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Boletim IG. Instituto de Geociências, USP, V.

8: 107-118, 1977
ESTRATIGRAFIA DA FAIXA DE DOBRAMENTOS
PARAGUAI-ARAGUAIA NO CENTRO-NORTE DO BRASIL
por
YOCITERU HASUI
Departamento de Geologia Geral
e
FRANCISCO DE ASSIS MA TOS DE ABREU
JOSÉ MAURICIO RANGEL DA SILVA
Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas
Universidade Federal do Pará

ABSTRACT

The Paraguai-Araguaia Fold Belt, constituted during the Brasiliano Cycle, extends to the
north of Bananal Island, with submeridian trend. Between the 9<;> 30'S and 3<;> 30'S parallels, the
fold belt is represented by the Baixo Araguaia Group, an ophiolitc belt, some granitic bodies and
by the Rio das Barreiras Formation. The Baixo Araguaia Group comprises three formations named,
from the bottom to the top, Estrondo, Couto Magalhães and Pequizeiro, the latter one being of
magmatic-sedimentary characted related to the ophiolitic belt.
The ophiolitic belt is associated to the Tocantins-Araguaia geosuture, which seems to be ma-
nifested at the surface only in the northern region by a thrust fault, where glaucophanitic greenschist
facies rocks have been recognized.
The fold belt evolution shows a western trending polarity for the geosynclinal phenomena,
except for the basic-ultrabasic magmatism.
RESUMO

A Faixa de Dobramentos Paraguai-Araguaia, constituída no Ciclo Brasiliano, estende-se para


o norte da Ilha do Bananal, com orientação sub-meridiana. Acima do paralelo 9<;> 30'S ela se faz
representar pelo Grupo Baixo Araguaia, uma faixa ofiolítica, alguns corpos graníticos e pela For-
mação Rio das Barreiras. O Grupo Baixo Araguaia se constitui de três formações, Estrondo, Couto
Magalhães e Pequizeiro, esta última de caráter magmático-sedirnentar associada à faixa ofiolítica.
A faixa ofiolítica é associada à Geossutura Tocantins-Araguaia, que parece se manifestar à
superfície através da falha de empurrão entre o Rio Vermelho e Tucuruí, em associação à qual in-
cide fáceis xisto verde glaucofanítica.
A evolução da faixa de dobramentos mostra polaridade para oeste dos vários fenômenos, com
exceção do magmatismo básico-ultrabásico.

INTRODUÇÃO ra compreensão da evolução geológica regio-


nal como pelo enorme interesse prospectivo
Na região norte do Brasil alguns magnos que encerram.
problemas estratigráficos existem com relação Dentre elas destaca-se aquele pertinen-
às rochas pré-cambianas, que estão a exigir te aos Grupos Tocantins e Araxá do norte
investigações mais pormenorizadas, tanto pa- de Goiás e sudeste do Pará. sobre os quais

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já se acumulou razoável volume de informa- Relatório Anual do Diretor, 1960; Puty
ções na literatura geológica, sem contudo et al., 1972; Amaral, 1974; Silva et al., 1974;
se atingir um consenso. Hasui et al., 1975; Guerreiro e Silva, 1976).,
Esta nota focaliza essa questão, procuran- não havendo razão para se atribuir as duas
do à luz de novos dados contribuir para sua a ciclos tectônicos diferentes.
solução. Um segundo é a vergência voltada para
Os dados aqui apresentados forma colhi- o Craton Amazônico, em vez de para o Cra-
dos em várias campanhas de campo, tota- ton do São Francisco, como acontece com o
lizando cerca de seis meses de observações verdadeiro Grupo Araxá no Sul de Goiás e
oeste mineiro. Tal fato conduz à conclusão
e com objetivos diversos, dentre os quais
de se estar considerando como Araxá no
o de analisar a estratigrafia. Contamos para
centro-norte brasileiro uma unidade distinta.
tanto com ' o apoio do antigo Conselho N acio-
nal de Pesquisas e do Departamento Nacional Em terceiro lugar, Silva et alo (1974)
de Produção Mineral em 1968 e 1969, da frisaram que, embora Moraes Rego (1933)
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado aventasse a hipótese de uma discordância
de São Paulo em 1975, e do Núcleo de Ciên- e outros a aceitassem, ela nunca foi obser-
cias Geofísicas e Geológicas da Universidade vada. Também Puty et alo (1972) procura-
Federal do Pará, em 1976 e 1977. Em diferen- ram-na sem sucesso; nem as falhas de empur-
tes campanhas, contamos com as companhias rão presumidas por outros foram localizadas.
do Prof. Dr. Fernando F.M de Almeida, Prof. Por fim, as datações disponíveis, embora
Dr. Wildor T. Hennies e Prof. Celso Dal Ré não decisivas, não autorizam por ora atribuir-se
Carneiro. Mais recentemente, o estímulo e idades diferentes para os dois grupos (Hasui
apoio do Prof. Dr. José Seixas Lourenço et al., op. cit.).
permitiram . completar a coleta de informa-
ções de campo. A todas essas pessoas e enti- Estes últimos autores, face a tais argu-
dades os autores externam seus agradecimentos. mentos, propuseram substituir-se o nome
Araxá no centro-norte brasileiro por Estron-
ESTUDOS ANTERIORES do e associaram essa unidade ao Tocantins.
Puty et alo (1972) observaram nos nú-
Foi Moraes Rego (1933) quem reconhe- cleos dos braqui-anticlinais de Lontra e Xam-
ceu duas seqüências metassedimentares no bioá rochas gnáissicas e graníticas que atribui-
centro-norte brasileiro, uma que designou ram a um Pré-Cambriano Indiferenciado.
Série de Tocantins e outra, mais antiga, que Silva et alo (1974) consideraram-nas como
Barbosa et alo (1966) viriam a chamar Série exposições do embasamento pré-Araxá, atri-.
Araxá, considerando-a como extensão da buído ao Complexo Xingu. Guerreiro e Silva
unidade defInida no oeste de Minas Gerais. (1976) verificaram situação idêntica no braqui-
Posteriormente, essas séries forma considera- -anticlinal de Colméia, a oeste de Guaraí.
das grupos, por se tratar de unidades lito-
-estratigráfricas. Os dois grupos se distingui- Ainda Guerreiro e Silva (1974) descre-
riam pelo grau de metamorfismo, sendo a veram e denomiraram o Conglomerado Rio
mais jóvem de fácies xisto verde baixa e a das Barreiras, exposto a meio caminho de
mais antiga, do fácies xisto verde alta a an- Pequizeiro para Couto Magalhães.
fibolito (Barbosa et al., op. cit.).
Montalvão (1976) preferiu considerar
A divisão estratigráfica acima vem sen- as formações Lontra, São Geraldo, Serra
do mantida ainda, apesar de alguns fatos dos Martírios e Tocantins, como componen-
fundamentais já terem sido ventilados. tes, da base para o topo, do Grupo Araxá.
Um primeiro diz respeito à passagem Fundamentalmente, a proposta se traduz
gradual, em termos de metamorfismo, de numa subdivisão do que se chamava Araxá
uma para a outra unidade (R. Hembold, in em três formações, na transformação do Grupo

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Tocantins em formação e a utilização do nome mento que as afetaram. Esse dobramento
Araxá para todo o conjunto. gerou dobras cerradas e isoclinais, com intensa
transposição. Ademais, em havendo predo-
mínio de metapelitos, que se transformaram
COLUNA ESTRATIGRÁFICA a ponto de não mais se lhes reconhecer feições
primárias, e, em sendo as camadas competen-
Dentro da área delimitada pelos para- tes lenticuIares, agrava-se ainda mais a dificul-
lelos de 39 30'S e 9~ 30'S e os meridianos dade de estabelecer precisa reconstituição
de 489 30' e 50~ OO'W e interessando apro-
das camadas para permitir avaliações de espes-
ximadamente ao polígono Paraíso do Norte-
suras. Nas regiões menos metamorfizadas
-Santa Isabel do Araguaia-Tucuruí-Redenção,
infelizmente não existem exposições adequa-
foram realizadas observações ao longo das
das, situadas que estão nas áreas mais baixas
estradas principais. Estas, no Estado de Goiás,
do Vale do Araguaia.
demandam o Rio Araguaia a partir da Rodovia
Belém-Brasília. No Estado do Pará, são as
FORMAÇÃO ESTRONDO
que ligam Conceição do Araguaia, Santana
do Araguaia, Redenção, Marabá e Tucuruí,
além de um trecho da Rodovia Transamazôni-
o nome Estrondo foi proposto por
Hasui et alo (1975) para substituir Araxá
ca.
aqui reduz-se a unidade estratigráfica à catego-
o mapa da Fig. 1 consubstancia a dis- ria de formação. ,Ela inclui as formações Lontra,
tribuição geográfica das :unidades estratigrá- São Geraldo e Serra dos Martírios (Montalvão,
ficas que importam à presente nota e a cuja 1976).
descrição nos limitaremos.
A Formação Estrondo se expõe na parte
oriental da faixa de dobramentos Paraguai-
Essas unidades repousam sobre o Comple-
-Araguaia e, na área da Fig. 1, tem seu limite
xo Xingu (Silva et al., 1974) exposta a oeste
leste encoberto pelos sedimentos paleozóicos
e são recobertas por unidades sedimentares
da Bacia do Maranhão. A Sul de Paraíso
fanerozóicas a leste e norte. Elas se ordenam
do Norte sabe-se ocorrer a passagem da For-
como mostra a Fig. 2, que resume a coluna
mação Estrondo para o Complexo Basal Goiano
estratigráfica observada. As formações Estron-
(Almeida, 1967), mas as relações não foram
do, Pequizeiro e Couto Magalhães aparecem
ainda definidas.
em faixas alongadas submeridianamente, cons-
tituindo o Grupo Baixo Araguaia. Corpos Para oeste, a Formação Estrondo faz
ofiolíticos e graníticos se associam a esse contato com a Formação Pequizeiro, de carac-
grupo e em sua parte central d~positou-se a For- terísticas assaz diversas, como veremos adiante.
mação Rio das Barreiras. O oontato não foi observado por falta de
exposições, mas o grau de metamorfISmo não
mostra hiato na passagem de urna formação
A seção-tipo dessas unidades se situa ao para a outra, não há mudança do estilo estru-
longo da estrada que liga Guaraí, na Rodovia tural e nem se detectou evidências de falhas.
Belém-Brasília, a Redenção, no Estado do É possível que exista uma discordância an-
Pará, passando por Pequizeiro, Couto de gular, mas de difícil defuúção.
Magalhães e Conceição do Araguaia. As partes As partes mais baixas da Formação
mais baixas da coluna são vistas no braqui-anti- Estrondo aparecem nos braqui-anticlinais de
clinal de Colméia e o restante se expõe entre Xambioá, Lontra e Colméia, representadas
a borda da Bacia do Maranhão, na região de por gnaisses que passam gradativamente para
Guaraí, até as proximidades de Redenção, xistos e quartzitos.
onde aparece o Complexo Xingu. Os gnaisses, restritos à base, são ban-
As espessuras das unidades não puderam dados e se constituem essencialmente de
ser determinadas, em decorrência do dobra- quartzo, microclíneo e plagioclásio. Biotita,

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FIGURA I

MAPA GEOLÓGICO DA FAIXA


PARAGUAI - ARAGUAIA A NOR-
TE DO PARALELO 9°30'

EZJ
COBERTURAS FANEROz61CAS

~
Fm. RIO DAS BARREIRAS

Em
GRANITOS

Fm. PEQUIZEIRO
1:71OFIÓUTOS

Fm. ESTRONDO

COMP. XINGU E COBERTURAS


ANTIGAS

CONTATOS

FALHA DE EMPURRÃO

BORDA ENCOBERTA DO
CRATON

o CIDADES PRINCIPAIS

LOCALlZA<:;ÃO

I I I !

O 50 100km

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FIGURA 2

COLUNA ESTRATIGRÁFICA

Idade Unidades lito-estratigráficas e litológicas Características gerais


Fanerozóico Diversas Coberturas sedimentares
Formação Rio das Barreiras Depósitos clásticos tardios
Granitos Intrusões pós-tectônicas. Mig-
matização marginal.
Pré-Cambria-
no Superior metamorfismo regional-
(Ciclo Gr. Baixo Formação Pequizeiro Sequência magmático~edimen-
Brasiliano) Araguaia tara
ofi6litos Intrusões básico-ul t.rabásicas
em faixa ofiolítica.
Formação Couto Magalhães Sequência pelítico-psamítica
Formação Estrondo Sequência psamo-pelítica
Pré-Cambria- Complexo Xingu e outras Rochas cristalinas do Craton
no Médio a Amazônico, coberturas antigas
Superior vulcano-sedimetares e granitos.

frequentemente cloritizada, é o acessório te de quartzo, moscovita e biotita. Granada


principal, apresentando~e sempre orientada e é o acessório mais comum, por vezes em quanti-
distribuindo-se desigualmente nas bandas. Ti- dades tais que se pode falar em granatitos.
tanita, moscovita e minerais opacos são outros Albita, estaurolita, sillimanita e cianita, em
acessórios. Porfiroblastos de albita são comuns. porfrroblastos, são outros acessórios frequen-
Tais gnaisses foram delimitados por Puty et tes, além de oligoclásio, zircão, mineral opaco
alo (1972) que os consideraram do Pré-Cam- e turmalina. Sericita, epidoto e clorita são
briano Indiferenciado, como já mencionado. secundários ocasionais. Esses xistos revelam
Os quartzitos são de tipos variados: evolução blástica polifásica, com pelo menos
quartzosos, moscovíticos, conglomeráticos (oli- um evento de metamorfISmo regional, um de
gomícticos), magnetíticos e cianíticos, por- fenoblastese estática e outro retrometamór-
frroblásticos e foliados. Formam corpos fico.
lenticulares, com espessuras até hectométricas Ao se afastar da estruturas braqui-anti-
e extensões quilométricas, sendo responsáveis c1inais, os xistos se tomam mais simples,
pelo destaque morfológico das estruturas contendo essencialmente quartzo, micas e
braqui-anticlinais. Estratificação cruzada e granada. Estes foram atribuidos por Montal-
gradual pode ser ocasionalmente vista. vão (1976) à Formação São Geraldo, enquan-
to as litologias acima descritas comporiam as
Os xistos são menos abundantes na base, F ormações Lontra e Serra dos Martírios.
mas tomam-se dominantes no topo, ao contrá- Na Formação Estrondo são frequentes
rio dos quarzitos. Constituem-se essencialmen- corpos concordantes e discordantes de anfi-

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b6lio xistos e anfibolitos, constituídos de Algumas lentes de calcário existem,
homblenda, plagioclásio, quartzo, bem como como as reconhecidas por Barbosa et alo (1966).
de epídoto, biotita, albita e clorita. A exis- O metamorfismo foi de fácies xisto verde
tência de raras lentes de mármore foi assina- baixa, descrescendo para ocidente até se
lada por Puty et alo (1972) e por Silva et alo reduzir a transformações anquimetamórficas
(1974). Veios de quartzo são comuns, nota- a oeste de uma linha que passa aproximada-
damente nos xistos, em posições concordantes mente pela nascentes do Rio Vermelho e
e discordantes. Estes últimos se adaptam a Araguacema. Neste última cidade, Andrade
sistemas de juntas, que foram estruturas desen- Ramos (in Relatório Anual do Diretor, 1960)
volvidas ao fim da tectogênese, pelo que se criou a Formação Araguacema, nome que
infere formação tardia dos veios. depois abandonou em favor de Tocantins.
O grau de metamorfismo no geral de- Ali, afloram siltitos e argilitos pouco trans-
cresce de E para W, sendo de fácies xisto verde formados, com delgadas camadas de matéria
alta a anfibolito. As rochas que traduzem carbonosa intercaladas.
condições mais rigorosas se expõem nos nú- A leste, a Formação Couto de Magalhães
cleos dos braqui-anticlinais. faz contato com a Pequizeiro e as mesmas
As rochas se apresentam fortemente considerações feitas acima para o contato
deformadas em eventos polifásicos. Pequizeiro-Estrondo cabem aqui. Para oeste,
a Formação Couto Magalhães repousa sobre
o Complexo Xingu, em discordância angular.
É de se destacar o fato de haver dois
FORMAÇÃO COUTO MAGALHÃES tipos de limites do Craton Amazônico. O
primeiro, a norte das cabeceiras do Rio Ver-
A designação inclui todos os metasse- melho, se faz por falha de empurrão, que
dimentos terrígenos, que até agora eram in- projetou a Formação Couto Magalhães, já
cluídos no Grupo Tocantins, e se acham bem dobrada e metamorfizada, sobre o Comple-
expostos na região de Couto Magalhães. xo Xingu. O segundo, a sul das cabeceiras
Constitui-se de mitos essencialmente, do Rio Vermelho não envolve falha. Os me-
com intercalações lenticulares de quartzitos. tamorfitos passam aos anquimetamorfitos,
Os mitos são cinzentos, ganhando cores claras que vêm terminar tranquilamente sobre o
com a alteração. Quartzo e sericita os cons- craton.
tituem essencialmente. Como acessórios Ao longo da falha de empurrão e por-
aparecem apatita, turmalina, mineral opaco, ções da capa e lapa próximas, Coutinho e
feldspato e, por vezes, matéria carbonos a se Hasui (1976) assinalaram a incidência de
faz presente pigmentando a rocha. xistos verdes glaucofaníticos, que podem
Os quartzitos constituem intercalações ser vistos na região de Tucuruí.
subordinadas, chegando a ter mais de uma
centena de metros de espessura e extensões A deformação das rochas se deu em
de alguns quilômetros. Têm textura grano- eventos polifásicos, que se arrefecem para
blástica, às vezes conservando ainda a forma oeste. A oeste da linha que passa pelas ca-
de boa parte dos grãos. A granulação é geral- beceiras do Rio Vermelho e por Araguacema
reduzem~e a suaves ondulações na delgada
mente fma e a cor branca a cinza altera-se
para tons amarelos e vermelhos com o in- cobertura sobre o Craton Amazônico. Desse
temperismo. Compõem-se essencialmente de modo, a citada linha pode ser considerada
quartzo, aparecendo sericita, clorita, feldspatos como limite aproximado entre as zonas do-
e minerais opacos como acessórios. Por vezes brada e não dobrada, bem como entre a zona
são itabiríticos, como a SE de Araguacema, metamorfizada e a anquimetamorfizada.
outras vezes são jasperóides e brechados, como A relação entre as formações Couto
a SE de Pau d'Arco. Magalhães e Estrondo merece ser destacada.

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A norte do paralelo 9? 30'S elas não aparecem já há algum tempo e outros vêm sendo des-
lado a lado, pois as recobre a Formação cobertos, compondo uma faixa larga de al-
Pequizeiro (Fig. 1), mas a sul as duas se apre- gumas dezenas de quilômetros e extensa de
sentam pareadas e praticamente ao mesmo mais de 400 km. A Fig. 1 indica a incidência
nível topográfico, o que induz a se considerar dos mais importantes.
que o processo orogênico do fim do Ciclo Esses corpos se introduziram mormente na
Brasiliano soergueu mais ativamente a parte Formação Couto Magalhães, mas alguns sllo co-
oriental da faixa de dobramentos. nhecidos na Formação Estrondo e na For-
mação Pequizeiro. São intrusões discordan-
FORMAÇÃO PEQUIZEIRO tes de formas e dimensões variadas, incluindo
desde pequenos diques e sills até os grandes
Esta formação, nomeada em lembraça stocks.
à cidade de Pequizeiro, é a parte oriental do As rochas ultrabásicas e básicas mos-
que se considerou até agora como Tocantins. tram-se alteradas em serpentinitos, talco xistos,
tremolita xistos, talco-actinolita-tremolita xis-
Constitui-se de clorita xistos, princi· tos, nos casos extremos de transformação.
palmente, mas talco xistos, talco-actinolita Quando menos afetada, observa-se saussuri-
xistos, actinolita xistos, serpentinitos e meta- tização, uralitização, serpentinização e clori-
basitos se fazem presentes. Os clorita xistos tização dos minerais, mas ainda reconhecendo
são verde pardos a cinza esverdeados, depen- feições das rochas, para as quais aplicam-se
dendo da quantidade de quartzo. Além deste os nomes metabasitos e meta~ultrabasitos.
mineral, comparecem clorita, biotita, sericita Estudos de detalhes ainda faltam para carac-
e minerais opacos (pirita e magnetita). O terização adequada dos corpos.
quartzo costuma aparecer segregado em len- Chama a atenção na Fig. 1 a faixa de
tículas e bandas de espessuras milimétricas a incidência de corpos ofiolíticos pareada à
centimétricas, e em meio à massa essencialmen- Formação Pequizeiros. Essa associação longe
te clorítica_ As outras rochas citadas aparecem de ser acidental, deve traduzir uma relação
associadas entre si, derivando de corpos bá- genética entre as intrusões básico-ultrabásicas
sico-ultrabásicos, concordantes e discordantes, e a sequência magmático-sedimentar, que
e possivelmente também em derrames. Cal- representam as últimas unidades constituí-
co·dorita xistos e moscovita-clorita xistos das antes do metamorfismo regional.
são rochas que também aparecem, contendo O magmatismo ofiolítico não reflete
calcita, moscovita, sericita, ~oisita, além de a polaridade que se observa em termos de
clorita, apatita, turmalina, minerais opacos sedimentação das formações detríticas infe-
e feldspatos. riores, de metamorfismo, de estruturas e de
O metamorfismo se deu em fácies xisto magmatismo ácido, voltada para oeste. Não
verde. Biotita e moscovita aparecem na parte incidiu ele na parte oriental, como previsto
leste, enquanto a sericita se desenvolve a em modelos clássicos.
oeste. Almeida (1974) relaciona esse mag-
Os metassedimentos magnesianos des- matismo à Geossutura Tocantins-Araguaia.
critos mostram-se deformados por eventos Essa descontinuidade não tem expressão
polifásicos, como as unidades anteriores, superficial na parte meridional e o limite
destacando-se ativo processo de crenulação entre as zonas dobrada e não dobrada da
tardio. Formação Couto Magalhães talvez represente
a linha média dessa zona de descontinuidade,
OFIÓLITOS que marcaria a borda leste do Craton Amazô-
nico (Guaporé). Nessa situação, pode-se
A existência de numerosos corpos ofio- considerar uma borda cratônica de tipo misto,
líticos no vale do Rio Araguaia foi noticiada por geossutura e intermediário.

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Das cabeceiras do Rio Vermelho a geradas tardiamente no Ciclo Brasiliano em
Tucuruí, a falha de empurrão pode ser a expres- uma depressão alongada, ao tempo da oro-
são da geossutura na superfície do terreno. gênese.
Ela mergulha cerca de 30<;> para leste, poden-
do se verticalizar em profundidade. A borda OUTRAS UNIDADES
cratOnica seria de tipo simples, por geossutura.
Na região de Tucuruf, Trow et alo (1976)
GRANITOS definiram a Formação Tucuruí, constituida
de grauvacas e basaltos associados, anquime-
Os granitos que aparecem no núcleo dos tamorfizados. Mais a sul, nas regiões de Jacun-
braqui-anticlinais acham-se envolvidos pelos dá, Itupiranga e no vale dos Rios Vermelho
gnaisses bandados, tendo estes sofrido mig- e Parauapebas, Puty et alo (1972) e Amaral
matização. Os corpos pegmatíticos se alojaram (1974) reconheceram a existéncia de depósi·
nas encaixantes, portando, dentre outros mine- tos grauváquicos similares, da Formação Goro-
rais, monazita. tire.
As rochas tém textura hipidiomórfica Os basaltos de Tucuruí forneceram
granular e se constituem de quartzo, microclí- idade K·Ar de cerca de 600 m.a., refletindo
neo e oligoclásio, essencialmente, em propor- certamente o fenômeno de grande empurrão
ções que permitem reconhecer granitos a ali verificado. A Formação Gorotire é tida
granodioritos. Biotita, alguma moscovita, como do início do Pré-Cambriano Superior
minerais opacos, apatita e zircão são aces- (Amaral,1974).
sórios. A granulação é fina a média e a cor A similaridade das diversas manchas,
cinza rósêo. sua distribuição espacial não muito afastada
Os corpos reconhecidos incidem apenas uma da outra e o jazimento sobre o Comple-
na parte oriental, em associação com a Forma- xo Xingu e sob os metassedimentos da Forma-
ção Estrondo. ção Couto Magalhães, levam a admitir que
representam restos da Formação Gorotire,
e como tal fazendo parte do Craton Amazô-
FORMAÇÃO RIO DAS BARREIRAS nico.

Expõe-se em manchas isoladas e alinha- CORRELAÇÕES


das sub-meridianamente no centro da faixa
do Grupo Baixo Araguaia. Foi ela descrita Moraes Rego (1933) reconheceu sob
entre Pequizeiro e Couto Magalhães por o "Tocantins" a existência de micaxistos
Guerreiro e Silva (1976). Foram reconheci- que atribuiu à Série Minas, seguindo a praxis
das por Barbosa et alo (1966) e atribui das da época de se incluir nelas todos os xistos
à Formação Piauí, mas seu modo de ocor- do país. Posteriormente, o mesmo autor
rência e características litológicas não permi- (Moraes Rego, 1935) aventou a correlação
tem endossar. do "Tocantins" com os metassedimentos
Repousa em discordância angular sobre do Gurupi.
a Formação Pequizeiro e se compõe de con- Barbosa et alo (1966) equipararam aque-
glomerados polimíticos, com intercalações les micaxistos aos do Araxá e julgaram ver na
restritas de siltitos e arenitos finos. Os con- margem esquerda do Rio Araguaia extensão
glomerados têm seixos de quartzo, xistos dos mesmos. Desse modo, os mitos passaram
magnesianos, micaxistos, quartzito, imersos a ser atribui dos ao "Tocantins" e os xistos
em matriz areno-argilosa com cimento car- ao "Araxá". Parada et alo (1966) descre-
bonático. veram a Formação Tocandera na bacia do
Essas rochas não exibem metamorfismo Rio Fresco, que Andrade Ramos (1967) su-
nem deformação, e são considerados como geriu correlacionar ao "Tocantins". Tolbert

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et al. (1971) acharam que algumas rochas isócrona, na realidade, inclui dois granitos,
da Serra dos Carajás poderiam ser correlacio- um gnaisse sienítico e um migmatito, de áreas
nadas às "Séries Araxá e Tocantins", no que totalmente diversas e seu valor interpreta-
foram seguidos por vários autores posteriores. tivo é altamente duvidoso. Desse modo não
Em 1972, a Geomineração defmiu o Grupo tem consistência considerar-se o Canastra
Morro Grande na área dos Rios lriri e Curuá, e Araxá como mais antigos que 1400 m.a.
que fói correlacionado ao "Araxá" (in Amaral, com base nesse dado. Em terceiro lugar,
1974). o Tocantins é correlacionado ao Gurupi e
Coube ao Projeto Radam-Brasil (Silva uma amostra supostamente perténcente a
et al., 1974) iniciar o abandono de tais cor- este último forneceu idade de 2054 m.a.
relações à distância, baseada na similaridade por K-Ar. Sendo o Gurupi ainda uma das
litológica. Elas efetivamente tornam-se in- unidades menos conhecidas do Pré-Cambria-
no brasileiro, parece temerária tal correlação.
subsistentes à luz dos dados aqui aportados.
Em quarto lugar, admitiu Amaral (op. cit)
que a Formação Gorotire, datada de 1700-1500
IDADE
m.a. cobriria discordantemente o Tocantins
no vale do Rio Vermelho. A relação de campo
é justamente inversa. Em quinto lugar, con-
Quanto à idade das unidades, pensa-se
que o "Araxá" seria mais antigo e, em re- sidera que os metabasitos do Tocantins repre-
sentariam prolongamento da faixa serpentínica
presentando extensão da faixa de dobramen-
do sul de Goiás. Sabe-se, contudo, que existem
tos definida mais a sul, deveria ser atribuido
três faixas serpentínicas na região central do
ao Ciclo Uruaçuano. Por outro lado, o "To-
país (Almeida et. al., 1976), fIcando preju-
cantins" representaria a extensão da Faixa
Paraguai-Araguaia, pelo que seria atribuido ' dicada essa inferência.
ao Ciclo Brasiliano.

Sendo o "Araxá" e "Tocantins" revis-


tos em termos ,de Grupo Baixo Araguaia, resul- CONCLUSÕES
ta que o conjunto representa a extensão da Fai-
xa Paraguaia-Araguaia, desenvolvida no Ciclo A divisão estratigráfica reconhecendo
Brasiliano. os Grupos Tocantins e Araxá no centro-norte
do Brasil não pode ser mantida, porquanto
As datações disponíveis foram obtidas ambos fazem parte de uma mesma sequência
pelo método K-Ar (Hasui et al., 1975) e geossinclinal.
são compatíveis com o Ciclo Brasiliano, embora Essa sequência que aqui designamos
não se possa ainda considerá-las decisivas. Grupo Baixo Araguaia se constitui de duas
Amaral (1974) atribuiu ao Ciclo Trans- formações inferiores terrígenas, Estrondo e
-Amazônico o citado conjunto, com base em Couto Magalhães, cujas distribuições geo-
alguns argumentos insustentáveis. Em primeiro gráficas são mostradas na Fig. 1. A formação
lugar, estranha ele que os granitos de J atobal- superior, Pequizeiro, reflete um ativo mag-
-Itupiranga não mostram ter sido afetados matismo que irrompeu não no início da evo-
pelo Ciclo Brasiliano, o que se inferirira pelas lução geossinclinal, mas numa fase imedia-
idades K-Ar. Esta observação não autoriza tamente anterior à inversão, como se a reativa-
concluir que o "Tocantins" seja transama- ção da Geossutura Tocantins-Araguaia, com a
zônico, pois as rochas analisadas podem se subsidência, somente chegasse ao manto após
situar a distâncias tais da borda cratônica que algum tempo. A figura 3 esquematiza a evolu-
não sofreram rejuvenescimento isotópico. Em ção da faixa de dobramentos inferível das
segundo lugar, utiliza-se a isócrona de refe- observações relatadas. A tecto-orogênese foi
réncia Rb-Sr de 1400 m.a. traçada com alguns acompanhada de um discreto magmatismo
dados de "granitos" do sul de Goiás. Essa ácido, gerando stocks reconhecidos nos nú-

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Primeiramente, cabe lembrar que não se
reconhecem unidades comparáveis àquelas
pós-Cuiabá, refletindo, pois, uma evolução
particular. Embora se trate de uma faixa
de dobramentos marginal ao craton, faltam a
c sequência carbonatada e a terrígena superior.
É provável que a Formação Rio das Barreiras
represente a sedimentação fmal, embora não
tenha caráter molássico, talvez por falta de
fontes de detritos adequadas para gerar ma-
teriais arcosianos.
Em segundo lugar, a faixa serpentínica
e a Formação Pequizeiro são feições que não
têm similares nas outras faixas de dobramentos
brasilianas da América do Sul. Decorrem elas
da existência da Geossutura Tocantins-Ara-
guaia.
Em terceiro lugar, a Formação Couto
Magalhães transgride no Craton Amazônico
a sul, mas no norte foi ela lançada por em-
Fig.3 - Esquema do evoluI;õO da Faixa PorOQUal-Ara- purrão sobre ele. Na região de Tucurui reco-
guala no região Centro-Norte. é - Fm. Estrondo. C-
Fm. Couto Magalhões. P- Fm. Pequlzeira. ,a- Ofió- nheceu-se a até agora única incidência de fácies
I/tos. t - Granitos. 8- Fm. RIo do. 8fJrre/rtn. CA- xisto verde glaucofanítica, em associação com
Cratan AmazônIco. MM-Maclc,o Mediano de Go/(h.
a falha. Esta é possívelmente uma expressão
superficial da Geossutura Tocantins-Araguaia;
a sul, a borda cratônica passa ao tipo interme-
diário, com a geossutura não manifesta na
superfície.
cleos de alguns braqui-anticlinais. Tardia-
mente, constituiu-se a Formação Rio das Em quarto lugar, observa-se polaridade
Barreiras. para oeste de parte da sedimentação, do meta-
A faixa de dobramentos resultante nada morfismo, das estruturas e do magmatismo
mais é que um prolongamento da Paraguai- ácido. O magmatismo ofiolítico, contudo,
-Araguaia, como já expos Almeida (1967). afetou a parte adjacente ao Craton Amazônico,
Na área estudada, contudo, algumas peculia- prejudicando, portanto, a aplicação de modelos
ridades se salientam. geossinclinais.

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