da história desse povo, uma vez que a negação e a invisibilização da população negra se torna-
ram constantes na historiografia do país. O projeto perverso de educação para os negros no Brasil e do racismo pre-
sente em suas estruturas, resultou na produção de propostas pedagógicas que contemplassem a identidade e a cultura
negra, com respaldo no direito à igualdade como tarefa fundamental à qualquer projeto democrático. Se a democracia
significa a igualdade – a igualdade no exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, a busca
democrática requer essencialmente o exercício em igualdade de condições, dos direitos humanos elementares à luta
de superação do racismo. Essas propostas conduzem à busca de uma prática pedagógica fundada em bases históricas,
filosóficas, éticas, políticas e culturais, constituindo-se num pensamento negro sobre a educação no Brasil, Santos
(2007).

256
Henriques (2002), e Oliveira et al. (2007) apresentaram pesquisas sobre as desigualdades sociais e educacionais
entre pretos e brancos, os números revelados nessas pesquisa nos levam a reconhecer a política segregacionista que o
Estado pratica e nos possibilitam confirmar a desigualdade de oportunidades entre negros e brancos. No contexto edu-
cacional essa desigualdade se destaca com maior ênfase no ensino superior como mostra dados da pesquisa de Oliveira
et al. (2007, p.279) “dos 3.026.546 de estudantes universitários brasileiros, 78,8% são brancos e 19,2%, são negros”. A
apresentação desses números evidencia que no Brasil, desigualdade racial é sinônima de falta de oportunidades e de
lugares sociais claramente demarcados que atua m como espaços de exclusão, tendo à raça como critério definidor. Essa
é uma dura realidade com marco bem definido em um espaço elitista e branco, como a universidade pública brasileira.

Para o negro que chega até a universidade paira sempre a dúvida sobre a sua “capacidade intelectual” para estar
ali. No fundo seria a mesma atitude de “suspeição” que o ronda em todos os lugares a que tem acesso. Nem a uni-
versidade, um lugar tão mais “politizado” que a maioria dos outros espaços públicos, onde pode ser encontrada a
“academia”, está incólume a este tipo de expectativas em relação aos negros. [...] Em geral espera-se dele a priori,
um desempenho mais fraco, uma bagagem cultural mais deficiente. (TEIXEIRA, 2003, p.154 apud PAULA, 2005,
p.197).

Pesquisadores/as do assunto acreditam nas ações afirmativas como possibilidades de alternativa para acessi-
bilidade ao ensino superior, as ações afirmativas têm ocupado espaço sendo objeto dos mais diversos debates nas
discussões sobre o acesso e a democratização do ensino superior no Brasil. As ações afirmativas definidas como:

um conjunto de ações preferenciais dirigidas a um grupo que tenha sofrido discriminação coletiva, tendo cerceadas
suas possibilidades individuais em decorrência dessa segregação. As ações afirmativas têm caráter não só repara-
tório como também regulador da igualdade social, à medida que reconhecem os desiguais e buscam sua inclusão
social. Cabe-nos, então, uma breve explicação sobre a política de cotas raciais, centrada na reserva de vagas nos
processos seletivos das universidades públicas para estudantes negros e negras, apenas uma entre as possibilidades
de ações afirmativas. Pensar a política de cotas raciais implica entender que não se trata de “colorir” a universidade
brasileira, mas provocar uma reflexão sobre que tipo de sociedade a universidade está acostumada a conceber e
reproduzir (CASTRO, apud OLIVEIRA E TAL. 2007 p.279).

A escola é um meio insubstituível de contribuição para as lutas democráticas, a escola pública tem a respon-
sabilização do poder estatal na perspectiva de tornar significativo o estudo da miscigenação, do mérito acadêmico e
das desigualdade/exclusão social, fatores esses constituintes na explícita recusa ao debate sobre a base da questão: o
racismo brasileiro. Estudos demonstram a necessidade de investimento na formação de professores para uma educa-
ção anti-racista, visto que a desigualdade de renda brasileira tem forte relação associada à desigualdade na distribuição
da educação entre a população adulta brasileira. Não ignorando as melhorias nos níveis médios de escolaridade de
brancos e negros ao longo deste século, o paradoxo “discriminação” de escolaridade dos brancos em relação aos ne-
gros se mantém estável entre as gerações. “No universo dos adultos observamos que filhos, pais e avós de raça negra
vivenciaram, em relação aos seus contemporâneos de raça branca, o mesmo diferencial educacional ao longo de todo
o século XX” (ENRIQUES 2002, p.93).
Na atual conjuntura educacional do Século XXI, enfrentar esse quadro emergente de políticas voltadas para
a questão da inclusão afrodescendente, exige do Estado Brasileiro, nas três esferas federal, estadual e municipal, um
posicionamento para além das tradicionais políticas universalistas, ampliando sua intervenção e implementações das
medidas necessárias que garantirão o acesso e a permanência das crianças e dos jovens negros na escola, em todos os
níveis educacionais e em todo território brasileiro. Portanto, a inclusão dos valores civilizatórios africanos, o estudo
sobre a sua produção simbólica e material tornou-se imprescindíveis para aqueles que desejam refletir de maneira
responsável sobre a realidade educacional em nosso país, articulando a cultura de uma forma mais geral e com a
análise das relações estabelecidas pelos sujeitos socioculturais na escola, na sua vivência, no mundo e no trabalho.
Problematizar a questão racial brasileira é analisar um discurso intrínseco nas relações sociais do passado que ainda
se delineia no presente com resquício do sistema escravista, na materialidade discursiva que omitem a negação da
cultura negra dos enfoques do processo de construção da tão propalada “identidade nacional”.

257
Assim nesse contexto histórico sobre a educação do negro no Brasil a Lei 10.639/2003, que torna obrigatório
o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira em toda as escolas do país, pode ser considerada uma das mais
importantes ações afirmativas em prol da comunidade afro-brasileira no sentido de resgatar, oficialmente, sua imensa
contribuição histórica à constituição dessa nação. As oportunidades educacionais, são contribuições decisivas no avanço
da integração do indivíduo na sociedade, aparece, portanto, como uma variável para transformar significativamente a
situação desigual em que se encontram os indivíduos dessa camada social. O presente trabalho apresenta uma pesquisa
realizada na rede municipal de ensino de Goiânia sobre a efetiva aplicação da lei nas escolas da rede deste município.

BIBLIOGRAFIA

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258
A EDUCAÇÃO PRISIONAL NO BRASIL:
HORIZONTE DE PERSPECTIVAS

Suely Franco de Oliveira1

A educação prisional consiste em um fenômeno sócio-político-educativo distinto, novo e carente de uma pro-
posta pedagógica específica, pois esta modalidade de ensino possui como orientações normativas apenas as diretrizes
gerais da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além disso, o aumento da população carcerária no Brasil duplicou
desde o ano de 2016, passando a ser considerada uma das maiores do mundo. Isso enseja estudos, análises e pesquisas
acadêmicas, de modo a iniciar importantes debates sobre processos educativos nos espaços prisionais.
Apesar do número significativo de estudos e pesquisas sobre a educação prisional no Brasil, esse tema ainda é
pouco discutido no âmbito educacional, sendo poucos os trabalhos científicos que formulam uma proposta pedagó-
gica para a educação nos presídios ou que avaliam as prioridades e o sentido que os reeducandos dão à educação como
forma de reintegração social. A partir dessa constatação surgiu o meu interesse em pesquisar esse assunto que, além
de muito relevante, é interessante e importante para minha prática pedagógica, considerando que venho atuando
como professora no presídio de Palmeiras de Goiás-Goiás, desde 2010.
A educação prisional, no projeto “Educando para a Liberdade”2tem como função educar e ressocializar como
um direito humanitário e fundamental a todos os que são privados de liberdade, pois essa educação tem como papel
principal desenvolver e mobilizar internos aprisionados para que, desta forma, eles possam se conscientizar de que a
Educação é um dos caminhos de recondução e reintegração capaz de torná-los cidadãos com possibilidades de mudar
sua própria história. Entretanto, minha experiência como professora que atua na rede regular de ensino e também no
ambiente prisional, não me permite identificar com veracidade se há este entendimento por parte dos alunos que fre-
quentam regularmente as aulas no presídio. Assim, este trabalho é um resultado parcial da pesquisa que venho reali-
zando com o propósito de responder à seguinte indagação: qual significado e importância que o reeducando prisional
atribui às práticas educativas além da certeza do benefício da remição de pena e quais são as expectativas de aprendi-
zagem escolar desses alunos dentro do sistema penitenciário? Esta indagação tem como premissa o entendimento de
que, identificar e refletir sobre as expectativas do reeducando prisional a respeito da educação escolar é condição para
aprimoramento do projeto pedagógico que vem sendo desenvolvido nesta modalidade de educação escolar.

A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PRISIONAL NO BRASIL

No entendimento de que a educação prisional consiste em um fenômeno sócio-político-histórico, educativo e


distinto, este artigo pretende, a partir da trajetória histórica desta modalidade de educação, demonstrar que os ree-
ducandos prisionais são sujeitos críticos e participativos e que a educação escolar é um processo capaz de contribuir
significativamente para reintegração social desses sujeitos.
De uma perspectiva histórica, antes da existência de uma lei específica para a educação dentro das prisões, havia
apenas os Quackers, grupo religioso que organizaram as primeiras penitenciárias nos Estados Unidos, final do século
XVIII, tinham como meta alfabetizar os internos para que pudessem ler a bíblia e, portanto, participar dos cultos re-
ligiosos, obrigatórios naquelas instituições penais. A religião, a leitura da bíblia e a participação nos cultos religiosos
eram obrigatórias nas penitenciárias americanas.

1 Professora - Secretaria Estadual de Educação - Goiás. Mestranda -PPGE/PUC Goiás.


2 Educando para a Liberdade: trajetória, debates e proposições de um projeto para a educação nas prisões brasileiras. – Brasília: UNESCO,
Governo japonês, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, 2006.

259
A inserção da educação no sistema prisional surge na França e na América do Norte, previam em suas pro-
postas administrativas a disposição de instrutor/professor aos internos das maiores penitenciárias do país. Esse mo-
mento de instauração da educação dentro do sistema prisional foi reflexo do final da Segunda Guerra Mundial, com
o advento do ideário liberal e da proposição de novos aportes teóricos para a educação (SARAIVA; LOPES, 2011).
No sistema penitenciário a educação é iniciada a partir da década de 1950. Até o princípio do Século XIX, a
prisão era utilizada unicamente como um local de contenção de pessoas – uma detenção. Não havia proposta de re-
qualificar os presos. Esta proposta veio a surgir somente quando se desenvolveu dentro das prisões os programas de
tratamento. Assim, somente nos meados dos anos 50, constatou-se o insucesso deste sistema prisional, o que moti-
vou a busca de novos rumos, ocasionando na inserção da educação escolar nas prisões. Foucault (1987, p. 224) diz:
“A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da
sociedade e uma obrigação para com o detento, ela é a grande força de pensar”.
Desses pensamentos, resultou, no Brasil, uma nova concepção do tratamento penitenciário destinado ao preso.
Então, em solo brasileiro, no século XX, em meados de 1950, foram editadas as Normas Gerais do Regime Peni-
tenciário (Lei nº 3274/57), aceito como aquele que inaugurou a concepção de educação integral para a população
carcerária (VASQUEZ, 2008).
Essas Normas Gerais do Regime Penitenciário foram sancionadas por Juscelino Kubitschek, e apresentavam
termos como “educação moral”, “educação intelectual”, “educação física”, “educação artística” e “educação profissio-
nal” (VASQUEZ, 2008, p. 70). O objetivo seria o de incorporar no cotidiano do cárcere uma educação completa, sem
restrições, o que não foi bem consolidado, por falta de uma organização política e pedagógica adequada e conectada
com a realidade nacional dos presídios brasileiros. Em consonância com as leis anteriores, foi editada a LEI Nº 7.210,
DE 11 DE JULHO DE 1984.
Lei de Execução Penal, SEÇÃO V, Da Assistência Educacional, que trata do direito do reeducando (condenado
e internado) nas penitenciárias brasileiras e da sua reintegração à sociedade. Décadas depois, entra em vigor, na data
de sua publicação a LEI Nº 12.433, DE 29 DE JUNHO DE 2011.
Remição da pena por estudo que altera o art. 126 da LEP, para incluir a normatização da remição pelo estu-
do, determinando que a cada 12 horas estudadas o reeducando terá direito a um (1) dia de remição na pena
a ser cumprida. Em abril de 2013, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de sua Corregedoria-Geral
de Justiça, anunciou ser possível conceder aos presos a remição de pena pela leitura. A remição da pena pela leitura
consiste em conceder ao apenado a redução de quatro dias de sua pena total, caso ele pratique a leitura de obra clás-
sica, literária ou filosófica no período de trinta dias. A leitura deve ser monitorada por profissionais da educação, e
ao final do período de leitura, o apenado deverá confeccionar uma resenha ou um relatório. E, caso alcance a média
imposta para aprovação, fará jus à remição de quatro dias de sua pena.
Esta é a Lei em vigor no Brasil hoje e, a partir desta legislação, a educação prisional brasileira se configura como
um sistema de ensino vinculado ao ensino regular e subordinada às mesmas regras daquela modalidade de ensino (EJA).

EDUCAÇÃO PRISIONAL NO BRASIL HOJE

A educação prisional integra a modalidade de ensino intitulada Educação de Jovens e Adultos (EJA). A Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394 de 1996, define, em seu artigo 37, essa modalidade como aquela
destinada “a pessoas que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”.
A estrutura física das salas de aula para atendimento dos alunos da educação prisional, normalmente é impro-
visada, sendo uma cela transformada em sala de aula, e foi como aconteceu no presídio de Palmeiras de Goiás durante
mais de 05 anos. Atualmente, a sala utilizada para ministrar as aulas, foi construída por intermédio e iniciativa do
diretor do presídio e professora, com recursos doados pelas igrejas, comunidade e ministério público e a mão de obra
foi realizada pelos próprios presidiários e reeducandos.
O Estado e os Municípios não têm destinado recurso financeiro específico para esta modalidade de educação,
daí a importância do engajamento de todos os envolvidos no processo da educação prisional e da comunidade na

260
adequação e construção desse espaço físico, tornando-o apropriado para a realização das atividades pedagógicas de
sala de aula e para a segurança de todos os trabalhadores do ambiente prisional.
A seleção dos alunos que frequentam a educação prisional é feita mediante os seguintes critérios: no início de
cada semestre, os interessados em iniciar os estudos listam seus nomes e entregam ao diretor do presídio que analisa
a solicitação, geralmente, são autorizados a participar das aulas, presos que já foram julgados e condenados, com bom
comportamento e que assumam compromisso com a assiduidade.
A organização pedagógica das salas de aula segue o regime multiseriado, ou seja, a mesma professora ensina
para as quatro séries inicias da educação básica, simultaneamente, em um mesmo espaço físico e no mesmo horário.
Os conteúdos do ensino e o sistema de avaliação seguem os mesmos critérios do ensino regular, com aplicação de
provas semestrais e ao final do aluno letivo o aluno é aprovado para série subsequente ou retido para a repetição da
série em que se encontra.
Este procedimento torna-se bastante comprometido, em razão das condições de trabalho pedagógico que são
oferecidas aos professores e aos alunos, como adverte Rangel:

No que diz respeito à metodologia, os exames padronizados, tão comuns nas prisões da América Latina, deixam
muito pouco espaço para os professores e para os administradores de prisões, a fim de que possam ensinar aos
presos, a partir de sua realidade e de suas características (isto pode explicar que os mestres se sintam mais ligados
aos presos do que às autoridades das prisões). É preciso, então, desenvolver, de maneira coordenada, os conteúdos
e, sobretudo, os métodos que se adaptem aos presos. Isso torna necessário que se formule uma pedagogia original,
ao mesmo tempo prática e com bases sólidas. A educação não-formal é particularmente importante nesse sentido,
uma vez que, em virtude de sua flexibilidade, oferece maiores opções aos presos (Hugo Rangel , p. 68-69).

Há, portanto, uma carência de apoio financeiro, administrativo e pedagógico para que a educação prisional no
Brasil seja um espaço de ressignificação da condição de carceragem no país, o que demanda políticas públicas voltadas
para esta modalidade de educação.

EDUCAÇÃO PRISIONAL: HORIZONTES DE EXPECTATIVAS

Não se pode dicotomizar a ideia de educação prisional e educação regular, a educação, tanto na prisão como
fora dela, é um conjunto de decisões diferentes, dirigidas a públicos diferentes, portanto, ambas devem se pautar em
uma educação que visa a formação integral do cidadão na construção do homem crítico e autônomo. Para desenvol-
ver um processo de ensino e aprendizagem com os presos, não é possível trabalhar em isolamento. É necessário abrir
horizontes com os presos e com a comunidade, objetivando, que os presos possam, dessa forma, superar sua condição
na vida carcerária e não habituá-los a ela.
O sistema educacional prisional deve contemplar as diferenças sociais existentes nesse ambiente hostil e adotar
uma postura comprometida com os valores de justiça e igualdade, tendo sempre em mente, a história econômica,
social e cultural do reeducando. Sendo estes aspectos fundamentais na educação prisional, devem estar embasados na
participação dos reeducandos, na sua formação humanística, na transformação da sociedade e na contextualização do
processo ensino-aprendizagem.

É uma dimensão essencial da educação na prisão: é desejável que as histórias pessoais possam ser contadas, com-
preendidas, analisadas e reapropriadas. Inútil dizer que o contexto de confiança e de confidencialidade deve ser
preservado e que não se pode confundir o dossiê penal com o dossiê pedagógico. Dizer, compreender e expressá-lo
é possível na prisão sem entrar na psicanálise ou com vistas a um tratamento terapêutico. Educar será reunir os
pedaços. A reunião dos pedaços será feita pela educação não-formal: a teatralização, experimentar emoções pelo
desenho, pela poesia, escrita, entre outras formas, mas, também, trabalhar com as atitudes. Reunir os pedaços é,
às vezes, encontrar a motivação de aprender a ler e a escrever, desde que não se reduza a alfabetização a um ato
técnico. Aprender a ler e a escrever sua relação no mundo. Aprender a ler e a escrever é o encontro do sujeito e da
letra. (MEYER, 2006, p.52).

261
Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido, afirma que: “A luta por esta reconstrução começa no autorreco-
nhecimento de homens destruídos, daí a importância da autorreflexão, do diálogo e da conscientização de que, nos
vários momentos de sua libertação os oprimidos, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica
e histórica do ser mais” (FREIRE, 2011, p. 72.
A educação prisional, no projeto “Educando para a Liberdade”, tem como função educar e ressocializar como
um direito humanitário e fundamental a todos os que são privados de liberdade, pois essa educação tem como papel
principal desenvolver e mobilizar internos aprisionados para que, desta forma, eles possam se conscientizar de que a
Educação é um dos caminhos de recondução e reintegração capaz de torná-los cidadãos com possibilidades de mudar
sua própria história.

Nesse sentido, a proposta traduz uma preocupação com a garantia de qualidade na oferta, preconizando um siste-
ma orientado a promover, estimular e reconhecer os avanços e progressões dos educandos, o que contribui para a
restauração de sua auto-estima na perspectiva da reintegração harmônica à vida em sociedade (Projeto Educando
para a liberdade, 2006, p. 26).

Assim, a educação precisa ser entendida como um direito constitucional de todo cidadão, não podendo haver
distinção, escolhas e muito menos exclusão de quem poderá receber e de que forma irá receber a educação no ambiente
prisional. É no ambiente prisional, por intermédio dos momentos educacionais, que a educação se torna indispensável,
pois somente através dela é que o sujeito se apropria do conhecimento, busca caminhos desconhecidos, vislumbra uma
nova compreensão, a compreensão da necessidade de reconstruir o mundo a sua volta, reconstruir a sua história com
novas atitudes, aprendizagens e valores que não estão presentes no universo carcerário, e dessa forma, reconquistar
novamente seu bem mais valioso: “A Liberdade.” Porem, uma liberdade transformada e com significados.
Marc De Maeyer afirma que:

A educação é um direito de todos (portanto, dos presos); não é um privilégio nem um serviço pago. Nós, edu-
cadores, dizemos que os momentos de aprendizagem na prisão podem, às vezes, constituir uma segunda chance
para pessoas que não tiveram uma primeira oportunidade. Precisamos encontrar pistas para que os presos possam
experimentar na prisão momentos de aprendizagem, de experiências bem-sucedidas, de encontros que não sejam
relações de força, momentos de reconstrução da própria história, espaços para expressar emoção e realizar proje-
tos. Chamemos a isso: educação na prisão (MAEYER, 2006, p. 47).

A educação é um projeto de longo prazo. É também um exercício permanente e uma exigência de coerência
entre todos os envolvidos no processo. Portanto, a educação prisional não deve jamais ser instrumentalizada ou com
vistas apenas à ressocialização, deve partir do princípio de que as necessidades do reeducando sejam prioridades
nesse processo. Deve-se considerar que o reeducando prisional possui um conhecimento prévio, uma história de
vida antes da sua chegada no ambiente de reclusão
Para Hugo Rangel, a educação em prisões deve estar voltada para fortalecer as práticas e as instituições demo-
cráticas, e contribuir para a formação cidadã.

Sem dúvida, para construir essa sociedade democrática, a educação é indispensável. Lamentavelmente, porém, isso
é conhecido e mencionado nos discursos, mas pouco cumprido na prática. A educação, e não o mercado, constrói a
democracia. Porque a educação, por si mesma, é cívica, conforme entendeu Paulo Freire. Porque ela contribui para
criar igualdade de oportunidades, isto é, fazer uma sociedade mais justa. (Hugo Rangel, 2006, p.66)

Neste sentido é possível estabelecer uma aproximação com a concepção pedagógica de Paulo Freire em sua
proposição para o “ensino como um exigir cidadão”. Freire defende uma postura crítica do professor para que este
propicie ao educando a “leitura de mundo”, sendo esta atitude importante para desenvolver concretamente o proces-
so ensino-aprendizagem, numa relação dialética professor-aluno(aprendiz).

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes
com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática

262
comunitária [...]. Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos [...] Por que não discutir com os alunos a
realidade concreta a que se deve associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência
é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? (FREIRE, 2011, p.32).

Diante disso, Freire (2011b, p. 52) é categórico ao dizer que a educação para liberdade compreende o “homem-su-
jeito” e não o “homem-objeto”. Nesse aspecto, o autor coloca que o homem é um “ser de relações” e que ele (homem) não
está apenas no mundo, mas “com o mundo”. Assim entendendo, o ensino torna-se instrumento para a cidadania, uma
exigência para o sujeito exercer a sua cidadania de modo a colocar-se como sujeito no mundo e com o mundo.
Com essa perspectiva é possível afirmar que os reeducandos prisionais, embora situados num contexto de
adversidades, cuja posição social é a de reclusão definida por uma sanção estatal (cumprimento de pena), continuam
sendo sujeitos inseridos no mundo e com capacidade intelectual para interpretar este mundo. Assim, “realizar pes-
quisas sobre a relação com o saber é compreender como o sujeito aprende o mundo e, com isso, como se constrói e
transforma a si próprio. Noutras palavras, “o homem, qualquer que seja o seu estado, é um ser aberto à aprendizagem”
(FREIRE, 2011b, p. 82).
Ainda nessa perspectiva, cabe ao professor disponibilizar aos reeducandos conteúdos ancorados tanto na sua
formação intelectual, técnica e teórica, quanto na sua formação humanística e social, e nesse papel de articulador e
mediador do conhecimento o professor possa apontar caminhos e direções que levem os reeducandos ao resgate da
identidade perdida, possibilitando um retorno digno à sociedade.

O que devemos fazer é valorizar os conhecimentos, identificar as aprendizagens que levam ao fracasso em um
determinado momento e propor-nos a construir juntos uma visão mais positiva da educação ao longo da vida,
qualquer que seja a vida. É falso acreditar que começa um aprendizado na prisão; continua-se! A educação na pri-
são é a reconciliação como ato de aprender. A educação na prisão talvez também seja a reconciliação com o prazer
de aprender (MAEYER, 2006, p. 57).

A educação na prisão, portanto, não pode ser a educação “de prisioneiros ou para prisioneiros”, deve ser uma
educação coordenada e integrada com as mesmas finalidades estabelecidas na rede de ensino regular, uma educação
que deverá ampliar a visão de mundo dos reeducandos com aprendizados inovadores, pertinentes, dinâmicos e sig-
nificativos. Uma educação em que o educador tenha uma visão otimista do futuro com experiências positivas de
aprendizados para que os reeducandos encontrem o desejo de aprender. Portanto, a educação nas prisões não pode
ter finalidades distintas, sua finalidade deve ser única e exclusivamente no sentido de formação do sujeito de forma
crítica, autônoma, criativa, uma educação cidadã que considere o reeducando na sua totalidade.

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Educando para a Liberdade: trajetória, debates e proposições de um projeto para a educação nas prisões brasileiras. – Brasília:
UNESCO, Governo japonês, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, 2006

263
A EDUCAÇÃO RURAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NA BASE
DE DADOS DA CAPES (2010-2017)

Claudiani Rodelini - Doutoranda em Educação – UFGD


Alessandra Cristina Furtado - Professora Associada 2 – UFGD

O presente trabalho se insere nas discussões sobre a história da educação rural no Brasil. Para tanto, busca-se
realizar um balanço da produção sobre a educação rural em uma perspectiva histórica, em dissertações e teses a partir
do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no período de 2010 a 2017,
identificando em quais regiões estão situados os programas que esses trabalhos foram desenvolvidos e analisando os
temas, os objetos privilegiados, entre outros aspectos. Nas últimas décadas, pesquisas sobre o “estado do conhecimen-
to” em história da educação brasileira tem se intensificado diante da necessidade sentida pelos historiadores da edu-
cação de uma análise crítica sobre a produção na área. Esses estudos são necessários pois conduzem à compreensão
do estado atingido pelo conhecimento na área por um determinado objeto de pesquisa. Para dar conta dos objetivos
propostos, a metodologia empregada para desenvolvimento desse trabalho envolveu a identificação e a análise dos
resumos apresentados nas dissertações e teses levantadas referentes à educação rural em uma perspectiva histórica e
que foram defendidas no período de 2010 a 2017. Resultados apontaram que das 5406 teses levantadas no site cata-
logodeteses.capes.gov.br com o descritor: educação rural, área de concentração educação e área de avaliação educação,
26 teses apresentam perspectiva histórica, e das 18.278 dissertações, 48 apresentaram a perspectiva histórica. A partir
disso, foi possível constatar que em 2011 houve um acréscimo na produção sobre a educação rural em uma perspec-
tiva histórica, com 04 teses, e oscilações nas produções nos anos de 2012, 2014, 2015, e uma tímida retomada das
pesquisas em 2016. Contudo, percebe-se que a maior produção acerca dessa temática ocorre em Programas de Pós-
-Graduação situados na Região Sudeste do Brasil. Certamente, isso se explica pelo fato de nessa região estar situado
o maior número de Programas de Pós-Graduação no Brasil. Além disso, foi possível verificar que há uma variedade
de temáticas e objetos de estudos voltados à educação rural em uma perspectiva histórica privilegiados nas teses e
dissertações, temas e objetos esses em sua maioria direcionados à história das instituições escolares e à história da
formação de professores, com pesquisas sobre escolas rurais, grupos escolares rurais, história de vida de professores,
história de cursos de formação de professores, entre outros. Conclui-se assim que as pesquisas em educação rural em
uma perspectiva histórica na produção historiográfica educacional brasileira encontram-se em um campo de estudo
em crescimento na História da Educação nos últimos anos e aberto a novas pesquisas. Apesar de já ter ocorrido um
certo crescimento na produção científica da área, ainda há outros temas e objetos a serem investigados.
Palavras-chave: Educação Rural. Estado do Conhecimento. Plataforma. Capes.

INTRODUÇÃO

É relativamente recente o interesse dos historiadores da educação brasileira pela história do ensino primário
rural. O tema Escola Primária Rural foi inicialmente desenvolvido dentro dos estudos sobre reformas educacionais
e sobre a história da profissão docente, tendo em vista o processo de constituição do campo na História da Educação
no país. Isso se deu com a influência da Nova História Cultural, novos objetos, novas fontes, diferentes procedimen-
tos de pesquisa e capacidade de um novo olhar sobre os fenômenos educativos. Assim, os estudos voltados à história
das instituições escolares, dos seus sujeitos e de suas práticas escolares que fazem parte da cultura escolar ganharam
espaço nos estudos em História da Educação.

264
O presente artigo é resultado de um mapeamento a respeito da produção do conhecimento sobre a educação
rural em perspectiva histórica realizado através da base de dados da CAPES, no período de 2010 a 2017. Ao realizar-
mos esta revisão de literatura, visamos identificar aspectos relevantes sobre as análises já produzidas sobre o referido
tema, buscando identificar as abordagens temáticas e metodológicas, assim como os temas escolhidos pelos pesquisa-
dores, bem como as urgências e silenciamentos existentes.
De acordo com Soares (1999, p. 4), as pesquisas de caráter bibliográfico com o objetivo de inventariar e siste-
matizar a produção em determinadas áreas do conhecimento (chamadas muitas vezes de pesquisas do estado da arte1),
são recentes no Brasil e, sem dúvida, são de grande importância, pois essas pesquisas podem conduzir à plena com-
preensão do estado atingido pelo conhecimento a respeito de determinado tema, sua amplitude, tendências teóricas,
vertentes e metodologias. A autora ainda salienta que esses estudos são necessários no processo de evolução da ciên-
cia a fim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados obtidos sobre determinado área.
Para Romanowski (2006), estados da arte podem significar uma contribuição importante na constituição do
campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da
teoria e prática pedagógicas, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, suas lacunas e dissemi-
nações, além de identificar novas experiências que podem contribuir para outras pesquisas.
Esta pesquisa objetivou o estudo dos resumos para análise dos dados, e desta forma não denominamos de estado
da arte pois, segundo Romanowski e Ens (2006, p.39) “(...) o estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o
tema estudado vem sendo denominado de estado do conhecimento¨. A finalidade desta pesquisa foi conhecer o que já foi
produzido sobre a educação rural em perspectiva histórica nas dissertações e teses da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), analisando os resumos destes trabalhos entre os anos de 2010 a 2017.

A PRODUÇÃO DA PESQUISA NO BANCO DE TESES DA CAPES (2010-2017)

A Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual Capes) foi criada em 11 de julho
de 1951 pelo Decreto nº 29.741, com o objetivo de “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e
qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvol-
vimento do país”. (CAPES, 2018)
A Lei nº 8.405, de 09 de janeiro de 1992, autoriza o poder público a instituir a Capes como Fundação Pública,
o que confere novo vigor à instituição. Com a nova mudança de governo, em 1995, a Capes passa por uma reestrutu-
ração, fortalecida como instituição responsável pelo acompanhamento e avaliação dos cursos de pós-graduação stricto
sensu brasileiros.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educa-
ção (MEC), desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e
doutorado) em todos os estados da Federação. A Capes tem diversas atividades que podem ser agrupadas nas seguin-
tes linhas de ação: avaliação da pós-graduação stricto sensu; acesso e divulgação da produção científica; investimentos
na formação de recursos de alto nível no país e exterior; promoção da cooperação científica internacional, indução e
fomento da formação inicial e continuada de professores para a educação básica nos formatos presencial e à distância.
O sistema de avaliação da Capes é continuamente aperfeiçoado e serve de instrumento para a comunidade uni-
versitária na busca de um padrão de excelência acadêmica para os mestrados e doutorados nacionais. Os resultados da
avaliação servem de base para a formulação de políticas para a área de pós-graduação, bem como para o dimensiona-
mento das ações de fomento (bolsas de estudo, auxílios, apoios).
Passados 57 anos desde a criação da Capes, o Congresso Nacional aprovou a Lei no 11.502/2007, homologada
pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia do aniversário da Coordenação, 11 de julho. Com essa, cria-se
assim a Nova Capes, que além de coordenar o alto padrão do Sistema Nacional de Pós-Graduação brasileiro também
passa a induzir e fomentar a formação inicial e continuada de professores para a educação básica.
1 O termo estado da arte resulta de uma tradução literal do inglês, e tem por finalidade realizar levantamentos do que se conhece sobre um
determinado assunto a partir de pesquisas realizadas em uma determinada área.

265
A presente pesquisa necessitou definir seus próprios procedimentos, passando por algumas etapas. i) Defi-
nição do descritor: educação rural, área de concentração: educação e área de avaliação: educação; ii) levantamento
dos resumos junto à CAPES: foi acessado o site catalogodeteses.capes.gov.br, buscando pelo tema, depois temos a
opção refinar, tipo, teses e dissertações e assim, após a escolha da tese ou dissertação acessar detalhes (resumo). Abaixo
do resumo existem outras informações como: volume, números de páginas, idioma, biblioteca depositada, anexo à
tese ou dissertação em pdf. Outras informações ainda estão presentes na página como: área de concentração, linha de
pesquisa, projeto de pesquisa, banca examinadora, orientador, banca, participante externo e financiador (se houver).
A pesquisa foi estruturada a partir da coleta de dados e organizada por ano. Assim, após a coleta de dados
criou-se uma tabela no programa Excel com as seguintes categorias: título do trabalho (seja dissertação ou tese) autor
e instituição. Posteriormente as teses foram analisadas, e optou-se por analisar somente as teses com o tema educação
rural na perspectiva histórica. Esta opção se justifica pelo grande número de trabalhos encontrados (teses e disserta-
ções). Sobre as dissertações no geral, foram 18278 dissertações analisadas, sendo 48 das produções na perspectiva
histórica. Com relação às teses, foram analisadas 5.406, sendo 26 produções com perspectiva histórica. A escolha por
analisar somente as teses também se deve ao fato de este artigo – como já dissemos anteriormente – ter se desenvol-
vido durante o processo de formação, no doutorado, na disciplina Metodologias da Pesquisa em Educação.
O número de dissertações de mestrado localizadas no Banco de Teses da Capes, com base no descritor Educação
rural, área de concentração Educação e área de avaliação Educação se manteve maior que o quantitativo das teses de
doutorado. Outro dado importante pode ser observado, a seguir, no aumento do número de teses sobre a educação
rural na perspectiva histórica ao longo do tempo:

Quadro 01 - Número de teses e dissertações sobre educação rural em perspectiva histórica (2010 - 2017)

Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Total
Dissertações 2461 2667 2655 2694 2690 1640 1714 1757 18278
Mestrado
Perspectiva histórica 04 07 05 07 10 04 05 10 48
Teses 718 751 757 449 603 621 722 785 5406
Doutorado
Perspectiva histórica - 04 02 03 01 01 03 11 26

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

A tabela acima apresenta o panorama da produção geral e a produção com perspectiva histórica sobre a educa-
ção rural, no período de 2010 a 2016. Nela, verifica-se o aumento do número de dissertações na perspectiva histórica
em 2014, quando foram localizados 10 trabalhos na perspectiva histórica, e uma diminuição no conjunto de disser-
tações entre os anos de 2015 e 2016. Com relação às teses de doutorado, houve um acréscimo na produção geral em
2011, com 04 teses abordando a perspectiva histórica e oscilações na produção com perspectiva histórica, nos anos de
2012, 2014, 2015 e uma tímida retomada dos estudos em 2016. A seguir, vejamos:

Quadro 02- Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2010)

Titulo Autor Instituição


Estado Novo e educação rural no maranhão: O Projeto de "Ruralização" das Rita de Cássia Gomes
UFMA
escolas municipais em São Luiz Nascimento
Memórias de professores rurais: um tempo um vento, sentidos e significados de Cinara Dalla Costa
UFSM
vivências Velásquez
Da escola Isolada ao Grupo Escolar: O processo de escolarização primária em
Vitorina Candida Corrêa UEM
Sarandi - PR (1953 - 1981)
Aqui é o meu lugar! Um estudo sobre a permanência de professoras na docência Rosane Oliveira Vieira
PUC- MG
em escolas rurais Raposo

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018

266
Em 2010, das 2.461 dissertações de mestrado, apenas 04 (quatro) estão voltadas ao tema da educação rural na
perspectiva histórica. Os demais trabalhos transitam em diferentes áreas do conhecimento, tais como políticas pú-
blicas, educação especial, práticas pedagógicas, gênero, educação à distância, formação de professores, entre outros.
Dentre as 718 teses de doutorado, por sua vez, não foi possível localizar nenhum estudo sobre o tema da educação
rural a partir de uma abordagem histórica. Segue o quadro abaixo:

Quadro 03 - Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2011)

Titulo Autor Instituição


A constituição da rede escolar e a prática das professoras Maria do Perpétuo Socorro
UFPI
primárias na zona rural do Piauí nos anos de 1940 a 1970 Castelo Branco Santana
A escola pública primária em Chapecó: nacionalização e
Tatiane Modesti UFSC
modernização entre o rural e o urbano (1930 - 1945)
História de outrora contadas agora: formas identitárias
Daniela Cezar Cruz UFSM
profissionais e sociais de uma professora rural
Escolas Municipais de Missão Velha - CE: práticas pedagógicas Célia de Jesus Silva
UFPB
do Ensino no meio Rural (1963 - 1989) Magalhães
Que sejam as mães da pátria: histórias e memórias do Curso
Marcela Loivos Considera UERJ
Normal Rural de Cantagalo
Educação rural no município de Araucária/RS: de escolas
Jaqueline Kugler Tibucheski UTP
isoladas a escolas consolidadas
Trajetórias de professores de classes multisseriadas: memórias
José Edimar de Souza UNISINOS
do ensino rural em Novo Hamburgo/RS (1940 a 2009)

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018

Em 2011, de 2667 dissertações, o número de dissertações com abordagem histórica obteve um aumento em
relação ao ano anterior, passando de 04 para 07. Os demais estudos se concentram, de maneira geral, em temas como
pedagogia da alternância, grupo escolar, práticas de leitura, educação especial, gênero, diversidade cultural, formação
de professores de matemática, cultura afro, educação de jovens e adultos, educação infantil, alfabetização, letramento,
entre outros.

Quadro 04 Teses - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2011)

Titulo Autor Instituição


Gilvanice Barbosa da Silva
A emergência da escola rural em Minas Gerais 1892 -1899 UFMG
Musial
A escola primária em Mato Grosso no período Republicano Ademilson Batista Paes UNESP
A educação Rural a organização social no Campo: ou Construindo
o dialogo em meio ao rural nos textos e nas práticas pedagógicas Elizabeth Dias Munaier Lages UFMG
desenvolvidas por Helena Antipoff e Paulo Freire
Formação de professores (as) ruralistas em juazeiro do Norte (CE)
Pedro Ferreira Barros UFC
(1934-1973) um projeto emancipatorio.

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Com relação às teses de doutorado, de um total de 751, foram localizados 04 (quatro) trabalhos com perspectiva
história. O primeiro, A emergência da escola rural em Minas Gerais: 1892-1899, de Gilvanice Barbosa da Silva Musial, de-
senvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais, no período de 1892 a 1899. A delimitação temporal tem como
o marco a Lei n° 41, de 13 de agosto de 1892, quando surge na legislação educacional do estado de Minas Gerais, a
denominação escola rural.

267
O segundo, A escola primária rural em Mato Grosso no período republicano (1889-1942), de Ademilson Batista Paes,
foi defendida na Universidade Estadual Paulista –UNESP. Campus de Araraquara. O trabalho encontra-se no campo
da história da educação brasileira, particularmente o da escola primária rural em terras mato-grossenses, no período
republicano (1889-1942). Na análise, foi considerado o cenário regional da instrução pública desse período, com ên-
fase nas reformas educacionais, nos métodos de ensino, na materialidade escolar e na estatística escolar, entre outros
elementos.
O terceiro trabalho, A educação rural a organização social no campo: ou construindo o diálogo em meio rural nos textos
e nas práticas pedagógicas desenvolvidas por Helena Antipoff e Paulo Freire, de Elizabeth Dias Munaier Lages, foi realizada
no programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
O quarto trabalho, Formação de professores (as) ruralista em juazeiro do Norte (CE) (1934-1973): um projeto eman-
cipatório, de Pedro Ferreira Barros, foi apresentado na Universidade Federal do Ceará - UFC. A questão principal
deste trabalho foi conhecer como a formação recebida da Escola Normal Rural de Juazeiro - ENRJ contribui para a
conquista de espaços de emancipação por ex-alunas nas suas trajetórias de vida, para em seguida identificar práticas
educativas e culturais usadas que auxiliem na compreensão do processo de educação das gerações presentes, contri-
buindo para a elaboração de políticas públicas. A delimitação temporal compreende os anos de 1934 a 1973, período
em que foi executado o projeto de formação de professores rurais.
A seguir, levantamento de dissertações em produção especifica do ano de 2012:

Quadro 05 - Dissertações – Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2012)

Titulo Autor Instituição


Escola Rural: trilhar caminhos e transpor barreiras na educação (1927-
Marineide de Oliveira Silva UFMT
1945)
Narrativa autobiográfica da constituição profissional docente: as marcas
Adriana Antunes Perin UPF
de uma escola rural
Escolas municipais rurais de Patos de Minas - MG (1941-1998): da
Humberto Correa Santos UNIEBE
expansão à nucleação
História da formação para professores leigos rurais: o curso de Ana Paula Fernandes da Silva
UFGD
magistério rural em Dourados, na década de 1970 Piacentine
Mitos e ritos da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte Sarah Bezerra Luna Varela UECE

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Em 2012, entre as 2.655 dissertações de mestrado, apenas 05 (cinco) tratam da educação rural em uma pers-
pectiva histórica. Em geral, são estudos de caráter local sobre a história de escolas rurais e/ou formação e memória
de professores leigos rurais.

Quadro 06 - Teses – Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2012)

Titulo Autor Instituição


Escola de Economia Rural doméstica: Ensino secundário
Nilce Vieira Campos Ferreira UFU
profissionalizante no triângulo mineiro (1953 - 1997)
Ruralismo pedagógico e escola novismo em Goiás na primeira metade do Jaqueline Veloso Portela
UFSCAR
século XX: O oitavo Congresso Brasileiro de Educação Araújo

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Das 757 teses, apenas duas abordam a educação rural a partir de uma perspectiva histórica. A primeira, Escola
de Economia Rural Doméstica: ensino secundário profissionalizante no Triângulo Mineiro (1953-1997), de autoria de Nilce
Vieira Campos Ferreira, tem origem no Programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Uber-

268
lândia. Nessa investigação, de caráter histórico-documental e com base em depoimentos, a autora busca reconstituir
o percurso e a trajetória do Centro de Treinamento em Economia Rural Doméstica em Uberaba, no Triângulo Mi-
neiro, fundado por Padre Agostinho Zago, em 1953.
O segundo trabalho, de Jaqueline Veloso Portela de Araújo, Ruralismo pedagógico e escolanovismo em Goiás na
primeira metade do século XX: O Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, foi realizada no Programa de pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos. Trata-se de uma pesquisa documental que investigou a história da
educação rural em Goiás, tomando como principal fonte de análise os anais do Oitavo Congresso Brasileiro de Edu-
cação. O trabalho busca compreender como os discursos do ruralismo e do escolanovismo subsidiaram a formação
de um homem adaptado ao desenvolvimento da nação brasileira nos anos 1930-1945, destacando a centralidade do
trabalho com a terra no processo educativo.
Abaixo, apresentamos o levantamento de dissertações em produção sobre educação rural em perspectiva his-
tórica do ano de 2013:

Quadro 07 – Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2013)

Titulo Autor Instituição


Progredir sempre os jovens rurais mineiros nos clubes 4-S: Saber, Sentir,
Leonardo Ribeiro Gomes UFMG
Saúde, Servir. (1952 -1974)
De aluno a professor: a formação docente de egressos da Escola Normal Martha Maria Macedo
UECE
de Juazeiro do Norte – CE Bezerra
Vilas, lugares e cidades: a historia da educação rural do Pará na Primeira Barbara Danielle Damasceno
UFPA
Republica (1989 a 1897) Moraes
Modernizar o arcaico: Discursos sobre a formação de professores para Elaine Aparecida Teixeira
UFSC
meio rural ( Santa Catarina 1942-1959) Pereira
Histórias de vida de professores normalistas nas escolas isoladas da
Rubia Mara de Sousa Lapa
microrregião de Jacobina: Memória, Formação e Identidade Docente UNEB
Cunha
1940-1950)
As escolas elementares rurais no Céara: paisagens e protagonizo na Raimundo Gomes Ribeira
UFC
Fazenda Almas - Cariré (1940-1950) Junior
O grupo escolar Dr. Jorge Tibiriçá: das escolas isoladas á escola idolatrada Daniel Amaro Cirino de
USF
(1890-1910) Medeiros

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Em 2013, entre as 2694 dissertações, foram localizados 07 (sete) trabalhos de cunho histórico. Os demais es-
tudos se concentram em diferentes áreas do conhecimento, com destaque para políticas educacionais, pedagogia da
alternância, educação de jovens e adultos, educação indígena, educação quilombola e gênero, para citar alguns.

Quadro 08 - Teses - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2013)

Titulo Autor Instituição


Organização do ensino rural em Minas Gerais: Suas muitas faces em
Josemir Almeida Barros UFU
fins do XIX e inicio do XX (1899-1911)
As pequenas comunidade rurais e o oficio de ensinar de professor
Fabio garcez carvalho UFRJ
leigo a funcionário municipal ( 1940-2000)
História do ensino Primário rural em São Paulo e Santa Catarina ( Vérginia Pereira da silva
UNESP
1921-1951) Avila

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

269
Com relação às teses de doutorado, no ano de 2013 de um total de 449, apenas 03 (três) estão relacionadas à
temática da educação rural. O primeiro, Organização do ensino rural em Minas Gerais: suas muitas laces em fins do XIX
e inicio do XX (1899-1911), de Josemir Almeida Barros, desenvolvido na Universidade Federal de Uberlândia, buscou
identificar e analisar representações vinculadas aos processos de organização da instrução pública primária em áreas
rurais de Minas Gerais, no período de 1899 a 1911. O autor identificou que a maior parte dos investimentos públicos
para a educação era destinada às escolas de áreas urbanas em detrimento das escolas rurais.
O segundo trabalho, As pequenas comunidades rurais e o oficio de ensinar: de professor leigo a funcionário municipal
(1940-2000), de Fábio Garcez de Carvalho, foi realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesse trabalho, o
autor analisa a trajetória dos(as) professores(as) leigos(as) em um contexto de mudanças na educação local, buscando
desvendar a complexidade do processo de formação de uma categoria profissional em uma região rural.
O terceiro, História do Ensino Primário rural em São Paulo e Santa Catarina (1921-1952) - uma abordagem comparada,
de Virginia Pereira da Silva de Ávila, foi apresentado como tese na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mes-
quita Filho”, campus Araraquara. A autora analisa o processo de construção das políticas educacionais para o ensino
primário rural em âmbito nacional e suas repercussões nas reformas de ensino na esfera estadual (São Paulo e Santa
Catarina), no período de 1921 a 1952.

Quadro 09 - Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2014 )

Titulo Autor Instituição


Ensino primário tipicamente rural no Estado de São Paulo: um
estudo sobre as Granjas Escolares, os grupos Escolares Rurais e Agnes Iara Domingos Moraes UNESP
Escolares típicas rurais (1933-1968)
Educação Rural no Município de Francisco Beltrão entre 1948 a
Carla Cattelan UNOESTE
1981: A escola Multisseriada
A Escola de trabalhadores rurais Arlindo Ribeiro: uma expressão da
Denise Sikora UNICENTRO
política nacional e estadual
Em defesa da ruralização do ensino: Sud Mennucci e o debate
Henrique de Oliveira Fonseca UFMG
político e educacional em 1920 e 1930
Resgate histórico das escolas rurais em São João da Boa Vista – SP Carolina Moraes Gimenes UFSCAR
Educação Rural em Dourados: A escola Geraldino Neves Correa
Clovis Irala UFGD
(1942 - 1982)
Educação rural NO Brasil e no Paraná ns anos 50 e a materialização
Isabel Castilho Palhano UNICENTRO
no curso normal regional de Guarapuava
Escola agrícola de Urutaí (1953-1963): singularidades da cultura
Silvia Aparecida Caixeta UFG
escolar agrícola
A trajetória da educação rural Paraná: das escolas rurais ás escolas do
Gilson Leske UNOESTE
campo (1961 a 2006)
Educação no Sertão: memórias e eperiências das professoras no Alto
Cacia Valeria de Rezende UNIT
Sertão Sergipano (1950-1970)

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2017.

Em 2014, das 2690 dissertações localizadas no banco de dados da CAPES, foi possível observar pequeno au-
mento nos estudos históricos sobre educação rural, passando de 07 para 10 trabalhos. Quanto às teses de doutorado,
verifica-se um acréscimo em relação ao ano anterior, isto é, o número passou de 449 para 603. No entanto, a produ-
ção específica sofreu uma diminuição significativa, passando de três para apenas 01 (uma) tese de doutorado.
A saber, o trabalho intitulado O que duas professoras que atuaram no ensino rural têm para nos contar? Lembranças
de vida, histórias sobre alfabetização e trajetórias pessoais e profissionais, de Graztela Franceschet Farias, apresentado na
Universidade Federal de Santa Maria, o trabalho estabelece uma aproximação com as histórias de vida de duas pro-
fessoras que atuaram no ensino municipal rural do município de Santa Maria - RS. A autora objetivou (re)contar

270
duas histórias de atuação no ensino rural, perpassando pelas lembranças de escola, pelos processos formativos e pelas
trajetórias educacionais. A delimitação temporal compreende os anos de 1980 e 1990.
No próximo quadro, identificamos a produção específica em dissertações de mestrado do ano de 2015:

Quadro 10- Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2015)

Titulo Autor Instituição


História da educação rural de Astorga: práticas educativas e organização Elena Pericin Gomes
UEM
institucional da Escola Rural Água Astorga (1957 - 1980) Cornicelli
História do ensino primário rural em Cianorte - PR (1950 - 1990) Rosangela de Lima UEM
Grupos escolares rurais na antiga Usina Tamoio (Araraquara/SP) Ana Flavia Flores UFSCar
Vivências e memórias: a cultura escolar da Escola Rural Mista Municipal
Katia Maria Kunntz Beck UFMT
Santo Antonio em Tangará da Serra (1965 1983)

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2017.

Em 2015, a produção de pesquisas na área da educação rural sofreu uma diminuição importante no âmbito das
dissertações, totalizando 1640, o que representa menos da metade da produção em relação ao ano anterior. Desse
total, apenas 04 trabalhos tratam do tema da educação rural em perspectiva histórica.
Com relação às teses de doutorado, o quadro não foi diferente do ano de 2014. Das 621 teses de doutorado,
apenas 01 (uma) apresenta uma abordagem histórica. A tese As Escolas Isoladas: Práticas e Culturas Escolares no Meio
Rural de Lomba Grande/RS (1940/1952), de José Edimar de Souza, foi apresentada na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - UNISINOS. Neste trabalho, o autor investiga a história do ensino rural entre as décadas 1940 a 1950 e sua
relação com o processo de desenvolvimento de Culturas Escolares no meio rural.

Quadro 11 - Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2016)

Titulo Autor Instituição


O paradigma de educação rural da Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura - FAO no Brasil: fundamentos Dayane Santos Silva UNICENTRO
conceituais, políticas de desenvolvimento e contradições ideológicas
Memórias caleidoscópicas: configurações das escolas rurais no estado Rony Rei do Nascimento
UNIT
de Sergipe (1947 - 1951) Silva
Memória social e educação rural no município de Atibaia - SP (1964 -
Iete Rodrigues Reis USP
1985): um estudo de caso
Imprensa e Educação: o ensino primário rural nas páginas de jornais Aline do Nascimento
UFGD
do município de Dourados – MT Cavalcante
Tempos esquecidos, memórias recordáveis: histórias de um curso de
Roberta Aparecida da Silva UFV
formação para professores rurais

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Em 2016, como podemos ver no quadro acima, das 1714 dissertações, somente 05 (cinco) tratam da educação
rural do ponto de vista histórico.

271
Quadro 12 – Teses - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2016)

Titulo Autor Instituição


Histórias contadas e vividas: memórias da Escola normal Rural Murilo
Silvania Santana Costa PUC/RS
Braga de Itabaiana/Sergipe (1950 – 1972)
Carneiro Leão e a Educação Rural Brasileira: Um projeto Cultural
Rosilene de Lima UEM
político e modernizador (1909 – 1963)
O processo de escolarização na área rural de Montes Claros – MG (1960 Claudia Aparecida Ferreira
UFU
– 1989) memórias e representações de professores e alunos Machado

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Já em relação às teses, foram localizados 722 trabalhos, sendo 03 (três) estudos de cunho histórico. A primeira,
Histórias contadas e vividas: memórias da Escola Normal Rural Murilo Braga de Itabaiana/Sergipe (1950-1972), de Silvania
Santana Costa, apresentada na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, remonta à história da Escola
Normal Rural Murilo Braga, situada no município de Itabaiana, estado de Sergipe. Criada em 1949, a escola Normal
Rural Murilo Braga estava dentro do projeto do governo federal que visava a expansão das escolas primárias e das
normais rurais, estas com o intuito de formar professores para atuar nas zonas rurais.
A segunda tese, Carneiro Leão e a Educação Rural Brasileira: um projeto cultural, político e modernizador (1909-1963),
de Rosilene de Lima, apresentada na Universidade Estadual de Maringá, investiga a educação rural e suas relações
com a modernização da sociedade brasileira com base nos escritos de Antônio Arruda Carneiro Leão (1887-1966),
um intelectual pernambucano, de expressiva contribuição aos aspectos sociais e educacionais do país. A autora des-
taca a contribuição de Carneiro Leão para a educação rural, que se configurou em um projeto cultural, político e
modernizador para a sociedade daquele momento.
A terceira tese, O processo de escolarização na área rural de Montes Claros – MG (1960-1989): memórias e representa-
ções de professores e alunos, de Claudia Aparecida Ferreira Machado, defendida na Universidade Federal de Uberlândia,
analisa aspectos do processo de escolarização das crianças das escolas rurais de Montes Claros, do ano de 1960 ao de
1989, período que corresponde ao momento que antecede ao processo de nucleação das escolas quando a maioria era
unidocente e as turmas eram multisseriadas. Para a autora, embora a maioria dos professores não tivesse habilitação
para a docência, suas práticas revelam que eles se apropriaram de metodologias e pressupostos teóricos defendidos
pelos educadores do movimento pedagógico denominado escola nova.

Quadro 13 - Dissertações - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2017)

Titulo Autor Instituição


A expansão das escolas rurais no distrito de Itaiacoca, no município de
Ronir de Fátima Gonçalves UEPG
Ponta Grossa – PR (1930-1960)
História da educação do município de Enéas Marques – 1960 a 1992: das
Maricélia Aparecida Nurmberg UNIOESTE
escolas rurais à nuclearização
Memórias da educação rural em Sergipe (1947 a 1951) José Carneio de Almeida Filho UNIT
Memórias, história e representações das escolas rurais do município de
Márcia Cristina Tannus UFU
Uberlândia - MG na Era Vargas (1930-1945)
Ser professor na ditadura militar brasileira (1964-1985): histórias,
Maria Fernanda Silva Barbosa UFOP
experiências e narrativas de docentes de Mariana-MG
Sentidos e saberes da escola rural no vale dos vinhedos – Bento Gonçalves
Gleison Olivo UCS
/ RS - (1928 - 1958)
Entre o oratório e a profissão: formação de professoras na escola normal
Fernanda Batista do Prado UFMT
rural Nossa Senhora Auxiliadora em Porto Velho/RO (1930-1946)
Práticas educativas em ciências em escolas ribeirinhas de Manaus:
Clotilde Tânia Rodrigues Luz UFSC
narrativas e memórias docente

272
A Escola Garibaldi e o professor José Rodeghiero na Colônia Maciel –
Renata Brião de Castro UFPEL
Pelotas/ RS (1928 – 1950): grupo local e etnia
Alteridade na construção da identidade docente: Um estudo de caso em
Kátia Maria Limeira Santos UNIT
Escolas localizadas em áreas rurais do município de Propriá (SE)

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Em 2017, como podemos observar no quadro acima que, das 1757 dissertações, 10 (dez) tratam da educação
rural do ponto de vista histórico. Os demais trabalhos transitam entre políticas educacionais, práticas pedagógicas,
educação de jovens e adultos, educação de gênero, educação profissionalizante, diversidade cultural entre outros

Quadro 14 – Teses - Produção sobre educação rural em perspectiva histórica (2017)

Titulo Autor Instituição


Questões epistêmico-historiográficas sobre a educação do campo no
Natamias Lopes de Lima UFPA
Brasil
Debates sobre ensino rural no Brasil e a prática pedagógica de Noêmia
Saraiva de Mattos Cruz no Grupo Escolar Rural de Butantan (1932- Ariadne Lopes Ecar USP
1943)
Amor à terra: a função social da escola no meio rural' 09/06/2017 Alcione Nawroski UFSC
Entre tempos e espaços, global e local: ressonâncias na educação (do
campo) e no êxodo rural de jovens estudantes camponeses do extremo José Fabiano de Paula UNILASALLE
oeste catarinense
Paraná, território de “vocação agrícola”?! Interiorização do curso normal
Thaís Bento Faria UEM
regional (1946-1968)
Referenciais epistêmicos que orientam e substanciam práticas
curriculares em escolas localizadas na comunidade quilombola de Delma Josefa da Silva UFPE
Conceição das Crioulas-PE
Vida musical, imigração italiana e desenvolvimento urbano: A trajetória
Cláudia Felipe da Silva UNICAMP
sócio-histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século XX
Transformações urbanas em Cuiabá e a formação do cidadão moderno
Gino Francisco Buzato UFMT
(1937-1945)
Escola família agrícola zé de deus e a formação de trabalhadores do Deodete Maria das Neves
UNIMEP
campo em colinas de Tocantins Schmitt
Professores da educação do campo: dos percursos formativos aos saberes
Maria Lemos da Costa UFPI
da cultura camponesa na prática pedagógica
Entre o giz e a viola: práticas educativas do mestre-escola Miguel
Cristiane Feitosa Pinheiro UFPI
Guarani, no Vale do Guaribas/PI

Fonte: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, 2018.

Com relação às teses, foram localizados 785 trabalhos, sendo 11 (onze) estudos de cunho histórico. A primeira
é intitulada: Questões epistêmico-historiográficas sobre a educação do campo no Brasil, e foi apresentada na Universidade
Federal do Pará . O trabalho delineou-se com o objetivo de investigar e analisar a abordagem metodológica e seu
caráter epistemológico que orientou as produções científicas dos autores dedicados aos estudos relacionados à Edu-
cação do Campo no Brasil, de modo a entender a assunção dessa temática como campo de pesquisa e suas implicações
na compreensão e interpretação de escola, educação, currículo, conhecimento, trabalho e formação docente.
A segunda tese, Debates sobre ensino rural no Brasil e a prática pedagógica de Noêmia Saraiva de Mattos Cruz no
Grupo Escolar Rural de Butantan (1932-1945), de Ariadne Lopes Ecar, foi apresentada à Universidade de São Paulo. O
trabalho examina o movimento em prol da fixação do indivíduo à terra. O trabalho se baseia nas práticas pedagógicas
de Noêmia Saraiva de Mattos Cruz que lecionou no Grupo Escolar que funcionava dentro do Instituto Butantan, no

273
bairro paulista homônimo. Noêmia Cruz articulava o programa de ensino oficial com as atividades rurais, registradas
em cadernos; jornais; livros da vida; e fotografias. Sua proposta foi amplamente divulgada no Brasil como modelo de
ensino rural.
A terceira tese, Amor à terra: a função social da escola no meio rural, de Rosilene de Lima, apresentada na Univer-
sidade Federal de Santa Catarina, investiga a educação rural no Brasil num contexto histórico marcado pela predo-
minância da população rural (1910-1961), explicitada por meio do pensamento de Antônio Carneiro Leão. O estudo
desenvolveu uma análise sobre a educação rural, discutindo a função social da escola, tomando como referência
exemplos de sua institucionalização para os imigrantes poloneses e seus descendentes no Brasil.
A quarta tese, Entre tempos e espaços, global e local: ressonâncias na educação (do campo) e no êxodo rural de jovens
estudantes camponeses do extremo oeste catarinense, de José Fabiano de Paula, foi apresentada à Universidade La Salle. A
tese teve por finalidade a confirmação da influência da educação (do campo) para a existência do fenômeno do êxodo
rural, no extremo oeste catarinense, entre os estudantes camponeses desta região. A pesquisa se encaminhou para
que a educação (do campo) se caracterizasse como um importante mecanismo de permanência do homem no campo,
principalmente diante das atuais Políticas Públicas destinadas, especificamente, ao desenvolvimento das comuni-
dades rurais. O objetivo geral da tese foi uma análise focando na participação da Educação Básica (e do campo), no
fenômeno do êxodo rural no extremo oeste catarinense.
A quinta tese, Paraná, território de ¨vocação agrícola¨?! Interiorização do curso normal regional (1946-1968), de Thais
Bento Faria, defendida na Universidade Estadual do Paraná. O trabalho investiga as práticas consideradas pedagó-
gicas presentes na formação de professores pelas Escolas Normais Regionais do norte do Paraná. O trabalho busca
recuperar e analisar as práticas pedagógicas das Escolas Normais Regionais de Apucarana e de Maringá enfocando a
influência da Pedagogia da Escola Nova e das orientações oficiais.
A sexta tese, Referenciais epistêmicos que orientam e substanciam práticas curriculares em escolas localizadas na comu-
nidade quilombola de Conceição das Crioulas –PE, de Delma Josefa da Silva, foi defendida na Universidade Federal de
Pernambuco. O trabalho apresenta um relato da aproximação com o campo na pesquisa sobre currículo e formação
de professores que atuam nas escolas quilombolas em Conceição do Coité e Nordestina, no Território do Sisal, na
Bahia. O intuito é problematizar questões relacionadas à educação e relações raciais em práticas curriculares, propon-
do intersecções entre educação do campo e educação escolar quilombola.
A sétima tese, Vida musical, imigração italiana e desenvolvimento urbano: trajetória sócio-histórico-cultural de Serra
Negra, ao longo do século XX, de Cláudia Felipe da Silva, apresentado à Universidade Estadual de Campinas. A tese teve
como foco principal as bandas de música e seus maestros, os conjuntos musicais e seus músicos. O trabalho constatou
a influência cultural dos imigrantes italianos que se fixaram na cidade de Serra Negra.
A oitava tese, Transformações urbanas em Cuiabá e a formação do cidadão moderno (1937-1945), de Gino Francisco
Buzato, defendida pela Universidade Ferderal de Mato Grosso. O trabalho analisa as transformações urbanas sig-
nificativas que ocorreram em Cuiabá/MT, durante o Estado Novo (1937-1945). A tese examina as relações entre
as transformações urbanas ocorridas em Cuiabá e as vivências educacionais experimentadas nesses novos espaços
urbanos.
A nona tese, Escola Família Agrícola Zé de Deus e a formação de trabalhadores do campo em colinas de Tocantins, de
Deodete Maria das Neves Schmitt, apresentada à Universidade Metodista de Piracicaba. O tema do trabalho é a edu-
cação do campo, e a pesquisa versa sobre a Escola Família Agrícola (EFA) Zé de Deus e a formação de trabalhadores
do campo em Colinas do Tocantins. Objetivou-se, com esta pesquisa, analisar a prática pedagógica desta escola, ma-
terializada na pedagogia da alternância e em que medida seus princípios e instrumentos pedagógicos contribuem para
a formação dos trabalhadores do campo em Colinas do Tocantins.
A décima tese, intitulada Professores da educação do campo: dos percursos formativos aos saberes da cultura camponesa
na prática pedagógica, de Maria de Lemos da Costa, apresentado à Universidade Federal do Piauí. O estudo partiu da
tese de que os professores da Educação do Campo, em seu percurso formativo, produzem saberes da cultura campo-
nesa valorizados nas práticas pedagógicas, pressupondo as singularidades que os identificam como pessoas de conhe-

274
cimentos e de cultura própria. O estudo teve como objetivo geral investigar o percurso formativo de professores da
Educação do Campo na produção e na valorização dos saberes da cultura camponesa na prática pedagógica.
Décima primeira tese, Entre giz e a viola ; práticas educativas do mestre-escola Miguel Guarani, no Vale do Guaribas/
PI, de Cristiane Feitosa Pinheiro, apresentado à Universidade Federal do Piauí. A pesquisa trata da história da educa-
ção rural picoense, a partir da trajetória docente e das práticas educativas do mestre-escola piauiense Miguel Borges de
Moura, conhecido como Miguel Guarani, entre os anos de 1938 a 1970. Assim, a pesquisa analisou a importância dos
mestres-escolas na escolarização de crianças, jovens e adultos, no sertão piauiense, na primeira metade do século XX.
Na categoria Instituição de Ensino identificou-se que, das onze teses analisadas no ano de 2017, todas são de
universidades públicas. O resultado denota uma maior busca do tema por parte das instituições de ensino estaduais e
federais do que pela rede privada.
Identificou-se que as pesquisas sinalizam uma tendência para os programas de doutorado no que se refere à
temática sobre práticas pedagógicas e formação de professores. O ano de 2017 obteve o maior número de teses de
todos os anos analisados: ao todo foram 11 teses na perspectiva histórica. Assim, 2017 apresenta um aumento signi-
ficativo em relação ao número de teses na perspectiva histórica no que se refere aos anos anteriores com o descritor
educação rural em âmbito nacional, regional e local, o que contribuiria para o avanço do conhecimento histórico na área
da educação rural.

GRÁFICO 01 – Número de trabalhos por regiões do Brasil

Fonte: dados da pesquisa

As 5406 teses analisadas no site catalogodeteses.capes.gov.br, com o descritor: educação rural, área de concen-
tração educação e área de avaliação educação. Observa-se uma concentração maior da produção na região sudeste.
Essa análise pode ser justificada pelo fato de que a região sudeste possui o maior número de estudantes no ensino
superior do pais. Na região sudeste, o percentual de estudantes matriculados em um curso superior é de 44,6 % , por
isso essa região destaca-se, sendo a região brasileira que mais possui estudantes em um curso superior. Essa é, então,
a campeã do ranking que apresenta a classificação da região do Brasil que possui mais estudantes no ensino superior
e consequentemente isso se refletiria na pós-graduação.

275
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado permitiu um levantamento de 5406 teses, no portal catalogodeteses.capes.gov.br, entre os


anos de 2010 a 2017. As teses foram selecionadas com o descritor educação rural . Nas análises dos resumos das teses,
ficou evidenciado que não demonstram uma resposta finalizada sobre a problematização inicial proposta para esta
pesquisa, isto é, não oferecem de forma clara e precisa do que verdadeiramente tratam. Os resumos são muito limita-
dos e não possibilitam afirmar com precisão o teor das pesquisas. Existe uma limitação para a realização de uma
análise mais densa e tabulação dos dados de forma completa sobre o conhecimento e o conteúdo das pesquisas. Por
muitas vezes, foi necessário realizar uma leitura dos trabalhos ou uma amostra para identificar o teor da pesquisa.
A pesquisa permitiu apontar que há necessidade de se organizar os resumos no banco de teses da CAPES, de
forma que os dados informados sejam mais precisos, buscando desta forma, tornar mais eficientes as futuras pesqui-
sas sobre o estado do conhecimento.
Este trabalho não tem a intenção de esgotar o tema investigado Educação Rural, mas tem a intenção de instigar
novas pesquisas com enforque e pontos de vistas diferentes possibilitando novas possibilidades de pesquisa do tipo
estado do conhecimento. Os dados apurados a partir das investigações analisadas com o tema Educação Rural iden-
tificam uma tendência na temática práticas pedagógicas e formação de professores. Com este trabalho, podemos afirmar
que os estudos voltados à Educação Rural vêm crescendo nos diversos programas de pós-graduação presentes no
Brasil.

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278
A EDUCAÇÃO SIQUERIANA A ESCOLA DOMÉSTICA
DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

Micheli da Cruz Cardoso Tavares - UERJ - RJ

O trabalho tem como foco apresentar a biografia do padre João Francisco de Siqueira Andrade, conhecido
como padre Siqueira, sobretudo, quanto a idealização e implementação da Escola Doméstica de Nossa Senhora do
Amparo. A escola fundada em meados do século XIX, foi construída em Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro,
um lugar escolhido para ser o início de uma idealização para as meninas orfãs. Possivelmente ele já sabia daquelas
terras e que a Corte ali se instalara. Com isso, seria mais fácil chegar ao Imperador para pedir ajuda em relação aos
seus ideais de educação. Dessa forma, o objetivo central do estudo é apresentar o início da Escola Doméstica de Nossa
Senhora do Amparo. Em um plano mais específico, a partir desse modelo de escola doméstica voltada para meninas
carentes, buscou-se verificar de que maneira seu perfil de padre e educador contribuiu para suas práticas educativas
uma vez que uma de suas finalidades era uma educação apropriada às meninas pobres, visando servirem em casas
de famílias como criadas, quando saíssem da escola, e estivessem aptas a regerem suas próprias vidas. As matérias
ensinadas se resumiriam em: doutrina cristã e história sagrada; ler e escrever bem; arranjos domésticos; costura; bor-
dados; tecidos e flores; cozinhar; lavar e engomar; cultura de horta e jardim no que diz respeito à sua conservação. A
escola era destinada somente a meninas de 7 a 18 anos de idade, órfãs ou filhas de pais pobres. As classes eram divi-
didas por idade: as meninas de 7 a 12 anos receberiam o ensino menos pesado e as de 12 a 18 anos receberiam todo o
ensino da escola. Os procedimentos metodológicos referem-se a um estudo baseado em fontes histórico-documen-
tais e bibliográficas, com destaque para autores que já se debruçaram sobre a história do padre Siqueira e da criação
da sua escola. As fontes complementares compõem-se, ainda, dos egodocumentos selecionados, como cartas trocadas
entre o padre Siqueira e diversas personalidades que de alguma forma foram fundamentais para a implementação da
escola. A investigação tem seu recorte temporal nos anos de 1864 a 1889, centrando exclusivamente nos documen-
tos do acervo escolar, na análise das práticas educativas produzidas no interior da escola caracterizada como locus de
produção de cultura escolar, na segunda metade do século XIX.
Palavras-chave: Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, educação formal, Padre Siqueira

A BIOGRAFIA DE SIQUEIRA ANDRADE

Nascia em Petrópolis sua missão de educar meninas para serem protagonistas de sua própria história de vida.
Assim foi a trajetória de João Francisco de Siqueira Andrade, mais conhecido como Pe. Siqueira. Nasceu em 15 de
julho de 1837, na cidade de Jacareí, em São Paulo. Seus pais Miguel Nunes de Siqueira e Claudina Maria de Andrade
eram muito católicos e zelosos com os ofícios da religião, por conseguinte, com apenas 15 dias de nascido recebeu a
unção do Batismo e do Crisma.
Tentar compreender sua biografia individual narrada, abre, ao pesquisador, várias possibilidades a fim de en-
tender as intercessões entre as evoluções estruturais e as trajetórias individuais, colocando-as sob dilemas humanos
e sociais. A escrita (auto)biográfica pode ser considerada como uma escrita histórica capaz de remeter a aspectos
incontornáveis da experiência humana.
Em agosto de 1857, João Francisco de Siqueira Andrade entra para o seminário Diocesano de São Paulo. Po-
rém, infelizmente, não foi ordenado em São Paulo. Por ter sua saúde bastante debilitada, o Bispo não quis ordená-lo,
assim, ele foi transferido para o Seminário de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde concluiu seus estudos e orde-
nou-se sacerdote em 08 de dezembro de 1864.

279
No período de 1864 a 1865, ocupou a função de capelão militar, depois retornou para São Paulo e foi designado
como coadjutor da Freguesia de Mogi das Cruzes. Em 1867 escreve, em Mogi das Cruzes, uma belíssima homilia na
quinta-feira Santa. A partir daí, começa a transparecer suas evidências sobre um ser humano voltado à imagem e
semelhança de Deus.
Seus Pais, Miguel Nunes da Siqueira e Claudina Maria de Andrade, legitimamente casados e providos de bens
de fortuna, eram muito considerados pelos sentimentos de fé e piedade cristã. Sendo assim, Siqueira Andrade sempre
teve uma harmonia e um cuidado cristão no ceio de sua família. Os dois lados de sua genealogia eram genuinamente
católicos, sendo os Andrades e os Siqueiras bastante conservadores em suas tradições. Cumpriam as orações e as lei-
turas dos ofícios católicos diariamente, preservando as tradições sagradas de seus antepassados.
Seus avós paternos, Antônio Nunes de Siqueira e Juliana de Jesus, eram naturais de Mogi das Cruzes; da parte
materna: Francisco Antônio de Andrade, natural de Portugal e Maria de Penha da Conceição, de Jacareí, São Paulo.
Siqueira Andrade também tinha sete irmãos: Ana Claudia de Andrade, Daniel de Siqueira Andrade, Francisco de Si-
queira Andrade, Narciso Antunes de Siqueira, Maria da Penha, Manoel Joaquim de Andrade Sobrinho, José Bento de
Andrade, o primogênito. O Irmão Narciso foi o genitor da Irmã Francisca Narcisa Pia, a inesquecível “mamãezinha”
que foi coadjutora na fundação de seu colégio em Petrópolis.
Possivelmente, suas primeiras letras foram ensinadas por sua mãe, algo bastante comum no século XIX, com li-
ções de catecismo, passagens da vida dos santos ou devotas orações, em que a criança aprendia com facilidade. Assim,
o menino de Jacareí cresce em sabedoria e em graça. Sua vocação para o sacerdócio é como que uma consequência de
um conjunto de qualidades pessoais e de virtudes nele cultivadas que, em determinado momento, reclamam um cam-
po próprio para se exercitar. Para Le Goff (1990), a biografia histórica deve se fazer, ao menos em certo grau, relato,
narração de uma vida. Ela se articula em torno de certos acontecimentos reais e coletivos. Na construção dos relatos
biográficos, portanto, será necessário escapar da presunção de dotar seus personagens de um sentido revelável, pelas
diversas fontes com as quais se defronta.
Na faixa dos 20 anos, Siqueira Andrade decide procurar o seminário Episcopal de São Paulo, na época, o grande
centro de formação de sacerdotes, uma vez que as circunstâncias eclesiásticas eram reduzidas em número. Entre os
jovens que compõem a segunda turma a matricular-se no seminário, no ano de 1857, consta o nome do Jovem João
Francisco de Andrade, o Pe. Siqueira (NETO, 2003).
O seminário Diocesano era regido pelos capuchinhos, criado pelo Bispo D. Antônio Joaquim de Melo, com
estímulo do Papa Pio IX. Após ter participado como voluntário do exército brasileiro, na guerra com o Paraguai, con-
traiu moléstia insidiosa (BAGGIO, 1987) que mais tarde o levaria ao túmulo. Transferiu-se para a Capital do Império,
a belíssima cidade do Rio de Janeiro, ou a Corte, como se dizia na época, pois ali residia o Imperador D. Pedro II, a
família imperial e todo o séquito que costumava circundar os monarcas (BAGGIO, 1987).
No Rio de Janeiro, encontrou-se com uma senhora que serviu de “anjo enviado por Deus” para coadjuvar o Pe.
Siqueira: Dona Ana Leocádia Cunha Barbosa Moreira Guimarães (HOSTIA, 2013). Em sua casa, foi recebido com
afeto de filho, encontrando calor humano, além de espírito cristão e meios materiais necessários para desencadear
seus projetos. O casal Moreira Guimarães vivia, desde 1855, no bairro de Laranjeiras, mas, como família de posses,
possuía uma casa em Corrêas, junto à fazenda imperial de Petrópolis, onde costumava passar a temporada quente do
verão. Chamava-se o recanto “Fazenda da Olaria”. (BAGGIO, 1987). Essa região acabou se chamando Corrêas, pois
Dona Ana de Deus deu origem à família, de onde saíram o Pe. Tomás de Aquino Corrêa e Dona Arcângela da Silva,
mãe de Dona Ana Leocádia, que hospedara o Pe. Siqueira, em sua casa no Rio, levando-o a Petrópolis, no sítio onde
chamava Nossa Senhora do Amor Divino, em sua capela na fazenda da Olaria. Para lá viera Pe. Siqueira, no ano de
1855, em busca de melhorias de sua saúde abalada. (BAGGIO, 1893).
Aparentemente, em Corrêas, Pe. Siqueira levou uma vida tranquila: rezava missas diárias, realizava leituras e
orações, e se recuperava de suas poucas energias. Petrópolis havia sido fundada em 1843 e, por ter um clima ameno,
hospedara a Corte, principalmente nos verões intensos do Rio de Janeiro. O impulso da cidade de Petrópolis se deu
com a vinda de colonos Alemães, liderados pelo Major Koeler, que pretendia estabelecer, nesta região do Brasil, uma
colônia agrícola.

280
Pe. Siqueira escolheu Petrópolis para iniciar sua obra. Possivelmente ele já sabia daquelas terras e que a Corte
ali se instalava. Com isso, seria mais fácil chegar ao Imperador para pedir ajuda em relação aos seus ideais de educação.
Pe. Siqueira realiza, no período em que esteve em Petrópolis, várias viagens, procurando novos conhecimen-
tos; visitando escolas públicas e particulares; falando aos ricos sobre seus planos. Em seu coração, Pe. Siqueira sempre
tivera a vontade de cuidar de menores abandonadas e educá-las em sua formação. Seu sonho era que essas menores
se tornassem mulheres capazes de assumir seu papel na história. Educar as meninas desvalidas para que pudessem, no
futuro, viver honestamente de seu trabalho, quer como boas mães de família, quer como empregadas domésticas, ou
até mesmo como representantes do magistério, seja ele praticado em casa ou nas escolas.
Com todo esse ideal de educação, no dia 15 de julho de 1868, Pe. Siqueira foi até o Imperador D. Pedro II apre-
sentar seu programa para a fundação de um estabelecimento. Nóvoa (2000) apud Nascimento (2017) nos assegura
que “encontramo-nos perante uma mutação cultural que, pouco a pouco, faz reaparecer os sujeitos face às estruturas
e aos sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao instituído”. Estamos sempre numa tentativa de com-
preender a maneira de ser e de construir a trajetória de profissionais da educação.

A FUNDAÇÃO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

A presente escola foi fundada por João Francisco de Siqueira Andrade, conhecido como Padre Siqueira. A
idealização desse sonho somente foi possível graças ao Imperador Pedro Pedro II. Siqueira Andrade entregou uma
missiva ao Imperador Dom Pedro II apresentando claramente o plano de construir uma escola destinada às meninas
carentes. Siqueira destaca o quanto a educação pode mudar a história de um país, ressaltando a importância de es-
tudar para poder sair da pobreza, e ter condições e apropriações à moralidade. Para ele, a “pobreza do ensino”, limi-
tando-se apenas à língua e às quatro operações, seria pouco para o tamanho da riqueza da educação. Por isso, destaca
que a religião, que havia sido esquecida, deveria fazer parte da instrução para sanar os maus costumes, os vícios etc.
Ao receber o projeto, o imperador Dom Pedro II, imediatamente o alertou sobre as dificuldades que encon-
traria; mas, três meses depois, aprovou o projeto.
Em 30 de abril, 17 de julho e 11 de dezembro de 1869, adquiriu, respectivamente, os terrenos nº 189,190,191
e 192, localizados na Avenida Roberto da Silveira, no Centro de Petrópolis, Rio de janeiro.1Neste terreno, Pe. Siquei-
ra ergueu sua Instituição de Ensino voltada exclusivamente para meninas órfãs – Escola Doméstica de Nossa Senhora
do Amparo. As obras tiveram início em 1º de setembro de 1870. Ele publica pela primeira vez o Estatuto da Institui-
ção Educacional, que tinha por base o Programa para criação de um estabelecimento Pio para o sexo feminino, por
ele mesmo rascunhado e apresentado ao Imperador. No início, a escola era destinada exclusivamente ao ensino das
órfãs pobres, denominadas desvalidas. (NETO, 2003).
No programa de criação de um estabelecimento Pio para o sexo feminino, Pe. Siqueira estabeleceu regras para
serem realizadas no âmbito escolar. Neste programa, constam que o nome do Estabelecimento seria: Escola Domés-
tica Nossa senhora do Amparo – e a finalidade da educação era para meninas pobres. Depois, evidencia-se a adminis-
tração da escola: esta deveria ser composta por dois sacerdotes, um reitor capelão e um vice-reitor como coadjutor;
e internamente um número conveniente de irmãs de caridade. As matérias de ensino lecionadas seriam as seguintes:
Doutrina Cristã e história sagrada; ler e escrever bem; as quatro operações aritméticas; arranjos domésticos; costura;
bordados; tecidos e flores; cozinhar; lavar e engomar roupas; cultura de horta e jardim. Os trabalhos deveriam ser
divididos em duas grandes classes: segundo a idade e às disposições físicas. A primeira classe seria de meninas de 07
a 12 anos de idade e a segunda de 12 a 18 anos de idade. Todo trabalho de serviço interno deveria ser realizado pelas
alunas internas.
A admissão das alunas seria realizada por meio de um documento que atestasse sua pobreza, bem como uma
declaração autenticada pela autoridade civil de sua freguesia, fazendo constar a desistência de todo o direito e ação
que tinham sobre meninas, enquanto elas fossem pensionistas da escola. As meninas somente poderiam sair da escola

1 Este documento de compra e venda encontra-se no Arquivo da Casa Geral- Sala Histórica EDNSA

281
após completados 18 anos e estarem aptas para seguirem seu destino. Elas estariam prontas para o trabalho domésti-
co; aulas particulares ou em casa de família.2
Em 22 de janeiro de 1871, quando vencidos todos os obstáculos, foi inaugurada a ESCOLA DOMÉSTICA DE
NOSSA SENHORA DO AMPARO. Estavam presentes na inauguração as Majestades Imperiais e sua Alteza.
Nos anais da história da Congregação de Nossa Senhora do Amparo, o dia da inauguração, perpetua-se na ação
de nos louvores a Deus, entre outros tantos nos quais se cantam as divinas misericórdias do Senhor (HÓSTIA, 2013).
Em 1876, Pe. Siqueira escreve o Estatuto da Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo que entre tantas colocações
evidenciam-se as seguintes: Que a escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, fundada em Petrópolis, pelo Pe. João
Francisco de Siqueira Andrade, tem por finalidade receber meninas e órfãs gratuitamente. No estatuto aparece claramen-
te, assim como no Programa de Criação de Ensino, as regras e as disciplinas que deveriam reger a Instituição Escolar.
Além das matérias acima descritas no estatuto, aparecem ainda as disciplinas de: canto coral e práticas de enfermagem. O
Estatuto também destaca que cabe à direção da escola fazer as despesas internas e prestar contas ao Diretor Geral.3

PROGRAMA APRESENTADO AO IMPERADOR: ESTATUTO

No capítulo 1 deste programa, no qual se refere ao estabelecimento de ensino, diz que a escola terá como tí-
tulo – Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo e que será destinada exclusivamente às meninas pobres para
servirem em casas de famílias, ficando, entretanto, sob a proteção da Escola até que se achem em condições que a
dispensem e que estão marcadas neste programa.
Encontra-se no capítulo 2 a administração externa que será composta de dois sacerdotes, sendo um Reitor ca-
pelão e um vice-reitor coadjuvante, e a interna de um mero conveniente de Irmãs de Caridade.
Destaca-se no capítulo 3 o ensino, dando ênfase às matérias lecionadas e aos trabalhos diários. Em relação às
matérias lecionadas, as mesmas seriam as seguintes: doutrina cristã e história sagrada, ler e escrever bem a língua
nacional e as quatro operações da aritmética. Também era ensinado sobre arranjos domésticos, bordados, tecidos e
flores; cozinhar, lavar e engomar; cultura de horta e jardim no que diz respeito à sua conservação ou tratamento das
plantas. Os trabalhos deveriam ser divididos em duas grandes classes, segunda a idade e a disposição física das meni-
nas. De 7 a 12 anos o ensino menos pesado. De 12 a 18 anos receberiam todo o ensino da escola.
No capítulo 4 são apresentadas as normas de admissão das meninas. Neste é citado que somente serão admiti-
das meninas na idade entre 7 a 12 anos órfãs ou filhas de famílias pobres. O número de vagas será fixado anualmente
segundo os recursos de que quer dispuser o estabelecimento.
A retirada das meninas da escola é contemplada no capítulo 5, onde apresenta que elas precisarão estar com a
idade de 18 anos completas, estando aptas a seguirem seu destino, ficando, entretanto, sob a proteção da escola até a
idade de 21 anos. Também neste capítulo é ressaltado que os pais podem, quando suas filhas queiram, retirá-las sem
ônus algum da escola tendo completado o tirocínio marcado ou idade de 18 anos, ficando desde então inteiramente
desligadas do estabelecimento.
O capítulo 6 destaca a economia da escola. Neste é apresentado que para as acomodações, trabalhos, alimenta-
ções, vestuário e outros misteres será sempre observada a maior simplicidade, economia e asseio.
Por fim, no capítulo 7 são discorridas as disposições gerais que indicam que os artigos deste programa servirão
de base para a organização dos estatutos da Escola, que, no tempo competente, serão apresentados a fim de, recebida
aprovação, merecem igualmente o necessário apoio do Governo Imperial.
15 de julho de 1868
Padre João Francisco de Siqueira Andrade4
2 Dados retirados do PROGRAMA PARA CRIAÇÃO DE UM ESTABELECIMENTO PIO PARA O SEXO FEMININO, disponível no
Arquivo da Casa Geral- Sala Histórica EDNSA e em HÓSTIA, 2013.
3 Dados retirados do ESTATUTO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO, disponível no Arquivo da Casa
Geral- Sala Histórica EDNSA e em HÓSTIA, 2013.
4 Dados retirados do ESTATUTO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO, disponível no Arquivo da Casa
Geral- Sala Histórica EDNSA e em HÓSTIA, 2013

282
Assim, Siqueira Andrade constrói uma escola que terá como base uma educação católica, pautada nos princí-
pios Siqueiranos onde a prática doméstica era enfatizada para um futuro melhor das meninas órfãs do Brasil Império.

CONCLUSÃO

Algumas leituras sobre a vida de Pe. Siqueira nos inspiraram a iniciar a escrita deste artigo e a elencar alguns
dados que foram evidenciados. Entender como tudo começou, a fundação de sua escola, os documentos que escreveu
e todo o legado educacional que deixou, tem sido, ultimamente, objeto de interesse particular. Pe. Siqueira foi um
grande visionário; um homem que se preocupou com uma educação de qualidade para as meninas órfãs; um homem
que se preocupou com uma educação para o coração. Sua ideia sobre educação perpetua até os dias de hoje com legado
que deixou na Escola Nossa senhora do Amparo, que ainda se encontra funcionando em Petrópolis, hoje como uma
escola conveniada à Mitra Diocesana, atendendo meninas e meninos da Rede Municipal de ensino. Além disso, sua
obra deu origem à Congregação das Irmãs de Franciscana de Nossa Senhora do Amparo, a qual está espalhada pelo
Brasil, realizando a missão do Pe. Siqueira. As irmãs, também encontram-se em outras escolas fundadas: Colégio
Maria Raythe – Rio de Janeiro; Educandário Nossa Senhora do Ampara – Jacarepaguá, RJ; Escola Doméstica Cecília
Monteiro de Barros e Colégio Nossa Senhora do Amparo – Barra Mansa, RJ; Colégio Nossa Senhora do Amparo –
Jacareí, SP; Colégio Nossa Senhora do Amparo – Monte Carmelo, MG; Educandário São José – Mateus Leme, MG;
Creche Rosa da Matta – Sacramento, MG; Colégio Nossa Senhora do Amparo – Surubim, PE; Escola Nossa Senhora
do Amparo – Maceió, AL. Pe. Siqueira também encontra-se hoje em processo de Canonização na Diocese de Petró-
polis.

REFERÊNCIAS

AMPARO, Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do. Identidade e educação siqueirana. São Paulo: Edições Loyola, 1994.
BAGGIO, Frei Hugo D. Padre Siqueira: Uma resposta à Educação do menor carente no Brasil. Petrópolis, 1987.
HÓSTIA, Áurea de Jesus. Padre Siqueira: sua vida e sua obra. Petrópolis: Vozes, 1957.
NASCIMENTO, Jussara Cassiano. Pesquisa (auto) biográfica e formação de professores alfabetizadores. 1. Ed. – Curitiba:
Appris, 2017.
NETO, Reinaldo Parisi. Práticas Educativas envolvendo Desvalidas e Ingênuas: A Institucionalização da Escola
Doméstica de Nossa Senhora do Amparo no Brasil Império (1864 – 1889). Dissertação de Mestrado apresentado ao
Programa de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003.

283
A ESCOLA DOMÉSTICA DE BRAZÓPOLIS:
ÊXITOS E APROXIMAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA
MULHER NA SOCIEDADE (1927-1965)

Palloma Victoria Nunes e Silva – UFU - Agência de fomento: FAPEMIG1


Juliana Santos de Oliveira– UFU - Agência de fomento: CNPq2
Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro– UFU - Agência de fomento: FAPEMIG/CNPq3

Resumo: O objetivo desta pesquisa é compreender a gênese e a função social da escola para moças no sul de
Minas Gerais. A pesquisa apresentada converge para a seguinte questão: Qual a missão social da Escola Doméstica de
Brazópolis e as influências do currículo na formação das alunas? A premissa é que esse ensino se alinhou a uma classe
social alta porém com vagas custeadas pelo município e Estado para alunas menos afortunadas — que desenvolve-
ram tardiamente um ofício, pois as obrigações no lar se impunham e as oportunidades profissionais se destinavam
a priori ao trabalhador masculino. O estudo faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo: “Educação, pobreza,
política e marginalização: formação da força de trabalho na nova capital de Minas Gerais”, 1909–27, aprovado pela
FAPEMIG e CNPq, agências brasileiras de fomento à pesquisa acadêmica. A metodologia seguiu referenciais teóricos
do método histórico dialético, com a premissa da relação entre ensino profissional, juventude e pobreza, categorias
derivadas de fontes diversas. As fontes de estudo incluem mensagens de governadores estaduais, discursos, legislação
educacional, anuário de ensino e a imprensa. A análise dessas fontes seguiu o referencial teórico-metodológico do
materialismo histórico e dialético na inter-relação de ensino profissional, com exclusão, pobreza, juventude fazendo
o recorto temporal entre os anos de 1927, data de criação da escola e 1965, quando a instituição foi transferida para
responsabilidade da esfera estadual. Os achados e as constatações da pesquisa apontam que a Escola Doméstica de
Brazópolis constituiu-se de um currículo cultural e social amplo que tenha proporcionado uma formação importante
para a mulher Brazopolense sendo uma das primeiras escolas profissionais femininas no Estado de Minas Gerais,
como mostra em matéria jornalística divulgada em jornal impresso, disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, A
Noite (RJ), publicado em 8 de março de 1928, p.4 destacando “entre os estabelecimentos que honram o espírito de
iniciativa e a orientação pedagógica do Estado, destaca-se a Escola Doméstica Modelar de Brazópolis, a primeira que
se creou em Minas Geraes”. A escola conseguiu modificar um paradigma social, pressupõe-se ainda que as mulheres
não ocupavam cargos no mercado de trabalho, estando sua atuação atrelada às tarefas domésticas e posteriormente
tomando espaços sociais conseguindo visibilidade social e empregabilidade. Os resultados da pesquisa apontam que a
Escola Doméstica de Brazopolis abrangia em seu currículo competências para ensino de tarefas domésticas, matérias
técnicas destinadas para aprimoramento moral e religioso das alunas, e após alguns anos a instituição passou a ofere-
cer também curso para habilitá-las para o exercício do magistério nas escolas de primeiro grau e como missão social
visava a formação integral das moças como membros efetivos da sociedade.
Palavras-chave: Escola Profissional Feminina. Pobreza. Educação.

Introdução

No final do século XIX e primeiras décadas do século XX, com o início da República, intensificaram-se no país
os ideais de modernização e industrialização, o país se organizou para a preparação escolar de trabalhadores para o
exercício profissional, visando a questão educacional como meio de resolver problemas nacionais e progresso do país.
Como afirma Ribeiro que:

Apesar de não haver menção ao ensino profissional feminino propriamente dito, o fato de terem sido criadas duas
escolas profissionais femininas no Rio de Janeiro na década de 1920 (a Escola Profissional Feminina Nilo Peçanha,

284
em Campos dos Goytacazes, e a Escola Profissional Feminina Aureliano Leal, em Niterói), além das outras mascu-
linas criadas também neste período, leva-se a crer que a preocupação com o ensino público profissional fazia parte
dos anseios políticos da época. (RIBEIRO, 2013, p.14)

Em setembro de 1909 foi promulgado o decreto lei 7.566 prescrevendo o ensino profissional dirigido a pobres
e desafortunados do país a fim de dar-lhes uma utilidade diante do processo de expansão industrial e êxodo rural,
considerando como “um dos primeiros deveres do Governo da Republica formar codadões uteis à Nação” (BRASIL,
1909, p.1) assim começam a organizar o ensino profissional técnico sob responsabilidade do Ministério da Agricul-
tura, Indústria e Comércio como consta no Decreto Lei 7.566 de 1909, comunicando que:

se torna necessario, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico
e intelectual, como faze-los adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola
do vicio e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da Republica formar codadões uteis à Nação.
(Decreto 7.566, 1909, p.1)

O objetivo da pesquisa é compreender a gênese e a função social da instituição profissional para moças no sul de
Minas Gerais, realizando uma análise sobre a Escola Doméstica de Brazópolis e as influências do currículo na forma-
ção das alunas, sendo esta instituição destacada para a pesquisa por ter sido a primeira Escola Profissional Feminina
no Estado de Minas Gerais, como afirma o Jornal A Noite do Rio de Janeiro, em 8 de março de 1928 na quarta página
se referindo à instituição como “os estabelecimentos que honram o espírito de iniciativa e a orientação pedagogica do
Estado, destaca-se a Escola Domestica Modelar de Brazópolis, a primeira que se creou em Minas Geraes.”

Imagem 1. Fonte: Jornal A Noite do Rio de Janeiro, em 8 de março de 1928, p.4

A metodologia seguiu referenciais teóricos do método histórico dialético, com a premissa da relação entre ensi-
no profissional, juventude e pobreza, categorias derivadas de fontes diversas. As fontes de estudo incluem mensagens
de governadores estaduais, discursos, legislação educacional, anuário de ensino, registro de visitas de inspetores e a
imprensa. A análise dessas fontes seguiu o referencial acima citado com a preocupação na inter-relação de ensino
profissional e juventude entre os anos de 1927, data de criação da escola e 1965, quando a instituição encerra seus
trabalhos.

A ESCOLA DOMÉSTICA DE BRAZÓPOLIS

285
A instituição foi fundada em 1927 por iniciativa do Exmo. Sr. Wenceslau Braz, presidente do Brasil entre 1914
e 1918, junto ao patrocínio da Sociedade Protetora da Instrução, que era um grupo de cidadãos de Brazópolis, in-
cluindo o Sr. Wenceslau Braz, dedicados à instrução da juventude. Sob o título da matéria “De Brazopolis uma visita
à Escola Domestica”, publicado no jornal O Imparcial, do Rio de Janeiro, aos vinte e um dias de fevereiro de 1936
afirma sobre a Sociedade Protetora da Instrução:

Foi sob a iniciativa patriotica do dr. W. Braz, que se fundou em Brazopolis, no dia 8 de setembro de 1926, a Socie-
dade Protectora da Instrucção. Sua funcção era nobilissima. Tinha em mira a fundação de dois estabelecimentos
de ensino secundario, que são: o Gymnasio para rapazes e a Escola Domestica para meninas. (O IMPARCIAL,
1936, p. 9)

Em 13 de maio de1927 teve inicio as aulas sob a direção das Irmãs da Providência com um currículo pensado a
partir dos currículos europeus, exportados da Bélgica precisamente (Revista ACAICA, 1952, p. 53). Seu prédio ma-
jestoso planejado e construído para a implantação da instituição contava com diversas áreas pensadas para o ensino
doméstico e técnico das alunas. O projeto arquitetônico não possui assinatura do autor e está disponível junto ao
arquivo histórico da Instituição na Prefeitura Municipal de Brazópolis (acesso em abril de 2019).

Imagem 2. Fonte: Blog/Jornal A Janela do Braz.

A dicotomia presente na grade curricular das escolas profissionais criadas a partir do Decreto 7.566 de 1909
definia que as instituições canalizadas para o ensino técnico dos homens deveriam atender às necessidades de mão
de obra das indústrias próximas às cidades, e as instituições voltadas para o publico feminino focalizassem em um
currículo que abarcasse questões domésticas e voltadas a formar mulheres para o lar, como Soihet (2000, p.98) afirma
que era proibida a educação comum dos dois sexos, não só devido à rígida moral católica como, igualmente, devido
à certeza da ciência hegemônica na época acerca das diferentes aptidões entre homens e mulheres. E ressaltando essa
realidade, Reis (2013, p. 18) afirma que “à mulher cabia a educação para o cuidado da casa, de atividades domésticas,
visando cuidar bem do futuro marido e dos filhos provenientes do casamento”
A visão de educação feminina nesse período estava voltada para o lar e o modelo curricular europeu sustentava
a ideia da mulher como pilar para mudanças sociais, assim a mulher influenciaria nos lares e na família, promovendo
tais mudanças e/ou progressos. Como afirma Tavares e Stmatto (2018, p.4) que “[...] a Europa vinha enfatizando uma
educação generalizada da população, tendo a mulher como transmissora da cultura e valores e um modelo social, pas-
sando a ter o papel de preparar o homem moderno”. Assim, a educação enfatizava o intelecto da mulher, porém com

286
preceitos e conservadorismos católicos da época fortemente identificados na organização pedagógica da instituição.
Louro afirma que

As concepções e formas de educação das mulheres nessa sociedade eram múltiplas. Contemporâneas e conterrâne-
as. Elas estabeleciam relações que eram também atravessadas por suas divisões e diferenças, relações que poderiam
revelar e instituir hierarquias e proximidades, cumplicidades ou ambigüidades. Sob diferentes concepções, um
discurso ganhava a hegemonia e parecia aplicar-se, de alguma forma, a muitos grupos sociais a afirmação de que
as “mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas”, ou seja, para eles a ênfase deveria recair sobre a for-
mação moral, sobre a constituição do caráter, sendo suficientes, provavelmente, doses pequenas ou doses menos
de instrução. (LOURO, 2004, p. 373)

No “Programa de Ensino Domestico e Agricola da Escola Domestica de Brazopolis” (s/d) estavam incluídos
estudos de “sociologia, pedagogia familiar, hygiene, puericultura, cruz vermelha, alimentação humana, technologia
alimentar, arte culinaria, habitação (theoria e pratica), vestuario (theoria e pratica), corte e costura, economia domes-
tica, agronomia, trabalho manual, agricultura, leiteria, zootechnica, horticultura (floricultura e pomicultura) e No-
ções d’Economia Domestica”. O programa de ensino objetivava em suma a educação doméstica da mulher como “boa
mãe e esposa”, e assim constantemente era relatado nos jornais locais a quê se destinava a educação na instituição.

Em 1934 a Escola anexou o Curso Normal ao Doméstico. De 1927 a 1932 esteve o estabelecimento sob a direção
das Irmãs da Providência, cuja casa central está em Itajubá (sul de Minas). Duas dessas Irmãs fizeram uma viagem
a Europa exclusivamente para estudar em in loco, a organização do ensino doméstico. De 1932 a 1942 foi a escola
dirigida pela senhorita Idalina de Oliveira Castro, diplomada pela “Escola Mensagére Superieuri” de Laken, na
Bélgica. (REVISTA ACAICA, 1952, p. 53)

A escola possuía alunas internas que residiam na instituição e semi-internas, que apenas assistiam às aulas,
como consta em documentos presentes no Arquivo Histórico da Escola Doméstica de Brazópolis (disponível na Pre-
feitura Municipal de Brazópolis). Alunas internas ficavam responsáveis pela limpeza e
A instituição recolhia uma taxa anualmente das alunas mais afortunadas, algumas dispunham de vagas com taxas
reduzidas, e algumas gratuitas, das quais uma porcentagem não definida era oferecida pela Escola, outra exigida pelo
Estado e mais uma porcentagem não definida de vagas era custeadas pela Prefeitura local (Revista Acaiaca, 1952, p.54).
No currículo também contatavam com aulas de Religião e Moral, Português, Francês, Aritmética, Geometria,
História Pátria, Geografia, Ciências, Desenho, Canto e Psicologia, de acordo com Caderno de Actas de Exames e
Promoção, registros de 1930 a 1936, disponíveis no arquivo da Escola Estadual Wenceslau Braz (acesso em abril de
2019). A grade curricular abarcava desde as competências para ensino de tarefas domésticas à matérias técnicas des-
tinadas para aprimoramento moral e religioso das alunas. Assim aduz Rodrigues que

[...] o ideal de mulher deveria ser suplantado pelo ideal de mulher prática, civilizada, com uma formação voltada
para sua vida, para o seu dia-a-dia nos espaços privado e social. [...] A filosofia de formação feminina trouxe em-
butido o referencial de mulher equilibrada financeiramente, econômica no uso dos recursos do lar, organizada em
suas tarefas domésticas. (RODRIGUES, 2007, p. 112)

Em 1933 a instituição passou a oferecer também curso para habilitá-las para o exercício do magistério nas es-
colas de primeiro grau e como missão social visava à formação integral das moças como cidadãs modelos da cidade. A
partir do Caderno de Atas de reunião, datado de 1939 a 1965, e do Caderno de Actas de Exames e promoções, datado
de 1930 A 1936, torna-se perceptível nomes de ex-alunas que posteriormente exerceram funções remuneradas na
escola, como professoras, diretoras e secretárias.
Em 1952, na Revista ACAICA, lança em comemoração ao cinquentenário da cidade de Brazópolis uma edição espe-
cial sobre a cidade. Nesta edição, falando sobre a instituição destinada ao ensino profissional feminino da cidade, afirma que

Nestes 25 anos de atividade a Escola registrou 4.550 matrículas, sendo 2.807 com anuidades pagas integralmente,
200 com redução e 1.1543 gratuitas, as quais 945 oferecidas pela Escola, 90 exigidas pelo Estado e 508 pagas pela
Prefeitura Local. (Revista ACAICA, 1952, p. 54)

287
A revista Acaica (1952) informou um relevante número de matrículas na instituição durante os 25 anos (1927,
data de ínicio da Escola a 1952, publicação da revista), salientando a relevância da instituição para a cidade. No entan-
to, a primeira turma de formandas da instituição foi composta apenas por cinco alunas como mostra quadro a seguir.

Imagem 3: Quadro da primeira turma formada na Escola Doméstica, em 1930, e o Sr. Wenceslau Braz, paraninfo da
turma. Formandas: Isabel Braz P. Gomes, Orlette Braga, Iracy Wood, Lourdes Vergueiro e Edir Britto.

Fonte: Livro Brazópolis – 100 anos de emancipação política, p. 235

Em O Jornal, do Rio de Janeiro, comemorando a formatura da primeira turma da escola, divulgaram uma co-
luna com o título “A primeira turma de diplomadas pela Escola Domestica de Brazopolis” afirmando:

O acto revestiu-se de grande solemnidade e despertou interesse nas localidades de toda a zona, pelo facto de ser a
primeira escola especializada no genero criada em Minas. Foi paranympho das diplomadas o sr. Wenceslau Braz,
ex-presidente da Republica.
Sr. ex., que foi o criados da Escola Domestica, proferiu notavel discurso sobre o palpitante assumpto da educação
technica da mulher esposa, mãe e mestra. Terminou affirmando que o problema educacional era a obra maxima
da revolução, cujo chefe mostrou bem conhecer a magnitude do assumpto, criando o Ministerio da Educação,
confiando a sua organização a um sabio educador - o sr. Francisco Campos. (O JORNAL, 1930, p.2)

A escola possibilitou mudanças e assim modificar um paradigma social, pressupõe-se que as mulheres não ocu-
pavam cargos no mercado de trabalho, estando sua atuação atrelada às tarefas domésticas e posteriormente tomando
espaços sociais conseguindo visibilidade social e empregabilidade. A Instituição promoveu o enriquecimento cultural
e intelectual de suas alunas, sendo constantemente divulgados nos jornais da cidade seus eventos e benfeitorias.

CONCLUSÃO

288
A partir do Caderno de Registro de Visitas De Inspetores e do jornal A Noite esta foi a primeira instituição do
Estado de Minas Gerais englobando a educação profissional feminina, matriz e modelar, conclui-se que por meio de
suas práticas desenvolvidas, foi de exímia importância para o progresso da mulher na sociedade suscitando a autono-
mia feminina, abrindo espaços sociais, estabelecendo os valores do seu intelecto.
A Escola Doméstica de Brazópolis possibilitou à mulher brazopolense uma nova perspectiva, através de um currí-
culo com características da educação feminina proposta na Europa, que visava à transformação e progresso da sociedade
por meio da mulher nos lares, com fortes preceitos religiosos da época, assim enfatizavam a condição de mulher feita
para o lar e dona de casa próprias do contexto histórico daquela época e o progresso da sociedade através da educação
da mulher e suas influências dentro do lar e na família. Contudo, percebe-se a modificação da estrutura curricular na
linha temporal de funcionamento da escola, com a inclusão de matérias científicas e a possibilidade de formá-las para no
curso de Magistério, abrindo espaços para emancipação econômica e abertura no mercado de trabalho. Enfatizamos a
importância desta instituição para a formação social e profissional das alunas no município e região de Brazópolis, visto
que ocorriam matrículas de alunas de diversas cidades na instituição devido sua boa notoriedade.

Fontes
A NOITE: jornal mensal. Rio de Janeiro: mar., 1928. Acervo digital disponível na Hemeroteca Digital Brasileira.
Acervo Publico de Minas Gerais.
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Caderno de Actas de Exames e Promoção, registros de 1930 a 1936. Brazópolis. Disponíveis no arquivo da Escola Estadual
Wenceslau Braz. Acesso em abril de 2019.
Caderno de Actas de Reunião, registros de 1939 a 1965. Brazópolis. Disponíveis no arquivo da Escola Estadual Wenceslau Braz.
Acesso em abril de 2019.
Programa de Ensino Domestico e Agricola da Escola Domestica de Brazopolis. Disponível na Prefeitura de Brazopolis. Acesso
em abril de 2019.
O JORNAL: jornal mensal. Rio de Janeiro: dez., 1930. Acervo digital disponível na Hemeroteca Digital Brasileira.

Referências
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de Natal (1914 – 1944). Research, Society and Develpmant, v.7, n. 3, p.01-17, 2018

289
ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL, NA PERSPECTIVA
DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Orizeni Martins Vaz – UFG/RC-GO


Rita Tatiana Cardoso Erbs – UFG/RC-GO

Resumo: A pesquisa propõe a compreensão do Tempo Integral, a partir da narrativa de alunos do ensino mé-
dio do Colégio CEPI - Polivalente Dr. Tharsis Campos, em Catalão – GO. Tendo como fundamentação de estudos
acerca da educação integral e o tempo integral, consolidado no Manifesto do Pioneiro/1932, idealizado pelos per-
cursores da Escola Nova, que mais tarde sob as ideias de Anísio Teixeira, a escola de Tempo integral toma forma em
Salvador BA/1947-1950 pela “inauguração da Escola Parque - Centro Popular Carneiro Ribeiro. Onde o currículo
formal era trabalhado nas chamadas escolas classes, no turno inverso. Dados mais recentes demonstram a constitui-
ção de ideais de escolas “de” e/ou “em” Tempo Integral que foram implantados em algumas escolas, tanto no ensino
fundamental e ensino médio no Brasil. Por ser um tema ainda polêmico e gerador de divisão na opinião de educado-
res, gestores e comunidade como um todo, consideramos importante compreender uma proposta de escola em Tem-
po Integral dando voz aos alunos que vivenciaram/experienciaram a implantação do modelo em tempo integral na
sua escola. Nesse quesito o CEPI da PMG - Polivalente Dr. Tharsis Campos, foi escolhido para ser o locus da pesquisa
por ser uma escola de ensino médio que passou por duas transições, a primeira para implantação do Tempo Integral
e a segunda, que se caracteriza pela militarização da escola, resultante da falta de sustentação e estabilidade apenas no
modelo em Tempo Integral que passa de CEPI para CEPI da PMG – Polivalente Dr. Tharsis Campos. Nesse viés,
temos o objetivo de compreender o Tempo Integral, na perspectiva dos alunos do Ensino Médio, através das narrati-
vas dos alunos da 3ª série do Ensino Médio do colégio CEPI da PMG, bem como frente aos documentos norteadores
que fundamentam a modalidade da escola de Ensino Médio em Tempo Integral. No intuito de alcançar os objetivos
da pesquisa, os alunos serão convidados de modo voluntário conforme a metodologia da pesquisa, a qual, acontecerá
em dois blocos. O Bloco 1 será utilizado um Questionário/Diagnóstico, de questões abertas objetivando identificar
quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral no ensino médio. Bloco 2, as entrevistas a partir
de questões semiestruturadas aos alunos selecionados a partir da identificação no Bloco 1, são os alunos que ingres-
saram na escola entre 2013 a agosto de 2016 que ainda estão no Colégio e vivenciaram/experienciaram o processo
pós-implantação, já o processo da implementação do modelo em Tempo Integral do Programa Novo Futuro - CEPI
- Polivalente Dr. Tharsis Campos – em Catalão-GO. Nessa premissa, utilizando do método da pesquisa (auto)bio-
gráfica colhendo as potencialidades de diálogos entre o individual e o sociocultural, pois coloca em evidência o modo
como cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, seus valores, as suas energias, suas emoções para ir dando forma à
sua identidade, sua concepção, num diálogo com os seus contextos. É através da narrativa que as pessoas lembram
o que aconteceu, colocam a sua experiência em uma sequência que dão relevância para si, jogam de modo simbólico
com os eventos e acontecimentos na construção de sua subjetividade, na vida individual e a vida social. Através das
análises das narrativas dos alunos, juntamente com os documentos escolares pretendemos compreender o Tempo
Integral, no Ensino Médio, na rede Estadual de ensino, no município de Catalão-GO.
Palavra-Chave: Escola em Tempo Integral. Alunos no ensino médio. Pesquisa (auto)biográfica.

INTRODUÇÃO

A pesquisa com o tema: Escola em tempo integral, na perspectiva dos alunos do ensino médio, na qual partimos
do campo da História da Educação, utilizaremos como abordagem teórico metodológico a pesquisa (auto)biográfica,
na análise das narrativas dos alunos em Tempo Integral do Ensino Médio, no CEPI da PMG – Polivalente Dr. Thar-

290
sis Campos, na cidade de Catalão-GO., em que utilizaremos a análise dos relatos, a partir das entrevistas realizadas
com os alunos, com abordagem qualitativa, tendo em vista a “qualidade dos dados encontrados” (ANDRÉ, LUDKE,
1996). Nesse viés, nos referenciamos nas obras de Erbs e Abrahão, (2012), Bertaux (2010), Muyleart (2014), Abrahão
(2003), Manzini (2004), Anísio Teixeira (1962), (1957) e Dewey (1959) e, entre outros como fundamentação aos
apontamentos considerados pertinentes aos conceitos de narrativas enquanto método de investigação e análise dessa
pesquisa cientifica, bem como quanto ao histórico da escola em Tempo Integral no Brasil.
A pesquisa acontece com os seguintes encaminhamentos: Primeiro momento faremos a aplicação de um Ques-
tionário/Diagnóstico a todos alunos da 3ª série do ensino médio, com o intuito de identificar e selecionar os alunos
que vivenciaram/experienciaram ao modelo em Tempo Integral (anterior ao Militar), estes alunos considerados de
maior vivencia em Tempo Integral, que passaram pelo processo e/ou pós implementação do Programa Novo Futuro
– Ensino Médio em Período Integral, alunos que estão ainda na Unidade Escolar CEPI da PMG1.
Portanto a pesquisa a qual propomos traz como problemática: Como tem sido a percepção dos alunos do
Ensino Médio em relação a Escola em Tempo Integral e se essa relação tem contribuído com seu projeto de vida?
Objetivamos compreender e analisar a concepção de Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do Ensino
Médio. E, sobre esses quesitos vamos abordar no item seguinte de modo mais esclarecedor.

PROBLEMATIZANDO O PROJETO

O Projeto de pesquisa Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do ensino médio, perpassa pela
abordagem metodologia da narrativa (auto)biográfica, eis que entendemos quão relevante a utilização das fontes
teóricas para fundamentarmos e como primordial os relatos dos alunos, a voz que cada pessoa mobiliza seus conhe-
cimentos, seus valores, as suas energias, suas emoções, seus sentimentos, dando forma à sua identidade, sua concep-
ção, num diálogo com os seus contextos para essa pesquisa. Vale lembrar que em nossas buscas, em meio as leituras
conheceremos a proposta vigente (manual de Orientação do CEPI – Centro de Educação em Período Integral), para
compreender esse objeto de investigação “Tempo Integral no Ensino Médio”, em contrapartida as narrativas dos
alunos que serão as possibilidades de respostas a nossa investigação.
Em consequência de múltiplas questões geradas na Unidades escolar foco da pesquisa, como também sob as
medidas de reformulação da educação no Estado de Goiás – Pacto pela Educação Reforma Educacional em Goiás em
2012, gerido pelo secretário de educação estadual cria-se os CEPI’s (Centro de Educação em Período Integral), pela
Lei Nº 17.920/2012, revogada pela Lei Nº 19.687/2017. O Programa Novo Futuro, uma parceria criada pelo Governo
do Estado de Goiás com o estado de Pernambuco-PE juntamente com o ICE2 na elaboração do modelo de Escola de
Ensino Médio em Período Integral.
Ao final de 2012, a Secretária de Educação do Estado de Goiás juntamente com a Subsecretaria Regional de
Catalão e grupo Gestor do colégio Polivalente Dr. Tharsis Campos dá encaminhamento na organização dos tramites
para a implantação do Programa Novo Futuro – escola do Ensino Médio em Período Integral. A proposta em Tempo
Integral implementada no prédio do Colégio Polivalente Dr. Tharsis Campos, sob um momento de tensão, de muitos
desgastes – do quem fica/quem sai, do que adequa ou não ao perfil – angustias e inseguranças perpassam tanto pelos
funcionários, como pelos alunos, pois só permaneceram os alunos do ensino médio, seguindo com as incertezas da
implantação do novo modelo e também a insegurança dos pais em deixar seus filhos em um modelo incerto.
O processo de implantação ocorre através de reuniões, formação da equipe, Planejamento e otimização dos
espaços existentes no local.
Os momentos de otimização/organização/Formação/Planejamento se deu com equipe da SEDUC3 juntamente
com a equipe da escola de Tempo Integral de Pernambuco-PE, com vista a proposta de Tempo Integral no Ensino

1 CEPI da PMG – Polivalente Dr. Tharsis Campos, Colégio instituído sob duas modalidades: Tempo Integral e Militar.
2 ICE – Instituto de corresponsabilidade pela Educação.
3 SEDUC - Secretaria de Estado da Educação e Cultura, nomenclatura instituída na gestão do secretário de Educação do Estado de Goiás
entre 2011 a 2015.

291
Médio orquestrado pelo ICE. Em janeiro de 2013 inicia as aulas no CEPI – Polivalente Dr. Tharsis Campos, no mu-
nicípio de Catalão-GO.
No entanto, o que era para ser sanado com a implantação do modelo de Ensino Médio em Tempo Integral, não
aconteceu. Os problemas continuaram, a modalidade em Tempo Integral não consegue se manter, consolidar. As
promessas não são cumpridas, como, reformas estruturais, recursos humanos para atuar, falta de articulação/otimi-
zação e compromisso no cumprimento da implementação da proposta. A Secretaria de Educação, a Subsecretariada
Regional de Educação de Catalão sem articulação, nas questões de gestar o novo modelo, sem critério na seleção
profissionais para atender os déficits e a nova demanda, a escola sem recurso financeiro.
Em decorrência desses dissabores, docentes e equipe gestora vivenciam momentos de angustias, porém com a
carga de responsabilidade maior, agora o fracasso era da equipe, a falta de estrutura, a falta de profissionais (docentes),
falta de material pedagógico, adequando no improviso (de espaços, de atividades as vezes, duplicação de atividades
com o mesmo professor), a organização das atividades prevista para 09 horas/diárias, em atendimento com os alunos,
a otimização e o sucesso dependia da equipe que ali estavam. E, como não bastasse, resulta em outra mudança: em
agosto de 2016 o Comando de Ensino Militar em parceria com o governo do Estado e Secretaria Estadual de Estado
implanta o modelo miliar. Juntam-se os dois modelos no Colégio, torna-se então CEPI da PMG4 – Polivalente Dr.
Tharsis Campos.
Para tanto, essa pesquisa, surgiu a partir de algumas inquietações que foram geradas por minhas vivencias
durante o meu percurso profissional, mas que foi tomando forma de modo mais claro a partir dos trâmites e imple-
mentação da escola em Tempo Integral com a denominação de “Programa Novo Futuro – Ensino Médio em Tempo
Integral”. A oportunidade, a curiosidade e o desejo a partir desses movimentos dessas mudanças naquela escola. Nes-
se viés, proponho estudar acerca da Escola em Tempo Integral no intuito de compreender a concepção dos alunos
em relação a modalidade de escola de Ensino Médio em Tempo Integral, alunos que vivenciaram/experienciaram
o desenrolar da proposta, a qual está descrita nas Diretrizes de Orientações de forma modelar, e no nosso entender,
ninguém melhor para narrar as vias de fato dessa proposta, senão os alunos que estão ali.
Apontamos como problemática da pesquisa: Como tem sido a percepção dos alunos do Ensino Médio em rela-
ção a Escola em Tempo Integral e se essa relação tem contribuído com seu projeto de vida? Com o intuito de buscar
possíveis respostas a nossa problematização compreendendo o Tempo Integral na voz dos alunos do Ensino Médio
que vivenciaram/experienciaram o desenrolar da proposta. Como resultado pautamos em alguns referenciais teóri-
cos, leitura aos documentos norteadores da escola em Tempo Integral no ensino médio, com solidando nas análises
das narrativas objetivamos compreender a Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do Ensino Médio na
rede de ensino estadual, no município de Catalão-GO.

OBJETIVOS

Nesse Projeto de Pesquisa propomos a Compreender a Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do
Ensino Médio. Nessa perspectiva, 1 - Conhecer a escola em Tempo Integral na rede Estadual de ensino no município
de Catalão-GO., a partir dos relatos dos alunos e dos documentos norteadores; 2 - Identificar quem são os alunos do
Ensino Médio na escola em Tempo Integral; e, 3 - Analisar as narrativas dos alunos do ensino Médio na escola em
Tempo Integral.
Para alcançarmos os nossos objetivos propostos utilizaremos das narrativas (entrevistas) dos alunos, sendo que
esses sujeitos irão nos relatar a partir das suas vivências, o que é, como é a modalidade em Tempo Integral, que se
propõem 09 horas diárias em atividades aos alunos, estes que se dispões estar ali, ou seja, qual a contribuição dessa
modalidade na formação desses alunos, nos seus projetos de vida.

4 PMG - Policia Militar de Goiás.

292
ESCOPO TEÓRICO

Julgamos conveniente realizar um diálogo sobre a educação formal no Ensino Médio em Tempo Integral a
partir do conhecer a escola em Tempo Integral na rede Estadual de ensino no município de Catalão-GO; identificar
quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral e mediante da análise das narrativas dos alunos
do Ensino Médio na escola em Tempo Integral possamos compreender o Tempo Integral, na perspectiva dos alunos
do Ensino Médio.
Para tanto, entendemos conveniente iniciarmos nesse momento as discussões acerca dos conceitos, questões
eminentemente primordiais para fundamentarmos os conceitos abarcados na pesquisa, como o tempo o espaço, pe-
ríodo integral, juventude, bem como acerca da nossa abordagem metodológica Narrativa (Auto)Biografica a partir
das análises das narrativas dos alunos.
Na estrutura organizacional na escola em Tempo Integral, que o objetivo dessas questões na visão de Parente
(2008, p. 142-143), “devem ser debatidos no coletivo e primado para uma sociedade onde seu tempo/espaço requer
sobre seus resultados, [...] o tempo escolar interage o tempo individual, biológico, familiar, da cidade, do país.
Porém, Gallego (2008) diz que:

... um tempo escolar próprio que acabou por se impor à sociedade e influenciou os novos tempos sociais, de que
modo se contribuíram formas e cultura escolar que diferenciaram as normas e fazeres do praticados em outros
lugares sociais, como se elaborou um espaço escolar distinto dos outros espaços sociais identificáveis rapidamente
por sua arquitetura particular e, ainda como se constitui um corpo profissional com formação própria mediante a
criação e difusão das escolas normais (GALLEGO, 2008, p. 74).

Nesse viés, o tempo/espaço em uma escola do Ensino Médio em Tempo integral, a considerar a orientação da
proposta norteadora5 do Tempo Integral institui nove (09) h/a (horas/aulas) diárias revestidas em atividades discipli-
nares, seja na parte do núcleo básico comum e a parte do núcleo diversificado distribuído na Matriz Curricular, bem
como otimizado no calendário escolar que a todos que estão ali inseridos são convocados a interiorizar as normati-
zações regida desse modelo, que segundo Arco-Verde (2012) afirma quanto a interiorização:

...construção social e humana que deve ser aprendida e interiorizada. Os diferentes tempos sociais e os ritmos da
vida cotidiana constituem o contexto que determina sua aprendizagem. Um destes tempos sociais, nem sempre de
acordo com outros, é o tempo escolar, um tempo diferente e plural, um fato cultural. O tempo escolar oferece es-
truturas e organizações variadas, como a dos níveis, etapas, ciclos e cursos; a dos calendários letivos e acadêmicos;
a da distribuição semanal e diária das matérias e atividades, a dos horários (ARCO-VERDE, 2012, p. 85).

Nesses termos, Arco-Verde (2012) afirma que a construção social e humana deve ser aprendida e interiorizada
e considera tempo escolar como um desses tempos sociais, um fato cultural, um tempo plural oferecido pelas estru-
turas e organizações da múltiplas variáveis que é o tempo escolar. Como bem sabemos o modelo escolar de organiza-
ção interna da escola está presente desde a instituição das “escolas seriadas, na República” (BOTO, 2005, p. 64), e ao
reportarmos organização interna escolar hoje, deparamos com modelos que não foge muito do que foi. Para tanto,
cabe um desafio maior a escola de Ensino Médio em Tempo Integral ao dinamizar sua organização interna diferen-
ciando aos padrões convencionais, dando ênfase, remodelando o há na parte do Núcleo diversificado com múltiplas
estratégias, otimizando salas ambientais, focando nos alunos protagonistas para garantir a permanência dos alunos
na escola em Tempo Integral.
Portanto, a partir de algumas leituras, acerca do assunto Educação Integral e/ou Tempo Integral, no Brasil,
quando os percursores do Manifesto dos Pioneiros propõem a Educação Integral como um dos princípios de educa-
ção para aquela época, o ideário da Educação Nova – Manifesto dos Pioneiros (1932).
No que tange o documento do Manifesto dos Pioneiro, o percurso da educação no Brasil reivindicava uma educa-
ção integral, de estrutura orgânica, acessível a todos e todos os graus/níveis. Nessa mesma direção, a partir de algumas
5 Proposta norteadora - orientações operacionais das funções das equipes escolares dos centros de ensino em período integral do programa
novo futuro; orientação para elaboração do plano de ação do CEPI; plano de ação – 2014 e diretrizes operacionais da rede pública estadual
de ensino de Goiás 2016/2017 entre outros documentos afins.

293
leituras em que Anísio Teixeira, um dos percursores do Manifesto dos Pioneiros (1932), segundo Castro (2009) “pro-
jetou a em Período Integral, em Salvador/BA”, em 1950. Ele tinha um ideal de educação tendo como “ponto central do
ideal democrático residia no fato de dar a umas oportunidades iguais para que cada um se desenvolvesse pelas suas com-
petências e capacidades individuais” Evangelista (1993, p. 93). Esse ideário da Escola Nova na visão de Dewey (1959).
Segundo o Libâneo (2016), as políticas educacionais têm seu lastro em orientações de organismos internacio-
nais, desde a adesão do governo brasileiro às recomendações formais expedidas pelas Conferências Mundiais sobre
Educação para Todos e outros eventos patrocinados pela Unesco e Banco Mundial. Mas que segundo os dados apre-
sentados pelo MEC6, mediante aos resultados no IDEB desde 2007, vem nos demonstrando a ineficiência da apren-
dizagem em especial a educação no Ensino Médio.

METODOLOGIA

Na realização dessa pesquisa, utilizaremos como abordagem teórico metodológica a pesquisa (auto)biográfica,
buscamos as referências nas obras: Erbs e Abrahão, (2012), Bertaux (2010), Muyleart (2014), Abrahão (2003), Man-
zini (2004), Anísio Teixeira (1962), (1957), Dewey (1959) e Evangelista (2018), entre outros para a fundamentação
aos apontamentos considerados relevantes ao conceito de narrativas enquanto método de investigação e análise dessa
pesquisa cientifica.
Na coleta dos instrumentos acontecerá em dois momentos. Da aplicação dos questionários/Diagnósticos e das
entrevistas. Acontecerá em dois blocos. O Bloco 1 será utilizado um Questionário/Diagnóstico, de questões abertas
objetivando identificar quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral no ensino médio. Do
questionário/Diagnóstico resulta na seleção dos alunos (que vivenciam/experienciam o modelo em Tempo Integral).
No Bloco 2, as entrevistas a partir de questões semiestruturadas aos alunos selecionados a partir da identifi-
cação no Bloco 1, são os alunos que ingressaram na escola entre 2013 a agosto de 2016 que ainda estão no Colégio
e vivenciaram/experienciaram o processo pós-implantação, já o processo da implementação do modelo em Tempo
Integral do Programa Novo Futuro - CEPI - Polivalente Dr. Tharsis Campos – em Catalão-GO. Mediante a aceita-
ção dos alunos enquanto participantes na pesquisa e com os agendamentos das entrevistas, iniciaremos as entrevistas,
estas ocorrerão de modo individual, através de um roteiro semiestruturado, “onde não há imposição de uma ordem
rígida de questões”, mas mediante a um eixo, com questão geradora em que o entrevistado irá discorrer sobre o eixo
“proposto com base nas informações que ele detém” Ludke e André (1986, p. 33). As entrevistas serão a partir de um
roteiro previamente elaborado no formato semiestruturado que segundo Manzini (1990/1991):

...a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com per-
guntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstancias momentâneas à entrevista.
[...] esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicio-
nadas a uma padronização de alternativas [...] é possível um planejamento da coleta de informações por meio da
elaboração de um roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O roteiro serviria, então, além de
coletar as informações básicas, como um meio para o pesquisador se organizar para o processo de interação com
o informante (MANZINI, p. 154, 1990/1991).

Segundo Manzini (1990/1991), na elaboração de um roteiro para entrevista semiestruturada, este constitui de
perguntas focalizadas ao assunto em questão, mas que necessita de questões complementares inerentes ao momento
da entrevista, sem, contudo, de modo padronizado, de modo livre, mas que se chega os objetivos pretendidos. Nessa
premissa, após as entrevistas faremos as transcrições e descrições dos relatos, momento também de identificação
de dimensões das percepções dos alunos, só então, passaremos ao procedimento das análises e entrelaçamentos das
fontes com os documentos norteadores da escola em Tempo Integral em Goiás e com os referenciais teóricos. Só
então, mediante a análise feita possamos chegar às possíveis conclusões, e/ou possíveis resultados e respostas a nossa
indagação nessa Pesquisa.

6 MEC – Ministério da Educação e Cultura.

294
CONSIDERAÇÕES

Propomos pesquisar acerca da escola em Tempo Integral, no CEPI da PMG – Polivalente Dr. Tharsis Campos,
no município de Catalão-GO., para chegarmos ao objetivo que é Compreender a Escola Em Tempo Integral, na pers-
pectiva dos alunos do Ensino Médio, com vista a possibilidade de respostas e/ou resultados à nossa pesquisa é que
utilizaremos das narrativas dos alunos, dar vozes a esses jovens que vivenciam/experienciam por vias de fato a fun-
cionalidade do que é proposto e implementado pelo Programa Novo Futuro – Ensino Médio em Tempo Integral no
CEPI – Polivalente Dr. Tharsis Campos. Nesse sentido, participarão da pesquisa os alunos, aqueles que ingressaram
na escola entre 2013 a agosto de 2016 que ainda estão no Colégio e vivenciaram/experienciaram o processo pós-im-
plantação, já o processo da implementação do modelo em Tempo Integral do Programa Novo Futuro. Por considerar
o objeto relevante Escola em Tempo Integral, e contribuir com as concepções acerca do mesmo vamos ouvir os rela-
tos dos alunos, uma vez que entendemos que a narrativa (auto)biográfica constituem como método de pesquisa que
possamos colher as potencialidades do diálogos entre o individual e o sociocultural, pois coloca em evidência o modo
como cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, seus valores, suas energias, suas emoções, como vão dando forma
à sua identidade, sua concepção, um diálogo com os seus contextos. É através da narrativa que as pessoas lembram
o que aconteceu, colocam a sua experiência em uma sequência que dão relevância para si, jogam de modo simbólico
com os eventos e acontecimentos na construção de sua subjetividade, na vida individual e a vida social.
O que nos gerou a nossa pesquisa foi em decorrência dos vários eventos ocorridos naquela unidade educacional,
como as duas transformações que ocorreu na Unidade Educacional, uma muito próxima da outra, bem como o que
motivou essas transformações naquela instituição, desconsiderando todos que ali estavam e estão (comunidade escolar,
professores e alunos). Nessa perspectiva, o que esses alunos têm a narrar sobre a Escola em Tempo Integral? Nessa pre-
missa, no intuito de chegar a possíveis respostas e/ou resultados a partir das narrativas dos alunos vamos compreender
a escola em tempo Integral, na perspectiva dos alunos do Ensino Médio. Para tanto, utilizamos como aporte teórico
algumas obras, no intuito aprofundar nas referências teóricos acerca do conceituação das narrativas (auto)biográfica.
Nessa trajetória, acreditamos que a metodologia já está bem definida, uma vez para a produção das fontes, acon-
tecerá em dois blocos, iniciaremos com o questionário/Diagnóstico (participação voluntária), para primeiro identificar-
mos os alunos participaram da pesquisa e a partir da seleção dos participantes acontecerá as entrevistas. Sendo um ro-
teiro de entrevistas semiestruturados. Ainda contaremos com os documentos norteadores da Escola em Tempo Integral
para nos um certo parâmetro de como foi idealizado a estrutura organizacional dessa modalidade de ensino.

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www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf

296
A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM GOIÁS:
RECORTE HISTÓRICO DO BRASIL IMPERIAL

Rodrigo Silva Rocha – UEG Goiás1


Sandra Elaine Aires de Abreu – UEG Goiás2

Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educa-
ção, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás e tem como objetivo principal entender o período
histórico e o contexto em que se deu a transição da educação, inicialmente, ministrada por homens e, posteriormente,
também por mulheres no Estado de Goiás, a partir do recorte histórico do Brasil Imperial. Quanto aos procedimentos
metodológicos considera-se a aplicação de pesquisa bibliográfica, seguida por análise documental, tendo em vista a
necessidade de consultas a documentos direcionadores da educação no Brasil. Compreende-se que a atividade docente
no Brasil foi iniciada por homens, em particular jesuítas, no período colonial. A partir do Decreto Lei Imperial 1827
é possível vislumbrar algumas mudanças sociais que não, apenas, demonstraria a presença feminina na sala de aula.
Em outras palavras, as mulheres deveriam ser educadas, pois é delas a responsabilidade pela primeira educação dos/
as filhos/as. Após o anseio de vários atores masculinos, provenientes dos setores mais intelectualizados da sociedade,
houve a defesa da instrução feminina pautados na importância de capacitar as mulheres para a atividade exemplar de
esposa e mãe. Por outro lado, os primeiros relatórios ministeriais de 1831 a 1836 desmascaram a eficiência do Decre-
to Lei Imperial 1827 e denuncia o abandono da educação nas Províncias Imperiais. Contudo, não é possível alcançar
os resultados esperados da pesquisa sem considerar o processo de criação e expansão das escolas de primeiras letras
em Goiás, da constituição da carreira docente e do exercício do magistério. A partir do trabalho bibliográfico e da
análise realizada até o momento é possível observar a lacuna existente na exploração acadêmica referente à feminização do
magistério em Goiás e o estudo limitado de como transcorreu o trabalho docente exercido por homens também às mulheres
na sociedade goiana; a vagarosa inserção do estado de Goiás no contexto colonial que pouco influenciou nos moldes
educacionais da época; os primeiros registros educacionais de Goiás aconteceram em 1830, havia-se passados oito
anos do início do Período Imperial quando os primeiros conteúdos relacionados à educação começavam a serem di-
vulgados na cidade de Meia Ponte, atualmente, Pirenópolis; continuava às mulheres a responsabilidade de promover
os meios educativos das crianças, mesmo que pautadas no universo doméstico, na moralidade e nas tradições mas-
culinas, e por fim, mas não menos importante, a luta feminina pela equidade entre os gêneros arrasta-se por séculos
como uma forma de resistência a ideologia patriarcal e como ferramenta de transformação social.
Palavras-chave: Feminização. Magistério. Goiás.

Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educa-
ção, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás, cujo objetivo principal é entender o período his-
tórico e o contexto em que se deu a inserção das mulheres no magistério nas escolas de primeiras letras na província
de Goiás.
Debater tais questões reafirma a luta feminina pela equidade entre os gêneros que arrasta-se por séculos como
uma forma de resistência a ideologia patriarcal e como ferramenta de transformação social. Desde o momento que a
menina nascia, a sua educação era voltada para execução de um papel social pré-definido, aquele que deveria corres-
ponder às expectativas masculinas.
Segundo Almeida (1998, p.56), “nas casas mais abastadas as jovens recebiam de professores particulares algu-
mas noções elementares, mas dedicavam-se, sobretudo às prendas domésticas e à aprendizagem de boas maneiras”.
Isso demonstrava de forma evidente as aspirações para qual eram preparadas por toda a vida.

297
Ao longo do tempo, o abandono da educação nas primeiras províncias brasileiras, denunciado desde o início do
Império, vinculava-se, na opinião de muitos, à falta de mestres e mestras com boa formação. Reclamavam, então,
por escolas de preparação de professores e professoras. Em meados do século XIX, algumas medidas foram to-
madas em respostas as tais reclamos e, em algumas cidades do país, logo começaram a serem criadas as primeiras
escolas normais para formação de docentes (LOURO, 2017, p. 448).

O primeiro estado pioneiro a formar professores e professoras foi São Paulo. Com a instauração da Escola
Normal3, a princípio, destinada ao público masculino, supriu uma necessidade e um desejo feminino como a primeira
via de acesso da mulher à instrução pública escolarizada e que possibilitava o exercício de uma profissão. Ainda para
Almeida (1998, p.62), “a entrada das mulheres nas escolas normais e a feminização do magistério primário foi um
fenômeno que aconteceu rapidamente e, em pouco tempo, eram elas a grande maioria nesse nível de ensino”.
Com essa compreensão, e passado quase dois séculos, o trabalho docente é visto hoje como uma profissão
expressamente de mulheres. De acordo com os dados do Censo Escolar4 realizado em 2017, cerca de 2,2 milhões de
docentes atuam na educação básica brasileira e a maior parte dos docentes atua no ensino fundamental (63,8%). De
2013 a 2017, o número de docentes que atuam na educação infantil cresceu 16,4%. As professoras são maioria na
educação básica, representando 80,0% de todos os docentes e a maior parte dessas professoras (52,2%) possui mais de
40 anos de idade.
Ainda dentro do panorama dos docentes que atuam na educação infantil, o Brasil tem registrado 557,5 mil
professores, sendo que 96,6% dos docentes da educação infantil são mulheres. Dessas professoras, 54,4% têm menos
de 40 anos e apenas 1,8% das mesmas possuem mais de 60 anos.
Ao observar a lacuna existente na exploração acadêmica referente à feminização do magistério em Goiás e o estudo
limitado de como transcorreu o trabalho docente exercido a princípio por homens, também às mulheres na sociedade
goiana ao longo dos tempos, nota-se a possibilidade de emergir em uma pesquisa com destaque no Brasil Imperial,
pois a vagarosa inserção do estado de Goiás no contexto colonial pouco influenciou nos moldes educacionais da épo-
ca, como se vê no excerto abaixo:

Chega-se ao extremo de permitir que seja empregado ouro do quinto (sempre intocável) na ajuda a Mato Grosso
contra o avanço jesuíta, porque a tudo deve prevalecer a defesa e segurança da importantíssima fronteira de Mato
Grosso. [...] somos levados a pensar que os jesuítas constituíam em Mato Grosso e Goiás uma verdadeira potência,
capaz de por em perigo a mesma existência do estado. A realidade é decepcionante: a presença dos jesuítas em Goi-
ás e Mato Grosso era mais simbólica. [...] Tanto o governo de Lisboa, como os governadores em Goiás, insistem
em criar em manter o mito do perigo jesuíta. A história dos aldeamentos dos jesuítas em Goiás, porém, é breve e
melancólica (PALACÍN, 1983, p. 09).

Por um lado, as tentativas de colonização no novo território, nas primeiras décadas do século XVI, impulsio-
naram diversas mudanças, uma vez que, esse período é marcado pela imposição da língua, dos costumes, das crenças,
dos pensamentos e da educação do colonizador português, dado que uma das primeiras coisas que fizeram foi trazer
os jesuítas para “catequisar”, leia-se doutrinar, os/as indígenas. Logo, considera-se que a história da educação brasilei-
ra se inicia, formalmente, com a chegada desse primeiro grupo de jesuítas trazidos pelo primeiro governador geral do
Brasil em 1549. Para Saviani (2014, p. 26) “a inserção do Brasil no chamado mundo ocidental deu-se, assim, por meio
de um processo envolvendo três aspectos intimamente articulados entre si: a colonização, a educação e a catequese”.
Além disso, há relatos que a presença dos jesuítas em Goiás foi expressamente simbólica e a esse fato é dada a
responsabilidade pelo atraso educacional. Brzezinski (2008) atribui “a demora na implantação de escolas em Goiás
à sua localização geográfica, sua baixa densidade populacional (inferior a 20.000 habitantes, dos quais pelo menos
10.000 eram escravos), bem como seu pertencimento à província de São Paulo até 1749”.

3 Segundo BRZEZINSKI (2008), a Escola Normal tem sido identificada ao longo da história da educação brasileira como instituição
formadora de professoras para trabalhar em escolas frequentadas majoritariamente por crianças dos primeiros anos do Ensino Fundamental
e da Educação Infantil.
4 Levantamento de dados estatístico-educacionais de âmbito nacional realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação.

298
É indiscutível que o Período Imperial compreendido entre 1822 a 1889, marcado pelo ano da independência
política e também assinalada como a primeira forma de governo adotado no país independente foi um destaque na
história. Outro ponto característico dos reinados brasileiros dessa época foi à manutenção da escravidão, pois a proi-
bição da escravização só ocorreu em 1888 com a Lei Imperial n.º 3.353, um ano antes da Proclamação da República.
Ao contrário do que muitos pensam, a sustentação social do Brasil Imperial foi totalmente construída sobre o regime
de escravidão e, posteriormente, sobre os imigrantes europeus.
Ainda convém lembrar, que os primeiros registros educacionais de Goiás aconteceram em 1830. Ou seja, ha-
via-se passados oito anos do início do Período Imperial quando os primeiros conteúdos relacionados à educação
começavam a serem divulgados na cidade de Meia Ponte, atualmente, Pirenópolis. O jornal “A Matutina Meyapon-
tense”, considerado o primeiro periódico do estado, já se mostrava preocupado com a necessidade de um governo
constitucionalista, com a liberdade de imprensa e o seu papel na formação da opinião pública e com a instrução dos
cidadãos como meio de construção da nação (BARRA, 2011).
A discussão acerca da feminização do magistério no cenário nacional remete ainda ao surgimento das primei-
ras Escolas Normais no país. Como mencionado anteriormente, o estado de São Paulo foi pioneiro nessa iniciativa,
seguido pelo estado do Rio Grande do Sul. Para alguns, o aumento imponente das mulheres nas salas de aulas bus-
cando profissionalizar remetia a necessidade das classes serem regidas por “senhoras honestas”, visando atender a esse
aumento da demanda escolar. Para outros, as reformas intelectuais a favor da educação feminina deveriam promover
o desenvolvimento intelectual das futuras mães de família. Nessa direção, o magistério foi uma das maiores oportu-
nidades para as mulheres ocuparem o espaço profissional (LOURO, 2017).
Corroborando a tal processo, faz-se necessário sinalizar que as primeiras escolas no interior de Goiás, também
possuíam professores em seu quadro. A esse respeito, Lima (2015, p. 88) evidencia que “em 1854 o espectro da fome
impele as pessoas a uma saída para o plantio e sacrificar o resto. O presidente da Província de Goiás, Antônio Pereira
da Cunha remove o professor de Crixás para a vila de Traíras, surgindo o pronto fechamento da escola em regime
público de Goiás”.
A cidade de Crixás, por exemplo, teve a sua primeira escola pública instaurada em 1830 com mulheres em sala
de aula, pois a ideia padrão dos pais da época eram que as filhas não precisavam saber ler, precisavam, apenas, apren-
der atividades voltadas para o lar, como: costurar, cuidar da casa e dos filhos.

Encontramos informações sobre a Educação em Crixás desde 1831, onde na sede do munícipio se encontravam
as melhores escolas da região, por terem sido criadas aulas de primeiras letras, inclusive para meninas. Quando se
conservava o preconceito de sexo (mulheres não precisavam ler). Porém, estas aulas seriam administradas em casa
na presença da mãe (LIMA, 2015, p. 88).

Portanto, continuava às mulheres a responsabilidade de promover os meios educativos das crianças, mesmo
que pautadas no universo doméstico, na moralidade e nas tradições masculinas.
Ainda a respeito das escolas de primeiras letras, Abreu (2006, p. 30) menciona que “as escolas de primeiras
letras foram redesenhadas no decorrer do século XIX. O processo de institucionalização da escola primária esteve
diretamente relacionado com a extensão da demanda social pela aquisição das habilidades de ler, escrever e contar”.
Talvez essa narrativa da autora possa viabilizar futuras discussões em relação aos impactos sociais que a mudança do
trabalho docente exercido pelos homens propiciou na sociedade goiana.
De fato, o ponto de partida é o entendimento proposto por Louro (2014, p.96), “escrevo no masculino porque o
mestre que inaugura a instituição escolar moderna é sempre um homem; na verdade um religioso”. Ou seja, parte-se
do pressuposto que a atividade docente no Brasil foi iniciada por homens, em particular jesuítas, no período colonial
com a responsabilidade também de administrar as instituições de ensino instauradas por eles.
A construção educacional orquestrada por esses grupos de jesuítas que aqui se estabeleceram, promoveu ainda
uma sólida formação dos meninos brancos de classes dominantes da sociedade, haja vista, que a educação gratuita,
pública e direcionada para o atendimento da população de baixa renda é relativamente contemporânea.

299
Nessa direção, ao longo da metade do século XIX é possível vislumbrar algumas mudanças sociais que não,
apenas, demonstraria a presença feminina na sala de aula, mas também reforçaria a sua indispensável necessidade.
Em outras palavras, as mulheres deveriam ser educadas, pois é delas a responsabilidade pela primeira educação dos/
as filhos/as.
Outro fator existente está relacionado à implantação do regime republicano, que na época constatou-se um
terço do público feminino era analfabeto. Após o anseio de vários atores masculinos, provenientes dos setores mais
intelectualizados da sociedade, houve a defesa da instrução feminina pautados na importância de capacitar as mu-
lheres para a atividade exemplar de boa esposa e boa mãe. A essa reflexão, a autora Almeida (1998) complementa
significativamente com as reformas intelectuais a favor da educação secundária feminina da futura mãe de família:

A herança recebida de Portugal acerca da educação feminina teve suas origens num quadro ancestral herdado pela
mentalidade brasileira desde a Colônia. Mesmo após sua emancipação da Metrópole, o Brasil ainda continuou
veiculando seus pressupostos, aliando-se a essa mentalidade rígida, moralizadora e tradicional. A atenção sobre o
tema, embora se fizesse sempre presente, o era de uma forma que deixava explícito ser a educação necessária para
as mulheres, tendo em vista, primeiramente, a educação dos homens, e deveria ser uma educação ministrada no
lar, no recesso do universo doméstico (ALMEIDA, 1998, p. 57).

É preciso ter evidente também que o processo de feminização do magistério, além de sugerir à mulher uma
naturalização para o trato com as crianças, pode ser entendido como controle do Estado. Em verdade, o Estado nessa
figura masculina, e que é legislado por um homem, assume o poder de dominante e determina o que ensinar, como
ensinar e quem deve ensinar. Obviamente, as considerações de Louro em Mulheres na Sala de Aula (2017) possibi-
lita compreender como seria selvático entender a educação das meninas e dos meninos como processos únicos e/ou
como fator isolado.
De maneira um tanto peculiar, Floresta (1989) utiliza dados oficiais do ano de 1852 para realizar duras críticas
ao ensino educacional das Províncias do Império e da Corte. Dito de outra forma, desmascara a ineficiência da lei
vigente e do abandono da educação voltadas às meninas:

Acrescentemos agora ao medíocre número dessas escolas a confusão dos métodos, das doutrinas seguidas pelas
professoras, quase sempre discordes em seus sistemas e, como já observamos, em grande parte sem as necessárias
habilitações, e teremos, reduzido à expressão mais simples, o número da nossa população feminina que participa
do ensino público e o grau de instrução que recebe. [...] Quando o mesmo governo confessa, à vista de provas
autênticas, ser por toda parte do Brasil pouco lisonjeiro o quadro que apresenta o estado da instrução pública,
devemos nós regozijar-nos da marcha progressiva de nossa civilização? Cometeríamos um grande ato de injustiça
se, como aqueles seus apologistas, deslumbrados da perspectiva fosforicamente brilhante das reuniões de nossas
capitais – entre as quais tanto sobressaem as desta Corte, foco da civilização brasileira – esquecêssemos as nossas
meninas do interior das províncias, condenadas ainda à sorte de suas mães sob o regime colonial (FLORESTA,
1989 p. 83-85).

A inércia da organização do ensino na Província de Pernambuco era o reflexo da situação das demais Provín-
cias, sendo que algumas delas, até então, não havia tomado qualquer providencia no sentido de promover a educação
das mulheres.
Não é possível alcançar os resultados esperados da pesquisa sem considerar o estudo A Instrução Primária na
Província de Goiás no Século XIX apresentado por Abreu (2006), pois a sua abordagem clarifica no período do Brasil
Imperial o processo de criação e expansão das escolas de primeiras letras em Goiás, bem como o processo de consti-
tuição da carreira docente e do exercício do magistério.
Fica evidenciado que há um longo caminho a ser percorrido, mas ambos os apontamentos e a análise documen-
tal do período mencionado na história política de Goiás, somarão as intenções propostas para entender a construção
da política pública que se insere o magistério.

REFERÊNCIAS

300
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LOURO, G. L. Mulheres na Sala de Aula. In: DEL PRIORE, Mary (org.) & BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das
Mulheres no Brasil.10 ed. São Paulo: Contexto, 2017. p. 443-481.
PALACÍN, L. Sociedade Colonial: 1549-1599. Goiânia: EdUFG, 1981.
SAVIANI, D. Histórias Das Ideias Pedagógicas No Brasil. 4 ed. Campinas: Autores Associados, 2014.

301
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM GOIÁS A PARTIR DO PACTO
NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA:
UMA POLÍTICA VINCULADA AO CAMPO ACADÊMICO

Daniela Amélia de Moura1

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) no
âmbito político e acadêmico, a fim de compreender os motivos que levam uma política de alfabetização a ser substitu-
ída por outra, tal como compreender as relações acadêmicas existentes com o PNAIC, de modo que disseminem uma
formação de professores baseados em uma única epistemologia de alfabetização. Este artigo compreende uma análise
que tem como tema de estudo a formação continuada de professores alfabetizadores através do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). O PNAIC é uma iniciativa do Governo Federal com o objetivo de alfabetizar
todas as crianças das escolas públicas até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, denominado Ciclo de Alfabetiza-
ção. O estudo das propostas e vivências na prática pedagógica dos professores do programa em questão, o papel dos
gestores escolares, na figura dos coordenadores pedagógicos e o apoio à formação continuada destes professores é
a perspectiva deste trabalho. Na análise dos principais documentos que norteiam essa formação continuada. Assim
considerando-se o processo de formação continuada, pode-se afirmar que o mesmo apresentou significativas refle-
xões e possíveis mudanças nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas turmas de alfabetização, de forma a possibilitar
um repensar sobre as práticas da docência, incluindo-se as questões que são externas às escolas.
Palavras chaves: Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, formação continuada, política.

Introdução

Compreende uma análise que tem como tema de estudo a formação continuada de professores alfabetizadores
através do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Sendo uma iniciativa do Governo Federal com
o objetivo de alfabetizar todas as crianças das escolas públicas até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, denomi-
nado Ciclo de Alfabetização. O estudo das propostas e vivências na prática pedagógica dos professores do programa
em questão, averiguar o papel dos gestores escolares, na figura dos coordenadores pedagógicos e o apoio à formação
continuada destes professores sendo a perspectiva fundamental deste trabalho averiguar essa política vinculada ao
campo acadêmico. No ano de 2012, o governo federal, os estados e os municípios firmaram um compromisso de
alfabetizar todas as crianças, até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ciclo de alfabetização, considerando que,
no Brasil, os resultados de avaliações internas e externas revelam que muitas crianças concluem a primeira etapa da
escolarização (1º ao 3º ano) sem estarem alfabetizadas. Desenvolve-se então, um movimento, em âmbito nacional,
para enfrentar este problema, de tal forma que a alfabetização das crianças até o final do ciclo de alfabetização figura
entre as metas de pelo menos três importantes documentos ligados à educação: o Plano Nacional de Educação - PNE,
aprovado no ano de 2014 (meta nº 5); o Programa Todos Pela Educação, movimento da sociedade civil, elaborado no
ano de 2006 (meta nº 2) e os Planos Municipais de Educação.
O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) surge, neste contexto, como uma forma de contri-
buir com o esforço de garantir a alfabetização até o final do ciclo alfabetizador. O Programa está estruturado em qua-
tro eixos de atuação: Formação Continuada para Professores Alfabetizadores e Orientadores de Estudo; Distribuição
de Materiais Didáticos; Avaliação e Gestão, Mobilização e Controle Social. A formação continuada de Professores
Alfabetizadores e Orientadores de Estudo é o eixo central em torno do qual giram os demais. Busca-se, pela articula-
ção dos quatro eixos, o aperfeiçoamento da prática pedagógica do Professor Alfabetizador.

302
As ações deste programa respaldam-se na Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica, instituída pelo Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Como política nacional a formação con-
tinuada é entendida como componente essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da
escola, e pautar-se no respeito e na valorização dos diferentes saberes e na experiência docente. Logo, a formação
continuada se constitui no conjunto das atividades de formação desenvolvidas ao longo de toda a carreira docente,
com vistas à melhoria da qualidade do ensino e ao aperfeiçoamento da prática docente.
O meu envolvimento com o Pnaic teve início no ano de 2013quando as escolas do município de Ipiranga de
Goiás- GO de aderiram ao programa de Alfabetização na Idade Certa.
Em vista disso, com o propósito de reunir dados que possibilitassem uma melhor compreensão da proposta de
formação continuada e da pratica pedagógica dos professores que participam do PNAIC, busquei na literatura espe-
cializada fundamentos para contextualizar o problema de pesquisa.

Percurso metodológico da Pesquisa

Apresenta como objetivo principal analisar as concepções que norteiam a formação continuada desenvolvida
no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) delineia o materialismo histórico e dialé-
tico como princípio metodológico dessa pesquisa, priorizando assim, o movimento da totalidade social, significado
assim, entre outras questões, a possibilidades de perceber as condições concretas para a objetivação do gênero huma-
no na individualidade dos sujeitos e a superação das condições propostas na realidade atual, o materialismo histórico
dialético constrói um complexo caminho em direção à formação da consciência crítica, em nenhum memento de
modo conclusivo.
Portanto, a importância de considerar o trabalho dos professores alfabetizadores participantes da formação
do Pnaic e de seus formadores como sujeitos predominantes da pesquisa, isto é, tomar como ponto de partida o ser
social está presente nessa relação educativa. Assim no fundamento de analisar as dimensões que perpassam essa for-
mação continuada de professores, considerando uma verificação bibliográfica, documental e entrevistas; propõe-se
por meio do materialismo histórico e dialético o qual permite compreender apreensão de suas contradições na sua
totalidade e tendo o trabalho como princípio ontológico do desenvolvimento humano.

Breve histórico do PANAIC

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) foi instituído em 5 de julho de 2012, no Diá-
rio Oficial da União, pelo ministro de Educação, Aloizio 
Mercadante Oliva, que no uso de suas atribuições procede sobre o Ensino 
Fundamental de Nove Anos (2009) e abre a Portaria Nº 867, de 4 de julho de 2012.  A portaria do MEC, escla-
rece no artigo 5º, que a ação do pacto tem por objetivo 
I ‐ Garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de estejam alfabetizados, em Língua Portugue-
sa e em Matemática, até o 3ºano do ensino fundamental;
II ‐ Reduzir a distorção idade‐série na Educação Básica;
III ‐ melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB);
IV ‐ Contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos professores alfabetizadores; V ‐ construir pro-
postas para a definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três primeiros
anos do ensino fundamental. (PORTARIA Nº 867, Art.5º,2012).
No PNAIC, os entes governamentais (governos federais, do Distrito Federal, dos estados e municípios), com-
prometem‐se legalmente a: 

303
I. Alfabetizar todas as crianças em língua portuguesa e em matemática. 
II. Realizar avaliações anuais universais, aplicadas pelo Inep, junto aos concluintes do 3º ano do ensi-
no fundamental.
III. No caso dos estados, apoiar os municípios que tenham aderido às Ações do Pacto, para sua efeti-
va implementação. (BRASIL, s.d., p.11).
Segundo o PNAIC, a criança é alfabetizada quando compreende o funcionamento da escrita, domina a corres-
pondência entre grafema-fonema, lê, escreve e compreende textos escritos.
Já em 2013 o PNAIC, descreve que foram capacitados na área da linguagem, 313.599 professores alfabetizador
em curso com carga horária de 120 horas; em 2014 mais 311.916 profissionais, tendo como aspecto principal nesse
ano a formação em matemática, em curso com carga horária de 160 horas.
No entanto no ano de 2015, foram capacitados 302.057 professores em temáticas como Gestão Escolar, Currí-
culo, a Criança no Ciclo da Alfabetização e Interdisciplinaridade; em 2016, foram 248.919 alfabetizadores e 38. 598
coordenadores pedagógicos atendidos com carga horária mínima de 100 horas e com ênfase em leitura, escrita e
letramento matemático.
Desse modo a Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, a formação continuada de professores é compo-
nente essencial da profissionalização e da valorização docente, devendo integrar-se aos desafios da escola e pautar-se
no direito dos profissionais do magistério de buscarem atualização e aperfeiçoamento ao longo da vida.
Ao averiguar a situação da educação básica, a SEB reafirma a relevância de continuidade do PNAIC. Contudo
a sequência de políticas públicas deve ser encorada na pesquisa de evidências e em diversos outros recursos de ava-
liação, de maneira a produzir desenvolvimento e correção de rumos, sempre prevalecendo como norte o público.
Respectivamente ao se analisar o PNAIC, mediante experiências adquiridas, julga-se fundamental adotar uma estra-
tégia distanciada e associar a política nacional de forma a atender à pluralidade de arranjos federativos, valorizando
exemplos identificados em escolas, municípios e estados.

As estratégias formativas no pacto nacional pela alfabetização na idade certa no meio


acadêmico

Com o objetivo de desenvolver uma cultura de formação continuada individual e em rede, o PNAIC estru-
tura-se em vários eixos, sendo fundamentais o compromisso institucional e individual. Institucionalmente, conta
com apoio do Governo Federal e das Secretarias de Educação, que atuam como financiadores e apoiadores; conta
também com as universidades, que são parceiras na elaboração e execução das ações do programa. Individualmente,
há o conjunto de professores que optam por continuar o seu processo formativo e, para isso, recebem incentivos do
Governo Federal e de seus municípios de atuação. O trabalho desses professores recebe ainda o suporte dos Cader-
nos de Formação, utilizados nos momentos presenciais de formação, que servem de referência para todos os atores
envolvidos no PNAIC.
Esses cadernos foram elaborados de tal maneira que sua estrutura possa auxiliar o trabalho de formadores,
orientadores de estudo e professores alfabetizadores, sem, no entanto, constituir-se como uma amarra. Dessa ma-
neira, por exemplo, apesar de sempre haver sugestões para os encontros em grupo, deve-se entender que outros
caminhos, ditados pelas experiências e conhecimentos de cada grupo, podem e necessitam ser seguidos. Além deste
Caderno de Apresentação, há um Caderno de Princípios de Gestão e Organização do Ciclo de Alfabetização. Em
número de 10, os Cadernos de Formação são constituídos pelas seções: “Iniciando a Conversa”, “Aprofundando o
Tema”, “Compartilhando”, “Para Aprender Mais” e “Sugestões de Atividades”.
A formação continuada proposta pelo PNAIC tem reafirmado constantemente o papel do professor e a valori-
zação da sua identidade profissional, como um dos agentes de transformação da educação. No PNAIC, temos estuda-
do e refletido sobre diversos temas que suscitam mudanças na prática pedagógica e consequentemente possibilitam a
melhoria da aula ministrada, bem como temos rediscutido a prática e consolidado a teoria.

304
A construção da identidade não se dá de forma individual, solitária, mas na articulação com os demais profis-
sionais da escola: gestores, coordenadores pedagógicos e entre os próprios professores. Ela implica nas experiências
vivenciadas constantemente em sua prática pedagógica e na mobilização de conhecimentos.
A formação profissional do professor vai se constituindo na medida em que ele mobiliza os seus conhecimentos
pela articulação entre teoria estudada e prática vivenciada, superando o racionalismo técnico e a fragmentação do
conteúdo. Como você irá estudar com maior profundidade ao longo da formação do PNAIC deste ano, a interdisci-
plinaridade tem a potencialidade de produzir conhecimento quando estabelece relações entre o conteúdo ensinado e
a realidade social.
Pela interdisciplinaridade reafirma-se o papel do professor como profissional comprometido, capaz de tomar
atitudes diante dos fatos e situações problematizadoras do cotidiano escolar, e, principalmente, de interagir no senti-
do de contribuir para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem. Para isso, o professor necessita de formação
teórica crítica e de reflexão sobre o seu fazer pedagógico. Porém, isso não se dá de forma espontânea, mas, intencional
e sistematizada.
Tem-se clareza de que a formação inicial não dá conta da sala de aula, dos ritmos de aprendizagem dos alunos,
das influências externas e internas que a escola sofre e das diversidades e especificidades da educação brasileira. Para
que tenhamos condições de enfrentar os desafios que são postos diariamente na escola e superar as deficiências do
processo formativo, precisamos compreender que a prática é o ponto de partida e de chegada do processo de for-
mação. Para a educadora Ilma. Veiga (2008), o processo de formação é multifacetado, plural, tem início e nunca tem
fim. Para nós professores, a atividade docente requer uma constante formação e conhecimentos adequados para o
exercício profissional que possam ser utilizados na melhoria da ação docente.
Político e o educacional, o concreto e o contraditório nessa ligação. Envolvendo uma série de fatores que estão
diretamente ligados ao processo de formação dos docentes, sobretudo dos que atuam com a alfabetização. Apesar das
exigências desse processo formativo, os cursos de graduação, por sua constituição fragmentada, não garantem uma
formação completa aos profissionais que atuarão nas diversas séries dos anos de ensino. Esse problema é agravado
por aspectos externos à educação, como as questões financeiras e políticas, e pela ausência de uma política educa-
cional comprometida com a qualidade do ensino. Tudo isso contribui para que os índices de analfabetismo sejam
relevantes em nosso país. O PNAIC estrutura-se em quatro eixos: a formação continuada presencial, o suporte com
material didático, o processo de avaliação e da gestão e o da mobilização e do controle social. O objetivo principal
dessa ação conjunta é a erradicação de um dos maiores problemas educacionais do país, o analfabetismo, através do
investimento em formação continuada de professores. O caráter inovador desse programa, em seu trabalho com a
formação de professores, está em sua estrutura, que se organiza e funciona por meio do pacto entre universidades,
Secretarias de Educação estaduais e municipais e Ministério da Educação. O estado de Goiás aderiu a esse Pacto no
ano de 2013, através da Universidade Federal de Goiás, instituição responsável pela formação e pelo acompanhamen-
to dos professores dos 242 municípios pactuados. À equipe envolvida no projeto constitui-se, em sua estrutura, de
coordenadores adjuntos, supervisores, 19 professores formadores, 446 professores orientado- res de estudos e 9.011
professores alfabetizadores. Os encontros destinados à formação de professores através do PNAIC seguiram um cro-
nograma de atividades presenciais no polo Goiânia e, posteriormente, os professores.

Conclusão

Portanto essa proposta curricular e concepção de alfabetização tem sido propagada aos professores alfabeti-
zadores de nosso país e no estado de goiás através da parceria estabelecida entre o MEC e as universidades públicas,
que possuem a função de formar os professores formadores. Nessa análise real de fatos a vários questionamentos
fundamentados, a real necessidade de alterar uma política de formação de professores alfabetizadores. Os resultados
preliminares apontam algumas fragilidades na constituição desses programas, no entanto direcionam, também, para
uma reflexão mais aprofundada sobre as consequências que uma interrupção dessas ações promoverá no desenvolvi-
mento de todo o processo.

305
Pode-se também descrever que o Pacto tende-se ser visto, numa política neoliberal demonstrando como um
programa abrangente de ações que qualificam a educação. Ou seja, além da formação dos professores, compreende
a disposição de inúmeros materiais que subsidiam o trabalho do professor e se integram a programas como o Mais
Educação. Isso certifica uma maior permanência dos alunos na escola para que sejam agregadas mais oportunidades
de validação de sua aprendizagem.
Ao final da pesquisa pode-se destacar que a formação continuada do PNAIC permeia por uma ideologia de que
a escola pública deve estar sempre aberta ao novo, sendo capaz de oferecer aos alunos novas perspectivas na busca de
respostas às situações vivenciadas no dia a dia.
Ao professor, neste cenário, é necessária para construção de uma identidade profissional que esteja de acordo com
as exigências da sociedade atual. É importante destacar também a necessidade de uma gestão comprometida e engajada
na formação de profissionais que atendam as especificidades dos alunos na sociedade contemporânea. Ao coordenador
pedagógico é necessária uma visão abrangente e atualizada das demandas consideradas pertinentes ao favorecimento de
situações significativas de aprendizagem, visando uma aceleração da qualidade da educação na escola.
Então a formação continuada é necessária para a garantia de avanços na efetiva qualidade da educação e assim
estabelecer concepções e ações convergentes na comunidade escolar. Portanto isso somente irá acontecer se a escola
tiver uma direção comprometida, uma equipe pedagógica que também conheça os referenciais, acredite na proposta
e tenha tempo e compromisso para ajudar, acompanhar e assessorar os professores. Portanto, é preciso ter dentro da
escola uma equipe que dê suporte teórico e prático para que o trabalho dos professores em sala de aula aconteça, via
planejamento, já que o papel do coordenador pedagógico é acompanhar o trabalho cotidiano do professor.
Acredita-se ser fundamental a participação da direção, supervisão e coordenação no processo de formação
continuada em serviço, uma vez que, quanto maior for o envolvimento da equipe pedagógica, maior será a possibili-
dade que mudanças significativas ocorram na escola. As pessoas precisam falar a mesma linguagem, assumir posturas
comuns (VERDINELLI, 2007, p. 193).
Indispensável se faz dessa forma que o professor busque sempre avançar nas reflexões e na produção de conhe-
cimentos sobre os fundamentos epistemológicos que assegurem uma crítica da prática docente de forma a superar a
dicotomia entre a teoria e a prática, o discurso e a realidade.
Estudar é um que fazer exigente em cujo processo se dá uma sucessão de dor, de prazer, de sensação de vitórias,
de derrotas, de dúvidas e de alegria. Mas estudar, por isso mesmo, implica a formação de uma disciplina rigorosa que
forjamos em nós mesmos, em nosso corpo consciente (FREIRE, 2000, p. 41).
Partindo das ideias de Vygotsky (1993), pode-se considerar a docência como um processo contínuo de ensinar
e nos tornarmos educadores, a partir das relações que se estabelece com os alunos e com nossos pares em um contexto
que sempre se modifica através de nossa inserção nele.
Ao concluir a pesquisa deste artigo, compreende-se que há a necessidade de uma política global de formação e
valorização dos profissionais da educação que contemple de forma articulada e prioritária a formação inicial, continu-
ada e condições de trabalho. Portanto, é necessário investimento público massivo em políticas de profissionalização
e formação continuada de professores, de qualidade elevada.

REFERÊNCIAS

BRASIL, MEC. Lei n. 11.738/2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.
Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=10241&Itemid=>.
Acesso em: 30 nov. 2014.
BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Básica (SEB). Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa. Formação do professor alfabetizador. Caderno de apresentação. Brasília, DF: 2012.
BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Básica (SEB). Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. PNAIC. Disponível em: <http://
pacto.mec.gov.br/home>. Acesso em: 10 de jun. 2013. Brasília, DF: MEC, SEB, 2012.

306
BRASIL, MEC. Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012. Institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações
do Pacto e define suas diretrizes gerais. Disponível em: < http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/port_867_040712.pdf>. Acesso
em: 05 set. 2014.
BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Básica (SEB). Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa. Currículo na alfabetização: Concepções e princípios. Ano 1. Unidade 1. Brasília, DF: MEC, SEB, 2012.
CARRIJO VOLNEI PEREIRA, VIVIANE. Formação Continuada De Professores Alfabetizadores No Pacto Nacional
Pela Alfabetização Na Idade Certa ; . -- Brasília, 2016. 181 P.
CANDAU, V. M. F. Formação continuada de professores: tendências atuais. Magistério, construção cotidiana. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1999.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 16. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2000.

307
A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS

Bruna Lorrany da Silva Di Nápoli – FE/UFG

Este estudo relaciona a atuação docente na modalidade EJA às práticas ligadas especificamente à formação
inicial de professores no curso de Pedagogia. O presente estudo busca evidenciar como o Curso de Pedagogia da FE/
UFG aborda a modalidade EJA em sua grade curricular, bem como o estágio supervisionado abrange a formação ini-
cial para tal modalidade de ensino. Nesse sentido, o problema que está proposto para esta pesquisa consiste na busca
da compreensão da formação inicial de professores recebida no curso superior de Pedagogia e como este futuro pro-
fessor está sendo preparado para atuar na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. A importância de evidenciar
o lugar da EJA no curso de Pedagogia da FE/UFG e a identidade na qual este curso se respalda torna-se necessária na
medida em que, seja pelo fio histórico da formação de professores, seja pela operacionalização do estágio curricular
obrigatório, se pergunta sobre a identidade apreendida na formação do pedagogo e os desafios impostos pela atuação
na modalidade EJA. O objetivo geral do presente trabalho é analisar para compreender a formação inicial do profes-
sor recebida no curso de Pedagogia da FE/UFG visando a atuação na modalidade de ensino EJA, considerando que
os pedagogos são formados para atuarem nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o que inclui a modalidade EJA
na primeira etapa do Ensino Fundamental, com base nos teóricos que discutem a formação de professores no Brasil,
documentos que regulamentam o curso de Pedagogia e distam sobre a educação do país será analisado a formação
dos professores para a EJA. Além disso, realizar-se-á um percurso histórico sobre a formação de professor no Brasil
e em Goiás para que se possa buscar a compreensão da formação inicial do pedagogo no curso de Pedagogia da FE/
UFG. Para tanto, de acordo com Marcílio (2014), as raízes históricas do ensino público no Brasil estão carregadas
de tentativas e fracassos, descasos, descontinuidade, omissões, etc. Sempre na busca por modelos e métodos vindos
de outros países, a formação do professor nunca foi uma preocupação para as autoridades, tanto do governo quanto
da universidade. A apresentação histórica do curso de Pedagogia no Brasil, foi pautada no Parecer nº 3/2006 sobre
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia não esgota as discussões e estudos sobre este cur-
so necessário à formação de professores, que se preparam para lidar com todas as diferenças da vida cotidiana em
sociedade. Daí a importância de discussões e avaliações acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais. Assim, desde
a instituição da primeira Escola Normal no Brasil até os dias de hoje é possível perceber que a formação de profes-
sores no país passou por diversas reformas educacionais e metodológicas, mas que não foram tão satisfatórias para
a qualificação desta formação. É possível também, a partir dos dados da história da formação de professores, notar
a comercialização do ensino, na qual abrem-se escolas, institutos e faculdades particulares visando formar o maior
número de professores quanto a possibilidade de receber por isso. A oferta de uma formação de baixa qualidade im-
prime diversos diplomas habilitando profissionais inexperientes e consequentemente a improvisação da formação.
Buscando compreender o processo da formação de professores também no Estado de Goiás, pois é o lugar de onde
a presente pesquisa fala, uma vez que o Curso Superior de Pedagogia da FE/UFG localiza-se na capital deste estado
e também das escolas campo de estágio, é preciso retomar à primeira metade do século XX, na qual o movimento
escolanovista, por meio da Missão Pedagógica Paulista, trouxe para Goiás um grupo de professores com o objetivo
de atuar na formação dos professores goianos. Em Goiás, como também em outras partes do Brasil, a educação foi
pensada como meio para civilizar a população. Segundo apontamentos de Barra (2011), a intenção era de criar uma
identidade regional associando-se à nacional. Com o esboço histórico feito no decorrer do trabalho sobre a formação
de professores, pode-se perceber que ocorreram sucessivas mudanças neste processo, com descontinuidades, mas
sem rupturas. Vale ressaltar a falta de interesse por parte do profissional de se dedicar aos estudos contínuos para
aperfeiçoar na docência por não ter incentivo tanto financeiro como do próprio governo que não prevê melhorias

308
concretas para a área da educação. É preciso que se eleja a educação como máxima prioridade, definindo-a como o
eixo de um projeto de desenvolvimento nacional e, em consequência, carrear para ela todos os recursos disponíveis,
priorizando a educação, os setores básicos do país também se modificarão, pois com uma educação de qualidade para
todos, serão formados profissionais de excelência para compor as demais áreas fundamentais para uma sociedade ser
completa, nos quesitos saúde, moradia, lazer e economia.
A formação inicial de pedagogos voltada para a prática docente na modalidade de EJA compõe o tema desta
pesquisa, que tem por objetivo analisar para compreender como o curso de Pedagogia apresenta a EJA em sua grade
curricular bem como, de que maneira esta modalidade é proposta para os discentes do curso de Pedagogia, especifica-
mente, considerando que os pedagogos são formados para atuarem nas series iniciais do Ensino Fundamental, o que
inclui a modalidade EJA na primeira etapa do Ensino Fundamental.
O presente texto corresponde a um recorte da minha pesquisa de mestrado sobre a Educação de Jovens e Adul-
tos em Goiás e a perspectiva da formação de pedagogos para atuarem nesta modalidade. O problema da pesquisa sur-
ge de indagações tais como se forma o educador, professor? Que papel ocupa a experiência na formação do educador?
Segundo Pimenta e Lima (2007), o estágio é o eixo de formação de docentes a partir da análise, da crítica e da
proposição de novas maneiras de fazer educação. O estágio se constitui como um campo de conhecimento. A im-
portância do estágio é valorizar as trocas de experiências contribuindo para a formação de futuros professores que
poderão atuar numa sala repleta por pessoas que trazem a história de vida carregada de vivencia e experiência com o
mundo. Um mundo iletrado, mas que através daquela sala de aula ocupada por professores comprometidos que tam-
bém carregam consigo histórias e trajetórias de vida que fizeram com que se tornassem professores na EJA se trans-
formará em mundo capaz de ver melhor a partir das letras, da formação de sentido para diversas coisas que passavam
em vão e que foram levadas pelo tempo que não tiveram na escola, por motivos de sobrevivência, pois a maioria das
pessoas que compõem a EJA são aquelas que não tiveram oportunidade de estudar na idade certa.
O formato atual da Educação de Jovens e Adultos - EJA é parte de uma conquista construída de continuidades
e rupturas. Aqui se propõe compreender, de que modo, o estágio – parte da formação inicial do futuro professor
- lida com a modalidade da EJA. Ressalta-se que o estágio é relevante no decorrer da formação universitária e que
norteia o processo ensino-aprendizagem e os saberes que fundamentam a formação do professor, neste caso, o inte-
resse é a formação inicial do pedagogo, tendo em vista sua atuação na EJA. A partir do referencial teórico estudado,
compreende-se que o Estágio Supervisionado integra as disciplinas que compõe o currículo acadêmico, com caráter
formador, crítico-analítico, que se constroem pontes de conhecimentos elaborados durante o curso, pois propicia a
complementação do ensino-aprendizagem a serem planejados, acompanhados e avaliados, seguindo os instrumentos
curriculares, calendários escolares, e outros. Dessa forma, o estágio – espaço que congrega os saberes da formação
com a educação escolar, possibilita um espaço democrático de conhecimento e de postura tendente a assinalar um
projeto de sociedade menos desigual, o acesso a saberes diversificados.
Atrelado ao direito à educação está a formação de professores que tem a responsabilidade de educação de quali-
dade aos educandos que a buscam, em qualquer etapa da vida. Assim, esta pesquisa relaciona a EJA às praticas ligadas
especificamente à formação inicial de professores em cursos de Pedagogia com o foco no estágio supervisionado, o
acompanhamento do estágio pelo professor da universidade, assim como a supervisão do professor da escola não é
regra.
A partir de leituras sobre a formação de professores percebi a importância de investigar e pesquisar este tema,
uma vez que a formação inicial conduzirá o futuro professor à sua profissão. De acordo com os dois últimos censos
escolares realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira nos anos de 2016 e
2017, o número de matrículas na modalidade de EJA nas escolas municipais de Goiânia aumentou, sendo que no ano
de 2016 foram 20.893 alunos matriculados na modalidade de EJA presencial – ensino fundamental no município de
Goiânia. Já no ano de 2017 foram 21.438, um aumento de 2,60%. Considerando que, na rede municipal de Goiânia,
59 instituições ofertam EJA na etapa do ensino fundamental, além de 38 turmas de extensão que ofertam a modali-
dade em ambientes alternativos1, torna-se relevante a investigação proposta nesta pesquisa. Apesar do número de

1 Dados retirados do portal do fórum goiano de EJA: <http://forumeja.org.br/go/sites/forumeja.org.br.go/files/escolas_eja_sme_goiania_0.


pdf> acesso em 23/07/2018.

309
pessoas matriculadas, pois cada escola poderia ter 350 alunos matriculados na modalidade EJA, esta pesquisa torna-se
relevante tendo em vista a grande evasão, pois muitos alunos se matriculam na EJA, mas não encontram uma propos-
ta pedagógica condizente com o seu perfil. Outro ponto importante é que a pesquisa contribuirá para análises e re-
flexões da formação inicial dos pedagogos com vistas à atuação nos anos iniciais da escolarização de jovens e adultos.
O tema central deste estudo é a formação inicial de pedagogos voltada para a prática docente na modalidade de
EJA a partir da análise e compreensão do estágio supervisionado do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás – FE/UFG na modalidade de EJA. O trabalho está sendo desenvolvido desde o
ano de 2017, é vinculado à linha de pesquisa “Estado, Políticas e História da Educação”, Programa de Pós-Graduação
em Educação - PPGE/FE/UFG. O estudo também integra a pesquisa “Recortes da relação entre formação e atuação
docente no estágio curricular obrigatório do curso de Pedagogia” realizada no âmbito do Núcleo de Formação de
Professores – NUFOP.
Segundo Pimenta e Lima (2004), o estágio é o eixo de formação de docentes a partir da análise, da crítica e da
proposição de novas maneiras de fazer educação. O estágio se constitui como um campo de conhecimento. A im-
portância do estágio é valorizar as trocas de experiências contribuindo para a formação de futuros professores que
poderão atuar numa sala repleta por pessoas que trazem a história de vida repleta de experiências.
O formato atual da Educação de Jovens e Adultos - EJA é parte de uma conquista construída de continuidades
e rupturas. Aqui se propõe compreender, de que modo, o estágio – parte da formação inicial do futuro professor
- lida com a modalidade da EJA. Ressalta-se que o estágio é relevante no decorrer da formação universitária e que
norteia o processo ensino-aprendizagem e os saberes que fundamentam a formação do professor, neste caso, o inte-
resse é a formação inicial do pedagogo, tendo em vista sua atuação na EJA. A partir do referencial teórico estudado,
compreende-se que o Estágio Supervisionado integra as disciplinas que compõe o currículo acadêmico, com caráter
formador, crítico-analítico, que se constroem pontes de conhecimentos elaborados durante o curso, pois propicia a
complementação do ensino-aprendizagem a serem planejados, acompanhados e avaliados, seguindo os instrumentos
curriculares, calendários escolares, e outros.
A partir desta compreensão de organização do trabalho, o primeiro capítulo se constitui pela trajetória da for-
mação de professores no Brasil, uma vez que de acordo com Scheibe (2008), em seu texto sobre a História da Forma-
ção de Professores no Brasil, publicado na revista Retratos da Escola, ela nos diz que o estabelecimento da república
no país é o marco para a compreensão da formação do professor, considerada como estratégica para a construção do
projeto nacional em desenvolvimento. (p. 41). Ainda de acordo com Scheibe (2008), a identidade do professor, pelo
seu potencial na produção de uma determinada moral individual o que é crucial para o estabelecimento ou reformu-
lação dos objetivos econômicos, sociais e culturais definidos, torna-se um alvo efetivo por parte do estado.
O documento “Projeto de Estágio Supervisionado na Educação Infantil e nos anos Iniciais do Ensino Funda-
mental” do curso de Pedagogia da FE/UFG, assim como o Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia (2003),
compreende o ensino-aprendizagem profissional no campo de trabalho, sob a supervisão de um professor da insti-
tuição formadora e a participação dos profissionais do campo de estágio. Prevê o estágio em todas as modalidades
de ensino, inclusive na EJA. Tornando claro o direito subjetivo que todos têm de requerer a volta aos estudos em
qualquer etapa da vida. O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200 horas de efetivo
trabalho acadêmico, sendo 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o
projeto pedagógico da instituição. (Resolução CNE/CP, nº 1, 2006, p. 4).
Em relação à formação de professores para atuarem na EJA, Soares (2008), expõe que a profissionalização do
educador de EJA tem se tornado cada vez mais nuclear, tanto nas práticas educativas quanto nos fóruns de debate.
(p.2). Com base na ação do voluntariado, a primeira Campanha Nacional de Educação de Adultos no Brasil, lança-
da em 1947, passou a ser sistematicamente criticada por não preparar adequadamente professores para trabalhar
com essa população. Foi somente nas últimas décadas que o problema da formação de educadores para EJA ganhou
dimensão mais ampla. Nesse sentido, segundo Soares (2008), a formação dos educadores tem se inserido na proble-

310
mática mais ampla da instituição da EJA como um campo pedagógico específico que, desse modo, requer a profissio-
nalização de seus agentes.
Entretanto, não se pode desconsiderar os diversos aspectos que têm influência sobre o trabalho do professor. As
próprias condições socioeconômicas e culturais em que o professor é formado, e ainda, nas quais ele atuará enquanto
profissional, são elementos que senão determinantes no processo educativo, têm forte influência sobre ele, e mais,
sobre o próprio andamento da realidade escolar. O professor na sua prática precisa considerar e respeitar os saberes
prévios dos educandos e ter consciência de que o ato de ensinar não é uma transferência de saberes, mas uma troca
de conhecimentos que possibilita novas aprendizagens – é um fazer juntos. (AMIGUES, 2004, p.47). Neste sentido,
todos os elementos que constituem o trabalho do professor da EJA, por exemplo, impactam na pratica pedagógica.
As ações das universidades com relação à formação do educador de jovens e adultos ainda são tímidas, con-
siderando que a EJA tem ocupado espaço relevante nos debates educacionais. Trabalhos acadêmicos analisados por
Machado (2000) alertam que a formação recebida pelos professores, normalmente por meio de treinamentos e cursos
aligeirados, é insuficiente para atender às demandas da Educação de Jovens e Adultos. A autora afirma que “há um
desafio crescente para as universidades no sentido de garantir/ampliar os espaços para discussão da EJA, seja nos cur-
sos de graduação, seja nos de pós-graduação e extensão” (MACHADO, 2000, p. 16). Nesse sentido, a autora conclui
que, para se desenvolver um ensino adequado a esse público, é necessário uma formação inicial específica consistente,
assim como um trabalho de formação continuada.
Com a análise da tabulação dos questionários, dos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas que ofertam EJA
esperamos aprofundar na questão da problemática que envolve a formação do pedagogo no âmbito da formação
inicial. Esperamos também evoluir no diálogo entre as instituições envolvidas na formação dos professores (univer-
sidade e secretaria), tendo como principal ator o professor supervisor, uma vez que este acolhe futuros pedagogos em
seu ambiente de trabalho auxiliando também em sua formação profissional.
A EJA precisa de um espaço definido na escola em relação à formação de professores que possam lidar com
essa modalidade da educação básica, uma vez que os professores são formados para atuarem na educação básica, mas
uma educação para crianças e adolescentes, um público diferente tanto na idade como na maturidade de ideias e po-
sicionamentos. Trabalhar na EJA é defrontar com especificidades que implicam diretamente no trabalho de ensino
do professor levando-os a criar e recriar alternativas para enfrentar essa realidade no cotidiano da escola. É preciso
entender a Educação de Jovens e Adultos constituída como um campo pedagógico próprio e analisá-la na perspectiva
da formação de seus professores. Para compreender a formação de professores para a EJA é necessário que se faça
um recuo na história da formação de professores no Brasil para analisar a presença ou não da necessidade de ter em
cursos de formação de professores e o modo como estes contemplam que abranjam a modalidade da EJA.

CONSIDERAÇÕES

Os sujeitos desta pesquisa estão diretamente ligados ao curso de Pedagogia o qual os prepara para atuarem
como pedagogos na Educação Infantil anos Iniciais do Ensino Fundamental como também em áreas que requer co-
nhecimento e possui campo para o pedagogo. Tendo como princípio norteador2 de sua formação o trabalho docente
nos contextos escolares e não escolares. Segundo Libâneo (2002, (p.38).), o curso de Pedagogia deve formar o peda-
gogo stricto sensu, isto é, um profissional qualificado para atuar em vários campos educativos
2 A reformulação curricular busca assegurar, pois, a concretização dos seguintes princípios norteadores da formação do pedagogo:
O processo educativo como parte integrante da realidade sócio-histórico-cultural;
O trabalho docente como eixo da formação do pedagogo nos contextos escolares e não escolares;
Uma formação teórica solida que permita compreender, de forma crítica e rigorosa, a sociedade, a educação e a cultura;
A unidade entre a teoria e pratica;
A indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão e a articulação entre a graduação e a pós-graduação;
A pesquisa como uma dimensão da formação e do trabalho docente, visando à inserção crítica do licenciado, na esfera da compreensão e
produção do saber;
A autonomia dos trabalhos docente e discente;
A interdisciplinaridade na organização curricular.

311
Para esta pesquisa, foram analisadas as respostas dadas ao questionário 3 de um projeto de pesquisa sobre os
sujeitos do estágio, em que alunos do último período do curso de Pedagogia 2014-2017 do turno matutino e noturno
responderam a questões fechadas e abertas sobre aspectos da formação inicial e prática na perspectiva do estágio na
formação docente. As questões do questionário seguiram uma estrutura, na qual inicialmente foram tratadas ques-
tões de cunho pessoal dos respondentes como faixa etária, sexo e rotina. Inicialmente a análise trata das questões de
cunho pessoal dos alunos julgadas pertinentes para a pesquisa.
Com as análises realizadas é possível perceber que os alunos possuem dificuldades quanto a atuação, metodo-
logias, pouco tempo de estágio e para a preparação das regências, falta de aprofundamento nas modalidades de EJA,
Educação Infantil e Educação Inclusiva. Nesse sentido é necessário que se entenda que em toda sala de aula haverá
diferentes formas de o professor apresentar o conteúdo que está proposto em uma determinada ementa de uma
disciplina. Assim para que se possa ultrapassar a superficialidade do ensino, é preciso entender que, de acordo com
Coêlho (p.118-119), a sala de aula não será jamais o espaço da rotina, da mera repetição do que os outros disseram,
mesmo que estes sejam autores “famosos”, clássicos. Pensando sobre o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da
FE/UFG, é importante enfatizar que um projeto de formação precisa abranger condições que garantam a dinâmica
do conhecimento por meio de um constante repensar a realidade.
É importante que se considere as respostas dadas pelos alunos do curso de Pedagogia sobre a proposta curricu-
lar, pois é analisando como os alunos percebem e recebem o conhecimento em sala de aula que se pode até reestru-
turar as ementas das disciplinas ministradas. Gatti (2009) adverte que é vasta a complexidade curricular exigida para
o curso de Pedagogia. Notando-se, pelas orientações da Resolução nº 1 de 15/05/2006, a dispersão disciplinar que
se impõe em função do tempo de duração do curso, sua carga horária e a formação que deverá propiciar. Praticando
o exercício da autonomia, a Universidade, em geral, constrói a proposta curricular de um curso coletivamente, com
base teórica e fundamentação no contexto de sua intencionalidade formativa.
Na análise de uma proposta pedagógica Gatti (2010, p.136), ressalta a necessidade de analisar se os documentos
curriculares contemplam “[...] a concepção de um profissional que tem condições de confrontar-se com problemas
complexos e variados, estando capacitado para construir soluções em sua ação, mobilizando seus recursos cognitivos
e afetivos”. O futuro pedagogo precisa aliar a base teórica apreendida em seu curso superior às práticas pedagógicas
na escola ou em outros campos que poderá atuar.
Por outro lado, é preciso que a proposta pedagógica esteja organizada de forma “integrada”. Ludke & Andre
(1986) consideram que ao analisar documentos se tem uma fonte natural de informações contextualizadas que surgi-
ram num determinado tempo histórico e, por isso, fornecem dados específicos deste contexto no qual foram criadas.
Assim, no processo de conhecimento, é imprescindível a inter-relação entre teoria e prática nas diferentes áreas,
levando as disciplinas a se “interatuarem” como partes de um todo que se completam. A produção do conhecimento
será o resultado obtido deste processo formativo. Compreender os problemas encontrados na formação docente e os
atuais desafios da educação básica é necessário que perpassem, de acordo com Veiga, (2002, p.70), [...] por questões de
ordem conceitual sobre a formação, objetivos, a lógica norteadora do processo, núcleo orientador, concepção de pro-
fessor e as relações entre a teoria e prática, ensino/aprendizagem, ensino/pesquisa. Veiga (2002, p. 82) ainda afirma
que o referencial para as propostas de formação dos professores visa a construção coletiva de um projeto alternativo
capaz de contribuir, cada vez mais, para o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos.
Formar professores para atuarem nas diversas modalidades é muito importante, uma vez que cada modalidade
possui especificidades e particularidades fazendo com que a atuação docente seja pensada de diferentes maneiras,
bem como sua prática em sala de aula. Discutir sobre a formação dos profissionais da área da educação nos remete a
debates entre os próprios profissionais e estudiosos da área, a qualidade do ensino ministrada nas diversas modalida-
des. É preciso que os cursos de formação de professores se sustentem por projetos pedagógicos comprometidos com
a qualidade desse processo de formação. A profissão professor implica em uma variada natureza dos conhecimentos,

3 Este questionário constitui-se como um dos instrumentos da pesquisa “Recortes da relação entre formação e atuação docente no estágio de
Pedagogia, fazendo parte especificamente do Eixo: Sujeitos do Estágio”. Compõe-de 32 questões (questões de múltipla escolha e descritivas).
Elaborado a partir das discussões realizadas no grupo de estudos do NUFOP. Os questionários compõem o banco de dados do NUFOP,
portanto de acesso a membros do núcleo.

312
englobando teoria e prática e a vivencia destes profissionais em seu campo de atuação, as salas de aulas das escolas que
fazem parte do campo de atuação dos professores. Dessa forma, a presente pesquisa buscou analisar como o estágio
obrigatório do curso de pedagogia da FE/UFG é considerado pelos alunos que o cursam, especificamente aqueles
alunos/estagiários que cursam o estágio em escolas campo que ofertam EJA.
A análise documental demonstrou-nos o quanto é necessário ouvir o aluno enquanto estagiário e ao longo de
seu curso superior. Ouvindo suas proposições, experiências, anseios e críticas será possível repensar ou sistematizar
a proposta pedagógica dos cursos de licenciatura (pedagogia) objeto de estudo deste trabalho. Apresentamos, com o
resultado das análises, tanto da tabulação quanto dos gráficos, apontamentos feitos pelos alunos quanto ao curso de
pedagogia da FE/UFG e ao estágio supervisionado ofertado no curso. Os professores supervisores, parte importante
na formação de novos pedagogos também participaram da presente pesquisa, mostrando que a parceria Universi-
dade e Escola Campo é fundamental para uma formação concreta embasa na teoria e prática que a pedagogia exige.
A análise dos dados das respostas obtidas relacionadas aos professores supervisores será o próximo passo da escrita
deste trabalho.
O que objetivamos neste trabalho foi apresentar a EJA no curso de Pedagogia, de que maneira é abordada. Per-
cebemos que falta aprofundamento para esta modalidade, uma vez que a maioria dos alunos tem contato com a EJA
ou no estágio supervisionado, no turno noturno, ou em alguma disciplina de núcleo livre, e também se ingressarem
em algum grupo de pesquisa que envolva a temática desta modalidade. A partir do projeto pedagógico do curso de
Pedagogia da FE/UFG que traz à docência como base da identidade do curso de pedagogia, surgem questionamentos
de como a docência em sua concepção está abarcando todas as disciplinas/conteúdos para a formação de novos peda-
gogos? Esta concepção visa a formação dos professores nas diversas modalidades de ensino? Se tratando especifica-
mente deste objeto de pesquisa, a docência como base da identidade do curso de pedagogia aborda questões que nos
levam a compreender e repensar o currículo para os cursos superiores em licenciatura?
Para a continuidade a escrita deste trabalho pretende-se analisar as ementas das disciplinas reformuladas a
partir do Projeto Político do curso de pedagogia da FE/UFG 2003, com vistas a perceber a EJA, se está presente ou
não nos conteúdos ministrados nas diversas disciplinas da grade curricular do curso. Uma vez que a EJA como moda-
lidade de ensino deveria estar presente em todas as disciplinas. Bem como prosseguir nas análises dos questionários,
trazendo teóricos para endossar a discussão sobre o estágio supervisionado, os estagiários e professores supervisores
das escolas campo que recebem os alunos/estagiários do curso de pedagogia da FE/UFG na modalidade EJA. Este
processo de pesquisa é sempre dinâmico, uma vez que não se esgota aqui, pois faz parte da Instituição discutir fre-
quentemente sobre a grade curricular do curso e as melhores maneiras de apresentar todas as disciplinas as quais
auxiliarão o pedagogo em sua prática diária em sala de aula ou em ambiente escolar.

REFERÊNCIAS

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Rachel Machado. Londrina. Eduel, 2004.
BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. 2006.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: no 5.692/71. Brasília, 1971.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: no 9394/96. Brasília, 1996.
______. Parecer CEB/CNE 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. 2000.
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enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008.
LIMA. Telma Cristiane Sasso; MIOTO. Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico:
a pesquisa bibliográfica. Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. esp. p. 37-45, 2007.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, EPU, 1986.

313
MINAYO, M. C.O desafio do conhecimento. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1994.
MACHADO, M. M. A prática e a formação de professores na EJA: uma análise de dissertações e teses produzidas no período de
1986 a 1998. In: Reunião anual da ANPED, 23, 2000, Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, Caxambu,
2000. (Edição eletrônica).    
PIMENTA, Selma. O Estágio na Formação de Professores: Unidade Teoria e Prática?
São Paulo: Cortez, 2004.
SOARES, Leôncio. O educador de Jovens e Adultos e sua formação. Minas Gerais, 2008. Educ. rev.  no.47 Belo Horizonte June 2008.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982008000100005> Acesso: 25/07/2018.
SCHEIBE, Leda. Formação de Professores no Brasil: a herança histórica. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 41-53,
jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>

314
A GÊNESE DA INSERÇÃO EDUCACIONAL E SOCIAL DO SURDO
EM GOIÁS: CAMINHOS E PROCESSOS DA DÉCADA DE 1950 ATÉ A
CONSOLIDAÇÃO DA LIBRAS NO BRASIL

Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida1


Paulo Cesar Soares de Oliveira2

RESUMO: O presente estudo é parte integrante do projeto de pesquisa em doutoramento pela Pontifícia Uni-
versidade católica do estado de Goiás do Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação que tem como área
de concentração o estudo em Educação e Sociedade, na linha de pesquisa Educação, Sociedade e Cultura. O estudo
ainda em desenvolvimento em sua fase inicial objetiva pesquisar a gênese do processo educativo do surdo em Goiás, a
partir da década de 1950, na busca dos caminhos e processos por ela percorridos até a consolidação desta modalidade
educacional em Goiás tendo como marco a aprovação da Libras pela Lei N.º 10.436 de 21 de abril de 2002. Este es-
tudo caracteriza-se como Pesquisa Bibliográfica, priorizando produções cientificas relacionadas à memória, história
oral de vidas de surdos, seus processos educacionais e sua inserção social no Brasil e principalmente em Goiás. Para
abarcar o recorte espaço temporal proposto, e de suma importância realizar o estado da arte desta temática, nacional,
regional e local na busca de estudos realizados. Como o recorte temporal e de mais de meio século vários órgãos e
intuições públicas e privadas são por ele analisadas como: Associação dos Surdos do Estado de Goiás, SEDUCE-GO,
SME-Goiânia, MEC/INEP, CAS-GO, Sociedade Pestalozzi de Goiânia, APE-Goiânia, Instituto Nacional de Educação
de Surdos- INES-RJ, IES, entre outras. Soma-se a estas o destaque a memória e a história oral observando à narrativa
dos sujeitos surdos, que participaram da história das instituições de ensino goianas. Este processo busca escrutinar,
os relatos produzidos cientificamente, as memórias individuais e coletivas, dos marcos, das lutas e das conquistas dos
surdos, familiares, professores e intérpretes ouvintes que compõem a totalidade dessa comunidade goiana.
PALAVRAS-CHAVE: História da Educação. Memoria. Educação de Surdos.

INTRODUÇÃO

O tema central deste estudo é a busca da gênese do processo educativo do surdo em Goiás, a partir da década
de 1950, quando o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES/RJ) passa por uma reforma de descentralização
de suas ações pedagógicas, fomentando a criação de instituições em várias regiões do país. Pretende-se pesquisar os
caminhos da educação dos surdos em Goiás de 1950 até aprovação da Libras pela Lei N.º 10.436 de 21 de abril de 2002
como línguas oficial de comunicação da comunidade surda brasileira. Sendo esta oficialização uma conquista em que
a comunidade goiana teve grande participação (BRITO, 2013).
Os motivos que moveram a escolha deste tema surgiram de experiências e circunstâncias marcantes obtidas
na vida pessoal e profissional, de mais de três décadas como intérprete de Libras e militante do movimento surdo,
tendo o privilégio de viver e conviver com a comunidade surda, desde os anos de 1980. Outra motivação diz respeito
à minha atuação na educação de surdos, nas diferentes etapas de ensino, como ouvinte em cursos da Educação Profis-
sional, além de participar da formação inicial e continuada de professores. O presente estudo vem articular a minha
inserção na comunidade surda às experiências vivenciadas na área da Educação no estado de Goiás, na formação
de professores e no Ensino Superior, bem como o anseio de, como historiador, devolver para a comunidade surda
goiana um registro científico acadêmico de um processo que é parte integrante de uma história de vida profissional
e acadêmica.

315
Para levantamento das fontes comprobatórias, pretende-se, por meio do recorte espaço temporal proposto,
realizar o estado da arte desta temática, tanto nacional como regional e local na busca de estudos realizados, fontes
e documentos oficiais. Soma-se a estas o destaque que se pretende dar a história oral observando à narrativa (depoi-
mento) dos sujeitos surdos, que participaram da história das instituições de ensino (extintas e atuantes) e das associa-
ções e movimentos sociais goiano.
Este processo pretende escrutinar os relatos dos surdos, suas memórias individuais e coletivas, os depoimentos
dos marcos, das lutas e das conquistas. Além disso, pretende-se, ainda, buscar, coletar e catalogar fontes imagéticas.
Tais itens deverão ser coletados junto aos surdos, aos familiares, aos amigos, aos professores e aos intérpretes ouvin-
tes que compõem a totalidade dessa comunidade goiana.
O presente estudo é parte integrante do projeto de pesquisa em doutoramento pela Pontifícia Universidade
católica do estado de Goiás do Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação que tem como área de con-
centração o estudo em Educação e Sociedade, na linha de pesquisa Educação, Sociedade e Cultura. A pesquisa maior
ainda se encontra em desenvolvimento, mas o presente artigo, pertencente a sua fase inicial de pesquisa bibliográfica
e objetiva compreender a gênese do processo educativo do surdo em Goiás, a partir da década de 1950, na busca dos
caminhos e processos por ela percorridos até a consolidação desta modalidade educacional em Goiás tendo como
marco a aprovação da Libras pela Lei N.º 10.436 de 21 de abril de 2002.
Este estudo caracteriza-se como Pesquisa Bibliográfica, mas futuramente pretende escrutinar os bancos de
dados dos órgãos e intuições públicas e privadas de Goiás configurarão um outro local de fontes documentais oficiais
e imagéticas, bem como as brasileiras, que estão ligadas à inserção social, educacional e à saúde do sujeito surdo.
Instituições como: clínicas, escolas, faculdades, asilos, casa de longa permanência, acervos documentais e imagéticos,
pessoais e oficiais, tanto dos pioneiros desta educação quanto as instituições por eles criadas ou que fizeram parte.
A originalidade do tema se dá pelo fato de que, até o levantamento realizado para a produção deste projeto,
não foram encontrados registros de dissertação e/ou tese que descrevesse de forma cabal esta temática no estado de
Goiás. Sendo assim, um registro histórico impresso, científico de caráter acadêmico com a envergadura de apontar a
origem do processo da educação do surdo, suas lutas por inserção linguística e social, bem como destacar os persona-
gens que participaram neste processo e ainda salvaguardar sua memória e o acervo imagético desta comunidade, até
então, localizada em repositório da história oral e pulverizadas em várias “vozes” é de grande valia para a história da
educação do surdo no estado de Goiás.
Outro fato original seria a conversão da fonte oral, em fonte escrita formal documental, assim como a oficia-
lização e cristalização da memória de uma minoria e de seus pioneiros que deram vida e forma a este movimento
educacional e social goiano. Este estudo visa pesquisar e catalogar a história imagética da educação do surdo de Goiás.
Assim, a memória garante uma sobrevida histórica a um grupo social, pois grupo sem memória não possui história.
Um trabalho desta qualidade poderá corroborar para a organização, periodização, preservação, democratização e di-
vulgação da memória imagética da comunidade surda, possibilitando a oficialização de pequenos acervos particulares,
restritos, avulsos e desconectados em acervos documentais historiograficamente científicos.
Sendo assim, ao pesquisar, de forma acadêmica, a história da educação da comunidade surda goiana e ao assen-
tar, por escrito, os relatos, até então na memória “oral” ou em fontes imagéticas particulares, a pesquisa contribuirá
para sua periodização documental. Este estudo organizado tornar-se-á em uma fonte importante da historiografia
dos surdos goianos para pesquisas futuras.
O objetivo é pesquisar, organizar e registrar a gênese da educação da organização social do Surdo em Goiás,
desde o Brasil Império em 1857 até a aprovação da lei da Libras em 2002. Além de catalogar, organizar e historiar as
fontes e registros históricos materiais, e imateriais das ações, assistências e instituições educacionais e sociais para a
pessoa com surdez no estado de Goiás desde o século XIX até o século XXI. Também visa contextualizar e proble-
matizar os processos de apropriações e ressignificações das práticas pedagógicas e filosóficas, bem como as políticas
públicas na educação do Surdo em Goiás a partir das várias tendências mundiais. E ainda produzir registro histórico
dos sujeitos, personalidades, lideranças e instituições importantes nas lutas de inserção sociocultural da comunidade

316
surda em Goiás e historicizar seus marcos de memória, imaginário e os modelos identitários da formulação cultural
dos grupos surdos goianos.
A principal pergunta que norteará este estudo está na possibilidade de compreender como se deu a gênese do
processo histórico-social da educação do Surdo em Goiás, a partir da implantação de políticas educacionais especiais
para “deficientes” no Brasil Império, em 1857, com a criação do INES até a aprovação da lei das Libras em 2002. A
partir deste questionamento central, algumas hipóteses foram levantadas para que essa pesquisa se concretize em
apresentar a ausência de uma sistemática educacional para surdo em Goiás até a primeira metade do século XX. E
apontar a gênese de um sistema educacional especial para surdo em Goiás, a partir da década de 1950, com a volta e
chegada de estudantes letrados advindos de instituições educacionais do sudeste do país, trouxe grandes contribui-
ções. Não tem como contar este processo sem analisar a intrínseca relação do Instituto Nacional dos Surdos (INES),
sendo este pólo difusor de modelo educacional, com a criação das primeiras escolas, estruturação e divulgação da
língua de sinais no Brasil e no centro-oeste brasileiro.
Este estudo visa introduzir as narrativas do sujeito surdo no que diz sobre a sua história, memória, identidade
e inserção educacional linguística e social, sendo que por meio dele é possível conseguir elucidar historicamente a
caminhada realizada pelos surdos em Goiás.
Os aspectos teóricos nos quais esta pesquisa se insere diz respeito à história cultural que desenvolve uma refle-
xão nova sobre estes dados deixados à margem da história. Hoje, estes aspectos estão constituindo a história cultural
dos surdos de uma forma nova. Dessa forma, nota-se a importância em refletir sobre a caminhada dos surdos em Goi-
ás. A literatura traz como exemplos estudos acadêmicos realizados anteriormente em Santa Catarina, por Dionísio
Schmitt (2008 e 2013), nos seus estudos de mestrado e doutorado. O autor pesquisou a “A história da língua de sinais
em Santa Catarina: contextos sócio-históricos e sociolinguísticos de surdos de 1946 a 2010”. A pesquisadora Verônica
dos Reis Mariano Souza buscou delimitar, em sua tese de Doutorado, em 2007, a “Gênese da educação de surdos em
Aracaju”, bem como outras dissertações em regiões do Brasil com a temática da história da educação do surdo quer
nacional, regional ou local, demonstrando a possibilidade e a viabilidade do estudo.

NOVAS POSSIBILIDADES HISTORIOGRÁFICAS DE ABORDAGENS PARA A EDUCAÇÃO


DO SURDO

A história cultural está se constituindo no novo campo de pesquisa em Estudos Surdos no Brasil. Temos, então,
novos marcos introduzidos na história cultural dos surdos. Este estudo histórico-social buscará reconstruir e regis-
trar genealogia educacional do surdo em Goiás, e sua luta por inserção linguística, política e social. Nesta perspectiva,
torna-se indispensável ampliar e relativizar as fontes da pesquisa por meio de entrevistas, história oral3, pesquisas em
arquivos imagéticos particulares, institucionais e oficiais, produzindo uma contribuição precursora para a historio-
grafia da educação inclusiva na área da surdez goiana.
Em Goiás, Almeida (2003) traz a história da educação inclusiva em Goiás. A pesquisadora busca compreender
a implantação e a operacionalização da Proposta de Inclusão Escolar da Rede Estadual de Educação de Goiás a partir
da década de 1970.
Le Goff (2003, p. 422) confirma uma reação às formas dominantes de predomínio cultural, sendo possível
perceber o estabelecimento de uma cultura dominante, em um lugar social distante da cultura surda. Ou seja, “No
estudo da memória histórica é necessário dar uma importância especial às diferenças entre sociedades de memória
essencialmente oral e sociedades de memória essencialmente escrita, como também às fases de transição da oralidade
à escrita.”
Torna-se necessário dar visibilidade aos agentes e sujeitos ainda ocultos na historiografia surda goiana. Tal
invisibilidade ocorre em grande parte por falta de pesquisa ampla, organizada e sistematizada por meio de registro

3 Nesta pesquisa a Libras em sua modalidade espaço visual é vista como a língua oficial e natural do surdo e sendo ela a forma correspondente
em igual nível e status das línguas oral auditiva. A serem entrevistados utilizam a língua de sinais e esta é uma forma equivalente da “fala”.
(BRASIL, 2002) Lei das Libras.

317
acadêmico. Há uma carência documental historiográfica de estudo coerente sobre a vida e a obra das muitas persona-
lidades que iniciaram o movimento surdo em Goiás, e dos espaços em que esses indivíduos foram estimulados a agir
intensamente com outros surdos, social e politicamente. Tais historiografias atualmente continuam embaralhadas
em relatos insipientes de pesquisas aqui e ali, mas nada sólido coeso e vasto.
A história da inclusão social linguística e educacional da comunidade surda goiana é permeada por dúvidas
sobre como essas subjetividades foram negociadas e construídas ao longo da vida dos indivíduos surdos e sua partici-
pação na significação e formação dos grupos que propiciaram a realidade que esta comunidade hoje possui. A cultura
surda goiana encontra-se em outro espaço cultural, em que a cultura ouvinte, no presente momento histórico, tem
buscado conhecer e interesse em preservá-la como um patrimônio efetivo da educação inclusiva, mas ainda há la-
cunas históricas que precisam ser melhor pesquisadas, reveladas e registradas de forma integral e, processualmente,
coerente e cabal.
Também as leis que trataram dos problemas da surdez e suas implicações, individuais e sociais, as políticas
públicas do período estudado farão parte do aporte teórico do estudo.
A investigação caracterizar-se-á dentro da Pesquisa Qualitativa, abordando a Pesquisa Bibliográfica, priorizan-
do a coleta de dados relacionados à história oral de vidas de surdos, seus processos educacionais e inserção social em
Goiás a partir da década de 1950 até a contemporaneidade. Conforme afirmou Pádua (1996, p. 31), “a pesquisa qua-
litativa preocupa-se com o significado dos fenômenos e processos sociais e tem como objetivo esclarecer situações,
trazer uma conscientização dos problemas, e proporcionar meios e estratégias de solução”. Assim como complementa
Gil (1996), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de
livros e artigos científicos” (GIL, 1996, p. 48).
Esta pesquisa é uma atividade voltada à compreensão de um fenômeno social, sistematizado, a qual se propõe a
discussão de um cenário socioeducativo a partir de determinados conhecimentos (ESTEBAN, 2010). Contudo, é em-
basada na coleta e estudo de dados e análise de documentos, “requerendo, portanto, um problema mais claro, preciso
e específico” característica da pesquisa documental (GIL, 2010, p. 66).
Além disso, será usado o método analítico descritivo para apresentar os dados coletados a partir de instituições
como: Associação dos Surdos do Estado de Goiás, SEDUCE-GO, SME- Goiânia, MEC/INEP, CAS-GO, Sociedade
Pestalozzi de Goiânia, APE Goiânia, Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES-RJ, IES, entre outras.
O método analítico descritivo desta pesquisa será fundamentado nas observações de determinadas característi-
cas ou coleta de dados. O autor ainda sugere que “são inúmeros os estudos que podem ser classificados sob este título
e uma de suas características está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário
e a observação sistemática” (GIL, 1996, p. 46).
A pesquisa e a aplicação de qualquer meio de coleta de dados envolvendo seres humanos estará de acordo com
as normas vigentes do Comitê de Ética em Pesquisa e será submetido à apreciação e aprovação do mesmo em tempo
hábil conforme orientação da instituição e do orientador.

A GÊNESE DA EDUCAÇÃO DO SURDO NO BRASIL

Segundo Goldfeld (2002) sempre houve populações de pessoas com surdez no Brasil. Mesmo antes da chegada
dos portugueses, as tribos indígenas já possuíam indivíduos surdos que se comunicavam por meio de uma língua
de sinais específica indígena. Um exemplo disso são os índios URUBU-KAAPOR, no estado do Maranhão, ate os
nossos dias ainda usam a língua de sinais KAAPOR em sua comunicação daria na tribo. Além dos índios brasileiros,
havia também outros surdos entre a população em geral. Eram sobrevindos dos imigrantes, negros escravos e mesti-
ços que habitavam as cidades vilas e o interior do país. Sua maior concentração se dera nas grandes cidades brasileiras.
Esses sujeitos surdos de origens diversas, geralmente se juntavam em uma comunidade surda analfabeta na antiga
capital do país o Rio de janeiro. Ficavam vagando como mendigos ou eram isolados em asilos religiosos, mas não
recebiam educação formal, pois não havia ainda nenhum método estruturado de educação para eles ate o século XIX.
Autora ainda salienta que devido a casamentos consangüíneos entre a parentela da realeza e dos nobres havia um

318
grande número de surdos entre esta classe da sociedade brasileira no Brasil Império podendo ser a educação desses o
grande incentivo para o inicio de políticas publicas para a população surda do Brasil.
REIS (1992) confirma tal hipótese ao apontar as motivações do inicio da educação oficial dos surdos no Brasil.
Segundo o autor, ela teve inicio na década de 1850, devido ao grande numero de surdos entre as pessoas ricas. A solu-
ção encontrada ate então era enviar seus filhos, para estudar na Europa, pois até aquele momento, não havia nenhum
educador, tão pouco métodos de ensino no país para os surdos. Daí a emergência de se instalar no Brasil o ensino
especial. Segundo Goldfeld (2002), o próprio Dom Pedro II tinha um interesse de instalar a educação no país, pois
tinha em sua família um surdo, seu genro, o príncipe Luís Gastão de Orléans, era parcialmente surdo.
De acordo com Oliveira Bentes e Innocentini Hayashi (2016), a elite brasileira passa a perceber que havia uma
necessidade de trazer profissionais qualificados pra tal demanda no país. Pois, o início da Educação de Surdo no Brasil
do século XIX é fruto de influências diretas das inovações educacionais européias. Entre os séculos XVIII e XIX, a
França se desponta como o centro mundial de promoção e disseminação da educação de surdos com a inovadora e
revolucionária metodologia, centrada não na fala (oralização) mas nos gestos, denominada de “Gestualismo” pautada
nas línguas de sinais. Este método revolucionou a educação de surdo mundialmente, sendo difundido para várias par-
tes do mundo, inclusive o Brasil. É neste contexto mundial de mudanças educacionais, pedagógicas e metodologias se
da i inicio da educação do surdo.
A ação oficial se da quando D. Pedro II convida o professor francês Hernest Huet. De acordo com Baptista
(2016), Huet nasceu em 1822 em Paris, e aos 12 anos ficou surdo por causa do sarampo, Hernest Huet foi estudar no
Instituto Nacional de Surdos de Paris o qual estava sobre a regência do abade Michel L’epée, grande educador tido
como o pai da educação moderna dos surdo e organizador do método getualista de educação de surdos. Como pode
se perceber, Hernest Huet possuía uma base excelente de educação e apos completar seus estudos, passa a trabalhar
com ensino e educação de crianças surdas chegando a diretor de alguns institutos especializados em educação e surdez
na Europa.
Para Goldfeld (2002), somente durante o Segundo Império do Dom Pedro II (1825-1889) que se iniciou tal processo
sistemático. Dom Pedro II, em uma iniciativa inovadora, trouxe o professor surdo francês Hernest Huet em 1855, para iniciar
a educação de duas crianças surdas, com bolsa de estudos pagas pelo governo. Com a Lei N° 839, de 26 de setembro de 1857,
procurou criar a primeira escola para surdos no Brasil.
Soares (2016) e Strobel (2008) apontam que quando Hernest Huet chega ao Brasil juntamente com sua esposa,
tinha aclara intenção fundar uma escola de surdos no país. Entrega a D. Pedro II um relatório ao qual apresentava
duas propostas para a criação da escola. Segundo Soares (2016), o projeto era a criação de duas escolas para os surdos,
sendo uma privada e uma publica. Após inúmeras negociações a proposta da escola privada foi a escolhida, em razão
de Hernest Huet ter experiências com intuições privadas. Soares (2016) ainda aponta que as primeiras aulas para sur-
dos começaram oficialmente no dia 1 de janeiro de 1856 dentro do colégio de vassimon, na cidade do Rio de Janeiro.
Alguns meses depois, Hernest Huet enviou uma carta ao imperador D. Pedro II agradecendo por acompanhar
o crescimento dos planos educacionais, relatava ainda que o mesmo não conseguira se mantiver por muito tempo na-
quele formato, pois os gastos eram bastante elevados. Ainda salientava que as escolas para surdos na Europa só con-
seguiam permanecer abertas, porque recebiam bastantes doações de entidades. Hernest Huet solicita ao imperador
que providenciasse outro local, e que disponibilizasse recursos financeiros próprios para escola. E pediu urgência nas
providencias para que continuasse a fazer pregresso, pois o espaço estava pequeno, seria necessário fazer a compra de
algumas matérias para ensino e também higiene pessoal, deles e dos alunos. Soares (2016) ainda detalha que Hernest
Huet também lembrou ao imperador que, havia encaminhado em 1855, a camará dos deputados, uma petição para a
criação do um instituto de surdos, que também servia como um asilo para os meninos surdos de todo o Brasil
No dia 26 de setembro de 1857 o pedido de Hernest Huet foi atendido e foi criado o Instituto Nacional de Edu-
cação dos Surdos (INES) Instituto Nacional de Educação de Surdos mudando para outro prédio, com maior capacida-
de e melhorias, na cidade do Rio de Janeiro, mas tudo isso só aconteceu graças a Lei nº 839 de 26 de setembro de 1857.
O ensino dentro do INES era pautado na língua de sinais francesa que se mesclava com os sistemas de lingua-
gem, e regionalismos, usados pelos surdos brasileiros que já utilizavam uma protolinguagem antes da chegada de

319
Huert. Tal evolução lingüista culminou com a formalização e cristalização da Libras utilizadas pela comunidade surda
brasileira na atualidade. Vários autores como Strobel (2008), Soares (2016) e Reis (1992) afirmam que Huet teve di-
ficuldades de lecionar no INES, pois as famílias dos alunos surdos que ali estudavam, não o aceitavam como cidadão
brasileiro, e desconfiavam de seu ensino e método inovador. Soares (2016) aponta que tais instabilidades no trabalho,
acabaram por desestabilizar a vida conjugal de Hernest Huet é que havia desavenças constantes entre Huet e sua
esposa. Em razão destes fatos, em 13 de dezembro de 1861 Huet deixa o Brasil e viaja para o México para uma nova
empreitada educacional e também funda uma escola para surdos do mesmo projeto que foi fundado o INES. Desta fo-
ram Hernest Huet entra para a história da educação dos surdos como sendo o precursor de tal modalidade de ensino.
Soares (2016) afirma que Foi então que o Frei do Carmo o substituiu que segundo Strobel, (2009, p.25) ‘’aban-
donou o cargo alegando: “Não agüentou as confusões’’ Ernesto do prado foi quem o substituiu”. Soares (2016) relata
que 1862 o professor Dr. Manuel Magalhães viria da frança, do instituto de L’Epee ao Brasil para assumir a direção
do INES. Em sua gestão, o quadro curricular das aulas ministradas aos surdos era: leitura e escrita, doutrina cristã,
aritmética com ênfase no Brasil, geometria elementar e desenho linear, elementos de história, português, Frances e
contabilidade, não havia treino da fala oral e da leitura dos lábios e muito menos língua de sinais.
Strobel (2009) relata que em 1868 o governo imperial passou a observar e controlar mais de perto o instituto, e
após essa investigação foi confirmado que, mais parecia um asilo para os surdos do que um instituto, então o profes-
sor Dr. Manuel Magalhães, o qual tinha se formado no instituto de L’Epée, foi demitido por razão de o instituto pare-
cer um asilo, e não uma escola para os surdos, e o médico Sr. Tobias Leite, que era medico sanitarista que trabalhava
no hospital de Estrangeiros, foi quem assumiu a direção do INES, fazendo mudanças importantes dentro do instituto.
Soares (2016) afirma que Sr. Leite acreditava que os surdos precisavam aprender alguma profissão para se sus-
tentar pois, a realidade financeira do Brasil não era das melhores, focando em ensino agrícola e linguagem oral, mais
tarde traduziu alguns livros do instituto da França para o Português, entre eles o ‘’Method Pour Enseigner aux Surds-
-muets’5’ o qual foram publicado cerca 500 exemplares, e distribuídos pelo pais. Segundo Soares (2016, p:34) afirma
que “uma publicação original do instituto foi os iconografia de sinais’’ de surdos e mudos desenhado por Flaustino
Jose da gama, um ex-aluno do instituto de 1871 até o ano de 1879, o objetivo dessas publicações era divulgar os sinais
por todo o território brasileiro. De acordo com Soares (2016) era comum alunos do instituto, se tornarem profes-
sores, assim como era de costume, na França. foi então que o ex-aluno Gustavo Gomes Mattos substitui o Flaustino
José da gama de 1880 ate 1889 assumindo como um dos principais responsáveis pelas oficinas profissionalizantes,
entre elas a sapataria.
No ano de 1907 Soares (2016) ressalta que mais uma vez a direção do instituto, foi substituída, e quem ocupava
o cargo era o Custodio Ferreira Martins, sua gestão durou certa de 23 anos, mas a maior colaboração que se deu ao
instituto foi à ampliação do mesmo, e aderindo a ideia de que surdas mulheres poderiam frequentar aulas ate então
apenas homens eram permitidos. Soares (2016), relata que em 1911 mais uma vez o ensino da Libras foi proibido
em resultado da votação de Milão de 1880, adotando o método de ensino, vencido na votação de Milão, que foi o
Oralismo.
Após três anos a experiência oralista, os resultados não foram positivos e o diretor, enviou um relatório ao
governo pedindo que adequasse os métodos de ensino ao aluno, e não os alunos ao método. Segundo Sacks (1990)
e Dias, (2006) relata que com a proibição da língua de sinais, que o Oralismo impôs, causou um grande fracasso na
educação dos surdos, pois sem o uso da língua de sinais, diminuía as possibilidades de socialização deles, entre si e
com a com a sociedade.
Dias (2006) ainda acrescenta que as pessoas com surdez profunda, que foram ensinados com o método do Ora-
lismo, não conseguiam desenvolver a fala corretamente, causando um atraso na educação, este ocorrido foi um fator
global não apenas no Brasil. Após alguns anos em que a educação dos surdos passava por essa mudança devastadora a
segunda escola para surdos, foi fundada no Brasil desta vez na cidade de São Paulo em 1923. Esta nova instituição foi
nomeada como Instituto Santa Terezinha, e nas décadas e anos seguintes outras surgiram como em 1954 na cidade
de Porto Alegre e em vitória do Espírito Santo no ano 1957.

320
Em 1957 Ana Rimola de faria Doria, substituía o antigo diretor, com isso adotava algumas regras dentro do
INES, e com o apoio da professora Alpia couto-Lenzi, proibia a língua de sinais dentro das salas de aulas, e fortale-
cendo apenas o uso da língua falada (oralismo). Mas como bem salienta o autor a língua de sinais é viva, quando as
aulas encerravam, os alunos surdos usavam sinais para conversarem entre si nos pátios e corredores, assim de forma
informal e clandestina a língua se manteve ao longo do século XX e evitou-se que se perdesse com o tempo por causa
de proibições, em razão do modelo Olarista.
Segundo Goldfeld (2002) entre os anos 50 e 80 apareceram diferentes metodologias na educação dos surdos, e
por haver essas diferenças aconteceram vários debates, e o retorno do modelo que valorizavam as línguas de sinais
ganhavam força cada vez mais. Segundo Ciccone (1996) relata que em entre 1980 e 1990 começou no Brasil a filosofia
educacional chamada de Comunicação Total, através da professora Lucinda Ferreira pedagoga e doutora em linguís-
tica pela universidade de são Paulo, adotava os padrões da Europa, que abreviava a língua de sinais que era usada
dentro das capitais do Brasil, Ciccine (1996) relata que essa filosofia se iniciou nos Estados Unidos, com a intenção de
melhorar a educação dos surdos.

A GÊNESE DA EDUCAÇÃO DO SURDO EM GOIÁS

Na metade do século XX, quando o INES estava em movimento de expansão e de descentralização ao apoiar a
criação de varias escolas em todos os estados da federação e que começa oficialmente a educação dos surdos em Goiás.
E foi em plena ampliação da corrente oralista no Brasil que se dá a gênese da educação doe surdos no territó-
rio goiano. Segundo Barbosa (2011) educação dos surdos no estado de Goiás começa na década de 50 precisamente
no ano de 1953 quando um projeto de lei Nº 926 cria o Instituto Pestalozzi de Goiânia, para ajudar as pessoas com
deficiência, mas só foi aberto a partir do ano de 1955, o Instituto Pestalozzi era o único que atendia as pessoas com
deficiência em Goiânia não havendo nenhuma instituição pública de ensino até a década de 70.
Anos mais tarde, alguns surdos tiveram a ideia de criar uma associação específica para os surdos, pois o Instituto
Pestalozzzi cuidava de vários tipos de deficiência e pessoas carentes, todos misturados no mesmo espaço educacional.
Segundo Barbosa (2011), foi somente no ano de 1975 que acontece um fato marcante na vida dos surdos de Goiás.

Cerca de trina e três pessoas surdas no Setor Pedro Ludovico, assinaram uma ata com o propósito, de ali ser
fundada à Associação dos Surdos de Goiânia (ASG), com o compromisso de trabalhar em prol da sua afirmação
nos meios sociais, culturais, educacionais e esportivos, dando respaldo e defendendo as 19 causas e os direitos das
pessoas surdas que os procuram. (BARBOSA, 2011, p. 18,19).

De tal atitude deu-se o início da organização e esquematização da educação especial para o surdo em Goiás, a
Associação é uma instituição ainda ativa ate hoje e ainda está ativa na luta pela inclusão social e educacional do surdo
no Estado de Goiás.
Barbosa (2011) ainda nos conta sobre outra importante instituição de ensino de surdos em Goiânia nesta épo-
ca, a escola Maria Luiza de Oliveira, localizada no setor Aeroporto, que também teve grande parcela na educação dos
surdos. Segundo o autor era uma escola de ensino especializada em educar os surdos focando em ajudar no cresci-
mento de sua cidadania.
Durante os anos 70, 80 e começo dos anos 90, do século XX, a História da Educação do surdo no Brasil e em
Goiás, não sofreram mudanças significativas.
A corrente pedagógica para a educação do surdo de acordo com Goldfeld (2002) em 1911 foi estabelecido o
oralismo puro no Brasil. Tal pensamento pedagógico dominou toda a educação dos surdos por quase um século, por
isso quando se pensava em educação de surdos, o que se pensava era não viés medicalista, do tratamento com fono-
audiólogos e com o uso de aparelhos auditivos. Nesta perspectiva pedagógica a língua de sinais ou a possibilidade
do surdo se comunicar com as mãos era inconcebível. E assim, foi durante todo o século XX, mas, “este panorama
começou se alterar somente nas décadas de 1970 e 1980, com os estudos sobre a importância do uso das línguas de
sinais na educação do surdo.” (GOLDFELD 2002, p.33).

321
O oralismo no Brasil dominou toda a educação dos surdos por quase uma década. Segundo Goldfeld (2002,
p.33) este panorama começou se alterar somente nas décadas de 1970 e 1980, com os estudos sobre a importância do
uso das línguas de sinais na educação do surdo.
Durante a década 60, a língua de sinais e sua estrutura gramatical passaram a ser objeto de estudo de Stokoe Jr
(1919-2000) e se legitimou como língua ao ser compreendida em seus aspectos gramaticais e em sua importância à
comunidade surda e, nesse momento, volta a fazer parte do cenário educacional. Em 1970, com o insucesso do “Ora-
lismo puro”, a Língua de Sinais começou a ser usada simultaneamente com o método oral. Essa nova filosofia tinha
como objetivo ampliar as possibilidades de educação para surdos cuja principal preocupação não mais se fundava em
o surdo aprender a se comunicar com os ouvintes, mas também nos processos comunicativos entre surdos e surdos,
e entre surdos e ouvintes. Tal novidade metodológica passou a “se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela
criança surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais, não devem ser deixados de lado em prol
do aprendizado exclusivo da língua oral.” (GOLDFELD, 1997, p. 35). Mas a inovação estava na defesa da utilização
de recursos espaço-visuais como facilitadores da comunicação.
Tais estudos resultaram no surgimento de um novo método educacional conhecida como Bimodalíssimo, ou
método bimodal pois, baseavam-se no uso dos sinais a partir da estrutura da sintaxe e da semântica da língua do país
de origem no caso do Brasil a língua portuguesa.
Tais estudos só vão influenciar a educação do surdo no Brasil e em Goiás a partir da década de 1990. Este mé-
todo educacional aqui no brasil ficou conhecido como Comunicação Total. Esta nova correte filosófica pedagógica
restaurou a importância de haver comunicação entre surdos e surdos (por meio de sinais) e entre surdos e ouvintes
(por meios orais). A Comunicação Total Preocupou-se também com a aprendizagem da língua oral pela criança sur-
da e acreditava que deveria estimular os aspectos cognitivos, emocionais e sociais para que ocorra o aprendizado da
língua oral.
Esta nova corrente filosófica pedagógica devolve a importância de haver comunicação entre surdos e surdos
(por meio de sinais) e entre surdos e ouvintes (por meios orais). A Comunicação Total preocupou-se também com a
aprendizagem da língua oral pela criança surda e acreditava que deveria estimular os aspectos cognitivos, emocionais
e sociais para que ocorra o aprendizado da língua oral. Tal corrente volta a utilizar os recursos espaços-visuais (língua
de sinais) como facilitadores da comunicação e do aprendizado, por isso o nome de Comunicação Total, ou seja, se
utilizava de todas as formas de comunicação no desenvolvimento educacional do surdo.
Mas tal corrente teórica influência por pouco tempo a educação de surdo no Brasil. Logos após a Comunicação
Total ganhar força na educação brasileira, surge outro método que também valoriza o uso das línguas de sinais, o
método denominado de Bilinguismo e ocupa o espaço educacional como a corrente principal na atualidade.
Uma das grandes pesquisadoras do Bilinguismo no mundo foi a Drª Ivete Vasconcelos, educadora de surdos na
Universidade Gallaudet, EUA. No Brasil, podemos destacar a professora Lucinda Ferreira Brito4 (1993), que em 1994
propôs a abreviação “LIBRAS” para a língua de sinais utilizada no Brasil. Hoje, contamos com várias classes especiais,
salas de recursos e espaços educacionais para os surdos, pautadas no Bilinguismo. No mundo e no Brasil, na maioria
das escolas, alunos e professores convivem com estas diferentes visões filosóficas e métodos educacionais sobre os
surdos e sua educação.

A autora Ronice Muller5 de Quadros (1997) define assim esse método para educação de surdos:

O bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível às crianças duas
línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado essa proposta como sendo amais adequada para o ensino de
crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para
o ensino da língua escrita. (QUADROS 1997, p.27)

4 Lucinda Ferreira mestre e doutora em Linguísticas pesquisadora dos seguintes temas: significado, cognição, espaço, dêixis, pressuposição,
atos de fala e categorização gramatical do contexto.
5 Ronice Müller de Quadros é Pedagoga, Doutora em Linguística com pesquisas voltadas para a gramática das Libras e a aquisição das Libras
e Pós-doutora pela Gallaudet University e University of Connecticut (2009-2010).

322
Para a autora, o bilinguismo busca respeitar a autonomia das línguas de sinais, com o objetivo de reestruturar
um plano educacional que não comprometa a experiência psicossocial e linguística da criança surda. A língua de
sinais é adquirida de uma forma instintiva a partir do contato dessa criança surda com outros surdos que usam essa
língua natural, de fato como a língua oral é apanhada de forma sistematizada. O surdo tem o direito de ser ensinada
na língua de sinal de seu país, essa é a proposta que o Bilinguismo busca captar.

CONSIDERAÇÕES

O objetivo desta pesquisa que ainda esta em andamento e que a parte empírica e de coletas de dados ira acon-
tecer futuramente na busca de introduzir as narrativas do sujeito surdo no que diz sobre a sua história, memória,
identidade e inserção educacional linguística e social, sendo que por meio dele é possível conseguir elucidar histori-
camente a caminhada realizada pelos surdos em Goiás.
Mas já com as poucas pesquisas bibliográficas em andamento conclui-se que a historia da educação de Goiás
encontra se entrecruzada com a história da educação do surdo brasileiro de forma geral. São relatos de uma teia de
entrecruzar de relatos sobre a educação de surdo o qual faço parte, permitindo através destes uma nova visão histo-
riográfica da pessoa com surdez.
Reconheço que foram vários aprendizados novos adquiridos sobre a educação dos surdos que após todos esses
anos comemoramos sem conhecer e o saber do processo de conquistas e reconhecimentos de fato.
Com esta pesquisa reafirmo que o surdo ao ser inserido na escola, além da garantia de direito de adquirir co-
nhecimento, como é as experiências vivenciadas também garantido a ele a possibilidade de futuro melhor alcançar
sonhos de ir mais longe muitas vezes a ele negadas ao longo da história. Todo este processo de Educação Especial,
inclusão, legislação inclusiva brasileira para a inserção da pessoa com surdez é cheia de lutas, idas e vindas, mudanças,
avanços e retrocessos.
Acredito que as historia da educação dos surdos são exemplos da realidade de tantas outras pessoas que convi-
vem com algum tipo de necessidade educacional especial e passam por sofrimentos privações e precisam se superar
para seguir na trajetória educacional.
O objetivo futuro deste estudo ainda é alcançar e aprofundar em dados e relatos das memórias de atores e
sujeitos no espaço escolar ou no mundo do trabalho possam perceber e entender os percalços que tantos outros pas-
sam, vivem e sentem no chão da escola em tempo e espaços diversos. Tempos estes que são históricos e construídos
socialmente por cada geração. E assim, com os aprendizados do passado, possamos minimizar sofrimentos e ampliar
a inclusão escolar em nossas práticas pedagógicas.

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_________. A HISTÓRIA DA LÍNGUA DE SINAIS EM SANTA CATARINA: Contextos sócio-históricos e sociolinguísticos
de surdos de 1946 a 2010 Florianópolis, SC, 2013. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
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STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2. ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2009.
SOUZA, Verônica dos Reis Mariano de. A gênese da educação dos surdos em Aracaju. 2007. Tese (Doutorado em Educação).
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2007.

324
A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NOS
CURRICULOS ESCOLARES DAS ESCOLAS PÚBLICAS NO BRASIL:
UMA ANÁLISE A PARTIR DOS MOVIMENTOS NO INTERIOR DOS
CAMPOS POLÍTICO, EDUCACIONAL E RELIGIOSO

Letícia Casagrande Oliveira UFMS1


Jéssica Lima Urbieta – UFMS2

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo discutir a presença de disciplina de Ensino Religioso como componente
dos currículos de escolas públicas. A problematização proposta, parte do pressuposto de que tal presença pode ser
entendida como elemento que compromete a garantia do princípio laico assumido pelo Estado brasileiro, de acordo
com Fischmann (2006, p. 225) “[...] sendo o Brasil um Estado laico, não poderia promover Ensino Religioso, seja de
que tipo fosse, por escapar à sua alçada.”.
A partir de análises produzidas no interior do campo de pesquisas em educação, foi possível identificarmos que
a permanência dessa disciplina nos currículos, revela embates no interior do campo político, que envolvem campo
religioso e campo educacional. As pautas defendidas e levantadas no interior de cada campo resultam em decisões
políticas que se estabelecem nos meios sociais e que muitas vezes são naturalizadas, ou seja, aceitas pela população
sem que se haja uma problematização das mesmas.
Utilizamos a teoria bourdieusiana como base para nossas discussões sobre o conceito de campo. De acordo com
Bourdieu (2000), os campos podem ser entendidos como os diferentes espaços sociais em que os agentes desenvol-
vem suas relações e estabelecem disputas simbólicas pela posse do poder e prestígio social. Além das disputas entre os
próprios agentes, há uma hierarquização entre os campos que também os coloca nesse movimento de luta pelo poder
simbólico, responsável pela legitimação de práticas e princípios. Tem-se que

[...] na luta simbólica pela produção do senso comum ou, mais exatamente, pelo monopólio da nominação legí-
tima, os agentes investem o capital simbólico que adquiriram nas lutas anteriores e que pode ser juridicamente
garantido.” (BOURDIEU, 1990, p. 163).

Levantamos a hipótese de que a disciplina de Ensino Religioso corresponde a um interesse do campo religioso
em ocupar espaço no campo educacional. Os espaços políticos são ocupados para que esse objetivo seja alcançado,
dessa maneira, a escola acaba por tornar-se um ambiente em que se criam possibilidades de difundir ideias e princí-
pios religiosos, possibilitando um fortalecimento do campo religioso na sociedade. Além disso, corre-se o risco de
que algumas denominações religiosas sejam colocadas em posições de maior prestígio em detrimento de outras.
O artigo divide-se em dois tópicos, no primeiro momento, nos dedicamos a uma discussão sobre o conceito de
campo, em especial, aquilo que se entende por campo político, campo educacional e campo religioso. Temos como
objetivo desenvolver uma maior aproximação com os conceitos bourdieusianos operados em nossas análises, busca-
mos uma melhor compreensão sobre a organização dos campos e do papel cumprido pelos agentes nesses espaços.
O segundo tópico corresponde ao exercício de análise da forma como a disciplina de Ensino Religioso se or-
ganiza nos currículos a partir de uma perspectiva histórica. Objetivamos identificar quais foram os movimentos que
1 Acadêmica do Curso de Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGEdu/FaEd/UFMS. E-mail: le.ticiah@
hotmail.com.
2 Acadêmica do Curso de Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGEdu/FaEd/UFMS. E-mail: jessicabieta@
hotmail.com

325
garantiram e garantem a permanência, ou em alguns momentos retirada, da referida disciplina dos currículos escola-
res das instituições públicas de ensino. Além disso, pretendemos abordar as formas como essa disciplina se organizou
ao longo dos anos e como pode ser atualmente caracterizada.
As considerações apresentadas no presente artigo são resultados das produções de estudos e pesquisas realiza-
das nas atividades desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Educação (GE-
PASE/ UFMS), representando também o recorte de uma pesquisa em desenvolvimento, que pretende como produto
final a elaboração de uma tese de doutorado que tem como um de seus objetivos a investigação da formação do habitus
religioso em instituições de ensino que se caracterizam por serem públicas confessionais.

A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E A TEORIA DOS CAMPOS: NOTAS DE ESTUDOS A PARTIR


DAS CONSIDERAÇÕES BOURDIEUSIANAS

Considerar a teoria bourdieusiana como aporte teórico para as análises sobre as formas como a sociedade se
organiza, consiste em um exercício que revela a intenção de ultrapassar as barreiras da naturalização da ordem social.
A partir de conceitos operados pelo sociólogo francês, alguns elementos presentes no senso comum são desmistifi-
cados, como por exemplo, a questão da meritocracia para justificar trajetórias escolares que podem ser consideradas
como trajetórias de sucesso (BOURDIEU; PASSERON, 2011).
Neste momento nos dedicamos a uma aproximação com a teoria dos campos e os papeis atribuídos aos agentes
no interior dos mesmos, desenvolvida pelo autor. Conforme mencionado anteriormente, os campos são entendidos
como espaços sociais que são detentores de um poder simbólico. Esse poder simbólico é reconhecido socialmente,
e contribui para que determinadas ações e posicionamentos sejam legitimados socialmente. De acordo com a teoria
dos campos, tem-se que “[...] o espaço social tende a funcionar como um espaço simbólico, um espaço de estilos de
vida.” (BOURDIEU, 1990, p. 160).
Com isso, o autor pretende informar que no interior dos campos há uma proximidade entre os agentes que
pode ser justificada por seus estilos de vida. Essa proximidade se revela em seus objetivos, gostos, hábitos, práticas,
entre outros elementos. Há, portanto, um habitus em comum que rege as relações estabelecidas no interior de cada
campo. O habitus serve como forma de orientar os agentes, de possibilitar um reconhecimento entre os pares.
O habitus “[...] encontra-se no princípio das afinidades imediatas que orientam os encontros sociais, desenco-
rajando as relações socialmente discordantes, incentivando as relações ajustadas.” (BOURDIEU, 2007a, p. 226-228).
Há no conceito de habitus a ideia de que os agentes criam predisposições para o desenvolvimento de determinadas
práticas, que são reveladoras, por exemplo, da posição social ocupada pelos agentes.
O autor considera que “[...] as diferenças funcionam como signos distintivos – e como signos de distinção.”
(BOURDIEU, 1990, p. 160), assim ao identificarem elementos que os distinguem dos demais agentes, há um mo-
vimento simbólico de afastamento que resulta na criação de barreiras simbólicas, que dividem os agentes, e que
podem ser caracterizadas por fronteiras, também simbólicas, que permitem que determinados agentes ocupem - ou
não ocupem - espaço em determinado campo. É preciso considerar que “[...] falar de um espaço social, é dizer que se
não pode juntar uma pessoa qualquer com outra pessoa qualquer, descurando as diferenças fundamentais, sobretudo
econômicas e culturais.” (BOURDIEU, 2000, p. 138).
Bourdieu atribui ao Estado o papel de regulador do modo como os campos operam, a regulação poderá ser
identificada a partir de, por exemplo, intervenções

[...] financeiras (como, no campo econômico, os auxílios públicos a investimentos ou, no campo cultural, os apoios
a tal ou qual forma de ensino), seja através de intervenções jurídicas (como as diversas regulamentações do funcio-
namento de organizações ou do comportamento de agentes individuais). (BOURDIEU, 1996, p. 51).

Os campos seguem uma lógica de organização que precisa ser interiorizada pelos agentes que o compõe. Para
manterem-se no campo, é necessário que haja o entendimento e aceitação das regras que são propostas por ele, o for-
talecimento do campo se dá a partir de uma unidade entre os agentes, que corresponde a um movimento de luta pela

326
defesa dos interesses do próprio campo. A unidade entre os agentes se faz necessária na medida em que se entende
que

[...] a razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos seus efeitos sociais, não
está na “vontade” de um indivíduo ou de um grupo mas sim no campo de forças antagonistas ou complementares
no qual, em função dos interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as
“vontades” e no qual se define e se redefine continuamente, na luta – e através da luta – a realidade das instituições
e dos seus efeitos sociais previstos e imprevistos. (BOURDIEU, 2000, p. 81).

A luta simbólica estabelecida no interior do campo, deve ter como objetivo o fortalecimento do mesmo, caso
contrário há uma quebra de forças que resulta em uma queda da posição ocupada pelo campo socialmente. Os agen-
tes, não poderiam, portanto, assumir um comportamento de inércia, visto que é a partir dos movimentos que eles
operam que o campo se fortalece. Observa-se que “[...] o limite de um campo é o limite dos seus efeitos ou, em outro
sentido, um agente ou uma instituição faz parte de um campo na medida em que nele sofre efeitos ou que nele os
produz.” (BOURDIEU, 2000, p. 31).
A hierarquia social dos campos permite um reconhecimento simbólico de que suas práticas podem ser enten-
didas como algo legítimo, portanto, podemos considerar que quanto maior o poder simbólico atribuído ao campo,
maior será seu prestígio social. O conceito de poder simbólico operado por Bourdieu, corresponde a ideia da existên-
cia de um poder “[...] quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econô-
mica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.”
(BOURDIEU, 2000, p. 14).
O poder dos campos se revela a partir de sua capacidade de exercer influência nas relações estabelecidas social-
mente, visto que, os diferentes campos estabelecem uma relação de interação, permitindo que se estabeleçam relações
de trocas que contribuem para a defesa de seus interesses. Apesar dessas interações, é preciso reconhecer que cada
campo possui sua própria autonomia, ou seja,

[...] sua própria lei, seu próprio nomos, que tem em si próprio o princípio e a regra de seu funcionamento. É um
universo no qual operam critérios de avaliação que lhe são próprios e que não teriam validade no microcosmo
vizinho. Um universo que obedece a suas próprias leis, que são diferentes das leis do mundo social ordinário.
(BOURDIEU, 2011, p. 195).

O trânsito de agentes entre os diferentes campos é fundamental para que o campo ganhe força, a partir do
momento em que representantes de um determinado campo passam a ocupar espaço em outro campo, as possibili-
dades de defesa dos interesses de seu campo de origem podem aumentar. É o que pode ser observado, por exemplo,
no interior do campo político que pode ser descrito como espaço em que se joga “[...] um jogo no qual o que está em
disputa é a imposição legítima dos princípios de visão e divisão do mundo social.” (BORDIEU, 2001, p. 206). O cam-
po político torna-se espaço de desejo para representantes de outros campos, visto que ele possibilita a legitimação de
interesses mais específicos.
Bourdieu (2011) afirma que o acesso ao campo político não aparece para os agentes de forma igualitária. O
autor identifica condições sociais que possibilitam maiores ou menores chances de acesso a esse campo. Segundo
o autor, elementos que podem ser considerados como básicos, como por exemplo, a possibilidade de que o agente
tenha aquilo que ele denomina como “tempo livre”, pode ser caracterizado como condição que facilita o acesso a esse
campo, visto que,

“[...] a primeira acumulação de capital político é característica de pessoas dotadas de um excedente econômico que
lhes possibilita subtrair-se às atividades produtivas, o que lhes permite colocar-se na posição de porta-voz. Além
do tempo livre, há este outro fator que é a educação.” (BOURDIEU, 2011, p. 196).

São essas algumas das barreiras simbólicas que podem ser citadas como exemplo de formas de exclusão dos
agentes no interior dos campos. Ao adentrarem no campo político, os agentes adquirem um reconhecimento social
de pertencimento a aquele campo, o que possibilita que sejam identificados como representantes de determinados

327
grupos, capazes de deliberar sobre as questões sociais e defender interesses. As decisões tomadas no interior do cam-
po político são reconhecidas socialmente como algo que tem um certo valor universal, a ser seguido pela população
em geral.
O campo religioso, é aquele em que a religião é o elemento de interesse comum entre os agentes. Bourdieu
identifica que “[...] o campo religioso tem por função específica satisfazer um tipo particular de interesse, isto é, o
interesse religioso.” (BOURDIEU, 2007b, p. 82). O campo religioso é reconhecido como espaço em que se identifica
“[...] uma ‘visão de mundo’ essencialmente conservadora.” (DIANTEILL, 2003, p. 35).
No campo religioso, a moral religiosa é responsável por orientar as práticas desenvolvidas pelos agentes, sendo
reconhecida como possibilidade de atender a demanda da criação de “[...] indivíduos dóceis e obedientes.” MONTE-
ZANO, 2006, p. 85). Bourdieu (2001, p. 201) identifica que a lógica que rege os campos político e religioso se aproxi-
ma, segundo o autor há nesses campos “[...] uma separação entre os profissionais e os profanos.”.
A atuação de representantes do campo religioso no campo educacional, se dá desde o período de colonização
do Brasil em que a Igreja Católica foi a instituição responsável por promover a educação dos povos indígenas habi-
tantes dessas terras. Não por coincidência, o ano de 1549, que corresponde a chegada dos padres jesuítas no Brasil, é
reconhecido como marco inicial da História da Educação Brasileira (SAVIANI, 2008).
A partir da divisão política entre Estado e Igreja, houve um distanciamento do campo religioso do campo edu-
cacional, visto que se buscou uma nova forma de organização do campo educacional e dos princípios educativos, em
que a lógica da ciência deveria se sobrepor a religião. O campo educacional, se relaciona ao “[...] aparelho adminis-
trativo do Estado, sobretudo nos ministérios ligados à educação e à ciência, nas instituições de ensino superior e nas
escolas dos ensinos básicos e secundários.” (PACHECO, 2004, p. 60). Apesar do distanciamento estabelecido entre
campo religioso e campo educacional, consideramos que ainda não seja possível afirmarmos que houve uma retirada
completa de representantes, interesses e princípios religiosos do campo educacional. Consideramos a disciplina de
Ensino Religioso como elemento que pode ser revelador dessa presença.

A HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NOS


CURRICULOS ESCOLARES DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO

Neste tópico temos como objetivo demonstrar as formas de organização que a disciplina de Ensino Religio-
so assumiu a partir da adoção do princípio laico pelo Estado brasileiro estabelecida na Constituição republicana de
1891, delimitamos para o exercício proposto o período de 1931 até o ano de 2018, em que identificamos um último
e mais recente movimento da referida disciplina. O período inicial de nossas análises, foi definido a partir da revisão
de literatura que nos indica que

[...] nas quatro primeiras décadas da República, o Ensino Religioso foi suprimido das escolas públicas, por efeito
do dispositivo constitucional que determinou a independência do Estado em relação às instituições religiosas.
(CUNHA, 2009, p. 403).

O Ensino Religioso pode ser considerado como elemento revelador de “[...] traços da organização social, cul-
tural e política do Brasil, e, também, os embates quanto à associação religião e educação, Estado e Igrejas.” (MUNIZ;
GONÇALVES, 2014, p. 30). Cunha (2007) identifica que a permanência dessa disciplina é resultado de demandas
motivadas por questões políticas-ideológicas de cunho religioso. Ao longo da história, tem-se que mesmo após a se-
paração oficial entre Estado e Igreja, representantes do campo religioso que atuam no campo político, desenvolvem
ações que objetivam uma intervenção nas decisões envolvendo aspectos do campo educacional com a justificativa de
que princípios religiosos deveriam ser entendidos como elementos que proporcionariam a “[...] produção da ordem”
(CUNHA, 2007, p. 287).
A história da disciplina de Ensino Religioso relaciona-se com a história de uma outra disciplina denominada
de Educação Moral e Cívica que foi incluída nos currículos dos ginásios em 1925. Junto com esse movimento, iden-
tifica-se que senadores e deputados que também figuravam como representantes da Igreja Católica, agiam no campo

328
político buscando a supressão da proibição da disciplina de Ensino Religioso. A Educação Moral e Cívica se extingue
com o fim da ditadura militar, enquanto o Ensino Religioso “[...] resistiu à crítica que os grupos laicos lhe moveram.
[...] Consolidando seu espaço, a Igreja Católica passou a desenvolver intenso e articulado movimento, primeiro no
campo religioso, depois, no campo político.” (CUNHA, 2007, p. 301).
Cunha (2007) identifica que em abril de 1931 a instrução religiosa passou a ser elemento facultativo nos es-
tabelecimentos públicos de ensino primário. Além disso, para que fosse implantada havia a exigência de que pelos
menos 20 estudantes demonstrassem interesse, sendo que a disciplina não poderia prejudicar o horário letivo nor-
mal. A obrigatoriedade da oferta do Ensino Religioso volta a aparecer na Constituição de 1934, em que a matrícula
tinha caráter facultativo e possibilitava que os pais manifestassem uma preferência pela confissão religiosa abordada
durante as aulas da disciplina.
Com a Constituição de 1937, tem-se que “[...] a obrigatoriedade da oferta do Ensino Religioso, prevista pela
Constituição de 1934, foi, então, substituída pela possibilidade desse ensino, como em 1931.” (CUNHA, 2007, p.
290). Outra mudança em relação a disciplina foi identificada no ano de 1942, em que com o Decreto-Lei n. 4.244, a
disciplina – ainda que não obrigatória - passou a ser considerada como parte integrante da educação, em que a res-
ponsabilidade de definir e fixar os programas didáticos da disciplina foram atribuídos as autoridades eclesiásticas. Em
1946, a Constituição apresenta um

[...] artigo contemplando o Ensino Religioso, que repôs, a obrigatoriedade de seu oferecimento pelas escolas ofi-
ciais, mas sem especificar o nível nem a modalidade. Ficou implícito, portanto, seu oferecimento também no nível
médio. (CUNHA, 2007, p. 293).

A disciplina passaria a fazer parte do horário oficial das instituições de ensino, as aulas deveriam ser ministra-
das a partir de uma confissão religiosa escolhida pelos alunos, tendo caráter de oferta obrigatória, mas de matrícula
facultativa. Em 1961, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ficou definido a isenção de ônus para os
cofres públicos em relação a oferta da disciplina. Assim, as escolas não poderiam pagar para que professores minis-
trassem a disciplina, que passou a depender de um trabalho voluntário de instituição religiosas que ficariam respon-
sáveis também pela habilitação dos docentes.
No ano de 1971 a LDB 5692, apresenta a revogação da decisão de que os cofres públicos não se responsabili-
zariam pelo pagamento de professores da disciplina de ensino religioso (CUNHA, 2007). Em 1988, a Constituição
apresenta o Ensino Religioso como disciplina facultativa, a ser ministrada em horários normais das instituições de
ensino, destinada aos estudantes matriculados no Ensino Fundamental. Após quase uma década, no ano de 1997, uma
nova decisão sobre a disciplina é apresentada na forma da Lei n. 9.475 em que o

[...] Ensino Religioso foi considerado ‘parte integrante da formação básica do cidadão’ e poderes especiais foram
atribuídos aos sistemas de ensino, das unidades da Federação e dos municípios, para estabelecerem normas para
a habilitação e a admissão dos professores de Ensino Religioso. Ademais, foi reconhecido o poder das entidades
religiosas formadas pelas diferentes denominações religiosas. Cada sistema educacional deveria ouvi-las na formu-
lação dos respectivos programas. (CUNHA, 2007, p. 299).

Sobre essa lei, Muniz e Gonçalves (2014) apresentam a ideia da existência de uma contradição, visto que ao
mesmo tempo em que se coloca como facultativa, a disciplina é apresentada como parte da formação básica do cida-
dão. Ao longo desses movimentos, Cunha (2007) realiza uma classificação das fases pelas quais a disciplina passou
sendo: “Ensino Religioso exclusivo” (1931-1937, 1946-1961 e 1993-1997), “Ensino Religioso paralelo à Educação
Moral e Cívica” (1937-1946) e “Ensino Religioso convergente com Educação Moral e Cívica” (1961-1993), além
disso, o autor também demonstra a disciplina de Ensino Religioso se definindo a partir de características como: fa-
cultativa ou obrigatória; confessional ou não confessional; Estado como responsável pelo provimento do pagamento
dos professores ou instituição religiosa como agente voluntário para tal ação; parte componente do horário normal
de aulas ou disciplina extracurricular.

329
O autor ainda identifica que em relação a disciplina de Ensino Religioso, é possível falar sobre uma perda de
autonomia por parte do campo político para o benefício do campo religioso. Além disso, Cunha (2006, p. 114) aponta
uma “[...] hegemonia católica no âmbito da administração dos sistemas de ensino”, o que pode ser entendido como
um risco para a garantia de um ambiente escolar em que a pluralidade religiosa possa se manifestar de maneira segura.
As decisões mais recentes sobre a disciplina, podem ser identificadas em um processo que tem seu início no ano
de 2010, quando a Procuradoria-Geral da Republica (PGR) propões ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, em que a PGR identifica que interpretações equivocadas da forma como
a disciplina se apresenta, podem colocar em risco seu caráter facultativo e o princípio da laicidade, distanciando a
disciplina do modelo não confessional de ensino. O julgamento do processo teve sua conclusão em setembro de 2017,
em que ficou definido a possibilidade da oferta de um Ensino Religioso com caráter confessional.
Atualmente a disciplina de Ensino Religioso é parte componente da versão mais recente da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC, 2018), conforme consta no documento, entende-se que a inclusão da disciplina nos cur-
rículos escolares reflete uma reivindicação da sociedade civil. O que se tem é o reconhecimento oficial da disciplina
como uma das cinco áreas de conhecimento que faz parte do Ensino Fundamental, sendo elemento facultativo para
os estudantes e oferta obrigatória para as escolas. Importante salientar, que a BNCC apresenta uma aproximação com
um modelo não-confessional da disciplina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que breve, consideramos que o exercício proposto por esse artigo, possibilita que possamos indicar que
os embates que ocorrem no campo político em relação a disciplina de Ensino Religioso, apesar de se tratar de um
assunto próprio do campo educacional, estão diretamente ligados aos interesses de representantes do campo religioso
(CUNHA, 2007, 2009). Ao longo da história do campo educacional no Brasil, é possível identificarmos períodos em
que representantes do campo religioso são reconhecidos socialmente como os responsáveis pela organização da edu-
cação no país, um que possibilita um certo enraizamento de um habitus religioso nas práticas escolares.
As discussões feitas em torno da disciplina consistem em considerações que a colocam como elemento de risco
para a garantia de um ensino laico. Por outro lado, o Ensino Religioso ainda é defendido por muitos como elemento
importante, ou até mesmo fundamental, para que se garanta o ensino da moral e ética em uma sociedade em que as
diferenças sejam respeitadas (SILVA, 2017). Defensores do Ensino Religioso, apontam ainda que a disciplina seria a
garantia de que a pluralidade religiosa pudesse ser respeitada (MARIA; PAZZA; CECCHETTI, 2017).
Atualmente, a disciplina é apresentada como facultativa, no entanto, Fischmann (2009) aponta que esse não
é um elemento de fato garantido aos estudantes, que muitas vezes desconhecem essa informação. Em relação ao
Ensino Religioso como meio de ensinar princípios morais e éticos, consideramos que as escolas públicas devem ser
responsáveis pelo ensino da ética laica, em que nenhum princípio religioso se sobressaia (CUNHA, 2016). A questão
da adoção de uma confessionalidade específica nos preocupa na medida em que compreendemos que dessa maneira
algumas denominações religiosas ocupem um local privilegiado nas instituições públicas (LUI, 2015), provocando
um silenciamento de religiões que apresentam um menor número de adeptos, perpetuando no Brasil a ideia de que
algumas práticas são mais legítimas do que outras.

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331
A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MEMÓRIA: A CONSOLIDAÇÃO DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR EM GOIÁS

Raquel de Paula Mendonça – Uni-ANHANGUERA1


Renato de Oliveira Dering – Uni-ANHANGUERA2
Lorena Bernardes Barcelos – Uni-ANHANGUERA3

RESUMO: O presente trabalho, de cunho memorial ensaístico, busca discutir e refletir sobre a construção e
consolidação da educação superior no Estado de Goiás, com um recorte nos últimos 50 anos. É importante pensar
que a evolutiva social, nesse espaço-tempo, ocorre após a transferência da capital federal para o Centro-Oeste do país,
momento de uma constante urbanização nos estados que compunham a referida região geográfica. Goiás, no contex-
to proposto, não apenas foi palco para a construção de Brasília, mas também culminou um rápido processo de trans-
formação urbana, principalmente na capital, Goiânia. Nessa consoante, concomitantemente à formação da sociedade
goiana e goianiense, Instituições de Ensino Superior (IES) surgiram e foram preponderantes na/para História da
Educação em Goiás. Assim, a Universidade Federal de Goiás (UFG), criada a partir da fusão de cinco faculdades já
existentes no Estado; a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), proveniente da Faculdade de Filosofia,
da Sociedade de Educação e Ensino de Goyaz – e o Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA, oriundo
da Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas (FACH), delinearam e traçaram os caminhos da Educação Superior
no estado. Esse recorte temporal foi estabelecido considerando-se que foi nas últimas cinco décadas, principalmente,
que a Educação Superior se estruturou no Estado, haja vista que antes desse período, havia apenas esparsas faculdades
e isso levava os jovens, que almejam a formação superior, a sair do Estado e, muitas vezes, sem regresso certo, com-
prometendo o próprio desenvolvimento de Goiás nas esferas sociais e de trabalho. Desse modo, pensar na formação
e qualificação dos profissionais no Estado, nessas últimas décadas, sem dúvida, é também conhecer e reconhecer
como essas IES foram fundamentais na construção da sociedade goianiense. Para essa pesquisa, trazemos como foco
de análise do referido contexto, o Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA, um dos pilares entre as
três principais IES do Estado, supracitadas. Com início das atividades em 1973, a Faculdade Anhanguera de Ciências
Humanas ofereceu, a priori, os cursos de Bacharelado em Ciências Contábeis, Administração e Direito, todos ainda
em atividade e reconhecidos pela comunidade. O entrelace entre a História do Uni-ANHANGUERA e a História da
Educação em Goiás será pautado no viés memorialístico realizado por uma entrevista com um de seus fundadores e
atual reitor, Professor Doutor Joveny Sebastião Candido de Oliveira, e outros professores que foram preponderantes
para a consolidação dessa Instituição de Ensino, no cenário de Educação Superior no Estado, considerando, ainda,
que importantes personalidades sociais e políticas de Goiás são egressos dessa casa, reforçando a tradição e pioneiris-
mo do Centro Universitário de Goiás.
Palavras-chave: Educação Superior. História da Educação em Goiás. Centro Universitário de Goiás.

INTRODUÇÃO

A educação, principalmente a de nível superior, sempre foi um dos pilares da tradicional sociedade brasileira.
Com a expansão do território brasileiro para o centro do país, esse pilar social fixou-se, ainda mais, como item im-
portante para a sequência da vida pessoal e profissional no Brasil. É inquestionável que o curso superior, ao longo
dos últimos anos, tornou-se ainda mais necessário e atrativo para os mais diversos públicos, uma vez que essa visão
cultural foi se construindo no decorrer da segunda metade do século XX.
Essa busca pelo conhecimento e de uma profissão teve ainda mais visibilidade nos últimos anos do século XX.
Vale ressaltar que:

332
Em 1987, o relatório da OCDE, sobre as universidades, atribuía a estas dez funções principais: educação geral
pós-secundária; investigação; fornecimento de mão-de-obra qualificada; educação e treinamento altamente es-
pecializados; fortalecimento da competitividade da economia; mecanismo de seleção para empregos de alto nível
mediante a credencialização; mobilidade social para os filhos e as filhas das famílias operárias; prestação de serviços
à região e à comunidade local; paradigmas de aplicação de políticas nacionais (por exemplo, igualdade de oportu-
nidades para mulheres e minorias raciais); preparação para os papeis de liderança social (SANTOS, 2000, p. 189).

Por assim ser, mais que uma profissionalização direta, pode-se falar que esse crescente cooperou, a seu modo,
para a democratização do ensino superior no país que, até então, centrava-se, prioritariamente, no sudeste – devido
à expansão industrial-mercantil ocasionada pela urbanização da década de 1920 do século anterior; e, em alguns es-
tados esparsos, justificado pela História do Brasil. É interessante observar que: “As universidades do Brasil têm um
histórico bastante recente quando comparadas às universidades da Europa.” (BOTTONI; SARDANO; FILHO, 2013,
p. 19). A tentativa de implementação das Instituições de Ensino Superior (IES), no dado momento histórico, asseme-
lhou-se à que ocorria na Europa, contudo, o viés social e econômico do país era indiscutivelmente díspar ao europeu.
Nessa consoante, o que temos são tentativas de consolidação de um modelo de ensino superior que até hoje
busca caminhos dentro de uma sociedade ainda em movimento de construção de sua identidade nacional. Tomando
como base os pressupostos da construção e consolidação das IES no país, com foco em Goiás, o presente trabalho bus-
ca discutir e refletir sobre essa expansão das Instituições de Ensino Superior. O recorte temporal dos últimos 50 anos
dialoga com a criação e ampliação das três principais IES do Estado de Goiás: Universidade Federal de Goiás – UFG,
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO e Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA. Por
assim ser, toma-se como finalidade conhecer e reconhecer como essas três IES foram fundamentais na construção da
sociedade goianiense.
Como o foco recai sob a terceira Instituição, toma-se como recurso metodológico a análise do discurso crítica,
visto que “o discurso, incluindo os aspectos semióticos ligados à imagem, é uma dimensão da prática social” (MAGA-
LHÃES; MARTINS, RESENDE, 2017, p. 95) e, por assim ser, engloba não apenas o contexto, mas os integrantes e
documentos que o perfazem.
Compondo tal prerrogativa metodológica, uma entrevista gravada foi realizada com um dos fundadores e atual
reitor do Uni-ANHANGUERA, Prof. Dr. Joveny Sebastião Cândido de Oliveira, em 28 de março de 2019. O instru-
mento da entrevista, neste caso, remeteu à busca e solidificação da memória na construção da IES, que dialoga com a
história da educação no Estado de Goiás.

A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: BREVE PANORAMA

A história da Educação Superior no Brasil remonta a 1808. Em janeiro daquele ano, Portugal estava prestes a
ser invadido pelas tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte. Sem condições militares para enfrentar os
franceses, o príncipe regente de Portugal, D. João, resolveu transferir a corte portuguesa para o Brasil. Em março de
1808, a corte foi instalada no Rio de Janeiro. No ano de 1818, a mãe de D. João, D. Maria I, faleceu e D. João tornou-se
rei. Passou a ser chamado de D. João VI, rei do Reino Unido a Portugal e Algarves. 
A vinda da família real deu início ao chamado período Joanino (1808-1821), marcado por mudanças e medidas
econômicas e culturais tomadas por D. João, que influenciaram os rumos da história do Brasil, inclusive da Educação.
Do ponto de vista cultural, a vinda de artistas franceses estimulou, de certa forma, o desenvolvimento das artes no
Brasil. Houve a criação do Museu Nacional, da Biblioteca Real, da Escola Real de Artes e do Observatório Astronô-
mico. Para além do viés artístico, foram criados diversos cursos profissionais em faculdades isoladas (agricultura,
cirurgia, química e desenho técnico, dentre outros), dentre as quais destacam-se a Escola de Cirurgia da Bahia (atual
UFBA) e a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina (atual UFRJ). No entanto, as primeiras universidades só foram
criadas nas primeiras décadas do século XX, tendo maior institucionalização a partir do Estatuto das Universidades
Brasileiras de 1931 (CUNHA, 2000).

333
A expansão desse nível de ensino intensifica-se a partir dos anos 1960. Em 1968, durante o regime militar,
ocorre a chamada Reforma Universitária, por meio da Lei nº 5.540/1968, que enfatiza a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão e assume a universidade como referência para a expansão da educação superior, além
promover alterações tornando-as mais racionais, integradas, flexíveis e, ao mesmo tempo, mais reguladas, controla-
das e supervisionadas.
Dentre as mudanças implantadas destacam-se: a criação dos departamentos, dos ciclos básico e profissional, do
regime de crédito, da dedicação exclusiva para docentes, da maior estruturação da pós-graduação (fomento e avalia-
ção), da criação de conselhos de regulamentação e de fiscalização e de regras mais rígidas para nomeação de reitores
(FÁVERO, 2000). Chauí ainda aponta que um fato marcante ao longo do período militar foi o rápido crescimento
das IES privadas. É nesse período social, em meio a crises educacionais e contextos conturbados da história nacional,
que se nota a expansão das IES privadas, que em 1980 já respondiam por mais de 60% das matriculas em cursos de
graduação.

A CONSTRUÇÃO E EXPANSÃO: O CONHECIMENTO NO CENTRO DO PAÍS

A evolutiva social do Brasil foi força motora de diversas mudanças na constituição da nação. Nesse processo,
o contexto social, interferido pelo político e cultura, formaram uma base do que viria a ser a escola e a universidade
em terras tupiniquins. O início de uma construção de educação superior em Goiás ocorreu junto à consolidação do
Estado que, por muito tempo, não foi protagonista na evolução do país. A educação superior em Goiás, portanto,
articula-se ao movimento tardio de implementação desse nível de ensino no Brasil. Até a década de 1930, por exem-
plo, o ensino superior em Goiás restringia-se à Faculdade de Direito de Goyaz, que foi reaberta por meio do Decreto
Estadual nº 1.740 de 28 de dezembro de 1931. Em 1936 deu-se a equiparação do referido curso ao das faculdades
congêneres do país.
Torna-se imprescindível compreender que, por muito tempo no século XX, o atraso para se pensar em edu-
cação superior em Goiás deu-se, também devido aos fatores oligárquicos e de capitanias no Estado. Por assim ser,
“Movida por ações capitalistas, a modernização encontrou no território goiano uma estrutura de poder assentada nas
elites agrárias. Esse fato marcou profundamente a questão política e econômica goiana na primeira metade do século
XX.” (CASTILHO, 2012, p. 5). Esse fator, por usa vez, foi crucial para se pensar em educação na metade seguinte,
até mesmo porque, segundo relata o Prof. Joveny Sebastião Cândido de Oliveira, a demanda dos que eram de família
abastada, conseguiam dar sequência aos estudos em outros estados; os demais, encerravam seus estudos no colegial
(OLIVEIRA, 2019).
A construção de Goiânia e a transferência da capital no final da década de 1930 (23/03/1937) impulsionaram,
sem dúvida, a expansão da educação superior mediante a organização e estruturação das escolas superiores existentes
até então: Escola de Direito de Goyaz, Escola de Pharmácia e Escola de Odontologia. Isso ocasionou uma mudança
não apenas estrutural, como da própria visão cultural da região.
Dado isso, a prerrogativa traz a primeira verdade inquestionável acerca da cultura vigente no Brasil (antes
e ainda hoje): o conhecimento tem poder. Sabe-se que esse poder centrou-se, por muito anos, na elite. “Segundo
Bloom, a universidade tal como hoje a conhecemos é um produto do projecto iluminista e este é um projecto elistista”
(SANTOS, 2000, p. 194). Por isso é importante o reconhecimento de que “o primeiro grande acesso ao conhecimento
que as classes populares tiveram foi por meio de uma consciência política” (MOSÉ, 2014 p.21). Desse modo, prova-se
que conhecimento não apenas tem poder como provoca mudanças a partir do momento em que o sujeito conhece-se
e se reconhece dentro de um contexto, de uma sociedade e participante de suas histórias. É nessa perspectiva que se
pode falar em construção de conhecimento.
O Professor Joveny Sebastião Cândido de Oliveira, reitor do Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHAN-
GUERA, ao ser abordado sobre as questões que deram origem às Instituições de Ensino Superior no Estado de Goiás,
alerta que, no final da década de 1960, havia apenas duas instituições, sendo uma confessional, a Faculdade Católica

334
– que logo se tornaria Universidade Católica, e a Universidade Federal de Goiás – que se compôs de faculdades exis-
tentes no Estado.
Observado tal fenômeno, relata o professor que o número de jovens era soberano ao número de IES, bem como
o número de vagas ofertadas por estas instituições (OLIVEIRA, 2019), o que inviabilizava a progressão nos estudos e
a profissionalização dos goianos. Dourado (2001, p. 42) ainda verifica que, antes de 1950, no Estado de Goiás:

O ensino superior se restringia-se à Faculdade de Direito de Goyaz, que reabriu suas portas com a edição do De-
creto Estadual nº 1.740, de 28 de dezembro de 1931. A equiparação do ensino superior ministrado pela Faculdade
de Direito ao das faculdades congêneres do país deu-se em 1936 (DOURADO, 2001, p. 42).

Dialogando com Dourado (2001), Oliveira (2005, p. 98) traz um fator acerca das criações das IES em Goiás:

Em 17 de outubro de 1959, pelo decreto presidencial n. 47.041, foi criada a Universidade de Goiás, tendo como
mantenedora a Sociedade Goiana de Cultura, constituindo-se a primeira Universidade do Centro-Oeste. Em 14
de julho de 1971, o decreto n. 68.917 transformou-a em Universidade Católica de Goiás – UCG. A criação da Uni-
versidade Federal de Goiás ocorreu um ano após a criação da Universidade de Goiás.

Foi apenas em dezembro de 1960, por meio da lei 3.834-C, promulgada pelo então presidente Juscelino Kubits-
chek, que a Universidade Federal nasce. Em sua criação, ela já nasce com 5 faculdades, sendo: Faculdade de Direito de
Goiás, Faculdade de Medicina de Goiás, Escola de Engenharia do Brasil Central, Faculdade de Farmácia e Odontolo-
gia de Goiás e Conservatório Goiano de Música (BRASIL, 1960).
A Faculdade Anhanguera surge 3 anos após a UFG, por meio do Decreto nº 71.832, de 09 de fevereiro de 1973,
na então gestão do presidente Emílio Garrastazu Médici. Foi em 2004, na presidência de Luís Inácio Lula da Silva,
que o Ministério da Educação (MEC) autorizou mudança da Faculdade Anhanguera para Centro Universitário, tor-
nando-se, hoje, o Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA (MEC, 2004).
Nota-se como a busca por expansão do Ensino Superior no Estado de Goiás foi necessária, pois, até o a década
de 1970, pouca informação sobre a educação e, até mesmo, acerca da própria história do estado eram disponíveis.
Pontua-se, como exemplo, que, ainda que a gênese da UCG tenha ocorrido no final da década de 1950, sua Biblioteca
Central só foi inaugurada após o primeiro semestre de 1971 (SALLES, 1971, p. 462), próximo à criação da Faculdade
Anhanguera.
Nesse contexto, ainda, é interessante ressaltar que a Universidade de Brasília (UnB) recém se estruturava nesse
espaço-tempo, tendo como data oficial de criação o ano de 1961 e, um ano antes, Salvador estava sediando o I Se-
minário Nacional da Reforma Universitária (BOTTONI; SARDANO; FILHO, 2013). Chamam a atenção Bottoni,
Sardano e Filho (2013), corroborando Salles (1971), que foi a partir de 1970 que a expansão ocorreu de maneira mais
frutífera, dando ênfase, os autores, para o setor privado.
Foi nesse contexto de expansão que o Professor Joveny Sebastião, junto a outros professores – e não investido-
res: “não tínhamos dinheiro para investir” (OLIVEIRA, 2019), ressalta – criam, em 1972, a Faculdade Anhanguera.
É importante salientar que:

A criação da instituição foi fruto do sonho de um grupo de professores, que pensou criar, em Goiânia, uma IES
que ministrasse o curso de Ciências Econômicas. Embora se pensasse em um curso de Ciências Econômicas, a
Faculdade Anhanguera iniciou suas atividades acadêmicas com os cursos de Administração, Ciências Contábeis e
Direito, com autorização no ano de 1973 e reconhecimento em 1987. Posteriormente, em 1998, foram autorizados
os cursos de Ciências Econômicas e Tecnologia em Processamento de Dados (GOMES, 2002, p. 101).

Observado tal panorama, é de suma relevância compreender que a busca por modernização no Estado, prin-
cipalmente no âmbito educacional, foi primordial para a integração do Estado com a modernização do próprio país
e, essas três IES foram pioneiras nesse processo. O pioneirismo foi preponderante para se pensar em uma sociedade
goiana e goianiense que vislumbrasse ascensão social por meio da educação. Desse modo:

335
A estruturação da jovem capital - Goiânia, com seu pólo urbano comercial em desenvolvimento - foi palco da con-
solidação do ensino superior no Estado de Goiás, com a criação da Universidade Católica (1959) e Universidade
Federal (1960) [e a Faculdade Anhanguera (1973)].” (OLIVEIRA, 2005, p. 98, grifo nosso).

A priori, o Centro Universitário de Goiás instalou-se no Colégio Santa Clara, na região de Campinas, em Goiâ-
nia. Houve resistência, a princípio, por parte das freiras, uma vez que era um colégio confessional voltado ao público
feminino. Contudo, a IES e o Colégio acertaram os dispositivos para o funcionamento de ambas as instituições sem
que nenhuma fosse afetada, pontua Oliveira (2019). O funcionamento nas instalações do Colégio Santa Clara durou
pouco tempo, pois logo a, então, Faculdade Anhanguera, passou a funcionar em sede própria, onde está até os dias
atuais.
Apesar de iniciar com os cursos de Administração, Ciências Contábeis e Direito, como supracitado, não pode-
mos afirmar que, no caso da IES em estudo, essa criação ocorra no sentido mercantil, como afirma Neves e Martins
(2016, p. 107):

A expansão do ensino superior brasileiro, além de marcada pela presença sempre crescente do ensino privado,
desenhou um padrão principal de oferta de vagas com forte ênfase nas carreiras e nos cursos de menor custo de
implantação, a saber, os cursos das áreas de ciências humanas e de ciências sociais aplicadas. (NEVES; MARTINS,
2016, p. 107)

A afirmação não se aplica à IES, visto que, como pontua Oliveira (2019), o déficit de cursos no Estado era alto
frente à demanda e, não apenas, a ideia surgiu de professores e não investidores. Logo, tem-se que pensar que o
Centro Universitário de Goiás destoa do processo meramente mercadológico, uma vez que sua criação galga-se na
produção de saberes e não na reprodução de conteúdo.
“Produzir, em vez de apenas memorizar conhecimentos; criar, em vez de apenas reproduzir valores; abrir novos
mercados, em vez de apenas se enquadrar no existente, são alguns dos pontos que definem o homem contemporâneo”
(MOSÉ, 2014, p. 31). Sendo assim, toma-se que “a construção de um indivíduo livre ocorre a partir do momento em
que ele exerce sua cidadania. Essa cidadania está presente quando existem condições hegemônicas de sociabilização”
(SILVEIRA; DERING, 2015, p. 251). E foi justamente pensando nesse tipo de formação que a Faculdade Anhanguera
foi criada, uma vez que tem como missão:

Ministrar o ensino em todos os níveis, mediante a ação ética de educar, oferecendo às pessoas a possibilidade do
desenvolvimento de seu potencial humano-transcendental como dimensão essencial no exercício pleno da cidada-
nia, da formação e do comprometimento profissional” (Uni-ANHANGUERA, 2002, p. 8)

E traz como objetivos:


I. propiciar o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
II. favorecer a criação cultural e promover a sua divulgação;
III. preparar profissionais com sólida formação nas diferentes áreas do conhecimento, aptos à inserção
em setores profissionais e à participação no desenvolvimento da sociedade;
IV. estimular o trabalho de pesquisa e a investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e
da tecnologia e à criação e difusão da cultura;
V. cooperar para o desenvolvimento sócio-econômico e cultural da comunidade, do Estado e do País;
VI. promover o intercâmbio com outros Centro Universitários e outras instituições educacionais, cien-
tíficas e culturais, nacionais e estrangeiras;
VII. manter-se atualizado em relação as demandas do mercado buscando oferecer cursos que atendam as
lacunas existentes, visando contribuir com o crescimento socioeconômico do País;

336
VIII. incentivar o debate político, econômico, a responsabilidade socioambiental e dos direitos humanos,
visando contribuir na formação e no desenvolvimento da consciência crítica dos cidadãos Uni-Anhan-
guerinos;
IX. ser referência no setor educacional pela qualidade do ensino e pela prestação de serviços a que se
propõe. (Uni-ANHANGUERA, 2014, p. 2)

A busca pelo conhecimento, lembrada por Mosé (2014) está presente não apenas na missão da IES como tam-
bém nos objetivos os quais ela se propõe. A fala do reitor do Centro Universitário reitera e reforça a concepção de
que a construção do conhecimento é válida no Uni-ANHANGUERA, destoando-se, de maneira positiva, do perfil
mercadológico de outras instituições, visto que, além do quesito econômico, sua história é primordial no desenvol-
vimento da educação no Estado de Goiás.

CONSIDERAÇÕES

A educação superior no país passou e ainda passa por inúmeros movimentos de reflexão sobre sua constituição,
o que promoveu, ao longo dos anos e para todos os estados brasileiros, mudanças significativas na ordem social e cul-
tural. Como se pôde observar, o Estado de Goiás, no âmbito educacional superior, teve um momento de estagnação,
contudo, a partir da criação e consolidação de três Instituições de Ensino Superior, a sociedade goiana e goianiense
passou a contar com melhores perspectivas para a formação e profissionalização de seus jovens. As três IES que
compõem essa evolutiva são a Pontifícia Universidade Católica de Goiás, a Universidade Federal de Goiás e o Centro
Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA.
Como se viu, as três instituições que surgiram na segunda metade do século XX, ainda que de cunhos diferen-
ciados – pública, confessional e privada – tinham como premissa de valorização a produção do conhecimento e busca
de uma sociedade, goiana e goianiense, equiparada, em termos educacionais e profissionais, ao restante do país. A fala
de Oliveira (2019) mostra e ratifica a história da educação em Goiás, pois, no panorama apresentado, era necessária
a expansão das Instituições de Ensino Superior, principalmente no Centro-Oeste, sendo o Centro Universitário de
Goiás – Uni-ANHANGUERA, instituição primordial nesse contexto.

REFERÊNCIAS

BOTTONI, Andrea; SARDANO, Edélcio de Jesus; COSTA FILHO, Galileu Bonifácio da. Uma breve história da Universidade
no Brasil: de Dom João a Lula e os desafios atuais. Gestão universitária: os caminhos para a excelência. Porto Alegre:
Penso, p. 19-42, 2013.
BRASIL. Lei no 3.834-C, de 14 de dezembro de 1960. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-
1969/L3834-C.htm > Acesso em: 01 maio 2019.
CASTILHO, Denis. Estado e rede de transportes em Goiás-Brasil (1889-1950). 2012. Disponível em: < http://www.ub.edu/
geocrit/coloquio2012/actas/15-D-Castilho.pdf > Acesso em: 10 abr 2019.
CHAUÏ, Marilena de Souza. Ventos do progresso: a universidade administrada. In: Descaminhos da educação pós-68. São
Paulo, SP: Brasiliense, 1980, p.31-56.
CUNHA, Luiz Antônio. Ensino superior e universidade no Brasil. In: 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, MG:
Autêntica, 2000, p.151-204.
DOURADO, Luiz Fernandes. A interiorização da educação superior e privatização do público. Goiânia: Editora UFG –
CEGRAF, 2001.
FAVERO, Maria de Lourdes de A. Universidade do Brasil: das origens à construção. Editora UFRJ, Comped, MEC/Inep,
2000.

337
GOMES, Maria Antonia. A Expansão e a Reconfiguração do Ensino Superior Privado nos anos 90: o caso do município
de Goiânia. Goiânia, 2002.
MEC. Ministério da Educação. Parecer n.º: CNE/CES 0109/2004. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/
pdf/2004/pces109_04.pdf > Acesso em: 02 abr 2019.
MOSÉ, V. (org.). A escola e os desafios contemporâneos. 3ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
OLIVEIRA, Danúsia Arantes Ferreira Batista de. A expansão dos cursos de pedagogia em goiânia: um estudo comparativo.
Disponível em: < https://ppge.fe.ufg.br/up/6/o/Dissert_-_Danusia_Arantes_F._Batista_de_Oliveira.pdf?1338385769 > Acesso
em: 20 abr 2019.
OLIVEIRA, Joveny Sebastião Cândido de. Entrevista concedida a: MENDONÇA, Raquel de Paula; DERING; Renato de
Oliveira; BARCELOS, Lorena Bernardes. 28 de março de 2019.
SALLES, Gilka Vasconcelos F. A pesquisa Histórica em Goiás. 1971. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 11o Ed. São Paulo: Cortez; 2000.
SILVEIRA, Ederson Luís; DERING, Renato de Oliveira. Políticas públicas da educação especial no Brasil: frestas e
brechas do(s) discurso(s) de (des)igualdade. Disponível em: < http://proxy.furb.br/ojs/index.php/atosdepesquisa/article/
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Uni-ANHANGUERA. Plano de Desenvolvimento Institucional. Goiânia: Uni-ANHANGUERA, 2002.
___. Regimento Interno. Goiânia: Uni-ANHANGUERA, 2014.

338
A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL VERSUS EDUCAÇÃO
DO CAMPO E A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NESSE
CONTEXTO

Ana Maria Franco Pereira – PUC/GO1


RABELO, Fernanda Moreira Silva – PUC/GO2

RESUMO: O objetivo deste estudo é realizar, em linhas gerais, uma reflexão, por meio de investigação sobre
a Educação Rural no Brasil, versus educação do campo, partindo de um contexto histórico, bem como a importância
da formação do docente nesse processo educacional. A temática do trabalho norteia-se na Educação Rural do Brasil
e na importância da formação do docente nesse processo. Para o desenvolvimento do referente estudo partiu-se da
inquietação em compreender como ocorreu a educação rural, seus desafios e perspectivas voltados à Educação “do”
Rural, e, de certa forma, como era vista pela sociedade, e ainda, a importância da formação dos professores, os quais
possuem um papel fundamental e indispensável nesse contexto. O referente estudo é parte de uma pesquisa de dou-
torado (em andamento), pesquisa esta que visará descrever a história da nucleação das escolas rurais no município de
Rio Verde - GO. Para o desenvolvimento deste trabalho aportou-se em um estudo qualitativo de natureza bibliográ-
fica, possibilitando apreensão científica a partir da análise crítica das concepções e problematizações sociais, políticas
e pedagógicas imbuídas no campo epistemológico da educação, sobretudo, da educação rural e dos atores pertencen-
tes a esse contexto, sejam eles, pais, alunos, professores e comunidades. Esta busca de conhecimento, por intermédio
deste trabalho, possibilitará para a sociedade e a outros estudos a compreensão da educação rural no contexto de
sua história, através dos movimentos sociais realizados em prol de uma educação no e do campo, e a importância
da formação do docente para atender às especificidades e a diversidade do campo. O educador do campo ocupa na
comunidade um papel fundamental no fomento à cultura, na formação dos sujeitos e na organização político-social,
os mesmos, têm a tarefa de promover a formação e a socialização do conhecimento partindo das particularidades dos
saberes e culturas das comunidades que residem no campo. Se faz necessário a integração Educação do Campo e a
formação de professores na construção de políticas educacionais voltadas aos sujeitos do campo, com conteúdo es-
colares e conteúdos advindos da vida, do cotidiano, das histórias, memórias e cultura dos educandos, da comunidade
e de todo local. Ao término deste estudo, fica-se amplamente elucidado que a formação de professores para atuação
nas escolas no campo deve ser concebida abrangendo preocupação com o campo social dos diferentes grupos que
ali vivem, contribuindo para a transformação social, econômica, cultural e educativa, que se leva a expectativa de se
repensar os cursos de formação, instituídos em contextos distintos, de modo que venham a preparar os professores
para que sejam capazes de desenvolver pedagogias contra-hegemônicas e que consigam fortalecer os educandos das
escolas do campo ao dar-lhes o conhecimento necessário podendo atuar como agentes críticos e transformadores
da realidade de si mesmos.
Palavras-chave: Educação Rural. Educação no/do Campo. Formação Docente.

1 Doutoranda em Educação, vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Integrante dos Grupos de Pesquisa GEPPE da
UEMS de Paranaíba - MS e do grupo EDUCAÇÃO, HISTÓRIA, MEMÓRIA E CULTURAS EM DIFERENTES ESPAÇOS SOCIAIS/
HISTEDBR, pela PUC. Professora concursada pela Secretaria Municipal de Educação do município de Rio Verde - Goiás.
2 Doutoranda em Educação, vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica
de Goiás. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás – UFG - Jataí. Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas
Educacionais – PUC. Professora Universitária na Faculdade Objetivo em Rio Verde – Goiás.

339
INTRODUÇÃO

Pretende-se com este estudo, realizar uma reflexão por meio da investigação de como se deu a Educação Rural
no Brasil, a partir de um contexto histórico, buscando compreender as influências dos movimentos sociais nesse pro-
cesso educacional sobre a educação rural versus educação do campo. A centralidade deste trabalho – a Educação Rural
– é parte de estudos de uma pesquisa de doutorado (em andamento), pesquisa esta que visará descrever a história da
nucleação das escolas rurais no município de Rio Verde – GO.
O desenvolvimento do referente estudo partiu-se da inquietação em compreender como ocorreu a educação ru-
ral, seus desafios e perspectivas voltados à Educação “do” Rural, e, de certa forma, como era vista pela sociedade, e ainda,
a importância da formação dos professores, os quais possuem um papel fundamental e indispensável nesse contexto
Toda a história, de acordo com o paradigma tradicional, diz respeito essencialmente à política, mas, por outro
lado, a nova história se interessa virtualmente por toda a atividade humana, ou seja, tudo tem uma história, tudo tem
um passado que pode em princípio ser reconstruído e relacionado ao restante do passado. (BURKE, 1992). Portanto,
dá-se a importância de se explorar a nova história no desenvolvimento deste trabalho.
A história da educação brasileira inicia-se com a chegada dos jesuítas ao Brasil, no ano de 1549. Durante esse pe-
ríodo, o ensino era extremamente fragmentado, reproduzia a lógica utilizada na Europa naquela época, completamente
ao contrário da realidade dos indígenas que viviam aqui. Pois bem, o principal objetivo dos jesuítas não era educar os
indígenas, e sim, catequizá-los, visando à mão de obra, baseando o ensino na submissão.(BARROS; LIHTNOV, 2016).
Diante disso, a educação dos indígenas, realizada pelos padres, voltava-se a serviço da Igreja Católica, portanto,
contrário aos interesses do Estado, o que resultou na expulsão dos jesuítas do solo brasileiro. Com a saída dos jesuítas,
as escolas praticamente foram extintas do Brasil, sendo retomadas apenas em 1808, meio século depois, com a chega-
da da corte portuguesa ao país. A educação, nesse período, era voltada exclusivamente aos interesses da Metrópole,
em busca de mão de obra para suprir as necessidades existentes na colônia, pois a economia portuguesa se encontrava
em decadência. (BARROS; LIHTNOV, 2016).
O ensino, neste período, era dividido em dois graus: no primeiro eram ensinados conhecimentos considerados
necessários para todos; já no segundo grau, era diferente, pois visava a instruir conhecimentos necessários apenas aos
artistas, comerciantes e agricultores. Em 1824, criou-se a primeira constituição brasileira, porém a prática quanto à
educação continuou sendo a mesma, diante dos “lindos” discursos estabelecidos, pois continuava sendo restringida para
poucos. No que se refere à educação rural, percebe-se que além de não existir leis que a amparasse, o modelo de desen-
volvimento proposto nesse período era relacionado ao trabalho escravo e latifúndio. (BARROS; LIHTNOV, 2016).
Em 1891, foi criada a segunda Constituição Brasileira, marcado pela transição da monarquia para o sistema
supracitado. Tal constituição expunha-se como obrigatoriedade a escola primária, porém o principal objetivo era a
formação da mão de obra, bem como a dissociação entre o Estado e religião na educação. Mesmo com tais avanços,
a educação rural não foi mencionada nessa constituição, concentrando-se apenas na mão de obra. (BARROS; LIHT-
NOV, 2016).
Diante do exposto, percebe-se que em nenhuma das constituições a educação rural foi citada, e que o modelo
proposto por elas não se preocupava com a emancipação e construção da cidadania. No entanto, a industrialização
no Brasil começa a ganhar força, e com isso surge o aumento da população nas cidades, situação esta, que foi marco
inicial para que a educação rural começasse a surgir no ordenamento territorial brasileiro.
A busca de conhecimento, por intermédio deste trabalho, possibilitará para a sociedade e a outros estudos a
compreensão da educação rural no contexto de sua história, através dos movimentos sociais realizados em prol de
uma educação no e do campo, e a importância da formação do docente para atender às especificidades e a diversidade
do campo. O educador do campo ocupa na comunidade um papel fundamental no fomento à cultura, na formação
dos sujeitos e na organização político-social, os mesmos, têm a tarefa de promover a formação e a socialização do
conhecimento partindo das particularidades dos saberes e culturas das comunidades que residem no campo.
O referido texto encontra-se dividido em três seções, sendo a primeira intitulada: “Contextualizando a Edu-
cação Rural no Brasil”, que contextualiza a história da educação rural. A segunda seção intitulada: “Educação no/do

340
Campo”, aborda-se o significado e a diferença entre educação no e do campo. E na terceira seção, sob o título: “A
formação docente e sua importância na educação rural”.
O trabalho aporta-se em um estudo qualitativo de natureza bibliográfica, possibilitando apreensão científica a
partir da análise crítica das concepções e problematizações pedagógicas imbuídas no campo epistemológico da edu-
cação, sobretudo, da educação rural e dos atores pertencentes a esse contexto.

CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL

Segundo Barros e Lihtnov (2016), durante as décadas de 1920 e 1930, uma das principais cobranças das classes mais
populares foi a alfabetização, termo usado constante em discursos governamentais. Fazendo-se um paralelo aos primei-
ros anseios sobre a escola rural, ganharam força as primeiras inquietações relativas à produção e ao êxodo rural, e, nessa
perspectiva a educação rural passou a ser encarada como alternativa de contenção do êxodo rural que vinha ocorrendo.
O processo de industrialização intensifica-se, nas décadas seguintes, alienando o sistema educacional brasileiro,
sistematicamente elitista, com enorme insuficiência de recursos. No decorrer desse período, surge uma manifestação
de combate à urbanização e ao crescimento urbano, que visava ao incentivo de um determinado grupo possuído de
interesses diretamente ligados ao desenvolvimento rural no país, conhecido como ruralismo pedagógico:

O ruralismo pedagógico pode ser caracterizado como uma tendência de pensamento articulada por alguns inte-
lectuais que, no período em questão, formularam ideias que já vinham sendo discutidas desde a década de vinte e
que, resumidamente, consistiam na defesa de uma escola adaptada e sempre referida aos interesses e necessidades
hegemônicas. Estes encontram-se diluídos entre o que se pôde perceber como interesses de caráter econômico
das classes e grupos de capitalistas rurais ou como interesses de grupos, principalmente políticos interessados na
questão urbana. Legitimando e reforçando ambas as posturas, encontram-se os intelectuais ligados à educação,
estudiosos do papel da educação rural naquele momento e das características e opções que a escola deveria assumir,
a fim de compartilhar o projeto abrangente do Estado Nacional (PRADO, 1995. p. 6).

Tal modelo de educação proposto, no entanto, estava ligado diretamente ao modelo político-econômico elitis-
ta, estruturado em interesses de uma classe social determinada e a permanência de oligarquias, em que o único e ex-
clusivo interesse era a fixação de parte da população nas áreas rurais, controlando, dessa forma, a falta da mão de obra.
É válido destacar, que a educação pública no Brasil, ainda na década de 1930, começa a ganhar força com a cria-
ção no Ministério da Educação e da Cultura – MEC, o qual, a partir desse momento passou a controlar a educação no
país. Nesse período, a educação rural ganha destaque na questão ideológica como política, em paralelo à ascensão do
processo de urbanização no Brasil.
Essas indiferenças existentes no sistema educacional brasileiro são evidenciadas no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, em 1932, escrito durante o governo de Getúrlio Vagas:

No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública,
no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável en-
trelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito
de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas
e das necessidades do país. Tudo fragmentado e desarticulado. (AZEVEDO, 2010, p. 54).

Algumas alternativas foram trazidas, após a realização desse documento, dentre elas a democratização e a obri-
gatoriedade da educação de forma laica e pública. É evidente o contraste entre o ruralismo pedagógico e os signatários
do manifesto, sendo que o conteúdo do manifesto voltava-se para a sociedade moderna e industrial, por outro lado,
o ruralismo pedagógico objetivava apenas ao convencimento dos alunos a permanecerem no campo.
Segundo Barros e Lihtnov (2016), apesar das diferenças entre os dois movimentos, é possível destacar um
aspecto em comum entre eles: ambos buscavam por meio de novos métodos atraírem a atenção dos alunos, prepa-
rando-os para o mercado capitalista.

341
Com o surgimento da Nova Constituição, em 1934, foram elucidados inúmeros avanços sobre a questão da
educação, a qual passou a ser considerada como um direito de todos, passando a ser dever do Estado, conforme disci-
plinado no artigo 5º, XVI, 148 a 158. Tal direito à educação caracterizou-se como direito subjetivo público, enuncia-
do no artigo 149 como “direito de todos”, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes públicos. (BARROS;
LIHTNOV, 2016).
Em relação às escolas rurais, embora de uma maneira muito insipiente, essa constituição assegurava, em parte,
seu financiamento, como evidencia o artigo 156 em seu parágrafo único: “para a realização do ensino das zonas rurais,
a União reservará, no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual”.
O cenário educacional revelou-se, nos anos seguintes, que a educação estava se desenvolvendo de acordo com
os avanços da produção ao nível nacional, e que no campo, ocorria um expressivo aumento de escolas, porém a
maioria em situação precária e de sucateamento. O objetivo era novamente a manutenção e a fixação dos sujeitos no
campo por meio de escolas voltadas à produção rural daquele período.
Contudo, a partir da metade dos anos 70, a sociedade começa a reagir aos tempos de autoritarismo e repres-
são, as lutas pela democratização da sociedade, de conscientização popular e reivindicações de direitos são assumidas
pelos movimentos sociais, fazendo com que as diferentes iniciativas existentes no campo da educação popular, bem
como educação política, formação de lideranças, alfabetização de jovens e adultos, formação sindical e comunitária,
começassem a ser pensadas dentro de uma análise crítica em relação à educação escolar e da formação para o trabalho.
(FENG; FERRANTE, 2006).
Segundo Feng e Ferrante (2006), a preocupação com um ensino rural que se adaptou a características do meio
rural, manifestou-se por intermédio da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61) se re-
petindo no artigo 28 da atual LDB (Lei 9394/96) que leva em conta medidas para se adequar a escola à vida do campo.
Com relação à oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adap-
tações necessárias para adequação às particularidades da vida rural e de cada região, especificamente aos conteúdos
curriculares e metodologias próprias às necessidades e interesses dos alunos da zona rural, a organização escolar pró-
pria, com adequação do calendário escolar em relação às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas e adequação
ao trabalho realizado na zona rural. Porém, apesar da constituição propor diretrizes para serem seguidas, a tradição
real do ensino rural tem sido simplesmente reproduzir a escola urbana.

2. EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO

A educação escolar atualmente se volta para um paradigma urbano. Por outro lado, a educação voltada para os
sujeitos que residem no campo ainda é menos estudada e, podendo ser explorados vários enfoques, pois nas repre-
sentações de muitos, a visão que se faz, é de um lugar atrasado e tradicional.
Na defesa de uma educação para todos e em consideração a importância e relevância que o lugar tem para os sujei-
tos que habitam no campo torna-se fundamental o debate sobre a situação na qual se encontra a educação no/do campo.
No decorrer dos estudos realizados, percebe-se a desvalorização quanto à educação no/do campo e de minorias
envolvidas, sejam eles: indígenas, quilombolas, camponeses, assentado, caiçaras e outros. Tais minorias por sua vez,
que através de condições históricas veem seus direitos renegados, em situação de inclusão e marginalização dentro
de um sistema, bem como, excluídos das condições mínimas de um cidadão, fazendo parte de uma sistemática fábrica
de perversidades sociais.
Dessa maneira, os sujeitos do campo escolhidos que fazem parte dessa discussão no estudo em que se apresenta,
são cidadãos de direito, que por muito tempo tiveram renegados direitos mínimos, como por exemplo, a “educação”.
Revisando os históricos das políticas públicas, percebe-se clara tal realidade, a qual o próprio Estado chega a reconhe-
cer diretamente ao estabelecer as Diretrizes Nacionais para Educação do Campo.
Atualmente, cada escola nova que é conquistada, por exemplo, em um assentamento, ou num acampamento,
cada sujeito que se alfabetiza, cada curso de formação oferecida para os trabalhadores e trabalhadoras, ajudam a cons-
tituir sua própria identidade como sujeito do campo. Talvez, não seja possível alterar significamente as estatísticas da

342
educação no campo, pois a cada escola que se abre no campo mais de uma é fechada pelo processo de exclusão social,
porém, é um sinal importante no processo cultural, de humanização, na inclusão da escola como uma das dimensões
da vida social das comunidades do campo. (SUESS; DE CARVALHO; BEZERRA, 2014).
A esse respeito, Caldart (2002, p.18) traz a compreensão de:

Um dos traços fundamentais que vêm desenhando a identidade deste movimento por uma educação do campo é a
luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o seu direito à educação e a uma educação que seja no e
do campo. No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pen-
sada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais.

Não somente basta ter a compreensão da educação do/no campo no perímetro e competência das escolas que
oferecem essa modalidade, como também é importante compreender essa educação desde sua construção coletiva
entre Poder Público, sociedade civil, movimentos sociais, intelectuais e os próprios camponeses.
Nesse pensamento, Caldart (2002, p.22) esclarece que: “[...] não há como verdadeiramente educar os sujeitos
do campo sem transformar as circunstâncias sociais desumanizantes, e sem prepara-los para serem os sujeitos destas
transformações”. Diante disso, o autor nos leva a refletir sobre a educação do campo visando à construção dos sujei-
tos conscientes de suas condições, sendo capazes de se posicionar em prol dos interesses dos camponeses, para uma
sociedade mais justa combatendo as injustiças frente a uma sociedade reprodutora de desigualdades.
Segundo Nascimento (2004, p.2). “um grande desafio a ser vencido na realidade social do meio rural são os
muitos conceitos que qualificam ou desqualificam os habitantes do campo”. Dessa forma, as escolas públicas localiza-
das no campo, e até mesmo o próprio Governo, por muito tempo consideraram e de certa forma ainda consideram
esses sujeitos e o seu modo de viver como maneira atrasada.
Falar ou pensar a educação na concepção de campo significa assumir uma visão dos processos sociais; na área
dos movimentos sociais demonstra-se um vasto alargamento das questões de lutas; na política pública está relacionado
entre uma política agrária e uma política de educação, ou política de saúde, ou de educação. No entanto, na reflexão das
dimensões pedagógicas a concepção de campo significa discutir a arte de educar, bem como os processos de formação
humana, partindo da consciência de um ser humano concreto e historicamente situado. (CALDART, 2002).
Portanto, constatam-se que a educação no/do campo advém de lutas antigas, através de movimentos sócias
como já mencionado anteriormente, a educação oferecida aos camponeses, tem que ser de maneira igualitária àquela
mesma oferecida para os filhos de família rica, a educação não pode ser seletiva, o sistema educacional precisa funcio-
nar de maneira que o ensino seja oferecido para todos e não somente a uma determinada parte da sociedade.
Segundo Teixeira (1971, p.22), “[...] se tomarmos o ponto de vista de que o processo educativo é um processo
seletivo [...] então o sistema funciona, exatamente por não educar todos, mas somente uma parte”. No entanto dei-
xa-se claro baseando-se nas Diretrizes Nacionais para Educação do Campo, que é direito desses sujeitos à garantia de
um ensino do campo, de acordo com sua realidade.

A FORMAÇÃO DOCENTE E SUA IMPORTÂNCIA NA EDUCAÇÃO RURAL

A formação dos professores para o campo não existiu na história da educação brasileira, ela teve como modelo,
o parâmetro urbano, experiências urbanas, currículos urbanos, além de condições precárias de trabalho, baixo salá-
rio, conforme salienta o documento do Ministério da Educação. (DOS SANTOS, 2010).

[...] as condições de trabalho dos profissionais do magistério permanecem precárias. No caso específico da área ru-
ral, além da baixa qualificação e dos salários inferiores aos da zona urbana, eles enfrentam, entre outros problemas,
sobrecarga de trabalho, alta rotatividade e dificuldade de acesso à escola, em função das condições das estradas e da
falta de ajuda de custo para a locomoção (BRASIL, 2007, p.33).

Lamenta-se a falta de uma política pública de formação interligada a fatores de ordem cultural e social, pois
possibilitam entraves para a vivência de um conjunto de situações didáticos-pedagógicas a serem vivenciadas nos

343
espaços educativos, bem como nas escolas e no cotidiano do campo. Tal realidade determina situações de várias or-
dens que dificultam o desenvolvimento do trabalho pedagógico na perspectiva a educação do campo, que segundo
Beltrame (2009), resulta:

[...] da falta de oportunidades para estudar e os percalços enfrentados na escolaridade [...]. É conhecida a precarie-
dade da formação docente nas escolas rurais, sendo objeto de estudos que destacam, problemas como: os poucos
anos de escolaridade; a falta de propostas de formação contínua por parte dos órgãos gerenciadores dos sistemas de
ensino; inadequação da formação supletiva para professores das zonas rurais. (BELTRAME, 2009, p.151).

Pensando-se em uma proposta ao desenvolvimento, no espaço educacional, o “espaço aprendente” como for-
mação continuada de professores para as escolas do campo, que além de essencial, parece ser uma possibilidade real
em transformação local, por meio de ações coletivas, que emergem no indivíduo auto (trans) formação, à coletividade
, favorecido pelo lugar aprendente como espaço de trocas e relações recíprocas entre saberes formais e saberes expe-
rienciais, imbricando dessa forma, a identidade cultural a se reconfigurar, ligando seus autores em seus territórios.
É claro o entendimento que proporcionar a formação continuada no/com o espaço aprendente, ou seja, a for-
mação continuada em lócus em questão, potencializa o saber da experiência vivida e, contudo, a identidade pessoal/
profissional nos/dos docentes. A escola possui um caráter pedagógico para a transformação da sociedade por meio
da formação humana, assim, umas das formas para qualificar o espaço escolar como comunidade-única poderá ser
desenvolvida nos profissionais que lá atuam, bem como a identidade com a instituição e o sentimento de pertenci-
mento àquela comunidade.
Portanto, estar em formação é uma procura pela transformação como profissional, é (re) pensar suas teorias e prá-
ticas, são buscas de novas perspectivas, que de acordo com os apontamentos de Imbernón, que afirma não ser simples:

A solução não está apenas em aproximar a formação dos professores e do contexto, mas, sim, em potencializar
uma nova cultura formadora, que gere novos processos na teoria e na prática da formação, introduzindo-nos em
novas perspectivas e metodologias. Como, por exemplo, as relações entre professores, seus processos emocionais
e atitudes. (IMBERNÓN, 2010, p.40).

Assim, acredita-se que o engajamento dos professores com a instituição de ensino por meio de formações que
contemplem as suas especificidades, vem oportunizar e dar sentido ao seu próprio desenvolvimento profissional, e,
consequentemente, pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teórico evidenciou a importância de relembrar e refletir os contextos históricos sobre a educação rural
no Brasil, a partir de diversos autores que abordam esse tema. Historicamente, o conceito da educação rural no Brasil
sempre esteve vinculado a um modelo atrasado de educação, com falta de recursos e de baixa qualidade. Por muito tem-
po, perdurou-se essa problemática no Brasil, sendo que tais elementos instituíram o paradigma da Educação do Campo.
Para melhor esclarecimento, considera-se a educação do campo como sinônimo de desenvolvimento do cam-
po, pensando nos sujeitos que ali vivem. Enquanto a educação rural é o sinônimo de crescimento, visando à melhoria
econômica e não à melhoria de vida populacional. Sendo assim, a educação do campo é luta de pessoas organizadas
por meio de movimentos em prol de desenvolvimentos sociais, é a busca de seus direitos e os cumprimentos destes,
já a educação rural foi criada sem a participação das pessoas a qual essa educação de destina, visando ao interesse
apenas de seus formuladores.
Dessa forma, destacou-se a importância da formação dos professores com ênfase na Educação do Campo que
reafirmando-se como agentes políticos, oportunizando a se constituírem como sujeitos históricos, imersos em uma
realidade própria, necessitando visibilidade e respeito a suas peculiaridades, professores estes, que não aceitam o
enfraquecimento das escolas do campo devido o conhecimento e envolvimento da realidade onde essas escolas estão
situadas, bem como a virem rejeitar as práticas docentes advindas de um sistema capitalista e urbanizado.

344
Nesse modo, a formação de professores pautada em uma pedagogia contra hegemônica, voltada a valorização
do acesso e permanências das camadas populares em prol de conhecimentos em suas formas mais desenvolvidas, é o
mesmo que fazer avançar a luta pela superação da sociedade capitalista, contribuindo para a construção de uma nova
sociedade e a tão sonhada emancipação humana.

REFERÊNCIAS

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educacional para o campo brasileiro. Ciência & Trópico, v. 34, n. 2, 2010.
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bases do ensino no e do campo no Brasil. 2016.
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v. 4, n. 8, 2009.
BICCAS, Maurilane de Souza; FREITAS, Marcos Cezar de. História social da educação no Brasil. 2009.
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Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. INEP/MEC. BRASÌLIA – DF, 2007.
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Agrária e Desenvolvimento: desafios e rumos da política de assentamentos rurais, Anais, 2006.
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pesquisa em Educação do Campo, v. XX, p. X-I, 2006.
IMBÉRNON, Francisco. Formação Continuada de Professores. Porto Alegre: Artmed, 2010.
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Tempo Integral Ensino Fundamental Cândida Silveira Haubman – Arroio Grande/RS. Tese (Doutorado) –Programa de Pós-
Graduação em Produção Vegetal. Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel. Universidade Federal de Pelotas. - Pelotas, 2008.
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WHITAKER, D. C. Andreatta. O rural-urbano e a escola brasileira, Revista do Migrante, Ano V, Nº 12, 1992.

345
A HISTÓRIA DO LIVRO E DA LEITURA NO BRASIL:
UM MAPEAMENTO HISTORIOGRÁFICO DA PRODUÇÃO
E INSTITUIÇÃO DO CAMPO

Daniele Spadotto Sperandio – UEMS/MS1


Estela Natalina Mantovani Bertoletti – UEMS/MS2

INTRODUÇÃO

Nesta comunicação, com objetivo de avaliar os estudos desenvolvidos no campo da história do livro e da leitura
no cenário brasileiro, questiona-se quais são as áreas que têm realizado pesquisas sobre história do livro e da leitura
no Brasil, mediante mapeamento de estudos acadêmicos ao longo dos anos.
Para tanto, busca-se averiguar os temas, os enfoques, as instituições que têm desenvolvido as pesquisas em con-
sonância às abordagens utilizadas e, consequentemente, qual a área do conhecimento que predomina nesses estudos.
Tal análise permite verificar as perspectivas existentes para a constituição do campo de conhecimento sobre
história do livro e da leitura no Brasil.

OS DESDOBRAMENTOS SOBRE O LIVRO E A LEITURA NO BRASIL

No cenário acadêmico mundial, especialmente nos países de língua inglesa e francesa, os estudos desenvolvidos
no campo da história do livro e da leitura acentuaram-se a partir da década de 1960.
Ao examinar as condições para a história das práticas de leitura, Chartier (2009, p. 77) corrobora essa afirmação
quando declara que “[...] os estudos sobre a história do livro multiplicaram, no que diz respeito ao Antigo Regime
francês, as avaliações da produção impressa e as medições de sua posse desigual por parte dos diferentes meios so-
ciais”.
No Brasil, tornou-se comum afirmar que as primeiras iniciativas relativas ao fomento à leitura, ocorreram a
partir da criação do Instituto Nacional do Livro (INL), em 1937 (BRASIL, 1937), porém estudos históricos sobre o
livro, leitura e bibliotecas apontam iniciativas desde o período do império.
A carta régia de 13 de maio de 1808, permitiu oficialmente o uso do prelo no Brasil colônia, com o objetivo
de publicar, inicialmente, atos e proclamações do governo (ABREU, 2010). Demais publicações e materiais escritos
eram permitidos por meio de alvarás e documentos reais, sendo o governo o mediador entre as partes interessadas.
Essa censura prévia perdurou até início de 1820, quando houve o fim do monopólio real e a permissão do funciona-
mento de outras tipografias. O livro tornou-se “um objeto conhecido no cotidiano da corte como também um item
fundamental no processo de civilização do nosso país” (EL FAR, 2006, p. 17) e, pouco a pouco, passou a ganhar visi-
bilidade com a publicação de romances.
No entanto, mesmo com a expansão da publicação de livros no decorrer dos anos, a cultura letrada era para
poucos. De acordo com a UNESCO (2008, p. 24), “até fins do século XIX, as oportunidades de escolarização eram
muito restritas, acessíveis quase que somente às elites proprietárias e aos homens livres das vilas e cidades”, represen-
tando a minoria da população e, consequentemente, a difusão do processo de alfabetização no país ocorreu no trans-
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (PGEDU/UEMS), Unidade
Universitária de Paranaíba/MS. Graduada em Biblioteconomia e Ciência da Informação (UFSCar), Bibliotecária-Documentalista do IFSP,
câmpus Votuporanga.
2 Mestre e doutora em Educação (UNESP/Marília), com pós-doutorado em Educação (UERJ) e em Educação Escolar (UNESP/Araraquara).
Professora Associada da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS/Paranaíba).

346
correr do século XX, porém até a década de 1950, “mais da metade da população brasileira era analfabeta” (UNESCO,
2008, p. 25).
Foi apenas durante a década de 1960, que diferentes áreas do conhecimento intensificaram os estudos sobre a
questão do analfabetismo que atingia uma parcela considerável da população e se atentaram à necessidade de reverter
esse quadro por meio da democratização da prática da leitura (GNERRE, 1991; SMITH, 1991).
Na mesma linha, afirma-se que foi a partir da criação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ), em 1968, e principalmente em virtude dos investimentos da iniciativa privada em materiais de leitura e na
publicação de livros de literatura infantil (KNUPELL, 2006), que o mercado do livro começou a ter maior destaque
durante a década de 1970 (CORDEIRO, 2018).3
De todo modo, mesmo relativizando-as, tais iniciativas favoreceram maior diálogo entre as diversas áreas que
se dedicaram ao estudo sobre a leitura e a escrita e, consequentemente, aos inter-relacionamentos que se firmaram,
sobretudo, em três vertentes: a difusão do hábito da leitura, os usos do livro e a dos estudos sociais.
Com o processo de redemocratização do Brasil durante a década de 1980, surgiram as primeiras políticas
públicas para o acesso ao livro e a leitura (CORDEIRO, 2018), que permitiram uma relativa estruturação das biblio-
tecas, sobretudo as escolares4, e fomentaram o comércio de livros que, em consonância à Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “d”, estabeleceu a imunidade tributária para o livro:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: […] d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua
impressão” (BRASIL, 1988).
Na sequência, a concepção da leitura e do ato de ler mudou significativamente a partir da década 1990, com o
advento das novas tecnologias da informação, que de acordo com Chartier (1998), provocou no leitor, outras formas
de se relacionar com o livro e com o texto. Segundo o autor, o livro como objeto mudou, pois

[...] é difícil empregar ainda o termo objeto. Existe propriamente um objeto que é a tela sobre a qual o texto eletrô-
nico é lido, mas este objeto não é mais manuseado diretamente, imediatamente, pelo leitor. A inscrição do texto
na tela cria uma distribuição, uma organização, uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com
a qual se defronta o leitor do livro em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do
livro manuscrito ou impresso, onde o texto é organizado a partir de sua estrutura em cadernos, folhas e páginas
(CHARTIER, 1998, p. 12-13).

A história do livro e da leitura passou a ser tema recorrente em pesquisas, como nas dissertações e teses, além
dos estudos apresentados em congressos5, iniciada durante a década de 1980 e, aumentando gradativamente no de-
correr nos anos subsequentes. Para Darnton (1990), esses estudos sobre a história do livro contribuem para situar
“o quê”, “quem”, o “onde” e o “quando” da leitura, enquanto que os estudos sobre história da leitura focalizaram o
interesse nas práticas de leitura, na tentativa de responder questões mais complexas, sobre o “porquê” e o “como” as
pessoas leem e na compreensão de como essas práticas se tornaram tema central.
Por meio de um levantamento das publicações de anais de congresso, compreendendo o período de 1998 a
2010, Klinke (2012) afirma que as pesquisas sobre a história da leitura e escrita não constituíram um campo autôno-
mo, mas favoreceram um diálogo promissor entre as áreas do conhecimento que tratam da leitura e da escrita sob
diferentes abordagens, apontando um gradual aumento nas publicações que tratam desse tema.

3 Estudos históricos sobre livro, leitura e correlatos têm desmistificado esses marcos históricos, destacando iniciativas, estudos e outras ações
já a partir do império brasileiro.
4 O movimento de bibliotecas, entretanto, é muito mais antigo, tendo iniciado, pelo menos, na década de 1930, no Brasil.
5 A afirmação está baseada em levantamento bibliográfico realizado pelas autoras, pois foram consultadas publicações na temática, como os
anais do Congresso de Leitura no Brasil (COLE) e os trabalhos das Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (ANPED).

347
A COLETA DOS DADOS

Para o presente estudo, optou-se pelo levantamento das teses e dissertações sobre a história do livro e da leitura
no Brasil, por meio do Catálogo de Teses e Dissertações do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), e do catálogo da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT).
As primeiras simulações foram com termos “história”, “livro”, “leitura” e “Brasil”. No entanto, o termo “Brasil”
foi suprimido posteriormente, pois se observou que os resultados não correspondiam com fidedignidade ao conteúdo
abordado, pois o termo, na maioria das vezes, é utilizado quando há alguma comparação entre o Brasil e outro país. A
pesquisa com os demais termos de forma individual, também resultou inadequada. As buscas foram realizadas com as
expressões “história da leitura” OR “história do livro”, utilizando como delimitação as expressões infância, alfabetização,
literatura, didático e matemática (o catálogo da CAPES não permite pesquisa avançada ou delimitação por campo).
No processo de levantamento no catálogo da BDBT, aplicou-se o filtro “assunto” utilizando a expressão “(his-
tória do livro) OR (história da leitura)”, resultando em 60 (sessenta) trabalhos.
O levantamento dessas produções foi realizado durante o período de 2 (dois) a 8 (oito) de dezembro de 2018.
Importante ressaltar que o catálogo da CAPES apresentava inconsistências nas buscas, que no mesmo dia exibiam
resultados com divergências acentuadas.
Ao analisar os 259 (duzentos e cinquenta e nove) trabalhos recuperados, 37 (trinta e sete) se repetiam, de modo
que permaneceram 222 (duzentos e vinte e duas) dissertações e teses. Em virtude da quantidade de estudos, não é
possível relacioná-los nesta comunicação.
Como principais resultados, verificou-se que 52 (cinquenta e duas) instituições possuíam trabalhos no tema
proposto, distribuídos em 21 Estados e Distrito Federal, contemplando 44 (quarenta e quatro) programas de pós-
-graduação, sendo que uma quantidade expressiva de trabalhos estão vinculados aos Programas em Educação, com
64 (sessenta e quatro), seguidos por 36 (trinta e seis) em Letras, 29 (vinte e nove) em História e 11 (onze) em História
Social e, demais trabalhos compreendendo os outros 40 (quarenta) programas de pós-graduação, como pode ser ob-
servado no Quadro 1.

Quadro 1 - Programas e respectivas Instituições de Ensino Superior (IES)

Programa Qtde. IES


Arquitetura e Urbanismo 3 UNB; USP
Artes 1 UNESP
Artes Visuais 1 UFRJ
Ciência da Informação 10 UFMG; UFPE; UFRJ; UNB; USP
Ciência Política 1 UFSCar
Ciências da comunicação 2 UNISINOS; USP
Ciências da religião 1 MACKENZIE
Comunicação 4 CÁSPER; UERJ
Comunicação e cultura 1 UNISO
Comunicação e informação 1 UFRS
Comunicação e semiótica 1 PUC/SP
Design 4 PUC/RJ; UERJ; UFSC
Direito 1 USP
UDESC; UERJ; UFBA; UFC; UFES; UFFS; UFRN; PUC/GO; UFJF; UFMA;
Educação 64 UFMG; UFMT; UFPA; UFPB; UFPEL; UFPR; UFRJ; UFRS; UFS; UNESP;
UNICAMP; UNISC; UNIT; USP
Educação, história, política e
2 PUC/SP
sociedade

348
Programa Qtde. IES
Ensino 1 UFF
Estudo de linguagens 1 UFBA
Estudos comparados de
2 USP
Literaturas de língua portuguesa
Estudos culturais 1 USP
Estudos de linguagens 2 UFRN
Estudos da tradução 1 UFSC
Estudos de literatura 2 UFF; UFSCar
Estudos linguísticos 1 USP
Filosofia 1 USP
PUC/GO; PUC/SP; UEL; UEPG; UERJ; UFC; UFCG; UFMG; UFPB; UFPR;
História 29 UFRN; UFRRJ; UFSC; UNB; UNESP; UNIFESP; UNIMONTES; UNIRIO;
UNISINOS
História comparada 1 UFRJ
História da ciência 2 PUC/SP
História e culturas 1 UFCE
História econômica 4 USP
História social 11 UEL; UERJ; USP
FUESPI; FUPF; UCS; UEA; UFES; UFGD; UFPB; UFRN; UFV; UNEB;
Letras 36
UNESP; UNIR; UNIRIO; MACKENZIE; USP
Letras e artes 1 UEA
Letras e cultura 4 UCS
Língua e cultura 1 UFBA
Linguística 7 UFPB; UNICAMP
Literatura 3 UNB; USP
Literatura, cultura e
1 PUC/RJ
contemporaneidade
Memória social 1 UNIRIO
Mídia e tecnologia 1 UNESP
Políticas públicas 1 UEM
Política social 1 UNB
Psicologia da educação 1 PUC/SP
Teologia 1 PUC/RJ
Teoria e história literária 2 UNICAMP

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018)

Dentre os trabalhos recuperados, 127 (cento e vinte e sete) são de instituições da Região Sudeste, seguidos pela
Região Nordeste, com 42 (quarenta e dois), Sul com 38 (trinta e oito), Centro-Oeste com 11 (onze) e Norte com 4
(quatro) estudos. Somam-se 155 (cento e cinquenta e cinco) Dissertações e 67 (sessenta e sete) Teses. A predomi-
nância de mais da metade dos trabalhos se concentrarem na região Sudeste, ocorre devido a maior concentração
de universidades nessa região do país. A Tabela 1 apresenta os trabalhos por Instituição de Ensino Superior (IES),
programa, curso e região do país.

349
Tabela 1 – Total de IES, Programas, Cursos e Trabalhos por Região

Região Instituições Programas Cursos Trabalhos


Centro-Oeste 5 10 11 11
Nordeste 11 23 27 42
Norte 3 4 4 4
Sudeste 20 59 64 127
Sul 13 20 21 38
Total 52 116 112 222

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Verifica-se, portanto, que há uma quantidade relativamente expressiva de trabalhos na temática e, entre os
resultados, o primeiro estudo recuperado refere-se ao ano de 1988. Houve maior crescimento a partir de 2008 e, em
2016, atingiu 41 (quarenta e um) trabalhos, como pode ser observado na Tabela 2:

Tabela 2 – Estudos por ano e tipo de documento

Tipo Mestrado Mestrado Profissional Tese Total


1988 1 0 0 1
1994 0 0 3 3
1996 0 0 1 1
1997 1 0 0 1
1998 1 0 0 1
2000 1 0 0 1
2001 0 0 1 1
2003 0 0 1 1
2004 1 0 0 1
2006 1 0 1 2
2007 1 0 2 3
2008 10 0 2 12
2009 8 0 2 10
2010 1 0 4 5
2011 1 0 0 1
2012 1 0 3 4
2013 20 0 6 26
2014 20 2 6 28
2015 21 3 12 36
2016 29 2 10 41
2017 22 0 11 33
2018 8 0 2 10
148 7 67 222

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

350
UM POUCO SOBRE AS PESQUISAS

Por meio dos dados levantados, foi possível perceber que parte das pesquisas são de base documental e estão
ancoradas sob a vertente da história cultural, tendo como ponto central, a história das práticas de leitura, representa-
das predominantemente por Roger Chartier.
Outras linhas abordadas referem-se às práticas escolares, cultura escolar, história do livro e da literatura, esco-
larização, trabalho docente, editoração, circulação e usos de livros, história de cartilhas e impressos em geral, tendo
como espaço temporal, determinados períodos na história. Significa que esses estudos estão baseados, em maioria, pelas
condições sociais específicas que tratam dos modos de ler e escrever, e do relacionamento entre os textos e os leitores.
De acordo com o levantamento, os trabalhos estão distribuídos por várias áreas do conhecimento, com maior
concentração em Educação (64), Letras (36), História (29) e História Cultural (11), o que representa um pouco mais
de 63% (sessenta e três) de todos os trabalhos recuperados, o que evidencia uma inter-relação entre a história da edu-
cação brasileira, a história da língua portuguesa e a história social, revelando a existência de um diálogo entre seus
principais teóricos de campos de conhecimento diversos, o que requer um maior aprofundamento sob a perspectiva
da historiografia para situar os aspectos que convergem entre si e analisar as principais abordagens que predominam
em cada área do conhecimento. Tal constatação também evidencia que o método historiográfico nem sempre é uti-
lizado nas pesquisas.
Observou-se que existe um número expressivo de pesquisas que analisam a questão da leitura por meio do
processo de escolarização no país.
Evidenciou-se, também, aqueles trabalhos que tratam o onde da leitura, ou seja, os espaços onde as leituras acon-
teciam, principalmente lugares como bibliotecas, os chamados gabinetes de leitura, as salas de leitura e as livrarias.
Vale apontar que há uma variedade de linhas adotadas, mas verifica-se uma predominância dos estudos que
abordam as representações e práticas de leituras em diferentes épocas, com diferentes leitores e situações. Nesse as-
pecto, é possível verificar que esses trabalhos adotam a visão de Chartier (2002, p. 27), quando afirma que para com-
preender a história da leitura é preciso situá-la nas práticas e representações entendida como “[...] o estudo dos pro-
cessos com os quais se constrói um sentido”. Tal concepção desfaz o entendimento que se tinha de uma interpretação
única e homogênea, desencadeando a consciência de que cada indivíduo se apropria do texto de diferentes maneiras.
Entre outras abordagens, temos os processos de letramento e os usos de obras literárias específicas, que envol-
vem o ato de ler, e no quanto esses leitores se relacionam nessas práticas discursivas. No entanto, salienta-se que não
foram recuperados estudos que analisam o tema sob a perspectiva do leitor.
Já as pesquisas que tratam sobre a história do livro, na maioria dos trabalhos, apresentam análises dos processos
de editoração, circulação e uso dos livros e impressos sob a perspectiva histórica.
Neste caso, é importante ressaltar como Chartier (2010) aborda a questão do livro, considerando-o como um
produto cultural, que em sua constituição passa por uma série de intervenções, ou seja, o autor não é propriamente
o único autor de seus escritos. Esses escritos sofrem mudanças no processo de editoração, como a escolha do papel e
do formato, nas correções durante as provas e nas operações tipográficas.
Ferreira (1999, p. 2) também se refere a esse fato quando afirma que “[...] o livro é um produto intelectual,
que se concretiza num certo suporte de material, que envolve não só o autor e o leitor, mas diferentes pessoas que se
incumbem de (re)organizar um conjunto de impressão, distribuição e circulação dessa mercadoria”. Essa constatação
demonstra o quanto o livro também passa por influências durante todo o processo de sua produção, desde a sua con-
cepção até seu destino: as mãos do leitor.
Ao mesmo tempo, pode-se afirmar que a história do livro é indissociável da história da escrita:

Segundo pesquisadores como Jack Goody, a invenção da escrita foi o avanço tecnológico mais importante da his-
tória da humanidade. Ela transformou a relação do ser humano com o passado e abriu caminho para o surgimento
do livro como força histórica. (DARNTON, 2010, p. 39)

351
Outros abordam o livro sob um determinado suporte e as contribuições advindas no processo de apropriação
do texto. Ao mesmo tempo, há trabalhos que tratam da evolução do livro ao longo do tempo até o presente, em seu
formato digital.
Desse modo, ao se debruçar sobre o tema da história do livro, as pesquisas também ressaltam as novas platafor-
mas de leitura, o que possibilita outras formas de ler e, consequente, outras maneiras que o leitor tem de se apropriar
do texto.
Percebe-se a ocorrência de forte influência dos modelos estrangeiros, indicados por meio das fontes, dos mé-
todos, pela natureza do estudo e no quanto foram responsáveis para o desenvolvimento das pesquisas no Brasil,
contribuindo para uma melhor compreensão da importância do livro e do ato de ler no indivíduo
Assim, ao realizar esse breve balanço das publicações, é possível afirmar que a livro e a leitura possuem papel
relevante para a formação do leitor como um sujeito consciente de suas atitudes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho pretendeu fazer um breve mapeamento sobre a historiografia das pesquisas sobre a história do
livro e da leitura. A pesquisa não foi exaustiva e representa um preâmbulo para o desenvolvimento de outros estudos,
abrangendo outros bancos de teses e dissertações, em conjunto com as demais tipologias de publicações científicas.
Sobressaem-se nos trabalhos as concepções teóricas de natureza histórica, em especial, pesquisas datadas, que
procuram trazer uma relação do passado com o presente.
Ressalta-se, como foi possível verificar pelos trabalhos analisados, que a história da leitura está mais intima-
mente ligada à história da educação e aos processos de alfabetização, no entanto, é importante analisar como os as-
pectos historiográficos da primeira possuem relações com outras áreas, o que pode configurar um campo de estudo
específico. A associação da história da leitura com os processos de escolarização/alfabetização pode estar relacionada
à questão apontada anteriormente, de que a história do livro está ligada de forma intrínseca à escrita e, consequente-
mente ao ato de ler.
Mesmo com o número crescente de publicações no tema, não é possível afirmar que o campo foi constituído. É
preciso uma análise aprofundada de vários pontos, como as linhas de pesquisas dos programas de pós-graduação em
relação aos trabalhos concluídos e em andamento (considerando todas as instituições de ensino do país), os grupos de
estudo e pesquisa e, as áreas do conhecimento que desenvolvem essas pesquisas.
Embora várias pesquisas sobre a história do livro e da leitura no Brasil tenham sido realizadas, parece que sua
constituição está longe de ser efetivada, representando um vasto campo a percorrer.
Como proposta investigativa, verifica-se a necessidade de pesquisas com foco no aluno, principalmente com o
objetivo de compreender os caminhos que o aluno percorre para se apropriar do conhecimento por meio da leitura.
Por fim, espera-se que este estudo contribua para o desenvolvimento de investigações voltadas para a história
do livro e da leitura sob a égide da história cultural em especial, das práticas de leitura e de suas apropriações.

REFERÊNCIAS

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em: 11 abr. 2019.

352
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UNESCO. Alfabetização de jovens e adultos no Brasil: lições da prática. Brasília, DF: UNESCO, 2008. Disponível em:
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000162640_por. Acesso em: 28 abr. 2019.

353
A INFLUÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Osmar Pereira dos Santos – PUC/GO e FUG/GO1


Raquel Aparecida Marra da Madeira Freitas – PUC/GO2

RESUMO: O objetivo deste estudo é compreender o processo de internacionalização da educação a partir


da Declaração Mundial sobre Educação Para Todos. A proposta metodológica foi pesquisa bibliográfica de caráter
descritiva. A Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, ocorrida na cidade de Jontiem, na Tailândia em 1990,
foi um marco que representou o divisor de águas, no planejamento e execução das políticas da área da educação,
no Brasil e no mundo. No documento são expressas as preocupações com as condições e oportunidades de acesso a
aprendizagem básica do ser humano, seja ela criança, adolescente ou adulto. A chamada universalização de acesso a
educação se configura como sendo um elemento longe do alcance de muitos brasileiros e de outros no mundo a fora.
Palavras-Chave: Internacionalização; Educação Brasileira; Influências; Políticas.

INTRODUÇÃO

Sabe-se que o sistema educacional brasileiro sofreu e sofre diversas mudanças ao longo da história, tais mu-
danças acontecem de acordo com as necessidades do momento em que a sociedade está vivendo, ou para atender os
diversos interesses, sejam eles políticos, econômicos ou sociais. No campo dos interesses políticos e econômicos se
nota a interferência de organismos internacionais sobre os rumos da educação no Brasil, é o que muitos estudiosos
chamam de internacionalização da educação. Já no aspecto social têm-se uma educação da acolhida para a população
vulnerável e uma escola de conhecimento aos mais abastados economicamente.
É necessário entender que os organismos internacionais se tornaram influentes a partir da Declaração Mundial
sobre Educação Para Todos, ocorrida na cidade de Jontiem, na Tailândia em 1990. Esta declaração foi um marco que
representou o divisor de águas, no planejamento e execução das políticas da área da educação, no Brasil e no mundo.
Pois, este documento torna-se de acesso universal e a ser seguido por muitos países, principalmente os periféricos,
começando assim, a influência internacional na educação de diversos países, principalmente, o Brasil.
A Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, buscou as questões sociais aspectos que dificultam a apren-
dizagem de crianças mundo a fora, e acrescenta que “ao mesmo tempo, o mundo tem que enfrentar um quadro
sombrio de problemas, entre os quais: o aumento da dívida de muitos países, a ameaça de estagnação e decadência
econômicas, o rápido aumento da população, as diferenças econômicas crescentes entre as nações e dentro delas, a
guerra, a ocupação, as lutas civis; a violência com a morte de milhões de crianças que poderia ser evitada e a degrada-
ção generalizada do meio-ambiente”.
Esses problemas para a UNESCO (1998) atropelam os esforços envidados no sentido de satisfazer as necessi-
dades básicas de aprendizagem, enquanto a falta de educação básica para significativas parcelas da população impede
que a sociedade enfrente esses problemas com vigor e determinação.
Neste documento são expressas as preocupações com as condições e oportunidades de acesso a aprendizagem
básica do ser humano, seja ela criança, adolescente ou adulto. Com um caráter de preocupação universal destas con-
dições de necessidades básicas de aprendizagem, mesmo que sejam mínimas, a Declaração de Jontiem ganha adeptos
e suas diretrizes passam a ser adotadas no sistema educacional do Brasil.
É interessante notar que a internacionalização da educação mundial está atrelada a globalização e as políticas
neoliberais, sobre tais políticas trataremos mais a frente. Segundo Milagre (2017, p. 46):

354
Existem diversos organismos internacionais, podemos destacar como os mais relevantes: ONU (Organização das
Nações Unidas), UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), PNUD (Pro-
grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento), OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico), OMS (Organização Mundial da Saúde), OEA (Organização dos Estados Americanos), BIRD (Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial.
Alguns dos organismos são voltados diretamente para a América Latina, podemos destacar: PREAL (Programa
de Reformas Educacionais na América Latina), CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América
Latina e o Caribe), ALADI (Associação Latino-Americana de Integração) e o BID (Banco Internacional de Desen-
volvimento).

Estes organismos internacionais geralmente atuam financiando projetos sociais e educacionais com objetivos,
metas e normas bem definidas. Tais projetos são desenvolvidos quase sempre junto aos países em desenvolvimento,
devido a sua vulnerabilidade social.
Para Libanêo (2016) “os organismos internacionais criaram estratégias ligadas à globalização da economia:
empréstimos aos países emergentes para recuperar o crescimento econômico com atuação em políticas sociais, espe-
cialmente educação e saúde; transformação da educação em negócio a ser tratado pela lógica do consumo e da comer-
cialização, abrindo-se espaço em âmbito global para a mercadorização da educação; e transferência de serviços como
educação e saúde para a gestão do setor privado”. Esta forma de agir dos organismos internacionais tem influências
diretas nas políticas que visam à formulação dos currículos escolares, e com isso se dá o controle da educação por tais
organismos internacionais.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo é compreender o processo de internacionalização da educação a
partir da Declaração Mundial sobre Educação Para Todos.

DESENVOLVIMENTO

Nas últimas décadas tem se observado a internacionalização da educação em vários países, inclusive no Brasil,
esse fenômeno vem se dando à medida que a globalização vai se expandindo, e com o avanço tecnológico tem-se uma
sociedade do conhecimento – conhecimento quase que a tempo real e com isso a ideia de proximidade entre países.
No entanto, a globalização trás grandes oportunidades comerciais e a educação torna-se um alvo no mercado inter-
nacional e as suas influências neste setor começaram a ser uma realidade.
Para melhor compreensão do significado Declaração Mundial sobre Educação para Todos, faz-se necessário
um entendimento sobre as políticas neoliberais. O neoliberalismo surgiu no século XX, trouxe em seu escopo a ideia
de questionar o poder do Estado e em prol de uma economia de mercado. Segundo Matos (2008, p. 193):

O neoliberalismo parece, à primeira vista, destinado à superação, alvo de críticas originadas dos mais diversos
espectros do pensamento político e econômico mundial. Porém, fora do plano do discurso, suas idéias ainda fun-
damentam as políticas dos principais organismos econômicos multilaterais (FMI, OMC, Banco Mundial) e dos
governos dos países de capitalismo desenvolvidos e dos chamados “países emergentes” – estes últimos tendo suas
políticas condicionadas em grande parte por estes organismos multilaterais e pela influência dos governos dos
países de capitalismo avançado –, demonstrando que, por trás da sua aparente crise, o neoliberalismo ainda se
mantém como o principal paradigma econômico (e político) da atualidade, o que torna necessária a contínua aná-
lise de seus efeitos econômicos e suas implicações políticas como forma de entender os desdobramentos do modo
de produção capitalista neste início de século XXI.

Para tanto, a política de mercado praticada pelo neoliberalismo pressupõe, um conteúdo de fundo ideológico
de fortalecimento e ampliação do raio de abrangência nacional e internacional das grandes empresas (CERQUEIRA,
2008). Esta política visa à concentração de riqueza e aumento de investimento em diversos seguimentos da economia,
considerados rentáveis, tais investimentos ocorreram em diversos países, principalmente os emergentes.
É notório que a expansão do neoliberal se deu a partir dos anos 80, principalmente no Brasil, pautado em po-
líticas internacionais para o desenvolvimento. Com o avanço do neoliberalismo e da globalização vários setores da

355
economia foram alcançados por políticas que regem o sistema neoliberal, sendo atingida a educação, pois, este setor
é considerado um dos estratégicos para a consolidação de tais políticas.
Segundo Eisenbach Neto & Campos (2017) no antigo capitalismo, o sistema educacional focalizava a formação
de sujeitos disciplinados, com força de trabalho qualificado e de confiança. Na nova ordem econômica neoliberal, o
sistema educacional focaliza trabalhadores com capacidade de resposta, com rápida capacidade de aprendizagem, que
saibam trabalhar em equipe, que sejam competitivos, criativos e, pela abundância de mão de obra, os indivíduos ficam
sem condições de reivindicar melhores remunerações e condições de trabalho, tudo que era direito, agora passa a ser
obrigação para cada indivíduo.
O neoliberalismo se configurou como uma corrente ideológica que promoveu o avanço e a hegemonia do capi-
talismo no mundo, advindo do fracasso dos ideais socialistas que não conseguiram dar uma resposta significativa aos
anseios sociais. O neoliberalismo além de transformar a realidade econômica e social, se coloca como a única solução
possível para a crise, esse modelo pautado num sistema de crise se mantém até os dias atuais e se faz necessária ao
sistema neoliberal (PESSONI, 2017).
Para Milagre (2017) no Brasil o neoliberalismo expandiu-se de fato na década de 1980 e está diretamente rela-
cionado com a consolidação de uma nova ordem democrática, após o fim do regime militar (1964-1985). A chamada
Nova República, uma nova ordem que se inaugurava no governo de José Sarney, e que teve sua consolidação no go-
verno de Fernando Collor, expressava a visão das elites empresariais do Brasil, a continuidade de tais políticas perma-
neceram no governo de Fernando Henrique e no Governo de Lula foi marcado pelas políticas sociais assistencialistas.
Já na década de 1990, como marco histórico documental internacional tem-se na Declaração Mundial sobre
Educação para Todos, realizada em Jomtien, patrocinada pelo Banco Mundial, a referência para a influência dos ór-
gãos internacionais na educação em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Tal Declaração foca em seu
escopo o direito a educação básica para o indivíduo e a sociedade, e se organiza da seguinte forma:

Quadro 01: Organização da Declaração Mundial da Conferência de Jomtien.

Categorias Artigos Recomendações Básicas


Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em condições de
Educação Artigo 1. Satisfazer as
aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas
para Todos: necessidades básicas de
necessidades básicas de aprendizagem. A educação básica é a base para a
Objetivos aprendizagem
aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes
Enfoque abrangente, capaz de ir além dos níveis atuais de recursos, das
Artigo 2 . Expandir o
estruturas institucionais; dos currículos e dos sistemas convencionais de
enfoque.
ensino, para construir sobre a base do que há de melhor nas práticas correntes.
Artigo 3. Universalizar Para que a educação básica se torne equitativa, é necessário oferecer a todas
o acesso à educação e as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um padrão
promover a equidade. mínimo de qualidade da aprendizagem.
Educação Artigo 4. Concentrar a A educação básica deve estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da
para Todos: atenção na aprendizagem. aprendizagem, e não mais exclusivamente na matrícula.
Uma visão
abrangente Artigo 5. Ampliar os A diversidade, a complexidade e o caráter mutável das necessidades básicas
e um meios de e o raio de ação de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, exigem que se amplie e se
compromisso da educação básica. redefina continuamente o alcance da educação básica.
renovado Artigo 6. Proporcionar Os conhecimentos e as habilidades necessários à ampliação das condições de
um ambiente adequado à aprendizagem das crianças devem estar integrados aos programas de educação
aprendizagem. comunitária para adultos.
Alianças entre todos os níveis: entre subsetores e formas de educação,
Artigo 7. Fortalecer as reconhecendo o papel especial dos professores, dos administradores e do
alianças. pessoal que trabalha em educação; entre os órgãos educacionais e demais
órgãos de governo,

356
Categorias Artigos Recomendações Básicas
Artigo 8. Desenvolver A educação básica para todos depende de um compromisso político e de uma
uma política vontade política, respaldados por medidas fiscais adequadas e ratificados por
contextualizada de apoio. reformas na política educacional e pelo fortalecimento institucional.
Para que as necessidades básicas de aprendizagem para todos sejam satisfeitas
Educação
Artigo 9. Mobilizar os mediante ações de alcance muito mais amplo, será essencial mobilizar atuais
para Todos: Os
recursos. e novos recursos financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários.
requisitos
Todos devem dar a sua contribuição.
Artigo 10. Fortalecer A comunidade mundial, incluindo os organismos e instituições
a solidariedade intergovernamentais, tem a responsabilidade urgente de atenuar as limitações
internacional. que impedem algumas nações de alcançar a meta da educação para todos.

Fonte: Declaração Mundial da Conferência de 1990. Adaptado.

Fica claro que o documento está pautado em um processo de educação para a dignidade humana que oferece a
criança, jovem e ao adulto acesso universal a aprendizagem que os instruem e os libertem. Ainda recomenda a criação
de políticas educacionais que fortaleça e coloque em prática os temas tratados na Conferencia de Jomtien. Além disso,
recomenda que os recursos para a educação sejam uma responsabilidade de todos, seja, instituições governamentais,
não-governamentais, família, sociedade e dentre outros.
Já ao que se refere à comunidade internacional fica a responsabilidade de minimizar os fatores que podem
atrapalhar a execução das ações propostas na Declaração Internacional de Educação para Todos, ou seja, é retirar do
caminho todos os empecilhos que possam atrapalhar a interferência e o avanço de órgãos internacionais nos sistemas
educacionais de diversos países.
Já passado quase três décadas da criação do primeiro documento que trata do acesso universal da educação bá-
sica para todos, Conferência Mundial de Jomtien, pode-se observar os reflexos das recomendações deste documento
sobre a educação brasileira. Segundo Libanêo (2012, p.15):

No Brasil, o primeiro documento oficial resultante da referida Declaração e das demais conferências foi o Plano
Decenal de Educação para Todos (1993- 2003), elaborado no Governo Itamar Franco. Em seguida, seu conteúdo
esteve presente nas políticas e diretrizes para a educação do Governo FHC (1995-1998; 1999-2002) e do Governo
Lula (2003-2006; 2007-2010), tais como: universalização do acesso escolar, financiamento e repasse de recursos
financeiros, descentralização da gestão, Parâmetros Curriculares Nacionais, ensino a distância, sistema nacional de
avaliação, políticas do livro didático, Lei de Diretrizes e Bases (Lei no 9.394/96), entre outras.

Ainda na ideia do autor, as políticas educacionais no Brasil, elaboradas a partir da Declaração de Jomtien,
selaram o destino da escola pública brasileira e seu declínio é visto nestes quase vinte e oito anos da criação de tal
documento.
Libanêo (2012) afirma que a ´´escola para o acolhimento social tem sua origem na Declaração Mundial sobre
Educação para Todos[...],nos quais é recorrente o diagnóstico de que a escola tradicional está restrita a espaços e tem-
pos precisos, sendo incapaz de adaptar-se a novos contextos e a diferentes momentos e de oferecer um conhecimento
para toda a vida, operacional e prático``. Com isso evidencia que existem dois tipos de escolas no sistema educacional
brasileiro, sendo a escola de conhecimento para o aluno rico e a escola do acolhimento social para o aluno pobre e
esta segregação tem a sua origem na Declaração de Jomtien.
Observado estes tipos de escolas existentes no país, definido por Libâneo, tem-se que questionar as reais inten-
cionalidades das políticas internacionais para a educação, pois a partir dos anos de 1990 as escolas públicas brasileiras
começaram a mudar o seu real papel na formação do aluno, que seria promover meios e condições para a geração de
conhecimento e aprendizagem, sendo substituída por uma escola com funções sociais de acolhimento, socialização, e
inclusão social. Além disso, foi observado que a educação assumiu outra função, que é a preparação do aluno (pobre)
para o mercado de trabalho, que se pode chamá-la de políticas educacionais mercadológica, pois atendem os interes-

357
ses das políticas neoliberais, pois, esse tipo de política gera um interesse econômico ligado ao mercado da educação
de vários países.
Nesta perspectiva, Canon (2016) afirma que a ideia da educação tem apenas um caráter mercadológico, aliada
a uma visão imediatista onde resultados precisam aparecer em curto prazo. O desenvolvimento humano passa a ser
visto como mais um número, sem considerar o contexto social, as interferências culturais, políticas e sem uma ação
efetiva de emancipação. A educação passa a ser assim, uma mercadoria disponível para compra no mercado, onde
cada vez mais o Estado se isenta da responsabilidade que é de seu dever, e, a competição e o individualismo, tornam-
-se elementos cada vez mais comuns na atual sociedade, caracteriza-se a empregabilidade como um desafio lançado
entre os indivíduos na luta pela sobrevivência.
Tragicamente o Estado neoliberal é explicitamente focalizado ao mundo dos negócios e os reflexos na educação
passam à submissão à lógica do mercado. A educação orientada pelas diretrizes neoliberais, de mercado, desloca-se do
campo social para o político econômico. Passa a ser um negócio rentável, e aos poucos as organizações internacionais
foram se inserindo no sistema educacional brasileiro.
Se não bastasse a Declaração Mundial de Educação para Todos, que implantou políticas educacionais interna-
cionais – que pouco contribuiu para a criação de uma educação básica que atendesse aos interesses da criança, família
e sociedade. A internacionalização alcançou a educação superior, mais precisamente nas universidades, por meio de
cooperação internacional institucionaliza-se através do estabelecimento de acordos bi e multilaterais, que se expan-
diu também nos anos de 1990, com o advento da globalização.
Segundo Maués & Bastos (2017, p. 334, apud AIU, 2012, p. 06) a internacionalização da educação superior
evidencia os princípios e valores que são legislados pelo movimento, por meio da Associação Internacional das Uni-
versidades. Os princípios e valores, a saber: o engajamento na promoção da liberdade acadêmica, da autonomia
institucional e da responsabilidade social; o desenvolvimento de práticas socialmente responsáveis tanto em nível
local quanto internacional; o respeito às normas referentes à integridade científica e ética da pesquisa; o respeito aos
objetivos acadêmicos, tais como a formação dos estudantes, o avanço da pesquisa, o engajamento junto à comunida-
de, a preocupação com os problemas mundiais; a criação de comunidades internacionais de pesquisa e de práticas que
possam contribuir para a resolução de problemas mundiais urgentes; o tratamento ético e respeitoso dos estudantes;
a preservação e a promoção da diversidade cultural e linguística.
No Brasil a problemática de expansão e modernização do ensino superior centraliza-se sobre a diferenciação
institucional e sobre o papel das instituições federais nessa dinâmica. Este debate é recorrente e nele estão se alicer-
çando as questões sobre a democratização das oportunidades educacionais, o desenvolvimento da pesquisa, ensino,
extensão, produção cultural, a qualidade do ensino e sobre as relações entre a sociedade e os institutos de educação
superior (ACEVEDO MARIN, 2004).
Ainda para a autora, o estudo sobre a educação superior no Brasil, foco no conjunto de processos de inter-
nacionalização, contribui para uma aproximação com os complexos problemas da política de educação superior e a
identificação de princípios e estratégias que poderão executar programas e legislações com capacidade de reduzir as
assimetrias e dar um sentido positivo á cooperação inter e intra-universitária de regiões, países e sociedades.
Em meio à globalização e as discussões sobre a internacionalização da educação superior, ganha pauta a discus-
são sobre currículo. As questões curriculares estão contempladas e envolvidas pelos interesses acadêmicos, políticos
e econômicos.
Para Bordin (2015) o currículo é refletido como uma ferramenta de poder, uma vez que possui o escopo de
planejar, organizar e direcionar os rumos que serão adotados pelos sistemas de educação. No âmbito do poder que
o currículo desempenha no sistema educacional, é que se dará a maior ênfase, objetivando levantar dados que per-
meiam o poder, o controle e a política.
Com uma proposta de interconexão de alunos no sistema educacional seja regional, nacional ou internacional
para atender as necessidades da globalização, vem ganhando forças o chamado currículo internacionalizado. Segun-
do Laesk (2015) “internacionalização do currículo tem o potencial de conectar agendas institucionais mais amplas
focadas na internacionalização junto com a aprendizagem do estudante. Todos os estudantes viverão em um mundo

358
globalizado, como profissionais e cidadãos, e isso representa uma lógica comum para a internacionalização. Desta
feita, a política da universidade contém declarações bem intencionados, em geral corajosas, e certamente visionárias,
focadas nos graduados com perspectivas internacionais e globais, prontos e capazes de fazer uma diferença positiva
no nosso mundo cada vez mais interconectado”.
O movimento que a globalização promove em meio à sociedade é legítimo e inegável. Porém o que se deve
questionar são as reais intencionalidades que possam existir por trás da internacionalização da educação superior bra-
sileira e a formatação de um novo currículo, cuja proposta é de uma sociedade com engajamento entre estudantes do
mundo todo, ou parte dele, conectados em prol de um aprendizado sólido, mais, o que nos parece é que os interesses
políticos e econômicos sobressaem aos educacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A internacionalização pode ser detectada através da influência que as organizações internacionais exercem
sobre as políticas educacionais, especialmente em países considerados periféricos – neste caso inclui-se o Brasil, na
medida em que o projeto neoliberal vai avançando, neste modo as redes públicas de educação acabam sendo orienta-
das por interesses de uma economia de mercado de forma globalizada.
O documento que marcou o processo de internacionalização da educação foi a Declaração Mundial de Educa-
ção para Todos, em 1990. Cuja uma das propostas é a universalização do acesso a educação básica pelas crianças, jo-
vens e adultos. Porém, isso ainda não aconteceu em diversos países incluído o Brasil, acredita-se que a Educação para
Todos ainda esteja longe de ser alcançado, pois os interesses econômicos são sobrepostos aos educacionais, e hoje se
tem uma educação que atende as políticas de mercado e os interesses internacionais – com características neoliberais.
A internacionalização da educação atingiu a reformulação do currículo, a educação básica e chegou à educação supe-
rior, inserindo-se nas universidades com um discurso interconexão entre alunos de diversos países, com um objetivo
de conhecimento intercultural.
Isto posto, observa-se que existe um discurso de cooperação entre países, universidade e sociedade para sanar
os problemas da educação superior brasileira criados por um crise estatal. Como se sabe a crise no sistema neoliberal
é providencial aos interesses do mercado econômico. As universidades federais ´não conseguem cumprir o seu papel`
na oferta de vagas e ensino de qualidade, sendo necessário a presença de Institutos Internacionais com oferta de vagas
para a educação superior – questiona aqui a real intencionalidade de tais institutos.
A quem acredita e defende que o avanço do neoliberalismo pelo mundo trouxe mudanças significativas nas
relações sociais, ancoradas no processo de globalização do capital e do trabalho. E que as transformações da sociedade
redimensionaram o papel do estado, e reestrutura do sistema educacional. Porém, a que se discutir e pontuar que o
sistema de políticas neoliberais tem as suas mazelas nas entrelinhas de suas políticas e por trás de seus discursos exis-
tem os interesses do mercado econômico, sobreposto aos interesses da educação, além, de retirar dos alunos os seus
direitos e transformá-los em deveres.

REFERÊNCIAS

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Acevedo Marin e Walterlina Brasil. – Belém: Associação de Universidades Amazônicas – UNAMAZ, 2004. 101 p.
BORDIN, Tamara Maria. Influências das Políticas Educacionais Internacionais no Currículo: algumas Incursões. ISSN 1984-
3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n. 11, Fev. 2015, 78-93.
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há consentimento? / Silvia Regina Canan. – Campinas, SP: Mercado de Letras, 2016.
CERQUEIRA, J. B. A. Uma visão do neoliberalismo: surgimento, atuação e perspectivas. Sitientibus, Feira de Santana, n. 39,
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359
EISENBACH NETO, Filinto Jorge; CAMPOS, Gabriela Ribeiro de. O impacto do neoliberalismo na educação brasileira. V
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pucpr.br/. Acesso em: 23/07/2018.
LAKATOS, Maria Eva. MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia do trabalho cientifico. 4ª ed-São Paulo. Revista e
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Education. 78. 2015. Disponível em: https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/international-higher-education/a-
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LIBÂNEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do
acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.
LIBÂNEO, José Carlos. Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da escola e do conhecimento escolar. Cadernos de
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internacionais [manuscrito]: a questão da qualidade de ensino/ Gessica Filgueiras Milagre. 2017.
MOROSINI, Marília Costa. Internacionalização da Educação Superior no Brasil: A Produção recente em Teses e Dissertações.
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brasileiro. Educação (Porto Alegre), v. 40, n. 3, p. 333-342, set.-dez. 2017.
PESSONI, Lucineide Maria de Lima. Internacionalização das políticas educacionais, finalidades educativas escolares e
qualidade de ensino [manuscrito]: a reforma educativa no Estado de Goiás/ Lucineide Maria de Lima Pessoni. 2017.
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Jomtien, 1990. UNESCO, 1998. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf. Acesso em:
20/07/2018.

360
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA COMO OBJETO DE ESTUDO
PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Thalita Pavani Vargas de Castro – PPGE/UFMT1


Elizabeth Figueiredo de Sá– PPGE/UFMT2

INTRODUÇÃO

Este artigo trata da pesquisa de doutorado que se encontra em fase inicial, no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, no Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM.
Tem como objetivo apresentar a Legião Brasileira de Assistência (LBA) como objeto de estudo para a História da
Educação. A partir do recorte definido entre os anos de 1942 a 1950, pois foi o período em que Maria de Arruda
Müller, então esposa do Interventor Federal Júlio Strübing Müller, esteve como Presidenta desta instituição, desde
a criação em Cuiabá –MT, considerando as inciativas da instituição em todo território do estado e o engajamento da
Presidenta em Mato Grosso nos programas e projetos desenvolvidos.
A Legião Brasileira de Assistência foi fundada por Darcy Saramanho Vargas, esposa de Getúlio Vargas, em 28
de agosto de 1942, em parceria com o Estado e com o empresariado brasileiro. Contou com o trabalho voluntário
desenvolvido pelas mulheres na LBA, com destaque para as políticas e ações direcionadas à assistência à infância com
a Caixa e a Sopa Escolar. Com base nesse contexto, partimos da seguinte pergunta de pesquisa: Como a LBA pode ser
utilizada como objeto de estudo para a História da Educação?
A relevância desta pesquisa está ancorada nas contribuições para a História da Educação brasileira e mato-
-grossense, à medida que essa instituição foi responsável por desenvolver programas e projetos de alcance nacional e
estadual para os diversos segmentos da população brasileira, sobretudo, na educação. Dessa forma, a pesquisa se in-
sere no campo da História da Educação e se fundamenta na perspectiva da História Cultural (CHARTIER, 1991) por
considerar as expressões culturais e sociais envolvendo toda experiência vivida, voltando o olhar para a LBA como
uma instituição produtora de cultura.
Além disso, direciona-se para a educação não-formal (GOHN, 2006), entendida enquanto processos educativos
que consideram um sentido mais amplo, compreendendo outros espaços além das instituições escolares e direcio-
na-se na preocupação com os processos de aprendizagens e produção de saberes existentes na sociedade, portanto
algumas das atividades desenvolvidas por esta instituição podem ser compreendidas como processos de educação
não-formal. Por isso o interesse em estudar outros processos educativos e voltar o olhar para outras instituições que
também educaram, possibilitando observar as metodologias de cunho educativo utilizadas para além da escola no
contexto de Mato Grosso.
Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica e documental no primeiro ano de doutoramento, algumas fontes
documentais impressas e manuscritas já começaram a ser catalogadas até o presente momento, tais como: atas, es-
tatutos, decretos, legislações, Jornal A Cruz e O Estado de Mato Grosso e pela Revista A Violeta, que tratam sobre
a Legião Brasileira de Assistência entre os anos de 1942 a 1950. Nesse sentido, os procedimentos metodológicos se
baseiam na análise qualitativa de abordagem histórica, tais fontes foram localizadas no Arquivo Público de Mato
Grosso (APMT), Biblioteca Nacional Digital e na Fundação Getúlio Vargas - Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC).
Assim, o artigo está organizado em duas partes. Primeiramente iremos apresentar a Legião Brasileira de As-
sistência com enfoque na sua criação e no direcionamento das suas ações aos projetos assistenciais, sobretudo, na
educação brasileira e mato-grossense. E, posteriormente abordaremos sobre as possibilidades desta instituição ser
utilizada nas pesquisas acadêmicas como objeto de estudo para a História da Educação.

361
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA

No dia 28 de agosto de 1942 foi anunciado a criação a Legião Brasileira de Assistência, contudo, foi reconhecida
e entrou em funcionamento somente em 15 de outubro de 1942, por meio do Decreto-Lei nº 4830, que promulgou
seu primeiro Estatuto. Foi neste mesmo mês que o Presidente da República Getúlio Vargas anunciou o ingresso do
Brasil na Segunda Guerra Mundial, o que representou diversas alterações no âmbito político, econômico, social e
assistencial do país. Getúlio Vargas ao convocar os brasileiros para participar da guerra, teve a colaboração de sua
esposa, Darcy Vargas, para a criação de uma instituição voltada para a assistência e amparo às famílias dos soldados
alistados. A instituição foi responsável por serviços de assistência social no país e atrelava a perspectiva do volunta-
riado e do cooperativismo em suas ações. (BARBOSA, 2017).
Segundo Barbosa (2017) no decorrer dos primeiros anos de atuação da Legião Brasileira de Assistência foi mar-
cada pela filantropia e voluntariado de mulheres. Essa participação feminina contou com as mulheres que já atuavam
na filantropia, esposas de políticos, donas de casa e estudantes jovens. Essas mulheres protagonizaram as ações de
assistência social da instituição e, também, foram beneficiárias das redes de assistência mantida pela LBA.
O intuito inicial da LBA era dar assistência aos soldados brasileiros e seus familiares nos anos em que o Brasil
participou da 2ª Guerra Mundial, no entanto as iniciativas se expandiram e organizaram, desde os primeiros meses,
uma rede de assistência social a grupos sociais em todo o território nacional, no qual o Estatuto da LBA preconizou
em seu Art. 2º que:

A LBA tem por finalidade congregar os brasileiros de boa vontade e serviços de assistência social, prestados di-
retamente ou em colaboração com o poder público e as Instituições privadas, tendo em vista principalmente o
seguinte:
- proteger a maternidade e a infância; - amparar os velhos e desvalidos; - prestar assistência médica, em todas
as suas modalidades às pessoas necessitadas; - favorecer o reajustamento das pessoas, moral ou economicamente
desajustadas; - contribuir para a melhoria da saúde do povo brasileiro, atendendo particularmente ao problema
alimentar e da habitação; - incentivar a educação popular, inclusive cooperando na criação e no desenvolvimento
de escolas, bibliotecas e outras instituições educativas; - desenvolver esforços em favor do levantamento do nível
de vida dos trabalhadores e promover o aproveitamento racional dos lazeres do povo, principalmente estimulando
a organização de centros de recreação e cultura; - auxiliar sempre que possível as instituições especializadas, cujos
objetivos tenham afinidades com a LBA; - realizar inquéritos, pesquisas e estudos sobre matérias do serviço social,
particularmente as relacionadas com as atividades da LBA; - organizar cursos e promover todas as formas de pro-
paganda e divulgação em favor do progresso do serviço social no Brasil [...] (BRASIL, Estatuto da LBA, 1942, s/p).

De acordo com Faleiros (2000), apesar da LBA ter sido criada para o atendimento às famílias dos pracinhas,
após o ano de 1946 instituíram iniciativas que se dedicaram a atender à infância e a maternidade, com a implantação
de postos de serviços segundo as conveniências e os interesses, a fim de legitimar o Estado junto com as pessoas po-
bres. Percebe-se que esta instituição também tinha traços clientelista e paternalista, fortalecendo a ideologia nacio-
nalista daquele período.
Dessa forma, a Legião Brasileira de Assistência representou: “[...] a simbiose entre a iniciativa privada e a
pública, a presença da classe dominante enquanto poder civil e a relação benefício/caridade x beneficiário/ pedinte,
conformando a relação entre Estado e classes subalternas.” (SPOSATI, 2003, p. 46).
Por isso, a LBA pode ser considerada como uma das primeiras grandes instituições de assistência social no Bra-
sil, sendo sua constituição caracterizada pela presença das mulheres e pelo patriotismo à nação, visto que:

A relação da assistência social com o sentimento patriótico foi exponenciada quando Darcy Vargas, a esposa do
presidente, reúne as senhoras da sociedade para acarinhar pracinhas brasileiros da FEB – Força Expedicionária
Brasileira – combatentes da II Guerra Mundial, com cigarros e chocolates e instala a Legião Brasileira de Assistên-
cia – LBA. A ideia de legião era a de um corpo de luta em campo, ação. (SPOSATI, 2004, p.19).

362
A autora analisa que o objetivo inicial da LBA era atuar como um só corpo em ação. Assim: “Em Outubro de
1942 a L.B.A se torna uma sociedade civil de finalidades não econômicas, voltadas para congregar as organizações de
boa vontade. Aqui a assistência social como ação social é ato de vontade e não direito de cidadania.” (SPOSATI, 2004,
p. 20). Ainda segundo a autora referida, as ações da Legião Brasileira de Assistência encaminharam para a assistência
social o vínculo emergencial e assistencial, predominante em todo o seu caminho da assistência social.
Mestriner (2001) em suas análises aponta que as campanhas da Legião Brasileira de Assistência realizadas junto
aos convocados de guerra colocaram a instituição em uma posição de assistência social, e sua ação assistencial foi
realizada no sentido de apoiar politicamente o governo.
A LBA após concluir seus objetivos iniciais relacionados aos esforços de guerra, procurou auxílio às escolas de
serviço social especializadas, visto que houve uma aproximação por interesses mútuos, uma vez que a LBA necessi-
tava de pesquisas, trabalhos na área social, de serviço técnico e, neste período o serviço social estava se firmando e
precisava se legitimar enquanto profissão (BARBOSA, 2017).
Em Mato Grosso a LBA foi criada em Cuiabá, através da abertura de cinco postos de inscrição de voluntárias
no dia 11 de setembro de 1942, sob a presidência de Maria de Arruda Müller3, em que Darcy Vargas solicita via te-
legrama que: “[...] abrindo imediatamente nessa capital postos de inscrição do voluntariado feminino para a Legião
Brasileira de Assistência e instalar centros de costura para confecção de lençóis e fronhas para hospitais e vestuários
para crianças até dez anos (MATO GROSSO, Jornal o estado de Mato Grosso, 1942).
No estado mato-grossense a LBA também promoveu e organizou ações direcionadas a Caixa Escolar e a Sopa
Escolar, que foram uma das políticas desenvolvidas por esta instituição nas escolas primárias, destinadas a atender a
infância naquele período. A Caixa Escolar estava presente na Constituição Federal de 1937, no artigo 130, que asse-
gurava que o:

[...] ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos
para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoria-
mente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar”. (BRASIL,
Constituição, 1937, s/p).

A exemplo da Caixa Escolar que existiu nas escolas públicas no Brasil, esta política visava prestar assistência aos
alunos e alunas que suas famílias não tivessem condições necessárias para proporcionar à essas crianças os seus uni-
formes, livros, cadernos e até mesmo medicamentos. Em Mato Grosso, o Regulamento da Instrução Pública Primária
do ano de 1927 (Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927), que permaneceu em vigência até 1952, período em que foi
sancionada no estado a Lei Orgânica do Ensino Primário, a nível federal assegurou que era:

[...] facultada a criação, em cada município, de uma caixa escolar destinada a auxiliar os alunos indigentes, na com-
pra de roupas, livros e outros materiais escolares. [...] As caixas escolares serão administradas por uma diretoria
composta de um presidente, um secretário e um tesoureiro, eleitos pelo corpo docente dos estabelecimentos de
ensino público, do município. [...] Poderão fazer parte da diretoria, além dos professores públicos, qualquer cida-
dão de reconhecida idoneidade, que for eleito na forma deste artigo. [...] Os recursos das caixas constarão da con-
tribuição dos sócios e das quotas dos municípios do Estado. [...] Informado pela diretoria da caixa das condições de
pobreza dos alunos que freqüentam as escolas públicas, o inspetor escolar requisitará do Almoxarifado o material
necessário, entregando-o aos presidentes das caixas escolares, a fim de ser feita a distribuição (MATO GROSSO,
Regulamento, 1927, p. 207).

Nesse sentido, a LBA também realizou apoio financeiro nesta política, como pode ser observado na imagem
a seguir que mostra crianças da Escola Primária Rural Major Landri Sales em Ranchão no estado de Mato Grosso
recebendo donativos da LBA, provavelmente materiais e livros escolares conforme podemos verificar abaixo:

Imagem 1: Recebimento de donativos da Legião Brasileira de Assistência


3 Cuiabana, professora e poetisa, trouxe inúmeras contribuições ao cenário mato-grossense no âmbito da educação, da literatura e da
política. Sua família era composta por pessoas vinculadas às lideranças políticas do estado e se casou com o Interventor Federal Júlio Strübing
Müller. Foi a primeira mulher, no ano de 1930, a conquistar uma cadeira na Academia Mato-grossense de Letras.

363
Fonte: MATO GROSSO, Revista A Violeta, 1944, edição 314.

Percebe-se então que as ações da LBA se direcionaram também para a educação no Brasil e no estado de Mato
Grosso, tanto nas áreas urbanas como rurais promovendo um de seus objetivos relacionado ao desenvolvimento de
ações à infância.

LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA: UM OBJETO DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA


EDUCAÇÃO, PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA

Tendo como objeto de estudo a Legião Brasileira de Assistência esta se articula no âmbito da História da
Educação, por ser apreendida por Magalhães (2011) como um amplo campo de investigação, composto por novas
temáticas, como a história do corpo, dos impressos, dos sentimentos, dos povos. Possibilita o diálogo entre o campo
da história cultural, uma vez que a História da Educação permite uma análise das mais variadas formas daquilo que a
sociedade vê, sente e faz em sua trajetória de vida, e nós pesquisadoras buscamos analisar os significados dessas ações
pela construção de objetos de pesquisa e pela possibilidade de utilização de diversas fontes. Essa interdisciplinaridade
entre a história e a educação correspondeu aos desafios fundamentais de internacionalização de participação ativa na
preservação do patrimônio cultural e educacional, bem como da própria memória, o que promoveu reflexões sobre
as ações humanas. Assim, entende-se que:

[...] em cada momento histórico, houve uma educação em projecto, uma conflitualidade e uma dialéctica conver-
gente ou divergente, uma ponderação do presente como factor de futuro e como transformação - (re)memoriação
do passado. Tomando em referência os contextos, testemunhos, expectativas e realizações, é tarefa do historiador
reconstituir o permanente e complexo jogo de relações e tensões do presente/ passado, multifactorial e probabi-
lístico quanto ao futuro, e compreendido e explicado em sua própria evolução. A História não é comemoração
nem mestra da vida; o passado não se repete nem se julga, mas houve erros, injustiças, projectos e sacrifícios vãos.
Pensar a educação com história oferece ao historiador e à (in)formação historiográfica um lugar e um contributo
insubstituíveis na equação do presente educativo. (MAGALHÃES, 2011, p. 7).

É nessa perspectiva que as análises desse artigo foram realizadas, uma vez que a História da Educação exerce o
papel no âmbito investigativo de formação e informações acerca de determinadas temáticas que concebem uma tota-
lidade significativa, representativa e acessível. De igual forma, propicia uma representação e uma projeção a outros
tempos e espaços culturais, humanos e simbólicos (MAGALHÃES, 2011).

364
Dessa forma, compreende-se que não existe apenas uma maneira de se delinear a realidade por ela ser complexa
e composta por diversos elementos. E a História da Educação nos proporciona ampliar os olhares em torno da inves-
tigação, dos questionamentos, das fontes pesquisadas e da apreensão dos fatos históricos, considerando os múltiplos
aspectos que a envolvem e diferentes perspectivas de análises.
Inclusive há pesquisadores que têm sinalizado que a História da Educação não deve ser meramente limitada
apenas a história da escolarização, mas devem ser destacadas e exploradas nas pesquisas as experiências educativas
para além dos muros das escolas. À exemplo de Monarcha (2007) que parte dessa perspectiva, por acreditar que os
espaços de convívio social são também espaços educativos que por meio de representações e ações produzidas indi-
vidual e coletivamente produz no cotidiano experiências formativas. Assim, os pesquisadores da área da História da
Educação têm elaborado objetos de estudo com base em outros processos educativos, como a Legião Brasileira de
Assistência, e, que ainda podem ser atrelados como processos de educação não-formal.
Dessa forma, partimos ainda do conceito de educação não-formal em que:

[...] designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos
enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou
desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se or-
ganizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem
de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do
que se passa ao seu redor [...] (GOHN, 2006, s/d).

O trabalho voluntário desenvolvido pelas mulheres na LBA, assim como as políticas direcionadas à assistência
à infância com a Caixa e a Sopa Escolar, foram algumas das atividades desenvolvidas por esta instituição e podem
ser entendidas enquanto processos de educação não-formal. Portanto, é importante sinalizar que se trata de uma
pesquisa em fase inicial e ainda está sendo realizado um estado da arte sobre as produções acadêmicas acerca desta
instituição para auxiliar a compreender o significado das ações desenvolvidas e suas entrelinhas.
O percurso metodológico desta pesquisa é de cunho historiográfico, pois de acordo com Michel de Certeau:
“A historiografia mexe constantemente com a história que estuda e com o lugar onde se elabora [...]” (2002, p. 124).
O método utilizado se baseia nessa operação historiográfica em que “tudo começa no gesto de separar, de reunir,
de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira. Essa nova distribuição cultural é o
primeiro trabalho.” (2002, p. 81), isso é, a conjunção do lugar do historiador, a escolha das fontes e a escrita historio-
gráfica. Além disso, é necessário utilizar uma operação técnica, destacando a importância de a história ser capaz de
produzir verdades por meio da análise de fontes históricas.
O referencial teórico-metodológico que norteia esta pesquisa se fundamenta nos estudos de Chartier (1991)
referentes à História Cultural, que nos possibilita, enquanto pesquisadoras, expandir os nossos olhares sobre a histo-
riografia. Foi a partir do referencial teórico que se buscou os elementos e a fundamentação necessária ao aprofunda-
mento das compreensões da LBA enquanto objeto de estudo para a História da Educação.
Recorremos também ao conceito de práticas culturais de Certeau (1994) considerando as maneiras como a
LBA fazia uso das práticas e dos espaços utilizados para a política de assistência, na intenção de direcionar o olhar para
o aspecto educacional. As práticas culturais e sociais são aqui entendidas como os modos de vida de uma determinada
sociedade, as atitudes (acolhimento, hostilidade, vigilância, desconfiança) ou as normas de convivência (caridade,
discriminação, repúdio, repressão) (BARROS, 2011, p. 48).
Portanto, a LBA pode ser utilizada nas pesquisas acadêmicas como objeto de estudo para a História da Educa-
ção, na perspectiva crítica da História Cultural (CHARTIER, 1991), por considerar as expressões culturais e sociais
envolvendo toda experiência vivida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
365
Foi possível compreender que a Legião Brasileira de Assistência desempenhou um papel político e educacional
durante o período em análise, pois inicialmente fortaleceu a ideologia nacionalista no amparo às famílias dos homens
voluntários a guerra e, posteriormente, estendeu suas ações à assistência social para outros direcionamentos da socie-
dade brasileira com o objetivo de atender a todo o país, embora tivessem um cunho paternalista.
Considerando que as crianças foram o público principal de atuação da instituição, a partir do trabalho exercido
por mulheres que desenvolveram essas atividades de forma voluntária no período em questão, a LBA por ser enten-
dida enquanto uma instituição de educação não-formal, pode ser utilizada como objeto de estudo para a História da
Educação pela importância das suas ações que foram desenvolvidas em todo o Brasil e no estado de Mato Grosso,
sobretudo, no âmbito da educação.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Michele Tupich. Legião Brasileira de Assistência (LBA): o protagonismo feminino nas políticas de assistência em
tempos de guerra (1942-1946) / Michele Tupich Barbosa – Curitiba, 2017. 244 f.; 29 cm.
BARROS, José D’ Assunção. A nova História Cultural – considerações sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com os
campos históricos. Caderno de História, Belo Horizonte, v, 12, n 16, 1º sem/2011.
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pessoal/AVAP/textual/documentos-da-direcao-nacional-da-legiao-brasileira-de-assistencia-lba-nos-dois-periodos-em-que-
darcy-sarmanho-vargas-esteve-a-frente-da-instituic> Acesso em: 15 abr. 2019.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
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CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estud. av. , São Paulo, v. 5, n. 11, abril 1991.
FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2000
GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal na pedagogia social. In: An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006.
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MATO GROSSO. Revista A Violeta, 1944, edição 314.
MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
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SPOSATI, Aldaiza. A menina Loas: um processo de construção da assistência social. São Paulo: Cortez, 2004.
SPOSATI, Aldaiza. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 7º. ed. São Paulo: Cortez,
2003.

366
A MEMÓRIA ENCONTRADA NAS ATAS DA CÂMARA
DE VEREADORES DE VÁRZEA GRANDE

Crissya Laura de Moraes Nascimento - PPGE/UFMT1

RESUMO: O presente trabalho é um recorte da pesquisa de Mestrado em desenvolvimento que compõe o pro-
jeto guarda-chuva “Gênero, vida e ação: memórias de docentes que exerceram cargos eletivos nas esferas municipal,
estadual e federal em Mato Grosso”, cuja finalidade é o registro da memória de docentes que participaram da política
em Mato Grosso ocupando cargos eletivos. Neste artigo objetivou-se apresentar as memórias encontradas no arqui-
vo da Câmara de Vereadores da cidade de Várzea Grande-MT por meio das atas das sessões, dando destaque para a
atuação da professora Sarita Baracat, que foi eleita em 1957 como a primeira mulher a ocupar o cargo de vereadora
na cidade. A pesquisa foi dividida em duas etapas, quais sejam: fez-se uma revisão bibliográfica, na etapa inicial, em
livros e artigos que abordam temas como documentos oficiais, memória arquivada e a mulher na política em Várzea
Grande; na segunda etapa foi realizado o levantamento dos dados no arquivo da Câmara Municipal de Vereadores de
Várzea Grande, de leitura das atas das sessões dos anos de 1957 a 1961, período em que a câmara teve sua primeira
vereadora. Os resultados apontaram a partir da leitura das atas das sessões, a atuação da vereadora Sarita Baracat, o
seu empenho para o desenvolvimento da sua cidade natal e ainda, os principais projetos apresentados, os quais não
tinham muitas aprovações.
Palavras-chave: Atas Parlamentares; Sarita Baracat; Vereadora de Várzea Grande.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta as memórias encontradas nas atas das sessões parlamentares na Câmara de
Vereadores da cidade de Várzea Grande, destacando a atuação da professora Sarita Baracat, a qual foi eleita como a
primeira mulher vereadora da cidade para atuar na 3ª legislatura nos anos de 1957 a 1961.
As atas das sessões parlamentares da Câmara de Vereadores de Várzea Grande são as fontes documentais ana-
lisadas neste trabalho, nela constam os discursos, projetos, votações, decisões, ações e todas as informações conside-
radas importantes para serem registradas. Os dados foram coletados por meio de leituras das atas dos cinco anos em
que a professora Sarita Baracat desempenhou a função de vereadora, também foi realizado um levantamento biblio-
gráfico sobre o uso de fonte documental em pesquisas. As atas camarárias, na condição de documentação produzida
pela administração municipal, são fontes oficiais internas nas quais pode-se encontrar informações que, de acordo
com Paul Ricoeur2,constituem a memória arquivada.
Neste trabalho objetiva-se não só apresentar a atuação de uma mulher pioneira, mas dar destaque a uma profes-
sora que entrou para a história da cidade de Várzea Grande por ser a primeira mulher a ocupar o cargo de vereadora
e assumir os trabalhos na mesa diretória, em um período em que as mulheres não tinham participação política e eram
preparadas apenas para assumirem o papel de esposa e mãe de família. Tal fato leva aos seguintes questionamentos:
Quais as áreas que essa parlamentar focou para elaborar seus projetos? Objetiva-se também expor as memórias de um
período encontrado nas atas camarárias de uma cidade com pouca visibilidade no cenário nacional.
Procurou-se analisar a atuação da docente ao ocupar o cargo eletivo de vereadora, para tanto é pertinente
abordar sobre o uso da fonte documental em pesquisas acadêmicas, apresentar sobre o arquivo existente na Câmara
de Vereadores da cidade de Várzea Grande e fazer uma breve biografia da professora que é o objeto de estudo do
presente artigo.

FONTE DOCUMENTAL

367
Para dar inicio ao estudo da fonte documental se faz importante conhecer o significado da palavra documento,
buscando o seu sentido no Dicionário da Língua Portuguesa (2000) encontra-se a seguinte definição: “qualquer texto
ou registro gráfico que serve para certificar ou comprovar um assunto, uma pesquisa, um fato, um processo, entre
outros; prova; certidão”. Tal significado vai ao encontro do objetivo do uso da fonte documental neste artigo, que é
comprovar a atuação da docente Sarita Baracat enquanto vereadora.
O uso da fonte documental em pesquisas tem encontrado cada vez mais espaço no meio acadêmico. O seu
uso depende também da importância dada pelo pesquisador e os objetivos da pesquisa, pois um mesmo documento
pode não ter o mesmo valor e importância para outros pesquisadores. Bogdan e Biklen (1994) classificam a fonte
documental em duas categorias: documentos pessoais e documentos oficiais. Sendo os diários íntimos, cartas e au-
tobiografias, classificadas como documentos pessoais e memorandos, propostas, documentos sobre políticas entre
outros, como documentos oficiais. Seguindo essa classificação pode-se categorizar as atas parlamentares da Câmara
de Vereadores de Várzea Grande como documentos oficiais, pois são produzidos pela instituição que as guardam.
Outro aspecto que deve ser considerado nas pesquisas que utilizam de fontes documentais é a disponibilidade e
conservação desses documentos. Algumas fontes documentais podem ser de uso restrito ou confidencial, não estando
disponível para pesquisa, o que implicaria na impossibilidade de seu uso. Estando disponível para pesquisa é impor-
tante a conservação e cuidado que essa fonte documental recebe. Tomando como pano de fundo as experiências nesta
pesquisa, pode-se verificar que as atas parlamentares utilizadas como fonte documental não são classificadas como de
uso restrito e nem confidencial, estando disponíveis para a sociedade. Sobre a conservação e cuidados é possível ex-
pressar que os documentos analisados nesta pesquisa necessitariam de um melhor ambiente para que sua conservação
seja possível, pois as atas se encontram em uma sala com pouca iluminação e sem climatização, o que com o manuseio
indevido causa desgastes e danos aos documentos, fato esse observado durante a pesquisa onde foram encontradas
algumas atas danificadas e outras ilegíveis.
Sobre essa situação Bacellar aponta:

[...] Aventurar-se pelos arquivos, portanto, é sempre um desafio de trabalhar em instalações precárias, com do-
cumentos mal acondicionados e preservados, e mal organizados. Portanto, o historiador tem sempre pela frente
o desafio de permanecer por meses, quando não por anos, nesses ambientes pouco acolhedores em termos de
conforto e de condições de trabalho, mas em um esforço que quase sempre levará a alcançar resultados muito
gratificantes (BACELLAR, 2005, p. 49).

Concordando com as ideias apresentadas por Bacellar, é possível afirmar que realizar uma pesquisa em um am-
biente precário se torna um desafio, porém recompensador quando os objetivos iniciais da pesquisa são alcançados.

O ARQUIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE VÁRZEA GRANDE

Para melhor compreensão cabe aqui uma breve contextualização sobre a cidade de Várzea Grande, local onde a
pesquisa foi desenvolvida. Fundada em 1867, como distrito de Cuiabá, capital de Mato Grosso, somente após 81 anos
Várzea Grande foi elevada a município, o que ocorreu no ano de 1948. Diante do novo município muitas melhorias
eram necessárias e até o ano de 1957, não haviam sido supridas, o que pode ser constatada nas atas dos anos analisa-
dos, onde muitos projetos apresentados são relacionados à infraestrutura da cidade.
A cidade de Várzea Grande está localizada há apenas 7 quilômetros de Cuiabá, a capital mato-grossense, possui
cerca de 942,568 km² de área territorial e 282.009  habitantes, de acordo com os dados do IBGE 3 (2018). Referida
cidade foi fundada no ano de 1867, pelo Dr. José Vieira Couto de Magalhães4. O nome da cidade se deve a grande
extensão de terras encontradas nesse período, acerca do nome da cidade, Monteiro (1987) traz “dada a extensão da
Várzea, passaram a chamá-la de Várzea Grande e a marcar encontro nesse lugar quando das viagens projetadas para

3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


4 José Vieira Couto de Magalhães nasceu em 1837, foi bacharel em Direito, foi presidente das províncias de Goiás, Pará, Mato Grosso e São
Paulo.

368
o norte ou para o oeste”.Importante mencionar que nesse período Várzea Grande era corredor de passagem para
boiadeiros e viajantes.
Fazem divisa com Várzea Grande as seguintes cidades: Santo Antônio do Leverger, Nossa Senhora do Livra-
mento, Jangada e Acorizal e são distritos da cidade: Passagem da Conceição, Engordador, São Gonçalo, Bom Sucesso,
Capela do Piçarrão, Capão Grande, Souza Lima, Praia Grande, Pai André, Limpo Grande e Espinheiro. Distritos
esses que foram de grande preocupação para a professora Sarita, devido à precariedade desses lugares, o que fica
comprovado ao se analisar as atas.
As atas que servem de fonte de pesquisa são documentos elaborados pela instituição municipal com o intuito
de deixar registradas suas ações e decisões. Neste sentido, busca-se demonstrar que, apesar das atas de Câmara Mu-
nicipal corresponderem a um suporte documental próprio do âmbito político-administrativo, elas podem constituir
importante fonte de análise da sociedade, revelando aspectos econômicos e sociais, isto é, as memórias da cidade
nesse período.
Os documentos analisadas nesta pesquisa compõem o arquivo da Câmara Municipal de Várzea Grande, que
está localizado na Câmara de Vereadores situada na Avenida Castelo Branco, n° 1855-2033, bairro Jardim Imperador.
Os documentos que foram base para essa pesquisa foram escritos manualmente em livros atas e encontram-se dis-
poníveis ao acesso da população, não foram digitalizados e por ocasião do tempo, muitos encontram-se danificados,
dificultando a leitura de algumas páginas e outros livros não foram localizados.
Para o desenvolvimento desta pesquisa foi necessária a autorização do funcionário responsável pelo arquivo
da Câmara de Vereadores de Várzea Grande, possibilitando assim que a pesquisadora manuseasse e selecionasse os
documentos para a análise. Foram selecionados os livros atas dos anos de 1957 a 1961 e por meio de um aplicativo de
celular5 foi possível digitalizar mais de 500 páginas facilitando a leitura e coleta dos dados, para tanto foram necessá-
rias mais de uma de visita ao arquivo.

PRIMEIRA VEREADORA DE VÁRZEA GRANDE

Filha de Sírios, Sarita nasceu em Várzea Grande em 1931, ou seja, quando a cidade ainda era considerada dis-
trito de Cuiabá, porém, a professora sempre se considerou várzea-grandense. Seus pais fugiram de seu país devido às
constantes guerras e ambos foram morar em Buenos Aires, onde se conheceram e se casaram. Vieram para o Brasil
em 1928 a convite de uma das irmãs de Miguel Baracat, pai de Sarita, permaneceram, mais precisamente, em Várzea
Grande onde constituíram sua família.
Sarita foi uma aluna dedicada e uma amante dos estudos, de acordo com Nascimento (2018), ela concluiu o
magistério, formou-se em contabilidade pela Escola Técnica de Comércio de Cuiabá, estudou Estudos Sociais na Uni-
versidade Federal de Goiás e em 1975 concluiu o curso de direito na Universidade Federal de Mato Grosso. Iniciou
sua vida profissional na escola onde foi alfabetizada, lecionou no curso de admissão do grupo escolar Pedro Gardés,
deu aulas de geografia e história no Colégio Estadual de Mato Grosso, de sociologia na Escola Normal Pedro Celes-
tino, de história e Organização Social e Política do   Brasil (OSPB) nas escolas Fernando Leite de Campos, Licínio
Monteiro da Silva e Couto Magalhães.
Na vida política, Sarita despertou seu interesse ainda quando estava nos bancos escolares, discursando e deba-
tendo sobre a política e os acontecimentos da época, iniciou desempenhando a função de presidente da ala feminina
da UDN (União Democrática Nacional). Somente em 1956 que concorre de fato a um cargo eletivo, então concorre a
vaga de vereadora, onde não apenas é eleita como também é a mais votada entre todos os candidatos, assumindo as-
sim aos 26 anos o cargo de vereadora municipal de Várzea Grande, compondo a 3ª legislatura, sendo a única mulher
na câmara de vereadores até então. A professora que é o destaque dessa pesquisa quebrou paradigmas, esta foi uma
mulher a frente de seu tempo, encontrou muitas dificuldades para ser ouvida dentro da câmara de vereadores onde a
presença masculina era majoritária.

5 CamScanner- Photo PDF Creator

369
A professora Sarita foi muito atuante apresentando diversos projetos de leis, requerimentos e fez várias indica-
ções, porém, muitos deles foram negados pela maioria dos votos dos colegas de câmara. Além de ser a única mulher,
Sarita era da bancada opositora ao prefeito, o que acreditamos ser um dos motivos para ter suas propostas negadas,
visto que alguns de seus projetos foram reapresentados por outros vereadores que obtiveram aprovação.
A vereadora mais votada daquela eleição buscou retribuir a confiança de seus eleitores atendendo as necessi-
dades da cidade e principalmente dos distritos que tinham a infraestrutura mínima na época. Muitos dos projetos
apresentados pela professora Sarita buscava melhoria para os cidadãos dos distritos mais afastados, como exemplo,
Passagem da Conceição, Engordador e Souza Lima.

AS ATAS

O levantamento de dados foi realizado por meio de leituras das atas das sessões dos anos de 1957 a 1961, onde
foi verificado os projetos apresentados pela professora Sarita, os discursos por ela proferido e as votações de seus
projetos que em sua maioria foram reprovados, mas que eram reapresentados por outros vereadores e obtinham sua
aprovação, o que comprova que Sarita enfrentou certo tipo de resistência, visto por ela como perseguição partidária,
como comprova em seu discurso “[...] que por mesquinha paixão partidária deixaram de aprovar meu projeto que
beneficia a comunidade”6.
Foram analisadas 260 atas de Julho de 1957 a Junho de 1961, pois os livros que continham as atas dos meses
de Julho a Dezembro de 1961 não foram localizados no arquivo. Entre esses dados coletados foi possível destacar a
apresentação de 31 projetos, indicações e requerimentos verbais, nos quais pode-se observar quais eram as áreas de
maior preocupação da professora Sarita e de maior precariedade da população várzea-grandense do período, como
mostra o Gráfico da Figura 1.

Figura 1 - Principais projetos apresentados por Sarita Baracat.

Fonte: Elaborado pela autora, com base nas atas da câmara de vereadores de Várzea Grande.

Pode-se inferir por meio do gráfico apresentado que Sarita teve grande preocupação em apresentar propostas
relacionadas à construção, manutenção e reparos de estradas que ligavam Várzea Grande a seus distritos, acredita-se
que seja em virtude das péssimas condições das estradas da época. Outras preocupações da vereadora Sarita na apre-
sentação dos seus requerimentos indicações e projetos foram com as doações de terras, visto que naquele período a

370
prefeitura tinha posses de muitas áreas da cidade e muitos moradores não possuíam documentação de posse de suas
terras, entre os contemplados pelas doações estavam os moradores do Capão Negro, a Sobev7 para a construção de
um prédio escolar de nível primário e secundário e entidades religiosas para a construção de igrejas católicas e evan-
gélicas, o que mostra que a professora Sarita buscava atender as necessidades de todos, não privilegiando nenhuma
religião, ou seja, atendendo de forma imparcial a todos que precisassem de uma área para construir sua igreja.
As outras áreas de atenção da vereadora ao apresentar suas ideias foram: mudança de nomes de ruas; serviço de
iluminação; os vencimentos dos funcionários da câmara municipal; construção de curral para os animais que ficavam
soltos nas ruas prejudicando o trânsito da cidade; reconstrução do estádio municipal; conserto do prédio escolar do
distrito de Capão Grande; instalação de placas de limite de velocidade nas avenidas e transporte estudantil. Com isso
entende-se que Várzea Grande tinha poucos anos que havia sido elevada a cidade e que estava organizando sua infra-
estrutura e tinha muitas necessidades.
Entre as 31 propostas apresentadas pela professora Sarita pode-se encontrar registros de que apenas 9 foram
aprovadas e as outras negadas por maioria dos votos, o que entende-se que ocorria de fato perseguição partidária,-
visto que a bancada partidária da professora era minoria, com apenas 2 vereadores. Os vereadores impediram que
muitos projetos de Sarita não fossem aprovados, fazendo com que assim ela não tivesse sua atuação destacada entre a
sociedade, o que não ocorreu já que a professora era bem quista entre os várzea-grandenses e que em 1967 foi esco-
lhida para assumir a prefeitura da cidade, sendo a primeira mulher a se tornar prefeita de Várzea Grande.

CONSIDERAÇÕES

Após analisar os dados obtidos pode-se considerar que o objetivo desse artigo foi alcançado, visto que foi apre-
sentado a importância do estudo da fonte documental e que por trás de documentos encontram-se memórias inima-
gináveis, o que pode ser constatado no estudo das atas das sessões da câmara municipal de Várzea Grande, memórias
de uma sociedade em um período, de uma realidade pouco conhecida pela população.
Foi destacado a atuação da primeira mulher a exercer a função de vereadora por meio de seus discursos, proje-
tos, indicações e requerimentos. O que proporcionou verificar as áreas de concentração para elaboração das propos-
tas dessa professora apresentada neste trabalho e os obstáculos por ela enfrentados.
Por meio da pesquisa pode-se considerar que as atas é uma fonte de inúmeras pesquisas e que leva a muitas re-
flexões. É uma fonte pouco explorada, porém, é rica de dados e informações que podem ser fonte de novas pesquisas.

REFERÊNCIAS

BACELLAR, Carlos de Almeida Prado.Fontes documentais uso e mau uso dos arquivos.In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.)
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 23-80.
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em Educação: fundamentos, métodos e técnicas.In: ______.
Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto, 1994.
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varzea-grande.html?>. Acesso em: 25 mar. 2019.
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SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO, 2018, Cuiabá. Anais... Cuiabá, 2018. p. 4437.
SOUZA, Sandra Esteves de (org.). Dicionário de Língua Portuguesa. Itapevi: Fênix, 2000.

7 Sociedade Beneficente Escolar de Várzea Grande.

371
A MISSÃO FRANCISCANA E A EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES
EDUCATIVAS NO SUL DO ANTIGO MATO GROSSO: O PATRONATO
DE MENORES DE DOURADOS/MS (1950-1966)

Juliana da Silva Monteiro – UFGD/MS


Maria do Carmo Brazil – UFGD/MS

RESUMO: A presente pesquisa insere-se no campo da História das Instituições Escolares e tem como objeto
de pesquisa o Patronato de Menores na cidade de Dourados/MS, instituição escolar criada por iniciativa da Igreja
Católica, mais precisamente pela ação da Congregação Franciscana no Sul do antigo Mato Grosso. A delimitação
temporal estabelecida neste trabalho compreende como marco inicial o ano de criação do Patronato de Menores de
Dourados em 1950 e como marco final o ano em que a instituição passou de Patronato para Educandário Santo Antô-
nio em 1966. O problema central consiste em compreender em que medida a atuação da Missão Franciscana através
do Patronato de Menores de Dourados legitimou a consolidação da influência católica e contribuiu para a expansão
das instituições educativas e o ensino na região. A pesquisa tem como objetivo analisar a gênese, a trajetória e o de-
senvolvimento das instituições escolares no Sul do antigo Mato Grosso, criadas pela missão franciscana, tomando
como destaque o caso do Patronato de Menores de Dourados. Trata-se de uma pesquisa histórica, de abordagem
qualitativa, com procedimentos metodológicos da pesquisa bibliográfica e documental.
PALAVRAS-CHAVE: Missão Franciscana. História das Instituições Escolares. Patronato de Menores

INTRODUÇÃO

Na história da educação primária no Brasil é preciso considerar as múltiplas realidades que marcaram a insti-
tucionalização desse nível de ensino no país, ou seja, os diferentes tipos de escolas, programas, contextos regionais,
períodos de implantação e sujeitos sociais atendidos. Portanto, a proposta deste trabalho também é a de ampliar e
suscitar novas pesquisas sobre as instituições escolares denominadas Patronatos de Menores, haja vista que tais ins-
tituições aparecem de forma tangencial na historiografia da educação brasileira.
De acordo com Magalhães (2004), o conceito de instituição associa-se à ideia de permanência e sistematicidade,
norma e normatividade. No caso do Patronato de Menores de Dourados percebemos essa ideia de permanência, haja
vista que, apesar de tantos anos do seu fechamento, a sua história continua presente e sendo reelaborada pela memó-
ria dos atores sociais que fizeram parte da sua trajetória.
Considerando que esta pesquisa abrange um período anterior a divisão do Estado do Mato Grosso pela Lei
Complementar N.º 31 de 11 de outubro de 1977, ao longo deste trabalho será utilizado a denominação Sul do antigo
Mato Grosso em referência ao então Estado de Mato Grosso do Sul, recorte espacial da investigação.
A investigação se ancora no referencial teórico-metodológico da Nova História Cultural e suas diversas possi-
bilidades de “identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é cons-
truída, pensada, dada a ler.” (CHARTIER, 1988, p.17). O corpus teórico e a análise historiográfica são pautadas pelas
orientações de autores como Michel Certeau (1982), que traz elementos essenciais para o exercício historiográfico,
sobretudo, para compreender a relação dinâmica entre lugar social, a prática científica (procedimentos) e a escrita
(construção do texto) e também de Dominique Julia (2001) e suas contribuições para a compreensão da cultura es-
colar.

372
OS PATRONATOS DE MENORES E A EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA

Os Patronatos de Menores foram instituições escolares criadas e difundidas em vários estados brasileiros no
início da República e ao longo do século XX, e que, em sua origem se destinavam a instruir crianças pobres, delin-
quentes e menores abandonados.
Para Mendonça (2007), os Patronatos foram criados para atender a infância desvalida das cidades, correspon-
dendo aos interesses de segmentos urbano-industriais empenhados em construir uma imagem moderna e profilática
do Rio de Janeiro, então capital do país, onde foram criados em primeira instância em 1918. Nesse contexto, os Pa-
tronatos eram núcleos de ensino profissional que habilitariam seus internos em horticultura, jardinagem, pecuária e
cultivo de plantas industriais, mediante cursos profissionalizantes, com uma clientela composta de menores órfãos,
recrutados por Chefes de Polícia e Juízes da Capital Federal, sendo uma alternativa às instituições prisionais urbanas,
vistas como degradantes e infames.
A institucionalização dos Patronatos de Menores tinha como interesse atender as expectativas e ideários da
República recém-inaugurada, com seus objetivos de civilização, regeneração e progresso, bem como os seus ideais
higienistas, sociais e jurídicos-policiais da época.
De acordo com Boeira (2012), os Patronatos buscavam suprir duas necessidades nacionais fundamentais: qua-
lificar mão de obra livre para o trabalho na agricultura e retirar dos centros urbanos os chamados desvalidos da sorte,
os pobres órfãos e a menoridade marginalizada.
No Sul do antigo Mato Grosso, mais precisamente na cidade de Dourados, a criação do primeiro Patronato de
Menores aconteceu pela ação da Igreja Católica. A Missão Franciscana alcançou a cidade de Dourados efetivamente
no final da década de 1940 e início de 1950 também para fazer frente ao crescimento protestante e as obras educacio-
nais dos missionários presbiterianos que aconteciam através da Escola Presbiteriana Erasmo Braga.
A cidade de Dourados foi elevada à categoria de município em 1935, ao ser emancipada do município de Ponta
Porã. A instalação da escola franciscana Patronato de Menores em meados do século XX aconteceu justamente no
momento histórico em que a cidade vivia os primórdios de sua emancipação e desenvolvimento, no contexto do
Projeto Varguista Marcha para Oeste e das atividades ligadas a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados
(CAND), quando o município experimentava em seu espaço os efeitos migratórios, a ocupação demográfica e o
desenvolvimento econômico e cultural trazidos por migrantes paulistas, nordestinos, sulinos, mas também por imi-
grantes japoneses e europeus.

EDUCAÇÃO E MISSÃO: OS FRANCISCANOS E A EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES


EDUCATIVAS NO SUL DO ANTIGO MATO GROSSO

A instalação da Congregação Franciscana no Sul do antigo Mato Grosso teria ocorrido por motivos políticos
e religiosos. Segundo Marin (2012), os franciscanos teriam migrado da Província de Santa Isabel, da Turíngia (Ale-
manha), para o Mato Grosso a partir de 1938 em virtude da ascensão e consolidação do nazismo na Alemanha. A
diáspora involuntária para o Brasil, imposta pela perseguição nazista obrigaram os frades a produzirem uma série
de discursos cuja função era legitimar o deslocamento e sua presença no Mato Grosso. Ao justificá-las evocavam as
perseguições na Alemanha, as necessidades do momento da Igreja Católica no Brasil, sobretudo, no Mato Grosso.
Logo, a região tornou-se um lugar de refúgio e de missão. Os quatro primeiros frades franciscanos que che-
garam em Mato Grosso assumiram as paróquias de Rio Brilhante, em 6 de fevereiro de 1938 e de Rosário do Oeste
no dia 20 de março. Segundo Knob (1988), no dia 18 de outubro de 1940 chegou em Dourados o primeiro vigário
franciscano residente, o Frei Higino Latteck, que encontrou a maioria dos seus paroquianos morando em choupanas
miseráveis e primitivas casas de madeira, as estradas descuidadas e o povo religiosamente ignorante. Para auxiliá-lo,
chegou em 19 de agosto de 1941, o Pe. Frei Quintino Schaefer. Com ele chegaram também três Irmãs Franciscanas
de São Bernardino, vindas, pouco antes, dos Estados Unidos para abrir uma escola paroquial, com a finalidade de for-
mar melhor as crianças na religião e assim contrabalançar a influência da escola protestante. No dia 1.º de setembro

373
do mesmo ano, começaram a escola Imaculada Conceição, com 26 alunos. Porém, em 1944, resolveram abandonar a
escola e se retiraram para o Rio Grande do Sul.
A partir de 1943, Dourados vivenciou um rápido desenvolvimento das colônias federal e municipal, exigindo um
forte trabalho pastoral dos franciscanos. Em 1947 novos freis chegaram ao município, entre eles, o Frei Servácio Schulte.

Por ocasião da sua estada no Rio de Janeiro, em 1949, Frei Servácio Schulte aproveitou o ensejo para criar uma
obra social dos Franciscanos de Dourados: o patronato de menores de Dourados. Este começou a funcionar em
1950, como escola primária, num prédio provisório, na antiga escola Imaculada Conceição (KNOB, 1988, p. 281).

Conforme Amaral (2005), o ano de 1952 foi marcado pela benção da pedra fundamental da construção do
Patronato de Menores. A obra ficou ao encargo do Frei Servácio Schulte e contou com recursos federais, estaduais,
municipais e particulares. O terreno foi doado pela prefeitura no quarteirão do Cruzeiro.
No ato da inauguração do Patronato, que aconteceu em 1954, Frei Teodardo Leitz teria afirmado: “com esta
escola procuramos fazer um contrapeso à Escola Protestante Erasmo Braga, verdadeira praga para a causa católica”
(AMARAL, 2005, p. 71). No dia 1.º de março de 1954 iniciaram as aulas no Patronato, com a matrícula de 263 alunos
de ambos os sexos e com o oferecimento do curso primário de 4 anos, admissão e curso de corte e costura. A princí-
pio, a escola teve como diretor o próprio Frei Teodardo Leitz da missão franciscana de Dourados, mas a intenção era
entregar a administração para as Irmãs.
Por conseguinte, segundo Knob (1988), em 1955 chegaram a Dourados, a Madre Provincial e a assistente
das Irmãs Franciscanas, de Santa Maria do Rio Grande do Sul e resolveram iniciar uma fundação. No mesmo ano,
comprometeram-se a aceitar a administração do Patronato de Menores, do posto de puericultura e do ambulatório.
Assim, em 9 de fevereiro de 1955 chegaram 6 Irmãs da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade
Cristã, cuja sede provincial ficava em Santa Maria. No primeiro ano de escola tiveram uma matrícula de 400 alunos.
Em 1956, propuseram “abrir uma filial do patronato ao lado da igreja matriz para oferecer às crianças da parte central
e leste da cidade uma oportunidade fácil de poderem frequentar uma escola católica” (KNOB, 1988, p. 282).
Para tanto, com a construção de uma nova residência e convento franciscano, ficou à disposição a antiga casa
com o salão paroquial, que puderam ser transformados em salas de aula. Assim, a filial do Patronato começou a fun-
cionar com uma matrícula de mais de 300 alunos e o Patronato do Cruzeiro com a mesma quantidade. Em pouco
tempo, devido à grande demanda de alunos, em 1957 decidiram construir um novo prédio para o Patronato ao lado
da igreja matriz. O novo prédio (Figura 1) foi inaugurado em 8 de dezembro de 1958, justamente no dia da Festa da
Imaculada Conceição, padroeira da cidade.

Figura 1: Patronato de Menores de Dourados/Educandário Santo Antônio, 1970

Fonte: Comissão de Revisão Histórica de Dourados

374
No dia 07 de outubro de 1959, iniciou-se a construção do Instituto Educacional de Dourados, atualmente Escola
Franciscana Imaculada Conceição, ainda em funcionamento na cidade. Em 1959 também foram criados pelas irmãs
franciscanas, os estabelecimentos Ginásio Nossa Senhora da Conceição e a Escola Normal Nossa Senhora da Conceição,
funcionando no mesmo prédio do Patronato de Menores. Assim, o Patronato também se transformou no espaço apro-
priado para as práticas educativas de estágios das alunas do ensino normal, uma oficina para a formação de professores.

DE PATRONATO DE MENORES A EDUCANDÁRIO SANTO ANTÔNIO: VESTÍGIOS DA


CULTURA ESCOLAR

Dentre as formas de se pesquisar a história das instituições escolares, se encontra o estudo da cultura escolar.
Neste trabalho, o conceito a que nos referimos é consonante com a contribuição de Dominique Julia (2001), que
descreve a cultura escolar como:

Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas
que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas [finalidades religiosas, sociopolíticas ou simples-
mente de socialização] (JULIA, 2001, p.10).

O Patronato de Menores de Dourados era um espaço não somente para a instrução da infância douradense,
mas também um lugar de formação moral e religiosa, em que se traduziam as estratégias de reprodução e inculcação
de conhecimentos e comportamentos conforme as finalidades religiosas, sociais e políticas da época.
As estratégias utilizadas pela Igreja para alcançar suas finalidades podem ser percebidas na Carta Circular de Frei
Eucário Schmitt, primeiro superior da Missão Franciscana no Mato Grosso. Em 1940, ele escreveu aos seus confrades:

Não há que duvidar: precisamos de escolas que estejam sob nossa influência. Elas são uma condição prévia para
uma atividade frutuosa. Por isso vamos fundar em todos os nossos lugares um colégio, uma escola paroquial de
ensino primário, de 5 anos, para meninos e meninas, com internato para meninas. Essa escola será inteiramente
confiada às Irmãs, nós mesmos não teremos nada a ver com ela. As Irmãs também podem abrir, onde for possível,
uma escola doméstica ou de costura e assumir uma espécie de serviço dos doentes. Não interessa, porém, nenhum
estabelecimento de ensino secundário (KNOB, 1988, p.73).

Logo que chegaram ao Mato Grosso, os franciscanos compreenderam a “necessidade e a vantagem de Escolas
Católicas. Só assim poderiam formar uma nova geração, mais entrosada na vida da Igreja e na prática da religião”
(KNOB, 1988, p.73). Podemos reconhecer nessas estratégias, “um tipo específico de saber, aquele que sustenta e de-
termina o poder de conquistar para si um lugar próprio” (CERTEAU, 1998, p.100).
Portanto, a criação e o funcionamento do Patronato de Menores de Dourados também garantiam as práticas
de formação moral e religiosa, bem como um lugar próprio para a legitimação da fé católica no município, que era
conhecido pelos franciscanos como uma “cidade protestante, já que os Presbiterianos da América do Norte, com uns
vastos recursos, tinham tomado conta do lugar. O tempo de guerra (1939-1945) dificultou ainda mais a atuação dos
padres alemães” (DIOCESE DE DOURADOS 25 ANOS: 1957-1982, p. 49). Em Dourados, no período da Segunda
Guerra Mundial, muitos padres alemães foram acusados de serem espiões e tiveram que ficar sob o regime de prisão
domiciliar e não podiam sair de casa nem para realizarem as suas atividades pastorais, o que para a igreja representou
um empecilho ainda maior para a sua atuação.
Por se tratar de uma instituição confessional, o Patronato de Menores tinha sua cultura escolar pautada em
uma educação voltada para as normas e práticas educativas moldadas pela doutrina cristã, como a caridade, o amor ao
próximo, o perdão. Para alcançar tais conhecimentos e comportamentos, a instituição utilizava instruções metódicas
e a preparação das crianças para os sacramentos de iniciação cristã e a catequese.
O corpo discente do Patronato de Menores de Dourados era bastante heterogêneo. Os livros de Registro Esco-
lar nos permitem compreender o perfil do público atendido pela instituição. Entre as características que mais se des-

375
tacam estão a nacionalidade das famílias e dos alunos, as profissões dos pais e as religiões professadas pelas famílias. É
possível perceber que o corpo discente era formado por alunos cujos os pais eram provenientes de outras nacionali-
dades, sobretudo, do Japão, Paraguai, Alemanha, Itália, Portugal, Líbano, Argentina, Síria, Espanha, entre outros. Os
alunos, por sua vez, eram nascidos não somente no próprio Mato Grosso, mas uma grande parcela era proveniente
de diferentes estados brasileiros como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Sergipe, Ceará, Bahia,
Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e também de outras nacionalidades, principalmente, do Japão e Paraguai. O Pa-
tronato de Menores de Dourados refletia, portanto, o próprio processo histórico e social de intensa migração que a
região experimentou e os efeitos da política nacional de ocupação demográfica do Centro-Oeste, bem como a própria
multiplicidade cultural da população atendida.
Por conseguinte, os livros de Registro Escolar nos revelam a profissão dos pais, que nos permite compreender
também as condições de renda dos alunos, dentre as quais, pudemos localizar desde filhos de médicos, comerciantes,
bancários, fazendeiros, funcionários públicos, até roceiros, charreteiros, poceiros, carpinteiros, mecânicos, barbei-
ros, domésticas, costureiras, entre outros. Entre as religiões professadas pelas famílias dos alunos destacam-se a
predominância da religião católica, mas também foram localizados protestantes, espíritas, budistas e muitos que se
declaravam racionalistas.
Não obstante, se de um modo geral, os Patronatos de Menores foram instituições escolares criadas com a fi-
nalidade de instruir crianças pobres, delinquentes e menores abandonados e a maioria deles eram voltados para o
ensino profissionalizante agrícola, por outro lado, percebemos com as fontes documentais do Patronato de Menores
de Dourados que a instituição não reproduzia esse modelo, já que era uma escola primária urbana, confessional, de
ensino misto e que atendia inclusive os filhos das elites.
A instituição funcionou com essa denominação de Patronato até o ano de 1966. O Livro de Registro de Atas discorre
sobre a alteração do Patronato de Menores de Dourados para Educandário Santo Antônio em 02 de agosto de 1966:

Aos 2 de agosto de 1966, às 15:00 h, numa sala de aula do Educandário Santo Antônio reuniram-se os membros da
Diretoria e os sócios do mesmo para aprovar os Estatutos que contém a extinção do “Patronato de Menores de Doura-
dos, Ação Social Franciscana e a fundação do “Educandário Santo Antônio, Ação Social Franciscana Dourados, Mato
Grosso”, e que foram elaboradas pelos sócios do Patronato de Menores aos 29 de março de 1966 (ATA N. º1, 1966).

O Estatuto do Educandário Santo Antônio, em seu Capítulo 1, Art. 2, apresenta a finalidade da instituição,
revelando um pouco mais sobre a sua cultura escolar:

Art. 2 – A Associação, que durará por tempo indeterminado, terá por finalidade:
a) Educar e instruir a infância e juventude, mantendo os cursos de pré-primário, primário e admissão;
b) Ministrar a referida instrução, sem fazer distinção de classe, sexo, raça, política e credo;
c) Desenvolver centros de catequese e de preservação moral nas zonas urbanas, suburbanas e rural (ATA N. º1, 1966).

Na Ata n.º 2 de 11 de março de 1970 podemos perceber algumas características do funcionamento e dos sujeitos
atendidos pelo Educandário.

Foram tratados vários pontos de referência à manutenção dos professores, chegando-se a conclusão de cobrar
uma taxa de NCr$ 10,00 mensais dos alunos que pudessem pagar, aceitar gratuitamente pobres, fornecendo-lhes
vestuário e material escolar (ATA N. º2, 1970).

Por fim, a Ata n.º 9 do dia 30 de novembro de 1983 anunciou o fechamento do Educandário e o término de suas
atividades. Em matéria intitulada Educandário Santo Antônio: Mães e professores contra o fechamento, a edição do Jornal
O Progresso de 13/14 de agosto de 1983 trouxe a informação de que a Igreja justificou que o motivo do fechamento
da escola era devido a necessidade do espaço para as suas atividades pastorais. Contudo, o fechamento de uma das
escolas mais antigas de Dourados não aconteceu de forma amistosa, tendo sido marcada por inúmeras manifestações
de pais e professores e até mesmo intervenções políticas, já que na época, o município ainda não dispunha de escolas
suficientes para a escolarização das crianças e jovens com idade escolar.

376
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos apontar que a missão franciscana contribuiu para a expansão das instituições escolares no Sul do
antigo Mato Grosso, tendo sido responsável pela escolarização de uma ampla parcela da infância douradense e pela
legitimação de um lugar próprio da missão franciscana na região.
A atuação das atividades educacionais da Congregação Franciscana teria emergido não apenas pela imensa
lacuna da ação do Estado no campo educacional, mas também como estratégia e interesse da missão na ocupação dos
espaços necessários para a consolidação da fé católica e contenção da expansão protestante.
A ausência de instituições escolares e a escassez das existentes, bem como a falta de um corpo docente qualifi-
cado teria favorecido a demanda pelas escolas confessionais não somente por parte dos moradores menos abastados
ou pelos católicos, como também dos segmentos das elites e de outras denominações religiosas.
Enfim, este trabalho é uma parte da pesquisa que está em andamento no doutorado em Educação e que pretende
recompor o passado do Patronato de Menores de Dourados, conferindo-lhe historicidade e sentido, de modo a con-
tribuir com a história da educação da região e do Estado de Mato Grosso do Sul e a construção historiográfica de uma
instituição educativa tão importante, que foi responsável pela ampliação do acesso à escolarização da população local.

REFERÊNCIAS

AMARAL. Inez Maria Bitencourt do. Entre Rupturas e Permanências: A Igreja Católica na Região de Dourados (1943 –
1971). Dourados, MS: UFMS, 2005 (Dissertação de Mestrado).
BOEIRA, Daniel Alves. Uma “solução” para a menoridade na Primeira República: o caso do Patronato Agrícola de
Anitápolis/SC (1918-1930). 2012. 139f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis/SC, 2012.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1982.
_____. A invenção do cotidiano. Volume 1: Artes do Fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988.
JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Revista Brasileira de História da Educação, n.1 jan/jun., p.
9-43, 2001.
KNOB, Frei Pedro. A Missão Franciscana do Mato Grosso: em comemoração dos 50 anos de fundação. Campo Grande:
Edições Loyola, 1988.
MAGALHÃES, Justino. Tecendo nexos: história das instituições educativas. Bragança Paulista: Editora Universitária São
Francisco, 2004.
MARIN, Jerri R. Diáspora e Identidades: as experiências missionárias dos franciscanos alemães em Mato Grosso. Revista
Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano V, n. 13, p. 205-234, maio 2012.
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Educação Rural no Brasil: alguns escritos. Rio de Janeiro: Vício de Leitura,
FAPERJ, 2007.
FONTES
DIOCESE DE DOURADOS 25 ANOS: 1957-1982. Livro do Jubileu de Prata da Diocese de Dourados, 1982. 143p.
EDUCANDÁRIO SANTO ANTÔNIO, Ata n.º 1 de 02 de agosto de 1966. Diocese de Dourados, 1966.
EDUCANDÁRIO SANTO ANTÔNIO, Ata n.º 2 de 11 de março de 1970. Diocese de Dourados, 1970.
EDUCANDÁRIO SANTO ANTÔNIO, Ata n.º 9 de 30 de novembro de 1983. Diocese de Dourados, 1983.
O PROGRESSO. Dourados, 13/14 de agosto de 1983.
PATRONATO DE MENORES DE DOURADOS, Livro de Registro Escolar de 1957-1960. Diocese de Dourados, 1957.

377
A MOBRALTECA EM GOIÁS:
ENTRE O CONTROLE E A SENSIBILIDADE

Raquel Gomes Botelho Nogueira1


Dayanna Pereira dos Santos2
Silvana Maria Alves3

RESUMO: Este artigo é um recorte da pesquisa de iniciação científica, modalidade PIBIC, sobre as ações desen-
volvidas pelo Programa MOBRAL Cultural em Goiás, implementado pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) 1970-1985. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, pautada pelos pressupostos da História Oral. Os depoi-
mentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa foram depreendidos por meio de entrevistas, incluindo, também, as nar-
rativas de fotografias como fontes visuais. Tais narrativas partiram da seguinte questão: Quais foram às contribuições
e ressignificações experienciadas pelos sujeitos do MOBRAL, no campo das ações culturais da MOBRALTECA no
interior de Goiás (1973 – 1985)? O uso das fotografias como estilhas de um tempo contribuíram para a compreensão
e problematização acerca de o processo de implementação e atuação da Mobralteca à luz dos objetivos traçados pelo
MOBRAL. Constatou-se, por meio das análises realizadas, que, apesar da perspectiva tecnicista e instrumental do
ensino proposto pelo Mobral em Goiás, as ações culturais do programa MOBRAL Cultural e da Mobralteca, devido
à escassez de oportunidades e a censura imposta pela Ditadura Militar, constituíram-se como única possibilidade de
acesso e manifestação cultural para inúmeros adultos trabalhadores da época.
Palavras-chave: MOBRAL Cultural. Mobralteca. Goiás.

O MOBRAL CULTURAL : ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

Em meados de 1973, a educação supletiva foi integrada ao Mobral, praticamente no mesmo período em que o
Departamento de Educação Supletiva (DESu) foi agregado ao MEC. Nesse contexto, a formulação da proposta de en-
sino do Mobral foi primeiramente responsabilidade de um economista, Mário Henrique Simonsen, e, na sequência,
do engenheiro Arlindo Corrêa de Oliveira.
Na concepção de Pederiva (2015, p. 28),

Mesmo após o exílio de importantes intelectuais e educadores que apresentavam ideais de uma educação transfor-
madora e lutavam em prol da educação nos movimentos populares, percebe-se a preocupação do Estado militar
em permanecer afastando os educadores e intelectuais das políticas educacionais, uma vez que concedeu a direção
do movimento a um economista e a presidência do programa a um engenheiro.

Tal proposição nos permite inferir que, ao optar por bacharéis para planejar e desenvolver projetos de ordem
pedagógica, institui-se a ideia de que os professores e intelectuais da educação não eram capazes de gerir os processos
pedagógicos. Desse modo, coloca-se em cena a desvalorização docente, em razão da prevalência de saberes técnicos.
No que tange ao financiamento do Mobral, a Fundação Educar recebia recursos da União, do Fundo Nacional de De-
senvolvimento da Educação, 2% do Imposto de Renda e ainda um percentual da loteria esportiva. Conforme exposto
no Decreto-Lei n.º 594, de 27 de maio de 1969, que institui a Loteria Esportiva Federal, em seu artigo terceiro:

Art. 3.° A renda líquida obtida com a exploração da Loteria Esportiva Federal será, obrigatoriamente, destinada a
aplicações de caráter assistencial, educacional e aprimoramento físico, e será distribuída de acordo com programa-
ção expedida pelo Poder Executivo, observadas as seguintes taxas:
a) 40% (quarenta por cento) para programas de assistência à família, à infância e à adolescência, a cargo da Legião
Brasileira de Assistência;

378
b) 30% (trinta por cento) para programas de educação física e atividades esportivas;
c) 30% (trinta por cento) para programas de alfabetização. (BRASIL, 1969.)

Com esses recursos, no Mobral foram criados subprogramas com o objetivo de difundir seu ideal político e
ratificar seu poder frente à sociedade. Com efeito, em 1970 é iniciado o Programa de Alfabetização Funcional (PAF)
e, em seguida, no ano de 1971, inaugura-se o Programa de Educação Integrada (PEI), a fim de possibilitar a conti-
nuidade do ensino, após a conclusão do curso de alfabetização funcional. Ademias, ficam estabelecidos: Programa de
Desenvolvimento Comunitário (PDC), Programa Cultural, Programa de Profissionalização, Programa Diversificado
de Ação Comunitária (PRODAC), Programa de Autodidatismo, Programa de Educação Comunitária para a Saúde.
Entre esses programas, destacamos o Programa Cultural do Mobral, fundado em 1973 para complementação
da ação pedagógica do curso de alfabetização funcional. Segundo Pederiva (2015), esse programa tinha como objetivo
a difusão da cultura brasileira e a ampliação do repertório cultural do mobralense, conforme a realidade na qual estava
inserido. Nesse sentido, colaborava para diminuir ou impedir a regressão do analfabetismo e a deserção de estudantes
de alfabetização funcional. Ademais, pressupunha incentivar a socialização entre díspares sujeitos e divulgar a filoso-
fia do Mobral por meio de atividades direcionadas ao lazer e à cultura.
Segundo o Relatório Técnico do Mobral referente ao período de 1974-1978, emitido pelo MEC e elaborado
pela Fundação Educar (1978), o Programa Cultural foi executado por meio de suas unidades operacionais: o Posto
Cultural, a Mobralteca e a Minimobralteca. Tais unidades desempenharam um papel de centro cultural da comuni-
dade, envolvendo as mais distintas áreas culturais. O primeiro ano de efetiva atuação do referido programa foi dire-
cionado para a montagem da infraestrutura necessária à implantação do Programa nos três níveis, com a finalidade de

[...] ressaltar a implantação de 1076 Postos Culturais fixos e atuação da MOBRALTECA em 51 municípios de 14
Estados. Já nessa fase inicial foram trabalhados 10 subprogramas: literatura, teatro, cinema, arte popular e folclore,
música, rádio, publicações, artes plásticas, patrimônio histórico/artístico/cultural e reservas naturais e televisão. No
ano de 1975 foram desenvolvidos prioritariamente 2 subprogramas: literatura e arte popular e folclore. Além disso,
1.000 novos Postos Culturais foram implantados em todo país, e a MOBRALTECA atingiu 42 municípios de 5 Uni-
dades da Federação. Cinco novas MOBRALTECAS, doadas por empresas, foram fabricadas (BRASIL, 1979, p.16).

O referido documento expõe ainda que, em 1976, foi dada continuidade ao Programa, com prioridade nos
subprogramas de música e teatro. De tal modo, ainda nesse ano, 124 novos postos culturais foram implementados e
429 municípios de 20 unidades da federação foram visitados pelas seis Mobraltecas. A partir disso, surgiram inter-
câmbios de experiências e o estabelecimento de subprogramas nos municípios atendidos.

A MOBRALTECA EM GOIÁS: ENTRE O CONTROLE E A SENSIBILIDADE

A narrativa de uma ex-agente cultural do Mobral

A partir da premissa de que a memória é uma construção de “caráter coletivo”, produzida por um indivíduo que
está inserido em uma coletividade, consideramos, neste estudo, a memória como um “trabalho de organização”, que
registra, rememora e também inclui e exclui consciente ou inconscientemente fatos e cenas. Trata-se, assim, de uma
elaboração psíquica e intelectual que causa uma representação seletiva do passado, um passado que não é exclusiva-
mente do indivíduo, mas do ser pertencente a um contexto nacional, social, familiar (ROUSSO, 2002, p. 94).
Sob tal lógica, os relatos da ex-agente cultural do Mobral foram acolhidos como expressão de cenas de um
passado coletivo, tecido na relação com o outro, entendido aqui como algo singular e também plural dotado de sub-
jetividade. Dessa forma, são axiais para esta investigação as falas da ex-agente que participou de ações como o mape-
amento de recrutamento de analfabetos para o Mobral em diferentes municípios de Goiás e também do seu processo
de certificação.

379
Nas memórias sobre a sua entrada no Mobral, em 1973, ela enfatiza que iniciou o trabalho a convite de uma
amiga. Então, após aprovada em uma entrevista seletiva, ela foi designada, através de uma portaria, para realizar
atividades vinculadas à agência de mobilização de analfabetos. Com efeito, é importante destacar a inexistência de
concurso público para o provimento dos cargos. Sendo assim, muitas vezes, as pessoas eram indicadas pelas autori-
dades para o exercício profissional.
Na continuidade de seu relato sobre sua entrada no Mobral, a ex-agente afirmou que ficou apenas seis meses na
agência de mobilização do Mobral, onde era realizado o plano de recrutamento dos analfabetos. Em seu dizer:

[...] lá eu fiquei só seis meses porque comecei a dar palpite demais, eu tinha duas chefes, eu dava palpites eu acho
que não é assim, eu acho que é assim, eu não concordava, aí surgiu uma vaga na Agência Cultural, eu era cômica,
eles pagavam muito bem, mas eu tinha que viajar por até 21 dias. Eu pesquisava sobre os artistas das regiões, ma-
peando quem eram os artistas. Eu preenchia formulários que eram enviados para a sede no Rio de Janeiro. Tudo
era mandado para o Mobral central (EX-AGENTE CULTURAL DO MOBRAL).

O relato da ex-agente articula-se à afirmação de Corrêa (1979) no que tange ao fato de que os registros feitos
pelos agentes eram importantes para a transmissão do conhecimento das diversas expressões culturais regionais dis-
seminadas por meio da Mobralteca. Vale pontuar, a partir de Paiva (2003), que, no período ditatorial (1964-1985), o
controle sobre as manifestações culturais era bastante rígido, tendo em vista a censura de qualquer tipo de conteúdo
direta ou indiretamente articulado ao ideário esquerdista. A esse respeito, ao ser questionada sobre os efeitos da
censura, a entrevistada apenas afirmou que “eles sofriam censura, mas isso não impedia o trabalho” e silenciou. Tal
gesto evidencia que trabalhar sob a censura do regime militar implicava em atender sem questionar as diretrizes ofi-
ciais e obedecer às normas impostas. Portanto, mesmo inserida em um ambiente marcado pela repressão, a ex-agente
tentava valorizar sua principal tarefa que era “descobrir talentos”, segundo suas palavras.
Em seus primeiros relatos, ela afirmou ter atuado como Agente Cultural (ACULT), sendo responsável pela
execução do programa, coordenando, supervisionando e avaliando as ações culturais desenvolvidas em Goiás. Ela
também era responsável por treinar o Encarregado Cultural (ECULT) pertencente às COMUNs e às equipes da Mo-
bralteca. Os ECULTs atuavam em nível municipal, indicados pela Comissão Municipal, cuja função era animar as
atividades realizadas no Posto Cultural, estar a cargo da divulgação do programa no município, bem como organizar
e elaborar a programação a ser realizada (CORRÊA, 1979).
Na sequência, contou sobre a organização da Mobralteca no período de 1974-1980, no estado de Goiás, bem
como suas ações em cidades como Goiânia, Anápolis, Corumbá de Goiás, Morrinhos, Araguaína, Tocantinópolis,
Niquelândia, Cavalcante (quilombo e tribos indígenas). A Mobralteca constituiu-se atividade pertencente ao pro-
grama cultural do Mobral, cuja implementação ocorreu de forma gradativa em diversos municípios do país. Na con-
cepção de Corrêa (1979), as ações desenvolvidas no Mobral Cultural eram pensadas como mecanismo de apoio ao
Programa de Educação Integrada (PEI) do Mobral, que tinha como objetivo permitir ao neoalfabetizado continuar
seus estudos. Entre suas tarefas, destacava-se a tentativa de integrar os recém-alfabetizados ao mercado de trabalho,
aproveitando o momento histórico do país com elevadas taxas de crescimento econômico.

Fotografia - Produção de artesanato motivada pelo programa Mobral Cultural, em 1980

380
Fonte: Acervo pessoal da ex-agente cultural do Mobral.

Ao ser perguntada, especificamente, sobre os processos de implementação da Mobralteca nos municípios, ela
explicou que

Para a realização do programa no município era necessário se firmar um convênio com a prefeitura, havia também
uma comissão municipal que tratava dos assuntos relacionadas ao Mobral, de todas as frentes de trabalho, desde a
alfabetização até os trabalhos de saúde e saneamento. Muitas vezes, para conseguir fechar o convênio era preciso
convencer os prefeitos sobre os benefícios para a região, pois se o povo fosse esclarecido, tivesse acesso à cultura,
o desenvolvimento poderia chegar à região. Esse era o argumento adotado. Além disso, eu tentava valorizar os
talentos locais, conheci muitas pessoas talentosas, fiadeiras, bordadeiras, violeiros, muitos artistas populares, que
devido sua inocência não conseguiam reconhecer o valor de sua arte. Aquilo tudo me encantava, era de uma beleza
e singeleza formidável (EX-AGENTE DO MOBRAL).

A respeito dos convênios estabelecidos, é sabido, por meio da Lei n.º 5.379, de 15 de dezembro de 1967, que,
para execução do convênio, o município seria o executor e fundamentalmente o responsável pelo movimento fi-
nanceiro do Fundo Especial para Alfabetização (FEALA), constituído de recursos orçamentários consignados pela
prefeitura e também de recursos oriundos do Mobral Central liberados gradualmente. Nesse contexto, a Mobralte-
ca, unidades móveis criadas na década de 1970 e patrocinadas pela caderneta de poupança Delfin, que circulava por
diversas cidades projetando filmes, emprestando livros, tinha como objetivo difundir cultura pelo país e estimular,
sobretudo, a leitura. Na fala da ex-agente cultural, a Mobralteca tinha como

[...] finalidade a valorização da cultura local e a descoberta de valores pelas comunidades, quando o caminhão che-
gava era ofertado as pessoas a oportunidade de ler livros clássicos, pintar, bordar, cantar, dançar. Tinha também
o baú da criatividade onde a gente oferecia linha, tela, tinta, ou para despertar ou para extravasar o que sentia
em termos de arte. Durante três a quatro dias em cada cidade, nós passávamos filmes, tinha shows dos valores da
cidade. A energia elétrica era por conta do município. Nos locais sem energia elétrica, nós não podíamos ir, por
isso com o carro de som, divulgávamos a chegada da Mobralteca nas cidades. Nesse ponto, a prefeitura ajudava.
A Mobralteca tinha o animador, eu gostava de dividir com ele essa atividade. No início eu percebia que o povo
ficava tímido, as pessoas ficavam desconfiadas, mas aos poucos se aproximavam. Eu fazia o papel de animadora e
dinamiza as atividades (EX-AGENTE CULTURAL DO MOBRAL).

A partir deste fragmento de fala é possível perceber que o trabalho do Mobral não se limitava à alfabetização. O
programa passou a apresentar diferentes frentes de trabalho voltadas para a educação, a saúde, a cultura e o esporte.
Conforme estabelecido no documento base do Mobral (1973), as ações culturais tinham como objetivo a comemora-
ção de datas nacionais, festivas, históricas e cívicas, além de organizar atividades com vistas a arrecadar fundos para a

381
Comissão Municipal do Mobral. Conforme exposto no referido documento, de forma articulada à Mobralteca foram
estabelecidos postos culturais, que comportavam subprogramas de Rádio, de Arte Popular e Folclore, Cinema, Artes
Plásticas, Música, Patrimônio Histórico, Artístico e de Reservas Naturais, Publicações.
No texto do Relatório Técnico do Mobral (1974-1978) emitido pelo MEC, Posto Cultural é descrito como
uma unidade operacional fixa, sendo, pois, um dos núcleos fundamentais do programa cultural do programa, e devia
servir à comunidade como centro aglutinador e irradiador de projetos educativos. Conforme exposto no referido
documento:

O Posto Cultural assegura a manutenção de atividades culturais permanentes, contribuindo, assim, para a fixação
da aprendizagem do aluno do MOBRAL, e representando um forte fator de mobilização para os programas peda-
gógicos. Os Postos podem ser implantados em Bibliotecas ou salas de leitura do Instituto Nacional do Livro, outras
Bibliotecas (municipais ou particulares), casas ou centro de cultura de iniciativa privada, centros comunitários,
clubes ou teatros, e ainda em locais onde já se evidenciam atividades do MOBRAL, ou que venham a ser indicados
pelas comunidades (BRASIL, 1979).

Segundo relato da ex-agente, o posto cultural “era equipado com uma variedade muito grande de livros e
de instrumentos musicais para a formação de bandas”. Em suas palavras, ele “funcionava de forma conjunta com a
Mobralteca, estimulava as manifestações artísticas do munícipio”. Todavia, importa esclarecer que, conforme escla-
rece Silva (2013, p. 123), o posto cultural funcionava como um “centro de informação e consulta, onde dispunha de
material didático e cultural, bem como equipamento técnico e espaço de leitura”. Para o autor, o apoio ofertado aos
postos culturais era concretizado pela passagem das Mobraltecas nos municípios. Em Goiás, a entrevistada teve a
oportunidade de presenciar a inauguração de diversos postos culturais, entre eles o da cidade de Morrinhos, em 1979,
conforme fotografia abaixo:

Fotografia - Inauguração do Posto Cultural do Mobral em Morrinhos-GO, em 1979

Fonte: Arquivo pessoal da ex-agente cultural do Mobral.

Segundo Corrêa (1979), havia uma classificação entre os postos, sendo os Postos tipo A e B, abastecidos com
biblioteca, projetor de filmes, aparelhos de rádio e TV, livros para empréstimo, materiais para artesanato. Já os Pos-
tos tipo C computavam, a princípio, apenas uma biblioteca, que, posteriormente, recebia um aparelho receptor de

382
rádio e uma pequena pinacoteca com reproduções de quadros de pintores nacionais e estrangeiros. Anualmente, os
postos recebiam recursos diversos, objetivando expandir a percepção cultural e de acordo com os interesses culturais
da localidade.
A entrevistada descreveu o lugar como um espaço destinado a fomentar a formação de leitores na região. Isso
porque havia, por parte dos gestores do Mobral, o anseio de que o Programa Cultural atuasse como responsável pela
complementação pedagógica, criando, por exemplo, meios para reduzir a evasão. Ela explicou ainda que na época
criou uma atividade chamada “forrobral”, para estimular o cadastramento de analfabetos. Segundo sua fala, “na época
de mobilização, era muito difícil, às vezes as pessoas não queriam ir porque chegavam cansadas da roça, da lida e por
isso eu inventei o ‘forrobral’, que virava um acontecimento cultural na localidade, aparecia muita gente.”
A respeito do treinamento ofertado para o desenvolvimento das atividades, a ex-agente informou que, por ser
ela responsável pela Mobralteca em Goiás, os treinamentos aconteciam no Rio de Janeiro ou em Brasília. Os materiais
eram elaborados pela equipe técnica do Mobral e trabalhados em todo o território nacional. Isso, conforme registrado
na fotografia abaixo, retrata a cena de um treinamento realizado no Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro:

Fotografia - Treinamento para agentes culturais do Mobral no Rio de Janeiro, em 1976

Fonte: Arquivo Pessoal da ex-agente cultural do Mobral.

Pudemos perceber, através de diversos relatos, que, apesar da censura, nesse período a ex-agente cultural teve a
oportunidade, via Mobral, de participar de atividades no campo da música e do teatro, como, por exemplo: Teatro e
debate sobre arte cênicas, com Marília Pera, e música popular brasileira, com Gilberto Gil. A experiência narrada pela
entrevistada traz em si possibilidades contraditórias de um movimento artístico que buscava aflorar sensibilidades,
sentimentos, opiniões, mas, contraditoriamente, estava submetido ao crivo do controle ditatorial, imbuído da tarefa
de inibir olhares, palavras e gestos centrados na busca por um debate mais crítico.
Ao ser indagada sobre a possibilidade de ter guardado algum livro ou diretriz de treinamento usado na época,
a entrevistada explicou que não tinha nenhum material, pois perdeu com o tempo e devido a sua mudança para os
Estados Unidos: “depois do Mobral eu fui embora, vivi muito tempo nos Estados Unidos, lá criei minha única filha.”
Notamos, nessa fala, o sentimento de saudosismo da entrevistada que, em diferentes momentos, registrou seu orgu-
lho e satisfação por ter trabalhado em contato com a população do interior do estado: “eu adorava meu trabalho, me
encantava com a sabedoria e talentos daqueles homens e mulheres que, mesmo sem conhecimento científico, sabiam
das coisas e levavam a vida com tanta dignidade e firmeza.”

383
A ex-agente revelou, também, que as ações da Mobralteca objetivavam trazer alunos do campo para a cidade.
Todavia, as condições de acesso eram muito difíceis entre as zonas rural e urbana, pela precariedade das estradas
e falta de transportes. Associada à questão do transporte, soma-se o fato de que as aulas do Mobral aconteciam no
período noturno, depois de uma extensa jornada de trabalho. Assim, a Mobralteca era um estímulo, fonte de lazer e
entretenimento para a população local, tão carente desse tipo de movimento.

Fotografia - Estrada de acesso à cidade de Tocantinópolis, em 1975

Fonte: Arquivo pessoal da ex-agente cultural do Mobral.

Além das contribuições culturais que o Mobral proporcionou aos goianos, a ex-agente ainda destacou a impor-
tância do movimento para o desenvolvimento econômico de alguns municípios, entre eles: Tocantinópolis4, sede da
atual Tobasa Bioindustrial -Companhia Ecológica.

Quando eu conheci, era uma cooperativa pequenininha, lá em Tocantinópolis, eles extraíam apenas o óleo do coco
babaçu. Eu vi que podíamos fazer muita coisa do coco de babaçu, daí pedi para que serrassem e fizessem porta-lá-
pis, colares, pulseiras e objetos para enfeite. Hoje a Tobasa industrializa óleo de babaçu para o mundo inteiro. Eu
fico comovida de ver que a ideia nasceu com o Mobral. É claro que eles descobriram coisas novas, melhoraram a
ideia, mas o chute inicial foi do Mobral.

Em sua concepção, a Mobralteca contribuiu bastante para a transformação das pessoas porque incentivava
outras práticas educativas por meio das manifestações da arte. Ela destacou, em sua fala, que assistiu contato de
muitas pessoas pela primeira vez com os livros, ainda pouco acessíveis, na época “era lindo, era lindo ver as pessoas,
descobrindo as palavras, as coisas do mundo”. Sobre a música, segundo o relato da ex-agente, o Mobral incentivava
a formação de bandas nas cidade, “furiosa”, e para isso eram disponibilizados para os municípios os instrumentos
musicais necessários.
É sabido, a partir de Granja (1984), que, na década de 1970, as bandas constituíram-se, em muitos casos, uma
das únicas manifestações culturais das pequenas cidades interioranas, podendo se organizar como pequenas ou gran-
des e em diversos estilos, como de fanfarra, marcial, de coreto, entre outros. Comumente, os músicos, instrumentis-
4 Nesse período, Tocantinópolis pertencia ao território goiano.

384
tas amadores, reuniam-se à noite ou nos fins de semana para ensaios ou apresentações públicas, praticando música
como forma de diversão, lazer e política. As apresentações das bandas eram muito comuns em inaugurações e desfiles
cívicos.
Pensando no aspecto humano, a ex-agente destaca que, com o trabalho na Mobralteca, ela se fez mais sensível
para perceber

A singeleza do nosso povo. E eu vou dizer de certa inocência em relação ao mundo. O povo era puro demais. Eu
aprendia tanto. A vida pra mim era lá. Foi lá que eu aprendi, aprendi a respeitar o ser humano. Eu fui para escutar,
para registrar e encontrei grande valores humanos. Em vez de ter ensinado, o que eu recebi me fez mais sabidinha.
A Mobralteca foi um divisor de marcas, em termos deles [mobralenses], se sentirem valorizados, poderem se
apresentar para o público com holofote, com o crochê, com a literatura, com a banda de zabumba. Sem dúvida, a
Mobralteca inspirou muitas pessoas. Ele também me fez artista (EX-AGENTE DO MOBRAL).

Nesse momento, a ex-agente mostra-se emocionada e explica que, de sua experiência no Mobral, resultou a
escrita do livro Pés de Prátima, obra na qual a também escritora diz: “evocar suas memórias sobre o povo e o cerrado
goiano, especialmente sobre sua experiência com o povo calunga”. Vestígios dessa experiência podem ser reconhe-
cidos no trecho abaixo:

Aquilo é um muro de pedras construído pelos escravos. Construído numa época de opressão e violência, aquele
legado era testemunha da maldade humana. Os escravocratas racistas gostavam de usar o ditado: “Negro enquanto
descansa carrega pedras”. Do ditado para ação era só a distância da vontade para a ordem. Os negros amontoavam
as pedras em formato de muros (MORAIS, 2010, p.14).

No curso da entrevista, foram relatados ainda os diversos projetos desenvolvidos pelo Mobral Cultural em
Goiás, objetivamente a fase de transição após a alfabetização, pois se entendia que o aluno recém-alfabetizado, embo-
ra fosse capaz de ler, ainda não tinha desenvolvido o hábito da leitura. Segundo Paiva (2003), a existência do progra-
ma justificava-se a funcionalidade do Mobral, visto que, em sua totalidade, dependia de o novo alfabetizado transitar
por todas as esferas dos programas do movimento. Portanto, era cogente que estes continuassem a existir, mesmo
quando não mais existissem analfabetos no sentido estrito.
Tratava-se, pois, de organizar um programa de “educação permanente, capaz de garantir a não regressão dos
recém-alfabetizados ao analfabetismo” (Paiva, 2003, p. 356). Nesse sentido, o acesso à cultura, sobretudo a letrada,
possibilitaria a redução do fenômeno da regressão, implicando também nos índices de evasão dos alunos do Mobral.
Além disso, o programa funcionava como meio para a divulgação da filosofia do Mobral, incentivando o desenvolvi-
mento comunitário e inserindo, em suas atividades, aqueles mobralenses e ex-alunos do Mobral.

Considerações finais

Parafraseando Thompson (2002), como a história oral vai além dos dados estatísticos, ela cunha aquilo que
é subjetivo e singular, tratando o relato como condição de uma ciência que lida fundamentalmente com o sujeito.
Contudo, a história oral, como método de pesquisa, enfrenta o desafio de transmitir o depoimento pessoal, fruto
do acesso à memória, que é falha e influenciada por ideais, com o mínimo de interferência possível, respeitando os
valores impregnados nas vivências testemunhadas. A questão é responsabilizar-se por interpretar a fala expressa de
forma a não alterá-la, mas sim destacá-la com a sensibilidade e atenção de um ouvinte disponível para aprender com
a narrativa urdida pelo outro, constituída por diferentes fios e personagens dotados de sentido e movimento. Isso,
pois, “ao contar suas experiências e emitir suas opiniões, ao conferir sentido aos gestos, o depoente se torna sujeito
de seus próprios atos, percebendo seu papel singular na totalidade social em que está inserido” (BURKE, 2012, p.13).
Com esse entendimento, pudemos constatar que o programa cultural do Mobral foi importante para a ex-agen-
te cultural entrevistada por ter em certa medida favorecido a valorização cultural dos artistas regionais e promovido
espaço para socialização, principalmente nas cidades do interior do estado de Goiás. A Mobralteca em Goiás circulou

385
por diferentes municípios e também se constituiu, para muitos goianos, principalmente aqueles pertencentes à zona
rural, como rara oportunidade de apreciar e fazer arte, por meio da literatura, da música, da pintura, do artesanato
etc. Como expresso no relato da ex-agente cultural, embora na época o regime ditatorial impusesse a censura, ainda
era possível o incentivo às manifestações culturais, sobretudo aquelas vinculadas à música e ao artesanato. Apesar da
perspectiva instrumental e de controle da arte as ações culturais do programa MOBRAL Cultural e da Mobralteca,
devido à escassez de oportunidades e a censura imposta pela Ditadura Militar, constituíram-se como única possibili-
dade de acesso e manifestação cultural para inúmeros adultos trabalhadores da época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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______. Lei n.º 5.379, de 15 de dezembro de 1967. Provê sobre a alfabetização funcional e a educação continuada de adolescentes
e adultos. Brasília, DF: MEC, 1967.
_______. Decreto-Lei n.º 594, de 27 de maio de 1969. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1969.
______. Relatório Técnico do MOBRAL 1974-1978. Brasília, DF: MEC, 1979.
CORRÊA, Arlindo Lopes. Educação de massa e ação comunitária. Rio de Janeiro: AGGS/MOBRAL, 1979.
GRANJA, Maria de Fátima. A banda: Som e Magia. 1984. Dissertação (Mestrado em Sistemas de Comunicação) – Escola de
Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984.
MORAES, Telma. Os pés de Prátima. Editora, 2010.
PAIVA, V. P. História da educação popular no Brasil: educação popular e educação de adultos. 6. ed. São Paulo: Loyola,
2003.
PEDERIVA, Ana Cristina. O Mobral faz mais do que ensinar a ler e a escrever: manifestações biopolíticas para o controle
de adultos analfabetos em Varginha-MG (1970-1985). 2015. 161 f. Dissertação (Mestrado em Processos Socioeducativos e
Práticas Escolares) – Departamento de Ciências da Educação, Universidade Federal de São João Del-Rei, São João Del-Rei,
2015.
ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos &
Abusos da História Oral. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002. p. 93-101.
SILVA, Jailson Costa da. O Mobral no sertão alagoano: das histórias e memórias às sínteses possíveis após quatro décadas.
2013. 226 f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) – Centro de Educação, Universidade Federal de Alagoas, Maceió,
2013.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2002.

386
A NOVA HISTÓRIA INDÍGENA: REFLEXÕES A PARTIR DO PIBID

Antônio Igor Sousa Alves – UEG


Guilherme Henrique Moreira dos Santos – UEG

INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo analisar as visões acerca dos povos indígenas a partir de reflexões reali-
zadas nos encontros do Subprojeto do Pibid “Diálogo Entre História Local, Etnicidade e Formação Docente”. Por
meio de pesquisa bibliográfica, leituras e debates de diversos temas como: a diversidade das populações indígenas; o
protagonismo dos povos indígenas na atualidade; o rompimento da perspectiva historiográfica que via o índio como
incapaz, ingênuo, por novas abordagens, as quais compreendem o indígena como sujeito histórico, tem contribuído
para construir um novo olhar sobre esses povos.
Nesse sentido, os estudos propostos pelo Pibid, na perspectiva da História Indígena, têm proporcionado aos
bolsistas pibidianos (as) a ressignificação do olhar acerca dos povos indígenas, compreendendo que é impossível se
pensar em sociedade que não se transforma, pois a mudança constitui-se em característica básica das diferentes so-
ciedades, por mais lenta que seja.
Na atualidade, as diferentes etnias indígenas, têm utilizado o termo índio para proporcionar a união dos di-
versos povos, que ainda hoje, se reconhecem como indígenas, formando, assim, um grupo mais coeso, embora suas
culturas, seus hábitos, seus costumes e suas tradições sejam diferentes. Estes possuem pautas de lutas, sejam pelo
reconhecimento e respeito aos seus direitos ou por mais espaços na sociedade, que são comuns.

A HISTÓRIA INDÍGENA NA CONTEMPORANEIDADE OU “NOVA” HISTÓRIA INDÍGENA

Inicialmente, é importante salientar que as novas abordagens, realizadas pela ‘nova’ história indígena, buscam
compreender a ação indígena diante das diversas realidades, vividas por estes ao longo da história do Brasil. Desta
forma, rompe com a visão de que os índios não teriam história, visão esta considerada etnocêntrica e evolucionista,
sendo responsável por colocar esses povos em um estágio inferior da escala civilizatória.
Esse novo olhar acerca dos povos nativos é bem recente, o pessimismo em relação ao seu futuro, conhecida
como a tese da extinção, permaneceu até meados do século XX. Em suma, os estudiosos adeptos dessa tese visavam
mostrar ‘a fragilidade “desses homens da idade da pedra” diante do rolo compressor da civilização’, afirma Monteiro
(1995, p.222). Passado o processo de aculturação, esses estariam integrados à nação brasileira. Assim, a ideia de que
as populações indígenas estavam em vias de desaparecimento era consenso.
Essa visão positivista, na qual a cultura indígena é vista como uma tradição milenar que estabelece resistência
absoluta à mudança ou se desfaz, levando junto a identidade de um povo, perde espaço no meio acadêmico e, embo-
ra socialmente falando, a cultura indígena ainda permanece caracterizada como destruída ou descaracterizada. Essa
visão ancora-se na concepção de que a cultura dos povos indígenas deve permanecer estática, sem alterações. Deste
modo, cria-se a ideia de que suas culturas não podem sofrer alterações, nem adaptar-se aos contextos históricos e,
em consequência, a concepção de que índios deixam de ser índio quando se adaptam à realidade, como por exemplo,
quando passam a usar roupas, terem acesso à internet. Tal concepção parte do pressuposto de que a cultura indígena
é imutável, como mencionado anteriormente.
Desde a década de 70, a cultura indígena tem sido analisada a partir de um conceito de cultura mais flexível, o
que tem permitido perceber a vivacidade das relações sociais que estão em constantes transformações, em conflitos,
em trocas e em ressignificação. Almeida (2003) enfatiza que é comprovado por estudos da cultura e da História, a

387
extraordinária capacidade de os povos indígenas reformularem suas culturas, mitos e compreensões do mundo para
dar conta de pensar e interpretar coletivamente a nova realidade que lhes é apresentada (ALMEIDA, 2003, p.28).
Na perspectiva da ‘nova’ História Indígena, a concepção dos próprios povos, suas interpretações acerca da
história em geral e de sua história passam a ser foco dos estudos. Nesse sentido, ao analisar as ações dos sujeitos indí-
genas a partir de suas experiências sociais e culturais específicas, com objetivos próprios, passa-se a compreendê-los
como sujeitos históricos como todo ser humano.
De acordo com Monteiro (1995) essa mudança de perspectiva que permite a formatação da ‘nova’ História
Indígena é influenciada, dentre outros fatores, pelo Movimento Indígena que ainda é responsável pelo fenômeno
conhecido como etnogênese ou reetinização (LUCIANO, 2006).
Nesse sentido, Luciano (2006) afirma:

Os povos indígenas que, por pressões políticas, econômicas e religiosas ou por terem sido expulsos de suas terras
e estigmatizados em função dos seus costumes tradicionais, foram forçados a esconder, a negar suas identidades,
agora passam, nesse novo contexto, de ressignificação da identidade indígena a reassumir e a valorizar a identidade
étnica. (LUCIANO, 2006, p.28).

De acordo com Luciano (2006), o termo índio é genérico e foi dado por Cristóvão Colombo que, com a certeza
de nas Índias ter chegado, com nome de índio os apelidou.

O navegador italiano Cristóvão Colombo, em nome da coroa Espanhola, empreendeu uma viagem em 1492 par-
tindo da Espanha rumo às Índias, na época uma região da Ásia. Castigada por fortes tempestades, a frota ficou à
deriva por muitos dias até alcançar uma região continental que Colombo imaginou que fossem as índias, mas que
na verdade era o atual continente americano. Foi assim que os habitantes encontrados nesse novo continente
receberam o apelido genérico de “índios” ou “indígenas” que até hoje conservam. (LUCIANO, 2006, p. 29.)

Em uma pesquisa no dicionário Aurélio, percebemos que o termo serve para referenciar o sujeito que é nativo
ou natural de algum lugar, portanto, não sendo exclusivamente para designar os povos originários do Brasil ou das
Américas.
Porém, nas últimas décadas o termo foi ressignificado e adotado pelas diferentes etnias indígenas do país,
deixou de ser um nome ofensivo e passou a ser visto como uma denominação de identidade que permite unir povos
distintos, povos historicamente rivais, em busca de direitos e interesses comuns.

Atualmente com o movimento indígena, que nas últimas décadas ganhou novo fôlego, na luta não só pela reto-
mada de terras, mas pela melhoria e pelo modo de vida de cada grupo étnico. Assim, o termo “índio” muda de
significado: ele une comunidades distintas na luta por direitos comuns’ (WITTMANN, 2015, p. 15- 16).

Assim sendo, vale ressaltar que o fato de adotar o termo ‘índio’ não quer dizer que existe só uma etnia ou só
um povo. Atualmente, as mais de trezentas (300) etnias indígenas, com suas centenas de línguas, mantém suas espe-
cificidades culturais e identitárias. “A consolidação do Movimento Indígena, a oferta de políticas públicas específicas
e a recente e crescente revalorização das culturas indígenas estão possibilitando a recuperação do orgulho étnico e a
reafirmação da identidade indígena” (LUCIANO, 2006, p. 29).
Por conseguinte, ao tratar-se de povos indígenas na atualidade, significa falar de uma grande diversidade de
povos que habitavam essas terras há milhares de anos, muito antes da invasão dos europeus. E é essa ‘nova’ História
Indígena, na qual o índio deixa os bastidores para assumir o palco, como afirma Almeida (2010) em seu livro Os Índios
na História do Brasil, que precisa estar presente nos processos formativos. Segundo Silva (2015, p. 37)

A sobrevivência de inúmeras etnias, em meio ao desaparecimento físico e cultural de tantas outras no Brasil,
somente na primeira metade do século XX, demonstra a força dessas populações. Aprender a respeito dessa ri-
quíssima diversidade étnica e cultural constitui um desafio permanente para professores e estudantes da educação
básica no Brasil.

388
Sobretudo, a respeito desse tema, a legislação brasileira prevê, por meio da Lei 11.645/2008, a inserção do en-
sino de história e cultura indígenas na educação básica.
Todavia, como Giovani José da Silva (2015) conclui que ainda se encontram grandes dificuldades ao se traba-
lhar a nova história indígena, devido à singularidade de cada grupo étnico; a falta de formação específica que permita
conhecer essa diversidade e, assim, evitar que no espaço educacional sejam reforçadas as visões estereotipadas e pre-
conceituosas do “índio genérico”.
Em vista disso, o ensino de História Indígena pode retirar a história desses povos do esquecimento, revertendo
o equívoco da chamada aculturação, ‘sedutora ideia de que no contato com a população não indígena os índios foram
“perdendo”, ao longo do tempo, sua cultura e tornando-se “menos índios”’. (WITTIMANN, 2015, p.25).

ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA

Indiscutivelmente, quando tratamos do ensino de história indígena é possível observar que este se apresenta
como um campo ainda vago, pouco discutido e abarcado em sala de aula. “Se consultarmos muitos dos professores
que ministram aulas pelo país afora e perguntarmos a eles sobre o que lembram do que estudaram a respeito dos ín-
dios no Brasil, provavelmente as respostas serão muito parecidas” (SILVA, 2015, p.21). Esse acanhado contato com a
temática reflete diretamente na prática em sala, pois segundo Silva (2015) os índios geralmente são lembrados apenas
no dia 19 de abril e, mesmo assim, por meio de visões estereotipadas e preconceituosas que reforçam a sensação de
pertencimento dos índios ao passado.
Nesse sentido, a criação da “[...] Lei n. 11.645/2008 que prevê a inserção do ensino de história e culturas indíge-
nas na educação básica representa um passo enorme em direção ao reconhecimento de uma sociedade historicamente
formada por diversas culturas e etnias, dentre elas as indígenas.” (SILVA, 2015, p.21).
Silva (2015) ao analisar o ensino de história indígena na educação básica, afirma que:

As dificuldades de professores e demais profissionais da educação básica consistem, particularmente, em responder


à questão de como caracterizar com clareza e correção as sociedades indígenas e, seus aspectos comuns, ressaltan-
do, entretanto, a singularidade de cada uma delas, sem reforçar estereótipos e preconceitos. Nesse caso, afirmam
especialistas, como Aracy Lopes da Silva (1987), é fundamental indicar a diversidade bastante significativa que há
entre as sociedades indígenas localizadas no Brasil (e em outros lugares do mundo), em termos de adaptação ecoló-
gica a diferentes ambientes e, também, em termos sociais, políticos, econômicos, culturais e linguísticos. (SILVA,
2015, p. 23).

Partindo dessa constatação, a proposta do Pibid constitui-se em colaborar com os processos formativos de fu-
turos docentes, ofertando o acesso à ‘nova’ História Indígena e, com isso, contribuindo para que os futuros docentes
sintam-se capazes de dialogar com o tema. Nesse sentido, a narrativa a seguir, se dará em torno dos processos de
ressignificação dos olhares dos bolsistas sobre os povos indígenas.

O PIBID E A RESSIGNIFICAÇÃO DO OLHAR DOS BOLSISTAS SOBRE A TEMÁTICA


INDÍGENA

Indiscutivelmente, o PIBID nos possibilitou uma enorme transformação na forma como compreendíamos os
povos indígenas enquanto sujeitos históricos e sociais, uma vez que, antes de participarmos do projeto, nossa percep-
ção acerca desses povos era carregada de preconceitos e estereótipos (podemos assim dizer que é, na grande maioria,
a visão que é repassada nas escolas). Nesse sentido, Silva (2015, p. 27) afirma: “as questões indígenas nas escolas bra-
sileiras ainda são tratadas na maioria das vezes, de forma estereotipada e folclórica.”.
De forma geral, a visão do índio ingênuo, que vive pelado, isolado na natureza e sendo sua única obrigação
cuidar dela é a mais disseminada, sobretudo no dia 19 de abril, quando se comemora o Dia do Índio, o que contribui
bastante para a permanência desse imaginário ultrapassado, resquício de uma história eurocêntrica que ainda perma-

389
nece na mente de grande parte da população brasileira. Essa perspectiva nega todo um processo de atualização dessas
sociedades - seu processo de transformação e adaptação cultural.
Ademais, fazia parte de nossa visão a estreita ideia de uma cultura estática desses povos, que acabava negando
todo e qualquer processo de transformação cultural. Assim sendo, era mantida a ideia de que a cultura deles deveria
permanecer a mesma, ou seja, essa não poderia modificar-se, pois uma vez que os seus hábitos culturais sofressem
alterações, acabariam, de certa forma, deixando de ser “índios”. Por conseguinte, vale ressaltar que essa é a concepção
que orientava nossas leituras sobre os povos indígenas e a que domina, em grande parte, a visão da sociedade em geral
acerca dos índios.
Nesse sentido, qualquer tipo de interferência/influência dos aspectos culturais e tecnológicos da sociedade não
indígena é compreendido pela ótica negativa. Em entrevista com bolsistas do Subprojeto PIBID de História, foi dis-
cutida a visão que possuíam sobre os indígenas antes de sua participação no Subprojeto, chegando-se à conclusão de
que os demais participantes possuíam uma visão muito próxima da nossa. A bolsista Kellen afirma:

Eu sabia pouca coisa a respeito deles, até porque não estudei mais a fundo sobre os indígenas, sabia apenas as histórias estere-
otipadas, contadas na escola, que eram tribos como se todos tivessem a mesma cultura, moravam na floresta e eram selvagens
(Entrevista concedida aos autores em 04.05.2019).

O bolsista João Paulo aponta uma visão bastante parecida:

Antes de entrar no projeto do PIBID eu tinha uma visão bem errada e curta sobre os povos indígenas (...) eu não sabia da
classificação por etnia, no final eles sempre faziam parte do mesmo coletivo indígena. (Entrevista concedida aos autores
em 06.05.2019).

Nesse sentido, a perspectiva que tínhamos antes de participar do Subprojeto era extremamente vaga, carregada
de estereótipos e muito marcada pelas visões eurocêntricas e, por conseguinte, acabava gerando uma noção supérflua
dos diversos grupos étnicos existentes.
Desta forma, a partir das leituras, das discussões e reflexões realizadas nos encontros, embasados em textos que
discutem a temática, a visão/o olhar sobre esses povos pôde ser alterada. Em virtude disso, pudemos passar a reco-
nhecer a diversidade desses povos e culturas, reconhecendo-os como uma singularidade e, por conseguinte, deixando
de homogeneizá-los em um só povo: “índios”. Além de reconhecer a sua diversidade cultural, entender que sofreram
e ainda sofrem mudanças como nós, pois, como já foi discutido anteriormente, por mais lento que seja o processo de
transformação, a mudança é a característica básica do homem e nenhuma cultura é imutável. Outrossim, passamos a
reconhecer os povos indígenas como grandes resistentes culturais, ademais, deixando de vê-los como sujeitos passi-
vos e sem história.
Nesse sentido, o PIBID tem papel de grande importância no processo de ressignificação do olhar sobre a temá-
tica indígena, bem como contribuiu para nosso reconhecimento da grande diversidade das mais de 300 (trezentas)
etnias indígenas e suas centenas de línguas que existem ainda hoje no Brasil com culturas, hábitos, línguas, tradições
e cosmologias completamente diferentes umas as outras.
Nessa perspectiva, passa a se reconhecer estes povos como seres ativos e resistentes, mostrando que os mesmos
não aceitaram de forma passiva a dominação dos portugueses durante o processo de colonização, o que não significa,
entretanto, que não ocorreu uma série de mortes, que um grande número de grupos culturais distintos foram extin-
tos/dizimados por completo, enquanto outros quase por completo. Deste modo, torna-se possível apontar que houve
diversos conflitos entre ambos e que, por conseguinte, o processo de aculturação mostra-se como uma estratégia de
defesa para que estes povos não tivessem sua cultura totalmente dizimada, ou seja,

Ao invés de vítimas passivas de imposições culturais que só lhes trazem prejuízos, os índios passam a serem vistos
como sujeitos ativos desses processos. Incorporam elementos da cultura ocidental, dando a eles significados pró-
prios e utilizando-os para a obtenção de possíveis ganhos nas novas situações em que vivem (ALMEIDA, 2003,
p.22).

390
Partindo desse pressuposto, a bolsista - Kellen - do Subprojeto (PIBID), destaca sua nova visão sobre os povos
indígenas,

Minha visão sobre eles agora é de que independente se moram ou não na floresta, continuam sendo índios pertencentes a sua
etnia. Eles não deixam de ser índios por exercerem seus direitos de cidadãos, como o acesso à educação, que é um direito de
todos e dever do Estado proporcioná-la. (Entrevista concedida aos autores em 04.05.2019)

Para o outro bolsista entrevistado - João Paulo - tem ocorrido significativas mudanças.

Agora percebo que há a separação por etnias, grupos que mudam por estados, por exemplo, em Goiás temos nossa etnia, no
Mato Grosso temos outras, assim como temos outras em Minas Gerais. Tenho uma visão melhor e posso falar com mais cer-
teza sobre os povos indígenas, índios são povos que perdem muito seus direitos, são pouco valorizados e que carecem de sua
devida atenção, um povo bastante esquecido. O que vemos de índio hoje se resume bastante em festa de escola, que se coloca um
cocar, uma pena, um arco e uma flecha e pronto, este é o índio. Desta forma, ao longo do projeto do PIBID pude perceber que
essa é uma visão bastante errada, índio vai além de um cocar, ser índio vai além de usar arco e flecha, é um povo guerreiro que
luta por suas terras, causas e pelo seu povo. Pude ter uma visão melhorada de um povo forte, guerreiro, batalhador, um povo
que luta, e ele luta para ter seus direitos, ser reconhecido, luta para ser livre, ele luta para ser índio (grifo nosso). (Entrevista
concedida aos autores em 06.05.2019).

Em virtude do estudo realizado no espaço do Subprojeto do PIBID, rompe-se com a ideia de que estes povos
vivem presos a uma cultura estática, sem mudanças. Passando a percebê-los como seres em constante transformação,
reconhecendo que os mesmos encontram-se em constante processo de atualização - podem viver nas cidades ou nas
aldeias - não deixam de ser indígena. Desta forma, esses se mostram cada vez mais como povos em um constante
processo de afirmação identidária. Por fim, reconhecendo-os como povos diversos, como plural, uma grande multi-
plicidade.

CONCLUSÃO

Portanto, é interessante ressaltar que os povos indígenas são grandes representantes da força de resistência
cultural em nosso país. Afinal, passaram por um longo processo de transformação e reformulação de sua cultura, de
seus mitos e de sua cosmologia. Conquanto, utilizaram de todo processo de aculturação como forma de resistência,
tanto de manterem-se vivos, quanto de preservar seus hábitos culturais no inconsciente coletivo.
Os povos indígenas, nas últimas décadas, passam a reassumir e recriar suas tradições e costumes, com a finali-
dade de ‘reviver’ as tradições culturais de seus antepassados, mantendo-se intimamente ligados aos seus territórios e
à identidade étnica, sendo esse processo denominado de etnogênse.
Toda essa compreensão nos foi apresentada pelas leituras realizadas no espaço do Subprojeto do PIBID, contri-
buindo assim para ressignificar o olhar dos bolsistas sobre estes povos, suas culturas e identidades.

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(D)e História Indígena. Belo Horizonte/MG: Autêntica Editora, 2015, p.9- 20.

392
A ORGANIZAÇÃO E A NORMALIZAÇÃO DO
ENSINO MÉDIO NO BRASIL: A DISCIPLINARIZAÇÃO
DAS CIÊNCIAS SOCIAIS (1961 A 1971)

Nivaldo Corrêa Tenório - UFMS1

Em 20 de dezembro de 1961 era promulgada a Lei nº 4.024, que fixava as Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal. Era o documento final, gerado através intensos debates que transpunham o ambiente parlamentar, iniciado em
1948, pelo então Ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani, que enviara nesse ano ao Congresso Nacional o
projeto de lei que visava reformar o sistema educacional brasileiro. Seria o cumprimento, já em atraso, da Constitui-
ção Federal de 1946, e que já constava da Constituição Federal de 1934.
Segundo (NUNES, 1999, p. 121), inúmeras foram as reformulações sofridas pelo documento original no decor-
rer dos debates parlamentares. Sendo que nas discussões estabelecidas não se buscou adequá-la às condições estrutu-
rais brasileiras, recaindo basicamente no confronto entre a Escola Pública e a Privada. Ou seja, os defensores da escola
pública destacando-se, entre outros, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, em contraposição aos
que apoiavam e defendiam a privatização da escola, sendo liderados por Carlos Lacerda.
Deste modo o projeto de Clemente Mariani em seu caminho percorrido até ser referendado pelo Presidente
João Goulart sofreu profundos cortes que o descaracterizaram profundamente. Por isso, o poder transformador que
se vislumbrava com a LDB de 1961, foi quase que aniquilado.
Não podemos reduzir os problemas relevantes do ensino à problemática técnica, pois desse modo, desconsi-
deraríamos os conflitos de interesses que nele sempre estiveram presentes. Em se tratando das mudanças que seriam
operadas no âmbito da organização curricular nos níveis de ensino, nas escolas brasileiras, essa diretriz educacional
merece destaque.
O currículo, quando apresentado em seu conteúdo e formas, é uma opção historicamente configurada, que foi
solidificada em uma trama cultural, política, social e escolar carregada de valores e pressupostos que é preciso decifrar.
Ao analisarmos o artigo 1º da LDB, percebemos as possíveis premissas de sua finalidade:

Art. 1° - A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
fim:
a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos
que compõem a comunidade;
b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem;
c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional;
d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum;
e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permi-
tam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio;
f) a preservação e expansão do patrimônio cultural ;
g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem
como a quais quer preconceitos de classes ou de raça. (BRASIL, LDB, 1961)

Diante desses princípios constatamos que houve a proposição de construção de uma política do conhecimento
oficial (APPLE, 1995, p. 60), isto é, uma política governamental que determinava que disciplinas e conteúdos que
seriam, ou não, oferecidos, além de delinear que tipo de formação se desejava inculcar a esta sociedade.
A escola média brasileira, sempre foi um dos pontos nevrálgicos dos problemas do sistema escolar brasileiro
(PILOTTO, 1966, p. 102), e a LDB de 1961, propiciou a introdução de inúmeras modificações em sua estrutura. Con-

393
tudo, não foram suficientes para que a Escola Média fosse contemplada com soluções para os problemas nos quais
estava assentada.
O currículo prescrito para o Ensino Médio seria contemplado no artigo 35, com indicações de Disciplinas e das
Práticas Educativas, obrigatórias e optativas. As disciplinas denominadas Ciências Sociais, também seriam contem-
pladas por esse artigo da Lei.
Em análise do artigo 35 e do Parecer n° 131 aprovado em 30 de julho de 1962, o Relator Cândido Padim
ressaltava a importância dos cursos de grau médio, que exigiam do educando a assimilação dos conhecimentos sis-
tematizados necessários a uma maior interpretação do mundo do qual fazia parte. Bem como, o introduzia em uma
futura atividade produtiva; como também através das disciplinas e práticas educativas se buscava uma maturação da
personalidade do educando fazendo-o, “despertar para o mundo dos valores e a integração dos mesmos nos hábitos
da vida” (PARECER n°131, 1962).
O mesmo Parecer registrava a importância da terminologia “disciplinas”, que denominava as atividades escola-
res destinadas à assimilação de conhecimentos sistematizados e progressivos. Esses conhecimentos seriam repassados
aos educandos de forma dosada, e por isso, assimilados de forma que fosse passível de mensuração, sendo esse um
pré-requisito para o prosseguimento nos estudos. Quanto às práticas educativas, a serem exercidas pelas Instituições
de Ensino, estas, deveriam abranger as necessidades dos adolescentes no que respeitasse à ordem física, artística, cí-
vica, moral e religiosa.
Segundo (TENÓRIO, 2009, p. 26) diante das indicações curriculares feitas pelo Conselho Federal de Educação
(CFE), já que o art. 35, §1º e §2º imputava tal função, a Diretoria do Ensino Secundário enviou a Circular nº 1/62,
intitulada “Instruções da Diretoria do Ensino Secundário”. Essa Circular iria direcionar quais disciplinas escolares
seriam destinadas aos ciclos Ginasial e Colegial, e como estariam dispostas as disciplinas denominadas de Ciências
Sociais sob as nomenclaturas (Organização Social e Política Brasileira, Geografia, Geografia do Brasil, História, Estu-
dos Sociais e Educação Cívica). A Circular, ainda determinava que o ensino da disciplina Organização Social e Polí-
tica Brasileira (OSPB) poderia ser ministrado, provisoriamente, por professores licenciados em Ciências Sociais, ou
registrados em Geografia ou História. Estabelecia ainda, em seu item 13, que o ensino da História e da Geografia do
Brasil, devia propiciar uma suficiente interpretação de seu País e um “sentido de integração na civilização brasileira”.
Em seu item 15, tornava a disciplina Estudos Sociais, optativa no ciclo ginasial.
Já o artigo 38 que tratava da organização do ensino de grau médio normalizava e enfatizava em seu item III, a
formação moral e Cívica do educando. Destacamos que, a partir do Golpe Militar no Brasil (1964), foram emitidos
diversos Pareceres do Conselho Federal de Educação acerca do papel e importância da disciplina de Educação Moral
Cívica, para a formação do cidadão. Sendo que, a ênfase ao patriotismo e nos deveres cívicos transformou-se em um
discurso ideológico e num instrumento de manutenção, bem como imposição da ordem, nesse período (ZOTTI,
2004, p. 149).
Sendo assim, é aprovado em 30 de abril de 1964, o Parecer 117, cujo relator foi o Cândito Padin, destacando
ser o Parecer uma resposta ao pedido formulado, principalmente, por entidades cívicas feministas, no sentido de ser
estabelecida a Educação Moral e Cívica nos estabelecimentos de grau médio. O qual o Parecer destaca:

[...] a desejada educação moral e cívica dos educandos dependerá, principalmente, do ambiente em que viverem
e se desenvolverem, tanto na escola, como na família e na comunidade local. Cabe aos pais, no desejado entro-
samento com a escola, acompanhar o transcurso das atividades dos seus filhos, dentro e fora do regime escolar,
acertando, como os educadores, uma atuação complementar e harmoniosa em benefício do educando. (PARECER
117, 1964)

Afim de referendar o Parecer 117, e ao mesmo tempo fortalecer, o que estabelecia o artigo 38, Inciso III da
Lei Diretrizes e Bases de 1961, que entre outras pautas, destacava a Educação Moral e Cívica do educando. É apro-
vado em 05 de junho de 1964 o Parecer n° 136, o qual o relator Celso Kelly, destaca que a Educação Moral e Cívica
decorre da ação educativa da escola, considerada em todas as suas possibilidades e recursos. Já que a formação moral
e cívica seria objetivo das escolas em todos os graus. E ainda salienta que a formação moral e cívica não fica isenta da

394
influência de órgãos formadores de opinião pública, como rádio, televisão e cinema, e que a família devia cooperar
com esta formação.
Ainda, no mesmo Parecer, ressalta que valores negativos ou contrários à Educação Moral e Cívica, instituída
pelo Conselho Federal de Educação (CFE). Cita como possível valor negativo, o não cumprimento dos deveres por
parte da administração do ensino, da direção escolar, dos professores, do corpo administrativo e do corpo discente.
Coloca como primeira recomendação ao CFE afastar esses e quaisquer outros fatores negativos, que venham a se
tornar um empecilho à formação Moral e Cívica do educando.
Sua segunda recomendação é no sentido de que o Ministério de Educação e Cultura (MEC), promova edições
de compêndios de Organização Social e Política Brasileira, de Estudos Brasileiros e biografias de grandes vultos na-
cionais (na concepção do CFE). Acresce-se a isso a utilização dos serviços de rádio-difusão educativa, do Instituto
Nacional do Cinema Educativo e de similares, nos Estados, bem como as empresas privadas, mediante convênios.
Retomando a LDB/61, destacamos a disciplina de Ensino Religioso, a qual se juntava ao rol de disciplinas que
faziam parte das chamadas “Ciências Sociais”, e iria figurar na LDB 4.024/61 no item Disposições Gerais e Transitó-
rias, art. 97, embora fosse uma disciplina de matrícula facultativa, era ministrada nos horários normais das atividades
educativas. Assim se tornava praticamente obrigatória na prática, nos estabelecimentos de ensino nas quais eram
oferecidos. Já que, os educandos não eram informados sobre a possibilidade de dispensa da disciplina. Destacamos
que o período por nós pesquisado de 1961 – 1971, foi marcado pela tomada de poder no Brasil pelos militares em
1964. Assim todas as ações propostas para o ensino, tinham a intenção de demarcar impor a ideologia que estava no
poder. Como nos aponta (FISCHMANN, 2003, p. sd).

A ditadura militar impusera disciplinas como “Educação Moral e Cívica”, “Organização Social e Política do Brasil”,
“Estudo de Problemas Brasileiros” a estudantes calados pelo AI-5 e pelo Decreto n.477. Misturavam-se nos progra-
mas, aulas e livros, sem qualquer prurido, noções da divindade cristã com a de certo patriotismo estreito, servil e
tendencialmente xenófobo. A exemplo de Getúlio Vargas, interessava aos militares, e aqueles que se beneficiaram
do regime por eles imposto, jogar o sagrado para uma zona nebulosa, onde se confundissem os referenciais do
cidadão, então tolhido, com o do ser que crê no Absoluto – e, quem sabe, dispensa seus direitos civis.

No início da década de 1970, o Ministério da Educação e Cultura em conjunto com a Comissão Nacional de
Moral e Civismo (CNMC), lança em fevereiro de 1970 o documento intitulado “Educação Moral e Cívica”. O docu-
mento referendava o Parecer nº 101/70 aprovado pelas Câmaras Reunidas do Ensino Primário e Médio e Ensino
Superior. Esse parecer tratava da obrigatoriedade da inserção da disciplina Educação Moral e Cívica nos currículos
das instituições de ensino, nos três níveis de ensino, definido pelo Decreto-Lei nº 869 de 12 de setembro de 1969.
Um fator importante para a definitiva implantação da disciplina Educação Moral e Cívica, nos currículos pres-
critos aos diversos graus de ensino, se deve a pressão exercida pelo Governo Militar no CFE. E a “radicalização do
processo político”, da qual o Ato Institucional n. 5, foi sua expressão máxima, propiciando a aprovação de um projeto,
que constituiu a matriz do Decreto-Lei n.869/69, baixado pela junta militar. Em decorrência desse ato jurídico-políti-
co, a Educação Moral e Cívica tornou-se obrigatória em todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino do País.
Quanto às suas finalidades, estas “representavam uma sólida fusão do pensamento reacionário, do catolicismo con-
servador e da doutrina de segurança nacional, conforme era concebida pela Escola Superior de Guerra”. (CUNHA,
2007, p. 295)
O Decreto-Lei 869, de 1969, era claro em seus direcionamentos, ao determinar a inclusão da disciplina Educa-
ção Moral e Cívica, de forma obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País.
Essa inclusão no Ensino Médio se daria pela disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB). O êxito da
iniciativa da inclusão da Moral e Cívica nos diversos graus de ensino dependeria, em grande parte, do cumprimento
do art. 3º, do Decreto-Lei 869/69, que destaca: “seria a Educação Moral e Cívica ministrada levando-se em conta a
idade do educando, os estudos que faz, o meio em que vive, bem como os problemas de sua comunidade”.
As bases filosóficas da Educação Moral e Cívica, contidas no art. 2º do Decreto-Lei 869/69, reproduziam, em
sua maior parte, as finalidades constantes da LDB de 1961, com ênfase à parte que destacava: “a defesa do princípio
democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com

395
responsabilidade se processe sob inspiração de Deus”. E isto significava dizer que, os valores espirituais ocupariam a
Educação Moral e Cívica, fazendo oposição a quaisquer orientações seculares (TENÓRIO, 2009, p. 36).
Nesse período, o Estado se opunha a toda forma de pensamento contrário as suas determinações político-filo-
sóficas, principalmente as de orientação marxista. Quanto à forma como era vista a Educação pelo regime ditatorial,
bem como, esta colocava seu ideário e seus direcionamentos, (FILGUEIRAS, 2006, p. 3377-3378) nos orienta:

Os militares utilizaram a educação de forma estratégica, controlando-a política e ideologicamente. A concepção de


educação do regime militar estava centrada na formação de capital humano, em atendimento às necessidades do
mercado e da produção. A escola era considerada uma das grandes difusoras da nova mentalidade a ser inculcada
- da formação de um espírito nacional. A reforma do ensino propôs um modelo de socialização, que tinha como
estratégia educar as crianças e os jovens nos valores e no universo moral conformando os comportamentos do
homem, da mulher e o vínculo familiar. A discussão em torno do civismo era uma das grandes preocupações dos
militares. O cidadão fazia parte de um organismo maior e precisava realizar a sua parte para o melhor funciona-
mento e crescimento desse organismo, cada um tinha o seu papel. Era preciso um projeto de mobilização nacional,
para a construção de um Estado forte e harmonioso.

Destacamos que a institucionalização da disciplina Educação Moral e Cívica (EMC) pelo Regime Militar, pro-
curava de acordo suas convicções, criar um ideário patriótico, com uma nação forte, ressaltando os valores da moral,
da família, da religião, da fé e da defesa da Pátria.
Durante este período, vários outros documentos oficiais versaram sobre as bases ideológicas que a disciplina
Educação Moral e Cívica devia seguir. Podemos citar os direcionamentos emanados nos documentos e orientações
da Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC), instituída em dezembro de 1969. A Seguir:

[...] aspectos deficientes da Educação Moral e Cívica, nas últimas décadas, devem ser atribuídos à aceitação do
neutralismo no campo moral. Disso resultou o avanço do materialismo, impulsionado por ideologias estranhas às
aspirações dos brasileiros e aos interesses da Nação. Conseqüentemente, o Decreto-lei 869/69 fixou bases filosófi-
co-teístas, aconfessionais, à Educação Moral e Cívica, mantendo fidelidade à Constituição do Brasil (Preâmbulo)
e dando alicerces à democracia brasileira. Desse modo, orientou e favoreceu a ação dos educadores na formação
de circunstâncias para a criação, pelo educando, de valores subjetivos, imutáveis, imprescindíveis à vitalidade das
instituições que integram a Pátria, tais como, Família, Escola, Justiça. Igrejas, Forças Armadas. Permitiu que o
desenvolvimento econômico-social desejado tenha bases no desenvolvimento espiritual e moral tão necessário no
indivíduo e na sociedade. (CNMC, 1970, p. 8)

Destaca-se que o referido Documento emitido pelo CNMC tinha a função de fixar os programas básicos da
disciplina Educação Moral e Cívica. Esses programas visavam, segundo o Documento, à formação ou o aperfeiço-
amento do caráter do brasileiro, bem como prepará-lo para o perfeito exercício da cidadania democrática, com o
fortalecimento de valores espirituais e morais da nacionalidade (TENÓRIO, 2009, p. 40).
Para tanto os pressupostos básicos estabelecidos pela CNMC eram:
a) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e morais;
b) a defesa do espírito democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa
humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob inspiração de Deus;
c) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;
d) a formação no indivíduo de hábitos de conduta conforme a lei moral;
e) o fortalecimento da unidade nacional, e do sentimento de solidariedade humana;
f) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e aos grandes vultos da sua história;
g) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-
-econômica do País, com vista à participação no processo do seu desenvolvimento integral, espiritual,
moral e material, do indivíduo e da sociedade;

396
h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade;
i) o fortalecimento do espírito democrático, de modo a preservá-lo de ideologias materialistas contrárias
às aspirações dos brasileiros e aos interesses nacionais;
j) e o preparo do cidadão, inclusive o da Mulher, para o exercício das atividades cívicas com fundamento
no caráter no patriotismo e na ação construtiva visando o bem comum. (CNMC, 1970, p.. 09)

Assim o programa da disciplina EMC, vinha ao encontro dos anseios e das determinações estipuladas pelo Go-
verno Militar. Essa idéia se alimentava do enaltecimento da Pátria, bem como de seus símbolos e vultos da história,
ao mesmo tempo em que determinava que a disciplina Educação Moral e Cívica, devia inculcar no educando uma
repulsa as ideologias materialistas (no caso, comunistas), contrárias ao governo estabelecido.
O Documento da CNMC, ainda ressalta os ideais a serem atingidos com a disciplina de EMC. Destaca que o
Homem devia ser considerado como sendo constituído de espírito e matéria, e não apenas matéria. Sendo que essa
premissa o levaria a realizar-se como pessoa humana e, desse modo, o tornaria útil à sociedade e não bastava dizer em
livro de Educação Moral e Cívica, que se devia ser teísta e que a constituição da família originava deveres para com
a sociedade. Mas também que essa constituição originava deveres para com Deus, para com a consciência individual
e para com a sociedade. E ainda decretava que a Educação Moral e Cívica devia idealizar a Religião, a Moral e o Ci-
vismo como se formasse círculos concêntricos, sendo a Religião o círculo exterior, o médio o da Moral e o interior
o do Civismo. Desse modo, os deveres, direitos e atos cívicos fariam parte de grupos maiores de deveres, direitos e
atos morais, estando a moral vinculada aos princípios permanentes e originários de Deus (TENÓRIO, 2009, p. 42).
Destacamos que o Ensino Religioso tinha ligação direta com a Educação Moral e Cívica, pois ambas se pautava
por valores conservadores e pela “função de controle social, tanto no comportamento individual quanto na atuação
sociopolítica dos educandos” (CUNHA, 2007, p.281).
Vale ressaltar que a CNMC, destaca-se a forte interlocução com a religião, no qual coloca Deus, como sendo a
fonte de inspiração dos princípios de civismo a serem abordados pela disciplina Educação Moral e Cívica nos estabe-
lecimentos escolares, bem como a serem abordados em todos os setores da sociedade. Conforme podemos verificar
no Documento emitido pela CNMC, a seguir:

[...] o conceito de civismo deve ter em vista os três aspectos fundamentais – CARÁTER, PATRIOTISMO e AÇÃO.
Caráter- com base na moral, originária da ética, tendo por fonte Deus (Constituição do Brasil, Preâmbulo). Amor
à Pátria – e às suas tradições, com capacidade de renúncia. Ação – intensa e permanente em benefício do Brasil.
(CNMC, 1970, p.12, grifos do autor).

Ainda sobre o Documento da CNMC/1970, em seu capítulo III sobre os Programas Básicos da Disciplina
Educação Moral e Cívica, que deviam ser direcionados aos diferentes graus de Ensino: Programa Básico no Ensino
Primário; Programa Básico do Ensino Médio; e Programa Básico no Ensino Superior. No nosso caso abordaremos
somente os direcionamentos para o Ensino Médio. Visto que, este grau de ensino é o foco de nossa pesquisa.
O programa Básico do Ensino Médio, da disciplina de Educação Moral e Cívica orientado pela CNMC, define
que para o educando ter um melhor entendimento sobre as questões levantadas, devia se levar em conta sua idade.
Quanto aos objetivos dos tópicos curriculares a CNMC definia que a disciplina Educação Moral e Cívica para
o Ciclo Ginasial do Ensino Médio, devia: levar à compreensão da harmonia do universo, Deus e o mundo, o criador
e a criatura; focalizar o espírito religioso do brasileiro, consequentemente, sua compreensão da dignidade do homem
e do amor à liberdade; fazer com que o educando, compreendesse a necessidade de vincular a Moral à Religião; mos-
trar que as instituições são o alicerce da nacionalidade, sendo estas instituições: a Família, a Religião, a Justiça, as
Forças Armadas e a Pátria; levar ao entendimento de que a liberdade é vinculada à responsabilidade, podendo esta
ser obtida através da consciência, inspirada em valores permanentes (anteriormente explicitados). Já para o Ciclo
Colegial do Ensino Médio tem-se como objetivos: fazer com que o educando compreendesse o significado da Religião
na dignificação do ser humano, bem como, no estabelecimento das bases da Moral; ministrar noções de axiologia,
ou seja, teorizar sobre as questões morais e éticas; evidenciar o significado dos atos humanos, seus fins e moralidade;

397
mostrar que as instituições alicerçam a Nação e a Pátria (tendo como instituições: Família, Religião, Justiça e Forças
Armadas); fazer compreender os direitos e deveres morais do homem; demonstrar a necessidade do equilíbrio entre
a autoridade e a liberdade com responsabilidade (TENÓRIO, 2009, p. 47).
O que podemos notar, com as perspectivas a serem alcançadas com os tópicos curriculares dispostos para a
disciplina de Educação Moral e Cívica, é que estavam direcionadas a inculcarem aos educandos a forma, bem como
o modelo sócio-político daquele período histórico, pelo qual o Brasil passava (Governo Militar). Os donatários do
poder utilizariam a disciplina Educação Moral e Cívica para repassar e fortalecer sua ideologia.
Ao procedermos à análise sobre os conteúdos escolhidos e determinados por meio das Orientações expressas
pelo CNMC, para a disciplina Educação Moral e Cívica, notamos que eles foram elaborados de forma a doutrinar o
educando nas bases e orientações políticas e sociais vigentes. Notamos também, que os conteúdos dispostos faziam
parte de outras disciplinas ligadas às Ciências Sociais, como: Geografia, História e Sociologia. E que estas disciplinas
são raramente citadas na LDB 4.024/61, e, Pareceres e Resoluções do CFE, em contraponto, a outras disciplinas liga-
das às Ciências Sociais, como é o caso da: Educação Moral e Cívica; Organização Social e Política Brasileira; e Ensino
Religioso. Porém, estavam sujeitas e sofriam diretamente a imposição de conteúdos programáticos e direcionamen-
tos ideológicos, através dos livros didáticos a elas orientados e/ou determinados.
Nos anos de 1970, em cumprimento ao Decreto nº 66.600, de 20 de maio de 1970, instituiu-se no Ministério da
Educação um Grupo de Trabalho (GT) que tinha como incumbência, realizar estudos e propor medidas à elaboração
de uma nova Legislação educacional. Entra em vigor em 11 de agosto de 1971 a Lei n° 5.692, que fixava as Diretrizes
e Bases para o ensino do 1° e 2° graus. A lei 5692/71, vinha desse modo, vincular o ensino médio à profissionalização.
Já que determinava a este, a formação de mão-de-obra especializada à indústria e ao comércio, servindo aos interesses
capitalistas de então.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando pensamos num currículo prescrito servindo como instrumento de imposição de uma ideologia e de
um ideário político, não podemos deixar de pensar o contexto no qual este se configura, bem como, as condições nas
quais se desenvolve. Visto que, “é um objeto social e histórico”, e possui características dentro desse sistema educati-
vo. (SACRISTÁN, 2000, p.107).
Lembramos que os livros de Educação Moral e Cívica; Moral; Civismo; OSPB; entre outras nomenclaturas
– que disciplinarizaram as Ciências Sociais destinados a instituições de ensino passavam por rigoroso controle e fis-
calização dos órgãos ligados à repressão intelectual executada pelo Governo Federal da época. Os quais tinham como
seus pressupostos fundamentais, barrar qualquer meio de comunicação (onde se enquadravam os livros didáticos),
que fossem contrários à ordem estabelecida de então. Desse modo, os livros didáticos relativos às Ciências Sociais
assim como suas diversas denominações curriculares, eram manipulados para servir, bem como propagar os ideais
expostos por esse regime político.

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399
A PRÁTICA EDUCATIVA EM CÉLESTIN FREINET

Eduardo Moreira Marques – FacMais - MG

Este trabalho resultou de uma pesquisa bibliográfica sobre a vida e a obra do educador Célestin Freinet (1896-
1966), tendo como orientações metodológicas as proposições formuladas no âmbito da História Política que reto-
mam a narrativa biográfica como possibilidade de escrita da história. Freinet foi um educador francês, comunista,
um dos precursores do movimento da escola nova que fundamenta-se no princípio de que a o educando é a chave
central do processo educativo. Com base neste princípio, propôs um ensino que tivesse a atividade como fonte nor-
teadora da prática escolar, com objetivo de uma formação que preparasse o aluno para o trabalho livre, criativo e
emancipador. Por conseguinte, de acordo com o Freinet, no ambiente de aprendizagem, o professor é o mediador,
o mobilizador das crianças a fazerem experimentos em busca de respostas às indagações que vão ao encontro da
superação de suas dificuldades, desencadeando suas motivações internas para o aprender. Freinet, foi comunista e
atuou como professor na zona rural francesa, desenvolveu ideias de uma escola popular, partindo do pressuposto de
que o conhecimento inicia-se a partir do nascimento da criança e não a partir da sua idade da razão. Freinet, quando
prisioneiro na segunda guerra mundial utilizou-se desse tempo para elaborar grande parte de sua obra, como grande
mentor das ideias base da pedagogia que estivesse voltada para as classes desfavorecidas, com a finalidade de propiciar
meios democráticos para o desenvolvimento de uma escola moderna e inserida na realidade do aluno. Os principais
marcos de sua trajetória como professor e intelectual foi utilizar como metodologia ouvir e registrar as falas dos seus
educandos, seus desejos, comportamentos e sentimentos diante dos sucessos e insucessos. Propôs como método
um ensino que priorizasse o indivíduo e sua diversidade, sem submeter os educandos a mecanismos pré-estabele-
cidas para a formação do cidadão, o ensino deveria ser voltado para sua realidade cotidiana, demonstrando que por
meio das experiências os alunos conseguem contribuir com informações importantes aos seus docentes e ajudar no
aperfeiçoamento de suas técnicas, didáticas e práticas pedagógicas para uma escola moderna e nova. Com base neste
princípio propôs um ensino que tivesse a atividade como fonte norteadora de toda prática escolar, com a finalidade
de proporcionar uma formação onde os cidadãos estivessem preparados para o trabalho livre e criativo. Assim, deste
estudo da história intelectual de Célestin resulta o entendimento de que este educador atuou com precursor do ensino
ativo e nisto reside a importância de estudos sobre seus postulados educacionais.
Palavras Chave: educação. aprendizagem. sujeito ativo.

O presente trabalho é o resultado da pesquisa bibliográfica sobre a vida e obra do educador Célestin Freinet
(1896-1966). O grande educador francês, comunista e precursor do movimento da escola nova. Freinet, nasceu no ano
de 1896 no sul da França, num vilarejo chamado Gars, na sua infância dedicou-se a profissão de pastor de rebanhos,
na Provença e depois de ter passado servindo o exército na I Guerra mundial e ter descoberto que essa não seria sua
missão decidiu que seria professor da escola primária e trabalharia muito para que pudesse contribuir na formação
de outros cidadãos.
Em 1920, numa pequena cidade de nome Bar-sur-Loup, Freinet, inicia suas atividades na vida escolar especial-
mente ministrando aulas numa escola instalada que funcionava em uma casa de característica humilde e simples. O
lugar era muito pobre e escuro, com carteiras em mau estado e sem muitas condições de uso. Neste tempo sem muita
experiência na vida pedagógica, mas com motivação de poder investir nessa missão de ensinar, teve como propósito
de trabalho respeitar o modo como as crianças agiam e utilizou de suas habilidades adquiridas na vida de pastor de
rebanhos para que pudesse contribuir na vida acadêmica.
Como método de trabalho registrava diariamente o que se ouvia de seus alunos, e como eles se comportavam
diante das situações, os sucessos e fracassos vivenciados por eles, desse modo, ele criou um modelo onde pudesse

400
descobrir os interesses, os problemas, as opiniões e a personalidade de cada criança com o objetivo de traçar melhores
formas de relacionar com seus alunos e melhorar sua prática com o docente.
Com a observação de seus alunos, sua missão foi fazer com que a escola fosse um lugar central para as ativida-
des, em que estivesse presente a relação e o diálogo permanente entre o ambiente onde as crianças estavam inserida,
e utilizar dessa experiencia como modelo para o aperfeiçoamento do ensino, levando em conta o pensamento ativo
da criança com a finalidade de desenvolver os interesses da criança e de sua formação social.
Estando Freinet, constantemente no ambiente de sala de aula notou, que dentro da sala de aula ainda faltava
algo que motivasse as crianças a permanecerem sentadas e sentisse interesse pelo aprendizado, verificou-se que quan-
do as crianças estavam em sala o seu maior desejo era estar lá fora, por este motivo decidiu experimentar leva-los para
um lugar onde eles se sentiam felizes e livres, por isso começou a organizar “aula-passeio”, ou seja, levar os alunos
para terem contato com a natureza e este contato traria para o ambiente da sala de aula novo modelo de relacionar
com o conhecimento. Está experiencia fez com que cada criança conforme sua personalidade tivesse uma percepção
de mundo e de curiosidade, que após o retorno da aula passeio, o docente aguçava os alunos com aquilo que eles
haviam trazidos no bolso ou tinham vivenciado durante o passeio, ou seja trazia a realidade de fora para dentro do
ambiente de sala de aula.
De acordo com (Elias, 1997) sua proposta era inserir os alunos no seio da natureza onde eles possam desen-
volver várias inteligências e práticas escolares como ler, escrever contar e outras, com este método natural poderia
contribuir na melhoria da prática do docente.

Para ele, a questão metodológica é de exclusiva responsabilidade do professor, que com intuição e sensibilidade,
com equilíbrio, domínio e autoridade poderá, mesmo sem preparação especial, com poucos e simples materiais,
conseguir resultados satisfatórios. Basta saber coordenar, organizar os interesses das crianças, incentivar a desco-
berta e aguçar a curiosidade. O emprego do método pessoal ou da postura de quem quer aprender-sore o mundo,
os alunos, sobre si mesmo, rever a própria formação, escolástica e autoritária -será o primeiro passo para a mu-
dança. (ELIAS, 1997, p. 37)

Nesta perspectiva inicia Freinet a ideia de conceber que a criança nos seus primeiros anos escolares era capaz de
divulgar seus pensamentos próprios por meio da escrita simples e correta. Ele desenvolveu junto com as crianças que
trabalhava, a ideia de escrever sobre suas próprias ideias da forma como desejavam e após fazer a escrita eles faziam
a impressão do texto. Antes de decidirem de fazer a impressão de determinado texto eram feitos a seleção de deter-
minado texto escolhido pela sala. Tendo determinado algum texto especifico junto com todos, os alunos em trabalho
coletivo e cooperativo faziam a correção para que depois pudessem ser feito a impressão deste texto em especial.
Com essa atividade nota-se, que Freinet conseguia descobrir os problemas gramaticais para que em outro mo-
mento pudesse trabalhar em cima daquelas dificuldades apresentadas pelas crianças. O importante é notar que por
meio dessa atividade ele conseguia criar de algo individual trabalhado na ideia de um texto especifico em um produto
da coletividade da sala. Com essa iniciativa, dar início a troca dos manuais tradicionais por algo que estivesse mais
próximo da expressão das crianças, retirando as cartilhas que não levavam em consideração a vida das crianças por
algo que estimulasse a aprendizagem da leitura. Com esse método ele conseguiu aproximar da realidade das crianças
utilizando de frases do seu cotidiano que facilitava a compreensão, e fez com que a criança sentissem mais motivadas
e pudessem desenvolver nelas grandes índices de motivação valorizando o aprendizado da leitura e da escrita.
A relevância desse trabalho de Freinet, fez com que os alunos e professores pudessem expressar livremente suas
ideias e suas experiências, sem perder de vista o respeito pela criança que na concepção dele era mais importante do
que os grandes planos idealizados pelos grandes pedagogos. Essa prática Freinetiana, nos alerta que na prática docen-
te o professor precisa ter paciência e respeitar o tempo de construção do aluno, ter como ponto de fundo o crescimen-
to integral do educando de modo que seu exercício não seja superficial e não desenvolva nos alunos apenas o saber
como acúmulo de conhecimento, mas uma maneira de enfrentar a situação e depois analisar e melhorar sua prática.
Freinet, acreditava que adultos e crianças deveriam ter seu direito respeitados e garantidos, por isso a impor-
tância de desenvolver nos alunos a sede pelo conhecimento; estes devem sentir interesse pela descoberta do novo e o
professor deve possuir papel central na conscientização dos alunos (AMORIM; CASTRO; SILVA, 2012, p. 5)

401
Para as crianças, era preciso dar o direito de viver plenamente como criança, sob todos os aspectos. Era necessário
respeitá-la para que pudesse desenvolver suas capacidades e sua personalidade, sem afastar-se de uma finalidade
social e humana mais ampla. Freinet era acima de tudo um humanista. SAMPAIO, 1994, p. 45.

Freinet, dava muita importância ao respeito ao ser humano e essa expressão pode ser percebida por meio de
sua dedicação especial que tinha pelas crianças, com isso acreditava que com esse gesto estaria garantindo o movi-
mento das reações futuras das crianças e elas estariam prontas para defender não apenas o direito individuais, mas os
direitos de toda coletividade. Por este motivo faz necessário entender que o educador no ambiente da escola precisa
fazer referência ao ambiente em que a criança está inserida. De acordo com Elias (1997) refletindo sobre Freinet nos
apresenta que

A educação não é uma formula de escola, um verniz espalhado sobre o metal fundido. É uma obra que deve gravar
na criança por toda a vida, produzir marcas permanentes. Cabe à escola e ao professor oferecer modelos, estimular
experiências, criar uma atmosfera de trabalho, acompanhar e interpretar suas hipóteses pessoais, não reduzindo
sua ação a um ensino estreito, acanhado, exclusivamente escolar e individualista. Felizmente, dizia Freinet, a
criança fora das aulas retoma quase todos os seus direitos. ELIAS, 1997, p. 46.

Para Freinet, todo o conhecimento que deve ser adquirido pela criança só tem sentido e valor a partir do mo-
mento que o conhecimento apreendido em sala de aula estiver interligado as experiencias pessoais. Quando o educa-
dor conhece intimamente a criança ele consegue abrir as possibilidades do aprender, desenvolvendo ao máximo na
criança sua personalidade de acordo com as variáveis do meio em que a criança pertence. Freinet, quer que a criança
seja preparada para exercer seu papel de homem e de trabalhador ativo, o trabalho valoriza o individuo e transforma
em agente responsável pela sua comunidade. (ELIAS, 1997). A pedagogia de Freinet, surge com a finalidade de for-
talecer os alunos como agente autônomos, que possam responder por seus atos dentro da sociedade e valorizar sua
cultura e conhecimentos. Para que tudo isso aconteça é necessário amplificar a visão das crianças em torno da ideia do
trabalho e da cooperação, assim o dia a dia da criança é levado para o ambiente escolar para que possa ser recriado a
ideia e o conhecimento especifico por meio da troca das informações, com o fim de melhorar o pensamento sensível
para o lógico, por meio do tripé: realidade, mundo e vida, esses três pensamentos contribuem na implementação de
novas concepções teóricas e práticas.
As concepções freinetiana tem contribuído bastante na vida prática do docente, fazendo com que suas ativida-
des dentro da sala de aula sejam prazerosas e ao mesmo tempo significativa para as crianças. Aqui a figura do docente
está intimamente interligada com uma prática para a vivência de modo que as correlações possam estar presentes
para que sejam eficazes a cooperação e o respeito entre os membros da sala de aula. (AMORIM; CASTRO; SILVA,
2012). A proposta de tal pedagogia está estruturada nos princípios da educação e trabalho, as experiencias dos alunos
são o norte para o trabalho docente no ambiente de sala de aula. Para Freinet, o ensino deveria unir-se ao trabalho
prático e manual, a educação deveria dedica-se a instrução. O trabalho de acordo com Freinet é a principal base para
a harmonia social perpassando pela harmonia do indivíduo, desse modo os métodos a serem utilizado no ambiente
da sala de aula devem ser pensado por meio de planos de trabalho, criação e confecção de materiais juntamente com
os alunos para que possam estreitar a relação entre docente e discentes.
A pedagogia freinetiana base em três grandes princípios sendo o primeiro a troca de experiência entre profes-
sor e alunos, a observação do docente sobre a realidade do educando faz com que o que é vivenciado pelo aluno na sua
realidade cotidiana contribua para entender a dinâmica do aluno dentro do ambiente da sala de aula, levando sempre
em consideração suas potencialidades no desenvolvidas na interação social. O segundo princípio parte da ideia de
que a aprendizagem acontece a partir do momento que as crianças fazem a elaboração de suas hipóteses e após a sua
contestação elas podem se tornar uma assimilação concreta do conhecimento que foi iniciado pela hipótese. Por este
meio, o tateamento realizado pelos alunos pode ser analisado e investigado como fonte de informação e produção de
novos conhecimentos. O terceiro princípio parte da ideia da cooperação. Por meio da relação intrínseca do professor
e aluno os dois conseguem relacionar e desenvolver as habilidades e competências que devem ser valorizadas para
obtenção do conhecimento. A liberdade entre as duas figuras contribui para que a troca de experiencia e conhecimen-

402
tos sejam eficazes no processo de aprendizagem, assim os educandos conseguem atribuir significados ao que deve ser
aprendido e formulam rápido a ideia de valores e atitudes do sujeito envolvido. Nessa concepção Freinet, implantou
a ideia de “tempo livre” como meio alternativo para criança ocupa-se de algo útil podendo a criança escolher com
autonomia o que ela poderia fazer.
A ideia de livre expressão surge como um novo princípio para que a criança possa ser capaz de expressar suas
emoções, sentimentos, ideias e conhecimentos prévio sobre as coisas reais e dar significado a elas. No momento em
que as crianças sentem confiança com o ambiente em que está inserida torna-se possível o crescimento e evolução de
suas potencialidades.
A ideia do educador possibilita entender que no método pensado por Freinet desenvolve uma consciência
politica e não leva em consideração a manipulação do homem. As aulas pensadas no modelo freinetiano tem como
princípio a contribuição para o desenvolvimento da criança, seu pensamento crítico por meio de uma expressão livre
que leve em consideração a criatividade e a liberdade de ideias e expressão do educando, utilizando de palavras, gestos
e sua realidade do dia a dia para construir um caminho consciente.
Nas ideias de acordo com Freinet, a pesquisa do educando e do docente é muito importante para a aprendiza-
gem, para que esse processo de ensino aconteça é necessário que o professor saiba pensar e colocar em dúvidas suas
certezas e verdades com a finalidade de aprender um conhecimento que já existe e aquele que surge com a sua inves-
tigação. O diálogo e a cooperação entre aluno e docente são os meios pelos quais Freinet toma como prática primor-
dial para o ambiente de sala de aula, está prática possibilita uma problematização que inicia com a compreensão da
realidade e transformação do que é apreendido com o meio que a criança está inserida. Portanto, é neste ambiente que
faz necessário a prática do método ativo do ensino. A concepção freinetiana acredita que os procedimentos naturais
de ensino, demonstram que a criança de modo gradativo em sua relação constante com suas necessidades próprias e
individuais fazem com que os direitos do cidadão possam ser respeitados no aspecto político e social.
Com as práticas reflexiva nota-se que o docente conseguirá implantar maneiras diferentes que pudesse situar
os alunos como agente e sujeitos históricos e sociais de seu próprio conhecimento. O método freinetiano permite
manter o educando ligado aos ideais humanos, políticos e formativos, acreditava que a criança vivenciando o fracasso
com o auxílio do docente conseguiria superar o erro e por meio das implicações afetivas conseguiria entender toda
sua potencialidades numa relação constante entre ação e pensamento, teoria e prática.

REFERÊNCIAS

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Práticas Pedagógicas De Cèlestin Freinet E Paulo Freire. Campina Grande: REALIZE Editora, 2012.
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SAMPAIO, Rosa Maria Whitker Ferreira. Freinet evolução histórica e atualidades. São Paulo – SP: Editora Scipione, 1994.

403
A PRESENÇA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA IMPRENSA EM CAMPO
GRANDE NA DÉCADA DE 1930

Shirley Ferreira Marinho Silva1


Marcus Wagner Antunes Loureiro2

O texto, fragmento de minha dissertação de mestrado3, objetiva apresentar os movimentos de incentivo às


práticas corporais4 na cidade de Campo Grande, localizado ao sul do estado de Mato Grosso (MT) uno, e sua preo-
cupação com a saúde por meio da educação física na década de 1930, aliado ao discurso de modernidade, no cenário
de transformações socioculturais, caracterizando um novo processo de civilização em convergência com o projeto
Varguista, tendo como fonte principal a Revista Mensal Ilustrada Folha da Serra, publicada na mesma cidade. Anali-
samos as atividades que envolviam movimento corporal, sua importância e incentivo à prática como esporte, dança e
ginástica, indicando a presença da Educação Física da época e inseridas em diferentes espaços sociais. A Revista estava
alinhada ao modelo de educação do corpo almejado na década de 1930, que pretendia educar corpos disciplinados,
ordenados e dóceis, capazes de produzir progresso econômico, político e cultural, o que supostamente colocaria o
Brasil no rol dos países mais desenvolvidos.

INTRODUÇÃO

Considerando que o movimento higienista pretendia não apenas melhorar a saúde da nação, mas também
expandir a gama de conhecimentos e práticas, advindas de uma nova forma de pensar e sentir, comum na década
de 1930, podemos afirmar que se instaura em Campo Grande uma visão de progresso pautada na urbanização e no
sanitarismo, que molda e transforma o espaço e também influencia corpos e mentes por meio de ideais de desenvolvi-
mento. Por intermédio da educação física e dos cuidados com a saúde, foi possível perceber o modelo de cidadão que
a sociedade desejava: limpo, forte e vigoroso. Tal pretensão se dirigia ao encontro das expectativas dos médicos em
formar cidadãos nos princípios da higiene e da eugenia. O discurso político da época almejava cidadãos civilizados,
disciplinados, trabalhadores e resistentes, que fossem responsáveis pelo progresso do Brasil, e para isso apropriava-se
do conhecimento “científico” da época, ainda sob tutela médica.
Com o crescimento da cidade de Campo Grande e como parte do processo de saneamento aliado à moderniza-
ção, muitas práticas corporais baseadas nos esportes, saúde e lazer passaram a compor diversos ambientes e contextos
campo-grandenses, como se observa nos conteúdos presentes e veiculados na RFS. A presença das práticas corporais,
de esportes nas páginas da RFS, vistos como elementos formadores de campo-grandenses modernos e saudáveis.
A Revista Mensal Ilustrada Folha da Serra, foi um periódico publicado mensalmente em Campo Grande, no sul
de Mato Grosso uno, no período de outubro de 1931 a dezembro de 1940. O nome da revista fazia alusão à Serra de
Maracaju, incidente geográfico que dividia o MT em dois biomas, o Cerrado e o Pantanal. O periódico projetava o

1 Professora efetiva de Educação Física da rede municipal de Rio Brilhante. Mestre em Educação pela UFGD. E-mail shirleypastori@
hotmail.com.
2 Graduado em Educação Física. Mestrando em Educação pela UFGD. E-mail mwuere@hotmail.com .
3 O presente estudo trata-se de um fragmento da dissertação de mestrado de Shirley Ferreira Marinho Silva, que neste espaço contou com a
contribuição de Marcus Wagner Antunes Loureiro em algumas análises.
4 Cabe observarmos que os termos práticas corporais/atividades físicas imbricados no poder-saber e o saber-fazer que estabelece cada um
de acordo com sua especificidade no campo de conhecimento ao qual se destaca, tanto para a área da saúde coletiva como para a educacional
(educação física). As práticas corporais “vão desde as possibilidades terapêuticas a aspectos mais subjetivos, como aqueles relativos de
determinadas características reflexivas, lúdicas, gregárias ou de sociabilidade, de autoestima, ou ainda como elemento da experiência humana
ligada ao cuidado de si” (DAMICO; KNUTH, 2014, p. 339).

404
estado de Mato Grosso para o país, apresentando conteúdos variados e de fácil absorção, pautado em ilustrações, com
amplo uso de fotografias.
Primeiramente foi realizada a leitura sumária dos 48 números publicados, conforme proposta de Bardin (1977),
totalizando 1.650 páginas, e verificamos que contêm temáticas variadas, como educação formal e não formal, política,
esportes, poesias, história e propagandas, dentre outros. As 48 edições, disponíveis em Rodrigues (2017), constituiu
nosso corpus documental, e consideramos para análise do conteúdo, os artigos, imagens e anúncios (SILVA, 2018).

AS PRÁTICAS CORPORAIS EM CAMPO GRANDE: PELO PRISMA DA IMPRENSA LOCAL

A imagem5 da Figura 1, intitulada na RFS “A instrução física em Campo Grande”, apresenta as alunas do Co-
légio Maria Auxiliadora6, no pátio da instituição, praticando a ginástica Sueca7, de forma que a busca pela execução
correta dos movimentos em menor espaço de tempo possível, o uso do uniforme, ênfase da nossa análise, e o alinha-
mento das filas, são indícios do disciplinamento dos corpos, neste caso, das mulheres. O Método Sueco propunha
exercícios tanto para homens, quanto para mulheres, mas para estas a ênfase era para os membros inferiores e região
dos quadris, pois o entendimento hegemônico quanto à função social da mulher ainda estava balizado pela materni-
dade e estética curva dos corpos.

Figura 1 - A presença da ginástica sueca

Fonte: RFS (dez. 1931, n. 3, p. 6).

O projeto social de modernidade e progresso ditava modelos de homem e de corpo ideais. Estes anseios ga-
nhavam tons de ciência sob a tutela médica e, para a construção de uma população higienizada, forte e sadia, neste
interim, a escola mais uma vez foi alvo e eleita como o ambiente ideal para a o produção em série do tipo idealizado,
pois além da educação cognitiva e moral, a educação dos corpos por meio dos exercícios físicos operacionalizaria este
projeto. No Brasil, no fim do século XIX e início do século XX, produções acadêmicas, jornais e periódicos midiáticos
e especializados em educação começaram a disseminar a ideia da cultura física, reproduzindo sistemas de educação
corporal europeus, como os métodos ginásticos alemão, sueco, francês, inglês, baseado nos sports, e a calistenia, de
influência estaduninense. Paralelo a estes sistemas, que eram geralmente prescritos formalmente, os esportes ganham
a simpatia popular e começam a ser incorporados aos currículos escolares. Desta forma, os jovens foram alvos de mo-
5 Utilizamos o conceito de imagem em Wolff (2005), no qual a imagem estabelece uma relação necessária entre algo presente que remete a
algo ausente, sendo sua representação iconográfica.
6 A instituição ofertava instrução correspondente ao Ensino Normal e era somente para mulheres, compreendia a fase da adolescência.
Sobre a instituição, conferir Ortiz (2014).
7 A autora analisa o sistema sueco de ginástica criado por Pier Henrik Ling e como foi introduzida no Brasil no final do século XIX e
início do século XX, bem como a valorização de alguns aspectos como “retidão, racionalidade, simetria, correção, educação da vontade e
aperfeiçoamento físico” (MORENO, 2015, p. 128).

405
delos almejados de corpo, que deveria ser robusto, sadio, disciplinado, higienizado e modelado pela prática corporal.
Assim como aconteceu com a higiene, a escola passou a ser considerada um local também apropriado para a prática
da ginástica e, mais tarde, esportes (SOARES JUNIOR, 2015).
Outro destaque que fazemos com base na imagem expressa na Figura 1, diz respeito ao uso do uniforme. No Bra-
sil, as escolas aderiram ao uso dos uniformes na década de 1920, intensificando-se em 1930, segundo Marcon (2010).
Borges (2015), por sua vez, afirma que na era varguista o sentimento patriota e nacionalista se intensificou com o uso
dos uniformes. Para Borges (2015), a identidade de cada sujeito está à disposição de múltiplos mecanismos de interferên-
cia e o uso do uniforme escolar representa a inquietação pelo corpo controlado, saudável, culto, belo, que determina no
modo de ser, sentir, e pensar dos indivíduos. Para Marcon (2010), o uso desse vestuário é uma forma de representação,
pois requer certa postura e comportamento tanto no espaço interno quanto no espaço externo da instituição a qual
pertence. Como lembra Umberto Eco (1989), a roupa não somente cobre e protege o corpo, mas também produz um
processo de comunicação que implica diretamente nos aspectos culturais de uma sociedade. A partir do século XX, com
a expansão das escolas públicas, o uniforme escolar também representou preconceito e discriminação.
O uso de uniformes e a prática do Método Sueco nos remete ao aspecto de homegeinização na educação escolar
presente naquele contexto histórico, que ainda não permitia o desenvolvimento das diversidades. A ginástica sueca
era caracterizada por movimentos uniformes e simultâneos, com aulas onde os alunos repetiam os movimentos do
guia, o que lhe conferia um caráter uniformizante. Havia o imaginário que uniformizar era garantir igualdade, rece-
ber alunos disformes e devolver à sociedade cidadãos formatados para as demandas de ordem e progresso, similar a
uma fábrica que recebe insumos e matéria prima e produz objetos idênticos, com maior produção em menor tempo
e espaço, de forma econômica e eficaz. Os exercícios propostos pelo sistema sueco conferia ao professor elevado con-
trole sobre os corpos, que deveriam mover-se ao comando do mestre. Estes ideários estavam alinhados ao projeto
varguista de progresso e defesa nacional.
Voltado aos esportes femininos em Campo Grande, no artigo “Vida Esportiva Feminina” (RFS, mar. 1934, n.
30, p. 25, sem autor) a mulher é descrita como entusiasta e praticante dos esportes ao ar livre. O Voleibol, segundo o
artigo, seria o esporte mais praticado por elas. O Método Francês de ginástica, disseminado no Brasil principalmente
na década de 1930, indicava este esporte como ideal para a mulher, contribuindo para o movimento feminista, já
em atividade. Segundo Goellner (2007), a mulher, neste contexto, reivindicou seus direitos no esporte como espaço
para a liberdade. Modalidades esportivas como futebol ou boxe, eram predominantemente masculinas, porém, as
mulheres poderiam ser vistas praticando esportes como hipismo, natação, lançamento de discos, de dardos, corridas
pedestres, saltos e automobilismo. Essa referência às mulheres nos lembra que o esporte educa o corpo, e também as
masculinidades e as feminilidades. No plano da educação física e do esporte, os estudos que analisaram estes fenôme-
nos com base no gênero apontam que, ao expor o corpo belo e saudável, o mundo se despertou para o consumo, o
comércio, a medicina, entre outros elementos (GOELLNER, 2007).
No que diz respeito a diferença das práticas corporais para homens e mulheres, cabe destacar que a diferença
biológica implica indicar práticas corporais diferenciadas. Para os homens:

[...] a aventura, a potência, o desafio, a força; a elas, a aventura comedida, a potência controlada, a força mensura-
da, o desafio ameno. Para as mulheres, em grande medida, é incentivado viver o espetáculo esportivo desde que
não deixe de lado, por exemplo, a graciosidade, a delicadeza e a beleza (GOELLNER, 2007, p. 13).

Ao incutir esses comportamentos, pratica-se a exclusão, impossibilitando os corpos de se movimentarem em


suas diversas possibilidades, a exemplo das mulheres não poderem praticar certas modalidades esportivas por serem
consideradas frágeis. Entre os homens, uma prática esportiva que começou a conquistar espaço no ramo da atividade
física foi o jogo de futebol, que atraiu rapidamente os jovens da época, primeiramente entre as elites, se vulgarizando
posteriormente. A escola também foi considerada o lugar ideal para a sua prática. Originária da Inglaterra, essa mo-
dalidade de esporte praticada em equipe logo se tornaria a grande paixão nacional, disseminando-se por todo o Brasil,
nas escolas, nas ruas e nos clubes. Surgiram campeonatos e a paixão pelo futebol foi tão grande que, após o término
do período escolar, alunos ingressavam nos clubes para continuarem praticando (SOARES JUNIOR, 2015).

406
No Brasil o processo de disseminação do futebol foi o contrário ao da Inglaterra. Por lá, segundo Hobsbawm
(1987), o futebol no final do século XIX era praticado por camponeses, e depois foi incorporado pelas elites, já no
Brasil, este esporte seguiu fluxo inverso, primeiramente foi adotado pelas elites, para depois se difundir à população
em geral, no chamado “surto dos sports” por Sevcenko (1998). No entanto havia divergências, existiam aqueles que
não eram a favor do futebol, pois defendiam a ginástica sueca como melhor forma para modelar o corpo. Alguns cri-
ticavam o futebol por ser um esporte predominantemente masculino, já outros o criticavam por ser originariamente
praticado em países de clima frio, ao contrário do Brasil que tem clima tropical (SOARES JUNIOR, 2015).
O futebol passou a ser difundido na cidade de Campo Grande a partir de 1926. O esporte foi ganhando popu-
laridade, se tornando uma paixão dos moradores da cidade e entorno, e clubes esportivos foram fundados por toda
a região sul. O artigo “S.S. Campo-grandense” (RFS, 1937, n. 41-42, p. 75) relata que, em 1929, houve um torneio
patrocinado pela “Federação Sportiva Matogrossense”, no qual times de cidades localizadas ao sul de Mato Grosso,
como Corumbá, Porto Murtinho e Ponta Porã competiram contra o time de Campo Grande, que finalizou a compe-
tição com o título de Campeão do Sul.

Há três anos, quando a realização do grande certâmen da Feira de Amostras, nesta cidade, sob o alto patrocínio da
Prefeitura e do Comando da então Circumscripção Militar, foi também o quadro principal da gloriosa Sociedade
quem manteve este disputado título, enfrentando conjuntos arregimentados e fortíssimos, com elementos de car-
reiras, como o perigoso quadro de Campanário, onde figuravam jogadores de fora (RFS, 1937, n. 41-42, p. 75).

Em 1937, quando o artigo foi publicado, Campo Grande contava com o maior estádio de Mato Grosso, segun-
do o artigo, em uma área doada. Percebe-se também a influência da instituição militar, patrocinando o evento. Na
década de 1930 o Exército, por meio do Centro de Educação Física8, localizado no Rio de Janeiro, adotou o Método
Francês de ginástica como método oficial do país. Por meio de portaria ministerial, Vargas determinava que o mo-
delo proposto pelo Centro deveria ser reproduzido nas escolas do país. O sistema francês de ginástica conciliava o
caráter ginástico do Método Sueco com o sistema inglês, baseado nos esportes. Essa fusão de metodologias concedeu
ao Método Francês a simpatia da classe erudita, como médicos, magistrados e intelectuais da educação, bem como aos
defensores do esporte como meio mais lúdico para a cultura física, como atletas e empresários interessados nas cifras
geradas pelo esporte espetáculo, bem como atingir a população mais pobre, que já havia absorvido o futebol como
preferência. Apesar de o Método Francês não comtemplar o futebol, foi responsável pela mentalidade desportiva
dentro do Exército (SOEIRO; TUBINO, 2003).
Outra prática corporal em destaque na RFS foi a dança, ora elogiada, ora criticada. O artigo “A Dança” (RFS,
1934, n. 34, p. 18) de autoria de Cecílio Rocha, apresenta uma acirrada crítica à prática da dança, às músicas e aos
bailes, tidos como “inebriantes” e estimuladores dos instintos sexuais, sendo saudável apenas para indivíduos que
possuem uma boa educação sexual.

Os que amam o baile, vendo na dança nada mais que um esporte físico que permite um movimento regular dos
músculos, estão longe de supor que o baile seja uma escola, viciada ou não, de sexualismo. Rompidos os precon-
ceitos da velha moral, a juventude que hoje atira-se sedenta de prazer e de conquista, não devidamente fiscalizada,
em que possam sentir um pouco de volúpia. E o baile é o ponto principal em que se converge a juventude moderna
desejosa de maiores sensações sexuais (RFS, 1934, n. 34, p. 18).

O artigo assevera que a dança era envolta de preceitos morais que deveriam estar aliados aos ensinamentos
sobre os impulsos sexuais aprendidos no seio familiar, bem como pelos ensinamentos da igreja e da moral cristã. A
preocupação em torno da dança era em razão do aumento da procura por essa atividade. A dança caracterizava uma
atividade de lazer e um meio de sociabilidade entre as pessoas. Em 1940, outro artigo também intitulado “A Dansa”9,
afirmava que:

8 Em 1933 foi renomeado para Escola de Educação Física do Exército e remodelado com o intuito de servir como referência na formação
superior e especializar professores em Educação Física escolar.
9 Ortografia original da fonte Revista Mensal Ilustrada Folha da Serra (RFS).

407
Entre as inúmeras dansas mundanas, notam-se: outrora o minueto nas cortês francesas, aceito pela fina flor social;
o lanceiro, que exibido na Europa, chegará até nós; não se incluindo – é claro – as valeas de Strauss (Danubio Azul,
Ondas de Danubio) as velhas mazurcas de tão doce memória, e a quadrilha ainda hoje, às vezes, apreciadas, e, em
dias mais próximos os foxes, os chotes, as rancheiras modeladas nas mazurcas, os tangos argentinos e finalmente o
típico samba brasileiro. Muitas outras dansas apareceram de compasso e maneiras exóticas: o Charlston e o Swing
(RFS, 1940, n. 43-44, p. 11).

Nessa perspectiva, diante do período de renovação proposto por Getúlio Vargas, o próprio Presidente ponde-
rou que o nível conceitual acerca da dança fosse elevado como sinônimo de uma nação moderna e culta (CARLONI,
2003). Nesse ponto, o artigo supracitado, assinado por Isis Moura Ferraz, expressa a disseminação de vários estilos
de danças clássicas na cidade de Campo Grande, a exemplo do que ocorria na cidade do Rio de Janeiro, considerado
berço da cultura brasileira. Cabe lembrar que a dança integrava as práticas físicas do Colégio Pedro II desde 1838, e
era vista como promotora de saúde. O ponto de divergência principal não era dança em si, mas qual o tipo de dança
que se pretendia ensinar, pois algumas mais populares eram vistas como indecorosas, projetando uma clara distin-
ção entre o clássico e o popular, o que não descartava ela como elemento da cultura corporal, e por isso aceita como
prática corporal escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O saneamento, a higiene, a saúde e as práticas corporais como esporte, ginástica e dança, formavam um con-
junto de elementos que contribuiriam para a elevação de Campo Grande como moderna e atenta aos anseios de civi-
lização, prescritos em âmbito nacional. Para tanto, a RFS contribuiu na difusão de campanhas em prol da urbanização
da cidade, criação de hospitais, saneamento da zona rural e urbana, bem como da prática corporal consideradas ade-
quadas para a saúde e o lazer da população. Veiculou-se dessa forma saberes e práticas educacionais que constituíram
a Educação Física na dinâmica do tempo e espaço escolar, bem como na formação dos alunos, professores e da família.
Deste modo, a leitura da Revista Ilustrada Folha da Serra nos possibilitou compreender e identificar a presença
da Educação Física na cidade de Campo Grande na década de 1930 no período varguista , onde a concepção de socie-
dade e de escola estava num tempo em que a ideia de nação estava sendo reformulada e o corpo tomou considerável
importância no campo da saúde e da educação.

REFERÊNCIAS

Fontes
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Pereira Lins, Dourados, Mato Grosso do Sul.
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Pereira Lins, Dourados, Mato Grosso do Sul.
RFS. Revista Mensal Ilustrada Folha da Serra, Campo Grande, n. 41-42, 1937. Biblioteca Central da UFGD, Acervo professor José
Pereira Lins, Dourados, Mato Grosso do Sul.
RFS. Revista Mensal Ilustrada Folha da Serra, Campo Grande, n. 43-44, 1940. Biblioteca Central da UFGD, Acervo professor José
Pereira Lins, Dourados, MatoGrosso do Sul.

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409
A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A HISTÓRIA DA
DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL

Murilo Cézar de Carvalho Pereira - Secretaria Municipal de Educação – Três Lagoas (MS) - UEMS1
Ademilson Batista Paes - UEMS2

Resumo: O presente trabalho encontra-se vinculado aos estudos - em desenvolvimento - no âmbito do curso
de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação (PGEdu), Unidade Universitária de Paranaíba, Universi-
dade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)3. Em termos gerais, pode-se afirmar que ao abordar temáticas e áreas
de atuação em Educação Física, os pesquisadores recorrem a metodologias que busquem solucionar os problemas ine-
rentes ao seu campo investigação. O levantamento da produção científica, tema em foco neste trabalho, registra que
ela contempla as mais diversas metodologias nas áreas do conhecimento, por isso, analisar a natureza das produções
neste viés de estudo, requer um rigor metodológico que propicie o mapeamento qualitativo e quantitativo da mesma.
O mapeamento das produções permite ao pesquisador que, por meio de uma intensa e profícua pesquisa, a seleção
e exclusão de materiais que serão úteis no desenvolvimento de outras pesquisas, com novas hipóteses, problemas,
recortes, argumentações. A partir de inquietações sobre a História da Educação Física no estado de Mato Grosso do
Sul, surgiu à necessidade de levantar dados que dessem suporte à pesquisa. Em termos bem pontuais, e, enquanto
medida de aproximação com o tema e também com o objeto de estudo – história da disciplina de Educação Física em
Mato Grosso do Sul – apurou-se a quantidade de dissertações e teses defendidas em programas de pós-graduação. De
conformidade com esses trabalhos presentes no banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Disserta-
ções (BDTD/IBICT) e no SCIELO, identificados a partir dos descritores “História da Educação Física”, “História da
Gymnástica” e “História da Educação Física Escolar”, apurou-se a partir da coleta realizada entre outubro de 2018 e
janeiro de 2019, cinquenta (50) trabalhos que contemplam a estudo a História da Educação Física, sendo selecionados
somente os trabalhos que referiam a história como tema principal do estudo e não como base para outros tipos de
coleta de dados. Assim, dezessete (17) trabalhos puderam ser classificados como tal, desenvolvidos entre 2002 e 2018.
A seleção foi classificada por categorias, constituindo agrupamentos dos textos que dependendo da ótica com que se
pretendia analisá-los, poderiam constituir-se tópicos de outras categorias, ou pela linha teórica que abordam ou pela
forma como foram realizadas procedimentalmente. Sendo assim, com base no levantamento, foi possível perceber
que dos dezessete trabalhos selecionados, quatorze utilizaram como foco principal a pesquisa documental aliada ao
de cunho bibliográfico. Cinco trabalhos encontram-se fundamentados na História Cultural, sobretudo em autores
como Peter Burke e Roger Chartier. Três utilizaram de entrevistas como metodologia de pesquisa. Ainda foi possível
detectar cinco trabalhos que utilizaram como método a História Oral, tendo como tema a historicidade regional da
educação física em diferentes regiões do Brasil. Tendo em vista o levantamento realizado, foi possível concluir que
as possibilidades para a história da disciplina são fecundas, válidas, viáveis e extremamente necessárias, fornecendo
bases fundamentais no desenvolvimento de novas investigações no âmbito nacional e regional.
Palavras Chave: Nova História Cultural. História Oral. Gymnástica.

INTRODUÇÃO

410
Quando pensamos sobre o espaço que a Educação Física escolar ocupou no Brasil, é fundamental lembrarmos
que sua história foi marcada por disputas de poder, conservadorismo, controle social e higienização das massas. Ape-
sar das adversidades nessa linha do tempo, sua contribuição social foi e continua sendo de extrema importância para
o desenvolvimento das crianças, dos jovens e dos adultos.
No decorrer desta jornada, conteúdos e metodologias das mais variadas possíveis, desde a gymnastica, passando
pelos moldes miliares, higienizantes, esportivo e competitivo foram discutidos, empregadas, retiradas e reformula-
das, favorecendo sempre o contexto histórico-político da época.
Ao abordar as temáticas e áreas de atuação desta disciplina, os pesquisadores recorrem a metodologias que
busquem solucionar os problemas inerentes a sua área de investigação.
A História da Educação Física, tema em foco neste texto, utiliza-se das mais diversas metodologias na área do
conhecimento em educação, por isso, analisar a natureza das produções do conhecimento científico neste viés de
estudo, requer um rigor metodológico que propicie o mapeamento qualitativo e quantitativo dessas produções. Ao
propormos essa discussão, recorremos aos apontamentos propostos por Nóbrega-Therrien e Therrien (2004), onde
descrevem sua concepção sobre o “estado da questão”:

A finalidade do “estado da questão” é de levar o pesquisador a registrar, a partir de um rigoroso levantamento


bibliográfico, como se encontra o tema ou o objeto de sua investigação no estado atual da ciência ao seu alcance.
Trata-se do momento por excelência que resulta na definição do objeto específico da investigação, dos objetivos
da pesquisa, em suma, da delimitação do problema específico de pesquisa (p. 7).

Mais do que um simples levantamento, as pesquisas que utilizam das metodologias de revisão de produção,
estão dispostas a estenderem seu campo de visão para questões que podem ser sondadas a partir da seleção rigorosa
sobre um determinado tema.
O que acontece é que muitas vezes os materiais são tantos, ou tão escassos, que o pesquisador se vê perdido
nessa linha do tempo. Para Soares, (1989):

Essa compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado momento, é necessária no proces-
so de evolução da ciência, afim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados já obtidos,
ordenação que permita indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, aparentemente autô-
nomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a determinação de lacunas e vieses (p. 3).

O mapeamento das produções permite ao pesquisador que, por meio de uma árdua e reflexiva pesquisa, a se-
leção e exclusão de materiais que serão utilizadas na sua pesquisa, possibilitando a verificação de novas hipóteses e
argumentações. Sendo assim Nóbrega-Therrien e Therrien (2004) afirmam que:

O estado da questão configura então o esclarecimento da posição do pesquisador e de seu objeto de estudo na elabora-
ção de um texto narrativo, a concepção de ciência e a sua contribuição epistêmica no campo do conhecimento (p. 9).

A partir de inquietações sobre a História da Educação Física no estado de Mato Grosso do Sul, surge a necessi-
dade de levantar dados que dessem suporte a essas investigações, recorrendo a revisão e análise de produção.
Estudar a história de disciplinas escolares vem configurando-se como um novo viés no campo da educação,
uma vez que entende-se que elas são produções escolares programadas para converter ensino em aprendizagem
(CHERVEL, 1990). Historicizá-la é dotá-la de significados, marcados por meio do tempo e por seus protagonistas. É
no “chão da escola” que essa trama se desenrola e cria seu próprio conceito de cultura escolar.
Para auxiliar nos entendimentos sobre esse processo histórico cultural e a importância de suas subjetividades,
convocamos Peter Burke com seus conceitos sobre a História Cultural, marcado por seus preceitos sobre o com-
portamento humano e a vida em sociedade. Em seu livro O que é História Cultural? (2008) posiciona dois conceitos
relevantes para a compreensão do ser social à medida que interage com o mundo:

Estudo das Representações – a construção do imaginário social, reflexo das estruturas sociais e a criação das ideias
e das representações da natureza, da nação, do outro sobre a mesma realidade (p.84). História da Memória – outra

411
forma de Nova História Cultural é a história da memória a reação aceleração das transformações sociais que ame-
açam a identidade, embora se saiba que as memórias serão sempre destorcidas e contaminadas pela cultura, por
grupos diferentes, por momentos diferentes (p.88).

Deste modo, Burke constrói um entendimento sobre a construção da história por meio da ação individual e
coletiva, carregada de subjetividades inerentes ao próprio indivíduo social, sendo as mesmas sempre contaminadas
pela cultura.
Ainda segundo Burke (2008):

A narrativa na história cultural antes ligada à visão tradicional volta para dar voz às pessoas comuns, histórias de
vida, narrativas culturais, suas estruturas e versões que infere sobre a percepção do leitor. O desafio é fazer isto sem
dar à história um enredo triunfalista e enfatizar a crítica e o conflito de visões e de sentidos de cada narrativa (p.157).

Para o autor, as narrativas trazem consigo cargas importantes para a construção da identidade de um povo, suas
subjetividades e significados são em suma a base para esse novo entendimento social.
O estudo se faz relevante uma vez que as pesquisas em historiografia das disciplinas procura enfatizar o ser
social, dando voz aos personagens por vezes esquecidos. Nos trás novas possibilidades de entendimento do passado,
permitindo a construção de novos conhecimentos, sendo o objetivo do trabalho justamente colaborar para o desen-
volvimento de novos saberes e processos formativos, por meio do mapeamento dos dados selecionados.

METODOLOGIA

A seleção das teses e dissertações que compõem este EA foi feita com base nos títulos, descritores ou resumos
publicados. Dentre os diversos campos de busca, optou-se por pesquisar em:
a) Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD/IBICT)
b) SCIELO

As teses e dissertações foram identificadas a partir dos descritores: “História da Educação Física”, “História da
Gymnástica” e “Historia da Educação Física Escolar”.
Apurou-se a partir da coleta realizada entre outubro de 2018 e janeiro de 2019 cinquenta (50) trabalhos que con-
templavam o estudo a história da educação física. Após ser realizada a pré-análise do material, o mesmo foi organizado
e estruturado de forma a obter todas as informações que seriam pertinentes a pesquisa, sendo então selecionados apenas
os que referiam a história como tema central do estudo e não como base para outros tipos de coleta de dados.
Com base no material, foram construídas categorias de análise, agrupando-os em razão do tipo de pesquisa
realizada, possibilitando uma amostragem acerca dos interesses dos pesquisadores, suas vertentes teóricas e metodo-
logias utilizadas, seguindo uma estrutura parecida como a proposta por Bracht et. al. (2011), onde foi realizado um
mapeamento da produção de conhecimentos sobre a educação física escolar no Brasil entre o período de 1980 à 2010.
• Principais problematizações
• Principais orientações teóricas/autores
• Metodologia dos trabalhos
• Principais perspectivas, resultados e indicações.

As categorias acima constituíram agrupamentos dos textos que ao serem analisados, foram concentrando-se
em tópicos de outras categorias, ou pela linha teórica que abordam ou pela forma como foram realizadas procedimen-
talmente. Os estudos selecionados foram organizados progressivamente de T1 à T17.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

412
Quadro 01 – Produções publicadas no período 2002-2019 no (BDTD/IBICT) e SCIELO pesquisados que
relacionam os seus objetos de estudo à pratica História da Educação Física.

REFERÊNCIA ARTIGO
Oliveira (2012) T1
Angulski (2002) T2
Pires (2007) T3
Silva (2016) T4
Borel (2012) T5
Will (2017) T6
Júnior (2014) T7
Pelegrini (2014) T8
Lourdes (2007) T9
Pontes (2013) T10
Moraes (2012) T11
Baia (2012) T12
Rocha (2008) T13
Souza (2011) T14
Costa (2017) T15
Correa (2009) T16
Anderaos (2005) T17

Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD/IBICT)

Dos trabalhos selecionados, um (1) era do ano de 2002, um (1) de 2005, dois (2) de 2007, um (1) de 2009, um
(1) de 2011, quatro (4) trabalhos eram de 2012, um (1) de 2013, dois (2) de 2014, um (1) de 2016 e dois (2) de 2017.
Como é possível observar o ano de maior expressão foi o ano de 2014, representando 23% do total dos trabalhos.

Quadro 02 – Vinculação regional relacionada às alocações das Instituições de Ensino Superior dos pesquisadores.

LOCALIDADE FREQUÊNCIA %
Sul 2 11,76%
Sudeste 12 70,58%
Centro-Oeste 0 %
Nordeste 3 17,64%
Norte 0 0
TOTAL 17 100%

Fonte: Os Autores

Como é possível observar, a maioria dos trabalhos pesquisados tem seus pesquisadores vinculados às Institui-
ções de Ensino Superior (IES) alocadas regionalmente no Sudeste do país correspondendo a um total de 70,58% do
total de todas as teses e dissertações. As IES ligadas aos pesquisadores são: Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES) com três (3) pesquisadores vinculados, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) com três (3)
pesquisadores, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com dois (2) pesquisadores. Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e
Universidade de Campinas (UNICAMP) cada uma com um (1) pesquisador vinculado aos seus programas de pós-
-graduação, totalizando doze (12) pesquisadores.

413
A região nordeste ficou representada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com um (1) pesquisador e
pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com dois (2) pesquisadores vinculados aos seus programas de pós-gradu-
ação totalizando três (3) pesquisadores.
O sul do Brasil foi representado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Universidade
Federal de Pelotas (UFPEL) com um (1) pesquisador cada num total de dois (2) pesquisadores vinculados aos seus
programas de pós-graduação.

Quadro 03 – Teses e Dissertações.

TRABALHOS TOTAL
Teses 9
Dissertações 8

Fonte: Os Autores

Dos dezessete trabalhos selecionados, 9 eram teses e pertenciam principalmente a região sudeste com seis (6) teses e
três (3) da região nordeste, já as dissertações, seis (6) pertenciam a região sudeste e duas (2) à região sul, mostrando nova-
mente a diferença regional empregada nos diferentes trabalhos selecionados, com grande predominância na região sudeste.

PROBLEMATIZAÇÕES

Considerando as produções selecionadas para o estudo, foi possível observar uma grande preocupação pela
preservação da história da educação física. Uma grande parte das investigações preocupou-se principalmente com a
produção de fontes que auxiliem na perpetuação da memória da disciplina.
A concepção do ensino da educação física em que se desvela o percurso histórico nos diferentes territórios
nacionais compreendendo os períodos que iam desde a década 1889 à 1990 também se traduz em vários trabalhos
realizados no âmbito da historiografia. Segundo os autores, a análise da constituição desta disciplina permite ao pes-
quisador entender os moldes pelos quais a educação física escolar brasileira é empregada hoje, por meio da formação,
atuação e as práticas pedagógicas dos professores.
Outro destaque notadamente citado nos trabalhos abordados fica na preocupação da caracterização da disci-
plina história da educação física nos cursos superiores pelos diferentes estados brasileiros, sendo segundo os autores,
uma importante característica na construção do conhecimento e no desenvolvimento da formação profissional ini-
cial dos estudantes.
A história da criação e perpetuação de associações e clubes esportivos como marco para o desenvolvimento da
educação física nos estados, foi levantado como importante fator na construção da história da sua área do conheci-
mento, uma vez que parte de sua história veio tanto pela intervenção militar na promoção da saúde e corpos dóceis,
quanto pela esportivisação da profissão, sendo uma questão que ainda marca a disciplina nos dias atuais.
Como é possível observar, o interesse dos pesquisadores e os recortes historiográficos não se esgotam em si
mesmo quando tratamos de uma disciplina marcada por tantos altos e baixos durante sua implementação e que cons-
tituem um verdadeiro reflexo para o seu desenvolvimento nos dias de hoje.

PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES TEÓRICAS

As orientações teóricas encontradas, não foram escolhidas aleatoriamente, mas sim, com base nas convicções
dos autores e nas leituras realizadas em anos de estudos.
De forma geral, os trabalhos apresentam em seu corpo textual orientações teóricas inerentes a própria área da
educação física, por varias vezes pesquisadores como Mauro Betti, Lino Castellani Filho, Valter Bratch e Antônio

414
Ferreira Neto, são citado como base para o desenvolvimento das indagações relacionadas à história e a prática da
educação física brasileira.
Entretanto, alguns trabalhos preocupados não só no desenvolvimento da história da disciplina, mas também
com as demandas inerentes à cultura e sociedade, questões essas tão importantes para o entendimento das praticas
sociais e das formas de pensamento humana, tem como base para a escrita, teóricos que perpassam desde Mark Blo-
ck, Michel de Certeau, Roger Chartier e Pierre Boudieu. Também foram citados Paul Thompson e o pesquisador
Demerval Saviani.
Essas preferências apontam para trabalhos que problematizam as questões do desenvolvimento social e da pre-
servação da memória como forma de consolidar uma história de militância colocando o reflexo atual como sombra
do passado na busca de uma quebra de paradigmas sociais colaborando não só para a preservação da memória, mas
para um presente melhor.

METODOLOGIA DOS TRABALHOS

Aprofundando nos aspectos metodológicos dos trabalhos, foi observada uma grande preferencia pela pesquisa
histórica com fontes documentais.
As metodologias seguiam quase a mesma linha, sendo muitas vezes uma pesquisa de levantamento bibliográfi-
co, utilizando entrevistas, questionários e fontes documentais para descrição de um percurso histórico.
A metodologia de História Oral esteve presente em cinco (5) dos dezessete trabalhos selecionados e a utilização
de entrevista e questionários em três (3) deles, mostrando uma preferencia marcante por ouvir o que os sujeitos que
faziam parte do contexto tinham a dizer.
A análise de fontes documentais foi relatada por todos os autores abordados para o estudo. Foram citados pe-
los pesquisadores como fontes de pesquisa, materiais de acervo pessoal, quando a pesquisa incluía também, sujeitos
a serem entrevistados, sendo a fonte iconográfica como fotos, constantemente citadas entre os materiais. Além das
fontes iconográficas, foram utilizados, compêndios, documentos escolares, publicações de jornais e revistas, arquivos
de instituições de nível superior, além do acervo de parte das obras de autores.
Esses resultados mostram-se importantes no desenvolvimento de pesquisas historiográficas, possibilitando a
elucidação e o confrontamento de informações na busca de um entendimento acerca do objeto estudado.

PRINCIPAIS PERSPECTIVAS, RESULTADOS E INDICAÇÕES

Os trabalhos apresentam perspectivas semelhantes no estudo da história da disciplina de Educação Física, ape-
sar dos resultados distintos em suas particularidades e metodologias para o desenvolvimento de seus estudos, os
autores concordam em dizer que historicizar a disciplina não a esgota em si mesma, pois com diferentes situações, di-
ferentes sujeitos e métodos, a história não busca desvelar uma “verdade absoluta”, mas dar voz aos seus protagonistas
enquanto personagens que viveram de fato a história a ser contada, indicando a possibilidade de continuar a escrever
e produzir novos conhecimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como fonte de mapeamento de produções e orientações futuras para a academia, podemos concluir que as
pesquisas em estado da arte, dão bases e fundamentos para os pesquisadores uma vez que os auxiliam na busca por
novos dados e descobertas.
Considerando as pesquisas analisadas neste estudo observamos que os autores recorrem a uma linha de racio-
cínio semelhante, empregando em suas metodologias as fontes documentais e as entrevistas como forma de recontar

415
um passado único, porém, não inquestionável. Ao escrever essas narrativas, abrem muito mais espaços para novos
questionamentos e novas indagações.
Tendo em vista o levantamento realizado, foi possível concluir que as possibilidades para a história da discipli-
na de Educação Física são fecundas, válidas, viáveis e extremamente necessárias, fornecendo bases fundamentais no
desenvolvimento de novas investigações no âmbito nacional e regional.

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417
A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO NA LEI DE
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL

Giovanni Lisboa Borges - UNIFAN Goiás

Resumo: O presente trabalho parte de uma investigação mais abrangente, com intuito, investigativo do pro-
cesso de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9.394/96, numa perspectiva ana-
lítica do contexto político dos anos de 1990, tendo como objetivo, compreender a relação entre educação e trabalho
presente na versão final da LDB. Desta forma, a referida pesquisa compreende os anos de 1990, contexto de fortes
influências da política neoliberalista e de intensa disputa pelo campo educacional. Assim, indaga-se a concepção de
educação e trabalho presente na Lei 9.394/96, se esta proporciona uma formação intelectual e profissional na edu-
cação básica. Para tanto, fundamenta-se em uma pesquisa de analise bibliográfica teórico descritiva, sendo assim um
recurso metodológico capaz de desvelar o contexto da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Enquanto
método analítico da coleta de dados objetivou-se trabalhar com a dialética, visando um olhar a partir da compreensão
de Antonio Gramsci sobre a educação integral e o trabalho como princípio educativo. Conclui-se que a pesquisa con-
tribui para desvelar os princípios e fins de uma lei fortemente influenciada pelas ideologias neoliberais, sob a égide
do grande capital que visa o espaço educacional como formador do trabalho qualificado.
Palavras-chave: Educação. Trabalho. LDB

Os ideais neoliberais começam a ser disseminados no Brasil no final da década de 1980 e início de 1990 com a elei-
ção do presidente Fernando Collor de Mello, que inicia projetos neoliberais adequando a economia nacional aos moldes
da internacionalização econômica. A instituição efetiva desta doutrina ideológica só se concretiza com a eleição do pre-
sidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, que inicia projetos de diminuição do Estado, privatização das empresas
estatais, alienação da economia nacional com as Organizações Internacionais como Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial, adequação da educação às exigências do desenvolvimento do novo modelo de produção.
Explicitando o que é a doutrina ideológica do neoliberalismo Perry Anderson (1995) concluiu que se trata de:

manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro,
mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta
suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos
com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de
trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes
econômicos. (ANDERSON, 1995, p.10)

Analisando a adoção das medidas neoliberais no governo Fernando Henrique, a autora Julia Malanchen (2014)
apresenta as conclusões de Osvaldo Coggiola (1996) que tratavam se de um:

ajuste fiscal; redução do tamanho do Estado; fim das restrições ao capital externo (eliminar todo e qualquer em-
pecilho ao capital especulativo ou vindo do exterior); abertura do sistema financeiro (fim das restrições para que
as instituições financeiras internacionais possam atuar em igualdade de condições com as do nosso país); desregu-
lamentação (redução das regras governamentais para o funcionamento da economia); reestruturação do sistema
previdenciário. (COGGIOLA, 1996, p. 196 Apud. MALANCHEN, 2014, p.28).

Assim o governo de Fernando Henrique Cardoso marcou o fortalecimento dos ideais neoliberais no Brasil na
década de 1990, contraditoriamente estas ideias foram recusadas na década de 1980. Perry Anderson (1995) explica
os motivos desta doutrina ter fracasso anteriormente e ser vitoriosa na década seguinte “o problema crítico no Brasil
durante a presidência de Sarney não era uma taxa de inflação demasiado alta – como a maioria dos funcionários do
Banco Mundial totalmente acreditava –, mas uma taxa de inflação demasiado baixa.” (ANDERSON, 1995, p.20).

418
Os anos entre 1990 e 1995 chegaram aos níveis inflacionários de 764%1, a hiperinflação impulsionaram a re-
adequação da economia nacional, o plano real que significava uma adequação da economia nacional às Organizações
Internacionais.
Do ponto de vista educacional a doutrina ideológica do neoliberalismo consistia em “transformar a ideologia
privada do capital, do mercado e dos homens de negócios, por meio dos parâmetros curriculares e dos processos de
avaliação em política oficial com força ou de lei para todos.” (FRIGOTTO, 2014, p.233). Assim a educação tornava-se
ponto central à ideologia neoliberal, assumindo caráter de redemocratização das oportunidades e de ascensão social.
A submissão da economia brasileira às Organizações internacionais afeta diretamente as questões educacio-
nais, as reformas educacionais dos anos de 1990 tiveram como base a Conferência Mundial de Educação para Todos em
Jomtien, 1990, que resultou no documento intitulado Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Marco de Ação
para a Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (1993). Outro documento norteador foi o Relatório da Comis-
são Internacional sobre Educação para o século XXI, produzido em 1993. Em uma junção do Ministério da Educação e a
UNESCO foi publicado no Brasil em 1998.
Analisando estes documentos e as reformas educacionais dos anos de 1990, a autora Julia Malanchen (2014)
evidenciava que

as reformas se apresentam politicamente bem definidas e envolvem a estrutura administrativa e pedagógica da


escola, a formação de professores, os conteúdos a serem ensinados, os fundamentos teóricos a serem seguidos e o
modelo de gestão a ser aplicado. É nesse contexto que os órgãos governamentais brasileiros evidenciam a neces-
sidade de adequação do trabalho docente às novas exigências profissionais advindas das inovações tecnológicas e
da consequente mudança do mundo do trabalho apregoado pelos princípios de flexibilidade e eficiência. Assim, o
Estado regulador e avaliador intervém na questão, procurando instituir mecanismos que induzam os docentes a
adequarem as atividades inerentes à profissão de acordo com os resultados almejados pelos interesses do mercado.
(MALANCHEN,2011, p.30)

Para Gaudêncio Frigotto (2014) estas reformas:

Cujo papel é desenvolver habilidades de conhecimento, de valores e atitudes e de gestão de qualidade, definidas no merca-
do de trabalho com o objetivo de formar em cada indivíduo um banco ou reserva de competências que lhe assegure
empregabilidade. (FRIGOTTO, 2014, p.233)

Assim ficou reservado ao âmbito educacional na ótica neoliberal escamotear as relações de exclusão social,
reforçar o individualismo e garantir a responsabilidade do indivíduo com seu próprio fracasso.
A década de 1980, no Brasil, é marcada pela grande participação da sociedade nas questões políticas como o
movimento social que reivindicava a convocação de eleição presidencial, que ficou conhecido como “Diretas Já”. A
sociedade civil não ficou omissa a estes movimentos, organizando-se para entrar em disputa pela pauta democrática
na elaboração da constituição que fora promulgada em 5 de outubro de 1988. Ao âmbito educacional, a constituição
em seu artigo 205 compete que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifica-
ção para o trabalho. (BRASIL, 1988, p.1)

Conforme o texto constitucional assinalava competia ao Estado desenvolver a educação no território nacional,
assim surge a necessidade de uma legislação própria para a educação. No mesmo ano da promulgação da constituição
surgiu, tanto na Câmara dos deputados quanto no Senado federal, projetos que culminaram nas diretrizes e bases
educacionais.
Concomitante a promulgação da Constituição Federal de 1988, no Congresso Nacional surgia alguns projetos
referentes às diretrizes e bases educacionais. Um deles, apresentado pelo deputado Octávio Elísio em 15 de dezembro

1 Dados obtidos no site: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2012/04/inflacao

419
de 1988, foi submetido à apreciação da apreciação da Comissão de Constituição, Justiça e Redação em 13 de junho de
1989, conseguindo parecer favorável, sendo aprovado pela comissão em 29 de junho de 1989.
Em março de 1989, o Deputado Ubiratan Aguiar, presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da
Câmara dos deputados, criou um Grupo de Trabalho (G.T) da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), tendo como coorde-
nador da Comissão o sociólogo Florestan Fernandes, que indicou como relator da Comissão o deputado Jorge Hage.
Após a aprovação, o projeto foi encaminhado à comissão técnica, que foi renomeado de Substitutivo Jorge Hage, por
ser ele seu relator.
O Substitutivo Jorge Hage toma um caráter democrático de massa, no qual foi convocado a sociedade civil,
entidades educacionais, pesquisadores e universidades para participarem e incorporarem a concepção de educação
democrática. Tais instituições estavam comprometidas desde a formulação da Lei até sua execução para que pudesse
atender aos anseios da sociedade, Saviani (2003) demonstra que:

Já no primeiro semestre de 1989 foram ouvidas em audiências públicas cerca de 40 entidades e instituições. E no
segundo semestre do mesmo ano foram promovidos seminários temáticos com especialistas convidados para dis-
cutir os pontos polêmicos do substitutivo que o relator vinha construindo. (SAVIANI, 2003, p.58)

A participação da sociedade civil em audiências públicas foi fundamental, haja vista que elas eram o ponto mais
próximo da realidade educacional, apontavam as dificuldades enfrentadas pelos profissionais da educação, muitos
dos profissionais pertenciam às sociedades civis. O substitutivo tinha uma concepção de participação da comunidade
escolar brasileira, era o projeto ideal para a defesa da escola pública de qualidade.
No primeiro semestre de 1990 o substitutivo entrou em votação na comissão de educação, o Deputado Carlos
Sant’Anna agora presidente da Comissão, revisou todo o texto em 28 de junho de 1990 colocou em votação na co-
missão na qual teve aprovação unânime. Vencida a primeira etapa o substitutivo passaria pela votação da câmara dos
deputados, o que se imaginava era o período mais complicado onde sofreria alteração tanto pelos defensores de uma
escola pública de qualidade, quanto aos que defendiam os interesses da educação privada.
O caminho do substitutivo Jorge Hage agora era atravessar a Comissão de Finanças e Tributação, para relator
foi designada a deputada Sandra Cavalcanti que retardou em dar os seus pareceres sobre o projeto, a luta agora era
contra o tempo pois “em virtude de disposição regimental, os projetos que não fossem aprovados em todas as comis-
sões ao final de uma legislatura seriam obrigatoriamente arquivados” (SAVIANI, 2003, p.151). Corria-se o risco de
perder todo o trabalho para aprovação do Substitutivo, se chegasse ao fim do ano de 1990 e não fosse aprovado em
todas as Comissões. A relatora seguiu retardando seus pareceres sobre o projeto, no dia 28 de novembro de 1990 a
deputada Sandra Cavalcanti aprovou o substitutivo colocando 25 subemendas ao projeto, Saviani (2003) relatou a in-
tencionalidade dessas subemendas como de “interesse das escolas privadas, em especial as confessionais” (SAVIANI,
2003, p.151).
Incluindo o parecer da relatora na reunião de 05 de dezembro de 1990 o projeto foi colocado em pauta para
votação na Câmara dos Deputados. O deputado José Lourenço fez o “pedido de vista” que dá o direito de analisar o
projeto por mais duas sessões, o que restava para o fim da legislatura era apenas mais duas sessões. Salvando o projeto
de um triste desfeito, o deputado Miro Teixeira também fez o pedido de vista, o que ocorreu em “vista conjunta”
o que possibilitou não retirar o projeto da pauta da Comissão. Desta forma no 12 de dezembro de 1990 o projeto e
votado, e por votação unânime de 20 votos a favor o projeto estava salvo do arquivamento.
Devido as eleições de 1990 o perfil do congresso se tornou mais conservador, os partidos progressistas que
garantiam a permanência do substitutivo na câmara perderam força e os partidos conservadores que cresceram no
cenário nacional comungavam mais com ideais privatistas da educação. O substitutivo caminharia por um amplo
processo de disputa ideológicas, Pino (1997) destaca que “as oposições no campo educacional, longe de se tornarem
mais convergentes, tornaram-se mais embaralhadas. Elas convergem apenas na identificação da existência da crise
dos sistemas e das políticas educacionais” (PINO, 1997, p.16). Único ponto que convergia nesta disputa era crise e a
urgência de aprovar uma lei de diretrizes e bases da educação.

420
O projeto foi submetido à apreciação dos deputados, recebendo 1263 emendas, devido ao quantitativo de
emendas, o mesmo retornou às comissões técnicas, neste momento o deputado Florestan Fernandes denominou de
“conciliação aberta”, que resultou na disputa entre os partidos progressistas e os conservadores. O ano de 1991 en-
cerrou sem que houvesse um acordo entre os blocos políticos, em julho de 1992 a comissão de educação objetivou a
aprovação do projeto, pela falta de quórum não se efetivou a aprovação.
O ano de 1992 ainda guardava algumas surpresas. No decorrer do segundo semestre do mesmo ano a Comis-
são Parlamentar de Inquérito (CPI) do caso P.C Farias, que envolvia diretamente o presidente da república Fernando
Collor de Mello que era investigado por corrupção, consumou no impeachment do presidente em 29 de setembro,
tomando posse do cargo o vice-presidente Itamar Franco.
No governo Itamar Franco a situação do Substitutivo Jorge Hage ganhou novos rumos, com a escolha do
ministro da Educação Murilo Hingel Pinto (1997) relatou a trajetória do ministro que anteriormente atuava como
“profissional da educação, garantiu-lhe conhecimento da situação da educação básica em todo o país” (PINO,1997,
p.26). A carreira do então ministro da Educação garantiu ao substitutivo um apoio necessário para sua trajetória
dentro da câmara dos deputados.
Com a situação favorável pelo governo o ministro da educação “Logrou-se a aprovação do requerimento de
urgência-urgentíssima e em novembro de 1992 iniciou-se no Plenário da Câmara dos Deputados a votação do proje-
to da LDB e das emendas de plenário acompanhadas dos relatórios das três comissões” (SAVIANI, 2003, p.153). As-
sim o projeto foi posto em pauta e negociado entre os partidos políticos, nos pontos que havia consenso logo foram
sendo aprovados, os que haviam de ser negociados foram postergados. Durante a convocação de uma sessão extra-
ordinária em janeiro de 1993 e com as novas legislaturas em fevereiro de 1993 a Câmara dos Deputados chegou-se a
um consenso e aprovaram a versão final do substitutivo em 13 de maio de 1993, estava vencida a etapa da câmara dos
deputados, o cenário do projeto agora seria no Senado da República.
Chegando ao Senado Federal, inaugurando uma nova etapa o Projeto de Lei da Câmara (PLC) foi enumera-
do em 101/1993, foi designado como seu relator o Senador Cid Sabóia que tomou os mesmos rumos do projeto no
Senado. Convocando em audiências públicas entidades do governo, as sociedades civis, universidades, pesquisadores
do campo educacional, adotando o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, como um interlocutor.
Como resultado deste primeiro momento, foi apresentado um novo substitutivo, que preservava a estrutura
do PLC 101/1993, incorporando aspectos apresentados pelo Senado Federal, o Senador Cid Sabóia tem seu substi-
tutivo aprovado pela Comissão de Educação do Senado em 30 de novembro de 1994, reencaminhado ao plenário do
Senado em 12 de dezembro de 1994. O substitutivo Cid Sabóia em dezembro de 1994 não pressentia os desafios que
estavam por vir com a nova Legislatura de fevereiro de 1995.
Em outubro de 1994 vence o candidato à Presidência Fernando Henrique Cardoso (FHC), em uma aliança
de partidos de centro-direita. O projeto de governo de FHC era totalmente imbuído dos ideais do neoliberalismo
de privatização, estado mínimo e uma política monetária em consonância com as instituições internacionais (Banco
mundial, Fundo Monetário Internacional).
No âmbito educacional, frente ao projeto neoliberal de sociedade do governo FHC, era imprescindível uma
lei que atendesse aos seus anseios, ou pelo menos parte deles. O substitutivo Cid Sabóia não comungava com os pla-
nos de governo, que logo aplicaria forças para frear o substitutivo.
Ainda no Governo do presidente Collor em 1992 no Senado Federal, o Senador Darcy Ribeiro juntamente
da alta cúpula do MEC inclusive a professora Eunice Durham que será secretaria das políticas educacionais em 1996,
elaborava um projeto de LDB. Este projeto, que era mais favorável aos anseios do grande capital e das políticas ne-
oliberais, era a oportunidade de retirar o projeto democrático de massa (PLC nº101/93) da mesa do plenário que
aguardava votação em fevereiro de 1995. Assim foram traçadas estratégias para impedir a aprovação no Senado do
substitutivo e trazer à cena o projeto do Senador Darcy Ribeiro.
Designado o relator do projeto no Senado o parlamentar Darcy Ribeiro, ao analisar o projeto Darcy Ribeiro
relata diversas inconstitucionalidades:

421
As inconstitucionalidades a que se refere o senador são, em sua expressiva maioria, decorrentes da extinção do
Conselho Federal de Educação e da consequente criação do Conselho Nacional de educação. No limite, as incons-
titucionalidades já estariam sanas devido à Medida Provisória nº 992/95 (várias vezes reeditada) de iniciativa do
Poder Executivo (SAVIANI, 2003, p.159)

A estratégia já estava traçada, atrasar a aprovação do substitutivo Cid Sabóia o suficiente para apresentar um
projeto que atendesse aos interesses do recém governo eleito, assim a manobra do Senador se apresentou exitosa. No
Senado Federal o substitutivo foi considerado inaproveitável, logo Darcy Ribeiro apresentou projeto de sua autoria,
que logo foi aprovado pela Comissão de Justiça do Senado.
Algumas alterações foram sendo feitas no decorrer do projeto no Senado, algumas emendas que minimiza-
ram a manobra utilizada no Senado. Enquanto estrutura o projeto Darcy Ribeiro incorporou algumas alterações do
projeto aprovado na Câmara para dar um aspecto de organização das bases do projeto.
Após aprovação no Senado, o projeto retornou à Câmara dos Deputados na versão do substitutivo Darcy
Ribeiro, durante sete meses de entrar em cena o Substitutivo Darcy Ribeiro e aprovado na Câmara dos Deputados.
Caminhando para a sanção presidencial o texto não sofre nenhum veto, assim era promulgado em 20 de dezembro
de 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de nº 9394/96.
O processo pelo qual passaram os projetos-substitutivos até a aprovação da versão final da LDB, demonstra
a forma como foi tolhido do processo democrático a sociedade. Houve um empenho e participação das entidades
responsáveis pelo campo educacional, sociedade civil, pesquisadores do campo educacional, em detrimento ao favo-
recimento dos setores privatistas da educação. Cabe ainda ressaltar que a manobra utilizada para retirar a participa-
ção da sociedade no projeto de Lei fazia parte de um projeto do Governo Federal, e do senhor presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Frente ao panorama que se encontrava a educação a Lei de Diretrizes e Bases da Educação possibilitou muitas
perspectivas que podem ser utilizadas através da omissão no texto da Lei. Cabe organizar as instituições comprome-
tidas com a educação pública e entrar em disputa pelas vias que a própria Lei deixou aberta, Saviani (2003) bastante
otimista indica:

uma lei que deixou muita coisa em aberto, os seus limites, expressos dominantemente na forma de omissões,
podem se converter na abertura de novas perspectivas para a educação brasileira. A realização dessa possibilida-
de, contudo, está na dependência da capacidade de mobilização e ação das forças identificadas com a necessária
transformação da nossa organização escolar tendo em vista a construção de um sistema nacional de educação que
garanta a todos o acesso e conclusão da educação básica (SAVIANI, 2003, p.227)

A trajetória dos projetos até a promulgação do texto da Lei de Diretrizes e Base da Educação se deu em um
processo de oito anos. A interpretação dos possíveis fins e limites da lei ainda está em aberto, aponta-se a concepção
de educação e trabalho expresso no corpo da Lei 9394/96.
No primeiro título “Da Educação” no qual a Lei vai abranger o conceito de educação no seu Art. 1º:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas ma-
nifestações culturais (BRASIL, 1996).

A concepção de educação e bem abrangente e compreende os movimentos pelo qual o homem se relaciona com
meio social, pelas relações de trabalho e como o homem se produz na sociedade, pelas instituições que produzem
conhecimento sistematizados e pelos movimentos culturais.
No que tange a educação escolar, no segundo parágrafo do Art. 1º a lei vai relacionar a educação e o trabalho
“[a] educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 1996). Neste parágrafo
a relação entre educação e trabalho e estreitamente relacionada de forma omnilateral, pois cabe a educação escolar
proporcionar uma formação ao mundo do trabalho e as práticas sociais, que o indivíduo tenha acesso tanto ao conhe-
cimento que lhe torne produtivo, quanto um conhecimento que lhe de consciência de sua prática social.

422
No segundo Título “Dos Princípios e Fins da Educação Nacional” a relação educação e trabalho continua
sendo vinculada de forma omnilateral, direcionando a uma educação emancipadora ou geradora de consciência dos
processos produtivos e a função do indivíduo na sociedade no Art. 2º:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996)
Desta forma o que se confere que a educação tem como ponto norteador a formação, tanto a formação qualificada
no processo produtivo do mundo do trabalho, quanto a formação de cidadãos ativos e participativos na sociedade.
Partindo desta compreensão do que a Lei de Diretrizes e Bases atenta para a concepção de educação objetiva
se elucidar um projeto amplo para a formação educativa. Assim a base dessa formação tem como princípio indivíduos
que participem de forma ativa da sociedade, que manifeste os aprendizados apreendidos através da cultura. O traba-
lho não abrange somente a ótica produtiva mas perpassa também como um processo educativo, é uma lei que indica
os princípios, mas não limita os fins da educação.
Abrangendo esta concepção de educação, o que a Lei demonstra enquanto Educação Básica: educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio. Cabe indagar se a relação entre educação e trabalho atende o nível básico de
ensino na lei de diretrizes e base da educação nacional.
A educação básica nível no qual tem maior quantitativo de acesso no processo educacional, o par conceitual
educação e trabalho acabam por se distanciar no Art. 22 ao dispor dos princípios gerais da educação básica, o texto
de Lei caracteriza as finalidades em: “[a] educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe
a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores” (BRASIL,1996). O distanciamento do conceito de trabalho enquanto parte do processo educati-
vo e tolhido, assim o trabalho é compreendido apenas como processo produtivo, afastando do conceito de educação
que a própria Lei emprega.
No nível do ensino médio, a etapa final da educação básica, o distanciamento acontece de forma ainda mais
brutal. Caberia neste nível o educando adquirir e exercitar suas funções de forma ativa enquanto membro de uma
sociedade, no Art. 35, inciso II traz a seguinte resolução “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educan-
do, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação
ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL, 1996). O segundo inciso elucida a formação básica tanto para o trabalho
quanto para a o exercício da cidadania, o que acaba contradizendo o Art. 22 que caracteriza os princípios gerais da
educação básica, garantindo-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania.
No que se dispõe em relação ao trabalho a educação básica acaba por atribuir, enquanto uma formação supe-
rior ao nível básico, o sentido do trabalho enquanto nível básico apresentasse enquanto facultativo ou de capacidade
a outra modalidade de ensino. O capítulo III corresponde ao nível de educação profissional, separado do nível de
educação básica, o que acaba por consolidar o rompimento do conceito de educação que a própria lei emprega.
No que se dispõe a Lei enquanto educação apresentasse de forma distanciada no que tange os princípios e os
fins da educação básica. O conceito de educação apresentado no início da Lei 9394/96 acaba aparecendo como um
por vir a ser nos próximos níveis de educação ou uma responsabilidade aos acadêmicos de receber o básico que lhe
dê condições de procurar meios para exercer seu papel enquanto cidadão. Sua consciência de participar do processo
produtivo, partindo do princípio do trabalho como processo educativo caberia a educação básica proporcionar tanto
a consciência de um cidadão crítico, ativo e participativo na sociedade, quanto às noções de do trabalho produtivo
e a consciência de participar do processo produtivo de forma ativa enquanto transformação da natureza, trabalho
enquanto processo de humanização.

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PINO, Ivany. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação: a ruptura do espaço social e a organização da educação nacional.
In: BRZEZINSKI, I (Org.) LDB INTERPRETADA: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez editora. 1997.
SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 5 ed. Campinas (SP): Autores Associados,
2003.

424
A REPRESENTAÇÃO DO GINÁSIO DOM BOSCO
NO IMPRESSO ESTUDANTIL “O GINÁSIO”:
NOTAS DE ESTUDOS NA PERSPECTIVA BOURDIEUSIANA

Jéssica Lima Urbieta – UFMS1


Letícia Casagrande Oliveira – UFMS2

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo abarcar como o conceito de “representação”, cunhado pelo sociólogo
francês Pierre Bourdieu, auxilia na compreensão das práticas escolares do Ginásio Dom Bosco presentes nas páginas
de uma fonte primária de análise, qual seja, um impresso estudantil.
Buscou-se apresentar quais conceitos o autor mobiliza a fim de ponderar sobre a constituição da noção de
representação, fazendo com isso, um breve retrospecto de seu trabalho sociológico e, de suas principais noções,
quais sejam: habitus, campo, capitais, poder simbólico, representação, entre outras. Isso, pois, para que fosse possível,
apontar elementos que justificam que a categoria analítica acenada auxilia na compreensão das práticas do Ginásio
Dom Bosco e logo, identificar os principais elementos que caracterizam o estabelecimento e suas práticas, presentes
no impresso estudantil “O Ginásio”, nas perspectivas dos agentes do referido estabelecimento de ensino.
Desta forma, para incursionar uma pesquisa a partir de uma perspectiva histórica e social, apontamos como base
teórica os estudos de Pierre Bourdieu (1989, 1990, 1996, 2007, 2011), a fim de identificar elementos presentes nessa fonte
que auxiliam pensar na representação e, no entanto, balizar sobre as práticas empreendidas pela instituição de educação.
O artigo em questão está organizado em dois momentos, no qual o primeiro tópico objetiva-se, no entanto,
transcorrer sobre a compreensão da noção de “representação” na perspectiva bourdieusiana e, como tal, auxilia na
apreensão das práticas escolares. Diante desse propósito, perscrutam-se inicialmente os indícios do lugar teórico de
Pierre Bourdieu, isto é, compreender os aportes que seu trabalho sociológico proporciona para pesquisas histórico-
-institucionais e seus respectivos objetos.
No entanto, para objetar tais levantamentos os seguintes questionamentos norteiam a discussão, quais sejam: a)
Qual o lugar teórico-metodológico do trabalho sociológico de Pierre Bourdieu? b) Quais conceitos mobilizam a cons-
tituição de representação? c) Quais contribuições à categoria analítica de representação proporciona para pesquisas
histórico-institucionais que versam sobre as práticas escolares?
O segundo momento está marcado pela intenção de apresentar alguns apontamentos sobre a representação e
práticas escolares do Ginásio Dom Bosco, por meio das publicações do periódico estudantil “O Ginásio” ponderados
até o momento. Assim sendo, o último tópico foi organizado de tal formato a responder os questionamentos iniciais
de estudo, sendo eles: a) Como o ginásio era descrito nas páginas do periódico estudantil? b) Quais fundamentos go-
vernaram as ideias e orientaram a representação e práticas dos alunos secundaristas do Ginásio para a produção do
periódico estudantil?
Em síntese, o texto apresenta-se como uma investigação histórico-intitucional e adota um diálogo com as no-
ções bourdieusianas, numa aproximação teórica-metodológica de compreensão do objeto acenado. Nesse compasso,
o trabalho sociológico de Pierre Bourdieu no texto, vale-se por discorrer e compreender a representatividade do
Ginásio Dom Bosco, presentes nessa produção material e simbólica.

1 Acadêmica do Curso de Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGEdu/FaEd/UFMS. E-mail: jessicabieta@
hotmail.com
2 Acadêmica do Curso de Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGEdu/FaEd/UFMS. E-mail: le.ticiah@
hotmail.com

425
A NOÇÃO DE REPRESENTAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU: APROXIMAÇÕES

Este tópico tem por objetivo apresentar o que Bourdieu compreende pela noção de “representação” e, como
este conceito auxilia na concepção das práticas escolares. Para tal, valemo-nos por destacar inicialmente o lugar te-
órico de Pierre Bourdieu, ou seja, compreender os aportes que seu trabalho sociológico proporciona para pesquisas
histórico-institucionais. Logo, a aproximação com seus trabalhos projeta-se pertinente em três pontos identificados
em suas obras e, aclarados no decorrer do presente tópico, quais sejam: a) o trabalho sociológico adjacente ao objeto
de pesquisa; b) sua concepção estuturalista-construtivista; c) noção de representação para se pensar em práticas es-
colares.
Para que o trabalho sociológico pensado por ele possa ser melhor compreendido, faz-se necessário que seu lu-
gar teórico seja então elucidado, com isso queremos aclarar, que segundo Bourdieu (1990), o lugar de onde ponderava
suas concentrações partia do “estruturalismo construtivista”.

Se eu tivesse que caracterizar meu trabalho em duas palavras, ou seja, como se faz muito hoje em dia, se tivesse que
lhe aplicar um rótulo, eu falaria de constructivist sctructutalism ou de constructivist sctructutalism, tomando a palavra
“estruturalismo” num sentido daquele que lhe é dado pela tradição saussuriana e Lévi-straussiana. (BOURDIEU,
1990, p. 149).

Quanto ao estruturalismo ou estruturalista, o autor entende que no mundo social e não apenas nos sistemas
simbólicos, existem estruturas objetivas que independem da consciência dos agentes inseridos nesse campo e, contu-
do, são capazes de nortear ou constranger suas práticas e representações nesse espaço. E por construtivismo, percebe
dois vieses que conta de um lado o que chama de habitus, quer dizer, a gênese social dos esquemas de percepção, pen-
samento e ação. Sendo assim, o outro lado diz sobre as estruturas sociais, ou seja, os campos, grupos ou comumente
chamada de classes sociais. Com essa ressalva, podemos indicar que um dos trabalhos mais significativos de sua teo-
ria, pautou-se pelo plano de apreensão da prática humana.
Para introduzir a gênese dos conceitos de habitus e campo, o autor inicialmente faz considerações sobre a teo-
ria como um modus operandi, que organiza e orienta a prática científica da pesquisa, a que fica indispensável fazer o
registro de conceitos presentes nessas teorias, considerado por ele como “princípio de opções metódicas” e, meditado
como postura teórica na condução do trabalho científico.
O conceito de habitus em elaboração pelo teórico francês preocupava-se, no entanto, em colocar em destaque
as capacidades criadoras e ativas do habitus e do agente, ou seja, a noção como disposição incorporada, voltava-se a
atenção para o lado ativo do conhecimento prático. O que estava em evidência era o agente em ação, formulada por
Bourdieu como uma “estratégia prática do habitus científico” no sentido de jogo num espaço. Entretanto, Bourdieu
procura com a palavra habitus afastar-se da filosofia da consciência sem extinguir o agente, este compreendido como
operador prático de construções do objeto.
É nesse compasso que o autor buscou compreender a relação entre os distintos espaços sociais por meio de
procedimentos teóricos e empíricos, originando a construção de conceitos originados de suas pesquisas como instru-
mentos para abarcar as intervenções que circundam as relações entre agente e estrutura, quais sejam: habitus, campo,
capitais, doxa, nomos, representação, entre outros.
Identificamos, no movimento dos conceitos elencados por ele durante seu trabalho sociológico, um constante
arrolamento entre ambos, a fim de articular ator social e estrutura social dialeticamente. Isso, pois, no trabalho in-
titulado “A Distinção: por uma crítica social do julgamento” Bourdieu (2007) compreende as representações como
esquemas adotados pelos agentes, de visão e divisão do mundo social. Portanto, apresenta-se como esquemas de per-
cepção e apreciação do real que auxiliam na apreensão e classificação dos discursos e, interesses forjados pelos grupos
na promoção da legitimação das práticas de determinado espaço social.
Apropria-se da concepção de que dois conceitos principais centram a presente pesquisa, quais sejam: represen-
tação e práticas. Com isso, para se pensar em representação é preciso pensar nas práticas. As práticas dizem respeito
à representatividade que determinados grupos inseridos em um espaço social deram, frente ao seu contexto social,

426
acumulo de capitais, interesses, estratégias e outros. A representação perpasse então, nesse ínterim, por intervenções
emanadas no campo e, que auxiliam na promoção de esquemas de percepção e apreciação ou, visão e divisão do mun-
do social que intervêm diametralmente o condicionamento dos pares.
A luta que nos é apresentada é uma luta por excelência simbólica para a conservação ou transformação do
mundo social, sua visão e princípios de divisão. Os agentes desse jogo produzem estratégias, capazes de conduzirem
e mobilizarem os agentes que possuem a mesma visão do mundo social. Todavia, a lógica da produção dos juízos que
circundam o mundo social está sempre subordinada à lógica da aquisição do poder, que é a da mobilização do máximo
de agentes no campo, diante da máxima de que,

[...] as representações dos agentes variam segundo sua posição (e os interesses que estão associados a ela) e segundo
seu habitus como sistema de esquemas de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias que eles
adquirem através da experiência durável de uma posição do mundo social. (BOURDIEU, 1990, p. 158).

Notadamente, podemos dizer que é presente uma tríade relacional entre o habitus, representação e práticas,
visto que, para a construção de visão, apreensão e representação do mundo social, o agente, conforme sua posição
no campo, internaliza – em suas vivências e conforme as regras do jogo – estruturas cognitivas e avaliatórias, o que
trazemos como habitus.
Em sua obra intitulada “A economia das trocas simbólicas”, Bourdieu (2011) se aproxima do contexto escolar
para explicitar como se processa a representação nesse meio. As instituições escolares, entendidas como sistemas
simbólicos, carregam consigo um poder simbólico capaz de proporcionar condições para apropriação dos bens pro-
duzidos, consumidos e classificados, diante de uma história reificada e incorporada. Isso emana dizer, conforme seus
escritos que, há a possibilidade de os agentes incorporarem as estruturas objetivas, capaz de, além disso, reestruturar
o habitus por meio de uma apropriação simbólica de determinado campo.
No contexto das instituições escolares a ideia de representação é suscitada e materializada, ao passo que, esta-
mos diante de um sistema educacional que age com o poder que lhe é atribuído e, portanto, transmite hereditaria-
mente poder e privilégios, ato este transvestido de neutralidade a execução desse papel. (BOURDIEU, 2011).
A luz desse pensamento, a escola age como autora da produção e reprodução da cultura e da ideologia da es-
trutura de classes, contudo, reproduz as relações sociais através de suas práticas e, mais precisamente, seus interesses.
Nesse movimento, é presente uma ação que remonta um sistema de pensamentos que auxilia na criação do habitus,
isso quer dizer, cria elementos para despontarem no agente a tendência de agir conforme determinados códigos e
condutas, uma nomos, ou seja, as regras do jogo, e que estes sejam capazes de caracterizá-los como pertencentes a uma
classe.
Destarte, a categoria analítica de representação auxilia no trabalho metodológico de análise perante fontes pri-
márias da historiografia, a qual nos propomos a meditar nesse texto. Isso emana expor, mormente as contribuições
que a categoria propicia quando se trata de pesquisas que invadam o contexto educacional, com isso quero dizer, o
momento histórico institucional, pois a representação se entrelaça com a conjuntura social e, as práticas advindas da
relação entre o social e os agentes nele inseridos.

IMPRESSO ESTUDANTIL “O GINÁSIO”: REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO


SALESIANA NO GINÁSIO DOM BOSCO

Este tópico objetiva apresentar as contribuições que o impresso estudantil “O Ginásio” proporciona, por meio
de suas publicações, a fim de ponderar a representação e práticas escolares do estabelecimento de ensino salesiano
no sul de Mato Grosso no período delimitado. Frente à proposta do tópico, propõe o seguinte questionamento para
direcionar esta investigação, a saber: a) Como o ginásio era descrito nas páginas do periódico estudantil?
Foram ponderadas nove publicações da revista, sendo enfocadas nesse artigo as duas primeiras publicações
que versam pela publicação do “Órgão dos estudantes do Ginásio Municipal Dom Bosco”, quais sejam: “O Ginásio”

427
de número 3 do ano de 1936 e, a publicação de número 26 do ano de 1940, totalizando 95 páginas com os presentes
dados sobre o Ginásio Dom Bosco.
Frente ao exposto, o passo inicial para a análise do impresso é sua caracterização, isso quer dizer, apontar os
elementos mais simbólicos do material que o coloca em evidência nesse contexto de produção. Adotamo-lo no de-
correr da composição do texto, identificando-o em formato de revista, ou seja, publicações que abordam temáticas e
conhecimentos diferenciados. Seguem, contudo, um padrão de formatação, periodização, e finalidades que a diferen-
cia de outros veículos de informação, como jornal e livros.
O periódico estudantil “O Ginásio”, no decorrer dos anos de sua publicação, manteve um formato que com-
portam algumas características acentuadas, das quais destacam-se: a) sua configuração física é composta por uma
encadernação de brochura, com capa e contracapa e, páginas na coloração pretas e brancas, com periodização incons-
tante; b) “O Ginásio” expõe em suas páginas uma gama de informações veiculadas por meio de crônicas, contos, po-
esias, artigos informativos, homenagens, dados gerais do Ginásio Dom Bosco, calendário escolar, boletins religiosos,
avisos, discursos, entre outros; c) em seu aspecto físico, as capas do impresso trazem uma variação entre capas que
sinalizam uma figura religiosa que tenha representatividade diante da proposta da instituição, ou uma foto do prédio
do Ginásio Dom Bosco como destaque.
O Ginásio Dom Bosco, lócus da produção do impresso estudantil “O Ginásio”, foi o marco da educação sale-
siana no sul de Mato Grosso. Por meio dele, iniciou-se à oferta de ensino regular para as crianças e jovens que não
gozavam de condições financeiras de ingressar seus estudos na capital do Estado, Rio de Janeiro ou São Paulo. “Trans-
formou-se com o tempo, num dos colégios mais tradicionais da cidade [...].” (BITTAR; FERREIRA JR, 1999, p. 177).
Um segundo momento, vale-se a apresentar como se configurava a representação desse campo de produção
simbólica, pois identifica-se uma constante movimentação para criação da legitimidade da instituição e de seu dis-
curso religioso nas páginas do periódico, que se transfiguram por um sistema simbólico. Em sua leitura, verificamos
dois elementos que justificam a proposição: a) mobilização das páginas para autopublicidade do Ginásio Dom Bosco;
b) referências a personalidades e temas religiosos.
O surgimento de uma representação decorre da manifestação do tempo e espaço social, à medida que a estru-
tura se consolida e dela demanda-se produções simbólicas que intervêm no comportamento dos agentes inseridos
nesse campo. Surge então, como estratégia para a legitimação, pois “Os agentes certamente têm uma apreensão ativa
do mundo. Certamente constroem sua visão de mundo. Mas essa construção é operada sob coações estruturais.”
(BOURDIEU, 1990, p. 157).
Nesta perspectiva, a representação e as práticas caminham juntamente com o habitus e os condicionantes do
campo de produção simbólica, como determinante na construção da realidade, na medida em que tende a estabelecer
um conformismo lógico. Isso se faz possível, pois os símbolos são entendidos como instrumentos de conhecimento,
comunicação e de integração que contribui para o consenso do mundo social e, por conseguinte para a reprodução
da ordem social.
No levante das falas, se faz presente um saudosismo dos bacharéis pela instituição. Ubirajara Brandão (1940),
destaca que “O que tenho, devo a ti! Tu me és parte integrante e eu quero sempre ser aluno teu.”; Isidoro Santiago
(1940) apresenta a importância de tonar-se parte do ginásio, pois se referindo a instituição indaga “Aqui vivi com
centenas de jovens irmanados por um único ideal <<Vencer>>”; Epaminondas Santiago (1940) enfatiza a comunida-
de escolar ao relatar “A doce lembrança dos meus mestres e colegas, indelével há-de perdurar em meu coração. Adeus,
ó Ginásio.”; Heitor Cardoso, por sua vez aponta os subsídios para a vida da escolarização da instituição, em que a
considera “Berço onde floriu minha alma para o sol da virtude e da ciência, vou-te deixar!”, entre outros.
Outro elemento de representatividade presente, tanto da instituição, quanto da sociedade da época, diz respeito
às posições ocupadas pelos agentes. Em artigo intitulado “Relação dos ex-alunos do Ginásio M. Dom Bosco de Campo
Grande, que ocupam posições de destaque na sociedade”, fomos alocados frente às posições sociais por eles destacadas
no impresso e, que na visão dos editores são as mais privilegiadas pela sociedade na época acenada.
A publicação consiste em apresentar uma lista de nomes com as profissões/posições que ocupam após escola-
rização no estabelecimento de ensino. Dentre as profissões citadas, elencamos: engenheiro, médico de saúde pública,

428
cirurgião dentista, funcionário público, professor, cônsul, advogado, promotor, médico veterinário, tabelião, bancá-
rio, jornalista, perito contador, doutorandos médicos, cadetes, entre outros.
A circulação dessas ideologias remete aos interesses de classes que elas exprimem e, aos interesses específicos
daqueles que as produzem, que tende a impor sistemas de classificações, resultante das divisões de classes. Destarte,
Bourdieu (1989, p. 14-15) aponta que o poder simbólico só pode ser exercido, ao passo que for reconhecido, em suas pa-
lavras, “ignorado como arbitrário”. Nessa perspectiva, esse poder se define na relação que estabelece entre aqueles que o
exercem e aqueles que estão sujeitos a ele dentro do espaço social alocado, contudo, se faz irreconhecível, transfigurado,
legitimado, produtor e reprodutor de uma crença. Esse espaço social se apresenta como campo, isto quer dizer,

[...] é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram
envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferencia-
dos conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transfor-
mação de sua estrutura. (BOURDIEU, 1996, p. 50).

As referências à religião são as noções mais presentes nas páginas do periódico, fato justificável por se tratar de
uma instituição de cunho religioso e, possuir um sistema que pretendia fazer conhecer o regulamento e as práticas
demandadas pela instituição. O sistema se apresenta como sistema que procura “[...] colocar os alunos na impossibili-
dade de cometerem faltas. Baseia-se todo êle na razão, na Religião e no amor, por isso exclue todo castigo violento e
procura evitar os próprios castigos leves.” (O GINÁSIO, 1936, p. 11). Conforme dita os impressos, depois de conhe-
cer as regras que ditam as ações dos agentes o outro passo seria a vigilância dos alunos, “constante e ininterruptamen-
te” sob o olhar do diretor e assistentes, dispostos a corrigir de forma amigável diante de erros.
Tendo em vista as notas que possibilitam pensar na representação e práticas presentes no periódico estudantil,
destaca-se em seu trabalho a imprensa periódica vista como cumprindo funções de agente de cultura e, mobilizando
opiniões e propagando ideias no contexto educacional. Nesse compasso, a percepção do mundo social é então resulta-
do de uma dupla estruturação social, qual seja: de um lado “objetivo”, ou seja, estruturada pelas autoridades e institui-
ções por combinações de probabilidade desiguais. Do outro lado, “subjetivo”, estruturada por esquemas de percepção
e apreciação sedimentados na linguagem e, que revelam a condição de relações de forças simbólicas.
Destarte que, por meio dessa relação são produzidas categorias de percepção do mundo social, compreendidas
como resultado da incorporação das estruturas objetivas do espaço social, que levam os agentes a tomarem o mundo
social e aceitá-lo como natural. Contudo, as relações de forças objetivas tendem a produzir e reproduzir-se nas visões
do mundo social, pois os princípios estruturantes de percepção do mundo enraízam-se nas estruturas objetivas e,
estas relações de forças se tornam cada vez mais presentes na consciência dos agentes em forma de categorias de visão
e divisão dessas relações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como enfoque principal expor como o conceito de “representação”, auxilia na compre-
ensão das práticas escolares do Ginásio Dom Bosco presentes nas páginas do impresso estudantil denominado “O
Ginásio”. E para que respondessem aos indicativos de sua reprodução, contudo, reveladoras de práticas escolares do
ensino secundário do Ginásio Dom Bosco, tomamos como aporte teórico uma aproximação com o trabalho socioló-
gico de Pierre Bourdieu, no que tange os conceitos de “campo”, “habitus”, “poder simbólico” e “representação” identi-
ficando que estes amparam na compreensão das práticas escolares.
Para tanto, buscou-se apresentar quais conceitos o autor mobiliza a fim de ponderar sobre a constituição da
noção de representação, fazendo com isso, um breve retrospecto de seu trabalho sociológico e, de suas principais no-
ções, quais sejam: habitus, campo, capitais, representação, entre outras. Isso, pois, para que fosse possível, apontar ele-
mentos que justificam que a categoria analítica acenada auxilia na compreensão das práticas do Ginásio Dom Bosco
e logo, identificar os principais elementos que caracterizam o estabelecimento e suas práticas, presentes no impresso
estudantil “O Ginásio”, nas perspectivas dos agentes do referido estabelecimento de ensino.

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Na busca por apresentar os conceitos que o autor mobiliza para se pensar a noção de representação, foi reali-
zado uma breve aproximação do seu trabalho sociológico, a fim de ponderar sobre suas contribuições para o fazer
teórico-metodológico do objeto. Nesse movimento, designando seu trabalho como “estruturalismo construtivista”,
embasa seu pensamento argumentando que o mundo social em si, e não somente os sistemas simbólicos dispostos
no campo, é instituído por estruturas objetivas. Isso emana dizer que, pode ser um ato inconsciente dos agentes, es-
tes, pois, capazes de nortear suas práticas e representações no espaço social que estão inseridos. E por construtivista,
ancorava seu pensamento ao aspecto social, que abarca tanto o habitus, ou seja, a construção inicial dos esquemas de
percepção e apreciação do real pelos agentes, quanto pelos campos que constituem o mundo social.
As contribuições que a categoria analítica de representação proporciona para as pesquisas que privilegiam ins-
tituições escolares e, sua historicidade e práticas se remontam pelo fato de que, em seu trabalho sociológico, tem por
objeto pronunciar dialeticamente as concepções sobre a estrutura social e agente social.
Destarte que, conforme o diálogo com a teoria bourdieusiana, a instituição opera como sistema simbólico, à
medida que se consolidou como estrutura estruturada, ou seja, como instrumento de conhecimento e de comunica-
ção, no qual, só exercem um poder por serem estruturados. Esses instrumentos se materializam no campo de produ-
ção simbólica, por meio do poder exercido sobre ele. O poder simbólico se apresenta, contudo, a fim de estruturar
as visões e representações dos agentes nesse espaço social, consequentemente orientando suas práticas e, seu habitus.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução Sérgio Miceli et all 7. ed. São Paulo, SP: Perspectiva, 2011.
_______, Pierre. A distinção: por uma crítica social do julgamento. Tradução Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo,
SP: Edusp; Porto Alegre, SC: Zouk, 2007.
_______, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Trad. Marisa Corrêa. 9. ed. Campinas/SP: Papirus, 1996.
_______, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
_______, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 1989.
BITTAR, Marisa; FERREIRA JR. Amarílio. De freguesia a capital: 100 anos de educação em Campo Grande. In: CUNHA.
Francisco Antonio Maia da. (Org.). Campo Grande, 100 anos de construção. Campo Grande: UFMS, 1999. p. 169-194.
FIGUEIREDO, Arnaldo Estevão de. Impressões de visitas. O Ginásio. Campo Grande, Mato Grosso, 1936.
MARTINS, Carlos Benedito. Notas sobre a noção da prática em Pierre Bourdieu. In: Novos Estudos. N.° 62. CEBRAP, 2002,
pp.163-181.
MARTINS, Vespasiano Barbosa. Impressões de visitas. O Ginásio. Campo Grande, Mato Grosso, 1936.

FONTES

O GINÁSIO, Campo Grande, ano 1, n. 3, dez.,1936.


O GINÁSIO, Campo Grande, ano 5, n. 26, nov./dez., 1940.

430
ABÍLIO CAVALHEIRO E A EDUCAÇÃO PAULISTA (1920-1929):
UMA DEFESA VERBO-VISUAL DA ESCOLA OFICIAL

Vinicius Vieira Silva - UFU1

Abílio Augusto Abrunhosa Cavalheiro nasceu, de acordo com notas biográficas escritas por Ferreira (1929), no
dia 11 de junho de 1891, na cidade lusitana Longroiva. Motivado pela sua tradição familiar, tentou profissionalizar-se
na carreira jurídica, mas, em virtude da efervescência da política nacional de Portugal, acentuada com a eclosão da I
Guerra Mundial e com a devassidão gerada pela gripe pneumônica, dirigiu-se ao Brasil, com o propósito de dedicar-
-se a trabalhos de outras áreas. Nisto, em 1918, pouco depois de chegar à cidade de Santos, exerceu diversas funções
no setor da imprensa, o que fomentou a sua mudança para a capital do Estado de São Paulo, em 1920, na busca da
magnificência e do reconhecimento social do seu ofício.
Entretanto, antes de prosseguir com esta sua almejada atuação no jornalismo, o longroivense foi professor
de guitarra portuguesa, e comandou saraus e espetáculos de apresentação de seus alunos. Por meio de estas vivências
culturais, entabulou amizade com Domingos Alexandre, mais conhecido pelo pseudônimo Sylvio Floreal, e passou
a integrar os mesmos círculos de sociabilidade que participavam pessoas como Lourenço Filho. Desta sua amizade,
originou-se a revista A Flexa, que, impressa na Casa Duprat-Mayença, era propagada como um opúsculo de diversi-
dades e poética, a qual, apesar de ter se tornado popular rapidamente, teve uma existência efêmera, impulsionando os
seus dois produtores a irem rumo ao oeste brasileiro.
Durante esta empreitada, Abílio executou atividades de representante comercial de certos estabelecimentos,
e tomou conhecimento das terras de Rio Preto, as quais, à época, eram propaladas como o abrigo da mais rudimentar
selvageria. Em 1925, quando atingiu o solo desta plaga do Noroeste Paulista, que era a então última parada da Estrada
de Ferro Araraquara, ele ficou deslumbrado com a divergência entre aquelas ideias que pululavam sobre tal quinhão e
o que estava passível de apreensão pelos seus olhos. Com isto, segundo Arantes (2001), o lusitano planejou e iniciou,
de imediato, a organização e a fabricação do Álbum Ilustrado da Comarca de Rio Preto, com o objetivo explícito de
promover uma propaganda sócio-histórica de toda a Zona Araraquarense.
Para tanto, conforme sinalizou Valle (1994), o artífice português contou com os auxílios de Theodoro De-
monte, que se encarregou de efetuar os registros fotográficos, e de Paulo Laurito, que contribuiu com a superação
das lacunas financeiras deixadas por indivíduos e entidades que não pagaram pela respectiva publicidade. Assim, em
atenção a apreciações e a anúncios veiculados no jornal local A Notícia, a primeira edição do aludido objeto tipográ-
fico foi concluída após quatro anos de produção, sendo composta por 5 mil exemplares, os quais puderam ser enco-
mendados a partir de 1929, mediante o dispêndio unitário de 150 mil-réis. Compartilhando das mesmas característi-
cas de seus congêneres estudados por Carvalho e Lima (2008), o suporte deste artefato rio-pretense foi materializado
em capa de couro, abrigando um interior feito em papel couché, tendo a particularidade de possuir 1093 páginas e
1935 iconografias.
Nesta extensão consubstancial, Campos (2015, 2017) indicou que um dos temas mais recorrentes são os atre-
lados ao âmbito da educação escolar, que figuraram até as laudas dedicadas às paragens menos abastadas da região
paulista analisada. Em partes, tal ênfase está fundamentada no tom comprobatório que este conteúdo conferiria para
a argumentação de que os investimentos econômicos impingidos no território apresentado lograriam resultados sa-
tisfatórios, estáveis e ascendentes. Em outra parcela, esta tônica foi balizada no fomento que o assunto elencado con-
cedia à credibilidade do enunciado, o qual, por sua vez, atestava a notória posição de Abílio como sujeito discursivo,
dentro da formação ideológica que se propôs a fixar a sua identidade jornalística.
Em virtude disto, o longroivense estruturou uma obra de cunho contemporâneo, com base na caracterização
delineada por Lima (1993), e arquitetou uma exposição em que letras, imagens e números são mostrados de maneira

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coligida, em uma sugestão de que a mensagem transmitida refletia um entendimento consensual e axiomático. Para o
filósofo Michel Pêcheux (2006), os discursos articulados com algarismos estão tendidos à investida de constituição de
um universo logicamente estabilizado, que se define, por sua aparência de real, pela suscetibilidade a séries exaustivas
de descrições de respostas unívocas às questões factuais que veiculam. Portanto, a entonação de homogeneidade,
proporcionada pela utilização destes símbolos matemáticos, está deslindada à fundação de uma única interpretação,
a ponto de assegurar a fidúcia do enunciador que o domina.
Complementarmente, a aglutinação de texto verbal e texto visual, em referência à Leite (1993, 1998) e à Brait
(2008, 2009, 2010, 2011, 2013), concorre para o realce de esta uniformidade discursiva, na medida em que ambos, ao
estabelecerem um plano de sincretismo de linguagens, tornam-se agentes constitutivos da produção de sentido. Por
isso, nos segmentos em que a temática educacional está abordada, foram incorporadas narrativas de autoria de per-
sonalidades letradas locais que labutavam na área, como o professor Dário de Jesus e o médico Espiridião de Queiroz
Lima, as quais endossavam e eram reforçadas pelos outros códigos que as acompanhavam. Frente a este aspecto, e em
face aos postulados de Bakhtin (2006, 2011), entende-se que, pela existência de outras vozes, foi intentada a criação
de um simulacro de monofonia, uma vez que a manifesta contradição circunda a indissociável dimensão dialógica
dos enunciados.
De modo emblemático, esta representação fica salientada, pela apreciação que o Padre Joaquim Manoel Gon-
çalves fez, e que foi publicada na edição de 10 de novembro de 1929 do supracitado jornal, na qual o ente eclesiástico
demarca que as seções sobre a religião e a educação foram impactadas por congruências discursivas. Neste exame, ele
verificou que não havia qualquer menção ao Colégio Santo André e ao trabalho operado por suas educadoras cató-
licas, o que, a seu ver, não embaraçaria a tenacidade do volume avaliado, desde que o devido adendo fosse feito a tal.
Destarte, ainda que o apontamento sugestione a leitura não integral do impresso por parte do sujeito clerical, a sua
opinião sinaliza um dos conflitos mais salutares que cingiram a educação brasileira, qual seja o da disputa deste campo
por convicções privatistas e públicas.
Sem embargo da afetividade imbuída em tal crítica, este confronte aparece em passagens divulgadas nos capítu-
los intitulados de Rio Preto Social, Parte Official da Administração Publica de Rio Preto, Instrucção Publica de Rio Preto, bem
como nos dedicados aos distritos de paz de Rio Preto e às outras cidades pertencentes à Comarca em pauta. Nestas
divisões, apesar de existirem lacônicas indicações às instituições e aos projetos educativos geridos pela Igreja Católica,
o destaque está em torno das iniciativas provenientes de recursos públicos, estaduais e municipais, e do empenho par-
ticular dos cidadãos que agiam em prol da sociedade. Conquanto a esta inflexão, os grifos feitos ao último modelo de
educação aduzido estão entrelaçados não a uma possível benevolência da posta atitude de cidadania, mas à presumível
displicência do então vigente governo e, ao mesmo tempo, à iminente exequibilidade por parte deste.
Para além do prisma autobiográfico, esta modulação enunciativa está ancorada no Código de Posturas do Mu-
nicípio de Rio Preto, promulgado em 25 de dezembro de 1902, que foi um dos documentos que alicerçou a perspec-
tiva de urbanização que os autores do objeto tipográfico adotaram. Neste normativo, foram descritos, por Emygdio
de Castro, os procedimentos a serem adotados por aqueles que faziam uso do espaço da mencionada cidade e do de
suas povoações, ante a premissa de erigirem-se edificações e comportamentos civilizados e higiênicos. Posto isto, e
reportando-se às investigações de Campos (2004) e Pinheiro (2004), a construção de escolas públicas vistosas e areja-
das, em uma localização que remetesse à sua autoridade para a ordem e para o progresso da adjacência, constituiu-se
como o mote de defesa dos letrados que apreendiam este tipo de instituição como o campo privilegiado à solidificação
da modernização.
Neste sentido, o discernimento acerca de citada tendência discursiva tangencia propriedades que excedem o
âmbito das experiências vividas pelo jornalista português, mas que compõem o processo de seu assujeitamento no e
do enunciado do Álbum, já que engloba traços do gênero editorial que o dispositivo foi concebido a corresponder.
Dentre estas, estão as características do circuito social dos álbuns ilustrados, que foi o tipo de impresso escolhido,
com fundamentação nos estudos de Pesavento (1994, 1997) e de Kuhlmann Jr. (2001), para anteceder as, figurar nas
e historiar as conferências entre quinhões territoriais dos micros e macroespaços políticos. Diante disto, o relevo
cedido às temáticas vinculadas à escolarização pública consiste na deliberação de demonstração da proposição de e da

432
incorporação a empreendimentos de promoção da familiarização com a ordem social urbana ambicionada por dife-
rentes grupos da época, a fim de expor a pertinência de comercialização dos seus artefatos.
Na referida obra organizada por Abílio, este frisou que o obstáculo da educação da Zona Araraquarense era de
conhecimento e luta do povo, o qual, envergonhado da aparente ignorância em que se jazia, clamava pela construção
de escolas próprias para cada finalidade de ensino. No entanto, este sujeito discursivo contrapôs que, ainda que as
iniciativas já existentes validassem a honorabilidade de seus precursores, a instalação de edifícios escolares não re-
solveu e nem solucionaria a complexidade da respectiva situação embaraçosa, dado que esta se encontrava no âmago
da oficialização do ensino superior. Por isso, declarou que a panaceia da formação social de tal quinhão perpassava
pelo erguimento de uma universidade, que formasse mestres, bacharéis, engenheiros e médicos, em paralelo com o
levantamento de prédios para todos os demais níveis de ensino, porque a eficiência residia na sistematização do apu-
ramento do senso cognitivo de todos.
Como amparo desta visão, Dário de Jesus designava que, perante a carência de professores, a criação de uma
Escola Normal na sede da Comarca de Rio Preto seria o propulsor da resolução dos maus agouros provenientes do
analfabetismo, da quase inexistência de escolas rurais, do não provimento de institutos criados, e da repulsa de atu-
ação docente nestes rincões. Contudo, o lusitano cognominava que este era o quinto passo da prudente transição, o
qual seria precedido pela efetivação da legislação paulista que determinava uma escola para cada 20 crianças, pelo sub-
sídio oficial à equiparação entre as organizações particulares e públicas, e pela construção de edifícios específicos ao
ensino secundário. Ainda que destas divergências, ambos comungavam de que, por este revés ser de cunho popular,
era dever exclusivo da administração governamental envidar esforços para superá-lo, pois as plagas tinham riquezas
naturais e habitantes decididos e dispostos a aprimorar, por meio da escolarização, o seu espírito e o de suas crianças.
Em virtude disto, não é inócuo perceber que, das 21 fotografias que foram identificadas como de conteúdo
educacional, 6 são de fachadas de escolas, 6 são de grupos de alunos de certa instituição de ensino, 4 são de retratos
individuais de profissionais do magistério de diferentes níveis, 2 são de atividades educativas, e 2 são de grupos de
educadores. Em companhia destas, há 2 iconografias que têm um conteúdo suplementar de viés educacional, sendo
que uma é de um fragmento lateral direito do 1º Grupo Escolar de Rio Preto, presente no plano preambular da ima-
gem e na sua legenda, e a outra é da professora Barthyra Viégas, do Gymnasio São Luiz, que está arrolada na seção
consagrada às mulheres deste torrão. Nisto, apesar de estarem frente a um restante de 1.912 textos visuais, estas 23
fotos realçam os apontamentos feitos por Campos (2015, 2017), de que a reincidência de que o enunciado sobre a
educação veiculado pelo Álbum está fundado na prerrogativa de estabilização de uma ordem social liberal.
Como arquétipo das fotografias de fachadas de escolas, está a Figura 1, cuja foto foi estabelecida em um recorte
retangular, adornada por litografias em art nouveau, nos seus lados direito e esquerdo. Em tal fotografia, a captura
do Grupo Escolar é feita pela sua diagonal, em um ângulo levemente ascensional, sem margens para qualquer ser
humano, tendo, em seu primeiro plano, a presença do intrínseco jardim, com calçadas, bancos, luminárias e árvores
em estágio inicial de crescimento, e, no segundo, o prédio escolar principal e os seus dois anexos. Nisto, igualmente
ao que Campos (2015, 2017) observou, a técnica do fotógrafo deste retrato conduz à assimilação da monumentali-
dade desta construção em si, que, seguindo um projeto arquitetônico neocolonial consonante às regras delimitadas
no Código de Posturas de Rio Preto, continha vistosas janelas que sugeriam, em união com a higiene, a irradiação de
conhecimento.

FIGURA 1 - 1º Grupo Escolar de Rio Preto.

433
Fonte: Album Illustrado da Comarca de Rio Preto (1929).

FIGURA 2 - Um grupo de alumnos do Gymnasio São Luiz, muitos dos quaes foram examinados officionalmente no anno
transacto, obtendo exito feliz.

Fonte: Album Illustrado da Comarca de Rio Preto (1929).

Realizada em um estúdio, a Figura 2 veicula, em quatro planos, garotos que estudavam no Ginásio São Luiz, os
quais se situam arranjados em três fileiras, estando sentados no chão, os da primeira, e, em cadeiras individuais, os da
segunda. Sem embargo de tal localização, todos estes acadêmicos estão entrajados com indumentária social, e alguns até
engravatados, expressando um semblante sisudo e de certa altivez, sedimentado pela visível postura de pernas e braços
cruzados, em uma referência direta aos retratos de políticos e de homens de negócios. Sem ornamentação, a respectiva
foto foi estabelecida e exposta em um recorte retangular, tendo sido capturada por meio de um enfoque centralizado e
perpendicular, o qual permite a percepção de uma pintura de um castelo, no último plano da composição.

434
FIGURA 3 - Um grupo de professores e professoras do Gymnasio São Luiz. Modelar estabelecimento de ensino superior offi-
cialisado e reconhecido recentemente pelos altos poderes da Instrucção Publica da Capital Federal, sendo o mesmo equiparado
ao Collegio D. Pedro II do Rio de Janeiro.

Fonte: Album Illustrado da Comarca de Rio Preto (1929).

Preservando-se o padrão identificado na hegemonia dos retratos de temática acerca dos sujeitos em idade es-
colar, a Figura 3 abarca, em três níveis, profissionais do magistério de instituições educacionais do Noroeste Paulista,
os quais estão arranjados em duas fileiras, sendo que os da frente estão sentados, enquanto os da de trás ficaram em
pé. Embora todos estejam com vestimentas formais, a tonalidade da indumentária da maioria dos homens possuía
uma coloração mais escura, ao passo que o tom das roupas das professoras era mais claro, em uma demarcação de
gênero verificada, também, nas gravuras dos estudantes. Semelhantemente à sua antecessora imediata, esta imagem
dos docentes foi feita em um estúdio, tendo o seu retrato firmado em um recorte retangular, sem o acompanhamento
de adornos litográficos, tendo sido capturado em uma ótica centralizada e perpendicular.
Assim, considerando-se o percurso biográfico de Abílio Cavalheiro, bem como o processo social de produção,
circulação e recepção do Álbum Ilustrado da Comarca de Rio Preto, identificou-se que o pensamento subjacente à
reincidência enunciativa do conteúdo educacional corporificado neste item de imprensa tinha a instrução popular
como o alicerce imprescindível à instauração de uma ordem societária direcionada ao constante melhoramento. Por
isto, sua argumentação verbo-visual patenteou suntuosos edifícios escolares, seriedade e disponibilidade dos docen-
tes às e pelas transformações, e súplica dos aprendizes pelo saber, porque, deste modo, sedimentava o seu projeto de
que deveriam ser criados estabelecimentos de ensino para cada finalidade e faixa etária, os quais, sem exceção, esta-
riam sob a tutela da administração oficial, já que a resolução dos agouros da ignorância desencadearia a extirpação
das demais mazelas da sociedade. Ademais, ao fazer esta intercessão, ele avultou a sua persona como um dos agentes
que contribuíram rigorosamente para a civilização dos territórios que apresentou nas páginas do referido dispositivo
ilustrado, e preconizou a educação como o campo de exercício dos arautos das benesses e, a um só tempo, como o
elemento inaugural da história a ser rememorada e perpetuada.

435
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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436
ACCIÓN CULTURAL POPULAR (ACPO) Y SU VÍNCULO CON LOS
DISCURSOS DEL DESARROLLO DE MITAD DEL SIGLO XX EN
COLOMBIA

Sara Evelin Urrea Quintero-UFMG1

CONSIDERACIONES INICIALES

A través del uso combinado de medios comunicación masiva, articulados a una propuesta formativa denomi-
nada “Educación Fundamental Integral”, Acción Cultural Popular-ACPO se constituyó en una de las instituciones
más importantes de la Educación no-formal en el campo colombiano de segunda mitad del siglo XX.
ACPO fue constituida como tal, con personería jurídica, a partir del año 1949, sin embargo el sacerdote José
Joaquín Salcedo, su fundador, había iniciado esta obra en el año 1947 con la creación de Radio Sutatenza en el
municipio del mismo nombre, en el departamento de Boyacá. Su propuesta era la utilización de medios masivos,
inicialmente, la radio, para la formación del pueblo campesino. Se convirtió, entonces, en uno de los pioneros del
movimiento de Escuelas radiofónicas en América Latina.
“La labor específica de Acción Cultural Popular es la educación Fundamental Integral cristiana o educación de
base” (HOUTART & PÉREZ, 1960, p. 43), su interés no estaba en la educación formal con miras a ofrecer certifica-
ción. La organización reconoce como educación fundamental:

Al mínimo de conocimientos generales que tienen por objeto ayudar a los niños y a los adultos que no disfrutan de
las ventajas de una instrucción escolar, a comprender los problemas peculiares del medio en que viven, a formarse
una idea exacta de sus derechos y deberes tanto cívicos como individuales, y a participar más eficazmente en el
progreso social y económico de la comunidad a que pertenecen. (UNESCO, 1955, p. 12 citado por HOUTART &
PÉREZ, 1960, p. 44)

La radio fue el punto de partida de ACPO, sin embargo el conjunto de medios utilizados llegó a conformarse
por: Periódico (Semanario El Campesino), cartillas, Biblioteca y disco-estudio. Alrededor de estos elementos se cons-
tituyeron también Institutos para la formación de líderes, Cursos de extensión sobre diferentes temáticas relacio-
nadas con los objetivos de la institución, campañas de formación y una oficina de correspondencia, que garantizaba
la recepción y respuesta de mensajes de los usuarios de ACPO (párrocos, líderes campesinos, auxiliares inmediatos,
lectores del Campesino y población campesina en general).
Lo revolucionario de su propuesta no sólo le permitió expandirse por el territorio colombiano, sino que llegó
a convertirse en modelo para otras propuestas formativas a través de medios de comunicación en la región. Varios
factores le permitieron crecer y expandirse, entre ellos el ser una iniciativa de la Iglesia Católica y el vincularse con los
discursos desarrollistas en boga en el momento. Este último vínculo fue viabilizado a través de los apoyos económicos
y políticos que recibió la organización por parte del Estado, la empresa privada laica y religiosa, y las agencias interna-
cionales. Por lo cual, los diferentes medios de comunicación de ACPO se constituyeron en la plataforma de discursos
contra lo comprendido como obstáculo para el desarrollo económico: la pobreza, la ignorancia y el comunismo.
Una mirada a los impactos que tuvieron estos discursos en la elaboración de un proyecto formativo de tan
amplia cobertura permite comprender las representaciones (CHARTIER, 1991) que sobre el campesino colombiano
pretendieron construirse en dicho momento histórico. Para lo anterior se realiza, inicialmente, un análisis de los
discursos del desarrollo y, posteriormente, una lectura a algunas vías de vehiculación de estos discursos en las plata-
formas de ACPO.

437
Finales de la década de 1940 es el marco de inicio para el presente análisis, que culmina a mediados de la década
de 1970, momento en el cual comienza a registrarse el declive del proyecto. Es importante señalar que el cierre defi-
nitivo de ACPO sólo se da en 1994. Se utilizaron como fuentes para el análisis del proyecto educativo de la institución
su libro de Principios y medios de acción y el Periódico El Campesino. Este último, fue considerado el segundo elemento
más importante en la labor formativa de ACPO, era un auxiliar de la tarea educativa de las escuelas radiofónicas,
pero trascendía este espacio, llegando a campesinos no vinculados con estas escuelas y a la población por fuera de
la ruralidad, como los empresarios y políticos del momento. “Durante sus cuatros primeros años de circulación, se
convirtió en una plataforma para la circulación de discursos dirigidos a y en nombre de los campesinos colombianos
en un diálogo escenificado con otros sectores de la nación” (ACEVEDO & YIE, 2016, p. 168).
Enmarcado en la propuesta global de Acción Cultural Popular el periódico se configuraba como herramienta
para fortalecer el aprendizaje de la lectura y como “posibilidad de que el campesino se relacionara con el mundo ex-
terior […] El Campesino era un mediador entre una clase excluida en forma tradicional de las decisiones y las clases
dirigentes del país”. (ROJAS, 2012, p. 132). Lo anterior le permite configurarse como la fuente principal en el pre-
sente texto.

LOS DISCURSOS DEL DESARROLLO PARA EL CAMPO COLOMBIANO

Después de la Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos; optimista por la capacidad de intervenir en otros
países ; se embarca en su proyecto más ambicioso de ayuda e intervención internacional: la Alianza para el Progreso.
2

El foco de los vínculos creados es el agro, no podría ser diferente en una región considerada mayoritariamente rural.
Desde el inicio uno de los principales motores de la intervención estadounidense es la lucha contra el comunismo.
En América Latina, principalmente en Colombia, las condiciones para la subversión en el campo eran latentes y de
conocimiento del gobierno norteamericano, por lo cual la acción debía ser inmediata y contundente.

Las reformas de los sesenta y el modelo de la Alianza para el Progreso se fundamentaron en el estudio pionero
que realizó el Comité Interamericano de Desarrollo Agrario (CIDA), sobre la estructura agraria en siete países de
América Latina. Ese trabajo mostró la magnitud del problema de la tenencia de la tierra y de la desigualdad en el
sector rural, y, especialmente, de los impedimentos de producción atrasadas en el campo, la poca posibilidad de
ascenso social y el crecimiento de la producción. (DOMIKEY BARRACLOUGH, 1972, apud MACHADO, 2009,
p. 17)

La palabra clave en estos discursos es el desarrollo, el cual debe ser medible en términos de crecimiento econó-
mico, que impliquen mayor producción y mayor consumo. El presidente Truman en 1949 así lo afirmaba: “Lo que
tenemos en mente es un programa de desarrollo basado en los conceptos del trato justo y democrático… Producir
más es la clave para la paz y la prosperidad. Y la clave para producir más es una aplicación mayor y más vigorosa del
conocimiento técnico y científico moderno3”. Esta visión de mundo, que buscaba implantarse en los países conside-
rados “subdesarrollados”, posibilitaría el freno de otro sistema económico y político como el amenazante comunismo.
Las teorías del desarrollo construyeron relatos sobre ‘cómo ser’ y ‘cómo llegar a ser eso deseado’. Relatos que no
lograrían afincarse sin construir toda una forma de ver, concebir y habitar el mundo.
El despegue se lograría a través de los que ya eran ‘desarrollados’, estableciendo acuerdos y alianzas de ayuda.
Para la generación de estas alianzas que, a su vez, abonaron el espacio a formas distintas de intervención, se hacía
necesaria la idea de relaciones pacíficas, de convivencia armónica entre los países desarrollados y los subdesarrolla-
dos, de ideales de ayuda y cooperación. Para Martínez Boom (2004, p. 57) “El concepto de cooperación técnica va a
ser muy importante en tanto que diluye cualquier idea de país imperialista y país dependiente, adicionalmente que
incorporaba la idea de articulación de diversas naciones para la solución de problemas comunes.” La construcción de
estas alianzas permitiría a todas las naciones unirse al nuevo orden mundial, para lo cual:

2 Teniendo en cuenta la experiencia adquirida con el Plan Marshall en la reconstrucción de las economías europeas.
3 La propuesta del desarrollo, en el caso agrícola, implicaba la inversión en ciencia y tecnología, que trajo consigo a la “Revolución verde”.

438
[…] se constituyeron durante esos años numerosos organismos especiales en todas las áreas de la actividad eco-
nómica y social, que buscaban controlar e intervenir a los países subdesarrollados por medio de programas de
cooperación internacional, y que se presentaban ante la faz del mundo como instituciones neutras comprometidas
con el desarrollo.”4 (Ibídem, p. 73).

Instituciones denominadas agencias u organismos internacionales. Desde su creación hasta la actualidad, las
agencias internacionales han demostrado su poder para influir en diferentes campos, la agricultura y la educación por
ejemplo. La construcción de discursos y representaciones sobre América Latina y sobre Colombia como territorios
necesitados de auxilio y recepcionistas privilegiados de la cooperación, han sido históricamente construidos como vía
de legitimación a procesos de dominación.
El Banco Mundial, inicialmente conocido como el Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento-BIRF, es
una de las agencias más importantes en la implantación del desarrollo en Colombia. De acuerdo con Escobar (2007, p.
283), Colombia, desde 1949, ha recibido cada año (con excepción de 1957), préstamos por parte de esta entidad. “En
términos de dólares per cápita, Colombia ocupa el primer lugar entre los beneficiarios de préstamos del Banco Mun-
dial […] Entre 1968 y 1975 el crédito externo financió entre 25 y 38 por ciento de la inversión pública total”. Lo cual
posee un impacto total entre las relaciones del país, la elaboración de políticas públicas, la destinación de presupuesto
nacional y el comprometimiento, a través de la deuda, del presupuesto de los años venideros con los intereses parti-
culares de esta agencia. El círculo de dependencia frente a los objetivos del BM en Colombia es abrumador, comienza
por establecer las prioridades, construir representaciones sobre su población, determinar problemáticas, soluciones
y señalar quienes pueden resolverlas5. Sin embargo, su poder no se limita solo a lo que él puede prestar, sino que la
legitimidad que ha construido a nivel mundial, le posibilita ser el puente entre otras agencias financiadoras, organis-
mos internacionales y países del Primer Mundo, con los países del Tercer Mundo y sus ‘necesidades’.
Tanto agricultura como educación fueron dos escenarios de gran importancia para los proyectos a ser apoya-
dos por los préstamos del Banco Mundial y otras agencias internacionales. Escenarios centrales para pensar la forma-
ción del campesino, por lo cual el análisis a dichas intervenciones es fundamental en el camino por comprender los
vínculos tejidos entre ACPO y los discursos desarrollistas de mitad de siglo.
‘Tercer mundo’ en cuanto noción construida, necesita de ciertas características para legitimar la intervención.
La pobreza, la ignorancia, el hambre, el crecimiento poblacional y la insalubridad son ‘descubiertos’ y definidos por
las agencias internacionales como objetos a ser combatidos. Y pueden serlo en la medida en la que sin intervención no
se superarían, pues la incapacidad de los sujetos ‘subdesarrollados’ no les ha permitido ni percibir su propia condición
de carencia. Por lo anterior se hace necesaria la ayuda, el auxilio, el acompañamiento, la asesoría, cualquier forma
de tutelaje que les permita salir de esa condición, o mejor ‘ser retirados’ de la misma. Esta representación construida
sobre las áreas subdesarrolladas, negaba, a su vez, los procesos culturales e históricos de la población, que aunque
no se presentaron de manera tan visible como las nociones económicas y sociales, sí se configuran en un rasgo que
precisa ser explorado.
En general, y con diversos investigadores, las teorías del desarrollo y del crecimiento económico aplicados a
los procesos latinoamericanos dominaron las discusiones de las intervenciones extranjeras y las formas en las cuales
debía desarrollarse la planeación, la inversión y la cooperación. Bajo la idea de tutelaje, ‘el desarrollo’ se incorporó
a la mirada hacia diferentes campos, desde la salud, la agricultura, la educación y hasta la cultura se comenzaron a
preguntar como dejar atrás ‘lo subdesarrollado’.
Tal como afirma Quijano (2000), la experiencia histórica latinoamericana ha sido construida a través de “un
espejo que distorsiona lo que refleja”. Los discursos construidos sobre, en e incluso desde ella, permiten observar, en
4 “Tales son los casos del Fondo Monetario Internacional (FMI), del Banco Mundial (BM), del Banco Internacional de reconstrucción
y Fomento (BIRF), del Banco Interamericano de Desarrollo (BID), de la Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la
Alimentación (FAO), de la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (UNESCO), de la Organización
Internacional del Trabajo (OIT), del Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). Adicionalmente se crearon organismos de
carácter regional para América Latina como la OEA (Organización de los Estados Americanos), la OEI (Organización Iberoamericana para
la Educación, la Ciencia y la Cultura), OREALC (Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y El Caribe), CEPAL
(comisión Económica para América Latina y El Caribe), entre otros”. (MARTÍNEZ, 2004, p.74)
5 Selección de las corporaciones o empresas “multinacionales de primer mundo” que podrían desarrollar los programas.

439
este espejo, no solo una referencia, sino una proyección. América Latina, se ha visto a través de este espejo, como un
lugar ‘en falta’, lo que permite establecer metas basadas en aquellos que sí están completos, que ya alcanzaron el nivel
de civilidad, racionalidad y progreso.
Los procesos vividos por los campesinos colombianos durante la segunda mitad del siglo XX están atravesados
por una serie de conflictos y profundas transformaciones en sus experiencias. Desde los conflictos socio-políticos,
hasta las crisis del sector agrario, el campesinado se vio abocado a alterar sus formas de vida, a verse a través del ‘espe-
jo’ que describe Quijano. Ellos ganaron visibilidad no sólo por ser el “objeto” de múltiples políticas y programas, tanto
estatales como de las agencias internacionales, sino por ser una fuerza de resistencia potente. Su lucha no se limita a
la tierra, trasciende a los significados construidos alrededor de sus experiencias con ella.
Tanto la representación de un campesino que necesita tutela para su “progreso”, como la representación de un cam-
pesino potencial elemento subversivo, fueron motores para su visibilización y para la aplicación de diferentes proyectos
formativos que encaminaran su acción. ACPO, se comprometió en su labor educativa con el desarrollo del país.

ACPO: AL SERVICIO DEL DESARROLLO COLOMBIANO.

Desde sus diferentes medios de comunicación (radio y periódico principalmente) ACPO hizo explícito su
apoyo al proyecto del desarrollo.

[…] los dirigentes de la ACPO interpretaron los problemas sociales que afectaban al campo colombiano como sín-
tomas de su ‘subdesarrollo’. También afirmaron que este tenía origen en la mentalidad de la población rural, antes
que en la estructura de relaciones sociales existentes. Contraponiéndose a una vía revolucionaria de superación
del atraso, plantearon la necesidad de capacitar al campesino adulto para transformarlo en agente de su propio
desarrollo y del campo colombiano. (YIE & ACEVEDO, 2016, p. 171)

A través de la educación del campesino, era posible avanzar hacia dicho desarrollo, discursos como el del capital
humano se hicieron presentes, pero también la lógica de “deber con la patria”. El campesino poseía una obligación
con el desarrollo de Colombia y para ello debía educarse y producir. “Estamos convencidos de que los protagonistas
del desarrollo económico, del progreso social y de la elevación cultural de los ambientes agrícolas rurales, deben ser
los mismos interesados, es decir los obreros de la tierra. No todo le corresponde a gobierno” (El Campesino, Agosto
13 de 1961, p. 7)
Cuestiones alrededor de la Alianza para el progreso, las misiones de las agencias internacionales, la Reforma
Agraria, la tecnificación de la agricultura, etc. Circularon por los medios de comunicación de ACPO, en donde el
campesino ‘ignorante’ debía salir de su atraso, tener ‘una reforma mental’6 y apostarle a la producción y al consumo
en los términos que la teoría del desarrollo en boga estaba colocando. Se establecía así un vínculo entre ser un ‘buen
campesino’, productor y consumidor, y ser un ‘buen ciudadano’ de Colombia.
Para ACPO su forma de vinculación y aporte al desarrollo del país estaba asentado en dos de las problemáticas
que se consideraban factores de atraso de países como Colombia: la ignorancia y el comunismo. La lucha contra estos
dos, fue frontal e implicó la construcción de una representación sobre cómo debe ser el campesino, representación
que buscaba transformar las formas históricas de ser y habitar el mundo de este sujeto.

ACPO: LA LUCHA CONTRA LA IGNORANCIA, LA LUCHA CONTRA EL COMUNISMO.

6 Para realizar una reforma agraria integral necesitamos primero una reforma mental. (El Campesino, julio 9 de 1961, pág. 6)

440
¿Cuál puede ser el origen de esta inhumanidad que afecta al colombiano de hoy? A nuestro juicio hay una respuesta
que tendría un sentido esencial: la ignorancia fundamental. La ignorancia que hace impermeables a los hombres a
toda concepción de sus deberes morales, espirituales y sociales. La ignorancia que insensibiliza al ser humano y le
impide apreciar aun los más elementales principios de convivencia. Para demostrar que la ignorancia es la causa
primordial de tal estado de ánimo en zonas de la población colombiana, basta relacionar los índices de educación
con los índices de la criminalidad. Colombia tiene hoy un total de 6 millones 340 mil analfabetos, según los resulta-
dos de las investigaciones oficiales. Y un país con tal proporción de mentes irredentas, puede ofrecer algo distinto
a lo que estamos viviendo? (El Campesino, marzo 5 de 1961, pág. 4)

La lucha ideológica vinculada a la lucha contra la ignorancia, fue una de las grandes banderas de ACPO, y lo
hizo con toda la fuerza y a través de todas sus medios. La amenaza del comunismo debía ser atacada y para ello con-
taba con los apoyos del Estado y de la cooperación internacional. De acuerdo con sus discursos la principal causa para
la expansión del comunismo en los campos colombianos era el analfabetismo. La ignorancia hacía del campesino una
presa fácil de ideas contrarias a la doctrina cristiana y a las ideas democráticas. “Espiritualismo contra materialismo,
esclavitud contra libertad. Ser esclavos bajo la dictadura roja, o libres bajo la bandera del espiritualismo y de la demo-
cracia”. (El campesino, abril 30 de 1961, p. 4).

CONSIDERACIONES FINALES

La ignorancia es posible de ser atacada a través del cambio de valores culturales, lo cuales influyen directamente
sobre las aspiraciones y deseos de progreso de los sujetos, quienes son los encargados directos de transformar su lugar
social y apostarle al desarrollo nacional. No se trata de la transformación de estructuras sociales, esos son aspectos
secundarios y en muchos casos no deseables. Este es el discurso a través del cual se legitimaba el rechazo a cualquier
resistencia frente al sistema económico y se apostaba por un ideal “pacífico” de cambio de mentalidades y de acción
en el mundo.

El punto fundamental de la acción cultural es el de influir sobre los valores, porque ellos son la base de toda actitud
y de toda actividad. (…) el comunismo piensa que el medio más rápido y eficaz para obtener el progreso del mundo,
es el de cambiar radicalmente y por la fuerza, si es necesario, la organización social. El cambio cultural, de esque-
mas de pensamiento y valores, vendrán por sí mismo. Creemos que el cambio de estructura social es necesario;
pero pensamos que este cambio no puede ser realmente un éxito humano si coacciona simplemente al hombre a
realizar esquemas de comportamiento. Creemos en el valor fundamental del hombre, queremos equipararlo cul-
turales para realizar, o para exigir, los cambios necesarios. (HOUTART & PÉREZ, 1960, p. 45)

El desarrollo es entendido por ACPO como un proceso que exige primordialmente un cambio cultural. Por
lo cual salir de la ignorancia era un punto de inicio fundamental para el avance del individuo, quien a su vez debía
asumir totalmente la responsabilidad de dicho proceso.
El entender este proceso en términos culturales implica la transformación general de las formas en las cuales
el campesino entiende el mundo y trabaja sobre él. Aspectos cotidianos como la alimentación, la distribución de la
casa, las formas de cultivo y las relaciones con los otros miembros de la familia y la comunidad, fueron considerados
elementos claves a ser modificados, a partir de lecciones dadas en las escuelas radiofónicas, de artículos publicados en
el periódico o de lecturas en las cartillas movilizadas por ACPO en su rango de cobertura.
El cambio cultural que abogaba por la superación del analfabetismo y la lucha contra “la ignorancia”, no impli-
caba un acceso a conocimientos en general, sino el acceso a conocimientos “pertinentes” al contexto campesino. Este
punto es fundamental porque el determinar la ignorancia como un enemigo exigía definir lo que era conocimiento
verdadero para el campesino, y por lo tanto implicaba determinar los contenidos adecuados para ser vehiculados en
el proyecto formativo. El campesino no necesitaba más conocimientos que los “adecuados” para producir y consumir
acorde con las necesidades de un país desarrollado, por ello la apuesta es por una educación práctica, una “educación
para la vida” en el campo.

441
En conclusión, parte del vinculo de ACPO al proyecto desarrollista fue dado a través de la cooperación tanto
económica como técnica que estableció con agencias internacionales y empresas privadas. Sin embargo, su principal
aporte fue dado en términos de la construcción y circulación de representaciones sobre lo que debe saber y hacer el
campesinado colombiano, a partir de un proyecto que defendía el cambio cultural como la vía para la transformaci-
ón social y económica. Se determinaban, así, como indeseables todas los rasgos campesinos que no promovían una
mayor producción o consumo, definiéndolos como rasgos de pobreza y subdesarrollo enemigos del progreso social
digno de un hombre hijo de Dios. A la vez que se defendían como deseables los comportamientos que llevaban a la
alta productividad, a la mejor utilización del tiempo, a la racionalización del uso de los recursos, al consumo y en
general a la disciplina, civilización y progreso del campesino.

REFERENCIAS

ACPO, El Campesino. Bogotá, 1958, 1961


CHARTIER, R. O mundo como representação. In: Revista Estudos Avançados, v. 5, n. 11, p. 173-191. São Paulo, 1991
ESCOBAR, A. La invención del tercer mundo. Construcción y deconstrucción del desarrollo. Caracas: Fundación Editorial. El
perro y la Rana, 2007
HOUTART, F. PÉREZ G. Acción Cultural Popular. Sus principios y medios de acción: Consideraciones teológicas y sociológicas.
Bogotá: ACPO, 1960
MACHADO, A. La reforma rural una deuda social y política. Bogotá: Centro de Investigación para el Desarrollo de la Universidad
Nacional de Colombia, 2009. Disponible en: http://www.cid.unal.edu.co/cidnews/archivos/ReformaRural.pdf Acceso en: 4 de
octubre de 2018
MARTÍNEZ, A. De la escuela expansiva a la escuela competitiva: Dos modos de modernización en América Latina. Barcelona:
Anthropos, 2004, 457 p.
QUIJANO, ANÍBAL. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. En libro: LANDER EDGARDO, (comp.) La
colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas . CLACSO, Consejo Latinoamericano de
Ciencias Sociales, Buenos Aires, Argentina. Julio de 2000. p. 246. Disponible en la World Wide Web: http://bibliotecavirtual.
clacso.org.ar/ar/libros/lander/quijano.rtf
ROJAS ÁLVAREZ, J. Campesinos y radios: aspectos sociales de la tecnología en las escuelas radiofónicas de Radio Sutatenza (1950-1970).
2014. Disertación (Historia)-Departamento de Historia, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de los Andes, Bogotá.
YIE GARZÓN, Soraya Maite; ACEVEDO RUÍZ, María José. Nos debemos a la tierra. El Campesino y la creación de una voz
para el campo, 1958-1962. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, [S.l.], v. 43, n. 1, p. 165-201, ene. 2016. ISSN
2256-5647. Disponible en: <https://revistas.unal.edu.co/index.php/achsc/article/view/55068>. Fecha de acceso: 22 nov. 2018
doi:https://doi.org/10.15446/achsc.v43n1.55068.

442
ACERVOS PRIVADOS COMO FONTES DE PESQUISA:
ARQUIVOS, MEMÓRIAS, ESQUECIMENTOS

Eurize Caldas Pessanha - UFGD1

De minha parte em todas as coisas, ouço as vozes e sua relação dialógica (...) Não há uma palavra que seja a pri-
meira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro
ilimitado). P. 413
(os sentidos) sempre se modificarão (renovando-se) no desenrolar do diálogo subsequente, futuro. (BAKHTIN,
1997, p 414)

Em artigo publicado em 2006, Saviani (2006) chama a atenção para a frequência com que o tema “a questão das
fontes” esteve presente em evento do qual participara. Desde então, a temática fontes e métodos, às vezes incluindo
arquivos, se mantém entre os eixos temáticos dos Congressos Brasileiros de História da Educação e outros eventos
do campo da História da Educação.
Embora fontes sejam a base da escrita da história, ao que tudo indica, só se tornaram “questão” após o movi-
mento dos Annales2 na direção de uma história renovada em métodos, objetos e técnicas e, consequentemente, pela
ampliação da noção de documento e um novo conceito de fonte histórica.
Reis (2010) descreve como, com esse movimento de renovação, a “documentação será agora relativa ao campo
econômico-social-mental: é massiva, serial, revelando o duradouro, a longa duração”.[...] Todos os meios são tentados
para se vencer as lacunas e silêncio das fontes.” [para isso] Os Annales foram engenhosos para reinventar ou reciclar
fontes históricas.” (p. 41). Nessa direção, o conceito de documento tornou-se cada vez mais amplo, renovado e diversi-
ficado e a “questão das fontes” passou a ser temática frequente na produção da área de História e História da Educação.
Adicionalmente, a noção teórica de história-problema torna claro que “o historiador não é um colecionador e
empilhador de fatos” (p.42) pois é ele que interroga esses dados para construir a escrita da história.
Complementando com as palavras de Saviani, “Com efeito, os mencionados objetos só adquirem o estatuto de
fonte diante do historiador que, ao formular o seu problema de pesquisa delimitará aqueles elementos a partir dos
quais serão buscadas as respostas às questões levantadas.” (2006, p. 30)
Com base em questões de pesquisa para escrever a história de instituições escolares e das disciplinas escolares,
que nelas tiveram seus lócus, ao longo de muitos anos, nosso grupo de pesquisa transformou em fontes documentos,
fotos e objetos, localizados, nas escolas investigadas, em depósitos nem sempre bem organizados e conservados. Essas
fontes constituem a base de grande parte das investigações e da produção do nosso grupo de pesquisa como explici-
tado em PESSANHA (2015).
As dificuldades de escrever a história da educação no Brasil tendo como base os acervos 3de escolas e outras
instituições educacionais já são conhecidas por todos que se aventuraram nessa tarefa. Essas instâncias, por força de
exigências burocráticas, armazenam grande quantidade de documentos gerados por necessidades legais e burocrá-
ticas. Depois que os documentos cumpriram sua função, tornam-se apenas “papéis velhos” ocupando espaços que,
em algum momento, serão exigidos para outras funções e os documentos serão descartados. Mesmo quando algum
documento que testemunhou a história da escola ainda não foi descartado, encontra-se, com raras exceções, deterio-
rado pelo tempo e falta de conservação, sem continuidade temporal, constituindo mais um obstáculo a ser enfrentado
pelo pesquisador: trabalhar o arquivo para conseguir um mínimo de organização necessária para transformar esses
documentos em fontes (PESSANHA, OLIVEIRA, ASSIS, 2011).

443
Além desses acervos e arquivos, foram realizadas entrevistas com alunos, ex-alunos, professores, ex-professo-
res e administradores das instituições. Ocasionalmente, essas pessoas ofereciam fotos, documentos e objetos de seus
“guardados” que, na sua opinião, poderiam ser úteis para o pesquisador.
Esses “papéis e coisas velhas” guardados em acervos pessoais podem se transformar em fontes?
Trata-se, portanto, de analisar o potencial de transformar arquivos privados em fontes, outra temática que
vem sendo focalizada pelos historiadores há algum tempo. Gomes (1998) situa o que chamou de “boom” dos arquivos
privados como fontes na década de 1970, associado às mudanças na historiografia mencionadas acima.
Nos textos consultados sobre os arquivos pessoais, chamou a atenção a utilização recorrente de expressões
como: desafio, feitiço, irresistível, encantamento, boom, fascínio e riscos4 que parecem indicar o impacto que o acesso
a um conjunto de documentos produzidos por determinada pessoa, aparentemente sem a intenção de publicizá-los,
provoca no pesquisador, provavelmente pelo potencial que oferecem de conhecimento sobre a época e o tipo de ati-
vidades a que esta pessoa esteve ligada.
Segundo o CPDOC (2019), são considerados arquivos pessoais

conjuntos documentais, de origem privada, acumulados por pessoas físicas e que se relacionam de alguma forma
às atividades desenvolvidas e aos interesses cultivados por essas pessoas, ao longo de suas vidas. Essa acumulação
resulta da seleção dos documentos a serem guardados, entre todos os papéis manuseados cotidianamente, e vai
sendo feita ao longo do tempo.

Quando se trata de arquivos privados, a memória surge como questão a ser aprofundada. Entre as múltiplas e
variadas abordagens da literatura sobre memória, escolhi algumas que me pareceram pertinentes ao processo relata-
do neste artigo: a memória como fonte para a escrita da história, a dimensão social e coletiva da memória e os riscos
de usar a memória como fonte.
E é Clarice Nunes (2003) que formula e responde à primeira questão: “Que motivação anima as ações humanas
quando priorizam a memória no esforço de instituir e preservar o patrimônio cultural? Uma motivação antiga: ven-
cer a morte.” (p. 11)
Esse “desejo de guardar” leva as pessoas a reunirem documentos, objetos, fotos que, de alguma forma, lhes pa-
recem necessários para que sua memória permaneça, mesmo após a morte.
No entanto, como bem lembra a mesma autora, “Talvez possamos simplesmente afirmar que nossas memórias
são subjetivas, estruturadas pela linguagem, pelo ensino, pelas ideias assumidas coletivamente e pelas experiências
partilhadas.” (p. 14) uma vez que, tal como a ponta de um iceberg mostra apenas uma pequena parte do conjunto, as
memórias de alunos, professores, cronistas e memorialistas como fonte de pesquisa histórica em educação podem
esconder a sua base mais ampla, impregnada dos conceitos, costumes, sentimentos e opiniões em que foi construída.
Essas reflexões conduzem a um aspecto pouco abordado na literatura sobre memórias como fonte: sua dimen-
são coletiva e social. Heymann (1997), por exemplo, enfatiza a necessidade de relativizar “a noção do senso comum
que identifica os conjuntos documentais de origem pessoal a uma manifestação concreta da memória individual dos
seus titulares” (p. 42) 5.
Entre suas conclusões, chama particular atenção o argumento de que os arquivos deveriam ser tomados, eles
próprios, como objeto sociológico e histórico, permitindo revelar ideários políticos, projetos pessoais e processos
sociais neles investidos.
A autora alerta também para as motivações dos projetos institucionais, comemorações e homenagens a pessoas
que tiveram algum protagonismo em determinadas áreas ou momentos históricos, que

4 “Vivi intensamente no CPDOC, na virada dos anos 1970, essa "febre" contagiante cujas etapas eram: localizar o arquivo; seduzir o potencial
doador; receber e tratar a documentação e ... salve! trabalhar em primeiríssima mão com aquele mundo de documentos pessoais nunca
dantes navegados. Este é o grande feitiço do arquivo privado. (GOMES, 1998, p. 125). A esse respeito, ver também BELLOTO, 1998;
CAMPOS 2017; GOMES, 1998; HEYMANN, 2005
5 Com esse objetivo, a autora investigou os processos de “conversão de acervos pessoais em patrimônio nacional que deram origem a
fundações, centros de documentação e memoriais” HEYMANN, 2005, p. 2).

444
visam ancorar no passado as posições que os protagonistas desses investimentos ocupam no presente ou preten-
dem ocupar no futuro, sejam eles os próprios titulares, sejam seus herdeiros, entendidos aqui não apenas como
familiares, mas também como depositários da herança política do personagem. (HEYMANN, 2005, p. 3)

As reflexões apresentadas até aqui foram provocadas por uma experiência de, por imposição burocrática, criar
um memorial da vida profissional, transformando em fontes documentos de acervo pessoal. Ginzburg (2002) e Cer-
teau (2000) constituíram o referencial para realização dessa operação historiográfica, considerando que o ponto de
partida são sempre as questões de pesquisa, única forma de dar sentido aos “papéis e coisas velhas”.
A necessidade burocrática de criar um memorial descritivo da vida profissional, por si só, não justificaria ter
guardado tantos objetos e documentos, pois, como lembra Campos (2013),

Ao longo de suas trajetórias, pessoas e instituições acumulam materiais de suportes e gêneros variados que lhes
servem de instrumento à consecução de suas atividades e funções. Todos nós – independentemente do papel que
desempenhamos na sociedade ou do nível de projeção que alcançamos – constituímos arquivos, compostos de
documentos dos quais lançamos mão como elementos de prova ou testemunho ao cumprimento de nossas obri-
gações fiscais, sociais, profissionais ou financeiras. (p. 152)

No caso aqui relatado, para o cumprimento da exigência burocrática, foram buscados nos armários, pastas e
caixas, esses elementos de prova ou testemunho. No entanto, como adverte o mesmo autor, é preciso considerar ainda as
razões subjetivas que levam os indivíduos a manter seus arquivos (p. 152). Assim foi que, à medida que separava o material
necessário para descrever a trajetória profissional surgiam objetos e documentos para os quais não encontrava justi-
ficativa para terem sido guardados e preservados cuidadosamente durante tanto tempo.
Quem guardaria, por exemplo:
uma gravata de uniforme escolar com assinaturas de colegas?
um marcador de página comemorativo do dia da música, também assinada pelos colegas?
Por mais de 50 anos?!
Até parece que, desde meu primeiro contato com a instituição escolar, registrado em uma fotografia com
uniforme da primeira escola que frequentei (provavelmente em 1952), já sabia, ou estava determinada a me tornar
investigadora dos processos de escolarização !!!
Como escrevi na Carta ao Leitor do livro de memórias que resultou deste processo, “Se foi, não me lembro, o
que acaba sendo muito conveniente num livro de memórias.” PESSANHA, 2015, p.5)
Em primeiro lugar, foi necessário organizar os objetos, documentos e fotografias e a opção foi classificá-los
segundo as categorias especificadas pelas instâncias burocráticas. Depois de formar uma “coleção”, separando, reu-
nindo, copiando, fotografando os documentos e objetos foram transformados em fontes para a escrita do memorial
que se transformou em livro (PESSANHA, 2015).
Com base nessa experiência, este trabalho se propõe a discutir as possibilidades e riscos de transformar o acervo
de documentos, fotos e objetos colecionados e guardados pelas pessoas ao longo de sua vida em fontes de pesquisa.
Este processo de lidar com a memória implica em enfrentar estranhamentos, contradições, incompletudes,
ausências e omissões, principalmente quando é memória do próprio pesquisador, pois, abrindo as caixas e pastas que
guardam fotos e documentos, as “caixinhas” da memória também se abrem e a narrativa flui, ao mesmo tempo em se
processa a fruição da leitura desse material.
Como exemplos, destaco dois momentos de estranhamento. O primeiro ao analisar um caderno de uma nor-
malista da década de 1930, que era minha mãe e estranhar o nome: quem era Penalva Caldas (nome de solteira)? Mi-
nha mãe era Penalva Caldas Pessanha! Como escrevi no livro de memórias, ao examinar o verso do Histórico escolar
(Ficha 18), com as notas do Exame de Admissão, “Tomo um ligeiro susto porque arranha um pouco a imagem de boa
aluna de Português que criei/criaram para mim: a nota de Português não foi tão boa assim. Disseram-me que, mesmo
assim foi das melhores, pois a prova era muito difícil” (PESSANHA, 2015, p. 27).
Tratando alguns dos documentos/fontes como indícios de momentos da história da educação no Brasil foi
possível, paralelamente ao cumprimento da atividade burocrática, levantar questões por eles provocadas.

445
Considerando os limites deste texto, escolhi como exemplos dessa operação três documentos, todos com ca-
racterísticas de “documentos oficiais”: papel timbrado, assinaturas, rubricas, testemunhas, carimbos e numeração que
deve ser de cadastro:
1. contrato de Professor do Ensino Primário da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, assinado
em maio de 1963, com vigência a partir de 01 de abril de 1963. (RIO DE JANEIRO, 1963) (Figura 1a e Figura 1b);

Figura 1ª Figura 1a – Frente do Primeiro Contrato de Trabalho como Professora do quadro do Magistério Estadual
do Estado do Rio de Janeiro – abril de 1963.

Fonte: Acervo pessoal da autora

Figura 1b Figura 1b – Verso do Primeiro Contrato de Trabalho como Professora do quadro do Magistério Estadual
do Estado do Rio de Janeiro – abril de 1963.

Fonte: Acervo pessoal da autora

446
2. contrato de trabalho como Professora de Português da Escola 9-1, do SENAI, assinado em 01 de agosto de
1969 (SENAI, 1969). (figura 2ª e figura 2b);

Figura 2a – Frente do Contrato de trabalho no SENAI – 1969.

Fonte: Acervo pessoal da autora

Figura 2b – Verso do Contrato de trabalho no SENAI – 1969.

Fonte: Acervo pessoal da autora

447
3. comprovante de pagamento de Professora do Ensino Primário estadual referente ao mês de novembro de
1973. (RIO DE JANEIRO, 1973) 6. (Figura 3)

Figura 3 - Contracheque como Professora Primária – 1973.

Fonte: Acervo pessoal da autora

Examinando os documentos, leio que o Contrato de Professor do Ensino Primário, foi assinado em 24 de maio
de 19637, com exercício a partir de 01 de abril de 1963, passou pela Exatoria: Recebedoria de Rendas de Campos em 25
de junho de 1963, trazendo o nome de Evaldo Máximo de Azevedo, Chefe da Região Administrativa, sem assinatura,
foi publicado em 19 de julho de 1963, registrado no Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, em 05 de setembro de
1963, registrado no serviço de administração da Secretaria de Educação e Cultura em 19 de setembro de 1963 e ano-
tado na Recebedoria de Rendas de Campos em 03 de outubro de 1963, assinado pelo abonador. Comecei a trabalhar
em abril e só recebi o primeiro salário em outubro. 8.
É provável que houvesse exceções, mas isso indica que ser professora era uma profissão para mulheres de fra-
ções das classes médias cujos salários eram secundários na manutenção da família, assumida pelos chefes de família,
pais e maridos. O valor do contracheque, Cr$438,869, convertido em reais em 2015, equivaleria a R 1,60, e a 1,4 do
salário mínimo vigente (Cr$ 312,00 - Decreto nº 72148, de 1973).
A principal questão provocada por esses dois documentos relaciona-se com a profissão de professor e sua for-
mação.. Essa linha de investigação se desenvolveu a partir da década de 1980, provavelmente provocada pela eclosão
dos movimentos de reinvindicação dos professores por salários e melhores condições de trabalho. Uma das vertentes
dessa linha procurava caracterizar o trabalho docente e, consequentemente, a vinculação de classe social desses traba-
lhadores. Outra vertente buscava analisar a trajetória histórica dessa categoria profissional no Brasil.
Inserindo-se nas duas vertentes, Pessanha (1994) afirmou que

o trabalho de professor, na forma em que se apresenta hoje, é um trabalho não-manual, assalariado, num setor
não produtivo, embora socialmente útil, da atividade humana. Sendo necessário também lembrar o fato de ser
assalariado, funcionário do Estado ou de um serviço que, embora mantido por empresas privadas é considerado
um serviço “público” (p. 28).

448
Com essa concepção de trabalho docente, a autora analisa a trajetória profissional dessa categoria profissional
no Brasil indicando que, no século XIX, além dos sacerdotes, exerciam o magistério primário “mulheres pobres e sem
família, com uma perspectiva de, se não ascender socialmente, pelo menos não “decair” para um meio de vida “não
decente”10. No início do século XX, pelos dados de São Paulo, as professoras primárias provinham das famílias “aristo-
cratas empobrecidos”11 ou de famílias pobres (funcionários, artífices, professores), que queriam ascender socialmente
através da educação. Nas décadas de 1950 e 1960, ainda pelos dados de São Paulo12, o magistério primário era exercido,
em sua grande maioria, por mulheres: 87,1% no ensino primário fundamental comum.
Chama a atenção nos dois contratos de trabalho que os formulários parecem ignorar esses dados pois os desig-
nativos são todos masculinos: no contrato da Secretaria de Educação, o “cidadão” EURIZE CALDAS PESSANHA foi
“contratado como professor” e, no contrato com o SENAI, EURIZE CALDAS PESSANHA aparece como “locador”,
embora, datilografado no espaço específico, “como professora de Português”.
Comparando o contrato como professora do Ensino Primário Estadual com o contrato como professora de
Português do SENAI, verifica-se que, no primeiro, “o contratado fica sujeito durante a vigência do contrato, a todas
as Leis em vigor, que lhe forem aplicáveis, bem como às ordens de serviço que lhe couberem a juízo da autoridade a
que ficar subordinado”. O segundo, no entanto, aproxima o contratado dos demais trabalhadores do país pois “Obri-
ga-se o Locador, contratado nos termos do art. 443 e seu parágrafo 1º da Consolidação das Leis do Trabalho e Legis-
lação Complementar a prestar seus serviços ao SENAI”. Também fica especificado que será pago o “repouso semanal
remunerado” que não aparece no contracheque do serviço público.
Com essas breves reflexões provocadas por três documentos de um acervo pessoal, conclui-se que a transfor-
mação de arquivos privados em fontes não só é possível como constitui uma forma privilegiada de aproximação a
processos da história da educação não registrados em outros tipos de acervos.
No entanto, cabe alertar que há riscos ao transformar arquivos privados em fontes. A começar pelo fascínio
exercido pelos “personal papers”, fascínio do qual é muito fácil passar ao vício, como apontaram alguns dos conferen-
cistas deste seminário, aliás vivamente aplaudidos pela assistência, provavelmente tão viciada quanto eles.” (BELLO-
TO, 1998 p. 202).
Esse efeito de sedução se amplia quando não são levados em consideração as condições de produção tanto da
geração desses acervos quanto de sua organização e publicização.
Cabe também, como conclusão, a necessidade de conhecimentos sobre a história da sociedade e da educação na
qual foi produzida a coleção transformada em fonte, numa operação que enfrenta as particularidades sem perder de
vista a totalidade histórica.
Para reforçar o óbvio, apenas a formulação de questões de pesquisa pode dar sentido a esses acervos privados
e transformá-los em fontes.

10 Há registros de que reclamavam dos baixos salários (PESSANHA, 1994)


11 A crise do café nos anos 1920 abalou os alicerces econômicos e criou os chamados "aristocratas empobrecidos" "(profissionais liberais,
políticos, fazendeiros).
12 Entre as transformações ocorridas nas décadas seguintes, além das taxas de urbanização que explodiram a partir de 1960. Merece um
registro especial a questão da participação da mulher no mercado de trabalho. Depois de 1960, essa participação não parou de crescer: 21% e
36%, respectivamente, em 1970 e 1983.

449
FONTES
RIO DE JANEIRO, Secretaria de Educação. Contrato de Professor do Ensino Primário da Secretaria de Educação do Estado do
Rio de Janeiro, 196.;
RIO DE JANEIRO, Secretaria de Educação.. Comprovante de pagamento de Professora do Ensino Primário estadual referente
ao mês de novembro de 1973
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Contrato de trabalho como Professora de Português da Escola 9-1, do
SENAI, 1969;

REFERÊNCIAS
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AÇÕES EM TORNO DA IMPLANTAÇÃO DO PENSAMENTO
CONSTRUTIVISTA EM ALFABETIZAÇÃO NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE SÃO PAULO (1986)

Diego Benjamim Neves – UNIFESP1

Neste texto apresentam-se resultados parciais de pesquisa de mestrado em Educação, cujos objetivos são: con-
tribuir para a produção de uma história da alfabetização na rede municipal de São Paulo e colaborar para o debate em
torno da circulação, apropriação e implantação do pensamento construtivista em alfabetização no país. Assim, enfo-
cam-se as orientações didáticas do material de formação de professores do município de São Paulo, datado de 1986,
intitulado “Repensando a prática da Alfabetização”. Mediante abordagem histórica, centrada em pesquisa documental
e bibliográfica, por meio dos procedimentos de localização, reunião, seleção e ordenação vêm-se agregando diversos
textos relacionados à alfabetização no município de São Paulo, dentre eles “Repensando a prática da Alfabetização”.
Na perspectiva da História Cultural, com enfoque na História do Currículo e das Disciplinas Escolares, por meio da
análise deste documento constatam-se os seguintes aspectos: na década de 1970, as pesquisadoras Emília Ferreiro e
Ana Teberosky desenvolveram ampla pesquisa sobre o tema acerca da América Latina, com o apoio de diferentes
colaboradores, o que resultou na publicação do livro “Los sistemas de Escrituras em el desarollo del niño” (1979). Nessa
publicação, as autoras propõem, dentre outras questões, uma “revolução conceitual” no ensino inicial da leitura e da
escrita, defendem o abandono dos métodos tradicionais e o deslocamento dos processos de alfabetização do eixo do
ensino para o eixo da aprendizagem. O livro tornou-se a principal referência na reforma dos sistemas estaduais e
municipais de ensino, após a reabertura política do país. O ano de 1986 corresponde à data do documento mais an-
tigo localizado na pesquisa, com pressupostos do construtivismo em alfabetização. O presente trabalho, cujo aporte
teórico leva em consideração os pressupostos de Le Goff (1984), Roger Chartier (1990), Certeau (1982) e Mortatti
(2000), centra-se em 1986 e o documento analisado se constitui como uma das principais fontes de uma pesquisa de
mestrado em andamento, cujo corpus documental é composto de produções realizadas para formações de educa-
dores, bem como currículos escritos publicados entre 1986 e 1996. “Repensando a prática de Alfabetização” aborda
questões próprias do construtivismo em alfabetização e tópicos relativos aos métodos sintético e analítico do ensino
de leitura e escrita, discute minimamente práticas escolares como cópia, leitura, escrita e ditado, além de atividades de
matemática. Quanto à leitura e escrita, o material se compõe de dois artigos e alguns quadros que sugerem mudanças
na prática pedagógica e organização da sala de aula com vistas à inovação construtivista. O material apresenta ampla
bibliografia composta por referenciais atuais considerando o ano de publicação.
Palavras-chave: História da alfabetização. Construtivismo. Município de São Paulo.

PONTOS DE PARTIDA

À análise desse documento são levados em consideração os pressupostos de Le Goff (1984) que, do ponto de
vista da Nova História Cultural, redimensiona a ideia de documento histórico, elevando-o, desde que eleito pelo his-
toriador, como documento/monumento. Por se tratar de uma pesquisa histórica, tomo como base, especialmente, as
perspectivas de Chartier (1990) para quem o sentido de uma obra é reconstituído recuperando o texto, o suporte e a
prática. Esses elementos sociológicos da leitura sugerem respectivamente: as representações discursivas, a materiali-
dade na qual elas se dão a ler e as apropriações depreendidas de tais representações.

1 E-mail: dibenjamim@hotmail.com. Diretor de escola da Prefeitura de São Paulo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UNIFESP. É integrante do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Ensino de Língua e Literatura sob a orientação do Prof. Dr.
Fernando Rodrigues de Oliveira.

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Para Mortatti (1999), “[...] todo ato interpretativo, enquanto atividade discursiva, é construção de uma represen-
tação, a partir da problematização de outras representações construídas e tomadas como fontes documentais”. (p. 73).
Conforme Certeau (1982, p. 65), “Toda pesquisa historiográfica se articula a um lugar de produção sócio-eco-
nômico, político e cultural”. Essa premissa se aplica tanto as impressões que são marcadas no documento/monumen-
to (LE GOFF, 1984) pelos seus produtores, quanto à minha atividade como historiador, marcadamente ideológica do
lugar social que ocupo e a forma como me constituí profissionalmente, haja vista que “É em função desse lugar que
se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhe são
propostas, se organizam” (CERTEAU, 1982, p. 66).
Além disso, as ações ensejadas como mecanismos para implementação do construtivismo em alfabetização no
município de São Paulo são analisadas, por mim, como estratégias dentro do modelo polemológico de Certeau (1998).
Estratégia se relaciona ao lugar de poder, de controle, de influência. Dessa forma, assim como Rodrigues e
Biccas (2015) consideram que os impressos pedagógicos constituem-se como lugares de poder, concebo que os docu-
mentos de formação de educadores e os currículos escritos partem de um lugar de poder, a saber, a Secretaria Muni-
cipal de Educação (SME) de São Paulo, neste caso.
Neste texto, também, opero de acordo com o conceito de análise da configuração textual proposto por Maria
do Rosário Longo Mortatti (2000). Por meio desta expressão, a autora busca:

[...] nomear o conjunto de aspectos constitutivos de determinado texto, os quais se referem: às opções temáti-
co-conteudísticas (o quê?) e estruturas-formais (como?), projetadas por um determinado sujeito (quem?”), que
se apresenta como autor de um discurso produzido de determinado ponto de vista e lugar social (de onde?) e
momento histórico (quando?), movido por certas necessidades (por quê?) e propósitos (para quê?), visando a um
determinado efeito em determinado tipo de leitor (para quem?) e logrando determinado tipo de circulação, utili-
zação e repercussão.” (MORTATTI, 2000, p.31).

A pesquisa da qual nasce este artigo é baseada na história do ensino de leitura e escrita no município de São
Paulo, sobre a chegada da chamada “revolução conceitual” (FERREIRO, 1993, p. 41) da alfabetização, materializada
na teoria da psicogênese da língua escrita (FERREIRO e TEBEROSKY, 1985) e o início de tematizações e orientações
para a prática em sala de aula no âmbito da SME.
O arquivo “Repensando a prática de alfabetização”, brevemente analisado, é uma das fontes primárias, entre
Materiais de Formação de Educadores e Currículos Escritos, estabelecidas como documentos/monumentos, na ten-
tativa de, pela prática com as fontes (CERTEAU, 1982) dar uma inteligibilidade à gênese dessa teoria enquanto objeto
de tematização em meados da década de 1980. Este arquivo é, também, um documento proposto para Formação de
Educadores da Rede Municipal de São Paulo, sendo um dos primeiros materiais a veicular o nome de Emilia Ferreiro
e aludir à teoria da psicogênese da língua escrita.
De acordo com Carvalho (2016), no período iniciado pela segunda gestão de Jânio Quadros no Município de
São Paulo (1986-1988), sucessor de Mário Covas,

[...] é possível observar o redirecionamento da política educacional, quando práticas de processos de ensino de
leitura e escrita, defendidas no período anterior e, baseadas nos conceitos de prontidão e de período preparatório,
são propostas e tomam por base, predominantemente, os estudos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky.” (p. 58).

CONCEITO DE APRENDIZAGEM

O material contém dois textos: “O saber – Uma dádiva ou uma construção? “ e “As ideias de Emília Ferreiro na sala
de aula” - que são analisados neste artigo.
No primeiro texto, as autoras discutem o que se pensa acerca do que é aprendizagem e as implicações destas
concepções ao ensino.

452
Numa pedagogia transmissiva, cuja fonte de conhecimento é sempre exterior ao sujeito – em que “bastaria
apenas que o professor “ensinasse” para que o aluno “aprendesse” -, o ensino é visto como uma dádiva do professor.
Em contrapartida, assumindo a antítese como resposta à indagação marcada no título, parte-se de pressupostos pia-
getianos, para arbitrar em favor de que:

[...] as fontes para o conhecimento são tanto exteriores quanto interiores e [...] que o conhecimento se faz através
da interação dos estímulos do meio ambiente com os esquemas assimiladores do sujeito que aprende. (SÃO PAU-
LO, 1986, p.2).

A expressão “sujeito que aprende” aparece sublinhada no texto, chama a atenção para o termo “cognoscente”,
tratado adiante como aquele que tem que estar no centro do processo de aprendizagem. Dessa forma, é clara a mar-
ginalização do método ou do papel do professor nesse processo2.
Em continuidade à defesa, aparece a crítica ao behaviorismo: “A escola tradicionalmente tem investido na qua-
lidade do estímulo (...) como se o estímulo fosse o fato central que define as respostas” (SÃO PAULO, 1986, p.2). A
chancela da antítese defendida, é feita através de uma citação do livro de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), em
que as pesquisadoras afirmam que através de Piaget passamos a conhecer um sujeito ativo que busca compreender o
mundo e não espera “benevolência” de alguém que lhe transmita; um sujeito que aprende com suas ações, constrói
seu pensamento e organiza seu mundo.
A partir desses pressupostos, discute-se a interpretação que o sujeito faz sobre os estímulos do ambiente, pro-
duzindo um contradiscurso à reprodução e alertando para o fato de que sujeitos diferentes podem aprender coisas
distintas partindo de um mesmo estímulo, pois se os esquemas assimiladores são distintos, esse chamado “mesmo
estímulo” não seria, de fato, o mesmo. Defende-se a ação do sujeito sobre o objeto como o que gera a aprendizagem.
Contudo, sugere-se que não se trata de qualquer ação. Logo, o método, nesse processo, é visto como potencializador
ou dificultador da aprendizagem.
Isto posto, a próxima discussão gira em torno do conflito cognitivo, como a instância de operações cognitivas
em que o sujeito necessita mudar seus esquemas assimiladores para uma nova acomodação e, dessa forma, avançar no
conhecimento. Advoga-se em favor de uma didática que provoque desequilíbrios cognitivos para novas descobertas,
para que se resgate “[...] no aluno a sua condição de sujeito da própria aprendizagem”, e “[...] no professor o papel do
organizador das situações que fazem o aluno avançar [...]” (SÃO PAULO, 1986 (a), p.4).
Ao ato de aprender se soma a palavra prazer, dando a ideia de que, sob a égide do que foi proposto, as relações
entre os sujeitos da aprendizagem (e do ensino) se democratizam e, pelo fato de serem respeitadas as hipóteses e ten-
tativas de apropriação dos objetos de conhecimento pelos alunos, resgata-se o prazer de aprender.

REPENSANDO A PRÁTICA DE ALFABETIZAÇÃO - AS IDEIAS DE EMÍLIA FERREIRO NA


SALA DE AULA

A autoria do texto é atribuída à Telma Weisz, que num ensaio livre de sete parágrafos, faz uma propaganda da
teoria de Ferreiro e Teberosky (1985). De início, a autora registra de forma provocativa: “Ancorados na ideia de que
ler é apenas uma habilidade tentamos navegar nas águas do treinamento e naufragamos nos índices da repetência”
(WEISZ apud SÃO PAULO, 1986, p. 6). Assinala que antes acreditávamos que “(...) o processo de alfabetização co-
meçava e acabava entre as quatro paredes da sala de aula. Que a aplicação do método adequado garantia ao professor
a condução do processo de alfabetização de cada aluno.” (WEISZ apud SÃO PAULO, 1986, p. 6).
Após esse início, o tema do fracasso escolar é retomado e, na defesa das “descobertas de Emília Ferreiro”, a au-
tora lista possíveis causas, também apontadas por Patto (1999). A ideia majorante é que necessitávamos de uma nova
teoria que desse conta de ensinar sobretudo os mais pobres.

2 Talvez em defesa do que Mortatti (2000) chamou de “desmetodização”, anos mais tarde, as autoras advertem que não se deve confundir
método de ensino com a maneira como o aluno aprende e que o como é que se aprende define o como é que se ensina.

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Segundo a autora, as poucas professoras que tiveram acesso, à época, reagiram de forma pouco resistente “(...)
diante de ideias que põem por terra tudo o que elas pensavam” (SÃO PAULO, 1986, p.06). Na verdade se espantam
por não ter percebido antes tamanhas “evidências” (SÃO PAULO, 1986, p.06).
Weisz alude à efervescência que a nova teoria desencadeou, bem como as dificuldades e diz: “O movimento na-
tural é deslocar a ênfase que temos dado ao aspecto perceptivo motor para o eixo conceitual de alfabetização “ (WEIZ
apud SÃO PAULO, 1986, p.06).
Após essas questões, acrescenta a ideia de erro construtivo, o postulado de que, na tentativa de compreender o
sistema de escrita alfabético, os educandos propõem hipóteses não convencionais, anteriores à apropriação do siste-
ma, e pautados por sua lógica esquemática. Nessa perspectiva, o que poderia ser considerado erro ortográfico, num
raciocínio adultocêntrico, é, na verdade, expressão das hipóteses construídas no processo de apropriação da leitura
e escrita.
Desse pressuposto, Weisz aposta na intimidade da criança economicamente favorecida com o objeto sócio-cul-
tural escrita, algo a favorecer seus esquemas antes mesmo da escola, ao passo que a criança pobre inicia sua alfabeti-
zação escolar no início desse processo “Sem saber que é do fim dele que a escola começa” (WEIZ apud SÃO PAULO,
1986, p.06).
No último parágrafo, narra brevemente seu contato com a obra de Ferreiro e a urgência que sentiu: “As fer-
ramentas que me chegavam às mãos eram preciosas demais para serem guardadas. Era urgente experimentá-las”
(WEIZ apud SÃO PAULO, 1986, p.07) e assevera que:

Não foi obra do acaso que um avanço tão significativo [...] tenha acontecido na América Latina. Onde o fracasso
escolar já ultrapassou os limites de um problema educacional. Onde os índices chegaram a níveis política e social-
mente inaceitáveis (WEIZ apud SÃO PAULO, 1986, p.07).

MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO E PRÁTICAS ESCOLARES HABITUAIS

Em sequência aos artigos, nas páginas 08 a 13, são apresentados quadros-síntese dos assuntos abordados no
“treinamento”. A primeira página os lista verticalmente com o seguinte conteúdo: conceito de aprendizagem, pre-
ponderando os conceitos discutidos no primeiro artigo; conhecimentos que o professor deve ter do processo de ensi-
no-aprendizagem; métodos de alfabetização; nova prática de alfabetização; princípios norteadores desta nova prática;
práticas escolares habituais: cópia, ditado, leitura, interpretação/produção de texto, trabalhos em pequenos grupos;
conceito de número; sistema de numeração decimal e adição; organização do trabalho em classe.
Quanto aos métodos de alfabetização: sintéticos, analíticos ou globais e misto ou analítico-sintético há explica-
ções pontuais que descrevo adiante.
Aos métodos sintéticos, é registrada a alcunha de que “Partem do simples para o complexo” (SÃO PAULO, 1986,
p.11) e são classificados em três grupos, organizados em uma tabela: alfabético, fonético, e silábico. Ao final da tabela,
há linhas verticais que ligam cada grupo de método à expressão “formação de palavras, frases e textos”, sugerindo um
procedimento metodológico posterior para além da sílaba.
Aos métodos analíticos ou globais, registra-se que são aqueles que “Partem do todo para as partes. O ponto de
partida costuma ser a palavra, frase ou conto”(SÃO PAULO, 1986, p.12) e, numa tabela abaixo, no documento, são
postulados três grupos: palavração, sentenciação, e global puro ou de contos.
Acerca do misto ou analítico-sintético, um esquema das sentenças ligadas por flechas, sugerindo a ideia de passos,
pretende explicar as premissas do método: “Parte do estudo da palavra-chave”,” fechamento silábico” e “ análise-sín-
tese” (SÃO PAULO, 1986, p.13). Em continuidade há dois quadros cujo conteúdo condensa os procedimentos meto-
dológicos de acordo com o que segue: o da esquerda sugere a apresentação e estudo da palavra-chave; apresentação e
estudo da sílaba retirada da palavra-chave; fechamento da família silábica e formação de novas palavras, frases e texto;
o da direita postula uma variação: apresentação e estudo da frase formada com a palavra-chave e com palavras que
contenham sílabas conhecidas e em estudo; os demais procedimentos são análogos.

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Embora divirjam em relação aos procedimentos metodológicos, tanto as orientações sintéticas quanto ana-
líticas partem de pelo menos cinco pressupostos semelhantes. Parafraseando Soares (2016), baseada em Ferreiro e
Teberosky (1985), os cinco pressupostos são os seguintes: 1 - o domínio do sistema de escrita alfabética, visto como
condição e pré-requisito para a leitura e produção de textos reais (em devir); 2 - o pressuposto de que para aprender
esse sistema, a criança dependa de estímulos externos selecionados ou construídos de forma artificial objetivando a
apropriação da tecnologia da escrita; 3 - a prevalência do ensino sobre a aprendizagem, o que talvez sugira dizer que
a alfabetização “se reduz a uma escolha de método”; 4 - o fato de “ambos considerarem a criança como um aprendiz
passivo que recebe o conhecimento que lhe é transmitido por meio do método e de material escrito” e 5 - “[...]embora
tenham sido considerados opostos e até incompatíveis, métodos sintéticos e métodos analíticos inserem-se no mes-
mo paradigma pedagógico e no mesmo paradigma psicológico: o associacionismo.” (p. 20).
No que tange às práticas escolares habituais, a primeira a ser abordada é a leitura, cujo texto se depreende um
cotejo entre atividades habituais (entendidas como aquilo que se deve evitar) e demais atividades que listo adiante.
Em relação às primeiras, o documento parte do pressuposto de que habitualmente se trabalha com os objetivos
de: “treino entonação, ritmo, pronúncia”; “treino de atenção”; “preparo de escrita”; “avaliação” (SÃO PAULO, 1986,
p.14). As segundas, fazem menção a diferentes “tipos” de leitura e os relaciona à situações específicas: oral, real, recre-
ativa, informativa, “estudo”, geradora de outras produções, numa orientação marcadamente interacionista.
Quanto à interpretação/produção de textos, a principal ideia veiculada é o uso da linguagem com a função
comunicativa.
A cópia é tratada com várias críticas. Tenta-se desconstruir práticas e hábitos relacionados à suposição de que
para ler e escrever é preciso fixar a grafia de cada palavra, valorizando “(...) os aspectos formais: letra, pontuação,
espaço entre palavras, etc.” (SÃO PAULO, 1986, p. 16). As autoras e pretendem discutir a asserção de que “A cópia é
um dos procedimentos para se apropriar da escrita, mas não é o único e nem o melhor” (SÃO PAULO, 1986, p. 16).
Tal como as outras práticas, o ditado3 é apresentado sobre o dualismo do que não se deve e o que se deve fazer.
Ataca-o como prática estritamente escolar, ou seja, que praticamente não existe numa situação cotidiana fora da
escola e que, nesses parâmetros, teria como objetivo a avaliação do aluno e a fixação da grafia (cópia), o que mostra
“cuidados excessivos para se prevenir o erro”.
No que se refere ao trabalho em pequenos grupos, o texto argumenta em favor dos benefícios da prática e traz
um conselho. De acordo com as autoras, os benefícios são: o favorecimento “[...] do processo de individuação” e “a in-
teração social entre iguais”; “ a cooperação, a responsabilidade, o compromisso e o respeito mútuo”; “os intercâmbios
verbais”; “as lideranças autênticas”(SÃO PAULO, 1986, p.18). As vantagens em relação à escrita, são as de que: “as
crianças podem dividir e confrontar suas concepções de escrita, sendo informantes umas das outras”. Recomenda-se
que as crianças sejam agrupadas segundo “níveis diferentes, porém próximos”, “caso contrário, repetiremos a situa-
ção tipicamente escolar, alguém que sabe mais e dá sempre as respostas, provocando passividade nos outros” (SÃO
PAULO, 1986, p.18).
A temática subsequente se registra como “Nova prática de alfabetização (baseada na teoria de Psicogênese da
Alfabetização)”. O material apresenta um quadro dividido em duas seções. Na primeira são listadas situações que ob-
jetivam a “Aproximação da criança com a língua escrita”, tais como “convivência e manuseio de materiais impressos”;
“organização de um ambiente rico em escrita”; “registro na lousa ou em papel de relatos orais dos alunos”; “vivência,
junto à criança, de situações que auxiliem a perceber o uso social da escrita”; “contato e exploração de palavras inteiras
e significativas”; “produção e leitura de textos”(SÃO PAULO, 1986, p.19).4 A segunda seção diz respeito ao “Traba-

3 Como prática recorrente de avaliação em Língua Portuguesa, o ditado pode ser compreendido na dimensão docimológica proposta por
Chervel (1990), como um dos aspectos das disciplinas escolares.
4 O foco do paradigma ensejado pelo chamado construtivismo de Ferreiro, desloca o foco do ensino para aprendizagem e propõe que a
criança seja desafiada com leitura e escrita reais, o que de alguma forma também caracterizou o(s) método(s) de alfabetização, historicamente
constituído(s) como “questão”, como algo irrelevante, haja vista que não há proposição de método no construtivismo, mas sim uma nova
caracterização teórica do objeto do processo de alfabetização, a língua escrita. A esse respeito Mortatti (2000) e Soares (2016), utilizam a
palavra “desmetodização” para se referir a desvalorização do método enquanto fator crucial no processo de alfabetização. Em se tratando de
alfabetização, uma das grandes questões que, talvez até hoje, engendre a busca pelo método ou pela concepção teórica mais assertiva, é o
fato de muitas crianças (ou escolas?) fracassarem em relação à aprendizagem da leitura e escrita. O pensamento construtivista de Ferreiro e
Teberosky (1985) é um projeto em função dessa chaga aberta, sobretudo, na América Latina.

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lho de análise e síntese de palavras” e sugere “divisão de palavras em sílabas escritas”; “atividades para conservação
e estabilidade das sílabas”; “análise e síntese”; “produção e leitura de textos”; “informação sobre a escrita convencio-
nal”(SÃO PAULO, 1986, p.19). Essa segunda seção sugere uma prática eclética, analítico-sintética, e fere os desígnios
construtivistas.
Ao final do material, as autoras escrevem princípios norteadores quanto ao construtivismo em alfabetização,
quais sejam: “Alfabetizar é reinventar a escrita” (SÃO PAULO, 1986, p. 20); para isso é preciso “pensar sobre ela, agir
sobre ela, compreendê-la”(SÃO PAULO, 1986, p. 20). “O professor não alfabetiza o aluno. Ele é o mediador entre o
aprendiz e a escrita, entre o sujeito e o objeto deste processo de apropriação do conhecimento”(SÃO PAULO, 1986,
p. 20). Ele “(...) precisa conhecer o sujeito, o objeto e o processo de alfabetização. Nenhum método substitui esse co-
nhecimento”(SÃO PAULO, 1986, p. 20). Quanto à atividade docente:

Esta mediação consiste em estruturar atividades que permitam à criança agir/pensar sobre a escrita. Recriando
estas atividades permanentemente, em função da análise dos erros (construtivos) infantis dentro de uma estratégia
de favorecer os conflitos geradores de avanço conceitual. (SÃO PAULO, 1986, p. 20).

OBSERVAÇÕES QUANTO À ELABORAÇÃO, AUTORIA, ESTRUTURA E CIRCULAÇÃO

O material é constituído por 84 páginas datilografadas, num formato de livreto sem costura ou grampo. É de
1986 e teve uma tiragem de mil exemplares.
O cabeçalho presente na capa circunscreve o material institucionalmente junto aos órgãos que listo a seguir e a
última página do arquivo traz informações que nos permitem rememorar os sujeitos que compunham esses órgãos,
a saber, setor de treinamento e aperfeiçoamento5, chefiado por Maria Antonieta Gullo, da Divisão de Orientação
Técnica - Ensino de 1º e 2º graus, liderada por Marlene de Paula Lattouf do Departamento de Planejamento e Orien-
tação, dirigido por Maria José Fonseca Barbosa Teixeira, da Secretaria Municipal de Educação e do Bem- Estar Social
da Prefeitura do Município de São Paulo, tendo como secretário, Paulo Zingg e prefeito Jânio da Silva Quadros.
Como referências bibliográficas, o documento propõe duas seções, uma para Língua Portuguesa e outra para
Matemática. A bibliografia para língua portuguesa conta com 29 publicações, dentre as quais 8 são assinadas por
Emilia Ferreiro e colaboradores.

PRESCRIÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: APROPRIAÇÕES E


ESTRATÉGIAS

Os artigos dispostos de forma subsequente são complementares e partem em defesa do novo paradigma en-
gendrado pela Psicogênese da língua escrita. O material ajuda a “repensar” a prática, mas não explícita método de
alfabetização, a não ser estratégias de ensino. Como afirma Soares (2016, p.21-22), “O construtivismo não propõe
um novo método, mas uma nova fundamentação teórica e conceitual do processo de alfabetização e de seu objeto, a
língua escrita”. Ainda a esse respeito Ferreiro e Teberosky (1985, p. 15), esclarecem que não pretendiam propor uma
nova metodologia de aprendizagem nem uma nova classificação dos transtornos da aprendizagem.
O próprio termo “prática” sugere resquício, sob a égide daquilo que é classificado como anterior à chegada
da Psicogênese da língua escrita, mas também apontado como contemporâneo e coexistente, de que aprender a ler
(sobretudo) e escrever é questão de prática, ou melhor, de método. Logo, se o indivíduo não aprendeu a ler é porque
o método empregado não foi o adequado, remontando então às disputas entre partidários dos diferentes métodos.
Contudo, nesse documento, a palavra ganha centralidade de forma estratégica e, associada a ação de repensar, impõe
ideias que giram em torno de pôr em xeque o que se pensa/aposta, pensou/apostou sobre como se alfabetiza ou como
5 Na última página há também a indicação de uma equipe responsável formada por Ana Maria da Silva Ghion, Elizabeth Castellao Martins,
Maria da Graça Azenha Bautzer Santos, Miriam dos Santos, Myriam Lisetti Ferraresi Sá Sonnewend. Provavelmente esta equipe foi a equipe
de 1ª série que assina o texto introdutório.

456
o aluno aprende ou como o professor ensina ou deve ensinar, tentando, obviamente lograr êxito na disputa entre
partidários do que chamamos de tradicional e as novas descobertas do ponto de vista pedagógico e psicolinguístico6.
Como delineadoras desse processo de modernização frente ao ensino de Língua Portuguesa, sobretudo com
relação à fase inicial, além das preocupações com a aprendizagem prazerosa, a inquietação com a origem social dos
estudantes e a insistência na aprendizagem como um processo de apropriação do conhecimento, a análise da confi-
guração textual do documento “Repensando a prática de alfabetização”, de 1986 demonstra que houve apropriação de
conceitos construtivistas pelos sujeitos autores do material de formação, como: o postulado de que a aprendizagem
é um processo de construção do sujeito mediante processamentos de assimilação e a crítica a modelos condutistas
de aprendizagem; o conceito de assimilação dentro do sistema de equilibração proposto por Piaget; a ideia de sujeito
cognoscente e as implicações desta ideia ao ensino; o conceito de conflito cognitivo e as condições oportunizadas pelo
meio – ambiente alfabetizador - para interação com a linguagem escrita, além da socialização e constantes trocas de
saberes entre os educandos; a necessidade de conhecer o desenvolvimento do pensamento infantil sobre a escrita e as
hipóteses infantis sobre a escrita enquanto sistema simbólico de representação; a ideia de ontogênese, que é a rein-
venção do sistema de escrita alfabético por parte do sujeito, tal como a filogênese, que dá nome ao processo coletivo
de invenção da escrita na espécie humana; escrita e leitura do aluno como reveladoras das hipóteses subjacentes às
representações escritas; relativização do método pela supremacia dos processos de aprendizagem, manifestados pelas
hipóteses infantis, além de críticas quanto às percepções auditivas e visuais, focos dos métodos tradicionais de ensino
de leitura; e crença nas diferenças de contato com a escrita em função da origem social dos estudantes.
Como estratégias de convencimento para implementação do construtivismo na qualidade de aporte teórico
para alfabetização, percebe-se: além de uma entre várias formações acontecidas no período, o uso de referências te-
óricos construtivistas, como no caso de Ferreiro e Teberosky (1985) e uma das especialistas que debatem temáticas
afins, Telma Weisz (Escola da Vila, à época); uso de princípios construtivistas junto à práticas anunciadas de caráter
interacionista; e crítica às práticas escolares habituais.
Em suma, quanto à apropriações construtivistas pelos sujeitos responsáveis pela implementação do constru-
tivismo em alfabetização no município de São Paulo, percebe-se um descortinar que inclui muitos outros conceitos
teóricos que ainda não se faziam presentes no período referente à administração Mário Covas. As estratégias ou
mecanismos de implementação também têm modificações, sobretudo no que tange ao aporte teórico que, no período
janista, aparece de maneira clara e nominal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Tradução de Diana M. Linchestein et al. Porte Alegre:
Artes Médicas, 1985.

6 Pelo silêncio eloquente marcado pela ausência de discussão abrangente sobre os métodos, a sistematização das principais ideias dos métodos
de alfabetização associada a orientação de prática de sala de aula beira o que chamamos de ecletismo.

457
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. Tradução de S. F. Borges. In: Enciclopédia Einaudi – I. Memória-História.
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SOARES, Magda Becker. Alfabetização: o método em questão. In: _______. Alfabetização: A questão dos métodos. São Paulo:
Contexto, 2016.

458
AMÁLIA HERMANO TEIXEIRA:
UMA INTELECTUAL GOIANA ESCOLANOVISTA

Luciana da Silva Martins - PUC-GO1

RESUMO: Este trabalho expressa parte dos resultados de uma pesquisa sustentada pela história dos intelectu-
ais; tem como objeto de estudo as contribuições de Amália Hermano Teixeira no movimento escolanovista em Goiás.
O procedimento metodológico que sustentou esta pesquisa consiste no Contextualismo Linguístico, fundamentado
por Quentin Skinner, pela ótica de Vieira (2008; 2015; 2017) e Silva, Ricardo (2010). A elucidação dos resultados
desta pesquisa está dividida neste trabalho em três partes; sendo que a primeira trata da contextualização histórica do
cenário goiano, no início do século XX, que se instaurou a partir de enfrentamentos político-sociais e ideológicos e
a colaboração com o sistema de poder firmados pelo apoio escolanovista, por meio do qual se buscou uma compre-
ensão dada pelos escritos de Amália Hermano Teixeira (1916-1991) e sua visão em relação a todo esse processo. A
segunda parte busca responder ao objetivo de instaurar uma explicação sobre a participação dos intelectuais na con-
solidação do ideário educacional goiano; retrata as relações institucionais, sociais e intelectuais de Amália Hermano e
os nexos desta intelectualidade, que constituiu-se no estado goiano e em contribuições à expansão e permanência de
um ideário pautado na proposta governamental. A terceira parte assume a função de apresentar um foco à intelectual
Amália Hermano Teixeira e ressaltar as suas contribuições enquanto professora e partícipe na estruturação do pro-
cesso educacional goiano, com vistas à Escola Nova. Conclui-se este trabalho, com o convencimento de que Amália
Hermano Teixeira atuou no contexto educacional goiano, como militante do movimento escolanovista, combinando
estratégias e ideários advindos do governo, de forma a concretizar uma ação educativa voltada para novos padrões
sociais em que a sociedade engrenava-se. Configurou-se assim, um pertencimento a um cenário em que Amália Her-
mano fez-se parte integrante e ativa, com propósitos pensados e normatizados à época, constituindo-se como parte
importante da história da educação em Goiás.
Palavras-chave: 1.Amália Hermano Teixeira. 2.Intelectual. 3.Escolanovista

INTRODUÇÃO

A escolha de analisar a contribuição da intelectual2 Amália Hermano Teixeira, como objeto de pesquisa, teve
como motivação fazer uma leitura, pelo olhar de uma professora, sob as contribuições dos escolanovistas na luta pela
educação pública brasileira em Goiás após a revolução de 1930.
Nesse contexto, Amália Hermano Teixeira surgiu como expoente, com sua história já registrada, como perso-
nagem que muito contribuiu para a organização educacional goiana em tempos em que a história do Estado estava
sendo reconstruída com novos marcos políticos, década de 1930. Além de caracterizar-se como profissional da edu-
cação, sua atuação teve múltiplas facetas, foi advogada, e professora, com ampla participação na produção e direção
de revistas pedagógicas e informativas.
Assim, esta pesquisa teve o propósito de investigar mais detidamente, a história intelectual e profissional de
Amália Hermano Teixeira enquanto professora, que atuou como participante do movimento escolanovista goiano e
como tal, no contexto histórico de mudanças políticas e educacionais em Goiás, no período compreendido entre as
décadas de 1930 e 1960.
Ao optar pela pesquisa dos intelectuais, buscou-se utilizar este procedimento sugerido pelo Contextualismo
Linguístico; uma vez que se propõe neste trabalho uma compreensão que busca estudar a intenção de Amália Her-
mano Teixeira ao produzir suas obras, principalmente significados por ela atribuídos ao seu discurso, ao ressaltar-se
como escolanovista e quais foram as suas intenções na participação do movimento pela Escola Nova em Goiás.

459
O conceito de intelectual que respalda esta pesquisa, institui da concepção apresentada por Vieira (2008), que
compreende o termo como polissêmico e carregado de significados atrelados à cultura social. Segundo Vieira, (2015,
p. 07) “os intelectuais formam um estrato social quantitativamente reduzido, porém com poder significativo, guarda-
das as peculiaridades de cada conjuntura social e histórica”.
O mesmo autor acrescenta ainda, que o reconhecimento desses intelectuais não demanda necessariamente do
termo. Entretanto, outros termos semanticamente correlatos podem designar o mesmo intuito como, no caso do
Brasil, o termo profissionais da educação que foi o termo utilizado pelos intelectuais associados ao movimento esco-
lanovista, os quais o utilizaram para se autorrepresentarem no Brasil nos anos 30.

A CONSTRUÇÃO DE UMA INTELECTUAL: DE NATIVIDADE PARA A PARTICIPAÇÃO


ATIVA DA EDUCAÇÃO GOIANA

Nascida na cidade de Natividade em 23 de setembro de 1916, região do norte de Goiás, atualmente Estado do
Tocantins, Amália Hermano Teixeira mudou-se para a cidade de Itaberaí ainda criança, acompanhada de seus pais,
Manoel José Hermano vulgo Manduca e Archângela Pereira Hermano; eles eram fugitivos da “Revolta do Duro” (em
São José do Duro, hoje Dianópolis). Teve suas primeiras aulas com a professora Maria Cazuza Hermano que era tia de
Amália Hermano Teixeira. Mais tarde, juntamente com a família, mudou-se para a antiga Capital do Estado, Cidade
de Goiás; nesse local, sua família manteve por vários anos uma pensão conhecida por abrigar jovens do norte goiano
que vinham estudar na cidade. “Pensão Manduca, que era uma pensão do tipo refúgio dos nortenses, que vinham de
onde é hoje o Estado do Tocantins”. (CURADO, 2017, entrevista).
Já moradora da Cidade de Goiás, Amália Hermano Teixeira cursou o primário no Grupo Escolar de Goiás,
tendo como professora Emília Perillo Argenta e o ensino secundário no Lyceu de Goiás. Tornou-se normalista em
1935 e em 1936 foi para o Rio de Janeiro para representar Goiás na Universidade Rural do Brasil. Ao retornar-se, em
1937, casa-se com o então advogado Maximiano da Mata Teixeira e muda-se para nova capital de Goiás, lugar que
construirá uma complexa e ampla campanha em prol da Educação Nova, promoverá, a partir das oportunidades de-
correntes e de uma rede de sociabilidade ampla e proveitosa, sua jornada, a qual iniciou como profissional na Escola
Normal Oficial e estendendo-se para diversos outros campos.
Contudo, importa esclarecer, que a jornada constituída por Amália Hermano Teixeira enquanto intelectual, fez-se
continuamente e conflitada com interesses e diferenças políticas que a mesma deixou registrada em seus escritos. Amá-
lia Hermano Teixeira faleceu em 1991, na cidade de Goiânia, deixando-nos um rico e fecundo material investigativo.

REFLEXOS DA REVOLUÇÃO DE 1930 E O CENÁRIO GOIANO

As discussões a partir da historiografia pesquisada nos remete à compreensão de que a educação proposta em
Goiás, semelhante ao que ocorreu em todo o país, assentou-se em um contexto de modernidade imbuído pelas mu-
danças advindas de transformações, a partir da modernização capitalista ocasionadas por lutas políticas e ideológicas
liberais que ascenderam ao poder a partir da revolução de 1930. E estas lutas estão inteiradas no contexto que compõe
a história de Amália Hermano Teixeira.
Nesse cenário, os intelectuais, inclusive Amália Hermano Teixeira, constituíram papel fundamental na par-
ticipação ativa em diversos empreendimentos determinados para esta nova política do Governo, amparados pelo
discurso de não envolvimento político; mas sustentados pela militância intelectual, pela participação cultural e pela
difusão de ideais renovadores.
Dessa forma, é possível apreender a participação intelectual da professora Amália Hermano Teixeira em um
período específico; o período de aceleração do movimento escolanovista, ao compreender os nexos que sustentavam
sua forma de ver o mundo, de atuar nele e de representá-lo por meio de seus discursos.

460
Ressalta-se também as diferentes posições dos intelectuais frente ao movimento escolanovista no cenário goia-
no e este fato ocorreu devido as transposições utilizadas pelo governo para inserir nas ações educacionais interesses
governamentais.
A partir do golpe de Estado Novo em 1935, várias propostas ressaltadas em 1930 foram anuladas, instituída
uma política de centralização e de censura à oposição, que até então era acentuada por uma política conciliatória.
A contar destas novas propostas impostas pelo governo, muitos dos defensores da Escola Nova, desiludidos
com os rumos tomados, abandonam seus papéis dentro da nova estrutura governamental. Entretanto, muitos outros
intelectuais continuaram suas participações, hora no congregar das ideias, hora refutando-as.
No que diz respeito ao Estado de Goiás, as mudanças foram inseridas naturalmente, apoiados pela impressa,
observa-se que os intelectuais, em sua grande maioria, apoiaram sem conflitos aparentes as novas cisões e remendos
que foram inseridos no processo educacional. Destes, classifica-se a professora Amália Hermano Teixeira e sua cres-
cente atuação no cenário goiano, como uma das grandes intelectuais que se projetou neste novo cenário, ao assumir-
-se como aliada e defensora do governo.
Advogando estes princípios neutralizadores de conflitos, e, ao mesmo tempo de ampliação desenvolvimentista;
implantou-se em Goiás, uma educação que atendia a esses anseios, uma escola que atendia aos preceitos renovadores,
que figurasse o ideal que o Estado projetava. Uma escola que atendesse ao novo, que refutava o imobilismo, que acen-
tuava os ideais de progresso, de iniciativa, inovação e neste contexto cabiam os propósitos escolanovistas movidos
pelos ideais renovadores por uma Escola Nova.
Uma Escola Nova, mas que ressaltasse o nacionalismo, o valor de um governo forte, e para adequar à estas con-
figurações, muitas práticas antigas continuaram a existir, dentre elas, a ordem e o civismo, o amor à Pátria, à nação,
ao espírito de unidade.
Ao atentar para o novo formato educacional, o Governo de Goiás configurou também uma nova imagem de
gestores, de professores, de intelectuais que promovessem os novos ideais.
Neste novo cenário, foram utilizadas as influências dos intelectuais que confirmaram, aplaudiram e divulgaram
as novas propostas, de modo a estabelecer uma rede de sociabilidade entre eles e, nesta rede, foram protagonistas na
difusão e aceleração do processo renovador, rede da qual Amália Hermano Teixeira se fez como intelectual também
protagonista.
Teixeira acreditava que o ensino deveria ser ativo, prático, para além da sala de aula e tal fato está bastante
explicito em seus discursos e práticas, que a aprendizagem deveria ocorrer por meio da experimentação, da pesquisa,
do contato que é possibilitado a partir do sentido, do construído.
Essas concepções somadas à preocupação com um saber baseado no conhecimento aprofundado, na técnica e
no detalhamento, constitui-se em sua proposição de um ensino escolar pautado nas propostas da Escola Nova, tantas
vezes citada em suas publicações, intentando enfatizar e explicar seus fundamentos e as ações pedagógicas dela decor-
rentes. Neste âmbito vale a consideração de Silva, (2010) sobre o Contextualismo Linguístico, a linguagem representa
o pensamento já intentado, planejado, as grafias e a linguagem representam um cenário dentro de regras que o autor
não tem como se desvincular.
Um caderno com planos de aula elaborado por Amália Hermano Teixeira em 1940, quando ela era professora
na Escola Normal Oficial, em turmas de 3.ª e 4.ª séries do Curso Normal e no livro autobiográfico de 1946, obra já
discutida, confirmam esta afirmação:

Mesmo distante da Escola onde, como professora, dei tudo o que lhe podia dar, em dedicação e esforços, continuo
e continuarei a batalhar pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento do ensino goiano. A campanha que sofri, as in-
justiças que padeci, longe de me fazerem desertar, constituem motivo para que, retemperada, continue na minha
cruzada da Escola Nova contra a Escola Antiga (TEIXEIRA, 1946, p. 8).

A representatividade da professora Amália Hermano Teixeira não se restringia às suas ações profissionais em
sala de aula, mas estendia-se na contribuição educacional para propagação do ideário escolanovista, conforme expos-
to em reportagem da Revista Educação sobre o II Congresso Nacional de Educação de Adultos:

461
Honrada com a escolha de meu nome pelo dr. Wilson Lourenço Dias, titular da Secretaria da educação, para re-
presentar Goiás no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, levei para o Rio os dados relativos ao Serviço
estadual. Agradeço à srta. Maria Dolly Félix de Souza, então Diretora do Departamento estadual de estatística, e ao
Sr. Manoel Paulino da Costa, do Setor de Administração do SEA, os informes e quadros estatísticos que me forne-
ceram dentro de poucas horas, e que muito me serviram no desempenho de minha missão na Capital da República.
(REVISTA EDUAÇÃO, 1959, p. 36).

Em outro trecho da reportagem, a autora descreve os benefícios advindos da participação do Estado no Con-
gresso e das benfeitorias recebidas do MEC para contribuir com a realização das necessárias mudanças na educação
do Estado, ao mencionar uma ação característica dos escolanovistas que era a utilização de projetores e filmes, para
implantação do projeto cinema educativo:

Da parte do Departamento nacional de Educação do MEC tive a satisfação de trazer para a Secretaria de Educação
de nosso estado dois Projetores OTT BEM DER, 2 coleções de Diafilmes e folhetos instrutivos. E no Instituto
de Educação cada uma de minhas alunas e mais detrás séries e mesmo as do curso ginasial se transformaram em
voluntárias da campanha pela elevação do nível cultural do povo goiano. Alistaram-se na campanha <de mais
um>, pois tomarão a si a educação de um adolescente ou adulto, recebendo do Ministério da educação o material
didático necessário. Com o apoio do governador José Ludovico de Almeida, o secretário da Educação e Cultura,
dr. Wilson Lourenço Dias, faz circular esta revista, portadora de instruções ao professorado goiano e órgão divul-
gador de suas atividades profissionais (TEIXEIRA, 1959, In: REVISTA EDUCAÇÃO. 1959, p. 41).

Amália Hermano Teixeira integrou um grupo de discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) Nacional,
lutou pela implantação de clubes agrícolas com o propósito de disseminar aos estudantes o gosto pelo ensino rural,
também uma característica marcante das proposições da Escola Nova. Em Goiânia foi a fundadora do grupo agrícola
da Escola Normal, como consta no relatório da Primeira Diretoria do Clube Agrícola ‘‘General Couto de Magalhães’’
da escola Normal oficial:

Tendo sido o Clube Agrícola ‘Couto de Magalhães’ fundado pela professora Amália Hermano Teixeira, Cate-
drática de Geografia, Corografia do Brasil e Cosmografia da Escola Normal Oficial, em 21 de setembro de 1943,
como uma feliz conseqüência das atividades e estudos realizados pela ‘SEMANA DA ÁRVORE’ dêsse mesmo ano,
a primeira levada a efeito no Estado de Goiaz, fui, a 9 de maio de 1944, eleita Secretária dessa entidade educativa
(TEIXEIRA, 1946, p. 66 grafia no original).

Outra característica marcante dos intelectuais escolanovistas que também esteve presente na trajetória da pro-
fessora Amália Hermano Teixeira foi a busca intensa de publicar, característica dos intelectuais escolanovistas; a
utilização da escrita para propagar seus ideais.
Amália Hermano Teixeira publicou livros em diferentes circunstâncias: o livro- O curioso caso da escola Normal
Oficial, (1946) - publicação resultante de sua desavença com a então diretora Ofélia Sócrates do Nascimento Mon-
teiro. Amália Hermano Teixeira apresentou-se no livro como uma professora dedicada, voltada ao interesse de pro-
mover aulas dinâmicas e atrativas, respaldadas por lições práticas e que despertasse o interesse das alunas nas mais
diversas práticas com a natureza. No livro, a autora ressalta sua prática como escolanovista. O trecho a seguir é escrito
em defesa de sua própria pessoa:

Para melhor objetivação do ensino, tomou a si a tarefa de ministrar a todas as alunas da escola Normal Oficial
lições práticas, despertando-lhes o interesse pelas coisas da natureza. Para tal fim, tem ela promovido excursões
a hortos, chácaras, campos de experimentação; visitas a farmácias, estabelecimentos industriais, dessa maneira
estimulando nas jovens o amor pelo, desenvolvendo-lhes espírito de cooperativismo e camaradagem, para melhor
conhecimento e valorização de nossas riquezas naturais e do nosso progresso social (TEIXEIRA, 1946, p. 21).

Em contrapartida, no mesmo livro estão expostos os ofícios que, utilizados pela direção da escola, atestam as
faltas da professora Amália Hermano Teixeira junto à escola, suas desobediências aos padrões impostos, gerados por
divergências entre ela e a Diretora da Escola Normal. Tal fato permite, de acordo com a pesquisa de Brezezinski (2006)3,
3 Sobre a pesquisa da professora Iria Brezezinski, apresentada em Uberlândia-MG “Instituto de Educação de Goiás (1937-1972): O movimento

462
conceber a ideia de que os professores da Escola Normal Oficial foram tocados pelo processo escolanovista; mas nem
todos os professores concordavam ou eram adeptos deste movimento educacional, o que gerava todo um contexto de
conflitos e interpretações diferenciadas quanto à disciplina, organização curricular, práticas de ensino, entre outros.
As produções que remetem à análise sobre a participação de Amália Hermano Teixeira no Movimento es-
colanovista, foram publicadas na Revista de Educação, entre os anos de 1959 a 1962, quando a Revista tinha como
diretora a própria Amália Hermano Teixeira.
A trajetória institucional de Amália Hermano Teixeira foi marcada por aulas dinâmicas, profundo carinho
exposto por suas alunas e conflitos apresentados por colegas. A autora trabalhou na Escola Normal de 1937 a 1946.
Sobre a escola Normal, Brezezinski (2006) nos explica que:

A trajetória da Escola Normal de Goiás foi semelhante à das demais províncias: extinta, reaberta, criada como
apêndice do Liceu, e , finalmente, conseguiu sua autonomia em 1929.Os professores goianos, desde os do jar-
dim da Infância até os da escola Normal, foram tocados pelos princípios da escola Nova, e com o apoio
dos paulistas realizavam inversões substantivas que iam desde uma nova concepção de professor e alu-
no até aos novos métodos de ensino; procurou-se deslocar o eixo da questão pedagógica do professor para o
estudante, dos conteúdos para os métodos e processos pedagógicos, do espaço para o interesse...Essa tendência
pedagógica iluminou a reforma educacional em Goiás que caminhou da base do sistema educacional até a Esco-
la Normal Oficial. Essa reconhecida como escola normal modelo para todo o território goiano, sofreu profun-
das modificações. [...] O ano de 1929 é o marco da independência do Curso Normal, consagrada pelo Decreto
nº10.445/1929. Foi instalada definitivamente em 1930, em nova sede (BRZEZINSKI, 2006, s.p).

Assim, percebe-se que o contexto percorrido institucionalmente por Amália Hermano Teixeira, não corres-
ponde a um contexto apenas de aplausos, em conformidade a muitos outros professores da época, que assim como
Teixeira, tiveram que enfrentar desafios para realizar suas práticas e aquilo que acreditavam. Refere-se a um cenário
de lutas, intrigas e interesses, conforme apresenta os recursos utilizados pela diretora da escola para caracterizar
Amália Hermano Teixeira como professora:

1ºConsiderando que a professora Amália Hermano Teixeira (da Cadeira de Geografia, Corografia e Cosmo-
grafia) é desidiosa no cumprimento de seus deveres, faltando às aulas sem motivo justificado, tendo agora
passado 29 dias (de 24 de julho a 21 de agosto) fora do exercício do cargo e afastada desta cidade simplesmente por
passeio, que não se interessa pelo aproveitamento das alunas, chegando quase sempre atrasada às aulas; 2ºCon-
siderando que a professora Amália Hermano Teixeira é indisciplinada, já tendo por duas vezes na gestão
do prof. Lopes Rodrigues, e uma vez na minha (sic.), provocado dentro da Escola discussão violenta, em termos
ofensivos e altos gritos, dando péssimo exemplo às alunas, e desrespeitando autoridade do Diretor... 3º conside-
rando que a professora Amália Hermano Teixeira exerce, sabotagem dentro da Escola contra o Diretor
do estabelecimento e a inspetora de alunos [...] considerando que já se tornou um hábito da professora Amália
Hermano Teixeira o desrespeito a autoridade do diretor da Escola, cousa de que ela se blasona com todo orgulho
(TEIXEIRA, 1946, p. 22, 24, 25, grifos da autora).

Essas divergências retratam de forma implícita a luta de forças internas presentes na escola, e na sociedade.
Neste cenário, Pedro Ludovico Teixeira como interventor Federal e, depois, como governador, relacionava-se com
os seus, proporcionava-lhes cargos, participações em eventos e por conseguinte gerava conflito de interesses que, de
acordo com Miceli (1979, p.132) “os intelectuais do regime Vargas se empenhavam sobretudo em ampliar, reforçar
e gerir panelas burocráticas de que faziam parte e só se sentiam credores de lealdade em relação ao poder central”.
Neste sentido, observa-se que Amália Hermano Teixeira apresentava-se como influente no meio social e polí-
tico, participava ativamente junto a elite política e social, o que de alguma forma gerava toda uma situação de disputa
com outros intelectuais:

Tendo, em maio último, a recorrente empreendido viagem ao Rio de Janeiro, integrando uma Comissão da Fa-
culdade de Direito de Goiaz, que alí fora especialmente convidar o exmo. Senhor Ministro da Educação e saúde,
doutor Gustavo Capanema, a parafinar a turma de bacharelandos de 1944, encontrou, dentro do curto prazo de

instituinte - instituído” em 2006.

463
quatro dias úteis, o necessário tempo para, no Ministério da Agricultura, apresentar a documentação exigida ao
registro regular do “Clube Agrícola general Couto Magalhães”, da escola Normal oficial (TEIXEIRA, 1946, p. 21).

Caracteriza-se Amália Hermano Teixeira como uma professora que se destacava por ser participante, ativa dos
projetos oficiais do Estado e representante assídua do governo em diversos eventos educacionais, tanto como partíci-
pe, como motivadora para muitos colegas professores e alunas. Ela utilizou-se de sua atuação enquanto docente para
promover valores semeados pelo regime, e para propagar as políticas do governo por meio da Revista de Educação,
veículo para exposição desses discursos
Ressalta-se ainda, a sua posição social e as suas influências junto à Secretaria de Educação do Estado de Goiás.
O dia a dia de Amália Hermano Teixeira como professora foi pautado, também, em princípios escolanovistas,
tal fato fica evidente a partir da análise em seus planos de aulas. Compreendendo que o plano de aula e materialização
do planejamento representa o que Skinner determina como o intencional, o planejado antes da ação, a utilização da
linguagem para representar o que se intentou. Nos planos de aulas elaborados por Amália Hermano Teixeira, em
1940, são característicos os traços escolanovistas de seu pensamento caracterizado nos planos e na linguagem técnica,
organizada e científica que indica a valorização da criança como centralidade da ação educativa.
Em muitos pontos encontra-se caracterizado este pensamento, entretanto para esta análise, há um ponto espe-
cífico, no início do plano de aula, página 01, com o título metodologia da leitura, sendo que a autora propõe concei-
tuar leitura com o propósito de se compreender o significado do conceito, as diferenças entre leitura oral e silenciosa,
símbolos e sons. Ainda é apontado no plano, o início da civilização e seu pensamento quanto à leitura, fazendo um
paralelo explicativo com o conceito apontado:

O homem das civilizações primitivas não podiam compreender esse mistério; o livro e a escrita inspiravam reli-
gioso respeito. Para o povo supersticioso saber, educação e leitura são termos sinônimos. Os antigos ignoravam
o processo psico-fisiológico da leitura. A leitura não é um poder de caráter geral; é um conjunto de capacidades
específicas. Si a criança, ignora porque deve ler isto ou aquilo não o pode fazer de modo inteligente (TEIXEIRA,
1940, p. 1, caderno de planos, sublinhados no original).

Percebe-se que a professora Amália Hermano Teixeira, registra-se enquanto professora escolanovista. Pro-
pulsora deste ideário em Goiás e promotora de diversos discursos e práticas que representam a Escola Nova. Assim,
fundamenta-se a proposta inicial deste estudo, na afirmativa que Amália Hermano Teixeira, enquanto professora
ancorou-se no movimento escolanovista, sendo uma das principais motivadoras no processo educativo goiano nas
primeiras décadas do século XX. E que por mais que ainda persistiu o ensino tradicional nas práticas educativas, o
ideário escolanovista representou-se, oficialmente sua contribuição na educação goiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos postulados pedagógicos da intelectual Amália Hermano Teixeira fundou-se nas experiências e
apropriação do significado contextual que a autora manifestou. Foi explicitado neste trabalho os motivos, as circuns-
tâncias da participação política dessa intelectual, marcada pela Educação Nova e pela conjuntura do momento históri-
co no qual atuou. Ressaltou-se, também, em uma breve análise, uma compreensão do cenário de mudanças políticas,
características do plano econômico e social implantado no início do século XX, caracterizado pela Revolução de 1930.
Acredita-se que esta análise explicou os intentos que a autora objetivou, ao atentar para uma leitura de um
tempo específico, inserido em um modo de viver e de interpretar, ao respeitar as possibilidades que a situação condi-
cionava. Atrelando a este tempo, a rede de sociabilidade a qual Teixeira construiu e que a sustentou, principalmente
na sua busca de inserir as práticas e ações escolanovistas na educação goiana.
Amália Hermano Teixeira, a exemplo de grande parte dos escolanovistas em todo país, em seu tempo histórico,
defendeu uma escola pública moderna, útil, científica, como princípio norteador da educação goiana. Ressaltou-se
como uma grande estrategista que utilizou de seus saberes e posições ocupadas para propagar e instituir o ideário

464
escolanovista em Goiás e consolidou-se enquanto intelectual, ao constituir-se enquanto partícipe de sua trajetória,
não ficando alheia aos acontecimentos que fizeram –se presentes no Estado.
Considera-se, neste trabalho não uma crítica, mas há uma análise; a consolidação de um ideário e de sua cons-
tituição enquanto arranjos sociais que fizeram parte do contexto de um tempo histórico determinado.

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465
ANISIO TEIXEIRA: POR UMA EDUCAÇÃO SEM PRIVILÉGIOS

César Evangelista Fernandes Bressanin- PPGE - PUC-GO1


Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida - PPGE – PUC-GO2

RESUMO: A comunicação aqui proposta tem como tema e objeto de análise a obra “Educação não é privilé-
gio”, de Anísio Teixeira. Ela resultou das leituras e estudos realizados nas disciplinas do Programa de Pós Graduação
em Educação da PUC-GO, nível de doutoramento. Apesar desta produção de Teixeira ser de 1957 ela constitui uma
leitura permanente e atual sobre temas consideráveis acerca da educação brasileira. Assim, um dos objetivos aqui, a
partir de uma biografia do intelectual Anísio Teixeira, é conhecer sua trajetória, as marcas que deixou na História
da Educação através de suas ideias, de sua atuação política e de seu papel na construção do pensamento educacional
brasileiro. Objetiva-se, principalmente, tecer reflexões sobre o texto “Educação não é privilégio” a partir de alguns
elementos que nela se apresentam como fundamentais, a democracia, a sociedade de privilégios, a política educacio-
nal para a escola pública primária e a formação de professores. Nesta obra, Anísio Teixeira esclarece e sintetiza sua
defesa e o seu sonho por uma escola primária, pública, gratuita, de tempo integral, igual para todos, sem privilégios.
Ao mesmo tempo expõe as suas propostas de ação para mudanças eficientes e para se alcançar o que defendia e no
que acreditava, a educação como elemento primordial do processo de modernização e inovação da sociedade. Por isso
empenhou-se na organização e gestão do sistema público de ensino, com o intuito de garantir uma educação integral.
A defesa de uma educação moderna e democrática, por parte de Teixeira em “Educação não é privilégio”, constitui-se
o caminho para superar a permanência do conceito de um educação que seleciona ou especializa, fortalecida por uma
metodologia que produz e reproduz uma cultura escolar que segrega. É inegável a contribuição de Anísio Teixeira e
de sua obra “Educação não é privilégio” para escola pública brasileira. No entanto, apesar de muito ter se trilhado na
consolidação de políticas que assegurem o direito de acesso de todos à educação pública, universal e gratuita, a defesa
da democracia, da autonomia da escolas, da formação permanente do professorado, de ações articuladas entre os en-
tes federativos para o financiamento e manutenção da educação, como propõe “Educação não é privilégio”, muito há
de se avançar, ainda mais no contexto político em que nos inserimos atualmente, no qual os sinais de retrocesso são
evidenciados a cada dia na esfera da organização e gestão da educação básica e superior.
Palavras-chave: Anísio Teixeira. Escola. História da Educação. Privilégios.

INTRODUÇÃO

Este trabalho, fruto das leituras, debates e elucubrações de uma disciplina ofertada no primeiro semestre de
2018 no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC/GO, nível de doutoramento, objetiva conhecer um pou-
co melhor Anísio Teixeira e seu pensamento educacional a partir da tessitura de reflexões sobre uma de suas mais
importantes obras, a “Educação não é privilégio”.
Anísio Teixeira, considerado um dos mais importantes pensadores da educação no Brasil, como grande intelec-
tual, escreveu suas obras entre as décadas de 1930 e 1950. Nelas apresentou a marca de seu tempo e das inquietações
que, como outros intelectuais da época, tinha “com relação a construção da nação brasileira, ao desenvolvimento
industrial, à fé no método cientifico e na técnica, a democratização do país, preocupações de fundo cultural e civili-
zatório” (EVANGELISTA, 1993, p. 87).
1 Graduado em História (UFT). Mestre em História (PUC-GO). Doutorando do Programa de Pós- Graduação em Educação da PUC-GO-
Linha de Pesquisa: Educação, Cultura e Sociedade. Membro do grupo de Pesquisa: Educação, História, Memória e Culturas em Diferentes
Espaços Sociais. Técnico em Assuntos Educacionais da UFT. E-mail: kaeserevangelista@gmail.com
2 Professora Adjunta/PUC-GOIÁS-PPGE/EFPH- Linha de Pesquisa: Educação, Cultura e Sociedade; Doutora em História Cultural/UNB.
Mestre em Educação/UNICAMP-FE. Pedagoga/UCG (PUCGO). Líder do Diretório CNPq/PROPE/ Grupo de Pesquisa: Educação, História,
Memória, Culturas em Diferentes Espaços Sociais. E-mail: zeneide.cma@gmail.com

466
Teixeira era considerado um renovador, um modernista que tinha como ideal a reconstrução da nação desta-
cando a basilar e extraordinária ação da escola. Em seu pensamento explicitava-se “a ideia de escola como um pro-
cesso de cultura, de estímulo à mudança permanente e de meio de reconstrução social” (EVANGELISTA, 1993, p.
87). Seus escritos eram dedicados as possíveis e necessárias transformações de que a escola precisava passar para que
possibilitasse mudanças na sociedade e a introduzisse no mundo industrial moderno
Em sua obra aqui em análise, Anísio Teixeira evidenciou a realidade do ensino e da administração pública e
propôs, além de reflexões, um modelo de organização da educação brasileira tendo muito claro seus posicionamen-
tos frente a ela e sua luta e defesa pela educação pública, de maneira especial o ensino primário, sempre a partir dos
pressupostos da democracia.
Assim, este trabalho dedica-se a reflexões sobre o seu texto “Educação não é privilégio”, que apesar de ser de
1957 é uma leitura permanente e atual sobre temas preciosos da educação brasileira.

EDUCAÇÃO NÃO É PRIVILÉGIO: REFLEXÕES

A obra de Anísio Teixeira, “Educação não é privilégio” teve sua primeira edição em 1957. Desde então, diver-
sas outras edições possibilitaram à inúmeros leitores e estudiosos o contato com as ideias do educador. As reflexões
propostas aqui são resultados da leitura da segunda edição, revista e ampliada, do ano de 1968 que contém três partes.
A primeira intitulada com o mesmo nome da obra foi uma conferência proferida por Anísio Teixeira na Es-
cola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro em 1953. Dirigida
aos professores e técnicos desta escola, a conferência pautou-se basicamente numa reflexão sobre a política educacio-
nal para o ensino básico (FÁVERO, 2000).
Com o título “A escola pública, universal e gratuita”, a segunda parte constitui outra conferência feita em se-
tembro de 1956 na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, por ocasião do 1º Congresso Estadual de Educação
do Estado de São Paulo. Esta conferência ocasionou uma abrupta reação da Igreja e dos educadores católicos à Anísio
Teixeira e às suas ideias.
Na terceira e última parte a obra aborda a “Educação e a formação nacional do povo brasileiro”. É um coletânea
de diversos textos produzidos por Anísio Teixeira entre os anos de 1950 e 1962, entre eles, “O Plano Nacional de
Educação” elaborado pelo recém-instalado Conselho Federal de Educação, em fevereiro de 1962, e do qual Anísio
Teixeira foi o relator” (SOUZA, 1997, p. 324). Nas reflexões aqui propostas, o destaque foi dado ao texto que aborda
o problema da formação do magistério, que para ele era crucial, e que será refletida ao longo deste trabalho.
No conjunto das três partes encontramos nas ideias propostas e defendidas por Anísio diversos aspectos da
política educacional brasileira como a organização de um sistema público de ensino, o papel e deveres do Estado em
relação à educação, a gestão da educação pública, a urgência de formação e aperfeiçoamento dos professores e o ‘aces-
so e permanência na escola pública’.

ESCOLA: ESPAÇO DE DIREITO E NÃO DE PRIVILÉGIOS

Na primeira parte de “Educação não é privilégio”, o autor apresentou o dualismo presente na educação em que
“a escola era a oficina do conhecimento racional. A oficina era a escola do conhecimento prático. Dois mundos à par-
te” (TEIXEIRA, 1968, p. 14) e que refletia na educação brasileira com uma escola característica do mundo medieval,
basicamente aristocrática e que atendia somente aos interesses das elites: uma escola obsoleta em que era preciso
romper com as

Regulares e sistemáticas [...] formas arcaicas do ensino pela “exposição oral” e “reprodução verbal” de conceitos
e nomenclaturas, mais ou menos diferidos por simples “compreensão”, as quais dominam em boa parte a escola
primária e, esmagadoramente, a escola média, sobretudo a secundária, e a maior parte das escolas superiores (TEI-
XEIRA, 1968, p. 18).

467
Ao propor esta instigante reflexão acerca da política educacional enfatizando o ensino básico, Anísio apresen-
tou de forma concisa alguns elementos da educação que são formadores do homem comum e insistiu que a

[...] a escola teria de deixar de ser a instituição especial de preparo daqueles “homens racionais ou escolásticos”,
devotados às atividades do espírito, para se constituir em agência de educação do novo homem comum para uma
sociedade de trabalho científico e não “empírico” [...] Esta sociedade, está claro, teria de preparar trabalhadores
para as três fases do saber, isto é, a pesquisa, o ensino e a tecnologia [...] (TEIXEIRA, 1969, p. 16).

A categoria ‘trabalho’ empregada por Anísio Teixeira em seu texto está relacionada ao pensamento escolano-
vista: o trabalho enquanto técnica, prática que ajude ao auto desenvolvimento, ao desenvolvimento da sociedade e a
construção da democracia. Por isso defende que o ensino tem que se fazer pelo trabalho.
Por isso, em sua análise, Teixeira aponta que nas escolas brasileiras, o ensino se opõe à prática, “que não são
uma cousa nem outra” (TEIXEIRA, 1968, p. 21), pois “ser educado escolarmente no Brasil significa não ser operário,
não ser membro das classes trabalhadoras” (TEIXEIRA, 1968, p. 22). Aqui o educador baiano evidencia a escola bra-
sileira que privilegia e não proporciona a todos os mesmos conhecimentos, acentuando-se a escola dualista

[...] A escola era para a chamada elite. O seu programa, o seu currículo, mesmo na escola pública, era um programa
e um currículo para “privilegiados”. Toda a democracia da escola pública consistiu em permitir ao “pobre” uma
educação pela qual pudesse ele participar da elite (TEIXEIRA, 1968, p. 29).

Por isso, na visão de Teixeira, a necessidade de se impor uma nova política educacional era urgente. Acabar com
os privilégios, desierarquizar a sociedade, implantar uma escola comum, ou seja, uma escola para todos era urgente. Na
sua visão de educador e administrador o ensino primário era o segmento mais importante da educação. Por isso, sua
proposta era oferecer ao povo brasileiro uma escola primária adequada para dar formação fundamental, de “ministrar
uma educação de base, capaz de habilitar o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns” tendo-se presente que
esta escola primária “não é, precipuamente, uma escola preparatória para estudos ulteriores” (TEIXEIRA, 1968, p. 35).
No entanto, para Anísio Teixeira, esta escola primária a ser oferecida, além de ser uma escola pública e para
todos, sem privilégios, precisava ter características que sempre pautaram seu pensamento, seu debate, seu embate e
suas defesas: uma escola que não fosse de tempo parcial, mas sim uma escola que restituísse o tempo integral3, dife-
rente da ofertada naquele contexto, e que não fosse “nem uma escola somente de letras, nem uma escola de iniciação
intelectual, mas uma escola sobretudo de iniciação ao trabalho” (TEIXEIRA, 1968, p. 36); que tivesse seu currículo
enriquecido com “atividades práticas [...] amplas oportunidades de formação de hábito de vida real [...] com toda a
gama de suas atividades de trabalho, de estudo, de recreação e de arte” e que fosse “essencialmente regional, enraizada
no meio local, dirigida e servida por professores da região, identificados com os seus nomes, seus costumes” (TEI-
XEIRA, 1968, p. 36).
Esta escola proposta por Anísio funcionaria, em sua visão, como uma fábrica de democracia. Como ele enten-
dia a democracia? Em uma de suas obras ele a define assim, “Democracia não é no entanto, [...], somente uma forma
de governo, mas uma nova organização social em que se busca oferecer a todos os indivíduos iguais oportunidades e
iguais responsabilidades para a livre expansão de seus valores” (TEIXEIRA, 2007, p. 67).
Para o educador baiano a concepção de uma escola primária, integral e regionalizada possibilitaria a vivência em
uma “miniatura de comunidade” e favoreceria a prática da cidadania, da convivência civilizada em que o conhecimento
acumulado historicamente estaria ao alcance de todos os cidadãos – o seu pensamento sobre democracia acima definido.
Para ele, uma “escola democrática, com a participação de todos como iguais, levará ao reconhecimento dos méritos de
cada um, gerando uma participação integradora na vida comum, desenvolvendo um sentimento mútuo de utilidade no
conjunto” (NOBRE, 2012, p. 62), ou seja, a prática da democracia rompendo com a educação de privilégios.

3 Para Anísio, a redução do tempo do estudante na escola comprometia a qualidade e o não acesso ao ensino, cultura e lazer. Os horários mais
amplos de aula eram imprescindíveis para que a escola pudesse se integrar mais à comunidade. Ele conclui que “a escola primária, visando,
acima de tudo, a formação de hábitos de trabalho, de convivência social, de reflexão intelectual, de gostos e de consciência, não pode limitar
as suas atividades a menos que o dia completo. Devem e precisam ser de tempo integral para os alunos e servidas por professores de tempo
integral” (TEIXEIRA, 1968, p. 79).

468
Refletindo sobre suas proposições de políticas educacionais apresentadas na primeira parte desta obra em análise,
Anísio indica a organização da escola primária pública comum para todos expondo a estruturação dos sistemas de ensino
municipal, estadual e da união com os respectivos aspectos administrativos dessa nova política. Enfatiza a necessidade da
formação de professores que abordará mais intensa e especificamente na segunda e terceira partes do livro.
Da leitura, análise e reflexão desta conferência de Anísio Teixeira datada de 1953 depreende-se que os pres-
supostos defendidos por ele eram resultados de seu pensamento e de sua ação como um educador que “em vários
momentos de nossa história tentara construir programas alternativos para o sistema de educação” (FÁVERO, 2000,
p. 178), mas, também, nos angustia por perceber que poucos avanços foram concretizados, de fato, em nossa política
educacional até então. No entanto, suas advertências e propostas sempre permanecem apropriadas e atualizadas para
a implementação de uma escola de qualidade, direito de todos e sem privilégios de alguns.

ESCOLA PÚBLICA, UNIVERSAL E GRATUITA: A BANDEIRA DE ANÍSIO TEIXEIRA

Na segunda parte de “Educação não é privilégio”, titulada de “Escola pública, universal e gratuita”, Anísio Tei-
xeira continua a defesa do que ele chama de “direito dos direitos”, ou seja, “uma escola primária, eficiente e adequada
para todos” (TEIXEIRA, 1968, p. 51). O texto é um diagnóstico brilhante da situação educacional brasileira à época.
Conforme Florestan Fernandes, nesta conferência, Anísio Teixeira aponta com grande inteligência e profun-
didade “os fatores responsáveis pela deterioração ou pela perversão do ensino primário, do ensino secundário, do
ensino profissional ou do ensino superior (FERNANDES, 1966, p. 561).
Entre estes fatores elucida a incapacidade que o advento da República teve em estender a educação para to-
dos, visto que houve uma preocupação exagerada com a expansão que descaracterizou o movimento educacional. A
expansão da escola pública primária neste contexto, resultou na falta de condições, de estrutura, de professores e de
espaço, no aumento de matrículas e de turnos corridos comprometendo a qualidade e aumentando a quantidade. Esta
aparente expansão gerou uma enorme confusão e levou o povo a “crer que a Educação não é um processo de cultivo
de cada indivíduo, mas um privilégio, que se adquire pela participação em certa rotina formalista, concretizada no
ritual aligeirado de nossas escolas” (TEIXEIRA, 1968, p. 57).
Houve no início da república brasileira um discurso em que imperava a segurança da pregação educacional. Um
texto de Caetano Campos citado por Anísio ilustra este discurso:

A instrução do povo é, portanto, sua maior necessidade. Para o governo, educar o povo é um dever e um interes-
se: dever, porque a gerência dos dinheiros públicos acarreta a obrigação de formar escolas; interesse, porque só é
independente quem tem o espírito culto, e a educação cria, avigora e mantém a posse da liberdade (TEIXEIRA,
1968, p. 58).

No entanto, só ficou o discurso. A República não conseguiu criar uma escola pública e democrática resultando
em escolas más, ineficientes e em grande quantidade. O próprio Teixeira elencou algumas razões desta incapacidade.
Afirmou que “faltou vigor para expandir a escola a seu tempo”, de que um “visceral sentimento de sociedade dual, de
governantes e governados, impedia que nos déssemos conta da urgência de expandir a educação do povo” e que sempre
“bastaria a educação das elites” e seriam suficientes “as poucas escolas que mantínhamos para o povo e pelas quais nem ao
menos tínhamos o cuidado de preservá-las ou aperfeiçoá-las, como boas amostras ou modelos” (TEIXEIRA 1968, p. 61).
Na visão de Teixeira, essa mesma República que nos seus primórdios foi incapaz de oferecer educação para
todos

Veio acordar-nos da letargia. Iniciamos, então, uma pregação, que lembra a pregação da segunda metade do século
dezenove nas nações então em processo de democratização e da qual nos deram uma amostra as citações que fize-
mos de educadores paulistas. Tal pregação não chegava, porém, a convencer sequer a elite, supostamente lúcida.
Ela continuava a acreditar visceralmente, que o dualismo de estrutura social, a dicotomia de senhores e súditos, de
elite governante e povo dependente e submetido, havia de subsistir e de permitir ‘a ordem e o progresso’, mediante
a educação apenas de uma minoria esclarecida (TEIXEIRA, 1968, p. 62).

469
Ou seja, a política de manutenção de uma educação como privilégio permanece por longas datas republicanas,
mesmo entre a efervescência de ideias e os debates em volta da democracia das décadas de 1920 e 1930. Exemplo disso
foi a reforma educacional do ensino secundário de 1931, a conhecida reforma Francisco Campos, que consolidou a
organização dualista entre privilegiados e desfavorecidos.
Salienta Anísio que “a escola secundária seria uma escola particular, destinada a ampliar a “classe dos privile-
giados” (TEIXEIRA, 1968, p. 66) e ressalta que “se entramos na república ainda marcados pela experiência escravista,
reiniciamos a república, marcados pela experiência totalitária” (TEIXEIRA, 1968, p. 67), aludindo ao Estado Novo.
Como restaurar o sentido democrático da expansão educacional brasileira? Esta pergunta de Anísio Teixeira o
revela não somente como alguém que se preocupa, discute, diagnostica ou denuncia, mas como alguém que propõe
ideias que não são utópicas, mas possíveis de se aplicar. Em Anísio Teixeira, pensamento e ação caminham juntos.
Isto ele comprovou quando esteve como Secretário de Instrução Pública por três vezes: duas na Bahia (1924-1928 e
1947-1951) e uma no Distrito Federal entre 1931-1935.
Primeiramente, na visão de Teixeira, para restaurar o sentido democrático da expansão educacional era preciso

[...] restabelecer o verdadeiro conceito de educação [...] como um processo de cultivo e amadurecimento indivi-
dual, insusceptível de ser burlado, pois corresponde a um crescimento orgânico, humano, governado por normas
cientifica e técnicas, e não jurídica (TEXEIRA, 1968, p. 69).

No entanto, ele alerta que somente a mudança de conceito não é suficiente. Propõe a necessidade “da educação
comum, para todos, dominantemente, pública” (TEIXEIRA, 1968, p. 72). Mesmo pública não defende o “monopólio
da educação pelo Estado”, entretanto, afirma que “todos têm direito a educação pública, e somente os que quiserem é
que poderão procurar a educação privada”, afirmando que “somente a escola pública será verdadeiramente democrá-
tica e somente ela poderá manter um programa de formação comum” (TEIXEIRA, 1968, p. 72).
Essa proposição e a sua visão de que a escola pública é espaço propício para o fim das diferenças entre as clas-
ses, para a “aproximação social e destruição de preconceitos e prevenções” (TEIXEIRA, 1968, p. 72-73) geraram
consideráveis críticas e perseguições por parte da Igreja e dos educadores católicos4, que mantinham o monopólio da
educação privatista no Brasil, desde sempre. De outro lado, propiciou o reconhecimento de pensadores, especialistas,
pesquisadores e de outras instituições que, também, defendiam a escola pública (NUNES, 1994).
A luta pela escola pública foi sua bandeira. A educação primária - pública, universal e gratuita – “como espaço
de sólida formação comum, com currículo completo e horário integral” (FÁVERO, 2010, p. 179) sua grande priori-
dade, propondo uma

Escola primária de seis anos, em dois ciclos, o elementar de 4 e o complementar de 2, com seis horas mínimas
de dia escolar, 240 dias letivos por ano e professores e alunos de tempo integral, isto é, proibidos os professores
de acumular com a função de ensino qualquer outra ocupação, que não fosse estritamente correlativa com o seu
mister de professores primários [...] (TEIXEIRA, 1968, p. 79).

A NECESSÁRIA, URGENTE E CONSTANTE FORMAÇÃO DO MAGISTÉRIO

Na terceira parte de “Educação não é privilégio”, Anísio Teixeira ratificou a escola primária como a mais im-
portante do sistema de educação. Justificou esta importância afirmando que “[...] a escola primária é a mais impor-
tante do ponto de vista de prioridade, pois dela depende não a aceleração, mas, a estabilidade, a consolidação do
progresso que até hoje realizamos” (TEIXEIRA, 1968, p. 85).

4 “Entre as reações mais contundentes destaca-se o memorial assinado pelo arcebispo metropolitano e pelos bispos da Província de Porto
Alegre encaminhado ao presidente Juscelino Kubitscheck, discordando das posições de Anísio em defesa da escola pública e solicitando
ao presidente “as providências necessárias e inadiáveis para cessação desse estado de coisas, tão nefasto [...] aos mais legítimos e excelsos
interesses nacionais”. Em julho de 1958, reunida em Goiânia, a cúpula da Igreja Católica divulgou uma declaração, em que reitera seu
posicionamento no sentido de que educar é obra da família e que a escola do Estado deve existir onde não pode existir a escola particular”
(FÁVERO, 2000, p. 180).

470
No entanto, “um alvo suplementar, mas igualmente indispensável, seria o da formação do magistério”, destaca
Teixeira (1968, p. 79). Ele postulava como essencial a formação de professores. Enxergava nos docentes o “exército
da paz” (TEIXEIRA, 1968, p. 104) e vislumbrava o urgente planejamento de formação dos professores, especialmente
para escola primária, não somente no nível secundário – a escola normal – mas, também, em nível superior, pois
para ele as Faculdades de Filosofia5, Ciências e Letras deveriam “transformar-se [em] grande escola de formação do
professor e de estudo dos problemas de currículo e organização do novo sistema escolar” (TEIXEIRA, 1968, p. 99).
Por isso, ao analisar a “Educação e a formação do povo brasileiro” dedica-se exaustivamente a discutir o proble-
ma de formação do magistério. Para Anísio “nenhum cuidado seria negado à formação do magistério. De sua quali-
dade dependerá o êxito de todo esse sistema [...]” e “a formação do mestre nos níveis primário e médio será a chave de
toda a reorganização [da educação brasileira]. Sem professores capazes, todas as reformas fracassarão” (TEIXEIRA,
1968, p. 88-89).
Em sua concepção,

Será o novo professor que irá dar consistência e sentido às tendências de popularização da educação primária e do
primeiro ciclo da escola média; que irá tornar possível e eficiente o curso de colégio (segundo ciclo da educação
média), com suas preocupações de dar cultura técnica, cultura preparatória ao ingresso na universidade e cultura
geral de natureza predominantemente científica, e que irá preparar a transformação da universidade para as suas
novas funções de introduzir a escola pós-graduada para a formação dos cientistas e a formação do magistério,
tendo em vista as transformações em curso do sistema escolar, sem esquecer que lhe caberá, inevitavelmente, uma
grande responsabilidade na difusão da nova cultura geral, que a atual fase de conhecimentos humanos está a exigir
(TEIXEIRA, 1968, p. 98).

A perspectiva de formação de professores para Anísio Teixeira necessitava ultrapassar o campo do discurso e
tornar-se um compromisso. Ele era um homem de pensamento, de ideias, mas também de ação. O binômio pensa-
mento e ação estão presentes em sua vida. Os trabalhos desenvolvidos como Secretário de Instrução Pública eviden-
ciam a prioridade dada para a urgente necessidade da formação de professores, como a reestruturação das Escolas
Normais da Bahia, a criação do Instituto de Educação no Rio de Janeiro e da Fundação para o Desenvolvimento da
Ciência na Bahia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender um pouco mais do pensamento e da obra de Anísio Teixeira nos fez concluir, como concluíram
e atestaram diversos outros autores, sobre a sua importância para a educação brasileira no campo da história, da filo-
sofia e das políticas educacionais. Não se pode compreender os fundamentos da educação brasileira sem conhecer o
pensamento e a atuação de Anísio Teixeira.
Muitos se debruçaram sobre suas ideias e propostas para a educação no Brasil, no entanto, ao ter um contato
maior com elas - posso afirmar que muitos outros se debruçarão, pois todo o legado deixado por Teixeira em seu
vasto arcabouço intelectual - abrirão sempre a possibilidade para uma nova reflexão, para um novo questionamento,
para uma nova problemática.
Como afirmado no início deste trabalho, a obra “Educação não é privilégio”, de Anísio Teixeira, apesar de ser
de 1957 revela-se como uma leitura atual sobre temáticas da educação brasileira. Os textos que a compõem revelam o
fracasso da República nascente e de boa parte do século XX em oferecer uma educação que não fosse elitista-seletiva.
Revelam, também, o quanto a organização da educação brasileira privilegiou alguns em detrimento de outros. No
entanto, estes temas são contemporâneos e urgentes em pleno século XXI: é certo que evoluímos, mas em muitos
5 Na visão de Evangelista, “Anísio Teixeira entendia que as faculdades de educação, de letras e de ciências deveriam ser instaladas não apenas
para o processamento da formação de todo o magistério — revista —, mas também para, em cursos de pós-graduação, produzir a pesquisa
em educação e o pensamento mais avançado na área. Embora conferisse às universidades, particularmente às faculdades de filosofia, ciências
e letras, papel preponderante na formação para o magistério, não era obra de pedagogos a grande reconstrução nacional. Era, sim, "obra
eminentemente política para a qual devem contribuir todos os homens de pensamento que dirigem, de fato, a sociedade" (TEIXEIRA, 1953,
p.210) (EVANGELISTA, 1993, p. 116).

471
aspectos da educação permanecemos atrelados a uma educação de privilégios. O desmonte acelerado das políticas
educacionais que vislumbramos, atualmente, na educação brasileira atesta isso.
Em “Educação não é privilégio” Anísio Teixeira esclarece e sintetiza a sua defesa e o seu sonho por uma escola
primária, pública, gratuita, de tempo integral, igual para todos, sem privilégios. Ao mesmo tempo ele expõe as suas
propostas de ação para mudanças eficientes e para se alcançar o que defendia. Um claro exemplo é o texto da terceira
parte “uma experiência de educação primária integral” em que ele relata a criação e o funcionamento do Centro Po-
pular Carneiro Ribeiro em Salvador-BA: ele é a evidência de que Anísio Teixeira não só discursava ou escrevia, mas
buscava colocar em prática o que defendia, numa luta constante por uma educação com mais qualidade.
É inegável a contribuição de Anísio Teixeira e de sua obra “Educação não é privilégio” para a escola pública
brasileira, no entanto, temos muito o que caminhar para uma educação que seja de fato, de qualidade, e que prepare
o sujeito para sua plena inserção na comunidade/sociedade, como ambicionava Anísio Teixeira.

REFERÊNCIAS

EVANGELISTA, Olinda. Anísio Teixeira e a educação: um roteiro possível de leitura (1930-1950). In: EVANGELISTA, Olinda
(org.) Perspectiva. Revista do Centro de Ciências Sociais da Educação, ano 11, nª 20, agosto a dezembro de 1993. Florianópolis-
SC: Editora da UFSC, 1993.
FÁVERO DE A., Maria de Lourdes. Resenha de “Educação não é privilégio” de Anísio Teixeira. Revista Brasileira de Educação,
núm. 14, mai-ago, 2000, pp. 176-180.
FERNANDES, Florestan. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus Editora, 1966.
MOURA, Adriana Dias de. Educação e Democracia: um estudo comparado entre o pensamento de Paschoal Lemme (1904-
1997) e Anísio Teixeira (1900-1971). Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação,
Programa de Pós Graduação em Educação, Belém, 2015.
NOBRE, José Aguiar. Anísio Teixeira e os desafios para uma educação democrática e pública de qualidade no Brasil atual.
Dissertação – (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas-SP, 2012.
NUNES, Clarice, (1994). Prioridade número um para a educação popular. In: Teixeira, Anísio: Educação não é Privilégio. 5a ed.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, p. 197-250.
SOUZA, Cynthia Pereira de. Anísio Teixeira, um educador polêmico e incansável, às voltas com a educação pública e democrática.
Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v.23, n.1/2, p.322-325, jan./dez. 1997.
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.
TEIXEIRA, Anísio. Em marcha para a democracia: à margem dos Estados Unidos. Org. Clarice Nunes. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2007.

472
APONTAMENTOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E A
MISSÃO EVANGÉLICA CAIUÁ NA ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA NA
RESERVA DE DOURADOS1

José Augusto dos Santos Moraes2

RESUMO: O presente artigo apresenta e discute alguns aspectos inerentes às relações entre o Estado brasileiro
e a Missão Evangélica Caiuá no processo de escolarização dos indígenas da Reserva de Dourados. Embora seu foco
tenha sido no período entre os anos de 1940 e 1975, em alguns momentos houve a necessidade de análises compa-
rativas com eventos mais recentes como forma de atualizar a discussão. Sobretudo, o objetivo das investigações foi
o de averiguar a existência, ou não, de afetações socioculturais resultantes do modelo de escolarização oferecido às
etnias que vivem naquele local. Neste sentido, destacaram-se duas verificações: a) o modelo de escolarização indígena
acionado pelo Estado brasileiro e pela Missão Evangélica Caiuá, embora influentes, não impediu que os indígenas
submetidos a este tipo de ensino mantivessem seus vínculos étnico-culturais e, tampouco, os fizera resignar-se às
lutas pelos seus direitos, e; b) a implementação das políticas públicas relacionadas à educação indígena na Reserva
de Dourados enfrenta, nas últimas duas décadas, a oposição de algumas missões pentecostais que se estabeleceram
naquele local. Estes e outros apontamentos refletem as análises de documentos do Serviço de Proteção aos Índios e da
Funai, de registros e relatos de missionários e indígenas e, ainda, de algumas entrevistas realizadas com professores
e lideranças autóctones. Para além das fontes, também foram privilegiados os estudos já realizados sobre o assunto.
Como opção metodológica recorri à etno-história devido ao seu caráter interdisciplinar.
Palavras-chaves: Reserva de Dourados. Escolarizaão Indígena. Missão Evangélica Caiuá.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os saberes de um povo são expressos sob vários signos que demarcam sua etnicidade, como sua língua. Esta,
por sua vez, informa sobre a cosmovisão, o modo de ser e viver, os hábitos, costumes e a cultura deste povo. Assim,
a identidade linguística se mostra como imprescindível no autorreconhecimento étnico, na organização social e na
perpetuação de uma sociedade. Destarte, imposições socioculturais que visam alterar, sobrepor ou ressignificar con-
ceitos e sentidos de uma língua podem, não raro, fazer parte de um projeto colonizador.
Nesta direção, uma proposta de educação escolar indígena preocupada tão somente em transpor conteúdo para
a língua do grupo étnico receptor pode, na contramão do respeito e da valorização da cultura do educando, acentuar
o preconceito. Não por acaso, comumente a transmissão de modelos sociais, morais e religiosos exógenos as popula-
ções indígenas deu-se através do uso das línguas autóctones. Tome-se, por exemplo, que durante a colonização ibéri-
ca das terras baixas sul-americana, a partir do século XVI, muitos missionários jesuítas aprenderam o guarani falado
na região com o objetivo de lhe conferir novos sentidos (MELIÀ, 2013, p. 188-189) e, assim, conformar as sociedades
ameríndias à visão eurocêntrica e facilitar as intervenções que resultavam na dominação e subjugação desses povos
(v. CHAMORRO, 2009, p. 111 et seq.).

1 Parte deste artigo espelha pesquisas que realizei durante o mestrado em História (UFGD, 2016) e o trabalho de conclusão do curso de
especialização em Antropologia e História dos Povos Indígenas (UFMS, 2017).
2 Email: joseaugusto.teo@gmail.com

473
Contudo, importa ressaltar que nenhuma interatividade social é autoimune. Mesmo aqueles com claras preten-
sões de subalternizar3 indivíduos e sociedades a partir de processos de escolarização4. Ademais, as mudanças estabe-
lecidas a partir do contato interétnico, por si, não são capazes desindianizar5 uma etnia, uma vez que a transformação
é uma característica própria da dinamicidade das culturas. Esta é uma observação necessária em virtude do assunto
aqui abordado estar imerso num contexto de longa contato entre os indígenas da Reserva de Dourados6, agentes do
Estado brasileiro e os missionários da Missão Evangélica Caiuá7.
Num ambiente marcado por sobreposições socioculturais8, pela depauperização e exploração da mão de obra
de expressiva parcela da população indígena local e pelos interesses do Estado e das missões religiosas, cabe indagar
o papel histórico da escolarização destes indivíduos e quais a suas implicações. De modo particular, aquelas que por
indução ou omissão podem ter produzido mudanças negativas na organização social, política, religiosa própria iden-
tidade étnica dos indígenas que há mais de cem anos vivem sob a tutela do Estado e, por outro lado, experimentam
uma interatividade ambivalente como missionários da Missão Caiuá há noventa anos.

CONFLITOS E SIMBIOSES NAS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E AS MISSÕES RELIGIOSAS

Durante a maior parte do século XX, as missões religiosas e os órgãos indigenistas do Estado, o Serviço de Pro-
teção aos Índios (SPI) e, posteriormente, a Fundação Nacional do Índio (Funai), nem sempre tiveram relações pares.
Mas, de modo geral, os missionários eram vistos como parceiros estratégicos. Pois, além dos órgãos indigenistas
oficiais não disporem de recursos necessários para suas intervenções, os missionários estavam dispostos a atuar em
áreas onde os órgãos não encontravam funcionários com o mesmo interesse9.
Entretanto, até a década de 1950, quiçá por influência de Cândido Mariano Rondon, a percepção crítica sobre a
atuação dos missionários era mais latente. Em 1943, por exemplo, o coronel Vicente de Paula F. Vasconcellos, diretor
do SPI, afirmou que a atuação catequética10 entre os indígenas, promovida por missionários católicos ou protestan-
tes, não lhe interessava e que por sua vontade ela não se realizaria. Para ele, não havia vantagem alguma na ação dos
religiosos, até porque a experiência do órgão mostrava “[...] que a catequése em si nada adianta para a solução do pro-
3 Neste texto, utilizo o conceito de subalternizar e suas variações não de maneira generalizante. Antes, opto pela acepção proposta pela
indiana Gayatri Chakravorty Spivak – baseada em Antonio Gramsci –, para quem a ideia de subalterno refere-se “as camadas mais baixas da
sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem
membros plenos no estrado social dominante” (SPIVAK apud ALMEIDA, 2010, p. 12).
4 Optei por abordar a escolarização a partir da acepção de que ela é “[...] o processo e a paulatina produção de referências sociais tendo a
escola, ou a forma escolar de socialização e transmissão de conhecimentos, como eixo articulador de seus sentidos e significados” (FARIA
FILHO; ROSA; INÁCIO, 2002, p. 4).
5 A conceituação do termo desindianizar é atribuída ao mexicano Guillermo Bonfil Batalla as primeiras conceitualizações do em referência
aos povos ameríndios (BATALLA, 1990, p. 73-96). No Brasil, o Viveiros de Castro fez importantes contribuições para esta discussão (2006,
p. 41-49).
6 A instituição dessa área deu-se com a doação de terras por parte do governo de Mato Grosso em 1915. Contudo, oficialmente ela foi criada
no dia 3 de setembro de 1917 pelo Decreto Estadual n.º 401 com o nome de Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa. Sua área inicial era
de 3.600 ha mas, atualmente, a superfície de seu território abrange pouco menos de 3475 ha. Hoje, o termo técnico utilizado pela Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) para se referir às áreas reservadas e/ou demarcadas é Terra Indígena.
7 A Missão Evangélica Caiuá foi criada, em 1928, como uma agência missionária brasileira, protestante e ecumênica, direcionada a
evangelização de indígenas pela Associação Evangélica de Catequese dos Índios (GONÇALVES, 2011, p. 12-13). No início a associação
compunha-se pela Igreja Presbiteriana do Brasil, Presbiteriana Independente e Metodista. Todavia, em 1946 a Igreja Metodista deixou de ser
associada desta agência religiosa que, além de Dourados, também atuou/a nas reservas de Caarapó, Amambai, Taquapiri, Sassoró (Ramada)
e Jacarey. Daqui em diante refiro-me a essa agência religiosa apenas por Missão Caiuá.
8 A Reserva de Dourados foi inicialmente criada com o fim de acomodar indígenas da etnia Kaiowa. Contudo, pouco tempo depois também
foram transferidos para esta área famílias Guarani Ñandeva e Terena. O Censo de 2010 registrou que naquele local havia uma população de
11.140 indígenas, hoje, estimasse que este número já supere os 15 mil. Sobre a situação demográfica desta reserva, v. Moraes (2016, p. 78 et
seq.).
9 A historiadora Priscila Enrique de Oliveira afirma que havia tensões entre os SPI e quase todas as missões espalhadas pelo território
nacional, isso se refletia em acusações mútuas. Todavia, ela também ressalta que “[...] em muitos casos vemos que estas instituições religiosas
acabavam preenchendo lacunas em relação ao atendimento médico e hospitalar aos índios deixados pela ineficiência do SPI (OLIVEIRA,
2011, p. 195)
10 É importante ter em mente que imerso no ensino religioso presente nas ações catequéticas estavam o interesse apresentar e incutir na
mentalidade dos indígenas, principalmente das crianças, uma percepção de mundo que refletisse o modelo ocidental.

474
blema indígena nos moldes convenientes aos interesses da nacionalidade e dos próprios índios” (VASCONCELLOS,
1943, p. 331).
Ainda segundo Vasconcellos, a presença de missionários entre os indígenas fomentava a quebra da “fraternida-
de tribal”, ocasionando dentre os convertidos a constituição de partidos antagônicos. Isto, por sua vez, resultava em
frequentes desafetos e na diluição dos interesses comunitários, tal como ocorria antes da presença dos religiosos. Na
perspectiva deste militar, a catequese perturbava e deprimia o caráter indígena (VASCONCELLOS, 1943, p. 332).
Como exemplo desta situação, Vasconcellos cita um relato do general Julio Caetano Horta Barbosa sobre a catequese
junto aos Ticuna no qual foi afirmou que

[...] a catequése leva o índio a um profundo desgosto e desânimo que se traduz no seu próprio aspecto, nos seus
semblantes tristes e cabisbaixos, em contraste com a vivacidade, com o tom de superioridade e consciência, até
mesmo exagerada, do próprio valor manifestado pelos indígenas da mesma tribu, ainda livres do domínio dos
catequistas (BARBOSA apud VASCONCELLOS, 1943, p. 331).

Embora o regulamento do SPI de 1936 garantisse o acesso de sacerdotes e pregadores a fim de realizar cateque-
se ou cerimônias religiosas dentro das áreas indígenas, o posicionamento de Vasconcellos e Barbosa espelhavam, em
tese, o caput do Art. 45 do referido regulamento, no qual se afirmava que ser “[...] vedado ao Serviço de Protecção
aos Indios estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos junto aos indios, sem prejuizo da
collaboração reciproca em prol do interesse collectivo” (BRASIL, 1936)11. Porém, duas décadas depois, em meio a
denúncias de que os missionários protestantes atuavam com vistas a pesquisas mineralógicas, espionagem, desnacio-
nalização das fronteiras, etc., coronel Moacyr Ribeiro Coelho, então diretor do SPI, fez solene defesa da atuação das
agências missionárias. Para Coelho, elas eram

organizações honestas, de caráter científico-religioso [...]. Sua finalidade remota, até agora não bem compreendida
por todos, é a difusão dos ensinamentos bíblicos entre os selvagens [...]. A bem da verdade, [...] é dever e honra
para o Diretor do Serviço de Proteção aos Índios esclarecer definitivamente o assunto. O trabalho dos missioná-
rios é científico, desinteressado, honesto e, sobretudo do máximo interêsse para o SPI e para o seu tutelado o Indio.
Os missionários precisam – e o desejam – ser fiscalizados, auxiliados e orientados pelos SPI e o Serviço só tem a
lucrar com esta cooperação (BRASIL, 1962, p. 8).

Ressalta-se que toda e qualquer atuação das missões religiosas entre os indígenas só era efetivamente questio-
nada quando incorriam em algum tipo de ação contra o Estado. Do contrário, a liberação do acesso de religiosos em
áreas indígenas contribuía para amenizar os gastos do SPI. Ademais, a ação missionária também concorria com o
interesse integracionista do Estado, uma posição explicitada desde a regulamentação do órgão indigenista, em 1936,
quando no texto do último parágrafo do Art. 45 se afirma que:

§ 5º Os indios são tambem inteiramente livres, quando o queiram, de guardar e praticar as crenças e os ritos de
seus maiores com elles attingirem a incorporação á nacionalidade, intervindo apenas os funccionarios do Serviço
de Protecção aos Indios, por meios suasorios:
1º) Para modificar praticas anti-hygienicas e anti-sociaes, si existirem;
2º) Para dar aos aborigenes a esse respeito, tão sómente, educação civica e profissional e pol-os em contacto com
os methodos mais apropriados de trabalho (BRASIL, 1936).

Neste ponto cabe uma menção relevante do presidente da Comissão Parlamentar de Inquério (CPI) que apu-
rava irregularidades no SPI em 1963. Este, ao questionar o coronel Moacyr Ribeiro Coelho, demonstrou como a
compreensão sobre as atribuições deste órgão eram desvirtuadas mesmo por entes do governo. Pois, para o depu-
tado Valério Magalhães, lhe causava estranhez o fato do SPI, “[...] instituição criada para a catequese do indígena seja
substituido pelo estrangeiro e na linha de fronteira. Isto é estranhável, perfeitamente estranhável e decepcionante”
(BRASIL, 1963, fl. 23, grifo meu).
11 No seu parágrafo primeiro, este mesmo artigo completava: “[...] será especialmente defeso aos serventuarios do Serviço de Protecção nos
Indios, fazer propaganda ou catechese religiosa, seja qual fôr a crença de sua preferencia pessoal” (BRASIL, 1936).

475
Outrossim, na década de 1960, em meio às crises enfrentadas pelo SPI, a missionária Loide Bonfim Andrade,
dirigente da Missão Caiuá, escreveu uma carta de apoio ao órgão. Para ela, havia pessoas com intenção de prejudicar
as ações do governo na realização de sua “[...] obra patriótica e sagrada de proteger os direitos das terras de nosso
homem primitivo; sem êle os índios já teriam desaparecido e o restante não teriam onde cair morto” (BRASIL, 1962b,
p. 52-53). Neste contexto, as fontes analisadas não permitem que se faça uma afirmação conclusiva sobre a existência
ou não de interesse concreto no ato de defesa feito pela diretora desta agência missionária, contudo, há fortes indício
da existência de uma complexa relação de cumplicidade entre estas instituições12, mas não só entre estas.
Pois, mesmo que indiretamente, recursos públicos auxiliavam na manutenção e na implementação dos aten-
dimentos dos serviços e atendimentos oferecidos pelas missões cristãs entre os indígenas. Em meados da década de
1960, a Câmara Federal chegou a conceder uma autorização arpa que o do Poder Legislativo federal para que o Poder
Executivo pudesse firmar convênios com as agências religiosas. Como consta no Art. 3.º, alínea n, da Resolução n.º
142/196513, o presidente, “[...] convênios, sempre que possível e necessários, com Missões Religiosas que exerçan
trabalhos de catequese e aldeamento dos índios, dentro de critérios que visem à educação à saúde e à integração defi-
nitiva do elemento indígena à comunidade nacional” (CORREIA; PESSOA; LIMA, 1968, fl. 4 v.).
Não obstante, muitos missionários atuavam junto aos indígenas que viviam fora das reservas, na busca por
convencê-los as também se “aldear”. Situação que quando feita com sucesso condicionava estas pessoas à lógica do
Governo: “civilizar para integrar”. No caso da Missão Caiuá, o antropólogo kaiowa Tonico Benites14 afirma que na
região do atual município de Tacuru/MS, onde a missão passou a atuar na década de 1960, “[...] muitas famílias foram
atraídas às reservas através da persuasão dos missionários [...], apoiados e incentivados pelo chefe de posto, não-ín-
dio e pelo ‘capitão’15 indígena instituídos na aldeia Sassoró” (2009, p. 29). Ou seja, no processo de implementação das
intervenções do SPI, muitos indígenas foram cooptados para atuar como agentes ad hoc dos interesses integralistas
do Estado brasileiro.
Ainda que as fontes admitam a existência de sensíveis mudanças na relação da Missão Caiuá e os indígenas da
Reserva de Dourados, aspecto que pelo limite temático deste texto não será aprofundado, esta agência missionária
baseava suas ações em pressupostos que não distendiam dos objetivos inciais do modelo de evangelização que mis-
sionários estadunidenses haviam proposto por eles para ser desenvolvido pelos brasileiros, a saber:

Como apresentar Cristo às mentes fechadas?


— Abrindo-lhes escolas!
Como provar o amor de Cristo a corpos minados por enfermidades?
— Prestando-lhes assistência médica!
Como elevar o padrão de vida da comunidade cercada pela sociedade envolvente?
— Ministrando-lhe orientação agrícola, doméstica e aprimorando a própria cultura indígena! (TRABALHO...,
1978, p. 2).

Deste modo, as ações desenvolvidas pela Missão Caiuá, incluso aquelas voltadas para a escolarização, não pres-
supunham projetavam-se numa futura relação intercultural com os indígenas da Reserva de Dourados. Antes, elas
tinham como fim interesses que não estivam tão apartados do Estado brasileiro: a conformação daquelas pessoas ao
modelo social, político, econômico e religioso aceito pelo “mundo ocidental”. Por consequência, esta adequação os
levaria a compor parte da força de trabalho nacional16.

12 Para mais informações sobre esta questão, v. Moraes (2016, p. 59 et seq.).


13 Este documento refere-se à aprovação, por parte da Câmara dos Deputados, das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito criada
para investigar o SPI.
14 Este autor é um pesquisador orgânico, tendo nascido e criado nas imediações da área por ele citada.
15 Devido as dificuldades de interação com os indígenas o SPI, seguido pela Funai, instituíu as funções de capitão e de “polícia da aldeia”,
denominações utilizadas “[...] para designar os auxiliares [indígenas] dos chefes de postos” (CHAMORRO; PEREIRA, 2015, p. 550).
16 Após o fim do SPI em 1967, o governo militar criou em dezembro daquele mesmo ano a Funai. Entrementes às divergências dentro das
administrações que se seguiram, havia um forte interesse em emancipar os indígenas e retirá-los da tutela pelo governo. Um projeto que, na
mesma época, foi considerado inviável (v. MORAES, 2016, p. 78 et seq.).

476
INTERVENÇÕES DO ESTADO E DAS MISSÕES RELIGIOSAS NOS ESPAÇOS DE ENSINO
TRADICIONAL

Comumente, o modo de ser indígena não estabelece um único lugar privilegiado para que os saberes tradicio-
nais ocorram, muito embora seja nas experiências religiosas que eles se deem de maneira mais marcantes. São nestes
momentos que a língua e a cosmovisão indígena ganham mais profundidade e sentido. Não é por acaso que, em quase
todas as etnias, os ensinamentos tradicionais se confundem com a prática da religião. Assim, a supressão ou redução
destas atividades, bem como a incorporação de valores exógenas aos destes povos, mostra-se como possíveis bar-
reiras para a perpetuação de suas culturas. Ou seja, um ensino que vise apenas a transmissão de conhecimentos não
indígenas pode acentuar distância das novas gerações com suas tradições ancestrais.
Em entrevista concedida no início da década de 1990, um ex-diretor da Missão Caiuá já apontava as transfor-
mações que envolvia a prática da religião tradicional entre os indígenas da Reserva de Dourados. Segundo Orlando
de Andrade, quando ele chegou a Dourados, na década de 1940, a presença do capitão implicava em uma autoridade
moral importante da área da Reserva de Dourados. Contudo, no início de 1990 esta função já não era mais represen-
tativa, já que o capitão se valia mais do “[...] poder que exerce e nem sempre seu prestigio decorre da presença de sua
pessoa… o que se assiste agora é mais o uso da força” (ANDRADE, 1991, p. 229). Em 2003, Katya Vietta observou
que a extensão das afetações da figura social do capitão também influía na experiência religiosa dos indígenas, prin-
cipalmente entre os kaiowa e os guarani não convertidos.
Segundo estudos realizados por esta autora, a diminuição da importância do ñanderu17 em face da superestima-
ção do capitão, fragilizou a organização social destas etnias e, por consequência, a condução da religião tradicional.
De acordo com Vietta, além da prática das rezas que deixaram de ser realizadas com frequência, entre os kaiowa e
os guarani, elas passaram a atrair “[...] um pequeno número de pessoas, geralmente ligadas ao seu núcleo familiar.
Os rituais de passagem e as práticas de cura, também estão sendo abandonados” (2003, p. 111-112, grifo da autora).
Como já dito, a religião tradicional é importante espaço para o ensino e a perpetuação da cultura guarani. Neste
ponto, ao impor uma estrutura sociopolítica que não encontrava paralelo dentro da organização social daqueles indí-
genas, o Estado não apenas também produzia rupturas socioculturais bastante sensíveis.

O MODELO DE ESCOLARIZAÇÃO OCIDENTAL COMO PREPARO PARA A VIDA


“CIVILIZADA”

As intervenções do Estado e da Missão Caiuá que visavam preparar os indígenas para uma vida “civilizada”
pode, com base na perspectiva de Eagleton, inclui-se num projeto colonizador que visa determinar quando e como
uma pessoa tem direito e condições de se autogovernar. Para este autor, “eles desprezam o fato de que, de longe, a
melhor preparação para a independência política é a independência política (2011, p. 17).
Neste sentido, como já considerei, as atividades missionárias da Missão Caiuá eram ambivalentes. Pois, ao
passo que buscavam ensinar ofícios a um grande número de alunos, em 1978 registravam mais de 100 alunos regula-
res em vários cursos, eles presumiam que o fim deste trabalho deveria abrir caminho para “[...] a palavra de Deus e a
orientação para uma vida melhor” (TRABALHO…, 1978, p. 2). Um dos motivos pelos quais Vietta e Brand afirma-
ram que, para a Missão Caiuá, “a escolarização visa instrumentalizar, especialmente as crianças, para a leitura e para
o estudo bíblico” (2004, p. 228).
De fato, a ruptura com os modelos de ensino atrelados às missões religiosas só ocorreu em 1991, ainda que
algumas construções integracionistas permaneçam. Embora importantes, as mudanças e as transformações ocorridas
no âmbito da escolarização indígena, ainda se pode perceber que traços etnocêntricos em sua gestão. Algo que mes-
mo quando se tentou estabelecer o ensino bilíngue, este foi pautado numa perspectiva das missões. Como os casos
ocorridos na década de 1970, quando o ensino bilíngue passou a ser concebido como uma “ponte para a integração”
17 O ñanderu, além de chefe de uma parentela é a referência religiosa e política, o responsável pelas rezas e pelos ensinos entre os indígenas
de língua guarani.

477
dos indígenas (NEWMAN, 1975, p. 67-75), uma proposta que partiu de linguistas do Summer Institute Linguistic (SIL),
uma missão religiosa. Dois anos por este mesmo viés, na Funai se discutia o abismo linguístico para o qual caminhava
a educação apartada da preocupação com os valores autóctones. Sobre esta questão, lê-se num texto publicado no
Boletim Informativo da Funai18 o seguinte questionamento:

O Brasil possui um grande patrimônio lingüístico nas suas múltiplas línguas indígenas, mas o valor patrimonial
não diminui o problema da comunicação com os povos [...]. Não é de estranhar que o programa de educação em
algumas tribos brasileiras, não tenha ganho a aceitação e efeito desejados, pois o ensino foi sempre efetuado na
língua portuguesa – uma língua estranha e sem significado para o índio monolíngüe. A tendência é de o civilizado
dizer que o silvícola é incapaz de aprender ou que é de uma mentalidade inferior, quando na realidade, trata-se de
um problema de comunicação (BRASIL, 1974, p. 113).

O texto toca numa questão fundamental, o preconceito étnico não foi superado pelo tempo. Entretanto, é
preciso ressalvar que esta discussão não necessariamente pressupunha um ensino interdisciplinar. Antes, o que se
buscava era apenas facilitar a transmissão do ensino no modelo ocidental para os povos indígenas. Nesta direção, a
percepção cristão que vê as demais religiões como heréticas ou demoníacas, também esteve imersa nos diversos tipos
de evangelização que ocorreram e ainda ocorrem dentro das áreas indígenas.
Um exemplo desta realidade, na Reserva de Dourados, observei em meu trabalho de campo durante as pesqui-
sas de mestrado. Na ocasião, Maria Imaculada Conceição Costa, pastora da Missão Metodista Tapeporã19, entre os
adeptos da Igreja Pentecostal Deus é Amor, há uma radicalização quando o assunto é a língua indígena. Conforme
essa pastora, no caso das crianças “[...] que nasceram no ‘espírito’ da Deus é Amor, nem a língua [materna] pode falar
em casa” (COSTA; COSTA, 2015).
Esta observação já havia sido mencionada pelo antropólogo Levi Marques Pereira em 2008. Na ocasião,
atitudes fundamentalistas de membros da Igreja Pentecostal Deus é Amor produziram graves conflitos envolvendo
membros desta Igreja e indígenas não cristãos. A Igreja Deus é Amor foi acusada pelo Ministério Público Estadual de
Mato Grosso do Sul (MPE/MS) de promover ataques de intolerância religiosa e cultural. Este caso gerou a assina-
tura de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o MPE/MS, a Funai e as Igrejas Pentecostais (MATO
GROSSO DO SUL, 2008) da Reserva de Dourados. Como afirmou Pereira, “[...] até nas escolas, as crianças de pais
pentecostais tendem a excluir e demonizar os filhos de rezadores indígenas” (PEREIRA, 2008).
Outro aspecto recorrente é que, paulatinamente, com o avanço da idade e dos novos interesses muitas crianças
deixam de se relacionar com os cantos, danças e rezas tradicionais por sentirem-se envergonhados quando estão entre
não indígenas e/ou com outros indígenas cristãos. Um luta que, aos poucos, vem tentando ser revertida pelo incentivo
e pela valorização que outros jovens passaram a perceber quando se reconhecem a partir de suas próprias culturas.

TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS: ALGUMAS PERCEPÇÕES INDÍGENAS SOBRE


A ESCOLARIZAÇÃO

Aqui cabe apresentar algumas questões mais recentes com o fim de dimensionar implicações que envolvem,
também, a escolarização indígena na Reserva de Dourados e adjacências. Especialmente em face da expansão do em-
pobrecimento das pessoas que ali vivem, do intenso aumento demográfico e do avanço que a urbanização do muni-
cípio de Dourados impôs sobre a reserva. Situações que geraram transformações nem sempre positivas e, ao mesmo
tempo, tem influenciado a visão de futuro para os indígenas mais jovens.

18 Interessante observar que uma das fotos que ilustra este artigo é justamente a de um linguista da SIL que, em colaboração com a Funai,
atuava entre os Apalay (v. BRASIL, 1974, p. 116).
19 A Missão Tapeporã é vinculada a Igreja Metodista que, inicialmente, fazia parte da Missão Caiuá. Contudo, por discordância no modo
de atuação dos demais associados, esta Igreja deixou a agência misisonaŕia em 1946. No final da década de 1970 trabalhos sazonais foram
retomados pelo pastor da metodista Scilla Franco e, na década seguinte, construída uma sede dentro da área da reserva.

478
Neste contexto, em 2003 o historiador Antônio Brand registrou o relato de uma professora20 indígena sobre
o assunto. Na perspectiva da interlocutora, várias mudanças sociais têm ocorrido desde a implantação do modelo de
escolarização nacional nas áreas indígenas. Dente as que ela observou, houve destaque para o fata de que

[...] a criança desde o seu nascimento crescia no canto da reza e esse canto era muito sagrado, é para a criança cres-
cer com sabedoria do seu costume. E as mães trabalhavam em casa e os pais na roça. E os filhos ajudavam os pais
[...]. Menina socava pilão, descascava mandioca, cuidava de nenê novo e buscando água para as mães. E os meninos
ajudava os pais e depois ensinava artesanato como são flecha e caça [...]. E assim, os pais ensinava os filhos (apud
BRAND, 2003, p. 64).

A professora também chamou a atenção para a distinção entre o modelo de ensino não indígenas e o indígena.
Este último centrado no aconselhamento, nas práticas nos rituais e nas atividades cotidianas. De acordo com a pro-
fessora citada por Brand, antes se construía nos filhos um sentimento de respeito para com os mais velhos, algo que
ela não percebia mais quando concedeu a entrevista. Incluiu-se nos argumentos da interlocutora a ênfase no trabalho
assalariado e no uso sistemático de bebida alcoólica pelos pais que, muitas vezes, fazia com eles abandonassem o cui-
dado de seus filhos (BRAND, 2003, p. 64-65).
Entretanto, a escolarização no modelo não indígena nem sempre vista como algo ruim mas, sim, como ambí-
gua. Pois, se por um lado há pais que responsabilizam o estudo pela desorganização social, pelo desrespeito dos jovens
pelos mais velhos e pela cultura, há aqueles que veem a escola como uma possibilidade de diminuir os sofrimentos
historicamente experimentados pelos indígenas. Esta, essencialmente atrelada a perspectiva de melhorias financeiras,
como aquisição de bens e serviços que, na maioria dos casos, são inacessíveis para os indígenas que viviam na Reserva
de Dourados.
Para o terena Alberto Reginaldo Machado21, os críticos que querem localizar nas Igrejas da reserva a origem
dos danos à cultura indígena estão errados. Para ele, se houve alguma melhoria para os indígenas isso é devido a pre-
gação do Evangelho. Em sua percepção “[...] o Evangelho num interfere com eles [os não crentes] não [...]. Aquela
cultura chamada-se da dança do índio, a chicha, a chicha. Aquela acabô num foi porque nóis [pentecostais] queremo,
num foi por causa do Evangelho, cabô por causo deles mesmo (MACHADO, 2015).
Machado afirma, de maneira enfática, que a causa das mudanças na tradição indígena tem sido “o estudo”. Um
pensamento que, medida as distinções, se aproxima bastante daquele presente entre os kaiowa mais velhos e não
convertidos. Pois, como registrou Ana Maria Melo e Souza, alguns anciãos kaiowa acreditam que “[...] a escola en-
fraquece as crianças, omokãngy mitã, retirando-lhes a vontade de trabalhar a terra e de cuidar dos pais e avós. O saber
tradicional foi substituído pelos saberes dos livros” (2012, p. 125, grifo da autora).
Uma compreensão semelhante já havia sido proposta por Pereira de 2004. Ao falar sobre os kaiowa, este autor
afirmou que os xamãs “[...] julgam completamente sem propósito o discurso de líderes jovens de ‘preservação da
cultura’, pois consideram que a prática social dos jovens se contrapõe frontalmente com o que expressam em seus dis-
cursos” (2004, p. 275), já que o estudo no sistema do ‘branco’ está em oposição ao dos Kaiowa. Conforme Pereira, “[...]
na perspectiva dos jovens a tradição é reivindicada enquanto elemento ideológico que permite estruturar um novo
formato de relação com a sociedade nacional” (PEREIRA, 2004, p. 275-276). Por sua vez, o pastor Odair Morales22 vê
nos estudos a única saída para a situação precária em que vivem os indígenas da TI Dourados.

[...] hoje, o índio, se ele ficá na cultura, a FUNAI não tem condição de dá a subsistência pro índio. Porque, o índio
tem que vivê da pesca, tem que vivê da caça, e isso nóis não temos mais aqui. Principalmente por aqui, a não ser
na Amazonas que ainda pode [...] tê isso aí. Mas aqui… aqui mesmo nóis não temos isso não. Então a única saída
do índio pra ele não morrê de fome é ele avança no estudo. Procurá desenvolvê, estudá, pra ele tê o sustento da
sua vida própria (MORALES, 2015).

20 Brand não informou o nome de sua entrevistada.


21 Pastor fundador da Igreja Pentecostal Indígena Cantares de Salomão, organizada em de 1994, localizada na Aldeia Jaguapirú na TI
Dourados.
22 Pastor e um dos fundadores da Igreja do Evangelho Pentecostal Indígena de Jesus, organizada em de 1993, localizada na Aldeia Jaguapirú
na TI Dourados.

479
A incorporação deste pensamento por parte de muitos indígenas da Reserva de Dourados parece dar embasa-
mento para a posição da antropóloga Maria Elisa Ladeira, para quem “[...] a política educacional tradicional tem se
pautado pela suposição dominante de que a escola é o principal mecanismo para o desenvolvimento de uma ordem
social democrática e igualitária” (2004, p. 141). Ou seja, uma concepção que historicamente tem sido a base do modelo
escolar aplicado aos indígenas. Bartomeu Melià vai mais longe ao afirmar que nem mesmo a formação de professores
indígenas têm sido algo positivo. Segundo ele,

[...] toda a nossa educação, repito, toda... Não conheço, na América Latina, uma educação formal que não seja
anti-indígena. Não conheço uma única! E, às vezes, até mesmo quando os professores são indígenas é algo ainda
mais anti-indígena porque, sem a distância necessária, eles repetem o que foi ensinado da perspectiva do branco
(MELIÀ, 2013, p. 197).

Assim, no meio de todo esse processo se deve ainda considerar a autodeterminação de cada ente dos diversos
povos indígenas, muitos indígenas têm buscado responder às necessidades de seus próprios povos. Pois, ainda que
criticado, como o faz Melià, é cada vez mais frequente a presença de indígenas que buscam formação superior e que
retornam para suas terras para cooperar com o ensino de seus parentes. Mesmo que, em meio a isso, exista um desejo
legítimo de ascensão social e financeira que o trabalho como professor gerará.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo sintético, os apontamentos presentes neste artigo pretenderam historicizar aspectos relacionados
à escolarização dos indígenas na Reserva de Dourados e, ao mesmo tempo, oferecer um panorama das tensões que
envolveram e envolvem este processo. Tendo como base as relações entre o Estado brasileiro e a Missão Caiuá, a
compreensão das análises sobre a existência de afetações, ou não, podem ser elencadas em três pontos principais:
a) As intervenções do Estado brasileiro e da Missão Caiuá dão-se com os indígenas da Reserva de Dou-
rados por meio de um longo tempo de contato, todavia, apesar de a escolarização indígena ter refletido
em sensíveis mudanças sociais, eles não foi capaz de “produzir” gerações alienadas e com uma consciência
resignada. Contudo, ainda se faz mister avançar nestes questionamentos;
b) Há que se considerar como, num futuro breve, a atuação das missões religiosas, principalmente das
pentecostais que se instalaram na reserva em tempos mais recentes, podem intensificar as relações dele-
térias entre os indígenas convertidos e os que se mantém na religião tradicional. Especialmente no que
diz respeito a perpetuação dos ensinos tradicionais que, necessariamente, passa pelo ensino das religiões
étnicas;
c) Apesar dos avanços, ainda há significativas discussões sobre o modelo de escolarização indígenas de-
senvolvido junto às populações indígenas, como é o caso da presente na Reserva de Dourados, que preci-
sam ser cada vez mais discutidos a partir do locus e da cosmovisão destas populações. Pois, ainda que mi-
norizada, há indícios da persistência de elementos integracionalista no modelo de escolarização indígena.

Assim, ainda que não exista uma total autonomia das populações indígenas quanto aos processos de escola-
rização realizado em suas comunidades, o processo histórico que visava unicamente a integração desses povos na
sociedade não indígena precisa ponderado para que erros do passado não se repitam. Neste sentido, a mobilização de
inúmeras organizações étnicas têm se constituído em um instrumento demarcatório do direito destes povos a uma
educação diferenciada que respeite suas formas de socialização em suas múltiplas dimensões. Lutas que produziram
reflexos concretos e que hoje encontram respaldo tanto da Constituição de 1988 quanto na Lei de Diretrizes e Bases
da educação brasileira de 1996.
E mesmo que após séculos de imposições sofridas pelas populações indígenas existe a consciência de que não se
haveria de esperar que o respeito as leis se dessem de maneira célere, também não há porque deixar de insistir em sua

480
plena aplicação. Pois, desde que a Funai deixou de tutelar a educação indígena (1991), passando pela Lei 11.645/2008,
o avanço dos interesses dos povos originários em um projeto peculair de educação enfrenta a resistência não apenas
dos governantes, mas também de muitos educadores não indígenas.
No caso da Reserva de Dourados, essa questão assume contornos peculiares devido ao grande número dos que
nela vivem e, por sofrer mais a influência dos valores materiais presentes na sociedade envolvente, acreditam que
o modelo escolar não indígena é a “saída” para melhores oportunidades. Assim, a abordagem sobre a escolarização
indígena apresentada neste artigo, longe de propor respostas definitivas, buscou oferecer subsídio para novos debates
que envolvam a história dos povos indígenas e incentivar pesquisas que aprofundem o tema aqui proposto.

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482
ARMANDA ÁLVARO ALBERTO: UMA EDUCADORA E FEMINISTA
BRASILEIRA – A LACUNA INACEITÁVEL DA HISTÓRIA

Selma Regina Gomes- PUC-GO1

“Muitos já têm conhecimento de que Armanda Álvaro Alberto foi uma pioneira em diversas áreas. Além de edu-
cadora era feminista, pensadora e uma mulher de ação. Uma mulher que reunia pessoas influentes na construção
de seu projeto de educação e de país.”2

RESUMO: Este trabalho apresenta a história da intelectual Armanda Álvaro Alberto, uma das três mulheres signa-
tárias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O objetivo é destacar sua contribuição ao pensamento edu-
cacional brasileiro, evidenciando o contexto das relações sociais, institucionais e intelectuais do qual emergiu seu
projeto de escola idealizado e colocado em prática na Escola Regional de Meriti, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
Trata-se que uma pesquisa realizada a partir de estudo investigativo, referente à História Intelectual dos Signatários
do Manifesto da Educação Nova, realizado pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Educacional Brasileiro, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, cujo propósito é contribuir
com a produção do conhecimento sobre a constituição do pensamento educacional brasileiro, por meio da história de
intelectuais protagonistas do movimento pela Escola Nova no Brasil. Elegeu-se o Contextualismo Linguístico como
orientação metodológica para a apreensão do contexto e das ideias da intelectual em questão, buscando atentar para o
tempo histórico da produção das ideias defendidas pela intelectual e a intenção por trás de suas ações. Como suporte
teórico as proposições sobre a prática da história intelectual de Vieira (2015). Esta pesquisa permitiu identificar as di-
mensões de poder e pretígio que esta educadora deteve no contexto da história da educação brasileira e compreender
porque apesar desta educadora ter atuado em um dos movimentos educacionais mais estudados pelos historiadores,
o movimento da Escola Nova, a produção historiográfica, não deu a ela um lugar de destaque.
Palavras-Chave: História dos Intelectuais; Armanda Álvaro Alberto; Pensamento Educacional.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O interesse por investigar a história da intelectual Armanda Álvaro Alberto3 teve origem a partir dos estudos
realizados pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Educacional Brasileiro, composto por docentes e discentes do Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, cujo objetivo é con-
tribuir com a produção do conhecimento sobre a constituição do pensamento educacional brasileiro, por meio da
história de intelectuais protagonistas do movimento pela Escola Nova no Brasil.
Este artigo tem como objetivo evidenciar alguns aspectos da trajetória de Armanda Álvaro Alberto, uma das
três mulheres signatárias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que se destacou por ações voltadas para a
melhoria da educação e da saúde da população pobre de Duque de Caxias na década de 1930. Sua relação com pessoas
influentes da elite brasileira e a determinação com que encampou o projeto da Escola Proletária de Meriti facilitou
sua inserção política e educacional na sociedade.

1 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.


2 Trecho de uma entrevista concedida pela professora Liliane Leroux, coordenadora do Núcleo de Estudos Visuais em Periferias Urbanas da
UERJ, publicada no site da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro por ocasião do lançamento do documentário sobre Armanda lançado em
maio de 2017 durante a 3ª edição do Festival Mate com Angu, Cinema Popular em Duque de Caxias (RJ).
3 Filha do Dr. Álvaro Alberto da Silva, médico sanitarista e de Maria Teixeira da Motta e Silva, nasceu em 10 de junho de 1892 no Rio
de Janeiro, falecendo na mesma cidade em 5 de fevereiro de 1974. Em 1919 acompanhou o irmão Primeiro-Tenente da Marinha Álvaro
Alberto em sua transferência para Angra dos Reis. Nessa (então) afastada vila de pescadores começou a lecionar para as crianças, procurando
suprir a falta de escolas no lugarejo. (MORAES, J. D. - UNICAMP/FE – PPBIG/UNICAMP, s/d)

483
O Manifesto dos Pioneiros da Educação foi um documento redigido por Fernando de Azevedo e assinado
por outros 25 intelectuais que defendiam ideais de renovação no âmbito educacional do Brasil, alegando que “Na
hierarquia dos problemas nacionais, nenhuma sobreleva em importância e gravidade ao da educação.” (1932, p. 33).
Segundo Brito (2006, p. 35) “O manifesto de 1932 é uma síntese do pensamento social brasileiro. Contém uma refle-
xão rigorosa da situação política, econômica, cultural e educacional do País, além de indicar caminhos para as trans-
formações profundas que o Brasil necessitava para se afirmar como nação.”
Alguns nomes são constantes nos estudos a respeito do pensamento educacional brasileiro deste momento
histórico da educação brasileira, como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira que aparecem nas diversas pesquisas
produzidas com intuito de retratar o programa educacional contido no Manisfesto de 1932. Não se nega a relevância
da atuação destes dois intelectuais no movivento de renovação da educação, entretanto, existiram outros que deram
contribuição volorosa a este projeto e que ficaram nos bastidores da hitória, como é o caso de Aramada Álvaro Al-
berto.
Armanda Álvaro Alberto, ao lado de Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Cecília Meireles,
entre outros, defendia a escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita, tendo se destacado pela autoria de um pro-
jeto educacional inovador, levado a cabo pela criação da Escola Proletária de Meriti em 13 de fevereiro de 1921, que
veio posteriormente a ser denominada Escola Regional de Meriti, e na atualidade leva o nome de Escola Municipal
Dr. Álvaro Alberto4 localizada no município de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro.
Segundo Mignot (2010, p.18), pesquisadora e biógrafa de Armanda, apesar desta educadora ter atuado em um
dos movimentos educacionais mais estudados pelos historiadores, o movimento da Escola Nova, a produção histo-
riográfica, não deu a ela um lugar de destaque. Armanda já atuava intensamente em prol da educação brasileira antes
de assinar o Manifesto Pioneiro da Educação Nova, chamando a atenção da sociedade para a tarefa de, por meio da
educação, ofertar à população do interior condições de melhorias âmbito da saúde, educação e cultura; participando
de conferências com objetivo de disseminar educação como missão da sociedade; criando junto à Escola Regional de
Meriti um museu escolar e uma biblioteca direcionados à população local; fazendo parte da Liga Brasileira Contra
o Analfabetismo, apostando na educação como promotora do desenvolvimento social e cultural; participando da
Fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), entidade na qual era presidente à época da assinatura do Ma-
nifesto Pioneiro da Educação Nova; integrando o Conselho Nacional de Mulheres do Brasil; presidindo a Seção de
Cooperação da Família da ABE, cuja finalidade era reunir a comunidade e envolvê-la na tarefa educativa; liderando o
Memorial aos Editores Brasileiros, no qual foram estabelecidas as condições necessárias para tornar aceitável o livro
para crianças; participando de movimentos de reivindicação aos direitos das mulheres, como o I Congresso Inter-
nacional Feminista (1931), entre outras atividades de cunho reivindicatório em torno dos direitos das crianças e das
mulheres, principalmente aquelas pertencentes às camadas populares.
Oriunda de uma família tradicional do Rio de Janeiro, Armanda estudou em casa sob a orientação de sua mãe
e alguns professores particulares e tinha no pai seu maior incentivador intelectual. O Dr Álvaro Alberto da Silva, mé-
dico sanitarista, cientista, estudioso, químico, viveu na Europa em dois períodos (LAZARONI, 2010). O primeiro,
em 1889, quando Armanda ainda não havia nascido, recebeu ajuda de custo do governo para a manutenção da família
em Paris, com responsabilidade de representar o Brasil no Congresso Terapêutico de Paris, ainda neste período foi
professor convidado na Universidade de Sorbonne. Seu objetivo era aperfeiçoar seus estudos com relação à febre
amarela, doença que atingia níveis alarmantes de mortalidade no Rio de Janeiro. Em 1901, Armanda com 9 anos, a
família parte novamente para Europa, desta vez foram para Bélgica e Itália, o objetivo era praticamente o mesmo,
aperfeiçoamento dos estudo, do cientista brasileiro, e apresentação de tese sobre explosivos no curso de medicina da
Universidade de Roma (LARARONI, 2010).
Na Itália, foram apresentados a Maria Montessori (Id., 2010), a médica e educadora italiana, responsável por
um método de ensino na educação infantil, considerado revolucionário, por colocar o aluno no centro do processo
de ensino e aprendizagem e defender a formação integral do jovem, e o respeito às necessidade e aos interesse de

4 A escola recebeu o nome do Dr Álvaro Alberto, a pedido de Armanda, em homenagem a seu pai, médico sanitarista, no ano de 1964,
quando, após tentativa frustrada da educadora de transferir a escola para o governo do Estado, a mesma doa a escola para o Instituto Central
do Povo (ICP). No ano de 1989, a prefeitura municipal de Duque de Caxias assume a responsabilidade sobre o processo educacional da escola.

484
cada estudante com base no nível de desenvolvimento correspondente à faixa etária. Armanda esteve literalmente
em contato com o método.

Por mais de um ano, Mandinha manteve contato com a educação através de brinquedos educativos (corpos sólidos
de tamanho e formas variadas), objetivando o aperfeiçoamento dos sentidos; pedaços de tecidos coloridos destina-
vam-se à educação de percepção visual; os exercícios rítmicos desenvolviam a audição e o controle motor; quanto
aos professores deviam vigiar e orientar os alunos. (LAZARONI, 2010, p. 39).

No ano de 1912, já no Brasil, Armanda entra para o curso Normal na Escola Jacobina, dirigida por Laura Jaco-
bina Lacombe5, educadora católica, que se envolveu em causas educacionais, assumindo, como profissional, concep-
ções pedagógicas em circulação na Europa e Estados Unidos, como as de Decroly, um dos precursores dos métodos
ativos e defensores de uma escola centrada no aluno, de preparação para a vida em sociedade. No projeto pedagógico
da escola, Laura incorporou a essas concepções os conteúdos do movimento da Escola Nova e as concepções católicas,
experiência que foi vivenciada por Armanda, primeiro como aluna e depois como profissional.
Segundo Mignot (2010), Armanda dialogava com o momento histórico mundial da educação. Um período em
que, vivenciava-se os abalos provocados pela Primeira Guerra Mundial, cujos efeitos foram desastrosos para a eco-
nomia dos países envolvidos, como o Brasil, e buscava-se na Educação, novas possibilidades para a reconstrução do
país. A Educação Nova, contrária às características tradicionalista e intelectualista da educação, buscava imprimir um
sentido mais vivo e ativo às práticas pedagógicas, defendendo a escola pública para todos, como principal bandeira
para se corrigir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento do país. No Brasil, vivenciava-se os conflitos
gerados pela instalação da República, as revoltas contra as normas arbitrárias do Estado, sendo que em uma delas,
Armanda sentiu na pele as consequências dos desmandos dos governantes, que foi a revolta da chibata (LAZARO-
NI, 2010), na qual seu irmão, Dr. Àlvaro Alberto de Mota e Silva, primeiro-tenente da Marinha, foi ferido pelos
revoltosos que ocuparam o navio “Minas Gerais” em que ele estava de serviço. Tratou-se de um movimento em que
trabalhadores na marinha, na cidade do Rio de Janeiro (1910), em sua maior parte composta por mulatos e negros,
se revoltaram contra as normas estabelecidas, legalmente, que previam castigos físicos para as faltas cometidas no
trabalho.
Os intelectuais brasileiros, influenciados pelas ideias de Dewey6, e sob o impacto de transformações econô-
micas, políticas e sociais, a ampliação do pensamento liberal no Brasil, iniciaram um movimento, de renovação do
ensino, visando a formação de cidadãos atuantes e democráticos capazes de refletir sobre a sociedade e de inserirem
se de forma participativa e consciente nesta sociedade. A Educação, vista por eles como o elemento necessário e ver-
dadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática.
Armanda, uma pensadora de renome, mas principalmente uma mulher de ação, na interlocução com educado-
res como Dewey, nos Estados Unidos; Maria Motessori, na Itália; Freinet, na França; Anisio Teixeira, Fernando de
Azevedo e Lourenço Filho, no Brasil (MIGNOT, 2010), operacionalizou na prática pedagógica da Escola Regional de
Meriti, o pensamento da Escola Nova.

REDE DE RELACIONAMENTOS

Já muito cedo, Armanda se posicionava contra as injustiças e fazia leituras de intelectuais estrangeiros que de-
fendiam a educação como instrumento necessário e alavancador do progresso da humanidade. Leitora e admiradora
de Pestalozzi, antecessor de Maria Montessori e Dewey, assumiu, deste pensador, a ideia de que o afeto é fundamental
para o exercício da pedagogia. Este princípio a acompanhou durante todo o trajeto como educadora e administradora
da escola por ela fundada, a Escola Regional de Meriti.
5 Armanda e Laura Jacobina foram colegas do Curso Jacobina, mas na década de 30 assumiram dentro da Associação Brasileira de Educação
posições antagônicas ao se posicionarem diante do conflito entre católicos e pioneiros,
6 John Dewey (1859 - 1952), filósofo norte americano, acreditava que na educação como uma necessidade social e por isto, defendia que
a escola deveria se organizar no sentido de promover, por meio da experiência e da aprendizagem, o crescimento físico, emocional e
intelectual das crianças.

485
Suas ações, na luta pela educação e saúde, a levaram a participar de diversos movimentos e ocupar posições de
destaque em associações e comissões de discussão sobre assuntos referentes ao processo de ensino e aprendizagem,
além de posições em entidades cujo objetivo era reivindicar os direitos das mulheres, e de luta pela melhoria das con-
dições de vida da população brasileira, exigindo medidas de higiene e saúde como condição para o progresso da nação.
Algumas dessas participações serão abordadas neste texto nos itens que se seguem.

A UNIÃO FEMININA DO BRASIL

A uma época em que as mulheres eram consideradas, aos olhos de uma sociedade masculina e autoritária, como
desprotegidas e emocionalmente vulneráveis, Armanda se posicionou ativamente no combate à esta situação, pro-
pondo a emancipação da mulher, principalmente da mulher operária. Armanda emerge de suas reminiscências como
uma das mulheres que ingressou na cena política num momento de radicalização ideológica, exercendo a cidadania,
experimentando o medo e a violência. (MIGNOT, 2010, p. 20)
Armanda foi a primeira presidente da União Feminina do Brasil, criada em 1935, cuja bandeira de luta visava
os direitos econômicos, sociais e civis da mulher, com ela, estavam mulheres como Maria Werneck de Castro, Ester
Xavier, Catarina Laudsberg, Eugênia Álvaro Moreira, Mary Mércio e Norma Mormy. Com a União Feminina do
Brasil, Armanda viu seu ideal de intensificação da ação política das mulheres ser concretizado e, cabe dizer que não
era a primeira participação desta educadora em um movimento com tal objetivo, na década de 1920 ela já compunha
o quadro de mulheres protestantes da Associação Cristã Feminina, além da Federação Brasileira para o Progresso
Feminino e do Conselho Nacional de Mulheres do Brasil (LAZARONI, 2010).
Em função de estar a frente da União Feminina do Brasil e manter relações bem próximas com a Aliança Nacio-
nal Libertadora, foi alvo de denúncias, acusada e presa sob a alegação de fazer propaganda comunista e alianças com
movimentos que defendiam os ideais socialistas no Brasil. Segundo Mignot

Dificilmente Armanda Álvaro Alberto imaginaria que a presidência da União Feminina do Brasil, criada, em
meio à efervescência política de 1935, visando defender os interesses das mulheres brasileiras e romper com a
discriminação que se expressava na legislação que mantinha a mulher em situação humilhante, tivesse tão graves
consequências.(2010, p. 37),

486
Várias pessoas, homens e mulheres, foram presos, em função dos levantes que aconteceram no ano de 1935,
sob a alegação de conspirarem contra o governo de Getúlio Vargas. A Aliança Nacional Libertadora (ANL), compos-
ta por comunistas, socialistas, lideres sindicais e de liberais que um dia fizeram parte do governo, liderada por Luis
Carlos Prestes apresentou neste ano um documento em nome da ANL, requerendo a renúncia do governador, o que
rendeu a determinação de ilegalidade da mesma. Várias revoltas ocorreram (Natal, Recife, Rio de Janeiro), entre-
tanto, as tropas oficiais as combateram e finalizaram as revoltas rapidamente. Segundo Mignot (2010, p.39 e 40), em
meio a esta efervescência e clima de insatisfação, se deu a organização da União Feminina do Brasil.
As reivindicações da União Feminina do Brasil, versavam também contra a

supressão da liberdade de pensamento, a prisão e a deportação de cientistas, as intenções políticas de teorias que
procuravam comprovar a inferioridade das raças, a queima de livros e o fechamento de laboratórios, que justifica-
vam as guerras e a opressão contra os povos.” (Mignot, 2010, p. 40).

Em virtude do momento político de repressão, esta entidade não pode levar adiante seus projetos e foi fechada
em junho do mesmo ano em que foi criada e suas organizadoras foram presas, mesmo alegando não terem envolvi-
mento com o movimento de insurreição que se formou neste ano. Armanda foi presa em 1936 e liberada em junho
de 1937, julgada e absolvida em julho do mesmo ano.
Segundo Lazaroni (2010), empenhadas em combater as desigualdades sociais, a fome e a miséria, eliminar o
analfabetismo e a ignorância, dar visibilidade à participação feminina nas decisões políticas do pais, as mulheres
que criaram a União Feminina do Brasil, mantinham contato e participação na Aliança Nacional Libertadora, mas
estavam insatisfeitas com as posições (apenas administrativas) que ocupavam na ANL. Portanto, resolveram criar um
espaço dentro da ANL que representasse mais que o simples papel de espectador e que colocasse em evidência discus-
sões sobre a participação da mulher em sociedade, que para elas não seria apenas relacionado aos afazeres domésticos,
mas atuando de igual para igual ao lado dos homens.

LIGA BRASILEIRA CONTRA O ANALFABETISMO

A educadora aqui retratada, deste os primeiros momentos de sua vida profissional se preocupou com a situação
educacional da população brasileira, atuando no Rio de Janeiro se dedicou a ensinar crianças e adolescentes, acredi-
tando que ao saírem de sua condição de analfabetos, poderiam participar junto à comunidade no sentido de melhorar
as condições de vida de todos.
No ano de 1919, acompanhando o irmão que se mudara para Angra dos Reis, começou a ensinar crianças
pobres da região, filhos de pescadores, em uma sala de aula improvisada ao ar livre, utilizando os recursos locais
como material de ensino. Este início de trabalho como educadora reforçou sua ideia de que a escola regionalizada
traria mais benefícios à comunidade e, apesar de não ter durado muito tempo, serviu a Armanda como experiência e
reforçou a compreensão do papel da escola e da mulher na tarefa de educar os menos afortunados. De volta ao Rio,
se ambienta ao clima propício à participação das mulheres na vida social e política do Estado. É neste período que
começa suas atividades junto à Liga Brasileira contra o Analfabetismo, defendendo as ideias de intelectuais que viam
a necessidade de promover mudanças no âmbito da educação e saúde em prol da construção da nação e denunciando
o analfabetismo como um dos maiores problemas brasileiros.
A Liga Brasileira Contra o Analfabetismo, foi uma instituição criada no ano de 1915 e atuou junto à população
e poder público no sentido de eliminar este que consideravam o mal da sociedade, o analfabetismo. Com o objetivo de

reverter o abandono em que se encontrava a educação brasileira, reuniu em torno desta bandeira homens e mu-
lheres que compartilhavam do entusiasmo pela educação e, em particular, acreditavam que somente pela alfabeti-
zação, se poderia reverter o atraso do país. (MIGNOT, 2010, p. 28)

Tratava-se, na compreensão dos membros da Liga Brasileira contra o Analfabetismo, de uma missão cívica que
culminaria com a formação intelectual do povo brasileiro, e consequentemente com a manutenção da ordem e do

487
progresso almejados. Armanda se engajou nesta luta e no ano de 1923 assumiu a vice-presidência desta instituição,
que seria uma das colaboradoras do projeto da Escola Regional de Meriti, criada em 1921.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE)

Criada em 16 de outubro de 1924, representando um espaço de discussão e sugestão para elaboração de políti-
cas educacionais no Brasil. Composta por educadores e pessoas com interesse em melhorias na educação brasileira,
promovia encontros, conferências nos quais se discutiam temas específicos da educação nos vários níveis.
No site da ABE7, um texto apresenta a Associação da seguinte maneira

A ABE surge na década de 20, um período da história cheio de grandes e graves apreensões, reunindo personalida-
des ilustres e cultas, com o propósito de avaliar suas responsabilidades e deveres em relação aos grandes problemas
nacionais. O sentimento comum ao grupo era a recusa da apatia, indiferença e inércia diante dos fatos que estavam
ocorrendo, contrários aos legítimos direitos da pessoa humana e pondo em perigo o ideal de uma vida democráti-
ca, aspiração de nosso povo ao longo de sua evolução histórica. Foi com esse propósito idealista e de esperançosas
expectativas que se formou, em torno do Professor HEITOR LYRA DA SILVA, um numeroso grupo de intelec-
tuais e profissionais do ensino, inicialmente com predominância de engenheiros vinculados à Escola Politécnica
e ao então existente Instituto Politécnico de Engenharia. [...] O contingente feminino, igualmente expressivo, se
fazia representar por ISABEL LACOMBE, ARMANDA ÁLVARO ALBERTO, ALICE CARVALHO DE MEN-
DONÇA, BRANCA FIALHO, BERTHA LUTZ, JERÔNIMA MESQUITA e muitas outras professoras, mães de
família, cientistas, que emprestaram valiosa colaboração à iniciativa. (2017)

No ano de 1932, durante uma conferência, foi assinado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em de-
fesa da democratização da educação escolar e a modernização dos métodos pedagógicos. Armanda e Afrânio Peixoto
assumiam juntos, na época, a presidência da ABE. O respeito conferido a Armanda como educadora e criadora de
um projeto de escola ativa, que traduzia na prática os ideais dos intelectuais da época, conferiu a ela uma participação
ativa junto à ABE, principalmente junto à Seção de Cooperação da Família, por meio da qual pode difundir suas ideias
sobre o poder da educação na construção do futuro das crianças.
Segundo Lazaroni (2010), Armanda se associou à ABE, em função de sua militância pela melhoria das condi-
ções intelectuais do povo brasileiro, enaltecendo a importância da participação ativa nos debates e nas decisões polí-
ticas e econômicas, e por acreditar na formação de uma consciência nacional que pudesse erradicar as desigualdades
sociais. Ela e seu marido, Edgar Sussekind, compuseram o quadro de professores, normalistas, jornalistas, médicos,
advogados e engenheiros, que influenciados pelo movimento europeu “Liga Internacional pela Educação Nova” e
pelo pensamento de Comte, Durkheim e Dewey, tinham posições bem claras com relação ao papel da ABE, defen-
dendo a educação como único caminho para a ordem e o progresso do pais.
Ao assinar o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Armanda via seu ideal de educação regionalizada,
pública e de responsabilidade do Estado, aberta para todos e com qualidade, próximo da concretização. A experiência
com a Escola Regional de Meriti, dava à educadora a certeza de ter sido uma tentativa pedagógica de sucesso apesar
das dificuldades enfrentadas, que poderia, quiçá, ser ampliada para todas as escolas brasileiras, como ela mesma coloca
no livro “A Escola Regional de Meriti”

Porventura, das coisas pretendidas pelo plano inicial da escola mais lentas de chegar era a sua máxima aspiração:
o ser reproduzida nas diversas regiões do país. Naquele tempo não tínhamos ainda a experiência do México, por
exemplo, hoje tão conhecida, mas os princípios da Escola Regional, mesmo para quem não tivesse a par da litera-
tura pedagógica, já se impunham aos que encarassem objetivamente, sem parti pris, as questões da educação entre
nós, aí por esse Brasil afora. Ora, convencida de que a experiência começada em Meriti podia ser feita noutros
lugares, desde logo confessamos aquela aspiração. A nosso ver, então como hoje, a escola regionalizada é a única
que resolverá o nosso problema de quantidade porque pode funcionar em qualquer casada roça, em galpões de
sapê, com uma professora para numerosos alunos, utilizando-se do material grátis, arrecadado na redondeza,

7 http://www.abe1924.org.br/quem-somos. acesso em 30/10/2017

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interessando no seu desenvolvimento toda a vizinhança que nela não verá mais a inimiga que desvia os meninos
e as meninas de suas tarefas utilitárias, mas, ao contrário disso, um centro de ensinamentos para a vida real cá de
fora, onde até eles, os adultos, às vezes vão em busca de um esclarecimento, de um socorro. Só duas coisas são
imprescindíveis para essa escola existir de verdade: a professora preparada para o seu mister e a cooperação da
Saúde Pública. Pois bem, passados tantos anos de espera, parece que as escolas regionais serão tentadas. Depois de
visitar a escola de Meriti, de ver a pobreza do material de que dispõe e o realismo de sua orientação pedagógica,
a Sociedade Nacional de Agricultura resolveu promover um curso, confiado a vários especialistas, para professo-
ras estaduais, sendo a parte da pedagogia confiada à escola. Foi-me informado que nove estados vão enviar duas
professoras cada um. Que surjam breve essas escolas regionais, algumas decerto em condições de prosperar muito
mais que a de Meriti, situadas em localidades de população mais homogênea ou mais apta a contribuir diretamente
para o seu progresso. Nosso contentamento será tanto maior. (ÁLVARO ALBERTO, 2016 , p. 64)

Sua atuação junto à ABE, estava intimamente ligada às suas aspirações de mudar as condições de vida da popu-
lação brasileira, considerada à época como analfabeta, ignorante com relação à sua participação nas decisões políticas
e econômicas do pais. A educadora levou para os debates da Associação, suas reflexões sobre educação e saúde, regio-
nalização do ensino, direito à participação das mulheres, o analfabetismo no Brasil, entre outros.

A ESCOLA REGIONAL DE MERITI

A Escola Regional de Meriti, criada no ano de 1921, por Armanda, com a ajuda financeira de seu irmão Álva-
ro Alberto da Mota e Silva, seu marido Edgar Sussekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho, que a ajudaram
a construir o projeto da escola, se constituiu no que seria a menina dos olhos da educadora, que dedicaria todos os
esforços na caminhada de transformar a vida social e cultural da cidade de Duque de Caxias, por meio da educação.
Fortemente influenciada pelo pensamento de Maria Montessori, da Itália, Dewey, norte-americano e Pestalo-
zzi, da Suíça, Armanda iniciou seu projeto de escola, que denominou como tentativa pedagógica, no ano de 1919, em
Angra dos Reis, quando teve a oportunidade de ensinar para um grupo de crianças e adolescentes, filhos de pesca-
dores, com idade entre 3 a 16 anos, organizando turmas homogêneas, separadas em um mesmo ambiente, de acordo
com a faixa etária.

Aquela escola ao ar livre, à sombra dos bambus, cujo mobiliário constava de uma mesa, uma cadeira e esteiras
pelo chão, onde as manhãs eram consagradas à distribuição de remédios, e muito material escolar improvisado ali
mesmo, do que pudesse ser aproveitado – se foi a escola que iniciou alguns patriciozinhos nas coisas primordiais
da vida, foi também a nossa própria escola a que preparou essa outra de Meriti, fundada menos de um ano depois
de sua extinção. (ALBERTO, 2016, p. 46)

O objetivo da Escola Proletária de Meriti, como originalmente foi chamada, era ser “uma escola moderna,
regional, criada e mantida por iniciativa particular” (Id. p. 46) com feição de um lar-escola e fundamentada nos prin-
cípios de “Saúde, Alegria, Trabalho e Solidariedade”.
Segundo a própria Armanda, a escola começou sem nenhuma proposta escrita, com o intuito de ajudar a me-
lhorar as condições de vida das pessoas que moravam em Meriti, pois em visita à cidade, percebeu a precariedade em
que viviam, sem nenhuma infraestrutura básica, e estudiosa e preocupada com a população do interior, viu a opor-
tunidade de colocar seus conhecimentos à disposição daquela gente considerada ignorante com relação a questões de
saúde e educação.

Não tendo sob os olhos nenhum modelo a seguir, foi inaugurada em 13 de fevereiro de 1921, sem um só programa
escrito; tomou desde o começo, no entanto, a feição de um lar-escola, embora externato, com número limitado
de alunos, a quem não se dão notas, prêmios ou castigos. A orientação geral apresentava-se resumida em quatro
cartazes com os dizeres: Saúde, Alegria, Trabalho e Solidariedade. (ALBERTO, 2016, p. 47)

489
Um museu escolar organizado com recursos trazidos pelos próprios alunos foi criado e também, uma biblio-
teca com nome em homenagem a Euclides da Cunha8, direcionada a alunos, professores e moradores de Meriti com-
punham os anexos da escola, havia também um receptor de rádio, doado por Roquette Pinto. Os professores eram
orientados, por Francisco Venâncio e Coriolano Martins, a seguir os ensinamentos de Montessori e fazer registros
diários sobre o desenvolvimento das crianças. “O primeiro programa escrito – isso era de esperar – foi o de higiene,
para o 1º grau do curso (hábitos de saúde)” (Id. p. 47). As aulas previam entre outras coisa, os trabalhos manuais,
seguindo uma característica de escola/laboratório, da escola idealizada por Dewey.
Uma das campanhas empreendidas pela equipe da escola, foi de saneamento básico, considerada por Armanda
como a mais importante e tinha na figura do Dr Belisário Pena seu maior expoente, tendo em vista sua dedicação
na realização de conferências populares, com objetivo de esclarecer a população sobre os cuidados com a higiene e
a saúde. As crianças e jovens, bem como a família, recebiam assistência médica, levando em consideração que Ar-
manda, sob influência primeiramente de seu pai e depois por ter se dedicado ao estudo sobre a situação da população
que morava no interior, era simpatizante do movimento higienista promovido na Baixada Fluminense pelo doutor
Belisário Penna e acreditava que sem saúde, não era possível haver aprendizagem.
As preocupações eram pertinentes, considerando que a comunidade de Meriti era muito pobre, e doenças
como malária, febre amarela eram comuns àquela época. O cenário da cidade era preocupante, com rios e canais
destruídos, águas podres e estagnadas. Os três amigos, Venâncio Filho, Edgar Sussekind e Armanda investiram seus
esforços para mudar o destino da população de Meriti, com educação, cultura, informação, projeto social e de saúde.
(LAZARONI, 2010, p. 368).
Seguindo esta perspectiva, inseriu em seu projeto de escola o cuidado com a saúde e a alimentação, sendo a
Escola Regional de Meriti, a primeira escola no Brasil a servir merenda escolar a seus alunos. Esta atitude rendeu à
escola o apelido, inicialmente pejorativo, de Mate com Angu, mas que foi incorporado pela comunidade, que ainda
hoje enaltece as ações de Armanda em prol da cidade de Meriti, hoje Duque de Caxias, dando nome a cinema, fes-
tivais e documentários destinados a exaltar a memória desta educadora que tanto contribuiu para a região. Pode-se
citar, também a iniciativa pioneira de a criar o Círculo das Mães, “com programa especialmente traçado para aquelas
mães, analfabetas em sua maioria; higiene, educação familiar e economia doméstica são as três partes do programa
destinado a preparar a cooperação, que sonhamos, das famílias com a escola”. (ÁLVARO ALBERTO, 2010, p. 51).
A Escola Regional de Meriti foi a primeira da América Latina a funcionar em tempo integral, com orientação
de métodos desenvolvidos por Maria Montessori e Pestalozzi, valorizando a criança por suas características e in-
dividualidades, buscando o seu desenvolvimento natural e potencialidades com respeito à liberdade de expressão e
pensamento, sem empregar métodos tradicionais como notas e castigos.
No livro “A Escola Regional de Meriti: documentário 1921-1924”, organizado por Armanda e publicado pela
Editora do INEP, edição de 2016, a educadora faz agradecimentos especiais a pessoas que contribuíram para a exis-
tência desta Escola: Francisco Venâncio Filho, Edgar Sussekind de Mendonça, Álvaro Alberto da Motta e Silva,
Coriolano Martins, Belisário Penna, Heitor Lyra da Silva, Edgard Roquete Pinto, Corina Barreiros, rosa Dufrayer de
Oliveira, Maria da Luz Carvalho, Marina Motta Veiga, Octávio Ferreira Veiga,Bernardino Jorge, Maria T. da Motta
e Silva, Ernesto de Otero, Ari Parreiras, Celso Kelly, Tácito de Moraes Rêgo, Fávio Lyra da Silva, Frederico Rêgo
Neto, Luís Bustamante Castello, Brasilina Del Mugnaio, Custódio Pires d’Aquino, Humberto Freire de Carvalho,
Martha Rossi, Albino Reixeira, Evelina Couto Borges, José Montes, Carlos Baptista dos Santos, Moyspes Xavier de
Araújo, Paschoal Lemme, Branca Perissé. Na atualidade, a escola funciona sob a jurisdição da Prefeitura Municipal de
Duque de Caxias e já não mantém as mesmas características de ensino preconizadas por Armanda.

8 Armanda era membro do Grêmio Euclides da Cunha do Colégio Pedro II, criado por seus amigos Carlos e Edgar Sussekind, Murilo Araújo
e contava com a participação de Alberto Rangel, Francisco Venâncio Filho. O objetivo do Grêmio era render homenagens a Euclides da
Cunha e divulgar e promover estudos sobre sua vida e obra.

490
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar este texto que objetivou relatar a trajetória de Armanda Álvaro Alberto, fica a consciência de que
muito se deixou de falar sobre esta educadora, que merecidamente precisa ser evidenciada no meio acadêmico, no
sentido de retratar a lacuna deixada pela história na divulgação de sua atuação em prol da educação no Brasil. E para
retratar com maior fidedignidade o seu pensamento, transcreve-se a seguir suas conclusões a partir do trabalho de-
senvolvido como mentora de um projeto educacional de escola, localizado em um tempo e em um espaço específico
da história da educação no Brasil.

CONCLUSÕES

Oito anos de ação e meditação, sulcados de acertos e desacertos que, todos, redundam em alguma experiência, levam-nos
às seguintes conclusões:
1º) Os métodos de educação – venham eles da Suíça, dos Estados Unidos, da Itália, desde que se baseiem na liberdade, que
consente a plena expansão da individualidade, e no trabalho, que leva a criança a observar e experimentar, a descobrir e a fazer
por si – são os únicos dignos de serem adotados hoje em dia. Em nosso meio, poucos são os professores capazes de os empregar
com segurança; faz-se necessário, portanto, antes de tentar a escola ativa, preparar os mestres para ela.
2º A escola primária tem que ser regional, o que não impede de ser brasileira. Tanto melhor reagirá sobre o seu meio,
quanto mais adaptada lhe estiver. Na roça é o único centro, muitas vezes, de vida intelectual; deve sentir as necessidades de pro-
gresso da sua região e tomar a si as iniciativas em benefício da comunidade a que pertencem os seus alunos.
3º) A cooperação da família na obra da escola é indispensável. Em cada escola deve existir um Círculo de Mães que as
prepare convenientemente.
4º) Sem a iniciativa particular, o Brasil não resolverá tão cedo o problema da educação do seu povo, simplesmente porque
faltam à União e aos Estados os recursos financeiros suficientes. A Escola Regional de Meriti tem por máxima aspiração ser
reproduzida em todo o país. Que os fazendeiros, os industriais, os capitalistas fundem escolas para os filhos dos seus colonos,
sitiantes, operários, empregados. Peçam aos poderes públicos ou aos centros de educação, como a Associação Brasileira de Edu-
cação, os programas, mesmo as professoras, mediante entendimento com o governo. E aqueles que só dispõem de boa vontade
fundem associações como a nossa – que o se ocupar da criança ainda é a mais humana das funções de nossa espécie. (ÁLVARO
ALBERTO, 2016, p. 53)

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ÁLVARO ALBERTO, A. (org.) A Escola Regional de Meriti: documentário 1921-1964. Brasília : Inep, CEPEMHEd, 2016,
209 P.
BRITO, M. H. de O. Memória da Educação em Anísio Teixeira. In.: TIBALLI, E. F. A.; NEPOMUCENO, M. de A. (Coord.).
Pensamento Educacional Brasileiro. Goiânia: Ed. UCG, 2006.
LAZARONI, D. Mate com Angu: a história de Armanda Álvaro Alberto. Rio de Janeiro : Edição Europa, 2010, 597 p.
MIGNOT, Ana C. V. Armanda Álvaro Alberto. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, 164 p. il. -
(Coleção Educadores).
MIGNOT, Ana C. V. Decifrando o Recado do Nome: uma Escola em Busca de sua Identidade Pedagógica. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.74, n.178, p.619-638, set./dez. 1993
MORAES, José Damiro. Armanda Álvaro Alberto: Pensamento e ação nos anos 1930. UNICAMP/FE – PPBIG/UNICAMP

491
ARQUIVO ESCOLAR: VARIAÇÕES DE PESQUISA EM HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO

José Henrique dos Santos Barbosa – UEG


Sandra Elaine Aires de Abreu – UEG

RESUMO: A história da educação e a história das instituições escolares têm sido tratadas com atenção e mi-
núcia nos últimos anos, consequência das novas possibilidades de análise documental que por sua vez é resultado do
valor dado a novas fontes que passam a ser tidas como documentos a partir da perspectiva tratada no campo da histó-
ria cultural. O presente artigo tem o propósito de analisar e discutir como os arquivos escolares e sua documentação
podem tornar-se lugar de referência para a pesquisa em História da Educação. A análise das possibilidades e limita-
ções da pesquisa a partir dos arquivos escolares e seus documentos está atrelada a um referencial teórico voltado para
a História, História da Educação e Arquivologia. Na pesquisa proferida sobre o arquivo Escolar da Escola Estadual
Geralda Luzia Vecce, em busca de documentação referente à organização e funcionamento do Grupo Escolar Joa-
quim José da Silva, nos períodos de 1937 a 1970, foi possível localizar uma importante documentação para o estudo
da história do referido Grupo Escolar, bem como mostrar as possibilidades que a documentação presente no arquivo
da Escola pode apresentar para a pesquisa em História da Educação e também para a história das instituições escola-
res. Além disso, o arquivo em questão fornece elementos significativos para a compreensão do perfil dos indivíduos
que lá estudaram e/ou trabalharam, em especial, dados sobre os alunos e professores do Grupo Escolar, bem como as
relações estabelecidas com órgãos de seu entorno.
Palavras-chave: Documentos; Pesquisa em Educação; História da Educação; Arquivo Escolar.

INTRODUÇÃO

Maria João Mogarro (2005) atenta que as investigações acerca dos arquivos escolares tem se tornado
ano após ano tema central de projetos de pesquisa em torno da História da Educação, seja no Brasil e/ou
na Europa, tomando maiores dimensões por meio das contribuições publicadas por autores como Bonato
(2005, 2002) e Vidal (2005) que têm tido maior notoriedade no processo de apontamentos das relevâncias
que os arquivos escolares oferecem para organizar, sistematizar, construir e dinamizar ahistória e a memória
da educação.
O presente artigo traz como proposta de discussão as possibilidades/potencialidades que os arquivos escolares
têm como ambientes de relevância para a pesquisa em História da Educação. O desenvolvimento da pesquisa se faz
possível principalmente por basear-se em uma experiência de pesquisa já iniciada no arquivo da Escola Estadual Ge-
ralda Luzia Vecce do município de Leopoldo de Bulhões/GO.
A escolha do referido arquivo e consequentemente da referida escola se deu principalmente pela im-
portância que a instituição escolar tem no município desde sua instalação, por ter sido o primeiro grupo
escolar do referido município e proporcionado a instrução infantil durante boa parte do século XX. Acre-
dita ser de importância a ressalva de que a Escola Estadual Geralda Luzia Vecce foi, em meados do século XX,
Grupo Escolar de relevância para a instrução das crianças do município de Leopoldo de Bulhões/Go, princi-
palmente por esse – o Grupo – ter sido instalado em 1937 momento em que Leopoldo de Bulhões ensaiava,
ainda, os seus primeiros passos no cenário de concretização educacional, político e economico.
É proposta, no desenvolvimento do artigo, uma discussão acerca do arquivo da referida escola, aliada a um
referencial teórico que fundamentará a análise. Para isso far-se-á a divisão/organização da discussão em três partes,
onde, a primeira tratará sobre arquivos, arquivos escolares e seus ofícios públicos e sociais, fazendo uma análise base-

492
ada em um referencial teórico de cunho mais arquivístico. A segunda parte versará sobre documentos e documentos
escolares e suas potencialidades para a pesquisa em História da Educação. E, por último, a terceira parte trará para a
discussão o arquivo da Escola Estadual Geralda Luzia Vecce, a partir de uma análise mais precisa dos documentos que
dizem respeito ao Grupo Escolar de Leopoldo de Bulhões/GO.

ARQUIVOS E ARQUIVOS ESCOLARES: MÚNUS PÚBLICO

Para se ter uma amostra significativa do que se passa no contexto educacional de determinado país, estado
ou cidade, basta que se lance o olhar para as instituições escolares que esses lugares apresentam ou apresentaram ao
longo de sua história. Independentemente de sua origem ou natureza, as instituições escolares são capazes de repre-
sentar juntamente com todo pessoal que a compõem, uma ideia do que realmente é a educação. Doravante, nessas
instituições escolares há uma produção de documentação e registros variados, sejam eles de caráter administrativo,
pedagógico e histórico que se tornam imprescindível para a administração e para o cotidiano burocrático que circun-
da o ambiente pedagógico. (FURTATO, 2011).
Assim, nas instituições escolares encontra-se uma documentação variada que está diretamente ligada ao dia-a-
-dia da escola, à cultura daquela instituição e que são, por sua vez, guardados, protegidos, fechados em determiados
espaços, os arquivos. Sendo assim, uma parte do reflexo indispensável para se compreender o funcionamento da
instituição que se pretender observar. Para Alessandra Cristina Furtato (2011, p.150) “nas instituições escolares, os
arquivos1 se constituem no repositório dos documentos de informação que estão diretamente relacionados com o seu
funcionamento”.
Partindo do pressuposto de que os documentos constituem em si informações de caráter variado, conforme
as atividades sociais desenvolvidas por determinadas instituições, fica evidente que a valorização do arquivo e con-
sequentemente dos documentos ali guardados, bem como sua proteção, torna-se indispesável para a realização de
investigações que objetivam o desvendar de uma identidade, fato, memória, etc.
Ao tratar da importância da preservação/conservação dos documentos em arquivos especializados principal-
mente para os de caráter institucional, Belloto (2002) ressalta os princípios fundamentais da Arquivística, que con-
tribuirão para um preservar mais significativo, sendo os princípios, quatro: o da proveniência, o da unicidade, o da
organicidade e o da indivisibilidade.2
Esclarece Medeiros (2012, p.178) que mesmo “a lei geral não diga expressamente, os arquivos escolares, naquilo
que dizem respeito aos atos decorrentes de múnus públicos, são de interesse público e quando uma escola particular
(privada) é extinta, seus arquivos devem ser transferidos à guarda pública”.
Há arquivos escolares públicos e arquivos escolares privados, não podendo, por exemplo, gestores de escolas
particulares destruírem documentos de transferência, históricos escolares de alunos, atos de colação de grau, etc, pelo
interesse público que revestem tais documentos, destarte, por isso, afirmar que

[...] os arquivos escolares serão públicos ou privados, mas os arquivos escolares privados são de interesse público,
quando decorrentes de atribuições autorizadas, reconhecidas ou decorrentes daquelas atribuições tornam-se total-
mente públicos, pois serão transferidos para a guarda pública.(MEDEIROS, 2012, p. 179)

Fica então, evidente, que nas instituições de ensino, os arquivos escolares se constituem em no repertório dos
documentos de informação, que estão diretamente relacionados ao seu funcionamento, dando-lhe um caráter e uma
importância maior nos caminhos da investigação, principalmente àquelas que dizem respeito à História da Educação,

1 Adotaremos para objetivos finais desse trabalho o conceito de arquivo disponível no Dicionário Brasileiro de Terminologia arquivística,
que fica assim caracterizado como um “[...] conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pública ou
privada, pessoal ou familiar, no desempenho de suas atividades, independentemente da natureza do suporte. (ARQUIVO NACIONAL,
2005, p.27 ).
2 Para melhor compreensão dos princípios especificados recomendamos a leitura do artigo de Antonietta d’Aguiar, Maria Tereza Navarro
de Britto e Ilma da Sila Cabral: “os arquivos e a memória da Educação na Bahia: recordando localmente para conhecer globalmente”. In:
CASEMIRO, Ana Palmira Bittencourt S; LOMBARDI, José Claudinei; MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha (org). A pesquisa e a preservação
de arquivos e fontes para a educação, cultura e memória. Campinas, SP: Editora Alínea, 2° ed. 2012.

493
como destacado por Mogarro (2005, p.77) essas instituições “ganham posição de grande centralidade para a compre-
ensão dos fenômenos educativos e dos processos de socialização das gerações mais jovens”.
Finalmente, tornar-se significativo ressaltar, como menciona Furtato (2011, p.152) que o “arquivo constitui
um núcleo duro da informação sobre a escola”, e ao citar Mogarro (2005) ressalta que, o arquivo, corresponde a um
conjunto homogêneo, e acaba por ocupar um lugar medular e de referência no universo das fontes de informação que
podem ser utilizadas para reconstruir o itinerário da instituição escolar.
Junto a isso, fica evidente a compatibilidade de ideias que os autores fazem com Vidal (2005, p.24) que apresen-
ta o arquivo escolar como fornecedor de

elementos para a reflexão sobre o passado da instituição, das pessoas que a frequentaram ou frequenta, das práticas
que nela se produziram e, mesmo, sobre as relações que estabeleceu e estabelece com seu entorno (a cidade e a
região na qual se insere).

E assim, diante do que foi exposto é que notamos que é no arquivo escolar que será possível encontrar docu-
mentos de valores inestimáveis, como livros didáticos, frequência dos alunos e dos professores, materiais paradidá-
ticos, atividades realizadas pelos discentes, lista de matriculas, entre outros, que permitirão a compreensão seja do
processo de ensino ou da cultura escolar, mas sobretudo da História da Educação.

DOCUMENTOS E DOCUMENTOS ESCOLARES: SUAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA

Em virtude do que já foi mencionado, fica evidente que o arquivo escolar constitui um eixo indissociavel de
informações sobre a escola, “ao corresponder a um conjunto homogêneo e ocupar um lugar central e de referência
no universo das fontes de informação que podem ser utilizados para reconstruir o itinerário da instituição escolar”
(MOGARRO, 2005, p. 77-78). Logo, a possibilidade de encontrar nos arquivos escolares documentos de gêneros
variados, sejam eles de caráter administrativo, pedagógico e/ou histórico tornar-se recorrente, uma vez que “os do-
cumentos de arquivo (manuscritos e dactilografados, no caso dos mais recentes) reflectem a vida da instituição que
os produziu” (MOGARRO, 2005, p. 81)
Como sugere Le Goff (1986), o pioneirismo dos fundadores da revista Annales d’histoire économique et sociale
contribuiram de forma significativa ao insististirem sobre a necessidade e inevitabiliade de ampliar a noção de docu-
mento. Para eles:

A história se faz com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se
sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar
para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas
do campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem de cavalos de tiro. Com os exames de pedras
feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, perten-
cendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os
gostos as maneiras do ser e do homem (LE GOFF, 1986, p. 98).

O autor sugere ainda, a ampliação do sentido do documento escrito, contemplando elementos sonoros, pic-
tóricos, indumentários, entre outros, pois os problemas históricos não conrrespondem a apenas um tipo único de
documetos.
Cabe ressaltar ainda, que a partir da década de 60, a emergente revolução documental de carater quantitativo e
qualitativo que passa a se basear não mais nos grandes homens, nos grandes acontecimentos, nas histórias políticas
e/ou militares. Mas, ao contrário, passa a se interessar de forma minuciosa e particular por todos os homens. Dessa
forma, é importante partir da visão de Bloch (2001) que encara esses “homens” como objetos da história por natureza.
Para Bloch “por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas
daqueles que a criaram, são os homens que a história quer capturar”. (BLOCH, 2001, p. 54).

494
Desta forma, torna-se meritório apontarmos e consideramos nessa discussão sobre a revolução documental
comentada, a concepção de documento/monumento que, conforme sobreleva Le Goff (1985) permitirá o poder da es-
colha do documento, de sua valorização, apto de transformar, transmutar, tornar e monumentalizar o documento:

A concepção do documento/monumento é, pois, independente da revolução documental e entre os seus objetivos


está o de evitar que esta revolução necessária se transforme num derivativo e desvie o historiador do seu dever
principal: a crítica do documento – qualquer que ele seja – enquanto monumento. O documento não é qualquer
coisa que fica por conta do passado. É um produto da sociedade que o fabricou, segundo as relações de força, que
aí, detinham o poder (LE GOFF, 1985, p. 102).

Diante do que até aqui foi deliberado fica evidente que análise de todo genero de documento de forma simples
e obvia não cabe na discussão, sendo proposta por sua vez uma investigação do documento de forma quase que cri-
minal, detetivesca, que buscará desvendar mistérios baseados em indícios imperceptítveis para a maioria das pessoas,
como reforçado pelo paradima indiciário de Ginzburg. (GINZBURG, 1989)
Conforme salientado por Carlo Ginzburg (1989, p. 175-176) “[...] a época em que os historiadores acreditavam
que era seu dever trabalhar exclusivamente com depoimentos escritos já passou faz algum tempo. Já quando Lucien
Febvre convidava a examinar ervas as formas dos campos, e os eclipses da lua”.
Ademais, como bem afirma Furtato (2011, p.157) ao recorrer a Bellotto (1984), “o documento é um discurso
sobre a realidade, trabalhado pela leitura do historiador, onde são acrescentados os envolvimentos e inquietações do
presente”. Logo, ter em mente que os documentos que serão utilizados são sempre produções humanas e que, por
consequência disso, podem expressar interesses pessoais, muito mais do que a realidade concreta, tendo ai o historia-
dor de tomar maiores cuidados no que se toma com verdade e/ou realidade dos fatos prescritos. (FURTATO, 2011)
Como descrito por Mogarro (2005, p.83)

No seu conjunto, essas fontes de informação implicam ao investigador uma atitude necessariamente atenta aos
contextos educativos e culturais em que foram produzidas e à selecção a que sucessivamente foram submetidas
pelas gerações de actores sociais que as tutelaram, ocupando diferentes níveis de poder decisório sobre elas e sobre
a sua preservação ou eliminação.

Que são inúmeras as variedades de análise e de produção a partir da pluralidade documental presente nos ar-
quivos das instituições escolares não se pode duvidar, é possível, a título de exemplo, e sem a intenção de esgotar a
profusão que ainda se tem, discutir as tensões entre os professores, os debates, conflitos, estratégias tidas pela coorde-
nação durante uma e outra reunião, opções pedagógicas e curriculares, orientações internas da vida escolar, a partir
da análise atenta e minuciosa das atas de conselho escolar.
É possível, visto que nas instituições escolares existe um grande volume de instrumentos que buscam avaliar os
discentes, analisar os mecanismos em que estão assentados os processos de ensino-aprendizagem e do significado dos
rendimentos exigidos pelas várias disciplinas presentes na instituição. (MOGARRO,2005)
A partir das listas de professores, alunos, turmas, etc., pode o pesquisador, caracterizar o trabalho de gestão e
organização pedagógica das instituições escolares. Por meio de folhetos, brochuras, convites, anúncios e outras fontes
desse gênero, pode-se conseguir a identificação de festas, espetáculos ou outras realizações que marcaram o calendá-
rio e, logo, o tempo escolar. (MOGARRO, 2005)
Para uma análise mais sistemática e pontual, Medeiros (2012) alega que é importante o conhecimento sobre
a classificação utilizada pelos arquivistas, dos documentos de arquivos e que, ainda segundo o autor, aplicam-se
também aos documentos escolares. Ruy Hermann Araújo Medeiro (2012) classifica os documentos em arquivos em
documentos correntes, documentos intermediários e documentos de valor permanente.

495
ESCOLA ESTADUAL GERALDA LUZIA VECCE DE LEOPOLDO DE BULHÕES - GO E SEU
ARQUIVO: REFLEXÕES ACERCA DE SUA DOCUMENTAÇÃO REFERENTE AO GRUPO
ESCOLAR J.J DA SILVA

O grupo escolar de Leopoldo de Bulhões foi criado pela lei estadual n°83 de 7 de outubro de 1936 (ATA DE
INSTALAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR). E foi denominado grupo Escolar Joaquim José da Silva em maio de 1940,
em homenagem a um cidadão silvaniense,3 quando no mesmo ano, também passou a funcionar em prédio próprio
com três salas de aula, uma sala para a diretoria e uma para a secretaria. (LIVRO DE TERMPO DE COMPROMISSO
DO GRUPO ESCOLAR).
O prédio do Grupo Escolar Joaquim José da Silva conta com dois espaços destinados ao arquivamento de docu-
mentos escolares, que por sua vez estão diretamente ligados com a Secretaria da escola. Nota-se que um dos espaços
está destinado a documentos classificados como recentes, contendo documentos de ex-professores e funcionários que
ainda fazem uso de seu acervo documental para fins pessoais.
O segundo espaço, destinado a documentos de menos importância para os funcionários da instituição, conta
com documentação diversa. O arquivo contém apenasdois armários médios, com quatro gavetas fundas para o arqui-
vamento de documenos diversos, onde os mesmos são guardados sem nenhum tipo de catalogação e/ou classificação.
Não há também qualquer guia, catálogo e/ou instrumento de pesquisa que auxilie na consulta dos documen-
tos que estão no armário e nas parteleiras do arquivo. Em trabalho no local ficou claro que seria possível o resgaste
relativo de documentos referentes ao Grupo Escolar de Leopoldo de Bulhões e consequentemente a restauração da
história e da cultural escolar do referido Grupo Escolar.
O processo de organização e coleta de dados dentro dos dois arquivos da referida instituição se deu de forma
independente e sistemática, tendo em vista o interesse nos documentos e resultado que a organização do mesmo po-
deria trazer para trabalhos futuros sobre a história da instituição e de suas particularidades.
Após realizar uma organização mais cronológica dos documentos referentes à organização e ao funcionamen-
to do Grupo Escolar J. J da Silva foi possível realizar um reconte temporal de 33 anos de 1937 a 1970. Os gêneros
dos documentos são múltiplos, sendo possível o contato com atas de Instalação e organização do grupo, até ofícios
encaminhados e recebidos, no e pelo Grupo Escolar, sendo possível, assim, estabelecer algumas possibilidades dos
documentos para a pesquisa das instituições escolares e, consequentemente, da História da Educação.
Referências sobre a instalação, organização do grupo gestor, organização do quando de professores, e funcio-
nários da parte administrativa (como por exemplo, o porteiro), podem ser encontradas no livro de Atas de 1937 a
1957. A partir desse livro, é possível ter uma noção mais precisa da quantidade de salas do Grupo Escolar, os ciclos e/
níveis de ensino que o Grupo ofertava e quem assumiria os cargos disponíveis. Informações sobre o inspetor do Gru-
po também são trazidas no livro de Atas. Ainda no referido livro, tem-se descrições das aberturas e encerramentos
dos anos letivos, trazendo nuances significativas do tempo escolar do Grupo Escolar Joaquim José da Silva.
O livro de Termo de Compromisso do Grupo Escolar de Leopoldo de Bulões (1937-1960) apresenta os acordos
e tratados entre funcionários (diretora, professores, porteira, etc), com o respectivo Grupo Escolar e a Delegacia re-
gional responsável. Por meio deste documento tem-se uma tênue noção da origem dos funcionários e suas intenções
para com o Grupo.
Mantido pelo Grupo Escolar de 1937 a 1963, o “Livro para termo de visitas do Grupo Escolar de Leopoldo de
Bulhões”, relata as impressões dos visitantes, fossem eles do município ou não, a respeito do Grupo Escolar. Tais visi-
tantes, deixam não somente seus pareceres acerca da organização do Grupo Escolar, de seus funcionários, disposição
arquitetônica etc., como também deixavam escritas e marcadas, suas colaborações e sugestões para o funcionamento
da referida instituição.
As “Atas da Caixa Escolar Dr. Vasco dos Reis Gonçalves” (1939 – 1965) trazem informações com respeito
inauguração e a organização da diretoria da Caixa Escolar (eleição para diretoria da Caixa, tesoureiro e fiscal). Cons-

3 É importante ressaltar que nesse período Leopoldo de Bulhões era distrito de Silvânia, conhecida e denominada como Bonfim e sendo
prefeito na ocasião o Sr. Felismino Viana e inspetor escolar o Sr. Levi Frões e, por sua vez, nomeada como diretora da escola e tomando
posse em 1° de julho de 1937, a professora Normalista Maria Isabel D’Assunção.

496
tam também alguns pareceres sobre a quantidade de alunos “socorridos” pela caixa escolar. A partir da análise fica
evidente o caráter assistencialista da Caixa Escolar do Grupo. Entretanto, não era somente objetivo da Caixa atender
aos alunos desvalidos, mas, também, comprar e suprir alguns materiais e ferramentas de trabalho no Grupo Escolar.
A Caixa Escolar era mantida de doações dos moradores do município, muitas vezes donos de mercearias e
pais de alunos mais abastado. A Caixa Escolar do Grupo Escolar Joaquim José da Silva, recebia também doações de
material, fosse ele material escolar (lápis, papel A4, tinteiro, mapas geográficos, etc.), ou material de limpeza para
manutenção higienista do prédio. (BARBOSA, 2016)
O livro de anotações de Substitutas do Grupo Escolar (1958-1967) referência o processo de adesão de professo-
ras substitutas dentro do Grupo. Com informações sobre a portaria e a forma de aprovação das candidatas ao cargo.
Informações que dizem respeito a exoneração de professoras e admissão das mesmas, puderam ser encontradas no
livro de “Registro de entrada e saída de professoras” (1959), descrevendo, de forma rápida e precisa, o que levou tal
docente a eximir-se do cargo.
O livro de matricula (1962-1965) encontrado traz dados sobre a clientela atendida pelo Grupo Escolar J.J da
Silva, ao longo dos anos, quanto à (s) informações referentes aos alunos traz: nome, idade, nacionalidade, filiação,
sexo, tempo escolar, e procedência do aluno; quando diz respeito a dados dos responsáveis, verifica-se: nome do
mesmo, uma coluna para especificação sobre a filiação (se é pai, mãe, ou outro), residência, nacionalidade do pai e da
mãe, nível de instrução dos pais, religião e profissão. Tal livro contribui de certa maneira para estabelecer o perfil do
quadro discente durante os anos.
As Atas de exame de 1951 a 1966 informa dados referentes a aprovação e reprovação dos alunos matriculados
no Grupo Escolar, de seu desempenho nos exames aplicados (orais e escritos). Por meio dessas atas, é possível ter
noções sobre a forma de avaliação do Grupo Escolar, as disciplinas contidas no currículo da escola. Por meio dessas
atas de exame o possível identificar, também, o início e fim do ano letivo.
Os ofícios e cartas encontradas (1965 – 1970) contribuem por sua vez com informações sobre as relações do
Grupo Escolar J.J da Silva com o poder público local e Secretaria de Educação e Cultura. Algumas das cartas, por
exemplo, trazem dados sobre as relações mantidas com ex-funcionários, prefeito local, inspetores, etc. Os ofícios
apresentam informações sobre as reivindicações feitas pela direção, muitas vezes direcionadas ao Secretário da Edu-
cação e Cultural, mas também, reivindicações feitas ao poder público local.
Como é possível observar, a variedade e possibilidade de pesquisa a partir da documentação recolhida e apre-
sentada é enorme, e suas vertentes múltiplas. Esses documentos apresentam como é possível notar, informações
significativas sobre a cultura, espaço e tempo escolar do Grupo Escolar Joaquim José da Silva, traz também dados
referentes aos discentes, docentes, funcionários em geral e dos pais e responsáveis, sendo possível a partir daí uma
caracterização não simplista do perfil dos alunos e moradores do município e do entorno atendido (as) pelo Grupo.
Informações que possibilitam aos dispostos e interessados, o desvendar da história desse Grupo Escolar durante o
século XX.
Sobretudo, compreendemos que seja necessário ressaltar que serão as problematicas, os questionametos lançados
sobre esses documentos adotados como fontes que darão “vida” e sentido à história que se pretende escrever e, conse-
quentemente, à pesquisa. Sendo, dessa forma, a fonte, sempre susceptível de reinterpretação conforme os novos olhares
lançados em consonancia com a abordagem do pesquisador/historiador. Sendo assim, quanto maior for o confronto do
pesquisador com sua fonte, seja esse confronto tecido por meio de questionamentos, mais explorado, e mais informa-
ções serão encontradas e, consequentemente, mais “vestigios” serão evidenciados e mais História escrita.

497
REFERÊNCIAS

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____________ . Arquivo do Grupo. Livro de termo de compromisso do Grupo Escolar de Leopoldo de Bulhões. Livro 1,
50 folhas. 1937 a 1960.
__________. Arquivo do Grupo. Livro para termo de visitas do Grupo Escolar de Leopoldo de Bulhões. 100 folhas. 1937
a 1963.
__________. Arquivo do Grupo. Livro de Atas da “Caixa Escolar”. 100 folhas. 1939 a 1965.
__________. Arquivo do Grupo. Livro das contribuições para a “Caixa escolar “Dr. Vasco dos Reis Gonçalves””. 50
folhas. 1944 a 1960.
__________. Arquivo do Grupo. Livro de Ata da Caixa Escola “Dr. Vasco dos Reis Gonçalves”. 50 folhas. 1946.
__________. Arquivo do Grupo. Livro de ponto. 50 folhas. 1952 a 1953.
__________. Arquivo do Grupo. Livro de anotação de substitutas. 50 folhas. 1958 a 1967.
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__________. Arquivo do Grupo. Registro Escolar: matrícula, professores e aparelhamento escolar. 1962 a 1965.
__________. Arquivo do Grupo. Livro de Atas de Exame. Livro 3. 70 folhas. 1951 a 1957.
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__________. Arquivo do Grupo. Pasta de ofícios expedidos e recebidos. 1965 a 1970.

499
AS CONFERÊNCIAS BRASILEIRAS DE EDUCAÇÃO (CBE’S)
E A FORMAÇÃO PARA O TRABALHO

Mara Franco de Sá1-UFPI

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as contribuições das Conferências Brasileiras de
Educação (CBE’s) para a educação profissional brasileira na fase de redemocratização política do país. Neste contexto,
três entidades acadêmicas e científicas se destacaram por terem iniciado os debates acerca da educação no Brasil: a
Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED); a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC); e o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES). Estas entidades já aspiravam por reformas no setor
educacional a partir das reflexões e críticas que realizavam da política educacional da ditadura civil-militar de 1964,
bem como se organizando em associações de pesquisas na área de educação, organizações estas que tiveram grande
influência na oportunidade de realização das Conferências Brasileira de Educação (CBEs). As entidades acima men-
cionadas se destacaram ainda na história da educação pela organização e realização das Conferências Brasileiras de
Educação (CBE’s), especialmente pela elaboração da Carta de Goiânia, documento redigido na IV CBE, onde constam
as sugestões que as entidades acadêmicas e científicas apresentaram à Assembleia Nacional Constituinte à educação.
Desse modo, essas entidades colocaram em debate um projeto educativo voltado à ruptura da dualidade estrutural da
educação brasileira mediante a defesa da escola unitária como direito de todos. Para a realização da pesquisa optamos
pela abordagem qualitativa e buscamos compreender nosso objeto de estudo a partir da análise dos registros docu-
mentais que descrevem a memória da educação profissional brasileira nas CBE’s. No que se refere à coleta dos dados
esta ocorreu tendo como base o exame dos Anais das Conferências Brasileiras de Educação, inicialmente com a leitura
da I CBE e das subsequentes, até a V CBE, dos quais selecionamos o conteúdo que tratava da educação profissional.
O acesso aos Anais das CBE’s foi possível a partir da consulta ao acervo do Programa de Estudos e Documentação
Educação e Sociedade (PROEDES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A organização das CBE’s ocorreu a
partir de simpósios temáticos. Em relação à da educação profissional, os debates, em todas as conferências, foram
realizados em dois Simpósios sempre denominados de “A Política de educação profissional” e “Educação e Trabalho”.
A leitura atenta dos Anais das CBE’s demonstra a ampliação do debate acerca da educação profissional ao longo dos
anos do evento, visto que os temas abordados não mais se limitaram às críticas à experiência de profissionalização
compulsória do 2º grau, instituída pela Lei 5692/71. As Conferências trataram a temática do trabalho e educação a
partir do entendimento dos aspectos econômicos, políticos e pedagógicos presentes na formação para o trabalho,
assim como dialogaram com experiências de formação profissional dos sindicatos. Embora a organização das CBE’s
tenha surgido da ação de entidades acadêmicas, diversos foram os sujeitos sociais presentes nos encontros. Entre os
participantes que abordaram a educação profissional, encontraram-se, além dos pesquisadores, representantes das
secretarias estaduais de educação, dos sindicatos e do Sistema S. As CBE’s foram fundamentais para a durante o perí-
odo de redemocratização pela defesa de uma escola pública, gratuita, laica e universal. Dos debates ocorridos durante
as conferências em questão se destacou a compreensão de que o acesso das classes populares a uma nova escola básica
era uma condição mínima. Porém defendiam ser indispensável que os trabalhadores não recebessem exclusivamente
uma formação voltada à reprodução da força de trabalho. A defesa do trabalho enquanto um princípio educativo
era decorrente da compreensão de que assim os trabalhadores e seus filhos poderiam ter acesso a um saber capaz de
promover uma inserção social justa a partir da escola. Essa apreensão tornou-se o ponto central dos debates acerca
da educação profissional durante as CBE’s e se fez presente nas propostas defendidas pelas entidades acadêmicas
e científicas, as quais tendo os princípios da escola unitária como orientação teórica, sustentaram que a educação
profissional não poderia prescindir da formação geral. Por essa razão, defendiam que a formação para o trabalho não

1 marafrancosa@gmail.com Socióloga (UFPa); mestre (UnB) e doutora (UFG) em Educação. Docente da UFPI.

500
deveria limitar-se a uma preparação pragmática; ao contrário, era necessário o acesso ao saber científico, que integra
o processo produtivo em sua totalidade. A atuação dessas entidades, juntamente aos movimentos sociais, sindicais
e aos políticos que partilhavam da mesma perspectiva das entidades em questão foi fundamental na defesa da escola
pública para todos, em todos os níveis, incluindo a formação para o trabalho.
Palavras-chave: Conferências Brasileira de Educação. Educação profissional. Educação e sociedade civil.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as contribuições das Conferências Brasileiras de Educação
(CBE’s) para a educação profissional, na fase de redemocratização política do país. Na organização dessas confe-
rências, a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED); a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC); e o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) ganharem destaque nos debates sobre o
tema. Estas entidades já aspiravam por reformas no setor educacional a partir das reflexões e críticas que realizavam
da política educacional da ditadura civil-militar de 1964, bem como se organizando em associações de pesquisas na
área de educação, organizações estas que tiveram grande influência na oportunidade de realização das Conferências
Brasileira de Educação (CBEs).
As entidades acima mencionadas se destacaram ainda na história da educação pela organização, especialmente
pela elaboração da Carta de Goiânia, documento redigido na IV CBE, onde constam as sugestões que as entidades
acadêmicas e científicas apresentaram à Assembleia Nacional Constituinte à educação.
As cinco conferências ocorridas no período entre 1980 a 1988 foram significativas no contexto da redemocrati-
zação do país, visto que preocupavam-se com o processo de democratização da sociedade e o debate acerca dos rumos
da educação brasileira, bem como da formação para o trabalho.
Para a realização da pesquisa optamos pela abordagem qualitativa e buscamos compreender nosso objeto de
estudo a partir da análise dos registros documentais que descrevem a memória da educação profissional brasileira
nas CBE’s. No que se refere à coleta dos dados esta ocorreu tendo como base o exame dos Anais das Conferências
Brasileiras de Educação, inicialmente com a leitura da I CBE e das subsequentes, até a V CBE, dos quais selecionamos
o conteúdo que tratava da educação profissional. O acesso aos Anais das CBE’s foi possível a partir da consulta ao
acervo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade (PROEDES) da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
O artigo está dividido em três partes. A primeira trata do cenário de reorganização das forças políticas com o
processo de abertura política do país. A segunda aborda os debates das CBE’s e, por fim, as considerações finais.

O CENÁRIO DE ABERTURA POLÍTICA DO BRASIL

Durante o processo de abertura política do país, as forças políticas conservadoras que apoiaram o golpe ci-
vil-militar de 1964 procuraram manter no legislativo os seus representantes. Deste modo, as reformas eleitorais da
década de 1970 visavam conter o avanço das forças oposicionistas no cenário de redemocratização.
A sociedade brasileira ao pressionar para participar da elaboração da nova carta constitucional enfrentou a per-
manência das forças políticas autoritárias, instauradas no país em 1964. O desvelamento desse percurso nos permite
compreender os desafios e embates que os grupos defensores da ampliação dos direitos sociais enfrentaram nesse
período, entre eles o acesso à escola pública e gratuita, bem como a garantia de uma formação para o trabalho que
ultrapassasse as práticas de educação profissional voltadas, exclusivamente, para o mercado de trabalho.
Com a reforma eleitoral de 1979, e o surgimento de novas possibilidades partidárias, ocorreu um afastamento
dos partidos políticos dos movimentos sociais, pois os militantes assumiram a política partidária como a entidade de
demandas da oposição. Em vista disso, após 1980 prevaleceu na competição eleitoral a lógica das forças de oposição,

501
a qual representou uma mudança no período anterior (1974-1980), quando os movimentos sociais eram os represen-
tantes das demandas da oposição.
No entanto, devido ao processo ditatorial de 1964 nenhum partido, do período anterior aos governos de 1964,
teve o seu poder de influência com o retorno democrático e, por essa razão, o sistema partidário pré-ditatorial tor-
nou-se algo distante para o eleitorado nacional, de modo que os partidos que surgiram com a redemocratização ti-
nham bases sociais frágeis. Com uma trajetória de acordos e conciliações, os governos militares encerraram seu ciclo
a partir da aliança política que garantiu, em 1985, a vitória de Tancredo Neves e José Sarney, a partir do apoio do PFL.
A ascensão da oposição ao poder central, liderada pelo PMDB, no bojo do processo de redemocratização do
país, só foi possível a partir do pacto político com a Frente Liberal e também por que

[…] os programas políticos dos candidatos permaneceram dentro dos limites dados pelo próprio governo e por
empresários dissidentes. Tancredo Neves, candidato da Aliança Democrática, assimilou com viés ortodoxo al-
gumas das propostas desenvolvimentistas que contavam principalmente com apoio no empresariado industrial
(SALLUM JR., 2015, p. 25).

O reconhecimento da redemocratização brasileira como um pacto desconstrói a noção de superação plena do


legado autoritário, bem como a perspectiva otimista que oculta a crise vivenciada pelo regime. A vitória de Tancredo
Neves representou o pacto da maioria da oposição com a elite e possibilitou ao governo manter a transição para a
democracia sobre o seu controle.
No entendimento de Mainwaring (2001), a cooptação de parte da oposição foi a marca da redemocratização
brasileira, o que garantiu a continuidade de antigas práticas da política brasileira como, por exemplo, o clientelismo
político. Ademais, essa permanência contribuiu para que as mudanças fossem tímidas a partir do momento que ine-
xistiram alterações estruturais na sociedade brasileira. Esse fato demonstra que a transição teve um aspecto mais de
continuidade do que de ruptura, além de sinalizar os desafios a serem superados na construção democrática do país.
Para Sallun Jr. (2015, p. 27), embora no governo Sarney tenha ocorrido “[...] um arranjo político no qual vários
segmentos sociais, inclusive as classes populares, puderam lutar por seus interesses e ideais com grande liberdade de
ação e organização”, a sua gestão representou uma transição competitiva, na qual a disputa política foi regulada por
um acordo entre as elites, dando origem, posteriormente, à produção de arranjos políticos entre os grupos parlamen-
tares.
Dreifuss (1989) afirma que, para assegurar os propósitos burgueses, surgiram diversas entidades com os mes-
mos princípios daquelas que apoiaram o golpe de 1964. Entre as instituições atuantes na defesa da continuidade dos
interesses da burguesia se destacou o Instituto Liberal.
O entendimento dos arranjos políticos e partidários presentes no contexto da redemocratização do país nos
permitem compreender a importância da atuação e das demandas das entidades acadêmicas e científicas em defesa da
formação para o trabalho, a qual será discutida a seguir.

As CBE’s e a formação para o trabalho: o que apontam os dados?

A leitura atenta dos Anais das CBE’s demonstra a ampliação do debate acerca da educação profissional ao longo
dos anos do evento, visto que os temas abordados não mais se limitaram às críticas à experiência de profissionaliza-
ção compulsória do 2º grau, instituída pela Lei 5692/71. As Conferências trataram a temática do trabalho e educação
a partir do entendimento dos aspectos econômicos, políticos e pedagógicos presentes na formação para o trabalho,
assim como dialogaram com experiências de formação profissional dos sindicatos.
Embora a organização das CBE’s tenha surgido da ação de entidades acadêmicas, diversos foram os sujeitos
sociais presentes nos encontros. Entre os participantes que abordaram a educação profissional, encontraram-se, além
dos pesquisadores, representantes das secretarias estaduais de educação, dos sindicatos e do Sistema S.
Os participantes das CBE’s tinham uma compreensão unânime de que a política de educação profissional do
período ditatorial de 1964 foi ineficiente. Desse modo, na I CBE, as análises enfatizaram que a profissionalização

502
proposta pela Lei 5692/71 não cumpriu os objetivos propostos, além de ter contribuído para a desorganização do 2º
grau. Diante da constatação da falência da profissionalização compulsória defendiam o aprofundamento das discus-
sões sobre o modelo de educação profissional almejado.
A experiência educativa durante a I CBE deu a voz da classe trabalhadora em defesa de uma educação para o
trabalho, que representasse o rompimento com as práticas pedagógicas tradicionais e fragmentadoras por entender que

O estudo isolado da língua portuguesa, educação artística, matemática, ciências, história, geografia, etc., faz com
que os conteúdos se tornem desinteressantes, forjando ‘o conhecimento em si’ sem nenhuma aplicabilidade, o que
distancia os trabalhadores do espírito crítico e questionamento constante, embora permaneça a sede de entender
melhor os fenômenos científicos e as relações sociais nos quais estão envolvidos (LOPES, 1980, p. 7, grifos do
autor).

As questões referentes ao papel dos componentes curriculares no processo de formação dos trabalhadores
adquiram expressividade a partir da II CBE diante das críticas à Lei 5692/71 e aos efeitos da profissionalização com-
pulsória do 2º Grau sem investimento do Estado no setor público.
As propostas iniciais para a formação profissional brasileira nesta CBE surgiram a partir das análises dos pro-
fessores Newton Bryan, Roberto Jamil Cury e Niuvenius Paoli que concordavam quanto ao entendimento de que a
busca dos trabalhadores por profissionalização não se restringia à preocupação com a inserção no mercado de traba-
lho, uma vez que

Os trabalhadores, além de procurarem se profissionalizar em resposta à ideologia que apresenta a qualificação pro-
fissional como meio seguro para garantir a estabilidade no emprego, procuram nas escolas profissionais um certo
saber que lhes permita compreender e dar significado ao seu próprio trabalho (BRYAN, 1982, p. 141).

Para o professor Newton Bryan, ainda que a profissionalização fosse uma das bandeiras de reivindicações dos
trabalhadores, a aceitação imediata da manutenção do ensino técnico profissionalizante tradicional, juntamente com
o ensino acadêmico propedêutico, deveria ser repensada uma vez que esse modelo mantinha as práticas elitistas de
educação. O ponto de partida de sua crítica foi o desenvolvimento do currículo do 2º Grau, por compreender que:
“Nas escolas técnicas nota-se a tendência a transformar o ensino de língua inglesa em inglês técnico, o ensino de física
em física industrial, o ensino de química em química industrial” (BRYAN, 1982, p. 142).
Para a maioria dos integrantes das CBE’s, no contexto da redemocratização brasileira, era urgente a defesa do
trabalho enquanto um instrumento de emancipação humana, assim como a eliminação das condições históricas que
perpetuavam a classificação do trabalhador como cidadão de segunda classe. É a partir desses princípios que eles de-
fenderam a substituição da pedagogia da submissão – consolidada mediante as práticas e os discursos capitalistas que
naturalizam o disciplinamento de alunos.
A centralidade do trabalho nos debates sobre as políticas de educação profissional adquiriram espaço na III
CBE. As reflexões sobre a relação escola/trabalho/cidadania convergem à compreensão de que para a efetivação do
processo democrático brasileiro seria necessário superar a proclamação formal de direitos para que, dessa forma, a
educação pudesse se tornar um instrumento de efetivação da cidadania. Desse modo, a Conferência destaca como
essencial o debate sobre a reconfiguração do Estado, uma vez que

Agora que se fala em Constituinte, é preciso avançar organizadamente no campo dos direitos sociais com propos-
tas educacionais concretas que propiciem a reversão máxima da ‘face privada’ do Estado e que garantam a expansão
maior da ‘face pública’ do Estado. Sem esta expansão da ‘face pública’ do Estado não haverá direitos que avancem.
E a expansão da ‘face pública’ significa, sem dúvida, a contração da sua ‘face privada’ (CURY, 1984, p. 93).

Na perspectiva dos conferencistas da III CBE, no contexto da redemocratização brasileira, o desafio no campo
educativo seria a redefinição de uma política educacional que assegurasse a oferta de uma escola pública, gratuita,
universal e laica como direito de todos, além do desmembramento da oferta educativa das exigências do mercado de
trabalho.

503
No que se refere às bandeiras de luta da educação, de forma geral, apontam como principais e emergenciais: a
defesa de uma escola pública e gratuita em todos os seus níveis; melhorias salariais para os professores e garantia de
formação continuada desses profissionais. Essas reivindicações, dado o contexto da época, eram tidas como funda-
mentais para atender as particularidades quanto à oferta de educação com foco na formação para o trabalho.
A luta por uma nova política educacional no Brasil se fortaleceu na IV CBE. Em relação à educação profissional,
embora a Conferência tenha apresentado uma proposta consensual na Carta de Goiânia, as concepções em disputa se
evidenciaram a partir da presença de duas vozes dissonantes: de um lado os lutavam pelo fortalecimento da educação
pública e gratuita, e do outro os representantes das entidades patronais, defensores do ensino privado.
As entidades patronais, ainda que realizassem a defesa de um 2º grau não profissionalizante, mantiveram a
concepção de uma formação fragmentada e desvinculada da educação geral. Os aspectos gerais da referida proposta
foram apresentados pelo palestrante Jarbas Novelino Barato, do SENAC de São Paulo, ao defender que

Entendo que esses cursos têm de ser desenvolvidos no âmbito do SENAC como cursos basicamente pós-secun-
dários, uma vez que entendo que o ensino fundamental é um dever do Estado, que o ensino de 2º Grau não tem
que ser necessariamente profissionalizante. Inclusive na prática, os cursos que o SENAC, hoje, tem chamado de
técnicos basicamente são cursos pós-secundários, porque exigem uma formação básica como pré-requisito para se
trabalhar a tecnologia que será incorporada nesses cursos (BARATO, 1986, p. 833-834).

O representante do SENAC de São Paulo defendeu que a educação profissional, na Constituinte, não ficasse
restrita às questões do ensino técnico, pois acreditava que o país necessitava também de uma educação profissional
básica, que formaria profissionais como pedreiros, mecânicos ou garçons. No entanto, não haveria garantia de acesso
à escolarização aos trabalhadores. Sobre essa questão, defendia apenas que

Cabe apenas registrar que as ocupações básicas não dispõem de um tratamento educacional legal, similar àquele
conferido às profissões de nível médio e universitário. Este fato, porém, não deve ser esquecido quando se preten-
de examinar e propor políticas de formação profissional (BARATO,1986, p. 812).

A proposta educativa patronal foi sustentada na tese da formação profissional como solução para o desempre-
go, pois o representante do SENAC presente a IV CBE compreendia que “uma melhor qualificação da mão-de-obra
pode significar aumento dos índices de emprego e de remuneração dos trabalhadores” (BARATO, 1986, p. 813).
Mesmo apontando o trabalho como um direito constitucional, a defesa era do empreendedorismo como uma estra-
tégia individual de sobrevivência, além da naturalização da inexistência do direito aos benefícios do emprego, pois
entendia que “a fixação de uma parcela da mão-de-obra no mercado informal, por meio de ações de formação profis-
sional, é socialmente relevante” (BARATO, 1986, p. 813).
Já os defensores da politecnia, ainda que reconhecendo os limites da formação para o trabalho em uma so-
ciedade de classes, assim como as barreiras históricas vividas pela maioria dos trabalhadores brasileiros, defendiam
primeiramente o acesso de todos a uma escola pública, gratuita, laica e universal, sendo o trabalho o princípio edu-
cativo. Esse modelo educativo, de acordo com o professor Gaudêncio Frigotto, estaria em contraposição às práticas
pedagógicas hegemônicas e se constituía uma luta dos trabalhadores, pois

A luta pela escola tem sido uma luta secular da classe trabalhadora. Mas, certamente, o saber, o conhecimento que
a classe trabalhadora busca na escola, não coincide, necessariamente, com o saber historicamente acumulado sob
a hegemonia da burguesia. A luta hegemônica implica, concretamente, uma crítica radical ao saber dominante e
uma articulação do conhecimento histórico, que não é produção exclusiva da burguesia aos interesses da classe
trabalhadora. Não se trata pura e simplesmente de mudança de conteúdo, mas de uma forma nova de produção do
conhecimento (FRIGOTTO, 1986, p. 845).

Em vista disso, o ponto de partida da proposta dos conferencistas era a luta pelo acesso dos trabalhadores ao sa-
ber produzido pela humanidade, a partir da oferta de uma escola igualitária, a qual, na concepção gramsciana, é aquela
que ocorre sem a hierarquização de classes sociais, sendo, portanto, comum para todos os membros da sociedade.

504
A questão do trabalho enquanto princípio educativo é o aspecto central da concepção de educação profissinal
presente nas CBE’s. A compreensão do trabalho como um instrumento pedagógico que concede aos educandos uma
compreensão crítica da realidade e o conhecimento necessário para enfrentar as transformações do mundo do traba-
lho, pois defendiam que

Para manter esse aluno em condições de enfrentar o mercado de trabalho a longo prazo, deve-se dar uma formação
geral, um embasamento científico-humanística que vai lhe propiciar o aprendizado e desenvolvimento da nova
tecnologia com grande facilidade. Esses cursos de formação de operadores e programadores de máquinas de con-
trole numérico-computadorizadas não exigem formação técnica específica nenhuma, exigem apenas que os alunos
tenham uma formação de 2º grau, não exatamente uma formação técnica, mas de preferência que ele tenha um
bom conhecimento de cálculos matemáticos e geometria (BRYAN, 1986, p. 819).

Assim sendo, os educadores criticavam a profissionalização do 2º Grau por compreenderem que o trabalho
não se constitui o objetivo imediato da qualificação profissional, mas o fundamento político do processo de formação
humana. A universalização da educação básica no Brasil, apresentada na Carta de Goiânia, assim como a exigência
de que a Constituição Federal reconhecesse o ensino básico como um direito de todos a partir da oferta de condições
igualitárias.
Diante do entendimento de que apenas a oferta escolar não era suficiente para eliminar as desigualdades so-
ciais existentes, os conferencistas defendiam a garantia de bolsas para os jovens oriundos de famílias de baixa renda,
evitando assim os ciclos de interrupção dos estudos dos filhos dos trabalhadores que necessitassem trabalhar para
complementar a renda familiar.
Na V CBE, a temática do acesso à escola única e politécnica incorporou ao debate a discussão sobre a reestru-
turação do currículo ao abordar que

O conteúdo objetivo do trabalho do aluno deve ser a pedra fundamental para o desvelamento das contradições que
lhe são inerentes; para a análise dos processos básicos da cada área do trabalho no contexto do modelo econômico
e político brasileiro; para a compreensão do desenvolvimento histórico da humanidade e de seu papel na produção
da cultura, da ciência e da tecnologia, e, finalmente, para o entendimento de como a Ciência e seus princípios se
articulam ao processo produtivo facilitando ou dificultando o acesso dos trabalhadores, aos benefícios decorrentes
das inovações tecnológicas (KUENZER, 1988, p.116).

A compreensão de que o acesso das classes populares a uma nova escola básica era uma condição mínima, po-
rém indispensável, para que os trabalhadores não recebessem exclusivamente uma formação voltada para o adestra-
mento e a reprodução da força de trabalho e, em consequência, pudessem ter acesso a um saber capaz de promover
uma inserção social justa a partir da escola tornou-se o ponto central dos debates acerca da educação profissional
durante a elaboração da legislação educacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As CBE’s foram fundamentais durante o período de redemocratização pela defesa de uma escola pública, gra-
tuita, laica e universal. Dos debates ocorridos durante as diferentes conferências teve destaque a compreensão de que
o acesso das classes populares a uma nova escola básica era uma condição mínima. Porém defendiam ser indispensá-
vel que os trabalhadores não recebessem exclusivamente uma formação voltada à reprodução da força de trabalho.
A defesa do trabalho enquanto um princípio educativo era decorrente da compreensão de que assim os traba-
lhadores e seus filhos poderiam ter acesso a um saber capaz de promover uma inserção social justa a partir da escola.
Essa apreensão tornou-se o ponto central dos debates acerca da educação profissional durante as CBE’s e se fez pre-
sente nas propostas defendidas pelas entidades acadêmicas e científicas, as quais tendo os princípios da escola unitária
como orientação teórica, sustentaram que a educação profissional não poderia prescindir da formação geral. Por essa

505
razão, defendiam que a formação para o trabalho não deveria limitar-se a uma preparação pragmática; ao contrário,
era necessário o acesso ao saber científico, que integra o processo produtivo em sua totalidade.
A atuação dessas entidades, juntamente aos movimentos sociais, sindicais e aos políticos que partilhavam da
mesma perspectiva das entidades em questão foi fundamental na defesa da escola pública para todos, em todos os
níveis, incluindo a formação para o trabalho. A atuação dessas entidades, juntamente aos movimentos sociais, sindi-
cais e aos políticos que partilhavam da mesma perspectiva das entidades em questão, foi fundamental na luta contra
a manutenção e exclusividade das propostas privatistas em educação.

Referências

BARATO, Jarbas Novelino. Educação e trabalho. In: IV CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 1986. Goiânia,
Anais da IV Conferência Brasileira de Educação. Goiânia: S.n., 1986.
BRYAN, Newton. A profissionalização do ensino de 2º grau. In: II CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 1982.
Belo Horizonte, Anais da II Conferência Brasileira de Educação. Belo Horizonte: S.n., 1982.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Estado, trabalho e cidadania. In: III CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 1984.
Niterói, Anais III Conferência Brasileira de Educação. Niterói: S.n., 1984.
DREIFUSS, René Armand. O jogo da direita na Nova República. Petrópolis: Vozes, 1989.
FRIGOTTO. Gaudêncio. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos e práticos. In:
IV CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 1986, Goiânia, Anais da IV Conferência Brasileira de Educação.
Goiânia: S.n., 1986.
KUENZER, Acácia Zeneida. As novas funções da educação no panorama internacional. In: V CONFERÊNCIA BRASILEIRA
DE EDUCAÇÃO, 1988. Brasília, Anais da I Conferência Brasileira de Educação, Brasília: S.n., 1988.
LOPES, Ana Lúcia. Algumas experiências de educação para trabalhadores numa escola de sindicato. In: I CONFERÊNCIA
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 1980. São Paulo, Anais da I Conferência Brasileira de Educação. São Paulo: S.n., 1980.
MAINWARING, Scott P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto.
Rio de Janeiro: FGV, 2001.
SALLUM JR., Brasilio. O impeachment de Fernando Collor: Sociologia de uma crise. São Paulo: Editora 34, 2015.

506
AS CONTRIBUIÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO
PARA A COMPREENSÃO DAS CRIANÇAS E DAS INFÂNCIAS
CONTEMPORÂNEAS

Nelma Mendes

RESUMO: O artigo pretende responder ao seguinte questionamento: o materialismo histórico-dialético


(MHD), método desenvolvido por Marx no século XIX, é pertinente para o conhecimento das crianças e das infâncias
contemporâneas? Os objetivos do artigo são: conhecer os princípios que norteiam o materialismo histórico-dialético
associando-o ao estudo da criança através da história e da cultura em que está inserida e compreender a criança como
produtora de cultura. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Os principais autores utilizados foram
Marx (2013), Marx e Engels (2004) e Oliveira-Formisino, Kishimoto, Pinazza (2007), Carvalho; Fochi (2017). Con-
cluímos que os estudos de Marx são importantes para analisarmos a criança como sujeito que age no ambiente em
que está inserida, transformando esse ambiente e sendo transformada por ele.
Palavras Chaves: Criança; Infância; Cultura.

INTRODUÇÃO

Através das leituras realizadas, vemos que estudos para a compreensão da criança no mundo contemporâneo
através do materialismo histórico-dialético (MHD), método desenvolvido por Marx no século XIX, se fazem neces-
sários para compreender a criança como sujeito que age sobre o mundo que a cerca, trocando informações, modifi-
cando o mundo ao mesmo tempo que é modificada por ele, produzindo e se apropriando de novos conhecimentos.
Os objetivos do artigo na primeira seção são: conhecer os princípios que norteiam o materialismo históri-
co-dialético associando-o ao estudo da criança através da história e da cultura em que está inserida, percebendo o
homem que atua sobre a natureza, modificando-a e, ao mesmo tempo em que submete o mundo às suas intencionali-
dades, ele próprio sendo transformado. Nesse contexto, a criança ao se estabelecer como sujeito da história, passa ser
autora de sua vontade a partir da história movida por contradições sociais e culturais.
Na segunda seção, pretende-se pensar a criança e a infância a partir da base epistemológica materialista his-
tórico-dialética e compreendê-la como sujeito que possui agência, que submete o mundo às suas intencionalidades,
possui ação sobre o meio e, como tal, é produtora de cultura.
Conclui-se que o materialismo histórico-dialético é fértil para os estudos das crianças e infâncias contempo-
râneas pois inclui a criança na relação dialética com mundo e comprova que, através das relações sociais, históricas e
culturais, ela transforma o contexto em que vive ao mesmo tempo em que é transformada por ele.

O MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO E A COMPRRENSÃO DAS CRIANÇAS E


INFÂNCIAS.

Marx (2013) desenvolve o método materialista histórico-dialético concomitantemente aos estudos que realiza
acerca da sociedade capitalista. Seriam seus estudos válidos para o estudo das crianças e das infâncias contemporâ-
neas? Sua concepção de homem, de trabalho, da relação entre aparência e essência, entre outros aspectos, podem ser
úteis para compreendermos as contradições materializadas na atualidade?
Segundo Marx, a humanidade não é dada ao homem, ela é construída no decorrer de seu desenvolvimento
ontológico, da infância até a velhice, de acordo com suas experiências de vida. O homem atua sobre a natureza,
modificando-a e, ao mesmo tempo em que submete o mundo às suas intencionalidades, ele próprio é transformado.

507
O processo sociometabólico de transformação recíproca entre homem e natureza é denominado trabalho
(MARX, ENGELS, 2004; MARX, 2013). Embora Marx dedique grande parte de sua obra à análise do trabalho alie-
nado característico do capitalismo, o conceito de trabalho não se circunscreve ao às condições históricas desse modo
de produção. Para Marx (2013), trabalho é o que diferencia o homem dos demais animais, é sua primeira necessidade
vital, condição indispensável para o desenvolvimento dos indivíduos. Nesse sentido, a ação da criança também é
denominada trabalho.
A criança, ao entrar em contato com o mundo que a cerca, sente necessidades (naturais ou construídas so-
cialmente) que a impelem a agir. Essas ações são mediadas pelos objetos e pelas pessoas com as quais convive e são
as responsáveis pelo seu desenvolvimento e pelas transformações que opera no mundo. Por exemplo, ao aprender
a usar a colher (um objeto cotidiano, relativamente simples), a criança desenvolve novas possibilidades e aumenta
o próprio controle em relação ao ato de se alimentar. Essas novas possibilidades só são possíveis graças à interação
que a criança estabelece com outros indivíduos mais experientes. Ou seja, ela só aprenderá a usar a colher por meio
do exemplo ou das orientações de outro indivíduo. Ao incorporar à sua individualidade uma atividade produzida
historicamente, ela transforma a si mesma – melhora o desempenho psicomotor, apropria-se de cultura desenvolvi-
da pelas gerações anteriores etc. – e transforma o mundo a sua volta – os adultos não precisam mais alimentá-la, os
alimentos são melhores aproveitados etc.
Através do método dialético do pensamento, podemos considerar que nenhum objeto ou fenômeno pode ser
compreendido se focalizado isoladamente, sem conexão com os objetos ou fenômenos que o cercam, ou seja, a crian-
ça e a infância devem ser compreendidas a partir de seu contexto e de sua historicidade. A criança, desde o nascimen-
to, se relaciona com o mundo material e social que serão definitivos para o seu desenvolvimento e, reciprocamente,
essa mesma criança também será definitiva para o desenvolvimento do meio material e social nos quais convive.
Quando a criança nasce, se depara com um mundo pré-existente que influenciará no seu desenvolvimento
(conjunturas climáticas, geográficas, econômicas, sociais etc.), porém, ela não é passiva e também imprimirá sua ação,
transformando essas condições.
Ao se estabelecer como sujeito da história, a criança passa a ser autora de sua vontade e situa-se como um ser
social na convivência com outros. O método materialista histórico-dialético nos auxilia a compreender a tensão entre
o que existe e o que pode ser modificado.
Pensar a criança e a infância a partir da base epistemológica materialista histórico-dialética exige antes de tudo
considerar que todo fenômeno é dinâmico, se desenvolve pela acumulação de mudanças quantitativas expressas em
mudanças qualitativas, em um movimento progressivo e ascendente que engloba as contradições, em uma unidade
de contrários, superando o simples em direção ao complexo (KOPNIN, 1978). Portanto, a infância não pode ser
abordada como um fenômeno estático, ideal ou como algo estável que evolui naturalmente, mas a partir da história
da criança movida por contradições e vinculada aos contextos econômico, social, político, cultural etc.
As crianças e as infâncias contemporâneas acontecem na sociedade capitalista e engendram todas as contra-
dições da luta de classes, das desigualdades sociais, da lógica que associa a acumulação capitalista à expropriação e à
alienação. Participar dessas contradições não é uma opção política ou ativista, é condição inevitável. Crianças são,
assim como os adultos, subordinadas às forças sociais por mais incompreensíveis e incontroláveis que elas possam
parecer e também atuam sobre essas forças sociais.
Como definir a natureza humana? O que diferencia o homem dos demais animais? Homens e animais guardam
proximidade em relação às dimensões biológica e fisiológica, porém, intelectualmente, são separados por uma enor-
me diferença qualitativa.
O desenvolvimento animal se dá no processo de evolução biológica, a partir da necessidade de sua adaptação ao meio
para garantir a sobrevivência e reprodução da espécie. Sua atividade é resultado de necessidades biológicas e instintivas.
O homem, apesar de também possuir necessidades biológicas e instintivas que o movem, não está limitado a
processos adaptativos. Sua atividade em relação à natureza promove um processo sociometabólico de dupla trans-
formação: de si mesmo e da própria natureza. Pelo trabalho, ele subordina a natureza às suas próprias intenções,
incorporando-a às suas ações.

508
O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua
própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza
como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a
fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a
natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza (MARX, 2013, 211).

Os animais também atuam sobre a natureza (afinal, constroem seus ninhos, armazenam alimentos, espargem
sementes, entre ouros), porém, a diferença é que o resultado do trabalho humano, antes de ser realizado no mundo
material por meio da atividade prática, já existe de forma ideal em seu pensamento, as transformações que ele impõe
à natureza são dotadas de suas finalidades, não são transformações naturais.

Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem. Uma aranha executa opera-
ções semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Po-
rém, o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em
sua mente antes de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava
presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente.
Isso não significa que ele se limite a uma alteração da forma do elemento natural; ele realiza neste último, ao mes-
mo tempo, seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, o tipo e o modo de sua atividade e ao qual ele tem
de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham,
a atividade laboral exige a vontade orientada a um fim (MARX, 2013, p. 327, 328).

No trabalho, os elementos naturais são transformados, adquirindo formas úteis às finalidades humanas. A
criança também age submetendo o mundo às suas intencionalidades. Segundo Lucáks (1972), dessa forma a natureza
adquire valor de uso. Pelo trabalho, o homem realiza o seu intento e se relaciona não apenas com o mundo natural,
mas com os outros homens. Eles dependem uns dos outros e é a condição de dependência que cria as relações sociais.
É na atividade coletiva, desde a infância, que se constitui a condição humana. Não consideramos a existência de uma
natureza ou uma essência humana inata, o ser do homem é condicionado às relações que estabelece.

O homem se vê e se reconhece primeiro em seu semelhante, a não ser que já venha ao mundo com um espelho
na mão ou como um filósofo fichtiano para quem basta o “eu sou eu”. Através da relação com o homem Paulo, na
condição de seu semelhante, toma o homem Pedro consciência de si mesmo como homem. Passa então a consi-
derar Paulo – com pele, cabelos, em sua materialidade paulina – a forma em que se manifesta o gênero homem
(MARX, 2013, p. 74, 75).

O processo de tornar-se homem vai além das leis biológicas. Ao transformar coletivamente a natureza, o ho-
mem também se modifica e desenvolve novas faculdades. O trabalho é condição fundamental para sua gênese e evo-
lução, pois transforma seu cérebro, órgãos de atividade externa e órgãos do sentido. Torna-se importante observar
como a criança desenvolve este trabalho, como atividade vital, no contexto de suas atividades.

A CRIANÇA COMO INDIVÍDUO QUE PRODUZ E É PRODUTO DA CULTURA

Analisar as diferentes culturas infantis e as articulações com as instituições educativas torna-se importante no
estudo para compreender a criança, vista nesse meio social, também como ser ativo e produtor de cultura.
Na contemporaneidade, a criança é vista como um ser participante do seu processo de conhecimento, possuin-
do direitos, crenças, valores e culturas diferentes.

Esta importância advém da mudança de uma perspectiva paradigmática que enfatizava a lógica da reprodução
social e colocava as crianças no papel de destinatários das políticas educativas e das práticas pedagógicas orientadas
pelos adultos, para uma outra perspectiva paradigmática que considera a categoria social infância como susceptível
de ser analisada em si mesma, que interpreta as crianças como actores sociais de pleno direito e que interpreta os
mundos de vida das crianças nas múltiplas interacções simbólicas que as crianças estabelecem entre si e com os
adultos (SARMENTO, 2005, p. 18).

509
Uma educação que não se constitui num modo de transmissão de saberes e reprodução de culturas na infância
é aquela que respeita a criança na sua totalidade histórica e social e parte da concepção de sujeito que recria o mundo
que a cerca, transforma e é transformado por ele.
Segundo Júlia Oliveira-Formosinho (2007), no âmbito de uma pedagogia da infância transformativa, preconi-
za-se a instituição de um cotidiano educativo que conceitualiza a criança como uma pessoa com agência, não a espera
de ser pessoa, que lê o mundo e o interpreta, que constrói saberes e culturas, que participa como pessoa e como cida-
dão na vida da família, da escola, da sociedade. No centro da construção dos saberes estão as pessoas: as crianças e os
adultos, os alunos e professores.
A criança, como uma pessoa possuidora de agência, é aquela que age por conta própria, ou seja, possui autono-
mia para tomar decisões, interagindo no meio em que está inserida e como tal, sujeito de experiências e ações, tam-
bém produz cultura. Para isso é necessário pensar a criança como sujeito de direito que merece atenção, planejamento
e um currículo adequado que a respeite levando em consideração sua história, sua cultura e as contradições da classe
à qual pertence.

Assim, podemos afirmar que o documento curricular defende a perspectiva pedagógica de que os Processos de
construção de conhecimentos pelas crianças pequenas nas instituições de educação infantil devem ocorrer por
meio da participação efetiva delas nas práticas cotidianas. Nesse sentido, é ao protagonismo das crianças em suas
pesquisas, experimentações, descobertas, invenções e teorizações, com base nas situações ordinárias vivenciadas
no dia a dia da creche e da pré-escola, que se referem as diretrizes quando conferem centralidade ao cotidiano. Isso
porque, na educação das crianças, o cotidiano potencializa a subversão de perspectivas educacionais lineares, pro-
movendo a possibilidade de constituição e operacionalização “de uma pedagogia mais aberta aos acontecimentos
extraordinários” (CARVALHO; FOCHI, apud CARVALHO; FOCHI, 2017, p.27).

Uma instituição educativa que oportuniza o desenvolvimento individual e coletivo das crianças deve ter como
objetivo analisar as condições sociais que as crianças vivem, interagem e como dão sentido ao que fazem.

Além de definir a criança como sujeito de direitos, a concepção de currículo adotada pela BNCC segue as indi-
cações atribuídas pelas DCNEI, que consideram o cotidiano um catalizador das experiências de aprendizagem
vivenciadas pelas crianças diariamente nas instituições. Isso porque, nas situações ordinárias da vida, no cotidiano,
ocorrem aprendizagens que servem de vias de acesso para a compreensão dos funcionamentos sociais que são
construídos e que constroem a relação das crianças com o mundo. Desse modo, ao observarmos o cotidiano das
crianças na educação infantil – nos usos que elas fazem de seus tempos-espaços, nas linguagens que utilizam nas
relações que estabelecem e nas aprendizagens que se efetivam –, é possível perceber rupturas e reinvenções nos
modos de viver a infância (CARVALHO; FOCHI, 2017, p.15).

Ao interagir, a criança cria uma conexão entre o que traz da sua história e contexto das experiências vivencia-
das no grupo. Dessa forma, tanto aprende como ensina, agregando transformações qualitativas na sua relação com
o outro.
Numa relação dialética em que a criança se relaciona diretamente com o mundo que frequenta, seja nas institui-
ções educativas, em casa ou outras comunidades, ao mesmo tempo em que age e transforma esse mundo de vivências
é também transformado por ele.
A criança, portanto, como sujeito da história, passa a ser autora de sua vontade, e assim se constitui como um
ser social na convivência com outros. O método materialista histórico-dialético nos auxilia, portanto, a compreender
a relação entre o que existe e o que pode ser modificado, dimensões que se interpenetram e têm seus limites tensio-
nados pela ação humana.

510
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de todo o trabalho aqui apresentado, podemos ver nos estudos de Marx sobre o método materialista
histórico-dialético que as crianças se constituem como sujeitos e devem ser compreendidas a partir de seu contexto
e de sua historicidade.
O método materialista histórico-dialético nos auxilia a compreender a tensão entre o que existe e o que pode
ser modificado nessa relação da criança com o mundo, a partir de sua agência.
A criança constrói saberes e culturas estabelecendo com o outro uma relação de troca de conhecimentos e,
como um ser social atuante, age sobre o meio transformando-o e sendo ao mesmo tempo transformada por ele.
Portanto, uma educação contemporânea é aquela que respeita a criança na sua totalidade histórica e social e
trabalha com a concepção de sujeito que recria o mundo que o cerca.
Os estudos das crianças e infâncias devem levar em consideração que é necessário pensar a criança enquanto
produtora de cultura, que merece atenção, planejamento e um currículo adequado respeitando sua história e consi-
derando suas contribuições para a construção desse mesmo currículo.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Saballa Rodrigo; FOCHI Sérgio Paulo. A Pedagogia do Cotidiano na (e da) educação infantil. CARVALHO,
Saballa Rodrigo; FOCHI Sérgio Paulo (orgs.) Em Aberto, A Pedagogia do Cotidiano na (e da) educação infantil. v. 30, n. 100,
revista eletrônica. INEP. Brasília, 2017, p. 15-19.
KOPNIN, Pável V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 01 – O processo de produção do capital. Trad. Rubens
Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. Disponível em: <http://www.gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-colecoes/marx-e-
engels/o-capital-livro-1.pdf/at_download/file>. Acesso em: 26/12/2017.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: Feuerbach – A contraposição entre as cosmovisões materialista e
idealista. Tradução Frank Müller. São Paulo: Martin Claret, 2004. (Coleção Obra-Prima de cada autor).
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO MORCHIDA, Tizuko; PINAZZA APPEZZATO, Mônica. Organizadoras.
Pedagogia(s) da Infância: dialogando com o passado Construindo o Futuro. Porto Alegre, Artmed. 2007.
SARMENTO, Jacinto Manuel. Crianças: educação, cultura e cidadania activa Refletindo em torno de uma proposta de
trabalho. PERSPECTIVA, Florianópolis, v.23. n.01. p.17-40, jan./jul. 2005.
LUKÁCS, Georg. Os princípios Ontológicos Fundamentais em Marx, Ontologia do ser social. São Paulo, Livraria Editora
Ciências Humanas, 1972.

511
AS FONTES DOCUMENTAIS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO:
A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA OITOCENTISTA A PARTIR DOS
RELATÓRIOS DOS INSPETORES DE INSTRUÇÃO PÚBLICA

Alessandra de Oliveira Santos - PPGE/FE/UFG

INTRODUÇÃO

Na historiografia da educação brasileira recente, encontramos pistas, em distintas pesquisas, que buscam des-
construir interpretações que descaracterizam, ou ignoram, as ações educativas no Brasil oitocentista. Esta visão,
defendida e construída por alguns autores republicanos do fim do século XIX e pelos renovadores da educação da
década de 1920, nega as realizações ocorridas durante o período imperial, influenciando, como já sabemos, o pensa-
mento educacional. Assim, parece que, após a expulsão dos padres da Companhia de Jesus no final do século XVIII
até a subida dos republicanos ao poder, em fins do século XIX, as práticas educacionais estavam sem lugar, em uma
espécie de limbo, aguardando as luzes republicanas para dar continuidade aos processos considerados relevantes.
A proposta desta comunicação oral que tem como resultado uma pesquisa que investiga a Instrução Secundá-
ria na Província de Goyaz, na segunda metade do século XIX, tomando como referência o Lycêo de Goyaz, propõe
debater e apontar iniciativas que demonstrassem um movimento positivo em torno da implantação da instrução
secundária na província, revelando as contradições comuns na história de qualquer tempo e lugar, enxergando pos-
sibilidades de outros olhares, indo além das cristalizações já constituídas. O contorno teórico-metodológico da His-
tória Cultural possibilitou este estudo que se insere no campo da História da Educação, pois esta base teórica atua na
perspectiva de renovação e alargamento do uso das fontes.
O debate terá como eixo norteador a discussão sobre o uso de fontes históricas e como estas tem contribuído
imensamente para o desenvolvimento de pesquisas, projetos, grupos de estudos na área da História da Educação.
Destacam-se neste contexto inúmeros trabalhos que revisam o passado educacional e historiográfico a partir de
diversos vestígios intencionalmente ou acidentalmente preservados ao longo dos tempos. O documento em si só
adquire sentido pela mediação metodológica realizada pelo historiador educacional. Este estabelece um diálogo com
o passado ao interrogar este (s) artefato (s) pelo presente.
Todo documento é passível de leituras variadas, pois variados são os métodos de análises, assim como as per-
guntas suscitadas pelo processo investigativo. Elas são, portanto, um artefato, um vestígio, ou ainda, um testemunho
de um tempo pretérito, que embora longínquo, preserva no presente uma memória seletiva dos fatos históricos. Es-
tes documentos se encontram disponíveis para pesquisas nos diversos arquivos históricos responsáveis pela preser-
vação e pela manutenção de um vasto acervo. Na discussão em torno do objeto Instrução Secundária nos Oitocentos,
a fonte mediadora foram os relatórios deixados pelos Inspetores de Instrução Pública, a partir delas indicaremos a
possibilidade de pensar esta modalidade não somente como o caos, mas também dentro de um processo pertinente
ao seu tempo.

A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NOS RELATÓRIOS DOS INSPETORES DE INSTRUÇÃO


PÚBLICA

A historiografia educacional brasileira tem ocupado um espaço importante no cenário dos debates, pesquisas
e produções que contemplem a história da educação do país. Esta trajetória não se constituiu sem percalços, pois de

512
acordo com Lopes e Galvão (2001), durante muito tempo, as disciplinas de História e de Filosofia foram consideradas
pouco importantes para a compreensão do fenômeno educativo.
No Brasil, a história da educação vem se constituindo como uma área de pesquisa propriamente dita, mas
isto só foi concretizado com a criação de movimentos, como associações, grupos de trabalho, congressos, periódico
especializados1 e outros. Segundo Lopes e Galvão (2001), investiu-se na necessidade da realização de pesquisas em
arquivos e no tratamento historiográfico das fontes e, neste processo, onde objetos e fontes são alargados e diversi-
ficados, houve um consequente aumento da produção da historiografia educacional brasileira. Segundo diferentes
pesquisadores da área, isso também é consequência do crescimento de grupos de pesquisas no interior dos programas
de pós-graduação nas universidades públicas brasileiras.
Boa parte das pesquisas desta área, utiliza-se dos procedimentos metodológicos, dos conceitos e referenciais
teóricos, bem como de muitos objetos de investigação pertencentes à história cultural. A respeito disso, Lima e Fon-
seca ressaltaram: “(...) os últimos balanços realizados sobre a produção em história da educação indicam um forte e
já reconhecida tendência das pesquisas na direção da nova história, especialmente da história cultural”. (2003, p.56).
Para justificar essa afirmativa, as autoras mencionam, entre outros, características como a busca de novos objetos e
abordagens, a recorrência das referências a autores como Chartier; a ênfase dos trabalhos, sobretudo dissertações e
teses, na história das leituras e dos impressos; a grande utilização de conceitos como circulação, apropriação, represen-
tação, saberes e culturas escolares, ou seja, a preocupação com as práticas culturais (Ibidem, p. 60). Lembram ainda que:

[...] a contribuição que a história cultural, como campo dotado de aportes teórico metodológicos, pode dar ao
avanço da história da educação está no descortinamento de dimensões ainda pouco exploradas, fora da escola e
da escolarização, bem como a imposição corajosa de novos olhares sobre essa que é uma dimensão já tradicional
(LIMA E FONSECA, 2003, p. 72).

Saviani (2013) defende que, a partir do momento que a história da educação se abre para outras fontes, proble-
mas e métodos, se constituindo com um domínio próprio de investigação, libertando-se, por exemplo, da dependên-
cia da Filosofia na qual se encontrou tantos anos. Os pesquisadores passam a reconhecer e legitimar cientificamente
este campo, adquirindo reconhecimento. Este mesmo autor, nos traz alguns elementos para pensar as fontes e a
produção do conhecimento em história da educação, realizando uma reflexão acerca do conceito de fonte, recorrendo
a sua significação e uso nas línguas: portuguesa, italiana e inglesa. Nas três línguas, o termo nos dirige ao sentido de
“origem, o lugar de onde brota”, ou ao significado de “base, o ponto de apoio”.
A História se apropria destes sentidos, fornecendo uma analogia do termo com a ação do historiador frente às
fontes, termo que é entendido como origem e base do conhecimento histórico, não no entendimento de que o conhe-
cimento histórico seja as fontes, mas sim de que é a partir das fontes que o historiador opera e produz conhecimento
histórico. Ao mesmo tempo, retomando o sentido de fonte, o autor nos traz o sentido de inesgotabilidade das fontes,
ou seja, os historiadores sempre irão se defrontar com as mesmas fontes para descobrir novos elementos, significados
e representações.
Trata-se de compreender o documento para além de quem produziu e onde foi produzido. O processo de críti-
ca interna do documento abrange uma dimensão que trata das “dinâmicas e materialidades próprias” do documento.
Num diálogo com Chartier (1990), os documentos podem estar inseridos numa relação conflituosa de imposições de
suas representações, ordenado a partir da estrutura social. Em outras palavras, trata-se de um campo de conflito –
muitas vezes que escapa aos óculos dos historiadores – interno dos documentos, que perpassa, por exemplo, grosso
modo, a seleção ou não e o privilegiamento ou não de uma sociedade em manter e preservar este ou aquele tipo de
documento.
Esta é uma questão que nos coloca diante desta reavaliação de como temos lidado com a prática da pesquisa,
ou num esforço de clarear questões que nos encostam na parede, como a revisão de antigas temáticas, construção de

1 A partir dos anos 50 e 60, se começa a configurar um campo de pesquisas em História da Educação com a criação do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (RJ), e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais – INEP (PE, BA, MG, SP e RS). A partir dos anos 80 vemos
configurar o Grupo de Trabalho de História da Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Nos
anos 90, temos grupo de estudos e pesquisas como “História, sociedade e Educação no Brasil” e a Sociedade Brasileira de História da Educação
(LOPES, 2001, p. 350).

513
novos objetos, avançar na perspectiva de tratamento de “velhos objetos”, dentre outros. Portanto, baseados na opção
teórica assumida neste trabalho, o exame das fontes ganha uma vertente totalmente interpretativa, o que vem ao
encontro com as novas posturas assumidas pelos historiadores da educação.
Nesta perspectiva, entendemos que não é tarefa simples se propor a examinar tempos mais remotos como o
período de colonização portuguesa e o império brasileiro, mas é necessário apreender elos que articulam o hoje ao
ontem, buscando no passado as raízes do presente como um esforço para compreender nossa identidade, e é nesse
sentido que se insere o objeto desta pesquisa, Instrução Secundária em Goiás, e o século XIX, o recorte temporal pre-
tendido. Constatamos que nos relatórios dos Inspetores de Instrução Pública, temos informações inestimáveis para o
esclarecimento de questões relacionadas a história da educação goiana.
O século XIX como um período de intensos debates e realizações no campo educacional brasileiro. Mais do que
isso, o período imperial brasileiro vem se afirmando como um momento em que a escola contemporânea começou
a ser gestada, algo que se evidencia em diferentes etapas de ensino, especialmente na etapa eleita para este estudo,
o ensino secundário. Foi durante o Império que as principais medidas em relação à instrução do ensino secundário
foram pensadas, experimentadas, debatidas, iniciadas. E, com todas as tentativas de avanços e recuos, foi um período
imprescindível para constituir uma etapa de ensino.
A Província de Goiás, com todas as suas particularidades, assim como em outros lugares, vivenciou no período
imperial, como ressaltou Faria Filho (2010, p.137), uma instrução entendida “[...] como um mecanismo de governo
[permitindo] não apenas indicar os melhores caminhos a serem trilhados por um povo livre, mas também [evitando]
que esse mesmo povo se desviasse do caminho traçado”. É a partir desta perspectiva que apresentamos esta pesquisa,
tendo como recorte temático a história da educação da instrução secundária, em uma abordagem regional no interior
dos debates que circulavam no período oitocentista.
Destacamos que a opção pela utilização do termo “instrução secundária” se deu em função de a nomenclatura
estar presente em toda a documentação do período imperial. O termo “instrução pública”, assim como suas variá-
veis “instrução primária” e “instrução secundária”, foi usado durante todo o período do Império brasileiro. O termo
“educação” só seria utilizado mais tarde, no período republicano. Sobre isso, Gasparello (apud PESSANHA; BRITO,
2014, p. 241) lembra que:

[...] tomando como base discussões travadas entre o Ministério dos Negócios do Império e a Inspetoria Geral de
Instrução da Corte, que remete à preocupação desta última com a definição do que seria instrução e educação. As-
sim, [...] a instrução ligava-se à noção de ensino de matérias de primeiras letras ou de estudos secundários – função
exercida pelos estabelecimentos que apenas admitiam alunos externos, e nele permaneciam apenas o tempo neces-
sário às lições; quando, porém, o aluno era meio-pensionista ou interno, a instituição também seria responsável
por sua educação – no sentido de formação moral na qual a disciplina ocupava um papel importante.

Partimos da hipótese de que o processo de construção de práticas educativas, ou instrutivas, no período eleito,
não se deu de maneira conformista e perpassada apenas pelo caos, pois, mesmo seguindo a legislação imperial e tendo
como modelo o Colégio Pedro II, é possível que os percalços se deram juntamente com iniciativas importantes, por-
que havia uma linha de sugestões e contestações que podia ser vista nos relatos feitos pelos inspetores de Instrução
Pública2. Este é outro elemento que pode nos permitir pensar nesse ensino, pois esse cargo tinha uma relevância
nesse período, sendo preenchido por homens que pareciam estar afinados com o conhecimento.
Elegemos para esta investigação o período correspondente à segunda metade do século XIX, em especial as
décadas de 1860 e 1888, período em que intensos debates acerca da instrução secundária estavam na pauta da or-
dem. Este recorte, em específico as três décadas dos oitocentos, foi eleito por ter sido o período de maior evidência
da instrução secundária como objeto de discussão nos relatórios, legislações e outras fontes que elegemos para esta
2 A criação da Inspetoria de Instrução Pública era discutida no Brasil desde o início do Império. Até então, a administração do ensino público
ficava centralizada no gabinete do Ministro do Império da Corte, e nos gabinetes dos presidentes das províncias. Pelo regulamento Couto
Ferraz (1854), ficava evidente que toda a parte administrativa de fiscalização, execução e funcionamento do ensino passou do gabinete
ministerial para a Inspetoria Geral. As inspetorias, ou diretorias de ensino, se constituíram durante o século XIX, indicando mais um
movimento do lugar de importância da instrução que se instalava definitivamente na burocracia estatal. Estes órgãos correspondem, no
período, às Diretorias de Ensino nos primeiros anos republicanos e mais tarde às Secretarias da Educação.

514
pesquisa. E também por ter sido o período de vigência da Inspetoria da Instrução Pública e, portanto, do cargo de
Inspetor de Instrução durante o período imperial em Goiás. Assim, buscamos apresentar este debate nas exigências
de mudanças legislativas em vigor, nas propostas de elaborações ou reformulações de outras.
O trabalho com as fontes, foi conduzido, sobretudo, a partir dos Relatórios dos Inspetores de Instrução Pú-
blica, de 1860 a 18883, buscamos perceber as iniciativas governamentais direcionadas à instrução pública e também
as possíveis participações dos atores envolvidos no processo de constituição da instrução secundária na província.
Os relatórios são fontes privilegiadas para o entendimento da relação entre o que era proclamado e o que se vivia,
constituindo um debate imprescindível em todas as épocas. Essa abordagem se insere nos debates que vêm ocupando
o atual panorama da historiografia da educação no Brasil, no qual é possível perceber que temas e períodos até então
não privilegiados pelas pesquisas passam a despertar novos interesses, a partir de novas abordagens.
Foi importante realizar um percurso de entendimento dos elaboradores das fontes elencadas para a pesquisa,
mais especificamente os Inspetores de Instrução Pública. A primeira questão que nos incomodava era o fato de essa
função, e os homens que a representavam, sempre aparecer na literatura confrontada como sendo apenas uma in-
cumbência sem autonomia e representatividade, resumindo-se a um dispositivo para padronizar a instrução. Seria
possível buscar apontamentos em outra perspectiva? E a partir desta suspeita levantada, o que já estava cristalizado
em torno desses sujeitos e dessa função coube em uma outra perspectiva.
Nessa direção, a primeira percepção foi a de considerar que não podíamos perder de vista que os relatos foram
construídos por homens de seu tempo. E isso já contribuiria muito para a iniciativa de que era viável não estabelecer
um olhar único para a história, visto que seria uma armadilha e corríamos o risco de desconsiderar debates, homens,
práticas e outros elementos. Dessa maneira, foi-nos evidenciado pessoas que, mesmo ocupando um mesmo cargo,
não são homogêneas e que carregam suas especificidades, apesar das aproximações.
E foi nesse sentido que enxergamos, nas ações da inspetoria e de seus sujeitos inspetores, não de forma homo-
gênea, a idealização de proporcionar uma educação que levasse as luzes à inteligência da juventude, acompanhadas
da virtude, da razão. O LG, e isso fica muito evidente nos relatórios dos inspetores, constituiu-se como uma das
principais apostas do Governo Provincial na área da Instrução Pública, amparadas pela participação dos inspetores
de instrução.
Na direção problematizada pela pesquisa, foi possível perceber, a partir dos acontecimentos relatados nas fon-
tes, que é possível se pensar a instrução pública secundária por um outro caminho que não reforce as ausências
completas de iniciativas em torno da sua estruturação. Os esforços, as iniciativas, as possibilidades de soluções são
percebidas nos relatos feitos pelos inspetores de instrução, ofícios e relatórios de presidentes de província. Os inspe-
tores são sujeitos que, de alguma forma, assumiram um cargo que confere um lugar importante nos assuntos admi-
nistrativos do governo. Mas, em definitivo, não era apenas um órgão e uma função “apenas para constar”, frágil sim,
mas não ineficiente. Essas e outras questões relativas à instrução secundária na Província de Goiás nos oitocentos
ainda merecem ser investigadas pelos pesquisadores da História da Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teórico-metodológico da nova história cultural trabalha com o estudo da massa documental e, por
meio desta concepção, nota-se que, para realização da escrita histórica, são consideradas diversas fontes, inclusive
as fontes que antes eram excluídas, consideradas não importantes para ampliar a projeção do objeto. A diversidade
e a não unanimidade das fontes, é relevante para a produção de pesquisas que permitem o acesso a diferentes vozes.
Tudo é documento, e também para a escrita da história da educação devem ser tomados na sua mais ampla acepção:
escritos, ilustrados, transmitidos pelas imagens, pelo som ou outras constituições.
Ao analisar o movimento de constituição da instrução secundária na província de Goyaz nos oitocentos, entre
os anos de 1860 e 1888, a partir principalmente dos relatórios dos inspetores de instrução, pudemos enxergar, nesses
discursos, como foi conduzida parte da institucionalização desta etapa de ensino. Pudemos constatar que o processo
3 Acervo do Arquivo Histórico Estadual de Goiás.

515
de institucionalização e de normatização da instrução secundária na Província de Goyaz, no Lycêo de Goyaz, man-
teve muitas similitudes, e também algumas diferenças de seus congêneres instalados no Império brasileiro, marcado
pela interferência da situação política e econômica do momento de formação e de afirmação do Estado brasileiro.
Ainda há muito o que investigar, longos caminhos, vários aspectos a serem desvelados, mas a instrução se-
cundária goiana, o Lycêo de Goyaz, enfrentou um processo de ajustes durante toda a sua trajetória nos oitocentos. A
inspetoria de instrução foi participativa e proponente, não se ausentando de requerer melhorias e de sugerir ajustes.
Os embates e as iniciativas foram vários, o que demonstra ter sido uma instituição que causou preocupação constante,
seus professores com habilitações muito próprias para a época, enfrentando as mesmas dificuldades vistas em várias
outras províncias. Não há como reduzir as iniciativas ao caos. Isso seria, do ponto de vista da História Cultural, valo-
rizar a história vista de cima, olhada por um único viés, em uma única direção.
A partir dos confrontos, pudemos concluir que os enfrentamentos sempre estiveram presentes, e que assim a
instrução secundária goiana nos oitocentos, o Lycêo de Goyaz, teve seu espaço, constituiu seu lugar no seu tempo.
Foram tentativas de avanços e recuos, ora bem concretizadas, ora não, mas o importante é reconsiderar, perceber
que, durante o Império, em Goiás as iniciativas para se estabelecer a instrução secundária na província foram marca-
das pelas condições ofertadas naquele período.

Referências bibliográficas

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro, Bertland Brasil, 1990.
FILHO, Luciano Mendes de Faria.A história da educação e os desafios das novas fontes: reflexões sobre uma trajetória
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516
AS PARTICULARIDADES DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO EM TOMÁS DE AQUINO E DAVYDOV

Fernanda Gomes Coelho Junqueira – PUC/GO1

RESUMO: Sete séculos separam Santo Tomás de Aquino (1224-74) e Vasily Vasilyevich Davydov (1930-1998).
O primeiro foi um dos grandes mestres universitários do século XIII responsável por aliar os estudos aristotélicos ao
dogma cristã. O segundo também foi professor universitário, doutor em psicologia, além de um pesquisador atento
às questões educacionais. Cada um, à sua maneira e, conforme as condições sociais e históricas de seu tempo, deixou
marcas significativas na história da educação. O que teriam em comum dois intelectuais, cujas obras foram produzidas
em contextos históricos tão específicos? Que semelhanças de pensamento poderiam haver entre um grande mestre da
Escolástica e um pesquisador engajado na formação do novo homem na sociedade socialista soviética? O artigo, por
meio de pesquisa bibliográfica, propõe uma reflexão sobre os conceitos do conhecimento sensível em Santo Tomás
de Aquino e do conhecimento empírico em Vasily Vasilyevich Davydov, bem como o processo de construção do co-
nhecimento sob a perspectiva desses estudiosos. Defende a tese de que ambos os conceitos dizem respeito ao mesmo
processo de apreensão da realidade concreta, através dos dados sensíveis. Embora os estudiosos em relevo utilizem
de procedimentos epistemológicos diferentes com vistas à construção do conhecimento, seus estudos revelam uma
identidade quanto ao caminho que leva ao conhecimento humano. Esse caminho rumo ao conhecimento, tanto em
uma perspectiva tomasiana, quanto na ótica davydiana, tem como ponto de partida as operações com os objetos mate-
riais, sensíveis. Os estudos do Aquinate revelam que o seu olhar está direcionado para o concreto, e o sensível assume
papel central em sua pedagogia, bem como em seu pensamento. Em sua Suma Teológica, defende que as impressões
dos sentidos são a fonte primária do conhecimento. Os estudos davydianos, por sua vez, reconhecem o conheci-
mento empírico como base para a formação de conceitos científicos, ou seja, a importância das fontes sensoriais no
conhecimento. A constatação feita por Davydov – o conhecimento empírico como degrau inicial do conhecimento
– encontra ecos em Tomás Aquino que há sete séculos já havia reconhecido a impossibilidade do conhecimento sem
a presença do objeto sensível. Conhecimento empírico em Davydov. Conhecimento sensível em Aquino. Muda-se
a denominação do conceito, porém permanece a sua essência, bem como sua imprescindibilidade para o processo de
construção do conhecimento. O constructo final de todo o processo de construção do conhecimento diferencia-se,
porém, em um e em outro. Em Aquino, o conhecimento intelectual permite a elaboração de conceitos abstratos ou
de realidades invisíveis. Em Davydov, o conhecimento teórico resulta na formação do concreto pensado, entendido
em suas particularidades e em sua conectividade com a realidade circundante.
Palavras-chave: Conhecimento sensível. Conhecimento empírico. Concreto e Abstrato.

INTRODUÇÃO

Sete séculos separam Santo Tomás de Aquino (1224-74) e Vasily Vasilyevich Davydov (1930-1998). O primei-
ro foi um dos grandes mestres universitários do século XIII responsável por aliar os estudos aristotélicos ao dogma
cristã. O segundo também foi professor universitário, doutor em psicologia, além de um pesquisador atento às ques-
tões educacionais. Cada um, à sua maneira e, conforme as condições sociais e históricas de seu tempo, deixou marcas
significativas na história da pedagogia.
O que teria em comum dois estudiosos, cujas obras foram produzidas em contextos históricos tão diferentes?
Que semelhanças de pensamento poderia haver entre um grande mestre da Escolástica e um pesquisador engajado na
formação do novo homem na sociedade socialista soviética? Se se pensar em Idade Média como um período obscuro
e insignificante da história, indubitavelmente nenhum vínculo perceber-se-á entre eles.

517
Um novo olhar, mais crítico e analítico para a Idade Média tem permitido derrubar crenças preconceituosas
voltadas sobre este período da história. As concepções de “Idade das Trevas” e de “hiato entre Antiguidade Clássica
e a Modernidade” vão sendo substituídas pela ideia de que a Idade Média constitui-se no germe da civilização cristã
ocidental, cujas estruturas modernas são fundamentalmente medievais (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 155). Estudio-
sos que têm se dedicado a estudar as produções desta época põem em relevo os seus aspectos positivos.
É inegável o fato de que a educação, neste período, ter se desenvolvido em íntima relação com a Igreja, com
as instituições eclesiásticas e com a fé cristã. Conforme salienta Cambi (1999), a Igreja foi o motor por excelência
responsável por todo o desenvolvimento da Idade Média. E acrescenta: “Também a escola, como nós a conhecemos,
é um produto da Idade Média” (Ibid., p. 146). Com relação às universidades, a influência da Igreja medieval pode ser
percebida ainda nos dias atuais, preservando características que remontam suas origens no século XII (Cf. FRANCO
JÚNIOR, 2001).
Os estudos do Aquinate revelam que o seu olhar está direcionado para o concreto, e o sensível assume papel
central em sua pedagogia, bem como no seu pensamento. Em sua Suma Teológica, defende que as impressões dos
sentidos são a fonte primária do conhecimento (Cf. AQUINO, 2006).
Os estudos davydianos, por sua vez, reconhecem o conhecimento empírico como base para a formação de con-
ceitos científicos: “[...] o reconhecimento da especificidade do conteúdo objetivo do pensamento teórico não diminui
o papel e a importância das fontes sensoriais no conhecimento” (DAVYDOV, 1988, p. 140).
A constatação feita por Davydov – o conhecimento empírico como degrau inicial do conhecimento – encontra
ecos em Tomás Aquino que há sete séculos já havia reconhecido a impossibilidade do conhecimento sem a presença
do objeto sensível.
Conhecimento empírico em Davydov. Conhecimento sensível em Aquino. Muda-se a denominação do con-
ceito, porém permanece a sua essência, bem como sua imprescindibilidade para o processo de construção do conhe-
cimento.
Muito se acreditou na incompatibilidade entre a Idade Média e a produção científica. As obras do Aquinate es-
tão presentes para nos mostrar seu caráter de vanguarda e de notabilidade na história da produção do conhecimento.
Davydov foi um estudioso empenhado por contribuir para mudanças significativas no ensino. As bases teóricas
do ensino desenvolvimental revelam este esforço ao destacarem novas formas de se pensar e compreender a realida-
de. Pelo ensino, procura-se promover mudanças qualitativas no desenvolvimento do pensamento, com vistas a levar
o aluno a pensar teoricamente (Cf. DAVYDOV; MARKOVA, 1982). Sete séculos atrás, um estudioso dominicano já
dissera que, pelo ensino, a mente do homem é estimulada a conhecer.
Nos tópicos seguintes, apresentamos sucintamente o pensamento de Tomás de Aquino e de Davydov, subli-
nhando os aspectos que interessam a este artigo. Em seguida, esboçamos o conceito de conhecimento e o processo de
sua produção segundo a perspectiva dos estudiosos em relevo.

UM MESTRE À FRENTE DE SEU TEMPO

Aquino viveu seus 50 anos no século XIII – período denominado de Bela Idade Média, século este marcado por
uma ebulição intelectual com a criação de universidades, a introdução do pensamento aristotélico no Ocidente e o
aumento no número de traduções das obras clássicas, as quais permitiram, por sua vez, um volume maior de leituras,
debates e reflexões no ambiente acadêmico. A Universidade de Paris, local em que elaborou sua obra e desenvolveu
sua docência, notabilizou-se por ser um espaço em que “todas as novidades e todas as questões que lá se discutiam,
encontravam ressonância universal” (LAUAND, 1999, p. 12).
Ele é considerado “um pensador de grande originalidade e criatividade” cuja obra possuidora de “grandeza ar-
gumentativa e conceitual” contribuiu para o desenvolvimento do pensamento filosófico (Cf. MARCONDES, 2012).
Desenvolveu um sistema filosófico que harmonizou fé e razão, teologia e filosofia. Seus estudos romperam com o
pensamento agostinista ao reconhecer a existência de um intelecto agente e da união entre espírito e matéria (Cf.
AQUINO, 2001). O Aquinate foi genuíno ao admitir a possibilidade do conhecimento humano, ao desenvolver uma

518
concepção de ensino/aprendizagem contrária às doutrinas dominantes de seu período. Sua busca antropológica-teo-
lógica foi profundamente revolucionária para a época, pois voltou-se para o ser em sua máxima totalidade espiritual
e material.
O mestre dominicano estava tão certo de ser o homem um composto de alma e corpo que esta união verifi-
ca-se até no conhecimento intelectual realizado pelo homem: “A alma necessita do corpo para conseguir o seu fim,
na medida em que é pelo corpo que adquire a perfeição no conhecimento e na virtude” (AQUINO Apud LAUAND,
2001, p. 18).
Para o Doctor Angelicus, o conhecimento humano se dá a partir das experiências deste ser com o mundo sen-
sível, ou seja, o conhecimento origina-se dos objetos exteriores por meio dos sentidos, realiza-se do objeto para o ser,
ou seu intelecto.
Outro ponto de destaque do pensamento tomasiano, revolucionário para seu tempo, é de que o conhecimen-
to deve ser descoberto pelo aluno, por seu próprio intelecto, e não simplesmente transmitido pelo professor. “... o
homem não ensina, mas somente dispões as coisas para que ocorra conhecimento”(AQUINO, 2001, p. 25). Tomás
está distante de qualquer concepção do ensino como transmissão mecânica; o professor, tudo o que faz é en-signar
(insegnire), apresentar sinais para que o aluno possa por si fazer a edução do ato de conhecimento”, pontua Lauand
(2001, p. 21).

UM PESQUISADOR INCANSÁVEL

Davydov fez parte da terceira geração dos psicólogos russos, destacando-se como pesquisador no campo da
psicologia pedagógica. Utilizou os fundamentos da Teoria Histórico-Cultural de Vygtosky, Luria e demais estudiosos
da escola vygotskyana e articulou-os com vistas a identificar as formas de organização de ensino que poderiam pro-
mover a formação do pensamento teórico nos alunos. Sua teoria denominada de Ensino Desenvolvimental decorre
das suas investigações sobre os processos de ensino, aprendizagem e desenvolvimento em escolas experimentais so-
viéticas. Suas pesquisas experimentais, realizadas nas escolas de Moscou, sobretudo na escola no 91, foram vitais para
que Davydov estruturasse sua teoria do Ensino Desenvolvimental. Por meio delas, pôde constatar que o processo
ensino-aprendizagem nas escolas russas pautava-se pela aquisição do conhecimento empírico e, consequentemente,
privilegiava a formação do pensamento também empírico. Consequentemente, a escola não criava condições para
a construção do conhecimento, ao contrário, sobrecarregava as crianças com informações isoladas e improdutivas.
E refletindo sobre o verdadeiro papel da educação, propôs um ensino que pudesse ultrapassar a mera aquisição de
habilidades e conhecimentos específicos, levando as crianças a construírem conceitos científicos por meio de proce-
dimentos epistemológicos teóricos.
Anteriormente, Vygotsky (2000) já alertara sobre a impossibilidade de se transmitir diretamente conceitos e
que o ensino pautado por tal prática é infrutífero e não leva a um conhecimento significativo. Seguindo Vygotsky,
Davydov (1988) elaborou sua teoria de ensino desenvolvimental entendido como aquele capaz de promover o desen-
volvimento onilateral da personalidade das crianças.
Davydov reconhece pontos positivos da escola tradicional – em que se verifica o predomínio do conhecimento
empírico - porém, deseja ir mais além e, utilizando-se dos estudos vygotskianos, foca seus estudos no desenvolvi-
mento do pensamento teórico. Pensamento este que alia formação de conceitos científicos e desenvolvimento das
capacidades de pensar.

O CONHECIMENTO SENSÍVEL PELA ÓTICA TOMISTA

Tomás de Aquino concebe o conhecimento sensível como sendo a capacidade de apreensão cognoscitiva da
realidade concreta e particular que circunda o sujeito (LAUAND, 2001, p. 15). O conhecimento é, pois, para o Aqui-
nate, um processo que se dá sempre entre o sujeito e o objeto externo a ser conhecido. Neste sentido, o conhecimento

519
somente se dá com a presença deste objeto. Conforme pontua Rousselot, para São Tomás, intelecção é “essencial-
mente captadora de ser, e não fabricadora de enunciados” (1999, p. 28).
Aquino pautou seus estudos sobre o ato de conhecer considerando os sentidos, a imaginação e as potências
como coparticipantes do processo de conhecimento, sendo os primeiros os desencadeadores de tal processo: “o prin-
cípio de nosso conhecimento é a partir dos sentidos” (Cf. AQUINO, 2006), assegura ele, apoiando-se nas ideias de
Aristóteles. Em outras palavras, o processo de conhecimento tem como ponto de partida as coisas sensíveis, as quais
levam ao conhecimento das espécies inteligíveis, ou seja, as realidades invisíveis. “Nosso conhecimento natural se
estende exatamente tão longe quanto o conhecimento sensível o guiará.” (AQUINO Apud ROUSSELOT, 1999, p.
87). O concreto em sua particularidade está para o conhecimento sensível, enquanto o abstrato em sua universalidade
está para o conhecimento intelectual.
Aquino sabia da impossibilidade de ser o conhecimento sensível “a causa total e perfeita do conhecimento in-
telectual”, porém reconhecia ser aquele “a matéria da causa” (AQUINO, 2006). Indo de encontro à posição platônica
da dicotomia entre corpo e alma e, consequentemente, à distinção entre intelecto e sentido, Tomás defende a união
intrínseca e harmônica entre matéria e espírito, como também defende que o corpo é necessário à alma intelectiva
quanto ao ato de conhecer. Todo conhecimento começa pelos sentidos, sendo assim, o conhecimento intelectual
sucede o conhecimento sensível. Partindo da premissa aristotélica de que o sensível é a etapa inicial para o conhe-
cimento científico, Tomás de Aquino afirma que o conhecimento intelectual (abstrato) necessita do conhecimento
sensível para se estruturar como tal. Conforme escreve Rousselot, comentando Tomás Aquino:

Se as almas humanas tivessem conhecido sem imagem sensível, diz Sto. Tomás, seus conhecimentos teriam ficado
“imperfeitos, comuns e confusos. É então, para que possam ter das coisas um conhecimento perfeito e próprio,
que sua constituição natural as destina a estar unidas a corpos; assim os objetos sensíveis lhes imprimem, por eles
mesmos, um conhecimento próprio: elas são como os ignorantes que só podem ser instruídos com a ajuda de
exemplos sensíveis É pois para o maior bem da alma que ela está unida ao corpo e, por isso, não compreende sem
imagens. (1999, p. 70).

“ E mediante a natureza das coisas visíveis, ascende a algum conhecimento das invisíveis [...]Ora, tudo o que
nesta vida conhecemos, é conhecido por comparação com as coisas sensíveis e naturais”. (Suma Teológica I, 84, 7).
Destaca que nos animais o conhecimento não ultrapassa o nível do sensível, do particular, do concreto, enquanto
que, no homem, além do conhecimento sensível, há conjuntamente o conhecimento intelectual.
Matos assim sintetiza o conhecimento sensível em Tomás de Aquino:

O aperfeiçoamento sucessivo de nosso conhecimento se faz pela ação dos objetos sôbre nós, isto é, pela experi-
ência. Não podemos conhecer sem que nossa inteligência tenha sido despertada por uma coisa apreendida como
objeto de sensação, e que determina nosso ato intelectivo. Logo, antes de tôda experiência, nosso intelecto estava
em pura potência, sem determinação alguma (1958, p. 32).

A teoria do conhecimento sensível tomista pode assim ser sintetizada: partindo de objetos sensíveis, elabora-
mos conceitos que representam intelectualmente os mesmos objetos. Estes conceitos representam as coisas concretas
de um modo abstrato: o particular é apreendido pelos sentidos e, posteriormente, pela imaginação, já o universal é
apreendido pelo intelecto. Este, que é imaterial, possui a capacidade de abstrair e conhecer aquilo que há de inteligível
e imaterial na coisa.
Nas próprias palavras do Aquinate, “a inteligência humana pode conhecer-se, mas o princípio de seu conheci-
mento lhe vem de fora, pois ela nada conhece sem imagem sensível” (Apud ROUSSELOT, 1999, p. 37).
Segundo a perspectiva tomista do conhecimento sensível, o sentido é uma potência passiva a espera de ser
transformada por um objeto sensível exterior. O sentido é considerado pelo Aquinate uma espécie do gênero das
faculdades do conhecimento da alma, e como toda faculdade do conhecimento, possui um objeto de cunho cognos-
citivo: espécies sensíveis.
A fim de que entendamos a aquisição do conhecimento nesta perspectiva, faz-se necessário que compreenda-
mos o binômio conceitual característico da gnosiologia tomista: a potência e o ato.

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No artigo 1 da questão 87 de sua Súmula Teológica, Tomás pontua que “tudo é cognoscível na medida em que
está em ato e não na medida em que está em potência”. Desta maneira, o intelecto humano é uma potência de inteli-
gir, ou seja,

o nosso intelecto intelige a si mesmo do modo como torna-se em ato, pelas espécies abstraídas dos sensíveis pela
luz do intelecto agente, que é o ato dos próprios inteligíveis e, mediantes estes, do intelecto possível; portanto, o
nosso intelecto se conhece, não pela essência, mas pelo seu ato (Aquino apud Nascimento, 2016, p. 18-19).

Aquino usufrui dos conceitos aristotélicos de potência e ato para estruturar a sua teoria do conhecimento.
Conforme explica Hugon, comentando a significação desses termos em Aristóteles e Aquino:

a potência e o ato se explicam e se definem pelas suas relações mútuas: a potência é como uma capacidade, um
esboço, um começo, o ato é o complemento; a potência é tudo que pode ser aperfeiçoado; o ato é a perfeição ou
aquilo que a realiza (HUGON, Apud ROSA, 2017, online).

Pelos sentidos, nossa inteligência capta o objeto inteligível em potência. Para transformar esse objeto em co-
nhecimento (potência em ato), a inteligência utiliza-se da abstração. O conhecimento intelectual (abstrato) requer
o conhecimento sensível. É próprio da inteligência humana aprender ideias abstratas, salienta o Aquinate. Existem
dois tipos de conhecimento: o conhecimento sensitivo e o conhecimento intelectivo. O ponto de partida para o início
do processo de conhecimento é sempre o conhecimento sensível. É sobre as formas do conhecimento sensível que o
intelecto atua: intelecto agente e intelecto paciente. O intelecto passivo recebe o objeto inteligível por meio da expe-
riência sensível. O intelecto ativo abstrai o conceito. Libâneo sintetiza exemplarmente este processo:

[...]pelos sentidos, nossa inteligência capta as coisas, capta o inteligível em potência. Para transformar esse inteli-
gível em conhecimento (ou seja, a potência em ato), a inteligência se vale da abstração: extrair do particular uma
ideia universal [...] retira do dado sensível sua essência (2012, p. 8)

Tomás de Aquino reconhece duas formas de aquisição do conhecimento: a descoberta e o ensino. Pela desco-
berta, “quando a razão por si mesma atinge o conhecimento que não possuía” e o ensino, “quando recebe a ajuda de
fora” (Tomás de Aquino, 2001, p. 32). O ensino é uma atividade externa à mente, enquanto a descoberta atividade
interna da própria razão.
Passemos agora ao processo de conhecimento em Tomás de Aquino.

O PROCESSO DE CONHECIMENTO EM TOMÁS DE AQUINO

O processo do conhecimento em Tomás de Aquino ascende do conhecimento sensível que, por sua vez, leva à
abstração.

Se o conhecimento sensível versa sobre a qualidade particular e concreta (este vermelho, este sabor salgado, esta for-
ma triangular etc.), a inteligência humana transcende, supera esse âmbito do particular, do material e do concreto
e pode versar sobre o universal. [...] Esta capacidade da inteligência de apreender o universal e abstrato abre um
mundo sem fronteiras para o conhecimento; ele não se limita à realidade concreta que o circunda, mas atinge todo o ser
(LAUAND, 2001, p. 16 – grifo nosso).

Nossos sentidos externos recebem as informações do mundo exterior, registrando-as nos nossos sentidos in-
ternos (sentido comum, imaginação, memória, estimativa ou cognitiva). O sentido comum recebe as informações
captadas pelos sentidos, comparando-as e julgando-as. A imaginação tem o papel de abstrair as impressões sensoriais
(fantasmas, imagens ou abstrações) que serão utilizadas futuramente. A memória, por sua vez, tem a função de arma-
zenar e manter as informações provenientes dos fantasmas. Finalmente, o último sentido interno é responsável por
comparar e criar novas situações ou informações ainda no nível do particular. O intelecto abstrai a essência (quidi-
dade) dos fantasmas, os quais tornar-se-ão o objeto próprio de sua atividade. Conforme pontua o próprio Tomás: “O

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intelecto humano, unido ao corpo, tem como objeto próprio a quididade ou a natureza existente na coisa corpórea
[...] que ele abstrai dos fantasmas...” (Suma Teológica, q. 84, a. 7/85, a. 8). Neste momento, entra em ação o intelecto
agente responsável por extrair a essência ou a quididade dos fantasmas e transformá-la em espécie inteligível. Os
fantasmas estão em potência em relação ao intelecto, pois, ainda preservam as características materiais do objeto sen-
sível. Na teoria do conhecimento do Aquinate, fantasmas são representações sensíveis do objeto particular. Somente
após o processo intelectual abstrativo, os fantasmas tornam-se “espécies inteligíveis”.
Em outras palavras, o que o intelecto agente faz nada mais é que atualizar os inteligíveis, isto é, abstrair as es-
pécies inteligíveis das suas condições materiais singularizantes. Encerrando o processo do conhecimento, o intelecto
possível (ou passivo) recebe do intelecto agente as informações em forma de inteligíveis em ato, sendo possível, a
partir daí, a produção de conceitos, os quais, exprimem, agora de maneira universal, a quididade extraída do fantasma
(imagem).
Em suma, o processo do conhecimento de Tomás de Aquino traduz a máxima aristotélico-tomista de que “nada
existe no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos”. Conforme salienta Nascimento, “Tomás sustenta
que o ente humano é dotado da capacidade de “extrair” do material sensorial (sintetizado nas fantasias ou imagem) o
inteligível” (2016, p.26).
Ante ao exposto, pode-se concluir que o processo do conhecimento defendido pelo Doctor Communis inicia-se
pela apreensão dos sensíveis, completando-se com as operações imateriais realizadas pelo intelecto. Verifica-se,
então, dois momentos formadores do processo do conhecimento elaborado por Aquino: o processo do conheci-
mento sensível que se encerra com a produção da imagem sensível, o fantasma e o processo do conhecimento
intelectivo no qual se dá a produção da espécie inteligível, a partir da abstração da natureza universal dos fantasmas.

O CONHECIMENTO EMPÍRICO EM DAVYDOV

Em seu livro “Problemas do Ensino Desenvolvimental: A Experiência da Pesquisa Teórica e Experimental na


Psicologia”, Davydov conceitua o pensamento empírico como sendo a “forma transformada e expressa verbalmente
da atividade dos órgãos dos sentidos, enlaçada com a vida real; é o derivado direto da atividade objetal-sensorial das
pessoas”(1988, p. 125). Ele assinala o caráter direto do pensamento empírico e, citando L. Naúmenko, escreve:

o empírico não é só o conhecimento direto da realidade, mas também, o que é mais importante, o conhecimento
do imediato na realidade, justamente do aspecto que se expressa pela categoria de existência, de existência presen-
te, de quantidade, qualidade, propriedade, medida (Apud Davydov, 1988, p. 126).

Ao reconhecer que o pensamento é conhecimento racional, Davydov chama a atenção para o fato de que o co-
nhecimento sensorial não pode ser tratado de maneira isolada no processo de construção do conhecimento e nem ser
considerado como o antecessor do conhecimento racional. “O conhecimento da humanidade socializada tem, desde
o começo mesmo, forma racional”, pontua. E enfatiza:

Aqui é necessário sublinhar que o fundamento e a fonte de todos os conhecimentos do homem sobre a realidade
são as sensações e as percepções, os dados sensoriais. Mas os resultados da atividade dos órgãos dos sentidos do
homem são expressos por este em forma verbal, a que acumula a experiência de outras pessoas (Ibid., p. 126 -7).

O conhecimento empírico é, na perspectiva davydoviana, resultado da observação e da comparação dos fenô-


menos. Está relacionado com as características externas destes fenômenos: suas semelhanças e diferenças. O objeto
estudado é considerado de maneira isolada e independente dos demais fenômenos, sendo expresso pela palavra.
Mesmo reconhecendo o conhecimento empírico como fonte do conhecimento humano, Davydov destaca suas
limitações e fragilidades. Uma delas seria seu caráter linear de construção de conhecimento: percepção representação
conceito. Tal tipo de conhecimento parte dos aspectos singulares e particulares do objeto com vistas a alcançar sua
generalidade. Para Davydov, tal trajetória de construção do conhecimento inviabiliza a elaboração dos conceitos
científicos, uma vez que foca nas abstrações e generalizações simples dos dados perceptíveis, não se distanciando

522
muito dos conceitos formados espontaneamente no dia a dia das crianças. Em outras palavras, o movimento do
conhecimento empírico parte do concreto (particular) rumo ao abstrato (geral) o que, segundo Davydov, acaba por
destacar somente as características superficiais do objeto de conhecimento.
O acadêmico russo salienta que os conceitos empíricos resultantes do conhecimento empírico dificultam as
relações necessárias entre o que é aprendido na escola e o que é vivenciado fora do ambiente escolar. O cotidiano das
crianças, acredita ele, já viabiliza o procedimento empírico em suas atividades, logo, a escola deve propiciar a aquisi-
ção de conceitos científicos por meio da aplicação de um procedimento epistemológico teórico que ensine a pensar
teoricamente.
Ele observa que o conhecimento empírico não é suficiente para promover o desenvolvimento mental das
crianças, uma vez que se orienta para as propriedades externas dos objetos. “Cada objeto se toma aqui de maneira
unilateral, só em sua semelhança com outros, sem revelar as condições de existência do objeto integral em sua espe-
cificidade”, assinala Davydov ( 1998, p. 114).
O trajeto do conhecimento empírico, na ótica de Davydov, parte do sensorial-concreto ao abstrato-geral. As
características externas do objeto são captadas pelos sentidos, cujas representações permitem destacar os traços gerais
e realizar classificações. São operações próprias do conhecimento empírico: descrever, nomear, quantificar, catalo-
gar, classificar, e esquematizar.
Marx, citado por Davydov, já descrevera o conhecimento empírico como específico de um “observador alheio
à ciência”, que desconsidera as relações e conexões internas do objeto estudado.
Davydov (1988) não propõe o abandono do conhecimento empírico, porém, salienta a importância de se re-
lacionar os conceitos empíricos com os conceitos científicos resultantes do conhecimento teórico. É papel da escola
promover a conexão entre estes dois tipos de conceitos. O que ele propõe, resumidamente, é a união do empírico e
do teórico com vistas a formar uma unidade dialética de pensamento.
O ponto central que o levou a questionar o conhecimento empírico no processo do desenvolvimento mental
das crianças reside no fato de este tipo de conhecimento não capacitá-las a lidarem com problemas e fenômenos no
ambiente fora da escola, justamente por não ser ensinado geneticamente. Sua fragilidade centra-se na impossibilidade
de promover funções cognitivas superiores como a reflexão, a análise e o planejamento, operações estas próprias do
conhecimento teórico (Cf. DAVYDOV; MARKOVA,1982).
O conhecimento teórico, proposto por Davydov, diferentemente do conhecimento empírico, integra os fe-
nômenos, focando em suas origens e relações. Neste tipo de conhecimento, o objeto é considerado em sua conexão
com os demais objetos.

O PROCESSO DE CONHECIMENTO EM DAVYDOV

O processo do conhecimento em Davydov requer a formação do pensamento teórico do aluno, pelo movimen-
to de ascensão do abstrato ao concreto “Por que tal relação se chama abstração se ela é, na verdade, completamente
real e observável [...]?”, indaga ele (Davydov, 1988, p. 144). O conceito de abstrato aqui desenvolvido considera o
objeto em sua singularidade, desvinculado do todo, ainda que seja perceptível em sua concretude.
No processo de conhecimento em questão, o concreto é, ao mesmo tempo, ponto de partida (concreto empí-
rico) e ponto de chegada (concreto pensado). As abstrações não são o fim do processo de conhecimento, mas sim
mediadores.
Davydov esclarece:

No pensamento teórico, o próprio concreto aparece duas vezes: como ponto de partida da contemplação e repre-
sentação, reelaboradas no conceito, e como resultado mental da reunião das abstrações. [...] no fim das contas, o
caráter “concreto” ou “abstrato” do conhecimento não depende de estar próximo das representações sensoriais,
mas de seu próprio conteúdo objetivo. Se o fenômeno ou o objeto é examinado pelo homem independentemente
de certa totalidade, como algo isolado e autônomo, trata-se somente de um conhecimento abstrato, por mais deta-
lhado e visível que seja, por mais “concretos” que sejam os exemplos que o ilustram. Ao contrário, se o fenômenos

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ou objeto é tomado em unidade com o todo, se é examinado na sua relação com outras manifestações, com sua
essência, com a origem universal (lei), trata-se de um conhecimento concreto, mesmo que seja expresso com a
ajuda dos signos e símbolos mais “abstratos” e “convencionais” (Ibid., p. 151).

Davydov toma emprestado a Teoria das Abstrações de Marx para desenvolver a construção do conhecimento
em sua Teoria do Ensino Desenvolvimental. As abstrações, segundo Marx , fazem a mediação entre o concreto em-
pírico e o concreto pensado, utilizando-se das operações de especificação, delimitação, intensificação e articulação
(Cf. Assunção, 2013).
O conceito de pensamento teórico exige um movimento do pensamento que parta dos traços mais simples e
abstratos do objeto (aspectos aparentes) para então se deter nos seus elementos constituintes (essenciais). Em outros
termos, o conhecimento teórico é desenvolvido por meio de um movimento racional, cuja base são dados empíricos,
com vistas a ultrapassar a formação de conceitos e generalizações empíricas. Estas ficam restritas às definições exter-
nas do objeto e suas relações imediatas e aparentes. As generalizações teóricas focam os aspectos essenciais do objeto,
bem como suas relações internas e conexões com outros objetos.
Marx (Ibid., 2013) reconhece que o objeto precede o conhecimento e que a pesquisa científica deve partir do
imediatamente dado. O objeto pode prescindir do conhecimento, porém, este não pode prescindir daquele (Ibid., p.
48). Sob a influência da lógica dialética marxista, Davydov concebeu seu método de ascensão do abstrato ao concreto,
segundo o qual o abstrato e o concreto constituem-se em dois momentos do processo de conhecimento.

CONCLUSÃO

Em Tomás de Aquino, o conhecimento sensível diz respeito aos singulares e o conhecimento intelectual, aos
universais. O conhecimento do singular precede o conhecimento do universal (Suma Teológica, I q. 84, a3), haja vista
a necessidade de se recorrer às imagens sensíveis a fim de se conhecer qualquer objeto.
Em Davydov, os aspectos gerais antecedem os aspectos constitutivos internos do objeto em suas relações com
os demais objetos da realidade.
Respeitadas as particularidades da trajetória de construção do conhecimento em ambos os estudiosos, perce-
be-se que reconhecem a existência de uma relação entre o objeto sensível e o conhecimento. Tomás de Aquino iden-
tifica dois níveis de conhecimento: o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual. Defende que este último
requer a passagem pelo mundo material.
Davydov distingue duas formas de conhecimento: o conhecimento empírico e o conhecimento teórico, sendo
este fruto das relações e dinâmicas entre os fenômenos.
Embora utilizando nomenclaturas diferentes - conhecimento sensível e conhecimento empírico - consideram
as percepções sensório-concretas como base da trajetória da concepção do conhecimento. A meu ver, possuem pro-
cedimentos epistemológicos iguais, dividindo o mesmo objeto e permitindo a passagem para um conhecimento ‘mais
refinado’ da realidade.
Segundo a ótica tomasiana, o intelecto humano necessita das coisas visíveis para alcançar o conhecimento das
realidades invisíveis. No entanto, Aquino reconhece que as coisas visíveis não são a causa direta do conhecimento
intelectual. O conhecimento intelectual, postula ele, é fruto das coisas sensíveis aos sentidos. Em outros termos, as
impressões dos sentidos constituem-se na fonte primeira do conhecimento – o conhecimento sensível, cujo processo
de produção se encerra com a constituição da imagem sensível. O conhecimento intelectual se dá com a abstração que
nada mais é que a realidade invisível após depurada de seus dados sensíveis (Cf. ROUSSELOT, 1999).
Davydov reconhece a importância dos dados empíricos para a construção do conhecimento, contudo, os con-
ceitos empíricos não são suficientes para desenvolver mentalmente as crianças e, assim, favorecer a formação do pen-
samento teórico, uma vez que não ultrapassam os limites sensoriais de apreensão da realidade objetiva. Faz críticas
ao pensamento empírico, pontuando que “cada objeto se toma aqui de maneira unilateral, só em sua semelhança com
outros, sem revelar as condições de existência do objeto integral em sua especificidade” (1988, p. 114).

524
Os autores em questão lançam mão dos conceitos de concreto e abstrato para elaborarem suas teorias do co-
nhecimento. Em Davydov, diferentemente de Aquino, o abstrato diz respeito ao objeto tratado em sua singularidade,
desvinculado da realidade e dos demais fenômenos. Introduz o conceito de concreto pensado como sendo o objeto
considerado em suas conexões e dinâmicas com outros objetos e manifestações.
O processo do conhecimento em Tomás de Aquino tem como elemento inicial o conhecimento sensível re-
sultado da ação entre o sujeito e os dados concretos, sensíveis. Assim como observado em Davydov, as percepções
sensoriais permitem a formação do pensamento empírico.
O constructo final de todo o processo de construção do conhecimento diferencia-se em um e em outro. Em
Aquino, o conhecimento intelectual permite a elaboração de conceitos abstratos ou de realidades invisíveis. Em Da-
vydov, o conhecimento teórico resulta na formação do concreto pensado, entendido em suas particularidades e em
sua conectividade com a realidade circundante.
Em suma, o caminho que leva ao conhecimento humano, na perspectiva tomasiana, quanto na ótica davydiana,
tem como ponto de partida as operações com os objetos materiais, sensíveis.

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VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

525
AS PERCEPÇÕES NA ESCOLA DA ROÇA: NARRATIVAS DE CRIANÇAS

Márcia Gizella Nunes Barbosa- UFG/RC-GO


Rita Tatiana Cardoso Erbs – UFG/RC-GO

Resumo: Esta é uma pesquisa (Auto)biográfica, com narrativas de crianças na escola da roça, Escola Municipal
Francisca Mariana Luiz localizada na Rodovia BR 050 KM 172, Projeto Paineiras no Município de Campo Alegre
de Goiás. Através das narrativas das crianças que estão inseridas nessa instituição o questionamento se expõe nessa
pauta: Como a escola da roça se apresenta na perspectiva das crianças? A investigação, ainda em andamento discorre
como uma pesquisa qualitativa em Educação. Retratando a intenção de discutir e problematizar a função da escola a
partir do que dizem as crianças sobre ela. No processo das narrativas as crianças recontam suas experiências escolares,
descrevem o papel da instituição em suas vidas. Tem como objetivo Compreender o sentido atribuído a esse lugar
de aprendizagem (formal e obrigatório), com um olhar específico realizado por crianças que vivem e enfatizam com
suas falas, apontando em suas experiências os conhecimentos diversos adquiridos nessa escola, sempre discutindo
e captando o papel da escola na vida das crianças a partir de suas narrativas. Ouvir as crianças aponta como cerne
da metodologia da pesquisa. Para a escolha da coleta de dados será explorado momentos com oficinas diversas,
envolvendo leituras, fotografias, narrativas colhidas em rodas de conversa e exploradas nas atividades lúdicas, com
diálogos que proporcionem interação. As crianças são apresentadas para uma boneca de nome Luíza, que se insere
na pesquisa abrindo espaço para a ludicidade associada a literatura infantil do livro, “A garota e a Boneca de Pano”
(autor Adeilson Salles). As evidencias dessa escola da roça são apresentadas com sujeitos ativos e participantes da
pesquisa envolvendo os alunos do Ensino Fundamental com idade de 07 a 10 anos. O campo da pesquisa (auto)
biográfica com crianças é inspirada no conceito Maria da Conceição Passeggi, que pesquisa e desenvolve o Projeto
‘Narrativas da infância’ (CNPq- CAPES n°07/2011): “Narrativas Infantis: o que contam as crianças sobre a escola na
infância?, e pretende discutir e problematizar o sentido da escola para crianças da zona rural a partir do que pensam.
As leituras como referencial teórico a ser dotadas, serão realizadas com a possibilidade de ampliar um diálogo com
alguns autores que percorram pela trajetória da escola no Brasil, ampliando a interlocução com fundamentos da pes-
quisa (auto) biográfica, discursando no tema Escola Rural, Escola Multisseriada, Narrativas com crianças, isso para
compreender melhor o objeto de estudo que em autores como Elizeu Clementino de Souza, Maria Helena Menna
Barreto Abrahão, Clandinin e Conely, Silvia Helena Vieira Cruz, Miguel Arroyo dentre outros apoios que surgirem
na pesquisa a partir da aplicação das metodologias citadas. Espera-se que as crianças contribuam e se envolvam com
essa pesquisa cooperando no que se propões dentro dos estudos apresentados no Mestrado Acadêmico em Educação,
da Instituição UFG-Campos Catalão –GO, na linha de pesquisa Políticas Educacionais, História da Educação e Pes-
quisa (auto)biográfica.
Palavra-Chave: Crianças. Narrativas. Escola

INTRODUÇÃO

A pesquisa apresenta como tema “AS PERCEPÇÕES NA ESCOLA DA ROÇA: Narrativas de Crianças”, é uma
pesquisa do Programa de pós graduação- PPGEDUC da UFG- Regional Catalão - GO1 estando em andamento com
a investigação na escola da roça, Escola Municipal Francisca Mariana Luiz localizada na Rodovia BR 050 KM 172 no
Projeto Paineiras no Município de Campo Alegre de Goiás. Apresenta como metodologia a pesquisa (auto) biográfica
com narrativas de crianças de 07 a 10 anos.
1 O Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEDUC – do Departamento de Educação da Universidade Federal de Goiás compõe
a oferta de cursos stricto sensu do Campus Catalão A proposta do Curso de Mestrado tem a Educação como área de concentração e seu
objetivo é aprofundar os conhecimentos dos profissionais que atuam em educação, bem como formar pesquisadores na área.

526
A elaboração da pesquisa com narrativas (auto)biografias dos alunos da Escola Francisca Mariana Luiz, ne-
cessita de muita compreensão pois pesquisar com narrativas de crianças é desafiador. As pesquisas com narrativas
de crianças rompem com o saber comum das epistemologias na visão do adulto, que pensa em suas interpretações,
entender melhor quem ainda no seu ponto de vista “não entende”.

(...) quando se trata da pesquisa com crianças, e não sobre elas, o desafio é duplo: por um lado, superar o precon-
ceito contra a produção do conhecimento com base em percepções subjetivas, por outro lado, legitimar a palavra
e a reflexão da criança sobre suas próprias experiências. O primeiro desafio concerne a rupturas epistemológicas,
em jogo na pesquisa qualitativa; o segundo diz respeito às rupturas com o saber do senso comum e suas repercus-
sões sobre uma visão adultocêntrica em ciência, que se recusa a conceber a criança pelo que ela “já compreende”, e
não pelo que ela “ainda não entende”. O que exige do pesquisador muito rigor para interpretar a interpretação da
criança no seu esforço de dar sentido aos acontecimentos. Muitas vezes, a criança percebe apenas com o corpo o
que lhe acontece, e não quer, ou não deseja verbalizar. O cuidado é, portanto, evitar reduzir seus modos de refletir
e de interpretar o mundo. (PASSEGGI, NASCIMENTO & RODRIGUES,2018,157).

Por que desenvolver uma pesquisa que tratará a Escola Rural contada pelas narrativas de crianças? A apuração
se justifica na análise da visão de mundo da infância, na investigação das palavras, imagens elaboradas por crianças
que auxiliam a pesquisa qualitativa em Educação. Tem a intenção discutir e problematizar a função da escola a partir
do que dizem as crianças sobre ela. No processo das narrativas as crianças recontam suas experiências escolares, des-
crevem o papel da instituição em suas vidas.
Estudar esses espaços de vivências e de aprendizagem se faz necessário para pontuar o que há de específico de
cada lugar, são esses lugares que dialogam entre si. É interessante apresentar como a escola aparece no contexto de
vida da roça, a forma como a escola se apresenta na zona rural. É importante compreender o sentido atribuído a esse
lugar de aprendizagem (formal e obrigatório). Um olhar específico realizado por crianças que vivem e enfatizam com
sua fala suas experiências de aprendizagem na escola entendendo como a escola é expressa pela criança.
Consideramos que compete à pesquisa educacional tomar como objeto de estudo, no cenário educativo atual, a
capacidade de reflexão que emerge na infância e problematizar suas questões para pensar a reflexividade das crianças,
sobre a qual se baseia a pesquisa, refletindo a escola no meio rural, repercutindo significativamente respostas sobre a
escola com a contribuição da pesquisa (auto)biográfica.
Segundo Souza (2012) a consolidação da pesquisa (auto)biográfico no Brasil tem tomado diferentes lugares,
empreendido muitos trajetos e enfrentando outros desafios referentes a educação rural. A opção pelo estudo nas
áreas rurais justifica-se pelo fato de:

[...] ali se concentrarem os piores indicadores educacionais, tanto no Brasil quanto no Estado da Bahia. Com isso,
se admite que as áreas rurais, por força dos complexos processos de urbanização, foram historicamente banidas das
pautas e agendas de discussão para definição de políticas que atendam às especificidades que são inerentes a essa
população e, quando isso é feito a educação oferecida é de fato transplantada da lógica urbana para o meio rural.
(SOUZA et al., 2012, p. 4).

A pesquisa (auto)biográfica com narrativas de acordo com Souza (2012) é um instrumento de investigação,
justificando a sua crescente expansão e utilização na área educacional e leva a conhecer as questões vinculadas a escola
rural, sobre as diversas ruralidades constitutivas do espaço brasileiro. A pesquisa com narrativas (auto)biográficas
implica em tornar a própria história narrada, demandando entrar em contato com diferentes experiências, subjetivi-
dades bem como as singularidades, especialmente no valor dos espaços rurais.

527
PROBLEMATIZANDO O PROJETO

Iniciei minha carreira docente no final dos anos 90, era um momento de mudanças no cenário da Educação
Brasileira e haviam várias Escolas Rurais2 que acolhiam os alunos e atendiam a população do meio rural. Algumas
mudanças decorrentes da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)3 marcaram essas mudanças no cenário da Edu-
cação, várias escolas rurais passaram pelo processo de Nucleação4 e muitas foram fechadas.
Em Campo Alegre de Goiás no ano de 1998 funcionavam 17 Escolas Rurais e esse foi o meu caminho inicial de
contato com uma escola na roça, no meio rural longe das realidades de escolas urbanas. Ao professor era atribuído a
função de regente em classe multisseriada5, também a responsabilidade ao preparo do lanche, assumindo os serviços
de limpeza e cuidados com a escola, isso na minha carreira profissional foi uma experiência marcante e prazerosa.
Um momento significativo na minha docência foi a regência em uma Escola Rural marcada pelo meu desdo-
bramento profissional fora de realidade urbana, associado a convivência com crianças e toda a realidade do cenário
rural. Essa experiência envolveu moradores, as crianças, a escola e todo aquele contexto de roça com grandes sin-
gularidades. Esse período em particular trouxe a mim conhecimentos, amadurecimentos referentes a realidade de
crianças que vivem no ambiente escolar e rural, onde aprendi muito mais com os alunos do que ensinei.
Com o passar dos anos trabalhando com regência, hoje na escola urbana, continuei acolhendo diversos alunos
da roça que deslocam em transporte escolar para a escola buscando um ambiente de estudo. Esses alunos do meio
rural vão as escolas urbanas para realizarem sua trajetória escolar, eles não perdem sua identidade, são essas crianças
que contribuíram com meu aprendizado em suas singularidades e marcam a minha história profissional acrescentan-
do muitas trocas.
No ano de 2017 ingressei novamente na vida acadêmica no curso de Licenciatura em Educação do Campo,
um curso que busca promover a formação de educadores para atuar nos anos finais do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio, conferindo ao graduado o grau de Licenciatura em Educação do Campo – Habilitação em Ciências da
Natureza. Esse curso visa as ações educativas com vistas à melhoria das condições pedagógicas e transformação da
realidade educacional em que irá atuar levando em conta o compromisso com o desenvolvimento social, solidário e
sustentável. Por meio da sólida formação teórico-prática, onde se possa compreender e intervir nas situações da sua
realidade - o Campo e a Escola do Campo, bem como, interagir com a comunidade local ou regional nas esferas de
valorização e conservação de seus elementos culturais.
Mediante ao contato com essa realidade do curso Educação do Campo, onde a Pedagogia da Alternância me
envolveu, encontrei-me diante de dilemas relativos as escolas rurais do município de Campo Alegre de Goiás que é
cercado de referências ruralistas. Tem um histórico excelente na produção de grãos da região e as famílias rurais são
predominantes, o que me desperta entender melhor a Escola rural do Município de Campo Alegre de Goiás na voz
das crianças.
Com o fechamento de quase todas as Escolas Rurais do Município de Campo alegre de Goiás, no período de
1999 a 2002, me ativa compreender melhor a realidade da única escola em funcionamento na zona Rural, Escola
Municipal Francisca Mariana Luiz. Investigar essa escola rural, onde de costume na região é conhecida como a “Es-
cola da Roça” me encaminha a construção desse processo biográfico, sobreposto em experiências cotidianas vividas e
narradas pelo olhar das crianças, os alunos, isso me motiva em intenção de pesquisar, ouvir as narrativas das crianças
no mundo rural.
Ao realizar essa pesquisa com narrativas de crianças apresentando o seu olhar sobre a Escola, explicando o que
sentem, desejam ou não desejam costura e abre uma concordância com o diálogo Larrosa (2010, p. 184), infância

2 As escolas rurais também são conhecidas como escolas da roça, entendendo que a expressão da roça é concebida como uma “ruralidade
específica” envolta, principalmente, na semiótica da terra. (RIOS, 2011).
3 LDB é a legislação que regulamenta o sistema educacional (público ou privado) do Brasil (da educação básica ao ensino superior).
4 O processo chamado de “nucleação escolar” consiste em reunir os alunos das escolas desativadas, fechadas, geralmente em áreas rurais,
deslocando-os para centros maiores. Concentra-se o maior número de alunos em uma única escola, seja ela da cidade ou do campo.
5 Classes multisseriada também chamada de classes multisséries ou uni docente, são aquelas turmas nas quais um único professor assume
alunos de faixa etária e séries diversas. Essas turmas são a maioria situadas nas áreas rurais.

528
desequilibra “a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio em que se abisma
o edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento”.
A infância, segundo Cruz (2009), é entendida como uma construção social que se transforma conforme o local,
o tempo e a cultura. Esse é o ponto de vista que será adotada aqui, onde entender a escola com princípios éticos e
epistemológicos de uma pesquisa com crianças e da pesquisa (auto)biográfica em educação.

Tem–se então, como pressuposto, o entendimento de que a criança é um ser competente, ativo, crítico e comu-
nicativo e, consequentemente capaz de se posicionar respeito das situações e relações que mais diretamente lhe
afetam. Assim em situação de recolha em pesquisas cientificas de dados [...] (CRUZ,2009, p.2).

A escola faz parte da vida das crianças desde muito cedo. É na escola que se consignam as melhores expectativas
de uma formação para a construção de um futuro melhor, seja para o indivíduo, para a família, para a sociedade. Na
escola que as crianças apresentam a oportunidade de vivenciar outras relações sociais, além das vividas em casa e na
comunidade. Trata-se, portanto, de um lugar e também de um emaranhado de vivência e de aprendizagem que vão
constituindo vidas. Segundo Canivez “A escola, de fato, institui a cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de
pertencer exclusivamente à família para integrarem-se numa comunidade mais ampla em que os indivíduos estão
reunidos não por vínculos de parentesco ou de afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A escola institui,
em outras palavras, a coabitação de seres diferentes sob a autoridade de uma mesma regra. (CANIVEZ 1991, p.33).

OBJETIVOS

O objeto da pesquisa em estudo é a Escola da Roça compreendida e pensada na perspectiva das crianças ou
seja os alunos, dessa forma a investigação assume como objetivo geral: pesquisar as significações construídas narra-
tivamente por crianças de 07 a 10 anos, compreendendo o sentido atribuído a esse lugar de aprendizagem (formal e
obrigatório), com um olhar específico realizado por crianças que vivem e enfatizam com suas falas, apontando em
suas experiências os conhecimentos diversos adquiridos nessa instituição, sempre discutindo e captando o papel da
escola na vida das crianças a partir de suas narrativas.
Essa pesquisa apoia-se na legitimidade da palavra das crianças como fonte de pesquisa e da importância de
suas vivencias no espaço escolar. Em concordância com o objetivo geral da pesquisa a exploração se divide em três
tempos que situam a escola da roça nesse cenário a ser investigado apresentando em específico essa escola com suas
características, seu histórico e apresentação do espaço e contexto como a comunicação especifica entre a ruralidade
e um currículo de multisseriação presente nas escolas rurais. Apresenta no segundo tempo a metodologia que será
desenvolvida com base na pesquisa (auto) biográfica, aplicando como objeto de estudo a compreensão das narrativas.
Em um momento final a discussão das narrativas colhidas com leituras feitas e os referenciais teóricos a ser dotadas,
com a possibilidade de ampliar um diálogo com alguns autores que percorram pela trajetória da escola no Brasil.
Os objetivos específicos estão inseridos nesses tempos da escrita participando do texto da seguinte maneira:
• Conhecer a escola da roça: Escola Municipal Francisca Mariana Luiz, a partir de documentação e ob-
servação;
• Apresentar as crianças, autores das narrativas;
• Analisar as dimensões que emergem das narrativas das crianças sobre a escola da roça.

ESCOPO TEÓRICO

As leituras como referencial teórico a ser dotadas, serão realizadas com a possibilidade de ampliar um diálogo
com alguns autores que percorram pela trajetória da escola no Brasil, ampliando a interlocução com fundamentos
da pesquisa (auto) biográfica, discursando no tema Escola Rural, Escola Multisseriada, Narrativas com crianças, isso

529
para compreender melhor o objeto de estudo que em autores como Elizeu Clementino de Souza, Maria Helena Men-
na Barreto Abrahão, Clandinin e Conely, Silvia Helena Vieira Cruz, Maria da conceição Passeggi , Miguel Arroyo
dentre outros apoios que surgirem na pesquisa a partir da aplicação das metodologias citadas.

“Uma verdadeira pesquisa narrativa é um processo dinâmico de viver e contar histórias, e reviver e recontar his-
tórias, não somente aquelas que os participantes contam, mas aquelas também dos pesquisadores” (CLANDININ
e CONNELLY, 2011, p.18).

Para Clandinin e Connelly (2011), essa linha de Pesquisa Narrativas aparece como uma nova vertente, um
caminho alternativo onde os pesquisadores e participantes possam viver um relacionamento saudável e produtivo,
pois para os autores, a vida é preenchida de fragmentos narrativos, alocados em momentos do tempo e do espaço e,
em termos de continuidade e descontinuidade. Nessa significação a pesquisa (auto)biográfica adquire um status re-
lacional, ganhando destaque para a pesquisa na área educacional, pois este é um campo que possui por natureza uma
dinâmica interativa. A pesquisa (auto)biográfica deve ser entendida como uma forma de compreender a experiência
humana. Apresenta-se de um estudo de histórias vividas e contadas, pois “... é um processo dinâmico de viver e contar
histórias, e reviver e recontar histórias, não somente aquelas que os participantes contam, mas aquelas também dos
pesquisadores” (CLANDININ e CONNELLY, 2011, p.18).
Na visão desses autores, que desenvolvem seu trabalho de pesquisa narrativa como método de estudo, o papel
do pesquisador é interpretar os textos e, a partir deles, criar um novo texto. Os dados obtidos na pesquisa podem ser
coletados de forma oral e/ou escrita, cabendo ao pesquisador decidir qual delas de adequa mais ao perfil de seu estudo.
Associar o pensamento de Souza (2006) com a perspectiva de Clandinin e Connelly (2011), as narrativas seriam
uma investigação dentro do processo de formação e estariam ancorados nas histórias contadas pelos indivíduos, isso
conduz o sujeito a uma nova composição. Nessa perspectiva, a narrativa não é apenas um meio para se compreender
a experiência, mas é também um meio para a aprendizagem humana. (CLANDININ e CONNELLY; 2011, p.51). Ao
refletir sobre a Pesquisa (Auto)biográfica, fenômeno e método, Souza (2006) pontua que no campo educacional as
narrativas são utilizadas como meio de investigação e formação. Essa perspectiva de trabalho.

[...] configura-se como investigação porque se vincula à produção de conhecimentos experienciais dos sujeitos
adultos em formação. Por outro lado, é formação porque parte do princípio de que o sujeito toma consciência de
si e de suas aprendizagens experienciais quando vive, simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua
própria história. SOUZA (2006b, p. 139).

A abordagem do projeto se apresenta nas narrativas infantis, na perspectiva da abordagem qualitativa de pes-
quisa, discorrendo-se, como o traçado metodológico adequado tendo em vista a natureza do problema investigado, os
objetivos do estudo, a subjetividade dos dados e a flexibilidade das etapas da pesquisa (TRIVIÑOS, 1992). A pesquisa,
ora apresentada, trabalha com um tema recorrente na contemporaneidade; as narrativas. Inclui as crianças da Escola
da Roça como sujeitos ativos de direitos e não como objetos de pesquisa, cujas vozes são excluídas das Políticas Edu-
cacionais do primeiro segmento da educação básica no Brasil.
Vale salientar que para proposta com a utilização das falas das crianças que atendem ao objetivo proposto, a
escola da roça, sempre com cuidado e sensibilidade no momento de análise das suas narrativas, para interpretar com
cuidado e rigor e não venha pôr em risco o pensar da criança.

O desafio de interpretar a interpretação da criança, em suas pequenas narrativas, tem exigido ainda mais cuidado,
ainda mais rigor, para nos aproximarmos de sua visão de mundo, sem nos deixar envolver pelo óbvio ou pelo
espírito de análise e preocupações teóricas que venham a pôr em risco o modo de pensar da criança. (PASSEGGI
et al., 2014, p. 92).

A seguinte pesquisa apresenta as narrativas com crianças como metodologia e no Brasil, temos como inspira-
ção o trabalho da profa. Dra. Maria da Conceição Passeggi, pesquisadora experiente na área da pesquisa (auto)bio-
gráfica, que pesquisa e desenvolve o Projeto ‘Narrativas da infância’ (CNPq- CAPES n°07/2011): “Narrativas Infantis:

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o que contam as crianças sobre a escola na infância?” e pretende discutir e problematizar o sentido da escola para
crianças da zona rural a partir do que elas pensam. Essa contribuição auxilia com a reflexão sobre essas questões ao
que se propõe investigar nessa perspectiva da pesquisa com crianças, defendendo o reconhecimento da criança como
“ser capaz de lembrar, refletir e projetar-se em devir”, sustentando “a tese da legitimidade de sua palavra como fonte
de investigação para a pesquisa (auto)biográfica com crianças em educação” (PASSEGGI, 2014, p. 135).
Segundo Passeggi, Nascimento & Rodrigues (2018) as narrativas com crianças podem -se construir reflexões
em relação a Escola suas particularidades, desafios que dão sentido a escola, onde a Escola se apresenta e participa de
suas vidas, sua infância. Essas narrativas da infância serão um elo que vão transcrever e dialogar dentro da necessi-
dade de conhecer melhor o cenário escolar. Nesse sentido, a reflexividade na infância será capaz de pensar ao narrar
suas vivências e, por essa via, trazer informações importantes sobre os modos de experiênciar o mundo escolar.
Como ressalta Barbosa (2007, p. 1078) “Escola é a prática ética, política que se dá no debate, na construção de
conhecimentos, como oficina e laboratório social e humano permanentes.”. Nessa perspectiva, a escola estará formando
a criança para a vida e para as interações que nelas se estabelecem e constroem, de forma a terem suas necessidades res-
peitadas tanto no ambiente escolar como em suas vivências familiares ou em diferentes meios de convívio social.
Discorrendo sobre a escola do meio rural brasileira, percebe-se que a mesma foi percorrendo uma trajetória,
e lutou para alcançar seu espaço dentro da história da educação. O Estado oferecia a população rural acesso escolar,
caracterizada por uma política educacional voltada para o meio rural, denominada de Educação Rural.

A educação rural era predominantemente vista como algo que atendia a uma classe da população que vivia num
atraso tecnológico, subordinado a serviço da população dos centros urbanos. (ROSA; CAETANO,2008, p.23).

Dentro deste pensamento nota-se que a escola com sala multisseriada é predominante no meio rural, é uma
realidade cheia de contradições, na sua origem dentro do contexto histórico colonialista, perdurou por décadas, no
cenário da educação brasileira enquanto visíveis modificações ocorriam pelos movimentos sociais e mudanças polí-
ticas e econômicas na sociedade, foi de fato nos primórdios da organização escolar, a maneira de alfabetizar e levar o
conhecimento a sociedade do campo com sua diversidade cultural seus saberes e seu modo peculiar de viver. Ques-
tionada pelo modelo, a escola com sala multisseriada tem suas contestações frente à continuidade da sua existência,
dependendo quais os rumos a serem tomados, esta escola ainda é parte integrante na educação do meio rural Educa-
ção do Campo e o principal viés de acesso à educação. Na fala de Arroyo (2010, p.16).
A escola multisseriada pensada na pré-história de nosso sistema escolar; vista como distante do paradigma
curricular moderno, urbano, seriado, vista como distante do padrão de qualidade pelos resultados das avaliações, pela
baixa qualificação dos professores, pela falta de condições materiais e didáticas, pela complexidade do exercício da
docência em classe multisseriada, pelo atraso da formação escolar dos sujeitos do campo em comparação com aquela
da cidade.
Nesse segmento vem em cena reivindicações que resignará na Constituição Federal de 1988, a educação como
direito, ao seu acesso Universal como direito de dever do Estado. Onde a Constituição Federal estabelece no artigo
205 que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família. No artigo 206, no inciso I o princípio de
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. (BRASIL 1988).
Foi a partir do ano de 1990 que as políticas públicas têm sido direcionadas para a regulamentação da Escola do
Campo, nessa temática da pesquisa que envolve uma investigação sócio – histórica e antropológica trabalharei com
a temática Escola do Campo, Escola Rural e a fala presente no cotidiano do município Escola da Roça. As políticas
educacionais nesse estimulou o repasse de responsabilidades para os municípios sem considerar suas reais condições
de administração. A criação de sistema municipal surgiu como possibilidade ao mesmo tempo em que os estados am-
pliavam a política de municipalização incentivada pela NEC n. 14/96 e Lei 9424/96, criando o Fundo de Desenvolvi-
mento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). O conceito de municipalização passou a
permear as políticas de educação, confundindo-se algumas vezes com o de sistema municipal.
Com essas regulamentações citadas acima escolas rurais passam por uma mobilização da política educacional,
vinda do Governo, constituídas por atores coletivos, constitui-se o Movimento Nacional de Educação do Campo. E

531
no ano de 1996 no Senado, é aprovado o texto da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que define as diretrizes e
bases da educação nacional; em seu artigo nº28, a LDB/1996 estabelece que:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias
à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e meto-
dologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à
natureza do trabalho na zona rural. Parágrafo único. O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas
será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justifi-
cativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da
comunidade escolar (Incluído pela Lei nº 12.960, de 2014). (BRASIL, 1996).

Com os avanços na educação e a concessão de direitos sociais a todos, com igualdades, respeitando a identidade
de cada cidadão, as características da Escola do Campo são definidas pelas Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica do Campo – estabelecidas pela Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica
(CNE/CEB) n° 01, de 03 de abril de 2002 –, em seu artigo 2º, parágrafo único, mostra que : A identidade da escola do
campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuro, ciências e tecnologias disponíveis na sociedade e
nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções e qualidade social da vida coletiva no país
(BRASIL, 2002, p. 32)
Quando se dedica a temática que envolve a Educação do Campo valoriza –se as especificidades do mundo rural,
as diferentes formas de expressão como roça, vem da necessidade de uma escuta sensível dos sujeitos dos territórios
estudados que demandam olhares específicos e podem contribuir efetivamente para as políticas públicas de Educação
Básica em contextos rurais diversos (SOUZA,2012).
Souza (2012) apresenta que opção pelo estudo nas áreas rurais pode ser explica-se pelo fato de que:

[...] ali se concentrarem os piores indicadores educacionais, tanto no Brasil quanto no Estado da Bahia. Com isso,
se admite que as áreas rurais, por força dos complexos processos de urbanização, foram historicamente banidas das
pautas e agendas de discussão para definição de políticas que atendam às especificidades que são inerentes a essa
população e, quando isso é feito a educação oferecida é de fato transplantada da lógica urbana para o meio rural.
(SOUZA et al., 2012, p. 4).

Para definir o que são as classes multisseriadas, apoio também nos conceitos de Ximenes-Rocha e Colares
(2013) afirmando que as salas multisseriadas possibilitam uma socialização, quer na transmissão de conhecimentos,
na veiculação das crenças e valores, quer nas interações de seus sujeitos, nas relações sociais com a comunidade e nas
rotinas que se manifestam na amplitude do espaço escolar. No entanto, nem sempre representam a melhor alternati-
va metodológica para a comunidade, mas como forma de atender às populações rurais, são implantadas.

As classes mutisseriadas caracterizam-se por reunir em um mesmo espaço físico diferentes séries que são geren-
ciadas por um mesmo professor. São, na maioria das vezes, única opção de acesso de moradores de comunidades
rurais (ribeirinhas, quilombolas) ao sistema escolar. As classes multisseriadas funcionam em escolas construídas
pelo poder público ou pelas próprias comunidades, ou ainda em igrejas, barracões comunitários, sedes de clubes,
casas dos professores entre outros espaços menos adequados para um efetivo processo de ensino- aprendizagem.
(XIMENES-ROCHA e COLARES,2013p.93).

De acordo com Ximenes-Rocha e Colares (2013), as salas multisseriadas possibilitam uma socialização, quer na
transmissão de conhecimentos, na veiculação das crenças e valores, quer nas interações de seus sujeitos, nas relações
sociais com a comunidade e nas rotinas que se manifestam na amplitude do espaço escolar.

532
METODOLOGIA

O trabalho de pesquisa será desenvolvido com base na pesquisa (auto) biográfica, aplicando como objeto de
estudo a compreensão das narrativas. Segundo Abrahão (2003) “trabalhar com narrativas não é simplesmente re-
colher objetos ou condutas diferentes em contextos narrativos diversos, mas sim, participar na elaboração de uma
memória que quer transmitir-se a partir da demanda de um investigador. Por isso, o estudo autobiográfico é uma
construção na qual participa o próprio investigador, razão pela qual, dada a particularidade de seu modo de produ-
ção”. (ABRAHÃO,2003, p.85.).
Esse projeto propõe uma pesquisa de campo na Escola Municipal Francisca Mariana Luiz, Localizada na Rodo-
via BR 050 KM 172, Projeto Paineiras no Município de Campo Alegre de Goiás. A pesquisa vai se apresentar com os
procedimentos metodológicos fundamentados nos princípios da pesquisa (auto)biográfica com narrativas de crianças
que cursam o Ensino Fundamental I, apresentando os alunos de Ensino Fundamental com idade entre 7 e 10 anos,
como os parceiros, personagens e autores das narrativas.
O importante de se pesquisar com crianças é proporcionar que a mesma seja um ser de direito, respeitando sua
fala e valorizando sua voz de criança e os seus pensamentos, expressos em narrativas. Nas palavras de Cruz (2009),
é preciso não somente falar sobre as crianças, mas falar com elas, ou seja, viabilizar uma escuta sensível sobre seus
desejos, temores, alegrias e decepções, uma vez que a compreensão e a integração de seus dizeres sobrepostos aos dos
adultos mostram-se fundamentais na constituição de seus espaços.
O desenvolvimento dessa pesquisa será realizado com base na metodologia da pesquisa (auto)biográfica que
Abrahão (2004) apresenta, os vários instrumentos associados as narrativas conduzem por caminhos que valorizam
o (ator) narrador, como as Rodas de Conversa e Oficinas de narrativas. Associadas a observações e também leituras
de documentos.
Afonso e Abade (2008) destacam que as rodas de conversa são utilizadas nas metodologias participativas, tudo
depende da articulação de autores envolvidos nos diálogos, tendo por objetivo a constituição de um espaço onde seus
participantes reflitam acerca do cotidiano, ou seja, de sua relação com o mundo, com o trabalho, com o projeto de
vida. Para que isso ocorra, as rodas devem ser desenvolvidas em um contexto onde as pessoas possam se expressar,
buscando superar seus próprios medos e entraves.
As narrativas também serão elaboradas com oficinas, construindo um alinhamento entre o narrador e a pro-
posta de produzir (auto)biografias. As oficinas como práticas narrativas possibilitará compartilhar os olhares de cada
criança em relação ao âmbito escolar, contribuindo para evidenciar a figura da escola em todos os porquês a serem
investigados.
A oficina como procedimento é uma experiência de trabalho em grupo, caracteriza uma construção coletiva de
um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências (CANDAU -1999, P.23), em que o
saber não se constitui apenas no resultado final do processo de aprendizagem, mas também no processo de constitui-
ção de conhecimento. Como indica a própria etimologia da palavra – “oficina”, em latim, também significa, figura-
tivamente “escola” – a oficina deve favorecer condições de trabalho e permitir a construção de vínculos de amizade,
respeito, solidariedade, onde sirva de referencial para o saber; aliás a oficina não é apenas uma pratica participativa é
uma construção do conhecimento. Assim desenvolver uma experiência de ensino e aprendizagem em que educadores
e educandos constroem juntos o conhecimento num “[...] tempo-espaço para vivência, a reflexão, a conceituação, o
aprendizado, e a sistematização dos conhecimentos”. (GONZÁLES CUBELLES, apud CANDAU, 1999, p.27).
Para Barreiro (2012) a oficina tem como objetivo mostrar aos alunos a integração, os conhecimentos que estão
sendo estudados em sua prática e não apenas em seus discursos, pois com as oficinas se consegue esclarecer e auxiliar
nas dificuldades, dúvidas em relação a proposta que antes gerava dúvida e incomodo.
Barreiro (2012) propõe as metodologias variadas para o contexto onde busca esclarecer e entender a forma
mais clara para a temáticas explorada na pesquisa (auto) biográfica. Com isso conseguindo aprofundar no contexto
pesquisado.

533
Como essa pesquisa segue os conceitos do Projeto ‘Narrativas da infância’ as oficinas são ampliadas e com rodas
de conversa. Essas rodas de conversa foram adotadas como abordagem por fazer parte da vida da criança de acordo
com Passeggi, Nascimento & Oliveira (2016) há quatro características universais da cultura da infância, como propõe
Sarmento (2015), a interatividade, a ludicidade, a fantasia do real e a reiteração.
Mediante as ideias apresentadas nas reflexões das pesquisas crianças surge um personagem como auxilio,
presença de uma boneca de pano, chamada Luiza, na roda de conversa, parte da ideia de envolver as crianças numa
situação em que elas se reconheçam como crianças.
De acordo com Passeggi, Nascimento & Oliveira (2016) explorar essas quatro características de seu universo
cultural, suscetíveis de ajudá-las a elaborar mais espontaneamente suas interpretações sobre os espaços (a escola, a
casa, a comunidade, a sala de aula, o parque...), sobre as coisas (brinquedos, computadores, livros...), sobre as ações
com o outro e sobre elas mesmas (jogos, brincadeiras, leitura, a amizade, brigas, disputas...). Essa estratégia aproxima
as crianças, responsáveis pelas narrativas da pesquisa, do objeto e envolve com ludicidade e o pesquisador.
A boneca de pano surge de uma leitura ampliando a pesquisa para a ludicidade, associada a literatura infantil
do livro, “A garota e a Boneca de Pano” (autor Adeilson Salles). Nessa leitura tem como personagem uma menina em
tratamento de câncer que reencontra sua antiga boneca de pano e se envolvem em brincadeiras gerando uma amiza-
de especial. Buscando a linguagem da literatura a intenção é criar laços reais entre as crianças e o pesquisador com a
estratégia da boneca de pano no cenário real do ambiente escolar.
Essa boneca de pano (Luiza) torna-se uma mediadora entre a criança e o pesquisador, entre o real e o imagi-
nário. Passeggi, Nascimento & Oliveira(2016) apresenta que uma relação de diálogo acontece com interpares (com
os colegas), intergeracional (com o pesquisador) e intercultural (com o personagem). Para Conti e Passeggi (2014, p.
153), a construção de um espaço lúdico proporciona a invenção de um universo de faz de conta, “propício ao desen-
volvimento da dimensão narrativa” e à cumplicidade entre os participantes, o que faz da roda de conversa um lugar
de partilhar gostos e desgostos.

CONSIDERAÇÕES

A pesquisa em andamento com tema “AS PERCEPÇÕES NA ESCOLA DA ROÇA: Narrativas de Crianças”,
vem apresentar dentro da pesquisa qualitativa, possibilidades que colaborem com as novas analises em educação e
também ampliar diversos estudos que apresente crianças como as principais colaboradoras das investigações.
As inquietações acerca da escola da roça estão em desenvolvimento com coleta de narrativas, conhecimento do
âmbito escolar, escolha dos narradores buscando resultados abrangentes, pois as respostas dos objetivos específicos
dessa investigação podem apresentar com clareza e pertinência ou subscrita nos procedimentos das oficinas.
Um dos maiores objetivos dessa pesquisa é nos aproximamos da escola vivida/ construída/pensada por crian-
ças. Uma escola na visão da infância com uma comunicação entre as particularidades do espaço rural, na ressignifica-
ção da escola da roça, mesclando com as características do lúdico encontrada na personagem que comunica com todo
esse contexto, compreendida nas questões epistemológicas e metodológicas.
Ao finalizar esta pesquisa esperamos, que o artigo, também possa de alguma forma trazer reflexões em torno
dos procedimentos de construção e de análises de dados qualitativos, enriquecendo referenciais que fortaleçam o
uso de narrativas autobiográficas como fonte e método de pesquisa com crianças como sujeitos de direitos, sujeitos
sociohistóricos, sujeitos de sua história, capazes de narrar e refletir sobre suas próprias experiências escolares e de
contribuírem com suas experiências e percepções para os avanços da educação e da pesquisa educacional.

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536
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA CONSTRUÇÃO DA BIBLIOTECA
ESCOLAR COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE LEITORES

Daniele Spadotto Sperandio – UEMS/MS1


Estela Natalina Mantovani Bertoletti – UEMS/MS2

Introdução

No Brasil, em uma série de estudos e pesquisas sobre o tema “bibliotecas escolares”, as dificuldades pelas quais
esses espaços passam são sinalizadas sob vários aspectos que englobam desde a formação do acervo, a necessidade de
mobiliários específicos, a capacitação de pessoal para atendimento ao público, em conjunto com a urgência de ade-
quação da infraestrutura predial até a necessidade de acompanhar a evolução tecnológica.
Autores como Milanesi (2002), Quevedo (2002) e Silva (2003), além de sinalizar esses problemas, apontam que
o papel das bibliotecas escolares é fundamental para estimular o gosto pela leitura, mas que em geral, estão pouco
preparadas para desempenhar suas funções até nos processos educativos e culturais que envolvem as atividades es-
colares.
Esse mesmo prognóstico foi sinalizado por Campello et al. (2012) que, ao analisar 18 (dezoito) trabalhos aca-
dêmicos, englobando o período de 1979 a 2011, apresentam um panorama da situação de 1251 (um mil, duzentos e
cinquenta e uma) bibliotecas escolares do Brasil e a constatação, sob vários aspectos, da precariedade desses espaços.
A pesquisa “Avaliação de Bibliotecas Escolares no Brasil” (BRASIL, 2011) sinaliza a necessidade de estruturação
física desses ambientes, para que ocorra a promoção real da leitura, ou seja, as bibliotecas escolares “[...] precisam ser
mais do que salas ‘cheias’ de livros. Precisam constituir espaços agradáveis, que propiciem a leitura em todas as suas
formas e em todos os suportes” (BRASIL, 2011, p. 86, grifo do autor).
Partindo desses apontamentos, temos a seguinte questão norteadora do presente estudo: como as políticas pú-
blicas para o livro, a leitura e a biblioteca têm contribuído para a construção das bibliotecas escolares como espaços
de formação do leitor?
A partir desse questionamento, o objetivo desta comunicação é analisar se as políticas públicas auxiliam na
estruturação da biblioteca escolar como espaço para a formação do leitor e apontar quais são os documentos norma-
tivos que as regulamentam.

CONTEXTUALIZANDO AS BIBLIOTECAS ESCOLARES COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO


DE LEITORES

No âmbito das escolas públicas, a biblioteca possui uma grande responsabilidade na formação do leitor e é es-
sencial no processo de aprendizagem dentro do ambiente escolar.
Corte e Bandeira (2011, p. 8) têm como consenso, a necessidade de a biblioteca escolar possuir estreita rela-
ção com as diretrizes político-pedagógicas e educacionais da instituição onde está inserida, de forma a contribuir no
processo de ensino-aprendizagem, além de ser “[...] um espaço de estudo e construção do conhecimento”, de modo

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (PGEDU/UEMS), Unidade
Universitária de Paranaíba/MS. Graduada em Biblioteconomia e Ciência da Informação (UFSCar), Bibliotecária-Documentalista do IFSP,
câmpus Votuporanga.
2 Mestre e doutora em Educação (UNESP/Marília), com pós-doutorado em Educação (UERJ) e em Educação Escolar (UNESP/Araraquara).
Professora Associada da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS/Paranaíba).

537
a promover o interesse do público para as atividades de desenvolvimento e enriquecimento cultural e, consequente-
mente a de incentivar a formação do hábito da leitura.
Ao analisar a contextualização da biblioteca escolar, é possível dizer que o primeiro contato dos estudantes
com a biblioteca, geralmente, é com a biblioteca escolar, e esse primeiro contato com um local capaz de despertar o
interesse pelas palavras e pelo conhecimento, possui uma forte relevância quando se trata de incentivar o gosto pela
leitura. Um ambiente que tenha “vida”, e que ofereça produtos e serviços conforme o perfil de seu público e consiga
acompanhar as inovações tecnológicas, pode influenciar positivamente sua comunidade de leitores composta por
crianças e jovens, que hoje, é formada principalmente pela geração Z3, por terem nascido numa era de grandes avan-
ços da tecnologia da informação.
A geração Z, por seu turno, é composta por indivíduos considerados nativos digitais, justamente por serem al-
tamente familiarizadas com a internet, com a telefonia móvel, com mensagens instantâneas, além de estarem sempre
conectadas e possuírem uma biblioteca em seus bolsos (PRENSKY, 2001).
Dessa forma, a biblioteca escolar também precisa acompanhar essas mudanças, compreendendo o novo perfil
da comunidade que atende. É preciso desfazer o conceito tradicional de biblioteca escolar que Caldin (2005, p. 163)
recapitula como sendo “[...] um depósito de livros doados pelo Governo ou por particulares para complementar o
programa de estudos. Sua função agora é a de ser um centro de informação e cultura”.
Conceber a inovação nas bibliotecas significa criar makerspaces (espaços de aprendizagem e de criação), em
conjunto com outros serviços e suportes para as novas formas de leitura, como a leitura digital, e encantar o novo
perfil dos usuários.
O conceito de makerspaces surgiu nos Estados Unidos e tem se expandido em vários países, inclusive no Brasil.
Nas bibliotecas, geralmente são denominadas como oficinas de criação, onde o aluno pode desenvolver projetos, criar
produtos, o que “[...] permite aos estudantes desenvolver habilidades, disposições, responsabilidades e estratégias nos
padrões do século XXI. É, portanto, uma oportunidade de abrir a biblioteca aos estudantes que querem adquirir e
usar informação para criar algo.” (GASQUE; CASARIN, 2016, p. 45).
Considerando essas premissas, as políticas públicas para o livro, a leitura e a biblioteca, tornam-se fundamen-
tais quando analisamos toda a gama de possibilidades de ações e investimentos necessários para a concretização desse
tipo de demanda, que tem como principal meta, estimular o hábito da leitura e a formação de leitores críticos e cons-
cientes de seu papel na sociedade em que está inserido.

MÉTODO DE PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa de caráter teórico e exploratória, de abordagem qualitativa e fundamentada em le-
vantamento bibliográfico, que Köche (2012, p. 122) considera como “[...] o conhecimento disponível na área, iden-
tificando as teorias produzidas, analisando-as e avaliando sua contribuição para auxiliar a compreender ou explicar o
problema objeto da investigação”.
Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, o objeto foco são as leis, decretos e documentos correlatos do Go-
verno Federal que abordam os programas e as políticas públicas do livro, da leitura, da biblioteca e da formação de
acervos.
Os documentos utilizados para o desenvolvimento deste estudo são considerados como fontes primárias, as
quais subsidiaram as informações relacionadas à presente proposta, auxiliando em sua fundamentação e no processo
investigativo. Mortatti (2000) compreende a construção de um texto acadêmico, como a materialização discursiva
desse processo, que na medida em que avança, “[...] vai demandando explicações, sobressai[ndo]-se o processo de
produção discursiva do objeto, do qual se deduz a interpretação” (MORTATTI, 2000, p. 185).
Para promover melhor compreensão em relação aos documentos analisados, o Quadro 1 apresenta um panora-
ma dos programas e políticas públicas para o livro, leitura e bibliotecas do Brasil, entre finalizados e vigentes.

3 Geração Z compreende as pessoas nascidas em torno dos anos 1994 a 2010 (TAPSCOTT, 2010).

538
Quadro 1 – Programas e políticas públicas para o livro, leitura e bibliotecas

Vínculo
Programas Período Documento Objetivos
Institucional

- Promover o interesse nacional pelo hábito


- Fundação Biblioteca
Programa Nacional da leitura;
1992 até o Nacional
de Incentivo à Decreto nº 519 de 13 de - estruturar uma rede de projetos capaz de
presente - Ministério da
Leitura - PROLER maio de 1992 consolidar, em caráter permanente, práticas
Cultura - MinC
leitoras;
- criar condições de acesso ao livro

- Implantar ou revitalizar bibliotecas públicas


Projeto Uma Reformulado em 2004 e - Secretaria do Livro e municipais
1995 a
Biblioteca em cada passou a ser “Fome de livros” Leitura - distribuir recursos
2004
Município Integra o Eixo 1 do PNLL (MinC) para aquisição de livros, equipamentos e
mobiliários
Decreto 91.542 de 10 de
- Avaliar e disponibilizar obras didáticas,
agosto de 1985 (Revogado)
pedagógicas e literárias, de forma sistemática,
Programa Nacional 1985 até o Decreto 7.084 de 27 de - Ministério da
regular e gratuita às escolas públicas de
do Livro Didático presente janeiro de 2010 (Revogado) Educação (MEC)
educação básica
Decreto 9.099 de 18 de julho
de 2017
Programa Nacional Portaria - Secretaria de -Adquirir e distribuir acervos literários para
1997 até o
Biblioteca na Ministerial nº 584, de 28 de Educação Básica bibliotecas escolares estaduais e municipais
presente
Escola (PNBE) abril de 1997 (MEC) de todo o país

Programa Nacional
do Livro Didático - Fundo Nacional de
2003 até o Resolução 38 de 15 de - Distribuir livros didáticos para alunos do
para o Ensino Desenvolvimento da
presente outubro de 2003 - FNDE Ensino Médio
Médio – PNLD/ Educação (FNDE)
EM
- Ministério do
Programa Arca das 2003 até o - Implantar bibliotecas rurais
Desenvolvimento
Letras presente - formar agentes de leitura.
Agrário (MDA)
- Fundação Biblioteca - Instalar mais de mil bibliotecas até 2006;
Programa Fome de
2004 Nacional/ - Zerar o número de cidades brasileiras sem
Livro
- MinC biblioteca pública.

- Conselho
- Assegurar e democratizar o acesso
Diretivo com
à leitura e ao livro a toda a sociedade;
membros do
- criar condições e apontar diretrizes para a
MEC e MinC, da
Portaria Interministerial nº execução de políticas, programas, projetos
Plano Nacional comunidade
2006 até o 1.442, de 10 de agosto de e ações por parte do Estado (3 esferas) e da
do Livro e Leitura acadêmica, da
presente 2006. e decreto Nº 7.559, de sociedade civil;
(PNLL) Academia
1º de setembro de 2011 - formar leitores, buscando o aumento do
Brasileira de Letras
índice nacional de leitura;
e da
- implantar bibliotecas em todos os
Câmara Brasileira do
municípios do país.
Livro.

2010 até o Lei 12.244, de 24 de maio de - Dispõe sobre a universalização das


Lei 12.244 - MEC
presente 2010 bibliotecas nas instituições de ensino do país
- MEC
- MinC
- Implementar políticas culturais para
Programa Viva 2005 até o - Organização
combater o analfabetismo
Leitura presente dos Estados
- reverter os baixos índices de leitura
Iberoamericanos
(OEI)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

539
AS POLÍTICA­S PÚBLICAS DO LIVRO, LEITURA E BIBLIOTECAS

A análise dos programas e políticas considera os elementos que abordam a questão da biblioteca e sua estru-
turação como espaços de leitura.

- Programa Nacional de Incentivo à Leitura - PROLER

O programa é voltado para a formação de leitores nos diferentes espaços sociais e efetivado por meio da insta-
lação de centros de estudos de leitura, visando a capacitar e formar educadores e prover espaços de leitura abertos ao
público. Utiliza parte dos recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE).
No Art. 3 do decreto 519/1992, entre os mecanismos de desenvolvimento do PROLER, temos:

I - instalação de centros de estudos de leitura, para capacitar e formar educadores por meio de familiarização com
o livro e a biblioteca;
II - dinamização de salas de leitura, mediante supervisão de atividades e distribuição de materiais com sugestões
de promoções;
III - consolidação da liderança das bibliotecas públicas, visando à integração de ações que incentivem o gosto pela
leitura (BRASIL, 1992)

Entende-se que o inciso I trata da criação de centros para promover a capacitação de profissionais. Nesse
programa não é citado construção ou qualquer tipo de adequação de bibliotecas ou outros espaços para promover o
incentivo à leitura.

- Projeto Uma Biblioteca em cada Município

O Ministério da Cultura criou a Secretaria do Livro e Leitura/SLL, e por meio dela concebeu, em 1995, o
projeto “Uma Biblioteca em cada Município”, cujo foco era ampliar a rede de bibliotecas públicas no país, sob a pers-
pectiva de que as bibliotecas são essenciais para a difusão cultural e do acesso democrático ao livro. Em linhas gerais,
o objetivo era implantar ou revitalizar bibliotecas públicas municipais e distribuir recursos para aquisição de livros,
equipamentos e mobiliários. Para tal ação, o orçamento foi garantido por meio do Plano Plurianual (PPA), com o
valor fixo de dois milhões de reais por ano (MOZER, 2006).
O programa teve mérito, porém as bibliotecas escolares não foram contempladas. Em relação ao valor, pode-se
dizer que era baixo ao considerar a dimensão do programa.

- Programa Nacional do Livro Didático – PNLD

O PNLD foi instituído em 1985 e tinha como objetivo a distribuição de livros escolares aos estudantes do pri-
meiro grau. Teve seu nome alterado pelo Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, para Programa Nacional do Livro
e do Material Didático, conservando a sigla. No Art. 1º do PNLD, em seu primeiro parágrafo, temos:

§ 1º O PNLD abrange a avaliação e a disponibilização de obras didáticas e literárias, de uso individual ou coleti-
vo, acervos para bibliotecas, obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção
de fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros materiais de apoio à prática
educativa, incluídas ações de qualificação de materiais para a aquisição descentralizada pelos entes federativos
(BRASIL, 2017).

O programa cita a composição do acervo da biblioteca e abrange outras tipologias de materiais, não se limitan-
do ao livro. No entanto, não é objetivo do PNLD, a estruturação ou adequação física das bibliotecas.

540
- Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE

Trata da formação do acervo das bibliotecas em três anos, iniciando em 1997, e os recursos para sua execução
são oriundos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Os objetivos são:

a) aquisição de obras de literatura brasileira, textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil, e de
dicionários, atlas, enciclopédias e outros materiais de apoio e obras de referência;
b) produção e difusão de materiais destinados a apoiar projetos de capacitação e atualização do professor que atua
no ensino fundamental;
c) apoio e difusão de programas destinados a incentivar o hábito da leitura;
d) produção e difusão de materiais audiovisuais e de caráter educacional e científico. (BRASIL, 1997, p. 31).

A portaria que institui o PNBE não prevê a estruturação do espaço da biblioteca, sendo que o foco é a capa-
citação do professor que atua no ensino fundamental e a formação do acervo para fornecer-lhes subsídios para as
atividades docentes.

- Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLD/EM

Objetiva fornecer às escolas públicas de ensino médio, livros didáticos para uso dos alunos. Iniciou com a distri-
buição de livros relativos aos componentes curriculares de Português e Matemática (projeto piloto) e, posteriormen-
te aos demais componentes (BRASIL, 2003). O programa não prevê a formação de acervos em bibliotecas escolares.

- Programa Arca das Letras

O programa pertence à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD), do


Ministério do Desenvolvimento Agrário, e tem como objetivo a implantação de bibliotecas em zonas rurais como
meio de inclusão e de acesso à informação. Sua operacionalização ocorre com a colaboração de voluntários, e em es-
paços democráticos, como associações de moradores e, em muitos casos em residências. O projeto piloto iniciou em
2003, com uma média de 320 livros de temas variados (BRASIL, 2003).
Não atende à formação de bibliotecas escolares em zonas rurais, mas nos locais onde foi implementado, as
comunidades que não tinham acesso ao livro e à leitura, foram favorecidas, ampliando as ações de fomento à leitura.

- Programa Fome de Livro

Criado em 2004 e debatido em centenas de cidades brasileiras no decorrer do ano, resultou em esforços do
governo federal que, por meio de um conjunto de ações e projetos por parte de ministérios, governos estaduais e
municipais, estatais, organizações privadas e a sociedade civil, atuaram em diferentes segmentos com a objetivo de
implementar a política nacional da leitura e biblioteca no Brasil (WASSERMAN, 2005).
O programa não previa estruturação de espaços, mas a promoção do livro nas comunidades.

- Plano Nacional do Livro e Leitura

O eixo estratégico I do PNLL, democratização do acesso, possui como linhas de ações:

a) linha de ação 1 - implantação de novas bibliotecas contemplando os requisitos de acessibilidade;


b) linha de ação 2 - fortalecimento da rede atual de bibliotecas de acesso público integradas à comunidade, contem-
plando os requisitos de acessibilidade;

541
c) linha de ação 3 - criação de novos espaços de leitura;
d) linha de ação 4 - distribuição de livros gratuitos que contemplem as especificidades dos neoleitores jovens e
adultos, em diversos formatos acessíveis;
e) linha de ação 5 - melhoria do acesso ao livro e a outras formas de expressão da leitura; e
f) linha de ação 6 - disponibilização e uso de tecnologias de informação e comunicação, contemplando os requisitos
de acessibilidade. (BRASIL, 2011, p. 5)

Como pode ser observado, o eixo contempla desde a implantação de novas bibliotecas, adequação das existen-
tes, criação de espaços de leitura, distribuição de diferentes tipologias e formatos de livros, até recursos tecnológicos
que deem suporte para as novas formas de ler, sempre sendo observada a questão da acessibilidade. No entanto, a
efetivação desse eixo está longe de ser a ideal quando relacionamos com o número expressivo de estudos que abordam
a questão da precariedade desses espaços, ou seja, percebe-se que o investimento nesse eixo estratégico está aquém
do ideal.

- Lei 12.244

As definições de biblioteca escolar nos documentos oficiais, em geral, são superficiais, e basicamente qualifica
sua estrutura pela constituição do acervo. A lei federal nº 12.244, de 24 de maio de 2010, que estabelece a universali-
zação das bibliotecas escolares em todas as instituições de ensino do país, entre estabelecimentos públicos e privados,
considera a biblioteca escolar como “[...] coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em
qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura” (BRASIL, 2010).
A lei também trata sobre a obrigatoriedade de o acervo ser composto por, pelo menos, um livro para cada aluno
matriculado, sendo de responsabilidade de cada sistema de ensino, a provisão, ampliação e universalização das biblio-
tecas escolares que, em outras palavras, significa que a instituição precisa angariar subsídios para a concretização da
lei, dentro no prazo máximo estabelecido em dez anos, ou seja, em 2020.

- Programa Viva Leitura

Teve início a partir de mobilizações em prol da leitura e da escrita durante o ano de 2004, e envolveu interlocu-
tores de todo o país, que impulsionaram o movimento para fomentar a criação de uma Política de Estado para o livro
e a leitura (AMORIM, 2006). O programa, que articulou todos os segmentos da sociedade, promoveu e registrou
ações de incentivo à leitura em todo o território nacional. Ficou conhecido como Ano Ibero-Americano do Livro e
da Leitura/Viva Leitura, que objetivou identificar e apoiar projetos existentes, criar medidas de promoção do livro e
da leitura (MARQUES NETO, 2010). O foco do programa são as ações em conjunto com o Prêmio Viva Leitura, com
o propósito de criar subsídios de incentivo à leitura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise da legislação sobre o livro, a leitura e as bibliotecas, observou-se que há concentração de
políticas públicas para a distribuição de livros didáticos e de literatura, que provém, na maior parte, de programas do
governo federal como: Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), Programa Fome do Livro, Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).
As políticas públicas para o livro, leitura e bibliotecas não são novas, mas conforme a pesquisa Retratos da Lei-
tura no Brasil (FAILLA, 2016), o baixo índice de leitura pode ser reflexo da falta de eficiência dessas políticas.
Embora haja programas e políticas, como ‘Uma biblioteca em cada município’ e o PNLL, que tratam da es-
truturação de bibliotecas, as bibliotecas escolares não são contempladas e encontram-se desamparadas em relação

542
à efetivação das políticas para financiamento de seus espaços físicos, como construção e adequação que garanta, no
mínimo, a acessibilidade.
No levantamento realizado, do período de 1985 a 2017, não houve uma política específica para a biblioteca.
É notório o número de programas e políticas para a distribuição do livro, que beneficia diretamente as editoras. No
entanto, cabe reafirmar que a biblioteca não é formada apenas por livros. Como Paiva e Andrade (2014, p. 105) si-
nalizaram, não há “[...] uma ‘Lei das Bibliotecas’. Ao invés das leis do livro complementarem a política de bibliotecas,
elas tornaram-se a política de bibliotecas”.
Por fim, a conclusão a que chegamos é desanimadora, em decorrência da ausência de políticas públicas destina-
das para estruturação e modernização das bibliotecas escolares como espaço de formação de leitores.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Decreto nº 519, de 13 de maio de 1992. Institui o Programa Nacional de Incentivo à Leitura PROLER e dá outras
providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 130, n. 91, p. 6, 14 maio 1992. Disponível em: http://
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providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 148, n. 171, p. 4-5, 5 set. 2011. Disponível em: http://
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Oficial da União, Brasília, DF, 19 jul. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/
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Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 maio 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12244.htm. Acesso em: 22 abr. 2019.
BRASIL. Portaria nº 584, de 28 de abril de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, DF, ano 135, n. 80, p. 31, 29 abr. 1997.
Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=31&data=29/04/1997. Acesso
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544
BREVES EXCERTOS DA HISTÓRIA DO INSTITUTO MADRE MARTA
CERUTTI DA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS, MT (1958-1978)

Rodrigo Amancio de Assis - CUA/UFMT1


Evando Carlos Moreira - FEF/ PPGE UFMT2

Introdução

A participação de congregações religiosas no sistema educacional do Brasil não é algo novo, ao longo dos anos,
elas se espalharam de forma significativa pelos estados brasileiros, se fazendo presente em todos os níveis de ensino.
Entre as mais conhecidas está a Congregação de São Francisco de Sales e as Filhas de Maria Auxiliadora (ala feminina
salesiana), que são popularmente conhecidos como Salesianos de Dom Bosco e Salesianas de Dom Bosco, respecti-
vamente.
No Estado de Mato Grosso, os primeiros membros da família salesiana chegaram no final do século XIX e des-
de então vêm participando ativamente da evangelização e da educação de inúmeras pessoas, tendo fundado ao longo
destes anos igrejas, oratórios e escolas, que estão espalhadas da capital Cuiabá às cidades do interior, como Barra do
Garças, principal cidade do Vale do Araguaia mato-grossense, lócus desta pesquisa.
A cidade de Barra do Garças ao longo de sua história contou com várias ações da família salesiana, porém por
ser o objeto desta pesquisa, este texto se limitará ao Instituto Madre Marta Cerutti, instituição privada, confessional,
criada e mantida pelas Filhas de Maria Auxiliadora e uma das instituições mais antigas e tradicionais do município.
Apesar disso, pouco se sabe sobre o histórico desta escola e suas contribuições para a Região do Araguaia.
Assim, o objetivo desta pesquisa é apresentar excertos históricos do Instituto Madre Marta Cerutti e suas
contribuições para a educação da cidade de Barra do Garças, MT, entre os anos de 1958 e 1978. Com base no refe-
rencial teórico da história cultural e da história das instituições escolares empregou-se a metodologia documental,
foram consultados os arquivos da Missão Salesiana de Mato Grosso, os acervos do arquivo público de Mato Grosso
e do Instituto Madre Marta Cerutti, examinou-se: atas, diários, registros manuscritos, fotos, jornais, arquivos, entre
outros, após a análise destes documentos foi possível conhecer alguns personagens que estiveram envolvidos neste
enredo, assim como traçar um olhar sobre os principais acontecimentos históricos e definir o recorte da pesquisa de
1958 e 1978.
O recorte escolhido tem início em 1958, quando começam as construções do prédio do Instituto Madre Marta
Cerutti, enquanto o término em 1978, quando foi oferecido o último ano do curso de formação de professores em re-
gime de férias, ou seja, decidiu-se examinar os primeiros 20 anos de atuação da escola das Filhas de Maria Auxiliadora.

A Congregação de São Francisco de Sales e as Filhas de Maria Auxiliadora

Para compreender a origem das Filhas de Maria Auxiliadora, é necessário antes compreender o surgimento da
Congregação de São Francisco de Sales e a trajetória de seu fundador, o padre italiano Dom Bosco3. Em 16 de agosto
de 1815, em Colle dos Bechi, região do Piemonte, na Itália, nasceu Giovanni Melchior Bosco, seu nome de batismo.

1 Doutorando em Educação / PPGE – UFMT, Docente do Campus Universitário do Araguaia – UFMT / e-mail: rodrigoassisufmt@gmail.com
2 Pós- doutor em Estudos da Criança / Universidade do Minho, Docente do PPGE – UFMT, Diretor da Faculdade de Educação Física –
UFMT / e-mail: ecmmoreira@uol.com.br
3 Giovanni Melchior Bosco faleceu em 1888, em Turim, Itália, com 72 anos. Foi beatificado em 1929 e canonizado em 1934 pelo então Papa
Pio XI, passando a se chamar São João Bosco. Na celebração do centenário de sua morte em 1989, o Papa João Paulo II conferiu a São João
Bosco o título de Pai e Mestre da Juventude.

545
Aos 2 anos de idade ficou órfão de pai, sua mãe Margarida Orchinea foi responsável pela sua criação, tendo lhe trans-
mitido os primeiros valores cristãos.
Ao longo de sua vida Dom Bosco teve muitos sonhos, que traziam orientações espirituais e previam o caminho
a ser percorrido, o primeiro deles e um dos mais significativos ocorreu aos 9 anos, que foi assim descrito pelo próprio
religioso:

Aos nove anos de tive meu primeiro sonho que me ficou profundamente gravado na mente por toda a vida.
Dormindo, pareceu-me estar perto de casa, num terreiro, bem amplo, onde brincava uma multidão de meninos.
Alguns riam não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, arremessei-me logo contra eles, com socos e pala-
vras, para fazê-los calar. Apareceu, então, um homem venerado, vestido com apuro. O rosto era luminoso que não
podia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e disse: - Não é com pancadas, mas com mansidão e caridade que haverá de
conquistar esses teus amigos. Põe-te, portanto, a falar lhes já dá fealdade do pecado e da preciosidade da virtude
[...] (BOSCO, 1998, p. 4)

As lembranças deste sonho estarão presentes na vida do futuro padre por toda a sua vida, mas foi um encontro
decisivo, que ocorreu algum tempo depois que mudou de vez o seu destino. De acordo com Bosco (1998), em uma
pregação ocorrida em um vilarejo vizinho O jovem Joãozinho (apelido como era conhecido na infância) conheceu
o capelão, padre Calosso. Neste encontro recebeu alguns livros como presente, o que lhe permitiu mergulhar ainda
mais no universo religioso e perseguir a ideia de entrar para o seminário. Nascia neste momento uma importante e
influente amizade entre os dois.
De sua infância a juventude, Joãzinho, passou por muitas dificuldades, trabalhou como pastor de ovelhas, fer-
reiro, sapateiro, garçom, dentre outros. Aos 20 anos de idade decidiu entrar para o seminário, foi ordenado padre
em 5 de julho de 1841, passando a se chamar Dom Bosco. Logo após o seu ordenamento, o jovem sacerdote vai dire-
cionar sua atenção para a evangelização de crianças e jovens mais pobres, mesmo com dificuldades o sacerdote segue
firme com seu propósito, pouco depois ele cria em Turim o Oratório de São Francisco de Sales.
A proposta do oratório na visão de Dom Bosco, era uma forma de oferecer cursos profissionalizantes, ativi-
dades recreativas, esportivas, músicas, danças e, principalmente, evangelizar os jovens e crianças que estivessem sob
seus cuidados.
Com o avançar dos anos o oratório permitiu que Dom Bosco conseguisse tirar várias crianças e jovens das
ruas, evangelizando e ensinando uma profissão, o trabalho foi crescendo cada vez mais e outros religiosos se juntam
ao padre. Em 1859 ele funda a Congregação de São Francisco de Sales ou salesiana, nome pelo qual é popularmente
conhecida, seus membros ficaram conhecidos como os Salesianos de Dom Bosco (SDB), ou simplesmente salesianos.
O nome escolhido é uma homenagem ao santo de mesmo nome, por quem Dom Bosco nutria uma grande admiração.

[...] Dom Bosco foi atraído por dois aspectos essenciais da figura moral e espiritual de Francisco de Sales: de um
lado sua energia apostólica, zelo pela salvação dos irmãos, defesa da verdade e fidelidade à Igreja Católica. De outro
lado sua doçura evangélica no modo de desenvolver este zelo: maneiras atraentes, paciência, “mansidão extraor-
dinária”. [...] (AUBRY, 2017, p.46)

Alguns anos depois, Dom Bosco viaja a Mornese, norte da Itália, ele então conhece os trabalhos que Padre Pes-
tarino realizava com as Filhas de Maria Imaculada, conhece também a Madre Domingas Mazzarello. Em 5 de março
de 1872, Dom Bosco e Madre Mazzarello4 fundam a Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora ou Salesianas de
Dom Bosco como também são conhecidas.
Madre Domingas Mazzarello, nasceu em 09 de maio de 1837, em Mornese. Desde cedo ela se dedicava aos
afazeres do campo, as tarefas domésticas e a cuidar de seus irmãos, recebeu grande influência religiosa de seus pais e
posteriormente de Dom Domingos Pestarino, ao se juntar a Dom Bosco ela dá início a ala feminina salesiana, assu-
mindo a supervisão das Filhas de Maria Auxiliadora, contribuindo para a expansão dos projetos das salesianas.

4 Maria Domingas Mazzarello faleceu em 1881. Foi beatificada em 20 de novembro de 1938 pelo Papa Pio XI e canonizada em 24 de junho
de 1951 pelo papa Pio XII.

546
É importante destacar que o projeto educativo salesiano teve grande contribuição dos reflexos da vida do seu
criador. Dom Bosco acreditava que era necessário ter proximidade com os jovens, mansidão, acolhimento, sua me-
todologia recebeu o nome de Sistema Preventivo de Dom Bosco, que se baseava na razão, bondade e na lealdade. De
acordo com Lopes (2013), a ideia de prevenção está centrada em dois aspectos complementares. O primeiro é aspecto
protetor, que se relaciona com a disciplina, limites e evitar experiências desgastantes com os jovens. O segundo aspec-
to é o promotor, que está direcionado ao crescimento interior, como o processo de maturidade do jovem, desenca-
deando uma experiência pessoal e comunitária, significando também integração e reintegração do aluno a sociedade.
Se utilizando do Sistema Preventivo de Dom Bosco, a família salesiana foi expandindo sua atuação, da Itália
para o mundo, construindo igrejas, escolas, implantando missões pelos diferentes lugares. No Brasil, de acordo com
dados da Missão Salesiana (SD), os primeiros membros chegaram em 1883, em Niterói, Rio de Janeiro. Em pouco
tempo foram se espalhando pelos outros estados da federação, em Mato Grosso desembarcaram em 1894 e ao longo
dos anos se espalharam por várias cidades, como Barra do Garças, lócus deste texto.
O Município de Barra do Garças de acordo com as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBGE (2018), conta uma população de 60.661 habitantes, está localizado na zona sudeste de Mato Grosso, na região
do Vale do Araguaia. Faz divisa ao norte com o município de Nova Xavantiva, ao sul com Pontal do Araguaia, a leste
com Araguaiana, a oeste com General Carneiro, a nordeste com Novo São Joaquim e a sudeste com Aragarças, que
pertence ao estado de Goiás. É considerada a principal cidade do Vale do Araguaia mato-grossense, exercendo influ-
ência nos setores educacional, comercial, agricultura, turismo, dentre outros. De acordo com Varjão (1998), ao longo
dos anos cerca de 20 municípios se emanciparam de Barra do Garças, como General Carneiro, Novo São Joaquim,
Campinápolis, Nova Xavantina, Araguaiana, Água boa, Canarana, Querência, Ribeirão Cascalheira, Alto da Boa Vis-
ta, São Felix do Araguaia, dentre outros. Assim, foi perdendo parte de sua população e território ao longo dos anos.
No Município de Barra do Garças a família salesiana se fez presente em vários projetos, tanto os padres como a
ala feminina, porém como já falado anteriormente, esta pesquisa tratará apenas da história do Instituto Madre Marta
Cerutti, instituição criada e administrada pelas Filhas de Maria Auxiliadora.

O Instituto Madre Marta Cerutti e as Filhas de Maria Auxiliadora

Com base na história das instituições escolares e na abordagem da história cultural, expõem-se os breves ex-
certos da história do Instituto Madre Marta Cerutti, a partir de uma análise documental. Para Chartier (1988, p. 17)
“A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares
e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. ” Assim, foram consultados arqui-
vos, agenda, fotografias, registros impressos, atas, dentre outros. A partir desta análise documental, tentou-se então
remontar a história do Instituto Madre Marta Cerutti, entretanto, conforme destaca Pesavento (2013), o historiador
da cultura tenta a leitura dos códigos de outro tempo, que podem ser por vezes, incompreensíveis da dos filtros que
o passado interpõem.
Assim, as Filhas de Maria Auxiliadora chegaram a Barra do Garças no ano de 1956, atendendo a um pedido
do governador João Ponce de Arruda e assumem a direção do Grupo Escolar Antônio Cristino Côrtes, única escola
em funcionamento naquele momento, porém foi somente em 1958 que as salesianas dão os primeiros passos para a
erguer uma sede própria. Elas adquiriram um terreno na região central da cidade, consta nos registros da escola que
o valor foi irrisório, sendo praticamente uma doação da prefeitura.
Em 1959 as irmãs já estavam residindo no grupo velho e dão seguimento as demais instalações do que se tor-
naria mais tarde o Instituto Madre Marta Cerutti. De acordo com Varjão (1998), ao citar a crônica da Escola Madre
Marta ele afirma que, o ano letivo de 1959 foi iniciado com 600 alunos.
A figura 1, que data de 1959, mostra partes da fase inicial da construção da escola. De acordo com Burke (2004)
os testemunhos sobre o passado oferecidos pelas imagens são de valor real, tanto de forma suplementar, como tam-
bém apoiando as evidências dos documentos escritos, oferecendo acesso a aspectos do passado que outras fontes não
alcançam. Assim, procurou-se reproduzir nas descrições de cada figura exatamente o que está escrito no verso de

547
cada fotografia. A figura 2 apresenta uma vista interna lateral de parte do prédio já construído, ao fundo é possível
ver uma das irmãs caminhando pelo corredor, na parte central da fotografia é possível perceber que o chão ainda está
sem acabamento, sem piso.

Figura 1 – Início da Construção da Escola Madre Marta Cerutti – 1959

Fonte: Acervo Instituto Madre Marta Cerutti

Figura 2 – Escola Madre Marta Cerutti – 1960

Fonte: Acervo Instituto Madre Marta Ceruttti

Após o avanço das construções, em 30 de setembro de 1961, é fundado o Instituto Santa Marta, primeiro nome
da escola das Filhas de Maria Auxiliadora, foi criado neste mesmo ano o curso de primário.
De acordo com dados do documento interno, intitulado Estudo Sobre a Razão de Ser de Obra (1984), em 24
de janeiro de 1962, ocorreu a eleição da primeira equipe diretora, sendo composta da seguinte da forma: Diretora,

548
Irma Germana Priolo, Secretária, Irma Elvira Pedrineli e Tesoureira, Irma Madalena de Lima Souza. No mesmo ano
as religiosas sofrem a perda da irmã Deolinda Pivot, que após adoecer, veio a óbito, sendo a única salesiana sepultada
na cidade de Barra do Garças.
Em 1963 tem início o internado para alunas que cursavam o primário e jovens que cursavam o ginásio estadual.
Em 1967, tem início o curso normal (2º grau), funcionando como nome da Escola Normal Madre Marta Cerutti5,
este é o primeiro curso de formação de professores oferecido na cidade de Barra do Garças, que recebeu alunos de
várias cidades como Aragarças, GO, Baliza, GO, General Carneiro, MT, dentre outras, o que demonstra que a in-
fluência salesiana na formação de professores contribuiu para espalhar os valores morais , educacionais e religiosos
proposto por Dom Bosco e Mazzarello para além do território barra-garcense.
No ano de 1970, a escola ofereceu vagas de matrículas para o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MO-
BRAL, programa que foi lançado pelo governo federal, instituído pelo decreto 62.455 de 22 de março de 1968, ba-
seado na lei 5.379/1967, que tinha o objetivo de executar o Plano Nacional de Alfabetização Funcional e Educação
Continuada de Adolescentes e Adultos.
Ainda em 1970, passam a ser oferecidos os cursos de corte e costura e bordado. Uma classe de pré-escola é
ofertada em parceria com a prefeitura municipal. No ano seguinte, o curso normal começa a ofertar vagas também
no período noturno. Não foi possível determinar quantos alunos concluíram ou estudaram os cursos de magistério,
MOBRAL ou mesmo a pré-escola. É importante destacar que, há poucos documentos /registros disponíveis que an-
tecedem a década 1970, o que de certa forma limitou parte das investigações.
Em 1973 foi aprovada a mudança do nome da escola de Instituto Santa Marta para Instituto Madre Marta Ce-
rutti. O Regime Interno da escola de 1973, em seu artigo 1º destaca que: o Instituto Madre Marta Cerutti, de 1° e 2º
grau, é mantido pelas religiosas do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, da Inspetoria Imaculada Auxiliadora,
que naquela época era responsável pelas regiões de Mato Grosso e oeste de São Paulo. No artigo 2º destaca-se a se-
guinte informação: “É uma instituição de carácter beneficente, educacional, cultural e de promoção social. É católica
e age de acordo com a sua confissão”. Entretanto, o documento explicita ainda que, a escola aceitava alunos de todas
as classes sociais, credos, visões políticas e filosóficas.
Em 1974 teve início um convênio com a Secretaria de Educação e Cultura – SEC (órgão do governo estadual),
sendo que esta cedeu profissionais para atuarem no antigo 2º grau. Em 1975 a escola passa a se chamar Escola de 1º e
2º graus Madre Marta Cerutti. No mesmo ano abre-se uma turma de magistério, que funciona em regime de férias.
Em 1975 é criado o curso de enfermagem, não foi possível precisar o número de formados deste curso.
Os documentos mostram que, as Filhas de Maria Auxiliadora tiveram ações para além dos muros da Escola
Madre Marta. Como exemplo, pode-se citar alguns cursos que foram oferecidos pelas irmãs em 1975, como datilo-
grafia, arte culinária, corte e costura, alguns destes ministrados na paróquia da cidade e em bairros da periferia, tais
como: Vila Santo Antônio e Vila São Sebastião. Destaca-se que, de acordo com os registros isto não se limitou a 1975,
mas a maior parte do recorte desta pesquisa. Outro dado importante é que, as irmãs também ofereceram atividades
de catequese nas escolas estaduais e na paróquia de barra do Garças, somente no ano de 1976 foram atendidas 4.000
crianças nas instituições do estado e 300 na paróquia.
No ano de 1976 mais um curso é criado, desta vez a complementação na área de estudos sociais para professo-
res, que contou com 24 inscritos, 13 aprovados, 2 reprovados e ocorreram 9 desistências.
Os registros mostram que, dentro das suas capacidades, o Instituto Madre Marta Cerutti ofereceu redução na
mensalidade para os alunos que não tinham condições de arcar com o valor integral mensal, assim como gratuidades,
o que permitia que alunos mais pobres pudessem também ter acesso à escola. Como exemplo, cita-se o ano de 1976,
quando a escola estava com 916 alunos, tendo oferecido 10 reduções no internato, 250 no externato e 35 gratuidades
no total.
O quadro 2 mostra o quantitativo de alunos, docentes leigos (não membros da congregação salesiana) e irmãs
que são salesianas. De acordo com o regimento interno, o corpo docente da escola deve ser formado ordinariamente
5 O nome é uma homenagem a salesiana Madre Marta Cerutti, que trabalhou em diversas cidades de Mato Grosso e também na região do
Araguaia. Nasceu na Itália em 10 de novembro de 1885 e faleceu em 22 de março de 1932, no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Campo
Grande

549
por membros da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora e, extraordinariamente, por professores contratados,
de comprovada capacidade didática e irrepreensível conduta moral.

Quadro 2- Relação de Alunos, professores e irmãs

Ano Docentes Leigos Alunos Irmãs


1967 6 - -
1968 5 - -
1969 6 - -
1970 7 - -
1971 9 - -
1972 12 - 11
1973 14 555 11
1974 22 614 13
1975 30 620 13
1976 33 916 12
1977 33 1039 12
1978 38 944 13

Fonte: Instituto Madre Marta Cerutti

Os espaços em branco do quadro 2 apontam períodos onde não foi possível identificar o número exato de cada
categoria. Destaca-se que a maior parte da documentação encontrada se refere ao período pós 1972, pode-se dizer que,
na época não havia uma preocupação em guardar as informações de forma que elas resistissem para a posteridade, vários
documentos e arquivos encontrados são manuscritos e já demostram o natural desgaste imposto pelo tempo. É possível
perceber também que existe um aumento considerável no número de alunos de 1973 até 1978. Este fator pode ser expli-
cado em razão da cidade de Barra do Garças ter recebido um número considerável de imigrantes nestes anos.
Em 1978, é o último ano da turma de magistério, que funcionou em regime de férias, das 25 pessoas que inicia-
ram o curso, ao final foram aprovadas 16 pessoas e ocorreram 9 desistências.
No documento interno A Razão de Ser da Obra (1984), um dos problemas citados foi que houve uma alta rotati-
vidade das religiosas, assim como dos professores leigos, o que dificultava a formação de um clima de equipe. Ressalta-se
que, embora a pesquisa tenha ocorrido entre os anos de 1958 a 1978, período que vigorou no país a ditadura militar
(1965 a 1985), não foi encontrado em nenhum dos documentos investigados qualquer tipo de menção a este momento.

Figura 3 – Fachada Frontal do Instituto Madre Marta Cerutti

Acervo: Instituto Madre Marta Cerutti

550
A figura 3 mostra uma fotografia da parte frontal do Instituto Madre Marta Cerutti, não há data na fotografia,
entretanto em função dos veículos que estão na rua, acredita-se que seja da década de 1980 ou 1990, possivelmente
era como a escola se parecia em 1978, sendo a imagem muito próxima também a imagem atual.
De acordo com Sanfelice (2006, p. 25), “[...] uma instituição escolar avança, projeta-se para dentro de um grupo
social. Produz memórias e imaginários”. Assim, o Instituto Madre Marta Cerutti foi a primeira grande escola privada
da cidade de Barra do Garças, tendo exercido de 1958 e entende-se que até os dias de hoje a referência no ensino,
as ações promovidas pelas Filhas de Maria Axiliadora, contribuíram para a memória educacional e, principalmente,
para as representações e imaginário do cristianismo da região do Araguaia.

CONCLUSÃO

A pesquisa demonstrou que, o Instituto Madre Marta Cerutti e as Filhas de Maria Auxiliadora através do
Sistema Preventivo de Dom Bosco foram fundamentais para o desenvolvimento da educação da cidade de Barra do
Garças e Região do Araguaia. O trabalho desenvolvido pelas religiosas, que foi da pré-escola ao segundo grau (deno-
minação na época, atual educação infantil e ensino fundamental), oferecendo os cursos de formação de professores,
enfermagem, MOBRAL, a complementação de ciências sociais, assim como os cursos de corte e costura, culinária,
datilografia, dentre outros, demostram a vocação das discípulas de São João Bosco e Santa Maria Domingas Mazza-
rello em contribuir para a educação e profissionalização da população atendida.
A evangelização promovida pelas Filhas de Maria Auxiliadora realizada, tanto dentro do Instituto Madre Mar-
ta Cerutti, como fora dos muros da escola foram fundamentais na difusão de um ethos religioso e na construção das
representações do cristianismo em toda região do Araguaia, contribuindo de forma significativa para a formação
humana calçada nos ideais propostos por São João Bosco e Santa Maria Domingas Mazzarello.

REFERÊNCIAS

AUBRY, Joseph. Francisco de Sales: um mestre da espiritualidade. Brasília: Edebê Brasil, 2017


BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: Edusc, 2017.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Portugal: DIFEL, 1988.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Barra do Garças. 2017. Disponível em: <https://cidades.
ibge.gov.br/brasil/mt/barra-do-garcas/panorama>. Acesso em: 16 abr. 2018.
INSTITUTO MADRE MARTA CERUTTI. Estudo sobre a razão de ser da obra. 1984
INSTITUTO MADRE MARTA CERUTTI. Regimento interno. 1973
LOPES, Ivone Goulart. O projeto educativo das Salesianas na Escola Normal Nossa Senhora Auxiliadora, Campos/
RJ e a tessitura da identidade da professora católica: 1937 - 1961. 294f. 2013. Tese (Doutorado em Educação). Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
MISSÃO SALESIANA DE MATO GROSSO. História. S.D.. Disponível em: <http://www.missaosalesiana.org.br/historia/>.
Acesso em: 10 jul. 2018
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
SANFELICE, José L. História, Instituições Escolares e Gestores Educacionais. Revista HISTEDBR On-line. Campinas,
n. especial, p. 20-27, ago. 2006. Disponível em: http://www.periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/
view/8639622/7190. Acessado em: 02 jan. 2019.
VARJÃO, Valdon. Janela do tempo: homenagem ao passado de Barra do Garças. Brasília, Senado Federal, 1998.

551
CAPITAL HUMANO, ESCOLA E O TRABALHO DOCENTE –
PRECARIEDADES

Marco Aurélio Pedrosa de Melo - SEDUC-GO e UEG-Cora Coralina

Resumo: A reflexão proposta parte de estudos para uma tese defendida, onde há necessidade de se pensar a Es-
cola a partir de um contexto social, porém o que devemos voltar a aprofundar é a participação docente neste processo
que consolide uma nova institucionalização da própria instituição social que é Escola. Pensar o trabalho docente re-
quer pensar o social que cerca o ser humano, o estudante que sofrem com a lógica do capital humano em detrimento
do capital social. Na Escola apresenta-se condição para um controle social, organização do trabalho e planejamento
da divisão social do trabalho de tal forma que a educação entra numa encruzilhada de conformar e agravar uma situ-
ação de desequilíbrio de oportunidade e desigualdade social perpetuando-se na Escola. Partimos das observações de
Illich sobre “a descolarização de uma sociedade escolarizada” em que a escolarização engana ao indicar ao aluno que
quanto mais tempo na Escola maior as oportunidades, porém, treina não para entender o mundo e transforma-lo,
mas sim executar funções em um papel social o qual assume.Exploramos também a questão do capital humano que
não desapareceu na escola e que foi reconfigurado de forma a se fundir com as atualizações do sistema capitalista
quanto a organização, planejamento e controle do trabalho conforme as perspectivas dos seguintes teóricos que elen-
camos, entre eles Rossi, Freitag, Silva Júnior e Helonai. Estas teorias explicativas criam um contexto de atualidade na
educação brasileira, com consequências dificeis de recuperação para melhoria do ensino, aprendizagem e qualidade
e valorização do trabalho docente. As contribuições dos autores foram elencadas de pesquisa bibliográfica e os fatos
relacionados a realidade social e educacional brasileira, em específico entre os professores de Sociologia na capital de
Goiás, Goiânia. A discussão chega a conclusão de como os processos de controle e organização do trabalho docente
são novas aplicações dos objetivos do capital humano.
Palavras-chave: capital humano. escola. trabalho docente

Há uma necessidade de se pensar a Escola a partir de um contexto social, porém o que devemos voltar a apro-
fundar é a participação docente neste processo que consolide uma nova institucionalização da própria instituição
social que é Escola. Estes e outros aspectos são contemplados nas abordagens com os referenciais dos críticos do
capital humano.
Pensar o professor e seu trabalho docente requer pensar o social que cerca o ser humano, o estudante que se
transforma em trabalhador especializado e o trabalhador educacional sofrem com desseguidos que foram implanta-
dos com a lógica do capital humano em detrimento do capital social, e nesse ponto é que devemos observar o que é a
Escola. As argumentações que vamos reiterar mostrarão como o capitalismo que passou do pós-fordismo, toytismo
e taylorismo criaram condição para um controle social, organização do trabalho e planejamento da divisão social do
trabalho de tal forma que a educação entra numa encruzilhada de conformar e agravar uma situação de desequilíbrio
de oportunidade e desigualdade social perpetuando-se na Escola.
A Escola se mostra como espaço para realizar uma dominação ideológica e política em favor daqueles que se
agregaram as verdades do sistema capitalista de exploração e exclusão. Para explicar como isso é possível, temos a
verdade de que todos deveriam passar por educação que garantisse o mercado e uma formação emancipadora, liber-
taria e democrática, porém “não é possível uma educação universal através da Escola” (ILLICH, 1973, p. 18).
Illich (1973) acredita que a escolarização engana ao indicar ao aluno que quanto mais tempo na Escola maior
as oportunidades, porém, treina não para entender o mundo e transforma-lo, mas sim executar funções em um papel
social o qual assume. “a descolarização de uma sociedade escolarizada” (idem, p. 20) para o autor é uma saída deste
falso equilíbrio que existe com a educação, já que a pobreza estaria naqueles menos escolarizados e o convívio com os
ricos nas Escolas não trazem privilégios para aqueles em desvantagem econômica. Assim, obrigatoriedade na Escola,

552
não é salvação, mas é profetizado que estando nela “os pobres da era tecnológica” (idem, p. 35) terão seu espaço, e para
isto o Estado foi quem se incumbiu de monopolizar o molde dos cidadãos, implantando currículo hierarquizado com
diplomas sucessivos; inspetores de boa intenção na fiscalização do controle social na Escola, fato presente no aparelho
educacional com os fiscais, tutores, duplas pedagógicas ou qualquer outra denominação dos agentes de controle.
O estudante é cidadão a partir de uma posição da Escola, que na ideia de Illich (1973) foi de separar a apren-
dizagem das funções sociais a quais as habilidades ou compreensão possibilitam aos cidadãos, o que temos é somente
uma escolha das funções pelo mercado baseado nos anos de frequência escolar. O autor crítica que “a Escola fornece
instrução, mas não aprendizagem para essas funções” (idem, p. 36) o que faz o cidadão ser escolhido não pelas quali-
dades próprias, mas julgado pela instrução supostamente adquirida e ainda faz ele ser medido pelo quanto se ajusta ao
controle social, o sistema escolar passa a ser um espaço de monopólio da distribuição das oportunidades à aqueles que
passam pela Escola. Ora se esta situação é verdadeira, o professor de Sociologia não conseguiria realizar seu trabalho
de transformador dos estudantes críticos e cientes da necessidade da mudança de sua posição e função social, mas sim
conformados.
Illich (1973) propõe que a descolarização é necessária a partir do momento que uma sociedade sem Escola faz
os indivíduos não serem avaliados por competências e habilidades da Escola, mas que ampliem a prática cotidiana e
a institucionalização de forma que a independência para conquista das oportunidades não dependam de origem eco-
nômica ou de tempo escolar do currículo, mas que a sociedade absorva de maneira produtiva os cidadãos.
Em se tratando de uma elucidação dos primeiros entendimentos sobre esta conscientização do cidadão com a
educação e manutenção e reprodução da sociedade retomaremos o postulado do capital humano regido na educação
atual. Porém, a crítica garante que dentro deste arranjo econômico capitalista a educação não transforma os pobres
em ricos e nem pode ser solução das desigualdades e miséria, além da melhoria das rendas, o que acontece é uma en-
ganação da possibilidade da alteração das relações sociais de produção através de alguns aspectos da educação o qual
Rossi (1978) apresenta.
Pensar a profissão docente e sua precarização é pensar a instituição escolar, neste sentido a análise apresen-
tada neste trabalho, foi de expor problemas da Sociologia em Goiás em alguns aspectos da prática do ensino, relações
na comunidade escolar, relações poder da administração da educação e o próprio perfil do professor da disciplina.
Exploramos agora a questão do capital humano que não desapareceu na escola e que foi reconfigurado de forma a se
fundir com as atualizações do sistema capitalista quanto a organização, planejamento e controle do trabalho confor-
me as perspectivas dos seguintes teóricos que elencamos, entre eles Rossi (1978), Freitag (1980), Silva Júnior (1995)
e Helonai (2003).
Partimos das analises de Rossi (1978), o qual afirma que “a Escola capitalista prepara o trabalho que alentará o
capital” (idem, p. 38), pois na Escola a humanização do homem em instrumento de produção e de todos os meios para
produção o qual é humanizado para seu uso o qual o trabalhador não é proprietário, e o qual faz este efeito ser esten-
dido ao professor que na Escola manipula capitais os quais não é proprietário também. Mesmo assim, Rossi (1978)
expõe que a educação é caminho para a ascensão social, porém a subida e descida são controladas pela classe domi-
nante, é quem participa pode ter adesão ou exclusão no sistema. Assim, a procura por uma escolaridade faz crescer e
expandir um interesse dominante em criar um exército de reserva excedente mal remunerado com alta qualificação e
potencialidade de adaptação para o mercado, porém com deslocamento de sua formação original, caracterizando uma
função monstruosa para Escola e desmitificando “a afirmação simplista de que quem tem mais escolaridade ganha
mais” (ibidem, p. 52). Rossi (1978) demonstra que até o acréscimo de renda da “educação”, mas também das circuns-
tancias de mercado e de outros fatores externos.
Rossi (1978) lembra que ao enfatizar que o produto do setor educacional deve se adaptar economia no que diz
respeito as necessidades do mercado e da empresa para garantir um aumento da produção, para isto, investimentos
na educação são outra necessidade espelhada no sistema capitalista. Tanto Illich (1973), quanto Rossi (1978) enten-
dem que a ampliação dos investimentos na educação garantem um distanciamento entre as classes.
Rossi (1978) entende que a extensão da escolaridade dos indivíduos implicaria numa renda menor do cida-
dão, já que a oferta de mercado da mão-de-obra afetaria diretamente a remuneração do trabalhador. Rossi (1978)

553
satiriza que se um país com grande desigualdade social investisse na extensão da escolaridade “se pudesse educar todo
povo, o único resultado que se obteria por esse meio, mantidas as regras econômicas do capitalismo, seria ter-se
transformado tal povo num muito bem educado povo pobre” (idem, p. 70). Os efeitos da educação são sentidos pelas
gerações futuras, podendo não ser positivas para as classes trabalhadoras e subalternas.
Outra falácia que o capital humano introduziu na educação e a Escola tenta simplificar é a “igualdade de
oportunidades”, reforçando a competição por aqueles que com seus esforços conseguiu ascender socialmente, aqueles
que fracassem seriam os não esforçados e menos capazes. Para combater este argumento Rossi (1978) desmistifica
com três autores a função equalizadora da Escola para acabar com as diferenças de classe, entre escolas e cidadãos. A
primeira desmistificação é a de que a escolaridade desigual como reprodutora da divisão social do trabalho, pois fi-
lhos de classes diferentes recebem conteúdos que os fazem se diferenciar. Rossi (1978) ainda completa dizendo que “a
educação escolar contribui para a reprodução das relações sociais vigentes” (idem, p. 78) e isso se faz validando dentro
do próprio sistema as titulações alcançadas por aqueles que angariariam poder simbólico e econômico.
Rossi (1978) apresenta a realidade das classes pobres ao entrarem no sistema educacional, pois estes sofrem
com problemas sociais de sua condição de miséria e desequilíbrio no ensino, além do acesso a piores instituições
para aprendizado, promovendo assim distúrbios na permanência e rendimento com tais fatores internos e externos
ao estudante, principalmente das classes trabalhadoras. A perspectiva do autor bate numa reflexão sobre o professor
que tem carga horária fragmentada, pois tal situação o faz buscar Escolas as quais estão em área com público carente,
limita as práticas possíveis para o ensino e o faz distanciar de um papel crítico, pois este não conseguiria atender de-
mandas dispares entre o que o capital humano apregoa e o mercado precisa.
A situação do professor de Sociologia aproxima-se das conclusões de Rossi (1978) que faz um embate das
falácias que o sistema capitalista impõe sobre a ordem social e imputa a educação a justificativa de uma salvação da
humanidade dentre da reprodução do mercado e vontade do empresário, colocando o progresso individual como
foco da culpa do fracasso ou do sucesso frente a mobilidade social e aos problemas da sociedade.
Freitag (1980) apresenta uma ampla discussão da sociedade política e sociedade civil dentro de referenciais
teóricos que tratem de outros aspectos mais extensos da educação no que toca o teórico, ideológico e prático, por isto
os espectros de autores perpassam dos clássicos da sociologia e educação e reitera desmistificações do capital humano
e da economia da educação em suas críticas e conclusões. A autora contribui ao limitar o estudo da Escola como a
instituição que desempenha a função de reproduzir a força de trabalho e as relações de produção, para isso, mobiliza
a ideologia da educação como forma de ascensão social e de democratização de oportunidades, nas argumentações
da autora ao fazer um exercício teórico, compara e introduz uma perspectiva sociológica para o problema da Escola
como transmissora de uma ideologia hegemônica.
Freitag (1980) acredita que o sistema educacional socializa os membros da sociedade e cada indivíduo para
satisfazer o próprio sistema, que é capitalista em seus objetivos e na forma de produção. Nesse sentido, ocorre uma
manutenção e reprodução da sociedade com o processo educacional, fato que impede a possibilidade de reestrutura-
ção e reorganização sistemática das imperfeições da sociedade, para isto a postura de uma comunidade democrática
(mesmo que imperfeita) que faça as alterações necessárias se torna um empecilho ou simples falácia dentro de um
Estado onde o controle social é resultado dos interesses do capital. Para a autora, estas imperfeições, desigualdades
e ideologias podem ser solucionadas com a educação, conforme os autores analisados por ela, as instituições como a
Escola e as estruturas democráticas seriam aperfeiçoadas por homens livres, democráticos e imperfeitos. Situação que
que se apresenta entre nossos professores de Sociologia que não tem uma participação democrática na administração
escolar e da educação em Goiânia e Goiás, fazendo seu trabalho ser fragilizado num discurso de crítica emancipadora
da situação dos estudantes que serão alienados tanto na Escola quanto no mercado de trabalho.
Freitag (1980) apresenta o que Rossi (1978) se aproximou a expor, que é a perpetuação das desigualdades
sociais e históricas como fatos naturais devido as diferenças individuais confirmadas pela igualdade de chances que
todos tem coma a educação e acesso a Escola que é um aparelho ideológico.
Freitag (1980) aponta dois caminhos da educação, um onde ela mantem o status quo e a estrutura da socie-
dade, e outra onde existe uma possibilidade de mudança social dentro de uma sociedade democrática que deve ser

554
aprimorada em suas imperfeições e manutenção da reprodução da cultura e reprodução da estrutura de classe. Para
ampliar as discussões da educação no aspecto econômico da sociedade através da teoria do capital humano que tende
tem a ideologia de repartir os resultados da produtividade da mão de obra qualificada e com retorno não só para o
individuo, mas para toda sociedade e Estado, fato também contestado por Freitag (1980) com a ideologia da igualdade
de chances.
Esta pretensão de igualar todos no acesso a uma formação e futuro com a educação é uma enganação, o profes-
sor para possibilitar tal façanha deveria receber estudantes que não possuem desigualdades sociais ou culturais, pois
a educação com objetivos de atender o mercado distanciam as classes sociais e comprometem uma crítica a ideologia
promulgada e alienação sem ruptura.
Freitag (1980) apresenta as mesmas justificativas do período desta teoria a qual Rossi (1978) analisou, porém
a autora apresenta o planejamento educacional com dois modelos clássicos da economia da educação - o modelo do
investimento e o modelo da demanda – que são expressos numa taxa de retorno individual (do trabalhador) e social
(sociedade e Estado). Freitag (1980) ao fazer o aprofundamento das observações teóricas constata que a Escola contri-
bui para a reprodução do capitalismo com a reprodução das forças produtivas e das relações de produção existentes,
fato constatado nos críticos do capital humano. Entender a questão ideológica passa por um pensamento que Freitag
(1980) aponta a Escola como espaço de manutenção e reprodução da dominação de maneira ideológica, extrapolando
somente a questão de retorno do investimento e promotora de uma produção que amplie a demanda.
A questão ciclica e antagônica do capitalismo é implementada na Escola, que faz a formação do trabalhador e
aos mesmo tempo o faz sujeito da exploração do sistema econômico, ou seja, garante a reprodução das relações de
produção. Para Rossi (1978) isto é feito aceitando a possibilidade ascensão e participação na classe dominante através
da educação, fato constatado também por Freitag (1980). Assim, como resultado na sociedade de classe a Escola é
um formador que perpetua uma falsa consciência que impede a luta de classe pois todos compartilham a ideologia
das oportunidades justas, porém “a Escola não é nem causa da falsa consiência, nem o único fator que a perpetua”
(FREITAG, 1980, p. 35).
Freitag (1980) aponta o pensamento de Antonio Gramsci para fundamentar a repressão que as ideologias fa-
zem para dissimular a verdade da sociedade democrática e da dominação capitalista presente na educação, a ideologia
da classe hegemônica é disseminada dentro dos aparelhos ideológicos do Estado, destacando-se a Escola. E esta pode
ser contra-hegemônica caso os excluídos confrontem com outras instituições como o Estado que deveria reformular
leis, reestruturar a organização da Escola, reorganizar currículos entre outras ações que contribuiriam para emanci-
pação dentro do sistema hegemônico, mesmo sabendo que a classe dominante controla por intermediadores de seus
interesses frente ao Estado, mercado, Educação.
Boto (1996) ao analisar a educação no período da revolução francesa, apresenta um tipo de educação com prin-
cípios de institucionalização pública de todas as políticas pedagógicas e profissionais para a formação do aluno, porém
como a autora alerta que “[...] havia que se instruir e, mais do que isso, educar” (idem, p.103), porém isto deveria ser
feito de forma que
Os conhecimentos veiculados pela nova escola republicana extrapolariam a famosa tríade do “ler-escrever-con-
tar”. Mais do que nunca, a formação para a moralidade, a inculcação de regras de conduta social e de civismo repu-
blicano se faziam urgentes. De certo modo, era uma escola que pretendia obter civismo e civilidade (idem, p.103).
Boto (1996) apresenta um início que é ainda mantido na escola contemporânea, a de ter princípios de liberdade,
integração e de inclusão (política, social, econômica, cultura, etc), porém suas práticas tendem a manter a estrutura da
sociedade, e consequentemente a reproduzir um tipo de educação e escola o qual o humano e o social não garantem,
mas se distanciam nas exclusões que se tem na oportunidade dentro da sociedade ao não alcançarem determinadas
posições e funções e no meio educacional ao serem classificados em relação aos rendimentos com o aprendizado, tais
práticas foram apontadas por Bourdieu e Passeron (2014). É contra esta hegemonia e sentido de escola que é preciso
entender qual o discurso assumido pelo professor e o que ele mantém como entendimento de escola expresso na sua
representação social de Escola.

555
Assim, pensar o professor de Sociologia é pensar um trabalhador que está numa encruzilhada, pois ao mesmo
tempo em que tenta desmistificar a ideologia hegemônica que se tem para o trabalhador que é formado na Escola,
se apresenta no meio da própria ideologia hegemônica ao não conseguir fazer seu trabalho e ainda convencendo de
que aquele aprendizado o garante para uma vida melhor ou pelo menos garante a reprodução e manutenção de uma
qualidade de vida que tenha suas satisfações garantidas, principalmente no requisito econômico. Agora como se sabe,
as escolas pública e as privadas não cooperam num mesmo caminho, não porque queiram, mas por apresentarem
distinções de público, profissionais da educação que acreditam nas oportunidades e sucessos individuais para alunos
e professores. Porém, o que deveria ser observado é um tratamento com equidade nos conteúdos adquiro na Escola
e na forma crítica que se enxergam como cidadãos.
Silva Júnior (1995) postula a necessidade de distinguir a Escola pública e Escola privada para criar em separado
uma teoria da Escola pública, o que auxilia neste trabalho de pensar o trabalhador desta instituição. Para o autor, a
Escola pública fazendo parte do “aparelho ideológico do estado” representa a sociedade civil pelas relações sociais de
tensão e correlação existentes na própria sociedade. E que a Escola integra e interfere no que seria a sociedade política
que mesmo sendo reflexo de uma proposta de Educação com viés positivista ou reprodutivista é manipulada para
satisfação de interesses de dominação e poder apoiados pelos tecnocratas e legitimados pelo Estado. O que acontece
nesta situação é que a Escola fica numa intersecção que deve ser repensada, principalmente na sociedade política e ci-
vil no Brasil, e podendo ser um dos papeis da disciplina de Sociologia na Educação Básica, principalmente o professor
que participa como alguém ambíguo dependendo das determinações administrativas e pedagógicas de um currículo
que reflete os interesses que são particulares de uma classe e do Estado.
Silva Júnior (1995) acredita que o Estado e as classes subalternas não estão em congruência, mas que na Escola
pública é “o local de que o Estado se utiliza para assegurar a continuidade do domínio dos que detêm o controle dos
meios de produção e, por extensão, o poder” (idem, p. 11). Assim, a ação do Estado para a confluência da sociedade
civil e sociedade política seria de que “por intermédio da Escola estabelecer-se-iam as relações com os grupos do-
minados, subordinando-os e limitando suas possibilidades de organização autônoma” (ibidem). Estas afirmações do
autor confirmam as argumentações dos teóricos críticos do capital humano que apresentamos e ainda enfatizam a
necessidade de se repensar ou de (re)construir a Escola em seus fundamentos arraigados para uma sociedade desigual
e injusta perpetuada pelo trato que se tem com a educação na atualidade, em destaque a situação até caótica no Brasil.
A consequência de tais ações do Estado é uma a configuração social que a Escola adota e que destrói toda ar-
ticulação para uma política criada para o democrático dentro da instituição social como apresentou Freitag (1980),
afetando o trabalho coletivo necessário no cotidiano do trabalho educacional. Isto fica enfatizado com a tese de Silva
Júnior (1980) que diz que “a Escola pública é um local de trabalho que; por sua finalidade e por sua natureza peculiar,
supõe critérios especiais de organização” (idem, p. 21). Além disto, os critérios seriam estabelecidos a partir das ca-
racterísticas do trabalho que ali se desenvolve.
Entender a participação de cada elemento da comunidade escolar e as relações externas que se apresentam é
algo que podemos identificar nos perfil e interações que se tem o como o professor de Sociologia e a Escola em Goiás,
para ajudar nesta elucidação Silva Júnior (1995) apresenta três aspectos do controle do trabalho para caracterizar a
Escola como espaço de uma organização do trabalho que o Estado e a classe dominante aprimoram usando desde a
tecnologia até referenciais teórico-científicos e práticas para exploração e manutenção e reprodução da sociedade
injusta. O autor busca nas criticas de autores que promoveram uma discussão do controle das relações de trabalho e
consequentemente no impacto da divisão do trabalho na sociedade capitalista com objetivos de manutenção do siste-
ma capitalista e satisfação das necessidades das classes dominantes.
Outra característica que podemos imputar com as relações do capitalismo e educação baseadas nas reflexões de
Silva Júnior (1995) é que o trabalhador da educação não produz uma acumulação, mesmo assim o coloca numa situ-
ação de subalterno ao seguir as orientações da organização do trabalho técnico-cientifico aplicado pelo trabalhador e
que será transmitida aos estudantes ou que faz um trabalho emancipador com a Educação.
Na verdade, podemos voltar àqueles autores do capital humano que tinham como prerrogativa usar o poten-
cial do trabalhador com alta qualificação, neste sentido temos os mesmos objetivos e visão do capitalismo existente

556
hoje que entende a potencialidade multilateral dos seres humanos na sociedade para ampliar o capital. Aqui podemos
relacionar com uma das funções da educação, que se aproxima das práticas de controle do trabalho e promove a
alienação na divisão social do trabalho. Isso acontece porque o homem possui uma infinita adaptabilidade nas di-
versas condições sociais e culturais para continuar amplificando a produtividade, porém o processo da produção é,
principalmente, observado pela gerência, prevista, pré-calculada, experimentada, comunicada, atribuída, ordenada,
conferida, inspecionada, registrada durante e através da produção, princípios estes relacionados as ponderações de
Helonai (2003) e coincide nos reflexos sofisticados que apresentamos com os críticos do capital humano..
Pensar a questão da educação na Escola é refletir sobre suas estratégias de controle, o trabalhador desta institui-
ção na atualidade passa por um configuração comparada ao trabalhador industrial ou com características gerenciais
para aumento da produtividade, porém o tipo de “trabalho improdutivo” que este faz tem um processo diferenciado
daquele “trabalho produtivo”, nosso intuito aqui é encontrar as características que fazem o professor ser configurado
ao trabalho de produção especializada e satisfação do mercado garantindo as necessidades da sociedade capitalista.
Para isto, temo que Heloani (2003) aprofunda a questão das estratégias, organização e planejamento do controle do
trabalhador, onde este ao mesmo tempo que tenta executar seu trabalho acaba incorporando padrões de controle
que exploram e alienam o trabalhador, prejudicando e criando situações de precariedade ao limitar a participação
democrática, porém aceitando todas as restrições para se integrar ao mercado e garantir a produtividade. Assim, o
autor entende que a gestão centraliza todas as necessidades do mercado e do trabalhador, mas para isto fragmenta e
intensifica o trabalho.
As empresas que são administradas nos limites da fragmentação e especialização criam condições para que o
trabalhador gere insatisfação e alienação com seu próprio trabalho, mesmo com o pós-fordismo na administração
onde a participação criativa do funcionário não elimina o controle da empresa. Estas regras estão interiorizas no tra-
balhador, pois é orientado a receber os benefícios, distinções ou privilégios caso evite restrições do desenvolvimento
de suas atividades (HELOANI, 2003).
Esta situação é colocada para o professor de Sociologia em Goiás de forma a fazê-lo cumprir suas tarefas bu-
rocráticas e pedagógicas de maneira a receber uma remuneração de bonificação (Programa Reconhecer), mas na
prática é um controle de cumprimento de carga horária e realização efetiva do seu trabalho em sala de aula com a
transmissão de todo conteúdo do ano letivo, não considerando o aprendizado ou as melhorias para cada público da
Escola (SOBRAL; MARTINS, 2015). Nessa perspectiva há um embate entre os objetivos de um trabalho individual
e trabalho coletivo.
Podemos destacar do pensamento de Heloani (2003) alguns pontos que são imputados dentro da gestão educa-
cional o que reflete na Escola. O que se apresenta é uma Escola que ajusta o controle do trabalhador não pelas regras
coercitivas, mas pela participação e motivação reconhecido pelo trabalhador da educação e definido pelas gerencias,
garantindo uma harmonia onde as questões individuais são culpadas do fracasso no mercado, e na Escola se aplica
também ao estudante e as necessidades políticas são suprimidas dentro da comunidade educacional no nosso foco.
Outro ponto que das organizações que foi implementada na Escola foi de fazê-las como estruturas estáveis, equilibra-
das e de consenso onde a dinâmica. E os conflitos trazem disfunções ou reestruturação do equilíbrio, principalmente
da sociedade capitalista. No caso de alguns autores citados aqui a sociedade política e sociedade civil se veem como re-
flexo dos resultados desta organização e controle da empresa, neste ponto, a Escola. No último requisito que Heloani
(2003) direciona para a organização do trabalho está relacionado ao quadro técnico e especializado da burocracia que
sustenta o controle das questões da política e do poder, este modelo se apresenta na educação e na Escola no Brasil,
porém conforme Silva Júnior (1995) constatou as forças de dominação que atuam na sociedade não melhoram a situ-
ação do trabalhador com a educação, fazendo a organização e controle do trabalho por meio da ampliação e especia-
lização do conhecimento e competências uma falácia para as classes trabalhadoras e subalternas que não participam
democraticamente das questões organizacionais e de planejamento, mas são alienadas.
Na educação, e principalmente na Escola, sabemos que as orientações para uma nova configuração que pos-
sibilite a participação democrática enfrentaria uma mudança de políticas não só sociais para o professor, mas para a
população que sofre toda a exploração do sistema capitalista que se instala nos diversos campos para manter status

557
quo e poder de grupos que disseminam ideologias que alienam toda uma estrutura e suas instituições, como no caso
da Escola.
Interessante observarmos que as teorias que explicam porque os professores não conseguem sair destas condi-
ções de organização do seu trabalho podem estar arraigados nas bases dos desejos do mercado e classe dominante que
se beneficiam do sistema capitalista, nem o Estado dá outra saída, mas garante uma situação de maior controle para
uma precariedade do trabalho, exploração do trabalhador com a educação e disseminador de ideologias e alienação
com a Escola.
Estas discussões revisitam os princípios do sistema capitalista o qual foi reforçado com a teoria do capital hu-
mano e intensificaram com as atualizações da organização, planejamento e controle da divisão social do trabalho.
Tanto os princípios de entendimento da escola de definição funcionalista e técnica, como os desdobramentos de um
entendimento mais social dela perpassam por questões da sociedade hegemônica capitalista e reprodutivista no que
tange a promoção de diversidade de pensamentos e realizações que o estudante pode ter acesso. Onde a sociedade
aprenderia novas formas de organização e que o professor não tenha somente uma missão que o deixe numa posição
diacrônica, onde ao mesmo tempo em que reproduz deveria estar criando alternativas para o sistema educacional, e
consequentemente, no que já foi dito, para sociedade.

REFERÊNCIAS

BOTO, Carlota. A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa. São Paulo: Editora da Universidade
Estadual Paulista, 1996.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014.
FREITAG, Bárbara. Estado e Sociedade. São Paulo: Moraes, 1980.
HELOANI, Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica no mundo do
trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
ILLICH, Ivan. Sociedade sem Escolas. Petrópolis, Vozes, 1973.
ROSSI, Wagner Gonçalves. Capitalismo e educação: contribuição ao estudo crítico da economia da educação capitalista. São
Paulo: Cortez & Moraes, 1978.
SILVA JÚNIOR, Celestino Alves da. A Escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1995.
SOBRAL, Laísse Silva Lemos. MARTINS, Lucinéia Scremin. O cientista social hoje: desafios para permanecer em sala de
aula - estudo de caso em Goiânia/GO. In: ENESEB - ENCONTRO NACIONAL SOBRE O ENSINO DE SOCIOLOGIA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA, 4., 2015, São Leopoldo-RS. Anais. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos,
2015. 1 CD-ROM

558
CENTENÁRIO DA ESCOLA ÉTNICA JAPONESA NO SUL DE MATO
GROSSO “VISCONDE DE CAIRU”: BREVES APONTAMENTOS

Stephanie Amaya- PPGEdu/UFMS1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo realizar breves apontamentos para conhecermos a história
centenária e a importância da escola étnica japonesa em Campo Grande no então sul de Mato Grosso mediante
apontamentos históricos realizados por meio do levantamento bibliográfico e documental. Dessa maneira a proposta
apresenta alguns documentos coletados durante as comemorações e também no acervo da instituição que revelam
algumas práticas escolares para compreender a formação da escola japonesa. Entre os materiais estão livros pontos, li-
vro de chamada, matrículas, levantamentos estatísticos, caderno de atividade e boletim. Para as análises nos pautamos
no referencial teórico do sociólogo Pierre Bourdieu e de alguns estudiosos da memória e história como Pollak (1989;
1992); Bosi (1994) e Halbwachs (2006). A Escola Visconde de Cairu foi criada em 18 de agosto de 1918, pela colônia
japonesa, no loteamento conhecido como Chacrinha. Foi construída a princípio para que os filhos dos imigrantes
japoneses não perdessem os vínculos com a língua e cultura tendo por finalidade o retorno ao Japão. A escola ini-
ciou suas atividades em uma comunidade rural, mudou a sua localização geográfica, instalando-se na área urbana de
Campo Grande. É relevante pontuar que a escola denominava-se anteriormente como Hanja e também como Escola
Japonesa de Língua Japonesa, em 1925 passou a ser chamada de Escola Japonesa de Campo Grande. Em 1927, por
orientação das autoridades foi rebatizada de Visconde de Cairu. Sendo assim, a Escola de Japoneses (Visconde de Cai-
ru) sofreu forte pressão política para modificar o nome da instituição, contratar professores brasileiros, não podiam
falar a língua japonesa, importar e utilizar materiais em língua japonesa. No que se refere à mudança no nome da ins-
tituição foi motivada pela necessidade de proteção da sua identidade étnica, devido às restrições governamentais essa
“manobra” foi realizada pelo professor Luiz Alexandre quando foi diretor e detentor dos bens da Escola de Japoneses
para manter a instituição aberta. A escola teve muitos percalços que envolveram o currículo da escola e dentre fortes
pressões políticas completou ano passado seu centenário com as atividades ininterruptas. A importância da escola
para o município de Campo Grande é a tentativa de preservar a cultura e os costumes japoneses. Dentre as caracte-
rísticas culturais trazidas pelos japoneses podemos citar: o sobá; a Festa Bon Odori e a história na participação da Feira
Central. O que se pode aproximar durante a elaboração desse texto é persistência do grupo de imigrantes em manter
a língua japonesa e a cultura por meio da escola étnica e a resistência para cumprir as exigências e manter a escola
em funcionamento. Tendo como fundo os traços da disciplina e rigidez por parte de seus professores e estudantes.
Palavras-chave: Escolarização japonesa. Instituição Escolar. Memória.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objeto de estudo a escola étnica japonesa estabelecida hoje como “Escola Visconde de
Cairu”, fundada em 18 de agosto de 1918 no então sul de Mato Grosso.
A escola em questão completou no último ano cem anos de funcionamento contínuo, perpassou adversidades
e construiu sua história pautada na origem étnica.
Nesse viés temos por objetivo realizar breves apontamentos para conhecer a história e a importância da escola
étnica japonesa em Campo Grande por meio do levantamento bibliográfico e documental.

1 E-mail: fani2.amaya@gmail.com, professora da educação básica da Rede Municipal de Campo Grande – MS, aluna do curso de Doutorado
em Educação do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Antropologia e Sociologia da Educação.

559
Para tanto, o referencial teórico metodológico que pautam algumas análises são do sociólogo francês Pierre
Bourdieu. E nas questões sobre história e memória: Pollak (1989;1992); Bosi (1994) e Halbwachs (2006).
Temos como perguntas norteadoras: qual a importância da instituição para o município de Campo Grande
– MS? Quais as estratégias utilizadas que manteve a escola em funcionamento? O que os documentos encontrados
trazem sobre a história e a memória da escola?

A IMIGRAÇÃO JAPONESA: QUESTÕES HISTÓRICAS

Para melhor compreender o início do processo migratório, o Japão no período conhecido como Restauração
da Era Meiji (1868-1912), após um período feudal, enfrentava uma crise. A população japonesa se desloca do campo
para a cidade.
A emigração dos japoneses para outros países era crescente, “O Havaí recebeu aproximadamente 165 mil japo-
neses, que, por volta de 1898, constituíam 40% de sua população”. (YOSHIOKA, 2013, p. 7). Incentivar a emigração
era uma estratégia para combater o “inchaço” da população urbana.
Assim, o Brasil foi alvo nesse processo sendo evidenciado politicamente por meio do Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação, assinado em Paris no dia 05 de novembro de 1895.
O documento estabelecia aos cidadãos de ambos os países uma liberdade de comércio e benefícios jurídicos. Se-
gundo Saito (2011, p. 57): “[...] o acordo inicial do processo de imigração japonesa para o Brasil foi assinado somente
no dia 06 de novembro de 1907, entre a Companhia Imperial de Imigração e o governo do estado de São Paulo.” O
documento, em específico, previa a entrada de imigrantes no estado.
Muitas famílias japonesas vieram para o Brasil no começo do século XX. Em 1908, o navio Kasato Maru apor-
tou em Santos/SP, com os primeiros japoneses. A princípio, os imigrantes vieram para as lavouras de café no interior
do estado de São Paulo.
Informados da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), muitos migraram para trabalhar
como operários nas instalações dos trilhos da nova ferrovia. A estrada de ferro se iniciava em Porto Esperança, na
Bolívia, passava por Campo Grande e chegava à cidade paulista de Bauru.
Na região, o “[...] entusiasmado pelos anúncios da “Marcha para o Oeste”, do governo nacional, e do incentivo
das companhias de colonização japonesas se espalharam [...].” (INAGAKI, 2008, p. 64). O fator que atraiu os imi-
grantes para o estado.
O interesse nos estudos sobre a escola japonesa manifestou-se devido à concentração de nikkeis na cidade, esta-
do e no país e sua representatividade principalmente nas questões escolares. Nikkeis são pessoas de origem japonesa e
seus descendentes que emigraram para outros países e neles criaram comunidades e estilos de vida com características
únicas dentro do contexto das sociedades em que vivem. Também são considerados nikkeis aqueles que partiram
para o Japão, onde passaram a constituir identidades distintas da população japonesa. (HARADA, 2013, p. 24).

Sabe-se que as famílias de migrantes japoneses atribuem à educação grande importância, e isso pode ser observado
através das estratégias individuais e coletivas desenvolvidas para propiciar aos filhos uma educação voltada tanto
para a manutenção da cultura de origem como a da sociedade de acolhimento. (IMAGAVA; PEREIRA, 2006, p.
56).

O grupo étnico de japoneses se estabeleceu e fundou várias colônias no estado. De acordo com Associação
Esportiva e Cultural Nipo-Brasileira (2008), havia um total de 23 colônias no município e nas cidades vizinhas. De
acordo com os dados prévios levantados pelo Centro de Estudos Nipo-Brasileiros (CENB) atualmente o estado de
Mato Grosso do Sul ocupa a quinta posição em quantidade com 16 associações. Das 436 associações nikkeis no Brasil,
242 estão em São Paulo, Paraná em segundo lugar com 77, em terceiro o Rio de Janeiro com 19, quarto lugar Minas
Gerais com 17 associações.
O grupo de imigrantes preserva seus costumes e tradições, por meio das associações nikkeis que historicamente
está relacionada principalmente no município com a fundação e manutenção da escola de origem étnica.

560
Nishimoto (2011, p. 48) acrescenta: “Todas essas colônias foram fundadas por grupos de ex-funcionários da
ferrovia. A colônia Chacrinha se destacou na história não só por ter sido a primeira, mas porque na localidade foi
criada a primeira escola étnica de japoneses, em 1918”.
Em nossas visitas aos arquivos históricos, órgãos públicos e acervos particulares, encontramos livros e revistas
que mencionam a comunidade japonesa de Campo Grande e a escola Visconde de Cairu. Cerca de dezesseis exempla-
res, dentre eles, chamou nossa atenção, que vários textos descrevem narrativas muito similares.
A principal obra bibliográfica que se refere à história da imigração japonesa em Campo Grande-MS é o livro
“Ayumi”, publicado pela Associação Esportiva e Cultural Nipo Brasileira (AECNB) do município.
Em relação à produção acadêmica, nossa principal referência é o livro de Brito (2000) “Escola de japoneses: a
construção da etnicidade em Mato Grosso do Sul” baseada na dissertação “Escola Visconde de Cairu: educação e etni-
cidade em Mato Grosso do Sul”, de autoria de Brito (1997). Acrescentamos Nishimoto (2006; 2011); Kubota (2008;
2015); Inagaki (2008) e Imagava e Pereira (2006).
Sobre a influência cultural para capital do estado de Mato Grosso do Sul várias características culturais foram
trazidas pelos japoneses, como o sobá, a Festa Bon Odori e a história com participação na Feira Central e do Mercado
Municipal.

A imigração japonesa está representada na Feira Central, nos dias atuais, por um pórtico ao estilo oriental, pelas
luminárias dos restaurantes e pelo Monumento ao Sobá, inaugurado em 2009, em meio ao Festival do Sobá, reali-
zado em agosto. As características que lembram as origens são ressaltadas, mas o outro, o imigrante, é sempre visto
como diferente, como se a população fosse formada por tradições rurais e agradecesse a contribuição dos japoneses
para o desenvolvimento da cidade. (CALADO, 2013, p. 77).

O sobá é composto por um macarrão caseiro, omelete fatiado, carne de porco (ou adaptado com carne bovina)
e o caldo preparado a partir do cozimento de carnes, com ingredientes japoneses e principalmente o shoyu (molho
de soja).
A influência okinawana (região do Japão) em Campo Grande ocorre devido ao consumo do sobá, prato típico
que teve seu tombamento como patrimônio cultural imaterial com o Decreto de n. 9.685, de 18 de julho de 2006. Para
Calado (2013), o sobá como patrimônio é a aceitação declarada dos imigrantes japoneses no estado.
Outro exemplo é a Festa Bon Odori, a qual “[...] é vista pelos campo-grandenses como uma ilustração dos cos-
tumes e raízes nipônicos na cidade. [...].” (KUBOTA, 2008, p. 112) e está inserida no calendário de comemorações do
aniversário de Campo Grande/MS. A comemoração é realizada anualmente e representa a homenagem aos antepas-
sados com apresentações e participação do público em danças típicas.
Assim, compreendemos cultura como “[...] um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas
e até mesmos opostas [que] transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma
totalidade. [...].” (DAMATTA, 1986, p. 123). Dessa forma, é notável a participação da cultura japonesa na cidade de
Campo Grande/MS. Ela está presente na construção da ferrovia, no desenvolvimento da cidade, nos monumentos,
festividades e nos costumes gastronômicos.
Conforme exposto no tópico é inegável a importância da escola étnica japonesa para a história das instituições
escolares. Devido à resistência aos governos ditatoriais no então sul de Mato Grosso e a participação na formação
cultural do município de Campo Grande nos dias de hoje.

AS ESTRATÉGIAS PARA O FUNCIONAMENTO CENTENÁRIO DA ESCOLA VISCONDE


DE CAIRU

Percebemos com as leituras que existe a relação intrínseca entre o estabelecimento das colônias, a fundação das
associações e a criação de escolas. “Cada Colônia tinha uma Associação, a Shokuminchi-kai, que administrava a escola
das crianças [...]” (ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA E CULTURAL NIPO-BRASILEIRA, 2008, p. 64).

561
A fundação da Associação Esportiva e Cultural Nipo-brasileira no município de Campo Grande, ocorreu em 18
de agosto de 1920, contudo, para se chegar a essa data o comitê encarregado dessa “missão” obteve quatro anos dis-
tintos (1916, 1918, 1920 e 1925). A justificativa para ausência de documentos que comprovassem as datas e a história
da Associação, acredita-se ser a apreensão e principalmente queima de documentos no período do Governo Vargas
(AECNB, 2008).
O trabalho de Imagava e Pereira (2006) relata que a fundação da associação em Dourados MS estava ligada à
escola étnica, pois os imigrantes queriam que seus filhos apreendessem a língua e os costumes tendo em vista o re-
torno para o Japão.
Temos como primeira consideração quanto ao motivo da criação de escolas étnicas no país a escassez de insti-
tuições e a tentativa dos imigrantes de manterem as ligações com o país de origem. Dessa maneira, diversos grupos
instalaram as escolas étnicas para os estudos na língua de origem e também como forma de manterem a cultura. Em
Campo Grande, a colônia japonesa utilizou a mesma estratégia.
As colônias japonesas e o desenvolvimento das associações e escolas étnicas japonesas têm a criação inter-rela-
cionada em Campo Grande e região.

[...] escola e associação, percorrem trajetórias comuns que se entrecruzam no tempo e no espaço. Tal vinculação
gera, muitas vezes, algumas dúvidas e provoca indagações: “O que pertence a que?” “Qual afinal foi criada antes, a
Associação ou a Escola? (BRITO, 2000, p. 72)

Nosso primeiro pressuposto é a criação da associação para fortalecer o funcionamento da Escola Visconde de
Cairu. Na tentativa de aproximar do questionamento, apresentamos dois excertos de documentos: o regimento atual
da Escola Visconde de Cairu, que comprova a vinculação, pois a administração é realizada pelo presidente e vice da
Associação; e a ata de “fundação”, com a mudança do nome institucional, que comprova essa prática no ano de 1934.
Ressaltamos que a ata apenas cita a discussão da mudança do nome da instituição escolar para “Escola Particular Vis-
conde de Cairu”.
Nesse caso, compreendemos que a estratégia da Associação foi continuar a fazer parte da administração escolar
e participar das decisões da escola até hoje. O que para Bourdieu é um produto do senso prático como sentido do jogo,
de um jogo social particular, historicamente definindo, que se adquire desde a infância, participando das atividades
sociais. (BOURDIEU, 2004).
A Escola Visconde de Cairu foi construída a princípio para que os filhos dos imigrantes não perdessem os
vínculos com língua e cultura japonesa (NISHIMOTO, 2012). Na primeira fase, o ensino na Escola de Japoneses era
ministrado todo em japonês, com o objetivo de suprir as necessidades para o futuro retorno ao Japão. Iniciou com
apenas seis alunos em um galpão de madeira. (BRITO, 2000). Em meados dos anos 1930, a escola teve de se adequar
com o ensino de disciplinas obrigatórios pelo Governo Nacional, assim:

Consideramos que a escolarização da população japonesa passou por dois momentos no período anterior à Segun-
da Guerra Mundial. O primeiro caracteriza-se pelo grande e intenso processo de criação de escolas particulares
japonesas e por sua procura; o segundo é marcado pelas medidas nacionalistas do governo Getúlio Vargas, que
condena veementemente a educação japonesa, induzindo à transformação dessas escolas ou provocando seu desa-
parecimento. (DEMARTINI, 2000, p. 46).

Outra estratégia foi devido à alteração do nome da instituição anteriormente chamada de Escola de Japoneses
(Hanja), para não ser identificada a sua etnicidade e, com isso, não sofrer as sanções do Governo Varguista.
Como exemplo das restrições, o Decreto-lei nº 1.006, de 30 de dezembro de 1938 (BRASIL, 1938a), art. 22, que
proibiu o uso de livro didático em outras línguas; Decreto-lei 3.580, de 03 de setembro de 1941 (BRASIL, 1941), no
art. 4, que proibiu a importação de livro didático em língua estrangeira. O Decreto que mais atingiu foi de n. 406, de
4 de maio de 1938 (BRASIL, 1938b), que regulamentava a entrada de estrangeiros.
O uso da língua materna é um dos fatores que diferencia e distingue todo imigrante. Utilizar e ensinar a língua
japonesa para a comunidade em Campo Grande-MS, “[...] representava uma forma de dar continuidade aos projetos

562
de vida, garantia de proteção aos seus descendentes e, naturalmente, expressava a importância dada à educação pelo
grupo. [...].” (BRITO, 2000, p. 110). Com as proibições dos decretos, retirava-se não somente a representatividade,
mas também a autonomia do grupo no país.
Acrescentamos que o professor Luiz Alexandre foi mencionado no livro “Ayumi” (ASSOCIAÇÃO ESPORTI-
VA E CULTURAL NIPO-BRASILEIRA, 2008) como sendo uma personalidade de muita credibilidade e digna de
respeito pela comunidade japonesa, principalmente nas representações sobre período da ditadura de Getúlio Vargas,
quando ajudou e resolveu as inúmeras dificuldades para os japoneses, principalmente nesse período conturbado.
O professor lecionou História, Geografia, Português e Matemática e foi diretor da escola por muitos anos,
no princípio para atender a norma do Governo Vargas que obrigava os diretores das instituições escolares a serem
brasileiros natos. Para atender outra norma onde os estrangeiros não poderiam ter imóveis, correndo o risco serem
confiscados, o prédio da escola foi colocado no nome do professor assim como, vários outros imóveis dos imigrantes
japoneses.
Ao término da Segunda Guerra Mundial, o professor Luiz Alexandre devolveu todos os bens aos represen-
tantes da comunidade japonesa (ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA E CULTURAL NIPO-BRASILEIRA, 2008). Desem-
penhou esforço, como advogado e professor, em defesa dos direitos e interesses da Comunidade Japonesa de forma
“[...] totalmente desinteressada e graciosa, não gerando qualquer ônus”. (ASSOCIAÇÃO OKINAWA DE CAMPO
GRANDE-MS, 2014, p. 565).
É observável nos escritos a importância do professor Luiz Alexandre de Oliveira para a colônia japonesa, o qual
era considerado muito além de “tutor de bens” no período de guerra.
Importante ressaltarmos que as escolas que não foram fechadas durante a Segunda Guerra Mundial, à seme-
lhança da Escola Visconde de Cairu, foi “[...] por contar com a ajuda de alguma pessoa influente ou pelo fato de ensi-
nar a língua portuguesa.” (DEMARTINI, 2000, p. 65).
Esse foi o período mais crítico para os imigrantes japoneses em Campo Grande e a situação era a mesma em
todo o país. “Com a Constituição de 1934, instituem-se as cotas para a imigração de japoneses, situação piorada em
1938, com as medidas restritivas aos japoneses, culminando no fechamento de mais de 200 escolas japonesas existen-
tes no Brasil.” (SAITO, 2011, p. 59). A escola Visconde de Cairu foi uma das poucas escolas que não fecharam.
Enfim, a contribuição do professor Luiz Alexandre para a Escola de Japoneses, no período de Getúlio Vargas,
em meados de 1938, é louvável, pois ele lutou politicamente para manter a Escola Visconde de Cairu funcionando e
ajudou-a para que não perdesse seus bens. Vale ressaltar que ele foi o primeiro professor e também o primeiro diretor
brasileiro dessa escola.
É necessário problematizar que na relação com japoneses foram mobilizadas estratégias de ambos lados, o
grupo étnico no interesse em proteger seu patrimônio e o professor Luiz Alexandre em ser reconhecido socialmente
perante a comunidade japonesa.
Para Bourdieu (2009), a estratégia deve estar fixada na criatividade dos agentes em adaptarem-se a situações
variadas, inusitadas e descontínuas. Ou seja, foram estabelecidas estratégias utilizadas no campo social, político e cul-
tural para que a escola continuasse funcionando e fizesse parte da história das instituições escolares.

LEVANTAMENTO DOCUMENTAL: ARQUIVOS DA ESCOLA VISCONDE DE CAIRU

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje,
as experiências do passado (BOSI, 1994, p. 55).

O tópico tem por objetivo descrever o levantamento documental no acervo escolar até o momento. Na tenta-
tiva de caracterizar a história e a memória da Escola Visconde de Cairu por meio dos documentos presentes em seu
arquivo. Para tanto, compreendemos que:

563
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou se-
gundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite
à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.
(POLLAK, 1989).

Dentre os documentos encontrados estão livros pontos dos professores e demais funcionários, livros de cha-
madas, livros de matrículas, cadernos com notas dos alunos, levantamento estatístico/registro escolar, folha de saba-
tina, estatutos escolares, livro com questões arquivado como Caderno de Planejamento pela gestão atual. Destacamos
que os documentos encontrados são principalmente entre 1930 e 1950, contudo, há vários anos faltando, não estão
completos.
O acervo de imagens conta com mais de 600 fotografias das festividades, eventos e formaturas das turmas que
concluíram o curso primário.

Reconhecer por imagens, ao contrário, é ligar a imagem (vista ou evocada) de um objeto a outras imagens que
formam com elas um conjunto e uma espécie de quadro, é reencontrar as ligações desse objetivo com outros que
podem ser também pensamentos ou sentimentos. (HALBWACHS, 2006, p. 55).

O uso da fotografia como fonte será valiosa para as análises futuras, visto que ali se encontram a seleção dos
eventos sociais da escola. Bem como, revelará agentes que memória deixou a margem da história institucional.
Dentre as fotografias constatamos que os registros mais antigos são dos aniversários da escola, festividades,
desfiles de 07 de setembro, e entre os anos 1990 e 2000 são das fotos de turma. Percebeu também que esse arquivo de
imagens foi recentemente “alimentado” devido as comemorações do centenário da instituição.
Outro material coletado foi o livro que o professor Thiago Oliveira da escola no ano de 2018 aproveitou as
comemorações para organizar e lançar um livro em que os alunos realizaram homenagens aos professores, contaram
suas experiências na escola e se projetaram na imaginação narrando como seria a escola daqui a 100 anos.
A construção dessa memória no livro “depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com
a escola, com a Igreja, com a profissão: enfim, com o grupo de convívio e os grupos de referência peculiares a esse
indivíduo”. (BOSI, 1994, p. 54). São as memórias individuais e coletivas dos alunos atuais.
Nesse momento faremos apontamentos de alguns documentos descritos:
O documento sob o título de “Registro direção”, abarca dados descritos como portarias numeradas, datadas e
assinadas. Chamou nossa atenção a ausência da Portaria número 1 nos registros, sendo a Portaria 2 do dia 15 de julho
de 1940 e a última registrada de número 184, do dia 16 de novembro de 1977.
Nesse documento as professoras são cobradas quanto à indisciplina dos alunos nos corredores, em sala de aula
e também quanto à pontualidade. Trechos como “senhoras professoras mantenham a disciplina em classe”; “manter a
boa ordem na disciplina e nos trabalhos escolares”; “a professora da classe barulhenta dever por um dever de consci-
ência usar de mais energia para que sua classe conserve silenciosa”. (REGISTRO DIREÇÃO, 1940). Ou seja, o aluno
deve cumprir suas obrigações disciplinares para seguir o Estatuto Escolar e os professores são “relembrados” por meio
de documento da Direção Escolar a função de disciplinar seus alunos.
Em relação aos estudantes, o boletim de 10 de dezembro de 1970 de uma aluna do primeiro ano, consta: uma
coluna com os meses do ano e em seguidas as notas em Língua Portuguesa; Aritmética e Geometria; o total de pontos;
em seguida uma média e ao lado o que nos chama a atenção, é uma coluna com nota para comportamento; nas pró-
ximas colunas há o número de comparecimento, uma nota para caligrafia; outra para desenho e por fim uma coluna
com a classificação da aluna.
Compreendemos que a coluna de classificação da aluna e seu “posicionamento” foi gerada “[...] pela aplicação
de um sistema de classificação social, cujo princípio é o mesmo dos produtos sociais ao qual tal sistema se aplica”.
(BOURDIEU, 2014, p. 249). Observa-se que o desenvolvimento dos estudantes estava relacionado ao seu desempe-
nho perante a turma.

564
Outro material que necessita que análise mais aprofundada são os levantamentos estatísticos e registros esco-
lares entre os anos 1930 e 1950 que contém os dados estruturais, físicos e humanos na escola. Bem como possui os
dados das matrículas dos estudantes e dados das famílias como profissão e a localização das moradias.
Importante ressaltar que esses dados identificam o perfil dos pais e estudantes que frequentaram a escola e que
poderemos em pesquisa futura, comparar esse registro com os dados atuais da instituição.
No arquivo constam vários documentos em que podemos ampliar as análises. A exemplo que o professor Luiz
Alexandre super valorizado no período do Governo Vargas manteve-se por longos anos no cargo de diretor, contu-
do, ao verificarmos os documentos observa-se que a professora Ayd Camargo César era vice-diretora que desempe-
nhava o papel de maneira pontual nos registros.
Finalizamos o pensamento a respeito do arquivo escolar como uma “representação/uma memorização, na
sua abordagem histórica é uma reconstituição. Muito para além da sua função de depósito, o arquivo permite uma
projecção e uma reinvenção da própria tradição.” (MAGALHÃES, 2007, p. 74). Essa história centenária da Escola
Visconde de Cairu que permeia questões étnicas japonesas que se estabelece e projeta-se na formação cultural do
campo-grandense.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Devemos primeiramente esclarecer o caráter descritivo desse trabalho da pesquisa em andamento ao apresen-
tar os dados coletados. Alguns breves apontamentos foram realizados sobre o geral da história e memória da escola
étnica japonesa.
Os indícios levantados na etapa bibliográfica e documental destacaram a importância da instituição para o mu-
nicípio ao romper as barreiras na Era Vargas diante das sanções do governo contra os imigrantes (japoneses, alemães
e outros) no Brasil.
Realçamos o legado cultural para cidade de Campo Grande-MS, por meio da gastronomia e das festividades
presentes. Na tentativa do grupo étnico em preservar a cultura e os costumes dos japoneses.
Dentre as estratégias que manteve a escola em funcionamento citamos a fundação da associação que permanece
como mantenedora da escola e o professor Luiz Alexandre como diretor e “tutor dos bens” da escola.
Por fim, apresentamos alguns dos documentos coletados no acervo histórico da instituição. Que revelaram
traços disciplina e rigidez no tratamento de seus professores e alunos por meio dos documentos escolares.
Em síntese, faz-se necessário uma análise teórico-metodológica dos documentos coletados para aprofundar os
conhecimentos e desvelar a história e a memória dessa instituição escolar centenária.

REFERÊNCIAS

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565
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566
COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO UM ESTUDO ACERCA
DE MATTHEW LIPMAN

Elizabeth Venâncio – UFG/GO

Resumo: Quando Matthew Lipman, nos Estados Unidos, na década de 70, trabalhou como educador e pensou
acerca da educação, ele o fez em um contexto social, histórico e espacial diferente dos vivenciados pelos educadores
da região Centro-Oeste do Brasil, no ano de 2019. Entretanto, é possível afirmar que realidades diferentes, podem
conter necessidades humanas semelhantes, principalmente no tocante a implementação da comunidade de investiga-
ção. Se for como pretende-se argumentar neste artigo, o pensamento lipmaniano ultrapassaria as diversas barreiras
para ofertar a humanidade uma educação reflexiva.
Palavras-chave: comunidade de investigação; Matthew Lipman; educação

INTRODUÇÃO

Decorrido quase cinquenta anos da proposta de ensinar crianças a pensar filosoficamente, os debates sobre
o tema continuam repercutido em mais de trinta países, dentre eles o Brasil, nos quais é possível verificar o cresci-
mento do interesse não apenas pela obra de Matthew Lipman, como também pelas diferentes perspectivas que daí
se desenvolveram. Além, é claro, do aumento de interesse pelas críticas, pelo grande número de reinterpretações e
por iniciativas práticas que se adaptaram às realidades locais. Isso explica a existência de institutos, sítios da Inter-
net, centros de pesquisa e grupos de estudos espalhados por todo o mundo. A experiência e a produção do filósofo e
educador francês Oscar Brenifier, por exemplo, é notável. As oficinas (talleres) promovidas pelo filósofo e educador
José Barrientos-Rastrojo, da universidade de Sevilla, Espanha, igualmente, dão exemplo da fertilidade do tema e da
importância da semente lançada por Lipman.
Tais iniciativas tendem a oferecer espaços de diálogo, troca de experiência e laboratório para um problema que,
embora lançado na década de 70 do século passado, ainda não se esgotou e pode, por isso mesmo, constituir em um
campo extremamente útil à pedagogia. Em vez de uma comunidade lúdica, por que não pensar em uma comunidade
que possa se constituir, além de sua interatividade lúdica, em um espaço-social, ou melhor, um dispositivo interacio-
nal1: lugar para dialogar e tensionar conhecimentos. Apesar do conceito de “dispositivo interacional” ter sido criado
na área da comunicação, com o intuito de estudar os acontecimentos comunicacionais, pode-se utilizá-lo a partir da
perspectiva da interação em sala de aula, pois no pensamento de Lipman a sala de aula deve se tornar o lugar mais
propício à discussão. Nesse sentido, é possível estudar as comunidades de investigação, propostas pelo filósofo nor-
te-americano, como um espaço de diálogo, de interação e interatividade, no qual as informações, os conhecimentos e
os problemas filosóficos sejam trabalhados de forma menos rígida, mais didática e mais apropriada à crianças e ado-
lescentes. Talvez seja a melhor forma de desenvolver as habilidades cognitivas e a capacidade de dialogar sem romper
com a ideia de comunidade, cujas habilidades vão auxiliar no processo de aquisição dos conhecimentos básicos de
leitura, escrita, além dos conhecimentos científicos necessários. Como diz Lipman (1990, p. 20-21) na Introdução
de seu livro A filosofia vai à escola:

Nada melhor que a discussão disciplinada para aguçar e aperfeiçoar o raciocínio e que as habilidades de raciocínio
são essenciais para ler e escrever com sucesso; e que a alternativa para não doutrinar os estudantes está em ajudá-
-los a refletir efetivamente sobre os valores que constantemente são impostos a eles.

1 Os dispositivos interacionais seriam um lugar possível para se estudar os fenômenos comunicacionais, tornando possível um diálogo
produtivo com a diversidade de enfoques e abordagens observáveis no campo comunicacional. (BRAGA, 2011, p.30)

567
Nesta experiência os alunos devem compartilhar tantos conhecimentos quanto conceitos com respeito, desen-
volver temas a partir das ideias de outros, deliberarem entre si para fornecer razões a opiniões até então não apoiadas
pelo grupo, auxiliarem uns aos outros no ato de fazer inferências daquilo que foi afirmado e buscar identificar as
suposições de cada um. Enquanto, o papel do professor deve ser o de estimular com habilidade os comentários das
crianças de modo a propiciar o desenvolvimento da discussão e, ao mesmo tempo, conseguir a maior participação
possível da classe, porque a ênfase do programa de Filosofia para Crianças está no processo da discussão, e não em
atingir uma determinada conclusão.
Nesta perspectiva, Marcondes Filho (2011, p. 39), em consonância com Lipman, destaca a importância do diá-
logo enquanto primeira forma de comunicação humana e lugar da criação do novo, “uma relação de duas ou mais pes-
soas em que os interlocutores fazem algo em comum, dando espaço ao aparecimento desse novo.” Ele contribui com
o conceito de interação dialógica em que se desvelam em sala de aula os laços sociais, criados em trocas simbólicas em
estrutura de linguagem, que podem ser repensadas. Nas formas de falar e entender, lida-se com a linguagem como um
produto que amplia o que pode ser dito, permitindo um espaço para os alunos exercerem o aperfeiçoamento da lin-
guagem e do pensamento em consonância com a realidade que o cerca, tendo necessariamente a ajuda do professor.
Nota-se nos textos de Lipman a ênfase dada a necessidade humana de ser ouvido, de ser acolhido. Momento
em que quem ouve precisa interromper temporariamente tudo o que já considerou, inferiu e pensou acerca daquilo
que está sendo dito; ter um tempo para receber o que o outro diz sem avaliações, pressuposições, sentimentos etc;
esvaziar-se de si mesmo, deixando-se ficar em segundo plano. Esquecer que há vontades, desejos e simplesmente
parar para escutar o outro; não tentar interpretar o que outro diz. Somente assim, poderá existir uma ampliação do
universo conhecido, um alargamento do que já existia enquanto dados da consciência e então ocorrerá a superação
e transmudação do que foi dito.
Por outro lado, segundo Wittgenstein (1975), quem fala utiliza a palavra no sentido e significado em que lhe
foi ensinado no grupo familiar, social e cultural em que vive. Assim, a criança da fase inicial muitas das vezes não
consegue perceber que uma palavra se presta a empregos nos mais variados jogos de linguagem e de poder; nem al-
guns professores conseguem perceber que é premente realizar um esforço pedagógico para esclarecer qual o sentido
da palavra utilizada pela criança. A função polissêmica de qualquer signo permite a sua modelização sob variados
sistemas semióticos, inclusive divergentes.

Mesmo que um professor tenha a habilidade de escutar o que as crianças dizem, há uma tendência bastante ineren-
te ao ser humano de interpretar o que dizem em termos da perspectiva do professor. Essa interpretação pode ser
muito diferente do significado que a criança queria transmitir. Portanto, o professor deveria desenvolver o hábito
de incentivar as crianças a expressarem exatamente o que querem dizer. (LIPMAN, 2001, p.138)

Observa-se que Lipman equilibra a relação adulto-criança, nos transmitindo a noção de que se trata de seres
completos e plenos, capazes de viver uma relação de igualdade intelectual. Muito diferente da visão histórica em que
a criança foi relegada ao anonimato, sem voz, sem uma função social definida. O infante foi registrado a partir do
olhar dos adultos e por muito tempo foram tratados como adultos de segunda ordem: na sua maneira de vestir-se,
na participação em reuniões, festas e danças. Resta-nos, então, aprofundar um pouco nesta concepção de infância.

A CRIANÇA ENQUANTO UM SER HUMANO EM RELAÇÃO

A modernidade fez surgir um novo olhar para a criança, que passou a ser vista como um “ser em formação” e a ser
estudada em toda a sua complexidade de raciocínio, no aspecto ambiental, de adequação social, de adaptabilidade, de
emoções, de relações etc. diante destas várias abordagens, a que nos interessa quanto a educação infantil é a habilidade
de se relacionar dialogicamente:

Quando as crianças são expostas a contingências em que são demandadas respostas relacionais. Por exemplo,
quando seus responsáveis descrevem relações do tipo símbolo-referente (como “esta é a boneca”, “isto é o car-

568
rinho”) ou, ainda, quando solicitam respostas como olhar para determinadas direções (“olha o papai! ”), apontar
(“cadê a bola? ”), pegar (“pega o lápis”), trazer objetos (“traz o livro”), entre outros (SANTOS et al. 2015, p. 251)

Essas habilidades são premissas, complementadas pelo aprendizado de relações de identidade, igualdade, equi-
valência, semelhança ou similaridade. São especificadas por dicas contextuais como: “isto é uma cadeira”, “aquilo é
igual a isso”, “este é semelhante ao outro”. Tal ensinamento remete a letras e sons, que nada têm a ver com os objetos
a que eles se referem, ou seja, o infante aprende que as palavras da linguagem denominam objetos – frases são liga-
ções de tais denominações, dito de outro modo e conforme Wittgenstein (1975, p. 45) “ palavras são uma sequência
de coisas – Nesta imagem da linguagem pode-se estabelecer uma co-relação entre a palavra e sua significação. Esta
significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra substitui. ”
As crianças são educadas para reagir às palavras dos outros. Uma parte importante desse treinamento consis-
tirá no fato de que quem ensina mostra os objetos, chama a atenção da criança para eles, pronunciando uma palavra
“cadeira” exibindo essa forma, quanto mais esse treinamento tiver sido eficaz, mais a criança conseguirá entender re-
lações entre conceitos. Lipman (2001B, p.73) nos assegura que o professor tem responsabilidade de colocar ao alcance
das crianças um arsenal de conceitos para garantir que seus alunos tenham meios de se defender no curso do debate:
“desse modo nos asseguramos de que não serão presas indefesas quando estiverem discutindo com outras crianças
que possuam uma habilidade lógica ou retórica superior.”
A filosofia implica aprender a pensar autocorretivamento sobre o próprio pensamento, Lipman (1990, p. 59)
alerta que o pensamento filosófico não é empregado no sentido taxionômico que classificaria qualquer pensamento
como pensamento. “Estamos falando de raciocínio guiado pelo ideal de racionalidade, e isto, para o filósofo, não é
meramente pensamento, mas pensamento excelente”. Sob o ponto de vista educacional, esse detalhe significa que
colocar a filosofia nas séries iniciais é um meio de promover o aprimoramento do pensar mais lógico, mais coerente,
mais produtivo, mais bem-sucedido etc.
Nota-se que os conceitos desempenham um papel importante para a habilidade de compreensão do mundo e
sua aprendizagem tem sido objeto de muitas investigações, principalmente quando se pensa na instrução formal e no
papel da escola de facilitadora da construção do conhecimento por parte de seus alunos. Um exemplo da necessidade
de termos uma boa definição conceptual, ocorre em relação aos conceitos de complexa apreensão, que tem como
conteúdo propriedades, relações e estados em que as coisas são mentalmente isoladas delas mesmas e representadas
como um objeto independente. Tais como, as figuras de linguagem, entre elas, o conceito de ironia que representa
algo impossível de ser exibido materialmente, uma postura que seria mais bem interpretada na observação dos cor-
pos, gestos, tons de voz, trejeitos, uma atmosfera do diálogo etc.
Desse modo, pode-se dizer então que tanto as crianças, quanto os adultos encontram maior dificuldade em
determinados conceitos que em outros. Principalmente, quando eivados de ambiguidades da linguagem. Lipman
(2001A) acreditava que as competências para detectar ambiguidades deveriam ser cultivadas desde a infância já que,
evitaria que as crianças fossem induzidas em erro. A partir dessa ideia Lipman (2001A, p. 180) baseou sua proposta
pedagógica de ensinar lógica formal através de histórias infantis. Nelas as crianças descobrem e testam as regras da
lógica formal e descobrem aplicações que mostram como as regras podem ser usadas. Essas regras não são apresenta-
das num sistema abstrato, vão sendo descobertas individualmente numa ampla variedade de situações.

Um texto dialógico, por exemplo, pode conter ambiguidades, insinuações, ironias e muitas outras qualidades que
não aparecem na prosa descritiva de um livro didático, mas as crianças examinarão cuidadosamente para tirarem
algum significado. (LIPMAN, 2001, p. 314)

Contrário à Lipman que defendeu a parceria entre gerações na construção dos significados do mundo, o filóso-
fo Walter Benjamin (1986) nos apresenta uma visão tradicional, ou seja, aquela que acredita que toda produção cul-
tural voltada para as crianças representa um diálogo silencioso entre gerações, no qual uma geração propõe à outra,
vindoura, concepções de mundo, de linguagem, de valores, de estética, de felicidade, enfim, de educação e de cultura.

569
Apesar disso, em outro ponto eles têm ideias semelhantes, por exemplo, com relação a utilização de obras
literárias para ensinar. A obra O narrador (1986) de Benjamin diz que o conto de fadas é ainda hoje o primeiro conse-
lheiro das crianças, porque foi o primeiro da humanidade, e sobrevive, secretamente, na narrativa.

O primeiro narrador verdadeiro é e continua sendo o narrador de contos de fadas. Esse conto sabia dar um bom
conselho, quando ele era difícil de obter, e oferecer sua ajuda, em caso de emergência. Era a emergência provocada
pelo mito. (BENJAMIN, 1986, p. 215)

Lipman se apresenta como um narrador do ensinamento do pensamento racional e lógico, em conjunto com
A. M. Sharp, conceberam um programa com mais de 10 histórias para crianças, dirigido a diferentes faixas etária, e
respectivos manuais orientadores para os professores, traz em seu bojo o ideal do narrador que através da narrativa
educa o leitor. Daí a importância do romance filosófico, como defendido por Lipmam, para eliminar a terminologia
hermética do discurso filosófico clássico e possibilitar a compreensão dos problemas, bem como a capacidade de
discuti-los, entre crianças e adolescentes. É na literatura, sobretudo em pequenos contos e “novelas”, para tomar a
terminologia lipmaniana, que:

As ideias filosóficas estão espalhadas profusamente em cada página, de modo que é rara a criança que possa ler uma
página sem ser golpeada por alguma coisa intrigante, alguma coisa controversa ou algo que a deixa maravilhada
(LIPMAN,1990, p. 22).

Segundo Lipman (2001A, p. 333) o livro didático ideal deveria ser rico na apresentação da experiência infantil.
Entretanto, apesar de Lipman promover a estima a narrativa, a história enquanto instrumento para o desenvol-
vimento do pensamento aprimorado, ele não se fixa somente no conteúdo descritos nos livros, mas promove por
meio das atividades da comunidade de investigação o pensar crítico. Quando as crianças são incentivadas a pensar
filosoficamente, a sala de aula se transforma numa comunidade de investigação que pressupõem uma abertura para
a evidência e para a razão:

A educação deve almejar produzir indivíduos raciocinantes, imparciais e criativos. Existem muitos que fazem
objeções a esta meta, alegando que desta maneira se enfatiza o método às custas do conteúdo – exagera-se a impor-
tância de como aprendemos e subestima-se a importância daquilo que precisamos saber. (LIPMAN, 2001A, 141)

Nesse trecho percebe-se a posição do sujeito no processo de aprendizagem, ou seja, a criança seria capaz de se
apropriar criticamente e pensar com critérios a partir de suas atividades metodologicamente fundamentadas, acres-
cida do seu esforço, das relações que estabelece com os outros, de sua interpretação simbólica do mundo, das relações
com os bens materiais, etc., realizando julgamentos ao ponto de desenvolver e satisfazer suas necessidades sem deixar
de levar em conta as necessidades dos outros, ou seja, tal postura assume uma dimensão ética ligada à responsabilida-
de de existir em sociedade e conseguir promover práticas sociais assentadas no respeito do outro como outro.
Há em Lipman (2001A) uma abordagem que valoriza a convivência democrática dos indivíduos, tendo como
prioridade o desenvolvimento do pensar crítico, que só será alcançado se for promovido na criança a melhoria de sua
capacidade de reflexão. Assim, segundo Lipman a educação tem como objetivo ajudar os indivíduos a acreditarem
em si e no seu potencial, incentivando a compreensão, a fim de promover o auto-respeito e o respeito pelos outros.
Os conteúdos ministrados em sala de aula não são vistos como um fim em si mesmo, mas antes como um meio
através dos quais e escola procura desenvolver pessoas equilibradas e integradas. Para realizar tal finalidade Lipman
acredita que a melhor ferramenta seja o diálogo.

O DIÁLOGO

A parceria intelectual encontrada no diálogo professor-aluno significa o motor que impulsiona o fluxo perma-
nente, movimento ininterrupto, atuante como uma lei geral para a compreensão dos significados que atribuímos a
vida; de como agimos no mundo.

570
Em todos os espaços em que existe um ser humano ali prevalece a interação, o dito, o não-dito, o interdito e o
silêncio, todos articulam e constitui o discurso e a linguagem que constrói e destroem identidades e significados. O
discurso não ocorre individualmente ele é a soma de muitas vozes. Construído e transmitido na coletividade, então o
diálogo é o momento do embate de diferentes discursos.
O diálogo une, dissolve, cria e transforma as realidades existentes para o ser humano, desse modo, torna-se
importante desvelar a possibilidade de aguçar a capacidade dialógica em sala de aula, para que assim o professor
desenvolva melhor a habilidade de escutar a criança, ao mesmo tempo em que a criança aperfeiçoa a capacidade de
aprender como se expressar logicamente.

O objetivo de um programa de habilidades de pensamento não é transformar as crianças em filósofos, em tomado-


ras de decisões, mas ajuda-las a pensar mais, ajuda-las a serem indivíduos mais reflexivos, ajuda-las a terem mais
consideração e serem mais razoáveis. (LIPMAN, 2001, p.35)

A viabilidade do ensino de filosofia para crianças está intimamente ligada a possibilidade de registrar o mo-
vimento do raciocínio infantil; de como a criança realiza as conexões e estabelecem distinções; como alcançam as
definições e classificações; como avalia objetiva e criticamente informações factuais; e, como lidam reflexivamente
com a relação entre fatos e valores. Tudo isso, o bom diálogo é capaz de demonstrar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior parte das crianças, independente de fatores sociais, culturais, políticos, etc., iniciam na escola tendo
como habilidade a atenção, ávida por aprender, curiosa, confiante por descobrir um novo espaço de interação. Mas,
até que ponto a escola consegue manter o interesse da criança? Até que ponto sua necessidade de ser provocada inte-
lectualmente é atendida? Até que ponto a escola é capaz de produzir uma educação reflexiva? Até que ponto o sistema
educacional brasileiro acredita no potencial de uma educação reflexiva?
A proposta da comunidade de investigação de Lipman almeja desenvolver e alimentar na criança o espírito
aberto e dialogal de um bom cidadão, pois confia que a educação tem de ser conduzida num contexto cooperativo e
comunitário, longe da competição, do individualismo e de raciocínios sofísticos. Mas, muito perto dos valores demo-
cráticos, morais e éticos.
Desse modo, o objetivo não é dar às crianças teorias acabadas pelas quais devam se conduzir, mas sim, equipá-
-las com as ferramentas da reflexão dentro de um contexto de investigação, ou seja, de um contexto cuja metodologia
é de autocrítica e autocorreção continuas para o aprimoramento do pensar. Não será essa uma necessidade universal?
Saber pensar, ser capaz de ao receber uma informação verificar os critérios de pertinência e confiabilidade; perceber
o que é mais relevante; realizar um julgamento com critérios éticos e morais; buscar por fontes garantidas, para que
não caia no engano de acreditar que palavras são verdades e não apenas, em alguns casos, a imagem da manipulação.

REFERÊNCIAS

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WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975.

572
CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NOS IMPRESSOS NO SÉCULO XIX

Suzana Lopes de Albuquerque1


Ana Caroline Alves Pereira
Hayoni Faleiro Tavares Marques
IFG – Campus Goiânia Oeste

Resumo: O presente trabalho visa apresentar os desdobramentos dos projetos de pesquisa e de extensão rea-
lizados no IFG/Campus Goiânia Oeste que estão inseridos no campo da história da educação no império brasileiro
trazendo visibilidade aos vestígios de materiais, métodos de ensino e concepções pedagógicas nas escolas de primeiras
letras oitocentista. Serão apresentadas algumas concepções pedagógicas presentes nas obras A Sciencia do bom ho-
mem Ricardo (1825) e Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857). A partir de uma imersão em arqui-
vos físicos e digitais foram localizadas fontes que apontaram a circulação da obra A Sciencia do bom homem Ricardo
(1825) de autoria do norte americano Benjamin Franklin (1706 – 1790) na província de Goiás além do periódico
Revista de Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857) de autoria do poeta português Antonio Feliciano Castilho
(1800-1875). As discussões sobre a vida e obra do autor português Castilho referemse aos desdobramentos dos traba-
lhos de Albuquerque e Boto (2018). Dessa forma, esse trabalho apresentará a concepção pedagógica presente no livro
de leitura elementar que circulou na província de Goiás e em inúmeras outras províncias brasileiras, que tinha como
autoria o norte americano Benjamin Franklin e que evocava a preocupação em oferecer às crianças livros de leitura
cujo objetivo perpassava pela consolidação da concepção de trabalho produtivo capitalista desde a tenra idade. Além
desse livro de leitura elementar, esse escrito apresentará algumas concepções pedagógicas presentes no periódico es-
crito pelo poeta português Castilho e que foi destinado aos sujeitos envolvidos no processo de escolarização nas dife-
rentes províncias brasileiras. O caminho metodológico escolhido para trilhar tais objetivos será a pesquisa qualitativa
com caráter bibliográfico e de análise documental, a partir da proposta da renovação no conceito historiográfico e de
análise das fontes proposta pela Escola dos Annales (1929). Para essas discussões, nos fundamentaremos em Bloch
(2005) que trata dessas renovações no tratamento das fontes, El Far (2006), que aborda a história da organização
do livro e dos impressos no âmbito da instrução pública no processo de civilização das províncias brasileiras, Sales
(2013) que trata das contribuições da obra de Benjamin Franklin para a história da educação brasileira e ainda Albu-
querque e Boto (2018) que apresentam as interlocuções do poeta português Castilho na instrução pública brasileira
oitocentista. Por meio deste estudo foi possível compreender diferentes objetivos no campo da instrução pública para
as crianças em sua função civilizatória frente ao sistema capitalista e ao liberalismo emergente. O desenvolvimento
dessa pesquisa provocou reflexões sobre modelos, métodos de ensino e concepções pedagógicas que circularam no
ensino da leitura e escrita de diferentes províncias brasileiras, sendo observada a relação entre a escola, a infância e o
processo civilizador no Brasil do século XIX.
Palavras-chave: Instrução. Leitura. Escrita

APRESENTAÇÃO

Dentre inúmeras fontes levantadas em nossa pesquisa envolvendo os impressos para a instrução pública no
século XIX, esse escrito apresentará algumas concepções pedagógicas presentes nas obras A Sciencia do bom homem
Ricardo (1825), de autoria do norte americano Benjamin Franklin (1706 – 1790) que circulou em diferentes provín-
cias no século XIX brasileiro, inclusive na de Goiás, localizada a partir de uma imersão em arquivos físicos e digitais.
Tal obra resultava da preocupação em oferecer às crianças livros de leitura cujo objetivo perpassava a consolidação
da concepção de trabalho produtivo capitalista desde a tenra idade.

1 Professora do IFG – Campus Goiânia Oeste. Bolsista PIQS – IFG.

573
Além desse livro de leitura elementar que circulou em diferentes escolas de primeiras letras no império brasi-
leiro, esse artigo apresentará algumas concepções pedagógicas presentes no periódico Revista de Instrução Pública para
Portugal e Brasil (1857) de autoria do poeta português Antonio Feliciano Castilho (1800-1875) e de seu discípulo Luiz
Filippe Leite que foi destinado aos sujeitos envolvidos no processo de escolarização em Portugal e nas diferentes
províncias brasileiras.
A partir da proposta da renovação no conceito historiográfico e de análise das fontes proposta pela Escola dos
Annales (1929) para a escrita desse artigo serão utilizados autores como Bloch (2005), El Far (2006), que aborda a
história da organização do livro e dos impressos no âmbito da instrução pública no processo de civilização das pro-
víncias brasileiras, Sales (2013) e Arriada (2015) que tratam das contribuições da obra de Benjamin Franklin para a
história da educação brasileira e ainda Albuquerque e Boto (2018) que apresentam as interlocuções do poeta portu-
guês Castilho na instrução pública brasileira oitocentista.
Para analisar tais obras do século XIX, é preciso ter um olhar crítico, deixando a concepção que as fontes são
inoculadas e por si só verdadeiras, uma vez que

“documentos são vestígios” diz Marc Bloch contrapondo-se versão da época, que definia o passado como um dado
rígido que ninguém altera ou modifica. Longe dessa postura mais ontológica e retificadora, para o historiador
Francês o passado era uma “estrutura em progresso”. Segundo Bloch, mesmo o mais claro e complacente dos docu-
mentos não fala senão quando se sabe interrogá-lo. E a pergunta que fazemos que condiciona a análise e, no limite,
eleva ou diminui a importância de um texto retirado de um momento afastado (BLOCH, 2001, p.08).

Dessa forma, vislumbramos conhecer os objetivos no campo da instrução pública para as crianças em sua fun-
ção civilizatória frente ao sistema capitalista e ao liberalismo emergente. Esse escrito vislumbra provocar reflexões
sobre modelos, métodos de ensino e concepções pedagógicas que circularam no ensino da leitura e da escrita em di-
ferentes províncias brasileiras, sendo observada a relação entre a escola, a infância e o processo civilizador no Brasil
do século XIX.

LIVRO DE LEITURA NO IMPÉRIO BRASILEIRO: A SCIENCIA DO BOM HOMEM RICARDO


(1825)

Ao escrever sobre a história do livro, El Far (2006) apresenta o contexto de limitação do acesso à leitura em
nosso país por “conta da política colonial portuguesa, que proibia qualquer tipo de impressão e de um limitado acesso
à instrução e à educação, o volume impresso no Brasil, por um longo período percorreu circuitos bastante restritos”
(EL FAR, 2006, p.9).
O momento de ruptura com a vinda da família real para o Brasil segundo a autora desencadeou várias mudan-
ças como a fundação por D. João VI no “dia 13 de maio de 1808, a impressão régia, a princípio com o único objetivo
de divulgar toda a legislação e papeis diplomáticos do serviço real” (EL FAR, 2006, p.16). Após alguns meses

“[...] pela falta de outras tipografias no país e pela demanda de feitos ligados a arte, cultura e oratório, o governo
português deu à impressão regia, que ao longo do tempo receberia diferentes nomes, um uso mais difuso, permi-
tindo em seus prelos a passagem de textos literários e de conhecimento gerais” (EL FAR, 2006, p.16).

Segundo Nascimento (2014), dentre os inúmeros livros disponibilizados pelo governo imperial brasileiro es-
tava a obra de Benjamin Franklin intitulada “A Sciencia do bom homem Ricardo (1825) que era utilizada na escola
primária como livro de leitura elementar. A partir de pesquisa no Arquivo Público de Goiás2 pudemos observar a
presença dessa obra na instrução pública da província de Goiás conforme apresentadas nos manuscritos dos anos de
1858-1868 e nos documentos avulsos na caixa de número 154.

2 Localizado no Centro Cultural Marieta Telles Machado, Praça Cívica, número 02, Centro, Goiânia-Goiás.

574
A imagem 1 apresenta a capa do livro “A sciencia do bom homem Ricardo, ou meios de fazer fortuna” que foi
editada em Lisboa na Typographia da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis, encontrando-se disponível
no site biblioteca Nacional de Portugal.

Imagem 1 – Capa do livro a Sciencia do bom homem Ricardo (1825)

Essa obra foi elaborada por Benjamin Franklin baseado no Almanaque do Pobre Ricardo, também de sua
autoria. O autor, porém, utilizou o pseudônimo de Ricardo Saunders na publicação do Almanaque que circulou em
diversas partes do mundo a partir de 1857 e permaneceu no campo da instrução por muitos anos, como observa-se
na província de Goiás oitocentista.
Apesar de não ter sido necessariamente escrita para uso da escola, essa obra foi utilizada “como suporte no
processo de aquisição da leitura. Ademais, o uso desses textos estava vinculado ao processo de introjeção de valores
éticos e morais” (ARRIADA, 2015, p.244). Tais valores fundamentavam-se em uma ética cristã e capitalista.
Essa obra norte-americana foi traduzida para o português e difundida no império brasileiro. De acordo com
Nascimento (2014) a cultura norte-americana tornava-se um espelho para o Brasil trazendo pela via do impresso os
princípios norte-americanos que influenciaram a instrução primária. Se formos analisar,

o modelo norte-americano torna-se referência no campo educacional brasileiro. Observar como esta instrução
funcionou na América, como se deu a circulação dessa nova pedagogia, e o que o Brasil almejou importar como
método, auxilia na busca das práticas que estão presentes cultura brasileira (SALLES, 2013, p. 02).

Dentre os princípios da cultura norte americana tal obra visava contribuir para a vulgarização do capitalismo
no Brasil, uma vez que os conselhos do bom homem Ricardo (1825) consistiam em trabalhar muito e economizar,
não gastar seu tempo com o ócio e muitos menos seu dinheiro para realizar os prazeres da vossa mente, preceitos que
demonstra que

[...] esta obra, guardada as devidas proporções, estaria para o capitalismo como o manifesto comunista elaborado
por Marx e Engels estaria para o comunismo, no sentido de constituírem-se em um libelo doutrinário, reduzido
em um panfleto que sintetizaria comportamentos e atitudes consentâneos com as práticas adequadas aos respecti-
vos sistemas sociais. A Sciencia do bom homem Ricardo, eivada de preceitos que ressaltavam a poupança, a ascese,
o trabalho, a humildade, a obediência, caiu como uma luva na nova sociedade que precisava um instrumento de le-
gitimação doutrinária para uma prática, de certa forma, calcada na desigualdade social e que carecia de mecanismos
de introjeção ideológica capazes de explicarem o porquê das diferenciações sociais e, ademais, carecia naturalizar a
estratificação social a partir de características pessoais ( ARRIADA, 2015, p.244)

575
O livro A Sciencia do bom homem Ricardo (1825) foi utilizado na formação continuada do mundo adulto e na
formação inicial da criança, pois era ministrado como material para a formação de leitores nas escolas de primeiras
letras, sendo que “particularmente no Brasil, como se tem observado em inúmeros inventários de materiais escolares
existentes nas aulas de ensino primário no século 19, a presença do texto elaborado por Benjamin Franklin é muito
frequente” (ARRIADA, 2015, p.249).
Tal obra vulgarizou por províncias do Brasil e “perdurou por mais de 20 anos, com uma quantidade de mais
de 42.398 exemplares impressos” (NASCIMENTO, 2014, p.08). De acordo Nascimento (2014) apud Tambara, o livro
A sciencia do bom homem Ricardo (1825) era distribuído pelo governo para os alunos pobres e o restante se adquiria no
mercado com a finalidade de aumentar a industrial editorial no Brasil.
A obra era utilizada no processo de aquisição da leitura dos alunos da escola primária que tinham idade entre
07 a 14 anos. A linguagem que o livro apresentava era de fácil entendimento para o adulto, porém, não apresentava
elementos que relacionassem à uma concepção de infância pautada na liberdade criadora, na mediação e construção
do conhecimento.
Utilizada no processo de aquisição da leitura na escola de primeiras letras, tal obra foi disponibilizada pelo
governo para os alunos pobres e, em meio ao cenário de péssimas condições físicas das escolas, era possível encon-
trarmos uma concepção pedagógica que objetivava consolidar a mentalidade da adequação ao modelo econômico do
capitalismo; ao mesmo tempo que as crianças eram alfabetizadas, inculcava-se a lógica da instrução como instrumen-
to para acumulação do capital.
Ao analisar a obra de Benjamin Franklin, observa-se que o autor em suas 20 páginas tentava convencer o leitor
da importância de se trabalhar e poupar, pois seria esse o caminho da prosperidade frente ao capitalismo. O autor
pautava-se em uma ótica capitalista de racionalização dos tempos e espaços afim de aumentar a produtividade do
indivíduo em detrimento da eliminação do ócio.

IMPRESSO NO IMPÉRIO BRASILEIRO: “REVISTA DE INSTRUÇÃO PÚBLICA PARA


PORTUGAL E BRASIL”

Partindo de uma concepção de história enquanto ação dos homens e no tempo, o objetivo desse tópico é apre-
sentar as concepções pedagógicas presentes no periódico “Revista de Instrução Pública para Portugal e Brasil” (1857)
produzido por António Feliciano de Castilho e por seu secretário Luiz Filippe Leite, “afetuoso discípulo, desde os
dezenove anos, secretário e dedicadíssimo auxiliar do mestre na cruzada da instrução” (CASTILHO, 1942, p.251)
Para compreender as concepções pedagógicas presentes nos diferentes projetos de instrução para Portugal e
Brasil pela via desse periódico é importante evidenciar a necessidade destacada pelos autores de buscar uma exitosa
formação de professores e de alunos leitores em um momento em que a leitura e o processo de escolarização tor-
naram-se instrumentos para civilização, desdobrando em práticas de escrita no processo de aquisição dos signos e
aprimoramento do vocabulário.
Castilho teve papel importante como líder acadêmico, além de ser redator da Revista Universal Lisbonense e
do periódico que abordava assuntos ligados à educação, no qual, também defendia seu método de alfabetização inti-
tulado Método Português Castilho para aprendizagem da leitura e da escrita.
A imagem número 2 apresenta a capa da revista de Castilho e Leite onde, além dos elementos tipográficos, os
autores registraram suas intenções, esboçando a parceria na edição, redação e publicação.

Em duas palavras o diremos. Pesar na balança do senso comum e à luz da ciência atual, o que existe bom ou mau,
ótimo ou péssimo nas duas legislações; inquirir o que falta e devia existir; examinar com a mesma consciência o
que se faz e o que se tem feito nos países onde mais adiantada se acha a organização da instrução pública, conside-
rada quer administrativamente, quer nos pormenores pedagógicos e didáticos (CASTILHO & LEITE, 1857, p.1).

576
Imagem 2 – Capa da Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857)

Fonte: http://purl.pt/31471/3/html/index.html#/1

Esta revista apresentava 8 periódicos, sendo 6 datados de 1857 e 2 do ano de 1858, contabilizando 96 páginas,
contendo programas de reformas oficiais para a instrução pública, comissões referentes ao Método português de
Castilho, reformas propostas por Castilho, dentre inúmeras matérias. O periódico escrito por Castilho e Filippe Leite
abordava assuntos relacionados a instrução tanto em Portugal como no Brasil quanto em outros países, colocando as
necessidades de mudanças e cobrando avanços em determinadas áreas, como a adoção do próprio “Método Português
Castilho, para o ensino rápido e aprazível de ler escrever e bem falar”.
A revista destinava-se aos dois países pela leitura de que Portugal “não obterá a prosperidade pública sem
basear na educação nacional os seus esforços (CASTILHO & LEITE, 1857, p.1), enquanto o Brasil “não aproveitará
convenientemente os seus inexauríveis recursos, sem elevar a massa nacional ao nível a que lhe não é lícito ficar
inferior” (CASTILHO & LEITE, 1857, p.1). A busca pela elevação da massa passaria por Castilho pela vulgarização
dos impressos.

Queremos a terra coberta de livros, como de um maná; queremos os livros para todos os paladares; queremo-los
em todas as oficinas e choupanas, em todos os palácios, em todas as feiras em todas as carroagens, em todos os
navios, nas mãos de todos os ativos, nas de todos os ociosos, aqui, ensinando; além, consolando; mais longe, dis-
traindo; sempre amigos; sempre reformadores, sempre criadores, sempre progressivos [...] (CASTILHO & LEITE,
1857, p.21).

A revista apresentava ainda muitos detalhes sobre questões de ensino, teatro, educação para os surdos e mudos
e abordava assuntos sobre as bibliotecas públicas, museus, academias de Artes. Visto por este ângulo Castilho tentou
trabalhar com diversificadas informações no seu periódico buscando assim um maior público leitor e uma civilização
dos costumes e valores letrados.

A única política atualmente possível, não só para a Europa, mas para a América, e para todos os povos livres, é a
da luz para todos; é a da civilização universal. A opinião popular educada, é a mais segura felicitação pública. Por
ela, se operará no interesse comum, o que aliás ficaria circunscrito à limitada esfera das conveniências individuais
(CASTILHO & LEITE, 1857, p.1).

577
Castilho e Leite (1857) registraram a historicidade do livro frente ao processo de democratização do acesso
aos saberes possibilitado pela difusão das publicações das revistas como publicações médias entre o jornal e o livro,
destacando a sua revista em meio a tantos e tão diversos grupos de publicações periódicas devido a “carência de um
jornal didático, mas didático no sentido das principais exigências do século, que participasse do livro pelo ponderoso
e reflexivo, e ainda um pouco pela extensão no expor e sustentar as doutrinas” (CASTILHO & LEITE, 1857, p.3).
Na busca de compreender a atuação de António Feliciano de Castilho no campo da instrução pública em Brasil
e em Portugal, dialogamos com o texto de Boto e Albuquerque (2018) que apresenta o Método Português-Castilho
para o ensino rápido e aprazível do ler, escrever e bem falar e as tentativas de vulgarização desse autor português nas
escolas brasileiras. Albuquerque e Boto (2018), diz que o método de Castilho “apresentava-se como uma proposta de
escola moderna, caracterizada por sua função modeladora, racionalizadora, normativa e reguladora da cultura letra-
da” (ALBUQUERQUE & BOTO, 2018, p. 18).
O seu ideal de amor à pátria e aos homens engendrava “o amor próprio, menos enérgico em nós que o amor
da pátria e da humanidade” (CASTILHO & LEITE, 1857, p.1) à projetos reformistas no campo do ensino da leitura.
Castilho vislumbrava pela via da eleição do agricultor e do suposto investimento financeiro no campo da agricultura
instruir e formar novos cidadãos, hábeis tanto na leitura e escrita, quanto no ofício permeado pelo saber científico a
ser compartilhado entre os novos espaços instrucionais que seriam construídos.

Cultivada convenientemente a alma humana, a indústria rural e todas as indústrias subsequentes para logo entra-
ria a regenerar-se. A resolução prática do primeiro problema, a instrução bem feita, e no sentido das verdadeiras
exigências do mundo atual, facilitará em pouco tempo a regeneração de todas as artes produtivas: todo o operário
instruído na respectiva escola profissional, e subsequentemente pelos tratadinhos ou pelo jornal do seu mister,
produzirá mais, e melhor, em menos tempo: afeiçoar-seá para o seu tráfego, e, fazendo-o progredir, colocar-se-á
a si próprio no caminho da fortuna (CASTILHO & LEITE, 1857, p.4).

A concepção pedagógica presente no impresso que circulou no Brasil no século XIX apresentava uma proposta
de regeneração social pela vulgarização dos livros, pelo ensino da leitura e da escrita aliados ao ofício da agricultura. Esse
projeto de instrução aliado ao movimento civilizador partia da lógica que “adequar-se aos padrões de urbanidade prescritos
significava, para os homens da modernidade emergente, adequar-se a um modelo de distinção” (BOTO, 2011, p. 22).
Para Castilho, Brasil e Portugal derivavam das mesmas tradições e origens e por isso defendia o fortalecimento de
um sistema público de ensino para a prosperidade pública. Ainda fazendo a relação entre os dois contextos nacionais,
para ele Portugal não caminharia para um futuro sem remendar os erros da instrução popular deixados no passado, e
para o Brasil que é uma sociedade nova, descrevia a importância do crescimento intelectual da população. Para Castilho,

o primeiro, não obterá a prosperidade pública, sem basear na educação nacional os seus esforços. O segundo, não
aproveitará convenientemente os seus inexauríveis recursos, sem elevar a massa nacional ao nível a que lhe não é
lícito ficar inferior. (Castilho e Leite, 1857, p.01)

O contexto imperial brasileiro remontava às transformações decorrentes dessa atmosfera mental do século
XVIII, momento em que se vislumbrava um “Estado nação a ser esculpido: o sentimento de pátria e a unificação lin-
guística eram dispositivos imprescindíveis para tal empreendimento” (BOTO, 1996, p. 16).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse escrito objetivava compreender as concepções pedagógicas expressas no livro de leitura elementar A Scien-
cia do bom homem Ricardo (1825) de autoria de Benjamin Franklin que circulou nas escolas de primeiras letras nas
diferentes províncias brasileiras, inclusive na de Goiás, no século XIX e do periódico “Revista de Instrução Pública
para Portugal e Brasil” (1857) produzida por António Feliciano de Castilho e por seu secretário Luiz Filippe Leite.
O livro do norte americano Benjamin Franklin que circulou em diferentes países inclusive no Brasil em dife-
rentes províncias no século XIX foi lido pelos leitores infantis em processo de formação inicial e aquisição da lingua-
gem escrita e apresentava uma doutrina fundamentada em uma moral de produtivismo pela ótica do trabalho árduo.

578
Na contramão de um leitura crítica e de enfrentamento, os conselhos do norte americano Benjamin Franklin
auxiliavam seus leitores a ascenderem socialmente nessa engrenagem estruturada e na conformação frente ao siste-
ma de segregação, dualismo e injustiça social, apresentando conselhos para subsistir nessa mentalidade capitalista,
ajuntando meios para se fazer uma fortuna como condição para superação da condição de ignorante e de explorado.
Na defesa pela vulgarização dos impressos para uma eficiente formação de sujeitos leitores, em um momento
em que a leitura e o processo de escolarização tornaram-se instrumentos para civilização, desdobrando em práticas de
escrita no processo de aquisição dos signos e aprimoramento do vocabulário, Castilho e Leite lançaram seus periódicos.
Antonio Feliciano Castilho vislumbrava pela via do ensino de um ofício, como a do agricultor e do suposto in-
vestimento financeiro, instruir e formar novos cidadãos, hábeis tanto na leitura e escrita, quanto no ofício permeado
pelo saber científico a ser compartilhado entre os novos espaços instrucionais que seriam construídos.
Dessa forma, como as crianças precisariam assumir uma nova condição civilizatória em seus meios de origem
para se assegurar a moralização e instrução da infância pelo rito escolar, ampliou-se a produção de materiais didáticos
com a finalidade de ensinar os rudimentos da leitura, escrita, aritmética e catecismo e ofício.
Observa-se, portanto, que em sua utopia de regeneração social pela modernização da instrução aliada ao ensi-
no de um ofício, sua moderna concepção de infância coincidia com um rompimento entre o mundo dos adultos e a
institucionalização das crianças, que se fortaleceu em torno de processos de disciplinarização e modelos de civilidade.
Interessava, sobretudo, pela via das duas obras analisadas, propor condições necessárias para que a criança dei-
xasse de ter atitudes indesejáveis e que estivessem interligadas por impulsos emocionais e fantasias afetivas, cedendo
lugar ao racional, mensurável e ao rito que a escola no século XIX desenhava para nossa atualidade.

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no século XIX. ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.

579
“CULTURA, ESPORTE E LAZER NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS/REGIONAL CATALÃO:
ANÁLISE DOS ANAIS DO CONPEEX”

Amanda Graziela de Oliveira – RC/UFG1


Juliana Pereira de Araújo – RC/UFG2

Resumo: A criação, na década de 1980, do Campus da Universidade Federal de Goiás em Catalão (Regional
Catalão) foi valiosa como manifesto da interiorização da educação superior no estado de Goiás e teve também funda-
mental papel no processo de desenvolvimento sócio-econômico-cultural da região. Agora, a Universidade Federal de
Catalão (UFCAT) oferece 25 cursos de graduação na modalidade presencial e 2 cursos de graduação na modalidade
a distância sendo que destes, 14 são licenciaturas. É ainda um desafio à essa instituição estabelecer e consolidar um
padrão de atuação nos três pilares que regem as universidades – Ensino, Pesquisa e Extensão. Particularmente na
dimensão da extensão, têm sido buscadas ações que aproximem a universidade da comunidade de seu entorno, o que
acontece sobretudo a partir de projetos de curta e média duração cadastrados na coordenação de extensão. Desde
2015, a Regional Catalão realiza anualmente o Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONPEEX – e nele são
socializadas e problematizadas também as ações de extensão, sendo que o esporte, a cultura e o lazer se sobressaem
como temáticas predominantes. No presente artigo, temos como objetivo geral apresentar os resultados de uma re-
visão sistemática que se ateve a mapear e analisar as ações de extensão universitária com foco na cultura, no esporte
e no lazer. São questões centrais dessa revisão: quais os cursos de graduação e áreas de conhecimento que tem forta-
lecido a extensão nas temáticas referentes a cultura, ao esporte e ao lazer? Quais os públicos têm sido atendidos pre-
dominantemente por estas ações? Qual o referencial teórico-metodológico é utilizado tendo em vista o planejamento
e execução das ações de extensão? Para a revisão, a coleta de dados foi realizada através da filtragem dos anais do
CONPEEX realizados em Catalão/GO, utilizando como descritores de busca as palavras “esporte” e/ou “lazer” e/ou
“cultura” constantes no título e/ou nos resumos e/ou nas palavras-chave dos textos publicados. De modo preliminar,
destacamos que para as ações de extensão nestas áreas, o público com mais aproximação é formado pelas crianças e
em seguida pelos jovens. Na análise verificamos que predominam os projetos no âmbito do lazer, seguido da cultura
como dimensões basais. O curso de Educação Física é responsável pela maior parte das iniciativas. Com a realização
deste estudo, temos a expectativa de colocar em evidência as questões relacionadas a extensão universitária em geral
e mais especificamente em relação a como vem sendo desenvolvidos esses projetos de extensão universitária na RC/
UFG, assim como despertar o interesse do público em geral para tomarem conhecimento do direito ao acesso a essas
políticas de extensão.
Palavras-chave: Extensão Universitária. CONPEEX. Catalão.

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS- REGIONAL


CATALÃO

A extensão universitária é ação intrínseca à universidade brasileira legitimada pela Lei n.º 5.540/68 que marca
a reforma universitária e a indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão. O maior desafio em relação a esta
prática segundo Freire (1983) é ultrapassar o entendimento de que ela é algo estruturado com base no assistencialis-
1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado em Educação da Regional Catalão/UFG. E-mail: mandagrazyy@
gmail.com
2 Professora Dr.ª do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado em Educação da Regional Catalão/UFG. E-mail: juliana.
barrado@gmail.com

580
mo ou na mera transmissão de informação (comunicação). Nesse sentido concorre fortemente a definição apresen-
tada em 1987 no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão que a define como

uma vida de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a opor-
tunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e dis-
centes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo,
que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como consequência: a produção do
conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; a democratização do conhecimento
acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora desse
processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do
social. (RIBEIRO, 2012, p. 47-48)

Segundo Silva (2009) é pela extensão que a Universidade Federal de Goiás inicia suas atividades em Catalão não
região sudeste de Goiás (260 km da capital) no ano de 1983 quando se torna o Campus Avançado de Catalão (CAC),
pela Portaria n.º 189, funcionando em espaço que até então alocava o Centro de Formação de Professores Primários.
O intento fundamental era o de oferecer bases físicas, administrativas e técnicas para a realização dos programas que,
que atendessem as necessidades básicas da região sudeste do estado de Goiás.
O ensino vai se estabelecendo com a constituição dos cursos, sobremaneira as Licenciaturas que iniciam com a
licenciatura plena em Geografia e Letras em 1986 como resposta a demanda regional por ensino de cursos de graduação.
Na sequência vieram a Licenciatura plena em Matemática e em Pedagogia (1988), a Licenciatura plena em Educação
Física (1990) e a Licenciatura em História (1991). De mesma maneira a pesquisa vai se fortalecendo com o surgimento
dos cursos de pós-graduação, atualmente são 10 cursos stricto sensu, além de vários cursos de especialização.
Após mais de 30 anos de funcionamento o Campus Avançado de Catalão, que depois passa a ser chamado de
Regional Catalão, foi emancipado em 2018 e vivencia processo de transição para assumir condição de Universidade
autônoma. Como Universidade Federal de Catalão (UFCat) continuará seus trabalhos sendo largamente admitida
como importante polo de formação responsável pela oferta de 28 cursos de graduação na modalidade presencial e 2
cursos de graduação na modalidade a distância dos quais 14 são Licenciaturas.
A extensão continua se defrontando com grandes desafios e se mostra fundamental para garantia da autonomia
e das condições para produção de conhecimento que é essencial ao desenvolvimento produtivo e social nos âmbitos
do local e do regional. E consideramos que ela deva produzir pela criação e efetivação de políticas de esporte, lazer e
cultura garantidas pela Constituição Federal de 1988 contribuições valiosas pois como salienta Requixa (1980) nessa
seara ela poderia atuar frente a problemas e reflexos causados pela nossa sociedade como a solidão, o “stress”, o se-
dentarismo e outros e por fim; o poder de formação que as práticas de atividades de esporte, lazer e cultura exercem
sobre o cidadão.
É no bojo dessa problemática que envolve a extensão, a UFCat e as políticas de esporte, cultura e lazer que o
presente artigo foi produzido tendo como base as seguintes questões: Quais os cursos de graduação e áreas de conhe-
cimento tem fortalecido a extensão nas temáticas referentes a cultura, ao esporte e ao lazer? Quais os públicos têm
sido atendidos predominantemente por estas ações? Qual o referencial teórico-metodológico é utilizado tendo em
vista o planejamento e execução das ações de extensão?
Podemos assinalar que é, portanto, objetivo deste trabalho mapear e analisar as ações de extensão universitária
com foco na cultura, no esporte e no lazer realizadas na Universidade Federal de Catalão nos últimos anos.

DESENVOLVIMENTO

Para atingir o objetivo proposto realizamos uma revisão sistemática sobre os anais do Congresso de Ensino
Pesquisa e Extensão- CONPEEX. A primeira edição em Catalão foi realizada em 2015 (antes era realizado em Goi-
ânia) e desde as realizações da extensão são socializadas através da apresentação de pôsteres e comunicações orais
sendo que estas últimas são publicadas nos anais do evento.

581
Tomando como base de dados os anais do evento publicados desde 2015 e acessados pela internet (o que explica
a ausência dos resultados do II CONPEEX) buscamos nos resumos (em títulos e palavras-chave) dos textos da seção
voltada à extensão a presença dos descritores “esporte”, “lazer” e “cultura”. Posteriormente uma segunda inspeção foi
feita para garantir que fossem também admitidos os textos que apresentassem em títulos e palavras-chave termos
correlatos que remetessem as áreas da pesquisa.

ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÕES

No I CONPEEX, realizado em 2015, foram apresentados 26 trabalhos apresentados na “Mostra de Extensão e


Cultura” e destes 6 (seis) apresentavam os descritores buscados. São eles:
1. Contribuição de um projeto de capoeira para a inclusão social de pessoas com deficiência na cidade de
Catalão – Goiás.
2. O brincar na ludoteca UFG/RC: gênero nas interações infantis.
3. Atividade físico-recreativa para idosos de instituições asilares.
4. Ludoteca UFG/Catalão: brincar, aprender e sorrir.
5. Dançando com as diferenças: dança inclusiva.
6. A arte de ensinar física: física no palco.

Separando-os por categorias podemos observar que: 1 (um) se apresentava como esporte e lazer (Capoeira
inclusiva); 3 (três) como lazer (dois trabalhos da Ludoteca e um de atividade físico-recreativa); 1 (um) como lazer e
cultura (dança inclusiva) e; 1 (um) como cultura (física em forma de teatro).
Quanto aos cursos que desenvolveram os projetos que originaram os trabalhos verificamos que 5 (cinco) eram
do curso de Educação Física e 1 (um) do curso de Física.
Quanto ao público atendido por estas ações descobrimos que 1 (um) era realizado com idosos de instituições
asilares; 2 (dois) com crianças; 2 (dois) com pessoas com ou sem deficiências e; 1 com estudante /jovens.
Quanto ao referencial-teórico-metodológico sobre a extensão universitária não houve menção sendo apenas
expostos nos resumos informações sobre os projetos.
Os anais do II CONPEEX não foram analisados pois não estão disponibilizados online.
Nos anais do III CONPEEX realizado em 2017 encontramos tiveram 45 trabalhos apresentados na apresen-
tados na “Mostra de Extensão e Cultura” e destes encontramos 8 (oito) trabalhos que com descritores definidos e,
portanto, nas áreas temáticas esporte, lazer e-ou cultura.
Foram os seguintes:
1. Brinquedoteca hospitalar como campo de extensão: um relato de experiência.
2. Corpo e ludicidade: vivências corporais para idosos em instituições de longa permanência.
3. Corpo em movimento: vivências corporais no centro de atendimento educacional especializado Santa
Clara/Associação Pestalozzi – Catalão.
4. Descobrindo o brincar na educação infantil: intervenção pedagógica no centro municipal de educação
infantil Natalia Safatle Soares.
5. O brincar como direito da criança.
6. O brincar: elaborar e amenizar a dor de estar doente e hospitalizada: um relato de experiência em uma
brinquedoteca hospitalar.
7. Perfil de saúde e atividades desenvolvidas para idosos em um grupo de convivência de unidade básica
de saúde da família.
8. Show física no palco.

582
Ao classificarmos de acordo com as categorias da pesquisa verificamos que 5 (cinco) falaram na perspectiva
de lazer (dois trabalhos de brinquedoteca hospitalar, dois na área do brincar e um em atividades desenvolvidas para
idosos); 2 (dois) como lazer e cultura (um de vivencias corporais para idosos e um de vivencias corporais para pessoas
com deficiências) e; 1 (um) sobre cultura (show de física no palco).
Pelos resumos vimos que os cursos de graduação com maior número de trabalhos no evento foram aqueles
pertencentes ao instituto de biotecnologia (que abriga os cursos de enfermagem, psicologia, educação física, ciências
biológicas) que perfizeram um total de 7 (sete) resumos. Apenas 1 (um) era externo ao Ibiotec, sendo proveniente do
curso de Física.
Em relação ao público atendido por estas ações vimos que: 2 (dois) foram realizados com idosos; 4 (quatro)
foram realizados com crianças; 1 (um) foi realizado com estudantes/jovens e 1 (um) foi realizado com pessoas com
deficiência.
E mais uma vez, não encontramos menção a nenhum referencial-teórico-metodológico relacionado a extensão
universitária sendo típico nos resumos a informação sobre as atividades desenvolvidas nos projetos.
Nos anais do IV CONPEEX realizado em 2018 estão os resumos de 30 trabalhos que foram apresentados na
“Mostra de Extensão e Cultura”. Destes, verificamos que 7 (sete) tinham o esporte, o lazer e a cultura como temáticas
centrais que são:
1. Cinema na roça: cinema itinerante nas comunidades rurais de catalão e região.
2. Dia mundial da orientação/world orienteering day: oficina de divulgação do esporte de orientação na
UFG/Regional Catalão.
3. Ludoteca UFG/Regional Catalão: relato de alguns aprendizados como ludotecários.
4. Núcleo de dança do corpoencena: experiências de democratização, formação e criação com manifesta-
ções artístico-culturais.
5. O brincar enquanto o direito da criança.
6. O ensino das lutas na extensão universitária.
7. O ensino de conceitos físicos por meio de atividades experimentais e apresentações teatrais - uma
forma interessante e divertida de se aprender física.

No que tange as categorias: 3 (três) podem ser classificados como ações na área da cultura (cinema na roça,
núcleo de dança do corpoencena e o ensino da física por show); 2 (dois) como ações voltadas ao lazer (ludoteca e o
brincar em hospitais) e 2 (dois) como ações relacionadas ao esporte-lazer (esporte de orientação e o ensino das lutas).
Quanto aos cursos que desenvolveram os projetos vimos que dos 7 (sete) trabalhos 4 (quatro) estavam liga-
dos ao instituto de biotecnologia (IBIOTEC), 1 (um) se relacionava a atividade realizada pelos cursos de história e
ciências sociais, 1 (um) era originado de projeto desenvolvido pela engenharia e, 1 (um) adivinha de experiência de
extensão desenvolvida pelo curso de física.
Do público atingido pelos projetos checamos que 3 (três) deles foram realizados com crianças; 3 (três) foram
realizados com estudantes/jovens e; 1 (um) foi realizado com comunidades rurais.
Não encontramos nenhum referencial-teórico-metodológico da extensão e como esperado apenas a descrição
das ações realizadas no projeto desenvolvido.
Buscando contrastar as informações e a análise projetamos algumas tabelas.
Na primeira, Tabela 1, destacamos os dados relativos às áreas dos projetos de extensão que foram foco da pes-
quisa.

583
Tabela 1. Resumos publicados na seção de extensão classificados conforme área.

Edição Ano Esporte Lazer Cultura Total de trabalhos


I CONPEEX 2015 1 3 2 6
III CONPEEX 2017 - 5 3 8
IV CONPEEX 2018 2 2 3 7

O que fica explícito é o registro da área de lazer como predominante nas ações, seguida da Cultura e do Esporte.
E chama a atenção o fato de que não há na UFCat cursos do campo específico das artes como artes cênicas, dança,
música ou artes plásticas.
Na segunda tabela organizamos a análise dos dados de maneira a evidenciar quais os cursos ou unidades esti-
veram à frente dos projetos de extensão socializados no CONPEEX com foco nas áreas de esporte, cultura e lazer na
Universidade Federal de Catalão.

Tabela 2. Resumos publicados na seção de extensão classificados conforme cursos ou unidades de realização.

Total de
Edição Ano IBIOTEC História Engenharia Física trabalhos
I CONPEEX 2015 5 - - 1 6
III CONPEEX 2017 7 1 8
IV CONPEEX 2018 4 1 1 1 7

Vemos que o Instituto de Biotecnologia ao qual estão vinculados os cursos de Psicologia, enfermagem, Ciências
Biológicas e Educação Física vai mantendo a liderança na apresentação de trabalhos que socializam as atividades de
extensão desenvolvidas. Fica subsumido na tabela, mas é preciso destacar que o curso de Educação Física responde
em 2015 pelos cinco trabalhos que na tabela estão associados ao instituto. Em 2017 responde por um e em 2018 tam-
bém por um. A enfermagem e a psicologia são os outros cursos que se aproximam das temáticas.
Na terceira tabela organizamos os dados para responder a questão sobre o público alvo atendido pelos projetos
de extensão.

Tabela 3. Resumos publicados na seção de extensão classificados conforme o público alvo dos projetos

Edição Ano Público alvo dos projetos


Pessoas com Pessoas com\ sem Comunidades
Idosos Jovens Crianças
deficiência deficiência rurais
I CONPEEX 2015 1 1 2 - 2 -
III CONPEEX 2017 2 1 4 1 - -
IV CONPEEX 2018 - 3 3 - - 1

O que os dados revelam é que as crianças são o grupo mais próximo das atividades de extensão e que há uma
diversidade considerável de público a despeito do pequeno número de atividades socializadas.
Quanto ao referencial fica consistente a visão de que não há indícios de utilização de autores ou ideias conecta-
das à discussão maior sobre a extensão universitária.
Ao final da análise esboçamos um mapeamento das ações de extensão (ao menos as socializadas no Conpeex)
que revelam que das áreas de esporte, cultura e lazer é esta última a com maior expressão na extensão da UFCat se-
guida da cultura. Mesmo o curso de Educação Física, ligado ao IBIOTEC tem grande envolvimento com estas áreas.
O mapeamento dos cursos / áreas de conhecimento que se destacaram nessas temáticas mostram que o Instituto de
Biotecnologia tem se consolidado como unidade extensionista com especial participação da Educação Física, da Psi-
cologia e da Enfermagem. É surpreendente que as licenciaturas apresentem tão pequena participação na extensão.
Quanto ao público alvo predominantemente desses projetos de extensão observamos que as crianças e os jo-
vens são os mais contemplados na participação.

584
E por fim, no que tange o referencial teórico utilizado o que notamos que se confirma o que Paulo (2017)
aponta após analisar o referencial teórico-metodológico presente nos textos do CONPEEX em 2015-2016 nos anais
da extensão (sem recorte por área e que expõe a completa ausência de autores e obras para fundamentar a extensão.
A mera descrição dos projetos parece assumir o expediente de preencher esta importante lacuna.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que a extensão universitária seja componente do tripé que sustenta a universidade pública observamos
que ela se mantem aquém de suas possibilidades, pelo menos, na Universidade Federal de Catalão, outrora regional
da Universidade Federal de Goiás mesmo tendo sido pedra fundamental para sua criação na região onde se localiza.
De fato, é quadro que reproduz aquilo que se observa em grande parte das instituições de ensino superior regi-
das pelos moldes da universidade e que manifesta a dificuldade em compreendê-las e produzi-las como elementos de
transformação social pela partilha e produção de conhecimentos críticos.
Refletindo objetivamente sobre o que os dados revelaram sobre a Universidade Federal de Catalão devemos
ajuizar a necessidade de a extensão impor-se de modo mais contundente como uma atividade central. Há a chance
e devemos resguardar essa possibilidade, de que ela esteja sendo desenvolvida, mas não esteja sendo socializada no
CONPEEX, mas ainda assim nos parece mais plausível reconhecer a fragilidade e marginalidade de sua condição
frente aos outros componentes do tripé quais sejam, o ensino e a pesquisa.
Nas dimensões do esporte, da cultura e do lazer estas ausências exprimem um afastamento do cotidiano social
já que por estas esferas grande parte das relações se produz ou se manifesta. É, contudo, singular que estejam sendo
contempladas e que o sejam por cursos como a Educação Física (o que denota uma linha de formação voltada à cul-
tura corporal) ou a Psicologia. É preciso avaliar melhor a razão da ausência das licenciaturas por exemplo, dos cursos
como pedagogia e letras tão afins aos processos culturais e de lazer pela interlocução com a leitura e com o lúdico.
O que desejamos sinalizar é que enquanto universidade agora autônoma a UFCat precisa investir em uma apro-
ximação com o local-regional que tem na extensão principal caminho. Consideramos que a ausência de referencial seja
ele teórico ou metodológico, que poderia se alimentar das ideias da Educação Popular, expressa a urgência da instituição
pautar compreensão própria sobre o tema o que é fundamental para consolidação de práticas extensionistas que fujam
à mera transmissão portanto essencial para que a universidade em tempos de desvalorização assuma sua função social.

REFERÊNCIAS
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Anais 3º CONPEEX - Congresso de Pesquisa, Ensino, Extensão e Cultura - RC/UFG - 23 a 26/10/2017 - ISSN 2447-4134.
Disponível em:<https://iiiconpeex.catalao.ufg.br/up/957/o/mostra_extensao_cultura.pdf?1508686297>. Acesso em: 01 abr. 2019.
Anais 4º CONPEEX - Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão - RC/UFG - 22 a 25/10/2018 - ISSN 2447-4134. Disponível
em:<https://ivconpeex.catalao.ufg.br/up/1102/o/anais_4_conpeex_vers%C3%A3o_final-compactado.pdf?1549631162>.
Acesso em: 01 abr. 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 27 ago. 2013.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. 93 p.
PAULO, Elbiliana Maria Pereira. Extensão Universitária na Universidade Federal de Goiás-Catalão: Análise do
Referencial a partir dos Anais do Conpeex (2015-2016). Trabalho de conclusão de curso. Universidade Federal e Goiás, 2017.
REQUIXA, Renato. Sugestão de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC, 1980. 103 p.
RIBEIRO, Gabriela Machado. Políticas de esporte e lazer: o papel da universidade em questão. 2013. 109f. Dissertação
(Mestrado em Educação Física). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas/UFPL. Pelotas/
RS. 2012. Disponível em:<http://www.ufpel.edu.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1429>. Acesso em: 25 Jul. 2013.
SILVA, Maria José da. A história do Campus Avançado de Catalão da Universidade Federal de Goiás: 1983-2002. Goiânia:
Ed. Da UCG, 2009. 253p.

585
DE ONDE VEM OS ALUNOS DA ESCOLA PÚBLICA? CULTURA
ESCOLAR E ESTUDO DA REALIDADE HISTÓRICO-EDUCACIONAL
DE ALUNOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO EM DOURADOS,
MATO GROSSO DO SUL

Jackson James Debona – UFGD/UEMS/SEMED/MS1


Adriana Aparecida Pinto – UFGD/MS2

O presente artigo dá a conhecer resultados da atuação de professores e alunos do curso de História, da Univer-
sidade Federal da Grande Dourados, no exercício de sua premissa fundante: a articulação ensino, pesquisa e exten-
são. O contexto em exame refere-se a uma instituição escolar, localizada na região sul da cidade de Dourados, Mato
Grosso do Sul, e destaca a particularidade observada durante os trabalhos relativos aos projetos de ensino e pesquisa
desenvolvidos naquela instituição3, a saber, o índice significativo de crianças que descendem, em primeira ou segunda
geração, de famílias que imigraram do Paraguai para Dourados – Brasil -, entre as décadas de 1950 à 1980.
Tal dado foi objetivado a partir de pesquisa quantitativa aplicada na Escola, com vistas à obtenção de um
quadro geral da comunidade escolar para vislumbrar temas voltados à aplicação de projetos em turmas de ensino
fundamental Anos Finais, relacionando Estágios Supervisionados, componente curricular do Curso de História, ati-
vidades desenvolvidas por alunos e professores vinculadas ao PIBID – Programa Institucional de Iniciação à Docência
(BRASIL, 2007), e propostas de formação continuada para professores de todas as disciplinas, conforme previa o
projeto “ENSINO DE HISTÓRIA, MEMÓRIA E EDUCAÇÃO: formação de professores e a escrita da História das
Instituições Escolares da Grande Dourados”.
As chaves de leitura mobilizadas neste artigo só foram delimitadas após os resultados obtidos, visto que os
dados não estavam estabelecidos a priori, surpreendendo a todos os envolvidos, pois, muito embora houvesse indi-
cativos e suspeitas a respeito, não haviam mecanismos iniciais efetivos de comprovação da hipótese, para além da
observação da compleição física, características gerais chamadas fenotípicas e a identificação de origem hispânica
nos sobrenomes dos estudantes matriculados. Os dados revelaram, ainda, que boa parte das crianças não conhecem a
história de sua origem, facultando à escola possibilidades variadas de trabalho pedagógico, tanto de ordem histórica,
como em outras áreas do conhecimento escolar.
Ao encontro das percepções sobre o cotidiano e suas múltiplas possibilidades de compreensão dos contextos
educativos, o conceito de cultura escolar derivado da proposição de Dominique Julia (2001), corrobora com a leitura de
que os estudantes, suas vivências, experiências intra/extra escolar, suas relações afetivo-culturais e histórias de vida, são
sujeitos imprescindíveis para identificar, apreender e analisar aspectos daquele espaço. Por cultura escolar entende-se
“um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses conhecimentos e incorporação desses comportamentos.” (JULIA, 2001, p. 9).
Tal premissa é atravessada pela noção de que a escola é ora responsável por parte significativa das trocas cul-
turais operadas durante a infância, ora mediadora dessas trocas, as quais perduram por vezes, até a adolescência. Nas

1 Doutorando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, Tutor Curso de Ciências Sociais da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS e professor da Rede Municipal de Ensino de Dourados – SEMED/ MS. E-mail: jacksonjdebona@
gmail.com
2 Professora Adjunto IV da Graduação e Pós-Graduação em História – FCH/UFGD/MS. E-mail: adrianapintoufgd@gmail.com
3 Os projetos ao qual nos referimos contam com apoio da FUNDECT – MS, contemplado com recursos do Edital EDUCA-MS, intitulado
"ENSINO DE HISTÓRIA, MEMÓRIA E EDUCAÇÃO: formação de professores e a escrita da História das Instituições Escolares da Grande
Dourados", aprovado na Chamada FUNDECT/CAPES N° 11/2015 - EDUCA-MS - CIÊNCIA E EDUCAÇÃO BÁSICA, com vigência
entre o período de 2016-2018. Importa destacar que essa linha de financiamento apoia projetos realizados em parceria da Universidade com
Escolas Públicas.

586
análises presentes neste texto, os sujeitos históricos são estudantes da escola pública, matriculados nos Anos Finais
do Ensino Fundamental/Educação Básica.
Ao questionar sobre a tipologia das fontes que permitem produzir estudos sobre cultura escolar, Julia (2001)
nos instiga a ampliar a produção do conhecimento histórico com base em fontes orais e digitais, materializadas em
dados, pautando-se no esforço metodológico de uma estatística descritiva aplicada à história e à educação, no exercí-
cio de pensar contextos históricos a partir de uma história quantitativa (GRANIER, 1998; BARROS, 2012), conside-
rando que “a história das práticas culturais é, com efeito, a mais difícil de se reconstruir porque ela não deixa traço.”
(JULIA, 2001, p. 15). A metodologia foi pensada considerando a necessidade de conhecer, por meio dos aspectos
quantitativos, o cenário escolar no momento de realização das atividades, transcendendo à descrição das impressões
e representações dos envolvidos nas diversas fases dos trabalhos aplicados.
A adesão ao conceito de cultura escolar não é gratuita: ao contrário, estabelece-se no diálogo com elementos da
cultura cotidiana que perpassam diariamente pelo/no espaço escolar, como bem sinaliza Vera Candau,

as diferenças culturais – étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosa, entre outras – se manifestam em todas as
suas cores, sons ritos, saberes, sabores, crenças e outros modos de expressão. As questões colocadas são múltiplas,
viabilizadas principalmente pelos movimentos sociais, que denunciam injustiças, desigualdades e discriminações,
reivindicando igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural. (CANDAU, 2011, p. 241).

O estudo da cultura escolar fornece elementos para compreender algumas destas proposições, aqui marcada
pela natureza conceitual, apontada por Julia (2001) como inerente ao espaço escolar e a todo espaço que tenha por
preocupação institucional relações ligadas ao ensino e à aprendizagem, caracterizando aquele espaço como dissemi-
nador e acumulador de cultura. Desdobrando-se, por fim, em problematizações derivadas do contexto escolar exami-
nado: as diferenças identificadas no chão da escola são trabalhadas como tais, ou são diluídas no todo homogeneizante,
como sinaliza Candau (2011)? Seria, então, papel da escola traduzir a igualdade prevista na lei no que concerne
à cidadania, em práticas diárias, relacionais e didático-pedagógicas? Em que medida os profissionais da educação
conseguem desenvolver trabalhos relacionados a questões que “excedem” aos conteúdos escolares, mas não menos
relevantes à formação dos seus estudantes?
Face ao cenário teórico apresentado, o estudo foi realizado na Escola Municipal que leva o nome de Januário
Pereira de Araújo, considerado um dos pioneiros no desbravamento na região. Construída em 1979, visava atender
as demandas educacionais da população que residia no bairro Jardim Itália e entorno, região periférica ao centro da
cidade de Dourados.
À época da fundação da Escola, o bairro contava com poucos recursos em relação à infraestrutura, tanto no que
se refere as vias de acesso, por meio de transporte público e/ou escolar, quanto à própria pavimentação do trajeto.
Ainda assim, a escola nasceu e resistiu, contando com o trabalho de inúmeros profissionais ao longo dos anos, profis-
sionais estes que contam diversas histórias sobre sua fundação, dificuldades de trabalho, dentre outros aspectos que
perfazem elementos da história regional, agregando valor à cultura local e escolar.
Nos jornais locais, observaram-se muitas notas sobre a personalidade que dá nome à Escola - o Sr. Januário
Pereira de Araújo. Na edição de 22 de novembro de 1975, a biografia de Januário aparece na primeira página com o
título “Januário Pereira de Araújo – o fundador de Dourados”. Nessa biografia o jornal lembra 14 anos de falecimento
do Januário e também evidencia que o fundador não é lembrado pela sociedade douradense, muito embora haja um
monumento (busto) localizado em uma das avenidas de intensa movimentação urbana. (O Progresso, n. 1748, 22 de
novembro de 1975).
Em relação ao registro histórico sobre Dourados, publicizado no site do IBGE com base nas informações que
constam do site da Prefeitura Municipal de Dourados4, chama a atenção o destaque à imigração japonesa, não ocor-
rendo a menção aos paraguaios, descendentes e outros grupos étnicos.
Entendemos, a partir dessa premissa, que a pesquisa cujos resultados ora se apresentam corrobora com a ne-
cessidade de investir na organização e escrita de aspectos históricos das Instituições de ensino da região, utilizando

4 http://www.dourados.ms.gov.br/index.php/sintese-historica. Acessado em 14 de abril de 2019.

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ferramentas e metodologias próprias do oficio do Historiador (BLOCH, 2001), em atendimento às demandas da so-
ciedade, no campo histórico educacional, proposição reiterada nos estudos de Décio Gatti Junior:

Desse modo, percebe-se que a perspectiva de análise da História das Instituições Educacionais almeja dar
conta dos vários sujeitos envolvidos no processo educativo, investigando aquilo que se passa no interior das
escolas, gerando um conhecimento mais aprofundado destes espaços sociais destinados aos processos de ensino e
de aprendizagem, por meio da busca da apreensão daqueles elementos que conferem identidade à instituição edu-
cacional, ou seja, daquilo que lhe confere um sentido único no cenário social do qual fez ou ainda faz parte, mesmo
que ela tenha se transformado no decorrer dos tempos. (GATTI JUNIOR, 2007, p. 184, grifos nossos).

Em mapeamento realizado para fins de atualização do projeto político pedagógico (2016) constatou-se que o
público atendido pela escola é oriundo das seguintes localidades: Bairro Brasil 500; Vila Ilda; Vila Erondina I e II; Jar-
dim Independência; Londrina; Itália e Cachoeirinha. As famílias desta comunidade pertencem à classe trabalhadora e
vivem com uma renda mensal entre um salário mínimo e meio em média, complementando a renda com a adesão a
Programas Sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família. O nível de escolaridade dos responsáveis situa-se entre
o ensino fundamental incompleto e o completo, em alguns casos o Ensino Médio.
Face a característica da comunidade escolar, o interesse no trabalho com esta instituição nasce a partir da possi-
bilidade e autorização para a realização dos Estágios Supervisionados em Licenciatura do curso de História, iniciados
em 2014. A medida em que os trabalhos foram desenvolvidos, fez-se a necessidade de apresentar uma contrapartida
à escola, em resposta ao pronto atendimento as atividades de Estágio Supervisionado (PINTO et all., 2015), assim,
consolidou-se uma parceria por projetos de ensino financiados por agências de fomento de Mato Grosso do Sul
(FUNDECT, 2016) e instâncias federais (PIBID/CAPES-2017), visando ao atendimento voltado à formação inicial
e continuada de professores, bem como os processos de ensino e aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental
nos Anos Finais.

A ESCOLA E AS TIPIFICAÇÕES SOCIAIS

Das atividades realizadas entre os anos de 2014 a 2017 com envolvimento semanal junto à equipe escolar,
reportam-se àquelas que permitem delinear a ampliação do campo de pesquisa histórica, para além da natureza peda-
gógica voltada ao ensino, contemplando fronteiras regionais nas dimensões físicas e simbólicas. No desenvolvimento
das atividades ao longo do período foram observadas entre os alunos, a presença de traços étnicos da população
paraguaia, caracterizada pelos povos indígenas do Tronco Guarani. Associado as características fenotípicas, buscou-
-se o mapeamento dos sobrenomes das crianças (muitos deles de origem hispânica, nação colonizadora das terras
paraguaias por muitas décadas). Esse dado motivou pesquisa quantitativa (GRANIER, 1998), no sentido de buscar
conhecer a formação étnico-cultural dessa parcela da população escolar, tendo em vista que próximo à escola há uma
sede da Colônia Paraguaia, localizada em uma praça – a Praça Paraguaia.
Com base nessa constatação, criou-se um instrumento de pesquisa e coleta de dados, para testar esta e outras
hipóteses de trabalho/pesquisa e, em parceria com a equipe pedagógica e administrativa, professores regentes de
História, alunos estagiários, professores parceiros no projeto Fundect e alunos bolsistas do Programa Institucional de
Apoio à Docência (PIBID), que resultou em um questionário aplicado aos estudantes de 6º ao 9º ano, contemplando
diversas áreas de abrangência, com intuito, inclusive de direcionar de modo mais adequado as temáticas a serem
exploradas nos projetos em desenvolvimento junto à escola. Importa destacar que a pesquisa quantitativa deve fazer
parte do processo de formação de professores, seja qual for a área de habilitação a que se propõe.
O instrumento de pesquisa resultou em 20 questões: Bloco inicial composto de parte objetiva visando traçar
um perfil sociocultural dos estudantes e mapeamento do público escolar; Segundo Bloco, questões de natureza dis-
cursivas/subjetivas relativas aos modos e usos da disciplina de História: todas com o intuito de recolher dados que
possibilitassem delinear as áreas temáticas de atuação, no caso do ensino de história, e sinalizar propostas de ativida-
des formativas aos professores para atender a temáticas diversificadas no currículo e cotidiano escolar. Construído a

588
partir da ferramenta disponível no provedor de e-mails Gmail, conhecida por Google Forms, viabilizou a formulação
de questões de amplo espectro, múltiplas escolhas e questões dissertativas, fornecendo, ao final, uma tabulação prévia
dos dados quantitativos, baseada no número de formulários preenchidos.
Os dados são esquadrinhados em planilhas Excel, com a possibilidade de formulação de gráficos. Houve várias
reuniões entre a equipe do projeto, professores, equipe pedagógica para consolidar a versão final do instrumento.
Como já sinalizado anteriormente, chegou-se ao quantitativo de 20 questões. Obtivemos 127 questionários respon-
didos, o que possibilitou compreender certos aspectos relacionados aos estudantes, bem suas percepções diante da
disciplina de História: importância; pontos de reflexão para o trabalho dos professores; pertinência do trabalho que
vinha sendo desenvolvido junto à escola. Os dados foram socializados, posteriormente, no formato de oficinas e
cursos de formação continuada que compõem um dos projetos já citado, ofertados pelos autores deste texto à equipe
pedagógica e administrativa da escola.
A contribuição para o processo formativo dos estudantes do ensino fundamental iniciou-se no próprio mo-
mento de manuseio e preenchimento do instrumento de coleta de dados (questionários on line), visto que muitos
lidam com ferramentas digitais por meio dos celulares, mas não haviam preenchido nenhum banco de dados com
perguntas e respostas sequenciadas e interdependentes. Para o presente texto selecionamos apenas questões que
dizem respeito ao tema em tela.
Evidenciando os dados conforme a distribuição dos respondentes, por ano em que estão matriculados no Ensi-
no Fundamental, constatamos que 40,90% dos alunos cursam o 6º. ano, 23,60% cursam o 7º. ano, 19,70% cursam o 8º.
ano e 15,70% cursam o 9º. ano. Os estudantes do sexto ano somaram maior número de respondentes, o que se deve
à existência de duas turmas. Registre-se o fato de que nem todos compareceram nos dias em que os questionários
foram aplicados, essencialmente, nos dias e horários das aulas de história.
Em relação ao perfil individual dos respondentes tem-se que 53,5% se identificaram como sendo do sexo mas-
culino (68 estudantes) e 46,50% se identificaram como sendo do sexo feminino (59 estudantes).
Em relação ao bairro em que residem os estudantes forneceram informações significativas relacionadas às suas
origens, evidenciando a hipótese inicial da fixação do grupo de descendentes paraguaios na região, fortalecendo a
necessidade de investir em trabalhos voltados à temática histórica regional (DEBONA, 2015). Por meio das questões
dissertativas investigou-se a presença, ou não, de elementos paraguaios em suas famílias e a percepção que estes alu-
nos têm da História como campo de conhecimento e como área que promove o conhecimento sobre si, pautando-se
no passado para compreender o presente.
Dos 127 estudantes que responderam, 49 apontaram que não sabem dizer se ascendem de paraguaios (38,6%);
39 alunos responderam que não apresentam ascendência paraguaia (30,7%) e 39 afirmaram que apresentam ascen-
dência paraguaia na família (30,70%). Essa preocupação em apontar uma ascendência paraguaia reside no fato de que a
escola é geograficamente localizada num bairro, o Jardim Itália, com expressiva presença de descendentes paraguaios.
Compreender o movimento migratório bilateral Brasil-Paraguai, ocorrido a partir de meados década de 1950,
resultando em grandes demandas populacionais, ora para um, ora para outro país, conforme as demandas econômi-
cas condicionavam, oportuniza aos historiadores e historiadores da educação, vislumbrar a presença de descendentes
paraguaios em escolas brasileiras, fornecendo indicativos para a proposição de trabalhos, no sentido idealizado por
Candau, o qual implica “ter como ponto de partida de toda a prática pedagógica o reconhecimento das diferenças
(...) supõe desconstruir perspectiva da homogeneização tão presente e configuradora da cultura escolar.” (CANDAU,
2011, p. 250), consolidando a máxima da mesma autora que propõe como um dos papeis precípuos da contempo-
raneidade “(...) viabilizar a superação das diferenças e garantir o padrão comum estabelecido para todos e todas.”
(CANDAU, 2011, p. 253).
Alinhavado aos dados supracitados, aplicou-se uma questão objetiva que visava identificar o interesse dos es-
tudantes em conhecer a história da sua família. As respostas caracterizaram-se em ampla maioria de “Sim”, somando
92,12% (117 respostas) e “Não” resultando em 7,87% (10 respostas). Essa proposição teve o intuito de verificar a
origem familiar da criança e também instigar o saber, a escrita e prática histórica, de modo que, através da busca pela
origem de seus familiares, esses alunos possam se reconhecer como sujeitos históricos. Acredita-se que ao adotar

589
uma metodologia que utilize a pesquisa escolar como ponto de partida para a construção do conhecimento histórico,
é possível criar espaços para que os estudantes se movimentem, proponham questionamentos e aprofundem-se em
determinados conteúdos, de acordo com os seus interesses e necessidades (SANTOS, 2010).
O último bloco de questões subjetivas intencionou conhecer as impressões desses estudantes no que tange ao
ensino de História e à disciplina de História, visando o horizonte para as atividades dos projetos na escola. Como
apontado por Silva & Souza (2015) em trabalho desenvolvido junto ao Pibid na cidade de Cuiabá, a necessidade de
conhecer as visões desses alunos é primordial para a proposição de atividades que tragam sentido à sua vivência, de
modo que os conecte com o conteúdo em sala de aula e suas vidas exteriores. O grande erro da disciplina de História,
na perspectiva das autoras, é produzir conhecimento distante de suas realidades de aplicabilidade. O desafio constante
consiste na superação desse cenário.
A problematização a qual incide esse estudo vai ao encontro de perceber como as instituições escolares tem
lidado com situações ligadas à formação cultural dos estudantes, visto que constituem-se em espaços da diversidade
e pluralidade face aos grupos sociais que compõem o público escolar. Contudo, como afirma Candau (2011), atuam
como espaços de homogeneização e controle, em que a percepção da diferença, por mais que seja notada, sobretudo
quando os aspectos são visíveis “à olho nu”, não conseguem ultrapassar as imposições curriculares e/ou normativas
para inserir espaços de discussão no cotidiano das práticas correntes, tão pouco lançam mão de dispositivos pedagó-
gicos ou estratégias didáticas para atender a essas especificidades (CANDAU, 2011, p. 245).
Não se trata de procurar culpados ou responsabilizar quaisquer profissionais que sejam; não obstante, fazer
“vistas grossas” e “ouvidos moucos” não corrobora para a equalização do problema, nem cria mecanismos e possibili-
dades de superação das diferenças em nome de práticas sociais que visam à equidade social e educacional.

No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização. Todos e todas são chamados a
participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmi-
ca, tanto no que se refere aos conteúdos dos currículos, quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias
utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc.” (CANDAU, 2011, p. 246).

Ao considerar os dados examinados um conjunto de questionamentos emergem e auxiliam na proposição de


estratégias didáticas para contemplar trabalhos futuros: Há alguma atividade na escola que envolva aspectos histó-
ricos deste grupo étnico-cultural? Há referências que chegam ao conhecimento da equipe pedagógica e professores,
para que estudos sejam realizados e ações propostas? As pesquisas realizadas, nos espaços universitários, sobre imi-
grantes e seus descendentes se fazem acessíveis aos profissionais da Educação Básica? Estão disponíveis ao acesso da
escola? Quem são esses alunos, quais suas histórias, eles conhecem a história de seus antepassados? Que elementos
de cultura suas famílias mantêm vivos na tradição, o que celebram, como celebram, onde celebram? São vistos como
imigrantes? Quais espaços de cultura podem vivenciar aspectos de sua história? Conhecem suas datas cívicas, ou
aculturaram-se completamente em relação a elas?
Em primeira análise predomina um olhar de subalternidade, pois ainda que em Dourados hajam espaços de so-
ciabilidade da comunidade paraguaia, traduzir essas práticas culturais em atividades escolares é possível? Qual o papel
dos professores de História nessa dinâmica pedagógica? Ainda persiste o discurso “aqui são todos iguais” (CANDAU,
2011, p. 248). Em que medida a diversidade atua como “vantagem pedagógica” (2011, p. 249), que aspectos da cultura
paraguaia são trabalhados na escola, se o são? O viés literário, por exemplo, a partir dos escritos do autor sul-mato-
-grossense, conforme Prado (2018) nascido no Paraguai, mas criado no Brasil, Brígido Ibanhes, poderia caracterizar
um esforço interdisciplinar inicial?
João Ernani Furtado Filho sugere ações que vão ao encontro das análises ensaiadas, ao afirmar que:

O que se pretende é que se discuta o conhecimento histórico: que a idéias (sic) de pesquisa, em sala de aula, seja
alargada para além do abrir e fechar o livro didático (tido muitas vezes, como a única fonte de autoridade); que se
valorizem as informações prévias que os estudantes tenham sobre determinado assunto e se discutam os meios
pelos quais estas informações foram organizadas em uma atribuição de sentido; que se esclareça a historicidade das
“verdades” (em uma perspectiva pluralista - de que pode existir mais que uma resposta ‘certa’ – mas não relativista,

590
à moda de que ‘vale tudo’); que se esmaeça a pressão de uma coerência com o passado pela afirmação de um com-
promisso com o presente. (FURTADO FILHO, 2008, p. 300).

Não se prega aqui a superação das diferenças, entendendo que este não é um papel exclusivo da escola: mas o
seu reconhecimento, sua compreensão, sem marcas de preconceito, de estrutura de classe ou modelos hegemônicos.
Sabe-se que a escola, embora seja um espaço da totalidade, atua em um movimento de homogeneização e naturaliza-
ção das diferenças, visando às práticas comuns. O que se propõe é exatamente a valorização desses grupos que com-
põem o cenário escolar para ampliar o conhecimento sobre o diverso, sobre elementos de cultura distintos àqueles
que predominam nos livros didáticos, manuais escolares, práticas curriculares e diretrizes unilaterais. Trata-se de
compreender a escola como organismo vivo, pulsante e pleno de possibilidades, tanto para o campo de pesquisas his-
tóricas, como da proposição de práticas pedagógicas alinhadas com a construção da cidadania e respeito à diversidade.
Isto posto, é possível afirmar que a cultura escolar tem como elementos constituintes a cultura local, no entan-
to, os educadores e historiadores precisam lançar mão desse conhecimento local, para valorizar o cenário de inserção
dos seus estudantes, os saberes e práticas que envolvem seus contextos sociais, e sobretudo, em se tratando do ensino
de história, para que saibam que são partícipes de um processo de constituição regional, alinhavando o conhecimento
histórico, ao passo que valorizam a cultura local, como inserta na cultura nacional.
Reiterando os pressupostos de análise que orientam este texto, considera-se que “é necessário assumir uma
postura de valorização positiva das diferenças e combate às discriminações em toda dinâmica escolar, o que exige
um trabalho coletivo dos educadores, assim como espaços de formação continuada que abordem estas questões.”
(CANDAU, 2011, p. 252). Não se trata, por fim, de sinalizar para o aumento das responsabilidades incontáveis que
as instituições escolares acumulam, para além daquelas que são inerentes à sua natureza e finalidade. Outrossim, não
é possível furtar-se ao debate de tais questões, sobretudo em um país diverso e plural como o Brasil e em se tratando
de regiões de fronteiras, como é o caso da região da Grande Dourados, que convive diariamente com grupos étnicos
de várias localidades, alguns mais adaptados ao meio, inseridos social e culturalmente, outros relegados à margem no
sentido geográfico e cultural.
Na escola, talvez, esteja uma possibilidade de recuperar a tradição histórica de grupos sociais menos consoli-
dados e, em parceria de projetos com a Universidade a chance de voz, visibilidade, registros e participação histórica.

REFERÊNCIAS

BARROS, José D’Assunção. A história serial e a história quantitativa no movimento dos Annales. História Revista (UFG.
Impresso), v. 17, p. 203-222, 2012.
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BRASIL, Ministério da Educação. Diretoria de Educação Básica. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), 2007.
CANDAU, Vera. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas. Currículo sem Fronteira. v. 11, n. 2, jul/dez. 2011.
p. 240-255.
DEBONA, Jackson James. Entre o Regional e o Nacional: Mato Grosso do Sul nos livros didático de História – PNLD 2011.
Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2015.
FURTADO FILHO, João Ernani. História Escolar: desafios e possibilidades In: RIOS, Kênia Sousa; FURTADO FILHO, João
Ernani. Em Tempo: História, Memória, Educação. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008 (p. 299-331).
GATTI JUNIOR, Décio. História e historiografia das instituições escolares: percursos de pesquisa e questões teórico-
metodológicas. Revista Educação em Questão, Natal, v.28, n.14, p. 172-191, jan./jun. 2007.
GRANIER, Jean- Yves. A História Quantitativa Ainda é necessária? In: BOUTIER, Jean.; JULIA Dominique. (orgs.) Passados
Recompostos: campos e canteiros da história. tradução Marcela Mortara e Anamaria Skinner. Rio Janeiro: Editora UFRJ: Editora
FGV, 1998. p. 183-192.

591
JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Revista Brasileira de História da Educação. Rio de Janeiro: Editora
da SBHE, n. 1. Jan./jun. 2001.
PINTO, Adriana Aparecida. IDEI, Marlei Venilda Petry Sutil.; MACIEL, Cleyson Martins; PORANGABA, Andressa. A
Pesquisa Histórica em Educação e a escola como lugar de memória: Experiências do Laboratório de Ensino de História - Labhis
- De Dourados, MS. Revista de Educação Histórica - REDUH – LAPEDUH. n. 08, jan./abril. 2015.
PRADO, Rose. Entre fronteiras: língua e identidade num desafio cultural entre Brasil e Paraguai. In: GEBARA, Ademir.,
CAMPOS, Herib Canallero., BALLER, Leandro (orgs.). Leituras de Fronteiras: trajetórias, histórias e territórios. Jundiaí, SP:
Paco Editorial, 2018. (p. 281-314)
SANTOS, Fernanda Cássia. O ensino através da pesquisa em aulas de História no Ensino Médio. História e Diversidade, v. 1, p.
59-77, 2011.
SILVA, Alexandra Lima da. SOUZA, Emanuelle. O Ensino-Aprendizagem e a Formação Docente: Metas e Propostas do Pibid/
História/Ufmt no Ensino de História. In: Glauce Viana de Souza Torres, Luzia Aparecida Palaro, Maria Cristina Theobaldo,
Renilson Rosa Ribeiro, Sérgio Antonio Wielewski. (Org.). Dimensões da iniciação à docência: saberes e práticas do PIBID na
UFMT (2009-2013). 1ed.Cuiabá: EdUFMT, 2015, v. 1, p. 100-106.

SITES:

http://www.dourados.ms.gov.br/index.php/sintese-historica. Acessado em 02 de abril de 2019.


https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/dourados/historico Acessado em 02 de abril de 2019.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/dourados/panorama. Acessado em 02 de abril de 2019.

592
DEMOCRATIZAÇÃO DOS MUSEUS, PRÁTICAS EDUCATIVAS ONLINE
E CULTURA PARTICIPATIVA

Ariane Abrunhosa1

INTRODUÇÃO

Os sites dos museus são instrumentos de comunicação que permitem colocar o usuário em contato com obras,
conteúdos e com um universo de conhecimento específico da temática de cada museu. Igualmente instrumentos de
marketing cultural, divulgando as exposições e as atividades culturais desenvolvidas nas sedes das instituições. Esses
ambientes virtuais museais passaram a reunir uma série de artefatos de interação que possibilitam ao visitante-usuário
comparecer virtualmente aos ambientes expositivos, visualizar vídeos e cada vez mais desenvolver uma comunicação
em tempo real e de forma desterritorializada com o público, proporcionando atividades como palestras e debates online.
A relação entre museologia e educação sempre foi mais do que subentendida, foi mutuamente constitutiva.
Com o aprimoramento das práticas museais, foram também sendo aprimoradas as metodologias educativas para es-
sas instituições. Logo, a presença de atividades educativas nos museus tem sido um exercício permanente, tornando
a educação museal uma prática consolidada. Já os sites dos museus costumam apresentar seções dedicadas à educação,
com abas indicativas, com as seguintes denominações: Espaço Educativo, Pedagógico, Projeto Educativo, Espaço de
Aprendizagem, Ação Educativa, entre outros nomes. Esses espaços virtuais, em sua maioria, servem para divulgação
das atividades educativas realizadas no prédio do museu, para o agendamento das visitas mediadas (para escolas e gru-
pos específicos) e para publicação de normas e procedimentos relacionados com a visitação das mostras expositivas.
São vastas as potencialidades de os ambientes virtuais na web reunir conteúdos e recursos à disposição dos
visitantes-usuários a exemplo de: bancos de dados com capacidade de armazenamento de informações em imagens,
vídeos, áudios ou textos; acesso a materiais didáticos, jogos educativos, cursos online, exibição de acervos (sem risco
de serem danificados) e a simulação de ambientes, objetos e pessoas. Dessa forma, os sites de museus suscitam aos
usuários uma aquisição de informações mediada pela tecnologia e com possibilidade de vários tipos de interações a
partir de: redes sociais, blogs, espaços para upload, dentre outros recursos amigáveis. O aproveitamento dos recursos
de interação para fins educativos pelos museus nacionais pode ser uma oportunidade de explorar novas formas de co-
municar que levem em conta a convergência dos meios e a onipresença das mídias digitais. Santos (2013, p. 291) lembra
que: “Nenhuma forma de comunicação elimina as precedentes. O que observamos é uma mudança nas funções sociais
de cada tecnologia envolvida nos processos comunicacionais, fazendo emergir práticas sociais novas, suscitando mu-
danças também nos espaços-tempos de aprendizagem.” Os sites de museus são parte de uma mídia convergente, a
internet. Para Jenkins (2009), a convergência não deve ser compreendida apenas como um processo tecnológico, mas
principalmente, como uma transformação cultural:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão
a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra
que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está
falando e do que imaginam estar falando [...] (JENKINS, 2009, p. 29).

Em se tratando de fluxos de conteúdos culturais por meio digital, é imprescindível lembrar outro autor de re-
ferência, Lévy (1999, p. 17), que vai explicar “cibercultura” como “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de
práticas, de atitudes, de modos de pensamentos e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do

1 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da UnB. É professora e integra o Grupo de Trabalho do Museu da Educação do Distrito
Federal (SEDF/UnB).

593
ciberespaço”. Os museus são espaços de salvaguarda de artefatos culturais e igualmente de produção cultural e com os
canais de participação e interlocução que a web proporciona podem ampliar o acesso aos bens culturais com fins de
lazer e entretenimento, mas também educativos. De acordo com o que depreende Santaella (2004, p. 117), podemos
inferir que os museus na internet seriam “ambientes comunicacionais gerados na cultura digital”,
Dentro desse contexto, interesse marcante da pesquisa que precedeu esta comunicação, foi verificar se e como
os profissionais dos museus brasileiros (como produtores culturais e ciberculturais) estariam aproveitando os recur-
sos de interação disponíveis na web para desenvolver práticas educativas online que possibilitem aos usuários com-
preender, aprender, reelaborar e colaborar com a construção do conhecimento. E, assim, rever a atuação educativa
dos museus como espaços educativos virtuais utilizados, somente, para divulgação de ações desenvolvidas presen-
cialmente.
O objetivo deste estudo, portanto, foi o de averiguar se os sites de museus brasileiros possuem recursos de
interação que configurem iniciativas de práticas educativas online em seus respectivos ambientes virtuais na web.
Compreende-se que para haver práticas educativas online é importante a existência de recursos de interação
que possibilitem ao usuário interagir com os artefatos a fim de acessar conteúdos, participar das propostas apresen-
tadas online a exemplo de jogos, exercícios, ou atividades que considerem a relação com outros usuários (interações
interpessoais). Neste sentido, adotamos a noção criada pelo pesquisador em Comunicação, Alex Primo (2007, p. 228),
de interação “mútua”, como aquela em que “Cada ação expressa tem um impacto recursivo sobre a relação e sobre o
comportamento dos interagentes. Isto é, o relacionamento entre os participantes vai definindo-se ao mesmo tempo
em que acontecem os eventos interativos”. E de interação “reativa”, aquela em que o receptor tem de responder “se-
gundo determinam as condições iniciais (relações potenciais de estímulo-resposta impostas por pelo menos um dos
envolvidos na interação).
Assim, procuramos registrar ocorrências em que aparecerem evidências de práticas educativas online e, por-
tanto, a presença no ciberespaço de recursos que admitem diferentes tipos de interação entre o sujeito que aprende
e outros sujeitos, ou entre o sujeito que aprende e a máquina, associados a uma intencionalidade educativa. Diversos
são os recursos digitais que podem ser utilizados carregando consigo uma intencionalidade educativa. Zabala (1998,
p. 16), a partir de uma visão processual, considera serem muitas as variáveis que configuram as práticas educativas, e
argumenta: “Mas a prática é algo fluido, fugidio, difícil de limitar com coordenadas simples e, além do mais, comple-
xa, já que nela se expressam múltiplos fatores, ideias, valores, hábitos pedagógicos, etc.”. Os espaços educativos dos
museus comportam uma imensa quantidade de artefatos e mídias que podem ser configurados como práticas educa-
tivas possibilitando, de tal modo, a atuação educativa desses centros de memória no ciberespaço.

METODOLOGIA

Para entender melhor como se configuravam os espaços educativos dos sites de museus brasileiros, tornou-se
necessário saber se os museus efetivamente possuíam uma inserção na web e se esses ambientes dispunham de páginas
dedicadas à educação. Para tanto, foram reveladores os dados recolhidos na plataforma de registro de museus pelos
técnicos do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em 5/12/2015. Optamos por uma metodologia fundamentada
em métodos mistos, com fins de verificar os recursos de interação e educativos que serviram de foco para a pesquisa.

É uma abordagem de investigação que combina ou associa as formas qualitativas e quantitativas. Envolve suposi-
ções filosóficas, o uso de abordagens qualitativas e quantitativas e a mistura das duas abordagens em um estudo.
Por isso, é mais do que uma simples coleta e análise dos dois tipos de dados; envolve também o uso das duas abor-
dagens em conjunto, de modo que a força geral de um estudo seja maior que a pesquisa qualitativa ou quantitativa
isolada (Creswell; Plano Clark, 2007) (CRESWELL, 2010, p. 27).

A coleta de informações teve como ponto de partida os endereços de sites de museus relacionados na plani-
lha do Ibram. Estes foram acessados virtualmente e selecionados a partir de requisitos que nos levaram a obter um
conjunto de sites ativos e que apresentassem menção à ação educativa e fossem possuidores de algum recurso de

594
interação. Portanto, em seguida à visita virtual aos 1.911 endereços de sites relacionados na planilha/Ibram e de
posse das observações descritivas dessas páginas na web, realizamos os primeiros filtros e adequações. Desse modo,
removemos aqueles sites que estivessem nas seguintes situações:
• os endereços eletrônicos de museus não tinham um site, mas apenas blog ou rede social;
• as páginas estavam fora do ar ou com link avariado;
• os museus estavam em duplicidade;
• os endereços de páginas apresentavam referência a um museu, mas, na verdade, eram sites alocados em
portais de outras instituições;
• os sites de museus não tinham nenhuma referência a ações educativo-pedagógicas.

Prosseguimos, então, para um segundo acesso com vistas a retirar as páginas estáticas (páginas compostas
apenas por texto e imagens fixas) ou com poucos recursos de interação, e somente após essa verificação alcançamos
os sites de museus com potencial de apresentarem práticas educativas online, ou seja, um conjunto de 274 sites que
possuíam recursos de interação e exibiam em suas páginas referência à existência de práticas educativas (links com
denominação de espaço educativo, espaço de aprendizagem, pedagógico etc).
Para localizar os recursos de interação foi preciso primeiramente definir quais seriam os recursos a serem veri-
ficados. Desse modo, elencamos os instrumentos interativos mais comuns nas chamadas Web 1.0 e Web 2.0 e aqueles
já constatados em sites de museus. A opção foi a de nos atermos aos recursos mais frequentes, por compreender que
os recursos educativos mais sofisticados são aprimoramentos tecnológicos e que nem todos os museus querem ou
conseguem acompanhar esses desenvolvimentos. Definidos os interativos, foi necessário criar uma nova planilha
para quantificá-los, a partir de cada um dos 274 sites da amostra. Ao todo, foram 24 instrumentos de comunicação e
interação observados.
Partimos da ideia de que para haver práticas educativas online é preciso que o site apresente recursos interativos
que permitam diversos tipos de interação; por isso, a opção por encontrar esses ambientes museais mais envolventes.
O conjunto de recursos selecionados não tem a pretensão de cobrir todo o leque de instrumentos existentes, mas de
verificar a presença dos mais frequentes.
Estes são os instrumentos que foram selecionados:
a) aplicativos para celular disponíveis no site do respectivo museu;
b) áudios que podem ser acessados no site;
c) biblioteca e/ou arquivos com permissão para download (elementos textuais, documentos, livros, catá-
logos e outros);
d) blogs;
e) documentos textuais para download;
f) e-mail para contato com a equipe do museu;
g) espaço para comentários e opiniões;
h) espaço para upload de trabalhos, obras, fotos e/ou textos dos usuários-visitantes;
i) exposições virtuais e/ou mostras de peças do acervo virtualmente;
j) fotos que podem ser acessadas;
k) jogos educativos desenvolvidos para serem jogados com a máquina, a exemplo de memória, palavras
cruzadas, quebra-cabeça, quiz e outros brinquedos, como pintura, instrumentos para desenho na tela, etc.;
l) linha de tempo permitindo que o usuário, ao acessar uma determinada data ou período, entre em con-
tato com informações imagéticas ou textuais;

595
m) livros, catálogos e revistas com acesso e/ou permissão para download;
n) mapas de localização interativos (por exemplo, Google Maps);
o) material para professores, que pode ser acessado e/ou permite download;
p) material para estudantes, que pode ser acessado e/ou permite download;
q) rádio online e/ou TV online;
r) rede social Facebook;
s) vídeos relativos a conteúdos adequados à temática do museu e/ou das exposições;
t) visitas virtuais aos ambientes do museu.

Nessa etapa, foi acessado o conjunto formado pelos 274 sites, com objetivo de serem, novamente, observados e
descritos os recursos de interação e a possível existência de práticas educativas online. Utilizamos como instrumento
de registro e contagem a nova planilha com as categorias formadas pelos respectivos recursos interativos. Os instru-
mentos foram quantificados para cada um dos sites selecionados. Marcamos (01) para a existência da ferramenta e
(00) para ausência, com exceção dos blogs e Facebook, para os quais foi feita uma quantificação mais detalhada. É im-
portante ressaltar que apenas foi registrada a presença ou a ausência do recurso em cada site. O objetivo era, primor-
dialmente, o de encontrar sites de museus em condições tecnológicas de abrigar também recursos educativos online.

RESULTADO DA PRESENÇA DE INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO

A seguir, exibimos os resultados verificados que tratam do número de sites de museus que contam com os re-
cursos abaixo elencados:
1- Visitas virtuais → 57;
2- Áudios → 28;
3- Fotos → 271;
4- Jogos → 31;
5- Linha de tempo → 40;
6- Mapa → 67;
7- Vídeos → 166;
8- Rádio e/ou TV → 10;
9- Exposições online → 43;
10- Outros → 2 sites apresentaram um objeto modelado em 3D e espaço para inscrição em curso do museu;
11- Aplicativos para celulares → 14;
12- Bibliotecas ou arquivos com acervo online → 69;
13- Documentos textuais para download → 131;
14- Livros ou catálogos online → 88;
15- Material para estudantes → 17;
16- Material para professores → 27;
17- Ingressos online → 6;
18- Lojas online → 19;
19- E-mail para contato → 264;

596
20- Cursos online → 6;
21- Presença de blog educativo:
a) Não há blog (00) → 231;
b) Há um blog geral (01) → 27
c) Há blog educacional (02) → 13;
d) Há blog educativo e participativo (03) → 2;
22- Espaço para comentários → 93;
23- Espaço para upload → 17 sites com espaço para postar conteúdos e imagens;
24- Presença do Facebook:
a) Não há Facebook associado ao site (Não) → 51;
b) Há Facebook associado ao site (Sim) → 1;
c) Há Facebook, e o usuário pode curtir, compartilhar e comentar (SP) → 217;
d) Há Facebook associado ao site, e o usuário pode curtir, comentar, compartilhar e postar (SPP) → 4.

OS SITES MUSEAIS BRASILEIROS SÃO POUCO INTERATIVOS

Antes de tecermos as considerações sobre os resultados, é preciso dizer que os sites selecionados mais pro-
pensos a práticas educativas online foram observados na sua integralidade e não apenas as páginas definidas como
educativas, pois nos acessos anteriores foi possível compreender que muitos recursos de interação podem ser con-
siderados também de ordem educativa, embora se encontrem espalhados pelas diversas seções dos sites. Portanto,
consideramos essa característica de apresentação dos museus nos registros realizados. Para cada um dos sites foi
averiguado a presença dos 24 tipos de recursos e quantificados. O resultado demonstrou que uma pequena parcela de
sites apresentava 9 ou mais recursos interativos. Encontramos 33 sites com esses quantitativos de recursos. O número
máximo de recursos encontrados foi de 14, em um único site. Esses sites foram considerados os mais interativos e
podem ser avaliados como muito acima da média em relação à presença de recursos de interação. A maioria dos mu-
seus da amostra tem de 3 a 6 dessas mídias e/ou artefatos em suas páginas, perfazendo um total de 190 sites, ou seja,
69% dos sites desse conjunto possuíam esse quantitativo de recurso. Esse número de sites corresponde apenas a 10%
de todos os endereços relacionados na planilha Ibram. Portanto, pode-se inferir que as páginas de museus ainda são
pouco interativas.

OS RECURSOS DE INTERAÇÃO MAIS FREQUENTES RELACIONADOS ÀS PRÁTICAS


EDUCATIVAS

Como resultado das observações in loco sobre a relação dos recursos de interação e os possíveis usos educacio-
nais, constatamos:
– As fotografias (271 registros) que se alteram em tamanhos ou são visualizadas a partir de programas que pro-
porcionam sequências de imagens ou associadas a textos são formas usuais de apresentação desse recurso imagético
nos sites de museus. O emprego educativo se estabelece na intenção de mostrar as peças do acervo e as exposições
temporárias, integradas a conteúdos textuais e outros artefatos audiovisuais.
– Jogos (31 registros). Esses recursos não são frequentes nas páginas educativas dos museus nacionais. Todavia,
começam a ser observados. São desenhados com base nos conteúdos dos acervos e, em sua maioria, são transposições
de jogos tradicionais, tais como: memória, quebra-cabeça, caça-palavra, dentre outros.

597
– Vídeos (166 registros). Constatamos que 60% dos sites observados dispunham de vídeos. São registros de
palestras, seminários, documentários sobre o museu e o acervo. A opção por abrir um canal específico no YouTube
também foi verificada, havendo instituições com um acervo de vídeos significativo.
– Bibliotecas e arquivos online (69 registros). Esses recursos permitem o acesso a toda uma série de acervos
bibliográficos e iconográficos sobre muitas temáticas. Sem esses recursos, os ‘pesquisadores’ precisariam se deslocar
(fisicamente) até o museu.
– Os materiais didáticos para download são frequentes (131 registros). Podemos afirmar existir mesmo uma
tendência dos museus a práticas educativas, tal a preocupação em oferecer algum acesso pelo meio virtual a materiais
de cunho educativo. Há todo tipo de material relacionado ao acervo e às exposições, biografias de artistas, textos
históricos e materiais desenvolvidos a partir fatos associados à temática do acervo. Esses conteúdos variam confor-
me o foco do museu e são acessíveis para qualquer usuário. Nos espaços educativos costumam ser disponibilizadas
cartilhas, orientação para professores e outros materiais didáticos, como jogos em papel e imagens para reprodução.
Também foram verificados outros links de interação que permitem acessar conteúdos, tais como: Livros e catálogos
(88); material para estudantes (17) e material para professores (27), logo é possível alcançar a maioria dos sites com
algum material de livre acesso.
– Os blogs (13 registros de blogs educativos). Dos 13 blogs educativos encontrados na verificação a partir do
recorte de 274 sites, apenas 5 tinham postagem do ano de 2018. Além disso, os blogs servem especialmente para divul-
gação das atividades presenciais, embora com baixa adesão dos visitantes-usuários às seções de comentários. Entre-
tanto, 231 sites da amostra não dispunham de blogs relacionados no site. Portanto, mesmo havendo um instrumento
que permita participação dos usuários e com potencial de comportar várias práticas educativas online, o recurso é
pouco utilizado para fins educativos pelos museus nacionais.
– Espaços para interação com o usuário e/ou espaços de upload (17 registros). Há alguns poucos espaços abertos
e específicos para contribuição do usuário, relacionados com a questão educativa ou cultural. “Pergunte ao Astrô-
nomo” é um exemplo de espaço interação com os visitantes-usuários do Museu de Astronomia. É uma experiência
singular, pois estimula o usuário-aprendiz a buscar perguntas que não sejam banais para serem levadas ao especialista
que as responde. Ainda, encontramos sites com espaço para o usuário enviar contribuições para o acervo, como o
caso do Museu da Educação do DF (Fig. 01)

Figura 01: Página do site do Museu da Educação do DF (MUDE)

Fonte: MUDE, disponível em: <http://www.museudaeducacao.com.br/ctx-11//>. Acesso em: abr. 2018.

598
– Curso Online (6 registros). Apesar de ser embrionária a presença de cursos nos sites de museus, observa-
mos iniciativas importantes. Encontramos duas plataformas educacionais com uma série de recursos educativos que
contemplam as potencialidades de participação, juntamente com convergência midiática. Esses espaços são também
conhecidos como Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs), sobre os quais Santos (2002, p. 425), observa: “Um
ambiente virtual é um espaço fecundo de significação onde seres humanos e objetos técnicos interagem, potencia-
lizando, assim, a construção de conhecimentos, logo, a aprendizagem”. Registramos a ocorrência da Rede Museu
Expandido, uma rede de conteúdos do Museu das Minas e do Metal e da Rede Educativa Inhotim, uma plataforma
que contém vários recursos de interação, permitindo agregar a contribuição do público na construção do conheci-
mento. Em ambas as plataformas há ações direcionadas para a formação de professores (cursos), estudantes e grupos
comunitários. Para ingressar nos ambientes é preciso preencher um cadastro para obter uma senha.
– Rede social Facebook (222 registros). Observamos que a ferramenta é utilizada na divulgação das ativida-
des dos museus e os números confirmam sua significativa presença (81% dos sites averiguados possuíam também
o Facebook). Geralmente, é possibilitado ao usuário, “Curtir”,“Comentar” e “Compartilhar” os conteúdos postados.
Destacam-se raros museus que abrem o uso da mídia para os usuários postarem conteúdos (apenas quatro institui-
ções), ou seja, a rede social é utilizada apenas com um direcionamento de informação, do museu para os usuários.
Algumas instituições escolhem ter mais de um endereço na rede social, destinando um deles para uso exclusivo do
setor educativo, onde são postadas as atividades desenvolvidas pelos educadores e os eventos de cunho educativo.
Claramente, há uma tendência no sentido de postagem com vistas à divulgação das visitas escolares, o mesmo não
ocorrendo para o desenvolvimento de práticas educativas utilizando a rede. Pressupõe-se que haja outros aproveita-
mentos como grupos de estudos, grupos para construção de projetos e outras aplicações educativas, cuja análise iria
requerer o acompanhamento das postagens havendo mais tempo, para, de fato sabermos com segurança da existência
e da finalidade dos grupos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante relatar que alguns sites não possuidores de recursos de interação, mas constituídos de conteúdos
sobre acervos e informações relativas a exposições, possuem, de alguma forma, uma orientação educativa, pois além
de outros temas associados ao próprio museu, fazem com que esses ambientes sejam possuidores de uma dimensão
educativa (Pereira, 2010). Não são todos os sites que oferecem esse conjunto de conteúdos, mas é possível encontrar
ambientes virtuais museais com poucos recursos, com características de hipertextos educativos.
Com base nos dados coletados, foi possível verificar que os sites de museus nacionais são pouco interativos. Em
torno de 10% dos sites relacionados no registro de museus do Ibram, de 3 a 6 possuem recursos de interação em suas
páginas. Consequentemente, não surpreende que a maioria dos espaços educativos dos sites de museus nacionais se
caracterize por apenas divulgar informações desenvolvidas presencialmente. Raramente oferecem praticas educati-
vas online.
A partir das observações desenvolvidas nas visitas virtuais aos sites pode-se inferir a existência de transposição
e de um intercâmbio de informações entre o presencial e o meio virtual. Pois além dos esclarecimentos sobre a pro-
gramação e agendamento de visitas presente nas páginas, o meio virtual é utilizado como suporte para postagem de
material didático e outros materiais educativos e culturais. Em geral, o ambiente virtual abriga conteúdos que podem
ser utilizados antes ou depois da visita, ou até mesmo sem que haja visita ao espaço expositivo, bastando para isso a
realização de um download.
Os recursos de interação disponíveis podem ser mais bem explorados para fins educativos, mas, como ficou
demostrado, há iniciativas de práticas educativas online, ainda que embrionárias. São rarefeitas as constatações de re-
cursos para interação mútua, onde o diálogo entre os partícipes é estimulado e as práticas educativas online são mais
caracterizadas pela participação, convergência midiática e predominância de meios digitais de interlocução.
É possível afirmar que instituições que trabalham, especialmente, com a memória da educação, como o caso
do Museu da Educação do DF, além de difundirem as temáticas relativas à história da Educação podem se utilizar

599
dos instrumentos de interação para obterem a contribuição de professores, gestores e estudantes na formação de seu
acervo.
Entendemos que as iniciativas pedagógicas avaliadas podem sinalizar uma tendência em melhor aproveitar os
recursos tecnológicos. Mesmo levando em consideração que verificamos os sites com mais recursos de interação e
possivelmente entre os mais dinâmicos e atualizados do segmento museal, isto não espelha propriamente a existência
de um dialogismo nos sites dos museus brasileiros, mas pode apontar intenções de usos de instrumentos cibercultu-
rais pelos museus brasileiros.

REFERÊNCIAS

CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Tradução de Magda Lopes. 3. ed. - Porto Alegre:
Artmed, 2010., 296 p.
JENKINS, H. Cultura da convergência. Tradução de Susan Alexandria. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. 432p.
LÉVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999, 264p.
PEREIRA, M. R. N. Educação Museal. Entre dimensões e funções educativas: a trajetória da 5ª Seção de Assistência ao Ensino de História
Natural do Museu Nacional. Rio de Janeiro, UNIRIO – MAST, 2010, 180p.
PRIMO, A. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007.
SANTAELLA, L. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. 2. ed. - São Paulo: Paulus, 2004a, 360p.
SANTOS, E. “Ambientes virtuais de aprendizagem: por autorias livres, plurais e gratuitas”, In: Revista da FAEEBA - Educação e
Contemporaneidade, Salvador, v. 11, n. 18, p. 425-435, jul./dez. 2002.
SANTOS, E.; WEBER, A. “Educação e cibercultura: aprendizagem ubíqua no currículo da disciplina didática”. In: Revista Diálogo
Educação, Curitiba, v.13, n.38, 2013, p. 285-303.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. 224p.

600
DESAFIOS E CONQUISTAS NA EDUCAÇÃO EM NOVO HORIZONTE
DO NORTE: NARRATIVAS DE MEMÓRIA DE PROFESSORES DAS
ESCOLAS ULISSES GUIMARÃES E ROSMAY KARA JOSÉ

Francine Suélen Assis Leite – UFMT/MT1

Resumo - Sonhos de uma vida melhor, anseios por um pedaço de terra, a ilusão da riqueza, fatos guardados na
memória de quem se embrenhou em viagens longas para lutar por um pouco de terra para chamar de sua, vinham as
primeiras famílias para Novo Horizonte do Norte. O presente artigo é parte do pré-projeto de Mestrado em educa-
ção da Universidade Federal do Mato Grosso, da linha de pesquisa “cultura, memória e teorias da educação”, em que
pretendemos compreender o desenvolvimento da História da Educação em Novo Horizonte do Norte ao longo do
tempo, esboçando seus desafios e conquistas, por meio de narrativas de memórias dos professores das escolas Ulisses
Guimarães e Rosmay Kara José. O tempo é o elemento primordial para a História, pois indica transformações, meta-
morfoses. Para compreendermos o nosso tempo precisamos estudar o passado, porque nossa constituição identitária
e as possibilidades de indicar caminhos passa pela compreensão do que fomos e somos. A problematização em uma
pesquisa visa à busca de respostas para uma determinada questão de pesquisa, respostas estas que não são imediatas,
que exigem um aprofundamento para se alcançar o resultado, nesta pesquisa traremos como análise a seguinte pro-
blematização: Quais as trajetórias e os desafios que permeiam a História da educação em Novo Horizonte do Norte?
A questão pesquisa desse projeto surgiu com o intuito de aprofundar ainda mais na História da educação de Novo
Horizonte do Norte. Esse anseio surgi a partir da escrita da monografia “Influência das políticas de avaliação externa
na Cultura Escolar: um estudo a partir das memórias de atores sociais da Escola Municipal Ulisses Guimarães” que
buscou investigar, por meio das narrativas de memória, como que as avaliações externas influenciaram na Cultura
escolar e no currículo da escola Municipal Ulisses Guimarães. Essa pesquisa influenciou a investigação do subprojeto
“Desafios e Conquistas na Trajetória da Educação em Juara: História, Cultura Escolar e Currículo nas Instituições de
Ensino Juarenses”, vinculado ao projeto “Fronteira, Territorialidade e Cultura: História de Juara-MT na memória de
seus habitantes”, projeto institucionalizado e contemplado com bolsa de iniciação científica PIBIC/CNPq e desen-
volvido pela UNEMAT/Juara. Por meio da metodologia o pesquisador delineia o percurso que irá percorrer. Nesta
pesquisa de teor qualitativo, faremos uso da Metodologia da História Oral. Este método surgiu a partir da criação do
gravador e foi incorporado no Brasil na década de 1970, mas apenas na década de 1990 teve uma expansão significa-
tiva, neste período seminários com esta temática abriram as portas para seu crescimento (CPDOC, 2015; ALBERTI,
FERNANDES e FERREIRA, 2000). A História oral consiste na gravação de entrevistas de caráter documental e
histórico, alicerçada nas narrativas de memória (ALBERTI, 2003). Evidencia a memória do sujeito que por meio do
ato de narrar transmite experiências, sua história de vida. As lembranças guardadas na memória transformadas em
linguagem, evidenciam vivências influenciadas pelo meio em que vivemos e pelos grupos que participamos, que são
atualizadas na hora em que ocorre a narrativa. Além de ser um processo individual também apresenta a influência
do grupo (Halbwachs apud SCHMIDT e MAHFOUD, 1993). Buscamos compreender as memórias de profissionais
da educação que atuaram no processo educacional durante a ocupação e reocupação da cidade de Novo Horizonte
do Norte, nas escolas Ulisses Gumarães e Rosmay Kara José, respectivamente uma municipal e a outra estadual.
Será utilizada a entrevista gravada e transcrita, seguindo as técnicas da Metodologia da História Oral, que conforme
Falcão (2015), contempla as seguintes etapas: “i. Observação e pré-entrevista [...]; ii. Seleção de sujeitos a serem en-
trevistados; iii. Elaboração do roteiro de entrevistas; iv. Realização das Entrevistas; v. Transcrição; vi. Tratamento

1 Email: fransuelen133@outlook.com - Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), possui
especialização em História e Cultura afro-brasileira e indígena pela Uninter. Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT) e bolsista da Capes.

601
das entrevistas e transcrições; vii. Armazenamento; viii. Produção de um índice; ix. Disponibilização para pesquisa”.
A entrevista exerce a função de pista para conhecer o passado, faz parte de uma metodologia de coleta e tratamento
de dados e produção de informações importantes para a História, cujo princípio é a interação entre entrevistador e
entrevistado por meio do diálogo, o entrevistador elabora um roteiro de perguntas com o intuito de colher dados
para sua pesquisa e por meio de questões realizadas ao entrevistado faz que este transforme lembranças em narra-
tivas (ALBERTI, 2003; 2004; 2010). Ao produzir narrativas de memórias de professores que fizeram a história da
educação em Novo Horizonte do Norte e apresentar ao público por meio de artigos e publicações estimularemos
o conhecimento de suas origens, das mudanças no cenário da educação, dos conflitos do percurso do currículo, do
enriquecimento da Cultura Escolar e suas mudanças, da interação entre mudanças e permanências que influencia as
instituições escolares.
Palavras-chave: Narrativas de memória. História da educação. História Oral.

INTRODUÇÃO

Embrenhando-se em uma terra desconhecida, em busca de melhores condições de vida, fascinados pelo des-
lumbre do Eldorado, pelas propostas e propagandas das corretoras e colonizadoras, vinham os primeiros colonos
para as regiões norte e noroeste do Mato Grosso. Vendiam suas terras na região sul e sudeste e migravam para a
Amazônia legal, com o intuito de adquirir grande extensão de terras em um local de “abundância” e possível prosperi-
dade, conforme apregoava as propagandas das colonizadoras. Compõe o sonho de melhorar as condições financeiras
e “ajudar” no tal “progresso”.
O presente artigo é parte do pré-projeto de Mestrado em educação da Universidade Federal do Mato Grosso,
da linha de pesquisa “cultura, memória e teorias da educação”, em que pretendemos compreender o desenvolvimento
da História da Educação em Novo Horizonte do Norte ao longo do tempo, esboçando seus desafios e conquistas, por
meio de narrativas de memórias dos professores das escolas Ulisses Guimarães e Rosmay Kara José.
A problematização em uma pesquisa visa à busca de respostas para uma determinada questão de pesquisa, res-
postas estas que não são imediatas, que exigem um aprofundamento para se alcançar o resultado.
Nesta pesquisa traremos como análise a seguinte problematização: Quais as trajetórias e os desafios que per-
meiam a História da Educação em Novo Horizonte do Norte?
A questão pesquisa desse projeto surgiu com o intuito de aprofundar ainda mais na História da Educação de
Novo Horizonte do Norte. Esse anseio surgi a partir da escrita da monografia “Influência das políticas de avaliação
externa na Cultura Escolar: um estudo a partir das memórias de atores sociais da Escola Municipal Ulisses Guima-
rães” que buscou investigar, por meio das narrativas de memória, como que as avaliações externas influenciaram na
Cultura Escolar e no currículo da escola Municipal Ulisses Guimarães. Essa pesquisa influenciou a investigação do
subprojeto “Desafios e Conquistas na Trajetória da Educação em Juara: História, Cultura Escolar e Currículo nas
Instituições de Ensino Juarenses”, vinculado ao projeto “Fronteira, Territorialidade e Cultura: História de Juara-MT
na memória de seus habitantes”, projeto institucionalizado e contemplado com bolsa de iniciação científica PIBIC/
CNPq e desenvolvido na UNEMAT/Juara.
O presente trabalho objetiva coletar informações por meio de narrativas de memória, materiais bibliográficos e
documentos sobre a colonização de Novo Horizonte do Norte, com foco na educação; analisar as memórias dos pro-
fessores que participaram do desenvolvimento da educação no município de Novo Horizonte do Norte; descrever as
mudanças no cenário da educação ao longo do tempo e compreender os desafios e conquistas na educação em Novo
Horizonte do Norte sob a perspectiva dos professores.
O tempo é o elemento primordial para a História, pois indica transformações, metamorfoses. Pretendemos
coletar informações que explique essas mudanças, desafios e conquistas da população novorizontina, principalmente
em relação a educação. Portanto, para compreendermos o nosso tempo precisamos estudar o passado, porque nossa
constituição identitária e as possibilidades de indicar caminhos passa pela compreensão do que fomos e somos. O
acesso a essas informações nesse projeto são as narrativas de memória, que segundo Guimarães Neto (2005, p. 2) “[...]

602
reúne, numa história completa [...], os acontecimentos dispersos e vários tipos de ações, planejadas e inesperadas,
dando a eles significados preciosos. [...] as histórias relatadas, utilizando as figuras e os procedimentos da narração,
expressam o tempo vivido e nos conduzem ao jogo das experiências sociais”.
Na década de 1970, os governos militares implementam as políticas de colonização da Amazônia e do Centro-
-Oeste, denominada de “Operação Amazônia”, essas regiões eram considerados espaços “vazios”, sendo assim, dentro
de um contexto de política de substituição da reforma agrária pela colonização e da ocupação e desenvolvimento de
regiões de fronteiras, na configuração da integração nacional, o governo incentivou um processo de ocupação e reo-
cupação da Amazônia, tornando-a paulatinamente produtiva na engrenagem capitalista. Nesta década, criou o Pro-
grama de Redistribuição de terra (PROTERRA), que buscava estimular a agroindústria, neste período espalharam-se
pelo estado de Mato Grosso as empresas privadas de colonização. Devido a este programa os empresários poderiam
explorar esses espaços inabitáveis e criarem projetos de colonização (JOANONI NETO, s.d.).
A partir de então começam-se as fortes migrações para o Norte e Centro-Oeste do país, “a terra fantástica da
Amazônia arrastou um sem número de famílias pobres do campo para lá, provenientes de várias regiões do país”
(GUIMARÃES NETO, 1986, p.1), as fortes divulgações dessas terras, consideradas um “tesouro” no final do arco-íris
para quem trabalhava arduamente para conquistar seu pedaço de terra e prover seu sustento e da família, fizeram com
que pessoas de várias regiões comprassem terras (GUIMARÃES NETO, 1986). Principalmente moradores da região
Sul se deslocavam para o Mato Grosso, corretores vinham para a região Sul, iam até as plantações de café ofertar ter-
ras a agricultores, vinham com o discurso de que esses homens, mulheres e crianças seriam o progresso para as novas
cidades que viria nascer (JOANONI NETO, s.d.).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Sonhos de uma vida melhor, anseios por um pedaço de terra, a ilusão da riqueza, fatos guardados na memória
de quem se embrenhou em viagens longas para lutar por um pouco de terra para chamar de sua, vinham as primeiras
famílias para Novo Horizonte do Norte.
Tempos difíceis, de sofrimento, viver da agricultura, do que produzia a terra e ao mesmo tempo cuidar da fa-
mília, principalmente das suas maiores riquezas, os filhos. Histórias marcadas por desafios e conquistas que precisam
ser resgatadas para que não se percam na neblina do tempo a origem de suas vidas.
Sendo assim, a presente pesquisa vem dar enfoque na ocupação e reocupação do município de Novo Horizonte
do Norte, como ocorreu seu desenvolvimento ao longo do tempo e seu processo de colonização dentro do Vale do
Arinos, pois como nos diz Santos (2013, p. 18) é de suma importância “situarmos o leitor quanto ao processo his-
tórico da colonização do Vale do Arinos, considerando as semelhanças e diferenças com outras regiões do Estado
do Mato Grosso, uma vez que, esse contexto, embora seja conhecido pelo pesquisador, é desconhecido para a maior
parte dos leitores”.
O foco principal é na História da Educação em Novo Horizonte do Norte, as mudanças nos conflitos do terri-
tório do currículo (ARROYO, 2011), o cenário escolar ao longo do tempo. As memórias possibilitam que se tenha
conhecimento desse período, memórias de profissionais da educação que atuaram na Escola Municipal Ulisses Gui-
marães e na Escola Estadual Rosmay Kara José e que acompanharam a metamorfose do tempo.
O currículo pode ser caracterizado como um movimento que ocorre na escola e como um conjunto de conteú-
dos, uma trajetória em disputa, em constante modificação devido a dinâmica social que o mesmo segue,

Essa diversidade de lutas postas na sociedade em tantas fronteiras e territórios por direitos, por ações afirmativas
terminam afetando e reconfigurando a cultura e as identidades docentes. Novos e diversos perfis de docência en-
riquecem e diversificam os currículos de formação. Para formar essa diversidade profissional foram criados cursos
de Pedagogia da Terra, Formação de Professores do Campo, Indígenas, Quilombolas, de Implementação das Leis
10.639/03 e 11.645/08. O perfil do profissional e a docência ficaram mais ricos uma vez que se tornaram mais
diversos (ARROYO, 2011, p.11).

603
Nesta perspectiva, Silva (1999, p.150) aponta que o currículo é “[...] lugar, espaço, território. O currículo é
relação de poder. O currículo é trajetória, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no cur-
rículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade”.
O currículo vai modificando e se adaptando ao longo do tempo, a presente pesquisa vem com o intuito de
investigar essa trajetória e de analisar como a História da Educação em Novo Horizonte do Norte se delineou ao
longo dos anos. O período de colonização e de início da caminhada da educação no município a ser pesquisado se
deu durante o período da Ditadura Militar, período que restringiu a liberdade, censurou a opinião pública, as artes, a
imprensa, uma fase de tortura e aniquilamento da educação. Nesse período o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
Anísio Teixeira (INEP) sofreu restrições do regime militar, as avaliações educacionais só foram implantadas em 1990
com a implantação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), no período do antigo regime os professores
não tinham liberdade em ensinar, o índice de reprovação era alto, o alto índice de analfabetismo era grande e a es-
trutura educacional era fragilizada, na década de 1970, por exemplo, “cerca de 50% dos alunos das escolas primárias
desertavam em condições de semianalfabetismo ou de analfabetismo potencial na maioria dos países da América
Latina (TEDESCO, 1981, p. 67 apud SAVIANI, 1999, p. 15), as condições vivenciadas pelos colonos fazia com que
todos da família tivessem que ajudar no trabalho na roça, muitos estudantes saiam da escola para se voltarem para o
trabalho rural.
Muitas lutas foram travadas para que a educação em Novo Horizonte pudesse ter um desenvolvimento de qua-
lidade, durante a Ditadura Militar o país passava por um grande retrocesso, após esse período foi que a educação pas-
sou a desenhar seus caminhos rumo a uma educação democrática, com a função de romper com as barreiras impostas
pelo regime, “para superar a situação de opressão, própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade
fundada no contrato social celebrado livremente entre o indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância”
(SAVIANI, 1999, p.17), e essa barreira da ignorância só seria vencida a partir do ensino.
A educação nesse período era caracterizada pela pedagogia tradicional, que correspondia:

[...] determinada maneira de organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar
com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas na forma de classes, cada
uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios
que os alunos deveriam realizar disciplinadamente (SAVIANI, 1999, p.18).

Novo Horizonte do Norte, conhecida como a “cidade simpatia”, surgiu em meados dos anos 1960, nesse perío-
do se compõe a Imobiliária Mato-grossense LTDA (IMAGROL), que passa a vender terras para os colonos.
Há uma metáfora propagada pela população que reside no município que exprime um pouco da história de
Novo Horizonte do Norte e que nos instiga ainda mais a querer conhecer e adentrar em sua trajetória, “a história de
Novo Horizonte do Norte é um livro com várias páginas em branco e outras mal escritas”, ou seja, existem numerosas
informações que até os dias de hoje não foram confirmadas:

É que existem numerosas informações sobre a colonização de Novo Horizonte do Norte que ainda não foram
confirmadas através de pesquisas, embora alguns dos protagonistas destes fatos, ainda presentes no município, se
constituem em “arquivos vivos”. Os registros tidos como oficiais apenas sinalizam o assunto, pois, escritos numa
concepção positivista, não expressam a dinamicidade dos acontecimentos (OLIVEIRA et.al. 2003, p.17).

A IMAGROL investia em propagandas de todo tipo, na maior parte do tempo eram propagandas enganosas
com o intuito de manipular colonos para a compra de terras nessa região:

Como a Imagrol possuía uma grande área de terra a ser vendida, também tinha interesse em trazer o progresso.
Assim, fazia propagandas em emissoras de rádio e através de foto. Fotos até de outros lugares, conforme registro
da professora Lúcia e depoimento do senhor José Borges. E a propaganda feita por alguns corretores, tanto era
grande demais quanto também era enganosa. Diziam que as terras compradas poderiam ser pagas com a madeira
e a produção (BARALDI, 1998, p.19 apud OLIVEIRA et.al. 2003, p.17).

604
Com a vinda e o grande fluxo de colonos foi necessário que as primeiras escolas fossem construídas, sendo
assim, em 1969 deram início as primeiras atividades escolares. As aulas eram ministradas em uma repartição cedida
pelo escritório da IMAGROL, uma construção “muito rude, com paredes abertas, piso de chão batido e coberta por
madeiras lascadas” (PME, 2015, p.13).
Segundo Leite (2018) em 1971 é construída a primeira escola em Novo Horizonte do Norte, padre Guinter
contribuiu e auxiliou nesse processo. A comunidade começa a se expandir cada vez mais “com o aumento do número
de crianças foram surgindo mais professores e as instalações da farmácia da OPAN (Operação Amazônia Nativa)
também se tornaram salas de aula” (LEITE, 2018, p.30).
No ano de 1975, a pequena escolinha que até então era municipal, se torna estadual. Surge em 1977 a Subdele-
gacia Regional de Educação e Cultura, que teve padre Guinter como responsável pela unidade, em 1979 esta unidade
é desativada.
O número de famílias que se deslocavam para a região foi aumentando, famílias vinham de toda parte para ter
seu pedaço de terra e construir uma vida melhor, a partir daí surgem as primeiras comunidades rurais de Novo Ho-
rizonte do Norte, a construção de mais escolas se torna prioridade para atender as famílias dos colonos:

Na comunidade Taquaral foi construído uma escola em 1975, a primeira Professora foi dona Solange. Em 1976 foi
fundada a escola da Água Boa, tendo como primeira Professora a senhora Maria da Graça Castão. A escola da co-
munidade Carvalho I foi construída em 1978, tendo como primeiro Professor o saudoso Manoel do Nascimento.
A escola da comunidade Tabajara III foi construída em 1978, tendo como primeiro Professor o Sr. José Donizete
Amorim. Na comunidade Fértil a escola foi construída em 1988 tendo como primeiro e único Professor, o senhor
Natalino Breves. Em 1991, foi construída a escola da comunidade Brasil Novo, tendo como Professor o Sr. João
Cícero (PME, 2015, p.14).

As escolas rurais atualmente não existem mais, Novo Horizonte do Norte conta, hoje, com três escolas muni-
cipais e uma estadual. A primeira é a Escola Municipal professora Neiva dos Santos Bezerra, voltada para a educação
infantil, atende crianças do pré I e pré II, no período vespertino. A segunda é a Escola Municipal Ulisses Guimarães,
que atende crianças do ensino fundamental no período matutino e vespertino de 1º a 5º ano. A terceira é o Centro
de Educação Infantil Padre Guinter, que atende nos períodos matutino e vespertino crianças de 0 a 3 anos, berçário
e maternal. Por fim, Novo Horizonte conta com a Escola Estadual Rosmay Kara José, a primeira e mais antiga escola
do município, que atende o ensino fundamental e médio.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Por meio da metodologia o pesquisador delineia o percurso que irá percorrer. Nesta pesquisa de teor qualita-
tivo, faremos uso da Metodologia da História Oral. Este método surgiu a partir da criação do gravador e foi incor-
porado no Brasil na década de 1970, mas apenas na década de 1990 teve uma expansão significativa, neste período
seminários com esta temática abriram as portas para seu crescimento (CPDOC, 2015; ALBERTI, FERNANDES e
FERREIRA, 2000).
Segundo Alberti (2003, p.1), “o trabalho com a história oral consiste na gravação de entrevistas de caráter
histórico e documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos, conjunturas, movimentos, instituições e
modos de vida da história contemporânea. Um de seus principais alicerces é a narrativa”. Evidencia a memória do
sujeito que por meio do ato de narrar transmite experiências, sua história de vida.
Assim, as lembranças guardadas na memória transformadas em linguagem, evidenciam vivências influenciadas
pelo meio em que vivemos e pelos grupos que participamos, que são atualizadas na hora em que ocorre a narrativa.
Além de ser um processo individual também apresenta a influência do grupo, pois segundo Halbwachs (apud SCH-
MIDT e MAHFOUD, 1993, p.288) “o indivíduo que lembra é sempre um indivíduo inserido e habitado por grupos
de referência; a memória é sempre construída em grupo, mas é também, sempre, um trabalho do sujeito”.

605
Buscamos compreender as memórias de profissionais da educação que atuaram no processo educacional du-
rante a ocupação e reocupação da cidade de Novo Horizonte do Norte, nas escolas Ulisses Gumarães e Rosmay Kara
José, respectivamente uma municipal e a outra estadual. Será utilizada a entrevista gravada e transcrita, seguindo as
técnicas da Metodologia da História Oral, que conforme Falcão (2015), contempla as seguintes etapas: “i. Observa-
ção e pré-entrevista [...]; ii. Seleção de sujeitos a serem entrevistados; iii. Elaboração do roteiro de entrevistas; iv.
Realização das Entrevistas; v. Transcrição; vi. Tratamento das entrevistas e transcrições; vii. Armazenamento; viii.
Produção de um índice; ix. Disponibilização para pesquisa”.
A entrevista exerce a função de pista para conhecer o passado, faz parte de uma metodologia de coleta e trata-
mento de dados e produção de informações importantes para a História, cujo princípio é a interação entre entrevis-
tador e entrevistado por meio do diálogo, o entrevistador elabora um roteiro de perguntas com o intuito de colher
dados para sua pesquisa e por meio de questões realizadas ao entrevistado faz que este transforme lembranças em
narrativas (ALBERTI, 2003; 2004; 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação em Novo Horizonte passou por muitos desafios e por muitas conquistas ao longo da história, o
presente projeto ainda em fase inicial, vem dar enfoque na ocupação e reocupação do município de Novo Horizonte
do Norte, como ocorreu seu desenvolvimento ao longo do tempo e seu processo de colonização dentro do Vale do
Arinos
Ao produzir narrativas de memórias de professores que fizeram a história da educação em Novo Horizonte do
Norte e apresentar ao público por meio de artigos e publicações estimularemos o conhecimento de suas origens, das
mudanças no cenário da educação, dos conflitos do percurso do currículo, o enriquecimento da Cultura Escolar e suas
mudanças, a interação entre mudanças e permanências que influencia as instituições escolares.
Nossas terras e nosso povo carregam marcas de grandes lutas, de sol a sol iam construindo o progresso, a cada
suor derramado uma perspectiva de vida melhor principalmente para sua família e para nossas cidades, nossa história
não surgi do nada, surgi da luta e dos sonhos de alguém, neste caso dos sonhos e da luta de muitos.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Contexto, 2010. p. 155-202.
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_______. Narrativas na história oral. In: Simpósio Nacional de História (22.: João Pessoa, PB). Anais eletrônicos. João Pessoa,
PB: ANPUH-PB, 2003. 10f.
_______; FERNANDES, Tania Maria; FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs). História oral: desafios para o século XXI
[online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000.
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CPDOC. O que é História Oral. CPDOC/FGV. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil,
2015. In: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral, acesso 15/06/2016.
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xc=PP2H1Db&fxpp=RvtUY&fxfn=14352935835606726445-92938736053&fxfe=pdf, acesso em 15/06/2016.
GATTI, Bernadete Angelina. A construção da pesquisa em educação no Brasil. Brasília: Editora Plano, 2002.
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LEITE, Francine Suélen Assis. Influência das Políticas de Avaliação Externa na Cultura Escolar: um Estudo a Partir
das Memórias de Atores Sociais da Escola Municipal Ulisses Guimarães – Juara, 2018. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação) – Curso de Graduação Licenciatura Plena em Pedagogia, Faculdade de Educação e Ciências Sociais Aplicadas,
Câmpus de Juara, Universidade do Estado de Mato Grosso, 2018.
NOVA ESCOLA. A educação era melhor na época da Ditadura?. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/12558/
a-educacao-era-melhor-na-epoca-da-ditadura Acessado em: 24 de setembro de 2018 às 17:00 horas.
OLIVEIRA, Reinaldo Aparecido Rodrigues de. Et.al. A reorganização da Dinâmica Espacial da Gleba Carvalho no
município de Novo Horizonte do Norte, MT. Trabalho de Conclusão de Área apresentado ao Curso de Pedagogia na
Modalidade Licenciatura para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, modalidade a distância do Instituto de Educação,
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SANTOS, Reginaldo José dos. História da Educação Matemática no Estado de Mato Grosso: o movimento da Matemática
moderna no município de Juara no período de 1970 a 1990, a partir da Escola Estadual Oscar Soares. Dissertação (mestrado) –
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– 32. ed. – Campinas, SP: Autores Associados, 1999. – (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.5).
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SCHMIDT, Maria Luisa Sandoval; MAHFOUD, Miguel. Halbwachs: Memória coletiva e Experiência. São Paulo: Instituto de
Psicologia – USP, 1993.

607
DIÁLOGOS ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
E TECNOLÓGICA

Adriam Marcos da Silva – IFG/GO1


Claudia Helena dos Santos Araújo – IFG/GO2
Moisés de Oliveira Melo – UEG/GO3

Resumo: No mundo contemporâneo, sobretudo as tecnologias digitais tomaram parte nas vivências humanas,
integrando diretamente a experiência educacional, social, política, econômica e cultural. Cada vez mais “naturaliza-
das” nas relações sociais, influenciam a linguagem e os padrões de comportamento, transformando a maneira de pen-
sar, sentir e agir das pessoas. Dentro das inúmeras possibilidades analíticas do tema, o presente artigo apresenta os
resultados iniciais de uma pesquisa, relativa à temática das tecnologias, enfocando as orientações teóricas pertinentes
à relação entre tecnologia e a Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Objetiva-se, assim, analisar esta relação em
periódicos científicos especializados, publicados no Brasil pelo portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entre 2013 e 2018, identificando artigos que tratam do uso de tecnolo-
gias em EPT. Especificamente, a pesquisa elegeu o seguinte escopo: identificar, nos artigos localizados, os discursos
que enformam as leituras acerca dos usos de tecnologias em EPT, identificando as orientações teóricas que permeiam
suas reflexões. No que tange à metodologia, o estudo se baseia em pesquisa qualitativa que utiliza dados quantitativos.
Dito de outra forma, é do tipo bibliográfica, com natureza descritiva e inventariante, permeada por análise de conte-
údo. Quanto ao marco temporal, inicia-se em 2013 quando da implantação do Programa de Modernização da Rede
Federal para Uso de Tecnologias Educacionais (PMTE) – integrante das políticas digitais do governo federal, através
do qual se distribuiu tablets aos docentes da rede federal, com vistas à sua utilização nas práticas escolares–, vindo até
2018. Até o momento a pesquisa promoveu o levantamento de artigos científicos, publicados em revistas classificadas
com qualis A1, A2, B1 e B2 nas áreas de Ensino e Educação. Como resultado preliminar, foram encontrados 1374
periódicos da área de Educação, sendo que deste total 109 foram classificados com qualis A1; 352 qualis A2; 519 qua-
lis B1 e 394 com qualis B2. Também foram encontrados 1356 periódicos na área de Ensino. Destes, 145 periódicos
foram classificados como qualis A1; 198 como qualis A2; 367 como qualis B1 e 646 como qualis B2. Deste universo
geral, foram selecionados quatro periódicos especializados, por terem o maior número de trabalhos publicados sobre
o tema investigado, a saber: Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica; Revista Educação & Tecnologia; Re-
vista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico (EDUCITEC) e Revista Novas Tecnologias na Educação (RENOTE).
Os resultados parciais da pesquisa, concentrada na leituras dos títulos e resumos dos artigos publicados, indicam uma
tendência a tratar as tecnologias utilizadas na educação sob uma visão tecnicista e utilitarista, consagrando a “inova-
ção tecnológica” como solução para as emergências da educação e EPT. Conclui-se, assim, a necessidade da leitura
integral dos trabalhos publicados nos periódicos citados acima, para análise e desenvolvimento de um constructo
teórico que instrumente a reflexão sobre a relação entre tecnologias e Educação Profissional e Tecnológica.
Palavras-chave: Tecnologia e EPT. Educação e Tecnologia. Uso de Tecnologias na EPT.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presença das tecnologias tem influenciado diversas áreas da experiência humana, ao longo do tempo. No
mundo contemporâneo, em especial as tecnologias digitais se fazem presentes na vida educacional, social, política,
1 Adriam Marcos Silva é mestrando em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Goiás. Contato: adriamhistoria@gmail.com
2 Cláudia Helena dos Santos Araújo é doutora em Educação pela PUC-GO e docente do Instituto Federal de Goiás. Contato: helena.claudia@
gmail.com
3 Moisés de Oliveira Melo é graduando em História pela Universidade Estadual de Goiás. Contato: moiseszatara@gmail.com

608
econômica e cultural dos indivíduos, estando cada vez mais “naturalizadas” nas relações sociais, nas linguagens e pa-
drões de comportamento.
Isto não quer dizer, é claro, que o uso das tecnologias é ausente de contradições. Ao contrário, Sancho e Her-
nandez (2006, p. 17) afirmam que as possibilidades de percursos inscritos em uma sociedade tecnológica, não se ca-
racterizam como “positivas para todos os grupos e indivíduos”, pois se constituem em contradições e distanciamentos
na sociedade. Em países de capital com dependência dos grandes centros financeiros e tecnológicos, como é o caso do
Brasil, o acesso às tecnologias tem sido um privilégio de poucos.
A educação é uma das áreas que mais sente a repercussão das tecnologias. Tal fato se justifica por apresentar
aproximações com variados dispositivos tecnológico-culturais, nos processos de ensino e aprendizagem. Por ser
um lugar de sociabilidades, é considerada o espaço formal para se ensinar o uso das tecnologias em seus ambientes
e estruturas educativas. No entanto, a implementação das tecnologias no ambiente escolar é um desafio, posto que
nem sempre o avanço tecnológico e as mudanças pedagógicas caminham na mesma velocidade (SANCHO; HER-
NANDEZ, 2006). Por outro lado, importa ressaltar que o uso das tecnologias em ambiente escolar pode influenciar
a organização do trabalho pedagógico e a relação professor-aluno, sobretudo no que diz respeito às apropriações e
reelaborações das tecnologias pelos sujeitos educativos.
A relevância inegável, e cada vez maior, das relações entre as tecnologias e a educação, tem suscitado pesquisas
sobre seus impactos, bem como o papel que as tecnologias assumem na EPT – Educação Profissional e Tecnológica.
O tema se tornou objeto de análise recorrente, em particular na produção acadêmica na área de Educação.
Conforme demonstram Peixoto e Moraes (2017), os trabalhos desenvolvidos em cursos de Doutorado em
Educação entre 2008 e 2013, e que foram publicados no GT (Grupo de Trabalho) de Educação e Comunicação da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), discutem em larga medida as apropriações
de tecnologias em situações pedagógicas. Ainda de acordo com os autores, a maioria das teses analisadas se assentam
em um discurso que trata de forma instrumental o uso das tecnologias em ambientes educacionais. Ou seja: que con-
sidera a tecnologia como neutra em si mesma, e que não leva em consideração as relações socioculturais dos sujeitos
envolvidos no uso e na criação dos artefatos tecnológicos (PEIXOTO; MORAES, 2017).
Não obstante, ao analisarem os discursos pedagógicos da produção acadêmica no período de 1997 a 2007, que
versou sobre o uso do computador na educação, Araújo e Peixoto (2012) identificaram duas abordagens distintas:
uma instrumental e outra, determinista.

Segundo a visão instrumental, então, os efeitos do uso da tecnologia na educação dependem da maneira como esta
é apropriada pelos sujeitos: segundo um modelo instrucional e transmissivo ou segundo um modelo de aprendiza-
gem autônoma e colaborativa. Mas a visão determinista também pode ser “otimista”, ao se considerar que a tecno-
logia nos conduzirá a uma vida melhor, ou pode ser “pessimista”, se considerarmos que a tecnologia nos conduzirá
ao isolamento e ao domínio das máquinas (PEIXOTO; MORAES, 2017, p. 264).

Observa-se que as reflexões postas sobre as pesquisas desenvolvidas no campo da educação consideram que as
tecnologias apresentam uma tendência tecnicista e utilitarista, consagrando a “inovação tecnológica” como solução
para os problemas educacionais. Conduzida por essas análises, a presente pesquisa questiona quais são os discursos
mais presentes nas produções acadêmicas que, em forma de artigos, abordaram a relação das tecnologias e a Educação
Profissional Tecnológica (EPT), entre 2013 e 2018.

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: CAMINHOS PERCORRIDOS

A EPT é uma modalidade de ensino, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96,
que oferta formação técnica nos níveis básico, técnico e tecnológico (BRASIL, 1996). Na modalidade de educação
técnica de nível médio, existe a possibilidade da mesma ser realizada de forma integral, concomitante ou subsequente,

609
articulando a formação técnica e a formação humana, segundo as bases teórico-metodológicas dos princípios e dos
fundamentos do currículo integrado.4.
Compreender a relação da EPT com as tecnologias requer, antes de mais, revisitar a sua historicidade. Neste
sentido, de acordo com o resgate histórico apresentado pelo Parecer 16/99 da Câmara de Educação Básica (CEB) e do
Conselho Nacional de Educação (CNE), a trajetória da EPT no Brasil tem início no século XIX. O ano de 1809 foi um
marco na profissionalização da classe trabalhadora, tomada como política pública pelo príncipe regente, D. João VI,
a partir da promulgação de um decreto que culminou na criação do “Colégio das Fábricas”.
Naquele momento histórico, os governos adotavam programas pontuais para resolver de forma assistencialista
a questão dos “desvalidos da sorte”, uma vez que a educação era propedêutica, alcançando apenas os filhos da elite di-
rigente (MOURA, 2010). Assim, desde o seu surgimento, a EPT foi atravessada por uma dicotomia histórica: a escola
de nível elevado para os filhos da elite dirigente e a escola de saberes utilitaristas para os filhos da classe trabalhadora
(KUENZER, 2002; OLIVEIRA, 2001).
Dessarte, a educação profissional possui como premissa a centralidade do trabalho como princípio educativo
e a indissociabilidade entre teoria e prática, dentro da formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando o
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social (BRASIL, 2004).

TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

A compreensão do termo “tecnologia”, encontra em Álvaro Vieira Pinto (2005) um apoio fundamental. Filó-
sofo brasileiro, que vivenciou as profundas transformações nas bases produtivas nacionais, mediante o avanço do
capitalismo para as periferias da América do Sul, em meados da década de 1950, dedicou-se ao tema nos dois volumes
da obra O conceito de Tecnologia, publicada post mortem em 2005.
Como pano de fundo de uma reflexão toda ela ancorada no materialismo histórico dialético, encontra-se o pro-
cesso marcado pelo desenvolvimentismo e pela “explosão tecnológica” no Brasil. A partir da década de 1950, quando
o capitalismo transfere maquinarias dos grandes centros, para os países periféricos, moderniza-se tecnologicamente
a produção agrária brasileira, oportunizando mudanças e transformações as quais promoveram avanços para uns e
atraso para outros.
No primeiro volume da obra, Vieira Pinto reflete sobre a distinção entre técnica e tecnologia, a relação do ho-
mem com a tecnologia, a avaliação do uso da tecnologia e o conceito de tecnoestrutura.
Em se tratando da tecnologia e da técnica, o autor considera um equívoco a sua associação. Embora possuam
elementos em comum, são categorias analíticas distintas. Enquanto a técnica é imanente à espécie humana, que tem
por natureza a faculdade de produzir e inventar meios artificiais para resolver problemas, a tecnologia é a “ciência
da técnica”: nasce no processo evolutivo da espécie humana. Neste particular, conforme asseveram Coronel e Silva
(2010), ao se debruçarem sobre a obra de Vieira Pinto:

[Assim], as novas tecnologias nascem, de um lado, devido à posse dos instrumentos lógicos e materiais indispen-
sáveis para se chegar a uma nova realização, na base dos quais está o desenvolvimento científico, e, de outro, de
uma incessante exigência social de superação de obstáculos e busca de inovações, daí porque nenhuma tecnologia
se antecipa à sua época (CORONEL; SILVA, 2010, p. 182).

Sob este ponto de vista, o desenvolvimento tecnológico de uma sociedade é realizado em consonância com as
suas condições materiais de produção, pelo acúmulo do saber, da prática social e dos níveis de exigência que esta so-
ciedade apresenta. Dito isso, Viera Pinto considera que o termo “tecnologia” deve ser entendido como a significação
de teoria epistemológica da técnica (VIEIRA PINTO, 2005, p. 245). Diante destas considerações, assume-se neste
trabalho concepção de tecnologia proposta pelo filósofo, entendendo-a como a expressão científica do homem sobre

4 O currículo integrado na EPT tem por finalidade unir na mesma matriz curricular, o núcleo comum (disciplinas de português, matemática,
história e etc.) com o núcleo profissionalizante (disciplinas específicas do curso profissionalizante escolhido).

610
a natureza, alterando-a e sendo por ela alterado, modificando e transformando a partir das suas necessidades concre-
tas, ao dispor e produzir os meios que tem para fazê-lo (VIEIRA PINTO, 2005).
De outro lado, é claro, não se pode olvidar o conflito de classes que permeia a posse da tecnologia e que perpassa
a relações sociais. No entanto, vale lembrar que para Vieira Pinto tanto a técnica quanto a tecnologia, em si, não são
nem boas nem más. O argumento fundamental do autor é que ambas são criações humanas, destinadas a servir aos
interesses humanos. Logo, o que pode ser visto como “bem ou mal”, depende do uso que se faz. Desta forma, a ideia
de “explosão tecnológica”, utilizada pelas classes dominantes como “salvadora”, possui um nítido viés ideológico na
medida em que “[...] elimina os problemas concretos, existenciais, sociais surgidos no exame das relações entre o ser
humano e a tecnologia, substituindo-os por estados emocionais de vituperação ou de esperança” (VIEIRA PINTO,
2005, p. 236).
Na esteira deste pensamento, Basniak, Almeida e Silva (2018, p. 68) compreendem a tecnologia como instru-
mento de poder, posto que “[...] na configuração do Estado moderno de direito a relação entre poder e tecnologias
aparece de forma cada vez mais intensa”. Os autores consideram, ainda, que a questão é particularmente aguda no
que tange à relação entre as tecnologias e a mídia, “[...] uma das maiores formadoras da opinião pública e assim, uma
das mais fortes formas de dominação” (BASNIAK; ALMEIDA; SILVA, 2018, p. 68).
Já a perspectiva de compreender o discurso que permeia as relações entre tecnologia e Educação Profissional e
Tecnológica, foi considerada por Costa (2015) ao investigar a questão das mediações docentes nos cursos técnicos de
ensino médio online, integrantes da rede e-Tec5 do governo federal.
A autora analisou os processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos na Educação a Distância (EAD), a
fim de verificar que tipo de formação se pretendia oferecer aos alunos destes cursos, bem como os objetivos que se
buscava nessa formação. Dentre suas considerações, observa que o uso das tecnologias na EPT vai além da sua ação
pedagógica. Antes, se alinha a projetos de organismos internacionais que, no âmbito político e econômico, definem
que tipo de formação se pretende e qual a sua finalidade. Dito isso, a autora registra a importância da compreensão
histórica na objetivação analítica das políticas educacionais:

A análise histórica, conforme a abordagem dialética visa explicitar o movimento das relações políticas, econômicas
e educacionais no interior das quais a educação surge como um dos meios mais eficazes de se assegurar interesses
de classes e grupos sociais e de se manter as bases do sistema social vigente (COSTA, 2015, p. 37).

Desta forma, a educação também é transpassada pelos interesses de classes e pelas lutas por espaços de poder,
sendo a tecnologia um dos dispositivos utilizados para manutenção da ideologia de classes e, a depender do seu uso,
também das desigualdades. Neste aspecto, Sancho e Hernández salientam que:

[...] em diversos países coexistem programas de uso das TICs com o desenvolvimento de uma política educativa
baseada em uma concepção de níveis de êxito, que pouco tem a ver com criatividade, expressão do próprio conhe-
cimento e autonomia intelectual (SANCHO; HERNÁNDEZ, 2006, p. 20).

Em um contexto de regulamentações e normatizações, a escola se vê engessada na sua criatividade, sem espaço


para “[...] abordar as suas próprias transformações” (SANCHO; HERNANDEZ, 2006, p. 20). Este cenário se acentua
particularmente na EPT, justamente por ser uma modalidade de ensino orientada para a formação de técnicos em
diversas áreas do conhecimento.

5 A Rede e-Tec Brasil foi criada em 2011, pelo Ministério da Educação em substituição ao Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil, mediante
o decreto federal n° 7.589. Sua finalidade é desenvolver a educação profissional e tecnológica na modalidade da educação a distância,
ampliando e democratizando a oferta e o acesso à educação profissional pública e gratuita no país. Constitui uma das iniciativas estratégicas
da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), incorporada ao Pronatec, para potencializar
a interiorização e a democratização da oferta de cursos da Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Disponível em: http://portal.mec.gov.
br/rede-e-tec-brasil. Acesso em: 09 de mar. de 2019.

611
ESTADO DO CONHECIMENTO, TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA: PRIMEIRAS IMPRESSÕES

A pesquisa que ora se apresenta, e que está em andamento, pode ser caracterizada como bibliográfica e de
natureza inventariante. Trata-se de uma abordagem qualitativa, que faz uso de dados quantitativos em momentos
pontuais da análise. É, assim, um esforço no sentido de retratar o “estado do conhecimento” na área da Educação,
acerca da temática “tecnologia e EPT”, entre 2013 a 2018. Nesta condição, a pesquisa vai ao encontro da definição
apresentada por Morosini e Fernandes:

No entendimento, estado de conhecimento é identificação, registro, categorização que levem à reflexão e síntese
sobre a produção cientifica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo, congregando perió-
dicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica (MOROSINI; FERNANDEZ, 2014, p. 155).

Quanto à discussão dos dados, utiliza-se a análise de conteúdo como metodologia, conforme proposto por
Bardin (2006) e Franco (2012).
Como dito anteriormente, buscou-se mapear os trabalhos centrados na discussão temática em tela, consideran-
do estudos publicadas em artigos científicos. O universo de pesquisa foi delimitado nas produções científicas, publi-
cadas em periódicos acadêmicos classificados como “Nacional e/ou Internacional A e B” no Qualis da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), elegendo aqueles classificadas nos níveis A1, A2, B1 e B2
nas áreas de Ensino e Educação.
A escolha do marco temporal tem início no ano de 2013, quando se implanta o Programa de Modernização da
Rede Federal para Uso de Tecnologias Educacionais (PMTE) – como parte das políticas digitais do governo federal,
para distribuição de tablets aos docentes da rede federal, com a finalidade de uso nas práticas escolares –, estendendo-
-se até 2018.
Como resultado parcial de pesquisa, no levantamento bibliográfico já realizado foram encontrados 1374 perió-
dicos da área da Educação. Destes, 109 foram classificados como qualis A1; 352 como qualis A2; 519 como qualis B1
e 394 como qualis B2.
Também foram encontrados 1356 periódicos na área de Ensino, dos quais 145 foram classificados como qualis
A1; 198 como qualis A2; 367 como qualis B1 e 646 como qualis B2. Após aplicar filtros de consulta com os descritores
Educação Profissional e Tecnológica; Educação e Tecnologia; Tecnologia e Educação & Tecnologia, foram encontrados 10 pe-
riódicos na área da Educação. Deste total, 01 foi classificado como qualis A2; 05 como qualis B1 e 04 como qualis B2.
Também foram encontrados 45 periódicos na área de Ensino. Destes, 02 periódicos foram classificados como qualis
A2; 25 como qualis B1 e 18 como qualis B2.
A partir do levantamento acima, foram selecionados quatro periódicos especializados, tendo por critério o fato
de apresentarem o maior número de trabalhos publicados sobre o tema investigado. São estes: Revista Brasileira de
Educação Profissional e Tecnológica; Revista Educação & Tecnologia, ISSN 1983-0408, classificada como B2 em Ensino;
Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico (EDUCITEC) ISSN 2446-774X, classificada como B1 em educa-
ção; e Ensino e Revista Novas Tecnologias na Educação (RENOTE), ISSN 1679-1916 classificada como B2 em Educação
e B1 em Ensino.
Os resultados parciais da analítica, centrada na leitura dos títulos e resumos dos artigos encontrados, indicam
uma tendência a tratar as tecnologias utilizadas na educação substanciadas por uma visão tecnicista e utilitarista, con-
sagrando a “inovação tecnológica” como solução para as emergências da educação e EPT. Conclui-se a necessidade da
leitura na íntegra dos trabalhos publicados nesses periódicos, para análise e desenvolvimento do constructo teórico
que trata da relação entre tecnologias e Educação Profissional e Tecnológica.

612
REFLEXÕES PRELIMINARES

Os discursos que norteiam o uso das tecnologias dentro da EPT, no levantamento e análise preliminares da
pesquisa, apontam para uma perspectiva dicotômica, ora sinalizando a tecnologia como “entrave”, ora como “solução”
para o trabalho do professor. Como exemplo, em trabalho publicado na Revista Brasileira de Educação Profissional e
Tecnológica, Macedo (2013, p. 07) concluiu que:

A flexibilidade da EAD profissionalizante, entrega ao mercado trabalhadores capacitados à um baixo custo, despo-
litizados e flexíveis, com ótima sujeição ao ideário capitalista de polivalência e qualidade, reduzindo as instalações
escolares, dividindo o papel do professor, ameaçando e precarizando as condições laborais destes profissionais da
educação (grifo nosso).

Na interpretação acima, além de entender a tecnologia da Educação a Distância (EAD) dentro da EPT, como
instrumento de dominação e controle, também é percebida como “ameaça” ao trabalho docente, nos processos de
ensino e aprendizagem.
Em outro extremo, Antunes e outros (2013), que pesquisaram os cursos oferecidos aos profissionais de saúde
por meio da utilização da EAD em instituições públicas e privadas de ensino superior, consideram a tecnologia como
“solução” para os problemas de formação dos profissionais de saúde do Rio Grande do Norte. Principalmente para
aqueles ligados às instituições públicas que, segundo os autores, devem buscar “[...] a interatividade na cibercultura
para desenvolvimento da formação dos profissionais da saúde (ANTUNES, et al, 2013, p. 17).
Face aos resultados parciais apresentados, e da lacuna existente quanto ao diálogo e às diferentes concepções
discursivas sobre as tecnologias e a EPT, reafirmamos que a continuidade da pesquisa mostra-se necessária para o de-
senvolvimento do conhecimento científico pertinente, para o qual contribuiremos dando prosseguimento às leituras
e análises delimitadas para o estudo.

REFERÊNCIAS

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613
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VIEIRA PINTO, Álvaro. O Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

614
DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO
INFANTIL E SÉRIES INICIAIS

Divina Lúcia Rodrigues Barbacena Monteiro- PUC/GO1

Resumo: O trabalho a seguir trata das dificuldades iniciais na alfabetização, apresentando um estudo sobre a
dicotomia na aprendizagem da leitura e da escrita. A revisão teórica procura explorar duas visões distintas do pro-
cesso de aprendizagem dessas habilidades: a Psicogênese da Leitura e da Escrita proposta por Ferreiro e Teberosky e
os estudos da Psicologia Cognitiva, buscando uma complementaridade entre essas abordagens. No entanto evidên-
cias pedagógicas foi constatado que as atividades e as propostas da escola envolviam o conhecimento das letras, das
unidades silábicas e da consciência fonêmica, detendo-se principalmente em atividades de escrita. O estudo sugere
que o professor tem conhecimento que o habilita a classificar as habilidades de leitura e escrita de seus alunos de for-
ma relacionada ao desempenho deles, com base na psicologia cognitiva. Porém, nenhuma das atividades envolvia a
construção do significado das palavras, ficando apenas na correspondência letra-som. O estudo apresenta atividades
de intervenção psicopedagógicas desenvolvidas no contexto da sala de aula, em que a construção do significado das
palavras na leitura foi instigada.
Palavras-chave: Linguagem; Distúrbios; Educação Infantil.

INTRODUÇÃO

O presente artigo trata, através de uma revisão teórica, sobre os distúrbios da linguagem e da aprendizagem
mais comuns existentes no mundo. Ressalta a importância de sabermos, não só como educadores, mas também como
pessoas pertencentes de uma sociedade, como identificar esses distúrbios e procurar, da melhor maneira possível,
incluir esses indivíduos, com todas suas particularidades, na sociedade. Teremos aqui neste trabalho os principais
distúrbios de maneira clara e coerente fazendo uma reflexão sobre as atitudes do profissional da educação diante das
diferenças e particularidades de cada um. Será abordado o desenvolvimento da fala e da linguagem, os distúrbios re-
lativos às mesmas, a etiologia, a forma como cada uma se apresenta na criança.
Por conseguinte, iremos discorrer sobre as disfasias, distúrbios de aprendizagem e escrita, não de correlacio-
nam com as afasias que são distúrbios relativos a problemas em uma parte específica do cérebro, atingindo o desen-
volvimento da fala e também os principais distúrbios orais, e quais são as principais características apresentadas por
cada um deles.
Em seguida, analisaremos se algo já está sendo feito para refletir o processo ensino/aprendizagem e distúrbios,
e as fases de desenvolvimento e fases silábicas. Além de instrumento de formação física, intelectual e moral, cabe-lhe
a missão de promover a integração harmoniosa do educando no seio da comunidade, fornecendo-lhe todos os ele-
mentos para que se possa tornar um fator de progresso individual e social. Assim, a aprendizagem é um processo de
assimilação de determinados conhecimentos e modos de ação física e mental, organizados e orientados no processo
ensino /aprendizagem.

1 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Norte do Paraná- UNOPAR, Especialista em Psicopedagogia Clínica/Institucional pela
Universidade Católica de Anápolis, em Educação Inclusiva com Ênfase em Libras pela mesma instituição e Especialista em Educação Infantil
nas Séries Iniciais pela FIAVEC- Faculdades Integradas de Várzea Grande.

615
A LINGUAGEM E A FALA

De acordo com José (1993), a linguagem é um processo cultural e social, instalado sobre o desenvolvimento
suficiente de funções neurológicas e psíquicas que permite, através de signos e símbolos adquiridos, a comunicação
com nossos semelhantes e conosco. Nesse sentido, a compreensão da linguagem parece proceder a compreensão
da fala, pois a criança comunica-se através de gestos, olhares e mímicas antes de poder se expressar oralmente. Ela
também compreende muitas palavras num estágio bem anterior àquele em que adquire capacidade para articulá-las.
Ainda segundo José (1993, p.95)

Para aprender a falar, o ser humano precisa ter perfeitos órgãos sensoriais, motores e de articulação, além de um
processo normal de evolução do sistema nervoso. É a partir desses elementos que ele desenvolve uma linguagem
correta, clara e lógica, imprescindível à sua integração social.

Nesse sentido, o desenvolvimento da linguagem e da fala depende de vários aspectos: motores, físicos, psí-
quicos e neurais; e a partir daí se desenvolverá o sistema que integra a fala propriamente dita. Quanto a isso, Bear
(1999, p.505) assevera que linguagem é a aquisição de uma língua materna, de forma natural e espontânea, durante
os primeiros anos de vida da criança. “A linguagem é uma forma de comunicação distintivamente humana, um meio
de transmitir informação complexa de uma pessoa a outra.” A linguagem pode ser distinguida de outras formas de
comunicação por quatro características, que, segundo o autor, são criatividade, forma, conteúdo e o uso.
Com isso, devemos ressaltar que a linguagem, relacionada à fala, é fundamentalmente um meio para comuni-
cação social – quando falamos ou escrevemos, temos um propósito social, de acordo com Mussalim (2001) Contudo,
a língua não é simplesmente um meio neutro para a troca de fatos e de observações sobre o mundo. A linguagem
organiza nossa experiência sensorial e expressa nossa auto-identidade – nossos pensamentos, sentimentos e expec-
tativas. Ainda segundo a autora,

A fala seria uma forma de produção textual discursiva para fins comunicativos na modalidade oral, sem a necessi-
dade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-se pelo uso da língua na
sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os aspectos prosódicos, envolvendo,
ainda, uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo e a
mímica. (Mussalim, 2001, pag.24).

Nesse contexto, a fala é o meio verbal de comunicação, é uma característica do ser humano. Ela é considerada
um aspecto da linguagem apresentado pelo uso de sinas produzido pela exalação, fonação, articulação e ressonâncias
humanas, cuja comunicação se dá por meios acústicos e auditivos. E é por meio da fala que se há o desenvolvimento
da aquisição de uma linguagem.

AQUISIÇÕES DA LINGUAGEM

A aquisição de uma língua materna, de forma natural e espontânea, durante os primeiros anos de vida da crian-
ça, se é, por um lado, esperada e tomada como indicio de desenvolvimento normal, é por outro lado, surpreendente,
dada a regularidade do processo ante a diversidade e a complexidade das línguas humanas. (Corrêa, 2006, p. 22)
Segundo o autor, aos três anos de idade, crianças são capazes de formular e compreender enunciados linguís-
ticos estruturados de acordo com as propriedades que caracterizam a língua de sua comunidade. Isso significa que as
propriedades que definem a língua materna, no que concerne ao seu sistema fonológico, sua morfologia e seu modo
de organização sintática, são identificadas pela criança nos primeiros anos de vida.
Atrelada a isso, Mussalim (2001), cita que a aquisição da linguagem diz respeito ao desenvolvimento de habi-
lidades de expressão e de interação social por meio de uma língua, ou mesmo a própria constituição da criança como
sujeito da fala por intermédio da língua em aquisição.

616
Nesse bojo, para Vygotsky (2009), a ideia de que a aquisição da linguagem é derivada do desenvolvimento
do raciocínio da criança contesta a autonomia do chamado mecanismo de aquisição da linguagem, como domínio
específico de conhecimento linguístico. A aquisição da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência na
criança. De acordo com o autor supracitado, a aquisição da linguagem depende de áreas específicas do cérebro e não
unicamente do raciocínio da criança.
A verdade, é que há diferentes concepções diversas para a linguagem humana, como vemos em Koch (2007,
p.7). Ela sintetiza três destas concepções diversas: “a: Como representação (“espelho”) do mundo e do pensamento;
b: Como instrumento (“ferramenta”) de comunicação; c: Como forma (“lugar”) de ação ou interação”. Desta forma,
seria complicado dizer que a linguagem possui apenas um significado ou um conceito único. Como vimos, ela pode
ser entendida de muitas maneiras diferenciadas.
A linguagem é algo que acompanha a criança desde muito cedo. Ao estudar a aquisição da linguagem, Del Ré
(2006, p. 30) afirma:

O que se deve ser levado em consideração nos estudos atuais desenvolvimento, o que acontece desde o momento
em que ela nasce até o domínio da língua propriamente dita, tanto no que se refere à linguagem verbal quanto a
não verbal. (grifos da autora).

A criança é capaz de estabelecer uma relação com a linguagem muito rápida, adquirindo também uma noção
do mundo que o cerca. Portanto, antes de saber a falar ou a escrever “corretamente”, ela já está em contato com a
linguagem, e está se desenvolverá e passará por muitas etapas até alcançar o domínio da língua.

DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DA FALA

Para Mouly (1966, p.85), desde o nascimento o bebê já começa a se preparar para a fala. Os movimentos orais
propriamente ditos, de que ele necessitará para a produção da fala, têm início por volta dos 6 meses de idade.
Segundo Mouly (1966, p. 96) para o desenvolvimento da linguagem, é indispensável o ambiente humano, pois
é o mundo adulto que dá o conteúdo e as regras formais da linguagem. Os adultos consideraram que as primeiras
condutas das crianças, por meio de vocalizações, do choro, dos olhares, das expressões faciais, estão carregadas de
intenções; agem como se as crianças nos comunicasse alguma coisa e até mesmo, na maior parte das vezes, alguma
coisa específica. É este comportamento do adulto diante da criança que permite a interação social.
A partir dos dois meses começa a fase do balbucio, período em que todas as crianças se expressam do mesmo
modo, qualquer que seja o seu idioma. “O bebê emite sons, ouve e repete seus próprios gritos, num verdadeiro jogo
vocal. Esse período é importante, pois o bebê, ouvindo a si mesmo e aos outros, começa a desenvolver sua capacidade
de discriminação”. (José, 1993, p.37).
Aparentemente, os sons que a criança balbucia no começo são universais: os sons do balbucio inicial não são
específicos de sua língua materna. (José, 1993, p.66). Conforme o balbucio se padroniza, antes do aparecimento das
primeiras palavras, o acervo e a sequência de sons passa a se assemelhar mais as características fonéticas da língua
materna.

DISTÚRBIO DA LEITURA E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAIS

Segundo Lima (2003) para entender o que acontece quando uma criança não aprende a ler e escrever é pre-
ciso considerar, primeira, que a escrita é um produto da evolução histórico-cultural da humanidade, é um sistema
organizado e, portanto, para dominá-lo, a pessoa precisa compreender sua organização. Sendo a escrita uma pratica
de cultura participam do processo de aprendizagem da escrita. Do ponto de vista do sujeito que aprende, sendo o
desenvolvimento humano de natureza biológica e cultural, os períodos do desenvolvimento humano determinam
diferentes formas de abordar o ensino da escrita. Além disso, sabemos hoje que, do ponto de vista biológico, há uma

617
grande complexidade na forma como o cérebro processa a linguagem, com áreas de especialização para as diferentes
dimensões da linguagem.
Quando uma criança não está aprendendo a ler ou a escrever, ou ambos, é preciso levar em consideração à
escrita como um sistema que é manifestação da capacidade humana de simbolizar. Existem, então, inúmeros fatores
que podem estar ocorrendo quando a criança não aprende. É importante salientar que falar, ler e escrever, embora
sejam realizações humanas relacionadas são de natureza distinta. Falar é possível pela genética da espécie humana, e
o desenvolvimento da fala é uma construção social. (Lima, 2003 p, 03).
Segundo Elvira Souza,

“A auto-estima” do aluno se modifica quando sente que aprendeu. Todo ser humano sabe quando está aprendendo
algo ou não. Ter consciência de que aprendeu algo que muda a baixa auto-estima de qualquer pessoa. Não e algo
que se realiza no discurso, mas, sim, na ação concreta. (2003- p, 28).

Segundo a autora, quando a criança não está aprendendo a ler e a escrever é necessário olhar em diferentes
direções. É importante salientar que lá um efeito cumulativo, um fator pode levar a outra e agravar no tempo, a não
aprendizagem. Se a escrita não for considerada com um produto da cultura humana, a pratica pedagógica em sala
de aula tende a se destacar do aluno com o leitor e escritor. Espere que a criança por se mesma. Descubra intricados
caminhos a serem percorridos nas várias dimensões da escrita pode criar problemas de vários ordenes para a criança.
(Lima, 2003, p.32)

CRIANÇA COM DISLALIA, DISLEXIA, DISORTOGRAFIA E OUTROS PROBLEMAS DE


APRENDIZAGEM

De acordo com J. Paz apud Sara Pain (1992), podemos considerar os problemas de aprendizagem como um
sistema, no sentido de que o não – aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa numa constelação
peculiar de comportamentos, nos quais se destaca como sinal de descompensação. A criança aprende a falar no seu
grupo social. À escola cabe desenvolver a linguagem oral que o educando traz, por meio de atividades pedagógicas
que visam garantir a aprendizagem da leitura e da escrita.
O primeiro aspecto que deve ser observado é se o aluno apresenta um quadro problemático ou patológico. A
situação problemática é quando o aluno observado dificuldades emocionais, como: supersensibilidade, sentimento de
rejeição, sensação de pânico, ansiedade ou infantilização.
Existem inúmeros fatores que podem desencadear um problema ou distúrbio de aprendizagem. São conside-
rados fundamentais: Fatores orgânicos - saúde física deficiente, fato de integridade neurológico (sistema nervoso
doentio), alimentação inadequada, etc. Fatores psicológicos - inibição, fantasia, ansiedade, angustia, inadequação à
realidade sentimento generalizado de rejeição, etc.
Fatores ambientais - o tipo de educação familiar, o grau de estimulação que a criança recebe desde os primei-
ros dias de vida, a influência dos meios de comunicação, etc.
Assunção José e Tereza Coelho (2001) explicam que os distúrbios de destruição de aprendizagem na área da
leitura e da escrita podem ser atribuídos às mais variados causas:
Orgânicas: cardiopatias, encefalopatias, deficiências sensoriais (visuais, auditivas), deficiências motoras (para-
lisia infantil, paralisia cerebral, etc.), deficiência intelectuais (retardamento mental ou diminuição intelectual) disfun-
ção cerebral e outras enfermidades de longa duração. Psicológicas: desajustes emocionais provoca pela dificuldade
que a criança tem de aprender e que gera ansiedade, insegurança e auto-conceito negativo. Pedagógica: método ina-
dequado de ensino; fato de estimulação pela pré-escola dos pré-esquisitos necessários à leitura e à escrita; fala da per-
cepção, por parte da escola, do nível de maturidade da criança, iniciando uma alfabetização precoce; relacionamento
professor-aluno deficiente; não dominou no conteúdo e do método por parte do professor, atendimento precário das
crianças devido à superlotação das classes. Sócio-culturais: farta de estimulação (criança que não faz a pré-escola e

618
também não e estimulada no lar); marginalização das crianças com dificuldades de aprender de aprendizagem pelo
sistema de ensino comum.
Abordaremos agora alguns dos distúrbios de linguagem mais frequentes em crianças na idade escolar. O trata-
mento dos distúrbios deve ser feito por profissional especializado (fonoaudiólogo), mas é muito importante a colabo-
ração do professor. Quase sempre é ele que percebe qualquer dificuldade no desenvolvimento escolar, podendo assim
encaminhar a criança a um especialista. É do professor também a tarefa de impedir que a criança com problemas seja
discriminada pelos colegas.
Segundo Perelló, J. e outros (1981, p. 235) Dislalia é um transtorno na articulação dos fonemas por alterações
funcionais dos órgãos periféricos da fala”. Esta dificuldade em articular os fonemas pode ser classificada em fisiológi-
ca, funcional, audiógena e orgânica. A dislalia funcional pode ser simples, se afetar apenas um fonema, e múltipla,
se afetar mais de um fonema. Quanto à correção da articulação dos fonemas, o tratamento pode ser muito válido.
(GARCIA, 1981, p.33-34). Segundo Perelló (1981, p. 239), esta é a mais frequente em crianças na idade escolar. Os
alunos portadores de dislalia funcional demonstram intranquilidade, distração e timidez, às vezes até apatia. Podem
ainda ser agressivos e apresentar um baixo rendimento escolar. É importante ressaltar que o dislálico é uma pessoa
normal, que apresenta somente um distúrbio. Quanto mais precocemente for tratado, melhor será o prognóstico de
cura. O terapeuta, porém, deve contar com o auxílio dos pais e do professor.
Segundo Faria apud Haddad (1991) geralmente, os fonemas mais afetados são as consoantes. E as distorções
mais frequentes são rotacismo e sigmatismo. As alterações mais frequentes são substituição, omissão, metátese, acrés-
cimo e assimilação. As causas são: Hereditariedade, diminuição de atenção, imitação e bilinguismo, educação familiar
inadequada, atraso no desenvolvimento motor, atraso na maturação neurológica, dificuldade na percepção de tempo
e espaço, transtornos no comando dos órgãos articuladores relacionados à sensibilidade, à mobilidade e aos tônus.
Para ele o tratamento deverá ser programado em função da causa. Nos casos em que há atraso no desenvol-
vimento motor e no da linguagem e das percepções, estes aspectos devem ser corrigidos antes de se abordarem as
dificuldades de articulação. Nos casos de imitação e bilingüismo, o terapeuta deverá orientar a família no acompa-
nhamento de tratamento. Em caso de ambiente familiar inadequado, é recomendável uma intervenção do psicólogo.
A Dislexia tem seu enfoque como um distúrbio específico do indivíduo em lidar com os símbolos (letras e / ou
números). Um tipo de distúrbio de leitura e escrita que provoca uma dificuldade especifica na aprendizagem da iden-
tificação de símbolos gráficos, embora a criança apresente inteligência normal, integridade sensorial e que, na idade
em que as outras crianças normalmente aprendem a ler, não o conseguem, mesmo que receba estimulação e ensinos
adequados.
No entanto, Johnson & Myklebust apud Haddad (1991) diz que a dislexia referida é chamada dislexia específica
da evolução. Específica, por referir-se especificamente ao distúrbio de aprendizagem da leitura e escrita; de evolução,
por ser ocasionada por uma imaturidade neurológica cuja tendência é desaparecer ou diminuir à proporção que a
criança se desenvolve. Apesar disso, ainda é comum encontrarmos alunos cursando o 1º grau com características
marcantes de dislexia. São chamadas de pré-disléxicas as crianças que apresentam transtornos de percepção (auditi-
va e visual), orientação espacial, linguagem e sociabilidade, na faixa de 4 a 6 anos. (p. 131-132). Segundo Johnson e
Myklebust (1983) apud Haddad (1991) as características descritas a seguir podem ser encontradas em crianças que
apresentam distúrbios de leitura, mas não é necessário que todas sejam detectadas em uma única criança.
Nas crianças de 4 a 6 anos de idade, fase em que se diagnostica a pré-dislexia, as alterações são mais represen-
tativas a nível de linguagem (dislalia, omissões, confusões e invenções de fonemas na fala). A expressão verbal e o
vocabulário são pobres. Pode-se observar, também, um atraso psicomotor envolvendo esquema corporal, atraso
nas relações perceptivo-motoras e movimentos básicos de grafia. (HADDAD,1991, p. 133). Segundo o autor, nas
crianças maiores de 9 anos, essas características variam de acorda com o grau da dislexia e o nível de mentalidade
das crianças. Sentem dificuldades em elaborar e estruturar frases e expressar-se, a leitura é lenta e vacilante, pouco
compreensiva, apresentam dificuldade em passar de uma linha para outra. Elas podem pular palavras, omitindo ou
agregando sons ou palavras, repetindo sílabas. A escrita não evolui, a ortografia é diferente e a caligrafia é disforme,
desestruturada e desorganizada, o que justifica o termo disortografia. Disortografia (JOHNSON & MYKLEBUST,

619
1983) caracteriza-se pela incapacidade de transcrever corretamente a linguagem oral, havendo trocas ortográficas e
confusão de letras. Essa dificuldade não implica a diminuição da qualidade do traçado das letras.
Segundo os autores as trocas ortográficas são normais durante a 1° e 2° séries do fundamental I, porque a rela-
ção entre a palavra imprensa e os sons ainda não está totalmente dominada. A partir daí os professores devem avaliar
dificuldades ortográficas apresentadas por seus alunos, principalmente por aqueles que trocam letras ou sílabas de
palavras já conhecidas e trabalhadas em sala de aula. Os principais tipos de erro que a criança com disortografia cos-
tuma apresentar são: Confusão de letras (trocas auditivas):consoante surdas por sonoras: f/v, p/b, ch/j;vogais nasais
por orais: na/a, em/e, in/i, on/o, um/u.;Confusão de sílabas com tonicidade semelhantes: cantarão/cantaram; Con-
fusão de letra (trocas visuais):siméticas: b/d, p/q:semelhantes: e/a, b/h, f/t; Confusão de palavras com configurações
semelhantes: pato/pelo; Uso de palavras com um mesmo som para várias letras: casa/caza, azar/asar, exame/ezame
(com do z). Além dessas trocas pode surgir dificuldade em recordar sequências dos sons das palavras, que são elabo-
radas mentalmente. Surgem então: omissão (caxa/caixa); adições (arvovore/arvore); inversões (picoca/pipoca) (em
contraram/encontraram; a parecer/aparecer); junção (um dia o menino); contaminação, na palavra, de uma letra por
outra próxima (brindadeiro/brincadeira).
A memória visual da criança que apresenta disortografia deve ser estimulada constantemente. Isso pode ser
feito através de quadros onde constem as letras do alfabeto, as famílias silábicas e os números, para que ela possa
utilizá-lo enquanto faz trabalho escrito. O distúrbio da escrita está bem detalhado nos trabalhos desenvolvidos. Tra-
ta-se de casos em que a criança consegue ler com fluência e apresenta uma linguagem oral perfeita, compreendendo e
copiando palavras, mas não conseguem escrever cartas, histórias e nem dar respostas a perguntas escritas em provas.
Na forma escrita, comete erros que não apresenta na forma falada. Além disso, não consegue transmitir para a escrita
conhecimentos adquiridos na linguagem oral. (HADAAD, 1993, p. 267-268).
A descoberta das alexias (perda da capacidade de ler depois de uma lesão cerebral) remonta ao século passado,
principalmente com Déjerine (1891, 1892) que isolou as formas principais de alexia pura e elaborou seus modelos
anatômicos explicativos. Portanto, muito antes dos modelos funcionais atuais da leitura, ao lado de suas descrições
patológicas, os estudos neurológicos já mostravam o desejo de compreender o funcionamento do cérebro normal.
(Anne Van Hout, 2001, p. 49).
Para Anne Van Hout, 2001, graças a neuropsicologia cognitiva, a diferenciação dessas alexias e os modelos de
leitura tiveram um considerável avanço; lesões funcionais distintas, resultantes da diversidade das etapas de trata-
mento de leitura, chegam a subgrupos de sintomas cada vez mais diferenciados.

“Muitas vezes, os estudos de psicologia cognitiva, baseados na análise de erros, e os modelos léxicos não apresenta-
ram dados anatômicos ou de linguagem suficientes para estabelecer correlações com os sinais clínicos”. (Peterson,
1982).

Quanto a isso, a alexia sem agrafia ou “leitura letra a letra” é uma síndrome que apresenta importantes variações
semiológicas, segundo a extensão e a localização diferencial dos danos provocados por lesões. No entanto, a discalcu-
lia é a falha na aquisição da capacidade e na habilidade de lidar com conceitos e símbolos matemáticos. Basicamente,
a dificuldade está no reconhecimento do número e do raciocínio matemático. E envolvem dificuldades na percepção,
memória, abstração, leitura, funcionamento motor; Combina atividades dos dois hemisférios. (VYGOTSKY,1994).
Até o presente momento, foi possível compreender que é um distúrbio neuropsicológico caracterizado pela
dificuldade no processo de aprendizagem do cálculo e que se observa, geralmente, em indivíduos de inteligência nor-
mal, com apenas inabilidades para a realização das operações matemáticas e falhas no raciocínio lógico matemático.
De acordo com Johnson e Myklebust (1983): “Este transtorno não é causado por deficiência mental, nem por déficits
visuais ou auditivos, nem por má escolarização”.

620
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se observar durante a pesquisa bibliográfica realizada, que o processo de aprendizagem não é um fenôme-
no simples, muito pelo contrário, é um processo complexo. Para entender a aprendizagem portanto, além das bases
epistemológicas, devem-se conhecer as várias fases de desenvolvimento das pessoas, principalmente das atividades
cognitivas, as inteligências múltiplas e como elas se manifestam durante a aprendizagem.
Em todo momento, educadores são surpreendidos por processos de aprendizagem, pois em qualquer situação
podem observar procedimentos da construção do conhecimento e isto se torna mais evidente nas fases iniciais da in-
fância, nas quais a criança sempre está pronta para conhecer algo diferente – aprender a ser, aprender a fazer, apren-
der a conviver, aprender a conhecer. A aprendizagem é uma construção permanente de cada pessoa e da coletividade.
No entanto, orientação aos pais e professores é parte imprescindível do programa de intervenção. Um conhe-
cimento mais aprofundado sobre as necessidades das crianças/adolescentes, resulta em programas de ensino mais
condizentes com suas peculiaridades. Escola, profissionais envolvidos no caso e família devem estar integrados para
favorecer o processo de aprendizagem da criança e minimizar seus déficits.
Acreditamos ser necessária uma efetiva incorporação dos achados das pesquisas atuais ao fazer clínico. Nunes
e cols (2001) salientam que alguns psicólogos e pedagogos de instituições públicas não incluem avaliação da leitura
e escrita em crianças com queixa de dificuldades de leitura. Tanto esses profissionais como aqueles atuando em con-
sultórios não avaliam o desempenho das crianças em tarefas de consciência fonológica, demonstrando o reduzido
impacto dos estudos na área sobre a prática clínica no Brasil. Ainda há certo distanciamento entre pesquisa e prática
em muitas áreas da educação, especialmente na avaliação e ensino da leitura.
A aquisição do conhecimento acontece então na interação é feita através de um mediador. Ele é quem ajuda a
criança a concretizar um aprendizado que ela ainda não atinge sozinha. Na escola, o professor e os colegas mais expe-
rientes são os principais mediadores. A intervenção do professor é direta, pois deverá ajudar a criança a avançar em
seu processo educativo, e auxilia na superação de dificuldades. Entretanto essas dificuldades de aprendizagem podem
surgir de transtorno físicos e/ou emocionais, de síndromes, entre outras necessidades especiais.

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622
DOCÊNCIA E GÊNERO NA FORMAÇÃO DOCENTE PARA EDUCAÇÃO
INFANTIL: HISTÓRIAS DE HOMENS NA PEDAGOGIA-DOURADOS/MS

Adaiane Enequio Palhano – UFGD/MS1


Míria Izabel Campos – UFGD/MS2

INTRODUÇÃO

Iniciamos, evidenciando na histórica da educação do país um passado marcado pelo exercício da docência cons-
tituído estritamente por homens no magistério. Somente após amplas transformações sociais, assistimos ao processo
que ficou conhecido como “feminização do magistério” (VIANNA, 2013), a partir do qual as mulheres passaram à
supremacia na carreira docente, especialmente no primeiro segmento da educação básica.
Nesse contexto, ao focarmos nossos estudos na constituição do trabalho com a infância, entendemos uma pro-
ximidade entre docência e gênero ao longo da história do magistério, conjuntura evidenciada nas discussões empre-
endidas por Carvalho (1998; 1999), Louro (1997; 2011a; 2011b), Sayão (2005), Vianna (2002; 2013), dentre outras.
No bojo desses estudos, precisamos destacar que relações de gênero são construções históricas e sociais que,
no curso do tempo, têm engendrado nos indivíduos práticas e comportamentos diferentes para mulheres e homens.
Sendo assim, é possível comprovar que a maciça presença feminina na docência ocorreu devido à construção históri-
ca de um pensamento que liga a mulher à maternidade e, como caminho natural, ao posto de professora de crianças
pequenas (CAMPOS, 2016).
Sob esse prisma de discussões, construímos o artigo a partir de pesquisa desenvolvida por nós nos anos de 2018
e 2019 na graduação em Pedagogia da Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD), universidade localizada no Município de Dourados, cidade do interior de Mato Grosso do Sul (MS).
Com investigação de cunho quali-quantitativo (GATTI, 2004; LÜDKE; ANDRÉ, 2013), objetivamos conhecer
e compreender acerca da presença de homens/pedagogos na docência da Educação Infantil, no município supracita-
do, na perspectiva dos estudos de gênero. Para tanto, como pressupostos teórico-metodológicos de nossa pesquisa,
registramos que inicialmente elencamos os estudos bibliográficos a partir do “estado da arte” (FEREIRA, 2002)3,
contemplando autoras/es das temáticas infância, docência na Educação Infantil e gênero.
Prosseguindo, efetuamos uma pesquisa no documento oficial referente ao Concurso para o Magistério
001/2016 da rede Pública da Educação de Dourados (DIÁRIO OFICIAL, 2016), a fim de averiguar quantos candida-
tos/homens foram aprovados e se estes assumiram a docência na Educação Infantil.
Para a apresentação do estudo, neste texto, organizamos duas seções que se complementam, sendo que na
primeira optamos por um diálogo teórico e na segunda trazemos dados da pesquisa empírica, quando retomamos
os referenciais e fazemos as problematizações consideradas pertinentes e importantes para comporem nosso debate
acerca da temática escolhida. E para finalizar o artigo, ainda registramos algumas considerações finais, visando aludir
à importância da realização de mais pesquisas que coloquem em evidência a problemática da docência masculina na
Educação Infantil.

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Foi Bolsista de Iniciação Científica da UFGD e
CNPq nos anos 2017 e 2018. Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Processo Civilizador (GPEPC). Orientada na pesquisa. E-mail:
adaianeepalhano@gmail.com
2 Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal
da Grande Dourados (UFGD). Professora Adjunta da UFGD. Membro do GPEPC. Orientadora da pesquisa. E-mail: miriacampos@ufgd.
edu.br
3 O conceito aqui tomado em Ferreira (2002, p. 258), para quem um conjunto significativo de pesquisas tem sido “[...] conhecidas pela
denominação ‘estado da arte’ ou ‘estado do conhecimento’. Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o desafio
de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento [...]”.

623
EDUCAÇÃO INFANTIL: DOCÊNCIA E GÊNERO

Devemos aludir, a sociedade constrói e perpetua lugares, comportamentos, modos de ser e estar para meninas/
mulheres e meninos/homens e, nesse aspecto, as relações sociais são/estão caracterizadas numa imbricada rede de
poder exercidas sobre os indivíduos em suas diferentes figurações4.
Posto que, a história do magistério no Brasil foi sendo marcada por novas mudanças e transformações sociais
oriundas do movimento de industrialização em meados do século XIX, ressaltamos o significativo processo de ascen-
são das mulheres às diferentes colocações de trabalho, dentre elas a docência, antes exercida pelos homens, quando
estes se deslocaram em busca de novas oportunidades visando ascensão financeira.
Como afirma Vianna (2002, p. 85):

[...] desde o século XIX, pouco a pouco os homens vão abandonando as salas de aula nos cursos primários, e as
escolas normais vão formando mais e mais mulheres. Essa característica mantém-se por todo o século XX, esti-
mulada, sobretudo, pelas intensas transformações econômicas, demográficas, sociais, culturais e políticas por que
passa o país e que acabam por determinar uma grande participação feminina no mercado de trabalho em geral.

Todavia, assentimos que o processo de feminização docente concedeu à figura feminina toda responsabilidade
e o trato com as crianças pequenas a atributos vistos e entendidos como naturais das mulheres, tais como a essência
maternal, a vocação para cuidar e a sensibilidade.
Nesse sentido, muito pertinente trazermos os escritos de Louro (1997) acerca dessa discussão, pois nas suas
ponderações a autora reconstrói as muitas nuances que envolvem a saída das mulheres para o trabalho fora do lar.

Já que se entende que o casamento e a maternidade, tarefas femininas fundamentais constituem a verdadeira carreira
das mulheres, qualquer atividade profissional será considerada como um desvio dessas funções sociais, a menos que
possa ser representado de forma a se ajustar a elas. Em seu processo de feminização, o magistério precisa, pois, tomar
de empréstimo atributos que são tradicionalmente associados às mulheres, como o amor, a sensibilidade, o cuidado,
etc. para que possa ser reconhecido como uma profissão admissível ou conveniente (BRASIL, 1997, p. 96).

A partir disso, podemos compreender que a maciça presença feminina na docência se coaduna com uma cons-
trução histórica que também une mulher e maternidade. E nada mais justificável, também, considerar a docência
como um caminho natural para elas.
Diante do entendimento desse processo de naturalização docente, é bastante oportuno priorizarmos, com ve-
emência, as discussões que envolvem as questões de gênero relacionadas à Educação Infantil.
Em relevância aos estudos feitos, reiteramos que estão encrustadas na sociedade concepções arraigadas nas dis-
tinções de gênero, onde conceitos têm sido perpetuados e legitimados desde a infância. Nessa perspectiva, reconhecer
um profissional docente do gênero masculino atuando na Educação Infantil implica inúmeros questionamentos dian-
te aos olhares de estranhamentos e desconfianças, seja ele, por parte da instituição infantil ou da família.
Segundo, Sayão (2005, p. 16):

São evidentes os preconceitos e estigmas originários de ideias que veem a profissão como eminentemente femini-
na porque lida diretamente com os cuidados corporais de meninos e meninas. [...] os cuidados com o corpo foram
atributos das mulheres, a proximidade entre um homem lidando com o corpo de meninos e/ou meninas de pouca
idade provoca conflitos, dúvidas e questionamentos, estigmas e preconceitos.

Logo, quando tratamos de gênero na docência, há sempre uma dúvida seguida de insegurança acerca da pre-
sença e das práticas docentes de homens no contexto da Educação Infantil.

Trata-se de pessoas do sexo masculino, lidando quotidianamente com expectativas, conceitos e tarefas cultural-
mente associados à feminilidade e que, uma vez que a estreita correlação entre feminilidade e mulheres, masculi-

4 Trazemos este conceito de figuração, entendido a partir de Elias (1994; 2001), como sendo a compreensão das organizações sociais tais
como famílias, escolas, cidades ou estratos sociais, constituídas e que constituem os indivíduos a partir de relações interdependentes.

624
nidade e homens também é um pressuposto estabelecido, são igualmente expectativas, conceitos e tarefas estreita-
mente associadas às mulheres (CARVALHO, 1999, p. 88).

Nessa premissa, reiteramos que o processo de formação e identidade dos homens pedagogos está entrelaçado a
questões que envolvem a sexualidade dos educadores, assim como as questões de gêneros implicam em suas práticas
docentes.
Certamente, a binaridade existente entre os sexos atribui pontos divergentes que servem para intensificar as
desigualdades entre os sujeitos. Para exemplificar melhor, novamente citamos os excertos da autora Vianna (2002,
p. 93):

O esquema binário que situa o masculino e o feminino como categorias excludentes estende-se para a definição
do que é ser homem e do que é ser mulher, professor e professora em nossa sociedade. Essa dicotomia cristaliza
concepções do que devem constituir atribuições masculinas e femininas e dificulta a percepção de outras maneiras
de estabelecer as relações sociais. O cuidado, por exemplo, é visto como uma característica essencialmente femini-
na - para alguns uma responsabilidade natural, para outros, fruto da socialização das mulheres.

Diante os aspectos histórico, sociais e culturais na formação dos indivíduos, os lugares e funções que delimitam
as fronteiras entre o masculino e feminino devem sempre ser questionados.
Em suma, as questões que envolvem as relações sociais entre os sujeitos homens e mulheres em suas diferentes
formas de existência de fato são atribuídas aos processos culturais que tendem a dicotomizar e cristalizar ideias e con-
trole sobre os corpos dos indivíduos. Logo, as diferenças estabelecidas para cada um dos gêneros são naturalizadas de
forma a moldar, definir e legitimar o comportamento entre os sexos.
Evidentemente, as leis em vigor amparam o trabalho docente na primeira etapa da educação básica, a Educação
Infantil (BRASIL, 1996), sendo assim, o texto não faz nenhuma distinção de gênero ao oficio do magistério infantil,
logo a legislação que rege a educação no país, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9293/1996, traz no
bojo exigências quanto a capacitação/formação de ambos prevista no Art. 62:

A formação de docentes para atuar na educação far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro séries do ensino fundamental, oferecida em nível médio, na modali-
dade Normal (BRASIL, 1996).

No entanto, reiteramos que as problemáticas relacionadas ao gênero da docência têm contribuído, substancial-
mente, para suscitar ainda mais as desigualdades no trabalho docente, local no qual a inserção da figura masculina na
docência com os menores se torna cada vez mais difícil.
Diante aos olhares de estranhamentos com relação à permanência dos homens atuantes na educação dos me-
nores, o professor homem torna-se um “corpo estranho” na docência infantil (RABELO, 2013).
Certamente, os conflitos demarcados entre as fronteiras de gêneros trazem implicações negativas, gerando, assim,
instabilidades para carreira docente com Educação Infantil. Por outro lado, acreditamos nas potencialidades masculinas
no exercício da docência no contexto infantil e, novamente Sayão (2005, p. 16) contribui ao questionar que:

[...] o envolvimento de um maior número homens na Educação Infantil aumentaria a opção de carreira para eles
contribuindo para que se desfizesse a imagem de que a Educação Infantil seria um trabalho somente para as mu-
lheres alterando, dessa forma, a imagem da profissão e, quem sabe, melhorando significativamente os salários e o
status da carreira.

Apresentados esses aportes teóricos, registramos a seguir a nossa pesquisa empírica, trazendo para o texto
um pouco do que tem acontecido na Educação Infantil em Dourados/MS, no que concerne a presença do homem/
pedagogo nesse espaço.

625
HOMENS NO TRABALHO COM AS CRIANÇAS: HISTÓRIAS EM DOURADOS/MS

Para realização do estudo acerca dos homens na docência com crianças da Educação Infantil, no município de
Dourados/MS, delimitamos alguns passos os quais consideramos pertinentes para alcançarmos os objetivos preten-
didos.
Inicialmente, realizamos uma visita à Secretaria de Educação, no município de Dourados, estado de Mato
Grosso do Sul. Tal visita aconteceu no dia 04 de maio de 2018, quando solicitamos por meio de um ofício o consen-
timento para a realização da pesquisa. O Secretário de Educação do município de Dourados/MS na época, Senhor
Upiran Jorge Gonçalves da Silva, prontamente autorizou o estudo.
Após o deferimento do estudo, fomos orientadas a procurar o Departamento de Recursos Humanos, situado
no mesmo órgão público. Nessa fase, registramos apenas algumas orientações acerca de como poderíamos prosseguir
em nossa investigação com relação aos dados referentes ao Concurso 001/2016, destinado à Rede Básica de Ensino
Público Municipal para Magistério da Educação Infantil.
No intuito de descartar qualquer margem de erro nos levantamentos quantitativos dos homens/pedagogos que
foram aprovados no referido concurso para a Educação Infantil no município de Dourados/MS, uma nova entrevista
foi marcada, com a Coordenadora do Núcleo Pedagógico, Senhora Mariolinda Rosa Romeiro Ferraz, que por sua vez,
nos forneceu todos os dados necessários para a investigação.
Ainda juntamente com a Coordenadora do Núcleo Pedagógico, realizamos uma consulta prévia por meio do
site na página eletrônica da Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura de Mato Grosso do Sul - FAPEMS³,
órgão responsável pela organização do concurso, a qual havia direcionado ao Diário Oficial datado no dia 07 de
dezembro de 2016, registrados nas páginas 43 a 45, o resultado do referido concurso, tendo havido um total de 649
aprovações (DIÁRIO OFICIAL, 2016).
Em seguida, de posse desse primeiro dado, quer seja, o total de aprovados, bem como dos caminhos necessários
para o aprofundamento da nossa pesquisa, tratamos de elencar, a partir da lista de classificados, usando os nomes
expostos, quantas mulheres e quantos homens tinham sido aprovados. Importante que se registre, alguns nomes
geraram dúvidas, fazendo com que buscássemos outras fontes de informações na rede social, para conferência, evi-
tando assim possíveis enganos. Tal investigação chegou ao resultado de 647 (seiscentos e quarenta e sete) mulheres e
2 (dois) homens totalizando as 649 aprovações.
Após esta minuciosa pesquisa quantitativa, entendemos conveniente a confecção de um gráfico para represen-
tar as disparidades entre os candidatos homens e mulheres aprovados no referido concurso, haja vista nosso interesse
em evidenciar as questões relacionadas ao gênero da docência no contexto da Educação Infantil.
Antes, porém, vale trazermos os estudos de Gatti (2004), para quem a utilização de dados quantitativos em pes-
quisas, quando trabalhados conjuntamente com aportes qualitativos, pode ser muito bem vinda para o entendimento
de questões da/na educação. Para a autora,

Os métodos de análise de dados que se traduzem por números podem ser muito úteis na compreensão de diversos
problemas educacionais. Mais ainda, a combinação deste tipo de dados com dados oriundos de metodologias qua-
litativas, podem vir a enriquecer a compreensão de eventos, fatos, processos (GATTI, 2004, p. 13).

626
Gráfico 1: Representação dos dados auferidos no Diário Oficial - 2016.

Fonte: Palhano, 2018.

Nossa pesquisa consegue demonstrar, de forma bem evidente, a realidade acerca dos profissionais docentes da
Educação Infantil. O gráfico comprova praticamente uma inexistência dos homens/pedagogos aprovados no concur-
so no Município de Dourados/MS, foco da nossa pesquisa.
Diante dessa evidência, vale realçarmos que embora os concursos públicos oportunizem o exercício da do-
cência aos profissionais na Educação Infantil não são garantidos a eles a entrada e muito menos a permanência nas
instituições infantis, ou seja, a sua atuação pedagógica junto às crianças menores.
Nesse cenário, vislumbramos que o exercício docente com a Educação Infantil, conforme apontado em outras
pesquisas científicas tem sido constituído e legitimado como espaço eminentemente feminino.
Em consequência, são muitos os pontos de reflexões a serem questionados em respeito aos profissionais da
Educação Infantil. Não obstante, pensar o curso do magistério vai muito além das problemáticas das relações sociais e
nos faz ponderar acerca do próprio processo de formação docente, assim como a qualificação dos cursos de Pedagogia
em via as diferenças no quadro de educadores que compõem a Educação Infantil e a longínqua escala da classificação
entre homens e mulheres nos concursos públicos. Ou seja, o panorama exibido nos leva a entender que a masculini-
zação da docência infantil se estabelece sobre as margens da exclusão.
No tocante aos embates acerca da masculinização e feminização docente, acreditamos no processo de ressig-
nificação da história da docência no magistério, uma vez que vivemos na atualidade realidades mais dinâmicas, nas
quais as configurações familiares não se situam apenas no modelo tradicional familiar, ou seja, as novas configurações
sociais presentes estabelecem as pluralidades nas relações entre os indivíduos as diferentes formas e vivências dos
indivíduos.
Sendo assim, compactuamos para uma Educação Infantil voltada às diversidades e às pluralidades das relações
humanas, primando por uma educação mais igualitária sem distinções quanto a gênero, raça, etnia, classe social, ge-
ração e orientação sexual.

627
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da realidade vivenciada no contexto da nossa pesquisa, depreendemos que a docência masculina na
creche e pré-escola, quer seja, na Educação Infantil - primeira etapa da Educação Básica no Brasil - ainda tem se
construído sob os preceitos de que apenas mulheres podem e devem assumir o trabalho como professoras de crianças
pequenas.
Nessa égide, foi possível percebermos um processo contínuo de exclusão dos homens pedagogos do espaço
coletivo das crianças pequenas. Ou seja, com o estudo entendemos que mesmo habilitados para exercer as práticas
pedagógicas tanto quanto as mulheres, o número de homens aprovados no concurso investigado foi insignificante,
assim como chamou atenção à classificação destes, pois esta ficou muito aquém à das mulheres e, ainda, que eles con-
tinuam ausentes do trabalho com as crianças pequenas, ou seja, nenhum deles assumiu a função até o momento da
finalização do estudo.
Contudo, é importante salientarmos, por menor que seja o número de homens que se arriscam na carreira do-
cente para a Educação Infantil, não se pode negar nem tampouco ocultar a existência deles. Sendo assim, a pretensão
com o trabalho foi trazer à tona como se tem constituído essa história no município de Dourados/MS, a fim de pro-
vocar reflexões sobre as questões que norteiam à formação docente para a Educação Infantil, tanto a masculina como
a feminina, pois na perspectiva dos estudos de gênero, a história de um é a história do outro.
À guisa de conclusão, evidenciamos a partir dos resultados da nossa pesquisa realizada na graduação em Pe-
dagogia da Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), ser bastante
relevante todos nós avançarmos nas discussões da temática, objetivando desmitificar as ideias essencializadoras que
fundamentam a carreira docente com a Educação Infantil. São muitos os aspectos que precisam ser considerados no
que tange o fazer docente, principalmente quando acreditamos nos princípios que regem as relações humanas, pau-
tadas no respeito às diferenças e equidade de gêneros.

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DOM EMANUEL GOMES DE OLIVEIRA E A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM
GOIÁS (1923 - 1955)

Maximiliano Gonçalves da Costa – UEG

O Estado de Goiás no final da década de 1920 e início da década de 1930 passava por grandes desafios no que diz
respeito à carência de suas estruturas. E no campo da educação não era diferente. Foi esse contexto que Dom Emanuel
Gomes de Oliveira1 encontrou logo que assumiu a sua função como bispo de Goiás, em 19232. Diante dessa carência
existente, uma de suas prioridades foi a educação. Portanto, ele deu uma contribuição considerável nessa área, prin-
cipalmente lançando as bases para a implantação da educação superior em Goiás.
No processo de instauração da educação superior em Goiás, D. Emanuel foi pioneiro, pois, mediante o seu
trabalho consolidou-se no futuro o que viria a ser a primeira universidade do Centro Oeste brasileiro. Nós, distantes
no tempo e usufruidores dos benefícios do ensino superior em Goiás temos o desejo de aprofundar os estudos deste
processo histórico, para compreender a atuação de Dom Emanuel na história de Goiás.
Dom Emanuel Gomes de Oliveira sempre atuou na educação, ficou conhecido como o “Arcebispo da Ins-
trução”, durante o seu episcopado (1923-1955) se dedicou a fundação de escolas em todo o estado de Goiás. Sendo
salesiano, uma de suas preocupações era a propagação da educação em todos os níveis. Ele considerava a instrução
e educação como faróis na vida. Assim sendo, o seu trabalho consolidou os fundamentos para o início da educação
superior na recém-criada, Goiânia, a nova capital de Goiás.
Num estado com condições precárias como era Goiás, com um contexto político em reestruturação e pouca in-
fraestrutura, coube à Igreja Católica desbravar um caminho que pudesse beneficiar o estado de Goiás, principalmente
na educação, com a implantação do ensino superior, e a fundação de uma universidade.

A MARCHA PARA O OESTE: UM MISTO DE MODERNIZAÇÃO E INTERIORIZAÇÃO DA


NACIONALIDADE

Para percorrer esse caminho, levaremos em conta, a história do próprio Estado, que está inserida na história
nacional. A partir da década de 1930, o Governo Federal se interessa pela interiorização do Brasil, com a conhecida
Marcha para o Oeste e também a construção da nova capital de Goiás, Goiânia, que foi a marca do progresso e moder-
nidade no Centro Oeste brasileiro, abrindo novas perspectivas para interiorização de outras regiões. De certa forma,
a criação de Brasília e a transferência da capital do país em 1960 ainda fazia parte da marcha para o Oeste.
Segundo Chaul (1997), a ideia de modernidade defendida pelos arautos de 1930, deve ser entendida pela via
do progresso, onde esses grupos cultuavam cada vez mais o “novo” e rejeitavam o “passado”, como forma de inserir,
sempre mais, Goiás no cenário nacional. De acordo com o autor, esse processo levaria Goiás na trilha do desenvol-
vimento econômico e social, promovendo uma modernização dos meios de produção e o avanço cultural no estado.
Não podemos falar da educação superior em Goiás sem considerar a história do estado, pois a educação não
é um fragmento independente, pelo contrário, é uma parte essencial do todo, principalmente num processo de de-
senvolvimento da sociedade. Segundo Fávero (1980 p.17) “cada evento, cada fato social só pode ser compreendido e
conhecido no conjunto de suas relações com o todo”.
De acordo com Palacin e Moraes (1994), no início do século XX, Goiás era um estado pouco desenvolvido e
povoado, com uma economia agrícola de subsistência:

1 Primeiro e único arcebispo de Goiás. Assumiu a Diocese de Goiás em 1923 e em 1933 tornou-se seu primeiro arcebispo, falecendo em 1955.
2 Foi ordenado bispo a 15 de abril de 1923. No dia 05 de agosto de 1923 toma posse da Diocese.

630
Nas três primeiras décadas do século XX não modificaram substancialmente a situação a que Goiás regredira, como
consequência da decadência da mineração no fim do século XVIII. Continuava sendo um Estado isolado, pouco
povoado, quase que integralmente rural, com uma economia de subsistência. (PALACIN E MORAES, 1994, p. 89)

Na década de 1930, o Governo Federal se interessa pela ocupação da Amazônia, com interesses de fomentar o
capitalismo, sendo assim, inicia a Marcha para o Oeste. Após a Revolução de 30, com o início da construção de Goi-
ânia, há um desejo de renovação e confiança num futuro próspero que se expandiria por várias esferas da sociedade
goiana, isso faz com que o estado se adeque às exigências do capitalismo nacional. Segundo Chaul (1997,), a Marcha
para o Oeste foi um fruto temporário de uma prática sem precedentes no Brasil, ou seja, da interiorização do Brasil.
A construção de uma nova capital para Goiás, foi a marca do progresso, desenvolvimento e modernidade no interior
do Brasil. Entretanto,

Goiânia mesclava o urbano e o rural, e expressava a modernidade e o progresso. Uma parcela da sociedade da épo-
ca, que tinha voz na política local, escondia o fazendeiro por trás do profissional liberal. O médico, o advogado, o
farmacêutico, o engenheiro, o bacharel... quase todos ligados à estrutura fundiária procuravam por si mesmos, ou
através de seus representantes, uma mudança nos quadros da política estadual. (CHAUL, 1997, p. 219)

Nesse processo da Marcha para o Oeste, Goiânia foi fundada e se tornou o ícone da novidade, da modernidade
e do progresso que resultaria no movimento que tiraria Goiás do atraso em que vivia, e proporcionaria um desen-
volvimento político, econômico e social, sendo a referência do novo tempo que chegava, e abrindo horizontes para
o cenário nacional. A nova capital proporcionou um grande desenvolvimento para Goiás no final da década de 40.
De acordo com Palacin e Moraes (1994), a construção de Goiânia foi o cartão postal para divulgar o Estado,
que até no momento, era apenas uma simples expressão na geografia brasileira. Logo depois, com a construção de
Brasília, abriu-se mais estradas que interligavam com outras regiões do Brasil, isso contribuiu para o aumento da
imigração que fazia parte da Marcha para o Oeste. Segundo Canesin (1998, p. 30), “a partir de 1940, com a construção
de Goiânia, na Marcha para o Oeste, foi estimulada a política de colonização e a migração, com implantação de novas
vias de comunicação que intensificou o crescimento populacional e migratório no estado”.
Com a transferência da capital para Goiânia em 1937, houve um impulso considerável de progresso e desenvol-
vimento. De acordo com Canesin (1998), da década de 1950 a 1960, acontece em Goiás um crescimento de produção
na agricultura, pecuária e também na imigração. Chaul (1997) afirma que esse desenvolvimento, significava a moder-
nidade que Goiânia representaria para todo Brasil, tornando Goiás no futuro, um grandioso Estado.
Todo esse processo de desenvolvimento, coincide também com a transferência da capital do Brasil para Bra-
sília em 1960. A nova capital estaria no Centro Oeste brasileiro e foi construída de acordo com Pastore (1989), para
povoar o interior do Brasil, introduzir recursos econômicos, conquistar e desenvolver áreas ricas da Amazônia, de-
senvolver uma sólida agricultura em Goiás e Mato Grosso, desenvolver um sistema de comunicação que favorecesse
a integração nacional e combater a inflação. A nova capital, segundo seu fundador, Juscelino Kubitschek, deveria ser
sinal de desenvolvimento para o futuro do país.

DOM EMANUEL GOMES DE OLIVEIRA O “ARCEBISPO DA INSTRUÇÃO”

Foi nesse contexto que D. Emanuel Gomes de Oliveira assumiu a sua missão episcopal na Diocese de Goiás,
antiga capital do estado, em 1923. Diante do grande desafio assumido na sua nova diocese, o seu maior destaque foi
na educação, fundando várias escolas por todo estado, contribuindo assim para o desenvolvimento social e cultural
em Goiás, Menezes (2001) afirma:

Ele foi para nosso estado uma forte alavanca propulsora do progresso e do bem-estar. As dezenas de escolas, de di-
versos níveis, por ele fundadas contribuíram notavelmente para a evolução social de Goiás. Além de levar cultura
à nossa gente, D. Emanuel concorreu, também, para a geração de empregos e, consequentemente, para a melhoria
do nível social de muitas pessoas. (MENEZES, 2001, p. 46)

631
D. Emanuel foi padre salesiano, ou seja, pertencente à Congregação Salesiana ou Pia Sociedade de São Vicente
de Sales cujo carisma é a educação, isso foi crucial para sua atuação em Goiás. Ainda como sacerdote salesiano, fora
formado para o trabalho nos colégios. Diante da sua extensa diocese, não mediu esforços para que a educação fosse
acessível a todos, nos diversos níveis.

Aqui chegando, dom Emanuel percebeu logo a carência de escolas e constatou que as poucas existentes eram um
reflexo status quo da sociedade goiana. Esta foi a realidade, no setor da educação, que o sétimo bispo de Goiás aqui
encontrou. (MENEZES, 2001, p. 77)

Segundo Menezes (2001) até 1923 em Goiás existiam apenas 16 grupos escolares mantidos pelo estado e 2
mantidos pelos munícipios, sendo um em Goiás e outro em Morrinhos. A grande maioria desses grupos estavam
em precárias condições. Diante dessa ausência do Estado na área da educação, coube à Igreja preencher essa lacuna.
Assim sendo, D. Emanuel inicia uma forte atuação no campo da educação em toda a sua diocese, traçando planos para
todos os níveis de ensino, fundando escolas e colégios em todo o estado.
Para tão grande seara, não havia mão de obra qualificada em Goiás que pudesse atender toda essa demanda edu-
cacional, por isso, D. Emanuel estimulou a vinda das congregações religiosas para colaborar nas escolas. De acordo
com Menezes (2001) trouxe os salesianos para atuar em Silvânia e depois Goiânia, os padres do Verbo Divino para
cuidar do seminário, os Estigmatinos para Morrinhos, os Franciscanos para Anápolis. Das congregações femininas
vieram as Filhas de Maria Auxiliadora para Silvânia, as Agostinianas que já estavam em Catalão vieram para Goiânia,
as Dominicanas, que já estavam na cidade de Goiás, foram também para Goiânia e Formosa, reforçou as Franciscanas
que já estavam aqui no Colégio Santa Clara e as Irmãs de Jesus Crucificado para Ipameri.
Além disso, estimulou a criação de escolas paroquiais por todo o estado, nas diversas paróquias de sua diocese.
Isso reforça mais uma vez, a sua dedicação para com a educação em Goiás, que o levou a ser conhecido como o “Ar-
cebispo da Instrução”.
No Jornal Brasil Central de 1951 encontramos um relato interessante do Dr. Vasco dos Reis que diz as seguintes
palavras por ocasião do jubileu de ouro, de ordenação presbiteral de D. Emanuel:

Dom Emanuel, o grande Bispo da Instrução, hoje, como outrora, sob a batina negra de soldado ou sob a púrpura
de príncipe da Igreja, revela-se o salesiano de escola. Planta escolas ao lado das igrejas. Abre um livro aos pés de
cada cruz. Porque o livro é o melhor de todos os genuflexórios. Porque a letra é a asa do espírito, quando não seu
eterno cárcere. Por isso, o livro aos pés da cruz. A ciência ao lado da fé. Arcebispo da Instrução, eis como o
conhecem os sedentos de luz, os que buscam dilatar os horizontes do espírito, os que anseiam por legítimas e sem-
pre mais numerosas fontes de saber, por ele disseminadas em profusão, através de sua vasta Província Eclesiástica.
(JORNAL BRASIL CENTRAL 16/06/1951)

Dom Emanuel teve uma forte atuação para a implantação da educação superior em Goiás, e foi ele a lançar as
bases, que depois resultou na fundação da primeira universidade de Goiás.
A fundação da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, em 1937, que se dá graças a iniciativa de D. Emanuel,
juntamente com o apoio da Sociedade de São Vicente de Paulo, obra essa que teve o apoio da então primeira dama,
Gercina Borges Teixeira e de diversos segmentos da sociedade, foi de fundamental importância nesse processo, pois
a Santa Casa tornou-se o maior hospital referencial da região e abrigou as duas primeiras faculdades criadas por D.
Emanuel.
A sua primeira iniciativa no campo da educação superior foi a implantação de uma Faculdade de Farmácia e
Odontologia em Anápolis em 1933, que depois foi abrigada na Santa Casa de Misericórdia em Goiânia. Em 1941, por
iniciativa de Dom Emanuel juntamente com a Conferência de São Vicente de Paulo, responsável pela Santa Casa, que
já estava funcionando com grande demanda, D. Emanuel percebeu que o novo hospital poderia ser meio propício
para uma escola de Enfermagem, assim aconteceu. A primeira faculdade de enfermagem de Goiás funcionou por
vários anos na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia. De acordo com Silva (2006), D. Emanuel,

632
Não mede esforços para que surja na capital do Estado uma modelar “Escola de Enfermeiras”, oficializada no molde
da Escola modelo “Ana Neri” do Rio de Janeiro. E recentemente o Conselho Nacional de Educação, em uma de
suas secessões, opinou pela autorização de funcionamento da Faculdade de Farmácia e Odontologia em Goiânia,
requerida pela Conferência de S. Vicente de Paulo de Goiás. (SILVA, 2006, p. 455)

Um outro acontecimento importante desse período foi a criação da Sociedade de Educação e Ensino de Goiás,
criada por D. Emanuel em 1948, sociedade civil cuja a finalidade era manter viva a chama do ideal de instruir e educar.
E foi por meio dessa associação que D. Emanuel fomentou o surgimento de uma universidade em Goiás.
Na celebração de seus 25 anos de ordenação episcopal que também aconteceu em 1948, foi do seu desejo a
realização de um Congresso Eucarístico em Goiânia. Esse congresso teve grande impacto eclesial e social, pois D.
Emanuel lançou a ideia de criação da Universidade do Brasil Central, assim sendo, nomeou uma comissão de estudos
que em outubro entregou um minucioso relatório ao governador Jerônimo Coimbra Bueno. Acompanhado de um
anteprojeto de lei, que por meio do deputado Hélio Seixo de Brito, transformou na Lei n.192, de 20 de outubro de
1948, que criava a Universidade do Brasil Central.

No dia 06 de junho de 1948, em reunião presidida pelo Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do Rio
de Janeiro, no Palácio das Esmeraldas, foi deliberada a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em
Goiânia, que seria o núcleo indispensável da Universidade do Brasil Central. Na mesma data, Dom Emanuel funda
a Sociedade de Educação e Ensino de Goiás, entidade criadora, administradora e mantenedora da Faculdade de
Filosofia para superintender as escolas mantidas pela arquidiocese. (PINHEIRO, 2015, p.10)

De acordo com Oliveira (2015), D. Emanuel se empenhou na fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, que se agregaria às faculdades já existentes, Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Faculdade de Enfer-
magem. Porém houve muitos entraves para que esse processo de desenvolvimento da educação superior pudesse
deslanchar em Goiás, um deles era a manutenção dos custos. Sendo assim, D. Emanuel foi ao Rio de Janeiro, para
conversar com alguns parlamentares com quem ele tinha contato, e com isso conseguiu colocar no Orçamento da
União que subsidiava a educação, a demanda de Goiás, e foi aprovado a verba ordinária de Cr$ 2.500.000,00, por
ano para cada uma das faculdades. Isso contribuiu para que se construísse os primeiros prédios dessas faculdades, na
Praça Universitária. Em meio a esse processo ainda nasce mais duas faculdades, a Faculdade de Ciências Econômicas
e Agrárias, motivada pela Federação das Indústrias do Estado de Goiás e a Faculdade de Belas Artes. Mesmo em meio
aos desafios, dificuldades e provações, D. Emanuel não desistiu deste ardoroso sonho de colocar Goiás na esteira do
desenvolvimento educacional.
Desde modo, a primeira Faculdade de Medicina de Goiás, como as outras, teve o total apoio de D. Emanuel.
A iniciativa foi da Associação Médica de Goiás, que com o auxílio da arquidiocese, começaram os trabalhos de es-
truturação da mais nova faculdade. Durante a tramitação do processo D. Emanuel faleceu, e coube a seu sucessor, D.
Fernando, encaminhar o que D. Emanuel havia começado para aprovação da Faculdade de Medicina.

Dr. Francisco Ludovico de Almeida Neto, tencionando fundar uma Faculdade de Medicina em Goiás, envia a
Dom Emanuel o projeto elaborado para a sua criação, solicitando o seu apoio e o da arquidiocese. Imediatamente,
Dom Emanuel colocou à disposição de Dr. Francisco Ludovico tudo que, dependendo dele como arcebispo, fosse
necessário para a fundação da Faculdade de Medicina. (PINHEIRO, 2015, p.10)

Diante do seu desejo de criar uma universidade em Goiás, Dom Emanuel escreveu ao jornalista Jaime Câmara
Filho pedindo seu apoio:

Estamos em condições superiores ao Estado do Espírito Santo que já tem a sua Universidade, com três escolas em
funcionamento. Temos mais elementos que a Universidade Católica da Bahia, contamos com institutos de ensino
superior em franco desenvolvimento. Possuímos oito faculdades ou sejam: Faculdade de Filosofia, de Farmácia,
de Ciências Econômicas, de Belas Artes, de Engenharia, de Odontologia, de Direito e Medicina. Tudo isso que
acabo de expor, estou certo, vem atestar a afirmação vigorosa na maturidade dos nossos propósitos. Com a criação
da Universidade, creio firmemente na preparação de um novo ciclo de progresso, de civilização e de grandeza do
Brasil Central. (Carta de D. Emanuel a Jaime Câmara, Bonfim, 07/03/1951)

633
Quando D. Emanuel faleceu em 12 de maio de 1955, de acordo com a Revista da Arquidiocese de Goiânia publi-
cada em 1961, havia em Goiás 57 escolas de ensino primário, 31 ginásios, 5 colégios de ensino médio, 21 escolas nor-
mais, 4 escolas técnicas de comércio e 5 faculdades de ensino superior. Dom Emanuel deixou no campo da educação
em Goiás um grande legado contribuindo assim, para o desenvolvimento e progresso em todo o estado de Goiás, por
isso, será lembrado como o “Arcebispo da Instrução”.

A NOVA CRISTANDADE E DOM EMANUEL

O fim do Padroado Régio, separação entre Igreja e Estado no final do século XIX, após a proclamação da Re-
pública provocou a laicização do Estado. Segundo Azzi, a “burguesia emergente julgou poder dispensar a colaboração
da Igreja mediante a proclamação da laicidade do Estado” (AZZI, 1994, p. 08). Neste contexto, a Igreja reage com o
processo de “romanização”, com a finalidade de consolidar programas e ações consistentes para combater o raciona-
lismo, anti-clericismo, catolicismo popular, comunismo, liberalismo.
A partir da décado de 1920, a Igreja vê a necessidade de uma reorganização e recristianização com o desejo de
implementar um arrojado programa, para torná-la presença ativa em uma sociedade laicizada. Assim traçou-se o ide-
al da nova cristandade como sendo o modelo ideal de aliança entre Igreja e Estado, com foco não mais na submissão,
mas na colaboração entre ambos poderes.
Dom Sebastião Leme (1916), o grande exponde dessa época afirmava que o Brasil era uma nação Católica, logo
a Igreja deveria ter uma presença marcante e atuante na sociedade, com o objetivo de cristianizar as principais insti-
tuições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas religiosas populares aos proce-
dimentos ortodoxos. (D. LEME, 1916: 1-8). Desta forma, a nova cristandade deveria propor uma educação religiosa
que instruísse na fé e na doutrina católica para a vivência das normas morais e assim construir a nova ordem social.
Esse movimento promovido pela Igreja cuja finalidade era possibilitar ao catolicismo influenciar novamente a
sociedade brasileira, foi chamado por Riolando Azzi como “restauração católica”, a respeito dessa ideia o autor diz que:

Não se trata, na realidade, de uma simples reedição do período da Cristandade colonial. De forma alguma interes-
sava ao episcopado brasileiro ver a instituição eclesiástica reduzida simplesmente a um departamento de culto do
governo. O que efetivamente se procura nesse período é uma forma de colaboração harmônica entre os dois pode-
res. Segundo os prelados, união ou separação são duas posições antagônicas e simplistas que devem ser superadas.
Deve-se, ao invés, restabelecer um novo tipo de relacionamento entre Igreja e Estado que se caracterize por uma
colaboração que respeite a nítida distinção entre a esfera espiritual e a temporal.(AZZI, 1994, p. 32).

De acordo com o autor “restaurar” significa restabelecer a força da Igreja e da fé católica como fundamentos
basilares da sociedade, onde a Igreja não fique subordinada ao Estado, mas que tenha uma colaboração mútua.
Diante desse contexto histórico-eclesial é que Dom Emanuel assumi a sua missão como bispo em Goiás. Logo
coube a ele provocar uma reaproximação entre Igreja e Estado, que se tornou contexto favorável para a implementa-
ção de suas ações, principalmente no campo da educação. Que no futuro resultaria num projeto educacional de gran-
de relevância para Goiás, a criação de uma universidade, que explicitaria uma possível aliança entre Igreja-Estado.

CONCLUSÃO

Ao fazermos memória de Dom Emanuel compreendemos o seu vínculo com a educação no contexto histórico,
eclesial e social de Goiás e percebemos quais eram as condições do Estado, e porque ele priorizou a educação.
Abordamos o conceito da Nova Cristandade ou Restauração Católica que acontece após a Proclamação da República,
quando o Brasil se declara Estado laico, com isso surge a nova cristandade com a finalidade de reformular a relação entre
Igreja e Estado, que a partir desse acontecimento passa a ser baseada na cooperação entre os poderes políticos e eclesiásticos.
Neste contexto observamos a importância da fundação da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, pois ela
acolheu os primeiros cursos superiores de Goiás. Outro fator importante foi o vínculo de Dom Emanuel com a socie-
dade civil e a política de sua época, para a fundação de outras faculdades, como a de Ciências Econômicas-Agrárias e

634
Medicina, e suas reais motivações para realizar esses feitos. Chegando ao Congresso Eucarístico Arquidiocesano, que
foi o acontecimento histórico para a fundação da Universidade do Brasil Central, que não pôde ser consolidada no
episcopado de D. Emanuel, devido a sua morte em 1955, cabendo ao seu sucessor, Dom Fernando Gomes de Oliveira,
concretizar esse sonho, que se tornou real em 1959 com a fundação da Universidade de Goiás.

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635
EDUCAÇÃO CRÍTICA E EMANCIPADORA: CONTRIBUIÇÕES DO
ENSINO DE HISTÓRIA PARA A EDUCAÇÃO POPULAR

Mariana Saturnino

RESUMO: A humanidade chega ao século XXI e apesar dos quatro séculos que se seguem após a revolução
burguesa que, logo em seguida, inaugura a ideologia liberal, o mundo ainda se vê sob o domínio dos valores liberais
capitalistas, ressignificados a cada crise pela classe burguesa, defendido e naturalizado pela classe que sofre direta-
mente os impactos negativos dessa relação: a classe trabalhadora. A burguesia se utiliza, portanto, de uma pluralidade
de aparelhos ideológicos funcionais à proteção e manutenção do sistema de produção capitalista, sendo a principal
delas as instituições escolares. O ensino médio no Brasil, durante muitas décadas, foi oferecido para a classe trabalha-
dora com um currículo voltado para o ensino profissionalizante enquanto para os filhos da burguesia um currículo
voltado para a entrada nas universidades. Durante três décadas o Brasil se encontrava sob um regime político autori-
tário das forças militares, neste período as políticas educacionais já eram instrumentais às ideias de classe, com a dita-
dura militar essa cultura reforçou seu caráter conservador com práticas educacionais superficiais, paliativas e voltadas
para aos interesses do capital (e à ideologia de um regime político autoritário). O rompimento processual com essa
lógica educacional se inicia no momento da redemocratização do Brasil, com a superação do regime militar. A partir
dessa movimentação, há o resgate da participação popular, da cidadania e uma série de políticas públicas educacionais
para essa finalidade, nas quais o ensino de história se insere reinventando métodos educacionais funcionais, não só a
esse resgate, mas a formação humana e crítica dos estudantes.
Palavras-Chave: Educação Crítica; Ensino de História; Consciência Histórica; Educação Popular.

INTRODUÇÃO

Mesmo passados quatro séculos da revolução burguesa inaugurando o liberalismo econômico, o capitalismo
segue hegemônico em grande parte dos países no mundo. A manutenção dessa hegemonia é fruto não só da ressigni-
ficação do capitalismo pela burguesia em crises econômicas, mas também pela naturalização do capitalismo defendida
por um setor significativo da sociedade, que sofre diretamente os impactos negativos da relação capitalista: a classe
trabalhadora. É incoerente pensar que essa classe, como classe explorada, seja defensora intransigente dessa sociabili-
dade, evidenciando que as relações classistas são relações essencialmente contraditórias, tendo a mais latente e basilar
a conivência da classe trabalhadora à própria exploração, alvo das mazelas sociais. Esta contradição está condicionada
ao fato de que a classe trabalhadora se desenvolve sob uma condição alienante, de não reconhecimento do seu ser so-
cial como classe explorada, imaginando que a sociabilidade classista é algo natural e imutável. Essa condição alienante
dos sujeitos não é por acaso, e sim fruto de uma educação funcional à manutenção das classes, que inculca valores
liberais nos sujeitos educados desde o início da vida pelos aparelhos ideológicos do Estado (AIE).
Para entender melhor essa dinâmica é importante explicar a estrutura social capitalista de acordo com Louis
Althusser (1983). O autor explica que a estrutura social capitalista é representada por uma pirâmide social dividida
em dois níveis: a infraestrutura, a base econômica, onde se encontra as relações de produção e as forças produtivas; e
a superestrutura que se divide entre os poderes jurídico político, o Estado e o direito onde estão os aparelhos repres-
sivos do Estado; e o poder ideológico onde estão os aparelhos ideológicos que estabelecem a hegemonia ideológica
capitalista. Sendo a classe trabalhadora geradora de todo o lucro capitalista situada na infraestrutura , se constrói uma
relação de dependência da superestrutura sob a infra, já que a produção da base econômica é determinante para a ma-
nutenção material da superestrutura. Portanto é imprescindível a educação desses trabalhadores para a naturalização

636
dessa relação, para a dominação ideológica hegemônica por parte da superestrutura, pois assim se mantém o padrão
de dominação com o poder econômico centralizado nas minorias burguesas.
A burguesia se utiliza, portanto, de uma pluralidade de aparelhos ideológicos funcionais à proteção e ma-
nutenção do sistema de produção capitalista, sendo a principal delas as instituições escolares. As escolas ganham
centralidade no capitalismo monopolista pela urgência em formar mão de obra qualificada, por isso se torna um
espaço de monopólio do saber, já que somente pela tutela da escola é que o indivíduo constrói o capital cultural útil e
reconhecido na produção, esse espaço se torna promissor à reforçar os valores burgueses.
De modo geral, as escolas se encarregam de educar indivíduos de todas as classes sociais, porém, cada grupo
social tem, implicitamente, um tipo de ensino próprio, destinado a perpetuar, nestes grupos, uma determinada fun-
ção tradicional diretiva ou instrumental (GRAMSCI, 1979) associado ao fator socioeconômico dos indivíduos. Pela
perspectiva de Gramsci (1979), com a crescente necessidade de especialização e intelectualização dos altos cargos de
trabalho, a escolaridade inicial é formatada para domesticar os indivíduos às relações de trabalho, de mercado e de
classe ao passo que os anos seguintes, em seu estado dominante, os conteúdos passam a auxiliar na formação dos in-
telectuais, dos mandatários aos quais a classe trabalhadora deve obediência.
A função da educação numa sociedade classista está em manter essa estrutura sustentada por um know how que
qualifica sujeitos, mas que também mantém a divisão socio técnica do trabalho, destinando os sujeitos aos postos de
trabalho condizentes ao seu lugar na estrutura de classe. Os indivíduos que optam por permanecer nos estudos são
indivíduos com condições socioeconômica favoráveis, muito provavelmente filhos da classe burguesa, que por ter
um nível alto e prolongado de educação tem mais chances de pleitear os altos cargos da sociedade, ou seja, o ensino se
segmenta dentro de uma base ideológica orientada a não oferecer mecanismos de ascensão social, de classe.
O ensino médio no Brasil durante muitas décadas foi oferecida nesta lógica, para as diferentes classes: en-
quanto para a classe trabalhadora se oferecia um currículo voltado para o ensino profissionalizante, para os filhos da
burguesia se formava com um currículo de base propedêutica, voltado para a entrada nas universidades, “esta duali-
dade se faz presente desde o início da República [...] a formação profissional era tida como uma maneira eficiente de
moralizar os pobres, ensinando-lhes um ofício.” (MAGALHÃES, 2006, p. 56-57). Em vias de superar essa realidade,
segundo Magalhães (2006), uma série de documentos foram reeditados, elaborados logo após a redemocratização em
1988. Foi com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que se dilui o caráter dual do ensino médio
brasileiro, reconhecendo agora sua função formativa integral do sujeito, finalmente a educação brasileira se distancia
dessa dualidade. Alinhado a isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) são reformulados buscando ruptura
com essa realidade, desse modo, ao menos no ponto de vista legal o ensino médio é considerado a etapa final da edu-
cação básica que, “possui um lugar em si, e não mais voltado para preparar para um ofício ou para ascender ao ensino
superior” ( MAGALHÃES, 2006, p.).
Ao fazer um brevíssimo panorama histórico da educação brasileira, analisando o padrão educacional dentro de
uma sociabilidade capitalista, o presente artigo se propõe a debater os elementos que auxiliam na construção de um
horizonte emancipatório, centralizando o debate na relação entre educador e educando nas aulas de história, a partir
da ótica da educação democrática e cidadã e atravessados pelas políticas educacionais. Desse modo, o objetivo central
é como devemos quebrar a lógica liberal de ensino e priorizar a formação integral dos sujeitos.
Assim, o trabalho foi desenvolvido através de levantamento e análise bibliográfica, na qual utilizada uma base
teórica marxista para explicar a estrutura social e escolar capitalista em Louis Althusser e Antônio Gramsci, tendo
o texto Ensino de História e Cidadania de Selva Guimarães (ano) como base norteadora da discussão. Para discutir as
políticas educacionais e o ensino de história além de Selva Guimarães, foi utilizada a perspectiva de Marcelo de Sou-
za Magalhães (ano) a respeito das políticas voltadas ao ensino de história; o conceito de educação popular a partir
da perspectiva de Simone de Azevedo Moura, bem como o conceito de consciência histórica em Maria Auxiliadora
Moreira dos Santos Schimidt e Tânia Maria F. Braga Garcia. Sendo assim,o texto foi desenvolvido através do levan-
tamento e análise bibliográfica.

637
O ENSINO DE HISTÓRIA E A FORMAÇÃO CIDADÃ

Reconhecer a existência de um viés classista no processo educativo dos educandos já é importante passo para se
pensar estratégias de superar esse padrão, um exemplo desse movimento é a própria realidade educacional brasileira.
Durante três décadas o Brasil se encontrava sob um regime político autoritário pelas forças militares, neste período
as políticas educacionais já eram instrumentais às ideias de classe, com a ditadura militar essa cultura se reafirmou,
reforçando seu caráter conservador com práticas educacionais superficiais, paliativas e voltadas para os interesses do
capital. O autor Selva Guimarães (2016) , em seu texto Ensinar história: formar cidadãos no Brasil democrático que ana-
lisa as políticas educacionais na ditadura militar e na redemocratização principalmente no ensino de história, mostra
o quanto a formação dos professores foi o foco principal a ser atingido:

“[...] a formação dos professores na área de ciências humana, aqui entendidos como cidadãos, formadores de cida-
dãos, foi estrategicamente desqualificada e manipulada ou deformada no projeto educacional da ditadura configu-
rada no bojo da chamada Reforma universitária, lei 5.540/1968. O artigo 40 dessa lei, sobre o “corpo discente” de-
finia que as universidades deveriam adotar entre outras medidas, as atividades de educação cívica e educação física
e desportos. No item (d) determinava que as universidades estimulassem ‘as atividades que visassem à formação
cívica, considerada indispensável à criação de uma consciência de direitos e deveres dos cidadãos e do profissional’.
Daí decorrem a obrigatoriedade curricular de estudos dos problemas brasileiros (EPB) que era a versão (para o
ensino superior) da educação moral e cívica (EMC), disciplina que se tornou obrigatória nos currículos de todos
os graus e modalidades de ensino no país, em todos os cursos superiores (lei 869/1969), inclusive nas licenciaturas
e na pós graduação.” (GUIMARÃES, 2016, p. 80-81)

Nesse período, houve também a criação das licenciaturas curtas (1.200 horas) no ensino superior em estudos
sociais, com um currículo generalista que reunia fragmentos de conhecimentos da história, geografia, formação mo-
ral e cívica com intenção de formar um profissional para a docência polivalente. O profissional habilitado em estudos
sociais poderia então ministrar aulas de história, geografia, estudos sociais, educação moral e cívica, organização so-
cial e política do Brasil e estudos dos problemas brasileiros, ajustados aos objetivos e interesses do Estado “moldados
pela doutrina de segurança nacional e desenvolvimento econômico” (GUIMARÃES, 2016, p.81), nesses termos, o
professor reproduz o sistema político vigente incapaz de ministrar aulas que fomentasse a reflexão crítica, apenas
reproduzindo os conteúdos dos livros didáticos manipulados e censurados pelo Ministério da Educação militar.
O rompimento processual com essa lógica educacional se inicia no momento da redemocratização do Brasil,
com a superação do regime militar. Antes da redemocratização, no entanto, já se abria o horizonte democrático na
educação, quando em 1986 um projeto de lei foi encaminhado com vias a acabar com a obrigatoriedade da disciplina
moral cívica, aprovada e sancionada somente em 1993 no governo Itamar Franco. Apesar da morosidade na apro-
vação desse projeto de lei, não há dúvidas que o mesmo foi um divisor de águas na realidade educacional brasileira,
abrindo portas para o processo de redemocratização na educação.
Na promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, os movimentos sociais, pesquisadores da educa-
ção, educadores e estudantes garantiram direitos que reforçavam ainda mais esse horizonte democrático. Através
da Constituição Federal, as licenciaturas curtas foram desabilitadas para a docência, a partir de 1988 o educador só
poderá lecionar mediante a formação em licenciaturas plenas em universidades e instituições federais ou particular,
mediante aprovação em concurso público que garantiria o plano de carreira. Somado a isso, em 2006, a Emenda
Constitucional 53 incluiu o direito do profissional à um piso salarial para a categoria. Esses elementos, que se reúnem
no artigo 206 da Constituição, surgem como respaldo legal à valorização do profissional da educação. Para além da
formação de professores, a carta magna garante à todos o acesso à educação pública e de qualidade, com liberdade
de aprender e ensinar embasada em um pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, quebrando com a lógica
cívica de educação.

Desse modo a Carta Magna garante os princípios de igualdade, liberdade, pluralismo e gratuidade do ensino nas
instituições públicas, pilares constitucionais para a ampliação e a garantia do direito ao acesso à educação, aos sabe-
res, à arte, de forma plural. Outrossim, reconhece que, para assegurar esse direito, é fundamental a valorização do

638
professor como um profissional e, nesse sentido, afiança o tripé: ingresso por concurso público, plano de carreira
e piso salarial nacional. (GUIMARÃES, 2016, p.85)

A partir dessa movimentação da redemocratização, sobretudo nesse momento em que o resgate da participação
popular, da cidadania, é o centro do debate no interior das escolas, as relações entre educadores/as e alunos/as sofrem
os impactos positivos dessas mudanças, capazes de instigar uma série de teorias e práticas educacionais voltadas para
a educação e formação humana desses indivíduos, sendo que um exemplo é a educação popular.
A educação popular é um projeto de educação voltado para a transformação do saber diferenciado em um saber
popular, íntimo ao educando, com viés político emancipatório capaz de transformar os sujeitos e a sociedade como
forma de estabelecer, com esse saber, a quebra da hegemonia pela ascensão do poder popular (MOURA, 2010). A
partir da educação popular é possível perceber uma nova educação, politicamente posicionada em transformar os
sujeitos oprimidos em protagonistas, donos do seu próprio destino, a partir de um ensino que construa sua auto-
nomia intelectual e política para a participação na elaboração de políticas e na luta através da organização de seus
movimentos.
A educação popular não se restringe a transformar apenas as práticas pedagógicas ou a metodologia da edu-
cação, ela busca a transformação dos sujeitos que estão envolvidos nesse processo e a sociedade na qual se integram
esses sujeitos (MOURA, 2010). O educador, ao se comprometer com o projeto de educação popular, antes de tudo,
deve ser um educador questionador, problematizador da realidade, que consiga descortinar as tendências destrutivas
do capitalismo e, a partir daí reconhecer os papéis sociais aos quais estão sujeitos, não só ele, mas seus educandos. Essa
reflexão é fundamental para que haja uma nova concepção de ensino, até mesmo para que o educador possa quebrar
a lógica do “professor neutro” ou da “educação neutra”, pois, a partir do momento em que o educador reconhece seu
compromisso político para com a emancipação dos seus educandos e de si próprio, ele passa a se posicionar politica-
mente, comprometido a auxiliar a emancipação humana.
O educador que optar pelas práticas de uma educação popular tem o respaldo jurídico-político de documentos
federais que balizam a atuação profissional. O professor habilitado a ministrar aulas de história, antes de tudo, deve
transmitir seus conhecimentos sobre história referenciados aos valores sociais e democráticos, com uma postura
profissional e ética de compromisso social e político. Sendo assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais alinham esse
objetivo ao aparato teórico na formação desse educador ao qual se destaca o artigo 6º, onde afirma que a “construção
do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes, devem ser consideradas, entre outras: ‘as competências
referentes ao comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática’” (GUIMARÃES, 2016, p.86).
Portanto, se reconhece a flexibilidade dos currículos de história de acordo com as particularidades regionais, sociais e
culturais das regiões onde se inserem as instituições de ensino superior, de modo a garantir que a identidade regional
não seja negligenciada.
Outro documento que corrobora com o projeto de formação humana dos docentes de história são as compe-
tências e habilidades exigidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), cujo conteúdo a ser ministrado deve
envolver a perspectiva do tempo histórico abordando as identidades culturais.

A discussão de tempo histórico acaba levando a uma reflexão sobre a sociedade atual, vista como um presente
contínuo, “que tende a esquecer e anular a importância das relações que o presente mantém com o passado”. Nesta
sociedade, cabe à História, junto com o seu ensino, livrar “as novas gerações da ‘amnésia social’ que compromete
a constituição de suas identidades individuais e coletivas”. Logo, à identidade se junta a memória como mais um
direito de cidadania, que implica pensar no significado de “lugares de memória”, ou seja, festas, monumentos, mu-
seus, arquivos e áreas preservadas. (MAGALHÃES, 2006, p.62)

Voltado para o ensino e abordagem das identidades culturais, não só no ensino de história mas na educação
brasileira, o país avança ao aprovar as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que obrigam todas as escolas a incluírem o
estudo de história das culturas africana e indígenas nos currículos escolares do ensino básico ao superior de modo a
garantir uma educação preocupada e sensível às relações étnico raciais. Assim é possível inferir que essa realidade é
inovadora, capaz de fazer com que os alunos reconheçam a pluralidade étnica do nosso país, da mesma maneira em

639
que outros alunos se reconheçam e se sintam pertencentes ao processo de ensino e aprendizagem; sem contar que
nesse processo há a possibilidade do próprio educador visualizar, com mais clareza, a diversidade étnico cultural de
sua sala de aula, o capacitando a construir dinâmicas e conteúdos capazes de atender as particularidades étnico cultu-
rais dos alunos.
O avanço é significativo, porém revelou uma série de entraves que limitaria a eficácia da lei nas realidades es-
colares, um desses entraves seria a própria capacitação do profissional educador logo na sua formação universitária,
onde é possível perceber a dificuldade do profissional no trato do assunto. Desse modo, com o objetivo de alcançar os
objetivos da lei, foi possível “demandar programas e projetos de formação continuada, pesquisa, produção de saberes
e materiais didáticos articulados à mudança de atitude dos formadores contra o preconceito e a discriminação racial
de negros e indígenas” (GUIMARÃES, 2016, p. 88) já que no processo de formação nas licenciaturas em escola disci-
plinas de história da África e indígenas não entravam nos currículos e quando entrava era como forma de disciplinas
optativas ou temas transversais em outra matéria.

Se concebemos cidadania como direito de todos, de forma concreta e não abstrata, incluindo o direito à memória
e à história, é imprescindível, como conclui Cerezer (2015), a elaboração de conhecimentos históricos que des-
construam as imagens negativas e estereotipadas, historicamente produzidas sobre negros e indígenas no Brasil.
(GUIMARÃES, 2016, p.88)

Diante dessa realidade fomentadora da educação popular e cidadã, as escolas e salas de aulas se transformam
em terreno fértil para a formação de sujeitos críticos e conscientes dos resultados sociais e econômicos de um sistema
liberal sofridos pela classe trabalhadora, se tornando um sujeito problematizador e apto a se defender das arbitrarie-
dades de uma sociedade capitalista. Nas contribuições didático metodológicas no ensino de história, segundo Schmidt
e Garcia (2005), o professor deve buscar, em parceria com o aluno, antes de tudo, renovar conteúdos construin-
do problematizações históricas onde os alunos possam contar sua própria história, ao passo que saibam e escutem
histórias de outros sujeitos históricos que não os hegemônicos, principalmente, de histórias silenciadas ou que não
tiveram acesso à História. Desse modo, o professor ajuda no processo de pertencimento desses alunos ao vivenciarem
múltiplas e diversas histórias e realidades.
A formação da consciência histórica é um importante objetivo a ser alcançado pelo educador, já que é a partir
dela que o aluno será capaz de compreender a realidade presente a partir da realidade passada. O trabalho de forma-
ção da consciência histórica permite que os alunos possam visualizar o curso do tempo ao qual as construções estão
sujeitas onde “trata do passado como experiência e revela o tecido da mudança temporal no qual estão amarradas
as nossas vidas, bem como as experiências futuras para as quais se dirigem as mudanças” (Schmidt e Garcia, 2005,
p.301). Isso quer dizer que os valores morais estão situados em um marco temporal que representa uma totalidade
temporal passiva de desconstrução deixando um espaço reflexivo que recupera a historicidade dos valores, ao passo
que possibilita os alunos a problematizarem a si próprios procurando respostas nas relações entre passado, presente e
futuro (Schmidt e Garcia, 2005). Consequentemente, é importante definir a formação da consciência histórica como
a tomada dos

[...] acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de suas experiências indivi-
duais e coletivas e de tornar inteligível o seu presente, conferindo uma expectativa futura a essa atividade atual.
Portanto, a consciência histórica tem uma “função prática” de dar identidade aos sujeitos e fornecer à realidade em
que eles vivem uma dimensão temporal, uma orientação que pode guiar a ação, intencionalmente, por meio da
mediação da memória histórica. (SCHMIDT E GARCIA, 2005, p.301)

Portanto, é nessa rede frutífera do aprendizado histórico que se torna promissor a tomada de consciência do
professor e do aluno, o ensino de história que trabalha o saber historiográfico de seus alunos também na perspectiva
da mudança consegue alcançar os objetivos fins aos quais a educação brasileira se propôs. Como Guimarães (2016)
mesmo citou: “[...] não basta só saber de história para ser bom professor de história. Deve ser um sujeito crítico, edu-
cador e cidadão consciente, aberto às mudanças e ao aprendizado”

640
CONCLUSÃO

A realidade educacional brasileira, como um artifício funcional às classes sociais, a briga pela hegemonia, é
disputada frequentemente e, por isso, é o alvo principal de intervenções políticas, ideológicas por parte das classes
sociais. As escolas públicas, sobretudo, é o primeiro alvo a ser atingindo através do discurso para alcançar a excelência
na qualidade de ensino. Foi possível constatar, através da produção desse artigo, que as políticas educacionais brasi-
leiras, a partir da redemocratização, iniciou um movimento de resgate cultural das classes até então subalternizadas
no processo de ensino e aprendizagem, inicia-se o movimento de trazer pro centro do debate discussões até então
abafadas, marginalizadas pelas classes dominantes. Esses conhecimentos, por não serem um capital cultural social-
mente aceito, reforça, no imaginário coletivo, a má qualidade de ensino das escolas públicas, que fomenta e continua
fomentando políticas públicas que atacam diretamente as instituições públicas de educação como é o caso atual do
projeto de lei intitulado “Escolas sem Partido”.
Na realidade, é cultural do brasileiro essa aversão a tudo que é público, estivemos durante uma década inteira
sob um regime altamente neoliberal, de privatizações que bombardeava o senso comum de exaltações a tudo que era
particular, o que contribuiu para a desvalorização e sucateamentos das instituições públicas de ensino. No governo
Lula o ensino público tomou fôlego, teve uma relativa valorização e mostrou claramente seus impactos qualitativos
na vida da classe trabalhadora, o que fez com que uma parcela significativa da classe dominada experimentasse uma
ascensão intelectual até então muito distante da sua realidade. Isso quer dizer que as instituições públicas de ensino
precisam ser defendidas e com elas sua autonomia, liberdade de cátedra e principalmente a sua educação voltada para
formação dos sujeitos e não exclusivamente voltada para a formação de mão de obra. Para isso é preciso que os alunos,
pais e comunidade se sintam pertencentes a esse processo, plantando a sementinha, primeiramente, nos estudantes.
As ocupações das escolas de 2013 foram muito simbólicas ao expor os resultados de uma educação mais crítica
e emancipadora, os estudantes compreenderam a realidade degradante a qual estavam sujeitos, potencializando a
formação de estratégias de luta no campo concreto. Essa pode ser uma realidade construída em sala de aula, o início
de uma potência reivindicatória fomentada pelos conteúdos e debates aos quais o ensino de história tem o dever e a
capacidade de participar, ao entender a função social da escola e a capacidade crítica das relações escolares dentro e
fora da sala de aula. Não há dúvidas que a defesa pelo ensino público e de qualidade começa no interior das escolas,
nas salas de aula e nos grêmios estudantis.

BIBLIOGRAFIA

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Edição Graal,
1983. Ed.25.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa – São Paulo: Paz e Terra, 1996 ( Coleção Leitura)
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A, 1979. 3ª Ed.
GUIMARÃES, Selva. Ensinar História: Formar Cidadãos no Brasil Democrático. In: GUIMARÃES, Selva. Ensino de História e
Cidadania. Campinas, SP: Papirus, 2016.
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Apontamentos para pensar o ensino de História hoje: reformas curriculares, Ensino Médio e
formação do professor. Tempo, Niterói, v. 11, n. 21, p. 49-64, Junho  2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S141377042006000200005&script=sci_abstract&tlng=pt, acesso em: 28/12/2018
MOURA, Simone de Azevedo. Educação Popular na Escola Pública: Possibilidades e limites. Porto Alegre, 2010
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; GARCIA, Tânia Maria F. Braga. A Formação da Consciência Histórica de
Alunos e Professores e o Cotidiano em Aula de História. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005. Disponível
em: http://www.cedes.unicamp.br, acesso em: 28/12/2018

641
EDUCAÇÃO DO CAMPO: HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA DOS
EGRESSOS DA EFA - PORTO NACIONAL- TO

Lorena Kabrini Barros Costa

RESUMO: A pesquisa tem como objetivo retratar a história Escola Família Agrícola de Porto Nacional (EFA),
estado do Tocantins na perspectiva dos egressos que foram formados em uma educação rural diferente, integrada à
comunidade e engajada com as questões do campo. A EFA foi fundada no ano de 1993, sendo fruto da luta dos tra-
balhadores do campo representados pela Comsaúde, organização não governamental, criada no município em 1969.
Em 1994, iniciou-se a primeira com um currículo baseado na pedagogia da alternância o que possibilitou aos jovens
camponeses uma formação com base nos saberes da terra. Para registrar as memórias, falas, sentidos e significados
foram realizadas entrevistas egressos. Cita-se alguns como: BARROS, Ana Paula (2018), FERREIRA, Ricardo(2018),
CERQUEIRA, Oziel(2018). Para realizar as entrevistas utilizou-se a metodologia da história oral baseada em Alberti,
Sebe Meihy, Portelli com um roteiro de entrevistas semi-estruturado para conhecer o processo de formação ideológi-
ca, as estratégias de aprendizagem, as trajetórias culturais e por fim, a pedagogia da alternância adotada na instituição
educativa. Pautou-se nos aportes teóricos de ARROYO(1999), KOLLING(1999), FREIRE(2005), TUAN(1980), PE-
REIRA(2003), DEMO(2001), GADOTTI(2001). vinculado ao seu modo de vida, à sua cultura e ao trabalho; direito
de produzir com sua família o suficiente para assegurar a sobrevivência e uma vida digna; direito de acesso aos co-
nhecimentos e às informações de seu interesse, que contribuam para melhorar suas condições de trabalho, para que
entendam a dinâmica do mercado e do capital.
Palavras chaves: Educação do campo. Memórias. Formação acadêmica.

INTRODUÇÃO

Ao olhar para história da humanidade, após algumas transformações ocorridas nos últimos anos, percebe-se
que a cultura do campo vem passando por processo de modernização tecnológica e cultural que tem impactado na
vida cotidiana do homem do campo. Nesse contexto, a educação campo tem uma função social de buscar o resgate das
origens dos povos camponeses, suas lutas e movimentos sociais, suas tradições e cultura. Através dela podemos valo-
rizar os conhecimentos das práticas sociais dos camponeses e enfatizar o campo como lugar de novas possibilidades
de trabalho, moradia e estudo, visibilizando-o como lugar de desenvolvimento sustentável.
Partindo desse contexto, justifica-se a necessidade de compreender de que forma a cultura do campo influencia
no processo de formação acadêmica dos alunos egressos da EFA de Porto Nacional. Quais as trajetórias desses alunos
egressos? Como se encontram hoje? O que mudou na sua vida no campo? Para tanto, daremos voz aos alunos egres-
sos por meio do método da história oral, onde foi coletados dados e informações com sentidos e significados para se
conhecer a realidade desses alunos, após a conclusão de seus estudos, e, a partir de então, fomentar discussão e refle-
xão sobre processo de formação pautada no saber do campo, analisando as participações e trajetórias do egresso da
EFA de Porto Nacional - TO. Faz-se necessário compreender as memórias dos alunos egressos, através de entrevista,
que passaram pela escola nos últimos anos; Conhecer o processo de formação ideológica e a continuação dos estudos
dos alunos egressos; Identificar as trajetórias culturais dos egressos.
Como procedimentos metodológicos fez-se uso do método a história oral, numa perspectiva qualitativa, iden-
tificando significados e sentidos das falas dos entrevistados egressos da EFA de Porto Nacional -TO. Considerando
que a história oral é uma das principais fontes de investigação da pesquisa científica, por meio dela é possível levantar
dados e informações quanti e qualitativamente que fazem parte da memória de um indivíduo ou de uma comunidade.

642
Neste contexto foi realizada uma entrevista com três alunos egressos da EFA de Porto Nacional-TO, BARROS, Ana
Paula (2018), FERREIRA, Ricardo (2018), CERQUEIRA, Oziel (2018).

A EDUCAÇÃO DO CAMPO, ASPECTOS HISTÓRICOS DA EFA

A educação do campo vem se constituindo como produto das lutas dos trabalhadores do campo e de seus mo-
vimentos sociais, fortalecendo as raízes do campo para as novas gerações que vivem num movimento contínuo entre
a realidade urbana x realidade do campo.
Na concepção de Kolling, Nery, Molina (1999, p. 63), a escola do campo é:

[...] aquela que trabalha desde os interesses, a politica, a cultura e a economia dos diversos grupos de trabalhadores
e trabalhadoras do campo, nas suas diversas formas de trabalho e de organização, na sua dimensão de permanente
processo, produzido valores, conhecimentos e tecnologias na perspectiva do desenvolvimento social e econômico
igualitário dessa população. A identificação politica e a inserção geográfica na própria realidade cultural do campo
são condições fundamentais de sua implementação.

Neste caso, a educação do campo se torna um importante elo de ligação entre as culturas e tradições, um dos
grandes exemplos, vivenciado no Estado do Tocantins, é a criação da escola família agrícula-EFA no municipio de
Porto Nacional berço cultural do estado.
A Escola Família Agrícola de Porto Nacional é fruto dos trabalhos da Comunidade de Saúde- comsaúde, de-
senvolvimento e educação – uma organização não governamental criada no município em 1969, que sempre repre-
sentou aos trabalhadores do campo, por meio de suas organizações – as Associação de Agricultores Familiares e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (PORTO NACIONAL, 2018).
Após anos de lutas e reuniões para discutir as necessidades de formação dos povos camponeses das regiões do
antigo norte goiano, deu-se inicio a organização que representava e defendia os direitos do trabalhadores rurais, im-
pulsionando o desenvolvimento das atividades pelos camponeses. Em 1993, iniciou-se a discussão envolvendo as co-
munidades rurais, o poder público e entidades ligadas ao campo, com objetivo de implantar a escola Família Agrícola
no município de Porto Nacional – TO, a primeira do Estado de Tocantins, como uma iniciativa piloto na formação
dos filhos (as) dos agricultores (as) familiares. (PORTO NACIONAL, 2018).
Em 31 de janeiro de 1994 iniciaram-se as atividades de ensino-aprendizagem da escola. A cada ano uma nova
turma, a ampliação da estrutura física, a aquisição de móveis e equipamentos, o aumento da equipe de monitores e o
investimento na formação dos profissionais, famílias e estudantes. (PORTO NACIONAL, 2018).
No cenário da EFA, em Porto Nacional, foi marcado pela construção de processos de gestão educacional, no
ponto de vista democrática e participativa, envolvendo as comunidades escolares, as equipes pedagógicas e adminis-
trativas no desenvolvimento de seu planejamento, sob a perspectiva da promoção humana e social numa formação
mais ética, com valores pautados na cidadania.

PROCESSO FORMAÇÃO IDEOLÓGICA DA EFA

A escola do campo, escola família agrícola- EFA, Porto Nacional-TO, tem um papel de relevância no proces-
so de desenvolvimento social e econômico dos trabalhadores do campo, através de uma harmonia entre a relação
educacional e prática do campo, o que contribuirá para o surgimento de novas vivências e práticas humanas. Nessa
perspectiva, Rocha et al (2007, p.41) defendem uma escola voltada às perspectivas do homem do campo:

O movimento reivindica a criação de politicas públicas que priorizem a superação da situação educacional, eco-
nômica, politicas e social da população pobre do meio rural, numa perspectiva que aponte para uma organização
pedagógica, curricular, administrativa e financeira que seja do interesse desta população. Que seja “uma educação
especifica e diferenciada”, “voltada aos interesses da vida no campo”, mais alicerçada numa concepção de educação
como “formação humana” e comprometida com “uma estratégia especifica de desenvolvimento para o campo”.

643
Neste contexto, as experiências vivenciadas para a formação dos alunos do campo deverão ser baseadas na pe-
dagogia da terra, em suas raízes, por suas lutas, através dos movimentos sociais, do direito a educação e moradia. Em
consonância, Gadotti enfatiza que a pedagogia da terra traz de volta para o campo progressista “o perdido e superado
conceito de internacionalismo socialista – travestido no discurso hegemônico de globalismo - com a construção do
conceito de cidadania planetária”. (GADOTTI, 2000, p.17). Ainda de acordo com o autor para a busca de uma visão
mais global do mundo é necessário mudar a maneira de pensar. Desta forma, a formação ideológica entrelaça com a
formação acadêmica, dando-lhe sustentabilidade e intencionalidade, articulando saberes e rompendo com o modo
linear de ler e ver o mundo.
Na EFA de Porto Nacional adotou-se o método Paulo Freire de alfabetização, que objetiva, possibilitar o acesso
dos excluídos à leitura e à escrita e o desenvolvimento da consciência crítica da realidade. Percebe-se que emerge um
movimento educativo diferente no campo, não comprometido com os interesses do capital, mas com a intenção de
contribuir com os camponeses em suas reivindicações por direitos sociais e sua cidadania, que sempre lhes foram
negados.
Nesta abordagem, a terra é parte central do processo de formação social para construção pedagógica de uma
ponte entre currículo formal e currículo específico, focando nas praticas do campo e nos princípios ideológicos dos
movimentos sociais percorridos até a conquista do direito á educação do campo hoje.
Para Arroyo(1999, p.9)

[...] os movimentos sociais são em si mesmos educativos em seu modo de se expressar, pois o fazem mais do que
por palavras, utilizando gestos, mobilizações, realizando ações, a partir das causas sociais geradoras de processos
participativos e mobilizadores.

Nesse sentido, a educação campo tem uma função social de buscar o resgate das origens dos povos camponeses,
suas lutas e movimentos sociais, suas tradições e cultura, que por meio dela podemos valorizar os conhecimentos
das práticas sociais dos camponeses e enfatizar o campo como lugar de novas possibilidades de trabalho, moradia e
estudo, visibilizando-o como lugar de desenvolvimento sustentável.

TRAJETÓRIAS CULTURAIS DOS EGRESSOS COM O USO DA HISTÓRIA ORAL

O uso da história oral como método de ampliação do conhecimento e como fonte de consulta apresenta suas
especificidades e através dela pode ir ao passado para traçar o futuro (ALBERTI, 2005, p.21). Nessa perspectiva, Al-
berti (2005, p.21) defende:

Com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de consulta para pesquisas sobre
temas não tão recentes, mas a realização de entrevistas pressupõe o estudo de acontecimentos e/ ou conjunturas
ocorridos num espaço de aproximadamente 50 anos.

A história oral é uma das principais fontes de investigação da pesquisa científica, por meio dela é possível
levantar dados e informações quanti e qualitativamente que fazem parte da memória de um indivíduo ou de uma
comunidade. Thompson (1998, p. 137-138) defende que se as fontes orais podem de fato transmitir informação
fidedigna, tratá-las simplesmente como um documento a mais é ignorar o valor extraordinário que possuem como
testemunho subjetivo, falado.
Como coleta de dados foi utilizados: as entrevistas (método da história oral), documentos oficiais que tratam
de processo de formação pedagógica dos egressos da EFA de Porto Nacional – TO, que de acordo com Montysuma
(2006, p. 124): “[...] As atenções do entrevistador são voltadas para perceber e registrar informações relativas as ex-
pressões faciais e corporais apresentadas pelas pessoas quando se manifestam”
Primeiramente foi feito a pesquisa bibliográfica que consiste no levantamento e seleção da bibliografia a res-
peito do tema, seguidos da revisão da literatura. Para realização da segunda etapa, será elaborado um questionário
semiestruturado e escolhidos três alunos egressos que concluíram os seus estudos na EFA, sujeitos da pesquisa.

644
No segundo momento realizado as entrevistas gravadas, previamente agendadas em local definido, com três
alunos egressos da EFA, na cidade de Porto Nacional. Anteriormente, o entrevistado foi informado sobre o objetivo
da pesquisa e deverá assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
O terceiro momento foi a parte da perspectiva do método da história oral que, antes de se trabalhar com as in-
formações/ dados levantados é necessário que haja a submissão e aprovação pelo entrevistado da entrevista transcrita
e digitalizada. Então foi transcritas as respostas e submetê-dos a análise dos entrevistados. Desta forma, optou-se em
adordar questões relacionadas as atuais profissionais e à influência da EFA, em suas formação.

Entende-se por escola do campo aquela que trabalha desde os interesses, a política, a cultura e a economia dos di-
versos grupos de trabalhadores e trabalhadoras do campo, nas suas diversas formas de trabalho e de organização, na
sua dimensão de permanente processo, produzindo valores, conhecimentos e tecnologia naperspectiva do desenvol-
vimento social e econômico igualitário dessa população A identificação política e a inserção geográfica na própria
realidade cultural do campo são condições fundamentais da sua implementação. (KOLLING et al, 1999, p.63).

A educação do campo tem uma função social de buscar o resgate das origens dos povos camponeses, suas lutas
e movimentos sociais, suas tradições e cultura, e por meio dela valoriza-se os conhecimentos das práticas sociais dos
camponeses e enfatiza-se o campo como lugar de trabalho, de moradia, de estudo e de desenvolvimento sustentável.
Ao contrário do que aconteceu com as escolas rurais tradicionais, a EFA buscou se distanciar da Igreja Católica e va-
lorizar a realidade camponesa com a participação das famílias na escola e nas decisões, envolvendo questões relativas
ao desempenho dos estudantes, às ações da escola, as novas atividades econômicas, ao meio ambiente, às ações da
associação, aos problemas de disciplina dentre outros.
Nesse sentido, entende-se que os egressos entrevistados que estudaram na EFA, tiveram seus pilares alicerça-
dos em uma formação cidadã e engajada com as questões sociais e do campo, eles adquiriram uma riqueza de saberes
relacionados com as plantas, a terra, e os animais através do convívio, com as habilidades necessárias, para o desen-
volvimento profissional . A egressa, Ana Paula Barros, com formação em engenharia agricola, nos revela sobre a
importância da formação desenvolvida na EFA, que foi o influenciador, para sua atual formação, hoje ela faz parte
do quadro de servidores da instutição, levando seus conhecimentos para seus alunos através das práticas agrícola da
escola família agrícola em Porto Nacional, TO.
O egresso Ricardo Ferreira, aluno do curso de agronomia, atua hoje como estágiario, no pequenos plantios
experimentais, cultivadas nos espaços da escola família agrícola de Porto Nacional-TO. O último egresso é o profes-
sor de ciências biológicas, e parte do conselho diretivo da escola, Oziel Cerqueira faz parte da escola deste o inicio,
primeiro como aluno depois funcionário. A vida dele só se tornou completa quando se descobriu na escola, além de
sua formação escolar, a EFA desenvolve os príncipios ideológicos nas questões sociais, rurais e das lutas dos traba-
lhadores do campo.
Dar voz a esses sujeitos nos permite perceber a relevância pelas quais passaram os camposenes quando lutaram
para que seus filhos tivessem direito à educação, para que no futuro pudesse contribuir para no campo. A formação
é um fator determinate que possibilita uma melhor participação em seus processos, tanto social quanto econômico,
mudando sua visão e construindo uma história valorizando as suas tradições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto desta pesquisa nos é permitido tomar a formação como alicerce, responsável por constituir nos
sujeitos sociais uma consciência crítica, que permite compreender o estudo como estratégia de emancipação, de luta
e de resistência quanto ao dado e ao instituído, implementado pela legitimidade do sistema. Aprender permite além
dos conhecimentos técnicos e práticos, desenvolve habilidades e competências e a capacidade de saber fazer, usando
o passado como base, o presente para plantamos a semente, e o futuro para colhemos os frutos de nosso trabalho.
Pecebe-se que o processo de formação acadêmica dos alunos, egressos da EFA de Porto Nacional, foi influenciando
pela cultura do campo, na perspectiva humana e social, pautada nos valores da terra.

645
REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena, Manual de história oral/ 3ºed. Rio Janeiro: editora FGV, 2005.
ARROYO, Miguel. Educação básica e movimentos sociais. In. VV.AA. A educação básica e o movimento social do campo.
Brasília. UNB, 1999. Pp. 15-52.
DEMO, Pedro, 2001, Educação e conhecimento; 2º edição. Vozes. 183 p.
FREIRE, Paulo, 1998, Pedagogia de esperança; 5º edição. Rio de Janeiro: Paz e terra.
GADOTTI, Moacir, Pedagogia da terra, 4º edição, São Paulo, Peirópolis, 2000.
KOLLING, Edgar Jorge; NERY, Israel José; MOLINA, Mônica Castagna. Por uma educação básica do campo: memórias.
Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 1999,V. 1
PEREIRA, Erialdo Augusto, 2003. Formação de jovens e participação social. Lisboa. Dissertação de Mestrado. Universidade
Nova de Lisboa- Portugal. 2003.
Relatório de pesquisa “diálogos entre escola, formação docente, práticas sócio-culturais: possibilidades e limites de
educação do campo”, ARANHA, Antônia V.S; ROCHA, Maria Isabel A, et al. UFMG, 2007, p.4.
TUAN, Yi, Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Tradução de Lívia de Oliveira.
São Paulo: Difel, 1980.

646
EDUCAÇÃO E EMPODERAMENTO: HISTÓRIAS DE RESISTÊNCIA
DE MULHERES KALUNGAS

Lúcia Helena Rincón Afonso1


Maria Edmaci Barbosa2
Sonilda Aparecida de Fatima Silva 3

RESUMO: Apresenta-se nesse artigo parte do resultado da pesquisa do Doutorado em Educação, a qual tem
como objetivo compreender as relações de gênero e de patriarcado, de sobrevivências, dos fatores interseccionais de
gênero, de raça e de classe social e das relações de poder que têm contribuído para a desigualdade de gênero, investi-
gando, ao mesmo tempo, o tipo de educação que tem contribuído para o crescimento pessoal, social e político dessas
mulheres, levando-as a encontrar as forças necessárias para se empoderar no espaço público. Como aporte teórico,
buscou-se os escritos de Saffioti (2004), Louro (1998), Costa (2000), Coulouris, (2004), Thompson (1992), Pallacin
(1984), Libâneo (2010) e Freire (1987), dentre outros. Por tratar-se de uma pesquisa em andamento, a metodologia
pautou-se em pesquisas bibliográficas e pesquisa de campo, na cidade de Monte Alegre, na comunidade de Riachão,
com entrevistas semi estruturadas e utilização da história oral e da pesquisa narrativa.
Palavras-chave: kalungas; patriarcado; gênero e empoderamento.

INTRODUÇÃO

A opção por investigar sobre o empoderamento das mulheres kalungas da Região Norte do Estado de Goiás,
surgiu após a 4ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres, realizada em dezembro de 2015, em Goiânia,
Goiás. Na oportunidade, foi apresentada ao público presente a Dona Procópia, uma mulher kalunga, descendente
dos quilombolas, residente na Comunidade de Riachão, no município de Monte Alegre de Goiás. Foi impressionante
ver como uma senhora descendente dos remanescentes quilombolas, praticamente analfabeta, mostrava a força da
mulher em perceber e apontar os problemas de sua comunidade, tendo sempre boas formas de resolvê-los. Na opor-
tunidade, a Superintendente Executiva da Mulher e da Igualdade Racial/SEMIRA-Go, Dra. Glaucia Teodoro Reis,
falou sobre a importância do papel da mulher na sociedade. “Ter uma voz feminina independe de classe social e cor.
Nós temos um papel decisivo na escolha e na reprodução dos valores e costumes em família e como um todo” (infor-
mação verbal4). Essa Conferência foi decisiva para o delineamento de um Projeto de Pesquisa, desta vez com foco no
empoderamento das mulheres kalungas.
Pensar no papel social desempenhado pelas mulheres na sociedade brasileira, mais especificamente, sob a ótica
do empoderamento feminino, é importante e para a compreensão da sociedade brasileira em sua diversidade, prin-
cipalmente quando leva-se em consideração que também na cultura dos remanescentes dos quilombos, comunidades
construídas sob a égide do machismo e do patriarcalismo, o homem ocupa, tradicionalmente, o espaço público e a
mulher, o privado. É nesse contexto que surge a inquietação e o desejo de pesquisar sobre as histórias de resistências
das mulheres kalungas, visando compreender as formas organizativas sociais de resistências, as relações de poder, de
sobrevivência e o empoderamento social/cultural das mulheres kalungas da região norte do Estado de Goiás.
Destaca-se como objetivo do estudo proposto conhecer as formas organizativas de resistência, as histórias, as
lutas e as conquistas das mulheres kalungas, remanescentes dos quilombolas da região nordeste do Estado de Goiás,
1 Contato: luciarincon@gmail.com
2 Contato: edmacibarbosa@hotmail.com
3 Contato: sonilda1000@gmail.com
4 Gláucia Teodoro dos Reis, Superintendente Executiva da Mulher e da Igualdade Racial em palestra proferida na 4ª Conferência Estadual
de Políticas para as Mulheres, realizada em dezembro de 2015, em Goiânia-Goiás.

647
e os fatores interseccionais de gênero, de raça, de classe social e das relações de poder que têm contribuído para a
desigualdade de gênero, investigando, ao mesmo tempo, o tipo de educação que as mesmas receberam e tem recebido
e em que medida contribuem para o crescimento pessoal, social e político dessas mulheres, facilitando-lhe ou não
encontrar as forças necessárias para se empoderar no espaço público.
Por tratar-se de uma pesquisa em andamento no programa de doutorado em educação na PUC Goiás, a me-
todologia, a priori, pautou-se em pesquisas bibliográficas e pesquisa de campo no município de Monte Alegre, na
comunidade de Riachão, com entrevistas semi estruturadas com uma das dez mulheres kalungas que farão parte do
corpus da pesquisa do Doutorado em Educação, na linha de pesquisa: Estado, Políticas e Instituições Educacionais.
Para a pesquisa de campo, utilizou-se a pesquisa narrativa e a história oral que, segundo Paul Thompson (1992, 18)

Um dos aspectos mais polêmicos das fontes orais diz respeito a sua credibilidade. Para alguns historiadores tradi-
cionais os depoimentos orais são tidos como fontes subjetivas por nutrirem-se da memória individual, que às vezes
pode ser falível e fantasiosa. No entanto, a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas, sejam elas
orais, escritas ou visuais. O que interessa em história oral é saber por que o entrevistado foi seletivo, ou omisso,
pois essa seletividade com certeza tem seu significado.

Ainda segundo Thompson (1992, p.185) “A construção e a narração da memória do passado, tanto coletiva
quanto individual, constitui um processo social ativo que exige ao mesmo tempo engenho e arte, aprendizado com os
outros e vigor imaginativo”. Para o autor as pessoas comuns procuram compreender as revoluções e mudanças por
que passam em suas próprias vidas por meio da História. No texto de Thompson (1992), percebe-se que a utilização
da história para finalidades sociais e pessoais construtivas vem da natureza intrínseca da abordagem oral, baseando-se
na fala e não na habilidade da escrita, muito mais exigente e restritiva, trazendo a história para dentro da comunidade
e extraindo a mesma de dentro da comunidade. A história oral implica, para a maioria dos tipos de pesquisa e escrita
da história, uma certa mudança de enfoque, mas também a abertura de novas áreas importantes de investigação. Por
isso lança-se mão dela , na proposição de que esta investigação tem como objeto de estudo compreender as lutas e
resistências das mulheres kalungas e o empoderamento de algumas dessas mulheres.
A elaboração das formulações teóricas e empíricas na construção do objeto proposto necessita de uma análise,
tanto em seu aspecto histórico e antropológico como sociológico, no intuito de se compreender as condições de vida
e perspectivas de futuro dos agentes a serem investigados, em uma abordagem qualitativa.
De acordo com Gatti e André (2011), a pesquisa qualitativa contrapõe-se ao exclusivamente quantitativo, que
cinde a realidade, uma vez que defende uma visão em que se levam em conta todos os componentes de uma situação
em suas interações, possibilitando compreender e interpretar a realidade. Assim sendo, buscou-se estruturar esse
artigo elaborando um breve contexto histórico da formação dos povos kalungas, remanescentes dos quilombos, e
uma primeira abordagem dos conceitos de gênero, patriarcado e educação, fundantes para o referencial que apoiará
a pesquisa de campo e a análise de seus resultados.
Finalmente apresenta-se uma entrevista, primeiro esboço de análise da pesquisa iniciada em Monte Alegre de
Goiás, na Comunidade do Riachão, por meio da história oral e da pesquisa narrativa, com entrevista semiestrutura-
da, pois conforme Thompson (data), a história oral é a interpretação da história e das mudanças ocorridas nas socie-
dades e culturas, por meio de relatos orais aparecem as lembranças e experiências, que são registradas pelo sentido
auditivo de quem a registra. Destaque-se que esta análise será abordada como um pré-teste para a pesquisa de campo
proposta na tese já aqui mencionada.
De acordo com Clandinin e Connelly (2015), tendo as narrativas como posição estratégica, tem-se um ponto de
referência, a vida e um chão, base de suporte para imaginar o que a experiência é, e para imaginar como ela pode ser
estudada e representada em textos de pesquisa. Nessa perspectiva, as experiências são histórias que as pessoas vivem,
e, no contar dessas histórias se reafirmam, modificam-se e criam novas histórias.
Os eixos orientadores deste artigo compreenderam: a) a formação do povo kalunga ; b) conceito de gênero, de
patriarcado e de empoderamento e de interseccionalidade c) os tipos de educação.

648
À luz dos escritos de Baiocchi (1999) buscou-se conhecer a formação do povo kalunga, suas lutas e resistências
para a manutenção de suas culturas e tradições.
As marcas do momento histórico e político vividos em movimentos sociais de resistências, nas relações de
poder e na busca por sobrevivência das mulheres kalungas, descendentes dos quilombolas, podem ser identificadas
como processo cultural vivido dentro do próprio quilombo. Essas mulheres ao lutarem pelo acesso aos direitos e
políticas sociais se deparam com uma série de aparatos da modernidade que regulamentam as relações, as condutas
e o trabalho, ao mesmo tempo em que são subjugadas pelo capitalismo, impregnado pela ideologia patriarcal, refor-
çando o sistema de opressão. Assim sendo a abordagem de tal problemática se faz indispensável na luta pela equidade
e igualdade de gênero, pois na sociedade patriarcal dominante, as mulheres Kalungas exercem papel fundamental,
com formas de resistência e independência, mesmo com as violências sofridas, buscam constantemente melhorias
quanto à dignidade e destinos diferentes para suas filhas. A desconstrução da dicotomia público/privado que relega a
mulher ao espaço do lar e dificulta sua atuação como sujeito no mundo político e do trabalho, é fator primordial para
o empoderamento e autonomia do sexo feminino.

FORMAÇÃO DO POVO QUILOMBO KALUNGA

O povo Kalunga é uma comunidade de negros, originalmente formada por descendentes de escravos que fugi-
ram do cativeiro e organizaram um quilombo, há muito tempo atrás, na região da Chapada dos Veadeiros, na região
noroeste do Estado de Goiás. Os negros escravizados, tornados mercadorias, antes e depois da abolição da escrava-
tura foram marginalizados, pois a constituição da ideia de uma suposta superioridade branca em relação ao negro
arraigou-se na sociedade, impedindo que os negros deixassem de ser vistos como seres inferiores.
Para compreender a chegada do negro em Goiás, Pallacin (1984) escreveu que com as descobertas de ouro em
Minas Gerais, Bartolomeu Bueno, o Anhanguera, com sua experiência, julgava que em Goiás também poderia existir
ouro. Com a licença obtida do rei, organizou uma expedição e cada um dos participantes dessa sociedade entrava com
um número de escravos e índios.
Com essa expedição foi introduzido o negro em Goiás. O Anhanguera, depois de longas procuras, descobriu
ouro nas cabeceiras do rio Vermelho, na atual região da cidade de Goiás. Após três anos voltou a São Paulo para
relatar a descoberta do ouro. A população negra estimada, em1732, conforme a descrição de Pallacín (1984) era de
aproximadamente doze mil escravos. Em 1750 os cálculos indicavam 16.800. Em 1753 foi o ano que marcou a maior
produção de ouro em Goiás.
De acordo com Lima (2013), o quilombo Kalunga surgiu em decorrência da extração do ouro em Cavalcante,
como também das minas existentes em Morro do Chapéu, hoje Monte Alegre de Goiás e Arraias, atualmente no Es-
tado do Tocantins. Esses três municípios são próximos e, na época da mineração, eram considerados rota do ouro no
nordeste Goiano. A região dos kalungas é uma área de aproximadamente 253.000 hectares, a aproximadamente 560
km de Goiânia-GO e 350 km de Brasília-DF.
Lima (2013) escreve que as comunidades denominadas quilombolas são grupos sociais cuja identidade étnica
e cultural os distingue no conjunto da sociedade. Tais comunidades desenvolveram ao longo da formação histórica
brasileira, características próprias de ocupação da terra, organização social, produtiva e religiosa. Por mais de dois
séculos. essas comunidades formadas por antigos escravos, negros alforriados, constituídas em quilombos buscam
por seus direitos e pela garantia de seus territórios.
Percebe-se, pois que mesmo antes e após a abolição da escravatura, o território brasileiro esteve marcado pela
presença de comunidades negras. Os negros que se recusavam à escravidão e fugindo da discriminação, ocuparam a
fronteira florestal do país, constituindo-se, assim, pontos de resistência e reafirmação de seus direitos, resistindo às
pressões de fazendeiros, de especuladores imobiliários e até mesmo do poder público.
Ribeiro (2006) mostra que as comunidades remanescentes de quilombo são verdadeiros núcleos de resistência
histórica. Abrigam população negra escravizada e desprovida de acesso às políticas públicas educacionais, de saúde,
habitação e trabalho. Segundo a autora os quilombos estão agregados pela necessidade de sobrevivência do povo

649
negro e unidos por uma ancestralidade comum, representada em seus elementos linguísticos, religiosos, culturais e
na organização político-social. Os kalungas, remanescentes dos quilombos, em busca de melhores condições de vida,
fugiram para a Chapada dos Veadeiros, localizada nos municípios de Monte Alegre, Terezina e Cavalcante de Goiás.
Os povos kalungas escolheram esse lugar pelo difícil acesso, entre serras e montanhas, para fugir dos traba-
lhos forçados e das penalidades sofridas, formando um quilombo que ficou conhecido como “Kalunga”.. A grafia da
palavra Kalunga é com k por ser uma palavra de origem na cultura banto (Ribeiro, 2006), dos remanescentes dos
quilombolas. Até o momento não se tem conhecimento da data exata do início da formação dessa comunidade
No livro “Kalunga, o Povo da Terra” Mari Baiocchi (1999) explica que as palavra kalunga ou calunga, es-
tão corretas e tem origem banto dos africanos angolanos, congos e moçambiques que foram trazidos para o Brasil.
Calunga pode ser uma boneca de madeira que os moradores de comunidades do rio Lui, na África, fabricavam ou
pode ser também uma palavra mágica, uma divindade do culto banto. Baiocchi (1999) dedicou-se a descrever sobre
o agrupamento dos kalungas e mencionou os possíveis traços de herança africana no grupo, abordou o universo
cultural e preparou um relatório técnico científico para demarcação do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalun-
ga.  Baiocchi foi a responsável pelo Título de Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, como pesquisadora da
Universidade Federal de Goiás, mapeou quase toda a região onde habitava o povo Kalunga e o seu modo de vida e
começou a movimentação pelo reconhecimento da comunidade como território tradicional.
A área foi reconhecida em 1991, pelo Governo do Estado de Goiás, como sítio histórico e patrimônio cultural
Kalunga, que também é reconhecido como parte do patrimônio histórico e cultural do Brasil. Deve-se tambem à
antropóloga Mari Baiocchi a luta por incluir na Constituição Federal o Artigo 68 no Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias (ADCT) que afirma: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando
suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos”. Posteriormente, o
Decreto presidencial 4.887/2003 regulamentou o procedimento para “Identificação, Reconhecimento, Delimitação,
Demarcação e Titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos”
Para o antropólogo Arruti (2006), a utilização do termo “remanescentes de quilombos” é uma forma de tornar
essas comunidades negras nomeáveis, classificando-as, e admitindo nelas a presença do negro/escravo, com fim de
dar a elas visibilidade. O termo, assim, assume uma dimensão político-ideológica, que se agrega à questão da ter-
ritorialidade. Outro elemento de ordem identitária e que o termo quilombo adotado pela Associação Brasileira de
Antropologia (1994) não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação
biológica, mas que os quilombos foram constituídos, sobretudo, em grupos que desenvolveram, em um determinado
lugar, práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vidas.
De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, que tem entre suas funções formalizar a existência
de grupos quilombolas no País, existem mais de 3 mil comunidades desses povos certificadas nas cinco regiões do
Brasil. O Quilombo Kalunga é uma das comunidades já certificadas. O Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga
ocupa 253 mil hectares já certificados, dos quais 31 mil já foram titulados e entregues à Associação Quilombo Kalun-
ga, em 2014. De acordo com a última contagem populacional, 8.000 quilombolas residiam no território Kalunga. A
ocupação do território é coletiva e familiar. Ainda de acordo com a Fundação Palmares, em abril de 2018, 52 novas
certidões foram emitidas em todo o Brasil.

LUTAS, RESISTÊNCIAS E CONQUISTAS: MANIFESTAÇÃO DAS DISCRIMINAÇÕES EM


QUESTÕES DE GÊNERO E PATRIARCADO

Em pleno século XXI as desigualdades de gênero que perpassam a sociedade encontram-se vivas, mesmo após
as conquistas históricas do movimento feminista. Tais desigualdades incidem sobre a totalidade da vida feminina,
sendo a inserção do mercado de trabalho um dos ângulos prioritários de manifestação das discriminações sofridas
pelas mulheres. De um lado, elas se encontram sob o jugo da dominação masculina. De outro, o sistema capitalista,
o capitalismo, impregnado pela ideologia patriarcal, reforça o sistema de opressão que subjuga as mulheres, mesmo

650
em comunidades que vivem praticamente isoladas, como é o caso das comunidades kalungas da região noroeste do
Estado de Goiás.
A expressão gênero começou a ser utilizada justamente para marcar as diferenças entre homens e mulheres,
não apenas de ordem física e biológica, mas em termos de representações dos papéis sociais masculino e feminino.
Significa que não é propriamente a diferença sexual de homens e mulheres que delimita as questões de gênero, mas a
maneira como ela é representada na cultura (LOURO, 1998).
O conceito de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para contrapor-se à ideia da essência, recusando
qualquer explicação pautada no determinismo biológico que pudesse explicitar o comportamento de homens e mu-
lheres, empreendendo, dessa forma, uma visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal determinis-
mo serviu para justificar as desigualdades entre ambos, com base em suas diferenças físicas. No entanto, o conceito
de gênero nem sempre foi compreendido dessa forma. Ao analisar os estudos sobre mulheres, percebe-se a relação
que se faz da discussão de gênero como sinônimo do feminino. A referência às questões de gênero, na perspectiva
da construção social e histórica, reforça a relação ainda desigual e contraditória à qual as jovens e mulheres negras
também estão submetidas.
Para Oliveira (2005), o conceito de gênero adquire, então, um caráter político, além de histórico e analítico.
Com isso, o conceito adquire uma característica de relação entre o feminino e o masculino e passa a ser compreendido
como uma construção histórica, cultural e social.
Assim teoriza Louro (1998, p. 23) o conceito (de gênero) pretende se referir ao modo como as características
sexuais são compreendidas e representadas ou, então, como são ‘trazidas para a prática social e tornadas parte do
processo histórico’”.
Segundo Coulouris (2004, p. 27), para propor um estudo tendo a mulher como objeto de análise, há de se con-
siderar como um campo de saber próprio, que possui a sua própria historicidade e especificidade e o saber acadêmico
sobre as questões relacionadas à mulher, ou à condição feminina, sempre estiveram articulados, de forma direta ou
indireta, com as questões reivindicadas pelas feministas.
De acordo com Santos e Izumino (2005), ao longo das lutas sociais e da produção de saberes acerca das mulhe-
res, foram constituídas três perspectivas de pensamento: uma, que se denominou “dominação masculina”, ressaltando
que o homem dominava a mulher e lhe reduzia a autonomia; uma segunda, em que a mulher era vista como submeti-
da à dominação patriarcal, fundamentada nos discursos marxistas e feministas; e, por fim, uma terceira, nomeada de
relacional, em que noções como a de vitimização feminina e dominação masculina eram problematizadas.
É no bojo da luta pela igualdade, entre esses discursos, que práticas sociais são acionadas e ganham visibilidade,
como no caso do conceito de empoderamento, o qual se tornou uma diretriz para a formulação e a execução de políti-
ca pública, assim como uma prática no processo de intervenção social desenvolvida principalmente por organizações
não governamentais e movimentos sociais para redução das desigualdades de gênero.
As desigualdades de gênero geram déficit de poder de decisão sobre a vida e corpo das mulheres; divisão sexual
injusta de tarefas e de lazeres, definindo, muitas vezes, oportunidades e formas de inserção de mulheres e homens no
trabalho. Tal compreensão tem possibilitado avanços na condução de políticas públicas dirigidas às mulheres nas últi-
mas décadas no Brasil, tendo em vista a emergência em superar visões reducionistas. O desafio maior está em abordar
as mulheres de forma ampla, considerando sua autonomia e os vários fatores que contribuem para a desigualdade de
gênero.
De acordo com Saffioti (2004) o patriarcado é um caso específico das relações de gênero, onde estas são desi-
guais e hierárquicas, uma vez que o patriarcado admite a dominação e exploração das mulheres pelos homens, con-
figurando a opressão feminina. Para Saffioti (2004), dentro do binômio dominação-exploração da mulher, os dois
polos da relação possuem poder, mas de maneira desigual. A sociedade construiu a identidade feminina e definiu seus
papéis como figura passiva e submissa, criando o espaço propício para o exercício da opressão masculina.
Saffioti (2004) defende o uso do conceito de patriarcado, uma vez que representa um tipo hierárquico de rela-
ção que está presente em todos os espaços sociais e que é uma relação civil e não privada, concedendo direitos sexuais
aos homens sobre as mulheres.

651
Segundo Saffioti (2004) a grande contradição da sociedade atual é composta por patriarcado, racismo e capi-
talismo. A estrutura de poder patriarcal foi absorvida pela religião e pela cultura. Com base nessa estrutura, toda a
esfera social é perpassada pela oposição binária entre homens e mulheres.
Para compreender como esses diversos fatores vão interferir na desigualdade de gênero, Crenshaw (2002)
mostra a interseccionalidade existente entre eles. A autora trata especificamente da forma pela qual o racismo, o
patriarcado, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as
posições relativas de mulheres” E o que vem a ser interseccionalidade? Para Nogueira (2013), é uma tentativa de ex-
plicar a complexidade das experiências vividas por sujeitos atravessados pela multiplicação de diferentes marcadores
sociais. Para melhor compreensão desse termo buscou-se referências em autoras que se destacaram a partir da heran-
ça do Black Feminism5, desde o início dos anos de 1990, dentro de um quadro interdisciplinar, proposto por Kimberlé
Crenshaw (2002) e outras pesquisadoras inglesas, norte-americanas, canadenses e alemãs.
Para a socióloga Leslie McCall (2005), a teoria da interseccionalidade foi vital para as ciências sociais em geral,
já que antes de seu desenvolvimento havia pouca pesquisa que colocasse a questão específica das experiências das pes-
soas que estão sujeitas a múltiplas formas de subordinação dentro da sociedade. Para a autora, a interseccionalidade
parece permitir a expansão do pensamento acerca do gênero e dos feminismos ao reafirmar a natureza “multiplicativa
interseccional” e o impacto do contexto, observando o entrecruzar de opressões e privilégios.
Caldwell (2000), ao traçar um olhar comparativo sobre estudos da mulher, investiga como questões sobre
diferença racial entre as mulheres não foram tratadas nos diferentes contextos nacionais, enfatizando a ausência de
questões raciais na maior parte dos estudos sobre mulher e sugerindo que, para um melhor entendimento da diver-
sidade das experiências das mulheres brasileiras, é preciso um maior enfoque para a diferença racial e para a relação
entre raça e gênero.
A partir das definições de gênero e patriarcado torna-se mister buscar o conceito de empoderamento, uma vez
que a pesquisa pretende mostrar como, mesmo diante da opressão do capitalismo e à subjugação patriarcal, algumas
mulheres resistem, lutam e se empoderam.
Para buscar a definição de empoderamento buscou-se a definição proposta pela Organização Mundial de Saú-
de (1998), que define empoderamento como um processo social, cultural, psicológico ou político por meio do qual
indivíduos e grupos sociais tornam-se capazes de expressar suas necessidades, explicitar suas preocupações, perceber
estratégias de envolvimento na tomada de decisões e atuar política, social e culturalmente para satisfazer suas neces-
sidades.
Para Leon (2001), o processo de empoderamento começa, no caso dos indivíduos, quando eles/as, além de
reconhecerem as forças que os oprimem, se mobilizam mediante ações coletivas, dentro de um processo de luta con-
tra as relações de poder e Costa (2000) afirma que este representa um desafio às relações patriarcais, em especial, ao
poder dominante dentro da família, que quase sempre é masculino.
O universo da pesquisa é composto por dez mulheres kalungas, previamente indicadas pelo Presidente da As-
sociação Quilombo Kalunga (AQK). Optou-se por assumir uma pesquisa qualitativa, na perspectiva da história oral
e da pesquisa narrativa. Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Esta investigação está sendo realizada em etapas durante o percurso do curso de Doutorado em Educação, da
Universidade Católica de Goiás. Na primeira etapa, foi realizado um levantamento e sistematização da produção da
área em teses, dissertações e artigos científicos. Na segunda fase, elaborou-se os passos de entrevistas semi-estrutura-
das e foi realizada a entrevista com uma das dez mulheres kalungas que farão parte da pesquisa final do doutorado. Na
terceira etapa buscou-se a sistematização da pesquisa realizada. Nas próximas etapas, serão ouvidas outras mulheres
kalungas, resgatando, por meio da história oral, as suas memórias, uma vez que cada uma tem sua história, suas lutas,
suas resistências e suas conquistas.

5 Movimento dos anos 70, cuja crítica coletiva se voltou de maneira radical contra o feminismo branco, de classe média, heteronormativo
em CRENSHAW, Kimberlé. A interseccionalidade da discriminação, raça e gênero. Revista Estudos Feministas, n.1, 2002.

652
A História Oral faz-se relevante para aprofundar, discutir, interpretar e representar as diferentes versões que
os entrevistados tem hoje, sobre seu passado, suas experiências sociais revisitadas nesse sentido contribui para a
construção da história.
Nas palavras de Thompson:

A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e
isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida
do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da
comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os ido-
sos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e
entre gerações. E para cada um dos historiadores e dos outros que partilhem das mesmas intenções, ela pode dar
um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres
humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao
juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma transformação radical no sentido social da
história (THOMPSON, 2002, p. 44).

Nesse contexto, torna-se relevante analisar, as lutas, as resistências e as conquistas que contribuíram para o
empoderamento das mulheres kalungas, para tanto, torna-se necessário compreender que a memória é resultado de
um processo de interação social, e que ela tanto está em nós quanto é exterior a nós, observando que as fronteiras
entre História e memória são intercambiáveis.
Henri Bérgson (1994), no seu trabalho sobre a memória, descreveu dois tipos de rememoração, a memória-
-hábito, que se faz presente em ações e atividades do dia-a-dia, isto é, em hábitos da vida cotidiana, e a memória que
recupera imagens à semelhança do passado. O primeiro tipo de memória refere-se à habilidade de reproduzir algo
que foi aprendido ao longo da vida. Já o segundo tipo de memória se refere à recordação de um evento do passado,
que é colocado no tempo-espaço e não pode se repetir.
Embora seja possível traçar alguns limites entre história e memória, é interessante observar que a memória é
constituída a partir das narrativas do presente, enquanto que História é resultado de experiências que se acumulam
ao longo do tempo. Neste caso, não se trata apenas de investigar o passado por meio da memória, mas de procurar
compreender o presente a partir das reconstruções que são feitas do passado. Para Ecléia Bosi (1994) é necessário
que o pesquisador sofra de maneira irreversível o destino dos sujeitos observados, criando “um vínculo de amizade
e confiança com os recordadores” (1994, p.38). A partir de uma postura de entrega, expressa prática e teoricamente
pelos sujeitos envolvidos (pesquisador e recordadores), formam uma “comunidade de destino”, criando as condições
para que “se alcance a compreensão plena de uma dada condição humana” (1994, p.38). Para a autora lembrar sig-
nifica aflorar o passado, combinando com o processo corporal e presente da percepção, misturar dados imediatos
com lembranças. A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no
processo atual das representações. Para Ecléia Bosi (1994) a memória individual é um ponto de vista sobre a memória
coletiva, que muda conforme o lugar que algo ocupa e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantém
com outros meios.
Buscou-se durante essa etapa da pesquisa compreender de que forma a História e a Memória das mulheres
kalungas contribuíram e contribuem com a trajetória de experiências dos processos de formação dos remanescente,
nas formas organizativas sociais de resistências, nas lutas pela sobrevivência e na transmissão da cultura e identidade
da comunidade quilombola, bem como, entender as relações de gênero e patriarcado na comunidade kalunga e os
fatores e ou tipo de educação que contribuem e contribuíram para o empoderamento de algumas mulheres kalungas,
Parte-se do pressuposto que a educação, quer seja formal, não formal e ou informal, representou uma forma
organizativa e social fundamental para a construção e fortalecimento da identidade das mulheres kalungas, descen-
dentes dos quilombolas, pelo processo de formas organizativas de resistências sociais, construindo não somente
estratégias de sobrevivência e superação do preconceito e exclusão social, mas principalmente de empoderamento
cultural e social.

653
Para o professor José Carlos Libâneo o critério utilizado para diferenciar educação formal, não-formal e infor-
mal refere-se à intencionalidade, a qual é definida como “processos orientados explicitamente por objetivos e basea-
dos em conteúdo e meios dirigidos a esses objetivos” (LIBÂNEO, 2010, p. 92), portanto, seguindo o critério da inten-
cionalidade a educação pode ser definida em duas modalidades distintas: a educação não-intencional (informal) e a
educação-intencional, que se desmembra em outras duas formas: a educação formal e a não-formal. Libâneo (2010)
mostra que as influências que atuam de alguma maneira sobre o indivíduo, ocorrendo de modo não-intencional,
não sistemático e não planejado vão formando, ao longo da história, a educação informal das pessoas. O fato desse
processo educativo não incidir sobre o indivíduo de maneira intencional, não significa que ele não tenha consequên-
cias efetivas na formação da personalidade, valores e hábitos do mesmo, mas antes que estas consequências são mais
dificilmente percebidas como tais. Quanto à educação intencional, a qual ele divide em formal e não-formal, Libâneo
(2010) explica que a educação formal, é aquela estruturada, organizada, planejada intencionalmente e sistemática,
ou seja, a educação escolar convencional é tipicamente formal. Já a educação não-formal responde pelas atividades de
caráter intencional, mas as que, por outro lado, possuem baixo grau de sistematização, estruturação e burocratização,
implicando relações pedagógicas não formalizadas, por exemplo feiras, visitas, cursos de qualificação, etc.
A partir da definição dos tipos de educação, torna-se necessário mostrar, por meio da entrevista realizada com
uma das mulheres remanescentes dos quilombolas, os saberes que ela adquiriu durante sua vida, mesmo sem nunca
ter frequentado a escola formal, foi entrevistada a Dona Procópia, uma senhora que travou várias lutas em prol de
sua comunidade.

DONA PROCÓPIA: LUTAS, RESISTÊNCIAS E SABERES

Durante a pesquisa realizada com Dona Procópia dos Santos Rosa, por meio da história oral, tendo como ins-
trumento uma entrevista semi estruturada, foi possível perceber quantas dificuldades ela enfrentou, desde sua infân-
cia até os dias atuais e quantos saberes ela adquiriu, tornando-se uma mulher referenciada na comunidade kalunga.
Atualmente com 87 anos, ela disse que nasceu e foi criada no quilombo. Que sua avó e sua mãe não conhece-
ram nenhuma cidade, apenas os homens saiam do quilombo para venderem os produtos que colhiam e comprarem
sal e outros tipos de alimentos, os quais não dispunham. Sempre viveram do que conseguiam adquirir plantando,
colhendo e vendendo. Ela disse que nunca frequentou nenhuma escola e que não sabe ler. De acordo com Paulo
Freire (1987, p.68) “não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes”, portanto, torna-se necessário também
conhecer os saberes e a cultura dos indivíduos, articulando saberes populares aos conhecimentos científicos, por isso
a necessidade de compreender o empoderamento de Dona Procópia, mesmo sendo uma pessoa analfabeta. Lakatos
e Marconi (2003, p.75) definem o saber popular como aquele “transmitido de geração em geração por meio da edu-
cação informal e baseado em imitação e experiência pessoal”. Essa realidade se aplica facilmente ao conversar com
Dona Procópia dos Santos Rosa, uma das mulheres referência na comunidade kalunga, da comunidade do Riachão.
A educação que Dona Procópia recebeu foi a transmitida por seus pais, por seus familiares, na comunidade em in-
teração com os parentes e amigos. Foi lá na comunidade do Riachão que ela aprendeu a fiar, a plantar, a colher, e,
principalmente, foi lá que ela arranjou saberes suficientes para adquirir as forças para lutar, para resistir, para falar
de igual para igual com todos, até mesmo com o Governador do Estado de Goiás para impedir que construíssem uma
barragem nas terras dos kalungas. Segundo ela6 em meados da década de oitenta, o governador Henrique Santillo pla-
nejou com sua equipe, fazer uma barragem na chapada dos veadeiros, pois de acordo com os engenheiros, lá seria um
excelente local para a construção da barragem. O povo kalunga ficou estremecido com essa ideia. Onde iriam morar?
O que podiam fazer? Dona Procópia, em sua luta por seu povo e ajudada pela Antropóloga Mary Baiocchi decidiram
ir falar pessoalmente com o governador.
Dona Procópia relata que ficou temerosa quando se viu diante do governador, mas que nem ela mesma sabe de
onde vem as forças que ela tem quando luta por seu povo e começou a contar o que ela falou:

6 Informação verbal

654
Seu govenador, essa barragem é muito ruim para meu povo. Eles nunca moraram em outro lugar, tem gente lá
que nunca saiu do quilombo, nem conhece cidade. O que eles vão fazer em outro lugar? O Senhor não pode deixar
fazer essa barragem não. A gente tem nossa terra lá, a gente planta, colhe e vende pra gente se manter. Se o senhor
tirar a gente de lá, a gente vai viver de quê? A gente nem estuda nunca estudou, com é que a gente vai arrumar
trabalho na cidade? (Entrevista realizada em julho/2018)

Esse depoimento da dona Procópia mostra que o tipo de educação que ela recebeu é definido por Libâneo
(2010) como educação informal, ou seja, são saberes adquiridos sem intencionalidade, são formas de educação que
também contribuem para a formação do cidadão.
Quando foi perguntado como foi a juventude dela, ela disse que trabalhava muito, plantava o algodão e depois
fiava para costurar roupas, mas que quando era época de festas, sempre participava e dançava a súcia e outras danças
típicas da comunidade (risos... mesmo com os pés cinzentos elas dançavam, pois dançavam descalças). Essas festas
representam os momentos de descanso, de lazer e de reencontro com os membros das comunidades kalungas, mas
principalmente hoje, representam a continuidade da cultura dos quilombolas da chapada dos veadeiros.
Quando perguntei como ela se empoderou, mesmo com tantas dificuldades, tornando-se uma mulher referên-
cia para a comunidade kalunga ela contou que eles viviam isolados, que não conheciam cidades, só os homens saiam
do quilombo em busca de bens necessários para sobrevivência e que um dia chegou no quilombo a Doutora Mary
Baiocchi. De acordo com Dona Procópia no início os kalungas não queriam aceitar aquela mulher branca entre eles,
então ela os chamou e disse “Vamos ouvir ela. Vamos ver o que ela quer de nóis”. De acordo com Dona Procópia:

Oia dona Meire foi uma lutadora por nóis. Ela que buscou o registro de nossas terras e ela que conseguiu trazer pra nóis três
camionetes e uma ambulância, pra atender nosso povo. Foi dispois dela que foi feita a estrada. Para vir aqui era muito difícil,
era nos lombos dos cavalos, hoje a gente vê carro e moto pra lá e pra cá, e tem até um ônibus que busca os menino para estu-
dar. Dona Meire mostrou que a gente pode lutar para defender o que é nosso, ela me falou que eu tinha esse direito e que eu
precisava falar, com quem fosse, para defender o que era de direito nosso, então eu acreditei nela né. Ela disse que ia me levar
lá em Goiânia. Primeira vez que fui lá foi com ela. (Entrevista realizada em julho/2018).

Esse depoimento mostra que os conhecimentos não possuem o mesmo rigor e nem sempre trazem a preten-
dida veracidade científica, mas carregam enorme riqueza cultural e de experiência de vida. Para Freire (1987) as
pessoas não podem participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade se não for ajudado
a tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade de transformar e foi o que ocorreu com dona Procópia,
seu empoderamento veio com a ajuda da antropóloga Mary Baiocchi que contribuiu para que tomasse consciência de
sua força, mostrando que mesmo não tendo frequentado escola (educação formal), ela tinha vários saberes adquiri-
dos pela educação informal, suficientes para dar a ela coragem para lutar e por seu povo, para mostrar que precisavam
manter sua cultura, seu valores e seus costumes.

CONCLUSÃO

Com a análise da entrevista realizada foi possível observar que a Dona Procópia, por meio da educação infor-
mal, conseguiu se empoderar, lutar por melhores condições de vida e resistir às ideias dos governantes que queriam
retirá-los da terra para construção de barragens, mas percebe-se também, que ainda prevalece nos quilombos uma
cultura arraigada de dominação masculina, isto porque as relações de gênero e patriarcado dominantes ainda são de
subordinação feminina. A própria indicação de quais mulheres deveriam ser entrevistadas, pelo Presidente da As-
sociação Quilombo Kalunga, mostra a submissão feminina, pois aos entrar em contato com as mulheres que serão
entrevistadas para colher a assinatura no Termo de Livre Consentimento (TECLE), uma das primeiras perguntas era
se o Presidente da Associação havia autorizado. Foi possível observar também, durante as visitas à comunidade do
Riachão, no município de Monte Alegre de Goiás, que nas relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres,
elas representam o elo mais fraco nesta relação, uma vez que, apesar de deterem o poder da persuasão, de lutas e de
resistências, muitas questões referentes a gênero e poder continuam sendo marcadas pelo patriarcado e os diferentes

655
marcadores sociais mostram a interseccionalidade de gênero, classe social e etnia. É preciso ressaltar ainda que os
quilombolas fazem parte de uma parcela da sociedade em que as oportunidades de educação, trabalho e saúde são
escassas, portanto, torna-se necessário compreender as desigualdades sociais como um problema interseccional.

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657
EDUCAÇÃO E REGIME MILITAR: MEMÓRIAS DE
UMA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA

Marcilene Cardoso Oliveira Mendes - UFMT


GT8. História e Políticas Educacionais.

O presente estudo apresenta parte das memórias da professora universitária do Estado de Mato Grosso Serys
Marly Slhessarenko, reconstituindo sua atuação profissional durante o período do regime militar brasileiro. Esse pe-
ríodo foi caracterizado pelo comando de militares, com caráter autoritário e patriota em especial na década de setenta
com a implantação do Ato Institucional número cinco, mais conhecido como AI-5, que produziu uma série de ações
arbitrárias e violentas de efeitos duradouros, que concedeu poder de execução aos governos militares para punir os
considerados inimigos do regime, entre eles, professores, sendo punidos, perseguidos, demitidos, presos, por suas
ideias antirregime. Para viabilizar a pesquisa, recorreu-se a depoimento da pesquisada, a fim de aclarar e completar
o que se sabe a respeito do período histórico abordado. Esse estudo está ancorado na memória individual da profes-
sora, a fim de reconstituir o tempo vivido por ela na educação universitária, no período do regime militar brasileiro,
ela depõe como foi trabalhar na educação, nesse período, pois, a memória individual não é inteiramente isolada e
fechada. Embora seja sujeito individual, porque é singular, também é coletiva, pois faz parte de uma realidade social.
Portanto a memória também é coletiva, uma vez que compõe um tecido social. Por assim dizer, a memória individual
é um ponto da memória coletiva. Dessa maneira, a memória individual do tempo vivido pela professora pesquisada
não é mais que uma maneira de se ter conhecimento de uma representação coletiva relacionada à uma experiência
vivenciada por um grupo. Isso, pois, há coerência e lógica na percepção que se impõem ao grupo. A memória indi-
vidual da professora está apoiada na memória histórica do período do regime militar, afinal a história de vida não é
desvinculada da história geral. Metodologicamente, o estudo foi estruturado por meio da pesquisa qualitativa, tendo
como método de análise a prosopografia. No que tange aos recursos de coleta de dados, o estudo foi viabilizado por
entrevistas e revisão bibliográfica. A questão norteadora desse estudo se fundamenta na seguinte indagação:  como
se constituía a docência universitária no período do regime militar. O resultado de pesquisa confirma o autoritaris-
mo exercido oficialmente, por meio de perseguições, atos hostis aos docentes considerados subversivos, retirada de
disciplinas críticas do currículo, implantação de disciplinas de caráter político ideológico que visavam reforçar as
tradições, patriotismo, símbolos e postura moral-ética, controle de conteúdo e de materiais didáticos. Conclui-se que
o regime militar brasileiro foi um período antidemocrático, em que os militares comandavam politicamente o país,
detendo o poder das mais diversas áreas, inclusive, da Educação, o que deixou marcas indeléveis nessa área e naqueles
que nela estavam inseridos.
Palavras-chave: Memória. Educação. Regime Militar

INTRODUÇÃO

O presente artigo é um fragmento da pesquisa realizada no curso de Pós-graduação em Educação,   em nível


de mestrado, ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, campos Cuiabá, inserido no grupo de
estudo: Docência e memória social, ação política de sujeitos envolvidos na docência e no exercício de cargos políticos
eletivos, que engloba o projeto de pesquisa: Gênero, Vida e Ação: memórias de docentes que exerceram cargos eleti-
vos na esfera municipal, estadual e federal, aprovado pelo Conselho de Ética, CAAE: 70537316.9.0000.5690, parecer
n.º 2.273.031, coordenado pela professora doutora Marlene Gonçalves, orientadora desse estudo.
Já transcorram cinquenta e cinco anos, desde a instauração do período do regime militar brasileiro em 1964, e
trinta e quatro anos desde o seu término em 1985. Desse período, uma vasta memória arquivada ficou registrado por

658
meio de livros, artigos, crônicas, reportagens, fotografias, entre outros. Mas também está registrado nas lembranças
dos que vivenciaram o regime militar, como é o caso da professora Serys Marly Slhessarenko. O interesse deste artigo
é registrar o período em questão a partir das suas memórias, nesse sentido, uma indagação se faz necessária: como se
constituía à docência universitária no período do regime militar? Diante da questão proposta, a metodologia utilizada
para respondê-la foi a qualitativa, pois é indicada “quando o pesquisador não tem preocupação de quantificar, mas de
interpretar, compreender fatos e informações” (ROCHA, 2008, p. 19). Diante da pretensão em registrar as memórias
da professora, acerca dos momentos vividos na docência universitária, durante o regime militar, a adesão à meto-
dologia qualitativa foi inevitável, pois os dados coletados, designados por qualitativos, são ricos em pormenores, em
detalhes, o que permitiu registrar de maneira minuciosa as memórias da professora.
Halbwachs (2003) considera que, por meio dos testemunhos pode-se reforçar, enfraquecer ou completar as
informações que se tem acerca de um evento. Nesse sentido, recorri, por meio de entrevista, ao testemunho da pro-
fessora Serys Marly Slhessarenko, que atuou na Universidade Federal de Mato Grosso durante o período do regime
militar brasileiro. Recorri a memória individual, pois é uma maneira de expressar a representação coletiva relacio-
nada ao regime militar. Na perspectiva de Halbwachs (2003), a memória é individual, um ponto de vista, singular,
subjetivo, que depende dos contextos, valores, ideologias, do lugar que se ocupa no grupo, ou seja, a maneira como
compreendo o momento vivido é particular, a evocação da memória é individual. Apesar disso, não é desvinculada do
contexto social, de grupos aos quais o sujeito fez ou faz parte, por isso, é também coletiva pois, os sujeitos são sociais,
coletivos, inseridos em uma teia social, que marca e nos influencia, pois os sujeitos não estão sós no mundo. Nes-
se sentido, as lembranças embora sejam individuais, permitem conhecer como o regime militar foi vivenciado na
academia brasileira, pois expressa um momento que foi coletivo, uma vez que foi vivenciado pelo corpo docente do
período analisado. Por assim dizer, a memória individual é um ponto da memória coletiva. Dessa maneira, a memória
individual do tempo vivido pela professora pesquisada não é mais que uma maneira de se ter conhecimento de uma
representação coletiva relacionada à uma experiência vivenciada por um grupo. Isso, pois, há coerência e lógica na
percepção que se impõem ao grupo. A memória individual da professora está apoiada na memória histórica do perí-
odo do regime militar, afinal a história de vida não é desvinculada da história geral.
Bosi (2003) considera a memória oral um rico instrumento para reconstituir a crônica do quotidiano, pois a
memória desempenha um importante papel na (re)construção de fatos históricos, pois por meio dela Le Goff (1990,
p.249) acreditar ser possível

Reencontrar no próprio seio de uma comunidade histórica, através de documentos do presente, como ela viveu e
vive o seu passado, como constitui a sua memória coletiva e como esta memória lhe permite fazer face a aconteci-
mentos diferentes que fundam a sua memória numa mesma linha e encontra ainda hoje a sua identidade.

Nesta perspectiva considero a memória como fonte de conhecimento e de pesquisa, uma vez que o homem
é sujeito histórico. Recorrendo à memória, foi possível reconstruir o passado e conhecer o momento vivido pelo
grupo de docentes universitário no regime militar, uma vez que ela tem a propriedade de conservar informações.
A memória oral, quando transcrita transforma-se em documento escrito, que permite conhecer um acontecimento
histórico por olhares que não são os oficiais, mas que vivenciaram o fenômeno. Le Goff (1990, p. 50) salienta que “a
memória não é a história, mas um dos seus objetos e [...] um nível elementar de elaboração histórica”. Em razão disso,
a memória é uma potencial forma de acesso para conhecer e registrar fenômenos/ fatos históricos a partir do ponto
de vista que é individual e coletivo, uma vez que estão imbricados, entrelaçados de maneira indissociável.
Pelas memórias da professora, foi possível fazer emergir o passado no presente, isso ocorre por meio das lem-
branças vividas. Segundo Chauí (2000, p.158), “A memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para
reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total”. Isso pois, a memória é mantenedora do passado, por
meio da rememoração o passado se presentifica. Sendo assim, o regime militar se presentificou pelas lembranças da
professora.
Para viabilizar o estudo que apresenta a maneira como se constituía a docência universitária, no período do
regime militar, escolhi como método para dar suporte teórico a este estudo, a prosopografia, pois ela permite formu-

659
lar uma série de questões uniformes, estabelecer uma gama de análise, combinar as informações obtidas, estabelecer
variáveis significativas, o que possibilita obter respostas próximas acerca do indivíduo pesquisado. Ela favorece a
compreensão dos vínculos aos quais o sujeito pertence ou já pertenceu.
A prosopografia não se restringe à descrição de aspectos externos, mas interpreta, relaciona, cruza, perscruta as
relações de um sujeito que é individual, porque é singular, e é coletivo, porque faz parte de uma teia social. O que para
Albernaz (2011, p. 13), resulta “na identificação do indivíduo e as formas como ele se articula com o tecido social”.
Nesse sentido, o estudo recorreu à memória de uma professora universitária como forma de compreender a vivência
docente no período do regime militar. Levando em consideração a natureza do artigo, o problema, a metodologia e o
método (prosoprografia), o objetivo; a entrevista se mostrou recurso adequado, para a coleta de dados.

O CONTEXTO HISTÓRICO DA DITADURA MILITAR E AS MEMÓRIA DA PROFESSORA


SERYS MARLY SLHESSARENKO

Cada sujeito carrega em si memórias autobiográficas, contudo elas não estão desvinculadas de um quadro cole-
tivo, ou em outras palavras de um contexto sócio histórico e por isso carrega também memórias históricas.
As memórias autobiográfica e histórica são constituídas a partir das vivências, e não estão adstritas a nós
mesmo, em razão disso, a memória é coletiva. A memória individual se apoia na memória coletiva, como salienta
Halbwachs (2003, p. 72),

[...] a memória individual não está isolada e fechada. Para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa
recorrer à lembranças de outras, e se transporta a ponto de referência que existem fora de si.

A memória individual se ancora em palavras e ideias tomadas de empréstimo do coletivo. Dessa maneira, o
indivíduo, ao longo da vida, acumula lembranças pessoais que, de algum modo, foram significativas e esquece as que
não foram. Mas também nele estão impressas lembranças coletivas, as quais pode não ter sido testemunha de fato,
mas conhece por meio de jornais ou pela vivência em grupos, ou seja, pelo testemunho dos que viveram diretamente.
Corroborando o que foi dito, Halbwachs (2003, p. 72) considera que cada um traz “uma bagagem de lembranças his-
tóricas, que posso aumentar por meio de conversas ou de leituras – mas esta é uma memória tomada de empréstimo,
que não é minha”.
Halbwachs (2003) chama a atenção para dois tipos de memória, a memória pessoal e a social ou memória auto-
biográfica e memória histórica. A primeira diz respeito à história de vida, lembranças de sua vida pessoal; já a segunda
seria aquela disponibilizada e partilhada pelos sujeitos que vivenciaram ou não um acontecimento histórico, apre-
sentando-se de maneira resumida e esquemática. A memória autobiográfica está imbricada com a memória histórica,
uma vez que somos sujeitos históricos, nesse sentido, a memória individual se ancora na memória histórica. Por isso
quando se recorre ao passado, é comum a relação entre a nossa vivencia e acontecimentos históricos nacionais.
Este artigo registrou as lembranças que é autobiográfica e também histórica a partir do testemunho de uma
professora universitária sobre a docência no período do regime militar brasileiro.
As memórias do sujeito deste artigo permitiram a mesma uma volta ao passado, olhando a vida de forma
retrospectiva, facultando-lhe uma visão de seu conjunto, revelando que o tempo presente torna possível uma com-
preensão mais aprofundada do momento passado. Compreender o processo formativo do professor, por meio de
suas memórias docentes, é torná-lo historiador de sua própria história. Conhecer a história, bem como as condições
que permearam o exercício da docência nas Universidades públicas, durante a ditadura militar, foi fundamental para
compreender o processo pelo qual passou a educação naquele espaço/tempo.
A maneira, como a professora depõe sobre o momento vivido, enquanto docente universitária, durante o regi-
me militar brasileiro, ofereceu uma perspectiva a respeito do modo como a profissão docente foi tratada e vivenciada
pelos docentes, evidenciando algumas das especificidades de ser docente naquele período.
O regime militar se instalou no Brasil por meio de um golpe político, no ano de 1964, e colocou fim ao regime
democrático instituído no país ao fim do Estado Novo. Esse período foi caracterizado pelo comando de militares,

660
com caráter autoritário e patriótico, em especial na década de setenta, com a implantação do Ato Institucional núme-
ro cinco, mais conhecido como AI-5, que produziu uma série de ações arbitrárias e violentas de efeitos duradouros,
que concedeu poder de execução aos governos militares para punir os considerados inimigos do regime. O novo re-
gime teve como primeiro presidente militar o marechal Humberto Castelo Branco que governou o país entre os anos
de 1964 a 1967. A partir daí uma sucessão de militares assumiu o poder. Em 1964, a professora pesquisada estava com
dezenove anos e conheceu as durezas da ditadura militar, a princípio por meio do seu então namorado que era um
oficial do exército considerado subversivo e por isso punido, como se verificou em seu testemunho.

E aí a gente se conheceu começou o namoro, mas em plena dificuldade da ditadura militar deste país eu chamo de
ditadura não adianta querer que eu chame de outro jeito que eu não vou chamar não! “ah porque foi à revolução”
revolução porcaria nenhuma ditadura [..] (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

É bastante significativa esse trecho do depoimento, uma vez que o termo “revolução” foi bastante utilizado
pelos militares para justificar o golpe de 1964. Na sequência de sua entrevista, a professora alega, que a rebeldia do
namorado na época foi o que mais chamou a atenção dela, pois o mesmo embora muito garoto já era oficial do exér-
cito brasileiro e não concordava com o golpe.

[...] era tido como uma pessoa rebelada contra a ditadura mesmo sendo oficial do exército um garoto, muito jovem
ele logo foi preso várias vezes e depois lá pelas tantas e depois da segunda, terceira, sei lá quantas prisões. (SERYS
MARLY SLHESSARENKO, 2018).

O regime militar foi considerado altamente repressivo, usando de meios como tortura, assassinatos, deporta-
ções e prisões para neutralizar e eliminar pessoas consideradas subversivas e opositoras ao regime. Como forma de
castigo, por se tratar de um incômodo dentro das forças armadas e que as prisões já não estavam solucionando o caso,
o jovem oficial foi envido para lugares mais longínquos do país, onde os movimentos contra a ditadura militar eram
bastantes tímidos. Em uma dessas transferências, o mesmo veio para Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso.

Aí conheço este rapaz ele tinha umas ideias muito firmes apesar de ser jovem, começou a ser preso e a minha vida
começou a se complicar lá pelas tantas ele foi transferido para Cuiabá Mato Grosso não tinha nem avião para che-
gar aqui tinha que vir de ônibus estradão de terra tudo atolando demorava nem sei quantos dias, enfim mandaram
ele para Cuiabá eu fiquei lá, mas na hora de sair ele resolveu que tinha que ficar noiva eu fiquei noiva eu fiquei lá
um ano depois ele voltou e a gente casou e veio embora. (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

Era comum, no período da ditadura militar, tirar de circulação os oficias “rebeldes” das forças armadas, en-
viando-os para lugares onde os protestos contra a ditadura eram quase insistentes ou muito fraco. Era uma forma de
punição para esses oficiais. Para Amorim (2009, p. 15)

Assim que as Forças Armadas tomaram o poder, iniciaram a Operação Limpeza, que tinha como objetivo “limpar”
os quarteis e a sociedade eliminando todos os elementos considerados subversivos e que se posicionassem contra
o regime. (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

Em razão da limpeza realizada no quartel, o jovem oficial passou um ano em Mato Grosso, até retornar a Cruz
Alta – Rio Grande do Sul, para se casar com a professora pesquisada. Em razão do matrimônio a professora deixa a
sua cidade natal e se mudou para Cuiabá, como possuía o magistério, passou a lecionar como professora contratada
do Estado, ela rememora que “[...] as primeiras aulinhas que eu dei eu não me lembro. Depois eu fui para o Nilo Pó-
voas. Depois tinha um preparatório pré-universitário.” (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).
Concomitante com a docência em nível estadual, a professora fez graduação em direito e em pedagogia, for-
mando-se pela Faculdade de Direito de Cuiabá, em 1972 e em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso,
em 1973.
Segundo seu relato a entrada na Universidade foi bastante conturbada, pois era esposa de um oficial do exérci-
to, considerado subversivo.

661
Assim, existia uma certa perseguição por causa do meu marido, era tido como oficial do exército, já foi preso algu-
mas vezes, era subversivo, foi preso algumas vezes, fez bastante coisa no exército, mas ele se segurou e conseguiu
permanecer e, por conseguinte, eu devia ser a seguidora dele de alta periculosidade, na época, era um perigo, e eu
era casada com ele, a gente discutia os problemas etc. mas eu não entendia direito aquilo que estava acontecen-
do, ele entendia mais, óbvio, ele teve lá o passado dele, mas conseguiu segurar e a gente teve muito problema no
exército, na época, o exército, claro, tinha a função dele. Era uma ave fora do ninho. (SERYS MARLY SLHESSA-
RENKO, 2018).

O testemunho acima, revela como era a máquina de controle da ditadura militar. Uma vez considerada subver-
siva, uma pessoa tinha todos seus familiares e até pessoas que mal conheceu rotulados como tal.

Todo inconformismo, toda resistência, toda discordância foram levados à cota de atitudes subversivas e como tal
punidos segundo elos de solidariedade entre entidade e pessoas que nada ou pouco tinha em comum antes de ser
atingidas pela repressão. (ARGOLO;RIBEIRO;FORTUNATO, 1996, p. 201)

Mas as dificuldades seguiram por muito tempo. A professora rememora que

[...]Quando eu entrei na Universidade, eu entrei como horista, horista na época era que algo assim que traba-
lhava em um semestre, não trabalhava no outro, como a gente precisava e eu era formada, e na época, não tinha
ninguém praticamente formado, então me pegaram, logo eu fui. Eu era estudiosa, existia o ciclo básico, tem que
estudar isso aí, todo mundo tinha que fazer um ano todos os cursos, tinha que fazer um ano igualzinho, então so-
ciologia, filosofia, sei lá o que eu dava introdução de sociologia, o primeiro conflito foi porque tinha que adotar um
livro como introdução à sociologia e eu adotava, o livro era obrigado recomendavam vinha para todos os alunos.
(SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

O caráter puramente técnico e controlador do currículo escolar foi outro grande conflito que a professora teve
que enfrentar em seus primeiros anos de docência na Universidade. Segundo a professora, ela não aceitou aquela
imposição e em viagens para casa de seus familiares, no sul e sudeste do pais, começou a pesquisar nas livrarias outros
livros para recomendar a seus alunos. Isso lhe causou bastante transtornos.

[...] isso era a minha subversividade, ser subversiva era não aceitar só aquele livro, tinha que ser só aquele livro, eu
queria pelo menos, estou chutando, o fato social fosse visto por outros autores pelo menos um ou dois mais, isso
aí, Deus me livre, era uma confusão contra mim, tinha que usar só aquele livro [...] (SERYS MARLY SLHESSA-
RENKO, 2018).

Uma das profissões vigiadas durante a ditadura militar era a de professor, principalmente os de Ciências Huma-
nas, consideradas as mais perigosas e subversivas. O conteúdo era rigidamente controlados e todos tinham que seguir
os livros que o governo determinava. As cadeiras de chefias eram controladas e determinadas pelo governo. Existia
uma falsa democracia com eleições e concursos que só entravam os que defendiam os ideais da ditadura.

[...] professora na Universidade horista, eu fiz um concurso não deixaram eu entrar [...]Enfim foi muito difícil
para eu entrar na Universidade, eu tentei duas vezes, não deixaram[...] como eu era professora ainda contratada,
eu não conseguia entrar pelo concurso, sempre tinha uns concursos meia boca lá umas entrevistas, mas eu não
passava e não entraria nunca, aí, eu fui fazer meu mestrado na PUC do Rio de Janeiro. Era cento e tantos candida-
tos, não era assim para fazer uma prova, eram trinta dias de prova, vinte horas de aula por dia, meu cabelo caiu em
mechas, todo mundo ficou estressado, porque era uma coisa terrível. (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

As fraudes eram bastante constantes, nos seletivos, nas eleições e nos concursos para ocupar cargos dentro da
Universidade. Não tinha como denunciar, tudo era censurado. O testemunho acima evidencia quão grande eram as
fraudes e corrupções dentro das instituições de ensino. Quando questionada sobre os motivos que não a permitiam
entrar para o quadro efetivo da Universidade a professora relembra que

Não entrava, porque imagina se vão deixar entrar este perigo, eu entrava lá brigando, denunciava e não existia es-
paço, não existia espaço para quem não concordava absolutamente e como a gente não concordava absolutamente

662
com um estado de coisa, a gente não tinha chance, era uma vida terrível. (SERYS MARLY SLHESSARENKO,
2018).

Persistente que era, a professora viu na transferência do marido para o Rio de Janeiro a possibilidade de pros-
seguir seus estudos e obter o título de mestre. Dessa maneira, realizou o processo seletivo para metrado na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, com a aprovação, cursou a pós-graduação e, em 1981, recebeu o título de
mestre em Educação. Ao retornar a Mato Grosso, travou outra batalha para retornar a Universidade, como se obser-
va em seu testemunho

[...] quando eu cheguei com o mestrado, praticamente pronto, eu não tinha defendido a tese, teve um concurso,
eu não sei se se era seis candidatos, tinha cinco vagas, eu vou nadar de braçada, fui a única reprovada, aí, o coor-
denador do centro me chamou, fiquei revoltada, fiz uma confusão danada, ele me chamou, “minha filha você tão
jovem, tão preparada, tão não sei o quê,” já tem mestrado. Tirei dez na prova escrita, nove e meio, sei lá, tirei não
sei quantos na outra prova, eu fiquei furiosa, dali um ano, eu passei, já estava previsto certamente que a coisa era
mais ou menos assim, mas foi assim, uma coisa muito gritante e eu brigava muito, então, encrenqueira, “se fizer
alguma coisa com ela, ela não deixa barato, ela faz escândalo”. (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

Quando conseguiu ser enquadrada como efetiva, passou a levar uma vida bastante turbulenta, a professora
revela em seu testemunho que

[...] de repente, eu estou dando aula e não tinha, não existia descentralização da Universidade, a Universidade só
existia na Central, então de vez em quando, eles davam uma disciplina em Alta Flores, Barra do Garças, Rosário,
Poconé, eu dei aula por tudo aí no curso de Pedagogia, e, nas férias, eles mandavam os professores para lá, eu
trabalhava direto nas férias eu ia porque ganhava mais [...]dava oito, doze horas de aula por dia para completar
as cargas horária, e em uma destas, que eu estava, eu não lembro em qual município, eu estava, eu dei até aula em
Rondônia, na especialização, para poder criar a Universidade de lá, ave Maria eu dei trezentas horas de aula eu
acho em quarenta dias, cruz credo. (SERYS MARLY SLHESSARENKO, 2018).

Como pode ser observado no depoimento acima, os gestores na época da ditadura, dificultaram ao máximo a
vida das pessoas consideradas “perigosas” durante esse período, com o intuito de fazer o profissional desistir e aban-
donar a docência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ancorados no testemunho da professora pesquisada, bem como, na literatura acerca do regime abordado,
verifiquei que a ditadura militar foi um período que, de fato, existiu, e que foi marcado por atos institucionais, que
instalou práticas de tortura, perseguições, prisões, censuras, repressão. Tais práticas evidenciam que, nesse período,
os direitos constitucionais foram suprimidos, negados aqueles que fossem considerados subversivos e que tivessem
ideias contrarias ao regime.
Nesse sentido, fica nítido que vários grupos de profissionais, em especial, aos que estivessem ligados ao público,
foram censurados e sofreram as agruras do período. Entre esses grupos estavam os professores, que tinham, confor-
me o testemunho da professora universitária pesquisada, sua atividade profissional controlada, seja pelo controle do
currículo, das disciplinas, dos materiais didáticos e mesmo das aulas ministradas. As ideologias dos profissionais eram
duramente cerceadas, pois a prática docente estava sob suspeita, o que colocou à docência e suas práticas sob vigia.
Essa vigilância em relação ao trabalho docente se deve ao fato dele ser considerado crucial para a formação de sujeitos
críticos. Isso justifica a perseguição e controle dos docentes e de suas atividades durante o regime militar.
Tais práticas feriram frontalmente os direitos constitucionais mínimos à dignidade humana e ao exercício
profissional, deixando marcas indeléveis na memória dos que vivenciaram esse período. Por vinte e um anos, a cul-
tura do medo foi vigente no país, e assolou a população brasileira, em especial grupos de profissionais considerados
contrários ao regime e por isso subversivos, entre esses grupos estavam os professores, como ficou evidente no tes-
temunho da professora.

663
Suas lembranças reforçam o que muitas literaturas apresentam acerca da relação entre a educação universitá-
ria e o regime militar. Nesse sentido, o resultado da pesquisa confirma o autoritarismo exercido oficialmente, por
meio de perseguições, atos hostis aos docentes considerados subversivos, retirada de disciplinas críticas do currículo,
implantação de disciplinas de caráter político-ideológico que visavam reforçar as tradições, patriotismo, símbolos e
postura moral-ética, controle de conteúdo e de materiais didáticos. Conclui-se que o regime militar brasileiro foi um
período antidemocrático, em que os militares comandavam politicamente o país, detendo o poder das mais diversas
áreas, inclusive, da Educação, o que deixou marcas indeléveis nessa área e naqueles que nela estavam inseridos.

REFERÊNCIAS

Amorim, Maria Aparecida Blaz Vaques. No interior... ditadura militar no ensino superior (FAFI/UNESP): Memórias
sobre a intervenção na faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto, 2009. 252 f. Dissertação
(Mestrado) – Curso de pós-graduação em História Social, Universidade de São Pulo, São Paulo, 2009. Acesso em 30.04.2019.
ARGOLO J.A; RIBEIRO K.; FORTUNATO, L. A. A Direita explosiva no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,1996.
Bosi, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. 8. Ed - São Paulo: Atlas, 1997.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1990.

664
EDUCAÇÃO NAS PRISÕES: QUAL O PAPEL DA INSTITUIÇÃO ESCOLA
DENTRO DAS INSTITUIÇÕES DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE?

Ariane Martins Aragão


Deysiane Pereira Pardin
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/FAED

O presente texto traz apontamentos em relação ao papel da escola dentro da prisão, seu histórico, dificuldades,
resultados e objetivos. A metodologia desse artigo parte de análise de trabalhos, pesquisas científicas, revisão de lite-
ratura voltada para o tema, investigação de documentos oficiais. Assim, o objetivo do artigo foi refletir sobre a his-
tória da implantação da instituição escola dentro das unidades prisionais brasileiras, destacando as políticas públicas
que garantiram sua implantação, elementos constitutivos das dificuldades encontradas no processo de implantação e
funcionamento, a função atribuída à escola, ainda apontando aspectos que muitas vezes acabam por impedir sua con-
solidação. Para isso, recorremos à literatura especializada na temática na perspectiva de levantar o histórico, caracte-
rísticas e problemas vivenciados neste ambiente. Neste sentido, a reflexão problematiza a real função da escola nesses
espaços, assim como os interesses envolvidos nessa perspectiva sob o crivo do jogo de forças entre educação e segu-
rança. Percebe-se que os estudos sobre esta temática são relevantes, porém poucos, tendo em vista as possibilidades
que podem desencadear, pois é imprescindível pensar sobre as perspectivas e a qualidade do ensino também dentro
das prisões, para que se chegue o mais próximo possível dos objetivos que foram estabelecidos em sua implantação. A
investigação leva ao fato de que o principal objetivo de existir a instituição escola dentro da prisão é a ressocialização
do sujeito, mas os números atuais mostram que este objetivo não tem sido alcançado com êxito, a oferta de educação
nas prisões tem se organizado de forma precária. Em grande parte das Secretarias de Administração Penitenciária não
há um setor para organizar a assistência educacional, e os motivos para esse fato ainda são desconhecidos. Outro pon-
to relevante para análise é de que a escola dentro da prisão atende apenas um pequeno grupo de sujeitos em privação
de liberdade, o porquê e quem são esses sujeitos, e como foram selecionados são questões relevantes para a análise
como um todo. Destaca-se a importância de identificar, dentro de um sentimento coletivo, que culminou em uma
memória coletiva, o caráter de sujeitos da história que os membros deste grupo assumem, dentro de um processo
histórico e dialético, perceber as motivações históricas que perfazem as relações humanas dentro da prisão, levanto
em conta aspectos como hierarquia, poder e grupos sociais. Infelizmente, a educação nas prisões sofre de uma insegu-
rança absoluta em penitenciárias cada vez mais lotadas. Para alcançar à educação de qualidade é imprescindível pensar
sobre a qualidade do ensino também dentro dos presídios, para que se chegue o mais próximo possível dos objetivos
propostos, mas o que é mais importante seria pensar, que afinal, o objetivo seria mesmo este, ou esse objetivo apenas
encobre uma ideia desconhecida?
Palavras-chave: Educação na Prisão. História da Educação. Institucionalização da Educação.

INTRODUÇÃO

Em todo Brasil, ouve-se falar de algumas experiências que se consolidaram com o tempo em ações públicas de
educação para jovens e adultos (EJA) no sistema prisional. Assim, gradativamente, aparecem escolas que funcionam
dentro da prisão, e que oferecem desde aulas de alfabetização, de ensino fundamental, até de ensino médio (JULIÃO,
2003).
Obedecendo a Lei de Execução Penal (BRASIL, 2011a), alguns sistemas de ensino começam a ser organizados
em alguns estados com o objetivo de oferecer a educação escolar para jovens e adultos em situação de privação de
liberdade. Contudo, não havendo abrangência de maneira geral, em outras unidades prisionais a educação ainda era

665
oferecida em caráter informal nas escolas que funcionavam dentro das penitenciárias, com auxílio de voluntários e
professores leigos (monitores presos).
Na documentação aprovada nos últimos anos, reconhece-se que oferecer EJA no na prisão não é privilégio, ao
contrário disso é um direito previsto na legislação federal - Constituição Federal (BRASIL, 1988), Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996) e Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984).
Conforme marcos legais, a educação se faz um direito público e subjetivo e sua oferta escolar deve estar adequa-
da às necessidades e disponibilidades dos seus sujeitos, garantindo sob qualquer aspecto, condições de permanência e
acesso à escola (JULIÃO, 2015).
Curiosamente, apesar da educação ser identificada como um direito, muito espanta-se evidenciar que é um di-
reito que pouquíssimos têm acesso. Conforme estatísticas divulgadas pelo Ministério da Justiça, em 2015, referentes
a 2014, 58.750 (10,92%) dos presos no país estavam participando de alguma atividade educativa na prisão (BRASIL,
2015). As escolas são organizadas de maneira que não atendem a demanda de pessoas em situação de privação de
liberdade que não concluíram seu percurso estudantil na educação básica, e a seleção de presos para frequentar a
escola, é organizada com estratégias que diferem uma instituição de outra. Em alguns espaços a seleção é feita por
uma equipe da secretaria de segurança, outros casos a seleção é responsabilidade da secretaria de educação, e também
existem instituições em que os próprios presos se organizam para a seleção das vagas.
Fato é que a educação escolarizada dentro de uma instituição de privação de liberdade não é para todos, então
se objetiva-se além de outros aspectos, a reabilitação para viver em sociedade ou a ressocialização do sujeito, esses
objetivos não se aplicam a todos que estão ali presentes, cumprindo suas penas?

E AFINAL, POR QUE COLOCAR UMA INSTITUIÇÃO DENTRO DE OUTRA?

A reflexão nesse sentido, acaba problematizando a função principal da escola nesses espaços, sabendo-se que
existem especificidades nesses espaços que extrapolam os objetivos do EJA simplesmente, assim como os interesses en-
volvidos nessa perspectiva sob o crivo do jogo de forças entre educação e segurança. Segundo a autora Vidolin (2017):

[...] a escola pode cumprir dois importantes papéis, dependendo da forma como é encarada: pode servir como
um claro mecanismo de adequação dos indivíduos, introjetando neles valores e regras sugeridos pela instituição
prisional ou, até mesmo, levar em consideração as visões sociais a respeito de como deve ser um condenado; ou
pode, por meio de uma concepção educacional libertadora, viabilizar que a pessoa privada de liberdade liberte-se
das amarras que a prendem a uma condição de exclusão social. (VIDOLIN, 2017, p. 101).

A educação escolar na prisão, pode ter três objetivos principais que refletem a dualidade de opiniões sobre a in-
tenção do sistema de justiça penal: manter os presos ocupados de forma proveitosa; melhorar a qualidade de vida dentro
da instituição prisional; e conseguir um resultado útil, como ofícios, conhecimentos, compreensão, atitudes sociais e
comportamento, que durem para além dos limites da muralha da prisão e permitam ao preso o acesso ao mercado de
trabalho formal ou a uma capacitação superior, propiciando significativa mudança de valores morais e éticos. Essa edu-
cação pode ou não se reduzir a taxa de reincidência. O restante dos objetivos formam parte de uma rede de objetivos
mais abrangentes que a reintegração social e o desenvolvimento do potencial humano (JULIÃO, 2012).
Para a autora Vidolin (2017) é eminente a necessidade de consolidação da educação no sistema prisional, que
passa pela emergência do reconhecimento da dignidade do sujeito, pelo respeito aos direitos adquiridos pelos detentos
de exercer a cidadania e pela falta de efetivação de políticas públicas que garantam o desenvolvimento da Educação de
Jovens e Adultos no sistema penitenciário brasileiro. A autora em sua dissertação, analisa a legislação e a implementação
da educação no cárcere, e concluiu que a necessidade de consolidação da educação neste ambiente é urgente.
Vidolin (2017, p. 106) afirma que:

“[...] é fundamental que a educação prisional cumpra seu papel principal no processo educativo, promovendo
condições para o desenvolvimento de potencialidades para a formação humana, o exercício da cidadania e a rein-
tegração desse indivíduo, quando em liberdade”.

666
Para Foucault (2006), evidencia-se a noção de resistência como elemento inerente às relações de poder, in-
citando sua atividade. De acordo com o autor, exatamente o poder é efeito de um grupo de práticas, de relações de
forças, agindo uma sobre as outras, em rede, sem estar localizado ou totalizado em um único indivíduo.
Da mesma maneira que o poder, as forças de resistência, para Foucault (2006), não têm poder total. É evidente
que tanto a cadeia quanto a escola como instituições disciplinadoras também apresentam brechas e imposições, deter-
minações e possibilidades, relações de poder e forças de resistência coexistindo em um processo dialético e pulsante.
A prisão é um espaço pensado em primeiro lugar pela preocupação com a segurança, e secundariamente com aspectos
educacionais, e isso afeta diretamente o funcionamento da escola nesses espaços.
A formação da sociedade disciplinar está ligada a um certo número de amplos processos históricos, no interior
dos quais ela tem lugar: económicos, jurídico-políticos, científicos (p. 191). As disciplinas atravessam, então, o limiar
tecnológico (...). O hospital, primeiro, depois a escola, mais tarde ainda a oficina (…) foram aparelhos e instrumentos
de sujeição. Foi a partir desse laço, próprio dos sistemas tecnológicos, que se puderam formar no elemento disciplinar
a medicina clínica, a psiquiatria, a psicologia da criança, a psicopedagogia, a racionalização do trabalho (…). (Fou-
cault, 1977, p. 196).
Foucault por meio de uma análise histórica observa nas instituições da Idade Moderna posturas de vigilância
e adestramento do corpo e da mente do sujeito, surgindo então à definição do homem como um objeto, dando às
instituições disciplinares o poder de moldar os sujeitos que frequentam, passam pelos espaços institucionais como
escolas, hospitais, fábricas e prisões.
Para Foucault (1999):

É um mecanismo de poder que permite extrair dos corpos tempo e trabalho, mais do que bens e riqueza. É um
tipo de poder que se exerce continuamente por vigilância e não de forma descontínua por sistemas de tributos e
de obrigações crônicas. (FOUCAULT, 1999, p. 42)

O autor também afirma que:

[...] nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco
aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. (FOUCAULT, p.119).

Um crítico da instituição escolar, Foucault ressalta que nas escolas a disciplina é moldada a partir de uma dis-
tribuição dos indivíduos no espaço utilizando técnicas para obter um sujeito cada vez mais submisso. Essa disciplina
é antiga, começou há muito tempo nos colégios medievais, mas foi a partir do século XVIII que ela foi refinada ex-
pandindo-se para escolas, para o exército, os hospitais e, no século XIX, para as fábricas. O controle dos corpos e dos
movimentos, como em uma máquina com rapidez e agilidade, com o melhor desempenho possível, sem imprevistos
e com eficácia é presente nas organizações escolares dos séculos XVIII e XIX, é são vistas como escolas – modelos.
A organização da escola é planejada a fim de garantir esta disciplina: a disposição das classes (fileiras umas atrás das
outras para o melhor controle do professor “manter a disciplina” e “garantir a ordem”); a substituição da tábua do
fundo das classes por uma grade a fim de garantir a limpeza e facilitar aos professores o controle para que nada possa
escapar do seu olhar, são alguns exemplos.
A escola se torna um aparelho para aprender, no qual o aluno, o nível e a série devem ser combinados adequada-
mente, Foucault analisa o processo escolar como um todo: os exercícios como uma forma de empregar tempo; as classes
para articular os gestos e a postura para ler, escrever, recitar; os horários, atribuições de tarefas com certa duração e ordem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo a escola, uma das instituições de discurso de verdade e poder, mencionada por Foucault, conseguimos
usar deste ponto para articular de que maneira a escola e prisão, mesmo sendo instituições diferentes, tiveram a
possibilidade de , alguma forma, “caminhar” juntas, que é exatamente articulando-as como instituições de sequestro

667
e disciplinadoras, na prisão, a escola articula resolver o problema que não foi resolvido no passado, ressocializar,
‘re’modelar. Mas como essa ação dessas duas instituições realmente afetam os sujeitos que passam por esse espaço tão
contraditório e de tantas dualidades?
A investigação acaba levando ao fato de que o principal objetivo de existir a instituição escola dentro da prisão
é a ressocialização do sujeito, mas os números atuais mostram que este objetivo não tem sido alcançado com êxito,
primeiro porque oferta e procura tem se organizado de forma precária, e depois porque seus objetivos se contradizem
em muitos pontos, da ressocialização à punição, do conhecimento ao castigo...
Portanto, a educação escolar dentro do sistema prisional sofre de uma insegurança grotesca em penitenciárias
cada vez mais lotadas, atendendo um número muito insuficiente de sujeitos, se organizando de forma precária. Para
alcançar à educação de qualidade é fundamental pensar sobre a qualidade do ensino de fora para dentro da prisão,
para que se chegue o mais próximo possível dos objetivos propostos, mas o que é mais importante seria pensar que
enquanto não houver clareza das duas instituições para os objetivos propostos, não haverá êxito em objetivo algum,
afinal a educação se inicia de fora para dentro da prisão e não ao contrário.

REFERÊNCIAS

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União, Brasília, DF, p.27833, 23 dez. 1996. Seção 1.
______. Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para
dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho. Diário Oficial da União,
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(Mestrado em Educação) - UTP, Curitiba. 

668
EDUCAÇÃO NO TOCANTINS: ENTRE POLÍTICAS DE ESTADO
E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO COLÉGIO ESTADUAL DE PORTO
NACIONAL (1960-1980)

Benvinda Barros Dourado - UFT1


Biathriz Ramalho de Souza - UFT2

INTRODUÇÃO

O presente estudo, apresenta como tema a educação no Tocantins, antiga região norte de Goiás, no período
do Regime Militar no Brasil (1964-1985), configurando como objeto de estudo as implicações do contexto político,
social e educacional, do período, nas práticas educativas do Colégio Estadual de Porto Nacional, principalmente no
que diz respeito ao Ensino de 2º Grau (Ensino Médio).
O estado do Tocantins (TO), desmembrado do Estado de Goiás por dispositivo da Assembleia Nacional Cons-
tituinte de 1988, foi integrado à Região Norte do País. O município de Porto Nacional, um dos principais espaço-
-tempo de análise deste estudo, localiza-se na região central do estado do Tocantins. Vale destacar, que até 1968,
Porto Nacional era a única cidade da região que ofertava o Ensino Médio (Colegial/Científico), por meio do Colégio
Estadual de Porto Nacional.
Para se expor reflexivamente o objeto de estudo e o objetivo proposto, optou-se por um corte cronológico que
recua a pesquisa mais especificamente, ao início dos anos de 1960, estendendo-se até o final dos anos de 1980, perpas-
sando, portanto, o período de transição da instituição educativa, de Ginásio para Colégio Estadual de Porto Nacional
(1961), a criação do Estado do Tocantins (1988), e particularmente os condicionantes das Reformas da Educação
Nacional, principalmente, por meio da Lei nº 5.692 de 1971.
Para a realização dessa pesquisa, optou-se por um estudo numa perspectiva qualitativa, usando a metodolo-
gia da pesquisa de cunho bibliográfico e documental, principalmente, concernente às políticas do Governo Militar.
Apresenta como base, também, as pesquisas realizadas no período de doutoramento (DOURADO, 2010).

EDUCAÇÃO EM GOIÁS/TOCANTINS: UMA LEITURA DA REFORMA DA EDUCAÇÃO NO


REGIME MILITAR

Quando se trata do período do regime militar no Brasil, ocorrido de 1964 a 1985, é interessante entender que
o que aconteceu de fato foi um ajuste entre a política econômica de abertura ao capital externo, que vinha sendo
sustentada nos governos anteriores a 64, e a ideologia política da época. Que em clara contradição, tinha o foco no
nacionalismo desenvolvimentista, e com objetivos de reformas de base, que dessem maior participação das massas,
através de suas representações, nas políticas de distribuição de renda do país. Já que, vinha ocorrendo um acúmulo
de capital significativo, principalmente nos anos JK (Juscelino Kubitschek), com um aumento na industrialização
do país, que possibilitou maior produtividade na economia, e até mesmo, algum ajuste salarial para o proletariado
(GHIRALDELLI, 1991).
No entanto, esse processo foi extremamente conturbado e violento, sendo um pacto entre a tecnoburocracia
militar e civil, juntamente com a burguesia industrial do país e as multinacionais. Assim, o braço militar se sobre-
pôs aos outros na tomada de decisões sobre os rumos da organização do país, tanto das políticas internas, quanto

1 E-mail: benvinda@uft.edu.br. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás. Docente da Universidade Federal do Tocantins
(UFT) – Câmpus de Porto Nacional.
2 E-mail: biathriz.ramalho@outlook.com. Acadêmica do curso de História da UFT – Câmpus de Porto Nacional.

669
da abertura para o capital externo, excluindo das decisões qualquer oposição com alguma tendência populista. Essa
política refletiu diretamente nas reformas de educação, com o estabelecimento de legislações tanto para ensino su-
perior, quanto médio. Observando que, muitas dessas ideias já vinham sendo organizadas mesmo nos anos 50 e 60,
para alinhar a educação a política econômica do país, e que teve colocação em prática, aproveitando do período da
ditadura (GHIRALDELLI, 1991).
Assim, o governo instalado em 1964 se caracterizou pelo autoritarismo com que comandou o Estado Brasileiro,
pela ênfase no crescimento econômico e pelas reformas institucionais. Em 1965, foi criada a Equipe de Planejamento
do Ensino Médio (EPEM), no âmbito do Ministério da Educação, destinada a assessorar os Estados na formulação
de planos para o Ensino Médio. Era grande a influência norte-americana nesse programa, porque houve o estabele-
cimento de aliança através dos acordos assinados pelo United States Aid International Development (Usaid) e pelo
Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso (Contap). A intenção do Brasil, para o período, era
ampliar ao máximo as matrículas nos cursos técnicos e promover uma formação de mão-de-obra acelerada, nos mol-
des exigidos pela divisão internacional do trabalho (RAMOS, 2005).
Evidencia-se o predomínio da preocupação em alinhar o sistema educacional às demandas criadas pelas trans-
formações do sistema político-econômico. Motivado pela necessidade de formar recursos humanos para o “desenvol-
vimento com segurança” do País. Assim, num quadro de concentração de capital, internacionalização da economia e
contenção de salários, a formação técnica assumiu um importante papel no campo das mediações da prática educativa
brasileira, pautada numa visão utilitarista, sob inspiração da “Teoria do Capital Humano”.
Nesse contexto social de relações entre a realidade brasileira e as vertentes internacionais, o ponto de maior
impacto, em particular, no Ensino Secundário, foi a reforma de 1971, por meio da Lei nº. 5692 de 11 de agosto deste
ano. Esta lei tornou a profissionalização no Ensino de 2º grau compulsória e com terminalidade. Assim, por meio
dessa legislação o governo militar passou a ajustar o sistema educacional aos múltiplos interesses do capitalismo
brasileiro, explorando o caráter econômico da educação em sua função reprodutora da força de trabalho (FREITAG,
2005).
Romanelli (1986) explica que o primeiro grau possibilitaria perscrutar as condições vocacionais dos alunos,
para o possível ingresso no trabalho. Enquanto o segundo grau, constituiria o nível indiscriminado de ensino com
objetivo primeiro de habilitar profissionalmente.
Nas disposições transitórias da legislação em apreço, previa-se que a implantação do regime instituído deveria
ser realizada progressivamente, segundo as peculiaridades, possibilidades e legislação de cada sistema de ensino. To-
davia, os estados tinham sessenta (60) dias para elaborar um plano de implantação de tal regime, a partir da vigência
dessa Lei (GOIÁS, 1972).
O estado de Goiás, sob o governo de Leonino di Ramos Caiado (1971-1975), período compreendido de con-
solidação e auge do Regime Militar (GERMANO, 2005), fez a publicação da Lei nº. 5692, em janeiro de 1972, a qual
foi distribuída às instituições de ensino goianas. Na apresentação dessa publicação, o Secretário de Educação, Hélio
Mauro Humbelino Lobo, expressava que o presente documento exprimia a vontade de dar aos educadores Goianos
“conhecimento dos meios que conduzirão a escola a ser fonte da felicidade humana e o fator de trabalho, paz e pros-
peridade do País” (GOIÁS, 1972).
Por isso, citando as palavras do então Ministro da Educação, o Secretário de Goiás, Hélio Mauro Humbelino
Lobo, expôs que o objetivo da educação era eminentemente inventivo, porque o que se visava era a criação de “novos
meios para atender ao desafio da altamente flexível capacidade humana, num mundo em permanente mutação”. As-
sim, esse Secretário completou que a nova lei oferecia a oportunidade para atingir um objetivo inventivo, sobretudo,
porque,

Abre caminho à ação criadora do homem no atendimento de sua capacidade em relacionar a realidade do mundo
exterior e as possibilidades de modificação do comportamento, bem como tender para uma melhoria da vida, não
só o homem indivíduo, como fundamentalmente o homem grupo, o homem comunidade (GOIÁS, 1972, p. 03).

670
Esse discurso, entretanto, estava vinculado à política que se implantava naquele contexto no Brasil, e, parti-
cularmente, em Goiás, que tinha como prioridade a preparação de recursos humanos para atender o programa de
desenvolvimento do País, tomando assim, a educação profissional, como investimento para tal propósito. Nesse
sentido, Saviani (1997, p. 40) entende que a profissionalização, naquele período, era vista como “um adestramento
a uma determinada habilidade sem conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, da articulação
dessa habilidade com o conjunto do processo produtivo”.
Nesse sentido, as diretrizes da Lei nº. 5692, de 1971, impôs uma reformulação de toda a sistemática do ensino
goiano de 2º grau, dada a construção de uma política mais contundente de formação de recursos humanos e qualifi-
cação acelerada de trabalhadores, reclamadas pela legislação. Na perspectiva de reformulação do ensino de 2º Grau
em Goiás, encontra-se em nível de objetivos proclamados nas Linhas de ação do Governo (1972-1974), baseados nas
diretrizes básicas da política nacional de educação ajustando às características do Estado, dentre outros, de “incentivar
o ensino médio de tipo profissionalizante e formar mão-de-obra qualificada de acordo com a demanda estadual”.
Pretendia, portanto, criar oito (8) Ginásios Polivalentes nas cidades de: Goiânia, Anápolis, Itumbiara, Rubiata-
ba, Iporá, Porangatu, Catalão e no norte do Estado estava previsto a criação de uma instituição nessa modalidade em
Araguaína (CAIADO, 1971). Para o governo goiano, portanto, a reforma procurava integrar o homem na sociedade,
atendendo suas aspirações sociais e suprimindo o mercado de mão-de-obra qualificada.
Nesta perspectiva, a partir de 1974, obrigatoriamente, todos os estabelecimentos oficiais ou conveniados com o
estado deveriam adotar a filosofia geral desta Reforma do Ensino (CAIADO, 1971-1975). Percebe-se, que o estado de
Goiás começou sua reforma criando o Complexo Escolar de Goiânia. Este foi integrado por três unidades de ensino
da capital, sendo estas o Colégio Estadual de Goiânia (Liceu), o Colégio Estadual Presidente Costa e Silva (COLU) e
o Colégio Estadual Rui Barbosa, em convênio com o SENAC e com a Escola Técnica de Goiás (JESUS NETA, 1974).
Segundo Jesus Neta (1974), estava previsto completar a implantação da Reforma, ao nível de 3ª série, em todas
as escolas de 2º grau do Estado no ano de 1976. Todavia, conforme esta autora, até o ano de 1974, consta que o Com-
plexo Escolar de Goiânia tinha funcionado precariamente, pois havia falta de pessoal docente qualificado, bem como
a inexistência de salas ambientes e laboratórios exigidos pelas respectivas habilitações.

A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE 2º. GRAU NO COLÉGIO ESTADUAL DE PORTO


NACIONAL

A despeito dos esforços da profissionalização, se tratando da Reforma do Ensino de 1971, o Regimento Escolar
era um dos pré-requisitos para a autorização condicional e funcionamento dos cursos de 1º e de 2º Graus. No que diz
respeito ao Colégio Estadual de Porto Nacional, segundo o diretor, no período, Prof. Valdemar Rodrigues, o Regi-
mento foi elaborado pela própria escola, conforme expressa: “Trabalhamos meses na mudança daquele regimento e
do próprio currículo, [...], montamos o currículo, fizemos a modificação do regimento, e mandamos para Goiânia”.
E declara que: “A gente tinha que trabalhar com muito cuidado para não contrariar o Sistema Militar, porque se nós
contrariássemos qualquer coisa a própria Secretaria de Educação já barrava aquilo que fosse contrário [...]” (RIBEI-
RO, MUTA; SILVA, 2007, p. 157).
Assim, o Colégio teve o seu Regimento Escolar aprovado para implantação da Reforma, a partir de 1974/75.
Assim, percebe-se que essa instituição educativa colocou em pauta, de forma tardia e sem estrutura física/material e
profissionais habilitados, a partir de 1975, a Reforma do 2º Grau.
Dessa forma, a instituição que oferecia, em 1970, o Curso Ginasial (5ª-8ª série), Técnico de Contabilidade, Nor-
mal e o Científico, baseado na Lei nº. 5692, de 1971, introduziu no ano de 1974 a Reforma do Ensino para o 1º Grau,
que embora a legislação em vigor unificasse o ensino primário e o ginásio organizando-o em oito anos de duração, o
Colégio permaneceu oferecendo só o ginásio, ou seja, de 5ª a 8ª série, instituindo o ensino semi-profissionalizante. E,
a partir de 1975, colocou em pauta a Reforma do 2º Grau, profissionalizante, de 1ª a 3ª séries desse nível de ensino.
O Regimento do Colégio portuense previa oferecer as habilitações de Técnico em Contabilidade, Auxiliar de
Administração Hospitalar e Magistério de 1ª a 4ª série do 1º Grau. Entretanto, os alunos secundaristas, de Porto Na-

671
cional, neste período, só tiveram a opção de cursar o Magistério ou o curso de Contabilidade, uma vez que, o Cientí-
fico foi extinto e, ainda, o Curso Auxiliar de Administração Hospitalar, previsto no Regimento, não foi implantado.
Assim como assinala Germano (2005), quando diz que, muitos cursos profissionalizantes, previstos para o período,
em todo o Brasil, não foram implantados, ou não tiveram sucesso por falta de estrutura física, recursos materiais e
humanos qualificados.
No Colégio Estadual o Normal e o curso técnico Comercial (Contabilidade) foram implantados em 1968. A Lei
nº 5.692/71, ao instituir a profissionalização obrigatória do ensino de 2º Grau, descaracterizou o Curso Normal que
foi transformado em um, entre tantos outros cursos profissionalizantes, e recebeu a nomenclatura de “Habilitação
Magistério”.
O curso técnico Comercial (Contabilidade) do Colégio Estadual de Porto Nacional foi o primeiro curso técnico
secundário público a ser implantado na região norte do estado de Goiás. A justificativa para a instalação deste curso
encontra-se no histórico do Colégio.

A pressão da Lei exigindo do comércio sua legalização, bem como regularização de suas prestações de contas, face
aos tributos e encargos sociais, exigia também que essas ações fossem processadas por profissionais técnicos espe-
cializados. A região não dispunha de especialistas legalmente credenciados, o trabalho era feito pelos guarda-livros
práticos (CEM. PROF. FLORÊNCIO AIRES, 1995, p. 5).

Vale destacar que, segundo o Prof. Valdemar Rodrigues, quando assumiu o cargo de diretor do Colégio Esta-
dual de Porto Nacional (1973), sentiu-se a necessidade de um laboratório para os alunos do curso de Contabilidade,
uma vez que não se concebia a dissociação entre teoria e prática. A Secretaria de Educação em Goiânia, por inter-
venção desse diretor do Colégio, enviou as máquinas para a instalação do escritório modelo. Para o funcionamento
deste escritório, foram também enviados dois professores locais à Goiânia, principalmente, para fazerem um curso
de aperfeiçoamento. Depois de quatro anos, em 1977, o referido escritório foi implantado.

DOCENTES E DISCENTES NO COLÉGIO: A DISCIPLINA INSTITUÍDA

Com base no Decreto Lei Federal nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, foi instituída a Portaria do Ministério da
Educação e Cultura, de 28 de março de 1969, que normatizava a apuração das infrações disciplinares de professores,
alunos e funcionários das instituições escolares. Segundo o diretor do Colégio Estadual, no período, Prof. Valdemar
Rodrigues: “Na sala de aula, o professor trabalhava a sua matéria, a sua disciplina, mas sempre atento, ele tinha que ter
essa preocupação, porque de qualquer maneira ele estava sendo vigiado por A ou por B” (RIBEIRO, MUTA; SILVA,
2007, p. 157).
Conforme dossiês dos professores do Colégio Estadual de Porto Nacional, para fins de posse no cargo de pro-
fessor e de autorização para lecionarem, nos anos de 1970, deveriam apresentar atestado de antecedentes políticos, ou
seja, atestado de ideologia política e social, expedido pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS). Essa delegacia
atestava, principalmente, se este profissional professava ou não ideologia contrária ao regime vigente no país ou se
havia participado em movimento de caráter subversivo.
Percebe-se, que no período em questão, ocorreram alguns fatos que envolveram professores e alunos do Colé-
gio, como confirma o ex-diretor do Colégio, o Prof. Antônio Luiz Maya.

[...]. Procurando subversivos, chegaram a pegar alguns alunos nossos na época, e levar para a cadeia. E professores
também, isso é verdade, [...] infelizmente isto foi feito pelos militares. Eles invadiram as escolas querendo pegar
nossos alunos [...]. [...] eles vieram, vieram perseguir aqui, os meninos tidos como políticos, com isso levaram
presos, foram até o Chile (RIBEIRO, MUTA; SILVA, 2007, p. 26-27).

Para tanto, ele questiona: “Eram meus alunos do Curso Científico, e não podiam discutir problema político?
Podiam e deviam” (RIBEIRO, MUTA; SILVA, 2007, p. 27). Então, torna-se claro que as questões políticas margeadas
pelo Governo Militar, no Brasil, também adentraram as “portas” do Colégio Estadual de Porto Nacional, no mesmo
momento em que se impunha a Reforma do Ensino de 1º e 2º Grau.

672
A Profª. Maria Zélia traduz uma memória coletiva sobre esses fatos, quando discorre que D. Alano, então bispo
de Porto Nacional, inconformado com essa situação foi à Brasília e diante das autoridades constituídas, diz-se que
ele expressou: “Me ponha no paredão, eu já vivi, mas tira estas crianças daqui, liberte este povo” (RIBEIRO, MUTA;
SILVA, 2007, p.119). Piagem e Sousa (2000, p. 134), colaboram para a compreensão desses fatos quando relata que
a professora portuense Dagmar Pereira da Silva foi presa em 1972 por agentes policiais do DOPS, em Porto Nacio-
nal, e nessa trajetória foi levada para Brasília, onde ficou ali, presa, por cinco meses tendo seguido mais tarde para o
exterior. Assim, os autores relatam conforme a memória dessa professora que o bispo D. Alano disponibilizou todo
apoio a ela nesse período, indo à Brasília, e diante do comandante do batalhão, expressou: “[...]. Se quiserem podem
mandar-me ao paredão, mas eu preciso falar agora com a Dagmar.”
É bem ilustrativo do período o fato de que, também o Pe. Ruy Rodrigues, portuense, ex-secretário de educação
estadual, foi perseguido, politicamente, pelo mesmo sistema e ficou exilado na França (París), por cerca de 25 anos,
a partir de 1964.
Em meio a este clima histórico, em 1972, ainda encontrava-se, em efetivo, o órgão representativo dos alunos
do Colégio Estadual, o grêmio Santo Tomás de Aquino. Neste mesmo ano, uma nova diretoria tomou posse e ainda
publicou o seu porta-voz, o periódico “O Vanguarda”. Por este veículo de comunicação, já se percebe, de forma pre-
liminar, a política de intervenção militar margeando o movimento estudantil em Porto Nacional.
No primeiro número de “O Vanguarda”, o Grêmio estudantil Santo Tomás de Aquino esclarece a situação da
“Casa do Estudante do Norte Goiano (CENOG)”, seccional de Porto Nacional. Informa, portanto, que esta instituição
teve a intervenção do poder judiciário na nomeação da diretoria para administrá-la naquele período. Conforme o
Grêmio estudantil, este episódio adveio de algumas situações em foco na entidade, no contexto político de época,
dentre elas, o fato de que “na liderança de então, apossou-se um MEDO, devido às agitações estudantis, e o esforço
do governo em manter a ordem” (O VANGUARDA, 1972, p. 4). Assim, a Cenog foi extinta, por decisão judicial, em
17 de maio de 1979.
Assim, no decorrer do período de centralização, a organização dos estudantes que se deu em Porto Nacional
por meio dos grêmios estudantis, passou paulatinamente a dar lugar ao Centro Cívico Estudantil. Então, além da
obrigatoriedade da disciplina Educação Moral e Cívica, era incentivada a criação desta instituição cívica. Em 1973,
foi autorizado, paro o Colégio Estadual, pela Coordenação de Educação Moral e Cívica de Goiás, o funcionamento do
Centro Cívico Estudantil Dr. Francisco Ayres da Silva, orientado pelo Prof. Pe. Alano Azevedo Soares.
O Regimento do Colégio, aprovado no ano de 1975 pelo Conselho Estadual de Educação, ajuda a melhor com-
preender a dinâmica do Centro Cívico do Colégio Estadual quando esse apresenta, nos Artigos de 122 a 125, as orien-
tações sobre o Centro Cívico. Este tinha como finalidade a “formação cívica, patriótica, cristã e esportiva- educativa”.
O que de certa forma difere da proposta no regimento anterior do Colégio, no qual previa a criação de grêmios cuja
finalidade era a “formação lítero-artístico-científico-musicais, esportivo e assistencial do educando”. Essa reorganiza-
ção dos objetivos das entidades estudantis veio atender aos ditames do regime político em voga no país e as diretrizes
educacionais por ele editadas (DOURADO, 2010).

O CURRÍCULO ESCOLAR: AS DISCIPLINAS CÍVICAS-PATRIÓTICAS

Além da “Teoria do Capital Humano” subjacente no currículo do ensino e a pedagogia tecnicista, convertida
em pedagogia oficial (SAVIANI, 2008), estava em pauta, também no currículo dos estabelecimentos de ensino as dis-
ciplinas que compunham o processo de “desenvolvimento e civismo” com a inclusão obrigatória da Educação Física,
Educação Artística, Programa de Saúde e Educação Moral e Cívica - EMC (Lei nº 5.692 Art. 7º). Esta última, no final
do grau médio muda a denominação para Organização Social e Política Brasileira - OSPB. A Educação Moral e Cívica
foi instituída como disciplina e como prática educativa em caráter obrigatório, inicialmente, pela legislação federal,
Decreto-Lei nº 869 de 12 de setembro de 1969 (MEDEIROS, 1975.

673
Para acompanhar as disciplinas cívicas-patrióticas que, eram obrigatórias, incentivar a criação dos centros
cívicos e manter o seu controle, a Secretaria de Educação mantinha uma Coordenação Especial, como está expresso
o seu objetivo:

Tem por objetivo a implantação e a manutenção da Educação Moral e Cívica no Estado, estimular e realizar sole-
nidades cívicas, influenciar e convocar órgãos formadores da opinião pública e de difusão cultural para servir aos
objetivos da Educação Moral e Cívica. Coordenar os Centros Cívicos Escolares, homologando os seus estatutos
[...]; difundir nos estabelecimentos de ensino existentes no estado de Goiás, a moral, o civismo, o amor à justiça e
o culto ao patriotismo, à democracia e à religião (COSTA JUNIOR, 1975-1979, p. 67).

Ainda, no processo de controle sócio-educativo dos alunos, incluiu na Legislação em vigor, no período, a
orientação vocacional, em cooperação com os professores, a família e a comunidade. Era obrigatória a instituição
da Orientação Educacional nas instituições de ensino. Este serviço, também é previsto nos Regimentos escolares do
Colégio Estadual de Porto Nacional.
Em complementação, era trabalhado com bastante vigor os desfiles cívicos-patrióticos. Estes desfiles ocupa-
vam lugares distintos e específicos na vida escolar dos alunos, professores e da sociedade. Pode-se, destacar também,
nesse período, outros instrumentos de identificação e uniformização dos alunos. No ano de 1973 foi padronizado
pela Secretaria da Educação e Cultura de Goiás, por meio da Portaria nº 1616, de 20 de novembro, o modelo de uni-
forme a ser usado por todos os alunos da rede pública de ensino, como forma de impor disciplina e moral. De forma
geral era composto de blusa/jaqueta/camisa de cor branca, saia/saia calça/calça de cor caqui, sapatos e meias pretas. A
partir deste mesmo ano, ou seja, de 1973 os alunos do 1º Grau, matriculados a partir da 5ª série e os de 2º Grau de En-
sino, deveriam obrigatoriamente, fazer a sua Identificação Estudantil Padronizada (Cédula de Identidade Estudantil).
E para além desse controle disciplinar do corpo estudantil, diga-se de passagem, da sociedade brasileira, em
relação a profissionalização, Freitag (2005, p. 182), destaca que a educação não é mais concebida como “um processo
de transmissão de cultua geral de humanidades, de saber universal. A educação é instrumentalização para o trabalho”.

CONSIDERAÇÕES

Percebe-se que a situação da profissionalização em Goiás/Tocantins e, consequentemente, em Porto Nacio-


nal, não atingiu os patamares desejados pela política de educação nacional no período do Regime Militar no Brasil.
Em conferência proferida aos estagiários da Escola de Guerra de Brasília e Campo Grande, em 1976, o governador
de Goiás, Irapuam Costa Júnior (1975-1979) destacou que não obstante a pretensão da Lei nº. 5692, de 1971, de se
“preparar mão-de-obra e técnicos de nível médio aptos a acompanharem o processo de desenvolvimento nas suas
peculiaridades regionais”, pouquíssimas escolas, no país, conseguiram, até aquele momento, ministrar com eficiência
o 2º Grau já reformado.
Esse governador, sobretudo, destacou que, em Goiás, as dificuldades com a implantação de ações sócio-edu-
cativas eram enormes, em função, principalmente, da falta de currículo adequado, a escassez de recursos humanos
qualificados, a inadequação e/ou insuficiência dos recursos físicos e didáticos e a falta de um serviço destinado a
supervisionar e orientar a implantação da Reforma. Algo discutível, também para ele, era o “realismo na estratégia
de ação” pretendida, pois tudo isso estava comprometendo a eficiência dos trabalhos e a obtenção de resultados sig-
nificativos (COSTA JUNIOR, 1975-1979).
O governador de Goiás mostra, portanto, a real situação da profissionalização no Estado, pauta que consequen-
temente, encontrava-se no Colégio Estadual de Porto Nacional, com a falta, principalmente, de professores especia-
lizados e recursos materiais adequados para dar significado as práticas educativas no período.
Com o processo de redemocratização do país, a educação do estado de Goiás passou a ser regida por uma nova
legislação - Lei nº 8.780 de 23/01/1980, lei que dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação do Estado de Goiás. No
ano seguinte, em 1981, a Secretaria de Estado da Educação implantou um regimento único para toda a rede pública

674
estadual com a finalidade de uniformizar a normativa da Rede Oficial de Ensino. Com isso foram revogados todos os
regimentos das instituições escolares estaduais vigentes naquele período.
Assim, no contexto do fracasso da profissionalização compulsória e a edição da Lei federal nº. 7044, de 18 de
outubro de 1982 que tornava facultativa a profissionalização desse grau de ensino, foi autorizada, ao Colégio Estadual
Prof. Florêncio Aires, por meio da Portaria nº. 447, de 1984, com efeito retroativo a partir de 1983, a implantação do
2º Grau “Não-Profissionalizante”, ou seja, o curso Científico.

REFERÊNCIAS

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675
EDUCAÇÃO POPULAR, CULTURA ESCOLAR EM DIÁLOGO
COM O ENSINO ANTIRRACISTA

Maria Edimaci Teixeira Barbosa Leite - edmacibarbosa@hotmail.com1


Ronaldo Manoel da Silva2
Sonilda Aparecida de Fatima Silva3

Este trabalho aborda aspecto histórico, sociocultural da cultura escolar e educação popular, caracterizando
este último na compreensão do teórico Paulo Freire. Pretende-se, portanto, refletir sobre educação popular freireana,
bem como sua importância para a realidade de hoje e suas contribuições para o Ensino da Cultura Afro-brasileira, o
trato com a diversidade cultural e a formação do professor no sentido de garantir e conferir ao educando a efetivação
dos objetivos da educação antirracista.
Metodologicamente vale-se da referência de teóricos pesquisadores do assunto. Paulo Freire, de certa forma,
compartilha com esse conceito multicultural de cultura e reconhece a importância do conhecimento que possui o
povo, os grupos populares. Os referenciais estão ancorados nos estudos teóricos e metodológicos desenvolvidos por
Freire (2003), Gomes (2005), trata da educação e relações sociais, Brasil (2003), Paludo (2005), Brandão (2008) entre
outros, os quais possibilitarão o entendimento da temática.

CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO POPULAR

Segundo Paludo (2005) a educação popular é ao mesmo tempo, um movimento sociocultural e uma concepção
de educação, ou seja, como movimento que expressa uma infinidade de práticas complexas que emergem associadas
aos Movimentos Sociais, grupos comunitários, articulações em torno de alternativas de sobrevivência, entre tantas
outras, que apontam para a necessária transformação social, sendo produto da história latino-americana. Como con-
cepção de educação, contrapõem-se as concepções hegemônicas e vai se fazendo, articulada ao movimento sociocul-
tural.
Brandão (2008) traz que concepção de Educação Popular se orienta para a transformação social e isto é o que
substantivamente a diferencia das demais concepções educativas. O que propõe não é a adaptação passiva dos sujeitos
ao que aí está. Pelo contrário, propõe a construção da criticidade - conscientização - e a inserção dos mesmos em
processos transformadores, como agentes participativos. Nesse sentido, ele explica que

A educação popular continua sendo um fundamento de identidade e um tipo de trabalho proposto de maneira
explícita por várias organizações não-governamentais e inúmeros movimentos sociais em todo o país, e de uma
maneira crescente e diferenciada (p.18).

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em educação na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. PUC/GO Bolsista CAPES/
Prosup. Professora concursada da Prefeitura Municipal de Goiânia. CV: http://lattes.cnpq.br/4599417245230548. Linha de pesquisa
Sociedade Cultura e Educação. PPGE/GO. Goiânia, Brasil. Orientadora: Maria Zeneide Carneiro Magualhães De Almeida <zeneide.
cma@gmail.com> Doutora em História UCB, Professora Adjunta da PUC/GO. CV: http://lattes.cnpq.br/5736362178244406. Linha de
Pesquisa Sociedade Cultura e Educação – História e Memória da Educação. Programa de Pós – Graduação em Educação PPGE/PUC/GO.
Goiânia, Brasil.
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em educação na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. PUC/GO. Possui graduação em
Teologia pela PUC-GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2004). Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Católica de Anápolis
(2007). Mestrado em Ciências da Religião, área de concentração: Religião, sociedade, cultura e educação pela PUC-Goiás (2007). Contato:
romasilva74@hotmail.com
3 Doutoranda do Programa de Pós-graduação Educação na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Professora aposentada da
Seduce e Coordenadora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Alves Faria (UniAlfa). CV http://lattes.cnpq.br/2784078586568046
. Linha de pesquisa Estado, Políticas e Instituições Educacionais (PPGE/Go). Contato: sonilda1000@gmail.com

676
Nesta perspectiva para esses autores citados acima a conscientização não é compreendida somente como cons-
cientização política, que se traduz na capacidade de leitura da estrutura e dinâmica da sociedade capitalista, tomada
de posição e inserção efetiva nos processos de luta pelo poder. Esses estudiosos apontam como necessário o de-
senvolvimento de um trabalho cujos meios são os processos educativos e os espaços organizativos, no intuito de se
proporcionar a formação de uma consciência ampliada e de formação integral dos homens e mulheres, tanto em seus
aspectos produtivos, como políticos e simbolizadores.
De acordo com Nogueira (2009) a educação popular ganha força quando entram em cena os movimentos po-
pulares ou grupos populares organizados. Surge-se então uma compreensão sobre os movimentos de classes popu-
lares, permitindo que esses movimentos tomassem corpo grupos populares, produziriam seus intelectuais e fizeram
possível uma concepção de educação orientada – educação que refletisse com as pessoas a transformação do país.

Esses grupos tinham seus movimentos, suas pelejas e faziam suas experiências em educação- uma educação que
transforma as pessoas que são educadas, em uma sociedade em transformação. Ela transforma também a parti-
cipação das pessoas “educadas”, em atos de conhecimento nas ruas, nas fabricas, nos passeios, nas igrejas e em
todos os lugares. É uma visão ativa e criativa do conhecimento, supera a educação tradicional, educa e politiza as
pessoas. A educação popular empenhava conseguir compreender a aproximação entre teoria e prática- Educação
conscientizadora intima relação com gestos coletivos dos grupos e movimentos populares (NOGUEIRA, FREIRE,
2009, p.62).

Esta ação pressupõe a conscientização política, mas a transcende porque envolve o esforço individual e coletivo
efetivo de vivência de outra ética e outra moral, que não as ditadas pelo capital.
Segundo Brandão (2002 a, apud Oliveira 2011) as iniciativas de educação popular não se dão de uma fonte
social exclusiva, de natureza política ou de uma associação, e sim de diversas ações, de espaços e instituições. Ela
emerge de um contexto histórico no cenário socioeducacional contra a opressão da cultura dominante sobre a cultura
popular, das transformações sociais, da Educação de Jovens e Adultos, proveniente do processo de industrialização e
da luta política pela democratização do ensino público.
Para Brandão (2008) na América Latina, Freire se constitui num referencial fundamental para a Educação Po-
pular. Assim com base no referencial proposto compreende-se que a concepção de Educação Popular se orienta para
a transformação social e isto é o que substantivamente a diferencia das demais concepções educativas. O que propõe
não é a adaptação passiva dos sujeitos ao que aí está, pelo contrário, propõe a construção da criticidade - conscienti-
zação - e a inserção dos mesmos em processos transformadores, como protagonistas.
Desse modo ele explica que,

A educação popular continua sendo um fundamento de identidade e um tipo de trabalho proposto de maneira
explícita por várias organizações não governamentais e inúmeros movimentos sociais em todo o país, e de uma
maneira crescente e diferenciada (BRANDÃO, 2008, p.18).

Ele explica também que há diferentes maneiras de compreender o que é Educação Popular. Ela pode ser com-
preendida como educação das classes populares; como saber da comunidade/conhecimento popular; como ensino
público. Entretanto, ela também pode ser compreendida como uma das concepções de educação das classes populares.
É neste último sentido, segundo Brandão (2008) que se situa a contribuição de Paulo Freire. O qual define esta
concepção educativa como “Educação libertadora”, ou melhor, como “Educação como prática da liberdade”, uma vez
que ela, embora esteja sustentada em grandes lineamentos, se faz e refaz continuamente, na experiência dos indiví-
duos e coletivos que a fazem, não qualquer indivíduo e nem qualquer coletivo, mas os oprimidos e os que com eles se
comprometem na perspectiva da transformação social.
Diante desse cenário, surgem debates e reflexões sobre as novas formas de fazer a escola por causa da falta de
atendimento educacional para atender as classes populares, que sofriam com a evasão e a expulsão devido ao tipo de
educação dada que servia aos interesses da classe dominante.

677
Segundo kreutz (1979) A educação popular se situa no mesmo quadro das funções sociais da educação escolar.
O próprio termo ‘educação popular’ já implica em dizer que ela se realiza numa sociedade dividida em classes. Educa-
ção popular tornou-se termo ambíguo, podendo esconder o jogo real dos interesses e objetivos de quem a promove.

No inicio da década de 1960, no Brasil, surgiram iniciativas que anunciavam visar ao real interesse da camada
popular como; (escolas, igrejas, sindicatos, meios de comunicação de massa, movimentos de educação popular,
etc.) com funções na formação da hegemonia para um novo bloco histórico e interpretar os objetivos e estratégias
básicas dos movimentos de educação popular promovidos no Brasil no período de 1961-64, com relação a uma
tentativa concreta de mudança qualitativa na estrutura social, como expressão do real interesse das camadas po-
pulares. Nessa linha, os mais expressivos foram o Movimento de Cultura Popular (MCP), da Prefeitura do Recife;
os Centros Populares de Cultura (CPC), da união Nacional de Estudantes (UNE); e o Movimento de Educação de
Base (MEB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) movimentos de educação popular, enquanto
mecanismos da sociedade civil que se propunham, como objetivo fundamental, uma mudança qualitativa na or-
dem vigente, no Brasil de 1961 (KREUTZ, 1979, PP.1 e 2).

Afirma ainda que grupos de pesquisa e autores isoladamente estão realizando, nos últimos anos, um trabalho
de sistematização dos diversos e possíveis modelos de educação popular que foram surgindo, tentando detectar os
elementos fundamentais para que a educação seja realmente popular.
Trata-se de trabalhos de grupos como: O MOVA (Movimento de educação de jovens e adultos da cidade de S.
Paulo); equipe da FGV (Movimento da Fundação Getúlio Vargas), IESAE (Instituto de estudos avançados da Funda-
ção Getúlio Vargas); Júlio Barreiro; Carlos Rodrigues Brandão, todos em sentido de caracterização ou classificação da
educação popular; Vanilda Pereira Paiva, que realizou um estudo histórico do caso brasileiro; Celso de Rui Beisiegel,
com pesquisa sobre as origens e a evolução das ideias relativas à educação popular no Brasil; e Silvia Maria Manfredi,
que apresenta um estudo “do contexto em que a educação popular surgiu, no Brasil, e, principalmente, das interfe-
rências explicitamente políticas nela existentes”.
De modo especial segundo Kreutz (1979) são elucidativos os dois artigos de Aida Bezerra, ambos sob o mesmo
titulo: “As atividades em educação popular”. No primeiro artigo a autora analisa a frequente dicotomia entre objetivos
e prática educativa concreta nas iniciativas de educação popular; os objetivos que permanecem num nível de abstra-
ção muito grande (promoção humana, libertação, etc.) podem resultar em ações que concretizam outro tipo diferente
de proposição em relação a que estava contida nas intenções reais dos agentes.
Ainda segundo o autor Aida Bezerra elucida o contexto social em que surgiram certas formas de mobilização e
os objetivos aos quais respondem na prática: tratadas obras sociais religiosas, da extensão rural e do desenvolvimento
de comunidade. Kreutz (1979) afirma ainda que o propósito de sua reflexão é a melhor compreensão das estruturas
de participação que têm servido de mediações à educação popular. No segundo artigo, também sob o titulo “As ativi-
dades em educação popular” a autora reflete sobre as dimensões que as atividades de alfabetização, educação de base
e cultura popular ofereceram em relação às práticas anteriores.
Pinto (1984, p. 128) destaca que não existe e nem pode existir um só conceito de educação popular, seu signi-
ficado dá-se mediante as implicações e determinações políticas. Para Brandão (1980), o popular vincula-se à classe
e à liberdade, ao mostrar que o “horizonte da educação da educação popular não é o homem educado, é o homem
convertido em classe”.
Manfredi (1980) agrega o popular ligado à educação, no sentido de prática para a autonomia, enquanto seja
capaz de gerar um saber instrumento e, sobretudo, quando contribui para a construção de direção política. Wander-
ley (1979) associa o conceito popular ao de classes populares, como algo que é legitimo que traduz interesses dessas
classes, podendo adquirir o significado como “algo do povo”.
Para Mello Neto (2004), o popular adquire plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de hoje, uma defini-
ção que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio conceito, inserido no marco teórico
da tradição e atualizado para as atuais exigências.
Souza (2007) vincula com o popular aos movimentos sociais populares. Outros veem como algo que promove
a democracia como Canclini (1987) e Peluzzo (1988) (FERRONATO, 2008, p.95).

678
Paludo (2005) esclarece ainda que a educação popular é ao mesmo tempo, um movimento sociocultural e uma
concepção de educação, ou seja, como movimento que expressa uma infinidade de práticas complexas que emergem
associadas aos Movimentos Sociais, grupos comunitários, articulações em torno de alternativas de sobrevivência,
entre tantas outras, que apontam para a necessária transformação social, sendo produto da história latino-americana.
Como concepção de educação, contrapõe-se as concepções hegemônicas e vai se fazendo, articulada ao movimento
sociocultural.
A partir da reflexão dada segundo Oliveira (2011, p.112) a educação popular é a que “o povo cria” em posicio-
namento ao tipo de educação que é convergida “para o povo”, o que provoca reivindicação de uma ação concreta das
classes populares no processo educacional.
Nesta perspectiva, superar preconceitos geracionais, étnico-raciais, de gênero, de orientação sexual, religiosos,
aprender a construir relações de modo transparente e dialógico, compreendendo o diálogo como proposto por Freire
(2003), são alguns dos aspectos que envolvem a construção do “novo homem e da nova mulher”. Ou seja,

[...] a educação popular é uma prática social de teor estritamente científico e de valor essencialmente profissional.
Ela é o lugar da competência, não o da militância. O lugar das ideias, não o das ideologias. O lugar da profissão, não
o da política. (BRANDÃO, 2008, p.21)

Percebe-se que todo esse movimento trouxe uma vasta riqueza de ideias e opções que possibilitaram ambicio-
nar a transformação social dos sujeitos. Essa concepção fundamenta-se na produção de um conhecimento socialmen-
te construído e historicamente preservado, situando o homem historicamente, suas várias relações sociais, políticas,
econômicas, culturais e com o meio ambiente; fundamenta-se na práxis social que ocorre inserida na realidade, que
estimula a apreensão crítica da realidade.

LEI 10. 639: UM CAMINHO DE POSSIBILIDADES E FORMAÇÃO

A Lei nº 10.639/03, que inaugura a obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasilei-
ra, concebeu grande progresso no sentido da constituição de uma educação antirracista. Considerada como marco no
campo das relações raciais na educação, o consentimento e a realização da lei estabelecem, como referência princípios
de interpretação da similaridade cultural negra (BRASIL, 2003).
Nesse sentido o desafio de pensar a formação do professor para o ensino antirracista requer solicitar dos dis-
centes conhecimentos e habilidades de determinados conceitos, técnicas e capacidades, capazes de fazer com que se
sintam preparados “que apresentam uma maneira de criar as afinidades sociais incorporadas” (CURY, 2000, p.32).
Diante dessas propostas, os professores que passam pelos cursos de formação devem vivenciar formas alterna-
tivas de trabalho pedagógico para tratar a problemática com um olhar crítico, valorizando a heterogeneidade da sala
de aula, com propriedade, autonomia, construindo nas diferenças do outro, uma postura idiossincrática, visando es-
tabelecer, de maneira efetiva, a escola enquanto meio de socialização dos conhecimentos historicamente acumulados,
sem restrições a ninguém de qualquer natureza.
Nesse ângulo, no que tange a elaboração da proposta, sabe-se que foi desenvolvida com a participação de algu-
mas categorias, tais como o movimento negro, tendo como objetivo a tematização das condições concretas de vida e
de trabalho desses sujeitos, possibilitando a reflexão conjunta em torno dos diversos problemas que os afligiam.
Em virtude desse movimento de participação dessas categorias que se constitui um movimento sociocultural
e uma concepção de educação, ou seja, como movimento que expressa uma infinidade de práticas complexas que
emergem associadas aos Movimentos Sociais, grupos comunitários, articulações em torno de alternativas de sobre-
vivência, entre tantas outras, que apontam para a necessária transformação social, em contraposição as concepções
hegemônicas e vai se fazendo, articulada ao movimento sociocultural.
Uma formação sustentada em grandes lineamentos se faz e refaz continuamente, na experiência dos indivídu-
os e coletivos que a fazem. Não qualquer indivíduo e nem qualquer coletivo, mas os oprimidos e os que com eles se
comprometem na perspectiva da transformação social.

679
Vale pontuar que a conscientização, hoje, não pode mais ser compreendida somente como conscientização
política, que se traduz na capacidade de leitura da estrutura e dinâmica da sociedade capitalista, tomada de posição e
inserção efetiva nos processos de luta. Esta pressupõe a conscientização política, mas a transcende porque envolve o
esforço individual e coletivo efetivo de vivencia de outra ética e moral, que não a ditada pelo capital. Superar precon-
ceitos geracionais, étnico-raciais, de gênero, de orientação sexual, religiosos, aprender a construir relações de modo
transparente e dialógico, compreendendo o diálogo como proposto por Freire (2003).
Consoante com a Constituição Federal, de 1988, intentou assegurar às pessoas em situação de desvantagens
o direito à diversidade. Estabelece prioritariamente seus intuitos principais, “assegurar em condições de igualdade
o mesmo privilégio, sem intolerância de origem, raça, sexo, cor, idade, e nenhuma configuração de discriminação”
(BRASIL, 1988, p. 3). Pactuada à Constituição, a LDB admite a relevância das intenções transdisciplinares, no que
tange a emancipação da cultura popular e o reconhecimento do pluralismo cultural. Foi apresentado a Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), nº 9.394/ 96 denotou-se como um marco para a educação brasileira
(BRASIL, 1996).
Conforme Brzezinski (2003, p.149),

Apesar de, no discurso oficial, inclusive na nova LDB/96 e também no dizer dos detentores do capital, a impor-
tância da educação básica do brasileiro ter tomado lugar central, a educação escolar sofre consequências do descaso
das ações sucessivas de desvalorização social e econômica dos profissionais da educação.

Garantir as condições de trabalho para os profissionais da educação, assim como assegurar qualidade de vida são
ações consideradas necessárias para valorizar os profissionais das escolas, o piso, a carreira, a formação profissional e
as condições apropriadas de trabalho, os quais se constituem como direito desses profissionais. O que se conquistou é
importante, mas se faz necessário continuar a luta, tendo em vista o pouco investimento destinado à educação. Para
Brzenziski (2018), a formação de professores no Brasil precisa de políticas e não de programas.
Neste sentido entende-se, portanto, a importância da formação de professores para o ensino antirracista no
currículo acadêmico, não somente como um programa de conteúdos prescritos a serem trabalhados na escola, mas
também como um imenso território de disputa, em que o papel da escola desenvolver por meio do currículo, os va-
lores, as condutas e os hábitos adquiridos para oportunizar aos educandos um conhecimento de mundo amplo nas
diferentes culturas.
Compreende-se que a formação do professor de forma a possibilitar a compreensão da importância de se tra-
balhar da diversidade cultural e a contribuição das etnias, nos consente perceber como a sociedade foi moldada por
procedimentos culturais distintas e plurais em sua composição. Candau (2012) aponta que a educação precisa abran-
ger, valorizar e trabalhar a temática cultura e educação.

A CULTURA ESCOLAR E O CONCEITO DE CULTURA

A escola integra ou conserva como tradição práticas culturais, que se constituem em conhecimento adquirido.
Nesse sentido a educação e a cultura são procedimentos integrantes que, gradativamente, vai modificando os costu-
mes, admitindo-se ter a cultura uma função também pedagógica.
Refletir a cultura escolar remete-nos a fazer um exame minucioso do dia a dia no espaço escolar o que nos
possibilita pensar o que a escola deve ensinar, que cultura ela deve transmitir guiar por esse pensamento nos remete
a constituição do currículo, do fazer pedagógico e a participação dos alunos no espaço escolar, “além de examinar as
relações entre a escola e os fatores externos a ela como o contexto econômico, político-administrativo, [...] dos con-
teúdos e saberes escolares” (FORQUIM, 1993, p. 21). Tratando dessa discussão, compreende-se então que, estudar a
cotidianidade escolar significa aproveitar como aporte o conceito de cultura.
A hermenêutica cultural sugere muitas interpretações do conceito de cultura, sobre os modos de agir compor-
tamentos e condutas das pessoas os quais constitui os valores e padrões de comportamento de uma sociedade. Pode-

680
mos entender a cultura também como aprimoramento de maneiras, conjunto de práticas ou ainda, ideia de perfeição
humana.
Segundo Laraia (2003), o conceito de Cultura foi empregado pela primeira vez por Edward Tylor, como sendo
o “conjunto de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer outros hábitos apanhados pelo ho-
mem como membro da sociedade” (LARAIA, 2003, p. 25).
Neste sentido, parto do pressuposto que a apropriação do conceito de cultura encontra-se mediado pelo tra-
balho processo de transformação da natureza através da ação do homem. O conceito de cultura se explica como me-
diação da ação humana que tem como base o processo de transformação da natureza, ação humana sobre a realidade,
que ao objetivar-se gera novas necessidades com o objetivo de dominar a natureza e dela retirar seu sustento para o
contentamento das obrigações do ser humano, isso inclui todos os preceitos que precisa para convencionar as afini-
dades dos homens uns com os outros e, principalmente a repartição da riqueza acessível.
O conceito de cultura é muito abrangente. Cultura vem se descrevendo a partir do século XIX a tudo que o
homem vem lançando ao longo da história, pelas artes, pela ciência e pela filosofia. Cultura é uma demonstração de
conhecimentos apanhados, a partir da relação homem/trabalho, pela necessidade de sobrevivência e de desenvolvi-
mento. É tudo que o homem aprende, é um conjunto de características produzidas pelo homem mediado pela parti-
cipação social, que de certa forma motiva o desempenho do homem, justificando suas ações.
A cultura é o resultado da experiência do homem com o meio, produzindo conjunto de mecanismos de con-
trole, para viver em sociedade. Laraia (2003), evidencia sobre a necessidade de o sujeito apreender a sua cultura, para
poder assimilá-la, tornar-se parte dela e transformá-la.
Com o desenvolvimento social surgem vários níveis de cultura, que constituem uma divisão de classes sociais.
Algumas classes pretendem manter as tradições no seu interior. Neste aspecto vê-se cultura como modo de vida, ma-
neira de pensar, agir, surgida das grandes transformações históricas e sociais, traduzidas em valores e tradições cultu-
rais. Nesta perspectiva a reflexão sobre o conceito de cultura hoje não pode prescindir pela diversidade de situações.
Thompson (1998, p.13), relata que nos séculos anteriores, o termo “costume” foi utilizado para denotar boa
parte do que hoje está subentendido na palavra “cultura”. O costume era “segundo natureza” do homem. Para o autor
o costume é mais completo quando tem origem nos anos iniciais de vida: é o que chamamos de educação, que, com
efeito, não passa de um costume cedo adquirido.
Thompson (1998, p.13), explica que o tema costume, se despontou na cultura dos operários no século XVIII e
parte do XIX. E defende a tese de que a consciência e os usos costumeiros eram característicos e fortes no século XVIII.
Na verdade, alguns desses “costumes” eram de invenção recente e reclamavam as exigências de novos “direitos”.
Conforme o autor desde a sua origem o estudo do folclore teve este sentido de desigualdade implicando supe-
rioridade, de subordinação. Nesse sentido, percebiam os costumes, como sobejo do passado (p.14).
Neste aspecto discorre que uma cultura é da mesma forma um conjunto de diferentes recursos, em que há cons-
tantemente uma barganha entre o escrito e o oral, o dominante e o subalterno, a aldeia e a metrópole; é um campo
de ambientes conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa assume a forma de um “sistema”. Percebe-se que
as influências em favor da “reforma” sofriam uma oposição entre a cultura patrícia e a da plebe (THOMPSON, 1998).
Diante disso, a cultura plebeia, não se caracterizava, nem era autônoma de influências externas. Assumia sua
defesa em oposição aos limites e influências impostas pelos governantes patrícios. A cultura plebeia assumiu um
conceito situado dentro de um bom senso reservado de relações sociais, um ambiente de trabalho de opressão e re-
sistência à exploração, de relações de poder dissimulados pelos ritos doutrinários do favoritismo e do respeito. Neste
aspecto ressalta:

[...] “cultura” é um termo emaranhado, que, ao reunir tantas atividades e atributos em um só feixe, pode ser ver-
dade confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe e examinar com mais
cuidado os seus componentes; ritos, modos simbólicos, ou os atributos culturais da hegemonia; a transmissão do
costume de geração para geração e o desenvolvimento do costume sob formas historicamente especificas das rela-
ções sociais e do trabalho [...] (THOMPSON 1998, p.22).

681
Nesse sentido cultura se evidencia pela mediação do homem com o trabalho, significando toda a produção hu-
mana objetiva e intencional construída pelo homem para controlar a natureza e articular entre si.
Veridiana (2011, p. 31) ressalta.

Isso significa [...] A vida comunitária somente se torna possível quando se destitui a vontade arbitrária de um
indivíduo, ou seja, o passo decisivo da civilização consiste na substituição do poder de um indivíduo pelo poder
de uma comunidade. A característica essencial dessa mudança é que, em sociedade, está implícita a necessidade de
renunciar às possibilidades de satisfação, ao passo que na lógica fictícia de um indivíduo isolado, apenas se obedece
ao princípio do prazer. Impreterivelmente, a justiça apresenta-se como a primeira exigência da civilização com o
intuito de regular os relacionamentos entre os homens.

No processo de produção de cultura o homem é capaz de modificar-se e produzir conhecimento. Nesse sen-
tido, cultura para Veridiana (2011 p. 27), é uma totalidade, é o conjunto das produções humanas que assinala várias
conexões nos níveis: político, econômico, social e cultural. Cultura abrange tanto as produções do espírito quanto
as instituições sociais e, nessas atividades, basicamente, está implicado o propósito de constituir e elevar a vida dos
homens acima da condição animal.
Nesse aspecto, ambas as instâncias têm a mesma função de, mediante a organização social, dominar as forças da
natureza e obter os bens que satisfaçam as necessidades humanas, bem como: ajustar e regular as relações dos homens
entre si. O homem produz a cultura para saciar as suas necessidades, apropria-se dela e domina-a e ao transformá-la
deixa de ser um bem consumido para sua necessidade e privilégio de alguns.
Diante do exposto a cultura é mediada pelo trabalho do homem a produzir para satisfazer suas necessidades
básicas de existência, o que implica a transformação da natureza, do homem, ação extra que se materializa na atri-
buição de uma nova função dada à atividade social para alcançar fins e meios na sua prática social que cogitam os
contrassensos existentes na sociedade.
Segundo Marx (2001, p. 111):

O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valori-
zação do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens, o trabalho não
produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente
na mesma proporção com que produz bens. Tal fato implica apenas que o objeto produzido pelo trabalho, o seu
produto, opõe-se a ele como ser estranho, como um poder independente do produto. O produto do trabalho é o
trabalho que se fixou num objeto, que se transformou em coisa física, é a objetivação do trabalho.

Raymond Williams (1969 p. 18), cultura veio a significar de começo, uma relação estreita com a ideia de es-
mero do ser humano, logo incidiu a corresponder desenvolvimento intelectual no conjunto da sociedade, mais tarde
veio a indicar todo um sistema de vida em seu aspecto material, intelectual e espiritual. Ainda segundo o estudioso a
evolução da cultura em relação a todas essas palavras, referidas nos significados da palavra, são questões surgidas das
grandes transformações históricas, que se traduzem nas alterações sofridas pela agitação da vida social, econômica e
política.
Forquin (1993), no seu trabalho sobre educação e a questão da cultura, faz uma crítica a respeito das dificul-
dades da educação desde o começo dos anos 60 e destaca que se mencionam à cargo de difusão cultural da escola,
são ao mesmo tempo, as mais ambíguas e as mais decisivas, expõem ao próprio conteúdo do processo pedagógico e
interpelam os professores no mais denso de sua identidade.
Da mesma maneira ressalta o estudioso que é recomendável também, e antes de tudo, que este anseio seja com-
partilhado pelo próprio professor, nenhuma pessoa pode instruir verdadeiramente se não treina determinada coisa
que seja adequada ou aceita aos seus oportunos olhos. Esta noção de valor essencial da coisa aprendida, tão difícil de
determinar e de explicar quanto de refutar ou rejeitar, está no próprio centro daquilo que constitui a especificidade
da intenção docente como projeto de comunicação formadora.
Todo questionamento envolvendo conteúdos ensinados, constitui um fator essencial de crise da educação dada
pela instabilidade dos programas e cursos escolares.

682
Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica. Quer se tome a palavra educa-
ção no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar,
é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre tam-
bém, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências,
hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de conteúdo da educação. [...] este conteúdo que
se transmite da educação é sempre alguma coisa que nos precede, nos ultrapassa e nos institui enquanto sujeitos
humanos pode-se perfeitamente dar-lhe o nome de “cultura”. [...] a parcela de arbitrário que implica [...] emprego
da palavra “cultura” e a necessidade de um esclarecimento léxico (FORQUIN, 1993: p. 10).

E nesta mesma linha revela que entre os empregos atualmente pertinentes da palavra “cultura”, encontramos a
cultura analisada como o conjunto das disposições e das qualidades do espírito “cultivado”, isto é, a posse de um extenso
leque de conhecimentos e de aptidões cognitivas gerais, uma competência de avaliação inteligente e de julgamento pes-
soal em matéria intelectual e artística, um senso das concretizações humanas e do poder de escapar do mero presente.
Bonnewitz (2003) relata cultura é espaço de lutas entre classes sociais, sistema de definições hierarquizadas cujo
intento é manter a separação entre as classes sociais. Cultura, então, é conjunto de projetos de percepção ordenado
por indivíduos que tem um capital cultural elevado e uma autoridade legítima.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões sobre a formação do professor para o ensino antirracista, indicam a necessidade das mediações
políticas e pedagógicas de uma concepção que pressupõe ainda: o processo sócio pedagógico comprometido com a
produção de um conhecimento socialmente construído e historicamente preservado nos diversos níveis de saberes:
humano, científico e tecnológico do processo educativo numa abordagem de totalidade, promovendo o debate, o
estudo, a pesquisa, situando o homem historicamente.
Para que se possa avançar nesse processo, o papel do professor é fundamental. Nesse sentido, a formação do-
cente, tanto a inicial como a continuada, passa a ser um locus privilegiado para todos aqueles que querem promover
a inclusão destas questões na educação. No entanto, percebe-se que essa preocupação está pouco presente. O que
evidencia compromisso sociopolítico, reforçando compromisso com a transformação social.
Nessa perspectiva, a reflexão que se faz, é que o Ensino da História da Cultura Afro-brasileira, pode ser enten-
dida como prática política compromissada com a participação das camadas populares na elaboração e no desenvolvi-
mento de propostas que corroborassem para a modificação de suas condições sociais.
Diante do exposto compreende-se que a necessidade de formação do professor para o ensino antirracista na
academia e também na formação continuada, de modo que essas práticas repercutam na totalidade, o compromisso
sociopolítico dado à importância e finalidades da educação escolar mediada pelas diversas manifestações e expressões
de cultura requer do docente a contribuição para a mudança social desencadeando uma consciência crítica seus par-
ticipantes ao oferecer possibilidades de participação e intervenção no processo histórico.

REFERÊNCIAS
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684
A EDUCAÇÃO SIQUERIANA
A ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

Micheli da Cruz Cardoso Tavares - UERJ/RJ

O trabalho tem como foco apresentar a biografia do padre João Francisco de Siqueira Andrade, conhecido
como padre Siqueira, sobretudo, quanto a idealização e implementação da Escola Doméstica de Nossa Senhora do
Amparo. A escola fundada em meados do século XIX, foi construída em Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro,
um lugar escolhido para ser o início de uma idealização para as meninas orfãs. Possivelmente ele já sabia daquelas
terras e que a Corte ali se instalara. Com isso, seria mais fácil chegar ao Imperador para pedir ajuda em relação aos
seus ideais de educação. Dessa forma, o objetivo central do estudo é apresentar o início da Escola Doméstica de Nossa
Senhora do Amparo. Em um plano mais específico, a partir desse modelo de escola doméstica voltada para meninas
carentes, buscou-se verificar de que maneira seu perfil de padre e educador contribuiu para suas práticas educativas
uma vez que uma de suas finalidades era uma educação apropriada às meninas pobres, visando servirem em casas
de famílias como criadas, quando saíssem da escola, e estivessem aptas a regerem suas próprias vidas. As matérias
ensinadas se resumiriam em: doutrina cristã e história sagrada; ler e escrever bem; arranjos domésticos; costura; bor-
dados; tecidos e flores; cozinhar; lavar e engomar; cultura de horta e jardim no que diz respeito à sua conservação. A
escola era destinada somente a meninas de 7 a 18 anos de idade, órfãs ou filhas de pais pobres. As classes eram divi-
didas por idade: as meninas de 7 a 12 anos receberiam o ensino menos pesado e as de 12 a 18 anos receberiam todo o
ensino da escola. Os procedimentos metodológicos referem-se a um estudo baseado em fontes histórico-documen-
tais e bibliográficas, com destaque para autores que já se debruçaram sobre a história do padre Siqueira e da criação
da sua escola. As fontes complementares compõem-se, ainda, dos egodocumentos selecionados, como cartas trocadas
entre o padre Siqueira e diversas personalidades que de alguma forma foram fundamentais para a implementação da
escola. A investigação tem seu recorte temporal nos anos de 1864 a 1889, centrando exclusivamente nos documen-
tos do acervo escolar, na análise das práticas educativas produzidas no interior da escola caracterizada como locus de
produção de cultura escolar, na segunda metade do século XIX.
Palavras-chave: Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, educação formal, Padre Siqueira

A BIOGRAFIA DE SIQUEIRA ANDRADE

Nascia em Petrópolis sua missão de educar meninas para serem protagonistas de sua própria história de vida.
Assim foi a trajetória de João Francisco de Siqueira Andrade, mais conhecido como Pe. Siqueira. Nasceu em 15 de
julho de 1837, na cidade de Jacareí, em São Paulo. Seus pais Miguel Nunes de Siqueira e Claudina Maria de Andrade
eram muito católicos e zelosos com os ofícios da religião, por conseguinte, com apenas 15 dias de nascido recebeu a
unção do Batismo e do Crisma.
Tentar compreender sua biografia individual narrada, abre, ao pesquisador, várias possibilidades a fim de en-
tender as intercessões entre as evoluções estruturais e as trajetórias individuais, colocando-as sob dilemas humanos
e sociais. A escrita (auto)biográfica pode ser considerada como uma escrita histórica capaz de remeter a aspectos
incontornáveis da experiência humana.
Em agosto de 1857, João Francisco de Siqueira Andrade entra para o seminário Diocesano de São Paulo. Po-
rém, infelizmente, não foi ordenado em São Paulo. Por ter sua saúde bastante debilitada, o Bispo não quis ordená-lo,
assim, ele foi transferido para o Seminário de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde concluiu seus estudos e orde-
nou-se sacerdote em 08 de dezembro de 1864.

685
No período de 1864 a 1865, ocupou a função de capelão militar, depois retornou para São Paulo e foi designado
como coadjutor da Freguesia de Mogi das Cruzes. Em 1867 escreve, em Mogi das Cruzes, uma belíssima homilia na
quinta-feira Santa. A partir daí, começa a transparecer suas evidências sobre um ser humano voltado à imagem e
semelhança de Deus.
Seus Pais, Miguel Nunes da Siqueira e Claudina Maria de Andrade, legitimamente casados e providos de bens
de fortuna, eram muito considerados pelos sentimentos de fé e piedade cristã. Sendo assim, Siqueira Andrade sempre
teve uma harmonia e um cuidado cristão no ceio de sua família. Os dois lados de sua genealogia eram genuinamente
católicos, sendo os Andrades e os Siqueiras bastante conservadores em suas tradições. Cumpriam as orações e as lei-
turas dos ofícios católicos diariamente, preservando as tradições sagradas de seus antepassados.
Seus avós paternos, Antônio Nunes de Siqueira e Juliana de Jesus, eram naturais de Mogi das Cruzes; da parte
materna: Francisco Antônio de Andrade, natural de Portugal e Maria de Penha da Conceição, de Jacareí, São Paulo.
Siqueira Andrade também tinha sete irmãos: Ana Claudia de Andrade, Daniel de Siqueira Andrade, Francisco de Si-
queira Andrade, Narciso Antunes de Siqueira, Maria da Penha, Manoel Joaquim de Andrade Sobrinho, José Bento de
Andrade, o primogênito. O Irmão Narciso foi o genitor da Irmã Francisca Narcisa Pia, a inesquecível “mamãezinha”
que foi coadjutora na fundação de seu colégio em Petrópolis.
Possivelmente, suas primeiras letras foram ensinadas por sua mãe, algo bastante comum no século XIX, com li-
ções de catecismo, passagens da vida dos santos ou devotas orações, em que a criança aprendia com facilidade. Assim,
o menino de Jacareí cresce em sabedoria e em graça. Sua vocação para o sacerdócio é como que uma consequência de
um conjunto de qualidades pessoais e de virtudes nele cultivadas que, em determinado momento, reclamam um cam-
po próprio para se exercitar. Para Le Goff (1990), a biografia histórica deve se fazer, ao menos em certo grau, relato,
narração de uma vida. Ela se articula em torno de certos acontecimentos reais e coletivos. Na construção dos relatos
biográficos, portanto, será necessário escapar da presunção de dotar seus personagens de um sentido revelável, pelas
diversas fontes com as quais se defronta.
Na faixa dos 20 anos, Siqueira Andrade decide procurar o seminário Episcopal de São Paulo, na época, o grande
centro de formação de sacerdotes, uma vez que as circunstâncias eclesiásticas eram reduzidas em número. Entre os
jovens que compõem a segunda turma a matricular-se no seminário, no ano de 1857, consta o nome do Jovem João
Francisco de Andrade, o Pe. Siqueira (NETO, 2003).
O seminário Diocesano era regido pelos capuchinhos, criado pelo Bispo D. Antônio Joaquim de Melo, com
estímulo do Papa Pio IX. Após ter participado como voluntário do exército brasileiro, na guerra com o Paraguai, con-
traiu moléstia insidiosa (BAGGIO, 1987) que mais tarde o levaria ao túmulo. Transferiu-se para a Capital do Império,
a belíssima cidade do Rio de Janeiro, ou a Corte, como se dizia na época, pois ali residia o Imperador D. Pedro II, a
família imperial e todo o séquito que costumava circundar os monarcas (BAGGIO, 1987).
No Rio de Janeiro, encontrou-se com uma senhora que serviu de “anjo enviado por Deus” para coadjuvar o Pe.
Siqueira: Dona Ana Leocádia Cunha Barbosa Moreira Guimarães (HOSTIA, 2013). Em sua casa, foi recebido com
afeto de filho, encontrando calor humano, além de espírito cristão e meios materiais necessários para desencadear
seus projetos. O casal Moreira Guimarães vivia, desde 1855, no bairro de Laranjeiras, mas, como família de posses,
possuía uma casa em Corrêas, junto à fazenda imperial de Petrópolis, onde costumava passar a temporada quente do
verão. Chamava-se o recanto “Fazenda da Olaria”. (BAGGIO, 1987). Essa região acabou se chamando Corrêas, pois
Dona Ana de Deus deu origem à família, de onde saíram o Pe. Tomás de Aquino Corrêa e Dona Arcângela da Silva,
mãe de Dona Ana Leocádia, que hospedara o Pe. Siqueira, em sua casa no Rio, levando-o a Petrópolis, no sítio onde
chamava Nossa Senhora do Amor Divino, em sua capela na fazenda da Olaria. Para lá viera Pe. Siqueira, no ano de
1855, em busca de melhorias de sua saúde abalada. (BAGGIO, 1893).
Aparentemente, em Corrêas, Pe. Siqueira levou uma vida tranquila: rezava missas diárias, realizava leituras e
orações, e se recuperava de suas poucas energias. Petrópolis havia sido fundada em 1843 e, por ter um clima ameno,
hospedara a Corte, principalmente nos verões intensos do Rio de Janeiro. O impulso da cidade de Petrópolis se deu
com a vinda de colonos Alemães, liderados pelo Major Koeler, que pretendia estabelecer, nesta região do Brasil, uma
colônia agrícola.

686
Pe. Siqueira escolheu Petrópolis para iniciar sua obra. Possivelmente ele já sabia daquelas terras e que a Corte
ali se instalava. Com isso, seria mais fácil chegar ao Imperador para pedir ajuda em relação aos seus ideais de educação.
Pe. Siqueira realiza, no período em que esteve em Petrópolis, várias viagens, procurando novos conhecimen-
tos; visitando escolas públicas e particulares; falando aos ricos sobre seus planos. Em seu coração, Pe. Siqueira sempre
tivera a vontade de cuidar de menores abandonadas e educá-las em sua formação. Seu sonho era que essas menores
se tornassem mulheres capazes de assumir seu papel na história. Educar as meninas desvalidas para que pudessem, no
futuro, viver honestamente de seu trabalho, quer como boas mães de família, quer como empregadas domésticas, ou
até mesmo como representantes do magistério, seja ele praticado em casa ou nas escolas.
Com todo esse ideal de educação, no dia 15 de julho de 1868, Pe. Siqueira foi até o Imperador D. Pedro II apre-
sentar seu programa para a fundação de um estabelecimento. Nóvoa (2000) apud Nascimento (2017) nos assegura
que “encontramo-nos perante uma mutação cultural que, pouco a pouco, faz reaparecer os sujeitos face às estruturas
e aos sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao instituído”. Estamos sempre numa tentativa de com-
preender a maneira de ser e de construir a trajetória de profissionais da educação.

A FUNDAÇÃO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

A presente escola foi fundada por João Francisco de Siqueira Andrade, conhecido como Padre Siqueira. A
idealização desse sonho somente foi possível graças ao Imperador Pedro Pedro II. Siqueira Andrade entregou uma
missiva ao Imperador Dom Pedro II apresentando claramente o plano de construir uma escola destinada às meninas
carentes. Siqueira destaca o quanto a educação pode mudar a história de um país, ressaltando a importância de es-
tudar para poder sair da pobreza, e ter condições e apropriações à moralidade. Para ele, a “pobreza do ensino”, limi-
tando-se apenas à língua e às quatro operações, seria pouco para o tamanho da riqueza da educação. Por isso, destaca
que a religião, que havia sido esquecida, deveria fazer parte da instrução para sanar os maus costumes, os vícios etc.
Ao receber o projeto, o imperador Dom Pedro II, imediatamente o alertou sobre as dificuldades que encon-
traria; mas, três meses depois, aprovou o projeto.
Em 30 de abril, 17 de julho e 11 de dezembro de 1869, adquiriu, respectivamente, os terrenos nº 189,190,191
e 192, localizados na Avenida Roberto da Silveira, no Centro de Petrópolis, Rio de janeiro.1Neste terreno, Pe. Siquei-
ra ergueu sua Instituição de Ensino voltada exclusivamente para meninas órfãs – Escola Doméstica de Nossa Senhora
do Amparo. As obras tiveram início em 1º de setembro de 1870. Ele publica pela primeira vez o Estatuto da Institui-
ção Educacional, que tinha por base o Programa para criação de um estabelecimento Pio para o sexo feminino, por
ele mesmo rascunhado e apresentado ao Imperador. No início, a escola era destinada exclusivamente ao ensino das
órfãs pobres, denominadas desvalidas. (NETO, 2003).
No programa de criação de um estabelecimento Pio para o sexo feminino, Pe. Siqueira estabeleceu regras para
serem realizadas no âmbito escolar. Neste programa, constam que o nome do Estabelecimento seria: Escola Domés-
tica Nossa senhora do Amparo – e a finalidade da educação era para meninas pobres. Depois, evidencia-se a adminis-
tração da escola: esta deveria ser composta por dois sacerdotes, um reitor capelão e um vice-reitor como coadjutor;
e internamente um número conveniente de irmãs de caridade. As matérias de ensino lecionadas seriam as seguintes:
Doutrina Cristã e história sagrada; ler e escrever bem; as quatro operações aritméticas; arranjos domésticos; costura;
bordados; tecidos e flores; cozinhar; lavar e engomar roupas; cultura de horta e jardim. Os trabalhos deveriam ser
divididos em duas grandes classes: segundo a idade e às disposições físicas. A primeira classe seria de meninas de 07
a 12 anos de idade e a segunda de 12 a 18 anos de idade. Todo trabalho de serviço interno deveria ser realizado pelas
alunas internas.
A admissão das alunas seria realizada por meio de um documento que atestasse sua pobreza, bem como uma
declaração autenticada pela autoridade civil de sua freguesia, fazendo constar a desistência de todo o direito e ação
que tinham sobre meninas, enquanto elas fossem pensionistas da escola. As meninas somente poderiam sair da escola
1 Este documento de compra e venda encontra-se no Arquivo da Casa Geral- Sala Histórica EDNSA

687
após completados 18 anos e estarem aptas para seguirem seu destino. Elas estariam prontas para o trabalho domésti-
co; aulas particulares ou em casa de família.2
Em 22 de janeiro de 1871, quando vencidos todos os obstáculos, foi inaugurada a ESCOLA DOMÉSTICA DE
NOSSA SENHORA DO AMPARO. Estavam presentes na inauguração as Majestades Imperiais e sua Alteza.
Nos anais da história da Congregação de Nossa Senhora do Amparo, o dia da inauguração, perpetua-se na ação
de nos louvores a Deus, entre outros tantos nos quais se cantam as divinas misericórdias do Senhor (HÓSTIA, 2013).
Em 1876, Pe. Siqueira escreve o Estatuto da Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo que entre tantas colocações
evidenciam-se as seguintes: Que a escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, fundada em Petrópolis, pelo Pe. João
Francisco de Siqueira Andrade, tem por finalidade receber meninas e órfãs gratuitamente. No estatuto aparece claramente,
assim como no Programa de Criação de Ensino, as regras e as disciplinas que deveriam reger a Instituição Escolar. Além
das matérias acima descritas no estatuto, aparecem ainda as disciplinas de: canto coral e práticas de enfermagem. O Estatuto
também destaca que cabe à direção da escola fazer as despesas internas e prestar contas ao Diretor Geral.3

PROGRAMA APRESENTADO AO IMPERADOR: ESTATUTO

No capítulo 1 deste programa, no qual se refere ao estabelecimento de ensino, diz que a escola terá como tí-
tulo – Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo e que será destinada exclusivamente às meninas pobres para
servirem em casas de famílias, ficando, entretanto, sob a proteção da Escola até que se achem em condições que a
dispensem e que estão marcadas neste programa.
Encontra-se no capítulo 2 a administração externa que será composta de dois sacerdotes, sendo um Reitor ca-
pelão e um vice-reitor coadjuvante, e a interna de um mero conveniente de Irmãs de Caridade.
Destaca-se no capítulo 3 o ensino, dando ênfase às matérias lecionadas e aos trabalhos diários. Em relação às
matérias lecionadas, as mesmas seriam as seguintes: doutrina cristã e história sagrada, ler e escrever bem a língua
nacional e as quatro operações da aritmética. Também era ensinado sobre arranjos domésticos, bordados, tecidos e
flores; cozinhar, lavar e engomar; cultura de horta e jardim no que diz respeito à sua conservação ou tratamento das
plantas. Os trabalhos deveriam ser divididos em duas grandes classes, segunda a idade e a disposição física das meni-
nas. De 7 a 12 anos o ensino menos pesado. De 12 a 18 anos receberiam todo o ensino da escola.
No capítulo 4 são apresentadas as normas de admissão das meninas. Neste é citado que somente serão admiti-
das meninas na idade entre 7 a 12 anos órfãs ou filhas de famílias pobres. O número de vagas será fixado anualmente
segundo os recursos de que quer dispuser o estabelecimento.
A retirada das meninas da escola é contemplada no capítulo 5, onde apresenta que elas precisarão estar com a
idade de 18 anos completas, estando aptas a seguirem seu destino, ficando, entretanto, sob a proteção da escola até a
idade de 21 anos. Também neste capítulo é ressaltado que os pais podem, quando suas filhas queiram, retirá-las sem
ônus algum da escola tendo completado o tirocínio marcado ou idade de 18 anos, ficando desde então inteiramente
desligadas do estabelecimento.
O capítulo 6 destaca a economia da escola. Neste é apresentado que para as acomodações, trabalhos, alimenta-
ções, vestuário e outros misteres será sempre observada a maior simplicidade, economia e asseio.
Por fim, no capítulo 7 são discorridas as disposições gerais que indicam que os artigos deste programa servirão
de base para a organização dos estatutos da Escola, que, no tempo competente, serão apresentados a fim de, recebida
aprovação, merecem igualmente o necessário apoio do Governo Imperial.
15 de julho de 1868
Padre João Francisco de Siqueira Andrade4
2 Dados retirados do PROGRAMA PARA CRIAÇÃO DE UM ESTABELECIMENTO PIO PARA O SEXO FEMININO, disponível no
Arquivo da Casa Geral- Sala Histórica EDNSA e em HÓSTIA, 2013.
3 Dados retirados do ESTATUTO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO, disponível no Arquivo da Casa
Geral- Sala Histórica EDNSA e em HÓSTIA, 2013.
4 Dados retirados do ESTATUTO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO, disponível no Arquivo da Casa
Geral- Sala Histórica EDNSA e em HÓSTIA, 2013

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Assim, Siqueira Andrade constrói uma escola que terá como base uma educação católica, pautada nos princí-
pios Siqueiranos onde a prática doméstica era enfatizada para um futuro melhor das meninas órfãs do Brasil Império.

CONCLUSÃO

Algumas leituras sobre a vida de Pe. Siqueira nos inspiraram a iniciar a escrita deste artigo e a elencar alguns
dados que foram evidenciados. Entender como tudo começou, a fundação de sua escola, os documentos que escreveu
e todo o legado educacional que deixou, tem sido, ultimamente, objeto de interesse particular. Pe. Siqueira foi um
grande visionário; um homem que se preocupou com uma educação de qualidade para as meninas órfãs; um homem
que se preocupou com uma educação para o coração. Sua ideia sobre educação perpetua até os dias de hoje com legado
que deixou na Escola Nossa senhora do Amparo, que ainda se encontra funcionando em Petrópolis, hoje como uma
escola conveniada à Mitra Diocesana, atendendo meninas e meninos da Rede Municipal de ensino. Além disso, sua
obra deu origem à Congregação das Irmãs de Franciscana de Nossa Senhora do Amparo, a qual está espalhada pelo
Brasil, realizando a missão do Pe. Siqueira. As irmãs, também encontram-se em outras escolas fundadas: Colégio
Maria Raythe – Rio de Janeiro; Educandário Nossa Senhora do Ampara – Jacarepaguá, RJ; Escola Doméstica Cecília
Monteiro de Barros e Colégio Nossa Senhora do Amparo – Barra Mansa, RJ; Colégio Nossa Senhora do Amparo –
Jacareí, SP; Colégio Nossa Senhora do Amparo – Monte Carmelo, MG; Educandário São José – Mateus Leme, MG;
Creche Rosa da Matta – Sacramento, MG; Colégio Nossa Senhora do Amparo – Surubim, PE; Escola Nossa Senhora
do Amparo – Maceió, AL. Pe. Siqueira também encontra-se hoje em processo de Canonização na Diocese de Petró-
polis.

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HÓSTIA, Áurea de Jesus. Padre Siqueira: sua vida e sua obra. Petrópolis: Vozes, 1957.
NASCIMENTO, Jussara Cassiano. Pesquisa (auto) biográfica e formação de professores alfabetizadores. 1. Ed. – Curitiba:
Appris, 2017.
NETO, Reinaldo Parisi. Práticas Educativas envolvendo Desvalidas e Ingênuas: A Institucionalização da Escola
Doméstica de Nossa Senhora do Amparo no Brasil Império (1864 – 1889). Dissertação de Mestrado apresentado ao
Programa de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003.

689
EDUCAR E PREPARAR PARA O TRABALHO: UMA EXPERIÊNCIA
MILITAR EM MATO GROSSO NA SEGUNDA METADE DO SECULO XIX

Liana Deise da Silva – PPGEDU/UFMS

Na segunda metade do século XIX, centenas de meninos pobres viveram, em Mato Grosso uma experiencia
que articulava trabalho e educação no interior de duas instituições militares: A Companhia de Aprendizes Marinhei-
ros e a Companhia de Aprendizes menores do Arsenal de Guerra.
A Companhia de Aprendizes menores foi criada em 1842 junto e funcionou junto ao Arsenal de Guerra de
Mato Grosso, extinta na época república em 1916. Já a Companhia de Aprendizes de Marinheiro Criada pelo decre-
to n. 1.987 de 07 de outubro de 1857 e fez parte de uma rede de dezoito Companhias criadas durante o Império de
distribuídas pelo território brasileiro. Em Cuiabá funcionou junto ao Arsenal da Marinha na região do Porto, sendo
transferida para a cidade de Ladário em 1878.
Ambas foram criadas com o intuito de para atender a necessidade de mão de obra, na manutenção de embar-
cações e facilitar o abastecimento das tropas militares sediadas na província, vindo ao encontro às necessidades de
defesa de uma área de fronteira, o que justifica sua presença em Mato Grosso.
A preocupação com a fronteira era evidenciada em documentos oficiais do ministério dos negócios da Mari-
nha, em que mostrava-se a necessidade de criação do Arsenal de Marinha em algum ponto do Rio Paraguai, “com fim
de defesa do Forte Coimbra, da navegação do litoral do Paraguai dentro de nossos limites”. (Aviso Imperial, 1957).
De acordo com Volpato (1993), a vida em Mato Grosso era marcada pela condição de fronteira. [...] enquanto
possuidor de 300 léguas de linha limítrofe, Mato Grosso se via como região mais vulnerável do Império, sujeita a
qualquer momento a uma tentativa de invasão, temida principalmente na região do baixo Paraguai. (VOLPATO,
1993 p. 38).
A revolução industrial trouxe profundas mudanças para sociedade, transformando não só as relações de tra-
balho como a vidas das pessoas, dando ao capitalismo condições para que ele se transformasse em uma economia
mundial.
Diante desse contexto e imbuídos pelo discurso capitalista, para o qual o espaço privilegiado era a cidade orde-
nada e higienizada, as autoridades mato-grossenses almejavam uma sociedade de progresso e civilizada, dessa forma
tentavam aplicar modelos implantados nas regiões do centro-sul do país.
Nesse contexto as Companhias de Aprendizes foram criadas na tentativa de regeneração pelo trabalho, devido
à preocupação com os órfãos e pobres que poderiam tornar-se mais tarde ociosos ou até se entregarem aos caminhos
dos crimes. Neste sentido, em Cuiabá tinha como função educar, disciplinar e preparar para o trabalho os meninos
pobres visando torná-los futuramente trabalhadores disciplinados e úteis à sociedade.
As Companhias de Aprendizes Marinheiros e de Aprendizes Artificies em Mato Grosso, como instituição edu-
cativa formadora para os mais variados serviços, constitui-se numa experiência impar na província de Mato Grosso
em um período em que ainda “predominam as relações escravistas de trabalho, uma estrutura social desigual e, con-
sequentemente oportunidades educacionais extremamente escassas”. (CRUDO, 2005).
Dessa forma, compreender o passado dessas instituições militares pelos sinais e marcas de sua trajetória, torna-
-se capaz de abarcar as múltiplas representações vivenciadas pelos grupos que dela fizeram parte. Magalhães (2004, p.
124) considera que as instituições educativas são organismos vivos e dinâmicos por construírem sua história a partir
das relações travadas entre todos os elementos que as constituem e entre estes e a realidade na qual elas se inserem.
O modelo europeu de recrutamento dos menores, que dependia quase que exclusivamente das Casas dos Ex-
postos, as companhias brasileiras não seguiram esse modelo. No Brasil em função das precárias condições de saúde,
que as crianças oriundas dessas casas apresentavam e. diante da impossibilidade de sua recuperação nas Companhias,

690
elas foram parcialmente substituídas “pela possibilidade do recrutamento de crianças carentes enviadas pelos pais ou
tutores e aquelas presas por vadiagem”. (VENÂNCIO 2010, p.198).
Com a função de disciplinar e preparar para o trabalho os meninos pobres, a aprendizagem recebida pelos me-
nores ocorria por meio de processo imitativo, onde se aprendia sem nenhuma instrução teórica, dava-se aos menores
apenas o conhecimento prático. Para serem alistados na Companhia de Aprendizes Marinheiros os menores deviam
enquadrar-se no regulamento, ser brasileiro, ter idade entre 10 e 17 anos e ter constituição robusta, ou menores de 10
anos que possuíssem condições físicas para o exercício do aprendizado. (Decreto nº1.517 de 04 de janeiro de 1855).
Dava-se preferencia aos Órfão, pobres ou abandonados.
Acresce-se a isso a necessidade de que o pai, tutor ou quem fosse responsável, assinasse um termo de com-
promisso, obrigando o menor a cumprir o regulamento, sob pena de ser despedido no caso de recusa do mesmo. Os
menores recebiam, também, educação moral, religiosa e artística e um vencimento de cem réis diários, segundo o
adiantamento que obtivessem se elevaria progressivamente a trezentos réis.
Todos os menores eram obrigados a frequentar a escola de primeiras letras, até saberem ler e escrever e as
operações de aritmética. Ainda aprenderia simultaneamente nas oficinas dos Arsenais um ofício.Os aprendizes eram
também recrutados entre meninos que a critério das autoridades competentes vadiavam.
Muitos pais deixaram-se seduzir pela proposta de “casa, comida, roupa lavada e um ensino profissionalizante
em um ambiente militar” e alegando sua extrema pobreza encaminhavam seus filhos as Companhias em Cuiabá,
acreditando estar lhes oferecendo um futuro melhor. (CRUDO 2005, p. 25).
Ainda, que estas instituições parecesse uma alternativa para a população livre e pobre, ao dar aos meninos
pobres o aprendizado de um oficio e o ensino escolar primário, nem sempre era vista com bons olhos pelas famílias.
Por ser uma Instituição Militar, trazia em seu interior um ambiente rígido e disciplinar e, ainda, a possibilidade de
ver seus filhos sendo levados para longe no caso dos aprendizes marinheiros, muitos pais se recusavam a alistarem
seus filhos.
Por outro lado, as autoridades provinciais classificavam os meninos pobres como vagabundos e buscavam me-
didas, como envia-los para as Companhia de Aprendizes , na tentativa de regenerá-los.
Enviar menores para os Arsenais de Guerra ou da Marinha era uma forma de dar a eles educação escolar e
ensino profissional, dessa forma estariam contribuindo para que esses menores não viessem a se tornar mais tarde
“pessoas ociosas e afasta-los dos vícios e dos crimes”. Essa preocupação com os menores é percebida em relatórios dos
presidentes de província, que estão sempre chamando a atenção para o cuidado com o que a vida oferece aos meninos.

É de lamentar a falta de incrementos das instituições, aliás tão úteis e de tanto futuro para os pais, instituições que
dão à luz a tantos espíritos que permanecem abismados na sombra da ignorância: pão a quem ele se vê privado e
trabalho, em uma idade a mais perigosa da vida quando a ociosidade conduz quase sempre o inexperto a estrada
dos crimes e mais tarde as portas de um cárcere”. (RELATORIO ENVIADO AO PRESIDENTE DE PROVINCIA
PELO BRIGADEIRO ALEXANDRE MANOEL ALBINO DE CARVALHO, 1865).

A documentação evidenciou as representações elaboradas pelas autoridades provinciais em relação aos me-
ninos pobres da província em seus discursos. Dessa forma, as representações eram entendidas como “classificações,
divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo social com categorias fundamentais de percepção e de
apreciação do real” (CHARTIER, 1990, p.17).
A partir dessas classificações e percepções dos grupos traduzia-se a realidade tal como pensavam que era, ou
como gostariam que fosse constituindo matrizes de discursos e de práticas diferenciadas. Dessa maneira as represen-
tações eram construídas por uma coletividade e implicavam em exclusões e escolhas, condicionando valores, condu-
tas e comandando atos.
De acordo com Chartier (1990 p.17) as representações não são discursos neutros, elas produzem estratégias e
práticas tendentes a impor autoridade, acatamento e mesmo legitimar. Variam segundo a disposição dos grupos ou
das classes sociais e são determinadas pelo grupo que a forjam. Ainda, demonstram nessas representações, relações

691
de poder, de concorrência, de lutas onde cada grupo, a se impor, delimita, demonstra seus valores, sua pretensão de
domínio.
Para as autoridades provinciais os meninos pobres muitas vezes eram tidos como vagabundos, errantes. Con-
siderados como vadios esses meninos eram enviados muitas vezes aos Arsenais sem o consentimento dos pais.
A argumentação para o alistamento forçado feito por delegados ou dirigidos por juízes de órfãos eram funda-
mentados na ideia de boa formação e melhores condições de vida a serem usufruídas por meninos desvalidos, ou seja,
pela população pobre.
No entanto a documentação evidencia uma rejeição por parte da população, através de pedidos de devolução
de seus filhos, fugas dos menores e reclamações de mães contra a apreensão de seus filhos.
No bojo desse processo a educação da população pobre era vista como um serviço primordial para a formação
de uma nova mentalidade de nação “um mecanismo estratégico na propagação dos novos princípios governamentais
e que interessavam ao progresso do país, principalmente a educação profissional”. (KUNZE, 2004, p.1)
No decorrer de sua trajetória a Companhia de Aprendizes marinheiros de Mato Grosso passou por uma série
de modificações em seu regulamento, vindo uma dessas alterações acarretar a transferência da mesma para Ladário
em 1878. Que trouxe como consequência o afastamento dos menores de seus lares, aumentando ainda mais resistên-
cia ao alistamento, dos menores e de algumas famílias.
Em um dos relatórios apresentados pelo Presidente da Província Hernesto Hermes ele trata de providencias à
serem tomadas para a aumentar o número do e menores da Companhia de Aprendizes Marinheiros, ele afirma que
uma das causas da aversão dos Pais e tutores em destinar seus filhos a vida no mar, com certeza era por ignorarem as
vantagens e favores que a lei conferia aos menores durante e depois de concluída a aprendizagem. Sendo conveniente
tornar “públicas e notórias as disposições de lei concernentes ao assunto, fazendo-as transcrever nos jornais dessa
província, e em editais que serão afixados nas portas das igrejas” (RELATORIO 1975).
Apresenta ainda nesse relatório quais os benefícios da lei deveriam ser divulgados para que pais e tutores ma-
triculassem seus filhos na Companhia.

[...] aprender ler escrever, contar, riscar mapas e a doutrina cristã, os que servirem por espaço de seis anos, obterão
se quiserem licença, em tempo de paz, para navegar em navios mercantes, por tempo de três anos... os que com-
pletarem doze anos de serviços terão suas baixas, se houverem sido admitidos como grumetes... exceto se quiserem
continuar no mesmo serviço, e neste caso perceberão, além dos soldos competentes ás suas respectivas patentes
uma gratificação de mais um terço do mesmo soldo...havendo completado dezesseis anos de serviço terão direito
a sua reforma, com pensão igual a metade do respectivo soldo. (RELATORIO 1975)

À distância da Companhia, com sua transferência, era um dos fatores da diminuição do número de menores
alistados. Sendo necessário reforçarem a divulgação do oferecimento de um prêmio de cem mil reis criado pelo “de-
creto n. º 1591 de 14 de abril de 1855 art. 19” por parte das autoridades aos pais ou responsáveis que apresentassem
seus filhos como voluntários para se alistarem na companhia de Aprendizes Marinheiros.
O prêmio de cem mil réis seria destinado ao responsável pelo menor, era um valor nada desprezível e muito
tentador. Esse era um poderoso estimulo para que a Companhia prosperasse, tanto que em maio de 1875, o número
de menores era de 136. Apesar desse prêmio tentador, algumas famílias ainda resistiam não alistando seus filhos ou
dando preferência ao Arsenal de Guerra.
Partimos da premissa, de que a rejeição do projeto disciplinar, proposto pelas camadas dirigentes, fundamenta-
va-se nas reclamações de mães contra a apreensão de seus filhos por meio de requerimentos enviados aos presidentes
da província. Por ser esta uma instituição militar e conter características de um ambiente disciplinar rígido e a possi-
bilidade de ver seus filhos afastados de seus lares ao levarem uma vida de marinheiro.
Outra possibilidade levantada para compreender de tamanha aversão a uma instituição que, na época, era uma
das poucas alternativas de instrução a crianças pobres, órfãs e desamparadas, seria a preocupação dos pais em ter
seus filhos afastados, desconfiando que, se os matriculassem na Companhia, eles poderiam ser enviados à Guerra do
Paraguai, especialmente por ser Mato Grosso uma região fronteiriça

692
Neste trabalho foi possível evidenciar as contradições existentes, entre a população livre e pobre em relação
à Companhia de Aprendizes , apreendida como única opção alternativa de ascensão social para os filhos de famílias
pobres.
Isto porque foi possível observar com/na documentação referente a Companhia de Aprendizes Marinheiros,
a experiência das autoridades em disciplinar a população livre e pobre, por meio da educação para o trabalho. No
entanto percebe-se que essa tentativa de ordenar a população pobre ocorreu de forma contraditória, uma vez que a
população a quem o ensino escolar e o de ofício eram destinados, mostravam rejeição ao projeto disciplinar.
As autoridades reclamavam dos pais que preferiam ver seus filhos entregues à própria sorte, do que tê-los na
Companhia de Aprendizes. Contudo, nem toda a população reagia desta forma, os documentos mostraram que algu-
mas mães e tutores entregavam os menores como voluntários alguns para receberem o prêmio, que provavelmente
serviria para manter as famílias pobres.
Em que pesem tais indícios, ainda, permanecem abertas as possibilidades de aprofundamento para compreen-
dermos melhor todo esse processo de tentativa de regeneração pela educação e trabalho.
Neste trabalho foi possível evidenciar as contradições existentes, entre a população livre e pobre em relação à
Companhia de Aprendizes Marinheiros, apreendida como única opção alternativa de ascensão social para os filhos
de famílias pobres.
Isto porque foi possível observar com/na documentação referente a Companhia de Aprendizes Marinheiros,
a experiência das autoridades em disciplinar a população livre e pobre, por meio da educação para o trabalho. No
entanto percebe-se que essa tentativa de ordenar a população pobre ocorreu de forma contraditória, uma vez que a
população a quem o ensino escolar e o de ofício eram destinados, mostravam rejeição ao projeto disciplinar.
As autoridades reclamavam dos pais que preferiam ver seus filhos entregues à própria sorte, do que tê-los na
Companhia de Aprendizes Marinheiros. Contudo, nem toda a população reagia desta forma, os documentos mostra-
ram que algumas mães e tutores entregavam os menores como voluntários para receberem o prêmio, que provavel-
mente serviria para manter as famílias pobres.
Em que pesem tais indícios, ainda, permanecem abertas as possibilidades de aprofundamento para compreen-
dermos melhor todo esse processo de tentativa de regeneração pela educação e trabalho.

REFERÊNCIAS

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações.


Coimbra: Editora Berthand do Brasil; Rio de Janeiro: Difel, 1990.
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios manufatureiros em Arsenais, asilos e liceus. Fórum educacional. Rio de
Janeiro. Fundação Getúlio Vargas / IEAE, 3(3) 3-47.
CRUDO, Matilde Araki. Os aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso: trabalho infantil e educação (1842 - 1899).
Cuiabá, UFMT, 1999 (tese de doutorado).
FONSECA, Celso Suckow. História do ensino industrial no Brasil. Rio de Janeiro SENAI, 1986.
KUNZE, Nadia Cuiabano. A organização do ensino na escola de Aprendizes Artífices de Mato Grosso. http://sbhe.org.
br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Individ/Eixo4/175. MAGALHÃES, Justino Pereira de. Tecendo Nexos: história
das instituições
Educativas. Bragança Paulista –SP Ed. Universitária São Francisco, 2004.
VOLPATO. Luiza Ricci. Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850-1888. Editora Universidade
Federal de Mato Grosso. Cuiabá-MT 1993.
PRIORI, Mary Del (org.). História da infância no Brasil. São Paulo, Contexto, 1999.
Livro de Correspondência oficial do governo para a Santa Casa da Misericórdia (1878-1906). Livro n.º 316.
Livros de Registro de correspondência dirigida pela presidência à repartição de polícia (1872-1875) livro n. º 264.

693
Livro de Registro de correspondência provincial aos comandos militares (1866-1871) livro n. º 230.
Livro de Registro de correspondência oficial da presidência dirigida as diversas autoridades do interior da província (1874-
1879) livro n. º 287.
Livro de Registro de correspondência da presidência com a polícia (1883-1886) livro n. 348. IMPÉRIO. Colleção das Leis do
Império do Brasil de 1836. Rio de Janeiro: Typographia v. VII, 1838.
______. Colleção das Leis do Império do Brasil de 1840. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, Tomo III, Parte I, 1863.
______. Decreto nº 411 A de 05/06/1845. Collecção das Leis do Império do Brasil. Tomo 8, Parte 2ª, Secção 13ª, 1845.
______. Decreto nº 1517 de 04/01/1855a. Collecção das Leis do Império do Brasil. Tomo 18, Parte 2ª, Secção 26ª, 1855.
______. Decreto nº 1.591 de 14 /04/1855b. Collecção das Leis do Império do Brasil. Tom18, Parte 2ª, Secção 26ª, 1855.

694
EMANCIPAÇÃO FEMININA PELA EDUCAÇÃO: ARENDT E BOURDIEU

Edilamar Rodrigues de Jesus e Faria-PUC/GO

Resumo: O presente artigo tem como objetivo colocar em pauta o diálogo sobre a importância do empodera-
mento feminino no desenvolvimento da sociedade, a partir da educação, tendo como referencial Pierre Bourdieu e
as ideias de Hannah Arendt e aplicado aos bairros de Habitação de Interesse Social (SHIS) em Anápolis, Goiás. Nesse
sentido, enquadra-se como objeto de estudo, o gênero e o empoderamento de mulheres, tendo como foco a eman-
cipação feminina pela Educação, para romper com o círculo vicioso e transgeracional da pobreza e opressão. Assim,
o presente estudo parte da observação de campo de famílias lideradas por mulheres, residentes nos referidos bairros
do SHIS em Anápolis, Goiás. Trata-se de um estudo iniciado durante o curso de pós-graduação do Programa de
Mestrado, onde elementos conceituais do pensamento arendtiano foram utilizados para construção do sentido epis-
temológico e a compreensão da “cidadania ativa” favorece ao entendimento do modelo democracia brasileira, como
pacto social representado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, e deveria prevalecer a vontade do povo, como
máxima do poder político e as ações do Estado em favor da sociedade. Seguindo a trajetória acadêmica com novas
interações e olhares contributivos sobre o objeto, durante o percurso do doutoramento em Educação. O presente
estudo se encontra em modelo de construção de tese pela linha de pesquisa em Educação, Sociedade e Cultura, e no
projeto do grupo de pesquisa da mesma linha, intitulado “Diversidade cultural e educação: Juventudes, participação
política, organizações e movimentos sociais no século XXI”. Através dos contributos e da orientação, se percebe que
elementos conceituais buerdianos, que poderiam dar voz aos sentidos e significantes dos “instrumentos simbólicos”,
“estruturas estruturantes e estruturadas e instrumentos de dominação” da população observada e na construção do
objeto de estudo. Para isso, utiliza-se como metodologia uma pesquisa básica, descritiva e explicativa, qualitativa,
de expressão dialética e fenomenológica, pautada em pesquisa bibliográfica, documental e observação de campo. Os
resultados observados ressalta as lutas de campo pelo poder dominador, o que tem deixado a condição feminina em
posição de dominada. Essa dualidade, na qual a sociedade se organiza, homem-mulher, incorpora habitus e agentes,
sistemas, esquemas de percepção de pensamento e ações em busca do poder. A educação tem seu lugar preponderante
na luta pela igualdade de gênero e fortalecimento na reivindicação de direitos e construção de políticas públicas favo-
ráveis a emancipação feminina, o que consequentemente levaria a inclusão do Estado de direito de todo o conjunto
familiar, bem como, de toda o grupo social. A título de conclusão, entende-se que a educação tem sido reprodutora
da cultura de dominação masculina e que deveria ser determinante no processo de empoderamento e emancipação
desse grupo de mulheres chefes de família, para romper com o círculo vicioso e transgeracional da pobreza e opres-
são, ocasionado pela sujeição de um poder simbólico opressor, que impede dentre outros, o direito à educação, assim,
mobilizadas pela política de moradia social e a necessidade de emancipação.
Palavras-Chave: Educação, Mulheres, Emancipação.

Introdução

Gostaria hoje, excepcionalmente, de procurar explicitar um pouco as intenções pedagógicas que tento seguir na
prática deste ensino. [...] Hei-de apresentar aqui – será, sem dúvida, mais adiante – pesquisas em que ando ocupado
[a]. Terão ocasião de ver no estado que se chama nascente, quer dizer, em estado confuso, embrionário, trabalhos
que, habitualmente, vocês encontram em forma acabada. O homo academicus gosta do acabado. Como os pintores
acadêmicos, ele faz desaparecer dos seus trabalhos os vestígios da pincelada, os toques e os retoques: foi com certa
ansiedade que descobri que pintores como Couture, o mestre de Manet, tinha deixado esboços magníficos, muito
próximos da pintura impressionista – que fez contra eles os últimos retoques, exigidos pela moral do trabalho
bem feito, bem acabado, de que a estética acadêmica era a expressão. Tentarei apresentar pesquisas na sua grande

695
confusão: dentro de certos limites, é claro, pois sei que, socialmente, não tenho direito a confusão como vocês e
conceder-mo-ão menos do que eu vo-lo concederei – em certo sentido, com razão (mas, em todo caso, em refe-
rência a um ideal pedagógico implícito – que merece sem dúvida ser discutido – já que leva, por exemplo, a medir
o valor do curso, o seu rendimento pedagógico, pela quantidade e pela clareza das notas tomadas).
(BOURDIEUR, Introdução a um seminário da Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales, Outubro de 1987).

O presente artigo tem como objetivo colocar em pauta o diálogo sobre a importância do empoderamento fe-
minino no desenvolvimento da sociedade, a partir da educação, tendo como referencial a ótica de Pierre Bourdieu
e, inspirado nas ideias de Hannah Arendt e aplicado aos bairros de Habitação de Interesse Social (SHIS) em Anápo-
lis, Goiás. Nesse sentido, pode-se enquadrar ao objeto de estudo, o gênero e o empoderamento de mulheres, tendo
como foco a emancipação feminina pela Educação, para romper com o círculo vicioso e transgeracional da pobreza
e opressão.
Assim, o presente estudo parte da observação de campo de famílias lideras por mulheres, residentes nos bair-
ros do SHIS em Anápolis, Goiás. Trata-se de um estudo iniciado durante o curso de pós-graduação do Programa de
Mestrado, intitulado Percepção da Qualidade de Vida de Mulheres chefes de família, residentes nos bairros do Programa de
Moradia de Interesse Social em Anápolis, Goiás. Onde elementos conceituais do pensamento de Hannah Arendt (1958;
1999) em sua obra A condição humana, foram utilizados para construção do sentido epistemológico.
A compreensão de cidadania para Hannah Arendt (1957; 1999) em A condição humana, favorece o entendimen-
to do modelo democracia brasileira como pacto social representado pela Constituição Federal Brasileira de 1988,
onde a vontade do povo é a máxima do poder político e o Estado age em favor da sociedade. “Todos os aspectos da
condição humana tem relação com a política, “viver é estar entre os homens” (ARENDT, 1999, p. 15).
No entanto, com novas interações acadêmicas durante o curso de doutoramento do Programa de Doutorado
em Educação, PPGE-PUC/GO. Um novo olhar sobre o objeto, favorecendo a percepção de que elementos concei-
tuais de Pierre Bourdieu, poderiam dar voz aos sentidos e significantes dos “instrumentos simbólicos”, “estruturas
estruturantes e estruturadas e instrumentos de dominação” dessa população observada e na construção do objeto de
estudo (BOURDIEU, 1930; 2001, p. 16).
Para isso, utiliza-se como metodologia uma pesquisa básica, descritiva e explicativa, qualitativa, de expressão
dialética e fenomenológica, pautada em pesquisa bibliográfica, documental e observação de campo.

DA COMPREENSÃO DO FENÔMENO

A cidade de Anápolis caracterizada internacionalmente como polo industrial, localizada no centro do Brasil,
com acessibilidade exportadora pelo Porto Seco, aeroporto de cargas e rodovias, detentora de um dos maiores PIBs
da região do Centro-Oeste brasileira, goza do privilégio de sua localização geográfica, acessível aos grandes centros,
como a Capital Federal, Brasília - DF e a Capital Estadual Goiânia-GO. Conta com infraestrutura de produção-esco-
amento, com capacidade de promover preparo técnico educacional para a mão de obra e qualidade de vida para a sua
população crescente em busca de trabalho e qualidade de vida.
No período de 2009-2014, o Município de Anápolis em parceria com o Governo Federal, por meio do Pro-
grama Aceleração do Crescimento (PAC), Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), beneficiou mais de 10 mil
famílias com a entrega de imóveis em bairros de interesse social.
No que se refere à urbanização acelerada com aglomeração de população de cidades com altas densidade
demográfica, demandam por mais recursos, energia, infraestrutura, complexidades ambientais, econômicas, sociais
e culturais; o que requer uma atenção específica aos moradores dessa região no que diz respeito a sua educação e o
modo de repensar a sociedade, onde grupos sociais são liderados por mulheres. Isso implica em um poder de análise
que proponha soluções sustentáveis para esse fenômeno de ordem mundial, no que se refere ao futuro sociocultural
de gerações posteriores, originárias dos programas brasileiro de moradia de interesse social.
De acordo com dados da Prefeitura de Anápolis (2015), a preocupação recorrente desse Município tem sido
colocar em prática a política habitacional planejada, prioriza entre outras situações a condição socioeconômica da

696
pessoa humana em característica de vulnerabilidade (viúva com filhos, mulheres em situação de violência doméstica,
famílias com pessoas com deficiências), famílias que viviam em áreas de risco ou que ocupavam terras públicas de
forma indevida, mulheres e seus filhos, preferencialmente.
No período descrito (2009-2014), o Município de Anápolis em parceria como governo federal, Programa Ace-
leração do Crescimento (PAC), Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criou praticamente uma cidade nas
franjas do município, com o assentamento de mais de 10 mil famílias em 15 bairros, com a escritura da casa preferen-
cialmente no nome da mulher chefe de família, sendo estes bairros:
1. Setor Sul Jamil Miguel;
2. Adriana Parque;
3. Vila Feliz;
4. Residencial Copacabana;
5. Residencial Santo Expedito;
6. Residencial Santo Antônio;
7. Residencial Summerville;
8. Residencial São Cristóvão;
9. Jardim Itália II;
10. Victor Braga/Servidor;
11. Residencial Leblon;
12. Residencial Nova Aliança;
13. Residencial Novo Paraíso e
14. Residencial  Laranjeiras.

No Brasil, na atualidade, o modelo de bairro de interesse social, é instituído pela Lei nº 11.977 de junho de
2009, e alterado pelo Decreto-lei 7.795/2012, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)
vinculado ao Programa Aceleração Crescimento (PAC) para famílias com renda até R$ 3.100,00 Reais e que “Em
caso de dissolução da sociedade conjugal, o título do imóvel será registrado em nome da mulher ou a ela transferido,
independente do regime de bens aplicável” (BRASIL, 2009).
No estudo da população residente nos bairros do SHIS, o que se tem é um agrupamento de famílias, ordena-
das de modo aleatório e “empoderadas” com a escritura da casa no nome da mulher chefe de família. No entanto a
ausência de conhecimento acerca de seus direitos, impede essa população do pleno exercício, outro fator observado
é a falta de uma formação profissional e o preparo para a inserção no mercado de trabalho. Pois somente com um
ganho decente, que favoreça a garantia mínimas do atendimento das necessidades das famílias, sem a necessidade
dos programas governamentais, é que a mulher e seus dependentes serão consideradas autônomas ou emancipadas.
Observando a dinâmica do campo, percebe-se a ação de pequenos grupos de solidariedade e ajuda mútua na
vida cotidiana, entre si. E sob risco de se envolverem com movimentos estranhos aos seus interesses, focando na
discriminação simbólica fixadas nas instituições do Estado, que contribuem para eternizar a subordinação feminina.
Assim, não obstante, nos bairros do SHIS, mesmo com seu propósito de atender as demandas das políticas sociais
chamadas afirmativas, destinadas às populações menos privilegiadas, denota que essas mesmas políticas ainda são
reprodutoras de desigualdades de gênero, por não favorecer o desenvolvimento humano por meio da educação e
profissionalização, acomodação dos filhos e entrada no mercado de trabalho.

697
O EMPODERAMENTO DA MULHER NA SOCIEDADE

Elementos presentes no trabalho desenvolvido por Bourdieu (2002), A dominação masculina, são relacio-
nado com o modelo aprendido de organização social evidenciado nos bairros do SHIS em Anápolis e trazidos
para a discussão na política educacional da atualidade brasileira, na dicotomia “azul” cor fria, racional, e “rosa”,
quente, emocional, menos seriedade e mais infantil.
O mais grave é a aceitação desse simbólico de violência, as próprias mulheres empregam isso no seu modo
de vida e construção de pensamento, reforçando a dicotomia das relações. A chamada masculinidade é tratada
como superioridade, nobreza, enquanto que os trabalhos realizados por mulheres, menos valorizados que o mas-
culino, tem sua ação transfigurada e empobrecida, desvalorizada.
O masculino, dominante universal e ela, a dominada como particular, a propriedade masculina como im-
portante, enquanto a feminidade frívola, desvalorizada e superficial, ocultando a igualdade e a dignidade da pes-
soa humana, que não depende de gênero, mas sim da virtude de ser cidadã e assim, o poder de conceber direitos
inegáveis.
Opondo-se ao princípio de igualdade democrática presente no conceito de “cidadania ativa” (ARENDT, 1999,
p. 16), aqui, diretamente vinculado à educação, refere-se ao pertencimento a uma comunidade politicamente organi-
zada, na qualidade de cidadão participativo, consciente, com condições para se manter, sustentar, emancipar.
Hannah utiliza a expressão “vita activa”, que engloba três atividade humanas fundamentais: o trabalho, o labor
e a ação. O labor assegura a “sobrevivência do indivíduo” e “a vida da espécie” a reprodução da vida, proporcionado
pela mulher. O trabalho refere-se a construção histórica e cultural, a transformação tecnológica, o “artefato humano”
de coisas, diferente do ambiente natural, a transformação. A ação “funda e preserva corpos políticos”, cria condições
históricas para o labor (ARENDT, 1997, p. 17).
Assim, o trabalho modifica a natureza, mas requer um conhecimento técnico prévio para seu exercício, a for-
mação que ocorre pela educação. O labor, atividade biológica, no caso das chefes de família, muitas são responsáveis
pela manutenção da vida que elas reproduziram, também nesse contexto, a necessidade da educação para apresentar
os filhos ao mundo. E ainda, a ação que para ser exercitada deve ser precedida da educação para a consciência, acesso
à cultura e formas de organizar a sociedade em que vivem, conhecer seus direitos e deveres.
A importância do ambiente para o empoderamento da mulher, ressaltado pela autora como que “as coisas e
os homens constituem o ambiente de cada uma das atividades humanas, que não teriam sentido sem a localização”
(ARENDT, 1997, p. 31). O fato de ser “chefe de família” é tão poderoso, que se compara a “ser chefe do reino”, a casa
(oikos) representa o domínio absoluto do ambiente (p. 36), “lugar no mundo” poder e “cidadania e proteção da lei”
(p. 72).
O ambiente do bairro e seu conjunto de casas, é o espaço físico onde ocorre as lutas do campo social, “a noção
de campo” (BOURDIEU, 2001, p. 27), complementado, no presente estudo, como o lugar em que essa população está
inserida, aqui interpretado como seu reino. Pois sem os bairros do Sistema de Habitação de Interesse Social (SHIS),
essa população não teria seu “lugar no mundo” (ARENDT, 1999, p. 20), que o determinante do empoderamento fe-
minino das chefes de família, ser dona de casa deveria torná-la altamente empoderada.
Contudo, o Estado deveria agir em função da sociedade e considerar aspectos singulares dessa representação
social, mulheres chefes de família. É preciso condições para o exercício da livre cidadania, instrumentos sociais, que
são as condições históricas para o labor, escolas, creches, postos de saúde, bibliotecas, transporte público e empre-
gabilidade. Mas acima de tudo: conhecer, conscientizar, informar, ter domínio cognitivo de seu direitos e assim, os
exigi-los e isso envolve a responsabilidade da educação e dos campos dos saberes que historicamente excluíram as
mulheres.

698
EDUCAÇÃO PARA EMANCIPAÇÃO SOCIAL

De acordo com Bourdieu (2002), a dominação masculina está inserida em padrões inconscientes de estruturas
históricas presentes na sociedade patriarcal. O lugar social, a divisão social do trabalho, são formas de organização da
sociedade e a forma de se perceber o que foi construído a partir da dualidade homem e mulher. O sistema mítico-ri-
tual reforça e reconhece essa divisão, “incorporado nos corpos e nos habitus dos agentes funcionando como sistemas
de esquemas de percepção, de pensamento e de ação” (p. 16).
O modelo androcentrico, mesmo em um campo político organizado com a proposta de empoderar mulheres,
ainda se impõe de forma concebida como natural. O marido ainda tem o direito de agredir, ou mandar na esposa,
pois ele é o marido e o dono da família. Houve casos observados nos bairros do SHIS, em que ele deixa a casa, vive
com outra mulher, e ainda quando retorna para ver os filhos, é tratado como o dono da família. Também o costume
de obedecer o homem, mesmo quando os filhos não pertence ao mesmo genitor. Ou ainda, o recurso destinado ao
sustento familiar é administrado pelo marido, mesmo sendo a mulher cadastrada quem o recebe.
Esses modelos de habitus da vida cotidiana, apontados aqui como um sistema de disposição que define uma
maneira de ser e agir do grupo de mulheres chefes de família em seu ambiente vivencial. Associados à proposta de
Bourdieu como estruturas estruturadas que compõem a prática e as representações de um indivíduo, legitimadas pelo
grupo social. Pois trata-se da ordem masculina, constante no funcionamento da sociedade, construída em confor-
midade com o corpo e sua realidade sexuada da divisão de poder, torna elemento preponderante de investigação no
presente estudo.
Alguns elementos naturais favorecem a supremacia do homem, tais como a virilidade masculina, sua força físi-
ca, relacionados com questões de honra e ética, próprios de um universo particular, onde a submissão do corpo femi-
nino, diretamente relacionado a dominação masculina. Não é devido ao homem sustentar a família, pois em muitos
casos, ele está desempregado e os rendimentos são provenientes das bolsas do governo de programas de transferência
de renda, logo o econômico se sucumbe ao biológico.
Também não está relacionado ao fato dele ser o pai dos filhos, pois muitas vezes são de origens paternas di-
ferentes. Então como entender que aquele que pega os poucos trocados da mulher, dona da casa, que faz trabalhos
extras para complementar a renda, ele gasta com bebida, ou conforme sua vontade, e ainda tem o direito de agredir e
ainda ser o dono do espaço social?
Bourdieu, em suas pesquisas nas comunidade cabilas, ressalta a identidade masculina reconhecida pela virilida-
de, evidenciando a potência sexual de genitor, aquele que deflora e fecunda. Em sua obra sobre a dominação mascu-
lina, ressalta que ser chefe de família é estar “encarregada de preocupações vulgares da gestão cotidiana da economia
doméstica” (BOURDIEU, 2002, p. 41). Uma forma de expressar o confinamento doméstico destinado à mulher na
divisão social do trabalho, uma violência simbólica por meio de padrões subjetivos ou objetivos nas relações de do-
minação do cotidiano.
De modo natural e inquestionável essa violência é cultivada, distanciando cada dia mais essa figura oprimida
das chances de buscar desenvolver novas habilidades por meio da educação, e assim, conquistar sua liberdade desse
modelo de dominação. A violência simbólica se processa de um ato de conhecimento e de desconhecimento prático,
afeta e é afetado pela tomada de consciência.
O modelo de dominação androcentrica seria injusta com as mulheres que tem habilidades consideradas mascu-
linas, consideração mal educadas, faltando-lhes recursos que aos homens foram oferecidos durante toda a educação.
Eles preparados para serem chefes, dar ordens, não dão oportunidade para a mulher se comportar da maneira que
desejar, livre de julgamento ou classificação.
Nessa luta infinita pela dominação permeada por esquemas de dominação, que afeta o lugar social da mulher,
a perpetuação da opressão. A (des) historização da história, numa “história da (re) criação continuada das estrutu-
ras objetivas e subjetivas da dominação masculina” (p. 99). Onde a opressão não é instaurada de modo silencioso e
gratuito, mas ela grita em alta voz em defesa das instituições de dominação e poder, que asseguram a dominação do
patriarcado.

699
De todas as instituições que garantem o poder simbólico, a escola é a mais importante. A inclusão feminina no
ensino médio e graduação favoreceu o empoderamento e a libertação de uma pequena camada social feminina. Essa
cultura de estudar definiu o comportamento de gerações seguintes, ou mesmo a impossibilitou por meio da consci-
ência e apropriação da mulher de seu próprio corpo.
A emancipação feminina no âmbito jurídico, depois do Código Napoleônico que influenciou o Código Civil
Brasileiro de 1916, que determinava a mulher como tutela do marido, assim como os filhos, porem esses chegariam
a maior idade aos 20 anos, enquanto as mulheres estariam sempre propensas aos cuidados de um homem da família.
O Código Civil Brasileiro de 2002 trata a mulher em situação de igualdade com o homem, antes disso, na déca-
da de 1970, foi reconhecido o divórcio. As relações conjugais passaram a ser menos unilaterais, a mulher escolheria
se casar e se permaneceria nesse estado civil.
Esse modelo de comportamento social, interferiu em muitas esferas, tais como as famílias, recriando novas for-
mas de pensar o espaço da mulher, a liderança feminina nos lares, a divisão social do trabalho. Esses habitus reestrutu-
ram os modelos sociais e modificam as culturas. Mas ainda não é suficiente, pois se as mulheres não forem educadas
ainda na infância, a ocuparem seu lugar na sociedade, as sombras do passado ainda podem obscurecer os raios de luz
que ressurgem com novos modos de se compreender o papel da mulher na sociedade. A educação e as ciências ainda
devem muito a essa população, ter direito a uma casa no SHIS, ainda é muito pouco da dívida histórica de direitos
omitidos e dominação masculina. Direito ao empoderamento pela educação é o mínimo.
Para Bourdieu (2002, p. 14), discorre sobre “o poder simbólico como poder quase mágico que persiste em obter
o equivalente daquilo que é obtido pela força” seja essa física ou econômica, ou impositiva, no entanto é válido lem-
brar que esse poder “só se exerce se for reconhecido”. Assim, é dado ao homem essa condição humana na sociedade,
mesmo em um ambiente pensando e criado para o empoderamento feminino, esses valores perpassam as relações
e buscam o cume do poder para se assentar em detrimento a figura feminina naturalizada como mãe, cuidadora e
doméstica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, considerando as experiências de campo e observações dos habitus, presentes no pensamento de Bour-
dieu e de Arendt, o modelo como esse campo se estrutura, seus antagonistas e atores, a condição humana e as relações
de poderes ali estabelecidos, em função de uma dominação masculina opressora, dão origem a um modelo social de
mulheres destinadas à reproduzir modelos precedidos por suas antecessoras. A possibilidade de emancipação femi-
nina, só poderá ocorrer por uma mudança cultural, onde a educação é o elemento essencial para conscientização e
transformação dessa realidade.
De acordo com Bourdieu (2002), o poder simbólico vem de símbolo ou significado, está relacionado com
nossas estruturas de pensamento, que tem uma origem e deve ser investigada. A violência simbólica está inserida na
forma como compreendemos o mundo, numa estrutura de pensamento que segue um padrão rígido da sociedade. A
nossa cultura incorpora esses significados como naturais e mantém a estrutura de dominação coletiva.
É válido lembrar que as mulheres romperam as barreiras existentes, e podem oferecer base para compreen-
são da sociedade brasileira em muitos campos de domínio. E essas análise tem por responsabilidade, construção de
estratégias e ações positivas que favoreçam o empoderamento feminino. Nessa luta a escola e a educação em suas di-
versas nuances, não pode se calar, por ela engendrar modelos de ações que vão transformar a forma de compreender
e conscientizar cada indivíduo e esse por sua vez compor uma coletividade e uma representação de não dominados,
mas libertos e próximos da uma construção igualitária. No entanto, muito ainda precisa ser construído pela educação
e seus processos inclusivos e emancipatórios.
A naturalização retira da sociedade a responsabilidade do modelo excludente que ela, a própria sociedade, opera
nas suas relações baseadas no inativo ideológicos. Um interesse de atribuir características inatas, de certa maneira
define o humano antes de seu nascimento, retirando da iteração a sua condição opressora. O gênero, a natureza mas-
culina e a feminina, legitima a dominação masculina, que é social e é aprendida, simbólica e social.

700
Essa garantia de força para fazer parte da disputa de campo, só será possível por meio da educação, do reconhe-
cimento do saber adquirido e da consciência de poder disputar com segurança o seu espaço vital. Desse modo todo o
contexto familiar se apropria e um novo modelo cultual se instaura. A história feita por mulheres, reconhecendo seu
feito e garantindo sua permanência no campo de disputas sociais. Pois somente com um ganho decente, que favoreça
a garantia mínimas do atendimento das necessidades das famílias, sem a necessidade dos programas governamentais,
é que a mulher e seus dependentes serão consideradas autônomas ou emancipadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah (1958). A condição humana. (Trad. Roberto Raposo). Rio de Janeiro: Forense universitária, 1999.
BOUDIEU. Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
__________ . O poder simbólico. (Tradução Fernando Tomaz). 4ª edição. Rio de Janeiro, Bretrand Brasil, 2001.
__________ . A dominação masculina. Ttradução Maria Helena Kühner). 2ª edição. Rio de Janeiro: Bretrand Brasil, 2002.
___________. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
FARIA, Edilamar Rodrigues de Jesus. Percepção da Qualidade de Vida de Mulheres Contempladas com o Programa
de Moradia de Interesse Social em Anápolis, Goiás. Centro Universitário de Anápolis: PPGSTMA, 2016. (Dissertação de
Mestrado).
GOMES, Romeu (org.). Jovens em risco social. Rio de Janeiro: Fiocruz/ensp/Claves; Hucitec, 2013.
MARCONDES, Mariana Mazzini...[et al.]. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras
no Brasil. Brasília: Ipea, 2013.
TAVARES, Giovana Galvão. (Coord.) Gênero, Tecnologia e Renda: o uso da internet para formar mulheres
empreendedoras. MCTI/FAPEG/SECIS/UniEvangélica: 2015.

701
ENSINO DE HISTÓRIA: APRENDIZAGEM E COMPREENSÃO DA
DITADURA MILITAR BRASILEIRA - SOB A INFLUÊNCIA DAS
CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA

Maria Lúcia Alves Teixeira Silva - UEG1

Este artigo busca ressaltar a importância da música como instrumento de comunicação, relatando uma pro-
posta de intervenção pedagógica com acadêmicos da disciplina Estágio Supervisionado, Curso de Licenciatura em
História, UEG–Universidade Estadual de Goiás, Campus Quirinópolis, proporcionará um diálogo através de ativi-
dades teórico-práticas, visando mudanças qualitativas na prática-didática-pedagógica e aprendizagem dos sujeitos
envolvidos. Público: alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola Municipal Canaã – Quirinópolis, GO,
faixa etária entre 12-15 anos. A proposta elaborada de acordo com as orientações das Diretrizes Curriculares Edu-
cacionais de História, de Goiás, no que se refere às “competências” e “habilidades” enfatizadas no documento sendo
essenciais à aprendizagem dos estudantes. A música como instrumento didático-pedagógico num processo inter-
ventivo no ensino de história para maior compreensão do aprendiz sobre o período da Ditatura Militar no Brasil,
num contexto comparativo entre o passado/presente/futuro, propõe uma reflexão crítica numa imersão às letras
das músicas de Chico Buarque de Hollanda e, por meio delas, enfatizar-se a importância ideológica e social que as
canções refletem mediante interpretação dos mecanismos de resistência, ativa a sensibilidade do aprendente, facilita
a aprendizagem mediante o jogo de palavras. As metodologias aplicadas foram ─ bibliográfica, na busca de fontes em
sites, livros, revistas, artigos; pesquisa participante, “a realidade pesquisada não é fixa, o observador e seus instrumen-
tos desempenham papel ativo na coleta, análise e interpretação dos dados” (GIL, 2008, p. 31). Pesquisa educacional,
por favorecer uma visão ampla do objeto estudado e envolvimento do pesquisador com a realidade social, política,
econômica e cultural. A abordagem qualitativa permite considerar e respeitar a subjetividade dos sujeitos da pesquisa.
O método dialético por renegar todo conhecimento rígido, tudo é visto em constante mudança, como considerar o
conhecimento prévio do aprendiz. Autores Rüsen (2006); Pinsky (2010); Ferreira (2010); Calazans (2012) e outros
auxiliaram a analisar o impacto do regramento estatal na vida dos brasileiros na época. Constatou-se que Chico Bu-
arque buscava, por meio das canções, criticar - muitas vezes ironicamente e com recursos ambíguos de linguagem
- tudo aquilo com o que ele não concordava, e descrevia não somente aspectos do âmbito político, mas também do
econômico e comportamental. A importância do uso de letras de músicas como linguagem facilitadora no processo
de ensino/aprendizagem nas aulas de História apresenta possibilidades promissoras no que tange a complexidade do
pensamento histórico, a aprendizagem histórica e, por conseguinte, ao incremento da consciência histórica desses
sujeitos. Dificuldades apontadas: o reforço das ideias de linearidade histórica e a utilização de reprodução argumen-
tativa, pretensamente de foco teórico na construção dos discursos dos alunos.
Palavras-Chave: Ditadura. Músicas. Liberdade de Expressão. Regime Militar. Chico Buarque.

INTRODUÇÃO

Ensinar a disciplina de história na atualidade vem sendo um desafio devido ser vista como uma disciplina
tradicional, que menciona datas e personagens que já ‘morreram’. Daí a busca por inovações para atrair a atenção
do aprendiz pelos conhecimentos de história. Aquele que lê, passa a ter muitos olhos, ou seja, tem uma visão multi-
facetada dos fatos que envolvem a realidade, além de ir ganhando competência quanto ao conhecimento de mundo.

1 Professora da rede estadual Universidade Estadual de Goiás (UEG), especialista em psicopedagogia e mestranda da Universidade Estadual
do Mato Grosso do Sul (UEMS), bolsista da CAPES, e-mail: teixeiraalves1970@bol.com.br, lattes: http://lattes.cnpq.br/6781452815763913.

702
Para que haja uma aprendizagem emancipadora, que propicie a construção do pensamento histórico dos su-
jeitos é necessário o desenvolvimento da capacidade de narrar e compreender historicamente, pois somente dessa
forma, os estudantes aprendem a problematizar seu mundo e o mundo exterior, relacionando passado, presente e
futuro. Na perspectiva de Rüsen:

A aprendizagem histórica aumenta a competência para encontrar significado. Nesta dimensão da aprendizagem
histórica o aumento da experiência e do conhecimento é transformado numa mudança produtiva no modelo ou
padrão de interpretação. Tais modelos ou padrões de interpretação integram diferentes tipos de conhecimento e
de experiência do passado humano em um todo abrangente – ou seja, ‘uma imagem da história’. Eles dão aos fatos
‘significado’ históricos (RÜSEN, 2010a, p. 86).

Assim, para que uma aprendizagem histórica aconteça de forma significativa é necessário voltar-se para a
teoria da narrativa histórica, e, da mesma forma, para que um conteúdo substantivo ou uma experiência histórica
faça sentido para os aprendentes é necessário que a forma narrativa de apresentação seja utilizada num formato, no
mínimo, interativo.
Apropria-se do conceito de consciência histórica criada por Rüsen (2010a, p. 57), que a descreve como “a suma
das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de
si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo”. Neste sentido, a consci-
ência histórica é o “modo pelo qual a relação dinâmica entre experiência do tempo e intenção no tempo se realiza no
processo da vida humana” (RÜSEN, 2010a p. 58). A capacidade de se orientar no tempo é inerente a todo ser humano,
independe da escolarização formal. Entretanto, a habilidade de pensar, historicamente, é desenvolvida em virtude do
aprendizado histórico praticado no espaço escolar.
Freire (2001) fala que ‘‘é fenomenológico, quando privilegia a palavra como objeto do pensamento, quando diz
que, não existe uma linguagem sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade a que se encontrem
referidos’’. Centra-se nas ideias de Freire, o que leva o professor de História a buscar novas formas de narrativas e
diretrizes para o ensino, num processo mais dialético e dinâmico que possa persuadir o educando no ‘‘fazer-fazer’’.
Portanto, a competência narrativa se constrói a partir do momento que o sujeito estabelece uma relação com
o passado na busca de sentido para sua experiência no tempo. Nesse sentido, a construção da narrativa pauta-se nas
crenças do sujeito-narrador no presente e nas intenções que ele possui com seu relato, lançando mão da atribuição de
sentido construído ao longo do processo de aprendizado histórico.
O processo de aprendizado, segundo Rüsen (2010a), faz-se por meio de interpretação, orientação e experiência
do passado, e se amplia como atividade da consciência histórica e gera capacidade de interpretação e competência
para utilizá-la na orientação da vida prática. Essa capacidade de orientação, a partir da interpretação de seu mundo
constituir uma competência narrativa.
A escolha das músicas de Chico Buarque de Holanda ocorreu como desejo para que o discente possa fazer uma
conexão entre o período da Ditadura Militar (1964 – 1985) e o sistema político atual, uma vez que essa nova geração
está um tanto distante dos acontecimentos do período.
Nesse aspecto, origina-se o tema: ‘‘Ensino de História, aprendizagem e compreensão da ditadura militar bra-
sileira - sob a influência das canções de Chico Buarque de Hollanda”. A ensinagem é um processo complexo e, que,
precisa atender uma clientela bastante heterogênea e, às vezes, até mesmo alunos com necessidades especiais, o que se
caracteriza, conforme a Constituição de 1998, que todos precisam ser atendidos de modo igualitário e têm os mesmos
direitos. Tem-se, então, a situação-problema: o ensino tradicional, ainda é muito praticado em sala de aula. É como
uma raiz, difícil de erradicá-la do sistema. Todavia, há que buscar por mudanças, fazer o novo. Questiona-se: Quão
significante se é ensinar História mediante a utilização da música e que resultados se podem atingir?
O uso didático da música auxilia no despertar da consciência histórica e criticidade do aluno. O aluno sensibi-
lizado e influenciado pela música consegue refletir criticamente sobre o contexto histórico que está inserido e viajar
por meio do tempo para outros momentos históricos. Podem-se considerar as letras como fontes riquíssimas de
informações históricas. Nesta perspectiva, a música é entendida como uma fonte histórica e metodológica-didático-

703
-pedagógica capaz de despertar e preservar a memória histórica que pode ser aplicada a qualquer tema a ser estudado,
de modo que, por via da análise de suas letras, pode-se entender o contexto histórico, social, político e econômico da
sociedade brasileira (PINSKY, 2010).
É possível olhar as letras das músicas como linguagem e artefatos que despertam reflexões sobre a realidade
social e que cria um ambiente propício para que os aprendentes elaborem e reelaborem conceitos e conhecimentos
sobre o tema a ser estudado; pois facilita novas percepções sobre as relações estabelecidas na sociedade. É um recurso
dinâmico e apreciado pelos aprendizes das diferentes faixas etárias; o que levou, então, a optar por utilizá-las nessa
intervenção pedagógica.
Quanto à opção por trabalhar com o período da ditadura militar, o tema está em sintonia com o cenário nacio-
nal, com vários setores da sociedade contemporânea. Conhecer, refletir, analisar os aspectos vivenciados no período
da Ditadura Militar é um direito e por que não dizer, um dever dos estudantes, que, como sujeitos e agentes sociais,
devem conhecer para participar ativamente da construção da história. Nesse sentido, proporcionar ao aluno a dis-
cussão sobre o tema Ditadura Militar no Brasil, situando às práticas desse movimento e, aqui, dando realce ao uso
das músicas de autoria de Sérgio Buarque, é primordial porque apenas conhecer, discutir, refletir, analisar os prós e
contras dos fatos e as experiências ligadas a este período é que se pode compreendê-lo melhor. Além de democratizar
o acesso à informação, objetiva garantir aos alunos o direito inalienável à memória da ditadura militar no Brasil.
Justifica-se este projeto, uma vez que se deseja erradicar os velhos métodos em favor de uma didática-pedagó-
gica mais lúdica, criativa e produtiva que leve o educando a pensar, interpretar numa contextualização reflexivo/crí-
tica na prática dos ‘‘quefazeres’’ no quotidiano. É preciso que se olhe para o passado e relacioná-lo à atualidade numa
compreensão crítica, isto é, fazer juízo, analisar e, conforme as músicas de Buarque, ser capaz de parodiar, parafra-
sear, resumir, fazer síntese, além de contextualizar com a realidade de filmes, anedotas, charges, cartuns, jornalismo
e outros gêneros. Acredita-se ser possível dar ao ensino-aprendizagem nova capacidade de pensar, questionar e se
fazer investigador da realidade.
As metodologias, bibliográfica na coleta de materiais para organização textual do trabalho por meio de sites,
revistas, jornais, artigos, método exploratório com informações mais aprofundadas; método dialético que se opõe a
todo conhecimento rígido e busca por mudanças; o qualitativo que permite valor subjetivo num processo mais dinâ-
mico e inovador.
O resultado apresentado trouxe, sem dúvida, ações muito positivas do educando, visto sua participação ativa,
interessada e vontade em mostrar seus conhecimentos em momentos dialógicos, além de suas apresentações com
paródias acrescidas com instrumento musical numa versatilidade passado/presente/futuro.
O trabalho consiste em realizar atividades que geram interesse, mobilização, senso crítico, socialização, troca
de experiências, criatividade, desinibição e, principalmente o aprendizado de forma dinâmica na disciplina de Histó-
ria mediante canções. A intenção é proporcionar uma maneira diferenciada de entender a Ditadura Militar no Brasil
por meio das canções de Chico Buarque de Hollanda. De modo que a intervenção pedagógica se dará no formato
de aplicar práticas pedagógicas que propiciem a motivação nas aulas e a interação dos alunos, oportunizando-os a
compreender a importância do ensino de história no contexto social; oportunizar aos alunos o contato com músicas
que não fazem parte do seu cotidiano e, por meio delas, enfatizar a importância ideológica e social que as canções car-
regam em suas melodias; compreender e interpretar a música no contexto histórico do período da Ditadura Militar
por meio das canções de protesto; despertar um maior interesse do aluno pelo estudo da disciplina de História por via
da música; desenvolver a compreensão do educando em relação à memória da Ditadura Militar Brasileira; propiciar
sugestões e reflexões de como as músicas podem ser usadas como fonte documental para o estudo de determinada
época e compreender a sociedade atual por meio das canções.
Acredita-se que a proposta auxiliará o docente na busca de novos instrumentos e fontes que auxiliem, dina-
mizem sua prática pedagógica para atingir de ‘forma’ satisfatória seus objetivos e dessa maneira, contribuir para
formação de cidadãos críticos, conscientes, participativos e fazer a diferença dentro do contexto histórico em que
vivem. O uso da música em sala de aula romper-se-á com as barreiras que dificultam as narrativas históricas e como
fonte documental a possibilidade de fazer de suas letras um instrumento dinâmico na construção do conhecimento
histórico e preservação da memória.

704
HISTÓRIA: UMA VERDADE SOB A ÓTICA DA INTERPRETAÇÃO

Ensinar História envolve questões subjetivas: empatia, estabelecimento de relações interpessoais entre ensi-
nante e aprendente, construção de ‘pinguelas’ que constituam sentido entre o passado que se ensina e o presente que
se vive. Diante destas reflexões e questionamentos, é possível ensino sem aprendizagem? Como se aprende? Que
mecanismos cognitivos devem ser acionados para que um amontoado de informações e conceitos passem a fazer
sentido para o sujeito aprendiz?
A educação vem sendo transformada pelos avanços tecnológicos em que a sala de aula, o quadro-giz, o livro di-
dático e a palavra verbal tornam-se ineficazes ao processo ensino-aprendizagem na disciplina de História, devido essa
ser uma ciência dos fatos, acontecimentos e que traz em si o multicultural das civilizações. É uma disciplina com pro-
priedades próprias, devido narrar e descrever memórias que caracterizam o pertencimento de determinada realidade.
A História é uma ciência narrada por aqueles que observam os fatos ‘‘por que’’ acontecem ‘‘como’’ acontecem e ‘‘para
que’’ acontecem. É uma disciplina que sobrevive do que vê, assiste e observa. Somente há consciência histórica desde
que se compreendam os fatos e possa ressignificá-los, visto que ressignificar é dar novo sentido a uma experiência.
O docente deve proporcionar momentos de estudo que motive e desperte o interesse do aprendiz para o en-
tendimento do processo histórico. Nesse contexto, busca-se a história referente ao período da Ditadura Militar no
Brasil e, que sem o conhecimento desses fatos passados e sem o aprendizado com os erros cometidos, o homem estará
sempre suscetível à repetição (CALAZANS, 2012).
Diante dessa problemática, é que, num querer inovar, fazer mudanças é que se propõe trabalhar com música
como um instrumento didático-pedagógico para o ensino-aprendizagem. A música e que, neste caso, escolheu-se
composições de Chico Buarque de Holanda, uma vez que de volta ao Brasil, após ter sido exilado e, sendo partícipe
do sofrimento da nação, proclama nas letras a dor, as mazelas e os estigmas caracterizados no olhar de cada brasileiro.
Mesmo com os censores que impediam a divulgação dessas músicas, muitas delas, conseguiam atingir a multidão
num grito de socorro e alívio como expõe Schwartman:

têm somente esta origem - o povo. Nenhuma arte exerce sobre as massas uma influência tão grande quanto à
música ela é capaz de tocar os espíritos menos desenvolvidos, até mesmo os animais. Ao mesmo tempo, nenhuma
arte leva às massas mais substâncias. Tantas belas composições corais, profanas ou litúrgicas (SCHWARTZMAN;
BOMENY; COSTA; 2000, p. 108).

Conforme coloca o autor, a música é das artes a que por excelência move o povo e a massa visto sensibilizar,
até mesmo, aqueles com maior dificuldade de aprendizagem; os animais numa aprendizagem condicionada, além de
deixar claro que a música se destina às massas, à população e atrai multidões.
A música, muitas vezes, é utilizada para fins disciplinares, para sensibilizar os jovens a terem amor pela pátria,
no entanto, se pode pensar nos benefícios que ela traz de forma a encantar para o desenvolvimento de comportamen-
tos de preservação, respeito por si próprio e pelo próximo, comportamento de memória, atenção e outros.
Nesse entreato, as músicas de protestos foram caracterizantes durante a ditadura militar por difundirem ideias
proibidas, levando à reflexão de modo sutil e discreta para os sujeitos que viviam o regime. Ainda, muitas delas pos-
suem/trazem nas suas letras denúncias com maior clareza. O objeto/fenômeno desta ‘‘pesquisa-laboratório’’ e suas
práticas têm as músicas escritas por Chico Buarque de Hollanda, com interpretação de Milton Nascimento ‘Cálice’
(1973); ‘Apesar de você’ (1970); ‘Angélica’ (1977) e ‘Roda Viva’ (1967).

DITADURA MILITAR: A VOZ DE BUARQUE

No período, 1964-1985, compreendido como ditadura militar, as músicas de protesto tinham por objetivo aler-
tar a população sobre algum problema social a partir de denúncias e de provocações ao governo que geram a reflexão
sobre multitemas. Segundo Charaudeau (2008) existem discursos variáveis, o que pode ser chamado de expectativa

705
múltipla do ato de linguagem que depende de como os atores envolvidos veem. A música é uma modalidade de se
comunicar e de discurso em que os envolvidos seriam o criador da letra e o receptor/ouvinte.
Entende-se que a compreensão de canções, vale-se pela relação compositor/público. É uma relação de convívio
numa mesma sociedade que recebem influências mútuas, principalmente as que se referem ao governo. Num ato de
linguagem existe o conteúdo que se lê na decodificação do signo e também aquela que se encontra na imersão do
texto. O entendimento depende da relação entre o emissor e receptor.
Na música: ‘Apesar de você’ (1970), no momento de sua retomada pós-exílio, visto não perceber mudanças
políticas, sociais no país durante sua ausência. Música essa, que quando enviada aos censores, o compositor temia
que fosse interditada, o que não se sucedeu, devido à linguagem figurada que camufla a real intenção do conteúdo
crítico na imersão das palavras. As vendas, na época, foram recordistas, com uma vendagem de 100 mil cópias. Chico
Buarque de Hollanda numa nota de jornal explicou de forma ousada que o pronome ‘‘Você’’ referia-se ao presidente
Médice, imediatamente, a música foi censurada. A letra propõe um sentimento de esperança em relação ao fim da
ditadura que, apesar de todos os episódios de violência, opressão comandada pelos generais, o futuro havia ainda de
ser melhor mais livre e democrático.
Quanto à música ‘Cálice’, de acordo com Buarque, foi pensada e escrita na Semana Santa e, por isso mesmo tem
essa conotação religiosa, o que sugeria inúmeras interpretações. Grande parte da música faz analogia ente a Paixão de
Cristo, seu tormento, abandono e o sofrimento vivido pela população aterrorizada com o regime autoritário. Cálice
foi censurado em 1973, no mesmo ano em que foi escrita. No show desse mesmo ano, a música que seria cantada, iro-
nicamente foi calada. Ela foi proibida para impedir que a palavra ‘‘cálice’’ substantivo, homônima de ‘‘cale-se’’ terceira
pessoa do singular do verbo calar fosse pronunciada, visto realmente ter o significado de calar as autoridades, a voz
do presidente e seus assessores cortaram, pois o fio dos microfones do Anhembi. Chico contava em um deles e o som
era desligado (MENESES, 2002). Ainda com o mesmo autor expressa: ‘‘para que ninguém ouvisse ‘cale-se’, a censura
levou aquelas três mil pessoas presentes ao show a verem o ‘cale-se’ dramaticamente concretizado nos microfones
calados” (Idem, 2002, p.91).
Em ‘Angélica’ (1977), Chico Buarque canta em homenagem às mulheres que perderam seus filhos durante a
Ditadura Militar. Para compô-la, o compositor se inspirou no caso de sua amiga estilista Zuzu Angel, que perdeu
seu filho Stuart, por se posicionar contra o sistema e de um modo cruel. Foi arrastado por quilômetros com a boca
amarrada no escapamento de um carro e lançado ao mar como muitos outros jovens.
A canção ‘Roda Viva’ foi escrita por Buarque em 1967. Nela, canta alguém que luta contra o sistema, alguém
que luta até o limite de suas forças, mas que percebe não ter feito tudo que podia e o pouco que fez não foi suficiente
para mudar a realidade de opressão que o povo brasileiro estava vivenciando. O compositor escreve um sentimento
melancólico de ter desperdiçado seu tempo. Ressalta uma ilusão de liberdade, representada pela censura que estava
erradicando qualquer forma de expressão, levando os sonhos de muitos brasileiros.
As músicas de Buarque desempenham um papel fundamental para uma reflexão crítica, ampla acerca do regime
militar e, induzir a mudanças. Suas músicas são a verdadeira história dos ditames da época que foi escrita a ‘‘ferro e
sangue’’. Recebeu o título de o Mestre das entrelinhas, devido sua intelectualidade e sua capacidade em criar e, ao
mesmo tempo, reflexivo de suas produções e a riqueza de ideologias presentes nas músicas (FERREIRA, 2010).
A atitude arbitrária do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) em censurar Chico quanto às suas
produções leva à compreensão de que ele foi mais uma vítima do sistema. Foi ousado ao colocar sua vida em jogo, com
inteligência e perspicácia conseguiu driblar os censores e mobilizar a sociedade a cantar as mazelas do sistema e desejar
dias melhores. Orlandi (2007, p.07) relata que ‘‘não há censura completamente eficaz’’, que a toda ‘‘retórica da opressão’’
responde uma ‘‘retórica de resistência’’. É mediante arranjos musicais e criatividade para driblar a censura, Chico deu seu
recado e influenciou fortemente para que o Brasil tomasse outros rumos políticos e reescrevesse sua história.
A censura, além de repressora, absurda, ilógica era de uma ignorância inaceitável que não se tinha presencia-
do até aquele momento no cenário cultural brasileiro. Conforme o professor Ayub Stephanou (2001, p. 11) afirma:
‘‘Censura é a ação de proibir, no todo ou em parte, uma publicação ou encenação. Essa supressão deliberada altera o
fluxo normal da informação, destituindo de significado um determinado acontecimento’’.

706
Desse modo, na segunda metade da década de 70, iniciam-se os movimentos sociais em favor de mudanças. O
povo se uniu contrário ao regime e ‘‘gritava’’ por um novo sistema político em que o cidadão tivesse direito de esco-
lher seus representantes e, viver sem medo de represálias por expressar o que pensa. O fim da ditadura pode ter sido
em decorrência das inúmeras manifestações populares, ocasionadas pela tomada de consciência proporcionada pelo
movimento artístico brasileiro que induzia a população ao regime democrático brasileiro.
Diante desse cenário, espera-se que, com essa mudança didático-pedagógica, o aluno seja despertado para no-
vos pensares e sinta prazer por ler, compreender, interpretar e de modo crítico e criativo, ressignificar os textos
históricos numa consciência de buscar o conhecimento e dar-lhe novas concepções da realidade histórica. A música
é um instrumento universal que une as pessoas com objetivos afins. Ela se torna um agente persuasivo no processo
educacional.

O CONJUNTO DAS PRODUÇÕES: UM OLHAR PARA O CAMINHO PERCORRIDO PELOS


APRENDENTES

O educando que, até então, se fazia ouvinte diante das narrativas, se ‘faz’ agente ousado, ativo, criativo, produ-
tivo e crítico. Momento estratégico para a práxis, visto que todo conteúdo se dá por meio de técnicas e métodos, um
processo didático-pedagógico que viabiliza todo o ensino-aprendizagem.
Para que o aprendizado aconteça de forma eficaz é necessário levar em consideração os conhecimentos prévios
dos alunos durante todo o processo de construção do conhecimento. Há necessidade de planejar situações desafiado-
ras, que questionem o que os alunos sabem, para que eles possam refletir sobre as diferenças entre passado e presente
e prosseguir no processo ensino-aprendizagem. Pode ser que muitos dos problemas dos alunos no aprendizado da
história não identificados, esteja como afirma Jörn Rüsen (2006) no fato de que professores e alunos estejam traba-
lhando em sala de aula com quadros e matrizes de significação que nem sempre são conscientes, visto que a perspec-
tiva da consciência histórica permite refletir que a disciplina história, é resultado de necessidades sociais e políticas
na formação de identidades de novos sujeitos e, portanto, o problema não é somente de ordem cognitiva, mas prin-
cipalmente cultural.

CONCLUSÃO

Após ver e ter uma situação - problema quanto ao ensino da disciplina de História e, na busca por mudanças e
inovações, lançou-se ao desafio de fazer um ensino com novas instrumentalizações didático-pedagógicas. Aprenden-
te revela e propõe a se tornar sujeito pensante: sobre sua realidade histórica social, política e econômica.
Para a efetivação do processo, tomou-se por conteúdo: a ‘‘Ditadura Militar no Brasil’’ para se trabalhar com
a intervenção das músicas de Chico Buarque de Holanda que tinham por objetivo protestar contra o regime mili-
tar e, simultaneamente, dar esperança de dias felizes. Buarque foi a ‘‘peça-chave’’ para que contribuísse em alertar a
consciência da população. O fim da ditadura foi marcado pelos movimentos do povo nas ruas e também o ‘‘grito’’ das
músicas de protesto de Chico que constituiu um elemento fortalecedor para a Democracia brasileira.
A Metodologia/técnica na utilização da música de Chico, com as atividades dialógicas, discussão, comentários
abertos para ouvir as muitas vozes dos aprendizes, percebeu-se a grande diferença do posicionamento do aluno. Foi
possível perceber uma nova consciência do aprendiz quanto ao questionário ‘‘Você sabia? ‘‘e suas paródias sobre a
música Cálice, Apesar de Você, Angélica, Roda Viva, ambas do compositor Chico Buarque de Hollanda, o que traz
novas perspectivas ao docente para erradicar os velhos métodos didático - pedagógicos e assumir uma nova postura
para se ter alunos leitores - sujeitos críticos, participativos, criativos, conscientes com mudanças de conduta. ‘‘Quem
educa tem a responsabilidade do tamanho do mundo’’. E, para tanto mostrou-nos um horizonte cheio de possibilida-
des para posturas conectadas e significativas por meio do acolhimento passado/presente/futuro.

707
REFERÊNCIAS

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708
ENSINO DE HISTÓRIA, CURRÍCULO E OS DESAFIOS PARA A
FORMAÇÃO DOCENTE NA REDE MUNICIPAL DE GOIÂNIA

Carolina do Carmo Castro – SME


Eunice Aparecida Antunes Fleury – SME
Warlúcia Pereira Guimarães – SME

A Secretaria Municipal de Educação e Esporte/ SME, em 2019 está elaborando os Documentos Curriculares
da Educação Infantil, do Ensino Fundamental organizado em Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano e na
modalidade de Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos/EAJA, de acordo com a Base Nacional Comum Curricu-
lar/BNCC e com as Propostas Político-Pedagógicas da Rede Municipal de Educação/ RME.
Para elaboração desse material, houve um processo em contexto nacional que iniciou com a homologação da
Base Nacional Comum Curricular, em 2017. Para sua efetivação, o Ministério da Educação criou o Programa Nacio-
nal de Implementação da BNCC (ProBNCC), com vigência de dois anos (2018–2019), para condução do processo.
Por isso, em 2018, foi função dos Estados e do Distrito Federal, contextualizarem a BNCC a partir de suas realidades
culturais e pedagógicas. Em Goiás, no referido ano, foi elaborado pela Equipe Estadual de Currículo e aprovado no
Conselho Estadual de Educação o Documento Curricular para Goiás (DC-GO) tal equipe foi composta por represen-
tantes da pública estadual e municipal e da rede privada.
Em 2019, é função dos municípios revisarem seus documentos orientadores, de acordo, com a BNCC e DC-
-GO. Para que isso ocorresse, foi constituída uma Equipe de Currículo Ampliada que teve como papel elaborar a
primeira versão dos Documentos Curriculares para ser submetida aos profissionais da Educação da RME.
Com perspectiva de envolver ao máximo esses sujeitos, e de tornar legítimo o processo, três movimentos
distintos foram pensados: consulta pública on-line, via plataforma, o dia “D” de discussão na instituição educacional
e a constituição dos Grupos de Trabalho com representantes dos professores das instituições educacionais das cinco
Coordenadorias Regionais de Educação.
O objetivo dos Grupos de Trabalho é promover diálogos e discussões mais aprofundadas, a fim de identificar
o que necessita ser alterado em cada Documento Curricular, para atender as necessidades e anseios dos profissionais,
das crianças, dos adolescentes, dos jovens e dos adultos, bem como, da própria sociedade.
Ao adequar as unidades temáticas apresentadas pela BNCC do Componente Curricular História ao Documento
Curricular da RME, adotou-se como perspectiva o ensino de História como o estudo da ação humana no tempo, a
partir da pluralidade e diversidade das experiências individuais e coletivas, compreendendo-as no seu processo de
mudança e permanência, bem como analisando-as de forma relacional, procurando explicitar as semelhanças, dife-
renças, desigualdades, interações, cooperações e conflitos.
Nessa perspectiva, o ensino de História deve propiciar ao(à) educando(a) um melhor conhecimento da reali-
dade em que vive. Deve servir, sobretudo, para que o educando(a) possa situar-se conscientemente no mundo, além
de conhecer de maneira crítica a sua herança pessoal e coletiva, possibilitando-lhe a compreensão e reconstrução da
vida cotidiana, para que ele(a) possa relacioná-la com a vida de todos os seres humanos.
Assim, por meio do ensino de História, os(as) educandos(as) poderão aprender a ser cidadãos(ãs) do seu tempo,
a desenvolver uma sensibilidade estética, social e histórica, aprendendo a “pensar historicamente”, ou seja, compreen-
dendo a natureza social e individual do ser humano em diferentes tempos e espaços (SCHIMIDT, 2002).
O “pensar historicamente” requer de docentes e discentes uma compreensão dos processos de aprendizagem
em História, por meio da aquisição das habilidades1 de identificação, comparação, contextualização, interpretação e

1 Os processos para a aprendizagem em História (identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise), estão descritos na
BNCC, componente curricular de História, p. 396 a 398.

709
análise, bem como, da compreensão da relação passado/presente/futuro, dos objetos de estudos históricos, das fon-
tes, documentos, conteúdos e metodologias. Nesse sentido, o estudo do conceito de tempo é fundamental, visto que:

Um dos objetivos básicos do ensino de História é compreender o tempo vivido de outras épocas e converter o
passado em “nossos tempos”. A História propõe-se reconstruir os tempos distantes da experiência do presente e
assim transformá-lo em tempos familiares para nós. [...] Para realizar essa tarefa, os historiadores utilizam-se de
várias categorias temporais: acontecimentos, ciclo, estrutura, conjuntura. O tempo que o historiador trabalha consiste
em tempo métrico - cronologias e periodizações – e tempo qualitativo – das durações, da sucessão (diacrônico) e si-
multaneidade (sincrônico), das mudanças e permanências (BITTENCOURT, 2004, p. 204, grifos da autora).

Para compreensão do tempo histórico é fundamental o trabalho com as fontes e documentos, compreendendo
“por documento quaisquer vestígios deixados pelos seres humanos em diferentes tempos e espaços” (MONTELLA-
TO, 2002, p. 5). Dessa forma, o trabalho com documentos de naturezas diversas é um momento privilegiado para que
o(a) educando(a) tenha contato com o universo histórico e cultural de sujeitos sociais de diferentes épocas, uma vez
que o seu estudo requer observações quanto ao tipo de documento, autor, época e contexto; assim como perguntas
sobre o que a fonte informa e o que pode ser deduzido das informações obtidas.
Esse processo investigativo, não é só importante, para a compreensão do documento, mas, principalmente para
a aprendizagem em História, uma vez que o trabalho com documento é:

[...] fundamental no ensino de História, para que os alunos possam ter uma ideia mais apropriada do que é História
e do caráter provisório, mas fundamentado, do que se diz sobre o passado. Aos poucos, por meio de diferentes
atividades de ensino, é necessário que os alunos superem a noção de que um documento nos informa de maneira
direta e acabada sobre o passado. Eles necessitam entender que o documento passa a ter valor a partir da per-
gunta que se faz a ele (SCHIMIDT, 2002, p. IX, grifos da autora).

Isto não significa que os(as) educandos(as) se transformarão em historiadores, mas que a partir do conheci-
mento histórico, eles possam, de forma consciente, lidar com o passado, conferindo-lhe sentido e significado, a fim de
melhor compreender o presente e guiar suas escolhas e expectativas de futuro, possibilitando que os mesmos possam
de forma reflexiva e crítica, lidar com o conhecimento histórico. Nesta perspectiva, busca-se a utilização de fontes
imateriais2, materiais3, escritas, visuais e orais. Além da utilização de novas linguagens culturais como a fotografia, o
cinema, a televisão, bem como, da cultura digital4.

Só quando as crianças compreenderem os vestígios do passado como evidência no seu mais profundo sentido – ou
seja como algo que deve ser tratado não como mera informação, mas como algo de onde se possam retirar res-
postas a questões que nunca se pensou colocar – é que a história se alicerça razoavelmente nas mentes dos alunos
enquanto actividade com algumas hipóteses de sucesso (LEE, 2003, p. 25).

Assim, na expectativa de possibilitar o alicerce histórico na mente dos(as) educandos(as) num contexto de
globalização em que os aspectos locais e globais se mesclam no mundo contemporâneo, o ensino de História pode
ser considerado elemento chave para a formação de sujeitos históricos críticos e conscientes da importância de sua
participação social, compreendendo a realidade histórica que vivem, relacionando-a com outras experiências do pre-
sente e passado.
Assim, diante desse mundo globalizado e tecnológico, ‘aprender História’ é construir um ‘pensar historicamen-
te’, é fazer relações do tempo presente com o passado a fim de buscar uma orientação temporal para a vida prática, é
desenvolver uma argumentação lógica no pensamento histórico dos(as) educandos(as), indo além do conhecimento

2 Fontes imateriais: imaginário, as mentalidades, o cotidiano, a vida privada, o modo de fazer e as crenças (PEREIRA & SEFFNE apud
TRINDADE, 2012, p.459).
3 Fontes materiais: utensílios, mobiliários, roupas, ornamentos (pessoais e coletivos), armas, símbolos, instrumentos de trabalho, construções
(templos, casas, sepulturas), esculturas, moedas, restos (de pessoas ou animais mortos), ruínas e nomes de lugar (toponímia), entre outros
(SCHIMIDT, 2004, p.96).
4 Cultura Digital - refere-se à cultura decorrente dos usos da internet e outros aparatos digitais que intermedeiam as relações e as produções
humanas, favorecendo trocas e interações entre as pessoas e novos modelos de aprendizagem e meios de expressão (SÃO PAULO, 2011).

710
dos fatos históricos (que podem ser acessados rapidamente numa consulta na internet), é entender e relacionar de
forma complexa o passado, desenvolvendo a racionalidade histórica entre os(as) educandos(as).
Nesse sentido, observa-se a importância do trabalho com a História local como indicador da construção de
identidade(s). Parte-se do pressuposto que o local não se refere simplesmente ao mais próximo e o mais conhecido,
como o “Eu, o Outro e Nós”, mas deve ser entendido em um processo de mundialização, em que a construção de
identidade(s) tenha marcos de referência relacional, que devem ser conhecidos e situados, como o local, o nacional,
o latino-americano, o ocidental, o africano e o mundial. Assim, busca-se promover a construção de identidade(s)
individual(ais) e social(ais), do(a) educando(a), por meio da compreensão de sua historicidade, auxiliando-o a com-
preender-se como ser plural que se constitui na relação consigo mesmo e com o outro, ou seja, na e pela diferença.
O trabalho com a história local, permite, uma compreensão do conhecimento histórico a partir de problema-
tizações, temas e recortes de conteúdos que venham ao encontro dos interesses dos(as) educandos(as), contudo, sem
restringirem-se aos mesmos, pois os problemas culturais, políticos, econômicos e sociais de uma localidade explicam-
-se, também, pela relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos históricos mais amplos
(SCHIMIDT, 2002).
A História Local pode ser tida, então, como um conhecimento historiográfico, que seleciona um lugar para
analisar as relações sociais, políticas, econômicas e culturais para perceber no cotidiano, naquilo que está próximo, as
características do passado e do próprio tempo e ainda fazer relações e conjecturas com outras realidades, contextos
e culturas. Assim, pensar a História Local no âmbito do ensino se torna pertinente, visto que ajuda no processo de
construção identitária, de reconhecimento de si como um sujeito histórico pertencente e atuante e de reconhecimen-
to de outras realidades no sentido de desenvolver a compreensão da alteridade e o respeito ao outro.
Há que se destacar ainda, que trabalhar com História Local na educação básica pode contribuir com a aprendi-
zagem histórica e com o desenvolvimento da consciência histórica, pois ao reconhecer o passado de sua comunidade,
o(a) educando(a) faz relações temporais com o presente, ampliando a percepção do tempo passado, para torná-lo
meio de orientação da vida prática, ou seja, compreendendo a relação entre passado como um processo temporal que
se refere também ao presente e ao futuro.
Nesse sentido, a história local pode ser vista como possibilidade pedagógica para a transposição didática do
saber histórico para o saber escolar, ao favorecer o desenvolvimento de estratégias que propiciam uma aprendizagem
mais significativa como a investigação e análise de documentos e objetos, estudos do meio; visitas em arquivos lo-
cais, bibliotecas e museus, estudos do patrimônio, monumentos, agrupamentos arquitetônicos, sítios naturais e bens
culturais que ajudam os educandos(as) na análise dos diferentes níveis da realidade: econômico, político, social e cul-
tural. Nessa perspectiva, ao conceber o ensino de História como possibilidades de proporcionar estímulos externos,
experiências históricas para ampliar o universo dos(as) educandos(as), para desencadear um “outro” habitus no pro-
cesso de interiorização dos indivíduos, a escola tenta flexibilizar os esquemas de classificação, orientação e condutas
dos(as) educandos(as), possibilitando um universo de escolhas que esses indivíduos terão ao longo da vida, visto que
o habitus não é algo fechado, imutável, não é um destino, (BOURDIEU, CHARTIER, 2012).
Chama atenção no estudo da BNCC de História o diálogo do passado a partir de questões do presente, sendo
este um dos pontos centrais do ensino de História, conforme observado no documento da Base. Esse princípio dia-
loga com a primeira competência geral da BNCC que propõe “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente
construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo
e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017, p.9).
A relação entre as competências gerais e específicas se ampliam e se complexificam, por meio, das discussões
apresentadas entre ambas5. Assim, questões como curiosidade intelectual, investigação, reflexão, análise crítica, ima-
ginação, diversidade de saberes e vivências culturais, argumentação com base em fatos, dados e informações, direitos
humanos, consciência socioambiental em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. Tais questões e temáticas também são tratadas nas competências espe-
cíficas de História via unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades.

5 As Competências Gerais da BNCC estão elencadas e explicitadas na página 09 do documento da BNCC.

711
Assim, na BNCC o componente de História, anos iniciais e finais, é composto por vinte e nove unidades temá-
ticas, divididas em oitenta e oito objetos de conhecimento que por sua vez são detalhados em habilidades e conheci-
mentos essenciais.
Na expectativa de articular a concepção de ensino de História proposta na BNCC e no Documento Curricular
de Goiás com a Proposta Político-Pedagógica dos Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano da Rede Muni-
cipal de Educação, foram elaboradas, mais de 200 novas habilidades e competências com o objetivo de contemplar os
conteúdos propostos nos objetos de conhecimento e unidades temáticas, bem como, possibilitar o estudo da história
regional, local e a descolonização do saber.
Nesse sentido, nos Anos Iniciais foram criadas habilidades voltadas para a construção de identidade(s), cida-
dania, cultura, direitos humanos e diversidade étnica e religiosa, bem como, para a história do município (Goiânia),
Estado (Goiás) e país (Brasil), este último, com ênfase na formação histórica, étnica e cultural do povo brasileiro.
Nos Anos Finais manteve-se a organização da BNCC a partir da História Geral, dividida em Antiga, Medieval,
Moderna e Contemporânea. A História do Brasil é abordada ao longo das unidades temáticas, contudo, seu estudo é
aprofundando a partir da modernidade. Na perspectiva de propor alternativas ao conhecimento eurocêntrico, foram
inseridas habilidades voltadas para a História e Cultura afro-brasileira, africana, indígena, oriental e latino-ameri-
cana, além de questões voltadas a história das crianças, mulheres, religiões e (i)migrantes tendo como princípio a
Educação em Direitos Humanos.
As práticas pedagógicas devem contemplar a identificação, comparação, contextualização, interpretação e aná-
lise de estudos sobre diferentes modos de vida social e manifestações culturais (linguísticas, econômicas, religiosas,
familiares, entre outras) ampliando a compreensão dos(as) educandos(as) sobre o mundo social.
Reafirma-se que a aprendizagem em História deve ser considerada elemento chave para a formação de sujeitos
históricos críticos e conscientes da importância da sua participação social, compreendo a realidade histórica em que
vive, relacionando-a com outras experiências do presente e passado em diferentes tempos e espaços.
De modo geral, esses são os pressupostos, concepções e definições que embasam o ensino de História, no do-
cumento curricular para a Rede Municipal de Educação de Goiânia. Para um conhecimento mais específico, foram
elencadas abaixo, as Competências de História na BNCC:

1. Compreender acontecimentos históricos, relações de poder e processos e mecanismos de transformação e ma-


nutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais ao longo do tempo e em diferentes espaços para
analisar, posicionar-se e intervir no mundo contemporâneo.
2. Compreender a historicidade no tempo e no espaço, relacionando acontecimentos e processos de transformação
e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, bem como problematizar os significados das
lógicas de organização cronológica.
3. Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e
contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a
resolução de conflitos, a cooperação e o respeito.
4. Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo
contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, susten-
táveis e solidários.
5. Analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço e seus significados
históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as diferentes populações.
6. Compreender e problematizar os conceitos e procedimentos norteadores da produção historiográfica.
7. Produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de modo crítico, ético e responsá-
vel, compreendendo seus significados para os diferentes grupos ou estratos sociais (BRASIL, 2017, p.400).

Parte-se do pressuposto que as competências devem levar em consideração os processos de análise e criticidade
em cada objeto de conhecimento, refletindo na transposição didática do professor, haja vista que serão conteúdos e
procedimentos para a aprendizagem da História. Assim, a pesquisa torna-se primordial para a prática docente, uma

712
vez que o desenvolvimento de habilidades e conteúdos dependerá da realidade posta nas diferentes escolas e salas de
aula, e seus objetivos, bem como, da relação estabelecida entre docentes e discentes.
A concretude do Documento Curricular para Goiânia ultrapassa o currículo em si, pois requer compromisso
político com a educação pública e competência pedagógica de docentes e gestores na efetivação das aprendizagens
discriminadas nos quadros curriculares (objetivos, unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades) apre-
sentados nos quadros dos Anos Iniciais e Anos Finais.

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713
ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL, NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS
DO ENSINO MÉDIO

Orizeni Martins Vaz - UFG/RC-GO


Rita Tatiana Cardoso Erbs – UFG/RC-GO
GT2 – Instituições, culturas e práticas escolares

Resumo: A pesquisa propõe a compreensão do Tempo Integral, a partir da narrativa de alunos do ensino mé-
dio do Colégio CEPI - Polivalente Dr. Tharsis Campos, em Catalão – GO. Tendo como fundamentação de estudos
acerca da educação integral e o tempo integral, consolidado no Manifesto do Pioneiro/1932, idealizado pelos per-
cursores da Escola Nova, que mais tarde sob as ideias de Anísio Teixeira, a escola de Tempo integral toma forma em
Salvador BA/1947-1950 pela “inauguração da Escola Parque - Centro Popular Carneiro Ribeiro. Onde o currículo
formal era trabalhado nas chamadas escolas classes, no turno inverso. Dados mais recentes demonstram a constitui-
ção de ideais de escolas “de” e/ou “em” Tempo Integral que foram implantados em algumas escolas, tanto no ensino
fundamental e ensino médio no Brasil. Por ser um tema ainda polêmico e gerador de divisão na opinião de educado-
res, gestores e comunidade como um todo, consideramos importante compreender uma proposta de escola em Tem-
po Integral dando voz aos alunos que vivenciaram/experienciaram a implantação do modelo em tempo integral na
sua escola. Nesse quesito o CEPI da PMG - Polivalente Dr. Tharsis Campos, foi escolhido para ser o locus da pesquisa
por ser uma escola de ensino médio que passou por duas transições, a primeira para implantação do Tempo Integral
e a segunda, que se caracteriza pela militarização da escola, resultante da falta de sustentação e estabilidade apenas no
modelo em Tempo Integral que passa de CEPI para CEPI da PMG – Polivalente Dr. Tharsis Campos. Nesse viés,
temos o objetivo de compreender o Tempo Integral, na perspectiva dos alunos do Ensino Médio, através das narrati-
vas dos alunos da 3ª série do Ensino Médio do colégio CEPI da PMG, bem como frente aos documentos norteadores
que fundamentam a modalidade da escola de Ensino Médio em Tempo Integral. No intuito de alcançar os objetivos
da pesquisa, os alunos serão convidados de modo voluntário conforme a metodologia da pesquisa, a qual, acontecerá
em dois blocos. O Bloco 1 será utilizado um Questionário/Diagnóstico, de questões abertas objetivando identificar
quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral no ensino médio. Bloco 2, as entrevistas a partir
de questões semiestruturadas aos alunos selecionados a partir da identificação no Bloco 1, são os alunos que ingres-
saram na escola entre 2013 a agosto de 2016 que ainda estão no Colégio e vivenciaram/experienciaram o processo
pós-implantação, já o processo da implementação do modelo em Tempo Integral do Programa Novo Futuro - CEPI
- Polivalente Dr. Tharsis Campos – em Catalão-GO. Nessa premissa, utilizando do método da pesquisa (auto)bio-
gráfica colhendo as potencialidades de diálogos entre o individual e o sociocultural, pois coloca em evidência o modo
como cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, seus valores, as suas energias, suas emoções para ir dando forma à
sua identidade, sua concepção, num diálogo com os seus contextos. É através da narrativa que as pessoas lembram
o que aconteceu, colocam a sua experiência em uma sequência que dão relevância para si, jogam de modo simbólico
com os eventos e acontecimentos na construção de sua subjetividade, na vida individual e a vida social. Através das
análises das narrativas dos alunos, juntamente com os documentos escolares pretendemos compreender o Tempo
Integral, no Ensino Médio, na rede Estadual de ensino, no município de Catalão-GO.
Palavra-Chave: Escola em Tempo Integral. Alunos no ensino médio. Pesquisa (auto)biográfica.

INTRODUÇÃO

A pesquisa com o tema: Escola em tempo integral, na perspectiva dos alunos do ensino médio, na qual partimos
do campo da História da Educação, utilizaremos como abordagem teórico metodológico a pesquisa (auto)biográfica,

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na análise das narrativas dos alunos em Tempo Integral do Ensino Médio, no CEPI da PMG – Polivalente Dr. Thar-
sis Campos, na cidade de Catalão-GO., em que utilizaremos a análise dos relatos, a partir das entrevistas realizadas
com os alunos, com abordagem qualitativa, tendo em vista a “qualidade dos dados encontrados” (ANDRÉ, LUDKE,
1996). Nesse viés, nos referenciamos nas obras de Erbs e Abrahão, (2012), Bertaux (2010), Muyleart (2014), Abrahão
(2003), Manzini (2004), Anísio Teixeira (1962), (1957) e Dewey (1959) e, entre outros como fundamentação aos
apontamentos considerados pertinentes aos conceitos de narrativas enquanto método de investigação e análise dessa
pesquisa cientifica, bem como quanto ao histórico da escola em Tempo Integral no Brasil.
A pesquisa acontece com os seguintes encaminhamentos: Primeiro momento faremos a aplicação de um Ques-
tionário/Diagnóstico a todos alunos da 3ª série do ensino médio, com o intuito de identificar e selecionar os alunos
que vivenciaram/experienciaram ao modelo em Tempo Integral (anterior ao Militar), estes alunos considerados de
maior vivencia em Tempo Integral, que passaram pelo processo e/ou pós implementação do Programa Novo Futuro
– Ensino Médio em Período Integral, alunos que estão ainda na Unidade Escolar CEPI da PMG1.
Portanto a pesquisa a qual propomos traz como problemática: Como tem sido a percepção dos alunos do
Ensino Médio em relação a Escola em Tempo Integral e se essa relação tem contribuído com seu projeto de vida?
Objetivamos compreender e analisar a concepção de Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do Ensino
Médio. E, sobre esses quesitos vamos abordar no item seguinte de modo mais esclarecedor.

PROBLEMATIZANDO O PROJETO

O Projeto de pesquisa Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do ensino médio, perpassa pela
abordagem metodologia da narrativa (auto)biográfica, eis que entendemos quão relevante a utilização das fontes
teóricas para fundamentarmos e como primordial os relatos dos alunos, a voz que cada pessoa mobiliza seus conhe-
cimentos, seus valores, as suas energias, suas emoções, seus sentimentos, dando forma à sua identidade, sua concep-
ção, num diálogo com os seus contextos para essa pesquisa. Vale lembrar que em nossas buscas, em meio as leituras
conheceremos a proposta vigente (manual de Orientação do CEPI – Centro de Educação em Período Integral), para
compreender esse objeto de investigação “Tempo Integral no Ensino Médio”, em contrapartida as narrativas dos
alunos que serão as possibilidades de respostas a nossa investigação.
Em consequência de múltiplas questões geradas na Unidades escolar foco da pesquisa, como também sob as
medidas de reformulação da educação no Estado de Goiás – Pacto pela Educação Reforma Educacional em Goiás em
2012, gerido pelo secretário de educação estadual cria-se os CEPI’s (Centro de Educação em Período Integral), pela
Lei Nº 17.920/2012, revogada pela Lei Nº 19.687/2017. O Programa Novo Futuro, uma parceria criada pelo Governo
do Estado de Goiás com o estado de Pernambuco-PE juntamente com o ICE2 na elaboração do modelo de Escola de
Ensino Médio em Período Integral.
Ao final de 2012, a Secretária de Educação do Estado de Goiás juntamente com a Subsecretaria Regional de
Catalão e grupo Gestor do colégio Polivalente Dr. Tharsis Campos dá encaminhamento na organização dos tramites
para a implantação do Programa Novo Futuro – escola do Ensino Médio em Período Integral. A proposta em Tempo
Integral implementada no prédio do Colégio Polivalente Dr. Tharsis Campos, sob um momento de tensão, de muitos
desgastes – do quem fica/quem sai, do que adequa ou não ao perfil – angustias e inseguranças perpassam tanto pelos
funcionários, como pelos alunos, pois só permaneceram os alunos do ensino médio, seguindo com as incertezas da
implantação do novo modelo e também a insegurança dos pais em deixar seus filhos em um modelo incerto.
O processo de implantação ocorre através de reuniões, formação da equipe, Planejamento e otimização dos
espaços existentes no local.
Os momentos de otimização/organização/Formação/Planejamento se deu com equipe da SEDUC3 juntamente
com a equipe da escola de Tempo Integral de Pernambuco-PE, com vista a proposta de Tempo Integral no Ensino
1 CEPI da PMG – Polivalente Dr. Tharsis Campos, Colégio instituído sob duas modalidades: Tempo Integral e Militar.
2 ICE – Instituto de corresponsabilidade pela Educação.
3 SEDUC - Secretaria de Estado da Educação e Cultura, nomenclatura instituída na gestão do secretário de Educação do Estado de Goiás
entre 2011 a 2015.

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Médio orquestrado pelo ICE. Em janeiro de 2013 inicia as aulas no CEPI – Polivalente Dr. Tharsis Campos, no mu-
nicípio de Catalão-GO.
No entanto, o que era para ser sanado com a implantação do modelo de Ensino Médio em Tempo Integral, não
aconteceu. Os problemas continuaram, a modalidade em Tempo Integral não consegue se manter, consolidar. As
promessas não são cumpridas, como, reformas estruturais, recursos humanos para atuar, falta de articulação/otimi-
zação e compromisso no cumprimento da implementação da proposta. A Secretaria de Educação, a Subsecretariada
Regional de Educação de Catalão sem articulação, nas questões de gestar o novo modelo, sem critério na seleção
profissionais para atender os déficits e a nova demanda, a escola sem recurso financeiro.
Em decorrência desses dissabores, docentes e equipe gestora vivenciam momentos de angustias, porém com a
carga de responsabilidade maior, agora o fracasso era da equipe, a falta de estrutura, a falta de profissionais (docentes),
falta de material pedagógico, adequando no improviso (de espaços, de atividades as vezes, duplicação de atividades
com o mesmo professor), a organização das atividades prevista para 09 horas/diárias, em atendimento com os alunos,
a otimização e o sucesso dependia da equipe que ali estavam. E, como não bastasse, resulta em outra mudança: em
agosto de 2016 o Comando de Ensino Militar em parceria com o governo do Estado e Secretaria Estadual de Estado
implanta o modelo miliar. Juntam-se os dois modelos no Colégio, torna-se então CEPI da PMG4 – Polivalente Dr.
Tharsis Campos.
Para tanto, essa pesquisa, surgiu a partir de algumas inquietações que foram geradas por minhas vivencias
durante o meu percurso profissional, mas que foi tomando forma de modo mais claro a partir dos trâmites e imple-
mentação da escola em Tempo Integral com a denominação de “Programa Novo Futuro – Ensino Médio em Tempo
Integral”. A oportunidade, a curiosidade e o desejo a partir desses movimentos dessas mudanças naquela escola. Nes-
se viés, proponho estudar acerca da Escola em Tempo Integral no intuito de compreender a concepção dos alunos
em relação a modalidade de escola de Ensino Médio em Tempo Integral, alunos que vivenciaram/experienciaram
o desenrolar da proposta, a qual está descrita nas Diretrizes de Orientações de forma modelar, e no nosso entender,
ninguém melhor para narrar as vias de fato dessa proposta, senão os alunos que estão ali.
Apontamos como problemática da pesquisa: Como tem sido a percepção dos alunos do Ensino Médio em rela-
ção a Escola em Tempo Integral e se essa relação tem contribuído com seu projeto de vida? Com o intuito de buscar
possíveis respostas a nossa problematização compreendendo o Tempo Integral na voz dos alunos do Ensino Médio
que vivenciaram/experienciaram o desenrolar da proposta. Como resultado pautamos em alguns referenciais teóri-
cos, leitura aos documentos norteadores da escola em Tempo Integral no ensino médio, com solidando nas análises
das narrativas objetivamos compreender a Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do Ensino Médio na
rede de ensino estadual, no município de Catalão-GO.

OBJETIVOS

Nesse Projeto de Pesquisa propomos a Compreender a Escola em Tempo Integral na perspectiva dos alunos do
Ensino Médio. Nessa perspectiva, 1 - Conhecer a escola em Tempo Integral na rede Estadual de ensino no município
de Catalão-GO., a partir dos relatos dos alunos e dos documentos norteadores; 2 - Identificar quem são os alunos do
Ensino Médio na escola em Tempo Integral; e, 3 - Analisar as narrativas dos alunos do ensino Médio na escola em
Tempo Integral.
Para alcançarmos os nossos objetivos propostos utilizaremos das narrativas (entrevistas) dos alunos, sendo que
esses sujeitos irão nos relatar a partir das suas vivências, o que é, como é a modalidade em Tempo Integral, que se
propõem 09 horas diárias em atividades aos alunos, estes que se dispões estar ali, ou seja, qual a contribuição dessa
modalidade na formação desses alunos, nos seus projetos de vida.

4 PMG - Policia Militar de Goiás.

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ESCOPO TEÓRICO

Julgamos conveniente realizar um diálogo sobre a educação formal no Ensino Médio em Tempo Integral a
partir do conhecer a escola em Tempo Integral na rede Estadual de ensino no município de Catalão-GO; identificar
quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral e mediante da análise das narrativas dos alunos
do Ensino Médio na escola em Tempo Integral possamos compreender o Tempo Integral, na perspectiva dos alunos
do Ensino Médio.
Para tanto, entendemos conveniente iniciarmos nesse momento as discussões acerca dos conceitos, questões
eminentemente primordiais para fundamentarmos os conceitos abarcados na pesquisa, como o tempo o espaço, pe-
ríodo integral, juventude, bem como acerca da nossa abordagem metodológica Narrativa (Auto)Biografica a partir
das análises das narrativas dos alunos.
Na estrutura organizacional na escola em Tempo Integral, que o objetivo dessas questões na visão de Parente
(2008, p. 142-143), “devem ser debatidos no coletivo e primado para uma sociedade onde seu tempo/espaço requer
sobre seus resultados, [...] o tempo escolar interage o tempo individual, biológico, familiar, da cidade, do país.
Porém, Gallego (2008) diz que:

... um tempo escolar próprio que acabou por se impor à sociedade e influenciou os novos tempos sociais, de que
modo se contribuíram formas e cultura escolar que diferenciaram as normas e fazeres do praticados em outros
lugares sociais, como se elaborou um espaço escolar distinto dos outros espaços sociais identificáveis rapidamente
por sua arquitetura particular e, ainda como se constitui um corpo profissional com formação própria mediante a
criação e difusão das escolas normais (GALLEGO, 2008, p. 74).

Nesse viés, o tempo/espaço em uma escola do Ensino Médio em Tempo integral, a considerar a orientação da
proposta norteadora5 do Tempo Integral institui nove (09) h/a (horas/aulas) diárias revestidas em atividades discipli-
nares, seja na parte do núcleo básico comum e a parte do núcleo diversificado distribuído na Matriz Curricular, bem
como otimizado no calendário escolar que a todos que estão ali inseridos são convocados a interiorizar as normati-
zações regida desse modelo, que segundo Arco-Verde (2012) afirma quanto a interiorização:

...construção social e humana que deve ser aprendida e interiorizada. Os diferentes tempos sociais e os ritmos da
vida cotidiana constituem o contexto que determina sua aprendizagem. Um destes tempos sociais, nem sempre de
acordo com outros, é o tempo escolar, um tempo diferente e plural, um fato cultural. O tempo escolar oferece es-
truturas e organizações variadas, como a dos níveis, etapas, ciclos e cursos; a dos calendários letivos e acadêmicos;
a da distribuição semanal e diária das matérias e atividades, a dos horários (ARCO-VERDE, 2012, p. 85).

Nesses termos, Arco-Verde (2012) afirma que a construção social e humana deve ser aprendida e interiorizada
e considera tempo escolar como um desses tempos sociais, um fato cultural, um tempo plural oferecido pelas estru-
turas e organizações da múltiplas variáveis que é o tempo escolar. Como bem sabemos o modelo escolar de organiza-
ção interna da escola está presente desde a instituição das “escolas seriadas, na República” (BOTO, 2005, p. 64), e ao
reportarmos organização interna escolar hoje, deparamos com modelos que não foge muito do que foi. Para tanto,
cabe um desafio maior a escola de Ensino Médio em Tempo Integral ao dinamizar sua organização interna diferen-
ciando aos padrões convencionais, dando ênfase, remodelando o há na parte do Núcleo diversificado com múltiplas
estratégias, otimizando salas ambientais, focando nos alunos protagonistas para garantir a permanência dos alunos
na escola em Tempo Integral.
Portanto, a partir de algumas leituras, acerca do assunto Educação Integral e/ou Tempo Integral, no Brasil,
quando os percursores do Manifesto dos Pioneiros propõem a Educação Integral como um dos princípios de educa-
ção para aquela época, o ideário da Educação Nova – Manifesto dos Pioneiros (1932).

5 Proposta norteadora - orientações operacionais das funções das equipes escolares dos centros de ensino em período integral do programa
novo futuro; orientação para elaboração do plano de ação do CEPI; plano de ação – 2014 e diretrizes operacionais da rede pública estadual
de ensino de Goiás 2016/2017 entre outros documentos afins.

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No que tange o documento do Manifesto dos Pioneiro, o percurso da educação no Brasil reivindicava uma edu-
cação integral, de estrutura orgânica, acessível a todos e todos os graus/níveis. Nessa mesma direção, a partir de algumas
leituras em que Anísio Teixeira, um dos percursores do Manifesto dos Pioneiros (1932), segundo Castro (2009) “pro-
jetou a em Período Integral, em Salvador/BA”, em 1950. Ele tinha um ideal de educação tendo como “ponto central do
ideal democrático residia no fato de dar a umas oportunidades iguais para que cada um se desenvolvesse pelas suas com-
petências e capacidades individuais” Evangelista (1993, p. 93). Esse ideário da Escola Nova na visão de Dewey (1959).
Segundo o Libâneo (2016), as políticas educacionais têm seu lastro em orientações de organismos internacio-
nais, desde a adesão do governo brasileiro às recomendações formais expedidas pelas Conferências Mundiais sobre
Educação para Todos e outros eventos patrocinados pela Unesco e Banco Mundial. Mas que segundo os dados apre-
sentados pelo MEC6, mediante aos resultados no IDEB desde 2007, vem nos demonstrando a ineficiência da apren-
dizagem em especial a educação no Ensino Médio.

METODOLOGIA

Na realização dessa pesquisa, utilizaremos como abordagem teórico metodológica a pesquisa (auto)biográfica,
buscamos as referências nas obras: Erbs e Abrahão, (2012), Bertaux (2010), Muyleart (2014), Abrahão (2003), Man-
zini (2004), Anísio Teixeira (1962), (1957), Dewey (1959) e Evangelista (2018), entre outros para a fundamentação
aos apontamentos considerados relevantes ao conceito de narrativas enquanto método de investigação e análise dessa
pesquisa cientifica.
Na coleta dos instrumentos acontecerá em dois momentos. Da aplicação dos questionários/Diagnósticos e das
entrevistas. Acontecerá em dois blocos. O Bloco 1 será utilizado um Questionário/Diagnóstico, de questões abertas
objetivando identificar quem são os alunos do Ensino Médio na escola em Tempo Integral no ensino médio. Do
questionário/Diagnóstico resulta na seleção dos alunos (que vivenciam/experienciam o modelo em Tempo Integral).
No Bloco 2, as entrevistas a partir de questões semiestruturadas aos alunos selecionados a partir da identifi-
cação no Bloco 1, são os alunos que ingressaram na escola entre 2013 a agosto de 2016 que ainda estão no Colégio
e vivenciaram/experienciaram o processo pós-implantação, já o processo da implementação do modelo em Tempo
Integral do Programa Novo Futuro - CEPI - Polivalente Dr. Tharsis Campos – em Catalão-GO. Mediante a aceita-
ção dos alunos enquanto participantes na pesquisa e com os agendamentos das entrevistas, iniciaremos as entrevistas,
estas ocorrerão de modo individual, através de um roteiro semiestruturado, “onde não há imposição de uma ordem
rígida de questões”, mas mediante a um eixo, com questão geradora em que o entrevistado irá discorrer sobre o eixo
“proposto com base nas informações que ele detém” Ludke e André (1986, p. 33). As entrevistas serão a partir de um
roteiro previamente elaborado no formato semiestruturado que segundo Manzini (1990/1991):

...a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com per-
guntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstancias momentâneas à entrevista.
[...] esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicio-
nadas a uma padronização de alternativas [...] é possível um planejamento da coleta de informações por meio da
elaboração de um roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O roteiro serviria, então, além de
coletar as informações básicas, como um meio para o pesquisador se organizar para o processo de interação com
o informante (MANZINI, p. 154, 1990/1991).

Segundo Manzini (1990/1991), na elaboração de um roteiro para entrevista semiestruturada, este constitui de
perguntas focalizadas ao assunto em questão, mas que necessita de questões complementares inerentes ao momento
da entrevista, sem, contudo, de modo padronizado, de modo livre, mas que se chega os objetivos pretendidos. Nessa
premissa, após as entrevistas faremos as transcrições e descrições dos relatos, momento também de identificação
de dimensões das percepções dos alunos, só então, passaremos ao procedimento das análises e entrelaçamentos das
fontes com os documentos norteadores da escola em Tempo Integral em Goiás e com os referenciais teóricos. Só

6 MEC – Ministério da Educação e Cultura.

718
então, mediante a análise feita possamos chegar às possíveis conclusões, e/ou possíveis resultados e respostas a nossa
indagação nessa Pesquisa.

CONSIDERAÇÕES

Propomos pesquisar acerca da escola em Tempo Integral, no CEPI da PMG – Polivalente Dr. Tharsis Campos,
no município de Catalão-GO., para chegarmos ao objetivo que é Compreender a Escola Em Tempo Integral, na pers-
pectiva dos alunos do Ensino Médio, com vista a possibilidade de respostas e/ou resultados à nossa pesquisa é que
utilizaremos das narrativas dos alunos, dar vozes a esses jovens que vivenciam/experienciam por vias de fato a fun-
cionalidade do que é proposto e implementado pelo Programa Novo Futuro – Ensino Médio em Tempo Integral no
CEPI – Polivalente Dr. Tharsis Campos. Nesse sentido, participarão da pesquisa os alunos, aqueles que ingressaram
na escola entre 2013 a agosto de 2016 que ainda estão no Colégio e vivenciaram/experienciaram o processo pós-im-
plantação, já o processo da implementação do modelo em Tempo Integral do Programa Novo Futuro. Por considerar
o objeto relevante Escola em Tempo Integral, e contribuir com as concepções acerca do mesmo vamos ouvir os rela-
tos dos alunos, uma vez que entendemos que a narrativa (auto)biográfica constituem como método de pesquisa que
possamos colher as potencialidades do diálogos entre o individual e o sociocultural, pois coloca em evidência o modo
como cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, seus valores, suas energias, suas emoções, como vão dando forma
à sua identidade, sua concepção, um diálogo com os seus contextos. É através da narrativa que as pessoas lembram
o que aconteceu, colocam a sua experiência em uma sequência que dão relevância para si, jogam de modo simbólico
com os eventos e acontecimentos na construção de sua subjetividade, na vida individual e a vida social.
O que nos gerou a nossa pesquisa foi em decorrência dos vários eventos ocorridos naquela unidade educacional,
como as duas transformações que ocorreu na Unidade Educacional, uma muito próxima da outra, bem como o que
motivou essas transformações naquela instituição, desconsiderando todos que ali estavam e estão (comunidade escolar,
professores e alunos). Nessa perspectiva, o que esses alunos têm a narrar sobre a Escola em Tempo Integral? Nessa pre-
missa, no intuito de chegar a possíveis respostas e/ou resultados a partir das narrativas dos alunos vamos compreender
a escola em tempo Integral, na perspectiva dos alunos do Ensino Médio. Para tanto, utilizamos como aporte teórico
algumas obras, no intuito aprofundar nas referências teóricos acerca do conceituação das narrativas (auto)biográfica.
Nessa trajetória, acreditamos que a metodologia já está bem definida, uma vez para a produção das fontes, acon-
tecerá em dois blocos, iniciaremos com o questionário/Diagnóstico (participação voluntária), para primeiro identificar-
mos os alunos participaram da pesquisa e a partir da seleção dos participantes acontecerá as entrevistas. Sendo um ro-
teiro de entrevistas semiestruturados. Ainda contaremos com os documentos norteadores da Escola em Tempo Integral
para nos um certo parâmetro de como foi idealizado a estrutura organizacional dessa modalidade de ensino.

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_________. Educação não é privilégio. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1957.
_________Doc. MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial,
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ESCOLAS INDÍGENAS DA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS/MT
NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: UM ESTUDO SOBRE
AS PRÁTICAS ESCOLARES

Cristiane Pereira Peres – UFGD1

RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo analisar o processo de criação e consolidação das escolas indí-
genas instaladas na primeira metade do século XX, na Reserva Indígena de Dourados (RID), no Sul de Mato Grosso,
a “escola da missão” (Escola Primária General Rondon), e a “escola do Posto” (Escola Francisco Ibiapina), assim como
perscrutar como era o ensino nestas instituições no período. Para tanto, foi necessário recorrer a uma bibliografia li-
gada à educação indígena, Carvalho (2004), Gonçalves (2009, 2012), Lourenço (2007); à história da educação, Roma-
nelli (2014); à história das instituições, Magalhães (1996, 1998, 2004); ao conceito de cultura escolar de Vidal (2005),
entre outros. E, recorrer, também, as fontes de pesquisa, como os documentos oficiais do Posto Indígena Francisco
Horta e da Missão Indígena Evangélica Caiuá, como: relatórios e atas de reunião do Posto Indígena Francisco Horta,
relatórios de frequência escolar e notas dos alunos indígenas, relatórios de atendimento e consumo de gêneros ali-
mentícios e de higiene nas escolas, relatórios do quantitativo populacional da Reserva, relatórios sobre os serviços
realizados na Missão, relatórios emitidos pelas escolas, relatórios escritos pelas professoras, provas e conteúdos tra-
balhados. Neste estudo, foi possível constatar que as escolas indígenas investigadas estiveram ligadas a Missão Caiuá,
que tinha confissão protestante e buscava “civilizar”, integrar e evangelizar as etnias indígenas por meio de estratégias
escolares e religiosas que priorizaram um ensino que negava e desvalorizava a cultura indígena, impondo uma cultura
não indígena como única e desenvolvida. No entanto, os indígenas, diante da política de “civilização”, evangelização
e integração do projeto de nacionalidade dos não indígenas, souberam a seu modo étnico e cultural, negar, assimilar
e/ou participar das estratégias de escolarização utilizadas, afirmando a sua identidade, que sofreram transformações
com as relações que foram sendo estabelecidas.
Palavras-chave: Escolas Indígenas. Ensino. Reserva Indígena de Dourados.

INTRODUÇÃO

O artigo propõe uma discussão acerca da história das escolas indígenas. Para tanto, busca, inicialmente, analisar
o processo de criação e consolidação da “escola da missão” (Escola Primária General Rondon), e da “escola do Posto”
(Escola Francisco Ibiapina), instaladas pelos professores missionários na Reserva Indígena de Dourados, no Sul de
Mato Grosso, na primeira metade do século XX. E, num segundo momento, investigar como era o ensino nestes
estabelecimentos no período.
Há de se considerar aqui que, a influência da Nova História Cultural no campo de estudo da História da Edu-
cação, possibilitou que pesquisadores desta área passassem a se dedicar a outra proposta de estudo, isto é, uma pro-
posta voltada a um pluralismo epistemológico e temático, capaz de privilegiar a investigação de objetos singulares,
incluindo a história das instituições escolares, a história das disciplinas escolares, história do currículo, história da
formação e da profissão docente, entre outras. No entendimento de Carvalho (2007, p. 116), “as questões lançadas
pela chamada Nova História Cultural redesenharam as fronteiras e redefiniram os métodos e objetos da história da
educação no Brasil”.

1 Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação (PPGedu), pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Possui
experiência de pesquisa nas temáticas relacionadas à História, Educação, História Colonial, História da Educação, Diversidade Étnica e
Cultural, Educação Escolar Indígena, e Ensino e Inclusão. cristiapereira@hotmail.com

721
No que se refere a história das instituições escolares, Magalhães (1996) esclarece que foi somente nas últimas
décadas que, na história da educação, a abordagem dos processos de formação e de evolução das instituições educativas
constituiu um domínio do conhecimento historiográfico em renovação. De acordo com o autor, essa renovação tem
operado uma profunda alteração metodológica, uma vez que essa história passou a ser “construída da(s) memória(s) para
o arquivo e do arquivo para a memória, intentando uma síntese multidimensional que traduza um itinerário pedagógi-
co, uma identidade histórica, uma realidade em evolução, um projeto pedagógico” (MAGALHÃES, 1998, p. 61).
Para a análise proposta neste texto, foi necessário recorrer a uma bibliografia ligada à educação indígena, à his-
tória da educação, à história de Mato Grosso e, mais especificamente, à história de Dourados e região, entre outras.
Neste estudo, foram, também, privilegiados como fontes de pesquisa, os documentos do Posto Indígena Francisco
Horta e da Missão Evangélica Caiuá (MEC). Fontes essas encontradas no Centro de Documentação Regional (CDR)
da Universidade Federal da Grande Dourados, e nos arquivos do Museu do Índio do Rio de Janeiro.
O artigo aborda de início a presença indígena em Dourados. E, posterior, discute a história das escolas indíge-
nas, instaladas na Reserva Indígena de Dourados na primeira metade do século XX.

A RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS E A MISSÃO CAIUÁ

A Reserva Indígena de Dourados (RID) foi criada no ano de 1917 pelo Decreto nº 404 de 3 de setembro, com
uma área de 3.539 hectares, sendo povoada pelas etnias Guarani, Kaiowá e Terena. Nesse mesmo ano, passou a fun-
cionar o Posto Indígena Francisco Horta, criado para atuar na Assistência, Nacionalização e Educação monitorada
pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) (LOURENÇO, 2007). Importante salientar, que o estado de Mato Grosso
do Sul apresenta a segunda maior população indígena do Brasil, e Dourados, com um contingente populacional com
mais de 200.000 habitantes, conta com uma população indígena que transcende o quantitativo de 15.000 habitantes
(MIQUELETTI; LOURENÇO, 2014).
Na RID, os contatos dos missionários com as etnias supracitadas, ocorreram após 1928 com a fundação da Mis-
são Evangélica Caiuá, mantendo contatos principalmente com os indígenas das etnias Guarani e Kaiowá. Em Dou-
rados, os primeiros grupos de missionários chegaram em abril de 1929, constituídos por presbiterianos e metodistas
(GONÇALVES, 2015). Nessa localidade, pode-se dizer que os indígenas foram o principal motivador, ou melhor,
“atrativo” para o estabelecimento desses missionários nessa região.
Mesmo que o interesse inicial dos missionários fosse unicamente a catequese indígena, não deixaram de man-
ter contato com a população não indígena local. Desse modo, a atuação protestante em Dourados pode ser estudada
sob duas perspectivas, uma vez que a ação missionária entre a população dita urbana deu-se de maneira diferente da
exercida entre os indígenas.
No caso dos contatos estabelecidos entre os missionários e os indígenas da RID, em abril de 1929, pode-se
dizer que uma equipe missionária estabeleceu-se e pôs em andamento um conjunto de ações referentes à instalação
e organização da Missão Caiuá, estabelecendo “os primeiros contatos com as comunidades indígenas e a população
não-índia do lugar” (GONÇALVES, 2009, p. 151). Entretanto, Gonçalves (2009, p. 150) assinala que “a instalação da
Missão entre os índios Caiuá de Dourados foi precedida de viagens exploratórias ao Sul de Mato Grosso pelos mis-
sionários Maxwell e Nélson de Araújo”, em maio de 1928. De acordo com Gonçalves e Possadagua (2012, p. 49-50):

A instalação definitiva da Missão Caiuá, contígua geográfica e ideologicamente à Reserva Indígena de Dourados
(criada em 1915), ocorreu nos meses de abril e maio de 1929, com a chegada da primeira equipe de missionários,
composta de cinco adultos e uma criança, ao então Sul de Mato Grosso.

Contudo, pode-se dizer que, nas origens da Missão Caiuá houve a participação de diferentes ramos do protes-
tantismo histórico. Essa Missão foi um dos projetos protestantes mais importantes do sul do estado e foi originário da
“Associação Evangélica de Catequese aos Índios do Brasil, fundada em São Paulo em agosto de 1928”, uma iniciativa
nacional considerada “a primeira empresa missionária criada e conduzida por igrejas protestantes brasileiras com o
fim de cristianizar povos indígenas, especialmente, os Guarani” (GONÇALVES; POSSADAGUA, 2012, p. 49).

722
AS ESCOLAS INDÍGENAS DA RESERVA DE DOURADOS E O TRABALHO EDUCACIONAL
DA MISSÃO CAIUÁ

A Missão Evangélica Caiuá em trabalho com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), buscou por meio do ensino
repassado na “escola da missão” e na “escola do posto”, “integrar”, “civilizar” e tornar cristãos os indígenas. O processo
de escolarização teve início entre os anos 1929 e 1930 por meio da alfabetização de adultos via a cristianização, atra-
vés de cultos e aulas dominicais. Os missionários buscaram então via estratégias escolares evangelizar e “civilizar” os
Guarani, Kaiowá e também os Terena (LOURENÇO, 2007).
As estratégias de escolarização iniciadas nas escolas indígenas no final da década de 1920 foram repassadas com
valores das camadas dominantes que por interesses particulares organizaram uma forma de ensino fragmentada e
totalitária, que continuava a excluir os sujeitos que não pertenciam às elites dominantes por meio de um ensino que
tinha em suas práticas o monopólio cultural (ROMANELLI, 2014).
Nesse sentido, após 1930, o ensino cristão pode ser verificado nas atividades escolares que eram trabalhadas com
as crianças indígenas. Como a avaliação realizada na Escola Francisco Ibiapina com os alunos do 1º ano B. Em que foi
trabalhado por meio da caligrafia a seguinte frase: “Deus me guia a felicidade”2. Essa frase evidencia que o ensino nessa
escola tinha como objetivo converter os indígenas ao cristianismo, refutando a religiosidade dos alunos indígenas.
Para os missionários, a presença da Missão Caiuá na Reserva, tiraria os indígenas da selvageria e os tornariam
sujeitos civilizados, e com aptidões para o trabalho. Para isso, seria então necessário que eles aderissem aos novos
costumes e passassem a praticar novos hábitos quanto ao trabalho, saúde e religiosidade (CARVALHO, 2004).
Essa imagem errônea, equivocada e estereotipada das etnias era sustentada nos conteúdos ministrados aos
próprios indígenas. Entre os conteúdos de História do Brasil ministrados no 2º ano do ensino primário, estavam: “o
descobrimento o Brasil; os selvagens; as principais datas do Brasil; a escravidão; independência do Brasil; proclamação
da república”3.
Por meio dos conteúdos que eram trabalhados é possível perceber que a negação étnica e cultural fazia parte do
currículo e das estratégias de escolarização dessas escolas, pois, os conteúdos deixam evidente, que essas instituições
buscavam inserir os indígenas nas práticas sociais, culturais e de trabalho dos não indígenas. Como se pode obser-
var, o único conteúdo que estava ligado aos indígenas, ao que parece, era o segundo, relacionado aos selvagens. Isso
acabava por afirmar no ensino repassado nas escolas indígenas a “incivilidade” entre os mesmos, e a necessidade de
os tornarem sujeitos “civilizados”. Ao que tudo indica, dessa forma, foram sendo construídas representações sobre
os povos indígenas que não os representavam, de fato, portanto, os estudos precisam acerca da história dessas esco-
las, problematizar as estratégias de escolarização utilizadas pelos missionários, permitindo reflexões que trabalhe o
“discurso histórico como uma representação e uma explicação adequada da realidade que aconteceu” (CHARTIER,
2011, p. 25).
Entre os conteúdos ministrados sobre a História do Brasil, o ensino sobre os selvagens, corrobora com a política
missionária de “civilizar”, evangelizar e integrar os indígenas a sociedade não indígena. Logo, a nomenclatura é pen-
sada e articulada a negar a identidade étnica e cultural das etnias da Reserva.
Outras representações que foram construídas sobre as etnias indígenas podem ser analisadas também, com
base em uma aula ministrada na Escola Dominical na MEC. A professora Loide, nessa escola, em um dos encontros
ensinou sobre o sol, e “contou que fora Deus quem o fizera. Que além de o sol iluminar a terra, dá saúde as pessoas,
aos animais e as plantas” (VIANA, 1976, p. 121). Entretanto, no local, havia uma indígena Kaiowá que se manifestou
dizendo:

- Tudo que ela fala é mentira! Isso é estória de branco! O sol é nosso Deus, foi ele quem fez tudo. Ninguém fez o
sol, ninguém pode! Venham, dancem comigo e vocês vão vencer esta mulher branca com o espírito! Eu tenho o
espírito! Escutem a minha voz, sou eu que falo a verdade! (VIANA, 1976, p. 121).

2 Escola Francisco Ibiapina. Provas Parciais de Português do 2º Semestre do ano de 1966. Filme 6 – planilhas 82 a 90. Museu do Índio.
3 Relatório Educacional do Posto Indígena Francisco Horta do 2º Semestre de 1960/Escola Indígena Francisco Horta. Filme 6 – planilhas
82 a 90. Museu do Índio.

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Conforme a autora, a indígena Kaiowá estava com tanta fúria que parecia estar endemoninhada (VIANA,
1976). Tal relato permite compreender que até mesmo a leitura realizada nessas escolas, como uma prática educativa,
acabou fazendo uso de violência cultural, muitas vezes, ignorando todas as crenças, costumes e tradições culturais dos
indígenas Guarani, Kaiowá e Terena, impondo o cristianismo, associando às crenças indígenas a atos demoníacos.
Isso acaba por evidenciar, conforme Vidal (2005, p. 13), que “como práticas culturais, as representações sociais são
sempre históricas e constantemente objeto de disputas entre os diferentes grupos da sociedade”.
É notório que por meio da educação escolar, tanto o SPI, quanto a MEC, desenvolveram um trabalho de assi-
milação e integração dos indígenas ao ideal de nacionalidade defendido pelos missionários, e que atendia as neces-
sidades sociais e econômicas dos não indígenas. Esse trabalho desenvolvido nas escolas indígenas da RID permite
reafirmar os dizeres de Magalhães (2004, p. 15), de que,

a educação/instituição traduz toda a panóplia de meios, estruturas, agentes, recursos, mas também as marcas
socioculturais e civilizacionais que os estados e outras organizações mantêm em funcionamento para fins de per-
manência e mudança social.

Assim, é necessário compreender que as relações que foram estabelecidas nesse período, nessas escolas entre
indígenas e missionários, ocorreram ante as ações de apropriações e desapropriações dos indígenas das condições que
estavam sendo impostas pelos membros da Igreja Presbiteriana. Afinal, como apontam Miqueletti e Lourenço (2014,
p. 167), “a escola indígena é o resultado de enfrentamentos, entre os indígenas e os não indígenas, [...] em busca do
respeito à interculturalidade, ao multiculturalismo e à etnicidade”.
A educação escolar desenvolvida pelo SPI e pela Missão Caiuá, realizou um trabalho de assimilação e integração
dos indígenas ao ideal de nacionalidade defendido pelos missionários, consequência de todo um processo aristocrá-
tico pelo qual passou a educação, pois as práticas educativas estavam imbricadas a um lugar, a culturas diversas, a
políticas sociais e econômicas, a práticas religiosas, a línguas diferentes, que convergem em ensinamentos que são
aceitos, negados, e/ou assimilados por aqueles que recebem.

CONSIDERAÇÕES

Por meio do estudo realizado foi possível verificar que o processo de criação e consolidação das escolas indíge-
nas da Reserva Indígena de Dourados, a saber, a “escola da missão” (Escola Primária General Rondon), e a “escola do
Posto” (Escola Francisco Ibiapina), instaladas por professores missionários estiveram relacionadas à Missão Caiuá.
Missão essa de origem protestante que buscava nessas escolas “civilizar”, integrar e evangelizar as etnias indígenas
por meio de estratégias escolares e religiosas que priorizaram um ensino que negava e desvalorizava a cultura indíge-
na, impondo uma cultura não indígena como única e desenvolvida.
Foi ainda possível observar que, o trabalho escolar desenvolvido nas escolas indígenas da Reserva de Dourados,
foi mediatizado por uma política colonialista em tornar os indígenas “civilizados” e cívicos, aptos a conviverem com
a sociedade nacional e contribuírem com o trabalho agrícola.
Contudo, os indígenas a seu modo, resistiram a essa violência cultural, fosse recusando a política da Missão,
ou levando seus filhos à escola, pois, as relações de proximidade com os não indígenas também devem ser analisadas
como formas de resistência física e cultural. Pelas quais transformaram e ainda transformam, o que é imposto pelos
não indígenas.
Deste modo, os contatos mantidos entre os indígenas e os missionários, provocaram mudanças culturais no
modo de viver das etnias da Reserva. No entanto, negando, assimilando e/ou participando das práticas de ensino e de
trabalho impostas pela Missão Caiuá, os indígenas foram afirmando sua identidade étnica e cultural. Essa afirmação
ocorreu com as transformações culturais vivenciadas pelos indígenas, por intermédio das relações mantidas com os
não indígenas, e as etnias diversas.

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REFERÊNCIAS

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1944). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, São Paulo, 2004.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Manuais de pedagogia, materialidade do impresso e circulação de modelos pedagógicos
no Brasil. Revista Colombiana de Educación, nº 52, enero-junio, 2007, p.114-135, Bogotá/Colombia.
CHARTIER, Roger. Defesa e Ilustração da Noção de Representação. Fronteiras: Revista de História/Universidade federal
da Grande Dourados. Dourados, v.13, n 24, p. 15-29, jul./dez. 2011.
GONÇALVES, Carlos Barros. O Movimento ecumênico Protestante no Brasil e a Implantação da Missão Caiuá em
Dourados. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, Dourados, 2009.
GONÇALVES, Carlos Barros; POSSADAGUA, Leandro. Missão Evangélica Caiuá: 82 anos de uma história entre os Guarani.
Revista Índio, ano 2, nº 2, 2012.
________; LOURENÇO, Renata. Missão Evangélica Caiuá: Um Ideário de Fé e “Civilização” nos Confins de Mato Grosso
(1929-1970). In: CHAMORRO, Graciela; COMBÉS, Isabelle (orgs.). Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul: História,
cultura e transformações sociais. Dourados: UFGD, 2015.
LOURENÇO, Renata. O Serviço de Proteção aos Índios e o Estabelecimento de uma Política Indigenista Republicana
Junto aos Índios da Reserva de Dourados e Panambizinho na Área da Educação Escolar (1929 a 1968). 2007. Tese
(Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, São Paulo, 2007.
MAGALHÃES, Justino Pereira de. Contributo para a história das instituições educativas — entre a memória e o arquivo.
Braga (Portugal): Universidade do Minho, 1996.
______. Um apontamento metodológico sobre a história das instituições educativas. In: SOUSA, Cunthia Pereira de; CATANI,
Denice Bárbara (org.). Práticas educativas, culturas escolares, profissão docente. São Paulo: Escrituras Editora, 1998.
______. Tecendo Nexos: História das instituições Educativas. Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2004.
MIQUELETTI, Eliane Aparecida; LOURENÇO, Renata. A criação de uma escola indígena: relações interculturais e identitárias.
Revista Unesp de São Paulo, v. 10, n. 2, p. 165-191, julho-dezembro, 2014.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930-1973). 40. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
VIANA, Juracy Fialho. Por Trás da Cortina Verde. São Paulo: Imprensa Metodista, 1976.
VIDAL, Diana Gonçalves. Cultura e Prática Escolares: uma reflexão sobre documentos e arquivos escolares. In: SOUZA,
Rosa Fátima de; VALDEMARIN, Vera Teresa (orgs.). A Cultura Escolar em Debate: questões conceituais, metodológicas e
desafios para a pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

DOCUMENTOS

Relatório Educacional do Posto Indígena Francisco Horta do 2º Semestre de 1960/Escola Indígena Francisco Horta. Filme 6 –
planilhas 82 a 90. Museu do Índio.
Escola Francisco Ibiapina. Provas Parciais de Português do 2º Semestre do ano de 1966. Filme 6 – planilhas 82 a 90. Museu do
Índio.
Relatório do Posto Indígena Francisco Horta, 25 de agosto de 1965. Filme 7. Museu do Índio.

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EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA: PRIMEIROS ANOS
DE UM NOVO SÉCULO1

Thaienn Paes Leme Alberto – UFU/MG2


Patricia Paes Leme – IFTM/MG3

“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa
igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não
produza, alimente ou reproduza as desigualdades.”
– Boaventura de Souza Santos, 2003.

Entendemos por expansão da educação superior o processo de ampliação de ofertas, nesta modalidade de
ensino, nas Instituições de Ensino Superior (IES) por meio de políticas públicas para educação; ressaltando que a
democratização desse nível de ensino não se reduz à expansão da oferta de vagas. A expansão universitária é um
dos componentes que consubstanciam a democratização da educação superior, e deve vir acompanhada de políticas
públicas que promovam a inclusão e permanência de alunos provenientes de todas as camadas e grupos sociais nas
universidades públicas, com a garantia de qualidade no ensino, pesquisa e extensão. Para Santos (2010), no Brasil e no
mundo esse processo ocorre pela ação estatal via macropolíticas educativas que afetam a educação superior brasileira.

O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

No Brasil como no mundo, a segunda metade do século XX foi marcada por uma expansão sem precedentes
da demanda e da oferta de cursos de educação superior, ligadas tanto à valorização do saber acadêmico pelo mercado
de trabalho quanto ao crescimento da importância da pesquisa acadêmica. O surgimento deste fenômeno atrela-se às
demandas da denominada sociedade capitalista industrial, relativas à crescente necessidade de mão de obra técnica e
intelectualmente qualificada a fim de garantir o sucesso de novos padrões de produção e reprodução do capitalismo,
(SGUISSARDI, 2009).
A fim de garantir a manutenção de seus padrões de produção de bens e riqueza no pós-guerra, os países líderes
do capitalismo começaram a investir em educação superior liderando a produção científica e tecnológica (produção
de conhecimento) mundial. O conhecimento é transformado num dos principais responsáveis pelo processo de de-
senvolvimento, tanto em termos de padrões de crescimento ou progresso econômico, quanto em termos de padrões
sociopolíticos das nações. Assim, no Brasil, entre as décadas de 60 e 80, instituições de ensino superior foram criadas
e algumas, posteriormente, foram federalizadas.
A partir dos anos 90, o ensino superior sofreu um processo de deterioração acentuada. O prolongado ajuste
fiscal, que já vinha desde a década anterior, teve como consequência imediata a diminuição dos investimentos pú-
blicos em educação em todos os níveis. Durante boa parte dos anos de 1990 e 2000, as universidades, em especial as
universidades públicas federais, foram contidas em seu desenvolvimento institucional e expansão, devido à redução
do investimento público nos serviços tidos como não exclusivos do Estado, como a educação, saúde e cultura – em
consonância com o modelo de governo neoliberal. Bresser-Pereira (1998) – ministro da Administração Federal e
1 Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado intitulada “A EXPANSÃO, DEMOCRATIZAÇÃO E INTERIORIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR: impactos dos programas expansionistas na UFU (2003 a 2012)”.
2 Graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mestre em Educação pela Universidade Estadual no Mato Grosso
do Sul (UEMS) – Unidade Paranaíba, doutoranda em Educação na Faculdade de Educação/UFU – thaienn@ufu.br
3 Mestre em Educação pela Universidade Estadual no Mato Grosso do Sul (UEMS), professora de História no IFTM – Campus Ituiutaba. –
prof.patriciapaesleme@gmail.com

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Reforma do Estado (1995-1998) e Ministro da Ciência e Tecnologia (1999) – incentiva a participação da iniciativa
privada nestes setores, por meio de subsídios e financiamentos, e propicia o fortalecimento do processo de privati-
zação dos referidos serviços.
Nesse período, principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), realizou-se um rol
de ajustes estruturais, fiscais e reformas orientadas para o mercado, atribuindo-lhe um novo papel na alocação dos
recursos e diminuindo as funções do Estado, essencialmente quando este é posto como provedor dos serviços sociais,
entre eles, a educação (SGUISSARDI, 2009). Assim, a priorização privatista do governo brasileiro resulta no predo-
mínio de matrículas no setor privado. Segundo Gomes (2002, p. 278-279), um dos principais objetivos do governo
neoliberal do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi “[...] produzir a expansão acelerada do sistema
via financiamento privado e desenvolver um moderno mercado de educação superior no Brasil”.

São suficientemente conhecidas as recomendações do Consenso de Washington, que sintetizam, ao final da década
de 80, as recomendações de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM),
entre outros [...]. Bastará aqui relacioná-las: equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos públi-
cos; abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação das barreiras não tarifárias; liberalização
financeira, pela reformulação das normas que restringem o ingresso de capital estrangeiro; desregulamentação dos
mercados domésticos, pela eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços, incen-
tivos, etc.; e privatização das empresas e dos serviços públicos. (SGUISSARDI, 2009, p. 200).

Esta tênue separação entre as esferas do público e do privado se reproduziu nas políticas educacionais, expondo
o caráter ideologicamente privatista que foi adotado pelo Estado brasileiro no campo da educação superior. A re-
forma na educação foi impulsionada sob a influência de organismos internacionais, em especial do Banco Mundial.
Dourado (2002, p. 4) destaca as diretrizes para a educação superior, de acordo com as recomendações do Banco
Mundial:

[...] privatização deste nível de ensino, sobretudo em países como o Brasil, que não conseguiram estabelecer po-
líticas de expansão das oportunidades educacionais pautadas pela garantia de acesso e equidade ao ensino funda-
mental [...] estímulo à implantação de novas formas de regulação e gestão das instituições estatais [...] aplicação
de recursos públicos nas iniciativas privadas [...] diversificação do ensino superior, por meio do incremento à
expansão do número de instituições não-universitárias; entre outras.

Com essa política neoliberal privatista dos anos 90, intensifica-se a discussão em torno da relação entre o Esta-
do e o sistema de educação superior, principalmente o sistema federal. O Estado, ao mesmo tempo em que aumenta
sua função avaliadora e coordenadora do sistema de ensino, diminui os recursos destinados às instituições estatais;
além de promover a defesa da diversificação das fontes de financiamento do setor privado. (GOMES, 2002). Torna-se
perceptível que a concepção do governo sobre a educação superior é a de que ela consiste em gasto e não em investi-
mento, assim, deve ser ofertado pelo mercado.
Sguissardi (2005, p. 15) relata o novo formato que universidade tomará com base nesta forma de governo:

[...] percebe-se a nítida passagem de um modelo de universidade autônoma – independente da direção do Estado,
ainda que custeada por este, e do mercado – para o de uma universidade heterônoma – dependente dos recursos,
da direção e do controle não somente do Estado mas em especial do mercado.

Assim, no final dos anos de 90, em linhas gerais, o sistema educacional brasileiro, principalmente naquilo que
concerne à educação superior, pode ser descrito como: bastante elitista em termos de possibilidades de acesso; dual,
no sentido de que os setores públicos e privados desempenham papéis complementares; predominantemente priva-
do; concentrado em poucas carreiras; pouco interiorizado (AGUIAR, 2013).
O término do governo neoliberal de FHC e o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), por
se apresentar como um governo popular democrático e tendo em vista o Plano de Governo para a Educação Superior,
gerou grandes e ambiciosas expectativas na sociedade de que esta – Educação Superior – sofresse um importante pro-
cesso de desenvolvimento. O governo dos dois mandatos de Lula (2003-2006; 2007-2010) em contraposição aos de

727
seu antecessor, apresenta como traços principais a priorização: das políticas sociais e não o ajuste fiscal; dos processos
de integração regional e não os tratados de livre-comércio com os Estados Unidos; e do papel do Estado como prove-
dor do crescimento econômico e da distribuição de renda, ao invés do Estado mínimo e da centralidade do mercado.
No âmbito da educação superior é possível perceber que algumas das políticas públicas e programas empreen-
didos nos anos de governo de FHC, ora tenderam a continuidades, como, por exemplo, o Programa Universidade
para Todos (PROUNI), em 2005, e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), em 2010; ora a avanços, como o
Programa de Expansão da Educação Superior Pública (2003), o Projeto de Lei n°3.627 que propõe a reserva de vagas
para estudantes de escolas públicas e minorias étnicas nas Universidades Federais (2004), a Universidade Aberta do
Brasil (2006), e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)4 (2007) que consistia em um conjunto de programas
objetivando aprimorar a educação no Brasil, estruturados em cinco eixos principais: educação básica, educação supe-
rior, educação profissional, alfabetização e diversidade. Em conjunto com o PDE, foi aprovado o Decreto Lei n° 6.094
que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.
No eixo do PDE que trata Educação Superior destacam-se: os Programas de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (REUNI), em 2007, este último subsidiado pelo Plano Nacional de Assistência
Estudantil (PNAES), no mesmo ano, e, pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), em 2010.

A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO OCTÊNIO DE LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA

As políticas educacionais para a educação superior, no governo Lula – por meio de seu Programa de Governo
intitulado: Uma escola do tamanho do Brasil – defendeu uma conjuntura em que a educação, especialmente a supe-
rior, fosse central para o desenvolvimento do país. Intensificou-se a criação de políticas educacionais para promove-
rem a democratização do acesso às universidades brasileiras e a permanência dos alunos nestas instituições.

A educação superior é reconhecida por seu valor na formação acadêmica e ética de recursos humanos, nas ativi-
dades de pesquisa científica e tecnológica e no desenvolvimento cultural, econômico e social. As fortes demandas
populares por acesso à educação superior situam-na hoje no horizonte dos direitos sociais básicos. As universida-
des públicas e os institutos de pesquisa – na qualidade de instituições complexas, que detêm a síntese da capacidade
intelectual, científica e cultural – devem ser valorizados e integrados ao processo de desenvolvimento nacional,
considerando sua importância na recuperação da capacidade de produção própria de ciência e tecnologia e seu
papel crítico diante da sociedade. (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 4).

O programa enfatizava a educação como base de desenvolvimento econômico, vinculado a uma nova dimensão
cultural e social. As universidades públicas, em especial as federais, foram elevadas ao papel de protagonistas no processo
de reestruturação da educação superior, contrário ao governo antecessor onde a via de atuação favorecia o setor privado.

Nosso governo vai empenhar-se para ampliar as vagas e matrículas na educação superior, em especial pública.
Estimulará a qualidade do ensino, que também decorre da multiplicação dos investimentos no setor público, do
respeito ao princípio da associação entre ensino, pesquisa e extensão e da permanente avaliação das IES públicas e
privadas para a melhoria da gestão institucional e da qualidade acadêmica, com cumprimento de sua missão públi-
ca no âmbito local, regional ou nacional. (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 27).

Para Sguissardi (2009, p. 216) os compromissos básicos que permeiam o Programa de Governo para a Educa-
ção (PGE) resumem-se em:
a) Promoção da autonomia universitária e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão nos
termos constitucionais (artigo 207 da CF);
b) Consolidação das instituições públicas como referência para o conjunto das IES do país;

4 O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) é um conjunto de programas que visam melhorar a Educação no Brasil, em todas as suas
etapas, num prazo de quinze anos a contar de seu lançamento, em 24 de abril de 2007. Pode-se dizer que nele estão fundamentadas todas as
ações do Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br>.

728
c) Expansão significativa da oferta de vagas no ensino superior, em especial no setor público e em cursos
noturnos;
d) Ampliação do financiamento público ao setor público, revisão e ampliação do crédito educativo e cria-
ção de programas de bolsas universitárias, com recursos não vinculados constitucionalmente à educação;
e) A defesa dos princípios constitucionais da gratuidade do ensino superior público (artigo 206, IV, da CF).

Embasados nesses compromissos, no programa de governo – Uma escola do tamanho do Brasil – a educação
superior foi tratada em 25 propostas, que contemplam um amplo rol de ações e medidas a serem implementadas
durante o mandato (2003 – 2006). Percebe-se que sob muitos aspectos, as metas do PNE (2001) foram retomadas,
tentando recuperar propostas que haviam sido vetadas pelo então presidente FHC (SGUISSARDI, 2009). Dentre as
propostas, em resumo, destacam-se:

[...] Ampliar, em quatro anos, as vagas no ensino superior, em taxas compatíveis com o estabelecido no PNE
(Prover até o final da década, a oferta da educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a 24 anos);
[...] Ampliar a oferta de ensino público universitário, de modo a projetar, no médio prazo, uma proporção de no
mínimo 40% do total de vagas, prevendo inclusive a parceria da União com os Estados na criação de novos esta-
belecimentos de educação superior (Meta referenciada em dispositivo do PNE aprovado pelo Congresso Nacional
e vetado pelo presidente da República); [...] Estabelecer e implantar medidas que visem diminuir a desigualdade
de oferta de cursos e vagas de graduação e pós-graduação em termos regionais e de interiorização; [...] Estabelecer
mecanismos e critérios que superem os limites do atual processo de Seleção e considerem a possibilidade de novas
formas de acesso ao ensino superior, em especial para negros e estudantes egressos da escola pública [...]. Criar um
Programa de Bolsas Universitárias, no âmbito do Programa Nacional de Renda Mínima, para beneficiar 180 mil
estudantes carentes que estudem em cursos de qualidade comprovada e que, em contrapartida, realizem trabalho
social comunitário [...]. (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 29-30)

Segundo Sguissardi (2009, p. 217),

Em relação ao financiamento da educação superior, não houve proposta de um índice sobre o PIB, por exemplo,
ou sobre a verba orçamentária destinada ao MEC, mas houve o compromisso de, reexaminados os vetos ao PNE,
buscar-se aumentar gradativamente os gastos com educação, de modo a atingir-se, no prazo de dez anos, no míni-
mo o índice de 7% do PIB, conforme meta vetada desse plano.

Em 2003, oficialmente, uma das primeiras medidas desse governo foi o Decreto de 20 de outubro de 2003 que
“institui Grupo de Trabalho Interministerial – GTI5 encarregado de analisar a situação atual e apresentar plano de
ação visando a reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições Federais de Ensino Superior –
IFES” (BRASIL, 2003). O mesmo Decreto orientava que o plano a ser elaborado deveria ainda apresentar:

[...] medidas visando à adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que diz respeito às suas respectivas
estruturas regimentais, bem assim sobre a eficácia da gestão, os aspectos organizacionais, administrativos e ope-
racionais, a melhoria da qualidade dos serviços e instrumentos de avaliação de desempenho. (BRASIL, 2003, p. 1).

Esse grupo apresentou o documento intitulado “Bases para o enfrentamento da crise emergencial das universidades
federais e roteiro para a reforma” como produto final de suas análises, o documento “busca sugerir ideias para enfrentar a
crise das universidades federais e orientar o processo de reforma da universidade brasileira”. (BRASIL, 2003, p.1).

Ele é composto de quatro partes. A primeira apresenta o elenco de ações emergenciais para o enfrentamento
imediato da crítica situação das universidades federais. A segunda ressalta a necessidade da efetiva implantação de
autonomia à universidade federal. A terceira parte aponta para linhas de ação imediata, que possam complementar
recursos e ao mesmo tempo propiciar um redesenho do quadro atual. A quarta indica as etapas necessárias para a
formulação e implanta da reforma universitária brasileira. (BRASIL, 2003, p.1).
5 O GTI foi composto por 12 membros, sendo dois representantes de cada um dos órgãos que se seguem: Ministério da Educação; Casa
Civil; Secretaria Geral da Presidência da República; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia;
Ministério da Fazenda.

729
O documento aponta para a necessidade de: expansão de vagas nas universidades públicas, federais, estaduais e
municipais, sem comprometer a qualidade do ensino; propiciar o sonho de concluir o ensino superior a jovens sem
possibilidades de ingresso nas universidades públicas e sem recursos para pagar instituições particulares; ampliação
do quadro docente e de servidores técnicos administrativos em educação; implementação da educação à distância;
financiamento universitário e intensificação da autonomia universitária. (BRASIL, 2003)6. A partir do relatório apre-
sentado, propôs um plano emergencial para reforma da educação superior no Brasil.
Aguiar (2015, p. 115) argumenta que:

Apesar de algumas propostas pontuais e projeções quanto a custos e investimentos envolvidos nestas, a maior
parte jamais colocada em prática, podemos afirmar que o documento apresentado, em seu conjunto, ficou muito
aquém de um plano de ação que visaria à reestruturação, desenvolvimento e democratização das IFES. Ele é dema-
siadamente genérico, impreciso e irrealista.

Diferente de Otranto (2006, apud Aguiar, 2015), para quem o documento serviu de baliza para toda a política
para a educação desenvolvida posteriormente pelo governo Lula. É importante ressaltar que a reforma da educação
superior proposta pelo GTI ainda tramita no senado.
Segundo Melo (2009), devido a Reforma da Educação Superior ambicionada pelo Governo Lula não ser apro-
vada de imediato, o Governo buscou novas medidas e estratégias para o problema do acesso à educação superior.
Dentre elas, destacamos as que dizem respeito diretamente à democratização do acesso: o Programa de Expansão das
IFES (Expandir), o PROUNI e o FIES, a UAB7, e o REUNI.
Dentre as variadas críticas sobre a educação brasileira, uma parece ser consenso: o governo Lula avançou em
relação ao governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Moacir Gadotti, presidente do Instituto Paulo Freire, relata em entrevista dada à Revista Caros Amigos: “Lula
avançou bastante em comparação às políticas anteriores. Em primeiro lugar, no acesso ao ensino superior, a expan-
são das universidades públicas e federais foi extraordinária. O acesso ao ensino médio foi extraordinário também8”.
(MONCAU; NAGOYA, 2010, on-line).
Embora no discurso governamental de Lula as universidades públicas, desempenhassem o papel de protago-
nistas no cenário de reestruturação da educação superior, há de se notar que as políticas de expansão adotadas fize-
ram parte de um movimento paradoxal do governo, pois não houve diminuição do setor privado. Segundo dados
do censo da educação superior do ano de 2015, é possível aferir que o ensino superior privado – com incentivo e
financiamento pelo poder público – avançou em proporções maiores que a educação superior pública, conforme nos
mostra a quadro 4 abaixo

QUADRO 1 – Matrículas de graduação no Brasil, evolução.

Matrículas 2003 2012


Instituições públicas* 1.136.370 1.897.376
Instituições privadas 2.750.652 5.140.312
Total 3.887.022 7.037.688

Fonte: INEP, 2003, 2012. Nota: *Federais, Estaduais e Municipais.

6 O relatório do Grupo de Trabalho Interministerial lançou o documento Bases para o enfrentamento da crise emergencial das universidades
federais e roteiro para a reforma universitária brasileira, que se encontra junto ao Decreto de 20 de outubro de 2003. Disponível em:
<http://www.sintunesp.org.br/refuniv/GTInterministerial%20-%20Estudo.htm>.
7 O sistema UAB foi instituído pelo Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006, para "o desenvolvimento da modalidade de educação a distância,
com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País". A meta prioritária do Sistema UAB é
contribuir para a Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação, por isso, as ofertas de vagas são prioritariamente
voltadas para a formação inicial de professores da educação básica. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/uab/o-que-e-uab>.
8 Matéria disponível em: <http://www.carosamigos.com.br/index.php/cultura/137-edicoes/edicao-164/4033-educacao-avancos-e-
retrocessos-do-governo-lula>.

730
O avanço no número de matrículas no setor privado possibilita que mais pessoas possam concluir o ensino
superior e corrigir demandas há muito tempo reprimidas; porém, em instituições onde a qualidade do ensino nem
sempre é a prioridade. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, em 2014,
aponta que 55,8% dos docentes das Universidades públicas eram doutores. Já a rede privada possuía um total de
19,8% com essa titulação. De acordo com o ranking de universidades da Folha de São Paulo, em 2014, as 17 melhores
universidade do país eram públicas, as instituições privadas aparecem em décimo oitavo, vigésimo e depois somente
em trigésimo segundo9. Apesar das melhores universidades serem públicas e possuírem os melhores profissionais,
foi a rede privada que mais se expandiu, propiciando uma expansão mais quantitativa do que qualitativa nesse nível
de ensino.
A educação superior foi posta como exemplo dos paradoxos que caracterizam o governo Lula, que fez do Es-
tado um instrumento de mediação entre as classes sociais, cedeu aos interesses das elites e também efetivou projetos
e políticas sociais no intuito de satisfazer as necessidades das camadas menos favorecidas da população brasileira,
Carvalho (2006) salienta:

[...] bastante contraditória, tanto no discurso como na práxis. No discurso presidencial, por um lado, afirma a edu-
cação superior como um bem público imbuído de função social, mas, ao mesmo tempo, justifica, constantemente,
seu gasto por trazer um retorno econômico futuro à sociedade, nos moldes da lógica do investimento em capital
humano, enfatizada nos documentos do BIRD. Na prática, por um lado, estreitou as relações público/privado e
optou pela solvência das IES privadas através do PROUNI, bem como manteve e até mesmo aprofundou os pa-
râmetros avaliativos e a função regulatória do Estado através do SINAES, mas, por outro, reverteu, em parte, o
processo de sucateamento do segmento federal e de desvalorização do serviço público em geral, inclusive, com a
reposição salarial e dos quadros funcionais. (CARVALHO, 2006, p. 11).

Programas como Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade Para Todos (PROU-
NI) constituíram-se como os pilares da expansão da educação superior na rede privada, no período aqui estudado.
Porém, o então ministro Fernando Haddad em entrevista ao jornal O Globo em 201010, ao responder as muitas
críticas do porquê ao contrário de ampliar recursos para as universidades públicas, o governo estimulava o acesso dos
alunos às instituições privadas com programas como o PROUNI, traz:

Uma das características dessa gestão foi justamente não cair no dogmatismo e superar clivagens estereotipadas.
Na verdade essas coisas não se conflitam [investimentos no setor público e bolsas no setor privado]. A realidade
é um pouco mais complexa e exige estratégias diversificadas. Um país que tem tanto por fazer não pode dispensar
uma estratégia em proveito da outra. Temos que fazer tudo que for necessário, não dá para esperar. (AGÊNCIA
BRASIL, 2011, on-line).

De acordo com o censo da educação superior, em 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu
o governo, o Brasil tinha 3,88 milhões de estudantes no ensino superior, no final de seu governo, em 2012, o número
aumentou para 7,04 milhões de alunos. A meta estipulado no PNE, aprovado em 2001, de prover até o final da dé-
cada a oferta da educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a 24 anos não foi alcançada em 2010,
contudo o censo da educação superior de 2013 informou que em 2012 o percentual de alunos frequentado a educação
superior já representava quase 30%.

9 Informação disponível em: http://ruf.folha.uol.com.br/2014/rankingdeuniversidades.


10 Leia mais: <https://glo.bo/32pNOOG>.

731
QUADRO 2 - Porcentagem de matrículas na educação superior em relação à população de 18 a 24 anos – Taxa Lí-
quida e Bruta de Matrícula 11

Ano Taxa liquida % Taxa Bruta %


2003 11,1 20,2
2005 11,5 21,2
2007 13,3 25,5
2009 14,8 28,1
2011 14,9 29,6
2013 16,6 32,3

Fonte: Disponível em: <http://bit.ly/2Yw0OUh>. Acesso em: 14 de jun. 2018

O gasto público total com educação também apresentou índices de crescimento, conforme nos mostra o quadro
3 abaixo:

QUADRO 3 – Parcela do PIB (em %) gastos com Educação (2003-2013)


ANO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
PIB% 4,6 4,5 4,5 5,0 5,2 5,4 5,7 5,8 6,1 6,4 6,6

Fonte: INEP/MEC e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 2014.

Em que pese as críticas ao governo Lula, os números apresentados demonstram que houve aumento do investi-
mento em educação, avanços na educação superior por meio de programas como Expandir, REUNI, PROUNI, FIES,
UAB, que possibilitaram o aumento nas ofertas de vagas na educação superior, bem como o aumento no número
total de matrículas e a interiorização das universidades. Foram promovidas mudanças nas formas de ingresso e acesso
as universidades com o intuito de atender a maioria da população, principalmente as marginalizadas pela sociedade;
além da criação de bolsas universitárias para beneficiar estudantes carentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao caminharmos na história da educação superior brasileira, percebemos que a imprescindibilidade da educa-


ção superior pública, gratuita, inclusiva e de qualidade não figurava entre as prioridades governamentais. As univer-
sidades públicas, patrimônio da sociedade brasileira, desempenham (passado, presente e futuro) papel estratégico na
redução das desigualdades sociais, regionais e econômicas que caracterizam negativamente nosso país. Esse descaso
com a educação superior pública, essencialmente a federal, gerou uma situação de precarização vivida pelas universi-
dades federais, fato este constatado em 2003 pelo Grupo de Trabalho Interministerial.
Políticas públicas como Expandir e REUNI possibilitaram o aumento de vagas na graduação em IFES. Em
2007, havia 5,8 milhões de estudantes matriculados em cursos de graduação, em 2016 a marca chegou a 8 milhões12.
Podemos inferir que houve um avanço quantitativo de vagas em diversos formatos: expansão de vagas em cursos já
existentes em IFES já consolidadas, criação de vagas em novos cursos em IFES existentes, criação de vagas em novos
cursos de novos campi, criação de novas vagas em novas instituições; além do avanço geográfico por meio da interio-
rização das instituições em direção às regiões mais afastadas ou menos desenvolvidas.

11 Taxa líquida é a razão entre o número total de matrículas de alunos com a idade prevista para estar cursando um determinado nível e a
população total da mesma faixa etária. Taxa Buta é a razão entre o número total de alunos matriculados em um determinado nível de ensino
(independentemente da idade) e a população que se encontra na faixa etária prevista para cursar esse nível.
12 Jornal da UFU nº 181 “Evasão e Retenção”, de 06 de julho de 2018. Disponível em: <http://bit.ly/2OGxgyN>. Acesso em: 11 de julho de 2018.

732
O debate entre o público e o privado ainda necessita ser enfrentado, visto o aumento expressivo nas institui-
ções particulares de ensino superior fomentadas pelo governo; a universidade pública, gratuita, inclusiva e de quali-
dade deve ser o resultado de qualquer política pública para educação.

REFERÊNCIAS

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2011. Disponível em: <https://glo.bo/32pNOOG>. Acesso em: 06 de agosto 2018.
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Textos para Discussão. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005.

733
FERRAMENTAS PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO:
NOVAS POSSIBILIDADES OUTRAS ABORDAGENS

José Henrique dos Santos Barbosa – UEG/GO

Resumo: Buscando contribuir para as discussões que vem permeando o campo da História da educação no que
diz respeito ao seu processo de produção, ampliação de fontes e metodologia, o presente trabalho tende a refletir, por
meio de revisão teórica, as contribuições que a Análise Crítica de Discurso, entendida como campo teórico e metodo-
lógico heterogêneo e interdisciplinar pode concorrer no processo de escrita da História e História da educação. Para
tal, buscar-se-á desenvolver inicialmente, necessária reflexão a respeito da História Cultural, faceta imprescindível
que contribui em demasia para a atual concepção que os historiadores da educação em sua maioria adotam de docu-
mento, fontes, métodos, etc., para a escrita da historiografia educacional. Concomitante a este processo de ampliação
das concepções de fontes e métodos para a escrita da História e da História da educação, busca-se nos pressupostos
teórico-metodológicos da ADC1 maiores possibilidades de investigação no campo da História Cultural e mais especi-
ficamente no campo da História da Educação.
Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica; História da educação; História Cultural

A figura do passado guarda seu valor primeiro de representar o que faz falta. Com um material que, para ser obje-
tivo, está necessariamente lá, mas conotativo de um passado na medida em que remete de imediato a ausência, ela
introduz também a fenda de um futuro. Um grupo não pode exprimir o que tem diante de si – o que ainda falta – se
não por uma redistribuição de seu passado. (Michel de Certeau )

Não é, como pode ter sido durante tempos passados, discordante dizer que a produção historiográfica contem-
porânea tem assumido um perfil de pressupostos de uma história tida como problematizadora, que tem, mais do que
nunca, dado atenção à diversidade de fontes em consonância com tendências predominantes na historiografia. Hoje,
é notório perceber a inserção das pesquisas em História da educação no campo da História Cultural, assumindo uma
perspectiva da diversidade de fontes e, de forma a que mais nos interessa neste trabalho, de suas possibilidades de
entrecruzamento.
Desta forma, buscando contribuir para as discussões acerca desse processo de ampliação das várias possibi-
lidades de escrita da História da Educação, tomando por pilar os pressupostos metodológicos da História Cultural
referentes às possibilidades diversas de investigação e de aprofundamento dentro do processo de escrita da História
da Educação, é que se propõem analisar as contribuições da Análise de Discurso Crítica (ADC) tomado como campo
teórico-metodológico heterogêneo e interdisciplinar, como mais uma ferramenta nesse processo complexo de inves-
tigação e escrita da história da educação de forma consciente, minuciosa e crítica.
Por este motivo, busca-se para fins introdutórios apresentar de forma rápida, porém não simplista, como se dá
o desenvolvimento da História Cultural à qual tem se recorrido atualmente os historiadores da Educação em busca de
variadas possibilidades de desenvolver suas investigações. Em seguida, far-se-á uma discussão mais objetiva referente
à Análise de Discurso Crítica (ADC) buscando mapear suas potencialidades que nós acreditamos poder contribuir
satisfatoriamente – sem a pretensão de limitar as investigações e reflexões a esse respeito – para o processo de escrita
da História e da História da Educação que ainda têm, mesmo adotando novos olhares e perspectivas de análise, o
documento escrito como sua principal fonte de pesquisa.
Partimos do pressuposto de que pesquisar e analisar os possíveis pontos de intersecção entre o campo da His-
tória Cultural que vem ampliando o sentido de fonte e, consequentemente de documento na contemporaneidade e,
ainda, utilizando de recursos teóricos e metodológicos presentes na Análise de Discurso Crítica (ADC), entendo este
campo de investigação e análise como heterogêneo e interdisciplinar (VAN DIJK, 2008 ; WODAK, 2004; FAIR-

1 Análise de Discurso Crítica de Fairclough.

734
CLOUGH, 2001; RESENDE; RAMALHO, 2011), nos remete a questões importantes não apenas dizem respeito ao
campo da linguística mas, também, para os campos vários que permeiam a escrita da História da Educação brasileira.
Tratando-se do processo de coleta, organização, classificação de materiais – documentos – que podem ser to-
mados como fontes de pesquisa dentro da campo da história da educação, vinculado por sua vez à História Cultural, é
imprescindível salientar que a multiplicidade de fontes e métodos de análise tem se ampliado gradativamente, sendo,
dessa forma, mais necessário ainda buscar e ‘testar’ novas ‘ferramentas’ que possam, de fato, contribuir para esse tra-
balho minucioso em um campo que se mostra tão heterogêneo e que se propõem de forma mais acentuada, desde de
1990 a escrever uma história cultural da educação.
Compreendemos, assim como Le Goff (1894) que os ‘documentos’ não são fechados em si mesmos, estando,
dessa forma, contextualizados e, concomitantemente a isso, adquirindo conotação histórica à medida que reflete ou
explica um fato e um tempo específico da produção humana. Dessa feita é que acreditamos que buscar, analisar e por
meio dessa trajetória, refletir sobre as possibilidades de contribuição que a ADC como teoria e metodologia hetero-
gênea podem agregar no processo de análise documental é uma das principais justificativas para o aprofundamento
desse trabalho que busca instigar o processo de investigação na procura de novas abordagens às novas fontes que têm
se apresentado para a historiografia crítica da história da educação.
Salientamos ainda, que mesmo adotando para o presente artigo as contribuições que a Análise de Discurso
Crítica pode trazer para a análise de ‘documentos escritos’ no processo de construção da história da educação brasi-
leira, compreendemos exponencialmente que o pioneirismo dos fundadores da revista Annles d’histoire économique et
sociale contribuíram em demasia para a discussão aqui proposta, ao insistirem sobre a necessidade e inevitabilidade de
ampliar a noção de documentos e de abordagens metodológicas sobre a diversidade de fontes.

HISTÓRIA CULTURAL E A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Nos debates científicos da área da História da Educação (H.E) e, somando-se a isso, no processo de formação
de novos pesquisadores, os debates e análises referentes às fontes para a pesquisa em H.E tornaram-se evidentemente
triviais e habituais, não havendo grandes embates significativos ao que se refere ao perfil da historiografia contempo-
rânea, que tem dado significativa atenção às fontes e seu processo de análise. Não obstante, nunca é demais aprofun-
dar os debates e reflexões sobre essa prática do historiador e sua relação com seus referências teórico-metodológicas
e, também, com as fontes que lhes possibilitaram chegar ao objeto desejado.
No Brasil, torna-se evidente que a História Cultural ganha espaço de destaque na historiografia brasileira prin-
cipalmente a partir da década de 1990. Essa conclusão pode ser observada tomando como base os principais eventos
científicos e publicações em periódicos especializados na área da História do país. Se tratando das influências desse
campo teórico-metodológico no processo de produção da história da educação brasileira, evidencia Fonseca (2003,
p.61) que

[...] a penetração dos pressupostos da História Cultural neste campo é ainda problemática, superpondo-se às abor-
dagens tradicionais e sendo, muitas vezes, marcada por uma incorporação superficial dos seus instrumentos, con-
ceituais e metodológicos, quando não apenas como indicações bibliográficas.

Entendemos que a História da Educação está relacionada e caracterizada como campo temático de investigação
da História, tendo como objeto a educação. Educação entendida como o ato de produzir direta e intencionalmente
em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Ob-
serva-se ainda, e compartilhamos dessa feita, de que a história da educação não tem, como demonstrado por Fonseca
(2003), fronteiras a definir com a história cultural. Ao contrário, usa seus procedimentos teórico-metodológicos,
como muito de seus objetos de investigação, para o processo complexo e minucioso da escrita da história educacional.
Alarma-se notoriamente uma renovação nos estudos da História da Educação que tem apontado em direção
à História Cultural. Como demonstra Cardoso (2011) essa afirmação evidencia-se e torna-se verificável ao eclodir
exponencialmente citações a autores ‘clássicos’ da “História Cultural”, a exemplo de Roger Chartier que vem sendo

735
corriqueiramente utilizado nos trabalhos que tratam de conceitos de representação e apropriação nas pesquisas refe-
rentes à leitura.
Abordar a pluralidade existentes na História da Educação – história das disciplinas escolares, história da histo-
riografia da história da educação, história do tempo e espaço escolar, história das instituições escolares, etc., - exige
trabalho cuidadoso, minucioso e atento do historiador da educação que buscará de forma atenta nos arquivos, as
fontes para o seu trabalho, tratando-as com o máximo de rigor científico. Doravante a essa documentação mais tra-
dicional existente nos arquivos escolares e também nos não escolares, soma-se novas fontes que vem sendo utilizadas
pelos historiadores da educação, como periódicos pedagógicos, escritos de professores e alunos, obras artísticas, diá-
rios de classe, desenhos, cartazes, programação de datas comemorativas e, até mesmo, fontes orais.
Ao tratar do processo de ampliação e renovação na utilização de fontes Gatti Júnior (2002, p.35) adverte que
elas – as novas fontes – têm nos permitido observar e tratar de uma nova dimensão das práticas escolares, uma vez
que “as escolas apresentam-se como locais que portam um arsenal de fontes e de informações fundamentais para a
formulação e interpretações sobre elas próprias e, sobretudo, sobre a história da educação brasileira”.
Como bem apontado por Carvalho (2011) este aporte teórico-metodológico da História Cultural tem possibili-
tado engendrar novas perspectivas de ampliação não somente dos objetos de pesquisa, mas, também, das abordagens,
das fontes a serem consultas, bem como no processo de tratamento das mesmas, o que tem oferecido possibilidade de
olhares múltiplos sobre os aspectos que constituem práticas educativas.
Conforme salienta Fonseca (2003, p.9), o processo de movimentação dentro do campo da História Cultural
significa considerar

que as experiências culturais – que são evidentemente históricas – de grupos e indivíduos atuam de maneira signi-
ficativa em suas práticas e são fundamentais para o processo de análise das fontes. O estudo da história da educação
escolar, tradicionalmente associado à sua dimensão oficial e legal – na qual são depositados interesses e diretrizes
geralmente emanados do Estado – pode também ser orientado para o movimento de circulação que promove
intensas trocas e apropriação segundo códigos distintos; para a análise de manifestações presentes na cultura es-
colar e que têm suas origens fora da própria escola, carregando em si fortes tradições culturais, às vezes de longa
existência no tempo; para a consideração das relações entre a educação, a política e a cultura, na construção e na
circulação de práticas e de concepções.( FONSECA, 2003, p.9)

Dessa maneira é que a História da Educação deve ser entendida e, consequentemente desenvolvida como um
campo temático da História Cultural, onde as práticas educacionais sejam enxergadas como práticas evidentemente
culturais. A partir dos aportes da História Cultural as análises proferidas na História da Educação acabam por trans-
gredir as abordagens puramente pedagógicas, possibilitando notoriamente a ampliação de fontes a serem utilizadas e
a diversidade de tratamento que estão irão receber, buscando encontrar novos recortes, objetos e, desenvolvendo-se
analises que levem em consideração as múltiplas formas de temporalidades, rupturas e práticas escolares.
Por meio deste paradigma que se mostra ainda tão novo aos olhares da contemporaneidade que tem buscado
timidamente, explorar com novos olhares documentos que seus predecessores já permearam, possibilita, ademais,
obter novas respostas historiográficas e novos temas para serem investigados. Por meio da nova história, o campo de
investigação do historiador estende-se a tudo que se torna perceptível à observação, mostrando sem cessar que “tudo
e todos têm uma história a ser desvendada e reconhecida”. (LE GOFF, NORA, 1976c)
É um novo leque que se abre para análise de fontes documentais, principalmente àquelas que se mostraram tão
marginalizadas e inutilizáveis, deixadas às traças dos arquivos. Não cabe mais simples aplicação de modelo de análise
é, antes de tudo, notória a necessidade de buscar complementações que possibilitem a triangulação e a obtenção de
respostas por meio de artefatos e monumentos que, não necessariamente, tinham a intenção de transmitir alguma
informação, mas que, em seu processo de construção, guardou e guarda incondicionalmente as memórias de um pas-
sado antes não vasculhado e interpretado.
Afim de fornecer algum exemplo acerca da estruturação teórico-metodológica da chamada História Cultural, e
neste caso mais específico da Nova História Cultural Francesa já pesando em uma possível aproximação com a Aná-

736
lise de Discurso Crítica, podemos mencionar os estudos de Roger Chartier, que tem sido utilizados constantemente
em trabalhos que se justificam nos aportes epistemológicos da História Cultural para a escrita da história da educação.
Não sendo objetivo do trabalho fornecer um ‘estado da arte’ dos estudos da História da Educação baseados nos
conceitos e noções teóricas desenvolvidas por Roger Chartier, os pequenos escritos exemplificando os trabalhos
fundamentados nesse aporte teórico tornar-se uma pequena amostra do potencial de análise que se apresenta nos
estudos desse autor em busca de uma construção cultural da história da educação.

A ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA SUA HETEROGENEIDADE PARA A PESQUISA NA


HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Partimos inicialmente do pressuposto de que apresentando-se como abordagem científica interdisciplinar para
estudos críticos da linguagem como prática social e que vem desenvolvendo modelos para o estudo situado do fun-
cionamento da linguagem na sociedade, a ‘Análise de Discurso Crítica’2 (ADC) pode, exponencialmente contribuir
para o desenvolvimento de pesquisa documental para a escrita da história da educação numa perspectiva ontológica
da História Cultural, que busca, constantemente, evidenciar que o documento não fechado em si mesmo trás, em seu
processo de construção, problemas sociais relacionados a poder e justiça, o que nos parece ser segundo Fairclough
(2003) e Chouliariaki e Faircloug (1999) compromisso da ADC ao buscar disponibilizar por meio desse pressuposto
teórico-metodológico um suporte científico para a crítica situada de problemas sociais que estão concomitante, rela-
cionados ao poder como controle.
Além da heterogeneidade a qual a Análise de Discurso Crítica se define, nos interessa destacar também seu
aspecto interdisciplinar que possibilita romper com as fronteiras epistemológicas com que as teorias sociais vinham
tradicionalmente se apresentando, subsidiando sua própria abordagem sociodiscursiva assim como oferecer suporte
para a que as pesquisas sociais possam contemplar, também, aspectos discursivos (RESENDE, RAMALHO, 2006).
Se tratando da relevância que as relações interdisciplinares apresentam para a constituição da ADC, trata de
forma imprescindível Blommaert (2005) que:

O desenvolvimento da análise de discurso crítica foi impulsionado, por um lado, por desenvolvimento na teoria
linguística em si, que chamavam atenção para abordagens mais centradas na atividade, no reconhecimento da
linguagem em uso como um objeto de análise legítimo (...) por outro lado, foi impulsionado por contatos interdis-
ciplinares intensos entre linguistas e pesquisadores/as situados em campos como a análise literária, a semiótica, a
filosofia, a antropologia e a sociologia.

Nota-se, dessa maneira, que a ADC tem buscado romper com abordagens que concentram seus estudos em aná-
lise ‘engessadas’, que hora assumem uma postura mais centrada na estrutura, ou seja, nas características mais fixas da
linguagem – semiose -, que tendem em sua maioria investigar a linguagem apenas como sistema semiótico, desprezando
de algum modo os atores que dela fazem uso, mas, tem buscado também, equilibrar com aqueles estudos que se centram
mais na ação dos agentes sociais – nos eventos individualizados – que tendem a investigar a linguagem com base em
textos isolados, sem atentar para as estruturações presentes tanto na sociedade quanto no uso da linguagem.
A Análise de Discurso Crítica trata de desvendar o que se encontra nas entrelinhas dos documentos, que são
discursos sobre a realidade, com significados e ideologias que necessitam ser compreendidas e interpretadas a partir
de seu momento de fabricação, podendo – o documento – por sua vez, expressar interesses pessoais, muito mais do
que a realidade concreta. Para Quiroz (2008, p.79) a

[...] análise de discurso é uma ferramenta, mais que um fim em si mesma, para explorar o modo sistemático como
os atores ou grupos sociais legitimam maneiras de ver o mundo, ou como se opõem a elas propondo modos alter-
nativos às formas hegemônicas de construção da realidade social.

2 Assim como Resende (2008) optamos pela tradução ‘Análise de Discurso Crítica’ para ‘Critical Discourse Analysis’, ao invés de utilizar
‘Análise Crítica do Discurso’. Onde, a autora justifica a sua escolha devido a tradição histórica dos estudos discursivos no Brasil, “consolidados
como o rótulo ‘análise de discurso’.

737
Ao tratarmos desse aspecto da ADC no processo de investigação para a escrita da história da educação a Análise
de Discurso Crítica se apresenta como ferramenta indispensável que nos permiti analisar os vários discursos profe-
ridos em atas escolares, seja no momento de inauguração de instituições escolares, momentos cívicos, palestras de
professores, etc., permitindo identificar nestes discursos as construções ideológicas que os mesmo se propunham ou,
até mesmo, na interpretação e discursos eu visavam descontruir discursos hegemonicamente criados e fixados.
A ADC fornece subsídios preciosos para a História da Educação numa perspectiva da História Cultural cujo
principal material empírico são textos, sejam documentos oficiais e ou até os documentos ou fontes tratadas como de
tradição – entrevistas, etc.,- também aos documentos não oficias encontrados nos próprios arquivos escolares e que
fornecem informações imprescindíveis para a interpretação e conhecimento da cultura escolar de determinada insti-
tuição, buscando, dessa forma, oferecer suporte científico para estudos sobre o papel desses discursos na instauração/
manutenção de problemas sociais e da própria escola.
Afim de exemplificar, acreditamos que a utilização da ADC como análise discursiva textualmente orientada
para compreender os vários discursos desenvolvidos no cenário da formação da educação no período republicano,
mais especificamente na primeira metade do século XX, é de grande valia, pois a mesma possibilitará ao pesquisador
uma análise social fundamentada em dados linguísticos que sustentam a crítica explanatória. Utilizar do aporte teó-
rico-metodológico da ADC na análise de textos – documentos escritos neste caso específico – produzidos durante a
instauração das escolas republicanas possibilitará identificar conexões entre escolhas linguísticas de atores sociais ou
grupos e os contextos sociais mais amplos nos quais os textos analisados são formulados.
Por assim dizer, é gerado como bem acrescenta Ramalho e Resende (2011), “conhecimento acerca da inte-
riorização de discursos na construção de identidades e na constituição de relações sociais, acerca da utilização de
estruturas linguísticas com propósitos políticos”. Promove dessa maneira investigar os modos como a linguagem se
configura na vida social, possibilitando, não obstante, o desvelamento da “universalização de discursos particulares e
da vinculação de textos particulares a ideologias, entendidas como construções simbólicas a serviço da manutenção
de estruturas de dominação” (THOMPSON, 2002).
Assim como na pesquisa histórica em geral, a historiografia da história da educação foi marcada em seus pri-
mórdios indubitavelmente pela valorização de documentos oficiais, pela descrição e análise de forma explicativa das
ideias pedagógicas ressaltando os grandes nomes que permeavam o campo da educação. A pesquisa documental,
utilizando como principal material empírico, dados de natureza formal – textos jurídicos, oficiais, entre outros, cuja
elaboração demanda competência de conhecimento especializado -, não foi na perspectiva da nova história cultural,
analisado em sua essência devido à pouca – ou nenhuma – valorização que se dava à perspectiva crítica para análise
do que ali estava materializado.
Dessa forma tem-se com bastante frequência, constatado que em pesquisas documentais não é suficiente traba-
lhar apenas com o corpus principal de dados formais. Uma vez que este tipo de dado não consegue responder a todas
as questões de pesquisa, sendo assim, necessário recorrer a outras fontes. Para a ADC esses documentos, são textos
que fazem parte de eventos específicos, envolvem além do discurso ali materializado, pessoas, (inter)ação, relações
sociais e o próprio mundo material. Assim, por meio desta perspectiva relacional/dialética, os textos acabam por se
situarem como discursos que constituem crenças, valores, formas de ação e interação. Essa abordagem como ressalta
Ramalho e Resende (2011), permite investigar “discursos particulares” que visam, entre tantos outros objetivos, legi-
timar a própria ação de controle e poder.
Uma abordagem que se mostra bastante profícua no trabalho com documentos escritos, e que está de certa
maneira relacionada Análise de Discurso Crítica é a análise de conteúdo de Laurence Bardin. Essa técnica de análise
tem sido bastante utilizada como aborda Ana Maria Rosete Maia et al. (2011) nas pesquisas que se utilizam da análise
documental por apresentar duas funções: (a) verificação e hipóteses e/ou questões onde, se busca, após levantamento
prévio de hipóteses confirmar ou não as afirmações estabelecidas ou do trabalho de investigação; (b) de descoberta
“ do que está por trás dos conteúdos manifestados, indo além das aparências do que está comunicado. Sendo ambos
os momentos complementares.
Entretanto, existe como reforça Maia et a. (2011) certa crítica à análise de conteúdo, salientando que

738
[...] a crítica atual à análise de conteúdo baseia-se por entendimento desta ser apenas uma técnica de interpretação
de textos, com pouca articulação com os contextos das mensagens veiculadas. Na proposta de Análise de Conteú-
do com abordagem interpretativa Dialética, denominado de Método Hermenêutico – Dialético, a fala dos atores
sociais é situada em seu contexto para melhor ser compreendida. Esta compreensão tem como ponto de partida, o
interior da fala, e como ponto de chegada, o campo da especificidade histórica e totalizante que produz fala. (MAIA
et al. 2011, p. 142)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos a partir do presente trabalho contribuir de forma satisfatória para as presentes discussões acerca do
processo de ampliação do campo de estudo da História Cultural na perspectiva da escrita da História da Educação,
partindo do pressuposto que este campo da pesquisa da história vem se ampliando em demasia, tratando de um
movimento exponencial de novas fragmentações e especializações, buscando particularidades antes não vistas, espe-
cificando novos recortes e novos aportes teórico-metodológicos que contribuam efetivamente para uma escrita da
história da educação de forma consciente, real e crítica.
Acreditamos que a intersecção entre a analise documental a partir da compreensão do que se torna fonte para
os pesquisadores da historia da educação na contemporaneidade, utilizando ainda, de recursos teóricos e metodológi-
cos presentes na Análise de Discurso Crítica (ADC), entendendo este último como campo heterogêneo e interdisci-
plinar, nos remete a questões importantes presentes não apenas no campo da linguística mas, também, para campos
presentes na história, e mais objetivamente na história da educação brasileira, que junto a isso remete-nos a analises
mais profundas sobre as fontes para a escrita da história e da história da educação, que têm passado nas última décadas
por um processo de renovação e ampliação. (ABREU, 2006)
Não tivemos em momento algum a pretensão de esgotar as discussões que este artigo propõe, uma vez que nos
parece bastante nova a proposta aqui deferida, sendo assim, uma contribuição que busca instigar novos debates no
campo da história, história cultural, história da educação e das Ciências Sociais em geral, permeando a linguística e
seus desdobramentos.

REFERÊNCIAS

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740
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS USOS PÚBLICOS DA HISTÓRIA

Miriam Bianca Amaral Ribeiro - UFG1

Esse trabalho compõe os resultados parciais da pesquisa intitulada “Comemorações e datas históricas: mudan-
ças e permanências” em andamento, sob nossa coordenação, vinculada ao DHUCA – Diálogos Humanidades, Ciência
e Aprendizagem, Núcleo de Pesquisa em Educação e Ciências Humanas, da Faculdade de Educação da UFG. O objeto
desta pesquisa é a incidência das comemorações e datas históricas no cotidiano presente da vida brasileira, obser-
vando e problematizando suas mudanças e permanências. Tendo como referência o conceito de cultura histórica, a
partir de Le Goff (1992) e a noção de usos públicos da história (Kallás, 2017) estamos trabalhando a articulação entre
História do Brasil e de Goiás, História da Educação e a História da História Ensinada. Isso é possível a partir da con-
sideração da existência de uma história ensinada dentro e fora da sala de aula, o que leva ao exame da escola existente
em Goiás e da história nela ensinada, em todos os níveis de escolaridade, assim como a história ensinada a quem
jamais adentrou um recinto dessa natureza, mas percorre as ruas da cidade, assiste ou participa de desfiles, eventos e
celebrações, ouve salvas de tiros ou badaladas comemorativas dos sinos, observa monumentos, leu ou ouviu notícias
de jornal e seus comentários, ou descansou em feriados por datas históricas comemorativas. Interessa discutir as
relações entre história ensinada, escrita da história, o uso público da história e a constituição e afirmação de projetos
de região e nação. Para realizar esse debate, estamos coletando depoimentos ao longo dos desfiles de 7 de setembro e
24 de outubro, desde o ano de 2016. Também estamos acompanhando a rotina de escolas públicas e privadas no con-
texto das comemorações, especialmente as escolas de Ensino Fundamental. Também compõe o espectro de fontes, o
levantamento, junto aos veículos de comunicação de massa, dos elementos presentes nas várias mídias, pertinentes às
comemorações, na proximidade de suas realizações. Neste momento, discutiremos uma das fontes levantadas para a
essa discussão, diretamente relacionada à formação de professores. Para isso, aplicamos questionários junto a alunos
iniciantes, alunos do quarto período e alunos concluintes do curso de pedagogia da UFG e da PUC/GO, em um total
de 320 questionários respondidos. Neles inquirimos quais datas comemorativas históricas as pessoas se lembram,
qual papel elas tiveram em sua formação, que papel teriam na formação geral da sociedade e se hoje em dia frequenta
(e porque frequenta) os desfiles referentes a essas mesmas comemorações.
O levantamento de dados foi realizado entre 2014 e 2016, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás e na
Universidade Federal de Goiás, junto aos alunos dos cursos de pedagogia destas instituições. A escolha desse curso
se deve ao fato de que a pedagogia, além de ser o curso de formação de professores em que atuamos, é um curso que
articula todas as áreas de conhecimento (Ciências Naturais, Linguagens, Ciências Humanas, Ciências Exatas e a Arte)
para a formação do professor para Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Trata-se de uma forma-
ção que, necessariamente, deve suprir as necessidades mínimas de formação para todas essas áreas de conhecimento
e como pretendemos, sob uma abordagem que possibilite aos sujeitos – alunos de pedagogia/futuros docentes, uma
intervenção crítica diante das visões hegemônicas consolidadas na sociedade em que atuamos, vivemos e construí-
mos nossas perspectivas e projetos individuais e coletivos. Temos isso como tarefa da área de Ciências Humanas, em
um espectro de tempo bastante contrito, diante do projeto geral de formação docente, como ocorre na Pedagogia.
Além disso, trata-se de alunos em formação para atuação junto às séries iniciais do Ensino Fundamental e da Educa-
ção Infantil, momentos da escolarização dos sujeitos em que, nos parece, observando a priori, ainda mais susceptíveis
aos rituais cívicos comemorativos.
Foram aplicados 332 questionários, sendo 97 na PUC/GO e o restante na UFG. As mulheres são a ampla maio-
ria das pessoas entrevistadas, 94%. A faixa etária dominante está entre 17 e 20 anos de idade, com 40% das pessoas, se-
guidas de 35% de sujeitos entre 21 e 30 anos, ficando os 25% acima dos 31 anos de idade. Isso importa para avaliarmos
se a noção de história e comemorações se altera significativamente entre as gerações e suas respectivas formações.

1 Contato: mbiancaribeiro@yahoo.com.br

741
O que se observou nos dados coletados é que tais noções permanecem muito próximas entre as várias faixas
etárias investigadas. Vale registrar que a mais da metade dos sujeitos não esteve muito tempo longe de uma institui-
ção escolar, pois não demoraram muito a ingressar em uma universidade, ao concluírem o Ensino Médio, quando
não o fizeram imediatamente na sequência desta conclusão. Entre estes e os mais velhos, que então estavam afastados
a mais de uma década de uma experiência de formação regular, as respostas não se alteram substancialmente. Ou seja,
quem saiu do Ensino médio na idade regular e imediatamente ingressou em uma universidade, apresenta, em geral,
as mesmas ideias sobre esses temas de quem ficou fora de bancos escolares há mais de duas décadas. Há que se pensar,
pois, sobre a formação oferecida pela Educação Básica, ao longo das últimas décadas e sua capacidade de contribuir
para a construção/desconstrução das noções e conceitos aqui tratados, considerando tanto a faixa etária quanto o
período percorrido pelos sujeitos em sua formação anterior à universidade. Em última instância, há que se pensar
sobre a formação de professores, em que atuamos. Da mesma maneira, não há distinção significativa entre respostas
dadas por homens e mulheres, nem entre alunos da UFG e PUC-GO. Por isso, trataremos o conjunto das observações
e destacaremos as considerações distintas quando for o caso.
Para realizar essa discussão, vale distinguir as datas históricas e as datas cívicas. As datas históricas, em que pese
a persistente hegemonia da concepção positivista de história, tem, de alguma maneira, por algum viés interpretativo,
uma referência em um processo histórico reconhecido como componente de uma cronologia assentada na historiogra-
fia. As diferentes interpretações elegem diferentes datas ou mesmo as negam como referência pra pensar um processo
em estudo. As datas cívicas, em geral, tem uma referência histórica. Mas, não são todas as datas de referência histórica
que são alçadas a condição de datas cívicas. Essas são as que foram apropriadas pelo projeto de nação e fazem parte dos
rituais comemorativos que reafirmam a nação, atualizam seu significado na conjuntura presente, diante dos jogos de
poder que mantem a noção de que somos todos iguais porque somos desta mesma nação, enquanto continuamos a nos
considerar representados pelos interesses hegemônicos e dominantes. Uma data que se referencie, por exemplo, em
eventos de cunho popular como mobilizações, greves e outros momentos de enfrentamento desta mesma hegemonia,
não será tratada como uma data cívica nem comporá calendários oficiais, aliás, não será massivamente lembrada. Ou
mais que isso, todos os mecanismos que possam contribuir para o esquecimento social destes momentos, são acionados.
Por exemplo, o dia 13 de junho de 2013, marco das grandes mobilizações de rua em São Paulo, como enfrentamento ao
aumento da passagem dos coletivos urbanos, não entraria em uma lista de datas cívicas, mesmo que valha lembrar que
essa mesma data foi manipulada pela grande imprensa como forma de conter o caráter radicalizado que se apresentava
de início, nesses eventos. Também não a comporia, a data da primeira ocupação secundarista em Goiânia, ocorrida em
9 de dezembro de 2015, no Colégio Estadual José Carlos de Almeida, seguida de outras 28 ocupações estudantis, todas
realizadas na luta contra a entrega de escolas públicas estaduais para as Organizações Sociais. Dito isso, vamos nos deter
nos dados coletados entre os estudantes de pedagogia quanto às datas históricas comemorativas.
Quando perguntados sobre quais datas históricas comemorativas as pessoas se recordam, observamos, de ma-
neira generalizada, a dificuldade de conceituar o que seria isso ou pelo menos, distinguir as datas de caráter histórico
das datas de fundo religioso ou de cunho familiar ou quase isso e sob aquele apelo comercial conhecido. Assim, entre
as datas citadas estão o natal - o recordista de citações deste tipo, carnaval, páscoa, ano novo, festa de peão de Barre-
tos (!), dia dos namorados, dia das mães, dia dos pais, dia da criança. A questão proposta anunciava, explicitamente,
a solicitação das datas de caráter histórico e ficou evidente a confusão entre história e religião, em primeiro plano.
Consideramos que isso não se dá ao acaso. Ao longo da história da educação brasileira, a presença institucional
do ensino religioso, como disciplina e como maior e mais persistente tema transversal, tem sido objeto que profundos
e sistemáticos enfrentamentos entre os setores vinculados às escolas chamadas confessionais e os defensores da escola
pública laica como princípio. Esses últimos têm sido também sistematicamente, derrotados total ou parcialmente2. O
2 No dia 27 de setembro de 2017, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal não apenas manteve o ensino religioso como disciplina
facultativa nas escolas públicas, como também autorizou que cada professor faça dessa disciplina um instrumento para que ele, o professor,
professe sua fé e a tenha como critério de verdade, posto que se trata de uma disciplina sob avaliação, aprovação ou reprovação, mesmo
sendo facultativa. Se até então, a ideia de ser facultativo disfarçava o caráter ideológico de uma disciplina confessional, agora não há mais
nenhum constrangimento em que a escola público de um estado republicano se transforme em um espaço de catequização, afrontando o
caráter científico do processo de socialização do conhecimento, que é, conceitualmente, o projeto de escola que se propõe a desnaturalizar
e desmistificar as relações sociais, culturais e ideológicas que organizam a vida social. O argumento da presidente o STF para dar o voto
minerva sobre a questão, foi de que o Estado é laico mas, reconhece os benefícios da religião.

742
cotidiano da escola, nos dias que se passam, está permeado de intervenções religiosas. As datas de fundo religioso fa-
zem parte desse cotidiano, impondo uma noção de naturalização da conduta religiosa como componente de cada um
dos seres humanos, o que efetivamente compromete o conceito de escola laica. Por isso, quando perguntamos sobre
datas históricas, as pessoas elencam datas religiosas. As datas de caráter aparentemente pessoal, afetivo, vinculado às
relações familiares e seu entorno, não merecerão maiores articulações, reconhecidas como objeto do apelo comercial,
que, infelizmente se tornam quase critério de verdade para as relações afetivas.
As comemorações históricas citadas aparecem na ordem apresentada pela memória do sujeito, o que não cor-
responde necessariamente à ordem cronológica. Podemos aferir que há uma ordem de significados, independente de
afirmativos ou de negação, sobre as datas lembradas. Também é frequente que as pessoas se lembrem de apenas uma
das informações: ou da data ou do acontecimento. Não é frequente que se refiram à data e ao acontecimento simulta-
neamente. Também ocorrem erros que vinculam uma data a um acontecimento que não corresponde, mas isso não
ocorre com as datas mais lembradas.
A data mais registrada nas respostas, alcançando quase a metade dos questionários - 141 respostas - é o sete de
setembro, a data escolhida como marco da proclamação da Independência. Quando o indivíduo se refere a apenas
uma data, essa é, quase invariavelmente, o sete de setembro, raramente acompanhado da referência ao ano de 1822.
Procede. Desde a invenção da independência e sua data fundadora, pelos idos dos anos 40 e 50 do século XIX, como
obra do IHGB e seus elaboradores, funcionários do Império, essa referência cronológica para a fundação da nação
vem sendo apropriada e reinventada, ensinada e reaprendida, permanecendo imbatível como instrumento de afirma-
ção do projeto de nação. Muitas datas que percorreram o Império, não sobreviveram ao projeto republicano, pelas
obviedades da superação do modelo imperial, como a comemoração do nascimento do imperador, realizada aos 2 de
dezembro de todos os anos desde a abdicação, em 1831. Mas, o sete de setembro adapta-se aos interesses presentes
do projeto hegemônico, como teremos oportunidade de tratar quando analisarmos outras fontes abarcadas por essa
pesquisa, como as falas colhidas ao longo dos desfiles comemorativos a independência.
A segunda data mais citada, com 86 referências, é o aniversário de Goiânia, o 24 de outubro. Sendo todos, ou
quase todos os inquiridos residentes em Goiânia, é possível perceber a presença da história regional nesse cotidiano,
mesmo que restrito a datas e eventos. Além disso, há que se lembrar que essa é uma data que não só instituiu um
feriado local como também continua sendo objeto dos desfiles anuais comemorativos. A data regional é seguida pelo
dia 21 de abril, dia da morte de Tiradentes, também feriado. Para ele foram registradas 76 lembranças. Essa data é
a segunda mais lembrada quando o sujeito se lembra de apenas uma data. O que vai se demonstrando é que as datas
mais comemoradas são as mais lembradas, reafirmando o trabalho realizado pela comemoração na constituição da
memória e da lembrança. Na sequência, temos o dia 15 de novembro, Proclamação da República, com 64 citações.
Registre-se que esta é uma das datas com grande numero de erros de dados: lembra-se a data e erra-se o fato. Essa data
é seguida do dia do índio, 19 de abril, com 50 referências. Bem depois aparece o 1º de maio, majoritariamente lem-
brado como dia do trabalho e não como dia do trabalhador, com míseras 20 citações entre mais de 300 respostas, re-
afirmando a atualidade e eficiência da apropriação burguesa de uma data colhida dos movimentos dos trabalhadores.
Na sequência, temos, empatadas, as datas de 13 de maio e 20 de novembro, quase não lembradas, pois se resumiram
a 6 lembranças cada. Interessante observar que a constituição do dia 20 de novembro – referência à morte de Zumbi
dos Palmares e intitulado Dia Nacional Da Consciência Negra, como contraponto ao 13 de maio, dia oficial da aboli-
ção da escravidão, não se instalou como referencia efetiva, pelo menos ainda não. A oficialização da data e do feriado
(assim estabelecido em algumas cidades brasileiras) não garantiu o contraponto ao 13 de maio. Há que se lembrar que
esta data – o 20 de novembro – somente foi alçada a esse patamar em lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluiu
o dia 20 de novembro no calendário escolar. Em 2011, foi oficialmente instituído em âmbito nacional através da lei
nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, transformado em feriado em cerca de mil cidades em todo o país, a partir de
projetos aprovados nas respectivas câmaras municipais. (www.brasil.gov.br › Cidadania e Justiça).
A data que completa a lista das comemorações históricas lembradas é a do chamado ‘descobrimento’ do Brasil, marcado
para o dia 22 de abril. Mas, são mesmo pouquíssimas referências, não chegando a meia dezena.

743
Quando perguntadas se frequentam desfiles, a maioria afirma que não costuma comparecer aos eventos anuais.
Alguns, menos de 25% dos indivíduos, afirmam que vão sempre e que gostam muito de assistir aos desfiles anuais.
O que mais frequentemente os motiva é a lembrança de seus tempos de escola quando desfilavam ou o fazem para
lembrar filhos e netos, para que eles tenham a mesma oportunidade de formação patriótica que tiveram. Ocorrem
rememorações do quanto era importante desfilar, como a escola se preparava meses antes. Há várias referências sobre
ir ver o desfile, orgulhosamente, para acompanhar o desfile que conta com o filho estudante da escola militar. Assistir
o filho vestido de militar e desfilando sob aquela disciplina comove e estimula as pessoas.
O que nos parece mais interessante é que, mesmo não indo, muitas - mais da metade das respostas - são as
referências a esses desfiles, notadamente os que ainda se repetem anualmente, como o sete de setembro e o dia 24 de
outubro. Os que não vão, raramente renegam seu significado e importância na formação das pessoas, do ponto de
vista da afirmação da ideia de nação e região como se apresenta pela história oficial ou hegemônica. Muitas respostas
parecem se desculpar por não frequentar os desfiles, pois a negativa é seguida de uma defesa contundente de sua per-
manência. Assim, para a maioria, não ir aos desfiles não corresponde à negação de seu significado como afirmação do
projeto colocado de nação e região.
Quando perguntamos sobre qual papel educativo podem ter as datas históricas na formação das pessoas, foram
produzidos três eixos de respostas3. O primeiro e mais citado, em variadas formas de expressão, é aquele que simples
e objetivamente reapresenta a tarefa de afirmação do projeto de história e nação como ele nos é estabelecido pela
história que podemos chamar de oficial, ou seja, a versão hegemônica, fundada no positivismo e que traz elementos
como a memorização das datas, fatos e respectivos heróis como sinônimo de história e conteúdo da história ensinada.
Muitas das afirmações presentes nesse campo são bastante curtas e diretas: ‘precisa ser ensinado’, ‘há que re-
lembrar os fatos históricos importantes’. São afirmações que bastam por si mesmas, não se preocupando em explicar
significados ou desdobrar justificativas, demonstrando a profundidade das raízes desta ideia de história e de nação.
Também nesse quadrante interpretativo, temos afirmações como ‘Sempre achei importante para fixar datas e
fatos. Através das datas podem ser trabalhadas as questões do patriotismo e cidadania, tão importantes para a cons-
tituição do indivíduo’. Ou: ‘participar sim para tornar ciente da importância das datas’, ‘grande importância para
formação social’. Não fica claro qual conceito de formação social aqui se apresenta, mas nos parece estar próximo à
formação do indivíduo como ser pertencente a uma sociedade. Essas afirmações revelam o papel das comemorações
na produção do sujeito que se espera formar via processos educativos e isso se limitaria a reconhecer a ‘importância’
das datas e comemorações. A comemoração está, também, associada à noção de patriotismo, então considerada com-
ponente imprescindível dessa formação. Essa função atribuída à comemoração e ao desfile, de ‘desenvolver o patrio-
tismo’ é amplamente referendada, inclusive pela ideia de que, naquele dia ‘os alunos são os donos da cidade’, enquanto
sabemos que o que ocorre é um exercício absolutamente disciplinado, contido, muito distante da ideia de poder dos
alunos sobre a cidade. ‘Tomar ciência’ corresponde, segundo essa interpretação, a se apropriar das informações, dos
dados descritos e aí se conclui a tarefa.
Também temos a preocupação registrada de que não se trata de comemorar por si só, pois ‘importa ter conhe-
cimento das datas e saber o motivo’ ou ‘relembrar as datas comemorativas para que os alunos tenham mais conheci-
mento sobre elas’. Assim, a data e sua comemoração cumprem seu papel formativo para a além da data, mas sem que
isso se transforme em uma problematização do que se comemora: trata-se de aprofundar o convencimento do mesmo
como ele já está colocado. Lembrar implica na possibilidade de saber o motivo da comemoração e isso é ensinar his-
tória, mesmo que não se questione, de novo, qual história se ensina. Na mesma direção, temos que ‘a comemoração
é também reflexão sobre porque comemoramos’. A noção de importância qualifica o discurso sem se explicitar para
quem e para quê a comemoração importa.
As comemorações têm também, segundo as respostas, uma tarefa no campo da memória, pois, ir aos desfiles e
comemorar as datas serve ‘para relembrar as datas comemorativas pra ter mais conhecimento sobre elas’, ‘para não
esquecer os dias que foram marcantes’, ‘para lembrar datas históricas que marcaram dias importantes’, ‘lembrar o
que aconteceu naquele dia, há anos e anos atrás’. Temos aqui o eixo estruturante na ideia positivista de história – a
3 Para registrar as posições colhidas junto aos alunos de pedagogia, não nomearemos individualmente as citações, apenas as colocaremos
entre aspas.

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descrição e sucessão das datas eleitas como históricas – sempre reapresentada como tarefa das comemorações, com
desfiles, inclusive. Lembrar é aprender história, a mesma história, segundo essa ótica, pois estaremos sempre falando
do mesmo fato, no mesmo dia. Isso é o que se reforça quando se diz que vamos lembrar o que aconteceu anos atrás e
naquele dia. O passado inerte, retomado pela lembrança – que sabemos não ser assim recuperado por quem lembra ou
quem assiste ao desfile. Quem lembra é o sujeito de hoje, assim como quem conta a história é o projeto hegemônico
em seu exercício e interesses presentes. Isso se aprofunda quando observamos falas que afirmam que ‘as datas fazem
o culto a momentos importantes na vida do homem’. Temos aqui noção religiosa associada ao conceito de história,
que retira do homem o atributo de pensar sobre si e o mundo, pois o que lhe cabe é cultuar. Outra forma de registro
dessa posição é a que afirma que se trata de ‘reverenciar o passado e lembrar todo ano, da importância desses dias’.
Ou que ‘é importante para acompanhar os marcos da história’, que se fundamenta na ideia de que a história e seu co-
nhecimento passa por datas e não por processos, e que os importantes são os eleitos por alguém - que não nos inclui.
Há afirmações que qualificam o desfile e a comemoração como ‘um reforço para relembrarmos as da-
tas’, sendo que o sujeito registra seu desapontamento como o fato de hoje ser ‘apenas feriado’. Nesse sentido, há que
‘relembrar momentos marcantes da história’, além de ‘reafirmar costumes’ e ‘reavivar na memória a importância das
datas históricas e dos laços familiares’, pois ir ao desfile aproxima pais e filhos, netos e avós, envoltos em um momen-
to de patriotismo, especialmente quando se tem um filho ou neto desfilando por uma escola militar, reproduzindo
absolutamente a conduta militar nesses eventos. Aqui estamos falando de jovens, crianças e adolescentes estudantes
do Ensino Fundamental e Médio. A crítica ao que é chamado de ‘banalização’ das comemorações é recorrente, quan-
do as pessoas não estão preocupadas com nada além do feriado, constituindo uma necessidade de garantir respeito e
solenidade ao que se comemora e desfila: ‘hoje estão banalizadas, é só festa sem ver a importância histórica das datas’.
O segundo grande eixo interpretativo observado nas respostas colhidas foi a ideia de que se bem trabalhado,
o evento comemorativo contribui de maneira importante para a formação do sujeito, amplia a cultura. Vamos por
parte.
A referência à noção de comemoração como fonte de aquisição de cultura, reafirma o conceito de cultura como
algo a ser absorvido, desconsiderando o sujeito como produtor e ressignificador potencial da cultura a quem tem
acesso. Ou seja, parte da ideia de que o sujeito que assiste ao desfile adquire, unilateralmente, a cultura que lhe é ex-
posta. Coletamos, nessa direção, elaborações como essas: “Se for um trabalho contextualizado, pode fortalecer a cul-
tura”. Ou, “comemorar sempre traz cultura”. ‘O desfile atribui cultura que passa a ser foco da cultura do país’. ‘É uma
grande contribuição para aumentar a cultura’, em uma acepção que vê na cultura, um processo acumulativo. Quanto
mais desfile, mais cultura, sem nenhuma ideia que problematize que cultura é essa e que nos parece se reduzir a aqui-
sição das datas e eventos para o acervo da memória, como se isso não fosse carregado de projetos interpretativos da
história que se ensina. A cultura a que se refere esse saber está lá para ser colhido e assumido, e o desfile oportuniza
isso, como instrumento, quase um recurso didático: ‘com as datas, os alunos tem um conhecimento mais amplo da
cultura’. Também aparece a associação entre arte e cultura: ‘ajuda no conhecimento cultural e valorização das artes’,
assim como estabelece as relações entre cultura e história: ‘fortalecer a cultura e a herança do passado’. Temos, nesse
quadrante, a noção de cultura associada à comemoração a partir de sua reafirmação, como sendo a cultura uníssona e
quantitativa, tratada sob uma concepção ainda positivista que associa conhecimento a volume de dados armazenados.
Ainda nesse eixo interpretativo, centrado da noção de que, se bem trabalhado, o ritual comemorativo das datas
históricas é uma importante oportunidade educativa, temos um amplo conjunto de afirmações. Elas localizam o pro-
blema das comemorações não em seu conteúdo conceitual, sua intencionalidade político ideológica, mas não ausência
de uma abordagem que as contextualize, mas mantendo seu uso a serviço das interpretações hegemônicas da história.
Aqui a noção de ‘bem trabalhado’ assume a centralidade, sem que se questione a comemoração em si e seu significado
na produção da ideia de nação e de história. Algumas afirmações nos trazem esse discurso:
1- Pode ser riquíssimo, se trabalhado corretamente para apresentar toda a história da data.
2- Contextualizar a historicidade da data para se construir identidade e cidadania.
3- De grande importância para entender a história do Brasil.

745
4- Pela explicação bem dada, o aluno aprende a compreender o fato histórico e sua importância para a
sociedade.
5- Fica sem sentido se falar só naquele dia, para aliviar a consciência. Se tiver mais informações pode ser
mais útil.
6- Pode ser um marco na discussão do tema comemorado, mas, se num faz link com nossa cultura, não
funciona.
7- As datas são tratadas como fúteis, falsas. Assim não pode.
8- Importante para conhecer os processos históricos.
9- Do jeito que é, num tem importância nenhuma porque num aprofunda e fica só a folga.
10- Mesmo simbólico, conhecer os fatos importantes para o sujeito e a sociedade.

Entre as impressões provocadas por essas considerações, destaca-se a noção de que o problema é a qualidade
da preparação para os desfiles, a falta de contextualização e aprofundamento dos porquês de se comemorar. As co-
memorações não são questionadas como conceito e função política e ideológica na formação do sujeito, mas pelo
fato de que não se aproveita tudo que pode ser feito como processo educativo a partir delas. Por exemplo, ‘trabalhar
corretamente’ não coloca em questão a data e o fato e afirmar que é preciso ‘contextualizar a historicidade’ das datas
nos alenta momentaneamente com a possibilidade de um debate processual e crítico da história envolvida. Mas, isso
se desfaz quando se segue a ideia de que isso leva a noção de afirmação de que há uma cidadania a identidade a ser
potencializada pela comemoração. Da mesma forma, ‘uma explicação bem dada’ é o caminho para a afirmação da data
como eixo para compreensão da história do Brasil, chagando-se a pretender que isso ocupe mais tempo e trabalho
no planejamento escolar, para que se garanta o cumprimento de seu papel. Todas as afirmativas reforçam a ideia de
que compreender as datas é de grande importância para entender a história do Brasil. Mais compreensão para maior
afirmação dos elementos produzidos pela história oficial.
Uma forma de garantir que a comemoração seja eficiente em sua tarefa de afirmar a história tradicionalmente
ensinada é ‘fazer o link’ com a realidade do aluno. Ou seja, aproximar o aluno e sua realidade ao elemento comemo-
rativo reforça e amplia a eficiência do processo. Isso nos impõe pensar um recorrente argumento tratado como a
grande solução de nossos desafios na elaboração de um projeto crítico para o ensino de história: partir da realidade
do aluno. Essa fala colhida na pesquisa nos traz, uma vez mais, a constatação de que ‘partir da realidade do aluno’ não
garante nossa filiação a um projeto de história ensinada para a crítica e a desnaturalização das contradições que nos
cercam. A depender do projeto com o qual realizamos essa aproximação, podemos, simplesmente, reafirmar o que
o senso comum nos traz como verdade e que lá está como componente desta mesma hegemonia. ‘Conhecer os pro-
cessos históricos’ aparece como um instrumento de reforço à lógica comemorativa hegemônica, posto que a noção
de processo se submete à afirmação da data e do fato. Há uma afirmação que nos parece sintetizar essa interpretação:
‘Servem para marcar um evento para os alunos, mas não são tão absorvidas como deveriam, mas se fossem passadas
com detalhes, seria fundamental para os alunos’. Aqui temos duas palavras chave ‘absorvidas’ e ‘deveriam’, que assi-
nalam a concepção de aprendizagem como projeto unilateral e colocam o caráter impositivo desta mesma aprendiza-
gem. Uma afirmação que consideramos emblemática desta interpretação é a que afirma que ‘é importante eles terem
um marco (grifo nosso) uma data para se situarem de quando coisas importantes para eles aconteceram’.
Ainda sob esse ponto de vista geral, temos uma preocupação reincidente com o aprofundamento da compre-
ensão dos processos históricos, inclusive situando o sujeito – o próprio aluno, por exemplo, como parte da história,
mas que não rompem os limites da história oficial hegemônica. Isso transparece em afirmações como ‘reforçar a ideia
da história que nos constitui’, ‘essencial, pois pelas datas comemorativas poderá conhecer mais sua própria história’,
‘relembrar os períodos de mudanças, conquistas e revoluções que nos levaram a chegar onde estamos hoje’ ou ainda
‘não contribui quando não há reflexão do processo histórico que culminou ( grifo nosso) com a data’. Temos nós todos
envolvidos na história, há o reconhecimento de todos nós como sujeitos, mas sob a lógica da afirmação do que a data
representa e sendo que isso é o que se considera sinônimo do papel do ensino de história em nossa formação. Tam-

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bém temos impressões que articulam a ideia de história noção como sinônimo de passado: ‘para lembrar a formação
das datas e sua importância atual’ ou ‘contato com a cultura do século passado e os processos históricos que deram na
formação da sociedade atual’. Impressiona a ausência completa da noção de conflito, de contradição como elemento
que explica os movimentos da história. Isso aparece mesmo considerando-se a ideia de que não deve ser realizada de
maneira mecanicista; ‘não se deve trabalhar sem pressão para decorar’.
Em se tratando da abordagem da questão local, a comemoração também aparece como reforço educati-
vo na formação do sujeito que deve ser patriota tanto em relação à nação quanto em relação à região: ‘ajuda conhecer
sua região, seu lugar’, ‘importante para conhecer a história da região e da nação para sua formação histórica e cultural’.
O terceiro e último eixo interpretativo é o que, de uma maneira ou outra, nega a necessidade ou perti-
nência tanto das datas históricas quanto da realização de sua comemoração. Esse conjunto se resume a, aproximada-
mente, 3% das respostas. Alguns se referem, quase ironicamente, que o mais interessante é o feriado e nada mais: ‘só
feriado’, ‘agradeço o feriado e dispenso a comemoração’, ‘uma folga a mais’. Há os que associam o feriado à negação
mais elaborada, reconhecendo o caráter hegemônico das obrigações cívico-patrióticas construídas em torno das datas
e sua comemoração: ‘ datas são impostas’, ‘adestramento, dominados comemorando e idolatrando dominantes’. Nesse
campo, há os que aprofundam a argumentação para uma intervenção com elementos de discussão teórica e sobre
as condutas religiosas em uma escola inserida no estado laico: ‘reafirmação do método positivo: datas, fato e herói’,
‘contra datas religiosas na escola sendo o estado laico’.
As impressões percebidas na análise dos dados nos apresentam uma leitura do papel das datas históricas e suas
comemorações por parte dos professores em formação, onde, mesmo considerando-se o acesso dos sujeitos a uma
formação crítica na área de Ciências Humanas, reafirma-se, hegemonicamente, uma noção moral do papel dos heróis
e das datas históricas na formação de seus futuros alunos e de si mesmos. Temos, até aqui, que as formas hegemônicas
de interpretação da história não estão limitadas ao universo escolar, embora se reconheça o papel central e articula-
dor da escola nessa tarefa.

Referências

KALLÁS, Ana Lima. Usos públicos da história: origens do debate e desdobramentos no ensino de história. Revista História
Hoje, v.6, n.12, p.130-157, dez/2017, EDUSP, SP.
LE GOFF, Jaques. História e Memória. Ed.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL:
AS PRIMEIRAS INICIATIVAS

Fernanda Welter Adams - IFG/Campus Morrinhos


Raquel Martins de Oliveira- IFG/Campus Morrinhos
Dulcéria Tartuci - UFG/Regional Catalão

Resumo: A formação e a qualificação dos professores se constitui essencial para a inserção dos temas da diver-
sidade e diferença, uma vez que a escola deixa de ser homogênea. Dentro dessa heterogeneidade, destacamos a educa-
ção especial que é definida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, lei nº 9394 de 20 de dezembro
de 1996 (BRASIL, 1996), como a “modalidade de Educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
para educandos portadores de necessidades especiais”, ou seja, temos a garantia legal do acesso e permanência dos alunos com de-
ficiência na escola pública, sendo o professor um dos sujeitos responsáveis por assegurar este direito dos alunos, através do seu de-
senvolvimento. Desse modo, questiona-se: sendo a educação especial uma garantia legal e o professor um dos agentes
responsáveis pela garantia da permanência destes sujeitos na escola, como se deu o início dessa discussão nos cursos
de formação de professores? Para tanto, o objetivo deste trabalho é discutir as primeiras iniciativas para a garantia da
educação especial na formação de professores. Análise essa realizada através de legislações que regem a educação es-
pecial e a formação de professores, ou seja, fazendo-se uso da pesquisa documental. No século XIX temos o início ao
acesso à educação para as pessoas com deficiência, nas chamadas classes especiais, necessitando assim que a formação
de professores para este público seja pensada. Durante muito tempo as iniciativas para a formação docente voltada a
educação especial eram isoladas, sendo oferecidas por um e outro Instituto e dentro de suas especialidades, como pelo
Instituto Benjamin Constant, que, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, em 1947 realizou
o primeiro Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos. Em 1951, Ana Rímoli de Faria Doria, dire-
tora do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM), ofereceu em 27 de fevereiro do mesmo ano o primeiro Curso
Normal de Professores para Surdos no Brasil, equivalente ao grau médio, de três anos de duração. Em 1962, iniciou,
na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), as aulas do primeiro Curso de Extensão Universitária, que foi o
marco na formação de recursos humanos para a Educação Especial Mais tarde, em 1974, foi criada a Habilitação em
Deficientes da Audiocomunicação no curso de Pedagogia dessa mesma Universidade. Nos anos de 1977 e 1978, foi
oferecido o Curso de Educação Especial – Licenciatura Curta e, a partir de 1982, o curso foi aprovado pelo então Con-
selho Federal de Educação como Licenciatura Plena. A partir do ano de 1984, os ingressantes passaram a frequentar
o Curso de Educação Especial. Trata-se do primeiro curso de Licenciatura Plena em Educação Especial do Brasil. Foi
no ano de 1972 que o primeiro curso de formação de professores de excepcionais (área de ensino de deficientes men-
tais) do país foi instalado no Estado de São Paulo como habilitação específica do Curso de Pedagogia. Tal iniciativa
foi tomada pela Faculdade Pestalozzi de Ciências, Educação e Tecnologia, no município de Franca (SP). O curso de
Pedagogia oferecia, além das habilitações em Administração Escolar de 1º e 2º Graus, Orientação Educacional de 1º
e 2º Graus e Ensino de Disciplinas e Atividades Práticas do Curso Normal (Magistério), habilitação em “Educação de
Excepcionais Deficientes Mentais” (MAZZOTTA, 1993). Em seguida a habilitação em educação especial se espalhou
por diversos cursos de pedagogia, essa habilitação se concentrava nas áreas da deficiência visual, auditiva, mental e
física (BUENO, 2000). Mazzotta (1992, p. 12) relata que no período que vai de 1972 a 1989, a “formação em nível
superior, através da habilitação específica do curso de Pedagogia, passou a ser mantida por entidades particulares e
públicas, assumindo uma multiplicidade de tendências. Observamos que até esse momento da história a formação na
perspectiva da educação especial acontecia de formação mais aligeirada onde somente mais tarde criou-se os cursos
de licenciatura em educação especial no país. Podemos observar que a educação especial foi e é trabalhada de forma
desarticulada na formação inicial de professores, o que leva o licenciando muitas vezes a não saber como abordar o

748
conteúdo de forma com que o aluno se sinta incluído e desenvolva aprendizado. Dessa forma, problematiza-se isso,
por ser a formação inicial um espaço em que o professor começa a construir sua identidade docente, sendo assim
necessário que ele vivencie todas as experiências de forma que saia da Universidade preparado para lidar com a hete-
rogeneidade dos alunos. Por meio da discussão das primeiras iniciativas para uma formação voltada para a educação
especial, observa-se também que há pouca preocupação com a formação continuada dos professores que já atuam
com os alunos com deficiência.
Palavras-chaves: Iniciativas. Educação Especial. Formação de Professores.

INTRODUÇÃO

A Educação se mostra como um mecanismo de transmissão do conhecimento historicamente construído. E


muito tem se discutido sobre ela como um direito fundamental, que precisa ser garantido a todos e todas sem qual-
quer distinção, e de modo a promover a cidadania, a igualdade de direitos e o respeito à diversidade sociocultural,
étnico-racial, etária e geracional, de gênero e orientação afetivo-sexual e às pessoas com deficiências. A formação e a
qualificação de professores se constitui essencial para a inserção dos temas da diversidade e diferença. Contudo, mui-
tos conceitos e discussões têm sido formulados, sendo assim, se faz necessário situar o leitor a opção teórica adotada
nesta pesquisa.
Optamos por falar de educação especial, conforme é definida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal - LDBEN, lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), como a “modalidade de Educação escolar, ofere-
cida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. Apesar de a LDBEN
apresentar o termo portador de necessidades especiais, optamos por fazer uso do termo alunos público alvo da educação
especial1 que se refere aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento altas habilidades e/ou
superdotação, conforme definido na “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”
de 2008 (BRASIL, 2008).
De acordo com principais documentos legais, relacionados aos direitos das pessoas com deficiência, tais como
a LDBEN (BRASIL, 1996) e a Declaração de Salamanca (1994), a educação especial deve ser oferecida preferencial-
mente na rede regular de ensino, ou seja, a lei assegura o acesso e a permanência da pessoa com deficiência em todos
os níveis e etapas da educação. De acordo com a Constituição do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) Art. 205 “A educa-
ção, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.
A Declaração de Salamanca (1994) afirma ainda que as crianças com “necessidades educacionais especiais” devem ter
acesso à escola regular, que deve acomodá-las dentro de uma pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais
necessidades.
Apesar da matrícula de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e/
ou superdotação ser uma realidade nas escolas brasileiras, os professores se julgam despreparados para lidar com es-
pecificidades e potencialidades destes alunos de forma a garantir que a construção de conhecimento significativo aos
mesmos. Assim, esse segmento permanece ainda segregadas dentro de salas de aula regular. Portanto, acredita-se que
um dos principais agentes na inclusão desses alunos são os professores. Diversos pesquisadores como Chacon (2001),
Garcia R. (2009), Mendes (2011), Pletsch (2009) e Tartuci (2001) observam que a precária qualificação dos profissio-
nais da educação para lidar com a educação especial tem representado uma barreira para o acesso e permanência com
sucesso na escola. Dessa forma, acredita-se que não é garantida aos professores uma formação inicial voltada para
atendimento dos alunos público alvo da educação especial.
O professor é um dos responsáveis por criar condições, principalmente permanência, para o aluno público alvo
da educação especial no ensino regular. Para tanto, é necessário que os cursos de formação de professores promovam
a articulação dos conhecimentos, fundamentos e práticas que preparem o futuro professor para lidar com a hetero-
geneidade da sala de aula regular. Porém, quando o assunto é educação especial, o que se observa é a formação de

1 Destacamos que optamos por utilizar o termo alunos público alvo da educação especial, todavia manteremos os termos utilizados por
autores, legislações e declarações. Neste caso, portadores de necessidades especiais, conforme apontada na LDBEN (BRASIL, 1996).

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profissionais despreparados e aflitos por chegarem em seu ambiente de trabalho e não terem noção de como abordar
os conhecimentos científicos de forma a contribuir para o processo de ensino e aprendizagem desses alunos. Isso,
de fato, ocorre, pois a educação especial foi e é trabalhada de forma desarticulada em sua formação inicial, levando
o licenciando muitas vezes a não saber como abordar o conteúdo de forma com que o aluno se sinta incluído. Isso
deve-se a desconsideração de tal público pelas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores.
Desse modo, questiona-se: sendo a educação especial uma garantia legal e o professor um dos agentes res-
ponsáveis pela garantia da permanência destes sujeitos na escola, como se deu o início dessa discussão nos cursos de
formação de professores? O objetivo deste trabalho é, portanto, é discutir as primeiras iniciativas para a garantia da
educação especial na formação de professores. Para tanto, fez-se uso da pesquisa documental a partir das legislações
que regem a educação especial e a formação de professores.

PRIMEIRAS INICIATIVAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DENTRO DA PERSPECTIVA


DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Mendes (2006) afirma que a história da educação especial começou a ser traçada no século XVI, com médicos
e pedagogos que, desafiando os conceitos vigentes na época, acreditaram nas possibilidades de indivíduos até então
considerados ineducáveis, esta era uma fase de segregação. Silva (2010) acrescenta que até então as pessoas eram
educadas de forma excludente e negligente, sendo que a instrução era realizada em anexos de hospitais psiquiátricos
ou então em casas de saúde. No século XIX temos o início ao acesso à educação para as pessoas com deficiência, nas
chamadas classes especiais, necessitando assim que a formação de professores para este público seja pensada.
Segundo Jannuzzi (2001), em 1883 ocorreu o I Congresso de Instrução Pública. Dentre os temas do congresso,
constavam sugestões de currículo de formação de professores para cegos e surdos. A autora ainda destaca que a edu-
cação do público alvo da educação especial ainda não era percebida pelo governo da época como uma ação da educa-
ção. Então, esse Congresso ficou fadado ao esquecimento, pois não havia a preocupação com a educação de todos e
as discussões tomaram um rumo mais para a área médica. Portanto, registra-se na educação dessas pessoas uma forte
influência da medicina, o que pode ser percebido inclusive nos agentes responsáveis pelas discussões que ocorreram
no Congresso e mesmo na criação de instituições escolares ligadas a hospitais psiquiátricos, e que congregavam crian-
ças bem comprometidas (JANNUZZI, 2001).
O Instituto Benjamin Constant, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, em 1947 rea-
lizou o primeiro Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos. No período de 1951 a 1973, passou a
realizar tal curso de formação de professores em convênio com o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep)
(MAZZOTTA, 1992). Pode-se observar que as iniciativas para a formação docente voltada a educação especial eram
isoladas, sendo oferecidas por um e outro Instituto e dentro de suas especialidades, como também pode ser observa-
do no Curso Intensivo de Especialização de Professores que organizado pela Sociedade Pestalozzi de São Paulo que
focalizava o ensino dos deficientes mentais que até o ano de 1959 foi realizado anualmente (MAZZOTTA, 1992).
Em 1954 na segunda gestão de Getúlio Vargas na presidência, em discurso de abertura da sessão legislativa, ele
evocou o “direito de voto ao indivíduo cedo, como grande passo para a recuperação social” e a abertura de cursos para
professor especializado de surdos-mudos2, considerando-se o grande número de deficientes sensoriais existentes,
100.000 cegos e 50.000 surdos-mudos (JANNUZZI, 2001). Vemos neste momento da história da pessoa com defici-
ência no Brasil, uma iniciativa tanto política quando de formação docente voltado para o público alvo da educação
especial, o direito ao voto para os cegos e a formação de um professor especializado para os surdos. Isso ocorre devido
ao alto número de pessoas com deficiência e a visão de que eles têm importância na participação histórica e cultural
da sociedade.

2 A expressão surdo-mudo não é mais utilizada. Assim, utilizaremos o termo surdo, assim manteremos o uso do primeiro somente em
citações. Veja discussões a respeito da surdez e da pessoa surda em: Lacerda (1998), Lane (1992), Lopes (2004), Moura (1997), Sacks (1990),
Souza (1998), Strobel (2009), entre outros.

750
Apesar das diversas iniciativas de formação de professores para o atendimento dos alunos público alvo da edu-
cação especial, foi Helena Wladimirna Antipoff uma das educadoras que mais fortemente influenciou esta formação,
sendo uma pioneira na formação voltada para o atendimento do público alvo da educação especial nos anos 1930. Ela
defendia a ideia de que o educador tinha que ter formação científica sólida para efetivar seu trabalho e exigia criativi-
dade, reflexão e método para pensar a educação (ROCHA, 2017).
Como um dos grandes marcos do trabalho de Helena Antipoff com os alunos público alvo da educação espe-
cial no Brasil, pode-se destacar a criação da Sociedade Pestalozzi, instituição que se preocupava com atendimento
e também com a formação de professores nessa área. Em 1932, a educadora, criou a Sociedade Pestalozzi de Belo
Horizonte, em 1945, a Sociedade Pestalozzi do Brasil, em 1948, a Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro e, em 1952,
a de São Paulo. Ela defendia a formação científica e o trabalho prático e se preocupava com as crianças que careciam
de atendimentos educativos especiais e acreditava que a escola especial não deveria romper os vínculos com a escola
regular, em uma perspectiva semelhante ao que atualmente se denomina educação inclusiva (CAMPOS, 2012). A
partir dessa preocupação com os atendimentos educativos, a educadora também pensou na formação de professores
para realizar esse atendimento, a qual seria oferecida na Sociedade Pestalozzi, com a realização de mais de 30 cursos
na área da educação especial.
Helena Antipoff atuou ainda no Departamento Nacional da Criança, o que permitiu a realização dos primeiros
seminários sobre a infância excepcional, que ocorreram em 1951, 1952, 1953, 1955 e se constituíram em importante
meio de discussão sobre as questões relacionadas à educação dos “excepcionais”. O objetivo dos seminários foi a cons-
tituição de um atendimento mais sistematizado para as crianças “excepcionais”, sob bases científicas comuns, partin-
do das ações realizadas pela Sociedade Pestalozzi do Brasil, buscando homogeneizar as ações e viabilizar a fundação de
instituições especializadas em outras localidades, expandindo o atendimento para atender a uma demanda declarada-
mente negligenciada pelos poderes públicos (RAFANTE, 2013). Os seminários sobre a infância excepcional também
se constituem como espaços de formação por pensarem no atendimento dos alunos público alvo da educação especial.
Portanto, são essas as contribuições desta educação para a formação de professores voltada para a educação especial.
Ainda sobre as primeiras iniciativas para a formação de professores na perspectiva da educação especial em
1951, Ana Rímoli de Faria Doria, diretora do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM), ofereceu em 27 de fe-
vereiro o primeiro Curso Normal de Professores para Surdos no Brasil, equivalente ao grau médio, de três anos de
duração (SOARES, 1999). Observa-se que em 1951 havia uma preocupação com a formação de professores para os
alunos surdos, de forma a atenderem as especificidades desse alunado, pois ele apresenta um potencial que deveria ser
trabalhado através da educação especializada.
Nota-se uma ampliação da preocupação com a inclusão do público alvo da educação especial na escola comum
e consequentemente com a formação de professores que vai 1951 a 1973, condição, segundo Mendes (2006), pro-
piciada devido à grande crise do petróleo de 1970, quando o primeiro corte feito foi na educação. A eliminação do
investimento destinado a escolas especiais gerou possibilidades de criação de uma escola inclusiva. Ela ressalta que
um fator crucial de influência na mudança na filosofia de serviços da década de 1960 e 1970 foi o custo elevado dos
programas de segregação, no contexto da crise mundial do petróleo. Até então, apenas os países considerados desen-
volvidos haviam criado um sistema educacional paralelo para os alunos com deficiência. A partir da década de 1960,
passou a ser também conveniente adotar a ideologia de integração pela economia que elas representariam para os
cofres públicos. Associadas às questões econômicas Mendes (2006, p. 388-389) afirma que:

O contexto histórico da década de 1960 apontava um avanço cientifico representado tanto pela comprovação das
potencialidades educacionais dos portadores de deficiência quanto pelo criticismo científico direcionado aos ser-
viços educacionais existentes. Paralelamente, ocorria a explosão da demanda por ensino especial ocasionada pela
incorporação da clientela que, cada vez mais, passou a ser excluído das escolas comuns, fazendo crescer o mercado
de empregos profissionais especializados e a consolidação da área, o que também ajudou na organização política de
grupos que passaram a demandar por mudanças. Isso tudo, associado ao custo alarmante dos programas paralelos
especializados que implicavam segregação, num contexto de crise econômica mundial, permitiu aglutinação de
interesses de políticos, prestadores de serviços, pesquisadores, pais e portadores de deficiência em direção à inte-
gração dos portadores de deficiência nos serviços regulares da comunidade.

751
Buscamos trazer um histórico nacional da formação de professores na perspectiva da educação especial, mas as
questões políticas estão imbricadas nesse processo, e essas questões sofrem influência internacionais diretas. Os cor-
tes referentes à crise do petróleo começam na Inglaterra e nos Estados Unidos e chegam ao Brasil. Quando um país
sofre com questões econômicas, os cortes se iniciam em educação e consequentemente na formação dos professores,
sujeitos estes que, se tiverem uma formação de qualidade, têm base para instrumentalizar a sociedade. Por outro lado,
quanto mais desarticulada uma sociedade estiver, mais interessante para o modo de produção isso se torna, modo de
produção este que nos mantém reféns. Por isso a educação ocupa o lugar da desvalorização: todas as resoluções dos
problemas sociais vão parar nas mãos dos professores, os quais não possuem formação inicial que forneçam subsídios
em geral para lidar com todas as situações vivenciadas na escola.
No ano de 1973 foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp), órgão responsável por gerenciar a
educação especial no Brasil, e junto com ele um Projeto Prioritário que tinha o intuito de promover a expansão e me-
lhoria qualitativa da educação especial. Para tanto, algumas metas foram criadas a fim de atingir o objetivo referente
a essas metas, as quais podemos destacar a 3, referente à formação de professores para as universidades, a qual previa
o preparo de 24 docentes mediantes bolsas de estudo no exterior, sendo 4 de doutorado e 20 de mestrado; a meta 5,
especialização, aperfeiçoamento e atualização de pessoal docente que atuava na área de educação especial.
Nessa formação do pessoal docente, foram privilegiadas as instituições privadas ao destinar 60%3 dos recur-
sos para a capacitação de pessoal docente e os restantes 40% para pessoal das Secretarias Estaduais de Educação e
do Cenesp; a meta 7, que faz referência a atualização de professores de classe comum; ou seja, para esta meta estava
prevista a realização de cursos, com duração mínima de 30 hora-aula, voltadas para noções gerais sobre a educação
especial e destinado a professores de classe comum de 1ª a 4ª séries do ensino de 1º grau (atual anos iniciais do ensino
fundamental). Observa-se, nesse momento, que estas metas vinculam-se à iniciativa de formação continuada para a
educação especial e, ao mesmo tempo, à formação de pesquisadores com a finalidade de formar docentes do ensino
superior para expansão da formação de professores e de pesquisa no ensino superior (ROCHA, 2017).
O Cenesp, conforme afirma Mazzotta (1992), denota uma preferência pela formação de técnicos, em detrimen-
to da formação de docentes especializados. Nesse sentido, pode estar aí implícita uma abordagem do atendimento aos
alunos público alvo da educação especial que, mais do que a educação escolar, privilegia a assistência e/ou a reabilita-
ção, na qual é primária a importância do técnico e secundária a do docente.
Em 1981 o Cenesp, foi transformado em Secretaria de Educação Especial (Sespe), pelo Decreto 93.613 como
órgão central de direção superior do Ministério da Educação, que manteve basicamente a mesma estrutura e com-
petência do Cenesp. A Secretaria de Educação Especial (Sespe) foi extinta no governo de Fernando Collor de Melo
(1990-1992). Em 15 de março de 1990 as atribuições relativas à educação especial passam a ser de responsabilidade da
Secretaria Nacional de Educação Básica (Seneb) e em 8 e novembro do mesmo ano é incluído a este órgão o Departa-
mento de Educação Supletiva e Especial (Dese). No final de 1991, a Coordenação de Educação Especial foi desativada
e toda a atribuição especifica da Educação Especial passaram a ser exercidas pela diretoria da Dese. Em 1992 no gover-
no Itamar Franco (1992-1994), a Secretaria de Educação Especial sob a sigla Seesp é retomada buscando desenvolver
programas, projetos e ações a fim de implementar no país a Política Nacional de Educação Especial. Em 1993 lança
a Proposta de Inclusão de Itens ou Disciplinas acerca dos Portadores de Necessidades Especiais nos Currículos dos
Cursos de 2º e 3º Graus, que tem a finalidade de oferecer subsídios à ação do Conselho Federal de Educação para a re-
visão dos currículos dos cursos de formação de educadores e outros profissionais que atuam com pessoas portadoras
de deficiências (MAZZOTTA, 1992).
Atualmente o órgão responsável pela Educação Especial é a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi). As ações, projetos e programas da Secadi são destinados à formação de gestores e
educadores, à produção e distribuição de materiais didáticos e pedagógicos, à disponibilização de recursos tecnológi-
cos e à melhoria da infraestrutura das escolas, buscando incidir sobre fatores que promovam o pleno acesso à escola-
rização e à participação de todos os estudantes, com redução das desigualdades educacionais, com equidade e respeito

3 Nesse momento os alunos público alvo da educação especial eram atendidos em escolas privadas e especializadas, de cunho assistencial e
em regime de segregação.

752
às diferenças. Estes são órgãos que pensam a educação especial e consequentemente a formação de professores através
de cursos de formação continuada, aperfeiçoamento presenciais e a distância.
Destacamos como um grande passo para as iniciativas de formação docente voltada para a educação especial, os
cursos em nível superior voltado para a temática. Em 1962, iniciou, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
as aulas do primeiro Curso de Extensão Universitária, que foi o marco na formação de recursos humanos para a Edu-
cação Especial (MAZZOTTA, 1992). Na sequência dessa primeira iniciativa, outras foram implementadas, a saber: em
1973, no Colégio Universitário da Universidade Mackenzie de São Paulo, a habilitação em “Magistério de Deficientes
Mentais”; na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a habilitação em “Educação de Deficientes da
Áudio-comunicação” e, nas “Faculdades Metropolitanas Unidas”, a habilitação em “Deficientes da Áudio-Comunica-
ção”; em 1975, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), a habilitação em “Magistério para
Deficientes Mentais”; em 1976, na Faculdade Auxiliam de Filosofia, Ciências e Letras de Lins, a habilitação em “Ma-
gistério para Deficientes Mentais” e, na Universidade de Mogi das Cruzes, a habilitação em “Educação de Deficientes
da Áudio-Comunicação”. Todas essas habilitações foram implantadas no curso de Pedagogia (MAZZOTTA, 1992).
Mais tarde, em 1974, foi criada a Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação no curso de Pedagogia des-
sa mesma Universidade. Nos anos de 1977 e 1978, foi oferecido o Curso de Educação Especial – Licenciatura Curta
e, a partir de 1982, o curso foi aprovado pelo então Conselho Federal de Educação como Licenciatura Plena. A partir
do ano de 1984, os ingressantes passaram a frequentar o Curso de Educação Especial. Trata-se do primeiro curso de
Licenciatura Plena em Educação Especial do Brasil (DEIMLING, 2013).
Foi no ano de 1972 que o primeiro curso de formação de professores de excepcionais (área de ensino de defi-
cientes mentais) do país foi instalado no Estado de São Paulo como habilitação específica do Curso de Pedagogia. Tal
iniciativa foi tomada pela Faculdade Pestalozzi de Ciências, Educação e Tecnologia, no município de Franca (SP).
O curso de Pedagogia oferecia, além das habilitações em Administração Escolar de 1º e 2º Graus, Orientação Edu-
cacional de 1º e 2º Graus e Ensino de Disciplinas e Atividades Práticas do Curso Normal (Magistério), habilitação
em “Educação de Excepcionais Deficientes Mentais” (MAZZOTTA, 1993). Em seguida a habilitação em educação
especial se espalhou por diversos cursos de pedagogia. Tal habilitação se concentrava nas áreas da deficiência visual,
auditiva, mental e física (BUENO, 2000). Mazzotta (1992, p. 12) relata que no período que vai de 1972 a 1989, a “for-
mação em nível superior, através da habilitação específica do curso de Pedagogia, passou a ser mantida por entidades
particulares e públicas, assumindo uma multiplicidade de tendências”.
Enumo (1985) afirma que para o período de 1973 a 1976 ficou estabelecida como prioridade promover a for-
mação, aperfeiçoamento e atualização, de pessoal técnico e docente no país. Essa formação estava regulamentada pela
Lei n° 5540/68 e pela Lei n°5692/71, uma vez que também a Deliberação CFE n° 15/71 determinava que somente o
profissional formado em Pedagogia, com Habilitação específica em Educação de Excepcionais, poderia atuar nessa
área. Apenas em 1977 foi criada a primeira habilitação específica em Educação Especial em uma Universidade Pública
do Estado de São Paulo, ou seja, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Ma-
rília. Tal habilitação foi denominada de “Habilitação para o Ensino de Retardados Mentais e Deficientes Visuais”. Em
1986, nesta mesma universidade, porém no Campus de Araraquara, foi instalada a “Habilitação de Educação Especial:
Ensino de Deficientes Mentais” (PEDROSO, 2016).
O autor afirma ainda que, no que tange às três Universidades Públicas Paulistas, a implantação da área da Edu-
cação Especial como habilitação no curso de Pedagogia concretizou-se na UNESP (Campus de Marília), em 1977; na
Universidade de São Paulo (USP), em 1983, com a instalação das habilitações em “Educação de Deficientes Mentais”
e “Educação de Deficientes Visuais”, no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação; e na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), em 1988, com a habilitação em “Educação de Deficientes Mentais”, também no curso de Pe-
dagogia. A área da Educação Especial do curso de Pedagogia na Universidade Estadual Paulista (UNESP), nos campi
de Marília e de Araraquara, desde a sua implantação, foi-se consolidando até se configurarem em polos de referência
na formação de professores para a Educação Especial, na formação de massa crítica em nível de pós-graduação e na
produção de conhecimento para a área da Educação Especial. Essa estrutura das habilitações na área da Educação
Especial, oferecidas nos cursos de Pedagogia, permaneceu nas faculdades de Marília e Araraquara até 2008 e 2007,
respectivamente (PEDROSO, 2016).

753
De acordo com Godotti (2001), a formação em nível médio em todo Brasil foi elevada ao nível superior no final
dos anos 1960 e início dos anos 1970, conforme estabelece o Parecer CFE 295/69, que tinha por princípio a maior
especialização exigida para essa modalidade de educação escolar. O artigo 5º da Resolução CFE nº 2/69, no entanto,
abre a possibilidade de se organizarem habilitações específicas no curso de Pedagogia relacionadas à parte comum, à
parte diversificada e às outras matérias e atividades pedagógicas incluídas nos planos das Instituições de Ensino Supe-
rior. Quanto a esse último item, a Resolução não faz nenhuma especificação, porém, o Parecer nº 252/69 cita como
exemplo várias disciplinas, dentre elas, a “educação de excepcionais” (SAVIANI, 2012).
Observamos que até esse momento da história a formação na perspectiva da educação especial acontecia de for-
mação mais aligeirada. Para Saviani (2007), é imprescindível que uma boa formação ocorra em cursos de formação de
longa duração no interior de instituições organizadas como universidades. Ao abordar o contexto atual da formação
de professores em educação especial, Saviani (2009, p. 153) expõe que:

[...] será necessário instituir um espaço específico para cuidar da formação de professores para essa modalidade
de ensino. Do contrário essa área continuará desguarnecida e de nada adiantarão as reiteradas proclamações refe-
rentes às virtudes da educação inclusiva que povoam os documentos oficiais e boa parte da literatura educacional
nos dias de hoje.

Na visão do autor supracitado, os cursos de licenciatura em educação especial mostram-se como a proposta
que melhor condiz com a formação de professores especializados para atuação na educação especial (OLIVEIRA E
MENDES, 2017). As autoras acreditam ainda que o número de instituições de ensino superior que oferecem o cur-
so de educação especial tenha se expandindo nos últimos anos, ao se considerar as dimensões do país, o número de
cursos existentes está distante de suprir a demanda por profissionais especializados. Nesse sentido, torna-se evidente
que a política de formação de professores de educação especial adotada pelo governo não tem priorizado a formação
inicial de professores especialistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliamos que a história da educação especial no Brasil é marcada pela exclusão, normalização, visão assisten-
cial e integração, mas que houve a promulgação de políticas governamentais para a garantia da presença do aluno
com deficiência na sala regular de ensino, mas que a discussão da formação de professores nessa perspectiva ainda
precisa de uma garantia de obrigatoriedade nos cursos de licenciatura.
Podemos observar que a educação especial foi e é trabalhada de forma desarticulada na formação inicial de
professores, o que leva o licenciando muitas vezes a não saber como abordar o conteúdo de forma com que o aluno
se sinta incluído e desenvolva aprendizado. Dessa forma, problematiza-se isso, por ser a formação inicial um espaço
em que o professor começa a construir sua identidade docente, sendo assim necessário que ele vivencie todas as ex-
periências, de forma que saia da Universidade preparado para lidar com a heterogeneidade dos alunos. Por meio da
discussão das primeiras iniciativas para uma formação voltada para a educação especial, observa-se também que há
pouca preocupação com a formação continuada dos professores que já atuam com os alunos com deficiência.

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754
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755
FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE EM AREÁS DE COLONIZAÇÃO
RECENTE NO SUL DE MATO GROSSO (1948 – 1977): HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS

Lucélia da Silva Cavalcanti - UFGD1


Alessandra Cristina Furtado - UFGD2

RESUMO: O artigo propõe analisar a formação e o trabalho docente desenvolvido por professores que atuaram
em escolas rurais de áreas de colonização recente no Sul de Mato Grosso, localizados nos municípios de Dourados e
Fátima do Sul, no período de 1948 a 1977. A pesquisa apresenta a trajetória profissional, focalizando na formação e
no trabalho docente de dois professores que atuaram em escolas rurais durante esse período, sendo eles: o professor
Lourival Barbosa, e a professora Ivanilde Santos. O recorte temporal inicial, 1948, justifica-se por sinalizar o ano de
instalação da Colônia Nacional Agrícola de Dourados. E, o ano de 1977, por marcar um período de término do Curso
de Magistério de Férias para professores leigos da localidade. O presente trabalho baseia-se na pesquisa documental
e em referencias provenientes da história cultural, da história da educação, da história da educação rural, da história
da formação e da profissão docente, entre outros. A partir da análise dos arquivos pessoais dos professores, como:
cadernos, fotografias, entre outros, é possível concluir que esses professores trabalharam na condição de professores
leigos, e mesmo diante das dificuldades presentes no cotidiano, eles exerceram um papel importante no processo de
escolarização das crianças.
Palavras-chave: Professores. Trabalho Docente. Escolas Rurais. Sul de Mato Grosso.

INTRODUÇÃO

O presente artigo faz parte das pesquisas que buscam analisar a formação e o trabalho docente em áreas de colo-
nização recente no Sul de Mato Grosso, mais precisamente no município de Dourados e Fátima do Sul. Possui como
objeto apresentar questões acerca da trajetória profissional de professores que atuaram no ensino rural primário no
período de 1948 a 1977, a saber, o professor : Lourival Barbosa que atuou na escola Rural Mista Potrerito no distrito
de Indápolis; e a professora Ivanilde Santos que iniciou sua carreira atuando nos sítios de seus familiares e em áreas
próximas do núcleo Colonial de Dourados.
Nesse sentido, focaliza-se nas particularidades que envolve a formação de professores, as práticas docentes e a
escola rural dentro do recorte temporal apresentado. A delimitação temporal inicial justifica-se por sinalizar o ano de
1948, como um marco da instalação da Colônia Agrícola de Dourados, especificamente devido ao projeto de Getúlio
Vargas da Marcha para o Oeste. Já o ano de 1977, sinaliza um período de mudanças na escola, sobretudo, por marcar
o término de um Curso de Habilitação Específica para o Magistério, ou seja, um curso intensivo de férias que quali-
ficou docentes leigos para atuarem de 1 ª a 4 ª séries do ensino de 1º grau.
Partindo desses pressupostos, apresenta-se nesse artigo, resultados iniciais das entrevistas realizadas com dois
professores, visto que, a pesquisa encontra-se no estágio inicial de desenvolvimento. Neste estudo, os documentos
selecionados como fontes de pesquisa, foram os arquivos pessoais dos professores, como: cadernos, fotografias, entre
outros. E, como fontes orais, o uso das entrevistas.

1 Mestranda do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD (2019). Membro do grupo de
pesquisa GEPHEMES (Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação, Memória e Sociedade), desde 2018. lu.cavalcanti@outlook.com
2 Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2007). Atualmente é professora da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Grande Dourados. Possui experiência docente de 13 anos no ensino superior. Líder do GEPHEMES
(Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação, Memória e Sociedade), desde 2010. alessandra_furtad@yahoo.com.br

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Apoiando-se nas contribuições da Nova História Cultural, enfatiza-se sua importância para a história da educa-
ção brasileira, certos de que, a História Cultural nos permite um olhar mais abrangente em relação as fontes, e novas
maneiras de observar e escrever a história. De acordo com Chartier (1990 p. 14), a Nova História Cultural surgiu da
“[...] emergência de novos objetos no seio das questões históricas, como as formas de sociabilidade, as modalidades de
funcionamento escolar, entre outros”.
Nesse sentido, as pesquisas de temáticas ligadas a educação rural, ainda se encontram bastante recente no
campo da História da Educação brasileira. Como evidencia Bastos (2010 p. 7), os estudos sobre “a educação rural e a
formação de professores permite preencher uma lacuna historiográfica da História da Educação na América Latina
e, especialmente, no Brasil”.
Para tanto, o texto foi estruturado em duas seções, para melhor apresentação das análises: a primeira versa
sobre o ensino primário em áreas de colonização recente no Sul de Mato Grosso, enfatizando a formação, trabalho
docente e as escolas rurais, e, a segunda, aborda a história e as memórias dos professores entrevistados dentro do
recorte temporal selecionado .

O PROCESSO DE COLONIZAÇÃO NO SUL DE MATO GROSSO E A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES DE ESCOLAS RURAIS PRIMÁRIAS

A Marcha para o Oeste ficou conhecida como a frente de povoamento que fomentou a ocupação das fronteiras
no Sul de Mato Grosso. O então presidente Getúlio Vargas, em 1946 , utilizou o bordão Marcha para o Oeste, para
representar seu projeto político de ocupar e povoar os espaços tidos por ele como espaços não habitados, naciona-
lizando as fronteiras do antigo Sul de Mato Grosso com a Bolívia e também com o Paraguai, na qual , o processo de
colonização se deu por meio de trabalhadores rurais.
O projeto de colonização criado em seu governo, se constituía, com a criação da Colônia Nacional de Dourados
– CAND, criada em 1943 pelo decreto de lei nº 5.941, de 28 de outubro, localizada no Sul de Mato Grosso. Conforme
Ponciano (2006), foi somente em 20 de julho do ano de 1948, que aconteceu sua verdadeira implantação, quando o
governo federal, por meio do decreto de lei nº 87, decretou seus limites, com a reserva de uma área não inferior a
300. 000 hectares.
Nesse período, a Colônia Agrícola de Dourados integrava em sua área os atuais municípios: Dourados, Fátima
do Sul, Vicentina, Glória de Dourados, Jateí, Douradina e Deodápolis. Nesse contexto, muitas famílias se deslocaram
para a colônia para ocupar esses espaços, atraídas pelas promessas de benfeitorias e de doações dessas terras emitidas
pelo governo Vargas, em comunicados oficiais ou por meio de informações entre amigos e familiares que tomavam
conhecimento e ligeiramente procuravam comunicar os demais membros da família.
Período em que vieram migrantes de várias regiões, especialmente do Nordeste, sobretudo, vieram imigran-
tes de países da Europa, América Latina, Ásia e Japão. Para a distribuição dos lotes, a CAND, estabeleceu algumas
normas, como: os lotes deveriam ser doados para a população brasileira, que fossem maiores de dezoito anos, que se
mostrassem desfavorecidos, e que , se comprometessem a residir nos lotes rurais, ainda, os lotes não poderiam ser
vendidos e/ou transferidos antes da definição da posse ser concretizada.
O processo de inserção da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, não só propiciou a expansão demográfica
como também contribuiu com as mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais, aumentando o desenvolvimen-
to urbano do munícipio de Dourados.
Anterior ao processo de colonização, a educação, caminhava vagarosamente no munícipio de Dourados. No
começo da colonização, esta responsabilidade era delegada a família, e posteriormente, ao poder público como em
grande parte do país, assim, a educação ocorria somente nas fazendas da região ou em casas de alunos ou até mesmo
na casa dos próprios professores. Segundo Fernandes e Leite (2003), no início da colonização, a educação acontecia
na casa da família e as crianças eram alfabetizadas pelos próprios familiares, se muito, por algum professor itinerante
que se deslocava até essa região disposto a exercer essa atividade.

757
Devido ao progresso motivado pela colonização no espaço urbano de Dourados, muitas transformações e mu-
danças significativas ocorreram na área da educação. A criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, estimulou
o processo de oferta de instrução e atuação federal em toda região, no sentido de construção de escolas, inclusive de
escolas rurais primárias.
Nesse caminhar, Gressler e Swensson, (1998, p. 100), destacam que, em 1946, o Decreto Municipal nº 70 esta-
belecia o regulamento da Colônia Agrícola Municipal de Dourados e, no seu art. 22, determinava a oferta de “instru-
ção primária” gratuita para os filhos de colonos, com frequência obrigatória. Além disso, o artigo 38 estabelecia multa
de Cr$ 100,00 para pais de menores não frequentes e “comparecimento intermédio da autoridade policial”.
A educação em Dourados foi marcada primeiramente pela iniciativa privada de ensino, foi somente em 1940,
que a oferta do ensino público primário ganhou espaço na educação. Vale lembrar que, entre o final dos anos de 1940
e 1950 , foram criadas escolas importantes no município, como é o caso do Grupo Escolar “Joaquim Murtinho”, a
Escola Paroquial “ Patronato de Menores”, as primeiras escolas de ensino secundário, o Colégio “ Osvaldo Cruz”, a
Escola “Imaculada Conceição”, da Irmãs Franciscanas e o Colégio Estadual “Presidente Vargas”.
Nesse sentido, o grupo escolar “Joaquim Murtinho”, criado pelo decreto nº 386, de 22 de novembro de 1947,
constitui-se como o primeiro grupo de escola primária de Dourados. Anterior a esse período, o ensino primário era
oferecido apenas na escola Erasmo Braga, nas escolas reunidas e nas escolas isoladas rurais.
No período de 1950, a educação primária era organizada em três modelos: os grupos escolares, as escolas reuni-
das e as escolas isoladas, após o regulamento do decreto nº 759 de 22 de abril de 1927, de instrução pública primária,
a educação primária, passou a ser considerada como escolas isoladas rurais, escolas isoladas urbanas e escolas isoladas
noturna.
Ainda nesse período, podemos observar o crescimento das escolas rurais primárias situadas no município de
Dourados, com um número significativo de escolas que superavam em quantitativo os municípios vizinhos. Esse
crescimento, se explica pelo fato da instalação da CAND, visto que, os responsáveis pela Colônia, se preocupavam
com a educação primária dos filhos dos colonos.
Os professores que se aventuravam a lecionar nas escolas rurais, enfrentavam diversos desafios, pois além da
função de docente, eram responsáveis pela merenda, limpeza e até mesmo, de toda a documentação escolar. Sá Rosa
(1990, p.63), aborda vários depoimentos de professores em sua trajetória educacional, como é o caso da professora
Maria Constança em sua experiência na 1ª escola isolada de Campo Grande, na qual exercia distintas funções na es-
cola: “Ali funcionei como diretora, secretária, professora. Passei 4 anos nessa luta”.
Compreende-se ainda, que a escola rural possuía um currículo diferente dos currículos da área urbana, pois o
ensino oferecido era rudimentar, e outro aspecto importante, estava centrado no provimento dos professores para
escolas primárias. Alves (1998), destaca que segundo o Regulamento, o ingresso dos professores seriam mediante a
concurso, porém, havia apenas duas escolas existentes de curso Normal em Mato Grosso, uma localizada em Cuiabá
e outra em Campo Grande.
A distância e os problemas de densidade demográfica, dificultava no provimento de docentes para todas as
escolas, assim, os poucos professores habilitados não era o bastante para atender toda procura educacional. Em rela-
ção aos professores habilitados, a grande maioria preenchia o quadro das escolas urbanas, sendo designados para as
escolas rurais, apenas professores em seu início de carreira, e na maioria das vezes professores leigos, que possuíam
apenas o ensino primário completo.
Nesse contexto, no ano de 1950 em Mato Grosso, passou- se a ofertar então, cursos de aperfeiçoamento para
os professores, com intuito de diminuir os problemas de falta de habilitação. Assim, os professores das escolas do
meio rural, eram convocados no período de férias para realizarem o curso, para que desta forma pudessem atuar no
magistério.
A ideia de organizar os cursos de férias, centrava especificamente em minimizar as questões como, de profes-
sores leigos ou semianalfabetos, e, ainda, ampliar e atualizar aqueles que possuíam um diploma, ou seja, que eram ha-
bilitados. Os cursos eram organizados nos meses de julho e continuavam nas férias do final de ano, sendo oferecidos
em Campo Grande, Corumbá, Cuiabá, Cárceres, Aquidauana, Três lagoas, Ponta Porã, Amambaí, Coxim, Dourados,

758
Guiratinga, Poxoréu, Poconé e Rosário – Oeste, em que eram ministrados “[...] ensinamentos de português, aritmé-
tica, geografia, história, higiene etc”. (MENSAGEM, 1952, p. 27).
Considerando que a formação de professores das áreas rurais fosse um problema em toda a região de Mato
Grosso, compreende-se que este se destacava mais no Sul do estado, sinalizando professores leigos atuando especial-
mente em salas de 1º ano.
Essa realidade no município de Dourados, era bem marcante, pois além da falta de professores habilitados para
o exercício da docência, não havia escolas suficientes para atender os alunos em idade escolar. Furtado e Pinto (2013),
enfatizam que, mediante essa realidade, as dificuldades que mais se destacavam eram a insuficiência de escolas para
atender todos os alunos em idade escolar, e principalmente a falta de professores habilitados.
O Sul de Mato Grosso, contava com muitos professores leigos, atuando principalmente no ensino rural primá-
rio. Essa também era a realidade da região de Dourados, pois com suas vilas, distritos, fazendas e sítios, muitos dos
professores que atuavam não possuíam formação, eram considerados professores leigos. Foi nessas circunstâncias
que se passou a oferecer os Cursos de Magistério, em caráter de férias, em Dourados, entre os cursos destaca-se o de
extensão de um Colégio de Rondonópolis /MT, na qual não só oportunizou a participação de muitos professores,
como também contribuiu para a formação dos mesmos.
Diante do exposto, o processo de colonização e o curso de Magistério em caráter de férias, oportunizou não
só a formação de muitos professores, como também, contribuiu para o funcionamento das escolas primárias nessas
áreas, e sobretudo, no contexto rural no Sul de Mato Grosso.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS PROFESSORES DO ENSINO RURAL PRIMÁRIO NO SUL DE


MATO GROSSO

No Sul de Mato Grosso, a instalação da Colônia favoreceu o crescimento da escola primária, uma vez que ela se
propunha a ofertar o ensino primário, tornando-o obrigatório e gratuito aos filhos dos colonos. Tal situação acabava 
por demandar ainda mais um número de professores para dar aulas nessas escolas, em uma localidade que já carecia
de docentes habilitados e tinha que contar com um número significativo de professores leigos, com pouca formação
escolar e sem ter o mínimo de experiência, sobretudo, para a alfabetização de crianças.
É justamente neste contexto que ocorria o ingresso de professores leigos para atuar no ensino primário nas
escolas rurais da localidade. Foi assim que ocorreram com os dois professores que foram entrevistados, no caso, o
professor Lourival e a professora Ivanilde.
O ingresso de Lourival Barbosa se deu tanto por interesses próprios quanto em decorrência da necessidade da
população local pelo ensino escolarizado para os filhos. Outro aspecto que também favoreceu o ingresso de Lourival
na carreira docente foi o fato de já possuir um pouco de estudos.  Afinal, vale esclarecer que o critério que prevalecia
para a escolha de candidatos para ocupar a função de professor era  ter frequentado algum tempo a escola.
Foi assim, que Lourival iniciou no magistério como professor leigo no Núcleo Colonial de Dourados, na Escola
Rural Mista do Potrerito, no distrito de Indápolis. Sobre este período, Lourival relembrou em entrevista,

Eu preparava minhas aulas por conta própria e tinha o meu próprio método.  Eu comprava os meus livros e
minhas revistas tudo para pensar as minhas aulas. Eu ficava até ouvindo o rádio à noite para pensar em minhas
atividades da escola. Eu que preparava as minhas atividades e todos os materiais das aulas, tudo sozinho [...] (BAR-
BOSA, 2013).

O relato de Lourival permite compreender que ele ensinava os seus alunos, mesmo sem receber qualquer tipo
de orientação pedagógica. Na maioria das vezes, os professores leigos vivenciavam uma experiência pedagógica cujo
saber produzido se fundava nas práticas desenvolvidas a partir da sua própria experiência escolar, baseadas nos mo-
delos vividos no período em que eram alunos. Desse modo, esses docentes acabavam mobilizando os saberes adqui-
ridos até então, em suas vivências e experiências dentro da sala de aula.

759
Nesta mesma entrevista, Lourival acrescentou ainda que,

O meu ideal era sempre melhorar a minha maneira de ensinar. Eu durante as férias ficava pensando no que eu
deveria melhor. Eu ficava pensando em minhas falhas, onde será que errei com aquele aluno. Embora professor
leigo, eu queria melhor sempre (BARBOSA, 2013).

Esse relato possibilita compreender que Lourival sempre procurava refletir sobre suas práticas em sala de aula,
com o objetivo de melhorar seu trabalho docente.  Afinal, o professor é construtor a partir do momento em que
reflete sobre suas ações e as vivencia, dando conta de um processo formador. No entendimento de Josso (2004), o
professor desenvolve um processo autoformador quando a vivência refletida passa a ser experiência. Isso era o que
fazia Lourival, na medida em que refletia sobre suas vivências e práticas.
Já no caso de Ivanilde, o ingresso na carreira do magistério ocorreu, inicialmente, de maneira informal, quando
ela por incentivo do pai começou a lecionar durante as férias escolares para crianças analfabetas moradoras no sítio de
seus familiares e nas áreas próximas na região do Núcleo Colonial de Dourados. Nesta época, Ivanilde ainda era uma
menina de apenas 12 anos de idade, mas já possuía certo grau de escolaridade, pois, apesar de residir em área rural,
estudava em escolas na cidade de Dourados. Sobre esta questão, Ivanilde mencionou:

Iniciei na carreira docente em 1950, ainda muito criança, com apenas 12 anos de idade, por forte influência do
pai. O meu pai queria que eu lecionasse para aquelas crianças moradoras no sítio e em suas redondezas, que eram
analfabetas. Sabe o meu pai era um homem com ideias muito a frente de sua época, na verdade, eu o considerava
um visionário. Como eu estudava em Dourados e tinha mais estudos do que aquelas crianças do meio rural, o meu
pai queria que eu ensinasse as crianças nas férias, assim, comecei como professora. Era o meu pai que comprava
todo o material, lápis, caderno, tudo o que eu precisava para ensinar aquelas crianças. Para aquele povo o meu pai
era um herói na época [...] (SANTOS, 2013).

Mesmo apresentando outro perfil de ingresso na atividade docente, Ivanilde torna-se uma professora leiga,
também no meio rural do Núcleo Colonial de Dourados, pela necessidade do local, em escolarização as crianças das
áreas rurais da localidade. Contudo, o seu início se dá por via da iniciativa de seu pai e não como funcionária da Co-
lônia Nacional Agrícola de Dourados (CAND), como foi o caso do professor leigo Lourival Barbosa. Mas, iniciativas
como a do pai da professora Ivanilde nesse meio rural de criar uma escola nas próprias propriedades rurais era bem
comum naquela localidade.
No caso da experiência docente de Ivanilde, ainda convém registrar que o professor leigo rural, do Sul do An-
tigo Mato Grosso, exercia funções que se estendiam além da docência em sala de aula. O relato de Ivanilde é esclare-
cedor a esse respeito:

Na minha Escola tinha 360 alunos, eu era professora, diretora e cozinheira. Eu fazia tudo na escola. Eu ficava com
três classes sozinha. Depois de muito batalhar eles mandaram mais professores leigos e distribui o serviço [...]
(SANTOS, 2013).

De um Modo geral, pode-se dizer que esses professores leigos desenvolviam um trabalho comprometido, pois
investiam numa metodologia própria de trabalho, oferecendo atividades variadas para que os alunos sentissem entu-
siasmo em aprender.  Assim, esses professores acabavam sendo considerados como autoridade na localidade, sobretu-
do por possuírem um pouco mais de estudo. Em realidade, eles eram vistos como pessoas cultas daquela comunidade
rural, com a capacidade de transferir conhecimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar a formação e o trabalho docente desenvolvido por professores que atuaram em escolas rurais de
áreas de colonização recente do Sul de Mato Grosso, situadas nos municípios e distritos de Dourados, como: Ita-
porã, Fátima do Sul, no período entre as décadas 1948 a 1977, foi possível constatar que nessas áreas marcadas por

760
colonização recente do Sul de Mato Grosso, os docentes que atuaram nas escolas rurais, trabalharam na condição de
professores leigos, atuando nessas escolas com formação primária (completa ou incompleta) ou ginasial (completa e
incompleta).
Ainda foi possível observar que esses professores passaram por muitas dificuldades em seu trabalho cotidiano,
dificuldades essas marcadas pela falta de condições físicas das escolas, pois em muitas instituições as construções
eram bem rudimentares. Além disso, quase não possuíam materiais didáticos e pedagógicos para desenvolver suas
atividades, chegavam até comprar materiais com recursos próprios ou conseguiam de doação de algum proprietário
de terras como: lápis, borrachas, cadernos, canetas para as crianças.
Outro aspecto importante observado com relação ao trabalho docente desenvolvido por professores que atua-
ram em escolas rurais dessas áreas de colonização recente do Sul de Mato Grosso, foi que esses professores acabaram
exercendo suas atividades dentro dessas escolas e para além de suas atividades docentes, pois muitos eram esses que
cuidavam da merenda, da limpeza e até mesmo da documentação escolar, entre outras.
Portanto, embora não fossem professores habilitados para ministrarem aulas de 1.ª a 4.ª  séries, esses professo-
res exerceram um papel importante no processo de criação e funcionamento das escolas primárias nessas áreas, bem
como contribuíram para o processo de escolarização das crianças. Assim, esses docentes também contribuíram para
a constituição da profissão docente em meio rural em áreas de colonização recente no Sul de Mato Grosso. Assim,
pode-se dizer ainda que esse trabalho com os seus resultados permite compreender aspectos importantes que marca-
ram a história da formação e do trabalho docente nessas localidades do Sul de Mato Grosso, marcadas por colonização
recente.

REFERÊNCIAS

ALVES, L. M. A. Nas trilhas do ensino (1910-1946). Cuiabá: EdUFMT, 1998.


BARBOSA, L. Entrevista concedida a Alessandra Cristina Furtado em outubro de 2013.
BASTOS, M. H. C. “Prefácio: A educação rural e a formação dos professores”. In: WERLE, F. O. C. (Org.). Educação Rural:
práticas civilizatórias e institucionalização da formação de professores. São Leopoldo: Oikos, 2010.
CHARTIER, R. A. História Cultural. Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Lisboa: Difel, 1990.
FERNANDES, F. A. G.; LEITE, E. F. Oralidade no Pantanal: Vozes e saberes na pesquisa de campo. In: FERNANDES, F. A. G.
Oralidade e literatura: manifestações e abordagens no Brasil. Londrina: Eduel, 2003.
FURTADO, A. C.; PINTO A. A. A escola rural primária e o seu processo de institucionalização no antigo sul de Mato Grosso
(1930-1961). In: Congresso Brasileiro de História da Educação, 7. 2013, Cuiabá, MT. Anais… Cuiabá: UFMT, 2013. Disponível
em: <http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/01>. Acesso em: 22 abr. 2019.
GRESSLER, L. A., SWENSSON, L. J. Aspectos históricos do povoamento e da colonização do Estado de Mato Grosso do
Sul: destaque especial ao município de Dourados. Dourados: L. A, 1988.
JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
MALHADO, E. Depoimento. In: SÁ ROSA, M. F. Memória da cultura e da educação em Mato Grosso do Sul. Campo
Grande-MS: Universidade Federal de Mato Grasso do Sul, 1990.
MATO GROSSO. Mensagem do presidente do Estado à Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Arquivo Público de Mato
Grosso – APMT, Cuiabá – MT, 1952.
PONCIANO, N. P. Fronteira, religião, cidade: o papel da Igreja Católica no processo de organização social-espacial de Fátima
do Sul/MS (1943-1965). FCL/UNESP, Assis, 2006.
SANTOS, I. Entrevista concedida a Alessandra Cristina Furtado em setembro de 2013.

761
FORMAÇÃO PARA O TRABALHO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO SUL DE MATO GROSSO (1937-1977):
UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA

Profº Me. Alessandro Marcon da Silva - UFMS1


Profª Ma. Cilmara Bortoleto Del Rio Ayache – UFMS2

Resumo: Neste trabalho apresentamos uma pesquisa bibliográfica realizada com o objetivo de mapear e dis-
cutir a produção acadêmica que contempla os descritores: Instituição de ensino no sul de Mato Grosso; Formação
para o trabalho no sul de Mato Grosso; Trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso. Estes, propostos a partir
do projeto de pesquisa intitulado “A formação de crianças e adolescentes trabalhadores no sul de Mato Grosso: do
Estado Novo à criação de Mato Grosso do Sul (1937-1977)”. O referido projeto tem por objetivo analisar a implan-
tação e a organização de instituições formadoras para a ação laboral de trabalhadores menores de idade, no referido
período, mediante a relação público/privado para a implantação e organização das instituições educacionais. Orga-
nizamos nossa busca pelos repositórios institucionais das universidades que oferecem programas de pós-graduação
stricto sensu em Educação na região geográfica que acopla a temática da pesquisa, a definir: Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Estadual de Mato Grosso
(UNEMAT) e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Dentro dos referidos repositórios, as buscas foram dire-
cionadas a teses e dissertações, mas não fizemos referência ao programa de pós-graduação, pois entendemos que além
da Educação, outras áreas do conhecimento poderiam apresentar trabalhos significativos para o nosso levantamento,
como os programas de História e Geografia. Primeiramente, a busca foi pelos títulos de trabalhos que indicassem a
discussão dos termos selecionados para a pesquisa. Para isso, pesquisamos os descritores apontados e pelos títulos
selecionamos algumas produções para a leitura e, assim, definitivamente, incluir ou excluir o trabalho de nossa se-
leção inicial. Os critérios de seleção e exclusão foram definidos a partir dos instrumentos de busca dos repositórios,
mas tiveram algumas diretrizes comuns a todas as plataformas. Entre elas, pontuamos: 1) a tipologia da produção:
teses ou dissertações; 2) a produção precisou apresentar o objeto de pesquisa dentro do período proposto pelo projeto
(1937-1977); 3) apresentar capítulo ou capítulos que discorram sobre a história da educação do sul de Mato Grosso,
no mesmo período. Foram selecionados setes trabalhos, sendo seis dissertações e uma tese. As temáticas dos traba-
lhos selecionados foram as mais variadas, sendo elas: inclusão, cultura escolar, biografia de personalidade histórica,
colônia agrícola, agentes educacionais, ensino superior, escola normal e ensino secundário. A década de 1930 teve
a menor incidência entre os trabalhos, com quatro incidências e a década de 1960 a que mais delineia as pesquisas
com dez aparições. As demais décadas ficaram com oito, sete e sete respectivamente. Observamos a predominância
dos estudos na tendência fenomenológico-hermenêutica com oito trabalhos construídos a partir desta perspectiva. E
nenhum trabalho construído a partir dos pressupostos da tendência empírico-analítica. Com isso, podemos concluir
que as produções elencadas e analisadas chegam a interpretação dos fenômenos estudados, em sua maioria, sendo
apenas cinco pesquisas que buscam investigar de maneira crítica os objetos propostos para o estudo, quatro na pers-
pectiva crítico-dialética e uma sob o olhar das teorias críticas. Pelas pesquisas encontradas, nos sentimos alicerçados
para iniciar a construção da revisão bibliográfica da tese, com o intuito de apontar os aspectos singulares do nosso
objeto e das especificidades da região sul de Mato Grosso antes da divisão do estado e posterior ao Estado Novo. Mes-

1 Professor da Gerencia de Ensino Fundamental e Ensino Médio da Secretaria Municipal de Educação da cidade de Campo Grande/MS,
cursa doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFMS, professora da faculdade da FUNLEC, lotada
nos cursos de Pedagogia pós-graduação lato sensu. Atua também na Faculdade de Mato Grosso do Sul (FACSUL), no curso de Pedagogia.

762
mo de diversas perspectivas teóricas, todos os trabalhos elencados nos trarão elementos para entender a tão pouca
estudada região sul de um estado periférico do Brasil.
Palavras-chave: Produção acadêmica. Instituição de ensino. Formação para o trabalho infanto-juvenil.

Neste trabalho apresentamos uma pesquisa bibliográfica realizada com o objetivo de mapear e discutir a pro-
dução acadêmica que contempla os descritores propostos a partir do projeto de pesquisa intitulado “A formação de
crianças e adolescentes trabalhadores no sul de Mato Grosso: do Estado Novo à criação de Mato Grosso do Sul (1937-
1977)”. Pesquisas neste formato tem caráter bibliográfico e parte de um determinado campo do conhecimento sob
uma metodologia de caráter inventariante e descritivo (FERREIRA, 2002).
O referido projeto tem por objeto instituições que ofereciam formação para crianças e adolescentes trabalhado-
res no sul de Mato Grosso, entre os anos de 1937 e 1977. O objetivo proposto é analisar a implantação e a organização
de instituições formadoras para a ação laboral de menores de idade trabalhadores, no referido período, mediante a
relação público/privado para a implantação e organização das instituições educacionais.
Para tal, elencamos três descritores: 1) instituições de ensino no sul de Mato Grosso; 2) formação para o traba-
lho no sul de Mato Grosso; e 3) trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso. Para todos eles, levamos em consi-
deração os anos do século XX propostos no projeto.
O levantamento de produções foi realizado em busca virtual, pois este se mostrou o modo mais viável, devido
ao curto período de tempo que tínhamos para tal. Inicialmente, elencamos e visitamos o catalogo de teses e disserta-
ções da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Ao apontarmos os descritores apresentados anteriormente, o número de trabalhos defendidos se aproximou
de um milhão e os filtros disponíveis não contemplaram uma busca mais sistêmica quanto ao período e ao objeto. O
problema quanto a isso, foi que muitos dos trabalhos de pesquisas apontados não dialogavam com o nosso objeto de
estudo e advinham de diversas áreas do conhecimento.
Assim, organizamos nossa busca pelos repositórios institucionais das universidades que oferecem programas
de pós-graduação stricto sensu em Educação na região geográfica que acopla a nossa pesquisa, a definir: Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Estadual de Mato
Grosso (UNEMAT) e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Dentro dos referidos repositórios, as buscas foram direcionadas a teses e dissertações, mas não fizemos refe-
rência ao programa, pois entendemos que além da Educação, outras áreas do conhecimento poderiam apresentar
trabalhos significativos para o nosso levantamento, como os programas de História e Geografia.

O LEVANTAMENTO E O MAPEAMENTO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA: CAMINHOS DA


PESQUISA E O QUANTITATIVO ENCONTRADO

Como descrito, nossa busca ocorreu por meio virtual. Com isso, usamos os instrumentos de pesquisa disponibi-
lizados nos próprios sites. Primeiramente a busca foi pelos títulos do trabalho que indicasse a discussão dos termos se-
lecionados para a pesquisa. Para isso, pesquisamos inicialmente os descritores selecionados e pelos títulos selecionamos
algumas produções para a leitura e assim, definitivamente, incluir ou excluir o trabalho de nossa seleção inicial.
Os critérios de seleção e exclusão foram definidos a partir dos instrumentos de busca dos repositórios, mas
tiveram algumas diretrizes comuns a todas as plataformas. Entre elas, pontuamos: 1) a tipologia da produção: teses
ou dissertações; 2) a produção precisou apresentar o objeto de pesquisa dentro do período proposto pelo projeto
(1937-1977); 3) apresentar capítulo ou capítulos que discorram sobre a história da educação do sul de Mato Grosso,
no mesmo período.
Visitamos, primeiramente, o repositório da UFMS. Com o primeiro descritor, apresentaram-se dezoito tra-
balhos acadêmicos, com o segundo cinquenta e dois e com o terceiro um trabalho. Foram observados o título para a
apreciação da aproximação com a temática e o período histórico que serão investigados no doutoramento. Quando

763
percebida essa aproximação os trabalhos foram abertos, assim analisamos, primeiramente, o resumo e o sumário.
Confirmada a aproximação os trabalhos foram lidos integralmente para o levantamento de dados para o mapeamento
do nosso objeto de estudo.
Observe abaixo, o quadro que apresenta os trabalhos que se enquadraram nos critérios de inclusão/exclusão e
foram selecionados para a análise de dados sobre o nosso objeto de pesquisa.

Quadro 1: Teses e dissertações - UFMS

Tese/ Área do
Descritor Ano da defesa
Dissertação conhecimento
2005
2014
Dissertação 2014
Instituição de ensino no sul de Mato Grosso Educação
2014
2016
Tese 2016
Formação para o trabalho no sul de Mato Grosso Dissertação Educação 2014
Trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso - - -

Organização: SILVA, 2018. Fonte: repositório institucional da UFMS

Na busca no repositório da UFGD, as ferramentas de busca não permitiram pesquisar somente as teses e dis-
sertações. Assim, quando buscamos os descritores, todos os tipos de produção acadêmica nos foram apresentados.
Porém, como nosso alvo era a busca por teses e dissertações, os trabalhos que mostraram aproximação com o nosso
objeto foram abertos e observados. Com o primeiro descritor, encontramos seiscentos e trinta e dois trabalhos para
a análise, com o segundo seiscentos e cinquenta e seis e com o terceiro quinhentos e vinte e sete. Apesar do grande
número de produções acadêmicas apresentadas, somente oito trabalhos apresentaram aproximação com a pesquisa
pelo título e apenas um foi selecionado, após a leitura dos mesmos.
Observe no quadro abaixo, onde o trabalho encontrado se alocou.

Quadro 2: Teses e dissertações - UFGD

Tese/
Descritor Dissertação Área do conhecimento Ano da defesa

Instituição de ensino no sul de Mato Grosso - - -

Formação para o trabalho no sul de Mato Grosso Dissertação História 2007

Trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso - - -

Organização: SILVA, 2018. Fonte: repositório institucional da UFGD

No repositório da UFMT, encontramos a mesma dificuldade quanto às ferramentas de busca, pois o mesmo
não apresentava opção para selecionar a tipologia da produção acadêmica. Porém, ao apontarmos os descritores,
foram apresentados somente dissertações para a nossa análise e opções de filtros – que não foram utilizadas para não
minimizar a busca quanto à área de conhecimento. Realizamos a busca pelo descritor um e quando apresentamos
o descritor dois, os mesmos trabalhos que selecionamos se apresentaram. O mesmo cenário se apresentou com o
descritor três, com isso, optamos por realizar um busca única com a expressão “and” entre os descritores. Assim,
quinhentos e trinta e sete trabalhos foram apresentados pela busca.
No quadro abaixo, temos a primeira organização com os dados levantados pelo referido repositório.

764
Quadro 3: Teses e dissertações - UFMT

Tese/
Descritor Dissertação Área do conhecimento Ano da defesa

Instituição de ensino no sul de Mato Grosso 2014


and Educação 2015
Dissertação
Formação para o trabalho no sul de Mato Grosso
and 2015
Trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso História 2015

Organização: SILVA, 2018. Fonte: repositório institucional da UFMT

Na busca no repositório da UCDB, encontramos seis trabalhos com o primeiro descritor, dezessete com o se-
gundo descritor e com o terceiro, nenhum apontado. Dentre os trabalhos, foi selecionada uma dissertação que discu-
tia a implantação de uma escola de ensino secundário em Corumbá com a delimitação histórica entre 1918-1937. Ao
analisar o resumo e a organização do trabalho, o selecionamos, pois o mesmo apresenta discussões sobre as reformas
educacionais nos anos de 1930 e a organização político-econômica na república mato-grossense. Assim, segue o qua-
dro que ilustra a pesquisa neste repositório.

Quadro 4: Teses e dissertações - UCDB

Tese/
Descritor Dissertação Área do conhecimento Ano da defesa

Instituição de ensino no sul de Mato Grosso Dissertação Educação 2010

Formação para o trabalho no sul de Mato Grosso - - -

Trabalho infanto-juvenil no sul de Mato Grosso - - -

Organização: SILVA, 2018. Fonte: repositório institucional da UCDB

Nos repositórios das universidades estaduais, UEMS e UNEMAT, para todos os descritores não foram encon-
tradas produção científica sobre o nosso objeto de pesquisa.
Com isso, temos treze produções acadêmicas, sendo doze dissertações e uma tese. Todas defendidas entre o
ano de 2005 e 2016. A maioria, onze delas, foram produzidas em programas de mestrado e doutorado em Educação e
duas produzidas em programas de mestrado em História. Após as buscas por produções acadêmicas acerca do tema,
nos debruçamos em ler, sintetizar o conteúdo das discussões e analisar: perspectiva teórica, categorias de análise e os
dados resultantes das pesquisas.

ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO ACADÊMICA: A CONSTRUÇÃO E O


ENTORNO DO OBJETO DE PESQUISA

Após apontarmos os caminhos que nos levaram a produção acadêmica que delineia o objeto proposto, pon-
tuaremos algumas considerações sobre a análise preliminar dos trabalhos, destacando os temas encontrados, as in-
cidências das décadas de 1930 a 1970 nos trabalhos, as tendências teórico-metodológicas, a exposição das teses e/
ou objetivos do trabalho e os componentes que nos ajudaram a pensar as questões que construíram e delimitaram o
nosso objeto.
As temáticas dos trabalhos foram as mais variadas possíveis, lembrando que nossos critérios de inclusão/exclu-
são nos permitiam compor um leque de produções de temas diferentes, mas que de alguma forma eram instrumentos
de construção do nosso objeto – o que nos faz entender o contexto em que tem se desenhado as instituições de forma-

765
ção para o trabalho no século XX do sul de Mato Grosso. Sobre as temáticas das pesquisas encontradas, organizamos
o gráfico abaixo, veja:

Gráfico 1 - Tema das teses e dissertações

Organização: SILVA; AYACHE, 2018

Além desses temas foram encontrados trabalhos com a formação de professores e avaliação institucional como
tema. Porém eles não se enquadraram nos critérios estipulados para o nosso trabalho. Escola Normal foi o tema pre-
sente em três pesquisas, enquanto Ensino Superior contemplou duas pesquisas, o mesmo número de cultura escolar.
Os outros temas, apresentados no gráfico, apareceram em apenas uma pesquisa.
O gráfico 2 mostra a incidência das décadas propostas, a saber, 1930, 1940, 1950, 1960 e 1970. Este nos ajudou
a entender a maior recorrência das décadas e em qual delas iríamos precisar avançar mais nas pesquisas, pois as in-
formações encontradas poderão não ser suficientes para delinear os aspectos políticos, sociais e econômicos do sul do
estado de Mato Grosso neste momento histórico.

Gráfico 2 - Incidência das décadas

Organização: SILVA; AYACHE, 2018

Vale ressaltar que, por esta busca, a década de 1930 teve a menor incidência entre os trabalhos, com quatro in-
cidências e a década de 1960 a que mais delineia as pesquisas com dez aparições. As demais décadas ficaram com oito,
sete e sete respectivamente. Os trabalhos analisados também contemplam as décadas de 1910 e 1920.

766
Osório (2011)3, ao discorrer sobre os desafios do conhecimento na pesquisa educacional, apontou que nas
últimas décadas quatro tendências epistemológicas vêm caracterizando o método da pesquisa em Educação no país.
São elas: empírico-analítica, fenomenológico-hermenêutica, crítico-dialética e teorias críticas.
A tendência empírico-analítica tem como eixo a causalidade e a sua racionalidade se estabelece em situações
experimentais. Com um processo lógico-dedutivo, tem a prática cultural analisada a partir de percepções e dados
empíricos que comprovem ou não uma hipótese inicial. Centrada na revisão bibliográfica, não discute o mérito ou
qualidade do processo, mas sim destaca o aumento ou diminuição do fenômeno estudado.
Para referido autor,

[...] ao associar a fenomenologia à hermenêutica, como uma das tendências de pesquisa, surge uma concepção de
ciência que tem como elemento fundamental a interpretação dos fenômenos em suas diversas manifestações (va-
riantes) por intermédio das estruturas cognitivas (invariantes) e de seus mecanismos ocultos (essências) nos quais
ocorrem e fundamentam os fenômenos (palavras, silêncio, gestos, ações, símbolos, sinais, textos, artefatos, obras
e discursos). (OSÓRIO, 2011, p.41).

Assim, a pesquisa passa a expressar tentativas de captar significados dos fenômenos e propõe a compreensão
desses significados pelas experiências do sujeito que observa. Com isso, a subjetividade torna-se um dos princípios,
baseada na interpretação do pesquisador. A busca pela compreensão da essência dos fenômenos, passa pela recupera-
ção do contexto e da intersubjetividade de quem pesquisa, mediante técnicas não quantitativas.
A tendência crítico-dialética tem a história e a economia política como fontes dos elementos factuais e con-
ceituais para o estudo da realidade. Posteriormente, demais autores trouxeram outros elementos para a análise da
realidade como a cultura e a ideologia.

Adotam como critérios de cientificidade fundamentados na lógica interna dos processos (métodos que explicitam
as dinâmicas e as contradições internas de cada fenômeno), e as relações possíveis entre homem x natureza e teoria
x prática, bases da razão transformadora de uma sociedade. (OSÓRIO, 2011, p.48).

Na pesquisa educacional tem seus objetos debruçados sobre experiências, práticas pedagógicas, processos his-
tóricos, discussões filosóficas e análises contextualizadas mediante uma determinada referência. Busca resgatar a di-
mensão histórica para a superação da interpretação do fenômeno. O homem é um agente transformador da história
que tem participação ativa na ação político-social.
A última tendência, apresentada por Osório (2011), são as teorias críticas e refere-se ao pensamento de Michel
Foucault. As contribuições, deste referencial, vão além de descrições factuais e de práticas exercidas. Ele permite no-
vos elementos que buscar identificar causas e razões culturalmente impostos ao fenômeno.

A pesquisa avança seus estudos sobre práticas sociais, como meios de manifestação cultural, frutos de processos
históricos, discussões filosóficas e análises contextualizadas das relações institucionais, como campo de saber e
poder, que ainda requererem uma melhor explicitação, já que os mesmos processos sociais sempre serão fontes
inesgotáveis de outros elementos e de significados determinantes. (OSÓRIO, 2011, p. 54).

A partir destes apontamentos, analisamos as produções elencadas por nossa busca segundo as tendências ex-
postas acima. Veja no gráfico que segue os dados que construímos a partir dos procedimentos e categorias de análise
para a designação das tendências teórico-metodológicas das teses e dissertações analisadas.

3 A escolha pelo referido autor se faz frente a nossa concordância pela organização proposta por ele quanto as tendências para a pesquisa
em Educação e porque o mesmo parte suas análises de teses e dissertações construídas dentro do cenário investigado por este estado do
conhecimento: um programa de pós-graduação dentro do território apontado pelo projeto de pesquisa e que nos cedeu dados pelo repositório
institucional. O que não significa que adotamos as adjetivações propostas pelo autor sobre as tendências, as nossas concordâncias perpassam
a classificação e a organização das suas significações.

767
Gráfico 3 - Tendências teórico-metodológicas

Organização: SILVA; AYACHE, 2018.

Observamos a predominância dos estudos na tendência fenomenológico-hermenêutica com oito trabalhos


construídos a partir desta perspectiva. E nenhum trabalho construído a partir dos pressupostos da tendência empíri-
co-analítica. Com isso, podemos concluir que as produções elencadas e analisadas chegam a interpretação dos fenô-
menos estudados, em sua maioria. Assim, temos apenas cinco pesquisas que buscam encontrar a essência dos objetos
propostos para o estudo, sendo quatro na perspectiva crítico-dialética e um sob o olhar das teorias críticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por esta busca, percebemos o quanto precisamos estar atentos em todos as nuances de produções para organi-
zarmos uma pesquisa. Pelas pesquisas encontradas, nos sentimos alicerçados para construir uma revisão bibliográfica
para pesquisas futuras, que tenham o intuito de apontar os aspectos singulares da região sul de Mato Grosso antes da
divisão do estado e posterior ao Estado Novo. Mesmo de diferentes perspectivas teóricas, os trabalhos elencados nos
trarão elementos para entender a tão pouca estudada região sul de um estado periférico do Brasil.

REFERENCIAS

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas “estado da arte”. Educação&Sociedade. Campinas, n. 79,
2002. p. 257-272.
OSÓRIO, Antônio Carlos do Nascimento (org.). Pesquisa Educacional: Tendências e perspectivas. Campo Grande: Life
Editora, 2011.

768
GESTÃO E FUNCIONAMENTO DA
ESCOLA INDÍGENA MBO`ERO ARANDU`I

Rosângela Farias da Silva - UFGD/MS

INTRODUÇÃO

É pertinente afirmar que esta pesquisa se faz relevante porque trata-se de um grande número de sujeitos envol-
vidos acerca da educação escolar indígena de uma escola dentro da aldeia, na qual a escolarização já existe há décadas,
partindo da informalidade até se tornar formal, porém, o que se indaga é fato da mesma ser registrada como escola
indígena, possuir o regimento escolar próprio conforme as leis e diretrizes, mas na prática é o inverso. A realiza-
ção deste trabalho tomou-se como ponte mediadora a pesquisa de mestrado1 em andamento por parte de uma das
autoras deste trabalho, bem como o lócus da pesquisa e as autorizações do CEP, CONEP, e da FUNAI-Processo nº
08620.011228/2018-772 As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender aos fundamentos éticos e científicos
pertinentes”. O processo metodológico para a realização desta pesquisa, foi feito análises de matérias jornalísticas do
jornal O Progresso localizados no Centro de Documentação e Regional (CDR) na Universidade Federal da Grande
Dourados, que tratam sobre o histórico da referida escola indígena, que tange desde 1987, junto a retomada e expul-
são dos indígenas da Aldeia Jarará. Também foram estudados, os documentos oficiais da escola.

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: NO SEIO DA GOVERNAMENTALIDADE NO


CAMINHAR HISTÓRICO

Os teóricos e autores estudados ao longo do curso de Gestão Escolar, ofereceram contribuições para novos co-
nhecimentos, tanto para a elaboração desse artigo em consonância ao objeto de pesquisa, como para compreender o
posicionamento abordado no bojo da gestão da Educação. Para tanto, é importante adentrar sucintamente na historia
da Educação e sua ciência enquanto campo de sabers. Na história das ciências ao campo da Educação, passaram-se por
transformações marcantes, bem como o conhecimento científico e a luta de classe, nas relações de poder, sobretudo, as
questões norteadoras que engendraram o funcionamento das escolas indígenas. As reflexões conceituais que os teóricos
elucidam, ajuda a pensar os desdobramentos sobre a temática, do objeto de pesquisa-ofuncionamento de gestão da esco-
la. Assim, podendo fazer-se relacionar, comparar e analisar de vários lugares de onde cada discurso emerge.
No jornal O Progresso do dia 25 de março de 1996, na figura 1, retrata a presença dos indígenas dentro da cida-
de, de forma grosseira, discriminatória e rotulada, aquela população sem ter condições de moradia dígna e de estarem
morando em barracos de lona, acabam sendo protagonista de criar uma favela na cidade. Essa relações descritas sobre
os sujeitos, são formas de relações de poder, conforme destaca Foucault (1987, p.31):

Temos antes que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o porque o serve ou aplican-
do-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição
correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.
Essas relações de ‘poder-saber’ não devem então ser analisadas a partir de um sujeito do conhecimento que seria
ou não livre em redação ao sistema do poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito que conhece, os
1 Está sendo desenvolvida uma pesquisa sobre a Escola MBO`ERO ARANDU`I, pela pesquisadora Rosângela Farias da Silva, no Programa
de Pós-Graduação em Educação – nível de Mestrado da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E na oportunidade desta,
mediante a autorização de realização de ingresso na terra indígena, utilizou-se os meios legais, para desenvolver este artigo, para o requisito
legal para convalidação de competências, para obtenção de certificado de Especialização Lato Sensu, do curso de Gestão Escolar.
2 Este processo refere-se ao pedido e autorização para “O ingresso em terra indígena está regulamentado pela Portaria nº 177/PRES/2006,
que trata do direito autoral/uso de imagens dos indígenas, e pela Instrução Normativa nº 001/PRES/1995, que regulamenta a pesquisa
científica. Tais normativas podem ser acessadas pelo site da Funai”. Disponível em:<http://bit.ly/2YMUl74>.

769
objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais
do poder-saber e de suas transformações históricas.

A posição que os índios se encontravam, delineavam-se as margens da sociedade, em meio ao campo de um


poder-saber desapropriando o sujeito de seus direitos, jogando-os para lutas sociais travadas como resistência. De
acordo com Foucault (1987), o saber vem derivado do poder, ou seja, o poder produz o saber, dentro de esferas das
relações mútuas. Acerca desse conceito, os processos históricos, sobre a terra e a educação que os indígenas percor-
reram, a escola MBO’ERO ARANDU’I da Aldeia Jarará é a materialidade enquanto discursiva e não discursiva que
representa os indígenas em suas lutas pela educação desde 1987.

Figura 1- Índios Morando na periferia de Juti (1996).

Fonte: Jornal O Progresso (1996, p. 8).

[…] os índios não causam nenhum problema para a cidade que continua com sua rotina de sempre. ‘Eles vivem um
mundo a parte do nosso’, disse. Um levantamento feito por Manoel Cançado, constatou que 46 índios desaldeados
estão matriculados e frequentando regularmente as aulas nas escolas públicas do município. ‘Construímos uma
escolinha de madeira para os índios, mas ela foi fechada por falta de uma professora que fosse Caiuá-Guarani, uma
das exigências feitas pela comunidade de Jarará’, explicou Manoel. (O PROGRESSO, 1996, p. 8, grifo do autor).

A citação acima, foi proferida por Manoel Lopes Cançado Neto, que na época, era chefe de gabinete da Prefei-
tura de Juti. Com a situação da precariedade em que as famílias indígenas estavam sobrevivendo enquanto instaladas
na cidade, a prefeitura buscou sanar a questão da educação porque os indígenas reivindicavam que seus filhos podes-
sem estudar, mas que fossem na língua materna.
A educação para o índio, sempre foi um processo permeado de subjetividade, dominação e, que teve seus des-
dobramentos no campo da historicidade produzida a partir de um conhecimento metodológico científico de cunho
integracionista, a saber:

A idéia da integração firmou-se na política indigenista brasileira, desde o período Colonial até o final dos anos
1980. A política integracionista começava por reconhecer a diversidade das sociedades indígenas que havia no
país, mas apontava como ponto de chegada o fim dessa diversidade. Toda diferenciação étnica seria anulada ao se
incorporar os índios à sociedade nacional. Ao tornar-se brasileiros, tinham de abandonar sua própria identidade
(BRASIL, 1999, p. 4-5).

770
No Brasil, até 1988, os indígenas estavam sob a tutela da união, sendo considerados incapazes de gerir sua própria
história, cultura, e principalmente a educação, fato este, que os tornavam menores, arrasando com toda uma nação histórica.

A terra enquanto dispositivo de poder

Durante o estudo das fontes para a elaboração desta pesquisa, observou-se que, para discorrer sobre as questões
que envolveram(em) a escola e toda a sua gestão enquanto instituição educacional desde sua criação, a questão da
terra sempre esteve imbricada a esse processo.
A luta pela posse da terra indígena (TI) Jarará foi marcada por décadas, entre retomadas e despejos dos indíge-
nas, desde 1960. Traçando caminhos judiciais, os indígenas reaveram suas terras em meio a lutas e resistências para
permanecer no local. Acerca dessa cronologia histórica, tem-se expressa a figura 2:
Quando se discute sobre a terra, não é apenas uma questão de posse de bens para os indígenas, mas sim, é uma
questão de pertencimento. Esse pertencimento está além do bem material, ele é simbólico, cultural, identitário. Para
Bourdieu (1989), a identidade e a representação, são elementos para refletir criticamente a ideia de região como re-
presentação. Diante do que se entende por representação, os indígenas Guarani e Kaiowá que estavam na transição
da posse da terra indígena Jarará, eram movidos pela representação e valor de pertencimento.
Acerca do diálogo de habitus conforme Bourdieu(1989), entende que, como o homem, um determinado agente,
age em um determinado tempo. Certeau(2000) conceitua como o lugar de onde o sujeito fala, tem haver com sua iden-
tidade, como ele age, como ele come, como ele se porta. O habitus são multáveis, dependendo de onde o sujeito está
inserido. São as formas que as identidades mudam em determinados campos, são como rochas. Elas mudam pela fricção
interéctica. Região é prática, a ideia de região tem haver com a fala do sujeito de determinado campo, reflete a uma ideia
de região, assim, é interessante pensar como se forma uma ideia de região. Os indígenas, a partir do momento que saem
de seu lugar cultural, atravessam por esses processos. Pode-se pensar então, que o conceito de região é um conceito
histórico, ela se estende à ideia de poder, poder militar politico e cultural, Bourdieu(1989) vai dizer que a luta simbólica,
para marcar uma região, toma certos conceitos como seus. A esses conceitos de pertencimento, é evidenciado na figura
3, onde, devido o assolamento enfrentado pela comunidade indígena, a mesma não tinha condições de permanecer na
periferia da cidade, deixados às margens da sociedade. O retorno para a aldeia, demarca o que os autores descrevem so-
bre a pertença de lugar, do sujeitos enraizados de memórias, crenças, saberes e valores culturais.

Figura 3- Ocupação dos indígenas na Aldeia Jarará (1996).

Fonte: Jornal O Progresso (1996, p. 1).

771
A reportagem completa desta matéria encontra-se na página 08, do Jornal O Progresso, do dia 25 de março de
1996. Conforme relatos de indígenas, como, a do cacique e de professores, afirmam que, em meio as dificuldades en-
frentadas pelo seu povo, acerca da terra naquela época, havia também problemas implicantes, sobre o financiamento
e investimento para a educação escolar indígena. A “escolinha da cidade feita para os índios”, dependia de investi-
mento financeiro para ser gestada. A falta de professor qualificado para lecionar na língua materna, também foi outro
agravante. Primeira dificuldade, tanto para os indígenas, quanto para a administração pública, para institucionalizar
a educação escolar indígena, tangia principalmente porque demandaria de processos formativos para a criação da
escola formal, contratação de professores formados, quantidade necessária de alunos para abrir uma sala de aula, e,
investimento financeiro.
Partindo para a aldeia, a problemática foi maior, porque a terra indígena esteve num longo processo litigioso.
Em quanto a terra não fosse legalizada judicialmente, não poderia haver nenhum investimento público sobre a mesma.
Após a última retomada dos indígenas na terra em 1996, a escolinha que estava na cidade de Juti, foi desmon-
tada literalmente e levada para o interior da Aldeia Jarará, e gestada pelos próprios índios, com pouca ajuda da admi-
nistração pública.

ESCOLA MBO`ERO ARANDU`I E SUA GESTÃO EDUCACIONAL NO JOGO DAS TÁTICAS E


ESTRATÉGIAS

Entende-se por gestão a “[...] atividade pela qual são mobilizados os meios e procedimentos para atingir os
objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais, e técnico-administrativos” (LIBÂNEO et
al, 2008, p. 318). Mediante a esse entendimento, a direção escolar coloca em prática as ações norteadas coletivamente
e passa a coordenar o trabalho escolar, com a finalidade de seu desenvolvimento produtivo. As escolas indígenas no
Brasil, sempre foram norteadas por princípios integraciocista, permeada de táticas e de estratégias, no bojo das rela-
ções de poder-saber, bem como adentradas em formas de governamento do outro, tendo a sua margem, o interesse
político. Para melhor compreender-se a noção de tática e estratégia, acerca do conceito foucaultiano, utilizou-se a
obra intitulada “Vocabulário de Foucault” escrito por Edgardo Castro (2016), da qual, tanto os indígenas, quanto a
administração pública, utilizaram esses meios e manobras táticas e estratégicas para atingir seus objetivos.
De acordo com Castro (2016, p. 412) a perspectiva foucaultiana explica que a “[…] tática discursiva é um dis-
positivo de saber e poder que, enquanto tática, pode ser transferido a outra situação de enfrentamento entre forças
e também converter-se na lei de formação de um saber”. Sendo a tática, considerada como poder, ao enfrentamento,
as lutas, etc. Já a noção de estratégia, Castro (2016, p. 151-152) aponta-a como “escolha das soluções ganhadoras”,
compreendendo-se , aos meios e sentidos tomados na objetivação de algo:

Em relação ao primeiro dos sentidos indicados, pode-se chamar ‘de poder’ ao conjunto dos meios utilizados para
fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder. Também se pode falar da estratégia própria das relações
de poder na medida em que elas constituem modos de ação sobre a ação possível, eventual, suposta dos outros.
Pode-se, então, decifrar em termos de ‘estratégias’ os mecanismos utilizados nas relações de poder. Mas o ponto
mais importante é, evidentemente, a relação entre as relações de poder e as estratégias de enfrentamento’. Toda
relação de poder, para Foucault, implica essencialmente a liberdade e, consequentemente, estratégias de luta. As
estratégias de poder e as estratégias de luta limitam-se mutuamente.

Por meio da busca do conhecimento, os indígenas moveram ações de táticas e estratégias, objetivando a efeti-
vação da Educação escolar indígena para seu povo. Com a finalidade de sanar essas mazelas, durante o Movimento
dos professores indígenas do Mato Grosso do Sul, alguns índios de Juti, também participaram no processo de alfabe-
tização em íngua guarani, conforme descreveu Girotto (2001, p. 77):

No começo da década de 1980, como experiência de educação alternativa oferecida pelo CIMI, registrou-se a alfa-
betização de um grupo de mulheres, em português, na área de Caarapó (MS).

772
Medeiros (2016, p. 8) diz que “É fato que a avaliação representa interesses e ideais que buscam, na maioria das
vezes, servir algum grupo ou pessoas, principalmente quando o sistema econômico no qual se vive utiliza o capital
como acesso para o benefício de poucos”. A essa perspectiva, a avaliação da gestão da escola indígena da Aldeia Jarará,
está dentro desse “benefício de poucos”, conforme descreve a autora. A gênese constituída nesse discurso, mostra que tal
metodologia é importante para a compreensão do conhecimento dos fatos, bem como retomando por início o passa-
do, para explicar o presente, a concepção de Japiassu (1934) vai na contramão de Foucault (2008) quanto ao método
arqueológico, no qual para Foucault (2008) não precisa voltar as origens das coisas para verificar os acontecimentos,
porque os mesmos acontecem simultaneamente.

MUDANÇAS OU RETROCESSOS?

Durante a criação e funcionamento da escola indígena, ocorreram diversas mudanças, tanto positivas, quanto
negativas. Em 2005, foi criada a escola sob a Lei Municipal nº 202/2005 (PREFEITURA MUNICIPAL DE JUTI,
2018), na qual estabeleceu a criação e funcionamento da escola indígena MBO’ERO ARANDU’I, sendo essa uma
tomada positiva para os indígenas na Educação.
De 2005 até 2009, a escola MBO’ERO ARANDU’I da Aldeia Jarará, funcionou como escola Polo da escola in-
dígena MBO’ERO TAPERANDI da Aldeia Taquara. Ainda em 2009, esse mesmo documento foi alterado, no art. 2º
da Lei Municipal nº 202/2005 (PREFEITURA MUNICIPAL DE JUTI, 2005) pela Lei Municipal nº 303/2009, onde
a escola MBO’ERO ARANDU’I deixa de ser uma escola Polo da escola indígena MBO’ERO TAPERANDI da Aldeia
Taquara. Ambas passaram a ser geridas pela Secretaria Municipal de Educação do município.
Após essa mudança, a escola já vem funcionando da mesma forma que as escolas urbanas. Em 2010 é elabora-
do o Regimento Escolar de Portaria nº 052/2010, porém, o mesmo só existe enquanto materialidade, a escola não é
regida por este documento, sua gestão não o segue. Segundo informações da Secretaria Municipal de Educação, os
impedimentos para que a escola funcione de fato, como autônoma igual uma escola indígena e diferenciada, se deve
ao fato, de que, a mesma não possui estrutura física, docente, administrativa e quantitativo de alunos para formar
turmas. Acerca disso, a escola é multisseriada, com turmas do primeiro ano ao quarto ano do Ensino Fundamental.
De acordo com a Resolução CEB nº 3 (BRASIL, 1999) do dia 10 de novembro de 1999, traz em seu art. 7º o
estabelecimento da competência incumbida ao Conselho Estadual de Educação:

III. [...] Conselhos Estaduais de Educação competirá: a) estabelecer critérios específicos para criação e regulari-
zação das escolas indígenas e dos cursos de formação de professores indígenas; b) autorizar o funcionamento das
escolas indígenas, bem como reconhecê- las; c) regularizar a vida escolar dos alunos indígenas, quando for o caso
(BRASIL, 1999, p. 2-3).

Esta resolução estabelece os critérios sobre a criação e o funcionamento das escolas indígenas, no entanto, suas
especificações muitas vezes permanecem apenas no papel, e fazendo-se diferente na prática.
Diante deste contexto de irregularidades, Foucault (1987, p. 301-302) afirma que “Uma série de ilegalidades
surge em lutas onde sabemos que se defrontam ao mesmo tempo a lei e a classe que a impôs”, são ilegalidades consen-
tidas, pois o dispositivo de escolarização funciona mesmo estando ilegal, sendo aceitos como uma tática e estratégia,
para manter consolidado uma necessidade ou um modo apaziguável dos problemas educacionais, principalmente
sobre os recursos de investimento financiamento da educação.
Conforme informações obtidas tanto na escola da aldeia, como na Secretaria Municipal de Educação, foi ex-
plicitado sobre a deficiência e limitação pela qual a escola tem quanto sua estrutura de funcionamento. “Ao longo das
discussões sobre o Plano Nacional de Educação (PNE 2014 - 2024), se teve o debate sobre a destinação de 10% do
PIB para a Educação” (FELDMAN, 2016, p. 7). Parafraseando Feldman (2016), essa questão é de suma importância
para a educação, pois, segundo a autora, a educação depende de financiamento para serem gestadas terem seu fun-
cionamento pleno para o atendimento da clientela. É impossível ter uma educação de qualidade sem ter investimento
financeiro. Nesse quesito, Feldman (2016, p. 9) atenta-se,

773
Para pensar nas políticas sociais e, entre elas, na educação, é fundamental considerar principalmente os impostos,
que não tem uma destinação específica, estando sujeitos a decisões políticas na sua alocação, ainda que respeitando
as vinculações estabelecidas constitucionalmente.

“Também as leis propriamente educacionais são quase que totalmente omissas em relação ao financiamento”
(FELDMAN, 2016, p. 12).
Acerca do financiamento da educação, Feldman (2016, p.31-32) salienta que “Quando se fala sobre o contexto
ao qual a educação está no momento, tem que se compreender as legislações que a regem, e são 4 pontos que foram
importantes para a mesma [...]”, ou seja, a “Constituição Federal de 1988 – Vinculação de recursos para a Educação;
Lei de Diretrizes e Bases de 1996 – Definição de MDE; Emenda Constitucional 14/1996 – Criação do Fundef; Emen-
da Constitucional 53/2006 – Criação do Fundeb”. Com base nessas legislações, as escolas indígenas buscam melhorias
e educação de qualidade, no entanto, “No Brasil não há lei em vigor que regulamente o princípio constitucional da
garantia do padrão de qualidade, porém a palavra “qualidade” aparece 5 vezes no capítulo da Educação, e na LDB,
usa-se 11 vezes a palavra, porém algumas são repetições da Constituição Federal” (FELDMAN, 2016, p. 44).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme pontua Ferraz (2016, p. 15) ”O conceito de gestão está muito ligado à administração, entretanto, no
que tange a Educação, a mesma deve servir a gestão escolar visando a garantia do direto à educação“. Sob essa ótica,
a educação escolar indígena da Aldeia Jarará em sua conjuntura educacional, foi gerida primeiramente, por meio de
incentivos do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Dourados, e posteriormente ela passou a ser assistida pela
administração pública do Município de Juti.
Para a gestão administrativa da educação, especificamente da escola indígena em questão, seus elementos fun-
dantes dependeram por anos, das ações do governo do Estado e do município de Juti, mas principalmente do aval
do Ministério Público Federal, a partir de 1996 até sua implantação em 2005, fato este, que se deu porque a escola
estava em área litigiosa. Após muitas lutas e resistências para a criação e permanência da educação na aldeia, e com as
exigências para a construção de um novo prédio escolar, só aconteceu porque houve uma intervenção, em 2003, pelo
procurador da República Charles Stevan Mota Pessoa, participação do Ministério Público Federal. Também de acor-
do com o Jornal O Progresso (DOURADOS, 2004), para liberar a construção da escola a “[...] obra foi autorizada pela
Câmara Municipal através da Lei nº 185/2004, atendendo a política educacional indígena da atual administração e o
Compromisso de Ajustamento de Conduta, celebrado entre o município e o Ministério Público Federal”. Após todos
esses desfechos de 2003, ao fazer a análise no documento de criação da escola - Lei Municipal nº 202/2005 (PREFEI-
TURA MUNICIPAL DE JUTI, 2005), observou-se uma alteração no Art. 2 º desta lei. Trazendo a Lei Municipal nº
303/2009, onde a escola indígena deixaria de ser escola polo, e seria gerida pela Secretaria Municipal de Educação.
A educação em escolas indígenas, enquanto direito garantido na e LDB/96, inda há muitas fragilidades no tocante
as questões administrativas para gestar a educação dessas escolas, dentro de reservas indígenas em muitos municípios,
como é o caso da Escola Indígena MBO’ERO ARANDU’I, sobretudo, sobre a não autonomia educacional. Com isso, a
escola em questão, pode-se afirmar que vem sofrendo um retrocesso em sua existência enquanto instituição educativa.

REFERÊNCIAS
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FONTES
Documentos
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FIGURA 2- Cronologia histórica das retomadas na aldeia Jarará (1960 a 1996). In: Jornal O Progresso (1996). Acesso em: 2018.
FIGURA 3- Ocupação dos indígenas na Aldeia Jarará (1996). In: Jornal O Progresso (1996). Acesso em: 2018.
Entrevista
AMBRÓSIO BENITES. Entrevista (fev. 2019. Entrevistadora: Rosângela Farias da Silva;Juti, MS, 2018.

775
HISTÓRIA DA EDUCACAO MOCAMBICANA NO SECULO XX:
LEI 4/83 E 6/92 DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Ancha Quimuenhe1

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de apresentar uma síntese provisória da história da Educação em Moçambique,
considerando como marco os quatro momentos lógico-históricos em que a alternância de poder e de dirigentes
daquele sistema de ensino modificou seus propósitos, instituindo novas políticas educacionais. Para esta análise da
educação moçambicana está sendo considerada como principal referência teórica e metodológica o contextualismo
linguístico de Quentin Skinner, tendo como fonte os textos legais que instituíram as reformas de ensino naquele país.
Várias são as etapas que o sistema educativo moçambicano sofreu, ou seja, teve que enfrentar até aos nossos
dias. Na era ante-colonial, isto é, antes da penetração portuguesa, o povo moçambicano já detinha duma educação
“tradicional”, que consistia na transmissão de conhecimentos, convicções e valores de geração em geração. Com a
chegada dos portugueses, introduziu-se outra educação de opressão, desprezando os nativos que até chegaram de
apelidar de indígenas, povo selvagem. Segundo os defensores dessa educação na época, com essa educação preten-
diam libertar do estágio em que se encontrava o povo nativo, para inseri-lo na classe dos assimilados. A educação
portuguesa considerada como opressora, não beneficiava a toda população moçambicana se não para os portugueses
e as suas famílias e uma pequeníssima parte de nativos considerada de assimilados.
Durante a luta de libertação de Moçambique, criaram-se centros onde a população tinha a oportunidade de
aprender a ler e a escrever. Assim, após a independência nacional criou-se um sistema de educação cujo objetivo era
de formar o Homem Novo, um homem livre da opressão e ideal coloniais. Em 1983, é introduzida a Lei 4/83, de 23
de março, que regulava na altura o sistema nacional de educação. Com o advento da guerra e outros fatores, houve
a necessidade de se ajustar o sistema educativo às conjunturas locais, nacionais e até internacionais, daí a introdução
da Lei 6/92, de 6 de maio, atual lei do Sistema Nacional de Educação, em vigor na República de Moçambique. No
que concerne à sua estrutura, o sistema de ensino manteve a mesma que vinha funcionando com a lei 4/83 de 23 de
março.
As mudanças mais significativas foram à abertura da participação de outras entidades, comunitárias, coope-
rativas, empresariais e privadas no processo educativo e a diminuição da idade de ingresso na escola, que passou de
sete anos de idade para seis anos. Apesar de ter havido mudanças na legislação, às políticas educacionais continuam
ineficientes para garantir a todas as crianças moçambicanas em idade escolar o acesso à escola. Não obstante, em Mo-
çambique, segundo a Constituição da República (CR), a educação é direito de todo povo moçambicano. O Ministério
da Educação (MINED) tem o mandato de disponibilizar aos moçambicanos a educação desde as classes iniciais até ao
ensino superior. Assim, este estudo apresenta um panorama das principais mudanças ocorridas no sistema de ensino
de Moçambique no decorrer do século XX, por meio de uma análise crítica da política educacional que vigorou no
país naquele período.

1 Professora da Universidade Pedagógica de Moçambique. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – PUC Goiás.

776
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE MOÇAMBIQUE

Antes de apresentação do tema proposto, importa fazer uma breve descrição da situação geográfica se Mo-
çambique, o qual constitui o campo de ação do nosso objeto de estudo. Faz-se também uma descrição sumaria da
educação antes da penetração Portuguesa, no período colonial e após a independência nacional, que culminou com a
lei 4/83 de 23 de março e a lei 6/92 de 6 de maio.
Moçambique, oficialmente designado por República de Moçambique, é um país do continente africano e fica
situado a sul do Equador, em frente da ilha do Madagascar, na costa oriental da África Austral. Tem como limites,
a norte a República da Tanzânia, separados pelo rio Rovuma. E para o nordeste fica a República de Malawi e a Re-
pública da Zâmbia. O oeste fica a República de Zimbábue e a leste é banhado pelo oceano Índico, através do canal
de Moçambique. Sul e sudoeste fazem limite com República de África do Sul e o reino de Suazilândia. Possui uma
área de 801.590Km2 e uma população estimada em 27.909.798 habitantes (censo 2017). Possui 11 províncias, nome-
adamente: Niassa, Cabo Delgado, Nampula, Zambézia, Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza, Maputo Província e
Maputo Cidade.
O país obteve a sua independência em 25 de junho de 1975, após quase cinco séculos de dominação colonial
estrangeira imposta por Portugal.

Figura 1: Mapa do continente africano (A) e Localização geográfica de Moçambique (B)

(A) (B)

Fonte: https://br.depositphotos.com/55137309/stock-photo-map-of-africa-with-a.htm

EDUCAÇÃO MOÇAMBICANA ANTES DA CHEGADA DO COLONIALISMO PORTUGUÊS

Antes da educação colonial, a sociedade moçambicana já detinha uma educação tradicional que se baseava na
transmissão de conhecimentos e técnicas acumuladas na prática produtiva, onde inculcava o seu código de valores
políticos, morais, culturais, sociais e religiosos. Através dos ritos de iniciação, pelo dogma, pela superstição, pela ma-
gia, o individuo era preparado para aceitar a exploração como lei natural e assim reproduzi-la no seu grupo etário, na
família, na sua tribo, etnia e raça. (Lei nº 4/83, de 23 de março)
Para Gasperini (1989) na educação tradicional, a formação dos jovens, exceto no período dos ritos de inicia-
ção, estava ligada a vida da comunidade e dos adultos. Não havia um espaço e um tempo destinados exclusivamente
à transmissão cultural ou à produção, não haviam adultos qualificados para estas tarefas; pois, o ser humano não se
desenvolve de forma solitária, nem de modo isolado, ele necessita de uma educação (socialização), a qual tem como
objetivode adaptar e integrar a todo indivíduo no grupo social a que pertence.

777
EDUCAÇÃO NA ERA COLONIAL

Ainda segundo Gasperini (1989), o sistema escolar colonial nasceu entre finais do século XIX e as primeiras
décadas do século XX que era para preparar os colonos à direção política e econômica do país. Tal como aconteceu
em vários países no ocidente, Moçambique não foge dessa realidade. A educação como instituição educativa, nasceu
em função da necessidade de formação de uma elite, num contexto caracterizado pela oposição entre o trabalho ma-
nual e intelectual.
Nesse sentido, Gomez (1999) e Santos (2008), salientam que o ensino para o povo autóctone (não-brancos)
tinha como principal objetivo civilizar e unificar culturalmente. “Civilizar” na prática significava proporcionar a
aprendizagem da língua portuguesa e dos rudimentos da religião católica, a aquisição de competências para os traba-
lhos rurais e manuais. Na realidade, não se pretendia criar entre os povos africanos elites letradas, mas sim torná-los
“instrumentos” ao serviço de Portugal.
Nesta perspectiva era necessário “unificar” culturalmenteos povos, fazê-los sentirem-se portugueses, pelo que
se afigurava importante promover o abandono de práticas tribais e a progressiva, lenta e limitada aproximação aos
valores da civilização européia. “ler, escrever e contar” era o que a escola podia dar aos “indígenas” (SOUSA, 2008).
Aponta Mazula (1995) que, em 1930, foi criado o Diploma Legislativo no 238 de 17 de maio, uma justificação para a
separação de tipo de ensino e objetivos de cada ensino:
• Um subsistema oficial - destinado aos filhos do colono e assimilado, que visava dar a criança instru-
mentos fundamentais de todo o saber e as bases de uma cultura geral preparando a para a vida social.
• Um sistema indígena – para os nativos tinha por fim elevar gradualmente da vida selvagem para a vida
civilizada dos povos cultos, a população autóctone (população nativa) das províncias ultramarinas. Em 1930
este ensino passa á cargo da Igreja Católica, através do Diploma Legislativo nº 238, de 17 de maio.

A escola para os moçambicanos destinava-se mais à submissão ideológica e cultural da mão-de-obra do que á
formação técnica e profissional. O ensino da leitura, escrita e rudimentos de uma profissão, serviam de veiculo de
uma cultura de submissão, que ensinava o desprezo pelas tradições locais e aceitação acrítica de tudo o que viesse da
metrópole. (GASPERINI, 1989).
A educação colonial em Moçambique impôs uma educação que visava uma reprodução da exploração e da
opressão, uma educação de segregação racial. A separação de tipo escola, uma para a classe branca “o saber dizer” e
outra para a população autóctone “o saber fazer”. Esta educação mutilava não só a população negra, mas também a
classe branca, pois ambos eram privados do desenvolvimento completo que integrasse o pensamento e ação, que se
traduz em “saber pensar” e “saber fazer”, “saber dizer” e “saber ser” que é a ciência e técnica. (Idem, 1989)

EDUCAÇÃO DURANTE A LUTA ARMADA

Durante a luta de libertação nacional, foram constituídas nas zonas libertadas escolas primárias que em muitas
das vezes funcionavam por baixo das árvores, como cita Gasperini (1989), era consequência de falta de meios e da
necessidade de adaptar-se a situação de guerra, pois as construções fixas seriam alvo fácil para o inimigo abater. Refe-
re-se zonas libertadas, aqueles territórios que a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique)2 já havia ocupado
à medida que a guerra de libertação de Moçambique avançava e que já não estavam sob controle da administração
portuguesa.
Não havia professores formados, muitas vezes era alguém que tivesse uma classe a mais que os outros, era o
princípio adotado pela FRELIMO de quem tivesse um conhecimento a mais, devia passar o que sabia a quem não

2 FRELIMO – movimento criado em 1962 e tendo como seu primeiro presidente de Moçambique Eduardo Chivambo Mondlane (assassinado
a 3 de fevereiro de 1969 em Tanzânia por uma bomba encartada) para fazer frente a luta de libertação de Moçambique. Dois anos depois da
fundação da frelimo, inicia a luta armada a 25 de setembro de 1964 e culminou com cessar fogo a 8 de setembro de 1974 (acordo de Lusaka
em Zâmbia), e a 25 de Junho de 1975 proclama-se a independência de Moçambique, no estádio da Machava, na altura Lourenço Marques,
hoje capital de Moçambique, Maputo.

778
detinha daquele conhecimento. Os alunos não tinham cadernos, não tinham livros, em fim não tinham nenhum
meio didático. Servia de quadro casca de arvores e giz era mandioca seca. Os mapas eram desenhados na área, era a
“iniciativa criadora” em causa por causa das dificuldades do tempo em causa (GASPERINI, 1989). O objetivo central
desta educação era a formação do homem novo, livre das ideologias colono, um homem com uma mentalidade nova
capaz de resolver os problemas revolucionários da sociedade moçambicana.

EDUCAÇÃO APÓS A INDEPENDÊNCIA

Após a independência, abre-se espaço a toda comunidade moçambicana, onde a Educação garante o acesso dos
operários, dos camponeses, dos seus filhos e a todos os níveis de ensino, onde se fundamentava pela erradicação do anal-
fabetismo; introdução da escolaridade obrigatória e a formação dos quadros do desenvolvimento harmonioso do país.
Lembro-me hoje como se fosse ontem, muito embora ainda criança, nos primeiros anos da minha escolaridade,
nos primórdios dos anos 80, no distrito de Mocimboa da Praia – Província de Cabo Delgado, norte de Moçambique,
existia uma canção, a gente entoava na altura da pré-primária - assim designada a classe inicial introduzida nas escolas.
A canção era assim:
Vamos cantar
Vamos cantar,
A linha da ordem do nosso povo
Unidade, o trabalho e vigilância
A linha de ordem do nosso povo.

Só hoje posso perceber donde provinham aquelas que considerávamos lindas palavras. De um povo muito so-
frido pelo desprezo, pela descriminação secular. Cantando ia me incluindo no cotidiano, eu fazia parte desse povo e
este era o veículo da disseminação dessa ideologia na comunidade onde eu fazia parte.

Em 1983, na altura ia freqüentando a 2ª classe quando ouço pela primeira vez sobre um “novo sistema de edu-
cação”, que nessa luta ideológica e de vanguarda da reconstrução diante dos destroços do colonialismo figurava como
o enfrentamento dos vestígios que restavam do colonialismo português com o seu “antigo sistema de educação”. A
Lei nº 4/83, de 23 de março, se fundamentava nos seguintes grandes objetivos:
• a erradicação do analfabetismo;
• a introdução da escolaridade obrigatória; e
• a formação de quadros para necessidade do desenvolvimento econômico e social e da investigação
cientifica tecnológica e cultural.

Foi devido à necessidade de conceber leis para a regulação e o funcionamento do sistema educativo que nasceu
o Sistema Nacional de Educação (SNE), que pode ser interpretado a partir das Leis 4/83 e 6/92, uma para a introdu-
ção (1983-1992) e outra para a sua reforma (1992 aos nossos dias). O SNE surgiu como instrumento de concretização
dos ideais do PPI para galvanizar o projeto político-ideológico e motor para o desenvolvimento da “nova” sociedade,
segundo ditavam as orientações do III Congresso da FRELIMO em 1977 (MAZULA, 1995; GOMEZ, 1999). Assim, a
Lei 4/83 marcou um novo período de ascensão no campo educacional, para quebrar a mentalidade capitalista deixada
pelo “sistema colonial de educação”. Foi homologada em 23 de março de 1983, com o objetivo central de “formação do
homem novo, um homem livre do obscurantismo, da superstição e da mentalidade burguesa e colonial, um homem
que assume os valores da sociedade socialista”. (GOMEZ, 1999, p.35).
Entende-se por Sistema de educação como sendo o processo organizado por cada sociedade para transmitir às
novas gerações as suas experiências, conhecimentos, valores culturais, desenvolvendo as capacidades e aptidões do
indivíduo de modo a assegurar a reprodução da sua ideologia e das suas instituições econômicas e sociais (REPÚBLI-

779
CA DE MOÇAMBIQUE, 1983). Esta lei fundamenta-se nas experiências da educação desde a luta armada de liberta-
ção de Moçambique até a fase de construção do socialismo, nos princípios universais do Marxismo-Leninismo e no
patrimônio comum da humanidade.
Por causa da guerra civil que assolou Moçambique desde ao primeiro momento, dois ano após a independên-
cia Nacional, guerra esta protagonizada pela RENAMO3, afirma Ferrão (2002), a economia sofreu das destruições e
efeitos da guerra, secas, cheias, população deslocada, população refugiada, escassez de mão de obra qualificada, falta
de divisas, entre outros fatores, houve a necessidade de ajustar o quadro geral do sistema educativo e adequar as
disposições contidas na lei 4/83 de 23 de Marco ás atuais condições sociais e econômicas do país, tanto do ponto de
vista pedagógico como organizativo (lei 6/92). Esta Lei 4/83 é revogada e introduzida uma nova que é a Lei 6/92, de
6 de maio.
A título de exemplo, na Lei nº 4/ 83, de 23 de março, o ingresso era de sete anos de idade e a nova Lei 6/92, de
6 de maio, a criança ingressa com seis anos na escola. Igualmente a nova lei o ensino é laico; permite a participação de
outras entidades no processo educativo; a introdução da disciplina de artes e ofícios entre outros aspectos inovadores
no processo da educação em Moçambique (REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, lei 4/1983 e 6/ 1992).

Quadro ilustrativo das inovações contidas na Lei 6/92 de 6 de maio

Lei 4/83 Lei 6/92


No seu artigo 6, n°1 no segundo período (escolaridade
obrigatória) - As crianças moçambicanas devem ser Artigo 5, n°1 (idade de ingresso) – as crianças moçambicanas que
obrigatoriamente matriculadas na 1ª classe no ano que completem 6 anos de idade serão matriculadas na 1ª classe.
completem 7 anos de idade
No seu artigo 1, e) sobre os princípios gerais – a
No artigo 1 sobre os princípios gerais, na sua b), diz que o estado
educação é dirigida, planificada e controlada pelo
no quadro da lei permite a participação de outras entidades,
estado, que garante a sua universalidade e laicidade
incluindo comunitárias, cooperativas, empresariais e privadas no
no quadro da realização dos objetivos fundamentais
processo educativo.
consagrados na constituição.

Fonte: adaptado pela autora, a partir da Lei 4/83 e lei 6/92

ESTRUTURA DO SISTEMA NACIONAL DA EDUCAÇÃO

Atualmente, o Sistema Nacional de Educação estrutura-se da seguinte maneira:

SNE – Educação Geral


Níveis Classes/anos Ciclos Idade ideal Saídas
1ª , 2ª 1º 6, 7 ETP
3ª, 4ª, 5ª 2º 8, 9, 10 ESG
Primário
Ed. Ad.
6ª e 7ª 3º 11, 12 Merc. de Trabalho
8ª , 9ª, 10ª 1º 13, 14, 15 ETP
ESG
Ed. Ad.
Secundário
11ª e 12ª 2º 16, 17 Merc. de Trabalho
E. Sup.
Form. de Profs

3 RENAMO –Resistência Nacional Moçambicana, criado em 1977 por Kenneth David Flowers ( Rodesia)cujo objetivo era desestabilizar os
países independentes da região. Em Moçambique teve como primeiro comandante Andre Matadi Matsangaissa morto a 17 de Outubro de
1982, e sucedido por Afonso Marceta Macacho Dhlakama.

780
SNE – Ensino Técnico Profissional
ETP
Elem/Básico 1º , 2º , 3º - 13, 14, 15
ESG
Médio 1º , 2º , 3º - 16, 17, 18 Ens. Superior
SNE – Educação de Adultos
ETP
ESG
Alfabetização 1º , 2º , 3º - A partir dos 15 anos Ed. Ad.
Merc. de Trabalho

SNE – Ensino Superior


Licenciaturas 4, 5 ou 6 anos - -
Mestrados 2 anos - - Merc. de Trabalho
Doutoramentos 3/4 anos - -

Fonte: Adaptado (Lei 6/92, 6 de maio)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Numa análise sumária, pode se afirmar que a educação em Moçambique de hoje, olhando para a sua evolução,
teve grandes avanços em comparação com o regime que estava implantado na era colonial. As actuais políticas educa-
tivas, seus sucessos e desafios, têm uma longa história. As suas raízes estão na experiência educativa da colónia e nas
escolhas políticas da Frelimo desde a luta de libertação, nos anos 1960 e 1970, passando pelo período revolucionário
e socialista pós-independência, nos meados dos anos 1970 e anos 1980, até a actual fase de liberalismo económico e
pluralismo político.
A educação passou a ser direito de todo cidadão moçambicano, independentemente da raça ou religião. Apesar
desta emancipação da educação, ainda hoje o analfabetismo prevalece em grande escala, isto porque não existe escola
para todos, fala- se da gratuidade do ensino, mas nem todos conseguem vagas para seus filhos e as escolas continuam
cobrando taxas diversas. Hoje 44,9% da população Moçambicana é analfabeta, províncias há que mais da metade da
população contínua analfabeta.
Não obstante todos estes aspectos, Moçambique ainda luta para atingir a meta de oferecer o ensino primário
para todas as crianças em idade escolar. Os gastos do setor da educação estão a subir, mas os recursos alocados à
educação não estão a aumentar na mesma proporção; muitas crianças, especialmente as raparigas, não completam o
ensino primário; as escolas continuam a ter falta de material; os professores e gestores dos serviços de educação de-
monstram grandes fraquezas e os rácios entre o número de alunos e professores são bastante altos. Em suma, surgem
evidencias que a qualidade dos serviços de educação está a cair e as reformas introduzidas no sector não têm tido um
impacto significativo.
Enfim, fica difícil situar em que posição se encontra o país em torno da educação, pois além dos lentos avanços,
não há espaços para fecundar muitas discussões a respeito de temas educativos. Vai ser difícil sair dessa, principal-
mente se pensarmos nas relações que vem se estabelecendo com os organismos neoliberais como o FMI e Banco
Mundial.
É tarefa de toda camada intelectual, tomar novas atitudes, definir novas estratégias e ter novos olhares em re-
lação ao futuro da educação Moçambicana.

781
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DOCUMENTOS LEGISLATIVOS

Constituição da República de Moçambique, de 16 de Novembro de 2004.


Convenção da Luta Contra os Direitos da Criança. UNESCO. 1960.

782
HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM REVISTA: UM
BALANÇO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA (1998 A 2018)

Marcela Marques Umbellino – UFGD/MS1


Kênia Hilda Moreira – UFGD/MS2

RESUMO: Objetivamos apresentar um balanço das produções acadêmicas sobre história de formação de pro-
fessores a partir das revistas especializadas no campo de divulgação das pesquisas em história da educação. A mo-
tivação desse mapeamento de pesquisa se fundamenta em Parra e Santos (1998, p. 102), ao afirmarem que “antes
de iniciar qualquer trabalho científico, é importante que o pesquisador tenha pleno conhecimento do estágio em
que se encontra o assunto a ser trabalhado”, ou seja, “é a pesquisa bibliográfica preliminar que vai fornecer todas as
informações necessárias para uma sequência, ou seja, o avanço em determinados campos do conhecimento”. Con-
siderando nosso interesse pela história da formação de professores no Brasil, utilizamos como buscadores para a
elaboração deste balanço os seguintes periódicos acadêmicos: Revista Brasileira de História da Educação (RBHE) com
publicações desde 2010; Revista Cadernos de História da Educação (RCHE) com publicações desde 2002; Revista
História da educação (UFRGS), desde 1997; e Revista HISTEDBR, desde 1998. Em todas as edições das revistas em
questão, buscamos pelo descritor “formação de professor/docente” e termos equivalentes, no título, resumo e/ou
palavras-chave. A análise dos artigos localizados partiu da leitura dos resumos, mas em alguns casos, foi feita a leitura
integral, considerando como aponta Ferreira (2002, p. 268), que um conjunto de resumos organizados em torno de
uma determinada área do conhecimento pode nos contar uma história de sua produção acadêmica, mas é necessário
considerar que há limitações nesse tipo de procedimento metodológico. Localizamos 35 artigos que permitiram uma
análise quanti-qualitativa. Entre as questões analíticas destacamos as instituições e autores recorrentes, o período de
maior produção, conforme a publicação nos referidos periódicos, bem como o recorte temporal da história do Brasil
delimitado para cada pesquisa. Tais questões permitiram evidenciar uma consolidação desse campo de pesquisa entre
35 autores e 29 instituições. No que diz respeito à análise qualitativa questionamos sobre as fontes utilizadas para
tratar da história da formação de professores, bem como os principais referenciais teóricos utilizados pelas pesquisas
localizadas. Sobre os referenciais teóricos mais utilizados, destacamos Burke (1992), Chartier (1990), Le Goff (1997),
Bourdieu (1997), Nóvoa (1996), Saviani (1997), Libâneo (2004), Descartes (1985), Thompson (1981), Britto (1991),
Bezerra (1990), Tardiff (2002), Severino (2002), Werle (2003), Cunha (2012), Faria Filho (2000), Gatti (2005) e Al-
meida 1989. O levantamento também permitiu apresentar uma lista das fontes utilizadas nas pesquisas, contribuindo
para facilitar futuras investigações, no que diz respeito ao acesso das fontes. De modo geral, o balanço permitiu evi-
denciar carências e aprofundamentos temáticos e temporais.
Palavras-chave: Formação. Professores/Docente. Publicações.

INTRODUÇÃO

O estudo da formação de professores perpassa pelo debate atinente à evolução histórica da dimensão pedagó-
gica do ensino e da educação em geral, motivo pelo qual o processo de ensino não ter um caráter de estanqueidade,
pelo contrário, naturalmente sofre mudanças naturais e até mesmo artificiais, em virtude dos períodos históricos,
políticos, sociais e principalmente econômicos, para citarmos apenas alguns dos principais aspectos da sociedade que
estão intrinsicamente relacionados com a formação docente.

1 Mestranda em educação. Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal da Grande Dourados (PPGE/UFGD). E-mail:
marcela_umbellino@hotmail.com
2 Doutora em Educação Escolar. Docente da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal
da Grande Dourados. E-mail: keniamoreira@ufgd.edu.br

783
O profissional em educação durante sua trajetória constrói e reconstrói continuamente os seus conhecimentos
conforme o contexto social em que vive, ou seja, altera-se em diferentes situações e contextos. Portanto, o professor
deve estar em constante busca pelo conhecimento, a fim de que possa dominar e articular os vários elementos do pro-
cesso de ensino e aprendizagem. Contudo, verificamos que o trabalho docente é um processo complexo de formação
que ocorre através da mediação e da interação entre professor e alunos.
É diante desse cenário de ambivalência no processo de formação de professores que encontramos motivação na
necessidade de conhecermos o que ou quais foram as indagações que levaram os pesquisadores à escreverem sobre a
história da formação de professores, em alguns periódicos relacionados a história da educação.
Nesse sentido, buscamos trabalhar no momento com a análise de fontes de investigações abordadas em pro-
duções acadêmicas publicadas em alguns periódicos referente a história da educação no que se refere a formação de
professores, e desse modo, buscar compreender o pensamento desses autores em relação a formação de professores.
Assim, para um melhor embasamento desse estudo, se fez necessário um mapeamento, cujo objetivo foi levan-
tar quem são os autores que escrevem sobre a formação de professores e em quais instituições e estados brasileiros
encontramos maior quantidade de pesquisas sobre o tema abordado, bem como, quais obras foram investigadas pelos
autores dos artigos e quais os principais procedimentos utilizados para a localização e acesso às fontes bibliográficas
entre outras informações que foram utilizadas para a elaboração dos artigos.
Desse modo, para a realização do mapeamento selecionamos como locais de busca os periódicos acadêmicos:
Revista Brasileira de História da Educação (RBHE) com publicações desde 2010; Revista Cadernos de História da
Educação (RCHE) com publicações desde 2009; Revista História da educação (UFRGS), desde 1997; e Revista HIS-
TEDBR, desde 1998. Em todas as edições das revistas em questão, buscamos pelo descritor “formação de professor/
docente” e termos equivalentes, no título, resumo e/ou palavras-chave.
A análise dos artigos localizados pautou-se na leitura dos resumos, apenas em alguns casos específicos, no qual
não foi possível relacionar o artigo em análise com a nossa pesquisa, se fez necessário uma leitura integral do artigo.
As buscas foram realizadas pela internet, no endereço virtual do periódico, visto que todos os materiais analisados
estão disponíveis em ambiente virtual.
Para realizarmos está busca virtual utilizamos como descritores os termos “Formação”, “Professores” e “Publi-
cações”, lançando-os nos buscadores do próprio site. Para os resultados obtidos, foram considerados as presenças nos
títulos, resumos e palavras-chaves, sendo priorizados os trabalhos que apresentaram recorte temporal entre os anos
de 1998 e 2018.

DESCRIÇÃO QUANTITATIVA

Nossa abordagem teve por objeto uma análise quantitativa de produções relacionadas a história da formação
de professores, dada a expressividade de artigos encontrados, nos quais os autores escrevem sobre esse tema, busca-
mos identificar a localização geográfica e as instituições que foram realizadas as pesquisas e por fim, a recorrência de
autores.
Após apreciação e filtragem das produções literárias foram localizados 35 artigos de autores distintos com 29
instituições diferentes neste campo de produção acadêmica, os quais mencionam a formação de professores em suas
pesquisas e consequentemente em suas publicações no periódicos analisados3.
Tais materiais provem das publicações nas revistas: - Revista História da Educação – ASPHE (UFRGS), entre
1997 a 2018, disponíveis online, com publicações semestrais entre os anos de 1997 a 2006 e publicações quadrimes-
trais entre os anos de 2007 a 2018. O mapeamento apontou que durante o período de 1997 a 2018, revista contou
com 645 publicações, das quais 9 artigos publicados, que contemplam a Formação de professores, os quais datam do
ano de 1998 a 2017.

3 No Apêndice A apresentamos o desenvolvimento desse estudo, destacando os autores, os títulos das obras, as instituições de origem das
produções, bem como, o periódico, a edição e o ano de publicação.

784
- Revista Cadernos de História da Educação (RCHE) com publicações de 2002 até 2019, disponíveis online,
com publicações anuais entre os anos de 2002 a 2008, semestrais de 2009 a 2014, quadrimestrais de 2015 a 2018 e
anual em 2019. O mapeamento apontou que durante o período de 1997 a 2018, revista contou 565 publicações, com
3 artigos publicados, que contemplam a Formação de professores, os quais datam do ano de 2009 a 2012.
- Revista Brasileira de História da Educação com publicações de 2001 até 2018, disponíveis online, com publi-
cações semestrais entre os anos de 2001 a 2006, quadrimestrais de 2007 a 2015, bimestrais de 2016 a 21017 e anual em
2018 e 2019. O mapeamento apontou que durante o período de 2001 a 2018, revista contou com 513 publicações, nas
quais foram publicados 2 artigos, que contemplam a Formação de professores, os quais datam do ano de 2012 a 2016.
- Revista HISTEDBR com publicações de 2003 até 2017, disponíveis online, com publicações trimestrais e
especiais nos anos de publicação. O mapeamento apontou que durante o período de 2003 a 2018, revista contou com
aproximadamente 1468 publicações, os dados das publicações neste periódico não são precisos, devido ao fato das
edições entre o período de setembro de 2000 a setembro de 2007, não estarem disponíveis online, no site da revista,
impossibilitando desta forma uma análise quantitativa mais exata desses períodos, das edições que encontram-se
acessíveis foram localizados 21 artigos publicados, que contempla a Formação de professores, os quais datam do ano
de 2003 (este ano conseguimos fazer o levantamento deste periódico) a 2017.
Notamos, portanto, no decorrer de nossa pesquisa, que a temática alusiva a formação de professores, vem cres-
cendo consideravelmente nas últimas décadas. Sendo que, os primeiros artigos datam do ano de 1998. Ademais, este
mapeamento permitiu-nos ainda evidenciar que esse assunto além de não ser ressente continua em ascensão, dado a
importância da formação docente no processo de ensino e aprendizagem.
Em relação as instituições com maiores índices de produção sobre a temática, em primeiro lugar temos a
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), com 6 trabalhos, em segundo lugares com dois trabalhos
cada as instituições: Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifica Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-RJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade Estadual de Londrina (UEL) e a
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e com 1 trabalho publicado cada em terceiro lugar as instituições: Ponti-
fica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Pontifica Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Universidade Federal de Fernando Pessoa (UFP), Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade para o Desenvolvimento do Estado e
da Região do Pantanal (UNIDERP), Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Instituto Federal do Trian-
gulo Mineiro (IFTM), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Michigan Credit Union League &
Affiliates (MCUL), Universidade de Lisboa, Universidade Federal do Triangulo Mineiro (UFTM) e a Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP).

DESCRIÇÃO QUALITATIVA

No que se refere a análise qualitativa recorremos as fontes utilizadas para tratar da história da formação de pro-
fessores, bem como os principais referenciais teóricos utilizados nas pesquisas localizadas. Dentre os mais utilizados,
destacamos Burke (1992), Chartier (1990), Le Goff (1997), Bourdieu (1997), Nóvoa (1996), Saviani (1997), Libâneo
(2004), Descartes (1985), Thompson (1981), Britto (1991), Bezerra (1990), Tardiff (2002), Severino (2002), Werle
(2003), Cunha (2012), Faria Filho (2000), Gatti (2005) e Almeida 1989.
Assim, com base nas pesquisas dos periódicos vinculados a história da educação, no que se refere a formação
de professores, o foco esteve vinculado a qualidade da coleta de dados, buscando sempre por respostas que norteiam
nosso objetivo.
Nesse contexto, Ludke e André (1986, p.11), esclarecem que “[...] a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural
como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. ” Ou seja, para que ocorra um estudo
qualitativo é necessário o contato direto do pesquisador com o objeto de estudos, neste caso os periódicos.

785
Godoy (1995, p. 58) pondera ainda que “[...] a pesquisa considera o ambiente como fonte direta dos dados e o
pesquisador como instrumento chave, possuindo um caráter descritivo, o processo é o foco principal de abordagem
e não o resultado ou produto [...]”.
Não obstante a analise apenas no que tange a quantidade e a qualidade das informações, Mello (1983) considera
ainda que, as pesquisas sobre a formação de professores têm destacado a importância de se analisar as práticas peda-
gógicas, as quais procuravam separar a formação de sua pratica cotidiana.
Nunes (2001) afirma que:

[...] a partir da década de 1990 que se buscam novos enfoques e paradigmas para compreender a prática pedagó-
gica e os saberes pedagógicos e epistemológicos relativos ao conteúdo escolar a ser ensinado/aprendido. Neste
período, inicia-se o desenvolvimento de pesquisas que, considerando a complexidade da prática pedagógica e dos
saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor, destacando a importância de se pensar a formação numa
abordagem que vá além da acadêmica, envolvendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da
profissão docente.

Seguindo essa mesma linha de pensamento os autores Ghedin, Almeida e Leite (2008), afirmam que, não se
pode considerar essa formação deslocada ou distanciada da reflexão crítica acerca da realidade do professor. Logo, a
formação continuada do profissional docente, além de ser de grande relevância para o sucesso de sua carreira, implica
diretamente na preparação e formação do cidadão.
Guarnieri (2005, p. 6) complementa esse pensamento salientando ainda que, “há indicadores que sugerem que,
para ter sucesso profissional na tarefa de ensinar, é necessário ao professor conhecer, dominar e articular os vários
elementos que compõem o seu trabalho”. Assim, podemos reconhecer a educação como processo de aprendizagem à
leitura e escrita do mundo, podemos igualmente reconhecer que as concepções dominantes na pedagogia se aproxi-
mam da racionalidade que guia a vida no mundo contemporâneo (CELESTINO, 2011).
Nesta concepção, o trabalho docente é visto como um processo educativo de instrução e de formação humana,
através da mediação e da interação entre professor e alunos, a partir dos conteúdos do ensino em direção à constru-
ção de uma sociedade verdadeiramente humana onde sujeitos constroem sua identidade no seio de uma coletividade.
Ademais, os professores em geral, ao longo de sua carreira, irão vivenciar situações inusitadas em seu cotidiano, as
quais de certo modo, faz parte de seu processo de aprendizado.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O eixo reflexivo desta pesquisa foi o mapeamento dos periódicos de maior vinculação sobre a história da educa-
ção no Brasil, apesar do extenso trabalho de busca, foram selecionadas apenas as produções acadêmicas que abordam
sobre a formação de professores.
No decorrer da pesquisa podemos evidenciar de forma simplista, que apesar do tema ser debatido a bastante
tempo, os conteúdos ainda são poucos e bem sucintos, e apesar de avanços significativos no que tange a formação
continuada de professores, ainda temos uma longa estrada a percorrer. Portanto, acreditamos que se faz necessário
repensar a importância dos trabalhos científicos e principalmente a importância da formação continuada na carreira
do profissional docente.
Assim, esperamos que este trabalho sirva para refletir e estimular novas pesquisas sobre diferentes temas re-
lacionados a carreira docente, e que num futuro próximo possamos colher os resultados almejados, ou seja, que
possamos contar com uma vasta e expressiva produção acadêmica em diferentes instituições de pesquisa, e que esses
estudos proporcione uma visão maior de como ocorre a formação dos professores ao longo das décadas.

786
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787
APÊNDICE A

Mapeamento da produção sobre tema de pesquisa: síntese dos trabalhos localizados

REVISTAS

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Flávia Obino letras na zona rural. Brasil, final do século XIX - Teacher
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Corrêa Werle education in elementary writing in the rural area of
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Ariadne Lopes
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Ecar, Marina Lutas pela formação científica dos professores primários
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Natsume no Rio de Janeiro (1880-1890)
2012 Nogueira, 1938
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(Brasil), UFMG Cunha, 2012
montes claros – mg (1968-1978) 2017
Maria Laura
Magalhães
Gomes (Brasil)

788
REVISTAS

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de Lênin e Gramsci nos cadernos utilizados Número 59
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na escola de formação da APP-Sindicato out. 2014 (n.
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UFP 1981
Araújo Norte dez. 2016
SAVIANI, 2008
Francisco das Chagas
Formação de professores para educação Número 72 CUNHA, 2005
Silva Souza, UFPB
profissional no Brasil: percurso histórico e (2017) abr./jun. FONSECA,
Iaponira da Silva UERN
desafios contemporâneos [72] 1961
Rodrigues

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HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL: O CENTRO ACADÊMICO
DE PEDAGOGIA EM FOCO (1983- 1990)

Nandara Maciel de Alencar - IE/UFMT1


Elizabeth Figueiredo de Sá - PPGE/UFMT2

Resumo: Este trabalho versa sobre a história do Centro Acadêmico de Pedagogia – CAPE da Universidade Fe-
deral de Mato Grosso – Campus Cuiabá. Os Centros Acadêmicos foram criados através da Lei nº 7.395 de 31 de outu-
bro de 1985 como organização estudantil dos cursos de graduação, que compõe a União Nacional de Estudantes-UNE
criada em 1937. A pesquisa tem como referencial teórico-metodológico o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg e
a pertinência do estudo da história das instituições educativas de José Luís Sanfelice. Utiliza como fontes os ofícios,
jornais e regulamentos encontrados no acervo do CAPE/UFMT, bem como a legislação nacional disponibilizada em
rede de comunicação remota. Estas fontes foram, nesta pesquisa, utilizadas para remontar a trajetória do Centro Aca-
dêmico de Pedagogia enquanto Movimento Estudantil presente no curso de Pedagogia da UFMT– Campus Cuiabá.
A delimitação temporal justifica-se pela data do primeiro documento encontrado datado de 1984, da gestão de 1983
até o mandato da terceira diretoria do CAPE, que permaneceu por dois mandatos, isto é, de 1988-1990. A pesquisa
apresentada neste trabalho, compreende que a reconstrução da história do CAPE neste período, implica na expan-
são da compreensão de como foram as gestões do Centro Acadêmico de Pedagogia, de quais foram as intervenções
realizadas na comunidade acadêmica, de que maneira esta entidade ocupou seu espaço enquanto movimento de re-
presentação estudantil nas tomadas de decisões do Departamento de Educação da UFMT e nos eventos de Educação,
e como agregou de forma concisa no desenvolvimento dessa instituição educativa chamada Universidade Federal de
Mato Grosso.
Palavras-chave: Organização acadêmica. Centro Acadêmico de Pedagogia. Movimento Estudantil.

Introdução

O Movimento Estudantil - ME, é um tipo de Movimento Social composto por um grupo de indivíduos com
propósitos e reivindicações em comum, que tem como característica principal sua origem proveniente das demandas
que os alunos tem para com suas instituições escolares/educativas. O desenvolvimento desta pesquisa historiográfica
se deu a partir da necessidade de reconstruir a história de um movimento de representação estudantil como o Centro
Acadêmico de Pedagogia/ UFMT, rememorando uma época em que predominava nos jovens, o idealismo, a utopia,
a vontade de colaborar, reivindicar e lutar pela igualdade no Brasil.
Os Centros Acadêmicos foram criados através da Lei nº 7.395 de 31 de outubro de 1985, enquanto organiza-
ção estudantil dos cursos de graduação, que compõe a União Nacional de Estudantes-UNE, criada em 1937.
As fontes utilizadas neste trabalho são ofícios, jornais e correspondências do Arquivo do Centro Acadêmico
de Pedagogia/UFMT, e datam inicialmente do ano de 1983, até o mandato da terceira diretoria do CAPE, que per-
maneceu por dois mandatos, isto é, de 1988-1990, o que justifica a delimitação temporal deste trabalho. Como refe-
rencial teórico-metodológico será utilizado o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg juntamente com a pertinência
do estudo da história das instituições educativas de José Luís Sanfelice.

1 E-mail: nandaraalencar@outlook.com; Discente do 4° Ano do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Federal de Mato
Grosso.
2 E-mail: elizabethfsa1@gmail.com; Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso e Doutora em Educação
pela Universidade de São Paulo. Atua como professora Associada no Instituto de Educação e no Programa de Pós-graduação da UFMT. É
Coordenadora do grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM-IE-UFMT.

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Para realizar a reconstrução da memória do CAPE este artigo está organizado em duas sessões: a primeira
trata sobre o surgimento da organização estudantil no Brasil; a segunda, sobre a organização do CA de Pedagogia da
UFMT sob a luz do referencial teórico-metodológico acima citado.

ORGANIZAÇÃO E MOVIMENTOS ESTUDANTIS NO BRASIL

Em 1937, quando se dá inicio ao governo ditatorial de Getúlio Vargas, nasce a União Nacional dos Estudantes
- UNE (11/08/37), reconhecida através da Lei 4.105 de 11 de fevereiro de 1942. A lei cita a existência dos Diretórios
Acadêmicos como representação dos estudantes por instituições de ensino superior.
Junior (1982, p. 36) chama-nos a atenção para o fato curioso da UNE, que mais tarde viria a ser excluída pelos
governos por suas posições “subversivas”, surgiu das entranhas de um órgão pretensamente “apolítico”, chamado
Casa do Estudante do Brasil(CEB), cuja presidência (vitalícia) era Ana Amélia Carneiro Mendonça.
A convocação em 1937 do Conselho Nacional dos Estudantes foi feita pela Casa do Estudante do Brasil
(CEB), que tinha como objetivo eleger uma diretoria que se comprometesse a fazer a representação na Confedera-
tion Internationale des Étudiants e criar um estatuto que regulamentasse as atividades dos movimentos estudantis.
Mesmo sendo delimitado neste conselho que o órgão representante seria a UNE, não coincidentemente a entidade
foi proibida de citar pautas que abordassem a política. Foi somente a partir do II Congresso Nacional dos Estudantes
(antigo Conselho Nacional), ocorrido em 1938, que a UNE se separa definitivamente da CEB e passa a representar,
timidamente, política e socialmente a juventude brasileira.
O III Congresso Nacional dos Estudantes ocorreu em 1939 e, desde então, os atritos entre a diretoria da UNE
e a presidente da CEB ficaram cada vez mais fervorosos, levando em consideração a posição cada vez mais crítica que
a UNE estaria tomando em relação a temáticas sociais que afetavam direta e indiretamente os universitários. Poste-
riormente, entre os anos de 1940 e 1942, a UNE assume a posição de órgão máximo de representação estudantil do
Brasil, por meio do Decreto-Lei nº 4.105, de 11 de fevereiro de 1942. A entidade seguiu colocando em debate a situ-
ação econômica, política e social, enfatizando a importância da participação dos universitários em meio ao cenário
que o pais apresentava em pleno período autoritário.
Em meio à Segunda Guerra Mundial o cenário é caótico, o Brasil procura manter-se de certa forma “neutro”
em relação aos conflitos, mesmo já tendo escolhido seu lado e, de acordo com Antônio Mendes Junior (1982, p. 44)
eis que surge o a primeira grande causa a qual a UNE vai se empenhar em defender: “[…] a campanha pela declara-
ção a guerra às potências nazifascistas, que viriam a transformar-se, depois, na luta pela redemocratização do País
e pelo fim do Estado Novo”. Esta campanha foi um sopro de revitalização para os opositores ao governo de Vargas
que estavam inertes após tanta repressão, desta forma a oposição começou a se articular e a se organizar novamente.
No V Congresso Nacional dos Estudantes, ocorrido em 1942, pela primeira vez se teve uma chapa “de direita” para
concorrer contra a chapa de Hélio de Almeida, que vinha se destacando muito com relação a campanha antifascista e
que também tinha apoio de grande parte da diretoria da UNE. Neste Congresso além da eleição de Hélio também foi
criado a União Metropolitana do Estudante (UME), órgão que ficaria responsável por agregar os universitários do
Distrito Federal.
A organização que estava se formando por meio dos estudantes acabou por chamar muita atenção do gover-
no, que imediatamente revidou com uma portaria criada pelo MEC, que de modo geral, colocou o prédio da UNE
sobre direção militar, o que causou grande incomodo e, por fim, resultou no afastamento de Hélio Almeida da dire-
toria da UNE, esta medida teve como foco refrear as decisões independentes que a organização vinha tomando, visto
que a qualquer momento este órgão poderia vir a se voltar contra a ditadura de Vargas.
Entres represálias e recuos, Vargas promulga o Ato Institucional à Constituição de 1937 no qual estipula uma
data para a eleição, se fazendo deste recurso para ganhar tempo e acalmar a oposição. Em 1945 o período do Estado
Novo chega ao seu final com a deposição de Vargas, a solicitação de uma nova Assembleia Constituinte e também de
novas eleições. Nas eleições de 1951, representando o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Vargas ganha as eleições
através do voto popular e retorna presidência do país. Durante este período a UNE se consolidou cada vez

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mais, política e socialmente e a próxima campanha que a entidade se empenhou, foi a campanha do Petróleo é Nos-
so lançada no ano de 1947 que ganhou a simpatia de grande parte da população em todas as camadas sociais, com o
intuito de tornar a exploração do petróleo brasileiro monopólio nacional vários manifestos foram realizados, tendo
forte participação e articulação da UNE. Em 1951 Vargas envia um projeto de lei para a criação da PETROBRAS e,
em 1953 o Senado sanciona e autoriza a criação da estatal. (JUNIOR, 1982).
Vale ressaltar que a UNE por diversas vezes ficou dividida e seu posicionamento nebuloso, durante toda sua
trajetória a entidade foi se moldando conforme o período sócio político e de acordo com a posição de sua diretoria.
Essa entidade tem em sua história a influência de várias vertentes, ora socialista ora liberal, nessa disputa entre “di-
reita” e “esquerda” a UNE ficou “[…] até 1956 sobre o controle de forças extremamente retrógradas e a serviço do
imperialismo norte-americano”. (JUNIOR, 1982, p.57).
Nos primeiros anos da década de 50 a direita esteve na liderança da UNE e, somente em 1956 a esquerda volta
a ocupar o espaço central de liderança, no XIX Congresso da UNE com a eleição de José Batista. Durante os anos 50,
houve muita disputa por poder na entidade, um embate diretamente ligado aos principais episódios políticos do país,
como a crise política do governo Vargas, que viria a se suicidar em 1954, e a eleição de Juscelino Kubitschek, em 1956.
A renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e a turbulência acerca da posse do vice João Goulart fizeram a UNE transferir
momentaneamente sua sede, em 1961, para Porto Alegre3.
Na década de 60 uma série de eventos culminou com o Golpe Militar de 1964, em que os militares tomaram
o poder do então Presidente João Goulart, que havia sido eleito democraticamente na eleição de 1961. Ao decorrer
dos anos a UNE vinha se solidificando cada vez mais, empenhando nas lutas sócio estudantis. A organização trouxe
inúmeras conquistas por meio de seus manifestos e de suas reivindicações, o que outrora seria motivo de orgulho,
neste período com o início da ditadura militar no Brasil, só serviu para colocar a instituição como alvo número 1 da
forte opressão que se instaurava. A invasão, incêndio e destruição do prédio da instituição na noite de 31 de Março
para 1 de Abril, foi uma das primeiras demonstrações de desafeto desse novo governo para com a entidade. A partir
de então tempos sombrios se instauraram no país. A próxima medida tomada para extirpar a UNE foi a Lei nº 4.464,
de 9 de novembro de 1964, de autoria do Ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda.
Essa Lei descentralizou o poder da UNE e criou polos descentralizados em Diretórios Acadêmicos, subordi-
nados às direções das Faculdades, e obrigou os alunos a votarem nas eleições para os DAs sob pena de perderem o
ano escolar (JUNIOR, 1982). Iniciou-se, assim, uma grande “caça às bruxas”, na qual os membros do movimento que
insistiam em agir tiveram que atuar na clandestinidade, pois em sua maioria ao serem pegos, eram agredidos, presos e
até exilados. Mesmo com dificuldades, a UNE ainda conseguiu organizar o seu XXVII Congresso em 1966 no qual foi
explicito o sentimento de repudiava a Lei Suplicy. A partir de então intensificaram-se as manifestações que chegaram
a seu apogeu no ano de 1968 após a o assassinato estudante Edson Luís4.
No final de 1968, com a instauração do Ato Inconstitucional n° 5 (AI-5) pelo general Costa e Silva, que foi con-
siderado a mais terrível das medidas antidemocráticas instauradas no período ditatorial que restringia por completo a
liberdade de expressão de pensamentos contrários ao governo ou que pelo menos pudesse instigar algum tipo de ideia
de oposição, sob a vigência do AI-5 vários jornalistas foram presos, mortos ou simplesmente desapareceram e, figuras
públicas como cantores, escritos e atores, foram exilados do país. Este Ato inibia todo e qualquer manifestação ou
levante, o que levou a UNE a um declínio imenso, pois, sem sua diretoria e sobre fortíssima repressão, a organização
quase se desmembrou por completo.

Após a promulgação do Ato institucional nº 5 (AI-5) em 1968 a repressão se intensificou àqueles que se opu-
nham ao governo. Líderes estudantis e partidários foram perseguidos, muitos foram presos e torturados e alguns
3 Cf: http:www.une.org.br/memoria/;
4 “Edson Luís assassinado pela PM: estudante secundarista, pobre, trabalhador, recém-chegado ao Rio de Janeiro. Não traz, portanto,
adjetivos como líder subversivo, comunista, agitador, tão caros às buscas militares. Morre indefeso enquanto faz a sua refeição no Calabouço
– restaurante universitário no qual auxiliava na limpeza para poder prosseguir em seus estudos. O primeiro assassinato explícito da
ditadura, como enfatizam os estudantes. A violência policial explode contra um inocente levando setores da população de vários estados à
indignação. A morte de Edson Luís é, assim, o primeiro incidente a sensibilizar a opinião pública para a luta estudantil. Para os estudantes,
o extraordinário comparecimento da população no enterro de Edson Luís, além de expressar a revolta contra o seu assassinato, significa a
repulsa às contradições do sistema vigente, injusto” (O METROPOLITANO in VALLE, 2008, p.35).

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até foram mortos como Carlos Marighella (líder da ALN), Mário Alves (líder do PCBR), Honestino Guimarães
(presidente da UNE em 1971), Alexandre Vanucchi Leme (líder estudantil da USP) entre muitos outros. Para as
organizações políticas restava apenas a clandestinidade e a prática de algumas ações armadas como saques a banco
e seqüestros de personalidades políticas a fim de financiar a luta e a preparação para a guerrilha almejada pelos que
defendiam a luta armada (SANTOS, 2009, p. 101-102).

Em 1973 a UNE fecha a suas portas e só volta a se erguer em 1979, visto que o AI-5 já havia sido revogado
no ano anterior. Em 16 de agosto de 1979 é promulgada a lei que dispõe sobre as relações entre o corpo discente e a
instituição de ensino superior retomando os direcionamentos sobre os DCEs.
Em 1985 é promulgada a Lei nº 7.395 de 31 de outubro na qual dispõe sobre os órgãos de representação dos es-
tudantes de nível superior. A referida Lei revoga as Leis 4.464/1964 e a Lei 6.680/1979. O Artigo 1º reconhece a UNE
enquanto entidade representativa dos estudantes universitários. O Artigo 2º as Uniões Estaduais dos Estudantes -
UEEs e, no Artigo 3º trata sobre os Diretórios Centrais dos Estudantes, formado por representantes dos estudantes
de cada instituição de ensino superior. O Artigo 4º assegura “aos estudantes de cada curso de nível superior o direito
a organização de Centros Acadêmicos - CAs ou Diretórios Acadêmicos - DAs como suas entidades representativas”.

CENTRO ACADÊMICO DE PEDAGOGIA – (CAPE) UFMT CAMPUS CUIABÁ: INDÍCIOS


SOBRE A SUA HISTÓRIA

Percebendo a Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT campus Cuiabá enquanto instituição educativa, e
reafirmando as palavras escritas por Sanfelice (2005, p.79) de que “não há instituição sem uma história, e não há his-
tória sem sentido. O desafio é trazer à luz esse sentido[...]”, propõe-se neste trabalho trazer a luz uma parte da história
do Centro Acadêmico - CA do curso de Pedagogia da UFMT durante o período de 1983-1990, utilizando para isso o
método de investigação historiográfica materializado por Carlo Guinzburg (1989) em seu livro Mitos, Emblemas, Si-
nais: morfologia e história. Nesta obra, no que desrespeito ao paradigma indiciário, o autor apresenta alguns exemplos
de como este método já vem sendo utilizado em outras áreas fora das Ciências Sociais.
O paradigma indiciário enquanto método de investigação historiográfica, tem por base o rastreamento de frag-
mentos, indícios e sinais, sinais estes que podem facilmente ser ignorados por um olhar mais desatento. Tendo em
vista as potencialidades deste método, o início da reconstrução histórica do CAPE/UFMT foi realizado sob o olhar
de atenção aos detalhes, para que desta maneira pudéssemos perceber como esta entidade de representação se fez
presente dentro do Departamento de Educação e da UFMT.
O Curso de Pedagogia teve seu início com a criação da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso em
1971, que era composta da Faculdade de Direito de Cuiabá, o Centro de Ciências Exatas e Tecnologia-CCET com-
posto pelos cursos de Engenharia Civil, História Natural, Matemática, Física e Química e do Instituto de Ciências e
Letras de Cuiabá – ICLC que incorporava os cursos de Pedagogia, e as licenciaturas de Matemática, Física, Química,
Geografia, Letras e História Natural. “A Faculdade de Educação deixou de existir para dar lugar ao departamento de
Educação. Dessa forma o curso de formação de professores ficaram dispersos […]”. (UFMT, Projeto Político Pedagó-
gico de Curso de Pedagogia, 2005, p.7).
Acerca do Centro Acadêmico de Pedagogia não podemos afirmar uma data precisa para o seu inicio, por falta
de documentação. No entanto, presumindo ser da Gestão 1983/1984 o primeiro documento encontrado é datado de
27 de junho de 1984, no qual consta o registro do acadêmico Elismar Bezerra como presidente do CAPE e a profes-
sora Serys Marly Slhessarenko como Chefe de Departamento de Educação. ( CAPE/UFMT, Oficio, 1984)
Desta gestão destaca-se a idealização e produção de um jornal acadêmico denomina Analfabeto educando analfa-
beto, seu primeiro número foi construído e março de 1984 pelos(as) discentes: Ilma, Elismar, Laura, Zé, Kátia, Odir
Sodré e D. Maria, dentre os autores deste número percebemos a presença de nomes que fizeram parte da Gestão,
porém o que fica claro na página de apresentação do jornal é que o objetivo do mesmo é estimular os discentes do
curso a produzir o material para alimenta-lo, e desta forma realizar uma maior interação e integração dos discentes
no e com o curso.

795
O conteúdo deste material expositivo foi produzido pelos discentes do curso de Pedagogia, focando no cenário
educacional brasileiro e também no que ocorria dentro do Departamento de Educação como os temas debatidos em
fóruns, reuniões, assembleias e palestras. Estes conteúdos forma organizados dentro do jornal no formato de textos,
poesias, charges e ilustrações que estavam permeados de toques críticos e bem-humorados. Presumimos que esta
iniciativa vingou pois no mês de agosto do mesmo ano foi criado o jornal de n° 2.
Em 1986, ocupava o cargo de presidente a acadêmica Ilma Ferreira Machado, como Chefe de Departamento
consta a professora Jorcelina Elizabeth Fernandes. No ano seguinte, no dia 18 de novembro, a chapa “Alternativa”
assumiu a direção do CAPE tendo como presidente Marcus Galérius Aquino (CAPE/UFMT, Oficio, 1987), e Antô-
nio Luiz do Nascimento como representante dos estudantes no Colegiado de Curso ( CAPE/UFMT, Oficio, 1988).
Ocupava a função de Chefe de Departamento o professor Genésio Marques.
No fim do ano de 1988, realizou-se a eleição da nova chapa do CAPE denominada Apreender, tendo como
comissão eleitoral Maria José Costa dos Santos Soares e Ronaldo Fernandes de Figueiredo. Na ocasião voltaram 129
alunos, sendo 116 a favor, 11 contra e 1 nulo e 1 branco. (CAPE/UFMT, Ata eleitoral, 1988).
A eleição ocorreu conforme Regulamento que foi elaborado para a eleição de 1988. Nele consta que o voto é
facultativo, pessoal, secreto e direto pelos estudantes matriculados e frequentes no curso. O dia da votação seria das
08:00 às 11:30 horas impreterivelmente. Conforme artigo 20º “Será considerada eleita se a chapa concorrente obtiver
a maioria simples de votos”. ( CAPE/UFMT, Regulamento, 1988).
Com isso, toma posse como presidente o acadêmico Antonio Luiz do Nascimento, em solenidade no dia 02
de dezembro de 1988, um dia após a eleição. Na ocasião a professora Maria de Lourdes Figueiredo e Silva Duarte
proferiu a seguinte palestra:

Em nome da Chefia e do Colegiado do Curso de Pedagogia, congratulamos com a Nova Diretoria do Centro Aca-
dêmico de Pedagogia no dia da sua posse, almejando que a gestão seja profícua de trabalhos, desafios, e sobretudo
de possibilidades de se discutir democraticamente, sem paixões, a vida acadêmica e administrativa do curso.
Entendemos que um das funções primordiais dos Centros Acadêmicos é justamente se tornar constantemente
um fórum de debates, onde as diferentes ideias e propostas possam circular e serem passíveis de serem analisadas,
criticadas e postas em discussão. Esperamos que essa Diretoria exercite de fato o poder político que a liberdade
democrática exige afastando o ranço do autoritarismo e sectarismo. (CAPE/UFMT, Oficio, 1988).

A solenidade e as palavras proferidas pela professora refletem o lugar e a importância que o CAPE ocupava
dentro da Curso de Pedagogia. A mesma chapa permaneceu na gestão no período 1989/1990 alegando que: “[…]
isso se deu devido a uma série de fatores decorrentes, a priori, das greves dos servidores e professores e consecutivos
‘efeitos liminares’ que acabam solapando não só o CAPE mas o próprio ME”. (CAPE/UFMT, ofício, 1989). Referia-se
o presidente ao comprometimento do movimento estudantil devido às greves.
De acordo com as fontes, a gestão Apreender de 1988/1990 esteve muito presente enquanto entidade repre-
sentativa dos discentes, estabelecendo diálogo não só dentro do Departamento de Educação, mas também com outras
instâncias da Universidade. Como exemplo destacamos o ofício de 20 de dezembro de 1989 enviado a Coordenação
de Assistência ao Estudante (CODAE), que teve como intuito informar sobre uma proposta de calendário contendo
atividades e eventos de interesse dos discentes do curso de Pedagogia, enfatizando também como o apoio desta coor-
denação era de suma importância para viabilizar a participação dos alunos nesses eventos.
Da gestão Apreender destacamos a produção do Boletim informativo de Pedagogia que teve seu primeiro número
datado do mês de março de 1989 e tinha como objetivo “estabelecer um elo cada vez mais forte com os companheiros
de sala de aula” (CAPE/UFMT, 1989, p.3) e por meio deste boletim informativo promover a união do curso. O bo-
letim informativo seguiu a mesma lógica de seu antecessor de 1984, estabeleceu por meio deste material expositivo
formas de consciencializar os discentes do curso de Pedagogia, propagar as discussões que ocorriam em âmbito na-
cional sob o contexto de grave crise política e econômica, bem como as reivindicações dos discentes do curso sobre
melhores condições das instalações da Universidade.
O início da reconstrução da memória do Centro Acadêmico de Pedagogia da UFMT proposto no presente tra-
balho, revela as importantes ligações que esta entidade de representação estudantil fez ao longo de suas gestões com

796
os discentes do curso, o corpo docente e administrativo do Departamento de Educação, com a Universidade Federal
de Mato Grosso, e com a comunidade externa. Essa constatação se dá levando em consideração como as gestões que
assumiram o CAPE, ano após ano, trabalharam para dar voz aos alunos, apresentando suas demandas, incentivando
a participação em eventos de discussões acadêmicas, políticas e sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do CAPE/UFMT, ainda em construção, tratada no presente artigo é resultante de documentação


ainda existentes no acervo do Centro Acadêmico. Peça por peça estão sendo montadas, construindo e reconstruindo
a história por meios de vestígios, de indícios e sinais, como bem afirmou Ginzburg (1989).
Por meio da História do CAPE/UFMT pode-se observar claramente a promoção da formação para além da
sala de aula, pode-se sentir o chamado para formação cidadã, formação de consciência, de conhecimento e de reco-
nhecimento da sociedade, percebe-se também os movimentos que constroem e reconstroem o universo presente na
concepção de Universidade.
O CAPE exerceu um papel relevante no Curso de Pedagogia nos anos de 1983-1990, participando de atividades
estudantis, na divulgação de informações através de boletins acadêmicos e na representação no Departamento de
Educação, de forma concisa no desenvolvimento dessa instituição educativa chamada Universidade Federal de Mato
Grosso.

Referências:

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VALLE, Maria Ribeiro do. As representações da violência nos episódios estudantis de 1968. Mediações - Revista de Ciências
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798
HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS

Heloisa Maria Prado – IFG/Morrinhos


Cristina Aparecida Carvalho – IFG/Morrinhos
Michelle Castro Lima – IFG/Morrinhos

Resumo: O presente estudo buscou analisar quais as práticas educacionais eram usadas pelas professoras al-
fabetizadoras das cidades de Goiatuba e Buriti Alegre – Go. Assim, o período escolhido foi de 1979 a 2015, para que
fosse possível fazer uma comparação e observar as mudanças ocorridas ou o que não mudou. Estudar as práticas das
professoras alfabetizadoras é buscar representações em meio histórico, fazendo uso do ponto de vista da História,
Memória e Representação da educação. Para isso, buscou-se respaldo teórico das tendências que classificam as dife-
rentes abordagens da pesquisa, sendo que esta proposta se classifica no campo das pesquisas qualitativas, de forma que
a metodologia perpassa a pesquisa histórica e compreende a leitura e análise de fontes bibliográficas, análise de revis-
tas e livros da época e dos diários. As representações sobre o papel da Educação e do alfabetizador vão se construindo
na trajetória escolar e em outros espaços sociais de convivência. Por isso se fez necessário entender quem eram as
alfabetizadoras e conhecer o trabalho que realizavam em sala de aula, a metodologia que utilizavam e as atividades
que desenvolviam.

INTRODUÇÃO

Estudar as práticas e a formação das alfabetizadoras, no período compreendido entre 1979 e 2015 é, antes de
tudo, buscar sua inserção num quadro de representações que se interligam e são percebidas no aprofundamento do
estudo das fontes. Com relação a formação dos professores alfabetizadores, identificamos que a primeira escola de
formação de professor primário foi a escola Normal em 1835 em Niterói. Posteriormente, esse modelo de formação
foi se difundindo pelo Brasil.
Após as Escolas Normais, foram criados os Institutos de Educação, o Curso de Pedagogia e, em 1972, através
da Lei 5692, foram extintas as escolas normais e criada a modalidade de 2º Grau chamada habilitação específica de 2º
Grau para o Magistério, conforme especificado na Lei:

Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:


a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau;
b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, represen-
tada por licenciatura de 1º grau obtida em curso de curta duração; (BRASIL, 1971).

Desta forma, para atuar nas salas de alfabetização seria necessário apenas a habilitação específica de 2º Grau
(Magistério). Em 1996, através da Lei 5.692, foi alterada a legislação passando a ser exigindo um professor formado
em curso superior de Pedagogia ou Normal Superior para atuar nas salas de alfabetização e, somente na falta desses
profissionais, seriam aceitos professores com formação específica de 2º Grau.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 foi alterada com a Lei nº 13.415/ 2017 e, atual-
mente, para atuar nas salas de alfabetização, o professor poderá ter o curso de licenciatura ou apenas a modalidade
normal oferecida em nível médio. Juntamente com a desvalorização da formação do alfabetizador, acompanhamos as
discussões sobre os métodos de alfabetização. Neste contexto, o objetivo desse artigo foi analisar as práticas de alfa-
betizadoras que atuaram nas salas de alfabetização das escolas públicas de Buriti Alegre-GO e Goiatuba-GO de 1979
a 2015. O recorte cronológico da pesquisa foi realizado em decorrência da publicação da obra “Psicogênese da Língua
Escrita” de Emília Ferreiro e Ana Teberosky com a sua tradução e publicação no Brasil.

799
CONTEXTO HISTÓRICO E FORMAÇÃO DOCENTE

Em meados do século XIX, o objetivo da escola era formar cidadãos que se encaixassem na sociedade e ocu-
passem nela uma posição social e que gerassem uma reprodução social. Assim, a sociedade Imperial era dividida em
três classes: o mundo do governo, o mundo da desordem e o mundo do trabalho. O primeiro era formado pelo que se
considerava “boa sociedade”, o segundo pela população livre e pobre e, por fim, o terceiro era composto pelos escra-
vos. Posteriormente, com a necessidade de que as pessoas estudassem, depois que o estudo se tornou acessível para
além da sociedade imperial, surgiu a Escola Normal e, na sequência, o curso de Magistério, que formava professores
para lecionar quando terminassem seus estudos. Villela (1990) esclarece que

As primeiras escolas normais brasileiras instituídas a partir das décadas de 1830 e 1840 do Oitocentos caracteri-
zam-se por um processo moroso de formação, motivo pelo qual eram constantemente acusadas pelas assembleias
provinciais, presidentes de províncias e chefes de instrução de situarem-se aquém das expectativas de provimento
das escolas públicas que se criavam. Pôde-se constatar também naquele momento a pouca procura a esses cursos,
recorrendo-se mesmo ao incentivo das bolsas de estudo para atraírem indivíduos pobres para o magistério. (VIL-
LELA, 1990, p. 42).

Não obstante, a educação brasileira já procurava nesse período o modelo estrangeiro de ensino para ser aplica-
do nas escolas, e tal posição leva à falta de condições do Brasil em arcar com os custos para manter as instituições, que
acabavam entrando em desarticulação e não chegavam a lograr êxito. Essa era a hipótese que circulava, porém quanto
às províncias mais ricas, a falta de verbas não se confirma. Assim, Villela (1990) continua

De modo geral, é possível afirmar que também as décadas de 1850 e 1860 não foram muito propícias à consolida-
ção da formação dos professores nas escolas normais, pois, em geral, caracterizam-se pela mesma situação de ins-
tabilidade evidenciada pelas reformas sucessivas, extinções, transformações, mudanças de prédio, etc. Os governos
provinciais oscilaram todo o período entre um discurso de valorização dessa formação e uma prática que, na reali-
dade, subtraía os meios para bem realizá-la. Entretanto, esse período anterior caracterizava-se pela indefinição em
relação à necessidade, ou não, da formação de professores numa instituição específica, a década de 1870 assistiria
a um reflorescimento da valorização das escolas normais. (VILLELA, 1990, p. 42).

Notadamente, observamos que não era de interesse desse governo a instrução da população. Neste sentido, era
percebida a dificuldade em manter as escolas normais, pois o Estado precisaria investir em formação de professores
e dar suporte para a educação. Em meio a tantas mudanças no cenário educacional brasileiro, Villela (1990) ainda
expõe que

Durante o processo de constituição da profissão docente, os momentos de crise e extinção das escolas normais
não significaram que a formação do professor deixava de ter importância para o Estado que a instituiu. O que
aconteceu em alguns momentos pode ser interpretado como um redirecionamento de prioridades que variaram
de acordo com as necessidades materiais e as representações de cada época. (VILLELA, 1990, p. 43).

Até o século XIX a primeira Escola Normal no Brasil era mantida por um grupo conservador que dirigia uma
sociedade hierarquizada, violenta e excludente. O “olhar” para a formação do professor se construía por meio da mo-
ralidade e disciplina, tendo como principal objetivo formar docentes que seguissem as mesmas práticas, moralizando
e disciplinando seus alunos. Tal ação sobrepunha à disseminação do conhecimento e, por meio dessas intenções,
escolhia-se o método de ensino e conteúdo a serem trabalhados nas escolas primárias.
Percorrendo todo o período histórico e passando por tantos acontecimentos que explicam o princípio da edu-
cação brasileira e a origem de algumas características que não nos desfizemos até o atual momento, podemos com-
preender a tradicionalidade dos métodos de alfabetização, tendo em vista que, como mencionado anteriormente, em
1980 surgiu uma nova concepção de alfabetização, em que o método tradicional deveria ser extinto e o construtivis-
mo deveria entrar em ação. O educador deveria partir do pressuposto da aprendizagem do aluno, ou seja, o ensino

800
deveria partir do modo como o aluno aprende, e não do que o professor sabe, uma vez que, para o método tradicional,
a criança é uma tábula rasa e apenas quando inicia seus estudos, começa a construção do seu conhecimento.
Assim, “a psicogênese da língua escrita deslocou a questão central da alfabetização do ensino para a aprendi-
zagem: partiu não de como se deve ensinar e sim de como de fato se aprende”. (FERREIRO, TEBEROSKY, 1999, p.
8). Nesse sentido, vemos a necessidade e importância que a perspectiva construtivista apresenta para a realidade do
aluno. Para que haja um ensino mais democrático, o método em si precisa alcançar o máximo possível de alunos, mas
não para gerar números de aprovados ou aumentar o percentual de população alfabetizada, e sim para que haja real
assimilação do que é aprendido e não se torne um ato mecânico. Por meio disso,

A psicogênese da língua escrita contribuiu para romper este impasse ao mostrar que é possível explicar o processo
de aprendizagem daquele que era considerado o mais escolar dos conteúdos escolares, utilizando um modelo teó-
rico construtivista-interacionista. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 9).

Nessa perspectiva, inúmeras questões emergem ao pensarmos a respeito das práticas, conceitos e métodos
da alfabetização ampliando o campo de pesquisa sobre a temática alfabetização que passa a relacionar os métodos e
conceitos com as práticas dos professores. Esse prisma da pesquisa em alfabetização que se abre é muito relevante e
pode ser explorado juntamente com a prática, o que se torna mais interessante, que nos leva a compreender melhor
os processos de aprendizagem e conteúdos a serem trabalhados, não desviando do que é proposto pela escola, mas
adequando à realidade dos alunos, levando em conta que “se a escola democrática com que sonhamos ainda não é real
como gostaríamos, a velha escola antidemocrática e preconceituosa só está de pé por inércia, não mais por convic-
ção”. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 9).
Essa escola tradicional pode ser repensada a partir das discussões sobre o letramento que é uma maneira de
associar as práticas sociais com o que é aprendido na escola. Por letramento entendemos a compreensão do uso social
da leitura e da escrita, saber utilizar a leitura e a escrita em diferentes contextos sociais. (SOARES, 2010). Destarte,
alfabetização e letramento não possuem o mesmo significado, mas andam conjuntamente. Este entrelaçamento se faz
na junção da alfabetização como ato de aprender a ler e escrever e o letramento ao ir além da codificação e decodifi-
cação, é entender o que se lê e escreve. Por isso, tanto relacionamos a vida social do indivíduo com a escola, para que
ele compreenda de forma significativa, tendo algum sentido para ele.
O letramento é uma discussão que podemos considerar recente. Anteriormente, a alfabetização era vista como
um mero processo de aquisição da leitura e da escrita, partindo da vertente tradicional, dos ditados, cartilhas, leituras
no quadro, todos exercícios que objetivam a memorização e cópia, os quais percebemos que as professoras do período
pesquisado, utilizavam em suas práticas. O método sintético partia das vogais, letras do alfabeto, até as frases, que
eram desconexas e sem sentido, encontradas nas cartilhas em que era aprendido o ba-be-bi-bo-bu. Os alunos liam
várias vezes os mesmos trechos que acabavam sempre na mesma combinação com o objetivo de memorizar o que era
lido, porque o método se baseia na memorização como princípio da alfabetização.
Além disso, eram inúmeras as dificuldades enfrentadas pelo alfabetizador. Segundo os diários analisados entre
1979 a 2015, as salas eram multisseriadas, ou seja, possuíam várias turmas em um único espaço. Cada fileira repre-
sentava uma série e, com isso, as salas se tornavam lotadas chegando a ter 61 alunos em 1979, a partir do relato das
professoras. Por meio dos documentos também notamos que os alunos eram separados por nível de dificuldade, for-
mando a primeira série “forte”, em que ficavam os alunos considerados bons e que tinham melhor desenvolvimento
e a primeira série “fraca”, para onde iam os alunos com baixo rendimento. Essa divisão só torna o ensino extremista,
porque se os alunos se separam, aquele aluno que tem dificuldade não irá aprender com aquele que poderia auxiliá-lo.
Os primeiros dias de aula eram tradicionais. As professoras o utilizavam para apresentar a escola aos alunos,
suas dependências e fazer a familiarização com o ambiente, com os colegas e lhes apresentavam os direitos e deveres.
Havia a apresentação dos alunos, alguns diários constam atividades musicais e horário destinado para as novidades.

801
CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento deste trabalho realizamos a análise dos diários de forma qualitativa de um período de
1979-2015 na cidade Goiatuba e Buriti Alegre – GO. Em Goiatuba-GO houve muita cautela por parte da escola em
permitir o acesso aos arquivos necessários para a construção dessa pesquisa. Assim, para dar andamento à pesquisa
tivemos que apresentar uma carta da orientadora de Iniciação Científica, bem como uma carta de autorização do
Secretário Municipal de Educação da Cidade pesquisada.
Em Goiatuba, analisamos os diários de duas escolas, sendo que uma já está extinta. Os arquivos da primeira
escola estavam no prédio atual da escola. Os arquivos da segunda escola, que não está mais ativa, se encontravam na
Secretaria Municipal de Educação, fechados em uma sala onde era a antiga biblioteca, em que toda a história estava
caída no esquecimento. Thompson (1935) afirma que

Em todos esses campos da história, com a introdução de nova evidência antes não disponível; com a mudança
do enfoque de investigação e com a abertura de novas áreas para ela; contestando alguns dos pressupostos dos
historiadores e julgamentos por eles aceitos; reconhecendo grupos importantes de pessoas que haviam estado
ignoradas, dá-se início a um processo cumulativo de transformações. Amplia-se e se enriquece o próprio campo
de ação da produção histórica; e ao mesmo tempo, sua mensagem social se modifica. (THOMPSON, 1935, p. 28).

A história, podendo ser relacionada com os relatos das professoras alfabetizadoras, nos revela questões que dis-
cutimos no âmbito acadêmico e que podem trazer respostas que precisamos ou ainda mais questionamentos e campo
de estudo. Entender como ocorrem as práticas das alfabetizadoras enriquece nossa pesquisa e nossa formação, já que
nos leva a repensar a nossa prática e refletir acerca da realidade e do campo teórico sobre alfabetização.
Em Buriti Alegre-GO buscamos nos arquivos de duas escolas (uma municipal e uma estadual) uma cópia dos
diários das turmas de alfabetização do período de 1979 a 2015. A partir dos diários realizamos um levantamento dos
conteúdos, métodos e avaliações trabalhadas pelas professoras.
Utilizamos como fonte primária os diários das alfabetizadoras das 04 escolas pesquisadas no período de 1979 a
2015. A investigação buscou, na prática das alfabetizadoras, os indícios para compreender o que ocorreu no espaço
escolar na tentativa de reconstruir as representações culturais, a partir de sinais oferecidos por essas fontes, indicado-
res da relação do professor com o aluno e suas contribuições para a formação da cultura escolar.
Nessa perspectiva, o método do paradigma indiciário1contribuiu com o presente trabalho, uma vez que seu
apego ao detalhe revelador não deixa de estabelecer o diálogo entre a parte e o todo, salvaguarda o pesquisador de
cair na armadilha da descrição positivista. Metodologicamente, utilizamos de diferentes fontes, dentre elas, as docu-
mentais, já que a pesquisa documental “vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que
ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. Com relação às fontes, elas são diversificadas
e dispersas” (GIL, 2002, p. 45).
A partir do entendimento de Ludke e André (1986), a realização de uma pesquisa demanda o confronto entre
dados, a partir de um problema definido que inquieta o pesquisador. Tal confrontação é realizada por um método
escolhido, a partir do problema, para buscar as possíveis respostas para o estudo. Ludke e André (1986) afirmam que
para se realizar uma pesquisa

É preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado as-
sunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral isso se faz a partir de um problema, que ao
mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita suas atividades de pesquisa a uma determinada porção
do saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento. (LUDKE; ANDRÉ, 1986, pp. 1- 2).

1 Ginzburg (1986/2004) investiga sobre o paradigma indiciário; para mais informações consultar O queijo e os vermes.perspectiva qualitativa
e histórica com base nos referenciais teóricos apresentados. É de caráter elucidatório conhecer quais são as narrativas produzidas pelas
alfabetizadoras bem como suas representações e experiências. Faz-se necessário analisar quais são as suas indagações, observações e as
lembranças sobre sua formação e prática.

802
Com esse delineamento, analisamos os diários e verificamos os conteúdos, as atividades e as avaliações que os
professores ministraram e registraram para, a partir dos dados, compreender qual a concepção de leitura e de escrita
apresentada no processo de alfabetização em Goiatuba e Buriti Alegre.
Utilizamos também as fontes iconográficas, uma vez que estas se inserem no paradigma indiciário. Destarte,
a metodologia perpassa a pesquisa histórica e compreende a leitura e análise de fontes bibliográficas, questionários,
análise de diários e material mimeografado utilizado pelas alfabetizadores e alunos.
Para análise dos diários nos pautamos na técnica análise de conteúdos (BARDIN, 2016) a qual, neste contexto,
revela como técnica que se propõe ao entendimento de uma realidade perceptível, mas também uma realidade impal-
pável, que pode se revelar apenas nas conclusões do texto, com vários significados. Nesse sentido, a análise pretende
ter uma pré-assimilação do ser, suas demonstrações, suas ligações com contexto, e essencialmente necessitando de
um olhar detalhista do investigador.
Desta forma, preparamos todas as informações dos diários encontrados e separamos por ano e por professora,
pois as professoras de alfabetização se repetem por vários anos. Então identificamos os diários de professoras que
atuam há muitos anos nas turmas de alfabetização das professoras que atuaram um ou dois anos durante o período
da pesquisa.
Como categoria de análise utilizamos os conteúdos e os procedimentos metodológicos disponíveis nos diários.
Separamos os dados entre as metodologias tradicionais e metodologias modernas no ensino da leitura e da escrita.
Nos diários analisados pudemos observar que todos tinham as mesmas características, ou seja, no início do
ano letivo trabalhavam muito a familiarização dos alunos com o ambiente escolar apresentando as dependências do
local e explicavam as regras. Com relação aos procedimentos metodológicos, havia muito ditado, leitura no quadro e
cópias. Há, na maioria dos diários, o cântico como instrumento para várias atividades, como para trabalhar a latera-
lidade, expressão musical e atividades rítmicas.
Após analisarmos os diários, elaboramos um questionário que foi respondido pelas professoras do ciclo I do
Ensino Fundamental que atuaram no período pesquisado. O questionário complementou algumas informações sobre
os conteúdos e métodos de ensino que não estavam claros nos diários. O questionário utilizado contém 19 questões
objetivas e 01 questão discursiva.

PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA

No diário analisado de 2013 da professora Girassol foi observado o uso do método sintético ou silábico, com a
aplicação da cartilha em uma aprendizagem de forma mecânica, ou seja, o aluno se torna um “copista” e memoriza-
dor. Todavia, falamos da aplicação de uma metodologia para o ensino, não necessariamente um método específico,
podendo então utilizar tanto o método analítico quanto o sintético.
Na avaliação do questionário da professora Girassol ela aplica o método sintético, alfabético e fônico, alegando
que esses procedimentos atendem às necessidades educacionais da criança. Além disso, quando questionada sobre o
uso do letramento na importância no hábito de ler, ela concorda ser um ponto fundamental, contudo quando ques-
tionada sobre o trabalho com diferentes gêneros textuais com os alunos, a mesma diz não fazer a utilização.
Na análise dos diários da educadora Rosa identificamos que ela também seguia a mesma metodologia da profes-
sora Girassol, aplicando o método sintético ou silábico. Como citado anteriormente, da mesma forma há o uso da car-
tilha em um processo mecânico de ensino e aprendizagem da escrita, sem a devida aplicação no uso social da leitura e
escrita. Em geral, eles trazem como pauta repetições silábicas, de sons, em textos destituídos de qualquer significado.
O questionário avaliado da professora Rosa apresenta o método sintético, alfabético e fônico. A professora não
possuía formação em pedagogia, mas sim o curso de habilitação de 2º grau em magistério. Um ponto a ser ressaltado
é o fato da Girassol seguir o mesmo processo quanto ao procedimento de aprendizagem, apesar de se tratar de épocas
diferentes. Girassol é uma das professoras que atuou durante toda a vida profissional nas turmas de alfabetização.
Godoy (1995) reflete que

803
A pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental esta-
tístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo a medida que o
estudo se desenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo
contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a pers-
pectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo (GODOY, 1995, p.58).

Por meio do questionário, identificamos que 80% das alfabetizadoras trabalharam na alfabetização entre 02 e 05
anos e atuam em todas as disciplinas das séries iniciais do Ensino Fundamental, exceto Educação Física. Apenas uma
professora alfabetizadora diz conhecer e utilizar o método analítico, sendo essa a única que diz conhecer o conceito
de letramento e o utilizar em sala de aula. Segundo o questionário aplicado, todas as demais usaram e ainda utilizam o
método sintético. As outras professoras não souberam explicar essa parte do letramento, todas falaram que trabalham
a leitura dentro da sala de aula; 9 delas utilizam a cartilha e 2 delas, diferentes gêneros textuais. Nas escolas lócus da
pesquisa há uma biblioteca, mas os alunos não costumam frequenta-la.
Nos questionários pudemos identificar algumas menções aos descritores da prova ANA2 e, após a análise das
fontes, concluímos que muitas das atividades trabalhadas pelos professores alfabetizadores são semelhantes ou iguais
às solicitadas na avaliação ANA. Desta forma, a partir da análise das fontes e da revisão bibliográfica, identificamos
que os descritores da prova ANA são utilizados como base para a construção dos itens de diferentes disciplinas.
Segundo os questionários, as professoras alfabetizadoras não acreditam que a prova ANA auxilia no processo
de diagnóstico de aprendizagem dos alunos. Apesar de a prova não ser considerada um índice de desenvolvimento da
Educação Básica, ela é utilizada como um diagnóstico de aprendizagem no ciclo de alfabetização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao conceber as considerações finais, ressaltamos que o principal interesse dessa pesquisa foi identificar as prá-
ticas e metodologias de alfabetização das professoras de Buriti Alegre-GO e Goiatuba-GO descritas nos diários das
professoras. A presente pesquisa contribuiu significativamente para a construção do nosso conhecimento científico
e histórico, fazendo-nos refletir sobre as práticas utilizadas e relacioná-las ao presente.
As práticas de alfabetização, obtidas no contexto da pesquisa, mostraram que devemos mudar a formação do
professor relacionada à utilização das cartilhas. Ela limita esses alunos a aprenderem a ler somente textos simples, em
que as lições começam pelas vogais, em seguida a formação dos encontros vocálicos e, posterirormente, a silabação.
Tais práticas estabelecem uma aprendizagem mecânica, com a decodificação das letras representativas dos fonemas,
sem a compreensão do verdadeiro significado do que está sendo aprendido.
Neste sentido, o professor se torna um mero reprodutor das metodologias da cartilha, não tendo nenhum
referencial teórico em sua prática educativa. Aos poucos ele vai se mostrando desinteressado, sem o uso efetivo da
criatividade, experiência, intuição e bom senso.
De outro modo, no letramento o conhecimento não é acumulativo, mas sim incorporado pelo educando en-
quanto sujeito e não como objeto de aprendizagem, trazendo destaque para a construção do conhecimento numa
visão social, histórica e cultural. O aluno aprende na interação com os outros, defendendo a necessidade de uma abor-
dagem do uso social da escrita e da leitura com a capacitação do aluno para a leitura e a escrita em todos os aspectos.
Identificamos no estudo que as práticas de leitura e escrita se limitavam ao ensino da codificação e decodifica-
ção da língua materna. Apenas em dois diários encontramos descritas práticas de letramento. Além disso, segundo os
questionários, apenas duas professoras afirmam trabalhar com diferentes gêneros textuais. Destacamos que, entre as
professoras que responderam o questionário, duas não utilizaram métodos tradicionais de alfabetização. As demais
afirmaram utilizar o método silábico, sendo que cinco professoras além do silábico utilizam também o alfabético e o
método misto.

2 A avaliação ANA é feita para instituições escolares públicas destinadas para estudantes do 3º ano do ensino fundamental, fase final do ciclo
de Alfabetização, introduzido como forma de avaliar o desenvolvimento da alfabetização após a formação dos professores nos cursos do
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

804
Durante a análise dos diários, observamos também que as práticas de ensino da leitura e da escrita continuam
pautadas em métodos tradicionais que privilegiam a codificação e decodificação. Apesar dos estudos de Ferreira e
Teberosky(1999), Soares (2016), Cagliari (1998) e das propostas do Curso ofertado pelo Programa Nacional de Al-
fabetização na Idade Certa (PNAIC), 90% das professoras envolvidas nesta pesquisa não alteraram as metodologias
tradicionais de ensino da leitura e da escrita.

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.


CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Bá-Bé-Bi-Bó-Bu: Scipione. São Paulo, 1998.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, V.35(2),
1995, p. 57-63
LIMA, M.E.A.T. Análise do discurso e/ou Análise de conteúdo. Psicologia em Revista. Belo Horizonte, 2003.
LUDKE, Menga & ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, Ed. Pedagógica e
Universitária, 1986.
OLIVEIRA, D.C., Análise de Conteúdo TemáticoCategorial: Uma proposta de sistematização. Rev. Enferm. UERJ, Rio
de Janeiro, 2008 out/ dez; 16 (4): 569-76.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
VILLELA, H. A primeira escola normal no Brasil: uma contribuição à história da formação de professores. Dissertação
de mestrado, UFF, 1990.
THOMPSON, Paul, 1935 – A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

805
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA ESCOLA RURAL MISTA DE INSTRUÇÃO
PRIMÁRIA DE “FINOTO” (1958-1994)

Deysiane Pereira Pardin1


Ariane Martins Aragão

O trabalho proposto deriva de uma pesquisa de Mestrado que se encontra em andamento denominada “His-
tória e Memória da Escola Rural Mista de Instrução Primária de “Finoto” (1958-1994)”, que possui como objetivo
central uma análise quanto ao surgimento e funcionamento da primeira Instituição Escolar do município de Naviraí,
utilizando fontes documentais, iconográficas e as experiências das primeiras professoras que exerceram seu ofício no
período de 1958 a 1994. A motivação por investigar essa instituição em específico, se consiste pelo fator de residir no
município de Naviraí, bem como, na relevância em que a instituição em si configurou na cidade, tendo em vista que
foi a primeira escola instalada na cidade. Além disso, a investigação histórica de escolas rurais justifica-se pela singu-
laridade dessas experiências institucionais intrinsecamente vinculadas ao ideário ruralista, que defendia uma educa-
ção específica para a zona rural, isto é, objetivos, programas de ensino, materiais didáticos, e motivações políticas. A
delimitação do recorte se explica por ser a data de fundação da escola e a data de municipalização da mesma, por meio
do Decreto Nº 7.697 de Março de 1994. Cabe ressaltar que o recorte temporal poderá ser reduzido em conformidade
com as fontes encontradas sobre ou do período em questão. Este trabalho orienta-se há alguns referenciais teóricos
como: FOUCAULT (1999); LE GOFF (1990); BONDIA (2002); FRAGO (2001), entre outros. Trata-se de uma pes-
quisa de abordagem qualitativa, com procedimentos metodológicos da pesquisa bibliográfica e documental. Alguns
dos documentos já estão disponíveis para análise, tendo em vista que já houve uma primeira conversa com a adminis-
tração da escola, bem como na Secretaria de Educação de Naviraí. Nesse contexto, a questão norteadora que guiará a
pesquisa será: Como surgiu e funcionou a “Escola Rural Mista de Instrução Primária de Finoto”, no período de 1958
a 1994? Desse modo, pretende-se conhecer e analisar a história da instituição a experiência dos professores e outros
funcionários da instituição, como, diretoras, coordenadoras e outros funcionários que exerceram suas funções no pe-
ríodo e participaram de sua feitura e transformações. Diante do exposto, estudar as instituições escolares, a partir de
uma particularidade regional – Escola Rural Mista de Instrução Primária de “Finoto” - é de suma importância diante
das multiplicidades, variedades, amplitude e aspectos pertinentes em que a linha história da educação está inserida.
Assim, torna-se relevante frisar que até o presente momento a pesquisa se encontra focada na pesquisa bibliográfica e
na coleta de dados, sendo que o trabalho de análise dos mesmos está em processo de organização. Consequentemente,
o texto se concentra em expor uma parte deste estudo investigativo, em processo de elaboração, mais precisamente,
elementos da pesquisa bibliográfica. Portanto, o texto está estruturado em três partes: Se inicia apresentando um
breve histórico da escola rural, para na sequência, apresentar as principais características da escola rural na atualidade
e, como terceira parte, esboça embora ainda de forma embrionária uma análise das fontes já coletadas.
Palavras Chave: Instituição Escolar. Escola Rural. Ensino Primário.

A ESCOLHA E CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Este artigo possui o objetivo descrever e analisar em linhas gerais a educação primária oferecida no sul do
antigo Mato Grosso (SMT), por meio da descrição e análise do funcionamento de uma instituição escolar, Escola
Rural Mista de Instrução Primária de “Finoto”, fundada em 1958, na cidade de Naviraí- MT2. Nesse seguimento, in-

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEdu/UFGD, e-mail: deysi-pereira@hotmail.com.


2 No dia 11 de outubro de 1977, pela Lei Complementar nº 31 (BRASIL, 1977), o então presidente da República General Ernesto Geisel
autorizou o desmembramento do Estado do Mato Grosso e, em 1º de janeiro de 1979, foi instalado o Estado de Mato Grosso do Sul, com
capital em Campo Grande.

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tenciona-se elaborar uma pesquisa inicial que possa colaborar com o percurso da escrita sobre a história da educação
do Estado de Mato Grosso do Sul, em específico no município de Naviraí, tendo em vista que essa instituição escolar
foi fundada em momento importante da história, em que Naviraí se encontrava como distrito da cidade de Caarapó.
Nessa perspectiva, o objetivo de pesquisa consiste em elaborar uma possível construção da história e do sur-
gimento da primeira escola de 1º grau no município de Naviraí-MS. Pretendemos investigar quais elementos possi-
bilitaram seu aparecimento e funcionamento em um lugar específico e momento histórico circunscrito, no recorte
temporal compreendido entre 1958 e 1994. A delimitação do recorte se explica por ser a data de fundação da escola e
a data de municipalização da mesma, por meio do Decreto Nº 7.697 de Março de 1994. Cabe ressaltar que o recorte
temporal poderá ser reduzido em conformidade com as fontes encontradas sobre ou do período em questão.
Vale ressaltar que já houve uma visita na secretária de educação do município de Naviraí, bem como na insti-
tuição investigada, de modo que a pesquisadora foi recebida com entusiasmo por parte da diretora da escola, que de-
monstrou grande satisfação pela proposta da pesquisa em elaborar uma história de acordo com a trajetória da escola.
E ainda, já forneceu alguns documentos, (Decretos, Projeto Político Pedagógico (PPP) Pasta de Associação de Pais e
Alunos), e esclareceu estar disponível para o que fosse necessário o que explicita a viabilidade dos estudos.
Assim, por meio desse contato inicial com a gestão da escola, alguns documentos nos permite uma breve tra-
jetória da história da instituição, sendo um deles o PPP (Projeto Político Pedagógico), que obtêm dados que apontam
que a instituição foi criada por meio do Decreto nº 437 de 08 de Maio de 1958, foi elevada a categoria do Grupo
Escolar as Escolas reunidas, que funcionavam com salas de aulas isoladas, para o nome de Grupo Escolar Marechal
Rondon, com localização na zona urbana de Naviraí, pelo Decreto nº 233 de 19 de Abril de 1967. A elevação de nível:
Decreto nº 2034 de 07 de Junho de 1974. E a transferência da Escola Estadual de 1º Grau Marechal Rondon e respec-
tivo acervo escolar para Rede Municipal de Ensino pelo Decreto nº 7697 de 21 de Março de 1994.
Nessa concepção, o problema central da pesquisa consiste em pesquisar como surgiu e funcionou a Escola Ru-
ral Mista de Instrução Primária de “Finoto”, no período de 1958 a 1994? Qual foi a importância e a contribuição dessa
escola para o Distrito de Naviraí?
A relevância do estudo consiste em compreender que há um número considerável de trabalhos que abordam as
temáticas relacionadas à História da Educação do Brasil, História da Educação no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul,
no entanto, entende-se que restringir a locais específicos que não há estudos voltados ao interesse em compreender
a história da primeira escola do município, contribui para a construção histórica da própria região.
Nesse sentido, a motivação pela temática surgiu devido tanto à minha trajetória em busca de fontes para a
pesquisa, tendo em vista que seria outra abordagem estudada, como também para a significativa necessidade de pes-
quisas sobre a educação rural no Brasil, mais precisamente em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, regiões em que há
escassez de estudos ligados à temática.
Como aporte teórico foram selecionados alguns autores que trataram de Instituições escolares no país e ainda
conceitos propostos por: MAGALHÃES (2004); FREITAS (2009); FOUCAULT (1999); FOUCAULT (2008); FRA-
GO (2001); BICCA (2009); BITTAR (2012).
Tais afirmações foram constatadas por meio da realização de um breve levantamento de estudos acerca do en-
sino primário, no qual encontramos produções bibliográficas que norteiam à temática como: SILVA (2015); SCHEL-
BAUER (2014); SANTOS (2013); ROHDEN (2013); VIDAL (2000).
No que tange a temática acerca de estudos voltados a escolas rurais, elencamos produções dos seguintes auto-
res: FURTADO (2015), IRALA, FURTADO (2013); FURTADO (2013); SOUZA (2014); ROHDEN (2013).
Nesse contexto, quanto à importância em relacionar a primeira escola com a experiência perpassada pelos profes-
sores da época condiz em (re) significar aquele período da história da Instituição, de forma que se considere, ao mesmo
tempo, que esses sujeitos constituíram a si mesmos pelas experiências vividas naquele espaço- tempo socioeducativo.
Larrosa (2002, p. 21) contribui ao ressaltar que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos
toca. Não o que se passa não o que acontece, ou o que toca”. Nessa concepção, ressalta-se que a experiência não está
relacionada apenas “ao tempo que passa”, como tempo de trabalho, mas com o que acontece ao professor nesse tem-
po. Partindo dessa afirmação é que se pode pensar a experiência profissional.

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De acordo com Cunha (2004, p. 530), referindo-se ao trabalho docente, a concepção de profissionalidade é
mais pertinente do que a de profissão. Segundo a autora, “o exercício da docência nunca é estático e permanente; é
sempre processo, é mudança, é movimento, é arte; são novas caras, novas experiências, novo contexto, novo tempo,
novo lugar, novas informações, novos sentimentos, novas interações.”
Na pesquisa será dada importância a memória, entendendo-a como algo coletivo e não somente individual: “A
memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das
atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia.” (LE GOFF, p. 476).
As discussões realizadas por Le Goff (2003, p.419) realçam a memória “[...] como propriedade de conservar cer-
tas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar suas impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. Sendo assim, entende-se
que a memória é algo que se constrói no movimento de um diálogo entre presente e passado, um processo vivo e
dinâmico onde os sujeitos e os grupos recriam o passado no tempo presente.
Quanto à revisão bibliográfica com a temática Instituições Escolares, foi realizado uma busca de início nos anais
da Anped – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – CO, do ano de 2017. Desse modo,
encontramos no GT-2 - História da Educação, apenas um trabalho, intitulado “Corpo E Escolarização Em Goiás
(1925-1930): Os Programas De Ensino Para A Escola Primária”, da autora Rubia-Mae Nunes Pinto, que visou relatar
os avanços em seus papéis de agente público responsável pela educação dos goianos, mesmo que de forma modesta.
Entre outros aspectos, a obrigatoriedade da escola elementar foi estendida até crianças moradoras das zonas rurais.
Ressaltando que houve crescimento da legislação sobre a escola primária, processo decorrente do também crescente
interesse por esta instituição escolar na realidade brasileira e goiana, mas incentivado pelo contínuo aumento popu-
lacional resultante dos movimentos migratórios que a partir de 1930 se dirigiam a Goiás.
Nessa direção, pretende-se realizar uma revisão mais ampla para uma revisão bibliográfica mais consistente e
que ampare a temática abordada, isso será feito por meio de acesso à portais de periódicos como (BDTD, CAPES).
A pesquisa apresentada nesse projeto aborda a configuração atual da história da Educação no Brasil, sua trajetó-
ria e perspectivas num cenário em que esta temática vem se consolidando, apresentando datas importantes, a criação
dos congressos, seminários, GT e dos trabalhos apresentados nos respectivos eventos nacionais e internacionais bem
com, aponta que as pesquisas em história da educação vêm ganhando espaço e permitindo o alargamento da interlo-
cução temporal e disciplinar com as variadas disciplinas acadêmicas.
Nesse sentido, os estudos realizados até o momento permitiram compreender que as pesquisas acerca as insti-
tuições escolares desenvolveram-se a partir da década de 1960, mais especificamente na Europa. No Brasil este fato
acontece a partir dos anos de 1990, anteriormente a este período, os estudos aconteciam de forma esporádica, quando
ainda, não haviam sido implantados os programas de pós-graduação.
Dessa forma, para o Brasil significou uma evolução e renovação nas pesquisas e no conhecimento das institui-
ções educacionais. Atualmente, os estudos da historiografia das instituições escolares, são temas bastante relevantes
para a pesquisa, e o campo da história da educação no Brasil vem se consolidando, sendo criados vários grupos e li-
nhas de pesquisa, nos cursos de pós-graduação onde trabalhos de história, história e historiografia da educação, vem
sendo apresentados em congressos seminários e colóquios, sendo discutidos também na ANPED3 . Outros grupos
estão sendo criados, com abrangência e representatividade nacional, como é o caso do HISTEDBR4 .
Assim, os estudos mais recentes no âmbito da história da educação têm recebido contribuições significativas
em específico no Mato Grosso do Sul, que tem aumentado o campo de pesquisa, possibilitando conhecer a organiza-
ção e o funcionamento das instituições sua cultura escolar.

3 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.


4 Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”

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A ESCOLA RURAL BRASILEIRA

O ensino nas escolas rurais, entre os anos de 1910 e 1920, buscava contribuir com o ideário republicano, prio-
rizava a defesa da nacionalidade e a disseminação de valores capazes de perpetuar/manter a cultura vigente. Segundo
Almeida (2005, p. 38),

[...] era fundamental a formação de um caráter nacional ao povo brasileiro e a educação deveria colaborar nesta
tarefa, num esforço de diminuir ao máximo o analfabetismo, ensinando aspectos da geografia, da história, do
folclore do Brasil, bem como noções de Moral e Civismo, enfim, a cultura brasileira deveria se fazer presente e
constante nos currículos escolares tanto em escolas do campo, como nas da cidade.

Evidencia-se ainda que mesmo com a expansão das escolas, a educação rural não era a mesma da educação ur-
bana. De modo que nas áreas rurais havia escassez de estabelecimento de ensino, de aparelhos, descaso, por parte do
poder público, que atingia tanto a organização pedagógica das escolas, como as condições estruturais mínimas para o
desempenho da docência (SILVA, 2011).
Bresolin e Ecco (2008), destacam que somente a partir de 1930 houveram mudanças educacionais significativas
para as populações do campo, pois nesse período se fortificou as idéias dos pioneiros do “ruralismo pedagógico”, que
lutavam por uma escola rural que atendesse as necessidades de cada região. Abrão (1986, p. 24) explica que para a
tendência ruralista a educação deve ter como objetivo principal proporcionar conhecimentos que “[...] implicaria a
aquisição e assimilação de certas idéias e valores”, habilidades, capazes de tornar o sujeito apto a trabalhar na terra e
tirar dela sua subsistência.

ESCOLA RURAL EM MATO GROSSO

A escola primária em Mato Grosso é destacada pelo discurso do progresso, sendo organizada por meio dos re-
gulamentos, leis e dispositivos aprovados para a reorganização da instrução pública primária. Os discursos voltados
à instrução pública primária, possivelmente, ocorreram relacionados com as mudanças sociais e políticas vigentes
na década de 1920. Os regulamentos apontavam como deveria ser organizado o currículo das escolas, tornando-os
capazes de atender às novas exigências de desenvolvimento, preparando a população para o mercado de trabalho.
Nessa perspectiva, entende-se que esse crescimento das escolas rurais em Mato Grosso, nos anos de 1950, teve
relação com as propostas da Campanha Nacional de Educação Rural e de outras iniciativas surgidas nos anos de 1950,
no Brasil, por meio de um convênio financeiro entre o Ministério da Agricultura e a Fundação Interamericana de
Educação, que permitiu a instalação das Missões Rurais que receberiam recursos financeiros para atender a popula-
ção rural.
De acordo com estudo realizado por Oliveira (2009) as relações entre migração e escolarização em Mato Gros-
so no período de 1964 a 1976 ocorreu de maneira que a organização inicial das instituições escolares aconteceu pela
própria população pensando em seus filhos e em um futuro próspero.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E UMA BREVE ANÁLISE DAS FONTES

Segundo Gil (2007, p. 17), pesquisa é definida como o “[...] procedimento racional e sistemático que tem como
objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa desenvolve-se por um processo cons-
tituído de várias fases, desde a formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados”.
Este trabalho terá abordagem qualitativa; perspectiva que segundo Minayo (2001) trabalha com os significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, manifestados nas relações, nos processos e nos fenômenos que não
podem ser restritos à operacionalização de variáveis. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com pro-
cedimentos metodológicos da pesquisa bibliográfica e documental.

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Os autores entendem que a bibliografia pertinente “oferece meios para definir, resolver, não somente problemas
já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram suficientemente” e tem por
objetivo permitir ao cientista “o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações”. Des-
sa forma, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o
exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (MANZO, 1971).
Em relação à pesquisa documental, existe uma variedade de fontes como tabelas estatísticas, cartas, pareceres,
atas, relatórios, obras originais, notas, projetos de lei, ofícios, discursos, mapas, testamentos, inventários, informati-
vos, certidões, documentos informativos arquivados em repartições públicas, sindicatos, dentre outros. A análise do-
cumental constitui-se em uma técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas
por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
Para a realização da pesquisa algumas fontes serão utilizadas, como arquivos, documentos, etnografia e narra-
tivas dos sujeitos (professores). Louro (1990) contribui com a relevância dos métodos utilizados ao afirmar:

Creio que será a partir dos movimentos mais recentes (das chamadas Nova História, História das Mentalidades,
História do Privado e História das Mulheres) que fontes não escritas serão valorizadas. Ao lado do reconhecimento
de alguns tipos de registro escrito até então quase ignorados — diários, cartas pessoais, cadernos domésticos (com
receitas, remédios caseiros, conselhos), revistas e jornais escolares, agendas, álbuns, etc. — passa-se a valorizar
também fontes orais e iconográficas, como a fotografia. (LOURO, 1990, p. 23).

Vale ressaltar que já houve contato com a Secretária de Educação de Naviraí, bem como, com a administração
da instituição, que se interessou em contribuir, pois acredita ser relevante construir a história dessa escola por meio
de uma pesquisa científica, de modo que deixou aberto para fornecimento de materiais e que há arquivos que possam
contribuir para a viabilidade e continuidade da pesquisa.
Na pesquisa documental serão analisados os documentos da Instituição, de seu arquivo, e também documentos
disponíveis na Secretaria de Educação de Naviraí, como decretos, leis, atas escolares, fotografias, Projeto Político
Pedagógico (PPP), cadernos de anotações dos professores, contratos, estatuto de associação de pais e mestres, entre
outros, que poderão surgir durante a trajetória do trabalho. Essas fontes documentais serão complementadas pelas
fontes orais, em especial utilizando entrevistas com os sujeitos professores envolvidas na história da Instituição, vi-
sando entender como surgiu e funcionou a escolarização naquele período, por meio de suas memórias, entendidas
como experiências. Tais entrevistas será realizada com questionários fechados, nas quais possam Buscaremos então,
compreender a memória como “composta de fragmentos de múltiplas vivências e experiências ao nível individual e
coletivo” (ALBUQUERQUE JR., 2007, p. 200). Utilizando as memórias, então, como multiplicidades, como posicio-
namentos dos sujeitos constituídos na relação com os outros.
O contato com esses professores que exerceram sua função como educador no período circunscrito da pesqui-
sa, ocorrerá primeiramente por meio de um contato com a Secretária de Educação, no qual nos fornecerá uma lista
com os nomes dos professores que possivelmente irão contribuir com a pesquisa. Feito isso, haverá contato direto
com esses sujeitos e será elaborado um roteiro de entrevista com questionários semiestruturado. E m suma, quan-
to a análise das fontes, ainda se encontra e construção, tendo em vista que os documentos coletados até o presente
momento condizem com documentos, oficiais, ou seja, decretos de abertura e de mudança de nível. Sendo assim, a
busca por fontes ainda está em processo, e a seleção dos sujeitos para a entrevista também está ocorrendo conforme
a disponibilidade dos mesmo, Vale ressaltar a dificuldade de um agrupamento significativo agrupamento de fontes
para a viabilidade da pesquisa, o que alguns autores como LOPES e GALVÃO (2001), ressaltam que “Nesse sentido é
que a história será sempre um conhecimento mutilado”, pois só poderemos saber e conhecer a partir do que nos resta
dos vestígios humanos. “O passado, nunca é demais repetir, é uma realidade inapreensível”.
Nessa perspectiva, mesmo obtendo os cuidados necessários, segundo os autores, os historiadores necessitam
obter a certeza de que a tarefa de recontar a história é sempre limitada, pois grande parte das fontes já se perderam e
as que restam passaram por uma seleção. E ainda, compreender que esta seleção foi feita por aqueles que produziram
o material, pelos que conservaram e/ou deixaram que os documentos fossem destruídos (intencionalmente ou não)
e pelo próprio tempo. (LOPES & GALVÃO, 2001, p. 79).

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812
HISTÓRIA E MEMÓRIA DAS INSTITUIÇÕES SALESIANAS NO SUL DE
MATO GROSSO: ENTRE O TRADICIONALISMO E O ESCOLANOVISMO

Heloise Vargas de Andrade – UFMS/MS


Adriana Espindola Britez – UFMS/MS

INTRODUÇÃO

A chegada dos salesianos ao Brasil, data do ano de 1883, na ocasião o episcopado brasileiro chamou religiosos
europeus a fim de promover uma educação católica destinada principalmente às elites, uma formação clássico-hu-
manística. A necessidade de chamar religiosos do exterior do país, esteve intrinsecamente relacionada à ruptura entre
Igreja e Estado após a proclamação da República, que separou o poder civil do poder eclesial, dando ao novo país um
caráter leigo. (PINHEIRO, 2011).
Os salesianos consolidaram sua posição de prestígio no campo educacional e espalharam-se por todo o terri-
tório brasileiro, expansão essa marcada principalmente por instituições que funcionavam em regime de internato
tanto no ensino primário quanto no secundário. Tinham o intuito de preparar os jovens da elite para a vida adulta,
com uma formação moral e cristã, motivo pelo qual, o corpo docente se constituiu pelos próprios padres salesianos.
Atentos e abertos ao movimento do campo escolar, a escola salesiana procurou se adaptar as novas demandas,
apoiando o pensamento pedagógico da Escola Nova, que tomou força da década de 1930. De uma maneira geral,
embora o movimento tivesse seccionado o campo escolar entre intelectuais católicos e intelectuais escolanovistas,
houveram também grupos de intelectuais católicos que apoiaram e se adequaram a este movimento. Dentre eles,
estão os salesianos que já possuíam diversos valores compatibilizados a essa corrente, tanto que Azzi (1983, p. 187)
utiliza-se da expressão “salesianos, precursores da Escola Nova”.
Os pilares da Escola Nova foram difundidos principalmente por Dewey (1959), um intelectual estadunidense
que reivindicou uma escola única que pudesse satisfazer as necessidades de uma nova sociedade – criada, sobretudo,
no contexto da Revolução Industrial – e trazendo, ao mesmo tempo, o aluno para o centro do processo de ensino e
aprendizagem. No caso brasileiro, o movimento apresentou o diferencial de ter seus intelectuais diretamente ligados
ao Estado, influenciando sobremaneira a política educacional do período estudado.
No presente artigo, o intuito é compreender como os salesianos se adaptaram às movimentações do campo
educacional mantendo sua posição de prestígio no mesmo. O texto está organizado em duas partes, na primeira
parte “ A tradição e modernização dos Salesianos no contexto do Movimento Escolanovista”, voltamos o olhar para
as transformações na política educacional que culminou na cisão do grupo de intelectuais brasileiros em trânsito no
campo da educação e da publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação como estratégia para legitimar as rei-
vindicações do movimento.
A segunda parte intitulada, “Instituições Salesianas de ensino secundário no sul de Mato Grosso: leituras e
fontes de memória”, tem como objetivo a aproximação das instituições salesianas de ensino secundário instaladas nas
primeiras décadas no século XX, no sul do Estado de Mato Grosso; e a investigação de como essas inovações pedagó-
gicas se materializavam no cotidiano escolar das instituições locais.
Foram utilizadas como fonte de pesquisa obras memorialísticas e relatos orais por meio entrevistas semies-
truturadas que foram cruzadas com documentos de instituições escolares de ensino secundário. Tais fontes foram
analisadas a partir do referencial teórico de Pierre Bourdieu. Os autores Abílio Leite de Barros, Pierre Adri e José
Corrêa Barbosa, compuseram o corpus de estudantes do Colégio Dom Bosco e Colégio Santa Teresa na porção sul do
estado de Mato Grosso.
A aproximação de tais práticas escolares aponta possibilidades interpretativas para a compreensão do alcance
do movimento escolanovistas nos cursos de ensino secundário das instituições salesianas.

813
A TRADIÇÃO E MODERNIZAÇÃO DOS SALESIANOS NO CONTEXTO DO MOVIMENTO
ESCOLANOVISTA

O presente tópico tem como principal objetivo compreender a ação salesiana no contexto do movimento da
Escola Nova e como que viabilizou importantes transformações do ensino secundário nesse período, tendo em vista
se tratar de um movimento que teve como principal bandeira de luta uma reformulação do ensino calcada na crítica
à pedagogia tradicional de caráter humanístico.
A Escola Nova no Brasil, como movimento educacional, ganhou seus seguidores no início do século XX, aden-
trou a política educacional por meio do consumo de jovens intelectuais à literatura estrangeira, associados à ABE
(Academia Brasileira de Educação). Seus ideais foram difundidos de maneira pontual a partir da década de 1920,
associado diretamente a um pensamento liberal. (NAGLE, 2011).
O movimento apresentava ideias de confronto direto ao grupo católico que compunha a ABE. O grupo cató-
lico, possuía a hegemonia educacional até então, e eram considerados a camada dominante do campo educacional,
devido à tradição adquirida por meio do apoio do governo no início com o advento da República.
Essa educação disponível até então se caracterizava majoritariamente pelos altos padrões de exigência escolar e
tinha como finalidade a legitimação das elites oligárquicas. Conforme apontam os estudos de Saviani (2007), esta era
regida pelos princípios pedagógicos que constituíam uma pedagogia tradicional, impregnada da visão católica, que se
caracterizava pela simplicidade, análise e progressividade; formalismo; memorização; autoridade; emulação e intuição.
Os intelectuais escolanovistas organizados Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, no ano de 1932, docu-
mento em que colocavam em evidência a necessidade de uma educação baseada no culto à ciência experimental e ao
empirismo, adaptando os estudantes ao progresso mecânico industrial. Enfatizavam a desaprovação da educação de
cunho humanístico, responsável pela formação de sujeitos sem espírito crítico, sem rigor científico, uma educação
baseada na imprecisão.
Nesse sentido, houve um enfoque especial ao ensino secundário “[...] de tipo clássico, estritamente literário, o
problema da educação nacional. ” (MANIFESTO..., 1932, p.20). O documento colocava a escola secundária como o
ponto nevrálgico da questão educacional, ao criticar uma escola pensada pela e para a burguesia, o movimento rei-
vindicava uma interpenetração de classes sociais. E de acordo com eles a educação fundamentada no humanismo era
antiquada e, portanto, incompatível a realidade nacional.
A luta ideológica dos Pioneiros da Educação esteve mesclada de interesses políticos e econômicos, que reivin-
dicou para as classes baixas e médias a educação escolar, configurada até então como privilégio da elite. Nisto, colo-
cava-se a defesa de uma educação pública; uma escola única (ou seja, para todos); laica; gratuita; obrigatória
e sob os princípios da coeducação (MANIFESTO..., 1932).
Do outro lado, para a ala conservadora da ABE ligada à Igreja, os princípios defendidos pelos renovadores co-
locavam em cheque o monopólio das instituições católicas que já estava consolidado no campo educacional desde a
Primeira República. Desse modo, os intelectuais católicos

[...] constituíram-se no principal núcleo de ideias pedagógicas a resistir o avanço das ideias novas, disputando pal-
mo a palmo com os renovadores, herdeiros das ideias liberais laicas a hegemonia no campo educacional no Brasil
a partir dos anos 1930. (SAVIANI, 2007, p. 181).

Os intelectuais católicos contra-atacaram por meio da imprensa com a revista “A Ordem” publicada pela Con-
federação Católica Brasileira de Educação (CCBE). A revista apesar de fundada em 1921, a partir da década de 1930,
voltava suas publicações para a defesa do ensino religioso e com vistas à renovação das práticas educacionais católicas
no Brasil, como forma de resistência aos ataques escolanovistas.
Dessa forma, em um primeiro momento a política educacional apontou principalmente para a resistência da
educação humanística, do ensino tradicional e confessional. Em um segundo momento apontou para um declínio da
educação humanística e um fortalecimento dos ideais escolanovistas, que apesar de modernas e inovadoras rapida-
mente começou a perder espaço para o tecnicismo, conforme ilustrado pelo quadro a seguir,

814
Quadro 1. Movimento da Escola Nova no Brasil

(1932-1946) Equilíbrio entre a Pedagogia Tradicional e a pedagogia nova


(1947-1961) Predominância da Pedagogia Nova
(1961-1969) Crise da Pedagogia Nova e articulação da Pedagogia tecnicista

Fonte: Saviani (2007).


Organização: Andrade (2017).

Há de se considerar, no entanto, que essa divisão temporal é apenas uma aproximação temporal na política
educacional. As práticas, no entanto, não podem ser lidas com tal precisão, por não possuírem fronteiras fixas. A po-
lítica educacional nem sempre alcança, assim como desejado, as práticas educacionais, que se realizam em diferentes
regiões de modo particular.
Em meio ao esse contexto de resistência dos grupos católicos em relação as reformas educacionais propostas
pelos escolanovistas, destacam-se em especial a presença dos salesianos.
As instituições salesianas que começavam a ser implantas no fim do século XIX, expandiam seus trabalhos ao
longo do território brasileiro, consolidando uma posição de prestígio. Eles ficaram conhecidos por terem um pensa-
mento que aliava tradição, ordem e princípios religiosos com a modernidade que também vinha sendo reivindicado
pelo grupo escolanovista.
A preocupação dos salesianos com o mundo do trabalho; a implantação de institutos e escolas de Artes e Ofícios
com enfoque e especialistas nas mais diversas atividades, ocupações e áreas do conhecimento, representava o aspecto
moderno da proposta de Dom Bosco que os colocava em posição de vanguarda.
Tendo como principal diretriz pedagógica o “Sistema Preventivo”, os salesianos ficaram conhecidos e marcados
positivamente, por preconizarem na educação um ambiente alegre, voltado para a liberdade pessoal, com uma am-
pla variedade de atividades extracurriculares, exercícios físicos, liberdade, cordialidade e confiança. (CASASANTA,
1934). Valores esses, que poderiam facilmente serem associados a reivindicação escolanovista de colocar os estudan-
tes em posição de autoria.
Nisso estavam implícitos um ambiente educativo em que houvesse familiaridade entre educadores e educan-
dos, com diálogo, imposição de limites, correção, que deveriam ocorrer sem humilhação ou constrangimentos com
castigos degradantes. (SILVA, 2009)
Nos cursos de ensino secundário (ginasial e colegial) destacavam-se pelas possibilidades de acesso à ampliação
de capital cultural e social por meio das bandas, coros, teatro, agremiações, participações em passeatas, festas e pro-
cissões. As atividades que incitavam um clima leve e festivo proporcionavam uma maior aceitação da forte presença
da cultura religiosa que perpassava as práticas escolares e culturais.

Os salesianos instalaram uma rede de escolas católicas, ingressando no espaço urbano, competindo com o ensino
leigo e com as escolas protestantes, tendo como preocupação fundamental a defesa e manutenção da ordem e da
tradição. (SILVA, 2009, p. 31).

Aliando inovação e tradição os salesianos, conquistaram a aceitação das famílias tradicionais que preparavam
seus filhos para ingresso no curso de ensino secundário em uma instituição de confiança, renome e com valores re-
ligiosos.

INSTITUIÇÕES SALESIANAS DE ENSINO SECUNDÁRIO NO SUL DE MATO GROSSO:


LEITURAS E FONTES DE MEMÓRIA

As primeiras instituições de ensino secundário foram implantadas na região sul do estado de Mato Grosso en-
tre os anos de 1917 e 1938, atendendo à demanda populacional dos maiores municípios da região: Corumbá e Campo
Grande.

815
O acesso ao curso para os jovens foi facilitado pela chegada da Missão Salesiana, em Corumbá e Campo Grande.
Predominavam estabelecimentos privados, especialmente por instituições católicas. Isso por que, a Igreja Católica se
manteve, até a década de 1930, em posição dominante, o que colocava suas instituições em posição privilegiada no
campo educacional – subvencionadas pelo Estado.
Assim instituições salesianas encontraram solo frutífero para a missão educacional e se destacaram pela grande
representatividade numérica em relação aos demais estabelecimentos de ensino, sendo a responsável pela formação
escolar que abasteceu os campos de produção simbólica com jovens formados na região. Contou com dois estabeleci-
mentos de ensino para moças: o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, na cidade de Campo Grande e Colégio Imacula-
da Conceição na cidade de Corumbá. E dois estabelecimentos para rapazes: Colégio Dom Bosco na cidade de Campo
Grande e Colégio Santa Teresa na cidade de Corumbá.
Esse tópico tem como objetivo a compreensão da ação salesiana no sul de Mato Grosso no contexto do avanço
da Escola Nova, a partir da aproximação da trajetória de ex-alunos a partir de suas obras memorialísticas e de seus
relatos orais.
Compõe esse conjunto memórias os autores Abílio Leite de Barros, Pierre Adri e José Corrêa Barbosa, que
realizaram sua escolarização secundarista na porção sul do estado de Mato Grosso. Abílio Leite de Barros no Colégio
Salesiano Santa Teresa em Corumbá e os demais no Colégio Dom Bosco em Campo Grande.
No sul do Mato Grosso, os salesianos criaram estratégias de distinção no conjunto dos estabelecimentos de
ensinos secundário, e com isso reafirmaram a sua tradição educacional. Tornaram-se a principal opção de estabeleci-
mento escolar para os filhos das elites regionais. Também vale ressaltar que:

Em seus primórdios a implantação da obra salesiana foi facilitada pelo apoio financeiro dado pela aristocracia
agrária, entretanto, mostraram-se efetivamente mais sintonizados com as classes médias urbanas, em afirma-
ção progressiva na sociedade brasileira. Uma parte expressiva de seus colégios fora fundada para receber jovens
provenientes desses segmentos populacionais. O regime de internatos foi estabelecido para atender à demanda
da aristocracia agrária e da burguesia urbana, que buscavam oferecer uma instrução a seus filhos ministrada por
religiosos europeus. [...] Parte expressiva dos alunos estudantes nos colégios salesianos era proveniente dos setores
das classes médias urbanas, que cursavam o ensino secundário, ficando os cursos profissionalizantes oferecidos pe-
los liceus de arte e ofício e as escolas de ensino agrícola direcionadas aos grupos pertencentes às classes populares.
(ALVISI, 2007, p. 73).

Embora os agentes selecionados tenham estudados em escolas salesianos tiveram trajetórias bem especificas.
Nesse sentido, as obras se alicerçam em um caráter de seletividade de memória tanto oral quanto escrita.
Ao tencionar a subjetividade de tais agentes aos elementos objetivos que compõe o contexto histórico e as
transformações do ensino secundário, objetivamos compreensão e identificação de práticas inovadoras para um ce-
nário da política educação marcado pelo ganho de forca do escolanovismo.
A análise das memórias se dedicou ao relacionamento dos agentes com saberes escolares, a metodologia de
ensino que compuseram essa formação salesiana e subsidiou o questionamento um substancial alcance da Escola
Nova e suas reivindicações como: o rompimento com o tradicionalismo da escola secundária, estudo dirigido, das
autoavaliações trabalho em grupo e a utilização de laboratórios e músicas.
Os agentes afirmam que: “[...] as aulas eram descritivas e de exposição... E de escrita no quadro, você copiava e
discutia. Chamava o aluno lá na frente, fazia pergunta e ele tinha que responder. Fazia tarefa em casa, no caderno. ”
(PIERRE ADRI, 2016). De uma maneira simplificada, eles descrevem a escola tradicional humanística, em que per-
maneceram a progressividade, o formalismo, a memorização, a autoridade, a emulação e a intuição.
O trabalho em grupo como técnica e como um dos passos básicos do método ativo1, no cotidiano escolar da
formação salesiana, não aparecem nas memórias analisadas. Nas palavras dos agentes, o ensino era basicamente pela
1 [...] a espontaneidade, o jogo e o trabalho são elementos educativos sempre presentes: é por isso que depois foram chamadas de ‘ativas’.
São frequentemente escolas nos campos, no meio dos bosques, equipadas com instrumentos de laboratório, baseadas no autogoverno e na
cooperação, onde se procura ao máximo respeitar e estimular a personalidade da criança. Portanto, o conhecimento da psicologia infantil e
da psicologia da idade evolutiva, tanto da criança individual como da infância e da adolescência em geral, como idade que tem em si suas leis
e sua razão de ser, são temas essenciais da pedagogia das escolas novas. (MANACORDA, 1989, p. 305).

816
“[...] exposição oral. Não tinha trabalho em grupo, a gente tinha a aulas que não é como se faz hoje” (JOSÉ BARBOSA,
2016).
Os agentes afirmaram desconhecer os laboratórios do ensino secundário, ou mesmo os discos que ora deveriam
ser utilizados nas aulas de línguas. Não foram identificados “[...] artefatos didáticos modernos, que chamo aqui de
modernidades, tais como vitrolas, coleções de discos, coleções de livros, projetores de imagens fixas, slides e filmstrips,
como parte de concretização do cenário de modernização desse nível de ensino. ” (RAHE, 2015, p. 24).
Abílio reforça: “Músicas eu não me lembro, mas eles davam textos para você ler e escrever sobre os textos.
Textos de literatura. Mandavam a gente decorar poesia. ” (BARROS, 2016).
A falta de alcance do escolanovismo nas instituições de ensino do sul de Mato Grosso é observada, ainda, na di-
mensão da avaliação e da ação pedagógica. Nesse sentido, deixa-se de lado a autoavaliação e autorregulação, para um
rígido ato de verificação do aprendizado e simplificado em ato mecânico de memorização que envolvia a conversão
do capital cultural em capital simbólico e escolar, ou cultural institucionalizado.
Os ginasianos, no entanto, encaravam as avaliações como parte necessária e importante do processo de apren-
dizagem, e contam: “[...] você tinha muitas provas, né? Não tinha prova bimestral ou mensal. Tinha professor que
dava toda aula. Era melhor porque você memorizava mais. ” (JOSÉ BARBOSA, 2016). A aprovação de José Barbosa as
recorrentes atividades avaliativas e a um ensino baseado na memorização sugere um habitus estudantil em harmonia
com a lógica e as estratégias formativas da escola secundária tradicional. Estruturou-se um modo de ser e estar aluno,
coerente com as exigências estruturadas pelo campo.
Nesse processo, destacavam-se, ainda, a emulação aos alunos para a dedicação, disciplina e boas notas. Estas
eram expressas em passeios e prêmios que ampliavam o capital simbólico dos estudantes em destaque.
Pierre Adri, registrou que as condecorações eram realizadas no “Cinema Santa Helena”, em ocasiões solenes.
“Lá a gente ganhava medalhas, a medalha de ouro, de prata, de bronze e menção ao rosa para os alunos que se des-
tacavam, honra ao mérito. Então chamava no meio do povo todo lá, e chamava lá na frente e colocava medalha.”
(PIERRE ADRI, 2016).
O capital simbólico corresponde à conquista de uma reputação no sentido de honra e prestígio. Corresponde
a uma acumulação inserida em uma lógica específica, pois não pode ser adquirida a partir de ações mecanicamente
calculadas ou conscientes. Insere-se, portanto, em uma lógica da prática fundada pelo reconhecimento das ações do
agente e, por isso, reside a partir de uma estrutura temporal. (BOURDIEU, 2004). É, pois, um capital intrinsecamente
relacionado à opinião e à representação de outros sobre os agentes.
Outras iniciativas presentes na escola secundária ainda contribuíram para a do capital cultural, por meio do
acesso a obras e músicas clássicas, nas disciplinas de Francês, Latim, Literatura, Inglês. Juntamente com a aquisição
do capital cultural, o gosto pela leitura e a escrita era exercitado e estimulado nas disciplinas supramencionadas, por
meio de recorrentes composições passíveis de apreciação.
As agremiações também eram utilizadas como instrumento de ampliação de capitais. O Grêmio-Literário pro-
porcionavam a realização de peças teatrais, ampliando o capital cultural, a oratória, o exercício de falar em público. O
livro de “Crônicas” do Colégio Santa Teresa, em que foram registradas as atividades do cotidiano da instituição, re-
vela que no dia 9 de junho de 1941 houve, por exemplo, a fundação do Grêmio Dramático-Literário (CRÔNICAS...,
1941). São assinaladas, também, apresentações e dramatizações de peças religiosas e clássicos da literatura.
O Regimento de 1960 ainda reforça: “Art. 35 - a direção do colégio incentivará as iniciativas no setor cultural
e prestigiará o funcionamento do grêmio-estudantil”. (REGIMENTO..., 1960). O documento nos leva a admitir a
possibilidade de que o grêmio permaneceu em funcionamento e contou com o incentivo institucional.
Pierre Adri foi o único entrevistado a participar do grêmio estudantil. Sem muitos detalhes, narra que: “A par-
ticipação do grêmio era cultural. Representativo. Tinha uma festa de estudantes, representava. Tinha uma viagem,
representava. Era assim. ” (PIERRE ADRI, 2016).
O Grêmio Estudantil, juntamente com os impressos estudantis, além de estimularem o exercício da leitura e
da escrita, iniciavam os alunos no campo político. Constituíam-se como uma maneira legítima de reivindicação e
exposição dos anseios dos alunos, além de estarem vinculados muitas vezes à produção de jornais estudantis. Tor-

817
navam-se, assim, um espaço de iniciação ao campo intelectual, em que além da escrita era exercitada também a sua
capacidade criativa. Essas atividades foram introduzidas, sobretudo, pelo pensamento escolanovista, e amparado pela
legislação, conforme o Artigo 46º do Decreto-lei nº 4.244/1942:

Os estabelecimentos de ensino secundário deverão promover, entre os alunos, a organização e o desenvolvimento


de instituições escolares de caráter cultural e recreativo, criando, na vida delas, com um regime de autonomia, as
condições favoráveis à formação do espírito econômico, dos bons sentimentos de camaradagem e sociabilidade, do
gênio desportivo, do gosto artístico e literário. Merecerão especial atenção as instituições que tenham por objetivo
despertar entre os escolares o interesse pelos problemas nacionais. (BRASIL, 1942, n.p.).

Em geral, o teor das publicações compreendia anúncios relativos ao colégio, poesias produzidas pelos estudan-
tes, notícias esportivas, eventos cívicos escolares, notas políticas intelectuais e culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou compreender como o ensino secundário oferecido pelas instituições no sul do estado
de Mato Grosso, adaptaram-se ao avanço das ideias escolanovistas. Para alcançar o objetivo proposto, analisamos
fontes memorialísticas produzidas por três agentes que cursaram o ensino secundário no Colégio Dom Bosco e Co-
légio Salesiano Santa Teresa. Essas contribuições, contidas na memória oral e escrita de agentes que se encaixavam
no perfil de intelectualidade perscrutado pela pesquisa, foram cruzadas com fontes documentais arquivadas nas ins-
tituições responsáveis pela formação desses agentes. O cruzamento das fontes foi interpretado à luz do referencial
bourdeusiano,
A trajetória dos agentes selecionados converge em alguns pontos e em outros se distancia. Dessa forma, foi
preciso considerar o tempo e o espaço em que ocuparam a condição de estudantes secundaristas. Dentre as práticas
culturais, sociais e escolares investigadas, foi possível identificar uma escola seleta, elitista, conservadora, que se dis-
tanciava das propostas escolanovistas colocadas em discussão no cenário nacional pelo movimento da Escola Nova.
Com um caráter conteudista e pouco utilitário, investimento em capital cultural e escolar, as instituições bus-
caram formar alunos disciplinados, capazes de se adequarem a um programa de ensino humanístico, rígido e tradi-
cional.
As aulas, evidenciadas por meio das fontes, eram sobretudo expositivas, tendo o professor como o centro do
processo educativo e detentor do conhecimento, responsável por transmiti-lo. Um ensino que abrangia métodos de
ensino notadamente tradicionais marcados pela memorização, cópias e extensas tarefas para a casa, em um quadro
que se contrapunha ao de professor facilitador e ao estudo dirigido da Escola Nova.
A modernização do ensino e o processo avaliativo também se mostraram alheios às transformações ocorridas
no campo. Laboratórios, visitas a museus e bibliotecas, pareceram passar distante da trajetória dos agentes entrevis-
tados.
Considera-se, por tanto, que, no sul de Mato Grosso embora a escola secundária salesiana proporcionasse os
instrumentos necessários para ampliação de capital social e cultural, iniciação da vida política. Foi pouco eficiente
em romper com o caráter elitista do ensino e a tradicional educação humanística já enraizada nos cursos de ensino
secundário desde o século XIX.
Assim, a escola secundária, no período pesquisado, cumpriu o papel de legitimação das desigualdades sociais, e
proporcionou aos jovens já economicamente favorecidos uma maior distinção social, por meio acúmulo de capitais e
certificação escolar, que na sociedade capitalista são utilizados como instrumento de dominação.

818
REFERENCIAS

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ALVISI, Lilian de Cássia. Memória, Resistência e Empoderamento: Memorial Escolar Padre Carlos de Poços de Caldas/
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BARBOSA José Corrêa. Entrevista em 04 de dezembro, 2016. In: ANDRADE, Heloise Vargas. Ensino secundário e agentes
intelectuais no sul de Mato Grosso (1931-1961). 2017. 280p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de
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BARROS, Abílio Leite. Entrevista em 21 de abril, 2016. In: ANDRADE, Heloise Vargas. Ensino secundário e agentes
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CASASANTA, Mario. Dom Bosco educador: um mestre velho da escola nova. Niterói: Escolas Profissionais Salesianas, 1934.
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DEWEY, John. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. 3. ed. Trad. Godofredo Rangel e Anísio Teixeira.
São Paulo: Nacional, 1959.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1989.
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Companhia Editora Nacional, 1932.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na primeira república. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
PIERRE, Adri. Entrevista em 24 de abril, 2016. In: ANDRADE, Heloise Vargas. Ensino secundário e agentes intelectuais
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PINHEIRO, Leandro Brum. O bem-estar na escola salesiana: evidências da realidade, 2011. 144p. Dissertação (Mestrado em
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RAHE, Marta Banducci. Inovações incorporadas ou “modernidade abandonadas”? Uma investigação sobre os materiais didáticos
para as aulas de Línguas vivas em dois ginásios de Campo Grande, Sul do Estado de Mato Grosso (1931-1961). 2015. 199f. Tese
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RELATÓRIO Ginasio “Dom Bosco”, 1935. Campo Grande, MT, Relatório1935.
SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007. 473p.

819
HISTÓRIA E MEMÓRIA DO POVO XAVANTE

Lúcia Tavares dos Santos Serpa - PUC-GO1


Prof. Dr. José Maria Baldino- PUC-GO2

RESUMO: A cultura é um artefato ligado na existência humana, assim não há pessoa nenhuma no planeta que
não possua a sua cultura. O objetivo aqui é apresentar o contexto histórico e a memória do povo A’uwe Xavante no
território indígena localizado no leste do Estado de Mato Grosso. Onde os saberes sobre a Amazônia Legal, da qual
faz parte o cerrado mato-grossense, as serras, os rios e riachos, o modo de pensar e ver o seu povo e os demais po-
vos, os ritos nas cerimônias, as danças, os sonhos e as músicas estão presentes não só na memória do povo Xavante,
como no seu coração e em todo seu corpo pintado de carvão e urucum. Seus adornos como as gravatas, cordinhas
nos pulsos e rolinhos de madeira perpassando as orelhas, ainda são usados igual os seus ancestrais utilizavam. A
metodologia é uma pesquisa bibliográfica sobre a vida, a cultura e a educação do povo Xavante. A história indígena
nasce bem antes do descobrimento do Brasil em 1.500 pelos Portugueses, portanto torna se dispensável salientar a
grande importância histórica e cultural do índio na formação cultural do povo brasileiro. Como resultado temos as
características marcantes do índio xavante são suas migrações pelo cerrado dos Estados de Goiás e Mato Grosso, na
década de 1930 o governo de Getúlio Dornelles Vargas, constituiu a Marcha para o Oeste com o intuito de ocupar a
região Centro-Oeste, onde existia muitas terras “vagas”, com esta Marcha as terras do povo xavante foram invadidas
e acabaram cercadas pelo homem branco, com isso foi gerado inúmeros confrontos e mortes o que culminou em
1970 com a demarcação das terras indígenas Xavante no leste mato-grossense. A fragmentação da jurisdição indígena
tornou-se um arquipélago de terras xavante nesta região do estado, este conjunto de terras ilhadas, originou diversos
conflitos ambientais e sociais alterando assim a rotina cultural de um povo. Neste sentido, o projeto desenvolvido em
uma escola pública, relata a ressignificação das ações pedagógicas e o fortalecimento da identidade cultural dos alunos
xavantes, além disso, mantem viva a sua memória e suas origens.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. História. Memória.

TERRITORIALIDADE XAVANTE

O Estado de Mato Grosso lidera o ranque nacional no número de queimadas, desmatamentos e queimas, além
de ser um dos maiores exportadores de grãos do Brasil. A legislações tanto Estadual com Federal dão a base legal para
a ampliação desordenada do agronegócio, que utiliza em grande quantidade adubos químicos e os agrotóxicos, com
isso vem poluindo os rios e aumentando o desmatamento nas áreas de proteção ambiental dos rios que cortam as
terras destes povos e que são afluentes do Rio Araguaia.
Com a destruição de parte do cerrado no leste mato-grossense tem deixado cada vez mais o povo xavante ilha-
do, pois além de suas nove terras estarem separadas os indígenas dependem dos recursos naturais para suas cerimô-
nias religiosas e para sua própria sobrevivência
As terras do povo xavante, como já foi dito, está toda na área de cerrado do estado de Mato Grosso. Tal vegeta-
ção, foi nos últimos tempos dizimada para dar lugar as plantações de milho, soja e outro grãos, tão importantes para
a exportação nacional e equilíbrio financeiro do Brasil.
Em vista disso, os impactos foram imensuráveis, como o êxodo rural do homem branco e até o êxodo indígena,
além dos problemas socioambientais gravíssimos na região conhecida como Vale do Araguaia. Neste cabo de guerra

1 Mestranda do Programa PPGE PUC Goiás, Especialista em Educação Interdisciplinar, graduada em Letras, Pedagogia e Administração.
Docente da rede pública. luciatsserpa@yahoo.com.br.
2 Orientador Dr José Maria Baldino. Doutor em Educação pela UNESP. Mestre em Educação pela UFG. Titular de Sociologia. Escola de
Formação de Professores e Humanidades. Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Humanidades. Professor Credenciado para o Programa
de Mestrado e Doutorado em Educação da PUC Goiás.

820
tão desigual, de um lado está o grande latifundiário e do outro as minorias aqui o povo xavante, buscamos refletir
com Benjamin:

Se pretendes aproximar-se minimamente do significado das causas econômicas da guerra, podemos afirmar que a
guerra imperialista, no que tem de mais terrível e fatal, é co-determinada pelo abismo, entre os gigantescos meios
da técnica, de um lado, e sua exígua iluminação moral, de outro. (BENJAMIN, 1986, p.137).

A associação, no caso em estudo da minoria que é o povo xavante. Entre a ciência e o uso das tecnologias para a
produção em larga escala e a natureza representada pelos indígenas. Onde o objetivo do mais forte não são os concei-
tos, muito menos a busca do bem-estar de todos. Mas o seu objetivo é claro e bem definido é o método, a exploração
de todos, desde os recursos naturais até o ser humano, para compor ainda mais o seu capital.
A globalização econômica, desenvolvida sem controle nesta região de Mato Grosso. Coloca em risco a coesão
social de toda uma etnia. De um lado está a busca incansável pelo apogeu do desenvolvimento técnico cientifico e do
outro está uma população indígena que desde pequeno aprende o processo firmado na negociação entre as pessoas
da sua aldeia. Segundo Corsaro (1997) este processo de negociação é um método de interações recíprocas entre as
crianças e os demais adultos da tribo.
Assim sendo, a comunidade xavante tem seus princípios fundados na base da cooperação, na construção de
ações que busca a valorização da identidade cultural, mantendo a sua afirmação, fortalecendo sua história e a origens
de seu povo. E na contramão de tudo isso, vem o processo de globalização selvagem desenvolvida pelo capitalismo.
Por fim, a Ciência-tecnológica não se baseia mais pela ideia de um fim, deste modo, pode servir a qualquer
fim. E o progresso agrícola no Mato Grosso não tem por objetivo a felicidade do homem, como escreveu Adorno “a
felicidade é uma ciência esquecida”, nem tão pouco a diversidade das minorias. Apresentando meramente como ges-
tores financeiros, assim jamais terão que enfrentar a diversidade humana. Mantendo assim a subversão entre política,
ciência, moral e diversidade.
Entretanto, o dia a dia do povo A’uwe Xavante em suas reservas, convivem diariamente com áreas mesmo
ameaçadas e no isolamento das demais reservas. Ainda tem nas reservas indígenas de Mato Grosso, riqueza imen-
surável em biodiversidade. Onde os saberes sobre a Amazônia Legal, da qual faz parte o cerrado mato-grossense, as
serras, os rios e riachos, o modo de pensar e ver o seu povo e os demais povos, os ritos nas cerimônias, as danças, os
sonhos e as músicas estão presentes não só na memória do povo Xavante, como no seu coração e em todo seu corpo
pintado de carvão e urucum.

CULTURA X POLÍTICA NA SOCIEDADE XAVANTE

O crescimento dos moldes políticos e culturais do ocidente, onde o processo de colonização, o Estado e o ca-
pitalismo globalizado desacerbado, ainda não conseguiram efetivar a exterminação do ser humano nativo. Como
afirma Kant (1996),

Não há ninguém que, tendo sido abandonado durante a juventude, seja capaz de reconhecer na sua idade madura
em que aspecto foi descuidado, se na disciplina, ou na cultura (pois que assim pode ser chamada a instrução). Quem
não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem. A falta de
disciplina é um mal pior do que a falta de cultura, pois essa pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode
abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina. (KANT, 1996, p.16)

Diferente das previsões sobre a cultura e a historicidade do índio e porque não dizer até intenções governa-
mentais em um passado não distante. Como vimos anteriormente. A grande surpresa está nas estratégias políticas e
culturais que tais comunidades têm apresentado como luta diária de sobrevivência.
A cultural do povo xavante está relacionada com todo o seu conhecimento, suas crenças, arte, valores, costu-
mes, leis, moral e todas as aptidões formadas pelo cidadão no âmbito familiar e na sociedade da qual ele pertence.
Como afirma Veiga p. 11, “cultura é o conceito que deriva da natureza”.

821
Assim sendo, a sociedade indígena é uma sociedade plural em todos os sentidos. E entender a relação entre
natureza e sociedade, é buscar o conhecimento que expressa uma direção contrária da razão ocidental de ser, onde é
predominante o capitalismo.
As sociedades xavantes mantém, mesmo com o passar do tempo, com a aproximação e convivência com o
homem branco a sua diversidade cultural, por meio das mesmas sabedorias e dos mesmos conhecimentos que são
ensinados de geração em geração pelos próprios indígenas.
Neste sentido, a comunidade xavante vive constantemente em uma combinação entre a defesa e ao ataque em
relação a sua sobrevivência no espaço urbano. Como define Silva.

O multiculturalismo nos faz lembrar que a igualdade não pode ser obtida simplesmente através da igualdade de
acesso ao currículo hegemônico existente, como nas reivindicações educacionais progressistas anteriores. A ob-
tenção da igualdade depende de uma modificação substancial do currículo existente. Não haverá “justiça curri-
cular” ... se o cânon curricular não for modificado para refletir as formas pelas quais a diferença é produzida por
relações sociais de assimetrias (SILVA, 2009, p. 90).

Na modernidade a política também é um divisor de águas, definida como o mal necessário. Onde estão pres-
supostos o poder, o domínio e a sua vontade sobre o outro. Ao mesmo tempo é na política que está a garantia e as
condições de viver em sociedade.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DE UM POVO

Foi na década de 1940, com o governo de Getúlio Vargas que aconteceu a ocupação e a exploração dos recursos
naturais da região Centro Oeste do Brasil. Este mesmo governo integracionista tinham os índios xavantes como mais
uma barreira natural a vencer para realizar a integração nacional. Com a chegada da expedição e o povoamento da re-
gião, hoje os estados de Goiás e Mato Grosso. Diante de todo este aparato governamental os índios xavantes fugiram
pela região Centro Oeste do Brasil até ficarem praticamente encurralados entre os rios Araguaia, Rios das Mortes e a
Serra do Roncador. Os xavantes eram temidos pela população dos novos povoados.
Os povos xavantes não contam com documentos históricos deste período, para contar a história do passado da
sua gente, a sua versão da história da ocupação das terras do Centro Oeste pelo homem branco. A oralidade na co-
munidade xavante é bem mais que a “espinha dorsal” no processo cultural, como podemos ver em Bringmann (2012).

Fortemente enraizados na tradição oral, os povos indígenas, elaboraram ao longo dos tempos, complexos sistemas
políticos e hierárquicos que tem na oratória a sua mola mestra. As palavras têm força de lei e são sinônimos de
poder político e religioso. É através da língua que são passados, de geração em geração todos os preceitos básicos
de cada sociedade indígena, como a identidade, os costumes, o modo de ser e, por que não, as formas de sobrevi-
vência. (BRINGMANN, 2012, p. 11).

No passado a sociedade xavante ainda não dispunha de recursos tecnológicos para gravar, fotografar ou qual-
quer outra fonte histórica que conhecemos. Neste período, os seus únicos recursos eram a memória e a oralidade para
apresentarem a sua versão da história, realizar as suas tradições, como os contos, mitos, tradições e conhecimentos
culturais entre seus povos.

A etnografia praticada os laudos valoriza em geral as narrativas dos moradores, no sentido de Bourdieu (1973),
quando enfatiza a fala como expressão das condições de existência. Para ele, a palavra é um símbolo de comuni-
cação por excelência, porque representa o pensamento. É uma reveladora das condições estruturais, sistemas de
valores, normas e símbolos e tem a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos
determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas. (LEITE 2002, p 35).

Na visão antropológica a respeito da oralidade e a memória do índio xavante, como esclarece Lopes, ao refletir
sobre um “corpo da narrativa” deste modo de observar as reflexões dos indígenas sobre o tempo e o espaço dentro de
uma “mística” das experiências históricas desse povo.

822
Em vista disso, a memória e a história cultural do xavante podem ser observadas, também foi repassado os
ensinamentos ao seu povo por meio da oralidade, do artesanato e até no seu corpo por meio dos desenhos em formas
geométrica e a pintura utilizando recursos naturais como o urucum e o jenipapo.
Observar o não dito na realidade da comunidade xavante é tão importante quanto o dito, pois o povo xavante
tem a oralidade como tradição, onde o cacique fala para se comunicar com o outro. Neste momento seu povo silencia.
A autoridade é o cacique, ele é o responsável pelo seu povo, para dar voz e se fazer entender pelo outro.
Vale aqui ressaltar e reconhecer a importância cultural da oralidade e da história do índio xavante, sobretudo,
seus valores, costumes e tradições é fundamental para preservação do patrimônio cultural do Vale do Araguaia. Nesse
sentido, ao proporcionar a comunidade indígenas e não indígenas o contato com esse patrimônio, os tornará conhe-
cedores, criadores e divulgadores da sua cultura, da sua história. O que contribui para o fortalecimento da memória
cultural das minorias e também para a valorização desses novos sujeitos no âmbito da sociedade urbana.
Vinculando assim, a ética, a história, a cultura e os laços que identificam o povo xavante com o seu modo prá-
tico em lidar com as relações humanas. Partilhando as múltiplas dimensões de sua cultura, tais como as visíveis para
além de um debate abstrato e distante do cotidiano na valorização do potencial humano.

SABERES E VIVÊNCIA COM ALUNOS INDÍGENAS NA ESCOLA PÚBLICA URBANA

A integração entre os educadores do Centro Municipal de Ensino Fundamental Professora Laurita Martins
de Souza na cidade de Aragarças-Go e a comunidade xavante já é uma realidade há alguns anos. Mas só no ano de
2018 foi que a equipe gestora tomou a iniciativa de estreitar os laços com os indígenas, desenvolvendo o projeto que
apontou a experiência com a comunidade indígena dos alunos como uma importante parceria no fortalecimento da
identidade e na diversidade cultural dessa minoria a qual faz parte o povo xavante.
O universo cultural xavante é fascinante, levando os estudantes a interagir, a participar de forma integral das aulas,
dos experimentos e até em questões que são poucas validadas pela escola, como as histórias de vida e os sonhos dos alunos.
Nesta perspectiva os professores desenvolveram o projeto construindo saberes para a alfabetização de crianças
do Pré I ao 3º ano do Ensino Fundamental, este projeto foi a espinha dorsal da Formação Continuada dos professores
no ano de 2018.
O trabalho metodológico foi norteado pela visão freireana, ao que tece um diálogo com a pedagogia da auto-
nomia, seguindo seu aspecto dialógico e ao mesmo tempo dialético de uma educação libertadora e emancipatória.
As atividades pedagógicas foram desenvolvidas como forma de articular e fortalecer o conhecimento, a identidade
cultural de uma minoria, o povo xavante a partir da ação-reflexão.
O objetivo deste projeto foi pautado na valorização do patrimônio imaterial do aluno xavante e do aluno não
indígena estudantes da escola pública. Em relação a atividade, buscou-se o reconhecimento e a valorização da cultural
do povo Xavante, a fim de conservar viva na lembrança de todos os alunos e na dos alunos xavantes o valor da origem
cultural, social e política desses povos.
Partindo da pedagogia freireana, que desafia os educadores para que no banco da escola, consiga superar os
limites sociais impostos as minorias. Desse modo, a construção de uma autonomia baseada na ação e reflexão, ao
respeitar os sujeitos que a constroem, atribuir grandes significados para os alunos. Também transcende limites pe-
dagógicos para construir na vivencia das crianças, outras formas de sentir, perceber, conviver, transformar, criar e
compor seu mundo com o mundo do outro.
A escola pública tem uma tarefa importante na valorização de seus costumes, seus valores, suas tradições e a sua
língua. Sempre lembrando que em sala de aula para que toda essa valorização seja efetivada, muitas vezes os profes-
sores têm que contar com o auxílio de uma criança indígena maior, para atuar como interprete. Para que a professora
e os demais colegas possam comunicar, compreender o que o aluno está falando. As crianças indígenas que chegam
nesta escola já são falantes de sua língua materna, no espaço pedagógico em que os alunos iniciam no mundo da lei-
tura e da escrita em sua segunda língua, a Língua Portuguesa.

823
Nesse sentido, a escola ao proporcionar aos alunos uma educação que valoriza sua língua, sua maneira de ex-
pressar-se para o mundo. Ela se torna o lugar mais significativo para esta criança no universo. Além, da valorização
desses novos sujeitos no âmbito escolar de um centro educacional urbano

GLOBALIZAÇÃO CULTURAL E A RESISTÊNCIA DE UM POVO

Os livros didáticos disponíveis e utilizados na rede pública de ensino no Brasil, trazem de forma bem genérica
as questões sobre a culturais do povo brasileiro. Contrapondo a esta visão o CMEF Professora Laurita Martins de
Souza elaborou e desenvolveu o projeto reatado anteriormente, em que os alunos vivenciaram a identidade cultural
de uma minoria, o povo xavante presente no cerrado da região Centro-Oeste do Brasil. Neste sentido, é peculiar
destacar como afirma DAMATTA (1997), que o diferencial do ser humano não está visível aos olhos da sociedade.

Trata-se, sempre, da questão de identidade. De saber quem somos e como somos; de saber por que somos. So-
bretudo quando nos damos conta de que o homem se distingue dos animais por ter a capacidade de se identificar,
justificar e singularizar. De saber quem ele é. De fato, a identidade social é algo tão importante que o conhecer-se
a si mesmo através dos outros deixou os livros de filosofia para se constituir numa busca antropologicamente
orientada (DAMATTA, 1997, p. 15).

A globalização cultural é algo presente na sociedade. A fim de contrapor a este fenômeno que a mídia e o esta-
do buscam, por meio da modernização urbana, a escola luta sem aparatos tecnológicos, mas com as memórias para
fortalecer as identidades. Assim continuar a luta em desfavor da cultura homogeneizada pregada pelo capitalismo.

Os interesses coletivos são expressão do espírito associativo do homem. Dizem respeito ao homem associado,
socialmente agrupado, membro de grupos ou comunidades, com algum grau de organização, que medeiam entre
o indivíduo e o Estado Desvinculam-se dos interesses concretos de cada indivíduo para assumir contornos de um
interesse abstrato, da coletividade, do grupo (SANTOS, 2006, p. 73).

Neste sentido, a escola não só apresenta a cultura do povo xavante, mas procurou manter viva a identidade, a
ética, a crenças, o comportamento coletivo como instrumento de resistência dos indígenas ao processo de globaliza-
ção abreviado pelo estado e pelos meios de comunicação. Na busca pela resistência recorremos ao poema de Manuel
de Barros na “Didática da invenção”. Nesse sentido, quando o autor afirma a busca do saber enquanto conhecimento
está em “apalpar as intimidades do mundo”.
Com o intuito de buscar as intimidades recomendadas pelo poeta, e ao mesmo tempo preservar as manifesta-
ções culturais do índio, em especial do xavante que ocupam a parte da região conhecida como Vale do Araguaia. É de
fundamental importância conhecer, preservar e divulgar a cultura deste povo que convive em um espaço territorial
onde os conflitos por diferentes motivos sempre foram latentes. Nesse sentido:

A educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de
transmitir conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação bancária, mas um ato
cognoscente (FREIRE, 2005, p. 78).

Segundo Paulo Freire, suas pedagogias sugeriam uma proposta de modificação social e particular no sentido da
libertação de todas as pessoas que se deparavam nas condições de oprimidos do mundo.
É evidente a existência de uma cultura popular local genuinamente do povo xavante, da mesma forma da
população não indígena. Neste contexto, deixa de existir a fronteira geográfica entre Mato Grosso e Goiás, passando
a existir uma interposição cultural, onde se vivem uma intensa troca cultural entre os povos.
Por consequências, só os cursos de formação continuada apontarem para as necessidades das mudanças no
fazer pedagógico, em relação a diversidade cultural, não é o suficiente. Não muda a prática em si, pois esta prática é
uma mudança que deve partir de cada educador e depende dos seus valores, do seu conhecimento cultural e até da
sua formação acadêmica.

824
Por fim, com o foco na diversidade e no fortalecimento da a cultura xavante. Pois, mais à frente, as revelações
e o fortalecimento da cultura alusiva as minorias permanecerão no imaginário popular de toda a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta forma, a destruição hoje de quase todo o cerrado no leste mato-grossense tem deixado cada vez mais o
povo xavante ilhado, pois além de suas nove terras estarem separadas os indígenas dependem dos recursos naturais
para suas cerimônias religiosas e para sua própria sobrevivência.
Neste sentido, os impactos foram imensuráveis, tanto para o homem branco quanto para os indígenas, além
dos problemas socioambientais gravíssimos na região do Vale do Araguaia. Neste cabo de guerra absurdamente de-
sigual, de um lado está o grande latifundiário e do outro as minorias aqui o povo xavante.
Por fim, destacamos que a Formação Continuada desenvolvida no centro educacional, foi de fundamental im-
portância para os professores elaborarem e desenvolverem com seus alunos o projeto aqui em relato. A relevância
do projeto foi justamente apresentar, discutir e resgatar a memória e a identidade dos alunos xavantes desta escola.
Deste modo, na sociedade xavante, da qual fazem parte as crianças que frequentam e Educação Infantil e En-
sino Fundamental até o 3º ano, ficou claro pela participação da comunidade da aldeia em que as crianças nasceram
que a intenção dos seus genitores é a de que esses alunos retornem, após sua formação acadêmica futuramente, para
atuarem em defesa de seu povo. Com este intuito, o processo da socialização da criança no âmbito da aldeia, sua cul-
tura é comunitária, parentes, ou seja, pais, irmãos, tios e avós esperam a volta dos seus meninos que virão trazer os
conhecimentos do não índio para colaborar com a vida difícil em que se encontram as suas aldeias.
Vale ressaltar, mais um ponto na relação social indígena xavante que não se compara com a cultura da socieda-
de do branco. Entre o povo Xavante, desde pequeno, existe o processo firmado na negociação entre as pessoas.
Assim sendo, a intenção de acolher a comunidade xavante, para uma proximidade mais real, ativa mesmo na
escola, levou a construção de ações que procurou valorizar a identidade cultural desse povo, a fim de requerer a sua
afirmação, o fortalecimento de sua história, das origens do povo xavante. E também na valorização dos trabalhos
pedagógicos desenvolvidos nessa temática para manter viva a memória de minorias como essa que o processo de
globalização pretende sucumbir.
Enfim, no contexto da real situação política que vive o campo educacional no Brasil, estarmos reunidos na
formação continuada de professores, não é balburdia, mas luta no campo do conhecimento crítico e do processo for-
mativo. Principalmente para aquele professor que deixou os bancos das universidades há muito tempo.
Destarte, as reuniões, a formação continuada é também uma forma de resistência, de garantia de uma democra-
cia que não sufoca a sociedade, principalmente as minorias e a classe pobre. E que não tolhe seus direitos trabalhistas,
a educação gratuita e outros direitos fundamentais, também não decepa a ideologia da diversidade.
Tristemente, diante do cenário do desmonte da educação brasileira em todos os níveis, neste mesmo panorama
antidemocrático em que se encontra o Brasil, a educação libertadora não deve ser considerada apenas mais uma uto-
pia, mas, pela luta democrática se tornar realidade.

REFERÊNCIAS

BRINGMANN, Sandor. F. História Oral e História Indígena: Relevância social e problemática nas Terras Indígenas
brasileiras. In: Revista Latino-Americana de História, v.1, n. 4, p. 7-23, dez. 2012.
CORSARO, William. The Sociology of Childhood, London: Pine Forge 1997.
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
LEITE, Ilka Boaventura. O legado do testemunho: a Comunidade de Casca em perícia. Florianópolis: NUER/UFSC, 2002.

825
LOPES DA SILVA, Aracy. A expressão Mítica da Vivência Histórica: Tempo e Espaço na construção da identidade
Xavante. In: Anuário Antropológico. UNB, Brasília, 1982.
Revista Outras Fronteiras, Cuiabá-MT, vol. 3, n. 1, jan/jun., 2016 ISSN: 2318 – 5503
KANT, Immanuel, (1996). Sobre a pedagogia. Piracicaba: UNIMEP. Tradução de Francisco Cock Fontanella.
SANTOS, B. S. A gramatica do tempo: para uma nova cultura política São Paulo: Cortez, 2006.
VEIGA. Neto, A Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995.

826
HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL FEDERAL
EM GOIÁS - DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES “DESTINADA À
HABILITAÇÃO DOS FILHOS DOS DESFAVORECIDOS DA FORTUNA”,
AO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
DE GOIÁS “DESTINADO A FORMAR E QUALIFICAR CIDADÃOS”

Dalliane Louredo de Melo Moreira – PUC/Goiás1


José Maria Baldino – PUC/Goiás2

RESUMO: Analisa-se nesta comunicação a trajetória da educação profissional federal em Goiás: História e
Memórias da Escola de Aprendizes Artífices de 1909 ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás
em 2008. Este período compreende a história institucional da Educação Profissional das primeiras iniciativas e cursos
de formação ministrados até 2008 ofertados pela rede federal perpassando pela Escola de Aprendizes Artífices (1909);
Escola Técnica de Goiânia (1942); Escola Técnica Federal de Goiás (1965); Centro Federal de Educação Tecnológica
de Goiás (1999) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (2008). Objetiva evidenciar estes pro-
cessos por intermédio de memórias advindas e apreendidas de fontes documentais, além de demarcar as diferentes
configurações institucionais da Educação Profissional Federal em Goiás e demonstrar como as conjunturas econômi-
cas e políticas influenciaram os processos de formação profissional. Trata-se de uma pesquisa de natureza explorató-
ria qualitativa compreendendo a história como processos humanos construídos dialeticamente, portanto, dinâmicas
sociais marcadas por avanços e continuidades. Privilegiou-se um corpus teórico com foco nas fontes bibliográficas e
documentais, de natureza normativa e legal. Apreende-se de toda trajetória da educação profissional no Brasil e em
Goiás, uma política educacional marcada pela dualidade estrutural com uma educação de caráter propedêutico, com
marcas históricas de compromisso com os segmentos populares.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Profissional. História. Memórias.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás é uma instituição educativa pública a qual traz
marcas institucionais centenárias; marcado também por períodos históricos que evidenciam suas finalidades políticas
e educativas preconizadas pelos projetos institucionais. Configura-se como uma instituição que marcou as memórias
de várias gerações goianas, portanto as tramas e disputas políticas por uma educação profissional de qualidade. As
Memórias aqui referidas estão articuladas ao sentido atribuído por Gambi (1999), memória

[...] é a imersão na fluidez do tempo e o traçado de seus múltiplos – e também interrompidos – itinerários, a
recomposição de um desenho que, retrospectivamente, atua sobre o hoje projetando-o para o futura, através da
indicação de um sentido, de uma ordem ou desordem, de uma execução possível ou não. (GAMBI, 1999, p. 35).

A trajetória histórica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás perpassou por perío-
dos importantes de transformações e mudanças históricas em uma conjuntura política e econômica que, segundo

1 Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal de Goiás (2004). Relações públicas no
Instituto Federal de Goiás – Câmpus Goiânia (2010). Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2019). dalliane.
louredo@gmail.com.
2 Ciências Sociais. Doutor em Educação pela UNESP. Professor Titular de Sociologia PUC Goiás. Escola de Formação de Professores e
Humanidades - NUPEH e Mestrado e Doutorado em Educação.Vice-Líder do DP CNPq-PUC Goiás Educação, História,Memória e Culturas
em diferentes espaços sociais. jbaldino@uol.com.br.

827
Ianni (1978), abrange três fases da industrialização no Brasil e que marcam os três modelos de desenvolvimento: a)
o agrário exportador, até 1930; b) o de substituição de Importações, de 1930 a 1964 e c) o terceiro, denominado de
Internacionalização da Economia, de 1964 em diante.
Para organização da presente comunicação, esses três momentos são correlacionados com as mudanças das cons-
tituições e transformações sofridas pela instituição, ocasionando também alterações de nomenclaturas da mesma.

A ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES – 1909: “DESTINADA À HABILITAÇÃO DOS


FILHOS DOS DESFAVORECIDOS DA FORTUNA”

A primeira fase da industrialização no Brasil compreende o período até 1930, constituído por uma economia,
à base da produção cafeeira voltada à exportação. De acordo com Ianni (1978, p. 24), “a cafeicultura predominante
nas atividades produtivas nacionais e definindo a feição da estrutura econômica brasileira como uma função do setor
exportador, simboliza o padrão de desenvolvimento nacional nesse estágio.”.
Entretanto, a crise mundial de 1929 afeta drasticamente a produção nacional do café e, mesmo direta ou in-
diretamente, este passa a alimentar o processo de industrialização inicial no Brasil; em que “o capital agrícola é o
fundamento do capital industrial” (IANNI, 1978, p. 26).
A Proclamação da República em 1898, deparou-se com um conjunto de problemas herdados do passado colonial
e imperial, especialmente, dentre outros, os decorrentes da utilização /expropriação do trabalho escravo, dos efeitos da
monocultura agrícola exportadora como também de imensas parcelas da população absolutamente analfabeta.
É dentro destes marcos estruturais da sociedade brasileira que podemos situar/compreender a criação da Escola
de Aprendizes Artífices, em 1909. Os avanços na educação pública e gratuita encontrarão impulsos após 1932, com o
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova proclamando e propondo uma política que assegurasse o direito de escola-
rização para todos,sem discriminação de qualquer espécie.
A Escola de Aprendizes Artífices foi criada pelo Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, pelo então
Presidente da República, Nilo Peçanha, com o nome de Escola de Aprendizes Artífices. Em cada capital do estado,
ex-províncias imperiais, foi criada uma unidade, mantida pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio com
o objetivo de formar operários e contra-mestres, ministrando ensino prático e conhecimentos técnicos para aqueles
que pretenderem aprender um ofício, atendendo às necessidades do Estado e se possível, as especificações das indús-
trias locais.
A Escola de Aprendizes Artífices era destinada ao ensino profissional primário e gratuito, para crianças com
idade entre 10 e 13 anos, considerando:

[...] que o augmento constante da população das cidades exige que se facilite ás classes proletarias os meios de ven-
cer as dificuldades sempre crescentes da lucta pela existência; que para isso se torna necessario, não só habilitar os
filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico e intellectual, como fazel-os adquirir
habitos de trabalho proficuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime” (BRASIL, 1909).

Economicamente, o Brasil vivia um “modelo de exportação de produtos tropicais e matérias-primas e impor-


tação de manufaturas” (IANNI, 1978, p. 11), mas já havia no país, incentivos para o desenvolvimento da indústria.
Segundo Fonseca (1961, p. 161), “por ocasião da proclamação da República, existiam, em todo o País, 636 estabeleci-
mentos industriais. Daquela data até 1909 fundaram-se 3362 outros.”.
De acordo ainda com o autor, o aumento na quantidade desses estabelecimentos exigia “homens com conhe-
cimentos especializados, capazes de realizar seus serviços usando técnicas próprias. O desenvolvimento da indústria
indicava a necessidade do estabelecimento do ensino profissional.” (1961, p. 161).
Ao mesmo tempo, nos anos iniciais de República, o Brasil começava a passar por um processo de razoável
urbanização, o que não significou um aumento no número de cidades, mas uma mudança de paisagem percebida,
principalmente nas capitais do país, que “começavam a tomar um certo aspecto semelhante às metrópoles europeias.”
Ghiraldelli Jr. (1986, p. 31).

828
De acordo com Koval (1982, p. 126 apud GHIRALDELLI JR., 1986, p. 31), em 1907, “a população proletária do
país era de 151.841 trabalhadores, sendo uma grande parte formada por estrangeiros”.
Para Ianni (1978):

[...] não se pode negar a influência das relações externas de países como Inglaterra, Alemanha, França, Estados
Unidos e outros com a industrialização do Brasil, onde as condições econômicas, sociais e políticas internas que
serviram de base a esse processo, “somente puderam ser dinamizadas devido às oscilações e rupturas havidas nos
vínculos do Brasil” com aqueles países. (IANNI, 1978, p.23)

De acordo ainda com o autor, os acontecimentos políticos, econômicos e sociais do século XX,

[...] põem em evidência as tenções e conflitos provocados com a transição para uma civilização urbano-industrial.
Em oposição à civilização agrária, que se havia constituído em quatro séculos de história, de atividades econômi-
cas voltadas para o exterior e de relações políticas circunscritas às cúpulas da ‘aristocracia’ agrária e da ‘elite dos
letrados’, a civilização urbano-industrial criada neste século organiza-se em outros padrões políticos, econômicos
e culturais. (IANNI, 1978, p. 13).

Além disso, o Brasil acabara de promulgar a Constituição Federal de 1.891, a primeira após a proclamação da
República, que consagrou a descentralização do ensino, pois reservava à União o ensino superior e o secundário e aos
Estados, a educação primária e profissional, “que na época, compreendia principalmente escolas normais (de nível
médio) para moças e escolas técnicas para rapazes.” (ROMANELLI, 2005, p. 41). De acordo ainda com a autora, era
um sistema marcado pela dualidade de ensino, em que a educação ofertada à classe dominante (escolas secundárias
acadêmicas e escolas superiores) era cada vez mais distante da educação ofertada ao povo (escola primária e escola
profissional).
Para a autora, essa dualidade refletia uma complexidade na própria organização social brasileira.

O povo já não abrangia apenas a massa homogênea dos agregados das fazendas e dos pequenos artífices e comer-
ciantes da zona urbana: transparecia a heterogeneidade da composição social popular, pela divergência de interes-
ses, origens e posições. Existia já uma pequena burguesia, em si mesma heterogênea, uma camada média de inte-
lectuais letrados ou padres, os militares em franco prestígio, uma burguesia industrial, ensaiando seus primeiros
passos, e todo um contingente de imigrantes que, na zona urbana, se ocupavam de profissões que definiam classes
médias e, na zona rural, se ocupavam da lavoura. (ROMANELLI, 2005, p. 41).

E ainda para Romanelli (2005), havia uma pressão social e econômica que logo provocaria uma ruptura às
configurações estabelecidas pela constituição, quanto à oferta do ensino federalizado. Essa tensão também foi eluci-
dada por Fonseca (1961), pois as indústrias pressionavam a União para que qualificasse mão de obra para os estabe-
lecimentos fabris. Assim, o “decreto 7566 representa o marco inicial das atividades do governo federal no campo do
ensino de ofícios.” (FONSECA, 1961, p. 162).
De acordo com o Decreto 7.566/1909, os cursos de oficinas da Escola de Aprendizes Artífices funcionariam
em regime de escola externato, com horário das 10 às 16 horas. Além dos cursos de oficinas, havia ainda os cursos
noturnos: um primário, obrigatório para os que não sabiam ler, e outro de desenho para os alunos que carecessem
dessa disciplina para o exercício satisfatório do ofício que aprenderem.
Em Goiás, a escola foi instalada na capital do Estado, cidade de Goiás, na data de 1° de janeiro de 1910. (FONSE-
CA, 1961, p. 167). “mas seu funcionamento efetivo, entretanto, só se iniciou em 1912. Os dois primeiros anos foram
destinados a equipar e montar as oficinas.” (VIROTE, 2009, p. 101).
Para Fonseca (1961), os discursos da época evidenciavam a criação da instituição para a promoção do desen-
volvimento econômico no estado, já que Goyaz apresentava “apenas 16 estabelecimentos fabris” (FONSECA, 1986,
p. 267). De acordo ainda com ele, as instalações das escolas eram inadequadas e em precárias condições, faltavam
mestres especializados e os poucos professores presentes não sabiam o que lecionar no ensino profissional.
Segundo Manso (2016, p. 34), a “população da época mantinha uma esperança de que a escola pudesse significar
um avanço para a cidade e isso foi notório tanto na mídia, que passou a divulgar o fato, quanto por parte dos alunos

829
que nela estudaram.”. No entanto, ainda segundo o autor, a notícia desvelava “uma autoridade impregnada de poder
e do direito de cobrar [...] em que a divisão de classes era imperativa e necessária para manter o domínio sobre os
pobres e os desafortunados.” (MANSO, 2016, p. 34).
De acordo com Sá (2014), os primeiros ofícios ensinados pela Escola de Aprendizes Artífices em Goyaz foram
os de sapateiro, ferreiro e carpinteiro, em que os candidatos para tais cursos não podiam sofrer moléstia infecto-con-
tagiosa, nem possuir “defeitos” que os impossibilitassem para o aprendizado do ofício. Essa exigência fez parte do
próprio decreto de criação das Escolas. Sá (2014, p. 110), explica que isso “demonstra a forma pela qual os alunos eram
compreendidos: como força de trabalho em formação e não como cidadãos de direitos.”.
Essa configuração decorre da própria criação das Escolas, que se justificava, de acordo com o decreto, para
afastar os “filhos dos desfavorecidos da fortuna” do ócio e prepará-los para “adquirir hábitos de trabalho profícuo”. A
Escola se constituía em um “pano de fundo de um discurso subsumido por uma corrente entrelaçada de coronéis mi-
litares e da elite dominante da sociedade brasileira” (MANSO, 2016, p. 36), com destino a formar profissionalmente
a população pobre.
Manso (2016) ainda analisa que, mesmo obedecendo a essa relação de poder da classe dominante, a Escola re-
presentava um desenvolvimento do ensino profissionalizante no estado, bem como, a cidade de Goiás apresentava
“uma prosperidade no tocante à formação de mão de obra, ainda que mais na especificidade de um artesão do que
propriamente na de um profissional qualificado”. (MANSO, 2016, p. 42).
Assim, no início “do século XX, a situação socioeconômica e cultural do Estado de Goiás não apresentou sig-
nificativas mudanças, permanecendo a situação de isolamento, baixo povoamento, ruralização e economia de subsis-
tência.” (SÁ, 2014, p. 116).

DE 1930 A 1964: DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES À ESCOLA TÉCNICA DE


GOIÂNIA, EM 1942

A segunda fase do desenvolvimento industrial “consiste na aplicação de medidas destinadas a propiciar a diver-
sificação e a expansão do setor [...] Em linhas gerais, esse estágio situa-se entre 1930 e 1964. É a época da implantação
do modelo ‘substituição de importações’” (IANNI, 1978, p. 27), o que se formará seguido de várias diretrizes com base
numa consciência nem sempre clara e deliberada.
Esse período é marcado por mudanças sociais que “vieram com o aumento da demanda escolar impulsionada
pelo ritmo mais acelerado do processo de urbanização ocasionado pelo impulso dado à industrialização após a I Guer-
ra e acentuado depois de 1930.” (ROMANELLI, 2005, p. 45). Compreende o que Bittar e Bittar (2012) analisaram
como um período de mudanças estruturais pelas quais passaram o país no que se refere à construção de um siste-
ma nacional de educação pública, sendo a educação palco para manifestações ideológicas entre a igreja e os setores
conservadores - que pretendiam manter a hegemonia da condução política da educação - por um lado, e de outro,
os liberais, progressistas e até mesmo de esquerda com o ideário da Escola Nova e a proposta de escola pública para
crianças e adolescentes dos 7 aos 15 anos.
De acordo com Sá (2014),

Com a Revolução de 1930, o processo de industrialização, urbanização e modernização do país exigia o aumento
do mercado consumidor interno e da produção de alimentos e matérias primas. Diante disso, era fundamental
a ocupação das terras pouco povoadas e economicamente subaproveitadas das regiões Centro-Oeste e Norte do
país. Para tanto, o governo Vargas promoveu o que foi denominado a “Marcha para o Oeste”, cujo sucesso passa-
va, necessariamente, pela tomada de poder das antigas oligarquias e a construção de um novo e moderno centro
irradiador do progresso. (SÁ, 2014, p.123).

Dentro desta perspectiva, além de um quadro nacional da Revolução de 1930, Goiás se deparava em 1933,
com o lançamento da pedra fundamental da nova capital, no dia 24 de outubro, sendo Pedro Ludovico o primeiro
interventor.

830
No dia 5 de fevereiro de 1942, o presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-lei nº 4.092, autorizando a realiza-
ção de um conjunto de atividades, eventos e solenidades que compuseram a importante cerimônia de inauguração
oficial da cidade de Goiânia, denominada “Batismo Cultural (SÁ, 2014, p. 127).

De acordo ainda com Sá (2014, p. 127), “no dia 5 de julho de 1942, realizou-se a cerimônia oficial de inaugu-
ração da nova metrópole, que foi apresentada solenemente a todo país”, durante o Batismo Cultural da cidade, bem
como a inauguração da Escola Técnica de Goiânia.
Ainda como parte integrante da pré-comemoração do Batismo Cultural, realizou-se, de 20 a 28 de junho, o VIII
Congresso Nacional de Educação, nas dependências do novo prédio da Escola Técnica de Goiânia, (SÁ, 2014, p. 130).
Nesse contexto de transferência da capital do Estado para Goiânia,

Finalmente, com a transferência da capital do Estado foi decretada a extinção da Escola de Aprendizes Artífices na
Cidade de Goiás, pondo um ponto final num trabalho que durou três décadas e que, de forma totalmente alijada
de qualquer nuance de caráter depreciativo, modificou e envolveu alunos, mestres e profissionais administrativos,
ainda que em número reduzido, mas que fizeram a sua história e quiçá tenham mudado para melhor as suas vidas.
(MANSO, 2016, p. 53).

A Escola de Aprendizes Artífices deixa de funcionar na cidade de Goyaz em 1941, sendo transferida e instalada
na nova capital do Estado, Goiânia, alterando-se sua nomenclatura para Escola Técnica de Goiânia (SÁ, 2014).

A Escola Técnica de Goiânia - ETG

A Escola Técnica de Goiânia foi criada pelo Decreto-Lei de nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942, que estabelecia
as bases de organização da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial. (Brasil, 1942).
A inauguração da Escola na capital realizou-se num “momento histórico de muitas expectativas de mudança e
esperanças de progresso econômico, social e cultural do país e do estado” (SÁ, 2014, p. 137).
Sá (2014) relata que a Escola já estaria pronta em 1942, mas somente em 1943 é que se iniciaram as atividades
escolares, com grande falta de recursos materiais e humanos. O autor ainda aborda a forma de entrada dos alunos, que

para ingressar no Ensino Industrial Básico (primeiro ciclo) da ETG, os candidatos precisavam ter concluído o
ensino primário e ser aprovado em um exame “vestibular”, que continha provas das matérias de Português e
Aritmética, além de uma avaliação de aptidão mental. Já, para ingressar nos cursos técnicos industriais (segundo
ciclo), o aluno deveria ter concluído o primeiro ciclo (ou equivalente) e prestar exame “de admissão”, que avaliava
conhecimentos nas áreas de Português, Matemática e Desenho. (SÁ, 2014, p. 149).

Para Cunha (2005b, p. 36 apud Sá 2014 p. 150) “a pobreza deixava de ser, então, critério suficiente para o apren-
dizado de um ofício, embora não perdesse seu caráter necessário”. Além de mudanças na forma de ingresso, de espaço
físico, de nomenclatura, havia ainda uma mudança na legislação sobre o ensino, com a criação da Lei Orgânica do
Ensino Industrial (Decreto-lei n° 4.073, de 30 de janeiro de 1942) e a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei
n° 4.244, de 09 de abril de 1942).
Sá (2014) analisa que era uma escola grandiosa, com uma estrutura arquitetônica no estilo art déco. Possuía
alojamento (dormitório) para os alunos internos, restaurante, biblioteca, auditório, galpões de oficinas com os ma-
quinários e equipamentos.
A Escola Técnica de Goiânia oferecia o ensino industrial básico (primeiro ciclo) e os cursos técnicos industriais
(segundo ciclo). De acordo com Sá (2014), os cursos industriais básicos eram: Curso de Artífice em Serralheria; Curso
de Artífice em Marcenaria; Curso de Artífice em Alfaiataria; Curso de Artífice em Arte de Couro; Curso de Artífice
em Mecânica de Máquinas e Motores; Curso de Artífice em Tipografia e Encadernação.
Em 1959, a Escola Técnica de Goiânia passa a ser qualificada como uma autarquia federal, com a criação da
Lei n° 3.552, de 16 de fevereiro daquele ano. Porém, apenas em 1965, com a Lei n° 4.759, de 20 de agosto, ocorre a
alteração da nomenclatura para Escola Técnica Federal de Goiás.

831
ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DE GOIÁS (1965) - CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA DE GOIÁS (1999) - INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA DE GOIÁS (2008)

A terceira fase de industrialização “é identificada com o modelo de ‘desenvolvimento associado’, ou de ‘interna-


cionalização’ da economia brasileira [...] Na prática, em algum grau esse padrão sempre esteve presente na estrutura
econômica brasileira.” (IANNI, 1978, p.28), mas que de acordo ainda com o autor, as condições de desenvolvimento
econômico no país que passam a depender, de forma direta ou não, de capital estrangeiro, começam com o Golpe de
Estado de 1964.
A Escola Técnica Federal de Goiás nos anos 60 intensifica a formação de técnicos, mão de obra indispensável
frente a aceleração do processo de industrialização. Após 1965, os cursos implantados foram os cursos técnicos de
Agrimensura, Estradas, Eletromecânica, Secretariado, Administração, Saneamento, Mineração, Telecomunicações e
Mecânica (MANSO, 2016, p. 66).
Com a configuração da Escola Técnica Federal de Goiás, “o Ginásio Industrial foi se distanciando de seus ob-
jetivos como modalidade de ensino até que em 1969 encerrou a sua oferta, de maneira que a instituição se consoli-
dou como escola profissional com cursos técnicos profissionalizantes de segundo grau.” (MANSO, 2016, p. 66). No
período de 1980 ao final da década de 90, o curso técnico integrado foi a única modalidade de ensino ofertada. Para
Virote (2009, p, 103), “a década de 1990 foi marcada por profundas transformações para a Escola Técnica Federal de
Goiás, desde sua estrutura curricular até a administrativa, implicando mudanças no seu Projeto Político Pedagógica”
e a criação, em 18 de abril de 1988, da Unidade Descentralizada de Jataí.
Manso (2016) faz uma análise do longo período da escola técnica (1959 – 1999), de onde se tenha muito falado
sobre organização didática, projetos interdisciplinares, conteúdos programáticos, ao mesmo tempo, onde “não se viu
crescer o número de vagas para alunos nem se viu uma política que trabalhasse a evasão escolar na perspectiva de uma
ação coletiva de assistência ao estudante.” (MANSO, 2016, p. 62).
Em 1999, a instituição é transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás – CEFET-GO,
por meio da Lei n° 8.948, de 08 de dezembro de 1994, regulamentada pelo Decreto-lei no 2.406, de 27 de novembro
de 1997, e implementada nos termos do Decreto sem número, de 22 de março de 1999, ofertando cursos superiores
de tecnologia, com uma formação curricular de curta duração. Essa transformação significou a perda da identidade
do CEFET-GO, pois “em nome de uma continuidade, todo o patrimônio pedagógico, didático e curricular das Escolas
Técnicas foi rompido e bruscamente arquivado, a fim de possibilitar um projeto que tornasse a educação profissional
uma mercadoria.” (MANSO, 2016, p. 76).
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – IFG surge de mais uma alteração institucio-
nal do CEFET-GO, pela Lei. 11.892, de 29 de dezembro de 2008, consolidando neste momento a expansão da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, com a ampliação do número de vagas para o mais diver-
sificado público e nas diferentes modalidades: presencial, semi-presencial e a distância.
De acordo com o Art. 6°, Inciso I, da Lei n° 11.892/2008, os institutos têm por finalidades “ofertar educação
profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na
atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, re-
gional e nacional” (BRASIL, 2008). Têm como um dos objetivos ministrar educação profissional técnica de nível
médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público
da educação de jovens e adultos, garantindo, em cada exercício, o mínimo de 50% de suas vagas para esta modalidade.
De acordo ainda com a Lei, Goiás ficou com dois institutos. O Instituto Federal Goiano abarcou os Centros
Federais de Educação Tecnológica de Rio Verde, de Urutaí e sua respectiva Unidade de Ensino Descentralizada de
Morrinhos, e a Escola Agrotécnica Federal de Ceres, – todos provenientes das escolas agrícolas. O Instituto Federal
de Goiás integrou o CEFET-GO (unidades em Goiânia, Jataí, Inhumas, Itumbiara e Uruaçu).

832
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender a trajetória institucional da Educação Profissional Federal em Goiás, seus embates e desafios
conjunturais requer o reconhecimento da história como processos humanos construídos dialeticamente, portanto,
dinâmicas sociais marcadas por avanços e continuidades. Compreende-se ainda a educação como um processo social
complexo no qual se constitui e nele é constituído historicamente.
Reconhece-se ainda como, politicamente, a educação federal, ao longo dos anos, com o foco de destinação à
classe trabalhadora no Brasil; formação de força de trabalho. A Educação Profissional Federal no Brasil traz marcas
históricas da dualidade estrutural que separa a educação geral da educação profissional, ao mesmo tempo em que a
educação integral - politécnica - omnilateral deve demarcar a filosofia da educação empreendida pelos Institutos Fe-
derais em seus diferentes níveis e modalidades.
Hoje, o IFG conta com 14 campus, distribuídos nas cidades de Águas Lindas de Goiás, Anápolis, Aparecida
de Goiânia, cidade de Goiás, Formosa, Inhumas, Itumbiara, Jataí, Luziânia, Senador Canedo, Uruaçu, Valparaíso de
Goiás e 2 em Goiânia. O IF Goiano conta com campus em Campos Belos, Catalão, Ceres, Cristalina, Hidrolândia,
Ipameri, Iporá, Morrinhos, Posse, Rio Verde, Trindade e Urutaí.

REFERÊNCIAS
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BRASIL. Decreto-Lei de nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/
declei/1940-1949/decreto-lei-4127-25-fevereiro-1942-414123-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 30 mar 2019.
BRASIL. Lei n° 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de. Reformas educacionais em Minas Gerais: instrução primária, modernidade e
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FONSECA, Celso Suckow da. História do ensino industrial no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Técnica Nacional, 1961, vol. 1.
Disponível em: < https://pt.scribd.com/document/327224020/FONSECA-Celso-Suckow-Historia-do-Ensino-Industrial-no-
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_____. História do Ensino Industrial no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/ DN/ DPEA, 1986. (vol. 5º).
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GHIRALDELLI JR. Paulo. Movimento operário e educação popular na primeira república. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,
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IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
MANSO, Edison de Almeida. O INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS: A
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SÁ, Helvécio Goulart Malta de. A TRANSFERÊNCIA DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DA CIDADE DE GOIÁS
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VIROTE, Shirley Mar Pereira. A Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio: implicações das
mudanças legais no Governo Lula para o IFG. 2009. 188 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Pontifícia Universidade
Católica de Goiás, GOIÂNIA, 2009. Disponível em: < http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/1246>. Acesso em: 10 abr 2019.

833
HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA PRESENÇA DOS MILITARES NA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Edna Rodrigues Araujo – PUC Goiás1


José Maria Baldino - PUC Goiás2
GT 5- Memória, História e Cultura em diferentes espaços sociais.

RESUMO: A presente comunicação tem por objetivo resgatar a presença histórica dos Militares na Educa-
ção Brasileira, em especial no Estado de Goiás, onde se percebe uma diferencial a ser destacada, pois, as Unidades
Escolares que atualmente estão sob o Comando e Gestão da Polícia Militar do Estado de Goiás, por intermédio do
Comando de Ensino, Instrução e Pesquisa, não são vinculadas ao Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB). A pre-
sença dos Militares na Educação Brasileira possui uma origem muito antiga, e reporta-se ao final do século XVII. Os
Militares desde o início sonhavam com a criação de uma instituição militar encarregada de atuar na escolarização
dos filhos dos Militares do Exército. Intencionava uma educação de qualidade, que “moldasse” os comportamentos e
o saber, a partir das normas, regras, regulamentos e padrões pré-estabelecidos, ou seja, de controle institucional. O
primeiro vestígio da presença dos Militares no ensino militar no país acontece no ano de 1698, no Estado do Rio de
Janeiro. As Instituições Militares Educacionais estão em todos os Estados da Federação Brasileira e hoje em Goiás há
60 unidades que tiveram a Gestão Escolar delegada legalmente aos Militares da Polícia de Goiás. Essa “presença dos
Militares na educação se fortaleceu ainda mais, diante de uma sociedade que classifica os Colégios como sinônimo
de “a excelência no ensino público”. Portanto, para analisar a experiência do convênio entre a Secretaria Estadual
de Educação (SECUCE) e a Secretaria da Segurança Pública (SSP), pontuar a história da gestão militar nos Colégios
Estaduais ,quando começou, quais as mudanças aconteceram, quantas vagas ofertadas; optamos por uma pesquisa
de natureza qualitativa com abordagem crítica que privilegia o procedimento da análise bibliográfica e documental.
Estas reflexões integram o corpus teórico e corpus empírico de uma tese em construção no campo da educação.
PALAVRAS-CHAVE: Militares. Educação. Polícia Militar. Goiás.

A HISTÓRIA DA PRESENÇA DOS MILITARES NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

“O Brasil, meu filho, é um produto da Cruz e da Espada. O padre e o soldado construíram a nossa terra.
Somos um povo de tradição militar um povo que se formou nas lutas e sacrifícios” (Macedo, apud Horta,
1994, p. 56).

A presença dos militares na educação brasileira, com o Exército Brasileiro, tem seus registos marcados desde o
Século XVII, antes mesmo da chegada da Família Real ao Brasil. No ano de 1808 tem como marco a criação da Real
Academia, onde realizavam cursos militares e cursos de engenharia. E, com a reestruturação do Exército Brasileiro
, os militares já sonhavam também com a criação de uma instituição militar, que se fizesse encarregada de atuar na
escolarização dos filhos dos militares, tendo como principal objetivo a oferta de uma educação de qualidade, que
“moldasse” os comportamentos e o saber a partir das normas, regras, regulamentos e padrões pré-estabelecidos, ou
seja, de controle.

1 Formação em Letras – Português/Inglês. Mestrado em Letras pela PUC Goiás. Doutoranda em Educação pela PUC Goiás. Orientanda
do Prof. Dr. José Maria Baldino. Linha de Pesquisa Educação, Sociedade e Cultura. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPq-PUC Goiás
PROPE Educação, História, Memória e Culturas em diferentes espaços sociais. ednarodriguesaraújo@gmail.com.br.
2 Formação em Ciências Sociais. Especialista e Mestre em Educação pela UFG. Doutor em Educação pela UNESP- Campus Marília-SP.
Professor Titular de Sociologia da PUC Goiás: NEPEH Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Humanidades e Professor Credenciado
para o Mestrado e Doutorado em Educação. Linha de Pesquisa Educação, Sociedade e Cultura. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa CNPq-PUC
Goiás PROPE Educação, História, Memória e Culturas em diferentes espaços sociais. baldino@pucgoias.edu.br

834
Foi a parir desta concepção que em 1908 foi aprovada e aplicada a Lei do Serviço Militar obrigatório, e amplia-
da em 1915. Assim, Olavo Bilac, filho de militar, poeta e bem aceito na sociedade civil compartilhava da mesma visão
do General Caetano de Faria que concebe o Oficial um educador e o quartel uma escola: “Ao cabo de seu tempo de
aprendizado cívico, cada homem será um homem completo, um cidadão, [...]” (BILAC, 1916, Apud HORTA, 1994,
p. 10).
Observa-se, na realidade, que essa atribuição aos militares (educadores) confere ao militar um papel que iden-
tificamos como não militar, pois, trata-se de uma função pedagógica de educação cívica. A formação militar, um dos
aspectos ideológicos a ser intensificada no período de serviço de prestação do serviço militar.
A partir de um argumento de “segurança nacional” os militares justificam suas intervenções no sistema de
ensino. Lourenço Filho, em uma conferência realizada na Escola do Estado-Maior do Exército, em outubro de 1939,
apresenta as relações entre educação e segurança nacional, e admite ser um processo conflituoso:

Na evolução das instituições sociais verifica-se que, ou elas se harmonizam nos mesmos propósitos e, então, a
segurança é comum e comum na educação; ou, ao contrário, as instituições entram em luta, pela sua própria exis-
tência e expressão, e os processos educativos se diversificam para atender ao choque dos interesses postos em jogo
(HORTA, 1994, p. 35).

Para Lourenço Filho, a “[...] educação há de estar em função da defesa e da segurança nacional, no seu mais
amplo sentido” (FILHO Apud HORTA, 1994, p. 36). Isto significava que a educação escolar deveria difundir a ima-
gem da Pátria, explicar a estrutura do Estado, difundindo os princípios da preservação da família, inculcar o amor
ao trabalho, ensinar o uso lícito da propriedade, pregar a tolerância religiosa, educar para a sociabilidade (HORTA,
1994, p. 37).
A valorização desses princípios, segundo Lourenço Filho (FILHO Apud HORTA, 1994, p. 37) eram fundamen-
tais para que a escola assegurasse a ordem, não sendo negligenciados por nenhuma instituição, seja ela escola ou ex-
traescolar. Ele então nos apresenta dois objetivos precisos para as instituições: o fortalecimento da raça e a formação
para o trabalho. “Segundo ele, não bastaria ‘ensinar à juventude que há deveres a cumprir com a pátria’; era necessário
oferecer os meios para que suas aptidões se desenvolvessem “no sentido de torná-las suficientes ao cumprimento
desses deveres” (HORTA, 1994, p. 37).
Assim, Lourenço Filho afirma que “toda a política de educação e a técnica posta a seu serviço, deverão estar em
perfeita consonância com a política e a técnica da segurança nacional [...]” (HORTA, 1994, p. 37).
Para Anísio Teixeira, a intervenção repressiva dos militares achou justificativa e adesão sobretudo entre os
educadores católicos. Anísio Teixeira era, nesse período o Diretor do Departamento Municipal de Educação da Pre-
feitura do Distrito Federal. Um dos educadores mais evidentes dentre os “liberais”, e suas posições foram fortes aos
educadores católicos e dos grupos radicais de direita (HORTA, 1994, p. 37).

SISTEMA COLÉGIO MILITAR DO BRASIL (SCMB)

A presença dos militares na educação brasileira está vinculada ao Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB).
No ano de

[...] 1840, o Regente Araújo Lima, Marquês de Olinda, procurou estabelecer, por meio de decreto, um colégio para
os filhos necessitados dos capitães e oficiais subalternos, no Arsenal de Guerra da Corte: o “Colégio Militar do
Imperador”. A ideia foi nobre, mas não chegou a se tornar uma realidade (BRASIL, Portaria nº 053-DECEx 2016).

Duque de Caxias, juntamente com seus comandados viveram as dificuldades de deixar a família para a dedica-
ção integral à defesa da Pátria na Guerra da Tríplice Aliança. Certamente, que os soldados, sabendo do amparo aos
seus familiares se dedicariam ainda mais à missão dada. Foi então que:

835
[...] além da pensão a garantir o sustento, a educação oficial “evitaria a indigência” de seus órfãos, caso eles sucum-
bissem na frente de batalha. Sabedores de que, se a Pátria protegesse suas famílias, o moral da tropa cresceria e, con-
sequentemente, elevaria o PODER DE COMBATE das tropas imperiais (BRASIL, Portaria nº 053-DECEx 2016).

Foi com esse ideal que o então Comandante do Exército, Duque de Caxias, deixou o comando e foi eleito Sena-
dor do Império, quando no ano de 1853, apresentou o projeto ao Senado, para a criação de um Colégio Militar (CM)
na Corte. Naquele momento, não houve a possibilidade de o projeto ser efetivado, tendo em vista a não existência
de outros Senadores favoráveis.
No ano 1862, Duque de Caxias em uma nova tentativa buscou a criação de uma Escola que: “[...] que amparasse
os órfãos, filhos de militares da Armada e do Exército que participaram na defesa da Independência, da Honra Nacio-
nal e das Instituições” (BRASIL, 1996). Novamente, o desejo não se concretizou.
O Conselheiro da Guerra, ex-ministro da Agricultura, Comércio e Indústria, Thomaz Coelho de Almeida no
final do Império, conseguiu o feito tão esperado, o que era o grande sonho de Duque de Caxias, o qual, desde o ano
de 1853, defendia a criação de um Colégio para receber os órfãos de militares tombados na Guerra do Paraguai.
A partir de levantamentos históricos, verifica-se que a origem do primeiro Colégio Militar foi formalizada pelo
Decreto Imperial nº 10.202, de 09 de março de 1889, e assinado por D. Pedro II criando o “Imperial Colégio Militar”,
atual Colégio Militar do Rio de Janeiro. Em 1912, foram criados mais dois Colégios Militares: o de Porto Alegre e o
de Barbacena. Reações contrárias aos novos estabelecimentos de ensino aconteceram.
Historicamente, portanto, a presença dos militares no campo da educação não é recente, sendo essa missão vis-
ta como relevante por Benjamin Constant, com o Decreto nº 330, de 12 de abril de 1890, o qual reorganiza o ensino
nas escolas do Exército. Os militares como “educadores do povo”, podem ser identificados a partir das informações
apresentadas a mais 100 anos, quando o General Caetano de Faria, então Chefe do Estado-Maior do Exército, falava
da missão social do oficial educador.
Na concepção do General Faria “fazer passar pelas casernas o maior número de cidadãos”; fazendo com que o
quartel tornasse uma escola para a nação, ele acreditava que os “fatores morais têm mais influência do que os fatores
materiais”, não podemos negar que pais e mestres são os principais encarregados para a iniciar a criança e adolescente
no “[...] asseio, na obediência, no respeito às conveniências, nos costumes [...] (HORTA, 1994, p. 7).
Em duas tentativas, uma no ano de 1915 e outra em 1916, foram apresentadas emendas visando à extinção dos
três Colégios Militares, então, existentes, porém sem êxito, o Senador Abdias Neves se apresenta em defesa das insti-
tuições. A decisão final surge em amparo legal do “judicioso parecer do Chefe do Estado-Maior do Exército, General
Bento Manoel Carneiro Monteiro, aprovado integralmente pelo então Ministro da Guerra, General José Caetano de
Faria, a questão foi arquivada” (BRASIL, Portaria nº 053-DECEx 2016).
Foi no ano de 1919 que o Governo Federal criou o Colégio Militar do Ceará por intermédio da Lei Nº 3.674,
de 7 de janeiro de 1919. Nesse período haviam quatro Unidades Escolares funcionando normalmente, quando por
razões e interferências políticas, o Colégio Militar de Barbacena foi extinto, em 1925, tendo os seus funcionários
distribuídos por outras organizações do Exército. E, no ano de 1938, foram extintos os Colégios do Ceará e de Porto
Alegre, restando somente o Colégio Militar do Rio de Janeiro.
No ano de 1955, anos depois que o Ministro da Guerra, General Henrique Teixeira Lott, iniciou uma nova fase
de melhoria para o ensino colegial no Exército, momento em que criou o Colégio Militar de Belo Horizonte (1955),
pagando uma dívida de 30 anos para com o povo mineiro.
Em 1957 o Colégio Militar de Salvador, já idealizado pelo Ministro Ciro do Espírito Santo Cardoso foi insta-
lado, em 1958, um ano após o Colégio Militar de Curitiba e, para completar o ciclo o Colégio Militar de Recife em
1959. Os antigos Colégios de Porto Alegre e de Fortaleza foram transformados em Escolas Preparatórias e voltaram
a funcionar como Colégios Militares em 1962.
A história referente a Sistema Colégio Militar do Brasil, passou por diversas avanços e recuos e modificações
significativas em sua história. Termos, então na década de 70 a criação do Colégio Militar de Manaus (1971) e o de
Brasília (1978),

836
[...] este já previsto em despacho, de 1959, pelo então Presidente Juscelino Kubitschek, bem como a DEPA, em
1973 (Decreto nº 71.823), então com a denominação de “Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial” e a mis-
são de coordenar as atividades de planejamento e condução do ensino desses Colégios, [...] (BRASIL, Ministério
da Defesa Exército Brasileiro Diretoria de Educação Preparatória E Assistencial, 1996, p. 11).

O Colégio Militar de Belo Horizonte, o Colégio Militar de Salvador, o Colégio Militar de Curitiba e o Colégio
Militar do Recife, que já prestavam relevantes serviços à educação, foram fechados no ano de 1988. A retomada do
processo de ampliação do Sistema, somente volta acontecer aconteceu quando assume a Pasta do Exército o General
Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena.
Quando são reativados, em 1993, os Colégios Militares de Curitiba, de Salvador, do Recife e de Belo Horizonte
e criados, em 1993, os Colégios Militares de Juiz de Fora e de Campo Grande e, em 1994, o de Santa Maria.
Uma curiosidade importante e interessante a ser destacada é a presença de meninas nessas Unidades escolares,
o que veio a ocorrer um século depois da criação do Primeiro Colégio Militar, foi no ano de 1989 “as meninas foram
admitidas como alunas para cumprir as mesmas atividades curriculares dos meninos” (BRASIL, 1996), Agora, todos
os anos de admissão ao 6º ano do Ensino Fundamental e ao 1º ano do Ensino Médio, meninas e meninos podem
disputar as vagas disponíveis em igualdade de condições.
Atualmente, o SCMB (Sistema Colégio Militar do Brasil) alcança os diversos rincões no Brasil, em um total de
14 Colégios Militares, são eles: Colégio Militar de Brasília – CMB, Colégio Militar de Belo Horizonte – CMBH, Co-
légio Militar de Curitiba – CMC, Colégio Militar de Campo Grande – CMCG, Colégio Militar de Fortaleza – CMF,
Colégio Militar de Manaus – CMM, Colégio Militar de Porto Alegre – CMPA, Colégio Militar de Recife – CMR,
Colégio Militar do Rio De Janeiro – CMRJ, Colégio Militar de Salvador – CMS, Colégio Militar de Juiz De Fora
– CMJF, Colégio Militar de Santa Maria – CMSM. Em 2015, o Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) ampliou‐
com a criação do 13º CM, o Colégio Militar de Belém (CMBEL), por intermédio da Portaria do Comandante do
Exército nº 1034, de 6 de agosto de 2015, localizado na capital paraense e destinado a atender o público pertencente
ao Comando Militar do Norte.
Em 09 de outubro de 2018, foi assinada a Portaria de Criação do Colégio Militar que funcionará nas dependên-
cias do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR/SP), o Colégio de São Paulo (CMSP) foi
criado e os planejamentos estão sendo realizados para viabilizar seu funcionamento a partir de 2020.

Figura 1: Distribuição dos Colégios Militares no Brasil

Fonte: Ministério da Defesa – Exército Brasileiro – DECEx (2019).

837
Todas as Unidades Escola são Organizações Militares – OM´s, que ficam subordinadas diretamente à Diretoria
de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA) do Exército Brasileiro, e dirigidas pelos princípios e normas contidos
no Regulamento dos Colégios Militares (R-69).
Para Santos (2015, p. 23) “[...] os colégios militares surgem com o propósito de aculturar os alunos, fazê-los
soldados de guerra, [...] a educação brasileira [...] cujo domínio militar se faz presente – já não é a mais a mesma.”
Intencionalmente, essas Unidades Escola são destinadas ao preparo e capacitação para ingresso à Escola Preparatória
de Cadetes do Exército – EsPCEX, bem como para Instituições de Ensino Superior.

Os Colégios Militares têm, hoje, o seu ensino valorizado por uma prioritária destinação assistencial, [...] a qual
culmina em uma finalidade preparatória destinada aos estabelecimentos de ensino militares, com prioridade para
a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), e para instituições civis de ensino superior (BRASIL, Por-
taria nº 053-DECEx 2016).

Há uma previsão no artigo 2º, § 2º do R-69 – Regulamento dos Colégios Militares onde se especifica a quem
essas Unidades Escolas ficam subordinados e qual a obrigatoriedade na formação dos alunos:

Os CM subordinam-se, diretamente, à Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA) e destinam-se a:


[...]
II - capacitar os alunos para o ingresso em estabelecimentos de ensino militares, com prioridade para a Escola
Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), e para instituições civis de ensino superior (BRASIL, Portaria nº
042, 2008).

O ensino nas Unidades dos Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) está descrito no Capítulo II – Da Missão,
Parágrafo único e Artigo 4º, do R-69:

Parágrafo único. O ensino nos Colégios Militares é ministrado em consonância com a legislação federal da educa-
ção nacional e obedece às leis e aos regulamentos em vigor no Exército, naquilo que lhes for cabível, em especial
às normas e diretrizes do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP), órgão gestor da linha de ensino no Exército.
[...]
Art. 4º. A ação educacional desenvolvida nos Colégios Militares é feita segundo valores, costumes e tradições do
Exército Brasileiro [...] (BRASIL, Portaria nº 053-DECEx 2016).

Os Colégios do SCMB possuem um quadro de docentes, composto por civis, que integram o Magistério do
Exército e militares, profissionais licenciados por universidades civis que após a conclusão da graduação prestaram
concurso público para ingressarem como oficiais de carreira do Exército Brasileiro passando a fazem parte do Quadro
Complementar de Oficiais do Magistério (QCO). Divididos em dois grupos: Os Oficiais Técnico Temporários (OTT)
e os Prestadores de Tarefa por Tempo Certo (PTTC). Nessas Unidades há profissionais que autuam como professo-
res comissionados (uma baixa percentagem).
O Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é um subsistema de ensino do Exército Brasileiro, cujo objetivo é
a promoção de uma Educação Básica que oferecem o Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano) e o Ensino Médio.
Esses estabelecimentos de ensino, localizados em vários Estados do Brasil, propiciam educação de alta quali-
dade a aproximadamente 15 mil jovens, filhos de civis e militares e, especificamente vem buscando o fortalecimento
das atitudes incorporando ao discente os valores sociais, que lhe permitam tornar-se um cidadão consciente, de seus
direitos deveres e responsabilidades, se tornando bons alunos, filhos e consequentemente, bons cidadãos e buscando
acima de tudo o seu despertar para a continuidade na carreira militar.

838
HISTÓRIA DOS COLÉGIOS DA POLÍCIA MILITAR DE GOIÁS

No Estado de Goiás, há uma diferencial a ser destacado, pois as Unidades Escolas que atualmente estão sob o
Comando da Polícia Militar do Estado de Goiás, por intermédio do Comando de Ensino Instrução e Pesquisa , não
são vinculadas ao Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), tendo em vista que o SCMB segue as normativas do
Exército Brasileiro.
Os Colégios Estaduais da Polícia Militar, em Goiás, seguem as normas e o conteúdo programático estabelecidos
nos PCN’s e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBen. O que difere é a inserção da disciplina de
Noções de Cidadania (envolve: ordem unida, orientações básicas de trânsito, meio ambiente, prevenção às drogas,
educação religiosa e até etiqueta social), que busca o desenvolvimento de cidadão capaz de solucionar problemas ,
optar e escolher com autonomia e criticidade a partir dos conhecimentos adquiridos.
O Governador do Estado de Goiás, à época, Irapuan Costa Júnior, sancionou a Lei nº 8.125 do ano de 1976.
O Artigo 23, inciso I, alínea b, cria –se o Colégio da Polícia Militar de Goiás, o qual passa a atuar em parceria com a
Secretaria Estadual de Educação e Cultura de Goiás. Transporta-se uma filosofia semelhante a do Sistema Colégio
Militar do Brasil (SCMB), porém com diferenças significativas partindo do princípio que essas Unidades de Ensino
são pertencentes à rede de ensino público do Estado, ou seja, são Escolas Estaduais, e, portanto, teve em decorrência
conceitual , uma recente mudança na nomenclatura, passando a ser chamado Colégio Estadual da Polícia Militar -
CEPMG.
Na perspectiva de uma intencional preparação de discentes para a cidadania, guiadas pelos princípios militares,
a busca é para que haja nessas crianças e adolescentes, o desenvolvimento de competências significativas para uma
atuação contextualizada no meio em que vivem.
Atualmente, no Estado de Goiás temos 60 (sessenta) Unidades que já estão instaladas e encontram-se em fun-
cionamento. Esses Colégios Estaduais da Polícia Militar atendem aproximadamente 45 mil alunos, sendo que é na
capital Goiânia que está concentrada o maior número de unidades, são sete (07), seguido por Aparecida de Goiânia
(04) e Anápolis (03), conforme Tabela 1 (anexo 1).
A Professora Eliane Marta Teixeira Lopes (1993), no Prefácio da obra O Hino, o Sermão e a Ordem do Dia: A
Educação no Brasil (1930-1945) de José Baía Horta, afirma que a “[...] a ordem, a disciplina, a paz social, a obediência,
a hierarquia, a solidariedade a esses princípios, a cooperação, a intrepidez, o aperfeiçoamento físico, a subordinação
moral e o culto do civismo estivessem garantidos.” (HORTA, 1994, Prefácio, p. v), demonstrando assim que, a domi-
nação (ordem social e política) e a autoridade (obediência e disciplina) sempre foram preocupações para os militares
no campo da educação escolar brasileira.
O Quadro de docentes dos Colégios Militares em Goiás é composto por profissionais de ensino da Secretaria
da Educação, Cultura e Esporte (Seduce), e os militares atuam na Gestão (Comandante/Diretor, Subcomandante/
Vice-diretor e Disciplinar), diferentemente das Unidades Escolares que integrantes do Sistema Colégio Militar do
Brasil (SCMB).
Em Goiás, constata-se que é crescente o número de solicitações por parte da sociedade (através de abaixo-assi-
nados) e de representantes do Legislativo Estadual e/ou Municipal para que seja ampliada a rede destes Colégios nos
municípios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Instituições Militares Educacionais no campo da educação escolar constitucionalmente obrigatória (Pré-Es-


cola ao Ensino Médio) estão em todos os Estados da Federação. A presença dos militares na educação se fortaleceu
ainda mais, diante de uma sociedade que os qualificam como a “excelência” no ensino público ainda que haja críticas
quanto a “militarização”.

839
É possível que a grande maioria das famílias brasileiras, desconheça a origem histórica desses Colégios e sequer
sabem as diferenças entre os Colégios vinculados aos Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) e os Colégios Esta-
duais da Polícia Militar de Goiás.
Em Goiás, constata-se que há um crescimento dessas instituições, que são estaduais, porquanto vinculadas à
Secretaria de Educação do Estado de Goiás, contando atualmente em funcionamento com um total de 60 unidades,
com a previsão de serem autorizadas novas unidades, até o total de 100 Unidades.
Assim, torna-se importante toda e qualquer tentativa de resgate e registro dessa presença histórica dos Mili-
tares na Educação Brasileira, em especial no Estado de Goiás, onde registra-se um diferencial, tendo em vista que as
Unidades Escolares que atualmente estão sob a gestão escolar do Comando e Gestão da Polícia Militar do Estado de
Goiás, por intermédio do Comando de Ensino Instrução e Pesquisa não vinculadas , ao Sistema Colégio Militar do
Brasil (SCMB).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Portaria nº 053-DECEx de 18 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.decex.eb.mil.br/port_2016/Port%20


Nr%2053-DECEx_Aprov%20PP-SCMB_EB60-D-08.001_sepbe22-16.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2019.
BRASIL. Portaria nº 042 de 6 de fevereiro de 2008. Regulamento dos Colégios Militares (R-69). Disponível em: <https://
contas.tcu.gov.br/etcu/ObterDocumentoSisdoc?seAbrirDocNoBrowser=true&codArqCatalogado=9455799>. Acesso em: 11
abr. 2019.
GOIÁS. Polícia Militar do Estado de Goiás. Colégios da Polícia Militar. Disponível em: <https://www.pm.go.gov.br/2017/
pmgoSubpg.php?id=3&lk=3>. Acesso em: 02 de mai. 2019.
HORTA, José Silvério Baía. O Hino, O Sermão e a Ordem do Dia: a Educação no Brasil (1930-1945). Editora UFRJ. Rio de
Janeiro, 1994.
MINISTÉRIO DA DEFESA. Exército Brasileiro. Diretoria de Ensino preparatório e Assistencial. Regimento Interno dos
Colégios Militares-RI/RM. Disponível em: <http://www.cmf.eb.mil.br/images/CORPO_DE_ALUNO/regulamentos/
RICM/ricmtexto2011.pdf>. Acesso em 11 abr. 2019.
SANTOS, Raimunda dos. Genealogia dos Regimentos Internos do Colégio da Polícia Militar de Goiás, Gráfica UFG,
Goiânia, 2015.

840
APÊNDICE 1

Tabela 1: Unidades dos Colégios da Polícia Militar de Goiás, instaladas e em funcionamento

Ord. Nome Município


1 CEPMG Américo Antunes (AA) São Luís de Montes Belos
2 CEPMG Arlindo Costa e Silva (ACS) Anápolis
3 CEPMG Augusta Machado (AM) Hidrolândia
4 CEPMG Ayrton Senna (AS) Goiânia
5 CEPMG Benedita Brito de Andrade (BBA) Goianápolis
6 CEPMG Cabo PM Edmilson de Sousa Lemos (CESL) Palmeiras de Goiás
7 CEPMG Carlos Cunha Filho (CCF) Rio Verde
8 CEPMG Castelo Branco (CB) Trindade
9 CEPMG Cinco de Janeiro (5J) Sanclerlândia
10 CEPMG Colina Azul (CA) Aparecida de Goiânia
11 CEPMG Comendador Christóvan de Oliveira (CCO) Pirenópolis
12 CEPMG Deputado José Alves de Assis Itapuranga
13 CEPMG Dionária Rocha (DR) Itumbiara
14 CEPMG Domingos de Oliveira (DO) Formosa
15 CEPMG Dom Prudêncio (DP) Posse
16 CEPMG Doutor Cézar Toledo (DCT) Anápolis
17 CEPMG Doutor José Feliciano Ferreira (DJFF) Guapó
18 CEPMG Doutor Negreiros (DN) Nerópolis
19 CEPMG Doutor Tharsis Campos (DTC) Catalão
20 CEPMG Ely da Silva Braz (ESB) Luziânia
21 CEPMG Fernando Pessoa (FP) Valparaíso
22 CEPMG Francisco Antônio de Azevedo (FAA) Uruaçu
23 CEPMG Gabriel Issa (GI) Anápolis
24 CEPMG Geralda Andrade Martins (GAM) Itapaci
25 CEPMG Gilvan Sampaio Rubiataba
26 CEPMG Goiatuba Goiatuba
27 CEPMG Hélio Veloso (HV) Ceres
28 CEPMG Hugo de Carvalho Ramos (HCR) Goiânia
29 CEPMG Itauçú Itaucú
30 CEPMG Iporá Iporá
31 CEPMG Jardim Guanabara (JG) Goiânia
32 CEPMG José Carrilho (JC) Goianésia
33 CEPMG José de Alencar (TEM) Novo Gama
34 CEPMG José Pio de Santana (JPS) Ipameri
35 CEPMG José Silva Oliveira (JSO) Goianira
36 CEPMG Madre Germana Aparecida de Goiânia
37 CEPMG Major Oscar Alvelos (MOA) Goiânia
38 CEPMG Manoel Vilaverde (MVV) Inhumas
39 CEPMG Mansões Paraíso (MP) Aparecida de Goiânia
40 CEPMG Maria Heleny Perillo (MHP) Itaberaí
41 CEPMG Maria Tereza Garcia Neta Bento (MTGNB) Jussara

841
Ord. Nome Município
42 CEPMG Miriam Benchimol Ferreira (MBF) Goiânia
43 CEPMG Nader Alves dos Santos (NAS) Aparecida de Goiânia
44 CEPMG Nestório Ribeiro (NR) Jataí
45 CEPMG Nivo das Neves (NN) Caldas Novas
46 CEPMG Padre Pelágio Goianira
47 CEPMG Pastor Jose Antero Ribeiro Bom Jesus
48 CEPMG Pedro Ludovico Quirinópolis
49 CEPMG Pedro Ludovico Teixeira Trindade
50 CEPMG Pedro Xavier Teixeira (PXT) Senador Canedo
51 CEPMG Professor Ivan Ferreira (PIF) Pires do Rio
52 CEPMG Professor João Augusto Perillo (PJAP) Cidade de Goiás
53 CEPMG Professor José dos Reis Mendes (PJRM) Trindade
54 CEPMG Rosa Turisco de Araújo (RTA) Anicuns
55 CEPMG Silvio de Castro Ribeiro (SCR) Jaraguá
56 CEPMG Tomaz Martins da Cunha (TMC) Porangatu
57 CEPMG Treze de Maio (13M) Alexânia
58 CEPMG Vasco dos Reis (PMVR) Goiânia
59 CEPMG Waldemar Mundim (WM) Goiânia
60 CEPMG Xavier Almeida (XA) Morrinhos

Fonte: Portal PMGO (2019).

842
HISTÓRIA REGIONAL COMPARADA DA EDUCAÇÃO:
INDICADORES DE UMA ESCOLHA METODOLÓGICA

Fernando Vendrame Menezes – SEMED/CG


Fabiany de Cássia Tavares Silva - UFMS

APRESENTAÇÃO

Este texto integra um duplo esforço, a saber: o primeiro, de compreensão das formas como a comparação vem
sendo adotada nos estudos e investigações do campo da História da Educação, analisando as trajetórias de dois cam-
pos de investigação, a História Comparada e a Educação Comparada. Para tanto, incursionando por aproximações e
distanciamentos, no que concerne ao uso da comparação, optando pela sistematização de explicações sobre as prin-
cipais tendências teórico-metodológicas destes campos, ou identificando o esforço para o emprego do método com-
parado em estudos empíricos na História ou na Educação; o segundo, de definição da perspectiva da História Regional
Comparada da Educação pela/na retomada dos conceitos de região e território e suas possíveis aplicações para a
identificação dos elementos que constituíram as singularidades do processo de implementação do ensino secundário.
Entendido aqui como uma etapa da escolarização formal que representou, em determinado período histórico (so-
bretudo entre os anos de 1930 e 1970), um projeto social para determinadas frações de classe da sociedade brasileira,
tornado objeto de estudo de significativa produção acadêmica no campo da História da Educação.

A COMPARAÇÃO EM DIFERENTES PERSPECTIVAS DE INVESTIGAÇÃO: A HISTÓRIA E


A EDUCAÇÃO

A comparação, adotada como procedimento metodológico, na tentativa de resposta a questionamentos que co-
locam sob foco analítico dois ou mais contextos distintos, confere certa especificidade às investigações de diferentes
áreas das ciências humanas. Tal especificidade necessita de pressupostos teóricos e repertório conceitual para cons-
trução de instrumental analítico próprio, consolidando forma distinta em/por diferentes campos do conhecimento.
A História Comparada atravessa o século XX, diante dos olhares céticos dos historiadores, transitando entre
a indicação de não se impor como método, particularmente, pela centralidade da historiografia francesa em torno
de um mito do país como fundador da modernidade contemporânea e irradiador de uma cultura civilizacional para
o Ocidente. (Cf. HAUPT, 1998)
Outros argumentos, referendados por este mesmo autor, indicam a desconfiança da comunidade de historiadores
diante do método comparado, classificado como “vago” Acresce-se a isso, elementos como a tradição da história regional
e local da historiografia francesa e os modelos de constituição dos paradigmas da historiografia contemporânea.
O risco de sedimentar visões etnocêntricas dá forma a outro elemento das críticas direcionadas à História
Comparada (PRADO, 2005), isto porque, tomando a Europa como referência de comparação com outras sociedades,
outros continentes, produzia-se um eurocentrismo ligado à construção de concepções (pré)conceituosas acerca dos
processos históricos até à formação de diferentes sociedades.
A própria formação do historiador, na constituição da História como um campo disciplinar autônomo dentro
das ciências humanas, se desenvolve a partir da especialização cada vez mais crescente dos pesquisadores em temá-
ticas de investigação muito específicas. Conforme Barros (2014, p.13), tal especialização ocorre em dois sentidos, a
temporalidade e a espacialidade. Diante disso, a especialização cada vez maior da formação profissional do historiador
se apresenta como problema da prática da comparação.
Barros (2014) observa, atualmente, um aparente paradoxo no campo da História Comparada, por meio de uma
pequena produção de estudos práticos e um crescente interesse pelo debate teórico em torno do método, uma vez

843
que, para o primeiro caso, as dificuldades dos historiadores em operar com o método comparado se dão em grande
parte, pela natureza de sua formação acadêmica específica e especializada a determinados temas, tempos e espaços.
Para o segundo, o crescimento acelerado da comunicação internacional, colocando em contato diferentes culturas e
visões de mundo, motiva a busca por formas de refletir sobre a constituição do outro, reacendendo o interesse pelos
postulados teóricos da História Comparada.
Diante disso, torna-se possível indicar, a partir da leitura de parte da produção bibliográfica disponível sobre
História Comparada, que a adoção da comparação histórica como método de investigação permanece associado ao
proposto por Marc Bloch, quase um século atrás, como segunda possibilidade de aplicação do método, ou seja, com-
parar sociedades vizinhas e contemporâneas mutuamente influenciadas.
Neste caso, a unidade de referência para a comparação permanece sendo o espaço nacional, tradicionalmente
constituído por fronteiras geográficas, embora para a História Comparada, em acordo com Marc Bloch (1998) seja
possível indicar um movimento, ainda tímido, na produção historiográfica, de propor novas alternativas de estudos
históricos comparados, a saber: a) avançar os limites dos espaços tradicionais das fronteiras geográficas; b) estudar
numa perspectiva de comparação regional ou local, investigando as singularidades de um mesmo processo histórico
em diferentes espaços de uma sociedade; c) analisar as conexões históricas promovidas pela circulação de indivíduos
e culturas em diferentes sociedades.
A Educação Comparada tem passado por períodos de redefinição de seus objetivos e produzido debates em
torno dos caminhos teórico-metodológicos, de acordo com Ferreira (2008), Nóvoa (2009) e Corrêa (2011). Para
esses períodos, esses autores, identificam que o uso da comparação reelabora aportes teóricos e proposições práticas
de aplicação do método.
Depreende-se dessa identificação, um movimento de ampliação das bases teórico-metodológicas e dos objetos
de investigação, de um lado, refletindo sobre diferentes perspectivas, tais como o impacto das teorias pós-modernas,
ou as articulações possíveis com campos como a História Cultural, ou a Sociologia da Educação e; de outro, investi-
gando os efeitos da globalização econômica e das reformas neoliberais de fins do século XX para a Educação. Neste
movimento, também, nos deparamos com uma perspectiva comparada regional ou local, dentro do espaço de uma
mesma sociedade (Cf. NÓVOA, 2009).
Em linhas gerais, a História Comparada e a Educação Comparada permanecem buscando, com diferentes graus
de intensidade, a reconfiguração de seus campos de investigação, quer seja pela reflexão teórica, ou atuação prática.
Dito de outro modo, preocupam-se em ultrapassar os paradoxos tradicionais de investigação, como a constituição
dos Estados Nacionais, referenciando a construção de objetos comparáveis.
Neste contexto, a comparação sobre as características dos processos de implantação e incremento do ensino
secundário, ancorada no cruzamento da Educação e História Comparadas, em uma perspectiva regional, oferece, nos
limites deste texto, o encontro de subsídios teórico-metodológicos para a construção de análises acerca das condições
específicas, que determinam esses processos em diferentes localidades do país.

POR UMA HISTÓRIA REGIONAL COMPARADA DA EDUCAÇÃO: UMA ESCOLHA


METODOLÓGICA

Cada objeto histórico, na sua especificidade, é que vai se constituindo na interconexão entre certos campos histó-
ricos. O objeto histórico constituído pelo historiador no processo de sua pesquisa e reflexão historiográfica é que
chama para si certa conexão de campos históricos, inscreve-se nesta ou naquela conexão singular, que pode se só
sua. (BARROS, 2014, p.67).

As reflexões sobre as potencialidades da História Comparada numa perspectiva regional, ou seja, constituída
por elementos comparáveis no contexto de uma mesma sociedade, toma como referência um espaço circunscrito a
um território nacional comum, constituído em ponto central para nossa incursão teórico-metodológica. Isto posto,

844
trabalhamos com/nas possibilidades de se comparar um mesmo fenômeno (ou processo histórico) no interior de uma
mesma sociedade.
Embora Marc Bloch reconheça a necessidade de “pensarmos em partir os compartimentos topográficos obso-
letos em que pretendemos encerrar as realidades sociais” (BLOCH, 1998, p.142), tornando imprescindível “encon-
trar o quadro topográfico próprio” (BLOCH, 1998, p.143) inerente ao objeto de estudo (no caso dele, a vida social
europeia), apreendemos que tal reconhecimento não rompeu com a percepção do espaço nacional como critério
comparativo. Contudo, consegue indicar a necessidade de se precisar historicamente os referentes espaciais para não
incorrer na projeção do objeto de estudo do passado à uma divisão espacial-administrativa do presente.
De posse desse reconhecimento, caminhamos na direção da identificação dos elementos comparáveis, que
identificam as singularidades do mesmo fenômeno histórico em diferentes locais, no contexto de uma mesma socie-
dade. Targa (1991) indica que:

- dentro de um país, uma região só pode existir, e, portanto, ser tratada como tal, se ela se particularizar em um
elenco de questões, tais como: sua economia, sua sociedade, sua cultura, sua formação histórica; em suma, uma
região só existe se ela se diferenciar de outras;
- a análise de uma região tratada no seu isolamento e no seu “absoluto” carece de sentido; uma análise de desenvol-
vimento regional só consegue explicitar as peculiaridades desse desenvolvimento desde um ponto de vista com-
parativo; essa comparação deve ser realizada com, pelo menos, uma outra região do país; (TARGA, 1991, p.265).

O autor reforça, ainda, que em uma perspectiva regional comparada, a necessidade analítica recaí sobre a iden-
tificação das diferenças, que tornam possível perceber:

Contribuições e as influências mútuas dessas histórias regionais para a construção da história do Brasil [...] Nesse
sentido, é a busca do desenvolvimento dos contrastes que pode indicar as diferenças nas trajetórias históricas des-
sas regiões e as desigualdades a que chegaram. (TARGA, 1991, p.270).

As articulações entre a História Comparada e outras áreas da investigação histórica, como a História Cultural
e a História Econômica, subjazem a conexão entre contextos regionais, no interior de uma mesma realidade históri-
co-social, circunscrita a configuração territorial de uma região, ou de um local específico.

A aplicação do comparativismo às regiões e a outras unidades espacial-administrativas de menor extensão revela


mais uma vez que as possibilidades da História Comparada não podiam se destinar a apontar apenas para possíveis
comparações entre realidades nacionais distintas. Ao comparar duas ou mais “regiões” no interior de um mesmo
circuito nacional, o historiador também pode estar se associando de algum modo à História Comparada. (BAR-
ROS, 2014, p.70).

Num sentido próximo, Gonçalves Neto & Carvalho (2005) indicam que nas últimas duas décadas do século XX,
se identifica progressivo crescimento da produção do conhecimento no campo da História da Educação e, com isso,
ampliação das temáticas, objetos de estudo e dos aportes teórico-metodológicos.
No tocante a História Comparada, esses autores, localizam as contribuições nas formas de olhar e entender a
história da educação no Brasil, partindo da premissa que o contexto educacional brasileiro por ser heterogêneo, re-
quer um programa de estudos históricos comparados que opere,

as análises local e regional buscando novos ângulos de compreensão da realidade brasileira, sem, no entanto,
perder de vista o contexto nacional, expandindo as categorias identificadas localmente, estabelecendo pontos de
comparação com realidades semelhantes ou díspares e repensando o processo de formação do sistema de ensino
no Brasil. (GONÇALVES NETO & CARVALHO, 2005, p.184).

O processo de constituição de uma sociedade, em seu contexto nacional, desenvolve-se a partir de um jogo
complexo de disputas, negociações e conciliações entre diferentes interesses políticos, econômicos e culturais de
distintos grupos sociais, até mesmo étnicos. A formação de territórios, no interior de espaços como uma cidade, um

845
estado ou uma região geográfica mais ampla, acontece por meio da conformação de relações de poder impostas em
diferentes níveis, desde o nacional até o mais local.
Nesse sentido, existe um elemento a ser considerado no estudo de uma sociedade nacional, isto é, as caracte-
rísticas históricas que marcam/marcaram a constituição dos espaços regionais e locais e seus respectivos territórios,
bem como a relação estabelecida entre este processo e as características mais gerais, políticas, econômicas, sociais ou
culturais.
Para tanto, considerar as necessárias articulações entre as proposições de uma abordagem histórica regional e a
comparação histórica, no sentido da constituição da História Comparada Regional, incorre nas pretensões que temos
elaborado.
A História Regional caracteriza-se pela natureza do recorte que se faz ao objeto de investigação e, dessa forma,
o espaço regional, ou a região, torna-se a unidade de medida analítica empregada pelo historiador, seu interesse por
aquela região específica.

O interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço [a região], as relações sociais que
se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares
ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço
nacional, uma rede comercial). (BARROS, 2004, p.153).

Desse interesse, localizamos o cerne de interesse de um estudo histórico regional, na possibilidade de com-
paração entre regiões no interior de uma mesma sociedade, desde a direção de similaridades, ou seja, de comparar
regiões que apresentem certo conjunto de semelhanças entre si, até potencialidade da comparação histórica regional
na identificação de elementos que produzem as diferenças entre estas regiões e/ou entre processos históricos comuns
a elas e, que se constituem de forma singular em cada uma.
Contudo, o conceito de região adotado na perspectiva dos estudos da História resulta das articulações inter-
disciplinares, principalmente com a Geografia, ou com a Antropologia, assegurando a especificidade na definição do
objeto de investigação da História. Diante disso, a noção de região reveste-se de um elemento geográfico, mas tam-
bém o extrapola, pois, falar de região em História não se refere somente a um espaço delimitado por características
físicas, ou por fronteiras político-administrativas.
Do ponto de vista da Geografia, o conceito de região é fruto de uma série de debates em torno de sua definição,
desde o processo de desenvolvimento, afirmação e consolidação disciplinar (GOMES, 2000), culminando na multi-
plicidade de critérios epistemológicos a serem adotados para se definir e delimitar uma região.
Destacamos, uma questão que nos parece central na busca pela definição do conceito de região, e do regional,
uma vez que identificamos um elemento determinante numa região, qual a seja: o “fundamento político, de controle
e gestão de um território” (GOMES, 2000, p.73). Esses fundamentos remetem a outra questão, isto é, de como definir
o que entendemos por território no contexto de uma dada espacialidade regional.
Souza (2000, p.78) indica que “território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder” (grifos do autor), portanto, um instrumento de exercício de poder, que se coloca como premente na
sua caracterização a definição de como e por quem o poder estava exercido neste território.
Associar o território ao espaço nacional, cingindo elementos naturais e sociais na formação da identidade de
determinados grupos sociais torna-se uma forma, tradicionalmente política, de entender seus mecanismos de cons-
tituição. Essa visão do território não se torna, suficientemente capaz, de visibilizar a complexidade das diferentes
formas de disputa de poder, em diferentes escalas, com as diferentes táticas e estratégias, empregadas pelos indivíduos
e grupos em suas configurações sociais (ELIAS, 2006).
As relações de poder estabelecidas entre diferentes indivíduos e grupos sociais, a partir de condições específicas
e singulares num contexto espacial, determinam; determinavam a constituição e configuração de um território.

Ele não precisa e nem deve ser reduzido ou associado com a figura do Estado. Territórios existem e são construídos
(e destruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (por. ex., uma rua) à internacional; territórios são cons-
truídos e (desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias;

846
territórios podem ter um caráter permanente, mas também podem ter uma existência periódica, cíclica. (SOUZA,
2000, p.81).

O caráter singular e específico das relações sociais que se desenvolvem/ desenvolveram em diferentes situa-
ções, cujo jogo se dá na disputa por poder (seja sua conquista ou sua manutenção), definem as características espaciais
e temporais de um território e das figurações que se estabelecem em seu interior (ELIAS, 2006). Acresce-se a isso a di-
mensão política e cultural, articulando uma ampliação do entendimento e da funcionalidade do conceito de território.

Aqui, o território será um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais que, a par de sua complexidade interna,
define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade: a diferença entre ‘nós’ (o grupo, os membros da coletividade ou
“comunidade, os insiders) e os ‘outros’ (os de fora, os estranhos, os outsiders). (SOUZA, 2000, p.86, grifos do autor).

A par disso, o território apresenta-se como um campo de forças que projeta/ projetava no espaço um conjunto
específico de relações sociais, o que permite/permitiu a superposição de diferentes territórios, de contradições e de
atritos entre os diferentes poderes que os compõem, ou que os disputam. As relações sociais e as disputas de poder,
no interior de um dado território, expressam-se no estabelecimento de um conjunto complexo de táticas e estratégias
(CERTEAU, 1998), adotadas pelos indivíduos para manter ou alterar sua condição social.
Desta dimensão geográfica (e também sociológica) de território, acrescentamos a concepção de trabalho histo-
riográfico, capaz de articular a ação do pesquisador, diante da difícil tarefa de estabelecer critérios adequados ao seu
objeto, à aproximação ao movimento do passado por meio de suas questões do presente. Desta forma,

O historiador trabalha com territorialidades superpostas em sua operação historiográfica. Em seu esforço de apre-
ensão historiográfica, ele deve se empenhar em perceber as territorialidades que as relações sociais por ele es-
tudadas produziam à sua época, mas a verdade é que – para além destas territorialidades históricas – ele deverá
superpor a sua própria territorialidade historiográfica. O historiador não é apenas alguém que percebe os poderes
e controles que os homens de determinada época estabeleciam sobre o espaço, ele mesmo é também criador de um
território, na medida em que ao recortar um objeto de conhecimento estabelece um espaço de poder e de controle
através do seu próprio discurso historiográfico. (BARROS, 2005, p.115).

A instituição escolar, a partir deste entendimento, constitui-se em território de disputa em uma perspectiva
multidimensional de poder, e nesta direção, de práticas figuradas. Para tanto, as relações de poder diretamente desen-
volvidas em seu interior, seja por grupos de profissionais em busca de espaço acadêmico, seja de alunos organizados
em grupos, primam pela consolidação identitária, entre outras.
De forma mais complexa, a escola como um território estratégico (CERTEAU, 1998) para determinados gru-
pos sociais, atua na busca por meios de manutenção, ou ascensão a determinados postos na estrutura da sociedade em
que se insere. Assim, as relações de poder não se estabelecem tão somente de forma direta no território escolar, mas o
território escolar constitui-se num instrumento para que indivíduos e/ou grupos sociais estabeleçam formas distintas
de apropriação da espacialidade territorial da escola.
Para tanto, as prescrições curriculares que definem conteúdos e conhecimentos a serem distribuídos; normativas
legais que formatam a organização do tempo e do espaço; práticas de inculcação de determinada disciplina escolar; re-
sistência discente às normas estabelecidas, etc., encontram-se apreendidas como formas estratégicas ou táticas (CERTE-
AU, 1998) dotadas de indícios das relações de poder, ou disputas por poder no interior de um território escolar.
No entanto, essas relações de poder não genéricas, bem como não propostas para um território hipotético,
materializam-se de forma específica no contexto de um território específico. Consideramos a escola como um terri-
tório de disputa de/por poder, onde indivíduos e/ou grupos sociais desenvolvem uma complexa relação figuracional
e adotam diferentes táticas e estratégias para manter ou alterar sua posição neste espaço social.
Na esteira deste entendimento, o ensino secundário constitui-se também como um território de desenvolvi-
mento de práticas figuradas, onde diferentes indivíduos adotam estratégias ou táticas para participar das figurações
sociais ali estabelecidas. Por ser uma etapa da educação escolar brasileira, ou um nível do processo de escolarização
torna-se, de um lado, objeto de crescente produção de conhecimento no campo da História da Educação, expresso

847
em pesquisas, livros, capítulos de livros e artigos acadêmicos e; de outro, palco de debate em eventos promotores da
circulação de ideias e discussões a seu respeito.
Tais contextos incidem sobre a historicidade, os objetivos e as funções sociais em determinados períodos, o
currículo, a formação docente para atuar nos ginásios e colégios, a cultura escolar, a história das disciplinas escolares
e das instituições escolares, entre outros elementos associados à constituição das investigações.
O conjunto da produção historiográfica sobre o ensino secundário consolida-se nos espaços de circulação de
conhecimento por análises, que incidem sobre uma determinada visão, capaz de “viciar” a interpretação sobre suas
características, finalidades, objetivos, práticas e resultados, isto é, alimentados no/pelo contexto de expansão da elite
dirigente, consolidada pelo/no processo de escolarização, remetida ao desenvolvimento econômico da/na sociedade
brasileira1. Dito de outra forma, consolida a existência de uma historiografia que cristaliza uma interpretação acerca
da expansão e do incremento, de forma mais ou menos homogênea no Brasil, sobretudo entre os anos de 1930 e 1970.
Neste contexto, edificamos nossa problematização a essa interpretação, não no sentido de negá-la sumaria-
mente, mas de identificar/construir outras/novas historiografias regionais e locais2 acerca dos processos de expansão
e/ou incremento do ensino secundário. Dessa identificação/construção, depreendemos o estabelecimento de rela-
ções singulares entre os grupos sociais locais e suas demandas por escolarização secundária, chamando-nos a exercer
uma vigilância epistemológica e prática no âmbito dos conceitos operacionais da pesquisa.

Bibliografia

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Editora UFRJ: Editora FGV, 1998.
1 Leitura essa baseada em estudo realizado em Tese de Doutoramento (2018), que analisou o ensino secundário nas cidades de
Belo Horizonte e Campo Grande, numa perspectiva histórico-comparada, tomando como fonte e objeto as produções acadêmicas (teses
e dissertações), que tomaram forma nos Grupos de Estudos e Pesquisa Observatório de Cultura Escolar (OCE) e História da Educação
(GEPHE).
2 Pesquisa em desenvolvimento, coordenada por Fabiany de Cássia Tavares Silva (UFMS, FAED, PPGEDU), financiada pelo CNPQ,
Edital Universal 2018, intitulada Por uma “Outra” Historiografia do Ensino Secundário (1931 a 1961): Estudos Comparados como
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848
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849
HISTÓRIA, MEMÓRIA E FORMAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR LAICO
EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: GRUPO ESCOLAR SILVEIRA DA MOTTA

Antonio Francisco Bobrowec – UFPR

A proposta deste trabalho é dar uma visão geral da formação escolar em São José dos Pinhais, cidade do Estado
do Paraná (Brasil), com enfoque na construção do primeiro espaço e imóvel a abrigar uma escola laica no Município,
sua importância histórica e para a memória local.
Em sintonia com o desenvolvimento do centro urbano da Cidade no início do século XX, a educação escolar
passou a ser vista como um dos estandartes da recém criada República no país, pois a construção de seu prédio, junta-
mente com a criação de uma praça com elementos republicamos, passaria a se destacar diante da até então arquitetura
de origem portuguesa e católica (igreja matriz), de herança ainda do padroado1. O imóvel abrigaria a casa escolar, que
depois seria mais conhecido como Grupo Escolar Silveira da Motta. Ele seria por anos a principal unidade escolar pú-
blica da região, tendo o seu ápice de desenvolvimento na década de 1950, quando passou a funcionar em novo prédio.
Ambos os imóveis que sediaram essa unidade de ensino estão em atividade até hoje, sendo que o prédio cons-
truído na metade do século XX ainda funciona como colégio estadual. O estudo das formas de utilização e funcio-
nalidade desses espaços arquitetônicos possibilita novas formas de ressignificação e sentido no campo do social e da
memória (PESEZ, 1990).
A história da educação, desde as suas primeiras iniciativas de pesquisa no Brasil, tem valorizado os aspectos
internos da escola e sua arquitetura (SOUZA, 2007). Aliado a isso, é importante que sejam observados os múltiplos
significados políticos e simbólicos dessas edificações.
Pierre Nora (1993) entendia a memória como tudo aquilo que “se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na
imagem, no objeto” (p.12). Por sua vez, Le Goff a entende como propriedade de conservar certas informações (LE GOFF,
1990). Esses conceitos se manifestam ao se estudar os espaços escolares são-joseenses.

AS PRIMEIRAS INICIATIVAS ESCOLARES NO MUNICÍPIO

A primeira cadeira de ensino masculina de São José dos Pinhais data de 1831, quando a região era apenas uma
freguesia da Vila de Curitiba (COLNAGHI; MAGALHÃES; MAGALHÃES FILHO, 1992, p. 125). Em 1854, um ano
depois da emancipação política de São José dos Pinhais diante de Curitiba, foi criada a cadeira feminina. De acordo
com o censo feito pela recém criada Província do Paraná, o novo Município possuía 4.660 habitantes, sendo que
2.881 pessoas tinham até 21 anos. Desses, 833 pessoas estavam em idade escolar, sendo que apenas 20 estudavam
(2,4%)2 (WACHOWICZ, 1984).
A partir da segunda metade do século XIX, passaram a existir as unidades de ensino conhecidas como escolas
isoladas – uma realidade que continuaria em São José dos Pinhais, em regiões mais afastadas do centro urbano, até
os anos de 1970. Essas escolas nada mais eram do que um professor encarregado pela instrução pública da população
daquela região. A ele cabia todas as responsabilidades pela efetivação da escola, como a locação de um espaço para a
instrução dos alunos, a aquisição de materiais e insumos para o funcionamento da escola. Em troca, o Estado pagava,
meses depois, os custos que esse professor tinha, mais os honorários dele. Assim sendo, os imóveis que eram intitula-
dos como escolas não passavam de salas improvisadas, geralmente em casa feita de madeira, com móveis e condições

1 Aliança político-administrativa entre os Reinos Ibéricos, Portugal e Espanha com a Igreja Católica, desde o século XV, de caráter jurídico,
onde os monarcas tinham o aval da Santa Sé para realizar a administração e organização religiosa e política dos seus territórios e os que
viriam a conquistas.
2 Provavelmente aqui os dados se referem apenas à cadeira de ensino masculina, porque o censo foi realizado no ano de 1853, um ano antes
da criação da cadeira feminina.

850
adaptadas. Eles não eram projetados para ser, de fato, uma escola. As aulas eram realizadas pelo método de Lancaster3.
Essa realidade só passaria a mudar em São José dos Pinhais com a construção da escola no centro da Cidade.
Em 1872, São José dos Pinhais possuía uma população de 7.344 pessoas (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2016). A
maioria dos habitantes era descendente de portugueses ou de escravos negros trazidos da África, ou ainda da misci-
genação desses com nativos indígenas que circulação na região4.
Machado (2006) afirma que o Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, “marcou o início do processo de orga-
nização da escola pública”. Ele “Reforma o ensino primario e secundario no municipio da Côrte e o superior em todo
o Imperio”. Várias coisas descritas nesse decreto, mesmo que propriamente não aplicadas na época, servirão de base
para as leis sobre educação em todo o país nas décadas seguintes, como, por exemplo, a criação do primeiro e segundo
graus, com duração de 4 anos, e a obrigatoriedade do ensino para crianças de 7 a 14 anos (masculino e feminino).
A partir da segunda metade do século XIX, muitas mudanças sociais, econômicas e ideológicas passaram a
ocorrer no Brasil: milhares de imigrantes, fugidos da miséria na Europa por ocasião do auge da Revolução Industrial,
passaram a residir e trabalhar no Brasil; o tráfico de escravos estava com os dias contatos; a expansão e a hegemonia
da economia cafeeira, despontando São Paulo como um dos principais centros urbanos do país; o aumento das ten-
sões entre a Igreja Católica e o Estado.

O DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO URBANO E A CRIAÇÃO DO PRIMEIRO PRÉDIO


ESCOLAR

A partir de 1876, o incremento populacional com criação de colônias de imigrantes no Município contribuiu
para o aumento demográfico. Em 27 de dezembro de 1897, conforme Lei Estadual nº 259, São José dos Pinhais foi
elevada à categoria de Cidade. No censo de 1900, a população mais que dobrara, se comparado com 1872, passando a
ter 14.897 habitantes (Colnaghi; Magalhães; Magalhães Filho, 1992, p. 225).
Dois fatores fizeram com que o antigo centro da Cidade passasse por transformações arquitetônicas no início
do século XX. O primeiro deles foi a Proclamação da República no país, em 1889, que foi mesmo sentida no Muni-
cípio a partir de 1900 com a eleição do primeiro prefeito, Luiz Victorino Ordine 5. A partir de 1908, com a eleição de
Francisco de Paula Killian, o espaço urbano passou a receber expressivas melhorias, como a instalação de iluminação
pública, o nivelamento e ampliação de ruas, a criação de uma praça com símbolos republicanos na jardinagem e a
construção do primeiro prédio escolar, destacando-se no centro da Cidade (MAROCHI, 2003).
A segunda grande transformação urbana do Município foi a destruição da antiga igreja matriz, de traços arqui-
tetônicos portugueses, para uma obra de estilo moderno. As obras do novo edifício do templo católico aconteceram
entre 1905 a 1920. Outra importante ação da Igreja na época foi a criação de uma escola paroquial.

3 Também conhecido como Ensino Mútuo ou Monitorial, foi criado pelo inglês Joseph Lancaster no final do século XVIII. Tinha como
objetivo ensinar um maior número de alunos em um curto espaço de tempo. Diferente do modelo de ensino atual, em uma sala poderia haver
várias turmas (por isso do nome de Ensino Mútuo).
4 O censo da época não contabilizava os habitantes das comunidades indígenas da região, mas somente os que se aculturaram e passaram a
conviver com os descendentes de portugueses e, dessa forma, tiveram filhos com eles.
5 De 1853 a 1891, quem exercia o papel de administrador do Município de São José dos Pinhais era a Câmara de Vereadores. Entre 1891 a
1900, é o período de transição e implantação do Poder Executivo, que passou a ter funções distintas do Poder Legislativo Municipal.

851
Figura 1: Imagem do centro da Cidade, em 1912. Foto tirada na torre da nova igreja matriz. Destaque para o jardim
em forma de brasão da República e o prédio da cadeira de instrução masculino, que depois passaria se chamaria
Grupo Escolar Silveira da Motta:

Fonte: Museu de SJP.

Por meio da Lei Estadual nº 788, de 2 de abril de 1908, é criada a Cadeira de Instrução de São José dos Pinhais,
destinada apenas para meninos (PARANÁ, 1908; 2012), ano em que também era dado início a construção do prédio
escolar. No ano de 1912, o prédio é inaugurado. Ele possuía 415,55 m². O imóvel tinha quatro salas de aula, sala para
a direção escolar, secretaria e dependências sanitárias. Em 1914, a unidade de ensino passou a se chamar Casa Escolar.

Figura 2: Imagem do Grupo Escolar Silveira da Motta no início do séc. XX.

Fonte: Museu de SJP.

No dia 9 de janeiro de 1917, o Governo do Paraná promulga nova lei sobre a educação do Estado. É o Decreto
nº 7, também conhecido como Código de Ensino do Estado do Paraná (PARANÁ, 1917). Nele é estabelecida a nova
organização da estrutura pedagógica e as determinações legais a serem seguidas nos espaços escolares. Dentre as vá-
rias diretrizes, destaca-se a frequência das crianças nas escolas: “A matricula e a frequencia assidua das meninas de 7 a
12 annos e dos meninos de 7 a 14, em escola publica do ensino primario, são obrigatorias” (idem, Art. 41). Contudo,

852
como escolarizar todas as crianças em idade escolar em um território tão grande, como era o de São José dos Pinhais?6
A resposta vem do próprio decreto:

Art. 42 – Exceptuam-se da obrigatoriedade:


I. As creanças que residirem á distancia de mais de tres kilometros da sede da escola urbana, suburbana ou rural
mais proxima ou nas localidades do circuito da mais proxima escola ambulante.
II. As que, por enfermidade ou defeito physico permanente, devidamente provados, não puderem frequentar a
escola.
III. As que receberem em sua residencia ou em escola particular ensino sufficiente. (PARANÁ, 1917, p. 16).

No seu Artigo 4º, o Código de Ensino determinava que o poder público deveria inspecionar todos os estabe-
lecimentos escolares (públicos e particulares), serviço realizado pela inspetoria escolar. Várias restrições passaram
a ser impostas às escolas de imigrantes. Isso fica evidente no Título V desse Código de Ensino, que trata sobre as
determinações “Do ensino particular”:

Art. 180 – É obrigatorio em todos os institutos particulares do curso primario ou secundario nacionaes ou estran-
geiros o ensino da Lingua Portugueza.
Art. 181 – Não poderão receber quaesquer favores directos ou indirectos do Estado os institutos ou escolas parti-
culares que não cumprirem os seguintes preceitos:
1º Communicar ao Secretario do Interior a sua abertura e o seu encerramento annuaes;
2º Ensinar a Chorographia do Brasil, a Historia do Brasil e a Lingua Portugueza, ao menos, de accordo com o
programma official do curso primario; [...] (PARANÁ, 1917, p. 51-52).

Nessa época, São José dos Pinhais passou a ter três modelos de escolas. O primeiro, a escola oficial, de ensino
da língua vernácula, que seguia o currículo estabelecido pelo Estado. A instituição de referência era a Casa Escolar
Silveira da Motta, instalada no prédio escolar do centro da Cidade.
A segunda, a escola confessional de ensino da língua portuguesa, representada pela escola paroquial criada
pelos padres da Sociedade do Verbo Divino (SVD) da igreja matriz, no início dos anos de 1900 (COLNAGHI; MA-
GALHÃES; MAGALHÃE FILHO, 1992, p. 122).
O terceiro modelo de escola seria implantado pelos imigrantes e seus descendentes, que moravam nas colônias
e comunidades rurais do Município, principalmente de origem eslava (poloneses, ucranianos e russos). Nesses es-
paços escolares o ensino era na língua de seu país de origem, além de costumes morais e religiosos católicos. Os três
símbolos desse modelo escolar são as escolas polonesas da Colônia Murici e Afonso Pena, e a escola ucraniana da
Colônia Marcelino (MAROCHI, 2006).
Apesar de serem implantados no país ainda no final do século XIX, São José dos Pinhais ainda não possuía um
grupo escolar. Isso só aconteceu em 1919, após a criação do Código de Ensino do Paraná, substituindo a Casa Escolar.
Ela passa a se denominar Grupo Escola Silveira da Motta – em homenagem ao juiz são-joseense Joaquim Ignácio
Silveira da Motta, que também foi chefe superintendente de Ensino local no ano de 1884.
Os grupos escolares surgem no Brasil como um projeto republicano de renovação da educação pública no país,
onde se deixava de ensinar individualmente, por meio de aulas particulares ou em escolas isoladas, para padronizar o
ensino primário em escola graduada.

Nesse sentido, a substituição do método individual pelo simultâneo constituiu um eixo importante da escola gra-
duada, pois, através do ensino simultâneo, o professor ensinava a mesma lição a todos os alunos como se fossem
um só, sendo, para isso, necessário homogeneizar os grupos redistribuindo os alunos em graus e classes. Essa
organização escolar sofreu influências do princípio da divisão do trabalho, presente na revolução industrial (SÁ,
2016, p. 1).

6 Nessa época, São José dos Pinhais correspondia ao seu atual território somado a dos atuais municípios de Agudos do Sul, Tijucas do Sul,
Mandirituba e Fazenda Rio Grande.

853
Na década de 1930, muitos pais ainda deixavam de mandar seus filhos para escola para lhes utilizarem como
mão-de-obra na lavoura e nos afazeres domésticos. Uma realidade que vai perdurar por décadas. Contudo, a elite
intelectual e política da época já avistava a educação como uma instituição de progresso social e que precisava ser
compreendida pela população como tal.

Quando a professora Dolores Taborda Ribas assumiu a direção do Grupo Escolar Silveira da Motta, em 1934,
encontrou-o em franca decadência, uma vez que não havia ainda desenvolvido-se nos pais a consciência da impor-
tância da educação formal de seus filhos. Contando com a colaboração do juiz de direito James Portugal de Mace-
do, ela desencadeou uma campanha de conscientização dos pais, de excelentes resultados na ocasião. Foi iniciativa
sua, também, a criação do curso complementar, de 2 anos, após o primário. Já que São José dos Pinhais não tinha
ainda o curso ginasial, o complementar passou a valer como ginasial para o exercício do magistério (COLNAGHI;
MAGALHÃES; MAGALHÃES FILHO, 1992, p. 126).

O NOVO PRÉDIO DO GRUPO ESCOLAR E A INSTAURAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO


E TÉCNICO

Até meados de 1940, quem pretendesse estudar além do ensino primário teria que se deslocar até Curitiba, ca-
pital do Estado, para fazer o curso ginasial. Foi então que um grupo da elite política são-joseense toma uma importan-
te iniciativa: a criação do Ginásio Costa Viana. Na mesma época, a Igreja Católica local inaugura seu próprio ginásio.

São José dos Pinhais em 1950 ganhou novo ginásio [...] Tratava-se de escola primária mista, com internato e
semi-internato, onde gerações de são-joseenses aprenderam, tanto as primeiras letras, quanto música, trabalhos
manuais e religião. (COLNAGHI; MAGALHÃES; MAGALHÃES FILHO, 1992, p. 131).

Outra grande mudança que passariam os espaços escolares nesse período foi a instituição do ensino integrado
entre meninos e meninas, conhecido como escola mista ou promíscua. Essa realidade passava a revelar uma mudança
no pensamento pedagógico. Contudo, mesmo numa aparente igualdade de direitos de acesso à escola, o currículo
continuava a distinguir os conteúdos a ser ensinado (ROMANELLI, 1986).

Figura 3: Segundo prédio do Grupo Escolar Silveira da Motta. Década de 1950.

Fonte: Museu de SJP.

854
O Governo do Paraná realizou concorrência pública no dia 21 de fevereiro de 1949 para a execução das obras
do novo prédio do grupo escolar do centro de São José dos Pinhais. No dia 7 de janeiro de 1950, o Termo de Contrato
do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (protocolo 183, instrução n. 8) confirma a empresa Achiles Colle como a
escolhida para realizar o trabalho (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2002). O novo prédio passava a ter quase 1.000 m² de
pavimento térreo e 170 m² de piso superior. Ele contemplava oito salas de aula, biblioteca, almoxarifado, museu, sala
de diretoria, sala de professores, secretaria, gabinete médico e dentário, depósito, cantina e banheiros.
Em 1953, São José dos Pinhais e o Estado do Paraná completariam 100 anos de emancipação política. O novo
prédio do grupo escolar foi ostentado como uma das obras públicas de maior relevância para o progresso da Cidade
(CORREIO DE SÃO JOSÉ, 1953).
A entrega da obra aconteceu em 1955, confirmada pelo ofício nº 517/55, da Secretaria de Viação e Obras Pú-
blicas (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2002). Em 1956, passou a fazer parte do novo prédio do grupo escolar o Ginásio
Costa Viana, que deixava de ser particular com a sua estadualização, bem como a Escola Normal Colegial Estadual
Henrique Pestalozzi, que oferecia o ensino profissional de magistério (PARANÁ, 2012). No ano seguinte, em 1957, é
criada no espaço a Escola de Aplicação Olavo Bilac, de 1ª a 4ª séria, destinada ao estágio das futuras professoras. Em
1960, o grupo escolar sediaria uma escola de Ensino Médio de formação técnica em contabilidade, o Colégio Comer-
cial Estadual Roque Vernalha.
O Ginásio Costa Viana passa a ser colégio pela Lei nº 3.929, de 17 de março de 1959, mas permanece no prédio
do grupo escolar até 1967. Dois anos depois, por meio da portaria nº 2.869/1969, é transferido para prédio próprio
(ZEM, 2004). Em 1972, o Grupo Escolar Silveira da Motta implanta o chamado Ensino Supletivo Fase I e a Educação
Integrada para adultos, no período da noite. No ano seguinte, passa a ofertar o ensino de 5º a 8º série para suprir a
saída do Ginásio Costa Viana. Em 1974, a Escola Normal e a Escola de Aplicação seriam transferidas para o antigo
prédio do Seminário do Verbo Divino. Dois anos depois, o Grupo Escolar Silveira da Motta passa a se chamar Escola
Estadual Silveira da Motta – Ensino Regular e supletivo de 1º grau.
Por meio do Decreto nº 6.337, de 21 de fevereiro de 1979, foi criado pela Secretaria de Educação do Paraná o
Complexo Escolar Iguaçu – Ensino de 1º e 2º Graus, no prédio onde foi instalado o Ginásio Estadual Costa Viana.
Nesse espaço são sediados, além do Ginásio Costa Viana, a Escola Normal Colegial Henrique Pestalozzi, o Colégio
Comercial Estadual Roque Vernalha (também deixando de pertencer ao Grupo Escolar Silveira da Motta), o Grupo
Escolar Afonso Pena e a Escola de Aplicação Olavo Bilac (ZEM, 2004).
O reconhecimento da importância, tanto arquitetônica, quanto institucional, fez com que o Poder Executivo
Municipal preservasse a memória do antigo Grupo Escolar Silveira da Motta com o tombo7 do seu primeiro prédio,
por meio do Decreto Municipal nº 249, de 1980. O imóvel abriga hoje a Biblioteca Municipal Scharffenberg de Qua-
dros. O prédio que acolheu o Grupo Escolar Silveira da Motta nos anos de 1955 a 1976 também foi tombado, dessa
vez pelo Conselho Municipal de Patrimônio Artístico e Cultural (Compac), no dia 30 de março de 2004 (SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS, 2002; 2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Grupo Escolar Silveira da Motta, ao longo de sua história, deve ser entendido como a concretização da escola
republicana e laica no Município de São José dos Pinhais. Seus dois prédios-sede são hoje os símbolos da memória esco-
lar do Município, ambos tombados como patrimônio artístico e cultural. Ao longo de sua existência, ele materializou as
transformações da cultura escolar, das suas diretrizes curriculares, do seu entendimento de arquitetura e espaço escolar
compatíveis para o ensino público, sendo testemunha ainda hoje na paisagem urbana da Cidade de São José dos Pinhais.
A história do Silveira da Motta ainda é viva no Município, tanto pela memória a ser explorada dos alunos
egressos, quanto dos professores e funcionários que passaram na instituição. É ainda viva por ser objeto de pesquisa
sociológica, devido ao fato que a escola ainda continua em atividade como colégio estadual, com a oferta da Segunda
Fase do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio.
7 O termo, de origem portuguesa, significa o registro, em livros específicos, de patrimônio artístico e cultural para um Município, Estado ou
País. Com o registro, o bem, material ou imaterial, é protegido por lei.

855
Fontes históricas

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Paran%C3%A1.pdf?sequence=1&isAllowed=y>>. Acesso: 29 jan. 2017.
________. Secretaria Estadual da Educação. Projeto Político Pedagógico Colégio Estadual Silveira da Motta. Curitiba:
2012. Disponível em: <<http://www. sjpsilveiradamotta.seed.pr.gov.br/modules/noticias/>>. Acesso: 29 jan. 2017.
SÃO JOSÉ DOS PINHAIS. Inventário da Arquitetura Antiga de São José Dos Pinhais, Política Municipal de
Preservação do Patrimônio. Ficha M301. Cadastro Geral de Bens. Secretaria Municipal de Urbanismo, 2012.
________. Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria Municipal de Cultura de São José dos
Pinhais. Secretaria Municipal de Cultura, 2002.
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Acesso em: 19 nov. 2016.

Referências

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Escola Normal Colegial Estadual Henrique Pestalozzi. Dissertação História da Educação. Curitiba: PUCPR, 2004.

856
HISTÓRIA, MEMÓRIA E SAÚDE: A MALÁRIA NA CONSTRUÇÃO
DA ESTRADA DE FERRO MADEIRA MAMORÉ

Thais Teixeira do Nascimento– UFG1

Resumo: Para este artigo, apresentaremos as discussões e resultados parciais levantados a partir da pesquisa
PIVIC, que está sendo desenvolvida entre 2018/2019, intitulada: História, saúde e trabalho nas fronteiras. A Malária
na construção da Estrada de Ferro Madeira- Mamoré: um dos porquês da alcunha “Ferrovia da Morte”. Inicialmente
realizaremos uma explanação quanto aos antecedentes da construção da ferrovia, depois exploraremos o acordo que
promoveu a construção da EFMM de fato – Tratado de Petrópolis -, discutiremos as literaturas acerca da construção
da Ferrovia e suas diferentes nomenclaturas, problematizando a forma como isto é ou não trabalhado nos livros di-
dáticos e expondo algumas conclusões que alcançamos neste momento da pesquisa.
Palavras-chave: EFMM. Malária. Trabalhadores

ANTECEDENTES DA CONSTRUÇÃO DA ESTRADA DE FERRO MADEIRA- MAMORÉ


(EFMM)

Embora nosso foco seja o momento em que a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi construída, ou seja, entre
1907 e 1912, é importante sinalizarmos que este se tratou de um empreendimento pensado durante um período sig-
nificativo de tempo e, que algumas das ações desenvolvidas durante sua construção foram na verdade estratégias para
evitar ou remediar situação que inviabilizaram a construção desta ferrovia anteriormente.
Craig2 (1947) expõe algumas das dificuldades que provocaram o insucesso da construção da EFMM, discorren-
do sobre o assunto desde a origem da empresa que tentou realizar o empreendimento até o momento em que os con-
flitos entre o governo boliviano e os acionistas da P. & T. Collins3 optaram por desistir da construção. O engenheiro
escreveu o livro vinte e cinco anos após a tentativa de construção da ferrovia, salientando as dificuldades que foram
se mostrando durante a execução deste projeto.
Primeiramente, é importante descrever a necessidade da construção de um canal que escoasse os produtos pro-
duzidos na Bolívia, como o fumo, a borracha, o algodão, a cana de açúcar, o cacau, a baunilha, o coco, resinas, madei-
ras para tinturaria, plantas medicinais e uma grande quantidade de madeiras ornamentais valiosas para à marcenaria
artística (CRAIG, 1947, p.17). Até 1912, a Bolívia contava com o transporte de seus produtos a partir do Porto de
Cobija, no deserto do Atacama, e pelo de Arica, no Peru, mas, para ter acesso a estes locais, deveria se atravessar os
Andes, que era um trajeto muito perigoso devido aos altos desfiladeiros que precisavam ser passados e do frio pre-
sente no local.
Em 1851, o tenente Gibbon4 foi ordenado pelo Ministério da marinha norte-americana a fazer uma expedição,
por terra, seguindo a costa do Peru, explorando os principais cursos fluviais que ligavam Bolívia e Brasil pelo litoral.
Gibbon durante esta sondagem verificou 19 cachoeiras e corredeiras que se prolongavam até Guajará- Mirim e Santo
Antônio – locais onde tentariam construir posteriormente a Ferrovia Madeira- Mamoré. O tenente recomendou a

1 E-mail: thaisteixeira31@outlook.com. Graduanda em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG) é bolsista PIVIC, realizando
pesquisa na área de Brasil República sob orientação do Prof. Dr. Jiani Fernando Langaro.
2 Foi um engenheiro que trabalhou brevemente durante a construção da EFMM, publicou o livro que utilizamos para esta análise
primeiramente em 1907 na Filadélfia, a publicação que nos referimos trata-se da tradução deste livro, publicado em 1947.
3 Empreiteiros responsáveis pela construção da EFMM no ano de 1878
4 Lardner Gibbon foi um tenente da marinha norte-americana da Filadélfia responsável pela primeira expedição partindo da Bolívia para o
litoral do Pará.

857
construção de uma rodovia nesta localidade, expondo também em seu relatório a insalubridade e a recorrência de
surtos de malária como principais empecilhos para a execução desse projeto.
Durante muitos anos, Bolívia e o governo Imperial do Brasil tentaram negociar a construção da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré, mas não conseguiram chegar a nenhum acordo, até que em 1870 a Bolívia enviou o coronel
norte-americano George Earl Church para negociar e acabou conseguindo a concessão para a construção da ferrovia.
No decreto desta concessão havia algumas exigências da empresa que organizaria a construção, que deveria se chamar
“Madeira and Mamoré Railway” e concedia a Church o direito exclusivo por cinquenta anos de “construir, pagar e
possuir” a estrada que seria construída. (CRAIG, 1947, p.42).
No entanto, já em 1884, mesmo com Dom Pedro II estando favorável a execução do projeto, havia indícios
suficientes para interromper a tentativa de construção da ferrovia, sobretudo pelo esgotamento de medicamentos
bolivianos para tratar os trabalhadores deste empreendimento. Craig finaliza seu livro apontando a importância do
Tratado de Petrópolis para uma nova tentativa de finalização desta ferrovia.

TRATADO DE PETRÓPOLIS: UM NOVO ACORDO E UMA NOVA TENTATIVA DE


CONSTRUÇÃO

O Tratado de Petrópolis foi um acordo estabelecido entre Bolívia e Brasil na cidade de Petrópolis em 17 de No-
vembro de 1903, que tinha como objetivo por fim em uma disputa em torno de uma região fronteiriça entre ambos
os países. Isto ocorreu porquê, segundo Ferreira (2005), a região amazônica que era explorada pela Bolívia era na
verdade brasileira, dessa forma, não havendo um controle eficiente sobre o local em que os produtos estavam sendo
extraídos para a cobrança de imposto sobre essa exploração.
A partir deste acordo, a república brasileira comprometia-se a construir a ferrovia em um prazo de máximo
de quatro anos. No ano seguinte o Chile segue o exemplo do Brasil, também estabelecendo um acordo com a Bolívia
para a construção de uma ferrovia, fazendo assim uma concorrência com o empreendimento brasileiro. O empresá-
rio norte-americano Percival Farquhar, conhecido por trabalhar na construção de outras ferrovias anteriormente, foi
o empreiteiro responsável por esta nova tentativa de construção da Estrada de Ferro Madeira- Mamoré.
Para a definição de quem seria responsável pelo desenvolvimento do projeto da EFMM, o Brasil lançou um
concurso em que os interessados deveriam enviar para o governo um orçamento e um projeto de execução. Entre os
diversos concorrentes, o ganhador da concessão foi o especulador e engenheiro Joaquim Catrambi, que posterior-
mente vendeu o seu direito para o empreiteiro Percival Farquhar, em 1909.
Antes mesmo de assumir o direito concedido a Catrambi, Farquhar tomou a frente do projeto. Os trabalha-
dores de sua construtora – cerca de 140 pessoas- dirigiram-se para Santo Antônio em 9 de Julho de 1907, no dia 1°
de Julho de 1907 o pessoal era composto por 28 trabalhadores apenas, isto porque, devido ao fato dos trabalhadores
terem que pagar por seu deslocamento, muitos desertavam pelo caminho, uns arrumando novos empregos e outros
de fato perdendo-se em meio às seringas em busca de melhores condições de trabalho e habitação.
Embora já existisse um planejamento razoável para a articulação da ferrovia, não houve um interesse por parte
do governo e dos empreiteiros em garantir uma mínima estrutura para o alojamento dos trabalhadores envolvidos
na construção da EFMM: além da grande quantidade de insetos, o calor intenso durante o dia e o frio durante a noite,
havia poucas maneiras de se atenuar esta situação com as choupanas e barracas sem paredes e as poucas roupas que
eram fornecidas para os trabalhadores.
Outro problema recorrente era a falta de alimentos e equipamentos apropriados para o trabalho. A diferença
de tratamento por parte dos dirigentes com os trabalhadores foi outro motivo para conflitos durante a construção.
Os principais revoltosos neste momento eram os norte-americanos, que exigiam melhores condições, sobretudo, por
conta de seu maior conhecimento profissional para o empreendimento.

858
POR QUE FERROVIA DA MORTE? AÇÃO MÉDICA PARA O COMBATE DA MORTALIDADE
NA EFMM

A sociedade que se articulou a partir da produção de borracha para exportação teve seu apogeu entre 1880 e
1910, neste período, era pequena a quantidade de propriedades de seringais, comumente estas ficavam espalhadas em
longas extensões de terras pouco ou ainda não exploradas. Com a instituição da República, a ânsia por desbravar estas
extensões de terra fazia parte de um projeto de integração, a fim de sedimentar uma identidade nacional.
Hardman (1988), ao fazer uma análise sobre como se deu a repercussão da história da EFMM, descreveu a in-
tensidade e a rapidez com que a ferrovia tornou-se lenda e de o imaginário sobre ela modificou-se tão rapidamente.
Como exposto anteriormente, a construção da Estrada de Ferro Madeira- Mamoré foi um evento envolto por um
grande contingente de mortes, mas antes de ser evidenciado este lado negativo, a construção foi vista como um gran-
de projeto de exploração e desenvolvimento “da Selva Amazônica do Brasil”.
Segundo o livro Revisitando a Amazônia: Expedições aos rios Negro e Branco refaz percurso de Carlos
Chagas em 1913, organizado pela Fundação Oswaldo Cruz (1996), a década de 1910 apontava ser o fim do monopólio
do Brasil quanto a produção de borracha – ano em que ainda se estava executando a construção da EFMM.
Entre as medidas adotadas para tentar “reanimar” essa economia, o Instituto Oswaldo Cruz e outros médicos,
biomédicos e pesquisadores organizaram expedições com o objetivo de estabelecer diagnósticos e profilaxias aos
enfermos da região amazônica, com isso, possibilitando melhores chances de cuidados e saúde para os trabalhadores
das seringueiras.
Mas, além da necessidade de interiorizar os tratamentos médicos aos trabalhadores que manipulavam a borracha,
os médicos também tinham grande interesse em cuidar da saúde dos trabalhadores que viabilizaram o transporte desses
materiais para o restante do país, deste interesse inserem-se os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira- Mamoré.
O ano de 1910 foi também o escolhido por Oswaldo Cruz para visitar as obras da construção da EFMM, com
o objetivo de propor um plano para dar fim a um problema médico recorrente entre os trabalhadores da constru-
ção: a ocorrência da Malária. Além da iniciativa de melhora da saúde destes funcionários, os médicos e empreiteiros
preocupavam-se com o aumento da produtividade em suas funções, que era em muito condicionado as condições de
saúde desses trabalhadores.
Como apontado por Craig (1947) e Ferreira (2005), a construção da ferrovia passou por uma série de empeci-
lhos durante sua tentativa de construção, sobretudo pela diminuição constante na quantidade de trabalhadores aptos
para trabalhar. Segundo Craig, durante a primeira tentativa de construção da EFMM apresentava dificuldades que
poderiam inviabilizar a execução do projeto:

(...) Dada a situação política e financeira da Bolívia, a ignorância do mundo exterior com relação aos recursos na-
turais do país, o fato de estarem os obstáculos situados principalmente em território brasileiro e a grande distância
que separava a região, do mundo civilizado, tornava-se evidente que a execução de qualquer um de tais projetos
demandaria esforços titânicos e exigiria, para levá-lo a efeito, a direção de um homem possuidor de raro conjunto
de qualidades.
CRAIG, Neville B. Estrada de Ferro Madeira- Mamoré: História trágica de uma expedição. Brasiliana: Rio de
Janeiro, 1947, p.33.

Entre as dificuldades apontadas por Craig, as principais estão ligadas a diminuição progressiva dos trabalha-
dores antes mesmo da chegada à construção da ferrovia, como: a ocorrência de febres e o encontro com povos an-
tropofágicos, a precariedade alimentar, as péssimas condições de trabalho e atritos com Sr. Collins e as deserções dos
trabalhadores, que muitas vezes perdiam-se na mata e não mais vistos. (p.129; p.140; p.206; p. 210).
Ferreira (2005), ao falar sobre a segunda tentativa da construção – a que temos como foco de análise – apre-
senta complicações que já eram presentes desde a primeira tentativa de construção da ferrovia: as deserções ao longo
do caminho até a obra e os protestos contra as péssimas condições de trabalho. Entre as principais causas de morte,
o autor destaca as febres intermitentes, os conflitos entre os trabalhadores, que se agrediam, podendo morrer por

859
isso ou por conta dos ferimentos causados nestas brigas e doenças sexualmente transmissíveis devido a frequência
significativa em prostíbulos.
Quanto às ações de cuidado com os enfermos, Craig aponta a ineficácia dos tratamentos executados:

(...) Quando há cuidados médicos e alimentação adequada, as pessoas de constituição robusta resistem a muitos
ataques e febres sem que a maleita lhes seja fatal. Mesmo assim, porém, os primeiros calafrios, seguidos de febre,
prostram completamente o doente e o deixam mais ou menos imprestável por várias semanas. As fortes doses de
quinina necessárias para debelar a febre agravam a fraqueza do paciente.
CRAIG, Neville B. Estrada de Ferro Madeira- Mamoré: História trágica de uma expedição. Brasiliana: Rio de
Janeiro, 1947, p.243-244.

Mas, além da pouca eficiência dos tratamentos por conta das condições alimentares precárias a que os trabalha-
dores estavam condicionados, houve também caso de charlatanismos na administração dos medicamentos forneci-
dos, que as vezes eram substituídos por pílulas de açúcar e não de quinino (Craig, 1947, p.274).

COMO A FERROVIA SE CONSOLIDOU E COMO ELA É EXPOSTA NOS LIVROS


DIDÁTICOS?

Para o início da construção da ferrovia houve o interesse de se construir uma cais, uma estação inicial, oficinas
para a ferrovia e casa para os oficiais que acompanhariam a construção, para isso, iniciou-se a construção de uma ci-
dade aproximadamente sete quilômetros abaixo de Santo Antônio, a cidade que se levantará era Porto Velho, a atual
capital do estado de Rondônia.
Em um ponto entre Porto Velho e Santo Antônio foi construído o hospital da Candelária, o local tinha como
intuito acomodar os primeiros enfermos acometidos durante o início das construções, no entanto, não havia um in-
teresse para a melhora nas condições sanitárias destes trabalhadores, que tinham sua saúde fragilizada por este moti-
vo. Como forma de viabilizar a construção mesmo com o contingente crescente de enfermos, a construtora trabalhou
para levar periodicamente mais trabalhadores para a obra.
Em 1910, chegaram a Porto Velho aproximadamente seis mil e noventa homens, segundo a contagem da compa-
nhia, em sua maioria de procedência espanhola, jamaicana, panamenha, e colombiana. Embora com muitos problemas
financeiros para a manutenção destes trabalhadores, que além de receberem pouco, não poderiam mandar o dinheiro
para suas famílias, a quantidade de trabalhadores na construção não teve redução expressiva durante aquele ano.

Estatística referente ao pessoal em serviço e ao número de óbito dos empregados.

FERREIRA, Manoel R. A Ferrovia do Diabo. Melhoramentos: São Paulo, 2005, p. 271.

860
A ferrovia foi inaugurada em 1912, já no fim do que trabalhamos didaticamente como o “Ciclo da borracha”,
entre os anos de 1905 e 1912 o Brasil era o maior exportador deste material no mundo, mas, no ano seguinte o nú-
mero de exportações começou a se reduzir. Porto Velho, que foi criada com o intuito de não ser mais do que um ema-
ranhado de armazéns não tinha condições básicas para ser habitada com qualidade, por esse motivo, Santo Antônio
tinha uma maior quantidade de habitantes.
Com a iniciativa de que, posteriormente, Porto Velho poderia tornar-se uma cidade de prestígio, em 19/09/1919
recebeu a categoria de cidade. Em setembro de 1943 houve a criação do Território do Guaporé como um território
separado dos Estados de Mato Grosso e Manaus. Com esta alteração, ao Guaporé também pertencia Santo Antônio,
Rio Madeira, Porto Velho e a EFMM, em 1956 o território foi renomeado para Rondônia.
Antes de iniciarmos a análise dos livros didáticcos, é importante salientarmos a utilização dos livros didáticos
também como fonte histórica, e não apenas como canal de acesso ao nosso objeto de estudo. Segundo Munakata
(2007, p.293), mesmo não trabalhando explicitamente com noções políticas, os autores e organizadores desses livros
fazem escolhas tanto para os assuntos que serão enfatizados nos livros, quanto para a maneira que isto será realizado.
Ainda existem vários debates quanto ao que consideramos como História, sobretudo, pelo fato de privilegiar-
mos o que ficou conhecido como “História dos vencedores” ou “História oficial”, sendo preferida principalmente pela
maior quantidade e qualidade de fontes disponíveis para análise.
No caso da Ferrovia Madeira Mamoré, mesmo com os relatos de médicos, empreiteiros e análises historiográ-
ficas feitas a partir destes materiais, o que percebemos é a pouca concentração de relatos sobre o contexto em que a
ferrovia foi desenvolvida, havendo apenas uma especulação de como ela poderia melhorar o transporte e as trocas
comerciais entre Bolívia e Brasil.
É intrigante como esta história cheia de empecilhos, perdas e sucessos teve tanta repercussão na época e em
uma infinidade de livros publicados, mas pouco explorado nos livros didáticos. Para este trabalho, analisamos três
livros didáticos do ensino médio, um da editora Harbra, um pela FTD e outro pela editora Leya, todos os livros foram
publicados no ano de 2016.
O primeiro livro, História Geral e do Brasil, 3° Ed, organizado por José Alves de Freitas Neto e Célio Ricardo
Tasinafo (2016), publicado pela editora Harbra, foi o que apresentou maior quantidade de informações sobre o tema,
apresentado em duas páginas – 622 e 623 – cujo título é “A borracha na Amazônia e a Questão do Acre”. Apenas citan-
do a EFMM, mas não chegando a nomeá-la, aponta que entre as três décadas finais do século XIX e o início do século
XX, a ampliação e a diversificação da produção industrial na Europa e nos Estado Unidos ocasionou o aumento da
busca pelo látex, material extraído das seringas, sendo a matéria prima para a confecção de borracha.
Afirma que, com o apogeu dessa exploração o Brasil adentrou para o território do Acre boliviano, por esse
motivo, ocasionando a chamada “Questão do Acre”. E que, mesmo com o Tratado de Ayacucho (1867), assinado
entre Bolívia e Brasil para delimitar a fronteira entre os dois países, a Bolívia não havia ocupado a região. Para tentar
controlar a exploração dos brasileiros a região, os bolivianos fundaram o povoado de Porto Alonso (1889), criando
uma alfândega a fim cobrar pelo que estava sendo retirado do local.
O que não foi aceito pelos seringueiros, que se uniram a comerciantes e políticos da Amazônia e proclamaram
a República Independente do Acre. Em meio ao conflito, o Porto Alonso foi tomado e anexado à República Inde-
pendente do Acre em 1903. A fim de por fim a guerra civil que durará três anos entre bolivianos e brasileiros (1900-
1903), militares brasileiros tomaram a região e o Brasil pagou 100 mil libras esterlinas para uma empresa de capital
norte-americano e inglês que haviam arrendado da Bolívia o direito de explorar a região.
A Bolívia que havia sido enfraquecida militarmente com o conflito teria aceitado as investidas diplomáticas do
barão de Rio Branco – ministro das Relações Exteriores do Brasil – e assinado o Tratado de Petrópolis, em que seus
deveres, teria que construir uma ferrovia que viabilizasse o transporte de mercadorias bolivianas.
O segundo livro escolhido para análise foi o História sociedade & cidadania, 3° ano, da editora FTD, orga-
nizado por Alfredo Boulos Júnior (2016). No livro, com o título “A borracha na Amazônia” e “Política externa”, o
conteúdo é apresentado em três páginas – 55, 56 e 61 -, também é estabelecida uma relação entre a industrialização e
o “boom” da procura pelo látex no Brasil, dando como exemplo a produção de bicicletas. Aponta a grande quantidade

861
de migrações que aconteceram para a região, evidenciando que a maioria deles eram nordestinos, sobretudo os cea-
renses, que migravam com o objetivo de “fugir da seca que castigava o estado periodicamente” (Boulos, 2016, p.55).
Na página 56, há uma imagem de um depósito de bolas de borracha antes de serem exportadas, também há
informação de que no mesmo local eram depositados alimentos, medicamentos e munições. Na mesma página é
informado o aumento significativo da exportação da borracha asiática, de aproximadamente 13% em 1910 para 68%
em 1965. Na página 61, em “Política externa” é explicado o que foi a Questão Do Acre, destacando dois pontos do
Tratado de Petrópolis: A anexação do Acre ao Brasil e o comprometimento da construção da estrada de ferro Madei-
ra- Mamoré.
No terceiro livro analisado é da editora Leya, chamado Oficina de história: volume 2, organizado por Flávio
de Campos, Júlio Pimentel Pinto e Regina Claro (2016). O conteúdo é apresentado em duas páginas – 242- 243 -,
apresentando os seguintes tópicos: a definição das fronteiras, o território nacional, a questão do Acre, opulência e mi-
séria na Amazônia. Neste livro, os temas abordados nos outros aparecem de maneira mais sucinta, é apontado que em
1840 o interesse do Brasil estava ligado ao desbravamento de territórios indígenas e da exploração da borracha e Eu-
clides da Cunha é citado pela sua contribuição para a visão que foi criada sobre Manaus e outras cidades da Amazônia.

CONCLUSÕES PRELIMINARES

A partir do estudo realizado, podemos concluir que a construção de Estrada de Ferro Madeira- Mamoré fazia
parte de um projeto político e econômico empreendido pelo Brasil. No viés político, além de fazer uso do direito de
explorar a região – concedido a partir do Tratado de Petrópolis -, está inserido em um projeto de integração nacional
em que há o interesse de criar de desenvolver os locais menos explorados do território nacional, viabilizando relação
com outros estados e dificultando a possibilidade de movimentos que se opusessem a supremacia do presidente. No
campo econômico, havia o interesse de melhorar a qualidade do transporte de mercadorias entre os estados do norte
do Brasil, fronteiriços à Bolívia.
A história da construção da ferrovia e o seu alto contingente de mortos fizeram com que o empreendimento
fosse lembrado neste aspecto, sendo reforçado na medida em que são realizadas leituras sobre este período. A malária
é uma das doenças a se destacar como causa de morte destes trabalhadores, mas não a única, principalmente pelo fato
de que, mesmo com os tratamentos para o controle da enfermidade, os trabalhadores não melhoravam por estarem
enfraquecido devido a outros motivos, como a desnutrição, o abuso de bebidas alcoólicas, as atividades sexuais sem
proteção e as más condições de higiene.
Embora a construção de Porto Velho e posteriormente a criação do estado de Rondônia tenham tido inicio a
partir da construção da EFMM, os livros didáticos não abordam a temática, sendo o tema reduzido apenas a “A ques-
tão da Borracha”, não indo além de um panorama breve sobre o desenvolvimento desta forma de economia, em que
o principal foco é o contexto geral de industrialização que ocorria na Europa e nos Estados Unidos.
É importante salientarmos que, a falta de estudo sobre o norte e nordeste do país ainda são recorrentes e isto
pode ser provado ao se analisar os livros didáticos adotados pelas escolas. A falta de iniciativa de se explicar esta parte
de nossa história pode ser considerado um dos motivos pelos quais ainda há tantos discursos que reduzem esses esta-
dos como locais desabitados, não produtivos economicamente ou sem uma história.
A partir do estudo sobre os estados do Norte do Brasil podemos criar diversos debates que enriqueceram o
ambiente escolar, tornando nossos alunos mais críticos aos discursos que reduzem a importância dessa região de
nosso país. Trazer essas temáticas para a sala de aula são o caminho para que aumentemos o conhecimento sobre
a importância não apenas de valorizar o norte, mas de desenvolvê-lo preservando-o, não caindo no erro de que o
desenvolvimento econômica esteja atrelado apenas à pecuária ou outras atividades que promovam desmatamento.

862
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Carlos Chagas em 1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, 1996.
CHALHOUB, Sidney. Cortiço. In: Cidade Febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das letras, 1996, p.
15-59.
CRAIG, Neville B. Estrada de Ferro Madeira- Mamoré: História trágica de uma expedição. Brasiliana: Rio de Janeiro, 1947.
FERREIRA, Manoel R. A Ferrovia do Diabo. Melhoramentos: São Paulo, 2005.
HARDMAN, Francisco F. Trem fantasma: A modernidade na selva. Companhia das Letras: São Paulo, 1988.
MANAKATA, Kazumi. “ História que os livros didáticos contam, depois que acabou a ditadura no Brasil”. In: Historiografia
brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007, p. 271- 296.
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UFRN, 2013.
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memórias e outras histórias. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2002, p. 41-67.
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Livros didáticos analisados:

BOULOS JÚNIOR, A. História sociedade & cidadania, 3° ano/ Alfredo Boulos Júnior. – 2. Ed. – São Paulo: FTD, 2016 –
(Coleção história sociedade & cidadania).
CAMPOS, F. Oficina de história: volume 2/ Flávio de Campos, Júlio Pimentel Pinto, Regina Claro. – 2. Ed. – São Paulo: Leya,
2016.
FREITAS NETO, J. História geral e do Brasil/ José Alves de Freitas Neto, Célio Ricardo Tasinafo, -- 3. Ed. – São Paulo:
HARBRA, 2016.

863
HISTÓRIA E MEMÓRIA DO POVO XAVANTE

Lúcia Tavares dos Santos Serpa - PUC-GO1


Prof. Dr. José Maria Baldino - PUC-GO2

RESUMO: A cultura é um artefato ligado na existência humana, assim não há pessoa nenhuma no planeta que
não possua a sua cultura. O objetivo aqui é apresentar o contexto histórico e a memória do povo A’uwe Xavante no
território indígena localizado no leste do Estado de Mato Grosso. Onde os saberes sobre a Amazônia Legal, da qual
faz parte o cerrado mato-grossense, as serras, os rios e riachos, o modo de pensar e ver o seu povo e os demais po-
vos, os ritos nas cerimônias, as danças, os sonhos e as músicas estão presentes não só na memória do povo Xavante,
como no seu coração e em todo seu corpo pintado de carvão e urucum. Seus adornos como as gravatas, cordinhas
nos pulsos e rolinhos de madeira perpassando as orelhas, ainda são usados igual os seus ancestrais utilizavam. A
metodologia é uma pesquisa bibliográfica sobre a vida, a cultura e a educação do povo Xavante. A história indígena
nasce bem antes do descobrimento do Brasil em 1.500 pelos Portugueses, portanto torna se dispensável salientar a
grande importância histórica e cultural do índio na formação cultural do povo brasileiro. Como resultado temos as
características marcantes do índio xavante são suas migrações pelo cerrado dos Estados de Goiás e Mato Grosso, na
década de 1930 o governo de Getúlio Dornelles Vargas, constituiu a Marcha para o Oeste com o intuito de ocupar a
região Centro-Oeste, onde existia muitas terras “vagas”, com esta Marcha as terras do povo xavante foram invadidas
e acabaram cercadas pelo homem branco, com isso foi gerado inúmeros confrontos e mortes o que culminou em
1970 com a demarcação das terras indígenas Xavante no leste mato-grossense. A fragmentação da jurisdição indígena
tornou-se um arquipélago de terras xavante nesta região do estado, este conjunto de terras ilhadas, originou diversos
conflitos ambientais e sociais alterando assim a rotina cultural de um povo. Neste sentido, o projeto desenvolvido em
uma escola pública, relata a ressignificação das ações pedagógicas e o fortalecimento da identidade cultural dos alunos
xavantes, além disso, mantem viva a sua memória e suas origens.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. História. Memória.

TERRITORIALIDADE XAVANTE
O Estado de Mato Grosso lidera o ranque nacional no número de queimadas, desmatamentos e queimas, além
de ser um dos maiores exportadores de grãos do Brasil. A legislações tanto Estadual com Federal dão a base legal para
a ampliação desordenada do agronegócio, que utiliza em grande quantidade adubos químicos e os agrotóxicos, com
isso vem poluindo os rios e aumentando o desmatamento nas áreas de proteção ambiental dos rios que cortam as
terras destes povos e que são afluentes do Rio Araguaia.
Com a destruição de parte do cerrado no leste mato-grossense tem deixado cada vez mais o povo xavante ilha-
do, pois além de suas nove terras estarem separadas os indígenas dependem dos recursos naturais para suas cerimô-
nias religiosas e para sua própria sobrevivência
As terras do povo xavante, como já foi dito, está toda na área de cerrado do estado de Mato Grosso. Tal vegeta-
ção, foi nos últimos tempos dizimada para dar lugar as plantações de milho, soja e outro grãos, tão importantes para
a exportação nacional e equilíbrio financeiro do Brasil.
Em vista disso, os impactos foram imensuráveis, como o êxodo rural do homem branco e até o êxodo indígena,
além dos problemas socioambientais gravíssimos na região conhecida como Vale do Araguaia. Neste cabo de guerra

1 Mestranda do Programa PPGE PUC Goiás, Especialista em Educação Interdisciplinar, graduada em Letras, Pedagogia e Administração.
Docente da rede pública. luciatsserpa@yahoo.com.br.
2 Orientador Dr José Maria Baldino. Doutor em Educação pela UNESP. Mestre em Educação pela UFG. Titular de Sociologia. Escola de
Formação de Professores e Humanidades. Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Humanidades. Professor Credenciado para o Programa
de Mestrado e Doutorado em Educação da PUC Goiás.

864
tão desigual, de um lado está o grande latifundiário e do outro as minorias aqui o povo xavante, buscamos refletir
com Benjamin:

Se pretendes aproximar-se minimamente do significado das causas econômicas da guerra, podemos afirmar que a
guerra imperialista, no que tem de mais terrível e fatal, é co-determinada pelo abismo, entre os gigantescos meios
da técnica, de um lado, e sua exígua iluminação moral, de outro. (BENJAMIN, 1986, p.137).

A associação, no caso em estudo da minoria que é o povo xavante. Entre a ciência e o uso das tecnologias para a
produção em larga escala e a natureza representada pelos indígenas. Onde o objetivo do mais forte não são os concei-
tos, muito menos a busca do bem-estar de todos. Mas o seu objetivo é claro e bem definido é o método, a exploração
de todos, desde os recursos naturais até o ser humano, para compor ainda mais o seu capital.
A globalização econômica, desenvolvida sem controle nesta região de Mato Grosso. Coloca em risco a coesão
social de toda uma etnia. De um lado está a busca incansável pelo apogeu do desenvolvimento técnico cientifico e do
outro está uma população indígena que desde pequeno aprende o processo firmado na negociação entre as pessoas
da sua aldeia. Segundo Corsaro (1997) este processo de negociação é um método de interações recíprocas entre as
crianças e os demais adultos da tribo.
Assim sendo, a comunidade xavante tem seus princípios fundados na base da cooperação, na construção de
ações que busca a valorização da identidade cultural, mantendo a sua afirmação, fortalecendo sua história e a origens
de seu povo. E na contramão de tudo isso, vem o processo de globalização selvagem desenvolvida pelo capitalismo.
Por fim, a Ciência-tecnológica não se baseia mais pela ideia de um fim, deste modo, pode servir a qualquer
fim. E o progresso agrícola no Mato Grosso não tem por objetivo a felicidade do homem, como escreveu Adorno “a
felicidade é uma ciência esquecida”, nem tão pouco a diversidade das minorias. Apresentando meramente como ges-
tores financeiros, assim jamais terão que enfrentar a diversidade humana. Mantendo assim a subversão entre política,
ciência, moral e diversidade.
Entretanto, o dia a dia do povo A’uwe Xavante em suas reservas, convivem diariamente com áreas mesmo
ameaçadas e no isolamento das demais reservas. Ainda tem nas reservas indígenas de Mato Grosso, riqueza imen-
surável em biodiversidade. Onde os saberes sobre a Amazônia Legal, da qual faz parte o cerrado mato-grossense, as
serras, os rios e riachos, o modo de pensar e ver o seu povo e os demais povos, os ritos nas cerimônias, as danças, os
sonhos e as músicas estão presentes não só na memória do povo Xavante, como no seu coração e em todo seu corpo
pintado de carvão e urucum.

CULTURA X POLÍTICA NA SOCIEDADE XAVANTE

O crescimento dos moldes políticos e culturais do ocidente, onde o processo de colonização, o Estado e o ca-
pitalismo globalizado desacerbado, ainda não conseguiram efetivar a exterminação do ser humano nativo. Como
afirma Kant (1996),

Não há ninguém que, tendo sido abandonado durante a juventude, seja capaz de reconhecer na sua idade madura
em que aspecto foi descuidado, se na disciplina, ou na cultura (pois que assim pode ser chamada a instrução). Quem
não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem. A falta de
disciplina é um mal pior do que a falta de cultura, pois essa pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode
abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina. (KANT, 1996, p.16)

Diferente das previsões sobre a cultura e a historicidade do índio e porque não dizer até intenções governa-
mentais em um passado não distante. Como vimos anteriormente. A grande surpresa está nas estratégias políticas e
culturais que tais comunidades têm apresentado como luta diária de sobrevivência.
A cultural do povo xavante está relacionada com todo o seu conhecimento, suas crenças, arte, valores, costu-
mes, leis, moral e todas as aptidões formadas pelo cidadão no âmbito familiar e na sociedade da qual ele pertence.
Como afirma Veiga p. 11, “cultura é o conceito que deriva da natureza”.

865
Assim sendo, a sociedade indígena é uma sociedade plural em todos os sentidos. E entender a relação entre
natureza e sociedade, é buscar o conhecimento que expressa uma direção contrária da razão ocidental de ser, onde é
predominante o capitalismo.
As sociedades xavantes mantém, mesmo com o passar do tempo, com a aproximação e convivência com o
homem branco a sua diversidade cultural, por meio das mesmas sabedorias e dos mesmos conhecimentos que são
ensinados de geração em geração pelos próprios indígenas.
Neste sentido, a comunidade xavante vive constantemente em uma combinação entre a defesa e ao ataque em
relação a sua sobrevivência no espaço urbano. Como define Silva.

O multiculturalismo nos faz lembrar que a igualdade não pode ser obtida simplesmente através da igualdade de
acesso ao currículo hegemônico existente, como nas reivindicações educacionais progressistas anteriores. A ob-
tenção da igualdade depende de uma modificação substancial do currículo existente. Não haverá “justiça curri-
cular” ... se o cânon curricular não for modificado para refletir as formas pelas quais a diferença é produzida por
relações sociais de assimetrias (SILVA, 2009, p. 90).

Na modernidade a política também é um divisor de águas, definida como o mal necessário. Onde estão pres-
supostos o poder, o domínio e a sua vontade sobre o outro. Ao mesmo tempo é na política que está a garantia e as
condições de viver em sociedade.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DE UM POVO

Foi na década de 1940, com o governo de Getúlio Vargas que aconteceu a ocupação e a exploração dos recursos
naturais da região Centro Oeste do Brasil. Este mesmo governo integracionista tinham os índios xavantes como mais
uma barreira natural a vencer para realizar a integração nacional. Com a chegada da expedição e o povoamento da re-
gião, hoje os estados de Goiás e Mato Grosso. Diante de todo este aparato governamental os índios xavantes fugiram
pela região Centro Oeste do Brasil até ficarem praticamente encurralados entre os rios Araguaia, Rios das Mortes e a
Serra do Roncador. Os xavantes eram temidos pela população dos novos povoados.
Os povos xavantes não contam com documentos históricos deste período, para contar a história do passado da
sua gente, a sua versão da história da ocupação das terras do Centro Oeste pelo homem branco. A oralidade na co-
munidade xavante é bem mais que a “espinha dorsal” no processo cultural, como podemos ver em Bringmann (2012).

Fortemente enraizados na tradição oral, os povos indígenas, elaboraram ao longo dos tempos, complexos sistemas
políticos e hierárquicos que tem na oratória a sua mola mestra. As palavras têm força de lei e são sinônimos de
poder político e religioso. É através da língua que são passados, de geração em geração todos os preceitos básicos
de cada sociedade indígena, como a identidade, os costumes, o modo de ser e, por que não, as formas de sobrevi-
vência. (BRINGMANN, 2012, p. 11).

No passado a sociedade xavante ainda não dispunha de recursos tecnológicos para gravar, fotografar ou qual-
quer outra fonte histórica que conhecemos. Neste período, os seus únicos recursos eram a memória e a oralidade para
apresentarem a sua versão da história, realizar as suas tradições, como os contos, mitos, tradições e conhecimentos
culturais entre seus povos.

A etnografia praticada os laudos valoriza em geral as narrativas dos moradores, no sentido de Bourdieu (1973),
quando enfatiza a fala como expressão das condições de existência. Para ele, a palavra é um símbolo de comuni-
cação por excelência, porque representa o pensamento. É uma reveladora das condições estruturais, sistemas de
valores, normas e símbolos e tem a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos
determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas. (LEITE 2002, p 35).

Na visão antropológica a respeito da oralidade e a memória do índio xavante, como esclarece Lopes, ao refletir
sobre um “corpo da narrativa” deste modo de observar as reflexões dos indígenas sobre o tempo e o espaço dentro de
uma “mística” das experiências históricas desse povo.

866
Em vista disso, a memória e a história cultural do xavante podem ser observadas, também foi repassado os
ensinamentos ao seu povo por meio da oralidade, do artesanato e até no seu corpo por meio dos desenhos em formas
geométrica e a pintura utilizando recursos naturais como o urucum e o jenipapo.
Observar o não dito na realidade da comunidade xavante é tão importante quanto o dito, pois o povo xavante
tem a oralidade como tradição, onde o cacique fala para se comunicar com o outro. Neste momento seu povo silencia.
A autoridade é o cacique, ele é o responsável pelo seu povo, para dar voz e se fazer entender pelo outro.
Vale aqui ressaltar e reconhecer a importância cultural da oralidade e da história do índio xavante, sobretudo,
seus valores, costumes e tradições é fundamental para preservação do patrimônio cultural do Vale do Araguaia. Nesse
sentido, ao proporcionar a comunidade indígenas e não indígenas o contato com esse patrimônio, os tornará conhe-
cedores, criadores e divulgadores da sua cultura, da sua história. O que contribui para o fortalecimento da memória
cultural das minorias e também para a valorização desses novos sujeitos no âmbito da sociedade urbana.
Vinculando assim, a ética, a história, a cultura e os laços que identificam o povo xavante com o seu modo prá-
tico em lidar com as relações humanas. Partilhando as múltiplas dimensões de sua cultura, tais como as visíveis para
além de um debate abstrato e distante do cotidiano na valorização do potencial humano.

SABERES E VIVÊNCIA COM ALUNOS INDÍGENAS NA ESCOLA PÚBLICA URBANA

A integração entre os educadores do Centro Municipal de Ensino Fundamental Professora Laurita Martins
de Souza na cidade de Aragarças-Go e a comunidade xavante já é uma realidade há alguns anos. Mas só no ano de
2018 foi que a equipe gestora tomou a iniciativa de estreitar os laços com os indígenas, desenvolvendo o projeto que
apontou a experiência com a comunidade indígena dos alunos como uma importante parceria no fortalecimento da
identidade e na diversidade cultural dessa minoria a qual faz parte o povo xavante.
O universo cultural xavante é fascinante, levando os estudantes a interagir, a participar de forma integral das aulas,
dos experimentos e até em questões que são poucas validadas pela escola, como as histórias de vida e os sonhos dos alunos.
Nesta perspectiva os professores desenvolveram o projeto construindo saberes para a alfabetização de crianças do Pré I
ao 3º ano do Ensino Fundamental, este projeto foi a espinha dorsal da Formação Continuada dos professores no ano de 2018.
O trabalho metodológico foi norteado pela visão freireana, ao que tece um diálogo com a pedagogia da auto-
nomia, seguindo seu aspecto dialógico e ao mesmo tempo dialético de uma educação libertadora e emancipatória.
As atividades pedagógicas foram desenvolvidas como forma de articular e fortalecer o conhecimento, a identidade
cultural de uma minoria, o povo xavante a partir da ação-reflexão.
O objetivo deste projeto foi pautado na valorização do patrimônio imaterial do aluno xavante e do aluno não
indígena estudantes da escola pública. Em relação a atividade, buscou-se o reconhecimento e a valorização da cultural
do povo Xavante, a fim de conservar viva na lembrança de todos os alunos e na dos alunos xavantes o valor da origem
cultural, social e política desses povos.
Partindo da pedagogia freireana, que desafia os educadores para que no banco da escola, consiga superar os
limites sociais impostos as minorias. Desse modo, a construção de uma autonomia baseada na ação e reflexão, ao
respeitar os sujeitos que a constroem, atribuir grandes significados para os alunos. Também transcende limites pe-
dagógicos para construir na vivencia das crianças, outras formas de sentir, perceber, conviver, transformar, criar e
compor seu mundo com o mundo do outro.
A escola pública tem uma tarefa importante na valorização de seus costumes, seus valores, suas tradições e a sua
língua. Sempre lembrando que em sala de aula para que toda essa valorização seja efetivada, muitas vezes os profes-
sores têm que contar com o auxílio de uma criança indígena maior, para atuar como interprete. Para que a professora
e os demais colegas possam comunicar, compreender o que o aluno está falando. As crianças indígenas que chegam
nesta escola já são falantes de sua língua materna, no espaço pedagógico em que os alunos iniciam no mundo da lei-
tura e da escrita em sua segunda língua, a Língua Portuguesa.
Nesse sentido, a escola ao proporcionar aos alunos uma educação que valoriza sua língua, sua maneira de ex-
pressar-se para o mundo. Ela se torna o lugar mais significativo para esta criança no universo. Além, da valorização
desses novos sujeitos no âmbito escolar de um centro educacional urbano.

867
GLOBALIZAÇÃO CULTURAL E A RESISTÊNCIA DE UM POVO

Os livros didáticos disponíveis e utilizados na rede pública de ensino no Brasil, trazem de forma bem genérica
as questões sobre a culturais do povo brasileiro. Contrapondo a esta visão o CMEF Professora Laurita Martins de
Souza elaborou e desenvolveu o projeto reatado anteriormente, em que os alunos vivenciaram a identidade cultural
de uma minoria, o povo xavante presente no cerrado da região Centro-Oeste do Brasil. Neste sentido, é peculiar
destacar como afirma DAMATTA (1997), que o diferencial do ser humano não está visível aos olhos da sociedade.

Trata-se, sempre, da questão de identidade. De saber quem somos e como somos; de saber por que somos. So-
bretudo quando nos damos conta de que o homem se distingue dos animais por ter a capacidade de se identificar,
justificar e singularizar. De saber quem ele é. De fato, a identidade social é algo tão importante que o conhecer-se
a si mesmo através dos outros deixou os livros de filosofia para se constituir numa busca antropologicamente
orientada (DAMATTA, 1997, p. 15).

A globalização cultural é algo presente na sociedade. A fim de contrapor a este fenômeno que a mídia e o esta-
do buscam, por meio da modernização urbana, a escola luta sem aparatos tecnológicos, mas com as memórias para
fortalecer as identidades. Assim continuar a luta em desfavor da cultura homogeneizada pregada pelo capitalismo.

Os interesses coletivos são expressão do espírito associativo do homem. Dizem respeito ao homem associado,
socialmente agrupado, membro de grupos ou comunidades, com algum grau de organização, que medeiam entre
o indivíduo e o Estado Desvinculam-se dos interesses concretos de cada indivíduo para assumir contornos de um
interesse abstrato, da coletividade, do grupo (SANTOS, 2006, p. 73).

Neste sentido, a escola não só apresenta a cultura do povo xavante, mas procurou manter viva a identidade, a
ética, a crenças, o comportamento coletivo como instrumento de resistência dos indígenas ao processo de globaliza-
ção abreviado pelo estado e pelos meios de comunicação. Na busca pela resistência recorremos ao poema de Manuel
de Barros na “Didática da invenção”. Nesse sentido, quando o autor afirma a busca do saber enquanto conhecimento
está em “apalpar as intimidades do mundo”.
Com o intuito de buscar as intimidades recomendadas pelo poeta, e ao mesmo tempo preservar as manifesta-
ções culturais do índio, em especial do xavante que ocupam a parte da região conhecida como Vale do Araguaia. É de
fundamental importância conhecer, preservar e divulgar a cultura deste povo que convive em um espaço territorial
onde os conflitos por diferentes motivos sempre foram latentes. Nesse sentido:

A educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de
transmitir conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação bancária, mas um ato
cognoscente (FREIRE, 2005, p. 78).

Segundo Paulo Freire, suas pedagogias sugeriam uma proposta de modificação social e particular no sentido da
libertação de todas as pessoas que se deparavam nas condições de oprimidos do mundo.
É evidente a existência de uma cultura popular local genuinamente do povo xavante, da mesma forma da
população não indígena. Neste contexto, deixa de existir a fronteira geográfica entre Mato Grosso e Goiás, passando
a existir uma interposição cultural, onde se vivem uma intensa troca cultural entre os povos.
Por consequências, só os cursos de formação continuada apontarem para as necessidades das mudanças no
fazer pedagógico, em relação a diversidade cultural, não é o suficiente. Não muda a prática em si, pois esta prática é
uma mudança que deve partir de cada educador e depende dos seus valores, do seu conhecimento cultural e até da
sua formação acadêmica.
Por fim, com o foco na diversidade e no fortalecimento da a cultura xavante. Pois, mais à frente, as revelações
e o fortalecimento da cultura alusiva as minorias permanecerão no imaginário popular de toda a sociedade.

868
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta forma, a destruição hoje de quase todo o cerrado no leste mato-grossense tem deixado cada vez mais o
povo xavante ilhado, pois além de suas nove terras estarem separadas os indígenas dependem dos recursos naturais
para suas cerimônias religiosas e para sua própria sobrevivência.
Neste sentido, os impactos foram imensuráveis, tanto para o homem branco quanto para os indígenas, além
dos problemas socioambientais gravíssimos na região do Vale do Araguaia. Neste cabo de guerra absurdamente de-
sigual, de um lado está o grande latifundiário e do outro as minorias aqui o povo xavante.
Por fim, destacamos que a Formação Continuada desenvolvida no centro educacional, foi de fundamental im-
portância para os professores elaborarem e desenvolverem com seus alunos o projeto aqui em relato. A relevância
do projeto foi justamente apresentar, discutir e resgatar a memória e a identidade dos alunos xavantes desta escola.
Deste modo, na sociedade xavante, da qual fazem parte as crianças que frequentam e Educação Infantil e En-
sino Fundamental até o 3º ano, ficou claro pela participação da comunidade da aldeia em que as crianças nasceram
que a intenção dos seus genitores é a de que esses alunos retornem, após sua formação acadêmica futuramente, para
atuarem em defesa de seu povo. Com este intuito, o processo da socialização da criança no âmbito da aldeia, sua cul-
tura é comunitária, parentes, ou seja, pais, irmãos, tios e avós esperam a volta dos seus meninos que virão trazer os
conhecimentos do não índio para colaborar com a vida difícil em que se encontram as suas aldeias.
Vale ressaltar, mais um ponto na relação social indígena xavante que não se compara com a cultura da socieda-
de do branco. Entre o povo Xavante, desde pequeno, existe o processo firmado na negociação entre as pessoas.
Assim sendo, a intenção de acolher a comunidade xavante, para uma proximidade mais real, ativa mesmo na
escola, levou a construção de ações que procurou valorizar a identidade cultural desse povo, a fim de requerer a sua
afirmação, o fortalecimento de sua história, das origens do povo xavante. E também na valorização dos trabalhos
pedagógicos desenvolvidos nessa temática para manter viva a memória de minorias como essa que o processo de
globalização pretende sucumbir.
Enfim, no contexto da real situação política que vive o campo educacional no Brasil, estarmos reunidos na
formação continuada de professores, não é balburdia, mas luta no campo do conhecimento crítico e do processo for-
mativo. Principalmente para aquele professor que deixou os bancos das universidades há muito tempo.
Destarte, as reuniões, a formação continuada é também uma forma de resistência, de garantia de uma democra-
cia que não sufoca a sociedade, principalmente as minorias e a classe pobre. E que não tolhe seus direitos trabalhistas,
a educação gratuita e outros direitos fundamentais, também não decepa a ideologia da diversidade.
Tristemente, diante do cenário do desmonte da educação brasileira em todos os níveis, neste mesmo panorama
antidemocrático em que se encontra o Brasil, a educação libertadora não deve ser considerada apenas mais uma uto-
pia, mas, pela luta democrática se tornar realidade.

REFERÊNCIAS
BRINGMANN, Sandor. F. História Oral e História Indígena: Relevância social e problemática nas Terras Indígenas
brasileiras. In: Revista Latino-Americana de História, v.1, n. 4, p. 7-23, dez. 2012.
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DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
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VEIGA. Neto, A Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995.

869
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE PROFESSORES DE ESCOLAS RURAIS
DO MUNICÍPIO DE DOURADOS-MS E REGIÃO (1950-1990)

Terezinha Garcia Cazuza Martinez- UFGD1


Alessandra Cristina Furtado - UFGD2

Resumo: Este trabalho se insere nas pesquisas sobre a história da profissão docente no meio rural. Para tanto,
busca reconstruir as histórias e as memórias de professores de escolas rurais do município de Dourados e região, no
período entre as décadas 1950 a 1990. O recorte temporal justifica-se na década de 1950 por marcar um período de
expansão do ensino primário rural no município de Dourados e região, com a criação de várias escolas primárias
rurais. E, a década de 1990, por sinalizar um período de mudanças que refletiram no processo de formação desses
professores das escolas rurais, sobretudo, com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a de
nº 9.394/96, que acabou por determinar que os professores para ministrarem aulas nas séries iniciais passassem a ter
formação em nível superior. O presente trabalho foi desenvolvido com base nos referências sobre a história cultural,
história da educação, história do ensino rural, história da formação e da profissão docente, entre outras. E, também,
por meio de uma pesquisa histórico-documental realizada em escolas rurais, câmaras municipais, arquivos pessoais
de professores, centro de documentação, onde foram localizados documentos como Mensagens de Governadores do
Estado, criação de cargos de professores em escolas rurais, carreira e remuneração docente, designação de professores
para as escolas, legislação, entre outras. Foi necessário também recorrer às entrevistas com ex-professores de escolas
rurais. A partir disso, os resultados apontaram que as histórias e as memórias dos professores de escolas rurais no
município de Dourados e região, estão marcadas por um processo de colonização recente no Sul de Mato Grosso
(atual Mato Grosso do Sul) e de muitas dificuldades no percurso de sua atuação docente, sobretudo, entre os anos de
1950 a 1970. Convém registrar aqui que, muitos desses docentes trabalharam na condição de professores leigos, atu-
ando nessas escolas com formação primária (completa ou incompleta) ou ginasial (completa e incompleta). Mesmo
não sendo habilitados para ministrarem aulas de 1.ª a 4.ª séries, eles exerceram um papel importante no processo de
criação e funcionamento das escolas primárias nessas áreas, bem como contribuíram para o processo de escolarização
das crianças. Os dados ainda evidenciaram que a luta desses professores se fazia diariamente, pois, muitos desses ti-
veram que participar desde o processo de construção das escolas, inclusive alguns estabelecimentos iniciaram as suas
atividades nas próprias casas desses professores, antes de terem um espaço próprio. Além disso, esses professores
exerciam dentro das escolas atividades para além da docência, uma vez que, eram eles que cuidavam da merenda, da
limpeza e até mesmo da documentação escolar. Contudo, as condições dos professores leigos dessas áreas rurais do
município de Dourados e região começaram a mudar, sobretudo, a partir da década de 1970, com a implantação de
Cursos de Magistério Rural no Sul de Mato Grosso, realizado durante as férias e também pela inserção desses docen-
tes nos projetos Logos I e Logos II, implantados governo federal. Assim, esses professores que atuaram nessas áreas
rurais situadas no município de Dourados e região, deixaram as suas marcas na história e nas memórias das escolas
rurais, bem como na história da formação e da constituição da profissão docente nessa localidade.
Palavras-chave: História. Professores. Escolas Rurais.

1 Graduanda do curso de pedagogia pela Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD. Aluna de PIBIC (Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Cientítica). Participante do grupo de pesquisa GEPHEMES (Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação,
Memória e Sociedade). E-mail: terezinhagarciagcm@gmail.com
2 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2007). Atualmente é professora associada I da Faculdade
de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados, atuando tanto na graduação quanto na pós-graduação (Mestrado e Doutorado
em Educação). Líder do GEPHEMES (Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação, Memória e Sociedade), desde 2010. E-mail:
alessandra_furtad@yahoo.com.br

870
INTRODUÇÃO

Sabemos que ser professor hoje não é nada fácil, essa profissão enfrenta muitas dificuldades, e desafios ao lon-
go do caminho, porém, é uma profissão gratificante e importante na formação do cidadão. No ambiente escolar, o
professor é o mediador no processo de ensino e aprendizagem dos discentes, de forma que, por meio das práticas pe-
dagógicas, possibilita o desenvolvimento da autonomia discente e sua inserção na sociedade. Como afirma Libâneo
(2013, p. 48), a característica mais importante do profissional professor é

A mediação entre o aluno e a sociedade, entre as condições de origem do aluno e sua destinação social na socie-
dade, papel que cumpre provendo as condições e os meios (conhecimentos, métodos, organização do ensino)
que assegurem o encontro do aluno com as matérias de estudo. Para isso planeja, desenvolve suas aulas e avalia o
processo de ensino

Podemos apreender que de acordo com Libâneo (2013), o professor deve buscar mediar os conteúdos de forma
que parte da realidade dos discentes, do que eles conhecem e convivem cotidianamente, a partir dos métodos, pla-
nejamentos e avaliação do processo de ensino e aprendizagem. Sabemos que a educação foi se modificando ao longo
dos anos, os métodos de ensino e as formas de aprendizagem foram sendo construídas e reconstruídas de acordo com
as nessecidades dos sujeitos e da educação. Logo, essas transformações passaram a configurar a história da profissão
docente no Brasil.
Este artigo tem como objetivo reconstruir as histórias e as memórias de professores de escolas rurais do mu-
nicípio de Dourados e região, no período entre as décadas 1950 a 1990. O recorte temporal justifica-se na década
de 1950 por marcar um período de expansão do ensino primário rural no município de Dourados e região, com a
criação de várias escolas primárias rurais. E, a década de 1990 por sinalizar um período de mudanças que refletiram
no processo de formação desses professores das escolas rurais, sobretudo, com o a implantação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, a de nº 9.394/96, que acabou por determinar que os professores para ministrarem aulas
nas séries iniciais passassem a ter formação em nível superior.
O presente trabalho foi desenvolvido por meio de referências provenientes da história cultural, história da
educação, história do ensino rural, história da formação e da profissão docente, entre outras. E, também, por meio
de uma pesquisa histórico-documental realizada em escolas rurais, câmaras municipais, arquivos pessoais de profes-
sores, centro de documentação, onde foram localizados documentos como Mensagens de Governadores do Estado,
criação de cargos de professores em escolas rurais, carreira e remuneração docente, designação de professores para as
escolas, legislação, entre outras.
Além disso, foi necessário recorrer às entrevistas com ex-professores de escolas rurais. As entrevistas foram
realizadas por meio de um roteiro com perguntas semiestruturadas e gravadas por meio da técnica do gravador. Além
disso, todos os depoentes entrevistados assinaram um Termo de Livre Consentimento Esclarecido (TECLE) conce-
dendo as pesquisadoras o direito de uso de seus dados.
O artigo foi estruturado em três partes. A primeira versa sobre a história de municípios marcados por coloni-
zação recente, como Dourados e Itaporã. A segunda parte faz alguns apontamentos sobre as escolas rurais nesses dois
municípios. E, por fim, trata das histórias e memórias de professores de escola rural.

HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS DE COLONIZAÇÃO RECENTE: EM FOCO OS MUNICÍPIOS


DE DOURADOS E ITAPORÃ

Até 1935, Dourados, pertencia à Ponta Porã. Foi nesse ano, que Dourados se emancipou do município de Ponta
Porã, deixando de ser um distrito e sendo elevado município. Entretanto, em 1943, quando foi criado o Território
Federal de Ponta Porã, o município de Dourados foi incorporado ao Território. Com o fim do Território de Ponta
Porã, o município de Dourados, voltou a pertencer ao estado de Mato Grosso, mais precisamente ao Sul de Mato
Grosso.

871
Importa explicar aqui que, após a Guerra do Paraguai (1864-1870), essa região de Dourados passou a ter outro
delineamento, teve início à extração da erva-mate, no qual se dá por esse motivo o arrendamento da Companhia Matte
Laranjeira que exportava mate para o Paraguai. Porém, o Celestino Corrêia da Costa presidente de Mato Grosso era
contra o predomínio da Companhia na região dos ervais, havia muitos confrontos entre a empresa e os posseiros.
Contudo, durante o governo de Getúlio Vargas, entre os anos de 1937 e 1945, período denominado Estado
Novo, pelo lançamento da Campanha Marcha para o Oeste, que consistia na política de incentivo ao povoamento da
parte oeste brasileira, a história do município de Dourados passou por mudanças.
Há se de considerar aqui que, Marcha para o Oeste buscava a expansão interna, isto é, dentro do território
brasileiro. Entre os objetivos dessa política estava a nacionalização das fronteiras; além disso, o governo varguista
pretendia fortalecer o poder do Estado e, para isso, as oligarquias regionais deveriam ser combatidas, ocasionando
uma maior relação entre as regiões do Brasil, o que culminaria em uma maior força da economia. No caso de Mato
Grosso, onde se situa Dourados, na parte sul do Estado, um dos objetivos da Marcha para o Oeste era o povoamento
dessa região, tendo como objetivo enfraquecer o monopólio da Empresa Mate Laranjeira, instalada em 1881 por
Thomas Laranjeira, empresário gaúcho, que atuou nessa região por quase setenta anos, explorando os ervais.
Diante dessas circunstâncias, a Companhia Mate Laranjeira manteve o seu domínio nos ervais do sul do anti-
go estado de Mato Grosso até meados da década de 1940, quando, então, o governo de Getúlio Vargas passou a não
renovar mais o contrato de direito à Companhia, para a exploração da erva-mate nessa região.
O projeto de colonização idealizado pelo governo de Getúlio Vargas estabelecia-se, e, dentre suas políticas,
estava a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), criada em 1943 pelo Decreto-Lei nº 5.941, de
28 de outubro, na parte sul do estado de Mato Grosso. Porém, a real implantação da Colônia somente ocorreu em 20
de julho de 1948, quando da demarcação, pelo governo federal, por meio do Decreto-Lei nº 87, dos seus limites, com
a reserva de uma área não inferior a 300.000 hectares (PONCIANO, 2006).
Para Abreu (2001), a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados teve um caráter de povoamento com
múltiplos objetivos, entre eles: garantir a ocupação territorial, aumentando o contingente populacional nas áreas de
fronteira; desconcentrar áreas de possíveis conflitos sociais, como o Nordeste brasileiro; firmar a parte meridional
matogrossense como extensão do Sudeste, como mercado consumidor e produtor de matéria-prima.
Esse processo de ocupação e povoamento alterou o cenário rural e urbano da região, na medida em que pro-
porcionou a vinda de um grande número de trabalhadores e de famílias extremamente pobres, que acabaram por
promover um significativo aumento populacional.
Contudo, a implantação da Colônia Nacional Agrícola não proporcionou para o município de Dourados apenas
a expansão demográfica, com o povoamento dos ‘espaços vazios’ da localidade, mas trouxe, também, transformações
econômicas, políticas, culturais e sociais. Essas mudanças aceleraram o desenvolvimento urbano com a instalação, a
partir de 1950, de hospitais, bancos, cinema, clubes, linha telefônica; ampliação do comércio, loteamentos imobiliá-
rios; a criação de associações de classe e demais escolas.
No caso de Itaporã, o povoamento do município teve início na década de 1940, por meio de ocupação de lotes.
Já a sua emancipação política, ocorreu no início de 1953, período em que os moradores do local se reuniram e assina-
ram uma petição enviada ao governador do Estado (Fernando Côrrea da Costa), solicitando a criação do município
de Itaporã. Não demorou muito e foi apresentado um projeto de lei para elevar a Colônia Municipal a Município de
Itaporã, devido ao grande progresso alcançado.
Nesse contexto, o município de Itaporã foi criado por meio da lei nº 65 de 28 de dezembro de 1953, protocola-
da no fórum da comarca de Dourados, houve muita polêmica no período, pois o público douradense não aprovou a
criação do município, houve várias publicações no jornal local e ações legais para reverter a referida lei, apresentando
que a mesma era inconstitucional.
No entanto, a mobilização dos moradores da atual cidade de Dourados não obteve êxito, e a colônia Municipal
de Itaporã foi elevada à categoria de município pela lei n º 659, de 10 de dezembro de 1953, ratificada pela Lei nº 370
de 31 de julho de 1954, integrada à comarca de Dourados. O primeiro a administrar o município de Itaporã até a
primeira eleição que ocorreu em 1954 foi o Senhor Durval Gomes da Silva.

872
O nome do município foi estabelecido pela lei nº 379/54, esse nome corresponde a um termo de origem tupi,
que significa a junção dos termos itá (pedra) e porang (bonito), pedra bonita. É uma cidade conhecida como “Cidade
do Peixe”, pois possui a maior lâmina d’água do estado em matéria de criação e produção de peixes.
Foi assim que, Dourados e Itaporã, ambos situados no Sul de Mato Grosso, em uma região marcada por um
processo de colonização recente foram elevados a condição de municípios e tiveram o seu desenvolvimento prove-
niente deste contexto de colonização, onde nesse processo de desenvolvimento as escolas ganharam um papel de
destaque, tanto no meio rural quanto no meio rural. Contudo, a maioria da população desses municípios nessa época
eram moradores das áreas rurais.

AS ESCOLAS RURAIS NOS MUNICÍPIOS DE DOURADOS E ITAPORÃ: ALGUNS


APONTAMENTOS

Em Dourados, no início, a educação escolar acontecia nas fazendas da região e/ou nas próprias casas dos pro-
fessores e alunos. Somente na década de 1930 é que se registra, na cidade, a criação de escolas na área urbana, como a
Escola Reunida das Professoras Ernani Rios e Antônia Cândido de Melo; a Escola Moderna (escola ativa com método
visual-auditivo); a do professor Laucídio Paes de Barros; a do professor Gonçalo e a da professora Antônia da Silveira
Capilé (FERNANDES; FREITAS, 2003).
Em 1939, foi instalada a primeira escola confessional, com turmas de 1ª a 4ª série, em 6 de abril, a Escola Eras-
mo Braga, em Dourados. Essa instituição era de caráter privado e confessional, ligada à Igreja Presbiteriana do Brasil.
As suas primeiras experiências escolares aconteceram na Casa de Culto, onde funciona até hoje a instituição. A influ-
ência da Igreja Católica na educação, em Dourados, ocorreu no início dos anos de 1940, mais precisamente em 1941,
com a criação da Escola Paroquial “Imaculada Conceição”, fechada em 1946.
Contudo, foi esse o cenário educacional de Dourados, antes da colonização desencadeada pela Marcha para o
Oeste, de crescimento da educação escolar de forma lenta. Com o processo de colonização instalado de fato, no final
dos anos de 1940, o que pode se observar a partir deste período e na década de 1950 foi a criação das escolas mais
importantes do município: o primeiro Grupo Escolar, Joaquim Murtinho, a Escola Paroquial Patronato de Menores,
as primeiras escolas de ensino secundário, o Colégio Osvaldo Cruz, a Escola Imaculada Conceição das Irmãs Francis-
canas e o Colégio Estadual Presidente Vargas.
No que diz respeito, as escolas rurais também foi possível observar a partir de da década de 1950, os reflexos da
colonização nas escolas rurais, pois a Mensagem de 1955 permite entrever que o município de Dourados, recebeu a
instalação demais escolas rurais do que certos municípios de Mato Grosso, sendo superado apenas pelos municípios
de Cuiabá, que recebeu 108 escolas e, Rosário do Oeste, que recebeu 73 escolas. No caso, o município de Dourados
foi contemplado com 65 escolas rurais, no período (MATO GROSSO, Mensagem de Governador, 1955).
No caso de Itaporã, as escolas rurais foram sendo construídas apartir do ano de 1945, pois começou a enfatizar
muito a necessidade do momento de se ter escolas rurais em Itaporã, antes menos de se tornar municipio. De acordo
com Rodelini (2017, p.112):

A escolarização da infância em Itaporã teve início nos anos de 1945, ainda quando o município pertencia a Doura-
dos, tendo a Srª Olímpia Moura como primeira professora a ministrar aulas na Colônia, atendendo principalmen-
te os filhos dos vizinhos em sua própria residência.

Na época de 1945 ainda não tinha escolas, somente ensino nas casas, mas também não eram todas as casas que
tinham, era uma união de crianças na qual se reuniam em um grande número, geralmente em sítios e alí era trans-
mitido conhecimentos.
Como foi crescendo o número de crianças para ser ensinada, a prefeitura teve que providenciar um local própio
para o ensino das mesmas, Rodelini (2017, p.112) apresenta como era esse local destinado ao ensino para as crianças:

873
Conforme depoimento de Aurena Cordeiro Claro (23/7/2014), o prédio era uma espécie de barracão e se localiza-
va na atual Avenida São José, perto da igreja São José. Segundo a ex-aluna das Escolas Reunidas, no ano de 1953, a
referida escola dividia o prédio com a prefeitura, sendo que dois cômodos eram reservados para a escola e os outros
dois destinavam-se às dependências da prefeitura. Na casa aos fundos morava a professora.

Como pode ser observado, até então no ano de 1953 não se tem uma escola em si, mas já começa-se a surgir um
local para ensinar as crianças, pois elas já tem um lugar dedicado a educação por mais que ainda seje em divisão com
a prefeitura, depois que foram surgindo outras escolas.
Assim, para atender as necessidades da região e por meio de ações do governo, com o passar do tempo foi-se
conseguindo conquistas, criando escolas, entre as escolas do meio rural, Escola Panambi; Escola Municipal D. Mabel;
Escola Municipal Canhadão; Escola do Sardinha; Escola lote; Escola de Montese; Escola Rural mista Rio Branco;
Escola Pananbi e Itaquiri; depois Escola Aurélio Blanco; Escola Sônia Teixeira Paiva; e Escola Datilografia Montese.
Foram essas escolas rurais e outras que foram sendo fundadas nos munícipios de Dourados e Itaporã, que marca-
ram as histórias e as memórias de professores de escolas rurais no município de Dourados e região, entre 1950 a 1990.

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE PROFESSORES DE ESCOLAS RURAIS: O CASO DO


PROFESSOR RUBENS DO MUNICÍPIO DE ITAPORÃ

Nos municípios de Dourados e Itaporã, essas escolas rurais localizadas em áreas de colonização recente, so-
freram com muitas dificuldades. Essas dificuldades eram sentidas, de um lado, em relação aos prédios escolares, que
muitas vezes, não passavam de uma simples construção feita em madeira e bem rudimental. De outro, em relação à
formação do professor, que muitas vezes não era habilitado para ministrar aulas no ensino primário, possuindo mui-
tas vezes o ensino primário ou incompleto. E, por outro, pela falta de materias didáticos e pedagógicos.
Os professores enfrentavam várias dificuldades diariamente, inclusive, pelas condições físicas das escolas ru-
rais. A esse respeito, o professor Rubens, em entrevista relatou que,

Eu trabalhei em Santa Terezinha também a noite, quando cheguei em Santa Terezinha em 73 era tudo lamparina,
quando eu dava aula a noite, aí nós fizemos uma festa lá para arrecadar dinheiro para comprar lampiões né, porque
lá não tinha energia né (CRESPO, 2019).

Nessa época, era bem comum no meio rural utilizarem lamparinas no período noturno. Isso ocorria nas pró-
prias casas dos alunos, pois ainda nesta época no município de Itaporã, como em outros municípios do estado de
Mato Grosso e até do Brasil, ainda não tinha chegado à energia elétrica. Assim, o cotidiano escolar também era mar-
cado pelo uso de lamparinas, o que gerava bastante dificuldade para o professor ensinar e os alunos aprenderem o
conteúdo. Além do uso de lamparina, consegui-las também era algo que exigia um trabalho para fora da sala de aula
do docente do meio rural, conforme ficou evidente no relato do professor Rubens.
Geralmente, os professores formados não queriam ir assumir a docência no meio rural, afinal essas escolas
eram de dificil acesso, o que acabava tornando algum morador com um pouco mais de escolaridade os seus docentes.
O caso de Rubens era uma exceção a esse meio, pois ele veio formado para o município de Itaporã e aceitou assumir
aulas em uma escola situada no meio rural. Mas, mesmo assim, passou por várias dificuldades em relação ao acesso a
escola e a sua moradia. A esse respeito, o professor Rubens em sua entrevista mencionou:

Nesse tempo eu morava em uma salinha, um quartinho junto com um colega que dava aula de segundo terceiro e
quarto ano né, segundo ele dava a tarde e terceiro e quarto de manhã numa sala só, aí ele morava comigo, depois
nós alugamos uma casa do lado da escola, aí nós morava do lado da escola né (CRESPO, 2019).

Acredita-se que o professor Rubens, tenha aceitado assumir uma escola no meio rural do município de Itaporã
por algum benefício que tenha sido oferecido a ele, pois muitas vezes, os docentes habilitados recebiam o salário em
dobro para aceitar trabalhar em uma escola do meio rural no Sul de Mato Grosso.

874
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao reconstruir as histórias e as memórias de professores de escolas rurais do município de Dourados e região,


no período entre as décadas 1950 a 1990, foi possível verificar que elas estão marcadas por um processo de coloniza-
ção recente no Sul de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul) e de muitas dificuldades no percurso de sua atuação
docente, sobretudo, entre os anos de 1950 a 1970.
Além disso, foi possível observar que, muitos desses docentes trabalharam na condição de professores lei-
gos, atuando nessas escolas com formação primária (completa ou incompleta) ou ginasial (completa e incompleta).
Mesmo não sendo habilitados para ministrarem aulas de 1.ª a 4.ª séries, eles exerceram um papel importante no
processo de criação e funcionamento das escolas primárias nessas áreas, bem como contribuíram para o processo de
escolarização das crianças.
É certo que, muitos desses tiveram que participar desde o processo de construção das escolas, inclusive alguns
estabelecimentos iniciaram as suas atividades nas próprias casas desses professores, antes de terem um espaço pró-
prio. Além disso, esses professores exerciam dentro das escolas atividades para além da docência, uma vez que, eram
eles que cuidavam da merenda, da limpeza e até mesmo da documentação escolar.
Contudo, as condições dos professores leigos dessas áreas rurais do município de Dourados e região come-
çaram a mudar com a chegada de professores formados vindos do estado de São Paulo que se estabeleceram nesses
municípios do Sul de Mato Grosso e, principalmente, a partir da década de 1970, com a implantação de Cursos de
Magistério Rural no Sul de Mato Grosso, realizado durante as férias e também pela inserção desses docentes nos
projetos Logos I e Logos II, implantados governo federal.
Assim, esses professores que atuaram nessas áreas rurais situadas no município de Dourados e região deixaram
as suas marcas na história e nas memórias das escolas rurais, bem como na história da formação e da constituição da
profissão docente nessa localidade.

REFERÊNCIAS

ABREU, J. A educação secundária no Brasil: (ensaio de identificação de suas características principais). Revista Brasileira
Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2001.
CRESPO, Rubens. Entrevista concedida a pesquisadora Terezinha Garcia Cazuza Martinez, em abril de 2019.
FERNANDES, M. D. E; FREITAS, D. N. T. Percursos e desafios da municipalização do ensino fundamental em Dourados, MS.
In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 26, 2003, Poços de Caldas. Novo governo: novas políticas? Poços de Caldas, MG: ANPED,
2003.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
MATO GROSSO. Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Arquivo Público de Mato Grosso,
APMT, Cuiabá, 1955.
IBGE, Brasil Mato Grosso do Sul, cidade de Itaporã, 2018. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/itapora/
panorama. Acesso em: 02 de maio de 2019
ITAPORÃ, prefeitura municipal de Itaporã, 2017. Disponível em: https://www.itapora.ms.gov.br/institucional/historia.
Acesso em: 02 de maio de 2019
PONCIANO, Nilton Paulo. Fronteira, religião e cidade: o papel da Igreja Católica no processo de organização sócio- -espacial
de Fátima do Sul (1943-1956). Assis, 2006. 284p. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade
Estadual Paulista, 2006.
RODELINI, Claudiani. Itaporã e o Grupo Escolar Antônio João Ribeiro (1953-1974). Perspectivas em Diálogo: Revista
Educação e Sociedade. Naviraí, v. 8, n. 4, p. 107-123, jul-dez, 2017.

875
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL NO SÉCULO XX

Ana Maria da Conceição Silva – CEPAE/UFG1

Introdução

A educação especial é uma modalidade educacional que se caracteriza pelo atendimento a pessoas com qualquer
tipo de deficiência ou decorrente de distúrbios do desenvolvimento, além das pessoas superdotadas. Assim, todo
aluno da educação especial tem necessidades educacionais especiais (NEE), mas nem todo aluno com dificuldade de
aprendizagem é considerado aluno da educação especial. Essa modalidade de educação nem sempre apresentou a
mesma estrutura no decorrer da sua historicidade.
O debate sobre a educação especial no Brasil não é recente e iniciou a partir do século XIX, baseando-se em
modelos norte-americanos e europeus, e não constituíam as políticas públicas de educação.
No Brasil, a educação especial foi organizada de acordo com as expectativas sociais de cada época, sendo que,
nenhuma corrente se extinguiu com o surgimento de outra, elas coexistiram de várias maneiras nas redes educacio-
nais. De acordo com Gadotti (2004, p.23) “todo pensamento pedagógico é tributário de sua época e é ingênuo lê-lo
desvinculado de um movimento histórico-social e de um projeto político e social”.
O presente artigo traz um breve histórico da educação especial no Brasil no século XX procurando mostrar
as mudanças que demarcaram a concepção de deficiência e necessidades educacionais especiais (NEE), buscando ex-
plicitar o contexto histórico, legal e cognitivo que ocorreram em diferentes momentos lógico-históricos. Assim, são
apresentados três momentos pela qual a Educação Especial brasileira tem vivenciado: de segregação, de integração e
de inclusão.
É importante ressaltar que não há uma data em especial quando um momento se encerra com o surgimento do
outro, pois, constitui um longo processo que pouco a pouco vai se modificando, e assim, transformando essa moda-
lidade de Educação.

PRIMEIRO MOMENTO: SEGREGAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

A educação das crianças e jovens com deficiência, ao longo do tempo, vem se modificando devido à evolução
das necessidades do ser humano e da organização das sociedades (CAMPOS e MARTINS, 2008).
Ainscow (2009) ao analisar o itinerário histórico da educação especial, ao longo do seu desenvolvimento, iden-
tificou a existência de períodos em que havia o predomínio de determinado modelo educacional. As instituições de
ensino viam de formas distintas o atendimento a pessoa com deficiência, sendo que, a educação especial era concebi-
da, ora como complemento a educação regular, ora de forma segregada.
Mantoan (1998) divide a história da Educação Especial brasileira em três períodos. Cada período é caracteri-
zado por ações concretizadas em cada época: 1854 a 1956 - ações de iniciativa privada; 1957 a 1993- ações de âmbito
nacional e 1993 até os dias de hoje-ações em favor da inclusão.
O período de 1854 a 1956 citados por Montoam corresponde à fase de intenso aumento de construções e
fundações de instituições particulares, como asilos e hospitais (manicômios), com o objetivo de receber pessoas com
deficiência e retirá-las do convívio social (CAMPOS e MARTINS, 2008). Este momento é caracterizado pela segre-
gação da pessoa com deficiência. Tinha caráter assistencialista e não educativo, pois, o governo era omisso com a
educação dessas pessoas.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – PUC Goiás.

876
Considera-se como marco histórico da educação especial no Brasil o período final do século XIX, em que, o
então Imperador Dom Pedro II, por influência das ideias europeias, funda o Instituto dos Meninos Cegos (1854),
atual Instituto Benjamin Constant (IBC) e o Instituto dos Surdos-Mudos (1857), mais tarde denominado Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES). Essas instituições, naquela época, buscavam desenvolver o melhor da edu-
cação para cegos e surdos, mas não atendiam significativamente toda população. E em 1887 é criada a Escola México,
no Rio de Janeiro, que atendia pessoas com deficiências físicas e intelectuais (JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 2005).
Conforme Jannuzzi (2004), até 1935, não havia consenso sobre como desenvolver a educação escolar de pes-
soas com deficiência intelectual, acreditava que a pessoa que nascia com alguma deficiência sensorial ou intelectual
tinha um problema orgânico, que deveriam ser diagnosticadas por médicos e/ou profissionais ligados à saúde para
serem tratadas. O processo educativo destas pessoas, para muitos da sociedade era considerado inviável, e o que se
realizava era apenas atendimento clínico. O desconhecimento sobre as deficiências favoreceu para que essas pessoas
fossem marginalizadas, fazendo com que a vida social e a educação escolar ocorressem em um ambiente à parte (MA-
ZZOTTA, 2005).
A partir do início do século XX verificou-se interesse da sociedade por uma educação mais qualitativa às pes-
soas que apresentavam deficiências, o que levou a um aumento em pesquisas científicas e técnicas, culminando na
realização de eventos e na criação de mais instituições de ensino público e privado para atender essa população.
De acordo com Dechichi et al., (2012), a partir de 1920, a educação especial brasileira, teve influências de profis-
sionais europeus ao ministrar cursos aos educadores brasileiros, sendo um deles a psicóloga russa Helena Antipof. Por
interferência desta psicóloga, em 1926, criou o Instituto Pestalozzi, especializado em atender pessoas com deficiência
intelectual. Por sua influencia também foi criado, em 1945, o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas
com superdotação no Instituto Pestalozzi. E em 1954, a psicóloga citada, participa ativamente do movimento que culmi-
nou na fundação da primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) (BRASIL, 2010).
Segundo Ferreira (2005), em 1942 já havia no Brasil quarenta escolas públicas regulares que prestavam algum
tipo de atendimento as pessoas com deficiência. Neste mesmo ano o Instituto Benjamin Constant edita em braile a
Revista Brasileira para Cegos, primeiro do gênero no Brasil.
Embora houvesse um número significativo de instituições que atendiam alunos com deficiência em várias
cidades brasileiras, muitas dessas pessoas não tinham acesso a elas. Neste período não havia legislação que garantia
o direito a educação escolar da pessoa com deficiência. É a partir da metade do século XX que a educação especial é
tratada de forma legal.
Para Mazzotta (2001, p. 27):

A inclusão da “educação de deficientes”, da “educação dos excepcionais” ou da “educação especial” na política edu-
cacional brasileira vem a ocorrer somente no final dos anos cinquenta e início da década de sessenta do século XX.

A inclusão da educação especial na politica educacional ocorre mais especificamente na década de 1960, devido
aos movimentos sociais ganharem força política, provocando assim, significativas mudanças na área educacional
(COLL et al., 2004).
Desta forma, neste primeiro momento, verificou-se que a educação especial foi evoluindo, passando de cunho
assistencialista, em que as pessoas deficientes eram segregadas e protegidas em instituições, para uma educação diferen-
ciada em escolas e classes especiais dentro das escolas públicas, mesmo não sendo para todas as pessoas com deficiência.

Segundo momento: integração da pessoa com deficiência

Para Montoam (1998) o período de 1957 a 1993 é uma fase de ações oficiais de âmbito nacional em relação à
Educação Especial, sendo criadas leis e normas pelos direitos a educação as pessoas com deficiência. É o momento que
se busca integrar a pessoa com deficiência a sociedade.
O princípio da integração norteou, por muito tempo, os ideais da Educação Especial. É um processo que busca
integrar o aluno com NEE à escola, e nesse modelo, ao invés de a escola se adequar ao aluno, o aluno é que deve se

877
adequar à escola. O aluno especial é inserido no contexto escolar como qualquer outro, sem consideração quanto a
possíveis diferenças existentes para seu processo de aprendizagem.
Nesse sentido, Sassaki, afirma que no modelo integrativo:

A sociedade em geral ficava de braços cruzados e aceitava receber os portadores de deficiência desde que eles fos-
sem capazes de moldar-se aos tipos de serviços que ela lhes oferecia; isso acontecia inclusive na escola (1997, p. 32).

Considerando a escola, nesse modelo pedagógico é visível a exclusão dos alunos que não se adaptam ao ensino
oferecido na escola regular. Esta escola investe para adaptar o aluno com NEE à escola regular, entretanto, não de-
senvolve a sua autonomia com a intenção de emancipá-lo, pois, não exercita seu senso crítico e não contribui para a
reflexão dos alunos com e sem deficiência.
Conforme Miranda (2003) foi em 1957, que o governo federal assume em âmbito nacional o atendimento
educacional aos indivíduos que apresentavam deficiência criando campanhas voltadas para este fim. A primeira
campanha, de acordo com o Decreto Federal nº. 42.728, de 03 de dezembro de 1957, era destinada para a educação do
surdo brasileiro, e vinculada ao INES. Algum tempo depois, criou a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação
dos Deficientes da Visão, que foi vinculada ao IBC no Rio de Janeiro.
É a partir de meados do século XX que ocorre intensa expansão de escolas e classes especiais em escolas públicas
com o intuito de oferecer uma educação à parte à pessoa com deficiência. Tem-se um novo conceito de Educação
Especial, onde é proposto para a pessoa com NEE um tratamento educativo especializado e institucionalizado (MI-
RANDA, 2003). É nos anos de 1960 que essa modalidade de ensino foi instituída oficialmente com a denominação
de “educação dos excepcionais” (MONTOAM, 2006). Em 1986 com a portaria CENESP/MEC nº69 o termo “ alunos
excepcionais” é substituído por “alunos com necessidades educacionais especiais”.
Dechichi et al. (2009) afirmam que esta foi uma fase mediada por práticas mais pedagógicas, pois, busca atenu-
ar as formas antes segregativas impostas a pessoa com deficiência, procurando incluí-la em salas especiais dentro de
escolas públicas.
Após o ano de 1958 o Ministério da Educação realiza as primeiras assistências técnica-financeiras às secretarias
de educação e instituições especializadas, resultando assim, no aumento das classes especiais e na maior escolarização
para a população que apresentava deficiência (DOTA e ALVES, 2007).
Por volta dos anos de 1970, os responsáveis por pessoas com deficiência promoveram movimentos integracio-
nistas, tendo como meta inseri-los em ambiente escolares junto aos demais alunos. Esses movimentos contribuíram
para o surgimento de importantes modificações na Educação Especial (DECHICHI et al., 2009). Assim, “O paradigma
da integração traz um acento totalmente novo à educação especial e, evidentemente, provoca um abalo no paradigma
clínico e segregacionista da educação especial” (BEYER, 2002, p. 163).
Na década de 1970 ainda prevalecia o modelo médico ou clínico, e a educação especial continuou sendo vista
de forma terapêutica e qualquer deficiência era considerada como uma doença crônica, que deveria ser tratada em
instituições especializadas e acompanhadas por profissionais. Com esse modelo vigente os médicos constataram que
era importante a escolarização das pessoas com deficiências, o que possibilitou atenção especial para as instituições
de ensino, ocorrendo assim, a institucionalização da Educação Especial, em que, o sistema educacional buscava asse-
gurar o acesso das pessoas com deficiência às escolas, que até então se encontravam separadas do sistema de ensino
regular (MIRANDA, 2003).
A partir desse novo olhar de que a pessoa com deficiência deveria frequentar a escola, surgiram questionamen-
tos sobre o modelo segregado de educação especial que ainda prevalecia em algumas instituições, e assim, foi propos-
to alternativas para que esses alunos fossem inseridos na rede regular de ensino, em salas especiais, dando início ao
paradigma da Integração. Com o tempo esse modelo de educação foi sendo considerado ultrapassado, pois, o aluno
com NEE para ser incluído no sistema regular de ensino deveria se adaptar para ser aceito.
Em 1973 o Ministério da Educação e Cultura cria o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) respon-
sável pela educação especial no Brasil, que sob o respaldo integracionista, conduziu a ações educacionais destinadas às
pessoas com deficiência e superdotadas, mas, ainda caracterizadas por campanhas assistencialistas e ações isoladas do

878
governo. De acordo com o MEC, não se efetivou uma política pública de acesso universal à educação, permanecendo
a concepção de “políticas especiais” para tratar da educação de alunos com deficiência e superdotados (BRASIL, 2007).
O modelo de integração do aluno continua tornando-o segregado.
Várias foram as legislações que regulamenta e trata da educação especial no Brasil, como a Lei n° 4.024 de 1961
– Leis de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN) que assegura o direito à educação em escolas regulares
para as pessoas com alguma deficiência ou superdotadas (“excepcionais”), preferencialmente nos sistemas de ensino
regular (BRASIL, 2007). No entanto, esta Lei foi alterada pela Lei nº 5.692/71 ao definir “tratamento especial” para
os estudantes com “deficiências físicas, mentais, os que se encontram em atraso quanto à idade regular e os superdo-
tados”, mas não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender aos estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação e acaba reforçando o encaminhamento dos
estudantes para as classes e escolas especiais (BRASIL, 1971).
Das constituições brasileiras, desde a Constituição do Império de 1824 à Constituição de 1988, foi a Constitui-
ção de 1967 a primeira a abordar expressamente sobre as pessoas com deficiência. E dentre todas as Constituições, a
de 1988 é inegavelmente a mais atenta para a inserção social dessas pessoas.
Portanto, é com a Constituição de 1988 que houve mudanças significativas para a educação de pessoas com
NEE. A educação especial passou a ser prevista, de competência comum da União, do Estado, do Distrito Federal e
dos Municípios. O artigo 208, inciso III da citada Constituição, ratifica o “[...] atendimento educacional especializado
aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2002). Buscando, assim, asse-
gurar ao aluno com NEE a sua educação escolar.
Ao analisar a trajetória da Educação Especial brasileira até a década de 1990, constata-se que houve muitos
progressos quando comparadas ao início e meados do século XX, em que, o atendimento da pessoa com deficiência
era ineficiente e, também já se percebia que as propostas e ações políticas eram integracionistas. O avanço ocorrido
da educação especial no Brasil se deve, portanto, principalmente, ao apoio da Legislação e das Políticas Públicas.
Seguindo as vertentes das transformações conceituais e paradigmais relacionadas à educação da pessoa com
deficiência, surge no final dos anos de 1980 e início de 1990 a Inclusão Escolar.

TERCEIRO MOMENTO: INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Ao longo do século XX verificou-se um grande descontentamento de como vinha sendo desenvolvida a edu-
cação especial, especificamente a partir de 1990, surgindo discussões mais firmes em relação ao novo conceito de
educação, a inclusão escolar. Segundo Batalha (2009, p.106) “[...] a educação inclusiva assume espaço central no
debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão [...]”. Assim, em
contraposição ao paradigma da Integração, surge então o paradigma da educação inclusiva que propõe que aluno e
professor se encontrem verdadeiramente dentro do sistema de escolar.
Destarte, o conceito de inclusão passa a ser trabalhado na educação especial de modo diferente do conceito de
integração, mas, ambos com a mesma intenção, que é inserir os alunos com NEE no ensino regular. A integração leva
a pensar que para a pessoa ser inserida na escola deve corresponder ao modelo da escola. Já a inclusão se configura
na diversidade da espécie humana, buscando atender as necessidades educativas especiais de todos os estudantes, em
salas de aulas comuns, em um sistema regular de ensino, de forma a promover a aprendizagem e o desenvolvimento
pessoal de todos (BUENO, 1999).
Jannuzzi (1992) enfatiza que a educação inclusiva não surgiu nos anos 1990, mas sim evoluiu, pois, atravessava
por um processo de transformação e avanços que resultou neste novo modelo educacional. Nesse sentido, Glat et al.,
(2006) diz que é importante admitir que a educação inclusiva que hoje conhecemos se deve a transformação das con-
cepções teóricas e das práticas da Educação Especial, que historicamente vêm acompanhando os movimentos sociais
e políticos em defesa dos direitos das pessoas com deficiências.
No Brasil vários documentos legais foram elaborados a partir de 1990 buscando garantir a inclusão educacio-
nal das pessoas com NEE; porem é importante destacar que, a inclusão tem como referenciais duas conferências que

879
foram mundialmente importantes, sendo, a Declaração Mundial de Educação para Todos em Jontiem, na Tailândia
em 1990 e a Conferência Mundial sobre Educação Especial, realizada em Salamanca, na Espanha, em 1994. No Brasil,
estas conferências conduziram e fortaleceram a elaboração das políticas públicas da educação inclusiva, propondo
ações a serem assumidas pelos governos em atenção às diferenças individuais e assegurar o acesso e a permanência de
todos na escola (CARVALHO, 1999). Outra convenção também importante foi a de Guatemala, em 1999, sendo um
diferencial para a educação da pessoa com deficiência, pois, reafirma os direitos humanos dessa pessoa, promulgados
no Brasil por meio do Decreto nº 3.956/2001.
Assim, estas conferências e outros eventos promoveram mais discussões sobre a educação inclusiva no país, e
consequentemente levou a elaboração de leis e normas regimentando essa modalidade de educação. Como exemplo,
em 1994 o MEC publica a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) condicionando ingresso às classes comuns
aos alunos com NEE que apresentassem condições de acompanhar os demais alunos. Entretanto, essas inferências de
homogeneidade da aprendizagem não promoveu uma reformulação das práticas educacionais, pois, de certa forma
ainda mantinha a responsabilidade da educação especial sobre esses alunos (BRASIL, 2007).
Em meios às diversas discussões que ocorriam sobre a educação inclusiva, em 1996, é promulgada a Lei n° 9.394
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em que estabelece as diretrizes e bases da educação nacio-
nal, privilegiando a educação inclusiva, e em seu artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos
alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades, e que também, esses
alunos pudessem terminar ou acelerar seus estudos conforme suas especificidades (BRASIL, 2007).
A lei citada anteriormente, quanto à inclusão, aponta a necessidade de mudança na perspectiva da escola, pois,
não são apenas os alunos com deficiência que serão assistidos, mas todos os demais cujo objetivo é o sucesso escolar.
No ensino inclusivo, todos os alunos da educação especial ou não, convivem e aprendem juntos, em salas comuns. É
sabido que, por algum tempo, a educação especial correspondia a um ensino paralelo, atendendo diretamente aos alu-
nos com deficiência, considerada suporte à escola regular na educação desses alunos (GLAT e FERNANDES, 2005).
Para Mantoam (2006) as escolas especiais devem atuar com caráter complementar da escola regular, e não
como substituta. Os alunos frequentam as escolas especiais para obter auxílio no aprendizado de conteúdos diferentes
da base curricular nacional, porém, é assegurada a este aluno sua inserção em salas comuns do ensino regular.
No início do século XXI, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/
CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que as escolas devam matricular todos os alunos e que se organizem para
atender os alunos com NEE, promovendo um ensino de qualidade a todos. Nesse sentido, o Plano Nacional de Edu-
cação – PNE, Lei nº 10.172/2001, salienta que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a
construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana” (BRASIL, 2001).
Machado (2008) assevera que para efetivar a inclusão escolar, é preciso rever as concepções de aprendizagem
e ensino, iniciando pela compreensão de que todo aluno tem capacidade para o aprendizado. Para Vigotski (2010),
cada pessoa aprende com seu tempo e com as suas condições. Uma criança com desenvolvimento comprometido por
alguma deficiência não é menos desenvolvida que as crianças sem comprometimento, apenas se desenvolve de outra
maneira. Não se pode avaliar as ações de uma pessoa e compará-las com as das demais, pois cada um se desenvolve
de forma única. “Nas escolas inclusivas, os alunos não são identificados como especiais, normais, comuns. Todos se
igualam pelas suas diferenças!” (MANTOAM, 2011. p. 46).
Para que a escola possa efetivar um ensino inclusivo é necessário fazer mudanças significativas, desde a gestão
educacional até a formação dos professores, além da adequação estrutural dos prédios a fim de facilitar a acessibili-
dade dos alunos (GLAT; BLANCO, 2007). São muitos os desafios para o desenvolvimento de um ensino inclusivo.
Embora tenham ocorrido várias mudanças na Educação Especial no Brasil neste século XX, originando a Edu-
cação Inclusiva, constatou-se que, as mudanças ora indicaram progresso, ora indicaram recuo. Para a inclusão escolar
continuar avançando é fundamental que as políticas públicas promovam o debate, a discussão a fim de que o plane-
jamento nessa área da Educação envolva não só alunos e professores, mas toda sociedade. Outro ponto importante e
fundamental para efetivar o desenvolvimento desta modalidade de educação é a necessidade do uso de recursos finan-
ceiros. Portanto, é preciso dialogar intensamente para construir uma educação de qualidade para todos, garantindo
não só o acesso, mas o sucesso e a permanência de pessoas com NEE nas instituições escolares.

880
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou tecer um panorama da trajetória da educação especial no Brasil no decorrer do
século XX, e verificou que esta modalidade de educação passou por períodos de avanços, de estagnação e de retroces-
sos, mas evoluindo. Inicialmente, as pessoas com deficiências eram segregadas da sociedade, em seguida buscou a sua
integração a escola, e por fim, a sua inclusão ao sistema educacional, como também em outros setores da sociedade.
As diferentes concepções de deficiência ocorridas refletiam as expectativas sociais daquele momento histórico.
Muitas conquistas aconteceram para chegar ao modelo inclusivo, e as grandes convenções mundiais contribu-
íram significativamente à elaboração de documentos legais que se atentasse para a educação escolar de pessoas com
deficiências. No entanto, a educação dessas pessoas não vem ocorrendo como deveria, pois, muitas são as dificuldades
que o sistema escolar tem enfrentado, e ainda há muito por fazer para esse modelo ser efetivamente alcançado.
Promover a inclusão escolar da pessoa com deficiência não é apenas inseri-lo na escola regular, a pretexto de
cumprimento da legislação, mas sim, reestruturar e transformar toda a escola para poder desenvolver um trabalho
inclusivo com todos os alunos, contemplando a diversidade. E isso não depende apenas dos profissionais da comuni-
dade escolar e da legislação, é preciso apoio do governo com recursos financeiros.
Compreende-se que as políticas de inclusão constituem, além de um grande desafio para o século XXI, uma
oportunidade para a construção de outro mundo, mais humano e mais justo, em que todos possam viver em harmo-
nia, além de possibilitar uma educação de qualidade para todos independente de suas especificidades.
As discussões sobre a Educação especial continuam em vários âmbitos da sociedade, espera-se que não haja
retrocessos, e que seja mantido o estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência “proteger
e garantir o total e igual acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com de-
ficiência, e promover o respeito à sua dignidade” (BRASIL, 2007).

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882
HISTÓRICO DA ESCOLA MUNICIPAL NOTURNA DE QUIRINÓPOLIS:
APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO REGULAR, EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS E A INCLUSÃO DE APENADOS

Ruth Borges RILKO – UEMS1


Thiago Donda RODRIGUES-UFMS2

RESUMO: A preocupação com os direitos fundamentais do homem data de 1948 com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, dentre eles temos a educação. No Brasil, conforme o artigo 205 da Constituição Federal Brasi-
leira: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.” No entanto, ainda podemos observar que, para algumas pessoas, essa lei está longe de ser realmente
garantida, bastando olhar para uma das parcelas mais excluídas da sociedade: os apenados. A educação é constituída
de um processo amplo, dinâmico e político, e tratando-se da assistência educacional, seja ela na prisão ou na própria
escola, ela deve ser um elemento fundamental ao tratamento dos aprisionados, objetivando sua reinserção social.
Também é preciso olhar a educação como uma chave que abre as portas para inclusão de uma classe marginalizada
pela falta de estudo e oportunidade. Levando em consideração os poucos estudos encontrados na literatura acadêmi-
ca e buscando entender mais sobre o assunto, o presente trabalho tem por objetivo investigar a trajetória histórica
da Escola Municipal Noturna de Quirinópolis, que oferece em grande escala matrículas para a Educação de Jovens
e Adultos e atualmente recebe os presos que estão cumprindo pena no regime semiaberto. Para isso, buscou-se
investigar os aspectos históricos da escola/EJA, analisando também o Projeto Político Pedagógico – PPP da escola
escolhida, buscando compreender como e quando foi iniciada a prática de receber os apenados. Como metodologia,
optou-se pelas Pesquisas Bibliográfica e Documental, numa busca de informações, delineando um estudo secundário
através de outros primários, sendo esses analisados criteriosamente e avaliados quanto à sua qualidade científica. A
realização deste estudo permitiu afirmar que a EJA é um dos caminhos a trilhar na busca de minimizar ou até mesmo
erradicar o analfabetismo em nosso país. Também é possível ponderar que a EJA, nos moldes abordados nesse texto,
contribui para o processo de inclusão de alunos apenados que cumprem pena no regime semiaberto na busca de um
compromisso com a formação das subjetividades sensíveis à igualdade no exercício e realização de seus deveres. As-
sim acreditamos que todo esse processo é resultado de uma educação em que os reeducandos privados de liberdade
podem usufruir de seus direitos tornando-se cidadãos conscientes na busca da inserção social e contribuindo para o
exercício e realização de cidadania.
Palavras-chave: Aluno apenado. Educação de Jovens e Adultos. Educação Inclusiva.

INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (doravante EJA) é hoje uma das principais políticas públicas de inclusão edu-
cacional no Brasil desde 2007, cujo objetivo é garantir acesso democrático à educação de pessoas com diferenças de
idade. Essa educação procura permitir que o currículo da educação básica seja trabalhado com tais cidadãos de forma
íntegra e sistemática, respeitando, contudo, as experiências e condições de tais estudantes, garantindo, assim, alfabe-
tização e letramento de qualidade.

1 Professora da Escola – Cooperativa de Ensino de Quirinópolis – C.E.Q. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação - UEMS/
Paranaíba.
2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Paranaíba, do curso de Licenciatura em Matemática.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – UFMS/Campo Grande e do Programa de Pós-Graduação em Educação
– UEMS/Paranaíba.

883
Por outro lado, os sujeitos apenados em prisão de regime semiaberto passam por um desafio duplo: o cumpri-
mento da pena e a necessidade de serem inclusos socialmente, uma vez que o pagamento da pena não garante a sua
inclusão, sendo a educação uma possibilidade para isso.
Considerando os poucos estudos encontrados na literatura acadêmica atual e o processo de reinserção social e
educacional do aluno que cumpre pena em regime semiaberto em escolas da comunidade, este artigo tem por objeti-
vo investigar a trajetória histórica da Escola Municipal Noturna de Quirinópolis, a qual procura atender à legislação
de Execução Penal e traz a Educação de Jovens e Adultos para receber os apenados que estão cumprindo pena no
regime semiaberto. Para isso, buscou-se investigar os aspectos históricos da referida escola no contexto da EJA, ana-
lisando seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e planejamento procurando, assim, compreender como e quando foi
iniciada a prática de receber os apenados e os benefícios dela.
Como metodologia, optou-se pelas Pesquisas Bibliográfica e Documental, em uma busca de informações a
partir de pesquisas anteriores, relacionando-as à realidade desta nova pesquisa, criando, assim, outra possibilidade de
interpretação e entendimento das discussões existentes até o momento em relação a tal temática. Quanto ao uso dos
documentos, utilizar-se-ão os disponíveis com o intuito de relacionar o material bibliográfico escolhido ao material
coletado na escola.
No que concerne às conclusões e pelo levantamento documental empreendido durante a pesquisa, percebe-se
que a EJA, para essa escola, tem sido um dos caminhos para a atenuação do analfabetismo de apenados em regime
semiaberto na região. Também é possível ponderar que a EJA, nos moldes abordados neste texto, mostra a preo-
cupação da escola em contribuir com todo esse processo, criando um espaço mais democrático de inclusão social e
reinserção social do apenado.

ASPECTOS HISTÓRICOS DA SUA NO CONTEXTO EDUCACIONAL NO BRASIL

Investigando a história educacional do Brasil, percebeu-se que a atual EJA é recente no país, contudo, a preo-
cupação com essa situação não é atual. Na Constituição de 1824, já se falava de uma educação primária e gratuita para
todos os cidadãos, o que aos poucos foi sendo amadurecido. No século seguinte, pelos anos da década de 40, os índices
de analfabetismo entre jovens acima de 15 anos chegaram a níveis críticos, como se nota nos dados veiculados pelo
senso do IBGE, apontando que 56% dessa parcela da população era analfabeta nessa época (IBGE, 2015). A preocupa-
ção das autoridades começou a se acentuar, visando à eliminação de tais números.
Entraram no cenário nacional as noções de Paulo Freire de educação libertadora, procurando mostrar que a
educação de jovens e de adultos deveria ser uma extensão da escola formal. Para Freire (1989) existia naquela época
um entendimento de que a educação de jovens deveria ser profissional, treinamento de mão de obra, funcional, ca-
pacitando os analfabetos para o mercado de trabalho e para o desenvolvimento nacional, ideia da qual ele discordava
porque a pura ideia de alfabetizar para o exclusivo uso do mercado não libertava o indivíduo para o uso do conheci-
mento.

Até os anos de 1940 a educação de adultos era concebida como uma extensão da escola formal [...] na década de
1950 duas são as tendências mais significativas na educação de adultos: a educação de adultos entendida como
“educação libertadora”, conscientização (Paulo freire) e a “educação funcional” (profissional) [...] na década de 1970
essas duas correntes continuam (GADOTTI, 2005a, p. 35).

Com isso, a educação de jovens e adultos era, na realidade, ainda simples, mas já pensada tanto por estudiosos
quanto por autoridades públicas. Chegando à década de 60, com a Ditadura Militar, a partir de 1967 criou-se o Mo-
vimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que procurava auxiliar os atrasados tanto na alfabetização quanto na
inclusão educacional a serem atendidos nesse processo.
Nesse contexto, Paulo Freire participava dos chamados Círculos de Cultura, movimentos criados com o in-
tento de alfabetização de pessoas. Desse modo, pelo resgate histórico, vê-se que jovens e adultos sempre estiveram
de alguma forma no foco das políticas públicas por entender-se que a defasagem etária impedia o progresso tanto do

884
indivíduo quanto da nação. No entanto, ainda existia o preconceito, mesmo de alguns educadores, que atribuíam o
fracasso de seus alunos a essa defasagem etária dos alunos.
Nas palavras de Kleiman (2000, p. 17): “O adulto que não sabia ler nem escrever era considerado deficiente e
incapaz de aprender”. Assim, a existência de preconceitos era ainda um entrave para que se pudesse equiparar a edu-
cação formal, tradicional, à de jovens e adultos ainda analfabetos. A partir da década de 70, essas concepções foram
sendo atenuadas, existindo concepções de educação alternativas à escola formal (SOUZA, 2011).
A partir de 1990, começaram alguns programas e projetos de educação de jovens e adultos. Tais projetos pas-
saram a ter evidência dentro das sociedades civil e política. Em se tratando da EJA, foi sendo discutida aos poucos,
criando-se parcerias principalmente entre poder público e a sociedade civil (SAVIANI, 2008).
Finalmente, na primeira década do século XXI, criou-se a EJA como hoje é conhecida para garantir educação
de qualidade a jovens e a adultos que, por razões diversas, estão defasados na fase etária de alfabetização, configuran-
do hoje como uma autêntica política pública presente em todos os estados da federação, mostrando a importância
de programas do governo, campanhas e movimentos sociais, mostrando-se como força que impulsiona esse tipo de
educação voltado para aquele que não terminou seus estudos no tempo regular.
Logo, a preocupação com processos de conscientização e de libertação continuam presentes em movimentos
sociais do contexto da EJA e mostra que ela deve ser pensada como espaço de livre expressão e da possibilidade de
escolhas conscientes rumo à plena inserção social de todos os cidadãos.

A IMPORTÂNCIA DA EJA NA FORMAÇÃO INTEGRAL DOS EDUCANDOS APENADOS E


PARA SUA INCLUSÃO

A educação de jovens e adultos é uma política pública que pode auxiliar os cidadãos que não pode estudar na
idade adequada, cumprindo o que prevê a atual Constituição Federal. No entanto, por razões diversas, como necessi-
dade de auxiliar o sustento da família, impedimentos financeiros de membros familiares, muitos não têm a oportuni-
dade de ingressarem no ensino regular, tornando a EJA essencial para assegurar alfabetização e letramento adequados
a todos, de forma igualitária. Nesse sentido, este tópico pretende mostrar como ocorre o processo de alfabetização e
estímulo para a educação dos indivíduos na aquisição de seus direitos enquanto sujeitos sociais para atuarem cons-
cientemente em sociedade.
Os jovens e adultos que precisam cursar o Ensino Fundamental e Médio, ao ingressarem na EJA, buscam, a
partir da educação, sua inclusão social, buscando conhecimentos para colocarem em prática em suas vidas e melho-
rarem a qualidade de vida diante da profissão. Assim, a construção do saber somente se realizará com eficiência se o
educador considerar a realidade desses educandos, a qual abrange as dimensões econômica, social e cultural, as quais,
juntas, podem contribuir para sua efetiva inserção social enquanto cidadão consciente de seus direitos e deveres.
A transformação social inclui o conhecimento tradicional para a vida e a formação de identidades e culturas
variadas na comunidade em que o sujeito está inserido, englobando ainda o aspecto econômico, já que, alfabetizado e
socialmente engajado, o aluno tem possibilidades de crescimento na esfera do trabalho. Essa noção de transformação
social pela educação está embasada em Rui Barbosa, que diz:

A produção [...] é um efeito da inteligência: está por toda superfície do globo na razão direta da educação popular.
Todas as leis protetoras são ineficazes para gerar a grandeza econômica no país, são incapazes de determinar a
riqueza, se não se partirem da educação popular, a mais criadora de todas as forças econômicas, a mais fecunda de
todas as medidas financeiras (BARBOSA, 1946, p. 143).

Nesse contexto, Freire também contribui com a discussão comentando que a educação é imprescindível para o
ser humano porque constrói um mundo melhor, ela desata os “nós”, fortalecendo o ser humano em sua existência, é,
por isso, um ato social. Para Freire (1976, p.49):

885
Para ser um ato de conhecimento, o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educando,
uma relação de autêntico diálogo. Aquela em que os sujeitos do ato de conhecer (educador-educando) se encon-
tram mediatizados pelo objeto se encontram mediatizados pelo objeto a conhecido. Nesta perspectiva, portanto,
os alfabetizados assumem, desde o começo da ação, o papel de sujeitos criadores. Aprender a ler e a escrever já não
é, mais memorizar sílabas, palavras ou frases, mas refletir criticamente sobre o próprio processo de ler e escrever
e sobre o profundo significado da linguagem [...] (FREIRE, 1976, P. 49).

Com essas palavras, compreende-se ser essencial que o educador entenda que, no processo educativo, regular
ou da própria EJA, a relação entre educador e educando é importante na medida em que é a partir dela que os hori-
zontes do conhecimento serão descobertos e que o pensamento crítico começa a se criar. Isso terá influência nos pro-
cessos pedagógicos variados. Assim, pelas perspectivas até o momento trazidas, é dever da escola o aperfeiçoamento
de didáticas que aproximem o aluno do conhecimento, que o libertem para o conhecimento, incluindo a vida social,
educacional, cultural e assim por diante. Assim, deve-se também compreender que tais ideias se relacionam à EJA, já
que há um contexto inteiro a ser considerado, como a realidade onde está o aluno, fazendo-o integrar a comunidade
de forma plena e construtiva.
O papel dos agentes escolares na EJA, especialmente dos professores, então, é valorizar o conhecimento dos
educandos e usá-lo em favor de seu contexto educacional, para que o aluno enfrente o desafio de estudar fora do tem-
po regulamentar para sua idade. A partir daí, a EJA precisa estar em foco no conjunto de discussões contemporâneas
que marcam a sociedade brasileira no atual cenário de exclusão e desigualdade social.
Depois de uma breve introdução ao tema da educação de jovens e adultos, percebe-se que, na atualidade, o
debate e a defesa não são uma experiência que ficou no passado. É uma prática construída no movimento social que
se reconstrói em diferentes Momentos, trazendo as marcas do passado dando nova vida à prática coletiva construída
com a classe trabalhadora ou com a classe menos favorecida. Assim:

Dentro de uma ampla prática de cultura popular, é possível fertilizar processos interativos, através dos quais atos
e gestos de teor pedagógico poderiam transformar consciências de pessoas e de grupos humanos. Esses grupos
humanos de uma múltipla e diferenciada classe social podem se tornar capazes de reelaborar ideologicamente a
sua própria cultura. Por isso, as expressões “educação como prática da liberdade” e a “ação cultural para liberdade”
precisam ser enfatizadas (BRANDÃO, 2001, p. 21).

Nesse cenário, pessoas que possuem escolaridade, mesmo sendo de classes sociais diferentes, conseguem criar e
recriar sua cultura, ou seja, ainda que as condições sociais sejam diferentes, o conhecimento vindo da educação trans-
forma a realidade do indivíduo e do meio em que ele vive. Com efeito, ainda existe no país o analfabetismo, e não se
pode negar isso de forma alguma.
Pilleti (1999) diz que a escola regular pública e gratuita acaba excluindo uma parte da população sem suporte e
muitos indivíduos chegam à idade adulta sem saberem ler e escrever, o que atravanca sua plena inserção social do jo-
vem. Faz-se necessário mudar esse quadro, e, para isso, políticas como a EJA cumprem seu papel precípuo: educação
isonômica para jovens e adultos, com a mesma qualidade do ensino regular.
Por fim, consoante a Soares (1996), aos poucos, jovens e adultos vão aos poucos ocupando mais espaço no
cenário educacional. A EJA consegue, por isso, sair da marginalidade da ideia simplista e comum de “escola noturna”
para o centro das discussões como uma política pública estruturada e completamente atinente ao que preconiza os
mais modernos entendimentos pedagógicos e legais contemporâneos. Assim, jovens e adultos paulatinamente vêm
voltando às salas de aula.
Logo, a EJA, ao longo da história, foi marcada por certos improvisos, sendo usada como ação compensatória,
por isso é preciso investir mais nessa política pública com o intuito de garantir o direito dos jovens e adultos ao en-
sino fundamental e médio, ofertando ensino regular adequado às condições do educando.

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EJA E APENADOS: CAMINHOS POSSÍVEIS, HISTÓRIA DA ESCOLA MUNICIPAL
NOTURNA DE QUIRINÓPOLIS

A educação é um direito de todos, independentemente de sua condição social, como preceitua a Constituição de
1988, todavia, para que ela seja um direito pleno àqueles que estão cumprindo algum tipo de pena, às vezes carentes
de oportunidades, é fundamental que o Estado e a sociedade civil se unam em prol de ações para mudar essa situação.
O cumprimento das leis é o primeiro passo para tornar a ressocialização do apenado possível, quer esteja no regime
fechado, quer no semiaberto. Isso pode ser garantido por meio do incentivo à educação de jovens e adultos, priori-
zando grupos sociais vulneráveis.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN (9394/96), a Educação de Jovens e Adultos
é destinada àqueles que não tiveram acesso/continuidade de estudos no ensino fundamental/médio na idade correta.
Pode-se inferir, assim, que a EJA pode ser ofertada também nos estabelecimentos penais no país, para os em regime
de reclusão total e na forma de educação específica, como no caso dos que estão em regime semiaberto. Nesse con-
texto, cabe ao poder do Estado garantir que essa legislação seja cumprida.
Sob outro viés, há a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (chamada de Lei de Execuções Penais), criada a partir do
tratado da ONU sobre a Execução Penal, que garante, nos seus artigos 17 e 18, a assistência educacional que com-
preende a instrução escolar e profissional, e o ensino de 1º grau obrigatório integrado ao sistema escolar da Unidade
Federativa respectiva.
Percebe-se, com base nessas informações, que as leis procuram garantir o direito à educação para o indivíduo
preso, esteja ele em regime fechado ou semiaberto, porém a possibilidade de tornar-se um direito real e aplicado es-
barra em discussões e interpretações divergentes. Normalmente essas divergências ocorrem por falta de interesse em
cumprimento das responsabilidades e dos deveres, demandando esforço. A Lei 12.245, sancionada em 2010, altera o
art. 83 da Lei de Execuções Penais, autorizando a instalação de salas de aulas em presídios.
Cabe ressaltar que, ainda que o tema central desta pesquisa seja a EJA e os apenados do semiaberto em escola
regular externa ao presídio, é importante mencionar que A LEP – Lei de Execução Penal – garantiu a assistência edu-
cacional aos presídios, mas não foi possível efetivar isso celeremente porque faltava interesse do governo do poder
público. Vieira (2008) destaca a realidade da lei na prática, ao dizer que:

Embora a LEP assegure e garanta a educação no cárcere, não é essa a realidade das prisões. Poucos são aqueles
que frequentam as escolas prisionais. É possível dizer que as escolas na prisão existem de direito, mas não de fato.
Mesmo sendo um dos pilares dos programas de ressocialização do indivíduo encarcerado, a educação prisional não
é tratada como essencial (VIEIRA, 2008, p.33).

Considerando-se essas palavras, é importante que o Estado lance investimentos também nesse tipo de educa-
ção, pois, dentre outros pilares, ela é uma das possíveis soluções para assegurar a cidadania plena de todos. Destarte,
a EJA é uma política pública viável para auxiliar o cidadão que precisa de conhecimento e de oportunidades, apenado
ou não, fato demonstrado pela legislação vigente, mencionada anteriormente.
Esse direito está reafirmado na LDBN (9.394/96) que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e,
em seu quarto artigo, afirma que é dever do Estado garantir ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive a
sua oferta para todos aqueles que não tiveram acesso na idade própria e, ainda: “oferta de educação escolar regular
para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades”.
À luz dessas teorias e embasamentos técnicos, pode-se passar à questão prática do estudo. A escola objeto
desta pesquisa é a Escola Noturna de Quirinópolis/Goiás, que foi criada em 14 de agosto de 1972, localizada à Rua
Professor Glicério da Cunha, nº 3, no Bairro Municipal. Ela se localiza na zona urbana, em bairro de fácil acesso na
cidade, e comporta 218 alunos, em onze salas de aula, com espaço de convivência, biblioteca, e outras dependências
pedagógicas tradicionais, como diretoria, secretaria, sala de professores, coordenação e banheiros.
A escola foi criada pela Lei nº 784/72 de 14 de agosto de 1972 e autorizada pela portaria nº 06365/93 da Secretaria
Municipal da Educação, atualmente autorizada pela Resolução do CME Nº 195 de 16 de dezembro do ano de 2015.

887
A escola funcionou no regime Mobral, em sua fundação em 1972, e a partir de 2007 passou a oferecer a EJA,
mostrando a experiência da escola com esse público específico. No entanto, atualmente a instituição não oferece
apenas a EJA, mas também o Ensino Fundamental I, com 1ª fase de 1º ao 5º ano e do Ensino Fundamental II, com
a 2ª fase de 6º ao 9º ano na modalidade EJA. À noite, das 19h às 22h funciona a EJA, com um programa de ensino
adequado esse público, aprovado pela resolução do Conselho Municipal de Educação.
A Escola Municipal Noturna atende os alunos que não tiveram oportunidade de estudar na idade apropriada, por
motivos variados. Conforme o próprio PPP da escola, entre os principais motivos para isso, elencam-se o abandono da
escola, visto que crianças e jovens abandonam a escola para ajudar o sustento de casa. Menciona-se também que muitos
estudantes vieram de outros locais em que não haviam escolas, o que também leva o público a procurar a escola noturna.
É importante ressaltar que a escola recebe vários alunos apenados em regime semiaberto, os quais vêm frequen-
tando a escola normalmente, o que, inclusive visa atender a uma das metas da escola, regimentadas pelo PPP, que, em-
basado pelo Plano Nacional de Educação, afirma que é meta da instituição recepcionar alunos apenados e prover-lhes
educação de qualidade, sem distinção de tratamento (ESCOLA MUNICIPAL NOTURNA DE QUIRINÓPOLIS, 2018).
Esses alunos são os que estão condenados pela justiça a cumprir regime semiaberto, os quais cumprem a pena
jurídica, mas frequentam a escola e cumprem com seus afazeres escolares, cabendo ressaltar que, na localidade, a esco-
la é a única que efetivamente empreende esse trabalho, que, além de prover educação, também assegura uma acolhida
na tentativa da almejada reinserção social.
A escola procura contemplar os alunos que não sabem ler e escrever que querem ser alfabetizados e os que já
possuem essas habilidades, mas desejam adquirir o diploma e outros saberes para assegurarem a plena participação
cidadã na comunidade. Portanto o objetivo da escola é voltado para as características e especificidades dos sujeitos
aos quais ela se destina.
Os alunos que procuram a EJA são indivíduos que foram marginalizados tanto na esfera socioeconômica quan-
to na educacional, assim sendo, passaram por dificuldades e não conseguem fazer parte ativamente do mundo do
trabalho, da política e da cultura, pois não possuem uma bagagem educacional. A faixa etária dos alunos da EJA é de
15 anos completos para cima, grupo composto também por adultos e idosos (ESCOLA MUNICIPAL NOTURNA
DE QUIRINÓPOLIS, 2018).
Os aspectos econômicos dos alunos são variados, mas a maioria possui baixa renda, conforme dados dispo-
nibilizados pelo próprio PPP. A escola propõe formar cidadãos com as competências (conhecimentos/habilidades/
valores) básicos para a vida em qualquer lugar do mundo, sobretudo para alunos com necessidade evidente.
De acordo com a documentação que arregimenta a escola, sua missão é oferecer um ensino de excelência, for-
mando o aluno/cidadão com competência para o mundo do trabalho e com visão político-social, proporcionando a
todos os alunos um ambiente de respeito pelo próprio e eficiência nos serviços prestados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gostaríamos de destacar a importância da Educação de Jovens e Adultos no intuito de promover a inclusão es-
colar de pessoas que por motivos variados foram excluídos do sistema escolar, essa inclusão escolar também promove
a inclusão social dos indivíduos.
Desse modo, este trabalho teve a intenção de apresentar como objetivo geral investigar a trajetória histórica
da Escola Municipal Noturna de Quirinópolis, que oferece matrículas para a Educação de Jovens e Adultos e atual-
mente recebe os presos que estão cumprindo pena no regime semiaberto. Verificou-se, no decorrer da pesquisa, a
importância da Educação de Jovens e Adultos no contexto educacional focando a inclusão dos indivíduos. O trabalho
foi realizado a partir de pesquisas bibliográficas de diversos autores e pesquisa documental feita na Escola Municipal
Noturna de Quirinópolis/Goiás.
Com a pesquisa realizada, podemos encontrar pistas de que a EJA pode ser um importante instrumento para
a inclusão de jovens e adultos e principalmente apenados, seja em regime fechado ou semiaberto, no contexto edu-
cacional, motivando-os a mudanças e atitudes. Isso ocorre porque a EJA oferece motivos para sua inclusão social
fazendo-os com que façam parte da sociedade com voz ativa e democrática.

888
Por meio das informações obtidas, percebeu-se que a educação de apenados é uma área da pedagogia muito
importante, mas que ainda não tem o reconhecimento merecido. Ainda que as iniciativas de EJA para esse público
sejam tímidas, foi possível perceber que, mesmo que muitos projetos e experiências de EJA carreguem concepções
assistencialistas, o importante é que elas existem e podem ser debatidas nos fóruns públicos.
Assim, ficou claro que a EJA no contexto da escola estudada pode possibilitar tanto o conhecimento quanto a
inclusão educacional e social de indivíduos que se encontram à margem da sociedade: os apenados em regime semia-
berto, que têm seu direito à educação assegurado tanto pelo Estado quanto pela sociedade, e conseguem se reinserir
aos poucos na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de vida da população brasileira: 2015 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2015.

889
HISTÓRICO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA
EM ESPAÇO DE MEMÓRIA

Profa Dra Luciana de Maya Ricardo – SEDF – MUDE1

INTRODUÇÃO

As histórias e memórias que nos acompanham pela vida são recolhidas durante nossa existência. São contadas
de várias formas, conforme o narrador no momento do relato e sua interação com o instante vivido relatado, trazen-
do consigo grande carga de conhecimentos a serem repassados, resignificados e, novamente, após reestruturação, ser
colocado em prática, “uma reconstrução continuamente atualizada do passado” (CANDAU, 2014, p. 9), que, confor-
me Sant’Anna, preserva a “memória de fatos, pessoas ou ideias, por meio de constructos que as comemoram, narram
ou representam, [...] uma prática que diz respeito a todas as sociedades humanas” (SANT’ANNA, 2003, p. 46). E o
narrador, esse viajante que vem do passado por meio de suas memórias, aproxima-nos de uma experiência vivida
num ponto qualquer, distante no passado, em um tempo e em um espaço no qual a “distância é mediada pela experi-
ência pessoal do narrador” (GONÇALVES, 2003), que impõe sua marca na narrativa, mas que não tem domínio sobre
a audiência, que é livre para interpretá-la, criando um intercâmbio de experiências e interligando essas experiências
de uma coletividade por vínculos afetivos.
O tempo, então, “torna-se tempo humano na medida em que é articulado de maneira narrativa” (CANDAU,
2014, pp. 70-71), e narrar uma história é ordená-la de forma coerente, dando sentido à vida. De acordo com Candau,
a memória nos dá a ilusão de que “o que passou não está definitivamente inacessível, pois é possível fazê-lo reviver
graças à lembrança” (CANDAU, 2014, p. 15).
O museu, nesta narrativa, vem musealizando o diálogo entre o sujeito e os objetos e/ou os saberes e fazeres
das comunidades, guardando essas memórias, mas também abrindo espaço para que toda a memória cultural de uma
comunidade possa ser vivida e naturalmente renovada pela participação ativa dessa comunidade nos seus
espaços, incluindo aqui a “vivência do próprio espaço arquitetônico” (GABRIELE, 2010, p. 141), tornando-se
instrumento de revitalização da vida e do próprio espaço público.
O ato de comunicar dos museus, a comunicação museológica, “é troca, diálogo e negociação dos sentidos patri-
moniais entre sujeitos” (CURY, 2004, p. 90), sendo os sujeitos desta comunicação “agentes ativos na (re)significação
do objeto”(Idem, ibidem), da atualização e da democratização do espaço do museu, para a sua (re)significação cultural
pela própria comunidade.
Nesta narrativa histórica, o museu vem dialogando com a comunidade e com a educação e se estruturando na
contemporaneidade como um dos espaços onde ela pode acontecer e produzir conhecimento na ação, pois

[...] interessa pensar a educação como alguma coisa que não se faz sem se ter em conta um determinado patrimô-
nio cultural e determinados aspectos da memória social; [...] interessa compreender a educação como prática social
aberta à criação e ao novo, à eclosão de valores que podem nos habilitar para a alegria e a emoção de lidar com as
diferenças. [...] Todavia o novo pode eclodir e explodir a partir da relação que formos capazes de manter com as
coisas ou imagens. Imagens e coisas também nos olham, nos ensinam, nos condicionam e exercem sobre nós o seu
poder de afetar e serem afetadas (CHAGAS, 2004, p. 145).

Rememorar a história de um museu que foi forte referência cultural para sua comunidade na década de 1990, o
Museu Vivo da Memória Candanga, que pretendeu contar uma dentre tantas narrativas possíveis em sua exposição
1 Doutora em Educação – FE/UnB (2017), Mestre em Cultura Visual – FAV/UFG (2008), Graduada em Licenciatura Plena em Educação
Artística - Plástica, Faculdade de Artes Dulcina de Moraes/FBT (1989). Atualmente compõem o Grupo de Trabalho do Museu da Educação
do DF, respondendo pela área de Educação Patrimonial. luciana.maya@gmail.com

890
e que foram parcialmente contadas nas diversas visitas individuais ou de grupos, nos cursos ministrados em suas ins-
talações, nas atividades abertas ao público nos finais de semana ou que apenas ficaram na subjetividade dos visitantes
que circulavam entre os prédios históricos, demonstra a força que as lembranças, o espaço e a preservação de memó-
rias pode ter junto a sua comunidade, preservando os referenciais culturais, criando conhecimento e contribuindo
para o desenvolvimento da sociedade.
Contar histórias, rememorá-las, sendo estas boas ou ruins, é um primeiro passo para a reconstrução das tradi-
ções culturais, para o caminhar natural do desenvolvimento da humanidade.

ANTECEDENTES (1950/1960/1970), CONCEPÇÃO E RECONSTRUÇÃO (1980/1990) DO


ESPAÇO

A cidade de Brasília foi planejada para ser construída rapidamente em três anos, conforme promessas políticas
do presidente da República Juscelino Kubistchek de Oliveira, que acabou trazendo para o centro do país uma enor-
midade de brasileiros que atenderam ao seu chamado, feito pelas rádios de todo o Brasil, convocando-os a participar
da construção da nova capital brasileira que se ergueria e traria o progresso ao centro da nação.
Como forma de viabilizar tal empreitada em tão pouco tempo e acomodar a massa de trabalhadores que para
o Planalto Central se dirigiu e que trabalhava em três turnos seguidos, as construtoras ergueram alojamentos em
madeira para seus empregados próximos aos locais das obras, em alvenaria e concreto, que estavam realizando. Dessa
forma, pequenas vilas de madeira foram construídas e acabaram por se desenvolver ao redor dos prédios iniciais das
construtoras, “[...] as áreas residenciais se confundiam com os canteiros de obras. Os homens solteiros viviam em alo-
jamentos e as famílias nos acampamentos contíguos ou próximos às obras” (OLIVEIRA, 2008, p. 61). Assim surgiram
várias vilas de madeira que abrigaram os candangos2 que vieram para a construção de Brasília.
Todas essas construções, bem como a estrutura governamental que foi edificada para dar suporte à construção
da cidade, foram erguidas em madeira com a clara orientação de serem desmontadas ou demolidas ao final da cons-
trução de Brasília e sua inauguração. Criou-se, então, um problema, pois vilas/cidades inteiras foram construídas e,
junto delas, redes sociais se estabeleceram, uma vez que quem construiu a cidade queria ficar e não iria partir, pois
foi convocado para vir construir a nova capital. Mandá-los embora e/ou demolir seus lares não era uma opção viável
diante da grandiosidade que Brasília tomou para o país e aos olhos do mundo, além de, na realidade, a cidade não estar
completamente construída e ainda precisar da mão de obra que aqui se estabeleceu.
No Distrito Federal (DF), restou ao governo criar e legalizar cidades e vilas ao redor de Brasília, as cidades-
-satélites3, para abrigar a massa de trabalhadores e suas famílias. Porém, “o processo de remoção inicial se deu antes
mesmo da inauguração de Brasília, no ano de 1958 [...]” (OLIVEIRA, 2008, p. 62), e em sequencia, na década de 1970,
reiniciam-se os trabalhos de erradicação das favelas e resquícios dos assentamentos pioneiros, com a construção
de outras cidades-satélites ou a transferência de grupos para as cidades já preexistentes ao DF. A primeira grande
invasão que foi retirada, a do IAPI, compunha-se de um aglomerado de favelas que estavam instaladas ao redor do
primeiro hospital criado em Brasília para dar suporte a toda a construção da cidade, o Hospital Juscelino Kubistchek
de Oliveira (HJKO), também conhecido como IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários), o INSS
(Instituto Nacional de Seguro Social) da época, dividido por categorias profissionais (figura 3). Figura 2
O hospital, também erguido provisoriamente pelo governo todo em madeira, foi preterido na década de 1960,
quando da inauguração no centro da cidade, do hoje Hospital de Base, e sua completa desativação, em 1974. O antigo
complexo do HJKO era formado pelo prédio principal do hospital, almoxarifado, necrotério, lavanderia, cozinha,
oficina mecânica para as ambulâncias, alojamento para os solteiros e casa para médicos e funcionários casados. Todo
esse complexo, que havia sido rodeado pela invasão do IAPI, foi sendo aos poucos, com a entrega de casas e aparta-
mentos em Brasília para os médicos e demais funcionários, abandonado por uns e reapropriado por outros tantos que
já viviam por ali ou mesmo que continuaram vivendo no local.

2 Denominação dada aos trabalhadores braçais que vieram de todo o Brasil para construir Brasília.
3 Hoje são denominadas Regiões Administrativas ou cidades.

891
A ideia original aqui também era desmontar os prédios de madeira, como já citado anteriormente, e a comuni-
dade do HJKO foi pressionada pelo proprietário do terreno a sair do local para que ele fosse demolido. Porém, seus
moradores iniciaram, em 1984, uma empreitada distinta das outras localidades, reivindicando sua permanência e a
manutenção do local como Patrimônio Cultural do DF, dando início a um movimento que legitimava o local como
espaço de memória daquelas pessoas e da construção da Nova Capital.
O processo de tombamento do espaço, contudo, não teve continuidade em um primeiro momento ficando a
documentação com tal solicitação parado no Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal
(DePHA) órgão da Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal à época, chegando seus solicitantes, que ima-
ginavam poder permanecer no local com o seu tombamento, a receber casas da Sociedade de Habitações de Interesse
Social Ltda. (SHIS), órgão do Governo do Distrito Federal (GDF) específico para cuidar da política habitacional no
DF, onde, pela incerteza de poderem se apropriar das moradias do antigo hospital, estes haviam feito inscrição e ter-
minaram por receber as casas na Candangolândia.
O Local fica abandonado e a 14ª Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
que cuidava do patrimônio cultural do Centro-Oeste do Brasil, a época, e o DePHA, identificam o local como acam-
pamento pioneiro e, consequentemente, como memória de Brasília, pois são edificações “do antes”, e começaram a
pensar nas possibilidades culturais que o espaço poderia oferecer à cidade.
Em 1985 o arquiteto Silvio Cavalcante foi convidado a dirigir o DePHA, e em novembro desse ano o HJKO foi
tombado. A partir daí foi traçada uma proposta de restauração e revitalização do espaço, tendo como base a criação
do Museu Vivo da Memória Candanga (MVMC) (figura 5), que foi feita por decreto assinado pelo então governador
José Aparecido.
A ideia de um museu se deu por conta da visão orgânica que este proporciona, compreendendo-o “como
espaço de transformação social e desenvolvimento educacional e cultural da sociedade, cuja função é resguardar iden-
tidades, estabelecer vínculos com o passado, fazer conhecer o presente para influir decisivamente no futuro” (FEDF/
SEMATEC/IEMA/SCECS - DePHA, GDF., 1992/1993, p. 21). No caso do MVMC, a intenção de revitalização do
HJKO pretendia, mais especificamente, a preservação do sítio histórico com a criação de um local de encontro “com
a riqueza cultural advinda da diversidade característica do processo de formação de Brasília” (idem, Ibidem), inte-
grando-o à dinâmica urbana e sociocultural do DF, e legitimando-o como local de pesquisa, preservação e difusão da
história, da memória e da cultura candanga.
O restauro (figura 7) se iniciou por uma das casas da alameda do HJKO, de um total de dezessete prédios dis-
tribuídos em uma área de 187.000m2 (figura 6). Logo após seu término, o DePHA se mudou para o local.

CAMINHOS PENSADOS – BASES ESTRUTURAIS DO MUSEU

O DePHA era constituído nessa época pela direção, uma gerência de proteção e tombamento, uma gerência
de pesquisa, e criou-se a gerência de revitalização, na qual o Museu Vivo da Memória Candanga e todo o trabalho
educativo do departamento e consequentemente do museu, estavam fixados.
O museu foi pensado e estruturado a partir de seu acervo4, e de ações de dinamização, formação e produção,
que ocorriam nas Oficinas do Saber Fazer do Museu, que eram espaços físicos onde aconteciam os trabalhos de pes-
quisa, educação e produção do Museu tendo, tendo cada Oficina5 — do Barro, da Fibra, da Madeira, da Memória,
dos Materiais Alternativos, do Cerrado, do Som e a Ludoteca — Casa de Brinquedos —, um espaço que variava de

4 O acervo do MVMC é composto da Coleção Mário Moreira Fontenele — Equipamentos e fotos —, Coleção Brasília Palace Hotel —
mobiliário, utensílios e equipamentos —, Coleção Artesanato Renovado — primeiro projeto nacional unindo artesãos e designers —, Coleção
Arte popular — Peças oriundas do Museu de Arte de Brasília, quando este definiu seu acervo em arte moderna e contemporânea. Apresenta
variedade importante de materiais, formas, modos de fazer além de artistas da região Centro-Oeste —, Coleção Joaquim Paiva — Exposição
fotográfica do artista, que esteve exposta na Galeria da Caixa Econômica Federal (CEF), no aniversário de 50 anos de Brasília. A coleção foi
doada completa, pelo artista —, e peças de mobiliário, fotografias, discos, colchas, entre outros objetos e utensílios doados pela comunidade.
5 Foram pensadas mais oficinas, como do metal, do traço, da escrita, das artes gráficas e da fotografia, mas efetivamente apenas oito tiveram
espaço físico e encontraram um coordenador e professores para seu desenvolvimento e integração com o projeto proposto pelo Museu.

892
60m2 a 120m2 aproximadamente. A ideia era que a comunidade ocupasse, se apropriasse culturalmente do espaço em
restauração e desse vida a ele.
A revitalização da área baseava-se nos preceitos da sociomuseologia, corrente da museologia que trouxe novas
proposições aos museus, e preconizava “uma participação mais ativa na comunidade, assumindo [o museu] seu ca-
ráter educativo, formativo e difusor de conhecimento” (GABRIELE, 2012, p. 36) e que propunha um novo conceito
para as ações destes, definindo-os como museus integrais, “destinados a proporcionar à comunidade uma visão de
conjunto de seu meio material e cultural” (ICON, 1972, p. 120), dialogando com a comunidade. Conforme cita em de-
poimento Marília Panitz Silveira6, gerente de revitalização do DePHA, era necessária a implantação de uma proposta
educativa embasada na cultura local e com profissionais da educação dispostos a construir este projeto com o DePHA
e o museu, o que reforçava outra resolução da Mesa Redonda de Santiago, onde ficou posto que era “necessário abrir
o museu às disciplinas que não estão incluídas no seu âmbito de competência tradicional, a fim de conscientizá-lo do
desenvolvimento antropológico, socioeconômico e tecnológico” (ICON, 1972, p. 114).
Para viabilizar as atividades nas oficinas, o DePHA firmou convênio por meio da Secretaria de Cultura (SC)
com a Fundação Educacional do Distrito Federal (FEDF) e a Secretaria do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia
(SEMATEC). Tal convênio cedia um número determinado de profissionais da FEDF e SEMATEC para trabalhar na
Secretaria de Cultura, Esporte e Comunicação Social, com a intenção de promover uma série de ações em favor do
patrimônio cultural no DF, implementando ações, entre outras, de formação e produção cultural, por meio do fun-
cionamento das oficinas. Como Plano de Trabalho do convênio, o projeto Refazendo a Trama — Educação, Cultura
e Meio Ambiente englobando todas as ações foi criado com a participação dos diversos setores competentes de cada
órgão.
Em contrapartida aos professores da FEDF cedidos por força de convênio, ministravam cursos de atualização
e formação continuada para professores dinamizadores da rede pública de ensino do DF, no museu, certificados pela
Escola de Aperfeiçoamento de Profissionais de Educação (EAPE), da Secretaria de Educação (SE), além de curso de
formação de Guardas Mirins, e o atendimento a estudantes da rede pública de ensino “dentro de um programa de
interação museu-escola” (Idem, Ibidem), com visitas guiadas e orientadas para o patrimônio cultural e ambiental.
O espaço escolhido para o desenvolvimento do projeto foram as dependências das Oficinas do Barro, Fibra,
Cerrado, Materiais Alternativos7, Madeira, Memória e Capoeira8 —, e toda a área externa arborizada. O local ainda
oferecia exposição permanente, auditório para 80 pessoas, biblioteca e estacionamento para carros e ônibus.
O projeto foi apresentado em termos gerais e posteriormente dividido em três subprojetos: subprojeto Di-
namizadores, subprojeto Guardas Mirins e subprojeto Viva o Museu!9. Este texto foca o trabalho realizado com os
professores dinamizadores, mas, para melhor compreensão do trabalho como um todo, descreverá brevemente aqui
a intenção inicial de todos os subprojetos.

6 Depoimento de Marília Panitz Silveira dado à autora em 20/01/2015.


7 Esta oficina posteriormente veio a se chamar Oficina do Papel, já que, de todas as técnicas trabalhadas inicialmente, a que se desenvolveu
e terminou por ocupar todo o espaço da oficina foi a produção de papel artesanal e seus desdobramentos.
8 Esta oficina não fazia parte do quadro de oficinas permanentes do Museu, tendo sido ministrada em um galpão que não havia sido
restaurado ainda e em parceria com a comunidade do Núcleo Bandeirante.
9 Programa de visitas guiadas do museu inicialmente só para alunos da rede pública de ensino.

893
1. O subprojeto Dinamizadores10

Este subprojeto compreendia o atendimento aos professores da rede pública de ensino e pretendia oferecer,
inicialmente, duzentas e dez vagas por ano a professores dinamizadores, com frequência quinzenal no museu, sem-
pre às segundas-feiras, dias de coordenação ou folga dos dinamizadores dentro da Fundação Educacional11.
Seus objetivos específicos eram:
• sensibilizar os grupos para a utilização criativa dos diversos materiais visando uma postura ecológica
no sentido de proteger/economizar/reciclar;
• despertar os alunos para as potencialidades do meio ambiente no que concerne à reciclagem de mate-
riais a serem transformados nas oficinas;
• despertar nos dinamizadores a consciência da importância da vinculação da produção cultural;
• informar aos participantes sobre as técnicas tradicionais de transformação dos materiais e criar um
espaço nas oficinas para a aplicação de tecnologias;
• instrumentalizar os grupos para a aplicação dos conceitos, das linguagens e das técnicas pesquisadas nas
oficinas, em sala de aula;
• transmitir informações básicas sobre as características ambientais do Distrito Federal, enfatizando a
biodiversidade do cerrado;
• registrar e difundir a cultura local, ou seja, as diversas vertentes culturais que se encontram e integram
no âmbito do Distrito Federal compreendendo suas cidades-satélites;
• criar mecanismos que garantam aos dinamizadores a multiplicação das experiências obtidas, possibili-
tando, dentro das escolas, um trabalho permanente de educação ambiental/educação patrimonial;
• firmar o Museu Vivo da Memória Candanga como espaço de reciclagem e aperfeiçoamento de profes-
sores da rede oficial;
• completar o trabalho teórico desenvolvido na área de educação ambiental (curso do IEMA) com a prá-
tica obtida nas oficinas (FEDF/SEMATEC/IEMA/SCECS - DePHA, GDF., 1992/1993, p. 8).

Este subprojeto de formato transdisciplinar, que perdurou por dez anos, esteve sempre em constante constru-
ção e recriação a cada nova edição, seja para redimensioná-lo quanto ao número de alunos participantes, seja para a
inserção de novas oficinas e, consequentemente, a ampliação ou a diminuição do número de turmas e vagas; para a
inserção de novos conteúdos e/ou novos textos sobre velhos assuntos; para a reformulação de seu formato de aten-
dimento, inclusive com a diminuição da carga horária total de 180h/aula para 120h/aula, mas sempre trabalhando
sob a perspectiva da educação não formal junto à educação formal12, tendo suas ações desenvolvidas por equipe
multidisciplinar, conforme coloca o professor Estevão Ribeiro Monti13, coordenador, à época, da Oficina do Cerra-
10 Com a criação, em 1977, da lei que garantiu aos professores regentes de turmas de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, 4 horas semanais,
por turno, para o planejamento de atividades e produção de material pedagógico, foi criado administrativamente um problema, pois sem
o professor regente a escola não tinha quem assumisse a turma na ausência deste. Assim, é criada a figura do professor dinamizador para
o desenvolvimento de atividades de recreação, educação física, artes e ensino religioso, caso tivesse credenciamento para tal. Na realidade,
estes professores não tinham credenciamento e diversas turmas eram deixadas com o professor dinamizador, criando um verdadeiro caos na
escola, além do trabalho ser sempre provisório, inacabado e insatisfatório para todos. O subprojeto do Museu Vivo da Memória Candanga
foi criado inicialmente somente para os dinamizadores como forma de dar suporte as suas atividades na escola (posteriormente foi aberto
a professores de arte, geografia, história e, mais tarde, a qualquer professor). A dinamização só foi extinta nas séries iniciais do ensino
fundamental quando da implantação dos ciclos de aprendizagem com os professores atuando num turno em sala de aula e no outro em
atividades de planejamento e avaliação. (Dados informados pela Profa Dra. Alice Fátima Martins).
11 Posteriormente o curso foi aberto aos professores de arte que também tinha sua coordenação ou folga as segundas-feiras.
12 Para a FEDF/SC, que cedia os professores para o MVMC, somente o trabalho desenvolvido dentro de sala de aula convencional, no
interior de uma escola, era considerado educação formal. Portanto, o trabalho desenvolvido no museu, mesmo sendo realizado em salas
ambiente e local com infraestrutura adequada para o desenvolvimento das atividades, era considerado educação não formal.
13 Depoimento de Estevão Ribeiro Monti dado à autora em 31/03/2015.

894
do, que ainda cita a importância da multireferencialidade, da transinstitucionalidade, da interdisciplinaridade, e da
transdisciplinaridade para o desenrolar de toda essa trama educacional e cultural que foi esta ação educativa. Importa
lembrar que a transdisciplinaridade

[...] é uma teoria do conhecimento, é uma compreensão de processos, é um diálogo entre as diferentes áreas do
saber e uma aventura do espírito. [...] é uma nova atitude, é a assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido
da capacidade de articular a multireferencialidade do ser humano e do mundo. Ela implica numa postura sensível,
intelectual e transcendental perante si mesmo e perante o mundo. Implica, também, em aprendermos a decodificar
as informações provenientes dos diferentes níveis que compõem o ser humano e como eles repercutem uns nos
outros. A transdisciplinaridade transforma nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social, remetendo para a
reflexão respeitosa e aberta sobre as culturas do presente e do passado, do Ocidente e do Oriente, buscando contri-
buir para a sustentabilidade do ser humano e da sociedade (SOMMERMAN, MELLO, & BARROS, 2002, pp. 9-10),

e que no projeto pedagógico do museu atuou tecendo todo esse diálogo entre a educação e a cultura.

2. O subprojeto Guardas Mirins

O subprojeto Guardas Mirins pretendia a formação de agentes ambientais mirins para atuarem em espaços
dentro ou circunvizinhos a comunidades onde moravam, como o caso dos pré-adolescentes da Candangolândia, vi-
zinha ao Jardim Zoológico de Brasília. Participaram escolas da Candangolândia, Núcleo Bandeirante, Metropolitana
e Guará durante quatro anos. Dentro do Museu Vivo, este subprojeto estava sob a responsabilidade da Oficina do
Cerrado e pretendia o atendimento a noventa guardas mirins nas oficinas do museu.
Este subprojeto, como outras atividades da oficina do cerrado, interagiu transdisciplinarmente com as demais
oficinas e o museu em sua totalidade, e só encerrou suas atividades quando o convênio com a SEMATEC findou.

3. O subprojeto Viva o Museu!

O Viva o Museu! é o único projeto do museu que conseguiu se manter até os dias atuais, apesar de várias mo-
dificações feitas pelas equipes de atendimento no decorrer dos anos14, firmando-se como programa permanente de
visitas orientadas do museu. Em suas origens pretendia o atendimento de no máximo 40 alunos da rede oficial de
ensino por visita.
Conforme o projeto preocupava-se com a formação dos monitores, que deveria evitar o “padrão didático”
(Idem, p.15), pois não se tratava de “dar aula” (Idem, Ibidem) no museu. Isso fica claro na colocação sobre o “treina-
mento” (Idem, Ibidem), que salientava que estes deveriam contrapor-se a um padrão escolar com aulas enfadonhas
e monótonas de ensino. Para tal, estes seriam munidos de textos sobre a história e meio ambiente do DF, além de
conteúdo com experiências de outros museus.
Para as atividades pré e pós-visita, foram produzidos materiais pedagógicos “eminentemente lúdicos” (idem,
Ibidem), visando incitar o aluno à pesquisa e ao senso crítico, fruto de uma análise de contraposição a dados do pas-
sado com o presente.
Quanto às visitas em si, cumpriam algumas etapas, sendo elas: a) sensibilização — atividade inicial para recepção
dos alunos; b) visita à exposição permanente; c) projeção de vídeos (15min.) — projetava filmes da época da constru-
ção da cidade; d) atividade na Oficina da Memória — local específico para receber as escolas após a visita, munido dos
materiais pedagógicos produzidos especificamente para o museu, além de atividades como criação de textos orais e
escritos, encenações, atividades plásticas, entre muitas outras; e) atividades na Oficina do Cerrado — oportunidade de
um contato mais próximo com informações e atividades sobre o meio ambiente; f) visita às Oficinas do Saber Fazer

14 Atualmente o projeto apenas repassa informações sobre a história de Brasília e seus antecedentes, não realiza nenhuma atividade após a
visita orientada e não conta com nenhuma coordenação pedagógica.

895
— oportunidade de observação das diversas técnicas desenvolvidas nas outras oficinas do saber fazer; e g) recreação —
visa à revitalização de brincadeiras ao ar livre, como pular corda, cabra-cega, pique, roda e suas cantigas tradicionais.
O atendimento era feito por uma professora responsável pela divulgação do subprojeto, seu agendamento e
acompanhamento, conforme relato da professora Celiana Barroso Camapum15, que esteve à frente do subprojeto no
decorrer da década de 1990. Posteriormente a Secretaria de Cultura disponibilizou estagiários para melhorar e au-
mentar o atendimento, e as Oficinas do Cerrado, da Memória e Ludoteca — Casa de Brinquedos, também começaram
a atuar nas visitas e atividades, dando a cada atendimento um enfoque diferente dentro do universo do museu.
Para o DePHA, o trabalho de revitalização deveria “cumprir o papel de devolver aos bens restaurados uma
função social, e à comunidade o acesso a estes bens” (FEDF/SEMATEC/IEMA/SCECS - DePHA, GDF., 1992/1993,
p. 20), e, como forma pioneira de preservação dinâmica e difusão do patrimônio cultural, o museu foi sendo pensado
e estruturado para que, além da prática constante do diálogo interno entre todas as suas áreas — acervo, educação,
produção, pesquisa, visitas orientadas, atendimento à comunidade, coleta de depoimentos, entre outros —, dialogas-
se com áreas de educação, patrimônio cultural, produção, arte popular, artesanato, design e outras tantas possíveis e
importantes ao diálogo transdisciplinar, que era a tônica de suas ações, como com outros setores do GDF, da esfera
federal e de órgãos não governamentais.
Era importante, nas palavras de Silveira16, que as práticas nas oficinas fossem de caráter educativo, como os
cursos ministrados, os espaços de produção e de pesquisa, os eventos criados com temas regionais ou por linguagem
de trabalho de cada oficina, e que fossem reconhecidas como espaço de memória tanto quanto o espaço expositivo.
Valorizava-se a memória contida nos saberes e fazeres de cada indivíduo, pois a história oficial já havia sido
escrita pelos órgãos do governo, e a confluência de pessoas de todo o Brasil “configurava uma cultura em formação”.
Em realidade, toda a área do museu, com suas casas de madeiras, as árvores do cerrado ou as frutíferas plantadas por
seus ex-moradores, a exposição Poeira, Lona e Concreto, ou as ações desenvolvidas nas Oficinas do Saber Fazer, eram
consideradas portadoras de saberes e memórias, e o próprio museu, consequentemente, um espaço de memória.
Conforme cita Freire, os espaços das cidades são educativos e se realizam “também através do tratamento de sua me-
mória e sua memória não apenas guarda, mas produz, estende, comunica-se às gerações que chegam. Seus museus,
seus centros culturais, de arte são a alma viva do ímpeto criador, dos sinais da aventura do espírito” (apud GADOTTI,
2005, p. 7).
Ainda segundo Silveira17, balizavam as ações do Museu Vivo, como é carinhosamente chamado o Museu Vivo
da Memória Candanga, experiências vindas de museus da França e Espanha.

Naquela época, já existiam experiências de sucesso, no Brasil e no exterior, de transformar espaços históricos exis-
tentes em grandes centros urbanos, a exemplo do Pelourinho e do Recife antigo, em espaços de memória, museus
vivos, com oficinas, ateliers, etc.18

Ademais, aqui no Brasil, continua Silveira19, nos órgãos do governo ligados ao patrimônio, também era um
pensamento da época a ligação dos espaços culturais com a educação, como os trabalhos e pesquisas com patrimônio
imaterial do extinto CNRC (Centro Nacional de Referência Cultural), da Fundação Pró-Memória, do SPHAN (Ser-
viço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), atualmente sintetizados no IPHAN. Todos foram importantes e
contribuíram para a construção da prática pedagógica desenvolvida no Museu Vivo que, entre outras ações, estabele-
ceu-se como referencia efetiva na formação de educadores para a prática da educação patrimonial nas escolas do DF,
na década de 1990 e início de 2000.

15 Depoimento de Celiana Barroso Camapum dado à autora em 31/03/2015.


16 Depoimento de Marília Panitz Silveira dado à autora em 20/01/2015.
17 Depoimento de Marília Panitz Silveira dado à autora em 19/01/2015.
18 Depoimento da historiadora Maria das Graças Sousa Coutinho dado à autora em 05/02/2015.
19 Depoimento de Marília Panitz Silveira dado à autora em 19/01/2015.

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BIBLIOGRAFIA

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897
IMPORTÂNCIA DO CADERNO DE CAMPO NA PESQUISA
COM HISTÓRIA ORAL

Nívea Oliveira Couto de Jesus - SEDUC/CRE Rio Verde

Este trabalho faz parte de fragmentos da abordagem metodológica da dissertação de Mestrado em Educação
intitulada “ESCOLA MUNICIPAL RURAL ÁGUA MANSA COQUEIROS EM RIO VERDE: HISTÓRIA E ME-
MÓRIA”. O texto objetiva analisar a importância do caderno de campo em pesquisas qualitativas com metodologia
de história oral. Utilizou-se, durante o percurso metodológico da pesquisa, o instrumento do caderno de campo do
pesquisador, para capturar as observações que emergiram do processo de coleta de dados. Logo, toma-se como ob-
jeto desse estudo as observações expressas no caderno de campo do pesquisador. A partir das práticas identificadas
foram realizadas dez entrevistas com os sujeitos envolvidos na História e Memória da unidade escolar. A pesquisa
apresenta os testemunhos históricos dos narradores de acordo com sua verdade em relação a história da construção
da escola, entrelaçada nas memórias e lembranças de cada sujeito participante desta pesquisa. Por meio das narrativas
e dos documentos consultados, observou-se que cada história individual se fez e se refez fortemente influenciada
e condicionada ao contexto da escola. Ao narrar sobre a escola, suas alegrias, crenças, mitos, tradições, angústias,
os narradores entrelaçaram leituras acerca das suas próprias vidas, possibilitando assim uma aproximação entre o
passado e o presente. O caderno de campo foi fundamental na apreensão das informações acerca das entrevistas e
informações dos depoentes. Para melhor organização dividiu-se o caderno de campo em duas partes, sendo uma com
o Corpus Oral: fontes orais/narrativas/entrevistas: ficha/questionário para o início da entrevista e outra com o Cor-
pus Escrito: Documentos. No Corpus Oral, o caderno de campo foi composto pelos dados dos entrevistados, perfil da
família e roteiro para as entrevistas, levando em consideração os professores e suas lembranças, a escola pesquisada,
experiências escolares e ex alunos e a importância da escolarização em suas vidas, relações entre o ambiente familiar
e a cultura letrada e experiência escolar dos pais e outros familiares. O Corpus Escrito contou com a catalogação
de vários documentos, cadernos escolares de alunos e dos professores, documentos oficiais, arquivos e escritos da
escola, diários escolares, boletins, currículo da escola, formas de avaliação dos alunos, cartas e correspondências de
professores, alunos, relatórios de inspetores, diretores, professores, cadernos de atas de reuniões da escola, conselhos
escolares/de classe, de secretaria, apostila de nomeação e ou registro de atividade funcional, Jornais, revistas, docu-
mentários regionais e locais sobre os professores, a escola, as atividades e festividades cívicas, desfiles, concursos e
torneios literários e esportivos e fotografias. Conclui-se que o uso do caderno de campo tornou-se vantajoso frente
às investigações da pesquisa, onde buscou-se discutir a singularidade do trabalho de campo, envolvendo a relação
entre o pesquisador e as pessoas ouvidas, como condição de uma ciência que lida essencialmente com o indivíduo.
PALAVRAS CHAVE: Caderno de campo. História oral.

Palavras Iniciais

No caso deste estudo, em particular, analisa-se a pesquisa qualitativa que utiliza a metodologia de história oral.
Mais especificamente de um instrumento auxiliar nesse tipo de pesquisa: o caderno de campo. E que, não por acaso,
embora tenha protocolos indicados para a sua elaboração, na maioria das vezes se utiliza de uma linguagem e de um
formato menos formal.
Nesse tipo de pesquisa, pelo nível de explicações que pode se fazer necessário, e também pela importância que
têm o pesquisador e o sujeito da pesquisa, as informações exigem registros complexos (TRIVIÑOS, 1987). Dentre
as metodologias que podem ser adotadas nas pesquisas qualitativas, encontra-se a história oral, que Meihy (2005)
apresenta como sendo “[...] um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos

898
referentes à experiência social de pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do ‘tempo presente’ e também co-
nhecida como ‘história viva’”.
Nessa metodologia é imprescindível o uso de entrevistas na coleta de dados. Para Alberti (2005), a entrevista é
o núcleo, a parte principal, em um trabalho de história oral. É para ela que se devem voltar todas as atenções no início
dos trabalhos da pesquisa, assim como todo o cuidado com o tratamento a ser dado ao acervo gerado. De acordo com
Meihy e Ribeiro (2011, p.100), embora eles considerem o projeto “a peça mais importante” em história oral, “Seja
qual for qual for o gênero de história oral, o ato da entrevista se reveste de significado especial”. Ainda de acordo com
Meihy (2005, p. 24):

A história oral responde à necessidade de preenchimento de espaços capazes de dar sentido a uma cultura expli-
cativa dos atos sociais vistos pelas pessoas que herdam os dilemas e as benesses da vida no presente. Sua versão do
processo, porém, deve ser um legado de domínio público. [...] Em todos os quadrantes da vida individual ou co-
letiva despontam investidas que se completam com registros de experiências familiares, institucionais, de pessoas
comuns ou ilustres. Fatos notáveis e acontecimentos corriqueiros mostram que a noção de vida social apreendida
pela história oral é relevante em sua plenitude.

Embora seja praticamente impossível pensar a história oral sem os equipamentos eletrônicos, é preciso escla-
recer que, além desses equipamentos, obrigatoriamente é necessária a participação humana. E é justamente aí que
se traz um instrumento de grande importância nessa metodologia: o caderno de campo. No caderno de campo são
registradas não apenas observações relativas às entrevistas, mas também sobre o desenvolvimento da pesquisa.
Para Meihy (2005, p. 187), o caderno de campo deve funcionar “[...] como um diário em que o roteiro prático
seja anotado – quando foram feitos os contatos, quais os estágios para se chegar à pessoa entrevistada, como correu a
gravação, eventuais incidentes de percurso”. Ele deve ser produzido pelos responsáveis pela pesquisa e será de grande
ajuda no momento da análise dos documentos. Também poderá ajudar outros pesquisadores, que porventura con-
sultem as entrevistas, para dar-lhes condição de melhor compreender e avaliar o documento transcrito e o trabalho
produzido. Porém, essa ajuda a outros pesquisadores, verifica-se não ser uma unanimidade entre os pesquisadores do
tema. Enquanto Alberti (2005) considera a possibilidade de compartilhamento dos registros do caderno de campo,
Meihy (2005, p. 187) diz:

O caderno de campo deve funcionar como um diário íntimo no qual são registrados inclusive os problemas de
aceitação das ideias dos entrevistados, bem como toda e qualquer reflexão teórica decorrente de debates sobre as-
pectos do assunto. [...] O caderno de campo deve ser íntimo e o acesso a ele exclusivo de quem dirige as entrevistas.

O CADERNO DE CAMPO NO PERCURSO DA PESQUISA

Consiste num Instrumento de Anotações, um caderno com espaço suficiente para anotações, comentários e
reflexão, para uso individual do investigador no seu dia-a-dia. Nele se anotam todas as observações de fatos concre-
tos, fenômenos sociais, acontecimentos, relações verificadas, experiências pessoais do investigador, suas reflexões e
comentários. Ele facilita criar o hábito de escrever e observar com atenção, descrever com precisão e refletir
sobre os acontecimentos. (FALKEMBACH, 1987)
Para operacionalização da pesquisa alguns procedimentos foram adotados, tais como organizar caderno de
campo contendo a lista de controle do andamento do projeto: dados do projeto, dados dos contatos (indicação do
contato, data de contato, forma de contato, data(s) da(s) entrevista(s) e local da(s) entrevista(s)), dados do andamento
das etapas e de preparo do documento final (primeira transcrição, textualização, transcrição, conferência e carta de
cessão de direitos) e envio de correspondências (data da carta de apresentação do projeto, data do agradecimento(s)
da(s) entrevista(s), data da remessa da entrevista para conferência e data da carta de cessão), afim de que pudéssemos
construir o corpus oral da pesquisa.
Depositário da memória da pesquisa, o caderno de campo é instrumento essencial, é um instrumento de re-
flexão. (ACHUTTI; HASSEN, 2004, p. 287). O caderno de campo como instrumento possibilitou capturar as obser-

899
vações que emergiram do processo de coleta de dados. A partir das práticas identificadas foram realizadas dez entre-
vistas com os sujeitos envolvidos na História e Memória da unidade escolar. A pesquisa apresenta os testemunhos
históricos dos narradores de acordo com sua verdade em relação a história da construção da escola, entrelaçada nas
memórias e lembranças de cada sujeito participante desta pesquisa.
Alberti (2013, p. 173), evidencia seu raciocínio segundo o qual nos casos de entrevistas temáticas, nas quais o
depoente é solicitado a falar apenas sobre determinado tema, um conhecimento exaustivo de sua biografia pode não
ser tão relevante. Mas tanto em um caso como no outro devem-se considerar os dados biográficos do entrevistado
quando da elaboração do roteiro da entrevista, a fim de obter melhores resultados no momento de sua realização.
No caderno de campo constam as impressões, bem como as ilações feitas a partir dos vínculos com entrevistas
anteriores e hipóteses levantadas para enlaçar as futuras, funcionando como um diário íntimo, em que são registrados
até os problemas de aceitação das ideias dos entrevistados, bem como toda e qualquer reflexão teórica decorrente de
debates sobre aspectos do assunto. (MEIHY; HOLANDA, 2015, p. 152).
Para melhor organização dividiu-se o caderno de campo em duas partes, sendo uma com o Corpus Oral: fontes
orais/narrativas/entrevistas: ficha/questionário para o início da entrevista e outra com o Corpus Escrito: Documen-
tos. No Corpus Oral, o caderno de campo foi composto pelos dados dos entrevistados, perfil da família e roteiro para
as entrevistas, levando em consideração os professores e suas lembranças, a escola pesquisada, experiências escolares
e ex alunos e a importância da escolarização em suas vidas, relações entre o ambiente familiar e a cultura letrada e
experiência escolar dos pais e outros familiares. Abaixo um recorte da entrevista realizada com pioneira da criação da
escola pesquisada, contida no diário de campo digital (em vídeo) e escrito (transcrição da entrevista com carta cessão
registrada em cartório).

Comecei com três crianças muito carentes de tudo... nem mãe tinham. Então me identifiquei como mãe deles e
comecei a dar aula para eles. Eles não sabiam nem pegar no lápis. (Entrevista, Zélia Ferreira de Andrade. 2014)

A entrevista possibilitou observar a precariedade na infraestrutura e de recursos didáticos disponíveis.


Alberti (2004), ressalta a ideia de as entrevistas, como toda fonte histórica, são pistas para se conhecer o passa-
do. No caso da história oral, as pistas são relatos do passado, surgidos a posteriori, portanto. Pelo mesmo viés, a au-
tora afirma que a narrativa, na história oral, acaba constituindo o passado, isso não significa que o passado não tenha
existido antes dela. Quando se opta pelo plural é porque se conclui que todas as narrativas são válidas, são versões,
que não cabe ao pesquisador julgá-las.
Dessa forma, através de cada entrevista, pistas foram aparecendo sobre o surgimento da EMREF Água Mansa
Coqueiros, propiciando caminhos para que outras entrevistas com outros sujeitos fossem necessárias para esclarecer
etapas da história e memória desta instituição.
O Corpus Escrito contou com a catalogação de vários documentos, cadernos escolares de alunos e dos professo-
res, documentos oficiais, arquivos e escritos da escola, diários escolares, boletins, currículo da escola, formas de ava-
liação dos alunos, cartas e correspondências de professores, alunos, relatórios de inspetores, diretores, professores,
cadernos de atas de reuniões da escola, conselhos escolares/de classe, de secretaria, apostila de nomeação e ou registro
de atividade funcional, Jornais, revistas, documentários regionais e locais sobre os professores, a escola, as atividades
e festividades cívicas, desfiles, concursos e torneios literários e esportivos e fotografias.

900
Quadro 01: Síntese das informações identitárias dos narradores.

Local de Profissão
Nome/dados biográficos Idade Experiências culturais
nascimento Atual
Zélia Ferreira de Andrade Catequista, costureira, professora leiga
67 Jataí-GO Estudante

Motorista/ Pequeno agricultor, motorista de taxi e de


Afonso Lázaro do Couto
72 Rio Verde-GO Aposentado transporte escolar rural, vigia, irmã e filha
professoras
Neusa Lopes Dias
56 Rio Verde-GO Professora Festividades religiosas na zona rural

Márcia Salustiano Carvalho Leão 47 Ituiutaba-GO Professora


Leitura, pintura em tela e tecido
Foi motorista, hoje vendedor, irmãs
Jonas Nunes do Couto 29 Rio Verde-GO Vendedor
professoras
Simone Oliveira Ribeiro de Pinho 39 Rio Verde-GO Cuidadora Foi a segunda professora da escola
Luci Meire de Oliveira 45 Caçu-GO Professora Sempre atuou como professora rural
Telma Fátima C. de Oliveira 46 Rio Verde-GO Do lar Foi professora da escola
Proprietário da fazenda onde a escola
Itor Martins Ribeiro 70 Cacheira Alta-GO Carpinteiro
funcionou por 03 anos
Aparecida do Rio
Foi a primeira merendeira da escola,
Cidalina Maria de Oliveira Ribeiro 63 Doce-GO Do lar
atuando por 12 anos

Fonte: Caderno de campo da autora. Início: fevereiro/2014. Término: junho/2016.

O quadro 02 sintetiza as experiências dos narradores em relação à escola, baseado em seus depoimentos.

Quadro 02: Síntese das experiências dos narradores em relação à escola.

Tipo de Condições de
Nome/dados
envolvimento trabalho/ Material de apoio Principais lembranças/ o que marcou
biográficos
com a escola Infraestrutura
Pioneira na Cadernos,
Lecionava na Eu sou uma senhorinha muito feliz, muito
Zélia Ferreira decriação e quadro, giz e
varanda de sua alegre, muito participante na minha cidade e
Andrade implantação da livros usados
casa amo o que eu fiz.
escola
Pai de aluno,
Valeu a pena, se fosse para viver de novo iria
Afonso Lázaro do primeiro a doar
Regulares Regulares com certeza. As crianças ensinam a gente. A
Couto o quadro negro e
reivindicação deles é um ensinamento.
guarda escolar
Professora por
Precárias (escola Livro didático do Os momentos em que as crianças
dois anos na atual
Neusa Lopes Dias funcionando num professor, quadro, aguardavam o transporte ou os pais,
escola, em local
paiol) giz, natureza brincando no campinho ou no córrego.
provisório
No início Meu aluno Jonathan foi o melhor de Rio
Márcia Salustiano Professora desde
Satisfatórias mimeógrafo, hoje Verde e foi para a etapa estadual, passou e
Carvalho Leão o ano de 2003
jogos diversos foi para Brasília.
Jonas Nunes do Precárias (escola
Ex-aluno Quadro, livro No início das aulas a gente fazia uma oração.
Couto de pau a pique)
Simone Oliveira
Precárias (escola As dificuldades nas horas da chuva,
Ribeiro de Pinho Ex-professora Quadro, livro, giz
de pau a pique) passamos muito sufoco...

901
Tipo de Condições de
Nome/dados
envolvimento trabalho/ Material de apoio Principais lembranças/ o que marcou
biográficos
com a escola Infraestrutura
Quadro, livros,
Luci Meire de Professora desde
Boas brinquedos Nós convivemos mais com as famílias.
Oliveira 2002
pedagógicos
Precárias, escola
Telma Fátima C.
Ex-professora mudando de um Quadro, livro, giz Incerteza, sem local definitivo para a escola.
de Oliveira
lugar para o outro
Itor Martins
Ex-pai de aluno Precárias Precários Feliz por ter lutado pela escola.
Ribeiro
Cidalina Maria de
Ex-merendeira e
Oliveira Ribeiro Regulares Regulares Saudades das crianças.
mãe de aluno

Fonte: Caderno de campo da autora. Início: fevereiro/2014. Término: junho/2016.

Uma das funções do caderno de campo quem dirige as entrevistas é possibilitar um diálogo frequente e cons-
tante em relação ao projeto inicial. Certamente, o caderno de campo se torna um referencial obrigatório nas finaliza-
ções dos trabalhos. A validade dele como elemento de registro garante a trajetória da evolução do trabalho que varia
em vista do projeto inicial.

“[...] os fatos devem ser registrados no Diário de Campo o quanto antes, se possível imediatamente depois de
observados, caso contrário, a memória vai introduzir elementos que se deram; e a interpretação reflexiva, não se
separa de fato concreto, virá frequentemente a deturpá-lo”. (FALKEMBACH, 1987)

O detalhamento da intervenção no caderno de campo permite observar e analisar criticamente como se cons-
tituiu a escola pesquisada e as ações da comunidade rural local tanto no que refere a estrutura física, quanto a busca
pela qualificação profissional docente. O registro e o detalhamento dos encaminhamentos no caderno de campo
propiciam um constante revisitar dos dados, contribuindo para alcançar outros olhares.
O caderno de campo, aponta reflexões cotidianas que, quando relidas teoricamente, podem traduzir-se em
avanços tanto na intervenção no sentido de buscar novas possibilidades de estudo, quanto na teoria, através da pro-
blematização de novas abordagens e ações.

PALAVRAS FINAIS

A pesquisa apresentou os testemunhos históricos dos narradores de acordo com sua verdade em relação ao
surgimento da escola, entrelaçada nas memórias e lembranças de cada sujeito participante.

Quando o pesquisador retorna para seu espaço de elaboração, se dispondo a escrever seu trabalho, discutindo o
material coletado, aquelas informações contidas no caderno de campo, contribuirão demasiadamente facilitan-
do suas interpretações, oportunizando leituras mais profícuas acerca dos conteúdos gravados. Porque ao ouvir
uma parte da entrevista, acompanhando através do conteúdo do caderno, para além do expressado, poderá ter a
possibilidade de lembrar a atitude da pessoa, nessas circunstâncias terá condições de perceber ingredientes não
mensuráveis quando daquele contato, que poderão contribuir para sua análise vir a tornando-se mais rica. (MON-
TYSUMA, 2006).

O caderno de campo foi fundamental para a estruturação e direcionamento da pesquisa. É preciso destacar que
o corpus oral e o corpus escrito disponibilizados enriqueceram o trabalho de construção da pesquisa. Apenas com a
utilização das fontes escritas não teriam dados respostas as minhas indagações, mas apresentado dados e informações
já conhecidas pela história oficial de criação da escola. Foi preciso ir além e percorrendo os caminhos da história oral

902
ouvir a vozes esquecidas do meio rural reconstruir a história e memória da Escola Municipal Rural “Água Mansa
Coqueiros”.
Conclui-se que o uso do caderno de campo tornou-se vantajoso frente às investigações da pesquisa, onde bus-
cou-se discutir a singularidade do trabalho de campo, envolvendo a relação entre o pesquisador e as pessoas ouvidas,
como condição de uma ciência que lida essencialmente com o indivíduo.

REFERÊNCIAS

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson, HASSEN, Maria Nazareth Agra. Caderno de Campo digital: antropologia em novas
mídias. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre nº 21, p. 273-289, 2004.
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
FALKEMBACH, Elza Maria F. Diário de campo: um instrumento de reflexão. In: Contexto e educação. Ijuí, RS Vol. 2, n. 7
(jul./set. 1987), p. 19-24.
JESUS, Nívea Oliveira Couto de Escola municipal rural Água Mansa Coqueiros em Rio Verde-GO: história e memória.
PUC GO. 2016.
MEIHY, José Carlos Sebe B. Manual de história oral. 5 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
_______, José Carlos Sebe B.; RIBEIRO, Suzana L. Salgado. Guia prático de história oral: para empresas, universidades,
comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011.
_______, José Carlos Sebe B.; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. - 2. ed., 4a reimpressão. - São Paulo:
Contexto, 2015.
MONTYSUMA, Marcos Fábio Freire. Um encontro com as fontes em História Oral. 2006. http://revistaseletronicas.pucrs.
br/ojs/index.php/iberoamericana/article/view/1304

903
IMPRESSOS, IMPRENSA E INTELECTUAIS: A MEDIAÇÃO CULTURAL
EM TEMPORALIDADES DISTINTAS

Adriana Aparecida Pinto – UFGD/MS1


Luciana Cristina Porfírio - UFG/GO2

INTRODUÇÃO

A História e os historiadores tradicionalmente lidam com documentação, que adotam o estatuto de fontes
quando manejadas em direção à produção de conhecimento sobre ou a partir delas, contudo toda essa operação histo-
riográfica, na perspectiva abordada em Michel De Certeau (2010), não prescinde da apropriação da noção de tempo,
como categoria analítica essencial para o campo histórico.
Se, para Marc Bloch, a história é a ciência dos homens, no tempo, essa análise nos permite, ainda, apropriar-se
da sua premissa:

Ora, esse tempo verdadeiro, é, por natureza, um continuum. É também perpetua mudança. Da antítese desses dois
atributos provêm os grandes problemas da pesquisa histórica. Acima de qualquer outro, aquele que questiona até
a razão de ser de nossos trabalhos. Sejam dois períodos sucessivos, recortados na sequencia ininterrupta das eras.
Em que medida o vínculo que estabelece entre eles o fluxo da duração prevalecendo ou não sobre a dessemelhança
resultante dessa própria duração – devemos considerar o conhecimento do mais antigo como necessário ou supér-
fluo para a compreensão do mais recente? (BLOCH, 2001, p. 55-6)

Nessa ideia de continuum, o presente texto objetiva promover a discussão sobre o uso de fontes impressas para a
pesquisa histórico-educacional a partir de uma abordagem que as problematiza e as consideram mediadores culturais.
Ao abordar a utilização de fontes e temporalidades distintas pretende-se chamar atenção para a intersecção
entre pesquisas que dialoguem com o método histórico para análise de momentos da educação brasileira, em lugares
igualmente distintos, por meio dos impressos pedagógicos e da imprensa, alçando seus produtores à posição de inte-
lectuais, cujas vozes, nem sempre foram reconhecidas como tais, uma vez que, tradicionalmente a escrita da história,
para alguns, ainda mantém fortes vínculos com o positivismo.
Ressalta-se que a proposta não incorre em anacronismo porque não desloca a documentação utilizada para
analisar períodos a posteriori a sua circulação, mas revela a pertinência da percepção de como a ordem documental
permite estabelecer pontos de aproximação e distanciamento na produção do conhecimento histórico, independen-
te do período em que circulam. As propostas de pesquisas pautam-se na compreensão da categoria documental da
ordem dos impressos, a qual, segundo nosso entendimento, refere-se a todo material que transfere para a cultura es-
crita o seu discurso e sua materialidade, apoiando-se na sinalização de Bloch para não considerar o mais antigo como
supérfluo e tão pouco o inverso.
Assim, nossa intenção é pensar a partir de dois exemplos de pesquisas que demonstram a relação dos histo-
riadores com os documentos, os materiais impressos como materiais didáticos e jornais, demonstrando como cada
uma destas tipologias documentais foi tratada a partir da menção a trabalhos com diferentes focos, mas a partir das
contribuições do método histórico.
Consideram-se, pois, que registros e testemunhos estão nos arquivos, em uma variedade de documentos, de-
poimentos, nas produções dos intelectuais e neles próprios, nos impressos de natureza pedagógica, periódicos ou
não, na imprensa, sejam os conhecimentos que circulam nos periódicos científicos ou àqueles que são produzidos por
intelectuais das instituições universitárias e outras para fins didáticos em cursos de formação. Não pretende mostrar
1 Professora Adjunto IV Professora Adjunto IV - Graduação e Pós-Graduação em História/ UFGD. E-mail: adrianapintoufgd@gmail.com
2 Professora Adjunto II – Graduação UAEE/UFG – Regional Jataí. E-mail: lucianaporfirioufguaecaj@gmail.com

904
caminhos ou descaminhos da escrita histórica, mas falar das fontes e suas inúmeras possibilidades a partir da descri-
ção de estudos que tem nos documentos ou fontes, testemunhos de um passado seja ele remoto, próximo ou muito
próximo. Ontem já é também passado. Algo que só pode ser feito a partir da ideia de mediação cultural.
No que concerne, ainda, a abordagem introdutória, a qual, em virtude dos limites deste texto se faz igualmente
metodológica, cabem esclarecimentos acerca do entendimento das categorias mobilizadas nestas análises. Ao direcio-
nar a documentação impressa como produto cultural, entendemo-las como fruto de mediações sociais, o que conduz
à igual compreensão do grupo que as produz, intelectuais mediadores, considerando que a mediação cultural que
desempenham é, por definição educativa, pois, parte do princípio que os sujeitos históricos pretendem deixar um le-
gado de conhecimentos aos pósteros. Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen definem esse papel, conforme segue:

A figura do intelectual, como sujeito pensante e agente, ganha centralidade e concretude. Os intelectuais têm
um processo de formação e aprendizado, sempre atuando em conexão com outros atores sociais e organizações,
intelectuais ou não, e tendo intenções e projetos no entrelaçamento entre o cultural e o político. Nessa acepção, o
conceito de intelectual é, como todos os conceitos políticos e sociais, fluido e polissêmico. (GOMES & HANSEN,
2016, p. 12).

Conforme assinala Marco Morel, “esses novos agentes culturais e políticos, os redatores, tinham nome e rosto
na sociedade que buscava se efetivar como nação brasileira. Eram, com frequência, construtores do Estado nacional.”
(MOREL, 2008, p. 39). Autores e colaboradores de manuais didáticos, assim como editores, redatores e colabora-
dores de periódicos, se tornaram, a nosso ver, personagens importantes, pois traduziram, por meio da sua escrita,
determinados modos de ver e entender a sociedade, a partir de seus lugares sociais.
Por fim, o principal ponto de convergência das pesquisas apresentadas consiste no aspecto metodológico da
pesquisa histórica: localizar, reunir, ler e organizar as categorias que decorrem do exame dos impressos constituiu-se
como um corpus documental inserido no âmbito do método histórico e no trabalho com as fontes.
Este trabalho com as fontes em si, exigiu abordagens específicas e métodos e técnicas variadas de busca pela in-
formação e posterior organização. A compreensão deste movimento, a partir dos indícios, documentos que não pre-
tendem ser testemunhos e por isso mesmo o são, só foi possível graças aos estudos dos historiadores franceses ligados
à Escola dos Annales fundada por Marc Bloch, Lucien Febvre, seguidas na terceira geração por Raymond Williams e
E.P. Thompsom, dentre outros, além de Ginzburg e a sua ênfase do método histórico a partir do paradigma indiciário
propondo-nos uma história–problema, cujo método consiste neste ofício de buscar, organizar e interpretar as fontes.

A IMPRENSA E A PRODUÇÃO HISTÓRICA

O papel da imprensa pode assim ser enquadrado como educador, a partir do entendimento que esta situa-se,
em nossa análise, em um lugar de difusão da “luz” modernista e da razão, ao mesmo tempo em que, em alguns de
seus suportes, promovia a moral do que viria a ser, em alguns períodos, socialmente aceitável. A imprensa de grande
circulação é, na maioria das vezes socializadora, formadora, construtora do imaginário, moralizadora e divulgadora
dos ideais socialmente construídos e determinados em tal tempo/espaço, como apontam alguns trabalhos (PALLA-
RES-BURKE, 2013).
Entendendo conforme Justino (2016, p.112) que “a educação acontece entre os sujeitos, entre as pessoas, não
é exclusividade do ambiente escolar”, a perspectiva de que a imprensa é relevante para compreender os modos e
costumes das sociedades em que se inserem e circulam, sustentam a sua condição de fonte e objeto de estudo para a
história da educação. Desse modo,

[...] a imprensa, seja ela especializada em educação ou de circulação geral, não se encontra em um campo alheio
às políticas de (re) organização da instrução/educação. Ao contrário, atua como força corroboradora que conta
com espaço privilegiado para algumas discussões e, ao mesmo tempo, se insere no campo das disputas por uma
hegemonia no plano das ideias, conferindo àqueles que publicizam seu pensamento nas páginas dos impressos,
supostamente, a legitimidade do discurso educacional dominante. (PINTO, 2013, p. 29)

905
Tania de Luca (2010) salienta a importância do máximo cuidado na utilização desse tipo de vestígio como
fonte para a escrita da história. Luca afirma que “(...) o conteúdo em si não pode ser dissociado do lugar ocupado pela
publicação na história da imprensa, tarefa primeira e passo essencial das pesquisas com fontes periódicas” (2010, p.
119). Essa contextualização da fonte, principalmente no caso de jornais e revistas, é fundamental para legitimar a pes-
quisa. Isso ocorre uma vez que é impossível dissociar o papel da imprensa na (in) formação e ampliação da sociedade
brasileira na transição do século XIX para o XX, bem como em outros momentos, como atestam os estudos que se
dedicam ao tema (LUCA, 2010; CAMPOS, 2012). Publicações dessa natureza tinham o papel de informar, denunciar,
entreter envolvendo-se em muitas dimensões do cotidiano em que se inserem. Além disso, relações e espaços de so-
ciabilidade eram potencializados a partir dos assuntos abordados, como destaca Raquel Discini Campos, ao afirmar
que “assim, discutiam a decoração dos ambientes, a etiqueta observada na composição dos trajes de homens e mulhe-
res, o comportamento esperado da ‘boa sociedade’ etc.” (CAMPOS, 2012, p. 54).
Uma informação sem ambientação se torna frágil e passível de interpretações equivocadas e/ou tendenciosas:
“É dever do historiador fazer a interpretação da fonte dentro do seu contexto, e fazer uma análise crítica de seu conte-
údo, reconhecer sua parcialidade e sua subjetividade” (CAPELATO e PRADO, 1980, p. 19). Sendo assim, os encami-
nhamentos de análise dos impressos propostos por Tania de Luca (2005), aplicados em trabalhos anteriores (PINTO,
2010, 2013, 2018) são aqueles que, de modo mais adequado, se aplicam a esse estudo: Localizar a documentação e
a série (para fins de profundidade de análise e de comparação); realizar levantamento bibliográfico na intenção de
construir um estado da arte sobre o tema, com/pelo/do periódico em questão; identificar a periodicidade, o tipo de
impressão, tipologia do papel, presença ou não de iconografia e de publicidade; identificar os editores da publicação
e os principais colaboradores; verificar o uso da iconografia; compreender a disposição e organização do conteúdo
no interior do periódico; Compreender as formas de circulação e aquisição da publicação, os valores cobrados de
assinatura e outras formas de comercialização; identificar o público ao qual se destinava; e, por fim, mas não menos
importante, analisar a fonte de acordo com o tema e o problema da pesquisa.
O cenário da pesquisa com a imprensa periódica mato-grossense inscreve-se no período entre os anos de 1880
a 1920, o qual se considerou crucial para a consolidação de grupos de intelectuais em Mato Grosso, que pautaram a
imprensa periódica e a produção dos impressos como lugar privilegiado de sua projeção.
Tal constructo corrobora para o entendimento de que o estudo dos e sobre os impressos mato-grossenses
merecem lugar de desvelo na produção da historiografia regional, visto que alinha os interesses, aponta as disputas,
evidencia direta e indiretamente os debates e embates de grupos que se alternam no poder, demonstram espaços
de sociabilidades e redes de relação feitas e desfeitas à propósito dos interesses de “plantão”, outrossim, permitem
evidenciar outros sujeitos históricos que extrapolam em muito a pequena rede de historiadores reverenciada na
produção do e sobre o Estado, assentada no “grupo de notáveis”, qualificados por Zorzato (1998), justificada em boa
medida, pelo lugar social (nobiliárquico, como sinalizaria Jose de Mesquita), dado pelas origens familiares e deriva-
das das uniões maritais entre essas famílias, somando-se ao fato de que muito da produção desses outros “notáveis
anônimos”, alguns dos quais este estudo traz à luz, circularam pelos mesmos espaços reverenciados de produção do
conhecimento que os anteriores, não tendo, contudo, a projeção de seus consórcios.
Os impressos, ao longo desses 40 anos, integram corpus significativo para compreender a história do Estado,
visto que são produzidos em diversas tipologias, a saber: Jornais, Revistas, Álbum Gráfico, Catálogo, Livros assu-
mindo, por associação a manutenção e preservação da memória que se deseja, com base no conjunto de ideais que
mobiliza seus proponentes e autores.
Em linhas gerais, percebe-se com um exame panorâmico pela produção dos impressos entre os anos que
sucedem à década de 1920, que esse movimento perde força dado a constante reiteração que pode ser observada na
produção histórica aos ilustres historiadores do início do século, e a constante manutenção da historiografia por eles
consolidada no período, o que sugere a força das representações construídas, a partir dos lugares de poder simbó-
lico que ocupavam aqueles historiadores. Não se pretende, aqui, proceder à desconstrução de modelos que seguem
operantes na produção e nas formas de registrar e contar a história de Mato Grosso. Não obstante, importa destacar
que se abrem outras possibilidades, a partir da documentação examinada neste estudo, de ampliar as matrizes do
pensamento consolidado, dando visibilidade a outros sujeitos, outros temas, e outras formas de interpretação dos
momentos retratados.

906
Os jornais considerados “de época”, por estarem situados em uma cronologia distinta e distante do tempo
presente, revelaram temas e abordagens distintas à outras tipologias documental pela sua própria característica de
formatação, autoria e direcionamento dos textos que apresentam, dando a conhecer: textos de opinião, legislação,
anúncios e propagandas do comércio local, anedotas, relatos de insatisfações da população com situações do contexto
local: Transitaram pelo campo educacional, atuando como professores, lentes de cadeiras consolidadas e de destaque
no ensino secundário mato-grossense, o que lhes conferiam potencial ampliação do espaço de circulação de suas
ideias, ainda que estivessem sob a chancela de uma instituição educacional, crivada por regras inclusive religiosas;
Gozavam de atributos de autoridade e legitimidade inclusive na formação dos leitores dos jornais nos quais partici-
pavam, como autores, colaboradores, ou eram proprietários. “Esse intelectual muitas vezes ocupa um cargo estraté-
gico numa instituição cultural, pública ou privada, numa associação ou organização política, ou atua desde um lugar
privilegiado numa rede de sociabilidade, de onde protagoniza projetos de mediação cultural de enormes impactos
políticos.” (GOMES & HANSEN, 2016, p. 19)

OS IMPRESSOS DIDÁTICOS COMO FONTES DOCUMENTAIS PARA O CAMPO


HISTÓRICO-EDUCACIONAL

A abordagem que tratou do uso dos materiais didáticos impressos como fontes documentais para a pesquisa no
campo histórico-educacional ancorou-se nos estudos de Chartier (1990) que concebe os textos neles contidos nestes
materiais passíveis de serem mais bem compreendidos a partir do seu suporte material e contexto pelo qual podem
ser lidos. Assim compreendidos, os materiais didáticos - impressos são importantes testemunhos das estratégias de
regulamentação e legitimação de políticas educacionais formativas em determinado Estado-Nação e período.
Os impressos são parte de uma cultura formativa que só faz sentido em contextos reformistas, como o que
ocorreu em várias partes das Américas, Europa, e no Brasil, com mais intensidade a partir da década de 1990. Ao
serem tratados como fontes constituem como parte importante do processo de fabricação de identidades docentes.
Quando lidos, os conteúdos destes impressos revelaram as pautas postas na ordem das prioridades das reformas,
apresentando contribuições que versaram sobre os saberes profissionais e uma multiplicidade de outros estudos se-
rem feitos a partir deles.
O estudo dos impressos didáticos usados como fonte documental se ocupou de descrever e analisar o material
oferecido aos cursistas de um Programa de Educação Continuada - o PEC-Municípios, para os profissionais em efe-
tivo exercício no magistério paulista, buscando identificar a circularidade dos saberes em torno da profissionalização
docente neles contidos para a formação em nível superior no período de 2006 a 2008. Tomou-se como referencial
empírico de análise os cadernos da segunda edição do PEC-Formação Universitária e como referencial teórico-meto-
dológico a abordagem comparada em educação a fim de compor uma tessitura histórica da política educacional local
a partir dos impressos disponibilizados aos professores.
Apesar da periodicidade recente – o que não invalida o seu caráter histórico, e circunscrito geograficamente
em outra localidade, a convergência consiste no reconhecimento do valor que estes impressos têm para identificar
os mediadores culturais, isto é, os autores, intelectuais ligados às universidades públicas de excelência, responsáveis
pela produção dos conteúdos que ali foram postos em circulação. Por meio das ideias postas em circulação nestes
materiais didáticos impressos foi possível apreender difusão dos discursos dos especialistas no campo da educação
que legitimaram determinadas formas de pensar e falar sobre educação.
Nesse sentido, a reunião e organização das fontes para a constituição do objeto de estudo e a análise permitiu
compreender o movimento histórico verificar localmente como ocorreram as “externalizações”, distinguindo nesta
circulação de saberes as características internacionais e as peculiaridades locais. Isto só foi possível a partir da terceira
geração da chama Escola dos Annales que propôs novos objetos, problema e abordagens que teve nos aportes analíti-
cos de outras áreas e campos das Ciências Humanas contribuições metodológicas importantes e que trouxeram para
o campo epistemológico da história a interdisciplinaridade como palavra de ordem.

907
O abandono da ortodoxia economicista, o reconhecimento da importância dos elementos culturais e os desa-
fios semióticos, dentre outras mudanças epistemológicas ocorridas em diversas áreas das ciências humanas permitiu
não só olhar para os materiais didáticos como fontes potenciais, mas também indaga-los com todo o rigor metodo-
lógico proposto pelo método histórico, atentando-se ao contexto no qual foram produzidos e por quem foram, mas
também constatando o seu caráter narrativo, ocupando-se não somente do que eles dizem, mas como dizem. Neste
cenário a história do tempo presente trouxe novamente às políticas para o campo de investigação dos historiadores.
O PEC forneceu um material impresso3 aos cursistas e aos tutores4. Seu desenho curricular foi organizado por
módulos temáticos interdisciplinares, que se dividiam em unidades e subdividiam-se em subunidades. Os três primei-
ros temas do M2 abordavam o contexto das referencias curriculares e políticas públicas nacionais implementadas pela
SEE/SP, tais como o papel da educação na sociedade da informação, documentos utilizados nas orientações políticas,
como o Relatório Jacques Delors, estudo das políticas públicas dos anos 90, política nacional do livro didático, as
reformas educacionais e seus paradigmas, os fundamentos da ação docente, entre outros.
Os conteúdos ali dispostos pareciam ser coerentes com os propósitos de elevar a qualidade da formação do en-
sino público. De um lado, estudos científicos importantes para os professores compreenderem os objetivos e sentidos
do seu trabalho e a função social da escola, de outro, assumiam características estritamente pragmáticas direcionadas
para favorecer os discursos e projetos oficiais já existentes. Assim, o conteúdo presente nestes impressos trouxe um
pouco de tudo e contou com a diagramação, cores, disposição gráfica do texto, organização modulares pela equipe de
editoração da FCAV.
Todo documento, no método histórico precisa ser analisado como testemunho, mas sujeito a uma crítica sis-
temática que o avalie como tendo essa possibilidade (finalidade com a qual foi produzido, período, autoria ou auto-
res que ali figuravam etc.). No geral, o que se observou foi que os conteúdos e autores que ali figuraram buscaram
imprimir as marcas de um profissionalismo associado às ideias de qualidade, competência e eficiência, o que pode
gerar uma má interpretação de que o sucesso da escola e a qualidade do ensino dependam unicamente da formação
do professor.
Para compor o estudo dessa fonte a adoção do método histórico foi essencial para compreender como ocorre-
ram as negociações científicas5 e de como foram sintetizadas para consolidar as propostas reformistas, muitas vezes,
em oposição aos fundamentos teóricos e ideológicos que sustentavam estes textos e o posicionamento dos intelectu-
ais que o escreveram e os interlocutores com os quais interagiam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os historiadores costumam ser vigilantes e manter o rigor científico do seu método para que ela - a história,
não caia em descrédito. A leitura de Marc Bloch remete o leitor a duração do tempo - “a ciência histórica” intrínse-
cas às condições da própria história, mas também a problemática social - individual ou coletiva, que é a história em
coexistência com as vidas humanas e suas realizações. Por isso mesmo, a historiografia e o seu estudo não se limitam
a cientificidade da história tendo o passado seu objeto principal de estudo.
Assim, ao associar os nomes às ideias não se pretende criar formulações apologéticas sobre esses ou aqueles
sujeitos, visto que este estudo não se propõe a isso. A chave de leitura que perpassam as investigações assenta-se
na importância dos impressos como espaço privilegiado da atuação de todos aqueles sujeitos, embora uns mais que
outros, configurando esse espaço como de “compartilhamento de sentimentos, sensibilidades e valores, que podem
produzir solidariedades, mas igualmente competição.” (GOMES; HANSEN, 2016. p. 24).
Os aspectos mencionados que avaliam tal como fonte ou testemunho envolvem a materialidade dos impressos
e seus suportes, assumido previamente com não sendo neutro. Historicizar uma fonte no método histórico implica,

3 Material esse que às vezes será referenciado como cadernos.


4 Os tutores eram responsáveis pelo acompanhamento presencial dos cursistas nas atividades do curso, tanto as propostas no material
impresso quanto às oriundas dos textos virtuais, vídeo e teleconferências.
5 A expressão negociação científica é resultante das relações estabelecidas entre a produção de conhecimento feita pelos especialistas nas
universidades e a sua circulação nos materiais impressos destes Programas para ser oferecido aos professores.

908
inclusive em levar tanto aspectos materiais quanto sociais e políticos da sua produção, o que implicou também em
pensar nos intelectuais que participaram da sua elaboração, pensando em por que determinados textos foram esco-
lhidos e com quais objetivos e mais ainda, como se apresentaram para este tipo de leitor específico que, apesar de
profissional não havia ainda passado pelos bancos universitários. A linguagem utilizada nestes textos também foi
objeto de reflexão, não por aquilo que informavam, mas pela forma como isso era feito.
Por fim, o sujeito que pesquisa emprega o método para descobrir algo dado como uma problemática e não
para ajustá-lo ao seu objeto. Assim, o seu lugar está entre a teoria e a empiria, e tanto sujeito quanto método não é
neutro. O alargamento das possibilidades dos testemunhos não implica em ultrapassar ou romper com as fronteiras
epistemológicas, mas pensar interdisciplinarmente, a partir do olhar entrecruzado que o método histórico passou a
permitir.

REFERÊNCIAS

FONTES IMPRESSAS

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Republicano. Edições de 1890 a 1920. Cuiabá. 2010. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APMT, 2010;
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O Expectador. Edições de 1880 a 1890. Cuiabá. 2010. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APMT, 2010;
Arquivo Público do Estado de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: APE-MS, 2011.
Oasis. Edições de 1880 a 1900. Corumbá. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APMT, 2010.
O Iniciador. Edições de 1880 a 1900. Corumbá. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APMT, 2010.
Tribuna. Edições de 1910 a 1920. Corumbá. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APMT, 2010.
Autonomista. Edições de 1900 a 1910. Corumbá. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APMT, 2010.

b) Materiais Didáticos - Impressos Pedagógicos:

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PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. São Paulo, 2003.
CARVALHO, A. M.. et al. Vivências Educadoras: PEC-Municípios. 2. ed.. São Paulo: USP/PUC-SP, 2003/06.
GARCIA, A. L. M.. et al. Oficinas Culturais 2. PEC-Municípios. 2. ed.. São Paulo: USP/PUC-SP, 2003/06.
PENIN. Prospecto. Chamada para a segunda edição do Programa de Educação Continuada PEC-Municípios, 2006.
SILVA, P. E. M. Oficinas Culturais 1. PEC-Municípios. 2. ed.. São Paulo: USP/PUC-SP, 2003/06.
USP; PUC-SP; UNDIME; FDE/SEE-SP. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 1: A identidade
profissional do professor, o contexto da formação continuada, a experiência do programa e sua concepção educacional. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 1, Tema 1. Unidade 1.3. Material Complementar:
Perfil do Participante do Programa. São Paulo, 2003/2006.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 2: Formação para a docência escolar: cenário político-
educacional atual, conteúdos e didáticas das áreas curriculares. São Paulo, 2003/06.

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______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 2, Tema 1: Reformas educacionais e mudanças
curriculares. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 2, Tema 2: Fundamentos da educação e da ação
docente: Unidade 2.1.: Fundamentos Filosóficos, históricos e sociais. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 2, Tema 2: Fundamentos da educação e da ação
docente, Unidade 2.2.: Fundamentos Psicopedagógicos. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed. Módulo 2, Tema 3: Fundamentos da organização escolar. São
Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 2, Tema 4: Língua Portuguesa. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 2, Tema 5: Matemática. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 2, Tema 6: Natureza, Ciências, Meio Ambiente e
Saúde. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 2, Tema 7: Espaço, tempo e cultura: História,
Geografia, Pluralidade e Ética. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 2, Tema 8: Arte e Educação. São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 2, Tema 9: Corpo, movimento, sexualidade e saúde.
São Paulo, 2003/06.
______. Programa PEC: Formação Universitária Municípios. 2. ed.. Módulo 3: Currículo: espaço e tempo de decisão coletiva. São
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911
INFÂNCIA(S) E ESCOLARIZAÇÃO:
A CULTURA ESCOLAR E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS COM CRIANÇAS

Eliana Maria Ferreira – UFGD/MS


Shirley Ferreira Marinho Silva – UFGD/MS

Resumo: Cultura escolar neste trabalho será tomada como um conjunto de normas, crenças, valores e práticas
que se desenvolvem nos estabelecimentos de ensino. Tal cultura se produz e reproduz na interação social entre os
indivíduos pertencentes a instituição e que constituem a educação das crianças pequenas. Dito isto, o objetivo deste
trabalho é analisar os materiais pedagógicos, especificamente os brinquedos e as “atividades” que se revelam modelos
de escolarização e de concepções da criança e da educação infantil com significativas implicações para a cultura escolar.
Este texto, resultado de uma pesquisa concluída, metodologicamente trabalhou com crianças, professoras e assistentes
pedagógicas de uma creche, instituição pública no município de Dourados Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. O re-
corte temporal contempla o início do século XXI, destacando o tempo presente e as relações geracionais no âmbito das
práticas, conhecimentos profissionais e formas de organização dos espaços, no qual cuidar e educar as crianças peque-
nas são prioritários. Optou-se no primeiro momento em apresentar às proposições teóricas metodológicas dialogando
com os autores que investigam os conceitos da história da infância e história das instituições, cultura escolar, história
dos brinquedos e das práticas na educação infantil. O texto procura ainda estabelecer um diálogo com os estudos da
sociologia da infância, na perspectiva de compreender os lugares e as especificidades da cultura das crianças, as cultu-
ras infantis e de pares. A abordagem metodológica centra-se na pesquisa qualitativa nos quais as fontes compõem-se
de materiais pedagógicos, brinquedos, livros de literatura e registros gráficos produzidos pelas crianças. Pretende-se
assim, compreender, a partir da história da educação, o processo de consolidação da educação infantil e sua articulação
com o sistema educativo contribuindo com a discussão sobre cultura escolar, práticas educativas e os conhecimentos
profissionais destes sujeitos escolares e escolarizados em determinado grupo social. Os resultados apontam que a cul-
tura escolar na educação infantil é demarcada pelos elementos do mundo adulto que identificam a criança como um ser
incompleto, caracterizado pela necessidade de preparação posterior, uma cultura escolar em que os docentes se pautam
na necessidade de escolarizar as crianças desvalorizando a importância da brincadeira e das atividades lúdicas e outras
linguagens. Entretanto, a pesquisa indica que as crianças transformam as situações que limitam seus modos de ser e
fazer, criando estratégias de participação e imprimindo novos modos de relacionar-se com os adultos, expressando
diversas perspectivas sobre os modos e as formas de ser criança na sua cultura.
Palavras chave: Cultura escolar; escolarização; educação infantil.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar os materiais pedagógicos, especificamente os brinquedos e as “atividades”


que se revelam modelos de escolarização e de concepções da criança e da educação infantil com significativas im-
plicações para a cultura escolar. Este texto, resultado de uma pesquisa concluída de mestrado, metodologicamente
trabalhou com crianças, professoras e assistentes pedagógicas de uma creche, instituição pública no município de
Dourados Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil, durante oito meses vivenciando e convivendo com 14 (quatorze)
crianças, na faixa etária entre 03 e 04 anos de idade, participando do interior da instituição.
Durante o período da investigação acompanhamos a rotina dessas crianças em momentos distintos dentro do
CEIM, desde os horários de entrada e saída das crianças, bem como o café da manhã, o almoço, o lanche o jantar até a
saída com seus familiares. Também estivemos presentes durante as atividades em sala, no pátio e em outros ambien-
tes externos da instituição, bem como horários de banho e durante o sono.

912
A pesquisa de mestrado foi realizada por meio de uma investigação com abordagem qualitativa realizada como
um estudo de caso de inspiração etnográfica, acreditando que “ela trabalha com o universo de significados, dos moti-
vos, das aspirações, das crenças, dos valores e atitudes” (MINAYO, 2007, p.21). Os elementos pontuados são destituí-
dos de uma validação quantificada, pois os entendemos como fenômenos resultantes das relações, das representações
e das intenções que compõem a realidade social. E ainda nos “oferecem melhores recursos para elaborar as novas vi-
sões, a reestruturação de campo e construção de novos sentidos que exigem uma ação inovadora” (GAMBOA, 2007,
p.123). A partir desses pressupostos, podemos deduzir que tais abordagens partilham de configurações que conside-
ram os contextos e as ações como delimitadoras na construção e interpretação de novos conhecimentos.
As pesquisas realizadas atualmente, nos campos da sociologia da infância e os estudos da infância, tratam as
crianças enquanto atores sociais plenos. Tais perspectivas têm buscado desconstruir a infância sob uma perspectiva
adultocêntrica, na qual prevalece a visão de infância permeada pela inocência, de um vir a ser, em termos de conheci-
mento para participar da vida social.
Partimos da ideia de que as crianças e as infâncias são diversas, singulares e que seus modos de vida estão
presentes em diferentes tempos e espaços, nas múltiplas relações do cotidiano, tecidas ao longo de um processo de
formação social, específico de cada grupo. Neste sentido, a educação de crianças e adultos é concebida de inúmeras
maneiras. Compreender as relações entre tais indivíduos, no interior de uma instituição educativa pública voltada
para a infância, possibilita a transformação social deste grupo.
Assim podemos dizer que, no decorrer da história, várias concepções de infância foram elaboradas e os aspectos
característicos de determinadas classes de idade ou geração, podem ser percebidos a partir do “[...] modo como são
continuamente reinvestida de estatutos e papéis sociais e desenvolvem práticas sociais diferenciadas os actores de
uma determinada classe etária, em cada período histórico concreto” (SARMENTO, 2005, p.367). Neste contexto o
conceito de geração explicitado pelo autor apresenta uma maneira de considerar a criança e o adulto enquanto faixa
etária e papéis sociais diferentes, mas que são interligados e dependentes, ou seja, uma classe etária não sobreviveria
sem a outra. Para (SARMENTO, 2005, p. 365)

A infância é historicamente construída, a partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto
social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade. Esse processo, para
além de tenso e internamente contraditório, não se esgotou. É continuamente actualizado na prática social, nas
interações entre as crianças e nas interações entre adultos e crianças (2005, p. 365).

Concordamos com a premissa de que a concepção da infância é um processo histórico construído ao longo das
civilizações e foi mudando a partir das necessidades e perspectivas de diferentes grupos. No entanto, destacamos que
continuam em construção, à medida que as mudanças ocorrem no interior das relações entre as diferenças geracionais.
Tais mudanças caracterizadas por aspectos próprios possibilitam sentido e marcam cada grupo social de forma singular.

RELATANDO A ROTINA

Os pais e mães ou outro responsável se dirigem até a sala onde deixam as crianças que permanecem até a che-
gada da professora na sala por volta da 7h. Após esse momento, as crianças se dirigem à sua sala acompanhada da
professora e da assistente e aguardam até o momento de tomar o café da manhã, por volta das 7h30m. Enquanto isso,
elas permanecem sentadas no tapete, ou nas mesas quando essas estão organizadas, brincando individualmente com
peças de montar ou outros brinquedinhos, outras permanecem quietas e sonolentas, as quais são acolhidas no colo.
Algumas vezes o som é ligado com músicas infantis.
Na hora do café, as crianças são orientadas tanto pela professora quanto pela assistente a guardarem os brin-
quedos e saírem em fila, o que ocorre também no turno vespertino com as outras assistentes.

A fila parece integrar a rotina e o comportamento das crianças ao longo do período escolar: na entrada postam-se
em filas, cada qual na sua turma e dirigem-se, sempre em fila para a classe. Na hora da refeição [...] é a fila que per-
mite o deslocamento para outro espaço. Após as refeições vão, novamente em fila [...] para o banheiro. As crianças
que já terminaram ficam no final da fila esperando os outros. (KISHIMOTO, 2000, p.8).

913
A fila se constitui como um mecanismo que pode conter ou disciplinar as crianças. Logo após as músicas e ora-
ção, as crianças são servidas pelas professoras, assistentes, estagiárias e outras funcionárias do Centro de Educação.
As assistentes e estagiárias tomam o café juntamente com elas, algumas em pé mesmo e outras sentadas.
Interessante que por algumas vezes ouvi de algumas crianças pedirem a música da bruxa, do patati-patatá, que,
na verdade, eles confundem música com histórias ou filmes. Na execução das músicas algumas cantam, ora com en-
tusiasmo ora desanimadas, outras brincam com os colegas ao lado. Como podemos ver nessa situação:

As crianças estão cantando e Marcos fala: ‘Rafael... Rafael’ (Marcos está sentado ao lado de Rafael) e eles começam
a conversar e brincar ali mesmo. Ao terminar a música a professora fala: ‘Marcos e Rafael, eles vão cantar sozinho,
né? A hora que todo mundo tá cantando, tá brincando.’ Marcos (num tom de voz bravo): ‘não quer canta!’ (ace-
nando negativamente com o dedo da mão e cruzando os braços em cima da mesa). Professora: ‘não quer cantar,
então você pára de bater no Rafael e ficar quietinho.’ (Marcos não está batendo no Rafael, eles estão brincando).
(Diário de campo, 28/02/11).

Algumas músicas chamam mais atenção, principalmente as músicas que evidenciam o nome das crianças, por
exemplo, “João pegou pão La na casa do... (nome da criança). Eu vi um sapo, na beira do rio, de barriga verde, sentin-
do frio, não era sapo, nem perereca, era o (a) (nome da criança), só de calcinha (só de cueca).” Logo depois de cantar, a
professora faz a leitura do calendário e do tempo com a participação das crianças. Vale lembrar que não é uma leitura
rotineira, ou seja, não é feita todos os dias. Na ocasião, parte das crianças fica sentada de costas.
A partir desse momento, a professora aborda oralmente o conteúdo da aula para depois fazer a “atividade”.
Percebemos que para quase todo conteúdo existe uma atividade de registro/gráfica, é como se fosse uma fixação dos
conteúdos abordados.
Sobre as atividades realizadas podemos perceber um modelo de produção explícito, quando a professora ressal-
ta, na atividade desenvolvida, aspectos que valorizam somente os resultados.

[...] ‘Outra coisa, fazer as atividades com carinho e atenção, lembra que a professora falou, que na hora de pintar
tem gente que tá fazendo assim, ó... (faz gestos na mesa) riscando as folhas... pode riscar?’ Renan participa: ‘E daí
rasgar?’. Professora: ‘Pode rasgar?’. Algumas crianças respondem em coro que não. Renan responde num tom
baixo: ‘Não pode rasgar (balançando a cabeça), não pode, né?’. Professora: ‘Se não vai ficar feio... pintar devagar-
zinho... prá ficar bonito. Essas atividades aqui, vocês têm que fazer com carinho. Por quê? (ela mesmo responde).
Porque depois vocês vão levar para casa pra mamãe, pro papai ver as atividades de vocês. Se vocês estragarem,
pintarem de qualquer jeito, fazer de qualquer jeito, como é que o papai e a mamãe vão ver?... as atividades bonitas
que vocês fizeram, não é verdade?...né? Se pintar tudo feio de qualquer jeito, o papai e a mamãe vão ver que feio,
não é verdade?’. (Diário de campo 10/03/11).

As crianças que vão terminando as atividades são condicionadas a ficarem sentadas nos seus lugares, caso
contrário não poderão sair para o pátio. Em seguida, as crianças geralmente saem para brincar no pátio com os brin-
quedos grandes (escorregadores, gangorras, piscina de bolinhas). Depois fazem higiene nas mãos para almoçarem.
As assistentes que atendem as crianças no período vespertino não possuem uma rotina em relação às ativida-
des. Às vezes propõem uma atividade/brincadeira na sala, outras vezes no pátio. Somente em relação ao banho que
é seguido mais ou menos um horário, pois até o momento de servir o jantar as crianças são banhadas. Porém, elas
não tomam banho todos os dias, principalmente se a temperatura estiver mais baixa que o habitual, ou pela falta dos
produtos higiênicos.
As formas que as professoras organizam suas atividades denotam mais uma vez a educação escolarizada pelo
fato de utilizarem materiais gráficos, bem como a orientação para pintarem dentro dos contornos, como forma de
ensinar, postulações de um desenvolvimento predeterminado, ou seja, na visão dos adultos as crianças necessitam
passar por etapas. Elas não podem recortar, não podem fazer o uso da cola, não há espaço para a experiência, não há
espaço para elas (crianças) falarem, cabe a elas apenas o espaço circunscrito, delineado pela professora. No olhar de
Martins Filho (2005, p.36), a inserção da criança é vista “como uma simples questão de adaptação, tendo como alicer-
ce uma perspectiva linear de desenvolvimento, baseada em etapas previamente estabelecidas”.

914
Situações como estas, nos fazem examinar nossas percepções acerca da rotina vivenciada e a partir dela como os
brinquedos, os materiais pedagógicos e as ‘atividades’ presentes no espaço da educação infantil, são revestidos pelos
modelos de escolarização. dito isso, propõe-se a seguir, discutir tais conceitos, apoiada em Kishimoto (2000).

BRINQUEDOS E MATERIAIS PEDAGÓGICOS

Com relação aos brinquedos e materiais pedagógicos, nos inspiramos em alguns aspectos da pesquisa realizada
por brasileiros e franceses, que originou o artigo intitulado “Salas de aulas nas escolas infantis e o uso dos brinquedos
e materiais pedagógicos”, por Kishimoto (2000):

A organização da sala e a presença de certos objetos e materiais educativos parecem influenciar direta ou simbo-
licamente seus usuários determinando em parte, a maneira como adultos e crianças sentem, pensam e interagem
neste espaço. O impacto dos materiais e sua organização no espaço incidem tanto nas interações infantis como nas
relações que se estabelecem entre crianças e adultos definindo formas diversas de socialização e apropriação da
cultura. (KISHIMOTO, 2000, p.1-2).

De fato, a organização, os brinquedos e os materiais pedagógicos são elementos que incorrem na ação pedagó-
gica significativa otimizando em aprendizagens infantis. Observamos a presença de brinquedos, materiais com siste-
ma de encaixe – tipo lego, peças de encaixe para construção, os materiais de arte visuais e plásticas como cola, lápis de
cor, giz de cera, tintas, tesouras, papel sulfite, cartolinas, crepom, papel pardo e, caixas de massa de modelar, estecas,1
ficam acondicionados no armário da professora. Os brinquedos em miniatura reproduzindo o mundo como bonecas
(quase todas sem as roupas) e bonecas de pano, brinquedos de pelúcia, utensílios de cozinha como panelinhas, copos,
talheres, bandejas, carros, aviões, motos, eletrodomésticos como fogões, ferro de passar, eletrônicos como telefones
fixos e celulares, bolsas ficam disponíveis ao alcance das crianças, no piso. Os materiais para manipulação, como re-
vistas e os livros de literatura, ficam guardados no armário na sala da coordenação. Ainda temos materiais de música,
como CDs, e aparelhos audiovisuais como, TV, rádio com CD, e aparelho de DVD, esses últimos de uso coletivo.

AS ATIVIDADES NO FAZER PEDAGÓGICO

As atividades que discuto dizem respeito a uma preocupação com a organização do conteúdo, que por sua vez
reflete o modelo que inviabiliza o fazer pedagógico e compromete a elaboração de novos conhecimentos entre adul-
tos e crianças.

As crianças estão na sala desenvolvendo uma atividade de pintura com lápis de cor. Numa mesa estão Bruno, Ma-
riana e Felipe, pintando desenhos fotocopiados com lápis de cor. Bruno pinta com o lápis e Mariana o observa.
Ela diz: ‘Não é ...’ E Bruno continua fazendo do mesmo jeito. Mariana diz novamente: ‘A tia falou assim, oh!’ – ela
pega o seu lápis e faz. Bruno a observa. A assistente Elisa ouve e diz: ‘Bem lindo eu quero [...]’. Passado um tempo
Elisa se aproxima da mesa e diz a Bruno: ‘Bruno, não é para riscar é para pintar bem bonito o número dois. Vamos
pintar bem bonito?’. Bruno continua fazendo do mesmo jeito – rabiscando. A assistente num tom mais forte diz:
‘Não é assim Bruno’ – e pega na sua mão e orienta-o. Ela sai e Bruno continua pintando do jeito dele. Felipe
olha e diz: ‘Oh... não é para rabiscar aí não... Bruno... coloca alguma coisa na sua cabeça Bruno’. Bruno diz: ‘É sim...
a tia... a tia falou que é para rabiscar aqui...’. Felipe: ‘Não é para rabiscar (elevando sua mão para cima, como quem
diz ter explicado) é só para pintar... de-va-gar-zinho, senão fica feio’ – Bruno continua fazendo do mesmo jeito.
(Diário de campo, 17/03/2011).

Na visão da professora, ela manda, eles ‘obedecem’ segundo sua determinação de executar a atividade, pintando
somente o desenho da abelhinha. Bruno ao desenhar contraria uma ordem dada. Assim se percebe o que já afirmou
Rech (2006, p.76): “A formalidade, a ordem [...] pode ser identificado como ato disciplinador e metódico, podendo
ser lido como uma incapacidade das crianças realizarem sozinhas, o que estava sendo proposto”.
1 Bastões de formatos diversos para brincar com massa de modelar.

915
Os ditos “combinados” foi conteúdo de aula que vieram prontos e foram ministrados no começo do ano letivo,
desconsiderando a importância de possibilitar às crianças a construção de suas próprias regras de convivência, o que
poderia implicar na aceitação e no cumprimento do que foi elaborado. A aula em que a professora apresentou os
combinados teve a duração de 39 minutos conforme diário de campo do dia 28 de fevereiro.
O episódio nos chama a atenção por vários aspectos. O primeiro deles diz respeito à concepção que permeia a
ação da professora, entre eles podemos destacar os aspectos escolarizantes das figuras, como também a fala da pro-
fessora. Depois temos o tempo de duração em que a aula é ministrada, a forma como ela trabalha os combinados, de
cima para baixo, pronto, a inexistência do diálogo entre professora e crianças. É uma metodologia unilateral em que
as crianças não conversam, apenas ouvem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados apontam que a cultura escolar na educação infantil é demarcada pelos elementos do mundo adul-
to que identificam a criança como um ser incompleto, caracterizado pela necessidade de preparação posterior, uma
cultura escolar em que os docentes se pautam na necessidade de escolarizar as crianças desvalorizando a importância
da brincadeira e das atividades lúdicas e outras linguagens.
Entretanto, a pesquisa indica que as crianças transformam as situações que limitam seus modos de ser e fazer,
criando estratégias de participação e imprimindo novos modos de relacionar-se com os adultos, expressando diversas
perspectivas sobre os modos e as formas de ser criança na sua cultura.

REFERÊNCIAS

FILHO, Altino José Martins. Culturas da infância: traços e retratos que as diferenciam. In: Martins Filho (Org.). Criança pede
respeito: temas em educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2005.
GAMBOA, Sílvio Sanchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó. Argos, 2007.
KISHIMOTO Tizuko Morchida. Salas de aulas nas escolas infantis e o uso de brinquedos e materiais pedagógicos.
ANPED, no GT Educação de Crianças de 0 a 6 anos. 23ª reunião, 2000. Disponível em <http://www.anped.org.br/reunioes>.
Acesso em: 21/07/2011.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 1993.
RECH Llona Patrícia Freire. A “hora da atividade” no cotidiano das instituições. In: Martins Filho Et al. Infância plural:
crianças do nosso tempo. Porto Alegre: Mediação, 2006.
SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educ. Soc.
Campinas, vol. 26, n. 91, Maio/Ago, 2005, p.361-378.

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MANOEL BOMFIM:
ENTRE O HOMEM VISIONÁRIO E O INTELECTUAL ESQUECIDO

Fernanda Borges Neto - PPGED/UFU1


Sônia Maria dos Santos – PPEGED/UFU2

APRESENTAÇÃO

O presente artigo é resultado, em parte, das aulas da disciplina Liberalismo e Educação do Programa de Pós-
-graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, e tem por objetivo apresentar algumas considera-
ções sobre a vida e a obra de Manoel Bomfim, intelectual brasileiro, cujas ideias e pensamento transcorrem fins do
século XIX e início do século XX.
Como não há escolha neutra, estudá-lo e conhecê-lo um pouco mais se deu ao fato de desconhecer completa-
mente suas ideias e pensamento, o que se espera minimizar com a elaboração deste artigo.
No subtítulo “Médico de formação e cientista social por vocação” busca-se tecer algumas notas da sua trajetória
de vida e seu pensamento inovador, por meio de algumas de suas obras.
Em “Manoel Bomfim e a educação como instrumento para o progresso: em foco a instrução primária” objetiva-
-se conhecer melhor o seu pensamento sobre a educação no Brasil, com o fim período imperial e início da república.
Por fim, tece-se algumas considerações finais a partir do que se compreendeu da vida e obra deste intelectual,
cujas ideias e pensamentos, estiveram a frente de seu tempo e espaço.

MÉDICO DE FORMAÇÃO E CIENTISTA SOCIAL POR VOCAÇÃO

Manoel Bomfim nasceu em Aracaju (SE) em 08 de agosto de 1868 e faleceu no Rio de Janeiro em 21 de abril de
1932 (ano do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em defesa do ensino público gratuito, laico e obrigatório no
Brasil). Iniciou o Curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Bahia em 1886, finalizando-o em 1890 na Facul-
dade de Medicina do Rio de Janeiro.
Em 1888, mudou-se da Bahia para o Rio de Janeiro com apenas 20 anos de idade, por influência e persuasão do
jornalista Alcindo Guanabara, amigo, companheiro de trabalho e compadre, contrariando a opinião e a pressão do
pai, que o queria cuidando dos negócios da família em Aracaju.
Abandonou a medicina em razão da morte da filha e passou a dedicar-se ao magistério lecionando Educação
Moral e Cívica na Escola Normal do Rio de Janeiro, e em 1896 assumiu o cargo de redator da Revista Pedagogium.
Em 1902 foi enviado a Paris (França) pela Prefeitura do Rio de Janeiro para estudar os estabelecimentos peda-
gógicos, além de cursar Psicologia na Sorbonne, com o propósito de especializar-se nessa disciplina e melhor desem-
penhar as suas tarefas no “Pedagogium”3, no qual participou do planejamento do primeiro Laboratório de Psicologia
Brasileiro em 1906, o qual permaneceu diretor por 15 anos.
Ainda em Paris, no ano de 1903, publicou A América Latina: males de origem, bem como outras obras no esforço
de interpretar o processo de formação do povo brasileiro e estudos de âmbito educacional, das quais se destacaram:
Livro de composição (1899) e Através do Brasil: prática da língua portuguesa (1910) – livros didáticos escritos em parceria
1 Licenciada, Bacharel e Mestre em Geografia/UFU. Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação/PPGED/
UFU. Professora Efetiva da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo. Atualmente exerce a função de Professora Coordenadora de
Geografia do Núcleo Pedagógico da Diretoria de Ensino – Região de Franca/SEE-SP. fernandageo@hotmail.com
2 Professora Doutora/PPGED/UFU.
3 O Pedagogium foi um museu pedagógico fundado em 1890 na cidade do Rio de Janeiro. Em 1897 foi transformado em centro de cultura
superior e, em 1906, recebeu o primeiro laboratório de psicologia experimental do país. A instituição foi extinta em 1919.

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com Olavo Bilac, Lições de Pedagogia: teoria e prática (1915), O Brasil na América (1929), O Brasil na história (1931), O
Brasil nação (1931), Cultura e educação do povo brasileiro (1932), além de obras dedicadas à formação de professores, e
uma coletânea de excertos de sua autoria publicada por Carlos Maul em 1935 (RIBEIRO, 1993; GONTIJO, 2010).
Em 1905, assumiu o cargo de diretor interino da Instrução Pública do Rio de Janeiro e, em 1906, de Diretor
Geral da Instrução Pública do Distrito Federal. Elege-se deputado estadual em 1907. Além das obras já citadas, publi-
cou outras nas quais defendeu a expansão da educação pública como meio para a emancipação e construção de uma
sociedade democrática.
Médico de formação e cientista social por vocação Manoel Bomfim fez parte de um grupo de intelectuais es-
quecidos pelos estudiosos, assim como Josué de Castro, Guerreiro Ramos, Roquette-Pinto, Perdigão Malheiro, Artur
Ramos, entre outros, demonstrando que a história do pensamento social brasileiro exclui determinados autores e
suas obras, ocasionando uma espécie de hierarquização no campo intelectual. (AGUIAR, 2000).
Neste caso, poucos são os estudos sobre as ideias, o pensamento e a obra destes “intelectuais de segunda
linha”, o que é reforçado pela carência de pesquisas, informações, documentos, livros, teses, ensaios e artigos que
possam servir de fontes de pesquisas, perpetuando assim uma situação de esquecimento e de desprestígio frente aos
demais intelectuais amplamente conhecidos e pesquisados.
Manoel Bomfim é um destes autores que não fazem parte de uma elite intelectual formada por pensadores
como Gilberto Freyre, Euclides da Cunha, Sílvio Romero, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso
Furtado e outros.
No livro O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manoel Bomfim, resultado de sua tese de doutoramento,
Aguiar (2000, p. 15) afirma que “Não se pode atribuir o fenômeno às armadilhas do acaso”, ou seja, não são arbitrárias
as investidas em fazer desaparecer o seu pensamento e suas obras, mas intencionais.
Em sua pesquisa, Aguiar (2000), elenca algumas razões que levaram Manoel Bomfim ao esquecimento: 1) ele
não era uma pessoa comunicativa sobre a sua vida pessoal, não escreveu ensaios autobiográficos e não expunha sua
intimidade em seus escritos; 2) era um homem muito discreto, tanto no que tange ao seu temperamento quanto na
sua visão das coisas e do mundo; 3) ao contrário de outros intelectuais da época, ainda em vida não organizou seus
textos em forma de livro, pois tinha sérias reservas a esse tipo de coletânea. Acreditava que aos livros cabiam apenas
textos pensados e redigidos para divulgar teses e análises mais consistentes e explicativas sobre os fenômenos da vida
social e da realidade brasileira. Percebe-se, uma extrema rigidez quanto ao que merecia ser realmente publicado.
O fato de ser “[...] um sociólogo inovador, autor de uma obra vasta, disposto a questionar por dentro, e com co-
ragem [...]. [...] um pensador rebelde, dotado de poderosa cultura humanista e extrema capacidade de argumentação
(AGUIAR, 2000, p. 17), não o impediu de cair no esquecimento e de ser alvo de duras críticas.
Coadunando com Aguiar (2000), Ribeiro (1993) acrescenta e reconhece que apesar de sua vida fecunda e exito-
sa no Rio de Janeiro como professor, diretor do Instituto de Educação, como Secretário da Instrução Pública, e autor
de numerosos livros com inovadora interpretação histórica do Brasil, da pedagogia à psicologia, Bomfim permaneceu
ignorado como pensador e intérprete do processo de formação do povo brasileiro.
Não obstante à sombria nuvem que pairou e, que de certa maneira ainda paira sobre a obra deste homem de
pensamento original, intelectuais como Darcy Ribeiro reconheceram as suas profundas análises acerca da complexi-
dade das sociedades latinas, destacando que somente Manoel Bomfim foi capaz de enxergar que, por detrás das teorias
europeias do atraso e do progresso atribuídas ao clima, à raça, à religião católica, existiam de fato, mistificações urdi-
das para disfarçar ações hediondas”, e o que se tomava por sabedoria científica, é, a rigor, a ideologia do colonizador,
consagradora de suas façanhas” (RIBEIRO, 1993).
Ainda segundo o sociólogo Darcy Ribeiro, logo após publicar “A América Latina: os males de origem”, a obra
passa a ser objeto de contestação do genioso Sílvio Romero, a quem denomina de idiota e coitado, pois tal como ou-
tros pensadores dedicados a compreender o Brasil, o fazia por meio dos pensadores europeus (RIBEIRO, 1993).
Acrescenta ainda, que o pensamento de Manoel Bomfim era tão novo, original e contrastante com o discurso
científico oficial, que todos os basbaques brasileiros só podiam ficar perplexos, e Silvio Romero não suportou que um
jovem escrevesse com tamanha ousadia (RIBEIRO, 1993).

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Manoel Bomfim surgiu com seu livro sábio e profundo, pensado, trabalhado, para contradizer os sábios euro-
peus e suas teorias do racismo tão admiradas no Brasil, afirmando que os males do Brasil não se deviam ao seu povo,
mas como produto da mediocridade do projeto das classes dominantes que se organizavam em proveito próprio, com
o maior descaso pelo povo trabalhador, vendo-o como mera fonte de energia produtiva (RIBEIRO, 1993). E não é
isto que ainda acontece no país!
Está claro que Bomfim escreveu desmesuradamente à frente do que se lia naquele Brasil. Na frente de autores
como Joaquim Nabuco, “[...] que, em sua bobice, se jactava de pensar em francês e só tinha olhos paras as belezas
europeias”, ou ainda, como Nina Rodrigues “[...] que apesar de certo mérito como etnógrafo, só via na negridão o so-
frimento dos africanos purgando culpas e considerava a presença dos negros como a maior desgraça do Brasil.”, José
Veríssimo “[...] que viveu atolado no racismo e no vexame de si mesmo e do seu povo [...]” (p. 14), escrevendo que
pouco se podia “[...] esperar de um povo feito do conluio de selvagens inferiores, indolentes grosseiros, de coloniza-
dores oriundos da gente mais vil na metrópole [...]” “[...] e os negros bossais e degenerados” (RIBEIRO, 1993, p. 14).
Corroborando a esta lista, acrescentam-se ainda Euclides da Cunha que “[...] sucumbindo à regência dos pen-
sadores metropolitanos [...]” concordava “[...] que a mistura de raças é danosa, de que o mestiço é um desequilibrado,
o mulato, quase um estéril”, e Oliveira Viana que se esforçando para entender o nosso povo “[...] era mulato e viveu
sua vida sem se olhar no espelho [...]” (RIBEIRO, 1993, p. 14).
Franklin de Oliveira no texto “Manoel Bomfim: o nascimento de uma nação” (OLIVEIRA, 1993) também evi-
dencia que todos os historiadores brasileiros, de Capistrano a Gilberto Freyre, passando por Euclides, viram o Brasil
com óticas fornecidas por outros países, cuja alienação é talvez a pior de todas, pois induz à desfiguração total do país
e do povo. Para Oliveira (1993), foi Bomfim que estudando a formação da nacionalidade viu que entre nós só o es-
cravo trabalhava, e que as instituições sociais instauraram um Estado tirânico, opressor e espoliador, um Estado que
implantou a odiosa justiça política. Ao Brasil cabia apenas ser saqueado de suas riquezas:

O Português, exaurido pela aventura das especiarias voltou-se para o Brasil. Como sua mentalidade não era a do
trabalhador, mas a do aventureiro, deu início ao ciclo da escravidão, que se prolongou por mais de quatro séculos.
O escravo não era um ser humano – era peça, coisa – capital de giro do dono dos engenhos. [...] Uma nação que
assim se constitui teria de ser uma nação amoral – desumanamente amoral. (OLIVEIRA, 1993, p. 22).

O próprio Manoel Bomfim esclarecia que a educação que os atuais portugueses e espanhóis conheciam era
guerreira e depredadora. Guerreira porque era normal, por séculos e mais séculos, as lutas e as guerras, e depredadora
porque saquear, invadir territórios e assassinar era o único trabalho que estes conheciam (BOMFIM, 1993). “[...] Um
povo [os portugueses], que viveu continuamente em guerra por oito séculos, viveu certamente de rapinas e saques
por todo esse tempo” (p. 76).
Segundo Bomfim (1993), após oito séculos de luta e organizada, vigorosa, intrépida e unificada, o pensamento
único era conquistar o mundo, porque se habituara a viver exclusivamente do fruto das conquistas, não sabia fazer
outra coisa senão guerrear e tomaram gosto ao luxo e à riqueza facilmente adquiridos. Repugnavam o trabalho nor-
mal, sedentário e verdadeiramente produtor. A ideia coletiva era varrer a Terra, ou seja, o saque universal.
Tal cultura aprimorada por longos séculos é novamente colocada em exercício a partir do descobrimento dos
novos territórios como a África e a América. Na América, além de saquear e assassinar, trataram de importar, por
meio da força e da violência milhares de africanos para serem escravizados. Mais uma vez o binômio riqueza fácil e
derramamento de sangue vigoraram por mais alguns séculos.
Para Bomfim (1993) não se podia esperar um comportamento diferente de uma metrópole, cujo histórico era
marcado por conflitos violentos e pela exploração dos derrotados. É esta prática que Portugal insere em suas colônias,
incluindo o Brasil.
Voltando a Darcy Ribeiro e sua admiração por Manoel Bomfim, o autor do clássico “O povo brasileiro: a for-
mação e o sentido do Brasil”, completa que bem antes de Gilberto Freyre, Manoel Bomfim já dizia com toda clareza
que as taras do crioulo não vinham da raça, mas da escravidão (RIBEIRO, 1993), da exploração dos fracos pelos fortes,
dos parasitados e parasitas, enfatizando a sua profunda crítica às teorias raciais (GONTIJO, 2000).

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Caio Prado ainda estava nascendo e Manoel Bomfim já diagnosticava o racismo como a técnica ideológica eu-
ropeia de dominação e escravização, e tantos outros que se acercavam da visão de Manoel, como Arthur Ramos, Jo-
sué de Castro (outro também esquecido pelo pensamento social brasileiro, apesar da sua magnífica e atualíssima obra
“A Geografia da Fome”), Sérgio Buarque, porém sem o terem lido, pois bebiam em fontes estrangeiras, conforme o
modismo da época (RIBEIRO, 1993).
Neste sentido, Manoel Bomfim estava acima de seus pares porque além de também ler muito, tinha a capacida-
de de olhar ao redor de si com olhos capazes de ver as evidências, e criticava aqueles curtidos na leitura, mas que não
eram capazes de fazer a ciência autêntica, por meio da observação.
Criticou o caráter reacionário e anticientífico do chamado “darwinismo social”, ao afirmar que não se podia
confundir as “alternativas históricas dos povos” com a suposta “inferioridade definitiva das raças”. Também des-
mascarou o caráter colonialista da antropologia, que a seu ver não passava de uma “etnologia primitiva das grandes
nações salteadoras”. Até para Marx Manoel Bomfim apelou para dar assento científico para suas observações diretas
da realidade brasileira, vividas, curtidas, pensadas (RIBEIRO, 1993).
Por fim, Ribeiro (1993) afirmou que o que mais admirava na obra de Manoel Bomfim era sua capacidade de se
opor a todos os antigos e modernos pensadores coniventes com os grupos de interesses que mantinham o Brasil em
atraso, à sua extraordinária capacidade de indignação e de esperança, na sua certeza de que o Brasil é viável, desde que
o poder de decisão saísse das mãos das classes dominantes, infecundas e infiéis. Ora, novamente não é o Brasil atual
que Manoel Bomfim descreveu?!

MANOEL BOMFIM E A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA O PROGRESSO: EM


FOCO A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA

Assim como outros intelectuais da época, Manoel Bomfim dedicou seus estudos à educação e, conforme já
mencionado neste artigo, foi professor, diretor e secretário de importantes instituições escolares, além de autor de
várias obras de cunho educacional, como livros didáticos sobre psicologia educacional e formação de professores.
Em texto de sua autoria “Instrução pública - instrução popular”, o legado da instrução pública imperial era desa-
nimador, concluiu Manoel Bomfim (1932), após apreciar um trabalho no Report of the Comissioner of Education, de
Washington (1889), o qual revelava a ausência e a pobreza dos recursos escolares brasileiros, particularmente no que
tangia à instrução primária, que além de suas responsabilidades em relação ao conhecimento sistematizado, também
contribuía para a formação do caráter nacional, do espírito público e para convivência em um regime democrático.
Diante de uma realidade tão adversa, Bomfim (1932) enfatizava que cumpria ao Estado republicano prover a
massa popular de uma educação capaz de dar continuidade à alma brasileira, agora republicana, dar homogeneidade
aos interesses nacionais (caráter nacional, espírito público e de coesão em torno de um território comum).
Com a descentralização proposta pela República, Manoel Bomfim acreditava que somente um esforço combi-
nado, mas livre e espontâneo em prol da instrução pública, ou seja, um empenho prático de trazer para um acordo
comum a ação individual de todos, da conciliação de iniciativas particulares e coletivas com a do poder central, pode-
ria transformar a realidade brasileira.
Segundo Aguiar (2000) em artigo intitulado “Instrução popular” publicado por Manoel Bomfim no Jornal A
República em 02/12/1897, a nossa inferioridade em relação a outros povos cultos, devia-se a ignorância, a falta de
preparo e de uma educação para o progresso. Todavia, acreditava que tal “enfermidade” era curável e o remédio (não
esquecer da sua formação em medicina), era atentar-se para a instrução popular. Neste mesmo artigo, o intelectual
teceu duras críticas ao governo central por absoluta negligência em relação à instrução primária, e ao total desconhe-
cimento em relação ao que se ensinava e à quantidade de escolas que haviam naquele momento (GONTIJO, 2010).
Para engendrar uma obra salvadora, Bomfim (1932) colocou como essencial a realização, por parte dos Estados
e União uma organização das bases gerais da instrução primária, dos programas escolares das escolas primárias e
normais e a adoção dos livros escolares, por meio de profissionais competentes. Respeitar-se autonomia dos Estados
na proposição de reformas necessárias e na administração de suas escolas, por exemplo. Ao governo central caberia

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atingir as zonas mais pobres do país, subvencionando escolas primárias, sendo, contudo, responsável por escolas
normais e escolas modelos com programas formulados por representantes de todos os Estados.
Conforme já mencionado neste artigo, Manoel Bomfim era contra o pensamento e as teorias deterministas
da época, que buscavam no clima tropical e na raça as explicações para as mazelas do Brasil e de outras ex-colônias
portuguesas e espanholas, pois creditava estes males à ausência da instrução primária e o caminho capaz de retirar
estes povos do atraso.
Neste sentido, a pedagogia, na época ainda mal determinada, assumiu no pensamento de Manoel Bomfim uma
função prática, qual seja a sistematização dos princípios e métodos científicos úteis na “intervenção educativa”: a
sistematização teórica e o conjunto de doutrinas em plena evolução, e não uma ciência propriamente dita, tendo em
vista que seu objeto é prático - a educação (GONTIJO, 2010).
Segundo Gontijo (2010, p. 18) as ideias de Manoel Bomfim sobre educação e instrução primária perpassam três
tipos de produções:

[...] artigos publicados em periódicos (jornais e revistas); os discursos de ocasião, proferidos em solenidades como
as formaturas de normalistas; os livros destinados à sistematização de conhecimento sobre educação e pedagogia,
endereçados aos mestres ou futuros professores; e os livros voltados para o público em idade escolar.

No livro “Lições de Pedagogia: teoria e prática”, de 1915, estão reunidas as suas lições para o Curso de Pe-
dagogia da Escola Normal e, para o público em idade escolar, os manuais didáticos, escritos, conforme já indicado
anteriormente, com Olavo Bilac.
Outro importante elemento a destacar em seu pensamento educacional relaciona-se à sua formação médica e
suas pesquisas no campo da psicologia experimental.
Retornando de Paris em 1903, Manoel Bomfim auxiliou na criação de um Laboratório de Psicologia Experi-
mental do Pedagogium4, que se inseriu no contexto de difusão da pedagogia experimental, que promoviam pesquisas
com o objetivo de solucionar os problemas de ensino, de acordo com as leis das ciências biológicas e sociológicas, com
base em experimentos, análises estatísticas e observação sistemática. A criança era alvo da medicina e da educação,
ambos em construção no Brasil no final do século XIX (GONTIJO, 2010).
Sobre a escola, Manoel Bomfim rejeitava o caráter autoritário que esta exercia sobre a criança, e criticava a cen-
tralidade exercida pelo professor no processo educativo e, já naquela época, defendia o respeito às individualidades
e uma educação que fosse capaz de libertar. Para ele, mais importante do que se ensina (os conteúdos específicos) é
como se ensina (conteúdos didáticos) e, antes de Paulo Freire já apregoava o atraso na relação aluno como receptor
passivo e o professor como transmissor de conhecimento. Mais uma vez, Bomfim demonstrava o caráter inovador
de suas ideias.
Como “cientista da educação infantil” dedicou obras à psicologia da educação como Noções de Psicologia (1916),
Pensar e dizer (1923) e O método de testes (1928) este último realizando reflexões apuradas sobre a psicologia educacional.
Neste aspecto, na obra Pensar e dizer Bomfim demonstrava insatisfação com os resultados do laboratório de
psicologia experimental e denunciava a tendência geral da época de associação entre sociedades e simples organismos
biológicos e, acrescenta, segundo Gontijo (2010): é condenável a estreiteza com que aplicam o conceito de organis-
mos biológicos aos fatos sociais, mais complexos que os fatos biológicos, pois dependem das leis biológicas e das leis
sociais, peculiares a eles. Observa-se em Bomfim um esforço em avançar para além dos limites biológicos nos estudos
sobre as crianças, a sociedade e a história.
Para Bomfim ao pesquisar as crianças buscava-se a expansão de sua individualidade e independência. Ora, não
é isto que os especialistas em Educação Especial na atualidade defendem? Respeitar as diferenças, ensinar e avaliar a
partir das condições cognitivas de cada aluno?
Cabe ressaltar que Manoel Bomfim não abandonou os testes, todavia acreditava que os estudos sobre as crian-
ças deveriam ser menos laboratoriais e mais relacionados à relação com o mundo social, numa tentativa de romper
possíveis determinismos.
4 O Pedagogium foi criado em 1890 e Bomfim foi seu diretor entre os anos de 1896 e 1905 e, posteriormente, entre 1911 e 1919, quando a
instituição foi fechada. (GONTIJO, 2010. p. 22).

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Outra faceta de Bomfim diz respeito à publicação de manuais didáticos. Em parceria com Bilac elaborou a obra
Livro de Composição, em 1899, e em 1901 publicaram Livro de Leitura, ambos com ampla divulgação.
Naquela época os manuais didáticos exerciam papéis que iam além do ensinar as disciplinas escolares. Em
um contexto de fim da escravidão e início da República, se fazia necessário desenvolver no povo o sentimento de
nacionalidade, de patriotismo, de identidade com os símbolos nacionais, além dos valores, hábitos e sentimentos
burgueses, como corrobora Gontijo (2010, p. 32) “[...] mais que formar cidadãos, objetivavam promover verdadeira
regeneração da nação e de seu povo”.
A exceção dos manuais didáticos, sua produção intelectual, literária e científica, entre 1880 e 1910, foi esque-
cida e tida como “menor”, “pré-moderna”, inclusive por não coadunar com as ideias e pensamentos dos demais inte-
lectuais da época que recorriam às teorias estrangeiras para explicar o Brasil, com alguns nomes citados neste estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a leitura de escritos de Manoel Bomfimm, depoimentos de outros intelectuais, e de autores que pesquisa-
ram sua vida e obra, compreende-se o quão inovadoras foram suas ideias e o porquê de seu esquecimento em relação
a outros intelectuais da época.
Manoel Bomfim em sua vasta obra contrapôs-se ao que era colocado como verdade por outros intelectuais.
Contestou as teorias raciais, as explicações simplistas e baseadas em modelos europeus para as mazelas do Brasil. Pre-
ocupava-se com a urgência de políticas educacionais, particularmente para a instrução primária – o “remédio” - que
pudesse retirar o Brasil de seu atraso – a “doença” - perante outros países. Defendeu os estudos sobre psicologia edu-
cacional, criticando inclusive as análises baseadas apenas neste critério, sem considerar as questões sociais e históricas
das sociedades.
Trata-se de um intelectual de pensamento a frente de seus contemporâneos, e por assim ser, passou a ser negli-
genciado pelos pesquisadores e interessados em temas relacionados à formação do Brasil e aos estudos educacionais no.

REFERÊNCIAS

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561p.
BOMFIM, Manoel. Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária. In: GONTIJO, Rebeca. Manoel
Bomfim. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. p. 64-69. (Coleção Educadores).
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. 4. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993. 358p.
GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 170p.

922
MAPEAMENTO DAS PRODUÇÕES DISPONÍVEIS NA SCIELO SOBRE
REFORMAS DO ENSINO MÉDIO (1997-2017)1

Douglas Pereira Luiz - UFGD2


Wesley Fernando de Andrade Hilário- UFGD3

INTRODUÇÃO

No cenário da história da educação brasileira figuram inúmeras reformas no nível médio da escolarização, aspecto
que permite tratá-lo como problema ainda não resolvido no campo educacional. Para problematizar os acontecimentos
que são as reformas educacionais, tem-se produzido pesquisas acadêmicas em forma de artigos, dissertações e teses de
natureza crítica, analítica, descritiva etc. em relação a seus aspectos diversos, criticando e problematizando os feitos.
No sentido de aproximação a tais pesquisas, este texto socializa um mapeamento dos artigos sobre as reformas
do Ensino Médio inscritas na Lei n° 9.394/1996 (BRASIL, 1996) e Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017).
A busca foi realizada durante o mês de janeiro de 2019 na plataforma online SciELO (Scientific Electronic
Library Online), utilizando o descritor “Reformas do Ensino Médio”. Foram selecionados três filtros, privilegiando,
assim, os artigos escritos em língua portuguesa disponibilizados em periódicos brasileiros e produzidos entre os anos
correspondentes às reformas. Ao todo foram localizados vinte e sete artigos, dos quais vinte e um tratam sobre a
primeira reforma e seis sobre a segunda reforma.
A primeira análise consistiu na leitura dos resumos de cada artigo, buscando identificar seus objetivos, metodo-
logia, fontes, referencial teórico e resultados. Entretanto, verificou-se a incompletude de informações que o gênero
textual em questão demanda, de modo que foi necessário recorrer à leitura do texto completo.
Após isto, tendo sido encontradas as pretendidas categorias, foram destacados, para fins de apresentação neste
texto, os temas, o referencial teórico e as fontes mobilizadas nas referidas produções, em torno dos quais também se
dividiu o texto.

TEMAS

Em relação aos temas constatou-se a presença de quatro principais, sendo eles: política educacional, currículo,
qualificação e formação profissional e protagonismo juvenil. As produções evidenciam a submissão da escola de
nível médio aos interesses econômicos, daí porque criticam as proposições feitas pelas reformas, as quais são trata-
das como tentativas de governos de formar mão de obra disponível e necessária ao andamento e reestruturação da
economia nacional que pauta-se pela via do capitalismo neoliberal. Também ressaltam que o currículo proposto em
cada reforma está associado ao ajuste da educação escolar e dos sujeitos aos pressupostos econômicos de cada mo-
mento histórico ou ainda a determinado projeto de sociedade. Também são feitas críticas à ideia de protagonismo
juvenil, que pressupõe a participação ativa dos alunos em sua própria escolarização, aspecto que permeia sobretudo
a primeira reforma.

1 Este artigo é parte dos resultados da pesquisa do primeiro autor desenvolvida no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), sob orientação da Professora Dra. Rosemeire de Lourdes
Monteiro Ziliani.
2 Graduando em Educação Física na UFGD. E-mail: douglasluiz.dpl@gmail.com
3 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD. E-mail: weehillario@hotmail.com

923
Quadro 1 – Principais temáticas do mapeamento

N° de
Temáticas Autores Artigos
(DOMINGUES, TOSCHI & OLIVEIRA, 2000; MARTINS, 2000; OLIVEIRA, 2000; ZIBAS,
Currículo 2005; MAGALHÃES, 2006; SILVA, 2009; RAMOS, 2011; SILVA, 2014; CUNHA,2017; 12
FERRETTI; SILVA,2017; KUENZER, 2017; MOTTA; FRIGOTTO, 2017).
Formação/Qualificação (FERRETTI, 1997; OLIVEIRA, 2002; FERRETTI, 2007; SILVA, 2009; JÚNIOR,
5
Profissional LUCENA & FERREIRA, 2011).
(SILVA JÚNIOR, 2002; OLIVEIRA, 2002; MITRULIS, 2002; FRIGOTTO;
Políticas Educacionais 7
CIAVATTA, 2003; KRAWCZYK, 2003; ZIBAS, 2005a; MOTTA, FRIGOTTO, 2017).

(ZIBAS, FERRETTI & TARTUCE, 2006; ZIBAS, 2005c; FERRETTI, ZIBAS &
Protagonismo Juvenil 3
TARTUCE, 2004).

Fonte: elaborado pelos autores com base nos resultados (LUIZ, HILÁRIO, 2019).

A temática de políticas educacionais está presente em sete artigos, sendo seis deles sobre a reforma de 1996
(SILVA JÚNIOR, 2002; OLIVEIRA, 2002; MITRULIS, 2002; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003; KRAWCZYK, 2003;
ZIBAS, 2005a) e um sobre a reforma de 2017 (MOTTA, FRIGOTTO, 2017). Tratando sobre os problemas históricos
do nível médio da escolarização, os artigos apontam que as “soluções” propostas para o Ensino Médio por meio de
ambas reformas são no sentido econômico e ignoram aspectos que existem ou deveriam existir na formação “inte-
gral” dos sujeitos. Sinalizam que as propostas para o Ensino Médio são de caráter mercadológico e por isso criticam
que a formação mercadológica impedem passos do ensino para formação integral do jovem, que não deve ser forma-
do somente em função do capital.
Silva Júnior (2002) discutiu a reforma educacional de 1996, apontando que ela fazia parte de um movimento
mundial de reformas que se articulavam à reestruturação do capitalismo e das formas de trabalho naquele momento.
Nesse sentido, o autor concluiu que as políticas educacionais então propostas, ao favorecerem uma formação mer-
cadológica, acarretariam algumas consequências inscritas na relação entre educação e sociedade: os jovens deixariam
“de acreditar na escola como forma de ascensão social e inserção no mercado de trabalho” (p. 229), poder-se-ia “acen-
tuar as desigualdades em sociais, em vez de possibilitar a equidade” e “conforma[r] cada indivíduo em sua divisão
social” (p. 230) e “possibilita[ria] um espaço enorme para privatização da esfera educacional no ensino médio” (p. 230)
Oliveira (2002) abordou temas que prevalecem na discussão do Ensino Médio, mostrando onde o governo
tenta chegar com a proposta de universalização desse nível da escolarização, questionado: “O ensino médio é para
todos?” (p. 11).
Mitrulis (2002) indicou “ensaios de inovação” que escolas de Ensino Médio no Estado de São Paulo vinham
realizando naquele momento no sentido de estreitar a relação com a sociedade civil e suprir suas necessidades e re-
solver problemas. Apontou que as tentativas de mudanças observadas não se tratava de um “retrato das escolas da
rede pública estadual”, mas sinalizavam “o campo de possibilidades de melhoria existente” (p. 241), apesar da gradual
retirada do Estado nos espaços institucionais.
Frigotto e Ciavatta (2003) trataram sobre a política de educação básica estabelecida nos dois mandatos do
Governo Fernando Henrique Cardoso. Afirmaram que, seguindo e subordinando-se às orientações de organismos
internacionais, a referida política – que se articula também a um projeto de sociedade – favoreceu e tem favorecido
uma gestão mercadológica dos sujeitos e das instituições. Nesse sentido, concluíram que a reforma da educação bá-
sica – e em especial do nível médio – foi “um retrocesso tanto organizativo como em termos pedagógicos” (p. 122) e
favoreceu a perpetuação das diferenças sociais tão latentes no Brasil; daí porque propuseram a urgência de se “alargar
a compreensão do educativo para além dos muros da escola e impregnar-se da realidade dos múltiplos movimentos
sociais e culturais da classe trabalhadora e de suas estratégias de produção da vida pelo trabalho” (p. 122).

924
Krawczyk (2003) discutiu o processo de implementação da reforma a partir de dados colhidos em pesquisa re-
alizada em três estados brasileiros, analisando os principais eixos das reformas em âmbito estadual e seus focos mais
críticos que são: a adequação da rede física e melhoria do equipamento, a reorganização curricular, a gestão escolar, o
trabalho docente e o público do Ensino Médio. Concluiu que “a implementação das políticas comprometeria a ‘qua-
lidade democrática’ da educação e que tais políticas, uma vez consolidadas, se tornariam de difícil alteração” (p. 200).
Zibas (2005a) tratou políticas educacionais para o Ensino Médio e analisou algumas de suas diversas faces, indi-
cando, assim como a autora acima referida, dados de três pesquisas que focalizaram a implementação da reforma. Apon-
tou as dificuldades de implementação do que a reforma propunha e ressaltou que ela implicaria no aprofundamento das
desigualdades sociais daqueles que frequentam esse nível da escolarização ou que a ele não possuem acesso.
Motta e Frigotto (2017) trataram sobre a política em curso na última reforma, promulgada em 2017, afirmando
que ela está articulada a um estreitamento da educação ao funcionamento da sociedade brasileira neoliberal, pois volta-se
para a formação de capital humano qualificado (por meio da educação profissional) e ao mesmo tempo em que surgem
reformas no setor econômico que podem dificultar a vida dos trabalhadores, aspecto por eles problematizado. Assim,
qualificam-na como uma “contrarreforma que expressa e consolida o projeto da classe dominante brasileira” (p. p. 369).
Discussão essencial no texto em ambas reformas, o currículo se altera conforme as necessidades do mercado e
da globalização, muitas vezes em função de grandes potências que detêm poder sobre o Brasil. Com suas multinacio-
nais que exigem formações que acompanhem a crescente tecnologia, concorrência, entre outros fatores, boa parte das
críticas se deve ao fator do currículo ser pensado para a escola porém fora de sua realidade e função social. Acarretan-
do numa resistência por parte dos professores e gestão que veem dificuldades na implantação, que certas vezes vem
em descrédito por serem políticas de governo que logo são trocadas pelo próximo mandato a vigorar.
O tema foi discutido em doze artigos, sendo oito deles relativo à reforma de 1996 (DOMINGUES, TOSCHI &
OLIVEIRA, 2000; MARTINS, 2000; OLIVEIRA, 2000; ZIBAS, 2005; MAGALHÃES, 2006; SILVA, 2009; RAMOS, 2011;
SILVA, 2014) e quatro sobre a reforma de 2017 (CUNHA,2017; FERRETTI; SILVA,2017; KUENZER, 2017; MOTTA; FRI-
GOTTO, 2017).
Sobre a reforma de 1996, Domingues, Toschi & Oliveira (2000) discutiram a formulação curricular do Ensino
Médio, aliada a uma visão tripartite que engloba currículo, formação de professores e gestão na escola pública. Tais
políticas foram percebidas como meras iniciativas de governo, o que levam ao descrédito e pouco engajamento do
professor. Martins (2000) argumentou a reforma buscou atender fortes mudanças da época, sociais, econômicas,
políticas e culturais, em âmbito mundial, ou seja, a referida reforma surgiu por influências externas em tais âmbitos.
A autora conclui “[...] contextualizando os temas culturais e políticos a partir da dinâmica da sociedade brasileira que,
em última instância, tem sido profundamente afetada pelo redimensionamento da acumulação do capital” (p. 84).
Oliveira (2000) abordou os acertos e desacertos na proposta curricular, e a diferença entre formação técnica e
formação tecnológica. “[...] e, portanto, à uma formação meramente técnica. E, consequentemente, estaria afastando a
escola do objetivo de uma formação tecnológica” (p. 42). Conclui com várias perguntas, sendo uma delas: “Como via-
bilizar a formação tecnológica na escola comprometida com a superação das relações de exclusão societárias?” (p.61).
Zibas (2005b) discutiu “A favor da reforma curricular deve-se registrar que o contexto da virada do século justi-
ficava (e ainda justifica) um profundo repensar do currículo do ensino médio, em vista, principalmente, das seguintes
constatações e análises:” (p. 24-25): “a) Explosão da demanda por matrículas, b) Requisitos do novo contexto produ-
tivo, c) Exigência de desenvolvimento de conhecimentos e valores para a construção de uma cidadania democrática
e d) Exigência de aproximação entre currículo e cultura juvenil”.
Magalhães (2006) situou as mudanças ocorridas no currículo das décadas de 80 e 90, que eram necessárias a
partir de uma premissa que a sociedade saia de uma ditadura civil-militar e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação) de 1971 não acompanhava o pensar dos educadores. “Esta mudança foi significativa, apesar da impossibilidade
de mobilizar todos os docentes” (p. 51). O texto traz um pouco sobre o ensino de História sugerido nos Parâmetros
Curriculares Nacionais e aponta peculiaridades sobre a formação de professores.
Silva (2009) aponta como a escola incorporou temas como trabalho, tecnologia e formação, segundo propostas
da reforma curricular para o Ensino Médio, em escolas de Curitiba, Paraná.

925
Ramos (2011) discutiu as reformas curriculares propostas no governo FHC, seguindo pelo governo Lula, e
destacando o movimento em defesa do Ensino Médio integrado. Silva (2014) analisou os currículos propostos na
reforma desenvolvida no estado do Rio Grande do Sul denominada Ensino Médio Politécnico.
Sobre a mais recente reforma, Cunha (2017) analisou a proposta de currículo na reforma Medida Provisória
nº 746/2016 (BRASIL, 2016), atrelando relações com o passado em outras reformas anteriores, tais como a Lei nº
5692/1971 e no Decreto nº 2208/1997. Ferretti e Silva (2017) problematizaram a Medida Provisória nº 746/2016
(BRASIL, 2016), e seus percalços sobre currículo, tratando dela em dimensões restritas e amplas, tendo como teórico
destaque Antonio Gramsci.
Kuenzer (2017) analisou a reforma, já regulamentada pela Lei nº 13.415/2017, tendo em vista o currículo e a
possibilidade de escolha por parte do aluno como destaque, em um percurso buscando a formação técnica/profissio-
nal ou a acadêmica segundo seus planos de vida. Motta e Frigotto (2017) trataram o porquê da urgência da reforma do
Ensino Médio proposta pela Medida Provisória nº 746/2016, transformada na Lei nº 13.415/2017, adotando teorias
em especial de Antonio Gramsci e de Florestan Fernandes, inserida nos debates sobre trabalho-educação.
Com as mudanças propostas no currículo, a qualificação/formação profissional também sofreu alterações. Esse
assunto foi privilegiado em cinco dos artigos localizados, especificamente sobre a reforma de 1996 (FERRETTI,
1997; OLIVEIRA, 2002; FERRETTI, 2007; SILVA, 2009; JÚNIOR, LUCENA & FERREIRA, 2011). A propósito dis-
to na reforma de 2017, não foi localizado nenhum artigo. Os autores dos artigos referidos apontam que mesmo com
a reforma o Ensino Médio segue com a dualidade em que a classe elitizada é formada para adentrar à universidade e
ocupar cargos melhores no mercado de trabalho, enquanto a população de classe mais pobre é destinada à formação
profissional. Os autores defendem um Ensino Médio único, de qualidade, que ofereça oportunidades iguais de sequ-
ência de estudos também para a classe trabalhadora, que vê na educação a única forma de “melhora de vida”.
Ferretti (1997) tratou sobre os desafios e problemas que vieram com tratativas econômicas e de globalização
envolvidas no trabalho, para tratar e problematizar as mudanças na Educação e principalmente na formação profis-
sional proposta.
Oliveira (2002) apontou o afundamento da dualidade do Ensino Médio, numa perspectiva de formar para o
trabalho. Muito influenciado externamente o governo brasileiro tira conteúdos de formação cidadã e exclui a classe
popular ao seu acesso.
Ferretti (2007) trouxe à tona dois temas de discussão: qualificação profissional e o processo de implementação
da reforma nas escolas.
Silva (2009) sinalizou a formação tecnológica como positiva, mas sem restrição aos conteúdos que formam o
ser, que certas vezes acabam sendo retirados, visando formar apenas para o mercado um indivíduo com noções de
como fazer sem criticidade.
Júnior, Lucena e Ferreira (2011) trataram das mudanças em relação ao Ensino Superior, a crescente profissio-
nalização e privatização e a consolidação de dualidades em esferas públicas e privadas, profissional e propedêutica.
Sugerido pela reforma de 1996, o protagonismo juvenil foi assunto de três artigos (ZIBAS, FERRETTI &
TARTUCE, 2006; ZIBAS, 2005c; FERRETTI, ZIBAS & TARTUCE, 2004). Os autores apontam que protagonismo
juvenil, enquanto parte do programa da reforma de 1996, objetiva a formação do aluno numa perspectiva de maior
responsabilidade, desenvolvendo sua autonomia e possibilitando sua participação na gestão escolar e outras funções
na escola. Na perspectiva de protagonismo chama-se a atenção dos pais para também participar, criando um vínculo
maior destes com a instituição escolar, que seria mais democrática e aberta a uma comunicação com a sociedade e
possibilitando proporcionar realidade próxima com destaque de seus jovens. Trabalhar sobre e para a comunidade
desenvolvendo potencialidades que lhe servirão no futuro. O problema desse ponto fica sobre sua implementação,
pois certas vezes nem tudo pode ocorrer bem, a participação dos alunos e pais pode ser mínima e toda responsabili-
dade sobre o processo pode recair sobre o professor.
Apesar do destaque a essa temas, foi possível perceber que os artigos em questão tratam também sobre assuntos
diferentes, como formação de professores, gestão escolar, flexibilização e dualidade do Ensino Médio, entre outros.
Aspecto que será retomado em produção posterior.

926
FONTES

Em relação às fontes para tratar da reforma de 1996, constatou-se a predominância do uso de documentos ofi-
ciais como a Lei (BRASIL, 1996) e as Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998 (BRASIL, 1998), além de documentos
produzidos por agências internacionais de caráter econômico, como os Relatórios produzidos pelo Banco Mundial.
Também verificou-se a recorrência à entrevista como fonte de análise como no artigo de Franco e Novaes (2001) e
observações de rotinas escolares, com foco de averiguar a implementação da reforma, presente no escrito de Zibas
(2005c) ou projetos escritos, como Mitrulis (2002).
Para tratar da reforma de 2017, observou-se a utilização da Medida Provisória nº 746/2016 (BRASIL, 1996)
que antecedeu a Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017).

REFERENCIAL TEÓRICO

Por último, em relação ao referencial teórico, observou-se constante referência a autores brasileiros que se
dedicam a pensar a educação média no Brasil, como Acácia Kuenzer, Celso João Ferretti, Dagmar Zibas, Dermeval
Saviani e Gaudêncio Frigotto, os quais utilizadores e comentadores das proposições de Marx e Gramsci, que por sua
vez são algumas vezes diretamente mencionados nos artigos localizados. A citação por parte de autores brasileiros de
seus colegas também pesquisadores, atrela um trabalho em conjunto sobre o Ensino médio e suas transformações ao
longo do tempo. Tais pesquisadores trabalham para analisar as vertentes das reformas ao longo dos anos, trazer seus
pareceres críticos e olhar crítico sobre as propostas do governo.

Outros apontamentos

Também foi possível verificar que os artigos encontrados foram publicados em periódicos qualificados e de alto
impacto científico. Do total de vinte e sete artigos, doze foram publicados no periódico Educação & Sociedade, de qualis
A1; nove artigos no periódico Cadernos de Pesquisa, de qualis A2; dois artigos no periódico Educar em Revista, de qualis
A1; dois artigos no periódico Revista Brasileira de Educação, de qualis A1; um artigo no periódico Trabalho, Educação e
Saúde, de qualis A2; e um artigo no periódico Tempo, de qualis A1, conforme se observa no Gráfico 1:

Gráfico 1 - Distribuição percentual dos artigos em periódicos nacionais

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos resultados (LUIZ, HILÁRIO, 2019).

927
Ainda foi possível constatar a rarefação de autores, pertencentes a distintas instituições de Ensino Superior,
aspecto que concorre para a afirmação de que o tema colocado em questão é de amplo interesse e relevância para o
campo educacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este mapeamento, para além dos resultados até aqui apontados, também pode-se concluir que os artigos
aparecem como críticas às sucessivas reformas do Ensino Médio feitas nas últimas décadas; que há uma diversidade
de temas que convergem na discussão sobre a relação entre educação e trabalho; além da dispersão de autores que têm
seus textos publicados em periódicos altamente qualificados. Ainda que com distância temporal de mais de vinte anos
entre uma e outra reforma, visualiza-se que questões e problemas relativos à escolarização dos jovens permanecem,
mas também se atualizam diante das contradições entre escola e sociedade.

REFERÊNCIAS

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Acesso em: 06 de maio de 2019.

930
MEMORIA DE EX-SINDICALISTAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO
DO SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇAO PÚBLICA DO
ESTADO DO PARÁ (SINTEPP) EM CANAÃ DOS CARAJÁS – PA

Ademir Brandão Costa – UFT/TO1


Ritianne de Fátima Silva de Oliveira – UFT/TO2
Jocyleia Santana dos Santos – UFT/TO3

Resumo: O presente estudo apresenta resultados de uma investigação que teve como objetivo descrever o
processo de implantação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP), no município de
Canaã dos Carajás, a pesquisa investigou acontecimentos e fatos históricos que ocorreram durante o período com-
preendido entre 1997 à 2001, ocasião em que a história da construção das bases dessa instituição se firmaram, suas
contribuições sociais junto aos profissionais em educação pública do município se consolidaram. Para alcançarmos tal
objetivo se fez necessário averiguar o quão importante essa instituição foi e é para os servidores da educação básica
de tal município. A pesquisa foi realizada a partir da perspectiva metodológica da História Oral (HO), por compre-
ender que esta modalidade de pesquisa compromete-se em esclarecer o tema estudado a partir de diferentes pontos
de vistas, respeitando a opinião de quem relata os fatos por eles vividos, ou seja, considera aquela parte de vida do
entrevistado ligado ao tema de estudo. História Oral foi como um guia que nos encaminhou ao objeto pesquisado e
com apoio do resgate memorial de dois ex-coordenadores do SINTEPP Subsede Canaã dos Carajás, descreveu-se as
histórias de um povo de luta. Assim, entrevistou-se dois professores: Sergio Melo e Lucinete Oliveira que atuaram
na coordenação do sindicato nos períodos de 2002-2005 e 2015-2019. Os resultados indicam que a luta é árdua e per-
manente. Nota-se que os primeiros anos de existência da Subsede Canaã dos Carajás, os coordenadores participaram
de vários embates políticos e ideológicos, estabelecendo lutas e batalhas contra as injustiças das autoridades gover-
namentais, muitas conquistas e algumas derrotas. Perante o exposto denota-se as dificuldades na implementação do
Sindicato no Município, e o seu desenvolvimento e crescimento não foram proporcionais, devido aos obstáculos
institucionais que transcorriam desde o financeiro ao estrutural e pessoal.
Palavras-chave: Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará. História Oral. Canaã dos Carajás.

INICIANDO A CONVERSA
Ao tematizar o processo de implantação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTE-
PP), no município de Canaã dos Carajás, se faz mister recorrer à história do movimento sindical na sua nascente. Or-
ganização essa que comporta a categoria de profissionais em educação das redes estadual e municipais do estado Pará.
Para um estudo dessa natureza, faz-se necessário percorrer pela revisão da literatura que versa sobre o movimento
sindical no Estado do Pará, a uma consulta em documentos produzidos pelo próprio SINTEPP, como o livro Ata 01
e o Estatuto. Inspirados na metodologia da História Oral (HO), apreendemos da memória de dois professores líderes
sindicais que atuaram na coordenação do sindicato nos períodos de 2002-2005 e 2015-2019, o percurso de resistên-
cias, lutas e conquistas originários dos enfretamentos que pautaram o movimento sindical em Canaã dos Carajás.
A pesquisa tem o objetivo de descrever o processo de implantação do SINTEPP no município de Canaã dos Ca-
rajás no período de 1997 a 2001, episódios basilares na história da instituição, sua contribuição na organização social
dos profissionais em educação pública do município, como também, averiguar o quão importante essa instituição é
para esses servidores.

1 ademirbrandao@gmail.com, mestrando do Programa Profissional de Pós-Graduação em Educação (PPPGE) – UFT/TO.


2 ritianne19@hotmail.com, mestranda do Programa Profissional de Pós-Graduação em Educação (PPPGE) – UFT/TO.
3 jocyleia@mail.uft.edu.br, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) – UFT/TO.

931
UMA PROSA: A HISTÓRIA ORAL...

Este trabalho é uma pesquisa documental de investigação teórico-prática, com uma abordagem qualitativa, uti-
lizando-se da metodologia de historiografia oral como um guia que nos encaminhará ao objeto pesquisado. Para isso,
nosso recorte cronológico abrange o período de 1997 a 2001. Esse é o nosso recorte temporal referente a história de
implantação e desenvolvimento do SINTEPP Subsede Canaã, período delimitado pelo livro de atas número 01 (um)
da instituição, ao qual é a referência para esse estudo. Uma vez que a história nos é contada, por meio dos registros das
reuniões (internas e externas), assembleias de filiados, seminários e outros eventos que os coordenadores estiveram
presentes, defendendo os interesses da categoria.
Para isso, utilizamos a entrevista como procedimento de investigação, no intuito de coletar dados que visam
diagnosticar e tratar o problema aqui proposto. A entrevista “é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma
delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional.
” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 195). As entrevistas foram realizadas com 2 (dois) ex-coordenadores(as). Sergio
Melo: 52 (cinquenta e dois) anos, casado, professor das series iniciais, licenciado em História, Pedagogia e Letras,
especialista em Educação no Campo. Morador de Canaã dos Carajás há mais de 30 anos e Lucinete Oliveira: 44 (qua-
renta e quatro) anos, solteira, professora licenciada em Pedagogia, residente e domiciliado há 19 (dezenove) anos no
município. Os colaboradores se dispuseram a dar seus testemunhos acerca das memórias guardadas e opiniões me-
diante a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com informações acerca da pesquisa, seus
objetivos e do direito de desistir de participar a qualquer tempo. Buscamos também junto aos entrevistados, materiais
referentes ao período de sua passagem como coordenador geral da organização sindical e documentos secundários
que não mais fazem parte do acervo da instituição.
Para as entrevistas, utilizamos roteiro semiestruturado contendo dez perguntas abertas do tipo exploratória,
oportunizando ao entrevistado arguir às perguntas com liberdade e permitindo ao entrevistado também adentrar as-
suntos que não estavam originalmente no roteiro, sendo este o caso. Construímos o nosso roteiro semiestruturado,
com perguntas indiretas e dedutivas. Baseadas nas ideias de (MEIHY, 2005), “...as questões buscadas devem sempre
ser contextualizadas e seguir uma ordem de importância capaz de inscrever os tópicos principais nas análises do de-
poente.” (MEIHY, 2005, p. 163)
Deste modo, nos apoiamos na história oral temática, por compreender que esta modalidade de pesquisa com-
promete-se em esclarecer o tema estudado a partir de diferentes pontos de vistas, respeitando a opinião de quem
relata os fatos por ela vividos, ou seja, considera aquela parte de vida do entrevistado ligado ao tema de estudo. Para
(ALBERTI, 2004) a história oral é um método, e como método “a história oral não é um fim em si mesma, e sim um
meio de conhecimento.” (ALBERTI, 2004, p. 29). Nesse sentido, vale ressaltar que:
“A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja
utilizada. Não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finali-
dade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação;
pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o
mundo exterior; e na produção da história - seja em livros, museus, rádio ou cinema - pode devolver às pessoas que fi-
zeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras.” (THOMPSON, 1992, p. 22).
Nesse sentido, percebemos que dentro da metodologia de história oral, existem técnicas de registro da infor-
mação, de transcrição de fontes e de constituição do arquivo que devem ser executadas, (QUEIROZ, 1988), (MEIHY,
2005) e (CAPPELLE, BORGES; MIRANDA, 2010) nos explica detalhadamente. Trata-se de reconhecer e compro-
var os testemunhos coletados nas entrevistas através de fontes que indiquem veracidade em tais fatos, por meio de
documentação. “É importante reconhecer que o peso dado aos testemunhos orais coletados ou usados são neutraliza-
dos através da documentação central. ” (MEIHY, 2005, p. 48).
Os resultados apresentados neste trabalho são parciais e consiste na transcrição das narrativas das entrevistadas
inseridas no corpo do texto.

932
BREVE HISTÓRIA DO SINDICATO DOS PROFESSORES NO ESTADO DO PARÁ E A
ORGANIZAÇÃO DESSES PROFISSIONAIS

A trajetória de lutas do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará (SINTEPP) é mar-
cado desde a clandestinidade e anonimato até a atualidade na qual, ela é a entidade máxima sindical dos profissionais
em educação da rede pública de ensino do Estado do Pará.
Durante o período de consolidação do SINTEPP como representante sindical dos profissionais em educação
do Estado do Pará, novos municípios surgiram, aumentando assim, a necessidade de expansão da instituição. Atu-
almente, o SINTEPP está presente em todos os 144 municípios do estado, através de suas 10 Diretorias Regionais,
assim denominadas: Regional Baixo Tocantins, Regional Marajó, Regional Metropolitana, Regional Oeste, Regional
Sudeste, Regional Sul, Regional Tocantina, Regional Xingu, Regional Nordeste I e Regional Nordeste II.
Essa organização sindical, comparada a organização sindical dos servidores da rede particular de ensino do
Estado do Pará, se organizaram tardiamente. Porém, o SINTEPP se organizou de forma concisa e bem prática. Sua
construção foi em torno das batalhas e dos debates com os governantes. Ao longo desse andarilhar, várias siglas e
denominações foram utilizadas no intuito de melhor definir a instituição. De acordo com Pinheiro (2015),
Até hoje, no processo de luta e organização, quatro foram as denominações dadas a entidade representativa
dos professores públicos estaduais no Pará ao longo de sua história: Associação dos Professores do Estado do Pará
(APEPA), de 1979 a 1982; Comissão Central do Movimento dos Professores Públicos do Estado do Pará, em 1983;
Federação dos Professores Públicos do Estado do Pará (FEPPEP), de 1983 a 1988, sendo que a partir de 1985 essa
federação passou não só mais ser dos professores e sim dos Profissionais de Ensino do Estado do Pará, mas com a
mesma sigla; e o SINTEPP, a partir de 1988, quando da nova constituição e da possibilidade dos servidores públicos
se sindicalizarem. (PINHEIRO, 2015, p. 213)
No estatuto, o SINTEPP (2014), logo em seu Artigo 1º, parágrafo único, afirma que a instituição “é uma entida-
de democrática, laica, plural, independente em relação aos partidos políticos e ao Estado”. Assim, como representação
máxima da classe dos trabalhadores em educação pública do Estado do Pará, esse sindicato tem suas bases de formação
na política educacional de valorização dos profissionais e na oferta de uma educação pública e de qualidade. Garan-
tindo assim uma independência sindical para com seus filiados.
Mais adiante no Artigo 2º, fica claramente expresso o seu intuito.
O SINTEPP tem por finalidade defender jurídica e socialmente, no âmbito administrativo e judicial, inclusive
por meio de Ação Civil Pública, os interesses e direitos individuais e coletivos dos trabalhadores em educação pública,
das redes estadual e municipal de ensino do Estado do Pará, independente do regime jurídico a que estejam subme-
tidos, em todos os seus direitos e lutas, assim como promover a formação política dos trabalhadores em educação e a
solidariedade entre todos os trabalhadores. (SINTEPP, 2014, p. 01)
Pelo fato do município de Canaã dos Carajás ser recém emancipado, uma nova Subsede veio a integrar à Re-
gional Sudeste juntamente com outros 17 municípios. A Subsede Canaã como é denominada por seus filiados, no
auge dos seus 21 anos de existência, continua combatendo firmemente as investidas dos governos contra os direitos
dos servidores públicos.

A IMPLANTAÇÃO DO SINTEPP EM CANAÃ DOS CARAJÁS: HISTÓRIAS DE LUTAS PELA


DEMOCRACIA

Antes de seguirmos, faremos uma breve apresentação do município de Canaã dos Carajás. Canaã, nome bíblico
que significa “Terra Prometida”, surgiu de um assentamento agrícola ao sudeste do Estado do Pará. Esse assentamen-
to agrícola era um projeto de implantação do Governo Federal por intermédio do Grupo Executivo das Terras do
Araguaia e Tocantins (GETAT) em 1982 e recebeu o nome de Projeto de Assentamento Carajás, com o intuito de
povoar e reduzir os conflitos agrários dessa região que possui densas florestas amazônicas. De acordo com o Instituto

933
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (CIDADES, 2017), “ao longo de três anos, 1.551 famílias foram assenta-
das na área que ficou conhecida como Centro de Desenvolvimento Regional, CEDERE”.
Canaã dos Carajás, por meio da Lei Estadual nº 5.860, emancipou-se aos cinco dias do mês de outubro de um
mil novecentos e noventa e quatro, separando-se definitivamente do município de Parauapebas. Até 2015, Canaã dos
Carajás ocupava a posição 8º colocado no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, abrigando as unidades
de mineração de cobre (Sossego) e de minério de ferro (Complexo S11D Eliezer Batista), ambos da Vale. Assim,
deixava de ser uma pequena cidade agricultora para tornar-se uma das maiores exportadoras de minério do mundo.
O SINTEPP Subsede Canaã, como é conhecido por seus filiados e demais profissionais em educação, há 22 anos
vem atuando firmemente em defesa de uma educação de qualidade e em busca da valorização dos profissionais que nela
atuam. Sua criação foi arquitetada por professores preocupados com situações políticas que congelavam e desvaloriza-
vam os salários na época, trazendo desigualdade, injustiça e a precariedade das condições de trabalho. Os anseios nave-
gavam do micro ao macro, tanto nas questões sociais quanto econômicas. Seja eles no âmbito municipal e/ou estadual.
Os avanços da política neoliberal e as privatizações, por parte do Governo Federal, quanto do governo estadual traziam
consigo instabilidade e insegurança aos servidores públicos que na sua totalidade eram funcionários temporários.
O ano de 1997, ficou marcado por ocorrerem muitas bandeiras de lutas, no caso, essas bandeiras de lutas eram
as reivindicações e cobranças do sindicato perante o governo. Contendo, diversas pautas de debates, inclusive a re-
alização de concursos para efetivação dos servidores canaenses que atuavam na educação, sendo uma parcela desses
servidores atuavam também no ensino médio, de responsabilidade do Estado. O SINTEPP Estadual vinha de um
período intenso de lutas contra o Governo Estadual, na época o governador Almir Gabriel comandava o executivo
com “mãos de ferro”. Concurso público e valorização dos servidores não eram prioridades na sua gestão, e isso refletia
no recém-criado município. Segundo o professor Sergio Melo4, a chegada do SINTEPP ao município, representava,
“uma esperança! Pois, por meio do SINTEPP, os servidores iam buscar os direitos deles. Caso contrário, os governos
faziam e desfaziam e os servidores não tinham como recorrer sozinhos. Então o sindicato era a luz no fim do túnel”.
Outras preocupações estavam em voga, como a criação do Regimento Jurídico Único (RJU) do município,
o Plano de Cargos Carreira e Remuneração (PCCR) dos servidores municipais, a questão previdenciária daqueles
profissionais que outrora serviam ao município de Parauapebas e com o desmembramento, tornara-se servidores
da Prefeitura Municipal de Canaã dos Carajás (PMCC). Assim, alargou a necessidade da presença de um sindicato
forte e atuante, mais próxima e sempre presente. Com isso, alguns representantes do SINTEPP Estadual e da Subsede
Parauapebas planejaram e alicerçaram a pedra fundamental do sindicato em Canaã dos Carajás. Esse grupo de sin-
dicalistas era formado por: Antônio Neto Pereira de Sousa, Raimundo Oliveira Neto, Desilene Viegas Reis Mendes,
Maria da Conceição Rocha, José de Ribamar Apinages e Maria Cleunice Rocha Martins.
O marco inicial dessa entidade sindical no município de Canaã dos Carajás foi registrado em 26 de abril de
1997, no espaço de socialização e recreação da Escola Estadual de Ensino Médio João Nelson dos Prazeres Henrique.
Onde, durante o dia inteiro, foram debatidos os asseios já citados e no final da assembleia de criação do SINTEPP
subsede Canaã, foi montada uma comissão eleitoral para a eleição dos coordenadores da primeira gestão legitima-
mente eleita por seus pares. A comissão eleitoral formada por: Domingos Cardoso da Silva, Divino Ferreira de Souza,
Alexandre Pereira dos Santos e Armando Rua. Essa comissão tinha a missão de organizar todo o processo eleitoral
desde a formulação do edital à promulgação da posse dos eleitos.
Porém, o intervalo de tempo entre a assembleia de criação e a posse dos coordenadores eleitos, foi presidida
por uma comissão provisória que organizaria tudo, para que após a saída dos representantes da coordenação Estadual
e dos coordenadores do município de Parauapebas, fosse entregue o sindicato nas mãos dos novos membros empos-
sados. Essa comissão provisória era composta por: Luiz Carlos Fernandes de Sousa, Lourdes Cândido de Carvalho
Bueno, Edite Ramalho de Sousa, Maria Alice Santos da Conceição e Agnalda Maria Barbosa Santos.
As eleições foram realizadas no dia 04 de julho de 1997, sendo que uma única chapa se inscreveu para concorrer
ao pleito. Os principais coordenadores que encabeçavam essa chapa eram os professores Edite Ramalho da Silva e Zito
Augusto Correia. Em 16 de agosto de 1997, no cerimonial de posse da primeira coordenação do SINTEPP Subsede Ca-
naã, estiveram presentes várias autoridades (vereadores, líderes partidários e religiosos) e representantes de instituições

4 Professor das séries iniciais do ensino fundamental e ex-coordenador geral do SINTEPP no período de 2002 a 2005.

934
renomadas no município (STR, PJ, PT, PMDB e COOACC)5. A coordenadora eleita e empossada, professora Edite
Ramalho da Silva, entusiasmada e sabedora das dificuldades que iria enfrentar, fez o seguinte pronunciamento:

O SINTEPP não é somente a nível municipal, ele é maior do que imaginamos, abrange todo o Estado. E em cada
município está sendo criado subsedes que irão articular com o SINTEPP Estadual. O objetivo do mesmo, é lutar
por melhores condições de trabalho para os profissionais da educação, buscar a oferta de ensino gratuito e de
qualidade aos educandos. E uma grande responsabilidade que por hora estamos assumindo perante a comunidade.
(SINTEPP, 1997, p. 8)

Antes mesmo da posse, os coordenadores já atuavam. Em reunião com o governo municipal em 14 de agosto
de 1997, representado pelo prefeito Cimar Gomes da Silva e seus secretários, a organização sindical cobrava a re-
solução de uma pauta que continha em seu bojo, pagamentos atrasados, horas extras para os vigilantes, cedência de
funcionários municipais a escola do Estado, férias vencidas, reajuste salarial, perseguição política, e a pior de todas,
ameaça a membros do sindicato.
O primeiro ano de experiência do SINTEPP Subsede Canaã foi intenso, principalmente devido as bandeiras de
lutas continuarem persistindo. Sendo que a maioria dos direitos, já eram conquistas históricas, como, salário e paga-
mento até o quinto dia útil do próximo mês, licença maternidade, férias, licença prêmio, dentre outros. O professor
Sergio Melo diz que,
(...) algumas dessas bandeiras foram alteradas pois conquistamos ao longo do tempo. Atualmente não precisa-
mos fazer movimentos por causa de licença maternidade uma vez que já foi conquistado. A licença prêmio ainda é
uma bandeira que os governos tentam barrar.
Segundo a professora Lucinete Oliveira6 as bandeiras de lutas “se alteram de acordo com os interesses do capita-
lismo, da política partidária e não do social” assim, os primeiros anos de existência do SINTEPP Subsede Canaã foram
bem complicados para os novos dirigentes, com pouco conhecimento das leis e normas trabalhistas, principalmente
legislação do serviço público. Com insuficiente ou quase nenhuma formação sindical, os coordenadores tiveram que
ir em busca de informações. O difícil acesso ao município, com estradas não pavimentas, transformava uma viagem
de uma hora em dias. E a inexistência de recursos tecnológicos naquela época, complicava mais ainda.
Apesar das dificuldades enfrentadas pelos coordenadores, muitas conquistas foram comemoradas nesse pri-
meiro ano. Por intermédio da luta, o legislativo votou a Lei Municipal nº 024 de 1998 que instituía o Conselho Muni-
cipal de Merenda Escolar, os primeiros coordenadores foram enviados a Belém do Pará, para participar de seminários
de formação, também foi possível realizar o primeiro Seminário de Educação de Canaã dos Carajás em 02 de maio de
1998, nesse mesmo período foi adquirido o terreno que hoje está localizada a sede da instituição. Além de tudo isso,
o SINTEPP Subsede Canaã estava presente em todos os conselhos municipais e era constantemente convidado para
eventos de mobilização social e luta.
Foram muitas conquistas para o primeiro ano de trabalho, porém, não foi um ano só de comemorações e flores.
Após 6 (seis) meses de sua posse, a coordenadora Edite Ramalho da Silva solicitou sua saída, motivos não declarados
nos documentos nem nas fontes orais, ficando o coordenador Zito Augusto Correia assumindo todas as responsa-
bilidades da Coordenação Geral.
Em 1998 os dirigentes, através da revolta dos servidores, comandaram a primeira greve no município. Greve
que parou todas as secretarias de governo, pois os servidores já estavam há 3 (três) meses, caminhando para o quarto
mês, sem receber seus salários e o 13º (décimo terceiro) do ano anterior. Essa revolta foi tão intensa que levou os
servidores a utilizarem de ações mais enérgicas, ficando evidente no relato do ex-coordenador Sergio Melo.
No início nós pegamos pesado. Passamos até noite na casa de prefeito. Buscando salários e 13º que estavam
atrasados. Conseguimos passar o dia na prefeitura, a noite acampamos na casa dele, retornamos para a prefeitura na
manhã e na tarde do outro dia o prefeito cedeu. Reuniu conosco e fizemos um acordo. Essa foi uma manifestação de
todas as categorias, educação, saúde, obras, enfim todos setores da administração.
5 STR (Sindicato do Trabalhadores Rurais), PJ (Pastoral da Juventude), PT (Partido dos Trabalhadores), PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro – Atual MDB) e COOACC (Cooperativa dos Apicultores de Canaã dos Carajás).
6 Professora das séries iniciais e finais do ensino fundamental e ex-coordenadora geral do SINTEPP no período de 2015 a fevereiro de 2019.

935
Para Sergio Melo, “a greve é um meio extremo e é o último mecanismo para se resolver o problema. Pois, você
sabe que a justiça é morosa e quase sempre dá ganho de causa ao governo. Então a greve é o estopim.” Essa greve tam-
bém trouxe sérios problemas ao mandato do ex-prefeito Cimar Gomes da Silva, que foi cassado em junho de 1999,
por improbidade administrativa com base no Decreto Federal nº 201, de 27 de fevereiro de 1967. Após inúmeras
denúncias junto ao ministério público, inclusive uso indevido dos recursos do FUNDEF.
Dois anos se passaram e novas eleições se aproximavam, uma nova comissão eleitoral foi formada para organi-
zar o processo eleitoral a se realizar no dia 13 de outubro de 1999. Essa comissão foi composta por Zenilda Pacheco
de Lima, Manoel Wilson Sousa Valadares, Francisca de Caldas, Maria Ivanilde Camurça e Jose Roberto Rodrigues de
Sousa. Uma única chapa foi constituída e eleita com 98% dos votos validos. A nova diretoria seria comandada pelos
coordenadores gerais Zito Augusto Correia e Joao Batista Gustavo, empossados em 16 de outubro de 1999.
Durante o novo pleito, os obstáculos se agigantavam, as demandas pareciam infinitas, era difícil conciliar tra-
balho e sindicato. Desse modo, precisavam de alguém para trabalhar exclusivamente com a parte documental e buro-
crática da instituição. Com muita insistência, foi conquistado uma cedência, para mandato classista, junto a Prefeitura
Municipal de Canaã dos Carajás (PMCC), o mandato classista já era lei, contudo, os governos não a respeitavam.
Ainda nesse período, a grande maioria dos professores tinham sua formação inicial em magistério, antigo segundo
grau, e nessa ocasião, intensificaram-se as lutas para que fosse oferecido cursos de licenciaturas através de convênios.
Essas conquistas demandam paciência, inteligência para formular boas estratégias de lutas, e segunda a profes-
sora Lucinete Oliveira, outros elementos como “manifestos, assembleias, greves, espaços de negociação que reúnem
representantes de governos estaduais, prefeituras, sociedade civil e setor empresarial” são fundamentais para o êxito.
Após o afastamento do prefeito Cimar Gomes da Silva, o presidente da Câmara Legislativa de Canaã dos Ca-
rajás (CMCC), Sr. Raimundo Camelo da Silva, assume o legislativo de junho a 31 de dezembro de 1999. Período
conturbado, tanto que em novembro desse mesmo ano, a organização sindical fez duas paralizações, reivindicando
salários atrasados, a formulação do PCCR, reajuste salarial. Ou seja, as mesmas bandeiras, as mesmas lutas, e isso
desanimava os dirigentes. Tanto que em reuniões, muitos falavam em desistir. Já nos anos 2000, com novo prefeito,
o eleito presidente da CMCC, Sr. Sebastião Bruno, de certa forma, conquistaram algumas demandas e os ânimos se
acalmaram. As preocupações agora do SINTEPP Subsede Canaã restringiam-se às questões internas a instituição e a
escolhas dos novos representantes do sindicato nos conselhos municipais.
Para esse mesmo ano, a organização sindical se planejava no tocante as formações sindicais e também em rela-
ção a situação financeira da instituição. Viagens à capital eram necessárias para aquisição de capacitação e obtenção
de alguns bens materiais fornecidos pelo SINTEPP Estadual. A preocupação em relação aos pagamentos dos salários
dos servidores permanecia estrelando nos debates, sempre atrasando e às vezes, alguns servidores recebiam enquanto
outros não. Os repasses do imposto sindical pela prefeitura, não estavam sendo cumpridos à risca, sempre com erros
e prejuízos ao sindicato. Nota-se que, sai governo entra governo, as bandeiras de lutas persistem.
O período de fevereiro de 2000 a novembro de 2001 ficou na obscuridade da falta de informações nos registros
e nas entrevistas a nós concedidas. Porém, em nove de dezembro de dois mil e um, uma nova eleição ocorreu e o pro-
fessor Sergio Melo foi eleito com 100% dos votos validos. Vindo a tomar posse, três dias após a eleição. O professor
Sergio Melo fala das perspectivas e da sua missão no sindicato.

Eu sempre fui da luta! Eu sempre acreditava que as coisas deveriam acontecer da forma correta. Eu via as coisas
acontecendo e não aceitava. E nesse não aceitar, eu vi no sindicato uma válvula de escape para buscarmos a luta. E
como eu gostava de lutar, eu fui e me filiei logo, antes mesmo de ser concursado. E me candidatei a coordenação.
Nessa ocasião, participei mais efetivamente, no momento em que fui eleito coordenador geral. Na época era cha-
mado presidente. Só que nessa época, a categoria estava mais desunida e desacreditada.

O início de sua gestão perpassou por momentos difíceis, não diferente das gestões anteriores, esse era um pe-
ríodo desacreditado em que o governo persistia em maltratar os servidores.

Quando estive na coordenação, enfrentei bastante dificuldade, pois não tinha preparo, não tive uma base sindical,
em termo de conhecimento. Eu tinha muita vontade de lutar, mas não conhecia as leis, as regras e os gestores di-
ficultavam muito. Como eu não tinha muito conhecimento, passei muitas dificuldades como coordenador geral.

936
Então, tive que me apropriar das leis, constituição, regime jurídico único do município, plano de cargo, carreira e
remuneração (PCCR).

Por fim, parafraseando Lavoisier, entra governo e sai governo, nenhum direito é criado por vontade do gestor, os di-
reitos se transformam a partir da luta social organizada. Na maioria dos casos, os governos querem destruir os poucos direitos
que a classe trabalhadora lutou, derramou sangue para conquista-lo e usufruir nos dias presentes. Mas, as lutas continuam.

CONCLUINDO A PROSA
Esse trabalho procurou mostrar, em síntese, a evolução da organização social (Sindicato), dentro da perspec-
tiva histórica de lutas, sempre com ênfase no objeto de estudo do presente artigo, o SINTEPP Canaã dos Carajás. O
recorte cronológico da pesquisa, além das fontes primarias e secundarias a qual não tivemos acesso, deixa aberto a
contenda àqueles que se interessarem em aprofundar no debate das questões sindicais do município de Canaã dos
Carajás, no tocante ao Sindicato da Educação Pública.
As dificuldades de acesso às informações, nos impossibilitou de aprofundar e enriquecer o trabalho. Os docu-
mentos oficiais existentes são incompletos, a maioria dos sindicalistas pioneiros não vivem mais no município e/ou
estado, e os poucos que ainda residem, somente dois aceitaram participar da pesquisa.
Atualmente, o autor está sindicalista, é sabedor de todas as dificuldades citadas no texto, sabemos como é com-
plicado o trabalho do coordenador sindical, quando ele é levado a sério. Enfrentar quem tem e/ou está no poder, não
é fácil. Ameaças de qualquer natureza sempre surgem. As desconfianças dos associados em relação ao seu trabalho à
frente da instituição, às vezes, colocando em cheque a idoneidade do dirigente. Principalmente quando ele participa
de mesas de negociações salariais e de construção de planos de carreiras. Muitos se utilizam do sindicato como palan-
que político partidário, levando descredito e desunindo mais ainda a categoria. A força através da união dos proletá-
rios, fez com que os Sindicatos conquistassem prestigio e associados por longo período de tempo. Ultimamente, essa
ligação entre Sindicato e Partidos Políticos não são bem vistos, a impressão é que todos estão ali para fazerem carreira
e ingressarem na política partidária utilizando-se da influência do Sindicato.
Contudo, avançamos muito em relação as conquistas, isso, a partir do momento que decidimos nos unir, juntar
forças e enfrentar os patrões e/ou os governos. Muito ainda temos há conquistar e continuaremos seguindo e lutando.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTI, V. Manual de historia oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 1, 2004.
CAPPELLE, M. C. A.; BORGES, C. L. P.; MIRANDA, A. R. A. Um exemplo do uso da historia oral como técnica
complementar de pesquisa em administração. VI EnEO, p. 1-13, 2010.
CIDADES, I. B. G. E. Ibge, 2017. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/canaa-dos-carajas/historico>. Acesso
em: 08 fev. 2018.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MEIHY, J. C. S. B. Manual de história oral. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
PINHEIRO, R. A. de S. “ABAIXO O FIGUEIREDO. O POVO NÃO TEM MEDO. MAIS ARROZ E MAIS FEIJÃO. ABAIXO A
REPRESSÃO”: QUANDO PROFESSORES ENTRARAM EM CENA EM BELÉM (1979-1986). 2015. 241 f. Belém: Dissertação
(Mestrado em História Social da Amazônia) — Universidade Federal do Pará, Belém, v. Acesso em 02/11/2017. Disponivel
em: http://pphist.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/Dissertação%202013%20RAIMUNDO%20AMILSON%20-%20
DISSERTAÇÃO%20PARA%20BANCA%20DE%20DEFESA, 2015.
QUEIROZ, M. I. P. Relatos orais: do “indivízivel” ao “dizível”. In: SIMON, V.; MORAES, O. de (Org.). Experimentos com
histórias de vida (Itália-Brasil). São Paulo: Vértice, 1988. p. 14-43.
SINTEPP. Livro Ata nº 01, 01. Anais... Canaã dos Carajás: [s.n.], 1997. p. 50.
SINTEPP, E. Estatuto reformulado no XXI Congresso Estadual do SINTEPP. Belém: [s.n.], 2014.
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

937
MEMÓRIA E ENSINO DE PIANO EM CUIABÁ-MT:
UM ESTUDO A PARTIR DE DUNGA ROGRIGUES

Luis Renato dos Santos Dias - UFMT1

Resumo: A formação educacional feminina tem início em Cuiabá na Escola Asilo Santa Rita no ano de 1890
com a chegada das Irmãs Azuis, cujo foco na educação visava preparação das mulheres para funções consideradas
como próprias e inerentes do sexo feminino à época. Através do ensino oferecido no Asilo Santa Rita, as jovens mu-
lheres cuiabanas passaram a ter acesso à educação pianística e nesse contexto se insere uma ex-aluna dessa instituição
de ensino que veio se tornar uma mulher de destaque na sociedade cuiabana – a pianista e professora Dunga Rodri-
gues. Nesse sentido, fazer uma retrospectiva histórica da educação musical em Cuiabá-MT, no recorte temporal da
atuação dessa pianista como professora de piano torna-se importante no contexto das pesquisas no âmbito da histó-
ria da educação. A presente pesquisa objetiva analisar a trajetória de ensino musical da pianista Dunga Rodrigues, a
partir de depoimentos de seus ex-alunos. A pesquisa conta com o suporte teórico dos estudos da educação pianística,
sendo norteado pelas contribuições de Hazan (1984), Kaplan (1987), bem como estudos no campo da memória. Será
conduzida a partir de uma abordagem quali-quantitativa, sendo utilizados como instrumentos de coleta de dados o
questionário e a entrevista. Os dados recolhidos permitirão o resgate e a análise dos diversos aspectos do processo
histórico-social que constituem a educação musical em Cuiabá-MT.
Palavras-chave: Educação Pianística. História da Educação. Dunga Rodrigues

Introdução

Com a chegada das Irmãs Azuis no início do século XX, mais precisamente no ano de 1904, a capital mato-gros-
sense recebera as educadoras francesas, para assim dar seguimento a formação educacional feminina na respectiva
capital, sendo a maior escola de renome da época, o Asilo Santa Rita. Através do ensino dessas religiosas, as mulheres
seriam preparadas para marcar presença nos bastidores da sociedade cuiabana ou em funções que eram próprias do
sexo feminino, como professora primária, enquanto aos homens cabiam as decisões e o direcionamento da sociedade.
Nesta safra de religiosas aparece a figura da Irmã Marie Vicent Calmes, uma das primeiras professoras com forma-
ção em piano em Cuiabá, conforme ressalta Dunga Rodrigues em entrevista a Ivone Goulart Lopes: “ [...] Marie Vicent
Calmes era muito preparada, professora de piano e história da música”. (GOULART LOPES, 2000, p.76).
Através desta religiosa, as jovens cuiabanas tiveram acesso ao estudo criterioso do piano, embasado em um
programa de curso de piano. Mas pela cultura local não havia pretensão de se tornarem professoras ou concertistas,
apenas fazia parte do currículo da boa educação tocar o piano, ficando quase sempre limitado as meninas, como diria
José de Alencar: “ [...] encaminhou-se ao piano, que é para senhoras como o charuto para os homens, um amigo de
todas as horas, um companheiro dócil e confidente sempre atento”. (ALENCAR, 1977, p. 110).
Como a capital se encontrava longe dos grandes centros, não havia um acesso direto a concertos ou recitais de
piano, isto só acontecia quando viajavam para esses lugares, assim podiam ter contato não apenas com as performan-
ces dos virtuosos, mas também tinham acesso sobre o que tocava e ouvia na atualidade.
Isto ficava por conta das famílias abastadas, que por possuírem muitos bens, asseguravam aos filhos a opor-
tunidade de frequentar teatros renomados e a bailes de gala, acesso exclusivo dos aristocratas da época.
Um dos ensejos que me despertou para esta pesquisa no contexto acadêmico foi o desejo de compreender a
trajetória pianistica da ex-aluna de Marie Vicent Calmes, e que depois veio a se tornar uma das maiores influências
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade federal de Mato Grosso - UFMT. Graduado em ( CURSOS) pela
( INSTITUIÇÃO). E-mail: natodiasnazareth@yahoo.com.br

938
no cenário cuiabano, a saber: Maria Benedita Deschamps Rodrigues, mais conhecida como Dunga Rodrigues, nome
a ser usados a partir de agora.
Dunga Rodrigues ao se referir à primeira professora piano em Cuiabá afirma:

[...] ao ser fundado o Asilo Santa Rita, pela ordem S. Francisco de Paula, entre as suas congregadas, chegou a Soeur
Marie Vicent, diplomada pelo Conservatório de Paris. Um contigente numeroso de pianistas deve sua formação
a essa inteligente musicista, cabendo-nos a honra de tê-la como primeira mestra. Mais tarde, desfeito o colégio, o
seu espírito aventureiro, para a época, não permitiu que retornasse a França. Foi, após, para a África, onde faleceu
anos depois, em uma região desconhecida daquele continente (RODRIGUES, 2000, pg. 27).

Nesse sentido, estudar a trajetória educacional pianística de Dunga Rodrigues torna-se importante no cenário
do ensino de música em Cuiabá-MT. Com os conhecimentos e a disciplina que recebeu em sua formação educacional
no Asilo Santa Rita, Dunga Rodrigues deu início ao seu trabalho como professora particular de piano, abrindo, assim,
novos horizontes para o ensino de piano na capital matogrossense. Um dos avanços de seu ensino foi inserir neste
contexto, o aprendizado de piano aos meninos, fato que até então só era permitido às meninas.
A sua alfabetização se deu através do ensino das religiosas, por sua vez também ocorre o seu primeiro contato
com o piano, em meios as obrigações que eram atribuídas na escola primárias, ainda criança, Dunga Rodrigues ira se
identificar com a sonoridade vinda do instrumento imponente e sonoro, aos olhos de uma criança tão distante da sua
realidade e ao mesmo tempo tão perto da sua sensibilidade, ainda tão pueril nas suas escolhas, já enxergava no piano
um fiel amigo, algo que a acompanharia por toda a vida.
Pouco se sabe sobre a prática pedagógica de piano utilizada pela pianista Dunga Rodrigues, pois pesquisas ge-
radas até então sobre ela se caracterizam por possuir uma abordagem mais de cunho biográfico, como os estudos de
realizados por Müller & Rodrigues (1994) e Goulart Lopes (2000). Apesar de contribuírem para a compreensão de
sua trajetória histórica no contexto do ensino de piano, tais pesquisas não discutem o aspecto de sua atuação como
professora de piano, ou de sua contribuição para a educação musical em Cuiabá-MT.
Com o intuito de figurar no rol dessas contribuições e auxiliar na ampliação dos conhecimentos referentes a
essa temática, bem como na preservação de sua memória, é que a presente investigação se constitui. Nesse sentido,
essa comunicação tem por objetivo apresentar alguns resultados parciais da pesquisa em andamento.

O ASILO SANTA RITA


O Asilo Santa Rita surge primeiramente como um orfanato, sua função primária era de resgatar as órfãs da
capital e acolhe-las para assegurar as mesmas um futuro longe da miséria material e espiritual, elevando essas crianças
a um nível melhor de ambiente familiar.
Originalmente foi isso que pregaram quando apenas essas crianças abandonadas eram moradoras dos aposen-
tos da instituição. É bom ressaltar que no Asilo Santa Rita apenas eram recolhidos meninas, por se tratar que ficavam
aos cuidados de mulheres, que tinham suas vidas dedicadas ao sacerdócio, as irmãs de caridades eram formadas e
ensinadas a apenas cuidarem de meninas.
Essas meninas por sua vez, traziam várias histórias de abandonos, desde a morte dos pais, judicialmente afastas
pelo alcoolismo do pai, abandonadas por seus progenitores e muitas por ser tratarem de filhas ilegítimas, crianças
concebidas fora do matrimônio, era um orfanato com as características da época, receberiam orientação nas prendas
do lar, nos estudos básicos e principalmente nos ensinos da doutrina cristã.
Mas logo dentro do contexto vai surgir a escola dentro do Asilo que iria atender outro tipo de meninas, uma clientela
aristocrática, elas receberiam das religiosas a boa educação, seriam educadas para serem excelentes esposas, donas de casas
aplausíveis, dignas de dirigirem um lar com perfeito equilíbrio e harmonia, tal formação era polido o intelectual, onde
como auxiliares fariam um excelente papel para que no futuro pudessem acompanhar os maridos em qualquer ocasião.
O contexto em que nasce a escola é justamente na visão que nas mãos das Irmãs de Caridade de São Vicente
de Paulo tais anseios vindos da sociedade da época seriam atendidos, as meninas das boas famílias receberiam uma
notável formação para a vida.

939
O Asilo Santa Rita atendia em forma de internato e recebia ajuda do estado, tais cursos eram ensinados, como:
piano, pintura, caligrafia e desenho, português, aritmética, declamação e ensinos domésticos, e o ensino profissional
foi voltado para professoras primárias.

DUNGA RODRIGUES
As aulas de piano no Asilo Santa Rita eram de priorizadas as suas alunas, com isto Dunga Rodrigues irá se destacar
no cenário cuiabano com uma professora particular, oferecendo em sua casa, aulas particulares de piano, ainda sendo
uma jovem conseguiu rapidamente na capital prestígio e respeito, dando passos ousados no magistério da música.
A época não foi cobrado uma formação profissional no que tange ao curso técnico do piano, a sociedade cuia-
bana da época valorizava integralmente uma jovem formada no magistério do Asilo, assim subtendia que tudo viesse
de lá, já era o suficiente para lecionar qualquer coisa, não seria diferente para a nossa protagonista, lecionar piano
estava ligado a esse momento o mesmo que alfabetizar, uma mulher como formação a época, tinha o seu lugar cativo
no mercado de trabalho.
Bozzetto destaca a importância do professor particular de piano ao mencionar:

No Brasil, o professor particular de piano é responsável por uma parcela do ensino de música que não se encontra
nas instituições escolares. Atuam em casa ou a domicílio há considerável tempo, educando crianças, jovens e adul-
tos, preparando músicos e/ou futuros profissionais na área. (BOZZETTO, 2004, p.11).

Investigando a trajetória da pianista Dunga Rodrigues como aluna, nos deparamos com a sua segunda profes-
sora de piano - a polonesa Helena Müller.

Na década de trinta, não posso precisar exatamente o ano, aportou a esta cidade de Cuiabá um senhora muito culta,
formada em música na capital da Polônia. Mas um dia, ao ouvi-la tocar, (pois aqui nesta cidade alugara um piano
para o seu lazer), percebi que a sonoridade que extraía do piano e o seu modo de tocar, eram completamente novos
e diferentes para mim. Ela era um senhora muito culta. (RODRIGUES, 2000, p. 95).

Sendo Dunga Rodrigues uma das pioneiras no ensino de piano particular em Cuiabá não se falava, na época,
em formação acadêmica, devido a distância dos grandes centros, e também não era permitido às moças saírem para
estudar fora da cidade. Mas ela saíra à frente do seu tempo.
Ainda, conforme Rodrigues (2000), na mesma época em que teve contato com a professora polonesa, teve
também acesso a obra O ensino moderno de Piano do pedagogo musical Antônio de Sá Pereira, na qual a mesma aliou a
técnica desse pedagogo, em sua concepção e forma de dar aulas de piano, já que observava cinco princípios nesta obra,
a saber: extensão, flexão, abdução (afastamento) adução (junção) e rotação, o que a professora Helena Müller resumiu
como sendo descontração e repouso. Era o contato com a técnica do peso do braço, como destaca Dunga Rodrigues:
“Havia algo de incomum, na maneira de tocar, ou melhor, nos sons que ela arrancava do instrumento. Estudei com
ela dois anos em que permaneceu ainda nesta cidade (RODRIGUES, 2000, p. 95)”
Como fundamentação para a compreensão da prática pedagógica da época, optou-se pelas contribuições de
Hazan (1984) e Kaplan (1987). Ambos enfatizam no ensino musical, mais precisamente na aprendizagem do piano,
os aspectos técnica (ação muscular), mecanismo (independência e velocidade), sonoridade e memorização.
Não é nossa pretensão aprofundar em um sistema técnico do instrumento, mas conduzir nosso estudo há um
limiar de pontes, onde educação e técnica caminham juntos, ao falar da técnica, falamos da técnica do estudo piano,
falamos no início do trabalho que Dunga Rodrigues recebeu conceitos e orientações técnicas oriundo da Europa,
berço cultural, sua mestra teve toda a sua formação no velho continente, trazendo em sua bagagem conhecimentos
técnicos totalmente desconhecidos na estrutura de forma de ensino, possibilitando as alunas uma oportunidade úni-
ca, de como aprender o instrumento corretamente.
Os doutrinadores mencionados esmiúçam em suas teorias que a habilidade de traduzir em sons da maneira
mais fiel possível esta idealizado no conjunto de percepção e conhecimentos do instrumento, é trabalhado durante

940
muitos anos técnica, mecanismo, sonoridade, ação muscular, força e independência, velocidade e consciência, que
traz ao longo dos anos, pois o estudo de piano é um curso que tem a sua duração de onze anos.
E ainda autores como Moura Lacerda (1973), Richerme (1997) e Craveiro (2000), dentre outros, que ajudam a
fortalecer e reforçar os ensinamentos na prática da pedagogia do piano. Tendo em mente demonstrar a influência do
resultado final da performance dos indivíduos que se submetem a ela e, isso tomando por base como estrutura de aula,
preparação da aula, qualidade do material e relação emocional e intelectual do aluno-professor.
Embora Dunga Rodrigues começou seus estudos de piano em tenra infância, mas precisamente aos 6 anos de
idade, só conseguiu concluir o curso técnico aos 72 anos, quando se instala na capital mato-grossense um conserva-
tório oficializado ao Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro.
Mesmo antes da sua formação técnica pianistica, já era visto que aliados aos conhecimentos de alfabetização,
transitava nesta duas áreas para transmitir seus conhecimentos musicais, forma de método que foi muito eficaz, ten-
do rendimentos aplausíveis, fruto do seu olhar técnico com o instrumento.
A inserção de meninos no estudo de piano trouxe um grande avanço para o ensino musical da época, permitir
que um instrumento que foi taxado por décadas como exclusivo para mulheres, jovens meninos se destacaram, assim
meninos e meninas transitavam pelo estudo de piano na capital.
Desde muito cedo foi reconhecida na época como uma excelente pianista e professora, tendo um nome aclamado,
foi também uma visionária, sempre estava a frente do seu tempo, viveu em uma sociedade onde a mulher para atingir
algum quesito, tinha que ser no mínimo casada e ter filhos notáveis, não foi o caso de Dunga Rodrigues, seus filhos e
filhas foram os seus alunos, seu marido foi a liberdade e o seu ofício foi amar o que fazia, nunca foi menosprezada por
nada disso, ninguém a questionava, pois sua opinião de como levar a vida estava a ano luz a frente dos padrões da época.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS


Pelo exposto, a presente temática de estudo se apresenta como relevante e atual, e como se trata de uma pes-
quisa inédita, do ponto de vista de seu recorte e pretende fazer justiça a uma personagem que mergulhada em sua co-
ragem, trouxe oportunidade a sociedade à época na qual quebrou barreiras do acesso ao aprendizado e a socialização
do instrumento, ora antes restrito a aristocracia cuiabana.
Os resultados parciais da pesquisa indicam que o ensino de piano primariamente foi apenas proposto para as
alunas do Asilo Santa Rita, com tal afloramento do surgimento de mais meninas desejosas em aprender, este ensino
atravessou os portões dessa instituição caminhando para o ensino particular, surge então a figura de Dunga Rodri-
gues que mesmo com formação livre ao instrumento, tenta ligar seus conhecimentos gerais onde com intrepidez
alcançou resultados satisfatórios na sua trajetória como pianista e professora.
Espera-se com essa pesquisa poder contribuir para os estudos na área pianística, resgatando, por outro lado, a
pedagogia utilizada no ensino não-formal, ou seja, do particular de piano, à época, em Cuiabá.

REFERÊNCIAS
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BOZZETO, Adriana. Ensino particular de música: Práticas e trajetórias de professores de piano. Porto Alegre: Editora das
UFRS/Editora da FUNDARTE 2004.
CRAVEIRO CAMPOS, Moema. A educação musical e o novo paradigma, 1 ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000.
GOULART LOPES, Ivone. Asilo Santa Rita (Educação Feminina Católica, 1890-1930). Cuiabá: EdUFMT, 2006. Volume 1.
HAZAN, Eduardo. O piano: Alguns problemas e possíveis soluções. 2 ed. São Paulo: Irmãos Vitale, 1984.
MOURA LACERDA, Armando Galvão de. O piano: De um professor para um aluno. São Paulo: Irmãos Vitale, 1973.
RICHERME, C. A técnica pianística: uma abordagem científica. São João da Boa Vista, SP: AIR Musical Editora, 1997.
RODRIGUES, Maria Benedita Deschamps (Dunga Rodrigues). Movimento Musical em Cuiabá. Cuiabá: Gráfica Atalaia, 2000.
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem pianistíca. 2 ed. Porto Alegre: Movimento-Musas, 1987.

941
MEMÓRIA, HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÃO POR MEIO DO ENSINO
SUPERIOR: UMA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO - UEG - CÂMPUS
APARECIDA DE GOIÂNIA

Dr. João Candido Barbosa1


Dra. Daniele Lopes Oliveira2
Dra. Maria Zeneide Carneiro3

Resumo: O Município de Aparecida é a terceira maior economia de Estado requerendo, mão de obra em todos
os setores. Houve grande fluxos migratórios de povoamento da cidade. E com o envelhecimento da população local.
E isso leva a destruição do monumento histórico em função da modernização. Quando falamos em preservar o patri-
mônio cultural e histórico, muitos ainda relacionam essa preservação como apenas um processo no qual irão recupe-
rar monumentos e obras do passado e transformá-los em produto turístico. A valorização do patrimônio histórico e
cultural e sua consequente preservação podem acarretar uma série de melhorias para a comunidade envolvida.  
Palavras-chave: Educação, Memória, História, Universidade e Aparecida de Goiânia.

Introdução

O trabalho objetivou demonstrar a importância da memória cultural de um povo na construção da identidade


histórico-cultural e evidenciar pelo projeto que é possível resgatar a memória e a história. Procurando por meio de
diversos veículos estimular as pessoas a reinterpretar e (re) significar o patrimônio cultural, artístico e a memória
coletiva institucionalizada. Também promover a valorização do patrimônio histórico, cultural e artístico da cidade
de Aparecida de Goiânia. Resgatando valores regionais e históricos e trazendo novas significações a cultura local.

HISTÓRIA DE APARECIDA DE GOIÂNIA

Aparecida de Goiânia é um município brasileiro do Estado de Goiás que se localiza na Região Metropolitana de
Goiânia - Grande Goiânia, a 70 km de Anápolis e 210 quilômetros de Brasília, tendo como principal meio de acesso
à rodovia BR 153.Tem, de acordo com o IBGE/2010, 455.657 habitantes, sendo o segundo maior colégio eleitoral do
Estado. Atualmente (2017), o IBGE informa uma população municipal estimada em 542.090 pessoas.
O Município de Aparecida de Goiânia é a terceira maior economia de Estado requerendo, assim, mão de obra
qualificada em todos os setores. Em 2015, o salário médio mensal era de 2.1 salários mínimos. A proporção de pessoas
ocupadas em relação à população total era de 23.0%. Na comparação com os outros municípios do Estado, ocupava as
posições 77 de 246 e 38 de 246, respectivamente. Já na comparação com cidades do país todo, ficava na posição 1559
de 5570 e 1053 de 5570, respectivamente. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário
mínimo por pessoa, tinha 29.6% da população nessas condições, o que o colocava na posição 230 de 246 dentre as
cidades do Estado e na posição 4751 de 5570 dentre as cidades do Brasil.
Aparecida de Goiânia, valendo-se de sua ótima localização, quali­fica-se como um importante polo de distribui-
ção de mercadorias e serviços, além de sediar respeitáveis indústrias de transformação. O município conta com cinco

1 Cursa o Pós-Doutorado em Educação na linha de Educação, Sociedade e Cultura na PUC Goiás. E-mail: professorajoaocandidobarbosa@
gmail.com
2 Doutora em Educação pela PUC Goiás. Email. danielelopes_oliveira@outlook.com
3 Orientadora do Pós-Doutorado no PPGE da PUC Goiás. Professora da graduação e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás. Doutora pela Unicamp

942
distritos industriais que dotam o espaço urbano de benesses atrativas às médias e grandes empresas, subsidiando a
ação no seu território e permitindo a criação de empregos e renda. Conta também com um condomínio de empresas
diversidades (Cidade Empresarial) e seu território abriga o terceiro maior shopping do estado (Buriti Shopping) si-
tuado em área limítrofe com Goiânia. Segundo a administração municipal, estão registradas na prefeitura mais de 13
mil empresas e 964 unidades industriais. Nestas últimas estão quase 20% dos empregados formais do município. Com
isso há uma intensa geração de receita e elevação do Produto Interno Bruto da cidade.
A maior fonte do PIB aparecidense é proveniente do setor de serviços, perfazendo 57,3% da renda do muni-
cípio; a ele segue o setor industrial, responsável por quase 27,4%; e a administração, por 15,2%; ou seja, há pouca
representatividade do setor agropecuário.
A esses percentuais soma-se a posição de Aparecida de Goiânia no cenário goiano. O terciário municipal é o
segundo mais representativo do estado e sua indústria só é superada pela de Goiânia e pela de Anápolis. Contudo,
apesar do considerável volume econômico, a renda per capita é apenas a 82ª de Goiás. Tal fato se deve à sua elevada
população residente, a segunda maior do Estado.
A distribuição dos trabalhadores segundo os setores da economia reflete claramente a proeminência do terciá-
rio. Merece destaque o setor de serviços, detentor de mais de 40% dos empregos em Aparecida de Goiânia. Logo em
seguida aparecem os empregados do comércio, com 20,6% da população trabalhadora. Há que salientar que grande
leva de trabalhadores aparecidenses ocupam postos em Goiânia, se valendo da proximidade com a capital e estabe-
lecendo um forte movimento de migração pendular entre as malhas urbanas. Em 2010, mais de 115 mil pessoas de
Aparecida de Goiânia se deslocavam cotidianamente seja para estudar ou trabalhar (ou ambos) em outro município
(a grande maioria para Capital), o que representa 25% da população total naquele ano.
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Aparecida de Goiânia era 0,718, em 2010. O
município está situado na faixa de Desenvolvimento Humano Alto (IDHM entre 0,700 e 0,799). Entre 2000 e 2010, a
dimensão que mais cresceu em termos absolutos foi Educação (com crescimento de 0,217), seguida por Renda e por
Longevidade.
O quadro demográ­fico de Aparecida de Goiânia cria possibilidades para o necessário salto socioeconômico
do município em virtude do baixo percentual de dependentes na estrutura populacional. Com mais de 70% de seus
habitantes situados nas idades entre 15 e 64 anos, as condições para se aproveitar essa força de trabalho mostram
um cenário propício. Baixa carga dos dependentes permite o direcionamento de recursos para a área produtiva e de
qualifi­cação (inclui formação superior), dinamizando e diversi­ficando a economia, além de possibilitar ações para
elevação da qualidade de vida dos aparecidenses.
Uma das ações necessárias e possíveis dentro desse cenário é a diminuição da mortalidade infantil. Aparecida
de Goiânia apresenta uma taxa 30% maior que a considerada aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Segundo a Segplan (2016), urge-se pensar na melhoria educacional. Esta área, em Aparecida de Goiânia, é a de
pior rendimento no Índice de Desenvolvimento dos Municípios (IDHM) e também no Índice de Desempenho dos
Municípios (IDM). A despeito disso, as notas do IDEB têm avançado consideravelmente anos após ano, principal-
mente nos anos iniciais do ensino fundamental.
A melhoria da qualidade de vida do município passa necessariamente pela educação ambiental e pelo alcance do
maior número de pessoas atendidas por água e esgoto. Esses dois indicadores se mostram aquém do desejável, ambos
bem abaixo das médias estaduais. O caso mais grave é quanto ao acesso à rede de esgoto: menos de 23% da população
é atendida por esse serviço que tem importante papel na prevenção de doenças infectocontagiosas.
A posição estratégica de Aparecida de Goiânia, situada tão próxima da capital do estado e às margens de uma
importante rodovia federal (BR-153), que liga sul e norte do país e estende para importantes centros comerciais
como Anápolis e Brasília, fazem do município um interessante lugar para a instalação de equipamentos produtivos
de média e grande monta. Os polos empresariais e industriais respondem, nesse sentido, a essa possibilidade de dotar
o território de atrativos ao setor econômico. Fazer parte da Região Metropolitana de Goiânia, desse modo, é um
diferencial a ser ainda mais explorado, inclusive no âmbito da oferta de cursos superiores.

943
Assim sendo, em que pese os diferenciais do município como o dinamismo econômico, a sua riqueza, infraes-
trutura econômica, localização estratégica e logística, Aparecida de Goiânia ainda terá que melhorar seu desempenho
em variáveis como: vagas ofertadas no ensino superior, matrículas em cursos de capacitação de mão de obra, matrícu-
las em educação profissional, ou seja, investir no grau de instrução da mão de obra local. Com certeza, isso reforçaria
a qualidade do município nos requisitos de atração de investimentos.
A universalização progressiva do ensino médio constitui exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. A necessária expansão deste nível de ensino foi claramente planejada nas metas do Plano Nacional de Edu-
cação (PNE) 2014-2024, Lei nº 13.005/2014. Na região de inserção da FANAP o ensino médio apresentou crescimen-
to nas últimas décadas, o que pode ser associado à melhoria do ensino fundamental, à ampliação do acesso ao ensino
médio e a uma maior demanda pela educação superior. De acordo com os Resultados Finais do Censo Escolar 2015,
foram registradas, no Município de Aparecida de Goiânia, 24.314 matrículas iniciais, sendo 20.156 matrículas iniciais
no ensino médio (regular), 2.508 em EJA (nível médio) e 1.650 matrículas na educação profissional (nível técnico), o
que confirma a existência de demanda potencial para a formação superior no município.
As duas obras escritas sobre Aparecida de Goiânia que se apoiam em documentos, fotos, registros e na história
oral “Um olhar sobre Aparecida história e cultura” de autoria de Nilda Simone e “Aparecida de Goiânia: do Zero ao
Infinito” de autoria de Freud de Melo, dão conta que a fundação da cidade de Aparecida de Goiânia foi possibilitada
pela doação de terras feita por um grupo de fazendeiros da região à Igreja Católica em maio de 1922 e pertencia ao
Município de Pouso Alto (atual Piracanjuba), logo depois em 1958 passou a integrar-se ao Município de Grimpas
(atual Hidrolândia), tornando-se distrito. Em seguida, no dia 14 de novembro de 1963, o Distrito de Aparecida de
Goiás emancipou-se de Hidrolândia, passando a se chamar Aparecida de Goiânia. Aparecida de Goiânia passou então
a ser o alvo de inúmeros assentamentos promovidos principalmente pelo governo do estado, o que a impulsionou
na classificação de um dos maiores índices de crescimento populacional do Brasil. O Município de Aparecida de
Goiânia se chamou, ainda como povoado, Aparecida, nome derivado da padroeira do lugar, Nossa Senhora Apare-
cida. Em 1958, a Lei Municipal n. 1295 alterou-lhe o nome para Vila Aparecida de Goiás, e restaurou a condição de
Distrito, sendo a derivação implícita. Ainda em 1958, a Lei Municipal n. 1.406, de 26 de dezembro, fixou-lhe o nome
de Goialândia, formado de Goia de Goiânia e Lândia de Hidrolândia, o que indica Vila situada entre os municípios
de Goiânia e Hidrolândia. O nome “Goialândia” porém não foi aceito por parte dos seus moradores, permanecendo o
anterior. A Lei Estadual n. 4.927, de 14 de novembro de 1963 eleva à categoria de Município o Distrito, modificando-
-lhe o nome para Aparecida de Goiânia, já com foros de cidade, que pode ser dada como cidade que nasceu de Goiâ-
nia. Os primórdios da evolução social do pequenino povoado repousam na capelinha Nossa Senhora Aparecida. Local
onde os moradores de então praticavam o culto religioso àquela que seria mais tarde consagrada a padroeira do lugar.
Habitavam naquelas paragens os fazendeiros José Cândido de Queirós, Abrão Lourenço de Carvalho, Antônio
Barbosa Sandoval, João Batista de Toledo e Aristides Frutuoso suas mulheres e filhos que, juntando-se a mais outros,
formavam o núcleo populacional que marcou o início da sua história.
As frequentes desobrigas levadas a efeito pelos padres sediados em Campinas acabaram por incutir nos primei-
ros habitantes o sentimento religioso da Igreja Católica Apostólica Romana. Os sacerdotes se transportavam para o
pequeno lugarejo em animais a fim de cumprirem missão de fé, acentuando indelevelmente a agregação religiosa,
incrementando, consequentemente, a afluência de residentes em função do culto.

MEMÓRIA E HISTÓRIA

A premissa definida por Halbwachs (2003), discorre que a memória se constitui em parte de nossa capacidade
intelectiva em um processo de continuidade que nada tem de artificial, pois não retém do passado senão o que ainda
está vivo ou é capaz de viver na consciência do grupo que a mantém.
De acordo com o autor, por definição, a memória não ultrapassa os limites dos grupos aos quais os sujeitos
se afiliam. Assim, pois, a memória individual pode e deve ser empregada e experimentada para historiar fatos pro-
eminentes sobre um passado específico próprios de um grupo, que pela pequena produção sistematizada sobre os

944
seus percursos, sua história vem perdendo suas referências indenitárias tragadas pelos processos de esquecimento
(ALMEIDA, 2007).
No entendimento de Ferreira (1994), o processo histórico voltado para o presente, possibilita a construção de
uma identidade concernente, uma conformidade com a finalidade de edificar instrumentos que possibilite o diálogo
por meio da igualdade.
Almeida (2007), os princípios e pressupostos teóricos da História cultural propiciam a organização do conhe-
cimento histórico sobre indivíduos e grupos, que dão significado a sua maneira de enxergar o mundo, congregando
uma série de comportamentos e hábitos sociais ao arquitetarem suas reproduções sobre o momento e revelarem a
experiência do vivido e não vivido.
Conforme Tiballi (2006), a história nova, que se empenha por construir uma história rigorosa, precisa nasce da
memória coletiva, e nesse caso, pode ser explicada como uma revolução da história da memória.

Tem-se na rememoração a possibilidade de se perceber o presente em diversas perspectivas, ou seja, a partir do


passado, como algo a ser explorado. A partir do passado, pode-se entender o presente e prever-se o futuro como
resultado das diversas iniciativas e das decisões humanas, mas não é só esta a função da história. O passado vê as
inúmeras facetas da história em seu caráter múltiplo de inter-relações, de sucessivas bifurcações na multidimen-
sionalidade que permite a escolha de algumas possibilidades, deixando outras inúmeras para trás. A escola aparece
como espaço dessa rememoração, portanto têm-se na escola lembranças que se fixam, nas quais se mantêm raízes
(NOGUEIRA-FERRO, 2009, p. 109-110).

Burke (2008), tenta explicar a História Cultural sobre dois aspectos fundamentais ao estabelecer duas aborda-
gens diferentes, mas complementares. Uma interna no intuito de resolver os dilemas no interior da disciplina, e outra
externa relativa o que os historiadores organizam ao tempo em que vivem.
Segundo Burke (2008, p.08), a abordagem interna trata da presente modernização da história cultural como
uma oposição às experiências anteriores de estudar o passado que largaram de fora, haveres complexos e relevantes os
quais de acordo com este ponto de vista o historiador cultural abarca artes do passado, a ênfase em “culturas” inteiras,
oferece uma saída para a atual fragmentação da disciplina, em especialistas de histórias de população, de mulheres,
ideias, negócios, guerras e assim por diante.
Já a abordagem externa ou visão de fora também tem algo a apresentar, conecta a elevação da história cultural
a uma guinada cultural mais ampla em termos de ciência, política, geografia, economia, psicologia, antropologia e
estudos culturais. Como mostra Burke:

Um sinal dos tempos e a conversão do cientista político norte-americano Samuel P. Huntington à a ideia de que,
no mundo de hoje, as distinções culturais são mais importantes que as políticas e econômicas, de modo que, desde
o fim da Guerra Fria, o que vemos não é tanto um conflito internacional de interesses, mas um “choque de civili-
zações”. Outro indicador do clima intelectual é o sucesso internacional dos estudos culturais. Na Rússia da década
de 1990, por exemplo, a Kul’turologija (Como lá se chama) tornou-se disciplina obrigatória nos cursos superiores,
particularmente preocupada com a identidade russa e muitas vezes ministrada por ex-professores de Marxismo-
leninismo, que antes tinham uma interpretação econômica da história e se converteram a uma interpretação cul-
tural (PETER BURKE, 2008, p.8).

Nesta perspectiva vimos segundo o autor nos dias atuais é um choque de civilizações conforme Samuel P.
Huntington as distinções culturais são mais importantes que a política e econômica. Outro indicador é o sucesso dos
estudos culturais, que se converteu em interpretação cultural.
Nesse aspecto uma das especificidades da História Cultural foi possibilitar revelar o indivíduo, como sujeito da
História, reconstruindo histórias de vida, (PASAVENTO, 2005, p. 118). É importante mencionar que o que mais tem
percebido na história cultural, é a utilização de uma variedade de novas fontes (op cit., p. 69).
É dessa forma que a História Cultural possibilita o processo de investigação por concentrar as diversas produ-
ções humanas, no entanto ela não preocupa apenas em estudar a produção de uma cultura, mas se dedica a analisar

945
tudo o que corresponde ao homem, dando ênfase a uma vasta pluralidade cultural daquilo que é objeto de estudo do
pesquisador.
Pasavento (2005), assevera que a quantidade de pesquisa neste campo parece ser infinita. Tudo que se referem
ao homem, agregados na cultura, é suscetível de ser pesquisado pela História Cultural.
Infere-se que a História Cultural, tem propiciado um novo olhar sobre objetos de viés historiográfico. Sua evo-
lução, por conseguinte, vai muito além, de outras modalidades historiográficas e campos de saber, ao mesmo tempo
em que tem permitido aos historiadores a formulação conceitual.
O enredamento e a amplitude dos estudos da História e da História Cultural, bem como a consideração dos
procedimentos históricos que se pautam aos termos da historiografia, apontam que qualquer ensaio de significação
acerca das duas noções torne-se difícil. Ao procurar significar originam como resultado o alargamento das repre-
sentações sobre o passado resultantes do processo de modernização. O que possibilitou o advento de evolução da
educação exercendo profunda influência sobre a teoria e a prática historiográfica.

TRANSFORMAÇÃO POR MEIO DO ENSINO SUPERIOR: UMA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO


UEG CÂMPUS APARECIDA DE GOIÂNIA

A história e a memória do Câmpus da UEG na cidade de Aparecida de Goiânia, tomando como referência a cul-
tura e a identidade da cidade, apresenta um papel imprescindível para a formação dos profissionais que podem atuar
na cidade de Aparecida de Goiânia. A história cultural e a identidade da cidade de Aparecida de Goiânia perpassam
pela identidade por meio da história cultural, imbricado com a presença do Câmpus Aparecida de Goiânia da Uni-
versidade Estadual de Goiás – UEG. As contribuições da Universidade na sociedade aparecidense, são contribuições
sociais por meio, das políticas afirmativas que cumprem um importante papel na perspectiva dos direitos humanos,
com programas de inclusão para as minorais étnicas (negros, índios, quilombolas e imigrantes). Como pode observar
na tabela abaixo, referente os anos de 2012 a 2019, nas quotas reservadas para vestibular do Câmpus da Ueg – Apa-
recida de Goiânia :

COTA Administração Ciências Contábeis Direito Geral


Rede Pública 70 81 10 161
Negros 46 37 09 92
Pessoa com deficiência 01 02 02 05
Refugiados 03 02 - 05

Fonte: Próprio autor.

A partir da análise de que a cidade de Aparecida de Goiânia, surgiu primeiramente como reduto rural ao redor
do qual se iniciou a cidade. E a partir de 1970 fazendo parte da região metropolitana de Goiânia ressurgiu como cida-
de dormitório e era a cidade dos excluídos. A partir de 1990 começa o processo de valorização e resgate histórico de
Aparecida culminando com a criação da UEG Câmpus de Aparecida de Goiânia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A memória cultural e identidade histórico-cultural são construídas por um povo, dessa forma, o trabalho bus-
cou resgatar essas informações, com a finalidade de provocar nas pessoas, a importância da valorização do patrimô-
nio cultural, artístico e a memória coletiva institucionalizada. Desse modo, resgatar valores regionais e históricos e
trazendo novas significações a cultura local, do Município de Aparecida de Goiânia.

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Aparecida de Goiânia possui uma localização privilegiada, sendo um polo de indústrias, comércios e prestações
de serviços. Assim o município sedia médias e grandes empresas, criando vários empregos. Construindo dessa forma,
a possibilidade do indivíduo ser o sujeito da História, construindo sua trajetória de vida. Possibilitando assim diversas
produções humanas.
Considerando que o Município de Aparecida de Goiânia é a terceira maior economia de Estado, fica claro que
necessita de capital intelectual, assim, a presença do Câmpus Aparecida de Goiânia da Universidade Estadual de Goiás
– UEG. Traz contribuições importantes na sociedade aparecidense. Isso é visto, pela quantidade de alunos formados
pela Universidade, retornando profissionais capacitados para o mercado de trabalho, devolvendo dessa forma, para a
sociedade mão de obra qualificada, como retorno dos Investimentos em Educação.

REFERENCIAS

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MEMÓRIAS DE MULHERES: A DITADURA MILITAR
NA CIDADE DE BARREIRAS-BA

Ms. Dllane de S. D. Leal- S.M.E de Barreiras-BA


Dr. Aldimar Jacinto Duarte– PUC/GO

INTRODUÇÃO

O presente texto se constitui como o resultado parcial de uma pesquisa maior intitulada História e memória da
ditadura militar: sentidos atribuídos por adultos e Jovens do município de Barreiras-BA, conta com o relato de cinco mu-
lheres adultas residentes no município, que vivenciaram o período da ditadura militar na Bahia. Atualmente, todas
elas possuem mais de sessenta anos, sendo que quatro delas foram professoras e uma delas trabalhou no quartel do
exército em Barreiras. Cabe lembrar, que o uso das falas foi autorizado por todas as participantes e seus nomes e
identidades foram preservadas.
O município de Barreiras localiza-se no Oeste da Bahia, há 800 km da capital Salvador. Segundo os dados dis-
poníveis pelo IBGE (2016), Barreiras possui uma população aproximada de 155.519 habitantes.
A ditadura militar implantada no Brasil em 1964 alcançou diversos municípios da Federação, desde os centros
urbanos até municípios menores. Mobilizou uma grande parte dos brasileiros, que no contexto contou com a parti-
cipação de várias mulheres.
Para realização desse trabalho os retratos biográficos foram relevantes, uma vez que as vozes dessas perso-
nagens foram fundamentais para construção do tema em discussão. Destaca-se que, atualmente a História Oral se
tornou um aparato como preservação e reconstrução do passado ( THOMPSON, 1992).

A HISTÓRIA E A MEMÓRIA NA CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES SOCIAIS

Por reconhecer os quadros sociais como ponto de referência na evocação das lembranças, Maurice Halbwachs
(2006) é considerado um precursor ao tratar a memória como fenômeno coletivo. Por levar em conta, o convívio do
homem em sociedade, com toda abordagem política, econômica e social que permeia a vida do indivíduo num tempo
e no espaço coletivo.
Nessa perspectiva o estudo da memória coletiva, torna-se sinônimo de manutenção da identidade de um povo,
sem negar a fluidez do cotidiano, com todas as suas mudanças e transformações, pelo qual o homem está sujeito.
Assim, um dos pontos explanados por ele, aponta a importância do coletivo, das lembranças como suporte essencial
para refazer o caminho da memória. Segundo Halbwachs (2006, p.29): “Recorremos a testemunhos para reforçar ou
enfraquecer e também para contemplar o que sabemos de um evento sobre o qual já temos alguma informação [...]”.
Mesmo que portando uma consciência pessoal, a memória está alicerçada na memória coletiva, tendo em vista
a sua capacidade de abrangência quanto aos aspectos da vida social. Cabe ressaltar que a partir das relações externas
são formados os recortes subjetivos de cada ser humano. A memória individual ou pessoal, ainda que dotada de
valores, ideias, costumes pessoais, são vivenciadas nos espaços de coletividade. Por isso ao discutir a formação das
lembranças e as recordações do passado o suporte de lembranças externas, se faz necessário para a recomposição da
memória. (Halbwachs, 2006, p.30).
A pesquisa de Halbwachs (2006) se constituiu como uma novidade nesse campo, ao atribuir relevância à voz de
personagens anônimos engajados no fazer história e por isso tão importante quanto os grandes protagonistas oficiais.
Considera ainda que as trajetórias de vida dos sujeitos anônimos desenharam uma nova forma de se pensar a história
e seus métodos.

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Tratando da problemática da memória como preservação do passado e consequentemente de construção da
identidade de um povo, Paul Ricouer (2007), filósofo francês levantou a seguinte questão: Como preservar o passado
diante do esquecimento?
Enquanto Halbwchas (2006) ressalta o caráter social da memória, Ricouer (2007) discute a relevância da recor-
dação individual na composição da memória de cada indivíduo. Nesse sentido diante do dualismo memória e identi-
dade o autor propõe a seguinte questão: “De fato, o que significa permanecer o mesmo através do tempo?” (Ricouer
2007, p.94).
Dessa forma, autor destacou em seu empreendimento como questão central o esquecimento. Para Ricouer
(2007, p.456); “A falta excessiva de memória, de que se falou em outro lugar, pode ser classificada como esquecimento
passivo, na medida em que pode aparecer como um déficit do trabalho de memória.” O ato de esquecer se configura
uma fragilidade da memória e por isso uma ameaça à preservação da história, tendo em conta o apagamento de ras-
tros e impressões históricas.
Comungando com as ideias de Halbwachs (2006) e Ricouer (2007), Ecléa Bosi (1994), compartilha com esses
autores a importância da memória. Em suas pesquisas, identificou a memória como um importante elemento de
reconstrução da história, sobretudo a memória de idosos. Em seu livro Memória e Sociedade: Lembrança de velhos traz
a narrativa de alguns personagens idosos que foram responsáveis pela construção da cidade de São Paulo. A autora
trouxe para o cerne de seus debates a História de Vida desses sujeitos, promovendo uma nova dimensão de leitura da
realidade.
Considera que a sociedade tem sonegado desses indivíduos o valor de sua função social: a lembrança e o aconse-
lhamento. Além disso, as lembranças dos velhos são suprimidas por meio da opressão, tendo em vista que as histórias
de vida acabam sendo suplantadas por lembranças oficializadas.
Bosi (1994) ao considerar relevante a lembrança dos idosos, enxerga nessas trajetórias de vida um papel funda-
mental para construção da história social, por isso ultrapassa as barreiras do tempo, se revitaliza e se renova, podendo
assim, resguardar o passado. Nesse caso, a história se torna patrimônio da memória, ao privilegiar esses personagens
minoritários com suas vivências cotidianas atribuindo assim uma nova dimensão de historicidade.
Ao compreender as evocações do passado como subsídio da memória, a partir dessa análise, a autora considera
que esse movimento de evocação, proporciona aos indivíduos reencontros consigo mesmo, com isso possibilita uma
história mais humanizada, pois a memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo,
interfere no processo “atual” das representações. (BOSI, 1994, p. 47).
Nessa perspectiva, trazer relatos e trajetória de vidas como fonte documental, reconhecendo a riqueza dessas
fontes orais, potencializou o entendimento do que é documento e alargou as possibilidades de ratificar a história,
abarcando todas as manifestações que permeiam a vida do homem.

A DITADURA MILITAR NO BRASIL

Os fatos que antecederam o golpe militar de 1964 indicavam a tomada do controle da nação pelas Forças ar-
madas. O desdobramento político ocorrido entre o governo Jânio Quadros e João Goulart já apontava o prenuncio
do golpe.
O receio que o comunismo fincasse suas raízes na política nacional provocou uma tomada brusca no poder,
assim, com o aval da classe média, de empresários, banqueiros e grandes latifundiários, o controle administrativo do
país migrou para um grupo cívico militar. (VIEIRA, 2014).
Dessa forma, por um período de vinte e um anos ininterrupto, o comando nacional passou a ser presidida por
pessoas ligadas diretamente à cúpula militar, foram eles: Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), Arthur
da Costa e Silva (1967 a 1969), Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974), Ernesto Geisel (1974 a 1979) e João Batista
Figueiredo (1979 a 1984).
Os comandantes implantaram uma série de medidas, anunciando o que viria a ser o empreendimento coerci-
tivo do estado. No fragor do golpe as estratégias da junta para edificar o regime surgiram de várias formas, como foi

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o caso de algumas prisões de estudantes ligadas a União dos Estudantes, cassação e destituição de cargos políticos,
fechamento de jornais e atividades sindicais.
A fim de legitimar e estabelecer o comando das Forças Armadas nasceu o AI-1, em 09 de abril, um plano
impetrado pelo estado, que trazia em seu bojo, um pacote de documento certificando as ideologias da nova direção
política. Então as práticas operadas pelo governo de suspensão do habeas corpus, controle do Poder Judiciário, deli-
mitação para as ações do Poder legislativo e ampliação do Poder executivo, a partir do Ato institucional o decreto se
tornou legal. Segundo Germano (2011): “O AI-1 assegurava ao poder executivo, introduzir emendas na Constituição;
liberdade para legislar nas finanças, orçamento e também poder de decretar Estado de Sítio”.
Após o primeiro Ato Institucional, outras resoluções surgiram sob a supervisão do regime com o fim de legiti-
mar suas ações. Vale lembrar que a face autoritária do governo estendeu o seu pacote de reforma, à educação, às leis
trabalhistas, bem como reduziu os salários dos servidores públicos.
Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974) foi o terceiro presidente general a tomar posse. O período em que
governou foi considerado o mais ostensivo, pois oprimiu de forma mais agressiva os seus opositores, nesse ínterim,
a tortura as prisões arbitrárias e os assassinatos se tornaram procedimentos constantes de sua gestão.
Nesse contexto repressivo, alguns grupos de enfrentamento passaram a atuar na clandestinidade, com isso
nasceram às guerrilhas. A maior parte de seus componentes foram perseguidos políticos, grupos como Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) entre outras, foram importantes oposito-
res à ditadura militar. Uma das mais conhecidas lutas de resistência contra o Regime foi a Guerrilha do Araguaia, em
uma região pertencente ao estado do Tocantins, pelo qual passa o Rio Araguaia.
Da mesma forma que o destino dos irmãos Dourado foi selado nas mãos do estado opressivo, essa sentença se
repetiu sobre a vida de muitos brasileiros, o rastro deixado pela ditadura militar imprimiu feridas abertas em muitas
famílias, por isso é fundamental que á memória dessas vítimas sejam sempre lembradas, para que conjunturas seme-
lhantes a essa não retorne jamais.

O REGIME MILITAR EM BARREIRAS: MEMÓRIAS DE CINCO MULHERES

A Bahia também foi alcançada pela repressão, portanto assim como em outros lugares do país, a instalação
militar contou com o apoio das camadas mais abastadas da sociedade, sobretudo das mulheres. Essa realidade ficou
clara na fala da adulta Iara (Entrevista 26/09/2016) [...] “Então na década de sessenta aqui no Brasil, houve uma
movimentação muito grande pra se impor aqui no Brasil o sistema comunista [...] uma coisa que só gera desgraça
guerra”. Inclusive uma das primeiras mobilizações organizadas na Bahia contra as Reformas de Base propostas por
João Goulart foi articulada pelas mulheres soteropolitanas. O governo ditatorial se estendeu também a municípios
pequenos, propagando a política de segurança nacional, em que os habitantes de Barreiras sentiram os resultados do
controle de estado monitorado pelos militares, porém de forma particular.
No dia 12 de maio de 1972 o município recebeu a 1° Companhia de Engenharia de Construção do Piauí, de Crate-
ús-CE. A companhia militar chegou à localidade trazendo consigo mais de cinco mil pessoas, inclusive militares e civis.
Sobre a vinda do 4° BEC afirma Pinheiro e Pitta (2012, p. 36): “Chegando à cidade, não havia estrutura para receber
os novos moradores. Barracas foram montadas em frente ao antigo Matadouro para abrigar a maioria dos imigrantes”.
De acordo com as autoras, para a população barreirense as transformações proporcionadas pela equipe do
quartel, sobretudo na área da construção civil, trouxeram melhorias para a população, a partir disso, ficou evidente
o sentido de satisfação que esse povo atribuiu à corporação. Para o cidadão barreirense a instituição militar foi sinô-
nimo de progresso.
Ao falar acerca dos militares, Iara (entrevistada dia 26/09/2016) relata:

O 4° BEC veio pra cá na intenção do governo de fazer as estradas, porque a cidade com esse Cerrado tão grande de
10 milhões de hectares precisava ter a estrada pra Brasília. Barreiras, com a potencialidade que tem, porque aqui ao
redor com tantas cidades precisava ter sua estrada pra Salvador. Então eles vieram pra cá e houve, assim de modo
geral, uma receptividade muito boa, eles chegaram aqui e logo começaram, alugaram casas e empresas também,
ofereceram casas sem cobrar.

950
Outra mulher, Margarete (15/07/2016) que nessa época era professora da rede estadual de educação, também
esboça a sua concepção de contentamento quanto à chegada do 4° BEC, da seguinte forma:

A chegada do BEC aqui em Barreiras foi um impacto muito forte que entrou e muita melhoria e emprego para
muita gente. Além dos que vieram, empregaram os que aqui já moravam. Então foi um impacto muito forte onde
o progresso [...] À medida que fizeram essa rodovia, ali deu emprego pra muita gente e vieram para cá muita etnia
diferenciada, veio japonês, veio cearense, veio tudo.

Para essas mulheres a cidade apresentava um lugar de difícil acesso, sem condição física de se chegar à capital, onde
faltava pavimentação, transporte, rodovias e escolas. A cidade era praticamente isolada. E os soldados do BEC disponibi-
lizaram o seu maquinário e material humano a serviço da Prefeitura Municipal e assim iniciaram muitas obras.
Nesse sentido, Lúcia entrevista dia 27/07/2016 comentou: “Sim, havia saldos para se comemorar, tanto de um
lado como do outro”. Certamente o “saldo positivo” no qual a entrevistada se refere, seja em detrimento das constru-
ções ofertadas pelo exército na comunidade.
Ainda que diante do contexto repressivo pelo qual o país estava sujeito, em Barreiras a referência destinada
aos militares por essas personagens expressam uma visão atípica do que representou os militares em outros lugares.
Mesmo diante do desaparecimento dos irmãos Dourados, um acontecimento que abalou a cidade, mesmo assim o
reconhecimento destinado aos militares permaneceu. Lembra Jerusa ao falar dos meninos que foram seus colegas e
morreram no Araguaia (entrevista dia 10/09/2016):

[...] ouvi dizer que ele participou pra lá dessa guerrilha no Araguaia, disse que ele morreu lá e eu fiquei assim, até
sentida, porque era colega, era uma turma tão unida assim da 4° Série ginasial, tudo era tão, era tão gostosa aquela
turma.

José Dourado e Nelson Dourado morreram no Araguaia, esses irmãos se engajaram na guerrilha por conta do
cenário instalado no país, como tanto outros brasileiros que tiveram seus direitos violados, José que era funcionário
da Petrobras, teve seu cargo suspenso e passou a viver de forma clandestina, tendo como opção a luta armada, mas
esses movimentos foram estereotipados por uma parte da população como ação terrorista, no testemunho de Iara é
possível identificar essa situação (entrevista 09/06/2017): “Então o que aconteceu, esses jovens continuaram a fazer
movimentos começaram fazer movimentos violentos, onde eles iam pra bancos com revólver [...]”.
Iara, era bem próxima aos irmãos, sabiam que não se tratava de pessoas terroristas, no entanto comungando
com a ideia de desfigurar quem se posicionasse contrario ao golpe, muitos brasileiros definiram a luta armada como
um movimento criminoso. Um quadro muito comum na ditadura militar, além das pessoas perderem seus direitos,
elas perdiam sua dignidade.
Todos esses acontecimentos trágicos, envolvendo dois cidadãos barreirenses foram sufocados diante da ideia
que quartel trazia benefícios para a cidade. Ainda que satisfeitos com esses benefícios, houve uma mudança na dinâ-
mica dos habitantes, porque por mais que houvesse uma relação aparentemente cordial entre comunidade e militares,
o clima de vigilância e apreensão foi sentido por parte de alguns moradores.
Foi o que esboçou a entrevistada Ana Laura ao relatar um episódio que presenciou no Batalhão militar quando
em um dia comum de trabalho a secretária presenciou a chegada de alguns jovens que foram levados até o quartel
para prestarem depoimento:

[...] Certo dia eu presenciei um carro, uns carros chegando lá com vários jovens daqui da cidade, daquela época,
da jovem guarda né, lá no 4° BEC e esses jovens foram levados para essa sala, para serem interrogados, agora eu
não sei o que houve lá dentro, que tipo de interrogatório eu não sei, só sei que eles foram levados para lá, ficaram
detidos, [...] . (Entrevista dia 15/08/16)

Essa atmosfera de vigilância é possível ser identificada também no relato de Jerusa após a chegada do quartel
em Barreiras (entrevista 10/09/2016): “Senti na pele eu sei que as pessoas parecem que ficavam mais delimitadas, não

951
sei se era medo de falar alguma coisa que ultrapassasse aquilo e fosse chamada no BEC [...]” Então mesmo diante da
transformação da cidade, os moradores passaram a viver em um clima de vigilância imposto pela política nacional.
Embora os resultados da conjuntura militar viabilizassem um contexto autoritário de caráter violento, inclusi-
ve nas falas são identificados o clima de vigilância e medo que alcançou os habitantes locais e o desaparecimento dos
irmãos Dourado, inclusive o lamento da morte dos meninos aparece esboçado na fala de uma entrevistada, as refe-
rências que elas trazem em relação aos militares imprimem o reconhecimento das ações concretizadas pelo grupo em
Barreiras, no entanto a complexidade do sistema cruel imposto na ditadura militar, em nível nacional foi suplantada
por conta da história local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ditadura militar de 1964 produziu uma conjuntura constituída sobre práticas repressivas e autoritárias, em
consequência disso, muitos brasileiros tiveram suas vidas interrompidas, ou perderam suas identidades devido a po-
lítica imposta pelo governo. Um momento semelhante a esse não poderá ser esquecido.
A Bahia foi alcançada por esse momento de ruptura com a democracia, sentiu o aparelhamento de coerção do
governo, mas o caso de Barreiras é provável que se diferencie de outros locais, em virtude da instalação do 4° BEC na
cidade. As falas das mulheres pesquisadas ora trazem em seu bojo aprovação a conjuntura de 1964, ora trazem relatos
de controle e vigilância na cidade a partir da vinda dos militares pra Barreiras e por isso causando certo desconforto
aos moradores, mas de uma forma geral, nenhuma delas se posicionam contrárias ao golpe.
Em relação à militância dos irmãos Dourado em favor do retorno a democracia no país a adulta Iara (entrevista
09/06/2017) reconhece a luta e o ideal dos meninos: “A minha admiração por eles é a capacidade deles de irem lutar
por uma coisa em que eles acreditavam. E assim eles morreram”. Porém o que os soldados da construção civil edifi-
caram na cidade neutralizou o outro lado da história.
De fato, o município sofreu melhorias com as modificações do BEC, porém o apagamento do que foi a ditadura
militar no país em 1964 se torna um perigo para as presentes e futuras gerações.

REFERÊNCIAS

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças dos velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil (1964- 1985). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Paris, França: Presses Universitaires de France, 2006.
PINHEIRO, João Paulo; PITTA, Ignez Almeida. No cerrado entre o malho e o fuzil: o Exército brasileiro no oeste baiano.
Barreiras, 2012.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
VIEIRA, Evaldo. Ditadura militar 1964-1985: momentos da República brasileira. São Paulo: Cortez, 2014.

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MEMÓRIAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA O COMBATE
À VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Jocivannia Maria de Sousa Nobre Dias - PUC/GO1

Resumo: O trabalho a ser apresentado, faz um passeio pela memória dos anos escolares da autora, a fim de
trazer elementos que se relacione com a temática da pesquisa de seu mestrado “violência na escola”, refletindo nas
possíveis contribuições da arte na educação no combate a violência. Mostrando a potência de experiências vividas
outrora, com novas significações e novas perspectivas. Ao traçar um percurso, discorre entre passado e presente,
trazendo para o diálogo autores que discutem sobre memória, experiência e narrativa, como Walter Benjamin (1987;
1994), Theodor Adorno (1970), Ecléa Bosi (1994), Ivan Izquierdo (2002), Castañeda e Morales (2017). Enfatiza o
poder da imagem com Banks (2009). Passando pela literatura com Graciliano Ramos (1945), com a obra Infância.
Descreve partes de como o projeto pedagógico “Esquadrão Sou do Bem” foi pensado e elaborado, para ser trabalhado
(desde 2015) no enfrentamento à violência da escola pesquisada. Com as contribuições de Gonçalves (2001) e José Fi-
lho (2006) sobre a importância da pesquisa de campo, em especial, para professores que convivem com a violência no
ambiente escolar. E por último, é construído um diálogo com o pensamento adorniano com Duarte (2010) e Adorno
(2012) sobre educação e emancipação, contra a barbárie e discute dialeticamente a arte, neste contexto.
Palavras-chave: Memória. Arte-Educação. Violência na escola.

APRESENTAÇÃO

O ensaio a seguir se delineia primeiro na descrição da memória da autora destacando alguns pontos sobre ex-
periências que envolveram aspectos de violência escolar em sua trajetória de vida. Nesse sentido, o uso da primeira
pessoa foi escolhido por critério de clareza autoral e proximidade aos fenômenos que serão problematizados ao longo
desse percurso formativo e profissional da pesquisadora, estabelecendo uma narrativa de interligação do passado
com o presente, contextualizando aspectos que marcaram aprendizagens e deflagraram caminhos no tempo pessoal
e, posteriormente, institucional como professora de arte do ensino público.
Em seguida, para dialogar sobre conceito de memória trago para a roda de conversa autores como Ecléa Bosi
(1994) ao se referir às lembranças e suas relações com o tempo presente. Ivan Izquierdo (2002), que ao tratar memória
como algo precioso, atesta sua utilidade como possível de ser desenvolvida. Castañeda e Morales (2017), trazendo
uma contribuição na construção dos sentidos e significados que surgem no decorrer da pesquisa e possível afeta-
mento nos sujeitos (pesquisador e colaboradores). E na arte literária revisitando Graciliano Ramos (1892-1953), a
partir de uma construção poética da memória biográfica, em sua obra “Infância” (1945), ao narrar suas expressivas e
dolorosas experiências.
As discussões sobre memória e escola são parte do estudo que me proponho estabelecer na pesquisa de mestra-
do, em desenvolvimento, como investigação às possíveis contribuições da arte na educação para o enfrentamento à
violência na escola, como recorte metodológico, em um projeto pedagógico intitulado “Esquadrão Sou do Bem”, de
uma escola pública, de ensino fundamental, no estado do Amapá.
Integrando o arcabouço metodológico, que me proponho a desenvolver na pesquisa, compartilho dos posicio-
namentos de Gonçalves (2001) e José Filho (2006) sobre a importância da pesquisa de campo, diante de investigações
em educação que tratam, em especial, dessa realidade sobre a violência no espaço escolar. Assim, para as entrevistas
com os sujeitos colaboradores, utilizarei de imagens/fotos/vídeos da participação dos alunos no referido projeto
1 Mestranda em Educação do PPGE da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Professora de Arte da rede pública estadual
do Amapá – SEED/AP.

953
pedagógico, pois, as imagens funcionarão como mediadoras de experiências, ou seja, como dados visuais para análise
dos sentidos, expectativas e impacto nos/as alunos/as. Banks (2009) ao referir-se sobre a presença constante de ima-
gens no cotidiano, em particular aqui na vivência de adolescentes, confere ao ato de olhar uma forma de produção de
conhecimento, nesse mundo de forte impacto visual.
Para Walter Benjamin (1987) é possível entrelaçar memória e experiência, ao relacionar o “fato” já acontecido com
aquele lembrado. Somando às reflexões em pauta, demarco algumas mediações importantes em Adorno (1970; 2012)
a partir da Teoria Crítica ao ver o potencial da educação para a “emancipação e contra a barbárie”.

MEMÓRIAS DE UMA PESQUISADORA

A minha trajetória como estudante foi marcante e impactante, no que se refere aos primeiros contatos no es-
paço escolar, pois, via-me em um ambiente totalmente novo, recheado de tensões por não ser bem acolhida talvez.
Aquele momento revelava-me um contato com outro mundo, um mundo estranho carregado de inseguranças, um
espaço que não me atraia e muitas vezes sentia medo.
Lembro que o primeiro e grande desafio foi superar a barreira da comunicação, não sei ao certo se por timidez
ou intimidação, eu não respondia a chamada de frequência, o que me levou à reprovação por falta, na primeira série,
mesmo estando presente, assiduamente, às aulas. Tal aspecto me faz refletir caso não vivesse essa experiência de
“invisibilidade” naquele ano inicial escolar, seria difícil imaginar hoje uma educação que não permitisse um contato
mínimo com seus alunos, que não percebesse a presença do aluno, como um ser e sujeito em seus potenciais, dificul-
dades e particularidades. Refletindo me pergunto se aquela indiferença do olhar e da escuta da professora não deixou
de ser uma violência velada? Um silêncio carregado de exclusão?
Precisei no ano seguinte, com bastante esforço, contornar algumas principais dificuldades, mesmo à conta go-
tas. A superação foi se desenvolvendo ao longo dos anos escolares, visto que, foi a única reprovação escolar em toda
minha jornada estudantil, entretanto, a superação de fato ainda não tenha acontecido em sua totalidade, por outras
situações, como a violência a qual é um dos focos de minha discussão, que tem afligido a mim e muitos outros nesse
percurso escolar...
Outra lembrança trata-se das experiências traumáticas de violência física que sofria na escola. Recordo-me de
um espaço simples, adaptada de um antiga residência, uma área acanhada para o lanche e uma escadaria que leva as
poucas salas de aula da escola.
A hora da saída das aulas gerava-me grande ansiedade, pois, era o momento em que uma estudante da mesma
escola e turma, de cor branca, olhos claros, esperava-me para bater-me no rosto, sem nenhum motivo aparente, sim-
plesmente, me batia... Minha inocência infantil não me permitia sequer pensar o porquê daquelas agressões ou refle-
tir sobre o que realmente estava acontecendo, quais os motivos que a levavam a agir daquela forma repetidamente...
Como era muito tímida, não esboçava nenhuma reação, até o momento que revelei para minha irmã (um ano mais
velha), a qual tomou as dores por mim, e juntamente com outra colega dela enfrentaram a agressora.
Esses eventos de minha memória escolar não são acessados sem ainda sentir algum “espinho no coração”, sem
antes me fazer olhar fixamente para um ponto no vazio do tempo. O que me faz refletir antes de qualquer questiona-
mento é acreditar que sem atitude planejadas e prudentes, não podemos compreender realidades e solucionar confli-
tos. O que me faz perceber a escola como um espaço de aprendizagem, de socialização, mais também de conflitos. São
experiências que nos marcam como tatuagens no corpo, podem até ficarem ocultas sob roupagens do tempo, porém,
elas se revelam a cada olhar desnudado no espelho da memória.
Ao revisitar a memória, inevitavelmente, as marcas em mim remetem à imagem daquela que agrediu, como
uma fotografia, de uma imagem congelada no tempo, às vezes, se misturando com uma fisionomia de um tempo pre-
sente, como flashes mentais de um possível reencontro com aquele rosto que não aceitava o meu rosto...
Posso admitir que é uma sensação que me instiga pensar como seria um reencontro hoje, eu professora, que me
lanço agora como pesquisadora, tentaria esclarecer os motivos com a autora das ações agressivas? Ou me colocaria na
sua perspectiva para compreender seu comportamento? O medo prevaleceria como antes? De alguma forma assumi

954
enfrentar esse problema que afligiu (e ainda persiste) não somente a mim, como a inúmeros alunos e professores,
escolas e sociedades, num tempo passado e no presente.
A memória até consegue traçar rotas de fuga do sofrimento causado, sem contudo, haver qualquer sentimen-
to de raiva ou de vingança. Entretanto, uma lacuna interior me angustiou por muito tempo, ao revisitar minhas
lembranças, essas experiências são atualizadas, como afirma Castañeda e Morales (2017, p. 91) “Essas narrativas nos
permitiram recuperar a experiência vivida como modos de recordar, construir, reconstruir sentidos e significados
em torno do nosso objeto de estudo” [grifo dos autores]. Nesta perspectiva, o sentimento que me acompanha para
compreender o que a levou cometer tal ato repetidamente. Seria a percepção de minha timidez, que a colega se apro-
veitou, por eu não esboçar qualquer reação? Ou seriam problemas de estrutura familiar? Essa pessoa poderia também
ser uma vítima em sua residência, bairro ou na própria escola? Seria uma forma de chamar atenção? Um pedido de
socorro, talvez?!
O autor Graciliano Ramos, com sua obra Infância (1945), descreve aspectos de opressão vivenciada, a começar
pela família e depois na escola, onde, tudo foi marcadamente difícil e significante, experiências que para sua realidade
formativa foram redimensionadas e contribuíram para seu crescimento pessoal e aprendizagens de vida. É um livro
de caráter memorialista, em que vai relembrando as dificuldades, além de relacionamento familiar sem vínculos de
proximidade, diálogo, atos de carinho. O autor problematiza dificuldades de ordem familiar que podem trazer gran-
des influências no comportamento pessoal e social.
De acordo com Izquierdo (2002, p. 9): “O passado contém o acervo de dados, o único que possuímos, o tesouro
que nos permite traçar linhas a partir dele, atravessando o efêmero presente em que vivemos, rumo ao futuro”. Di-
zendo de outro modo, de boas ou más lembranças é com esse acervo de dados que precisaremos para construir cami-
nhos ora na mão, ora na contramão das circunstâncias (favoráveis ou não) rumo ao futuro.
É preciso registrar que um passado que nos afeta deve ser revisitado para ser descortinado, é o que esclarece
Adorno (2012, p. 46): “No fundo, tudo dependerá do modo pelo qual o passado será referido no presente”. O autor
continua afirmando que: “o passado só estará plenamente elaborado no instante em que estiverem eliminadas as cau-
sas do que passou” (ADORNO, 2012, p. 49), a referência das lembranças do passado, só terá sentido, se for para ser
dinamizado, (re)construído por novas significações. À medida que permanecer uma lembrança estacionada naquele
instante, como o “fato” esgotado de questionamentos, sem o devir, perderá a possibilidade de sentidos. Então, o fan-
tasma do passado continuará atormentando, e permanecerá com expressividade no tempo presente, sem aproveita-
mento e ainda com sérios prejuízos à uma acessibilidade histórica.
Durante todo meu percurso escolar, mantinha-me na dedicação dos estudos, procurando me destacar na fre-
quência e notas avaliativas, tentando superar-me a cada dia... Em meio a dúvidas sobre a profissão, vivenciei outras
áreas de atuação, rodei muito até decidir-me pela educação precisamente como professora de Arte. Naquela época (no
início dos anos 90), em meu estado, não havia uma política de atendimento nos estabelecimentos de ensino, voltado
para as aptidões profissionais, acredito que isso evitaria assim, perda de tempo, desgastes e frustações.
Depois de conseguir transpor a grande barreira do vestibular, para alguém que vem de família grande e hu-
milde, cheguei à tão sonhada universidade pública, dali as portas se abriram para a atuação profissional ainda como
acadêmica (através do exame de suficiência pedagógica), formação continuada (especialidade lato-sensu) e melhoria
econômica como servidora pública.
No labor da sala de aula, e ao longo dos anos, alguns aspectos da realidade escolar e pedagógica como aquilo
que identificávamos de indisciplina, insubordinação, descaso e agressões verbais, etc., passaram a me incomodar
demasiadamente. Depois dessas experiências recorrentes e nada prazerosas, geraram em mim uma resistência de
abandonar a sala de aula! Foi naquele momento, com uma crise existencial e de atuação profissional, que aconteceu
algo extraordinário, marcante na minha vida, depois de um certo período de licença, resolvi encarar meus próprios
medos e angústias, vendo-me por outro ângulo daquilo que eu fugia, agora reposicionando-me em potência. Assim,
continuei trabalhando como professora. Sei que devo à educação muito de minhas conquistas e acredito também que
por ela se poderá alcançar outras ações sociais exitosas.

955
Durante minha atuação em sala de aula, sendo na última escola já há 12 anos, observei como estava frequente
os casos de violência no recinto escolar, e como isso atrapalhava o processo de ensino e aprendizagem. O que mais me
chamava atenção era a banalidade com que era tratado o assunto. Observava que os estudantes planejavam intrigas e
incentivam brigas entre eles. Ao refletir sobre essas tramas, constatava o quanto esse comportamento se encontrava
totalmente fora de qualquer convivência humana aceitável. Como não intervir diante deste quadro? Como silenciar,
perante a vibração e incentivo da violência entre alunos? Sendo que, os atos de violência podem causar danos irrepa-
ráveis, ou levar até mesmo a morte. As brigas na saída das aulas eram filmadas e colocadas nas redes sociais.
Será que o “aparecer” era, ou é alvo principal desses alunos? Mesmo que isso custasse caro a eles? Sabemos que a
imagem, em seus vários meios, está por toda parte, influencia comportamento, opiniões e viraliza-se pelo mundo. Na
era tecnológica digital, o poder da imagem é disseminador e constante, livre de censura. Entra nas nossas vidas, sem
pedir licença, e se instala como soberana, exerce o fascínio de atração. Banks (2009) ao reconhecer a forte presença
das imagens na sociedade propõe discussões metodológicas para analisar tais como investigação qualitativa, segundo
ele, não somente pensamos por imagens como os modos de interação social acontecem por meio delas.
Hoje, já se vão vinte e cinco anos como professora em sala de aula e a ligação de minhas memórias com o proje-
to de pesquisa de mestrado constitui um forte desejo, de primeiro, compreender de modo crítico, a violência na escola
para depois propor possíveis enfrentamentos a essa complexa realidade. De acordo com Walter Benjamin (1994, p.
15): “um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento
lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois”. Neste sentido, aquela lem-
brança que não traz um sentimento de reconhecimento, de conquista, de felicidade certamente servirá para a busca
de resultados imprevisíveis, podendo ser inimagináveis ligando-se como uma chave de conexão entre o passado, pre-
sente e futuro. Ao buscar outras respostas recorrendo às lembranças poderia ser uma alternativa para compreender
o fenômeno da violência na escola e suas implicações na sociedade?
A intenção aqui é destacar que as escolhas do presente tem relação com nossa trajetória de vida, ou seja, as
experiências do passado reverberam na atualidade, podendo vir à tona com novas significações, novos olhares e
aprendizagens, quando nos abrimos a uma revisão dos fatos e experiências a serem problematizados. Desse modo, o
que me impulsiona neste estudo de mestrado é realizar a pesquisa de campo, em que me depararei com uma realidade
que pode revelar subjetividades escondidas diante de um mundo em plena velocidade, onde não se tem tempo do
diálogo, do simples ato de escuta, e diante da oportunidade dos sujeitos alunos emitirem seus posicionamentos sobre
a violência e sobre suas visões de mundo.

PROJETO PEDAGÓGICO: “ESQUADRÃO SOU DO BEM”

O projeto pedagógico Esquadrão Sou do Bem, foi pensado e elaborado pelos professores e gestores da Escola
Maria de Nazaré Pereira Vasconcelos da cidade de Macapá, estado do Amapá. Surgiu a partir da necessidade de ame-
nizar o alto índice de violência, que esta escola apresentava. No início, vinha sendo desenvolvido como ações educa-
tivas em 2013, funcionava como instrumento de combate à violência através da realização de shows de talentos, apre-
sentações culturais, palestras, realização de eventos em parceria com várias instituições governamentais e privadas.
Houve interrupção dessas ações em 2014, no qual não se realizou o projeto. As iniciativas se mostraram eficien-
tes no combate à violência, detectou-se nos anos do projeto um melhor rendimento escolar, o que fez com que dessas
ações nascesse um projeto bem mais elaborado a ser realizado de forma constante na escola a partir do ano de 2015.
Cogitou-se, reunir os diversos setores da instituição e comunidade em busca de possíveis soluções para o
combate a referida problemática e a restauração da paz no ambiente escolar, diante de um clima hostil e tenso que se
apresentava ao longo de anos.
O objetivo do projeto é promover o exercício de valores (inter e intrapessoal) voltado ao resgate e restauração
da autoestima, bem como a valorização dos relacionamentos e do autoconhecimento. Constando no projeto, como
objetivos específicos: 1- estimular a prática de valores humanísticos e espirituais que visem a uma convivência harmoniosa; 2-
incentivar atitudes positivas de cooperação, de diálogo e de respeito às diferenças; 3- estimular a participação dos alunos através

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de dinâmicas individuais e coletivas; 4- atuar no cultivo de uma cultura de paz no ambiente escolar; e 5- fazer com que despertem
o hábito de ler através do ato de ouvir e falar.
O grupo de alunos que aderem às ações do projeto também chamados de “Esquadrão” se reúnem periodicamen-
te para serem acolhidos e orientados pelos palestrantes e monitores com base nos assuntos do Conteúdo de aborda-
gem reflexiva, por meio de debates, palestras, jogos e demais recursos didáticos. Durante a semana desempenharão
tarefas de cooperação para com diversos setores da escola: cozinha, coordenação pedagógica, secretaria, portaria.
A avaliação acontece levando-se em consideração os seguintes critérios: 1-auto avaliação feita por todos os mem-
bros do Esquadrão; 2- avaliação aluno x alunos, alunos x professores, professores x alunos; 3- os demais sujeitos da comunidade
escolar também serão chamados para participarem do processo avaliativo do projeto; 4- os colaboradores serão chamados para
avaliarem os resultados obtidos através do projeto.

A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA DE CAMPO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

A pesquisa de campo será para este estudo de crucial importância considerando as demandas de dados e fontes
que só podem ser no contato direto com o chão da escola, local de trabalho, das intensas e complexas relações no
ambiente escolar. Pesquisa desta natureza pode trazer grandes contribuições para o desenvolvimento no processo
ensino e aprendizagem, pois tem uma chance enorme de repercutir em sala de aula, as análises do processo pedagó-
gico como um efeito dominó, que vai disseminando como “bons frutos” do trabalho campo empírico. De acordo com
Gonçalves (2001):

A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação diretamente com a população pes-
quisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais direto. Neste caso, o pesquisador precisa ir ao campo onde o
fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...]. (GONÇALVES,
2001, p. 67).

O campo nos possibilita uma interação no espaço onde a temática da pesquisa acontece. E essa interação per-
mite ao pesquisador detectar inclusive as expressões corporais emitidas pelos sujeitos entrevistados. E o que é fan-
tástico – dialogar com a realidade, como atesta José Filho (2006, p. 64) “o ato de pesquisar traz em si a necessidade
do diálogo com a realidade a qual se pretende investigar e com o diferente, um diálogo dotado de crítica, canalizador
de momentos criativos”. Justamente porque o campo é dotado de surpresas, de caminhos que vão se delineando, por
isso criativo.
O diálogo com a teoria possibilita tanto crescimento intelectual como uma nova forma de ver determinado
problema, ao mesmo tempo em que o aluno adquiri novos conhecimentos, trabalha-se sua criticidade, e isto é um
ganho significativo. Um dos diferenciais do campo, que usa da pesquisa qualitativa, é colocar pesquisador e seus
colaboradores em contato com uma nova experiência. Sendo que essa experiência em importantes casos leva-os ao
contato com sua memória. A memória e a experiência são dois instrumentos, que podem ser interligados criticamen-
te e constituírem recursos de reflexão: “a estrutura da memória é considerada decisiva para a estrutura filosófica da
experiência” (BENJAMIM, 1983, p. 30). Dessa forma, assumindo como ponto fundamental, a memória relacionada
à experiência, novos posicionamentos de perspectiva aos sentidos e significados em jogo, para quem deseja retomar
esse percurso sem se prender a um passado rememorável, geralmente, aquele adormecido por lembranças desconfor-
táveis, sobretudo, possa despertar outros estudos em educação mais aprofundados e abertos ao devir.
Para Bosi (1994, p. 55) “A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa dis-
posição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual”. Não se trata de uma lembrança sem a
conexão com o momento presente, a relação existirá à medida que ganha o sentido e novos significados. Ainda na
visão desta autora: “As memórias são tristes e, quase sempre, dolorosas” (BOSI, 1994, p.15), sem dúvida, as memórias
tristes são mais difíceis de lidar, pois, em muito rejeitamos acessá-las, no entanto, estas memórias não se encerram
somente dolorosas, é preciso encará-las no espelho da memória e desnudá-las na intimidade de nossas recordações.

957
EDUCAÇÃO E ARTE: UM DIÁLOGO CRÍTICO ADORNIANO

A crítica adorniana considera na arte as grandes possibilidades de reflexão e transformação da realidade que
está posta, estabelecida. A arte consiste em um caminho para modificar a imposição e as padronizações em grande
parte do pensamento histórico existente. De acordo com Duarte (2010), Adorno discute sobre a autonomia da arte
no contexto da contemporaneidade, “na terceira parte da teoria estética a ‘perspectiva’, na qual certos fenômenos da
arte contemporânea, ao se realizarem, apesar de todas as dificuldades, antecipam a possível emancipação da espécie
humana” (DUARTE, 2010, p. 222) a autenticidade da arte, na perspectiva crítica, repousa na liberdade que primeiro
necessita de meios que o ajude a perceber o estado em que se encontra, para depois iniciar o processo de emancipação.
Em um debate transmitido pela rádio do estado de Hessen na Alemanha, com o diretor do Instituto de Pesquisas
Educacionais da Sociedade, Becker ao fazer a provocação para Adorno sobre a necessidade de caracterizar com mais
precisão o que seja barbárie e de onde ela surge.

Eu começaria dizendo algo terrivelmente simples: que a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevi-
vência da humanidade. A obviedade a que o senhor se referiu deixa de sê-lo quando observamos as concepções
educacionais vigentes, sobretudo as existentes na Alemanha, em que são importantes concepções como aquela
pela qual as pessoas devam assumir compromissos, os que tenham que se adaptar ao sistema dominante, ou que
devam se orientar conforme valores objetivamente válidos e dogmaticamente impostos. Pela minha visão da si-
tuação da educação alemã, o problema da desbarbarização não foi colocado com a nitidez e a gravidade com que
pretendo abordá-lo aqui. (ADORNO, 2012, p. 156).

Neste sentido, a educação deve trabalhar na tentativa de refrear a barbárie, como questão primordial. O que
não pode acontecer é a adaptação ao sistema dominante, por isso, é preciso chamar a atenção à seriedade que a ques-
tão exige. A dimensão social da arte vem acionar dentro da educação um possível caminho, no aspecto de instigar
com olhar crítico sobre a construção da realidade, que privilegia poucos, enquanto a grande massa sofre duras penas.
Ainda conforme Adorno, a arte exerce um papel significativo na reflexão de caráter libertador, somente quando se
realiza sem estar presa a leis ou pessoas que emana do poder, e quando não apresenta um fundamento sem nenhuma
ligação com a sua época, seu tempo. Não havendo o prejuízo desses assujeitamentos, a arte se torna autêntica.
A arte na indústria cultural em seu processo de mercadoria perde sua essência, no momento que é comercia-
lizada. Ao funcionar como objeto de entretenimento, passa a andar na contra mão do pensamento crítico, portanto
deixa de existir a possibilidade de transformação.
Situando o pensamento de Adorno ao dialogar e fazer referência em tom de criticidade a tese hegeliana do “fim
da arte”, em sua obra Teoria Estética (ADORNO, 1970, p.14) pondera “um pessimismo cultural reacionário: a saber
como já Hegel pensava há cento e cinquenta anos, que a arte poderia ter entrado na era do seu declínio”. De certo, que
Adorno sendo dialético, analisa os polos pessimista e otimista, ou seja, sua preocupação se estende ao declínio da arte,
em uma sociedade capitalista onde os interesses da indústria cultural prevalecem, estabelecendo e ditando suas regras,
levando a perda da essência da obra de arte; assim, como vê na arte uma potência, desde que, esta seja autêntica. Alerta
para a importância e urgência de as pessoas terem o conhecimento da sociedade em que vivem se posicionem frente
à manipulação, e lutem para que haja transformações através da emancipação.
A educação tem um papel importantíssimo na luta contra a violência, neste sentido Adorno (1995, p. 155) em
sua obra Educação e emancipação, fala da urgência da desbarbarização: “A tese que gostaria de discutir é a de que
desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia”. Adorno como um grande estudioso, com
formação eclética, por viver na Alemanha e ser judeu de origem, se preocupou em ampla proporção com o genocídio
comandado por Hitler, e procurou trabalhar com afinco na emancipação social através da educação. Esse é um dos
desdobramentos, que um estudo em educação, por exemplo, através de suas indagações possa contribuir para uma
redução da barbárie. Nesse viés, as preocupações de pesquisa possam perceber e compreender as possíveis contri-
buições da arte na educação no enfrentamento a violência na escola. Sabendo-se que se trata de uma questão que a
sociedade deve assumir.

958
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões levantadas neste ensaio trazem valiosas contribuições pela oportunidade de me fazer revisitar
aspectos de minha memória e suas relações com decisões tomadas hoje em muitos caminhos, em especial, a atuação
na educação. E ao trazer aspectos da memória em vista do exercício profissional docente fazer-me indagações tão
profundas e íntimas até então não feitas por mim, nas relações diárias com alunos, com a história de trabalho e con-
vivência e comigo mesma. Questões que assolam o pensamento: Como é possível exercer o ofício da profissão de
professor/a e não perceber ou simplesmente ignorar a presença de alunos em sala de aula? Em um ambiente, onde
deve existir uma relação de proximidade. Como haver indiferença ou empatia?
A violência existe, em suas mais variadas formas, desde a física até a velada, entretanto, uma das mais nocivas
acredito ser aquela que permanece silenciosa, sob os medos e ansiedades da não confiança nas relações humanas. No
entanto, todas deixam suas marcas e feridas, em maior ou menor grau. Outra reflexão paira diante das dificuldades
que nos levam a encontrar forças para caminhar e transpor barreiras, antes existentes. Atribuindo novos sentidos e
significados, com grandes probabilidades de serem desenvolvidos estudos e pesquisas. Ao utilizar novas perspectivas
de olhares para pesquisas em educação, com a abertura de refletir entre passado e presente, nos permite construir
um futuro mais acertado ou com menos erros. A educação e a arte estimula a potência e grandes possibilidades na
construção de vida pessoal e social, para o devir em dignidade.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. O que significa elaborar o passado. In: Adorno, T.W. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang
Leo Mar. São Paulo: Paz e Terra, 2012, p. 29-49. __________________. A educação contra a barbárie. In: ______. Educação e
emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar, 7 reimp. Sâo Paulo: Paz e Terra, 2012a. p. 155-168.
BANKS, M. Dados visuais para pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.
BENJAMIM, Walter, Textos Escolhidos. Sobre alguns temas em Baudelaire. Tradução de José Lino Grünnwald, Edson Araújo
etc. Editor Victor Civita, São Paulo, 1983, p. 29- 56.
___________, O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIM, W. Magia e técnica, arte e política.
Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 3ª ed., 1987.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de velhos. 3. ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
CASTAÑEDA, José Antonio Serrano; MORALES, Juan Mario Ramos. Narrar a Vida: Deliberações no campo Biográfico. In:
MARTINS, Raimundo, TOURINHO, Irene, SOUZA, Elizeu Clementino de (orgs.). Pesquisa Narrativa - Interfaces entre
histórias de vida, arte e educação. Santa Maria: Editora da UFSM, 2017, p. 75 a 97.
DUARTE, Rodrigo. O que está vivo na estética de T. W. Adorno. In: HADDOCK-Lobo, RAFAEL (Org.). Os filósofos e a arte.
Editora Rocco, Rio de Janeiro 2010, p. 221- 243.
GONÇALVES, Elisa Pereira. Iniciação à pesquisa científica. Campinas, SP: Editora Alínea, 2001.
JOSÉ FILHO, Pe. M. Pesquisa: contornos no processo educativo. In: JOSÉ FILHO, Pe. M; DALBÉRIO, O. Desafios da pesquisa.
Franca: UNESP – FHDSS, 2006, p. 63-75.
RAMOS, Graciliano. Infância - 1945. Rio de Janeiro: Mediafashion, (Coleção Folha Grandes Escritores Brasileiros; V 16), 2008.

959
MÍDIAS SOCIAIS COMO PROMOTORAS DA MEMÓRIA EDUCATIVA

Ariane Abrunhosa - Museu da Educação do DF (SEDF/UnB)1


Mariana Gonçalves Penna - Universidade de Brasília (UnB)2

INTRODUÇÃO

A sociedade em que vivemos tem se apoiado cada vez mais no uso da internet. Mídias sociais, ferramentas para
visualização de vídeos e compartilhamento acelerado de informações tornou-se parte do cotidiano do brasileiro. Se-
gundo a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio Contínua (PNADC), divulgada em 21 de fevereiro de 2018,
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 64,7% da população com idade acima de 10 anos possui
acesso à internet.3 Além disso, apenas na mídia social Facebook o número de usuários mensais chega a 127 milhões
no Brasil, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, de 18 de maio 20184.
Nas últimas décadas, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) têm alterado os instrumentos e as
práticas de preservação de memória em museus e arquivos ao redor do mundo. Essas transformações atingiram tam-
bém os meios de divulgação e promoção da memória. Portanto, foi pensando na grande atenção que as mídias sociais
têm recebido do público que a equipe do Museu da Educação do Distrito Federal (MUDE) tem investido na divulga-
ção da memória educativa do DF, por meio digital. Para tanto, dispõem de um site: Museu da Educação do Distrito
Federal (www.museueducacao.com.br) e utiliza-se da plataforma Facebook e, mais recentemente, da plataforma de
compartilhamento de vídeos, YouTube.
Para entender melhor o uso das ferramentas digitais de divulgação do MUDE, é preciso compreender o propó-
sito do Museu da Educação do Distrito Federal:

O Museu da Educação do Distrito Federal tem a missão de preservar, salvaguardar e difundir a memória da edu-
cação pública do Distrito Federal com vistas a fortalecer a identidade da escola e do professor e contribuir para a
qualidade e renovação dos processos educativos, em benefício da cidade e da educação brasiliense. (MUSEU DA
EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL, 2014, p. 9).

Para conseguir concretizar seus objetivos, o MUDE, atua sistematicamente em várias frentes, na área de consti-
tuição de acervo e possui um grupo de pesquisa de História Oral, que recolhe depoimentos de gestores, professores e
alunos pioneiros do Distrito Federal. Os depoimentos são riquíssimos em História da região e uma importante fonte
para os estudos históricos sobre Brasília e sobre a história da educação no DF. Para dar visibilidade a esse material e
a parte do acervo digitalizado (especialmente as fotografias), a equipe de comunicação do Museu optou por utilizar
o Facebook pela possibilidade de interações que a ferramenta oferece com o público usuário. Logo, o objetivo deste
artigo é relatar como uma experiência bem-sucedida de uso de uma mídia social está contribuindo para reunir, no
ambiente virtual, um público interessado por História e Memória da Educação no DF.

1 Ariane Abrunhosa - abrunhosa.ariane@gmail.com - Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/
UnB). É professora e integra o Grupo de Trabalho para criação do Museu da Educação do Distrito Federal (SEDF/UnB).
2 Mariana Gonçalves Penna - marigpenna@gmail.com; estudante de graduação do curso de História da Universidade de Brasília (UnB) e
estagiária do Museu da Educação do Distrito Federal (MUDE).
3 Jornal Globo. Disponível em <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/brasil-tem-116-milhoes-de-pessoas-conectadas-a-
internet-diz-ibge.ghtml>, Acessado em 30 abr. 2019.
4 Disponível em Jornal Folha de São Paulo. <https://www1.folha.uol.com.br/tec/2018/07/facebook-chega-a-127-milhoes-de-usuarios-
mensais-no-brasil.shtml>, acessado em 30 abr. 2019.

960
Educação no Distrito Federal - Breve Histórico

A proposta da construção de Brasília foi fundamental para a interiorização de várias áreas da sociedade, in-
clusive da educação. A ideia de uma nova capital que funcionaria como uma cidade-modelo era um símbolo para a
inovação que o Brasil ansiava passar. Uma das metas da política nacional-desenvolvimentista implementada pelo
governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) para Brasília seria a concretização da ideia de “um ponto
de germinação para o interior, visando à integração entre centros urbanos e regiões agropecuárias” (PEREIRA; RO-
CHA, 2011, p. 28).
Para que os planos fossem colocados em prática, ocorreu a criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capi-
tal (Novacap), em 1956, responsável por criar órgãos necessários ao funcionamento da cidade (PEREIRA; ROCHA,
2011, p. 28). No final do mesmo ano, criou-se o Departamento de Educação e Saúde, responsável por promover as
atividades educacionais de Brasília. Entretanto, com a chegada das primeiras famílias de operários em 1957, o núme-
ro de crianças em idade escolar indicou uma forte demanda por construções de escolas. Logo, foi elaborado o Plano
de Construções Escolares de Brasília e, para essa tarefa, foi chamado o reconhecido educador Anísio Teixeira.
A atuação de Teixeira no campo da educação vinha de longa data. Desde jovem, destacou-se em vários cargos
na área educacional e contribuiu decisivamente para o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), além de
ter criado a Universidade do Distrito Federal, em 1935. Em 1952, assumiu a direção do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (Inep). No início da década de 1960, idealizou a Universidade de Brasília (UnB) ao lado do antropólogo
Darcy Ribeiro5. Para Anísio, a formação de um novo homem, consciente de si próprio e de seu lugar em um mundo
de transformações, deveria ser atribuída à escola pública e a uma reformulação na educação. Ao seu ver, os sistemas
educacionais existentes não respondiam às exigências de formação desse novo homem (PEREIRA; ROCHA, 2011).
Como não poderia ser diferente, Anísio Teixeira pensou um modelo de educação inovador para Brasília. A
ideia que guiou a elaboração do plano foi a de renovação na educação por meio de uma proposta que priorizasse o
raciocínio, o fazer, a autonomia, o pensar e agir e a experimentação. A escola trabalharia no estudante a necessidade
de indagação, resolução por si própria de seus problemas e o reconhecimento de si mesmo como integrante de um
mundo em constante transformação.
A estrutura do Plano de Construções Escolares de Brasília foi elaborada para atender os diferentes níveis edu-
cacionais (elementar, médio e superior) de forma integrada. Foi prevista, também, a elaboração de dois tipos de esco-
las: Escolas Classe e Escolas Parque. Nas Escolas Classe, os estudantes teriam contato com as disciplinas tradicionais e
científicas de ensino, enquanto que nas Escolas Parque os lados artístico e lúdico e as aulas de educação física seriam
trabalhados (PEREIRA; ROCHA, 2011). As duas atuariam de forma complementar na formação dos estudantes que
deveriam atender à escola em período integral. Além disso, “o plano educacional foi ajustado às peculiaridades urba-
nísticas de Brasília com a colaboração de Lúcio Costa” (PEREIRA; ROCHA, 2011, p. 38), ou seja, a ideia era a de que
as unidades escolares fossem integradas ao plano urbanístico da cidade (este, idealizado pelo arquiteto Lúcio Costa),
de forma que dentro de uma superquadra residencial haveria uma escola para atender aos moradores.
As propostas educacionais de Anísio Teixeira tinham o propósito de “elevar a educação das camadas populares
a um novo patamar, bem como adequá-las às necessidades de uma sociedade em processo acelerado de desenvolvi-
mento” (PEREIRA; ROCHA, 2011, p. 43). E, dessa forma, assim foi feito: as ideias de Anísio receberam apoio incon-
dicional do presidente Juscelino Kubitschek e a implantação “dessas escolas na capital do país constitui evidência de
que se buscou a concretização do plano educacional” (PEREIRA; ROCHA, 2011, p. 43).
Não obstante, é importante ressaltar que a proposta de Anísio não foi implementada em sua totalidade em de-
corrência da ditadura militar (1964-1985). Neste período, a educação também passou por transformações, mas desta
vez voltada para o ensino técnico-profissionalizante. A proposta original das Escolas Classe e Parque foram, então,
deixadas à deriva, muito embora ambas as escolas ainda funcionem na Brasília de 2019.
Ciente da riqueza e do valor da proposta educacional original para a educação em Brasília, a equipe do Museu
da Educação busca o resgate da memória desse projeto de Anísio Teixeira por meio de objetos museais, de registro de

5 Informações disponíveis em: <http://www.museudaeducacao.com.br/cte-44/anisio-teixeira/>, acessado em 30 abr. 2019.

961
depoimentos de alunos e de professores pioneiros e de uma vasta documentação, que vai desde atas e planos educa-
cionais a fotografias dos primórdios de Brasília. O uso da memória com o cunho pedagógico “motiva-se pela busca de
atuação dos alunos em uma enunciação de seu próprio saber” (LIMA et al., 2011, p. 302) e objetiva uma reconstrução
da dimensão histórica do próprio sujeito. Assim, para os estudantes e professores brasilienses do século XXI, o res-
gate dessa história e dessa memória é importante, pois permite entender os avanços e retrocessos pelos quais passou
a educação no Distrito Federal.
O modelo educacional idealizado por Anísio Teixeira não chegou ao sistema educacional na dimensão que o
educador desejava. Não foram muitos os estudantes que tiveram a oportunidade de vivenciar um sistema educacional
público que oferecia tamanha qualidade. É aí que entra a pesquisa desenvolvida pela equipe do Museu da Educação
do Distrito Federal: os depoimentos orais de alunos e professores pioneiros resgatam essa memória e o Museu as
mantém vivas. E, para além da importância histórica, esses relatos e documentos podem também significar para os
educadores e estudantes das gerações atuais esperança e impulso de inovação, com vistas ao futuro da educação.

MÍDIAS SOCIAIS E MEMÓRIA EDUCATIVA

O papel do Museu da Educação vai além de um local de preservar esta história. O Museu exerce também a fun-
ção de divulgação da memória educativa de Brasília. Buscando atingir um público diversificado e inserido em uma
sociedade de rede, a equipe do Museu da Educação viu no uso das mídias sociais uma ferramenta importante.
A relação mais constante da equipe do MUDE com as mídias sociais teve início em outubro de 2015, com a
criação de uma página no Facebook. Nesse primeiro momento, as publicações não seguiam uma agenda definida de
postagens. Em meados de 2018, entretanto, constatou-se a necessidade de estratégias de postagens para obtenção de
um maior alcance de público. Para tanto, criou-se um cronograma de publicações baseado em categorias, com fins de
divulgar partes do acervo do Museu. Publicações de cunho informativo e histórico, muitas vezes acompanhadas de
curiosidades, passaram a ser uma constante na página. Celebração de datas importantes e apresentação de reporta-
gens sobre novidades na educação também se tornaram frequentes.
O sociólogo espanhol Manuel Castells define a sociedade do século XXI como “sociedade em rede”. Isso signi-
fica que uma condição fundamental para a emergência da sociedade é que ela esteja em rede e faça uso intensivo da
tecnologia. Para ele, “as redes de comunicação digital são a coluna vertebral da sociedade em rede” e “a comunicação
em rede transcende fronteiras, a sociedade em rede é global” (CASTELLS, p. 18, 2005). Dessa forma, o fato de es-
tarmos inseridos em uma rede, por meio do Facebook, tem contribuído não só para divulgação de conteúdos, mas
igualmente, para encontrar usuários que foram pioneiros na educação brasiliense. Sendo Brasília uma cidade nova,
muitos dos primeiros estudantes ainda estão vivos e dispostos a compartilhar a experiência de educação que puderam
vivenciar nos primórdios da capital, havendo assim também um resgate de fatos e personagens que ajudam a elucidar
a história da educação do Distrito Federal.
Neste trabalho, entendem-se as mídias sociais como ferramentas que permitem a possibilidade de interação
social ou “sistemas projetados para possibilitar a interação social a partir do compartilhamento e da criação cola-
borativa de informação nos mais diversos formatos”, conforme o verbete encontrado na enciclopédia colaborativa
Wikipédia.6 Apesar do número de seguidores da página do museu ser ainda pequeno, em comparação com páginas
de grande alcance, houve um aumento significativo das visitas, a partir do mês de agosto de 2018, quando passamos
a utilizar um calendário de postagem baseado em categorias de conteúdos. Este crescimento pode ser observado na
figura a seguir.

6 Mídias Sociais/Wikipedia: <https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdias_sociais>. Acessado em: 09 mai. 2019.

962
Figura 1 - Seguidores da página do Museu da Educação do DF, nos anos de 2018 -2019.

Fonte: Facebook.

Em outubro de 2017, dois anos após a criação da página, havia somente 721 seguidores. Em outubro de 2018,
depois de três meses de iniciarmos as postagens regulares abordando a história e a memória da educação, verificou-se
a presença de 1.217 seguidores. Em abril de 2019, este número aumentou para 1.462. Este aumento não contou com
o uso de impulsionadores de publicação ou qualquer tipo de patrocínio, de forma que os seguidores da página lá che-
garam por afinidade ao tema, como pode ser observado na figura 01. Contudo, é preciso também ter em mente que:

mantidas as atuais regras de funcionamento da internet, qualquer pessoa, coletivo ou empresa pode criar novas
soluções e conteúdos que possibilitem a obtenção das atenções e a elevação da audiência que ultrapasse a obtida
pelos grandes grupos. (PRETTO; SILVEIRA, 2008, p. 34).

Entretanto, nossa intenção é compartilhar uma experiência simples que pode ser utilizada pelas instituições
museais que não dispõem de muitos recursos orçamentários e de pessoal para investir mais efetivamente em comu-
nicação. Não obstante, é importante lembrar que “o ambiente das redes digitais elimina os custos de comunicação
como barreiras para falar e propagar suas mensagens” (PRETTO; SILVEIRA, 2008, p. 32), ou seja, a comunicação de
diversas informações e áreas, inclusive pedagógicas, tornam-se mais rápidas, práticas e alcançam um número maior
de pessoas, sem a necessidade de ter um grande investimento.
Esse alcance das informações pode ultrapassar qualquer noção de fronteiras físicas, como bem observou Ma-
nuel Castells em seu artigo “Museus na era da informação: conectores culturais de tempo e espaço”:

Os museus poderiam tornar-se protocolos de comunicação entre diferentes identidades, comunicando a arte, a
ciência e a experiência humana; eles podem estabelecer-se como conectores de diferentes temporalidades, tra-
duzindo-as a uma sincronia comum, mantendo, ao mesmo tempo, uma perspectiva histórica. Finalmente, eles
podem conectar as dimensões globais e locais de identidade, espaço e sociedade local (CASTELLS, 2011, p. 20).

A experiência de uso das mídias sociais pela equipe do MUDE ainda é tímida. As postagens publicadas na pá-
gina costumam ser diárias e variam em relação ao conteúdo, embora este esteja sempre relacionado à educação. A
seguir, as quatro categorias de postagens idealizadas pela equipe do museu:

1. Informações sobre história da educação.

Postagens elaboradas com o intuito de difundir informações e curiosidades sobre a memória educativa do DF e
datas comemorativas e relativas à educação. As publicações sempre acompanham imagens, geralmente, fotografias
de época, com breves textos explicativos.

963
2. Compartilhamento de reportagens sobre assuntos relacionados à educação.

Notícias, novidades, convocatórias, enfim, qualquer assunto relacionado à educação que esteja circulando nos
principais veículos midiáticos. Essa categoria é relevante uma vez que a equipe do Museu se preocupa em trabalhar
também com questões atuais referentes à educação.

3. Vídeos com trechos de depoimentos sobre a educação em Brasília.

Uma das estratégias utilizadas pelo MUDE para promover a memória educativa do DF são as publicações de en-
trevistas com pessoas que vivenciaram os primórdios da educação de Brasília, a partir do método de História Oral.
Dessa forma, trechos de algumas das entrevistas são selecionados e publicados.

4. Produções

Produção de vídeos, informações do cotidiano de construção do Museu e atividades realizadas pela equipe (reuni-
ões, seminários, etc.), divulgação do site, publicação de livros e artigos, reportagens, etc.

Os dados que embasam este artigo são empíricos, ou seja, são os números que o próprio Facebook fornece para
cada postagem e o alcance obtido. A seguir, alguns exemplos dessas postagens.

Figura 3 - exemplo de postagem da categoria 2

Figura 2 - exemplo de postagem da categoria 1

964
Figura 4 - exemplo de postagem da categoria 3 Figura 5 - exemplo de postagem da categoria 4

Nas imagens é possível observar os números de alcance7. Numa delas chegam a 2.765 as pessoas alcançadas e
288 interações, além de 42 compartilhamentos.
Nas duas primeiras categorias de postagens, exemplificadas nas figuras números 2 e 3 - história da educação
e reportagens relacionadas à educação -, as interações costumam ser mais numerosas e receber mais visibilidade.
Quanto às duas últimas figuras - trechos de depoimentos e entrevistas e produções, exemplificadas nas figuras 4 e 5
–, a interação tende a ser um pouco mais reduzida. Contudo, essa forma de publicação foi adotada recentemente pela
equipe do MUDE, resultando em uma base de dados menor. Além disso, para esta categoria tem sido feito o uso do
YouTube. O Museu da Educação do Distrito Federal possui um canal no YouTube, criado em março de 2019, onde
disponibiliza trechos de entrevistas e vídeos produzidos pelos projetos que fazem parte do Museu. Os dados obtidos
no canal ainda são baixos. Representam, portanto, uma evidência empírica ainda muito modesta, mas com potencial
de vir a ser um importante instrumento de aferição de resultados.
O estudioso da comunicação digital Henry Jenkins afirma que atualmente há um grande movimento que tra-
balha com o público não apenas como um grupo de consumidores de conteúdos, mas como pessoas que moldam,
interagem e reconfiguram as mídias (FORD; GREEN; JENKINS, 2013). Assim, o público se torna agente da infor-
mação que está sendo veiculada e um dos objetivos do trabalho realizado pela equipe de comunicação do MUDE é
justamente que seu público seja mais um agente da memória educativa do DF, contribuindo com o relato de suas
memórias e ajudando a formar uma cultura participativa relacionada ao tema.
Outro conceito cunhado por Jenkins é o de cultura da convergência, ou seja, a relação entre convergência dos
meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva, sendo a ideia de convergência o fluxo de conteú-
dos através de múltiplas plataformas de mídias (JENKINS, 2006). A convergência, na visão de Jenkins, representaria
uma transformação cultural, na qual “consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões
em meio a conteúdos de mídia dispersos” (JENKINS, 2006, p. 30). Dessa forma, o MUDE busca incorporar essa cul-
tura de convergência não só no sentido de ter a presença de seus conteúdos em várias plataformas midiáticas, mas de
fazer dela uma forma onipresente de propagação de um ideário educativo.

7 Os números de alcance são dados que dão ao gerenciador da página uma noção em relação ao desempenho da publicação. O número de
pessoas alcançadas refere-se à quantidade de pessoas que tiveram acesso à publicação; o número de envolvimentos refere-se à quantidade de
interações que a publicação recebeu (por exemplo: quantidade de cliques na imagem, clique no link, etc.) e o número de compartilhamentos
refere-se à quantas vezes essa imagem foi compartilhada por um usuário do Facebook (página ou perfil pessoal).

965
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os meios de divulgação utilizados pelo Museu da Educação estão de acordo com a sociedade do século XXI. O
digital faz parte do cotidiano dos brasileiros e trazer a educação e sua memória para dentro desses ambientes virtuais
é um desafio que está sendo superado e aprimorado cotidianamente pela equipe do Museu, conforme demonstra a
evolução do alcance de suas postagens.
As mídias sociais são um importante e exitoso veículo de promoção da memória educativa, demonstrando
como é possível utilizá-las para promover conteúdos de cunho pedagógico e histórico para uma sociedade cada vez
mais conectada. Como afirma Pierre Levy,

as possibilidades materiais de armazenamento nunca foram tão grandes, mas não é a preocupação com o estoque
ou a conservação que impulsiona a informatização. A noção de tempo real, inventada pelos informatas, resume
bem a característica principal, o espírito da informática: a condensação no presente, na operação em andamento
(LÉVY, 1993, p. 115).

Além disso, comprovou-se que as mídias também são um espaço de interação entre o público e o museu, de
forma que há a participação do público e este, por vezes, contribui para a expansão do propósito do Museu de ser uma
instituição que também trabalha com aportes de seu público. Não obstante, é importante ressaltar que a produção
de conteúdos sobre memória veiculados nas mídias do Museu, mesmo não tendo aprofundamento, pode despertar o
interesse do usuário a buscar outras informações no site do próprio museu e demais fontes informativas.
Dessa maneira, a utilização das mídias auxilia os museus a cumprirem seu propósito de democratização da
informação, acatando as antevisões de autores, como é o caso de Pierre Lévy, em relação a um novo redimensiona-
mento dos fatores tempo e espaço, com forte impacto na forma de trabalho dos museus, antes, inteiramente físicos e
estáticos geograficamente e necessitando deslocamentos dos seus visitantes.
Agora, o público interessado em conhecer museus, pode ter acesso a acervos de várias instituições do planeta,
desde, é claro, que estas estejam transpostas para a internet. Assim, há a possibilidade de visitá-las à distância e, por
exemplo, ver, rever e analisar uma obra quantas vezes quiser, gratuitamente e a qualquer hora, sem depender de
expedientes.
As mídias, assim, podem contribuir com museus que dispõem de poucos recursos como uma importante fer-
ramenta de divulgação de suas atividades e acervo, além de estimular a interação com os conteúdos veiculados. O
museu não só pode divulgar informações, como também vir a aprender com os aportes oferecidos pelo público.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, M. A Sociedade em Rede: do Conhecimento à Política. In: CASTELLS, M.; Cardoso, G. A Sociedade em Rede:
do conhecimento à ação política. Conferência promovida pelo Presidente da República: Centro Cultural de Belém, 2005.
CASTELLS, M. Museus na era da informação: conectores culturais de tempo e espaço. Tradução: Claudia Storino. Musas:
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967
NARRATIVAS DE JOVENS NEGROS E AS CATEGORIAS
DE ANÁLISE SOBRE A SUBJETIVAÇÃO

Valéria L. A. Carrijo - UFG


Juliana Pereira de Araújo - UFG

Resumo: O presente trabalho problematiza os dados preliminares de uma pesquisa de mestrado, em andamen-
to pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás Regional Catalão, pela qual bus-
camos compreender os processos de subjetivação entendidos como processos de formação da identidade de jovens
negros, tendo como amostra um grupo de jovens negros matriculados em escola pública de Araguari, participantes de
um projeto chamado “Empodera! Juventude Negra”, que trata da cultura africana, da ancestralidade, do protagonismo
juvenil negro e das identidades negras. Assumimos como ancoragem um referencial teórico constituído em Franz
Fanon (2008), Gomes (2002) que se dedicam a pensar as subjetividades do povo negro e em Touraine (2006, 2008,
2009) que trata das subjetividades na perspectiva da pós-modernidade. Partindo dessa temática que é a subjetivação
e do cenário que é a pesquisa com jovens do “Empodera! Juventude Negra” neste artigo pretendemos: a) discutir a
importância das narrativas para a compreensão dos modos de ser, de estar e de agir de determinados grupos em dado
espaço e tempo que, neste caso, em sendo os jovens negros impulsionam o alargamento na feitura da História e b)
evidenciar o processo de tratamento dos dados (narrativas) que pelo jogo do implícito, do subentendido para além do
dito, emerge elementos cruciais para o estabelecimento de categorias de análise. Desse modo compreendem-se nesses
objetivos o rigor sobre as especificidades do método biográfico: a historicidade e a subjetividade que, dialeticamente,
nos impelem a refletir sobre o indivíduo e o seu lugar social. A estrutura do texto reflete parte do percurso metodo-
lógico pelo qual utilizamos, inicialmente, um estudo bibliográfico a respeito de narrativas e pesquisa autobiográfica,
como instrumentos para constituição de memórias e sua utilização na educação, e sobre a constituição da identidade
(subjetivação) do sujeito negro. Posteriormente, mostramos como a organização-tratamento das narrativas nos per-
mite acessar e compreender a percepção de jovens negros sobre sua subjetivação (tornar-se) nas vivências familiares,
escolares e nas relações sociais nos grupos dos quais fazem parte, o que nos permite avançar na compreensão das
identidades negras. Duas categorias serão problematizadas: a) a estética e b) o sentimento de pertença que é reco-
nhecido como aquele diretamente ligado ao “estar junto” ao “fazer parte”. Podemos, finalmente, reforçar o valor da
pesquisa narrativa ou (auto)biográfica para a História da Educação, sobretudo, a que se configura como “História do
Tempo Presente” e, mais particularmente, mostrar como as narrativas lograram êxito em manifestar as formas esté-
ticas e de sociação (estar junto) que os jovens do “Empodera! Juventude Negra” utilizam e que nos dizem deles e do
lugar histórico e social que ocupam (ou não).
Palavras-chave: Pesquisa (auto)biográfica. Subjetivação. Jovens negros.

AS NARRATIVAS E OS JOVENS NEGROS

Desde a segunda metade do século XX e, de modo mais objetivo a partir dos anos de 1990, as narrativas vêm
sendo utilizadas para a compreensão dos modos de ser, de estar e de agir dos grupos sociais. Sua admissão é resultado
direto da influência da fenomenologia como abordagem epistemológica nas pesquisas desenvolvidas pelas ciências
humanas assim como da consolidação dos métodos qualitativos de base etnográfica da Escola de Chicago, sendo
preciso afiançar que para um e outro o epicentro é o conhecimento guardado pelo sujeito, a pessoa, acessado pela
linguagem em suas variadas formas (entrevista, diário, memorial e afins).
A partir dessa base utilizamos duas fontes para utilização das narrativas.

968
A primeira agrupa um conjunto de trabalhos encabeçado por Nóvoa (1988, 2000) que traduzem uma insa-
tisfação em relação ao tipo de saber produzido e apontam a necessidade da renovação dos modos de conhecimento
científico para tratar da docência e das questões a ela relacionadas. O livro organizado por Nóvoa e Finger, intitulado
“O método (auto)biográfico e a formação”, publicado em 1988 é considerado o marco inicial destas pesquisas que vão
depois ser conhecidas como pesquisas sobre o pensamento dos professores. Toda uma sequência de estudos avoluma
o campo científico a partir de então, originando contribuições como a ideia de “desenvolvimento profissional docen-
te” aprofundada por Garcia (2009), e de “saberes docentes” cujo principal expoente é Tardif (2008).
A segunda deriva de um conjunto de autores que tem como expoentes mais citados no Brasil, Dominicé (2008),
Ferrarotti (1988) e Josso (1988, 2004) que reposicionam com centralidade o sujeito no processo de formação.
Como esclarecem Freitas e Ghedin (2015), no Brasil, coube aos cursos de pós-graduação em educação assumir
as narrativas ou pesquisa narrativa a partir dos anos de 1990, seja como prática de formação, como investigação ou
como investigação-formação dentre os quais os autores destacam o Grupo de Estudo sobre Docência, Memória e
Gênero da Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo (Gedomge/FEUSP). São também citadas as contri-
buições trazidas pelas edições bienais do Congresso Internacional sobre Pesquisa (Auto)biográfica realizadas desde
2004 que atuam na divulgação das produções na área.
É no bojo desses grupos e dos movimentos que se ampliam fontes e a compreensão sobre a educação pela nar-
rativa-memória-interpretação das experiências vivenciadas por pessoas ou grupos que, pelo processo colonizador
da ciência eurocêntrica ou pela forma com a qual a desigualdade produz preconceito e silenciamento no Brasil eram
“esquecidas”. É nesse viés que obtivemos, por exemplo, pistas sobre o desenvolvimento profissional de docentes
aposentados em escolas do campo goianos (LOPES, 2018), sobre a perspectiva de jovens sobre a escola noturna de
Campo Alegre- GO (SILVA, 2017) ou sobre os saberes de professores-congadeiros de Catalão-GO.
Os estudos que enveredam pela temática da relação entre a educação e os negros participam deste desbra-
vamento científico, que é para nós descolonizador, e conquistam com a promulgação da Lei 10639/03 (que torna
obrigatório o ensino de história da África e da cultura africana nas escolas) uma ampliação nos registros e no cabedal
teórico que é importante, inclusive, para nossa compreensão de nós mesmos enquanto brasileiros. Comungamos da
opinião de Oliveira (2006) para assinalar essa importância e utilizamos suas palavras para defender que:

É preciso re-pensar a história brasileira a partir do legado africano. Sem isso, perderíamos em profundidade e
qualidade o conhecimento sobre nós mesmos. A brasilidade, em muito, é tributária da africanidade. As africanida-
des re-desenham e re-definem a identidade nacional e, com isso, o projeto político, econômico e social brasileiro.
Ainda que o discurso acadêmico e político tenha excluído, durante séculos, a experiência africana no Brasil, sua
influência não deixou de exercer papel fundamental na construção desse país. Chegou o tempo de ouvir quem foi
calado. Chegou o tempo, não de resgatar nossos conteúdos culturais, mais de fazer valer, política e socialmente,
nossos valores civilizatórios, nossa forma cultural, nossos bens simbólicos, tão rica e criativamente reelaborados
pelos afrodescendentes. (OLIVEIRA, 2006)

Desde 2018, nos dedicamos a realizar uma pesquisa que tem como tema o processo de subjetivação de jovens
negros objetivando compreendê-lo com foco no papel da escola neste processo que é em síntese um processo de
constituição das identidades. Lançamos uso do conceito de subjetivação tal qual proposto por Touraine (2008), ou
seja, como a penetração do sujeito no indivíduo e, portanto, a transformação parcial – do indivíduo em sujeito. Dito
de modo mais claro, a subjetivação é o processo pelo qual o ser individual se submete ao olhar do outro que é guiado
pela sociedade e vai, paulatinamente, assumindo como marcas identitárias as formas do sujeito social.
A subjetivação é assim um processo que violenta as individualidades e subjetividades em prol de um padrão
demandado pela sociedade. Pensando nas identidades negras a subjetivação é um processo ainda mais violento na
medida em que assume como estratégias a desvinculação profunda com a cultura, a estética, a língua e tudo o mais
que remeta ao continente africano, berço e raiz.
Fanon (2008) apresenta as estratégias prioritárias na produção das identidades negras: o racismo e o embran-
quecimento. O primeiro na ordem das violências provenientes do olhar do outro sobre os negros e o segundo na or-

969
dem dos processos de autoflagelo que concretizam a desconstrução estética do indivíduo negro como os alisamentos
que Gomes (2002) vai problematizar como expoentes da violência acometidas ao corpo negro.
Ao definirmos como objetivo da pesquisa a compreensão da subjetivação de jovens negros, tendo como prisma
a escola, um desafio se configurou tendo como cerne a utilização das narrativas enquanto metodologia. Poderíamos
utilizar como instrumento de produção de dados a entrevista narrativa livre ou sem roteirização na expectativa de
que as categorias emergissem ou poderíamos definir categorias prévias que subsidiariam um roteiro para realização
das entrevistas. Optamos por algo entre um caminho e outro, ou ambos.

O ESTABELECIMENTO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE SOBRE A SUBJETIVAÇÃO DE


JOVENS NEGROS

A leitura de Fanon (2008) nos mostrou que para análise da produção das identidades negras que chamamos de
subjetivação, com base em Touraine (2006, 2008, 2009), deveríamos considerar o jogo do implícito, do subentendido
para além do dito, que são expedientes típicos das estratégias de racismo e embranquecimento. Neste sentido anteví-
amos que as categorias de análise poderiam surgir e desaparecer em narrativas sem que uma organização clara fosse
conquistada já que a memória obedece a sinuosos esquemas de seleção e externalização.
Tomamos como primeira ação junto aos jovens da escola pública, lócus da pesquisa, a proposição da realização
de uma redação, uma escrita autobiográfica pela qual cerca de 30 jovens, em sua maioria negros, matriculados no
ensino Médio (participantes de um projeto que trabalha a conscientização sobre a cultura africana e a fruição de ati-
vidades estéticas e artísticas) se apresentavam, fazendo, inclusive, uso de fotografias. Todos foram esclarecidos sobre
a relação da atividade com a pesquisa de mestrado em início.
A ideia era conhecer melhor cada um, analisando sua capacidade de escrita, considerada essencial para uma
pesquisa inspirada na fenomenologia que acessa e potencializa pela linguagem a díade descrição-interpretação e pers-
crutar blocos temáticos ou categorias. Menos da metade realizou a atividade, mas ela nos permitiu circunscrever uma
amostra preliminar e temas recorrentes como a família, a estética, o projeto Empodera! pelo qual a cultura africana
é trabalhada na escola.
Na sequência, uma entrevista exploratória foi realizada com cada um dos (as) jovens que entregaram as re-
dações, tangenciando arco temporal já utilizado em pesquisas anteriores (LOPES, 2018; SILVA, 2017) que ordena
as entrevistas segundo uma lógica temporal-cronológica suscetível a adaptações, conforme o objeto que, neste caso,
permitiu a estruturação em blocos sobre:
a) A subjetivação inicial estabelecida pelo olhar do outro que vem na infância (da família e da escola) e reper-
cute no entendimento das estratégias de racismo e embranquecimento que impactam na percepção de si e das possi-
bilidades de integração à sociedade;
b) Os reflexos da conscientização sobre a cultura africana na subjetivação das juventudes que conduzem à ava-
liação das “auto-identidades” ou consciência de si e as estratégias de recomposição da pessoa (mudanças internas e
externas, as formas de agrupamento; encontros e reencontros com a cultura negra);
c) As identidades atuais e as perspectivas futuras, com foco analítico privilegiando: a percepção de si na atua-
lidade, as contribuições do projeto de conscientização na escola e a percepção da condição das juventudes negras na
sociedade e na escola; o campo de possibilidade (perspectivas de futuro) no horizonte.
Em relação à definição das categorias que subsidiam as análises da pesquisa, considerando as atividades (reda-
ção e entrevista exploratória) que nos permitiram uma aproximação com as narrativas dos jovens negros e negras
sobre “si”, lidas por nós como pistas sobre suas identidades, foram definitivas. Chegamos a três grandes categorias
para a compreensão do processo de subjetivação dessas juventudes: a) origem que propicia a análise da subjetivação,
a partir da relação família-ancestralidade-tempo-negritude, b) os ditos e não ditos nas trajetórias escolares que pro-
piciam a compreensão pelo reconhecimento das estratégias, sobretudo escolares, de definição de padrões, lugares e
acordos que delimitam o espaço e os limites dos negros na escola e c) a estética como forma da identidade para si e

970
para o outro, que explicita como o corpo negro assume formas de ser e estar permitidas e construídas, a partir do
olhar do outro, majoritariamente, o branco.
A partir da organização do material e do grupo selecionado para a amostragem a lógica da pesquisa, funda-
mentada em categorias de análise, foi estruturada. Por lógica queremos dizer as amarrações, os nexos oriundos das
narrativas e com isso a própria estrutura da dissertação.
Chegamos a um formato que privilegia a construção teórica ao longo de todo o texto que emerge, a partir das
narrativas, de modo que mesmo a análise depreende dos sujeitos e suas falas-descrições-interpretações. Evitamos
assim a desconexão entre o que a literatura aponta e o que a memória, a narrativa seleciona e problematiza.
Antevemos um primeiro capítulo marcado pelos conceitos de ancestralidade, racismo, embranquecimento e
subjetivação trazidos pelas categorias origem-infância-família-escola. Antevemos um segundo capítulo que, empe-
nhado nas categorias de ditos e não ditos, revele a ação da escola na constituição das identidades negras e um terceiro
capítulo que explore como a estética e a linguagem dos coletivos das juventudes negras e dos jovens negros e negras
manifesta como o processo de subjetivação com vias à produção da vida futura se apresenta ao final da escolarização
básica.
Este percurso metodológico também embasou a definição dos 7 jovens participantes da amostragem, pois
evidenciou aqueles e aquelas que, pela escrita e pela fala, demonstraram uma capacidade de envolvimento maior no
processo memorialístico da pesquisa narrativa de caráter científico, mas também formativo, pois envolve a descrição
e a reflexão sobre o tema da subjetivação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção deste artigo referendou algumas escolhas realizadas para que as narrativas não se afastassem da
abordagem fenomenológica, que nos inspira na realização de uma pesquisa de mestrado que ainda está em andamen-
to. Era primeira a preocupação com a solidez dos dados e, sobretudo, com a produção destes mesmos na total consi-
deração das subjetividades e das imposições que a ação de se buscar nas memórias estabelece em fluxo e valor. E isso
nos impôs o desafio de problematizar a questão da definição das categorias sem nos afastar do rigor e da existência
de campos teóricos pertinentes, mas também sem nos afastar dos sujeitos e suas experiências, sob o risco de influir
na seleção das falas e memórias.
É algo importante, na medida em que seguimos cronogramas para a pesquisa científica, sobretudo relacionada
à formação na pós-graduação como é o caso, um mestrado. É algo importante, na medida em que o pesquisador é
parte da compreensão do objeto e arrisca viver um envolvimento maior do que o eticamente esperado.
Nosso percurso, aqui socializado nos revela a construção de uma coerência necessária ao ato de pesquisar as
humanidades e que se ancora no equilíbrio entre a escuta, a organização lógica e a análise, por vezes pouco alinhadas
ou alinhavadas.
O que podemos assinalar é o registro positivo de trazer ao cenário narrativas exploratórias e em formas va-
riadas (escrita e oral) antes da definição das categorias e delimitação dos conceitos do campo teórico. Trouxemos os
jovens que se tornam quase tangíveis, suas vicissitudes que explicarão ao longo da dissertação a tortuosidade de ser
negro-negra nas escolas brasileiras. Assim fazendo, ampliamos as condições do diálogo do local com o global. Am-
pliamos nossa sensibilidade de pesquisadores que, pela fenomenologia, reconhecem a experiência como canal para o
conhecimento e as pessoas como maiores depositários disso.

971
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972
NARRATIVAS SOBRE EDUCAÇÃO, FAMÍLIA E INFÂNCIA:
DIALOGANDO COM HANNAH ARENDT

Priscilla Barros da Silva - SME Goiânia1

INTRODUÇÃO

Esse artigo resulta do interesse em retomar as discussões iniciadas nos trabalhos de conclusão de curso, de Pe-
dagogia em 2011 e Especialização em Docência Universitária em 2014, ambas pela Pontifícia Universidade Católica
de Goiás. Como eixo central da discussão a temática “Educação e Memória: A influência da família na formação e de-
senvolvimento da criança”. A escolha do tema se deu por ser recorrente na sociedade a culpabilização da família pelos
“desvios de conduta” do indivíduo, mantendo uma visão superficial sem levar em consideração os demais contextos
que a englobam. É na família que se dará a primeira formação, principalmente moral, mas que no decorrer de sua vida
o sujeito encontrará outras instâncias educativas que contribuirão para seu desenvolvimento.
Para desenvolvimento dos três capítulos, foi realizada pesquisa bibliográfica para o norteamento teórico. Foi
feita, também, coleta de informações, através de entrevistas orais e formulários da trajetória de vida pessoal de três
gerações de mulheres de uma família, com o objetivo de compreender os valores transmitidos através dos tempos. A
pesquisa foi realizada por meio de história de vida, sendo utilizado um gravador para reter as informações e trans-
crevê-las. Na época (2014), as entrevistadas foram Neuza, de 67 anos, aposentada, natural de Araguari-MG, mãe de
10 filhos. Suelice, de 52 anos, pedagoga, natural de Petrolina Goiás, mãe de duas filhas. Iara, de 29, administradora,
natural de Goiânia. A escolha das três possíbilitou retratar numa linearidade temporal e genealógica, as implicações
e diferenças na educação familiar em diferentes épocas.
Pela percepção de que a história mais ampla é construída por histórias individuais de cada sujeito, a pesquisa
baseou-se na metodologia qualitativa.

Uma característica fundamental da metodologia qualitativa é sua singularidade e não-compatibilidade com gene-
ralizações. [...] Situa-se no terreno da contrageneralização e contribui para relativizar conceitos e pressupostos que
tendem a universalizar e a generalizar as experiências humanas. [...] Não objetiva a história em si mesma, mas um
dos possíveis registros do que passou e sobre o que ficou como herança ou como memória. (DELGADO, 2006, p.
18 apud Almeida, 2009)

Ao dar continuidade na temática, com o trabalho de conclusão de curso da Especialização em Docência Univer-
sitária, foi dado um enfoque na reflexão da pensadora Hannah Arendt em artigo “A crise na educação” (1992) sobre
a responsabilidade que todos os adultos tem por esses recém-chegados ao mundo. E assim estabelece-se um diálogo
entre as entrevistadas e a sua teoria, a fim de ilustrar a efetivação da educação. A autora salienta que “a essência da
educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo” (p. 232) e “sobre o papel que a educação desempe-
nha em toda a civilização, ou seja, sobre a obrigação que a existência de crianças impõe a toda a sociedade humana.”
(p. 233) Assim, todos os adultos se tornam de certa forma responsáveis pela educação. Pois é através dela que ocorre
a continuidade do mundo, pelo fato das novas gerações apreenderem, através dos mais velhos, o que já está histórica
e socialmente construído, e a possibilidade de ressignificação dele.
A criança está no mundo, e para guiá-la necessita que os mais experientes tomem esse trabalho com muita
seriedade.

1 Priscilla Barros da Silva. Licenciatura em Pedagogia (2011) e Especialista em Docência Universitária (2014), pela Universidade Católica de
Goiás. Especialista em Educação Infantil (2018), pela Faculdade Brasileira de Educação e Cultura. Professora regente da Secretaria Municipal
de Educação de Goiânia.

973
A INFÂNCIA NA HISTÓRIA

Para pensar a infância, o sentimento e o interesse na criança, tal qual é hoje, é preciso retomar a história da
humanidade, e compreender como essa mudança no olhar atingiu a educação e consequentemente o ensino.
Durante a Idade Média, a infância não era reconhecida como tal, com suas características e peculiaridades. As
crianças conviviam e executavam as mesmas atividades que os mais velhos. O historiador francês Philippe Àries em
sua obra História Social da Criança e da Família (1981), em sua análise da iconografia da época, apresenta as crianças
com a aparência de adultos, tendo apenas o tamanho distinto, assemelhando-se nos trajes, brinquedos, jogos, traba-
lhos, linguagem e sexualidade. Os trabalhos domésticos eram tidos como forma de aprendizagem “Era através dos
serviços domésticos que o Mestre transmitia à uma criança, não ao seu filho, mas ao filho de outro homem, a baga-
gem de conhecimento, a experiência prática e o valor humano que pudesse possuir” (Àries, p.156).
As condições de saúde eram bastante precárias, pois a medicina era ainda pouco avançada, o que tornava muito
comum a morte de crianças por doenças que, hoje em dia, são prevenidas e tratadas, como a rubéola, o sarampo, a
poliomielite, etc. Ocorria também muitos abandonos, devido ao fato de que a quantidade de filhos por casal era em
número bem elevado, o que não possibilitava um grande apego.
Será, então, a partir do século XVIII, com a influência das ideias humanistas e os estudos na área da psicologia,
que se vê nascer um sentimento mais amistoso para com elas, percebendo-as como seres dotados de características
próprias e singulares dessa fase da vida do ser humano. “A reorganização da casa e a reforma de costumes deixaram
um espaço maior para a intimidade, que foi preenchida por uma família reduzida aos pais e as crianças da qual se
excluíam os criados, os cliente e os amigos” (Ariès, p. 186).
A história da família no Brasil não é muito diferente. No período colonial a criança branca era vista apenas
como mais um membro da parentela, e não dispunha de uma atenção especial, até porque o funcionamento da casa
girava em torno do patriarca, que “isentava-se, por sua vez, de maiores compromissos ou manifestações afetivas
para com os filhos”. (COSTA, 2004 p. 153) Aquele que adquiria um patrimônio garantia a vida financeira das futuras
gerações, e por isso, era o pai, o homem da casa e dos negócios, quem garantia a vida dos herdeiros e, assim, todo o
restante do grupo familiar, por sua vez, lhe devia respeito e submissão.
Possuía um regime escravocrata, e estava dividido basicamente em senhores e escravos. Ocorriam, portanto,
muitos relacionamentos entre os senhores e as escravas, fazendo assim, com que gerassem crianças ilegítimas.
Havia, portanto, grande quantidade de mortes de crianças por vários motivos, sendo alguns por falta de condi-
ções de higiene, a exploração das amas de leite, as possibilidades de alforria para as crianças. E esse fato irá influenciar
outros segmentos da sociedade para que os pais se desvinculassem dos filhos. Assim, em decorrência desses costumes
surge, no século XVIII, em 1726, na cidade de Salvador, a roda dos expostos, que tinha como intuito inicial amparar
crianças dos maus tratos e reduzir o número de mortalidade. Freitas, informa que:

Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só
foi extinta definitivamente na recente década de 1950. Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da escravidão,
foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da roda dos enjeitados.” (FREITAS, 1997 p. 53)

Por isso a roda dos expostos no Brasil deixou muito a desejar no que se refere à assistência a vida dos pequeni-
nos, pois na realidade, e naquele cenário, o que se percebeu, segundo esses autores foi incentivo à libertinagem, pois
servia de abrigo para os filhos ilegítimos, e o número de mortos agora se tornou registrável.
No Brasil Imperial essas práticas começam a ser modificadas. A vida social da criança se estende entre a família
e a escola. Isso para as crianças brancas e livres, que são cuidadas pelas escravas até a primeira infância, que ocorria
até os sete anos, a partir dessa idade os meninos eram enviados à escola e as meninas continuavam no espaço familiar.
Já a criança escrava convivia com as crianças brancas e livres até aos seis ou sete anos, a partir dessa idade a rotina da
vida muda para ambos, de acordo com o lugar social a que estava destinadas, ou seja, o início no mundo do trabalho
ao lado dos pais escravos.

974
Sobre isso Monkachar (2004) esclarece que

Se, por um lado, desaparece a infância para o sinhozinho em nome da instauração de uma educação nos moldes
europeus, que se incumbe de transformar o menino-diabo em menino-homem, por outro também desaparece a
infância do menino escravo em nome do trabalho ( p. 35)

Assim, desde crianças aprendem o seu lugar social. Vivem juntos pelos quintais até atingirem a idade em que o
branco irá receber uma educação escolar, que geralmente se dava fora do Brasil para formação superior, quase sem-
pre advogados. E o negro aprendia um ofício para servir ao branco delineando-se os caminhos de ambos, um para
mandar e o outro para obedecer.
Essa dualidade delimita o papel de cada um, pois se o negro obtivesse uma educação similar a do branco poderia
se rebelar contra as suas condições de vida, e por em risco a vida da minoria que detinha o poder.
Durante o século XIX as colônias passaram a ser Estados Livres, e o mundo urbano se consolida, trazendo cada
vez mais pessoas para o centro, dando novas configurações às relações humanas e sociais. Nesse momento a família
se restringe a pai, mãe e filhos, formando assim a típica família nuclear, regida agora, não apenas pelos interesses, mas
pelos sentimentos amorosos. Havendo também uma mudança na noção de adulto, que agora é considerado como o
resultado da criação recebida durante a infância.
Na segunda metade do século XX acontece o início da emancipação feminina, em busca de igualdade de di-
reitos, colocando em crise a família patriarcal. O homem agora perde o poder excessivo. As mulheres assumem o
controle da procriação com o uso de métodos contraceptivos.

São elas que determinam o destino demográfico de uma nação, visto que há uma separação entre o desejo de femi-
nilidade e o desejo de maternidade, entre o desejo de prazer e o dever de procriar. (Roudinesco 2003 apud Brito
2011)

Na contemporaneidade, percebe-se não mais um modelo único de família, mas várias outras configurações.
Aumento do número de divórcios, mães ou pais criando filhos sozinhos, segundos casamentos e constituição de no-
vas famílias, enfim, período de remodelamento do modelo de família nuclear tradicional.
Com as mulheres trabalhando fora, reflete também no que diz respeito à função educativa e socializadora, que
outrora era feita em casa, principalmente pela mãe, agora é terceirizada por outros atores e instituições, como avós,
babás, creches, escolas, cursos, etc.. E parte-se daí também, a necessidade de limitar o número de filhos, com o intuito
de lhes oferecer melhores condições materiais de existência.
Foi visto no decorrer dos tempos, uma criança que era considerada nas primeiras décadas do século XX como
um ser submisso e dependente nas relações familiares, e que chega ao final do século com lugar de figura central na
organização familiar.

A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA FORMAÇÃO/DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

O homem só se torna homem na relação com outros homens e na ânsia de significar o seu mundo. Portanto, a
humanidade é essencialmente educativa, e é através da educação que ocorre a continuidade do mundo, pelo fato das
novas gerações apreenderem o que já está historicamente construído e pela possibilidade do novo.
O mundo preexiste à criança. Quando chega a ele o encontra pronto, socialmente estruturado, com regras e
valores culturais. Cabe, primeiramente aos pais, apresentar essa novidade a eles. “A criança é um ser humano em
desenvolvimento, a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta.” (Arendt 1992, p.233)
Portanto, é com esses adultos, que já possuem maior conhecimento sobre o mundo, que as crianças serão introdu-
zidas nele. Almeida (2014) reflete sobre esse papel dos mais velhos em inserir os mais jovens com todo o zelo nesse
novo universo:

975
Assumem também que tomarão pelas mãos o(s) seu(s) pequenos forasteiros, com todos os cuidados que implicam a
sua educação e o seu desenvolvimento. Tarefa difícil e conflituosa: entre a responsabilidade de proteger do mundo
e de ensinar nele viver, prosperar, ser feliz. Ambos, a criança e o mundo necessitam de tal proteção. (p.2)

O processo pelo qual o indivíduo internaliza a cultura se dá do externo para o interno. Os mais experientes irão inter-
ferir em suas ações, realizando mediações, para que compreendam e se apropriem desses conhecimentos sócio históricos.

A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser hu-
mano: é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as
formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social, seja diretamente
com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, for-
nece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo. (OLIVEIRA, 1997 p. 38)

Essas interações e as condições emocionais de vida oferecidas à criança desde a sua gestação, os cuidados, a
atenção, excesso ou a falta deles, interferirão no desenvolvimento de sua personalidade. Sabemos que a criança, tem
como principal referência os pais, imitando-os, desde que começam a se expressar, apreendendo e formando o seu
contingente de valores; são eles, portanto, os primeiros que através do exemplo e atitudes, que muitas vezes fazem de
modo inconsciente, definirão como se desenvolverão os hábitos em seus filhos.
É importante frisar que a imitação aqui, não é vista como algo mecânico, cópia de um modelo. Oliveira (1997),
referindo-se a concepção de Vigotsky compreende a imitação como uma reconstrução individual daquilo que é ob-
servado nos outros, criando algo novo, realizando ações que estão além de suas próprias capacidades, o que contribui
efetivamente para seu desenvolvimento.
Nesse sentido, o tipo de relacionamento que ocorre entre pais e filhos é de completa responsabilidade e serie-
dade, pois mesmo quando não pensam sobre as suas ações, estão interferindo diretamente nas atitudes e formação
dos indivíduos.
Segundo Barros (1987), as pessoas que afetam o tipo de autoconceito que a criança desenvolve são, geralmente,
os adultos significativos, importantes em sua vida: os pais, os professores e outros adultos em posição de autoridade
e que, por isso, exercem controle sobre a criança e cujas opiniões ela respeita (BARROS 1987 aput FONSECA, 1999
p. 2). É muito importante então, que esses adultos sirvam de boas referências para as crianças.
A entrevistada Neuza (67) é mãe de dez filhos, divorciou-se logo cedo, e teve que criar seus filhos sem o auxílio
paterno. Expressa em sua fala a importância da presença da mãe na educação de seus filhos e como ela procurou ser
uma boa referencia para eles.

Às vezes eu posso ter falhas, mas eu fui uma mãe muito presente na educação dos meus filhos, chegou a ponto de
eu ir até pra escola. O Lázaro tinha dia que ele birrava que não queria ir pra escola, eu ia, entrava e assistia aula jun-
to com ele, porque a mãe tem que fazer o esforço que pode, e mostrar pro filho que aprender é muito importante,
e é muito importante a presença da mãe no estudo dos filhos.

A criança até os seis anos não é capaz de fazer completamente a distinção entre o certo e o errado, não desen-
volveu ainda o juízo ético, então é o adulto quem o fará, para que conheça a demarcação de seus direitos e deveres.
Mas esse fazer do adulto precisa ser com muita confiança e afabilidade, através de conversas e exemplos, para que ao
escolher o caminho a seguir a criança veja em seus pais um modelo de amor, e não de medo.
O tipo de relacionamento familiar pode determinar o desenvolvimento do indivíduo e suas posições em socie-
dade. Uma criança que vive em um lar onde é respeitada, motivada, ouvida, tem tendência a se tornar um adulto res-
ponsável consigo, com o outro e com o seu meio. Já aquele que é somente repreendido, se torna um adulto inseguro,
se isentando de decisões e compromissos sérios.

Por isso, a responsabilidade que o novo assumirá um dia pela renovação precisa, como toda semente para dar
bons frutos, ser plantada em solo cuidadosamente preparado para tal, ou seja, num lar, numa família, numa escola,
numa sociedade, cuidada e protegida, como um bem imaterial e precioso ao mundo que habitará e um dia assumi-
rá. (ALMEIDA, 2014)

976
Os pais são então responsáveis por preparar um ambiente propício ao desenvolvimento da criança. Pensando
nas questões econômicas de nossa sociedade, esse ambiente adequado é, na maioria dos casos um objetivo longínquo,
visto as condições precárias das famílias, que são desassistidas pelas políticas públicas. Tento os adultos que trabalhar
por várias horas, deixando suas crianças quase sempre sozinhas, ou com as maiores cuidando das menores, responsá-
veis ainda pelo trabalho doméstico, expondo-se a riscos de acidentes, de violência; outras sendo educadas pela “rua”
ou pelas “mídias”.
Quando os filhos ainda eram pequenos, Neuza passou por dificuldades financeiras, faltando muitas vezes o que
comer:
(...) a nossa casa era muito humilde, e as crianças passavam muita necessidade, mas as crianças não desesperavam
não, acho que eles pensavam que era daquele jeito mesmo. Eu vi muito as minhas crianças pedir as coisas e eu não
ter pra dar. Minhas crianças ver os outros comer na frente deles e não comer, rosca que eu não podia comprar.
Mas as crianças cresceram muito unidas, tanto que se uma ganhasse uma balinha na rua vinha em casa repartir em
oito, oito pedaços. Meus filhos foram muito educados, não porque eu soube educar, mas foram calmos, não eram
violentos.

Aquelas crianças que muitas vezes não possuem nem mesmo condições mínimas de sobrevivência, como má
nutrição, carências afetivas, falta de estimulação precoce, tendo comprometido até mesmo o seu aparelho biológico
e psicológico, possuem um acesso precário e na maioria das vezes, ausente, ao patrimônio material e cultural em seu
ambiente, terão mais dificuldades e menos oportunidades de se desenvolverem qualitativa e plenamente.
Mas nem somente o aspecto econômico pode ser levado em consideração, já que famílias com poder aquisitivo
considerável às vezes oferecem muito menos um ambiente estimulador. Percebe-se, portanto, que a criança que vive
em um ambiente afetivo favorável ao seu desenvolvimento tem maiores possibilidades de crescer um adulto mais
seguro de si e da sua capacidade em desenvolver e aprender, sem muita dificuldade. É imprescindível que se ofereça
um ambiente acolhedor, como nos diz Bossa:
Desde que a criança nasce, o ambiente precisa satisfazer suas necessidades de afeto, segurança, comunicação, pois é
nele que se estrutura a mais importante forma de aprender: o estabelecimento de vínculos, isto é, a capacidade de
se relacionar, pois o ser humano é essencialmente social. (BOSSA aput SANTOS, 2008 p. 208)

O aluno egresso de um meio familiar ordenado do ponto de vista material, temporal e emocional adquire,
mesmo sem perceber, métodos de organização, estruturas cognitivas ordenadas e modo de apreender, estruturar e
ordenar o mundo. (REGO, 2003 p. 66)
Mesmo não dispondo de muito tempo, os pais devem oferecer aos filhos um ambiente adequado, que con-
tribuirá para seu desenvolvimento. Filha de Neuza e mãe de duas filhas, a entrevistada Suelice (52), conta que pela
necessidade que via em ter um curso superior e ajudar nas despesas da casa precisou deixar as filhas com vizinhos e
até sozinhas para trabalhar e estudar, mas nos momentos que estava com elas eram bem aproveitados, oferecendo
um referencial afetivo.
No ano de 2000, prestei vestibular para Pedagogia, estudava nos finais de semana e nas férias, pois trabalhava o
dia todo. E novamente as dificuldades estavam presentes na minha vida, com duas filhas pequenas, e compromisso
com duas salas de aula em escolas diferentes. Saia de uma, passava em casa, fazia almoço e voltava correndo pra
outra escola. Minhas filhas ficavam sozinhas, a mais velha cuidando da menor, mas Graças a Deus pude acompa-
nha-las, mesmo na correria.

A qualidade do tempo tem mais importância que a quantidade. São os pais, de forma consciente ou inconscien-
te que irão ensinar aos filhos, seja através do exemplo, das brincadeiras, dos sentimentos que por elas nutrem a se
tornarem sujeitos autônomos ou dependentes.

Quando a criança começa a se relacionar com o meio sociocultural, ela toma consciência das coisas que giram ao
seu redor. Ela começa a dar importância e significado às coisas do mundo, aprendendo a agir dentro do contexto
em que está inserida, criando novos conceitos, onde a linguagem fornece as formas de organização do real, cons-
tituindo a mediação entre sujeito e objeto de conhecimento. (SANTOS, 2008 p. 212)

977
Os valores antes presentes em nossa sociedade como discussões, reuniões, momentos de lazer juntos dão espa-
ço para uma cultura cada vez mais individual, onde pais e filhos nem mesmo habitam o mesmo espaço físico, estando
cada um fazendo coisas alheias aos outros, nem mesmo o horário das refeições é compartilhado. Esse distanciamento
entre pais e filhos, constitui uma sociedade, em que crianças e jovens estão cada vez mais envolvidos com novas
mídias, que incentivam o consumo excessivo, até mesmo de drogas. E por não ter uma base sólida no lar, está mais
propícia às influencias negativas.
E é por isso, também, que as escolas precisam ter comprometimento com o desenvolvimento pleno dessas
crianças. Já estão privadas da presença dos pais, então precisam ver no professor o seu guia, propiciando um ambiente
favorável e um modelo diferente de educação para seu desenvolvimento, fazendo-os avançar. Mas esse avançar não
é no sentido de passar de séries, mas de ensinar a viver, de desenvolver-se de forma saudável.
A escola, na maioria dos casos é a segunda formadora das crianças, sendo também, os professores responsáveis
pelo seu desenvolvimento, que nem sempre é acompanhado e adequado na família. Dessa forma, a criança vai modi-
ficando, reforçando ou até mesmo negando o que aprendera anteriormente, em seu lar.
Daí a importância de bons referenciais para a criança. Porque acontece que, se ela identifica com o que apren-
deu em casa, se tem ali uma base sólida, dificilmente a criança aceitará o aprendizado exterior imediatamente, levando
em conta primeiramente o aprendido na família.

Nesse sentido, a escola, entendida como um local que possibilita uma vivência social diferente da do grupo familiar (já
que proporciona o contato com o conhecimento sistematizado e com um universo amplo de interações, com pessoas,
ambientes e materiais), tem um relevante papel, que não é, como já se pensou, o de compensar carências (culturais,
afetivas, sociais, etc.) do aluno e sim o de oferecer a oportunidade de ele ter acesso a informações e experiências novas
e desafiadoras (que incidam naquilo que Vigotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal), capazes de provo-
car transformações e desencadear processos de desenvolvimento e comportamento. (REGO, 2003 p. 58)

POR AMOR À NOSSAS CRIANCAS, EDUCAÇÃO E DOCÊNCIA EM HANNAH ARENDT

Os pais humanos, contudo, não apenas trouxeram seus filhos a vida mediante a concepção e o nascimento, mas si-
multaneamente os introduziram em um mundo. Eles assumem na educação a responsabilidade, ao mesmo tempo,
pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo. (ARENDT, p. 235)

Há, portanto, um fato inegável: a existência das crianças requer uma mobilização social de compromisso com
esse ser e com o mundo. A construção das novas relações familiares possibilitou a visão de uma criança como ser de
direitos garantidos pela Lei, com voz e sentimentos. Tanto a Constituição Federal do Brasil de 1988, quando o Esta-
tuto da Criança e do Adolescente de 1990, estabelecem um dever social para com esses recém-chegados ao mundo.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prio-
ridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à pro-
fissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA, 1990)

Essa visão da criança como um ser que precisa ser tratado de forma afável é muito recente. Pelo depoimento de
Neuza é possível perceber que as crianças recebiam punição dura, sofrendo maus tratos por parte dos pais, em nome
de uma “educação”. Ela narra o quanto a sua criação foi severa, sofrendo violência física e psicológica do pai:

(...) eu fui uma garota muito discriminada pelo meu pai e as vezes até pelos meus irmãos, eles me punham muito
apelido. Tinha uns que me tratavam de tição, outros falavam que o meu cabelo era mola de binga, meu pai me
tratava de cafuçu, catição, não falava comigo, nunca falou, nunca, nunca, meu pai nunca falou comigo. Não tinha
aquela intimidade de filha com pai. Eu cresci sem saber o que é uma conversa com o pai, seja ela do jeito que for.
Porque ele falava comigo pra me maltratar, dar ordem, ele me batia muito. E eu tenho uma irmã, ela não ta mais
entre nós, eu era pequenininha, muito doente, cheia de ferida de varicela, na época varicela dava muito forte e meu
pai ia me bater, eu era pequena ainda, tinha uns dois anos, ela me segurava e apanhava no meu lugar, minha irmã
Terezinha, ela apanhou muito no meu lugar, porque eu não aguentava apanhar, eu era muito doente.

978
Hoje em dia há adultos que justificam a violência como uma forma de “educar”. As novas gerações recebem
amparo jurídico para a eliminação de qualquer tipo de abuso.
Iara (29), administradora, a entrevistada mais jovem, relata que em sua infância nunca apanhou de seus pais,
teve uma educação onde o diálogo sempre foi o meio utilizado para ensinar.

Quando fazíamos alguma arte, eu e minha irmã, meus pais sempre chegavam próximos e explicava que aquilo não
era certo. Mostravam o que esperavam de nós. Isso nos deixava muito confiantes, e não queríamos decepcionar,
então procurava sempre fazer as coisas certas. Minha mãe e meu pai nunca nos bateram, era tudo na base da con-
versa.

Arendt compreende que “na educação essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade”(p.
239) Os pais, sendo os primeiros a estabelecer contato com esse ser devem propiciar um ambiente acolhedor, saudá-
vel e que possibilite o seu desenvolvimento da melhor maneira possível.
O que se tem percebido em nossa sociedade hoje é que em muitos casos os pais tem se isentado dessa autorida-
de, talvez por repulsa ao tratamento que tiveram quando crianças. Com o intuito de se afastar dos abusos do autori-
tarismo, deixam os filhos sem um norte, um referencial a ser seguido.
A criança, estando em fase de desenvolvimento, necessita de um modelo, um guia, representado pela autorida-
de de um adulto, em todos os ambientes que frequenta. Quando a “autoridade foi recusada pelos adultos, isso somente
pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo ao qual trouxera, as
crianças.” (Arendt, p. 240)
Há uma responsabilidade maior, e coletiva, que corresponde ao fato de existirem crianças, e portanto, todos
os adultos se tornam responsáveis por elas. A família tem função de manutenção da vida e dos valores. A escola tem
função socializadora. Os pais devem manter as necessidades básicas de sobrevivência dos filhos, e lhes ensinar os
valores e como se portar em sociedade. Segundo Lacan (1985)

a família é uma instituição social de estrutura complexa, que não pode ser reduzida nem a um fato biológico e nem
a um elemento teórico da sociedade, mas uma instituição social privilegiada na transmissão da cultura. (LACAN
aput KAMERS)

O mais elementar dos trabalhos da família é o de suprir as necessidades físicas ao indivíduo. É no lar que ela
encontrará essa proteção,

por precisar ser protegida do mundo, o lugar tradicional da criança é a família, cujos membros adultos diariamente
retornam do mundo exterior e se recolhem a segurança da vida privada entre quatro paredes (...) constitui um
escudo contra o mundo. (ARENDT, p. 235)

Já a escola é a representação do mundo. Através do ensino, os professores irão mostrar o seu funcionamento
segundo as bases científicas. É nessa instituição que acontecerá a apresentação do meio público.

Normalmente a criança é introduzida ao mundo pela primeira vez através da escola. No entanto, a escola não é de
modo algum o mundo e não deve fingir sê-lo; ela é, em vez disso, a instituição que interpomos entre o domínio
privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para
o mundo (ARENDT, p. 239)

Esse ser, agora inserido também em um novo mundo (o escolar), terá como representante adulto, e portanto a
autoridade a ser seguida o professor. Que lhe dará possibilidades de desenvolver seus talentos e habilidades pessoais,
particulares, o que o diferencia dos outros, por ser um “forasteiro no mundo, uma coisa que jamais teve aí antes”. E
será nesse ambiente que ele aprenderá a agir sobre o mundo de fato.
Ocorre, portanto, que o professor, diferentemente dos pais, recebe uma formação para o cuidado dessas crianças.
Através dos cursos de licenciatura ele estará habilitado para o ensino sobre o mundo. Ao realizar sua qualificação assume
juntamente o seu compromisso e responsabilidade pela continuação do mundo. Apontando Arendt, Almeida diz:

979
O educador é aquele que também assume essa responsabilidade pelo mundo, uma vez tendo aos seus cuidados o novo ser
aprendiz, “é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: isso
é o nosso mundo.” (ARENDT, 1992 aput ALMEIDA, 2014)

É o seu papel social ensinar os saberes acumulados ao longo da construção da nossa sociedade. A autora Arendt
apresenta o ensino como especificidade dos especialistas e pedagogos. Deixa evidenciado que pode-se ensinar sem
educar, mas que educar pressupõe o ensino. Trazendo essa afirmativa para a discussão família/escola é possível vi-
sualizar o papel primordial de cada uma. Ao ter na sua essência o papel de educar, a família deve assumir o dever de
ancorar as bases morais e emocionais para o desenvolvimento do sujeito. Quando essa educação não proporciona
uma aprendizagem desses valores ela se torna. “Uma educação sem ensino é vazia e portanto degenera, com muita
facilidade, em retorica moral e emocional”(Arendt, p.143). É o que se percebe em famílias ditas “bem estruturadas”
que não produzem filhos de boa índole. Pode-se afirmar, então, que não há valor em uma educação que não tenha
por base exemplos eficazes para uma aprendizagem.
Na educação escolar deve haver como principal objetivo o ensino das diversas ciências. Mas o professor deve
também ultrapassar esse círculo do ensino. Por ser um adulto referência para a criança, não pode negar sua impor-
tância na constituição moral desse sujeito.
Vivemos um momento de crise, em que a educação das crianças está sendo negada por muitos pais. Estão delegan-
do o seu dever para outros o fazerem. A terceirização dessa responsabilidade poderá trazer consequências gravíssimas.
Ao não assumir essa responsabilidade pelas crianças acontece um problema cíclico, que vai sendo transferido a cada
instituição a que esse sujeito tem acesso. É preciso que haja uma discussão geral da sociedade, inclusive dos cursos de
formação de professores, no sentido de melhor orientar e lidar com essas questões. Esse não é um problema de algumas
famílias ou algumas escolas. Mas é sim, antes de tudo um dever global de acolhimento às crianças e ao mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado não teve como objetivo encontrar culpados pela crise instalada na educação. Mas de trazer
para o centro das discussões sociais o dever que todos os adultos tem para com as crianças. A obrigação não é de um,
mas de toda a sociedade enxergar a problemática contemporânea para assim intervir para garantir o futuro do mundo
e das gerações futuras.
A construção da identidade infantil, como seres de direitos é longa e perpassa caminhos na história nem sempre
amistosos. Ser criança hoje significa carregar consigo história de grandes conquistas. Por ser considerada uma possibili-
dade de continuidade e também transformação do mundo requer um cuidado especial, e é pela educação que o cenário
será construído. É pelo empenho dos adultos, tanto na família, na escola, nos outros espaços que isso será possível.
Ao trazer o pensamento da filósofa Hannah Arendt percebe-se a grandiosidade e compromisso por essas vidas.
Ela diz que “qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade pelo mundo não deveria ter crianças, e é pre-
ciso proibi-la de tomar parte em sua educação.” É então, assim, com essa reflexão que encerro esse artigo, mas com a
certeza de que há um longo caminho a ser percorrido no estudo e ações pela formação integral do ser.

REFERÊNCIAS

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sertões de Goiás e Minas Gerais (Região trijuntora – 1935 – 1965). Goiânia: PUC, 2009.
_______ Educação, família e escola em Hannah Arendt: por amor às nossas crianças. PUC-GO, 2014.
ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. Editora Perspectiva, São Paulo, 1992. P. 221 – 248.
ÁRIES, P. História social da criança e da família. São Paulo: LP&A, 1981.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8069, de 13 de julho de 1990.

980
BRITO, Luciana Novais de Oliveira. Família Contemporânea: complexidades e desafios atuais. Goiânia:2011. 
COSTA, J. F. Ordem Médica e Norma Familiar. Ed. Graal, 2004
FONSECA, N. G. A influência da família na aprendizagem da criança. CEFAC: São Paulo, 1999.
FREITAS, M. C. de. (Org.) História Social da Infância no Brasil. 4 ed. Cortez: São Paulo, 2001.
KAMERS, Michele. As novas configurações da família e o estatuto simbólico das funções parentais. Estilos clin. v.11 n.21 São
Paulo dez. 2006
MONKACHAR, M. B. Representações da Infância em jogos, brinquedos e brincadeiras. Belo Horizonte: Newton Paiva, 2004.
OLIVEIRA. M. K. de. Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento Um processo sócio-histórico. Editora Scipione: São Paulo,
1997.
REGO, T. C. Memórias de escola. Cultura escolar e constituição de singularidades. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
SANTOS, Jonabio Barbosa. Família monoparental brasileira. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 10, n. 92, out. 2008/
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981
O CENÁRIO DE CRIAÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES NO BRASIL,
NA PRIMEIRA REPÚBLICA: O GRUPO ESCOLAR “PADRE TRINDADE”
DE ANÁPOLIS-GO

Alda Franciele Gomes Alves - PPG-IELT- UEG


Sandra Elaine Aires de Abreu - PPG-IELT- UEG

INTRODUÇÃO

No cenário da primeira república brasileira, temos um número expressivo de ex-escravos que recentemente
passam a condição de homens livres, a abolição traz consigo a esperança de tirar o país de uma escuridão escravagista
(CARVALHO, 1989), para um futuro luminoso de liberdade, mas que na verdade, se relevou num problema social
ainda maior, porque agora, os muitos homens que dormiram escravos, acordam no dia seguinte, como homens livres
deixados à própria sorte, sem qualquer planejamento educacional ou social.

Para o dia seguinte da liberdade que despovoaria os campos pelo delírio dos libertados, meio inconsciente, cujo
primitivismo os manteria na escravidão social, ainda hoje não abolida. A displicência dos governos despreocupou-
-se de defender o trabalho livre, garantia da produtividade nacional, no momento em que a alucinação da alforria
houvesse, como houve, de se encaminhar para a vadiagem. A palavra dos pregadores da abolição, se proclamou
criaturas livres, não as adestrou para as imposições da liberdade (A ESCOLA REGIONAL, 1931 apud CARVA-
LHO, 1989, p.11).

Tem-se ainda, uma grande massa de homens brancos em extrema pobreza, despossuídos, e uma imigração
muito forte que trazia consigo os seus próprios conceitos e valores, imigrantes que desconheciam o vernáculo do
país, a sua história e a sua cultura, o que antes era visto como possibilidade de “aprimoramento da raça brasileira passa
a ser visto como ameaça ao caráter nacional” (CARVALHO, 1989, p.40). Nesse mesmo ínterim tem-se uma consi-
derada massa de homens tanto negros libertos quanto os homens brancos, que migram para as cidades de maneira
desordeira e numerosa, em busca de novas oportunidades, aspirando uma vida de liberdade, o que resultou num em-
pobrecimento estético e higiênico da nação (CARVALHO, 1989). Esse cenário de degradação, cada vez mais presente
no cotidiano da nação, contradizia, os ideais defendidos e divulgados pelo projeto republicano. Nesse sentido, organi-
zar, higienizar e disciplinar a população das cidades apresentavam-se como questões fundamentais (SOUZA, 1998).

¾ dos brasileiros vegetam miseravelmente nos latifúndios e nas favelas das cidades, pobres párias que, no país do
nascimento, perambulam como mendigos estranhos, expatriados na própria pátria, quais aves de arribação de re-
gião em região, de cidade em cidade, de fazenda em fazenda, desnutridos, esfarrapados, famintos, ferreteados com
a preguiça verminótica, [...] difundindo sem peia esses males (Idem, 1931 apud CARVALHO, 1989, p.20).

O social do Brasil recém republicano, se encontra em grande desequilíbrio e se estabelece como um grande
problema que tem sugado da nação suas potencialidades para o progresso, não se podia progredir enquanto nação,
com o atual cenário onde o homem negro livre e o mestiço, são considerados vadios, onde o homem liberto e sua
descendência continuaram estigmatizados como seres ignorantes e incultos, portanto predispostos a vadiagem, para
além disso, tem-se um país que mais parecia babel1 dado o contingente de imigrantes presentes e ainda uma consi-
derável massa de homens brancos pobres, que somados, todos estes personagens, só colaboram para a deformação de
um país, embora rico, incapaz de vitalizar o organismo nacional e de se constituir como nação (CARVALHO, 1989).

1 Babel, entendida como confusão, mistura de línguas.

982
Diante dessa realidade a escola primária, por meio da criação dos Grupos Escolares, ganha força com a im-
plementação da República – no contexto brasileiro – e passa ter, segundo Souza (1998) um objetivo, um propósito
cívico, moral e estrutural cujo intuito seria a disseminação dos ideais republicanos. Representava mais que um novo
local de trabalho, tratava-se, da difusão de um novo regime político, um projeto de uma nova sociedade, o tempo
e o espaço da formação do indivíduo genuinamente brasileiro e republicano, e é neste contexto que se via a escola
primária como mecanismo de formação cívica, moral e instrumental (SOUZA, 1998).
No período republicado, o censo da época acusava 85% de analfabetos (IBGE – 1940), diante do copioso núme-
ro de analfabetos no Brasil e com a Lei Saraiva de 1881, que vedava o direito de voto aos não alfabetizados, se erguem
questionamentos em busca de soluções para os problemas nacionais, pois começava a se acreditar que as causas das
mazelas sociais, políticas e econômicas do país estão diretamente ligadas a falta de instrução do povo.
Para alguns reformistas educacionais, como Benjamin Constant, a educação era um dever essencial da socieda-
de moderna e um direito do cidadão. Os intelectuais republicanos baseados nos princípios positivistas, mantinham
seu discurso na concepção de que a educação é política, social, transformadora e que conduz ao progresso capaz de
transformar o homem na melhor versão de si (NAGLE, 2009).

[...] o maior mal do Brasil contemporâneo é a sua porcentagem assombrosa de analfabetos. [...] o monstro cance-
roso, que hoje desviriliza o Brasil, é a ignorância crassa do povo, o analfabetismo que reina do norte ao sul do país,
esterilizando a vitalidade nativa e poderosa de sua raça (DÓRIA, 1918 apud CARVALHO, 1989, p.40).

A alfabetização do povo passa a ser uma questão de ordem nacional, alfabetizar o povo era fundamental para
uma participação ativa na vida política, era, sobretudo, mecanismo de transformação da sociedade e a escola era vista
como uma instituição capaz de transmitir esses ideais republicanos positivistas e implantar no homem uma naciona-
lidade carregada de valores e de uma nova civilidade (CARVALHO, 1989).
Começava, então, uma luta política que teve uma repercussão muito grande na educação, ou seja, tinha que
disseminar o ensino primário em todo país (NAGLE, 2009), para que, por meio da instrução as pessoas deixem de ser
analfabetas e, portanto, estejam aptas para o progresso, o que se vê afirmado na obra de Reis Filho (1995), “A educa-
ção e a ilusão liberal”, ao reproduzir uma carta de Caetano de Campos, “sem o preparo intelectual nenhum povo está
apto para as conquistas do progresso, como nenhum povo está armado para as lutas do trabalho” (CAMPOS, 1890
apud REIS FILHO, 1995, p.61), pois para Caetano e seus pares, a educação do povo se justificava para garantir-lhes
autonomia e autogoverno.
Toda carga de regenerar, promover, organizar, disciplinar esse povo híbrido, recai sobre os ombros da edu-
cação, pois para os intelectuais republicanos da época, no Brasil só há um problema nacional – a educação do povo,
portanto, a educação ganha extremo valor para os intelectuais republicanos, para eles a educação tinha um papel
social e político muito definido, pautados na convicção de que era na educação que habitava a solução dos problemas
da nação (CARVALHO, 1989). Educar o povo – no discurso de seus governantes – era mais que um dever, era um
interesse, porque a sua independência enquanto cidadão está atrelada a um espírito culto e por meio da educação se
cria, avigora e mantém a conquista da liberdade (CARVALHO, 1989).
Neste contexto, vê-se os Grupos Escolares se constituirem, como escola modelo, capaz de ministrar um “ensino
primário completo com um programa de ensino enriquecido e enciclopédico utilizando os mais modernos métodos
e processos pedagógicos” (SOUZA, 1998, p. 16). Os grupos escolares são escolas primárias que foram arquitetadas
desde sua estrutura física até a sua racionalidade pedagógica. Os Grupos Escolares foram no início da década de 1890,
uma nova modalidade de escola primária, que representava a inovação no ensino no país (SOUZA, 1998). Porque se
tratava de um novo modelo, onde suas principais características estavam na divisão de classes e dos alunos de acordo
com seus níveis de amadurecimentos cognitivos, com ensino simultâneo que implicava numa racionalização curricu-
lar controle e distribuição ordenada dos conteúdos e do tempo graduação dos programas e estabelecimento de horá-
rios (SOUZA; LOPES, 2011). Souza (1998), nos traz como a nova escola primária se tornou um molde cultural, que
ao longo dos séculos circulou por vários países como a França, Inglaterra, Espanha, e Estados Unidos, o que tempos

983
depois foi o modelo adotado pelos estados brasileiros e que por décadas teve como esse “modelo” de escola primária
no Brasil, que foi extinta na década 1970.
Para um estudo sobre Grupos escolares em Goiás, temos Abreu (2015) que pesquisa, mais especificamente
Anápolis, e aponta que os processos de organização vão além de uma nova forma estruturar a educação, expõe, ainda
que, os grupos escolares, significou uma estratégia de atuação, “moldando práticas, legitimando competências, pro-
pondo metodologias, ou seja, impondo outra prática pedagógica e social aos profissionais do ensino” (ABREU, 2015,
p.54).
Portanto, Grupos Escolares, no contexto da primeira república, é o tema deste trabalho, que tem por objeto de
estudo a criação do Grupo Escolar “Padre Trindade” de Anápolis-GO, no período de 1953.
Para tal investigação do Grupo Escolar “Padre Trindade” utilizamos a pesquisa documental como nossa princi-
pal metodologia. O universo documental que a escola produz e que é pertencente a sua própria cultura, nos revela as
várias faces de suas relações sociais internas e externas, produzidas pelos atores que atuam de forma direta e indireta
na cultura das instituições de ensino (MOGARRO, 2005). Nos permitindo, a compreensão, de que os documentos
escolares trazem em si, informações registradas – independentemente de seu suporte – do reflexo da vida da escola
que os produziu, pois,

[...]esses documentos constituem produções múltiplas, que reflectem a própria multidimensionalidade e comple-
xidade das realidades escolares e formativas, assim como a diversidade e pluralidade dos meios de intervenção dos
agentes educativos. (MOGARRO, 2005, p. 84)

Portanto, este trabalho se dá a partir dos documentos encontrados no arquivo morto2 da instituição pesquisada.
Pois toda instituição de ensino é produtora da sua própria cultura, e se relaciona com as mais diversas culturas exis-
tentes na sociedade em que está inserida. E é no interior do seu complexo educacional que se encontra a cultura esco-
lar, estabelecida por um “conjunto de ideias, princípios, critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo
nas instituições educativas” (VIÑAO FRAGO, 2000, p.100). Percebe-se nesta complexidade um espaço específico,
onde no qual, nos foram deixados, ao longo do tempo, vestígios, documentos, testemunhos e sinais que possibilitam
a nós um conhecimento e compreensão da vida das instituições (MOGARRO, 2005).
É, contudo, importante ressaltar que os documentos produzidos pelo Grupo Escolar “Padre Trindade”, passa-
ram pelo processo de incineração, realizada no dia 1º de março de 1979, onde os documentos produzidos pela insti-
tuição enquanto Grupo Escolar foram queimados. Como pode-se observar na transcrição a seguir:

Aos dois de março do ano de hum mil novecentos e setenta e nove, foi realizado no pátio da Escola Estadual Padre
Trindade, sob a presença da diretora, dona Francisca Freitas Ferreira, da secretária geral dona Coracy de F. Mun-
dim, das auxiliares de secretaria dona Maria de Fátima B. Rodovalho, Maria das Dores Leão Menezes e Antonia
Cleuza Alcântara de Souza, da bibliotecária Angela Maria Ferreira Buta, da coordenadora do Centro Cívico, dona
Dolores Gomes Arantes, o ato de incineração de todos os livros de chamada dos alunos até o ano de 1974 (hum
mil novecentos e setenta e quatro), ficando no arquivo da escola e registrado em livro para este fim, as notas de
todos os alunos. Nada mais havendo a tratar, eu Angela Maria F. Buta, lavrei a presente ata que após lida por todos
foi assinada.

A documentação encontrada no arquivo morto do Grupo Escolar “Padre Trindade” pertinente a esta pes-
quisa são: livro de atas de exames finais (1953;1973); livro de atas das reuniões do Grupo Escolar (12/02/1966 à
01/10/1984); 18 (dezoito) livros de pontos diários de 1953 a 1973; livro de visitas; recortes do Jornal “O Anápolis”,
que divulga a inauguração do G. E. “Padre Trindade”. E sob a posse da professora e primeira Diretora do Grupo,
Neuza Chaibub, que nos disponibilizou o álbum de fotografia dos primeiros anos do Grupo Escolar “Padre Trindade”.

2 Arquivo Morto: é a denominação comumente utilizada em escolas, mas também, em outros estabelecimentos, para designar o depósito
onde se acumulam os documentos já não mais necessários à administração, mas que ainda guardam valor legal. Ao organizar a documentação,
permitindo-lhe acesso a pesquisadores e comunidade, tais depósitos podem ser transformados em arquivos permanentes ou históricos
caracterizados, no dicionário de terminologia arquivística, como “conjunto de documentos custodiados em caráter definitivo, em função de
seu valor” (CAMARGO e BELLOTO, 1996, p. 8 apud VIDAL, 2005, p. 21)

984
Embora, muito se tenha perdido com a incineração do acervo documental do Grupo Escolar “Padre Trindade”,
é possível vislumbrar possibilidades quase que infinitesimais de investigações a partir dos documentos encontrados.
As potencialidades dos documentos encontrados para a escrita da história do Grupo Escolar vão eclodindo a cada
nova análise e por meio das Atas de Exames Finais, é possível verificável os resultados alcançados pelos alunos e des-
velar seus respectivos sucessos e insucessos.
Todos estes documentos são de suma importância para a escrita da história do Grupo Escolar “Padre Trindade”,
as informações registradas, nos possibilita seguir adiante nesta escrita e conferir uma atenção a questões “pormenores
mais negligenciáveis” (GINZBURG, 1989). Contudo para tal tarefa, vê-se necessário uma ampliação do questionário
e um alargamento das fontes (VIDAL, 2005).
Portanto, de tudo que se podia escrever, decidiu-se escrever sobre a criação do Grupo escolar “Padre Trindade”.

OS GRUPOS ESCOLARES EM ANÁPOLIS

A escola é, antes de tudo, uma instituição intencional e especificamente educativa, cuja característica mais sobressalente é a
sua localização em um espaço físico, em um lugar onde se encontram os docentes e os discentes.
(MONTOYA, 1997 P.53).

A transmissão do saber ocupa um lugar, é em um lugar que se ocupam da transmissão do saber. (MONTOYA, 1997 P. 53).

As pesquisas sobre os grupos escolares em Anápolis-GO, ainda são incipientes. Contudo é possível um mape-
amento inicial sobre a criação dessas unidades de ensino na cidade.
O primeiro grupo escolar da cidade foi criado pela Lei nº 213, de 1925, e é hoje o Colégio Estadual Antensina
Santana. O projeto de Lei nº 57, de 28 de março de 1949, dispõe sobre a criação de três grupos escolares na cidade, nos
bairros Jundiai, Santa Terezinha e Tiradentes. Sob a alegação de que faltava na cidade de Anápolis estabelecimentos
de ensino primário gratuito, e que o grupo escolar existente na cidade encontrava-se superlotado. E que a criação de
novos grupos escolares poderia socorrer as populações de bairros afastados que precisavam se deslocar até quatro
quilômetros para receberem instrução no grupo escolar que se localizava na região central da cidade. O referido pro-
jeto de Lei, transformou-se na Lei nº 133, de 11 abril de 1949, que estabeleceu a criação de três novos grupos escolares
na cidade de Anápolis-GO.
No acervo histórico do Centro de Documentação da Câmara Municipal de Anápolis encontra-se alguns proje-
tos de leis referentes a construção, compra de terrenos, reformas e outras demandas estruturais relativos aos grupos
escolares da cidade.
O projeto de lei de nº 58 de 1948, dispõe sobre a reforma geral da escola Estadual de Goianaz – distrito da
cidade de Anápolis – para receber provisoriamente as instalações do grupo escolar a ser criado pelo secretário de
educação do estado de Goiaz. O projeto de lei de nº 163 de 1949 dispõe sobre a compra de um terreno, situado na Vila
Damolândia, para a construção do prédio para o grupo escolar, haja visto que a região não possuía nenhum estabe-
lecimento de ensino primário (folha 4, 2º parágrafo, 4ª linha, projeto de lei de nº 163 de 1949). O projeto de lei de nº
142 de 1953 faz menção dos orçamentos da caixa escolar do grupo escolar Américo Borges de Carvalho.
Os estudos de Abreu (2019) verificou que a atual escola municipal Eurípedes Almeida Martins foi criada como
grupo escolar São José do Operário em 1961; a escola municipal Rosevir Ribeiro de Paiva foi criada em 1966 como
grupo escolar n.2 Zita Duarte; a escola municipal Lions Anhanguera foi criada em 1969 como grupo Escolar Anhan-
guera; a escola municipal Tasso Barros Vilela foi criada em 1969 como grupo escolar Pioneiro JK; a escola municipal
Profa Edine Rodrigues foi criada em 1970 como grupo Escolar São Jorge.
Há também na cidade atualmente alguns colégios estaduais que são originários de grupos escolares. Entretanto
não há ainda estudo sobre estas unidades de ensino.
Como já foi dito anteriormente o dispositivo legal de 1918 estabelecia que o município deveria construir o
prédio sede do grupo escolar e fazer a doação para o Estado. Entretanto com a Lei nº 133, de 11 de abril de 1949,

985
fica autorizado ao “Prefeito Municipal a contratar a locação de prédios adaptados aos grupos ou adquirir o que julgar
conveniente” (art. 4º).
Mantendo o dispositivo da Lei nº 631 de 02 de agosto de 1918 e o Decreto de nº 8.538 de 12 de fevereiro de
1925, de que os grupos escolares devem funcionar em prédios próprios para tais unidades de ensino. A Lei de nº 133
de 11 de abril de 1941, também passa para a prefeitura municipal os custos com o funcionamento dos estabelecimen-
tos e seu quadro docente (art. 2º).
Isso explica a existência a partir de 1949 de grupos escolares mantidos pelo governo municipal, pois até então
estas unidades de ensino eram mantidas apenas pelo Estado.
Neste contexto, este capítulo aborda a criação, a construção do edifício escolar “Padre Trindade”, seus espaços
pedagógicos e o corpo docente.

A CRIAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR “PADRE TRINDADE”

O Grupo Escolar “Padre Trindade” nasceu do projeto de Lei de nº 57, de 28 de março de 1949, e aprovado pela
Lei nº 133, de 11 de abril de 1949. Em 1953, no dia 1º de abril, o Secretário da Educação, Cônego José Trindade da
Fonseca e Silva, determinou a inauguração e imediata instalação do Grupo Escolar no bairro Jundiaí, Anápolis-Go.
Como o prédio do grupo não havia sido construído, o Secretário da Educação conseguiu junto as Irmãs Carmelitas
a cessão, do prédio em que funcionava a Escola do Pequeno Trabalhador para instalar o Grupo Escolar “Padre Trin-
dade” provisoriamente.
No dia da inauguração do grupo escolar “Padre Trindade” cidadãos e de autoridades civis, como Inspetor esco-
lar, compareceram à solenidade, bem como a diretora e todos os funcionários do grupo que tomaram posse e assu-
miram o exercício de seus respectivos cargos. O relato do jornal da época “O Anápolis”, na cidade de Anápolis-GO,
evidencia a satisfação dos anapolinos, em ver suas reinvindicações atendidas pelo Estado, de criar, novos grupos
escolares no município.

Prosseguindo no patriótico trabalho de criar escolas, difundindo o ensino pelos quatros cantos do Estado, o atual
Secretário da Educação, Revmo. Cônego José Trindade da Fonseca e Silva, que neste município, encontrou como
coadjuvante dessa obra meritória o ilustre cidadão, Sr. João Luiz de Oliveira, determinou a inauguração e imediata
instalação do Grupo Escolar do Bairro Jundiaí. [...] Assim terminou num ambiente de intenso entusiasmo, a sole-
nidade inaugural do Grupo Escolar “Padre Trindade” (DUARTE, SEBASTIÃO. Grupo Escolar “Padre Trindade”:
Inaugurado o Grupo Escolar do Bairro Jundiaí, O Anápolis, Anápolis, 5 de abr. de 1953).

O que representou para a população do bairro Jundiaí da cidade de Anápolis, “grande melhoramento, um mar-
co indelével do progresso”

“O Anápolis” congratula-se com os dignos diretores do ensino neste Estado e rejubila-se com a população do
Jundiaí por este acontecimento de real importância para os destinos das novas gerações anapolinas. (DUARTE,
SEBASTIÃO. Grupo Escolar “Padre Trindade”: Inaugurado o Grupo Escolar do Bairro Jundiaí, O Anápolis, Aná-
polis, 5 de abr. de 1953).

O Grupo Escolar “Padre Trindade”, recebeu esse nome como homenagem ao Cônego José Trindade da Fonse-
ca e Silva, o então secretário da Educação. Que nasceu em Jaraguá-GO no dia 07 de junho de 1904, filho de Ernesto
Camargo da Fonseca e de Ernestina Luísa da Silva Fonseca, estudou no Ginásio Diocesano Santa Cruz de Goiás,
passando em seguida para o Seminário de Mariana-MG, foi Padre, Escritor, Secretário da Educação de Goiás entre
1951-1954; Diretor do Banco do Estado de Goiás entre 1959-1961; Presidente do Serviço Social Rural de Goiás, de
1959 a 1961. Sua carreira política se iniciou, quando se candidatou, nas eleições de outubro de 1950 a deputado fede-
ral pelo Estado de Goiás filiado ao Partido Social Democrático (PSD). Publicou dois livros, Poliantéia (1945) e Lugares
e Pessoas (1958). Morreu aos 58 anos, em 27 de fevereiro de 1962.

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Figura1: Foto do Secretário da Educação do Estado de Goiás em 1953.

Fonte: https://camara.custhelp.com/ci/fattach/get/12533/1524084920/filename/file_C_SILEGDEP_Trabalho_
RelatorioPesquisaDeputado.pdf.

No dia 1 de março de 1955, 2 anos após a inauguração, o Grupo Escolar “Padre Trindade” é instalado em prédio
próprio, o que possibilitou a ampliação de novas séries e turnos, bem como o crescimento do corpo docente, do corpo
discente e do quadro de funcionários (Livro de exercício do corpo docente do Grupo Escolar “Padre Trindade”, 1953
a 1977).
Em 1953, o Grupo Escolar “Padre Trindade” contava, com uma diretora, três professoras interinas, uma pro-
fessora substituta, uma porteira, uma porteira – servente. Totalizando um quadro de sete funcionários no ano de
1953. E em 1955, o Grupo, contou com uma diretora, dez professoras interinas, quatro professoras substitutas, uma
porteira, uma porteira-servente, totalizando um quadro de dezessete funcionários.

O EDIFÍCIO DO GRUPO ESCOLAR “PADRE TRINDADE”

O Grupo Escolar “Padre Trindade” foi construído em formato de T, com uma fachada simples, sem ornamen-
tos, e sem muros que o cercasse. Embora perceba-se uma árvore plantada na entrada da escola, através do registro fo-
tográfico, o Grupo Escolar “Padre Trindade” não possuía jardim frontal. O nível do Grupo Escolar “Padre Trindade”,
não está no mesmo nível da rua, percebe-se uma escadaria que dá acesso a entrada, com vários degraus, sugerindo um
convite a uma elevação de nível. Como pode ser verificado na figura 2.

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Figura 2. Fachada do Grupo Escolar “Padre Trindade” 1955.

Fonte: Álbum de fotografias da diretora Neuza Chaibub.

Ao olharmos para a figura 2 e 3, vemos a fachada do Grupo Escolar “Padre Trindade”, onde do lado esquerdo
percebemos uma divisão do espaço com janelas grandes voltadas para rua. O pavimento frontal como se vê na foto 3,
nos permite perceber uma racionalidade na distribuição do espaço, do lado direito da imagem, percebe-se um espaço
livre para recreação, do lado esquerdo da foto, salas que possivelmente eram subdivididas em sala de professores, sala
da diretora, biblioteca.

Figura 3 - Prédio próprio do Grupo Escolar “Padre Trindade” – 1955.

Fonte: álbum de fotografia do C. E. Padre Trindade

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Figura 4. Prédio próprio do Grupo Escolar “Padre Trindade”. Imagem lateral – 1953.

Fonte: álbum de fotografia do C. E. Padre Trindade.

Na figura 4, pode se perceber a presença de uma rampa que se estende por todo o pavimento e que dá acesso as
salas de aula. E uma outra rampa menor que dá acesso ao bebedouro.
Vê se ainda um espaço aberto para recreações como atendendo aos dispositivos presentes na Lei de nº 170 de
07 de agosto de 1937, que exige espaço aberto para a recreação ao ar livre.
A partir das imagens encontradas do Grupo Escolar “Padre Trindade”, e na ausência da planta baixa do edifício
da época, propõem-se um esboço da planta do edifício escola, como se vê abaixo na figura 5.

Figura 5. Planta baixa do Grupo Escolar “Padre Trindade”, feita pela pesquisadora a partir das imagens encontradas
nos arquivos do atual Colégio Estadual “Padre Trindade”.

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Mediante a análise das imagens, percebe-se dois pavimentos simples, sem ornamentos, que juntos tem formato
de “T”, com um espaço livre coberto e um não coberto para recreações, cinco salas de aula, com janelas posicionadas
de frente para as portas, facilitando a entrada de ar e luz, um corredor que dá acesso as salas de aula, salas para pro-
fessores, diretora e biblioteca, e uma rampa de acesso para os bebedouros. Como não se pode perceber, mediante as
fotos, a localização exata dos banheiros, preferimos não os acrescentar e, portanto, colocá-los num local equivocado.
Mas em visita ao atual Colégio Estadual “Padre Trindade”, conseguimos a planta baixa da última reforma feita no
prédio da escola, como pode-se verificar na figura 6.

Figura 6. Planta baixa do atual Colégio Estadual “Padre Trindade”, feita para recentes reformas.

O atual Colégio Estadual “Padre Trindade”, devido as reformas que sofreu, conta com demais dependências, a
saber: oito salas de aulas, uma biblioteca com dois banheiros, um sala para coordenação, uma sala para diretor, uma
sala para secretaria, uma sala para recepção, duas salas para professores, uma sala para o arquivo morto, duas salas
para DML (depósito de materiais de limpeza), uma sala de vídeos, uma sala de música, um depósito de esportes, uma
sala para coordenação da merenda, uma área de serviços, uma cozinha e cantina, um refeitório, dois banheiros sendo
um feminino e outro masculino.

990
De acordo com a análise das imagens 4 e 5 e em visita ao prédio atualmente, pode se perceber que embora
houve sim, várias reformas e modificações, poucos se mexeu na estrutura inaugural do prédio, pode se notar que
o formato em T ainda está presente. Portanto, acredita-se que a localização atual dos banheiros – que não pode ser
percebida outrora mediante as fotos do Grupo – seja a mesma localização na construção inicial, com alterações e am-
plificações espaciais mediante as necessidades atuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho se inscreveu na concepção historiográfica renovada, precisamente na história cultural, por isso
faz recortes temáticos e diversifica fontes. Além das fontes oficiais, procurou-se diversificar, a partir das fontes pro-
duzidas pela escola como atas de pontos, livro de registros, livros de notas finais dos alunos, e livro de matrícula.
Assim, o estudo está sendo desenvolvido com a pesquisa bibliográfica e análise documental. Por meio das
análises feitas até o presente momento, pode se perceber um cuidado por parte da gestão do Grupo Escolar “Padre
Trindade”, em obedecer aos preceitos da legislação vigente. Neste estudo percebeu-se necessário, confrontar três
pontos de vista: o teórico – as propostas de pedagogos, inspetores e mestres – O legal – as normas que regularizam
estas questões – e a escolar – o que acontecia nas escolas. Teoria, legalidade e realidade escolar, o que se sabe, que nem
sempre coincidem (VIÑAO FRAGO, 2000 p.130).
Contudo, essas considerações e outras, ainda estão em fase de construção.

REFERÊNCIAS

ABREU, Sandra Elaine Aires de. As fontes de pesquisa e a escrita da história da educação em goiás: o grupo escolar
Antensina Santana de Anápolis. Educativa, Goiânia, v. 17, n. 2, p. 520-542, jul./dez.2015.
CARVALHO, Marta M. Chagas de. A Escola e a República. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
MOGARRO, Maria João. Dossiê: Arquivos Escolares: Arquivos e Educação: a construção da memória educativa. Revista
brasileira de história da educação v. 5, n. 2 [10], p. 75-99 jul./dez. 2005.
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 3ª. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
REIS FILHO, Casemiro dos. A educação e a ilusão liberal. Campinas: Autores Associados, 1995.
VIDAL, D. (2005). Cultura e Práticas Escolares: uma reflexão sobre documentos e arquivos escolares. SOUZA, Rosa Fátima
de; VALDEMARIN, Vera Teresa (Orgs.). A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para a
pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2005 (Coleção Educação Contemporânea).
VIÑAO-FRAGO, Antonio, (2000). El espacio y el tiempo escolares como objeto histórico. Contemporaneidade e
educação (Temas de história da educação). Rio de Janeiro: Instituto de Estudos da Cultura da Educação, ano 5, nº 7, p. 93-
110.2000.
GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: ________. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história.
Tradução de Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo (1890 –
1910). São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1998. (Prismas).

991
O CENTRO ESPECÍFICO DE APERFEIÇOAMENTO DO MAGISTÉRIO
NO MUNICÍPIO DE NAVIRAÍ-MS E A SUA TRAJETÓRIA NA HISTÓRIA
DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES (1994-2000)

Natalicia Gomes Teixeira Arcanjo – UFGD/MS1

RESUMO: Este trabalho se insere nas abordagens sobre a história da formação de professores, estudando os
anos de 1994 a 2000. Dos anos de 1990 em diante, pesquisas de temas relacionados à formação de professores se ex-
pandiram no campo de estudo da História da Educação brasileira. Nessa perspectiva, esse trabalho visa investigar a
história do Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) no município de Naviraí/
MS, buscando compreender o processo de criação e instalação desse Centro, caracterizar o perfil de seu quadro dis-
cente, e analisar a formação docente proporcionada por essa instituição escolar a sua clientela. O recorte temporal
inicial, 1994, justifica-se por dois argumentos: o ano de 1994 por marcar a instalação do esse Centro Específico de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério junto à Escola Estadual de Pré-Escolar, 1 º e 2 º Graus Juracy Alves Car-
doso, em Naviraí/MS. Já o ano de 2000, por corresponder ao período de fechamento do desse Centro de formação
de professores nesse município. O trabalho foi desenvolvido por meio de uma bibliografia ligada à história, à histó-
ria da educação e à formação de professores e com base em documentos do arquivo da Escola Estadual Juracy Alves
Cardoso, jornais, livros de história desse Município, entre outros. A partir disso, os resultados permitiram verificar
que os Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério em Mato Grosso do Sul, não estiveram
entre os primeiros instalados no Brasil, pois esses Centros chegaram a este Estado, apenas a partir do ano de 1987,
devido a um movimento de consolidação e expansão desses Centros pelo país. Além disso, foi possível constatar que
esses Centros de formação docente foram instalados também fora da capital Campo Grande e das maiores cidades
do Estado. Tais aspectos ficaram bem evidenciados na instalação ocorrida desse Centro em Naviraí, que de um lado,
ocorreu somente na década de 1990, com a transição do Curso de Magistério da Escola Estadual Escola Estadual de
Pré-Escolar, 1º e 2º Graus Juracy Alves Cardoso para Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento do Magistério em
1994 e, de outro, foi instalado em um município de médio porte, como é o caso de Naviraí. Apesar disso, esse Cen-
tro funcionou poucos anos em Naviraí, mesmo assim, conseguiu formar muitos docentes do município e da região,
proporcionando a eles uma formação em período integral, que os habilitava para atuarem desde a Pré-Escola até a 4ª
série do 1º Grau. Contudo, pode-se concluir que, esse Centro mesmo com um período tão curto de funcionamento
conseguiu com sua proposta de ensino voltada a uma formação docente em período integral, formar professores, que
estão até os dias de hoje atuando como docentes, coordenadores, diretores na rede de ensino pública e privada do
município de Naviraí e região.
Palavras-chave: Formação Docente. Fontes Documentais. História da Educação.

INTRODUÇÃO

Dos anos de 1990 em diante, pesquisas de temas relacionadas à formação de professores se expandiram no
campo de estudo da História da Educação brasileira. Nessa perspectiva, esse trabalho visa investigar a história do
Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) no município de Naviraí/MS, buscando
compreender o processo de criação e instalação desse Centro, caracterizar o perfil de seu quadro discente, analisar a
formação docente proporcionada por essa instituição escolar aos seus alunos, no período de 1994 a 2000.
1 Licenciada em Normal Superior pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Campus de Naviraí, Pedagogia pela UFMS/CPNV e
Pós-Graduação em Educação infantil pela UFMS/CPNV, Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Grande
Dourados (FAED-UFGD). E-mail: nati.gi@hotmail.com

992
O recorte temporal inicial, 1994, justifica-se por dois argumentos: o ano de 1994 por marcar a instalação do
desse Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério junto à Escola Estadual de Pré-Escolar, 1 º
e 2 º Graus Juracy Alves Cardoso, em Naviraí/MS. Já o ano de 2000, por corresponder ao período de fechamento
desse Centro de formação de professores nesse município. O trabalho foi desenvolvido por meio de uma bibliografia
ligada à história, à história da educação e à formação de professores, e com base em documentos do arquivo da Escola
Estadual Juracy Alves Cardoso, como: jornais, livros de história desse Município, entre outros.
O artigo foi organizado em duas partes. A primeira trata da história do município de Naviraí. Já a segunda parte
versa sobre a história do CEFAM, no município de Naviraí.

O MUNICÍPIO DE NAVIRAÍ COMO CENÁRIO.

O município de Naviraí está localizada no sul do estado de Mato Grosso do Sul. A sua fundação ocorreu em 21
de novembro de 1952. Porém, há duas versões sobre a origem do nome de Naviraí: a primeira surgiu quando apor-
taram os primeiros colonizadores, encontrando com os exploradores do ciclo da erva-mate, deram ao pequeno rio de
águas cristalinas o nome de Naviraí. De origem guarani com o seguinte significado: “virã” (roxo/arroxeado); “i” (sufi-
xo – pequeno) e “iraí” (arbusto pequeno); “na” (impregna-se) e “i” (sujeito – rio, Arroyo). Portanto, da origem guarani
NAVIRAÍ significa – pequeno rio impregnado de arbustos roxos ou rio impregnado de pequenas árvores arroxeadas.
A segunda versão é do castelhano “navidad” – que significa natividade ou nascimento e “viraí” (Guarani) – cor de
matiz arroxeado – e que caracteriza a folhagem de arbustos locais, no período de renovação (GARCIA, 2016, p. 25).
Foi somente em 1955, que Naviraí passou a ser ligada aos municípios de Caarapó e Dourados por uma precária
estrada, dando início a importantes ciclos de cultivo de café, algodão e erva-mate. Com a sua expansão em 22 de no-
vembro de 1958, Naviraí foi elevado à categoria de Distrito da Paz, pertencente ao município de Caarapó. Entretan-
to, foi somente por meio da Lei Estadual n. 1944, de 11 de novembro de 1963, que Naviraí foi elevado a município,
adquirindo a sua Emancipação Político-Administrativa. O Projeto de Criação do Município foi de autoria do ilustre
Deputado Estadual Dr.Weimar Gonçalves Torres, logo após essa emancipação ocorre à primeira eleição para escolha
do prefeito do Município, sendo eleito o Sr. João Martins Cardoso em 1965.
Naviraí é uma cidade que foi um projeto urbanístico da Colonizadora Vera Cruz Mato Grosso Ltda., criada em
pleno território Sul do Estado de Mato Grasso. A figura 1 apresenta uma imagem da configuração espacial de Naviraí,
que permite observar que a Colonizadora a projetou em forma circular, como se pôde observar:

Figura 1 - Visão aérea da cidade de Naviraí-MS

Fonte: Prefeitura Municipal de Naviraí.

993
Convém lembrar que Naviraí foi uma das poucas cidades projetadas em forma circular, no Sul de Mato Gros-
so (atual Mato Grosso do Sul). De acordo com Garcia (2016), a cidade desenvolveu-se e tornou-se uma das mais
importantes de Mato Grosso do Sul, graças aos seus pioneiros empreendedores porque acreditavam que a região se
tornaria um grande polo. Gradativamente a cidade começava a ganhar projeção a nível estadual com a chegada de
novas famílias. Os primeiros moradores do município recebiam assistência e orientação da Colonizadora, por meio
de Moroyoshi Fukuda e Antônio Augusto dos Santos, popularmente conhecido como “Virote” (proprietário da Co-
lonizadora Naviraí).
O município de Naviraí cresceu muito em torno do ciclo de café e da madeireira, a atividade comercial mos-
trou-se próspera, uma vez que a atividade agrícola e a indústria eram forças motoras no crescimento da cidade. Foi o
processo de industrialização da madeira que proliferaram várias serrarias em Naviraí, e a mesma passou a ser conhe-
cida como a Capital da Madeira.
A inauguração da primeira escola em Naviraí ocorre mesmo antes de sua elevação a município, pois essa ins-
tituição de ensino foi fundada no ano de 1956. No entanto, o ensino ginasial somente chegou em 1967, com o início
das aulas das 5ªs séries no Ginásio Estadual de Naviraí, atual Escola Estadual “Presidente Médici”, sendo seu 1° diretor
o senhor Ludovico da Riva, que permaneceu no cargo até 1968. Nesse mesmo ano, chega a Naviraí um grupo de
professores – Júlio Garcia Gagnin, Luiz Aparecido de Oliveira, Valdomiro Araújo de Souza, Gilberto Álvaro Pim-
pinatti, Sílvio Antonio Fernandes e Natalício Serpa – para compor o corpo docente desse primeiro ginásio. E, nesse
mesmo ano, também tem início a construção do Grupo Escolar Marechal Rondon, em madeira, com 8 salas de aula
(MARINHO, 2010).
Assim, o município de Naviraí foi progredindo até que na década de 1970, também foi instalada a Escola Esta-
dual de I e II Graus Juracy Alves Cardoso, em 1973, que dá origem ao CEFAM.

HISTÓRIA DO CENTRO ESPECÍFICO DE APERFEIÇOAMENTO DO MAGISTÉRIO: O CASO


DO CEFAM DE NAVIRAÍ

Cabe salientar que, em Mato Grosso do Sul, os Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magis-
tério teve início apenas a partir do ano de 1987, devido a um movimento de consolidação e expansão desses Centros
pelo país. Assim, é importante compreender que esses Centros em Mato Grosso não fizeram parte dos primeiros
instalados no Brasil, ainda no início da década de 1980, conforme assinala Tanuri (2000).
No caso do município de Naviraí, a instalação do Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Ma-
gistério, ocorreu somente na década de 1990, mais precisamente, no ano de 1994, com a transição do Curso de Ma-
gistério da Escola Estadual de Pré-Escolar, 1º e 2º Graus Juracy Alves Cardoso para esse Centro.
Antes de adentrar na abordagem sobre o CEFAM de Naviraí, vale a pena explicar que a Escola Estadual Jura-
cy Alves Cardoso, com sede no Município de Naviraí/MS, está localizada na rua Yokossuca nº 571 no município e
comarca de Naviraí, estado de Mato Grosso do Sul, cuja entidade mantenedora é o Governo do Estado, por meio da
secretaria de Estado e Educação.
A origem dessa escola está no Centro Educacional de Naviraí, criado em 1972, que passou de educandário a
chamar-se Escola Estadual de I e II Graus Juracy Alves Cardoso, mediante Decreto nº 1589 de 16 de agosto de 1973
publicado no Diário Oficial de 12 de setembro de 1973. Essa escola recebeu esse nome em homenagem à primeira
Dama, Senhora Juracy Alves Cardoso, esposa do então prefeito Sr. João Martins Cardoso, pelo seu altruísmo e dig-
nidade, bem como, por relevantes serviços prestados aos menos favorecidos.
Contudo, a Escola Estadual de I e II Graus Juracy Alves Cardoso em 1973. No ano de 1989, passou a denomi-
nar-se de Escola Estadual de Pré-Escolar, 1º e 2º Graus Juracy Alves Cardoso.
Até meados de 1993, a Escola Estadual de Pré-Escolar, 1º e 2º Graus Juracy Alves Cardoso ofertava no perí-
odo noturno a Habilitação Especifica para o Magistério de 1º Grau com o período de 3 anos. Após essa transição do
curso noturno para diurno, passou a funcionar na modalidade de CEFAM. Entretanto, foi somente a partir de 1996

994
que ocorreu uma nova alteração no nome dessa escola passando para Centro de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério “Juracy Alves Cardoso”.
O CEFAM foi um centro de formação do magistério, que surgiu para substituir os antigos cursos de magistério
e o normal, uma vez que, tinha uma visão diferenciada sobre a formação educacional. O curso funcionava atendendo
alunos provenientes de diferentes classes sociais, sobretudo, originária do ensino público de 1 º grau, com aula no
período vespertino com duração de quatro anos, no entanto, em dois dias da semana, os alunos tinham aula em perí-
odo integral. Desse modo, o CEFAM se consolidava como uma proposta inovadora de formação de professores tanto
no Brasil, como no município de Naviraí, pois os seus alunos, além da teoria já relacionava esses conteúdos com a
prática, inclusive quando as escolas precisavam de subsutitutas, os diretores chamavam os alunos do CEFAM, apesar
de não ser uma atividade remunerada, isso contava como horas complemtares.
O interesse do CEFAM era formar professores atuantes desde a pré-escola até a 4 ª  série do 1 º grau. Neste
sentido, era importante garantir não só as aulas teóricas, mas também que os estágios fossem realizados com muita
responsabilidade, integrando a prática com a formação de professores. Conforme aponta Godoy (2000), esse progra-
ma almejava no escopo de seus objetivos, formar bons professores e garantir, àqueles que já atuavam, que pudessem
se atualizar permanentemente, visando à melhoria na qualidade do ensino oferecido.
Para Tanuri (2000, p. 83), a formação dos professores nesses Centros de Formação:

(...) enriquecimento curricular, articulação entre as disciplinas, exame seletivo para o ingresso no curso de formação,
com início da habilitação já a partir da 1º série do segundo grau; trabalho co-participativo com as universidades e
com o ensino pré-escolar e de 1º grau; desenvolvimento de pesquisa-ação nas áreas de alfabetização e matemática;
trabalho coletivo no planejamento e na execução do currículo; funcionamento em tempo integral, com um período
dedicado as atividades regulares do currículo e outro as de enriquecimento e estágio; recuperação ou criação das es-
colas de aplicação; remodelação dos estágios, de modo a funcionarem como atividade integradora (p. 83).

Entretanto, esse projeto de formação a nível médio que a Lei 5.692/71 admitiu, foi por algum tempo a base de
formação de muitos profissionais da educação, exercendo suas funções de formação de professores que se habilitarão
para atuar na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. Contudo, esse programa de
formação de professores foi perdendo sua força e sendo substituído pelo sistema educacional, que agora forma seus
professores em cursos de graduação com licenciatura plena (SIQUELLI; ALVES, 2017).
Em 1998, o nome da escola sofreu uma nova alteração, passando de Centro de Formação e Aperfeiçoamento
do Magistério “Juracy Alves Cardoso” para Escola Estadual Juracy Alves Cardoso, conforme Decreto nº 9104 em 13
de maio de 1998. 
Dois anos após a mudança dessa denominação, esse Centro Específico de Formação do Magistério foi desati-
vado no ano 2000, entretanto, sua rápida passagem deixou um legado muito importante para o município de Naviraí
e região, uma vez que o seu objetivo era formar bem os professores. Nessa perspectiva, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, nº 9394/96, ao definir que todos os professores deveriam receber formação em cursos de nível
superior com licenciatura plena destaca no artigo 62 que:

[...] a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em
nivel médio, na modalidade normal (BRASIL,1996).

A partir desse período, daí os cursos profissionalizantes perderiam toda a sua importância de existir, na qual
agora os estudante teriam que se habilitar em Pedagogia para exercer a profissão em sala.

995
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho procurou investigar a história do Centro Específico de Formação e Aperfeiçoa-
mento do Magistério (CEFAM) no município de Naviraí/MS, buscando compreender o processo de criação e insta-
lação desse Centro, caracterizar o perfil de seu quadro discente, analisar a formação docente proporcionada por essa
instituição escolar aos seus alunos, no período de 1994 a 2000. Foi possível verificar que os Centros Específicos de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério em Mato Grosso do Sul, não estiveram entre os primeiros instalados no
Brasil, no início da década de 1980, pois esses Centros chegaram a este Estado, apenas a partir do ano de 1987, devido
a um movimento de consolidação e expansão desses Centros pelo país.
A instalação de um CEFAM, em um município de médio porte em Mato Grosso do Sul, permitiu ainda consta-
tar que esses Centros de formação docente foram instalados também fora da capital Campo Grande e das maiores ci-
dades do Estado. Tais aspectos ficaram bem evidenciados na instalação ocorrida desse Centro em Naviraí, que de um
lado, ocorreu somente na década de 1990, com a transição do Curso de Magistério da Escola Estadual Escola Estadual
de Pré-Escolar, 1º e 2º Graus Juracy Alves Cardoso para Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento do Magistério
em 1996 e, de outro, foi instalado em um município de médio porte, como é o caso de Naviraí.
Portanto, mesmo tendo funcionado poucos anos no município de Naviraí, mesmo assim, conseguiu formar
muitos docentes do município e da região, proporcionando a eles uma formação em período integral, que os habilita-
va para atuarem desde a Pré-Escola até a 4ª série do 1º Grau. Assim, pode-se concluir que, esse Centro, mesmo com
um período tão curto de funcionamento, conseguiu com sua proposta de ensino voltada a uma formação docente em
período integral, formar professores, que estão até os dias de hoje atuando como docentes, coordenadores, diretores
na rede de ensino pública e privada do município de Naviraí e região.

REFERÊNCIAS

GARCIA, D.C. Um lugar chamado Naviraí. 1º edição. Dourados: Siriema, 2016. 


GODOY, A. C. S. Resgatando a Formação Docente: A História do CEFAM no Estado de São Paulo. Revista Brasileira de
Política e Administração da Educação, n. 2, jul./dez. 2000. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/258. Acesso
em 15 abr. de 2019.
MARINHO, P. H. S. Histórico atualizado de fundação do município de Naviraí. Jornal Naviraí Diário. Naviraí, maio de
2010. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2018.
NAVIRAÍ. Plano Municipal de Educação de Naviraí 2015 a 2025. Gerência Municipal de Educação e Cultura de Naviraí,
2015.
NAVIRAÍ. Projeto Político Pedagógico. Escola Estadual Juracy Alves Cardoso, 2012. Disponívelem:http://www.sistemas.
sed.ms.gov.br/ProjetoPoliticoPedagogico/Visualizar.aspx?PPPID=DS8m7RhU2J4=
PIMENTA, S.G. Formação de professores: Identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S.G. (Org.) Saberes pedagógicos
e atividades docente. São Paulo: Cortez, 1999. 
SIQUELLI, S.A.; ALVES M.A.B. CEFAM Paulista: Contribuições da Historiografia e Fontes Históricas na Formação de
Professores. Argumentos Pró-Educação, Pouso Alegre, v. 1, nº 2, p. 273 – 297, mai. - ago., 2016, p. 273-297
TANURI, L. História da Formação de Professores. In: Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro/Campinas: ANPEd-
UERJ/A.Associados, n.14, maio-agosto/2000, p.61-88

996
O CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL SOB OS OLHARES DOS
INTELECTUAIS; ANÍSIO TEIXEIRA, PAULO FREIRE E MAGDA SOARES

Elizabeth de Fátima Freitas Marcelino – PUC/GO1

INTRODUÇÃO

A aprendizagem da leitura e da escrita tem sido historicamente um desafio para a sociedade brasileira, consti-
tuindo-se em matéria básica de muitas pesquisas da área de educação, sob variados ângulos. Alguns dados evidenciam
o desafio que tem representado alfabetizar a maioria da população de modo significativo.
O ensino no Brasil em geral vem ocorrendo mudanças, a educação está em constante desenvolvimento. Dentro
desses desdobramentos trataremos de uma etapa de ensino que é a alfabetização. O conceito de alfabetização no Bra-
sil anteriormente era considerado pelos jesuítas o ato de ler e escrever contar e saber fazer o próprio nome. Houve
mudanças significativas no mesmo no passar dos anos.
Atualmente o conceito de alfabetização é definido como o processo de aprendizagem onde se desenvolve a
habilidade de ler e escrever de uma maneira adequada e a utilizar esta habilidade como um código de comunicação
com o seu meio social. Soares (1985), em seu artigo “As muitas facetas da alfabetização”, propõe a necessidade de uma
teoria coerente da alfabetização que articule os estudos das suas diferentes “facetas”: psicológica, linguística, pedagó-
gica, sociológica, a partir do conceito de alfabetização, da natureza do processo de alfabetização e dos condicionantes
políticos desse processo. No que concerne ao conceito de alfabetização, a autora define alfabetização como o “proces-
so de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e de escrita.” (SOARES, 1985, p. 20).
Para afirmar que uma pessoa é alfabetizada, a mesma deve ser capaz de redigir pelo menos frases simples, de
forma legível, inteligível e com sentido. Em outras palavras alfabetizada é a pessoa que domina o código alfabético,
que sabe transformar uma palavra oral em palavra escrita e vice – versa, para isso ela precisa conhecer o valor sonoro
das letras (fonemas), ler e escrever com relativa fluência.
Para Freire (1991) Ser alfabetizado é tornar se capaz de usar a leitura e a escrita como um meio de tomar
consciência da realidade e transforma lá. Espera-se que uma criança seja alfabetizada ao frequentar os anos iniciais do
ensino fundamental. Isso não depende exclusivamente de sua idade, mas sim de fatores importantes, que determinam
a rapidez e a facilidade com que ela desenvolva a leitura e a escrita, por exemplo: a sua autoestima, o incentivo da fa-
mília, do professor, os procedimentos didáticos e outros fatores. Sendo assim, é importante que a criança se aproprie
da leitura e da escrita, pois vivemos em uma sociedade letrada.
De acordo com o pensamento do educador (Teixeira,1967), deve-se pensar na educação primária como obri-
gatória. A educação básica, não deve ficar restrita apenas a alfabetização mecânica das três técnicas básicas da vida
civilizada: ler, escrever e contar. É preciso, através da educação, formar nos alunos competências em relação à ação,
aos hábitos de sociabilidade, arte, trabalho, reflexão e sensibilidade de consciência em relação aos direitos e deveres
seus e dos outros.
Diante das contradições e demandas do tema, esse artigo tem como objetivo realçar os caminhos percorridos
dentro da educação brasileira na história do conceito de alfabetização usando como base principal a história dos inte-
lectuais Anísio Teixeira, Paulo Freire e Magda Soares, procuramos aqui mostrar suas contribuições na alfabetização
dentro da educação e seus feitos.

1 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Norte do Paraná- UNOPAR. Professora. Especialista em Docência Universitária, pela FACER
e Neuropedagogia pela FABEC. Cursando Mestrado em Educação pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

997
ANÍSIO TEIXEIRA

Anísio Teixeira, nasceu em Caetité na Bahia no dia 12 de junho de 1900, com sólida formação acadêmica nos colé-
gios jesuítas de São Luís Gonzaga de Caetité e Antônio Vieira, de Salvador. Formou se em direito pela Universidade do
Rio de Janeiro no ano de 1922. De volta a Bahia assumiu o cargo de inspetor geral de ensino no estado (cargo equivalente
hoje a secretário de educação), foi através desse convite que Anísio Teixeira começou sua atuação na educação.
Nesse período Anísio Teixeira tem contato com o livro “Os métodos americanos de educação” de Omer Buyse
que foi bastante importante para ele na concepção de educação, nesse livro Buyse descreve o que viu nas escolas ame-
ricanas as práticas de trabalhos manuais e corporais associadas ao ensino formal. Esse livro causou impacto no pensa-
mento de Anísio Teixeira que mandou traduzir e distribuir para todos os professores da educação primaria na Bahia.
Em 1927 Anísio Teixeira viaja para os Estados Unidos, nessa viagem ele visita as escolas americanas, e percebe
a necessidade de se criar escolas físicas para atender melhor as crianças aqui no Brasil, essa viagem foi decisiva para
fortalecer os conceitos e ideias sobre educação através do sistema educacional americano e principalmente o contato
com as ideias do filosofo e pedagogo John Dewey.
Lima (1978, p.60/61) enfatiza que:

A lição veramente importante aprendida por Anísio da experiência educacional americana é que mediu com os
próprios olhos o papel de um sistema educacional na história da civilização mais industrializada, rica e poderosa.
Não se limitava a educação ao processo de conservar e envernizar o estabelecido, mas igualmente se destinava a
expandir e mudar.

O arsenal americano de teorias e práticas pedagógicas opunha-se a concepção elitista de sua formação católica
jesuítica. Fadado a dividir os indivíduos não por aptidões de inteligência, mas por classes da estrutura social, o elitis-
mo filia-se a concessão aristocrática da vida.
Em relação à educação escolar Anísio Teixeira tinha o seguinte pensamento:

É uma necessidade, em nosso tipo de civilização, porque não há nível de vida em que dela não precisemos para fa-
zer bem o que, de qualquer modo, teremos sempre de fazer. Deste modo, a sua função é primeiro a de nos permitir
viver eficientemente em nosso nível de vida e somente em segundo lugar, a de nos permitir atingir um novo nível,
se a nossa capacidade assim o permitir (TEIXEIRA, 1985, p.397).

Sobre a escola primária, Anísio Teixeira defende que:

Deverá, assim, organizar-se para dar ao aluno, nos quatro anos do seu curso atual e nos seis anos a que se deve
estender, uma educação ambiciosamente integrada e integradora. Para tanto precisa, primeiro, de tempo: tempo
para se fazer uma escola de formação de hábitos (e não de adestramento para passar em exames) e de hábitos de
vida, de comportamento, de trabalho, de julgamento moral e intelectual (TEIXEIRA, 1985, p.392).

Gouveia Neto (1973) ainda salienta que na sua visão, Anísio Teixeira era um administrador escolar de excepcional
qualidade, era também um pensador, homem inquieto que desejava ver a educação renovada, preocupado com a educa-
ção realmente capaz de se tornar o mais valioso instrumento para a implantação de uma verdadeira democracia.
No ano de 1932, tornou-se um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que divulgava
diretrizes de um programa de reconstrução educacional para o País. Para Lemme (2005) o manifesto dos pioneiros
tinha por objetivo principal indicar rumos que consolidassem a obra de renovação que pretendiam realizar em todos
os setores da vida nacional.
Como Pioneiro de implantação de escolas públicas de todos os níveis, Anísio Teixeira era um idealista influen-
ciado pelas ideias de John Dewey. Esta influência estava muito presente em sua concepção transformadora da educa-
ção pública como um instrumento para democratização do país. Foi também um dos mais conceituados participantes
do movimento de reconstrução nacional na década de 1930, e isso fazia com que educadores e outras pessoas que o
conheceram ou o acompanharam o admirassem (GOUVEIA NETO, 1973)

998
Para o educador o conhecimento das diferentes realidades escolares poderia dar início a uma sociedade mais
justa e igualitária. E diante disso a figura do professor contribuiria de forma definitiva, pois formava o homem e per-
mitiria sua relação com o mundo.
Anísio foi responsável, em 1961, por uma grande inovação quando formou a “Escola Parque”, em Salvador -
escola-modelo onde as crianças, durante o dia todo, estudavam e aprendiam ofícios, faziam dança, desenho, pintura,
escultura, teatro, cinema, esporte, música etc. Ele iniciou nesta escola o método de alfabetização de Iracema Meireles
que ensina as crianças a ler por meio de suas próprias atividades lúdicas e criadoras.
De acordo com Ribeiro (1991, p.33) Anísio foi essencialmente um educador. Um pensador e gestor das formas
institucionais de transmissão da cultura, com plena capacidade de avaliar a extraordinária importância da educação
escolar para integrar o Brasil na civilização letrada. Para ele a escola pública de ensino comum é a maior das criações
humanas e também a máquina com que se conta para produzir a democracia. É, ainda, o mais significativo instru-
mento de justiça social para corrigir as desigualdades provenientes da posição e da riqueza. Para funcionar eficazmen-
te, porém, deve ser uma escola de tempo integral para os professores e para os alunos.
A atuação política e pedagógica de Anísio Teixeira foi de fundamental importância para a educação pública
em nosso país, fato que se percebe pela sua exaustiva preocupação com a escola pública de qualidade, a organização e
objetivos da educação infantil até a universidade.

PAULO FREIRE

Paulo Reglus Neves Freire, nasceu em 1921 em Recife, Pernambuco, numa família de classe média. Formou-se
em direito, mas não seguiu carreira, encaminhando a vida profissional para o magistério. Suas ideias pedagógicas se
formaram da observação da cultura dos alunos em particular o uso da linguagem e do papel elitista da escola. 
Foi um educador, pedagogo e filósofo brasileiro, conhecido como patrono da educação brasileira. Foi o brasi-
leiro mais homenageado da história, com pelo menos trinta e cinco títulos de Doutor Honoris Causa de universida-
des da Europa e América. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo
influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. Paulo Freire acreditava que a educação é um ato político que
não poderia ser divorciado da pedagogia.
Paulo Freire (1980 e 1994) afirma que alfabetização é o desenvolvimento de consciência crítica e um dos instru-
mentos primordiais para a emancipação do homem. É um processo que se faz por meio de uma prática social, intencio-
nal e planejada. Com grande preocupação com a educação, desenvolveu muitos e significantes trabalhos voltados para
educação de adultos. Foi percursor da educação de jovens e adultos o que temos hoje como EJA, desenvolveu projetos de
alfabetização de adultos pelo método da palavra geradora buscando desenvolver uma educação significativa.
Em sua prática didática fundamentava-se na crença de que o educando assimilaria o objeto de estudo fazendo
uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por ele denominada educação bancária, tecnicista
e alienante: o educando criaria sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já previa-
mente construído; libertando-se de chavões alienantes, o educando seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado.
Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação
da consciência política.
Freire defendia a educação social, a necessidade de o aluno se conhecer e conhecer os problemas sociais da sua
realidade concreta. A educação, para ele, era muito mais que um instrumento de escolarização e profissionalização,
era o meio pelo qual se deve “[...] estimular o povo a participar do seu processo de emersão na vida pública engajan-
do-se no todo social” (GADOTTI, 1996, p. 36).
Especialmente em uma escola capaz de ser:

[...] um local de um sadio pluralismo de ideias, uma escola moderna; uma escola alegre, competente, científica,
séria, democrática, crítica e comprometida com a mudança; uma escola mobilizadora, centro irradiador da cultura
popular, à disposição da comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la. O saber adquirido na escola não é
um fim em si mesmo, é um instrumento de luta pela transformação social (GADOTTI, 1992, p. 75).

999
Em 1961 tornou-se diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife e, no mesmo
ano, realizou junto com sua equipe as primeiras experiências de alfabetização popular que levariam à constituição
do Método Paulo Freire. Seu grupo foi responsável pela alfabetização de 300 cortadores de cana em apenas 45 dias. Em
resposta aos eficazes resultados, o governo brasileiro aprovou a multiplicação dessas primeiras experiências num Plano
Nacional de Alfabetização, que previa a formação de educadores em massa e a rápida implantação de 20 mil núcleos pelo
País. Em 1991 foi fundado em São Paulo o Instituto Paulo Freire, para estender e elaborar as ideias de Freire.

MAGDA SOARES

Magda Becker Soares, nasceu em 7 de setembro de 1932, em Belo Horizonte, Minas Gerais, realizou seus estu-
dos primários e secundários em um colégio confessional do protestantismo metodista dessa cidade, Colégio “Isabela
Hendrix”, dirigido, na época, por missionárias norte-americanas. Em 1953, obteve o diploma de Bacharel em Letras,
e, em 1954, obteve o diploma de Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tornou
se Doutora em Didática pela UFMG em 1962.
Em 1991 Magda Soares criou o CEALE, Centro de alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação
da UFMG, o CEALE tem procurado produzir e socializar o conhecimento sobre alfabetização, a leitura, a escrita e o
ensino da língua portuguesa e das literaturas brasileiras nas escolas.
Professora emérita da Faculdade de Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pes-
quisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), é um dos maiores nomes na área de alfabetização e
letramento, com ênfase em ensino-aprendizagem. Além de sua inquestionável importância no cenário acadêmico,
há 7 anos a especialista atua como consultora da rede municipal de educação da cidade mineira de Lagoa Santa, onde
desenvolve um intenso trabalho ligado à formação de professores da rede pública. Ao longo de sua atuação como
professora e pesquisadora tem contribuído muito com a formação e atuação de professores na educação brasileira
com sua escrita sobre alfabetização e letramento.
Os estudos a respeito do letramento ganhou força no Brasil na década de 1990, Magda Soares é uma estudiosa
e contribuidora desse termo. Desse modo Magda Soares diz a respeito da alfabetização e o letramento: “Se alfabetizar
significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, letrar significa leva – lá ao exercício das práticas
sociais de leitura e escrita.
O termo letramento não substitui a palavra alfabetização, mas aparece associada a ela. O ensino tradicional de
alfabetização, em que primeiro se aprende a decifrar um código a partir de uma sequência passos e etapas, para só de-
pois se ler efetivamente, não garante a formação de leitores e escritores, vale ressaltar que apenas o convívio intenso
com os textos que circulam na sociedade não garante que os alunos se apropriem da escrita alfabética, uma vez que
essa aprendizagem não é espontânea, requer do aluno reflexão sobre as características do nosso sistema de ensino.
Soares deixa claro que:

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando,
ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se
tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (p. 47).

Soares (1998) faz distinção entre alfabetização e letramento: o termo alfabetizar letrando consiste em propor-
cionar aos aprendizes a vivência de práticas reais de leitura e produção nas quais os alunos tenham condições, acesso
aos textos e a situações sociais, que seja levado a construção e compressão acerca do funcionamento do sistema escrito
alfabético.
A educação escolar é realizada no convívio social, a criança alfabetiza na interação no meio que está inserida.
Para Soares, Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológi-
cas, linguísticas, psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela
aquisição do sistema convencional de escrita - a alfabetização - e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse
sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita - o letramento.

1000
Magda Soares defende que alfabetização e letramento envolvem duas aprendizagens distintas, mais que devem
ocorrer de forma articulada, o que denomina como alfabetizar letrando. A educadora sublinha ainda o papel da lite-
ratura infantil e da cultura lúdica no processo de letramento da criança.

Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham
sentido e façam parte da vida do aluno. Além disso, o aluno precisa saber fazer uso e envolver-se nas atividades de
leitura e escrita. Ou seja, para entrar nesse universo do letramento, ele precisa apropriar-se do hábito de buscar um
jornal para ler, e com esse convívio efetivo com a leitura, apropriar-se do sistema de escrita (SOARES, 2003, p. 3).

Para mim faz-se necessário perceber que a alfabetização não se dá apenas nas aulas de língua portuguesa; nas
séries iniciais todas as disciplinas alfabetizam. A esse respeito Magda Soares (2003, p. 3), destaca que:

O letramento não é só de responsabilidade do professor de língua portuguesa ou dessa área, mas de todos os educa-
dores que trabalham com leitura e escrita. ‘Mesmo os professores das disciplinas de geografia, matemática e ciên-
cias. Alunos lêem e escrevem nos livros didáticos. Isso é um letramento específico de cada área de conhecimento.
O correto é usar letramentos, no plural. Cada professor, portanto, é responsável pelo letramento em sua área’.

Dessa forma, acredito ser imprescindível que um professor alfabetizador tenha em sua prática a preocupação
de abordar de forma significativa os conteúdos trabalhados em todas as disciplinas e que os mesmos sirvam para al-
fabetizar e letrar os alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo procuramos evidenciar um pouco da trajetória desses três intelectuais brasileiros dentro da histó-
ria da educação com ênfase na alfabetização. Preocupados com o ensino e buscando uma escola de qualidade que pro-
porcionasse aos alunos uma sólida formação, esses autores procuraram mecanismos eficazes para que os educandos
tenham uma formação integral, com pleno desenvolvimento pautada na justiça, solidariedade e democrática.
Anísio Teixeira, entre os anos de 1922 á 1971 contribui arduamente com a educação brasileira, sempre pautado
em buscar uma educação integrada e integradora.
Paulo Freire, atuou no cenário da educação brasileira entre os anos de 1946 a 1997, dedicando muito do seu tra-
balho na área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência política.
Magda Soares é uma intelectual atuante, seus principais estudos estão voltados para áreas de Língua Portugue-
sa, alfabetização e letramento, cujas pesquisas apontam a necessidade de a criança aprender a ler e escrever por meio
de práticas e materiais reais de leitura e escrita.
A proposta de leitura do mundo ampliada pela leitura da palavra, de Paulo Freire, se coaduna melhor com o
que se constrói aqui. Não concordamos com a aproximação entre a noção de letramento e a proposta de leitura do
mundo de Freire. A noção de letramento tem sido associada a práticas sociais de leitura e escrita; a leitura de mundo
extrapola estas práticas em natureza e caráter, especialmente pelo viés filosófico que envolve.
O processo de alfabetização envolve conhecimento fundamental para o processo de escolarização, vinculado
ao valor social da leitura e da escrita e à abertura para a inserção dos sujeitos no vasto mundo da escrita. Envolve
outros aspectos e conhecimentos também: novas formas de existência e participação política, ligadas à compreensão
de múltiplas linguagens sociais e gêneros discursivos e à possibilidade de transformação dessas linguagens e gêneros,
e também de criação de novos.

1001
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

______. As muitas facetas da alfabetização. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 52, p. 19-24, fev. 1985.

______. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.


A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 41 ed SãoPaulo:Cortez, 2001.
Autêntica, 1998. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione (Série Pensamento e Ação no Magistério), 1991.
GADOTTI, M. “A Voz do Biógrafo Brasileiro: A Prática à Altura do Sonho”. In. GADOTTI, M. (org.). Paulo Freire: Uma
Bibliografia. São Paulo: Cortes, 1996.
LEMME, Paschoal. O Manifesto da Educação Nova e suas repercussões na realidade educacional brasileira. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, v.86, n. 212, p.163-178, jan./abr. 2005.
LIMA, Hermes. Anísio Teixeira Estadista da Educação. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1978.
NETO, Hermano Gouveia. Anísio Teixeira – Educador Singular. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília. Carta: Fala Reflexões, memórias/informe de distribuição restrita
do Senador Darcy Ribeiro. Brasília: Gabinete do Senador Darcy Ribeiro, 1991.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
SOARES, Magda. O que é letramento. São Paulo: Diário do grande ABC, 2003.
TEIXEIRA, Anísio Spínola. A educação escolar no Brasil. In: FORACCHI, Marialice M.; PEREIRA, Luiz. Educação e
sociedade: leituras de sociologia da educação. 12 ed. São Paulo: Editora Nacional, p. 388-413, 1985.
TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação é um direito. São Paulo: Editora Nacional, 1967.

1002
O CONTEXTUALISMO LINGUÍSTICO PARA A COMPREENSÃO
DA ABORDAGEM DE LORIS MALAGUZZI

Milian Daniane Mendes Ivo Silva1

RESUMO: O objetivo do presente artigo consiste em analisar as contribuições teóricas e metodológicas pro-
postas pelo historiador britânico Quentin Robert Duthie Skinner para pensar a escrita da história. A partir da leitura
de alguns de seus principais textos metodológicos, especialmente Visões Politicas sobre os Métodos Históricos, buscando
compreender as questões centrais que fundamentam o “contextualismo linguístico”. Ao longo de sua obra, o que
mais mobilizou Skinner foi o trabalho de problematizar a dimensão da interpretação dos significados contidos em
textos passados, procurando para isso compreender em que termos autores, textos, contextos e linguagem devem
ser articulados pelo historiador ao investigar uma obra histórica, um conjunto de ideias, um enunciado ou o pensa-
mento de um determinado autor. Com esse aporte teórico metodológico da perspectiva skinneriana, foi analisada
os aspectos epistemológicos de uma experiência concreta na educação da primeira infância que surge no início da
segunda metade do século XX, no norte da Itália, na cidade de Reggio Emilia, e de lá se expande para o mundo. Esta
pedagogia, que tem como mentor e precursor o pedagogo e psicólogo italiano Loris Malaguzzi, afirma que a criança
é um ser social e histórico. Assim, essa experiência educativa torna-se com o passar do tempo, uma rede de escolas
para crianças pequenas, nas quais o potencial intelectual, emocional, social e moral de cada criança é cuidadosamente
cultivado e orientado. Princípios que fazem a cidade de Reggio Emilia ser mundialmente reconhecida como cidade
educadora de primeira infância, essa experiência educacional ficou conhecida como Abordagem de Reggio Emília.
Compreende-se elementos importantes como a imagem da criança que também pode nos ensinar, a criança como
sujeitos únicos, com direitos, em vez de simplesmente com necessidades. Visão e entendimento de criança que se
contrapõe ao modo como até então se entendia o papel da infância nos processos de ensino e aprendizagem; um olhar
desvinculado do caráter assistencialista. Assim, Malaguzzi, tornou-se promotor de uma filosofia da educação inova-
dora, criativa, capaz de valorizar o patrimônio de potencialidades e recursos que emergem das diferentes linguagens
das crianças, tornando a Abordagem de Reggio Emilia um objeto de estudo para estudiosos da educação, em especial
para os pesquisadores da infância.
Palavras-Chave: Contextualismo Linguístico, Loris Malaguzzi e abordagem pedagógica de Reggio Emilia

INTRODUÇÃO

Os historiadores da Escola de Cambridge na década de 60 elaboraram sua metodologia a partir algumas críticas
aos pressupostos fundamentais da história das ideias tradicionais. Sendo, o anacronismo de se pensar categorias polí-
ticas e conceitos com o olhar do presente, já a abordagem textualista que trata o texto como autônomo no seu contexto
de surgimento, Barros (2015).
É na tentativa de compreender a abordagem italiana na sua gênese, esquivando de possíveis anacronismos, que
recorre-se ao pensamento de Pocock, na seguinte passagem:

O presente de necessidades práticas em que os atores do passado se encontravam não é imediatamente acessível,
dado que só pode ser alcançado pela mediação da linguagem que usavam. As leituras e as respostas ao texto são
importantes como forma de apreender os desafios que os textos colocaram às estruturas normais do discurso.
(POCOCK, 2003, p. 38)

1 Graduada em Letras e Pedagogia (UEG). Mestra em Desenvolvimento Regional (UNIALFA-GO). Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Educação da PUC-GO. Membra do grupo de Pesquisa: Estudos e Pesquisas, Pensamento Educacional Brasileiro.
E-mail>milian_daniane@yahoo.com.br

1003
Nesse mesmo sentindo que será analisada a entrevista feita com Loris Malaguzzi para pesquisa dos norte-ame-
ricanos Carolyn Edwards, Leila Gandini e George Forman, realizadas nas escolas de Reggio Emília na Itália nos anos
90, traduzidas em dois volumes intitulados: As cem linguagens das crianças.
Desta forma é possível conhecer o cotidiano e as características dessa abordagem educacional tão conceituada,
cujo objetivo de Malaguzzi era construir uma escola voltada à primeira infância tendo como pressuposto valorizar o
potencial intelectual, emocional, social, moral de cada criança.

O CONTEXTUALISMO LINGUÍSTICO: CONTRIBUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DA


HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

A Escola de Cambridge era composta por historiadores ingleses ao longo da década de 1960, os quais buscavam
uma nova perspectiva metodológica que apreendesse adequadamente o contexto e o significado das ideias do passado.
Quentin Skinner é considerado o principal autor desta perspectiva e, em seu ensaio clássico “Meaning and Understan-
ding in the History of Ideas”, publicado em 1969, ele procurou demonstrar que as tendências contextualista e textualistas,
dominavam os estudos da história das ideias e do pensamento político moderno.
Nessa perspectiva Vieira (2017) reforça a tese afirmando que o modelo contextualista, usado entre os historia-
dores das ideias, insistia em que é o contexto dos fatores religiosos, políticos e econômicos que determinam o signi-
ficado de qualquer texto dado, constituindo-se assim como algo que deveria prover a estrutura última para qualquer
esforço de compreensão das ideias. O outro modelo é o textualista, usado por críticos literários e os historiadores da
filosofia, os quais insistiam na autonomia do texto em si mesmo, dispensando, portanto, qualquer recorrência à in-
formações contextuais, consideradas como externas aos texto.
A luz de Skinner, as duas tendências se apresentavam como modelos metodológicos inadequados à compreen-
são de qualquer texto literário ou filosófico, já que ambas seriam responsáveis pela produção de um conjunto de mito-
logias históricas que conduziriam tão somente a conclusões equivocadas e a uma infinidade de confusões conceituais.
Dentre as mitologias destacam-se a mitologia das questões perenes, sendo,

Nesta chave interpretativa, algumas ideias, literalmente, não têm história, pois seguem indefinidamente rever-
berando seus significados em diferentes circunstâncias históricas. Noções como liberdade, justiça ou virtude, por
exemplo, perpassam a história do pensamento de Platão a Locke, sem qualquer descontinuidade. Para Skinner, não
existe um conjunto fixo e limitado de questões existenciais, políticas, epistêmicas ou morais sobre as quais pensa-
dores de culturas e temporalidades diversas se empenharam em responder. Essa visão da história do pensamento
só é passível de ser representada se deslocarmos os termos, próprios das múltiplas tradições intelectuais, dos seus
lugares específicos de enunciação. O efeito desse deslocamento é a construção de um plano eminentemente lógico
e histórico, designado, na expressão de Baumer, como debate de questões perenes (SKINNER, 2002 apud VIEIRA,
2017, p. 38).

A segunda mitologia enunciada por Skinner é a denominada “mitologia da coerência” e surge quando histo-
riadores tentam forçosamente “fechar” um sistema na obra de autores clássicos, ou mesmo forçar um entendimento
estritamente coerente de toda sua obra – com isso, se tornaria obrigatório para o autor ter uma “coerência interna” e
um “dever” para o historiador revelar esta coerência (ibid., p.16 – 22).
A terceira mitologia é a da “prolepse”, quando o historiador está mais interessado na significação retrospectiva
de certa obra histórica do que no seu significado para o próprio agente do trabalho. A característica dessa mitologia
está na discrepância entre o significado que um observador pode dizer encontrar em dada afirmação e o significado
real da mesma (ibid., p.22-24).
Skinner fala sobre a “mitologia do paroquialismo”, que ocorre quando o historiador segue padrões de classi-
ficação atuais e ao identificar alguma familiaridade em um “mundo passado”, que não lhe é comum, constrói uma
“identidade entre o universo mental do autor do passado e o seu próprio universo atual de crenças, produzindo uma
falsa familiaridade entre culturas muito distintas” (SILVA, 2010, p. 304).

1004
As mitologias acima descritas possuem uma característica em comum e, cuja denominação dada por Skinner
(1988) de anacronismos, especialmente o de atribuir à autores e textos considerações, intenções e significados que, em
contextos históricos originais, jamais reconheceriam como sendo seus.
Mediante a essa metodologia que será feita analise da abordagem de Reggio Emilia2,

A experiência pedagógica de Reggio Emilia é uma história que vem perpassando mais de quarenta anos e que pode
ser descrita como um experimento pedagógico em toda uma comunidade. Como tal, ela é única; até onde temos
conhecimento, jamais houve algo assim antes (RINALDI, 2014, p. 23).

Faz se necessário uma breve análise do sistema educacional de educação Infantil de Reggio Emília e suas afir-
mações à teoria contextualizando as vivências inspiradoras do sistema italiano aos estudos e práticas, considerando-
-os como aspectos importantes para um diálogo contemporâneo de escola para crianças de 0 a 6 anos.

A CONSTRUÇÃO DA ABORDAGEM DE REGGIO EMÍLIA

O sistema educacional de Reggio Emília segundo Edwards, Gandini e Forman (2016), desenvolveu-se na re-
gião de Emilia Romagna, norte da Itália, até chegar ao patamar de excelência reconhecida mundialmente. Tem como
expoente o pedagogo Loris Malaguzzi3 responsável por delinear a prática pedagógica adotada pela cidade.
O sistema educacional público sempre esteve muito ligado a direção da Igreja Católica, na Itália, “historica-
mente, a educação precoce na Itália tem sido uma presa da emaranhada teia de relações entre a Igreja e o Estado.”
(EDWARDS,1999, p. 30)
A educação da primeira infância italiana desvincula da igreja Católica após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Loris Malaguzzi participou de forma efetiva desse processo de transição da administração da Educação Infantil.
Com apenas seis dias após o fim da Segunda Guerra Mundial no ano de 1945, (EDWARDS, 1999) em uma
cidade vizinha, Malaguzzi ouve que pais haviam se unido para construção de uma escola para as crianças. O cenário
das cidades nesse período era de devastação, Loris interessado na história foi para o vilarejo chamado de Villa Cella,
cuja localização era próxima a cidade de Reggio Emilia. Segundo, Loris:

Esta ideia pareceu-me incrível! Corri até lá em minha bicicleta e descobri que tudo aquilo era verdade. Encontrei
mulheres empenhadas em recolher e lavar pedaços de tijolos. As pessoas haviam-se reunido e decidido que o di-
nheiro para começar a construção viria da venda de um tanque abandonado de guerra, uns poucos caminhões e
alguns cavalos deixados para trás pelos alemães em retirada. (MALAGUZZI, 1999, p. 59)

No ano de 1963 foi entregue a primeira escola para primeira infância com iniciativa do município para o siste-
ma de administração dos pais, totalmente sem vínculo com a doutrina e os ensinamentos cristãos católicos. Segundo
Malaguzzi (1999) era um prédio de madeira e foi dado o nome de Robinson, com atendimento para 60 crianças, dona
da sua própria identidade, sua própria abordagem. A desvinculação da Igreja Católica e a autonomia de um escola
de educação infantil dentro de princípios laicos fez a instituição religiosa levar a frente uma campanha de difamação
contra a escola nascente. Para Malaguzzi:

Outro fato, ainda, que em minha opinião explica o ataque sobre nossas escolas, foi o rápido crescimento da influên-
cia cultural de nossa experiência. Nosso trabalho, os seminários, os encontros e as publicações haviam contribuído
para um reconhecimento nacional de nossas escolas operadas pela municipalidade. (MALAGUZZI, 1999, p. 65).

2 A abordagem pedagógica adotada pela cidade de Reggio Emilia, localizada ao norte da Itália, para Educação Infantil é referência de qualidade
reconhecida mundialmente. Teve como idealizador o professor Loris Malaguzzi, no qual delineou a abordagem pedagógica centrada na
criança e em todas as suas linguagens. (EDWARDS,1999)
3 Loris Malaguzzi graduado em Pedagogia e iniciou sua carreira como um professor da escola primária em 1946. Em 1950, ele qualificou-se
como um psicólogo educacional e fundou o Centro Médico Psicopedagógico de Reggio Emilia onde trabalhou por mais de vinte anos.   Em
1963 ele começou a trabalhar com a administração da cidade em abrir as primeiros pré-escolas municipais. Malaguzzi dirigiu essa rede de
escolas por vários anos com outros colegas próximos e definiram o seu projecto cultural.   Ele era assessor do Ministério da Educação, diretor
das revistas Zerosei e Bambini, e em Reggio Emilia, em 1980, fundou o Grupo Nacional Infanzia Nidi. (RABITTI, 1999)

1005
A abordagem de Reggio Emilia ganhou destaque mundial 1991 com a edição de dezembro da revista norte-a-
mericana Newsweek que listava as 10 melhores escolas do mundo, a Escola Diana, da rede de Reggio Emilia, foi eleita
a melhor do mundo para crianças de até seis anos (NEWSWEEK,1991, p. 50-59).
Loris Malaguzzi morreu em 1994, entretanto, o sistema municipal de Educação Infantil da cidade de Reggio
Emilia, bem como as pessoas envolvidas nesse processo que trabalhavam com Malaguzzi, continuaram a estudar e a
desenvolver pesquisas que deram continuidade a essa abordagem pedagógica.

A BASE EPISTEMOLÓGICA DA ABORDAGEM ITALIANA

O contextualismo linguístico possibilita à História da Educação pensar o discurso educacional com base em seus
contextos de produção, circulação e recepção. Essa opção favorece a escrita de uma história da educação articulada
à história das linguagens, da circulação dos saberes, das profissões ligadas à esfera cultural, das formas de trans-
missão da cultura e dos meios e dos lugares institucionais de construção do conhecimento. (VIEIRA, 2017, p. 53)

Nos anos de 1960, pós duas décadas sob controle do fascismo, que impedia o contato com as teorias americanas
e europeias, tornavam-se conhecidas na Itália às obras de John Dewey, Henri Wallon, Ovide Decroly, Lev Vygotsky,
entre outros. Nesse momento fazem parte dos estudos de Loris Malaguzzi as técnicas de ensino de Celestine Freinet
e as pesquisas de Piaget.
Na década de 1970 as influências no meio educacional eram de psicólogos, filósofos e teóricos, como Howard
Gardner, David Hawkins e Charles Morris.
Segundo Edwards et al (1999, p. 21), faz parte da abordagem Reggio Emilia um conjunto de posições filosófi-
cas, curriculares e pedagógicas, bem como um método de organização escolar e desenhos de ambientes. Malaguzzi
(1999) descreve em linhas gerais os fundamentos filosóficos e ideias básicas desta abordagem. Segundo ele, na década
de 1960, as principais influências filosóficas e educacionais que receberam se originaram dos trabalhos de Dewey,
Wallon, Claparède, Decroly, Makarenko, Vygotsky, Erikson, Brofenbrenner, Bovet, Ferrière, Freinet e Piaget.
Na década de 1970, as principais influências do trabalho desenvolvido em Reggio Emilia foram as de Carr,
Shaffer, Kaye, Kagan, Gardner, Hawkins, Moscovici, Morris, Bateson, Von Foerster e Varela. Para Malaguzzi, é
essencial focar e centrar na criança o trabalho pedagógico, embora considere essa centralidade insuficiente se não
incluir as famílias e professores também no centro deste interesse.

A partir dessas fontes, recebemos ideias que persistiram e outras que não duraram muito – tópicos para discussão,
razões para descobrirmos conexões, discordância com as mudanças culturais, ocasiões para debates e estímulos
para conformarmos e expandirmos práticas e valores. E no geral, obtivemos um senso de versatilidade da teoria e
das pesquisas (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p. 70).

Sobre a influência de Piaget (1974) em seu trabalho e sobre as divergências em alguns pontos, Malaguzzi dizia,

Agora podemos ver claramente como o construtivismo de Piaget isola a criança. Como resultado, olhamos cri-
ticamente esses aspectos; a subvalorização do papel do adulto na promoção do desenvolvimento cognitivo [...],
a distância interposta entre pensamento e linguagem [...], o modo como o desenvolvimento cognitivo, afetivo e
moral é tratado em trilhas separadas e paralelas [...] (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p. 92).

No entanto no conceito sobre o aprender e ensinar, Malaguzzi reafirma a ideia de Piaget.

Piaget (1974) alertou-nos de que deve ser tomada uma decisão sobre ensinar esquemas e estruturas diretamente ou
apresentar à criança situações ricas de solução de problemas, nas quais a criança aprende ativamente a partir delas,
no curso da exploração. O objetivo da educação é aumentar as possibilidades para que a criança invente e descu-
bra. As palavras não devem ser usadas como um atalho para o conhecimento. Como Piaget, concordamos que o
objetivo do ensino é oferecer condições para a aprendizagem (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p. 93).

1006
Para Piaget, objetivo do ensino é oferecer condições de aprendizado, mas compreenderam certa fraqueza quan-
do a teoria descontextualiza e isola a criança. O que levou a experimentarem outra concepção, a de que o aprendizado
das crianças se dá por meio de inter-relações, situando-se assim num contexto sociocultural, o que requer a constru-
ção de um ambiente que permita a interdependência e interação.

Quanto mais ampla for a gama de possibilidades que oferecemos às crianças, mais intensas serão suas motivações
e mais ricas suas experiências. Devemos ampliar a variedade de tópicos e objetivos, os tipos de situações que ofe-
recemos e seu nível de estrutura, os tipos e as combinações de recursos e materiais e as possíveis interações com
objetos, companheiros e adultos. (MALAGUZZI,1999, p. 90)

Segundo Rinaldi4 (2014), a má interpretação da ideia de Piaget nos anos 70, levou Reggio a experimentar aquilo
que resultaria em outra concepção pedagógica. Esses equívocos nos remete as mitologias descritas por Skinner.

Desse modo, vieram a adotar uma perspectiva social construtora, na qual o conhecimento é visto como parte de
um contexto dentro de um processo de produção de significados em encontros contínuos com os outros e com o
mundo, e a criança e o educador são compreendidos como construtores do conhecimento e da cultura. Tal pers-
pectiva permitiu aos educadores de Reggio Emilia abrirem-se para os preciosos insights sobre o psicólogo russo
Lev Vygotsky (RINALDI, 2014, p. 28).

A abordagem de Vygotsky também está em concordância de como é visto o ensino e aprendizagem em Reggio
Emilia, “Vygotsky lembra-nos de como o pensamento e a linguagem operam juntos para a formação das ideias e para
o planejamento da ação e, depois, para a execução, controle, descrição e discussão desta ação.” (EDWARDS, FOR-
MAN e GANDINI, 1999, p. 95).
Para Rinaldi (2014), outra inspiração foi John Dewey, que via o aprendizado como um processo ativo e não
uma transmissão pré-moldada de conhecimento. Como ele argumentou, o conhecimento é construído nas crianças
por meio das atividades, com experimentações pragmáticas e livres, e com participação nas atividades. Muitas foram
às ideias e inspirações geradas ou encontradas e para colocá-las em prática foi preciso avançar com a prática educa-
cional, sempre buscando maneiras de ligar as teorias aos problemas do trabalho diário.

Nossas teorias vêm de diferentes áreas e meditamos sobre elas bem como sobre os eventos que ocorrem em nossas
próprias mãos. Contudo, uma teoria unificadora da educação que resume todos os fenômenos do ato de educar não
existe (e jamais existirá). Entretanto, realmente temos um núcleo sólido em nossa abordagem em Reggio Emilia
que vem diretamente das teorias e experiências da educação ativa e encontra realização em imagens particulares da
criança, do professor, da família e da comunidade. Juntas, produzem uma cultura e um sociedade que conectam, ativa
e criativamente, o crescimento tanto individual quanto social (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p. 97).

A abordagem dos educadores de Reggio Emilia, foi concentrar-se na observação das crianças, em processos e
teorias estratégicas sobre a infância no intuito de estudar, analisar e refletir sobre suas bases epistêmicas, daí extrair
suas contribuições.

Os educadores de Reggio Emilia reuniram teorias e conceitos de diversos campos diferentes, não apenas da educa-
ção, mas também da filosofia, da arquitetura, da ciência, da literatura e da comunicação visual. Eles relacionaram seu
trabalho a uma análise do mundo mais amplo e de seus contínuos processos de mudança (RINALDI, 2014, p. 24).

Para Rinaldi (2014) os professores não apenas trouxeram teorias e conceitos de vários lugares e diversas ciên-
cias, também refletiram sobre eles e os experimentaram, criando os próprios significados e implicações para a prática
pedagógica.
Na abordagem de Reggio Emilia o papel do professor centraliza-se na provocação de oportunidades de desco-
bertas, através de estimulação do diálogo, de ação conjunta e da co-construção do conhecimento pela criança.

4 Presidente da Reggio Children e professora de Pedagogia da Universidade de Modena e Reggio Emilia. Ela trabalhou lado a lado com Loris
Malaguzzi no sistema infantil e pré-escolar de Reggio Emilia, onde foi a primeira coordenadora pedagógica.

1007
[...] quando as crianças trabalham em um projeto de interesse para elas, encontrarão naturalmente problemas
e questões que desejarão investigar. O papel dos professores é ajudá-las a descobrir seus próprios problemas e
questões. Nesse ponto, não oferecerão soluções fáceis, mas ao invés disso, ajudarão as crianças a focalizarem-se
em um problema ou dificuldade e a formularem hipóteses. Seu objetivo não é tanto “facilitar” a aprendizagem no
sentido de “tornar fácil ou leve”, mas, ao contrário, procurar “estimular”, tornando os problemas mais complexos,
envolventes e excitantes. [...] servem como seus parceiros apoiando-as e oferecendo auxilio, recursos e estratégias
para que possam prosseguir quando encontram dificuldades (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p. 164).

Dessa forma, o professor provoca a criança e potencializa seu crescimento, em especial porque se propõe a
escutá-la. Essas atividades de reflexão são essenciais para o desenvolvimento do professor, pois dá lhe a ferramenta
para ser um produtor de pesquisas, ou seja, alguém que gera novas ideias sobre o currículo e sobre a aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para os estudiosos do contextualismo linguístico, a linguagem de um autor é passível de ser acessada pela mate-
rialidade textual das fontes, de maneira que as intenções de quem realiza um ato de comunicação bem-sucedido deve,
por hipótese, ser apreensíveis publicamente (SKINNER, 2002 apud VIEIRA, 2017. p.52).
Assim, o uso das premissas metodológicas pautado pela materialidade textual de Reggio Emília, possibilita
uma compreensão da epistemologia malaguzziana. Que pode ser definida como uma abordagem única, com mais de
60 anos de experiências, mudanças e constantes aprimoramentos de suas práticas, caminha escrevendo sua própria
história e desenhando sua teoria, porém jamais descartam os acertos de teóricos tão importantes que deixaram mar-
cas positivas a serem aproveitadas e melhoradas na contemporaneidade, considerando sempre as novas descobertas
científicas que agregam valores novos a pensar a educação.
É necessário continuar estudando a criança, a infância e abordagens pedagógicas, em especial de Malaguzzi,
pois os textos recorridos para o construto desse artigo, demonstram uma pedagogia inovadora, criativa que valoriza
as múltiplas relações e as diferentes linguagens da criança e que tem na arte sua finalidade, ou seja, a criança tem a
possibilidade de ser sujeito histórico. Uma filosofia de vida contida no poema5 de Loris Malaguzzi:
Ao contrário, as cem existem
A criança
é feita de cem.
A criança tem cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
modos de escutar
de maravilhar e de amar.
Cem alegrias
para cantar e compreender.
Cem mundos
para descobrir.
Cem mundos
para inventar
Cem mundos
para sonhar.
5 Poesia de Loris Malaguzzi: Invece il cento c’è publicada in: Edwards, C., Gandin, L. i Forman, G. I cento linguaggi dei bambini. Edizione
Junior, Italia, 1995 e recente mente publicada em português pelas Artes Médicas como: As Cem Linguagens da Criança. (trad. Patrícia
Chittoni Ramos). Porto. Alegre: Artes Médicas, 1997.

1008
A criança tem
cem linguagens
(e depois cem cem cem)
mas roubam-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
de pensar sem mãos
de fazer sem a cabeça
de escutar e de não falar
de compreender em alegrias
de amar e de maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
de descobrir um mundo que já existe
e de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho são coisas
que não estão juntas.
Dizem-lhe enfim:
que as cem não existem.
A criança diz:
ao contrário, as cem existem

(MALAGUZZI, 1995)

Para não finalizar, a ressignificação do entendimento de criança e a introdução de uma abordagem pedagógica,
cujo o foco estão nas relações que se estabelecem entre a criança e os saberes, nos tempos e espaços, pelo reconheci-
mento da escuta, da observação e da atenção como elementos fundamentais ao processo (EDWARDS, 1999).
Cabe ao professor papel de mediador, criando situações de aprendizagem em que os sujeitos se posicionem
ativamente, por meio de metodologias que estimulem a investigação, as experiências e as descobertas.

REFERÊNCIA

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1010
O COTIDIANO COMO POSTURA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA
PESQUISA HISTÓRICA EM EDUCAÇÃO

Diogo Mendes de Brito – PPGE-UFG1

Resumo: A vida cotidiana, na perspectiva da pensadora Agnes Heller (1929), se configura como sendo a essên-
cia das relações sociais, pois nenhum homem está fora desta forma particular de vivência social, o que faz, portanto,
ser a vida cotidiana um “componente” central da própria história. Todos vivem, sem exceção, inteiramente o cotidia-
no, isto é, toda sua particularidade - emocional, intelectual, ou seja, particularidades gestadas no âmbito social. Sendo
assim, o presente trabalho pretende apontar a vida cotidiana como uma categoria de análise, a partir de uma postura
teórico-metodológica de pesquisa histórica em educação, partindo, inicialmente, dos aspectos da vida cotidiana tal
como faz a pensadora de Budapest.
Palavras-chave: Vida Cotidiana, Cotidiano, História, Teoria, Método.

O COTIDIANO NA HISTÓRIA – CULTURAL E MATERIALISTA

Para historiadores como Benedetto Croce (1866 – 1952) e Marc Bloch (1886 – 1944), Lucien Febvre (1878 –
1956), toda a história – escrita – se configura como sendo uma forma de produção “científica”2 onde sempre haverá
uma particular relação temporal em que passado e presente estão intimamente ligados, tal que ao olhar para o passado,
a história o faz em função de algumas necessidades atuais – presente. Sendo, portanto, toda história uma “história
contemporânea” (LE GOFF, 2013, p. 28). A chamada “função social da história” se dá neste sentido.
Esta relação temporal entre passado e presente é, para o historiador francês, terreno fértil, por um lado, dado o
fato de ser no passado que o presente encontra seu sentido mais completo, mas perigoso por outro, já que o passado
estará sempre sendo um refém do (a) historiador e todos os elementos do presente – ideológico, político, sentimental
e outros – que o cercam. Esta “função social” da história não anula o seu caráter científico, mas não isenta esta forma
particular de produção científica – a história – de estar carregada de elementos subjetivos do (a) historiador (a) que
se faz presente, mesmo que de forma quase imperceptível, em todas as fases de sua pesquisa – da escolha do objeto, à
metodologia de pesquisa e referenciais teóricos dentre outros elementos. É neste sentido que se entende hoje em dia
não haver uma muralha da China que separe o (a) historiador (a) do seu objeto de estudo, no que se refere à neutra-
lidade científica como a que ocorre nas ciências naturais – física, química, biologia e etc.3 O estudo da vida cotidiana
se configura como sendo mais um elemento de pesquisa que ajuda na “neutralidade” científica da pesquisa histórica.

A Vida Cotidiana na História Cultural


Enquanto uma categoria de pesquisa científica que é ao mesmo tempo objeto, teoria e método, a vida cotidiana
é um elemento de reivindicação analítica quase que unanime das ciências sociais – Sociologia, Assistência Social – e
da Educação quando esta tem interesse de analisar aspectos particulares da vivência dos atores inseridos em deter-
minado processo educacional. Na História, a vida cotidiana tem seu lugar como um rico objeto de estudo em que a

1 Mestrando do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. E-mail: diogomendesdebrito@
gmail.com.
2 Le Goff partilha da ideia de que a história não deve ser entendida como uma ciência tal como as ciências da natureza, mas como uma
atividade cientificamente elaborada (LE GOFF, 2013).
3 Mesmo nas ditas ciências da natureza, há certo envolvimento subjetivo do pesquisador e seu objeto. A exemplo disto pode-se citar as
experiencias realizadas com seres humanos por médicos nazistas, a apropriação dos estudos de Darwin na construção do chamado darwinismo
social e outros.

1011
história, valendo-se de outras formas de atividade científica passa a olhar para seu objeto levando em conta aspectos
antes ignorados por ela.

Através da arqueologia o historiador se veria compelido a estudar a cultura material e os vestígios de práticas ca-
pazes de lhe explicar a vida diária das populações. Os instrumentos de trabalho, os restos alimentares, os utensílios
ou mobiliários presentes no dia-a-dia de diversas culturas seriam interprestados com igual dimensão científica ou
estética que a empregada para análise das “grandes obras de arte”” (PRIORE. 1997. p. 261. Grifo da autora).

Mas não só da Arqueologia uma “História do cotidiano” se baseia.

Além da arqueologia, correntes mais profundas viriam alimentar essa abordagem histórica. Incentivada por Lu-
cien Febvre, uma certa democratização da história no sentido de dar voz aos humildes encontra na história do
cotidiano aplicação prática; somada a ela, correntes sociológicas sob as mais diversas formas e teorias fizeram do
“coletivo” e da cultura de massas o seu campo e investigação, contribuindo para aumentar os atrativos do estudo
do cotidiano (PRIORE, 1997, p. 262. Grifos da autora).

Há uma “História do cotidiano”, mas não como uma corrente de pensamento histórico específica, dotada de
teorias e metodologias históricas próprias. Nesta abordagem histórica – História do cotidiano –, a vida cotidiana se
configura como sendo apenas o objeto de estudo para onde os olhos do (a) historiador (a) estarão voltados, desde que
este olhar esteja sob a lente de uma determinada corrente de pensamento histórico.4 Não obstante a isto é que “numa
tentativa de definição, Le Goff diz que a História do cotidiano se situaria no “cruzamento de alguns novos interesses
da história” (PRIORE, 1997, p. 261. Grifos da autora). Reforçando o que foi exposto no parágrafo acima, destacamos
esta afirmativa da autora:
Mas vale sublinhar que, no entender de Le Goff, o cotidiano só tem valor histórico e científico no interior de uma
análise de sistemas históricos que contribuam para explicar seu funcionamento; ele exemplifica invocando a socie-
dade feudal de Marc Bloch, particularmente os capítulos sobre as formas de sentir e pensar, intimamente ligadas a
uma análise cerrada da sociedade feudal; ou o processo civilizador de Norbert Elias, um estudo da cultura europeia
através da vida cotidiana desde a sociedade de corte à das Luzes (PRIORE, 1997. p. 262. Grifos da autora).

Aqui, entende-se que uma “História do cotidiano” propriamente dita, seria mais um elemento formador de
análise e pesquisa de outra corrente histórica já definida teórica e metodologicamente falando: a História Cultural.
Mesmo sob uma complexa unificação de entendimento do que venha a ser esta corrente de pensamento histórico, a
História Cultural tem na amplitude teórica e metodológica a sua particularidade: ao mesmo tempo que estuda a busca
de significados, se volta para as práticas sociais, as representações, estudo dos símbolos e linguagens – narrativas – e
etc.; todos elementos teórico-metodológicos que ajudam a “decifrar” as particularidades da vida cotidiana em cada
tempo e espaço, o que não significa ainda que o cotidiano tenha seu espaço independente na História com seus mé-
todos e teorias próprios.
Estes elementos – e outros – tem como alicerce de entendimento o conceito básico de representação, que ou-
samos dizer aqui, ser a “peça chave” para se entender a História Cultural. É sob ela, a representação, que os homens
constroem e reconstroem o mundo, sendo o alicerce das condutas e práticas socialmente estabelecidas:
As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os
homens percebam as realidades e pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais,
dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo
por meio das representações que constroem sobre a realidade (PESAVENDO, 2005. p. 39).

Com a “lente da representação”, há agora uma história das representações da estrutura social, há uma história
do trabalho que inclui as mulheres trabalhadoras, as representações das mulheres em forma de deusas, prostitutas,
4 É importante ressaltar que Le Goff credita a outro brilhante historiador, Fernand Braudel (1902 – 1985), a principal contribuição para
que o cotidiano se tornasse um importante elemento de análise histórica, tirando a vida cotidiana do lugar fútil que sempre teve na história.
Para Braudel, os “códigos alimentares” e as vestimentas eram fatores mais determinantes da/na vida social do que organizações políticas –
instituições – ou princípios jurídicos e administrativos. (PRIORE, 1997).

1012
a mulher no seu papel de mãe, de feiticeiras, a representação do outro, as representações contidas na literatura, na
arte e outros (BURKE, 2005). A vida cotidiana se faz presente na história cultural enquanto manifestação de uma
representação, desde que se entenda ser a vida cotidiana um tipo de manifestação humana em que a reflexão é quase
ausente, tendo em vista que “nessas atividades, é mais o gesto mecânico e automatizado que as dirige que a consci-
ência” (NETTO; CARVALHO, 2012, p. 23). A correlação entre representação e vida cotidiana pode ser entendida
a partir do momento em que as representações se dão de forma natural, simbólica, sem uma necessária presença de
reflexividade:

As representações são também portadoras dos simbólico, ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou
enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente
coletivo e se apresentam como naturais, dispensando reflexão (PESAVENTO, 2005, p. 41).

A vida Cotidiana no Materialismo histórico-dialético

Há uma premissa básica de se entender a história pela ótica marxista: a de que a história dos homens é a história
da luta de classe, sendo as contradições sociais, geradas no interior deste antagonismo social e histórico, o resultado
mais direto dos interesses das classes antagônicas.
A história dos homens, na visão de Marx e Engels, está sempre relacionada ao processo de vida real, onde há
uma relação dialética entre o homem, ser dotado de razão, e a natureza, realidade material, tal que a medida em que
o homem modifica seu processo de vida real – material –, ele é também modificado. Ou seja:

A tese fundamental é que o modo de produção da vida material condiciona o processo social, político e intelectual.
Não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas, ao contrário, é seu ser social que determina a
sua consciência (LE GOFF, 2013, p. 94).

Sob a ótica de Marx e Engels, a História ganhou um caráter teleológico: com base em teorias críticas e práticas
revolucionárias, a história dos homens ruma/rumaria ao fim da exploração do homem pelo homem com o advento
do Comunismo – sistema onde o Estado e o direito à propriedade privada dos meios de produção, elementos deter-
minantes no domínio de uma classe pela outra, findando, portanto, as classes sociais e a luta existente entre elas em
toda a história. É neste sentido que em Marx e Engels a vida cotidiana ganha espaço, mas no campo filosófico, já que
esta ganha um novo rumo: o fio condutor da transformação do mundo (NETTO; CARVALHO, 2012)
Para os pensadores, “...todos os conflitos da história têm sua origem na contradição entre as forças produtivas e
o modo das trocas” (MARX; ENGELS, 2014, p. 91). Assim, em toda a história, o Estado serviu sempre a interesses das
ditas classes dominantes, sendo, portanto, o instrumento mais eficiente, mas não absoluto, de supressão dos interes-
ses das classes dominadas, intervindo em qualquer forma de conflito alicerçado nos interesses de classes antagônicas,
servindo, obviamente, aos interesses das classes dominantes.

Sendo o Estado, portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses
comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as instituições comuns pas-
sam pela mediação do Estado e recebem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei repousa na vontade, e, mais
ainda, em uma vontade livre, destacada da sua base concreta. Da mesma maneira, o direito por sua vez reduz-se à
lei (MARX; ENGELS. 2014, p, 74).

O Estado sempre atuou sobre as forças produtivas e nas relações de produção, mesmo que este Estado estivesse,
de certa forma, fragmentado na chamada Alta Idade Média (séc. V ao X). No decorrer da história, a vida cotidiana
não escapou às investidas do Estado, sendo estas investidas mais expressivas no sistema capitalista, já que “a vida
cotidiana, faz algum tempo, é sobretudo o centro de atenção do Estado e da produção capitalista de bens e consumo
(NETTO; CARVALHO 2012, p. 17).
O destaque dado ao Estado aqui está no fato de este ser, como já dito anteriormente, o principal instrumento
controlador de conflitos sociais – de classe – que tem sua base nas contradições geradas pelas relações de produção

1013
de qualquer sistema sociopolítico e econômico vigente. E nestes conflitos e contradições o cotidiano, de forma ine-
vitável, sempre esteve presente, pois ela, “a vida cotidiana não está “fora” da história, mas no “centro” do acontecer
histórico: é a verdadeira “essência” da substância social” (HELLER, 2016, p. 38). As relações de classes sempre foram
relações que se dão no cotidiano, nada escapa a esta forma particular de vida social. Mas afinal, o que se entende por
vida cotidiana?

A VIDA COTIDIANA E SUAS CATEGORIAS

Uma breve pesquisa em um dicionário da língua portuguesa e veremos que o conceito de cotidiano está ligado
à atividade de todos dias, rotineiras, algo ligado a atividades habituais do nosso dia-a-dia.5 No entanto, o conceito de
cotidiano se torna mais complexo quando este se torna objeto de análise social em âmbito geral.
De fato,

A vida cotidiana é aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os dias: é levantar nas horas certas, dar
conta das atividades caseiras, ir para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das crianças, fazer o café da ma-
nhã, fumar o ‘cigarro, almoçar, tomar a cerveja, a pinga ou o vinho, ver televisão, praticar um esporte de sempre,
ler o jornal, sair para um “papo” de sempre etc... Nessas atividades, é mais o gesto mecânico e automatizado que as
dirige que a consciência (NETTO; CARVALHO. 2012, p. 23).

É neste sentido que a vida cotidiana se torna o centro da análise social e histórica, pois todos, sem exceção,
vivem o cotidiano. “A VIDA COTIDIANA é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer
que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico (HELLER, 2016, p. 35. Grifos da autora). No entanto, ela
não é somente a vida de todo o homem, mas do homem como um todo, pois ele está envolvido nesta particular forma
de vida social por inteiro, como afirma a pensadora de Budapeste:

A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de
sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento” todos os seus sentidos, todas as
suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias. O fato
de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma
delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor,
ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses as-
pectos; por isso, não pode aguçá-lo em toda sua intensidade (HELLER, 2016, P. 35).

O homem vive por inteiro a sua cotidianidade, mas não a vive com intensidade. Ou seja, na vida cotidiana o
homem o desabrochar deste homem por inteiro – com suas paixões, ideologias, pensamentos, filosofia, ações e etc –
não se dá de forma total, intensa.
A vida cotidiana é, na perspectiva helleriana, heterogênea e também hierárquica, pois, à medida que as rela-
ções e ações dos homens se dão de forma diversificada, há nestas relações certa hierarquia que as condizem. É neste
sentido que ao nascer, o homem já está imerso à sua cotidianidade, sendo, portanto, a aquisição de certas habilidades
para se viver a vida cotidiana o fator que o torna “independente”. “É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua
cotidianidade” (HELLER, 2012, p. 37).
Os indivíduos inseridos em sua cotidianidade são sempre indivíduos possuidores de características particula-
res e também genéricas, ou seja, realizam atividades relativas ao gênero humano – trabalho –, mas com motivações
subjetivas, com objetivações particulares, por assim dizer. Vale aqui ressaltar que “todas essas tendências são por ela
consideradas como formas necessárias do pensamento e da ação na vida cotidiana; sem elas seria impossível até mes-
mo a sobrevivência (PATTO, 2015, p. 157).

5 O Dicionário Aurélio da Língua portuguesa (2010), traz as seguintes definições sobre cotidiano: Adj. 1. De todos os dias; diário: a vida
cotidiana; 2. Que se faz ou sucede todos os dias; diário: labor cotidiano; complicações cotidianas. 3. Que aparece todos os dias, diário: jornal
cotidiano. 4. Que sucede ou se pratica habitualmente: Machado de Assis faz parte de suas leituras cotidianas. S.m. 5. Aquilo que se faz ou ocorre
todos os dias. 6. O que sucede ou se pratica habitualmente.

1014
A vida cotidiana, na ótica helleriana, tem suas estruturas, suas características próprias, tal como a espontaneida-
de, que é sua característica dominante, pois este se dá por níveis e formas diferentes na atividade cotidiana, atuando
na forma de motivações tanto particulares quanto naquelas atividades próprias do que ela chamou de humano-gené-
rico (HELLER, 2016). Não há como viver o cotidiano de forma calculada, e é por isso que há na vida cotidiana o seu
caráter pragmático, pois “as ideias necessárias à cotidianidade jamais se elevam ao plano da teoria, do mesmo modo
como a atividade cotidiana não é práxis” (HELLER, 2016. p. 55), dando uma característica imediata à vida cotidiana
já que, no cotidiano, o pensamento e a ação andam juntas de forma espontânea, não havendo um muro que separa
aquilo que é correto e verdadeiro.

A unidade imediata de pensamento e ação implica na inexistência de diferença entre “correto” e “verdadeiro” na
cotidianidade; o correto é também “verdadeiro”. Por conseguinte, a atitude da vida cotidiana é absolutamente
pragmática (HELLER, 2016. p. 55).

O pensamento na vida cotidiana, portanto, é pragmático para Agnes Heller, o que o torna ultrageneralizante, ou
seja, formas de pensamentos que tem sua base na própria prática cotidiana e que confirma, provisoriamente, qual-
quer forma de pensamento – juízo – antes consolidado. Ou, nas palavras da própria pensadora da conhecida Escola
de Budapeste, “os juízos ultrageneralizadores são todos eles juízos provisórios que a prática confirma ou, pelo menos,
não refuta, durante o tempo em que baseados neles, fomos capazes de atuar de nos orientar” (HELLER, 2016. p. 58.
Grifo da autora).
Nesta forma de conhecimento dado pelos juízos provisórios, há, segundo Heller, na vida cotidiana a presença
do uso de precedentes no conhecimento das situações que ocorrem no dia-a-dia, onde este “é um “indicador” útil para
nosso comportamento, para nossa atitude” (HELLER, 2016. p. 61), pois sua base sempre está dentro da analogia feita
de situações correntes no presente com as ocorridas no passado, tendo efeito negativo caso o uso de precedentes nos
impeça de observar o novo, aquilo que é único em cada situação (HELLER, 2016). No entanto, o caráter precedente
da vida cotidiana não pode ser confundido com o caráter mimético presente nela, dado que quando fazemos assimila-
ções com os costumes, não agimos conforme preceitos, mas imitamos os outros; “sem mimese, nem o trabalho nem
o intercambio seriam possíveis” (HELLER, 2016. p. 61).
Na vida cotidiana, há um elemento muito importante tanto em nossa atividade e forma de pensar quanto na
forma como vemos, avaliamos e percebemos o outro. Este elemento é a entonação. Nas palavras da de Heller:

A entonação tem uma grande importância na vida cotidiana, tanto na configuração de nosso tipo de atividade e de
pensamento quanto na avaliação dos outros, na comunicação etc. o aparecimento de um indivíduo em dado meio
“dá o tom” do sujeito em questão, produz uma atmosfera tonal específica em torno dele e que continua depois a
envolve-lo. A pessoa que não produz essa entonação carece de individualidade, ao passo que a pessoa incapaz de
percebê-la é insensível a um aspecto importantíssimo das relações humanas (HELLER, 2016, p. 61).

A atuação do homem na vida cotidiana se dá também pelo viés de probabilidades, ou seja, daquilo que pode ser
possível alcançar, mas que entre a atividade realizada e suas consequências existe a presença da probabilidade. Heller
afirma que na vida cotidiana não há uma segurança exata das consequências da ação gestada no interior do cotidiano
“nem tampouco haveria tempo para fazê-lo na múltipla riqueza das atividades cotidianas” (HELLER, 2016, p. 53).
Não há possibilidade de calcular com rigor científico, matemático, por exemplo, todas as nossas ações cotidianas. A
atividade cotidiana é demasiada complexa e múltipla demais para se ter exatidão de todas as ações vividas no dia-a-
-dia. Eis, portanto, o caráter economicista da vida cotidiana, onde a ação realizada se dá com base na probabilidade.
As categorias da vida cotidiana, tal como apontadas por Agnes Heller, se configura como sendo uma das fer-
ramentas de análise social e histórica mais eficazes na tentativa de compreender a complexidade da vida humana em
sociedade. Entendendo o cotidiano como um “manto” que envolve todos os indivíduos em sociedade, sendo este
“manto” analisado de forma categórica, pode-se dizer aqui que aquilo que Henri Lefebvre chamou de “aparentemente
insignificante” passa a ter significado amplo na tentativa de compreender a já complexa e heterogênea vida social.

1015
A VIDA COTIDIANA: TEORIA E MÉTODO

É possível encontrar em várias produções históricas relatos da vida cotidiana, tal como o faz o historiador
Fernand Braudell (1902 – 1985) em sua obra Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV – XVIII (1995),
de modo que se tente compreender as representações sociais de uma época e suas manifestações culturais em geral.
O que não significa, no nosso entender, ainda ser uma postura em que o cotidiano seja a principal fonte teórica e
metodológica do trabalho deste historiador, que na maior parte de sua obra se propõe, na tentativa de compreender
as especificidades culturais de uma determinada sociedade inserida em um singular período histórico, a descrever
algumas ações rotineiras.
Para uma formulação teórica-metodológica em que a vida cotidiana é a base desta faz-se necessário entender
como esta postura se dá na chamada Sociologia da vida cotidiana em que Heller é parte fundamental.
No que se refere a postura teórico-metodológico de determinada produção científica histórica ou sociológica,
a vida cotidiana se diferencia das demais formas de produção de conhecimento científico justamente por esta não
partir de uma teoria para o objeto – cotidiano –, mas do objeto para a teoria, de forma que não haja um despotismo
teórico-metodológico sobre o objeto de análise em si. Isto fica melhor compreendido nas palavras de Maria Helena
Souza Patto:

No marco da sociologia da vida cotidiana, tal como elaborada por Agnes Heller, a análise da realidade investigada
vai além da mera descrição da rotina das práticas sociais, em geral, e das relações interpessoais, em particular.
Trata-se “de uma investigação ampla, que focaliza aspectos da vida social menosprezados pelos filósofos ou ar-
bitrariamente separados pelas ciências sociais”, na qual estes aspectos, aparentemente informes, passam a fazer
parte do conhecimento e são agrupados, não arbitrariamente, mas segundo conceitos e uma teoria determinados
(PATTO, 2015, p. 170).

Nos estudos da vida cotidiana, teoria e método devem caminhar lado a lado. A teoria se desenha de acordo com
o contato do (a) pesquisador (a) com seu objeto de estudo. A este respeito, José Paulo Netto diz que

Trata-se de uma postura teórico-metodológica stricto sensu: o método não é um componente alienável da teoria.
Ele não se forja, também, independente do objeto que se pesquisa – é uma relação necessária pela qual o sujeito que
investiga pode reproduzir intelectualmente o processo do objeto investigado, para apanhar o movimento constitutivo
do ser social – e a reprodução intelectual deste configura a base da teoria mesma (NETTO; CARVALHO 2012, p. 75).

Apesar de esta postura analítica em que o cotidiano se converte como sendo ao mesmo tempo teoria e método
ser de origem dos estudos sociológicos, nos estudos históricos ela se configura como sendo de extrema importância.
Nas correntes de pensamento histórico que descrevemos anteriormente, História Cultural e Materialismo histórico
dialético, há a presença de conceitos como o que vem a ser a representação da criança, da família, elementos cultu-
rais que ligam tais representação a uma identidade coletiva, como quando se fala em família brasileira, assim como
há também o conceito, geralmente ligados à linha materialista, de capitalismo, de sociedade industrial e etc.; o que
não se aplica às teorias cotidianas, dada as particularidades existentes neste aspecto específico da vida social – a vida
cotidiana. Assim sendo, a história se servindo deste tipo de análise, passa a compreender melhor os laços que ligam
as miudezas da vida cotidiana à amplitude analítica da sociedade. Dizendo de outra forma:

Do ângulo de análise do social centrada na vida cotidiana, inexiste a sociedade industrial capitalista, homogênea
no tempo e no espaço, assim como deixa de ter sentido falar em abstrações como a escola pública elementar de
periferia, a família brasileira, a criança carente, o professor primário etc. seus denominadores comuns decorrentes
do fato de serem realidades situadas no mesmo tempo e no mesmo espaço, embora fundamentais à sua compre-
ensão, podem não dar conta, como instrumentos únicos de análise, de sua especificidade (PATTO, 2015, p. 171).

A pesquisa histórica em educação, ao ter como base analítica o cotidiano, onde este é ao mesmo tempo teoria
e método, não parte, ou pelo menos não deveria partir de uma concepção pré-concebida do que venha a ser, por
exemplo, educação da infância, ou educação periférica caso os objetos de análise sejam estes, pois partindo de concei-

1016
tos pré-definidos como estes, o (a) historiador (a) pode não dar conta de explicar as especificidades contidas em cada
realidade cotidiana. Há uma educação da infância, como também há uma educação periférica, mas cada uma com sua
particularidade cotidiana que faz essa visão universalizada se diluir em cada especificidade da vida cotidiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste breve artigo, começamos a falar da “função social da história” que está ligada direta ou indire-
tamente a interesses específicos do presente. Este “uso da história” é um campo ao mesmo tempo fértil e perigoso.
Fértil por ser o passado o principal elemento para se compreender as complexidades sociais e culturais do presente,
mas perigoso por ser o passado um eterno refém dos interesses do presente.
Acreditamos que a vida cotidiana enquanto uma categoria de análise histórica, onde no decorrer desta análise
o objeto de estudo se converte como elemento chave da postura teórico-metodológica da pesquisa, combate direta-
mente alguns interesses políticos e/ou ideológico que possam permear qualquer objeto de estudo do (a) historiador
(a). No que se refere à história da educação, adotar o cotidiano como eixo central da pesquisa se configura como sendo
quase um pré-requisito analítico, já que é pela educação que os indivíduos são inseridos na vida cotidiana.

REFERÊNCIAS:

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo séculos XV – XVIII; Tradução Telma Costa. – São
Paulo: Martins Fontes, 1995.
BURKE, Peter. O que é histórica cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa, coordenação Marina Baird Ferreira
Margarida dos Anjos – 5ª ed. Curitiba: Positivo, 2010.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
GRANJO, Maria Helena Bittencourt. Agnes Heller: filosofia, moral e educação. 5ª Edição – Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
LE GOFF, Jacques. História e Memória; tradução Bernardo Leitão...[et al.]. – 7ª ed. revista. Campinas/SP: Editora da Unicamp,
2013.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista; tradução de Marcos Aurélio Nogueira e Leandro
Konder. 2. Ed. Petrópolis – RJ: Editora Vozes, 2014.
NETTO, José Paulo; CARVALHO, Maria do Carmo Brant. Cotidiano: conhecimento e crítica. 10ª ed. São Paulo: Cortez,
2012.
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4ª ed. revista e
aumentada/ Maria Helena Souza Patto. – São Paulo: Intermeios, 2015.
PESAVENDO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
PRIORE, Mary Del. História do Cotidiano e da vida privada. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs).
Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

1017
O ENSINO SECUNDÁRIO GOIANO:
DAS PRIMEIRAS INCIATIVAS AO PERÍODO DE EXPANSÃO

Ana Maria Gonçalves - UFG/RC1

Resumo: Data de 1778 a primeira iniciativa referente ao ensino secundário em Goiás. Nesse ano a Metrópole
mandou para a Capitania dois professores de latim e um de retórica. Em 1800 mais uma cadeira de latim foi criada
e mantida com subsidio literário. A ordem de criação das escolas régias goianas foi: escola de Gramática Latina do
Arraial de Meia-Ponte, no ano de 1787; escola de Gramática Latina em Vila Boa, no ano de 1788; escola de Retórica
em Vila Boa, em 1791; e escola de Filosofia Racional em Vila Boa, em 1792. As escolas régias funcionaram em Goiás
até 1825. Posterior a essa data, o ensino secundário funcionou por meio de cadeiras isoladas, sendo elas: de Latim,
Retórica, Francês, Aritmética, Geometria e Filosofia. Havia, contudo, dificuldade de provimento em algumas delas.
Um fato marcante é que quase todas as cadeiras foram ocupadas por religiosos. O primeiro estabelecimento de ensino
secundário de Goiás foi o Liceu, criado por lei em 2 de julho de 1846 e inaugurado em 23 de fevereiro de 1847. Até o
ano de 1933, com uma história marcada com dificuldades, o Liceu de Goiás permaneceu como único estabelecimento
público de ensino secundário do estado. Em 3 de março de 1860 foi fundado o Seminário Episcopal. Sua instalação
se deu em 7 de novembro de 1863, pela Resolução Nº 417. O início de seu funcionamento se deu em 1872, tornan-
do-se o segundo estabelecimento de ensino secundário do estado, rivalizando em qualidade com o Liceu de Goiás.
Vale lembrar que alguns raros estabelecimentos de ensino secundário particulares foram criados nessa fase inicial,
dentre eles: o Colégio Nosso Senhor do Bonfim, fundado em Meia-Ponte no ano de 1868, por Francisco Henrique
Raimundo Trigant Des Genettes, e o Ateneu Meiapontense, fundado também em Meia-Ponte, no ano de 1887, por
Vicente da Silva Batista, Luiz Gonzaga Jaime e Brás Aristófanes de Pina. Esses estabelecimentos funcionaram por
pouco tempo. Durante as décadas de 1920-1930 as relações entre Estado e Igreja Católica foram reatadas, não só nos
estados, mas a nível de nação. Iniciava-se, assim, um processo de colaboração entre essas duas instituições, processo
esse que se manteve até meados de 1960. No que tange ao processo de expansão do ensino secundário no estado de
Goiás é preciso destacar seu início logo após a transferência da capital para Goiânia. Um fato que contribuiu com a
criação de estabelecimentos de ensino secundário foi o Fundo Nacional do Ensino Médio, que assegurou recursos
para construção de ginásios. No que se refere a expansão do ensino secundário no estado de Goiás convém salientar,
também, a atuação da Igreja Católica Apostólica Romana. É interessante destacar que no final dos anos 1950 a capital
do estado, Goiânia, contava com um total de 24 (vinte e quatro) estabelecimentos de ensino médio. Desses, 16 (de-
zesseis) ofereciam o ensino secundário, sendo que apenas 3 (três) ofertavam os dois ciclos. Há que se considerar que
dos 3 (três) estabelecimentos que ofertavam o secundário completo, apenas 1 (um) era público, o Colégio Estadual de
Goiânia. Inquestionavelmente a expansão do ensino secundário goiano se deu a partir da década de 1950. Contudo,
é possível identificar que apenas o ciclo ginasial era ofertado nos estabelecimentos de ensino secundário do interior
do estado. A proposta deste texto foi configurar a organização do ensino secundário em Goiás, das primeiras inciati-
vas até o ano de 1961. Esse trabalho resulta de pesquisa bibliográfica e documental, especialmente dados estatísticos
produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Os resultados permitem afirmar que a atuação da
Igreja Católica Apostólica Romana em Goiás no campo educacional foi significativa, atuando hegemonicamente no
nível secundário até meados dos anos 1950. Se os primeiros mestres eram religiosos, com a romanização a educação
foi transformada em uma diretriz importante do movimento reformador católico, o qual contou com a contribuição
de ordens e congregações religiosas. Essa configuração confirma o que pesquisas acerca da história do catolicismo
no Brasil assinalam, ou seja, que a atuação dos religiosos no campo educacional a partir da segunda metade do século

1 Professora Associado IV da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão. Doutora em Educação. E-mail: anamaria.23@uol.com.br.

1018
XIX se tornou uma prioridade absoluta, de modo que eram raros os institutos religiosos que não se envolviam com
a educação. Por fim, a presença do setor público nesse nível de ensino se fez mais consistente a partir dos anos 1960.
Palavras-Chave: Ensino Secundário. Educação Confessional. Expansão do ensino.

Introdução

Este artigo vincula-se a pesquisa “O ensino secundário no Brasil em perspectiva histórica e comparada (1942-
1961)”, coordenado pela professora Eurize Caldas Pessanha. O objetivo da pesquisa é analisar as políticas governa-
mentais para o ensino secundário em perspectiva comparada.
No presente texto apresenta-se as primeiras iniciativas relativas ao ensino secundário em Goiás até o início do
processo de expansão. O ensino secundário de que trata esse artigo é o mais importante ramo do ensino médio, ao
menos no período em estudo. Trata-se de um nível de escolaridade que estava restrita à camada dominante da socie-
dade, visto que se constituía em um preparatório para a formação superior.
O ensino secundário passou por uma restruturação substancial em 1931 quando se previu que sua oferta seria
seriada e em duas etapas. Posteriormente, em 1942, com a Lei Orgânica do Ensino Secundário, foram criados os cur-
sos ginasial, clássico e científico. Todavia, quando nos referimos a expansão do ensino secundário, de maneira geral,
estamos restritos a apenas um desses cursos, haja vista a ampliação de oferta apenas do curso ginasial. Comparativa-
mente aos demais cursos de ensino médio também foi o ginasial que mais se expandiu.
Valendo-me de pesquisa bibliográfica e documental, especialmente de dados estatísticos produzidos pelo Ins-
tituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), o objetivo desse artigo é expor um histórico do ensino secundário
em Goiás. Por fim, cabe informar que a apresentação do processo de expansão do ensino secundário abordado nesse
artigo não se refere a apresentação de dados estatísticos relativos a ampliação de matrículas, mas ao número de esta-
belecimentos criados no estado ofertante desse ensino.

O Ensino Secundário em Goiás: primeiras iniciativas

As primeiras iniciativas referentes ao ensino secundário no estado de Goiás são do século XVIII, mas apresen-
tam inconsistências quanto a datação. Jerônimo Geraldo Queiroz (1970) situa a primeira ação em 1778, quando a
Metrópole mandou para a Capitania dois professores de Latim e um de Retórica. O autor registra, ainda, em 1800, a
criação de uma nova cadeira de Latim, mantida com subsídio literário.
Genesco Ferreira Bretas (1991), no entanto, situa o aparecimento das primeiras cadeiras de ensino secundário
nove anos depois, em 1787, quando se criou as primeiras aulas régias em Goiás. Segundo o autor, foi criada uma ca-
deira de Gramática Latina no Arraial de Meia-Ponte, em 1787, seguida de uma cadeira de Gramática Latina, em 1788,
uma de Retórica, em 1791, e uma de Filosofia Racional, em 1792, todas em Vila Boa.
Quanto a cadeira criada no Arraial de Meia-Ponte, Jarbas Jayme (1971) afirma que a mesma foi instituída em
16 de abril de 1788, quando se nomeou o poeta Bartolomeu Antônio Cordovil como professor. Tomando como fon-
te o Matutina Meiapontense, Jarbas Jayme assevera que essa cadeira foi suspensa em 1807, sendo retomada em 1830.
Assim, a cidade ficou vinte e três anos sem ensino secundário. O ensino secundário foi restabelecido no Arraial de
Meia-Ponte em 1831, com aulas regulares de Latim, Francês, Filosofia Racional e Moral, cujas cadeiras foram ocu-
padas por três padres.
Jarbas Jayme registra a criação de vários estabelecimentos particulares de ensino secundário no Arraial de
Meia-Ponte. O autor relata a criação, em 1868, do Colégio Nosso Senhor do Bonfim, dirigido pelo professor e médico
Francisco Henrique Raimundo Trigant des Genettes, lembrando que esse estabelecimento encerrou suas atividades
em 1870. O autor destaca, no ano de 1887, o surgimento do Ateneu Meiapontense, sob a responsabilidade de Vicente
da Silva Batista, Luiz Gonzaga Jaime e Braz Aristófanes de Pina, que funcionou até 1892. Por fim, apresenta o registro
de funcionamento, entre 1905 e 1907, do Colégio do jornalista José Avelino.

1019
Genesco Ferreira Bretas (1991) relata que a partir de 1831 foram criadas aulas avulsas em cidades do norte e sul
do estado de Goiás, mas que nem todas funcionaram bem. Pela narrativa do autor fica evidente que era comum a su-
pressão de cadeiras com vistas a fazer economia, mas na maioria das vezes era por falta de professores para assumi-las.
A primeira experiência de organização do ensino secundário, que rompeu com o modelo de cadeiras isoladas,
se deu com o Liceu de Goiás. Ele foi o primeiro estabelecimento de ensino secundário do estado. Criado por lei em
2 de julho de 1846, mas foi inaugurado em 23 de fevereiro de 1847. Até o ano de 1933, com uma história marcada
por dificuldades, o Liceu de Goiás permaneceu como único estabelecimento público de ensino secundário do estado.
Em 3 de março de 1860 foi fundado o Seminário Episcopal/Seminário de Santa Cruz. Sua instalação se deu
em 7 de novembro de 1863, pela Resolução Nº 417, segundo Jerônimo Geraldo de Queiroz (1970). Genesco Ferreira
Bretas (1991), no entanto, registra o início de seu funcionamento em 1872, mas confirma que essa instituição foi a
segunda a ofertar ensino secundário no estado, rivalizando com o Liceu de Goiás quanto a qualidade do ensino.
Nomeado bispo de Goiás em 1922, D. Emanuel Gomes de Oliveira realizou ao longo de seu episcopado uma
série de ações no campo educacional, dentre elas a criação do Ginásio Arquidiocesano Anchieta em Bonfim. A pedra
fundamental dessa escola, segundo Edmar Camilo Cotrim (1998), foi lançada em 1925. Mas antes que o edifício ficas-
se pronto a escola entrou em funcionamento em um espaço provisório. Em 1929 quando as obras foram concluídas
o ginásio foi entregue à administração dos salesianos.
Em síntese, essas foram as primeiras experiências com o ensino secundário em Goiás. Abaixo um quadro que
permite uma melhor visualização dos primeiros estabelecimentos criados, lembrando que a maioria teve uma exis-
tência efêmera. Desse modo, em 1932 só existiam dois estabelecimentos oficialmente equiparados ao Colégio Pedro
II em Goiás, o Liceu de Goiás, público, e o Ginásio Arquidiocesano Anchieta, particular.

Quadro 1. Estabelecimentos de Ensino Secundário em Goiás (1847-1930)

Dependência
Número Nome Município Ano Administrativa
1 Liceu Cidade de Goiás 1847 Público
2 Colégio Nosso Senhor do Bonfim Meia-Ponte 1868 Privado
Privado
3 Seminário de Santa Cruz Cidade de Goiás 1872
(Católico)
4 Ateneu Meiapontense Meia-Ponte 1887 Privado
Privado
5 Ginásio Arquidiocesano Anchieta Bonfim/Silvânia 1926
(Católico)
Porto Nacional Privado
6 Externato São Thomaz de Aquino/Seminário São José 1929
(Católico)

Quadro elaborado por Gonçalves. Fonte: Brasil (1945), Pinheiro (2015), Bretas (1991), Dourado (2010), Jayme (1971).

O ano de 1930 marca o início da era Vargas. No campo educacional, no que tange a legislação, no período de
1930 a 1937 promulgou-se a Constituição de 1934 e entrou em vigor a reforma Francisco Campos. Essa reforma, ins-
tituída entre 1931 e 1932, compõe-se de cinco decretos, mas os decretos referentes ao ensino secundário são apenas
o Decreto nº 19.890 e o Decreto nº 21.241.
Uma dimensão que não pode ser esquecida quando tratamos da educação nos anos 1930 e 1940 é que o poder
público optou por uma política de expansão das oportunidades de escolarização por meio do mecanismo de auxílios
e subvenções ao setor privado. Nesses termos ocorreu uma conjugação de recursos particulares e públicos na criação
de estabelecimentos de ensino. No bojo dessa política a Igreja Católica assumiu hegemonia no campo educacional
secundário em todo país e também em Goiás.
Antônio César Caldas Pinheiro (2015) destaca o papel de D. Emanuel Gomes de Oliveira na difusão do ensino
secundário no estado de Goiás. Aproveitando de contatos políticos com o ministro da educação, Clóvis Salgado, o
bispo obteve apoio para fundar várias escolas. Para realizar esse trabalho ele contou com o apoio de inúmeras con-

1020
gregações religiosas. Vale lembrar que criar escolas era parte da estratégia da reforma do catolicismo promovida pela
Igreja Católica. Abaixo um quadro das escolas criadas antes das Leis Orgânicas do Ensino.

Quadro 2. Estabelecimentos de Ensino Secundário em Goiás (1931-1941)

Dependência
Número Nome Município Ano Administrativa
1 Ginásio Municipal de Ipameri Ipameri 1933 Público
Privado
2 Ginásio Senador Hermenegildo Lopes de Morais Morrinhos 1936 Padres
Estigmatinos
3 Colégio Estadual de Goiás (sucursal do Liceu) Cidade de Goiás 1937 Público
Privado
Irmãs
4 Ginásio Nossa Senhora Mãe de Deus Catalão 1937
Agostinianas
Missionárias
Privado
5 Ginásio Couto Magalhães Anápolis 1941
Escola Protestante
Privado
6 Ginásio do Instituto Grambery Pires do Rio 1941
Metodista

Quadro elaborado por Gonçalves. Fonte: Brasil (1945), Pinheiro (2015).

LEI ORGÂNICA DO ENSINO SECUNDÁRIO (1942-1961): O INÍCIO DA EXPANSÃO

Gustavo Capanema Filho assumiu pasta do Ministério da Educação e Saúde Pública de 1934 a 1945. A ele coube
realizar a reforma educacional efetivada no período do Estado Novo. Essa reforma se denominou Leis Orgânicas do
Ensino, acrescida do nome da área que abrangia, por exemplo: Lei Orgânica do Ensino Secundário.
O Ensino Secundário nesse período foi tratado em dois decretos, ambos datados de 9 de abril de 1942. São eles,
os Decretos-leis 4.244 e 4.245. O primeiro aprova a Lei Orgânica do Ensino Secundário, e o segundo traz as disposi-
ções transitórias referentes ao assunto.
A Lei Orgânica do Ensino Secundário, decreto-lei 4.244, tem 96 (noventa e seis) artigos. Os artigos de 1º ao 9º
que apresentam as bases desse ensino, suas finalidades, ciclos e cursos, os tipos de estabelecimentos que o ofertavam,
e sua articulação com os demais modalidades de ensino (BRASIL, 1942a). Já os artigos de 10 a 24 trazem sua estrutu-
ra, ou seja, os cursos (ginasial, clássico e científico), os programas das disciplinas, a educação física, educação militar,
educação religiosa, e a educação moral e cívica. O artigo 25 trata exclusivamente da educação feminina. A vida esco-
lar é tratada nos artigos de 26 a 68, sendo que os artigos de 69 a 96 a tratam da organização escolar, onde se aborda
temas como: ensino oficial e ensino livre, estabelecimentos federais, equiparados e reconhecidos, inspeção dos esta-
belecimentos equiparados e reconhecidos, administração escolar, professores, orientação educacional, construção e
aparelhamento escolar, regimento, medidas auxiliares, dos estudos dos maiores de dezenove anos e disposições finais
(BRASIL, 1942a).
O decreto-lei 4.245, relativo às disposições transitórias para execução da Lei Orgânica do Ensino Secundário,
organizado em 18 (dezoito) artigos, traz a normatização sobre os estabelecimentos de ensino secundário existentes
no país, dos alunos matriculados nos cursos secundário, regime de estudos dos maiores de dezoito anos, cursos clás-
sicos e científicos, disposições diversas e finais (BRASIL, 1942b).
Segundo dados extraídos da Divisão do Ensino Secundário do Departamento Nacional de Educação em Goiás
em agosto de 1945, sob a vigência das Leis Orgânicas do Ensino, havia 15 (quinze) estabelecimentos que ofereciam
ensino secundário. Desta lista de escolas, 3 (três) eram públicas e 12 (doze) particulares, todas confessionais, sendo
10 (dez) católicas.

1021
Quadro 3. Estabelecimentos de Ensino Secundário em Goiás em 1945

Nº Estabelecimento Ano Localização Mantenedora


1 Ginásio Arquidiocesano Anchieta 1926 Silvânia Salesianos
Ipameri
2 Ginásio Municipal de Ipameri 1933 Municipal

3 Ginásio Hermenegildo de Morais 1936 Morrinhos Estigmatinos


4 Colégio Estadual de Goiânia2 1937 Goiânia. Estadual
Irmãs Agostinianas
5 Colégio Santo Agostinho – Goiânia 1937 Goiânia.
Missionárias
Irmãs Agostinianas
6 Ginásio Nossa Senhora Mãe de Deus3 1937 Catalão
Missionárias
1938
7 Ginásio Arquidiocesano Municipal4 Anápolis Salesianos

8 Ginásio Couto Magalhães 1941 Anápolis Escola Protestante


Metodista
9 Ginásio do Instituto Grambery 1941 Pires do Rio

10 Ginásio Oficial de Goiás5 1942 Cidade de Goiás Estadual


11 Ginásio Ateneu Dom Bosco 1942 Goiânia Salesianos
12 Ginásio Arquidiocesano Planalto 1942 Formosa Salesianos
13 Ginásio Auxilium 1943 Anápolis Irmãs Salesianas
14 Ginásio Nossa Senhora Auxiliadora 1943 Silvânia Irmãs Salesianas
Irmãs Missionárias de
15 Ginásio Nossa Senhora Aparecida 1945 Ipameri
Jesus Crucificado

Quadro elaborado por Gonçalves (2017). Fonte: Brasil (1945).

Segundo Genesco Ferreira Bretas (1991) passada a mudança da capital iniciou-se o processo de expansão do
ensino secundário no estado. Um fato apontado pelo autor foi a criação do Fundo Nacional do Ensino Médio, que
assegurou recursos para construção de ginásios. É interessante destacar que no final dos anos 1950 a capital do estado,
Goiânia, contava com um total de 24 (vinte e quatro) estabelecimentos de ensino médio, conforme quadro 4. Desses,
16 (dezesseis) ofereciam o ensino secundário, sendo que apenas 3 (três) ofertavam os dois ciclos. Há que se considerar
que dos 3 (três) estabelecimentos que ofertavam o secundário completo, apenas 1 (um) era público, o Colégio Esta-
dual de Goiânia. A rigor a capital contava, em 1959, com apenas 5 (cinco) estabelecimentos de ensino médio público,
sendo que (4) quatro ofertavam o ensino secundário.

2 Colégio Estadual de Goiânia, estabelecimento padrão, fundado na Cidade de Goiás em 1847, com a denominação de Liceu de Goiás,
transferido em 1937 para Goiânia.
3 A data de fundação dessa escola é 1921.
4 Fundado em 1938 com o nome de Ginásio Municipal de Anápolis, em 1939 foi entregue aos Salesianos e passou a se chamar Ginásio
Municipal Salesiano de Anápolis. Em 1942 mudou para Ginásio Arquidiocesano Municipal de Anápolis. Em 1945 foi entregue aos
Franciscanos e passou a se chamar Ginásio São Francisco de Assis, posteriormente com o segundo ciclo do secundário, em 1951, Colégio
São Francisco de Assis.
5 Quando da transferência da capital para Goiânia, Pedro Ludovico Teixeira, para atender reivindicações da população da Cidade de Goiás,
antiga capital do estado, através da Lei n. 133 de 19/06/1937, criou o Ginásio Oficial do Estado, em Goiânia. Desse modo, assegurava-se a
permanência do Liceu na antiga capital. Todavia, poucos meses depois, pelo Decreto n. 3 de 27/11/1937, o governador recuou dos planos
iniciais e transferiu o Liceu para a nova capital, e pelo decreto n. 247 de 27/01/1937 e n. 347 de 23/02/1938 criou e organizou uma Sucursal
do Liceu na Cidade de Goiás. (BARROS, 2012) Segundo Bretas (1991), tratava-se de uma estratégia, que não deu certo, para evitar os
trâmites burocráticos quanto à equiparação de uma nova escola. O arranjo enquanto extensão funcionou até o decreto lei 5802 de 30 de maio
de 1942, quando o Liceu de Goiás passou a se denominar “Colégio Oficial de Goiaz”. No art. 1 da Lei N. 284 de 28 de novembro de 1948
consta a determinação que se erigisse em Colégio o Ginásio Oficial de Goiás com a denominação de Colégio Estadual de Goiás.

1022
Quadro 4. Estabelecimentos de Ensino Médio Público na Capital em 1959

Nome Entidade.
Número Local Mantenedora Cursos Ministrados
Colégio Estadual de Goiânia. Ginasial, Científico e
1 Goiânia Estadual
Clássico
2 Goiânia Instituto de Educação de Goiás Estadual Ginasial e Normal
3 Goiânia Ginásio Estadual de Campinas Estadual Ginasial
4 Goiânia Ginásio Municipal de Goiânia Municipal Ginasial
5 Goiânia Escola Técnica de Goiânia Federal Industrial

Quadro elaborado por Gonçalves (2017). Fonte: Brasil (1959).

No quadro 5 podemos visualizar que a hegemonia quanto a oferta do ensino secundário na capital pertencia
à rede privada, um total de 12 (doze) escolas.

Quadro 5. Estabelecimentos de Ensino Secundário Particular na Capital em 1959

Entidade.
Número Local Nome Cursos Ministrados
Mantenedora
1
Goiânia Colégio Salesiano Dom Bosco Particular. Ginasial e Científico

Ginasial, Científico e
2 Goiânia Colégio Santo Agostinho Particular Clássico

Ginasial
3 Goiânia Ginásio Brasília Particular

Ginasial
4 Goiânia Ginásio de Aplicação São Vicente de Paulo Particular

Ginasial
5 Goiânia Ginásio do Instituto Maria Auxiliadora Particular

6 Goiânia Ginásio 12 de Agosto Particular Ginasial


7 Goiânia Ginásio Emanuel da Tenda do caminho Particular Ginasial
Ginasial
8 Goiânia Ginásio e Escola Normal Santa Clara Particular

9 Goiânia Ginásio Goiânia Particular Ginasial


10 Goiânia Ginásio Professor Ferreira Particular Ginasial
11 Goiânia Ginásio São José Particular Ginasial
12 Goiânia Ginásio Vera Cruz Particular Ginasial

Quadro elaborado por Gonçalves (2017). Fonte: Brasil (1959).

Em 1959, em relação ao número de estabelecimentos de ensino médio, no interior do estado havia um total
de 84 (oitenta e quatro) escolas, cujas mantenedoras eram: 62 (sessenta e dois) particulares, 1 (um) federal, 12 (doze)
estadual e 9 (nove) municipais. Vale destacar que apenas 57 (cinquenta e sete) estabelecimentos ofertavam o ensino
secundário, mas nenhum oferecia o curso clássico.
Por esses dados é inquestionável que a expansão do ensino secundário em Goiás se deu a partir da década de
1950. Contudo, podemos verificar que apenas o ciclo ginasial era ofertado nos estabelecimentos de ensino secundário
do interior do estado. Dentre as 84 (oitenta e quatro) cidades do interior que ofereciam ensino médio no ano de 1959,
57 (cinquenta e sete) ofereciam apenas o ginasial.

1023
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste texto foi configurar a organização do ensino secundário em Goiás das primeiras inciativas ao
período de expansão. Optei por trazer dados das primeiras iniciativas até o ano de 1961 quando ocorreu uma nova
mudança na legislação do ensino.
Se os primeiros mestres eram religiosos, com a romanização a educação foi transformada em uma diretriz
importante do movimento reformador católico, o qual contou com a contribuição de congregações religiosas. A
configuração estabelecida confirma o que pesquisas acerca da história do catolicismo no Brasil assinalam, ou seja, que
a atuação dos religiosos no campo educacional a partir da segunda metade do século XIX se tornou uma prioridade
absoluta, de modo que eram raros os institutos religiosos que não se envolviam com a educação. Por fim, a presença
do setor público nesse nível de ensino se fez mais consistente a partir dos anos 1960.
O quadro que se apresenta no estado de Goiás, especialmente quanto ao ensino secundário não foge à regra
do que ocorria no restante das unidades da federação ao menos até meados da década de 1940. Há que se destacar
a conformação política estabelecida entre a Igreja Católica e os poderes públicos. A linha de continuidade entre os
interesses do poder constituído e da Igreja Católica Apostólica Romana possibilitou a sua hegemonia no campo edu-
cacional goiano por quase todo o período em estudo.

REFERÊNCIAS

BARROS, Fernanda. O tempo do Lyceu em Goiás: formação humanista e intelectuais. Goiânia. Programa de Pós-Graduação
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1024
O INÍCIO DA INTERIORIZAÇÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO
TÉCNICA E TECNOLÓGICA: A CRIAÇÃO DO CAMPUS AVANÇADO
FORMOSO DO ARAGUAIA, DO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS

Marlon Santos de Oliveira Brito1


Francisco Welton Silva Rios2

INTRODUÇÃO

O Campus Avançado Formoso do Araguaia, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocan-
tins (IFTO), surgiu na última ampliação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica como um
“instrumento de política voltado para as ‘classes desprovidas’” e se une à configuração de uma estrutura que objetiva
que todas as pessoas tenham efetivo acesso às conquistas científicas e tecnológicas (BRASIL, 2016). Segundo o Plano
de Desenvolvimento Institucional (PDI), do IFTO, a unidade soma no modelo pedagógico de formação profissional
ágil e flexível, executa ações estratégicas, eficientes e eficazes no ensino, na pesquisa e na extensão, e é um um parcei-
ro importante no desenvolvimento sustentável do Estado do Tocantins. (IFTO, 2014)
O trabalho é fruto de reflexões dos autores depois que se depararam com o pensamento do professor Ernani
Fiori, que escreveu “alfabetizar é aprender a escrever sua vida, como autor e como testemunha de sua história, isto é,
biografar-se, existenciar-se, historicizar-se” (FREIRE, 1987). Os autores, servidores do Campus, bibliotecário e orien-
tador educacional, assumem-se como “alfabetizados” e buscam descrever, sob suas óticas, um pouco sobre a unidade;
e como “testemunhas” apresentam os elementos de poder entranhados no “espalhar a diversificação da educação
profissional e tecnológica no país” (IFTO, 2014).
Busca-se no relato refletir, à luz de teóricos da educação, sobre algumas das ações democráticas locais re-
gistradas em documentos institucionais produzidos, dentre eles projetos políticos-pedagógicos, planos e relatórios.
Reflexão com ciência sobre a necessidade de ir além da leitura e interpretação de documentos, envolvendo fatores
inerentes à localidade, seus sujeitos, atividades e processos, pelo qual, consequentemente, vêm a se tornar patrimônio
cultural, material e imaterial. Em outra parte o trabalho agrupa algumas atividades realizadas, principalmente, com
a comunidade do município de Formoso do Araguaia e seus respectivos vizinhos limítrofes, pertencentes às regiões
Norte e Centro-Oeste do país. E neste ponto destacam-se sujeitos intrínsecos do processo, humanos, detentores de
necessidades específicas, indubitavelmente carentes de políticas públicas para alcançar um desenvolvimento, con-
forme a sua diversidade, sobretudo, no que diz respeito à investimentos em educação básica, técnica, tecnológica e
superior (ECHO, 2019).
Portanto, a pesquisa qualitativa e documental descreve ações demandadas dos arranjos socioprodutivos locais
indubitavelmente marcadas por conflitos políticos e é um inventário, porém com lacunas, sobre o tema democratiza-
ção da educação técnica e tecnológica, pública e gratuita. Ao passo que, por acreditarem serem úteis para a meditação,
mesmo que panorâmica, acerca do impacto de uma escola em sua construção histórica, as descrições e os aponta-
mentos expostos são acompanhadas de citações de autores de pesquisas e reflexões históricas sobre a educação, à luz,
principalmente, do marxismo brasileiro.

1 Pedagogo/Orientador Educacional no Campus Avançado Formoso do Araguaia, do Instituto Federal do Tocantins (IFTO); Aluno do
Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Tocantins (PPGE/UFT).
2 Bibliotecário/Documentalista no Campus Avançado Formoso do Araguaia, do Instituto Federal do Tocantins (IFTO).

1025
NASCE UM CAMPUS, NASCE UMA ESCOLA

Ao analisar o PDI do IFTO, encontramos que as atividades no Campus Avançado Formoso do Araguaia, ini-
ciaram-se em abril de 2014, com a nomeação do professor Marcelo Alves Terra, na função de diretor, e as primeiras
ações de “pesquisas de demanda, construção de projetos pedagógicos e ofertas de vagas para cursos de Formação
Inicial e Continuada (FIC), por meio do Programa Nacional de Acesso ao ensino Técnico e Emprego (Pronatec)”, mi-
nistrados em salas cedidas pela Escola Municipal Dalci Barros Milhomem, nos períodos matutino e noturno (IFTO,
2014, p. 23). Este resgate histórico por meio da memória e de seus registros, esclarece algumas das relações de poder
e difundi o processo de consolidação da implantação de uma unidade de ensino técnico e tecnológico na localidade,
pois, pode-se afirmar que, somada ao Pronatec, a criação do campus foi um ato que requereu dos educadores e das
instituições educacionais demonstrarem um interesse “pelos pensamentos e sentimentos de seus estudantes, permi-
tindo que respondam de acordo com suas próprias e únicas maneiras” (BIESTA, 2017, p. 32).
É sabido que para se criar uma escola exige-se a motivação e o interesse de “dirigentes políticos com a pre-
servação do patrimônio cultural, material e imaterial, que revela os embates transcorridos no processo histórico de
democratização deste país” (EHECO, 2019). E aqui se julga apropriado o registro dos nomes de outras autoridades
envolvidas deste marco histórico, tendo em vista que qualquer processo democrático exige políticos que assumam
seus papéis de “eleitos para cumprir tarefas” (ROSENFIELD, 2017, p.45). E se utiliza como referência o primeiro do-
cumento do arquivo da unidade, de agosto de 2014: um termo de parceria, assinado pelo reitor do IFTO, professor
Francisco Nairton do Nascimento e pelo prefeito de Formoso do Araguaia, senhor Wagner Coelho de Oliveira. Nos
termos do qual a Prefeitura de Formoso do Araguaia compromete-se a ceder um espaço apropriado para a implan-
tação de um campus do IFTO, sendo este um “prédio que contenha uma infraestrutura mínima” e ainda a promessa
de “doação de uma área de 32ha (trinta e dois hectares) para a construção do prédio definitivo”. (IFTO, 2014, p. 25).
A desvelar outras ações democráticas, no sentido etimológico da palavra “o governo do povo” (ROSENFIELD,
2017, p. 7), percebe-se que as manifestações sociais locais fomentaram a decisão de criação do Campus, e sobre isso ob-
servou-se o registro de que o próprio “Estado do Tocantins é resultado de um processo de lutas em favor da separação
do norte de Goiás”, manifestações encontradas na apresentação do Projeto Político e Pedagógico do Curso Técnico em
Agricultura, quando cita o Tocantins com “posição geográfica ideal às produções tecnológicas na área de recursos na-
turais, turismo e agricultura, com necessidade de expansão comercial, industrial e econômica” e faz o apontamento da
necessidade de “mais investimentos em educação para a atração de investimentos e crescimento demográfico” (IFTO,
2016, p. 6). Portanto, a comissão de elaboradores do documento, composta por membros da comunidade, professores
e técnicos administrativos, transcreve o interesse da comunidade para “abrir mais oportunidades na Educação Básica,
além de novas perspectivas para a Educação Profissional e Tecnológica”, em uma cidade que apresenta uma “vocação
naturalmente agrícola”. Ao passo que essa preocupação respeita o que Jurema Machado, Coordenadora da UNESCO no
Brasil, cita sobre as necessidades da educação brasileira de que “cabe principalmente aos países em desenvolvimento,
que são aqueles que apresentam maior diversidade, como o Brasil, um papel de destaque, sobretudo no que diz respeito
à investimentos que desenvolvam o interior desses países” (ALVES, 2010, p. 542).

OS SISTEMAS DE UMA ADMINISTRAÇÃO DEMOCRÁTICA

Nos documentos encontram-se elementos do funcionamento da administração da unidade, dentre eles o Regi-
mento Geral do IFTO, que prevê em seu artigo 152 que “os campi avançados são administrados por diretores, e suas
normas de funcionamento, instâncias deliberativas, consultivas, administrativas e acadêmicas são estabelecidas por
seus respectivos regimentos internos, obedecendo às regulamentações do IFTO” (IFTO, 2018, p. 59). E, ao observar
a hierarquia da unidade, percebe-se o seguimento às organizações de ensino do país “no formato piramidal, em que,
no topo, fica a direção; logo abaixo, hierarquicamente, os profissionais que prestam assistência e supervisão aos pro-
fessores” (PARO, 2018, p.91).

1026
Já sobre o processo de gestão da escola encontra-se, por exemplo, no relatório da Coordenação de Administra-
ção e Planejamento a delegação de atribuições de coordenação, organização e orientação de assuntos relacionados à
administração e financeiros do campus (IFTO, 2017, p.1), ou seja, verifica-se a preocupação do IFTO com a transpa-
rência e com a gestão compartilhada de seus recursos, ao permitir que a unidade, mesmo em processo de implantação,
conduza suas ações de orçamento, uma prática “racional de recursos para a realização de determinados fins” (PARO,
2018, p. 91). Seguindo ainda o raciocínio de Vitor Henrique Paro, nota-se consciência além das preocupações com o
ensino, “além da estrutura didática, também sua estrutura administrativa” (PARO, 2018, p. 91).
Outro exemplo é encontrado nos relatórios da Coordenação de Manutenção e Abastecimento quando “tenta,
atender na medida que vão surgindo, as demandas de serviços e materiais necessários” (IFTO, 2017, p. 3) com o
uso de um aplicativo on-line, chamado “Sistema Unificado de Administração Pública - (SUAP)”, descrito como “uma
ferramenta de gestão de procedimentos administrativos que realiza o controle do que está estocado, as entradas, as
saídas e os serviços”. Sobre esse tipo de ferramenta, Marco Aurélio Ruediger afirma garantirem “uma maior permea-
bilidade à cidadania, decorrente do caráter intrínseco na atividade de governo”, pois em suas pesquisas sobre sistemas
em políticas públicas, ele nota o “governo eletrônico” auxiliando no desenvolvimento de unidades e realizando a
governabilidade mesmo e localizações ermas.

A BIBLIOTECA COMO ESPAÇO PÚBLICO DE EDUCAÇÃO POPULAR

Sobre a biblioteca nota-se de início um investimento humano que chama a atenção: a existência de um biblio-
tecário, formado em biblioteconomia, para auxiliar e atender às “demandas por pesquisa e estudo de alunos ou usu-
ários, com informação e conhecimento imprescindíveis na aprendizagem e formação técnica” (IFTO, 2017, p. 02). A
cautela aparece em estudos de Sueli Amaral, ao recomendar a necessidade da formação adequada alcançar a “educação
continuada, criando e apoiando os interesses da comunidade, dando suporte à atividade intelectual independente e à
liberdade de expressão”, podendo ainda ir além com ações de “incentivo à sensibilidade de percepção e as habilidades
artísticas, promovendo atitudes sociais positivas e uma sociedade democrática” (AMARAL, 1987, p. 47).
Observou-se ainda que o espaço vai além quando promove o empréstimo domiciliar destinado “aos alunos
devidamente matriculados, servidores docentes e técnicos administrativos” e preocupa-se com a implantação de um
sistema informatizado que “atenda os requisitos, as demandas, as particularidades, as características e as necessidades
determinantes para o bom andamento e funcionalidade dos serviços e das atividades da biblioteca” (IFTO, 2017, p.
22). Esse cuidado é objeto de estudos de Emir José Suaiden, sobre o desafio histórico do acesso à informação no Brasil,
antes definido pelo poder aquisitivo, quando indica ações de achegamento da comunidade aos espaços e materiais da
biblioteca pública, pois, segundo o autor, uma biblioteca com essa preocupação passará a ser caminho da participação
efetiva de uma comunidade na sociedade da informação, vencendo a desinformação e as desigualdades sociais de do-
minação (SUAIDEN, 2000, p. 60).

A INDISSOCIABILIDADE ENSINO-EXTENSÃO-PESQUISA

No relatório da Gerência de Ensino, Pesquisa e Extensão o “gerenciar o processo de ensino e de aprendizagem


segue aos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência, respeitando o pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas/andragógicas” (IFTO, 2017, p. 03), ou seja, uma clara evocação do que está posto no artigo
3º da Lei 9.394/1996, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional” (BRASIL, 1996). Iniciando com a
construção dos Calendários Escolares, documentos de organização do tempo escolar, adequados às peculiaridades
locais e construído pelos representantes da comunidade externa, servidores e discentes (BRASIL, 1996). Além da
força da lei, a preocupação pluralista é recomendada por autores como Ana Francisca Moura quando ela pesquisa
sobre o “tempo de escola e tempo de vida” e cita a necessidade do debate para evitar que o calendário escolar torne-se
“um imperativo administrativo” e deixe de ser “pensado em função de um projeto pedagógico ou das necessidades da
população escolar e suas famílias” (MOURA, 2009, p. 10).

1027
Existem vários relatos de projetos escolares para “cumprir com a legislação que trata de temas transversais que
devem ser trabalhados nas unidades de ensino” (IFTO, 2017, p. 03). E encontrou-se registros de atividades sobre o
combate às drogas e ao alcoolismo; empoderamento da mulher; autonomia indígena; relações de trabalho, emprego e
renda; meio ambiente e saúde; consciência negra; acessibilidade; velhice; alimentação; e Direitos Humanos. Serviços
como esses, segundo João Barroso, é uma das preocupações de “escolas eficazes”, pois utilizam suas influências para
promover momentos de estudo, tomada de decisão política e a autonomia. Ao passo que a autonomia, nesse caso, é
“o resultado do equilíbrio de forças, numa determinada escola, entre diferentes detentores de influência (externa e
interna), dos quais se destacam: o governo e os seus representantes, os professores, os alunos, os pais e outros mem-
bros da sociedade local” (BARROSO, 1996, p. 10).
Sobre o processo de ensino, observa-se “ações coletivas envolvendo os temas transversais em atividades interdis-
ciplinares” (IFTO, 2017, p. 05), enquanto a unidade consegue corresponder a questões importantes, urgentes e presentes
sob várias formas na vida cotidiana. Esse perfil alcança o que Elenaldo Celso Teixeira cita em seu trabalho sobre o papel
das políticas públicas no desenvolvimento local e na transformação da realidade: “é certo que mudanças mais substan-
tivas só podem ocorrer quando efetivamente se muda a composição do poder, mas pode-se obter conquistas sociais
através da mobilização social e da ação coletiva”, com a garantia de proposições legitimadas por um amplo consenso e
que tenham uma abrangência maior que os interesses corporativos ou setoriais (TEIXEIRA, 2002, p. 6).
Outros documentos analisados foram os registros dos Conselhos de Classe, responsáveis pela “análise coletiva
da classificação de estudantes, da recuperação paralela, da progressão e das frequências/faltas” (IFTO, 2017, p. 04).
E apreende-se que o funcionamento desses colegiados demonstra a gestão democrática que Sandra Aparecida Riscal
considera “um dos pilares da atual política educacional, indissociavelmente vinculado ao estabelecimento de mecanis-
mos legais e institucionais de participação política da população” (RISCAL, 2010, p. 29). Pois a atuação de colegiados
alcança as peculiaridades de estudantes, técnicos e professores e fomenta decisões de equidade, razoabilidade, impar-
cialidade, dentre outras, assim como afirma Janete Lins de Azevedo, em suas contribuições para o alcance de uma
educação pública de qualidade (DE AZEVEDO, 2007, p. 1).
Nos relatos das atividades de pesquisa e de extensão, nota-se a compreensão da necessidade institucional em
intervir nas relações sociais e no poder político local, moldados por diferentes interesses e expectativas, em razão de
os Institutos Federais assumirem o papel de “agentes estratégicos na estruturação das políticas públicas para a região
que polarizam, estabelecendo uma interação mais direta junto ao poder público e às comunidades locais” (PACHE-
CO, 2010, p. 17). Neste ponto destacam-se a implantação de três núcleos: o “Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e
Indígenas (Neabi) para “difundir conhecimentos, saberes e fazeres que contribuam para a promoção da equidade e a
ampliação e consolidação da cidadania e dos direitos das populações negras e indígenas”; o Núcleo de Atendimento
às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne), com “atividades de fomento e consolidação de políticas inclusivas,
por meio da garantia do acesso, permanência e êxito do estudante com necessidades educacionais específicas”; e o
Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA), no “nivelamento de conceitos sobre agroecologia através de ações inte-
gradas que potencializam atuação efetiva e consistente no processo de desenvolvimento e conscientização crítica da
comunidade” (IFTO, 2017, p. 04-05). Além disso a oferta de cursos profissionalizantes, na modalidade de formação
inicial e continuada (FIC), gratuitamente, em articulação com a Educação Básica, para “formar estudantes capazes de
exercer pessoalmente os atos na vida civil, na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos
sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (IFTO, 2017, p. 04-05). Trata-se, portanto,
de um espaço aberto e em movimento, de atuação regional, com bases em referenciais que “oportunizam, por um
lado, o compartilhamento de idéias, visando à formação de uma cultura de participação e, de outro, a absorção de
novos elementos, objetivando sua renovação permanente. (PACHECO, 2010, p. 19).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisadora sobre história da educação popular no Brasil, Vanilda Pereira Paiva, já afirmou que “a ‘cientifi-
cidade’ dos trabalhos que abordam questões relativas ao fenômeno educativo não é mesmo problemática do que a de
todos aqueles que tratam de fenômenos pesquisados pelas chamadas ‘ciências humanas e sociais’” (PAIVA, 2003, p.

1028
21), portanto, não foi diferente o novo integrante do sistema federal de ensino, vinculado ao Ministério da Educa-
ção, no cumprimeto de sua missão de atender aos anseios da comunidade de Formoso do Araguaia.
Percebeu-se o cenário de uma escola como espaço imprescindível para o exercício contínuo da “atividade in-
telectiva que, por meio da reflexão e do debate, desvela a história cultural e política de uma sociedade” (EHECO,
2019). E com exame, ainda com lacunas em sua produção sobre o tema, medita-se, mesmo que panorâmica, acerca
do impacto da criação de um campus avançado na região sudoeste do Tocantins e conclui-se que o investimento pro-
moveu “a deliberação, de início tateante, depois resoluta, a favor da conciliação entre capital e trabalho; a atenuação
das vertentes anticapitalistas” (MUSSE, 2015, p. 419)
Nesta perspectiva, é notório, que o trabalho empreendido divulga evidências do compromisso pela qualidade
do ensino ofertado, da diversidade de pesquisas em andamento, da promoção das ações de extensão, da melhoria
e implementação de produtos e serviços inovadores, somados a uma análise do alcance, e alcançam o que Dalila
Andrade Oliveira cita como necessidade de uma nova gestão pública em prol de governos democrático-populares,
como o direito à educação que “garanta a distribuição de poderes e responsabilidades por meio do regime de colabo-
ração mencionado no artigo 211 da Constituição Federal, encontra resistências e enfrenta fortes contradições na sua
operacionalização” (ANDRADE OLIVEIRA, 2015, p. 637). Portanto, pode-se dizer que os estudantes, carentes de
certificação de saberes e competências, receberam mais mais oportunidades de acesso à educação pública, gratuita,
democrática e de qualidade.

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jan. 2019.

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O JORNAL CORREIO DE UBERLÂNDIA COMO FONTE PARA A
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO TRIÂNGULO MINEIRO (1950-1970)

Sauloéber Társio de Souza - UFU


José Lito Salustriano da Silva - UFU

INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é refletir sobre a história da educação do município mineiro de Uberlândia a partir
das atividades desenvolvidas no projeto intitulado: “Representações de Imprensa: O Universo Escolar nas Páginas de
Jornais do Triângulo Mineiro (1950-1970)”1. Os resultados apresentados ao longo do texto se referem ao levanta-
mento de dados em fontes jornalísticas realizado entre fevereiro a julho de 2018. Temos como finalidade a cataloga-
ção e digitalização de notícias relacionadas à educação no período de 1950 a 1970, no jornal “Correio de Uberlândia”,
na primeira etapa. A partir dos dados coletados, as notícias serão dispostas em uma plataforma digitar para eventuais
consultas do público interessado.
A delimitação do recorte histórico (1950 a 1970) obedeceu ao critério político-educacional pautado nos 13 anos
de debates sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que foi inicialmente proposta em 1948
e promulgada, apenas, em 1961 (nº. 4024/61) sendo, ainda, reformulada com a Lei nº. 5692/71. Entendemos que, a
educação é, acima de tudo, uma questão que reflete o perfil político e ideológico de uma época. As transformações
socias, econômicas e, sobretudo, políticas que marcaram as décadas de 1950 e 1960 influenciaram os rumos da edu-
cação, bem como, a legislação sobre ela (neste caso, a LDB). Neste sentido, tal período é um campo fecundo para este
tipo de análise, sabendo que o mundo vivia um embate ideológico (socialismo x capitalismo) e o Brasil marcado pela
disputa populismo-desenvolvimentista e autoritarismo, exigindo do país um posicionamento.
Também é preciso ressaltar que tradicionalmente, as pesquisas realizadas no campo da História da Educação
no PPGED-UFU, cuja fonte principal é a jornalística, tem priorizado o recorte temporal que compreende o início do
período republicano até a primeira metade do século XX. Assim, a proposta de catalogar e digitalizar as reportagens
veiculadas nos jornais das décadas de 1950 e 1960 visa a preservação dessas fontes que são bastante reveladoras de
todo um tempo histórico de determinada sociedade revelando suas nuances sócio-políticas e econômicas e claro,
o universo educacional desse município mineiro que abrigava nesse período dois jornais: O Repórter e o Correio de
Uberlândia.
Nesse texto em expecífico, apresentamos o segundo jornal que foi fundado em 1938, por Osório José Junqueira,
oriundo de Ribeirão Preto-SP. Segundo Santos (2009), o periódico, a partir da década de 1950, circulava quase todos
os dias em 04 páginas (02 folhas) e seu redator chefe era João Edison de Mello. Já nos anos que sucederam a década
de 1960, a circulação acontecia em dias alternados, mas as edições foram ampliadas para 08 páginas (04 folhas) exceto
em datas comemorativas, como o Natal em que as páginas eram carregadas de ofertas publicitárias para o dia festivo.
Depois de passar por vários proprietários nas décadas seguintes, o Grupo Algar assumiu o controle acionário do pe-
riódico, por meio da Algar Mídia, em 1986. Todavia, depois de quase 80 anos publicando notícias locais, regionais,
nacional e até internacionais, o Correio de Uberlândia teve seu encerramento no dia 31 de dezembro de 2016, deixando
um legado jornalístico na imprensa do Triângulo Mineiro.

1 O presente projeto conta com o apoio da FAPEMIG (edital 01/2015 – Demanda Universal) que financiou o mesmo com a concessão de
12 meses de bolsa de IC para a realização do levantamento de dados da pesquisa junto ao Arquivo Municipal de Uberlândia-MG, resultando
na catalogação e digitalização de 846 matérias do jornal “O Repórter” no período de 1950 a 1963 quando esse veículo deixou de circular na
cidade de Uberlândia.

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Figura 1 – Capa do Jornal Correio de Uberlândia dia 14 de Setembro de 1950.

Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia

Acreditamos que esta pesquisa é um passo importante como forma de preservar a história regional com enfo-
que na educação, ressaltando o olhar dessa fonte sui generis para os estudos histórico-educativos no Brasil, articulando
os eventos macrossociais e os locais. Assim, esta pesquisa visa mostrar fragmentos da história recente da educação no
Triângulo Mineiro, buscando colocar em diálogo o local e o nacional.

O JORNAL COMO FONTE PARA A PESQUISA HISTÓRICO-EDUCATIVA

Desde a década de 1980, a imprensa escrita ganhou visibilidade aos olhos dos pesquisadores da história e tam-
bém da história da Educação. Embora ate a década de 1970, os jornais tenham sido encarados como fontes suspeitas
para o trabalho do historiador (pela crença da carga de subjetividade que comportava esse veículo de comunicação),
nos tempos atuais, as fontes jornalisticas tem sido um grande aliado nas investigações, principalmente, na área edu-
cacional, já que não havendo neutralidade, suas informações revelam-se como rico material portadores de diversas
representações histórico-culturais que nos ajudam a compreender o contexto investigado (LUCA, 2006).
Por isso, as pesquisas em história da educação no Brasil passaram a utilizar os jornais como fonte de análises, apoian-
do-se no fato de que as atividades da imprensa escrita não apenas informam acontecimentos e conhecimentos, mas também
os produzem, carregados com as particularidades e interesses subjetivos de cada editorial (CAPELATO, 1988).
Ao analisar a produção das representações pelas diferentes sociedades, Chartier afirmou:

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fun-
dado na razão, são sempre determinados pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de
forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor
uma autoridade à custa de outros, por ela menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para
os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 1990, p.17).

Nesse sentido, entendemos que as informações que o investigador obtém no uso das fontes jornalísticas, não
representam discursos neutros, pois suas linguagens comportam uma porção de elementos que atendem aos interes-
ses dos diversos grupos socioeconômicos que sustentam esses veículos de comunicação demassa ou estão, direta ou
indiretamente, ligados a elas. Assim, a análise das representações veiculadas pelo Jornal Correio de Uberlândia possibi-

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litará compreender o ideário social e aspectos educacionais a partir das notícias que circulavam no período, revelando
o contexto histórico-cultural e interesses dos grupos que compunham a sociedade uberlandense.
Sobre a importância da imprensa como fonte documental para investigação histórica em educação, entende-se
que, seus estudos ampliaram-se nos últimos anos, por caracterizar-se como um manancial de possibilidades inves-
tigativas, dando aos pesquisadores subsídios para continuidades do seu trabalho. Considerando que, também está
havendo multiplicidade de fontes para a apuração dos dados históricos e para análises contextuais sobre o período
estudado. As fontes documentais entram no campo dos recursos utilizados pelo pesquisador, por se tratarem de “um
rico instrumento [que] fornece elementos que clarificam os debates realizados na esfera social, e que nem sempre
estão próximos dos setores formais da prática escolar” (PASQUINI e TOLEDO, 2014, p. 265). A imprensa escrita,
neste caso, tem adquirido grande importância nesse processo, visto que suas páginas trazem:

[…] elementos históricos que, seguramente, proporcionam o entendimento não só do processo educacional em
si, mas dos debates havidos na sociedade em nome da realização de uma forma determinada de relação social e, na
qual a educação desempenhava e desempenha papel relevante. (PASQUINI e TOLEDO, 2014, p. 262)

As pesquisas sobre a história brasileira, a partir das representações da imprensa, têm corroborado para um rico
mapeamento de acontecimentos histórico-educativos nacionais, que por muito tempo foram velados, mas que, de
acordo com Pasquini e Toledo (2014), “trazem impressos os discursos e procedimentos dos indivíduos envolvidos na
construção da nação brasileira” (p. 262), revelando seus personagens que protagonizaram as grandes transformações
em nossa sociedade, tal como argumenta Neves (et al., 2006, p. 10)

O redimensionamento da imprensa como fonte documental – na medida em que expressa discursos e expressões
de protagonistas – possibilitou a busca de novas perspectivas para a análise dos processos históricos. Dessa forma,
superou-se a perspectiva limitada de identificar a imprensa como portadora dos “fatos” e da “verdade”. Deixaram-se
também para trás posturas preconcebidas, que a interpretavam, desdenhosamente, como mero veículo de idéias
ou forças sociais, que, por sua vez, eram subordinadas estritamente por uma infra-estrutura sócio-econômica.

Por isso, é importante compreender que a imprensa comporta em si, objeto de investigação e referência para a
apreensão e compreensão dos acontecimentos histórico-educacionais. Nela surgem inúmeras visões e interpretações
dos fatos sociais, contribuindo para novas concepções de educação e sociedade, desta forma, constituindo grande
aliada na busca por respostas para as pesquisas em História e História da Educação.

A PESQUISA NO CORREIO DE UBERLÂNDIA

A catalogação das notícias nesse jornal revelou dados importantes que nos possibilitou traçar algumas análises e
reflexões, servindo, de instrumento para futuros debates e discussões sobre as características da educação no período
estudado e suas implicações no cenário regional. Traçamos paralelos com o contexto social, cultural, econômico e
político da época, além de revelar as representações do universo escolar, difundidas e consolidadas nesse periódico
em torno da ideia de educação (ou ideal de educação); a relação aluno-professor; as questões do analfabetismo e a
tendência crescente de criação e expansão do Ensino técnico e superior no município uberlandense e região, atrela-
do ao pensamento da elite da região do triângulo mineiro, especificamente da cidade de Uberlândia, identificando,
assim, o processo de expansão do Ensino Público articulado ao processo de modernização local requerida conforme
a tabela que segue:

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Tabela 1 - Relação de notícias sobre a Educação (1950 – 1970)*

EJA  Primário  Secundário  Superior  Técnico  Diversos  Outros  Total 


1950  1  5  16  10  8  3  17  60 
1951  5  11  10  14  9  8  19  76 
1952  1  3  13  7  4  1  1  30 
1953  **  **  **  **  **  **  **  ** 
1954  2  6  15  15  3  5  5  51 
1955  2  7  6  3  2  3  13  36 
1956  1  3  2  10  5  3  6  30 
1957  3  10  13  6  9  2  4  47 
1958  00  8  10  1  2  3  8  32 
1959  1  10  6  12  4  1  9  43 
1960  00  7  6  71  9  7  7  107 
1961  1  16  11  49  13  9  10  109 
1962  1  7  12  55  7  6  16  104 
1963  1  18  13  50  5  6  10  103 
1964  2  23  35  59  15  18  13  165 
1965  00  28  15  53  21  21  15  144
1966  00  10  7  61 10  38  00  126 
1967  **  **  **  **  **  **  **  ** 
1968  00  7  7  24  3  4  3  48 
1969  00  4  9  45  7  4  9  78 
1970  1  6  14  53  10  13  9  106 
Total  22  189  213  598  145  155  173  1495

No período correspondente a 1950 a 1970, pudemos perceber uma grande quantidade de notícias vinculadas à
educação a nível local, regional e nacional. Das notícias que mais se destacaram foram as que se relacionam ao ensino
superior, totalizando 598 (40% do total). A partir do final da década de 1950, e no decorrer da década de 1960, o nú-
mero de notícias sobre ensino superior cresce exponencialmente, decorrente da criação e estruturação da Escola de
Engenharia e as Faculdades de Direito, de Filosofia e também a de Ciências Econômicas. Neste ínterim, foi articulada
uma corrida para a criação da Fundação Universitária (Universidade de Uberlândia). Os anos finais da década de
1960, as Faculdades de Medicina e Odontologia fazem parte do sonho uberlandense de progresso para a metrópole
do triângulo.
A criação destas instituições no município de Uberlândia contribuiu para enaltecer a importância do município
mineiro na região do triângulo e centro-oeste brasileiro, favorecendo o interesse do Estado brasileiro em investir
nesta cidade, articulado ao incentivo privado, e atração populacional para a cidade. Vejamos a imagem que segue:

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Figura 2 – Valdir Melgaço: projeto Universidade Uberlândai (07/02/1963)

Junto com o Ensino Superior, o Ensino Secundário protagoniza as páginas do “Correio de Uberlândia” sobre
educação com um total de 342 notícias (23%). Tal característica revela a importância dada pelo jornal aos dois níveis
de ensino, refletindo o carater elitista do impresso e o seu interesse em se comunicar com seu público leitor (elites
locais). Vejamos a matéria que segue falando do ensino secundário:

Figura 3 – Colégio Estadual de Uberlândia (26/04/1954)

Outro grupo importante nas matérias dos jornais eram os estudantes, de forma que a atuação do Movimento
estudantil frente à defesa dos interesses dos estudantes do Ensino Secundário, eram sempre veiculadas no Jornal Cor-
reio de Uberlândia, como no caso da União dos Estudantes Secundaristas de Uberlândia - UESU – que desempenhou
importante papel no movimento estudantil local e regional. Vejamos:

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Figura 4 – Calmon convidado inauguração UESU (22/01/1963)

O jornal enfatizou cada movimento desta organização, bem como, participação de greves, reivindicações por
direitos e eleições para constituição da diretoria.
O número de notícias sobre o Ensino Técnico também foi relevante correspondendo a um total de 145 (10%).
Sobretudo na década de 1960, com a criação da Escola Vocacional e ginásios industriais.

Figura 5 - 20 milhões: equipamento Escola Vocacional (10/10/1961)

Essas instituições eram uma aposta para o ensino técnico, de garantia à aprendizagem de uma profissão à po-
pulação jovem uberlandense.
Vimos também que a educação primária em geral era apresentada pelo jornal relacionada as suas dificuldades
(25/02/1958 - 900 crianças uberlandenses estão sem seu Grupo Escolar), mas quando se conquistavam novas vagas
nesse nível de ensino eram celebradas também:

Figura 6 – Criado o 5º Grupo Escolar de Uberlândia (28/03/1955)

As dificuldades da educação primária e os fechamentos de grupos escolares por falta de estrutura para seu
funcionamento tornaram-se alvo das críticas dos redatores do jornal, visto que alguns grupos escolares passaram
por sérios problemas de falta de manutenção, tendo que ser interditados. Outros foram demolidos para construção
de novos espaços educacionais. Os grupos escolares representavam o principal dilema na Uberlândia das décadas de
1950 e 1960, e totalizaram 189 notícias (13%) sobre esse nível educacional. Notícias como a que segue eram comuns

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à época: “Hoje o pobre está expressamente proibido de estudar” (04/03/1956) quando o jornal tratava da dificuldade
que o pobre enfrentava para ingressar e continuar seus estudos, visto que as taxas de matrículas e anuidades eram
altas nas instituições particulares e também às exigências das escolas publicas protagonizam os obstáculos para inser-
ção e continuidade dos estudos.
Sobre a Educação de Jovens e Adultos, coletamos cerca de 22 notícias, o que revela pouca atenção que o jornal
denotava a este nível de ensino, reafirmando a linha editorial do periódico, sendo pois, direcionada aos interesses da
elite local. Todavia, em meio às poucas notícias sobre o tema em questão, uma, de 12/08/1951, nos chama a atenção:
“matriculou-se na Escola aos setenta e cinco anos”. Percebe-se o incentivo que era dado ao adulto analfabeto em in-
gressar numa escolar para alfabetizar-se. Tal movimento acontece, principalmente, com o advento da indústria e as
reformas legistalitvas no período Getulista (1930-1945 e 1950-1954), fomentando forte campanha de alfabetização
em todo o país.
Nas categorias Outros (173) e Diversos (155) chamaram-nos atenção algumas notícias, das quais se destacam:
“Escola para cegos”, do dia 31/03/1951, em que o jornal divulgava ações de diferentes interesses do universo esco-
lar, ressaltando-se essa iniciativa de inclusão desse tipo de público no sistema escolar. Também podemos ressaltar
a reportagem de 15 de junho de 1954, intitulada “As mulheres nos cursos superiores”, sobre o fato de as mulheres
estarem ingressando cada vez mais nas faculdades, ganhando um espaço de protagonismo em ambientes dominados
por homens e amplamente machistas.
Destacamos por fim, o debate em torno da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que pola-
rizou as discussões em torno da concepção de educação nos anos de 1950, sendo promulgada, apenas, no ano de 1961.
Com sua promulgação, o ensino formal brasileiro foi sistematizado, fortalecendo o caráter tecnicista, não mudando
sua essência, no que diz respeito à continuidade de concessões privatistas, deixando de lado grandes conquistas da
legislação anterior, como, por exemplo, a obrigatoriedade do ensino primário, outorgando outras entidades a res-
ponsabilidade pela providencia de oferta educacional. Romanelli (1976) aponta que essas reformas garantiram: a
flexibilidade do currículo nacional; a criação do Conselho de Representantes nos cursos técnicos com autonomia para
eleger os diretores das escolas; aprovação de orçamento, etc. Isto, de certa forma, significou um curto, mas importan-
te passo para a descentralização educacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessas duas décadas de veiculação do Jornal Correio de Uberlândia, ficou nítido que após o golpe de 1964, o
seu perfil de periódico de crítica implacável aos diferentes níveis de governo (municipal, estadual e estadual), recu-
sando a neutralidade em questões políticas, mudou de forma drástica sua postura em relação às notícias crítico-argu-
mentativas que circulavam em suas páginas, dando espaço a propagandas, anúncios, esportes e algumas conquistas
educacionais a nível superior, somente.
De modo geral, no recorte histórico pesquisado (correspondente aos anos de 1950 a 1970) o Jornal Correio de
Uberlândia tinha em suas páginas muitas notícias de cunho esportivo, político-partidário e muitas propagandas co-
merciais. Rondon Pacheco aparece com frequência nas páginas desse periódico, especialmente, na década de 1960,
junto com Valdir Melgaço como políticos “bem feitores” na regiao do triângulo mineiro, em especial, Uberlândia.
Vimos que mais de 60% das reportagens catalogadas e digitalizadas tratavam nos ensinos Médio e Superior vincula-
dos a ideia de progresso e desenvolvimento local, evidenciando que o jornal priorizava o mundo seleto dos indivíduos
que alcançavam tal nível de educação (menos de 7% à época). Por outro lado, o ensino primário aparecia muito mais
vinculado às dificuldades de suas escolas para existirem do que as suas conquistas, assim, representando o atraso da
educação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPELATTO, Maria H.R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto-EDUSP, 1988
CHARTIER, Roger A história cultural: entre práticas e representações. Trad.Maria M.de Galhardo, Lisboa: Difel (85), Rio:
Bertrand Brasil, 1990.
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos: trajetórias e perspectivas analíticas. In: PINSKY, Carla.
(Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006.
NEVES, L. M. B. P.; MOREL, M.; FERREIRA, T. M. B.C. (orgs.). História e imprensa: representações culturais e práticas de
poder. Rio de Janeiro: DP&A/Faperj, 2006, p. 9-15.
PASQUINE. Adriana Salvaterra; Cézar Alencar Arnaut,TOLEDO. Historiografia da Educação: a imprensa enquanto fonte de
investigação. Interfaces Científicas - Educação • Aracaju • V.2 • N.3 • p. 257 - 267 • Jun. 2014
ROMANELLI, Otaíza de O. História da educação no Brasil (1930/73). Petrópolis/UFMG:
Vozes, 1976.
SANTOS, Regma M. Práticas Culturais: as Tipografias, os Jornais e as Livrarias de Uberlândia (1897–1950) História &
Perspectivas, Uberlândia (40): 207-226, jan./jun.2009.

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O JORNALISMO COMO INSTÂNCIA SOCIALIZADORA
NO MOVIMENTO ESCOLANOVISTA:
AS CONTRIBUIÇÕES DE JULIO DE MESQUITA FILHO

Aldimar Jacinto Duarte – PUC Goiás


Vinícius Oliveira Seabra Guimarães – PUC Goiás

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a participação política e profissional do jornalista Julio de Mes-
quita Filho, e suas contribuições na construção de um pensamento político, social e educacional na cidade de São
Paulo por meio do Jornal “O Estado de S. Paulo”. Busca-se compreender as ações desse jornalista no campo político e
social (complexas e contraditórias), que o levaram a assinar o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Julio de
Mesquita Filho nasceu na cidade de São Paulo no ano de 1892 e veio a falecer no ano de 1969, aos 77 anos de idade. O
primeiro livro autoral dele foi publicado em 1925 com o título: “A crise nacional”, em que já discutia sobre a questão
da democracia, a política e a educação no Brasil. No ano de 1927, assume a direção do jornal “O Estado de S. Paulo”,
sendo este um jornal de grande circulação na capital paulista desde o ano de 1875, que posteriormente com a junção
de outras mídias ficou conhecido até os dias atuais como “Estadão”. No dia 19 de Março de 1932 ele assina e publica no
jornal “O Estado de S. Paulo” o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, que juntamente com outros 26 signatários
defendiam uma educação pública, laica e gratuita, entre outras premissas. Em 1933, Julio de Mesquita Filho, encon-
tra-se com o educador Fernando de Azevedo (1894-1974), momento este em que juntos trabalham para a criação da
Universidade de São Paulo (USP), que foi efetivamente fundada em 25 de Janeiro de 1934. Uma das grandes contri-
buições de Júlio de Mesquita Filho foi usar o jornalismo como um elemento de mobilização da opinião pública, de-
monstrando ser essa mídia uma instância educativa, socializadora e provocativa da própria realidade histórico-social
do Brasil em que viveu. Entretanto, o mesmo veículo de informação serviu como plataforma de interesses pessoais e
políticos, reafirmando as hegemonias de poder e as disputas de classes do seu tempo.
Palavras chave: Jornalismo. Escolanovismo. Educação.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

De início faz-se uma observação acerca da grafia do nome “Julio”, sem acento, preservando a forma como a
imprensa, mais especificamente o jornal “O Estado de S. Paulo”, utilizou durante os anos em que Julio de Mesquita
Filho esteve à frente do tabloide, entre os anos de 1927 a 1969. De semelhante maneira com relação à nomenclatura
do jornal que utilizando-se a abreviação “S. Paulo” será preservada por ser esta a usual na referida época. Tais grafias
serão conservadas nesse artigo, valorizando os signos e símbolos como o eram no passado, entendendo que tais espe-
cificidades apresentam identidades históricas.
A trajetória da família Mesquita foi marcada pelo poder da palavra escrita e vivenciou suas próprias contradi-
ções de deter nas mãos um meio de comunicação de massa que, supostamente, estava a serviço da população, mas que
por vezes se mostrou alinhado aos interesses políticos da oligarquia presente no início do século XX. Obviamente,
que ao longo da história de um jornal que teve seu início em 1875 foram deixadas marcas positivas e negativas, de-
pendendo da perspectiva e de que lado que se está. Neste sentido, é inegável que o jornalismo ocupou lugar central
na formação de São Paulo, e quiçá, na formação do próprio Brasil.
Julio de Mesquita Filho foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, que foi
um importante marco histórico na educação brasileira, especialmente por dois motivos: primeiro por ser um tempo
de mudanças por ocasião do fim da Primeira República Brasileira, ou República Velha (1889-1930); e segundo, pela

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recém-criação, em 1930, do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, que foi a primeira versão do que
atualmente é conhecido como Ministério da Educação (MEC). Portanto, estes dois fatos históricos atrelados ao poder
de uma grande mídia de massa, “O Estado de S. Paulo”, colocam Julio de Mesquita Filho no palco da história brasileira.

JORNALISMO, SOCIEDADE E POLÍTICA

O jornalismo, mais especificamente aquele praticado no jornal impresso, ocupou uma grande importância
no processo de formação da opinião pública e na socialização das discussões acerca da política, sociedade, cultura e
educação no Brasil no início do século XX, conforme observa Pontes (2010). Nesta época, a imprensa escrita se esta-
beleceu como uma das principais fontes informacionais junto aos programas de rádio, que era outra grande mídia em
recém-evidência no Brasil na mesma época. É neste cenário de efervescências e sinergia midiáticas com tons políticos
que Julio de Mesquita Filho se insere e desenvolve sua participação no jornalismo, na política e na educação, espe-
cialmente no contexto de São Paulo, porém com repercussão no âmbito nacional.
O jornal impresso surge no Brasil no início do século XVIII, sendo uma das consequências da mudança da
família real para o Brasil em 1808. Desde os seus primeiros impressos o jornal teve como função midiática a difusão
de assuntos referentes à política e a sociedade brasileira (LIMA, 2008), o que não foi diferente no caso do jornal, atu-
almente denominado de “O Estado de S. Paulo”, criado em 1875. Foi neste meio de comunicação, ou seja, a imprensa
escrita, que Julio de Mesquita Filho fez de sua ferramenta para intervenção política, social e educativa, assim como
meio de propagação de seus interesses pessoais, especialmente nos anos de 1916 a 1932, período que anteveem a data
em que assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
A fim de perceber a importância do jornal na referida época, é necessário localizar o tempo histórico de alguns
fatos, por exemplo, o surgimento do rádio. A primeira transmissão radiofônica oficial no  Brasil ocorreu na, então,
capital da República, Rio de Janeiro, em 07 de Setembro de 1922. A data não foi escolhida aleatoriamente de forma
desintencional, pois na ocasião se comemorava o centenário da independência do Brasil, demonstrando que o rádio
seria o mais novo meio de intervenção e disseminação da política, das questões socioculturais e das discussões entor-
no das futuras práticas educativas.
Desta forma, o rádio se apresenta no cenário nacional como uma propensa e popular mídia de massa. Na refe-
rida data de lançamento do rádio no Brasil, o jornal impresso ocupava centralidade no processo midiático e interme-
diava as informações, as discussões coletivas e os interesses das classes dominantes. Então, ao que tudo indica o rádio
inicialmente recorria ao jornal impresso como fonte informacional. Neste caso, é bem provável que o jornal “O Estado
de S. Paulo” tenha sido uma destas principais fontes.
A televisão só chegou ao Brasil em 1950, ou seja, demonstrando que o período de vida de Julio de Mesquita
Filho (1892-1969) foi marcado por uma gradual mudança na forma de mediar a informação, a política, a cultural e a
educação no Brasil. Entretanto, é preciso salientar que na data de assinatura do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, isto é, em 1932, o jornal ocupava primazia como fonte midiática junto as massas, seguida pelo rádio, que pos-
sivelmente nesta época, valia dos impressos como fonte para as transmissões radiofônicas.
O jornal “O Estado de S. Paulo”, sendo esta a sua nomenclatura em vigência, foi fundado em 04 de Janeiro de
1875, sendo que atualmente é o jornal mais antigo ainda em circulação em São Paulo. Dentre as 16 pessoas que fun-
daram o jornal, se dá destaque aos nomes de Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, que utilizaram a
impressa com propósitos políticos-sociais de, supostamente, combater a monarquia e se oporem a escravidão vigente
no Brasil na referida época.
A história do jornal “O Estado de S. Paulo” se funde com a própria história de São Paulo, onde ambos se desen-
volveram de forma dialógica, com fortes embates políticos, mas igualmente cresceram juntos, influenciando e sendo
influenciado pela imprensa escrita, que tinha desde os primórdios a intenção de intervir na política, na sociedade, na
cultura e nas propostas educacionais. O jornal se tornou, ao longo dos anos, em um cabide de profícuos escritores
como: Aluísio de Azevedo, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Olavo Bilac, Vladmir Herzog, entre outros.

1040
Apesar de todo entrelace histórico, das lutas políticas e dos espaços educativos formados a partir das viven-
ciadas do jornalismo, mais especificamente pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, há autores como Severiano (2012) que
argumenta que o discurso liberal destes era apenas uma dissimulada fachada. Na perspectiva deste autor, a direção
do Estadão chegou até conspirar e ventilou-se a possibilidade de aderir à luta armada em 1932, por ter supostamente
suas aspirações ao poder ameaçadas. Aliás, na perspectiva deste autor, o referido jornal sempre esteve em disputa de
espaço essencialmente político, isto porque o jornal é uma instancia socializadora.
Na perspectiva de Lima (2008) o jornal como mídia impressa apresenta cinco características principais: a)
parte-se de uma realidade exterior; b) possui objetividade; c) apresenta força coercitiva; d) tem autoridade moral de
coagir; e) proporciona qualidade de historicidade. Para a autora, estes distintivos, juntamente com a linguagem e a
comunicação, tornam o jornal uma instituição social. Desta forma, é razoável considerar que o jornal impresso, foi e
talvez ainda seja, uma instância socializadora e educativa no Brasil.

A FAMÍLIA MESQUITA E O MANIFESTO DE 1932

Julio César de Ferreira Mesquita (1862-1927), pai de Julio de Mesquita Filho, assume o jornal “O Estado de
S. Paulo” em 1885, porém somente em 1902, ele se torna o único dono do jornal. Julio Cesar de Ferreira Mesquita
teve uma fluente carreira política, foi vereador na Câmara Municipal de Campinas (1887), fez parte da Comissão de
Justiça, foi nomeado secretário-geral do novo governo provisório de São Paulo (1889), foi eleito para o Congresso
Constituinte paulista (1891), foi deputado federal (1892, 1894, 1898, 1901, 1907, 1910, 1913).
Em 1909, Julio Cesar de Ferreira Mesquita, se tornou um dos articuladores da candidatura de Rui Barbosa à
presidência da República, valendo-se da imprensa como ferramenta política, o que desta forma, se opunha à candi-
datura do militar Marechal Hermes da Fonseca. A partir deste momento iniciou-se o que ficou conhecido como a
“Campanha Civilista”, que teve explícito apoio, disseminação e divulgação por meio do jornal “O Estado de S. Paulo”,
conforme defende Santos (2018).
Há de se destacar também a proximidade que o jornal “O Estado de S. Paulo” teve com a Liga Nacionalista de São
Paulo (LNSP), especialmente nos anos de 1917 a 1924. A Liga se estabeleceu sob três bandeiras: a escola, a reforma
do voto e o serviço militar. A frente da LNSP estava Olavo Bilac (1865-1918), poeta, jornalista, republicano e nacio-
nalista, que fez inúmeras viagens pelo Brasil em campanhas em prol da alfabetização e do serviço militar obrigatório.
A partir deste breve resumo histórico que perpassou parte do contexto em que nasceu e viveu Julio de Mesquita
Filho, o fez integrar com muita intensidade na política, no jornalismo e no engajamento dos temas da educação. Desta
forma, no seu primeiro livro autoral, publicado em 1925 com o título: “A crise nacional: reflexões em torno de uma
data”, ele propunha discutir acerca da democracia, da política e da educação no Brasil, entre outros temas polêmicos.
Pouco tempo depois, em 1927, ele assume a direção do jornal “O Estado de S. Paulo”, sendo este um jornal de grande
circulação na capital paulista, que posteriormente, a partir da junção com outras mídias ficou conhecido, até os dias
atuais, como “Estadão”.
O jornal “O Estado de S. Paulo” vivenciou em sua trajetória momentos de grande tensão, pois em várias circuns-
tâncias o jornal, ou seja, a família Mesquita se posicionou politicamente, como foi o caso da greve operária de 1917,
e nem sempre eles estiveram do lado dos que venceram como aconteceu na Revolução de 30 com Getúlio Vargas
(1882-1954). Por ocasião desta acirrada aproximação entre a política e o jornalismo, o jornal “O Estado de S. Paulo”
enfrentou ao longo de sua trajetória severas oposições e ameaças por parte do governo federal sob a pena de fechar o
estabelecimento, o que efetivamente não ocorreu.
No dia 19 de Março de 1932, Julio de Mesquita Filho, assina e publica no jornal “O Estado de S. Paulo” o Mani-
festo dos Pioneiros pela Educação Nova, que juntamente com outros 26 educadores defendiam uma educação pública,
laica e gratuita. Ocupando, desta forma, lugar central na disseminação dos pressupostos escolanovistas no Brasil. É
válido ponderar que o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova foi um documento  assinado por 26 profissionais 
da educação que não apresentavam uma homogeneidade na forma de pensamento, pois não eram todos defensores
do liberalismo democrático como era, assumidamente, a posição de  Anísio Teixeira (1900-1971).

1041
Julio de Mesquita Filho não foi um educador no sentido estrito do termo, ele não foi um professor nos pa-
drões tracionais e nunca teve uma classe de alunos em uma escola ou universidade. Entretanto, a prática educativa
dele desempenhada por meio da imprensa reafirma o jornalismo como instância socializadora e educativa, ainda que
marcada por inúmeras contradições. Na visão de Pontes (2010) “sem este mobilizador da opinião pública, a história
da educação brasileira teria sido outra, certamente” (p. 19). Demonstrando que mesmo sem ser professor, Julio de
Mesquita Filho, desempenhou um papel importante na construção da história da educação no Brasil, especialmente
no início do século XX.
As razões que, possivelmente, levaram Julio de Mesquita Filho a ser um dos signatários do Manifesto dos Pio-
neiros pela Educação Nova foi o fato de ele deter o poder de uma das maiores mídias da época, o jornal “O Estado de S.
Paulo”, o que daria grande visibilidade para a luta dos educadores. Contudo, não é coerente creditar sua participação
apenas este fato, pois o mesmo já vinha há décadas promovendo discussões sobre política, democracia e educação, o
que pode ter colocado ele em rota de proximidade junto aos outros signatários.
Pouco tempo depois de assinar o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, Julio de Mesquita Filho, en-
contra-se com o educador Fernando de Azevedo (1894-1974), momento este em que juntos trabalham para a criação
da Universidade de São Paulo (USP), que foi efetivamente fundada em 25 de Janeiro de 1934. Contudo, a criação
desta Universidade não foi isenta de conflitos, interesses e oposições que permearam os seus primeiros anos, como
destacam Lima (2008), Pontes (2010) e Santos (2018). Por exemplo, para Santos (2018), Julio de Mesquita Filho tinha
duas percepções sobre educação, uma para as camadas pobres com cursos técnicos e outra para formação de uma elite
intelectualizada.
Uma das grandes contribuições de Julio de Mesquita Filho foi usar o jornalismo como um elemento de mo-
bilização da opinião pública, demonstrando ser essa mídia uma instância educativa, socializadora e provocativa da
própria realidade histórico-social do Brasil, sendo o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova um destes marcos
históricos sacralizado pela mídia, pelo jornalismo, pelo jornal impresso. Por esta razão, Lima (2008) considera que “os
jornalistas podiam não ser o poder político vigente, mas o representava de tal forma que até podiam ser confundidos
com o mesmo” (p. 49).
Durante a vida de Julio de Mesquita Filho, mais especificamente no intervalo que antecede ao Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, ou seja, de 1916 a 1932, o mundo estava passando por mudanças na política internacio-
nal, especialmente por ocasião da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e também pelo crash da bolsa de Nova York
em 1929. No período do entre Guerras (1919-1939), na América do Sul e Central, houve um forte crescimento do
processo de industrialização e fortalecimento de uma economia nacionalista por meio de governos populistas, como
por exemplo: Getúlio Vargas, no Brasil; Domingos Perón, na Argentina; e, Lázaro Cardenaz, no México.
O Brasil no início do século XX estava passando por um processo de expansão econômico impulsionado, majo-
ritariamente, pela exportação do café que ocorria no porto e na cidade de Santos, no litoral de São Paulo. A economia
cafeeira, apesar de ter chegado ao Brasil no início do século XVIII, só veio a constituir um importante componente
econômico, político e territorial no início do século XX, tornando a produção do café o motor da modernização,
internacionalização e da industrialização de São Paulo na referida época, especialmente por ocasião da expansão fer-
roviária ocasionada pela economia cafeeira.
Paralelamente a expansão cafeeira em São Paulo, em Minas Gerais, a produção de leite também estava em fran-
co crescimento, modernização, politização e expansão territorial. O que culminou na, então, denominada “política do
café com leite”, em referência a predominância de uma oligarquia do poder econômico e político exercido por Minas
Gerais e São Paulo sobre as questões políticas, econômicas e sociais no restante do Brasil. Portanto, é neste cenário
de grandes conflitos de interesses que Julio de Mesquita Filho se posiciona enquanto jornalista e vale-se do jornal “O
Estado de S. Paulo” como ferramenta para disseminação de suas ideologias, intenções e interesses, ora do lado da popu-
lação, ora do lado dos que detinham o poder político-econômico. Entretanto, há autores como Severiano (2012) que
defende a tese de que o referido jornal foi criado, desde o início, somente para defender exclusivamente os interesses
de fazendeiros, capitalistas e republicanos paulistas.

1042
Na visão de Lima (2008) o fato de, por décadas, a família Mesquita deter, exclusivamente, o poder sobre o jor-
nal “O Estado de S. Paulo” os fez, mais especificamente no caso de Julio de Mesquita Filho, utilizar o jornal como um
“veículo para representar a realidade do poder político ao qual ele pertencia” (p. 49). Apesar dele não ter se filiado a
nenhum partido político não o fez menos ativo politicamente por ocasião de todo contexto histórico que o abalizou.
Neste sentido, para esta autora, ele transformou seu engajamento político em uma prática jornalística, e vice-versa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Julio de Mesquita Filho ocupou lugar de destaque na história da educação no Brasil a partir da assinatura do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932 e da criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934. En-
tretanto, o envolvimento dele nas questões educacionais extrapola tais marcos históricos e margeia a história política
de São Paulo e também do Brasil, especialmente por ser ele o dono de um dos meios de comunicação mais influentes
no início do século XX, o jornal “O Estado de S. Paulo”.
A abordagem desse artigo priorizou o intervalo de tempo entre os anos de 1916 a 1932, período que anteveem
a data em que assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Contudo, na construção teórico-textual foi ne-
cessário recorrer a outros fatos anteriores e posteriores a tal período no intuito compreender que Julio de Mesquita
Filho foi um homem do seu tempo e fruto de uma série de construções históricas que anteveem a ele próprio, mas
que o define enquanto jornalista político, com toda contradição, embate e peculiaridades presentes no jornalismo no
início do século XX.
Ao que tudo indica, ele foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, pois o seu per-
curso ideológico, político e histórico o fez aproximar das pessoas que discutiam o futuro da educação no Brasil na-
quela época. Contudo, é preciso asseverar que o fato de ele deter o poder de uma das mais influentes mídias da época
também o colocou em posição favorável a estas aproximações. É válido reiterar que o jornal “O Estado de S. Paulo”
sofreu e se adequou as mudanças que estavam acontecendo no mundo na época, e sendo assim, ora servia a seus pró-
prios interesses políticos, ora serviam as interesses das massas.

REFERÊNCIAS

LIMA, Soraia Herrador Costa. Julio de Mesquita Filho: entre a máquina de escrever e a política. 2008. 145 f. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Comunicação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
PONTES, José Alfredo Vidigal. Julio de Mesquita Filho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Editora Massangana, 2010.
SANTOS, José Fagner Alves. Julio de Mesquita Filho e o projeto de ensino superior paulista: seus escritos, sua atuação (1920-1938). 2018.
121 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018.
SEVERIANO, Mylton. Nascidos para perder: História do Estadão, jornal da família que tentou tomar o poder pelo poder das palavras – e
das armas. São Paulo: Insular, 2012.

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O LUGAR DO ALUNO NA TEORIA DA INSTRUÇÃO
EDUCATIVA DE HERBART E NA TEORIA DO ENSINO
DESENVOLVIMENTAL DE DAVYDOV

Carmes Ana da Rosa Batistella – PUC/GO1


Raquel A. Marra da Madeira Freitas - PUC/GO2

A história da educação revela que práticas pedagógicas não são neutras e, conscientemente ou não, apresentam
fundamentos em teorias da educação formuladas por intelectuais da área. Assim, é importante ter clareza sobre os
alicerces que permeiam estas teorias, uma vez que elas vêm ditando, historicamente, o lugar do aluno no processo
de ensino/aprendizagem. Neste trabalho, objetiva-se discutir a posição ocupada pelo estudante segundo as teorias de
Herbart, pertencente à vertente pedagógica tradicional, e de Davydov da vertente histórico-cultural, resguardadas as
distinções históricas e conceituais entre estes estudiosos. Para Herbart, a educação escolar visa a formar moralmente
o futuro homem culto; para tanto, o aluno é exposto a variados conhecimentos e experiências e, uma vez governado
externamente, recebe a instrução a fim de se tornar disciplinado e desenvolver a inteligência e o autocontrole. Já na
teoria de Davydov, a educação escolar visa a promover o desenvolvimento humano amplo, e o lugar do aluno é de
um sujeito em atividade social e individual de aprendizagem, que se relaciona com os objetos de conhecimento para
compreendê-los historicamente por meio de investigação e de forma coletiva, para depois, individualmente, adquirir
autonomia de pensamento e capacidade crítica, bases para o desenvolvimento integral da sua personalidade.
Palavras chaves: Herbart. Davydov. Aluno. Teorias Pedagógicas. Didática.

INTRODUÇÃO

A história da educação revela que práticas pedagógicas não são neutras, elas se fundamentam em teorias da
educação formuladas por pensadores de acordo com as concepções de ensino e aprendizagem que comungam em
dado contexto cultural e histórico.
Saviani (2005) sintetiza as concepções de educação em duas grandes tendências que se diferenciam pela forma e
pelo conteúdo. A primeira constitui-se de concepções pedagógicas que priorizam responder “como ensinar” apontan-
do como solução tentativas de formular métodos de ensino. Já, a segunda tendência compõe-se de concepções peda-
gógicas que buscam responder à pergunta “como aprender”. Embora a primeira tendência tenha sido dominante até o
final do século XIX e a segunda a partir do século XX, ambas continuam disputando espaço nas práticas pedagógicas.
Neste trabalho elegemos os pedagogos Herbart e Davydov, como representantes, respectivamente, das ver-
tentes pedagógicas tradicional e histórico-cultural. Em contextos históricos muito distintos e em espaços temporais
diversos, esses teóricos se concentraram em pensar a aprendizagem e o ensino de forma sistematizada, considerando
subjetivamente o aluno. Enquanto o pensamento de Herbart saiu das fronteiras da Alemanha e teve alcance prati-
camente mundial no meio pedagógico no século XIX, o pensamento de Davydov começou a ser conhecido fora da
Rússia no final do século XX e início do século XXI.
Dada a importância das ideias desses teóricos que, epistemologicamente e pedagogicamente se divergem, mas
estabelecem o lugar que o aluno ocupa no processo de ensino e aprendizagem. Inicia-se o texto apresentando o pen-
samento de Herbart para, em seguida, tratar do pensamento de Davydov. Posteriormente discute-se sobre o lugar do
aluno na teoria desses autores e finaliza-se o texto com breves considerações sobre suas contribuições para se pensar
a educação escolar no contexto atual.
1 Doutoranda em Educação do PPGE da PUC/GO. Contato: carmesbatistella@hotmail.com
2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professora e Orientadora do PPGE da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás. Contato: raquelmarram@gmail.com

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HERBART: INSTRUÇÃO EDUCATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO MORAL DO
ALUNO

Johann Friedrich Herbart (1776-1841), filósofo e pedagogo alemão, reconhecido nos espaços acadêmicos como
o pai da didática, foi pensador que se dedicou a formular uma sistematização e organização do ensino voltados às fi-
nalidades da educação. Essas finalidades emanavam de seu tempo histórico, em que a cultura do povo era considerada
elemento essencial à nação alemã e expoentes da cultura e da filosofia alemãs estavam próximos de seu apogeu (ZA-
NATTA, 2012). Em sua teoria pedagógica, a instrução educativa foi um conceito central para o trabalho de formar o
futuro homem moral e ético. De acordo com Eby, Herbart definiu que “o fim da educação e da instrução é a produção
do homem de cultura, que é continuamente obrigado por um senso estético a lutar pela obtenção dos mais altos ideais
éticos” (EBY, 1962, p. 411).
Um mérito indiscutível de Herbart foi o de ter demonstrado e defendido a necessidade de o professor possuir
conhecimento pedagógico e não apenas uma prática baseada em experiência que, embora importante, é insuficiente
para o ensino eficaz. Assim, Herbart foi pioneiro no esforço para sistematizar cientificamente a pedagogia e propor
um método de ensino. O livro Pedagogia geral derivada dos fins da educação (1806) apresenta este método e situa
Herbart como grande representante da Pedagogia Clássica, com uma teoria pedagógica cujo sentido é dado pela con-
tribuição da educação para a formação da moral e ética do povo de uma nação (ZANATTA, 2012).
Para Herbart (2010) a educação visa à formação do caráter e da vontade, que possibilitam o “autogoverno” e a
atuação ao longo da vida com base em valores e na cultura.  Ao afirmar que uma educação sem instrução está fadada
ao fracasso, ressalta a instrução educativa definida como o meio de organização da ação pedagógica. Essa organiza-
ção apoia-se na curiosidade natural do aluno e na sua experiência, advinda das relações com o mundo e as pessoas.
Aperfeiçoar as ideias preexistentes e associar a elas novas ideias é o objetivo da instrução educativa, o que se alcança,
por meio do processo psicológico que Herbart denominou de apercepção.
Herbart (1945) explica que na mente humana se forma uma massa de representações oriundas da experiência
do indivíduo e o trato social. De onde se originam conhecimentos da natureza e sentimentos. Adverte que o conheci-
mento originado na experiência possui uma forma tosca e descontínua e que os sentimentos derivados do trato social
nem sempre são plausíveis e costumam ser censuráveis. Portanto, é necessária a educação geral e a ação pedagógica.

Por ação entende Herbart a atividade do sujeito que abarca uma dupla dimensão, inseparável entre si, a sensitivo
emocional e a reflexiva racional. Sem a capacidade de sentir e experimentar, o sujeito não consegue manter vín-
culo com o mundo que o cerca, nem consigo mesmo. Contudo, sem a capacidade reflexiva, o sujeito não consegue
elaborar o que experimenta por meio dos sentidos. Ora, a pedagogia como estudo independente precisa dar conta
dessa dupla dimensão constitutiva da ação do sujeito e mostrar como essa dimensão torna-se possível pedagogica-
mente. Ou seja, compete à Pedagogia desenvolver as condições educativas que possibilitem ao educando elaborar
experiências cada vez mais complexas (DALBOSCO, 2018, p. 12-13).

Seguindo o pensamento da época, Herbart compreende a educação como desenvolvimento de todas as capaci-
dades humanas (DALBOSCO, 2018).
Sua formulação pedagógico-didática fundamentou-se em três conceitos: governo, instrução, disciplina. O go-
verno constitui-se da família, da escola, da sociedade, do Estado, e consiste em uma conduta externa que direciona o
indivíduo até que se desenvolva a sua conduta interna, ou seja, seu autogoverno ou disciplina. À medida que o aluno
controla sua vontade e compreende a ação exercida sobre o espírito, surge a disciplina que tem a finalidade de formar
o indivíduo de caráter, virtuoso, moral, o homem capaz de se autocontrolar.  A disciplina se desenvolve por meio
da instrução e do interesse do aluno pelos objetos de aprendizagem e por atingir o autogoverno (HERBART, 2010).
A autonomia do aluno representa a formação do “homem de caráter”, capaz do controle de si tendo em vista
fins e valores sociais, morais e éticos. “A espécie de decisões que a vontade toma determina o tipo de caráter”, portan-
to, “um homem bom comanda a si próprio” (EBY, 1962, p. 411). No método herbartiano, o êxito do ensino está na
objetivação da finalidade educativa de disciplina e autocontrole (HILGENHEGER, 2010). A formação moral reúne,
para Herbart, cinco ideias básicas: liberdade, perfeição, boa vontade, direito e retribuição” (EBY, 1962, p. 411).

1045
Conforme Dalbosco (2018) na teoria de Herbart, a disciplina não significa poder disciplinador e sim forma
genuína do exercício de si, que possibilita ao ser humano cultivar suas disposições ou capacidades intelectuais, sendo
uma das principais formas de cultivo do espírito humano. Herbart advoga pelo amor e a autoridade em lugar do cas-
tigo e da vigilância do aluno, como forma mais produtiva de chegar à disciplina.
A instrução educativa deve proporcionar ao aluno a multiplicidade de interesses, isto é, a multiplicidade de
objetos a conhecer e suas ligações em um todo.

Herbart define a estrutura ideal do interesse pelo termo “multiplicidade”. O interesse se forma assim que o sujeito
apreende uma “multiplicidade” de objetos “em profundidade” e liga os traços que estes aprofundamentos deixaram
em sua memória por meio de uma “rememoração” global. [...] o interesse múltiplo (polivalente) é aquele no qual
todos os aspectos se harmonizam, formando um todo. (HILGENHEGER, 2010).

Por multiplicidade, entenda-se a capacidade de relacionar diferentes objetos a diferentes conceitos e em dife-
rentes situações. Desse modo, a instrução educativa consiste em educar a inteligência e a vontade do aluno e produzir
nele verdadeiros interesses. Despertar o interesse do aluno é colocar em sua consciência o gosto pelas virtudes, pelo
bem, pela beleza, pela verdade, uma aprendizagem prazerosa (ZANATTA, 2012).
Com esses conceitos, Herbart estruturou um método pedagógico em passos formais que sintetizam os princípios
filosóficos e psicológicos de sua teoria. São eles: 1) Clareza da apresentação dos elementos sensíveis de cada assunto, que
envolve o trabalho do professor fundado na intuição do aluno, levando-o a ver, ouvir, sentir diretamente a realidade
de seu ambiente; 2) Associação, em que o aluno relaciona as novas noções com as que já possui, desenvolvendo a aper-
cepção; 3) Sistematização, que consiste em o professor levar o aluno das imagens isoladas à organização de conceitos,
em uma crescente generalização, alcançando princípios gerais, regras, leis e definições; 4) Aplicação, ou, seja, aplicar os
conhecimentos alcançados a situações práticas, utilizá-los em situações concretas (LOURENÇO FILHO. 2002).
Para Dalbosco (2018) na história convencional da pedagogia Herbart tem sido retratado como pedagogo que
seria conservador, defensor intransigente dos conteúdos e que, no processo ensino-aprendizagem, menosprezaria o
papel ativo do aluno em função do papel diretivo do professor. Entretanto ele deve ser considerado como um precur-
sor moderno dos métodos ativos que não destituiu a autoridade legítima do professor e do seu papel de dar direção
intelectual ao processo pedagógico. Para ele, Herbart atribui ao aluno um lugar ativo, porém mantendo a centralidade
formadora do professor o que se justifica pela “independência da pedagogia como campo de estudos” e “coloca o au-
togoverno como categoria fundante da própria Pedagogia” (Ibid., p. 3).
Assim, verifica-se que a contribuição de Herbart foi fundamental para erigir cientificamente a pedagogia e
para estabelecer entre o professor e o aluno uma relação de compromisso com a formação subjetiva do aluno. Nessa
relação, ainda que de forma tradicional e centrada no professor, o lugar do aluno é de alguém que se torna capaz de
utilizar suas capacidades e conhecimentos em todo o processo de aprendizagem.

DAVYDOV: ATIVIDADE DE ESTUDO PARA O DESENVOLVIMENTO AMPLO DO ALUNO

Vasili Vasilievich Davydov nasceu em 1930 em Moscou, onde também faleceu, com 68 anos de idade. Seu pai
era metalúrgico, sua mãe trabalhadora têxtil e, ele acabou cursando Filosofia e Psicologia na Universidade Estadual
de Moscou, onde concluiu o curso de Psicologia em 1953, após a morte de Stalin, tornando-se pesquisador no campo
da psicologia pedagógica. No período de 1959 a 1983, juntamente com Elkonin, trabalhou no Instituto de Psicologia
Geral e Pedagógica da Academia de Ciências Pedagógicas da União Soviética, assumindo sua direção em 1961. For-
mou uma equipe de pesquisadores que contou especialmente com A. K. Markova e A. I. Aidarova. Em 1989 quando,
juntamente com os principais educadores e psicólogos soviéticos, reorganizou aquela Academia tendo em vista as
pesquisas ali desenvolvidas em consonância com os redirecionamentos da política educacional de reformas no siste-
ma de ensino na Rússia (LIBÂNEO E FREITAS, 2017).
Pesquisador pertencente à terceira geração de psicólogos e pedagogos russos herdeiros da tradição teórica de
Vygotsky, Davydov desenvolveu suas pesquisas e elaborou sua teoria de forma lastreada nesta escola (LIBÂNEO,

1046
2004). As pesquisas de Davydov fundamentaram-se em princípios desenvolvidos por Vygotsky (1989; 1991) e teoria
da atividade de Leontiev (1972; 1974;1983).
O conjunto de trabalhos realizados a partir de 1959 pode ser considerado o início da formação da escola cien-
tífica de Davydov. Destacou-se por ter demonstrado por meio de pesquisas que os escolares menores apresentam
amplas possibilidades cognitivas, muito mais do que se supunha até então. Apesar da crítica morda que recebeu, os
resultados das pesquisas de Davydov aproximaram a ciência psicopedagógica de novos enfoques para a compreensão
dos objetivos, das tarefas e do conteúdo do ensino (RUBTSOV, 2005).
As investigações de caráter teórico e prático envolvendo professores e alunos em escolas russas, principal-
mente na escola Nº 91 de Moscou possibilitaram a elaboração, nos anos 1970, da teoria do ensino desenvolvimen-
tal, que abrange uma concepção pedagógica e psicológica e apresenta um método de ensino para superar a didática
tradicional (LIBÂNEO E FREITAS, 2007). A teoria do ensino desenvolvimental ressalta a influência do ensino no
desenvolvimento dos alunos, tendo como foco a atividade de estudo e valoriza o potencial criativo como núcleo do
desenvolvimento da personalidade (LIBÂNEO E FREITAS, 2017).
Davydov concebeu como finalidade primordial da educação escolar a promoção do desenvolvimento dos alu-
nos por meio da apropriação cultural e científica. Para isso, elaborou uma forma de organização do ensino com foco
na constituição, pelos alunos, do método dialético de pensar e analisar os objetos e seus conceitos dentro das discipli-
nas escolares. Em sua formulação teórico-metodológica a formação de conceitos é a base do ensino e aprendizagem,
enquanto a atividade de estudo é a base da organização do ensino. A atividade de estudo é o meio pelo qual o aluno se
torna um investigador ativo daquilo que estuda e aprende e nela está contida a lógica do pensamento teórico, aquele
pensamento que deu origem ao conceito (FREITAS, 2016).
A teoria do ensino desenvolvimental apresenta uma complexa teia conceitual cuja discussão não é possível no
espaço desse texto. São tratado aqui alguns destes conceitos que se considerou mais importantes para o objetivo do
presente trabalho: a formação de conceitos; a atividade de estudo.
Ao tratar da formação de conceitos, Davydov (1988) distingue os tipos de pensamento empírico e pensamento
teórico, os quais produzem, respectivamente, conceitos empíricos e conceitos teóricos. O pensamento empírico de-
riva da atividade prática e corresponde ao reflexo do objeto tal qual ele se apresenta ao sujeito. Por sua vez, o sujeito
conhece esse objeto atuando intelectualmente com ela a partir de seus dados sensoriais, externos, captados no obje-
to de forma direta. Dessa forma, chega a um conhecimento direto e imediato do objeto, que possibilita definições,
classificação, comparação e memorização. Esse método de pensamento resulta em conceitos empíricos, cujo movi-
mento de pensamento parte do objeto particular para alcançar sua generalização. Tal generalização é o resultado da
comparação de diversos objetos singulares e particulares, formando deles um conceito e inserindo-os em uma classe
de objetos. Esse tipo de generalização consiste na ascensão do pensamento a partir do objeto sensorial-concreto, che-
gando ao procedimento mental-abstrato de lidar com esse objeto no pensamento e expressando-o em uma palavra
(DAVYDOV, 1988, p. 114).
O pensamento teórico, derivado da reflexão originada na atividade prática, corresponde à forma pela qual o
sujeito busca identificar as conexões entre os aspectos internos e externos do objeto, evidenciando contradições e
contrastes. Ao reproduzir o objeto na atividade intelectual, o sujeito não lida com ele apenas a partir seus dados sen-
soriais, externos, captados de forma direta e imediata. O que o sujeito busca é primeiro compreender seu sistema de
relações e nele identificar aquela que reflete a essência do próprio objeto. Portanto, o pensamento teórico é a forma
de atividade mental pela qual um ser humano reproduz pelo pensamento um objeto, reproduzindo também o sistema
de relações que reflete sua essência. (DAVYDOV, 1988).
Para Davydov (1988, p. 128) o pensamento teórico “não opera com representações, mas, propriamente com
conceitos”, sendo que o conceito atua como forma de reflexo do objeto material e, ao mesmo tempo, como meio de
sua estruturação e reprodução mental. Portanto, nessa forma de pensamento, o desenvolvimento do aluno distingue-
-se pelo modo em que se organiza a sua relação com o objeto de estudo. Uma relação mediada que envolve investiga-
ção e criatividade para conhecer o objeto.

1047
A ascensão do pensamento, no processo de aprendizagem, parte de problemas reais envolvendo o objeto, cuja
solução depende primordialmente da compreensão da sua forma abstrata, mediada pela investigação em um campo de
conhecimento, como reprodução teórica do concreto real como unidade do diverso. Assim, o aluno identifica a relação
essencial e geral do objeto em sua forma teórica. Tendo formado essa compreensão, o aluno estabelece uma relação
cognitiva com o objeto concreto e o examina, situando-o numa totalidade de relações. Esse método de pensamento re-
flete dialeticamente o objeto em suas relações essenciais e contraditórias. Nesse processo, o objeto concreto é ponto de
partida e de chegada do pensamento do aluno. Enquanto o concreto como ponto de partida é o que existe independente
da percepção pelos órgãos dos sentidos, o concreto pensado consiste no real com atribuições de significados. Entenden-
do-se que de certos níveis de concretude se passa para outros, com a mediação da abstração (DAVYDOV, 1988). Nisso
consiste a formação do conceito teórico, ou seja, a unidade do universal, singular e particular do objeto.
A formação do conceito teórico se inicia, segundo Davydov (1983, p. 311) “não com um choque direto” com
o objeto de conhecimento, mas “na relação mediatizada com o objeto”. Para ele (1988) a principal função da escola é
providenciar os meios para os alunos formarem esse modo teórico-conceitual de pensar para se apropriarem dos co-
nhecimentos histórica e socialmente constituídos. No processo de ensino, a participação do aluno em uma atividade
de estudo, mobiliza-o de forma intelectual e prática, com ações que promovem o pensamento teórico. Para tanto, a
atividade de estudo precisa ser bem formulada e desenvolvida pelo professor com os alunos.
Para formar conceitos teóricos, utilizando um modo teórico dialético de pensamento, os alunos realizam ações
dentro de uma atividade de estudo do objeto, inicialmente coletiva, com a orientação e direcionamento do professor
e, posteriormente, de forma autônoma e individual (DAVYDOV, 1988; 1999).
Na primeira ação os alunos têm por objetivo investigar e descobrir a relação universal e essencial do objeto,
aquela que constitui o núcleo do conceito teórico. Em tarefa objetivando descobrir essa relação, os alunos se põem no
lugar de pesquisadores, identificando relações e conexões na base da origem do objeto mediado pela ciência. Identi-
ficadas estas relações, eles destacam aquela que é essencial, geral, universal.
Descoberta a relação geral, a segunda ação dos alunos consiste em criar um modelo que a represente, em forma grá-
fica, literal ou outra. O importante aqui é que o modelo necessariamente reflita de forma correta a relação geral do objeto.
Na terceira ação, é introduzido na relação geral do objeto um elemento estranho (como um erro), para que os
alunos analisem as consequências. Com isso, a relação universal se torna para eles ainda mais acentuada e clara. Se an-
tes ela poderia estar ocultada nas particularidades da tarefa, dificultando o seu exame, ao se introduzir no modelo uma
transformação e analisar suas consequências, são reforçados aqueles elementos que compõe o nuclear, a célula do objeto.
Na quarta ação, os alunos resolvem várias formas particulares de problemas que se assemelham ao problema
inicial, tendo como base a relação geral universal e seu vínculo com relações particulares. Os alunos identificam em
cada problema a presença da relação universal e a utilizam para solucionar problemas concretos e particulares.
A quinta ação, denominada por Davydov de monitoramento e controle, corresponde ao exame realizado pelo
próprio aluno durante todas as ações da atividade de estudo do objeto. Na sexta e última ação, o professor analisa e
avalia os alunos quanto à apropriação do pensamento teórico do objeto pelos alunos, ou seja, da aquisição de uma
“ferramenta” para lidar com o objeto estudado em qualquer situação particular apresentada. Ambas as ações, quinta e
sexta, não são isoladas das demais e, devem perpassar todas elas e estarem conectadas a cada uma durante o processo
de sua realização pelos alunos.
Hedegaard e Chaiklin (2005) afirmam que desse modo, o ensino desenvolvimental contribui para que os alunos
transformem os conceitos em si em ferramentas mentais.

O LUGAR DO ALUNO NAS TEORIAS DE HERBART E DE DAVYDOV

Herbart e Davydov tiveram uma preocupação pedagógica e didática com o ensino, considerando o aluno no
processo subjetivo de aprender e a sua formação dentro de uma concepção humanística. A partir de fundamentos e
concepções muito distintas (humanismo clássico em Herbart e concepção histórico-cultural de ser humano em Da-
vydov), contribuíram para constituir um tipo de lugar para o aluno no processo de ensino e aprendizagem.

1048
Herbart privilegiou o desenvolvimento das capacidades do aluno para conhecer, sentir e querer, por um mo-
vimento indutivo de pensamento, partindo do objeto particular e considerando o maior número possível de repre-
sentações na sua mente (EBY, 1962). Davydov (1999, p. 4) priorizou o método da reflexão dialética como base do
conhecimento e da formação de conceitos teóricos pelos alunos, tendo em visa promover o desenvolvimento de sua
personalidade de forma ampla, para a ação na realidade social e histórica. Trata-se de uma personalidade criadora e
capaz de buscar transformações, mas, sobretudo, compromissada com o conhecimento dentro de uma visão demo-
crática da sociedade.
A instrução educativa de Herbart, por sua vez, tem em vista a formação de ideias e representações mentais das
coisas reais como meio para tornar o aluno o futuro homem bom, que comanda a si internamente, e toma decisões
com fins éticos e morais. Sua virtude é ativa consigo mesmo, não necessariamente com a realidade social, apresen-
tando um caráter individual e a-histórico. Nesse sentido, a autonomia do aluno significa comandar a si próprio pela
força das ideias imbuídas de valores éticos. Autonomia em Herbart, em uma palavra, é autocontrole.
A autonomia do aluno, em Davydov, depende da relação entre aprendizagem e desenvolvimento, sendo esta
uma relação ativa, coletiva, investigativa e criadora, na medida em que põe o aluno no lugar de um pesquisador, que
pensa, elabora, faz análises e sínteses, chega a conclusões, nas interações e relações dentro de uma situação social de
aprendizagem. Os alunos, coletivamente, reproduzem de forma abreviada o processo investigativo do objeto e dessa
forma o recriam, para si e para suas relações com os outros na realidade social. Ter o conceito teórico do objeto é ter
um método de pensá-lo no contexto de relações epistemológicas e sociais.
Na instrução educativa de Herbart o aluno, de forma individualizada, escuta o professor e realiza tarefas apre-
sentadas de forma disciplinada. Na atividade de estudo de Davydov, o aluno também realiza a tarefa formulada pelo
professor. Entretanto, elas são formuladas para promover a investigação de forma coletiva do objeto. “Em essência, a
atividade pressupõe não apenas as ações de um só indivíduo tomado isoladamente, mas também suas ações no con-
texto da atividade das outras pessoas, ou seja, pressupõe certa atividade conjunta” (Leontiev apud DAVYDOV, 1988,
p. 32).
Em Herbart a boa aprendizagem se alcança pela disciplina do aluno enquanto conduta externa realizada pela
família, pela escola e pela sociedade, que se transforma paulatinamente em conduta interna. Para Davydov, a boa
aprendizagem é a que resulta em novas formações mentais, ampliando as possibilidades de compreensão cada vez
mais complexa e aprofundada dos objetos em suas relações concretas na sociedade. A boa aprendizagem necessaria-
mente implica desenvolvimento da consciência.

Durante o cumprimento sistemático da atividade de estudo desenvolve-se nos alunos, junto com a assimilação
dos conhecimentos teóricos, a consciência e o pensamento teóricos. Na idade escolar inicial, a atividade de estu-
do é a principal entre as outras desempenhadas pelas crianças. No curso da formação da atividade de estudo, nos
escolares menores se constitui e se desenvolve uma importante neoestrutura psicológica: as bases da consciência,
o pensamento teórico e as capacidades psíquicas a eles vinculadas (reflexão, análise, planejamento) (DAVYDOV,
1988e).

O lugar do aluno, em Davydov, é o lugar do pensamento e da reflexão, da criatividade e da transformação de


si e da realidade, não somente em um devir distante, mas na realidade viva de seu cotidiano. Acontece que o desen-
volvimento da consciência e da autonomia perpassa pelo desenvolvimento de capacidades subjetivas, intelectuais e
práticas, e isso depende da apropriação de conceitos teóricos. O aluno, ao ser desafiado a pensar como os cientistas
pensaram e percorrer caminhos que o levem à origem e à essência do objeto de estudo, percebe-se como um ser que
ocupa lugar relevante no processo de ensino e aprendizagem, mas, sobretudo, no processo histórico e social.
Herbart considerava relevante a formação do círculo de ideias na mente do aluno, como um agregado com
valor em si mesmo e, no máximo, com valor para o homem futuro que o aluno irá se tornar. Na teoria de Davydov
formar conceitos é a principal via de produção de mudanças nas capacidades dos alunos, intelectuais e práticas. Essas
capacidades abrangem sistemas de conceitos da ciência, da arte, da ética em relação com os saberes da vida cotidiana
e da cultura do aluno.

1049
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As teorias de Herbart e de Davydov têm significativa relevância histórica para a educação escolar. Enquanto a
teoria de Herbart à sua época representou uma superação da escolástica por uma pedagogia tradicional leiga, a teoria
de Davydov representou a formulação pedagógica e didática de princípios da teoria de Vygotsky. Herbart, preocupa-
do com a formação moral do aluno cria para ele um lugar de destaque em sua teoria, concede-lhe certa atividade, mas
em uma posição no processo de ensino-aprendizagem que não ultrapassa a de indivíduo moral. Davydov, preocupa-
do com o desenvolvimento da consciência do aluno cria para ele um lugar na atividade de estudo para que estabeleça
amplas relações com o conhecimento e com os outros. O aluno não é visto como um sujeito que tem história e se
torna crítico, criativo e autônomo pela apropriação de conhecimentos e pelo desenvolvimento de novas capacidades.
Aprofundar a compreensão das teorias desses pensadores ajuda no esclarecimento dos desafios com que se depara
a educação escolar contemporânea, cujas finalidades abrangem a formação moral e ética dos alunos ancorada em co-
nhecimentos científicos e no trabalho intelectual e orientada na direção de uma sociedade democrática e emancipatória.

REFERÊNCIAS
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Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, 2018.
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Research – Excerpts. Soviet Education, August/ vol. XXX, N° 8, 1988.
DAVYDOV, V. V. What is real learning activity? In: HEDEGAARD M; LOMPSCHER J. (ed.). Learning activity and
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EBY, F. Herbart e a ciência da educação. In: EBY, F. História da educação moderna. Rio de Janeiro: Globo. 1962. (p. 408-429).
FREITAS, R. A. M. M. Formação de conceitos na aprendizagem escolar e atividade de estudo como forma básica para organização
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HERBART, J. F. Pedagogia geral: deduzida da finalidade da educação. Tradução de Ludwig Scheidl. Lisboa: Fundação
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______Johann Herbart / Norbert Hilgenheger; tradução e organização: José Eustáquio Romão. Recife: Fundação Joaquim
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LIBANEO, J. C.; FREITAS, R. A. M. M.  Vygotsky, Leontiev, Davídov: contribuições da teoria histórico-cultural para a didática.
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LIBANEO, J. C.; FREITAS, R. A. M. M. Vasily Vasilyevich Davydov: a escola e a formação do pensamento teórico-científico.
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RUBTSOV, Vitaly. V. Vassili V. Davidov, Fundador de uma escola científica e diretor do instituto de psicologia (1930 – 1998).
s/d. Trad. do russo por Ermelinda Prestes.
SAVIANI, D. As Concepções Pedagógicas na História da Educação Brasileira. Disponível: http://www.histedbr.fae.
unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_036.html. Acesso em: 26 abr. 2019.

1050
O MOBRAL E AS ESTRATÉGIAS DE CONVENCIMENTO DO ESTADO
MILITAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PESQUISA DOCUMENTAL

Danielly Cardoso da Silva - UFG/ PPGE/ CEPAE

Este trabalho discute as estratégias de convencimento utilizadas pelo Mobral no decurso de sua atuação com
recorte no período de 1970 a 1975. Buscou-se abordar que estratégias de manutenção do Estado Militar encontram-
-se presentes nos discursos de sustentação do projeto educacional destinado a alfabetização de adultos no período
analisado. O Mobral foi um projeto educacional criado pela Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, sob forma
de fundação, contando com autonomia em relação ao Ministério da Educação. No entanto, iniciou suas atividades
oficialmente apenas em 1970, com larga divulgação de atividades em âmbito nacional, utilizando vários meios de
comunicação para propagar suas ideias. Este texto é um recorte a partir de uma pesquisa documental que se desen-
volveu fundamentada na perspectiva da Histórica Cultural, pautada nos autores Burke (1994, 2011), Chartier (1988),
Pesavento (2005). Trabalhar na perspectiva da história cultural pressupõe considerar que as fontes para acesso ao
passado não são neutras, que carecem de interpretação, e que esta pesquisa está a registrar sua percepção sobre os
fatos. Na leitura das fontes, percebe-se que existe uma memória social do que foi o Mobral que virou uma forma de
identificar a Educação de Jovens e Adultos – EJA. Essa forma de lembrar é uma construção coletiva, que torna esse
objeto um fenômeno histórico, um elemento do passado educacional, que embora não se faça mais presente no con-
texto atual, persiste no imaginário social. Este trabalho se baseia numa pesquisa documental que utilizou documentos
oficiais, publicações e propagandas sobre o projeto educacional veiculadas na Revista Veja, para identificar e analisar
os discursos utilizados pela ditadura militar enquanto estratégia de adesão ao Mobral. Nessa perspectiva o Mobral
é apresentado como o potencial salvador da nação, pois através deste, haveria a criação de empregos, a melhoria na
qualidade de vida, e a propagação da cultura e a integração social através das ações comunitárias. No contexto da
ditadura era essencial aos governantes manter o controle sobre a população, reprimindo toda possibilidade de oposi-
ção ao regime. O Mobral foi um braço da ditadura militar, atendendo a população urbana e rural chegando a lutares
onde instituições como os Correios não conseguiam atender. Apesar disso, há de se questionar a eficácia do projeto,
tendo em vista que seu principal objetivo, que era alfabetizar milhões de analfabetos não foi alcançado tal como se
esperava. Tal fato rendeu ao projeto uma investigação acerca da utilização de recursos por parte de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito – CPI, no ano de 1975. Como estratégia de convencimento para adesão do projeto eram
utilizados elementos cívicos, como o dever do bom cidadão compromissado com a nação, o apelo religioso, pautado
no conservadorismo cristão, e em caso de não colaboração o constrangimento público. Esses elementos tinham por
objetivo difundir a ideia de sucesso do Mobral enquanto projeto educacional na tentativa de captar recursos humanos
e financeiros para sua execução.
Palavras-chave: Mobral, Propagandas, Estado Militar.

O MOBRAL: PROPÓSITO E ORIGEM

As condições de aprendizado da leitura e da escrita são processos relacionados diretamente ao acesso à educa-
ção escolarizada no Brasil. De acordo com Rodrigues (2000), historicamente as dificuldades de acesso e permanência
na escola geraram um contingente populacional que além de não concluir sua escolarização básica na idade indicada,
eram analfabetos. Na tentativa de diminuir esse número, foram implementadas ao longo da história da educação
brasileira uma série de campanhas e programas educacionais voltados a alfabetização de adultos.
No entanto, a maioria dessas propostas eram de caráter sazonal, e fragilizado e demonstravam a ausência de
“uma preocupação em estabelecer uma política de educação de jovens e adultos (EJA), refletindo, uma perspectiva

1051
basicamente de natureza eleitoreira e/ou apenas de dar respostas às cobranças internacionais de extinção do índice
de analfabetismo do país” (RODRIGUES,2000 p.30).
Na tentativa de combater o analfabetismo no Brasil, foi criado na década de 1970, o Movimento Brasileiro da Alfa-
betização (Mobral). Estruturado sobre o modelo de fundação, esse projeto educacional se destacou pelo seu amplo tempo
de duração (1970-1985), pela sua organização e gestão a nível nacional, pelo farto financiamento destinado a suas ações e
sobretudo pela ampla divulgação e conhecimento, sendo rememorado até os dias atuais no âmbito do senso comum.
Tendo em vista que o Mobral é muito citado na composição dos trabalhos, sobretudo aqueles que abordam a
temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA), percebeu-se uma escassez de trabalhos que tenham essa ação como
objeto de pesquisa, sobretudo do ponto de vista da história da educação. Por isso este trabalho apresenta o recorte
de uma pesquisa documental que procurou compreender a lógica de implantação do projeto e como seus diretores
fizeram uso da campanha publicitária institucional para propagar estratégias de convencimento visando adesão dos
participantes e o envolvimento da sociedade civil em suas ações.
Pesquisar o Mobral possibilitou compreender como foi construído esse projeto educacional no imaginário
popular, tendo em vista que este é um nome amplamente conhecido no senso comum. Há de se considerar que o
projeto educacional posto nessa iniciativa está alicerçado nos moldes do contexto político da década de 1970, sendo a
proposta motora da alfabetização de adultos durante o regime militar, como destaca Paiva (2003):

O lançamento do Mobral como campanha de alfabetização de massa, em 1970, prendeu-se diretamente à mobi-
lização política canalizada através do movimento estudantil em 1968 e à promulgação do AI-5 em dezembro de
desse ano, constituindo-se tal campanha – juntamente com a expansão do ensino superior – num dos pilares da
política educacional do governo militar no período. (PAIVA, 2003 p. 337)

A autora ainda destaca que, o Mobral consistia numa ação de estratégia para o fortalecimento do regime, uma
tentativa de garantir sua legitimidade junto às camadas médias e populares da sociedade. Sendo assim, a organização
do Mobral projetava alcançar todo o território nacional, incluindo os municípios mais longínquos, de modo a garan-
tir uma base eleitoreira favorável aos governistas e neutralizar os apoios que se manifestassem contrários ao regime.
O Estado militar fez uso de diferentes estratégias para manter o controle político e ideológico sobre a força de
trabalho que se formava nas escolas e universidades. O Mobral contribuía com o discurso de valorização da educação
escolar junto a população adulta, amplamente contemplada pelas propostas de educação popular, sobretudo por Pau-
lo Freire, nos anos que antecederam o golpe. Além disso, havia a precisão de manter o controle ideológico do ponto
de vista educacional e cultural no país, assim justificado:

O seu interesse se manifesta, primeiramente, através da repressão a professores e alunos “indesejáveis” ao Regime
através do controle político e ideológico do ensino, visando à eliminação do exercício da crítica social e a política,
para obter a adesão de segmentos sociais cada vez mais amplos para o seu projeto de dominação. A atuação do Es-
tado na área da educação – coerente com a ideologia da segurança nacional – reveste-se assim de um anticomunis-
mo exacerbado, de um anti-intelectualismo que conduzia à misologia, ou seja, a negação da razão. (GERMANO,
2005, p. 105).

Dessa forma, Paiva (2003) destaca que o Mobral fazia restrições a proposta educacional posta por Paulo Frei-
re, como justificativa de possibilitar a promoção social no sentido compatível com a estrutura política, econômica e
social do contexto. O contexto político brasileiro havia passado por um período marcado pelo entusiasmo pela edu-
cação, sobretudo influenciado pelas ideias de educação popular promulgadas no início da década de 1960.
Os governos considerados populistas que antecederam a condução ao Estado Militar, podem ser apontados
como um cenário de mudanças e transformações no cenário educacional. O crescimento urbano e industrial impul-
sionou a necessidade de pensar a instrução da população com finalidade de educar uma força de trabalho capacitada
a trabalhar nas fábricas e lidar com as inovações tecnológicas.
Nesse sentido, o Estado Militar vivia a ambiguidade de equilibrar-se entre interesses divergentes, segundo
Haddad (1991) tentava ser denominado “um Estado para todos” (p.04), porém, simultaneamente apresentava um
discurso de progresso e modernização, revestindo-se de um caráter conservador, marcado por “processos de mu-

1052
dança contraditórios, em que o novo negocia com o velho, que mantém vigor e atualizam certos traços do passado”
(MOTA, 2014, p. 09), logo, no que se refere ao Mobral:

Aceitava-se que as atividades do Mobral deveriam ser conscientizadoras. Os movimentos anteriores a 1964, te-
riam distorcido os propósitos de conscientização levando à politização prematura e mal orientada dos alunos e
colocando em riso a formação cristã e democrática do nosso povo. (PAIVA, 2003 p. 323).

Dessa forma, o projeto educacional posto no Mobral deveria contribuir com a manutenção e preservação do
Estado militar, em suas lições, em suas atividades de promoção cultural e na dinâmica pedagógica posta a organização
do ambiente educacional. O Mobral era em todos os sentidos o aparato militar de controle da população adulta, além
de canalizar jovens em formação nas universidades como monitores, dispersando assim sua ação contrária ao regime.
Para compreender o projeto educacional do Mobral recorreu-se a pesquisa documental em documentos oficiais.
Para analisar suas estratégias de convencimento procedeu-se a uma pesquisa na Revista Veja onde buscou-se identificar
e analisar os instrumentos utilizados na campanha publicitária institucional do Mobral. Foram analisados anúncios e
reportagens, porém, para este trabalho apresentaremos apenas alguns aspectos identificados a partir das propagandas.

A PESQUISA COM FONTES

Este trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa documental, com vistas a colaborar com a escrita da
história da educação de jovens e adultos no estado, entendendo o Mobral como parte dessa construção. É condição
intrínseca a humanidade, compreender suas origens, preocupação posta desde os tempos mais remotos, situar-se no
tempo e no espaço:

O tempo é a irreversibilidade dos acontecimentos. O tempo histórico é a irreversibilidade dos acontecimentos sociais.
Todo acontecimento é irreversível do mesmo modo; por isso, é absurdo dizer que nas várias épocas históricas, o
tempo decorre em alguns casos “lentamente” e em outros “com maior rapidez”. O que se altera não é o tempo, mas
o ritmo da alteração das estruturas sociais. (HELLER, 2016 p. 16)

Não há como desfazer o passado, segundo Hobsbawm (1998) a humanidade tem consciência do que é o pas-
sado mediante a convivência com outros seres humanos mais velhos. Desse modo, toda sociedade tem um passado,
e a condição para ser membro desta é conseguir situar-se em relação a este passado, seja de forma individual, seja
em comunidade. Aceitar ou negar o passado é, “portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um
componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. ” (HOBSBAWM, 1998 p. 17).
Como acessar esse passado então? A análise documental é um recurso de base para a pesquisa científica em
diversas áreas, no âmbito da história da educação nos possibilita compreender, analisar e identificar como foram
constituídos os elementos educacionais através do tempo, conforme afirma Moreira (2010):

A análise documental compreende a identificação, a verificação e a apreciação de documentos para determinado


fim. No caso da pesquisa científica é, ao mesmo tempo, método e técnica. Método porque pressupõe o ângulo
escolhido como base de uma investigação. Técnica porque é um recurso que complementa outras formas de ob-
tenção de dados, como a entrevista e o questionário. Na maioria das vezes é qualitativa: verifica o teor, o conteúdo
do material selecionado para análise. Apesar de mais rara, também existe na versão quantitativa, caso a finalidade
do levantamento seja reunir quantidades de informação em contextos identificados essenciais para o corpus da
análise. (p. 271 – 272).

A análise documental permite confrontar as pistas postas nas fontes em seu processo de criação. Nesse caso
compreende-se como fonte um conjunto de elementos que possibilita observar de modo ampliado aquilo que foi pro-
duzido pelo homem através do tempo, “um documento pode ser algo mais que um pergaminho poeirento: o termo
designa toda fonte de informações já existente.” (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 166).

1053
Sendo assim, o documento tomado nessa pesquisa abrange desde impressos pedagógicos, folhetos, documentos pu-
blicados em âmbito oficial, documentos escolares, fotografias e todo material que nos possibilite compreender como o Mo-
bral foi implantado no estado de Goiás. Ao considerar essas fontes é possível pensar e construir uma história abrangente,
capaz de enxergar os fatos históricos em seu conjunto, e não como um elemento isolado, como Le Goff (1990) aponta:

A revolução documental tende também a promover uma nova unidade de informação: em lugar do fato que conduz
ao acontecimento e a uma história linear, a uma memória progressiva, ela privilegia o dado, que leva à série e a uma
história descontínua. Tomam-se necessários novos arquivos, onde o primeiro lugar é ocupado pelo corpus, a fita
magnética. A memória coletiva valoriza-se, institui-se em patrimônio cultural. O novo documento é armazenado e
manejado nos bancos de dados. Ele exige uma nova erudição que balbucia ainda e que deve responder simultanea-
mente às exigências do computador e à crítica da sua sempre crescente influência sobre a memória coletiva. (p. 542)

Dessa forma a concepção ampliada das fontes possibilita acessar mais documentos e assim expandir as possibi-
lidades de análise desta pesquisa, acessando o passado. Há de se considerar que “o passado é, portanto, uma dimensão
permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da socie-
dade humana” (HOBSBAWM, 1998, p. 17). Nesse sentido, a concepção de história posta nessa pesquisa, compreende
esta como um produto da ação do homem sobre os objetos que o cercam, e, conjunto com outros homens, com sua
cultura, seus ritos e significados próprios pertinentes a um momento específico que não pode deve ser observado sob
a lógica das compreensões do presente, sob o risco de cometer-se anacronismos.
A base histórica sobre a qual a humanidade se constituiu é o passado. Segundo Hobsbawm (1998), o passado é
condição imprescindível para a existência do presente e do futuro, ora como um padrão a ser seguido, ora como um
modelo a ser rejeitado, carrega características de pertencimento que identificam o sujeito, a cultura e a sociedade.
Considerando que nem as fontes nem o papel do historiador é neutro no processo de constituição e análise do
passado, a opção teórica metodológica escolhida foi a história cultural. Segundo Burke, (2011) em comparação com
outros métodos de análise histórica, a história cultural encontra-se num processo de consolidação institucional com
o seguinte objetivo:

A história cultural também é uma tradução cultural da linguagem do passado para o presente, dos conceitos da
época estudada para os de historiadores e seus leitores. Seu objetivo é tornar a “alteridade do passado ao mesmo
tempo visível e inteligível. (BURKE, 2011, p. 245)

A opção pela história cultural se dá primeiramente por completar a concepção ampliada das fontes, feita neste
trabalho, compreendendo que a análise histórica é muito mais que a análise das condições de produção no qual os
elementos do passado se inserem, tendo em vista que neste contexto estão presentes elementos de cultura e represen-
tações do imaginário social. Parte-se do pressuposto de que a história antes de tudo é um produto humano, tal como
apresenta Hobsbawm (1998, p.03):

O passado que estudamos é só um constructo de nossas mentes. Esse constructo é, em princípio, tão válido quan-
to outro, quer possa ser apoiado pela lógica e por evidências, quer não. Na medida em que constitui parte de um
sistema de crenças emocionalmente fortes, não há, por assim dizer, nenhum modo de decidir, em princípio, se o
relato bíblico da criação da terra é inferior ao proposto pelas ciências naturais: apenas são diferentes.

Ora, tal concepção de fazer histórico pressupõe uma ampliação de elementos constituidores de passado. Crenças,
cultura, disputas de poder, religião, e muitos outros elementos que reunidos permitem compor uma imagem acerca da
história. Todos são artefatos produzidos pelo homem. Segundo Pesavento (2005) esses elementos constituem fontes que
representam momentos históricos, que se reconstroem a partir do olhar humano no processo de pesquisa.
Trabalhar na perspectiva da história cultural pressupõe compreender que nas fontes “existem hierarquias de
verdade, verdades parciais, transitórias, pessoais ou sociais, como uma espécie de verdades provisórias, aceitas e
reconhecidas como tal em uma época dada.” (PESAVENTO, 2005 p. 65). Tal postura, implica em considerar que as
fontes para acesso ao passado não são neutras, que carecem de interpretação, e que esta pesquisa está a registrar sua
percepção sobre os fatos. Uma percepção que se soma a diversas outras que já existem ou estão por vir.

1054
AS ESTRATÉGIAS DE CONVENCIMENTO DO MOBRAL

Para compreender as estratégias de convencimento utilizadas na campanha publicitária do Mobral faz-se ne-
cessário contextualizar seu veículo de propagação: a Revista Veja. A Revista Veja é um material de comunicação de
massa, pela forma como ela se estabeleceu no cenário nacional enquanto instrumento de comunicação, não só no
contexto da década de 1970 o foco temporal desta pesquisa, mas considerando o espaço de tempo até os dias atuais
que seja para ser criticada ou apreciada se tornou um instrumento conhecido nacionalmente. Mantendo fora o con-
teúdo das propagandas do Mobral pode-se dizer que os anúncios publicados na Revista Veja é um informativo desti-
nado a um público que consome bens de alto valor, como carros, viagens para o exterior e outros. Apresenta-se aqui
algumas propagandas que demonstram como o projeto educacional do Mobral era veiculado nas páginas da Revista.

Imagem 01: Você deveria ter vergonha de viver num país com tantos analfabetos

O Mobral é uma fundação criada com um objetivo fantástico: alfabetizar pelo menos 7 milhões de brasileiros até
1973. E deixar o País sem nenhum analfabeto em 9 anos. Mas o Mobral não fará coisa alguma se você não fizer a
sua parte. Vamos, se você gosta deste País, preencha este cupom, e envie-o à Comissão Mobral de sua cidade, ou à
sede do Mobral Central, à Rua da Imprensa, 15, Ministério da Educação, Rio de Janeiro, GB.
( ) Sou prefeito e quero organizar uma Comissão Mobral na Minha cidade.
( ) Sou dirigente de empresa e quero criar um grupo de alfabetização para meus empregados.
( ) Sou dirigente de empresa e posso ceder salas para um curso de alfabetização.
( ) Sou dirigente de uma organização (sindicato, clube, associação) e quero organizar um grupo de organização.
( ) Sou um líder religioso e quero criar um grupo de alfabetização para meus fiéis.
( ) Sou estudante e quero organizar um grupo de alfabetização em minha escola.
( ) Sou estudante e quero trabalhar para o Mobral.
( ) Sou dona de casa e quero alfabetizar minha empregada.
( ) Sou uma pessoa que quer ajudar outras pessoas, mas não sei como.

Fonte: Revista Veja, São Paulo: Editora Abril Edições nº109, 07/10/1970; e nº110 – 14/11/1970

1055
Esta é uma das primeiras propagandas do Mobral após o lançamento da campanha, aparece na edição 109 a
mesma que apresenta a imagem nº 13 da categoria empresariado. Está localizada mais ao final da edição, na página de
nº 97, próximo as colunas relativas ao mundo dos negócios. O texto principal da propaganda destaca o analfabetismo
como motivo de vergonha conforme Paiva (2003, p. 38) demonstra:

Se a educação do povo era o único problema nacional, seu corolário era a atribuição de todos os problemas da igno-
rância de nossa população. Associa-se à posição o preconceito contra o analfabeto, como elemento incapaz respon-
sável pelo escasso progresso do país e pela impossibilidade do Brasil participar do conjunto das “nações de cultura”.

Tal concepção de analfabeto apresentada por Paiva (2003) advém da década de 1910 a 1920, que antecede as pri-
meiras campanhas de alfabetização. Essa concepção de adulto analfabeto como justificativa para o atraso educacional e
econômico foi superado pelas experiências educacionais dos anos 1950 e 1960, sobretudo pelas experiências de educação
popular que passaram a identificar o adulto analfabeto como um ser economicamente ativo, trabalhador, participante de
um grupo social e cultural que carregava consigo uma visão de mundo e acima de tudo um ser que devia ser respeitado.
O texto secundário do anúncio apresenta as ambições do Mobral enquanto projeto educacional, enfatizando a
meta de alfabetizar sete milhões de pessoas em três anos “até 1973 e eliminar o analfabetismo do país em nove anos.
Porém, percebe-se que a responsabilidade por esses índices não pertencia ao governo, as instituições escolares nem
aos professores, pertencia a sociedade civil: “Mas o Mobral não fará coisa alguma se você não fizer a sua parte”.
Havia ainda uma ênfase ao civismo, caso houvesse compromisso com a pátria, “se você gosta desse País”, o
leitor daquele anúncio sentir-se-ia compelido a usar aquela folha e mostrar sua possibilidade de contribuição com o
projeto. Percebe-se que o anúncio foca na contribuição de políticos, dirigentes de empresas e organizações (sindica-
tos, clubes ou associações), líderes religiosos, estudantes que poderiam organizar classes do Mobral em suas escolas
ou serem voluntários como professores, donas de casa que queriam alfabetizar seus empregados ou simplesmente
alguém interessado em direcionar alunos para o projeto.

Imagem 02: A festa continua

Texto: 8 de setembro não é mais um dia comum, igual aos outros. Primeiro, porque nesta data se comemora o
Dia Internacional da Alfabetização, nas principais nações do mundo. Segundo, porque foi no dia 8 de setembro de
1970 que o Mobral começou a funcionar. E se o Brasil conquistou o direito de participar dessas comemorações, é
porque você ajudou de alguma forma. Você ajudou pagando seu Imposto de Renda - do qual 1% a 2% foram para o
Mobral. Você ajudou ensinando alguém a ler e escrever. E até mesmo jogando na Loteria Esportiva -- pois 30% da
renda líquida da L.E. também vão para o Mobral. Hoje, mais de 2 milhões de brasileiros já sabem ler e escrever. Por
isso, 8 de setembro é uma data que você também deve comemorar. Junto com o Mobral, junto com o Governo,
junto com os brasileiros. E junto com a Abril, que está muito feliz por também ter criado o material didático para
o Mobral. E por ter ajudado para que, nesta data, a Independência continue sendo comemorada.

Fonte: Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, nº 209, 06/09/1972.

1056
Além das datas comemorativas em destaque, este anúncio foi publicado numa edição que se aproxima do ani-
versário de lançamento do Mobral. O texto reforça a responsabilidade social de formas diferentes, desde o empresa-
riado até o voluntário. A diminuição do número de analfabetos, conforme as taxas apresentadas pelo texto, é motivo
de comemoração, tal qual a independência do Brasil, sendo assim uma festa.
Percebe-se por esse anúncio que a ditadura fez uso dos elementos nacionais o máximo possível, numa tentativa
de propagar um sentimento de pertencimento na população, o sentimento de pertencimento à nação é constituído
através dos elementos patrióticos, o civismo, a unidade comunitária, que são os atributos e valores que compõem a
identidade nacional. Nota-se ainda que o texto reforça a ideia do adulto analfabeto como alguém dependente, que
somente através do conhecimento se tornará produtivo. O anúncio apresenta um jogo de luz que enfatiza a oposição
luz e trevas como sinônimo de aprendizado e ignorância. De um lado, a mão do adulto, negro, numa tomada colorida
e iluminada; do outro, uma imagem indefinida, mergulhada na escuridão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao estudar o contexto da ditadura militar, percebi que essa temática carece de ser discutida em todos os níveis
de ensino, do fundamental ao superior, pois a memória construída deste período é frágil, o que leva muitos a con-
clamar a volta dos militares, sem perceber o que esse período significou àqueles que foram torturados, perseguidos
e tiveram suas vidas destruídas em nome da ordem. Divulga-se a ditadura como um tempo de não corrupção, de
ordem, disciplina, ignorando os acordos espúrios feitos com grandes empresários (como os Civita, da Editora Abril),
assim como o desvio de verba pública destinada a um programa educativo.
As propagandas do Mobral que circulavam na Revista semanal incluíam representações em contextos estereo-
tipados. A pátria, ou nação, a despeito de ser harmoniosa, apresentava o problema do analfabetismo, que, com a ajuda
de todos, seria solucionado prontamente. A solução viria de forma radical. Daí os argumentos de erradicar, extinguir,
eliminar, extirpar o mal do analfabetismo em tempo estipulado, como se combatesse algo semelhante a uma epide-
mia, uma doença, insetos e outros que não permitiam o bom andamento da pátria brasileira. Se o Brasil ia bem, con-
forme propagavam os militares, os brasileiros deveriam acompanhar, em consonância, o ritmo de ordem e progresso.
Há de se considerar ainda que o Mobral era um projeto de alfabetização de massa, sendo promovido por um
meio de comunicação de massa: a Revista Veja. Sendo essa, uma estratégia de controle e propagação de ideias associa-
das ao modo de operação da ditadura militar. Tem-se aí a massa sobre controle, ao ofertar a possibilidade de progres-
so a partir do sucesso educacional via projeto de alfabetização.

REFERÊNCIAS

GERMANO. J. W. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
HOBSBAWM, E. J. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
LAVILLE, Christian. DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre
– Editora Artes Médicas Sul Ltda; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e Memória. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1990.
MOREIRA, Sonia Virgínia. Análise documental como método e como técnica. In: DUARTE, Jorge. BARROS, Antonio. (Org.)
Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2010.
PAIVA, V. História da Educação Popular no Brasil: Educação Popular e Educação de Adultos . São Paulo: Loyola, 2003
PESAVENTO, S. J. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005
RODRIGUES, M. E. de C. A prática do professor na educação de adolescentes, jovens e adultos: a experiência do Projeto AJA de
Goiânia-GO. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO, 2000.

1057
O MOBRAL EM GOIÁS: A PARTIR DA NARRATIVA
DE HISTÓRIAS DE VIDA

Dayanna Pereira dos Santos1


Silvania Maria Alves2
Anderson Souza da Silva3

RESUMO: A presente investigação está inserida na pesquisa de iniciação científica, modalidade PIBIC, O Mo-
bral em Goiás (1970-1985): vozes silenciadas, cadastrada no Instituto Federal de Goiás, com o objetivo de identificar qual
o significado da alfabetização para os ex alunos e agentes do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
em Goiás, entre 1970-1985. Para tanto, buscou-se registrar, por meio da oralidade, as ações do MOBRAL em Goiás
partindo da seguinte problematização: Quais foram os impasses/contribuições/significado das ações de alfabetização
implementadas pelo MOBRAL para os ex-alunos e participantes? O objetivo dessa pesquisa consistiu em incluir as
narrativas de vida considerando suas experiências, saberes e memórias. Quanto à metodologia de pesquisa, essa se
efetivou por meio de uma abordagem qualitativa, incluindo o estudo de referenciais teóricos e a realização de entre-
vistas conforme os pressupostos da História Oral. Ao analisarmos os depoimentos dos sujeitos da pesquisa, depara-
mos com um cenário histórico balizado pela negação de direitos, de modo que o Programa de Alfabetização funcional
do MOBRAL constituía-se como única possibilidade de acesso a educação formal e de continuidade dos estudos.
Todavia, na contramão do ideário pedagógico humanista e libertador de Paulo Freire, esse programa vislumbrava
apenas o uso instrumental e prático da leitura e da escrita.
Palavras-chave: Alfabetização de Jovens e Adultos; Mobral; Goiás.

INTRODUÇÃO

A escrita deste texto é motivada pela intenção de dar visibilidade, por meio da pesquisa bibliográfica, docu-
mental e história oral, à memória dos goianos que atuaram como alunos e ou alfabetizadores em um Movimento de
Alfabetização, que teve repercussão em todo o Brasil, e se configurou como uma campanha de base nacional. Ora,
este estudo tem sua relevância alicerçada na necessidade de se recuperar a memória escrita das ações do Mobral, em
Goiás, já que o referido movimento se apresentou como a primeira oportunidade de acesso ao ensino para muitos
goianos. Consideramos, a partir de Thompson (2002, p. 16), que a história oral “tem um poder único de nos dar aces-
so às experiências daqueles que vivem às margens do poder, e cujas vozes estão ocultas por que suas vidas são menos
prováveis de serem documentadas nos arquivos”. Isso implica compreender o diálogo traçado com o outro como
aquilo que possibilita a interpretação de díspares vozes. Concomitantemente, nos dirigiu às diferenças existentes no
campo das memórias, uma vez que a memória é socializada por meio da linguagem e das narrativas para além daquilo
que está calcado nos documentos oficiais constituidores da história oficial. Destarte, a importância da história oral é
valorizar a voz daqueles que normalmente não são escutados e incluídos.

1 Instituto Federal de Educação de Goiás. E-mail: dayannagyn@hotmail.com


2 Instituto Federal de Educação de Goiás. E-mail: silvaniamariaalves1108@gmail.com
3 Instituto Federal de Educação de Goiás. E-mail: anderson-nutri@outlook.com

1058
O MOBRAL EM GOIÁS: ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

Após a instauração do Golpe Militar de 1964, é implementado o Movimento Brasileiro de alfabetização (MO-
BRAL), que tinha como objetivo alfabetizar a população urbana iletrada de 15 a 35 anos. Mas, a partir de 1974, vol-
tou-se, também, para os jovens de nove a 14 anos. A prioridade dada à primeira faixa etária fora justificada pela sua
relevância para o mercado produtivo e, na segunda, pela necessidade de aliviar a primeira série do ensino regular de
primeiro grau, caracterizada pelo excedente de alunos novos e repetentes. O ideário pedagógico operante no proces-
so de alfabetização do Movimento estava alicerçado no princípio da produtividade, próprio do modelo econômico.
Logo, a alfabetização limitava-se à decodificação das palavras de forma mecânica, sem qualquer tipo de politi-
zação dos indivíduos. Na contramão do ideário pedagógico libertador de Paulo Freire, fundamentado na ideia de que
“a educação de adultos virando educação popular se tornaria mais abrangente” (FREIRE, 2003, p.16 apud BARRETO,
2005, p. 44-45), esse programa não considerava a realidade em que o aluno estava imerso para promover sua liberta-
ção da condição de oprimido para a de sujeito social, ativo e crítico.
Segundo Coelho (2007), embora a sede do Mobral se encontrasse no Rio de Janeiro, sua atuação era descen-
tralizada, mediante convênios com os estados e prefeituras, a fim de lhes repassar recursos para as despesas com
o ensino. Assim, a partir da Fundação Educar, o programa tinha como meta prover e direcionar tecnicamente a
alfabetização funcional e a educação continuada para jovens e adultos com idade entre 15 e 35 anos. A respeito da
organização das turmas de alfabetização, Machado (1997) afirma que essas variavam de um a 25 alunos, desde o
atendimento individual até as turmas que tinham a remuneração do alfabetizador calculada tendo como base o valor
aluno-programa. Quanto ao nosso estado, Goiás “tinha a maioria de seus grupos de alfabetização funcionando duas
horas por noite (em geral elas funcionavam à noite), num período de três ou cinco dias na semana, durante quatro
a cinco meses” (Ibid., p. 33). O trabalho desenvolvido buscava atender às demandas do mercado sob influências de
organizações internacionais, como a Unesco4, que defendiam a alfabetização como mecanismo para a aquisição de
conhecimentos e habilidades essenciais ao trabalhador.

O MOBRAL EM GOIÁS: A PARTIR DA NARRATIVA DE HISTÓRIAS DE VIDA

A narrativa de um ex-aluno do Mobral

Nesse processo de investigação, tivemos a oportunidade de entrevistar um ex-aluno do Mobral que hoje tem 56
anos de idade. Segundo o depoimento do entrevistado, ele ingressou no Mobral em 1980 e na época residia na zona
rural no interior de Goiás, na região norte do estado, no município de Niquelândia. Criado na zona rural, o ex-aluno
do Mobral e seus cinco irmãos não tiveram a oportunidade de estudar durante a infância, visto que, segundo relato,
trabalhavam para ajudar no sustento da família:

[...] trabalhávamos duro na roça, era lida todo dia, do amanhecer ao por do sol. Não tinha folga não. Escola, era
coisa de outro mundo, pra gente só tinha enxada e foice. Livro era coisa rara, em casa, de livro só tinha a Bíblia
mesmo. Pai e mãe não sabiam ler nem escrever, mas deixavam a Bíblia sempre aberta. Nosso divertimento era
brincar no meio do mato e nadar no rio. Era um tempo difícil e bom ao mesmo tempo.

Para Galvão e Di Pierro (2007, p. 16), entre outros aspectos, a causa do analfabetismo no Brasil seria “o trabalho
precoce na lavoura, as dificuldades de acesso ou a ausência de escolas na zona rural que impediram ou limitaram os
estudos dessas pessoas na infância e adolescência”. O depoente afirmou que, na juventude, as obrigações aumentaram,

4 Para Machado (1997), vigora nesse período grande influência da Unesco sobre as discussões acerca da alfabetização no Brasil, com a
concepção de alfabetização funcional, ou seja, por sua uma ligação direta com o mundo do trabalho. Na concepção da autora, a Unesco, com
I Conferência Internacional de Educação de Adultos, em Elseneur, no ano de 1949, defende a perspectiva da alfabetização como um meio de
dar às pessoas "a capacidade de se tornarem independentes e de se educarem a si mesmas", isto é, uma perspectiva instrumental, que ganhou
contornos mais claros e que acabou por ser reproduzida em diferentes espaços e contextos.

1059
pois logo se casou e constituiu família. Assim, viveu o dilema de permanecer no campo ou buscar novas oportunidades
na cidade. Desse modo, devido à ausência de condições de sobrevivência e opções de trabalho no campo, mudou-se
para a cidade onde se encontrava o polo mínero-metalúrgico pertencente ao grupo Votorantim, a Companhia Níquel
Tocantins (CNT). Portanto, é nessa época que tem a oportunidade de aprender a ler e escrever. Em suas palavras:

[...] fiquei sabendo que iam montar uma turma de Mobral perto de casa para os adultos que não sabiam ler e escre-
ver. Eu queria muito aprender, porque assim podia conseguir um emprego melhor. Fiz minha matrícula e poucos
dias depois comecei a frequentar as aulas que aconteciam à noite. Eu chegava cansado, mas não faltava as aulas.
Precisava aprender a assinar meu nome e ler as coisas.

Vale lembrar, com Haddad e Di Pierro (2000), que o capitalismo industrial se instalou no Brasil com a proposta
de aproveitar os recursos nacionais e fortalecer a economia brasileira. Assim, diante das condições e exigências de
novas formas de trabalho, a instrução escolar tornou-se o principal meio de ascensão social e colocação no mercado
de trabalho, sobretudo com o aumento do setor terciário.
Com o surgimento das primeiras salas de alfabetização do Mobral na cidade de Niquelândia, o entrevistado
iniciou seu processo de alfabetização, que, segundo seu relato, principiou com exercícios de coordenação motora,
pois “a mão da gente era muito dura, por conta do serviço pesado, a professora na época mandava a turma cobrir
pontilhado com o lápis de escrever”. Durante a entrevista, ele explica que, nos primeiros dias, basicamente cumpria
os exercícios de tracejado, depois foram apresentadas as vogais e depois as consoantes, por conseguinte as sílabas. Ele
diz que havia a cartilha:

Tinha a cartilha do Mobral na escola e a professora tomava a lição, tanto que eu decorei, e assim, depois das vo-
gais, tinha o ABC. Eu fiz a cartilha todinha, mas não tinha aritmética. Só aprendia a ler e escrever mesmo, a gente
aprendia fazer o nome da gente, dos pais da gente, só num fazia conta mesmo. Eu aprendi a ler e escrever antes de
terminar a cartilha, já sabia de cor.

Em relação o material didático usado no Mobral, o entrevistado afirma ter na memória uma lição da cartilha
na qual as pessoas ouviam rádio e assistiam à televisão, que na época era um objeto destinado a poucos. Segundo ele,
aquela imagem causava-lhe muito interesse, pois, a partir dela, ele se imaginava “em uma bela casa, com um bom tra-
balho e tendo uma TV colorida”. Essa afirmativa demonstra que a imagem apresentada reforçava o discurso sobre a
escolarização como meio de ascensão social e ao mesmo tempo evidencia que o conteúdo da cartilha não considerava
a realidade dos estudantes e as particularidades locais.

Fotografia - Cartilha Mobral – Lição Rádio e televisão (p. 22-23, s.d.)

Fonte: Acervo pessoal Sebastião Araújo Sobrinho (apud OLIVEIRA; SOUZA, 2010).

1060
Ao ser indagado sobre a importância das ações de alfabetização do Mobral para sua vida, o depoente afirmou
que “aprender a ler no curso de alfabetização foi algo muito importante, porque aos poucos descobri um outro mundo
e também sentia mais segurança, quando precisava fazer algum negócio, com documentos”. Em seu relato, destaca
que a leitura contribuiu para o seu crescimento pessoal e profissional, porque ficou mais independente. Ele afirma
que, “antes do Mobral, eu dependia dos outros para ler qualquer coisa, até para comprar remédio era difícil”.
Nesse momento da entrevista, é possível perceber um tom saudosista, na fala do ex-aluno, que demonstra ava-
liar de forma positiva as ações de alfabetização do referido programa. Notamos, no curso da conversa, a repetição da
seguinte afirmativa: “o Mobral foi muito bom, aprendi a ler e escrever, hoje posso entrar e sair de qualquer lugar.”
Consideramos que essa percepção puramente positiva sobre o Mobral é feita como consequência da “ausência da
conscientização dos sujeitos-alunos do curso de alfabetização, tornando-os capazes de se posicionarem criticamente
frente à ideologia dominante, exercendo suas ações de forma democrática” (SILVA, 2013, p. 83).O entrevistado ainda
relatou que, apesar das dificuldades por ter de conciliar o trabalho e a escola, conseguiu, após quatro meses de aula,
concluir o período de alfabetização do Mobral. Porém, por enfrentar dificuldades financeiras, não conseguiu dar
continuidade aos estudos.

A narrativa de uma ex-alfabetizadora do Mobral

A entrevistada, denominada ex-alfabetizadora, reside atualmente na cidade de Anápolis, em um bairro da pe-


riferia chamado Morumbi. Ela foi professora da rede municipal no período de 1980 até 2005, quando se aposentou
após 25 anos de trabalho na educação. Segundo relato, iniciou sua carreira lecionando em uma pequena escola na
zona rural do município de Pirenópolis. Sua experiência como alfabetizadora do Mobral foi de aproximadamente
três anos e na época ela tinha o curso Técnico em Magistério. Ao descrever suas memórias em relação ao Mobral, a
ex-alfabetizadora afirmou que, para chegar à escola, precisava andar quilômetros a cavalo devido à falta de transporte
escolar. Assim, “muitos alunos não concluíam o curso de alfabetização do Mobral porque não tinham condições de
chegar na escola”, disse a entrevistada. Explicou que a escola funcionava em uma “casa velha, que foi cedida por um
fazendeiro da região, não tinha energia elétrica, por isso usavam lampião e lamparina”.
A entrevistada afirmou ainda que o único material disponibilizado limitava-se à lousa e às cartilhas de ensino.
Na concepção da entrevistada, a cartilha do Mobral não se diferenciava das outras cartilhas da época, pois a proposta
de trabalho centrava-se no ensino “silábico”, ou seja, o método de alfabetização adotado foi o método sintético, de
modo que se ensinava das partes para o todo, isto é, da síntese para a análise. Com efeito, o ensino da leitura era pau-
tado na associação de letras aos seus nomes e à imagem que correspondesse à letra a ser estudada. Desse modo, como
diz a ex-alfabetizadora: “depois que os alunos reconheciam as letras do alfabeto, eu ensinava as ‘famílias silábicas’, e só
depois eles aprendiam a ler palavras formadas com as mesmas sílabas da lição.”
Notamos que o aprendizado da leitura e da escrita acontecia pelo ensino do alfabeto, pela nomeação das letras,
independentemente do seu valor fonético e de sua grafia, através da soletração e da repetição. De forma subsequente,
os alfabetizandos deveriam assimilar as sílabas, seguindo a ordem alfabética, as palavras monossilábicas. Portanto, o
principal objetivo era ensinar a combinação de letras e sons (OLIVEIRA; SOUZA, 2010, p. 30). A foto abaixo ilustra
tal entendimento.

1061
Fotografia - Cartilha Mobral – Lição Foguete (p.12-13, s.d.)

Fonte: Acervo pessoal Sebastião Araújo Sobrinho (apud OLIVEIRA; SOUZA, 2010).

É possível aferir que o método de alfabetização funcional do Mobral fundamentava-se nos aspectos da codifica-
ção, nas articulações entre fonema e grafema. Nesse sentido, a cartilha permitia ao alfabetizador controlar o processo
de aquisição formal da escrita. Jannuzzi (1979) afirma que o Mobral não teve como preocupação valorar a realidade
do aluno ou contribuir para formação de um cidadão consciente. Isso porque a conscientização dos alfabetizandos po-
deria colocar em risco o interesse da classe dirigente que objetivava apenas capacitá-lo para desenvolver uma função
específica no mercado de trabalho, em termos de empregabilidade.
Nesse contexto, a entrevistada destaca que as pessoas da comunidade demonstravam grande interesse pelo
Programa de Alfabetização Funcional, pois aprender a ler e escrever representava a “esperança por dia melhores, as
pessoas buscavam melhores oportunidades de trabalho, muitos queriam tentar a vida na cidade depois do curso”. Esse
fragmento de fala, como mencionado anteriormente, evidencia que a educação, como sistema oficial da formação do
indivíduo, prioriza a preparação de mão de obra necessária para atender a esse novo modelo premente.
No curso da entrevista, a ex-alfabetizadora diz que o salário pago pelo Mobral na época era muito baixo e por
isso enfrentou muitas dificuldades financeiras, com o esposo e os filhos. Todavia, ela esclarece que “jamais pensei em
desistir de alfabetizar, ensinei muito pai de família a ler e escrever, eu sabia que isso era importante. Como o salário
era muito baixo eu criava galinhas e vendia para ajudar no sustento da casa. Tive cinco filhos e meu marido trabalha-
va na roça, eu precisava ajudar” (EX-ALFABETIZADORA DO MOBRAL).
Na sequência da entrevista, buscamos compreender como acontecia a formação e/ou treinamento dos pro-
fessores que atuavam no Mobral em Goiás. Para tanto, perguntamos à entrevistada em que condições ela recebeu
treinamento para alfabetizar jovens e adultos. Em suas palavras, o treinamento era voltado para apresentação das
sequências didáticas, sendo os professores orientados “a seguir a cartilha e obedecer ao tempo certo de cada lição”.
Fica evidente, portanto, certa preocupação por parte dos gestores do Mobral quanto ao cumprimento dos prazos
estabelecidos para o atingimento de metas no que tange à erradicação do analfabetismo. De acordo com Haddad
(1991), o Mobral Central estabeleceu uma estrutura hierárquica apropriada aos objetivos políticos pré-firmados, uma
vez que sua intenção era a de criar uma campanha de massa com um controle doutrinário sob o discurso de luta pela
erradicação do analfabetismo. Contudo, segundo o relatado, muitos abandonavam o curso antes de sua conclusão.

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Fotografia - Cerimônia de certificação de estudantes do Mobral em Goiás, no ano de 1980

Fonte: Acervo pessoal de ex-professora do Mobral.

Percebemos ainda, pela fala da ex-alfabetizadora, que não havia um acompanhamento específico do trabalho
desenvolvido, pois, “depois do treinamento que fiz na cidade, dificilmente aparecia alguém para ajudar, na verdade a
supervisora aparecia apenas para fazer os relatórios de frequência dos alunos, para saber quem ia receber o certifica-
do”. A esse respeito, cabe lembrar que, a partir de Corrêa (1979), paradoxalmente, o Mobral foi um movimento mu-
nicipalista, pois adotou uma política descentralizada, em que as comissões municipais tinham autonomia e liberdade
para executar e tomar as decisões necessárias no que se refere à execução do projeto.
Ao refletir sobre os desafios enfrentados como alfabetizadora do Mobral, a entrevistada destacou a falta de
valorização e apoio, visto que “ficava isolada na escola, no dia a dia não havia apoio por parte da prefeitura, o que
motivava o trabalho era a alegria de ensinar”. Em sua avaliação, o trabalho feito era importante, pois significou uma
oportunidade única de alfabetização para inúmeras pessoas. Pelo que foi dito no percurso da entrevista, constatamos
que a estruturação do trabalho de alfabetização do Mobral era baseada na pedagogia tecnicista, que transformava
professores e alunos em meros executores e receptores de projetos elaborados de forma autoritária e sem qualquer
vínculo com o contexto social a que se destinava.

A narrativa de uma ex-auxiliar de administração do Mobral

A ex-auxiliar de administração do Mobral relata ter sido contratada em 1º de novembro de 1979 e ter perma-
necido no programa até sua extinção em 25 de novembro de 1985, pelo então presidente da época José Sarney. Assim,
verificamos que essa entrevistada teve a oportunidade de acompanhar vários processos articulados pelo Mobral em sua
dimensão administrativa. Tal afirmativa pode ser constatada por meio da imagem abaixo, que evidencia tal vínculo:

Fotografia - Contrato de trabalho do Mobral em 1979

Fonte: Arquivo pessoal da ex-auxiliar de administração do Mobral.

1063
No curso da entrevista, ao ser indagada sobre sua atuação no Mobral, ela explica que, ao desempenhar função
administrativa, sempre lotada na REMAP, “assessorava a chefia, redigindo correspondências de caráter rotineiro e
arquivando documentos”. Segundo seu relato, a escolha de coordenadores do Mobral, na maioria das vezes, aconte-
cia por indicação política e os “alfabetizadores, geralmente, eram indicados pelos municípios onde desempenhavam
as funções de educadores”. A esse respeito, Lopez (2015) esclarece que as conexões entre a esfera político-partidária
e os cargos de confiança estruturam um processo tendencioso de formulação e implementação das políticas públicas
que dão corpo ao exercício cotidiano de determinado governo.
Na concepção da ex-auxiliar de administração, o Mobral era bem aceito pelos prefeitos e pela comunidade em
geral, devido a “sua excelente estrutura e objetivo”, por ter se apresentado como “um grande passo com a intenção de
diminuir o analfabetismo no estado de Goiás”. Logo, podemos inferir que essa avaliação positiva decorre dos recursos
financeiros destinados aos municípios parceiros e também pela influência ideológica do programa, que investia em
mídias que reforçavam a ideia de uma urgente ação contra o analfabetismo, tomado como um grande impeditivo para
o desenvolvimento do país. Isso pode ser conferido pela figura abaixo:

Figura – Campanha publicitária do Mobral

PEIXOTO FILHO, José Pereira . A travessia do popular na contradança da educação. Goiânia: Ed. da UCG, 2003.

A imagem apresentada demonstra que os termos analfabetismo e analfabeto foram tomados como verdadeiro
estigma e que a problemática do analfabetismo, “de questão pedagógica, se transformou numa questão eminentemen-
te ideológica” (FERRARO, 2009, p.17). Essa demonstração se configura numa sociedade extremamente influenciada
pelos ideais positivistas, que evidenciam a necessidade de formação de quadros burocráticos ampliados e diversifi-
cados, tanto no setor público quanto no privado. Assim, há um clamor pela escolarização, pela ampliação de vagas
em prol da ascensão social. Paradoxalmente, a imagem construída e defendida pelo Mobral difere da crítica feita por
Freire no tocante à alfabetização funcional, quando afirma que não compreende o analfabetismo como uma “chaga”,
nem uma “erva daninha” a ser erradicada, nem tampouco uma enfermidade, mas uma das expressões concretas de
uma realidade social injusta (FREIRE apud FERRARO, 2009).

1064
No curso da entrevista, ao ser perguntada pelo processo de planejamento e utilização dos recursos didáticos nas
ações de alfabetização do Mobral, a ex-auxiliar de administração afirmou que “o planejamento das ações era sugerido
pela Coordenação Central do Mobral, sediada na cidade do Rio de Janeiro. O material didático era todo impresso
lá e distribuído no Brasil”. Expõe ainda que o “método utilizado baseava-se no aproveitamento das experiências dos
alunos”, porém, destacou que tal método de alfabetização não respeitava as especificidades dos sujeitos analfabetos,
por “não traduzir a linguagem e as necessidades do povo de cada região, uma vez que o material utilizado era o mes-
mo, em todo o território nacional”. Na concepção da entrevistada, essa problemática causava prejuízo aos processos
de alfabetização desenvolvidos.
Ao mencionar a padronização dos recursos didáticos elaborados e adotados pelo Mobral, coloca-se em cena a
principal característica da alfabetização funcional que pressupõe o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da
escrita para fins específicos, para a efetivação de tarefas cotidianas, de âmbito profissional e da convivência comu-
nitária. Segundo Januzzi (1979), a qualificação funcional remete à alfabetização um caráter instrumental – assim, o
ensino da leitura e da escrita corresponde ao desenvolvimento de determinadas capacidades vinculadas a tarefas da
vida adulta, centradas no domínio de capacidades básicas acerca da língua escrita, tais como decifrar e decodificar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar as possíveis conclusões a que podemos chegar após a análise desenvolvida neste trabalho, guiada muito
mais por questionamentos que por afirmações, exige reconhecer que a alfabetização, apresentada como funcional no
Mobral, pressupunha a aquisição da leitura e da escrita numa perspectiva instrumental centrada na decodificação de
signos linguísticos. Nesse processo, o ensino da língua, embora contemplasse o uso de palavras-chave, como propos-
to por Paulo Freire, não o fez de forma contextualizada e problematizadora.
Com base no exposto, e no aporte teórico de Machado (2001), percebemos que, em Goiás, o Mobral seguiu a
mesma linha ideológica de formar trabalhadores passivos ao regime ditatorial. Como verificamos nas entrevistas, o
perfil da clientela do Mobral era pertencente a uma classe econômica desfavorecida, logo, o programa de alfabeti-
zação funcional constituía-se como única possibilidade de acesso à educação. Isso justifica a avaliação positiva feita
pelos ex-participantes do Mobral, sobretudo no que tange à opinião do ex-alfabetizando entrevistado, que afirmou:
“sou grato ao Mobral, se não fosse o programa, jamais teria aprendido a ler e escrever”. Esse fragmento de fala nos
permitiu considerar que as desigualdades de oportunidades da época eram determinadas pelas barreiras de classe.
Com essa experiência, foi possível perceber que a entrevista, sob a ótica da história oral, desencadeia uma
gama de sentimentos ao sujeito da pesquisa, seja no minuto da entrevista, seja no “reviver da memória” (TEIXEIRA;
PRAXEDES, 2006, p. 158). Tal realidade exigiu dos pesquisadores posicionar-se de modo ético e respeitoso no que
tange ao recolhimento da narrativa marcada pelo exercício ora do silêncio, da lembrança e ou da reinterpretação de
cenas vividas no passado de forma individual ou coletiva. Ora, os dizeres registrados no trabalho revelam que esse é
um campo de estudo que necessita ser aprofundado em pesquisas futuras, com a ampliação das vozes escutadas e o
aprimoramento das análises empreendidas.

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1066
O MUNDO CLÁSSICO E A CIÊNCIA REPRESENTADOS NO PERIÓDICO
OITOCENTISTA “IRIS PERIÓDICO” E NO LIVRO DE LEITURA
ELEMENTAR “IRIS CLÁSSICO”

Suzana Lopes de Albuquerque – IFG Campus Goiânia Oeste1


Sílvia Maria Wainer Caribé e Silva- IFG Campus Anápolis2

Resumo: O presente trabalho centra suas discussões na análise do livro de leitura elementar Iris Clássico (1854)
e do Iris Periódico (1848-1849) que tiveram como autoria o português José Feliciano Castilho de Barreto e Noronha
(1810-1879). Nesse momento em que a cientificidade adentrou o projeto de instrução, as escolas primárias e secun-
dárias passaram a adotar variados livros de leitura e métodos de ensino em um contexto de internacionalização das
ideias pedagógicas. Dessa maneira, a obra Iris Clássico foi destinada aos alunos do ensino secundário brasileiro e jun-
tamente com o periódico Íris apresentavam as descobertas científicas de seu tempo, vislumbrando o progresso ma-
terial e humano a partir do viés da ciência e instrução. A metodologia arquivística fundamenta-se nas discussões de
Zicman (1985), Luchese (2014) e Alessandra El Far (2006), que defendem a utilização de impressos não-oficiais como
fonte de pesquisa; para fundamentar a discussão serão trabalhados textos como de Albuquerque & Boto (2018) que
apresentam as questões filológicas que compareceram no universo do ensino secundário imperial brasileiro. Como
resultados alcançados, esse artigo analisará a questão religiosa e a defesa do mundo clássico de José Castilho ao evocar
textos de Camões e do padre Antônio Vieira. A análise do Iris Periódico apresentou características nacionalistas com
o objetivo de elucidar o conhecimento científico, promovendo a instrução e fazendo com que o leitor se apaixonasse
pela literatura e a língua vernácula portuguesa.
Palavras-chave: Instrução. Clássico. Ciência.

INTRODUÇÃO

Os impressos do português José Feliciano Castilho de Barreto e Noronha (1810-1879) apresentavam a busca
pelo universo clássico, pela vulgarização da ciência e religiosidade no campo da instrução secundária. Na análise dos
impressos do autor observa-se sua finalidade de exaltar a língua portuguesa e valorizar a língua vernácula no campo
da filologia, apoiando-se em obras clássicas.
Para a organização desse artigo estão apresentados resumidamente aspectos sobre a vida do autor português
e o contexto de produção e circulação de seus impressos, apresentando a historicidade do livro e da leitura no Brasil
a partir do diálogo com autores como Alessandra El Far (20066), Zicman (1985) e Luchese (2014) que abordam a
importância do alargamento das fontes históricas, possibilitando a entrada da análise dos impressos no campo da
história da educação.
O livro de leitura elementar3 Iris Clássico foi escrito em 1859 e “oferecido aos Mestres e aos alunos das escolas
brasileiras” conforme consta em sua contracapa e dividido em quatro partes contendo no índice os títulos dos artigos
e nome de seus autores, respectivamente. No preâmbulo da obra pode-se notar a apresentação de um diálogo de José

1 suialopes@hotmail.com. Professora do Instituto Federal de Goiás, Campus Goiânia Oeste, doutoranda no Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de Qualificação
para Servidores do IFG (PIQS).
2 silviamawcs@hotmail.com. Graduada em Licenciatura em Química pelo Instituto Federal de Goiás, Câmpus Anápolis. Iniciou
pós-graduação em Psicopedagogia pela Universidade Católica de Anápolis.

3 Adotamos o termo Livro Elementar para designar o impresso de Castilho José como o próprio o intitulou. Alguns trabalhos,
porém, têm adotado o termo compêndio, seletas, antologias, dentre outros.

1067
de Castilho com seus leitores no momento em que ele apresenta aos “meninos estudiosos”, a quem chama de “amigui-
nhos”, a constituição de sua obra, seus objetivos e finalidades.
A partir dos estudos de Albuquerque e Boto (2018) esse artigo apresenta o apelo do autor português José Cas-
tilho para a inserção do estudo do vernáculo aos jovens no ensino secundário brasileiro. Na condição de autor de va-
riados títulos, o autor apresenta uma defesa pela língua portuguesa e a inclusão de textos que denotam a religiosidade
de Antônio Vieira ou a cientificidade de Erminio Germon4.
Para compreender o projeto pedagógico de José Castilho, esse artigo analisa a importância dada pelo autor à ci-
ência que comparece em seus impressos como no Iris Periódico juntamente com demais títulos sobre religião, política,
sociedade, cultura e literatura. A partir de sua vinda para o Rio de Janeiro em 1846, José Castilho exerceu a advocacia
e fundou o jornal Iris, ou Iris Periódico, que circulou na corte brasileira dentre os anos de 1848 e 1849.

CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE JOSÉ CASTILHO

A compilação do impresso Iris Clássico e a produção do Iris Periódico apresenta uma trajetória intelectual de José
Castilho que transitava por diversas temáticas demarcando um amplo leque de formação e um desejo e busca pela
vulgarização do saber. Conforme acervo da Universidade de Coimbra5, José Feliciano de Castilho fez graduação em
Direito e Medicina e atuou como jornalista e escritor.
O autor do Iris Classico encontra no passado clássico e no estudo do vernáculo a chave para o futuro, para
a criação do novo homem e da nova nação. Segundo Restaino (2005), o estudo do vernáculo adquiriu prestígio no
final do Império e permaneceu em ascensão durante a República Velha; nesses períodos foram difundidos “em todo o
mundo, o ideário do nacionalismo e o vernáculo foi um dos meios de garantir o sentimento nacional” (RESTAINO,
2005, p.1).
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ Além da vernaculidade, o Iris Clássico tem ainda como característica a busca pela filologia, que para o autor
tem relevância social e humanitária. Seu desejo por tanto com a obra era como ele mesmo disse “desejar e diligenciar
quanto em nós for, que a nossa língua, como todas as outras se-melhore, se-amplie, e se-enriqueça” (NORONHA,
1859, p.7). Nessa ligação entre a cultura brasileira e portuguesa, a adoção da obra de Castilho em solo tupi, apresen-
tou um sentimento nacionalista “sem deixar, entretanto, que as futuras gerações de letrados perdessem o sentimento
de pertencer ao mundo civilizado ocidental” (BITTENCOURT, 1993, p.30).
Em 1846 José Castilho fundou o jornal Iris, no Rio de Janeiro, e publicou o Iris Periódico em dois volumes, um
1848 e o outro em 1849, com o intuito de vulgarizar seu projeto para o ensino secundário. O conteúdo do periódico
permeia entre as diversas áreas da ciência, desde política às ciências naturais, engendrando uma abordagem religiosa.
Esta junção de variados temas, demonstra o caráter universalizador de José Feliciano de Castilho, pois para ele
era preciso unificar a língua e a ciência, uma vez que “todas as ciências irmãs queridas e inseparáveis, que outrora
haviam sido clausuradas em cárceres diversos, hoje se deram as mãos, para mais se não separarem” (NORONHA,
1848, p. 2).
Ao lançar seu livro de leitura elementar6 Iris Clássico, José Castilho visava incentivar a mocidade a ter curiosi-
dade pelos clássicos e amor pela leitura. Podemos vê-lo em:

Todo aquele que se acostumar com cedo à lição dos clássicos da nossa língua, e nunca de todo abrir mão dela pela
vida além, haverá criado dentro em si uma consciência, que o inspire muito em bem ao falar e ao escrever, para
que sobressaia ao vulgo dos escrevedores e oradores. (NORONHA, 1859, p. 229)

4 Segundo Conrado Tarcianato Filho e Silvia Waisse (2016), Germon era um médico francês que veio ao Brasil no início da década de 1820,
em viagens de pesquisa sobre história natural por encomenda do então ministro do Império José Bonifácio de Andrada (1763-1838).
5 Excertos retirados do Arquivo da Universidade de Coimbra, através do site de pesquisa http://pesquisa.auc.uc.pt/details?id=111808.
Acesso em: 12/05/2017. Nota-se que alguns dados do mesmo arquivo, se confundem com os de José Castilho pai.
6 Adotamos o termo Livro Elementar para designar o impresso de Castilho José como o próprio o intitulou. Alguns trabalhos, porém, têm
adotado o termo compêndio, seletas, antologias, dentre outros.

1068
Sendo assim, o Iris Clássico refletia esse apelo para que os jovens estudassem os clássicos pois pela via desse
conhecimento teria uma abertura para a vida acadêmica e um incentivo a cidadania. Essa obra foi redigida para uso
das escolas brasileiras.

Tendo eu tido a honra, por convite da província da Bahia, de dispor, sob o título de IRIS CLASSICO, para uso
das escolas brasileiras, um livro que uma boa estrela alumiou, pois já hoje consta haver sido adotado, para o so-
bredito fim, pelas províncias da Bahia, Ceará, Espirito Santo, Goiás, Maranhão, Minas, Pará, Paraíba do Norte,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe, e bem assim pelo Conselho da Instrução Pú-
blica da corte, e colégio de Pedro II, apressei-me a submeter igualmente essa obra ao alto juízo dessa presidência,
sem todavia pedir, como inexatamente se-insinua, que a província das Alagoas lhe liberalizasse iguais distinções
(NORONHA, 1860, p.15).

Segundo Barros (2012) e Zotti (2015) o ensino secundário presente nos Liceus7, tinha o objetivo de formar o
cidadão para a academia sendo elitista uma vez que tanto o ensino quanto a leitura estavam destinados a um grupo
seleto.
Ao longo da história do nosso país percebeu-se dificuldades em relação a disponibilidade de livros. Alessandra
El Far (2006) aponta que esta dificuldade estava relacionada com trâmites burocráticos, custo de transporte e censura
que a metrópole exercia sobre a colônia, pois Portugal tinha receio de insuflar revoltas.
Somente com a vinda da família real ao Brasil em 1808, com a fundação da Biblioteca Nacional e da Imprensa
é que se abre aos poucos essa busca por livros e o hábito da leitura aumenta. Assim, segundo El Far (2006), o livro
torna-se um item fundamental para o processo de civilização do país.
Dessa forma a circulação de impressos no Brasil apresenta um contexto de disputas repletas de jogos de sentido
que são preservadas a partir de suas materialidades e representações. De acordo com Luchese (2014)

Todos os documentos que nos chegam do passado são plenos de relações, de jogos de sentindo e significação,
construídos e preservados no tempo para as gerações futuras. Memórias fragmentadas de um tempo que não con-
seguiremos jamais tomá-lo em sua totalidade. (LUCHESE, 2014, p. 149)

Além do livro, os jornais e periódicos apresentam uma extrema relevância na construção da história, pois
também pertencem a esse mundo da leitura. José Feliciano considerou a importância desses impressos uma vez que,
para ele, “ambos esses filhos da imprensa- o livro e o jornal- têm prestado à humanidade os mais impagáveis serviços”
(NORONHA, 1848, p. 2). Dessa forma, observa-se que

[...] de fato a Imprensa é rica em dados e elementos, e para alguns períodos é a única fonte de reconstituição his-
tórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades ao nível de suas condições de vida, manifestações
culturais e políticas, etc. (ZICMAN, 1985, p. 89)

Dessa forma percebemos a importância de se estudar o livro de leitura elementar Iris Clássico e o Iris Periódico,
que nos oferecem uma rede de informações sobre o período oitocentista brasileiro a partir do estudo dos clássicos, da
religião, da filologia e do vernáculo para a formação do cidadão brasileiro.

A FILOLOGIA E A DEFESA PELO VERNÁCULO EM JOSÉ CASTILHO

A filologia enquanto um campo de estudo da língua desenvolvida por José Castilho defendia a presença do
vernáculo português na constituição da identidade brasileira e par tal, utilizou de textos clássicos como Camões na
elaboração de seu impresso Iris Clássico.
Camões enquanto grande literato responsável por uma das maiores obras lusitanas como a epopeia “Os Lusí-
adas” tratava sobre as navegações portuguesas e o desbravamento do novo mundo foi enaltecido por Castilho em sua
compilação.

7 O Liceu é um estabelecimento de ensino secundário que tem seus moldes baseados na escola francesa.

1069
Aliado aos textos de Camões, José Castilho compilou em seu impresso artigos do padre jesuíta Antônio Vieira
que catequisava através de seus textos repletos de retórica para a conversão dos infiéis. Esses dois autores foram uti-
lizados por José Feliciano com o objetivo de enaltecer a língua, conforme a descrição do Iris Clássico:

Contêm-se nele excertos de autores, que o geral consenso traz canonizados por mestres desta formosa língua,
comum a Portugal e ao Brasil e falada por tanta outra parte do mundo... é uso, e parece razão, que as obras deste
gênero, destinadas a criarem o gosto da vernaculidade, origem tácita de muitas virtudes, e por elas de muitas fa-
çanhas e maravilhas, representem de preferência um tempo em que ainda não aparece, de envolta com peregrinas
excelências, o abastardamento do falar nativo. (NORONHA, 1859, p. 5-6)

Para José Castilho, autor a filologia do vernáculo, era essencial que no processo de “abastardamento” da língua
nacional não fosse esquecida a língua mãe. Sendo assim ele refletia que:

A vernaculidade assim entendida, não hão de negar que é uma formosa e boníssima coisa, e dado que sujeita a
mudanças com o longo lapso dos tempos, e a dever por ventura dissipar-se em remotos futuros numa língua co-
mum e universal, ou com isso parecida, merece com tudo ser acatada e servida, e por isso estudada, e reestudada
de continuo. (NORONHA, 1859, p. 228)

Essa defesa pela língua portuguesa tinha em vista protegê-la e guardá-la dos ataques de outras línguas a partir
dos processos migratórios que ocorreriam no Brasil como a vinda dos franceses. Dessa maneira “temendo a ‘morte’ da
língua portuguesa como último estágio desse quadro evolutivo, podemos pensar na preocupação de José de Castilho
com a sobrevivência do português pautado na vernaculidade da língua apegada ao retorno aos clássicos.” (ALBU-
QUERQUE & BOTO, 2018, p. 121).
Albuquerque & Boto (2018) demonstram que José Feliciano de Castilho elaborou o Iris Clássico com intuito de
edificar a língua mãe:

Ao destinar a obra Iris Clássico para os mestres e alunos das escolas brasileiras, o autor português José de Casti-
lho lançou-se no campo da produção de livros elementares, para que os “amiguinhos” e seus mestres encontrassem
no passado clássico a força para o “retemperar da língua, tão ameaçada de dissolução, apresentando modelos de
puro dizer”. (NORONHA, apud ALBUQUERQUE & BOTO, 2018, p. 122)

Além do Iris Clássico, o Iris Periódico também mostra este cuidado com a questão da língua pois é através dela
que a ciência se expande, sendo por isso explicado seu zelo pelo vernáculo enquanto campo da filologia e do estudo
científico da língua pátria.
Esses escritos apresentaram um conhecimento acerca da instrução brasileira no período Imperial, destacando a
ação de sujeitos que transitaram pelo campo de poder envolvendo a adoção de livros de leitura nos ensinos primários
e secundários. Observa-se, neles, um vasto conhecimento e um apreço nas artes e na literatura clássica por José Cas-
tilho. O revisitar desse universo clássico engendrava-se ao ideal civilizatório presente na defesa da universalização da
língua via catequização e instrução.
Dessa maneira percebe-se que José Castilho utilizou-se principalmente das obras do Padre Antônio Vieira,
pois, pela via da moral cristã, trazia à tona um modelo de moral cívica condizente com o desejo de levar a reflexão
aos estudantes “amiguinhos”. Assim, Castilho José vislumbrava um ideal patriótico em um movimento de engendra-
mento no campo da religião, instrução e civilização, trazendo sentido aos artigos do Iris Clássico, para formar o bom
cidadão, cumpridor das leis e que a cumpre com certo contentamento e despido de avarentos, invejosos e outros maus
pensamentos.
José Castilho (1859) logrou espaço no campo de circulação de impressos no Colégio Pedro II, na corte brasi-
leira, e em diferentes províncias brasileiras, como a de Goiás. Sua obra contém muitos excertos de textos de padres
e freis devido as questões relacionadas à filologia e com a universalização da linguagem. Em si, a Igreja Católica teve
esse papel universalizador, seguindo uma liturgia e rito que independiam de culturas locais; seu processo de incultu-
ração esteve endossado pela capacidade de universalização da mensagem.

1070
AS CIÊNCIAS NATURAIS NO IRIS PERIÓDICO

Enquanto o Iris Clássico tende a enaltecer a ciência da linguagem, o Iris Periódico oferece um convite para o cam-
po da ciência, seja ela política, religiosa, linguística ou natural, uma vez que “assente-se um conviva mais ao suntuoso
banquete da inteligência! Venha novo operário, não cinzelar estatuas, erguer colunas, arquitetar as aras mas acarretar
grãos de areia para o templo monumental da ciência!” (NORONHA, 1848, p. 1)
Como ocorre com o Iris Clássico, o Iris Periódico contém excertos de grandes autores como padre Patrício Moniz
e médicos como Dr. Erminio Germon. Mais uma vez, essa gama de autores de áreas diferentes demonstra o objetivo
de unificar os saberes na busca pela formação de um homem universal.
José Castilho atribui uma grande importância em seu projeto de ciências naturais pois nele se associam a Quí-
mica, Física, Biologia, Mineralogia e tantas outras áreas. Dessa maneira, Dr. Erminio Germon participa do periódico
não só por ser um pesquisador afamado, mas porque é um homem exemplo da universalização que sonha José Feli-
ciano, pois ele consegue abordar diferentes assuntos que vão além da medicina.

Há muito se-sabe que um diamante, que se-esfrega ligeiramente por seda ou lã, adquire a propriedade de atrair os
corpos leves; muitas pessoas consideram isto como prova da finura da pedra. É um erro: esta faculdade de atração
é devida à eletricidade, que se-desenvolve pelo atrito à superfície de muitas espécies de corpos, e por exemplo, o
vidro mais comum é tão susceptível de adquiri-la como o mais precioso diamante; mas entre os minerais, outros
ha que gosam de uma propriedade elétrica muito mais extraordinária. (GERMON apud NORONHA, 1848, p. 657)

Neste excerto de Germon podemos notar que ele trata de eletricidade indo para além de um conhecimento
fragmentado de sua formação em medicina; dessa forma, os artigos no Iris Periódico apresentam as ciências naturais
entrelaçada à diferentes temas e áreas.
Dentre os 375 textos dos dois volumes do Iris Periódico, apenas 14 discutiam explicitamente sobre as ciências
naturais. Tal limitação possivelmente se relaciona à dificuldade de vulgarizar impressos e ampliar o acesso a textos
científicos contendo saberes científicos como os de Germon. Dentre os 14 textos contendo a temática das ciências
naturais, 6 eram de Germon.
José Feliciano sob a pena de Germon tinha ânsia por vulgarizar o saber científico para o maior número de pes-
soas que conseguisse, uma vez que:

Talvez que o Iris, redigido por um cavalheiro de tão abalisado mérito, como o Sr. Castilho, obtenha esta revolução
social, e que tenha a dever-se-lhe ainda o não menos avantajado serviço de inocular nos habitantes destas abenço-
adas regiões o gosto pela literatura, e pelas ciências naturais. (GERMON apud NORONHA, 1848, p. 231)

Dessa maneira, a ciência atrelada aos clássicos não causaria tanto espanto a quem não tinha tanta proximidade
a ela e assim, os autores conseguiriam aos poucos chamar atenção para este estudo das ciências naturais, para o fazer
ciência, sendo especialista ou não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o estudo das duas obras de José Castilho percebemos que elas circularam em diferentes províncias brasi-
leiras, sendo tratadas nesse escrito como fontes históricas pertencentes também no campo instrucional Oitocentista,
mesmo que tenha sido a uma determinada classe da sociedade mais intelectualizada.
A partir dos capítulos deste artigo podemos verificar que José Feliciano de Castilho tinha o objetivo de for-
mar um cidadão conhecedor dos clássicos, amante do vernáculo e abranger sua curiosidade para a ciência.
Dessa maneira é possível observar um vasto conhecimento e um apreço pelas artes e pela literatura clássica
tanto por parte dos jesuítas quanto por José de Castilho. Essa busca pelo clássico aliava-se ao ideal civilizatório pre-
sente na defesa da universalização da língua via catequização e instrução.

1071
Ao revisitar os clássicos, Castilho José registrou que sua intenção fora mostrar aos “amiguinhos” que os antigos
“não foram mais nem menos homens do que os modernos, nem diversos ou privilegiados em quilates de entendimen-
to” (NORONHA, 1859, p.231), apontando para a necessidade de situá-los em seu tempo e nas condições de escrita.
Reconhecendo essa história e refletindo sobre a obra de Castilho José, percebe-se que através do caminho da
religião, contentamento, conformismo e respeito à autoridade, pela via da instrução, Castilho José vislumbrava a
inserção dos seus amiguinhos nesse mundo civilizado, bem adequado aos parâmetros da família, religião e pátria.
Ainda com o Iris Periódico ele conseguiu explanar diversos assuntos, mostrando que a ciência também está atrelada a
esse plano universalizador e clássico.

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O PROCESSO HISTÓRICO DE FEMINIZAÇÃO NO CAMPO DOCENTE:
A EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA

Maria José Pereira de Oliveira Dias1


Maria Esperança Fernandes Carneiro2

RESUMO: Este trabalho apresenta uma análise, histórica, acerca da feminização no contexto da docência e
as contradições no processo de inserção da mulher na profissão, sobretudo na primeira etapa na Educação Infantil.
Portanto, a partir da necessidade de se discutir e compreender questões referentes ao trabalho docente e a feminiza-
ção no campo da Educação Infantil, este estudo aportou-se nos autores: Afonso (2003), Louro (1997; 2003), Catani
(2003), Saviani (1991), Costa (1996), Marx e Engels (1977), Rocha (2012), Nogueira (2004), Saffioti (2013), dentre
outros. A primeira parte do texto traça um breve histórico acerca da posição da mulher, frente ao trabalho público,
no contexto da sociedade capitalista. A segunda seção destaca o surgimento e as contradições presentes no proces-
so de feminização do trabalho docente no Brasil, sobretudo a partir da virada do século XIX até o período atual. A
Educação Infantil é um espaço que demarca, historicamente, a segregação e o estereótipo de que o papel profissional
deve ser exercido por professora. Desse modo, é preciso que esse trabalho seja efetivamente valorizado em todos os
aspectos necessários, visto que melhores condições de trabalho, remuneração adequada a função executada e o re-
conhecimento social são fatores fundamentais para que esse campo não seja segregado pela divisão sexual instituída
ao longo da história. Portanto, é necessário explicitar esses contextos históricos visando fomentar a conscientização
e superação dessa condição de desigualdade. Por esse motivo, faz-se necessário ampliar as pesquisas acerca dessa e
outras categorias relacionadas ao trabalho e gênero, para que possamos expandir e fortalecer as discussões ligadas ao
contexto da profissão docente.
Palavras-chave: Feminização; Docência; Educação Infantil.

INTRODUÇÃO

Neste texto analisaremos, historicamente, a feminização no contexto da Educação Infantil brasileira e discuti-
remos as contradições apresentadas no decorrer do processo de inserção da mulher na profissão docente, sobretudo
na primeira etapa da Educação Básica.
Nesse sentido, foi necessário traçar um caminho investigativo para revelar questões acerca da constituição his-
tórica de predominância do trabalho feminino na Educação, nesta sociedade capitalista, e da feminização no trabalho
no âmbito da Educação Infantil, uma vez que, conforme Saviani (1991), a educação é um processo exigido pelo e para
o trabalho.
Desse modo, a abordagem metodológica desenvolvida nesta investigação partiu de um estudo predominan-
temente qualitativo com base em uma análise bibliográfica científica e literária, a partir de uma concepção crítica
baseada na perspectiva científica do materialismo histórico-dialético. Visto com a lente dessa perspectiva, ao analisar
a história das relações sociais é preciso discutir as questões de gênero permeado nesse processo.

1 Doutoranda e Mestre em Educação no PPGE da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Professora no Departamento de
Educação Infantil/CEPAE/UFG. Bolsista FAPEG, e membra do Grupo de Pesquisa em Políticas Educacionais e Gestão Escolar - GPPEGE/
PUC Goiás - www.gppege.org.br. E-mail: mjpgoster@gmail.com.
2 Professora Dra. Vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás,
na Linha de Pesquisa: Estado, Instituições e Políticas Educacionais e ao Grupo de Pesquisa em Políticas Educacionais e Gestão Escolar -
GPPEGE/PUC Goiás - www.gppege.org.br. E-mail: esperancacarneiro@outlook.com.

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Essa concepção teórico-metodológico desvela as principais contradições existentes em uma sociedade capita-
lista, sobretudo patriarcal. Mostra-nos os caminhos a serem percorridos para que ocorram mudanças nesse aspecto
relacionado a valorização do trabalho docente, compreendendo o importante papel da mulher nesta sociedade.
Há muitos sentidos em torno da expressão feminização, mas a maioria deles apontam para um dado quanti-
tativo e significativo de mulheres que trabalham majoritariamente em uma área, neste caso, no campo da docência.
A autora Louro (1997, p.15) aponta que os primeiros movimentos de mulheres, no início do século XX, se levan-
tou na luta pelo direito de votar e por demais defesas contra todo tipo de discriminação, ganhando forças e conquistando
mudanças nos processos políticos em vários países ocidentais. É importante enfatizar que essa luta partiu das mulheres
brancas pertencentes a uma classe social favorecida que buscavam autonomia na organização familiar e abertura no
campo dos estudos, sobretudo, como possibilidade de poder trabalhar e de se profissionalizar no mercado de trabalho.
Desse modo, tornar-se visíveis essas mulheres eram objetivos principais dos grupos feministas, visto que fo-
ram sujeitos segregados e silenciados por muitos séculos, mesmo tendo contribuído significativamente no desen-
volvimento econômico, social, científico e político. A ideia era transformar aquilo que era considerado do âmbito
privado e publicizar as ações daquelas que vinham marcando os seus trabalhos nas lavouras, nas fábricas, indústrias,
ampliando essas atuações para os mesmos espaços em que os homens já circulavam livremente como nos escritórios,
nas escolas, hospitais e comércios das cidades grandes e pequenas. Essas atividades femininas eram controladas e não
valorizadas pelos homens, que muitas vezes as encaminhavam para um trabalho privado estritamente ao cuidado, a
educação ou assistência das pessoas. O movimento feminista contestava essas ocupações domésticas e o motivo pelo
qual essas mulheres ainda não eram vistas na academia, “nas ciências, nas letras, nas artes” e demais espaços públicos
(LOURO, 1997, p.17).
A partir dessa compreensão é possível entender que o processo de feminização está inter-relacionado à histó-
ria, por isso, deve-se considerar esse contexto da totalidade ao particular, visto que esses fatos estão em movimento
histórico - de modo dialético - movidos pelos processos contraditórios constituídos socialmente. Nesse sentido, a te-
oria marxista nos permite desvendar e desconstruir, desvelar e compreender as questões referentes as desigualdades
sociais, sobretudo, quanto a relação de gênero e trabalho.
Portanto, a partir da necessidade de se discutir e compreender questões referentes ao trabalho docente e a fe-
minização no campo da Educação Infantil, este estudo aportou-se nas (nos) autoras (es) como: Afonso (2003), Louro
(1997; 2003), Catani (2003), Saviani (1991), Costa (1996), Marx e Engels (1977), Rocha (2012), Nogueira (2004),
Saffioti (2013), entre outras (as).
A primeira parte do texto traçará um breve histórico acerca da posição da mulher, frente ao trabalho público,
no contexto da sociedade capitalista. A segunda seção destacará o surgimento e as contradições presentes no processo
de feminização do trabalho docente no Brasil, sobretudo a partir da virada do século XIX até o período atual. Desse
modo, buscaremos problematizar de que forma o processo de feminização no trabalho docente foi se encorpando ao
longo da história da Educação brasileira.
Nesse viés, analisaremos como essa divisão sexual do trabalho no magistério refletiu no campo da Educação
Infantil e marcou esse espaço, majoritariamente composto por mulheres, pouco valorizado e baixo remunerado em
relação as demais profissões de igual importância. Isso nos chama a atenção para a luta ativa que as mulheres travaram
e ainda precisam buscar por melhores condições de trabalho, pela não divisão sexual do trabalho, sobretudo, inten-
tando a paridade na formação docente e no reconhecimento da docência sem os estigmas e preconceitos constituídos
pela classe dominante.

A FEMINIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NO BRASIL

O processo de feminização do magistério, no Brasil, se despontou como um fenômeno a partir do século XIX.
É o que diz a autora Louro (1997), quando relata que nesse período histórico, nas principais cidades ou espaços pró-
ximos ao império, nota-se uma expansão lenta, porém significativa, das escolas denominadas de Primeiras Letras. A
maioria dessas instituições eram destinadas aos meninos, existiam poucas meninas, geralmente mantidas por funda-

1074
ções religiosas e por professores segregados por sexo, pois entendiam que esses docentes não poderiam ter a moral
atingida de algum modo por ter que ensinar os preceitos cristãos e laborais aos alunos. As famílias encaminhavam
as crianças para serem completamente educadas nesses recintos escolares. Os meninos aprendiam a ler, escrever e a
contar, sobretudo eram catequisados com base nos princípios cristãos. Porém, às meninas, a leitura e a escrita eram
importantes, mas no lugar da matemática aprendiam ofícios sobre o trabalho doméstico. Havia uma nítida divisão de
classe, sexo, etnia e outros tipos de segregações.
A autora afirma que, aos negros e índios o ensino escolar era negado ou minimamente repassado dentro de um
contexto de opressão e não escolarização. Os imigrantes recebiam um tratamento diferente por fatores contratuais
e pelo apoio que obtinham das organizações políticas internacionais de suas regiões, entretanto, havia uma nítida
separação em relação aos direitos instituídos para ambos os sexos. Àquelas crianças das famílias menos favorecidas o
destino era somente o trabalho doméstico, na lavoura ou na criação dos membros mais novos.
Louro (1997) destaca que, já no século XX, os trabalhadores organizados em movimentos sociais e políticos,
apresentaram como demandas sociais a criação de escolas destinadas aos seus filhos. Nesses movimentos, haviam
mulheres participativas que procuravam levantar temas importantes, como por exemplo a ampliação do acesso das
meninas aos sistemas escolares. Naquela época, as filhas das famílias com poder aquisitivo privilegiado, destinavam-
-se a educação para a leitura e a escrita. Mas a matemática era, geralmente, dada por professores particulares que
ensinavam, dentre outras coisas, a tocar piano e a desenvolver a língua francesa. Nesse movimento de ensino, os
trabalhados domésticos eram repassados as meninas para que pudessem ser bem-sucedidas em seus futuros casamen-
tos. As mulheres ainda não tinham o direito pleno de circular em espaços públicos, a não ser para realizar alguma
atividade de cunho religioso. Destinavam-se à mulher os conhecimentos morais, sob a égide de torná-la virtuosa e
educadora dos futuros cidadãos. Mas, por outro lado, segundo Apple (1988) as professoras recrutadas, geralmente,
eram de origem oriunda da classe trabalhadora, cuja renda familiar era mínima em relação à classe média.
Em contrapartida, Louro (1997) salienta que a falta de mão-de-obra qualificada para a docência levou o Impé-
rio a abrir mais vagas para que as mulheres pudessem estudar nas Escolas Normais. Ainda assim, a ordem superior era
de que as classes para os homens fossem separadas das mulheres, e até mesmo os turnos precisariam ser diferentes. A
partir do momento em que as mulheres puderam ingressar nas escolas Normais e se formarem na profissão docente,
nota-se um esvaziamento no ingresso e no abandono da carreira por muitos homens. E isso é justificado pelo cres-
cimento das cidades, bem como o processo de urbanização e industrialização que possibilitou a abertura de muitas
vagas e o recrutamento dessa população ao trabalho.
Mas para Apple (1988, p.18) “o magistério tornou-se feminino, em parte porque os homens o abandonaram”
em busca de oportunidades, cujos salários fossem mais lucrativos. Com isso nasce, portanto, o processo de feminiza-
ção da mulher no campo da educação.
Desta forma, Louro (1997, p.450-451) destaca que a luta de forças e resistência passou a fazer parte desse con-
texto de feminização da mulher na docência. Por um lado, tinham aqueles contrários que diziam que as mulheres
não estavam preparadas para assumirem os ensinamentos das crianças. Do lado oposto, haviam os que defendiam
a docência sob égide da vocação e do sacerdócio para as mulheres que possuíam em sua natureza a profissão, “o que
serviria futuramente para lhes dificultar a discussão de questões ligadas a salário, carreira, condições de trabalho etc”.
Nesse viés, essas discussões resultaram em maior interferência do Estado nos aspectos da educação e da docên-
cia, impondo os seus aspectos ideológicos na organização curricular e pedagógica da escola. Mesmo porque, segundo
Apple (1988, p.20), “ser mulher ainda significava estar envolvida numa formação social largamente definida pela
estrutura de relações patriarcais” que eram fortemente “colonizadas e mediadas pelas relações de classe”
Apesar disso, segundo Louro (1997), o receio dos legisladores era que com o tempo a ascensão das mulheres
pudesse prejudicar as escolas destinadas aos meninos, que deveriam ser ministradas por professores. Nesse período,
a mulher era considerada um sujeito muito frágil e que precisava ser protegida, sobretudo, controlada pelos homens.
As professoras eram alertadas para não prejudicarem as suas feminilidades em função da carreira profissional. Desse
modo, o trabalho público era visto como algo provisório até que casassem. Por esse motivo, os salários eram instáveis
e muito mais baixos em relação a remuneração do homem. O magistério, ainda, era aceitável à mulher pelo fato de

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demandar somente um turno de trabalho, visto que elas deveriam permanecer exercendo as suas funções domésticas
no contra turno de suas funções laborais docentes. Mas para Apple (1988, p. 18) “a forma da família patriarcal, com-
binada às mudanças na divisão social de trabalho no capitalismo, criaram algumas das condições das quais emergiu
um mercado para um tipo particular de professor(a)”.
Louro (1997, p. 457) destaca, também, que com o tempo as Escolas Normais tornaram-se em espaços educa-
cionais exclusivos às mulheres, feminizando a “formação docente”. Já para os homens o curso de docência acontecia
no espaço do Colégio Ateneu. Essas Escolas Normais eram controladas, cotidianamente, exigindo das educandas ocu-
pações constantes com “atividades produtivas”. As salas eram decoradas com crucifixos para demarcar a concepção
religiosa, mesmo nas escolas laicas. Os conteúdos eram vinculados ao “português, matemática, geografia nacional,
história do Brasil e geral, história sagrada, catecismo, pedagogia e também puericultura, psicologia, economia domés-
tica, trabalhos manuais, higiene escolar, sociologia[...]”.
O ensino era gratuito e no ato do ingresso existiam normas estabelecidas, sobretudo, que não apresentasse
nenhum tipo de doença contagiosa. Era um movimento bastante contraditório, visto que por um lado a escola bus-
cava romper com ensinamentos doméstico, e por outro lado acabava promovendo forte ligação com as atividades
do âmbito privado, sobretudo a formação docente com base no afeto e na maternidade. Haviam interferências até
mesmo no modo de vestir-se das mulheres professoras, que deveriam ser recatada e não explicitarem nada da sua
vida particular.
A autora destaca que existia um tipo de representação muito presente nesse momento histórico. A exemplo
disso era o poder de autonomia que possuíam as professoras solteiras em relação as mulheres casadas. Na concep-
ção social essa mulher solteira tinha falhado por não ter tido família, em contrapartida o fato de tornar-se docente
a elevava intelectualmente e a aproximava aos direitos e “prerrogativas masculinas”. Esse processo de representação
ligado a mulher solteira que se tornava docente contribuía para reforçar a “desprofissionalização da atividade”, tendo
em vista que eram levadas a crer que precisariam doar o máximo de si na profissão sem levar em conta a proposta
salarial. Muitas professoras se eximiam do convívio familiar para dedicar-se ainda mais ao trabalho. A escola passa a
ser a extensão do seu lar e para isso era preciso que o trabalho fosse realizado com todo amor. A sua identidade pro-
fissional era marcada pela “severidade e secura”, apresentando-se com roupas sóbrias que escondiam todo o corpo,
pois deveriam prezar pela disciplina e autoridade, visto que eram cobradas à serem exemplos as demais estudantes
(LOURO, 1997, p. 466-467).
Nesse mesmo período, entre o final do século XIX ao XX, havia uma cobrança para que o afeto na relação pro-
fessora e alunos fossem restritos, uma vez que as docentes eram proibidas de tocarem nas crianças e demonstrarem
carinho, por esse comportamento ser considerado muito inadequado. Com o surgimento de novas teorias voltadas
a psicologia e a pedagogia, o espaço escolar começa a ser valorizado de modo prazeroso e esse modo de relacionar-se
com os educandos vai tomando outras relevâncias. Apesar disso, a sexualidade das professoras era algo muito ques-
tionado nesse contexto social, visto que a sua opção pelo não casamento poderia ser representado e comparado com
a própria “homossexualidade”. As mulheres que subvertiam as regras sociais eram consideradas uma grande ameaça
a organização hierárquica e paternalista que a sociedade impunha, já que “por muito tempo, a ignorância foi consi-
derada como um indicador de pureza, o que colocava as mulheres não-ignorantes como não-puras[...] isso poderia
levá-las a uma outra representação: à de mulher-homem” (LOURO, 1997, p. 469).
Existiam muitas contradições nessas cobranças. Ora eram vistas como mulheres amorosas e até “objeto de
desejo amoroso”, no entanto, consideradas como “professorinhas e normalistas”. O discurso em torno da profissiona-
lidade das professoras era permeado por dúvidas e inseguranças em torno da carreira docente. O Curso Normal, por
muito tempo, foi considerado como um meio para “esperar marido”, visto que muitas famílias induziam os homens a
procurarem um casamento com essas mulheres que haviam se formado em docência, tendo como objetivo a consti-
tuição de uma família e a ideia de que os filhos fossem melhores educados (LOURO, 1997, p.471).
A partir da década de 30, sucederam mudanças na nomenclatura em relação a representação profissional do-
cente. Com o surgimento e desenvolvimento das teorias escolanovistas essa forma de denominar a profissão docente
foi qualificada de Educador (a). Na década de 60 e 70, o discurso começa a tomar outra direção, visto que o país passou
a viver uma forte imposição da ditadura militar, com seus interesses e adoção de ordem profissional no contexto es-
colar. Desse modo, como forma de representação docente, foi designado uma nomenclatura intitulada de Profissional

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de Ensino. Ainda nesse período da ditadura, a base de defesa desse discurso burocrático pairava pela busca do profis-
sionalismo a partir das habilidades constituídas no contexto profissional docente, as atribuições foram determinadas
pelo controle arbitrário em nome da produtividade. Uma parte das professoras aderiram esse discurso de reconheci-
mento profissional, visando a luta por melhores condições de trabalho e salários, sobretudo, equiparações na carreira
em relação aos homens (LOURO, 1997).
Entretanto, nesse mesmo período, um outro grupo de professoras questionava a nova ordem profissional do-
cente segregada da ausência de uma postura do afeto aos discentes. Nesse movimento de luta resistiram as imposições
apresentadas e subverteram as normas, reformulando os conteúdos escolares e “passando a usar tia como uma deno-
minação substituta à de professora[...] chamando-as todas indiscriminadamente de tias, os alunos e alunas deixaram
de identificá-las por seus nomes próprios” (LOURO, 1997, p.473).
Segundo a autora, os professores e professoras nesse período militar criaram outras formas de resistências, bus-
caram compreender a categoria docente como profissionais de luta semelhantes aos operários industriais que eram
explorados no contexto do trabalho e que eram expropriados e segregados em suas atividades cotidianas. A luta das
trabalhadoras docentes era pelo fortalecimento sindical, geralmente representadas por mulheres consideradas fortes
e militantes em busca por melhores condições de trabalho e maior equiparação salarial. Esse movimento, as levaram
eclodir as primeiras greves por volta da década de 70. Esse foi considerado um grande acontecimento por ter sido
encabeçado pelas mulheres, visto que a sociedade, ainda, tinha uma representação singular do que era ser professora.
Nota-se que as mulheres passaram a exigir atenção aos fatores salariais e começaram a ampliar a atuação pro-
fissional, até porque eram importantes provedoras de suas respectivas famílias. “Agora se afirmava um novo discurso
que acenava para a concepção de categoria profissional[...] um movimento organizado”, via sindicados, dirigidos pela
maioria de mulheres que eram militantes ou de outras lideranças sindicais. Com o tempo os sindicatos incorporaram
os homens nas lideranças de luta, entretanto, enfrentaram dilemas e resistências pelo fato das greves serem “práticas
sociais” recentes. Essa adesão não foi tão unânime, pois afetava diretamente o trabalho docente das/os profissionais
envolvidas/os, “[...] Elas articulam, em suas práticas, toda a história da atividade docente e de suas vivências como
sujeito feminino – daí o porquê de suas manifestações como trabalhadoras da educação terem um caráter próprio,
específico[...]” (LOURO, 1997, p. 476-477).
Por outro lado, a década de 70/80 foi um momento marcado pela formação da identidade das professoras do-
centes, consideradas como Profissionais do Ensino, sobretudo, a partir da defesa de ampliação da tecnologia e pro-
dutividade desses profissionais que despontavam na época. Mais à frente, outras representações emergiram a partir
dos movimentos sindicais e surgiu uma nova identidade de “trabalhadoras e trabalhadores da educação”, acatados por
algumas e rejeitados por outros (LOURO, 2003, p.83).
Posto isto, vale ressaltar que a luta histórica das mulheres durante décadas revelou a busca incessante pela
mudança urgente na condição de divisão sexual do trabalho e no processo de opressão que enfrentaram por muito
tempo, intentando o êxito “pelo controle do próprio trabalho e da própria vida” (APLLE, 1988, p.22).

A POPULAÇÃO FEMININA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Vimos que, historicamente, sobretudo a partir do século XIX, a presença da mulher no campo da Educação
ganhou visibilidade. Contudo, nota-se em meio a tantas contradições a ocorrência de certa desvalorização e baixa
remuneração em relação ao trabalho docente, especialmente, nas funções exercidas pelas mulheres.
Atualmente, apesar de todas as transformações sucedidas por meio das lutas históricas, ainda se vê um processo
de desigualdade de gênero, quando se trata da participação feminina no trabalho.
Quando se compara em relação aos homens, as mulheres ainda precisam lutar pela garantia de direitos como
o de trabalhar em espaços públicos com equidade e serem valorizadas, e contar com a paridade nas diversas funções
exercidas nos espaços privados ou domésticos. Até porque, o trabalho realizado no âmbito privado não é obrigação
da mulher e muito menos o homem precisa ajudar, pois a divisão dessas tarefas deve ser obrigação de todos, visto que
são trabalhos necessários e devem ser realizados por ambos.

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Entretanto, indicadores do IBGE apontam para um número médio de horas semanais dedicadas pelas pessoas
aos afazeres domésticos ou não remunerado, demonstrando que em 2016 as mulheres se dedicaram 73% à mais as
horas de trabalho em relação aos homens, mesmo com a crescente participação delas no mercado de trabalho. Isso
comprova a existência de uma injusta divisão sexual do trabalho, visto que as mulheres ainda necessitam conciliar o
trabalho remunerado (público) com os seus afazeres domésticos e de cuidados (privado), e acabam procurando tra-
balhos cuja carga horária seja mais reduzida, ou de até 30 horas semanais, visando não as sobrecarregar para além das
funções que já realizam.

Figura 1 – Gráfico sobre as horas dedicadas aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos por pessoas ocupa-
das, por sexo (horas semanais).

Fonte: Biblioteca IBGE

Além disso, essas estatísticas mostram que as mulheres tendem a estudar e a trabalhar mais, entretanto, com
um rendimento inferior ao homem. Isso quando atrelado ao trabalho remunerado, afazeres domésticos e seus cuida-
dos pessoais. Segundo a Agência de Notícias do IBGE, essa média pode ficar acima por volta de três horas de diferença
em relação aos homens.
No contexto da Educação Infantil esse cenário de luta não é diferente. Trata-se de um campo de trabalho com
crianças de 0 a 5 anos e onze meses, exercido majoritariamente por mulheres com formação mínima pedagógica e que
precisam se aportar em concepções importantes acerca da criança como sujeito histórico de direitos de formação nos
aspectos físicos, sociais, cognitivos, emocionais e culturais. Exige-se que esse profissional compreenda e aja conforme
os conteúdos e projetos necessários e fundamentais a formação integral da criança. Nesse trabalho, há uma exigência
intelectual e de esforço corporal. Entretanto, o grupo feminino que trabalha nessa primeira etapa da educação tem o
direito de trabalhar, de contribuir na formação integral das crianças, de investir em sua profissão, sem ter que se pre-
ocupar com demandas do âmbito privado como se essas fossem a própria obrigação. Para isso é preciso que essas (es)
profissionais sejam melhores remuneradas (os), valorizadas (os), que estejam em condições de trabalho favoráveis,
que consigam investir na sua formação continuada, sobretudo, que possam desenvolver o seu trabalho com a quali-
dade e equidade. É possível dizer que esse campo deve ser regido especificamente por mulheres? Por que os homens
ainda são minorias nesse espaço?
Nos últimos anos, nota-se um número expressivo de mulheres docentes no campo da Educação Básica, em
torno de 63,8% e na Educação Infantil 16,4% (INEP, 2017). Mas ainda não podemos dizer que esse número seja sufi-

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ciente na primeira etapa, como na Educação Infantil, visto que ainda 96,6% desse percentual são mulheres que atuam
efetivamente neste trabalho com a primeira infância.
De que forma podemos problematizar e contribuir na efetivação de políticas de valorização, remuneração e status
no trabalho docente na Educação Infantil. Intentando igualdade de direito no contexto profissional, desconstruindo
todo o tipo de concepções de segregação, preconceito ou estranhamentos instituídos pela classe social através das refe-
rências de gêneros construídos socialmente? Essas são questões para refletirmos e ampliarmos posteriormente.

CONCLUSÃO

Para concluir esta reflexão, nos aportamos na autora Rocha (2012) quando diz que não é possível desarticular a
história da mulher sem compreender os processos econômicos e sociais, sobretudo, as questões ideológicas e culturais
imbricadas a esse contexto.
Isso nos mostra que a luta deve continuar e que é preciso permanecer resistindo, visto que mesmo a mulher
tendo garantido o seu direito de poder sair de um processo de confinamento e ingressado ao trabalho, sobretudo,
gozando do espaço público (por direito) como os demais, ainda assim, esses enfrentamentos não foram possíveis de
dissolver e eliminar todo o processo de divisão sexual do trabalho, historicamente, enraizado e que tem contribuído
para a disseminação e segregação do preconceito e desvalorização no contexto social.
A Educação Infantil é um espaço que demarca, historicamente, a segregação e o estereótipo de que o papel pro-
fissional deve ser exercido por professoras, que a educação e o cuidado têm que ser feito por mulheres. Ora, é preciso
que esse trabalho seja efetivamente valorizado em todos os aspectos necessários. A busca por melhores condições de
trabalho, remuneração adequada a função executada e o reconhecimento social são fatores fundamentais para que
esse campo não seja marcado pela divisão sexual instituída ao longo da história.
Vimos que o processo de sexualização do trabalho acaba masculinizando ou feminizando certas funções e
práticas sociais. E a reprodução disso se dá quando se definem aqueles cujo trabalho exigem maior força aos homens
e funções domésticas às mulheres, como se ambos não pudessem exercer as mesmas ações. Esse processo se dá pela
construção de regras e poder de “dominação de gênero” produzido e reproduzido ao longo da história social. Atual-
mente, as mulheres têm sido sobrecarregadas por tantas funções que lhes foram atribuídas, visto que conseguiram
garantir o direito ao espaço público, mas acabaram tendo a sua cidadania afetada pelas responsabilidades domésticas
que os homens ainda não assumiram por completo. Sabemos que essa não assumência masculina, decorre da repro-
dução patriarcal que persiste nesse sistema capitalista contemporâneo (ROCHA, 2012, p.54-55).
Essa questão voltada a categoria de gênero precisa ser amplamente problematizada, de forma particular nos
currículos de formação inicial e continuada de professores. Há uma significação dessa relação social de poder esta-
belecida entre o homem e a mulher, até mesmo dentro dessas profissões. Por esse motivo, a instituição, por meio
do currículo, precisa historicizar essa relação construída ao longo da história e analisar os fatores que determinaram
essas práticas desiguais. Como gênero é uma construção social e histórica constituída por homens e mulheres, essas
práticas precisam ser explicitadas no contexto institucional para que os sujeitos possam apreender o que é ser homem
e ou mulher nesta sociedade dentro de na visão democrática das relações (PARAISO, 1997).
Para finalizar esta reflexão, Afonso (2003) acentua que é necessário compreender que, historicamente, as mu-
lheres ocuparam lugares diferentes dos homens nos espaços públicos e sociais. Histórias essas permeadas por discri-
minação e subordinação. Portanto, é necessário explicitar esses contextos históricos visando fomentar a conscienti-
zação e superação dessa condição de desigualdade.
Por esse motivo, faz-se necessário ampliar as pesquisas acerca dessa e outras categorias relacionadas ao trabalho
e gênero, para que possamos expandir e fortalecer as discussões ligadas ao contexto da profissão docente.

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REFERÊNCIAS

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1080
O PROCESSO HISTÓRICO DO ENSINO
SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL

Juliane Aparecida Ribeiro Diniz1

RESUMO: É sabido que a participação da iniciativa privada na educação brasileira de forma decisiva não é
algo recente, remonta o período militar (1964-1984) e perdura aos dias atuais de forma avivada. Contudo, percebe-
-se, assim, uma intensificação desse processo a partir dos anos 1990, com suporte na diversificação de instituições,
na diferenciação de cursos, na distinção das modalidades educativas, na entrada de capital estrangeiro no setor, na
abertura das ações das ‘empresas educacionais’ na bolsa de valores e na formação de cadeias produtivas no setor, am-
plamente apoiados pelas políticas públicas educacionais. Assim, tendo em vista tal panorama, esse ensaio propõe-se
a compreender como se constituiu o processo histórico do ensino superior privado no Brasil e a mercadorização da
educação universitária, enfatizando os movimentos do ciclo hodierno de financeirização e oligopolização do setor. O
procedimento metodológico adotado foi a pesquisa bibliográfica, em livros, artigos científicos, dissertações e teses, e
a pesquisa documental, em que as legislações foram consideradas documentos. Dessa forma, o estudo foi organizado
em quatro seções. A primeira dedica-se à exposição da organização do ensino superior privado da Primeira República
(1889) ao final dos anos 1980, percebendo que nesse período estabeleceu-se as primeiras universidades mercantis,
todavia ainda sem explicitar o princípio da concorrência e da rivalidade. Vinculavam-se, basicamente, à necessidade
de atender aos alunos excedentes das instituições públicas de ensino, ao aumento das vantagens competitivas propor-
cionadas pelas políticas públicas e à rentabilidade e à acumulação do capital. A seção seguinte retrata o período dos
anos de 1990 a 2007, entendendo-o como tempo de constituição da mercantilização da educação superior no Brasil.
Momento esse em que o Estado nacional vivencia um cenário de crise fiscal e redefinição do seu papel perante ao
país, priorizando as parcerias entre o público e o particular, as privatizações de organizações estatais e a emergên-
cia da concorrência extremamente acirrada entre as ‘empresas educacionais’, estabelecendo, assim, um mercado de
‘produtos e serviços’ educativos. A terceira parte explicita o processo de oligopolização do setor de ensino superior
brasileiro, iniciado de forma incisiva em 2007 e que perdura aos dias atuais, priorizando a financeirização como tôni-
ca de valorização do capital das ‘organizações educativas’. Estas, então, passam a recorrer ao capital internacional por
meio de títulos e de ações negociados na Bolsa de Valores e às estratégias de marketing para valorização da marca,
para buscar incessantemente insólitos mercados consumidores, para formação de cadeias produtivas e adoção da es-
tratégia de franchising (franquias) para abertura de novos negócios em regiões interioranas. Por fim, as observações
finais sobre a temática indicaram que esse movimento de fusões, incorporações e aquisições de instituições de ensino
superior tem proporcionado o desenvolvimento do setor por meio da lógica do capital financeiro e da constituição
de oligopólios, para a ‘fabricação’ e a ‘venda’ da mercadoria ‘educação universitária’, como tendência hegemônica de
transnacionalização do capital.
Palavras-chave: Ensino superior. Setor privado. Mercantilização da educação superior.

1 Doutoranda em Educação na Universidade Federal de Goiás. Possui Mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2006),
Bacharelado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (1996), Licenciatura em Educação Artística – Habilitação em
Música pela Universidade Federal de Uberlândia (2003) e Licenciatura em Letras pelo Centro Universitário UniSEB (2011). Especialista em
Docência na Educação a Distância pela Faculdade Alfredo Nasser (2017). Participante do grupo de Pesquisa em Tecnologias e Educação a
Distância (GEaD/UFG/DGP-CNPq). Professora na Faculdade Alfredo Nasser.

1081
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL ATÉ OS ANOS 1990

Os cursos superiores brasileiros, como mostram Bianchetti e Sguissardi (2017), nascem com a chegada da fa-
mília real portuguesa ao Brasil, em 1808, à serviço das profissões liberais (medicina, direito e engenharia) e em busca
da consolidação do Estado. No entanto, a trajetória do ensino superior privado no país principia-se no período da
Primeira República, com a criação das primárias faculdades particulares de caráter isolado, com cursos independen-
tes, de iniciativas confessionais católicas e vinculadas às elites locais, todavia sem a perspectiva dos fins lucrativos.
Com o processo de industrialização instalado em 1930, a sociedade desenvolve-se em direção ao padrão urba-
no-industrial, gerando, dessa forma, a necessidade emergente de mudanças na oferta educacional nacional. Portanto,
pressões populares são percebidas em direção ao aumento de vagas no ensino secundário e superior para atender
aos jovens da burguesia e da classe trabalhadora dessa ‘nova’ sociedade. Movimentos acirrados, mormente, após a
industrialização pesada proposta pelo Plano de Metas na segunda metade dos anos 1950, a qual transformou a es-
trutura produtiva do país, o padrão de vida social e cultural da população e a demanda por educação superior pelos
brasileiros. Desse modo, muitas foram as lutas por uma reforma universitária, visando a adequar esse nível de ensino
à modernização de caráter conservador2 do Brasil (MELO, 1990).
Esse processo foi favorecido pela Lei n.5.540/1968 (Lei da Reforma Universitária) que, atendendo às demandas
dos estudantes e dos professores, aboliu a cátedra, aumentou a autonomia didático-científica, disciplinar e adminis-
trativa-financeira das Universidades, institucionalizou a pesquisa e a pós-graduação e proporcionou mais verbas e
mais vagas para as instituições de ensino superior estatais, dentre outras providências. Todavia, contraditoriamente
à essa política de modernização e de reestruturação do sistema universitário público, houve, por meio de ações e de
medidas do Conselho Federal de Educação, o favorecimento da abertura indiscriminada de escolas isoladas supe-
riores de caráter privado distanciadas da atividade de pesquisa, voltadas para a mera transmissão em larga escala de
saberes de cunho marcadamente profissionalizante e organizadas nos protótipos de ‘empresas educacionais’, para
atender a demanda reprimida do mercado (SAVIANI, 2010).
Sendo assim, este setor viu-se composto por um grupo de instituições empenhadas na obtenção de lucro e
participando do benefício da renúncia fiscal dos impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, além da possibi-
lidade de aquisição de recursos do orçamento da União. Ou seja, uma vez que as modificações introduzidas nas uni-
versidades federais não conseguiram ampliar satisfatoriamente o número de vagas para atender à crescente demanda
de acesso, o ensino superior privado brasileiro expande-se durante os governos militares (1964-1984) por meio de
uma política pública que desobrigava o Estado de ampliar os recursos orçamentários para a educação universitária
e beneficiava a expansão desta por meio de organizações independentes que contavam com financiamento público
(CALDERÓN, 2000; SAVIANI, 2010).
Em consequência, entre 1971 e 1975 foram criadas mais 162 instituições (IES) deste tipo para atender fatias de
mercado não privilegiadas pelos estabelecimentos estatais, completando, assim, o número de 463 estabelecimentos
isolados de pequeno porte ao final do período. Cria-se, dessa forma, uma dicotomia: de um lado universidades de elite
que investiam na formação de profissionais-intelectuais em número limitado, baseando-se na pesquisa acadêmica e
na pós-graduação, e de outro lado um sistema de ensino superior privado de massa, priorizando a transferência de
conhecimentos em larga escala e a preparação do ‘operário’ para o mercado de trabalho, sem preocupação com a qua-
lidade social da formação do estudante (CALDERÓN, 2000).
De acordo com Calderón (2000), ao final da década de 1980, muitas destas organizações de educação de terceiro
grau particulares adquiriram o status de universidade, engendrando-se, assim, as ‘primeiras universidades mercan-
tis’ e o gérmen da institucionalização do ‘mercado de ensino superior brasileiro’. No entanto, ainda, sem explicitar
o princípio da concorrência e da rivalidade e vinculando-se, basicamente, ao aumento das vantagens competitivas
proporcionadas pela Constituição Federal do Brasil (1988) e à acumulação e à rentabilidade do capital.

2 Modernização conservadora é compreendida como um processo no qual se moderniza as estruturas econômicas, porém de forma parcial,
uma vez que o lado conservador que se dá pela política bloqueia qualquer transformação mais profunda e equitativa das estruturas fundiárias,
sociais e econômicas (PIRES, 2008).

1082
Na visão de Minto (2011), a Constituição Federal do Brasil de 1988 apresenta, nos artigos de 205 a 214, a ide-
ologia dos defensores dos interesses do setor privado educativo, que sustentavam que os recursos públicos fossem
estendidos às instituições particulares, por meio de incentivos fiscais e concessões de bolsas de estudos, revelando,
dessa forma, os interesses comerciais em torno do setor de ensino nacional. Entende-se, então, que essa constituição
federativa lança as bases do atual sistema de ensino superior mercantil brasileiro, as quais foram reforçadas pelas mu-
danças institucionais e oportunidades oferecidas pela proposição de políticas públicas de regulação, durante a década
de 1990 (CADE, 2016).

OS ANOS 1990 E A MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

Conforme Harvey (1992), o capitalismo a cada momento de crise necessita de inovações para perdurar o seu
padrão de lucratividade e rentabilidade, concebendo, desse modo, ‘novas’ mercadorias e ‘novas’ formas de acumula-
ção e rentabilidade. Sendo assim, percebe-se que nesse processo contínuo de transformação do sistema de produção
capitalista com demanda de ‘novas’ fontes de lucro, vai se captando espaços que antes eram essencialmente públicos
e transformando-os, agora, em privados-mercantis.
Nesse sentido, Harvey (2011) explicita que o sistema de acumulação fordista entrou em colapso na segunda me-
tade do século XX, apresentando baixa lucratividade, altas taxas de juros, desvalorização do dólar, crise do petróleo,
recessão econômica, crescentes movimentos sociais de reinvindicações e aumento da inflação nos países capitalistas,
imprimindo, por conseguinte, a necessidade de um novo paradigma, o qual se organizou e foi denominado de acumu-
lação flexível (toyotismo) ou de capitalismo contemporâneo, com privilégio de diferentes configurações da produção
industrial e da organização da vida social, cultural e política. Logo, pode-se afirmar que a mercadorização da educação
acompanhou esse movimento global de rearranjo da economia capitalista e de reorganização da atuação do Estado
após 1970, provocando mudanças em todos os segmentos do consumo (CHAVES, 2010).
E, é nessa perspectiva, que o ensino superior brasileiro se torna mais uma ‘mercadoria’ nesse imenso arsenal de
produtos, precipuamente a partir da segunda metade dos anos 1990, durante o governo de FHC, com a aprovação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n° 9394 (BRASIL, 1996), sob a influência do ideário neoliberal
e das reformas econômicas, sociais e institucionais proclamadas pelo Consenso de Washington3 (MANCEBO, 2010;
RUAS, 2015).
Essa legislação é considerada, à vista disso, um marco para o processo de mercantilização da educação no Brasil,
uma vez que seu artigo 7º apregoa que “O ensino é livre à iniciativa privada” (BRASIL, 1996). Então, o Estado, agora
de natureza semiprivada, assume controle e administração do ensino universitário por meio do controle técnico, da
avaliação, da regulação, da ordenação e da gestão das políticas educacionais e libera a oferta do ensino superior para
instituições particulares concorrerem entre si na conquista do aluno-consumidor (SGUISSARDI, 2013).
No bojo dessas modificações, na visão de Chaves (2010), tem-se a emergência de uma diversidade de tecnólo-
gos (formação profissional em nível superior, para atender às necessidades do mercado de trabalho e da sociedade)
4

para habilitações de ofícios que anteriormente não exigiam formação em cursos universitários.
Segundo o CADE (2016), a publicação do Decreto 2306/1997 também contribuiu para a subordinação da
educação superior à lógica mercantil, quando abriu a possibilidade para que as instituições mantenedoras pudessem
assumir natureza comercial - com fins lucrativos - e possibilitou a criação dos centros universitários como forma de
organização acadêmica com autonomia didático-pedagógica para criar e extinguir cursos e vagas oferecidas, aumen-
tando, desse modo, a grandeza de ganhos e de competitividade.
Para alargar essa competitividade, de acordo com Calderón (2000), estas ‘empresas educacionais’ passaram a
contar com os recursos de anúncio, propaganda e marketing para ganharem espaços cada vez maiores no mercado,
seduzirem os ‘compradores’, criarem campanhas publicitárias nos diversos meios de comunicação e oferecerem/ven-

3 Para mais detalhes, ver Kuczynski e Williamson (2004).


4 Veja Parecer CNE/CP n.º 29/2002, para maior conhecimento sobre os cursos superiores de tecnologia.

1083
derem produtos e serviços diversificados, além de proporcionarem brindes, presentes e promoções aos que realizam
as matrículas nos cursos que ofertam.
Ruas (2015) enfatiza que esse processo foi do mesmo modo acelerado, após 1996, mediante a oferta de Educa-
ção a Distância (EaD)5 e pelo ‘como’ os empresários passaram a considerá-la e concebê-la: como uma possibilidade de
expansão dos negócios empresariais com baixo custo de produção, com maximização dos lucros e com significativa
abrangência territorial para além das comarcas metropolitanas.
Destarte, pode-se afirmar que esta modalidade de ensino veio atender a dois propósitos dentro da dinâmica de
mercantilização do ‘setor universitário’ privado, na visão de Charão e Santos (2016, p.5): “ampliar as formas de acesso
ao ensino superior, atendendo à lógica capitalista de produção” e facilitar “a proliferação de instituições de ensino
superior privadas” nas regiões periféricas e interioranas do país.
Percebe-se, ainda nesse momento, uma expansão da oferta de pós-graduação lato sensu (especialização, aperfei-
çoamento e MBA) pelas Instituições de Ensino Superior particulares, voltadas, em sua grande maioria, para atender
os imperativos do mercado de trabalho, da formação profissional, da aquisição dos conhecimentos técnicos e com
pouca ênfase nos aspectos da pesquisa científica e preparação do pesquisador. Esse movimento vê-se fortalecido pelo
fato desses cursos independerem de autorização e reconhecimento do MEC e não são avaliados pelos sistemas da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), submetendo-se apenas à demanda (CADE, 2016).
Dessa forma, pode-se afirmar que as IES mercadológicas passaram a ‘produzir’ o que o mercado exigia: um le-
que de oferta de ‘mercadorias’ com qualidade ‘apurada’ e ‘legitimada’ pelos mecanismos de controle e de avaliação6 do
Estado, expostas em uma ‘prateleira’ de opções, num espaço fordista de fabricação de diplomas7, para se encaixarem
nas necessidades, exigências, desejos, perfis e condições financeiras dos ‘clientes-estudantes’ (CALDERÓN, 2000;
CHAVES, 2010; SGUISSARDI, 2013; BIANCHETTI e SGUISSARDI, 2017).
Outra política expressiva para a ampliação do acesso dos brasileiros aos cursos universitários privados nesse
interregno foi a reformulação e a criação de programas de fomento à educação de nível superior, ou seja, de transfe-
rência de recursos públicos para o setor mercantil de ensino superior, naturalizando, dessa maneira, a convivência de
fundos estatais na esfera particular: o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e o Programa
Universidade para Todos (ProUni) (CHAVES, 2010).

FINANCEIRIZAÇÃO E OLIGOPOLIZAÇÃO DO SETOR DE ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO


APÓS 2007

Na visão de Chaves (2010), o ano de 20078 inaugura uma nova configuração do setor de ensino superior
privado-mercantil no Brasil, com algumas grandes empresas particulares, nacionais e internacionais, controlando
a maioria da oferta educacional e favorecendo, assim, a formação de ‘oligopólios9 educacionais’ e a financeirização

5 Esta modalidade de ensino foi regulamentada pela LDB/1996, em seu artigo 80, o qual indica que “O Poder Público incentivará o
desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”,
como meio de democratizar e ampliar o ingresso da população ao ensino superior (BRASIL, 1996). Esta apresenta-se como uma proposta
metodológica caracterizada pela intensa utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação na mediação de conteúdos e no processo
de ensino aprendizagem (CHARAO e SANTOS, 2016, p.6).
6 As políticas de avaliação dos cursos de ensino superior brasileiros estruturaram-se ao final da década de 1990, com a instituição do Provão
(1996), com o objetivo de verificar o desempenho dos estudantes, mediante provas de conteúdo específico de cada curso. Posteriormente,
foi reestruturado por meio da lei n.10.861/2004, legislação do SINAES, buscando uma integração das avaliações de todas as dimensões
envolvidas no ensino universitário: docentes, discentes e organizações, o que acabou por promover uma hierarquização das instituições de
ensino superior (CHAVES, 2010; WERLE; 2014).
7 Para Waizbort (2015), o mundo contemporâneo prioriza a diplomação em massa e o consumo dos cursos de nível superior, em detrimento
da formação do cidadão e do ser humano comprometida com o ‘patrimônio interior’.
8 Segundo o CADE (2016), os atos de concentração de empresas educacionais tornam-se significativos a partir do segundo semestre do ano
de 2007 e se intensificam em 2008, fazendo com que 80% desses ocorressem entre os anos de 2008 e 2013.
9 Situação em que poucas empresas detêm o controle da maior parcela do mercado e concorrem entre si.

1084
desses grupos empresariais, via abertura de capital destes na bolsa de valores, por meio da Oferta Pública Inicial de
Ações (IPO)10 (CARVALHO, 2013).
Com a constituição desses conglomerados empresariais, capazes de reduzirem seus custos de produção e, con-
sequentemente, das mensalidades cobradas dos alunos, as IES particulares de pequeno e médio porte não conseguem
competir e se vem obrigadas a saírem do mercado ou serem vendidas e incorporadas aos conglomerados maiores.
Deste modo, uma ‘grande’ IES particular, organizada em formato universitário, adquire ou funde-se a outras IES pri-
vadas, já universitárias ou não, de modo a baratear os custos de produção do serviço educacional, elevar o contingente
de matrículas e alcançar maior lucratividade e crescimento de forma intensa (BIANCHETTI e SGUISSARDI, 2017).
Tanto é assim que, no final dos anos 2000, a educação superior particular iniciou o enfrentamento de uma taxa
de redução de crescimento e um aumento na sua capacidade ociosa, em que vagas ofertadas de cursos não eram pre-
enchidas, tendo em vista o desenvolvimento acelerado do setor e o fim da demanda reprimida que existia. Então, para
auxílio a esse momento, dois programas foram incluídos pelo Ministério da Educação para fomento à expansão das
‘empresas’ atuantes na atividade de educação de nível superior: a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistên-
cia Social na Área de Educação (CEBAS), em 2009 e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento
das Instituições de Ensino Superior (PROIES), em 2012 (CADE, 2016).
Destarte, com o interesse cada vez maior de multiplicação do patrimônio, essas ‘empresas educacionais’ passam
a disponibilizar seus títulos e suas ações em Bolsas de Valores, atraindo investidores de diversos portes do mundo
inteiro e marcando, expressivamente, o movimento de oligopolização, pela entrada de recursos especulativos estran-
geiros na educação superior privada brasileira e pela valorização do capital pela tônica da financeirização (CHAVES,
2010).
Assim, as oligarquias educacionais assumem as características de empresas ‘multinacionais’, sendo gerenciados
por profissionais da área da administração de empresas ou por firmas de consultoria contratadas para elaborar pro-
cessos e estratégias de governança corporativa, cujos objetivos são a eficácia e a eficiência na gestão, a redução dos
gastos e o aumento da lucratividade (RUAS, 2015). Iniciam-se, também, nesse decurso, a busca pela certificação ISO
(International Organization for Standardization) para comprovar suas capacidades de fornecerem produtos e serviços
de ‘qualidade’ mercadológica, que atendam às necessidades de seus clientes e aos requisitos legais e regulatórios apli-
cáveis (SANTOS, 2009).
Juntamente a esse fenômeno, essas organizações passam, além disso, a participar de outros estágios da cadeia
produtiva11 da educação superior, gerando um processo de integração vertical e compreendendo: empresas educacio-
nais, editoras, produtoras de vídeos, empresas de informática e de tecnologia de informação, agências de publicidade,
fotografia, propaganda e marketing, transportadoras, dentre outras corporações (COSTA; MONTEIRO; SILVA;
OLIVEIRA, 2015; CADE, 2016).
Outra estratégia assumida pelas holdings - empresas majoritárias – consistiu-se na busca pelos mercados de
ensino a distância e a expansão da marca para as cidades interioranas de cada estado, visualizando a EAD como uma
das principais fronteiras de crescimento da educação superior no Brasil. Esse foi o caminho trilhado pela Kroton: ao
adquirir a Universidade Norte do Paraná (Unopar), abre franquias12 padronizadas em todas as regiões do país, num
sistema em que a empresa gestora de participações sociais monta toda a estrutura, com a marca da empresa adquirida,
e recebe um percentual da receita líquida trazida pelos alunos, entendendo que ‘universitários’ são clientes, que os
cursos de graduação ou pós-graduação lato sensu são produtos e que a tecnologia é a base para redução dos custos e
crescimento dos lucros (SALGADO, 2012).
Assim, pode-se dizer que os clientes são capturados e fidelizados por meio da marca e do marketing, o fatura-
mento se dá em grande parte por ganhos em escala (grande quantidade de clientes) e a modularização curricular, a
10 O marco da abertura de capital das empresas educacionais foi o IPO da Anhanguera Educacional, em março de 2007 (CONTEE, 2010).
11 As cadeias produtivas são a soma de todas as operações de produção e comercialização que foram necessárias para passar de uma ou várias
matérias-primas de base a um produto final. Ou seja, compreende todos o processo de uma organização para atender os clientes, desde o
desenvolvimento do produto, o marketing, a distribuição da mercadoria, as finanças, relacionamento com o consumidor etc. (BATALHA,
1997).
12 O franchising (sistema de franquias) é uma das estratégias de crescimento que mais tem sido praticada nos últimos anos por empresas
detentoras de marcas de prestígio e desejosas de expandir seus negócios para nichos de mercado na maior cobertura geográfica possível.

1085
estandardização do material pedagógico e a prova colegiada são ferramentas necessárias para que as aulas produzidas
na empresa matriz atendam a formação de diversos ‘estudantes’ em todo o Brasil, retirando, desse modo, a caracterís-
tica de auto identidade de cada instituição e curso de ensino superior13.
Como consequência, compreende-se no setor do ensino privado superior a reprodução da ideologia do empre-
endedorismo e da empregabilidade; a idealização da instituição educacional como uma unidade fabril; a justificativa
da mudança no perfil da educação na produtividade do mercado de produção de bens e produtos; o desprezo das
dimensões da formação humana; a valorização da adoção das atuais tecnologias da informação e da comunicação sob
a concepção pedagógica e epistemológica neotecnicista; a descaracterização do processo pedagógico e das relações
educacionais; e, a redução do trabalho docente à repetição de conteúdos prontos, estanques e descontextualizados da
produção científica (SANTOS, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo versou sobre a temática da mercantilização da educação superior brasileira. Sendo assim,
teve por objetivo geral compreender como se configurou a trajetória de constituição do âmbito privado e da mer-
cadorização da educação superior no Brasil, enfatizando os movimentos do ciclo hodierno de financeirização e oli-
gopolização do setor.
Depreende-se, então, que a participação do capital privado na educação superior brasileira não é algo recente,
remonta o período da Primeira República, com a constituição das primárias faculdades particulares de caráter isola-
do, cursos independentes e de iniciativas confessionais católicas. Contudo, percebe-se um vigor maior do processo
a partir dos anos 1990, com o aval das políticas governamentais e o empresariamento das Instituições de Ensino
Superior.
Infere-se, assim, a partir do estudo, que a constituição atual do setor prioriza a oligopolização, com fusões,
aquisições e incorporações das IES de pequeno porte pelos conglomerados. A financeirização passa a ser adotada
como tática de valorização do capital das empresas educacionais, a partir da venda de títulos e de ações destas na bolsa
de valores e da entrada de capital especulativo internacional no setor, o que facilita a formação de cadeias produtivas
no ramo educacional. A modalidade Educação a Distância anuncia-se, na visão das organizações, como uma possibi-
lidade de expansão de mercado e de conquista de clientes em regiões antes não atendidas pelos cursos universitários,
por meio de franchising, em que a fidelização de aluno-cliente se dá pela marca e adoção de estratégias de marketing.
Desse modo, conclui-se que o processo de ‘mercadorização/mercantilização’ da Educação Superior brasileira
permitiu que a qualidade social do ensino, os valores acadêmicos, a gestão democrática, os investimentos em pesquisa
e extensão, a valorização e a profissionalização docente tornassem-se absolutamente secundários, comprometendo,
destarte, o ensino ‘universitário’ qualidade socialmente referenciada - público, gratuito, laico e universal -, o desen-
volvimento social e científico da nação Brasil e o futuro da formação humana, crítica e emancipadora das gerações
porvindouras.

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13 A solução apresentada pelas IES para a universalização e rápido crescimento é a adoção de aulas padronizadas e da EAD como instrumentos
da produção em escala (SANTOS, 2009).

1086
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1088
O USO DE FONTES NO ENSINO DE HISTÓRIA:
PRÁTICAS E DESAFIOS

Patrik Luan Costa Barbosa1


Sandra Elaine Aires de Abreu2

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo abordar a maneira como ocorre o trabalho com fontes nas aulas de
História de um Colégio Estadual localizado na cidade de Ouro Verde de Goiás, assim como pretende verificar se essa
atividade pode contribuir ou não para a percepção do aluno como um sujeito histórico. No primeiro momento, será
realizado um levantamento e análise bibliográfica dos principais autores que trabalham com o ensino de história e
com o uso de fontes. Em seguida, será feita uma análise dos documentos norteadores da Educação Básica e que são
seguidos pela escola, sendo eles: Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás, Parâmetros Curricu-
lares Nacionais e o Projeto Político Pedagógico (PPP).
Palavras-Chave: Trabalho com Fonte. Ensino de História. Sujeito Histórico.

INTRODUÇÃO

O ensino de história é de fundamental importância para formação do sujeito crítico e consciente de sua reali-
dade. O conhecimento histórico permite a compreensão dos processos de construção da realidade ao qual estamos
inseridos. Por meio desse saber “percebemos a importância do respeito à diversidade cultural e o direito de cada um
ser o que é, e entendemos como esse respeito é indispensável para o exercício da cidadania e para construirmos um
mundo melhor” (PELLEGRINI, 2009, p. 03).
Dada a importância do ensino de história dentro da sociedade, a presente pesquisa visa analisar a forma como
os professores do ensino médio de um colégio estadual, localizado na cidade de Ouro Verde de Goiás, trabalham com
fontes nas aulas de história. O procedimento de escolha do colégio como campo de pesquisa seguiu o “critério de
conveniência” (FLICK, 2009, p. 125) levando em consideração o fato de ter sido o local de trabalho do pesquisador,
a facilidade de acesso aos sujeitos pesquisados e o grau de contribuição que podem oferecer à pesquisa. O estudo será
desenvolvido a partir de duas etapas: análise bibliográfica e documental.

TRAJETÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL

O estudo da história do ensino de História no Brasil ganhou destaque a partir da década de 1980, quando
surgiram discussões sobre “a reforma curricular que visava substituir os Estudos Sociais pela História e Geografia”
(BITTENCOURT, 2008, p. 59). Com o fim da ditadura militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985, passa a existir
a preocupação em denunciar o viés ideológico que possa existir nessa disciplina e as intenções de manipulação dos
sistemas educacionais por determinados setores da sociedade: políticos e empresários.
Entretanto, é preciso ressaltar que o caráter ideológico e nacionalista da disciplina história não esteve presen-
te apenas durante o regime militar, mas é um aspecto que essa matéria escolar carrega desde a sua origem.

1 Graduado em História pela Universidade Estadual de Goiás; Especialista em Linguagens e Educação Escolar pela Universidade Estadual de
Goiás (UEG); aluno do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (PPG-IELT) da Universidade
Estadual de Goiás (UEG). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) em parceria com a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2 Professora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (PPG-IELT) da Universidade Estadual
de Goiás (UEG).

1089
Os professores das escolas elementares deveriam, segundo os planos de estudos propostos em 1827, utilizar para
o ensino de leitura, entre outros textos, a Constituição do Império e História do Brasil. O ensino de História as-
socia-se a lições de leitura, para que aprendesse a ler utilizando temas que incitassem a imaginação dos meninos
e fortificassem o senso moral por meio de deveres para com a Pátria e seus governantes. Assim, desde o início da
organização do sistema escolar, a proposta do ensino de História vilta-se para uma formação moral e cívica, condi-
ção que acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX. Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma
ideia de nação associada à de pátria, integradas com eixos indissolúveis (BITTENCOURT, 2008, p. 61).

Os primeiros momentos do ensino de História no Brasil são marcados por forte influência europeia, princi-
palmente com a França. Era uma forma de se ensinar que “apenas reproduzia os heróis europeus e suas conquistas,
apresentava a sociedade europeia como uma sociedade a ser copiada” (PERES, 2015, p. 196). Com a proclamação da
independência do Brasil em 1822 o novo império brasileiro sentiu a necessidade de criar uma identidade nacional
forte e permanente.
Durante o século XIX uma série de medidas foram tomadas com o objetivo de construir uma História do Brasil
que valorizasse a pátria e não mais o velho mundo. A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
é um exemplo dessa demanda de uma identidade nacional, uma vez que “coube ao IHGB, que tinha intuito de contar
uma História do Brasil” (PERES, 2015, p. 196). Contudo, foi a criação do Colégio D. Pedro II, em 1838, que marcou
a História da Educação no Brasil dentro de um ideário positivista e nacionalista e, também, foi o marco do desenvol-
vimento do Ensino de História.

Poucos anos após a independência do Brasil, em 1838, em meio ao período regencial e sob forte influência do
pensamento liberal francês, foi criado no Rio de Janeiro o Colégio Pedro II, primeiro estabelecimento de ensino
público de nível secundário no país. No mesmo ano desse acontecimento, houve a regulamentação da disciplina de
História, a ser ensinada a partir da 6ª série. Ainda em 1838, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
– IHGB, que passaria a orientar a história escolar desenvolvida pelo Colégio Pedro II. Se ao primeiro atribuía-se a
função de formar os filhos da nobreza da corte do Rio de Janeiro, oferecendo-lhes uma preparação inicial para as-
sumir os cargos burocráticos do Império, ao segundo cabia a responsabilidade, entre outras, de definir programas
e métodos de ensino para a recém-nascida disciplina. (CAIMI, 2001, p.27-28)

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio D. Pedro II seguiam a mesma corrente de produção
historiográfica, uma vez que aqueles que compunham o corpo docente do Colégio eram membros do IHGB e “foram
eles que elaboraram os programas escolares, os manuais didáticos e as orientações dos conteúdos a serem ensinados”
(PERES, 2015, p. 197).
Os autores que estudam o Ensino de História do Brasil, tendo como principal expoente Circe Maria Fernandes
Bittencourt, são praticamente unânimes em constatar que durante o século XIX essa disciplina escolar3 possuía uma
função política de exaltação à família imperial brasileira, além de forjar uma identidade nacional com a criação de
heróis nacionais e a imbuição de um espírito patriota.

O fortalecimento do espirito nacionalista proporcionou as invenções de tradições, de maneira semelhante ao que


acontecia em outros países europeus, conforme analisa o historiador inglês Eric Hobsbawm. No caso do Brasil,
as tradições inventadas deveriam ser compartilhadas por todos os brasileiros e delas deveria emergir o sentimen-
to patriótico. A História tinha como missão ensinar as tradições nacionais e despertar o patriotismo (BITTEN-
COURT, 2008, p. 64-65).

Esse espírito nacionalista não terminou com a Proclamação da República em 1889, pelo contrário, ele se in-
tensificou. Era necessário criar uma História que favorecesse a república que surgia, a exaltação de personagens
“heroicos” nacionais (como Tiradentes, Marechal Deodoro da Fonseca, etc.) a criação do hino da independência e a
reformulação da bandeira nacional era apenas uma das formas de se criar uma nova identidade.
3 Demasiado vagas ou demasiado restritas, as definições dela são dadas de fato não estão de acordo a não ser sobre a necessidade de encobrir
o uso banal do termo, o qual não é distinguido de seus “sinônimos” como “matérias” ou “conteúdos” de ensino. A disciplina é aquilo que se
ensina e ponto final. Não se está muito longe da noção inglesa de subject, que está na base de uma nova tendência da história da educação de
Além-Mancha, e da qual a definição dá pela acumulação e associação de partes constitutivas (CHERVEL, 1990, p. 177-178).

1090
Durante a primeira República, as disciplinas de Língua Portuguesa e História do Brasil tinham uma função
bastante importante na divulgação das ideias nacionalistas, elas “constituíram os conteúdos fundamentais para a
formação nacionalista e patriótica, sedimentando o culto aos heróis nas aulas e nas festas cívicas” (BITTENCOURT,
2008, p. 66). No período histórico conhecido como Estado Novo, durante o governo de Getúlio Vargas, o acesso à
educação básica era restrito as famílias ricas que preparavam seus herdeiros para assumir o governo e todo o sistema
político e econômico do país.

Em relação ao papel do ensino de história a partir do Estado Novo, para o curso secundário, a proposta era de orga-
nizar um ensino capaz de despertar a consciência patriótica, priorizando-se o caráter humanístico em detrimento
do caráter científico. Isso se justificava porque deste último não se podia esperar uma formação patriótica, visto
que as ciências não têm pátria, sendo, naquele momento, essencial o fortalecimento da nação. Assim, formação da
consciência patriótica seria viabilizada, de modo especial, pelo ensino de história e geografia; quanto à educação
cívica, ficaria diluída nessas duas disciplinas. (CAIMI, 2001, p.37)

A tendência pedagógica de reforçar o nacionalismo e patriotismo nos estudantes também será forte durante o
Governo de Getúlio Vargas e essa característica político-ideológica vai prevalecer no decorrer de todo o século XX e
se intensificará durante o regime militar no Brasil (1964-1985).

Nos trinta anos finais do século XX, durante os anos 70, em plena ditadura militar, o ensino de História era, como
não poderia deixar de ser, estritamente tradicional, com a valorização de personagens e de fatos políticos sobre os
quais esses personagens atuaram. Um ensino estruturado de forma linear e factual, desenvolvido numa pedagogia
de aulas expositivas, valorizando a memorização pelos alunos, obrigados a repetir o que era transmitido como
verdade absoluta e irrefutável (PERES, 2015, p. 203).

O ensino de História sempre causou desconfiança e preocupação para aqueles que estavam no poder, era ne-
cessário manter uma fiscalização nos conteúdos ensinados e inibir o máximo possível qualquer ação pedagógica que
estimulasse o pensamento crítico e autônomo dos alunos. Por essa razão, em 1971 foi promulgada a lei federal 5.692
que instituía os cursos de “Primeiro Grau de oito anos e o Segundo Grau profissionalizante, tornando o ensino tecni-
cista, voltado para a preparação de mão-de-obra para o mercado de trabalho” (PERES, 2015, p. 205).
A lei federal de 1971 representou um grande golpe no ensino de História, uma vez que essa área do conheci-
mento passa a ser compactada junto com Geografia em uma única disciplina conhecida como Estudos Sociais e ainda
dividia sua carga horária com a disciplina de Educação Moral e Cívica. Durante o Segundo grau, “as cargas horárias
dessas disciplinas foram reduzidas e a disciplina de Organização Social e Política Brasileira é inserida no currículo”
(PERES, 2015, p. 205).
Com a redemocratização do Brasil em 1985, surgiu a preocupação de se criar um ensino de História que rom-
pesse com a tendência político-ideológica de enaltecimento da pátria e de seu criar uma identidade nacionalista.
Novas pesquisas, estudos e discussões foram elaborados com o objetivo de tronar o aluno e o professor os novos
protagonistas do conhecimento.
Em 1990 o Ministério de Educação (MEC) criou e divulgou os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) e novas diretrizes foram criadas para o ensino de História e, a partir desse momento, essa disciplina escolar
passa a articular seus conhecimentos com outras áreas como a geografia, sociologia e filosofia. É claro que essa não
é uma discussão encerrada, sempre surgem novas pesquisas sobre o ensino de História que tem a preocupação de
tronar essa disciplina tão essencial para a formação crítica do aluno mais eficaz.

A NOVA HISTÓRIA E SUA REVOLUÇÃO HISTORIOGRÁFICA

Durante o século XIX, e grande parte do século XX, o ensino de História possuía uma narrativa política e de
enaltecimento do Estado. Esse tipo de concepção não se restringiu apenas ao ensino, mas também a produção histo-
riográfica. Foi com o movimento conhecido como Nova História que ocorreu uma ruptura nessa forma de produzir
o conhecimento histórico.

1091
Peter Burke, em seu livro intitulado “A escrita da História: novas perspectivas” (1992) apresenta um panorama
completo das mudanças ocorridas na forma de se produzir a historiografia; elucida que um dos principais movimen-
tos que contribui para uma transformação na forma de se pensar e conceber história foi a fundação da Escola dos
Annales por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929.
Antes do surgimento dos Annales, a preocupação da História era narrar os feitos dos “grandes personagens”
e as mudanças políticas ocorrias no mundo. Nesse cenário, os historiadores não estavam preocupados em produzir
uma historiografia que contemplasse todos os sujeitos (camponeses, homens e mulheres que não faziam parte da vida
política, crianças e demais minorias).

De acordo com o paradigma tradicional, a história diz respeito essencialmente a política. Na ousada frase vitoriana
de Sir John Seeley, Catedrático de História em Cambridge, “História é a política passada: política é a história pre-
sente”. A política foi admitida para ser essencialmente relacionada ao Estado; em outras palavras, era mais nacional
e internacional, do que regional (BURKE, 1991, p. 10).

As fontes históricas também se multiplicaram, em uma perspectiva tradicional, inaugurada pela escola histórica
alemã e tendo como percursor Leopold von Ranke, as fontes históricas deveriam ser apenas aquelas consideradas ofi-
ciais. Todo documento que não fosse escrito deveria ser desconsiderado como fonte. Graças as mudanças de paradig-
mas da pesquisa histórica, ocorridas nas décadas de 1920 outros, as fontes históricas se tornaram mais diversificadas.
A chamada História Cultural traz em sua composição uma variedade maior de fontes. Diferentemente da his-
tória política de Ranke, a história cultural e social se apropria de outros recursos para a obtenção de informações:
fotografias, músicas, cantiga popular, filmes, história oral, etc. podem e devem ser tomados como fontes históricas.
Essa ruptura com a história meramente política fez surgir novos sujeitos, que antes estavam renegados a meras notas
de rodapé.
Com o advindo da história social, passou-se a produzir uma historiografia “vinda de baixo” e de longa duração
onde novos elementos passaram a ser contemplados: a loucura, as mulheres, a infância, etc. tudo isso prova que exis-
tem outros sujeitos históricos e que não são meramente coadjuvantes da longa história da humanidade.

A História Social surgiu como oposição à história tradicional – essencialmente política, episódica, linear e evolu-
cionista -, buscando desenvolver seus próprios caminhos metodológicos, configurando cada vez mais abordagens
socioculturais, sobretudo por meio de sua aproximação com a Antropologia. Desta “matriz” foi se delineando a
História das Mentalidades, vista pela maior parte dos historiadores como o movimento impulsionador da História
Cultural, tal como conhecemos hoje (FONSECA, 2006, p. 51).

Essa mudança de paradigma na produção historiográfica fez com que novos temas e sujeitos ganhassem seu
lugar nas pesquisas. A história tradicional parte de uma perspectiva puramente econômica e política, de modo que
apenas os grandes personagens (Hitler, Napoleão, D. João VI, etc.) mereciam destaque nas produções dos historia-
dores e a maior parte das pessoas (camponeses, operários, mulheres e crianças) ficavam relegadas ao esquecimento.
Com o surgimento da Nova História aqueles que antes não eram considerados relevantes na trama do tempo
passaram a ser enxergados pelos historiadores como sujeitos que participam de todos os acontecimentos que fazem
parte da história da humanidade. Nesse sentido, o ensino de História também precisa estar em harmonia com a pro-
dução historiográfica e estimular no aluno essa concepção de sujeito histórico.

O TRABALHO COM FONTES

A maioria dos pesquisadores que trabalham com o ensino de história possuem em tornar essa disciplina escolar
mais atrativa e reflexiva, uma vez que, como dito anteriormente, o ensino de História é imprescindível para a forma-
ção do sujeito crítico e consciente.
Para que o ensino de História possa oferecer uma aprendizagem crítica e significativa, é necessário romper com
a forma tradicional de ensino que buscava “realizar a transmissão dos conteúdos estabelecidos nos livros e dentro do

1092
programa oficial, julgando que aprender história se reduzia a saber, a repetir, a memorizar e a transcrever as lições
impostas pelos detentores do conhecimento”. (VALLE; ARRIADA; CLARO, 2010, p. 62). É partindo dessa perspec-
tiva que a presente pesquisa discute o trabalho com fontes como uma forma de ampliar o conhecimento histórico dos
alunos e fazer com que os mesmos tomem consciência de que são sujeitos construtores da história.
Nenhum historiador de respeito pode produzir uma historiografia sem a utilização de fontes, caso isso acon-
teça o seu trabalho não terá nenhuma credibilidade e será relegado a interpretações equivocadas do passado ou ao
campo da literatura. As definições de fontes históricas são várias, mas pode ser resumida como “o substrato, a maté-
ria-prima, que possibilitam ao historiador a reconstituição do passado. Desta feita, as fontes apresentam-se de ma-
neira diversificada, agrupando-se, basicamente em: fontes escritas, materiais, iconográficas/visuais ou audiovisuais e
orais” (SANTANA. 2010, p. 126-127).
Sendo o uso de fontes de grande importância para a produção historiográfica, pode-se inferir que essa ativi-
dade pode ser muito bem aproveitada no ensino de História, uma vez que “a riqueza de informações que podemos
extrair das fontes justifica o seu uso no fazer pedagógico de várias áreas das Ciências Humanas e Sociais” (VALLE;
ARRIADA; CLARO, 2010, p. 65).
A narrativa histórica precisa ser pautada em documentos/fontes que atestem o que é dito, caso o historia-
dor faça alguma afirmação que não possa ser comprovada por meio de vestígios do passado, o seu trabalho perde a
credibilidade. Nesse sentido, o professor de história também precisa se utilizar de fontes em suas aulas para que sua
interpretação dos fatos. A utilização do documento em sala de aula contribui para familiarizar o aluno com formas
de representação da realidade do passado e do presente.
A História não está pronta e acabada, novas informações interpretações de um mesmo fato surgem com o
tempo, nesse sentido, o professor de História precisa estar predisposto a buscar vestígios e fontes que ofereçam in-
formações aos seus alunos e estimulem o exercício de construção do conhecimento histórico.
Partindo desse pressuposto, o trabalho com fontes em sala de aula propicia aos alunos uma série de informa-
ções que pode ser adquirida com a análise de documentos escritos, narrativas orais, imagens, etc.
Ao se trabalhar com fontes nas aulas de história o professor precisa, primeiramente, planejar sua atividade de
modo que os alunos desenvolvam sua livre interpretação dos documentos apresentados. É imperativo despertar nos
alunos o senso de análise documental, o ensino precisa possuir o “fascínio das coisas vitais e respeitar a curiosidade
que interroga no incansável movimento de busca e recomeço” (Gramsci 1978). O exercício de análise e interpretação
de fontes históricas precisa estar inserido dentro de uma aula criativa, participativa e que estimule a curiosidade dos
alunos em criar um conhecimento novo, para isso, é imprescindível o planejamento.

O trabalho do professor de história tem início com o planejamento pedagógico, quando seleciona seus conteúdos,
prioriza a construção de conceitos, a análise do contexto temporal, a aplicação de categorias e o emprego específico
de vocábulos. Mas, principalmente quando faz a opção pela criatividade em sala de aula, experimentando novas
metodologias e utilizando diversos recursos pedagógicos (VALLE; ARRIADA; CLARO, 2010, p. 68).

Mesmo com todos esses desafios, ainda existem professores que se arriscam a quebrar as barreiras e buscam
novas formas de tornar o conhecimento mais atraente para seus alunos.

UMA EXPERIÊNCIA COM O USO DE FONTES NAS AULAS DE HISTÓRIA

Com o objetivo de averiguar como ocorre o trabalho com fontes nas aulas de História, foi tomado como campo
de pesquisa um colégio Estadual localizado na cidade de Ouro Verde de Goiás. Foram observadas a primeira, segunda
e terceira série do ensino médio, perfazendo um total de noventa alunos, as três turmas possuem o mesmo professor
de História. Segundo o Projeto Político Pedagógico dessa instituição de ensino, existe uma busca constante em criar
propostas de ensino que busquem a interação dos alunos e uma formação consciente.

1093
[...] exigem-se evidentemente, novos cenários e propostas de ensino, no sentido fomentar a formação de profis-
sionais fundamentada em práticas que incorporem a reflexão contextual da realidade, medida por um processo de
ensino-aprendizagem interativo através do qual se consolidem atitudes de autonomia, criatividade, cooperação,
investigação, experimentação e interação social. (Projeto Político Pedagógico, 2018, p. 02)

A escola campo possui, como observado no trecho acima, uma preocupação em promover um processo de en-
sino-aprendizagem interativo. Nesse sentido, as aulas de História estão relacionadas com esse objetivo, uma vez que
o docente busca ir além do que é solicitado pelo currículo de Referência do Estado de Goiás4.
Durante o segundo bimestre da segunda série do ensino médio, o currículo estadual determina que os profes-
sores trabalhem com o conteúdo de “Escravidão do Brasil Colônia”. O professor constatou que o trabalho utilizando
fontes históricas pode despertar nos alunos uma visão mais crítica sobre essa temática e que se torna necessário a
utilização de outros tipos de fontes que vão além daqueles exigidas pela História tradicional, que foi amplamente
discutida pela corrente conhecida como Nova História. “A procura por fontes muito diversas daquelas utilizadas pe-
los historiadores tradicionais seria inevitável, urgindo também novas reflexões metodológicas, como, por exemplo,
acerca do tempo e de suas múltiplas dimensões” (FONSECA, 2006, p. 49).
Instigar a curiosidade dos alunos acerca do tempo passado é um dos principais desafios do ensino de História e
a utilização de fontes variadas são essenciais, tendo em vista que não são apenas os documentos escritos que fornecem
informações sobre um contexto histórico. Partindo da perspectiva de que existem vários tipos de fontes o professor
preparou uma atividade que contém duas imagens de amas-de-leite que foram entregues a cada aluno. Os discentes
deveriam olhar as imagens, compará-las e fazer as observações por escrito em seu caderno. Após as observações
preliminares, o professor escreveu no quadro cinco questões para serem respondidas livremente pelos alunos, isso
demonstra que a intervenção do professor se dá quando “ele escolhe em um conjunto de dados, uma fonte específica
e através dela apresenta a história, instigando a construção do conhecimento e a crítica livre do aluno” (VALLE;
ARRIADA; CLARO, 2010, p. 69).

Imagem 1: Imagem 2:

Para iniciar a abordagem do tema relativo às fontes históricas, o professor deverá apresentar essas imagens e
propor os seguintes questionamentos:
1. Qual o relacionamento das pessoas nas fotos?
2. Como estão vestidos as mulheres e os meninos?
3. Qual período da história brasileira essas fotografias retratam?

4 Na Rede Estadual de Educação existe um documento chamado Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás. Esse material
delimita os conteúdos e objetivos que devem ser utilizados, obrigatoriamente, pelos professores da rede Estadual de Educação.

1094
4. Como podemos definir a relação entre as ama-de-leite e os meninos? Pela imagem, é possível dizer que
existe algum sentimento de afetividade entre as pessoas?
5. Como você se sente ao observar essa imagem?

Por meio das questões colocadas, o professor permite que os alunos tenham liberdade em expressar suas opini-
ões e interpretações acerca das fontes estudadas, uma forma de demostrar que a história não está pronta e que sempre
podem existir novas teorias e explicações acerca de um mesmo contexto.
Seguindo a sequência de atividades de interpretação de fontes, o professor projetou em Datashow no quadro
para os alunos da 3º série do ensino médio uma réplica da carta de suicídio de Getúlio Vargas. Os alunos foram di-
vididos em 3 grupos e cada um deveria elaborar uma discussão acerca dos eventos que levaram ao suicídio do presi-
dente Vargas. O primeiro grupo ficou responsável por defender as ideias de Vargas, o segundo deveria condenar e o
terceiro ficou responsável por avaliar os argumentos dos colegas e determinar, por mio de uma votação, que ganhou
e justificar a decisão. Segue abaixo a respostas dos 3 grupos:

Grupo 01:

“O presidente Vargas foi muito importante para o desenvolvimento do Brasil, ele criou a Petrobrás e trouxe muito em-
prego para muitas pessoas. Ele criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Se ele não tivesse sido presidente seríamos um
país mais pobre e injusto”.

Grupo 02:

“Vargas foi um presidente cruel e ditador, mandava matar os jornalistas que eram contra seu governo. Mandou levarem
a mulher5 do Luís Carlos Prestes para o Hitler matar e ela estava grávida”.

Grupo 03:

“Decidamos que o grupo 02 ganhou porque na aula de filosofia o professor falou que Maquiavel dizia que os fins justifi-
cam os meios. Getúlio matou muita gente, mas fez isso pro Brasil ficar mais rico”.

Apesar de polêmicas, as respostas dos alunos demostram que conhecem o contexto histórico da época, o que
torna possível a análise dos documentos pertencentes a esse período. Além disso, foram capazes de aliar o conheci-
mento histórico com ouras áreas de estudo, como a filosofia.
A liberdade de poderem ler e tirar suas próprias conclusões acerca das fontes permite que os alunos se per-
cebam como sujeitos que também fazem parte da construção da História, e isso torna essa disciplina escolar mais
significativa6.

CONCLUSÕES

Ao longo do texto foi possível perceber a evolução do ensino de História no Brasil, do século XIX ao XX e,
para isso, foi utilizado como referencial teórico autores renomados que fizeram essa contextualização, tendo como

5 Estão se referindo a Olga Benário Prestes, uma militante do partido comunista alemão. Fugiu de seu país e passou a trabalhar na segurança
de Luís Carlos Prestes, que mais tarde se tornou seu marido.
6 A aprendizagem deve ser uma atividade significativa que esteja diretamente vinculada às relações entre o conhecimento novo e o
anteriormente internalizado e que se configure disposição para aprofundar, relacionar, e tirar conclusões. Uma das condições para que a
aprendizagem seja significativa é que conhecimentos novos possam relacionar-se com os anteriores (GONÇALVES, 2011, p. 96-97).

1095
principal expoente Circe Maria Fernandes Bittencourt. A leitura dos textos de Peter Burke demonstrou as mudanças
de paradigmas da produção historiográfica com o surgimento do movimento conhecido como Nova História.
Foi possível observar que o trabalho com fontes faz parte de uma preocupação em tornar a disciplina história
mais interativa e significativa aos alunos. É inegável a importância que essa área do conhecimento possuí para a socie-
dade, uma vez que, se a história não for bem ensinada corremos o risco de formar uma geração de pessoas sem senso
crítico e noção. Quando o passado é ignorado, vemos emergir no presente abominações de várias formas: pessoas
pedindo o retorno da ditadura militar, da tortura e a eleição de candidatos que são declaradamente ignorantes.

REFERÊNCIAS

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1096
OBRAS IMPRESSAS SOBRE INSTRUÇÃO NO SÉCULO XIX:
LEVANTAMENTO DE FONTES PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO
IMPÉRIO NA SEÇÃO DE OBRAS RARAS DA BIBLIOTECA DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS

Gleicielen Araújo de Souza - UnB


Juarez José Tuchinski dos Anjos - UnB

INTRODUÇÃO

Este pôster, que apresenta resultados de uma pesquisa de iniciação científica1, elege como objeto de estudo um
conjunto de impressos existentes no acervo de Obras Raras da Biblioteca da Câmara dos Deputados, enquanto pos-
síveis fontes para a escrita da história da educação no período imperial. Nesse sentido, soma-se a outros estudos que
têm partilhado dessa mesma preocupação na historiografia recente, como os de Hilsdorf (1999), Castro (2009), Mi-
guel (2014) e Cury et al. (2015). O objetivo, aqui, é o de inventariar obras impressas relativas à instrução no Império,
no acervo de obras raras da Biblioteca da Câmara dos Deputados, refletindo sobre sua potencialidade como fontes
para a história da educação no período.
Em termos teóricos, esta pesquisa ancora-se em dois conceitos fundamentais: o de arquivo e fonte. Segundo
Arlette Farge,

O arquivo é uma brecha no tecido dos dias, a visão retraída de um fato inesperado. Nele, tudo se focaliza em alguns
instantes de vida de personagens comuns, raramente visitados pela história, a não ser que um dia decidam se unir
em massa e construir aquilo que mais tarde se chamará história (FARGE, 2009, p. 14)

No sentido proposto por Arlette Farge, o arquivo, se tomado não apenas como um lugar físico, mas um lugar
para a produção de conhecimento histórico – podendo, assim, tal arquivo, ser, inclusive, uma seção de obras raras em
uma biblioteca, já que ali, também repousam fragmentos e vestígios dos personagens comuns de que fala a autora,
embora também de alguns mais notórios – é um espaço de encontro do historiador com a vida de um tempo diferente
do seu, suporte empírico, assim, indispensável à pesquisa histórica. Isso porque é, no arquivo, que encontramos as
fontes históricas que, no entender de Saviani, “estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de
apoio da construção historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico estudado”
(SAVIANI, 2006, p. 29). Fontes podem ser vestígios, documentos, rastros concentrados que procuramos reunir e
decifrar na tentativa de entender um dado fenômeno. No caso deste estudo, documentos impressos e que, no passado,
puderam circular, tendo a chance de serem lidos, ouvidos, mediando, dessa forma, a propagação de ideias ou opiniões
que defendiam seus autores.
A metodologia de pesquisa constou dos seguintes procedimentos: (a) leitura dos catálogos de obras raras da
Biblioteca da Câmara dos Deputados visando identificar aquelas relativas à instrução e educação; (b) Fotografia/
digitalização das folhas de rosto e sumário das obras identificadas, para posterior sistematização em banco de dados;
(c) Sistematização em banco de dados das fontes coletadas, classificando-as e descrevendo o seu conteúdo, a partir do
material fotografado/digitalizado.
As informações detalhadas acerca das fontes encontradas integram, atualmente, o banco de dados da pesquisa
“Os Arquivos de Brasília e a História da Educação Brasileira no Império: inventário de fontes e perspectivas de pes-

1 A pesquisa de Iniciação Científica integra o Projeto “Os Arquivos de Brasília e a História da Educação Brasileira no Império: inventário
de fontes e perspectivas de pesquisa”, coordenado pelo prof. Dr. Juarez dos Anjos (FE/UnB) e conta com financiamento da Fundação de
Amparo à Pesquisa do DF – FAP-DF, a quem registramos agradecimentos.

1097
quisa”. Para a discussão neste pôster, optou-se por apresentar uma síntese tipológica, cronológica e de abrangência
geográfica do material encontrado, enfatizando, a partir disso, sua relevância para a pesquisa histórico-educacional.
O trabalho está dividido em duas partes. Na primeira, problematizamos brevemente a historiografia recente
da educação sobre o Império, enfatizando a importância que a seção de Obras Raras da Câmara dos Deputados e seu
acervo adquirem à luz das tendências recentes de pesquisa sobre o período. Na segunda, apresentamos e discutimos
os resultados alcançados, por meio das categorias de análise mencionadas anteriormente. Ao final, encerramos com
algumas considerações, a título de conclusão.

A INSTRUÇÃO NO IMPÉRIO: DA HISTORIOGRAFIA ÀS FONTES

A historiografia, segundo problematiza Maria Cristina Gouvêa (2007), até pouco mais de uma década, percebia
a escola elementar no Império como um espaço dirigido a elite e vetada às crianças negras e aos pobres. Essa visão
fundamenta-se no pressuposto de que os filhos dos pobres e negros seriam cidadãos mais aproveitáveis executando
trabalhos em uma lavoura, por exemplo, do que nos bancos escolares (VIVEIROS, 2006). Porém, a partir do mo-
mento em que as pesquisas passaram a recorrer a fontes primárias, indo aos arquivos na busca por uma compreensão
mais acurada da questão, descobriram-se registros que confirmam a presença de negros e pobres nas escolas públicas
(GOUVÊA, 2007; VEIGA, 2008), revelando-nos, assim, uma imagem mais diversa e complexa do nosso passado
educacional do que até então se supunha.
Por outro lado, sabe-se hoje que parte significativa dos recursos do Estado era destinada à escolarização, de
modo que “a precariedade do funcionamento das escolas elementares é, assim, fruto não de um desinteresse ou
abandono pelo Estado, mas constitui-se consequência de sua fragilidade” (GOUVÊA, 2007, p. 131) no momento
mesmo em que ele estava se formando entre nós. Assim, investigar a ação do Estado Imperial, mas também dos
diversos agentes educativos – professores, políticos, autores de manuais, dentre outros – é uma das frentes a que se
têm dedicado os historiadores da educação do período atualmente, a fim de compreender como foi sendo construída
a escolarização voltada a um público heterogêneo de que eram compostas as escolas daquela época. Daí a relevância
de se localizarem fontes, como as existentes na Seção de Obras Raras da Câmara dos Deputados, para base empírica
de estudos que ainda venham a ser feitos sobre a temática.
Segundo relata Maria Cristina Rodrigues Silvestre

A Biblioteca da Câmara dos Deputados acompanhou a evolução histórica da instituição. Visto ter sido provavel-
mente iniciada em 1823, a origem do serviço da biblioteca remonta ao século XIX, nos trabalhos da Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. (...) No tocante à constituição do acervo, ao longo da traje-
tória da Biblioteca, foram adquiridas coleções particulares inteiras, raridades avulsas doadas por particulares além
de terem sido realizadas compras e intercambiadas obras entre bibliotecas (SILVESTRE, 2016, p. 50-51).

É oportuno registrar que, desde os primórdios da constituição da Biblioteca, os livros impressos foram vistos,
como bem expressou José Bonifácio de Andrada e Silva em 1823 (apud SILVESTRE, 2016, p. 10-11), como supor-
tes indispensáveis para que os parlamentares se ilustrassem, isto é, se equipassem intelectualmente para discutir os
negócios de interesse da nação. Para a pesquisa histórica, essa é evidência importante, pois alerta que as obras que
aos poucos foram sendo integradas ao acervo, eram tidas não apenas como mera bibliografia, mas um instrumento
de que poderiam dispor os deputados no bojo do processo legislativo. Se no transcurso de quase dois séculos e à luz
do complexo processo pelo qual a biblioteca se formou já não é possível precisar que todos os títulos atualmente
disponíveis na seção de obras raras tenham sido um dia objeto desse tipo de leitura, não devemos desconsiderar que
constituíram-se, no momento de sua produção e difusão no Oitocentos, em suportes materiais de ideias, valores e
pensamentos que estavam, ao menos, em circulação e, em maior ou menor medida, podiam informar as posições
políticas que os parlamentares assumiam em matéria de educação. Assim, revisitar hoje essa documentação é ocasião
de reencontramos aspectos do passado educacional do Império, momento em que os debates sobre a educação escolar
se davam nos mais diversos níveis, um dos quais, o legislativo do Império.

1098
Se é verdade que, por força do Ato Adicional de 1834, a instrução elementar foi descentralizada e sua orga-
nização e ordenamento legal tornadas responsabilidades das Assembleias Provinciais (SUCUPIRA, 1996), há, por
outro lado, indícios esparsos na historiografia de que o parlamento, em especial a Câmara dos Deputados, continuou
preocupando-se e discutindo a situação da educação primária nas Províncias, além do secundário e superior que
legalmente permaneceram sob sua alçada. Isso se percebe, por exemplo, nos intensos debates em torno dos famosos
Pareceres de Rui Barbosa e no alcance que se quis dar à Reforma Educacional que eles deviam embasar, para além
dos limites do Município Neutro da Corte (MACHADO, 2000). Talvez, alguns livros à época dispersos em livrarias
e gabinetes de leitura da Corte e das Províncias, mas hoje reunidos e arquivados na Seção de Obras Raras da Câmara
dos Deputados – ou que ali estão desde aquela época! –, tenham vindo a oferecer parte dos argumentos de que podem
ter se valido os parlamentares no Império nesses e outros episódios de nossa história educacional.
Em 2017, quanto teve início esta pesquisa, existiam na Seção de Obras Raras da Câmara dos Deputados cerca
de 4.600 títulos correspondentes a 6.300 volumes (SILVESTRE, 2016). Para fins de seleção, nesta pesquisa, restrin-
giu-se a busca a títulos impressos entre 1810 e 1880, por meio de pesquisa livre por palavras-chave “educação” e
“instrução” junto ao sistema de consulta online do acervo. A partir desses critérios e sem a pretensão de ter esgotado
todos os títulos possíveis para o período, chegou-se a um total de 61 impressos. Posteriormente ao levantamento do
inventário do setor de Obras Raras da Biblioteca da Câmara dos Deputados, nossos esforços foram conduzidos para
o registro (por meio de fotografias) de alguns tipos documentais. Em seguida fez-se necessário a sistematização dos
dados reunidos. Para a discussão neste artigo, a organização dos dados deu-se por meio de três tabelas divididas em:
tipo documental (entendemos por “tipo documental” o modo como esses textos eram vistos e lidos pelas pessoas do
Brasil Império), cronologia do conjunto documental e abrangência geográfica. Essa leitura das fontes é a que passa-
mos a realizar a seguir.

A INSTRUÇÃO NO IMPÉRIO: DAS FONTES À (ALGUMAS) POSSIBILIDADES DE PESQUISA

Uma primeira forma de apresentar as fontes impressas localizadas na pesquisa é a que coloca a atenção nos
tipos documentais encontrados, conforme elencados na tabela a seguir (Tabela 1).

Tabela 1 – Tipos documentais localizados no acervo de obras raras da Biblioteca da Câmara dos Deputados

Tipo documental Quantidade


Manuais escolares 14
Relatórios de instrução pública 13
Constituições/ Textos Constitucionais 10
Anais/ Diários Legislativos/ Anais Assembleias Provinciais 06
Legislação escolar 04
Tratado Pedagógico 03
Tratado ou Estudo 03
Relatos sobre instrução em outros países 03
Viagens pedagógicas 01
Projetos 01
Conferências 01
Catálogo Exposição Universal 01
Cartas 01
Total 61

1099
O tipo documental mais frequente encontrado (14 impressos) são manuais escolares, isto é, livros didáticos uti-
lizados nos diferentes graus de ensino no século XIX. Esse tipo de fonte tem o potencial de informar o historiador
em relação ao tipo de instrução que circulava em dado período ou elementos para a história de uma disciplina escolar
em específico. O manual escolar relativo ao ensino secundário do ano de 1834, por exemplo, referente a Portugal e
intitulado Compêndio de gramática da língua grega para uso das escolas do Reino, de Antonio Ignacio Moraes (1834), traz
informações sobre os conteúdos que formavam a disciplina que ele se propunha a ensinar naquele momento: das le-
tras e sílabas, adjetivos, verbos na voz passiva, sintaxe, acentos, entre outros. Já o manual referente ao Rio de Janeiro,
do ano de 1870, intitulado Synopses de eloquência e poética nacional: acompanhadas de algumas noções de crítica literária
extraídas de vários autores e adaptadas ao ensino da mocidade brasileira, escrito por Manoel da Costa Honorato (1870),
voltado ao ensino secundário, revela os principais conteúdos a serem ensinados como: história e formação da língua
portuguesa, arcaísmo, neologismo, hibridismo e dialetos, entre outros.
Em seguida, aparecem os relatórios acerca do estado da instrução pública nas diferentes províncias, num total
de 13 impressos. Estes relatórios são importantes fontes para a compreensão do cotidiano das escolas, uma vez que
esse é o assunto principal dessa documentação. Assim, o relatório sobre a instrução pública na Província de Alagoas
do ano de 1865 (ESPÍNDOLA, 1865), informa o mapa de adiantamento mensal das alunas que frequentavam a escola
pública de primeiras letras da 1ºa 4º categoria do sexo feminino da cidade, matrícula dos alunos da escola pública de
primeiras letras, plano de estudos e regimento interno das escolas primárias. O relatório sobre o estado da instrução
pública da Província de São Paulo, por sua vez, relativo ao ano de 1870, discorre sobre a instrução das escolas funda-
das e mantidas pela câmara municipal da corte. Enfatiza a instrução religiosa, leitura, escrita, gramática, aritmética,
sistema métrico, geografia, desenho linear, entre outros (SÃO PAULO, 1870).
O terceiro tipo documental mais recorrente são os textos constitucionais de diferentes países, nos quais aparecem
breves referências à como a educação era vista enquanto direito ou matéria constitucional. Na sequência da tabela,
aparecem exemplares de anais e diários legislativos de assembleias provinciais (6 impressos) nos quais é possível localizar
discussões e debates parlamentares sobre instrução em nível provincial2. Já os demais tipos documentais restantes
remetem a diversas temáticas ou assuntos educacionais do século XIX e que foram vivenciados, também, no Brasil
Império: exemplares de legislação escolar de províncias3, tratados pedagógicos, tratados ou estudos sobre educação4,
relatos sobre instrução em diversos países, viagens pedagógicas, projetos, conferências e catálogos de exposições
universais.
No conjunto, esses diferentes tipos documentais identificados na tabela 1 permitem que se façam, futuramente,
análises sobre inúmeras facetas da educação escolar no Império, seja de modo vertical (pela análise de fontes e temas
em particular, como história das disciplinas escolares, inspeção do ensino, debates sobre instrução, etc.) ou horizon-
tal (pelo cruzamento de diferentes impressos na busca pela investigação de uma temática específica). Em termos de
distribuição cronológica – uma segunda forma de apresentação que se pode fazer dessas fontes –, esses impressos
também parecem reveladoras da representatividade do acervo para o período imperial (Tabela 2).

2 Os anais da assembleia legislativa provincial do Rio de Janeiro do ano de 1864, por exemplo, tratam de assuntos, como: ensino obrigatório,
escola de agricultura e negociantes de escravos (ASSEMBLEIA PROVINCIAL DO RJ, 1864).
3 A legislação referente a Sergipe do ano de 1858 faz alusão a instrução primária pública. Oferece informações sobre a ordem geral das
escolas e auxiliares dos professores, do material escolar, dos deveres dos professores, dos professores adjuntos, dos prêmios e das disciplinas,
condições para o magistério público, nomeação, demissão e vantagens e do ensino particular, primário e secundário. (SERGIPE, 1858)
4 O tratado relativo ao ano de 1874 oferece indicações sobre a obrigatoriedade do ensino, magistério, método de ensino, despesas das
instituições e sobre as mães de família (OLIVEIRA, 1874).

1100
Tabela 2 – Distribuição cronológica por décadas das fontes localizadas na seção de obras raras da Biblioteca da Câ-
mara dos Deputados

Década Quantidade
1810 1
1820 3
1830 3
1840 3
1850 6
1860 16
1870 19
1880 9
1890 1
Total 61

A tabela 2 sintetiza a dispersão cronológica dos impressos localizados. Inicialmente, ela aponta que a maior
quantidade de impressos identificados diz respeito às décadas de 1860, 1870 e 1880. Estes, coincidentemente, são os
períodos que a historiografia aponta para uma intensa discussão acerca da educação e instrução no Brasil, de modo
que talvez isso reflita a própria efervescência de debates do período, embora, também, possa se dever a questões liga-
das à própria constituição do acervo, mas que, infelizmente, nos escapam no momento. Em todo caso, também nessa
leitura cronológica, confirma-se a relevância do acervo para futuros estudos.
Por fim, uma última leitura que se pode fazer das fontes encontradas é acerca da abrangência geográfica, ou, em
outras palavras, dos lugares sobre os quais oferecem testemunhos ao historiador da educação (Tabela 3)

Tabela 3 – Distribuição por abrangência geográfica das fontes impressas localizadas no Setor de Obras Raras da Câ-
mara dos Deputados

Abrangência geográfica Quantidade


Brasil 09
São Paulo 08
Portugal 06
Argentina 03
Chile 03
França 03
Sergipe 03
Uruguai 03
Não localizado 02
Alagoas 02
Alemanha 02
Paraguai 02
Rio Grande do Sul 02
Rio de Janeiro 02
Bolívia e Peru 01
Brasil e Portugal 01
Ceará 01
Não identificado 01
Escola militar 01

1101
Abrangência geográfica Quantidade
Goiás 01
Inglaterra 01
Minas Gerais 01
Pará 01
Pernambuco 01
Prússia 01
Total 61

A partir da análise do quantitativo da tabela acima, podemos perceber que a maior parte dos impressos encon-
trados são referentes ao Brasil, totalizando 32 títulos. As demais obras são internacionais, totalizando 26 exemplares.
Dentro da categoria referente ao Brasil, São Paulo contém o maior número de registros levantados para o banco de
dados. Os locais menos representados foram Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará, Minas Gerais, Goiás e Ceará. Os ar-
quivos nomeados como “Brasil”, possuem informações mais abrangentes, relativas ao país como um todo ou a várias
regiões do país. Já os impressos relativos às províncias em específico na tabela possuem informações um pouco mais
específicas relativas à educação nessas regiões administrativas do Império. Os impressos relativos a outros países,
por sua vez, podem ser importantes para estudos comparados entre o Império e outros lugares no século XIX, em
termos educacionais. De fato, um dado que a historiografia recente tem evidenciado são as conexões transnacionais
existentes entre o Brasil e outros países (VIDAL, 2009), o que confirma que, ao contrário do que se supunha, não
estávamos atrasados em relação ao debate ocidental sobre a educação escolar, mas participando dele, guardadas as
especificidades de nossa própria experiência histórica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta inicial para a elaboração e construção deste artigo, deu-se a partir do objetivo de inventariar obras
impressas relativas à educação e instrução no Império, dentro do acervo de obras raras da Biblioteca da Câmara dos
Deputados. E posteriormente refletir sobre sua potencialidade como fonte para a história da educação no Brasil
Império. Durante o período destinado para fotografar e em seguida a construção do banco de dados, foi possível
perceber que cada fonte localizada possui um determinado potencial para escrita da história da educação no Império.
Após a sistematização em banco de dados das fontes coletadas, classificando-as e descrevendo o seu conteúdo, a
partir do material fotografado/digitalizado, foram construídas três tabela (Tipos documentais, década e abrangência
geográfica). Essas tabelas podem ser utilizadas para analisar o tipo de instrução que estava circulando em dado perío-
do. Houve em determinadas décadas um volume maior de impressos o que sinaliza para uma intensa discussão acerca
da educação e instrução no Brasil. Os impressos relativos a outros países, por sua vez, podem ser importantes para es-
tudos comparados entre o Império e outros lugares no século XIX, em termos educacionais. No seu conjunto, o ma-
terial inventariado anuncia inúmeras possibilidades para futuras pesquisas sobre a história da educação no período.

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1103
OFICINA DE TÉCNICAS DE ALFABETIZAÇÃO INFANTIL
POR MEIO DE JOGOS LÚDICOS

Edilamar Rodrigues de Jesus e Faria1


Fernanda Rodrigues Costa2

Resumo: Esse trabalho parte da observação, junto ao núcleo de extensão do Projeto Rondon da UNB, da rea-
lidade da comunidade Paranoá Park, localizada no entorno do Distrito Federal. Uma comunidade isolada do centro
urbano, sem escolas públicas ou particulares presentes em um espaço acessível, nem transporte publico acessível,
no momento da observação. Onde quase todas as crianças moradoras da região estavam ausentes da escola, devido
a demora de resposta do estado, passando o dia em casa com pais, mães ou responsáveis desempregados, com pouca
instrução e que muitas vezes recorriam ao abuso de substancias nocivas, mesmo em frente das referidas crianças.
Nesse sentido, o presente projeto foi pensado usando como base a visão critica da educação brasileira, que segrega e
marginaliza cidadãos. Tendo como exemplos o pensamento de Paulo Freire, Vygotsky e demais pensadores da edu-
cação como ferramenta emancipatória, buscamos idealizar um método simples, inclusivo e de relevância social, uma
oficina de técnicas lúdicas na educação. Tais técnicas lúdicas surgiram como ferramenta psicanalítica no século XX e
demostraram elevada eficiência na aproximação da criança com o meio social e sua inclusão nele. Com a criação da
pedagogia do oprimido e de uma teoria pedagógica crítica, foram levadas a educação e passaram a completar a base
educacional brasileira a partir da década de 30.
Na tentativa de tornar esse processo mais simples para crianças que estão à margem do sistema educacional
brasileiro, esse projeto visa programar técnicas lúdicas em dinâmicas de alfabetização infantil seguindo exemplos
da ludoterapia, que utiliza jogos e brincadeiras para favorecer a aquisição de comportamentos sociais importantes
e a melhorar nas interações sociais em crianças. Assim, a criação destes espaços lúdicos surge como resposta ao dis-
tanciamento escolar e, diretamente combate a exposição dessas crianças a perigos de ambientes externos, além de
oferecer uma maneira simples e lúdica de inseri-las em espaços aonde terão contato com atividades didáticas na ma-
téria de linguagem, de maneira que ao retornarem ao sistema formal de ensino elas não tenham maiores dificuldades
para retomar os estudos. Tendo em vista o aspecto social necessário para a formação dessas crianças, esse projeto
busca também integrar a responsabilidade familiar na formação didática das crianças, por meio de técnicas lúdicas
que trabalhem o desenvolvimento motor e a assimilação dessas crianças com os componentes da alfabetização. Essa
proposta então tem uma metodologia de pesquisa aplicada, descritiva e exploratória, qualitativa de método dedutivo,
baseada em pesquisa bibliográfica e experimental. Os resultados de tal pesquisa foram promissores, entendendo que
a comunidade não pode substituir a educação escolar, mas deve contribuir para ela e que essa contribuição gera efei-
tos positivos na própria comunidade. A conclusão se baseia então no entendimento da necessidade de divulgação de
técnicas educativas simples e da participação ativa da comunidade na educação das suas crianças.
Palavras-chave: Educação popular. Alfabetização. Oficinas. Rondon.

INTRODUÇÃO

“Em nosso regime político, o Estado não poderá, decerto, impedir que, graças à organização de escolas privadas
de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classes determinada; mas
está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que
se tenha acesso uma minoria, por um privilégio exclusivamente econômico”. (Manifesto dos Pioneiros, 1932).

1 Aluna de Doutorado em Educação da PUC/GO.


2 Aluna de Graduação da Universidade de Brasília.

1104
Esse trabalho parte da observação, junto ao núcleo de extensão do Projeto Rondon da UNB, da realidade da
comunidade Paranoá Park, localizada no entorno do Distrito Federal. Uma comunidade isolada do centro urbano,
sem escolas públicas ou particulares presentes em um espaço acessível, nem transporte público acessível, no momen-
to da observação. Onde quase todas as crianças moradoras da região estavam ausentes da escola, devido à demora de
resposta do estado, passando o dia em casa com pais, mães ou responsáveis desempregados, com pouca instrução e
que muitas vezes recorriam ao abuso de substancias nocivas, mesmo em frente das referidas crianças.
O motivo de se explorar a relação entre Educação popular e a Educação Infantil, no presente artigo, se dá por
meio da necessidade de uma fundamentação que abraçasse a realidade observada no entorno de Brasília no DF. Mes-
mo sabido de que se trata de uma abordagem pouco utilizada do ponto de vista da pedagogia da infância, é inegável
sua relação direta entre a realidade observada e a pedagogia de excluídos.
Cita-se nessa linha introdutória, autores consagrados por suas contribuições gigantescas à Educação brasileira,
compondo na atualidade uma “constelação de luz” infindável, como Anísio Teixeira (1900-1971), um dos maiores
revolucionários da Educação brasileira, signatário do “Manifesto dos pioneiros da Educação Nova” (1932), e quem dá
o seu nome à faculdade de Educação de Brasília. Enquanto Paulo Freire (1921-1997), quem revolucionou o modelo de
alfabetizar, provando que a “educação é um ato político”, ambos, fizeram do seu viver um manifesto à transformação
cultural brasileira pela Educação. E ainda o bielorrusso Vygotsky com seu modelo de abordagem psicológica cultural-
-histórica de educação, pioneiro no desenvolvimento intelectual infantil por meio das interações sociais e condições
de vida que muito favorece ao presente estudo.
Assim, este trabalho é fruto do início de projeto de pesquisa e extensão, sendo um dos primeiros passos avan-
çados com o propósito de diálogo entre pesquisadoras e comunidade. A ausência de espaços destinados à Educação
Infantil meio aos bairros de Habitação de interesse Social no DF, levou a alguns questionamentos sobre as crianças
que participam desses espaços e suas famílias: qual a infância que compartilham? Quais suas especifidades e singula-
ridades? De que maneira essas singularidades nos recolocam uma necessidade de modificar o olhar sobre a infância e
a relação com os cuidadores?
Nesse esforço de entender o lugar social das crianças dentro do entorno de Brasília, deparou-se com o processo
de construção da proposta pedagógica de Paulo Freire, como abordagem que melhor atendesse as demandas das fa-
mílias com crianças sem acesso aos meios de educação formal. Essa busca levou a aproximação da Educação Popular,
como princípio constitutivo da pedagogia da libertação, direcionando à busca pela compreensão do modo como essa
modalidade educativa poderia favorecer a percepção da infância em determinado ambiente.
Nesse sentido, o presente projeto foi pensado usando como base a visão crítica da educação brasileira, que
segrega e marginaliza cidadãos. Tendo como exemplos o pensamento de Paulo Freire, Vygotsky e demais pensado-
res da educação como ferramenta emancipatória, buscamos idealizar um método simples, inclusivo e de relevância
social, uma oficina de técnicas lúdicas na educação.
Tais técnicas lúdicas surgiram como ferramenta psicanalítica no século XX e demostraram elevada eficiência na
aproximação da criança com o meio social e sua inclusão nele. Com a criação da pedagogia do oprimido e de uma teoria
pedagógica crítica, foram levadas a educação e passaram a completar a base educacional brasileira a partir da década de 30.
Na tentativa de tornar esse processo mais simples para crianças que estão à margem do sistema educacional
brasileiro, esse projeto visa programar técnicas lúdicas em dinâmicas de alfabetização infantil seguindo exemplos da
ludoterapia, que utiliza jogos e brincadeiras para favorecer a aquisição de comportamentos sociais importantes e a
melhorar nas interações sociais em crianças. Assim, a criação destes espaços lúdicos surge como resposta ao distancia-
mento escolar e, diretamente combate a exposição dessas crianças a perigos de ambientes externos, além de oferecer
uma maneira simples e lúdica de inseri-las em espaços aonde terão contato com atividades didáticas na matéria de
linguagem, de maneira que ao retornarem ao sistema formal de ensino elas não tenham maiores dificuldades para
retomar os estudos.
Tendo em vista o aspecto social necessário para a formação dessas crianças, esse projeto busca também integrar
a responsabilidade familiar na formação didática das crianças, por meio de técnicas lúdicas que trabalhem o desenvol-
vimento motor e a assimilação dessas crianças com os componentes da alfabetização.

1105
O presente trabalho ousa apresentar uma proposta de implementação de processos educativos, que possam ser
desenvolvidas em espaços alternativos ao meio escolar tradicional, em especial na comunidade Paranoá Park, próxi-
mo a Brasília, no Distrito Federal. No que diz respeito a alfabetização no Brasil, consoante a sua longa tradição em
letramento e inclusão social, onde o sujeito da ação educativa é representante de um conhecimento complexo, relati-
vo as suas vivencias, ao contexto cultural o qual representa. Assim, essa proposta valoriza às sua história de trajetória
de vida em determinado espaço social.
É válido lembrar da necessidade de se investir na ampliação das redes escolares no território do Paranoá, onde
famílias inteiras sofrem pela ausência dos seus direitos fundamentais, que deveriam ser garantidos pelo Estado. Esse
problema, alcança proporções maiores e em pouco tempo, o aumento do índice de analfabetismo, exclusão social,
desemprego e marginalidade, interagem entre si, remontando a malha da pobreza e dependência social.
Assim, essa população, pode ser considerada como “oprimidos” pelo poder do Estado que não atende suas de-
mandas e nem tem seus direito e garantias de políticas públicas voltadas para seu alcance e emancipação. Apercebido
pelo ausência de espaços comunitários e equipamentos sociais que atendam as demandas da comunidade enquanto
“ensinantes e aprendentes”. Em pouco tempo, as crianças não atendidas, são excluídas do processo educativo, se tor-
nam adolescente e logo jovens e na sequência adultos, com valores consolidados e experiência de vida desconhecida
pela comunidade escolar.
A dialogia, proposta por Freire (1978), “permite a recuperação dos elementos constitutivos da cultura popular
e da erudita, que poderia ser resgatadas nos muitos pontos de conexão entre a comunidade”. Assim, entende-se que a
cultura letrada e a verbal são mediadores entre outros modelos de expressão da cultura popular, compreendida nesse
trabalho como rico campo linguístico do Centro-Oeste brasileiro. Isso, especificamente em uma comunidade forma-
da por uma diversidade populacional, atraídos por uma promessa de vida melhor no Distrito Federal, mais próximo
do poder central, mas tão distante de seus direitos e garantias.
O sentido do presente estudo é voltado para as preocupações teóricas e de pesquisa de extensão da UNB, com
apoio de voluntários, no que diz respeito à atuação em campo em duas linhas de demanda da população observada,
que seria a demanda por alfabetização (desde as crianças em fase escolar, como entre jovens e adultos), e a segunda
está voltada para a compreensão das políticas públicas de inserção à educação, que pudessem atender as metas de
alfabetização e inclusão social, como proposta de emancipação social dessa população.
O projeto surgiu entre a comunidade acadêmica, que elegeu como proposta de pesquisa a interação e abertura
para um diálogo com a comunidade em questão, compreensão das suas demandas e possibilidade de interação entre
academia e comunidade. Assim, o projeto contou com, observação da comunidade, levantamento de necessidade
partindo do ouvir as mães e seus ensejos por alfabetizar seus filhos, pois consideravam como ponto marcante em suas
vidas, a ausência do letramento. “O que poderíamos chamar de acesso ao mundo da escrita num sentido amplo é o
processo de um indivíduo entrar nesse mundo” (Soares, 2003).
Aprender a ler e escrever traz ao indivíduo a necessidade de compreender a gramática, a linguagem e o código
de regras que as compõe sistemática e estruturado. De acordo com Abaurre (1991), em contato com a representação
escrita da língua que fala, o sujeito reconstrói a história, sendo o mecanismo de dar sentido aos signos por meio da sua
relação com a linguagem. A contemplação da forma escrita da língua faz com que ele passe a refletir sobre a própria
linguagem, chegando, muitas vezes, a manipulá-la conscientemente.
A linguagem escrita exige um trabalho consciente, no qual a criança deve desvincular-se do concreto (VY-
GOTSKY, 1996). Sendo que a maior dificuldade encontrada pelas crianças é a compreensão dos princípios do alfabe-
to, palavras escritas contêm combinações de unidades visuais (letras ou combinações de letras) que são sistematica-
mente relacionadas às unidades sonoras das palavras (fonemas) (CIELO, 1996).
A Educação popular como proposta pedagógica tem seu centro de atenção voltada para os educandos, nesse
caso as crianças, no entanto, os pais também recebiam dessa relação de troca de saberes, por parte das acadêmicas. A
relação amplia-se, ao refletir que também as acadêmicas aprendiam com a comunidade, gerando assim um ciclo retro
alimentado, onde todos os participantes se beneficiavam dessa relação de troca de saberes.

1106
Com o olhar voltado para os pequenos sujeitos, preocupa-se a emancipação dos sujeitos oprimidos, conside-
rando suas especificidades e seu contexto de luta pela dignidade. De modo invertido, o sujeito criança como ativo do
processo de aprendizagem, lança luz à Sociologia da Infância, colocando a criança como autora social e produtora de
saber cultural em relação aos seus pares, nesse caso os adultos, seus cuidadores. Transformado a posição de centrali-
dade usual “adultocentrica” e posicionando a criança como atora da prática educativa emancipatória.
Essa dinâmica se deu a partir da observação de comunidades do entorno de Brasília, e a sua luta pela habitação
social e a tentativa das acadêmicas em fortalecer a Educação Infantil e a Educação Popular, meio aos horizontes polí-
ticos em transformação social e a emancipação dos agentes.
A Educação popular não pode ser excluída da experiência de vida das pessoas, sua troca e interpretação de leitu-
ras de mundo, a partir da realidade concreta. Ela se porta como defensora do pensamento do oprimido. Defensora dos
“esfarrapados” e “do mundo que os encobre, sobretudo com eles lutam (FREIRE, 1978, p. 12). Busca-se a superação
da opressão que vivem as famílias e crianças dentro da sociedade, seja a opressão material ou subjetiva.
Enquanto a pedagogia tradicional traz em si, erros que tendem a marginalizar cada vez mais camadas da so-
ciedade. Para Rosemberg (2012) “a educação infantil brasileira constitui um subsetor das políticas educacionais e um
campo de práticas e conhecimentos em construção, procurando-se demarcar de um passado antidemocrático”.
Freire critica o modelo de educação vivido nos anos em que escreve a sua obra é que a educação bancária con-
sidera, apenas o educador como sujeito, pois o educando será somente “depósito” receptor de conteúdo, memorizado
ingenuamente, mecanicamente sem a devida participação e dialogicidade, própria de um processo de ensino-apren-
dizagem, onde educadores e educandos aprendem e ensinam, mediatizados pelo mundo (BORGES, 2008).
Porém, a falha no sistema educacional no caso aqui presente se dá devido à ausência de vagas em instituições de
ensino públicas, falta de transporte entre à comunidade e às escolas, que tenham vagas, e ainda mesmo falta de uma
cultura que demonstre a importância da educação formal dentro da comunidade.
Na tentativa de tornar esse processo mais simples para crianças que estão à margem do sistema educacional
brasileiro, esse projeto visa programar técnicas lúdicas em dinâmicas de alfabetização infantil seguindo exemplos da
psicanálise infantil, que utiliza jogos e brincadeiras para favorecer a aquisição de comportamentos sociais importan-
tes e a melhorar nas “interações sociais em crianças e a relação do seu mundo interno com o meio externo”.
Segundo Dallabona (2004), as técnicas lúdicas fazem com que a criança aprenda com prazer, alegria e entrete-
nimento, sendo relevante ressaltar que a educação lúdica está distante da concepção ingênua de passatempo, brinca-
deira vulgar, diversão superficial, é de primordial importância a utilização das brincadeiras e dos jogos no processo
pedagógico, pois os conteúdos podem ser ensinados por intermédio de atividades predominantemente lúdicas.
“A educação lúdica é uma ação inerente na criança e aparece sempre como uma forma transacional em direção a
algum conhecimento, que se redefine na elaboração constante do pensamento individual em permutações constantes
com o pensamento coletivo. [...]” (ALMEIDA, 1995, p. 11).
Desde o século XX, com a reforma educacional no Brasil, considera-se, o acesso a creches e instituições
complementares à família no cuidado-educação das crianças de 0 a 6 anos, como um direito da criança e da mulher.
“Ultimamente tem-se defendido a ideia que a creche, enquanto agência educativa, seja um direito da criança além de
o ser para a mulher e que, neste sentido, seja potencialmente destinada a todas as crianças...” (BONDIOLI & MAN-
TOVANI, 1995, p. 14).
Porém, ainda nos dias de hoje, encontramos inúmeros exemplos em que o completo descaso é evidente, por
pouco caso da sociedade, porém principalmente pela falha do Estado em cumprir com suas responsabilidades sociais
mais básicas, mesmo que estas sejam constitucionalmente asseguradas no Capítulo II, dos Direitos Sociais, da Cons-
tituição Federal, 1988:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segu-
rança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição” (BRASIL, 2015).

1107
Durante a saída de campo 1 da turma A de Rondon 1/2016, percebeu-se que a comunidade Paranoá Parque
possuía uma grande população de crianças que, devido à escassez de vagas nas escolas ao redor, estavam a um ou
mais anos sem frequentar qualquer tipo de instituição de ensino (creches ou escolas), permanecendo sem ocupação.
Situação está evidentemente gerada pelo alcance pouco efetivo do Estado, tanto em termos de infraestrutura urbana
e transporte como em relação ao sistema educacional.
Na área pertencente à comunidade, trafega apenas uma linha de ônibus, um circular que não propicia acesso a
nada, além da própria comunidade, as escolas públicas estão todas lotadas ou fechadas para reformas e grande parte
dos pais ou responsáveis por essas crianças estão desempregados e sem perspectiva de quando os filhos terão acesso
à instituições de ensino. Dentre os problemas relatados pela comunidade estão a violência, quase que diária, que se
manifesta por meio de roubos e assaltos, a facilidade ao acesso de álcool e drogas, que poderiam ser remediados com
uma maior pluralidade de possibilidades de acesso ao ensino.
Essa situação, este projeto é um exercício de produzir uma resposta eficaz para que o fato possa ser trabalhado
dentro da própria comunidade, por membros que convivem diariamente com esse quadro. “Pistas teóricas e práticas
acumuladas orientam a elaboração da programação para as crianças. Essa programação deve levar em conta também
a realidade das crianças, seus familiares, e a comunidade” (ABRAMOWICS, 1995, p. 13).
Esse método não visa a substituição nem o suprimento total do ensino básico formal, mas sim, visa levar às
crianças uma forma de se familiarizarem com a linguagem e se exercitarem cognitivamente juntamente com mem-
bros capacitados da comunidade ou, preferencialmente com seus pais ou responsáveis. De toda forma, a criação des-
tes espaços lúdicos surge como resposta ao distanciamento escolar e, diretamente combate a exposição dessas crianças
a perigos de ambientes externos, além de oferecer uma maneira simples e lúdica de inseri-las em espaços aonde terão
contato com atividades didáticas na matéria de linguagem, de maneira que ao retornarem ao sistema formal de ensino
elas não tenham maiores dificuldades para retomar os estudos.
Tendo em vista o aspecto social necessário para a formação dessas crianças, esse projeto busca também integrar
a responsabilidade familiar na formação didática das crianças, por meio de técnicas lúdicas que trabalhem o desenvol-
vimento motor e a assimilação dessas crianças com os componentes da alfabetização.

A OFICINA

Assim elaborada uma oficina intitulada “Oficina de técnicas de alfabetização Infantil por meio de jogos lúdicos”,
tendo como local de execução e comunidade atendida a população do Paranoá Parque, DF. Com tempo previsto de 2h
de duração, iniciando no dia 21 de maio de 2016, e sua sequência a ser continuada pela comunidade pelo tempo que
for possível. A execução da proposta ficou a cargo das alunas participantes do projeto, todas voluntárias, estudantes
dos cursos de Relações Internacionais, Assistência Social e Pedagogia da Universidade de Brasília, que integraram
essa ação.
A instituição executora, intitulada Universidade de Brasília (UNB) é uma instituição pública federal brasilei-
ra, com sede na cidade de Brasília, no Distrito Federal, que possui quatro campus, sendo estes na própria capital e
também nas cidades de Planaltina, Gama e Ceilândia. As ações de extensão se desenvolvem por meio das unidades
acadêmicas e administrativas da UNB, em processos educativos, culturais e científicos, articulados com o ensino e a
pesquisa. É por meio da ação extensionista envolvendo professores, estudantes e técnicos que a Universidade intera-
ge com a sociedade, em um exercício de contribuição mútua. São projetos e programas contínuos e especiais, cursos
e eventos.
Como atividade extensionista, a instituição possui um núcleo do projeto Rondon, que é um espaço de formação
e ação multidisciplinar, com isso possibilita ao estudante a construção de projetos sociais multidisciplinares e, sua
consequente aplicação nas comunidades. Desde 2005, a UnB participa ativamente das operações.

1108
METODOLOGIA

O projeto tem como objetivos de forma a implantar o conhecimento a comunidade acerca de jogos didáticos e
lúdicos. As atividades terão início a partir da primeira saída a campo até a comunidade Paranoá Park, ou seja, a partir
da segunda semana do mês de abril e se estenderá até a última visita prevista para ser feita em maio. A oficina coor-
denada e gerenciada pelas quatro alunas executoras deste projeto, todas executoras das mesmas funções ao longo do
processo. O primeiro contato com a comunidade surge a partir de uma entrevista para fins de observação e análise
das necessidades dos moradores, a partir disso, a participação deles se torna direta durante a apresentação e execução
da oficina na região.
Assim, fora adotados jogos lúdicos a partir de métodos didáticos que compõem parte do aprendizado das crian-
ças. São propostos métodos como o jogo do rabisco, anagramas, scrabble, jogo da forca e leitura de histórias infantis.
As ações voltadas para crianças de 3 a 7 anos juntamente com suas mães ou responsáveis, no sentido de capacitar-lhes
para aplicar esses métodos na educação de seus dependentes.
Dentre os objetivos, destaca-se a criação de meios acessíveis de interação entre mães e filhos e entre famílias da
comunidade, que possibilite atém das interações sociais, o desenvolvimento psicomotor das crianças, durante o pe-
ríodo que não estão frequentando a escola, possibilitando assim, na integração da comunidade e na família, gerando
uma cultura de cuidado entre as mães e suas crianças. Também, entre as ações, a proposta de criação de ambientes
voltadas para a promoção de conhecimento e interações sociais, tais como brinquedotecas e bibliotecas, por meio de
doação da comunidade acadêmica, a ser alcançado por meio de campanhas de doação.
O plano de implementação, contou com o planejamento de uso do espaço comum do condomínio residencial,
como ambiente voltado para a interação e alfabetização popular. A contrapartida das participantes do grupo de ação,
concentra-se na decoração do espaço com letras e material didático e jogos lúdicos, disponível e de fácil acesso e custo
de produção, disponibilizado sobre a mesa da área comum. Onde crianças e suas famílias possam ter contato direto
com jogos de rabiscos, caça palavras, anagramas e outros jogos didáticos e interativos de origem espontâneas.
Na sequência é proposta uma roda de conversa (de até 30 minutos de duração), onde os participantes possam
apresentar sua percepção sobre a vivencia e como isso pode ajudar na interação entre famílias e seus filhos e entre a
comunidade em si. Também nesse momento é possível tirar dúvidas e esclarecer sobre o direito ao acesso aos instru-
mentos públicos que favoreçam a construção e o acesso à Educação, dentre outros direitos sociais.
Os recursos materiais disponibilizados para as participantes da ação, foi um tanto limitado, contando com
transporte e motorista da instituição acadêmicas até o Paranoá Parque, os jogos, materiais didáticos e lúdicos foram
emprestados e ao final doados para a comunidade, muitos construídos em ação conjunta com as famílias da comuni-
dade.
A população do Paranoá Parque é constituída de 48.020 habitantes, residentes em 390 prédios com 6.240
apartamentos construídos pela Companhia de planejamento do Distrito Federal – Codeplan, pelo Programa Paranoá
Parque (Pdad, 2015). De acordo com denúncia recebida pelo MPC-DF (20133) “ há famílias com crianças em idade
escolar sem acesso à educação” dentre outros problemas sociais envolvendo menores. Desse modo, entende-se que na
formação do conjunto habitacional, os espaços passaram a ser ocupados por grupos familiares de diferentes origens,
mediante a expansão e concentração populacional do entorno de Brasília. O abandono do poder público às neces-
sidades de saúde, educação, esse último, foi onde o grupo de acadêmicas pode promover uma impactação, em uma
dinâmica não apenas de agir sobre a comunidade, mas ainda de ser imapactadas por esta.
O processo de interação social com a comunidade, proporcionou às acadêmicas uma visão de mundo além da
concepção teórica, mas de vivencia experimentada com o objeto social. Nesse campo, de modo interativo e transfor-
mador, o grupo de acadêmicas, tiveram a oportunidade de se tornarem agentes de transformação de suas próprias
realidades, consagrando-se no contexto sócio histórico de Vygostiky, onde uma ideias compartilhadas se torna em
múltiplas ideias transformadas.
Nessa proposta de “ir para ver” (D’ALÉSSIO FERRARA, 1993), acabou por dar lugar à combinação de pesqui-
sa-ação, considerando a formação histórica social da comunidade, do lugar e a história oral da vida dos moradores e

1109
suas famílias. Esse encontro entre comunidade local e acadêmica, proporcionou a formulação de projeto de alfabeti-
zação popular centrado nos elementos da comunicação, expresso no pensamento de Paulo Freire.
Evidenciando assim, diferentes mediadores, tanto por parte das famílias que manifestaram necessidade da Edu-
cação Infantil e instrumentos comunitários, como pela necessidade das acadêmicas de interagir com a realidade pre-
sente na sociedade, a ausência de políticas públicas efetivas para inserção e manutenção de famílias dos programas
assistências sociais. Assim, meio as diferentes demandas, a interação se deu mediante troca de saberes mediados por
diálogo entre públicos diferentes, mas com o mesmo interesse, o diálogo humanizado.
A partir da década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial, os debates sobre analfabetismo passaram a fazer
parte do contexto acadêmico, com Lourenço Filho e Clementi Mariani contribuíram na formulação do projeto da
Unesco de Educação na américa Latina. Essa proposta envolvia a definição do conceito de analfabetismo, sentido
além do letramento, resultando na Campanha Brasileira de alfabetização (1947), que previa atingir três mil pessoas
no Brasil. Dando origem ao processo comunicativo da educação pelo rádio, que tinha como alvo as comunidades
rurais, pelo Movimento de Educação de Base, pelo Ministério da Educação, em parceria com a Igreja Católica.
Esse novo sentido de ação educativa, alterava a lógica tradicional de educador e educando e a troca de saberes.
Os saberes oferecidos pelo rádio, valorizava a família e a cultura religiosa na organização da sociedade, de acordo com
os apreços da elite social de civilização e progresso. Nesse contexto, o pensamento freiriano surge como alternativa
de libertação e inclusão dos valores populares, seus elementos significativos de vivencias pessoas e comunitárias, a
serem manifestos na linguagem representativa pela escrita.
Freire combatia a ideia da indolência caipira presente no discurso hegemônico da sua época, mas entendia as
origens da exclusão social e cultural como oriunda da realidade econômica da população excluída. Propondo assim,
uma pedagogia representativa da história do sujeito e a incorporação da crítica no trabalho de educador e educando,
resgatando assim, sua autoconfiança e poder de transformação da realidade social, a qual esteja inserido.
O discurso hegemônico não reconhece a luta de classe e impede a opção de lutar por oprimidos. No entanto
Freire deixa claro a necessidade fundamental de uma prática educativa comprometida com a política. A busca por um
certo fim “um sonho, uma utopia, que não permite a neutralidade” (FREIRE, 1978, p. 37).
A Educação Popular, ainda que com crianças, traz consigo a práxis libertadora da emancipação dos sujeitos.
Não tem como passar de modo neutro, isso se dá para além do saber do povo, é estar do lado do povo na luta pela
emancipação dos sujeitos. Pois, só o “poder que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para
libertar a ambos” (FREIRE, 1978, p. 16).
Assim, nos dias atuais, esse grupo de acadêmicas da Universidade de Brasília, compreendeu a demanda da co-
munidade local, invocando a certeza da necessidade da inclusão por meio do processo de alfabetização, por meio de
socialização família e sociedade, considerando seu universo cultural. Esse modelo de experiência, retornou de modo
interativo, alcançando as acadêmicas, de modo, que enquanto sujeitos de transformação na comunidade, também
eram aprendentes, e enquanto acadêmicas eram ensinantes de valores alí consagrados como verdadeiros e autênticos.
Meio a vivencia de situações concretas, a experiência dos educandos, de onde parte a análise das relações sociais
e a complexidade de sua dinâmica. A educação popular apresenta-se como uma pedagogia das relações concretas, das
vivencias e experiências, marcas inapagadas do corpo e da alma de cada envolvido. Mesmo sendo um modelo ini-
cialmente direcionado para adultos, não podemos negas às crianças esse lugar de atores sociais, protagonistas de sua
história na sociedades, pequenos sujeitos no mundo partilhando das condições materiais reais.
Assim, como aprendentes, a equipe pode conhecer os nomes, o lugar de origem, as atividades dos pais, os seus
sonhos e realidades, os contextos, os valores, a história de vida das famílias, a sua construção de história de vida que as
unia enquanto comunidade. Enquanto ensinantes, transforaram esses elementos em sinais gráficos e discurso lógico
e significativo, nas rodas de conversa e narrativas orais de pais (ensinantes) aos seus filhos (aprendentes), resgatando
a memória individual e coletiva das suas histórias de vida de modo interativo.

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OLIVA ENCISO: O PENSAMENTO EDUCACIONAL E AS AÇÕES
PRÁTICAS DE UMA INTELECTUAL ENGAJADA NA EDUCAÇÃO
PÚBLICA EM CAMPO GRANDE (1930-1960)

Adriana Espindola Britez - UFMS / MS


Heloise Vargas de Andrade - UFMS / MS

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta o uso da pesquisa de abordagem biográfica na composição da historiografia da educa-
ção de Mato Grosso do Sul. Expõe sobre a trajetória biográfica de Oliva Enciso no campo educacional e político de
Campo Grande entre as décadas de 1930 a 1960. Temos como objetivo compreender as origens de seu pensamento
educacional, bem como, apresentar as suas ações práticas na materialização de instituições educativas destinadas a
infância, as classes trabalhadoras e inclusão de excepcionais. Utilizamos como metodologia a triangulação de fontes
na produção de informações sobre o seu pensamento educacional presentes na autobiografia “Mato Grosso do Sul:
minha terra” (1986). A obra memorialística revela elementos de sua origem e os modos de vida da família, bem como
apresenta a narrativa de sua trajetória no campo político e educacional em Campo Grande apontando elementos de
seu pensamento educacional. As informações foram trianguladas com outras fontes de informações compostas pela
historiografia regional, documentos e os periódicos: “Folha da Serra”, “Jornal do Commercio” e “O Estado de Mato
Grosso”. A partir de uma perspectiva histórica e social, baseamos nossas análises nos estudos de Bourdieu (1996,
2007, 2011), Sirinelli (2003), Perrot (2005), entre outros.
Oliva Enciso foi uma mulher pioneira no campo da política, sendo a primeira Vereadora de Campo Grande
(1955-1958) e também a primeira Deputada Estadual de Mato Grosso (Uno) (1959-1963). Antes de participar da
política partidária foi funcionária pública na Prefeitura Municipal de Campo Grande, inserida no campo político
transitou em diferentes cargos e assumiu posição de confiança em vários mandatos de prefeitos. Nas tomadas de po-
sições no campo político engendrou estratégias para a materialização de instituições educativas de Ensino Primário,
Secundário e Profissional, e também a concretização de instituições de Ensino Superior e de Educação Especial. Desta
forma, surgem os seguintes questionamentos: a) qual foi seu pensamento educacional? b) Quais são as origens de seu
pensamento educacional? c) Quais foram as ações práticas de seu pensamento educacional que contribuíram para o
desenvolvimento da educação de Campo Grande? Para responder esses questionamentos apresentamos o estudo em
três tópicos. No primeiro tópico expomos sobre a trajetória de vida de Oliva Enciso no contexto histórico de Campo
Grande entre as décadas de 1930 a 1960. No segundo tópico exploramos as origens de seu pensamento educacional
mobilizado pela formação do habitus religioso. No terceiro tópico apresentamos as ações práticas do pensamento
educacional da agente na materialização de instituições escolares para as classes trabalhadoras.

A TRAJETÓRIA DE OLIVA ENCISO NO CONTEXTO DE CAMPO GRANDE ENTRE AS


DÉCADAS DE 1930 A 1960

Neste tópico expomos sobre a trajetória de vida de Oliva Enciso no contexto histórico de Campo Grande entre
as décadas de 1930 a 1960. De acordo com sua autobiografia relatou que nasceu ela nasceu no dia 17 de abril de 1909.
Filha de trabalhadores rurais e de ascendências paraguaia, seus pais, Santiago Enciso e Martinha Enciso tiveram sete
filhas. Ela viveu sua infância e os primeiros anos da adolescência na região do Pantanal, onde seu pai era o capataz da
Fazenda Taquaral. Esse período de vivência está exaltado em suas memórias escritas. A sua escolarização primária

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foi iniciada na instituição confessional, o Collegio Immaculada Conceição em Corumbá, porém abandona os estu-
dos após o nascimento de suas irmãs temporãs. Em 1923, posteriormente ao falecimento do pai as mulheres Enciso
mudaram para Campo Grande. Na sua família predominou a configuração do gênero feminino. Na cidade, diante do
novo lugar e diferente dos horizontes pantaneiros, foi impulsionada pela leitura do “Manual de Donzela Cristã” ao
retorno para as práticas religiosas e prosseguir nos estudos com distinção. Essa obra era um manual didático difundi-
do da segunda metade do século XIX e início do XX, nos colégios e igrejas católicas para a evangelização de meninas
e moças. Na realização com êxito do exame de admissão no Instituto Pestalozzi, foi observado o seu desempenho
pelo diretor e professor João Tessitore Júnior e sem condições de pagar pelos estudos foi convidada para dar aulas na
instituição no contra turno ao curso ginasial como forma de pagamento pelos estudos. O Instituto foi fundado em
1917, recebeu a nova denominação de Ginásio Municipal de Campo Grande em 1927 após receber subvenções anu-
ais da Prefeitura, manteve-se privado e em 1930 foi vendido para a Missão Salesiana e recebeu o nome de Ginásio
Municipal Dom Bosco, atual Colégio Salesiano Dom Bosco. Durante cinco anos foi aluna secundarista e professora
leiga, sua distinção como aluna foi evidenciada por meio dos discursos produzidos e reconhecimento de oradora da
turma nas festividades escolares divulgadas em periódicos locais do período. No “Jornal do Commercio”, edição de
1.004 de 14 de dezembro de 1929, localizou-se a notícia sobre a formatura da primeira turma de Ensino Secundário
do Ginásio Municipal de Campo Grande, e a destaca como aluna formanda oradora.
Em 1930 acessou o curso de Medicina na Praia Vermelha no Rio de Janeiro, porém o abandonou para se tornar
irmã de caridade. Diante das necessidades financeiras da família cedeu ao seu projeto de vida. No final de 1930 iniciou
a sua trajetória de funcionária pública na Prefeitura Municipal de Campo Grande na função de amanuense datilógra-
fa, por meio das relações mantidas com a família do Coronel Antonino Menna Gonçalves, governador provisório de
Mato Grosso. Nesse campo transitou para o cargo de secretária na gestão de Vespasiano Martins (1934-1935) e em
seguida, assumiu o cargo de chefe do Departamento de Estatística na gestão de Eduardo Olímpio Machado (1937-
1941), função exercida entre os anos de 1939 a 1948. Isso a torna a primeira mulher a também a assumir um cargo
de chefia na Prefeitura. Na inserção nas atividades políticas conheceu o pensamento educacional de Miguel Couto e
apreciou pessoalmente o projeto educacional de Helena Antipoff.
Na localização de fontes memorialísticas e artigos dos periódicos “Folha da Serra”, “Jornal do Commercio” e
“O Estado de Mato Grosso” observamos que Oliva Enciso, como funcionária pública, acumulou a posse dos capitais
social e político, dadas pelas relações pessoais e profissionais estabelecidas com políticos, fazendeiros e também cléri-
gos. Acumulou o capital simbólico de agente pública e intelectual engajada na educação para menores abandonados,
desvalidos e trabalhadores. O capital simbólico constitui-se por meio de um sistema simbólico, que se origina da
existência das condições sociais do qual o agente é o produto, além da inteligibilidade que dá coerência às funções nas
estruturas das relações de significância que o constitui enquanto agente simbólico. (BOURDIEU, 2011a).
Campo Grande era considerada uma cidade progressista do sul de Mato Grosso no período entre 1930 a 1960.
Moro (2012), exibe que a cidade, entre as décadas de 1930 a 1970, oferecia uma crescente urbanização, mas que tam-
bém com o desenvolvimento expandiram-se os problemas sociais enfrentados pela intensa migração de brasileiros
e estrangeiros para a cidade. De acordo com o estudo em obras de memorialistas regionais e periódicos locais não
demonstraram que o contexto histórico da cidade fora permeado por vários problemas políticos e sociais e omitiram
os sujeitos do povo comum, não condito aos parâmetros almejados, entre esses, mendigos, menores abandonados,
prostitutas, vendedores ambulantes, entre outros. Inferimos que a agente imbuída pelo habitus religioso de caridade
realizou ações para intervir na realidade social de Campo Grande.
Em artigo publicado na Revista Folha da Serra em 1933, Oliva Enciso expõe o panorama das instituições esco-
lares públicas e privadas e o quantitativo de matrículas nos estabelecimentos de ensino existentes em Campo Grande.
Na leitura do artigo, fica evidente o conhecimento adquirido pela agente sobre a educação, ao demonstrar alguns
aspectos da organização e funcionamento das principais instituições escolares da cidade e também o papel desempe-
nhado por elas no desenvolvimento educacional, social e econômico da cidade.

É o rebento novo, rico de ceiva e de vida, que no tronco deste Mato Grosso, legendário e grande, surge á luz do
sol, causando admiração áqueles que lhe concedem a história, a sua origem simples e pitoresca, devida á fantasia

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de um mineiro audaz, fac-simile da alma sertaneja, aventureira e forte da nossa gente. E a Campo Grande de hoje,
em que se transformou, marcha firma senda do progresso: porque o fator primordial – a educação do povo – vai
na frente, abrindo e aplainando o caminho por onde deve passar. (ENCISO, 1933, p. 07).

Torna-se compreensível a apreciação sobre a cidade e a valorização da educação, e principalmente dos educa-
dores de sua época, destacando as atuações de educadores, como: Múcio Teixeira Júnior, Arlindo de Andrade Lima,
João Tessitore Júnior, Irmã Ernestina Terzi, Pe. Carmelo Casteli, Simpliciana Corrêa, entre outros professores que
cooperaram para a história da educação de Campo Grande. Para Enciso (1986) na educação não era bastante ensinar
a ler e escrever, era preciso ensinar a trabalhar e ensinar a viver. A ação prática de Oliva Enciso como estudante se-
cundarista e professora leiga do ensino primário dão alguns indícios para compreender a conversão, acumulação e
posse inicial dos capitais intelectual e social da agente. Cujos capitais foram instituídos por meio de suas ações práticas
no Ginásio Municipal de Campo Grande, e que lhe permitiu transitar pelo espaço docente e favorecer um campo
de possiblidades, ou seja, um “espaço para formulação e implementação de projetos” (VELHO, 2003, p. 40). Projetos
educacionais e sociais realizados em Campo Grande, no sul de Mato Grosso no período de 1930 a 1970.

AS FIGURAS INTELECTUAIS NA GÊNESE DO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE OLIVA


ENCISO

Neste tópico exploramos as origens do pensamento educacional de Oliva Enciso tendo como âncora as suas
memórias escritas presentes em sua autobiografia. O pensamento educacional de agente intelectual foi mobilizado
pela formação do habitus religioso e tem suas origens nas figuras intelectuais de professores, entre eles destacam-se
João Tessitore Júnior, Miguel Couto e Helena Antipoff.
Oliva Enciso, no depoimento dado a Sá Rosa (2012), revela alguns elementos de sua trajetória de professora.
Ela indicou que foi por meio do professor João Tessitore Júnior e da professora Elisa da Silva, que era professora cuia-
bana formada na Escola Normal Pedro Celestino em Cuiabá – MT, recebeu as instruções para dar suas aulas numa
turma de 4ª série do primário, ambos se tornaram modelos de ação prática pra ensinar uma fez que não tinha a forma-
ção do curso Normal. O professor João Tessitore Júnior foi diretor e proprietário do Instituto Pestalozzi e formado
pela Escola Normal Caetano de Campos em São Paulo. O educador foi um entre as figuras intelectuais que influencia-
ram a formação do habitus intelectual nas disposições engendradas das escritas de poesias e discursos de Oliva Enciso.
Ele formou-se em 1918 no curso Normal da Escola Normal Caetano Campos. Segundo Veiga (2007), a instituição na
década de 1910 teve o currículo baseado na Pedagogia Moderna e tinha como prática de ensino o Método Intuitivo
e das Lições das Coisas. Para Teive (2014), ao tratar da trajetória do professor João Santos Areão, também formado
na instituição em 1910, destaca que as escolas normais paulistas tornaram-se modelos de formação de professores e
difusão do ensino. A autora denomina de “Bandeirismo Paulista do Ensino” a ação de professores paulistas em lecio-
nar nos interiores longínquos dos grandes centros e difundiram a modernização do sistema de ensino. João Tessitore
Júnior ao atuar no Instituto Pestalozzi empreendeu ações para a modernização da instituição, como a contratação de
professores paulistas e a autorização oficial para funcionamento do Ensino Secundário com a vinda em 1927 da banca
de professores do Colégio D. Pedro II subsidiados pela a Prefeitura Municipal de Campo Grande.
Miguel de Oliveira Couto, por sua atuação na Medicina e na política alcançou projeção social, sendo conside-
rado o mais ilustre dos médicos brasileiros do início do século XX. Ele defendeu o projeto de educação na difusão
educação pública e profissional. Oliva Enciso conheceu o pensamento de Miguel Couto na prefeitura municipal em
1933, pela difusão do folheto pelo IBGE. As influências das ideias de Miguel Couto surgem nas ações práticas escritas
no livro “Pensai na educação, brasileiros!”, publicado em 1989, cuja obra é um tributo a história da “Sociedade Miguel
Couto dos amigos do estudante”. A instituição foi fundada no ano de 1940 pela agente social com a finalidade de
abrigar de órfãos e crianças desvalidas socialmente. Miguel de Oliveira Couto participou da V Conferência Nacional
de Educação, organizada pela Associação Brasileira de Educação, realizada em 1927 no Rio de Janeiro. Na palestra
proferida expôs que um dos maiores problemas enfrentados pelo País era a instrução do povo e defendeu reformas na

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educação. Destacou que: “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da
educação.” (MIGUEL COUTO, 1927 apud JESUS, 2007, p. 478). Apresentou o projeto de educação, sugerindo a criação
do Ministério da Educação, com dois departamentos principais: o de Higiene e o da Instrução Pública. Com a Revolução
de 1930, o presidente Getúlio Vargas, ao assumir o Governo Provisório, decretou em 14 de novembro a criação do Mi-
nistério da Educação e Saúde Pública. Eleito deputado Constituinte em 1933, defendeu a educação e saúde pública e foi
autor de uma emenda constitucional que modificou o financiamento da educação no Brasil. (JESUS, 2007).
Na justificativa da emenda Miguel de Oliveira Couto destaca:

O problema da educação do povo apresenta no Brasil, um quasi intransponível obstáculo: a extensão imane do
território, tal que a densidade da população escolar se numéra em cerca de 1 aluno por 3 quilômetros quadrados.
Despreze-se a ténue crosta litorânea de civilização. com as suas cidades medíocremente povoadas, e tudo o mais
é sertão. Como levar o ensino a milhões de crianças assim dispersas? Eu já demonstrei, e não é agora momento
para repeti-lo, que somente á União deve ser entregue esta tarefa; primeiro, porque só ela póde arcar com o vulto
dêsse serviço, graças ao destino de 20 % da receita federal que fica obrigada a lhe reservar: segundo, porque só ela
está autorizada a penetrar no território brasileiro, de qualquer Estado, para fundar os grandes Institutos de Ensino
subordinados a um só pensamento didático - formar o cidadão útil a si próprio e á Pátria. (BRASIL, 1935, p.
24, grifo nosso).

Em 1945, Oliva Enciso, no período de negociação para a instalação da Escola SENAI em Campo Grande, es-
creveu uma carta ao Dr. Roberto Mange, diretor do SENAI. Nesta carta agradece a instalação da escola profissional,
destacando a importância da sua presença nas negociações com a prefeitura.

[...] o senhor pode estar certo que a sua presença aqui será de grande alegria para todos aqueles que querem, já não
digo para Campo Grande, mas para o Brasil, dias melhores. O Sr. vai nos dar uma escola de trabalho, isto, é, uma
sementeira de homens dignos e úteis a nossa Pátria. (ENCISO, 1986, p. 76, grifo nosso).

Observa-se, tanto no destaque da citação de Miguel de Oliveira Couto quanto no destaque da citação de Oliva
Enciso, o pensamento da educação imerso no sentimento de nacionalismo e patriotismo, mas também fator de de-
senvolvimento profissional para atender as necessidades do mercado de trabalho.
A relação com pensamento de Helena Antipoff foi descrita por Oliva Enciso no ano de 1945. Helena Antipoff
foi percursora da educação de excepcionais e da educação rural do País, por meio do desenvolvimento dos talentos.
Psicóloga e educadora russa, de formação científica e humanista na Europa, radicou-se no Brasil em 1929. Em Minas
Gerais, participou ativamente, entre os anos de 1927 a 1928, da implantação da reforma do ensino escolanovista, e
também dirigiu a Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte. Seu pensamento em relação à edu-
cação colaborou para promover o desenvolvimento solidário e a função da escola na democratização da sociedade.
(CAMPOS, 2010).

A escola pública, em alguns lugares a única escola para o ciclo primário, é o meio eficiente de aproximação entre
futuros cidadãos da mesma geração. Dos contatos de infância, cada um retira o conhecimento intuitivo, diaria-
mente experimentando, do valor de cada um dos companheiros; e estes, pertencentes a meios diferentes, refletem,
assim o espirito de cada qual, atitudes e modos de agir de seus respectivos meios. Mas a democracia requer mais
que oportunidades e contatos fortuitos entre meios sociais. Ela exige treino organizado para formar no homem
adulto sua segunda natureza, tecida atitudes e de hábitos de agir democraticamente, de acordo com um ideal de-
mocrático. (ANTIPOFF, 2010, p. 97).

O pensamento educacional de Helena Antipoff contribui para os ideais de Oliva Enciso, no que tange a inclusão
social por meio de um conhecimento especializado. A sua trajetória sinaliza o interesse por uma educação especializa-
da para atender crianças especiais, mas principalmente, pelo empenho na formação profissional de uma escola agrí-
cola-profissional como idealizado nas atividades projetadas na “Sociedade Miguel Couto dos amigos dos estudantes”
para o desenvolvimento educacional e social de crianças desvalidas.

1115
AS AÇÕES PRÁTICAS DO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE OLIVA ENCISO

Neste tópico apresentamos as ações práticas do pensamento educacional de Oliva Enciso na materialização de
instituições escolares para crianças desvalidas e classes trabalhadoras no período de 1930 a 1960.
Oliva Enciso no final de década de 1930 ao assumir o cargo de chefe do Departamento de Estatística da Pre-
feitura Municipal de Campo Grande esteve ciente dos problemas educacionais e sociais da cidade. No artigo titulado
“Sociedade Miguel Couto dos amigos do estudante”, publicado na Revista Folha da Serra do ano de 1939, ela junta-
mente com o estatístico Sr. Antonio Albuquerque e o Tenente Valdemar Sousa Bezerra resolveram fundar a Socie-
dade, dando início em 21 de janeiro de 1940, com apenas 15 pessoas beneficiadas. E também justifica a fundação da
Sociedade.

Qualquer sociedade é um organismo e na Sociedade campo-grandense, uma instituição era preciso existir que cui-
dasse do estudante pobre, uma instituição que auxiliasse o Governo na sua grande e difícil tarefa de educar o povo
brasileiro. Este problema é magno, por seu complexo em extremo e de urgente solução. O Governo Federal tem
a sua vista voltada para ele; os Governos Estadual e Municipal cooperam como podem e nós, que queremos uma
Pátria grande, nobre e livre, não podemos ficar com os braços cruzados, espectadores indiferentes ou apenas críti-
cos, deste grande esforço de educar a nossa gente, visto ser a educação dos seus filhos, o alicerce único da grandesa
e da felicidade do país. (ENCISO, 1939, p. 11).

Nota-se que Oliva Enciso empreendeu ações práticas para intervir na realidade social de Campo Grande com
a criação da Sociedade Miguel Couto. Apoiou-se no pensamento de Miguel Couto, de que os problemas sociais não
cabem somente ao poder público, mas também a sociedade. Em 1945, com a consolidação da Sociedade Miguel Couto
que tinha em suas dependências a Escola Miguel Couto e o Orfanato Santa Terezinha, buscou a criação da escola agrí-
cola-profissional no Rio de Janeiro. Diante das dificuldades foi direcionada para conhecer as atividades do Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Ela investiu esforços pessoais e profissionais para mobilizar a abertu-
ra de uma unidade do SENAI na cidade. Um das preocupações de Oliva Enciso, era trazer para Campo Grande uma
escola profissional para atender os alunos da Sociedade, como exposto: “A Sociedade foi incentivadora da vinda dessa
escola para Campo Grande, porque era a única maneira de encaminhar os seus beneficiários para uma profissão.”
(ENCISO, 1986, p. 135). Na criação do SENAI em Campo Grande, a Lei n. 47, de 12 de novembro de 1948, aponta
nos seus artigos a obrigatoriedade da instituição atender alunos selecionados pela Secção de Educação e Assistência
Social da Prefeitura e preferencialmente os mais necessitados de amparo do poder público e maiores capacidades
adquiridas no ensino primário. Enciso (1986) revela que na lista de alunos selecionados para a Escola do SENAI, dos
86 alunos os 15 primeiros escritos eram da Escola Miguel Couto, que era parte da Sociedade. Naquele ano o prefeito
era Fernando Corrêa da Costa e o Secretário era Wilson Barbosa Martins, ambos mantinham relações pessoais e
profissionais com a agente.
Enciso (1986), descreveu que em 1945 deslocou-se para o Rio de Janeiro para buscar amparo legal para a orga-
nização de uma escola agrícola-profissional em Campo Grande. Na capital do país, foi-lhe indicado conhecer o Ins-
tituto João Pinheiro em Belo Horizonte. Nesta cidade, a agente conheceu algumas instituições destinadas à inclusão
social, entre elas, a Fundação Benjamin Guimarães, a Sociedade Pestalozzi com escolas para menores excepcionais, e
por fim o Instituto Pestalozzi, que tinha sua sede na Fazenda do Rosário, em Ibirité, que fora dirigida pela educadora
Helena Antipoff.
Em 1948, por indicação Miguel Couto Filho para falar com Dr. Euvaldo Lodi, presidente do Departamento Na-
cional do Serviço Social da Indústria (SESI), e por intermédio do Vespasiano Barbosa Martins conseguiu a instalação
do estabelecimento na cidade. A agente soube utilizar sua rede de relações para intermediar a instalação do SESI na
cidade. Em 01 de dezembro de 1948 foi instalada a Casa de Aprendizado Doméstico, depois denominada Escola de
Formação Doméstica Roberto Simonsen. Oliva Enciso foi cedida pela prefeitura e tornou-se diretora, orientadora de
atividades sociais e também supervisora do Serviço Social no SESI, entre os anos de 1948 a 1968. A escola ofereceu
formação das lides domésticas, trabalhos manuais para mulheres e a assistência à família. Em 1949, conheceu Felipe
Tiago, o fundador e apóstolo da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, juntos fundaram o Ginásio Barão

1116
do Rio Branco na cidade e difundiram a Campanha para outras cidades do interior, foram fundados 7 Ginásios com
a finalidade de oferecer o Ensino Secundário para as classes trabalhadoras.
Na década de 1950, no período que Oliva Enciso conheceu e manteve relações com Helena Antipoff em Campo
Grande, a Sociedade Miguel Couto estava em funcionamento, por meio das atividades na instituição surgiram inicia-
tivas de Educação Especial na cidade. Enciso (1986) relata que enviou para a Escola da Fazenda do Rosário, em Ibirité,
quatro professores para receber orientação pedagógica sobre a educação de menores excepcionais.
Em 1967, Oliva Enciso colaborou com a fundação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Mato
Grosso (APAE). A instituição passou a funcionar em 1971, com o apoio da prefeitura municipal com recursos mate-
riais e cedência de professores das Secretarias do Municipal e Estadual.
Sirinelli (2003), ao tratar do tema intelectual é necessário à apreensão do papel e a função social dos intelectuais,

O meio intelectual constitui ao menos, para seu núcleo central, “um pequeno mundo estreito”, onde os laços se
atam, [...]. A linguagem comum homologou o termo “redes” para definir tais estruturas. Elas são mais difíceis de
perceber ao que parece. (SIRINELLI, 2003, p. 246)

Sirinelli dialoga com Pierre Bourdieu, ao discutir o espaço social como produtor cultural. No pensamento
bourdieusiano, os intelectuais constituem-se em agentes atuantes em determinados espaços sociais, em função da
classe, ocupação, ideologia e da posição ocupada no campo intelectual.
Em 1962, no cargo de Deputada Estadual por interesse próprio empreendeu esforços e mobilizou sua rede de
relações pessoais para a organização e financiamento público na criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia
de Mato Grosso em Campo Grande. Nas ações práticas da agente percebemos a atuação de Oliva Enciso como uma
intelectual engajada. Ela mobilizou estratégias e sua rede de relações profissionais e pessoais para estabelecer a rela-
ção entre a “mão esquerda” e a “mão direita” do Estado. Na acepção de Bourdieu (1998), a “mão esquerda” do Estado
compõe-se de um grupo de pessoas denominadas de “trabalhadores sociais” que contribuem para que a ordem social
não desmorone. E a “mão direita” compõe-se pelos burocratas e agências públicas e privadas.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A partir da perspectiva bourdieusiana, analisamos o pensamento educacional em duas vertentes, a primeira,


o agente na apreensão do habitus e capitais, do funcionamento do campo, as práticas, regras do jogo de legitimação e
as estratégias. A segunda, a apreensão das características do momento histórico, os modos de funcionamento e ações
práticas de intelectuais. Os resultados da triangulação de fontes revelam que a trajetória de vida de Oliva Enciso foi
constituída pela formação do habitus religioso. O habitus religioso delineou suas escolhas e projetos educacionais e
sociais. Oliva Enciso imersa no campo religioso exerceu o magistério somente no período de estudante secundarista,
porém acumulou o capital simbólico de educadora e intelectual por sua defesa e atuação na educação pública.
Observamos que o seu pensamento educacional baseou-se na concepção de que a educação se constrói por
meio da formação de professores, cujo papel do professor baseia-se em ensinar, despertar a inteligência e moldar
o caráter de seus alunos. A concepção do aluno abrange o desenvolvimento de sua inteligência, o seu físico e o seu
caráter patriótico. Defendeu a inclusão social por meio do acesso a educação e também, a formação profissional para
ensinar as ciências dos ofícios manuais para o mercado de trabalho atendendo as necessidades industriais e agrí-
colas, dado o contexto de desenvolvimento econômico de Campo Grande. Nas informações produzidas sobre seu
pensamento educacional observamos que seus ideais de educação foram marcados pelo habitus religioso, e também
pelas ações práticas dos educadores João Tessitore Júnior, Miguel Couto e Helena Antipoff, entre outros. Eles são
compreendidos como intelectuais engajados numa mudança social. Mobilizaram ações práticas nas lutas culturais,
educacionais e políticas entre as décadas de 1930 a 1950. Oliva Enciso, ao se relacionar-se com estes agentes, mesmo
que por um período breve, teve sua trajetória mobilizada pelos pensamentos educacionais dos educadores citados.
Oliva Enciso teve o apoio do poder público municipal na fundação da Sociedade Miguel Couto, abertura da
escola rural primária e ginásios da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade e também na difusão do ensino

1117
profissionalizante do SENAI e SESI. Também engendrou esforços pessoais e profissionais para a organização da
APAE e da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Campo Grande, hoje a Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul. A educação tornou-se o fio condutor de sua trajetória pessoal e pública, o acesso ao ensino secundário e a
inserção no campo político permitiram um campo de possibilidades que favoreceu ações práticas de seu pensamento
educacional. A agente mobilizou projetos de ações sociais para oportunizar o acesso à educação para crianças e jovens
em Campo Grande. Desta forma, entendemos Oliva Enciso como uma intelectual engajada que engendrou esforços
para a materialização de instituições escolares com finalidades baseadas na formação primária e profissional dos des-
validos socialmente, entusiasmando o sentimento de nacionalismo e patriotismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Catarina (1912-1950). Gladys Mary Ghizoni Teive (Org.). Florianópolis: Insular, 2014.

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OS ESTUDOS COMPARADOS COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE
PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO- POLITICAS EDUCACIONAIS E
PROFISSÃO DOCENTE

Luciana Cristina Porfírio - UFG/Regional Jataí

Resumo: Este texto busca apresentar as contribuições que a História e a Educação Comparada oferecem para
a pesquisa no campo educacional tendo esta literatura abordagem teórico-metodológica. Parte-se do princípio que a
utilização dos conceitos de “externalização” de Juergen Schiriewer e de “estrangeiro indígena” de Thomas Popkewitz,
como método de análise em torno dos processos educacionais permite ao pesquisador uma análise mais profunda da
complexidade que os envolvem, seja ao longo da história ou no tempo presente. Esse olhar permitiu concluir que,
apesar de haver uma abertura as influências reformistas dos sistemas educacionais mundiais, localmente as práticas
discursivas e as ações passam por hibridização e adaptam-se às necessidades internas de seus sistemas. Essa conclusão
só foi possível pela análise do material didático impresso utilizado em um Programa de Formação continuada de
professores - o PEC-Municípios, cujo objetivo foi investigar a circulação de saberes em torno da profissão docente
apresentada neste material.
Palavras-chave: Estudos Comparados. Politicas educacionais. Formação docente.

INTRODUÇÃO

No primeiro capítulo do livro “Educação Comparada” da Coleção Lourenço Filho, reeditado em 2004 (p.17),
que explica as origens e desenvolvimento do método afirma-se que “comparar é um recurso fundamental nas ativida-
des de conhecer”, e por isso mesmo empregado no esclarecimento de questões teóricas e prática. Malet (2004) destaca
que a Educação Comparada (EC) esteve em voga até meados do século XX, mas foi perdendo seu espaço. Porém, eles
têm readquirido sua importância trazendo outros focos e horizontes em seu campo de análise.
Desde quando se afirmou como disciplina acadêmica distinta, o campo da EC tem se preocupado com a questão
de abordagens e metodologias. Várias décadas têm testemunhado diferenças de ênfase e o século XXI, em particular
tem trazido novas perspectivas, ferramentas e fóruns para intercâmbios acadêmicos. A primeira abrangeu o século
XIX com Marc-Antoine Jullien, de Paris em 1817 com uma orientação científica. Entre as perspectivas novas estão
aquelas que nasceram das forças de globalização e das mudanças no papel desempenhado pelo Estado constituindo
um novo quadro referencial teórico para os estudos comparados. O contexto nacional continua igualmente impor-
tante, mas não se faz mais análises simplistas a partir de comparações transnacionais já que entre os diversos grupos
de interesses antagônicos promovem as mudanças sociais.
O comparatismo transnacional na educação, de acordo com Cordeiro (2015) exerce o papel de ajustamento
da sociedade a um projeto universal de modernidade e progresso, ocupando-se de observar e descrever os sistemas
educativos dos países vistos como mais avançados, com o propósito de oferecer subsídios para as reformas políti-
co-educacionais em outros sistemas, em uma tentativa de estabelecer a “verdadeira” ciência da educação. Para ele, a
comparação vem de longa data, em especial quando se fala em qualidade do ensino, é comum ver discursos políti-
cos, pessoas e mídias comparando esta qualidade que é oferecida em outros países apontados como desenvolvidos e
com educação de bons resultados ao que encontramos aqui no Brasil. Não só em torno dos sistemas de ensino, mas
também é possível observar que o mesmo ocorre em relação a programas de formação profissional docente que im-
portam e adaptam modelos e formatos para o âmbito local, utilizando-se, no geral, das mesmas referências externas.

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Meyer e Ramirez (2002) analisam que ao fazer estas referências externas comparando sistemas educacionais
nacionais nessa perspectiva de representações universais assume um viés de “modernização do país”, como se isso
fosse sinônimo de progresso e a busca de uma posição diante de outras nações. Outros modos de comparatismo
comum são os ranqueamentos nacionais (internos) e o internacionais em que se disseminam resultados de determi-
nadas pesquisas que classificam os sistemas de ensino nos diversos países do mundo.
Ao pensar as políticas educacionais reformistas em torno da profissão docente sobre o ângulo do método
comparado, analisando um material didático específico produzido por intelectuais ligados a universidades de valor
acadêmico reconhecido e formatado para oferecer um conjunto de saberes no menor espaço de tempo a professores
primários em efetivo exercício há mais de duas ou três décadas na profissão, mas que ainda não tinham formação em
nível superior.
O método histórico tratando estes impressos como fontes e os aportes teórico-metodológicos da educação
comparada foram úteis para análise dos conteúdos apresentados nestes impressos. Uma ferramenta que permitiu
refutar as teses de que estes programas são apenas movimentos para que o país se enquadre em políticas neoliberais,
mas que ao se examiná-lo, a partir de um determinado programa local, revelou que não se trata de simples transposi-
ções de modelos exteriores, importados. Tratou-se de um estudo apropriado onde comparações superficiais acabam
fazendo generalizações ao pensamento educacional mais amplo.

A ABORDAGEM COMPARADA

A abordagem comparada se fez essencialmente por meio de duas das suas principais abordagens investigativas,
a primeira, vinculada a alguns autores da universidade de Standford, como Meyer e Ramírez chamados de neoinstitu-
cionalistas, e a segunda, oposta à primeira, pelas contribuições dos estudos de Schriewer, que considera a variedade
das estruturas estabelecidas pelas inter-relações existentes na constituição histórica de cada nação. No campo da for-
mação docente ambas mostraram-se importantes porque refutam os discursos que tendem a explicar as coisas a partir
das teses da subordinação do nacional ao internacional.
Ao investigar os dispositivos no material impresso pôde-se perceber a existência de uma circularidade de dis-
cursos que sincretizaram e hibridizaram os saberes oferecidos, por meio de seleções e apropriações adaptadas ao
perfil dos participantes e para o contexto local, operacionalizando, de certa forma, com aquilo que Shiriewer deno-
mina de “externalizações”. Nesse sentido foi possível apreender algumas das dimensões que enunciam conhecimentos
políticos, epistemológicos e profissionais da profissão considerando-se o conhecimento difundido e seus principais
protagonistas – com o uso da abordagem teórico-metodológica da comparação apoiando-se também nos conceitos
de “estrangeiro indígena” de Popkewitz.
Os conceitos de “externalização” e de “estrangeiro indígena” - mencionados acima foram ferramentas impor-
tantes para entender como se operacionaliza no âmbito local os saberes dispostos aos professores tidos como “leigos”,
analisando-se o conteúdo oferecido então a estes profissionais que, em tese, os tornariam aptos para desenvolver um
ensino de melhor qualidade. Procurou-se a partir deste olhar entrecruzado, observar as fontes documentais utilizadas
– os impressos didáticos, em como o que antes se difundia por meio das feiras científicas, das exposições internacio-
nais sobre os sistemas de ensino, hoje são divulgados por meio da literatura pedagógica e de textos adaptados que as
invocam. Cordeiro (2015, p.144) em seu texto sobre “A educação comparada e a didática” destaca que:

[...] Ao longo dos anos, os modelos dessa educação exemplar variaram, desde os países da Europa Ocidental e os
Estados Unidos, em grande parte do século XX, passando depois para o Japão e, mais tarde, pela Coreia, até chegar
aos países bálticos, em particular a Finlândia, hoje eleita como o mais acabado exemplo do que se deve fazer em
educação. (Schriewer, 2001; Fackler, 2008, APUD, Cordeiro, 2015).

Ao se comparar um Sistema Nacional de Ensino (SNE) ou a programas de Formação de Professores buscando


equivalência, como se, apesar das similaridades realizadas em outros países, eles fossem uma simples importação de
modelos não é suficiente para explicar como eles se desenvolvem em âmbito local. Quando se faz este tipo de compa-

1120
ração é notório o fato de que não só se ignora as bases políticas e ideológicas particulares da constituição de cada Es-
tado-nação, mas também colocam que as experiências dos “outros” como se fossem melhores, podendo ser “imitadas”
para conseguir soluções para os complexos problemas enfrentados no Brasil. Cordeiro (2015, p. 144) complementa
ainda que:

Nessa argumentação, o exemplo estrangeiro aparece como símbolo de progresso, pensado como desejável e, por-
tanto, como exemplo a ser imitado. Do estrangeiro emanam construções ou representações simbólicas que acabam
funcionando como se tivessem validade universal.

É por meio de representações desta natureza que tem aparecido com muita frequência, em âmbito nacional ou
internacional, uma retórica sobre a importância da formação dos professores para garantir a eficácia da educação es-
colar no desenvolvimento geral das nações e, por isso mesmo, tentar espelhar-se nelas, como analisou Warde (2000)
parece ser uma forma de inserção nos esforços desenvolvimentistas que insistem em associar a profissionalização do-
cente à melhoria na qualidade do ensino. Longe de querer refutar a importância destas formações, mas considera-se
relevante dizer que esse discurso é apenas um dos lados da questão “qualidade”, uma vez que ela só pode ser alcançada
com políticas públicas e investimentos financeiros no setor.
Mas o que ocorre é que tal associação tem se consubstanciado em reformas educativas desencadeadas em vários
países. Em virtude do intenso desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, cada vez mais, os
países mantêm relações de interdependência e, em muitos países, programas similares de formação continuada, em
serviço e outras denominações foram “pipocando” pelo mundo. Porém, apesar de haver princípios em comuns entre
estes programas as heterogeneidades são bastante acentuadas.
Um exemplo de que estas propostas e ações não são simples transposições foi o estudo desenvolvido por Bello
(2008) em que ela apresenta um quadro geral sobre as formações oferecidas aos professores nas reformas educa-
cionais na América Latina e Caribe nos anos 1990 e 2000, que tiveram traços comuns, mas algumas especificidades
locais. Ainda que baseados em modelos difundidos na Europa, América do Norte, Canadá, a estrutura e a organização
adotadas em cada nação imprimem suas particularidades a partir dos contextos históricos, político, social, cultural e
educacional no qual estão inseridos.
Por isso mesmo, reforça-se a partir deste trabalho que as comparações entre os modelos de formação adotados
em cada país precisam ser analisados de um ângulo interno, a fim de reconhecer e desvelar não as similaridades, es-
tas difundidas em congressos, literatura e exposições, mas aquilo que as distinguem e os tornam singulares em cada
nação. Nesse sentido, generalizações de nenhuma espécie podem ser admitidas, respeitar as peculiaridades e carac-
terísticas de cada contexto é uma forma de evitar “jargões educacionais” que circulam nos meios sociais, seja local,
nacional ou internacionalmente.

USANDO A COMPARAÇÃO PARA APREENSÃO DOS TRAÇOS INTERNACIONAIS E AS


PECULIARIDADES LOCAIS

Diante de um diagnóstico não muito positivo - via avaliações externas, aumentaram-se os discursos sobre a má
qualidade da educação no Brasil trazendo às práticas discursivas e ações políticas a formação profissional do professor
como uma espécie de salvaguarda para a melhoria desta qualidade. Medidas passam a ser adotadas para viabilizar estas
formações estabelecendo parcerias com as universidades públicas.
Nesse período reformista intensificado no mundo todo a partir da década de 1990, trouxe para o Brasil, em
especial após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 20 de dezembro de 1996,
a necessidade de formação em nível superior para os profissionais da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino
Fundamental que já atuavam nestas modalidades, mas com formação em nível médio.
A partir daí, inúmeras ações em várias partes do território nacional surgem programas oferecendo este tipo
de formação. Estabelece-se a partir de então não só práticas, mas também uma retórica global, nacional e local que
associam a profissionalização docente à melhoria na qualidade do ensino. Ao investigar a circulação de saberes em

1121
um destes programas, a partir do seu material didático o olhar voltou-se para a multiplicidade dos textos e sujeitos
que dele participaram.
Na maior parte da literatura pedagógica sobre formação docente é recorrente o uso de termos que ensejam
uma nova profissionalização, tais como a prática reflexiva, epistemologia da prática, pesquisa-ação, competências,
formação voltada para a resolução de problemas, entre outros. Estes termos podem ser grosso modo, considerados
como tentativas de coesão em torno da formação do professor. Trata-se de ideias que tem organizado o discurso edu-
cacional com foros de cientificidade, tecendo representações em torno de diversos aspectos da educação formal, da
escola, do desenvolvimento infantil, da sua psicologia, dos fundamentos filosóficos, históricos, da própria formação
e prática docente, etc.
A circularidade de ideias vincula-se aos deslocamentos dos sujeitos e as interações sem fronteiras efetuadas e as
trocas compartilhadas. Gruzinski (2001) afirma que há textos e autores que, ao circularem em determinados espaços,
produzem novas sínteses, resultados de apropriações e da circulação de saberes que circunscrevem as práticas forma-
tivas aos interesses propostos pelas reformas políticas.
Em seu conjunto trata-se de uma vasta literatura, produzida por diversos autores, intelectuais de diferentes
instituições e áreas que tem constituído os saberes que são postos em circulação nestes materiais didáticos impressos
de cursos de formação continuada. Apesar da denominação formação continuada, o PEC ofereceu formação inicial
em nível superior, certificando em dezoito meses os professores em efetivo exercício na rede pública paulista. Os
professores doutores das Universidades participantes USP e PUC-SP organizaram o material didático, diagramado
pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV) no formato de cadernos espirais que reuniram textos teóricos e de
atividades práticas elaboradas pelos professores especialistas das áreas e sob a orientação de doutorandos que acom-
panhavam as atividades como professores-orientadores/tutores.
A História da Educação e a Educação Comparada possuem estreitas relações entre si, ou aspectos comuns de
método que, em conjunto permitiu este estudo por meio do tratamento rigoroso das fontes e do olhar entrecruzado
dos saberes que postos nos impressos e que se configurou nesta abordagem comparativa para as pesquisas no campo
educacional, não só porque auxiliam nas compreensões de caráter teórico, mas também para as ações concretas.
Os dados obtidos por meio da análise comparativa permitem compreender nossos sistemas diante dos outros e
as peculiaridades que nos distinguem, aprendendo-lhes os contornos para entender suas razões, propósitos e resulta-
dos. Popkewitz (2002, p.235-236) é quem vai auxiliar para entender os modos como se realizou a análise. De acordo
com ele, na política nacional, é habitual que alguns nomes, os “heróis do progresso”, sejam estrangeiros e sejam imor-
talizados nos esforços de reforma:

Los nombres de los autores extranjeros, por ejemplo, aparecen em los debates nacionales como señales de progres-
so social político y educativo. John Dewey, el filósofo estadounidense de princípios del siglo XX y Lev Vigotsky, el
psicólogo ruso, por ejemplo, se han convertido em iconos de las reformas educativas que circulam entre muchos
países. Dewey y Vigotsky aparecen como héroes universales para explicar los “nuevos” princípios de la pedagogia
em Sudáfrica, España, los países escandinavos y en el mismo Estado Unidos, entre otros países. En las tradiciones
de la teoría social crítica, los nombres del filósofo social alemán Jurgen Habermas, del brasileño Paulo Freire, del
filósofo francés Michel Foucault y de la teórica social alemana Hanna Arendt, entre otros, se insertan en los de-
bates nacionales para aportar principios favorables al cambio social y, en algunos casos, la planificación educativa.

Então, os heróis e heroínas que circularam como parte dos discursos globais da reforma existe nos debates
e programas nacionais como estrangeiros indígenas e são invocados para abençoar a reforma social local, como o
anúncio da modernidade e do progresso que dela advém. Por isso, o ponto de análise engendrado, após o mapeamen-
to descritivo das fontes, foi levantar as categorias discursivas selecionadas, utilizadas e mobilizadas nos documentos
do programa.
No passado, como bem apontou Warde (2000), a identidade nacional era articulada pelas concepções de nação
e cidadania, pautadas em noções americanizadas trazidas pelos viajantes das exposições internacionais. Atualmente,
a reestruturação do ensino e da formação do professor traz representações sobre a figura do professor que produzem

1122
um conjunto de ideias sobre sua participação, reflexão, pesquisa e saberes, que, embora pareçam globais, adquirem
sentidos locais específicos.
Do ponto de vista discursivo, no entanto, elas tentam modelar a personalidade e o conhecimento, por meio
da incorporação de princípios que organizam o raciocínio dos professores e, consequentemente, suas capacidades
de agir ou fazer na educação. Pensar os vários programas que existiram no mundo e em todo território nacional e
nos materiais produzidos em cada um deles, auxiliariam na composição de estudos futuros que pudessem mapear os
contornos em nível regional, nacional e global sendo uma contribuição útil à pesquisa educacional.
As reformas foram sendo desenvolvidas ao longo do século XX em diferentes países e momentos históricos:
nos Estados Unidos desde a década de 30; no Canadá e Inglaterra nos anos 60; Austrália nos anos 70; México, In-
glaterra e Brasil, a partir da década de 80; França e Bélgica e em vários outros países da América latina nos anos 90.
Apesar das especificidades de cada momento histórico e nação elas tendem a manter algumas formas classicamente
estabelecidas, tais como, a aprendizagem do ofício na prática, valorização da experiência, a importância da reflexão
na ação e para a ação, que coincidem com as conclusões de muitas pesquisas realizadas na França e em outros paí-
ses (Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, etc.) sobre as práticas pedagógicas dos docentes. (TARDIF; LESSARD
2000; 2001; 2002; 2008)
Na América do Norte, em vários Estados, e na Europa o movimento atual de profissionalização do ensino que
se deu a partir da década de 90 seguiu a perspectiva de elevar os padrões de formação do professor visando o aperfei-
çoamento de seus quadros e a elevação da qualidade de ensino. O discurso veiculado nesse empreendimento recorreu
a algumas crenças e ideias sobre o que é ser professor, as competências e as características necessárias para o exercício
da profissão.
Parte desses enunciados veicula que, conforme as sociedades vão sofrendo alterações os conhecimentos e as
práticas dos professores também se alteram, exigindo ações, normalmente ligadas à ação estatal que ensejem essa pro-
fissionalidade seja nos cursos de formação inicial ou continuada. Em virtude dessa especificidade surge uma proposta
formativa ligada ao trabalho e à produção de si mesmo como profissional, que será derivada da função que ocupa e
articulada às experiências adquiridas seja no âmbito pessoal, durante a formação ou no próprio exercício da docência.
É comum, encontrar na literatura educacional a ideia de que para atender as diversas exigências sociais, políticas,
pedagógicas e culturais que se impõem à tarefa profissional docente, é preciso rever as concepções e práticas que
orientam o seu trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos impressos mostrou-se reveladora de aspectos importantes de uma nova cultura profissional que
procurou instituir e reconstituir identidades, valores e ideias e se configurou como uma fonte de elaboração e divul-
gação do discurso pedagógico, evidenciando práticas específicas de construção e publicação de conhecimentos sobre
educação. Uma formação realizada em determinadas estruturas organizacionais que fizeram circular conhecimentos
selecionados e elaborados por especialistas de diversos campos que acabou produzindo um quadro discursivo de na-
tureza científica que, associado a outros conhecimentos, como os oriundos da própria prática, buscaram reconfigurar
o estatuto profissional dos professores.
Os Estudos Comparados contribuíram para desvelar as práticas formativas que funcionaram como reguladoras
das políticas públicas educacionais em um determinado Estado. Recorrer a esse tipo de abordagem foi uma forma de
evitar posturas maniqueístas e refutar macro explicações que tendem a reduzir tudo à lógica neoliberal internacional.
A formação continuada são espaços de externalizações que visam garantir coesão sobre a profissão docente. A com-
paração exige a interpretação de sentidos para que o local e o global possam ser vistos como fenômenos interdepen-
dentes, conforme aponta Canário (2006) e Nóvoa (2005).
Do ponto de vista das escolhas teórico-metodológicas feitas aqui, buscou-se enfatizar os estudos comparados
em educação como ferramenta útil de análise, capaz de fornecer os subsídios teóricos que auxiliam na compreensão
dos processos consolidados pelas políticas públicas educacionais. Compreender o sentido dessas políticas e suas ações

1123
permitiu outro olhar sobre essas reformas tal como se materializam nacional e localmente ainda que tenham como
fontes de inspiração outras nações.
A visibilidade e importância destas novas perspectivas teóricas e práticas foi a de pensar em alternativas de
análises que escapassem das abordagens deterministas, as quais insistem na existência de uma conspiração neoliberal
e simplificam em demasia esses processos, ao restringir suas análises à pura importação de modelos formativos e
educacionais exteriores.
Ao analisar as práticas discursivas dos materiais em um Programa de formação docente, sob o enfoque da
educação comparada, foi fundamental operacionalizar o conceito desenvolvido por Schriewer (2001) de que há uma
“externalização” de situações mundiais, cujas práticas formativas locais, ao serem analisadas, concretamente, podem
demonstrar como as influências internacionais são reinterpretadas. As reflexões sobre a educação e, mais especifica-
mente, sobre as práticas de formação de professores, analisadas por meio da externalização, ofereceram os subsídios
teóricos para melhor conhecer e entender as experiências locais.
Uma das características discursivas que se impôs sobre a formação profissional docente nos materiais foi o
caráter prescritivo e salvacionista. Não obstante, a educação sempre foi (e ainda é) associada a um projeto de nação
moderna, democrática, cidadã, utilizada como base para os projetos reformistas do país. Logo, a formação oferecida
nestes contextos só pode ser apreendida por meio de interconexões ou “externalizações” que estabelecem com au-
tores, textos, teorias e ideias que circulam mundialmente, mas que, em âmbito nacional, funcionam como sínteses
adaptadas ao contexto nacional ou local – os “estrangeiros indígenas”.
Realizar um estudo em torno da formação de professores na perspectiva da comparação contribuiu para identi-
ficar os mediadores culturais, isto é, autores, intelectuais, seus textos e suas ideias que foram trazidos e materializados
e ali colocados para circulação dos professores em formação. A análise dos cadernos impressos – fonte documental da
pesquisa permitiu entender a difusão dos discursos dos especialistas no campo da educação que legitimam determi-
nadas formas de pensar e falar sobre educação.
A educação comparada olha o mundo como um texto, observando as complexas relações entre saberes e po-
deres, que instituem modos de pensar e agir mediante os sentidos que atribuem aos saberes e imaginando ou (re)
imaginando comunidades. A expressão negociação científica é resultante das relações estabelecidas entre a produção
de conhecimento feita pelos especialistas nas universidades e a sua circulação. Os textos atuaram como mediadores,
no desenvolvimento das relações internas e entre as diversas instituições, descrevendo novas coalizões. Os saberes
transmitidos pelas coalizões feitas entre esses especialistas, oriundos do campo acadêmico, professores e as instâncias
públicas, organizaram um determinado discurso para a educação.

Referências

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1125
OS JOGOS INTERNOS DA UFG NA DÉCADA DE 80 SOB A ÓTICA
DA IMPRENSA GOIANIENSE

Ana Lúcia Junger da Fonseca Alves - UFG

Resumo: A pesquisa, de caráter histórico, tematiza a trajetória da educação física e dos esportes no ensino su-
perior na década de 80 – quando vigorava a obrigatoriedade da disciplina em todos os cursos estabelecida pelo regime
militar – através de uma análise da cobertura dos Jogos Internos da Universidade Federal de Goiás, que aconteceram
de 1982 a meados da década de 90, feita pela imprensa local na época. A problematização da pesquisa é simples: como
foi a cobertura da imprensa goianiense sobre os Jogos Internos da UFG na década de 80? E tem por objetivo realizar
uma investigação sobre como a imprensa da época cobria a competição, para, a partir daí, compreender quais assun-
tos eram mais relevantes, apareciam com menos ou mais frequência; detectar possíveis impressões sobre possíveis in-
tenções com essas quantidades; traçar os perfis dos jornais que publicavam sobre os jogos; e produzir entendimentos
e compreensões sobre o desenvolvimento histórico das práticas esportivas em Goiás. O recorte temporal, embora os
jogos tenham tido um número maior de edições, abarca os eventos de 1983 a 1988. As fontes de pesquisa, compostas
por periódicos da imprensa da época (noticiário urbano de jornais de Goiânia); fontes iconográficas (fotografias, car-
tazes e folders), Relatórios técnicos dos Jogos Internos da UFG; e fontes orais, fazem parte do acervo preservado do
Centro de Memória e História FEFD/UFG. O estudo das fontes foi inspirado pelas técnicas da análise de conteúdo e
o que pôde se perceber após a coleta, categorização e interpretação das fontes é que assuntos como eventos de aber-
tura, por exemplo, recebiam uma atenção muito maior do que a competição propriamente dita, não por acaso era um
momento de muito protesto, tanto pela classe estudantil, quanto pelos servidores da universidade.
Palavras-chave: imprensa; esporte goiano; ensino superior

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa, de caráter histórico, aborda a cobertura feita pela imprensa goianiense acerca dos Jogos Internos
da Universidade Federal de Goiás de 1983 a 1988. O evento, que aconteceu nas décadas de 1980 e 1990 na capital
goiana, contou em sua trajetória com a participação de milhares de inscritos dentre alunos (de todos os cursos e do
Colégio de Aplicação da UFG), servidores e professores da UFG, e embora tenha movimentado a cidade por tantas
edições, há uma escassez de informações sobre o evento nas produções que tratam da história do esporte goiano, e
dessa falta surgiu a necessidade de analisar os periódicos que mencionam a competição com a intenção de ampliar e
preservar memórias sobre a história do esporte universitário e da educação física no estado de Goiás.
O objetivo principal é analisar a cobertura da imprensa goianiense acerca dos Jogos Internos da UFG de 1983 a
1988. Para tanto é necessário descrever as categorias de assuntos que estavam presentes nas matérias sobre os Jogos;
Avaliar a quantidade de publicações sobre o evento; quantificar a frequência com que as categorias apareciam nas
publicações.
Dentre as fontes de pesquisa estão, portanto, a imprensa periódica (noticiário urbano de jornais de Goiânia);
fontes iconográficas (fotografias, cartazes e folders) recortes de jornais da época e relatórios técnicos; fontes orais, tais
como: entrevistas com ex-professores de educação física da UFG nos anos 1980 e 1990, relatos e narrativas de ex-es-
tudantes da instituição supracitada. As fontes de pesquisa fazem parte do acervo preservado do Centro de Memória
e História FEFD/UFG, lócus que preza por mapear, recolher, documentar, preservar e difundir fontes históricas no
campo da educação do corpo, educação física e áreas afins.

1126
Utilizando-se do método histórico, que segundo Prodanov (2013, p. 36) tem como foco a investigação de acon-
tecimentos ou instituições do passado com a finalidade de averiguar sua influência no tempo presente, a pesquisa per-
corre as etapas de identificação de fontes, estudo das fontes e a escrita de um texto. O estudo das fontes foi inspirado
pelas técnicas da análise de conteúdo (BARDIN, 2006; TRIVIÑOS, 1987).

JOGOS INTERNOS DA UFG (1983 A 1988): UM ESTUDO DA COBERTURA JORNALÍSTICA

Os Jogos Internos da Universidade Federal de Goiás (UFG) foram competições esportivas universitários reali-
zados pela Coordenação de Educação Física e Desportos da UFG (CEFD/UFG) integrando o escopo da obrigatorie-
dade legal da prática de educação física na educação superior instituída no Regime Militar por meio do Decreto-Lei
no 69.450, de 01 de novembro de 1971. Os Jogos contavam, anualmente, com a participação de centenas de parti-
cipantes entre estudantes, funcionários e professores da UFG - e a partir de 1988 também de estudantes do Colégio
de Aplicação (atualmente Centro de Pesquisa e Estudo Aplicado a Educação -CEPAE), mudança que causou reações
diversas e mereceu várias menções nas notícias relacionadas aos Jogos naquele ano.
Na verdade, o primeiro evento de natureza esportiva a acontecer na UFG foi a Primeira Fartlek em junho de
1982, organizado e realizado pela CEFD/UFG. Daí nasceu a ideia de organizar os Jogos Internos na UFG. Quem nos
conta essa história, através de uma matéria publicada no Caderno Esporte da edição de 12 de agosto do Jornal da
Universidade, é o professor Antônio Celso Ferreira da Fonseca, coordenador de cinco edições do Jogos Internos da
UFG. O evento foi realizado anualmente entre os anos 1983 e 1991, inicialmente contando com financiamento do
Ministério da Educação e Cultura (MEC) e, depois de 1988, continuado pela CEFD/UFG sem o apoio econômico do
governo federal e da própria Universidade.
Há indícios que parte do financiamento para a realização dos eventos originava-se do bolso dos próprios pro-
fessores que trabalhavam na CEFD/UFG além de estabelecimentos de operações e ações marcadas pela falta e pela
improvisação. Um dos aspectos marcados pela falta de condições era que a UFG não desfrutava de uma estrutura
esportiva adequada para um evento desse porte (e para a prática esportiva) e as várias modalidades eram disputadas
de forma descentralizada em diversos espaços esportivos da cidade, como o Clube Antônio Ferreira Pacheco, a Escola
Superior de Educação Física do Estado de Goiás (ESEFEGO), o Ginásio Rio Vermelho e também na quadra de espor-
tes da Faculdade de Engenharia da UFG, localizada no Campus da Praça Universitária (PINTO; MUNIZ, 2015). Os
espaços e equipamentos para a prática da educação física na UFG foram sendo construídos, morosamente, a partir de
1982, mas não com as condições necessárias para abrigar competições esportivas (OLIVEIRA, 2016).
A utilização da imprensa como fonte documental em uma pesquisa historiográfica é justificada por suas parti-
cularidades. Ela é farta em dados, fatos e elementos, e para certos recortes temporais, é uma das únicas maneiras de se
reconstituir a história, proporcionando um melhor entendimento das condições de vida, culturas, aspectos políticos
e outros elementos de determinada sociedade. A opção pelo uso da imprensa periódica como fonte de pesquisa histó-
rica foi balizada pela compreensão que a imprensa pode possibilitar ampliação do conhecimento sobre as sociedades,
especialmente, ao nível de suas condições de vida, manifestações culturais e políticas. Zicman (2012, p. 90) aponta
três várias vantagens da utilização da imprensa como fonte documental da história:

a) periodicidade: os jornais são “arquivos do quotidiano” registrando a memória do dia a dia, e este acompanha-
mento diário permite estabelecer a cronologia dos fatos históricos; b) disposição espacial da informação: para cada
período tem-se a possibilidade de inserção do fato histórico dentro de um contexto mais amplo, entre os outros
fatos que compõem a atualidade; c) Tipos de censura: diferentemente de outros tipos de fontes documentais, a im-
prensa sofre apenas a censura instantânea e imediata. Sob este aspecto mesmo as coleções de arquivos são menos
interessantes pelo fato de sofrerem quase sempre uma triagem antes de serem arquivados.

O uso de fontes originárias da imprensa periódica tem também sido valorizado no campo da história da edu-
cação sinalizando para a apropriação de um tipo de fonte que, até recentemente, não era mobilizada para estudar a
escola e os processos educacionais não escolares a partir da história. De acordo com Nóvoa (2002, p.11), “a análise da

1127
imprensa permite apreender discursos que articulam práticas e teorias, que se situam no nível macro do sistema, mas,
também no plano micro da experiência concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo que denunciam
situações do presente”.
Nesta direção, ainda com Nóvoa (2002), entendemos que a imprensa periódica contempla múltiplos atores so-
ciais representando ligações entre o Estado e a vida cotidiana dos cidadãos, o que indica que especialmente os jornais
podem expressar valores sociais e informar educando e/ou manipulando os indivíduos para determinadas formas de
organização social e cultural. Para Nóvoa (2002, p. 31),

As suas páginas revelam, quase sempre a “quente”, as questões essenciais que atravessaram o campo educativo
numa determinada época. A escrita jornalística não foi ainda, muitas vezes, depurada das imperfeições do quoti-
diano e permite, por isso mesmo, leituras que outras fontes não autorizam.

Para o pretendido no capítulo, foram recolhidas e estudadas fontes impressas no Centro de Memória e História
da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (CEMEHIS FEFD/UFG)1. Esse material compõe
os Relatórios Técnicos que registraram e esquematizaram cada edição dos jogos e que, por sua vez, eram uma exigên-
cia do Ministério da Educação e Cultura (MEC) que financiava o evento no escopo da legislação federal que tornou
obrigatória a prática de educação física nos cursos de graduação das universidades brasileiras.
A retirada do financiamento do MEC - ocorrida após a Constituição de 1988 que extinguiu a obrigatoriedade
legal da prática da educação física na educação superior - justifica, inclusive, o recorte tratado neste trabalho (1983-
1988) dado que a retirado do MEC daquele contexto ocasionou grandes dificuldades para a realização dos Jogos tendo
como uma de suas consequências a não produção dos Relatórios Técnicos, exigidos pelo MEC a título de prestação
de contas, das últimas edições dos Jogos. Não foram encontrados Relatórios Técnicos - e o noticiário pertinente -
relativos aos Jogos Internos da UFG dos anos de 1989, 1990 e 1991 (última edição do evento) no CEMEHIS, o qual
preserva um acervo documental destes eventos composto por periódicos, livros, boletins, fotografias, troféus e me-
dalhas, entre outros.
Tal documentação foi digitalizada logo no primeiro contato para que pudessem ser constantemente consulta-
dos sem que a manipulação prejudicasse seu estado de conservação. Quanto a organização das fontes para estudo, de
início, foi feita uma organização cronológica das fontes, etapa que permitiu ter uma visão panorâmica dos aconteci-
mentos e, portanto, constituindo já uma pré-análise das fontes.
A partir daí foi possível continuar o processo de estudo e interpretação das fontes através da identificação
dos títulos das publicações e do desenredar dos textos que ensejou a produção de pequenas descrições temáticas de
cada matéria, o que possibilitou constituir algumas categorias de análise. Optou-se por trabalhar com as categorias
recorrência e singularidade para realizar uma análise o noticiário sobre os Jogos Internos da UFG (1983-1988) pos-
sibilitando identificar temas e assuntos que mais chamaram a atenção da imprensa local bem como detectar questões
únicas, incomuns pela sua singularidade. A análise realizada trabalhou com o cruzamento entre aquilo que se repete
e aquilo que é único. A expectativa aqui posta é de identificar temas e questões que noticiário jornalístico estava co-
locando aos olhos da sociedade goianiense para, em última instância, compreender como a imprensa periódica local
retratou as competições esportivas universitárias em um período de distensão e fechamento do ciclo de autoritarismo
implantado no Brasil pelo Regime Militar a partir de 1964.

MAPEANDO AS QUANTIDADES: UMA CONTABILIDADE DOS TEMAS E QUESTÕES

O que as quantidades nos dizem sobre temas e questões postas pela imprensa periódica para a sociedade goai-
niense sobre a educação física, esporte e a universidade? Em busca de respostas possíveis a esta questão norteadora
foi feito o balanço quantitativo das matérias jornalísticos identificando temáticas e questões por elas destacadas a

1 O Centro de Memória e História FEFD/UFG é um lócus que preza por mapear, recolher, documentar, preservar e difundir fontes históricas
no campo da educação do corpo, educação física e áreas afins.

1128
partir da exposição panorâmica das fontes em quadro que recortou data, veiculo/jornal e título da publicação e da
produção de uma sucinta descrição temática dos textos.
Foram contabilizados 62 textos jornalísticos publicados em um total de 05 jornais, qual sejam jornal O Popular,
jornal Diário da Manhã, jornal Folha de Goiás/Folha de Goyaz2, Jornal da Segunda e Jornal da Universidade. À pri-
meira vista, o desenrolar das competições, nível técnico dos atletas e competições e resultados dos jogos que foram
noticiados em 27 textos sendo seguida de notícias e editoriais sobre as cerimônias de abertura dos Jogos Internos da
UFG que apareceram em 17 textos. Um espaço significativamente mais reduzido foi dado à questão do financiamento
e das condições materiais para a prática de educação física e esportes na UFG e, especialmente, dos Jogos Internos.
Contudo, olhando as contabilidades com maior cuidado é possível pensar que, como acontecimentos únicos
em cada competição, as cerimônias de abertura ocorreram apenas 05 vezes enquanto as competições e jogos, por
exemplo, foram realizadas as centenas. Relativizando os números, pode considerar que as aberturas dos Jogos Inter-
nos da UFG podem ser consideradas a temática mais largamente coberta pelos jornais da capital goiana.
A recorrência de notícias sobre aqueles momentos que iniciavam os Jogos Internos da UFG parece expressiva
de um recorte jornalístico que recaiu muito menos sobre o dia a dia dos jogos e competições sediadas pelos eventos
e muito mais sobre o cerimonial, o espetacular e o festivo representado nas atividades de abertura dos Jogos Inter-
nos, se considerarmos que os períodos de disputas eram muito mais longos do que o da cerimônia. Pode-se também,
conforme alerta Sobrinho (2004, p. 1) cogitar que estava em curso a transformação do lema olímpico “o importante
é competir” transformou-se em “o importante é aparecer na mídia” e, neste sentido, ao centralizar estes aspectos -
cerimoniais, espetaculares, festivos - acaba por secundarizar o propriamente esportivo.
O desenrolar das competições, que abarca vários assuntos, foi também um tema profusamente abordado pe-
los títulos jornalísticos compondo 27 textos. Foram abordados aspectos como nível e qualidade técnica dos atletas
universitários, as rivalidades históricas entre equipes de cursos da UFG, o resultado das contendas esportivas, as
infrações disciplinares e respectivas punições, datas e tabelas de jogos e outras competições e também a presença e
participação de uma plateia assistente. Aqui se pode observar um foco mais objetivo e pragmático que procura infor-
mar o acontecido em ginásios, quadras e piscinas.
O tema das condições materiais e do financiamento do esporte universitário aparece em apenas um título cons-
tituindo a singularidade deste conjunto de fontes: o texto intitulado “São Francisco e os pobres da UFG” sinaliza para
um lugar de pouco prestígio do esporte na Universidade, o que - de certa forma - contradiz a centralidade do ceri-
monial, do espetacular e do festivo na cobertura jornalística daqueles eventos. De certa forma, na pouca atenção dada
a esta dimensão do financiamento do esporte universitário em contraponto ao destaque às festividades e conquistas
técnico-esportivas sinalizam que os veículos da imprensa goianiense sobressaia a divulgação dos feitos do Estado.
Pode-se dizer, neste sentido, que estavam sintonizados com as tendências do mundo editorial e jornalístico de então
e afinadas ao papel político e ideológico que o Regime Militar atribuiu ao esporte já que, segundo Fraga (2011, p. 3),

Pensar na utilização política das conquistas esportivas pelo Estado é algo que nos remete não somente à popu-
larização e ao ordenamento das atividades físicas como um todo (e, em nosso caso específico, do futebol), mas
também à materialização de um instrumento capaz de operar a conexão entre estas três esferas (o Estado, o povo
e as atividades esportivas).

A imprensa goianiense parecia impulsionada por uma perspectiva que relacionava esporte e lazer na feitura de
um jornalismo esportivo que, promovendo um hiato lúdico no cotidiano da cidade, criava certas condições para di-
recionar e informar sobre valores e comportamentos de seus leitores. O jornalismo esportivo a partir dos anos 1980,
por sinal, foi se constituindo como prática de informação e entretenimento e lazer por influência da televisão confor-
me afirma Sousa (2005, p. 3). Porém, estava em curso uma ativa articulação entre o Estado, o esporte e o jornalismo
esportivo visando o alcance de certo ordenamento das práticas corporais pela população brasileira, esta vista conco-
mitantemente como praticante de atividades físicas e expectadora e aprendiz do esporte competitivo e dos valores
que lhe são historicamente associados: disciplina, respeito às regras, contenção dos impulsos e pulsões, entre outros.

2 Foram encontradas as duas formas para nomear o Jornal.

1129
OS JOGOS INTERNOS DA UFG: A HISTÓRIA CONTADA PELOS JORNAIS

No decorrer da leitura das fontes, foi possível construir uma espécie de padrão composto por três blocos de te-
mas principais que, por sua vez, se dividem em categorias de notícias. São eles: cobertura das cerimônias de abertura,
o desdobramento da competição e financiamento.
Sobre as cerimônias de abertura dos Jogos Internos, o destaque recaia sobre o desfile dos cursos de graduação,
das delegações esportivas. Tais desfiles, assim como as disputas em as modalidades esportivas, também faziam parte
dos componentes de pontuação da competição para todas as delegações. Portanto, a competição entre as equipes ini-
ciava já na cerimônia de abertura. Em vários episódios, estudantes de cursos que consideravam os seus desfiles como
os mais criativos e bem executados, não aceitando a decisão do júri e entravam com recursos para tentar reverter a
decisão.
Os periódicos demonstravam certa parcialidade ao concordarem ou não com esses protestos e não raramente
declaravam sua predileção pela apresentação de uma ou outra equipe. A cobertura jornalística dava atenção especial a
esse quesito, não só devido aos temas das apresentações serem escondidos a sete chaves pelas equipes até o momento
do desfile, despertando a curiosidade de quem quer que participasse ou acompanhasse os Jogos, mas por muitas vezes
serem motivos de polêmica e protestos envolvendo os resultados.
Nos desfiles, as delegações faziam apresentações artísticas e culturais - que eram avaliadas por júri formado por
professores e professoras do CEFD/UFG - a partir de temáticas livremente escolhidas por cada curso.
As temáticas escolhidas pelos cursos para suas apresentações nos desfiles eram variadas, de narrativas históricas
a acontecimentos marcantes daquele momento, como foi o caso da apresentação do curso de medicina na abertura
dos Jogos de 1988, que retratava o grave acidente radioativo com o Césio-137 acontecido em Goiânia no ano ante-
rior. A competição do desfilo daquele ano foi vencida pelo Colégio de Aplicação, ficando o desfile da Medicina em
segundo lugar. O jornal O Popular, que considerou o resultado do desfile injusto, dedicou atenção especial à apresen-
tação na matéria intitulada “Aplicação em 1º. Medicina faz protesto” do dia 1º de outubro de 1988.
Além de declarar o início dos Jogos, as Cerimônias de Abertura também eram notadamente utilizadas como
forma de obter visibilidade para diversas reivindicações dos mais variados grupos. Como por exemplo, o protesto
dos estudantes de Comunicação Social na edição de 1985 descrita na matéria de título “Protestos marcam início da
Olimpíada” de 28 de setembro de 1985:

Verificaram-se, durante o desfile das equipes, muitos protestos e os alunos do curso de Comunicação Social desfi-
laram de costas como forma de protestar contra o não reconhecimento do curso de Rádio e Televisão.

Os periódicos também citam diversas vezes a União Nacional dos Estudantes (UNE), inclusive sobre a ausência
da bandeira da mesma na cerimônia de abertura dos Jogos de 1985, pontuando que naquele momento a entidade aca-
bava de se tornar legal através de um projeto votado na câmara dos deputados. Sobre a presença da UNE na cerimônia
de abertura da edição de 1983, o jornal Diário da Manhã cita, na matéria “Olimpíada da UFG é aberta com desfile” de
05 de novembro de 1983, a condução da bandeira da entidade no desfile e a matéria “UFG abre olimpíada com bonita
festa” do jornal O Popular do mesmo dia nos conta que:

As torcidas organizadas das faculdades de Engenharia, Veterinária e Agronomia algumas vezes interromperam o lo-
cutor na abertura, gritando o slogan da União Nacional dos Estudantes: “A UNE somos nós, nossa força e nossa voz”.

O professor Edward Madureira, então estudante do curso de agronomia, foi um dos atletas participantes dos
Jogos Internos da UFG nos anos 1980, jogando futebol. Em entrevista concedida a profª. Rubia-Mar Nunes Pinto
(preservada no CEMEHIS), Edward relata que a participação estudantil nas competições não afastava os jovens da
militância política. Ao contrário, ele realça que os mesmos estudantes que ali estavam competindo esportivamente
também envolvidos em lutas estudantis gerais e específicas.

1130
Um segundo bloco de destaques postos pelo noticiário é composto por textos que informam sobre as compe-
tições esportivas propriamente ditas. Neste sentido, pôde-se perceber que havia diferenças no espaço dedicado aos
resultados das disputas de uma edição para outra.
A exemplo, nos Jogos de 1987 muito pouco se abordou sobre o assunto, já no ano seguinte, 1988, a impressão
e de que cada resultado importava e merecia ser detalhadamente informado ao leitor. A matéria de majestosos nove
parágrafos intitulada “Aplicação e Veterinária venceram na natação” impressa no jornal O Popular do dia 02 de ou-
tubro de 1988, que versa sobre o incrível resultado do estreante Colégio de Aplicação nos Jogos Internos da UFG, os
demais resultados da modalidade e mais protestos durante a competição.
Os resultados finais dos Jogos - que identificava a delegação campeã em cada modalidade e o campeão geral dos
Jogos - recebia também especial atenção, estando presente em quase todas as edições dos Jogos.
Assim como acontecia com a divulgação dos resultados das competições, quando o assunto era programação
os jornais demonstravam total ou nenhum interesse a depender da edição. Nas coberturas mais completas é possível
encontrar informes inclusive sobre os prazos e o que mais envolvesse as inscrições, notícias sobre congressos técnicos
e coquetéis de lançamento, adiamentos ou mudanças de locais das disputas, e, como na matéria “Olimpíada da UFG
é aberta com desfile” com o subtítulo “competições de hoje” do jornal Diário da Manhã de 05 de novembro de 1983
encontrada na página 13, a programação completa contendo horários e os respectivos locais das competições do dia.
A rivalidade entre cursos era assunto constantemente mencionado na cobertura dos Jogos Internos pela im-
prensa. Sobre o assunto, o Jornal da Segunda em sua matéria “Engenharia em 1º. Servidores também, de 15 de se-
tembro de 1986, publicou:

“Chora, Medicina, chora!” Esses gritos da pequena mas barulhenta torcida da Faculdade de Direito marcaram o
final dos 5º Jogos Internos da Universidade Federal de Goiás, ontem à noite, no ginásio da Esefego. A última par-
tida da competição foi disputada entre os acadêmicos de Direito e da Faculdade de Medicina em jogo de voleibol
masculino. Foi uma partida bem disputada, mas em que prevaleceu a maior garra e o maior volume de jogo dos es-
tudantes e exegetas das leis. A Faculdade de Direito apresentou maior variação tática de jogadas, melhor bloqueio,
levantamentos precisos e cortadas fatais. [...] Sobre os jogos, Neilton, um dos destaques do time [do Direito], assim
se expressou: “Não houve jogos sujos. Na partida final, só acreditei na vitória quando fechamos o último set””

Várias publicações discorriam sobre assuntos que envolviam medidas punitivas a atos de indisciplina e até
mesmo de agressões físicas durante as disputas. Escolhi o que me chamou mais atenção dentre todas elas para exem-
plificar como eram tratados pela imprensa. No dia 22 de setembro de 1986, o Jornal da Segunda traz em sua página
18 a matéria “Tribunal suspende agressores” que conta que:

O Tribunal Especial dos 5º Jogos da Universidade Federal de Goiás se reuniu, na última, semana, a fim de julgar
os atletas indiciados em faltas graves durante a competição. Foram julgados Enoque Sales, Mauro Sebastião, Elson
Lima, Paulo César de Souza e Henrique da Costa, todos da equipe dos servidores e que se envolveram em inciden-
tes e foram expulsos no jogo de futebol de campo contra a faculdade de Engenharia.
Enoque atingiu um adversário e foi suspenso por 20 dias. Mauro Sebastião dirigiu palavras agressivas ao árbitro
Vilmar Aris, sendo apenado com 30 dias de suspensão das atividades esportivas. Elson Lima atingiu um adversário
com cotoveladas e chutes. Após ser expulso atingiu o árbitro com um soco na cabeça. O Tribunal especial lhe apli-
cou uma suspensão de 305 dias. Paulo César aplicou chutes e cotoveladas em um atleta da Engenharia. Foi expulso
e também agrediu o árbitro com um chute na perna. Os membros do Tribunal, aplicaram-lhe pena de suspensão
por 395 dias.

Acerca do tema financiamento duas categorias foram identificadas: Recurso do Estado e Patrocínio da inicia-
tiva privada. As diversas edições dos Jogos receberam apoios das mais variadas naturezas, seja de órgãos do estado,
seja de empresas privadas. Um fato que me despertou surpresa em particular foi a Cervejaria Antárctica ter sido a
grande patrocinadora da edição dos Jogos de 1985, iniciativa noticiada em duas matérias no jornal O Popular sobre
a cerimônia de abertura do evento: “IV Olimpíada da UFG será aberta amanhã à noite” de 26 de setembro de 1985
e “UFG vai abrir esta noite IV Olimpíada” de 27 de setembro de 1985. A empresa dava nome, inclusive, ao troféu

1131
de campeão geral masculino da competição, recebido pelo curso de Engenharia, como nos informa a publicação do
Jornal O Popular de título “Engenharia campeã da IV Olimpíada” do dia 13 de outubro de 1985.
O Ministério da Educação e Cultura era o financiador de maior relevância das competições, entretanto, uma
crônica publicada no Jornal da Segunda em 15 de setembro de 1986 denuncia o estado ínfimo em que se encontrava
a UFG em relação a sua estrutura esportiva e a forma insustentável com que os Jogos Internos eram realizados.

CONCLUSÃO

A cobertura jornalística acerca dos Jogos Internos da UFG de 1983 a 1988 demonstra pontos em comum e dis-
tintos de uma edição para a outra. O padrão que parece se repetir é a atenção especial dada ao espetáculo que envolvia
a cerimônia de abertura, mais até do que assuntos que envolviam as próprias disputas. Em algumas edições notava-se
uma preocupação maior com a programação e resultados do que em outras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, [S.l.], v. 4, out. 2012. ISSN 2176-2767. Acessado em: 01/04/2019.
Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12410/8995>.
NÓVOA, António. A imprensa de Educação e Ensino: concepção e organização do repertório português. IN: CATANI, Denice
B.; BASTOS, M. Helena C. (orgs.). Educação em Revista: a imprensa periódica e a História da Educação, São Paulo: Escrituras,
2002, p. 11 – 31.
PINTO, R. N.; MUNIZ, V. H. R. Uma prática fora do lugar: educação física e esportes na UFG (1973-1983) In: III Encontro de
História da Educação da Região Centro-Oeste. Anais eixo 3. Catalão, 2015. p. 687-699.
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SOUSA, L. C. S. Futebol, imprensa e ditadura: das formiguinhas de geisel à abertura de Telê. In: Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011, pp. 1-17.
Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300985039_ARQUIVO_DasformiguinhasdeGeisel.pdf

1132
OS PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DE MARTINHO LUTERO

Tamiris Alves Muniz – UFU/MG1

INTRODUÇÃO

Considerado o pai da Reforma Protestante do século XVI, Martinho Lutero nasceu em Eisleben, na Alemanha,
no ano de 1483. Em 1505, ele recebeu o grau de Mestre em Artes pela Universidade de Erfurt e, nesse mesmo ano ini-
ciou o curso de Direito, mas logo o abandonou, entrando para a ordem dos Agostinianos de Erfurt. Em 1507 Lutero
foi ordenado sacerdote; em 1508 começou a lecionar teologia na Universidade de Wittenberg, e em 1512 tornou-se
doutor em teologia e foi galgando postos eclesiásticos.
Num contexto de crise religiosa e social, sendo fortemente marcado pelo mesmo, pelas questões e angústias da
época, e por vários pensadores como Santo Agostinho, Guilherme de Occam, Wycliff e John Huss, Lutero chegou
a uma nova fé, que, fundamentada no livro bíblico de Romanos, na ideia de Justificação pela fé, enfatizava a graça e a
salvação como dons gratuitos de Deus, mediante a fé, sendo desnecessário todas as obras e sacrifícios, bem como a
mediação dos clérigos.
Ao passo que desenvolvia sua teologia, Lutero publicou vários escritos enfrentando à Igreja e outros se diri-
gindo à população alemã, expondo sua doutrina, sua percepção do mundo religioso e mesmo secular. Em meio às
suas concepções religiosas, Lutero também refletiu sobre a relação entre religião e educação e apresentou algumas
propostas para o campo educacional. Isso porque, as denúncias e questionamentos que suscitaram em torno da Igreja,
de sua organização e influência no mundo secular, demandaram também uma reflexão sobre a educação escolar que
estava em grande parte sob a administração e oferta da Igreja Católica e, principalmente, porque a educação foi vista
por esses reformadores como um instrumento importante para que as pessoas pudessem aprender a ler e viessem a
ler a Bíblia, se convertendo a nova fé e propagando-a, de modo que o movimento reformado não se perdesse.
Ao longo da Idade Média, a educação escolar no Ocidente foi organizada quase que inteiramente pela Igreja
Católica, sendo as escolas criadas nos templos e mosteiros. O ensino era subordinado aos dogmas religiosos, seguia
a concepção aristotélica-tomista com ênfase na formação sacerdotal. Dadas as transformações vivenciadas pela so-
ciedade da época, em transição para a modernidade, para o capitalismo mercantil, as alterações na relação capital e
trabalho e o espirito de racionalização, o sistema educacional medieval também se encontrava em crise, uma vez que
não atendia as necessidades dessa nova sociedade que emergia e que demandava a formação das pessoas para atuarem,
principalmente, na administração pública e no comércio e, não mais nas funções eclesiásticas, além de contar com
uma população, em sua maioria, analfabeta2 (ALTMANN, 1994).
Destarte, a nova sociedade que estava se constituindo reclamava também uma nova educação, fato que também
corroborou para o pensamento de Lutero e de outros reformadores sobre o campo educacional. A defesa da educação e
o acesso à mesma por parte dos novos cristãos viria a afirmar a ideia disseminada pelos protestantes de que os mesmos
eram pessoas comprometidas com as questões sociais, com o progresso e, portanto, “culturalmente diferenciados”.
Não obstante esses interesses, a Reforma religiosa ao questionar os poderes da Igreja e, por conseguinte, a es-
trutura medieval, apontou para uma racionalização e moralização da vida religiosa. Conforme José Jardilino (2009,
p. 16), “o fenômeno religioso estabeleceu um conjunto de valores que conduziu à racionalização dos indivíduos na
sociedade”, sendo concebido como um importante instrumento para a mentalidade racionalista moderna. Nessa di-
reção, Klaas Woortmann (1997, p. 78) atesta que, “o protestantismo puritano, com sua carga crescentemente utilita-

1 tamirismuniz@gmail.com. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia.


2 Não obstante esse cenário, é preciso reconhecer conforme Sérgio Strefling (2005), as grandes realizações do período medieval que passam
pelo trabalho intelectual e humanístico das ordens religiosas, pela criação das escolas e universidades sob o domínio da Igreja que formou
importantes intelectuais da época e muito contribuiu para o pensamento clássico.

1133
rista, ao separar religião de magia (ou, sob certo ponto de vista, ao reaproximar os objetivos da ciência e da magia),
estimula a ciência e dá um novo sentido ao homem no mundo”.
A despeito de seu interesse religioso, bem como das diversas interpretações que sua figura e seu pensamento
educacional suscitaram, as ideias de Lutero contribuíram para o desenvolvimento do sistema educacional, para o
princípio de uma educação para todos, de obrigatoriedade e universalização do ensino.

LUTERO, RELIGIÃO E EDUCAÇÃO

As ideias de Lutero sobre a educação permearam muitos de seus escritos, e se concentram, particularmente
nos tratados: “À nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão”, de 1520; “Aos conselhos
de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs”, de 1524, e “Uma prédica para que se
mandem os filhos à escola”, de 1530 (BARBOSA, 2011).
Para César Toledo (1999, p. 130), “Lutero não teve uma preocupação explícita com a questão da educação. Em
seus escritos, ela é necessária, mas subsidiária da teologia e da religião. Igualmente para Altmann (1994, p. 201), Lute-
ro defendeu a educação porque esta concorria para a liberdade do cristão e por ser o processo educativo intrínseco ao
ser humano. Por sua vez, segundo Jardilino (2009), Lutero, inserido nas transformações de seu tempo, compreendeu
que a educação básica seria fundamental para a modernidade que se despontava.
A ideia de educação em Lutero, estava, primeiramente, associada a ideia que defendera de sacerdócio universal
em que todas as pessoas são sacerdotes. Para tanto, se fazia necessário que todas as pessoas tivessem acesso à Bíblia,
aos textos religiosos e pudessem interpretá-los, o que implicava na alfabetização de todas essas pessoas. Assim, de
forma a criar condições para a prática do sacerdócio universal, para a continuidade de seu projeto evangelizador,
Lutero se colocou em defesa também de uma educação universal, uma educação que atendesse a todas as pessoas,
inclusive as mulheres, e não apenas as mais abastadas ou investida de votos religiosos como geralmente acontecia no
seu tempo (ALTMANN, 1994).
Em meio as suas motivações religiosas, da associação que fizera entre educação e a propagação do evangelho, da fé
reformada, Lutero (1995) também defendeu a educação como instrumento importante para formar bons cidadãos para
a sociedade, pessoas aptas a administrar o serviço público, a governar, a viver em sociedade, munidas de conhecimento,
de bom senso, estimulando o progresso e a ordem, características essas, que permitiram o progresso da Roma antiga e,
que, segundo ele, tanto faltava a Alemanha, ao mundo de sua época. Em suas palavras, “o mundo precisa de homens e
mulheres excelentes e aptos para manter seu estado secular exteriormente” (LUTERO, 1995, p. 318).
Tal pensamento de Lutero, aponta para a compreensão que ele tivera sobre o curso dos acontecimentos, das
demandas da nova sociedade que emergia. Assim, ele meio que se aproveita de interesses religiosos na oferta da edu-
cação, para defender também a importância da mesma para a sociedade, combater a ideia disseminada pela Igreja que
a educação deveria servir principalmente para a formação do clero e assim, se colocar do lado da nova sociedade que
emergia e associá-la ao movimento da Reforma. Nesse sentido, Lutero argumentou que:

Imperadores e reis precisam de chanceleres e escrivães, conselheiros, juristas e pessoas sábias. Da mesma forma
todos os condes, senhores, cidades e castelos precisam de síndicos, escrivães. [...] E para falar também das pessoas
instruídas comuns: onde ainda existem entendidos em mineração, comerciantes e profissionais? Conta quantos
reis, príncipes, condes, senhores, cidades e povoados, etc., existem! De onde ainda se conseguirão pessoas instru-
ídas dentro de três anos, quando já agora há a carência se manifesta em toda parte? (LUTERO, 1995, p. 351-2).

Em função da importância que atribuiu a educação para o desenvolvimento social e de forma a conseguir apoio na
promoção da mesma, Lutero (1995) chamou inicialmente a responsabilidade dos pais, que tinham a obrigação primeira,
de educar seus filhos e enviá-los a escola, uma vez que em sua época, havia uma grande resistência por parte dos pais em
enviar seus filhos à escola, sendo-lhes mais interessante que os mesmos os ajudassem no trabalho, em suas atividades
diárias. Com o fim das indulgências, Lutero defendeu ainda que os pais, os próprios cidadãos usassem do dinheiro que
empregavam na mesma para financiarem as escolas e se responsabilizassem pela oferta e manutenção destas.

1134
Dadas as dificuldades para que tal proposta se realizasse, principalmente em função das limitações financei-
ras e de instrução de grande parte da população, Lutero então passou a defender a questão educacional como uma
questão política. “Propôs então a tarefa aos conselhos municipais. Ou seja: foi atribuída ao Estado a responsabilidade
de constituir escolas e organizar o sistema educacional – não ao macro- Estado, mas às instituições políticas locais,
principalmente nas cidades” (ALTMANN, 1994, p. 203).
Para o Reformador de Wittenberg, é de “competência do conselho e das autoridades dedicar o maior cuidado
e o máximo empenho à juventude”, uma vez que “o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui
muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados, honestos e bem educados”. (LUTERO, 1995, p. 309) Nes-
se sentido, Lutero advogou que:

[...] também as autoridades têm o dever de obrigar os súditos a mandarem seus filhos à escola, especialmente aque-
les aos quais me referi acima. Pois na verdade é dever dela preservar os ofícios e estados supramencionados, para
que no futuro possamos ter pregadores, juristas, pastores, escritores, médicos, professores e outros, pois não pode-
mos prescindir deles. Se podem obrigar os súditos capazes de carregar lanças e arcabuzes, escalar os muros e outras
coisas mais que devem ser feitas em caso de guerra, quanto mais podem e devem obrigar os súditos a mandarem os
filhos à escola. Porque aqui se trata de uma guerra pios, a guerra contra o enfadonho diabo, cujo propósito é sugar
solapadamente cidades e principados, esvaziando-os das pessoas capacitadas, até retirar o cerne, deixando apenas
uma casca vazia de pessoas inúteis, as quais pode manipular e suar a seu bel-prazer (LUTERO, 1995, p. 362).

Nesse pensamento de Lutero se observa claramente, ainda que ressignificada, a continuação das relações de
interdependência entre o campo secular e o campo religioso, que ele tanto criticou. A educação, estaria, pois, confor-
me já mencionado, a serviço de seu ideal religioso, da continuidade da pregação, da formação de homens cristãos, de
cidadãos justos, que ocupariam importantes cargos sociais e, por meio deles, criariam condições para a continuidade
do projeto reformado. Nessa direção, Lutero usou da própria ideia de pecado para incitar os pais e as autoridades a
zelarem pela educação, colocando que “nenhum pecado merece castigo maior do que justamente aquele que comete-
mos contra as crianças, quando não as educamos” (LUTERO, 1995, p. 307).
Ao defender que o governo secular financiasse a educação, Lutero (1995) ainda advogou que a alegada falta de
dinheiro, não se justificava. Segundo ele, o Estado gastava grandes somas de dinheiro em armamentos e guerras para
garantir a paz nacional, de modo que o que faltava era dar importância ao ato de educar. Para ele, “se doamos para es-
ses fins, seria justo doar 100 vezes mais para a educação” (LUTERO, 1995, p. 305). Ao pensar a educação como inves-
timento, como um meio de preparar os cidadãos, de manter a ordem nacional e, por conseguinte, diminuir os gastos
em guerras e conflitos de todos os tipos, Lutero apresenta um pensamento também moderno e importante para seu
tempo, e que continua a ser contemporâneo, advogado por inúmeros pensadores e profissionais da educação.
Outro aspecto interessante no pensamento educacional de Lutero, como observa Jardilino (2009), é que ele asso-
ciou a educação, a formação do cidadão a possibilidade de mobilidade social, o que mais uma vez aponta para um certo
alinhamento de seu pensamento com as transformações sociais e econômicas da época. Desta feita, assinalou que:

Encontrarás advogados, doutores, conselheiros, escrivães, pregadores, que, em geral, eram pobres e que, segura-
mente, todos foram estudantes que subiram e cresceram a tal ponto de agora serem senhores, como diz o salmo e
que, como príncipes, ajudam a governar as nações e os povos. Deus não quer que reis, príncipes, senhores e nobreza
por nascimento governem e sejam donos sozinhos. Quer que também seus mendigos participem. Do contrário, irão
pensar que somente o nascimento nobre faz senhores e governantes, e não Deus somente (LUTERO, 1995, p. 357).

Não obstante sua visão social, a ideia da educação como um fator de mobilidade social, Lutero associa primeiro
a educação aos seus interesses religiosos, aponta para uma ideia de favorecimento por parte de Deus dos que se dispu-
serem a segui-lo, podendo vir a desfrutar de grandes cargos no Estado. Entretanto, conforme Jardilino (2009), Lutero
também colocou que se precisava de pessoas comuns para pregarem o Evangelho e administrar os sacramentos, e que
para muitos seria suficiente aprender a ler e escrever.
Tal consideração, apontaria assim para uma distinção que Lutero faz entre os indivíduos e o acesso à edu-
cação. Lorenzo Luzuriaga (1959, p. 07) entende por essa distinção que “o ensino pedido por Lutero é antes para a
burguesia, para as classes que hão de prover os cargos de direção da sociedade: eclesiásticos, funcionários, médicos,

1135
advogados. O que exige para a educação do povo é muito elementar”. Contudo, segundo Barbosa (2007, p. 174), “nos
escritos de Lutero, não se encontram evidências de uma proposta de diferentes escolas para as populações dependen-
do da classe a que pertenciam”.
Em questionamento ao ensino de seu tempo, a pedagogia escolástica, Lutero apresentou também propostas
consideradas modernas para a época, como sua oposição à educação repressiva, baseada em punições física e forte-
mente marcada pela memorização, propôs o ensino de línguas e de História, se colocando em defesa de uma educação
lúdica e da construção de livrarias e bibliotecas. (ALTMANN, 1994).
Por sua vez, Lutero (1995) defendeu o ensino do latim, grego e hebraico para leitura da Bíblia no original3 e de
outros livros clássicos e deu grande ênfase ao ensino de história como fundamental para conhecerem sua cidade, seu
Império e o curso do mundo inteiro para governá-lo melhor, mas também para conhecerem a história do povo de
Deus. Nessa direção, foi que também defendeu a construção de bibliotecas e o registro do evangelho e todas as artes
em livros, como forma de preservá-los. Certamente, foi essa ideia que o motivou igualmente a escrever e publicar seu
pensamento religioso, logo uma forma de preservá-lo e dar condições para a continuação do projeto reformado, fato
que dependia em grande parte, do acesso à educação básica, da formação de leitores.
Para além do ensino de línguas e história, Lutero (1995) defendeu que a escola deveria também ensinar música
e fazer uso de jogos e brincadeiras. No que se refere a uma educação lúdica, Lutero atestou que: “a juventude tem que
dançar e pular e estar sempre à procura de algo que cause prazer. [...] Por que então não criar para ela escolas deste
tipo e oferecer-lhe estas disciplinas? Para ele a criança poderia também aprender “outras disciplinas e História com
prazer e brincando” (LUTERO, 1995, p. 319).
Por vez, segundo Jardilino (2009, p. 59), o universo lúdico embora presente no cotidiano de crianças e jovens esta-
va muito afastado da prática educativa na época de Lutero, de forma que ele pretendeu incluí-los no processo de apren-
dizagem. Porém, “não podemos interpretá-lo com as abordagens da ludicidade e do brincar na educação oriundos das
teorias psicológicas do desenvolvimento humano. Freud, Winnicott e Vigotski, esses nossos contemporâneos da mo-
dernidade, jogaram novas luzes sobre esse tema”, mas certamente houve uma assertiva de Lutero sobre tal abordagem.
Outra questão importante no pensamento de Lutero é o fato de colocar a mulher também como sujeito do
processo educacional, atribuindo à esta, o direito de frequentar a escola. Na concepção de Lutero:

As mulheres e os homens devem ser educados com base no mesmo currículo e com professores de qualidade que
ensinem línguas e outras disciplinas para capacitá-los no conhecimento científico-tecnológico. Entretanto, a mu-
lher deveria despender menos tempo na escola que os homens – deveria despender diariamente de uma hora para
ir à escola, e os homens no mínimo duas – a fim de que pudesse dar conta das tarefas domésticas (JARDILINO,
2009, p. 56).

Contudo, Lutero (1995, p. 318) defendeu a educação para que os “homens governem o povo e o país, e as mu-
lheres possam governar bem a casa e educar bem os filhos e a criadagem”. Nota se assim, um pensamento conserva-
dor, de reprodução dos papeis sociais de gênero. De acordo com Jardilino (2009, p. 56), já havia na época de Lutero
escola para mulheres, ainda que em número bem menor e pouco referenciadas. Para ele, “Lutero indicou quase que
uma obrigatoriedade para a educação feminina”. Não se tratava de uma compreensão moderna de igualdade entre os
gêneros, compreensão esta que não era legítima em sua época, mas, mais uma forma de colocar em prática a doutrina
do sacerdócio universal que se aplicava também as mulheres, sendo tal doutrina, o único princípio de igualdade entre
homens e mulheres.
Em linhas gerais, Barbosa (2011, p. 870) aponta que as orientações para a organização de um sistema escolar
em Lutero envolvem temas como:

a criação de um novo currículo, ressaltando conteúdos e tipos de livros; a defesa de método lúdico (opondo-se
ao usado no antigo sistema escolar), ainda baseado na oralidade e na memorização e com períodos de estudo di-
ferentes para meninos e meninas, associando atividades domésticas para estas e o aprendizado de um ofício para
aqueles; a necessidade de professores bem preparados e com muita experiência; entre outros.

3 Para Lutero (1995), sem o ensino dessas línguas, as pessoas poderiam fazer uma interpretação errada do texto bíblico, deixando de ser úteis
a outros povos, à pregação do Evangelho.

1136
Lutero defendeu também que as universidades precisavam de uma profunda reforma, denunciando que as
mesmas eram espaços para uma vida libertina, de pouco ensinamento cristão e regida pelo pensamento de Aristó-
teles. Para ele, os livros Física, Metafísica, Tratado da alma e Ética de Aristóteles deveriam ser abolidos do ensino, pois
eram contrários a Sagrada Escritura, e nada acrescentava para a compreensão das coisas naturais. Lutero (2000, p.
330) advogou que é nas universidades “que devem ser instruídas e preparadas a juventude cristã e a nossa gente mais
nobre, nas quais reside o futuro da cristandade”. Por isso mesmo, questionou a leitura de tais escritos de Aristóteles
e defendeu que deveria se ensinar as línguas latim, grego e hebraico e as disciplinas matemáticas e história. Ou seja,
para Lutero, assim como as escolas, as universidades também deveriam estar a serviço da religião, de formar lideran-
ças cristãs para a Igreja e para o Estado.
Ademais, Lutero (1995) atribuiu grande importância ao papel do professor para uma boa educação, colocando
que os mesmos deveriam ser pessoas especializadas para tal prática e, por isso mesmo, bem valorizadas. Para ele, ao
lado do ministério da pregação, a profissão docente, também concebida como um ministério “é o mais útil, o mais
importante e o melhor. Inclusive tenho dúvidas sobre qual deles é o melhor” [...]. (LUTERO, 1995, p. 359). Assim,
parece ter atribuído ao oficio do professor também um ministério, uma responsabilidade espiritual, concebendo-o
como uma vocação.
Segundo Altmann (1994, p. 204), “as propostas pedagógicas de Lutero eram semelhantes às dos pedagogos
humanistas”. Para Barbosa (2007, p. 181), as alterações sugeridas por Lutero para o currículo e os métodos “mostram
uma tentativa de inserir o novo – dos humanistas – com continuidades do antigo sistema escolástico”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Influenciado pela sua época e por diversos pensadores e, sobretudo, pela sua formação religiosa e concepção de
fé, Lutero abordou a questão educacional como teólogo, dentro de seu interesse religioso de promoção do evangelho
e da fé reformada. Por vez, entendo que Lutero conseguiu perceber em grande parte as demandas de sua época, de
uma nova sociedade que estava sendo gestava, para qual era de fundamental importância uma boa formação educa-
cional, uma formação para o mercado de trabalho, para os serviços públicos. Possivelmente, ele se aproveitou de tais
demandas para conseguir o apoio da população e dos governantes para a questão educacional, de modo que tantos
os pais pudessem enviar seus filhos à escola, como o governo também pudesse ofertar as mesmas e assim, um maior
número de pessoas pudesse aprender a ler e escrever e, por conseguinte, ler a Bíblia e propagar a nova fé.
Foi nesse sentido que Lutero também chamou a responsabilidade do Estado para educação, uma vez que para
ele, o Estado possuía um caráter cristão e defendeu uma educação universal e obrigatória para todos. De acordo com
Altmann (1994, p. 205), “para Lutero, a educação foi simultaneamente uma tarefa secular e espiritual. [...] a escola
que ele reivindicou e que as autoridades municipais deveriam instituir e apoiar a ponto de que fossem gratuitas e
obrigatórias, era a escola cristã”. Assim, em um aparente paradoxo, Lutero defendeu uma educação secular, ofertada
pelo Estado, mas entendia que a mesma deveria ser cristã, fomentado desse modo, a complexa relação entre Estado,
religião e educação.
Nesse sentido, dentro de sua concepção de sacerdócio universal, “Lutero introduziu o ensino religioso nas
escolas, antes restrito aos mosteiros e conventos” (PRUNZEL, 2005, p. 35) e hoje ainda muito presente nas escolas
públicas brasileiras, ainda que, advindo da iniciativa da Igreja Católica.
Não obstante os traços marcantes de conservadorismo, de apologia e fundamentação religiosa em seu pensa-
mento, que devem ser concebidos dentro do contexto de sua época, é interessante e importante a responsabilidade
que Lutero atribuiu também as autoridades seculares de zelar pela educação, de criar escolas e tornar o ensino obri-
gatório e universal. Conforme Barbosa (2007), embora já existisse na Europa de seu tempo algumas escolas públicas
e estatais, Lutero impulsionou grandemente a criação das mesmas, especialmente no Estado alemão. “Em Lutero, que
encontramos uma defesa por uma educação gratuita, universal e obrigatória que se espalhou como apelo a todas as
autoridades e não se restringiu a experiências locais”, antecedendo assim, os próprios ideais da Revolução Francesa
(BARBOSA, 2007, p. 181).

1137
Ademais, Lutero propôs vincular a escola com o trabalho, a aprendizagem de algum ofício que pudesse ser útil
para a sociedade; contribuiu para a criação de uma escola elementar e popular, apresentou mudanças no currículo e
nos métodos escolares, propondo assim, um novo sistema de ensino, tanto para as escolas, como para as universidades,
apontando para a secularização da educação. Na direção das propostas religiosas e educacionais de Lutero, por onde as
Igrejas luteranas se disseminaram, “deixaram seu lastro de escolas e iniciativas educacionais” (ALTMANN, 1994, p. 206).
Lutero, assim como os demais reformadores e missionários que o seguiram, trataram a educação como te-
ólogos, dentro de suas visões religiosas, de seus interesses de continuidade e promoção da fé reformada. O próprio
entendimento da nova teologia, da Bíblia, demandava um grau mínimo de instrução, o que certamente, motivou
inicialmente a preocupação dos mesmos com a educação, se colocando em defesa de uma educação básica para todos,
obrigatória, que pudesse ser financiada pelo poder público. Esses reformadores incitaram a leitura da Bíblia e recor-
reram ainda, em grande parte, à escrita, a imprensa nascente, publicando seus textos, doutrinas e catecismos, o que
não só apontou para uma necessidade de instrução, como também contribuiu para a formação de leitores, para uma
certa cultura de leitura entre os protestantes, ainda que, subordinada, em sua maioria, a uma literatura religiosa.
Esses religiosos viram na educação, particularmente, na educação cristã, um meio de se inserirem no novo
mundo, nas atividades sociais, na administração pública, promovendo a fé reformada e seus valores em todos esses
espaços e, por conseguinte, um meio de contribuírem com a transformação, com o progresso social e também recebe-
rem o apoio da sociedade. Marcado pelo seu tempo, o pensamento reformado recebeu influência do Iluminismo e de
outros movimentos em voga, interagiu com a ciência, com os novos tempos, cunhando uma ideia de modernidade,
ainda que assentada na tradição religiosa e, que se fez sentir, principalmente, no campo educacional.
Assim, a despeito das interpretações que Lutero e seu pensamentos em torno da educação têm gerado, do próprio
conservadorismo religioso e das limitações que o cerca, Lutero e a Reforma religiosa de um modo geral, valorizaram a
educação e lançaram ideias para se pensar a educação, principalmente, na modernidade, contribuindo assim com a mes-
ma, e com a própria oferta educacional por meio das escolas que criaram por todo o mundo, ao passo que também for-
necem importantes elementos para se pensar a complexa relação entre Estado, religião e educação ao longo do tempo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTMANN, Walter. Lutero e Libertação. São Paulo, SP: Editora Sinodal e Editora Ática, 1994.
BARBOSA, Luciane Muniz Ribeiro. Estado e Educação em Martinho Lutero: à origem do direito à educação. Cadernos de
Pesquisa. V. 41. N. 144. Set./dez. 2011. p. 866-885. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/cp/v41n144/v41n144a12.pdf>. Acesso
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BARBOSA, Luciane Muniz Ribeiro. As concepções educacionais de Martinho Lutero. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.33,
n.1, p. 163-183, jan./abr. 2007. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/ep/v33n1/a11v33n1.pdf>. Acesso em: 06 mai./2018.
JARDILINO, José Rubens. Lutero e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
LUTERO, Martinho. Obras selecionadas. O Programa da Reforma. Escritos de 1520. Vol. 02. 2ª ed. São Leopoldo: Editora
Sinodal; Porto Alegre: Concórdia Editora , 2000.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Vol.5. São Leopoldo: RS: Sinodal, 1995.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação pública. São Paulo: Nacional, 1959.
PRUNZEL, Clóvis. A relação entre Lutero e Erasmo na área da educação. In. HEIMANN, Leopoldo (org.). Lutero, o educador.
Canoas: Ed. ULBRA, 2005. p. 29-36.
STREFLING, Sérgio. Primeira reação - Lutero assumiu a liderança do movimento educacional no século XVI. In. HEIMANN,
Leopoldo (org.). Lutero, o educador. Canoas: Ed. ULBRA, 2005. p. 21-28.
TOLEDO, César Alencar de. A questão da educação na obra de Martinho Lutero. Acta Scientiarum Human and Social
Sciences. Maringá, PR. v. 21, 1999. Disponível em: < periodicos.uem.br> Acesso em: 15. mai./2018.
WOORTMANN, Klaas. Religião e ciência no renascimento. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

1138
PÁGINAS DA EDUCAÇÃO:
CECILIA MEIRELES E A REPRESENTAÇÃO DE JUVENTUDE
E NACIONALISMO

Mariana Mattos Pereira – CUR/UFMT1

A alma do adolescente, alma de transição, cheia de inquietudes e incertezas, procura por todos os lados uma forma definitiva
para se fixar.
Cecília Meireles

Cecília Meireles enquanto educadora, poetisa e jornalista, defendeu nos anos 1930 uma produção literária pe-
dagógica específica para a infância e juventude. Publicando livros voltados à criança, organizando a primeira biblio-
teca infantil do país, criticando métodos educacionais de sua época, Cecilia fez da educação infanto-juvenil um tema
latente em toda sua trajetória, acreditando que o século XX era das crianças e da mocidade.
Para Meireles, a nacionalidade está na juventude, e dela emana toda força e coragem para lutar por si, pelo
outro e pela pátria, para além de uma revolução, na esperança da afirmação de uma nacionalidade, na busca de um
estado ideal. Desta forma, pretendemos analisar a representação de juventude e nacionalidade presentes em suas crô-
nicas publicadas no caderno Página de Educação, do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, de 1930 a 1933. Para tanto,
faremos uma prévia biográfica de Meireles, apontando os caminhos que a levaram para a educação e, ao mesmo tem-
po, constituem a representação de juventude e nacionalidade configuradas em suas crônicas.
Reconhecida como uma das mais representativas poetas brasileiras do século XX, Cecília Meireles teve tam-
bém destacada atuação na educação. Signatária do Manifesto dos Pioneiros da Educação em 1932, defendeu o ideário
escolanovista em sua atuação como colunista na imprensa e em sua militância em prol da importância da literatura
infantil na educação básica.
Nascida no Rio de Janeiro em 1901, concluiu aos 16 anos o curso de Magistério, iniciando de imediato a atu-
ação como professora adjunta no curso primário. Até 1939, ano em que sua produção poética ganha notoriedade no
meio literário após receber o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras com a publicação de Viagem, seu
reconhecimento profissional dá-se principalmente em função de sua atuação na educação.
Durante a década de 1920, Meireles produz cinco livros de poesia, dois em prosa e faz uma tradução. Um desses
livros em prosa, Criança meu amor (1924) teve importante recepção no âmbito educacional chegando a ser posterior-
mente adotado como cartilha escolar no Distrito Federal e nos estados de Minas Gerais e Pernambuco. Ainda hoje
disponível no mercado editorial (sua mais recente publicação foi em 2013), esta obra compõe o universo das práticas
pedagógicas quem foram exercidas em nossas escolas.
Todavia, a atuação de Cecília enquanto professora e bem como sua produção dos anos 1920 é tratada como
de menor relevância pela fortuna crítica e quem se dedica a estudá-la. De forma semelhante, sua atuação no campo
da educação e escritos pedagógicos ficam à sobra da atenção dada à sua bibliografia poética, inclusive, algumas obras
poéticas foram ignoradas na época pela própria autora.
Entretanto, em 2001, foi criada uma coleção de cinco volumes com uma seleção de crônicas que recupera as
linhas mestras do pensamento da autora, agrupadas em 14 núcleos temáticos, organizados sem levar em conta a
cronologia. São os escritos de Cecília em sua coluna “Comentários” de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933.
Tal série de volumes foi criada a partir da solicitação pela família e pela Editora Nova Fronteira ao professor e escri-

1 E-mail: mary_mattos85@hotmail.com. Bolsista CAPES/BRASIL, Mestranda em Educação – PPGEdu/CUR/UFMT, especialista em


Língua Portuguesa, graduada em Letras/Português pela mesma instituição.

1139
tor Leodegário A. de Azevedo Filho. Cinco volumes com o título Crônicas da Educação, que tratam da temática da
educação, revolução, reformas de ensino; educação, política e religião; nova educação, “escola nova”, ensino público;
educação, jornalismo, responsabilidade e censura de imprensa, bem como aqueles dedicados aos veículos de cultura
e educação (poesia, cinema, teatro, música, exposições, métodos auxiliares e o lúdico). E é a partir dessa coletânea de
crônicas que é lançado o olhar para a atuação educacional de Meireles nesse artigo.
Na produção acadêmica sobre Cecília Meireles, no que tange à militância na educação, está em sua participa-
ção nos debates na década de 1930. Entusiasmada com as perspectivas abertas pela Reforma Educacional do Distrito
Federal (Rio de Janeiro) entre 1927 e 1930, aproxima-se de Fernando de Azevedo, torna-se adepta das premissas
educacionais da Escola Nova e protagonista de embates contra Alceu Amoroso Lima – ferrenho crítico das propostas
de laicização da educação.
Há entre Meireles e Fernando de Azevedo grande afinidade intelectual e muita admiração, em especial dela
para com ele, a qual se fortalece em constantes trocas de correspondências. Azevedo ganhou notoriedade no campo
educacional após a publicação de A instrução pública em São Paulo, série de reportagens produzidas para o jornal O Es-
tado de São Paulo, em 1926, sobre a situação da educação no estado, fruto de seu trabalho enquanto jornalista e crítico
literário. Depois deste trabalho, foi reconhecido como “especialista em educação” (SAVIANI, 2013).
Em A farpa na lira – Cecília Meireles na revolução de 30, Valéria Lamego publica oito correspondências entre a
poeta e o educador, datadas de 1930 a 1933. As cartas tratam de educação e da mudança política que acabara de acon-
tecer. Conforme destaca Lamego, vemos nestas cartas uma amostra de Cecilia Meireles com seu humor avesso às coi-
sas fáceis e óbvias da política e nos ensina seus subterfúgios para transformar o cotidiano em algo mais interessante
e grandioso. (LAMEGO, 1996, p. 122).
Na IV Conferência Nacional de Educação (1931) Fernando de Azevedo se incumbe de redigir um manifesto
que apresentasse a nova corrente educacional necessária à educação nacional. Ele escreveu, mas foram indicadas mais
25 pessoas a assinarem, escolhidas a dedo por ele e por Anísio Teixeira. Entre tantos, Cecília Meireles, reconhecida
enquanto pensadora da educação por meio de seus textos no jornal carioca Diário de Notícias e sua trajetória no serviço
público educacional.
Muitos educadores fizeram dos jornais, em diferentes épocas, um lugar de militância e de divulgação de ideias
relacionadas à concepção de educação. Meireles sendo criadora e diretora da “Página de Educação”, tinha uma coluna
para si – Comentários - do Diário de Notícias (criado em 1930) usou deste espaço, juntamente de outros pensadores
da educação – naquele momento o único no Distrito Federal totalmente dedicado à educação - como tribuna para
divulgar a chamada Escola Nova, movimento educacional que a autora defendia por acreditar na proposta renovadora
deste ensino vinculado à psicologia do comportamento humano.
Assim, seus textos nesta coluna destacam reflexões acerca dos meios tradicionais do ensino da época, das di-
ficuldades dos professores no processo de ensino-aprendizagem das crianças nos anos iniciais, da adolescência, do
respeito pela mocidade, da falta da interação da família com a escola, da importância da cultura, enfim, trata de as-
suntos relativos à educação, buscando incitar nos leitores um interesse pelo tema, para que trabalhassem em prol da
educação, fazendo jus à formação da nova pátria que tanto se almejou nos anos 1930.
Ao reivindicar ao Estado que oferecesse educação pública e gratuita, tornando a escola acessível sem distinção
de classe social e econômica, defendia-se que este ensino fosse laico e obrigatório às crianças de 7 a 15 anos. E ainda
que fosse a criança o centro do processo de aprendizagem, com amplo respeito às suas características biológicas e
psicológicas. (SAVIANI, 2013, p.247).
Para tanto, delinearam a estrutura do sistema educacional dentro de uma hierarquia, sendo: escola infantil ou
pré-primária (4 a 6 anos); escola primária (7 a 12 anos); escola secundária (12 a 18 anos); e escola superior ou univer-
sitária. Considerando o “desenvolvimento natural” do ser humano, concebiam a universidade como um espaço elitis-
ta, reservado à elite intelectual, independente da sua condição social, conforme o desenvolvimento de suas aptidões
biológicas para conseguir o ensino superior, ou seja, o fato de ser rico ou pobre não entrava em questão, mas sim se
o sujeito fosse capaz de apresentar condições psicobiológicas.

1140
A publicação do Manifesto em diversos jornais causou grande polêmica. Cecília Meireles usou seu espaço no
Diário de Notícias para promovê-lo, configurando um novo capítulo em seus embates com Alceu Amoroso Lima, ain-
da discutindo a questão do ensino religioso obrigatória, contrariamente ao que defendia os preceitos escolanovistas.
Por várias vezes Meireles destacou o seu desejo de que todos os interessados pela educação lutassem por ela e desejo
de que todas as pessoas abraçassem a causa de uma educação laica e moderna.
A defesa do respeito às características biológicas das crianças e a importância de preceitos como a solidariedade
social por parte dos escolanovistas eram recebidas como ameaças por Alceu Amoroso/Tristão de Atayde e sua visão
de que o papel primeiro da educação é a construção de valores morais e religiosos que garantissem a ordem social.
As representações de educação, infância e adolescência que Cecília Meireles defende em sua coluna tem relação
direta com seu diálogo com Fernando de Azevedo. Adepto das proposições pedagógicas do filósofo norte americano
John Dewey, Azevedo propunha que a reforma no ensino brasileiro tivesse por base uma “escola nova” que não se-
parasse a vida do aluno fora da escola do seu cotidiano de aprendizagem na escola.
No modelo escolanovista proposto por Fernando de Azevedo, a escola deveria ter foco na criança, estimulando
o desenvolvimento prazeroso por meio de suas observações e experiências. Para tanto, a escola deveria ser organiza-
da como uma “sociedade em miniatura”, incentivando o trabalho em grupo, de modo a desenvolver o compromisso
individual e a responsabilidade com a solidariedade do grupo e objetivando o desenvolvimento integral da criança
– que não é vista como um “mini-adulto”. (SAVANI, 2013).
Em Dewey, a atividade pedagógica deve estar sempre em união com a experiência, pois tem por princípio
uma ligação orgânica entre existência e aprendizagem. Ao viver experimentando, os indivíduos aprendem e querem
novas experiências. Isto está explícito em sua obra “Educação e Experiência”, na qual fala ainda do papel da escola
como “comunidades embrionárias” ou “sociedades em miniaturas” e defende metodologias menos rígidas da parte dos
professores para que não inibam a experiência de aprendizagem das crianças. (DEWEY, 1971).
A visibilidade que a criança ganha no início dos anos 1900 é notória e crescente, mas uma parte da sociedade
ainda reluta em considera-la como parte integrante e importante na construção social. Tal visibilidade está nesse
contexto de Dewey, que repensa a educação com o auxílio das novas ciências voltadas à criança, como a psicologia
do desenvolvimento.
No artigo Visibilidades das crianças e da infância, Jeans Qvortrup pontua que

Politicamente, o conceito da criança tornou-se notável por meio da feminista e reformista social sueca Ellen Key
(1900), que publicou seu famoso livro intitulado “O século da criança”, que de fato invocou uma nova visibilidade
infantil no que se refere a uma nova atitude mais bem informada para com a criança. (QVORTRUP, 2014, p.28)

A pedagoga sueca também é citada na crônica de Cecília Meireles “O respeito pela mocidade”, publicada no
jornal Diário de Notícias em 1 de novembro de 1930, na qual além da visibilidade à criança, afirma ainda que este sé-
culo (XX) é de todos os que se encaminham para o futuro, e que a mocidade, situada ao lado da infância, também é
preocupação dos educadores desta época.
Podemos considerar a afirmação de Meireles quanto à educação da adolescência ser uma das preocupações
mundiais, pois além de estudiosos sobre o assunto, em 1919, na Inglaterra, começaram discussões sobre proteção às
crianças e adolescentes vitimados pelas guerras, e na sequência foi criada a Declaração de Genebra ou Carta da Liga
de 1924, sendo o primeiro documento que protegia todas as crianças e adolescentes, abrangendo até mesmo os que
não sofreram consequências da guerra.
Considerando a historicidade da infância e de seus conceitos relacionados, percebe-se a nova ótica para essa
faixa etária, na qual Cecília Meireles sempre nutriu preocupação e dedicação, cobrando expressivamente do profes-
sorado para que também se dedicassem a mudar o ângulo e construir uma relação mais intimista com a criança, para
se manter um respeito e adquirir a confiança da mesma. Meireles enfatizou em várias crônicas o importante papel do
professor em ouvi-las, pois acredita que

1141
A criança não é um boneco, cujas habilidades ou inabilidades se exploram. É uma criatura humana, com todas as
forças e fraquezas, todas as possibilidades de evolução e involução inerentes à condição humana. Por isso mesmo,
são condenáveis todas as atitudes que a rebaixem, ou que lhe estorvem o seu normal desenvolvimento. (MEIRE-
LES, p.141, 2017)

A citação acima faz parte da crônica Ouvindo as crianças, publicada em 21 de novembro de 1930, que descreve a
representação da criança, sua compreensão para analisar as errôneas construções de palavras que as crianças acabam
cometendo até completarem sua aquisição linguística, e aponta que nesse processo, muitos professores se fecham, se
recusam a ouvi-las e considerar o valor de todos os detalhes da vida e do mundo infantil, talvez por acharem que o
erro venha da falta de atenção apenas. Porém, Cecília afirma ser esses detalhes um precioso auxiliar para o professor
que realmente deseja ser alguma coisa mais que um detestável burocrata, inaceitável nesta era educacional.
No volume 2 de suas crônicas selecionadas por Leodegário de Azevedo Filho há um núcleo temático dedicado
à adolescência, juventude e educação. Além dos dois termos usados para se referir ao adolescente, ela também faz uso
de “mocidade” e “jovem”. No decorrer das quinze crônicas, Cecília Meireles vem criando uma imagem do que vem a
ser a juventude, sendo esta mais que uma condição natural/social do ser humano, mas também uma representação.
O sociólogo jamaicano Stuart Hall, considerado o pai dos Estudos Culturais, afirma que representação é a produ-
ção dos significados por meio da linguagem, e por uma abordagem construtivista, nos explica que

a representação envolve fazer sentido ao forjar ligações entre três diferentes ordens de coisas: o que nós devemos
chamar amplamente de mundo das coisas, pessoas, eventos e experiências; o mundo conceitual, os conceitos men-
tais que carregamos em nossas cabeças; e os signos, arranjados nas linguagens, que “respondem por” esses concei-
tos ou os comunicam. (HALL, 2016, p.109)

Cecília Meireles representa o jovem ligando suas experiências enquanto jovem, diante de diversas falas sau-
dosistas; os conceitos mentais que se tem de um ideal de jovem, da atenção que precisa e a apresentação do contexto
cultural para que ele seja inserido enquanto sujeito dentro das diversidades sociais, culturais, de gênero, etc.; e os
signos que Meireles atribuí para representar esse jovem são dentro de uma visão romântica associada à liberdade, à
coragem e ao entusiasmo às questões nacionalistas.
Representar a juventude em jornais nos anos 30 se faz necessário para despertar na população leitora um novo
olhar para os jovens, que sempre estiveram à margem do universo do adulto e da criança, não pertencendo a nenhum
desses e nem tendo o próprio espaço, consequentemente não sendo reconhecidos enquanto sujeitos.
Em A situação Mundial da Infância 2011, a UNICEF problematiza a dificuldade

de se definir a adolescência em termos precisos. Em primeiro lugar, é amplamente reconhecido que cada indivíduo
vivencia esse período de modo diferente, dependendo de sua maturidade física, emocional e cognitiva, assim como
de outras contingências. O início da puberdade, que pode ser considerada uma linha de demarcação clara entre
infância e adolescência, não resolve a dificuldade de definição.

Essa dificuldade em definir a partir e até quando se é jovem é onde as pessoas se perdem ao julgar o adolescente
como criança, e o jovem como adulto, na qual só a idade não define o grau de maturidade e as necessidades que cada
um tem de ser atendidas, pois há diversas variantes que alteram essas condições.
Cecília Meireles critica os que associam o adolescente como já um “homem”, sendo que não possui ainda todos
os atributos e condições de um adulto:

Considera-se o adolescente como um meio-iniciado nos aspectos mais obscuros ou duvidosos da existência.
Diz-se: “Ah! você já um homem...”
E que triste significação se dá a essa palavra tão nobre: homem!
Como se fosse sinônima de conhecedor de maldades, de perfídias, de toda a mesquinhez, de todos os vícios e erros
que a humanidade ainda arrasta [...] (MEIRELES, 2017, p.15)

1142
Para Meireles, diante desses que estão entre a infância e a maturidade deveria se pensar, de preferência que:

Este ainda não é um homem: está no seu momento de formação. Devemos olha-lo com olhos religiosos; devemos
passar perto dele com a precaução dos nossos próprios gestos, temendo que em nós possa brotar algum exemplo
que macule essa alma, pronta para qualquer reflexo. Que pensa esta criatura? Que sonha? Quais são os motivos
da sua vaga melancolia? Dos seus arrebatamentos súbitos? Vamos conhecer de perto como funciona esta vida em
elaboração, que ritmo a sustenta, que impulsos a governam. (MEIRELES, 2017, p.15)

Aos olhos da educadora, ouvir esses adolescentes, dar a devida atenção às suas inquietudes é o que se deve fazer
para trata-los com respeito devido enquanto criaturas humanas, e não um mero “quase adulto”. Ofertar essa possibi-
lidade ao jovem é uma esperança fecunda capaz de nos deixar ser bons, úteis e puros na medida de que são capazes os homens,
quando lhes concedem liberdade e respeito no seu mais elevado sentido.
Assim como ela discorre sobre a alma infantil, também o faz sobre a alma do adolescente em 20 de agosto de
1930. Inicia seu texto citando um livro sobre a alma adolescente do psicólogo alemão Eduard Spranger2. Na sequên-
cia, apresenta uma linda reflexão adquirida com a leitura de Spranger:

Nos faz o autor contemplar os adolescentes, que ainda não definiram sua fisionomia espiritual, procurando-se, dia
a dia, em exemplos de heroísmo, de aventuras, de martírio, de glória! [...] nos apresenta a íntima tragédia da idade
juvenil desamparada pelos que a censuram e repreendem sem lhe darem a seiva que a deveria nutrir, ou aban-
donada à inconsciente indiferença dos que não são capazes de compreender toda a complexidade da alma nesse
período transcendente, em que fermentam todos os impulsos, em que pululam todas as aspirações! (MEIRELES,
2017, p.19)

Meireles destaca que o valor da obra de Eduard Spranger consiste no que ele revela de uma fase da vida que só
pode ser compreendida por quem a observe com amor. Tal afirmação explica porque Cecília também faz suas teorizações
sobre os infantes e os juvenis de maneira tão sutil e poética, pois os olha com amor em busca de ouvi-los e identificar
o que de fato eles precisam, que muitas vezes é apenas ser ouvidos, seja para opinar ou simplesmente expressar seu
pensamento, que por muitos adultos isso é ignorado por não ter relativo valor.
Na sequência, a educadora deixa o tom poético e em tom de crítica sugere aos professores da Escola Normal e os
dos colégios secundários e superiores [...]que façam a leitura dessa obra notável, Psicologia da juventude, o que de certo concor-
reria para lhes abrir horizontes pedagógicos muito mais amplos.
A indicativa de leitura parece acontecer no intuito de mostrar ao professorado novas possibilidades para uma
compreensão melhor do que vem a ser a juventude e de quais estímulos necessitam para se desenvolverem e desco-
brirem seu papel social.
A maior parte das crônicas cecilianas entre os anos 1930 e 1933 são voltados à educação e crítica à política edu-
cacional. Há muitos discursos sobre o excesso de reformas que se amontoam umas às outras e não resultam em quase
nada, pois atende a um capricho de quem está na liderança. Em A Reforma de Ensino e o movimento da mocidade, de
06/12/1930, Meireles afirma que a nacionalidade está na juventude. Está no que vai ser, no que já é ou já se foi. Pois quando
os jovens se levantam com toda a disposição em lutar e manifestar sua vontade brota-se esperança viva da afirmação
da nacionalidade. É depositar nos adolescentes a esperança de que se tem nos que lutam pela melhora do país:

Esta mocidade que se reúne para tratar do problema educacional – o mais importante para qualquer povo que
faz tenções de viver e evoluir – traz um estímulo tão significativo para o Brasil, que, ele só, vale pela garantia do
espírito revolucionário integrado no sangue das gerações e infinitamente animando o corpo poderoso da pátria.
(ibidem, p.23-24).

Eis a representação de nacionalidade descrita pela educadora: intrínseca à juventude do hoje, do agora, a que
motiva todas as ações e estimula a esperança

2 Nasceu em Berlim, 27/06/1882 e faleceu em 17/09/1963. Foi filósofo e psicólogo. Se destacou pela criação da Teoria da personalidade em
seu livro Tipos de Homem (1928).

1143
Na crônica O movimento universitário, datada em 4 de setembro de 1931, a autora discute a representação de
mocidade e seu caráter de luta:

Estudante quer dizer mocidade. E mocidade significa um momento único da vida, fora do qual, para o adulto,
não há mais que pretensão e rotina. Mocidade não quer dizer precisamente vinte anos. Mas quer dizer espírito de
vinte anos. Disposição criadora. Confiança. Entusiasmo. Desinteresse. Lealdade dos que são fortes. Sinceridade
dos que desejam alguma coisa. Dignidade dos que se deslimitam, dos que não se encerram num círculo mesquinho
para nutrir avaramente sua mesquinha pessoa. [...] Mocidade que não procura a sua definição, que não alarga ca-
minhos claros para saber quem é e o que está sendo; mocidade que se dobra a conveniências inferiores, que nega
seus ímpetos divinatórios para se submeter a pequeninas vantagens temporárias; [...] para não se dar ao trabalho
de escolher entre mil caminhos aquele que é o adequado, não é mais mocidade: é velhice precoce. (MEIRELES,
2017 p.38-40)

Na sequência, Meireles sustenta que “não basta afirmar que a mocidade é isto ou aquilo”, pois soa como falso
discurso de “frases dos feriados”, a qual não precisa de bajulação, mas sim de respeito. Porém, como dar aquilo que
não se tem e não se teve? A autora ainda argumenta sobre os mais velhos, que diz não ter condição de fazer algo, de
lutar por melhorias em sociedade justamente por não ter o frescor da juventude. Diante disso, cabe à mocidade, ao
movimento universitário afirmar-se, realizar-se, buscando pelo o que almeja, despertando assim o ânimo naqueles
acomodados pelo tempo.
Por razões até hoje não esclarecidas, Cecilia Meireles interrompe sua coluna no jornal em janeiro de 1933. Para
Valéria Lamego, os indícios apontam para uma decisão de não aceitar orientações de que seus textos fossem “menos
políticos” (LAMEGO, 1996, p. 108-109).
Em sua última crônica na coluna Comentário do Diário de Notícias, Cecília Meireles deixa evidente que não tem
intenções de se afastar dos embates em prol da educação. Intitulada Despedida, tem um tom de “até breve” aos seus
leitores e leitoras com a preocupação de continuar cuidando do “mundo especial” criado em comum com quem a
acompanhara por mais de dois anos e meio - e sobre o qual sabia ter responsabilidade:

[Este Comentário] deixa em cada leitor a esperança de uma colaboração que continue. [...] Pode cessar o trabalho,
pode o trabalhador desaparecer, para não mais ser visto ou para reaparecer mais adiante; mas a energia que tudo
isso equilibrava, essa permanece viva, e só espera que a sintam, para de novo modelar a sua plenitude. (LAMEGO,
p.208, 1996).

A partir de então, a autora se dedica a escrita poética, mas não se esquece das crianças e dos jovens, escrevendo
então para eles e não mais sobre eles: “Festa das letras” (1937), “Rute e Alberto”, “Rute e Alberto resolveram ser turis-
tas” e “Os passeios de tio Mário” (1939), “Olhinhos de gato” (1939 / 1940), “Rui, pequena história de uma grande vida”
(1949), ”Giroflê, giroflá” (1956), “Ou isto ou aquilo” (1964), além de outros lançados postumamente, indicados pela
editora aos leitores jovens, como “O estudante empírico” (2005) e “Crônicas para jovens” (2012).
Cecília só voltaria regulamente aos jornais em 1941 até 1943, na seção Professores e Estudantes, do periódico A
Manhã. A educação continuou como um de seus temas, porém sem a militância da década anterior. O que não dizer
de forma alguma que a luta por uma prática pedagógica moderna deixou de ser central em sua atuação.
Além do regresso à imprensa, Cecília atravessa outras transições, e em 1940, casa-se com Heitor Grillo, obser-
vando-se, também, a mudança em suas posições políticas diante do governo Vargas. Torna-se editora da revista Tra-
vel in Brazil, publicação do famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A revista, publicada somente
em inglês, era chamada por Mário de Andrade, colaborador frequente, de “a Dip-revista”.
Meireles atuou na Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal (Rio de Janeiro) de 1934 a 1951, sendo
professora, diretora de unidades escolares, ministrando cursos de formação em literatura para professores, além de
outros cargos administrativos. Destaca-se logo em 1934 pela fundação da primeira biblioteca infantil, no Pavilhão
Mourisco, onde exerceu a função de diretora até 1937 – ano em que a biblioteca foi fechada sob a acusação de oferecer
“livros subversivos” às crianças.

1144
Foi também professora entre 1935 e 1938 professora de Literatura Luso-Brasileira na Universidade do Distrito
Federal, atuando ainda como docente em universidades estrangeiras (México, Estados Unidos, Portugal).
Importante destacar ainda que de 1961 a 1963 ela retoma a produção de crônicas, mas agora o para o programa
Quadrante, da Rádio MEC (Ministério da Educação e Cultura).
Desvelar a trajetória de militante da educação desta consagrada poeta é memorar um dos capítulos da história
da educação. Observar essa representação da juventude e do nacionalismo delineados por Meireles nos leva a refletir
sobre as ações do passado, sobretudo para as ações do presente, em como manter viva a disposição pela constante
busca de melhores condições.
Olhando para os rumos que a educação brasileira seguiu nos anos 1930, e que Cecília percorreu, notamos que
o ideário escolanovista não foi encampado pelo nosso sistema público de ensino para além de situações pontuais. A
retomada recente que vivemos da necessidade de se defender a educação pública e laica, frente ao ressurgimento de
propostas de privatistas e conservadoras sob slogans como “Escola Sem Partido” e “Abaixo a Ideologia de Gênero”,
nos indicam que nossos debates pedagógicos talvez não estejam tão longe quanto imaginamos dos embates de 80 anos
atrás.

BIBLIOGRAFIA

HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016.


LAMEGO, Valéria. A Farpa na Lira. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, vol. 1, 2, 3 e 4. 2ª Ed. São Paulo: Global, 2017
__________. Despedida (Diário de Notícias, 12/01/1933). In: LAMEGO, Valéria. A Farpa na Lira. Cecília Meireles na Revolução
de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996, Anexos, p. 207-208.
SAVIANI, Demerval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 4ª ed. Campinas: Autores Associados, 2013.
QVORTRUP, Jeans. Visibilidades das crianças e da infância. Linhas críticas, Brasília-DF, v.20, n.41, p.23-42, jan./abr.2014.
UNICEF. Situação mundial da infância 2011- Adolescência: uma fase de oportunidades ISBN: 978-92-806-4555-2. Fevereiro de
2011 Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/br_sowcr11web.pdf
JENSEN, Simone Cristina. Os Documentos Internacionais Sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Jornal RI2018,
Artigos, Direito Internacional, Março - N. 3, V. 2. Disponível em: http://jornalri.com.br/artigos/os-documentos-internacionais-
sobre-os-direitos-das-criancas-e-dos-adolescentes

1145
PATRIMÔNIO CULTURAL & LUGAR DE MEMÓRIA: O PAPEL DA
UNIVERSIDADE E DO ARQUIVO FREI SIMÃO DORVI (FUNDAÇÃO
EDUCACIONAL DA CIDADE DE GOIÁS –FECIGO)

Wérica Pires dos Santos - UEG/Campus Cora Coralina


Dra.Keley Cristina Carneiro (Orientadora) - UEG/Campus Cora Coralina

O arquivo Frei Simão Dorvi foi fundado na década de 70 por Diusepe Dorvi , segundo (Tamaso, 2002, p.261)
o frei , “Trabalhava durante a noite para que o trabalho de arquivista não interferisse na responsabilidade de frei do-
minicano.” Todo o acervo de documentos presentes hoje no arquivo foi catalogada e organizada pelo Frei. O arquivo
hoje é mantido por um grupo de amigos, não possui ajuda governamental, esse grupo de amigos tem o trabalho de
resguardar esse patrimônio, organizar e prepará-lo para os pesquisadores.
O arquivo conta com uma arquivista que recebe auxílio da Universidade Estadual de Goiás para higienizar, or-
ganizar e catalogar toda a documentação, que vão de arquivos do século XVIII ao século XX. A universidade através
do programa Centro de memória que está presente em vários pólos da UEG espalhados pelo estado, disponibiliza
voluntários dentro do projeto, para realizar este trabalho.
O arquivo concentra uma rico e vasto acervo com diversas possibilidades de pesquisa, através do projeto orga-
nizado pela Universidade Estadual de Goiás em conjunto com a Pró-Reitoria de extensão, os voluntários tem con-
tato com a documentação e com suas possíveis fontes de pesquisa, disseminam o conhecimento adquirido durante
o processo de leitura, capacitados com cursos disponibilizados pela universidade como a leitura em paleografia para
facilitar a catalogação e organização da documentação.
Nossos alunos além de estarem buscando seus campos de pesquisa, auxiliam em um trabalho muito maior, a
preservação dos documentos históricos, assim como (PORTO, 2013, p.14) enfatiza os documentos e arquivos, foram
criados com algum objetivo, assim como sua preservação. Cabe então a nós preservá-lo para que os mesmos estejam
disponíveis para pesquisa. Trabalho realizado pelos voluntários torna a preservação ativa no passo que mais pesqui-
sadores tem mais possibilidades de ter acesso aos arquivos.
O arquivo localizado na Cidade de Goiás como dito antes possui documentação do século XVIII perpassando
até o século XX, o acervo conta com documentos que trás a história da cidade e do entorno , documentação sobre o
hospital de caridade São Pedro de Alcântara, asilo São Vicente de Paula, cemitério São Miguel entre outros, do entor-
no temos documentação do Arraial do Ferreiro, da cidade de Ouro Fino, Pilar de Goiás e Outras.
A memória está arraigada na documentação, a história dos vila-boenses está preservada nos escritos, a necessi-
dade de se preservar este espaço onde a história não volta mais , temos apenas seus resquícios. Como (NORA, 1993,
p.14) trás a memória não é mais aquela pura de lembranças, ela agora necessita de matéria para ser rememorada, mais
visível na imagem. Nesse momento entra importância dos arquivos no papel de preservar as memórias, a história de
sua constituição.
O arquivo recebe pesquisadores de diversas partes do mundo, assim o leque de possibilidades para que ele se
torne conhecido lá fora é aberto, contudo a população do local tende de estar ciente também do valor histórico que o
arquivo localizado na antiga Vila-boa possui, trabalhos de visitação com escolas são realizados, afim de tornar visível
o lado intelectual rico que a cidade possui, além de estar bem aparado com 3 instituições universitárias, UEG (Uni-
versidade Estadual de Goiás) , UFG (Universidade Federal de Goiás) e IFG (Instituto Federal de Goiás) conta tam-
bém com aparato arquivístico além do MUBAN (Museu das Bandeiras). Com o trabalho realizado pelos voluntário
do centro de memória da UEG, e com as oficinas propostas o arquivo continua com um grau de visitação, evitando
assim seu fechamento. Ressaltamos que além do aparato documental o arquivo conta com uma rica biblioteca onde
são adquiridos livros mensalmente sobre diversas temáticas, aberta para a comunidade.

1146
Segundo (NEVES, 1999, p.110) o historiador compreendendo a função social da memória histórica, cabe esti-
mular e contribuir para que essas memórias possam alcançar um número significativo de pessoas, trabalho até então
realizado pelo Arquivo Histórico Frei Simão Dorvi.
O patrimônio cultural, o arquivo discutido trás além da memória a identidade da cidade, seu processo de patri-
monialização, concluído em 2001 dando o título a cidade de Goiás como patrimônio da humanidade, todo o trajeto ,
o esforço dos órgãos, população mobilizado está registrado na documentação, algumas presentes no arquivo.
Como parte do patrimônio cultural, patrimônio material os arquivos históricos tem seu valor pela documenta-
ção resguardada, como também por seu aparato arquitetônico. O arquivo está localizado na área de tombamento da
cidade, portanto a estrutura é também patrimonial.
O patrimônio cultural começou a ser valorizado á partir do acontecimento da revolução francesa, onde sentiu-
-se a necessidade de resguardar itens da monarquia francesa, com o tempo o a necessidade de resignificar e preservar
o patrimônio cultural mundial foi crescendo, devido as guerras e intempéries climáticas. Dessa forma disseminou-se
a importância de preservar itens históricos, patrimônio material e imaterial.
Tornar patrimônio artes de saber fazer, um prédio com valor histórico é trabalhar na preservação não só do
patrimônio, mas do que ele representa como símbolo, seja paisagem natural, algo material ou um simples modelo
de fazer doce, trás em si uma história por trás, uma tradição que perpassa, e agora se tornando patrimônio tem sua
autenticidade preservada dando continuidade a tradição.
O trabalho no arquivo era realizado inicialmente no Muban , logo mais passou a ser feito no Arquivo Frei Si-
mão Dorvi, devido a percepção de necessidade do trabalho voluntariado lá. Necessitava de mais mão de obra lidando
com a catalogação e higienização do material resguardado. O arquivo não recebe apoio governamental logo o suporte
para o trabalho realizado pelos alunos era dado pela universidade, material de higienização, luvas, máscaras, jalecos.
Além dos cursos realizados com restauradores e professores renomados da área de paleografia e restauração. Os alu-
nos além de trabalhar nesse processo com a documentação, também auxiliavam a arquivista com os pesquisadores a
procurar o material que mais condizia com cada proposta de pesquisa.
Assim tinham contato com a pesquisa sua forma de ser e fazer, observavam a necessidade de se transmitir
todo o conhecimento armazenado dentro do arquivo, além da documentação histórica o arquivo conta também com
jornais que são procurados a cerca da história de Goiás e do estado. Revistas também, manuais de como se portar na
década de 50, diários antigos, onde mulheres relatavam a vida no início do século XX , auxiliando em pesquisas com
o tema referente ao feminismo, quebra de padrões, e elevação da mulher.
Bolsistas da modalidade de bolsa permanência também foram remanejados para o arquivo devido a grande de-
manda , o arquivo foi reorganizado pelos voluntários onde mudaram as disposições dos móveis e os locais para onde
o pesquisador era direcionado facilitando a pesquisa, cuidaram da biblioteca, reorganizando também os livros, para
facilitar o acesso para a comunidade.
Com isso o número de pesquisas com alunos do primeiro ano do curso de história do ano de 2018 aumento, o
arquivo passou a receber não só os voluntários como colegas de outros cursos como geografia, pedagogia e turismo
passaram a freqüentar o arquivo, mestrandos e doutorandos também.
Após o trabalho realizado no arquivo os bolsistas participam anualmente do evento da UEG, o CEPE (Con-
gresso de Ensino, pesquisa e extensão da UEG), onde apresentam os resultados obtidos com o projeto, não só pessoais
como o retorno que ele teve para o arquivo. Cada bolsista faz um relato de experiência e expõe no evento. O arquivo
ganha nome e maior dimensão, ajudando na divulgação do trabalho realizado lá.
O arquivo trabalha com parcerias para ampliar sua extensão de alcance até a população, tem projetos em con-
junto com UFG, com o MUBAN, auxiliando no lançamento de novos artistas vila-boenses, recebem doações de
livros desses artistas e revertem a venda dos livros para manutenção do próprio arquivo. A comunidade que tem
conhecimento do arquivo auxilia comprando, visitando o arquivo em seu horário de funcionamento.
Porém há um déficit nas visitações quanto ao pessoal das áreas mais afastadas, onde projetos como o centro de
memória tentam suprir essa necessidade também da comunidade, a universidade também realiza outros projetos no
arquivo com os alunos do estágio, organizam visitações, tudo a fim de promover maior conhecimento do patrimônio
cultural localizado no coração da Vila-Boa .

1147
O arquivo não é só um meio acadêmico, a população cria esse mito em volta de arquivos históricos, museus
locais de visitação pública. O arquivo como qualquer museu da Cidade de Goiás é direcionado pra todo tipo de públi-
co, não há restrições, conhecer a própria história é de grande importância, as crianças sentem muito isso, olhar um
documento do século XX identificar aspectos que eram utilizados na confecção daquele documento e que hoje não
são mais utilizados, se permitir ter o conhecimento da evolução das coisas durante o tempo.
Dar a oportunidade dos mais velhos rememorarem aspectos da cidade através da documentação por uma ofi-
cina, é realizar além da educação patrimonial, é fazer com que as pessoas se tornem sujeitos de sua própria história.
Construir a memória coletiva nas pessoas, estimular esse sentimento de preservar o que é seu, onde os mais jovens
passam para os mais velhos e isso se perpetue. Mesmo após o título de patrimônio mundial ainda é complicado para
a população o entendimento a cerca do patrimônio que lhes cercam, assim a nova geração, tem o papel de desmisti-
ficar o patrimônio, que não é bem aceito pela população da cidade, tem a função de indicar o patrimônio como algo
de todos.
O patrimônio cultural da cidade de Goiás ainda tem muito caminho para trilhar até ser totalmente aceito pela
população, adquirindo aspecto de parada no tempo s casarões preservados, prédios de escolas são fiscalizados pelo
IPHAN (Instituto do patrimônio histórico artístico nacional) para garantir sua salvaguarda e nenhuma modificação
nos prédios, responsável também por registrar os patrimônios imateriais.
O turismo ajuda a fortalecer a noção de preservação na cidade conhecida mundialmente por seu título de pa-
trimônio, por suas festas, e suas comidas típicas, agora com o caminho de cora em homenagem a Cora Coralina que
passa dentro da cidade, evidencia sua casa, os turistas percebem a importância de se manter a história da cidade viva,
seja pela Igreja da Boa morte, onde tão presentes peças esculpidas de arte sacra, seja pelo museu palácio Conde dos
Arcos, pelo Muban, por suas ruas de pedra e lampiões que retratam como a cidade colonial era vista, pelo conjunto
que a antiga vila boa de Goiás apresenta aos que entram e saem da cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O arquivo Frei Simão presente em Goiás desde a década de 70 realiza o trabalho de resguardar documentos do
século XVIII ao século XX, como também conta com uma biblioteca com vários exemplares aberta a comunidade,
o trabalho realizado pelos voluntários do projeto de Extensão Centro de Memória, busca salvaguardar da melhor
maneira possível os documentos.
Mesmo com as condições um pouco precárias, pois o arquivo sobrevive de doações dos pesquisadores e do
cuidado do grupo de amigos para se manter aberto, o trabalho é realizado afim de disponibilizar da melhor forma
possível a documentação para pesquisadores que surgem de qualquer parte do Brasil e do mundo.
Os voluntários, bolsistas, contam com o material necessário fornecido pela universidade para realizar todo o
trabalho o qual são ensinados nos cursos de capacitação de restauração e paleografia geralmente realizados em par-
ceria com o Museu das Bandeiras, o alunos trabalhavam em horários flexíveis , e também realizavam suas pesquisas
com a documentação do local.
Lidavam as vezes com o turismo com pessoas que insistiam em visitar o local, no entanto pelo espaço não ser
grande, ficava limitadas a entrada de mais de 5 pessoas mesmo assim visitas eram e são realizadas por turistas ao local,
as vezes moradores que se mudam e retornam e tomam conhecimento da existência do arquivo, o arquivo não é só
local de pesquisa, é local de encontro, do lanche da tarde, de boa conversa, com um quintal repleto de pés de frutas os
moradores em volta estão sempre passando pra uma visita.
O amor e o cuidado da arquivista por todo o material ali armazenado também passa para as pessoas, onde histó-
rias são compartilhadas, angústias, dias e dias de pesquisa solitária se tornam alegres com a ajuda dos voluntários e da
arquivista responsável, o arquivo conta com uma família que luta para que ele permaneça sempre de portas abertas.
Dessa forma observa-se a importância do arquivo e sua relevância para a cidade, o sentimento de pertença cul-
tivado ali e transmitido em suas atividades junto a comunidade, com as escolas, com as visitações de turistas.

1148
A universidade trabalha em prol de estimular o sentimento de pertença nos alunos afim de que o voluntariado
também desperte o senso de preservação, onde aqueles que lidam com a documentação possam transmitir para um
grupo maior de pessoas, na a sua convivência em sala de aula, em projetos a validade do arquivo e de seus bens his-
tóricos ali resguardados.
Onde o objetivo do projeto também é chegar até as áreas afastadas da cidade como já dito , o arquivo está lo-
calizado na área denominada centro histórico, área tombada como patrimônio, acaba por assim ficando distante da
comunidade do entorno que se localiza fora do centro histórico, os voluntários tem a missão de auxiliar nos traba-
lhos que também envolvam a comunidade nos quais o arquivo se propõe a fazer, como a participação em festas estar
aberto ao diálogo com as escolas organizando visitações. Se estendendo também para a universidade também onde
funcionam os cursos do pronatec.
O arquivo também participa do espaço das profissões organizado pelo campus todos os anos, afim de que os
vestibulandos reconheçam também outras áreas em que o historiador pode atuar além da sala de aula, apresentando
o oficio de arquivista, fazendo roda de conversas sobre o trabalho realizado pelos voluntários e também bolsistas e
tirando as duvidas dos alunos.
Todo o trabalho realizado no arquivo é registrado em um relatório que é enviado ao centro de memória de
Anápolis, mensalmente, além disso o registro também é feito pelos alunos bolsistas no caso como relatório de bolsa
de atividades realizadas, fora o trabalho apresentado no CEPE como já foi dito.
Asseguramos a importância deste projeto afim de que não se perca o sentimento de pertença em relação a his-
tória da cidade e por sua importância histórica, com seus documentos, jornais, mapas registros de tombo da cidade.
Alguns documentos sobre o Arraial do Ferreiro, e Pilar de Goiás só se encontram disponíveis ali, atraindo pesquisa-
dores até mesmo do exterior afim de estuda e saber mais sobre a história de nosso país e de nosso estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NEVES, Lucila de Almeida. Memória, história e sujeito: substratos da identidade. Revista História Oral. v.3. 2000. p. 110. Disponível em:
>>http://bit.ly/2IIdw82<<
NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, p. 14
PORTO, Daniela. História e evolução do arquivo: A exemplaridade da Torre do Tombo. (Dissertação). Corvilã. 2013. p. 14
TAMASO, Isabela. Em nome do patrimônio: Representações e apropriações da cultura na Cidade de Goiás. (Tese). Brasília,
2007. p.261.

1149
PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDUCATIVO NAS PESQUISAS EM
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UM MAPEAMENTO

Mayara Ramos Ortlieb – UFGD/ MS1


Kênia Hilda Morreira – UFGD/ MS2

RESUMO: Objetivamos apresentar um mapeamento das produções acadêmicas em história da educação que
tiveram o patrimônio histórico educativo como tema de pesquisa. Para tanto, utilizamos como buscadores para a
elaboração deste balanço os periódicos: Revista Brasileira de História da Educação (RBHE) com publicações desde
2010; Revista Cadernos de História da Educação (RCHE) com publicações desde 2009; Revista História da Educação
(UFRGS), desde 1997; Revista HISTEDBR, desde 1998; e os anais do Congresso Brasileiro de História da Educação
(CBHE) encontrada no Google. Em todas as edições dos periódicos e evento em questão, buscamos pelo descritor
“patrimônio” no título, resumo e/ou palavras-chave. Localizamos 15 artigos que permitiram uma análise quanti-
-qualitativa, sendo 7 no formato de artigos em anais e 8 em periódicos. A análise dos artigos localizados realizou-se
pela leitura dos resumos, cientes, como aponta Ferreira (2002, p. 268), que há limitações nesse tipo de procedimento
metodológico. Entre as questões analíticas destacamos as instituições e autores recorrentes, o período de maior pro-
dução, conforme a publicação nos referidos periódicos, bem como o recorte temporal da história do Brasil delimi-
tado para cada pesquisa. Tais questões permitiram evidenciar a escassez de pesquisa nesse campo, com 15 autores e
6 instituições. As pesquisas encontradas foram publicadas entre 2015 e 2019, o que demonstra a atualidade do tema.
O recorte temporal das pesquisas realizadas em revistas e nos anais vai de 1983, que foi quando o termo patrimônio
ganhou espaço nas discussões em torno do que seria Educação Patrimonial, com a criação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), até 2016, onde foi formulado as diretrizes da Educação Patrimonial com o
objetivo de buscar pelo descritor patrimônio. No que diz respeito à análise qualitativa questionamos sobre as fontes
utilizadas para tratar patrimônio histórico educativo, bem como os principais referenciais teóricos utilizados pelas
pesquisas localizadas. Sobre os referenciais teóricos mais utilizados, destacamos Poulot (2009),Rocha (2012), Carva-
lho e Pintassilgo (2011), Chartier (2012), Abreu (2015) e Certeau (2013). Durante o levantamento de dados a respeito
do tema a ser trabalhado, percebe – se que esses autores estão presentes em quase todos os artigos mapeados sobre o
descritor patrimônio. Os seguintes autores se relacionam na perspectiva de mostrar a importância sobre o assunto
patrimônio educacional. Neste sentido, busca-se promover intercâmbios, estabelecer diálogos e construir reflexões
acerca da temática apresentada como patrimônio. O levantamento também permitiu apresentar uma lista das fontes
utilizadas nas pesquisas como documentos em acervos e arquivos online, como as Revistas: Brasileira de História da
Educação (2010 a 2019), a Revista Cadernos de História da Educação (2009 a 2019), a Revista HISTEDBR (2010 a
2019) e também os anais do CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação. De modo geral, o balanço permi-
tiu evidenciar carências na produção de artigos sobre o tema e aprofundamentos temáticos e temporais que ocorreu
somente com a criação do Iphan, sobre o patrimônio histórico educativo nas pesquisas em história da educação.
Palavras-chave: História da Educação. Levantamento bibliográfico. Patrimônio.

1 Mestranda do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD (2019). mayara_ortlieb@
hotmail.com
2 Doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Unesp (2011), com estágio de doutorado na Universidade de Salamanca
(2010). Atualmente é coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD). KeniaMoreira@ufgd.edu.br

1150
INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende salientar a necessidade da memória dos espaços educacionais, pautando, sobretudo,
a importância sócio-histórica da preservação dos patrimônios escolares. Rosa Fátima de Souza doutora em educação
pela USP, desenvolve o debate sobre as escolas tombadas no território brasileiro e introduz no artigo Preservação do
patrimônio escolar no Brasil: notas para um debate (2013), sobre a urgência em coletivizar o debate sobre salvaguardar
as memórias das escolas. Tendo como princípio constituir um legado memorialístico da educação no Brasil, contudo,
para tanto é necessário por em vista que há diversas questões que rodam o tombamento de escolas, concomitante-
mente, a criação de uma memória coletiva.
Logo após esta discussão, será tratada sobre a escassez da pesquisa sobre memória patrimonial para reforçar a
ampliação da coletivização da discussão. Sendo pautado o espaço coletivo que permite a representação e identificação
dos sujeitos.
Para tanto, esse artigo está dividido em três sessões: introdução, cuja finalidade é de orientar como irá seguir o
artigo em seu discorrer; ponto 2, cuja qual abordará a relação da memória e sua relevância como patrimônio, mos-
trando a importância do mapeamento das produções acadêmicas e ponto 3, encaminhando para a reflexão da iden-
tificação e representação do patrimônio educacional com os sujeitos que rodam esta discussão. Considerações finais
abordam os pontos desenvolvidos reforçando a tese do artigo em questão.

A MEMÓRIA DOS PATRIMÔNIOS: A NECESSIDADE DE REMEMORAR POR MEIO DOS


MONUMENTOS

A respeito da importância do patrimônio educacional, Souza (2013) alerta o que representavam as escolas nas
décadas passadas, principalmente, em seu início, uma vez sua origem atendia a burguesia, logo, fortemente segrega-
tória para as classes mais pobres. Com a abertura das escolas para todos os púbicos, tornando obrigatória e gratuita
na constituição, a escola passa a ser frequentada pelos filhos de trabalhadores, no entanto, sua raiz discriminatória
não se extingue por conta dessa medida. Desse ponto, a teórica evidencia que lembrar também significa trazer essas
questões sobre a educação brasileira e consolidá-las no âmbito patrimonial, logo, fundamental manter vivas as dis-
cussões sobre igualdade. No que diz respeito à memória, é preciso reforçar que o ato de rememorar é trazer à tona a
história por detrás daquilo que se tem presente e que também se projeta para o futuro, Pacheco (2010) sintetiza em
seu artigo “Educação, memória e patrimônio: ações educacionais em museu e o ensino de história” (2010) essa idéia:

Ao ser reconhecido como narrativa legítima do passado de um grupo social, a memória coletiva atua como ele-
mento constituinte de uma identidade social. Nesse momento, a memória para além de lembranças de um passado
que já se foi aponta para as potencialidades de um futuro que se deseja construir. (PACHECO, p. 145, 2010).

Evidentemente, como salienta Souza (2013), é preciso levar as discussões sobre a consolidação dos patrimônios
para o campo democrático, ou seja, para além dos historiadores da educação e trazer‘vozes da sociedade’ para essas
construções, contudo, reforçando como a pesquisa demonstra a relevância concreta dos patrimônios educacionais.

A multiplicidade de iniciativas aqui apontadas constitui tão somente um mosaico preliminar de recorte marcada-
mente regional, mas suficiente para atestar a consolidação da temática no País. As atividades de preservação têm se
espalhado por todo o território brasileiro e o reconhecimento delas é condição fundamental para envidar esforços
colaborativos e coletivos. Mas disso convém reter ao menos o seguinte: é preciso avançar no que diz respeito ao
debate político acerca da preservação desse patrimônio e, ainda de não menor importância, avançar na reflexão
que se pergunta qual o sentido dessas práticas de salvaguarda do patrimônio escolar, quem se beneficia dessas ini-
ciativas e qual é o papel dos historiadores da educação. (SOUZA, p.210, 2013).

A doutora ressalta ao longo de seu artigo diversos centros de documentação que trabalham no sentido de manter a
memória da educação viva, ela também acrescenta a importância deixar acessível dados, estudos e investigações nessa área.

1151
Um dos desafios dos tombamentos dos patrimônios históricos educacionais é abertamente discutido também
pela autora, logo, essencialmente reiteradas nesse artigo tais problemáticas. Veementemente, a inevitável presença
da sociedade para concretizar essa memória é retomada, uma vez que segundo Souza (2013) existe uma série de laços
que são precisos para que o patrimônio escolar se formule e a coletivização é fundamental para isto. A conservação,
por um consenso entre a maior parte dos historiadores segundo consta no trabalho de Rosa Souza, em seu êxodo
aconteceria no tombamento do prédio da escola e na manutenção de seu espaço, assim sendo, o edifício abrigaria
também seus arquivos históricos. A revitalização de um monumento dessa maneira exigira para se legitimar um tra-
balho árduo de vários componentes para ser assegurado, o Estado protegendo e assistindo, como também, a ampla
compreensão de sua relevância cultural pela população. A teórica avança apontando o papel de representatividade
que é inerente ao patrimônio quando sua forma resiste e existe na lembrança cultual dos sujeitos.

Não resta dúvida de que os historiadores da educação no Brasil têm contribuído muito para solidificar as iniciativas
de conservação e investigação do patrimônio escolar. Porém, ainda há muito a fazer. A ausência de ações coorde-
nadas redunda, algumas vezes, em repetição de trabalhos e desperdício de esforços de catalogação e inventário de
acervos cuja organização, realizada por pesquisadores, nem sempre é mantida pelas escolas. Outros obstáculos a
serem vencidos são as barreiras acadêmicas, institucionais e geográficas que inviabilizam trabalhos coletivos. Tão
importante quanto mapear as experiências já realizadas e em curso para o reconhecimento das iniciativas espalha-
das pelo país são a organização e o fortalecimento de redes de cooperação e sociedades científicas integradas aos
fóruns dos historiadores da educação (SOUZA, p. 214, 2013).

Por fim, em seu artigo Souza (2013) finda recobrando a importância de trazer à memória constantemente para
que seja possível um futuro promissor.
Pacheco (2010) confirma em seu texto o que é posto aqui por meio de Souza (2013) a respeito do processo de
legitimar a memória, porém, através dos elementos da memória institucional. O teórico faz a conceituação básica
de memória coletiva, sendo uma tradição oral que é substituída pela versão oficial feita por autoridades no assunto.
Os elementos passados pelas culturas concebem “o patrimônio histórico das comunidades quando é reconhecido
como tal pelo sujeito que o incorpora à sua existência” (p. 145, 2010). Dessa maneira, a legitimação é um processo
de familiarização e reconhecimento da memória, entretanto, para que se possa realizar de forma mais incisiva esse
‘reconhecer’ parte dos grupos institucionalizando a memória, como aponta Pacheco (2010), formando alegorias e
espaços para conter as lembranças. Seguindo, ainda em seu artigo salienta que é necessário refletir sobre o passado/
memória de modo crítico e constante. Essas possibilidades de espaços de lembrar são necessárias para abrir caminho
para o encontro ou descoberta da identidade.

IDENTIDADE COLETIVA DO PATRIMÔNIO EDUCACIONAL

O mapeamento das produções acadêmicas em história foi feito a partir de uma pesquisa bibliográfica dos mate-
riais Revista Brasileira de História da Educação (RBHE) com publicações desde 2010; Revista Cadernos de História da
Educação (RCHE) com publicações desde 2009; Revista História da Educação (UFRGS), desde 1997; Revista HISTE-
DBR, desde 1998; e os anais do Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE) encontrada no Google, como
já mencionado no resumo do trabalho em questão.
Pôde evidenciar a pouca pesquisa que há na área do patrimônio educacional e que o desenvolvimento de tra-
balhos sobre Educação Patrimonial é relativamente recente, os teóricos mais recorrentes nas discussões são Poulot
(2009),Rocha (2012), Carvalho e Pintassilgo (2011), Chartier (2012), Abreu (2015) e Certeau (2013). Isso demonstra
que o aprofundamento sobre a memória patrimonial ainda está em curso e dentro desta perspectiva torna-se impor-
tante retomar que o espaço do patrimônio permite a identificação dos sujeitos com ele.

A identidade do povo brasileiro é marcada pela diversidade, e uma educação patrimonial transformadora deve partir
do interesse da população. Seguindo estes princípios,o processo de identificação cultural e apropriação do patrimônio
histórico torna-se viável,promovendo sua significação e preservação histórica. (NASCIMENTO, p. 3, 2011)

1152
Nascimento (2011) em seu artigo, História, Patrimônio e Educação: diálogos e perspectivas endossam a formação
de identidade e preservação partindo de uma tríade da história-patrimônio-educação, esboça uma rápida, porém,
concisa análise sobre os ‘bens culturais simbólicos’ que estão no campo da imaterialidade. Segundo Evandro Nasci-
mento, existe a memória tradicional compartilhada em vários âmbitos (nacional, regional, local) e que são oriundas
de grupos étnicos, sendo cada dono de sua própria memória particular e coletiva, com isso o autor reforça a herança
existente nesses grupos “Neste sentido, as práticas, ações, manifestações e saberes culturais, se constituem bens de
caráter patrimonial, capazes de fornecer sentidos à vida prática e criar identidades culturais a partir de suas perma-
nências e continuidades históricas”. (p. 2, 2011)
Evandro Nascimento embasa-se em Rüsen Lee para ir além a suas formulações, o estudo aprofundado da histó-
ria, em seu caráter de ciência, não se apega em decorar fatos, mas apropriar-se de uma narrativa, da história. Dito isto,
a educação patrimonial para o autor é fundamental para formar e reconstruir de modo e eficiente a memória coletiva.
Dessa maneira, salvaguardar a imaterialidade das comunidades em sua natureza histórica é consolidar o patrimônio
e, também, iniciar a tomada de consciência sobre si.
Maria Cristina de Senzi Zancul (2015) desenvolve um artigo também para tratar do patrimônio educativo, im-
portante trazer sua voz para este texto para ampliar a discussão sobre o assunto. Em Patrimônio educativo e patrimônio
histórico-cientifico no Brasil: alguns apontamentos (2015), a teórica apresenta uma história sobre o ensino de física para
seus alunos e surgindo algumas dúvidas recorreu para memória de patrimônio, pegou 200 peças antigas encontradas
na escola e debruçou-se para estudar este material.
Partindo deste relato, a autora inicia seu artigo citando outras produções existentes sobre patrimônio educacio-
nal, nacionais e internacionais. Segue trazendo à tona o uso dos termos patrimônio escolar, patrimônio educativo e
histórico educativo que os teóricos do assunto usam, cada uma à sua perspectiva. Trazendo uma citação de Mogarro
(2010) ela introduz que o termo patrimônio educativo apreende toda a estrutura escolar desde o prédio até seus do-
cumentos. A teórica cita, também, os vários museus escolares existentes no Brasil, institutos de preservação.
Zancul (2015) diz que o patrimônio histórico - cientifico usando por Bernal Martínez, Delgado Martínez e
Lopes Martínez se tratam do que contorna o ensino de disciplinas.

O ensino das disciplinas científicas, desde sua introdução no currículo do ensino secundário brasileiro, no século
XIX, vem sendo orientado por concepções e perspectivas, que resultaram e resultam em um conjunto de materiais
específicos, composto por aparelhos e instrumentos diversos, modelos, esqueletos, reagentes, herbários, insetá-
rios, animais taxidermizados, livros didáticos, entre outros, recebidos ou adquiridos pelas escolas, ao longo do
tempo. Dentre estes materiais, têm sido encontrados, em escolas públicas e privadas, conjuntos de objetos mais
antigos, que constituem um importante registro de práticas escolares do passado e podem ajudar a compreender o
processo histórico do ensino das disciplinas científicas em nosso país. (ZANCUL, p. 110, 2015)

O uso do patrimônio histórico - cientifico abarca múltiplas possibilidades metodológicas tendo sempre a parti-
cularidade de cada um em vista. Em São Paulo, a autora apresenta que várias escolas possuem objetos antigos para o
estudo nas disciplinas. Muitas delas mantêm o acervo, mesmo sem lei que determine especificadamente isto. Zancul
(2015) apresenta fotos destes acervos e objetos em seu trabalho reforçando a importância da preservação para fins
pedagógicos, memoriais e indenitários.

É necessário reconhecer que temos muito a fazer com relação ao nosso patrimônio educativo, há muito ainda a
ser descoberto e o desaparecimento de parte desse patrimônio acontece sob nossos olhos. As ações de preservação
devem incluir a participação da comunidade acadêmica, das Secretarias de Educação dos estados e municípios, dos
ministérios da Educação e de Ciência e Tecnologia, enfim, dos diferentes atores envolvidos. Cada escola e cada
município, em nível local, com apoio de estruturas mais amplas, poderia ficar responsável por organizar práticas
de salvaguarda, manutenção e divulgação de sua memória educativa. É importante, ainda, investir na construção e
no fortalecimento de redes de colaboração e em projetos coletivos, com estratégias mais institucionais, garantindo
a continuidade dos trabalhos de identificação e proteção do patrimônio educativo, que muitas vezes são feitos in-
dividualmente, em diferentes locais. É fundamental que os esforços empreendidos possam ser somados e multipli-
cados e não se esgotem ao final de cada empreitada, como muitas vezes têm acontecido. (ZANCUL, p. 119, 2015)

1153
A formação cultural é muito importante para construção da história compartilhada e para tal é necessária asse-
gurar espaços de conservação da memória coletiva, tanto para que esta se propague socialmente e possa possibilitar a
conscientização das comunidades com suas heranças históricas quanto na formação de representatividade do próprio
grupo que mantém o acervo.
Uma escola de periferia ou rural, como é comum nos estados do interior, é um grande exemplo de produtores
de culturas locais e especificas de sua comunidade. O sentimento de pertencimento é possível por meio do resgate da
memória, assim como, a autocrítica para o desenvolvimento de uma escola/educação mais democrática e que reco-
nheça suas particularidades. O patrimônio educacional é um movimento de salvaguardar a experiência dos sujeitos
que apreenderam também pela via escolar o que significa a história e a memória. Dessa maneira, concebe-se uma
recepção crítica da memória

A proposta de uma exposição museológica que rompa com a ideia de transmissão do conhecimento acabado e
recepção passiva da mensagem por parte do visitante nos lançou o desafio de nos aventurarmos pelas incertezas
da construção do conhecimento por parte de seu público. Desafio este que demandou uma rigorosidade metódica,
uma ação pensada para além do diretivismo, para a dialogicidade. (PACHECO, p. 149, 2010)

Esta ação coletiva salientado por todos os teóricos presentes neste artigo é dessa maneira, o afunilamento da
ação sobre a memória com os membros da própria memória escolar patrimonial, assim, nessa concepção dialética da
formação do museu escolar ou criação de acervos educacionais há uma troca crítica constante com este movimento.
Pacheco (2010) discorre que a criticidade permite a autonomia pedagógica, também dita por Zancul (2015) em
seu artigo quando trata sobre particularidade das metodologias das disciplinas. Com esse uso autônomo da memória
patrimonial é possível ter uma ressignificação genuína por aqueles que usam este espaço.
O autor reflete mais concretamente sobre como realizar essa ação da independência para construção da memó-
ria partindo da perspectiva freriana da ‘leitura do mundo’ e com isto constituindo outros significantes para a própria
experiência com o mundo, portanto, memória.

Com base nessas referências teóricas, surgiram na equipes diversas ideias para as ações educativas. Elas foram de-
batidas coletivamente e, assim, qualificadas pelo emprego de conceitos de apropriação e significação do patrimô-
nio. Em seguida, passou-se ao planejamento e à estruturação dessas atividades com base na premissa freiriana da
“leitura de mundo”, ou seja, possibilitar situações nas quais o objeto fosse problematizado para que, a partir dessa
reflexão, o educando produzisse uma nova síntese da experiência vivida. (PACHECO, p. 150, 2010)

Em uma sequência ao seu raciocino, o teórico ainda pontua que pela abordagem freriana o contato com o mu-
seu é uma leitura da memória.

Com esse objetivo, deve procurar estratégias não para provocar no seu público a aceitação passiva de uma fala
sobre o passado, mas para promover a reflexão sobre a experiência humana no tempo, utilizando-se, portanto, das
diferentes linguagens que o mundo contemporâneo nos coloca à disposição. (PACHECO, p. 152, 2010)

O papel desempenhado pelo espaço de memória – patrimônio educacional – deve ser de apresentar sua lembrança
não apenas de modo passivo, mas sempre com o convite para refletir. Isso dialoga com o que foi discutido inicialmente
nesse artigo por meio de Souza (2013) sobre manter memória a trajetória da escola, isto em seu sentido completo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O patrimônio escolar é fundamental. Seu acréscimo cultural enriquece o legado histórico e indenitário dos
sujeitos com o espaço da memória, defendido neste artigo, como a herança revitalizada nas próprias dependências
da escola com seu tombamento. Para tanto é preciso levar em consideração as problemáticas históricas que estão
incorporadas na própria formação da escola, contudo, relevantes também para refletir sobre esse modelo para, dessa
forma, avançar.

1154
Logo, é palatável como esse espaço de patrimônio educacional é fomentador de vários ganhos social pela cons-
trução da cultura, memória, história e identidade coletiva dos sujeitos.
Conservar um patrimônio histórico educacional permite não apenas ir adiante à própria prática da educação,
mas como também, é a perpetuação da memória passada e o presente. Um espaço de memória concreto e assistido
pela população, assim como protegido pelo Estado, vive para muito além de seus criadores/idealizadores.

REFERÊNCIAS

SOUZA, R. F. Preservação do Patrimônio Histórico Escolar no Brasil: notas para um debate. Revista Linhas, Florianópolis,
v. 14, n. 26, jan./jun. 2013. p. 199 – 221.
PACHECO, R. A. Educação, memória e patrimônio: ações educacionais em museu e o ensino de história. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 30 n. 60, 2010. p. 143 –154.
NASCIMENTO, E. C. História, Patrimônio e Educação Escolar: diálogos e perspectivas. Anais do XXVI Simpósio Nacional
de História. São Paulo/SP, 2011.
ZANCUL, M. C. S. Patrimônio educativo e patrimônio histórico-científico no Brasil: alguns apontamentos. Disponível
em: https://www.researchgate.net/publication/285025607. Museologia e Patrimônio - Revista Eletrônica do Programa de
Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio - UniRio | MAST – vol.8, no 2, 2015.Acesso em: 16 de abril de 2019.

1155
PAULO FREIRE NÃO AINDA, MAS, SOBRETUDO HOJE

Alair Maria David Primon - UFMT/MT1

Resumo: O presente texto visa evidenciar alguns elementos essenciais da obra de Paulo Freire, sobretudo
Pedagogia do Oprimido, trazendo o texto de 50 anos atrás para um diálogo com a atualidade. Focaliza no tema da desu-
manização e, enquanto instrumento de alienação do sujeito oprimido e nas possíveis introjeções que esse sujeito pode
realizar quando tem no opressor um modelo hegemônico de relação com o mundo. Este artigo tem como objetivo
ressaltar a importância do papel de Paulo Freire nos tempos atuais, como forma de enfrentamento de um regime
totalitário. Para tanto, fez-se uso de da pesquisa qualitativa através de estudo bibliográfico de suas obras, em especial,
Pedagogia do Oprimido. Analisando o cenário atual, percebe-se que todo esforço no sentido de direcionar a educa-
ção e todos os processos pedagógicos para a transformação da realidade devem ser louvados. Que sejam louvados
também os autores, teóricos e educadores que, com seu gesto que joga luz sobre questões tão importantes, inspiram
seus pares a agir garantindo uma educação libertadora, conscientizadora, crítica. Após análise das obras, foi possível
perceber que existe um contexto global de diminuição das diferenças, de rechaçamento das lutas pelo reconhecimen-
to das minorias, pelo recrudescimento das políticas de repressão das populações historicamente menos favorecidas
e de proteção de uma hegemonia. Mas, o caso brasileiro parece estar mostrando sua faceta mais radical nos tempos
atuais, quando se trata de políticas de opressão e de esvaziamento do discurso crítico. Nesse contexto um pensador
como Freire se faz cada vez mais atual e necessário. A construção de uma pedagogia enraizada na realidade, na qual se
aprende em comunidade, onde a capacidade de aprender é um dado inalienável do indivíduo. Essa pedagogia foi de-
finitivamente definida, defendida e elaborada pelo agora “perseguido” Paulo Freire. Nessa perspectiva, o pensamento
de Freire representa um risco a qualquer governo com pretensões totalitárias, pois na sua visão ele imagina uma edu-
cação enquanto ato político, envolvida nos problemas contemporâneos. Seus textos trazem uma visão da realidade
brasileira que, ao que tudo indica pouco se transformou. Ou talvez, a onda conservadora obscurantista que vemos se
intensificar seja justamente a reação a alguma transformação. E o seu Pedagogia do Oprimido é o cerne da elaboração
dessa educação do/pelo afeto e amorosidade; da igualdade como fundamento de uma ação pedagógica libertadora. É
sobre esse texto em especial que o presente artigo irá se debruçar, tentado apontar a importância de Paulo Freire não
ainda, mas, sobretudo, hoje.
Palavras chave: Paulo Freire, pedagogia, opressão, humanização, libertação.

O SUJEITO OPRIMIDO

A primeira constatação de Freire é a de que vivemos um cenário de desumanização - não apenas como viabili-
dade ontológica, mas como realidade histórica (FREIRE, 1987, p. 16). Diante disso resta perguntar-nos: o que fazer
para que voltemos a ser humanos? Sobre isso, diz Freire (Ibid.).

A desumanização não se verifica, apenas, nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma
diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação
histórica. […] A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como
pessoas, como “seres para si, não teria significado”. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que
um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera violência
dos opressores e ser, o ser menos (grifo do autor).

1 Mestranda em Educação na Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas pela Universidade Federal de Mato
Grosso. alairmdavid@gmail.com

1156
A pedagogia de Freire é também uma pedagogia da esperança. A desumanização não é um dado irreversível, ou
um destino do qual não podemos escapar: é resultado de um estado de coisas que leva ao acirramento das diferenças, à
alienação da própria capacidade de relacionar-se com o outro de forma igualitária e afetuosa com o diferente e nunca com
o inferior. Esta representa, para o autor, a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos - libertar-se a si e aos opres-
sores. Pois não há ninguém melhor que o oprimido para compreender o funcionamento de uma sociedade opressora.
É famosa também, a elaboração de Freire, na qual ao descobrir esse mecanismo de desumanização e opressão,
os oprimidos se tornem, também, opressores ou subopressores. O autor nota que dado o condicionamento da estru-
tura de seu pensar, pela contradição vivida na sua experiência concreta e existencial, os oprimidos podem, em alguns
(e recorrentes) casos, aderir ao opressor. Nestes casos, o oprimido não se percebe enquanto tal: “o seu conhecimento
de si mesmos, como oprimidos, se encontra, sobretudo, prejudicado pela ‘imersão’ em que se acham na realidade
opressora” (FREIRE, 1987, p. 18).

O grande problema está em como os oprimidos, que “hospedam” o opressor em si, participar da elaboração, como
seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram “hospedeiros”
do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade
na qual ser é parecer e parecer é parecer com opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido que não
pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta crítica – a dos oprimidos por si
mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como manifestação da desumanização. (FREIRE, 1987, p. 32

O oprimido é, portanto, aquele que internaliza o opressor que lhe tolhe a voz, a palavra, a ação autônoma, a
liberdade (FREIRE, 2013). Oprimido que tem muitos rostos: é o negro, o indígena, a mulher, o portador de qualquer
marca de discriminação. Trata-se de uma pedagogia construída em contato direto com oprimidos e oprimidas, a partir
de suas falas e modalidades de leitura de mundo. Por isso a Pedagogia do Oprimido não tem um conteúdo filantrópico
- não se trata de um roteiro para pessoas solidárias que querem libertar o outro. Trata-se de instrumentalizar o opri-
mido para um processo que o levará a estrotejar de dentro de si o opressor, a perder o medo da liberdade assumindo
correndo o risco de assumi-la. O oprimido deve aprender a lutar para ser mais. Não é suficiente que o oprimido tenha
consciência crítica de opressão, mas que esteja disposto a transformar a realidade. Freire (2001, p. 51) afirma que

uma das grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno, está em que é hoje dominado pela força dos mitos
e comandado pela publicidade organizada, ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à
sua capacidade de decidir.

Segundo Ana Mae Barbosa, o sucesso mundial da Pedagogia do Oprimido2 deve-se ao fato de que o texto apre-
senta uma perspectiva inédita aos países desenvolvidos:

Foi uma resposta convincente para os movimentos reinvindicatórios dos estudantes do mundo desenvolvido, ope-
rando-se uma curiosa contradição: o educador do mundo desenvolvido, com suas teorias construídas na prática da
pobreza do terceiro mundo, sendo válvula propulsora da libertação do mundo desenvolvido. As contradições sempre
foram, porém, o alimento do pensamento crítico de Paulo Freire. A Pedagogia do Oprimido é a pedagogia do “reco-
nhecimento” cultural e, sobretudo, é a pedagogia do pensamento crítico contextualizado (BARBOSA, 2001, p. 20).

Desta forma o contexto subdesenvolvido apresenta um contexto que prepara o educador para questões que o
mundo desenvolvido talvez nunca conheça. Paulo Freire parte desse contato com uma realidade muito específica: o
saber das experiências feito e elaborado pelos pobres e oprimidos. Foi a partir dessa troca de horizontal de saberes en-
tre o popular e o erudito que sua pedagogia ganhou força, notoriedade e singularidade. Pois percebe que o oprimido
guarda em si mesmo a chave para sua libertação - basta que se assenhore desse dado. Uma vez que esse movimento
acontece, os efeitos são irreversíveis: “a libertação é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce desse parto
é um homem novo que só é viável na, e pela superação da contradição opressores-oprimidos que é a libertação de
todos” (FREIRE, 1987, p. 19).

2 "O principal livro de Freire, Pedagogia do Oprimido, está entre as cem obras mais citadas em língua inglesa, segundo o Google Scholar, ferramenta
de literatura acadêmica. É o único brasileiro nessa lista. Na área de educação, aparece como o segundo mais referenciado —o volume de citações
é um dos mais importantes indicadores de relevância científica”. Fonte: <http://bit.ly/33odZWa>. Acesso em 18 fev. 2019.

1157
O CORPO OPRIMIDO

Mas, como operar esse retorno à humanização? Quando diz que “a humanização enquanto vocação tem, na
desumanização, sua distorção” (FREIRE apud ECCO; NOGARO, 2015, p. 3526), Freire já aponta para esta vocação
inerente ao ser humano que é tornar-se humano, aproximar-se da sua humanidade. Sobre isso diz ainda, o autor:

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de cria-
ção, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai
acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E
é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiado e respondendo ao
desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em ternos de relativa preponderância, nem
das sociedades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históri-
cas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar destas épocas (FREIRE, 1989, p. 41).

O movimento em direção à humanização é fruto de uma relação dialética entre o sujeito e seus pares e o am-
biente no qual vive. Uma relação em que todos os elementos se transformam mutuamente. O homem, diz Freire,
cumprirá essa tarefa integradora na medida em que se apropriar de seus temas fundamentais, que reconhecer suas
funções concretas. Por isso se faz necessária uma educação que constitua sujeitos críticos, que não se ajustará ao que
lhe é dado, que é capaz de captar as tarefas que se apresentam: “sua humanização ou desumanização, sua afirmação
como sujeito ou sua minimização como, dependem, em grande parte, de sua captação ou não desses temas” (FREIRE,
1989, p. 44). Apesar dessa vocação, do homem e do processo educacional que é de reconciliá-lo com sua própria hu-
manidade, Freire percebe que ocorre o contrário:

O que se sente, dia a dia, com mais força aqui, menos ali, em qualquer dos mundos em que o mundo se divide, é o
homem simples esmagado, diminuído e acomodado, convertido em espectador, dirigido pelo poder dos mitos que
forças sociais poderosas criam para ele. Mitos que, voltando-se contra ele, o destroem e aniquilam. É o homem tra-
gicamente assustado, temendo a convivência autêntica e até duvidando de sua possibilidade (FREIRE, 1989, p. 44).

Nesse sentido, Freire já afirmava que a “humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real,
concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão” (Freire,
1987, p. 30). Um homem destituído da amplitude de suas capacidades, alienado, portanto, de sua própria humanida-
de. Incentivado a desenvolver, cada vez mais, suas funções intelectuais em detrimento de suas funções instintivas e
emocionais.
Nesse contexto o homem se afasta de, pelo menos, metade de suas capacidades. Por isso Freire reivindica uma
prática educativa crítica e sensível, que apele para todas as possibilidades do aparato cognoscente humano. O homem
não aprende apenas para produzir; na produção “pura” não há escolha, só reprodução. Aprendizagem deve ensinar a
produzir ao mesmo tempo em que situa o sujeito no processo de produção. Por isso, educar é tomar uma posição, é
demarcar lugares de fala. Diremos aqui lugares de fala - no plural, porque muito se confunde a tomada de posição com
a imposição de uma posição, o que não tem, de forma alguma, correspondência com a verdade.
Trata-se de evidenciar a pluralidade de vozes envolvidas no processo, de forma ética, que não reforce padrões
de hierarquia, que ilumine o que são, nas palavras de Freire essas tarefas que todo sujeito deverá cumprir: “não pode
existir uma prática educativa neutra, descomprometida, apolítica. A diretividade da prática educativa que a faz trans-
bordar sempre de si mesma e perseguir um certo fim, um sonho, uma utopia, não permite sua neutralidade” (FREIRE
apud ECCO; NOGARO, 2015, p. 3529).
O que Freire defende é que a educação é um processo que se dá entre sujeitos que se reconhecem enquanto tal, e que
se habilitam, juntos, a lutar contar qualquer processo de desumanização. A leitura do texto freireano pode acarretar
em alguma reação ao que pretendemos denominar aqui de educação profissional. Sobretudo quando o autor, em
contraposição a essa “educação libertadora” que até aqui descrevemos, coloca o que ele chama de “educação bancária”.
Diremos, com Briguente e Mesquida que

1158
Pestalozzi, na obra Écrits sur la méthode (Vol. III, 2009, p. 160) não considerava o(a) educando(a) como “um vaso
vazio que se deve encher”, mas como “uma força real, viva, ativa por si mesma que, desde o primeiro momento da
sua existência age no sentido de um corpo orgânico sobre seu próprio desenvolvimento”. Freire, a rigor, substituiu
a jarra de Plutarco e o vaso de Pestalozzi por banco, com o mesmo sentido dado pelos seus antecessores. Esse é o
sentido do que Freire chama de “educação bancária” (BRIGUENTE; MESQUIDA, 2016, p. 158).

Esse “vaso vazio que se deve encher” corresponde a um ideal de educação que desconsidera o corpo como ele-
mento autônomo, produtor e participante do processo educacional. Cabe ao sujeito, na educação bancária, apenas
receber conteúdos, sem a eles responder, de forma crítica e questionadora. Essa educação cria corpos massificados,
domesticados, desenraizados. Neste contexto o que se tem são educadores autoritários, que dizem o que os educandos
devem fazer, realizando o que Freire chama de pedagogia da resposta: “é puro treino, é pura transferência de con-
teúdo, é quase adestramento, é puro exercício de adaptação ao mundo” (FREIRE apud BRIGUENTE; MESQUIDA,
2016, p. 161). É uma educação que dociliza os corpos, marcados e oprimidos já que são massificados.

CONSIDERAÇÕES: A ATUALIDADE DE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

Mais do que referência fundamental quando se trata de educação brasileira, os textos de Freire são um retrato
da desigualdade de um país, bem como dos mecanismos que a perpetuam - ou dos mecanismos que podem dirimí-la.
A Pedagogia do Oprimido é uma obra que visa ir muito além de estabelecer os conceitos de opressor e oprimido: aponta
para um possível avanço capaz de libertar a grande maioria da população brasileira de uma situação marginal, esque-
cida pelos direitos humanos. Para tanto, a educação brasileira precisa se esquivar do caminho que lhe foi traçado pelos
que estão no poder, que buscam seus próprios interesses, que é o da reprodução da desigualdade, da marginalização
e da miséria.
Percebe-se que a obra de Freire, em sua totalidade, alcança uma linearidade e uma coerência importantes não
só para a constituição de um corpo teórico sólido, mas para a concretização de uma utopia. A libertação é o fio con-
dutor de seus escritos. Suas experimentações, desde jovem como professor em Pernambuco, a partir de um método
revolucionário de alfabetização, até sua internacionalização sempre partiram de um olhar generoso e afetuoso para o
outro. Generosidade nunca confundida com assistencialismo, como ele enfatizou diversas vezes. Uma pedagogia do
afeto é uma pedagogia do apreço incontornável pelo humano, como se a humanidade enquanto qualidade fosse o primei-
ro e mais forte laço que poderíamos estabelecer com nossos destinos no mundo, em convivência com nossos pares.
Humanizar-se é cumprir um papel a ser cumprido, a despeito das estruturas que insistem em falsear ou esvaziar os
processos de humanização. É um dado que deve estar sempre no horizonte de possibilidades de educadores e aprendizes.
E é a biografia de Freire que aguça seu olhar para isso. Fatos como o golpe militar de 64 e o subsequente exílio, tam-
bém lhe ensinaram algo muito valioso: a autonomia é uma construção que se faz horizontal e coletivamente. Todos
dispomos de instrumentos materiais e intelectuais para operar esse processo, basta que seja feita essa descoberta, esse
olhar crítico para o abismo que separa alienação de humanização.
Enfrentamos hoje, mais do que nunca, um processo de questionamento do ensino nos moldes como o co-
nhecemos hoje no Brasil. Os processos de ensino e aprendizagem em sala de aula, mediados por um professor que
apresenta conteúdos a um coletivo cada vez mais diverso de alunos, com vivências e backgrounds particulares, está em
crise. Assistimos a iniciativas que visam transferir o papel do educador para a família - o chamado ensino domiciliar:
“o pai que senta com o aluno duas, três horas por dia, pode estar aplicando mais conteúdo que a escola durante quatro,
cinco horas por dia”, disse a atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, em reportagem veiculada pelo
portal G13.
Não é nossa intenção aqui repercutir a fala da ministra, mas pensar em que medida esta declaração representa
uma guerra contra o ensino, contra a libertação através da educação. Por que o estado decide intervir, retirando os
professores do processo pedagógico? Que consequências esse tipo de iniciativa pode ter no futuro? O que podemos
aprender, inspirados por Freire, é que precisamos de uma educação que prepare não um mero trabalhador, mas su-
3 Disponível em <https://glo.bo/33odU4O>. Acesso em 5 fev. 2019.

1159
jeitos conscientes e capacitados não só para produzir - ou pelo menos não para reproduzir de forma alienada - mas
para desvelar a realidade, nas palavras de Freire (1989). E essa consciência só será fruto da prática, pois é na prática
que está envolvido o corpo e suas capacidades sensíveis.
Nesse sentido, a educação precisa perceber a importância da dialogicidade como nos ensina Freire no capítulo
3 da Pedagogia do Oprimido, apontando a necessidade do diálogo no processo educativo, como prática de liberdade,
levando o aluno a uma maior autonomia.
Freire percebe o ser humano como ser autônomo. Esta autonomia está presente na definição de vocação anto-
lógica de “ser mais” que está associada com a capacidade de transformar o mundo. E, quando se refere à liberdade não
é apenas como um direito constitucional, mas como algo que se efetiva plenamente na autonomia do humano que há
na pessoa, com sua consciência autônoma em interação com outras consciências.
A educação para a liberdade não é só mental, mas também física. Esses corpos conscientes estão munidos de
sua capacidade produtiva na sua integridade e encontram no trabalho não uma finalidade pragmática capitalista, mas
um, entre tantos outros meios, de produzir sua subjetividade, de exercer e compartilhar sua humanidade. Contrapor
as palavras freireanas à realidade que se apresenta nos faz crer na importância da utopia, de uma pedagogia do direito
à educação. Somos todos seres inacabados, com vocação intrínseca para ser mais. Essa vocação, com Freire, só se re-
aliza no diálogo, na horizontalidade, que visa a partir de uma práxis enraizada na materialidade das experiências dos
sujeitos, educar saberes e afetos.
Essa autonomia que resulta do processo pedagógico não é uma doação, não é gesto benevolente, mas uma cons-
trução realizada pelos sujeitos, tecida no coletivo. O assistencialismo é violento, pois não dialoga, retira do homem
a sua capacidade crítica tão necessária ao homem brasileiro, sobretudo nesse contexto tão cambiante e contraditório
em que vivemos. Trata-se, portanto de uma educação que consiga mobilizar uma mudança no status quo, e por conse-
quências nas visões de mundo por ele produzidas e disseminadas, como se fossem a única alternativa, o único modo
de vida conhecido. Finalmente, é uma pedagogia capaz de transformar as estruturas opressoras para que novas rela-
ções possam surgir sempre a partir do diálogo, pois “o diálogo não impõe, não maneja, não domestica, não sloganiza”
(FREIRE, 1987, p. 97).
A compreensão crítica da realidade, em Freire, esteve sempre associada à transitividade da consciência, cujo
processo ocorre na experiência educativa. Sua proposta de “educação libertadora” adverte que, enquanto homens e
mulheres permanecerem em níveis de consciência mágica, ou ingênua, os conhecimentos serão mera superposição
à realidade, levando-os a uma atitude fatalista de acomodação, ajustamento ou adaptação. Porém, imbuídas de cons-
ciência crítica, as pessoas tornam-se sujeitos de suas ações e integradas à realidade de forma participativa, crítica e
propositiva.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae. Sobre a pedagogia do oprimido. IN: FREIRE, A M. A et. al. Pedagogia da Libertação em Paulo Freire.
São Paulo: UNESP, 2001.
BRIGUENTE, M. F.; MESQUIDA, P. Paulo Freire: da denúncia da educação bancária ao anúncio de uma pedagogia libertadora.
IN: Revista Pro-Posições. v. 27, n. 1, jan./abr. 2016.
ECCO, I.; NOGARO, A. A educação em Paulo Freire como processo de humanização. IN: XII Congresso Nacional de
Educação. Anais… Paraná: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2015, p. 3524-3535).
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
___. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
___. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

1160
POLÍTICAS DE CERTIFICAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS
– O CASO DOS EXAMES DE MADUREZA

Maria Margarida Machado1


Stephany Lago2

INTRODUÇÃO

A história das Políticas de Certificação de Jovens e Adultos no Brasil inicia-se no período da Primeira Repú-
blica, com a denominação “Exame de Madureza”, a partir do Decreto-Lei nº 981/1890 de Benjamim Constant. O
referido decreto abre espaço para brasileiros, com idade mínima de 16 anos, que não tiveram oportunidade de cursar
o chamado “ensino regular”, formalmente em uma instituição de ensino, obterem através desse exame um certificado
que lhes dava título de bacharel (correspondente ao final da educação básica nos dias atuais); direito de concorrer a
cargos no serviço público; e a possibilidade de se candidatar a um curso no ensino superior.
Esta pesquisa, de caráter documental e bibliográfica, trata da reconstituição histórica dos Exames de Madureza
no Estado de Goiás, com vistas a compôr o acervo de documentação e memória da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) deste Estado, disponibilizado em plataforma digital pelo Centro Memória Viva (CMV). A pesquisa tem por
finalidade contribuir para pensar a política de educação de jovens e adultos implementada, neste Estado, e sua rela-
ção com as políticas nacionais voltadas para EJA. A concepção de história presente nessa pesquisa parte da relação
intrínseca entre passado e presente, aqui focalizada na tentativa de percepção dos sentidos atribuídos aos exames,
no contexto da educação Brasileira. Hobsbawm (2001), contribui com esta reflexão quando afirma que aquilo que a
história, “pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em geral, e mais particularmente das
transformações das sociedades humanas durante os últimos séculos de mudança radicalmente aceleradas e abrangen-
tes.” (p. 43).
Os estudos sobre a utilização dos exames de certificação, no contexto da educação brasileira, auxiliam na com-
preensão de padrões e mecanismos de mudança nas políticas educacionais. Os Exames de Madureza revelam um
padrão de justificativa em relação a reparação de um dever do Estado, para com o direito não garantido dos cidadãos
terem acesso à escola; ao passo que legitimam-se como mecanismo de resposta às exigências da sociedade em relação
ao processo de escolarização. O certificado emitido representava para parte dos que se candidatavam, naquele con-
texto, a não necessidade da busca pela escola. Analisar os padrões e mecanismos que envolveram as estratégias, como
Exame de Madureza e Exames Supletivos, em alguma medida, auxiliam na compreensão dos formatos e intenciona-
lidades dos exames de certificação utilizados no Século XXI.
Para a compreensão do significado destes exames, é necessário apropriar-se dos diferentes elementos que com-
põem esta ação como política educacional: o arcabouço legal que justifica sua intencionalidade; os modelos e estraté-
gias previstos na sua elaboração e aplicação; a definição dos conhecimentos por eles a serem aferidos; e, por fim, quais
os sujeitos que buscavam esses exames e suas justificativas para esta candidatura. Sobre estas temáticas, a pesquisa
bibliográfica contou com as reflexões de Nagle (1974) e Paiva (2003), além da dissertação de Castro (1973), porém
não há uma análise em âmbito nacional, que nos permita a compreensão dos todos os elementos indicados. Na ten-
tativa de superar parte dessa lacuna, esta pesquisa tem buscado compreender alguns desses elementos, no âmbito da
realidade do Estado de Goiás.
Os dados apresentados neste artigo, resultam de pesquisa documental realizada nos arquivos da Secretaria de
Estado da Educação Cultura e Esportes de Goiás (Seduc/GO), focalizando os achados documentais que registram o

1 Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Doutora em Educação pela PUC/SP, Pesquisadora do
CNPq. Email: mmm2404@gmail.com
2 Estudante da graduação no curso de Pedagogia, bolsista do programa de iniciação científica pelo CNPq. Email: stephanylago4@gmail.com

1161
perfil dos candidatos aos Exames de Madureza. A documentação sobre os Exames de Madureza da Seduc/GO encon-
tra-se no “Departamento de Expedição de Certificados” (DECD). No arquivo deste departamento foram localizados
4 livros atas, com dados de identificação das pessoas que buscaram seus certificados do Exame de Madureza nos anos
de 1973 a 1977.
Os Livros de registro localizados não podem ser retirados da secretaria por questões de segurança, por isso as
pesquisadoras fotografaram todas as páginas, transformando-as num arquivo de extensão pdf para que os dados pu-
dessem ser tratados. As informações que constam destes registros referem-se ao perfil dos candidatos e dados sobre
realização e resultado final dos exames do Ciclo I e Ciclo II, correspondentes a conclusão do que conhecemos como
Educação Básica atualmente.
O acesso aos registros possibilitaram identificar informações relativas a coexistência dos Exames de Madureza
e dos Exames Supletivos, tendo em vista que em 1971, com a reforma implantada pela Lei nº 5.692/1971, este passou
a substituir aos poucos o Exame de Madureza. Após a tabulação e tratamento dos dados, foi possível produzir gráficos
que revelam o perfil daqueles que buscavam certificação da conclusão de sua escolaridade básica pelos exames.

ASPECTOS HISTÓRICOS DOS EXAMES DE MADUREZA

Na Primeira República o Exame de Madureza, ao menos com esse nome, nasce no Decreto-Lei nº 981/1890 de
Benjamin Constant. Segundo Castro (1973), o exame foi inspirado em exame parecido criado na Alemanha (1881).
Rui Barbosa também já fazia provas parecidas na tentativa de “equiparar as escolas” do Rio de Janeiro. Primeiramente
a avaliação consistia no uso de um “currículo vitae”:

O examinando [...] apresentará à mesa julgadora um currículum vitae assinado pelo diretor do estabelecimento
particular em que estudou, ou pelos professores que o educaram no seio da família, donde se possam colher in-
formações sobre seus precedentes colegiais, seu procedimento moral e o aproveitamento que teve no curso de
estudos. (BRASIL,1890, p.9)

A segunda fase consistia em provas escritas e orais, as matérias eram: língua portuguesa e literatura nacional;
línguas mortas; matemática e astronomia; ciências físicas e suas aplicações: meteorologia, mineralogia e geologia;
biologia, zoologia e botânica; sociologia moral, noções de economia política e direito pátrio; geografia e história
(especialmente do Brasil).
O Exame foi elaborado como uma alternativa para os estudantes não pertencentes ao regime escolar (autodi-
datas), contudo, acabou servindo aos estudantes de escolas privadas, por motivo da falta de um sistema educacional
unificado que garantisse a qualidade do ensino oferecido por essas instituições. Embora o texto elaborado fosse des-
tinado apenas ao Estado Neutro, a intenção da proposta era ser replicada em todo o país:

Quando qualquer dos Estados da República houver organizado estabelecimentos do ensino secundário integral
segundo plano do Ginásio Nacional, darão os seus Exames de Madureza os mesmos direitos a esta matrícula nos
cursos superiores. (BRASIL, 1890, p.6)

O Decreto nº 1590, de 8 de Janeiro de 1906 equiparou todos os Colégios Lyceus do Brasil ao Colégio Dom
Pedro II, colégio modelo para o plano nacional. No texto do Regulamento do Lyceu e da Eschola Normal de Goyas
(GOYAS,1906) há 7 citações ao Exame de Madureza, descrevendo suas regras tendo como referência o Decreto n°
981/1890. Segundo Castro (1973), em 1909 e 1910 o Exame de Madureza foi realizado em todos os estados, embora
com outra fisionomia. Ele certamente no Estado de Goiás foi oferecido pelo Colégio Lyceu. A Reforma Rivadávia
Corrêa de 1911 introduziu os Exames Vestibulares ao ingresso no ensino superior, tirando do Estado a função de
certificar os conhecimentos de quem interessava cursar o Ensino Superior, portanto, o Exame de Madureza foi dei-
xado de lado.
Segundo Paiva (2003), o Brasil na passagem para a República se “envergonhava” de sua população majori-
tariamente analfabeta, tendo na instrução o meio para alcançar o status dos países “cultos”. Por meio do Decreto nº

1162
3.029, de 9 de janeiro de 1881 (Lei Saraiva) instituí pela primeira vez o Título de Eleitor e proíbe o voto de pessoas
analfabetas, “cujo o êxito poderosamente contribuiria com o desenvolvimento da instrução popular” (PAIVA, 2003
p.81). Antes para poder votar era necessário ter poder econômico. A Lei Saraiva torna a educação também condição
à participação na política brasileira. No contexto da Primeira República, ainda segundo esta autora, não era interesse
do Estado que a população trabalhadora fosse instruída, pois a não instrução popular era também meio de monopo-
lizar o poder o político.
A partir destes estudos, pode-se concluir que o Exame de Madureza, da forma como foi elaborado em 1890,
destinava-se a atender as exigências da burguesia industrial brasileira, que tinha interesse em aumentar seu espaço de
participação na organização política do país, numa jovem República, colocando em prática os seus ideais e expectati-
vas para uma nação moderna. Eram tantas exigências que somente a elite conseguia se candidatar ao exame, não era
uma política pública pensada em atender as necessidades da população jovem e adulta trabalhadora e analfabeta, mas
pensada em garantir os privilégios da elite brasileira que vislumbrava manter-se no poder.
Após a I Guerra Mundial, o êxodo rural, a imigração, a industrialização, entre outros processos, transforma-
vam as estruturas sociais do país. Seus impactos sobre a educação são também evidenciados, segundo Nagle (1974),
na década de 1920 pelo “Otimismo Pedagógico”, período marcado pela preocupação com a qualidade da Educação.
A volta do Exame de Madureza na Reforma Francisco Campos (1932), ou “Exames do Artigo 100” (nome pelo qual
ficou conhecido nos documentos oficiais) evidência as características desse período. Destinados aos jovens e adultos
que não tiveram a oportunidade de estudar em regime escolar, estes poderiam concluir sua educação básica em 3 anos
(3° série, 4°série e 5°série).
Os exames eram permitidos, apenas para maiores de 18 anos, e não havia nenhuma equiparação com o ensino
normal. Não era permitido fazer a prova da 3° série e terminar os estudos no ensino escolar, assim como os alunos do
regime escolar não podiam abandonar seus estudos para se submeter aos exames previstos no Art.100. As matérias
eram: Português, Francês, Inglês, História da Civilização, Geografia, Matemática, Ciência Física e Natural, Desenho,
Música, Química, Física, História Natural, Latim e Alemão (Facultativo). Como a prova era bastante difícil por conta
do seu caráter enciclopedista o Colégio Dom Pedro II abriu salas noturnas, com cursos preparatórios, para maiores
de 16 anos, destinada aqueles que buscavam realizar o exame.
As provas do Artigo 100 marcam uma mudança na estratégia do Exame de Madureza, esse que antes servia
como meio de “equiparação da educação”, agora passa a ter como público-alvo a população jovem e adulta que, por
algum motivo, não havia cursado o ensino “regular” e que já estavam inseridos no mundo do trabalho, portanto,
não teriam tempo de estudar. Todavia, este mesmo exame cumpria uma outra finalidade: atender aos interesses do
desenvolvimento do capitalismo naquele contexto da realidade brasileira, que exigia urgentemente uma mão de obra
minimamente qualificada, letrada.
O Exame de Madureza, porém, se reestrutura no Art.91 do Decreto-Lei n°4.224/42 da Reforma de Gustavo
Capanema e passa a ter o nome de “Exame de Licença Ginasial e Colegial”. Esse decreto era ainda mais parecido com
o Decreto de Benjamin Constant (Não permitindo o parcelamento do exame por exemplo), como ele também foi alvo
de debates, sofreu diversas prorrogações e só saiu do papel quando já estava bastante diferente do texto original.
No primeiro texto a idade mínima era 19 anos, entretanto, a questão idade foi sempre um tema sensível na
trajetória do Exame de Madureza, especificadamente nesta última reforma ela chegou a ser 17 anos. Numa dessas
mudanças, em 1957, o Exame recebeu novamente o oficial nome de Madureza (nome utilizado informalmente mas
que não haviam sido utilizado nos textos oficiais desde 1932). Avaliando o número de disciplinas, que foi reduzido,
nota-se um aligeiramento no Exame: Português, Inglês, Francês, Matemática, Ciências Naturais, História do Brasil e
Geografia do Brasil.
Se na reforma anterior o Exame de Madureza se popularizou, nesta ele afirmou-se como Política Pública,
destinada a oferecer espaço de oportunidade de certificação de conhecimentos para a população jovem e adulta tra-
balhadora. Diferente da forma como foi oferecido em 1890, o Exame de Madureza agora atendia às classes populares
do país, caracterizando uma política pública de certificação de jovens e adultos trabalhadores.

1163
OS CANDIDATOS CERTIFICADOS PELOS EXAMES DE MADUREZA EM GOIÁS

A Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira, nesta é
reformulado o Exame de Madureza, que agora é elaborado e ofertado pelos Estados, segundo os dados obtidos em
um livro Legislações do Ensino em Goiás (GOIAS, 1985) na resolução n° 3 do dia 20 de julho de 1962 (p.93), ou
seja, em vigor do artigo 99 da Lei n° 4024/61. Este documento foi encontrado, e disgitalizado pelo Centro Memória
Viva (CMV), como parte de uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Educação (UFG). A prova era composta por
dois níveis: O Ciclo I para maiores de 16 anos que certificava em nível Ginasial, e o Ciclo II ofertado para maiores
de 19 anos, que emitia certificado a nível Colegial (sendo correspondente às duas primeiras séries do ensino colegial,
o restante deveria ser concluído nos cursos colegiais de grau médio ou universitário), sendo ao candidato permitido
concluir os dois ciclos em, no mínimo, dois e, no máximo, três anos parceladamente.
Para a inscrição era obrigatório: documento de identidade; quitação com o serviço militar; provar a sanidade fí-
sica e mental; atestado de vacinação e atestado de realização de estudos correspondentes ao nível do exame, afirmado
por dois professores registrados no Ministério da Educação (MEC). As inscrições iniciavam-se no mês antecedente à
realização do Exame. A média geral era de 5 pontos e a prova escrita de português era eliminatória.
No Ciclo I as matérias eram: Português, História, Geografia, Matemática e Iniciação a Ciência. No Ciclo II
havia duas opções: se o candidato não tivesse concluído o ginásio ou prestado o ciclo I, as matérias eram Português,
História, Geografia, Matemática, Ciências Físicas e Biológicas e mais uma língua viva; já se o candidato tivesse con-
cluído o ginásio ou prestado o ciclo I eram elas: Português, uma língua viva e mais quatro disciplinas, escolhidas pelo
candidato dentre as obrigatórias, complementares e optativas para o Ciclo II.
Em Goiás, o número de pessoas que prestou o Exame de Madureza em Goiânia e foi buscar seus certificados no
DECD, nos anos de 1973 a 1977, foi de 4.279 pessoas.

Gráfico 1 – Frequência anual de solicitação de certificados do Exame de Madureza no Estado de Goiás

Fonte: Livros de Registro dos Exames de Madureza do DECD – Sistematizados pelas autoras

Destes candidatos 68% eram homens e 32% mulheres, os registros apontam que os homens são mais que o
dobro em relação às mulheres todos os livros analisados. Além de haver mais homens prestando os exames, esses são
em maior número os que concluem a escolaridade básica, enquanto a quantidade de mulheres que concluíram o ciclo
II é inferior a quantidade do ciclo I.

1164
Gráfico 2 – Relação à conclusão da escolaridade básica entre os homens

Fonte: Livros de Registro dos Exames de Madureza do DECD– Sistematizados pelas autoras

Gráfico 3 – Relação à conclusão da escolaridade básica entre as mulheres

Fonte: Livros de Registro dos Exames de Madureza do DECD– Sistematizados pelas autoras

Quanto a origem dos candidatos, dos 4279 certificados 35 (cerca de 0,8%) eram estrangeiros. Dentre estes, por
exemplo, 11 eram de Portugal, 3 do Japão e 3 do Líbano. Candidatos nascidos no Estado de Goiás, representavam
50,1% das certificações. Cerca de 35,7% dos sujeitos eram naturais da Região Sudeste principalmente dos estados de
São Paulo e Minas Gerais, cerca de 30,7%, sendo 13,4% naturais das demais regiões do país.

Gráfico 4 – Relação de frequência dos dez Estados com maior número de certificados requeridos ao Exame em Goiás

Fonte: Livros de Registro dos Exames de Madureza do DECD– Sistematizados pelas autoras

Dos 2144 que buscaram seus certificados no DECD na década de 1970, 14,3% era naturais da capital Goiânia e
85,7% eram naturais do interior (deve-se considerar como Goiás também o atual Estado do Tocantins).
No que concerne à faixa etária dos candidatos certificados, os resultados revelaram que na faixa etária de 16 e
17 anos (adolescentes) o total é de 6 pessoas; de 18 a 29 (jovens) o total de sujeitos é de 2515, dos 30 aos 59 (adultos)
são 1728 e idosos (mais que 60 anos) somam 29 sujeitos.

1165
Gráfico 5 – Relação da faixa etária dos sujeitos segundo os livros de registro

Fonte: Livros de Registro dos Exames de Madureza do DECD– Sistematizados pelas autoras

Estes dados geracionais chamam a atenção por revelar o acesso à certificação pelos exames de maioria de jo-
vens, seguida dos adultos trabalhadores, que se beneficiaram desta alternativa de conclusão da escolaridade.

REFLEXÕES PROVISÓRIAS

O acesso aos dados sobre o perfil dos candidatos certificados pelos Exames de Madureza em Goiás, nos livros
de registro do DECD, nos possibilitaram identificar a estratégia da certificação atendendo a necessidade de jovens e
adultos que, não tendo acesso à escola, utilizavam-se deste instrumento para obter um comprovante de conclusão do
ginasial ou colegial, a depender de qual o ciclo que era certificado. A presença significativa de candidatos do interior
do Estado reforçam esta carência de oportunidades educativas.
A busca pela certificação está representada pela maioria de jovens e homens, o que reforça a não oferta de
cursos regulares, naquele contexto da educação brasileira, ao mesmo tempo em que revela a dificuldade da condição
feminina ainda, na década de 1970, de lutar pelo direito a educação. Quando a busca pelo certificado ocorre entre as
mulheres, ela está mais relacionada à conclusão do ginasial do que do colegial, onde são novamente os homens que
estão mais presentes.
A sistematização destas informações sobre o perfil dos certificados pelos Exames de Madureza em Goiás con-
tribuem para a constituição da história da educação destinada aos sujeitos jovens e adultos neste Estado e a pensar a
política nacional voltada para EJA. Ao mesmo tempo, possibilita o levantamento de outras questões acerca da política
de exames, quando esses dados são colocados em análise frente as demais políticas de certificação, como os Exames
Supletivos, que substituíram os Exames de Madureza, ou ainda, o Exame de Certificação de Competências de Jovens
e Adultos (ENCCEJA), que substituíram os Exames Supletivos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. República dos Estados Unidos do Brazil. Decreto nº 981 de 8 de novembro de 1890. Rio de Janeiro.
BRASIL. República dos Estados Unidos do Brasil. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.Brasília.
GOYAZ. Regulamento do Lyceu e da Eschola Normal de Goyaz, janeiro de 1906, Goyaz.
GOIÁS. Secretaria Estadual de Educação. Legislação do Ensino em Goiás. 1985, Goiânia.
CASTRO, Joselita Saraiva. O Exame de Madureza no Sistema de Ensino Brasileiro. Tese de Mestrado apresentada a banca
examinadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1973.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras. 2001.
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1974.
PAIVA, Vanilda. História da Educação Popular no Brasil – educação popular e educação de adultos. São Paulo: Edições Loyola. 2003.

1166
POLÍTICAS DE INCENTIVO À FORMAÇÃO INICIAL DOS
PROFESSORES: LIMITES E PERSPECTIVAS NO PERÍODO DO
GOVERNO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT)

Caroline Correia Maciel – UFMS


Margarita Victoria Rodríguez – UFMS
Sara Santana Armoa da Silva – UFMS

Resumo: O presente artigo apresenta como objetivo analisar os limites e a perspectiva do processo de im-
plementação e desenvolvimento das políticas de formação inicial de professores da primeira década dos anos 2000,
especialmente no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Para atingir o objetivo proposto,
foram utilizados como fonte de investigação os documentos oficiais vinculados à regulamentação dos programas
que incentivaram as políticas de formação inicial, bem como a legislação que normatizou tal seguimento. Além dis-
so, bibliografias específicas, as quais indicaram estudos em torno de programas criados no governo PT também se
referiram a outras fontes de investigação. De forma específica, ressalta-se os documentos utilizados para análise: a) o
Parecer n. 05/2005, de 13 de dezembro de 2005; b) o Decreto n. 5.800/2006, de 08 de junho de 2006; c) o Programa
Universidade para Todos - PROUNI (2004); e) Resolução n. 02/2002; f) a Universidade Aberta do Brasil – UAB
(2006); g) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI (2007);
e h) o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID (2007). O projeto neoliberal e suas singula-
ridades, sobretudo no campo das políticas educacionais, se referiram aos pressupostos e a base teórica que mediaram
as análises das respectivas fontes. Notou-se que a implementação e o desenvolvimento dos programas e legislações
deliberadas no período estudado evidenciaram contradições pertinentes a demanda orientada pelo projeto neoliberal,
sendo a interferência do setor privado no público, a gestão gerencial e as competências baseadas no desenvolvimento
do mercado a base para o desenvolvimento das políticas de incentivo da formação inicial.
Palavras-chave: Políticas de Educação. Formação Inicial de Professores. Políticas Neoliberais.

INTRODUÇÃO E ASPECTOS METODOLÓGICOS

A propositura temática do presente artigo constitui-se acerca dos debates sobre as tendências dos diferentes
governos que fizeram parte da história do Brasil e, por conseguinte, orientaram de maneira distinta e singular o
campo da educação com repercussões nas políticas educacionais. Foi definido, com base na respectiva temática, in-
vestigar a implementação e o desenvolvimento das políticas de formação inicial de professores na primeira década
dos anos 2000, especialmente no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) (2003-2010) do Partido dos
Trabalhadores (PT), momento em que houve um significativo fomento de financiamento estatal nesse campo quan-
do comparado aos governos que antecederam.
Para situar historicamente o período escolhido para investigação, se faz importante ressaltar que as iniciativas
ocorridas nos anos 2000 estão relacionadas ao movimento neoliberal iniciado nos anos de 1990 no Brasil. Segundo
Neves (1999), esse processo enfatizou a temática da qualidade do ensino com fortes relações entre a produção e a
educação.
De fato, a neoliberalização adentrou o processo político brasileiro inclusive no campo da educação, no entanto,
mesmo que os governos tenham apresentado interesses políticos e produtivos aproximados, considera-se a manifes-
tação de formas ou estratégias singulares nos diferentes governos presidenciais entre os anos de 1990 a 2010.

1167
Tendo em conta a singularidade do governo Lula em propiciar maior intervenção estatal para o desenvolvi-
mento da educação, objetivou-se analisar as tendências e os limites do processo de implementação e desenvolvimento
das políticas de formação inicial de professores em seu governo.
Para atingir o objetivo proposto, foram utilizados como fonte de investigação os documentos oficiais vincu-
lados à regulamentação dos programas que incentivaram as políticas de formação inicial, bem como a legislação que
normatizou tal seguimento. Além disso, bibliografias específicas, as quais indicaram estudos em torno de programas
criados no governo PT também se referiram a outras fontes de investigação. De forma específica, os documentos uti-
lizados para análise foram: a) o Parecer n. 05/2005, de 13 de dezembro de 2005; b) o Decreto n. 5.800/2006, de 08 de
junho de 2006; c) o Programa Universidade para Todos - PROUNI (2004); d) a Universidade Aberta do Brasil – UAB
(2006); g) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI (2007);
e h) o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID (2007).
O projeto neoliberal e suas singularidades, sobretudo no campo das políticas educacionais, se referiram aos
pressupostos e a base teórica que mediaram as análises das respectivas fontes. Em seu sentido lato, conforme Harvey
(2008), o princípio desse novo projeto se baseou na valorização dos direitos individuais à propriedade privada, do
regime de direito e das instituições de mercado de livre funcionamento e de livre comércio. Dessa forma, a iniciativa
do desenvolvimento do capital deve ser do setor privado.
E, em seu sentido estrito, associado às políticas de formação inicial, Neves (2008) argumenta que o propósito da
neoliberalização para a educação vincula-se as intenções relacionadas ao resgate da dívida social. O ensino surge, nes-
se processo, como importante mecanismo para adequar os parâmetros científicos e tecnológicos essenciais à Terceira
Revolução. Assim a educação se apresenta a serviço da reprodução ampliada do capital com significativa orientação
dos setores financeiros (NEVES, 2008).
A frente segue o artigo sistematizado em dois momentos. O primeiro apresentou uma análise da regulamen-
tação da formação inicial de professores no início dos anos 2000, ao final do governo do presidente Fernando Hen-
rique Cardoso -FHC (1995-2002) e o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Lula (2003-2010).
Posteriormente, foi discutido os limites e perspectivas dos programas que contribuíram com a formação inicial de
professores no setor público no período do governo Lula.

REGULAMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO INICIAL

Esse tópico apresenta como propósito explicitar e discutir as políticas de formação inicial de professores via-
bilizadas nos governos que estiveram no poder na primeira década dos anos 2000, mais especialmente o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).
Para compreender esse período em sua complexidade, considerou-se os processos implementados e discutidos
anteriormente com o propósito de entender a intencionalidade do projeto neoliberal na educação e, sobretudo em
relação as políticas de formação docente que se organizaram nos anos 2000.
Nesse caso, destaca-se os documentos Pacto Internacional de Derechos Econômicos, Sociales y Culturales, assina-
do em abril de 1966, o documento internacional Educación, Democracía, Paz y Desarrolo ocorrido em 1996, o art. 62
da LDB/1996 que determinou a possibilidade da formação de professores por meio de institutos e universidade, o CP
nº 04/1997 que estabeleceu a construção de novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação e o Parecer nº
115/1999 que juntamente à criação dos institutos superiores definiu os Referenciais Curriculares para formação de
professores como encaminhamentos e pressupostos que se articularam a partir de orientações dos setores financeiros.
Considerar os documentos explicitados acima é relevante inclusive para compreender o movimento de insa-
tisfação no início dos anos 2000 em virtude da regulamentação do Parecer nº 115/1999. Verificou-se que, devido
as manifestações contrárias dos órgãos de luta, houve um processo de elaboração e reelaboração dos documentos
definidos nos anos 2000 com maior resistência, e por conseguinte, maior instabilidade das normativas que em cinco
anos sofreram três mudanças no campo que definiu o tempo de duração dos cursos, por exemplo (FREITAS, 2002).

1168
No entanto, apesar desse movimento reivindicatório apresentar uma frente nos ambientes de regulação, o
documento final que definiu as normativas da formação inicial dos professores da educação básica, na mesma medida
em que incorporou as reivindicações históricas, também sofreu com as pressões do setor privado. O curso de Pedago-
gia, por exemplo, que tinha previsto em seu documento oficial a carga horária de 3.200 horas, passou a ser organizada
em 2.800 para serem cumpridas no mínimo em três anos (FREITAS, 2002).
Segundo Kuenzer (2007), as críticas ocorridas referentes à Resolução 01/1999, as quais combatiam o aligeira-
mento da formação de professores, culminaram com a mesma proposta na elaboração da Resolução de 02/2002, com
vistas à flexibilização dos cursos que tinha como proposta duas alternativas: Curso Normal Superior e Pedagogia.
Situação determinada pelo movimento do mercado, cujas propostas mais curtas, mais práticas e mais flexíveis de-
monstrariam maior atratividade para o setor privado, de modo que pudessem apresentar custos reduzidos.
Em 13 de dezembro de 2005 um novo parecer foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Pleno do Conse-
lho Nacional de Educação. Mediante o referido Parecer n. 05/2005, foram definidas as Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o curso de Pedagogia, as quais apresentaram uma solução que vinha se arrastando nos últimos 25 anos.
Tal efeito repercutiu na abrangência para outras funções de atuação profissional tais como: a) a organização e gestão
de sistemas e instituições de ensino; e b) a produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo
educacional escolar e não escolar, circunstância que manteve o currículo insuficiente e continuou a apresentar um
caráter instrumental de formação. (RODRIGUES; KUENZER, 2007).
Segundo Rodrigues e Kuenzer (2007), esse cenário define um foco restrito a uma única possibilidade de quali-
ficação com uma suposta definição do que seja pedagogia. Sendo assim, destacam:

Daí o espanto do conselheiro com a intrínseca contradição: no afã do atendimento a todas as vozes dissonantes
da opção escolhida ao tempo que o Parecer define um foco restrito a uma única possibilidade de qualificação,
representativa de uma forma específica de concepção do que seja pedagogia, amplia demasiadamente o perfil, do
que resulta a ineficácia da práxica da proposta, pois o que está em tudo não está em lugar nenhum, constituindo
desta forma uma aberração categorial: uma totalidade vazia. Os resultados práticos desta contradição é que as ins-
tituições formadoras, mais uma vez, vão propor percursos para atender as suas conveniências, principalmente as
mercantis, o que contribui, contrariamente ao professorado, para uma maior desqualificação da educação básica,
ampliada pela desqualificação dos formadores. (RODRIGUES; KUENZER, 2007, p. 42).

Dessa forma, nota-se o início dos anos 2000 marcado pela continuidade das políticas instruídas nos anos de
1990. As alterações na legislação determinaram a criação dos institutos superiores de educação associada às definições
das Diretrizes Nacionais para Formação Inicial de Professores para Educação Básica em Nível Superior e estabeleceu
alguns elementos fundamentais para a regulamentação das políticas de formação de professores vinculadas às impo-
sições dos setores financeiros, entre eles: os conteúdos assegurados a partir de competências e habilidades, a carga
horária mediante adequação das exigências do setor privado, o controle do desempenho dos professores e dos cursos
a partir de avaliações, e ainda, a definição da organização institucional e pedagógicas das instituições formadoras.
Com isso, um novo perfil é notado no processo de formação docente da educação básica (FREITAS, 2002).
Nessas condições, as políticas de formação docente, no início dos anos 2000, indicaram uma precarização no
processo de formação inicial dos professores, que ao invés de apontar para um processo de formação multilateral, ar-
ticulada e democrática, apresentaram uma perspectiva unilateral com subordinação aos interesses dos setores finan-
ceiros. Com base na análise da Resolução n. 02/2002 e do Parecer n. 05/2005 percebeu-se, a partir da totalidade, que a
relação da educação e produção com orientações neoliberais existiu no decorrer dos anos 1990 e se manteve no início
dos anos 2000, tanto no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, quanto no início do governo Lula.
Diante das regulamentações acima mencionadas, as quais delinearam o aligeiramento na formação inicial de
professores conforme encaminhamento dos setores financeiros, percebeu-se a escassez de propostas que apresentas-
sem um projeto articulado na formação de professores para educação básica, fato que levou a necessidade de imple-
mentação de programas pelo governo federal com significativos alcances aos cursos de licenciaturas (GATTI, 2012).
Sendo assim, a frente segue o processo de regulamentação de programas que contribuíram com a formação inicial de
professores, bem como suas tendências e limites.

1169
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E OS PROGRAMAS
REGULAMENTADOS NO GOVERNO LULA

Tendo em conta a precarização e aligeiramento da formação inicial dos professores produzidos em meados
dos anos de 1990 e início dos anos 2000, a CAPES, agência reguladora da formação, a partir do PL n. 7.569-D/2006,
apresentou a proposta “[...] institucionalizar programas de formação inicial e continuada, bem como o desenvolvi-
mento de metodologias educacionais inovadoras, visando a qualificação de recursos humanos para a educação básica”
(BRASIL, 2006).
Após tal regulamentação, foi identificada maior intervenção do Estado no campo da formação inicial, seja so-
bre o aspecto do acesso e permanência no ensino superior, seja em virtude do desenvolvimento de medidas técnicas
instrumentais. Assim como observou Oliveira (2011), foi no segundo mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(2007-2010) que realmente ocorreram mudanças que oportunizaram maior financiamento para implementação de
programas do governo federal no campo da formação docente de forma geral.
Foi observado no primeiro mandato do governo Lula, em relação aos programas no âmbito das políticas de
formação inicial de professores, o Programa Universidade para Todos (ProUni) (BRASIL,2005) e a continuidade,
reformulação e ampliação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) (BRASIL,1999). A
implementação de programas com maior relevância para a expansão do ensino superior público, bem como o obje-
tivo da permanência e parceria entre universidade e escola, especialmente no campo das licenciaturas, foi observado
a partir de 2007.
O ProUni teve como finalidade ampliar o acesso a formação inicial. Foi criado em 2004 e definiu sua proposta
delineada à ampliação do setor privado. Tal programa apresentou como objetivo conceder bolsas integrais, 50% ou
25% para pessoas que pretendiam realizar o ensino superior em instituições privadas, inclusive para o professor da
rede pública de enino.
Para Catani et al (2006), a criação do PROUNI concedeu a maioria das reivindicações do lobby das IES privada.
Assim, ao discutir o Programa atrelado à uma política pública destaca que:

O Prouni é comumente visto como mais uma política pública, particularmente por abrigar o preceito das cotas,
mas destaca-se o fato de manter um sistema de ensino nos moldes privatizantes traçados durante os anos 1990.
Nesse sentido, traz uma noção falsa de democratização, pois legitima a distinção dos estudantes por camada social
de acordo com o acesso aos diferentes tipos de instituições [...] (CATANI, 2006, p. 136).

Nota-se, portanto, que o desenvolvimento do ProUni e a conservação do Fies no primeiro mandato do gover-
no Lula indicou a perspectiva neoliberal no mesmo moldes que vinha sendo adotada fortemente nos anos de 1990.
Antunes (2006) explicita a contradição desse processo e cita que “o governo dos trabalhadores” assumiu seu primeiro
mandato em 2003, no entanto, antagonicamente apresentou uma proposta para a ampliação do acesso ao ensino su-
perior com maiores intervenções ao setor privado.
No entanto, ao final do primeiro mandato do governo Lula começou-se a perceber maior interesse de financia-
mento do Estado no processo de ampliação da formação inicial de professores no setor público. A implementação da
Universidade Aberta do Brasil (UAB), regulamentada em 8 de junho de 2006 pelo Decreto nº 5.800, é um exemplo do
respectivo interesse e, apesar desse programa abranger a implementação de cursos na concepção de formação inicial
e continuada, teve significativa importância para o processo de expansão do ensino superior a partir da modalidade à
distância e, por conseguinte, relevante destaque para a formação inicial (BRASIL, 2006)
O programa UAB objetivou ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior por
meio da educação a distância. A prioridade foi oferecer formação inicial a professores em efetivo exercício na educa-
ção básica pública, porém ainda sem graduação, além de formação continuada àqueles já graduados. Também preten-
deu ofertar cursos a dirigentes, gestores e outros profissionais da educação básica da rede pública. 

1170
Apesar da importância do programa, Freitas (2007) aborda que a proposta da UAB indicou contradições em
sua consolidação na medida que equiparou a formação dos institutos às instituições universitárias, e ainda determi-
nou um caráter aligeirado e compensatório baseado na epistemologia da prática.
De fato, a análise da UAB em sua totalidade indicou a materialização da formação inicial de professores baseada
nas orientações dos setores financeiros mesmo que com o incentivo no setor público. Essa circunstância se percebeu
mediante a equiparação dos institutos às universidades, fato baseado nos fundamentos do projeto neoliberal de de-
senvolvimento para a educação.
Outro programa implementado no governo Lula que não se tratou de uma política de formação inicial, mas
que contribuiu para a expansão do ensino superior público, inclusive dos cursos de licenciatura foi o Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) (2007), criado em 24 de abril de
2007, a partir do Decreto nº 6.96/07. Seu propósito foi “criar condições para a ampliação do acesso e permanência
na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos
existentes nas universidades federais”.
A iniciativa do REUNI mostrou as intenções do governo Lula em seu segundo mandato em expandir o ensino
superior público e proporcionar o acesso e desenvolvimento da formação inicial com melhor aproveitamento da
estrutura física e de recursos humanos. Apesar do efeito não ser direcionado especificamente para as licenciaturas,
essa área também foi afetada.
A implementação do REUNI ampliou significantemente o número de matrículas, de recursos orçamentários,
de servidores públicos docentes ativos por titulação e de obras nas universidades federais. Segundo os dados do Inep
(2012), as matrículas nas universidades federais aumentaram entre os anos de 2007 a 2012 de 139.845 para 231.530
enquanto entre os anos de 2003 a 2007 aumentou de 109.184 para 139.875. Em relação ao crescimento de docentes
no mesmo período, de 2007 a 2012, houve um salto de 672.136 para 1.029.141, em contrapartida os anos entre 2003
e 2007 verificou-se um aumento de 596.219 para 672.136. E, a respeito das obras nas universidades federais verificou-
-se que após a implementação do REUNI, até o ano de 2012, efetuou-se 3.065.735,17 m² de obras nas universidades
federais (BRASIL, 2012)
Silva e Castro (2014) consideraram que apesar do REUNI ter contribuído para expansão e melhoria dos recur-
sos estruturais e humanos das universidades públicas, principalmente no Rio Grande do Norte, a gestão gerencial
determinada com a proposta do programa, juntamente ao critério de avaliação e financiamento dependentes, mos-
traram intenções de racionamento físico já existente anteriormente a criação do programa e uma centralização das
decisões e controle do Estado a partir de um discurso de autonomia universitária.
Essa condição elucidada pela totalidade evidencia as estratégias do governo em ampliar a intervenção estatal
para expansão da formação inicial no ensino superior, na mesma medida percebe-se as propostas neoliberais em evi-
dência conforme determinação dos setores financeiros. Dessa forma, o controle do Estado mediante avaliações e fi-
nanciamento dependentes, à gestão gerencial e às Diretrizes curriculares para licenciatura baseadas em competências
e habilidades definiram a tendência do governo em relação à educação, especialmente o campo da formação inicial.
É importante salientar que os programas apresentados anteriormente não foram organizados especificamente
para a licenciatura, ou seja, com ênfase na formação inicial de professores, no entanto, por se referirem a programas
que contribuíram com a formação inicial de todas as áreas, as licenciaturas também foram significantemente afetadas.
No ano de 2007, com a regulamentação da Lei 11.502, de 11 de julho de 2007 em que foi conferida à Capes às
atribuições de induzir e fomentar a formação inicial e continuada mediante a criação da Diretoria de Educação Básica
Presencial (DEB) (2007), verificou-se propostas com vínculo direto às licenciaturas, ao tripé ensino, pesquisa e exten-
são, com maior viabilidade ao acesso e permanência de alunos, inclusive a partir de políticas com encaminhamentos
as classes desfavorecidas.
Entre os programas implementados, destaca-se o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) que foi criado exclusivamente para as licenciaturas. Teve seu início em 12 de dezembro de 2007 a partir da
Portaria Normativa nº 38 atribuindo como finalidade fomentar a iniciação à docência de estudantes das instituições

1171
federais de educação superior e preparar a formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica
pública. Ou seja, referiu-se a um programa voltado específicamente para a formação inicial de professores.
É importante ressaltar que o PIBID além de contemplar a questão da formação inicial de professores, também
favoreceu a permanência do aluno no ensino superior por meio de bolsas que são concedidas para o aluno bolsista,
para o professor da escola pública e para o professor do ensino superior. Essa sistematização proporciona a condição
no campo pedagógico de articulação entre universidade e a escola pública, possibilitando, inclusive, a viabilização do
ensino, da pesquisa e da extensão.
Mas, considerando as contradições estruturais e conjunturais em que o PIBID se situa, foi possível identificar a
partir de Rodriguez et al (2017) que as concessões de bolsas do programa viabilizadas pelos editais abertos entre 2007
e 2013 tiveram alterações em relação ao financiamento destinado para as instituições públicas e privadas. Segundo a
autora inicialmente, nos editais de 2007 e 2009, foram disponibilizadas concessões de bolsas apenas para as institui-
ções de ensino superior públicas. Em 2010 foi aberto um edital com a possibilidade de participação das instituições
privadas sem fins lucrativos. E no último edital investigado, em 2013, foi dada a oportunidade de participação do
setor privado com fins lucrativos. E nesse caso, parte da verba pública foi destinada ao setor privado.
Além da situação acima mencionada, Maciel e Rodriguez (2016) analisam os objetivos do programa e evidencia
sua aproximação às competências laborais exigidas pela concepção toyotista. Sendo assim, nota-se que o PIBID mes-
mo que tenha sua relevância enquanto um programa de formação inicial de professores com propostas de articulação
entre universidade e escola, além de propiciar a condição de ensino, pesquisa e extensão, considera-se que diferentes
aspectos de seu desenvolvimento se apresentam voltados para os interesses do mercado e do projeto neoliberal que
busca como princípio o avanço e abertura do setor privado como um processo salvacionista.
Diante das análises dos programas discutidos anteriormente, percebeu-se que no decorrer do primeiro man-
dato do governo Lula houve no campo da educação superior o incentivo do acesso à formação inicial por meio do
setor privado, tendo em conta a centralidade nos programas Fies e PROUNI. Em contrapartida, no segundo mandato
observou-se sistematizações institucionais com maior ênfase no setor público, como é o caso dos programas UAB,
REUNI e PIBID. No entanto, seja no setor público ou privado, pode-se considerar que a neoliberalização se consti-
tuiu como estratégia política no engajamento dos projetos. Verificou-se que os programas em sua totalidade foram
viabilizados pelas cartilhas documentais dos setores financeiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o objetivo estabelecido no presente artigo, pode-se considerar que o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010) apresentou no campo das políticas de formação inicial de professores dois momen-
tos relevantes. O primeiro se referiu ao início do seu mandato, em que demonstrou um encaminhamento marcado
muito mais por continuidades na regulamentação das políticas de formação docente e na implementação e conserva-
ção de programas que buscou a ampliação do ensino superior por meio do setor privado, mesmo que com financia-
mento público.
O segundo momento, ao final do primeiro mandato e o decorrer do segundo, foi configurado um maior finan-
ciamento do Estado com intenções de desenvolver a formação inicial de professores pelo setor público. Apesar disso,
pela análise dos programas UAB, REUNI e PIBID em sua totalidade, foi observado limites norteadores encaminhados
pelos setores financeiros.
Sendo assim, mesmo que o decorrer dos anos 2000 tenha apresentado momentos singulares no campo da
formação inicial de professores, considera-se que ambos foram identificados aspectos desencadeados pelo projeto
político neoliberal. Nesse caso, com apoio de bibliografias que ajudaram a compreender os programas e as normati-
vas definidas para análise, verificou-se condições de interferência do setor privado no público, da gestão gerencial,
das competências e das habilidades voltadas para o mercado como a base para o desenvolvimento das políticas de
incentivo à formação inicial.

1172
REFERÊNCIAS

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1173
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E SOCIAIS:
UMA ANÁLISE SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Sara Santana Armoa da Silva – UFMS


Caroline Correia Maciel – UFMS

Este texto apresenta a pesquisa de doutorado das autoras que tem como objetivo geral investigar a relação entre
as políticas de renda mínima e a garantia do direito à educação no Brasil. Para a melhor compreensão desse objeto
que se pretende investigar, primeiramente, é preciso situá-lo historicamente, ou seja, apontar como as políticas edu-
cacionais e as de renda mínima foram se constituindo ao longo da história recente do país. Segundo PIANA (2009):

A Educação, nos últimos tempos, ocupou lugar de destaque nas esferas econômica, política e cultural e um campo
da vida social de tensão pelas disputas dos projetos societários de diferentes grupos e segmentos sociais, especial-
mente para conquistar-se a hegemonia política e cultural na sociedade. (PIANA, p. 57, 2009).

Sendo assim, é importante compreender melhor a relação das políticas de transferência de renda com as po-
líticas educacionais já que o Brasil é um país de grande desigualdade social. Segundo pesquisas feitas pelo IBGE em
2017, cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a 25,4% da população, vivem na linha de pobreza e têm renda
familiar equivalente a R$ 387,07 – ou US$ 5,5 por dia, valor adotado pelo Banco Mundial para definir se uma pessoa
é pobre. Ou seja, é claro que a pobreza afeta a população trazendo impactos na educação, no ambiente escolar e no
processo de aprendizagem dos estudantes. Sendo assim, surge a necessidade de averiguar de que modo as políticas
educacionais se consolidam para garantir não somente o acesso, mas também, a permanência dos alunos na escola.
Não menos importante, e para melhor compreender o processo citado acima, é necessário apontar o papel do Estado
na sociedade capitalista. Este que é o regulador das políticas educacionais e de transferência de renda:

As transformações do Estado estão ligadas, principalmente, às transformações das relações de produção capita-
listas [...] e daí, às lutas de classes. É aí que se inscrevem as modificações do papel e das atividades econômicas do
Estado que têm, certamente, seus efeitos próprios sobre ele. (POULANTZAS, 1981, p.60).

O autor ainda complementa:

O Estado, que desempenha um papel decisivo na organização da nação moderna, não é ele também, uma essên-
cia: nem sujeito da história, nem simples objeto instrumento da classe dominante, mas, do ponto de vista de sua
natureza de classe, condensação de uma relação de força que é uma relação de classe. Esse território e essa história
que o Estado cristaliza, ratifica a dominação da variante burguesa da matriz espaço-temporal sobre sua variante
operária, a dominação da historicidade burguesa sobre a historicidade operária. Mas, a história operária, sem se
trair, marca com seu selo precisamente o Estado em seu aspecto nacional. Esse Estado é também, em sua ossatura
institucional, a resultante do processo nacional de luta de classes, ou seja, da luta da burguesia contra a classe ope-
rária, mas também da classe operária contra a burguesia (POULANTZAS, 1981 p.60).

Ou seja, para o autor são as contradições de classe que constituem o Estado e estruturam sua organização.
Ainda ao analisar a relação entre o capital e o Estado pode-se afirmar que esta passa, além de assumir a função inves-
tidora, também a função gestora do sistema econômico atendendo as necessidades da classe dominante. Assim, ele
age nas crises como seguradora pública dos negócios privados e no entre crises como um restaurador dos padrões
necessários de acumulação do capital.
Com o passar do tempo, o sistema capitalista que está sempre em constante transformação se adapta às condi-
ções determinadas pelo momento histórico. Ele próprio gera crises, e isso não quer dizer que ele é falho, pelo contrá-
rio, ele se transforma e amplia-se. Sabe-se que o Estado nem sempre existiu e houve um processo histórico para ele

1174
chegar ao modo qual conhecemos hoje. A história de transformação do Estado acompanha o processo de formação
do sistema capitalista:

O capitalismo não é uma ordem natural, mas, essencialmente, social, histórica, construída a partir da luta de clas-
ses; segundo o mercado não é um espaço social de oportunidades, de liberdade e igualdade dos agentes econômi-
cos, mas uma ordem dominadora, opressora, exploradora. A teoria marxista sobre o capitalismo segue na linha
ideológica contrária de importantes teóricos da economia como, por exemplo, Adam Smith. Para ele a chamada
acumulação primitiva descreve a transição pacífica do feudalismo para o capitalismo, onde o nascimento do novo
não implica as dores do parto histórico, nem da lamentação da morte dos velhos elementos históricos. Tal transi-
ção teria acontecido de forma serena (MARX, 1985, p. 30).

A partir dessa análise histórica não se pode negar que com o desenvolvimento do capitalismo as diferenças en-
tre classes consolidam-se. A pobreza e a miséria aumentam e um dos papéis do Estado torna-se o de mediar os confli-
tos antagônicos de classe, procurando apaziguar as tensões sociais sem mudar efetivamente as estruturas do sistema:

O tratamento prescrito para combater esta nova forma de pobreza não foi combater as causas estruturais da pobre-
za – expropriação dos meios de produção, propriedade privada burguesa. (BRANCO, 2006, p. 42)

Assim, o Estado ao atuar para combater à pobreza no sistema capitalista não busca mudar as estruturas do
sistema. Na mesma linha de raciocínio segue a economia política, que considera a miséria e o desemprego como
frutos da escolha dos indivíduos, que não conseguem se adaptar ao trabalho. Mas, por outro lado, historicamente, o
Estado não pode simplesmente deixar que o mercado seja o regulador das diferenças e desigualdades sociais. Por isso,
ao longo dos séculos XIX e XX foram se configurado várias formas de atuação e intervenção estatal nas esferas da
sociedade. Tais intervenções são as chamadas políticas sociais e visam garantir padrões mínimos de educação, saúde,
habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. Estes tipos de serviços assistenciais são de caráter público e
reconhecido como direitos sociais. Dentre estes direitos, está o direito à Educação, onde será feito uma breve análise
de sua história.
Segundo Freitag (1980) a história da Educação possui três períodos: 1º período – de 1500 a 1930, abrangendo
a Colônia, o Império e a Primeira República; 2º período – de 1930 a 1960 aproximadamente e o 3º período – de 1960
em diante.
O Brasil inicia sua história a partir da educação ligada à Igreja Católica:

A História da Educação no Brasil inicia com a chegada dos padres jesuítas, responsáveis pelas bases de um vasto
sistema educacional, ocorrendo por esse intermédio o desenvolvimento de um sistema educacional que seria o
marco da educação brasileira, que evoluiu, progressivamente, com a expansão territorial da colônia, ou seja, com o
predomínio da Igreja Católica na definição do sistema educacional. E, por dois séculos, eles foram quase exclusivos
educadores no País. (PIANA p.58, 2009).

Na história educacional brasileira apenas a mudança na política educacional começa a ocorrer a partir da Pri-
meira Guerra Mundial, quando surge uma geração de grandes educadores, em destaque Anísio Teixeira. Neste mo-
mento iniciam-se diversas reformas do ensino nos Estados. Então em 1930, foram criadas as primeiras universi-
dades no Brasil foram sendo consolidadas reformas do ensino em vários níveis, consideradas importantes, embora
decorrentes da implementação de um regime autoritário. (GHIRALDELLI JUNIOR, 2003). Em suma, na década de
1930, o conceito de plano assumiu o sentido de introdução da racionalidade científica na educação; no Estado Novo,
metamorfoseou-se em instrumento destinado a revestir de racionalidade o controle político-ideológico exercido pela
política educacional; com a LDB de 1961 se converteu em instrumento de viabilização da racionalidade distributiva
dos recursos educacionais (SAVIANNI, p. 784, 2010).
Continuando a análise histórica da educação no Brasil, entre 1964 e 1985, pode-se dizer que este foi um período
marcado pela redução da liberdade política, pela queda da renda do trabalho e pelo crescimento das desigualdades
sociais mesmo com o “milagre econômico” assistido pela economia brasileira, principalmente entre 1969 e 1973. Fa-
leiros (2009) observa que a intervenção do Estado nesse período aconteceu de forma autoritária em todos os setores

1175
nacionais devido à forte repressão em favor da “ordem”. Há nesse momento histórico uma pressão para dar fim aos
sindicatos e partidos existentes; militantes e outras pessoas são acusadas de subversão e são consequentemente tor-
turadas, presas e até assassinadas, sigilosamente pelos militares. Há uma imposição da política através da violência.
Substitui-se a política pela repressão, reinando a 40 tecnocracia enquanto racionalização da máquina administrativa
em função de objetivos e metas fixados de cima pra baixo. O Estado realiza uma intensa relação entre o capital multi-
nacional, as empresas estatais e o capital privado nacional para ampliar e estimular os investimentos. Após um longo
período de ditadura, o processo de redemocratização e fim do período militar no país, aconteceu a partir do ano de
1985. A educação torna-se universal no Brasil, concomitantemente ao processo da promulgação da Constituição
Federal de 1988. Essa conquista é um processo de disputas políticas e econômicas, apesar de ser uma conquista para a
população, ao se falar sobre as políticas educacionais, é necessário considerar que estas políticas são moldadas dentro
de crises internacionais e nacionais:

É importante considerar que as reformas educacionais no Brasil ocorreram mediante as crises nacionais e inter-
nacionais do sistema capitalista. Com isso a educação, em muitos momentos, foi relegada a segundo plano pelos
dirigentes políticos. Dificilmente se pensou em democratizar o ensino, torná-lo acessível à classe menos favore-
cida economicamente e, sobretudo, priorizar a qualidade do mesmo por questão ideológica, visto que a educação
sempre esteve a serviço de um modelo econômico de natureza concentradora de rendas e socialmente excludente.
(PIANA, p.234, 2009).

Ou seja, as políticas educacionais moldam-se de acordo com os interesses de alguns. Porém, como o movimento
histórico é baseado nas contradições, algumas conquistas são efetivadas como direito e conquistas para a população,
dentro deste processo. Ainda sobre o impacto da Constituição Federal de 1988, promulgada após amplo movimento
de redemocratização do País, ampliam-se as responsabilidades do Poder Público e da sociedade em geral para com a
educação, a partir das novas demandas do mundo moderno e globalizado, em atendimento ao ideário neoliberal. Essa
Lei apresenta o mais longo capítulo sobre a educação de todas as Constituições Brasileiras, pois apresenta dez artigos
específicos (art. 205 a 214) que detalham a matéria, que também figura em quatro artigos do texto constitucional (Art.
22, XXIV; 23, V; 30,VI e Art. 60 e 61 das Disposições Transitórias. (PIANA, 2009). A partir da Constituição de 1988,
vemos a incorporação em nossa Lei Maior de um conjunto de direitos, inclusive o direito dos trabalhadores e traba-
lhadoras à proteção social. Assim, o sistema de proteção social brasileiro incluiu desde a Constituição promulgada em
1988, as garantias de direito à saúde, previdência e assistência social:

Com o início da Nova República, período marcado pela conquista da “Constituição Cidadã” de 1988, vieram também os
avanços na área política e o aumento da participação da população no processo eleitoral. Até as reformas ocorridas na
década de 1980, o Welfare State Brasileiro tinha uma característica de forte centralização política e financeira em nível
federal, fragmentação institucional e uso clientelístico das políticas sociais, o que reduzia a capacidade do funcio-
namento dessas políticas como mecanismo redistributivo (DRAIBE, 1993, p. 15).

Além da Constituição Federal pode-se dizer também, que um dos grandes marcos para as políticas educacionais
foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

A Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996 deram respaldo legal para que os municípios estabelecessem seus
próprios sistemas de ensino, com autonomia relativa na formulação de políticas educacionais, sobretudo para a
educação infantil e o ensino fundamental. No Brasil, tradicionalmente coube aos estados e municípios a gerência
de suas redes de ensino e o pagamento dos professores. As demais atividades eram realizadas com recursos do
MEC, não havendo dispositivos legais que definissem as atribuições sobre cada nível de ensino. Como conse-
qüência, houve a configuração de duas redes de ensino – estadual e municipal – operando de forma paralela e com
superposição de responsabilidades (ALVES, p. 416, 2008).

Juntamente a esta busca de direitos pela qualidade e acesso à educação básica, que se tornou um dever do Estado
garantir, o mundo passa pelo processo neoliberal onde as propostas neoliberais interrompidas na gestão Collor, pelo
impeachment, vão de fato se concretizar com o governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995. Impul-

1176
sionadas pelo dinamismo de sua política econômica caracterizada por juros altos, com repercussões na elevação da
recessão e do desemprego e pela sua programática política que concedia destaque a abertura da economia aos capitais
internacionais, a privatização do patrimônio público e a redução dos direitos sociais. (ABREU, 1999). Nesse con-
texto, o papel atribuído ao Estado altera-se significadamente. Ele começou a garantir a qualidade e a integridade do
dinheiro. Estabeleceu as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas, para garantir direitos
de propriedades individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado do mercado. As
dimensões política e ideológica também sofreram profundas transformações. Tendo em vista que a doutrina neolibe-
ral propõe que o bem-estar humano possa ser promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras
individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres
mercados e livre comércio (HARVEY, 2008 apud NEVES, 2010).
A legitimação da virada neoliberal se deu de diversas maneiras, através de estratégias educadoras assumidas
pelas corporações, meios de comunicação e outros aparelhos privados de hegemonia que compõe a sociedade civil,
como universidades, escolas, igrejas e associações profissionais. (NEVES, 2010).
O Estado não abandonou seu papel interventor no neoliberalismo, mas modificou-o, trocan-
do as políticas de assistência universal pela assistência focalizada; ou seja, deixou de pagar a previdên-
cia nos moldes anteriores (salários integrais para o funcionalismo público, por exemplo), mas aumen-
tou o acesso às modalidades precárias de assistência – bolsas, auxílios focais e temporários e, ao mes-
mo tempo, abrindo mais espaço para a iniciativa privada nesse campo assistencial – o mais lucrativo para
as grandes empresas (ensino superior, ensino profissional, previdência complementar, saúde) e o menos lucrativo
para o empreendedorismo (educação de jovens e adultos, assistência aos diversos de todo tipo – portadores de neces-
sidades especiais, índios, negros, mulheres) (VIEIRA, 2004). Como produto da sociedade, os direitos têm sofrido a
ação da busca do imediato, da direção única, da naturalização, da homogeneidade, mas, sobretudo têm sofrido da falta
de mediações. Antes de tudo, o neoliberalismo, surgiu para tentar pôr em ordem a desigualdade social, confessando
a definitiva impossibilidade da igualdade na sociedade capitalista. (VIEIRA, 2004).
Visando garantir a permanência dos estudantes na escola, frente ao processo neoliberal – e na sua contramão-
os programas de assistência focalizada surgem com o pensamento de que, como não é possível proporcionar muitos
a todos, torna-se necessário proporcionar alguma coisa a alguém. Concede-se a todos a igualdade distributiva, na
liberdade, no poder, na propriedade privada, na segurança pessoal ou social. Porém, de outro lado, o neoliberalismo
admite as desigualdades sociais, econômicas e culturais, consideradas justas, caso favoreçam todos e, sobretudo “os
menos privilegiados da sociedade”.
O minimalismo social surge como prática das políticas sociais, isto é, equidade sem igualdade. Este pensamento
passa a exercer hegemonia em quase todos os campos do pensamento e das políticas, principalmente nos da política
econômica e da política social. Ainda sobre algumas políticas sociais segundo Kerstenetzky (2009) durante o gover-
no Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o Brasil havia experimentado variados programas de transferência
de renda em menor escala, incluindo programas condicionais focalizados nos pobres, que foram administrados por
diferentes ministérios. A primeira experiência de transferência de renda condicional ocorreu em âmbito municipal
no ano de 1995, na cidade de Campinas, sendo logo seguida pelo Distrito Federal. O Brasil conta com vários progra-
mas de transferência de renda para os estratos mais pobres da população: o mais antigo destes são as aposentadorias
rurais, que, segundos seus registros administrativos, contavam com quase cinco milhões de benefícios concedidos em
dezembro de 2004. O Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social era emitido a quase
um milhão pessoas nesta mesma data. Os benefícios tanto do primeiro como do segundo têm valor igual a um salário
mínimo.
O piso do Regime Geral da Previdência Social, também indexado ao salário mínimo, pode ser pensado como
um programa de transferência de renda aos mais pobres, apesar de não ser regido por nenhuma regra nesse sentido.
Apesar de não haver, entre 2001 e 2004, novidades legais nesses programas, quando se considera que tais benefícios
são indexados ao salário mínimo, que tem crescido de modo quase contínuo em termos reais desde 1994, o seu im-
pacto distributivo potencial torna-se importante. (SOARES, 2006).

1177
O Estado brasileiro deu ênfase e expandiu de forma expressiva às políticas sociais a partir dos anos 2000, espe-
cificamente após a eleição do presidente Lula. A administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva implementou,
no ano de 2004, um extenso programa nacional de transferência de renda para os pobres, o Bolsa Família. O país havia
experimentado, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), variados programas de transferência
de renda em menor escala, incluindo programas condicionais focalizados nos pobres, que foram administrados por
diferentes ministérios. A primeira experiência de transferência de renda condicional ocorreu em âmbito municipal
no ano de 1995, na cidade de Campinas, sendo logo seguida pelo Distrito Federal. Durante o governo Lula, os progra-
mas nacionais foram consolidados, ampliados, redefinidos e unificados em um programa nacional de transferência de
renda para famílias pobres com crianças até 15 anos, o Bolsa Família. (KERSTENET ZKY, 2009).
Do ponto de vista do desenvolvimento de longo prazo, o aumento das transferências de renda do governo fe-
deral às famílias constituiu um elemento fundamental da política econômica dos governos Lula e Dilma, pois ele ao
mesmo estimulou o crescimento e fez com que uma parcela maior desse crescimento fosse apropriada pelos trabalha-
dores. Mais especificamente, do lado da demanda, a canalização do aumento de arrecadação para as transferências de
renda aos mais pobres teve um impacto expansionista sobre a produção, uma vez que os mais pobres têm uma pro-
pensão maior a consumir do que os mais ricos. Do lado da distribuição, como mencionado anteriormente, o aumento
das transferências de renda via aumento do salário-mínimo e programas de combate à pobreza elevou o piso das
negociações salariais e aumentou o poder de barganha dos trabalhadores, sobretudo no setor de serviços. A economia
brasileira respondeu rapidamente ao choque de demanda e de distribuição resultante do aumento das transferências
de renda do governo aos mais pobres. O crescimento do consumo acelerou e isso levou ao aumento do investimento,
gerando um círculo virtuoso de desenvolvimento baseado na expansão do mercado interno (BARBOSA, p. 95, 2013).
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2015), o Programa Bolsa Família é um
programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema em todo o
País. O programa fez parte do Plano Brasil Sem Miséria. O objetivo era atender 13 milhões de brasileiros com renda
familiar per capita menor que 70 reais. A ideia central desse auxílio tem caráter imediatista, ou seja, propõe combater
imediatamente a pobreza. No entanto, ainda segundo o Ministério, são desenvolvidos ações e programas comple-
mentares ao Bolsa Família para tirar a vulnerabilidade dessas famílias, entre esses programas, alguns são relacionados
as questões educacionais, como o direito ao acesso e permanência no ambiente escolar. Nesse sentido, a pesquisa de
doutorado que este texto faz parte, investiga a relação entre as polícias educacionais e políticas de transferência de
renda, especificamente o Programa Bolsa Família.
Assim, questiona-se: qual a importância das políticas de renda mínima para a consolidação das políticas educa-
cionais? Uma sociedade capitalista, onde a exploração se faz por base do sistema, como a igualdade será um objetivo
a ser alcançado? As políticas educacionais e sociais, no Estado neoliberal, suprem as desigualdades sociais?
Tendo em vista a atual conjuntura política do país, esses questionamentos se fazem importantes para pensar
sobre o futuro das políticas educacionais e de transferência de renda. Sabe-se que as políticas sociais estão em cons-
tante mudanças, pois fazem parte da história, ou seja, sempre estão em movimento. Resta compreendê-las e situá-las
historicamente para que estas auxiliem em um desenvolvimento mais justo e igualitário da sociedade atual.

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1179
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE CASSILÂNDIA

Marlene Nunes Amancio - UEMS1


Thiago Donda Rodrigues - UFMS2

Resumo: O presente artigo tem por objetivo realizar um levantamento histórico das Leis e Políticas Públicas
relacionadas à inclusão de alunos com deficiência na escola comum. O estudo foi desenvolvido no município de Cas-
silândia localizada ao Leste do Estado de Mato Grosso do Sul e se baseará na metodologia de pesquisa documental
para fazer o levantamento das Leis e Políticas Públicas vigentes nessa municipalidade. Para tanto, a pesquisa foi rea-
lizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos, que não
receberam nenhum tratamento científico/analítico ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos
da pesquisa. O contexto da pesquisa é delimitado pelas ações das Políticas Públicas de educação brasileira, nas quais
foram influenciadas/acordadas pelas políticas na escola comum, tais como a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva Inclusiva de 2008, pelo Decreto nº 6.571/08 e a Resolução nº 04/2009, que efetivou o Atendimento
Educacional Especializado na Sala de Recurso Multifuncional da escola comum e a instituição da Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), pela Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
O objetivo também parte do fato da primeira autora do presente trabalho atuar na coordenação da Educação Especial
na Secretaria Municipal de Educação de Cassilândia, visto que, diariamente experiência novos desafios para garantir
os direitos legítimos dos alunos com deficiência. Desse modo, buscou-se verificar as leis, deliberações e resoluções em
vigência na rede municipal de ensino de Cassilândia, bem como leis e decretos municipais referentes à acessibilidade e
outros direitos garantidos as pessoas com deficiência em âmbito municipal, bem como a falta dessas, em observância
às normas e Leis Estaduais, Nacionais e Internacionais das quais o Brasil é signatário. Buscou-se, também, verificar
se os recursos pedagógicos e de acessibilidade das escolas estão articulados com as Diretrizes da Política Nacional In-
clusiva e ainda os investimentos e gastos efetivados nos últimos 10 anos nas escolas municipais. Assim, foi realizado
o levantamento da legislação vigente, dos documentos que comprovem investimentos em prol da acessibilidade e
aquisição de equipamentos bem como recursos de tecnologia assistiva, materiais pedagógicos próprios e destinados a
Sala de Recurso Multifuncional ou destinado a atender necessidades de aluno com deficiência. A partir da análise dos
dados, concluiu-se que, ainda que de forma modesta, o Atendimento Educacional Especializado já começou a acon-
tecer na escola comum como direito, porém, nem todos os alunos usufruem desse benefício por motivos diversos.
Um dos agravantes observados trata-se da falta de diagnóstico de deficiência, doença e/ou síndrome que os alunos
possam vir a ter para, consequentemente, poderem ser atendidos adequadamente0, de acordo com a legislação vigen-
te. O município não tem feito muitos investimentos nas Salas de Recursos Multifuncional e, portanto, observou-se
a necessidade de parcerias entre as secretarias municipais de Educação, Saúde e Bem-Estar Social, novas discussões,
pesquisas, pressões sociais e educacionais ao próprio município para que o direito ao atendimento educacional se
consolide dentro do contexto estudado.
Palavra-chave: Leis, Políticas Públicas, Inclusão.

1 Mestranda em Educação (PGEDU- Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul- UEMS-Unidade Universitária de Paranaíba).
Coordenadora da Educação Especial na Secretaria Municipal de Educação De Cassilândia-MS. E-mail: marlene.na@hotmail.com.br.
2 Doutor em Educação Matemática. Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus de Paranaíba. Professor
do curso de Licenciatura em Matemática. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática - UFMS/Campo Grande e do
Programa de Pós-Graduação em Educação - UEMS/Paranaíba. E-mail: thiagodonda82@gmail.com.

1180
INTRODUÇÃO

O presente artigo tem a finalidade de realizar um levantamento histórico e discorrer sobre as Políticas Públicas
de Educação do Município de Cassilândia, tratando do Atendimento Educacional Especializado na estrutura escolar,
a acessibilidade e outros direitos garantidos as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação no contexto da educação inclusiva no município. Além de estar no âmbito de uma
pesquisa de mestrado em andamento desenvolvida no programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul, unidade de Paranaíba.
Buscamos retomar todos os documentos nacionais, estaduais e municipais, bem como o documento escolar
que planeja a prática educativa escolar, ou seja, o Projeto Político Pedagógico aprovado pela SEMEC/Cassilândia.
Consideramos também a análise do documento enviado pelo MEC com a descrição dos materiais que compõe a SRM.
O levantamento bibliográfico foi feito em loco na Secretaria Municipal de Educação local este que trabalha a
primeira autora desse texto. As pesquisas dos documentos nacionais e estaduais foram feitas em sites oficiais do MEC
e no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul.
Desta maneira, este estudo tem como objetivo geral conhecer como as Políticas Públicas de Educação do Mu-
nicípio de Cassilândia vêm constituindo o Atendimento Educacional Especializado na organização escolar, a partir
da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008.
Procuramos, mais especificamente, identificar de que maneira é desenvolvido o Atendimento Educacional
Especializado nas salas de recursos multifuncionais, que tem o propósito de promover a autonomia dos alunos, bem
como investigar se os recursos pedagógicos e de tecnologia assistida usados na escola estão de acordo com as Diretri-
zes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

LEVANTAMENTO HISTÓRICO E SITUACIONAL DA ACESSIBILIDADE EM CASSILÂNDIA

Cassilândia, cidade localizada no Centro-Oeste do Brasil, ao Leste de Mato Grosso do Sul, a 434 km da capital
Campo Grande, com 20 mil habitantes, fica dentro de um vale, conhecida como a princesa do Vale do Aporé, cujo
nome é de um rio que divide os estados de Mato Grosso do Sul e Goiás, Cassilândia fica a margem desse rio.
Falando um pouco das leis referente a educação elaboradas e vigentes no município de Cassilândia. A Deli-
beração CME/Cassilândia/MS Nº 27, de 30 de novembro de 2006, dispõe sobre a Educação Escolar de alunos com
necessidades educacionais especiais no Sistema Municipal de Ensino. Baseados na Lei Federal Nº9. 394/96, Resolu-
ção CEB/CNE Nº2. 791/03 e fundamentada no teor da Indicação CME Nº004/06, delibera como será o atendimento
dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Onde se preconiza o atendimento em escola comum,
porém, em caso de deficiência grave, que requeira ajuda, recursos, apoio intenso e contínuo, admite-se a criação e o
atendimento em escola especial em caráter extraordinário.
A Deliberação do CME Nº 66/2014, surge quando o aumento da demanda de aluno para Sala de Recurso
Multifuncional - SRM também cresce e não é mais possível atender a todos os alunos das escolas municipais com
somente uma SRM, por turno, sendo necessária a construção de mais uma sala para atender essas crianças. Antes
dessa Deliberação e da Resolução/SEMEC Nº 84/2015, que vem para regulamentar a Deliberação/CME nº 66/2014,
os alunos com outras dificuldades de aprendizagem acentuadas e transtornos como: dislexia, discalculia, disgrafia,
disortografia, dislalia, TDAH, entre outras, eram atendidos na SRM. Nalguns casos, onde havia vários alunos com
transtorno de aprendizagem na mesma sala de aula, era disponibilizado professor de apoio a essas crianças.
No entanto, diante dessa problemática e havendo divergências de entendimentos, o Conselho Municipal de
Educação - CME de Cassilândia foi consultado e deliberou quem são os alunos público alvo da Educação Especial, e,
portanto, podem usufruir dos direitos a eles garantido. Ficando de fora os demais alunos.
Com essa situação temos duas vertentes: uma em preservar e garantir um melhor atendimento aos alunos com
deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Outra é que os alunos
com transtornos, que não constam como público alvo de educação especial, são excluídos do Atendimento Educa-

1181
cional Especializado - AEE. Entretanto com a visão da inclusão plena podemos vislumbrar uma oportunidade dos
professores da escola comum poder desenvolver a habilidade de trabalhar e preparar atividades que contemplem to-
dos os alunos, pensando de forma que possa eliminar barreiras que dificultam a aquisição de conhecimento, barreiras
essas provenientes dos transtornos.

SALA DE RECURSO MULTIFUNCIONAL NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE CASSILÂNDIA

A Sala de Recurso Multifuncional – SRM é o espaço da escola onde acontece o Atendimento Educacional Es-
pecializado. Há somente uma SRM que atende os alunos das escolas municipais, está localizada na Escola Municipal
Antônio Paulino, uma escola de bairro, que quando foi implantada a SRM era a escola que tinha o maior número de
aluno necessitando desse atendimento. Hoje a SRM funciona nos dois turnos e atende as crianças das demais escolas
e Centros de Educação Infantil da Rede municipal de ensino.
Atualmente, 34 alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdota-
ção estão matriculados no ensino comum da Rede Municipal de Ensino e desses, 24 recebem atendimento na Sala de
Recurso Multifuncional. Destes, 6 são alunos da própria escola, 17 são das demais escolas municipais e 1 (um) aluno
do Centro de Educação Infantil Prefeito João Albino Cardoso, pois no Art. 5º da Deliberação do CME Nº 66/2014
consta que “o AEE é realizado, prioritariamente, na Sala de Recurso Multifuncional da própria escola ou em outra
escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns”.
Atualmente a SRM oferece somente no atendimento pedagógico complementar, que é direcionado às pessoas
com deficiência e transtornos, e não no atendimento suplementar, que é direcionado a alunos com altas habilidades/
superdotação, pois, até a conclusão deste estudo, não havia matrícula desses estudantes.
Na Sala de Recurso Multifuncional, o Atendimento Educacional Especializado apresenta o seguinte quantita-
tivo: deficiência intelectual – 21 alunos; deficiência auditiva – 1 aluno e com Transtorno do Espectro Autista – TEA
são 6 alunos.
Pelos dados do censo de 2010 Cassilândia é a cidade com maior número (26%) de pessoas com deficiência visual
do Estado que tem 16,72% da população com essa deficiência.
Observamos que as matrículas de alunos com deficiência têm aumentado nos últimos anos. Isso demostra um
aumento na escolarização dessas pessoas, o que futuramente facilitará suas condições de vida. No entanto, com o
desemprego aumentando em todo país, assim como em Cassilândia, as possibilidades de um trabalho formal para as
pessoas com deficiência acaba ficando mais difícil.
Ainda que a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - PNIPPD obrigue as em-
presas a respeitarem as cotas de contratação de portadores de deficiência que é da seguinte ordem: 2% para empresas
com até 200 empregados; 3% para aquelas com duzentos e um a quinhentos empregados; 4% para aquelas com qui-
nhentos e um a mil empregados e 5% para empresa com mais de mil empregados.
Cassilândia sendo uma cidade pequena não tem muitas empresas de grande porte, uma ou duas que atinja o
patamar de 200 funcionários, dificultando o ainda mais o cumprimento desse direito. Entretanto várias empresas
menores empregam pessoas com deficiência, é possível ver no comércio, nos Bancos, na prefeitura, no ministério
público, pessoas com deficiência trabalhando, sendo que estes tiveram a oportunidade de usufruir de uma educação
regular. Há também pessoas com deficiência trabalhando na informalidade, vendendo picolés, carpindo quintais,
vendendo artesanatos, dentre outros.
Em se tratando da saúde, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - PNIPPD as-
segura o acesso dessas pessoas a ações preventivas, curativas e reabilitadoras. No município de Cassilândia, o atendi-
mento às pessoas com deficiência é feito juntamente com as demais pessoas, tento como porta de entrada as Unidades
Básicas de Saúde – UBS, onde são encaminhados ao Ambulatório Médico de Especialidades - AME ou tratamentos
especializados oferecidos no Núcleo de Apoio a Saúde da Família - NASF.

1182
Complementarmente, também são disponibilizadas a todas as pessoas, as academias da saúde onde são ofereci-
das atividades físicas preventivas e nas Unidades Básicas de Saúde – UBS, há palestras, atividades físicas para atender
a população, dentre outras atividades, aberta a todos.
Os serviços de fisioterapia e reabilitação são disponibilizados no Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). A
municipalidade também tem assegurado o provimento de medicamentos que favoreçam a estabilidade clínica e fun-
cional da sua população. Outros serviços tais como tratamentos específicos, concessão de órteses, próteses, fraldas
geriátricas, bolsas coletoras e materiais auxiliares, são disponibilizados pela Secretaria de Saúde, no entanto, os itens
mais específicos e de valor mais elevados ainda são concedidos por meio de ordens judiciais.
Entidades como Rotary e algumas igrejas evangélicas também oferecem alguns materiais de apoio disponibili-
zando a população, tais como, cadeiras de rodas, muletas, cadeiras para banho e outros. Nesse sentido, a Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, mantenedora da Escola Raio de Sol, também coopera oferecendo aos seus
alunos e eventualmente a outras pessoas, serviços de fisioterapia, equoterapia e reabilitação.
As Secretarias de Educação, Saúde e Bem-Estar Social tem trabalhado em prol de oferecer um atendimento
adequado as pessoas com deficiência e ou limitações reduzidas. A Secretaria de Obras, dentro de suas limitações,
também tem procurado construir os acessos às calçadas para os cadeirantes. No entanto, neste estudo não se detectou
políticas públicas de inclusão de pessoas com deficiência no campo da cultura, do turismo e do lazer, tampouco na
Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

RECURSOS MATERIAIS, POLÍTICA MUNICIPAL E PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO


DE CASSILÂNDIA

A implementação da Política de Educação Inclusiva no município de Cassilândia segue a Legislação Nacional e


foi feita por meio de um decreto do Conselho Municipal de Cassilândia e uma resolução da Secretaria Municipal de
Educação.
O número de matrículas de alunos atendidos na Sala de Recurso Multifuncional tem crescido a cada
ano. O Censo Escolar mostra que a matrícula desses alunos passou de 11 em 2016, para 19 em 2017 e 22 em
2018, com uma 1 Sala de Recurso Multifuncional (MEC/CENSO ESCOLAR, 2018).
De acordo com a LDBEN 9394/96, em seu Art. 11, Parágrafo I, é de responsabilidade dos municípios
“organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os
às políticas e planos educacionais da União e dos estados”.
Nesse sentido, o Plano Municipal de Educação – PME/2014 priorizou em suas metas a prevenção das
deficiências e dos diagnósticos precoces, os mapeamentos e o atendimento educacional de acordo com a le-
gislação Nacional. No contexto específico de apoio as escolas municipais, a Secretaria Municipal de Educação
criou em 2008 a Coordenação da educação especial, para atuar junto às instituições de Ensino da sua Rede.
A Educação Especial no Município de Cassilândia é composta pela coordenação da Educação Especial, pelos
Professores de Apoio e pela professora do AEE, no entanto, ainda há falta de outros profissionais como: psicólogo,
fonoaudiólogo, psicopedagogo para formar a equipe multidisciplinar, além da colaboração do setor da saúde para re-
alizar atendimento com Terapeuta Ocupacional, exames neurológicos e neuropsicólogos que estes alunos precisam.
Muitos desses atendimentos não são feitos porque não há esses profissionais na rede de Saúde da municipalidade,
outros porque a demanda é muito maior que a oferta desses serviços.
Assim, a luta por uma educação inclusiva é conseguir oferecer uma educação de qualidade e que propicie auto-
nomia e independência a todos os educandos, onde os professores tenham segurança e autonomia no seu trabalho,
recursos materiais e profissionais especializados para corroborar com seu trabalho na Educação Inclusiva.

1183
A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MUNICÍPIO DE CASSILÂNDIA

Por meio da Lei Municipal nº 1.310/2002, a secretaria municipal incentivou a criação do Conselho Municipal
de Educação – CME, em 20 de novembro de 2002, objetivando definir as políticas educacionais no município.
Assim, a implantação da inclusão escolar, como umas ações do governo municipal, iniciou nas escolas munici-
pais de Cassilândia a partir de 2006, de forma a cumprir as políticas do MEC. Desse modo, partir da LDBEN 9394/96
que garantiu o direito de as pessoas com deficiência estarem na escola comum, às instituições escolares municipais
de Cassilândia começaram a receber esses alunos, pois de forma alguma poderiam recusar a matrícula dos mesmos,
ainda que alguns professores e educadores dissessem não estarem preparados.

REFLETINDO SOBRE DOS DADOS

Pudemos visualizar neste estudo como as Políticas Públicas Inclusivas, dentre elas as de Educação, do Municí-
pio de Cassilândia vem organizando e possibilitando uma sociedade mais inclusiva.
É sabido que a solidariedade, o amor, o diálogo e a cooperação entre todos os trabalhadores da escola, ou seja,
o diretor, os coordenadores, os professores de sala de aula comum, os professores de apoio pedagógico e os demais
funcionários administrativos, são necessários e fundamentais para garantir uma melhor aprendizagem de todos os
alunos, pois o acolhimento, o bem estar do aluno e dos que atuam junto a eles contribui para melhor desenvolver
suas potencialidades.
Na análise dos documentos, pudemos observar a necessidade de reestruturação na concepção inclusiva dos
gestores públicos de Cassilândia, pois a inclusão dos alunos com deficiência e dos que tem autismo, vem acontecendo
com o auxílio do Professor de Apoio em Sala de Aula, sendo que na concepção inclusiva, esses alunos precisam ser
ensinados pelos professores da sala comum, o apoio deveria ser para quando o aluno necessite de apoio para higiene
pessoal, alimentação, comunicação ou locomoção, da forma que vem acontecendo o aluno as vezes continua integra-
do dentro da sala de aula regular, pois tem um professor particular só para ele.
Na crítica à proposta de educação inclusiva no município de Cassilândia, mediante este estudo foi verificado
que todas as escolas municipais receberam verba Federal do Programa Escola Acessível, para promover condições de
acessibilidade ao ambiente físico. O Programa disponibilizou os recursos, por meio do Programa Dinheiro Direto na
Escola - PDDE, entretanto, esses recursos não foram suficientes para garantir todas as adequações necessárias.
O trabalho desenvolvido na Sala de Recurso Multifuncional tem dado bons resultados aos alunos que usufruem
desses direitos, como esse recurso de ensino é um direito e não um dever, nem todos os alunos a frequentam, muitas
vezes por opção da própria família, preferindo procurar atendimentos, como fisioterapia, natação e outros.
Os atendimentos são feitos na individualidade de cada aluno, sendo possível o agrupamento em algumas ati-
vidades. Observamos que há vários materiais para trabalhar com aluno com deficiência visual, por exemplo, todavia,
no momento desse estudo não havia nenhum aluno cego ou com baixa visão matriculado nas escolas municipais ou
CMEIS. Entretanto, a falta de material pedagógico disponibilizado para articulação do desenvolvimento dos alunos
em cada atendimento, leva a professora elaborar e confeccionar várias atividades/jogos pedagógicos que estão sen-
do usados de acordo com cada necessidade de aprendizagem. Os demais recursos pedagógicos são os que vieram do
Programa que implantou a Sala de Recurso Multifuncional, isso há mais de 10 anos. Podemos constatar, assim, que
investimentos em materiais didático-pedagógicos são necessários e urgentes.
A garantia do acesso à escola por meio da matrícula está estabelecida no município de Cassilândia, e a proposta
inclusiva na escola vem acontecendo por meio de ações pontuais de professores, gestores, coordenadores e da SE-
MEC/Cassilândia.
Nesse sentido, entendemos que, um ponto frágil da política de inclusão no município, está no conjunto das
atribuições do professor do AEE quanto à articulação com os professores dos alunos de outras escolas que frequentam
a SRM, ele deveria ter contato no mínimo semanal com os outros professores que atendem o aluno. A inviabilidade
do deslocamento da professora do AEE entre as escolas, e somente um encontro bimestral entre os professores e as

1184
dificuldades de comunicação entre esses profissionais dificulta a aquisição de informações necessárias para que as
adaptações para a inclusão possam ser realizadas.
Se o AEE é o diferencial da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, deveria haver o
oferecimento das condições de inclusão no processo educativo especializado na própria escola. Ou seja, cada escola
comum deve ter a sua comunidade escolar envolvida na concepção de educação inclusiva e dispor de Sala de Recurso
Multifuncional, com seu Atendimento Educacional Especializado.
Pontuamos como uma das principais ações para a organização da política inclusiva na escola comum, a forma-
ção continuada dos professores das salas comuns, a partir de formações pontuais, oficinas e conhecimento científico
para compreender melhor seu aluno. Nesse sentido, o município de Cassilândia disponibiliza a formação continuada
dos educadores forma generalizada, não focada somente na inclusão.
Diante do que apresentamos, refletimos então que, apesar de a Política de Educação Inclusiva de 2008 estar
normatizada, o poder público matrícula alunos em escolas comuns, mas ainda não consegue oportunizar uma estru-
tura e formação a respeito da Educação Inclusiva a todos os professores.
Uma das implicações disso se reflete nas atitudes de inquietações dos professores diante do desconhecido, e o
sentimento de incapacidade, de impotência, causando diversas reações. Podendo, a aprendizagem do aluno incluído,
neste contexto, acontecer baseada na experiência e boa vontade do professor.
No que diz respeito à acessibilidade, foram verificadas nas escolas adaptações, em uma estrutura já pronta, no
entanto, poderíamos dizer que são razoáveis, transitáveis, porém em alguns locais necessitaria do apoio de outra
pessoa, pois, apesar das rampas estarem dentro das normas legais, na pratica algumas são um desafio para um cadei-
rante, constatamos a ausência de barras/corrimão nessas rampas. Os espaços da entrada nas escolas possuem rampa
na mudança de nível, portas alargadas nas salas de aula e na Sala de Recurso Multifuncional. A área interna do pátio
também possui rampas, os banheiros receberam as adequações de acessibilidade, incorporando algumas característi-
cas de acessibilidade normatizadas.
Foi verificado ainda que a disponibilização dos recursos pedagógicos e de acessibilidade da SRM está articulada
com as Diretrizes da PNEEPEI de 2008. Entretanto, os recursos disponibilizados são mínimos para o seu funciona-
mento adequado, de acordo com o tipo que foi normatizado que é a Sala de Recurso Multifuncional Tipo II implan-
tada na escola.
Assim, reforçados que proposta de educação inclusiva no município de Cassilândia necessita de um significati-
vo investimento, em relação aos recursos pedagógicos e de tecnologia assistiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tecer a teia da inclusão na escola nasce no movimento de poucos. As atividades pensadas para as especifici-
dades de cada aluno, sua funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade acontecem
pontualmente em algumas salas de aula comum, principalmente naquelas que tem como titular um “ex-professor” de
apoio, esses professores estão começando a disseminar esse trabalho, há também professores que buscam alternativas
para a realização de atividades com os alunos com deficiência.
As mudanças podem ser lentas, mas acontecem a partir de discussões, de pesquisas, de reflexões e das pressões
sociais e educacionais ao próprio Estado para que se efetive o que está normatizado.
É importante, pois, oferecer conhecimentos e encorajar os professores a acreditarem na capacidade de seus
alunos para buscar novas estratégias para ensinar já que não podemos antecipar como e quando o educando será ou
não capaz de aprender.
Que esse estudo seja sirva para estimular um novo olhar sobre a implantação do Atendimento Educacional Es-
pecializado na educação da cidade de Cassilândia, pois não deixa um ponto final, mas uma construção sobre a inclusão
que oportuniza novos estudos.

1185
REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política Nacional de Educação Especial.
Brasília, 1994.
______. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
______. Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência).
______. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto no 3.298, de 20 de dezembro de
1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências [texto na Internet]. Brasília (DF):
Presidência da República; 1999. [Acesso: 07 de abril de 2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/
D3298.htm
______. Censo Escolar 2018. Disponível em:<http://www.inep.gov.br/censo/escolar /DOU>.
______. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008.
______. Resolução nº 04, de 02 de outubro de 2009. Institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica – Modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União, Brasília, nº190, 05/10/2009. Seção
01.p.17.
CASSILÂNDIA (Município). Lei nº 1.310. De 20 de novembro de 2002. Prefeitura Municipal de Cassilândia. 2002
______. Deliberação do Conselho Municipal de Cassilândia – CME – nº 27/06 de 30 de novembro de 2006.
______. Deliberação do Conselho Municipal de Cassilândia – CME – nº 66/14 de 17 de dezembro de 2014.
______. Resolução SEMEC/Cassilândia Nº 84/15 de 15 de maio de 2015.

1186
POLITICAS PÚBLICAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA

José Francisco Rocha Simão – SEMED - Palmas / TO1

Resumo: O presente texto discorre sobre o crescimento da Educação a Distância no Brasil, que é possibilitada
devido ao advento das tecnologias, tempo mais flexível para os estudante e com valores financeiros mais acessíveis
para as pessoas que optam por esse sistema educacional. O texto destaca ainda, sobre o funcionamento do sistema
EAD em instituições que ofereciam cursos profissionalizantes como: datilografia e contestabilidade, que funcio-
navam por via de correspondência. Destaca-se ainda, o uso do rádio, televisão e internet para o crescimento dessa
modalidade de educação no Brasil. O trabalho objetiva Identificar alguns pontos positivos do ensino a distância no
decorrer da história em EAD no Brasil. O texto teve como processo metodológico, pesquisas documentais e literatu-
ra bibliográficas com, algumas referências discorrendo sobre a temática desse sistema de ensino e também sobre as
politicas públicas educacionais. Além de, considerar as normativas legais que norteiam o funcionamento da EAD no
Brasil. Após análise de informações, percebe-se que, a Educação a Distância cresce significativamente no país, perce-
be-se ainda, o uso cada vez maior e melhor de novas ferramentas e o preparo das instituições para melhor atender as
necessidades dos estudantes que escolhem essa modalidade de ensino.
Palavras Chave: Avanços e Reflexões, Educação a Distância.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho destaca de forma sucinta o crescimento da Educação a Distância no Brasil, mostrando ain-
da, a funcionalidade oferecida por essa modalidade de ensino. O Estado deve oferecer algumas condições básicas de
aprendizagem aos cidadãos que compõem seu povo.
A educação a Distância é possibilidade e garantida em leis, como preconiza a LDB-Lei de Diretrizes e Bases
da Educação de 1996, em seu artigo 80. Existem ainda, as políticas públicas educacionais que são ações e trabalhos
de governos, que podem melhorar o nível de escolaridade das pessoas, essas políticas devem ser democratizadas e
asseguradas por leis, com isto diminuindo as desiguales escolares.
A educação pode se mostrar como uma ferramenta capaz de diminuir inúmeras desigualdades que possa existir
numa sociedade. Conhecimento e informação formam pessoas capacitadas e ativas em uma determinada sociedade.
O trabalho objetiva mostrar de modo reflexivo o avanço da Educação a Distância ( EAD) no Brasil.
O trabalho se justifica analisando que, a procura pela Educação a Distância cresceu significativamente no
país, devido alguns fatores tais como: facilidades, políticas públicas de educação, modernidade, novas ferramentas
tecnológicas, práticas inovadoras, mais instituições ofertando cursos virtuais e o avanço da internet. Ressaltando o
compromisso pelos envolvidos no sistema EAD.
Segundo Moreira Alves (2012), desde 1900, já havia cursos de ensino a distância que funcionava por meio de
correspondências. Já em 1952, ensino EAD passa a utilizar o rádio para o uso da Educação a Distância, propagando
com mais rapidez essa modalidade de ensino. O aparelho de televisão, começa a fazer parte do de ensino EAD em me-
ados de 1960 a 1970, a exemplo de cursos em educação como o supletivo. Depois de 1970, as universidades começam
a ofertar cursos educacionais por meio da internet, posteriormente a internet se torna mais acessível à população,
com isto, a propagação do ensino a distância se expandiu para várias partes do Brasil.
Por causa da funcionalidade do EAD, muitas pessoas aderem pela flexibilidade de horários, material didático
de estudos e por razões financeiras. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, no seu artigo 80 prevê
a modalidade da Educação a Distância como sistema de ensino educacional para o Brasil. Com o Decreto Federal
1 José Francisco Rocha Simão – Formação: Matemática (FEST/ 2013) e Tecnólogo em Gestão Pública (IFTO/ 2018). Professor efetivo na
Educação de Palmas. E-mail joserochaitz@hotmail.com

1187
de nº 5.622 de 2005, as instituições tanto públicas quanto privadas, expandem cada vez mais cursos a distância no
país. Com destaques para cursos em área de educação como: licenciaturas, especializações em lato sensu e cursos em
diversas áreas de formações e capacitações para diversos profissionais.
Outro Decreto Federal nº 9.057, de 25 de maio de 2017, discorre de algumas normas, funcionamento e as tec-
nologias como parte do sistema de ensino EAD, assim também, sobre a viabilidade do funcionamento das modalida-
des educacionais a distância. Cabendo ao Mistério da Educação (MEC), credenciar e regularizar os cursos superiores
na modalidade a distância nas instituições de ensino superiores.
Cada instituição predisposta a trabalhar com educação EAD deve seguir as normas dos órgãos competentes,
além de, possuírem equipe técnica, professores, plano de ensino, estrutura virtual adequado e ferramentas acessíveis
que atenda com qualidade e segurança os estudantes.
Outros fatores importantes, são as políticas públicas ou ações governamentais que objetivam atender as neces-
sidades das pessoas. Segundo Bontempo (2005), discorre que:

As políticas públicas estão diretamente ligadas à implementação dos direitos sociais, enfatizando que o Estado deve
ter uma postura ativa para garantir a constitucionalização de tais direitos sociais, com a finalidade de promover
condições para que eles possam ser efetivamente usufruídos. (BONTEMPO, 2005, p 210).

Segundo a exposição da autora, a educação pode ser entendida como um direito social. E os governantes devem
procurar e proporcionar os meios necessários para atender sua população ou algumas demandas sociais.
Destacam-se como políticas públicas no ensino superior, o Programa Universidades para Todos (Pro Uni), que
pode favorecer pessoas que pretendem estudar na modalidade em Educação a Distância, o Pro Uni possibilita bolsas
de estudos parciais com 25%, 50% e até mesmo bolsa integral aos interessados em via de faculdades privadas no Brasil,
que podem ser oferecida também no modelo EAD. A Universidade aberta do Brasil (UAB) funciona em parcerias
com instituições públicas de ensino. Funcionando também no modelo a distância, com destaque aos cursos de licen-
ciatura em geografia, matemática, pedagogia, história, e até mesmo especializações para formação de professores.

O CRESCIMENTO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Com informações do MEC e INEP (2017), observar-se um avanço nos cursos de modalidade a distância. Assim
descrito:

Em 2016, 34.366 cursos de graduação foram ofertados em 2.407 instituições de educação superior (IES) no Brasil
para um total de 8.052.254 estudantes matriculados. Os dados são do Censo da Educação Superior. Segundo as es-
tatísticas apresentadas, as 197 universidades existentes no país equivalem a 8,2% do total de IES, mas concentram
53,7% das matrículas em cursos de graduação. (INEP – site, agosto. 2017).

Outras observações destacadas no noticiário INEP (2017), são que, as vagas e os cursos respectivamente:

Os cursos de bacharelado mantêm sua predominância na educação superior brasileira com uma participação de
69% das matrículas. Os cursos de licenciatura tiveram o maior crescimento (3,3%) entre os graus acadêmicos em
2016, quando comparado a 2015.
Em 2016, foram oferecidas mais de 10,6 milhões de vagas em cursos de graduação, sendo 73,8% vagas novas e
26,0%, vagas remanescentes. Das novas vagas oferecidas no ano passado, 33,5% foram preenchidas, enquanto ape-
nas 12,0% das vagas remanescentes foram ocupadas no mesmo período.( (INEP – site, agosto. 2017).

Conforme as informações, os números são relevantes e cresce ano após ano, assim ocorrendo mais dinamici-
dade na Educação a Distância. São destaques os cursos de bacharelados e outros na área de educação.
Outras informações aos cursos em instituições privadas no nível superior INEP (2017), aponta números per-
centuais de:

1188
Em 2016, quase 3 milhões de alunos ingressaram em cursos de educação superior de graduação. Desse total, 82,3%
em instituições privadas. Após uma queda observada em 2015, o número de ingressantes teve um crescimento de
2,2% em 2016. Isso ocorreu porque a modalidade a distância aumentou mais de 20% entre os dois anos, enquanto
nos cursos presenciais houve um decréscimo no número de ingressantes de 3,7%.. .( (INEP – site, agosto. 2017).

Estas informações e estes números, constatados em 2016 e divulgados em 2017, não mostra quais fatores expli-
cam o interesse das pessoas em cursar o ensino a distância. Mas, pode-se pensar em flexibilidade dos órgãos regula-
dores que normatizam o funcionamento das instituições de ensino superiores (IES). Além de, observar o crescimento
da internet em diversas regiões do Brasil.

PROCESSO METODOLÓGICO

Existem vários métodos de estudos para descrever trabalhos científicos educacionais, de modo que, o pesqui-
sador deve escolher a sua metodologia de acordo a precisão objetivada na sua pesquisa. Neste trabalho, por se tratar
de uma pesquisa documental e literatura bibliográfica, usou-se esta modalidade por se tratar de uma análise reflexiva
a cerca da temática proposto em questão.
Gil (2008, p.70), descreve: “o desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da pesquisa
bibliográfica. Apenas há que se considerar que o primeiro passo consiste na exploração das fontes documentais, que
são em grande número”. Gil (2008.p.70), destaca: “existem, de um lado, os documentos de primeira mão, que não
receberam qualquer tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos,
diários, filmes, fotografias, gravações etc”.
Gil (2008, p.70), discorre sobre os matérias de segunda mão quando menciona, “existem os documentos de se-
gunda mão, que de alguma forma já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabe-
las estatísticas etc”. O estudo ou pesquisa documental requer atenção e cuidado para o desenvolvimento do trabalho.
O processo metodológico na busca por informações no referente trabalho, sobre o funcionamento da Educação
a Distância no Brasil destacam alguns avanços. Além de, mostrar algumas questões de normativas, no qual, as insti-
tuições privadas e públicas devem seguir, para atender a legalidade propostas pelos os órgãos competentes de ensino.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A Universidade Aberta do Brasil está regulamentada com o Decreto Federal nº 5.800 de 2006 e trata da forma-
ção de professores em cursos de pedagogia, licenciaturas em Matemática, Letras, Geografia, História e dentre outras
graduações. Além de, oferecer também especializações na área de educação aos interessados. A UAB funciona em
parcerias com instituições públicas, visando interiorizar e democratizar o ensino superior aos docentes de todo o Bra-
sil, que não tinha formação ou habilitação adequada para a docência. O Programa Universidade Para Todos, criada
sobre com a lei nª 11.096 de 2005, propõem e oportunizam para as pessoas, condições de acesso aos cursos superiores
em instituições de educação superior privadas. O PRO UNI favorece bolsas integral ou parcial aos interessados desde
que, atendam certas especificações normatizadas tanto na lei nª 11.096 como também algumas determinações das
IES, a exemplo de o interessado ter cursado todo o ensino médio em escolas públicas e ainda ter realizado o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), no ano vigente ao pleito do curso, assim também, não ter zerado a redação. Este
trabalho identificou alguns pontos positivos do ensino a distância no decorrer da história do EAD no Brasil, assim
descrito: por volta de1900, o EAD começa por meios de correspondências com cursos profissionalizantes a exemplo
dos estudos em datilografia e contabilidade, Em 1952, o rádio passa a fazer parte do sistema educacional a distância
também com cursos profissionalizantes na área da educação, A televisão começou integrar essa modalidade de ensino
a partir de 1960 e 1070, em educação como supletivos e cursos de qualificação profissional em área de conserto de
aparelhos eletrônicos. Depois de 1970, as universidades com o uso da internet possibilitou avanços significativos no
EAD.

1189
Na Educação a Distância percebe-se algumas vantagens se comparado com o ensino presencial, muitas pessoas
aderem ao EAD devido a distância dos centros educacionais no seu local de moradia, assim sendo, as possíveis van-
tagens de não optarem pelo ensino presencial são:

- O estudante tem mais autonomia nos seus estudos.

- Flexibilidade de tempo e melhor custo financeiro.

-Passar mais tempo com familiar, mas tendo o compromisso de reservar tempo necessário para os estudos.

- Manuseio das ferramentas de estudos mais fáceis.

- O crescimento a e modernidade dos aparelhos portáteis e maior cobertura de redes de internet.

- Redes sociais para discursões de estudos promovidas pelas as instituições provedoras dos cursos.

- Maior participação de tutoria para direcionar a aprendizagem dos estudantes.

A Agência Brasil (site, maio /2017), informa que uma das propostas de governo é: proporcionar o ensino para
pessoas em várias regiões do Brasil, no qual o estudo presencial é dificultado devido a muitos entraves como exemplo
a distancia dos centros urbanos que concentra as instituições de educação.
Com o Decreto Federal nº 9.05, de 25 de maio de 2017, atualizado sobre o Decreto Federal de nº 5.622 de 2005,
trata dos meios de acesso, ferramentas e as tecnologias que devem fazer parte do sistema EAD, e ainda sobre o fun-
cionamento das modalidades de ensino a distância. Cabendo ao MEC, credenciar os cursos superiores na modalidade
a distância nas instituições de ensino superior.
Órgãos dos governos e empresas podem economizar significativamente em gastos com cursos para dar for-
mações e ou capacitar seus funcionários. As leis que normatizam os cursos a distância por faculdades e institutos
credenciados pelo o Mistério da Educação precisam ser compromissados com seus cursos ofertados, os materiais e as
propostas de estudos precisam ser coerente com as disciplinas e os recursos de tecnologia devem facilitar os trabalhos
dos discentes.
O apoio técnico de recursos humanos como: professores, tutores e equipe técnica, devem ser importantes para
auxiliar os estudantes nos trabalhos e orientação de seus estudos. O apoio de recursos materiais deve complementar
satisfatoriamente, segundo que recomendam as leis que normatizam esses cursos ministrados pelas as instituições
credenciadas pelo MEC no formato EAD.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto conclui discorrendo sobre a temática desse sistema de ensino educacional, além de, considerar as nor-
mativas legais que norteiam o funcionamento da Educação a Distância no Brasil. Após análise de informações docu-
mentais e leituras diversas, percebe-se que, o ensino distância cresce significativamente no país, percebe-se ainda, o
uso cada vez maior de novas ferramentas tecnológicas e o preparo das instituições educacionais para melhor atender
as necessidades dos estudantes, que escolhem essa modalidade de ensino. Ressalta-se informar: a autonomia, a res-
ponsabilidade, o cumprimento de atividades, o esforço dos estudantes nos cursos de instituições públicas ou privadas,
considerando ainda as politicas públicas educacionais para diminuir certas desiguais sociais nos níveis de ensino.
Tomando-se assim, um fator importante para muitas pessoas que não podem estudar cursos superiores ou outros
níveis de forma presencial.
Os estudantes da Educação a Distância devem cumprir prazos de estudos, ter disciplina e compromisso com
suas obrigações de estudantes, respeitando as normativas legais das instituições, para que desse modo, haja aprendi-
zagem significativa e relevante na sua formação profissional e pessoal.

1190
Referências

AGÈNCIA BRASIL, Educação superior à distância cresce em ritmo acelerado. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.
com.br/educacao/noticia/2017-05/educacao-superior-distancia-cresce-em-ritmo-acelerado-mostra-censo-de-2015>. Acesso
em: 15/05/2018.
ALVES, João Roberto Moreira. A história da EAD no Brasil. In: LITTO, F.M.; FORMIGA, M.(Orgs). A Educação à Distância
o Estado da Arte. São Paulo: Pearson Education, 2009.
BRASIL, Decreto-lei nº 9.057. 25 de mio de 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9057.htm>. Acesso em: 26/08/2017.
BRASIL, Decreto-lei nº 5.622. 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília. 2005. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/
arquivos/pdf/dec_5622.pdf#page=1&zoom=auto,-65,792>. Acesso em: 22/08/2017.
BRASIL, Lei nº. 11.096 de 13 de janeiro de 2005.Institui o Programa Universidade para Todos – PRO UNI, regula a
atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior. Disponível em: < http://www.camara.gov.
br/sileg/integras/453107.pdf>. Acesso em: 12/12/17.
BRASIL, Decreto Federal nº 5.800. Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB. Disponível em: < https://
www.capes.gov.br/images/stories/download/23-11-2017-Decreto-n-5800-UAB.pdf >. Acesso em: 13/02/2019.
BRASIL, MEC LDB 1996. Disponível em:< www.mec.gov.br>. Acesso em: 22/04/2017.
BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais. Eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá,
2005.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 6º. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
INEP: MEC - Inep divulgam dados do Censo da Educação Superior 2016. Disponível em:
<http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/mec-e-inep-divulgam-dados-do-censo-da-
educacao-superior-2016/21206> . Acesso em: 13/04/2019.

1191
PORTAL MUSEU DA EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL:
SELETAS DE MEMÓRIAS EDUCATIVAS EM INSTRUMENTO DE
INTERATIVIDADE

Maria Paula Taunay – UnB


Aracy Roza Sampaio Pereira – UNESCO

O presente artigo descreve a experiência de geração de interatividades no campo da história da educação, em


contexto virtual. Como um produto de pesquisa associado à comunicação, educação e tecnologia, tem o escopo de
provocar o interesse da comunidade do Distrito Federal para a educação em seus primórdios. Este projeto de pes-
quisa, destinado à criação e implantação do Portal Museu da Educação do Distrito Federal pressupõe a abertura do
diálogo entre a comunidade local e o Museu da Educação, expondo seu acervo à sociedade do Distrito Federal e re-
cebendo depósitos de memórias fotográficas e documentos históricos significativos. Originado do desejo de evocar
experiências educativas na rede pública de ensino, o trabalho visou ampliar e divulgar o acervo temático do Museu
da Educação e viabilizar a democratização do acesso ao conhecimento constituído pela história da educação local,
provocando interação entre a população e os conteúdos produzidos, estimulando o interesse geral à preservação
dessa memória.

O MUDE

A preservação da memória educativa do Distrito Federal tem sido alvo dos pesquisadores envolvidos na pro-
posta. Vêm se desenvolvendo no âmbito da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília investigações que
resultam na constituição de um acervo temático e produções acadêmicas. Citem-se as pesquisas: “Educação Básica
Pública no Distrito Federal (1956-1964): origens de um projeto inovador” e “Educação Básica Pública no Distrito
Federal (1964-1971): desmonte de um projeto inovador”, integrantes do grupo de pesquisa HISTEDBR-DF, creden-
ciado junto ao CNPq. As pesquisas preliminares buscaram documentos em arquivos públicos e privados, e utilizaram
recursos próprios à história oral, acumulando um registro em suportes audiovisuais de mais de 300 depoimentos de
professores, gestores e estudantes, a reunião de fotografias e diversos objetos escolares. Com recortes temporais bem
determinados, as pesquisas possibilitaram a sistematização de uma documentação referente às políticas públicas edu-
cacionais durante o período 1956-1971, dos primórdios do sistema educacional no Distrito Federal, e, majoritaria-
mente das instituições de ensino localizadas no Plano Piloto, seus gestores, professores e estudantes pioneiros. Entre
as experiências retratadas, em depoimentos orais (gravados e/ou filmados), registros fotográficos e objetos escolares
coletados existem uma diversificação de atos, fatos, acontecimentos e lembranças que contribuem ao aprendizado
social e coletivo. As fontes de pesquisa forneceram conhecimentos culturais, científicos e históricos, que fortalecem
vínculos culturais e sociais entre os professores e a sociedade, agregando valor à nação brasileira. A proposta desen-
volvida no Portal Museu da Educação do Distrito Federal resume o uso de ferramentas de interatividade e de inte-
ração, como conceitos capazes de reestabelecer as relações existentes entre a história da educação e o seu público, de
forma que tais conceitos se interpenetrem a tal ponto que viver e contar a história se encontrem em tempos e espaços.

1192
A INTERATIVIDADE

Sabe-se que a interação demanda a ação comunicativa do interlocutor como ponto de referência na comunica-
ção verbal e não verbal, mediada ou não por tecnologias, enquanto a interatividade está na possibilidade de interação
flexível (Lima, 2001), de relação recíproca dos interlocutores numa situação de diálogo.

Isso significa superar visões de um modelo redutor, marcado pela unidirecionalidade, que coloca o emissor como
propositor de mensagens fechadas e o receptor passivo diante delas. Significa transformar e redimensionar o es-
paço da recepção como espaço de interação e transformação e modificar os papéis de emissores e receptores, para
uma dinâmica relacional co-autores/criadores. (Moraes, Dias & Fiorentini, 2006).

Tanto a interação quanto a interatividade possibilitam o diálogo numa dimensão criadora entre as diferentes
vozes, para a interpretação dos sentidos e para a construção coletiva do pensamento, que se compreende como uma
nova forma de interação técnica, de característica eletrônica. A interatividade digital seria um tipo de relação tecno-
-social, um diálogo entre humanos e máquinas, em tempo real, localizadas em uma zona de contato e de negociação,
as interfaces gráficas.
Termo recorrente no campo da física e da mecânica, onde a interatividade atua no campo da força dos objetos
atribuindo-lhes movimento, o termo também está presente na  filosofia como uma abordagem sobre a totalidade da
experiência humana e a riqueza da natureza, reconhecendo a pessoa como interagente constante e criativa. Na bio-
logia também se explora o conceito de interatividade, como nas explicações genéticas, e na geografia quando vemos
as placas tectônicas interagindo umas com as outras, no interior da crosta terrestre, dobradas e desdobradas, para
conformar montanhas e cadeias de montanha.
Para Pierre Lévy (1999), a interatividade se caracteriza pela possibilidade crescente, com a evolução dos dispositivos
técnicos, de transformar os envolvidos na comunicação, simultaneamente, em emissores e receptores da mensagem. O conceito
de “interatividade” está ligado ao estudo da comunicação e ao uso do computador, da educação à distância, da enge-
nharia de software e outras áreas afins, da interação humano-máquina e pessoa-pessoa via computador. A ideia de
interface mediante a criação de recursos mediados por computador tem gerado pesquisas sobre o tema, encontrando
resultados variados que salientam a diversidade das informações.
No campo educacional, o termo ajusta-se à modalidade de educação à distância (EAD), no entendimento das
relações pessoais e universais nos campos sociológicos, psicológicos, linguísticos e semióticos. Oferece à educação
riqueza instrucional pelos diversos pontos de vista oriundos de diferentes culturas grupal/social, sem pretender ho-
mogeneizar o conhecimento. O ensino à distância atenta a realidade da diversidade e do reconhecimento da distância
não apenas como espaço físico, mas também psicológico, social, e econômico. As possibilidades de interatividade pre-
sente em EAD traduz uma modalidade de educação capaz de formular experiências e conhecimentos sobre matrizes
de comunicação, marcando interpretações, conceitos e assimilações como representações sociais e crenças.
O tratamento dado às imagens em um Portal interativo tem papel relevante em seu desenvolvimento, na medi-
da em que o sentido da visão é amplamente explorado como recurso de contato, troca de informações e aprendizado.
No caso do Portal do Museu da Educação (MUDE), as fotografias são um dos principais recursos utilizados para
promover interação e interatividade, conectando a imagem com a investigação histórica numa relação emocional
com o público. Como protagonista e co-construtor do momento registrado, as imagens despertam emoções com
perspectivas simbólicas. Durkheim aborda a  representatividade da imagem de um totem pertencente a uma tribo
aborígene australiana:

Através dela (imagem), as emoções experimentadas são mantidas e reavivadas perpetuamente. Portanto, tudo
se passa como se ela as inspirasse diretamente. É realmente mais natural atribuir tais emoções a essa imagem,
sobretudo porque, sendo comum ao grupo, só pode estar relacionada com alguma coisa que lhe seja igualmente
comum... O caráter sagrado do que se reveste uma coisa não está implicado nas suas propriedades intrínsecas:
é-lhe acrescentado... é superposto a ela... Para objetivar-se, fixa-se sobre um objeto que não se torna sagrado; mas
qualquer objeto pode ter essa função. (Durkheim, 2007 apud MANINI; MARQUES; MUNIZ, 2010).

1193
Apesar das dificuldades tecnológicas de armazenamento e hospedagem destes conteúdos iconográficos, no caso
do Portal Museu da Educação do Distrito Federal buscou-se imagens inéditas que contemplassem a diversidade dos
sujeitos históricos.
A representatividade da coletividade da educação nos primórdios de Brasília, tanto para estudantes quanto para
professores e comunidade foi um dos critérios para a seleção de imagens das estruturas escolares em obras, reunin-
do elementos que demonstram o espírito do pioneirismo por parte dos estudantes recém-chegados à nova capital.
Nos estudos de Janczura (1999) em psicologia cognitiva, reconhece-se que os usuários da informação têm diferenças
que devem ser estudadas, com a finalidade de criar recursos eletrônicos para acessar a informação adaptada ao estilo
individual. Na medida em que diferentes indivíduos procuram e processam a informação utilizando diferentes es-
tratégias, buscou-se uma representatividade para diferentes pessoas, em diferentes contextos, em que os indivíduos
elaborassem estratégias próprias de processamento da informação relativa a ex-alunos, ex-professores e ex-gestores
do sistema educacional do DF. O material instrucional fundante de uma aprendizagem historicamente crítica e so-
cialmente consciente do papel da educação nos primórdios de Brasília converge nas imagens de época, com finalidade
de estabelecer um diálogo independente para que os usuários se sintam respeitados, atendidos e valorizados, em se
tratando da sua experiência de educação.
Na aba Interatividade criada no Portal Museu da Educação do Distrito Federal foram dadas as condições ne-
cessárias para ampliar o trabalho de resgate, preservação e difusão da memória da educação local, alinhadas pelas lin-
guagens pedagógica e tecnológica. Para promover interatividades, procurou-se localizar e identificar personagens das
memórias educativas criando referências virtuais na cultura educacional local. Deste modo, possibilitou-se o fomento
à novas pesquisas e a veiculação das produções educativas destinadas à sua comunidade escolar.
O estabelecimento de recursos dialógicos entre usuários de sistemas de informação constitui elemento chave na
proposta de potencializar sensibilização e aproximação aos detentores de memórias individuais. O uso dos ambientes
em rede proporciona renovação metodológica na busca de informações, testemunhos e documentos, agregando ter-
ritorialidade e temporalidade na reconstituição do patrimônio material e imaterial da educação do Distrito Federal.
Segundo Henriques (2004), a renovação dada ao tratamento documental oferece aos sítios de museus três mo-
dalidades: o folheto eletrônico que funciona como uma ferramenta de comunicação e marketing; o museu no mundo
virtual onde a instituição apresenta informações detalhadas sobre o seu acervo, projetando o museu físico na virtuali-
dade, apresentando exposições temporárias que não se encontram mais montadas ou criando na internet uma espécie
de reserva técnica de exposições; e por fim, os museus interativos nos quais reproduz os conteúdos expositivos do
museu físico e está centrado na promoção de interatividade com os usuários.
Acredita-se que a iniciativa do Portal se sustenta em face da utilização de recursos interativos na constituição
de acervos museais. Deve ser considerada que essa proposta é a mais importante inovação do Portal MUDE, ao re-
conhecer-se como primeiro sítio de um museu brasileiro dedicado à temática da educação pública, primária e secun-
dária, em Brasília e no Brasil, oferecendo uma interação real entre a pesquisa acadêmica e a sociedade civil através do
universo virtual.  
A afirmativa de Freire que reconhece que o humano é um ser de relações que, desafiado pela natureza, a transforma
com seu trabalho, criando o mundo da cultura, gera a  criação de um fazer pedagógico, vinculado ao mundo do trabalho
docente e traça, historicamente, um panorama da contradição presente nas memórias educativas por dominação e
conhecimento. Quando concebida como um ato político, a educação comunica uma reciprocidade que não pode ser cor-
rompida. Educação é diálogo e não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a signifi-
cação dos significados (Freire, 2003).
Esta forma de pensamento atribui as funções cognoscitiva e comunicativa nas expressões do mundo cultural e
histórico, desde que reconhecida não está reduzida à simples relação do sujeito cognoscente com o objeto cognoscível
(Freire, 2003). A função educativa convertida em comunicação dialoga e aproxima relações sociais e de classe,  pro-
move uma forma especializada de polifonia e interage nas expressões da consciência coletiva profissional docente,
que tende a respeitar os alunos e orientar a mistura de suas falas e vozes.

1194
Nesta perspectiva, situa-se uma abordagem pedagógica heterogênea da história recente da educação brasileira,
plural em seus fracassos e êxitos.  Entende-se que o educador usuário do Portal, ao tomar conhecimento dos antece-
dentes de sua história, reflita sobre as tendências libertárias ou doutrinárias constituintes de seu arcabouço intelectual
produzido no campo da educação pública brasileira.

Cabe-lhe observar se sua conduta, enquanto educador, propicia a domesticação, a repetição, o não-pensar ou o
“pensar único” ou se, ao contrário, como diz Freire, sua postura vai ao encontro da codificação pedagógica, que
pressupõe um número plural de significações, contrapondo-se à codificação publicitária, que impõe um significa-
do singular e compacto (Moraes, Dias e Fiorentini, 2006).  

As ferramentas de interatividade e interação presentes no Portal permitem uma codificação histórica educativa
nos primórdios de Brasília que ilustra a práxis do educador com os seus educandos, estimulando o conhecimento do
significado emancipador da educação e não apenas da tecnologia por si mesma. O verdadeiro educador transforma
com métodos e técnicas libertadoras. No compasso do tempo, quando a educação liberta, novas metodologias supe-
ram as tradicionais. Com esta intenção e por metodologias mais modernas, este trabalho credita ao Portal a possibi-
lidade do estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade (Freire e Shor, 1986).

A PRIMEIRA PESQUISA DE ACESSO AO PORTAL E A COLETA DE DADOS

A continuidade da coleta documental da pesquisa demandava a abertura de novos marcos temporais e territo-
riais. A ampliação da temporalidade e territorialidade da memória da educação local no Portal Museu da Educação do
Distrito Federal expandiu o leque de possibilidades não lineares à pesquisa, entre 1956 até os dias atuais, englobando
diferentes territórios da memória educativa referentes às regiões administrativas do Distrito Federal. As investiga-
ções por meio de recursos tecnológicos interativos criou códigos de classificação para as 14 regionais de ensino do
Distrito Federal, facilitando a localização de documentos escolares. Cabe ressaltar o reconhecimento público em
relação à importância da salvaguarda dessa memória e o crescente interesse que essa iniciativa vem despertando em
vários segmentos da sociedade brasiliense. Através das ferramentas interativas utilizadas observou-se a conversão
dos mecanismos de sensibilização utilizados em dados estatísticos que tem validado a presente pesquisa, através da
página no facebook e de questionário.
A dificuldade encontrada na coleta de dados para a avaliação do Portal, refere-se a baixa adesão das respostas
aos questionários de Pesquisa de satisfação do Portal, enviados através do Programa Google Forms para um grupo
focal de setenta pessoas, indicadas pelas equipes associadas ao Museu, sendo recebido vinte questionários respondi-
dos, após o prazo de um mês para participação.
Neste instrumento de pesquisa elaborou-se questionamentos para conhecer o perfil dos usuários disponíveis
à realização de interatividades. Neste quesito, sobre a profissão dos pesquisados, 33,3% são professores, 16,7% são
estudantes e 50% possuem outras profissões. Todos os usuários utilizavam com regularidade a internet e confirma-
ram positivamente o interesse do público alvo. Outro dado importante foi com relação ao conhecimento do usuário
ao projeto Museu da Educação do Distrito Federal antes de acessar o Portal, neste sentido 63,2% responderam que
sim e 31,6% responderam que não. Sobre o interesse do usuário ao tema apresentado no Portal, 89,5% de respostas
foram positivas, e 10,5% das respostas declararam um interesse parcial. Indagado se o usuário consultaria novamente
o Portal, 78,9% das pessoas responderam favoravelmente ao reuso do Portal, enquanto 21,1% negou interesse. Quan-
do questionadas se o Portal ofereceria maior visibilidade à história da educação de Brasília, as respostas foram 94,7%
positivas quanto à afirmação. Quanto à identificação com as abas do Portal, 83,3% responderam que sim e outros
11,1% responderam que não.
Sobre a busca de informações, a pesquisa revelou que para 78,9% dos usuários o Portal facilita a busca por notí-
cias e demais serviços oferecidos pelo museu, em contrário a 15,8% negaram essa facilitação. Sobre a acessibilidade ao
acervo de fotografias e documentos, 63,2% afirmaram compreensão ao acesso, enquanto que 31,6% tiveram dificul-
dades. A respeito da diversidade de públicos, para 68,4% dos usuários o Portal contempla diversos interesses. Quando

1195
questionados sobre a possibilidade de interatividade com o Portal realizando “upload” de suas memórias educativas,
78,9% das pessoas responderam que participariam, enquanto 15,8% responderam que não. Quanto a facilidade na
navegação, o site foi avaliado como bom por 36,8% dos usuários e como ótimo por 57,9% dos usuários.
No que tange ao aspecto visual, o site foi classificado como ótimo por 63,2% dos usuários e como bom por
36,8%. A avaliação dos instrumentos de interatividade recebeu a menção de ótimo em 55,6% das respostas e em 38,9%
utilizaram a menção bom no mesmo quesito. Em relação à exposição das informações no Portal, a avaliação dos usu-
ários foi de 52,6% ótimo, 36,8% bom e 10,5% ruim, conforme dados coletados.
O questionário continua com questões mais específicas a respeito das abas. Compreende-se que é necessário
melhorar a informação disponibilizada, e nas doze respostas coletadas foram consideras que deveria: a) ser anexadas
entrevistas a fotografias; b) ser inserido um mapa do Distrito Federal; c) melhorar a apresentação da aba “Produções”;
d) ser revista a aba “Educação Ontem”, em razão dos textos longos e não dinâmicos, sendo cansativa a leitura e a visu-
alização das fotos; e) colocar mais fotos coloridas, por que chama a atenção e cativa o público; f) inserir o censo escolar.
Dentre as avaliações descritivas, uma delas chamou a atenção pela queixa do longo caminho para acessar as
entrevistas, conforme segue:

No Portal está tudo separado e você precisa clicar em páginas diferentes para ter acesso. Temos uma lista para cada
item, isso não facilita o acesso. Em relação aos projetos educativos, o texto disponibilizado não deixa claro qual é
o objetivo do projeto, para que serve, como posso usar, qual é o público a ser atendido.

Em relação ao link personalidades no SAMUDE, houve a seguinte contribuição:

Ao clicar no nome não aparece as fotos, a Galeria e demais áreas de conteúdos multimídia poderiam ser mais agra-
dáveis. As legendas das fotos estão truncadas. Essa curadoria deve ser melhor aproveitada, com galerias temáticas,
e de objetos, etc, e que se ampliasse o arquivo fotográfico.

Quando questionados se havia algum aspecto que deve ser melhorado antes que o Portal seja disponibilizado
publicamente, em nove respostas surgiram algumas queixas sobre a velocidade do Portal para abrir suas abas, fator
comentado mais de uma vez na pesquisa de satisfação. Porém, ainda houveram sugestões de que se acrescentasse um
botão de volta entre o SAMUDE e o Portal do Museu, e que se disponibilizasse também um link para acesso na Aber-
tura “Quem Somos”. Queixas sobre a navegabilidade no Portal referiam-se: a uma página que não abriu; a algumas
páginas estarem de vermelho e outras não; as páginas parecem refletir as bases de informação do museu, que em certo
momento parece burocrático e com muita informação sobre a formação do museu, como se estivesse falando para si
mesmo, um sítio de informações deve ser pensado para o público externo e cativá-lo com seu conteúdo; e ainda com-
pletando, que a curadoria de conteúdos seja feita de forma diferente, que por se tratar de um sítio web talvez devesse
partir dos objetos multimídia (imagens, vídeos, depoimentos, entrevistas, etc), e que a parte textual deve ser cuida-
dosamente trabalhada em uma esfera diferente, documental, para necessidade de pesquisa em áreas mais restritas.
Demais contribuições como resposta de satisfação à navegação no Portal MUDE são interessantes de salientar
e nos demonstram a necessidade de melhorias em diversos aspectos, entre eles relacionados desde questões de design
e disposição visual à relação da localidade no tempo histórico e contemporâneo, à afirmação do público alvo para
foco na linguagem e disponibilização do conteúdo, e à produção de pequenos textos informativos sobre a história de
cada escola e dos personagens referentes a essa memória educativa, podendo ser pensados e desenvolvidos de forma
colaborativa, como uma das ferramentas de interatividade. Como referidos:
• A localização das fotos são interessantes, mas não identificam o local.
• Não fica claro para quem o site é destinado, qual é o público-alvo. Se é para informações sobre a his-
tória da educação no DF, se é destinado a pesquisadores, se pode servir para estudantes como fonte de
pesquisa. Achei a iniciativa importante, mas está faltando foco. Se for para um público geral, sugiro que
se inverta o posicionamento. Colocar as notícias na primeira página seria uma boa forma de aumentar o
número de acessos do site.

1196
• Melhorar a interatividade. Reunir mais informações a respeito das escolas antes de disponibilizar ao
público.
• Apesar de a cor estar representando uma ideia de história, de antiguidade, penso que o branco ressal-
taria melhor os conteúdos. O espaço está ocupado de forma deliberada com texturas e marcas. Deveria
haver um foco especial aos conteúdos de informação: imagens, vídeos, fotos de personagens, de objetos
(documentos, livros, etc). Os conteúdos do museu devem prevalecer sobre o texto.

A modalidade de pesquisa colaborativa em rede, envolvendo a Universidade de Brasília, a equipe de professores


do Museu da Educação e as instituições públicas de ensino básico do Distrito Federal, contribuiram para uma cultura
educativa por valorizar os produtores de memória. Apesar das dificuldades existentes na associação de teorias educa-
tivas com ferramentas tecnológicas, a partir das equipes arquivística, museal, pedagógica e tecnológica criou-se um
documento coletivo contendo os principais dados a serem preservados e disseminados da memória da educação do
Distrito Federal, seus protagonistas e suas práticas educacionais.  
Conclui-se que o uso dos meios digitais, em pesquisas no campo da história da educação e da preservação de
patrimônios representa uma fórmula para pesquisadores e estudantes no qual socializa-se os avanços obtidos pela
pesquisa. Neste sentido, cabe salientar que o entrosamento entre as equipes pedagógica, museológica e tecnológica
serve para ajustar conceitos e pontos de vista das questões levantadas que subsidiam a pesquisa e a constituição do
patrimônio material e imaterial da educação do Distrito Federal.

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1197
PRÁTICAS EDUCATIVAS NO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
BASEADAS NA GESTÃO DAS TECNOLOGIAS NO ENSINO MÉDIO
INTEGRADO DOS INSTITUTOS FEDERAIS

Quéren dos Passos Freire Arbex - IFG1


Cláudia Helena dos Santos Araújo - IFG2

Resumo: Este escrito inscreve-se nos estudos relacionados às instituições, culturas e práticas escolares. Apre-
senta como tema as práticas educativas na tríade Ensino, Pesquisa e Extensão (EPE) baseadas na gestão das tecnolo-
gias nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Brasil (IFs). O princípio da indissociabilidade do
ensino, pesquisa e extensão tem previsão na Constituição Federal Brasileira de 1988, que até 2008 tinha sua aplicação
restrita ao Ensino Superior quando, por meio da Lei de criação da Rede Federal, passou a compor a finalidade dos
IFs desde o Ensino Médio Integrado ao Técnico até a pós-graduação stricto sensu. A história e a constituição dos IFs
perpassam transformações marcadas pela disputa de forças antagônicas quanto ao projeto de Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) no Brasil, que atualmente convergem para uma formação integrada, omnilateral e politécnica. O
objetivo do estudo fundou-se na compreensão das práticas educativas no contexto da tríade EPE baseadas na gestão e
uso das tecnologias nos IFs em nível de Ensino Médio Integrado. O percurso metodológico é de abordagem qualita-
tiva e quantitativa, por meio de uma leitura hermenêutica com orientação analítico-crítica e com análise de conteúdo
sobre a temática de práticas educativas, tecnologias, Ensino, Pesquisa e Extensão, EPT e Ensino Médio Integrado em
dois tons: a) em fontes bibliográficas e no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) referente aos últimos cinco anos; b) nos documentos institucionais do Instituto Federal de
Goiás (IFG), em especial no Relatório da Comissão de Alinhamento das Regulações das Câmaras de Ensino, Pesquisa
e Extensão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e nas tecnologias de gestão disponibilizadas em sítio eletrô-
nico pela referida instituição. Quanto aos resultados, verificou-se que o modelo de práticas educativas e de gestão
tecnológica adotadas pelo IFG revelam que a tríade EPE ainda é fragmentada ou justaposta, de forma que necessita
ser repensada visando sua função indissociável e sistêmica, em contraposição às condições impostas que induzem às
atuais ações de desarticulação da tríade nessa realidade.
Palavras-chave: Ensino, Pesquisa e Extensão. Institutos Federais. Tecnologias.

INTRODUÇÃO

As práticas educativas de uma instituição possuem relação direta com sua finalidade, tipo (pública, privada,
confessional, comunitária, filantrópica), as formas de sustentação ou financiamento bem como com seus níveis e
modalidades de ensino, políticas educacionais, projeto político pedagógico e o público atendido.
Elas também consubstanciam a função social da instituição tanto prevista em lei como em sua política institu-
cional, apresentando-se como processo-construção dentro do contexto escolar em permanente movimento de res-
significação. Além disso, as práticas educativas extrapolam os espaços da sala de aula para alcançar bibliotecas, salas
de convivência, laboratórios e ações de Ensino, Pesquisa e Extensão (EPE) em outros contextos escolares.
Tal cenário se faz presente na realidade dos Institutos Federais (IFs) e no contexto deste trabalho materializa-se
no Instituto Federal de Goiás (IFG) por meio de uma avaliação quadrienal com o intuito de repensar as políticas ins-

1 Graduada em Direito e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito da UFG. Mestranda do Programa de
Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) da Rede Federal. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Panecástica. Email:
querenita@gmail.com
2 Doutora em Educação. Docente e pesquisadora do IFG. Professora no Programa de Pós-Graduação Scrito Sensu em Educação Profissional
e Tecnológica (Mestrado ProfEPT). Membro do grupo de pesquisa Panecástica e grupo Kadjót. Email: helena.claudia@gmail.com

1198
titucionais que permeiam as práticas educativas relativas à gestão e ao ensino e aprendizagem no contexto da tríade
Ensino, Pesquisa e Extensão.
Esses três pilares de produção do conhecimento nos IFs é princípio, direito e dever que tem suas bases no
art. 207 da Constituição Federal. Seu alcance permaneceu restrito ao Ensino Superior e pós-graduação nas Univer-
sidades até 2008, quando passou a compor a finalidade dos IFs, por meio da Lei de criação da Rede Federal (Lei nº
11.892/2008) e da Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004), que legitimou a novidade da tríade nas bases do Ensino
Médio Integrado ao Ensino Técnico na modalidade regular e da Educação de Jovens e Adultos.
A criação dos Institutos Federais passa atualmente por uma análise de diversos autores que veem duas possi-
bilidades no contexto histórico da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil, quanto ao seu papel e seu
projeto político, social, econômico e educativo enquanto estratégia de educação: os IFs como uma revolução no país
dos trabalhadores na visão de Pacheco (2011) ou como luta de projetos políticos antagônicos para a educação, obje-
tivando reificar as estruturas falidas de formação de trabalhadores para o mercado, com base na dualidade humana e
técnica (MOLL et al., 2010).
Destarte, é importante contextualizar que a criação dos IFs em 2008 faz parte do processo histórico que visa
compreender a EPT no país e sua relação com a formação dos trabalhadores do Brasil. A EPT passou a ser referência
integradora da formação omnilateral dos cidadãos para o mundo do trabalho, da ciência e da cultura, reforçando a
educação humanista, universal, unitária, pública, laica, de qualidade e democrática e refutando a dualidade entre edu-
cação básica/geral e tecnicista ou do trabalho manual e intelectual (MOLL et al., 2010).
Nessa perspectiva, o papel e a responsabilidade dos IFs foi ampliada para além da sua verticalização e regionali-
zação, possibilitando um cenário dialógico com a sociedade quanto à função transversal de inserção social dos saberes
e tecnologias, seja por uso, apropriação ou formação profissional e tecnológica nos projetos de EPE desenvolvidos.
Dessa forma, o presente trabalho visa compreender se as práticas educativas baseadas na gestão e uso das tec-
nologias institucionais tem contribuído para a organicidade ou desestrutura da tríade EPE, enquanto função social e
eixo estruturante da Instituição.

PRÁTICAS EDUCATIVAS NA TRÍADE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO E O USO DAS


TECNOLOGIAS

As práticas educativas são consideradas sinônimas da prática pedagógica, prática docente e de práxis, princi-
palmente no contexto escolar e acadêmico, tendo por fundamentos questões epistemológicas, históricas, culturais,
sociais e subjetivas do ser humano quanto ao sentido da educação, sua função social e o conhecimento do que ensinar,
constituindo-se como uma ação social reflexiva (ZABALA, 1998).
A visão educativa da tríade prevista nas fontes e referências sobre o tema propõem que esse processo-constru-
ção seja indissociável, sistêmico, autônomo, contínuo e integrado, de forma que essas características estejam incor-
poradas nas práticas educativas. Todavia, a concretização da tríade EPE tem se mostrado um desafio, posto que essas
práticas mostram-se fragmentadas entre ensinar, pesquisar e fazer extensão (MAZZILLI, 2011; MACIEL, 2010).
Dessa forma, esse processo-construção da organicidade da tríade é consubstanciado pelo uso das tecnologias no pro-
cesso de ensino e aprendizagem e nas ações de gestão institucional.
Observa-se que as tecnologias educativas passaram a ser inventariadas por tipo e estrutura como meios con-
vencionais, audiovisuais e novas tecnologias “microeletrônicas, informáticas e de telecomunicações que permitem a
aquisição, produção, armazenamento, processamento e transmissão de dados na forma de imagem, vídeo, texto ou
áudio no contexto escolar e acadêmico.” (TEDESCO, 2004, p. 96).
Em relação ao processo de ensino e aprendizagem, alguns autores defendem a visão integradora do currículo a
partir do uso e das mediações das tecnologias educativas. De um lado, o debate é sustentado na integração curricular
por meio de uma rede de comunicação baseada nas tecnologias (PRETTO, 2006) e em outro ponto, a integração cur-
ricular é pautada pelo uso das tecnologias educativas no contexto das práticas educativas e da gestão das instituições
(PABLOS, 2006; HERNANDEZ, 2006).

1199
Na realidade dos IFs, as dimensões do trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia constroem-se sobre a
transversalidade e a verticalização do currículo, que considera essas dimensões na escolha e na organização dos conte-
údos, dos métodos e das práticas educativas curriculares. Esses currículos integrados centrados na categoria tecnolo-
gia passam pelos aspectos materiais das tecnologias envolvidas no percurso de formação profissional pretendida, que
ocorre pela prática ou pela arte do como fazer, sendo ainda sistêmica ou pelas relações técnicas e sociais subjacentes
às tecnologias (MACHADO, 2010).
Todavia, a apropriação das tecnologias, em especial do computador, na realidade da educação perpassa a com-
preensão dos diversos posicionamentos teóricos e discursos pedagógicos sobre os usos das tecnologias que influen-
ciam em seu caráter pedagógico. A tecnologia não é neutra e pode se condicionar à um posicionamento ideológico
dos professores e alunos que a utilizam no contexto educacional (ARAÚJO, 2008).
Dessa forma, a mudança no processo de ensino e aprendizagem ainda é um desafio, posto que nem sempre
gera novos modelos pedagógicos. Os professores tendem a utilizar o computador, conforme suas crenças, conceitos e
práticas pedagógicas, de forma que eles e “a administração costumam introduzir meios e técnicas adaptando-os à sua
própria forma de entender o ensino” (SANCHO, 2006, p. 22). Essa ação influencia no caráter benéfico ou maléfico,
inclusivo ou exclusivo, ético ou antiético, crítico ou acrítico, pedagógico ou antipedagógico e transformador ou con-
formador da realidade educacional em que as tecnologias se inserem.
Nas práticas educativas de ensino e aprendizagem, as tecnologias podem estar associadas às atividades integra-
doras de EPE, proporcionando alternativas ao modelo de aprendizagem centrado no professor, na interação e nos
conteúdos restritos sem aplicabilidade. As tecnologias podem em alguma medida ter o caráter transformador quando
associadas às práticas políticas e econômicas que proporcionem o pensar as questões pedagógicas.
Enfatiza-se que o currículo integrado compõe a prática educativa como “mecanismo de promoção do pensa-
mento coletivo, como hipertexto/interface interativa e estratégica, como um espaço multirreferencial de aprendi-
zagem (múltiplas abordagens).” (PRETTO, 2006, p. 215). Desse modo, as práticas educativas baseadas no uso das
tecnologias na tríade EPE apresentam um caminho possível para que as ações nessa realidade sejam consideradas
inovadoras no currículo integrado quanto ao uso das tecnologias, práticas de ensino, forma de utilização do tempo,
espaço físico e na forma integrada da ementa curricular.
No tocante às práticas educativas baseadas na gestão das tecnologias emergem dois conceitos centrais relacio-
nados à tecnologia e a interação humana: o ciberespaço e a cibercultura (LÉVY, 1999). O ciberespaço ou ‘rede’ se
refere não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também ao universo oceânico de informação
que ela abriga, assim como aos seres humanos que navegam e alimentam esse universo, nessa infinita interconexão
de computadores. Já a ‘cibercultura’ é um fenômeno linguístico, ou seja, um neologismo, sendo definida como “o
conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. (LÉVY, idem, p. 17).
Desse modo, a cibercultura é a nova definição de cultura vigente, sendo uma forma de linguagem e significação
da expressão humana, enquanto o ciberespaço apresenta-se como local de interação humana. Ambos representam a
evolução do ser humano quanto à oralidade e escrita na realidade escolar e acadêmica, de forma que o uso das tecno-
logias deve estar articulado às práticas educativas e de gestão nos diversos contextos sociais, culturais, nos projetos
educacionais e na questão ética da instituição com a comunidade interna e externa.
Além disso, no contexto da cibercultura e ciberespaço, as práticas educativas alcançam a gestão das tecnologias
que são utilizadas para organizar o “tratamento, armazenamento, transmissão e a recuperação da informação do tra-
balho” (SANCHO, 2006, p. 30) realizado nos IFs, favorecendo a utilização das bases de dados, transparência dos atos
e documentos institucionais e na troca de informações e comunicações com a comunidade interna e externa. Além
disso, as tecnologias podem ter um “papel fundamental na inovação das funções docentes e na criação de novas for-
mas de pesquisa” (PABLOS, 2006, p. 73), não como oferta pedagógica em si, mas a partir do significado e do uso que
os agentes educativos fazem delas.
Numa perspectiva análitico-crítica, o uso das tecnologias nas práticas educativas e na gestão da tríade EPE
apresenta possibilidades de um percurso possível para que a função social dos IFs seja cumprida. Ainda assim, uma

1200
pesquisa realizada no âmbito do IFG entre 2011 e 2012 por pesquisadores de quatro campi e da Reitoria verificou
uma série de desafios relacionados a questão da inovação tecnológica nessa realidade, como implementar políticas
que incentivem a produção e a apropriação do conhecimento que desvelem os problemas sociais; definir e investir
em áreas estratégicas, valorizando a vocação de cada câmpus e promover maior articulação entre ensino, pesquisa e
extensão, com vistas ao desenvolvimento científico e tecnológico (GOMES et al., 2016, p. 204/205).
Dessa forma, o modelo de prática educativa e de projeto educacional adotado numa instituição reflete em como
as tecnologias se apresentam e são utilizadas na tríade EPE, tanto no processo de gestão como de ensino e aprendiza-
gem, influenciando ainda na forma como esse processo se desenvolve e se integra efetivamente.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES DA PESQUISA

Este percurso, ainda em desenvolvimento, delimitou como universo de pesquisa três campi (Anápolis, Goiânia
e Goiânia Oeste) e um espaço de gestão central que é a Reitoria do IFG. No entanto, o objeto da pesquisa consistiu no
estudo do fenômeno da contextualização das tecnologias na tríade EPE no Ensino Médio Integrado ao Ensino Téc-
nico na modalidade Regular e de Educação de Jovens e Adultos - EJA, a partir da perspectiva das práticas educativas
baseadas na gestão das tecnologias institucionais.
Uma revisão de literatura realizada sobre a temática da pesquisa apontou uma extensa pesquisa sobre a tríade
Ensino, Pesquisa e Extensão no contexto do Ensino Superior em oposição a um número ínfimo de produções refe-
renciadas sobre a tríade no Ensino Médio Integrado (EMI) da Rede Federal. Constatou-se uma tendência de aborda-
gem da pesquisa na perspectiva da iniciação científica, bem como referências aos projetos de ensino e extensão por
meio de divulgação dos relatos de experiência.
Em relação à educação, EPT e as tecnologias no contexto da tríade no Ensino Médio Integrado, as produções
científicas encontradas foram escassas, mas tiveram referências iniciais em Pacheco (2011) e Machado (2010). Assim,
a pesquisa realizada indicou que em relação ao EMI nos IFs, a compreensão do uso das tecnologias e da forma como
se apresentam na tríade EPE ainda carece de estudos aprofundados que correlacionem as temáticas.
Esses dados foram ratificados pela pesquisa realizada no Portal de Periódicos da CAPES, referente ao período
de 2014 a 2018, delimitados a partir dos descritores Ensino, Pesquisa, Extensão; Instituto Federal de Goiás; Ensino
Médio Integrado; Iniciação científica e Tecnologia. Nesse contexto, foram encontrados apenas doze produções sobre
a temática nos periódicos. Quanto à pesquisa no referido portal na categoria Banco de Teses e Dissertações, foram
encontrados vinte e seis resultados, todavia sem correlação direta com o tema central, o que justifica o presente es-
tudo.
Inicialmente, o estudo apropriou-se das bases conceituais presentes na pesquisa bibliográfica e em documentos
institucionais da gestão do IFG, de suas Pró-Reitorias (Pró-Reitoria de Ensino - PROEN, Pró-Reitoria de Pesquisa
e Pós-Graduação - PROPPG e Pró-Reitoria de Extensão - PROEX), do Relatório da Comissão de Alinhamento das
Regulações das Câmaras de Ensino, Pesquisa e Extensão de 2017 e do Plano Diretor da Tecnologia da Informação
(2016-2019). No sítio eletrônico do IFG foram levantados os dados relativos às práticas educativas e as tecnologias na
tríade, a partir dos projetos de EPE cadastrados e dos sistemas virtuais de gestão utilizados.
No Plano Diretor de Tecnologia da Informação do IFG (2016-2019) verificou-se que o uso das tecnologias na
gestão expõe as práticas educativas fragmentadas ou justapostas no contexto da tríade no IFG, posto que os recursos
tecnológicos não foram otimizados para criação de um módulo unificado de gestão da tríade contendo os dados sis-
tematizados dessa realidade institucional.
As tecnologias utilizadas na gestão não estão alinhadas e integradas de forma a conceber a tríade indissociável,
posto que em diferentes ciberespaços é que se terá acesso à publicidade e desenvolvimento das ações. Assim, o acesso
a alguns dados gerais foram encontrados nos sítios do IFG, do Sistema Unificado de Administração Pública (SUAP)3,
3 O Sistema Unificado de Administração Pública (SUAP) foi desenvolvido pela equipe da Diretoria de Gestão de Tecnologia da Informação
(DIGTI) do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). O Sistema tem por objetivo a informatização dos processos administrativos
do Instituto, facilitando assim a gestão da instituição. Disponível em: <https://suap.ifg.edu.br/accounts/login/?next=/>. Acesso em: 12 dez.
2018.

1201
dentre outros. Para o acesso aos dados relativos ao Ensino foi necessário recorrer ao sistema Visão4, todavia esse
sistema não apresenta os dados dos projetos de Ensino do IFG. Noutro ponto, no acesso ao sítio eletrônico do Siste-
ma Unificado de Gestão de Extensão e Pesquisa - SUGEP, foi possível verificar os dados relativos aos eventos e aos
editais e resultados das áreas de Pesquisa e Extensão do IFG.
Constatou-se que os projetos de Ensino do IFG encontram-se pulverizados nos campi, sendo desenvolvidos de
forma local e não sistematizada. Ademais, algumas ações de Pesquisa e Extensão estão cadastradas na Reitoria do IFG
e outras são desenvolidas nos campi de forma capilarizada e não sistematizada. Sobre isso, nos sítios eletrônicos dos
campi mencionados foram encontrados outros projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão encerrados ou em desenvol-
vimento que não constam nos sistemas de gestão ou no registro público das Pró-Reitorias.
Assim, as informações e dados relativos ao Ensino, a Pesquisa e a Extensão não estão sistematizados de forma
integrada e sistêmica, tendo em vista a capilarização das ações da tríade na Reitoria e nos campi de forma indepen-
dente e não dialógica e o uso de diferentes tecnologias compostas principalmente por aplicativos e sites.
Além disso, um levantamento de dados inicial nos documentos do regulamento docente do IFG, do Relatório
de Alinhamento das Câmaras de Regulação do ano de 2017 e dos sistemas de gestão do IFG mostram duas realidades:
a desarticulação da tríade nos documentos institucionais que tratam da tríade EPE e o desafio de implementar a trí-
ade para os professores da EPT de nível médio das áreas comuns do ensino curricular como Matemática, Geografia,
História, Linguagens, Química, dentre outros, tendo em vista a exaustiva jornada de trabalho em todos os níveis de
ensino ofertados. Essa realidade, em alguns casos, mostra-se diferente e menos penosa em relação a jornada docente
das áreas de formação curricular específica do Ensino Técnico.
No que tange às práticas educativas foi possível identificar além dos usos dos recursos tecnológicos mais co-
muns como computador, datashow, giz, lousa digital, quadro branco ou negro em sala de aula ou laboratório, o uso
da plataforma Moodle do IFG em projetos de Ensino e Extensão desenvolvidos no ambiente de Ensino a Distância
(EAD). A EAD, como espaço de mediação pedagógica, possui similaridade com o processo de ensino e aprendizagem
presencial, pois demanda o planejamento, elaboração de material didático, organização do ambiente do curso, defi-
nição do uso dos recursos didáticos e tecnológicos e organização da avaliação de acordo com o ambiente e a prática
pedagógica abordada pelo docente.
Com efeito, foi possível concluir que as práticas educativas baseadas na gestão das tecnologias na tríade En-
sino, Pesquisa e Extensão nos IFs necessita ser repensada para concretizar sua indissociabilidade materializando-a
no ciberespaço e cibercultura institucionais. Essa ação visa a contraposição às condições impostas que induzem à
fragmentação e justaposição das ações da tríade referenciadas nos documentos institucionais e nas políticas de gestão
educacional e tecnológica, que limitam-se ao ensino ou ao ensino e pesquisa ou ao ensino e extensão.
As tecnologias contextualizadas nas práticas educativas dos IFs pressupõe a integração à tríade EPE, por meio
das práticas educativas integradas e das políticas institucionais. Nessa concepção, podemos refletir que o uso das
tecnologias deve conduzir, sob uma perspectiva crítica, ao resgate da visão integradora da tríade enquanto projeto
político educacional e dimensão de sociedade na realidade dos Institutos Federais.

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1203
PRODUÇÕES CIENTÍFICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS
EM INTERFACE COM A NOÇÃO DE “ACONTECIMENTO” DE
GILLES DELEUZE: DAS PRÁTICAS DOGMÁTICAS AO ENSINO E
APRENDIZAGEM COMO ACONTECIMENTO

Déborah Cristina Barbosa Ferreira – UFG-RC/ GO1


Rita Tatiana Cardoso Erbs – UFG-RC/ GO22

RESUMO: O presente trabalho tem o campo da Educação como grande área, se caracteriza por ser um projeto
de pesquisa em andamento. A construção deste trabalho se justificou pela necessidade de refletir sobre o campo edu-
cacional e como ele tem se construído historicamente relacionado a instituição Escola e com saberes científicos que
buscam verdades universais, saberes prontos e absolutos. Deste modo, nos apropriamos de discussão sobre a crise da
razão moderna. Os saberes difundidos na instituição Escola se concretizaria em práticas que influenciariam na dire-
ção de estimular certo tipo de pensamento, além de práticas disciplinares de espaços e corpos. Tomando as discussões
sobre a crise da razão, este trabalho tem como objetivo geral investigar o conceito de “acontecimento”, levantado pelo
filósofo Gilles Deleuze, relacionado à pesquisas em Educação no Brasil, pesquisas estas que tem realizado esta junção
afim de compreender a educação escolar e alguns aspectos da mesma como, por exemplo, os estímulos a certos tipos
de pensamento - como o da repetição de conteúdos acriticamente -, práticas denominadas como dogmáticas - por
não deixarem espaço para o desafio às crenças dominantes, para criatividade e imaginação. O objetivo específico é
de descrever e analisar as contribuições teóricas destes pesquisadores brasileiros, enfatizando suas perspectivas sobre
a relação conceitual Educação versus acontecimento e suas implicações aos processos educacionais contemporâneos
e produção de subjetividades na escola. A metodologia proposta para esta pesquisa é de realizar pesquisa de tipo bi-
bliográfica, de caráter exploratório e analítico, onde será realizado o recorte conceitual Educação e acontecimento. A
coleta de dados e levantamento da bibliografia serão realizados prioritariamente por meios digitais, com posterior
análise dos conteúdos contidos na bibliografia. O referencial teórico formado até o presente momento, neste projeto
de pesquisa, abrange teóricos pertencentes à linha de pensamento da Filosofia da Diferença, portanto, é a partir de-
les que foi pensado este projeto e que se pretende guiar as análises bibliográficas e conceituais. Alguns conceitos do
filósofo Gilles Deleuze serão tomados para análise junto ao conceito de acontecimento, uma vez que caminham juntos
para o entendimento do fenômeno proposto por tal filósofo; tais conceitos são: Recognição, Pensamento-Problema
e Pensamento Dogmático. O desafio inerente a este projeto é o de tentar compreender se estas concepções filosóficas
contribuem de algum modo para a compreensão da educação escolar e sua consequente produção de subjetividade
por meio de práticas ou estímulos a determinados tipos de pensamento.
Palavras-chave: Escola. Práticas Educacionais. Produção de subjetividade.

INTRODUÇÃO

Estamos inseridos em uma sociedade ocidental permeada pela ênfase no idêntico que, com base na macropolí-
tica, provocam diminuição e extermínio das diferenças “dentro de um campo social para manter uma ordem” (BRI-

1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC) da Universidade Federal de Goiás-Regional Catalão
na linha de pesquisa intitulada “Políticas educacionais, História da Educação e Pesquisa (auto) Biográfica, tendo trabalho sob orientação da
profa. Dra. Rita Tatiana Cardoso Erbs. E-mail: deborahcbferreira@gmail.com
2 Professora efetiva da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão no curso de Pedagogia. Professora no Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEDUC) da Universidade Federal de Goiás-Regional Catalão na linha de pesquisa intitulada “Políticas educacionais,
História da Educação e Pesquisa (auto) Biográfica. E-mail: Professoraritaerbs@gmail.com

1204
TO; RAMOS, 2014a, p. 34). Tenta-se homogeneizar o pensamento dentro de um campo, seja ele social, político ou
educacional impondo certa modelagem subjetiva, onde se “tenta enquadrar a diversidade em uma unidade [...] uma
redução das diversas representações numa só representação a partir do que é comum a todas elas” (GALINA, 2008,
p. 52; ibidem, 2014a).
Nesta direção, com crítica às hegemonias das práticas e ideias que sustentam o pensamento dogmático, apoia-
mo-nos na filosofia da diferença, em especial em Gilles Deleuze (1925-1995) para pensarmos como o estilo de pen-
samento e práticas, aqui chamadas de dogmáticas, impactam as práticas escolares. Segundo Deleuze (2006), a busca
por verdades universais supostamente fixas criaria uma imagem subordinada a valores hegemônicos, impedindo
produções autônomas no pensamento pois pressuporia e reproduziria “verdades” pré-concebidas. Para este filósofo,
o pensamento é representado por uma imagem que impede o verdadeiro exercício de pensar. Este modo de pensar
estaria em vigência desde Platão, estabelecendo “verdade” como “universal e abstrato” (DELEUZE, 2006, p. 85).
O dogmatismo teria ganhado corpo junto aos saberes metafísicos, com o absolutismo medieval, posteriormen-
te ganharia respaldo no pensamento tecnicista e positivista, pautados na certeza absoluta ou cogito. Neste último, as
universalizações das teorizações e métodos para “adaptar meios a fins perseguidos” (MOURA, 1996, p. 86) ganham
destaque. O modo como essa universalização opera geraria uma representação, como consequência teríamos a perda
do concreto, da significação do acontecimento e da responsabilidade sobre a ação (LEFORT, 1996; WOLFF, 1996;
BORNBEIM, 1996).
Supostas verdades universais ou doxa dão a base para o modelo de pensamento de recognição, este fenômeno,
para Deleuze, seria a repetição de paradigmas, fortalecendo valores e hábitos enquanto a diferença é impelida (idem,
2014b, p.187). A escola, além de reproduzir dogmas utilizaria tecnologias disciplinares em um espaço, imobilizando
o corpo, fixando-o junto a carteira (DELEUZE, 2010). Segundo Foucault (2000), com a Biopolítica é exercido social-
mente o controle via políticas governamentais que buscam não só disciplinar, mas apagar as diferenças. Tais dispo-
sitivos esquadrinhariam os modos de percepção de si e do mundo (CORRÊA; PREVE, 2011). Deleuze ressalta que o
indivíduo “[...] não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a família, depois a
escola [...] depois a caserna [...] depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio
de confinamento por excelência [...]” (DELEUZE, 1992, p. 219). Deste modo, a escola é vista como parte de uma
engrenagem disciplinar, de controle, reprodutora de dogmas, e é sobre essa produção dogmática que discorreremos
a seguir, a partir de discussão de práticas sociais e educacionais institucionalizadas.

OBJETIVOS E METODOLOGIA

O objetivo geral desse artigo foi pesquisar ou articular a relação entre pensamento, práticas dogmáticas e edu-
cação com o conceito de “acontecimento” de Gilles Deleuze. Os objetivos específicos são a) discutir o conceito de
“acontecimento”, dialogando com pesquisas brasileiras educacionais recentes que partem do mesmo autor para pen-
sar a educação, b) localizar contribuições para o pensamento educacional.
Pautamos nossas investigações a partir de pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e analítico. Esta me-
todologia possui um conjunto ordenado de procedimentos que se constitui de tipo qualitativa pois se trata de objeto
referente às relações humanas, interpretações, com sua localização histórica, espacial, política em meio aos múltiplos
significados construídos. Segundo Mioto e Lima (2007) esta metodologia auxilia amplo alcance de informações,
viabilizando a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, contribuindo para a construção da definição
do corpus de estudo. O método de coleta de dados e levantamento da bibliografia se deram prioritariamente meios
digitais: Gooogle Acadêmico e SciELO - Scientific Electronic Library, periódicos educacionais, teses, dissertações,
com levantamento posterior de conteúdos contidos na bibliografia.
Utilizar pesquisa bibliográfica para pesquisar quais tem sido as produções científicas brasileiras em educação
escolar com tema relacionado a noção deleuziana de “acontecimento” se faz ímpar para compreender quais con-
tribuições conceituais tem sido desenhada a partir das concepções do filósofo da diferença para o campo de saber
educacional e escolar. Deste modo, ao pesquisar, podemos não só reunir conteúdos mas podemos também articular

1205
criticamente materiais sobre o tema de modo a visualizarmos melhor as possibilidades teóricas que são importantes
para problematizar as práticas e forjar novos territórios em educação.
No que diz respeito à relevância social, a pesquisa poderá contribuir para o pensamento sobre práticas edu-
cativas na escola e possíveis repercussões em práticas escolares. O pensamento da diferença possibilita dar atenção
especial ao singular, à autonomia para gerar o aprender autônomo e problematizado. Tal perspectiva filosófica da
diferença traz consigo ferramentas para pensar a escola e educação contemporânea para a construção de liberdade,
novos modos de vida e sociabilidade combatendo o pensamento uno.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Deleuze não foi um pensador da educação escolar mas oferece deslocamentos conceituais para entender a
mesma. Este filósofo desenvolve entendimento sobre o que denomina como “acontecimento” e noções sobre ensino
e aprendizagem. Levanta ideias e elaborações teóricas que se assemelham com noções específicas de autonomia, em
abrangendo processos geradores de criatividade, contrapondo-se ao modelo de pensamento mecanicista, reproduti-
vista e homogeneizador que denomina como recognição, este processo se constituiria em reafirmar um pensamento
já dado, reproduzir respostas pré-definidas como verdadeiras.
A teoria de Deleuze nos permite radicalizar a tradição de aprendizagem e de ensino construídos como verda-
deiros, as construções dogmáticas de pensamento, nos convidando a pensar no múltiplo, no instável. Para Deleuze,
em seu escrito Diferença e Repetição (2006), o aprender está relacionado com o que está fora, com os acontecimentos
possibilitados para criar, o que denominou de pensamento-problema (DELEUZE, 2006).
Mas, seria possível haver uma educação com ensino e aprendizagem pautados em criatividade e participação do
educando? Uma educação pautada na construção de processos participativos, problematizando as próprias disciplinas
e conteúdos tidos como pré-definidos, cristalizados? Ou, ainda, uma educação com viés autonomista que insira os
sujeitos em processos participativos escolares coletivos ao mesmo tempo em que dá chance para ele próprio elaborar
seu pensamento? Como essas questões seriam possíveis de serem efetivadas com modelo hegemônico que temos nas
práticas escolares (disciplinarização, dogmatismos nos conteúdos e currículos) que se afirmam dessa maneira para
que o educando não participe nem dos processos de construção de situações e organização escolares, nem do próprio
processo de aprender pautando em suas próprias conclusões.
Não defendemos aqui o fim do direcionamento no ensino ou da intervenção do professor enquanto autoridade,
com saberes, mas sim ressaltamos o olhar para os educandos como aqueles que também possuem saberes e capacidade
de elaboração de conclusões e que podem aprender qualitativamente quando participam das elaborações, das aulas,
etc. Há implicações de que essa autonomia, mesmo que direcionada, se projete para a sociedade como um todo. Todo
esse processo de “auto elaboração sobre situações ou ideias” é aqui defendido considerando que ocorra simultanea-
mente unto a processo de problematização constante por parte dos atores envolvidos na escola, ou seja, o estímulo a
pensar autonomamente acompanhado com um tipo de pensamento que Deleuze chamou de “pensamento- proble-
ma”, como veremos adiante.
Essa falta de democratização do espaço escolar não surge na escola enquanto instituição, mas sim nas próprias
formas de organização social envolvendo o Estado e suas instituições. As organizações sociais pautadas no capitalismo,
como as democracias capitalistas, dificultam processos participativos devido a sua organização e valores como competi-
ção e manutenção de desigualdades para geração de lucro, o que contraria a ideia de mobilização e organização coletiva
pautadas em solidariedade, autonomia e problematização. Deste modo, a autonomia que o capitalismo defenderá será
aquela para o consumo, individualista, meritocrata, sem nenhuma preocupação com aprendizagem pautada em pro-
blematização e participação do indivíduo nesse processo. Pelo contrário, tentará direcionar via Estado aquilo que lhe
convém, formando populações inteiras para o trabalho mecânico, da praticidade, sem grandes problematizações.
O Estado e seu poder governamental de controle, interessado em sua própria manutenção, monopolizou a edu-
cação e a institucionalizou historicamente, para isso, passou a difundir conceitos abstratos de nação e nacionalidade,
“ordem e progresso” ofertando serviços mínimos, exercendo contenção à grupos participantes de revoltas. Portanto,

1206
como aponta Gallo (2007) a educação pública não surge por simples gesto de bondade do Estado, ela se instala em
contexto conjunto das revoluções burguesas/revolução francesa, para aprimoramento das forças de trabalho e conso-
lidação de um tipo de economia e sociedade. Este tipo de educação, estatal, segundo Luzuriaga (195933 apud GALLO,
2007) teria suas raízes em outras experiências antecedentes como na educação pública religiosa. Com o desenrolar da
contemporaneidade investiu-se em educação do tipo democrática para uma “cidadania regulada, tutorada, controlada
(...)” (GALLO, 2007, p. 210), para participação via voto e, em contrapartida à suposta participação, foi exercido o con-
trole (LUZURIAGA, 1959 apud GALLO, 2007). A educação para cidadania é um dos lemas da escola contemporânea
estatal, porém, observa-se o imobilismo e produção de corpos e cidadãos úteis em torno de uma cultura burguesa,
desqualificando outras práticas educacionais, servindo para “seriar, avaliar e certificar” (idem, 2014b, p.188).
A educação de qualidade que muito se reivindica vai em sentido oposto ao propósito ideológico do Estado e de
grupos burgueses. A educação para transformação jamais seria financiada por estes, contudo, mesmo com limites,
não quer dizer que não existam brechas para tramar resistências. Neste sentido é que lancei-me a pensar a educação
por meio da perspectiva da diferença, pois ela constrói resistência a partir do modo como concebe práticas, estas que
por si próprias buscam estimular pensamento sem imagem, prática construtora de liberdades para produzir auto-
nomias (GALLO, 2010; idem, 2014b). A liberdade até agora trabalhada pela escola é do liberalismo, tratada como
natural, a “liberdade de concorrência, de luta social pelo lucro (...)” (GALLO, 2007, p.114).
Para Gallo (2007) a liberdade não é algo que já temos e que a perdemos, seria construída, um fim a ser alcan-
çado coletivamente, por diversos meios, incluindo a educação, seja escolar ou não, por meio de diretividade, sem
centralismo do professor, com ensino para a liberdade em seus conteúdos e práticas, oferecendo encontros e não
verdades (GALLO, 2007; idem, 2014b). Aprender a buscar liberdade, a não ter garantias e respostas prontas e tercei-
rizadas, se responsabilizar em meio a um coletivo é o que Gallo (2007) chamou de pedagogia do risco, baseando-se no
entendimento de “acontecimento” de Deleuze em interface com entendimento de liberdade oriundo do pensamento
ético-político anarquista. Acerca do conceito “acontecimento” e a noção de participação autônoma nos processos,
discorremos com mais especificidade a seguir.

PARTICIPAÇÃO AUTÔNOMA NOS PROCESSOS EDUCACIONAIS: O “ACONTECIMENTO”

No Brasil são vários os pesquisadores em educação que discutem a educação para autonomia. Aqui autonomia
é defendida como a necessidade de incluir o nível individual nas discussões em educação, sem por isso apagar ou dei-
xar de lado a preocupação com a coletividade. O que se pretende, pois, é problematizar práticas e ideias que tendem
a apagar o indivíduo e a deslegitimar esse nível de vivência e sua importância para processos coletivos ou para uma
verdadeira democracia participativa. Neste sentido, exploraremos a seguir o conceito “acontecimento”, levantado por
Gilles Deleuze em interface com pesquisas educacionais brasileiras. Sobre esse conceito Andrade (2018) relata que

[...] é importante falar a respeito da história do conceito de Acontecimento, conforme proposta por Deleuze
em Exasperación de la filosofia [2006]. Para este filósofo, a primeira grande filosofia do acontecimento é a dos
estóicos. Ele mostra que mesmo havendo em Aristóteles alusões ao acontecimento, o termo acontecimento em
Aristóteles não é um conceito, mas uma noção derivada dos conceitos de sua filosofia. Desse modo, para Deleuze,
a primeira grande afirmação do conceito de acontecimento se dará com os estóicos. O segundo filósofo que irá
retomar o problema e o conceito de acontecimento será Leibniz e, por fim, com Whitehead teremos um terceiro
momento em que tal conceito será apresentado (DELEUZE, 2006, p.18444 apud ANDRADE, 2018, p. 6).

Podemos apreender a concepção deleuziana de acontecimento através de diversas pesquisas brasileiras edu-
cacionais que dizem sobre variados temas, tais como cultura escolar, práticas educativas, escola e sociedade, etc. A
seguir abarcaremos esse conceito a partir de algumas pesquisas brasileiras que incluíram esse entendimento em suas
pesquisas de maneira central ou secundaria, oferecendo compreensões acerca do assunto.

3 Silvio Gallo cita Lorenzo Luzuriaga ou sua obra “História da Educação Pública de 1959.
4 Edson Peixoto Andrade cita obra do filósofo Gilles Deleuze “Exasperación de la filosofia”, de 2006.

1207
Gallo (2007), ao pensar a aprendizagem, referenciando-se em Deleuze, não considera a aprendizagem como
processo natural, acredita que deve ser estimulada, precisando ter espaço para construir problemas, para inventá-los.
Referindo-se à aprendizagem Deleuze (2006) acerca de aprendizagem este autor defende que o aprender se torna da
ordem do problema a partir de situações que nos força a pensar. A aprendizagem seria constituída por um campo de
pequenos pontos singulares chegando a denominar este tipo de aprendizagem como singularidade-acontecimento
(ibidem, 2006).
Esta aprendizagem singular se refere ao modo como cada pessoa pode se situar no acontecimento, ocorrendo
apreensão dentro de uma singularidade que não seria “nem individual nem pessoal” (DELEUZE, 2009, p. 110). Esta
perspectiva de discussões sobre acontecimento, singularidade e multiplicidade é construída em sua obra Lógica do
Sentido (2009) e também em Proust e os signos (2010). Nesta última o autor diz sobre pontos singulares e sobre o
que implicaria a defesa de supostas verdades, para ele “a verdade nunca é o produto de uma boa vontade prévia, mas
o resultado de uma violência sobre o pensamento” (DELEUZE, 2010, p. 16).
Em obra de Deleuze juntamente com Parnet (2004) é colocado a ideia de pensamento para além do pensamento
dogmático. Seria importante pensar sem imagens, sem ideais e respostas, percorrendo o devir, encontros e aconte-
cimentos. Defendem que os encontros permitiriam a construção de criatividade, este processo se daria a partir da
imagem, passando pelo pensamento como interpretação, gerando movimentos sem representações, prevalecendo o
singular, o múltiplo e o diferente (DELEUZE, PARNET, 2004). Investe-se em micro relações pois entende-se como
parte fundamental do funcionamento e de produção de sociabilidade e subjetividades. Deste modo, a aprendizagem-
-acontecimento mobilizaria a participação das pessoas nos processos, apontando a necessidade de autonomia no pro-
cesso de aprendizagem e de descentralização da figura de mestre ou professor como único detentor de conhecimento
e de conhecimentos verdadeiros, podendo gerar, deste modo, repercussões em níveis sociais macros.
“Acontecimento” relaciona-se com o singular que propiciaria a aprendizagem. Ramos e Brito (2014a) traba-
lham o conceito alinhado à noção de paradoxo, de desafio às crenças e práticas compartilhadas por uma maioria, o
que significaria criar uma estranheza com o que não percebido e pensado cotidianamente. O acontecimento seria
constituído de problematização que seria incentivada aos estudantes a partir de um estado de coisas, conceitos, sig-
nos, temas, pelos quais o sujeito então seria empurrado para produção de “algum tipo de sentido pela contraefetuação,
na busca de novos significados para dar conta do que aconteceu com ele” (ibidem, 2014ª, p.35), relacionando concei-
tos com o fora, possibilitando o aprender, gerando o “acontecimento”.
Não se estimula a busca por respostas para “sanar problemas”, como se estes desaparecessem e gerassem esta-
bilidade, mas ocorre o estímulo à criação de problemas, tidos como passíveis de serem construídos. Estimula-se, se-
gundo Brito e Ramos (2014a, 2014b) e Kastrup (2001), o questionamento acerca dos acontecimentos humanos. Deste
modo, acredita-se no estímulo à criatividade e imaginação adicionalmente ao estímulo à participação nos processos
pois o pensamento de cada um é valorizado. Por meio da noção de “acontecimento” desenha-se a noção de “aprendi-
zagem-problema” (BRITO; RAMOS, 2014b).
Nestas pesquisas relacionais entre educação e concepção de “acontecimento” é compreendido que o professor
também se encontra em processo de aprendizagem, o professor estaria em constante processo de aprendizagem a
partir do tempo e de práticas. Observa-se nestas pesquisas o combate a processos de dogmatismos que “se instalam
(...) nos compõem e produzem (..) homogeneizações, identidades” (DELEUZE; GUATTARRI, 1996, apud ibidem,
2014a, p. 34), sendo objeto para discutir o pensamento que vem sendo desenhado nesta perspectiva sobre as relações
nos processos educacionais, a instituição escolar e a própria construção do pensamento dogmático.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gilles Deleuze, a partir da elaboração teórica sobre acontecimento, contrapõe-se ao modelo de pensamento
mecanicista, reprodutivista e homogeneizador que denominou como recognição. Problematizou reproduções, res-
postas pré-definidas como verdadeiras, compondo o pensamento intitulado como “da diferença”, indicando os peri-
gos do apoio ao pensamento universal e dogmático.

1208
O campo educacional não está à margem desse modo de funcionamento a partir de “verdades”, sendo assim
pesquisadores em educação começam a deslocar o pensamento desse autor para tentar compreender os impactos
desse pensamento dogmático, buscando tramar outros modos de enfrentar as problemáticas da escola enquanto ins-
tituição estatal.
Forjar novos caminhos requer que haja debruçamentos intensos em compreensões sobre novos entendimen-
tos, nesse caso, do fenômeno educativo, das relações na escola, da relação escola e sociedade e da relação ensino e
aprendizagem, que é uma das questões mais levantadas por educadores e que aqui também trazemos para o debate.
Quando falamos em forjar novos caminhos queremos dizer em outras práticas e com isso pensamos que o entendi-
mento de “acontecimento” possa contribuir, pois, pensar nele é pensar que há possibilidade de mudar e transformar
as relações escolares e a sociedade, é pensar que aqui e agora, nesta instância presente é que se descontrói paradigmas
dominantes, pode ser por meio dessa prática de desconstrução e problematização, com participação de cada um com
suas elaborações que talvez possamos tramar no contratempo.
A autonomia neste texto é defendida como a necessidade de incluir o nível individual nas discussões em edu-
cação, sem por isso apagar ou deixar de lado a preocupação com a coletividade. Pretendeu-se problematizar práticas
e ideias que tendem a apagar o indivíduo e a deslegitimar esse nível de vivência e sua importância para a construção
de si, processos coletivos ou para uma verdadeira democracia participativa. Portanto, nessa perspectiva, as pesquisas
brasileiras aqui apresentadas contribuíram para a compreensão de acontecimento na educação, chamando a atenção
para as singularidades e possibilidades de transformação individual e coletiva

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1210
PROFESSORES, MESTRES E EDUCADORES:
A DOCÊNCIA AOS OLHOS DO JORNAL O REPÓRTER
(UBERLÂNDIA: 1950-1970)

Sauloéber Tarsio de Souza - UFU


José Lito Salustriano da Silva- UFU

INTRODUÇÃO

O texto resulta das atividades do projeto “Representações de Imprensa: O Universo Escolar nas Páginas de Jor-
nais do Triângulo Mineiro (1950-1970)”. Os dados apresentados decorrem da catalogação e digitalização das notícias
sobre a educação coletadas no Jornal O Repórter que circulava no município de Uberlândia - MG. Desde os anos de
1980, os jornais têm sido amplamente utilizados na pesquisa histórica e também histórico-educativa, mesmo que te-
nham sido considerados até então, como fontes suspeitas para esse tipo de pesquisa, pois se entendia que tais veículos
de comunicação portavam carga excessiva de interesses subjetivos (LUCA, 2006). Nessa comunicação em específico,
abordamos a ideia de docência veiculada no Jornal O Repórter, tentando identificar o estereótipo de professor (a) que
era apresentado aos leitores do jornal, observando-se também suas variações semânticas como mestre e educador.
Esse veículo de impressa escrita surgiu sob a responsabilidade de Artur Barros e J. Faria em 1925, no início da
década de 1950, circulava duas vezes por semana (aos sábados e as quartas-feiras) em 04 páginas (02 folhas), quando
de seu encerramento, no ano de 1963, era veiculado de 3 a 4 vezes por semana e seu presidente diretor era João Deher.
Não se sabe ao certo os motivos que levaram o jornal a encerrar suas atividades, porém, o Brasil vivia uma crise
econômica no ano de 1963, com inflação crescente (93% em um ano) colocando em dificuldades o mercado de papel
(BUGELLI, 2008).
Ao finalizar a primeira etapa do projeto, levantamos um número de 846 matérias relativas à educação na cole-
ção desse jornal constante do acervo do Arquivo Público Municipal de Uberlândia, no período entre 1950 e 1963 com
exceção de alguns anos já que os livros de tombo estavam no setor de restauração (1951/52/57/58). Mesmo assim, a
temática debatida em torno da profissão docente foi bastante expressiva cerca de 8% do total, chegando a sete dezenas
de notícias. Destacamos que nesse período, ocorreu acelerado crescimento da rede pública escolar urbana em todo
o país e também em Uberlândia, fenômeno atrelado a urbanização e que pode ser percebido pelos debates presentes
nos jornais.
Aqui em específico, recortamos as notícias que abordavam os termos professor (a), mestres e educadores, de
maneira que o conjunto analisado tratava de homenagens aos docentes (póstumas ou não), formação de professores
(cursos de férias, palestras e visitas de personalidades nacionais e internacionais do campo da educação), a profissio-
nalização da categoria (criação de associações, greves, aumento ou atraso nos salários), e aqueles que debatiam com
algum esforço teórico o papel do professor na sociedade, como o publicado com o título “Urge elevar e dignificar o
professor” (JOR, 06/abril/1956). As reflexões alcançadas indicam que no processo de acelerado crescimento da rede
escolar urbana do município mineiro, as representações dos professores eram apresentadas entre dois polos distintos
muitas vezes como figuras de prestígio dignas de exaltação, mas também em alguns momentos acusados pela preca-
riedade da educação em função da má formação.
Quanto a utilização do referencial das representações, consideramos adequado recorrer a Chartier (1990), o
qual as considera como as formas pelas quais determinadas comunidades buscam interpretar suas realidades, de
acordo com seus próprios interesses. Logo essas representações são construídas na relação entre o ser e o parecer, de
forma que:

1211
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fun-
dado na razão, são sempre determinados pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de
forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor
uma autoridade à custa de outros, por ela menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para
os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 1990, p.17).

Desse modo, entendemos que as representações de imprensa, assim como qualquer outra fonte de pesquisa his-
tórica, não são nunca discursos neutros, pois apresentam linguagens que aspiram aos interesses e visões de mundo de
certos grupos ligados a esses veículos de comunicação. Assim a análise das representações veiculadas por esse jornal
local desvela o imaginário social e aspectos culturais que circulavam em determinados grupos presentes na sociedade
uberlandense do período em questão.
A pesquisa na área de história da educação depara-se com dificuldades diversas, mas nenhuma é tão relevante
quanto a que diz respeito ao acesso à documentação nas repartições públicas e unidades escolares. Uma das formas
de superação deste obstáculo, é a utilização de fontes como os jornais referentes à educação escolar, que podem
colaborar para “identificar o modo como (...) uma determinada ‘realidade’ social é construída, pensada, dada a ler.”
(CHARTIER, 1990, p.15)

REPRESENTAÇÕES DA PROFISSÃO DOCENTE

Antes de observarmos as imagens produzidas pelo Jornal O Repórter sobre a ideia da docência é preciso ressaltar
que ao longo da história, a profissão docente foi objeto de disputas em diferentes esferas que tradicionalmente tem
debatido o seu papel junto a sociedade, de forma que tais definições e redefinições conceituais sempre estiveram atre-
ladas as mudanças ocorridas no campo de atuação profissional dos professores, envolvendo as diferentes dimensões
da docência e a articulação da categoria dos docentes com as políticas de estado (NÓVOA, 1992).
Na trajetória da profissão muitos modelos de formação foram adotados no Brasil, em princípio, havia o predo-
mínio das ordens religiosas católicas na formação de sacerdotes que assumiriam a educação mais ampla, deixando sua
marca indelével nos processos constituintes da docência por séculos. Algumas mudanças surgiriam após as Reformas
Pombalinas e a adoção das aulas régias, no entanto, a educação tradicional baseada na pedagogia mais expressiva da
Ratio Studiorum (baseada na didática mnemônica) prevaleceria ainda por décadas, atravessando quase todo o século
XIX quando as primeiras iniciativas no sentido de renovação da formação docente foram tomadas com a emergência
das Escolas Normais (após a promulgação do Ato Institucional de 1834) mas que se consolidariam apenas décadas
mais tarde, em decorrência das alterações do cenário político-administrativo do país que deixara a condição de colô-
nia e passara a existir enquanto império.
Dessa maneira, além das mudanças na formação do professor, a forma de recrutamento deles passou também
por transformações significativas, deixando-se os concursos de nomeação que levavam em conta apenas o atestado
de moralidade e conhecimentos do início do século XIX até chegar ao contexto de construção democrática que viabi-
lizou as primeiras manifestações em favor de melhorias salariais e o associativismo docente a partir de fins do século
XX.
Destacamos ainda, que os anos de 1930 foram bastante importantes para a formação de professores em função
da criação dos cursos de pedagogia nos Institutos de Educação que passaram a substituir pouco a pouco as Escolas
Normais. Segundo Tanuri (2000), a formação do docente de nível primário acontecia ao longo de dois anos contendo
as disciplinas de fundamentos e das metodologias de ensino. Assim, o curso de Pedagogia tem entre seus objetivos
iniciais a formação de professores para a Escola Normal e para os Institutos de Educação. O primeiro curso superior
de formação de professores foi criado apenas em 1935, quando a Escola de Professores foi incorporada à Universi-
dade do Distrito Federal. Esses institutos também ofertavam cursos de especialização, aperfeiçoamento, extensão e
outros (TANURI, 2000). E ainda nos anos de 1940, as leis orgânicas buscaram dar organicidade a educação em nível
nacional, vejamos:

1212
A Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) reforça a existência das escolas normais, diversifica-as com cursos es-
pecíficos para a zona rural (escolas normais rurais) e cria os Institutos de Educação, que, além do curso normal,
deveriam também oferecer formação superior e continuada aos professores primários (FREITAS, 2015, p. 08-09)

Ainda é necessário destacar que foi durante a ditadura militar que os docentes se apresentariam no cenário
social enquanto trabalhadores da educação, promovendo uma nova ideia da profissão, que ganhava em profissiona-
lismo e politização atuando na esfera pública em defesa de seus interesses de categoria profissional. É nesse momento
que se multiplicam os sindicatos, já que urgia enfrentar as arbitrariedades e desmandos das diferentes esferas de go-
verno em busca de sua valorização (VICENTINI, LUGLI, 2009).
É possível observar pelas reportagens que essa imagem foi construída apoiada em algumas variáveis debatidas
nas matérias jornalísticas ao longo de todo o período analisado, em especial destacamos o processo de formação dos
professores, as instituições onde atuam, o seu nível de conhecimento, as condições de exercício da docência e a orga-
nização em entidades profissionais, entre outras questões observadas no processo de profissionalização da profissão
professor. É claro que toda generalização nesse caso, torna-se arbitrária em função da diversidade de fatos vividos
em cada época e das características de cada grupo social em seus contextos específicos que moldaram as diferentes
experiências educativas nesse país.
Feitas as observações sobre alguns dos marcos da profissão docente no Brasil, podemos passar a análise das
representações de professor, mestre e educador presentes no Jornal O Repórter. Assim, identificamos no olhar desse
jornal alguns dos sentidos construídos sobre a profissão docente por meio das notícias, destacamos alguns temas
principais: homenagens a professores (póstumas ou não), formação docente (cursos de férias, congressos, seminários,
treinamentos, palestras e visitas de personalidades da área da educação), reivindicações (criação de associações, gre-
ves, aumento ou atraso nos salários), internacionalização do professorado brasileiro, alfabetização de adultos, ensino
primário e secundário, bem como discursos que procuravam teorizar o papel da educação o do professor.

Relação de Notícias sobre “profissão docente” – Jornal O Repórter (1950 - 1963)

Ano/Nível 1950 1953 1954 1955 1956 1959 1960 1961 1962 1963 Total
EJA 1 1 1 3
Primário 5 2 1 3 1 12
Secundário 5 2 2 2 11
Técnico 1 1
Superior 1 3 1 6 5 4 1 21
Diversos 1 3 1 1 1 7
Outros 6 4 6 6 6 1 1 2 32
Total 1 18 6 9 12 7 14 6 12 2 87

Das notícias referentes à profissão docente, 32 (37% do total) estão relacionadas aos ensinos médio e superior,
revelando certo caráter elitista do jornal já que estes níveis educacionais atendiam a pequena parcela da população
naquele período.
É possível observar pelo conjunto das reportagens que predominava entre elas a valorização da figura do pro-
fessor, como podemos destacar em algumas delas, que veiculavam o ato de gratidão aos mestres por parte dos alunos,
tal como: “Carta de um aluno a um de seus mestres”;

É para mim grande prazer falar-lhe esse tema, que muito me agrada. Sendo o Português uma das matérias que
mais aprecio, as aulas que a Sra. tão bondosamente, nos dá são recebidas com maior boa vontade possível. Apesar
do pouco que sei, admiro suas aulas, assim como a tática que a Sra. emprega para aumentar nossos conhecimentos
(O REPÓRTER, 25/08/1956).

1213
Assim vemos que, a representação de admiração ao trabalho docente era comum e valorizado nos espaços escola-
res, bem como, quando informavam que entidades internacionais iriam complementar os salários de professores como
o ato da Fundação Ford que doaria “50 milhões de dólares para professores universitários” (21/03/1955)1.
A ideia de mestre vinculada à docência também surge quando se trata da Educação de Jovens e Adultos, mes-
mo que em todo período encontramos apenas 3 notícias que abordaram tal nível educativo. Uma delas é “Mestres
para alfabetizar adultos” (07/02/1962) da qual fala da necessidade de formação de professores para alfabetização de
adultos. O jornal lançava sobre o professor a enorme responsabilidade pela alfabetização de adultos naquele período,
isentando até mesmo o Estado. Os professores eram vistos como missionários a cumprir a difícil missão de alfabetizar
aqueles que mal sabiam ler e/ou escrever seu próprio nome
Também podemos ver tal imagem da docência quando associada aos demais níveis de ensino como o primário.
Pela noticia que segue para reflexão percebemos o incentivo à interiorização do ensino público e a discussão a respei-
to do papel da professora primária, que por diversas dimensões era elogiada, aplaudida, criticada e desvalorizada na
sua função de construção de saberes para e com as crianças, como se lê:

As professoras que exercem atividades nas Escolas Rurais do Estado da Guanabara vem desempenhando relevante
papel na educação das crianças do chamado “cinturião verde” da nova unidade da Federação. Obrigadas ao estágio
de um ano naquela área, identificam-se de tal modo, como o meio que, na maioria, não pretendem transferir-se
para os estabelecimentos da zona urbana (O REPÓRTER, 09/jul/1960).

Quanto à representação do professor que atuava no Ensino Secundário, apesar de vislumbrarmos em algumas
páginas do jornal o reconhecimento pelo seu importante trabalho, muitos eram os casos do descompromisso de
estado mineiro quanto à valorização deste profissional, como está descrito na notícia de 13/10/1956, intitulada “Os
professores do Colégio Estadual não recebem desde março”. Vejamos:

Desde o início do período escolar, isto é, 1º de março, não recebem os professores do Colégio Estadual, um cen-
tavo sequer. Como se vê, o governo estadual relegou a plano secundaríssimo, a missão dos homens que tem sobre
os ombros o encargo de educar essa juventude. A situação é por demais inconcebível, pois os professores daquele
estabelecimento já se veem frente a problemas de ordem financeira agravados que o próprio crédito vai desapare-
cendo (O REPÓRTER, 13/out/1956).

Tal relato revela, portanto, as dificuldades deste profissional quanto ao exercício da docência, a saber, em
Uberlândia. Assim, os jornais, apesar de valorizarem a figura do professor secundarista, também denunciava sua des-
valorização, apontando a extrema precariedade tanto de material quanto de formação e salário desses profissionais.
Apesar de prevalecer a representação da figura do mestre condutor da juventude e exemplo para as futuras
gerações, especialmente ao longo dos anos de 1950, essa imagem começa a ser alterada quando vista nas páginas do
Jornal O Repórter no início da década seguinte, assim, destacamos algumas delas como o relato das primeiras greves
da categoria “Professores paulistas declaram greve” (17/10/1963)2, atraso de pagamentos “Professores de Uberlândia
não recebem os vencimentos” (09/11/1954)3, condições de trabalho “Professora espancada em pleno exercício do po-
der” (30/04/1962). Essa última notícia revela que a profissão professor começava a perder seu status junto a sociedade
a medida que a categoria era massificada e seu trabalho precarizado. Vejamos:

A professora municipal Eleusa Lozzi de Oliveira da Escola Fé e Amor, foi agredida brutalmente pela mãe de um
dos seus alunos, pelo simples fato de manter ordem no educandário, não permitindo entrar fora do horário regu-
lamentar (O REPÓRTER, 30/jul/1962)

1 “50 milhões de dólares para professores universitários” (21/03/1955) – Fundação Ford estabeleceu um fundo de 50 milhões de dólares para
recompensar os professores universitários que não recebem ordenados suficientes
2 O magistério primário e secundário oficial do Estado de São Paulo entrou em greve ao primeiro minuto de hoje por tempo indeterminado,
reivindicando melhores níveis de vencimento (O REPÓRTER, 17/out/1963).
3 Desde fevereiro deste ano as professoras primárias municipais não recebem seus vencimentos – embora protestem com veemência
ninguém toma conhecimento da angustiante situação das professoras (O REPÓRTER, 09/nov/1954).

1214
O fato narrado evidencia que, muito embora, a veiculação predominante de uma imagem positiva em torno
da representação do professor por parte do Jornal O Repórter, observamos que já nos anos 1960 as vicissitudes da
profissão professor dividiam o espaço de prestigiado da docência nesse jornal. Assim, o glamour em torno dos mestres
começava a perder espaço a medida que a profissão docente se massificava no Brasil.
Outra reportagem que pode demonstrar a dificuldades da profissão é a matéria que trata da reprovação de pro-
fessores em processo seletivo para o exercício do magistério realizado em Uberaba. Vejamos:

Dos 300 candidatos, apenas 75 foram aprovados nos exames: os demais, por um ou outro motivo, formam desa-
conselhados de se submeterem às provas finais, devendo esperar melhor oportunidade para obtenção do certifica-
do de professores secundaristas (O REPÓRTER, 18/fev/1959).

A notícia trata-se de um processo seletivo, do qual a maioria dos professores, foram reprovados. Nota-se que na
representação da docência quanto a algum tipo de “fracasso”, vinculação a movimentos sociais, etc. a nomeação que
se dá aos profissionais é “professor”, e quando o caráter da noticia são homenagens, ou grandes feitos, a nomenclatura
posta é “educador/a” (Homenageada pelos alunos do Liceu ilustre educadora uberlandense - 19/05/1953) ou “mestre”
(Carta de um aluno a um de seus mestres – 25/008/1956), indicando algum tipo de hierarquização quanto ao nível
de ensino ministrado, mesmo que a função (epistemológica) seja a mesma. Outro detalhe é que, mesmo que houvesse
algo negativo associado à profissão, era exposta de forma sutil, de modo a não subtrair o valor social que tinham os
professores, mestres e educadores no período, mesmo por que, um dos editores (Eurico Silva) do periódico exercia essa
função – professor -, o que contribuía para a exaltação da mesma.
Outro tema importante de abordar no conjunto de notícias selecionadas é a internacionalização dos profes-
sores brasileiros que também é abordada no “O Repórter”, seja a partir de treinamentos, como a notícia intitulada:
“Estudantes libero-americano, Treinamento de professores de todo o mundo no México”; por meio de seminários:
(22/11/1962 – “UCBEU promoverá seminário de um dia para professores de inglês”4; intercâmbios (26/01/1961 –
“Intercâmbios de estágios entre mestres lusos e brasileiros” - Iniciativas dos governos brasileiro e português para
promover troca de experiências aprofundamento teórico/prático aos professores de Educação Física, Superior). De
diversas formas, o jornal procurou mostrar a “preocupação” do Estado em proporcionar uma formação diferenciada
aos professores, a saber, adquirindo conhecimentos e práticas em lugares como Estados Unidos e Europa, buscando
tornar atraente a profissão professor carente de profissionais O que reforça a ideia de o Brasil constituir tradição em
importar ideias e propostas pedagógicas de países desenvolvidos (EUA e Europa) para a educação nacional,
O maior número de notícias sobre a profissão docente está na categoria “Outros” (ver tabela), um total de 32.
Este dado nos mostra que as notícias sobre a docência no jornal O Repórter nem sempre estava vinculada a um nível
ensino específico, mas sobre os grandes feitos da profissão, discursos, notas de falecimento: “Prof. Roquete Pinto -
Falecimento do professor” (19/10)5, informativos, como a chegada de um professor da Universidade do Brasil à Uber-
lândia, intitulada: “Professor Eduardo Lopes Rodrigues” (22/10/1960)6; homenagens, como: “Homenagem póstuma
ao professor Henckmar Borges”

A Câmara Municipal de Uberlândia aprovou projeto para colocação de uma fotografia do saudoso professor e
ex-vereador Henckmar Borges no recinto de sua sala de sessões. A cerimônia de exposição da fotografia terá lugar
na noite de amanhã. (O REPÓRTER, 05/jan/1955)

4 A União Cultural Brasil-Estados Unidos de São Paulo vai realizar sábado próximo dia 24, um seminário para professores de inglês – mas
que poderá ser assistido também por demais pessoas interessadas – que versará sobre o elemento ”far West” na cultura norte-americana (O
REPÓRTER, 22/nov/1962).
5 Faleceu na tarde do dia 18 em Petrópolis o prof. Edgard Roquete Pinto, um dos pioneiros do rádio brasileiro, grande mestre e educador
patrício, escritor de renome, membro da Academia Brasileira de Letras (19/10/1954).
6 A cidade hospeda desde ontem o ilustre professor Eduardo Lopes Rodrigues da Universidade do Brasil, que aqui se encontra a convite da
Faculdade de Direito de Uberlândia, para conferir nas noites de 24 a 27 de outubro corrente, conferências no curso de Extensão Tributária, e
designado pelo ilustre o Diretor do Imposto de Renda, Dr. Jorge Veloso Padilha que assim empresta valiosa cooperação ao nosso movimento
cultural (O REPÓRTER, 22/out/1960).

1215
Ou seja, o que poderia, em tempos atuais ser banal ou desconsiderável, naquele período, segundo o Jornal o
Repórter, era motivo de homenagens com luxuosas celebrações, envolvendo autoridades locais e até regionais. E algo
a mais que pode ser percebido é o quanto muitos se lançavam à política a partir da popularidade adquirida nas funções
de professor. Pois, seria algo que os lançava ao gosto do público (alunos, pais de alunos e colegas de trabalho, etc.),
assim, conquistando espaço vida pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, o objetivo geral da pesquisa foi discutir a educação a partir das representações de imprensa sobre a
ideia de professor, mestre e educador pelos jornais locais, aqui em específico o Jornal O Repórter revelando as concepções
difundidas nesses veículos de comunicação em torno da ideia de educação, aluno, professor e analfabetismo, mos-
trando parte do pensamento da elite da região do pontal de Minas Gerais, especificamente da cidade de Uberlândia.
Assim, as análises e reflexões feitas aqui mostram que no processo decrescimento da rede escolar urbana de
Uberlândia, as representações sobre ideia e ideal de professor/a eram apresentadas entre dois polos distintos: muitas
vezes como figuras de prestígio dignas de exaltação, mas também, de forma sutil, eram apresentadas as dificuldades
e fragilidades do trabalho em função da má formação e condições de trabalho. A variedade de temas envolvendo o
professorado é grande e suficiente para identificarmos o olhar do periódico sobre diferentes perspectivas a respeito
da profissão docente. O professor é visto de muitas formas, mas em síntese, percebemos que sua representação, ape-
sar de suas várias facetas, como o herói, missionário que faz tudo para o bem maior de seus alunos, mesmo com toda
dificuldade apresentada em boa parte das notícias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUGELLI, Alexandre Hamilton. A crise econômica brasileira dos anos 1960: uma reconstrução do debate. 2008. 178 f.
Dissertação (Mestrado em Economia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Formação de professores: demandas do passado e desafios do presente. Pensar
a Educação em Revista, Curitiba/Belo Horizonte, v. 1, n. 3, p. 5-19, out-dez/2015.
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos: trajetórias e perspectivas analíticas. In: PINSKY, Carla.
(Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006.
NÓVOA, A. Notas sobre formação (contínua) de professores. [S.l: s.ed.], 1992. (Mimeografado).
VICENTINI, Paula Perin; LUGLI, Rosário Genta. História da Profissão Docente no Brasil: representações em disputa. São
Paulo: Cortez Editora, 2009, 234p.
TANURI, Leonor. História da formação de professores. In: SAVIANI, Dermeval; CUNHA, Luiz Antonio; CARVALHO, Marta
Maria Chagas de. 500 anos de educação escolar. São Paulo: ANPED/Autores Associados, 2000.
XAVIER, Libânia Nacif. A construção social e histórica da profissão docente: uma síntese necessária. Revista Brasileira
de Educação. Sociedade Brasileira de História da Educação. Maringá-PR, v. 19 n. 59 out./dez. 2014, p. 828-849.

1216
PROFISSÃO DOCENTE NO INTERIOR DE MATO GROSSO DO SUL: A
TRAJETÓRIA DE UMA PROFESSORA DA INFÂNCIA

Giseli Tavares de Souza Rodrigues - PPGEDU/UFGD1


Luciene Cléa da Silva - PPGEDU/UFGD2

RESUMO: Este artigo surgiu a partir da elaboração de uma atividade proposta na disciplina de História Oral,
no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados - PPGE-
DU/UFGD, em nível de Mestrado e Doutorado e apresenta a trajetória docente de uma professora que atua com a in-
fância no município de Itaquiraí/MS há mais de 20 anos, moradora de um assentamento rural. Começou na carreira
docente em 1997, aos 28 anos de idade, quando se mudou de Dourados/MS para Itaquiraí/MS e ao se deparar com a
falta de professores em tal região, visto que se encontrava em um acampamento ‘sem terra’ que pertencia ao Movi-
mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Deste modo, o trabalho teve o objetivo de identificar e analisar
a carreira docente no interior de Mato Grosso do Sul por meio da história de uma professora que iniciou e exerceu a
profissão docente com a infância no meio rural. A professora participante do estudo narrou acerca da escolha da pro-
fissão e dos percalços vivenciados durante sua trajetória. Destacou lembranças e experiências construídas no decorrer
do percurso profissional mencionando acontecimentos que marcaram sua carreira docente que foi construída junto
com a trajetória de seu esposo que também é professor. Como metodologia de trabalho foi utilizada a História Oral
Temática, com apoio do método chamado de entrevista. A fonte oral permite o contato direto do pesquisador com
o pesquisado e tem a capacidade de se transformar em registro documental, contribuindo com a escrita da história e
memória de um tempo, de um povo e de um lugar especifico. Os dados discutidos foram analisados à luz do referen-
cial teórico de Norbert Elias, a partir dos conceitos de figuração e interdependência, contando também com autores
que tratam sobre a profissão docente e a Educação Infantil. A trajetória profissional da docente, rememorada durante
a ação investigativa, permitiu compreender o processo de constituição da profissão docente, do ser professora, da
prática com crianças e do papel relevante que ela teve na educação da infância na parte sul de Mato Grosso do Sul,
local onde iniciou a carreira, que ainda mora e continua desenvolvendo seu trabalho, destacando que na busca por
se estabelecer enquanto professora, tem contribuído significativamente com a história da educação da infância desta
região. É imprescindível destacar que sua história colabora também com a reflexão e a escrita da história da Educação
Infantil e profissão docente em Mato Grosso do Sul.
Palavras-chave: Trajetória docente. Infância. História Oral.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve origem por meio de dados levantados em uma atividade final proposta na disciplina
de História Oral no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dou-
rados - PPGEDU/UFGD em nível de Mestrado e Doutorado e apresenta a trajetória docente de uma professora que
atua com a infância no município de Itaquiraí/MS há mais de 20 anos, moradora de um assentamento rural.
A professora Vera Antônio Monteiro Pinto Cardoso3 começou na carreira docente em 1997, aos 28 anos,
quando se mudou de Dourados/MS para Itaquiraí/MS ao se deparar com a falta de professores em tal região, visto

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados – PPGEDU/UFGD.
Integrante do Grupo de Pesquisa Educação e Processo Civilizador – GPEPC. Professora na Gerencia da rede municipal de educação de
Naviraí/MS.
2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados - PPGEDU/UFGD.
Integrante do Grupo de Pesquisa Educação e Processo Civilizador – GPEPC. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
UFMS/CPPP.
3 Nome real da professora.

1217
que se encontrava em um acampamento ‘sem terra’ pertencente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
- MST4 e não existia escola. Assim, ela e seu esposo Lorival Monteiro Cardoso que tinham formação em Magistério
resolveram organizar um espaço juntamente com a liderança desse acampamento para atender e alfabetizar as crianças.
Como o grupo de acampados era nômade, ou seja, mudava frequentemente de um lugar para o outro, a cada
mudança Vera e seu marido levava seus materiais para instalação da escola onde fossem acampar. Geralmente se
instalavam em regiões próximas sendo todas ligadas ao município de Itaquiraí/MS. Viveram como nômades durante
três anos, e atuavam com as crianças voluntariamente e somente no ano de 2000, com o surgimento do assentamen-
to5 chamado de Tamakavi o grupo de pessoas se estruturou em seus lotes e na sede do vilarejo rural foi organizada
uma escola definitiva e Vera foi contratada para atuar com as crianças juntamente com o seu esposo.
Embora a trajetória de Vera tenha sido construída atrelada a de seu esposo, a finalidade deste artigo foi identi-
ficar e analisar a trajetória docente no interior de Mato Grosso do Sul, por meio da história especificamente da pro-
fessora Vera que iniciou e exerceu a profissão com a infância no meio rural. O recorte temporal escolhido foi de 1997
a 2019 que contempla toda a carreira da professora. Falar de trajetória docente implica em pensar e analisar acerca
da formação e profissão docente, de experiências individuais, plurais e práticas profissionais, entre outras questões.
Assim, “é impossível separar o eu profissional do eu pessoal”, Nóvoa (2000, p. 17), isso leva a pensar que além do
indivíduo ser profissional, também é sujeito pessoal e social, produtor de sua história. “Os “casos” reais do ensino e da
aprendizagem são segmentos das “vidas feitas histórias” que vivemos como professores, e fazem parte da história do
exercício da profissão” (BEN-PERETZ, 2000, p. 201).
O diálogo deste trabalho seguiu pautado em Norbert Elias (2006) a partir dos conceitos de figuração e interde-
pendência. Compreendendo que existem as figurações que são os grupos humanos nos espaços sociais como, escola,
academia, igreja, família e entre outros que são resultantes da relação do ser humano com a sociedade, ou seja, da
interação de indivíduo entre indivíduo, pois somente “[...] os seres humanos formam figurações uns com os outros”
(ELIAS, 2006, p. 25). Com base em Elias (1993), foi possível refletir que por meio das relações plurais, nas figurações
que cada indivíduo se encontra, há um elo que os tornam ligados, e nesse bojo, aparece a interdependência que con-
forme expressa Elias (1993, p. 194), entende-se que esse conceito está ligado a:

[...] planos e ações, impulsos emocionais e racionais de pessoas isoladas constantemente se entrelaçam de modo
amistoso ou hostil. Esse tecido básico, resultante de muitos planos e ações isolados, podem dar origem a mudanças
e modelos que nenhuma pessoa isolada planejou ou criou.

No pensamento elisiano, o indivíduo está envolto em uma rede de ações que ligam um ser ao outro, pelas pró-
prias relações de dependência entre eles, em uma complexa trama de interações que se configura num processo de
interdependência entre os humanos. As relações de interdependências criam as figurações, que são grupos de pessoas
com vínculos específicos e móveis podendo ser aplicados a pequenos ou grandes grupos como os professores de uma
escola ou os indivíduos que compõem uma região, dentre outros (ELIAS, 2005). E para compreender a história da
profissão docente é imprescindível ouvir os principais atores desse processo ‘os professores’, suas trajetórias e vi-
vências. Quando um professor fala sobre si e seu trabalho, ele pode verificar que suas experiências de vida pessoal e
profissional têm um papel significativo para o entendimento do próprio ‘eu’ como um sujeito social que faz história.
Além de analisar a sua prática pedagógica e refletir sobre o que fez e o que ainda pode ser feito.
Para tanto, como metodologia foi utilizada a História Oral Temática, com apoio do método chamado de entre-
vista. Meihy (1994, p. 57, sic.) destaca que a “[...] história Oral Temática aborda questões externas, objetivas, factuais,
temáticas [...]”, objetiva ouvir fatos ocultos e dá oportunidade para o indivíduo falar sobre sua história, permitindo
o contato direto do pesquisador com sua fonte de estudo. Tal abordagem metodológica permite conhecer histórias

4 O Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST surgiu em 1984 tendo como finalidade principal lutar pela terra, lutar pela
reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país. Disponível em: <http://www.mst.org.br/nossa-historia/84-86/>.
5 Assentamento formado por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. O INCRA é uma autarquia federal,
que visa executar a reforma agrária e fazer o ordenamento fundiário nacional. Surgiu em 9 de julho de 1970 pelo Decreto nº 1.110. Hoje o
INCRA está implantado em todo o território nacional por meio de 30 superintendências regionais. Disponível em: <http://www.incra.gov.
br/institucional_abertura/>.

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e memórias de indivíduos que narram suas experiências de vida e profissional, proporcionando a propagação de
conhecimento científico, o qual muitas vezes não pode ser encontrado em fontes documentais como impressos e
outros. A fonte oral tem a capacidade ainda de se transformar em registro documental, contribuindo com a escrita da
história e memória de um tempo, de um povo e de um lugar específico valorizando o sujeito e sua história.

HISTÓRIA ORAL E OS CAMINHOS DO ESTUDO

A trajetória docente de professores da infância, assim como a trajetória de vida de todo indivíduo permite iden-
tificar como as pessoas fazem parte de uma rede de acontecimentos individuais e sociais, permeados por interesses e
necessidades de cada um, mas que precisam constantemente do outro para a realização dos mesmos (ELIAS, 2006).
Considerando que a partir dessa rede de relações cada indivíduo vai construir a sua história, a utilização da metodo-
logia da História Oral pode ajudar nos registros e compreensão de experiências tanto individuais como sociais.
A História Oral vem se mostrando cada vez mais frequente em pesquisas na história da educação como em
estudos na educação em geral, isso se deve ao fato, de ela enaltecer a vida e as obras de indivíduos, ocultos ou não e
a localização de informações inéditas e restritas dentre as muitas fontes existentes. Ela é entendida segundo Alberti
(2013, p. 24) como um:

[...] método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que privilegia a realização de entrevista com
pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, [...]. [...] Trata-
-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, con-
junturas etc.

Esta abordagem pode ser entendida como uma metodologia que usa entrevista como método para ouvir e
posteriormente gerar registros de narrativas de experiências de indivíduos. Apresenta-se como uma ferramenta ri-
quíssima que pode auxiliar no entendimento de memórias e histórias de profissionais e “essa riqueza da História oral
está evidentemente relacionada ao fato de ela permitir o conhecimento de experiências e modos de vida de diferentes
grupos sociais” (ALBERTI, 2008, p. 166).
Com isso, o pesquisador pode buscar nas lembranças do entrevistado acontecimentos importantes que acorre-
ram durante a sua vida e dessa maneira, chegar ou aproximar de suas indagações, pois “a história busca produzir um
conhecimento racional, uma análise crítica através de uma exposição lógica dos acontecimentos e vidas do passado”
(FERREIRA, 2002, p, 321). Na entrevista o indivíduo tem a liberdade de falar sobre seu passado, suas experiências e
muito mais, de acordo com a vontade e necessidade dele de declarar ao pesquisador. As contribuições teóricas e me-
todológicas da História Oral podem auxiliar na compreensão do processo de desenvolvimento da sociedade a partir
de histórias de indivíduos que nela vivem e da trajetória de professores, por que “[...] a memória de um pode ser a
memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos” (THOMPSON, 2002, p. 17).
Assim, pode-se considerar que as fontes orais revelam o inexprimível e “[...] contam-nos não apenas o que o
povo fez, mas o que o povo queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez” (PORTELLI,
1997, p. 231). Pela fonte oral os indivíduos se sentem importantes ao contar suas histórias, pois alguém lhe está dando
atenção e ouvindo tudo o que às vezes queria dizer, mas não teve oportunidade para tal, diante disso, a História Oral
aparece como um meio que abre caminhos para a revelação de histórias que são fundamentais tanto para quem conta
como para quem ouve.
Neste sentido, antes da localização da professora participante desse estudo, a Vera, foram pensados alguns pon-
tos que poderiam orientar a conversa no momento da entrevista. Depois disso foi feito contato com a docente para
convidá-la para participar do estudo, porém estava doente e não podia conceder a entrevista de imediato. Semanas
depois houve comunicação novamente, e enfim, o encontro foi marcado na casa dela, no dia e horário escolhido pela
colaboradora.

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No ato da entrevista, antes da gravação foi apresentada e assinada toda a documentação que legitimam o traba-
lho com a História Oral como: O Termo de consentimento livre e esclarecido, Cessão de direitos de uso e divulgação
de relatos orais, de identificação e de arquivo privado pessoal. Ao iniciar seus relatos, Vera foi relembrando suas
vivências de maneira que pareceu reviver todo o tempo passado no momento da gravação por meio dos gestos que
fazia e a forma como contava sua história. Na segunda fase do procedimento metodológico realizou-se a transcrição
e a textualização da entrevista.

A TRAJETÓRIA E A HISTORIA DA PROFESSORA VERA

Vera nasceu em Ribas do Rio Pardo no estado de Mato Grosso/MT6 em 1969 tem 49 anos é casa e tem dois fi-
lhos. Ela teve uma infância difícil pois perdeu a mãe ainda pequena. A partir de então, viveu com o pai que era militar
e sua única irmã. Aos 18 anos se casou e levou sua irmã para morar com ela devido ao trabalho do pai. Destacando
que em função da morte da mãe, e por mais que a infância de Vera não tenha sido fácil, hoje ela considera que essa
fase é a base primordial na vida do ser humano pois se a criança tiver a oportunidade de viver bem, e com sua família
conseguirá seguir adiante como relata: “Para mim [...] a infância é à base de toda formação humana” (VERA, 2017).
Subentende-se que Vera quis dizer que a infância é o alicerce que sustentará o indivíduo nos demais seguimentos da
vida. Contudo, “na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e
ideias de hoje, as experiências do passado” (BOSI, 1994, p. 55).
Vera, quando adulta morou um tempo em Dourados/MS, mas hoje reside no município de Itaquiraí/MS, no
assentamento Tamakavi. A professora é formada em Ciências Contábeis, Magistério e Normal Superior. Ela men-
cionou que a princípio não queria ser professora. Estudou para atuar na docência, devido à insistência do pai, para o
qual, mulher teria que ser professora, como comenta “no início eu não queria ser professora, mas meu pai dizia que
toda mulher deveria ser. Então, cursei o Magistério depois fiz Contabilidade porque eu não tinha interesse em dar
aula” (VERA, 2017).
Os relatos de Vera quanto ao fato que a levou para a docência fazem lembrar o que aponta Arce (2002) que
para exercer a função docente, a mulher foi vista e considerada, no decorrer da história como a possuidora do dom
de cuidar e, e junto a esse “[...] papel, são agregados atributos à mulher como o de ser guiada pelos sentimentos, agir
sempre com o coração, pertencer ao ambiente doméstico, tornando-se a rainha do mesmo, [...] a educadora nata da
primeira infância” (ARCE, 2002, p. 57).
Considerando ainda que a predominância feminina na docência com crianças vem desses argumentos dicoto-
mizados. O pai da colaboradora muito provavelmente pensava dessa forma. Contudo, mesmo a docência não sendo o
seu sonho, Vera relatou que hoje ama o que faz, e acatar a vontade do pai foi a coisa certa que fez naquele momento,
pois hoje isso reflete no fato de ela se identificar como professora e gosta de trabalhar com crianças. Destacou também
que sua única profissão foi e é a de docente. Visto que a escolha pela profissão docente, no caso de Vera, se deu pela
imposição de seu pai. Foi uma ação não planejada por ela ou como assegura Elias (1993) foi um processo cego, que
acorreu independente de sua vontade, mas determinado pelo seu convívio familiar e social.
Assim, Vera ingressou na profissão aos 28 anos em 1997, quando se mudou de Dourados/MS para Itaquiraí/
MS, ao se deparar com a falta de professores na região que se concentrava o acampamento do MST, o qual fazia parte
e as pessoas desse acampamento estavam na espera de ganhar terra do governo. Vera falou sobre suas primeiras ex-
periências, dizendo “minha primeira turma foi a Educação Infantil. [...] iniciei em 1997 depois trabalhei com várias
turmas e alfabetizei os meus dois filhos também [...]” (VERA, 2017). Ela começou na carreira atuando com crianças
de 4 a 6 anos e não demorou muito passou a atuar em turmas multisseriadas por que a demanda ia crescendo confor-
me o acampamento aumentava.

6 Na época tal cidade pertencia ao Mato Grosso, mas atualmente faz parte do Mato Grosso do Sul.

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FIGURA 1: Crianças lanchando na escola no acampamento do MST em 1997.

Fonte: Arquivo privado/pessoal (VERA, 2018).

A imagem acima mostra a escola feita no acampamento. Percebe-se as condições precárias de estrutura física
para o atendimento as crianças, porém Vera relatou que as dificuldades eram grandes, mas ajudavam um ao outro,
e ofereciam as crianças o que era possível na época. As mulheres dos líderes do grupo de acampados auxiliavam na
preparação do lanche para as crianças e recebiam os aliment

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