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Renata Carvalho
Escola Básica Integrada Padre Vítor Melícias, Torres Vedras
Introdução
Esta conferência tem como propósito discutir a importância do cálculo mental tendo em conta as orientações curricu-
lares actuais para o ensino da Matemática (nacionais e internacionais), apresentar estratégias de cálculo que os profes-
sores podem desenvolver com os seus alunos na sala de aula e mostrar exemplos concretos como os alunos mobilizam
estratégias de cálculo em diversos contextos. E, sobretudo, pretende alertar para a importância do cálculo mental na
aprendizagem da Matemática.
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mentais elementares. Para este autor é errado, limitar o cálculo mental a operações efectuadas de cabeça uma vez que na
realização de operações através dos algoritmos por cálculo escrito, o cálculo mental também está presente. Este autor
salienta ainda que o cálculo escrito executado de memória não é mais do que uma forma de cálculo mental adaptado.
Buys (2001) e Bourdenet (2007), defendem que o cálculo mental não se deve restringir ao operar “de cabeça” mas que
a utilização de papel e lápis para cálculos intermédios pode ser útil.
Assim, a deinição de cálculo mental não é unânime embora o «calcular com a cabeça» seja uma ideia mais forte
do que o «calcular de cabeça» uma vez que no cálculo mental são mobilizadas estratégias que permitem rapidez e ei-
ciência na resposta, podendo, como defendem diversos autores, ser utilizado papel e lápis para cálculos intermédios.
O cálculo mental é um importante aspecto a considerar no âmbito do desenvolvimento do sentido do número. Ma-
cintosh e Reys & Reys (1992) referem que um dos aspectos do sentido de número é a capacidade que o aluno tem em
aplicar conhecimentos e a sua destreza com números e operações em situações de cálculo. Indicam que, para tal, deve:
(i) compreender a relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário; (ii) ter a noção que existem múltiplas
estratégias; (iii) usar uma representação ou um método eiciente; e (vi) rever os dados e a razoabilidade do resultado.
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municação, o relectir, o conjecturar, o analisar e o ser crítico, enfatizando igualmente os benefícios para a consolidação
de aprendizagens e estabelecimento de conexões.
Calcular mentalmente envolve procedimentos pessoais em que cada estratégia é pensada e utilizada tendo em conta
os números com que se está a trabalhar (Wolman, 2006) e os conhecimentos de cada um possui. Nos primeiros anos de
escolaridade, os alunos começam por trabalhar estratégias de cálculo mental com números naturais e ao longo da sua
vida escolar vão transferindo conhecimentos de um conjunto numérico para outro, ampliando e relacionando procedi-
mentos. Ribeiro, Valério e Gomes (2009), sugerem numa brochura publicada pela Escola Superior de Educação de Lis-
boa (ESELx), algumas tarefas para trabalhar cálculo mental, essencialmente com números naturais: tarefas que envol-
vam contagens; cadeias de números; sequências de números; número do dia e jogos. São tarefas realizadas num curto
espaço de tempo, onde a comunicação matemática está muito presente pois a discussão de ideias é fundamental para a
ampliação de conhecimentos sobre os números.
Compensação.—Estratégia usada para a adição e subtracção em que, por exemplo se adiciona/subtrai um número próxi-
4 mo e ao resultado se subtrai o que se adicionou a mais ou se adiciona o que se adicionou a menos (478+98=478+100-2).
Uso das propriedades das operações.—Estratégia que envolve o uso das operações inversas, das propriedades comutativa
e associativa na adição e multiplicação, distributiva na multiplicação, e invariância do resto na subtracção.
Factorização.—Estratégia utilizada na divisão em que se factoriza o divisor. Por exemplo, na operação 150÷4, calcula-
se 150÷2÷2.
Subtracções sucessivas.—Estratégia usada na divisão em que no caso de 20÷4, se vai subtraindo sucessivamente o núme-
ro quatro, quatro vezes e se obtém o resultado 5.
Mudança de operação.—Esta estratégia consiste na transição entre operações inversas. Mudança de representação. Uti-
lização das diferentes representações de um número racional (fracção, decimal, percentagem) ou de números inteiros
referentes a 10/100 em que, por exemplo na operação, 0,19+0,1 se considera 0,19 como 19 e 0,1 como 10.
Utilização de factos conhecidos.—Os alunos fazem algumas correspondências com o que já sabem. Por exemplo, no cál-
culo de 10% de 45, usam o conhecimento que têm sobre 10% para retirar primeiro 10% de 40 e depois 10% de 50.
Repetição de operações.—Os alunos efectuam adições/multiplicações sucessivas ou utilizam dobros e metades. Para cal-
cular 4×(3/4) multiplicam a fracção duas vezes e novamente duas vezes e no cálculo de 25% de 80, calcula a metade de
80 e depois novamente a metade da metade anterior.
Estabelece ligações.—Os alunos estabelecem ligações entre números. Por exemplo, para adicionar 6,4 com 1,9 conside-
ram 1,9 como 2.
Trabalho com partes de um segundo número.—Os alunos utilizam várias estratégias. Para calcular 10% de 45 fazem a di-
visão pelo valor posicional, dividindo 40 por 10 e posteriormente 5 por 10 ou dividem os números em partes sendo que
0,5+0,75 pode ser visto como 0,5+0,5+0,25.
Trabalho da esquerda para a direita.—Operam primeiro com a parte inteira e só depois com a parte decimal (4,5-3,3 cal-
cula 4-3=1 e depois 0,5-0,3=0,2) ou dividem o número por valor posicional apenas após a vírgula, trabalhado primeiro
com as décimas e depois com as centésimas.
Utilização de imagens mentais.—Os alunos constroem mentalmente representações pictóricas especialmente de frac-
ções e operam adicionando ou retirando partes ou usam formas mentais de algoritmos em que operam visualizando
mentalmente o algoritmo.
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Mobilização de regras memorizadas.—Os alunos utilizam regras de cálculo memorizadas anteriormente e aplicam rapida-
mente um procedimento de cálculo, Por exemplo para efectuarem 1,2×10 basta deslocar a vírgula uma casa para a direita.
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Cálculo mental com alunos do 5.o ano de escolaridade
O conjunto de tarefas, das quais se apresentam alguns exemplos, foi pensado em função das estratégias que se pretendia
desenvolver com os alunos. As estratégias mais comuns foram a utilização de factos conhecidos onde se incluem apren-
dizagens adquiridas aquando da abordagem dos números racionais não negativos como é o caso do conhecimento de
números de referência e suas diferentes representações (1/2=0,5=metade ou 1/4=0,25=metade de metade), utilização
da operação inversa, mudança de representação de fracção para decimal e vice-versa e de percentagem para fracção ou
decimal e utilização de representações pictóricas, principalmente no trabalho com metades e quartos.
Alguns dos erros dos alunos têm origem na falta de concentração/atenção e na falta de sentido de número que os
leva a não considerar por exemplo o valor posicional dos algarismos ou a relação parte-todo. Outro aspecto que, no iní-
cio do estudo, pode ter estado na origem de alguns erros foi a falta de tempo para pensar uma vez que este trabalho era
algo novo para os alunos. Esta conclusão advém do facto de alguns alunos, na discussão, referirem que tinham a respos-
ta errada mas que sabiam resolvê-la correctamente, explicitando de forma correcta como o deveriam ter feito.
No cálculo mental em contexto de resolução de problemas os alunos manifestaram diiculdades em mobilizar estra-
tégias utilizadas com frequência no cálculo mental em contextos matemáticos, o que pode ter acontecido por este tipo
de tarefa não ser realizada com a frequência que foram as de contexto matemático, ou porque só por si, a inclusão de
texto para interpretar pode ser um factor de diiculdade.
Ao longo das sessões foi notória a rapidez com que alguns alunos respondiam às questões e a forma como comuni-
cavam as estratégias utilizadas fazendo conexões com outras tarefas já realizadas ou com exemplos por eles criados. Esta
experiencia com cálculo mental com números racionais não negativos, realizado de forma sistemática permitiu desen-
volver nos alunos estratégias de cálculo com base em conhecimentos que já possuíam, aquisição de novas estratégias
através da discussão em grande grupo, consolidação de aprendizagens pré-aquiridas e capacidade para comunicar ma-
tematicamente.
Conclusão
Nos últimos anos o trabalho com cálculo mental nas escolas portuguesas tem tido pouca visibilidade, privilegiando-se
o trabalho com algoritmos. Actualmente, os currículos de Matemática de países como Argentina, Inglaterra, Holan-
da, França e Portugal enfatizam o desenvolvimento de estratégias de cálculo mental e das capacidades de estimar e de
resolver problemas, desvalorizando a importância de cálculos longos e complexos de papel e lápis. Saber calcular men-
talmente é uma capacidade que se deveria considerar básica, não só ao nível das aprendizagens escolares mas também
ao nível da vida quotidiana. É preciso repensar a importância do cálculo mental na vida de todos nós e perceber qual o
papel da escola e dos professores no desenvolvimento desta capacidade.
O actual programa de Matemática constitui uma boa oportunidade de mudança e de renovação de práticas prois-
sionais tendo em vista desenvolver, em contextos diversos, estratégias de cálculo mental nos alunos para que possam ser
críticos e façam as suas opções de forma rápida e eicaz.
Referências
Caney, A., & Watson, J. M. (2003). Mental computation strategies for part-whole numbers. AARE 2003 Conference papers.
International Education Research Conference. Auckland, New Zealand.
Bourdenet, G. (2007). Le calcul mental. Activités mathématiques et scientiiques (n.o 61, pp. 5–32.). Strasbourg: IREM.
Brocardo, J., & Serrazina, L. (2008). O sentido do número no currículo de Matemática. In J. Brocardo, L. Serrazina e I,. Rocha
(Eds.), Sentido do número: Relexões que entrecruzam teoria e prática (pp. 97–115). Lisboa: Escolar Editora.
Buys, K. (2001). Mental arithemetic. In M. Heuvel-Panhuizen (Ed), Children learn mathematics (pp. 121-146). Utrecht::
Freudenthal Institute (FI), Utrecht University & National Institute for Curriculum Development (SLO).
McIntosh, A., Reys, B. J., & Reys, R. E. (1992). A proposed framework for examining basic number sense. For the Learning of
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Ralston, A. (1999). Let’s abolish pencil-and-paper arithmetic. Journal of Computers in Mathematics and Science Teaching, 18(2),
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Ribeiro, D., Valério, N., & Gomes, J. (2009). Cálculo mental. Programa de formação contínua em Matemática para professores do
1o e 2o Ciclos. Escola Superior de Educação de Lisboa.
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Taton, R. (1969). O cálculo mental (Tradução M. A. Videira). Lisboa: Arcádia.
Wolman, S. (coord) (2006). Apuntes para la enseñanza matemática: Calculo mental con números racionales. Buenos Aires:
Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires, Secretaria de Educatión, Dirección General de Planeamento, Dirección de
Curricula.